·

Psicologia ·

Psicanálise

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

Z71m Zimerman David E Manual de técnica psicanalítica recurso eletrônico uma revisão David E Zimerman Dados eletrônicos Porto Alegre Artmed 2008 Editado também como livro impresso em 2004 ISBN 9788536315317 1 Psicanálise Técnica Manual I Título CDU 1599642035 Catalogação na publicação Mônica Ballejo Canto CRB 101023 2008 David E Zimerman Médico psiquiatra Membro efetivo e psicanalista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA Psicoterapeuta de grupo Expresidente da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA uma revisão Versão impressa desta obra 2004 Artmed Editora SA 2004 Design de capa Flávio Wild Assistente de design Gustavo Demarchi Preparação do original Maria Rita Quintella Leitura final Daniela de Freitas Ledur Supervisão editorial Cláudia Bittencourt Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica Roberto Vieira Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à ARTMED EDITORA SA Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SÃO PAULO Av Angélica 1091 Higienópolis 01227100 São Paulo SP Fone 11 36651100 Fax 11 36671333 SAC 0800 7033444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Sumário Uma conversa inicial com os leitores 7 PARTE I A evolução da técnica analítica 1 As transformações no perfil do paciente do analista e do processo analítico Para onde vai a psicanálise 17 2 Os principais autores das sete escolas de psicanálise e sua contribuição à técnica Méritos e críticas 31 3 Como agem as terapias analíticas 43 PARTE II Os fenômenos no campo do vínculo analítico 4 O primeiro contato A entrevista inicial Os critérios de analisabilidade O contrato 57 5 O setting a criação de um novo espaço 67 6 Uma revisão das regras técnicas recomendadas por Freud 73 7 A pessoa real do analista no processo psicanalítico 85 8 Resistências A reação terapêutica negativa 95 9 Contraresistência Os conluios inconscientes 105 10 O contraego uma estrutura resistencial patológica 113 11 Transferências Transferência de impasse Psicose de transferência 127 12 Contratransferência 141 13 A comunicação verbal e a nãoverbal na situação analítica 155 14 As atuações actings 169 15 A atividade interpretativa 177 16 Normalidade e patogenia dos estilos de interpretar O uso de metáforas 195 17 Análise do consciente A função do pensar 203 18 Insight elaboração crescimento mental 211 19 O término de um tratamento analítico 223 20 Condições necessárias para um analista 231 PARTE III Características clínicas e manejo técnico das diferentes psicopatologias 21 Psicoses Pacientes borderline A parte psicótica da personalidade 243 22 Transtornos narcisistas 253 23 Perversões 267 24 Homossexualidades 275 25 A clínica do vazio 289 26 Transtornos ansiosos 295 27 Estados depressivos 299 28 Fobias 305 29 Transtornos obsessivocompulsivos TOC 311 30 Histerias 315 31 Pacientes somatizadores 323 32 Uma forma patológica de amar o vínculo tantalizante 333 PARTE IV Terapias analíticas especiais 33 Psicanálise com crianças 347 34 Terapia psicanalítica com púberes e adolescentes 357 35 Terapia com casais e famílias 367 36 Terapia com a família 375 37 Grupoterapia psicanalítica 383 PARTE V Situações específicas 38 Vínculos e configurações vinculares 397 39 Reflexões sobre a supervisão psicanalítica 407 40 Sonhos manejo técnico 421 41 Glossário de conceitos e termos propostos pelo autor 433 Palavras finais 453 Referências bibliográficas 461 Índice remissivo 467 6 SUMÁRIO Uma Conversa Inicial com os Leitores está por demais extenso ou curto ou com plexo enquanto em outros também sobre téc nica estão faltando vinhetas clínicas que es clareçam melhor os conceitos emitidos assim como sugerem a inclusão de alguns temas téc nicos relevantes que não constam no aludido volume Essas críticas e sugestões encontram ple no eco em mim de maneira que imaginei a possibilidade de elaborar um manual de cu nho integrativo estabelecendo uma conexão evolutiva dos princípios técnicos da prática psicanalítica desde a época pioneira da psi canálise passando por sucessivas transforma ções até as mais recentes posições técnicas contemporâneas Munido de uma sensação íntima de que estou preparado para tal faça nha apresentei o projeto aos meus editores que manifestaram ter havido uma coincidên cia com as aspirações que também tinham a esse respeito de forma que me incentivaram e apoiaram Existem diferenças consideráveis na apli cação da técnica analítica tanto as que decor rem dos distintos referenciais teóricotécnicos de uma determinada escola do pensamento psi canalítico que embasa a formação do analis ta quanto também aquelas que advêm das ca racterísticas singulares e pessoais de cada terapeuta Ademais é muito difícil avaliar a qualidade assim como quantificar as verdadei ras mudanças analíticas que em uma mesma escola ou em escolas diferentes uma determi nada técnica atingiu sendo também difícil esta belecer de forma convicta uma comparação de resultados que credencie de maneira laudató ria ou desqualificatória tal ou qual escola até porque são múltiplos e complexos os fatores intervenientes no processo analítico Por essas razões entendi que o presente manual de técnica não deve privilegiar de for Como faço habitualmente quando publi co um livro gosto de ter uma conversa intro dutória com os meus leitores para mantermos uma unidade de comunicação no que se refere aos objetivos principais que justifiquem a ela boração de mais uma obra No presente caso conforme expresso no título tratase mais propriamente de um ma nual ou compêndio ou seja conforme os dicionários consiste de um pequeno livro que pode ser manuseado com facilidade contendo noções essenciais acerca de uma ciência de uma técnica etc de sorte que pode funcionar com o objetivo primordial de servir como refe rência de um livrotexto didático Quero desde já justificar por que acres centei no final do título que escolhi para o li vro Uma ReVisão pode parecer um excesso de presunção de minha parte no entanto acre dito que além de objetivar a fazer uma revi são no sentido de atualização também pre tendo propor que muitos aspectos essenciais da técnica psicanalítica merecem uma nova re visão ou seja uma forma algo diferente de como classicamente o ato analítico costu ma ser encarado e logo praticado A motivação para produzir este compên dio de técnica psicanalítica nasceu da reper cussão de um livro anterior meu Fundamen tos psicanalíticos Teoria técnica e clínica pu blicado em 1999 o qual para minha imensa satisfação tem tido várias reedições e sido ado tado em várias e distintas instituições de ensi no como por exemplo um expressivo núme ro de faculdades de psicologia e de institutos psicanalíticos no país O estimulante retorno que tenho recebi do pareceme está mais concentrado na par te correspondente à técnica e seguidamen te junto com apreciações laudatórias recebo sugestões de que um determinado capítulo 8 DAVID E ZIMERMAN ma dogmática essa ou aquela escola mas an tes traçar uma visão mais global de sorte a privilegiar um contexto dos distintos textos enfocando a multiplicidade dos fatores interve nientes dentre os quais conforme acredito a figura da pessoa do analista não só a trans ferencial mas também a real ocupando um lugar de primeira grandeza motivo pelo qual sempre receberá uma atenção especial no pre sente livro Assim adoto neste livro a mesma posi ção que assumo como psicanalista sou eclético porém faço questão de ressalvar que não cabe confundir como muitos fazem ecletismo com ecleticismo O primeiro alude ao fato de o ana lista ter uma formação pluralista com base em distintas vertentes teóricas e técnicas sem obe decer cegamente a qualquer uma delas por mais consagrado que seja o nome do autor e tampouco sem rechaçar imediatamente an tes de fazer uma reflexão crítica de forma a poder selecionar e adotar aquilo que afetiva mente fecha com o seu jeito autêntico de ser e com a sua experiência clínica pessoal Ao mesmo tempo dáse o direito de dispensar lei turas que não lhe tocam de modo que gradati vamente vai criando o seu autêntico sentimen to de identidade de terapeuta psicanalítico com uma liberdade de assumir o seu estilo pes soal de trabalhar Por sua vez o termo ecleticismo alude a uma significação na qual se procura achar uma igualdade em tudo com reducionismos e integrações artificiais ignorando o fato de que às vezes existem profundas diferenças entre diferentes autores e sistemas teóricotécnicos não obstante também seja verdade que é bas tante freqüente que determinados autores em preguem uma tautologia palavra que desig na o fato de que se diga a mesma coisa que já foi dito apenas com outras palavras Tenho praticado e cruzado com as mais diferentes formas de atendimento psico lógico Não obstante reconheça que cada situ ação em particular requer alguma modalidade mais específica de tratamento estou conven cido de que pelo menos para mim o método de fundamentação psicanalítica é o mais com pleto e efetivo No entanto concordo com Bion quando ele diz que um analista deve ficar in satisfeito com a própria psicanálise para que ele possa ampliar os seus conhecimentos e as suas capacidades de compreender e se vincu lar com o paciente Cabe construir uma metáfora da evolu ção da psicanálise com a imagem de uma ár vore frondosa com fortes raízes representan do Freud caule ramos folhas flores e fru tos As sementes de Freud continuam germi nando de forma bastante fértil porém espe cialmente no que tange à técnica psicanalítica não se trata de voltar de modo sistemático a ele mas sim de partir de certas postulações dele até mesmo porque na época em que ele viveu a ciência a ideologia os valores cultu rais a forma de pensar e de enfrentar proble mas de toda ordem eram substancialmente di ferentes dos atuais Assim não mais cabe uma total idolatria e cega fidelidade a Freud outra coisa é aproveitar toda a essência do que ele nos legou desde que conservemos o direito de poder contestar e inovar sem cair no extremo de rotular suas concepções originais como coi sa já passada Na verdade a psicanálise consiste em uma rede de teorias algumas vezes coerentes e com plementares outras rivais entremeadas de que relas narcisistas de poder e prestígio não tanto no campo epistemológico mas sim como uma rivalidade passional adquirindo uma dimensão de fanatismo O que importa é que tudo o que sabemos de psicanálise teoria ou técnica vem da clínica e tudo o que ainda devemos apren der e transformar necessariamente virá da prá tica clínica As teorias precisam ser confirma das ou infirmadas na experiência clínica coti diana e não em infindáveis acadêmicas discus sões epistemológicas Existem hoje com a ininterrupta evolu ção da ciência da psicanálise diferenças con sideráveis na aplicação da técnica psicanalíti ca com mudanças radicais nos sucessivos paradigmas completamente válidos para uma determinada época Vamos a um único exem plo referente à técnica entre tantos outros que poderiam ser mencionados no passado a efi cácia de um analista era medida a partir do critério da quantidade de silêncio que ele man tinha durante as sessões sistema muito di vulgado por T Reik que alegava ser essa ati tude técnica imprescindível para a análise por duas razões principais A primeira é que o si lêncio aumentaria a angústia necessária para o paciente produzir mais material a segun MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 9 da é que o silêncio representaria uma privação de gratificação ao paciente assim fazendo jus às regras da abstinência e da neutralidade formuladas por Freud Na atualidade ninguém duvida de que se trata de um método anacrô nico com o ranço de uma artificialidade e uma certa fobia de aproximação afetiva Embora este livro seja dedicado quase que exclusivamente aos aspectos da técnica todos estamos de acordo em reconhecer que qual quer acréscimo à nossa compreensão manejo e eficiência clínicas necessariamente deve le var em conta a importante diferença entre fa lar sobre psicanálise e falar a partir de uma experiência psicanalítica própria ou seja é importante diferenciar entre alguém ter um mero acúmulo de conhecimentos psicanalíti cos e de fato ser um psicanalista É bastante freqüente a opinião de que os psicanalistas complicam a empatia da psicaná lise com o público tornandoa hermética as sim enfeiando a beleza dos processos psicana líticos e afugentando as pessoas por falta de esclarecimentos mais simples para outros re cursos alternativos de preferência aqueles que acenam com curas mágicas Igualmente du rante muito tempo a psicanálise encastelou se na sua torre de marfim mantendo distância das demais ciências inclusive da sua parente próxima a psiquiatria assim atraindo um re vide além de um certo desprezo por parte de profissionais de outras áreas humanísticas Levando em conta todos os aspectos que foram mencionados entendi que a configura ção que melhor se adaptaria ao objetivo didá tico deste manual seria de dividilo em cinco partes Assim na Parte I são abordados os As pectos Gerais com três capítulos O Capítulo 1 trata das Transformações no Perfil do Paciente do Analista e do Proces so Analítico Para Onde Vai a Psicanálise Aqui é importante que o leitor situe as mudan ças que ocorrem na terapia psicanalítica tan to na pessoa do paciente quanto na do psica nalista como no próprio processo analítico à medida que o próprio mundo vem sofrendo profundas transformações em todas as áreas da existência humana O Capítulo 2 intitulado Os Principais Autores das Sete Escolas de Psicanálise e sua Contribuição à Técnica Méritos e Críticas enfoca mais particularmente as sucessivas mo dificações de compreensão e de manejo téc nico desde a época pioneira de Freud e se guidores imediatos passando pelos principais autores representantes das principais sete escolas de psicanálise até chegar generica mente aos paradigmas técnicos da psicanáli se contemporânea A síntese de cada autor é descrita separadamente sob a forma de um apanhado dos reconhecidos méritos e das inevitáveis críticas O Capítulo 3 Como Agem as Terapias Analíticas está incluído na parte conside rada geral e titulada de forma interrogativa com o propósito de introduzir o leitor no espí rito eminentemente técnico deste livro além de já de saída instigálo a fazer reflexões com possíveis concordâncias discordâncias e con testações Neste capítulo são abordados alguns fatores terapêuticos que não se restringem uni camente às clássicas interpretações que con duzem aos necessários insights É o caso por exemplo da pessoa real do analista como um importante e novo modelo de identifica ção para o paciente Na Parte II cujo título é Os Fenômenos no Campo do Vínculo Analítico são estuda dos separadamente em um enfoque de técni ca e prática os mais variados e complexos fe nômenos psíquicos que se passam no campo analítico sempre levando em conta os perma nentes vínculos e configurações vinculares que mutuamente se estabelecem entre paciente e analista Assim o Capítulo 4 aborda os problemas que estão embutidos no título O Primeiro Con tato A Entrevista Inicial Os critérios de Anali sabilidade O Contrato representando uma significativa importância no futuro desenvol vimento da análise Em seguida o Capítulo 5 sob o título de O Setting A Criação de um Novo Espaço dá a entender por si só que a importância atual do enquadre analítico vai muito além das ne cessárias combinações pragmáticas para um adequado funcionamento da análise Uma Revisão das Regras Técnicas Re comendadas por Freud título do Capítulo 6 dedicase exclusivamente às importantes mu danças que a técnica analítica vem sofrendo sucessivamente desde que seus princípios bási 10 DAVID E ZIMERMAN cos foram formulados por Freud sob a forma de recomendações aos médicos que exercem a psicanálise textos esses que no seu origi nal são de leitura obrigatória O Capítulo 7 A Pessoa Real do Analista no Processo Psicanalítico associase com os Ca pítulo 5 e 6 pois incluome entre os que en tendem que é impossível dissociar esse tripé No entanto muitos outros autores com uma coerente argumentação não atribuem à pes soa real do analista uma importância maior na evolução da análise que não aquela que ele repete padrões transferenciais inconscientes O leitor está convidado a participar do debate Resistências A Reação Terapêutica Ne gativa é o título do Capítulo 8 A palavra re sistência está no plural porquanto são inúme ras as modalidades resistenciais dentre as quais julguei oportuno dar um destaque à Re ação Terapêutica Negativa Essa última abor da uma das formas de resistência mais obstru tiva e nem sempre com evidências manifestas que se insurge contra a possibilidade de um verdadeiro crescimento mental de determina dos pacientes O Capítulo 9 ContraResistência Os Conluios Inconscientes é indissociável do an terior Não obstante isso por razões didáticas ele segue em separado porém conserva a es sência da íntima relação resistência do pa cientecontraresistência do terapeuta nota damente no que diz respeito à contração en tre ambos de inúmeras formas de conluios in conscientes O ContraEgo Uma Estrutura Resisten cial Patológica que constitui o Capítulo 10 visa a destacar um conjunto de organizações patológicas que atuam a partir do interior do próprio ego contra ele fato que representa ser de uma extraordinária importância na prática clínica diária de todo analista Já o Capítulo 11 trata do tema conside rado fundamental na psicanálise Transferên cias Transferência de Impasse Psicose de Transferência igualmente pluralizada En tendi ser necessário dedicar uma ênfase es pecial no que se refere ao manejo técnico de duas modalidades transferenciais que nem sempre têm recebido importância visto que se bemobservadas pelo analista ele vai per ceber que elas são bastante freqüentes na prá tica clínica às vezes de forma ruidosa outras vezes de modo muito sutil refirome à Trans ferência de Impasse e mais particularmen te àquela que é conhecida por Psicose de Transferência No Capítulo 12 é abordado o importan tíssimo problema da Contratransferência com os respectivos efeitos contratransfe renciais na mente do analista podendo as sim constituirse tanto em uma modalidade de contratransferência patológica quanto poder ficar a serviço da indispensável empatia do analista O Capítulo 13 cujo título é A Comuni cação Verbal e a NãoVerbal na Situação Analí tica nas suas modalidades proteiformes re presenta ser sobremaneira importante na psi canálise contemporânea especialmente se le var em conta a afirmativa de que o maior mal da humanidade é o problema do malentendi do da comunicação O Capítulo 14 com o título de As Atua ções Actings objetiva dar um merecido des taque a essa corriqueira forma de uma primiti va e importantíssima maneira de comuni cação nãoverbal que comumente de alguma forma aparece ao longo do processo analítico A Atividade Interpretativa título do Ca pítulo 15 adquire uma relevância muito espe cial levando em conta que o ato de interpre tar os dinamismos inconscientes do paciente continua sendo um dos pilares fundamentais do método psicanalítico além do fato de que talvez seja o aspecto do campo analítico que mais sofreu mudanças significativas na clínica psicanalítica A inclusão de Normalidade e Patogenia dos Estilos de Interpretar O Uso de Metáfo ras Capítulo 16 justificase por julgar que o estilo pessoal de cada analista além de re presentar uma significativa importância para o andamento da análise também reflete em grande parte a sua pessoa real Entendi que cabe dar um destaque à eventual utilização de metáforas como fazendo parte de um esti lo de atividade interpretativa pelo fato de em determinadas situações elas se mostrarem significativamente muito úteis O título do Capítulo 17 Análise do Cons ciente A Função do Pensar talvez cause es tranheza no leitor visto que a literatura psi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 11 canalítica não concede maior espaço para a análise dos aspectos conscientes do paciente porém fiz questão de ser coerente com aquilo que penso e pratico de modo que dentre as funções conscientes do ego é concedida uma importância especial ao aspecto fundamental da função de se saber pensar as experiências emocionais Insight Elaboração Crescimento Men tal que dá título ao Capítulo 18 objetiva des tacar o quanto esses aspectos constituem a fi nalidade maior de qualquer análise com a par ticularidade de que substituí o habitual termo cura por crescimento mental uma vez que o segundo está mais de acordo com a ideolo gia psicanalítica predominante neste manual O Capítulo 19 O Término de um Trata mento Analítico enfoca uma questão que tem características próprias em cada análise mas que conserva certa uniformidade em todas as análises que estão se aproximando do seu tér mino não empreguei o costumeiro termo alta do paciente de acordo com o que será expli citado no capítulo em questão O título do Capítulo 20 é Condições Ne cessárias para um Analista no qual separada mente embora tudo funcione de forma con junta e concomitante é discriminada uma sé rie de atributos indispensáveis para que o terapeuta estabeleça empaticamente uma liga ção profunda com o seu paciente para não cor rer o risco de que a atividade analítica não seja mais do que uma tarefa mecânica robotizada logo fria e tediosa para ambos do par analítico A Parte III Características Clínicas e Manejo Técnico das Diferentes Psicopatolo gias contém 12 capítulos cujo objetivo é enfatizar as principais características clínicas e os respectivos manejos técnicos de distintas estruturas caracterológicas e quadros clínicos que surgem com muita freqüência na psica nálise atual Assim o Capítulo 21 trata de Psicoses Pacientes Borderline A Parte Psicótica da Per sonalidade O Capítulo 22 Transtornos Narcisistas conforme diz o nome aborda as personalida des com características predominantemente narcisistas cada vez mais freqüentes em nos sos consultórios O Capítulo 23 trata do tema que serve de título Perversões Homossexualidades é o título do Capí tulo 24 O Capítulo 25 trata de A Clínica do Vazio No Capítulo 26 o tema é Transtornos Ansiosos O Capítulo 27 tem por título Estados Depressivos que fora de qualquer dúvida re presentam uma crescente demanda nos con sultórios de psiquiatras e psicanalistas Fobias intitula o Capítulo 28 O Capítulo 29 recebe o nome de Trans tornos Obsessivocompulsivos TOC O Capítulo 30 tem o título de Histerias Os Pacientes Somatizadores constituem o tema e o título do Capítulo 31 O Capítulo 32 Uma Forma Patológica de Amar O Vínculo Tantalizante talvez esteja algo deslocado nesta parte do livro destinada às formas clássicas de psicopatologia No en tanto é tão freqüente e tão específica essa for ma patológica de amar que me permiti usar uma licença A Parte IV Terapias Analíticas Espe ciais é composta por mais cinco capítulos O Capítulo 33 Psicanálise com Crian ças procede a uma revisão histórica deten dose nas técnicas mais contemporâneas Terapia Psicanalítica com Púberes e Ado lescentes título do Capítulo 34 enfoca o tra tamento analítico com pacientes dessa fase da existência O Capítulo 35 Terapia com Casais e Famílias não poderia faltar neste livro ten do em vista a incrível difusão desse recurso terapêutico praticado não só por terapeutas sistêmicos mas também por terapeutas psi canalíticos Terapia com a Família título do Capítu lo 36 igualmente está encontrando um grande desenvolvimento em nosso meio razão pela qual mereceu um capítulo específico no qual predo mina uma abordagem de natureza analítica O Capítulo 37 intitulado Grupoterapia Psicanalítica igualmente não poderia ficar au sente pois representa um acessível recurso terapêutico com comprovados resultados psi 12 DAVID E ZIMERMAN canalíticos Além disso o tema vem ganhando crescente relevância e seu conhecimento é in dispensável para todo terapeuta que quer en riquecer o entendimento do psiquismo dos in divíduos A Parte V Situações Específicas é cons tituída de poucos capítulos mas o suficiente para realçar a importância da supervisão e fazer al gumas reflexões acerca do processo analítico particularmente aquelas que se originaram den tro de mim em uma amálgama de prévios co nhecimentos já sedimentados uma continuada leitura de textos atuais e especialmente daqui lo que acontece na minha prática clínica e de supervisão a qual tento sintetizar no último capítulo deste livro Assim esta parte final con ta com os capítulos que seguem O Capítulo 38 tem como título Vínculos e Configurações Vinculares Na psicanálise contemporânea é imprescindível que conste um capítulo que enfoque especificamente a im portância relevante dos vínculos e de como eles se organizam sob as mais distintas formas O Capítulo 39 Reflexões Sobre a Su pervisão Psicanalítica tem o objetivo de a partir da inclusão de um capítulo como este priorizar o trabalho de supervisão baseado no fato de que cada vez mais essa atividade está sendo reconhecida como de inestimável impor tância na formação de candidatos a terapeutas analíticos a ponto de muitos reconhecidos autores nivelarem a importância da supervi são com a da análise individual O Capítulo 40 tem por título Sonhos Manejo Técnico Ninguém discorda de que esse aspecto desde o pioneirismo de Freud até nossos dias tem sofrido sensíveis transforma ções no exercício da prática clínica O Capítulo 41 apresenta um Glossário de Conceitos e Termos Propostos pelo Autor ten do seu respaldo na necessidade que senti de fa cilitar a leitura e o entendimento do leitor para uma terminologia e um enfoque conceitual com os quais muito provavelmente ele não esteja familiarizado visto que ousei publicar neste manual contribuições pessoais pelas quais as sumo inteira responsabilidade Desculpome desde já caso tenha cometido inadequações Por fim à moda de um Epílogo encerro este manual com Palavras Finais Carta Íntima para os Leitores que Estão se Iniciando como Terapeutas Psicanalíticos a qual tem um sig nificado especialíssimo para mim não por al guma razão objetiva mas sim porque senti terme envolvido afetivamente de uma forma intensa a ponto de me parecer que de fato estava escrevendo uma carta direta a algum amigo ou falando ao vivo com a bela juventu de que é quem mais me prestigia de inúmeras formas e que sem dúvida constitui o meu pú blico predileto Por isso preferi não retocála na revisão final para manter pelo menos para mim a sua autenticidade original no impulso de partilhar as minhas reflexões com os cole gas que estão iniciando na ciência e na arte da terapia psicanalítica Antes de concluir essa conversa inicial com os leitores é útil esclarecer alguns aspec tos da composição deste volume para facilitar a sua leitura e manejo A primeira observação é que o presente livro não se limita a uma simples revisão dos conceitos clássicos nem dos avanços contem porâneos referentes à técnica analítica divul gados por eminentes autores de todas as par tes do mundo por meio de artigos e livros os quais todos reconhecemos como de extrema utilidade Particularmente estudo a maioria desses textos o mais próximo possível à exaus tão levoos permanentemente em conta e apli co suas contribuições na prática cotidiana não obstante nesta altura da minha vida psicana lítica sempre privilegio as minhas próprias experiências e vivências emocionais e técnicas forjadas ao longo de mais de quatro décadas de trabalho ininterrupto comigo mesmo e com outros Não obstante o respeito e a gratidão que devo aos inúmeros autores que leio restrinjo ao máximo as citações quando os respectivos conceitos já sejam por demais conhecidos en quanto enfatizo alguma referência bibliográfi ca que na atualidade represente uma inova dora fonte de reflexão e conhecimento de téc nica psicanalítica Igualmente evito fazer ci tações com digressões que possam ser enfado nhas e inúteis ao leitor e que muitas vezes possam estar a serviço de uma erudição exibi cionista ou como escravidão a um superego por demais rígido ou pior ainda como um manto protetor no qual o autor com receio de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 13 se expor possa se escudar no prestígio de al guém já consagrado Destarte muito do que digo neste livro é uma evolução de minhas transformações pes soais como psicanalista e como pessoa de sorte que seja provável que determinadas colocações conceituações e posições que eventualmente assumo possam causar alguma estranheza Acredito que o entendimento final não deva ser o do autor mas sim de cada leitor que fará cotejos daquilo que estuda com outras lei turas seminários supervisões análise pessoal e sobretudo com as experiências de sua prá tica clínica ideologia e estilo pessoal Assim peço que o leitor releve e que não considere que o autor quer impor alguma no vidade ou algo semelhado muito menos des qualificar os paradigmas que correntemente praticamos Bem antes disso o propósito maior é ser leal comigo próprio e se possível insti gar o leitor a fazer reflexões trocar idéias com outros colegas e tomar as suas próprias atitu des e posições técnicas É verdade que não abro mão de tentar sair de esquemas prémol dados como por exemplo entre tantos ou tros mitos de técnica analítica o ranço ainda muito vigente de que uma verdadeira aná lise seja unicamente aquela na qual o analis ta trabalhe com uma sistemática interpreta ção no aquiagoracomigo da transferência caso contrário Uma segunda observação consiste no fato de que os capítulos não têm o objetivo de es gotar totalmente os assuntos enfocados mas sim pretendem transmitir uma atmosfera ge ral do campo afetivo e cognitivo que transcor re ao longo de qualquer análise do ponto de vista da técnica e prática Assim tanto quanto possível os textos serão acompanhados por vinhetas clínicas algumas frases metáforas chistes etc O terceiro aspecto diz respeito ao fato de que um mesmo conceito pode aparecer repe titivamente em diversos capítulos Embora o surgimento dessa repetição surja em contex tos distintos é possível que possa entediar o leitor pelo que peço desculpas porém hou ve uma certa intencionalidade de minha par te baseado na idéia de que uma repetição em contextos variados pode auxiliar a reflexão e a memorização A quarta observação a consignar é o fato de que para manter o espírito didático deste manual com possíveis leituras para seminários coletivos por parte dos caros leitores entendi ser útil usar e abusar do recurso de enumerar os aspectos que em meu entender sejam os mais significativos para reflexões e debates PARTE I A Evolução da Técnica Analítica 1 As Transformações no Perfil do Paciente do Analista e do Processo Analítico Para Onde Vai a Psicanálise Quando eu estava tentando elaborar a mecânica quântica a experiência deume a oportunidade de aprender um fato notável que uma nova realidade científica não triunfa por convencer seus opositores fazendoos ver a luz senão que muito antes porque eventualmente seus opositores morrem e surge uma outra geração que se acha familiarizada com aquela Max Plank in Bion em Seminários clínicos Em relação às constantes declarações de que a psicanálise está morta eu poderia seguir o exemplo de Mark Twain que tendo lido num jornal o anúncio de sua morte dirigiu ao diretor do mesmo um telegrama comunicandolhe A notícia de minha morte está muito exagerada S Freud in Alain de Mijolla tórias as quais por sua vez alteram as cultu ras e arrastam as pessoas para novas mudan ças em uma espiral sem fim Portanto partindo de uma visão indivi dualista do indivíduo passase a uma visão holística do grego hollos que significa totali dade de sorte que o bebê não é a mesma pes soa quando fica uma criança maior ou adoles cente ou adulto e o adulto de hoje não é mais a mesma pessoa que era antes e tampouco a que vai ser mais adiante na vida Em resumo todos nós e o mundo que nos cerca estamos sempre nos transformando Destarte como uma introdução ao presen te capítulo cabe apresentar brevemente uma vinheta de minha experiência clínica com gru poterapia analítica que pratico há aproxima damente 40 anos Assim no início da década de 60 uma jovem estudante de medicina de 21 anos integrante de um grupo analítico le vou aproximadamente um ano e meio para cheia de culpas e temores de ser julgada con fessar aos demais participantes que manti nha relações sexuais com o seu namorado não obstante se tratasse de um namoro firme com mais de três anos de duração De forma aná loga em um outro grupo em meados da déca da de 80 uma outra da mesma idade que a O mundo vem sofrendo sucessivas ace leradas vertiginosas e profundas transforma ções em todas as áreas e dimensões como o são as sociais as econômicas as culturais as éticas as espirituais as psicológicas além das científicas entre outras e naturalmente no rastro de todas essas também a psicanálise vem sofrendo uma continuidade de crises e mudan ças em sua trajetória de pouco mais de um sé culo de existência O processo de transformações é inerente à condição da humanidade tal como parece me está bem expresso na antiga crença budis ta que vê a existência humana como uma série ininterrupta de transformações mentais e físi cas É como as imagens de um filme uma soma de imagens individuais retratando uma série de momentos diferentes as quais movemse muito rapidamente que não se consegue per ceber que o filme é um somatório de instantes e partes distintas constituindo uma unidade singular Da mesma forma não é possível al guém salvo crianças bem pequenas e psicó ticos dizer de forma absoluta Isto é meu ou Isto sou eu porquanto não existe o ser absoluto o todo é constituído por fatores exis tenciais predominantemente impessoais que formam combinações e transformações transi 18 DAVID E ZIMERMAN anterior também gastou mais de um ano para confessar bastante envergonhada e temero sa de uma gozação geral que ela ainda era virgem O que estou pretendendo evidenciar é o fato de que embora a natureza humana continue sendo a mesma ambas as moças apresentavam angústia culpa vergonha temor de provocar decepção rechaço e um nãoreco nhecimento e aceitação dos demais a causa desencadeante foi totalmente oposta uma da outra pois no espaço de tempo decorrido en tre as duas experiências 25 anos logo uma geração mudaram as contingências e os va lores socioculturais Esta vinheta também ser ve para ilustrar que todas as considerações que serão feitas neste texto partem do pressuposto de que é impossível separar o indivíduo dos avanços tecnológicos dos grupos e da socie dade nos quais ele estiver inserido Cabe assinalar a seguir algumas das mais significativas mudanças biopsicossociais e eco nômicoculturais VISÃO SISTÊMICA Vivemos hoje em um mundo globalmen te interligado onde qualquer acontecimento importante repercute em todos os quadrantes de nossa aldeia global Destarte não mais cabe o individualismo e o isolacionismo dos indivíduos e das nações de forma que é ur gente a criação de novos paradigmas em todos os níveis os quais estão unificados por uma interdependência Isto requer fundamental mente uma nova maneira de pensar e de vi sualizar todos os problemas coletivos forma que é chamada de visão sistêmica do mundo e da vida Por visão sistêmica entendemos que em qualquer estado ou acontecimento humano físico químico cósmico e psicanalítico entre outros sempre existem múltiplos elementos que estão arranjados e combinados em deter minadas formas nas quais a maneira como as diversas partes estão integradas e estruturadas na totalidade é mais importante do que cada uma das partes isoladamente por mais impor tantes que elas possam ser Por estrutura entendemos um arranjo dos distintos elementos em que cada um ocupa determinado lugar e determinada função sen do que todos estão interrelacionados em um permanente movimento e interação de modo que a modificação de qualquer um deles inevi tavelmente provocará modificações nos de mais e toda a estrutura sofrerá uma transfor mação em busca da harmonia Tratase de um movimento natural espontâneo e com flutua ções cíclicas em qualquer matéria orgânica ou inorgânica psíquica ou biológica individual ou grupal subatômica ou cósmica A GLOBALIZAÇÃO A globalização do mundo moderno mer cê das novas tecnologias ligadas à informática e de uma fantástica rede de comunicação ins tantânea via satélite vem contribuindo para o extraordinário poder de formação de nossos corações e mentes advindo de uma cada vez mais gigantesca e poderosa rede de veículos de comunicação que podemos chamar de midiologia que exerce uma decisiva influ ência no psiquismo de todos notadamente nas crianças e nos adolescentes tanto no que diz respeito à formação de uma ideologia política um estilo de viver quanto à apologia do consu mismo um sagrado culto à importância da es tética dos hábitos de alimentação e assim por diante Uma clara evidência da globalização pode ser observada diariamente quando algum cho que econômico de uma determinada nação re percute imediatamente no mundo todo Igual mente impõe destacar a progressiva navega ção do homem pelo infinito espaço que é pro piciado pela Internet a realidade virtual in clusive no que diz respeito às relações amoro sas à correspondência instantânea e universal por email por um lado aproxima as pessoas por outro torna as relações algo impessoais e técnicas NOVOS PADRÕES ÉTICOS Um importante aspecto particularmente para o psicanalista decorrente dessa vertigi nosa mudança de padrões científicos e cultu rais é a crescente problemática de natureza MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 19 bioética e psicoética conseqüência de vários fatores Assim os incríveis avanços tecnoló gicos a conclusão do Projeto do Genoma Hu mano no qual após 15 anos de pesquisas em centenas de laboratórios espalhados em mais de 20 países foi possível anunciar que o códi go da vida ou seja o seqüenciamento dos ge nes foi decifrado Concomitantemente foi se desenvolvendo a engenharia genética com os avançados experimentos com a reprodução de clones Também a crescente legalização da prática de aborto inclusive com o aproveita mento da célulamãe do embrião para trans plantes genéticos vem fazendo com que mui tos estudiosos da ética formulem a importante questão Que tipo de ser é o embrião A FAMÍLIA A família nuclear está sofrendo radicais transformações no que diz respeito ao número crescente de casamentos seguidos de descasa mentos e recasamentos com uma nova com posição familiar em função dos filhos que cada novo cônjuge traz para o novo lar Aumenta o número de mães adolescentes de mães soltei ras entre as quais muitas deliberadamente as sumem a condição de uma produção indepen dente de filhos assim como também vem au mentando o número de casais que preferem residir em lares próprios e independentes um do outro Existe uma evidente mudança nos papéis que tradicionalmente eram conferidos ao pai à mãe aos avós de modo que não rara mente os papéis e os lugares ocupados se superponham ou até se invertam tudo isso podendo ser encarado com naturalidade po rém também podendo gerar uma séria confu são sobremaneira para os filhos os quais por sua vez estão se emancipando da família nu clear cada vez mais cedo Notadamente o papel da mulher na sua inserção familiar social sexual política e pro fissional vem sofrendo vertiginosas transfor mações Igualmente vem havendo uma pro gressiva união estável de homossexuais inclu sive com a adoção de filhos sendo que o as pecto mais importante a destacar é o fato de que a clássica função de continente que a famí lia exerce em relação aos bebês e filhos meno res tende a ficar severamente perturbada com os imagináveis traumas precoces É necessário também levar em conta que no Brasil o Novo Código Civil em vigência des de janeiro de 2003 altera profundamente os direitos e os deveres dos cônjuges e dos filhos O somatório de tudo isso que foi dito está con tribuindo para uma crescente e generalizada crise de identidade CRISE DE IDENTIDADE Esta aludida crise processase tanto no âmbito individual quanto em nosso sentimen to de identidade grupal e social De fato a ace lerada mudança dos valores éticos morais e religiosos somada a todas as formas de vio lência urbana que regem o modo e a finalida de de viver tornou os indivíduos inseridos em um mundo que cada vez mais exige uma ve locidade crescente para uma exitosa adapta ção aos padrões vigentes algo ansiosos con fusos e perdidos quanto à sua identidade isto é quem eles são como devem ser para o que e para quem eles vivem Um forte motor gerador desta angústia social reside no fato de que há uma crescente necessidade de exitismo ou seja desde crian ça o sujeito está programado pela família e pela sociedade para ser bemsucedido em uma in terminável busca pela procura de êxitos o que o deixa em constante sobressalto de vir a cum prir a pressão dessas expectativas que carrega nos ombros e na mente Um outro fator que vem contribuindo para uma confusão de iden tidade nos indivíduos comunidades e nações consiste no fato de que a crescente globalização acarreta uma diminuição e um borramento das diferenças entre os indivíduos quando é sabi do que a manutenção das inevitáveis diferen ças representa a matériaprima na formação de qualquer sentimento de identidade VALORES Uma profunda mudança nos valores humanísticos consiste no fato de que até pou cas décadas a humanidade era regida pelos 20 DAVID E ZIMERMAN valores de certezas era fácil definir em termos absolutos o que era certo e o que era errado valorizado ou desvalorizado dentro de uma concepção universalmente aceita de uma cau salidade linear ou seja a toda causa correspon deria um determinado efeito em uma cadeia facilmente explicável pelo raciocínio lógico e objetivo Atualmente é impossível desconhecer os avanços em todas as ciências notadamente nos ensinamentos provindos da física moderna que conserva os seus princípios clássicos mas vem cientificamente demonstrando mistérios incer tezas e paradoxos que cercam os fenômenos da natureza no que se refere ao infinitamente pequeno a física subatômica quântica e ao infinitamente grande a cosmologia com a di fundida concepção de um universo em contí nua e infinita expansão Em grande parte inspirados nessa consta tação de que nem tudo pode ser explicado pela lógica mecanicista os estudiosos da natureza humana reconhecem que o entendimento do homem moderno repousa nos conceitos de in certezas principalmente no conceito do que é e onde está a verdade negatividade todo e qualquer fenômeno físico ou afetivo sempre tem dois pólos opostos paradoxalidade a per manente coexistência dos opostos e contradi tórios e relatividade nenhum fenômeno fato ou conhecimento é absoluto tudo está inter relacionado tudo conduzindo à vigência de um estado caótico universal tanto negativo quanto positivo levando em conta o conheci do princípio de que do caos nasce o cosmos Assim talvez não seja exagero a afirmativa de que a ciência se faz cada vez mais filosófica enquanto a filosofia se faz mais científica em grande parte com inspiração na psicanálise A CULTURA DO NARCISISMO Cada vez mais os indivíduos debatem se em uma acirrada competição para ter di reito a um lugar ao sol em uma cultura em que predomina fortemente a lei do mais ca paz ou pelo menos a lei daquele que apa renta ser bemsucedido Em um grande con tingente de pessoas isso provoca um desgas tante conflito resultante da necessidade de atingir metas idealizadas pela família pela sociedade pela cultura e por si próprio as quais podem ultrapassar as suas inevitáveis limitações Na linguagem psicanalítica essa disparidade é conhecida como um conflito en tre Ego ideal versus Ego real Esse tipo de estado conflituoso tem gerado um crescente valor de que falsamente o sujeito vale mais pelo que tem ou aparenta ser do que de fato é ou autenticamente pode vir a ser Em ou tras palavras a ânsia por um reconhecimento pelos demais é tão premente que está aumen tando significativamente o número de pesso as portadoras de um falso self e da mesma forma quando não há o referido reconheci mento a cultura narcisista força uma baixa da autoestima do indivíduo o que acarreta um maior surgimento de estados depressivos PÓSMODERNISMO De forma muito resumida podese di zer que a essência do pósmodernismo con siste na progressiva introdução da imagem no lugar classicamente ocupado pelo pensamen to e pela palavra o que se processa funda mentalmente em função da midiologia e dos incríveis recursos da moderna informática com a criação de imagens virtuais de modo que isso promove a possibilidade de que haja uma superposição e até uma certa confusão entre o que é real e o que é imaginário o que representa um estímulo à busca de ilusões de simulacros de fetiches sendo que aquilo que parece ser é tomado como de fato sendo Da mesma forma a participação ativa de in divíduos e massas passa a ser substituída por uma forma passiva de observação ou de par ticipação mais técnica do que espontânea como é fácil perceber por exemplo no Car naval brasileiro da atualidade Igualmente o pósmodernismo tende a repudiar tudo o que representa uma lógica de causalidade e faz a apologia dessa casualidade do ilógico do intuicionismo das incertezas do relativismo do surrealismo e do misticismo Em relação a isso há quem encare a época atual de uma forma apocalíptica esperando as pio res desgraças para a humanidade enquanto outros consideram o pósmodernismo de uma forma apologética isto é com uma apologia dos novos rumos e das novas perspectivas pro MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 21 missoras para o desenvolvimento da humani dade Particularmente entendo que é possível admitir a existência simultânea tanto dos as pectos positivos quanto dos negativos Os pri meiros estão representados pelo incremento da criatividade e o ingresso do indivíduo em pla nos mais profundos e diversificados do espíri to humano como são as dimensões de nature za estética mítica e espiritual Como exemplo o surrealismo superrealismo inspirado em seu fundador Breton nasceu como uma for ma da arte de tentar abolir as diferenças entre sonho e realidade Exemplos de aspectos ne gativos são aqueles que prevalecem quando o pósmodernismo é sistematicamente emprega do com o propósito de iconoclastia ou seja de uma excessiva derrubada dos valores clássicos TRANSFORMAÇÕES NA PSICANÁLISE Como não poderia ser diferente seguin do as profundas transformações que acompa nham a evolução da humanidade também a ciência psicanalítica vem sofrendo significati vas mudanças em suas teoria técnica e aplica bilidade prática Aqui será enfocado separa damente as transformações na pessoa do pa ciente e do analista e no processo analítico além de tecer algumas considerações sobre o quo vadis ou seja para onde vai a psicanálise O paciente Em relação à figura do paciente cabe con signar que nos tempos pioneiros de Freud e seus seguidores imediatos o atendimento era quase que exclusivamente com pacientes por tadores de quadros com claras manifestações de sintomas típicos de algum tipo de neurose Assim no início das descobertas de Freud a totalidade da sua prática clínica era composta por mulheres jovens e histéricas posterior mente o atendimento foi se estendendo a pa cientes portadores de sintomas fóbicos o caso do menino Hans obsessivos o caso do ho mem dos ratos e afins Aos poucos a psica nálise não ficou mais restrita à remoção de sin tomas mas passou a priorizar os pacientes por tadores de algum grau de transtorno caractero lógico A partir das contribuições kleinianas a psicanálise ampliou o seu raio de ação para pacientes bastante mais regressivos como os psicóticos da mesma forma que também abriu as portas para a análise de crianças Aliás é notório o fato de que tem aumen tado significativamente a demanda de crian ças que motivadas por pais professores mé dicos mais esclarecidos buscam terapia ana lítica O mesmo vale para púberes adolescen tes e também para uma mais espontânea e menos preconceituosa procura de análise por parte de homens Na atualidade as pessoas que procuram tratamento analítico fazemno principalmente com queixas de problemas relativos a algum transtorno do sentimento de identidade assim como também há uma alta incidência de paci entes com um sentimento de baixa autoesti ma o que por sua vez gera em escalada cres cente o surgimento de quadros depressivos e também de indivíduos estressados com um alto grau de angústia livre a alta incidência da do ença do pânico talvez seja um bom exemplo disso Outros transtornos que prevalecem no perfil dos pacientes da atualidade referemse a personalidades tipo falso self transtornos narcisistas patologias regressivas como o são por exemplo as psicoses os borderline os per versos os somatizadores os transtornos alimen tares tipo bulimia e anorexia nervosas ocor rendo um grande aumento sobretudo em jo vens de inúmeras formas de drogadições per versões e psicopatias e significativamente da queles casos que a psicanálise contemporânea está denominando patologia do vazio Neste último exemplo fica mais claro re conhecer que a demanda de pacientes aos con sultórios não se deve tanto à patologia decor rente de um estado mental de o sujeito sentir se um pecador em decorrência de desejos e sen timentos proibidos que sofrem uma ação repressora e de fuga promovida pelos mais di versos mecanismos defensivos O que hoje constatamos é que a queixa inicial dos pacien tes postulantes à análise recai freqüentemente em uma angústia existencial quanto ao sentido de por que e para que continuam vivendo ou seja quanto à validade da existência em si Nos pacientes que sofrem da patologia do vazio o eixo do sofrimento não gira tanto em torno dos clássicos conflitos resultantes do embate entre pulsões e defesas mas sim o 22 DAVID E ZIMERMAN giro se faz predominantemente em torno das carências provenientes das faltas e falhas que se instalaram nos primórdios do desenvolvi mento emocional primitivo e determinaram a formação de vazios no ego verdadeiros bura cos negros à espera de serem preenchidos pela figura do psicanalista o que poderá ser feito por meio de sua função psicanalítica Ademais hoje em dia os pacientes que procuram alguma forma de tratamento psica nalítico apresentam em boa parte uma nítida tendência para a busca de soluções mais rápi das e alegando razões econômicas reais por que é inegável que de modo geral baixou bas tante o poder aquisitivo eles insistem em querer ter um menor número de sessões se manais além de uma duração mais curta da análise Tudo isso adicionado ao sucesso dos antidepressivos e a um convencimento negati vo que alguns setores da mídia fazem contra a psicanálise concorre para uma perigosa pre ferência de muitos pacientes por métodos al ternativos que prometem curas rápidas às ve zes até milagrosas O psicanalista Relativamente à figura do psicoterapeu ta também prevalece na atualidade um per fil bastante modificado Assim tanto no perí odo da psicanálise ortodoxa quanto no da clás sica os atributos mais valorizados na pessoa do analista eram as suas habilidades em deco dificar os conflitos latentes que apareciam in diretamente em vestígios de conteúdos mani festos expressos em atos falhos e lapsos so nhos sintomas e nas dobras da livre associa ção de idéias Igualmente um bom psicana lista deveria manter uma total fidelidade às regras da abstinência da neutralidade e do anonimato de forma a manter uma dis tância quase que eu ia adjetivála como as séptica de seu paciente Mas principalmente o uso exclusivo da arte de fazer interpretações brilhantes à me dida que descobria um significado simbólico em tudo o que era narrado pelo paciente é que se constituía como uma qualidade do psi canalista aparentada com a de uma divinda de A partir da influência kleiniana o selo da legitimidade que conferia o status de um exce lente analista repousava na sua habilidade em fazer de forma sistemática interpretações transferenciais que na maioria das vezes independentemente do que o paciente dizia costumava ser convertido de forma reducio nista à pessoa do terapeuta por meio do clás sico chavão de que tudo o que o paciente trou xesse deveria ser interpretado na base do é comigo aqui agora como lá e então No auge da égide do kleinianismo décadas de 60 e de 70 era uma exigência fundamental que as interpretações se dirigissem aos objetos inter nos parciais ou seja o analista seria percebi do pelo paciente como sendo parcialmente um seio ou um pênis bom mau idealiza do perseguidor ou um objeto total composto por esses últimos quatro elementos Do mesmo modo de uma forma pratica mente aceita por todos a análise processava se de uma forma unilateral de um lado dei tado em um divã ficava um paciente sofre dor cujo papel restringiase a associar livre mente de maneira a trazer o seu material enquanto do outro lado atrás do divã refes telado em uma cômoda poltrona estava o analista com a sua postura de sujeito supos to saber sss para usar uma expressão de Lacan No momento atual que podemos chamar de psicanálise contemporânea a qual resulta de uma combinação de contribuições de diver sos autores de distintas correntes psicanalíti cas o perfil do psicanalista sofreu significati vas mudanças Assim de algumas poucas dé cadas para cá mais marcantemente a partir de Bion o analista é considerado não mais do que uma pessoa bastante bemtreinada e pre parada que junto com a outra pessoa o pa ciente constitui o campo analítico isto é uma mútua e permanente interação na qual cada um influencia e é influenciado pelo outro A propósito cabe citar Bion para quem na situ ação analítica sempre existem duas pessoas angustiadas no entanto ele continua de for ma jocosa esperase que uma seja menos que a outra Assim a evidência de que a relação analítica é de natureza vincular mudou signifi cativamente o perfil do analista contemporâ neo Creio que as seguintes características me recem ser mencionadas MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 23 1 O analista desceu do pedestal mudou de residência ele não mais mora no Olimpo dos deuses sagrados de modo que não mais lhe cabe exibir o seu pomposo emblema de sss ou seja aquele terapeuta que quando está interpretando julga estar ditando a ver dade definitiva Hoje o terapeuta analítico sen tese mais gente como toda gente predomi na nele a aceitação de uma atitude de incerte za o que favorece a formação de um necessá rio estado mental interrogativo 2 Desse modo a ênfase da análise incide no vínculo analítico que unifica as pessoas do paciente e do analista de sorte que embora mantenhase uma necessária assimetria entre os papéis lugares posições e funções que cada um deles deve desempenhar há uma maior si metria quanto à condição de seres humanos portanto sujeitos às mesmas angústias e dúvi das existenciais Assim não obstante o fato de o analista preservar a necessária distância ele é mais espontâneo informal e de afeto mais modulável Uma significativa parcela de ana listas atuais já está aceitando a inclusão de al guns parâmetros como o uso de medicação concomitante ao curso da análise alguma re dução do número de sessões semanais etc 3 Decorre daí que o analista contempo râneo não obstante persista valorizando os mo vimentos transferenciais do paciente não es teja se colocando de forma sistemática e reducionista unicamente como sendo o cen tro do universo da vida do analisando Essa postura analítica vem tornando o terapeuta uma pessoa mais simples e com uma atitude de maior abertura para escutar as múltiplas dimensões que estão embutidas nas narrativas do paciente 4 Na atualidade então cresce de vulto uma velha polêmica se na situação analítica o psicanalista representa unicamente uma pantalha transferencial dos múltiplos e diver sificados objetos que habitam o interior do psiquismo do paciente ou indo muito além dis so ele também influi decisivamente nos desti nos da análise pela sua condição de pessoa real como particularmente acredito 5 Caso admitamos a legitimidade da úl tima hipótese aumenta a importância dos atri butos da pessoa real do analista como é o caso do seu código de valores morais culturais éti cos etc seus referenciais psicanalíticos suas capacidades intrínsecas de continente empatia intuição etc 6 Partindo da possibilidade de ser válida a importância da pessoa real do analista igualmente ganha relevância aquilo que alguns psicanalistas norteamericanos chamam de match ou seja um encontro das característi cas de um determinado paciente com as de um determinado analista de maneira que a análi se de um mesmo paciente diante de dois ana listas de igual competência e mesma corrente psicanalítica pode evoluir bem com um e mal com o outro e viceversa 7 Em relação à atitude psicanalítica inter na do terapeuta convém destacar o fato de que na psicanálise contemporânea a posição racio nal do analista que classicamente busca cone xões lógicas e conseqüentes entre causas e efei tos vem cedendo lugar ao que não é formal mente lógico tal como aquilo que está presente no princípio da negatividade nas contradições nos paradoxos na concomitância dos opostos daquilo que o paciente nos traz por vezes sob uma forma caótica à espera inconsciente de que o analista possa fazer uma integração 8 Como decorrência o analista contem porâneo não mais está se obrigando a obede cer fanaticamente aos conceitos emanados pe las autoridades superiores a ele como sendo as sagradas escrituras da psicanálise de forma que valoriza o que aprendeu porém passou a respeitar mais o seu consenso racional afetivo e intuitivo diante de cada paciente em sepa rado na sua prática cotidiana 9 A recomendação de que o analista se ativesse a uma determinada escola sob o ar gumento de que assim evitaria se dispersar em um ecleticismo diluidor e portanto empobre cedor está sendo substituída pela valorização de uma formação múltipla ou seja a vanta gem de o analista conhecer as contribuições de distintos autores de variadas correntes psi canalíticas a fim de construir livremente a sua verdadeira identidade de psicanalista respei tando o seu estilo pessoal 10 Também deve ser altamente conside rado o fato de que as mudanças econômicas e culturais e a concorrência que métodos alter nativos principalmente o da moderna psicofar macologia estão impondo à psicanálise fazem 24 DAVID E ZIMERMAN com que muitos consultórios de analistas in cluídos muitos daqueles reconhecidamente veteranos e competentes estejam com preocu pantes espaços vagos em flagrante contraste com uma recente época anterior quando era comum uma longa fila de espera para algum renomado psicanalista liberar uma vaga Es pecialmente entre os candidatos e analistas jovens existe um indisfarçável medo de per der pacientes fato que de alguma forma in flui no desenvolvimento da análise 11 Um outro fato que caracteriza a trans formação do perfil do analista comparando com épocas passadas é que acompanhando o movimento de mudanças da própria ideologia da psicanálise o terapeuta atual está procu rando fazer uma mais abrangente e sólida integração da psicanálise com as demais disci plinas do saber humano 12 Creio ser útil refletirmos sobre o fato de que às vezes as transformações são cíclicas Assim desde antes de Cristo não havia uma discriminação rigorosa entre as noções de or gânicopsicogênico sagradoprofano materi alespiritual objetivosubjetivo realimaginá rio convencionalmístico A partir do raciona lismo de Descartes as respectivas distinções começaram a se impor na filosofia e nos incipientes movimentos científicos No entan to decorridos alguns séculos a tendência ci entífica atual é de voltar a integrar em uma unidade os aspectos manifestamente opostos e aparentemente contraditórios sem uma ra dical distinção como era outrora O processo analítico Ninguém mais contesta que a psicanálise vem sofrendo sucessivas transformações não obstante conserve a essência dos princípios fundamentais legados por Freud Diante da impossibilidade de aqui desenvolver essa temática de forma profunda e detalhada como seria o merecido limitarmeei a enumerar al guns dos pontos que a meu critério sejam os mais relevantes e o faço baseado nas mudan ças que se processaram e continuam se pro cessando na minha forma de entender e pra ticar a psicanálise ao longo de uma experiên cia de mais de quatro décadas de prática clíni ca e de supervisão com colegas mais jovens A multiplicidade de correntes psicanalíticas No início da minha formação psicanalíti ca há 40 anos os referenciais que compu nham nosso ensinoaprendizagem praticamen te fundamentavamse quase que unicamente na metapsicologia na teoria e na técnica pro vindas de Freud e de M Klein com esparsas referências a autores pioneiros da escola da psi cologia do ego como Hartmann Na verdade o que na época de longe predominava era a fun damentação da escola kleiniana que dissecá vamos à exaustão Na atualidade os institutos de psicanálise abrem as portas às demais esco las psicanalíticas que foram se formando a par tir das raízes e do grande tronco de Freud As sim os candidatos entram em contato com as principais contribuições advindas das sete es colas de psicanálise a saber freudiana klei niana autores da psicologia do ego os da psi cologia do self a escola estruturalista de Lacan as concepções provindas de Winnicott e as de Bion Novos paradigmas Durante longas décadas o paradigma vi gente na psicanálise foi o modelo freudiano que se pode denominar pulsãorepressão o emba te entre as pulsões principalmente os desejos libidinais proibidos e os mecanismos de defe sa do ego Por volta do início da década de 60 M Klein e R Fairbairn desenvolveram separa damente a teoria das relações objetais a qual ganhou um enorme espaço em importância principalmente nas sociedades britânicas e nas do cone latinoamericano Este segundo mo delo de paradigma pode ser chamado de objetalfantasmático tal foi a ênfase nas fanta sias inconscientes ligadas aos objetos parciais internalizados O terceiro paradigma é aquele que basea do na obra de Bion proponho chamar de vin culardialético o qual baseia o trabalho analí tico nos vínculos intra e intersubjetivos de modo que o analista deve estar em permanen te interação dialética com seu paciente ou seja à tese do paciente a sua realidade psíquica o analista propõe sua antítese atividade inter MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 25 pretativa do que resulta uma síntese insights que por sua vez funciona como uma nova tese e assim por diante em um movimento espiralar ascendente e expansivo promovendo um cres cimento mental Na atualidade está sendo bastante valo rizado um quarto paradigma o qual se refere aos déficitsvazios ou seja à formação de ver dadeiros buracos negros psíquicos decorren tes das falhas primordiais no decurso do de senvolvimento emocional primitivo do que resulta uma grande demanda de pacientes por tadores do que se denomina patologia do va zio os quais acima de tudo ficam à espera de que o analista consiga preencher tais vazi os É claro que esses quatro paradigmas não se excluem pelo contrário se complementam em bora cada um deles tenha uma maior aplicabi lidade conforme a singularidade da psicopa tologia de determinada situação clínica Psicanálise e psicoterapia Na época em que iniciei a minha forma ção psicanalítica a distância imposta entre psi canálise e psicoterapias analíticas era enorme a ponto de que caso um terapeuta sem for mação psicanalítica oficial se atrevesse a fa zer alguma interpretação transferencial mes mo que essa fosse obviamente necessária cor ria o sério risco de ser rotulado como atuador Essa situação vem mudando significativamen te embora ainda persistam fortes grupos de psicanalistas que insistem em manter uma po sição maniqueísta por meio do surrado re curso denegridor de proferir a cruel sentença isso não é psicanálise a tudo aquilo que não se enquadra em seus pressupostos A esse respeito a posição predominante na psicanálise atual está bem sintetizada na metáfora que enfatiza o fato da existência ine quívoca das diferenças totais entre o que ca racteriza o dia e a noite No entanto existem os estados de aurora e de crepúsculo nos quais as diferenças desaparecem porque a noite e o dia interpenetramse e se confundem Pois bem o mesmo se passa com algumas diferenças ób vias entre psicanálise e psicoterapia porém é inegável que cada vez mais a zona de conflu ência crepuscular ou de aurora entre ambas está se ampliando notoriamente Assim os critérios externos que costumam ser utilizados para definir o que é psicanálise verdadeira mínimo de quatro sessões sema nais uso compulsório do divã emprego siste mático de interpretações transferenciais es tão perdendo a legitimidade cedendo lugar a critérios intrínsecos como são os de uma mai or ou menor acessibilidade que o paciente con fere ao seu inconsciente e principalmente se estão ou não se processando verdadeiras mu danças psíquicas Como respaldo dessa afirmativa vale ci tar duas passagens uma de Winnicott e outra de Bion Contam que uma vez alguém pergun tou a Winnicott se ele também fazia psico terapia ao que ele respondeu que não sabia bem o que era aquilo mas sabia sim que era psicanalista e que fazia sim psicanálise de duas uma vez por semana ou com uma ses são quinzenal Igualmente um prestigiado psicanalista conta que na época em que super visionava com Bion este lhe encaminhou um paciente com as seguintes palavras Estou lhe remetendo uma pessoa para tratares porém como não tem condições financeiras peçolhe que faça com ele uma psicanálise de uma vez por semana Campo analítico Uma série de elementos e de fenômenos psíquicos como o setting a resistência e con traresistência a transferência e contratransfe rência a comunicação a interpretação os actings as identificações o insight a elabora ção e a cura além de outros compõe o cam po analítico em uma permanente bidireciona lidade interativa entre paciente e analista Como não cabe aqui esmiuçar cada um dos referidos aspectos até porque cada um dos respectivos tópicos será detalhado em um ca pítulo específico limitarmeei a fazer não mais do que uma referência telegráfica a cada um deles no que tange fundamentalmente ao que em meu entender representa ser uma transformação significativa de ontem para hoje Setting ou Enquadre Indo muito além do significado que alu de à necessária combinação de regras arran 26 DAVID E ZIMERMAN jos e combinações que favoreçam o desenvol vimento de uma análise na atualidade enten demos o insight como a criação de um novo espaço singular raro e único em que o pa ciente vai reexperimentar com o seu analista velhas experiências emocionais que na época foram malresolvidas pelo seu entorno ambien tal e em conseqüência por ele próprio quan do criança Assim diante de um novo modelo de empatia e de continência que ele vivencia com seu analista em uma atmosfera emocional que ainda não conhecia o paciente vai promoven do ressignificações e desidentificações segui das de novos significados a fatos e fantasias passadas assim como de novas identificações sadias no lugar das patogênicas Também a uti lização das regras técnicas recomendadas por Freud que constituem um pilar básico do setting sofreu transformações bastante signi ficativas tal como aparece no capítulo que enfoca as mudanças nas regras técnicas Den tro dessa concepção é possível afirmar que o setting por si só constituise em um impor tante fator terapêutico psicanalítico Resistência Até há pouco tempo o surgimento ine vitável de algum tipo de resistência do pa ciente no curso da análise era considerado um fator obstrutivo que deveria ser vencido como fator prioritário Na psicanálise atual não obstante estar claro que realmente exis tem resistências obstrutivas e às vezes de letérias para o livre curso de uma análise na grande maioria das situações analíticas as resistências constituemse em uma excelen te amostragem assim como os frutos escla recem qual é a árvore original de como o paciente construiu o seu mundo interior e de como ele age no mundo exterior Assim costumo sintetizar a importância benéfica das resistências com a frase dizeme como resistes e dirteei quem és Contraresistência É útil destacar a diferença que o terapeuta atual deve fazer entre a resistência que proce de do próprio analista e a resistência desperta da no analista pelo paciente O importante a registrar é a possibilidade de surgimento no par analítico de conluios inconscientes como por exemplo o de uma recíproca fascinação narcisista Transferência O fenômeno transferencial foi considera do por Freud como exemplo de um dos even tos relativos a uma compulsória necessidade de repetição hoje ele é encarado como sendo basicamente o inverso disso ou seja uma re petição de necessidades malresolvidas à espe ra de uma nova chance Existe transferência em tudo mas nem tudo é transferência a ser trabalhada na situação analítica Também cabe assinalar que em muitos casos o analista terá necessidade de se dedicar à construção da transferência Contratransferência Tratase de um fenômeno analítico que deve ser entendido como indissociável da trans ferência Nos primeiros tempos da psicanálise a contratransferência não mereceu o crédito de Freud nem de M Klein No entanto hoje é considerada como um provável canal de co municação primitiva bem como um potencial instrumento de empatia com o paciente Da mesma forma como foi dito em relação à con traresistência também aqui cabe ao analista atual discriminar quando o seu sentimento que emerge nas sessões às vezes muito difíceis é de responsabilidade unicamente sua ou quan do a reação emocional emerge nele porque o paciente de alguma forma coloca dentro dele Comunicação A comunicação deixou de ser unicamen te a dos relatos verbais do paciente de sorte que a comunicação nãoverbal nas suas dife rentes modalidades ganhou uma alta relevân cia na técnica atual É sabido que o maior mal da humanidade é problema dos malentendi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 27 dos da comunicação e isso se deve fundamen talmente ao problema dos transtornos dos seus três fatores componentes emissão recepção e canais de comunicação Um aspecto particu larmente relevante na psicanálise contempo rânea referese à forma de comunicação pri mitiva que se expressa sob a forma de imagens ou ideogramas hologramas fotogramas que irrompem na mente do analista desperta das por algo que está contido na narrativa do paciente Interpretação A arte de o analista interpretar está pas sando por profundas transformações Sou do tempo em que nossa atividade interpretativa recaía sistematicamente em decodificar de for ma simbólica inclusive na transferência tudo aquilo que o paciente dissesse Assim se ele chegasse atrasado alegando que o trânsito es tava congestionado era comum que o analista interpretasse que o que estava congestionado era o seu trânsito mental em decorrência de Se o paciente iniciasse a sessão dizendo que fez um lanche no bar perto do consultório antes de vir à sessão é provável que interpretássemos que era tão grande a sua fome quase sempre atribuída à sua inveja que para se precaver e nos poupar ele a saciava lá fora E assim por diante mesmo dando desconto à possibilidade de que eu esteja exagerando um pouco Igual absurdo que em certos setores ain da persiste bastante é a interpretação siste mática reduzida ao aquiagoracomigo inde pendentemente do teor qualitativo do signifi cado daquele momento especial daquilo que o paciente falou Na atualidade parece que as coisas estão mudando bastante o analista já percebe que a sua interpretação não é senten ça categórica uma verdade final mas sim que a sua interpretação não é mais do que uma hipótese que pode ser aceita ou refutada pelo paciente É necessário destacar que hoje a ativida de da interpretação continua ocupando um papel fundamental no processo analítico po rém está ganhando uma convicção crescente de que muitos outros fatores mais além da interpretação também desempenham uma função importante Funções do ego consciente A psicanálise valorizava quase que exclu sivamente os aspectos inconscientes Hoje é imprescindível também analisar o ego cons ciente como são as funções de perceber co municar conhecer ou não querer conhecer pensar juízo crítico etc Ademais é fundamen tal que o paciente se responsabilize consciente mente por aquilo que diz pensa e faz de ma neira que mais importante do que simplesmen te levar o paciente a ter acesso ao que está ocul to no seu inconsciente é ele adquirir a capaci dade de liberar um trânsito de comunicação em uma via de duas mãos entre o consciente e o inconsciente Atuações Hoje em dia as atuações deixaram de ne cessariamente ser consideradas como equiva lente a um nome feio e podem ser utilizadas como um excelente meio de compreender como o paciente está comunicando aspectos que ele ainda não consegue entrar em contato Esta dificuldade está de acordo com as causas que promovem as atuações como a de que ele não consegue recordar pensar verbalizar e conter determinados sentimentos angustiantes Insight elaboração cura São diversos os tipos de insight Na atua lidade o insight de natureza cognitiva é bem diferente de intelectiva está sendo bastante valorizado Em relação à elaboração dos insights parciais o analista de nossos dias está atribuindo uma importância fundamental ao fato de o paciente desenvolver a capacidade de aprender com as experiências da vida e do ato analítico as boas e as más A cura analítica nunca é total de acor do com Freud para quem podemos resolver as misérias neuróticas mas jamais os infortú nios da vida O importante é que tenha havido no paciente um significativo crescimento men tal um fortalecimento do ego suficientemen te equipado para enfrentar as vicissitudes na turais da vida além de despertar um sentimen to de liberdade aquisição de capacidades la 28 DAVID E ZIMERMAN tentes de criatividade e fruição de prazeres e lazeres PARA ONDE VAI A PSICANÁLISE Segue uma enumeração de aspectos que a meu juízo deverão determinar novas trans formações e caminhos na trajetória da ciência psicanalítica 1 Saída do hermetismo Ninguém contes ta que a psicanálise durante um longo tempo ficou encastelada na sua torre de marfim não facilitando uma maior aproximação com as demais ciências e de certa forma assumindo uma atitude de arrogância em relação a elas Isso tem representado dois custos um mais evidente em época mais passada é o revide das demais disciplinas sob a forma de algum desprezo deboche e um afastamento científi co O outro é que a formação do analista ficou sensivelmente prejudicada limitada a girar em torno do seu próprio umbigo Freud percebeu isso tanto que já em 1926 no seu clássico A questão da análise leiga p 278 ele sabiamente profetiza que se ti vesse que fundar uma escola de psicanálise muito teria que ser ensinado pelo corpo médi co junto com a psicologia profunda que per maneceria sempre como disciplina principal deveria haver uma Introdução à Biologia in cluindo o máximo possível da ciência da vida sexual assim como familiarização com a sintomatologia da psiquiatria Por outro lado o ensino dialético incluiria ramos do conheci mento que não estão relacionados com a me dicina e com os quais o médico não tem que lidar na sua prática história da civilização mitologia psicologia da religião e ciência da literatura A não ser que se sinta à vontade nestes domínios um analista não será capaz de entender uma grande parte de seu traba lho Não é necessário dizer que não passa de um sonho utópico que está longe de vir a ma terializarse algum dia Creio que se Freud escrevesse hoje o mes mo texto incluiria outras disciplinas como a filosofia e as neurociências e daria um enfoque transdisciplinar Em relação a este último as pecto para ficar em um único exemplo atual mente não é difícil fazer a constatação de que existem surpreendentes paralelos entre as mais antigas tradições místicas e as atuais descober tas da física moderna e indo ainda mais lon ge destas últimas com as da metapsicologia psicanalítica 2 Uma maior abertura para as neuro ciências e para a moderna psicofarmacologia Até há muito pouco tempo a psicanálise funda mentavase em princípios da neurologia da época de Freud os quais estão obsoletos di ante das atuais comprovações rigorosamente científicas no que diz respeito às íntimas e re cíprocas conexões entre corpo e mente Igual mente estudos modernos comprovam que a afetividade e a cognição são indissociáveis Da mesma forma não mais se justifica a resistên cia de importantes setores da psicanálise que se opõem a um eventual uso de medicação es pecífica concomitantemente ao curso normal da análise de seus pacientes Os resultados da moderna psicofarmaco logia estão suficientemente comprovados por exemplo o uso de antidepressivos nas depres sões endógenas e na doença do pânico e pelo menos em minha opinião salvo em inegáveis situações de uso abusivo em nada prejudicam o normal desenvolvimento da análise pelo con trário muitas vezes auxiliam Aliás foi o pró prio Freud que no seu trabalho póstumo Es quema de psicanálise profetizou que o futuro nos ensinasse a influir de forma direta por meio de substâncias químicas específicas Especialmente o campo das neurociências já existe entre alguns psicanalistas um mo vimento chamado de neuropsicanálise está ganhando uma crescente respeitabilidade no que tange às pesquisas que esclarecem um pro gressivo mapeamento das zonas cerebrais e dos sistemas nervosos responsáveis por determina das respostas orgânicas e reciprocamente a forma de como as emoções estimulam os refe ridos circuitos neuronais com a respectiva li beração de substâncias como as serotoninas entre outras 3 Uma abertura para as teses propostas pelos psicólogos das formas Alguns pensadores importantes como Cassirer MerleauPonty e Sartre dedicaram instigadoras e interessantís simas reflexões sobre os fenômenos da percep ção e da imaginação os quais acredito po MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 29 O maior desafio para o analista é que ele possa enfrentar esses problemas sem perder a ma nutenção do necessário nível de profundidade da análise 6 Mudanças na formação do psicanalista Uma significativa parcela de importantes psi canalistas dentro da própria IPA não obstante haver uma tenaz oposição de outra parcela igualmente significativa está se apercebendo que o atual sistema de formação tolhe bastan te a liberdade e a criatividade do candidato Alguns chegam a comparar o ensino ao candi dato à condição de um aluno de colégio Aos poucos entre os responsáveis uma nova men talidade está se criando bem mais aberta sem renunciar aos princípios básicos da psicanálise 7 Outros pontos que já estão em anda mento de uns tempos para cá referemse à ne cessidade de sem alterar substancialmente o obrigatório currículo atual propiciar e estimu lar o acesso do candidato a outros ramos do conhecimento em geral tal como já está acon tecendo com a filosofia a lingüística e a física A importantíssima função de supervisão deve ser reformulada em alguns aspectos Os insti tutos formadores de analistas provavelmente deverão abrir as portas para uma formação paralela de psicoterapia psicanalítica em mol des diferentes Deverá haver um melhor apro veitamento da mídia com a finalidade de es clarecer a população em geral assim como ins tituir debates públicos multidisciplinares Uma questão ainda controvertida em relação ao ensinoaprendizagem do tratamento psicana lítico é a que diz respeito à política de um recí proco aproveitamento tanto ligação quanto de habilitação da psicanálise com a universidade 8 A psicanálise atual está em crise Par tindo do significado que a palavra crise de signa que as coisas atingiram um ponto intole rável o que não significa necessariamente que esteja havendo uma deterioração a resposta é sim a psicanálise está em crise exigindo sé rias mudanças para acompanhar as transfor mações do mundo Ao mesmo tempo a res posta é que a psicanálise não está em crise no sentido negativo pois existem claras evidên cias de que está muito viva como no meio da educação no qual a criança é escutada e seus direitos reconhecidos nas artes em geral no toriamente em produções teatrais e cinemato dem enriquecer bastante a teoria e técnica psi canalítica Para os leitores interessados no as sunto sugiro como leitura inicial o excelente trabalho de I Melsohn publicado no Jornal de Psicanálise v 33 nos 6061 2000 4 Enfrentamento de avanços na área cien tífica Novas descobertas como as da engenha ria genética a clonagem e a conclusão do se qüenciamento do genoma humano no míni mo estão acarretando problemas de ética os quais exigirão uma tomada de posição dos psi quiatras e psicanalistas Descobriuse que no centro de cada uma das células vivas está o genoma termo que se refere ao conteúdo to tal do material genético de um organismo seja este uma bactéria uma mosca um símio ou um ser humano O número de genes encontra do no homem é de 30000 ou seja um terço do que sempre foi estimado uma minhoca tem 19000 Tal resultado surpreendente mostra que a complexidade de uma espécie não é di retamente proporcional ao número de genes Provavelmente a diferença reside na multipli cidade de possíveis combinações de complexi dade crescente Não se é muito diferente de uma minhoca ou de uma mosca a drosophila por exemplo tem 15000 genes Isso fere a fantasia de grandiosidade do homem tanto que só muito recentemente está se deixando de negar as evidências óbvias da existência de vida psíquica no feto e no reino animal Embora exa gerando atrevome a dizer que essa descober ta relativa ao genoma tem um certo sabor de quarto rude golpe desfechado contra o narci sismo humano 5 Enfrentamento de mudanças sociais Grande parte da assistência médica e psicoló gica está sendo cada vez mais entregue a en tidades privadas ou governamentais presta doras de serviços sob a forma de segurosaú de nas quais predomina a ideologia monetá ria na equação custobenefício Além de episó dicas crises internas institucionais os psicana listas também enfrentam desafios da prati cidade como são os custos de um tratamento analítico bem feito as maiores distâncias que separam o paciente do analista a demanda por resultados imediatos uma certa pressão pela diminuição de sessões semanais a compara ção com os resultados obtidos com medicação uma certa desinformação por parte da mídia 30 DAVID E ZIMERMAN gráficas com um crescente debate participativo com públicos leigos na saúde mental na me dicina e de modo geral em todas as ciências humanísticas como no direito e na sociologia entre outros Um ponto final que cabe para todas as transformações aludidas no presente capítulo é o fato de que até o início do século XX os avanços científicos inovadores dobravam a cada 50 anos a partir da década 40 os avan ços começaram a dobrar a cada 10 anos e nos últimos tempos em uma média de cada três anos Nesta rapidez o que o futuro próximo e o futuro remoto reservam para todas as áreas da psicanálise MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 31 sonalidade real ou seja às suas qualidades defeitos idiossincrasias valores desejos as sim como ao seu tipo básico de personalidade FREUD Como quase tudo em psicanálise começa com Freud serão rastreados os seus passos mais de perto Méritos 1 Nos primórdios da psicanálise no seu período précientífico Freud tentou o método da hipnose induzida principalmente para pos sibilitar uma catarse método abreativo dos traumas reprimidos 2 Desiludido com o método até porque Freud não era um bom hipnotizador substi tuiuo pela livre associação de idéias também conhecida como regra fundamental Nos pri meiros tempos não era tão livre como o nome sugere porque deslumbrado com a idéia de fazer um levantamento arqueológico da men te camada por camada dos recalcamentos ele forçava suas pacientes histéricas mediante uma pressão na fronte a que elas espontane amente falassem tudo o que lhes viesse à ca beça quer elas achassem importante quer não Posteriormente em 1896 entendeu o apelo de uma paciente Emmy Von N para que ele a deixasse em paz pois assim ela cumpriria me lhor o papel que lhe cabia na análise 2 Os Principais Autores das Sete Escolas de Psicanálise e sua Contribuição à Técnica Méritos e Críticas A essência da sabedoria da psicanálise não está neste ou naquele autor está entre eles O maior mal da humanidade está no problema do malentendido da comunicação entre as pessoas Dando continuidade ao assunto tratado no capítulo anterior de modo sumarizado cabe traçar um quadro sinóptico das contribuições à técnica psicanalítica por parte de autores de distintas épocas geografias e escolas discri minandoos individualmente com as particu laridades que tornam a prática clínica bem dis tinta uma da outra embora de alguma forma todas as contribuições estejam de algum modo entrelaçadas conservando a essência da ciên cia psicanalítica A obra técnica de cada autor será descrita de forma resumida tanto nas con tribuições que são julgadas consensualmente como meritórias quanto de igual modo em separado nos aspectos que constituem o alvo de críticas Antes porém é necessário enfatizar que não obstante a técnica psicanalítica venha des de a criação da psicanálise até hoje sofrendo ininterruptas e profundas transformações a ponto de parecer irreconhecível se se fizer com parações entre distintas épocas com a atual a posição que assumo neste capítulo é que não se deve abandonar ou negligenciar as técnicas mais clássicas inclusive as pioneiras Até por que muitas inovações técnicas que são propos tas às vezes não passam de modismos por tanto passageiros ou de uma renovação ilu sória Assim pelo contrário no lugar de rene gar técnicas anteriores uma visão contextual integradora do passado com o presente repre senta ser muito enriquecedora Igualmente um outro ponto a considerar é o fato de que qual quer que seja o modelo técnico empregado pelo analista ele sempre estará submetido à sua per 32 DAVID E ZIMERMAN 3 Sempre visando a acessar as camadas do inconsciente que retinham repressões ago ra não só traumas que realmente teriam acon tecido mas também fantasias e desejos Freud formulou uma série de recursos técnicos que continuam vigentes e além da livre associa ção de idéias também o da interpretação dos sonhos o significado de sintomas atos falhos lapsos de linguagem e outras incidências da psicopatologia da vida cotidiana 4 Gradativamente foi propondo formu lando e recomendando especialmente no pe ríodo de 1912 a 1915 aos médicos que exer cem a psicanálise uma necessária obediência às suas cinco regras técnicas a aludida regra da livre associação de idéias a da abstinência a da atenção flutuante a da neutralidade e a do amor à verdade 5 Coube a Freud a primazia de conceituar algumas das mais importantes concepções téc nicas que constituem o coração e a alma da psicanálise que plenamente perduram na atua lidade não obstante com significativas e às vezes profundas transformações Entre outras dessas contribuições é imprescindível mencio nar a construção de um setting especial com um número mínimo de sessões semanais nos primeiros tempos eram seis com uma série de combinações de ordem prática com uma ênfase em trabalhar com um conjunto de fe nômenos que necessariamente estariam sem pre presentes na análise 6 Dentre tais fenômenos foi Freud quem primeiro estudou e descreveu as diversas fon tes e formas de resistência do paciente à análi se hoje também se valoriza o surgimento no analista da contraresistência Igualmente ele concebeu a presença permanente no ato analí tico de uma neurose de transferência no iní cio Freud considerou o surgimento da trans ferência como uma forma de resistência o pa ciente transfere para não ter que se lembrar Também foi ele quem pela primeira vez des creveu e nominou o fenômeno da contratrans ferência embora tenha mantido até o fim de sua obra uma certa reserva com relação ao surgimento da mesma na análise pois sempre persistiu em Freud uma dúvida se um senti mento de contratransferência não seria nada mais do que uma constatação de que a análise do analista em questão fora malsucedida ou incompleta Também foi quem descreveu pri meiramente o importante fenômeno dos ac tings como sendo uma forma de o paciente agir em vez de recordar o que estava recal cado no inconsciente e no préconsciente Igualmente coubelhe dar destaque fundamen tal à atividade da interpretação junto com a aquisição de insights e o trabalho de elaboração 7 Além disso dentro de uma visão estru turalista Freud preparou os analistas a obser varem a contínua interação entre o id o ego e o superego a este último ele também chamava de ego ideal e ideal do ego os quais na atualidade adquiriram significados próprios e específicos com a realidade exterior 8 Descreveu a importância na prática clí nica dos fenômenos da fixação da regressão e da representação Partindo desses conceitos foram suas as pioneiras considerações sobre as neuroses em geral e as perversões enfati zando as manifestações do masoquismo do exibicionismo e do voyeurismo 9 Descreveu um importantíssimo fenô meno de grande relevância na técnica a que emprestou o nome de reação terapêutica nega tiva a qual essencialmente atribuía à culpa do paciente para quem um êxito analítico repre sentava um triunfo edípico e por isso não se sentia merecedor de usufruir do seu sucesso 10 Ademais foi Freud quem lançou as primeiras sementes dos problemas técnicos li gados aos transtornos narcisistas hoje ampla mente valorizados na psicanálise referentes à persistência da fixação no paciente adulto daquela fase do psiquismo primitivo que ele chamou de sua majestade o bebê 11 No que se refere aos aspectos psica nalíticos da linguagem hoje por justiça tão valorizados na técnica psicanalítica cabe lem brar o pioneirismo de Freud em quatro aspec tos no mínimo Um deles referese aos significados opos tos que estão contidos em uma mesma pala vra Vamos nos restringir a um único exem plo dado pelo próprio Freud o termo latino sacer sagrado em português que no ori ginal alemão de Freud aparece como gantz andere significa uma força que por um lado desperta um sentimento de pavor mas por outro alude a um poder de atração quase irresistível De sacer deriva a palavra sacra mento isto é uma maneira de tornar sagra do de fortalecer os vínculos entre os homens MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 33 e Deus Inúmeros outros exemplos de pala vras com significados simultaneamente opos tos poderiam ser mencionados mas o que im porta é o fato de que quando o analista está atento à semântica relativa à narrativa do pa ciente isto é aos significados que podem ser atribuídos a um mesmo vocábulo enriquece bastante a sua escuta analítica Um segundo aspecto é que além da clás sica importância na técnica analítica que Freud atribuiu aos lapsos atos falhos e certos bloque ios do pensamento ele também nos demons trou como uma afirmativa ou negativa por par te do paciente pronunciada de uma forma im pulsiva e exageradamente categórica costuma ser um seguro indicador de que o significado deve ser exatamente o oposto daquilo que foi dito Por exemplo se o paciente afirma de for ma peremptória sem ser perguntado que nun ca sentiu inveja do fulano é bastante prová vel que essa afirmativa esteja encobrindo uma forte inveja a qual está negada Em terceiro lugar cabe mencionar os sig nificados de como determinadas experiências emocionais ficaram representadas no ego pri mitivo da criança um conceito original de Freud Essas idéias foram brilhantemente res gatadas e ampliadas por Lacan a ponto de este aspecto constituirse como uma vigamestra de sua obra O quarto aspecto referente à linguagem concerne à gramática do psiquismo nome que proponho para lembrar o notável esquema que Freud apresentou no seu clássico Caso Schreber 1911 Assim partindo de um pensamento de sejo eu o amo repudiado pelo consciente devido à sua conotação com desejo homosse xual Freud mostrou que simplesmente mudan do o sujeito o verbo ou o complemento daque la oração para fins de inconscientemente de fenderse pela negação e a evasiva Schreber desenvolveu pensamentos como não eu não o amo eu o odeio odeio porque ele me odeia eu a amo e não a ele tenho certeza de que ela me ama não sou eu é ela que o ama ele a ama e por isso me odeia Como é fácil perceber o pensamento original pode ficar irreconhecível por meio de negação e de projeções de forma a ficar transfigurado em uma configuração paranóide erotomania delírio de ciúme etc 12 Outro mérito da obra de Freud com importantes repercussões na técnica é o ver dadeiro tesouro que representa a descoberta do seu Projeto para uma psicologia científica 1895 trabalho que só veio a ser descoberto Freud o escondera receoso de que seria malrecebido em 1950 A indiscutível impor tância atual reside no fato de que suas especu lações na época passada estão encontrando respaldo científico nas modernas investigações que consubstanciam as neurociências contem porâneas de maneira que ampliam a compre ensão do analista possibilitando uma melhor empatia com muitas das manifestações emocio nais do paciente Críticas Freud preconizava análises de curta du ração de alguns meses a análise do Homem dos Lobos constituiu uma significativa exce ção durou quatro anos com seis sessões se manais sendo que sob uma perspectiva atual as análises que ele praticava pecaram por um excessivo afã investigatório com vistas a pro var as pressupostas teses com uma ênfase qua se que exclusiva nos conflitos ligados ao dra ma edípico Ademais sempre persistiu em seu traba lho prático uma nítida valorização da impor tância da figura paterna Os estudiosos de seus historiais clínicos consideram os seus textos de uma beleza literária e científica ímpar porém prevalece a opinião de que ele não teria sido um bom clínico A análise terminava quando além do esbatimento dos sintomas manifestos o ana lista conseguia fazer uma reconstrução gené tica a mais próxima possível da completude algo no estilo arqueológico da história evolu tiva dinâmica da paciente Em relação a algumas posições técnicas que radicalizou até o fim praticamente nin guém mais concorda hoje como é o caso da sua insistência na generalização da existência de uma inveja do pênis por parte de qual quer mulher Aliás inserido nos padrões cul turais da época Freud desqualificou bastante a mulher levando a um exagero caricatural podese dizer que para ele a mulher era um homem que não deu certo O problema é que praticamente até o fim de sua vida e obra não arredou pé dessa posição é de sua autoria a 34 DAVID E ZIMERMAN frase a mulher é um continente desconheci do Dos seguidores diretos de Freud vou me restringir a citar unicamente quatro autores entre tantos que fizeram inovações técnicas Abraham considero um primor seu trabalho de 1919 sobre resistência narcisista ainda per feitamente atual Ferenczi o primeiro analis ta a insistir para que seus pares adotassem uma elasticidade na técnica analítica não obstante ele também tenha sofrido severas críticas pelo uso de sua técnica ativa W Reich introdutor da análise do caráter e não só para a remoção de sintomas como era até então e Anna Freud a sua contribuição técnica ainda que discutí vel sobre a análise com crianças a sua descri ção pormenorizada e sistematizada dos meca nismos defensivos do ego e a sua importante participação na estruturação da norteameri cana Escola da Psicologia do Ego KLEINIANOS Dentre os indiscutíveis méritos da obra de Melanie Klein merecem ser mencionados os seguintes Méritos 1 Abriu as portas para a análise de crian ças por meio da técnica lúdica com a utiliza ção de brinquedos e jogos sem jamais aban donar o rigor analítico empregado na análise clássica com adultos 2 Igualmente também foi M Klein quem deu início à análise de psicóticos conservando a mesma técnica que a aplicada para pacientes neuróticos comuns à medida que ela foi con cebendo e divulgando os primitivos mecanis mos psíquicos que acompanham o bebê desde o nascimento 3 Dentre tais mecanismos primevos cabe destacar a descrição de uma angústia de ani quilamento além das primárias fantasias in conscientes no bebê recémnascido diante da inata pulsão de morte com o concomitante emprego por parte do ego incipiente de defe sas bastante mais primitivas do que aquelas que Freud e sua filha Anna descreveram 4 Assim a sua concepção do fenômeno da identificação projetiva hoje aceito por ana listas de todas as correntes é considerada im portantíssima para a técnica analítica Da mes ma forma é fundamental para a técnica o seu conceito de posição esquizoparanóide e de po sição depressiva 5 Contrariamente a Freud sabidamente falocêntico Klein deu uma ênfase seiocêntrica valorizando assim a primitiva relação mãe bebê com a respectiva introjeção de objetos totais e parciais bons e maus idealizados e persecutórios 6 Também diferentemente de Freud Klein valorizou sobretudo as pulsões agressi vas decorrentes de uma inata inveja primária e as respectivas fantasias inconscientes de ata ques sádicodestrutivos sobretudo contra a fi gura materna ou no analista na situação ana lítica A técnica analítica do grupo kleiniano concentravase na interpretação desses ataques invejosos os respectivos sentimentos culposos daí decorrentes além da necessidade de o pa ciente fazer reparações verdadeiras e constru tivas 7 Em relação à situação analítica o gru po kleiniano notabilizouse pela posição firme na manutenção rigorosa do setting apregoado e na recomendação de que os analistas deve riam trabalhar e interpretar sistematicamente a neurose de transferência São inúmeros os autores kleinianos pós kleinianos e neokleinianos que trouxeram inestimáveis contribuições técnicas Unica mente a título de exemplificação a kleiniana J Rivière descreveu a reação terapêutica ne gativa que ocorre nas situações em que o pa ciente aproximase do seu cemitério inter no relativo à depressão subjacente Dentre os póskleinianos é justo citar Rosenfeld H Segall Meltzer e Bion que foram os pioneiros no atendimento psicanalítico de psicóticos Rosenfeld desenvolveu estudos posteriores so bre a organização patológica que ele denomi nou gangue narcisista narcisismo de pele fina e de pele grossa além da inestimável impor tância para a técnica analítica que advém do seu trabalho de 1978 sobre psicose de trans ferência situação que ocorre com relativa fre qüência na prática clínica Para ficar em um MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 35 único exemplo de autor neokleiniano cabe mencionar J Steiner com sua importante des crição de organização patológica Críticas As maiores críticas advindas principal mente dos psicólogos do ego feitas à técnica analítica preconizada por M Klein e seguido res diretos referiamse aos seguintes aspec tos 1 O paciente adulto estaria sendo enca rado e tratado como um bebê sempre insatis feito ávido com desejos destruidores e com um certo menosprezo aos sentimentos amo rosos 2 O uso de um estilo interpretativo algo apriorístico doutrinário e categórico com verdades acabadas desse modo as in terpretações só fechariam no lugar de abrir 3 Essa conduta analítica paradoxalmente conduziria a uma maior infantilização do pa ciente adulto 4 Durante um bom tempo os kleinianos não teriam valorizado os aspectos ligados diretamente ao narcisismo e à impor tância que representa a condição de incom pletude do ser humano 5 O uso de inter pretações com características superegóicas como se o paciente fosse um permanente réu algo acusatórias de certo cunho mo ralista com o uso de uma terminologia na base de bom e mau e mescladas com expec tativas do analista a serem cumpridas pelo pa ciente impedindo assim a abertura de no vos vértices de percepção e pensamento do paciente e dele próprio 6 Uma ênfase exa gerada na interpretação da inveja além do fato de que a crença na noção de uma inveja primária inata já condiciona negativamente a atitude psicanalítica do terapeuta 7 Igual mente haveria um excessivo radicalismo no setting instituído a ponto de não tolerar a in trodução de qualquer parâmetro por míni mo e necessário que ele fosse 8 Uma não valorização das funções e representações do ego comparativamente ao id 9 O uso abu sivo de interpretações sistematicamente vol tadas para um reducionismo freqüentemen te artificial centrado no aquiagoracomigo como lá e então 10 Interpretações centradas em órgãos seio pênis e funções primiti vas podem induzir a uma doutrinação inte lectual do paciente 11 Um acentuado des caso pelos fatos da realidade exterior conti dos nas narrativas dos pacientes Os psicanalistas pós e neokeinianos têm feito sensíveis modificações na técnica que os seguidores tradicionais de M Klein utilizavam no sentido de uma relativa porém bastante sig nificativa maior elasticidade na aplicação dos princípios técnicos rígidos sem perder a sua essência PSICÓLOGOS DO EGO Muitos psicanalistas austríacos ao fugi rem da perseguição nazista no período que antecedeu a eclosão da Segunda Guerra Mun dial instalaramse nos Estados Unidos Um deles Hartmann juntamente com Kris e Lowenstein fundou a escola da Psicologia do Ego a qual encontrou uma ampla aceitação no solo norteamericano em uma mesma épo ca em que naquele país havia uma forte incli nação pela corrente culturalista Erich Fromm Karen Horney e outros Anna Freud foi uma grande inspiradora incentivadora e colaboradora desta corrente psicanalítica Posteriormente surgiram inúme ros autores importantes como Erikson estu dos sobre a influência da cultura e a formação do sentimento de identidade Edith Jacobson descreveu os primitivos processos na forma ção do self Margareth Mahler juntamente com colaboradores pesquisou por meio de ob servação direta os processos de separação e individuação de crianças pequenas o que de terminou significativas modificações técnicas e ultimamente Otto Kernberg representante da contemporânea psicologia do ego que es tabelece uma ponte com os teóricos das rela ções objetais Méritos 1 Os pioneiros Hartmann e seus segui dores propuseram uma maior valorização do ego no trabalho do analista que até então es tava concentrado no id 2 Partindo então do princípio de que nem tudo era id os psicólogos do ego atribuí 36 DAVID E ZIMERMAN ram uma significativa importância às funções conscientes e às representações inconscientes do ego além é claro dos mecanismos defen sivos que são procedentes do ego 3 Coube a Hartmann o mérito de ser o autor que mais claramente estabeleceu uma distinção entre ego como uma instância psí quica com as respectivas funções e ego como uma totalidade 4 Descreveram aquilo denominado área do ego livre de conflitos e também estabele ceram o conceito de autonomia primária e autonomia secundária além dos processos de adaptação 5 Na esteira dessas concepções a psica nálise norteamericana contribuiu para a am pliação e valorização das funções conscientes do ego assim como também atribuíram uma maior relevância à influência dos fatores heredoconstitucionais e ambientais na estru turação do psiquismo 6 Os psicólogos do ego dedicamse bas tante a fundamentar as suas concepções teóri cas e técnicas em pesquisas rigorosamente cien tíficas 7 Da mesma forma eles abriram as por tas para uma transdisciplinaridade consideran do os importantes desenvolvimentos contem porâneos da neurobiologia da etologia e da psicofarmacologia Críticas As críticas mais candentes a essa escola partiram de Lacan o qual sentindose revol tado com o que ele considerou uma traição à verdadeira psicanálise de Freud decidiu fazer um retorno a Freud e criou a sua própria esco la psicanalítica Muitos outros autores criticavam e ain da criticam na atualidade embora de forma menos intensa o que consideravam uma for ma de converter a psicanálise em uma mera adaptação ao american way of life Particu larmente estou entre aqueles que consideram esta última crítica exagerada visto que o con ceito de adaptação dos americanos não se refere unicamente ao mundo exterior mas tam bém a uma necessidade de haver uma adapta ção harmônica entre as diferentes instâncias e funções da estrutura do psiquismo interior com a realidade externa Outra crítica referese ao fato de que os mais notáveis analistas dos Estados Unidos não deram de si mesmos o suficiente para manter a titularidade nas cadeiras ligadas às áreas da psicologia e psiquiatria das universidades de modo que cederam esses lugares aos psiquia tras de orientação organicista Como resulta do diminuiu sensivelmente a busca de candi datos a uma formação psicanalítica nas insti tuições ligadas à IPA além de um crescente descrédito à psicanálise tradicional Na verda de costumase dizer que a nação norteameri cana está vivendo a era do Prozac tal é a busca por antidepressivos como substitutos de um tra tamento psicanalítico PSICOLOGIA DO SELF O criador e grande nome desta escola é H Kohut também um psicanalista que deixou Viena no apogeu do nazismo e refugiouse nos Estados Unidos Méritos 1 Kohut recusouse a ficar restringido quase que unicamente ao conflito edípico na análise com qualquer tipo de paciente como de certa fora era a regra até então Assim de cidiu investir nos estudos sobre o narcisismo 2 Foi um inegável mérito de Kohut o fato de paralelamente aos estudos sobre a pato logia do narcisismo ele haver resgatado os aspectos sadios e estruturantes que o narcisis mo também representa Assim descreveu o narcisismo não somente como uma inerente etapa evolutiva desde o recémnascido como também enfatizou que o narcisismo acompa nha todo ser humano pelo resto da vida so frendo transformações tanto as saudáveis empatia sabedoria humor criatividade quanto também as patológicas sob a forma de diferentes tipos de transtornos narcisistas da personalidade 3 A partir dessa sua aproximação com os primeiros anos de vida do ser humano Kohut descreveu a importância do que ele denomi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 37 nou selfobject objetos originais formadores do self da criança pequena chamando aten ção na técnica a necessidade de que o analis ta desempenhe o importante papel de funcio nar como um novo selfobjeto 4 A partir daí enfatizou a relevância das falhas empáticas da mãe como responsáveis por futuros transtornos narcisistas e neuróticos em geral 5 Dentro desse contexto Kohut propôs a concepção do que ele chamou de self grandio so a onipotência mágica do bebê e da criança pequena e imago parental idealizado os pais ficam revestidos com essa idealização onipo tente ambos de natureza bastante positiva na estruturação do self Assim Kohut contribuiu para que diante de um paciente adulto o ana lista veja com bons olhos uma certa permanên cia desses aspectos assim reduzindo a carga de sentimentos de culpa vergonha e fracasso 6 No lugar de considerar o homem cul pado como é clássico nas análises centradas no conflito edípico de Freud e nos ataques invejosos de Klein Kohut propôs a terminolo gia o homem trágico que alude a falhas mui to anteriores a Édipo 7 Kohut concebeu um tipo especial de transferência que denominou transferência narcisista nas suas três graduações transfe rência narcisista fusional gemelar e especular É justo considerar essa contribuição como um vértice de excepcional importância no empre go da técnica psicanalítica 8 Complementando a importância que representa a função do analista como um novo selfobjeto a ser introjetado Kohut chama a mudança que então se opera no paciente de internalização transmutadora 9 Indiscutivelmente o maior mérito credi tado a Kohut é o fato de que os seus enfoques nas falhas do psiquismo primitivo permitiram uma nova forma de abordagem um significativo progresso no tratamento de pacientes excessiva mente regredidos principalmente os portadores de transtornos narcisistas da personalidade Críticas A crítica mais candente que fazem a Kohut é o fato de ele desconsiderar Freud a ponto de considerar que Édipo nada mais é do que uma etapa paralela que se configura de acordo com a evolução do eixo principal do narcisismo Com essa posição Kohut pagou dois pre ços o de ter desconsiderado um lugar sabida mente relevante que sem dúvida é o conflito edípico nas suas múltiplas variantes e deriva dos psicopatológicos facilmente revividos e evi denciados na prática analítica O outro aspecto provocou o desprezo de um número significati vo de analistas que assim não considerou a sua obra como sendo uma psicanálise verdadeira Também não resta dúvidas de que Kohut cometeu o mesmo deslize de tantos outros au tores importantes tentou aplicar suas concep ções tão significativamente válidas para cer tos pacientes de forma exclusiva para todo e qualquer tipo de neurose LACAN Indiscutivelmente o grande inspirador da respeitada Escola Francesa de Psicanálise Jaques Lacan foi sempre uma figura muito con trovertida que entre tantas outras contribui ções notabilizouse pelas seguintes reconhe cidas como meritórias Méritos 1 A releitura que fez da obra completa de Freud permitiu rever os historiais clínicos de Freud sob outras perspectivas muito mais amplas e instigantes 2 Seus estudos sobre os estágios do espe lho possibilitaram entender melhor a forma ção de precoces mecanismos psicóticos a alie nação do bebê no corpo da mãe a noção de corpo espedaçado corps morcellé a repre sentação do corpo no ego da criança pequena concepção essa que permitiu uma melhor com preensão portanto manejo técnico de trans tornos psicossomáticos 3 Atribui uma importância especialíssima aos desejos e aos discursos dos pais e educado res em geral na formação do psiquismo da criança que será o futuro de nosso paciente adulto A relevância do desejo pode estar con densada nesta sua sentença a criança o sujei 38 DAVID E ZIMERMAN to quer ser o desejo do desejo da mãe logo ser o falo poder dela 4 A importância do discurso que é feito por meio de mensagens verbais ou nãoverbais com significantes predições expectativas atri buição de lugares e papéis mandamentos e imperativos categóricos adquire tal magni tude na obra de Lacan que cunhou esta frase de excepcional importância para a prática clí nica O inconsciente é o discurso do outro Talvez Lacan tenhase inspirado no filósofo Hegel quando este afirma que não é o indiví duo que cria a linguagem mas a linguagem no contexto histórico é que cria o indivíduo 5 Os significantes resultam mais da au dição do discurso com os conseqüentes sig nificados referemse mais aos conceitos dados aos significantes constituem a coluna verte bral da técnica da psicanálise porquanto se pode dizer de forma extremamente reduzida que em Lacan uma análise consiste em decodi ficar e nomear a rede de significantes Assim creio que cabe afirmar que nessa perspectiva a maior tarefa do analista é a de identificar a voz do significado patogênico no meio da polifonia dos significantes 6 Também podese creditar a Lacan o resgate da importância da figura do pai que ficou muito apagada durante a hegemonia da teoria seiocêntrica de M Klein Assim Lacan denominou lei do pai ou nome do pai a ne cessidade de um pai interporse como uma cunha delimitadora e separadora da fusão simbiótica mãebebê Não é difícil darmonos conta da importância do papel do analista não só no papel transferencial de mãe continente como também na de pai que frustra e impõe limites 7 Em relação à transferência propriamen te dita Lacan tem uma posição muito autênti ca especial e diferente daquela que se consti tuía como um pilar invariável na psicanálise a interpretação sistemática na neurose de trans ferência Pelo contrário ele se insurge contra o excessivo uso da interpretação transferencial com o argumento de que essa técnica repre senta um sério risco de reforçar uma maior idealização e dependência do paciente justa mente o que uma análise quer impedir Para Lacan a transferência deve ser interpretada quando houver a evidência de algum obstácu lo realmente transferencial manifesto por an gústia sintoma ou atuação Igualmente afir ma que pode haver sessões que são psicanalí ticas sem que haja interpretações transferen ciais e viceversa assim como também con sidera que o ato analítico acontece de fato quando o analista ocupa um lugar o de uma escuta privilegiada e uma posição o de fa zer intervenções sem aceitar a condição de su jeito suposto saber 8 Em relação ao fenômeno contratrans ferencial a partir do seu livro Escritos uma se leção 1966 Lacan dispensou o termo contra transferência com o argumento de que esse dava a entender uma reciprocidade entre o paciente preso na transferência e o analista pela contratransferência porém tal relação está longe de ser igual Assim em sua opinião o desejo precípuo do paciente é que ele seja o objeto de desejos do analista o analista por sua vez também tem desejos no mínimo ser um bom analista e que a análise evolua com sucesso O risco é que ele se deixe envolver pelo desejo e aceite o papel de sss 9 Relativamente à interpretação Lacan destaca a necessidade de o analista promover uma castração simbólica do paciente isto é fazêlo transitar do plano do imaginário para o plano do simbólico Segundo Lacan a inter rupção da fusão diádica com a mãe repro duzida com o analista deixa uma marca inde lével de uma falta de algo algo que se deseja e se teme lembra a sensação do estranho ou do sinistro unheimlich de Freud e que a partir daí fica sendo o gerador do desejo 10 Lacan concede uma grande valoriza ção à linguagem a sua afirmativa de que o inconsciente estruturase como uma linguagem já diz tudo de modo que ele usava bastante o re curso de desdobrar os significados contidos na composição de uma palavra nome próprio pe daço de frase 11 Uma observação especialmente im portante é que na sua técnica analítica Lacan prioriza sobremodo os aspectos cognitivos 12 Para Lacan o momento culminante de uma sessão analítica é aquele no qual o pa ciente sofre uma castração do desejo imaginá rio de sorte a atingir um nível simbólico Ba seado nisso ele estipulou que não se justifica a duração de uma sessão ser obrigatoriamente cronológica em torno dos habituais 50 minu tos mas sim a duração deve ser variável de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 39 menos ou mais deste tempo até a obtenção da aludida transição para um nível simbólico Críticas A primeira crítica que se faz a Lacan concerne à sua condição de pessoa real que segundo um grande número de seus críticos revela uma personalidade extremamente nar cisista centralizadora que na prática clínica com os seus pacientes e no convívio com alunos e colegas fazia justamente o oposto daquilo que ele tanto pregava ou seja ele funcionava como um sss e tentava submetêlos a uma indiscutí vel dependência eterna Por causa desse tipo de conduta Lacan abriu muitas dissidências como por exemplo com a IPA e com a própria escola que fundou As críticas mais acerbas dão conta de que ele seria um interesseiro deslumbrado pelo poder pelo dinheiro e pela conquista de mulheres desejos esses que se refletiam signifi cativamente nos pacientes Uma segunda crítica contundente alude ao fato de que sua postura psicanalítica ficou muito confundida com filosofia devido a uma excessiva intelectualização e a uma paixão pela demonstração de ampla erudição Talvez a crítica mais feroz seja aquela re lativa ao tempo de duração da sessão Muitos analistas testemunharam que o tempo de du ração de uma sessão dos pacientes de Lacan jamais ultrapassava os 50 minutos regulamen tares ou sequer atingia este tempo Pelo con trário quanto mais aumentava o número de pacientes segundo os referidos críticos ele manteria um número bastante excessivo de pacientes em formação tanto para garantir um poder político quanto para faturar mais mais diminuía o tempo da sessão às vezes não pas sando de poucos minutos sob a alegação de que o paciente já atingira a essencial castra ção simbólica WINNICOTT Como se sabe Direald Winnicott perten ceu durante bastante tempo ligado ao círculo kleiniano No entanto cada vez mais ele discor dava dos conceitos teóricos e técnicos pregados por M Klein especialmente o conceito de inve ja primária a ponto de ele abrir uma dissidên cia com o grupo de Klein e ingressar no grupo independente da Sociedade Britânica de Psi canálise A partir daí Winnicott criou as suas próprias concepções originais que resumida mente apresentam os seguintes méritos Méritos 1 Resgatou a importância do ambiente facilitador ou complicador creio que cabe acrescentar representado principalmente pela mãe da realidade exterior em contraposição à posição preconizada por M Klein e seguida pelos analistas kleinianos da época de atribuir uma importância quase que exclusiva às fan tasias inconscientes da criança 2 Relativamente à mãe real de uma certa forma inspirado em Lacan Winnicott deu uma especial importância ao olhar materno penso que cabe dizer olhar bom ou olhar mau parodi ando o seio bom e mau de M Klein A se guinte frase poética de Winnicott ilustra bem como o olhar da mãe funciona como um espe lho pois o primeiro espelho da pessoa é o rosto da mãe seu olhar sorriso voz como se a crian ça pudesse dizer olho e sou visto logo existo 3 Igualmente ele retirou a ênfase téc nica prioritariamente dirigida às pulsões sá dicodestrutivas resultantes da inveja primá ria segundo a escola kleiniana Por exemplo Winnicott cunhou o conceito de crueldade sem ódio para conceituar que as manifestações agressivas de uma criança obedecem a muitas razões que não são unicamente aquelas de um ódio destrutivo Da mesma forma enquanto os kleinianos da época diante de uma atitude construtiva do paciente interpretavam que as culpas decorrentes dos ataques estavam sendo devidamente reparadas Winnicott preferia conceituar como uma demonstração de senti mentos inatos da criança de consideração concern pelos outros 4 Seu conceito de holding bastante simi lar ao de continente de Bion representa ser uma peça técnica fundamental na construção do vínculo analistapaciente A frase cunhada por Winnicott a mãe suficientemente boa tem uma significativa relevância na prática analítica 5 Sua concepção de objeto espaço e dos fenômenos transicionais são totalmente origi 40 DAVID E ZIMERMAN nais em psicanálise esclarecendo muita coisa do desenvolvimento emocional primitivo e do que se passa no vínculo analítico 6 Desde quando era pediatra Winnicott utilizou com seus pequenos pacientes dois jo gos que criou Um o jogo da espátula um objeto metálico brilhante que ele deixava à vis ta da criança para observar como ela brincaria com ele o qual lhe permitiu criar o conceito de hesitação diante da tomada de decisões O segundo é o jogo do rabisco squiglle no origi nal que consiste no ato de que ele construía com a criança um desenho assim ele fazia um primeiro rabisco a criança continuava com outro rabisco e assim sucessivamente até com pletarem de modo espontâneo a forma final do desenho Particularmente considero esse jogo de extraordinária importância como um modelo de técnica psicanalítica no sentido de que em uma situação analítica o analista e o paciente devem exercer uma atividade lúdica do tipo que podemos chamar de rabisco ver bal até construírem um insight 7 Outro conceito de Winnicott de excep cional importância técnica é a sua concepção de verdadeiro self e de falso self ambos convi vendo concomitantemente no psiquismo de um mesmo sujeito 8 Ao contrário de M Klein Winnicott era bastante flexível com as combinações do setting inclusive no tempo de duração das sessões que diferentemente de Lacan não raramente con forme as circunstâncias ultrapassavam bastan te os clássicos 50 minutos Contam que uma vez alguém lhe perguntou se ele também atendia casos de psicoterapia ao que respondeu dizen do que não sabia o que era aquilo mas sabia sim que era psicanalista e que fazia psicanálise de duas ou de uma sessão semanal 9 Ao longo de seus textos Winnicott foi um mestre na formulação de paradoxos Por exemplo dizia ele referindose ao setting Recriase um ambiente íntimo e familiar evocando um ambiente íntimo e familiar evocando uma primitiva maternagem a um mesmo tempo que se exclui todo o con tato e gratificações diretas que não sejam as psíquicas Acredito que o recurso técnico de formu lar paradoxos para os pacientes temse mos trado de grande valia porquanto estimula a reflexão e a capacidade para fazer a integração dos opostos e contraditórios 10 Em uma época na qual poucos auto res animaramse em relatar experiências contratransferenciais Winnicott teve a cora gem de escrever O ódio na contratransferência 1944 um trabalho importante para a técni ca analítica simplesmente porque era verda deiro trouxe à lume aquilo que com determi nados pacientes qualquer analista pode e deve sentir assim desmitificando tornando natural e logo trazendo alívio e maior tranqüilidade ao terapeuta Críticas Muitos críticos argumentam que a empol gação de Winnicott com a ênfase na mãe real e no ambiente exterior em contraposição a M Klein fez com que ele fosse até um pólo opos to ao dela de sorte que ele passou a subesti mar a importância do papel das fantasias in conscientes Segundo os mesmos críticos a atitude humanística de Winnicott prejudicava uma necessária imposição de frustrações necessá rias assim dificultando o surgimento de senti mentos que acompanham a vida de qualquer pessoa como os raivosos por exemplo W BION Bion que foi discípulo analisando e se guidor de M Klein é considerado um autênti co inovador da prática da psicanálise Sua obra estendese por quatro décadas os anos 40 mostrando que diferentemente de M Klein interessavase por aspectos sociais foram de dicados à prática e aos estudos sobre dinâmica de grupos a década de 50 foi voltada para a análise de Psicóticos a de 60 a mais frutífera de todas é chamada de Epistemofílica pela razão que ele demonstrou um interesse todo especial pelos fenômenos do conhecimento pensamento linguagem comunicação víncu los verdades e falsificações etc tendo publi cado vários livros sobre esses temas hoje con sagrados Na década de 70 começou a viajar atendendo a convites por lugares do mundo MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 41 só no Brasil esteve quatro vezes ministran do conferências debates supervisões e semi nários clínicos ao mesmo tempo em que pu blicou textos com um teor algo místico Apesar do fato de Bion não ter publicado nenhum livro ou texto direta e especificamen te dirigido à técnica psicanalítica é inegável que nas entrelinhas de seus pronunciamentos nos quais ele sempre se referia à prática clíni ca a técnica está sempre presente com con cepções originalíssimas Méritos 1 Bion teve a sabedoria de conservar tudo o que aprendeu de Freud e de M Klein e sem contestálos somente adicionou uma continui dade às concepções daqueles dois ele é o ter ceiro gênios da psicanálise porém criou no vas idéias teóricas portanto também técnicas inteiramente originais 2 A meu juízo foi o autor que mais eqüi distante ficou entre M Klein pulsões sádicas destrutivas fantasias inconscientes terroríficas etc e D Winnicott valorização da mãe e do ambiente facilitador no desenvolvimento emo cional primitivo da criança etc além de tam bém ter valorizado os aspectos heredocons titucionais que variam de pessoa para pessoa 3 O seu intenso trabalho clínico com pa cientes de natureza psicótica permitiulhe con ceber aspectos interessantíssimos sobre a nor malidade e a patologia dos fenômenos de per cepção pensamento linguagem comunicação e ataques aos vínculos de ligação todos eles de extraordinária repercussão no manejo téc nico com pacientes em geral 4 A abrangência para pacientes em ge ral devese ao fato de que Bion concebeu em todas as pessoas a coexistência permanente entre uma parte neurótica e uma parte psicótica da personalidade predominância de pulsões tanáticas uso excessivo de identificações proje tivas a tríade da onipotência onisciência e prepotência etc A necessidade de o analista trabalhar para o paciente admitir um acesso a essa sua parte psicótica trouxe inestimáveis mudanças técnicas 5 Em relação ao primário vínculo da mãe com o filho equivale ao do analista com o seu paciente Bion aprofundou a importância da função de rêverie materno a função de conti nente da mãe ou analista ter condições de acolher e conter as necessidades e angústias que por meio de excessivas identificações projetivas os filhos pacientes colocam den tro dela Assim representa um fundamental avanço técnico a noção de que o analista deve acima de tudo ter bem desenvolvida essa ca pacidade de continência para que além de conter a carga nele projetada também possa decodificar o seu significado dar um sentido e devolver para o paciente devidamente desinto xicada e sobretudo nomeada 6 Em relação aos vínculos ele descreveu três tipos o do amor do ódio e do conhecimen to sendo que ele deu uma ênfase especial a este último particularmente quando ele está sinalizado negativamente K vale lembrar que K é a inicial de knowledge isto é conhe cimento ou seja quando o paciente não quer tomar conhecimento das verdades analíticas Creio que está mais do que evidente a enorme importância que isto representa para a técnica analítica especialmente no que se refere ao destino que as interpretações do analista to mam no psiquismo do paciente por mais cor retas que elas tenham sido 7 Um mérito especial que cabe a Bion é o fato de ele haver enfatizado que toda análise é um processo de natureza vincular entre duas pessoas que vão enfrentar muitas angústias diante dessas verdades e isso impõe que o ana lista possua aquilo que ele denomina condições necessárias mínimas 8 Dentre essas últimas cabe garimpar em estilo telegráfico as seguintes ser verda deiro um permanente estado interrogativo de descobrimento a mencionada capacidade de ser continente aliada a uma função alfa uma capacidade negativa isto é uma condição de suportar dentro de si sentimentos negativos como é por exemplo o de um não saber uma capacidade de intuição um estado de pa ciência e de empatia a necessidade de que na situação analítica a mente do analista não es teja saturada por memória desejo e ânsia de compreensão imediata além de também ter dado a entender que o analista como pessoa real é um importante modelo de identificação para o paciente 9 Bion propôs o modelo da mente como se fosse um mapamúndi composto por vá 42 DAVID E ZIMERMAN rias regiões distintas daí a técnica analítica desenvolveu a necessidade de o analista abrir para o paciente novos vértices de percepção em relação aos significados que ele dá aos fatos que esteja narrando Assim igualmen te ele propõe que o analista tenha uma visão binocular ou multifocal de forma a perce ber e tentar integrar os seus aspectos distin tos e contraditórios 10 No lugar da clássica expressão cura analítica Bion prefere o emprego da termino logia crescimento mental tendo em vista que uma análise não termina com uma cura de sin tomas como é na clínica médica mas sim ela evolui em um modelo de espiral helicoi dal expansiva e ascendente como um univer so em expansão sem um término definitivo 11 Na atualidade está sendo bastante valorizado um aspecto inerente à comunicação nãoverbal tão desenvolvida por Bion ao lon go de toda a sua obra que é aquela forma de linguagem que comunica através de hologra mas ou pictogramas ou ideogramas cuja ca racterística maior é que ela não se processa tanto à visão ou audição mas sim por meio de imagens cheias de significados que evocam sensações e sentimentos no analista Críticas Durante muito tempo agora bem me nos Bion foi acusado de ser mais um mate mático filósofo e místico do que psicanalista e que neste último aspecto as suas contribui ções seriam de natureza tautológica ou seja repetindo com outras palavras tudo aquilo que já teria sido dito por seus predecessores Assim seus textos eram considerados con fusos herméticos com uma terminologia dirigida a uma pequena elite de psicanalistas intelectualizados Desta maneira diziam os críticos o próprio Bion seria uma pessoa muito confusa nas suas idéias que estariam mais vol tadas para um certo exibicionismo de erudi ção e intelectualização do que propriamente para as reações afetivas Pelo menos em rela ção a este último aspecto quem está mais fa miliarizado com a totalidade da obra de Bion há de discordar enfaticamente COMENTÁRIOS PESSOAIS Cabe concluir este capítulo com quatro comentários que me parecem abrangem a to dos os principais autores que foram mencio nados com suas respectivas contribuições ao desenvolvimento da técnica psicanalítica 1 Em grande parte aconteceu com to dos eles aquilo que se costuma di zer todas as idéias importantes e inovadoras nascem como heresias e terminam como dogmas 2 Assim também eles cometeram aque les inconvenientes e que represen tam um risco para todos nós de fazer um excessivo apego ao novo com um descaso ao velho ou vice versa 3 Quando se quer comparar as análi ses fundamentadas nesta ou naque la escola conforme o ponto de vista que adotamos podemos chegar a conclusões positivas ou negativas encontrar pontos concordantes ou divergentes sem que a verdade de uma delas seja exclusiva e tampouco que uma delas implique na inverda de de outras Cabe traçar uma ana logia com a física mecanicista con cebida por Isaac Newton e que não é mais utilizada pelos físicos da atu alidade No entanto isso não signi fica que ela seja errada ou certa ou que não mais tenha uma plena vali dade útil para explicar determina dos fenômenos sem ter alcance para explicar a outros como os da física quântica por exemplo 4 É significativo o fato de que ainda é muito difícil tentar mensurar se o emprego de técnicas de uma dessas mencionadas correntes psicanalíti cas promove maiores ou melhores resultados verdadeiramente psica nalíticos em um enfoque compara tivo de umas com as outras na prá tica clínica MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 43 mação e competência Os conhecimentos mais amplos e aprofundados que o psicanalista con temporâneo possui acerca da gênese e da dinâ mica do psiquismo implicam na necessidade de que também os analistas realizem mudanças téc nicas Os recentes avanços das neurociências representam alguma contribuição para a técni ca analítica O que fazer com pacientes que não querem mudar Com vistas a perspectivas futuras para aonde vai a técnica que devemos utilizar nos tratamentos psicanalíticos Pela re levância que estas questões merecem este ca pítulo pretende encaminhar algumas reflexões e tentativas de respostas BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA Na época pioneira de Freud e seus segui dores imediatos o tratamento psicanalítico era de breve duração porquanto o objetivo maior da análise consistia basicamente na remoção de sintomas inerentes a determinadas patolo gias clínicas Na obra de Freud a técnica em pregada para que o analista conseguisse ter acesso ao inconsciente do paciente fundamen tavase no emprego da regra da livre associa ção de idéias especialmente no que tange à interpretação dos sonhos um único sonho poderia ser analisado nos mínimos detalhes associativos durante semanas ou meses con siderada a via régia do inconsciente Para atingir um resultado analítico Freud preconizou uma série de recomenda ções técnicas aos analistas que foram se trans 3 Como Agem as Terapias Analíticas Todos nós acabamos nos acostumando com uma coisa extraordinária esta conversa esquisita que denominamos psicanálise funciona É inacreditável mas ela funciona Bion Conversando com Bion p 127 ALGUNS QUESTIONAMENTOS Uma das perguntas mais freqüentes que tanto pacientes quanto alunos e de certa for ma todos nos fazemos referese diretamente à incerteza de qual é ou de quais são os fatores que determinam o que é a meta maior de qual quer terapia analítica a obtenção de verdadei ras mudanças no psiquismo logo na conduta do paciente Até pouco tempo atrás a resposta era mais simples e fundamentavase nos efei tos das interpretações do analista dirigidas ao inconsciente do paciente levando à obtenção de insights os quais passando por um proces so continuado de elaborações conduziriam à cura analítica Na atualidade com o reconhecimento de que muitos outros fatores possam intervir no processo de aquisição de mudanças psíquicas as coisas não são mais tão simples de sorte que nos instiga a refletir sobre uma série de ques tões tais como entre outras continua válida a idéia de que a interpretação seja virtualmente o único instrumento técnico que efetivamente fun ciona Nesse caso ela deve ficar restrita à in terpretação dirigida unicamente ao plano da neurose da transferência Toda interpretação correta é eficaz Além da interpretação a pes soa real do analista também merece ser consi derada um importante fator no processo de mu danças Cabe falarmos de análise do cons ciente Existe a possibilidade de que um mes mo paciente possa evoluir mal com determina do analista mas muito bem com outro mesmo que ambos tenham uma igualdade na sua for 44 DAVID E ZIMERMAN formando no curso de sua longa obra e de forma muito resumida as referidas transfor mações podem ser sintetizadas nos seguintes quatro lemas específicos de cada uma de suas quatro grandes teorias concernentes ao psi quismo 1 Na vigência da Teoria do Trauma partindo de sua concepção de que as histéricas sofrem de reminiscên cias que estão recalcadas o lema analítico era aquilo que estiver es quecido lembrado deve ficar 2 Após alguns anos Freud concebeu a Teoria Topográfica pela qual configurou o psiquismo com três re giões o Consciente o PréConscien te e o Inconsciente cujo lema pas sou a ser o que estiver no incons ciente no consciente deve ficar 3 Segue a concepção e a formulação da Teoria Estrutural com o respec tivo lema analítico onde estiver o Id e o superego o Ego deve estar 4 Creio que pode ser acrescentado um quarto lema se lembrarmos que foi Freud quem plantou as sementes da fundamental concepção do narci sismo de maneira que o lema pode ser este onde estiver Narciso día de Édipo triângulo deve ficar O principal talvez o único ins trumento técnico consistia no uso da interpretação principalmente dos simbolismos contidos nos sonhos e dos conflitos que se reproduziam na neurose de transferência A psicanálise deu um salto de qualidade a partir do trabalho Análise do caráter de Wilhelm Reich 1933 seguidor inicial de Freud que mais tarde veio a abrir uma dissi dência pelo fato de que esse autor indo muito além do objetivo de remoção de sintomas pre conizou condutas técnicas pelas quais o ana lista poderia modificar a couraça caracteroló gica dos pacientes Com o advento e o crescimento da escola kleiniana a psicanálise adquiriu novas concep ções metapsicológicas como por exemplo as da existência de mecanismos defensivos do ego muito primitivos controle onipotente dissocia ções identificações projetivas e introjetivas idealização e denegrimento uma valoração das inatas e permanentes relações objetais a atribuição de uma especial importância à exis tência das arcaicas fantasias inconscientes e igualmente o fenômeno psíquico que M Klein denominou Posições as esquizoparanóides e as depressivas Tais descobertas permitiram um aprofun dado conhecimento do desenvolvimento emo cional primitivo de modo que as portas da psi canálise foram abertas para pacientes psicó ticos crianças e os seriamente regredidos em geral O principal instrumento da técnica psi canalítica continuou sendo o uso da interpre tação porém indo muito além de Freud os kleinianos preconizavam um emprego sistemá tico da interpretação no aquiagoracomigo como lá e então na transferência com o analis ta com uma tendência que está sendo redu zida na atualidade de relacionar a interpreta ção em termos de objetos parciais e primitivos seio ou pênis bom ou mau etc Ademais o enfoque kleiniano incidia de forma enfática no tripé da agressão real ou fantasiada seguida de inevitáveis culpas persecutórias ou depressivas com a necessi dade de o paciente atingir a posição depres siva que o permitiria adquirir um sentimento de gratidão e vir a fazer reparações verda deiras Ainda persiste por parte de muitos analistas uma posição na verdade uma acu sação de que o terapeuta que não estiver tra balhando na transferência sistemática do aqui agora não está fazendo uma verdadeira psi canálise Como se pode notar até há pouco tempo a crença vigente era a de que a terapia psica nalítica agia quase que exclusivamente por meio do efeito das interpretações do analista centradas na neurose de transferência do pa ciente com uma gradativa valoração da contra transferência de modo que predominava no setting analítico a ligação de duas pessoas a do analisando deitado no divã cuja função era trazer o seu material e a do analista como damente sentado em sua poltrona cujo papel era da pessoa sadia que deveria saber inter pretar Aos poucos alguns autores principal MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 45 mente o casal Baranger e Bion foram propon do a relevância da noção de campo analítico ou seja a de uma recíproca e permanente interação entre paciente e analista Assim na psicanálise contemporânea sobretudo a partir das importantíssimas con tribuições de Bion relativas ao seu paradigma técnico que podemos denominar vincular dialético vincular porque em toda relação humana sempre estão presentes sendo indisso ciáveis os vínculos de amor ódio e conheci mento enquanto o termo dialético alude ao fato de que continuadamente os integrantes do par analítico estão em uma permanente interação dialética ou seja à tese do paciente ninguém gosta de mim o analista pro põe uma antítese convida o paciente a escla recer e fundamentar essa sua forma de perce ber e pensar e após levanta outras teses pos síveis em torno dos mesmos fatos a serem pensadas por aquele a síntese do tripé dia lético é representada pela aquisição do insight Cabe enfatizar como uma decorrência do que está sendo dito que a psicanálise moder na está fundamentalmente baseada no exercí cio da dúvida permanente atitude essa que se opõe àquela de que tanto o paciente como o analista abriguemse em um saber congelado Assim o constante perguntarse é considera do um forte aliado do processo analítico BENEFÍCIO TERAPÊUTICO E RESULTADO ANALÍTICO Uma importante variável que deve ser levada em conta no que diz respeito a como agem as terapias analíticas é aquela que refere mais precisamente a quais objetivos o analista e o paciente pretendem qual é a teoria de cura de cada um deles Assim não obstante a essência do comportamento técnico do analis ta se conserve a mesma alguns detalhes de ma nejo técnico modificamse no caso de a pre tensão ficar restrita à obtenção de benefícios terapêuticos perfeitamente válidos e impor tantes considerando que eles promovem a re solução de crises agudas esbatimento de sin tomas uma melhor adaptação familiar e so cial porém os resultados podem ser instáveis sujeito a possíveis recidivas Já um resultado analítico designa uma profunda modificação da estrutura psíquica do paciente a partir de uma transformação das relações objetais inter nas com as respectivas identificações e com maiores possibilidades de as mudanças adqui ridas serem estáveis e permanentes INTERPRETAÇÃO E ATIVIDADE INTERPRETATIVA Na psicanálise contemporânea poucos são os analistas que ainda permanecem em uma atitude unicamente concentrada no uso exclusivo de interpretações formais sistemati camente transferenciais formuladas ao pacien te como sendo uma espécie de verdade final Pelo contrário a tendência atual é que o ana lista considere a interpretação como não mais do que uma hipótese que está sendo levan tada por ele cabendo ao paciente aceitála ou refutála porém o mais importante é que ele reflita sobre ela Levando em conta tal objetivo a técnica analítica dos nossos dias dá uma grande im portância ao que se está denominando ativi dade interpretativa a qual designa uma liber dade para o terapeuta intervir com maior fre qüência toda vez que ele julgar ser útil fazer um clareamento daquilo que esteja ambíguo no relato do paciente um confronto por exemplo entre o que o paciente diz e desdiz entre o que diz e faz um assinalamento de atos falhos lapsos contradições paradoxos den tre outros e sobretudo o uso de perguntas não as unicamente voltadas à coleta de dados nem tampouco aquelas que guardam uma natureza inquisitória mas sim perguntas insti gantes que possibilitem o levantamento de novos vértices de percepção e reflexão de um mesmo suceder psíquico Partindo dessa posição técnica podese deduzir a importância que estamos conferin do às funções de perceber e pensar o que per mite induzir a necessidade de o analista cons truir um clima de transferência levando em conta que nem sempre um determinado paci ente está em condições de receber uma carga de interpretações no aquiagoracomigo da transferência na hipótese de que ele ainda não se sinta aí com o seu analista 46 DAVID E ZIMERMAN DOIS EIXOS TÉCNICOS INTERPRETAÇÃO E ATITUDE PSICANALÍTICA INTERNA A partir da convicção de que a interpre tação por si só não é o único fator terapêutico analítico e que a sua eficácia está intimamen te ligada a uma concomitante e autêntica ati tude psicanalítica interna convido o leitor a imaginar um sistema cartesiano em forma da letra L composto por um eixo vertical que vamos denominar eixo das interpretações e um outro horizontal considerado o eixo da atitude psicanalítica interna Este último alu de ao fato de um algo mais que indo além da interpretação formal transmite ao pacien te uma sensação de que ele está sendo com preendido acolhido contido acompanhado e respeitado pelo seu terapeuta com quem co meça a estabelecer um vínculo de uma recí proca confiança e esperança situação analíti ca essa que somente se estabelece com solidez quando os referidos sentimentos despertados no paciente correspondam de fato a sentimen tos que verdadeiramente o analista nutre em relação a ele Creio que quanto maior for a organiza ção do self do paciente maior será a importân cia do eixo da interpretação em contrapartida quanto maior for a sua desorganização com um estado de regressão do paciente a níveis primitivos estados psicóticos borderline etc mais cresce a relevância do eixo horizontal da atitude analítica a ponto de muitas vezes so brepujar a ação direta da interpretação formal Deve ficar claro que um eixo não exclui o ou tro pelo contrário eles se complementam e são indissociáveis porém cabe ao analista ter a sensibilidade para perceber qual a propor ção que para um determinado paciente deve ser conferida para um ou outro eixo A partir deste ponto de vista fica mais fácil entender por que muitas condutas técni cas que conforme trabalhos publicados foram utilizadas pelos nossos maiores mestres como Freud M Klein e Bion para mencionar uni camente os três gênios da psicanálise con dutas essas que vistas com a óptica de hoje permitiriam acerbas críticas em contraste com o fato de que na maioria das vezes eles obti veram excelentes resultados clínicos Creio que a eficácia terapêutica não se deveu ao conteú do das interpretações muitas delas esdrúxulas e altamente intelectualizadas mas sim ao fato de que eles não tinham medo ou repulsa pelo paciente em estado de alto grau de re gressão pelo contrário a atitude analítica des sas figuras mais notáveis da psicanálise era de coragem continência amor ao trabalho ao pa ciente e à verdade além de outros atributos equivalentes UM CONCEITO MAIS AMPLO DE INTERPRETAÇÃO A noção mais clássica de interpretação visava essencialmente a atingir o conflito psí quico resultante do embate entre os mecanis mos defensivos do ego contra as pulsões pro vindas do id ou das ameaças e mandamentos emanadas por um superego tirânico e puniti vo ou ainda das fantasias inconscientes de toda natureza especialmente as destrutivas além da configuração interna de uma conse qüente constelação de identificações patóge nas Todos esses fenômenos psíquicos conti nuam plenamente vigentes e requerem ser ana lisados em profundidade de acordo com as téc nicas habituais No entanto além desses aspectos impõe se agregar outros que representam um gran de avanço para o objetivo analítico de pro mover transformações mais amplas intensas e extensas refirome às concepções de re presentações identificações patógenas e signi ficações seguidas da tarefa analítica de res pectivamente serem transformadas em um primeiro momento em uma desocupação desrepresentações desidentificações e dessignificações do enorme espaço que de forma patogênica ocupam no psiquismo do paciente como um segundo passo que esse espaço agora já liberado seja ocupado por neorepresentações neoidentificações e neosignificações Talvez o uso de breves vinhetas clínicas possa esclarecer melhor o que estou preten dendo transmitir Assim em relação às representações re cordome de uma paciente que não obstante ser muito bonita fato reconhecido por todos que a conheciam mantinha uma absoluta con vicção de que era muito feia e que a opinião MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 47 contrária de todos os outros deviase a uma pena que sentiam dela Argumentos basea dos na lógica não surtiam o menor efeito até uma sessão na qual a paciente acendeu uma luz ocasião em que deu a entender que seus pais no seu processo de educação seguida mente usavam expressões como criança que não se comporta bem que incomoda é feia além de outras tantas recriminações análogas O prosseguimento da análise comprovou que pelo fenômeno do imprinting tais significados ficaram impressos na mente inconsciente da paciente de sorte que os seus sentimentos menos nobres que habitavam o seu psiquismo ódio inveja ciúme rebeldia e outros eram automaticamente significados por ela como sendo uma pessoa feia situação que a par tir daí permitiu uma neorepresentação do seu verdadeiro corpo Quanto às identificações patógenas tanto as que resultaram da introjeção de pais que realmente foram muito complicados ou devi do às intensas distorções da figura real dos pais conseqüentes das fantasias inconscientes das crianças todos temos a experiência clínica de que decorridos alguns anos de análise a des crição que certos pacientes faziam dos pais fi cam após quase que totalmente irreconhe cíveis o que cabe realçar é a especial impor tância que adquire a pessoa do analista como um novo neo modelo de identificação de modo a favorecer o fenômeno que Kohut 1977 denominou internalização transmuta dora ou que Bion 1992 considerava uma importante internalização do paciente de uma função psicanalítica da personalidade Relativamente às significações vou ilus trar com uma vinheta clínica trivial um pa ciente em um estado psicótico repetia com pulsivamente que ele não prestava não mere cia a atenção e o afeto das pessoas que mere cia isso sim que Deus o castigasse etc Com o decorrer das sessões relatou que tudo isso se devia ao abuso excessivo da prática da mas turbação quando era criança Questionado pe lo terapeuta sobre qual o mal que ele via na masturbação narrou que sua memória estava obcecada com a lembrança de uma frase dita pelo padreprofessor durante uma aula de ca tecismo Cada gota de esperma derramado no crime do onanismo corresponde a uma gota de sangue que se esvai de Nossa Senhora a Virgem Maria O alívio só veio com o trabalho analítico de uma neosignificação do mesmo fato masturbatório ou seja a gradual retirada dos significados de pecado diante de Deus e de crime hediondo cometido contra Nossa Senhora sua mãe seguido de novos signifi cados mais centrados no aspecto sadio da masturbação infantil como um despertar do erotismo natural com uma sadia busca de sa ciar a curiosidade pelo conhecimento de seu corpo Recordo que ao utilizar o recurso téc nico de abrir um outro vértice de percepção e compreensão dirigida ao seu lado adulto não lhe ocorria a possibilidade de que o padre ain da que bemintencionado pudesse ter dito para os alunos nada mais do que uma besteira o que o fez rir demoradamente AMPLIAÇÃO DA NOÇÃO DE ESPAÇO PSÍQUICO Classicamente o espaço mental de qual quer pessoa é descrito como ocupado pelas ins tâncias psíquicas do id ego e superego acres cido das representações e especialmente por objetos que desde sempre foram introjetados ou reintrojetados em um vaivém entre iden tificações projetivas e introjetivas Atualmente cabem alguns acréscimos que possibilitam ao analista uma visão mais ampla a ser trabalhada nos distintos aspectos do psiquismo do paciente que tanto podem estar em harmonia e complementação como também é provável que essas distintas facetas convivam em desarmonia com manifestações contraditórias ou em oposição ou em forma de conluio perverso entre si Dentre os alu didos aspectos intrapsíquicos que merecem ser agregados entre outros mais cabe destacar os seguintes 1 A existência de um grupo interno Par to da noção de que todo indivíduo é um gru po porquanto habita no interior de seu psi quismo um conjunto de personagens como mãe tanto a boa quanto a má pai idem irmãos avós e outros que não estão em um estado meramente passivo mas sim em per manente e intensa interação de características singulares e peculiares para cada um Assim podese dizer que mais do que objetos sim 48 DAVID E ZIMERMAN plesmente introjetados o que na realidade re leva é o fato de que se trata de uma interiori zação de relações objetais A importância disso na técnica analítica fundamentase no fato de que as referidas relações objetais inter nas são projetadas para o mundo exterior de modo a determinar inconscientemente a es colha das novas relações com pessoas com as quais poderemos viver o resto da vida e que muito possivelmente podem estar reeditando nada mais do que aquelas primitivas relações produzindo configurações vinculares normais ou patológicas 2 O conceito do fenômeno de imprinting observado pelos etólogos em relação ao reino animal permite valorar o impacto de determi nadas sensações e experiências emocionais pri mitivas quer sejam as traumáticas e estres santes quer as prazerosas que ficam impres sas em algum canto do self sob a forma de representações de coisa ou de palavra se gundo Freud acompanhadas com as devidas significações determinadas pelas fantasias in conscientes da própria criança ou pelo discurso dos pais veiculando ameaças mandamentos e expectativas 3 As instâncias psíquicas na psicanáli se clássica sempre foram consideradas como de natureza tripartide compostas pela pre sença de id ego e superego sendo útil regis trar que Freud empregava os termos ego ideal e ideal do ego com um significado pratica mente idêntico ao de superego Hoje em dia poucos contestam a necessidade de fazer uma nítida distinção conceitual entre estes três ter mos Assim o termo superego que na con cepção de Freud formase como o herdeiro di reto de Édipo continua designando a instân cia psíquica encarregada de impor normas mesmo que sejam sob a forma de mandamen tos ameaças terrorismo e punições às vezes de forma cruel embora deva ser feita a ressal va de que é indispensável a presença de um superego normativo que podemos chamar de ego auxiliar ou superego bom o qual im põe os necessários limites contato com a rea lidade exterior e obediência às leis culturais e legais além da conduta dentro de princípios éticos 4 Já o ego ideal é considerado o her deiro de Narciso de sorte que essa instância emana aspirações ilusórias que visam à ob tenção de um estado de completude com às conseqüentes falhas na aceitação de qualquer tipo de frustração O ideal do ego por sua vez alude a um estado psíquico no qual o sujeito sentese coagido a corresponder aos seus próprios ideais e aos que foram agrega dos oriundos das expectativas intensamente idealizadas que os pais através dos seus dis cursos e desejos ocultos ou manifestos de positaram nele nosso paciente que assim se sente obrigado a corresponder pois caso contrário ele é invadido por uma sensação de fracasso vergonha e humilhação Também é útil acrescentar a noção de alterego que se refere ao fenômeno do duplo uma parte dissociada nãoassumida por um certo sujei to é projetada numa outra pessoa que assu me este papel como se fosse um dublé do outro como por exemplo na política brasi leira em certa época P C Farias funcionou como o alterego correspondente à oculta parte perversa do então presidente Collor Ademais na psicanálise contemporânea ga nha um relevo especial a instância de uma or ganização patológica a possível existência de um contraego que funciona como um sabotador da parte sadia do paciente que de seja crescer Por fim o espaço psíquico tam bém pode abrigar uma outra instância ocupa da por um supraego constante da parte psicótica da personalidade o qual indo além dos mandamentos e das ameaças do superego cria a ilusão no sujeito de que tal qual sua majestade o bebê seja ele quem faz as leis e os demais que são vistos como súditos dele devem lhe obedecer fielmente caso contrá rio ele fica possuído por um ódio violento Uma atenção especial por parte do ana lista para cada uma dessas instâncias e su binstâncias que habitam o psiquismo de nos so paciente com o respectivo manejo técnico apropriado representa um importante enten dimento de como agem as terapias analíticas MAPEAMENTO DO PSIQUISMO Em termos psicanalíticos não é mais con cebível que um analista encare o psiquismo de um paciente como um bloco unívoco e uni forme muito pelo contrário a mente de toda MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 49 e qualquer pessoa comportase como um mapamúndi que de tempos em tempos apresenta novos desenhos geográficos isto é também a geografia do psiquismo de cada sujeito vai sofrendo transformações com o correr do tempo sobretudo após sérias tur bulências e guerras internas Igualmente existem pontos cardeais psíquicos que apon tam para uma direção ou outra a presença de zonas pacíficas e outras turbulentas superfí cies planas e montanhas íngremes regiões po lares glaciais e equatoriais tórridas etc O importante a ser destacado é que o alu dido mapeamento do psiquismo de cada pa ciente para tanto o analista já deve ter feito suficientemente bem o seu próprio mapea mento funciona como um forte fator terapêu tico da terapia analítica pois facilita um en tendimento entre as distintas e contraditórias partes da personalidade de cada um levando o paciente a dialogar consigo mesmo assim minimizando reações imprevisíveis e parado xais bem como poupando energia psíquica que pode ser muito mais bem aproveitada Para completar a metáfora com o mapa do globo terrestre cabe afirmar que da mes ma forma como um navegador necessita de uma bússola para percorrer e explorar as di versas latitudes do mundo também o analista e o paciente necessitam desenvolver uma bús sola empática para evitar que fiquem nave gando a esmo perdidos e angustiados sem rumo definido na análise e na vida A PESSOA REAL DO ANALISTA Tratase de um tema polêmico e contro vertido que divide os analistas Alguns consi deram que independentemente da pessoa do analista com seus reais atributos e valores pes soais o que importa é a vivência transferencial que o paciente desloca e projeta nele enquan to outros analistas entre os quais me incluo pensam de modo diferente atribuindo à pes soa real do terapeuta um papel de alta rele vância no curso da análise Um grupo de psicanalistas norteameri canos Kantrowitz 1989 desenvolveu o con ceito de match palavra que pode ser traduzida por encontro segundo o qual mercê de com provações de fundamentação científica um mesmo paciente com determinada psicopa tologia pode evoluir analiticamente bem com um analista mas mal com outro consideran do que ambos sejam filiados a uma mesma cor rente psicanalítica e sejam igualmente compe tentes enquanto pode acontecer o inverso com outro paciente Isso estaria atestando que um algo mais formase no campo analítico além do cumpri mento formal e correto que demanda uma aná lise séria e bemfeita da mesma forma como se passa na vida real quando certos casais sem que saibam por que unemse e se amam por alguma química especial O ANALISTA COMO UM NOVO MODELO DE IDENTIFICAÇÃO Penso que este fator seja um dos mais re levantes em relação ao presente tema de como agem as terapias analíticas De fato da mes ma forma como uma criança desenvolvese psi quicamente por meio das identificações sadi as eou patógenas que silenciosamente ele vai erigindo com seus pais também o pacien te à parte do inconteste valor das interpreta ções igualmente vai construindo novos valo res e posições advindas de novas identificações com a pessoa do seu analista as quais como um processo de osmose vão se incorporando ao seu self Assim de forma insensível o paciente capta a maneira como o seu analista enfrenta situações de angústia como ele utiliza a sua forma de perceber e de pensar ele nota a per manente atitude de amor às verdades demons trada pelo terapeuta além das evidências de como seu analista discrimina os fatos e senti mentos respeita e tolera as diferenças e as ine vitáveis limitações impõe limites sem arrogân cia concede liberdade sem licenciosidade e so bretudo acredita nele paciente Este processo vale para todos os pacien tes porém sem dúvida ele é sobremaneira importante para aqueles que são portadores de fortes identificações patógenas ou para aqueles que apresentam vazios cognitivos e afetivos que os pais não conseguiram preencher sendo que às vezes com grande perplexidade esses pacientes percebem que existem modelos bas tante diferentes daqueles que desde pequenos 50 DAVID E ZIMERMAN habituaramse a acreditar como sendo os úni cos existentes na espécie humana ANÁLISE DO CONSCIENTE Estou entre aqueles que pensam que a psicanálise deu uma justa e adequada impor tância ao acesso às áreas do inconsciente do psiquismo do paciente No entanto tenho difi culdades de entender por que sempre tem ha vido um notório descaso à análise do cons ciente talvez pela razão de que os autores creiam que toda e qualquer manifestação cons ciente sempre encontra alguma forma de par ticipação do inconsciente Tal como está explicitado em capítulo es pecífico alguns dos fatores conscientes do paciente que influenciam sobre o curso da aná lise e funcionam como agentes terapêuticos são 1 o de que o paciente venha a exprimir verbalmente com palavras diferentes senti mentos diferentes de modo a desenvolver as capacidades conscientes de discriminação sín tese e nomeação das experiências emocionais 2 desenvolver nele a capacidade de reconhe cer o seu quinhão de responsabilidade conscien te por tudo aquilo que ele pensa diz e faz 3 é importante que o paciente se comprometa afetivamente com tudo o que narra e compre ende de forma intelectualizada 4 existe um movimento crescente de valoração da função cognitiva do paciente isto é de ele querer co nhecer os fatos e os fenômenos que cercam a sua vida e a importância de sua vontade volitiva em mudar certos hábitos e conduta 5 tudo o que está sendo dito em relação ao paciente também é válido para o analista e um bom exemplo disto é o da utilização da capa cidade negativa ou seja mercê de um esfor ço consciente o analista pode conter os senti mentos negativos resultantes de uma difí cil contratransferência que por vezes inva dem a sua mente 6 também é inerente à aná lise do consciente a tarefa analítica de propi ciar ao paciente o desenvolvimento de impor tantes funções que em grande parte são da órbita do ego consciente tais como percepção pensamento conhecimento juízo crítico dis criminação comunicação responsabilização e ação entre outros NOVAS TÁTICAS NA TÉCNICA Na atualidade não custa repetir um importante fator terapêutico consiste em uma participação mais interativa do paciente em relação à tarefa analítica e ao analista opinan do contestando lembrando fatos e sentimen tos e sobretudo pensando refletindo sobre o que escuta do analista e de como este o escu ta Para tanto cabe ao terapeuta propiciar uma atmosfera analítica que parodiando Winnicott em relação ao seu conceito de jogo do rabis co squiglle game podemos chamar de ra bisco verbal ou seja o paciente traz alguma informação ou associação a qual o analista faz alguma intervenção propiciando ao pa ciente algum novo acréscimo de seus pontos de vista de modo que em um verdadeiro jogo dialético ambos estão empenhados em uma construção conjunta cada um colaborando com os respectivos tijolos um por um Assim o analista tem o recurso de utili zar táticas que instiguem o paciente a refletir como é o caso de formular perguntas que se jam de natureza instigativasreflexivas as sim como também é bastante útil que o terapeuta abra novos vértices de percepção dos mesmos fatos de como o paciente os relata percebe e sente Os exemplos seriam intermináveis po rém a título de ilustração cabe lembrar aque las situações comuns nas quais o paciente tem a sua tese de que o analista esteja impacien te e irritado porque estaria gritando com ele ao que o analista pode contrapor uma outra possibilidade para tanto ele deve ser sincero com o que realmente sente como a hipótese de que aquilo que lhe pareceu grito não foi nada mais do que uma modulação vocal para enfatizar certo aspecto significativo Outro exemplo diante de um assinala mento importante de algum aspecto negado pelo paciente esse costuma dizer só se for in consciente como se ele nada tivesse a ver com o que lhe foi mostrado ao que o analista pode redargüir Mas a quem pertence o seu incons ciente Outro exemplo banal com pacientes que diante de qualquer fato adverso que acon teça mesmo que sejam insignificantes costu mam se lamuriar Por que é comigo que essas coisas sempre acontecem justifica que o ana MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 51 lista lhe pergunte E por que não também com você Até mesmo quando certos pacientes sinalizam claramente que estejam manifestan do significativas melhoras analíticas porém por razões diversas estejam negando essa evi dência embora façam relatos que demais pes soas com quem ele convive comentem de mu danças positivas cabe fazer aquela singela perguntinha Quer dizer que todos à sua vol ta se combinaram para dizer a mesma coisa sobre você ou todos eles mudaram menos você E assim por diante de forma mais su perficial ou profunda é importante estimular a capacidade para o paciente fazer reflexões conscientes NEUROCIÊNCIAS O moderno rigor científico que está ca racterizando as profundas pesquisas no cam po da neurobiologia vem permitindo que mui tos fenômenos psíquicos que exigiam explica ções metapsicológicas estejam encontrando um entendimento por meio de circuitos neuronais das sinapses que ligam as vias de condução entre os neurônios e estes com uma estreita conexão e recíproca influência com o sistema hipófise hipotálamo e suprarenal e também com primitivas áreas cerebrais subcorticais Da mesma forma tais investigações científicas es tão possibilitando comprovar o fato de que os fatores ambientais muito especialmente os que determinaram o fenômeno do imprinting possam modificar os hereditários e vicever sa A importância direta disso na prática analí tica é que os analistas podendo ter um conhe cimento consciente dos fenômenos com raízes inconscientes com as devidas explicações das causas orgânicas podem nomear para si e oca sionalmente para o paciente as arcaicas sen sações e experiências emocionais primitivas que até então não tinham nome Por exemplo o surgimento muitas vezes inexplicável de ter ríveis sensações de angústia que hoje adqui riu uma compreensão consciente um nome síndrome do pânico e portanto um mane jo clínico analítico e farmacológico igual mente poderia servir de exemplo o quadro psicopatológico da depressão endógena que se constitui em um fator altamente significati vo no que se refere à questão de como agem as terapias analíticas PSICOFARMACOLOGIA Intimamente ligada às descobertas das neurociências ou da neuropsicanálise como muitos estão denominando deve ser dado um destaque especial à moderna psicofarmaco logia como os antidepressivos por exemplo os quais fazendo a ressalva que freqüentemen te têm sido usados de forma inadequada re presentam um enorme avanço no arsenal terapêutico de transtornos mentais inclusive em pleno andamento de algum processo ana lítico clássico A propósito é útil lembrar que até pouco tempo os psicanalistas advogavam a posição de não usar medicamentos na vigên cia da análise pois desapareceria a necessária presença de angústia no paciente além de des virtuar os princípios básicos de uma análise na atualidade são poucos os que contestam que o uso apropriado da medicação emprega do concomitantemente com a terapia analítica formal pode ser um excelente aliado do terapeuta e pelo menos em minha experiên cia auxilia uma melhor evolução da própria análise PATOGENIA DE MUDANÇAS PSÍQUICAS NA TERAPIA ANALÍTICA Nem sempre as mudanças efetuadas no curso de uma terapia analítica ou após o seu término correspondem a verdadeiras mudan ças analíticas no sentido de um significativo crescimento mental mesmo na hipótese de que tanto o paciente quanto também o analista mostremse satisfeitos com os resultados alcan çados Aliás alguns importantes autores como Winnicott e Bion chamavam a atenção para esta possibilidade de resultados analíticos fal sos ou incompletos Assim Winnicott 1969 alertou para a possibilidade de que muitas análises são apa rentemente bemsucedidas porque tanto o pa ciente seus familiares e o próprio analista es tão satisfeitos com as melhoras porém do ponto de vista psicanalítico tudo não passou 52 DAVID E ZIMERMAN de um fazdeconta assentado em idealizações com o analista e o paciente coniventes na for mação de um fracasso analítico Winnicott p275 Bion por sua vez refere a possibilidade de uma cura cosmética e também utiliza duas metáforas para esclarecer a possibilidade de um crescimento mental negativo em uma das metáforas compara com o crescimento de um tumor na outra faz menção ao crescimento para baixo tal como a cauda de um cavalo Cabe assinalar algumas das formas que as referidas pseudomudanças podem adquirir 1 Uma análise estagnada ou que teve re sultado muito incompleto Geralmente tais si tuações resultam da contração de alguns tipos de conluios inconscientes entre paciente e ana lista do que de pontos cegos em ambos tor nando impossível o enfoque analítico de cer tos aspectos importantes como é por exem plo a análise da parte psicótica da personali dade que em algum grau todos somos por tadores Dentre esses conluios vale mencio nar dois deles a Um conluio de acomodação Nesses ca sos ambos do par analítico estão em um clima de aparente harmonia já não acontece nenhuma turbulência nem agressiva ou erótica paranóide ou depressiva etc tudo parece estar em grande paz com o paciente sen tindose gratificado com o analista por ele idealizado e viceversa No entan to é bastante possível que essa calma ria em situações mais extremadas Bion denomina calma do desespero possa estar indicando que o processo analítico esteja estagnado com mui tas lacunas importantes nãoanalisa das e que o tratamento prossegue pela razão maior de que os dois estão aco modados pelas suas respectivas ra zões pessoais dentre elas a de evitar as angústias que resultariam de uma separação entre eles Nesses casos é recomendável que o analista desperte de sua acomodação perceba que es tão navegando em águas calmas de mais talvez parados no mesmo lugar sem um rumo certo a prosseguir Uma vez despertado para esse fato é útil que crie uma certa turbulência no andamento da terapia O termo tur bulência é de Bion que para escla recêlo utiliza a metáfora de um lago de águas que estão tão paradas que é necessário que se jogue uma pedrinha a qual provocará um pequeno rede moinho que por sua vez então per mitirá a comprovação da existência da água b Um conluio do tipo de uma recíproca fascinação narcisista em cujo caso ana lista e paciente estão mutuamente tão deslumbrados vem de des lumbre ou seja a luz do narcisismo é tão for te que tira des a luz lumbre isto é cega ambos de sorte que não se forma um espaço para analisar aspec tos agressivos e muito menos os as pectos narcisistas 2 Formação de um falso self Situação nada rara de acontecer quando o paciente repete com o analista uma modalidade de configura ção vincular análoga a que ele teve quando criança pequena com os seus pais com os quais desde muito cedo aprendeu a adivinhar os desejos deles por exemplo ser obediente bem comportado aluno exemplar presenteando com sucessivas gratificações às expectativas dos pais em relação a ele etc para garantir o amor desses pais ou o do analista no caso da tera pia analítica 3 Crescimento acromegálico Justifico a razão pela qual proponho esse termo a pala vra acromegalia designa em medicina uma doença da glândula hipófise de cuja disfunção resulta um crescimento disforme do corpo que é feito às custas de que as extremidades acros corporais como nariz queixo mem bros sofram um gigantismo megalo De for ma equivalente pode acontecer que um de terminado paciente possa crescer efetivamen te em áreas importantes de sua vida adulta conseguiu casar ter filhos sucesso profissio nal porém seu lado infantil que está subjacente não acompanhou o crescimento MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 53 do seu lado adulto Nesses casos o mais pro vável é que esse paciente embora bemsuce dido na vida real carregue permanentemen te consigo uma sensação de fragilidade de samparo ameaça de perder tudo o que con seguiu além de uma instabilidade de humor porquanto há uma alternância entre o predo mínio do lado adulto e do lado da criança tí mida assustada e depressiva que não foi su ficientemente analisado 4 Iatrogenia A etimologia deste termo originário do grego yatros que significa mé dico acrescido do étimo que designa gênese dá uma clara noção de que alude àquelas do enças que têm origem numa inadequada con duta médica Igualmente os analistas que por definição em grande parte trabalham em uma larga faixa de sentimentos ocultos e abstratos também podem involuntariamente contribuir para um resultado patogênico ao psiquismo do paciente São exemplos disso os casos em que o terapeuta envolvese em conluios perversos como envolvimento sexual feitura de negó cios etc ou que por meio de maciças identi ficações projetivas na mente do paciente o analista pode usálo como uma espécie de du plo dele terapeuta de sorte que o paciente vai praticar actings eróticos por exemplo que manifestamente o analista não tinha como praticar Muitas outras ações iatrogênicas de letérias poderiam ser mencionadas como a já aludida construção de um falso self a libera ção no paciente de um lado perverso ou psicopático e ainda uma deficiência técnica que induza a depressões idéias obsessivas de homossexualidade aumento de culpas com baixa da autoestima fracassos analíticos que reacendem e robustecem no paciente uma penosa convicção de que ele fracassa em tudo o que tenta fazer fato esse que fica muito am pliado nos casos que culminam com o surgi mento de uma reação ou relação tera pêutica negativa 5 É possível analisar um paciente menti roso Esta instigante pergunta foi formulada por Bion Em minha experiência creio que não existe uma resposta única pois cada paciente mentiroso apresenta suas singularidades espe cíficas com variações de qualidade grau e sobretudo se as mentiras desonestas estão a serviço de uma intenção psicopática ou se re fletem a reprodução de uma criança que men te para não decepcionar e apanhar dos pais ou ainda a possibilidade de que as mentiras sejam de natureza algo maníaca para aparen tar que ele seja ou possui algo valorizado que na realidade não possui e tampouco ele é em cujo caso ele mente como recurso para negar seus vazios e depressão subjacente Lembrome de uma entrevista inicial em que o pretendente ao tratamento analítico diante de minha pergunta que visava a avaliar a sua motivação para a análise prontamente respondeume E que sei que sou um grande mentiroso e deume exemplos do exagero com que ele me pintou algumas das situações que um pouco antes relatara Voltei a pergun tar se de certa forma ele estava orgulhoso de sua esperteza Como resposta afirmou que até pouco tempo sim mas começou a cansar e queria pareceume sincero mudar Sensi bilizado pelo seu lado honesto que poderia ser um importante auxiliar na formação de uma aliança terapêutica decidi aceitar o compro misso de uma terapia analítica Decorridos al guns anos não me arrependi Os principais recursos técnicos para es ses casos de pacientes que mentem são dois tornar egodistônico para o paciente o seu uso de mentiras toda vez que prevalece nele uma egossintonia com essa sua caracterologia A segunda recomendação técnica é o analista manter uma visão binocular ou seja enfocar de forma concomitante tanto os aspectos in conscientes que geraram a necessidade com pulsiva de mentir quanto a necessidade de o paciente assumir a responsabilidade conscien te dos danos que essa sua conduta produz nos outros e especialmente contra si mesmo 6 O que fazer com um paciente que não quer mudar Quase todos os analistas mais experientes já tiveram pessoas em análise que embora cumpram bastante bem as combina ções analíticas sejam assíduos pontuais e manifestamente colaboradores ainda assim decorrido um certo tempo às vezes longo po dem surpreender o terapeuta quando esse dá se conta de que não estão acontecendo mu danças significativas embora ele tenha a con vicção de que está realizando a tarefa psicana lítica dentro da adequação das normas habi tuais Por que então esse paciente mesmo sen 54 DAVID E ZIMERMAN do uma pessoa inteligente culta e com boa ca pacidade de reflexão não faz mudanças ver dadeiras Na maioria das vezes tratase de pacien tes que inconsciente e seguidamente com uma intencionalidade consciente não querem mudar Isso se deve a uma série de fatores variáveis de um paciente para outro como pode ser o de uma forte couraça de defesas narcisistas em situações mais extremas existem aqueles pa cientes que entram em análise com um obje tivo definido de provar que a análise e o ana lista não podem com ele Outras couraças defensivas rigidamente estruturadas podem ser tecidas com defesas obsessivas maníacas pa ranóides fóbicas perversas etc que ilusoria mente protegem o paciente de um temor muito ameaçador como a de que ele venha a sofrer novas decepções rejeição traição humilha ção iguais às que sofreu no passado ou que mergulhe em uma terrível depressão ou psi cose sem que haja volta à superfície ou ain da inúmeras situações equivalentes a essas Em alguns pacientes se pesquisarmos atentamen te vamos perceber que eles fizeram em um certo momento sofrido de suas vidas uma es pécie de juramento de nunca mais se apegar ou depender de alguém e muito menos dar o braço a torcer para quem quer que seja logo o analista obviamente está incluído Cabe a recomendação técnica de que o analista deve evitar a manutenção de uma dis sociação do tipo que ele é quem se empenha e faz questão que o paciente melhore cresça e mude enquanto esse inconsciente ou cons cientemente continua de forma sutil aferra do à sua posição de nunca mudar lembra o paciente antianalisando tal como foi descri to por J M Dougall 1972 Diante desses ca sos costumo usar o recurso de convidar o pa ciente a refletir e a assumir conscientemente se ele deseja de verdade fazer mudanças Não poucas vezes o analista poderá se surpreen der que o paciente admita francamente que de fato não deseja fazêlas A partir dessa pre missa dando a liberdade de ele permanecer como está se assim deseja e assume fica mais fácil ao analista trabalhar com as razões in conscientes que o levaram a adotar essa atitu de consigo mesmo e com a vida em geral MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 55 PARTE II Os Fenômenos no Campo do Vínculo Analítico 4 O Primeiro Contato A Entrevista Inicial Os Critérios de Analisabilidade O Contrato Não existe experiência mais terrível para uma criança futuro adulto do que não se sentir entendida escutada e vista em contrapartida nada é mais importante na entre vista inicial que o paciente saia da sessão com a sensação em relação ao analista de que foi compreendido escutado e de que encontrou um amigo personalidade possivelmente frágil e temero sa de um rechaço ou em outro extremo por uma entonação vocal que desperta no terapeu ta uma sensação de arrogância de mando nismo com um certo desprezo em um tom categórico Eu só posso ir aí na quintafeira bem no fim da tarde pode estar comuni cando que se trata de alguém que esteja se defendendo de suas angústias por intermédio de uma configuração narcisista da personali dade Outras vezes as evidências são de natu reza paranóide fazem uma série de pergun tas de modo um tanto desconfiado e defensi vo depressiva a tonalidade vocal às vezes chega a ser inaudível extremamente depen dente induzem a que outras pessoas façam o primeiro contacto ou mesmo à distância já despertam uma empatia no analista e assim por diante Há inúmeras outras possibilidades de uma significativa forma de comunicação embora algo virtual A ENTREVISTA INICIAL Independentemente se o tratamento será sob a forma de uma análise clássica com os seus conhecidos parâmetros mínimos ou de alguma modalidade de terapia de base psica nalítica é necessário que o analista tenha uma idéia razoavelmente clara das condições psí quicas e pragmáticas que tanto ele quanto o O PRIMEIRO CONTATO DO PACIENTE COM O ANALISTA Comumente o primeiro contato que um pretendente a tratamento analítico estabelece com o analista é por meio de uma chamada telefônica ora falando diretamente ora dei xando um recado para que a ligação seja retornada O que cabe consignar é que já aí começa a formação de algum tipo de vínculo o qual pode vingar ou não De fato a forma como o possível paciente utiliza a sua condu ta atitude e linguagem podem estar expres sando uma importante maneira de comunica ção portanto um jeito seu de ser em um nível que extrapola o da linguagem unicamen te verbal Assim se ele vem protelando de longa data esse primeiro contato com o terapeuta que alguém lhe indicou geralmente algum paci ente ou expaciente desse analista algum ami go médico familiar ou por conhecimento pré vio em determinadas circunstâncias etc pode ser um sinal indicador de que ele ou não está suficientemente bem motivado para uma aná lise ou já esteja expressando temores próprios de uma caracterologia fóbica ou de uma típica indecisão obsessiva Da mesma forma é possível observar quando o provável paciente emprega uma lin guagem por demais tímida entrecortada por pedidos de desculpas por estar atrapalhando e outras expressões similares revelando uma 58 DAVID E ZIMERMAN pretendente à análise possuem antes de enfren tar uma empreitada dessa envergadura tendo em vista que provavelmente será longa a du ração da terapia possivelmente bastante cus tosa para as possibilidades econômicas do pa ciente sem garantia de sucesso em uma tra jetória que à parte das gratificações inevita velmente também passará por períodos difí ceis com muitos imprevistos incertezas e sofri mentos Também é útil destacar que no primeiro contato já se instala um estado de digamos assim prétransferência Isso está de acordo com a palavra contato que em nosso idioma formase de com significa junto com tato tratase de um pele a pele emocional que tanto pode evoluir para um rechaço quan to para uma empatia ou seja alude a como mutuamente cada um está sentindo o ou tro não obstante a possibilidade de que o in tuitivo contato inicial quer no extremo de uma idealização ou de um certo denegrimento não se confirme no curso posterior da terapia psicanalítica Conceituação de entrevista inicial Esta expressão embora apareça na for ma singular não deve significar que se refira sempre a uma única entrevista prévia à efetivação do contrato analítico ainda que muitas vezes possa ser assim porém em mui tas outras situações essa necessária avaliação pode demandar um período mais longo com um número bem maior de entrevistas prelimi nares Em certas circunstâncias o terapeuta já sabe antecipadamente que não terá condições por exemplo por falta de horário disponível de assumir o compromisso de um tratamento analítico porém pode se mostrar disponível sempre que o paciente insista mesmo tendo ficado claro que ele não o atenderá de forma sistemática para fazer uma entrevista de ava liação com o objetivo de traçar uma orienta ção ou de ter melhores condições para proce der a um encaminhamento Neste último caso em minha experiência pessoal quando avalio uma pessoa ao vivo sinto uma espécie de feeling de que para um tal paciente tal terapeuta deva ser a pessoa mais indicada Igualmente é útil estabelecer uma diferença conceitual en tre entrevista inicial e primeira sessão As entrevistas inicialais antecedem o con trato enquanto a primeira sessão concerne ao fato de que a análise já começou formal mente É claro que a duração da entrevista ini cial depende das circunstâncias que cercam o encaminhamento do paciente de modo que é muito diferente se ele já tem uma idéia razoa velmente clara do que consiste uma análise com a probabilidade de que tenha sido avalia do por um colega reconhecidamente compe tente e que já tenha feito uma sondagem e tro ca de impressões com o analista para quem está encaminhando ou então tratase de um pa ciente que não foi avaliado por ninguém uni camente quer livrarse dos sintomas que o ator mentam e não tem a menor idéia do que é en frentar uma análise standard No entanto em qualquer dos casos é imprescindível que essa entrevista inicial seja levada a sério e com pro fundidade até mesmo pela razão singela e ao mesmo tempo profunda de que tanto o analis ta quanto o paciente têm o direito de decidir se é com essa pessoa estranha que reciproca mente cada um deles têm à sua frente dese jam partilhar um convívio longo íntimo e imprevisível Finalidades da entrevista inicial Além dos objetivos mencionados o pro pósito fundamental do contato preliminar é de o psicanalista avaliar as condições mentais emocionais materiais e circunstanciais da vida do paciente que o buscou ajuizar os prós e os contras as vantagens e as desvantagens os prováveis riscos e os benefícios o grau e o tipo de psicopatologia de modo a permitir alguma impressão diagnóstica e prognóstica e reconhe cer os efeitos contratransferenciais que lhe es tão sendo despertados Assim balanceando todos esses fatores poder discriminar qual a modalidade de terapia psicológica será a mais indicada para esse paciente e mais ainda no caso de a indicação ser uma análise se ele real mente sentese em condições e se de fato quer ser o terapeuta desse paciente Partindo do que foi dito podese depreen der a importância de que o terapeuta na entre MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 59 vista inicial construa uma razoável impressão diagnóstica do paciente sempre levando em conta que existem diferentes tipos níveis e perspectivas de diagnóstico clínico conforme for o eixo adotado de acordo com as moder nas classificações do DSMIVTR assim o eixo I referese aos aspectos sindrômicos o eixo II aos de tipos e transtornos de personalidades o III aos transtornos físicos o eixo IV aos estres sores enquanto o eixo V alude ao nível de fun cionamento Uma outra abordagem para a elabora ção de uma impressão diagnóstica consiste em considerar distintamente entre outros enfo ques 1 Nosológico uma determinada cate goria clínica 2 Dinâmico a lógica do incons ciente 3 Evolutiva cada etapa com prepon derância de vazios carências orais defesas obsessivas anais etc implica alguma adequa ção técnica específica 4 Funções do ego por exemplo a capacidade sintética do ego já é um nível elevado que permite simbolizar si multaneamente significações opostas e ou con traditórias 5 Configurações vinculares den tro da família ou fora dela nos grupos em gerais etc 6 Comunicacional na atualida de esse aspecto adquire uma grande relevân cia 7 Corporal cuidados corporais autoima gem presença de hipocondria ou de somatiza ções 8 Manifestações transferenciais e con tratransferenciais etc Um outro objetivo essencial da entrevis ta inicial é a possibilidade de o analista avaliar a veracidade do paciente além da qualidade de sua motivação tanto aquela que ele exter naliza conscientemente quanto a que está oculta nas dobras de seu inconsciente Em ou tras palavras sem exigir um comprometimen to absoluto do paciente para a árdua tarefa que o aguarda até porque os seus ainda des conhecidos fatores inconscientes alguns de possível natureza fóbica ou sabotadora tor nam impossível que ele assuma um compro misso definitivo impõese no entanto a ne cessidade mínima de o terapeuta conferir se a sua teoria de tratamento e de cura coincide com a do paciente De fato não é nada incomum a possibili dade de que o analista tenha em mente um projeto terapêutico verdadeiramente psicana lítico isto é que ele esteja voltado para a ob tenção de verdadeiras mudanças estruturais de caracterologia de conduta e do desabro char de capacidades enquanto a expectativa do paciente não vá além de uma busca de alí vio de sintomas ou de uma cura mágica ou ainda a de contrair um vínculo com o analista pelo qual este como um mero substituto da mãe simbiótica ou faltante resolverá todos os seus problemas sem que ele tenha de fazer o mínimo esforço e assim por diante Não obstante a possibilidade de que a impressão transmitida pelo paciente em rela ção à sua motivação para um tratamento ana lítico possa parecer espúria o analista nunca deve perder de vista a probabilidade de que possa se tratar da única maneira que aquele encontrou para cautelosamente abrir as por tas para uma análise tal como costuma apare cer em pacientes que estruturaram defesas narcisistas Em contrapartida outros pacien tes em especial os fortemente histéricos po dem dar uma impressão inicial de que estão muito motivados para se analisar mostramse colaboradores e encantam o analista com seu verbo fluente e florido No entanto diante das primeiras desilusões e decepções podem de sistir muitas vezes de maneira abrupta Igualmente o terapeuta deve ter uma cla ra noção de seus próprios alcances e limitações Para tanto deve possuir a condição de reco nhecer os sentimentos transferenciais e contra transferenciais que surgiram no curso da en trevista a natureza de sua provável angústia o grau de sua empatia ou rejeição pelo pacien te uma sensibilidade para perceber se é com ele que esse paciente está desejando se anali sar se ele vai trabalhar de forma confortável diante das combinações feitas como por exem plo os valores que o paciente pode pagar os horários esdrúxulos das sessões que venham a perturbar o seu estilo de viver etc Caso con trário se o analista não medir adequadamen te as suas condições de trabalhar com o prová vel paciente existirá a possibilidade de que o analista comportese na entrevista inicial por uma destas duas formas inadequadas um ex cesso de informalismo que muitas vezes está correspondendo a uma necessidade de sedu zir o paciente ou um excesso de rigidez e her metismo que pode estar refletindo um distan ciamento de natureza fóbica Também há o risco de que o analista defi na a sua avaliação por uma única impressão 60 DAVID E ZIMERMAN dominante assim por vezes o paciente apre sentase de uma forma inicial bastante diferen te do que realmente ele é Isso pode se dever tanto ao fato de que o paciente quer impressio nar bem o terapeuta para ser por ele aceito bas tante comum em casos de falso self e de histeri as como também para impressionar mal o psi canalista por parte daqueles que são portado res de uma baixa autoestima com um forte temor de rejeição razão pela qual precisam tes tar se serão aceitos mesmo portando aquilo que eles julgam ter de feio e de mau Uma outra finalidade da entrevista inicial consiste na possibilidade de o terapeuta poder observar e pôr à prova a forma de como o pa ciente reage e contata com os assinalamentos ou as eventuais interpretações que lhe sejam feitas como ele pensa e correlaciona os fatos psíquicos se demonstra uma capacidade para simbolizar abstrair dar acesso ao seu inconsci ente e se revela condições para fazer insights Da mesma forma igualmente é útil ob servar a aparência exterior do paciente incluí da a forma de como ele está vestido como saú da se ele manifesta algum sinal ou sintoma visível como é a sua postura corporal gesticu lação movimentação linguagem empregada e tom de voz ao discursar Para dar um único e trivial exemplo em relação à linguagem conti da na vestimenta em uma entrevista inicial o paciente homem por volta dos 30 anos apa receu com uma camisa na qual estava estam pada com letras garrafais a inscrição Comigo ninguém pode que fielmente transmitia sua mensagem nãoverbal que veio a se confir mar na evolução da análise de que ao longo da sua vida ele erigiu uma couraça caracteroló gica narcisista de sorte a defenderse de qual quer apego afetivo Igualmente é necessário avaliarmos a re alidade exterior do paciente isto é as suas con dições socioeconômicas o seu entorno famili ar a sua posição profissional o seu projeto de vida próximo e futuro a existência de fatos particularmente traumáticos etc Considero sobremaneira importante que diante da afir mativa do paciente de que ele já teve anterio res experiências de tratamento analítico frus tras o analista pesquise as razões da interrup ção tendo em vista que ele nos fornecerá sig nificativas informações daquilo que espera que não sejamos Enfim sou dos que acreditam que a en trevista inicial funciona como uma espécie de trailler de um filme que posteriormente será exibido na íntegra isto é ela permite observar de forma extremamente condensa da o essencial da biografia emocional do paciente e daquilo que vai se desenrolar no campo analítico Para sintetizar guardo uma absoluta con vicção de que o objetivo mais importante da entrevista inicial é o de estabelecer um rapport com o paciente isto é o início de uma relação pautada pela construção de um vínculo empático de uma atmosfera de veracidade e confiabilidade Dizendo com outras palavras o ideal a ser atingido é que o paciente saísse da entrevista inicial com a sensação de que fui entendido o doutor me sacou e gostou de mim está sinceramente interessado e acredita em mim tal qual eu realmente sou CRITÉRIOS DE ANALISABILIDADE E DE ACESSIBILIDADE Conceituação Na entrevista inicial para avaliar as indi cações e contraindicações de uma análise para o paciente que buscou auxílio é útil diferen ciar os significados conceituais de analisa bilidade e de acessibilidade O primeiro é o cri tério clássico empregado para a referida indi cação de análise o qual se baseia fundamen talmente nos aspectos do diagnóstico clínico pacientes psicóticos ou aqueles portadores de uma estrutura altamente regressiva como borderlines psicopatas perversos etc eram quase sempre recusados salvo nos casos de psicanalistas investigadores como Rosenfeld Segal Meltzer e Bion pioneiros na análise de psicóticos e prognóstico como uma antecipa ção de possíveis riscos e frustrações Acessibilidade por sua vez não valoriza unicamente o grau de patologia manifesta pelo paciente antes o interesse maior do analista também não é sobremaneira dirigido para a doença mas muito mais para a sua personali dade total notadamente para a reserva de suas capacidades positivas que ainda estão la tentes ocultas ou bloqueadas Em relação ao diagnóstico do paciente a impressão do ana MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 61 lista deve ser mais um diagnóstico psicanalí tico do que um diagnóstico puramente clíni co rigorosamente enquadrado nos códigos de classificação das doenças mentais não obstante tal tipo de diagnóstico também deva ser leva do em consideração Relativamente a uma pre visão do prognóstico como fator decisivo na indicação da análise como tratamento de es colha na atualidade a tendência predominan te é deixar que o prognóstico seja avaliado durante o próprio curso da análise o que às vezes revela grandes surpresas para o analis ta tanto de forma positiva quanto negativa Em resumo o critério de acessibilidade atenta principalmente para a motivação a disponibi lidade a coragem e a capacidade de o pacien te permitir um acesso ao seu inconsciente para o analista e para ele mesmo Este aspecto relativo ao critério de aces sibilidade adquiriu tal relevância na psicaná lise atual que os analistas estão atentos a um grande contingente de pacientes uns muito regressivos outros aparentemente bemestru turados psiquicamente que vêm sendo deno minados pacientes de difícil acesso os quais re querem algumas particularidades técnicas e táticas especiais Indicações e contraindicações para análise Assim à medida que a ciência psicanalí tica evolui e expande os conhecimentos teóri cos e técnicos resta inquestionável o fato de que cada vez mais os critérios de contraindi cações estejam diminuindo conforme já foi re ferido principalmente em relação à abertura das portas da terapia analítica para pacientes muito regredidos No entanto também mui tos critérios formais sofreram transformações progressivamente ampliando a abertura para as indicações Um bom exemplo é o critério de idade o qual deixou de ser excludente e é encarado com bastante relativismo tanto que desde M Klein a psicanálise ficou extensiva às crianças e além disso de uns tempos para cá ela também é praticada com pessoas de ida de bastante avançada aliás com bons resulta dos Um outro exemplo pode ser a dúvida que existia quanto à adequação de iniciar uma aná lise em pleno período crítico de um quadro clí nico com sintomas emocionais agudos situacionais neuróticos ou psicóticos Hoje os psicanalistas não receiam enfrentar tais situa ções com todo o processamento psicanalítico habitual até porque a maioria dos analistas está se inclinando na atualidade a não excluir a possibilidade do eventual emprego de alguns parâmetros conceito de Eissler 1934 como pode ser o de um possível uso simultâneo de modernos psicofármacos A propósito também o diagnóstico clíni co comporta um acentuado relativismo tanto que por exemplo o diagnóstico de uma rea ção esquizofrênica aguda pode assustar em decorrência do nome alusivo à esquizofrenia e no entanto pode ser de excelente prognós tico psicanalítico se for bem manejado como aliás acontece com todos os quadros agu dos enquanto uma simples neurose fóbica por exemplo se for de organização crônica pode resultar em um prognóstico desalentador Persistem como contraindicações indis cutíveis para a análise como escolha prioritária os casos de alguma modalidade de degeneres cência mental ou aqueles pacientes que não demonstram a condição mínima de abstração e simbolização bem como também para os que apresentam motivação esdrúxula além de ou tras situações afins Não raramente os psicanalistas confron tamse com situações nas quais a pesagem dos fatores favoráveis e desfavoráveis revelados pela entrevista inicial não foi suficiente para que se definissem convictamente se convém ou não assumir formalmente o compromisso da análise Nesses casos apesar de alguns previ síveis inconvenientes muitos psicanalistas de fendem a combinação de uma espécie de aná lise de prova que consiste em prolongar a en trevista inicial por um período relativamente mais longo para que só então ambos do par analítico assumam uma posição definitiva quanto à efetivação formal da análise Um exemplo que me ocorre foi colhido em uma supervisão a candidata trouxe uma entrevista inicial de um jovem paciente masculino para juntos avaliarmos a adequação da indicação para uma análise formal Aparentemente o paciente em avaliação preenchia todos os re quisitos necessários porém ele despertava na terapeuta um certo desconforto contratrans ferencial que ela não conseguia definir com 62 DAVID E ZIMERMAN clareza mas parecia que provinha de uma maneira algo estranha de ele me olhar acom panhada de um sutil sorriso também estra nho dizia a candidata Sugeri que ela prolon gasse a entrevista inicial com mais sessões de avaliação até que tivéssemos uma idéia mais clara do que estava sucedendo e que se o des conforto continuasse seria útil que ela apon tasse diretamente se era uma falsa impressão dela ou se ele escondia algo atrás de um sorri so algo debochado Quando a supervisionada fez esse assinalamento o possível paciente sol tou uma sonora risada e confessou que estava concomitantemente fazendo terapia com ou tro analista que ele dizia as mesmas coisas para ambos e estava se divertindo em fazer compa rações entre os dois para ver qual deles era o menos louco Todos os leitores hão de con cordar que seria muito frustrante para a ana lista em início de formação contratar formal mente uma análise nessas condições Cabe interpretar na entrevista inicial Este é um aspecto que costuma ser bas tante controvertido entre os psicanalistas É consensual que as clássicas interpretações alu sivas à neurose de transferência devam ser evi tadas ao máximo no entanto penso que aque las que particularmente denomino interpre tações compreensivas dizer o suficiente para que o paciente sinta que foi compreendido não só são permissíveis mas também necessárias para o estabelecimento de um necessário rapport de uma necessária aliança terapêu tica Assim por exemplo se o paciente em uma entrevista inicial está relatando queixas generalizadas de que ele está cansado de ser explorado em sua boafé e no seu dinheiro por pessoas que aparentavam ser suas ami gas e depois o traíram e decepcionaram é certo que todos entenderíamos que ele está expressando embora de forma nãoconscien te um temor de que mais cedo ou mais tar de a mesma decepção venha a ocorrer com a pessoa do analista que também está aparen tando ser uma pessoa amiga porém No caso se o terapeuta fizer uma interpretação com preensiva desse temor inconsciente mesmo que o paciente possa discordar dela sentir seá muito aliviado e disposto a fazer novas aproximações É claro que se trata de uma ilus tração por demais simples no entanto inú meras situações similares poderiam servir de exemplos O CONTRATO A palavra contrato pode ser decomposta em con trato isto é ela significa que além do indispensável acordo manifesto de al gumas combinações práticas básicas que irão servir de referência à longa jornada da análi se há também um acordo latente que alude a como o analista e o paciente tratarseão reci procamente Por essa razão cabe reiterar a en trevista inicial que precede a formalização do compromisso contratual tem a finalidade não unicamente de avaliação mas também a de uma mútua apresentação das características pessoais de cada um e a instalação de uma at mosfera empática de trabalho O contrato portanto exige uma defini ção de papéis e funções centrada na natureza de trabalho consciente direitos e deveres de cada um combinação de valores e forma de pagamento horários plano de férias etc respectivamente por parte do psicanalista do analisando e da vincularidade entre ambos sendo útil considerálos separadamente sem pre levando em conta que subjacente às com binações conscientes existem poderosos e ati vos fatores inconscientes Assim o que se espera por parte do anali sando Em primeiro lugar voltando a enfatizar o que já foi dito que ele esteja suficientemen te bem motivado para um trabalho árduo e corajoso no entanto o analista deve estar aten to à possibilidade de que um aparente descaso do paciente pode estar significando uma ma neira que ele tem de se defender na vida dian te de difíceis situações novas e que essa atitu de manifesta como se fosse uma escassa moti vação pode estar representando a sua forma de abrir uma porta de entrada para uma aná lise de verdade A recíproca disso também é verdadeira ou seja uma motivação aparente mente plena pode estar encobrindo um ante cipado rechaço para enfrentar momentos difí ceis de sorte que posteriores motivos fúteis poderão servir como racionalizações para aban donar a análise prematuramente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 63 Em segundo lugar esperase que o ana lisando reflita com seriedade sobre todos os itens das combinações que estão sendo pro postas para o contrato analítico e que desse contrato ele participe ativamente e não de uma forma passiva e de mera submissão ao analista Não obstante o fato de que o pacien te tem o direito de se apresentar com todo o seu lado psicótico narcisista agressivo ja mais a agressão física é óbvio mentiroso atuador etc afinal é por isso que ele está se submetendo a uma análise faz parte do seu papel mostrar pelo menos um mínimo de comprometimento em ser verdadeiro e que dedique a indispensável parcela de serie dade a um trabalho tão sério como é o de uma terapia analítica O que se espera do psicanalista Esperase que ele tenha bem claro para si os seguintes aspectos 1 Qual é a natureza de sua motivação predominante para aceitar tratar analiticamen te uma certa pessoa se é por um natural pra zer profissional ou prevalece uma oportuni dade para uma determinada pesquisa uma necessidade única de prover os ganhos pecu niários uma obrigatoriedade devido a uma certa pressão de pessoas amigas ou no caso de candidatos unicamente pelo compromisso da obrigação curricular do instituto ou é um pouco de cada um desses fatores etc 2 Ele deve ter definido para si qual é o seu projeto terapêutico se o mesmo está mais voltado para a obtenção de benefícios tera pêuticos ou de resultados analíticos 3 Diante de um paciente bastante regres sivo o analista deve ponderar se ele reúne as condições de conhecimento teóricotécnico notadamente das primitivas fases do desenvol vimento emocional primitivo e se está prepa rado para enfrentar possíveis passagens por situações transferenciais de natureza psicótica 4 Da mesma forma ele deve avaliar se preenche aqueles atributos que Bion 1992 denomina condições necessárias mínimas e que aludem à empatia continente amor às verdades etc 5 Partindo da assertiva de que não deve haver uma maneira única estereotipada e uni versal de psicanálise e que uma mesma técni ca pode e deve comportar muitas e diferen tes táticas de abordagem e estilos pessoais de interpretação faz parte do papel do analista reconhecer se ele domina o eventual uso de parâmetros diz respeito a possíveis interven ções do analista que embora transgridam al gumas regras analíticas não alteram a essên cia do processo analítico 6 O terapeuta deve estar em condições de reconhecer a natureza de suas contraresis tências contratransferências e possíveis con traactings 7 Ele deve ter condições de envolverse afetivamente com seu paciente sem ficar en volvido ser firme sem ser rígido além de ao mesmo tempo ser flexível sem ser fraco e manipulável 8 Também entrou em voga desde Bion 1970 a questão referente a se a análise deve se desvincular de toda pretensão terapêutica tal como essa é concebida e praticada no cam po da medicina 9 Assim creio que existe um risco de o analista levar exageradamente ao pé da letra a recomendação de Bion de que a mente do ana lista não fique saturada de desejos de cura gri fei a palavra saturada porque muitos inter pretam mal essa recomendação e pensam que ele fez uma apologia da abolição de qualquer tipo e grau de desejo Nesse caso o analista corre o risco de suprir um natural desejo de que seu paciente melhore e no lugar disso ele pode adotar uma atitude de distanciamento afetivo 10 Penso ser muito importante que o analista por maior que seja a sua demanda de pacientes trabalhe em condições de conforto físico emocional e espiritual Para tanto é imprescindível ele conhecer os limites de sua resistência física o número de horas que tra balha se os seus horários não interferem com sua vida privada se não é excessivo o número de pacientes regressivos que lhe provocam um grande desgaste e preocupações assim como deve reservar uma parte do seu tempo para prazeres e lazeres 11 É útil que o terapeuta observe atenta mente que perguntas o paciente se faz e que respostas ele se dá e da mesma forma se o ana lista tiver um claro conhecimento de com quem e como o seu paciente se relaciona fica aberto o caminho para ele reconhecer a estrutura bási ca da personalidade do paciente em avaliação 64 DAVID E ZIMERMAN Em relação ao campo analítico vincular a primeira observação que cabe é a de que a con temporânea psicanálise vincular implica no fato de que já vai longe a idéia de que cabia ao pa ciente unicamente a obrigação de certa forma passiva de trazer material enquanto ao ana lista caberia a função única de interpretar ade quadamente aquele material clínico a fim de tornar consciente aquilo que estava reprimido no inconsciente Pelo contrário hoje tende a ser consensual que ambos de forma igualmen te ativa interajam e se interinfluenciam per manentemente Assim o que se deve esperar é que no contrato analítico haja uma suficiente clareza nas combinações feitas para evitar fu turos malentendidos por vezes de sérias con seqüências Da mesma maneira ambos devem zelar pela preservação das regras do contrato embora faça parte do papel do paciente o di reito de eventualmente tentar modificálas com as quais eles estão construindo um im portantíssimo espaço novo no qual antigas e novas experiências emocionais importantes se rão reeditadas Um tópico que persiste polêmico e con trovertido entre os psicanalistas é quanto ao conteúdo das combinações a serem feitas no contrato notadamente no que diz respeito às regras técnicas legadas por Freud as quais con tinuam ainda plenamente vigentes em sua es sência embora bastante transformadas em muitos detalhes tal como está descrito no pró ximo capítulo Na atualidade alguns psicanalistas ain da adotam o critério original que regia as com binações do contrato e assim eles impõem de modo esmiuçado uma série de recomen dações enquanto a tendência da grande mai oria é simplificar a formulação das combina ções para um mínimo indispensável ficando no aguardo que as demais situações surjam ao natural no curso do tratamento sendo que a análise de cada uma delas é que vai definindo as necessárias regras e diretrizes O critério de mínimo indispensável an tes mencionado alude às combinações que devem ser feitas relativamente ao número de sessões semanais horários honorários incluir a possibilidade de reajustes periódicos além de dar a entender que o paciente está conquis tando um espaço exclusivamente seu e que por isso será o responsável por ele bem como o plano de férias Essa orientação contrasta a daqueles outros psicanalistas que argumentam que quanto mais especificarem as diversas si tuações de surgimento bastante provável no curso da análise mais condições terão de con frontar o futuro analisando com as transgres sões daquilo que foi combinado Assim os analistas que adotam essa últi ma posição devem combinar detalhes como por exemplo o direito que eles se reservarão de responder ou não às perguntas do pacien te atender ou não o pedido de mudança de dias ou horários das sessões como fica o pa gamento em caso de doenças ou necessárias viagens do paciente qual será o dia para pa gar e se o fará no começo ou no fim da sessão se o pagamento pode ser com cheque ou uni camente com dinheiromoeda incluir ou não uma cláusula de advertência quanto ao com promisso de sigilo ou a obrigação de analisar algum ato importante antes de o paciente efetiválo como uma forma de prevenir o ris co de actings e assim por diante em uma lon ga série de detalhes impostos à medida que aparecerem permissão ou proibição de fumar durante a sessão aceitação de presentes en contros sociais forma de cumprimentar por exemplo trocando beijos ou não silêncios faltas ou atrasos excessivos Reitero que particularmente entendo que existem algumas poucas combinações ex plícitas que são indispensáveis e as demais são implícitas ao processo analítico devendo ser analisadas à medida que surgirem elas variam de caso para caso e devem ser encaradas pelo analista da forma menos rígida e mais flexível possível Um importante ponto do contrato que não encontra uniformidade entre os psicanalistas inclusive dos que pertencem a uma mesma corrente psicanalítica é o que diz respeito às combinações de que a análise deverá ser feita no divã Muitos preferem incluir essa condi ção desde a formalização do contrato enquan to muitos outros psicanalistas entre os quais me incluo optam por não aludir de forma di reta ao uso compulsório do divã aguardando a oportunidade que certamente surgirá no transcurso das sessões assim possibilitando uma análise mais aprofundada das possíveis dificuldades em deitar ou permanecer senta do assim como também para diminuir o risco MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 65 de o paciente desde o início conduzirse pas sivamente cumprindo mandamentos e expec tativas dos outros no caso o seu psicanalista Entendo que o mesmo critério de evitar uma imposição do analista também deve tan to quanto possível prevalecer no ato de com binar o número de sessões semanais O ideal seria que analista e paciente juntos escutas sem as mútuas necessidades e possibilidades e chegassem a um consenso mesmo que tempo rário a fim de evitar futuros dissabores A propósito da forma de o psicanalista propor ou deixar a critério do analisando o uso do divã é oportuno frisar que a contemporâ nea psicanálise vincular evita ao máximo as imposições salvo aquelas absolutamente neces sárias antes referidas preferindo as proposi ções ou seja que o analisando participe ativa mente das combinações As contingências socioeconômicas da atu alidade têm trazido um fator complicador na efetivação do contrato na cláusula que se refe re à possibilidade de o terapeuta ter um valor de preço único independentemente se ele for nece ou não um recibo este é um outro pro blema à parte que merece uma aprofundada reflexão que o paciente utilizará na sua de claração do Imposto de Renda ou ter dois va lores diferentes sendo que não é nada inco mum existe a possibilidade de que o analista defina claramente que não costuma emitir re cibos Igualmente varia de um analista para outro a conduta quanto a manutenção de um mesmo valor para todos os seus analisandos ou se ele se dá o direito de estabelecer valores diferentes de acordo com as circunstâncias pes soais de cada paciente em particular O importante cabe enfatizar não é tanto o cumprimento fiel de cada uma das cláusulas combinadas mas sim o estado de espírito de como elas foram aceitas por ambos sem alte rar um necessário clima de respeito mútuo e assim começar a pavimentar o caminho para a estruturação de uma indispensável confiança básica Sem ser necessário esclarecer explici tamente deve ficar bastante claro para o psi canalista e para o analisando neste último às custas de muita frustração e sofrimento o fato de que embora o vínculo analítico seja uma relação nivelada pelos aspectos humanos de respeito consideração e partilha de um ob jetivo comum na verdade a interrelação do par analítico obedece a três princípios básicos 1 Ela não é simétrica ou seja os luga res ocupados e os papéis a serem de sempenhados são desiguais assimé tricos e obedecem a uma natural hi erarquia com direitos deveres e pri vilégios distintos 2 Não é de similaridade isto é os dois do par analítico não são iguais dife rentemente do que imaginam mui tos pacientes regressivos notada mente os de uma forte organização narcisista que têm dificuldade em admitir que o terapeuta é uma pes soa autônoma tem a sua própria técnica e o seu próprio estilo de tra balhar pensar e viver 3 A relação que o paciente reproduz com o analista é isomórfica ou seja na essência eles se comportam de uma mesma forma como seres humanos que são No entanto o conceito de isomorfia não deve ser confundido com a idéia de que o analista será um substituto para uma mãe ou pai ou ambos que foram ausentes ou falhos mas sim que ele desempenhará transitoriamente as funções de maternagem ou outras equivalentes que o paciente carece 5 O Setting A Criação de um Novo Espaço O setting é um novo espaço muitíssimo especial que está sendo conquistado pelo paciente no qual ele concede ao seu analista uma nova oportunidade de poder reviver com esse à espera de outros significados e soluções as antigas e penosas experi ências afetivas que foram malsolucionadas em seu passado remoto analítico o qual é uma estrutura diferente de uma soma de seus componentes da mesma forma como uma melodia não é uma mera soma de elementos musicais O relevante a destacar é que o setting não se deve comportar como uma situação me ramente formal e passiva Pelo contrário ele tem uma função bastante ativa e determinante na evolução da análise serve de cenário para a reprodução de velhas e novas experiências emocionais além de estar sob uma contínua ameaça em vir a ser desvirtuado tanto pelo analisando quanto também pelo analista em função do impacto de contínuas e múltiplas pressões de toda ordem A propósito penso que o paciente está no seu direito de tentar transgredir o enquadre porém é inadmissí vel que transgrida os princípios básicos que se assentam em uma confiabilidade regulari dade estabilidade e no cumprimento das com binações prévias embora com uma relativa flexibilidade Destarte o setting por si mesmo fun ciona como um importante fator terapêutico psicanalítico pela criação de um novo espaço que possibilita ao paciente reproduzir no vín culo transferencial seus aspectos infantis e a um mesmo tempo poder usar a sua parte adulta para ajudar o crescimento daquelas partes infantis possivelmente frágeis e algo desamparadas Igualmente o enquadre age como modelo de um provável novo funciona mento parental no interior do psiquismo do CONCEITUAÇÃO Toda terapia psicanalítica deve se proces sar em um ambiente especial tanto do ponto de vista físico quanto de uma atmosfera emo cional apropriada para a efetivação de conti nuadas e prolongadas experiências emocionais em uma situação rara única e singular Tudo isso configura a formação de um setting comu mente traduzido em português por enqua dre que pode ser conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam normatizam e possibilitam o processo psica nalítico Assim o setting resulta de uma conjun ção de regras atitudes e combinações tanto as contidas no contrato analítico conforme descrito no capítulo anterior como também aquelas que vão se definindo durante a evolu ção da análise como os dias e horários das ses sões os honorários com a respectiva modali dade de pagamento o plano de férias etc É o conjunto das combinações que cabe frisar não deve ser o de uma mera imposição do analista mas sim o de proposição de sorte a junto com o paciente fazerem dialetica mente uma construção a dois constituise nas regras do jogo mas não no jogo propri amente dito porque além de que ao longo da análise quase sempre acontecem algumas alterações em relação às combinações originais também há muitas outras variáveis que per tencem ao setting e que compõem o campo 68 DAVID E ZIMERMAN paciente que consiste na criação pelo ana lista de uma atmosfera de trabalho a um mesmo tempo de muita firmeza é diferente de rigidez no indispensável cumprimento e na preservação das combinações feitas jun tamente com uma atitude de acolhimento res peito e empatia Em se tratando de pacientes muito re gressivos como é o caso de crianças autistas F Tustin 1981 sugere que o setting analíti co deve ser visto como uma incubadora na qual o prematuro psicológico possa encon trar as gratificações básicas calor compre ensão amor e paz que a criança ainda não realizou porquanto desde o nascer ela ain da não teve as condições ambientais míni mas para satisfazêlas Tratase de pacientes que necessitam da presença viva de um obje to externo no caso o terapeuta que tal como um útero psicológico acolha aqueça pro teja e estimule a criança e que da mesma for ma como uma pele psíquica mantenha uni das as partes do self que ainda estão disper sas e desunidas O destaque que está sendo dado à parti cipação do analista no enquadre e no respecti vo campo analítico visa a enfatizar que já vai longe o tempo em que ele se conduzia como um privilegiado observador neutro atento uni camente para entender decodificar e interpre tar o material trazido pelo paciente Pelo con trário hoje é consensual que a estrutura psí quica do terapeuta sua ideologia psicanalíti ca empatia conteúdo e forma das interpreta ções demais atributos de sua personalidade e modo de ser enfim a sua pessoa real contri buem de forma decisiva nos significados e nos rumos da terapia analítica Isso está de acordo com o princípio da incerteza uma concepção de Heisenberg que postula o fato de que o observador muda a realidade observada conforme for o seu es tado mental durante uma determinada situa ção a exemplo do que se passa na física subatômica na qual uma mesma energia em um dado momento é onda e em outro é par tícula Nesse contexto analista e analisando fazem parte da realidade psíquica que está sendo observada e portanto ambos são agen tes da modificação da realidade exterior à medida que modificam as respectivas reali dades interiores FUNÇÕES TERAPÊUTICAS DO SETTING O enquadre conforme já destacado for mado com o paciente vai muito além de uma mera medida prática resumida a uma série de combinações que possibilitem a realização do tratamento analítico Pelo contrário há mui tas particularidades invisíveis sutilezas ar madilhas transgressões a pessoa real do ana lista como um novo modelo de identificação etc que tanto podem agir de uma forma terapeuticamente positiva quanto negativa conforme for o manejo técnico do terapeuta Seguem enumeradas algumas das caracterís ticas que me parecem ser sobremodo relevan tes na prática clínica 1 De uma maneira geral o setting analí tico é o mesmo para qualquer tipo de pacien te no entanto no caso de crianças autistas ou qualquer outro paciente que esteja protegido por uma densa cápsula autística como já foi acentuado é possível que o profissional seja mais ativo aceite algumas mudanças em rela ção às medidas habituais interaja mais com os familiares e tenha a liberdade para criar al gumas formas de aproximação incentivo e co municação não unicamente verbal Assim na base do ditado se Maomé não vai à monta nha a montanha vai a Maomé o analista deve sair em procura desse paciente autista tendo em vista que ele não está fugindo mas sim que ele está realmente perdido 2 O fato de o paciente com autismo psicógeno estar à espera de que seus vazios sejam preenchidos e que o setting funcione como uma verdadeira incubadora ou útero psicológico não significa que o analista deva se comportar como uma mãe substituta mas sim com uma nova condição de maternagem que permita por meio de sua atividade analí tica a suplementação de falhas e vazios origi nais assim possibilitando a internalização de uma figura materna suficientemente boa que sempre lhe faltou 3 Uma vez instituído o setting deverá ser preservado ao máximo Diante da habitu al pergunta se isso também vale para pacien tes muito regredidos como os psicóticos penso que uma resposta adequada seja a de que tal recomendação vale principalmente para esse tipo de pacientes desde que não MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 69 haja por parte do analista uma rigidez ou uma surdez às proposições e necessidades desse paciente 4 A vantagem de preservar ao máximo o enquadre combinado encontra respaldo em argumentos analíticos como o de estabelecer o aporte da realidade exterior a qual comu mente está muito prejudicada nos pacientes severamente regredidos visto que eles ainda funcionam muito mais no princípio do pra zer do que no da realidade com as suas inevitáveis privações e frustrações próprias da vida real 5 Assim as regras do setting ajudam a prover uma necessária delimitação entre o eu e os outros por meio de desfazer a indiscrimi nação e indiferenciação e portanto facilitan do a obtenção das capacidades adultas de dife renciação separação e individuação 6 Igualmente as regras que foram insti tuídas no enquadre auxiliam a definir a noção de limites limitações lugares e diferenças que provavelmente estão algo borradas pela influ ência da onipotência e onisciência próprias da parte psicótica da personalidade segundo Bion 1967 a qual sempre existe em qualquer pa ciente 7 Neste contexto o enquadre auxilia a desfazer as fantasias daquele analisando que de alguma forma sempre está em busca de uma ilusória simetria pela qual ele busca a mesma hierarquia de lugar e de papéis que o analista tem e de uma similaridade ou seja a crença do paciente de que ele tem uma igual dade nos valores funções e capacidades do seu analista 8 Da mesma forma como pode haver um desvirtuamento do enquadre em decorrência de uma excessiva rigidez do analista também não podemos ignorar os inconvenientes por vezes graves que decorrem de uma exagerada permissividade na aplicação e na indispensável preservação da essência das condições normativas que foram combinadas no contra to e se essas não foram claramente definidas tornase ainda mais sério o erro técnico 9 Deve ficar claro que como seres hu manos não deve existir uma distinção entre analista e paciente porém na situação analíti ca é fundamental que os direitos deveres pa péis lugares a serem ocupados atribuições e funções a serem desempenhadas por cada um do par analítico devem necessariamente ser diferenciados caso contrário haverá um cli ma de confusão que age como um caldo de cultura para que a terapia analítica fracasse 10 A propósito é corrente a idéia de que o analista deve ser humano o que obvia mente é inquestionável No entanto uma gran de parte das pessoas inclusive muitos tera peutas confunde a condição de ser uma pes soa humana com a de não frustrar os pacien tes atender todos os pedidos dele não lhe pro vocar dores etc como se isso fosse uma de sumanidade Creio que do ponto de vista psi canalítico há um significativo equívoco nessa crença pois é imperioso estabelecer uma níti da distinção entre o que é ser um analista bom frustra adequadamente quando necessário e bonzinho nunca frustra 11 Assim no caso do terapeuta bonzi nho ele não só não saberá provocar eventu ais frustrações a certos pedidos e expectativas do paciente como também não terá condições de colocar limites e definir limitações nem pro piciar a possibilidade de analisar sentimentos difíceis mergulhar na depressão do paciente ou nas suas partes psicóticas etc e tampouco despertará o lado adulto do paciente que deve aprender a enfrentar as dificuldades no lugar de fugir delas por meio de diferentes táticas de evitação e de fuga o que perpetua o estado de onipotência ou ainda a de usar o recurso de acionar a que outros enfrentem as dificulda des por ele o que vai reforçar a condição de criança dependente 12 Também devemos considerar o fato de que o analista que evita ao máximo frus trar o paciente em seus pedidos por mudan ças nas combinações do setting chegando a ponto de fazer alguns sacrifícios pessoais pode estar encobrindo uma atitude sedutora a serviço de seu narcisismo ou o seu medo diante de uma possível revolta e rejeição por parte do analisando Além disso também acresce o inconveniente de um reforço no paciente de uma falsa concepção de que a frustração é sempre má e que deve ser evita da assim como também a de que o analista deve ser poupado de suas cargas de avidez nesses casos o enquadre corre o risco de fi car estruturado em uma busca única de grati ficações recíprocas o que desvirtua a essencia lidade do processo analítico 70 DAVID E ZIMERMAN 13 Em contrapartida outras vezes pode ocorrer o inverso isto é o analista cria exa gerados obstáculos para atender certos pedi dos dos pacientes por mais justos e inofensi vos que sejam por exemplo mudar a hora de uma sessão para uma outra possível em uma mesma semana pois aquele horário co incide com um exame que deve prestar de sorte a repetir uma provável conduta similar a que o paciente quando criança pequena teve com os pais Tratase de pacientes que desde pequeninos foram condicionados pe los pais a ganhar as coisas com muito choro luta promessas formações reativas e prová veis humilhações de modo que uma atitude análoga por parte do analista pode incremen tar no paciente a crença de que para que ele consiga ganhar algo deve ser como prêmio pelo sofrimento ou merecimento pelo seu esforço ou por um bom comportamento 14 Em outras palavras o controle sádi co inconsciente por parte do analista não é a mesma coisa que impor frustrações neces sárias pode leválo a utilizar frustrações e pri vações severas e desnecessárias podendo ele pensar que está acertadamente obedecendo à regra da abstinência e que Freud se orgu lharia dele 15 É relevante que o analista reconheça que é unicamente sofrendo as inevitáveis frus trações impostas pelo setting desde que essas não sejam exageradamente excessivas escas sas incoerentes e injustas que o analisando tal como no passado evolutivo da criança com seus educadores pode desenvolver a funda mental capacidade para pensar e simbolizar 16 Podese dizer que a função mais nobre do setting consiste na criação de um novo espa ço onde o analisando terá a oportunidade de reexperimentar com o seu analista a vivência de antigas e decisivamente marcantes expe riências emocionais conflituosas que foram malcompreendidas atendidas e significadas pelos pais do passado e por conseguinte malso lucionadas pela criança de ontem que habita a mente do paciente adulto de hoje Cabe ilus trar com uma situação muito freqüente na prá tica analítica cotidiana de todos nós refirome aos pacientes que têm uma dificuldade enor me em expressar em relação ao terapeuta qualquer sentimento de natureza agressiva mesmo que essa seja benéfica Explico melhor lembrando que esse paciente quase nunca sabe estabelecer uma diferença entre o que é uma agressividade boa e construtiva porque dá garra ambição tenacidade e uma agres são destrutiva com a predominância de in veja maligna Para uma melhor distinção conceitual entre estes dois termos sugiro que o leitor consulte o glossário de expressões ana líticas que proponho 17 Como exemplo trivial recordo de um paciente que se mostrava algo apático e con formado em sua vida profissional monótona em flagrante contraste com a evidência de no tórias capacidades e que não conseguia ex pressar um mínimo de sentimento mais ran coroso em relação a mim embora a sua vida exterior estivesse sendo pautada por emoções muito rancorosas e vingativas que ele retinha mas que se expressavam por uma retocolite ulcerativa Tal situação persistiu até que ele lembrouse de um violento tapa na boca que quando menino ao pronunciar um desaforo raivoso levou do pai para aprender a respei tar os mais velhos Isso permitiu que anali sássemos o quanto persistia nele uma signifi cação de perigo diante de qualquer sensação raivosa de sorte que as reprimiu todas inclu sive as construtivas Por meio de um trabalho analítico de ressignificação dessas experiências emocionais o paciente foi resgatando a capa cidade de fazer um bom uso da agressividade sadia 18 Esse exemplo também serve para ilus trar que a capacidade de o analista sobreviver a possíveis ataques dos pacientes agressivos eróticos narcisistas perversos constituise em um dos fatores mais importantes do clima emocional do setting 19 Levandose em conta que virtualmen te todo paciente é pelo menos em parte um sujeito que passou toda a sua vida sujeitado a uma série de mandamentos sob a forma de expectativas ordens e ameaças as quais em certas épocas provieram do meio exterior mas que agora estão sedimentadas no interior de seu psiquismo acredito que dificilmente have rá uma experiência mais fascinante do que aquela que ele está revivendo com o seu ana lista fortes emoções os aspectos agressivos destrutivos incluídos e que os resultados po dem ser bem diferentes daqueles que imagina va e aos quais ele já estava condicionado MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 71 20 A importância disso decorre do fato de que apesar de todos os sentimentos atos e verbalizações significados pelos pacientes como proibidos e perigosos o setting mantém se inalterado O analista não está destruído nem deprimido tampouco colérico não revida nem retalia não apela para a medicação quan do essa não está indicada e muito menos para uma hospitalização não o encaminha para outro terapeuta sequer modificou o seu esta do de humor habitual e ainda se mostra com preensivo e o auxilia a dar um novo significa do um nome proporcionandolhe ainda ex trair um aprendizado com a experiência que de forma tão sofrida ele reexperimentou no campo analítico tanto diretamente na trans ferência com o analista ou simplesmente por meio da verbalização carregada de afetos de experiências antigas fato que mais do que uma simples catarse possibilitará a realização de novos significados com outros sentimentos em torno daquelas recordações traumáticas 21 Às vezes por razões distintas o en quadre instituído sofre algumas transgressões em grau maior ou menor porém o importante é que o analista sinta que está com o controle da situação e que possa voltar à situação ori ginal sempre que julgar necessário Em situa ções mais extremas o setting pode ficar des virtuado a um tamanho tal que cabe a expres são perversão do setting em cujo caso formam se diversos tipos de conluios inconscientes e até por vezes conscientes sendo o mais freqüen te deles aquele que foi determinado pela recí proca necessidade de sedução para agradar e ser agradado um fazdeconta que a análise está evoluindo quando ela pode estar totalmen te estagnada além daqueles casos mais graves do ponto de vista de uma terapia analítica sé ria nos quais há uma quebra de ética e uma total perversão analítica sob a forma de en volvimento erótico negócios em comum pro gramas duvidosos fora do enquadre etc 22 Uma forma nada rara de perversão do setting é aquela na qual determinados pacien tes mais comumente por parte dos narcisistas de pele grossa ver o capítulo referente aos transtornos do narcisismo tentam e muitas vezes conseguem efetivar uma mudança de lugares e de papéis que normalmente o ana lista e o paciente devem desempenhar Vou exemplificar com uma terapia analítica que nos primeiros anos de minha formação devido à minha inexperiência de então permiti descam basse para uma perversão do enquadre analí tico Por alguma razão que não vem ao caso recebi o encaminhamento de um paciente que ocupava um alto nível social e profissional Ele trajava ternos elegantes falava com fluência empostação e cor quando adentrava no con sultório para iniciar a sessão já ia exclamando em tom jubiloso Como vai o preclaro mes tre e coisas parecidas Começava a sessão discorrendo sobre os fatos cotidianos e diante de minhas interpretações ele com seu pole gar direito dava sinais de aprovação ou repro vação Nos primeiros tempos quase que siste maticamente ele erguia o polegar de forma incisiva concedendome plena aprovação as sim conseguindo um dissimulado porém enor me júbilo meu mais tarde o polegar ficava balançando na linha horizontal num gesto de mais ou menos e por fim ele se animava a pôr o seu polegar voltado para baixo sinali zando que reprovava o que eu pensava que interpretava Para um desconforto crescente em mim esse paciente começou a alternar em sucessões que me pareciam rápidas as três posições do seu polegar para mim o repre sentante de um superego a ponto de que olhando retrospectivamente com uma óptica crítica atual eu estava quase que completamen te hipnotizado pelo dedão do suposto pacien te Partindo dessa crítica atual não tenho dú vidas de que em um legítimo movimento per verso não importa se consciente ou inconsci ente ele tomou o meu lugar enquanto eu fi quei no dele de modo que não era ele quem dependeria de mim ou ficaria ansioso com o que eu dissesse ou pensasse dele pelo contrá rio os papéis da situação analítica ficaram in vertidos 23 Um ponto importante em relação à preservação do setting é o que diz respeito à inclusão ou não de parâmetros por parte do analista O termo parâmetro foi cunhado por Eissler 1953 com o qual ele reafirmou a sua posição de que tudo aquilo que transgredia o enquadre dentro do rigor de sua época de veria ser considerado um parâmetro Na atua lidade o critério de transgressão do enqua dre está bastante flexível de modo que ao contrário dos primeiros tempos o analista permitese responder a certas perguntas que 72 DAVID E ZIMERMAN os pacientes fazem sugerir nomes de médi cos especialistas no caso de os pacientes des conhecerem e solicitarem providenciar o uso de medicação concomitante com o curso da psicanálise recomendar determinadas leitu ras ou filmes e demais coisas do gênero No entanto é necessário que o analista fique aten to à possibilidade de estar cometendo peque nas mas reiteradas transgressões como fal tar muito atrasarse sistematicamente ou se continuadamente muda os horários encurta ou prolonga excessivamente o tempo da ses são faz espúrias combinações relativas ao pa gamento estimula os contatos telefônicos de forma ilimitada envolvese exageradamente com as circunstâncias externas da vida do ana lisando expõe demais a sua vida íntima para o paciente usa o analisando para satisfazer a sua curiosidade particular ou para atraílo como aliado contra algum colega desafeto seu ou rival detrator etc 24 Relativamente às combinações for mais que devem reger o setting perdura uma polêmica inclusive no seio próprio da IPA quanto ao número de sessões mínimas para que o tratamento possa ser considerado uma aná lise de verdade Na época pioneira da psica nálise o mais comum era a prática de seis ses sões semanais após algumas décadas o nú mero oficial ficou reduzido para cinco poste riormente passou a prevalecer um consenso de quatro sessões e na atualidade por razões de custo econômico e coisas afins existe um gran de movimento nas sociedades psicanalíticas no sentido de oficializar o número mínimo de ses sões para três medida essa que já vige em al gumas instituições como na França entre ou tras Essa posição de um rigor no cumprimen to de um número mínimo de sessões por se mana na atualidade está quase que restrita às análises que estejam diretamente ligadas aos candidatos em formação psicanalítica Premi dos por diversas circunstâncias os analistas contemporâneos que já têm suficiente expe riência e segurança estão bastante mais flexí veis a esse respeito 25 Assim a aludida flexibilidade no significado positivo dessa palavra está sendo cada vez mais necessária até pela incontestá vel razão de que em todo mundo psicanalíti co existe uma crise na demanda de pacientes e não só nos consultórios dos analistas mais jovens e não só no Brasil Dessa forma a cla ra evidência de um certo esvaziamento dos consultórios está obrigando os analistas a re pensarem o problema do modelo tradicional de quatro ou cinco sessões semanais de modo a não se prender rigidamente nesse número mínimo e em seu lugar pensar prioritaria mente em como viabilizar um espaço de aná lise de acordo com as necessidades de cada pa ciente em particular 26 Algo equivalente poderia ser dito quanto à possibilidade de serem feitas mais de uma sessão em um mesmo dia a obrigatorie dade ou não do uso do divã etc Penso que indo muito além desses aspectos exteriores o fundamental é o fato de que o setting levado a sério comportase por si só com uma impor tante função de continente em que o pacien te sabe que conquistou um espaço sagrado uni camente seu que será contido nas suas angús tias entendido é diferente de atendido em suas necessidades desejos e demandas respei tado no ritmo de análise que ele é capaz e res pirará uma atmosfera de calor e paz não obstante a possibilidade de que esteja em ple na transferência negativa caso já tenha se de senvolvido uma aliança terapêutica entre o par analítico 27 O campo analítico deve ser regido por algumas regras técnicas que foram originalmen te legadas por Freud e que embora conservem muito da sua essência sofreram profundas transformações razão por que decidi que cabe um capítulo específico o sexto para abor dar especificamente esse tema de especial re levância para a prática analítica MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 73 REGRA FUNDAMENTAL Embora essa regra apareça clara e expli citamente formulada por Freud em dois arti gos técnicos A dinâmica da transferência e Sobre o início do tratamento respectivamente de 1912 e 1913 v XII ela já transparece bem delineada em 1904 em seu trabalho So bre a psicoterapia Essa regra consistia fundamentalmente no compromisso assumido pelo analisando em associar livremente as idéias que lhe surgissem de forma espontânea na mente e verbalizálas ao analista independentemente de suas inibi ções ou do fato se ele as julgasse importantes ou não O termo fundamental era apropria do porquanto não seria possível conceber uma análise sem que o paciente trouxesse um con tínuo aporte de verbalizações que permitissem ao psicanalista proceder a um levantamento de natureza arqueológica das repressões acu muladas no inconsciente de acordo com o pa radigma vigente na época Como sabemos nos primeiros tempos na busca do ouro puro da psicanálise contido na lembrança dos traumas psíquicos Freud instruía seus pacientes no sentido de que con tassem tudo que lhes viesse à cabeça sem omitir nada 1909 p 164 e para tanto for çava a livre associação de idéias por meio de 6 Uma Revisão das Regras Técnicas Recomendadas por Freud Não devemos confundir ter amor às verdades com um desejo de certeza Em nosso mundo relativo toda certeza absoluta é uma mentira Muito mais do que ser um obsessivo caçador de verdades o que importa é que sejamos pessoas verdadeiras Nestes pouco mais de 100 anos de existência da psicanálise como ciência entre avanços e recuos ampliações e supressões integrações e cisões créditos e descréditos acima de tudo ela vem sofrendo ininterruptas e profundas transformações em que os sucessivos avanços na teoria repercutem diretamente na técnica e a recíproca é verdadeira Ao longo dos seus trabalhos sobre técni ca psicanalítica mais consistentemente estu dados e publicados no período de 1912 a 1915 Freud deixou um importante e fundamental legado para todos os psicanalistas das gerações vindouras as regras mínimas que devem re ger a técnica de qualquer processo psicanalíti co Muito embora Freud as tenha formulado como recomendações elas são habitualmente conhecidas como regras talvez pelo tom pe dagógico e um tanto superegóico com que ele as empregou nos seus textos Convém lembrar que classicamente são quatro essas regras a regra fundamental tam bém conhecida como a regra da livre associa ção de idéias a da abstinência a da neutrali dade e a da atenção flutuante Creio que é le gítimo acrescentar uma quinta regra a do amor à verdade tal foi a ênfase que Freud em prestou à verdade e à honestidade como uma condição sinequanon para a prática da psica nálise Essas regras permanecem vigentes em sua essencialidade porém vêm sofrendo muitas e significativas transformações por meio de al gumas rupturas epistemológicas e inevitáveis mudanças que sucessivamente vêm se proces sando no perfil do paciente do analista e da própria ideologia do processo analítico com óbvias repercussões na prática clínica 74 DAVID E ZIMERMAN uma pressão manual de sua mão na fronte do analisando Posteriormente ele deixou de pres sionar fisicamente porém continuava impon do essa regra por meio de uma condição obri gatória na combinação inicial do contrato ana lítico assim como por um constante incentivo às associações de idéias no curso das sessões No trabalho Dois artigos para enciclopé dia 1923 Freud definiu com precisão as suas três recomendações fundamentais que no iní cio de qualquer análise devem necessariamen te constituir essa regra da livre associação de idéias 1 o paciente deve se colocar em uma posição de atenta e desapaixonada autoob servação 2 comprometerse com a mais ab soluta honestidade 3 não reter qualquer idéia a ser comunicada mesmo quando ele sente que ela é desagradável quando julga que ela é ridí cula não tão importante ou irrelevante para o que se procura A regra fundamental nesses primeiros tempos não se restringia unicamente à impe riosa obrigação de o analisando cumprir com a livre associação dos pensamentos e idéias antes disso ela se comportava como sendo a caudatária de uma série de outras tantas re comendações menores que os analistas impu nham desde a formalização do contrato analí tico como a de que o paciente usasse imedia tamente o divã se comprometesse com seis ou no mínimo cinco sessões semanais não assu misse nenhum compromisso importante sem antes analisálo exaustivamente o rígido em prego de definidas fórmulas quanto ao modo de pagamento e assim por diante Tudo isso somado às demais regras que a seguir serão abordadas eram formuladas lon ga e detalhadamente para o pretendente à aná lise à espera de sua concordância e compro metimento constitua o contrato do trabalho psicanalítico o qual na época costumava du rar alguns meses ou no máximo alguns pou cos anos A esse respeito é oportuno destacar que muitos autores atuais ainda mantêm um mesmo rigor na formulação inicial do contra to analítico sob o respeitável argumento de que facilita o trabalho do psicanalista o fato de ter um referencial seguro para estabelecer con frontos com os desvios que certamente o ana lisando fará no curso da análise No entanto outros psicanalistas pare ceme que a grande maioria na atualidade preferem se limitar a deixar bem claramente combinados os aspectos referentes ao quinhão de responsabilidade que o paciente deve assu mir quanto aos horários honorários e férias sendo que as demais questões inclusive a do uso do divã a eventualidade de algum actings o uso simultâneo de medicamentos etc se rão examinados à medida que surgirem no cur so do processo analítico hoje de duração bem mais longa do que aquelas análises pioneiras Aliás como já referimos muita coisa mudou hoje a começar pelo perfil do paciente que procura análise Assim raramente nos con frontamos com aqueles pacientes que apresen tavam unicamente sintomas neuróticos pu ros como costumavam ser os histéricos os fóbicos os obsessivos O atual contingente de pessoas dispostas a submeterse a um longo processo psicanalítico é constituído pelos pa cientes que são portadores de transtornos da autoestima falso self sofrimento narcisis ta além do fato de que os extraordinários avan ços teóricotécnicos possibilitaram que a psi canálise estendase para um nível bem mais pretensioso de obtenção de um crescimento mental caracterológico profundo e não só sin tomático e adaptativo como o era nas primei ras décadas Além disso a psicanálise hodierna cobre um espectro bem mais amplo especial mente o de pacientes bastante regressivos como os psicóticos borderlines somatizadores perversos drogadictos etc Também houve significativas transforma ções nos fatores socioeconômicos e culturais que somados aos anteriores também concor rem para outras mudanças como a da dura ção do tempo das análises tal como foi ilus trado por Jacobs 1996 de forma jocosa ao dizer que antigamente os casamentos eram de longa duração e as análises breves enquanto hoje as análises são longas e os casamentos breves No entanto a principal transformação diz respeito ao fato de que os notáveis e progressi vos avanços teóricopráticos dos fenômenos pertinentes à área da comunicação vêm possi bilitando que o psicanalista compreenda de forma muito mais acurada a metacomunica ção que está contida nas diversas formas de linguagem nãoverbal como é o caso dos si lêncios das somatizações da entonação vocal da linguagem corporal e gestual dos actings e MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 75 muito particularmente a primitiva linguagem que o paciente emite pela provocação de efei tos contratransferenciais na pessoa do analista Também deve ser incluído o fato de que a comunicação verbal do paciente por meio da sua livre associação de idéias pode estar sen do muito mais livre do que associativa de modo a ficar a serviço de K conforme Bion 1962 ensinou isto é ela inconscientemente pode visar a uma mera evacuação ou à men tira ao engodo e às diversas formas de falsifi cação das verdades Da mesma forma a ver balização das idéias do paciente pode obede cer ao propósito prioritário de atacar as capa cidades de seu analista como a de percepção e a de estabelecimento de correlações entre os vínculos associativos assim como o discurso do analisando também pode ter como meta provocar efeitos no analista que o levem à prá tica de contraatuações e assim por diante Tudo isso permite afirmar que a associa ção livre componente principal da regra fun damental não é encarada na atualidade como a única e tão fundamental forma de o analisando permitir um acesso ao seu mundo inconsciente Ao mesmo tempo ela evoluiu da idéia de uma imposição do psicanalista para a de uma permissão com a finalidade de que o analisando fique realmente livre para recriar um novo espaço no qual ele possa voltar a vivenciar antigas experiências emocionais pen sar sentir muitas vezes atuar e acima de tudo silenciar ou dizer tudo que lhe vier à mente no seu ritmo e à sua moda Igualmente na atualidade a associação livre também é um requisito importante na pessoa do analista ou seja antes de formular a sua interpretação ele deve proceder a um trabalho de elaboração interna a partir de uma forma livre de processar as suas próprias asso ciações de idéias e sentimentos Em relação ao conteúdo e à forma de como o paciente traz suas comunicações ao analista verbais ou nãoverbais creio que o terapeuta deve partir do princípio de que o paciente sempre tem razão isto é ele pode falar ou silenciar ser claro ou confuso verda deiro ou mentiroso colocar afeto no que diz ou fazer narrativas intelectualizadas etc Tal afirmativa sustentase no fato de que essa é a forma de o paciente ser na sua vida tal como se expressa na análise de sorte que cabe ao analista decodificar o que está sendo comuni cado e correlacionar com as causas e propósi tos dessa forma de o analisando usar a sua li vre associação de idéias e sentimentos REGRA DA ABSTINÊNCIA Essa recomendação de abstinência pelo menos de forma clara foi formulada pela pri meira vez por Freud em Observações sobre o amor transferêncial 1915 p 214 em uma época na qual as análises eram curtas e na clí nica dos psicanalistas predominavam as pacien tes histéricas que logo desenvolviam um esta do de paixão e de atração erótica com o ana lista A isso acresce o fato de que à medida que a psicanálise se expandia e ganhava em reconhecimento e repercussão paralelamente também aumentavam as críticas contra aquilo que os detratores consideravam um uso abusivo e licencioso da sexualidade Preocupado com a imagem moral e ética da ciência que ele criara além da científica e com o possível despreparo dos médicos psico terapeutas de então quanto ao grande risco de envolvimento sexual com as suas pacientes mergulhadas em um estado mental de amor de transferência Freud viuse na obrigação de definir claros limites de abstenção tanto para a pessoa do analista como também para a do analisando Na verdade Freud começou a postular essa regra a partir dos seus trabalhos técnicos de 1912 quando se intensificaram as suas preocupações com a imagem e a respon sabilidade da expansão da psicanálise por quanto até então ele mantinha uma atitude de muita permissividade como pode ser com provado com a análise em 1909 do homem dos ratos a quem Freud em algumas ocasiões no transcurso das sessões servia chá sanduí ches ou arenque Tal como o nome abstinência sugere essa regra alude à necessidade de o psicanalis ta absterse de qualquer tipo de atividade que não seja a de interpretar portanto ela inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação ex terna sexual ou social a um mesmo tempo que o terapeuta deveria preservar ao máximo o seu anonimato para o paciente Dessa forma em 1918 no trabalho Linhas de avanço nas tera pias psicanalíticas p 204 Freud reitera que 76 DAVID E ZIMERMAN na medida do possível a cura analítica deve executarse em estado de privação de abstinên cia Fica claro nesse texto que Freud também se referia ao risco de que o analista atendesse às gratificações externas que o paciente busca como um substituto dos conflitos internos Por essa última razão Freud estendeu à pessoa do analisando a imposição de que ele se abstivesse de tomar qualquer iniciativa im portante de sua vida sem uma prévia análise minuciosa da mesma Na sua formulação ori ginal pode ser encontrada na página 200 do volume XII Freud afirma textualmente que protegese melhor o paciente dos prejuí zos ocasionados pela execução de um de seus impulsos fazendoo prometer o grifo é meu não tomar quaisquer decisões importantes que lhe afetem a vida durante o tempo de trata mento por exemplo não escolher qualquer profissão ou objeto amoroso definitivo mas adiar todos os planos desse tipo para depois do seu restabelecimento É claro que essa recomendação continua sendo muito importante especialmente quan to ao fato acrescento eu de que a melhor for ma de o analista atender ao seu paciente é a de entender as suas necessidades desejos e deman das única forma de evitar o risco de que essas sejam substituídas por actings por vezes de natureza maligna Tamanha era a preocupação de Freud com a possibilidade de o analista ceder à tentação de um envolvimento sexual com as pacientes que ele utilizou a metáfora de um radiologista que deve se proteger com uma capa de chum bo contra a incidência dos efeitos maléficos dos raios X Sucessivas gerações de psicanalistas levaram essa recomendação ao pé da letra e tal como a metáfora sugere carregaram para o campo analítico essa pesada proteção plúm bea de forma a manterse o mais distante pos sível de forma rígida de qualquer aproxima ção mais informal quer dentro quer fora do consultório Acredito que essa obediência à evitação de uma aproximação com o paciente levada ao extremo contribuía para a instalação de um campo fóbico entre o analista e o analisando muitas vezes servindo como uma racionaliza ção científica a serviço de uma real fobia por parte do psicanalista ou seja o medo dele chegar mais perto de aspectos temidos por ele como sendo perigosos De igual modo não deve ser descartada também a possibilidade de que além de um distanciamento fóbico não pou cas vezes uma excessiva abstinência por parte do terapeuta pode estar a serviço de uma in consciente retaliação ou de um disfarçado sa dismo seu em relação ao paciente Assim esse analista sem se dar conta pode estar machu cando o paciente enquanto pensa que está ad miravelmente aplicando a preconizada regra da abstinência e que Freud orgulharseia dele No entanto na atualidade muita coisa mudou na prática psicanalítica o perfil emo cional e situacional do paciente que procura análise é bem diferente daqueles dos primei ros tempos as condições sociológicas e econô micas também são completamente diferentes os conhecimentos teóricos e técnicos dos psi canalistas ampliaramse em extensão e profun didade os objetivos a serem alcançados tam bém sofreram profundas modificações as aná lises são mais longas e por conseguinte te mos mais tempo mais liberdade e menos medo para interagir intimamente com os analisandos Assim sem nunca perder a necessária preservação do setting normatizador e delimi tador a maioria dos analistas atuais trabalha de uma forma algo mais descontraída o clima da análise adquiriu um estilo mais coloquial com uma menor evitação de aproximação que como já aludimos adquiria uma natureza fóbica Além disso há um certo abrandamento do superego analítico o qual é herdeiro das instituições que o formaram e modelaram como psicanalista de modo a possibilitar que o ana lista possa sorrir ou rir durante a sessão res ponder a algumas inócuas perguntas particu lares dar algum tipo de orientação evidenci ar algum tipo de emoção não ter pavor de que apareça alguma fissura no seu anonimato etc Em outras palavras aplicar rigidamente a regra da abstinência e do anonimato nos ter mos em que foram originalmente recomenda das por Freud nas análises mais longas de hoje seria impossível e conduziria para um clima de muita falsidade além de um incremento da submissão e paranóia Podese dizer que na psicanálise pratica da hoje o eixo em torno do qual deve girar a abstinência por parte do analista não é tanto o MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 77 que se refere ao amor de transferência até porque as pacientes histéricas típicas da época de Freud não são as que prevalecem na clínica atual dos psicanalistas e além disso a psica nálise avançou muito em compreensão e ma nejo desses casos embora é claro esse risco de envolvimento continua existindo e preocu pando O significado maior da necessidade atual do cumprimento da regra da abstinên cia por parte do psicanalista inclinase mais para os riscos que estão ligados à configuração narcisista deles próprios Assim vale destacar alguns desses riscos como é o caso de o analista gratificar os dese jos manifestos pelo paciente nos casos em que tais desejos estão visando a compensar de ficiências internas suas assim impelindo o terapeuta a substituir um necessário entender por um infantilizador e narcisístico atender Da mesma forma deve ser levada em conta a pos sibilidade nada rara de o psicanalista impor a sua grandiosidade narcisística como uma for ma de usar o analisando como um prolonga mento dele com o objetivo de conseguir uma realização pessoal embora às custas de uma atrofia da autonomia e autenticidade do pa ciente E assim por diante Deve ficar claro que não obstante a abs tinência aludir diretamente à suspensão do desejo do analista isso não significa a morte do desejo a desistência de desejar e da mes ma maneira não significa que ele vá anular os desejos do analisando Um bom exemplo para essa última situação é a que se refere à curiosi dade do analisando a qual curiosamente foi considerada pelos nossos maiores autores de forma genérica a partir do ângulo da patoge nia e não daquilo que a curiosidade também tem de saudável e estruturante Assim Freud abordou a curiosidade sob a perspectiva da criança excluída da cena pri mária M Klein privilegiou o enfoque centrado no desejo da criança pequena em invadir o in terior do corpo da mãe para poder controlar e tomar posse dos tesouros que a sua curiosida de tecida com as fantasias inconscientes faz ela imaginar que a mãe os possui como forma de pênis do pai de fezes idealizadas e de be bês Bion acentuou os aspectos da curiosidade ligada à arrogância tal como foi a de Édipo ao desafiar aos deuses e querer chegar à verdade a qualquer custo pelo que pagou o altíssimo preço que o mito nos relata O importante é que o psicanalista mercê de uma abstinência firme e coerente porém benevolente e nãointrusiva consiga discrimi nar quando uma manifesta curiosidade do pa ciente em relação a ele está a serviço de uma patologia ou guarda um propósito sadio No primeiro caso é possível observar que o pacien te não está interessado nas interpretações do analista que o levassem a fazer reflexões mas sim que a sua curiosidade tal como uma son da meteorológica procura penetrar na mente do terapeuta para descobrir o que este quer ou não quer para assim manipulálo ou com fins de sedução e submetimento ou para triunfar sobre ele No caso de uma curiosidade sadia nada é mais desastroso que o analista responder com um silêncio gélido ou com uma forçada pseudointerpretação a uma pergunta inócua do paciente que como hipótese pode justa mente estar expressando um enorme esforço para vencer uma inibição um passo para en saiar uma aproximação mais livre e afetiva ou um exercício para reexperimentar uma curio sidade que no passado lhe foi proibida e significada como daninha Uma faceta correlata ao aspecto exposto é o que diz respeito aos encontros sociais nos quais o psicanalista e o analisando partilharão de um mesmo espaço fora do setting psicanalítico Até certo tempo atrás os psicanalistas de modo geral evitavam ao máximo um encontro dessa natureza e muitos inclusive incluíam no an damento do contrato analítico uma cláusula para que o paciente se abstivesse de tais aproxima ções Isso era mais freqüente nas situações das análises didáticas e funcionando como um modelo de identificação os sucessivos analistas costumavam adotar a mesma atitude com to dos os seus outros pacientes comuns Os psicanalistas mais veteranos são tes temunhas do quanto em muitas sociedades psicanalíticas a referida evitação inclusive em eventos científicos atingia um grau de fobia em ambos do par analítico A organização de algum encontro social exigia uma verdadeira ginástica por parte do anfitrião para manter as devidas evitações de qualquer aproximação Na atualidade continua sendo recomendável que 78 DAVID E ZIMERMAN se evite uma aproximação que represente ser demasiado íntima porém os psicanalistas en caram esses encontros ocasionais com uma naturalidade muito maior pois estão conscien tes de que os pacientes não são bichos não há por que temêlos a recíproca é verdadei ra Ademais o analista aprendeu a melhor utilizar uma discriminação entre circunstâncias distintas e mesmo na hipótese de que o aludi do encontro promova uma turbulência ou es teja se prestando a um acting é perfeitamente possível isso ser analisado como qualquer ou tra realidade psíquica do vínculo analítico Igualmente a situação relativa aos pre sentes com que muitos pacientes brindam seus analistas merece uma consideração dada a fre qüência com que acontece É evidente que em muitas situações analíticas o presentear pode estar a serviço de alguma forma de acting sub missão ou defesa maníaca no entanto em inú meras outras ocasiões como no Natal por exemplo um presente de dimensões adequa das pode ser naturalmente aceito pelo analis ta sem a obrigação de uma sistemática análi se do porquê daquele presente Assim creio que é um equívoco técnico fazer uma rejeição pura e simples de qualquer forma de presente sob a alegação por parte do analista de que ele está obedecendo à re gra da abstinência até mesmo pela singela ra zão de que muitas vezes para determinados analisandos o ato de ele presentear o terapeuta pode estar representando um sensível progres so o qual deve ser analisado e reconhecido Como se pode deprender a regra da abs tinência também era extensiva aos analisandos tanto que no início do movimento da psicaná lise fazia parte do contrato analítico que eles se comprometessem a se abster de tomar a ini ciativa de qualquer ato importante sem antes submetêla à análise com o analista Ainda em relação à regra da abstinência e intimamente ligada a ela ganha relevância a recomendação de Bion de que o psicanalista deve se abster de funcionar com o seu psiquis mo saturado por memórias desejos e ânsia de compreensão sendo que tal postulação nos remete à seguinte regra de Freud a da aten ção flutuante Nesse contexto isso implica em que o analista também deveria se abster de fazer apontamentos no transcurso das sessões ou de graválas embora com o consentimento do analisando pelo fato de que de alguma for ma essa prática influi negativamente na refe rida atenção flutuante REGRA DA ATENÇÃO FLUTUANTE Freud estabeleceu como equivalente à regra fundamental para o analisando uma também para o analista a conhecida regra da atenção flutuante Essa expressão na Standard Edition brasileira está traduzida ora como atenção uniformemente suspensa 1912 p 149 ora como imparcialmente suspensa p 291 De forma análoga a Bion e antecipan dose a este autor em Recomendações 1912 Freud postulou que o terapeuta deve propiciar condições para que se estabeleça uma comunicação de inconsciente para in consciente e que o ideal seria que o analista pudesse cegarse artificialmente para poder ver melhor Ao complementar essa regra de Freud Bion argumenta que esse estado de atenção flutuante é bastante útil para permitir o surgi mento na mente do analista da importante capacidade latente em todos de intuição vem dos étimos latinos in tuere ou seja olhar para dentro uma espécie de terceiro olho a qual costuma ficar ofuscada quando a per cepção do analista é feita unicamente pelos órgãos dos sentidos Uma questão que comumente costuma ser levantada referese à possibilidade de o ana lista atingir a real condição de cegarse artifi cialmente e despojarse de seus desejos da memória e de seus prévios conhecimentos te óricos A resposta que me ocorre é que não há nenhum inconveniente que o terapeuta sinta desejos ou quaisquer outros sentimentos as sim como a memória de fatos ou teorias prévi as desde que ele esteja seguro que a sua mente não está saturada pelos aludidos desejos me mórias e conhecimentos Igualmente é necessário que o terapeuta tenha uma idéia bem clara desse risco de modo a que consiga manter uma discriminação en tre os seus próprios sentimentos pode ser um estado de expectativa da realização de dese jos como também pode ser o de uma apatia medo excitação erótica tédio sensação de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 79 paralisia e impotência etc e aquilo que é pró prio da situação analítica Essa condição é conseguida pela capaci dade de manter uma dissociação útil da fun ção do seu ego psicanalítico de modo a esta belecer as diferenças e o reconhecimento das diversas áreas do seu mapa psíquico inclusive daquelas que são de sua vida particular por vezes com emoções intensas e que nada têm a ver com a situação analítica Ao mesmo tem po essa dissociação útil possibilitalhe con servar um estado de teorização flutuante de seus conhecimentos teóricotécnicos ao lado de uma atenção flutuante também dirigida aos seus próprios sentimentos sem prejuízo da sua função de rêverie Pensase que tanto a atenção flutuante de Freud quanto o sem memória sem dese jo de Bion equivalem a um estado mental de préconsciência que portanto propicia ao analista estar ligado ao mesmo tempo aos fa tos externos e conscientes assim como a uma área do inconsciente que lhe possibilita uma escuta intuitiva a qual favorece a arte e a criatividade psicanalítica O contrário de uma atenção livremente flutuante seria o estado mental do psicanalis ta de uma atenção excessivamente dirigida a qual pode ser patogênica tal como pode ser exemplificado com uma participação ativa do analista com a qual ele pretende colher infor mações que não sejam pertinentes à situação analítica mas sim que mais atendam à sua curiosidade pessoal inconsciente ou mesmo consciente Nesse mesmo contexto em algu ma situação mais extrema este analista estará atuando como uma criança escopofílica voyeurista o que pode gerar um vínculo transferencialcontratransferencial de nature za perversa Convém destacar que o analista que ten tar levar a regra da atenção flutuante rigoro samente ao pé da letra trabalhará um estado de desconforto devido a culpas e com uma sensação de fracasso pessoal pois é impossí vel sustentar essa condição durante todas as sessões e sempre sem que eventualmente ele tenha suas distrações divagações desejos cansaço algum desligamento Aliás o possí vel surgimento de imagens na mente do ana lista enquanto o paciente fala sempre foi con siderado como sendo uma provável distração e alheiamento do terapeuta no entanto na atu alidade isso está sendo valorado como uma possibilidade de que se trate de ideogramas termo empregado por Bion ou seja uma importante forma onírica de comunicação por intermédio de imagens por parte do paciente de algo que vai além das suas palavras e da captação pelos órgãos dos sentidos do analista REGRA DA NEUTRALIDADE A abordagem mais conhecida de Freud a respeito dessa regra é aquela que consta em suas Recomendações de 1913 na qual ele apresenta a sua famosa metáfora do espelho pela qual ele aconselhava aos médicos que exer ciam a terapia psicanalítica que o psicanalista deve ser opaco aos seus pacientes e como um espelho não lhes mostrar nada exceto o que lhes é mostrado p 157 Freud representava essa recomendação como sendo a contrapar tida da regra fundamental exigida ao paciente O termo neutralidade deriva do étimo latino neuter que significa nem um nem ou tro embora designe um conjunto de medidas técnicas que foram propostos por Freud no curso de vários textos e em diferentes épocas não figura diretamente em nenhum deles Nas poucas vezes em que esse termo aparece nos escritos de Freud a palavra original em ale mão é indifferenz cuja tradução mais próxima é imparcial porém não vamos ficar indife rentes à possibilidade não tão incomum de que muitos terapeutas confundam um sadio estado mental de imparcialidade neutra com o de uma verdadeira indiferença bastante dele téria para a análise até mesmo porque muitos autores acreditam que a recomendação que Freud fazia acerca da neutralidade era tão ri gorosa que o analista praticante era incitado a de fato manter uma indiferença Por outro lado o conceito de neutralida de deve se estender aos próprios desejos e fan tasias do analista de uma forma equivalente ao sem memória de Bion de modo a pos sibilitar que ele esteja disponível para os pon tos de vista dos seus analisandos diferentes dos seus sem ter que apelar para um reducio nismo sistemático aos seus valores prévios as sim como também para que ele ocasionalmen te aproveite a profunda interação com o seu 80 DAVID E ZIMERMAN analisando e possa ressignificar as suas pró prias experiências emocionais antigas Classicamente essa regra referese mais estrita e diretamente à necessidade de que o analista não se envolva afetivamente com o seu paciente tal como sugere a metáfora do espe lho já mencionada Penso que essa compara ção de Freud peca pelo inconveniente de fazer supor que ele recomendava que o analista deva se comportar na situação analítica exatamen te como um espelho material ou seja como a fria superfície de um vidro recoberta com uma amálgama de prata unicamente pesquisando decodificando e interpretando mecanicamente A partir da compreensão de que essa metáfora do espelho não podia ser levada ao pé da le tra podese dizer que a concepção da regra da neutralidade vem mudando substancialmente Hoje acreditase que o analista deve fun cionar como um espelho sim porém no senti do de que seja um espelho que possibilite ao paciente mirarse de corpo inteiro por fora e por dentro como realmente ele é ou que não é ou como pode vir a ser Além disso também penso que o terapeuta deve se envolver afetivamente com o seu analisando desde que ele não fique envolvido nas malhas da patolo gia contratransferencial sendo que essa últi ma condição de estado mental do analista é fundamental para possibilitar o desenvolvimen to do analisando tal como nos sugere a forma ção dessa palavra desenvolvimento alude à re tirada des de um envolvimento patogênico No sentido absoluto do termo a neutrali dade é um mito impossível de ser alcançado até mesmo porque o psicanalista é um ser hu mano como qualquer outro e portanto tem a sua ideologia e o seu próprio sistema de valo res os quais quer ele queira ou não são cap tadas pelo paciente Além disso as palavras e atitudes do analista também funcionam com um certo poder de sugestionabilidade é dife rente de uma sugestão ativa como pode ser exemplificado com o simples fato de que a es colha que o analista faz daquilo que ele julga que merece ser interpretado em meio a ou tras possibilidades de enfoque interpretativo propiciadas pelo discurso do analisando e mais o seu modo e estilo de interpretar fazem trans parecer a sua personalidade e exercem uma certa influência no destino do processo analí tico A questão que merece uma reflexão mais acurada é se a neutralidade absoluta é desejá vel ou se pelo contrário ela condiciona a uma atividade analítica asséptica e fria A neutrali dade suficientemente adequada somente sur ge quando o analista resolveu a sua contra transferência acerca de determinado conflito provindo do paciente assim podendo integrá la à sua função interpretativa Resta acrescentar que aliado a um reco nhecimento dos seus sentimentos contratrans ferenciais também os conhecimentos teóricos do analista favorecem um adequado desempe nho da regra da neutralidade REGRA DO AMOR ÀS VERDADES Em diversas passagens de seus textos téc nicos Freud reiterou o quanto considerava a importância da verdade para a evolução exitosa do processo psicanalítico Mais exatamente a sua ênfase incidia na necessidade de que o psi canalista fosse uma pessoa veraz honesta ver dadeira e que somente a partir dessa condição fundamental é que a análise poderia de fato promover mudanças verdadeiras nos analisan dos Dessa firme posição de Freud podemos tirar uma primeira conclusão a de que mais do que unicamente uma obrigação de ordem ética a regra do amor às verdades também se constitui como um elemento essencial de téc nica de psicanálise Em relação ao compromisso com a ética é oportuno incluir que também diz respeito à necessidade de o psicanalista não emitir julga mentos a respeito de terceiras pessoas muitas vezes inclusive de colegas tendo em vista que os pacientes os convidam para tal quebra de ética por meio de um inconsciente jogo sutil e provocador veiculado por intrigas insinuações proposição de negócios envolvimento amoro so e afins Talvez o problema ético mais sério de to dos e que esporadicamente acontece em to das as sociedades psicanalíticas seja aquele concernente aos envolvimentos amorosos en tre terapeuta e paciente No mundo analítico algumas sociedades são mais intransigentes quanto a essa transgressão ética a ponto de execrarem e punirem o filiado com a suspen MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 81 são das atividades e até mesmo com a expul são do corpo societário enquanto outras insti tuições são mais brandas e procuram discrimi nar cada situação em separado Mas não resta dúvida que este é um tema altamente polêmico e controvertido entre os analistas e tudo indica que são de ocorrência mais freqüente que possa parecer já que os escândalos mais ruidosos acontecem quando se torna público o envolvimento sexual do ana lista com o paciente ou quando paradoxalmen te de forma corajosa o casal decide assumir publicamente o seu enlace Em relação a esse tão delicado assunto creio ser bastante opor tuno reproduzir o ponto de vista de Daniel Widlocher atual presidente da IPA que em um artigo publicado no Livro anual de psicanálise XIV 2000 p 15 assim se pronunciou O que importa é que os limites da transgressão sexual não sejam necessariamente um desli ze trivial nem um pecado imperdoável Ade mais o mesmo autor ressalta que embora só as transgressões sexuais repercutam intensa mente existem com relativa freqüência ou tras as transgressões éticas dissimuladas por parte de analistas como são os platônicos vín culos românticos além do fato de que poder e dinheiro são motivos tão fortes de sedução quanto o sexo Freud estendia a sua postulação da indis pensabilidade da honestidade e verdade tanto à pessoa do terapeuta quanto à do paciente Em relação ao primeiro ninguém contesta a validade dessa assertiva de Freud a ponto de podermos afirmar que se o técnico que labora como analista não tiver suficientemente esse atributo de ser verdadeiro o melhor que ele tem a fazer é mudar de especialidade Quanto à pessoa do analisando as coisas têm mudado um pouco se partirmos do vérti ce de que o paciente está no seu papel de fazer aquilo que ele sabe fazer e no seu ritmo ca bendo ao analista a responsabilidade de ten tar tornar egodistônica uma caracterologia fal sa e mentirosa do analisando e a partir daí procurar modificar essa patologia tanto atra vés de uma análise profunda das motivações inconscientes de tal comportamento como por meio de uma identificação com a postura de amor às verdades que o analista vier a demons trar de forma consistente e coerente Tais aspectos vêm merecendo uma consi deração especial a ponto de Bion em um dos seus textos lançar a pergunta hoje clássica É possível analisar um mentiroso e como res posta dá a entender que em certos casos é possível Aliás Bion foi o autor que mais se aproximou dos problemas referentes às verda des às falsidades e às mentiras na situação psi canalítica principalmente nos escritos em que ele estuda o vínculo do conhecimento K ou o seu oposto K quando a mente do anali sando e muitas vezes a do analista estiver mais voltada para o não conhecimento de ver dades penosas as externas e as internas Por outro lado também enfatizou o fato de que todo e qualquer indivíduo em algum grau faz uso de mentiras falsificações e evasão de cer tas verdades A importância que Bion dedicou às ver dades foi tamanha que ele chegou a afirmar que as verdades representam para o psiquismo o mesmo que os alimentos repre sentam para o organismo isto é sem o alimen to da verdade o psiquismo morre Da mesma forma em Cogitations 1990 afirma entre outras coisas em relação à verdade que ela é algo que o homem precisa sentir na atitude que as outras pessoas têm em relação a si e que podemos acrescentar um sujeito como algum paciente na situação analítica pode sentir que lhe falta uma capacidade para as verdades quer seja para escutálas para o exercício da curio sidade para comunicálas ou até mesmo para desejálas No entanto é necessário esclarecer que a verdade a que estamos nos referindo não tem conotação de ordem moral e muito menos representa uma recomendação para que o ana lista saia a uma obsessiva caça às verdades negadas ou sonegadas pelo paciente até mes mo porque o conceito de verdade absoluta é muito relativo A propósito cabe lembrar que já no início do século XX o matemático Poin caré recomendava que não se deve confundir amor à verdade com um desejo de certeza pois em nosso mundo relativo toda certeza é uma mentira Antes dessa caçada à verdade como foi frisado o importante é a aquisição de uma atitude de ser verdadeiro especialmente consi go único caminho para atingir um estado de liberdade interna o que seguramente é o bem 82 DAVID E ZIMERMAN maior que um indivíduo pode obter De fato verdade e liberdade são indissociáveis entre si e não é por nada que na Bíblia Sagrada consta um trecho de uma profunda e milenar sabedo ria só a verdade vos libertará Esta regra técnica inerente ao amor à ver dade é parte de uma condição mais ampla na pessoa do analista que vai muito além de unicamente uma capacidade para entender e habilidade para interpretar podendo ser de nominada atitude psicanalítica interna e que na contemporânea psicanálise vincular assu me uma importância fundamental pois impli ca a indispensabilidade de demais atributos mí nimos como são os de empatia de intuição de rêverie e outros UMA OUTRA REGRA A PRESERVAÇÃO DO SETTING Além dos aspectos destacados é inegá vel que um uso adequado das regras técni cas implica necessariamente a preservação do setting instituído Como já foi visto cabe ao enquadre a primacial função de normatizar delimitar estabelecer a assimetria os lugares os papéis e as funções do analista e do pacien te não são simétricos bem como a nãosimila ridade eles não são iguais Caso contrário o analista tenderá a contraatuar e haverá uma confusão entre os lugares e os papéis de cada um dos integrantes do par analítico Assim também é função do enquadre manter um con tínuo aporte do princípio da realidade que se contrapõe ao mundo das ilusões próprias do princípio do prazer do paciente Por todas essas razões não deve caber dúvida quanto à relevante necessidade de que as combinações feitas no contrato analítico e que compõem o setting devam ser preserva das ao máximo o que não é o mesmo que apre goar o uso de uma rigidez obsessiva cega e sur da Embora possa parecer paradoxal essa pre servação do enquadre é particularmente ne cessária para com os pacientes bastante regres sivos tendo em vista que eles têm um acentu ado prejuízo na noção de limites e na aceita ção das inevitáveis privações das frustrações e no reconhecimento das também inevitáveis diferenças entre eles e os outros A propósito dessa afirmativa isto é de que a manutenção do enquadre não deve ser obsessivamente rígida é oportuno lembrar o fato bem conhecido de que Freud na prática do seu trabalho clínico não apresentou uma coerência entre o que ele professava o cum primento rigoroso das recomendações técni cas que aqui são enfocadas e o que ele prati cava é sabido que Freud algumas vezes anali sava durante uma caminhada com algum pa ciente outras vezes ele charlava amenidades trocava presentes aconselhava admoestava de forma indireta forçava os pacientes a traze rem associações que confirmassem suas teses prévias Isso sem levar em conta o fato de ele ter analisado o pequeno Hans por meio do método de usar o pai do menino como porta voz de suas interpretações assim como ele também utilizou a introdução de um parâme tro com o seu paciente conhecido como o homem dos lobos ao fixarlhe uma data de término da análise caso ele continuasse não melhorando e assim por diante É claro que eram outros tempos e outros eram os paradigmas psicanalíticos no entan to grande parte dessa incoerência de Freud entre o que ele escrevia e o que fazia deve ser creditada ao fato antes assinalado de que ele se sentiu obrigado a coibir abusos de outros terapeutas ainda muito malpreparados sendo que sua responsabilidade pela preservação da nova ciência aumentou pois nessa época acon teceram as dissidências de Adler e Jung e a psicanálise estava em grande expansão em meio a muitas críticas e um certo halo de liber tinagem Assim como Freud utilizou com o homem dos lobos recurso nãoconvencional em psi canálise o qual desde a contribuição de K Eissler 1953 podemos chamar de parâme tro cabe indagar um ponto que sempre se manteve controvertido entre os psicanalistas é desejável ou indesejável o uso de parâme tros por parte do psicanalista Recordemos que esse termo foi utilizado por Eissler para referirse às intervenções que embora sejam extraanalíticas não alteram a essência do pro cesso psicanalítico No entanto muitos auto res têm argumentado que é muito difícil esta belecer os limites entre o que seja ou não uma alteração da essência psicanalítica sendo que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 83 para evitar precedentes que possam desvirtu ar a necessária preservação das regras técni cas e do setting eles se posicionam contra a inclusão de parâmetros que se afastem da neu rose de transferência Pessoalmente penso como Green que ao estudar a obra de Winnicott afirma O essen cial não é a eventual ruptura do setting mas o fato de que este possa ser sempre retomado sendo óbvio creio que isso implica a condi ção mínima de que o psicanalista tenha uma sólida experiência clínica e que domine muito bem aquilo que ele está fazendo Também concordo com Loewenstein que já em 1958 afirmou duvidar que alguma vez alguém tenha conseguido levar a cabo uma análise ter feito mais do que interpretar De igual modo gostaria de fazer minhas as pala vras de Theodore Jacobs 1996 p 7980 quando ele afirma que Há situações em que a aderência es trita à postura analítica pode ironicamen te trabalhar contra o progresso analítico Há momentos em que é necessário fazer um comentário que relaxa uma ten são insuportável que reconhece uma rea lização que soa como um sinal de precau ção que sutilmente aponta uma direção ou que oferece uma palavra de incentivo Para aliviar a consciência do analista tais intervenções geralmente contêm uma ca mada externa de interpretação mas este artifício não ilude o analisando e nem o psicanalista Todas essas considerações tecidas acer ca da importância do setting como uma fun ção ativa e determinante do processo analíti co permitem concluir que para o psicanalis ta representa ser uma arte conseguir manter o setting preservado no que este tem de es sencial a um mesmo tempo em que ele não caia no extremo de um dogmatismo enrijecido ou na cega obediência aos cânones oficiais Essa última condição é a única forma de ele propiciar um espaço de alguma flexibilidade e muita criatividade para si e para o anali sando Indo mais além coerente com a rele vância atribuída ao enquadre do campo ana lítico creio que seria válido considerarmos a obrigatória preservação do setting dentro dos limites assinalados como sendo uma sex ta regra técnica Como conclusão podese dizer que assim como há a violência da interpretação con ceito de P Aulagnier 1975 para quem a vio lência dos pais ou do analista tanto pode ser inevitável e estruturante quanto também excessiva intrusiva e desestruturante tam bém há a violência da imposição de preconcei tos e de regras técnicas universais quando o psicanalista não leva em conta as peculiarida des pessoais de cada analisando e de cada si tuação analítica em particular 7 A Pessoa Real do Analista no Processo Psicanalítico Por mais tentado que possa se sentir o analista a se tornar o educador o modelo e o ideal de seus pacientes qualquer que seja o desejo que tenha de moldálos à sua imagem ele precisa lembrarse de que esse não é o objetivo que procura atingir na análise e até de que fracassará em sua tarefa entregandose a essa tendência Assim agindo ele apenas repetiria o erro dos pais cuja influência sufocou a independência da criança e substituiria a antiga sujeição por uma nova S Freud 1940 Assim para esses autores o vínculo ana lítico mantémse inalterável na sua essência variando isto sim a maior ou menor capaci dade do analista em detectar e manejar os sen timentos transferenciais concomitantes com as respectivas reações contratransferenciais às vezes dificílimas de serem suportadas Para a corrente que defende este ponto de vista as eventuais falhas do analista ou uma influên cia negativa no andamento do processo ana lítico devido à sua participação sempre serão debitadas a uma contratransferência pato gênica logo à falta de uma melhor análise pessoal Por outro lado também existe um con tingente de autores menos numeroso que o anterior é verdade que defende uma idéia contrária ou seja eles consideram que a pes soa real do analista empresta uma característi ca singular muito especial para cada paciente em particular o que por si só também funcio na como um importante fator que concorre para o êxito ou o fracasso analítico Fundamentado na minha experiência pes soal de aproximadamente quatro décadas no trato psicanalítico de pacientes os mais distin tos possíveis juntamente com uma longa ex periência de supervisor e de uma gradativa porém continuada transformação pessoal ao longo destes anos no que se refere aos vértices teóricos e ao manejo técnico integrome na segunda corrente Os principais argumentos dos analistas que defendem esse segundo ponto Existe uma polêmica entre os psicanalis tas um tanto recente que entretanto vem se intensificando cada vez mais relativa à seguinte questão a interação pacienteanalis ta que permeia o curso da análise e é a sua matériaprima fundamentase unicamente nas vicissitudes e diferentes configurações do fe nômeno transferencialcontratransferencial ou indo além disso a pessoa real do terapeuta com seus atributos físicos e emocionais con junto de valores jeito de ser sua conduta na vida real e idiossincrasias pessoais também exerce uma decisiva importância no desenvol vimento do processo analítico Os autores que defendem a primeira po sição argumentam que as eventuais falhas e atrapalhações na atitude analítica do psicana lista devemse a áreas de sua personalidade que não foram suficientemente resolvidas na sua análise pessoal ou se devem às inevitáveis ma nifestações do efeito contratransferencial in consciente resultantes das maciças cargas transferenciais projetadas pelo paciente pro vindas de seu psiquismo interior Nesse caso cabe deduzir que a pessoa do analista não é mais do que uma simples pantalha transfe rencial na qual são projetados os diversos ele mentos constituintes pulsões e demandas do id representações e funções do ego ameaças e expectativas do superego além dos objetos e configurações objetais internalizados inde pendentemente de quem e como é na realida de a pessoa do seu terapeuta 86 DAVID E ZIMERMAN de vista fundamentamse em múltiplos aspec tos como os seguintes O primeiro deles baseiase em trabalhos de alguns psicanalistas norteamericanos como por exemplo os de Judith Kantrowitz e colaboradores 1986 Esses em Nova York pesquisaram durante longos anos o que deno minam match a melhor tradução para o por tuguês é encontro cujo conceito alude ao fato de que indo além dos fenômenos transferen ciais e contratransferenciais as características reais de cada um do par analítico quer de afi nidade de rejeição e principalmente da pre sença de possíveis pontos cegos no analista se gundo pesquisas de longa duração por meio de pré e póstestes psicológicos manutenção de uma correspondência continuada com even tuais entrevistas de avaliação que esses espe cialistas realizaram podem determinar uma de cisiva influência no curso de qualquer análise Assim conforme a reconhecida seriedade des sas pesquisas ficou constatado que um mes mo paciente analisado por dois psicanalistas de uma mesma competência e seguidores de uma mesma corrente psicanalítica pode evo luir muito mal com um deles e de forma muito bemsucedida com o outro e viceversa Também pode acontecer que determina dos níveis da estruturação psíquica do pacien te por exemplo a sexualidade podem muito bem evoluir com um analista e estagnar com o mesmo profissional em um outro nível por exemplo a área do narcisismo podendo o inverso ocorrer em uma análise feita com ou tro psicanalista ou seja a evolução da análise em grande parte depende bastante da peculia ridade do encontro analítico É um fenômeno equivalente ao que se passa no campo amoro so no qual uma determinada pessoa cortejada por vários pretendentes apaixonase por um deles unicamente muitas vezes contrariando a expectativa de todos que acompanhavam a sua trajetória afetiva mas que o apaixonado explica com o sentimento de que se formou uma química especial Cabe estabelecer uma distinção entre dois significados que a expressão pessoa real do analista comporta A primeira delas é aquela que leva em conta aspectos exteriores visíveis tais como o seu sexo a sua idade se o analista é solteiro casado ou separado como são seu cônjugue e os eventuais filhos qual é a ima gem que o analista passa aos demais a corren te psicanalítica que segue sua etnia sua ética sua estética seu conceito junto aos seus pares a sua participação em congressos o seu com portamento em situações sociais a imagem que desperta nos pacientes que analisa e que a transmitem a outras pessoas nem sempre em uma linguagem verbal mas que definem uma maneira de ser real do analista como pessoa A fim de comprovar essas afirmativas lan ço uma pergunta não é verdade que quando escolhemos um analista para algum familiar ou amigo particularmente querido nosso mais do que o seu prestígio profissional optamos por eleger um terapeuta que nos passa uma sensação boa de como ele é como gente se o jeito real dele vai encaixar bem com aque la pessoa que cheios de esperança estamos encaminhando para um tratamento analítico Um segundo significado psicanalítico de pessoa real é aquele que indo além dos si nais e fatores exteriores aludidos refere ao fato de que uma adequada ou não conduta psica nalítica depende bastante de sua maneira de decodificar o material do paciente e formu lar a interpretação Tratase na verdade de um algo mais que lhe é imanente isto é aqui lo que existe sempre em um determinado ob jeto e é inseparável dele autêntico que é for jado desde sempre na formação do seu psi quismo e do seu espírito e que provindo das profundezas da pessoa do analista consegue transmitir algo mais transparente do que as características que estão mais manifestas na superfície Com outras palavras o conceito de pessoa real do analista adquire validação e significativa importância na prática analítica segundo o critério primordial de que isso acon tece quando a essência do analista impõese à sua aparência ASPECTOS REAIS EXTERIORES Relativamente aos aspectos que caracte rizam a pessoa real baseada nas suas manifes tações exteriores vale a pena esmiuçar alguns deles Assim quanto à idade do terapeuta sem pre cabe a pergunta relativa ao fato de se um terapeuta jovem pode ser adequado para aten der uma pessoa de bastante mais idade ou se pelo contrário um analista relativamente ido MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 87 so pode tratar uma criança ou adolescente por exemplo No meu modo de entender deve ser respeitada a vontade inicial que oa provável paciente manifesta diante da idade de um de terminado analista a quem foi encaminhado Cabe ao terapeuta que o está avaliando com vistas a tomálo em tratamento ser sensível a ponto de abrir um espaço para o paciente ter a liberdade para opinar e se posicionar de acor do com os seus sentimentos o que não signifi ca que sua decisão não deva ser discutida Com essa ressalva acredito que a idade não faz a maior diferença por exemplo tenho notado que pacientes adolescentes ao contrá rio do que pode parecer a uma primeira vista até gostam da idéia de se tratar com analista algo idoso porquanto no fundo estão à espe ra de um novo modelo parental alguém que preencha as faltas que foram decorrentes de limitações dos pais A outra hipótese a de uma pessoa mais velha vir a se tratar com um jo vem pode representar um entrave se houver significativa diferença intelectual na experiên cia de vida e cultural a favor do paciente caso contrário não vejo maior contraindicação Em relação ao sexo biológico do terapeuta faço as mesmas considerações iniciais que des taquei na abordagem da idade Também é útil levar em conta o fato de que muitos critérios de encaminhamento de pacientes sofrem mu danças a partir dos renovados conhecimentos relativos ao desenvolvimento emocional primi tivo e outros aspectos mais de teoria e de téc nica Para ficar em um único exemplo basea do em minha experiência como analista clíni co e supervisor atrevome a afirmar que até algum tempo atrás nos casos de homossexua lidade masculina eu sempre indicava um ana lista do sexo masculino para que ele pudesse servir como um novo modelo de identificação dos atributos de homem Aos poucos fui expe rimentando e aprovando a constatação de que esses pacientes homossexuais masculinos melhor respondem a um tratamento analítico realizado com terapeuta do sexo feminino pela simples razão de que os conflitos mais primiti vos do paciente homossexual radicam essen cialmente em uma precoce relação patogênica com a mãe invariavelmente de natureza de uma díade fusional simbiótica com uma pre matura e excessiva estimulação narcísica e eró tica da criança acompanhada de um discurso por parte da mãe que sistematicamente des qualifica a figura do pai do menino e impede uma maior aproximação entre ambos A razão maior por que creio que o sexo biológico do analista a sua idade a ideologia pessoal a fundamentação teórica entre outros aspectos não influem mais acentuadamente no curso da análise quando se trata de um tera peuta mais experimentado ou com um iniciante em supervisão reside no fato de que um mes mo indivíduo repetirá com o seu analista tanto a transferência materna a qual transparece sobretudo nas funções de uma maternagem suficientemente boa em especial a de um ade quado continente quanto a transferência paterna em cujo caso o analista será o repre sentante de quem deve frustrar certas deman das do paciente Sobretudo cabe ao pai impor os limites relativamente a uma exagerada simbiose com a mãe e estabelecer aquelas leis adaptativas que são exigidas pela realidade exterior função essa que o pai primitivo pro vavelmente não soube executar porque as frus trações impostas devem ter sido demasiado escassas ou excessivas ou incoerentes ou in justas O mesmo cabe dizer em relação à idade do analista o importante é que ele conheça a sua geografia psíquica assim sabendo reconhe cer e discriminar as partes bebê criancinha criança púbere ou adolescente as quais ao lado de sua condição de adulto ainda rema nescem e agem dentro dele Na hipótese de que o terapeuta discrimine esses diversos as pectos seus estará apto a construir um vínculo de empatia com pacientes de qualquer idade Algumas condições reais exteriores da pessoa do analista que podem surgir no decur so de uma análise são incontestavelmente im portantes como o são as situações nada ra ras em que o analista adoeça gravemente po rém que durante algum tempo relativamente longo não o impeçam de trabalhar por exem plo uma doença maligna de evolução incurá vel uma síndrome de doença cerebral lenta mente degenerativa etc situações essas que costumam causar nos pacientes um grave pro blema de constrangimento e conflitos de leal dade Uma outra situação igualmente séria e difícil para os pacientes é quando estoura al gum escândalo de infração ética que denun cia o envolvimento amoroso de uma analista 88 DAVID E ZIMERMAN com algum paciente além de outras situações equivalentes Ainda dentro das características exterio res do analista também cabe fazer uma con sideração relativa ao fato de que o tipo de for mação que o então candidato realizou no seu respectivo instituto de psicanálise constitui um fator de significativo peso na sua condição quanto ao modo real de ele agir na sua con duta como analista Assim as instituições psi canalíticas são obviamente necessárias e im prescindíveis existindo um paradoxo no fato de que a formação prega a liberdade e ao mesmo tempo de certa forma um pouco mais em alguns institutos um pouco menos em outros tolhe a liberdade e a espontanei dade dos candidatos dificultando a criativi dade colocando uma série de restrições e principalmente nos anos 50 60 e 70 impon do um conjunto numeroso de regras às vezes sufocantes e intimidadoras organizando aqui lo que proponho chamar de um rígido superego analítico Por exemplo em um grau menor do que já foi ainda persiste na maioria das insti tuições psicanalíticas uma atitude de que a va lidade da situação não encontra legitimidade psicanalítica se a sessão não é interpretada às vezes sistematicamente no aquiagora comigo transferencial Daí decorrem dois prejuízos um é que a interpretação fica banalizada e muitas vezes intelectualizada o segundo bastante freqüen te consiste no fato de que os analistas princi palmente os candidatos em formação se tor nam verdadeiros caçadores de transferência para então poderem interpretar com o fito de corresponder às expectativas de alguns dos que os ensinam e avaliam de sorte a receberem deles a unção que então legitimará os seus trabalhos como psicanálise de verdade Da mesma forma ainda persiste em al gumas áreas de formação psicanalítica a reco mendação enfática de seguir ao pé da letra as regras formuladas por Freud como as da abs tinência da neutralidade e a do anonimato que em grande parte estão contidas na sua famosa metáfora do espelho Freud 1913 v XII p 157 O analista deve ser opaco aos seus pacientes e como um espelho não lhes mostrar nada exceto o que lhe é mostrado Hoje ninguém mais contesta que um analista não mais pode ser representado pela imagem de uma tela em branco e tampouco como um mero espelho refletor Os psicanalistas da atu alidade na sua grande maioria não aplicam essas regras com a rigidez de décadas passa das pelo contrário valorizam a relação vincu lar entre ambos permitem maior intimidade e envolvimento sob a condição óbvia de que o terapeuta não vá perverter o seu lugar e igual mente não vá confundir a diferença que deve existir entre o aspecto positivo de ele se en volver afetivamente com o seu paciente e o aspecto catastrófico de vir a ficar envolvido nas malhas de uma sedução amorosa ou de um conluio de uma recíproca fascinação narcisis ta por exemplo Creio que existe um consenso geral entre os psicanalistas mais veteranos no sentido de que quanto mais avançamos na experiência de nossa prática clínica quanto mais perdemos o medo de nossos pacientes e conseqüente mente mais gostamos deles independente mente da forma de como eles se apresentam na análise tornamonos mais flexíveis e tole rantes de sorte que nos permitimos incluir al guns parâmetros técnicos pois temos convic ção de que a situação analítica está sob con trole que a condição básica de preservação dos respectivos lugares da relação assimétrica que deve existir entre paciente e analista está asse gurada e que não permitiremos qualquer des virtuamento da função básica de promover ao paciente verdadeiros resultados analíticos Uma maior flexibilidade do analista não deve ser confundida com negligência desca so resistência indiferença ou qualquer outra forma de ataque à psicanálise pelo contrário deve corresponder a um estado mental de maior segurança e credibilidade nos princípi os essenciais do ato analítico A PESSOA REAL DO ANALISTA NA SUA ESSÊNCIA INTERIOR Minha posição é a mesma daqueles auto res que consideram a pessoa real do analista sob o prisma de como autenticamente ele é por dentro no que diz respeito à sua persona lidade básica sentimentos ideologia sistema de valores se ele é dogmático ou flexível a mudanças nas suas crenças no seu estilo de ser e de trabalhar na forma de perceber de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 89 pensar e de se ligar às verdades tanto as de fora quanto as de dentro dele amor ou desa mor à vida se gosta e acredita na sua tarefa de analisar ou se está unicamente cumprindo uma obrigação entre outros aspectos Em outras palavras seguindo a série com plementar ou equação etiológica de Freud 1916 estáse valorizando sobretudo os atri butos imanentes a um determinado analista que resultam de uma conjunção dos três fatores os heredoconstitucionais os que provêm da influ ência dos educadores e os originários das expe riências emocionais experimentadas e aprendi das ou não ao longo da vida A valorização que está sendo dada às reais características pessoais do analista tem justifi cativa porque elas podem influir decisivamen te no curso da análise Vou exemplificar com duas situações A primeira é a constatação que um continuado exercício como supervisor me propicia de que muitas vezes a conheci da reação terapêutica negativa quando exami nada mais detidamente revelase na verda de uma relação terapêutica negativa Vou aven tar uma outra hipótese que em meu entender pode ocorrer na situação analítica e que não me lembro ter sido enfocada na nossa literatu ra técnica Refirome à possibilidade de que da mesma forma como sabidamente o pacien te desperta reações contratransferenciais no analista cuidado não vamos confundir senti mento contratransferencial induzido pelo pa ciente com uma reação transferencial provin da unicamente do interior do próprio analis ta o terapeuta também possa induzir um de terminado tipo de transferência no seu pacien te assim determinando um rumo diferente para a análise caso ela fosse realizada com ou tro profissional e viceversa Isso faz lembrar a famosa metáfora que em seus escritos técnicos Freud estabeleceu entre a psicanálise e o jogo de xadrez isto é que ambos os processos seguem sempre as mesmas regras do começo ao fim obedecem a um mesmo início são seguidos de diferen tes jogadas conforme a experiência e a cria tividade do enxadrista ou do analista e aí também cabe incluir as suas reais condições como pessoa que ele é conforme for o anda mento dessas jogadas pessoais os desfechos do xadrez ou da análise resultarão bastante diferentes Nesta altura do trabalho cabe adotar um esquema didático no sentido de enfatizar se paradamente dois aspectos gerais que defi nem a influência da pessoa real do analista 1 os seus atributos pessoais que devem con figurar aquilo que Bion 1992 conceitua como condições mínimas necessárias para o exercício da psicanálise 2 a pessoa do tera peuta como um novo modelo de identificação para os seus pacientes ATRIBUTOS PESSOAIS 1 Inicialmente é imprescindível enfatizar a importância do estado mental de modo que o analista encara a psicanálise como método de tratamento da saúde psíquica além de como ele se posiciona diante de seus pacientes As sim o ideal é que ele não tenha a sua mente saturada por preconceitos dogmas desejos ânsia de compreensão imediata e de intolerân cia àquilo que se apresentar diferente do que ele espera Pelo contrário o ideal é que seu estado mental seja de tipo permanentemente interrogativo baseado no assim chamado princípio da incerteza isto é as verdades sem pre são relativas e nunca estão totalmente e definitivamente acabadas 2 Isso significa que o analista deve sim ser uma pessoa curiosa desde que fique claro que existe uma diferença entre uma curiosida de patogênica e uma curiosidade sadia Na primeira predomina uma forma controladora e intrusiva a segunda vai ajudar a desenvol ver um amor ao conhecimento de verdades por mais penosas que essas sejam vai ajudar a clarear pontos cegos e estimular o exercício da capacidade para pensar as dúvidas as in certezas e os conflitos em geral ao mesmo tem po em que ele prepara a sua mente para um estado de abertura que permita mudanças com uma renovação de valores conhecimentos ati tudes e sobretudo aprendizado com as expe riências que o seu paciente está lhe propiciando 3 É claro que essa aludida curiosidade do analista deve respeitar o ritmo e as capaci dades momentâneas do paciente o que vai exigir dele o atributo de tolerância às falhas às faltas e às diferenças assim como também requer que o terapeuta tenha uma boa condi ção de paciência Este último atributo não deve 90 DAVID E ZIMERMAN ser entendido como um conformismo passivo um cruzar de braços à espera que algo mágico aconteça pelo contrário um estado de paciên cia do analista deve ser de natureza ativa de respeito não somente às condições do pacien te mas também às suas próprias limitações seu estado de dúvida não sabendo o que está se passando na sessão com humildade para reconhecer que possa estar sendo invadido por difíceis sentimentos contratransferenciais etc Essa condição de paciência pode ser parodia da com a conhecida passagem do Eclesiastes 311 que aparece no Velho Testamento bí blico de sorte que se pode afirmar relativa mente ao analista que existe um tempo para tudo um tempo para procurar e outro para encontrar tempo para semear e colher para silenciar e falar para guerra e paz para amar e odiar 4 A paciência por sua vez constitui ape nas um dos aspectos que pertence a um atri buto bastante mais abrangente o da capacida de de o analista funcionar como um adequado continente para conter a contínua carga de iden tificações projetivas provindas dos pacientes sob a forma de vazios necessidades desejos demandas dúvidas angústias entre outros as quais são colocadas dentro dele Se o analista possui de forma bemestabelecida esta condi ção de continência atenção não confundir continente com recipiente em cujo caso o analista não passaria de um mero depositário passivo de dejetos ele estará em condições de conter decodificar dar um sentido signifi cado e uma nomeação aos sentimentos dos pa cientes de modo a poder devolvêlos devida mente desintoxicados e compreendidos por meio da sua atividade interpretativa 5 É importante levar em conta que o fe nômeno da identificação projetiva por parte do paciente não é somente uma fantasia incons ciente mas sim que ela produz efeitos e reais modificações num objeto também real o ana lista Um aspecto que julgo importante desta car é o fato de que o atributo de continência deve também abarcar a condição de autocon tinência isto é o analista necessita estar apto a conter suas próprias e variadas dificuldades e se possível fazer uma boa limonada de seus eventuais azedos limões Indo mais longe ve nho preconizando a necessidade de que o psi canalista reconheça muito bem os seus subcontinentes ou seja ele pode por exemplo ser um adequado continente para sentimentos amorosos agressivos e narcisistas enquanto evidencia uma inadequação para conter senti mentos depressivos ou psicopáticos enquanto a recíproca também pode ser verdadeira pois é evidente que outras múltiplas combinações de subcontinentes são possíveis em cada um de nós 6 Diante dos estímulos provocados pelo paciente na mente do analista a psicanálise sempre enfatizou a resposta dos sentimentos na atualidade além dos sentimentos também importa bastante as atitudes principalmente as internas e os comportamentos que devem ser reconhecidos pelo terapeuta com o objeti vo técnico e ético de ele manter uma mente própria 7 Uma adequada capacidade de conti nência permitirá uma melhor função egóica de discriminar estabelecer limites e definir as di ferenças entre uma pessoa e outra do par ana lítico de sorte a estabelecer uma contratrans ferência útil o que possibilita o surgimento da importantíssima capacidade de empatia ou seja aquela que dá condições para o analista de a partir de suas próprias vivências existen ciais poder se colocar na pele de seu paciente e sem que ambos se misturem junto e dentro dele em em grego conseguir sentir o mes mo sofrimento e dor mental pathos patia em grego daquele É tão indispensável este atri buto que cabe afirmar de forma enfática que o analista que não reúne suficientes condições de empatia deveria mudar de profissão 8 Em continuidade o exercício combi nado das funções de continente e de empatia implicam um outro atributo indispensável ao terapeuta o de uma boa capacidade para sa ber escutar não é demais acentuar que escu tar não é o mesmo que a mera função fisioló gica de ouvir Cabe complementar essa afir mativa com a feliz expressão de Fainberg 1995 a escuta da escuta que diz muito bem da importância que em uma relação vin cular tal como propõe a psicanálise contem porânea representa o fato de que não basta o analista escutar e interpretar corretamente se ele não escutar como o paciente escutou a sua interpretação e que destino deu a ela 9 Um outro atributo minimamente indis pensável à pessoa do analista é que mantenha MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 91 sempre uma atitude de respeito pelo seu pa ciente Cabe esclarecer que não me refiro es tritamente ao respeito no sentido corriqueiro que a palavra inspira pois parece óbvio que nenhum analista vai deixar de tratar o seu pa ciente de forma respeitosa com urbanidade e simpatia sem nenhuma manifestação de gros seria ou algo parecido Antes prefiro me apoiar na etimologia da palavra respeito a qual pro vém dos étimos latinos re quer dizer de novo spectore significa olhar como na palavra espectador para definir que o terapeuta deve possuir a condição de olhar o seu paciente com um olhar renovado com ou tros olhos diferentes daqueles que seus pais primitivos o olharam Esta nova forma de como o paciente está se sentindo olhado tem o obje tivo de possibilitar um reconhecimento de suas reais qualidades que possam estar ocultas des botadas e congeladas pois desde a sua infân cia elas ficaram desqualificadas pelos pais Da mesma maneira devese ficar atento ao risco de não conseguirmos enxergar que o nosso paciente hoje graças à análise que está fazen do já não é mais a mesma pessoa que nos pro curou no primeiro dia e transmitiu determina da impressão A pessoa real do analista como qualquer outra pessoa sensível aos outros deve saber que não há nada pior para alguém do que a sensação de não estar sendo reconheci do nos progressos que fez e está fazendo por mínimos que possam parecer para o terapeuta porém que são altamente significativos 10 Da mesma forma tenho convicção na afirmativa de que se a precisão técnica das in terpretações do analista não vier acompanha da de sua forma real de ser no sentido de ele ter tolerância às falhas às limitações às resis tências às diferenças e sobretudo às possí veis decepções e desilusões que o paciente vier a lhe causar a sua correta atividade interpre tativa perde o que é mais importante a eficá cia além do risco de vir a se constituir como um fator iatrogênico etimologicamente este termo vem de yatros que significa médico e gênese ou seja esta palavra designa o fato de que foi o próprio médico quem induziu a doença no paciente 11 Ainda relativamente aos aspectos caracterológicos reais da pessoa do analista é sabido que na vasta literatura existente sobre a contratransferência pelo menos até há mui to pouco tempo o narcisismo do analista é muito pouco enfatizado o que pode servir como um indicador de desconforto dos auto res em expor as próprias reações de vergonha culpa e desejo encobrindo a importância que esse aspecto da pessoa real do analista repre senta na evolução da análise 12 Uma outra condição singular da pes soa real que cada terapeuta é consiste na sua capacidade de manter uma dissociação útil do ego isto é mesmo premido por preocupações existenciais alheias ao ato analítico ele conse gue fazer uma dissociação temporária entre a pessoa com problemas que ele é e o analista que está exercendo uma função difícil séria e inteiramente voltada ao seu paciente Assim durante o trabalho analítico as crenças dese jos e sentimentos pessoais do analista não de vem influenciar na compreensão dos sentimen tos próprios do paciente Isto lembra a afirma tiva do escritor Umberto Eco para quem até os ginecologistas podem se apaixonar em uma clara alusão a que os profissionais da área humanística funcionam dissociados sem sobre por a pessoa do paciente e o ato médico à sua condição de vida normal 13 Creio ser importante incluir entre os traços caracterológicos reais do terapeuta a sua indispensável condição de ser uma pessoa ge nerosa desde que estabeleçamos uma clara distinção entre o que é alguém ser um obje to pessoas como o analista os pais algum educador bom ou bonzinho Objeto bom não é aquele que nunca frustra confundindo ser uma pessoa amiga do paciente e ficar amigui nho dele pelo contrário é o que dá limites define limitações assim impondo realísticas frustrações inevitáveis procurando desenvol ver a capacidade de o paciente suportálas e contêlas Por sua vez objeto mau não é o que frustra quando é necessário mas sim aquele que frustra inadequadamente por ex cesso de rigidez de escassez ou de incoerên cia e injustiça assim potencializando e ampli ficando respectivamente a onipotência o ódio a aversão à dependência com o cortejo de narcisismo ou construindo um falso self 14 O estilo é o homem Esta frase define com precisão a enorme importância que repre senta o estilo pessoal de cada um de nós na forma de nos comunicarmos com os pacien tes sobretudo no ato interpretativo Assim 92 DAVID E ZIMERMAN mesmo na hipótese de que diferentes analistas trabalhem embasados com os mesmos princí pios técnicos é necessário considerar que sem pre haverá uma diferença na forma de cumpri mentar e de se despedir nos gestos na forma de se vestir na forma de falar no tom de voz na escolha de palavras e sobretudo no estilo de ter acesso ao inconsciente do paciente e daí interpretar Pequenas variações no estilo de in terpretar não atingem repercussão no desen volvimento da análise porém existem deter minados exageros ou estilos patogênicos tal como está descrito no capítulo específico des te livro que determinam significativas mu danças no curso da análise 15 Ainda em relação aos atributos pes soais do analista impõese mencionar duas fra ses de Freud proclamadas em 1937 que defi nem com precisão as naturais limitações que todo e qualquer analista tem por mais compe tente que seja Na primeira dessas frases Freud afirma que Os analistas são pessoas que aprenderam a exercer determinada arte mas que nem por isso perderam o direito de permane cerem homens semelhantes aos outros homens Exigese de um médico que trata de doenças internas que seus órgãos este jam em perfeito estado Na segunda citação ele complementa O analista deve possuir certa superio ridade creio convictamente que Freud alu diu no sentido de uma hierarquia na ocu pação de lugares e papéis de maneira a poder em diversas situações analíticas servir de modelo para seus pacientes e às vezes guiálos O ANALISTA COMO UM NOVO MODELO DE IDENTIFICAÇÃO Nas considerações seguintes vou partir da convicção de que a ação terapêutica analí tica não depende unicamente das interpreta ções dirigidas ao inconsciente do paciente que levam aos insights cuja elaboração continua da abre o caminho para a cura tal como pre coniza a psicanálise clássica Creio que além do trabalho interpretativo também a pessoa real do analista por si só influi decisivamente no crescimento mental do analisando não só por ele poder preencher alguns vazios existen ciais verdadeiros buracos negros por exem plo o da falta de uma figura materna que te nha uma representação psíquica boa e estável com a função de continente que foi falha no desenvolvimento emocional primitivo com a implantação de núcleos de confiança básica que não se formaram no passado etc mas tam bém porque o terapeuta de forma insensível mas fundamental funciona como um novo modelo de identificação Tais afirmativas são tanto mais verdadei ras quanto mais regressivos forem os pacien tes caso de psicóticos borderlines depressivas severas etc Para clarear proponho que ima ginemos um sistema de coordenadas carte sianas em que o eixo vertical seja considerado o eixo das interpretações e o eixo horizontal o da pessoa real do analista portanto o eixo rela tivo à sua autêntica atitude interna Quanto mais evoluído e estruturado estiver o self de nosso paciente mais importa o eixo das inter pretações enquanto que tanto mais ele esti ver com faltas e falhas primordiais no seu self mais importante é o eixo horizontal embora é claro ambos os eixos se complementem e estejam em permanente intersecção No que tange ao papel da pessoa real do analista como um novo e importantíssimo mo delo de identificação transformacional cabe estabelecer uma analogia das crianças que se identificam com os seus respectivos pais tan to de forma sadia quanto patogênica a identi ficação não se dá prioritariamente pelo que eles dizem mas sim principalmente pela obser vação que os filhos fazem da atitude e da con duta dos pais de como eles se posicionam dian te de certas situações o que eles fazem e o que de fato são De forma equivalente à parte das inter pretações propriamente ditas o paciente ab sorve e aos poucos de forma não aparente vai se identificando introjetivamente com a forma como seu analista pensa os problemas emocionais como discrimina comunica e verbaliza os sentimentos e idéias como se po siciona diante de situações de forte angústia MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 93 como cumpre respeitosamente as combinações do contrato e do setting o quanto transparece no terapeuta um amor às verdades ou seja no jeito de ele ser verdadeiro ou não a sua capaci dade para sobreviver aos ataques agressivos eróticos ou narcisista e sobretudo vale desta car a importância de o paciente identificarse com a condição de o analista conseguir funcio nar como um adequado continente no qual o paciente pode confiadamente o que muitos deles no passado não encontraram nos pais projetar todas as suas angústias pulsões obje tos vazios etc além da função alfa do tera peuta que vai servir de modelo para o anali sando poder transformar e dar um nome às ainda inominadas sensações e experiências emocionais primitivas de sorte a abrir cami nho para a simbolização e para o pensamento Ainda com relação à influência identifica tória do analista como pessoa real cabe desta car a relevância de como é a imagem que o analista dentro de seu psiquismo tem do seu paciente Assim não é nada rara a possibilida de de o terapeuta ficar aferrado aos próprios modos de entender o paciente unicamente através das ópticas teórica e técnica que lhe é familiar e ainda conserva para o analisando o mesmo rótulo que lhe marcou o início da aná lise Como conseqüência o analista pode não reconhecer que seu paciente não é mais o mes mo de alguns anos atrás justamente graças à análise com ele em cujo caso ele vai reincidir em uma percepção equivocada que levará a interpretações ainda centradas na neurose ini cial podendo cometer uma séria injustiça con tra o paciente por não reconhecer o esforço que ele fez em obter mudanças por mínimas que aparentem ser A ênfase que foi dada à pessoa do analis ta como um novo modelo de identificação fica justificada pelo fato de que toda análise bem sucedida deve necessariamente transitar por processos de algumas desidentificações segui das de reou neoidentificações Assim à me dida que o paciente vai conhecendo as identi ficações parentais primitivas que estão arrai gadas no seu psiquismo e que determinam o seu modo de sentir agir e ser ele deverá es tar apto a discriminar quais são as identifica ções patógenas da mãe ou do pai ou de al guém equivalente de modo que ele poderá decidir quais são os aspectos daquelas pessoas que ele admira e quer conservar para si e quais são os aspectos que ele detesta que quer aban donar e modificar Nesse último caso as desidentificações abrem um significativo espaço no psiquismo do paciente o qual então está à espera de novos modelos de identificações substitutas que sejam harmônicas com aquilo que ele de fato é ou com o que ele quer vir a ser ou seja ele necessita de reidentificações sendo justamen te aí que a figura real do terapeuta adquire uma importância capital Desejo fazer uma reflexão final relativa à importância da pessoa real do analista no an damento e nos resultados finais do processo analítico a partir de dois questionamentos que sempre me fiz e ainda me faço A primeira dúvida que me intriga é como explicar o fato de que várias pesquisas de re sultados analíticos não conseguem achar dife renças significativas na qualidade da cura mesmo dando o desconto que é muito difícil fazer uma avaliação totalmente fidedigna sen do sobremaneira delicada a tarefa de distin guir quando foram obtidos benefícios terapêu ticos ou resultados analíticos quando os trata mentos analíticos advêm de terapeutas proce dentes de escolas analíticas com embasamentos teóricos e técnicos às vezes bastante diferen tes na sua essência A segunda questão igualmente intrigan te e instigante é por que certas análises rela tadas por psicanalistas os mais ilustres possí veis como Freud M Klein Rosenfeld Bion entre outros mais quando são relidas com os nossos conhecimentos e recursos técnicos atu ais despertam uma sensação de certa incre dulidade e de estranheza sobre como os res pectivos pacientes puderam melhorar tanto Cabe exemplificar Todos nós sabemos que o clássico historial clínico de Freud acerca da análise do pequeno Hans que apresentava uma fobia por cavalos refere claramente que a análise foi feita pelo pai do menino enquan to o papel de Freud limitouse a dar uma con sultoria ao pai Ainda assim com um recurso inimaginável hoje Hans ficou curado Por quê Vamos à M Klein e ao seu relato da aná lise do menino Richard tal como ela descreve em Narrativa de uma análise infantil 1961 94 DAVID E ZIMERMAN Richard é um menino que foi analisado por Klein durante a II Grande Guerra em uma épo ca na qual os aviões alemães bombardeavam duramente Londres Tratase de uma análise exaustiva minuciosamente relatada com a reprodução de desenhos de Richard Para ficar em um único trecho de sessão vale exempli ficar que Richard desenhou uns aviões no céu dos quais se desprendiam desenhos de bom bas Qualquer um de nós pensaria em ajudar o menino a elaborar as suas angústias reais com as fantasias correlatas decorrentes das amea ças reais que realmente estavam pairando so bre todos No entanto M Klein aparentemente desconhecendo a realidade exterior interpre tava prioritariamente as fantasias inconscien tes de Richard que estariam ligadas aos seus impulsos sádicodestrutivos as bombas con tra a mãe ou o pai por inveja deles e coisas equivalentes Na verdade por mais que nós hoje possamos estranhar o menino Richard teve um enorme benefício analítico Por quê Se algum de nós consultar o livro de Bion Estudos psicanalíticos revisados 1967 no qual ele revisa artigos escritos na década de 50 a partir de sua experiência clínica com pacien tes em condições psicóticas também estranha rá o teor e o modo como foram concebidas e formuladas algumas de suas interpretações se guindo o modelo kleiniano da época de inter pretar prioritariamente as pulsões sádicas liga das aos objetos parciais seio pênis etc Vou transcrever literalmente uma vinheta do próprio Bion Paciente Arranquei um pequeno pedaço de pele de meu rosto e me sinto bastante vazio Analista O pedaço de pele é seu pênis você o arrancou e todo o seu interior se foi com ele Paciente Não entendo pênis só sílabas Ana lista Você dissociou minha palavra pênis em sí labas e agora não significa nada As sessões se guem neste nível possibilitando que Bion ex traísse interessantíssimas concepções originais acerca do pensamento e da linguagem Em uma outra passagem deste mesmo livro no artigo Diferenciação entre as personalidades psicó ticas e as nãopsicóticas Bion interpretou para o paciente que ele se sentia rodeado por peda ços de coisas más e malcheirosas de si mesmo incluindo seus olhos que ele sentia haver ex pulsado pelo seu ânus Sei que não é justo com algum autor fazer o que fiz ou seja pinçar al gumas frases soltas sem dar o contexto comple to porém creio ser óbvio que de forma alguma estou criticando ou muitíssimo menos dene grindo Bion porém somente viso a ilustrar a mudança que a atividade interpretativa sofreu ao longo dos tempos com o próprio Bion inclu sive Da mesma forma também pretendo des tacar o fato de que igualmente os pacientes re feridos nas vinhetas obtiveram significativas me lhoras analíticas Por quê Foram as interpreta ções que promoveram o caminho da cura Par ticularmente penso que não Em todas as situações mencionadas creio que existe um fator comum independentemen te do conteúdo das interpretações M Klein e Bion entre tantos outros que poderiam ser ci tados trabalhavam com amor com um inte resse verdadeiro acreditavam no que faziam não tinham medo dos pacientes funcionavam como magníficos continentes das cargas psicó ticas que esses projetavam neles e sobreviviam plenamente a qualquer tipo de pânico ou de ataque agressivo Dizendo com outras palavras acredito que foi a atitude psicanalítica interna espelho das condições desses analistas como pessoas reais que eram a maior responsável pela análise exitosa com seus pacientes MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 95 O termo resistência foi empregado por longo tempo com uma conotação de juízo pe jorativo A própria terminologia utilizada para caracterizála em épocas passadas e de certa forma ainda persiste no presente era impreg nada de expressões típicas de ações militares como se o trabalho analítico fosse uma belige rância do paciente contra o analista e vicever sa Um exemplo disso é uma antiga referência de Freud comumente bastante citada O ini migo não pode ser vencido in absentia ou effigie 1912 p199 Um outro exemplo é aquele em que para ilustrar o quanto a cami nhada de uma pessoa para obter êxito na sua vida pessoal pode ser altamente retardada de vido às forças inimigas na situação psicanalí tica os seus recalques neuróticos que funcio nam como resistências inconscientes ele ilus trou com a seguinte metáfora aliás Freud uti lizava bastante e muito bem as metáforas relativa à primeira Guerra Mundial Dificilmente se leva mais de um dia e uma noite para ir de Berlim a Verdun de trem Mas o exército alemão teve que levar vá rios meses para fazer a viagem porque ha via divisões francesas que tornavam a marcha consideravelmente mais lenta Visto da perspectiva atual da concepção de resistência cabe afirmar que essa metáfora também serve para ilustrar o aspecto positivo da resistência como foi o da resistência fran cesa contra as tropas invasoras Em A interpretação dos sonhos 1900 os conceitos de resistência e de censura estão inti mamente relacionados a censura é para os so nhos aquilo que a resistência é para a associa 8 Resistências A Reação Terapêutica Negativa Dizeme como resistes e dirteei como és VISÃO HISTÓRICOEVOLUTIVA Desde os primórdios da psicanálise o fe nômeno resistência tem sido exaustivamente es tudado em sua teoria e em sua técnica mas nem por isso na atualidade perdeu em signi ficação e relevância Pelo contrário continua sendo considerado a pedra angular da prática analítica e cada vez mais os autores prosse guem estudandoo sob renovados vértices de abordagem e de conceituação Na qualidade de conceito clínico a con cepção de resistência surgiu quando Freud dis cutiu as suas primeiras tentativas de fazer vir à tona as lembranças esquecidas de suas pa cientes histéricas Isso data de antes do desen volvimento da técnica da associação livre quando ele ainda empregava a hipnose e a sua recomendação técnica era no sentido de insis tência por parte do psicanalista como uma medida contrária à resistência por parte do paciente Este método de coerção associativa empregado por Freud incluía uma pressão de ordem física mão na testa do paciente que ele próprio procedia e recomendava a fim de se conseguir a recordação e a verbalização dos conflitos passados Freud empregou o termo resistência pela primeira vez ao se referir a Elisabeth Von R 1893 usando a palavra original widerstand sendo que em alemão wider significa contra como uma oposição ativa Até então a resis tência era considerada exclusivamente obstá culo à análise e a sua força corresponderia à quantidade de energia com que as idéias ti nham sido reprimidas e expulsas de suas as sociações 96 DAVID E ZIMERMAN ção livre Neste trabalho em suas considera ções sobre o esquecimento dos sonhos Freud deixou postulado que uma das regras da psi canálise é que tudo o que interrompe o pro gresso do trabalho psicanalítico é uma resis tênciap 551 Aos poucos com a tática de ir da perife ria em direção à profundidade Freud foi en tendendo que o reprimido mais do que um corpo estranho era algo como um infiltrado Assim ele começa a deixar claro que a resis tência não era dirigida somente à recordação das lembranças penosas mas também contra a percepção de impulsos inaceitáveis de natu reza sexual que surgem distorcidos Com isso Freud conclui que o fenômeno resistencial não era algo que surgia de tempos em tempos na análise mas sim que ele está permanentemen te presente Freud aprofundou bastante o estudo so bre as resistências em Inibição sintoma e an gústia 1926 quando utilizando a hipótese estrutural descreveu cinco tipos e três fontes das mesmas Os tipos derivados da fonte do ego eram 1 resistência de repressão consiste na repressão que o ego faz de toda percepção que cause algum sofrimento 2 resistência de transferência neste caso o paciente manifesta uma resistência contra a emergência de uma transferência negativa ou sexual com o seu analista 3 resistência de ganho secundário pelo fato de que a própria doença concede um benefício a certos pacientes como os his téricos as personalidades imaturas e aqueles que estão pleiteando alguma forma de aposen tadoria por motivo de doença essas resistên cias são muito difíceis de serem abandonadas eis que egossintônicas 4 resistências provin das do Id Freud as considerava como ligadas à compulsão à repetição sendo que juntamen te com uma adesividade da libido promo vem uma resistência contra mudanças 5 re sistência oriunda do superego a mais difícil de ser trabalhada segundo Freud por causa dos sentimentos de culpa que exigem punição No clássico Análise terminável e intermi nável 1937 Freud introduz alguns novos pos tulados teóricotécnicos Na minha opinião aí ele formula um sexto tipo de resistência aque la provinda do ego contra o próprio ego em certos casos o ego considera a própria cura como um novo perigo p 271 A meu juízo Freud está aqui intuindo e prenunciando aqui lo que Rosenfeld 1965 veio a chamar de gangue narcisista já Steiner 1981 denomi nou organização patológica conceitos que me parecem equivalentes ao que particularmen te em muitos textos venho denominando con traego tal como descrevo no Capítulo 10 des te volume Nesse mesmo trabalho de 1937 Freud aporta outras importantes contribuições acer ca de resistências como o conceito de reação terapêutica negativa RTN como sendo aderi do ao instinto de morte a valorização do pa pel da contratransferência de modo que ele aponta que a resistência do analisando pode ser causada pelos erros do analista a observa ção de que a resistência no homem devese ao medo dos desejos passivofemininos em rela ção a outros homens enquanto a resistência das mulheres devese em grande parte à in veja do pênis Freud também alude ao surgimento de uma resistência contra a reve lação das resistências p272 Muitos outros autores contemporâneos ou posteriores a Freud trouxeram importan tes contribuições ao estudo das resistências que foram conceituadas sob diferentes pontos de vista todavia as sementes de Freud conti nuam frutificando O que em resumo de mais importante pode ser dito é que a evolução do conceito de resistência na prática analítica sofreu uma profunda transformação desde os tempos pioneiros em que ela era considerada unicamente um obstáculo de surgimento incon veniente até a psicanálise contemporânea na qual embora se reconheça a existência de re sistências que obstruam totalmente o curso exitoso de uma análise na grande maioria das vezes o aparecimento das resistências no pro cesso analítico é muito bemvindo pois elas re presentam com fidelidade a forma como o in divíduo se defende e resiste no cotidiano de sua vida Assim de modo genérico a resistência no analisando é conceituada como a resultante de forças dentro dele que se opõem ao analista ou aos processos e procedimentos da análise isto é que obstaculizam as funções de recor dar associar elaborar bem como ao desejo de mudar Nessa perspectiva continua vigente o postulado de Ana Freud 1936 para quem a análise das resistências não se distingue da MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 97 análise das defesas do ego ou seja da per manente blindagem do caráter p 46 RESISTÊNCIAS NA PRÁTICA ANALÍTICA Não é possível uma clara classificação ou sistematização das resistências por três razões as diferenças semânticas entre os autores os múltiplos vértices de abordagem e a sua multideterminação Fazse a seguir uma enu meração de algumas das principais caracterís ticas de como as resistências aparecem no co tidiano da prática analítica 1 A resistência tanto pode ser incons ciente quanto consciente mas sempre provém do ego ainda que possa vir orquestrada pelas demais instâncias psíquicas Ela pode se expres sar por meio de emoções atitudes idéias im pulsos fantasias linguagem somatizações ou ações Ou seja todos os aspectos da vida men tal podem ter uma função de resistência daí a sua extrema complexidade Clinicamente elas aparecem numa variedade de maneiras cla ras ocultas ou sutis simples ou complexas pelo que está acontecendo e pelo que está dei xando de acontecer Além disso cada indiví duo tem uma pletora de recursos resistenciais os quais variam com os distintos momentos do processo analítico 2 As resistências poderiam ser sistemati zadas a partir da teoria estrutural como fez Freud 1926 na qual postulou os cinco tipos clássicos já referidos Na atualidade além das intra e interrelações entre id ego e superego é imprescindível incluir o ego ideal o ideal do ego o ego o alterego o contraego e o ego real nas suas múltiplas formas de combinação entre si e com a realidade exterior 3 Um outro critério de classificação váli do é aquele que está baseado em manifesta ções clínicas tais como faltas atrasos intelec tualizações exagero de silêncio ou prolixida de segredos sonolência ataque às funções do ego em si próprio ou no analista confundin doo e dificultandolhe a capacidade de perce ber sentir pensar e discriminar fuga para a extratransferência dentre outros A partir deste enfoque clínico o importante é que em um dos passos cruciais da análise se possa trans formar as resistências de egossintônicas em egodistônicas para que o paciente se alie ao terapeuta no objetivo comum de analisálas e superálas 4 Uma forma também muito simplificada de sistematizar as resistências é por meio do critério de suas finalidades Assim além daque las descritas por Freud 1926 e 1937 vale acrescentar resistência contra a regressão medo da psicose contra a renúncia às ilu sões de uma eterna simbiose contra o abando no do pensamento mágico do vértice analíti co a magia consiste numa tentativa de contro lar os poderes e as forças que operam na natu reza contra as mudanças verdadeiras pavor de uma catástrofe caso o paciente abandone as suas familiarizadas soluções adaptativas contra a vergonha culpa e humilhação do co lapso narcisista contra a elaboração da dor da posição depressiva contra os temores persecu tórios próprios da posição esquizoparanóide contra os progressos analíticos o grau extre mo é a RTN e também deve ser incluída a re sistência que se manifesta como um sadio mo vimento do paciente contra as possíveis inade quações do seu analista 5 Uma outra tentativa de sistematização seria a de baseála no tipo grau e função das defesas mobilizadas Assim as organizações defensivas podem se constituir em inibições sintomas angústia estereotipias traços carac terológicos falsa identidade formas obstrutivas de comunicação e linguagem actings excessi vos etc 6 Podese classificar as resistências rela cionandoas aos pontos de fixação patológicos que lhes deram origem Assim terseia por exemplo resistências de natureza narcisista esquizoparanóide maníaca fóbica obsessiva histérica etc É claro que isso se fosse tomado de modo absoluto geraria grande imprecisão tão óbvio é por exemplo que subjacente a toda fixação edípica pode estar perfilada a criança ávara da fase anal a criancinha ávida da fase oral ou o bebê mágico da fase narcisista 7 É útil considerar as resistências em re lação às etapas evolutivas do desenvolvimento emocional primitivo Dessas a Narcisista é par ticularmente importante por se constituir no crisol da formação da personalidade e da iden tidade Assim a maioria das pessoas que hoje procura análise apresenta importantes proble mas caracterológicos de baixa autoestima e 98 DAVID E ZIMERMAN de prejuízo do sentimento de identidade deri vados da permanência de um estado depressivo subjacente muitas vezes resultante das primi tivas feridas narcisistas 8 Mais especificamente em relação à re sistência narcisista muitíssimo freqüente em nossa prática clínica conforme o grau e a qua lidade patológica ela tanto pode ser bem tra balhada e removida quanto existe uma alta probabilidade de as defesas narcisistas terem se constituído uma poderosa armadura contra toda e qualquer possibilidade de dependência da análise como contra qualquer mudança psíquica verdadeira 9 Essa rígida armadura com uma visei ra que só permite uma visão limitada e unifocal do mundo que a cerca é forjada com defesas narcisistas de natureza psicótica como são a onipotência a onisciência a prepotência a confusão entre o que é verdade e ilusão maci ça negação da dependência etc 10 Assim cabe sublinhar que a mani festa aparência de autosuficiência narcisista é paradoxal pois esse paciente necessita de um objeto para demonstrar que pode pres cindir do mesmo a ponto de alguns pacientes procurarem a análise com a finalidade pre cípua de abandonála em pouco tempo e as sim proclamar triunfante que a análise e o analista não valem nada que não puderam com ele Um segundo paradoxo ocorre quan do o sujeito narcisista pode prescindir desse objeto com mais facilidade de forma bem sucedida para essa patologia se de alguma maneira o objeto o analista por exemplo demonstrar que está sendo afetado pelo des dém demonstrado por ele 11 Tais pacientes muito regressivos para garantir a sua sobrevivência psíquica podem buscar refúgio dentro do outro ou fugindo do outro No primeiro caso na situação analítica na busca por uma aliança simbiótica com o seu terapeuta o paciente recorre a um excessivo emprego de identificações projetivas de modo a enfiarse dentro do analista tanto que se gundo Meltzer 1967 p 13 essas últimas se constituem a única defesa infalível contra a separação Em relação a essa afirmação de Meltzer recordo um exemplo ocorrido na mi nha prática clínica quando uma paciente após o término da última sessão que precedia o lon go período de um mês de férias que seguiria ao se despedir de forma carinhosa já na porta de saída me disse sorrindo até o começo de março e logo ela completou agora séria Isto é se até lá eu não me matar Confesso que nos primeiros dias eu não conseguia aprovei tar plenamente as férias porque a lembrança dela ocupava a minha mente em meio a preo cupações e fantasias trágicas Só consegui sair dessa situação quando me ficou claro que ob jetivamente essa paciente não representava ne nhum risco real e que mesmo sendo de forma inconsciente ela empregou o recurso de resis tir a sentir a angústia do desamparo que foi acionada pela situação da separação a qual por sua vez lhe evocava antigos e penosos abandonos dos pais Conseguiu seu intento de resistir ao surgimento da angústia por meio do recurso de me forçar a não me separar dela trazendoa presente em meu psiquismo cons ciente 12 Quando o refúgio consiste em fugir do outro esse tipo de analisando mais regres sivo o faz por meio de evitações fóbicas actings malignos perversões psicopatias ou pela cria ção de uma autarquia narcisística própria borderline por exemplo 13 Essas últimas situações representam organizações defensivas rigidamente estrutu radas porquanto a necessidade de sobrevivência ocupa um espaço psíquico muito maior que o dos desejos edípicos Dessa forma na análise resulta que quanto mais frágil for o ego do pacien te mais forte ele o é para resistir ao analista 14 Pacientes que resistem à demonstra ção de emoções muito comumente isso se deve ao fato de que quando eram crianças as mães podem ter sido muito dedicadas aos cuidados materiais higiene alimentação porém muito distanciadas afetivamente do filho de modo que esse pode ter desenvolvido o uso dos órgãos sensoriais e intelectivos em detri mento dos emocionais Foram crianças muito quietinhas às vezes em graus mais extremos dão a falsa impressão de que sejam débeis men tais que se acostumaram a suprir sua ansie dade por intermédio de aportes materiais A conseqüência disso no futuro adulto é que esse paciente substitui a manifestação da emoção nas situações de angústia pela prática de atua ções voltadas às aquisições materiais como no consumismo compulsivo de roupas jóias con quistas amorosas etc MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 99 15 Tais pacientes mais regressivos opõem sérias resistências às mudanças e desejam man ter as coisas como elas estão não porque não desejem se curar mas sim por não acredita rem nas melhoras ou que as mereçam ou por que eles correm o sério risco de voltar a sentir as dolorosas experiências passadas de traição e humilhação Por tudo isso seu objetivo de vida é para sobreviver e não para viver 16 A propósito penso que a forma resistencial mais grave é justamente a de um estado mental de Desistência do analisando em cujo caso ele procede unicamente de maneira formal e mecânica sendo que o seu único desejo pode ficar reduzido ao extremo de não ter desejos às vezes com um cerrado namoro com a morte assim esterilizando a eficácia analítica 17 Isto se deve ao fato de que nos pacien tes seriamente regredidos antes da presença de desejos existe um estado de profundas ne cessidades que se não forem intuídas e satis feitas pelo analista reforçarão um estado an terior de sua vida pelo qual muito mais do que ódio elas geram um sentimento de decep ção pelo novo fracasso do meio ambiente Isso interrompe o crescimento do self e prejudica a capacidade de desejar o que conduz a uma sensação de futilidade e a uma desistência de desejar e de ser Assim a desistência vem acom panhada de um estado afetivo de indiferença provavelmente nos mesmos moldes da indife rença que o sujeito acredita que tenha sofrido por parte de todas as pessoas mais significati vas de sua vida A indiferença dessas pessoas consiste em aparentemente não desejar ver e nem ser visto notado e reconhecido sendo que nos casos mais graves formase um investimen to aditivo ao nada e o exagero de uma oni potência do masoquismo tornaos suicidas em potencial 18 Dizendo com outras palavras na si tuação psicanalítica enquanto houver resistên cias que pugnam pela existência como na me táfora da resistência francesa ainda persis te a chama da esperança sendo que a pior for ma de resistência é a do referido estado men tal de desistência que cronifica a desesperan ça ou seja o paciente nada mais espera da análise e da vida Aqui cabe fazer de forma categórica a afirmativa de que na situação analítica enquanto houver resistência há um desejo de existência o funesto é quando o estado mental é de desistência 19 Assim psicanaliticamente é útil que o analista consiga discriminar dois estados mentais do paciente que são muito parecidos porém que essencialmente são diferentes de formas bem opostas 1 um é a condição de resistência para o fim de não mudar 2 o ou tro é um estado de resiliência quando en tão o paciente parece que está resistindo por que fica contestando e polemizando porém faz isso com o propósito de se fazer escutar de avançar na vida Tal situação é bastante fre qüente nos adolescentes quando estão lutan do em prol da aquisição de um definido senti mento de identidade 20 Em relação ao setting a resistência do paciente pode se manifestar por meio de distintas formas de transgredir as combinações feitas de comum acordo com o analista desfe rindo ataques que na verdade são defesas resistenciais contra a necessária manutenção do setting Embora esses ataques possam ser desferidos de uma forma ou outra contra to das as regras técnicas legadas por Freud as quais devidamente transformadas continuam vigentes na atualidade quero me alongar mais nas resistências do analisando contra a regra que podemos chamar de amor às verdades 21 A resistência ao conhecimento da ver dade tem uma ampla gama de variações no cotidiano clínico desde a mentira com intencio nalidade consciente até as falsificações de na tureza totalmente inconsciente passando por situações intermediárias como meiasverdades sonegações reticências enigmas mensagens ambíguas etc A exagerada idealização inicial ou o denegrimento que o analisando faz do seu analista pode representar uma distorção resistencial necessária e útil desde que fique claro que isso não vá se constituir num clima permanente da análise 22 Um importante fator para um clima eficaz do setting é a motivação tanto a conscien te quanto a inconsciente concernente aos ob jetivos relativos a que ambos analista e anali sando esperam da análise É bastante freqüen te que na motivação inicial do paciente para o tratamento analítico a busca pela manuten ção do status quo seja bem maior do que a de mudanças verdadeiras Neste tipo de resistên cia a procura do objeto externo o analista 100 DAVID E ZIMERMAN pode servir como forma de eludir o contato com os ameaçadores objetos internos 23 Para clarear as reflexões feitas como exemplo vou referir uma situação clínica do início da minha atividade psicanalítica Trata se da paciente A cuja análise prolongouse por muitos anos com significativas melhoras nos planos de esbatimento de sintomas e nos as pectos adaptativos porém com pobres resul tados no tocante às modificações dos seus nú cleos caracterológicos mais regressivos corres pondia ao que Bion chamou de parte psicótica da personalidade Na entrevista inicial ela disse que viera de uma interrompida psico terapia anterior que resolvera trocar por aná lise para se aprofundar mais e que escolhe ra a minha pessoa por me achar muito huma no Mais adiante ela referiu que resolvera fa zer o vestibular para a faculdade X em vez da Y que era muito melhor porque na primeira era muito mais fácil para passar O curso da análise foi muito penoso e incidentado sem pre que eu insistia em trabalhar mais incisiva mente no nível da dimensão psicotizada de sua personalidade Hoje entendo que a paciente estava coerente com a sua forte resistência a um trabalho analítico mais sério já que em nosso contrato ficara implícito que ela me es colhera por acreditar que comigo seria muito mais fácil que ela poderia aprofundar um vín culo que chamara de humano e que muito cedo mostrara que o queria de natureza simbió tica A paciente rebelarase porque eu é que não estava cumprindo nosso acordo latente pa ralelo ao manifesto de que a confiança que ela depositara em mim o fora nas minhas pro váveis limitações e incapacidades 24 Relativamente à transferência conti nua válida a afirmativa de Freud de que toda resistência é uma forma de transferência de sorte que cabe ao analista decodificar os signi ficados que estão presentes justamente naqui lo que está sendo resistido 25 Assim é tão importante a manifesta ção da resistência com a respectiva signifi cação do resistido que está embutido que se pode dizer que as resistências se constituem em um excelente instrumento de técnica pois mostra na situação analítica como o ego equi pouse para enfrentar as vicissitudes da vida 26 Em relação à atividade interpretativa cabe afirmar que a eficácia de toda interpreta ção do analista além da importância do seu conteúdo forma oportunidade finalidade e estilo de como ela é comunicada ao paciente depende fundamentalmente do destino que a mesma toma na mente deste último Isto nos remete a um problema muito sério relativo à resistência na prática analítica o de que as in terpretações do analista apesar de estarem certas do ponto de vista de compreensão dos conflitos inconscientes possam ser ineficazes 27 Isso se deve ao fato de que a trans missão do conteúdo verbal do paciente para o analista e viceversa implica tantas variáveis de tantos vértices teóricos que se torna im praticável fazer aqui um estudo minucioso Voume limitar à observação de algumas cos tumeiras formas de resistências no ato interpre tativo como são entre outros tantos os seguin tes assinalados por Bion os distúrbios da co municação os ataques aos vínculos perceptivos e o fenômeno da reversão da perspectiva 28 Assim uma primeira observação que se impõe é que nem sempre a comunicação verbal do paciente tem a finalidade de real mente comunicar algo ao psicanalista pelo con trário muitas vezes tal como nos ensinou Bion o propósito inconsciente visa a confundir o terapeuta e a atacar os seus vínculos percep tivos O mesmo autor enfatiza que o dom da fala pode ter o propósito de elucidar e de co municar pensamentos assim como também o de escondêlos por meio da dissimulação e da mentira Todos conhecemos indivíduos forte mente narcisistas para os quais é muito grati ficante usar uma linguagem na qual o bien dire falar bonito prevalece sobre o vrai dire di zer a verdade o que na situação analítica se coloca a serviço da resistência 29 Da mesma maneira pacientes em con dições regressivas podem resistir a verbalizar claramente suas necessidades e desejos sendo movidos pela ilusão simbiótica de que o terapeuta tem a obrigação de adivinhálos da mesma forma como ocorre com as criancinhas ser obrigado a falar se constitui para eles numa ferida narcísica profunda 30 De forma análoga conforme assinala Ferrão 1974 p 80 há o tipo de paciente que se dá o papel de supervisor do analista fala por subentendidos estimulando a curiosidade de seu analista para decifrálos elogia quando este con segue acertar e o critica quando supõe que ele MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 101 erra e há pacientes que procuram transfor mar a sessão numa verdadeira polêmica como se a análise fosse um jogo de opiniões 31 Com o termo ataque aos vínculos título de um trabalho seu 1967 considerado dos mais originais e criativos da literatura psi canalítica Bion referese aos ataques que a parte psicótica da personalidade do paciente dirige contra qualquer coisa que ele sente como tendo a função de vinculação que tanto pode ser de um objeto ao outro um pensamento com outro um pensamento com o sentimento e as sim por diante 32 Segundo Bion tais ataques ao analis ta devemse não tanto ao conteúdo das inter pretacões mas ao fato de que esse analista está compreendendo e revelando o íntimo do pa ciente por meio da tarefa de interpretar pois a interpretação exitosa representa um elo uma ligação entre dois pensamentos assim carac terizando uma interação humana Os pacien tes que priorizam os ataques aos vínculos das interpretações são justamente aqueles que se mostram empenhados em desunir ou estabe lecer uniões estéreis deles com o seu analista e deles consigo próprios 33 Bion também fez uma importante con tribuição relativa ao destino da interpretação nos pacientes portadores de uma forte parte psicótica da personalidade quando descreve o fenômeno da reversão da perspectiva Esse fenômeno consiste basicamente no fato de que o paciente que o utiliza mantém com o analis ta um acordo manifesto e um desacordo la tente tendo em vista o fato de que formal mente possa tratarse de um paciente assíduo colaborador gentil que assente com a cabeça confirmando que está aceitando as interpreta ções porém no fundo ele as desvitaliza re vertendo o significado dessas interpretações às suas próprias premissas que lhe são familiares e que lhe servem como defesas logo como re sistências 34 O conceito de reversão da perspectiva não tem o mesmo significado que o de um transtorno paranóide do pensamento ou de um controle obsessivo e igualmente não alu de ao problema da falsidade na verdade está mais próximo ao de um perverso que quer im por as suas premissas de forma sutil Segundo Bion esse tipo de resistência à interpretação também não equivale àquela que habitualmen te é conhecida como intelectualização an tes ela é devida à incapacidade de pensar des ses pacientes 35 Ainda em relação ao destino da inter pretação Rosenfeld 1965 p 201 assinala como os pacientes narcisistas podem aceitar e usar as interpretações do analista mas ime diatamente as despojam de vida e significação de maneira que apenas restam palavras sem sentido p 201 36 Em relação à elaboração podese di zer que no curso da análise um fluxo conti nuado e crescente de insight sem mudanças autênticas na vida real está se revelando como um sério indicador de resistência à análise tal vez uma das mais sérias seja a da resistência às mudanças Fora de dúvidas os pacientes que apresentam o maior grau de resistência às ver dadeiras mudanças são aqueles que mercê de uma forte caracterologia narcisista defensiva funcionam no processo analítico na condição de pseudocolaboradores 37 Esta última denominação já aparece no magistral trabalho de Abraham que abor da a temática de resistências narcisistas 1919 Mais recentemente também Meltzer 1973 p 31 considera esses falsos colaboradores como pacientes que desenvolveram o que ele deno minou pseudomadurez Também Betty Jo seph 1975 p 414 retoma o termo original de Abraham estranhamente sem citálo e faz a interessante observação de que o que carac teriza tais pacientes é que eles mantêm esplitada splite OFF a sua parte paciente a comunicação verbal como uma forma de acting Aparentemen te são bastante cooperadores e adultos mas essa cooperação é uma pseudocoo peração destinada a manter o analista afastado das partes infantis do self real mente desconhecidas e mais necessitadas 38 Uma das formas de resistência que pode ocorrer na esteira do narcisismo é a que encontramos nos pacientes que desenvolveram uma transferência imitativa Gadini 1984 p 9 a qual se constitui em uma situação das mais temíveis e insidiosas para o processo analítico Temível porque se organiza como re sistência poderosa e tácita Insidiosa porque se apresenta com todas as aparências de uma 102 DAVID E ZIMERMAN transferência positiva Usam a imitação ao in vés da introjeção razão pela qual não conse guem a estruturação de uma identidade bem definida 39 Ainda um outro tipo de resistência decorrente de fixações narcisistas é aquele de natureza que se poderia denominar transfe rência de vingança em alusão à expressão que Freud utilizou para caracterizar sua paciente Dora 1905 p 116 a qual está presente em pacientes que embora de forma latente são cronicamente ressentidos e rancorosos Em geral tratase de analisandos que tiveram mui to precocemente uma importante perda parental e que por isso mesmo se acham no direito de pelo resto da vida reivindicar o re torno do anelado e do impossível estado ante rior Compensam esse fracasso e as conseqüen tes traições que julgam ter sofrido desfiguran do as situações reais e configurando outras nas quais aparecem como privilegiadas vítimas de injustiças e humilhações as quais ruminam de forma obsessiva e prazerosa com fantasias e planos de ressarcimento e vingança Essa ca racterização coincide com o que Bergler 1959 chama de colecionadores de injustiças A compulsão rancorosa ainda que seja um deri vado indireto da inveja diferenciase dessa pois não visa primariamente a destruir as ca pacidades do analista invejado mas sim cas tigálo Essa forma de resistência processase de maneira egossintônica pois o analisando achase com pleno direito para tal podendo no triunfo sobre o analista representante do antigo objeto abandonante e humilhador pas sar a ser na análise um objetivo mais impor tante que a própria cura 40 Como exemplo recordome de um analisando que se dizia sempre amedrontado ante mim configurando tal sentimento com uma imagem que repetia com freqüência ele se sentia como um pobre ratinho fraco e hu milde enquanto eu lhe aparecia como um gato grande forte capaz e detentor do poder Mo vido por um sentimento contratransferencial em certo momento perguntei a quem o gato e o rato lhe lembravam Respondeu prontamen te Tom e Jerry A continuidade do trabalho foi em torno do quanto ele se imaginava vingan dose de todas as figuras autoritárias do pre sente e do passado que o teriam submetido e humilhado Secreta e sutilmente e fazendo da astúcia a sua principal arma qual Jerry sem pre levando vantagem final sobre Tom sentia se passando de submetido a submetedor de humilhado a humilhador 41 Esse paciente ilustra outros tantos que como ele polidos sem afetação e com um edu cado ressentimento e sarcasmo ante o temor de sofrer um novo abandono agressivo resis tem à análise reagindo com um furor narci sista termo de Kohut 1971 para dar uma boa lição a quem representa essa injuriosa ameaça Ocorre que tais analisandos ressenti dos sem motivos aparentes fazem uma oposi ção sistemática pois para o endosso de sua tese precisam configurar o analista como um obje to mau Agem como me disse esse mesmo pa ciente que ilustrei anteriormente para mim a lei mais importante da vida é a de Talião Não se julgam primariamente agressivos por quanto estão unicamente justiçando através dessa lei Ou seja como mostra a etimologia da palavra estão de novo e mais uma outra vez retaliando Quanto mais melhoram mais se queixam e isso costuma despertar rea ções contratransferenciais dolorosas uma sen sação no analista de vazio desânimo e de es tar sendo vítima de ingratidão Essas situações não são raras e podem contribuir para a for mação de impasses 42 O negativo da elaboração é o impasse ou seja este surge quando aquele se detém O impasse pode ser entendido como toda situa ção suficientemente duradoura na qual os ob jetivos do trabalho psicanalítico pareçam não ser atingíveis embora se mantenha conserva da a situação analítica standard Comumente os impasses manifestamse por uma dessas for mas estagnação aparentemente a situação está tranqüila analista e analisando supõem que a análise está se desenvolvendo bem po rém ela está dando voltas em torno do mesmo lugar e nada de mais acontece nem de mau ou de bom paralisação o analisando não sabe mais o que dizer e o analista sentese manieta do em uma desconfortável sensação de impo tência e paralisia enquanto no par analítico vai crescendo um sentimento de esterilidade reação terapêutica negativa RTN 43 Enquanto as duas formas anteriores de impasse costumam ser silenciosas a RTN MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 103 habitualmente é ruidosa por vezes dramática de sorte que não raramente o paciente pode interromper a análise abruptamente Também contrariamente às formas de paralisação e de estagnação o abandono da análise devido a uma RTN pode vir acompanhado de uma total perda dos benefícios analíticos que até então o paciente vinha conseguindo 44 É útil consignar que a RTN foi defini da por Freud como uma reação paradoxal que surge no curso da análise pois justamente quando o paciente está fazendo sensíveis pro gressos com importantes mudanças é quan do ele começa a piorar As causas mais freqüen tes do surgimento de uma RTN muito resumi damente são as clássicas três seguintes in suportáveis culpas devidas ao fato de que o sucesso representalhe um triunfo edípico Freud 1923 o aprofundamento da análise faz o paciente entrar em contato direto com os sentimentos de depressão muitas vezes associa do a uma espécie de cemitério interno Joan Rivière 1936 um ataque invejoso do pacien te ao analista por não suportar que sua me lhora represente um sucesso do terapeuta M Klein 1957 Creio ser possível acrescentar mais dois vértices a RTN que decorre de fa lhas do analista por exemplo vê tudo sob o prisma exclusivo de inveja destrutiva de sor te que a sigla RTN no caso deve ser entendi da como relação terapêutica negativa e quan do o surgimento do fenômeno é conseqüente de uma forte presença de uma das variadas mo dalidades de contraego 45 É importante que o analista saiba dis criminar entre reação terapêutica negativa e relação terapêutica negativa visto que nes ta segunda possibilidade o terapeuta terá de revisar se a sua conduta analítica possa estar sendo inadequada e portanto também respon sável por essa situação tão difícil e penosa para ambos do par analítico 46 Outra forma ruidosa de impasse é aque la que emerge em períodos da análise nos quais predomina fortemente uma psicose de transfe rência Rosenfeld 1978 que não deve ser con fundida com uma transferência psicótica pró pria de pacientes psicóticos A psicose de trans ferência pode surgir em pacientes normais é de duração curta e transitória e as distorções em relação ao analista são tamanhas que atingem um grau de ideação delirante porém ao sair da sessão o paciente retoma normalmente suas funções rotineiras por mais complexas e impor tantes que elas sejam 47 Um certo grau de impasse sempre aparece ocasionalmente em qualquer análise Existe porém uma forma crônica de impasse nem sempre perceptível pelo paciente e pelo analista pois o paciente é sério esforçado cum pre com todo o protocolo analítico no entan to passamse os anos e embora o analista seja igualmente sério e competente não acontece nenhuma mudança psíquica significativa Isso acontece com os pacientes que J Mac Dougall 1972 p22 denomina antianalisandos que se caracterizam por colaborarem com o analista aceitam bem o protocolo analítico falam de coisas e pessoas nisso se diferenciam dos clás sicos pacientes nãoanalisáveis como são os excessivamente atuadores psicóticos narcisis tas os que não aceitam as combinações do setting mas não estabelecem as relações e nem as ligações entre as mesmas Apesar disso mantêm uma estabilidade em suas relações objetais e recusam qualquer idéia de separa ção de seus objetos de rancor A autora salien ta que a transferência nesses casos é natimorta na análise eles jamais se arriscariam a ficar nas mãos de um outro e nisso são fiéis ao pro vérbio espanhol Antes morrer que mudar A contratransferência mais do que decepção é de enfado e o analista tem a sensação de que representa para esse paciente mais uma con dição do que propriamente um objeto a ser bemaproveitado 48 Na atualidade os analistas devem manter uma especial atenção a um tipo muito tenaz de resistência de certos pacientes a fazer mudanças a qual se deve a uma luta interna entre o seu lado sadio que quer progredir e o seu lado doente que qual um ímã o atrai con tinuamente para regredir de modo a se man ter fiel e apegado aos seus objetos patogênicos que o obrigam a cumprir os papéis que desde a infância foramlhe designados e programados 49 Um primeiro exemplo que me ocorre é o de uma paciente do perfil de uma antianali sanda a qual sempre pontual assídua e ati va verbalmente cumpria as suas sessões por meio de uma aparente indiferença e frieza nos seus relatos lineares lógicos e seqüenciais 104 DAVID E ZIMERMAN tampouco manifestava significativas mudanças no seu modo de ser e de se relacionar Ao ser confrontada por mim quanto ao fato de que apesar de ela realmente demonstrar adquirir insights no caso muito mais intelectivos do que afetivos e integrativos se ela queria mes mo fazer mudanças efetivas Respondeu com um silêncio relativamente longo e aparente mente ignorando minha colocação e mudando de assunto disse que sem saber por que co meçou a lhe vir à mente o filme A escolha de Sofia para quem não viu ou não lembra cabe recordar que Sofia era uma mãe que com seus dois filhos estava presa em um campo de con centração nazista a qual durante um rotinei ro transporte de prisioneiros supunhase que era para a morte os guardas representantes da besta nazi impuseramlhe a condição de que um dos dois filhos teria que obrigatoriamente seguir com eles concedendolhe o direito de escolher qual dos dois seguiria Assim a mãe ficou no cruel dilema de qual filho ela salvaria e qual ela condenaria à morte Voltando à paciente do exemplo não obstante o seu cons ciente tenha ignorado a minha colocação quan to ao seu real interesse de fazer ou não fazer mudanças ela respondeu por intermédio de seu inconsciente que produziu um ideograma com imagens de sorte a me comunicar que ela também estava num cruel dilema entre esco lher a morte de seu muito familiarizado lado doentio e assim permitir a sobrevivência e o crescimento de seu lado sadio ou escolher o inverso Dentro da concepção da contemporânea análise vincular não é possível dissociar a re sistência da contraresistência elas aparecem em capítulos separados unicamente com um propósito didático como é o seguinte que abor dará o fenômeno contraresistencial na práti ca analítica MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 105 Inicialmente impõese estabelecer a dis tinção de quando a resistência do analista tem origem nele próprio ou quando ela decorre de um estado de contraidentificação com o seu analisando No primeiro caso estamos falan do de resistência do analista enquanto no se gundo tratase de contraresistência 1 Resistência oriunda do próprio analista O melhor indicador de que as resistências pro cedem unicamente de dentro do analista é quando elas se repetem de modo sistemático com todos os seus pacientes independente mente de como eles sejam diante de uma com plicação emocional equivalente Por exemplo se com qualquer paciente de uma determina da categoria idoso adolescente mulher bo nita psicopata sem levar em consideração a estrutura emocional de cada um deles indi vidualmente o analista vier a experimentar as mesmas reações emocionais e assim formar pontos cegos em sua mente é certo que ele resistirá em aprofundar a análise daquilo que ele não está suportando em si próprio 2 Psicanalistas norteamericanos Kan trowitz 1989 estudaram e pesquisaram com profundo rigor científico o que denominam match isto é o fato de que indo muito além de uma simples repetição transferencial entre terapeuta e paciente estabelecese entre am bos um encontro singular decorrente das ca racterísticas próprias e reais de cada um de sorte que pode resultar uma harmonia produ tiva ou uma desarmonia estagnadora no tra balho do par analítico O interessante desta pesquisa é que foi possível observar que em 9 Contraresistência Os Conluios Inconscientes Quase sempre há fogo oculto sob as cinzas silenciosas com uma enganadora aparência de inatividade CONCEITUAÇÃO É necessário reiterar que assim como a resistência pode partir unicamente do pacien te também pode proceder do analista embo ra o que sobretudo vai nos interessar no pre sente texto é a interação resistencialcontra resistencial que se processa entre ambos no campo analítico A contraresistência chegou a ocupar um significativo espaço na literatura psicanalítica como pode ser constatado nas vezes em que Racker 1960 emprega o termo e nas concei tuações que ele faz acerca deste fenômeno em seu consagrado livro sobre técnica psicanalíti ca Gradativamente os autores foram deixan do de abordar e de nomear diretamente a pre sença das manifestações da contraresistência talvez pela possibilidade de que as consideras sem enquadradas no fenômeno da contratrans ferência Não há dúvida quanto ao fato de que os fenômenos de resistência e transferência e por conseguinte os de contraresistência e contratransferência estão intimamente conec tados como Freud estudou exaustivamente não obstante acompanhando muitos autores também entendo que existe uma nítida dife rença conceitual sendo útil estudar e nomeá los separadamente A partir dos trabalhos do casal Baranger 19612 acerca do campo analítico e os de Bion 1959 relativos à psicanálise vincular embora sem que eles tenham usado especificamente a denominação de contraresistência tem havido um renovado interesse dos psicanalistas quanto aos aspectos contraresistenciais 106 DAVID E ZIMERMAN uma análise feita com psicanalistas igualmen te competentes e forjados por uma mesma for mação oficial os analisandos poderiam darse mal com um deles e se entrosar muito bem do ponto de vista psicanalítico com o outro sen do que a recíproca era verdadeira Mais ainda muitos analisandos da pesquisa beneficiaram se claramente em uma área de seu psiquismo digamos para exemplificar a sexualidade enquanto em uma outra área como podia ser a de uma primitiva organização narcisista o processo analítico ficava detido No entanto uma eventual troca deste analisando em uma escolha por um outro analista poderia apon tar para um resultado totalmente inverso em bora equivalente no balanço dos avanços e da estagnação 3 Fatos como esses nada raros na expe riência cotidiana da clínica psicanalítica per mitem deduzir não só que a pessoa real do tera peuta exerce uma significativa influência no processo analítico mas também que existem virtualmente em todos os analistas determi nados pontoscegos que se constituem em resis tências por vezes muito rígidas e imutáveis 4 A resistência de um psicanalista tam bém pode estar manifesta fora da situação ana lítica propriamente dita como é o caso em que ele se nega a tomar conhecimento de outros vértices teóricotécnicos da psicanálise ou toma conhecimento porém os desvitaliza na maior parte das vezes recorrendo a um sistemático reducionismo para os valores e conhecimen tos com os quais ele está bastante familiariza do porém que saturam a sua mente 5 Contraresistência A distinção que estamos propondo entre o que se trata de uma resistência própria do analista e de uma con traresistência em razão da influência do ana lisando por meio de uma carga de identifica ções projetivas que inundam a mente do ana lista pode ser exemplificada com a maneira de como o terapeuta utiliza aquilo que Bion chama de uma mente saturada por memória desejo e ânsia de compreensão Assim pode acontecer que o analista durante a sessão fi que confuso com uma hipertrofia ou atrofia de seus desejos com a sua memória atrapa lhada e por conseguinte com um prejuízo de sua indispensável capacidade perceptiva em razão dos ataques aos vínculos perceptivos Bion 1967 desferidos pelo inconsciente do paciente de tal sorte que ele pode ficar enre dado no jogo resistencial deste último Tal con dição caracteriza um estado de contraresistên cia A mesma pode estar a serviço de uma sutil resistência de certos pacientes a qual consiste no fato de em vez de atacar a sua própria per cepção de verdades intoleráveis consegue o mesmo resultado fazendo com que se multi pliquem as resistências de seu analista 6 Em contrapartida o analista pode es tar utilizando a sua memória como uma forma de posse e de controle sobre o seu analisando a partir da saturação da sua memória com co nhecimentos de fatos já passados e que po dem não coincidir com o momento afetivo pre sente naquele instante na mente do paciente Da mesma forma o desejo do terapeuta pode ser exclusivamente seu como seria o caso dele querer que a hora da sessão analítica termine logo porque está cansado ou perdido almejar se gratificar com notáveis sucessos imediatos do seu paciente mais atendendo aos seus inte resses narcisistas do que a qualquer outra coi sa e assim por diante em uma infinidade de possibilidades NA PRÁTICA ANALÍTICA Vale tentar rastrear o surgimento de re sistências do analista ou de contraresistências que acontecem no campo analítico de uma forma muito sumária desde os primeiros pas sos ou seja desde a entrevista inicial de ava liação até as fases de término de uma análise 1 Entrevista inicial Não é nada rara a possibilidade de que o surgimento da resis tência no campo analítico conforme desta cado devase unicamente às resistências do próprio analista Assim já na situação de sele ção de pacientes para enfrentar uma longa análise é possível que sob distintas raciona lizações para não aceitar determinado pacien te o psicanalista possa estar se evadindo do seu medo de enfrentar uma situação regressi va como por exemplo a da presença de um estado depressivo do consulente a prática de actings que os desconforta uma forte sedu ção de alguma paciente histérica ou sinais indicadores de uma parte psicótica da per sonalidade etc MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 107 2 É claro que em geral também ocorre que o pretendente à análise possa estar com a sua motivação dividida e a sua parte que está resistindo a enfrentar essa ameaçadora situa ção nova visa inconscientemente a provocar uma contraresistência do tipo de desistência na pessoa do analista para este não aceitar o desafio de iniciar a análise 3 Setting As combinações que compõem a instituição de um necessário setting que pos sibilite uma análise bemsucedida podem ser resumidas no regular funcionamento das re gras técnicas legadas por Freud tal como elas foram descritas no capítulo específico sendo que cada uma delas pode eventualmente fi car desfigurada na sua essência e por conse guinte servir como uma posição resistencial do próprio analista Assim o método da asso ciação livre que se tornou conhecido como a regra básica ou a regra fundamental da técnica psicanalítica 1913 p 177 pode servir como exemplo da afirmativa aqui feita Freud ins truía seus pacientes no sentido de que contas sem tudo que lhes viesse à cabeça 1909 p 164 sem selecionar ou suprimir pensamen tos e sentimentos pois do contrário eles es tariam resistindo e o resistido devia ser venci do acima de tudo Isso hoje se tomado ao pé da letra pelo analista estaria revelando uma resistência dele pois faria crer que o único item importante da análise seria a exigência de o paciente falar e portanto seus silêncios e atua ções além de tantas outras formas de comuni cação nãoverbal seriam sempre maltolerados malcompreendidos e portanto não utilizados para um aprofundamento do vínculo com o lado de difícil acesso do analisando Aos pou cos foi se firmando a crença entre os analistas de que mais importante que o compromisso do paciente em não opor resistências ao livre fluir dos seus pensamentos o que mais passou a ser valorizado é o labor voltado para a manei ra de como ele os observa correlaciona co munica e age 4 As livres associações do paciente exi gem por parte do analista o cumprimento da regra da atenção flutuante 1919 p326 a qual costuma sofrer a interferência resistencial tan to que conforme diz Cesio 1975 p 188 ao contrário do que pode sugerir sua denomina ção manter a atenção flutuante exige do ana lista uma constante aplicação de energia para sobrepujar resistências que se opõem à sua exis tência Partindo de um outro vértice Bion uti liza essa regra de Freud para asseverar que o analista pode estar com a sua mente saturada de memórias e desejos que objetivam sobre tudo que ele utilize os seus órgãos sensoriais para não perder o controle sobre o paciente e sobre si próprio portanto acrescento de uma forma resistencial razão pela qual ele paga o alto preço de não propiciar a emergência de uma subjacente capacidade de intuição 5 A regra da neutralidade ficou conden sada na clássica metáfora do espelho de Freud porém se essa indispensável neutrali dade estiver a serviço das resistências do ana lista ela estará desvirtuada Nesses casos a neutralidade pode se confundir com um distan ciamento fóbico em cujo caso em nome de uma pretensa neutralidade o analista adota a atitude de uma fria superfície de espelho em uma equivocada interpretação e aplicação da analogia de Freud que fica a serviço de sua resistência a uma aproximação maior 6 É possível ocorrer o inverso ou seja que o analista não tenha resolvido sua emanci pação de uma má dependência interna e resis tirá com defesas de ordem maníaca Nesse caso ele atuará no sentido de uma falsa indepen dência por meio da racionalização de dar maior liberdade à rigidez do setting imposta pelas sociedades psicanalíticas Ao mesmo tempo dirigirá o paciente a uma falsa liberta ção dos objetos externos delegandolhe um estímulo às pulsões do id bem como a um rom pimento bélico com o superego 7 Da mesma forma se o analista tiver uma estrutura marcadamente obsessiva fará uma resistência a um clima de liberdade e leva rá o setting a extremos de rigidez em uma ên fase a que o paciente projeção dele próprio analista comportese bem Assim o aprego ado comportamento muito humanitário de certos terapeutas que evitam ao máximo frus trar o paciente em seus pedidos por mudanças nas combinações do setting podese configu rar como uma resistência do próprio analista por estar encobrindo uma atitude sedutora a serviço de seu narcisismo ou do seu medo de despertar o repúdio do analisando 8 Os inconvenientes dessa conduta na qual o analista não consegue fazer nenhuma frustração suficientemente necessária são cla 108 DAVID E ZIMERMAN ros sendo que o principal deles é o imediato estabelecimento da falsa crença de que a frus tração é sempre má e deve ser evitada assim como a de que o analista deve ser poupado das cargas agressivas do paciente Nesses casos o setting corre o risco de transgredir a neutra lidade de modo a ficar se estruturando em uma prioritária busca por gratificações recíprocas 9 Por outro lado Etchegoyen 1987 p 9 alerta para o fato de que quando o analista pretende obter informações do paciente que não sejam pertinentes à situação analítica é porque ele está funcionando mal transformou se numa criança quando não em um perver so escoptofílica 10 Uma importante e bastante comum forma de resistência procedente do analista é aquela que resulta de um possível excesso de narcisismo dele de maneira que resistirá a qual quer contestação ou tomada de posição de seu paciente que não estiver enquadrada nos seus valores próprios idealizados por ele 11 A regra da abstinência complementar da regra da neutralidade recomenda que o analista não satisfaça os desejos regressivos do paciente e os seus próprios excluídos obvi amente os da compreensão analítica Em obe diência a essa regra no início do movimento psicanalítico fazia parte do contrato que os analisandos se comprometessem a não tomar nenhuma responsabilidade importante duran te o curso da análise A aplicação rígida disso hoje indicaria um temor do analista aos impre vistos da viagem analítica e se constituiria como uma resistência bastante prejudicial tanto que há uma concordância geral de que com a atu al duração das análises aquele princípio é inú til e até maléfico pois leva à falsa crença de que somente a vida analítica é importante e que o paciente deve fazer uma pausa na sua vida real com a promessa de que a reassumirá posteriormente em condições idealizadas 12 Um contrato com muitas cláusulas normativas tem o inconveniente de reforçar desde o início um vínculo tipo dominador versus dominado o que pode vir a endossar a teoria do analisando de que para conseguir tudo que almeja da análise basta se esforçar não faltar não se atrasar pagar direitinho etc Com isso a resistência a um verdadeiro traba lho de análise vai se estruturando em torno da ilusão de que o trabalho deve ser valorizado não tanto pelo resultado alcançado mas sim pelo sofrimento pelo esforço despendido ou pelo bom comportamento mas isso entra em conflito com os valores reais da vida Isso acon tece mais comumente com pacientes e em con trapartida com analistas que desde crianças foram condicionados pelos pais a ganharem as coisas com muito choro lutas e formações reativas 13 A contraresistência também pode se manifestar por um controle sádico inconscien te por parte do analista o que pode leválo a utilizar privações severas e desnecessárias sob a racionalização de que está fielmente cum prindo a regra da abstinência quando na ver dade ele pode eventualmente estar resistindo a movimentos de busca de uma liberdade de aproximação sadia por parte do analisando 14 A regra do amor às verdades como já foi anteriormente destacado pode ser incluí da entre as demais regras técnicas de Freud tal como pode ser exemplificada nesta passa gem entre tantas outras mais dele a relação entre analista e paciente se baseia no amor à verdade isto é no reconhecimento da reali dade e isso exclui qualquer tipo de impostu ra ou engano 1937 p 282 Entendo que Freud referiuse tanto à pessoa do paciente como a do analista e talvez principalmente a um necessário clima de veracidade entre am bos Destarte a negação ou a evitação das ver dades na terminologia de Bion corresponde a K por parte do analista é utilizada pelos pacientes como uma autorização para as suas próprias falsificações resistenciais e por isso mesmo o psicanalista ser verdadeiro vai além de um dever ético além de se constituir como uma imposição técnica caso contrário estará minando os núcleos básicos de confiança do paciente a um mesmo tempo em que estará reforçando as resistências deste que estejam baseadas na sua função K 15 Além disto devese considerar que o analista pode estar utilizando esse aspecto re lativo às verdades com finalidades resistenciais próprias dele tal como acontece nas situações em que ele confunde ser verdadeiro com uma crença de que ele tem a posse da verdade ou quando de forma obsessiva ele manifesta uma intransigência por qualquer arranhão do ana lisando que lhe pareça nãocondizente com a verdade sem se aperceber que ele é que pode MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 109 estar equivocado até mesmo porque a verdade é sempre relativa nunca absoluta ou imutável 16 Atividade interpretativa Uma primei ra observação é a de que a tão freqüente for ma de muitos analistas interpretarem tudo o que o paciente disser em um sistemático reducionismo ao é aqui agora comigo pode estar representando uma forma de o ana lista poder racionalizar e assim resistir a um maior envolvimento afetivo por meio do uso de uma recomendação técnica de trabalhar na neurose de transferência sem se aperceber que a executa de forma equivocada e inadequada pois muitas vezes essa interpretação irá re sultar um mero chavão repetido de forma me cânica 17 O grande risco que surge no par ana lítico com muito maior freqüência do que pos sa parecer é a contração de um conluio resistencialcontraresistencial porquanto o ana lisando pode estar induzindo o seu psicanalis ta a lhe interpretar exatamente aquilo que ele quer ouvir e que já sabe por antecipação de modo a assim perpetuar um controle sobre a análise e o analista 18 O que acima de tudo deve ser desta cado é o fato de que uma interpretação do ana lista somente será eficaz é diferente de corre ta exata se ela tiver origem empática caso contrário sua transmissão farseá pela via do intelecto portanto fria e estéril denotando um movimento resistencial 19 Uma consideração a ser feita é que em casos nos quais o inconsciente do analista se identifica de forma patológica com as pro jeções do paciente ele não terá condições de interpretar Nesse caso pode nada lhe ocorrer e com a mente em branco em estado de con traresistência vier a se socorrer da teoria e pseudointerpretar as resistências do seu pa ciente A persistência disso costuma provocar no paciente uma descarga ansiosa que se ex pressa por actings a busca de outras pessoas para transferências colaterais e o incremento de crescentes resistências agora verdadeiras que passam a ocupar todo o espaço que possi bilitaria o uso da capacidade para pensar as experiências emocionais 20 Em suma quando analista e analisan do não trabalham em um mesmo plano todo o sistema de comunicação entre ambos falha e os campos resistencial e contraresistencial se incrementam de modo que nesses casos o paciente frustrado por não estar sendo com preendido pelo seu analista vingase deste cas trandoo em sua potência e assim o introjetará A recíproca também é verdadeira Isso confi gura uma situação bastante desesperante na qual um necessita da ajuda e o outro não pode dar do que resulta que nenhum dos dois sente ter o necessário seio bom ou pênis fertili zante CONLUIOS INCONSCIENTES 21 Não é demais repetir que cada vez mais tem sido enfatizado que o tratamento psicanalítico não é a análise isolada de um in divíduo mas sim a de um vínculo humano com múltiplos vértices Aliás a própria resistência ou a contraresistência ou ainda a conjuga ção de ambas é uma forma de vínculos Pode ocorrer um desvirtuamento analítico desse vín culo o que às vezes se cronifica tornandose difícil de desfazer nos mesmos moldes que sa bemos o quanto é difícil desfazer certas pare lhas relacionais quando as mesmas constituem um sistema que se alimenta a si mesmo casos nos quais cada membro mantendo as suas dissociações é inseparável do outro com o qual forma uma unidade 22 Na clínica cotidiana vemos isso em uma infinidade de parelhas que se estruturam de formas complementares tipo sadomasoquis ta fortefraco ricopobre feiobonito ávaro ávido sadiodoente sedutorseduzido adul tocriança etc Um paciente com tais caracte rísticas tentará reproduzir com o seu analista algumas dessas modalidades interrelacionais e é isso que se constitui no risco do estabeleci mento no processo analítico de um irreparável conluio de recíprocas resistências 23 Esses conluios são denominados pelo casal Baranger 1961 62 como baluartes existenciais os quais se constituem em um sis tema de resistência organizada que se com porta como um refúgio inconsciente de pode rosas fantasias de onipotência Esse baluarte pode estar configurado tanto por uma perver são aparentemente muito prazerosa quanto por uma superioridade intelectual ou moral por uma relação amorosa idealizada por dinhei ro profissão poder prestígio etc Para não 110 DAVID E ZIMERMAN correr o risco de cair em um estado de desvalia fragilidade e desesperança o paciente evita pôr em jogo e analisar aquilo que constitui o seu baluarte e para tanto é necessário conseguir a cumplicidade do analista 24 Importa consignar sobretudo que o estado de resistênciacontraresistência mais séria e esterilizante de uma análise é aquela que se manifesta sob a forma de conluios in conscientes aos conscientes fica mais apro priado chamálos de pactos corruptos entre o paciente e o analista Esses conluios podem adquirir muitas modalidades como é o caso de uma muda combinação inconsciente entre ambos de eles evitarem a abordagem de certos assuntos ou a de uma recíproca fascinação nar cisista entre tantos outros conluios mais que serão detalhados mais adiante cabendo res saltar desde já que o conluio inconsciente que se configura como uma relação de poder sob uma forma sadomasoquística bemdissimula da é de longe a mais freqüente 25 Colusão Este termo que tem uma evidente sinonímia com conluio inconscien te sendo cada vez mais empregado na lite ratura psicanalítica designa uma condição vin cular pela qual os dois ou mais participantes de um vínculo compartilham as mesmas fanta sias necessidades desejos e demandas incons cientes de forma que um complementa ao outro Em casos mais extremos as colusões podem adquirir uma configuração perversa em grau maior ou menor A natureza do conceito de colusão que implica em cumplicidade está bem expressa na etimologia da palavra pois os prefixos latinos co com junto de ludere brincar traduzem fielmente que as pessoas envolvidas na colusão estão brincan do de fazdecontaque 26 Podese dizer que de modo geral uma transferência fortemente idealizada já no início da análise constituise em um claro indicador da presença de uma posição narcisista Dito de outra forma a transferência negativa a mais difícil de ser detectada de uma forma ou outra existe sempre e a sua ausência ou o seu aparecimento ao longo da análise apenas em reações esporádicas e passageiras é indí cio de uma análise incompleta Se houver uma contraresistência por parte do analista na detecção aceitação e manejo dos sentimentos agressivos o conluio se perpetuará 27 Assim é bastante freqüente um con luio resistencial que consiste em manter a agres são encoberta por um manto de idealização para evitar penosas desilusões as quais provo cariam uma injúria narcisista termo de Kohut 1971 e levariam a uma inevitável irrupção de ódio com o risco de a luademel passar a ser de fel Em casos extremos esse tipo de conluio adquire as características de uma aliança simbiótica quando em uma busca de novas velhas ilusões ambos se empenham em pro mover recíprocas e inesgotáveis gratificações reforçando a fantasia de que a eterna espera do impossível um dia se concretizará 28 Winnicott 1969 p 275 alude a essa situação em um enfoque com pacientes muito regredidos dizendo que a análise vai bem e todo mundo está contente mas o único incon veniente é que ela nunca termina ou pode ter minar num falso self com o analista e o pacien te coniventes na formação de um fracasso analí tico o grifo é meu 29 Grumberger 1961 assinala que a regressão narcisista na situação analítica pode se constituir em um estado de paraíso no qual o paciente procura substituir um fracas sado processo de superego a sua neurose por um novo superego a análise dotado de uma onipotência narcisista Resulta então um es tado de euforia e elação com o analisando fa zendo de sua análise especialmente no início o tema central de sua vida em termos de uma nova religião Essa situação de encantamento que no fundo é resistencial pode se cronificar se houver escotoma ou escamoteio contra resistencial Nesses casos o analista fica inter pretando de forma inócua o conflito edípico costumeira cobertura da regressão narcisista sem aprofundar o interjogo projetivointro jetivo da onipotência do narcisismo e do ide al do ego infantil representa o pólo das am bições e das expectativas ideais a serem cum pridas com a respectiva agressão latente 30 Quando a recíproca é verdadeira vai partir desse analista narcisista contrair um pacto com o seu paciente brilhante fica fas cinado por este o qual passa a ter o papel do ideal do ego de ambos Pelo fato de que o ideal do ego está alicerçado na onipotência na per feição e na grandiosidade infantil resulta que esse tipo de conluio também se caracteriza pelo fato de analista e paciente poderem estar mui MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 111 to satisfeitos com o seu trabalho enquanto que na verdade seja provável que eles estejam dan do voltas sem sair do mesmo lugar sem que nada mais se produza 31 Etchegoyen 1976 assinala que uma recíproca idealização excessiva é um momen to crucial para a análise porquanto a pressão para chegar a um happy end dessa fascinação por meio de sutis formas de actings tanto den tro da situação analítica erotização quanto fora dela apresentação de progressos é sem pre muito forte e nenhum analista é imune a esse chamamento sutil e persistente pois é tão sintônico com o ego e tão aceito socialmen te que convence p 626 32 Esta afirmativa encontra respaldo na advertência de Chasseget Smirgel e Grunberger 1979 p143 Sendo como somos débeis e medíocres pelo menos em relação às imagens a miú do grandiosas que os pacientes projetam sobre nós podemos sentir o desejo in consciente de perpetuar essa gratificante situação 33 Igualmente é importante destacar as contraresistências que resultam de fixações narcisistas nãoresolvidas no analista e que podem se constituir em arrogância cuja finali dade maior é reforçar a sua frágil autoestima bem como manter afastado do seu ego qual quer coisa que possa às vezes diminuílo Des de o trabalho de Bion sobre A arrogância 1967 ficou claro que esse sentimento deriva diretamente de uma incapacidade básica para tolerar a frustração especialmente a do não saber Nessas condições o analista arrogan te ainda que exteriormente possa ser amável e até de aparência humilde assume na relação analítica uma atitude prepotente rempli de soi même cheio de si mesmo enfatuado na sua convicção de ser superior ao seu paciente ser dono das verdades isso equivale ao que Lacan 1961 denomina como SSS sujeito suposto saber Assim esse terapeuta não terá capaci dade de empatia disposição para escutar para tolerar frustrações e então aliado com as resis tências do seu analisando anulará as capacida des positivas deste último total ou parcialmente 34 Na prática clínica isso se traduz pelo fato de que o analista cometendo o grave erro de tomar a parte pelo todo vir a trabalhar uni camente com a parte infantil do paciente despojandoo de suas capacidades adultas e discriminativas bem como de seu direito às críticas e réplicas as quais serão interpretadas como resistências É claro que também exis te a possibilidade oposta a essa na qual o analista por ser cauteloso demais só trabalha com o lado adulto do paciente sem levar em conta que ele tem também um lado infantil assustado desamparado que está em uma es pera ansiosa de ser compreendido e estimula do para encarar sua fragilidade com naturali dade sem ter que despender o alto montante de energia psíquica que uma negação maciça demanda 35 Um analista arrogante não pode tole rar dúvidas e incertezas ao que resiste por meio de um controle submetedor de natureza sádi ca o que leva a configurar o seu vínculo com o analisando como uma relação de poder Essa submissão somada aos objetos internos que subjugam o paciente reforça um surdo ódio e uma rebelião inconsciente que quando total mente reprimidos podem se manifestar por uma melancolização somatizações ou até por acidentes 36 Ainda em relação a uma possível ar rogância do analista é útil lembrar a metáfora de Freud em seu trabalho Construções em aná lise 1937 no qual ele compara o poder do analista sobre o paciente com o jogo de cara ou coroa ao se atirar uma moeda para o alto para decidir uma vantagem ou desvantagem para alguém Assim ironiza Freud o analista pode agir da seguinte maneira se der cara ganho eu se der coroa perde você Penso que igualmente um analista exageradamente nar cisista que de modo vital necessita sempre ter a razão tomará o seguinte e pernicioso es tado mental diante do paciente Se a análise andar bem o mérito é meu se andar mal é porque você está resistindo 37 De forma equivalente se esse analis ta sem exercer uma função de continente in terpretar tudo somente em termos de identifi cações projetivas poderá estar cronificando a impotência e a desesperança de seu analisan do Os casos mais graves são aqueles nos quais essa atitude do analista encontra uma comple mentaridade no paciente de dependência ma soquista que inclusive se gratifica com esse tipo 112 DAVID E ZIMERMAN de conluio sadomasoquista e que não tem de sejo por modificações verdadeiras 38 Também Bion chama a nossa atenção para uma outra forma de conluio resistencial contraresistencial que é muito daninha devi do à sua natureza silenciosa e deteriorante além de consistir em um conformismo com a estagnação da análise portanto em um estado de apatia em ambos Em tais casos Bion reco menda que o analista deva ter a suficiente co ragem para aperceber que a aparente harmo nia e tranqüilidade da situação analítica não são mais do que uma estagnação estéril e que a partir dessa percepção ele pode provocar um estado de turbulência emocional de tal sor te que aquilo que é egossintônico passe a ser egodistônico 39 Costumo chamar esse tipo de vínculo também bastante freqüente em que analis ta e paciente estão aparentemente satisfeitos porém nada mais está acontecendo na análise em termos de transformações de conluio de acomodação que adquire uma dimensão má xima quando o analista acomodase em um estado de desistência o qual resulta da inva são que o paciente faz desse seu estado mental no psiquismo do terapeuta A epígrafe deste capítulo quase sempre há fogo oculto sob as cinzas silenciosas com uma enganadora apa rência de inatividade enquadrase como uma luva nesse conluio de acomodação 40 Meltzer 1973 p 159 alerta para o risco de um conluio perverso que consiste em um jogo de seduções por parte de pacientes com características perversas Se esse conluio chega a se estabilizar conclui o autor tornase claro que o paciente ao invés de reconhecer suas limitações verá seu analista como uma prostituta uma amadeleite viciada na práti ca da psicanálise e incapaz de conseguir me lhores pacientes 41 É indispensável registrar um tipo de conluio resistencialcontraresistencial nada raro que pode ser chamado de conluio ero tizado pelo qual analisando e analista se comprazem bem como se gratificam recipro camente com a erotização na transferência Essa situação pode ocorrer com um analista que sinta seu ego reforçado diante da compro vação de que ele é atraente e inspirador de pai xões O risco nesses casos é que esse analista por meio de atitudes e interpretações essas próprias podendo servir como carícias verbais pode estimular e perpetuar esse estado de coisas 42 Os prejuízos analíticos nesses casos são óbvios Por um lado não se fará a elabora ção da transferência negativa a qual como se sabe muitas vezes está dissimulada por um erotismo por parte daqueles pacientes que são muito propensos a atuações muito destrutivas 43 Por outro lado também pode ficar prejudicada a elaboração de um outro aspec to veiculado pela transferência erótica e que de maneira estranha é relativamente pouco lembrado na literatura psicanalítica tratase do erotismo transferencial positivo quando manifesto em um contexto no qual o analisan do está se permitindo a ter fantasias desejos sensações e emoções a que sempre se proibira e coibira Se o analista não se aperceber disso por estar em estado resistencial defensivo ou pelo seu temor da irrupção de uma transferên ciacontratransferência erótica pode levar ele e por conseguinte o analisando a se refu giar atrás de uma cortina de aparente agressi vidade pela qual esse tipo de paciente vai en tão procurar falsamente se mostrar hostil uma isca para o analista ficar lhe interpretando agressão em vez de seu enorme medo de uma relação de amor pelo fato de isso representar para ambos um sério risco de destruição de si do outro ou do vínculo entre ambos Tratase de um conluio que pode ser chamado de pseu doagressivo 44 É evidente que outras variantes de conluios resistenciaiscontraresistenciais pode riam ser descritos No entanto o que vale des tacar é que o paciente está rigorosamente den tro do seu papel de analisando sendo que a responsabilidade pela formação do conluio in consciente cabe ao psicanalista Mais ainda se ele não se der conta disto ou não tiver condi ções de reverter a existência no campo analíti co de um desses conluios mencionados aumen tará a possibilidade de que o processo analíti co se cronifique em uma circularidade estéril ou que desemboque em impasses psicanalíti cos inclusive na tão temida reação terapêutica negativa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 113 Distinção entre ego e self Até algum tempo as palavras ego e self eram utilizadas de forma indistinta Na atuali dade a tendência é considerar o ego como uma das instâncias da estrutura psíquica tal como foi descrito por Freud isto é designa um con junto de funções tanto conscientes quanto in conscientes sendo também ele quem forma e é sede de representações de sorte que o ego atinge à imagem de simesmo ou seja do self Ambos aspectos são indissociados e criam um paradoxo intelectual embora seja mais abrangente e amplo do que o ego é o self que está representado como que fotografado e contido dentro do primeiro Na obra de Hartmann a ênfase predominante recai no ego função enquanto na de Lacan a prioridade cabe ao egorepresentação Alguns autores utilizam inicial minúscula ego para designar a ins tância psíquica e reservam a grafia com inicial maiúscula Ego para indicar o que atual mente se entende por self Ego ideal Herdeiro direto do narcisismo primário é inerente ao plano do imaginário do mundo das ilusões Na clínica ele aparece conjugado no presente do indicativo Eu sou alicerçado na fantasia onipotente ilusória própria da fu 10 O Contraego Uma Estrutura Resistencial Patológica Eu vi a face do inimigo era a minha própria Da sabedoria oriental O ego trata o próprio restabelecimento como um novo perigo Há uma resistência contra a revelação das resistências S Freud 1937 Neste capítulo pretendo propor o termo contraego para designar de forma genéri ca um complexo jogo dinâmico oriundo de alguma forma de organização patológica que a partir do próprio ego do sujeito no qual ela está sediada e agindo desde dentro dele pro cessa um verdadeiro ato de constante ataque boicote e sabotagem contra as capacidades sa dias e criativas e a ânsia de crescimento dele mesmo Esse fenômeno psíquico representa ter uma significativa relevância na prática analíti ca não só pela sua importância na evolução do tratamento analítico mas também pela alta freqüência de seu surgimento na prática clíni ca cotidiana UM ESCLARECIMENTO SEMÂNTICO DE TERMOS REFERENTES À ESTRUTURA DO PSIQUISMO Na literatura psicanalítica os termos alu sivos às instâncias psíquicas que muitas vezes aparecem assemelhados entre si nem sempre guardam o mesmo significado semântico o que pode causar uma imprecisão quando não uma certa confusão por exemplo Freud utilizou ego ideal ideal do ego e superego de forma superposta e algo indistinta Por isso entendi ser útil situar o leitor quanto à significação que cada um dos termos mencionados representa neste capítulo e ao longo do livro 114 DAVID E ZIMERMAN são diádica em que ter é igual a ser e que por isso o sujeito sempre espera o máximo de si mesmo As identificações são primárias do tipo adesivas ou imitativas e o sentimento de identidade predominante é o de um sentimen to de falsidade e diante de frustrações o sen timento que emerge é o de humilhação Re quer o uso de mecanismos de negação onipo tente como o da renegação ou o da forclusão de modo que o ego ideal está mais vigente nos estados narcisistas de forma total como nas psicoses ou de forma parcial nas perversões Ideal do ego É o herdeiro do ego ideal projetado nos pais somado às aspirações e expectativas pró prias destes Dentro do sujeito o ideal do ego é conjugado no tempo futuro do verbo e con dicional Eu deverei ser assim se não As identificações são secundárias e triádicas mas ainda não se constituíram com uma constân cia objetal nem com uma coesão do self e tampouco com um definido sentimento de identidade Uma forte presença do ideal do ego se observa nos estados narcisistas e fóbicos O sentimento predominante diante de frustrações é o de culpa pelo fracasso e sobretudo o de um estado de vergonha Superego Herdeiro direto do complexo de Édipo conforme Freud o superego classicamente constituise como uma instância proibidora ameaçadora e punitiva a parte boa do supe rego por ser necessária e normativa costuma ser denominada como ego auxiliar A forma ção do superego provém de várias vertentes O tempo no qual ele é conjugado é o pretérito perfeito Vou ser punido porque transgredi tal norma ou mandamento portanto eu fui logo sou mau e mereço o castigo A excessiva pres são do superego é a maior responsável pelos quadros melancólicos e obsessivos graves O sentimento predominante é o de permanente estado de culpa É claro que as funções do ego ideal do ideal do ego e do superego não são totalmente estanques pelo contrário imbricamse e par ticipam do superego propriamente dito como uma totalidade Não obstante creio serem de grande utilidade na prática clínica sendo que não é demais ressaltar que cada uma dessas subestruturas tanto pode funcionar de forma patológica quanto pode vir a ser incorporada ao ego como função sadia e estruturante Supersuperego Este termo foi cunhado por Bion que às vezes usa a grafia de superego enquanto particularmente com frequência emprego a expressão supraego nome que proponho por achálo o mais adequado para designar o seu conceito que difere e não tem uma conotação direta do significado clássico de superego de que se trata de uma instância psíquica bastan te presente na parte psicótica da personalida de na qual o sujeito cria a sua própria moral e ética que ele pretende impor aos demais A pessoa portadora de um supersuperego com características psicóticas está crente de que tudo sabe pode controla e condena de sor te que ele substitui a capacidade de pensar pela onipotência o aprendizado pela experiência cede lugar à onisciência o reconhecimento da fragilidade e da dependência é substituído pela prepotência a capacidade de discriminação entre o verdadeiro e o falso fica borrada por um radicalismo arrogante e assim por diante Alterego Termo que já esteve muito em voga no jargão psicanalítico depois praticamente de sapareceu e agora está ressurgindo Designa uma gemelaridade ou seja que um outro alma gêmea é o portador dos aspectos que o sujeito não diferencia daqueles que são ex clusivamente seus próprios O termo alterego caracteriza o fenômeno do duplo análogo ao de uma especularidade que vem ganhan do muita relevância na teoria e prática analíti cas especialmente para a compreensão dos pa cientes muito regressivos que ainda não con seguem distinguir satisfatoriamente o eu do nãoeu MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 115 Contraego Como antes já foi referido com esta ex pressão pretendo designar uma subestrutura intraego que se organiza como uma oposi ção às partes sadias e verdadeiras do ego em bora algo frágeis a partir do princípio de que são essas partes do ego que levam o sujeito a um estado de sofrimento desamparo e humi lhação Igualmente o contraego se opõe com tenacidade que a pessoa portadora faça uma renúncia a uma série de expectativas e de man damentos que estão inscritos e representados em seu ego constituindose como o script de uma peça teatral que pode voltar a ser ence nada eternamente às vezes Ainda que o termo contraego pareçame original compulsei uma extensa bibliografia e nada encontrei assim os conceitos nele embutidos não o são e sob denominações di ferentes conforme será explicitado mais adiante aparecem claramente conceituados em diversos e importantes autores que estu daram os fenômenos psíquicos inerentes à cisão do ego UMA BREVE REVISÃO CONCEITUAL Freud desde os seus primeiros trabalhos com pacientes histéricas já falava de uma ci são intersistêmica da qual resultam núcleos psíquicos independentes que não entram em contato em conjunção afetiva com o resto do psiquismo No entanto é a partir de seus tra balhos de 1927 Fetichismo de 1933 Novas conferências em que aparece a sua frase uma parte do ego enfrenta a outra e de 1940 Clivagem do ego no processo de defesa que ele estudou a ativa cisão intrasistêmica que ocorre no próprio seio do ego e não somente entre o ego e as demais instâncias da estrutura psíquica Aí então Freud falanos dos núcleos do ego que têm existência autônoma e até cer to ponto independentes que coexistem em uma convivência pacífica com lógicas diferen tes de sorte que um desses núcleos relaciona se com a realidade aceita as diferenças de sexo e a castração enquanto o outro núcleo cindido persiste fortemente apegado com o desejo em um plano imaginário Abraham em seu perdurável artigo de 1919 faz uma magistral descrição do paciente narcisista que na situação analítica está cindido em uma parte que ele denominava de falso colaborador R Sterba em 1932 durante o 12o Con gresso realizado em Wiesbaden falou do Destino do Ego no Processo Analítico refe rindose ao então pouco aceito conceito de cisão terapêutica do ego em diversos núcleos distintos Fairbairn em 1940 Estudos psicanalíti cos da personalidade postula a existência de um ego total desde o início que em conse qüência das experiências negativas com os ob jetos maus vem a se cindir em outros egos aos quais denomina ego central de um lado e egos subsidiários excitante sabotador inter no de outro lado Winnicott em 1960 estudou a cisão do ego fazendo a distinção entre um self verda deiro e um falso self Essa conceituação de Winnicott difere daquela personalidade como se descrita por H Deutch no início da dé cada de 40 pelo fato de que o falso self organi zase de forma mais estável sutil e permanen te enquanto o como se é de natureza mais camaleônica ou seja o sujeito sempre vai se adaptando à cor do ambiente em que convive Bion ao longo de sua obra estudou com profundidade a clivagem intrapsíquica a qual considerou como a de uma parte psicótica da personalidade e outra nãopsicótica ou neu rótica da personalidade sendo que na pri meira delas o ego utilizase do recurso dos ataques aos vínculos perceptivos com a fi nalidade de bloquear a função do conhecimen to K das penosas realidades as externas e as internas Meltzer em 1966 descreveu uma pseudo madurez que resulta de uma cisão do ego en tre uma parte adulta e uma outra bebê Rosenfeld em 1965 nos seus estudos sobre o narcisismo descreveu de forma clara e con vincente a cisão do ego da qual resulta uma parte que se organiza como uma verdadeira gangue narcisista bad self Essa organização intimida o restante do ego sadio ao qual ela acusa de ser uma perigosa dependência patológica advertin doo continuamente que o sujeito sofrerá inevi táveis decepções e sofrimentos 116 DAVID E ZIMERMAN B Joseph por sua vez em 1975 em seu importante trabalho sobre O paciente de difícil acesso enfatizou a parte cindida oculta que ela chamou de pseudocooperativa que faz de tudo para que o paciente não tenha acesso à sua parte doente Em um outro trabalho 1988 ela estudou a clivagem entre as partes destrutivas e as dependentes do self de modo a considerar que as mesmas relacionamse de forma que cria uma situação masoquista na qual o paciente fica preso e na qual tenta enre dar o seu analista J Steiner mais recentemente 1981 também estudou com muita profundidade sob o nome de organização patológica da per sonalidade a relação perversa e viciosa que se estabelece entre os dissociados aspec tos destrutivos e sadios de modo que essa or ganização mantémse estável porque as duas partes estão conluiadas entre si Assim o au tor diz ser uma visão distorcida considerar isto como se houvesse um self inocente captu rado pelas garras de uma organização maléfi ca p 257 Bollas há bem pouco tempo 1997 refe re o estado fachista uma organização interna que promete o paraíso se o sujeito comportar se de determinada maneira porém o ameaça se de alguma forma desobedecer aos ditames impostos O CONTRAEGO COMO APARECE NA PRÁTICA ANALÍTICA Não cabe aqui tecer considerações mais extensas acerca das evoluções dos tratamen tos analíticos que terminam em abandonos pre maturos ou os que sob a aparência de uma análise exitosa consolidam um falso self ou ainda as análises que avançam bem mas que diante da perspectiva de êxito significativo empacam em impasses a ponto de poder vir a desembocar numa reação terapêutica negativa Os conflitos inconscientes responsáveis por esses fracassos analíticos são bem conhe cidos estão descritos em alguns capítulos des te livro mas cabe destacar os seguintes que merecem ser lembrados 1 o medo do pacien te em vir a perder a sua identidade por um imaginário risco de ficar fundido ou engolfado pelo analista 2 o receio de se desintegrar psicoticamente devido a uma subjacente an siedade de aniquilamento terror em afrou xar a organização defensiva e submergir na posição depressiva pela razão principal de que ele ainda não tem confiança em suas ca pacidades de fazer verdadeiras reparações 4 um temor paranóide exagerado em ingressar no mistério de situações desconhecidas 5 excessiva inveja que impede o paciente de reconhecer o sucesso de seu analista com ele 6 sentimentos de culpa provindos de um superego que acusa o paciente de ele não ser merecedor de uma boa qualidade de vida 7 sentimentos de vergonha ditados por um ide al de ego que espera o cumprimento de ex pectativas inalcançáveis 8 sentimentos de humilhação oriundos de um ego ideal narci sista que se vangloria vã glória de ele pa ciente ser autosuficiente 9 a realidade mos tra que o sujeito é vulnerável que ele tem li mites e limitações que inevitavelmente ele é dependente e que não é imortal Igualmente ele não tolera reconhecer que existem muitas diferenças entre ele e outras pessoas e que essas têm direito a gozar de uma autonomia independente da vontade dele Muitos desses aspectos especialmente os últimos infiltramse no ego que diante do receio de vir novamente a ser enganado traído e humilhado mobiliza recursos defen sivos e ofensivos que se organizam como um contraego que na prática clínica se manifes ta em modalidades específicas de acordo com certos modelos como são os que seguem acompanhados com respectivas ilustrações de vinhetas clínicas O CONTRAEGO SABOTADOR MODELO DA GANGUE NARCISISTA Fairbairn 1940 apresentou o conceito de funcionamento psíquico desunido segun do o qual o self não se fragmenta porém se dissocia em três partes ou egos os quais fun cionam em uma relação de uns com os outros de forma persistente e característica Essas três partes são 1 O ego libidinal que se reconhe ce como imaturo e dependente e que por isso se constitui como um buscador de objetos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 117 para as suas necessidades e desenvolvimento 2 O ego antilibidinal inicialmente denomina do por Fairbairn sabotador interno e que se caracteriza por menosprezar e debochar do ego libidinoso 3 O ego central que é a parte cons ciente que tenta se amoldar às exigências do mundo externo porém o sujeito paga um pre ço por isso o que ele ganha em segurança perde em liberdade e criatividade Tanto o ego central quanto o ego antili bidinal podem se constituir como sérios oposi tores ao crescimento do ego sadio mas é so bretudo o último destes o sabotador que lem bra muito de perto um tipo de organização contraegóica como a que foi estudada por Rosenfeld e por Meltzer Esses autores assim como Green 1976 cada um à sua moda apontam para um narcisismo destrutivo que é uma organização baseada na idealização do self mau e que da mesma forma como se comporta uma máfia Rosenfeld 1971 chama de gangue narcisista sabota e domina o bom self infantil Isso pode ir ao extremo de o su jeito abandonar tanto a realidade psíquica in terior quanto a realidade exterior e se subme ter ao voluptuoso desespero que ele o self mau lhe oferece Por outro lado o contraego que foi erigido narcisisticamente costuma sabotar e bloquear o aproveitamento de oportunida des que surgem na vida do sujeito toda vez que essas não forem grandiosas Vinheta clínica 1 Este exemplo talvez possa clarear melhor o significado de ego sabotador Na primeira sessão de uma análise que se prolongou por muitos anos o paciente A que embora mui to talentoso e trabalhador não se realizava em sua carreira e na vida reportouse a uma fo lhagem que segundo ele ocupava um enorme espaço em seu gabinete de trabalho Era a co migo ninguém pode Ao mesmo tempo em que A exaltava a sua genialidade e prometia que seria um paciente muito gratificante para mim ele dava a entender que esperava uma reci procidade O curso da análise evidenciou que o pa ciente já havia construído e organizado um contraego do tipo ninguém vai poder comi go o qual ocupava igualmente um enorme espaço em seu ego e que operava como uma autarquia narcisista contra o reconhecimento de suas fraquezas e limitações e contra a emer gência de sentimentos de dependência e de amor os quais lhe representavam correr um sério risco de vir a sofrer abandonos e humi lhações como teria sido o seu conflito com o pai no passado O trabalho analítico ficou centrado na sua busca de estabelecer comigo de forma incons ciente um conluio na base de uma recíproca fascinação narcisista em moldes equivalentes ao conluio que ele construiu internamente conseguindo uma convivência pacífica na ver dade uma conivência pacífica logo perversa entre o ego da ilusão e o da realidade com as conseqüentes mutilações deste último sabo tado em seu crescimento Esse autoboicote ca racterizavase pelo ato repetitivo de sabotar e destruir todas as boas oportunidades que lhe apareciam mas que não eram grandiosas ou que representavam um risco de desmascarar a sua aparente grandiosidade O CONTRAEGO REIVINDICADOR MODELO DE UMA ARRAIGADA RECUSA AO CRESCIMENTO Determinadas pessoas julgamse no eter no direito de reivindicar privilégios e o pronto cumprimento de um atendimento de suas ne cessidades desejos e demandas por parte de outros que então têm a obrigação de preen cher tudo que esses pacientes querem e jul gam ser um direito inquestionável Essa situa ção decorre da absoluta convicção deles em sua maior parte de origem inconsciente de que têm o direito de ser ressarcidos daquilo que lhes teria sido sonegado e privado desde que eram crianças bem pequenas O ego sadio de pessoas assim em geral funcionou suficientemente bem para as fun ções adaptativas mínimas foram bons alunos casaram tiveram filhos algum talento espe cial etc porém embora possam ter sido bem dotados de capacidades legítimas nunca se re alizaram plenamente Permanentemente sentemse portadores de um vazio de uma sensação de que falta 118 DAVID E ZIMERMAN algo que lhes teria sido recusado e tudo isso os torna muito queixosos polêmicos e reivindi cadores Esse estado psíquico costuma ocor rer mais comumente com pessoas que tive ram importantes perdas precoces ou que no contexto familiar teriam sido relegados a uma marginalização em meio a falhas e faltas parentais Vinheta 2 B é uma paciente que já em sua segun da sessão ao mesmo tempo que esboçava um gesto de que ia se mover da poltrona me per guntou É para eu deitar não é À minha res posta de que ficava a critério dela recuou vol tou a se sentar e somente após alguns anos de análise sentada na poltrona face a face comi go ela por livre e espontânea vontade deci diu deitarse no divã O que caracteriza a pa ciente B é sobretudo um forte contraste en tre as suas evidentes capacidades de inteligên cia criatividade e tenacidade com uma total incapacidade em se realizar em qualquer área de sua vida especialmente na do trabalho As sim ela gasta mais do que ganha de sorte que sempre tem uma irmã ou pessoa amiga que a ajuda a pagar as dívidas sob a promessa que nunca mais vai abusar de um consumismo exa gerado para as suas posses reais Outro traço seu muito importante é a forma de ela se rela cionar com as pessoas na base de mandar ou ser mandada Um exame retrospectivo em relação à evitação do uso do divã por parte de B permi teme afirmar que a mesma não se deveu a nenhuma das seguintes costumeiras possibili dades uma reação de natureza fóbica ela vi nha de uma análise prolongada com outro ana lista na qual ela se deitara do primeiro ao últi mo dia também não foi uma reação de birra revide ou um desafio de natureza narcisista tampouco representava um temor paranóide que resultasse de excessivas projeções de pul sões agressivas eou eróticas nem se consti tuía como uma forma de uma obsessivo con trole onipotente O que era então A própria paciente dá resposta a partir de uma colocação sua em um determinado momento da análise Se me mandares deitar como o Dr X fez eu termino com essa minha amarração e deito logo com um sincero prazer O curso da análise evidenciou que B pro punhase em se comportar como uma perfeita cumpridora de deveres o que para ela repre sentava ser uma excelente e querida analisanda filha Assim deitarse no divã nas circuns tâncias descritas não seria mais do que uma obediência a uma ordem ou expectativa de um outro Pelo contrário a iniciativa em esponta neamente optar pela utilização do divã repre sentava para esta analisanda como sendo um movimento de liberdade de autonomia o que se opunha ao seu contraego que exigia aten ção e preocupação permanente de uma outra pessoa significativa como uma forma ilusória de ela se ressarcir dos cuidados que não tivera no passado com os pais Com outras palavras o contraego a con vencia de que a conquista de uma autonomia seria o mesmo que renunciar a um direito lí quido certo e inalienável em ser recompensa da por tudo que deixou de lhe ser dado no pas sado Tomando como referência esse episó dio do divã podese entender por que a pa ciente dava um jeito inconsciente de ganhar pouco ou gastar mais do que ganhava era uma forma de o contraego reivindicador forçar a crônica solicitação de ser amparada ajuda da por alguém A propósito essa última situa ção é muito freqüente na clínica analítica de todos nós O CONTRAEGO RETALIADOR MODELO DA LEI DE TALIÃO Tratase de uma modalidade de organi zação intraegóica de certa forma derivada do modelo anterior que se institui em pessoas que se julgaram desde sempre incompreendidas preteridas e frustradas em suas necessidades e desejos básicos O conseqüente ódio acumula do tomou a forma de um intenso desejo de vin gança contra as primitivas figuras parentais agora internalizadas e projetadas no mundo exterior que tanto sofrimento e humilhação lhes teriam causado Tais sentimentos organi zamse como uma facção contraego que as sume a hegemonia do ego e o mutila pois con segue mobilizar no sujeito os seus melhores MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 119 recursos de capacidades e de energia em prol de uma obcecada vingança à moda do conde de Monte Cristo isto é a ânsia de vingança deixa de ser um meio e se assume como uma finalidade de vida Vinheta 3 O paciente C um advogado com marcantes traços narcisistas gostava de re petir que dentre todas as leis que conhecia a mais importante sem dúvida era a de Talião Na realidade ele cumpria essa lei a rigor já que desperdiçava as suas funções do ego as de pensamento principalmente em continua das maquinações de planos de retaliação as sim fazendo jus à etimologia desta palavra re de novo mais uma vez taliação lei de Talião O seu estilo de viver pode ser sinteti zado na seguinte situação transferencial ele se dizia sempre amedrontado ante mim e con figurava este sentimento com uma imagem re petida com freqüência em que ele aparecia como um pobre ratinho fraco e humilde en quanto eu lhe aparecia como um gatão forte capaz e detentor do poder Movido por um intuitivo sentimento con tratransferencial em certo momento pergun teilhe a quem o gato e o rato lembravam ao que respondeu prontamente Tom e Jerry A continuidade do nosso trabalho foi em torno do quanto ele se imaginava vingandose de todas as figuras autoritárias do presente e do passado que o teriam submetido e humilha do Secreta e sutilmente fazendo da astúcia a sua principal arma qual o ratinho Jerry sen tiase passando de submetido a submetedor de enganado a enganador de humilhado a humilhador ainda que tudo isso lhe custasse muitos desafetos e muitas oportunidades per didas Esse paciente somente começou a se per mitir fazer mudanças após reconhecer clara mente que as vitórias que ele o seu contra ego até então conseguia eram na verdade do tipo de Triunfo de Pirro Convém diferen ciar que êxito é diferente de triunfo em cujo caso predomina a pulsão sádicodestru tiva cabe lembrar que a expressão triunfo de Pirro designa a lenda de um imperador que após uma guerra de morticínio de ambos la dos oponentes finalmente conquistou a cida dela em disputa Só depois da conquista ao depararse sozinho rodeado de cadáveres por todos lados é que se deu conta que a cidadela era de valor insignificante e que seu triunfo foi totalmente em vão O CONTRAEGO DO TIPO MUTILADOR MODELO O ANTIANALISANDO É bastante bem conhecido o efeito muti lador causado ao ego quando ele próprio é obrigado a se defender com um uso exagerado e indiscriminado de mecanismos defensivos negação dissociações identificações projeti vas etc que por outro lado são importantes e sadios quando usados nas incipientes etapas evolutivas da estruturação da personalidade ou em doses adequadas em adultos Os estudos de Bion especialmente os re ferentes aos ataques aos vínculos possibilitam uma compreensão mais clara e profunda acer ca da verdadeira autotomia que o ego pode realizar contra si próprio Na base de entre gar os anéis para não perder os dedos a parte do ego que tem horror ao conhecimento K organizase rigidamente no sentido de rejeitar qualquer verdade no mundo exterior ou inte rior que lhe possa significar como sendo um desamparo ou representar uma ameaça à sua frágil autoestima Para manter esse estado mental uma par te do ego organizase como um contraego que se encarrega de atacar destrutivamente qual quer função do ego que possa propiciar a vinculação das distintas funções do ego dos objetos ente si e o reconhecimento de senti mentos humilhatórios No entanto é elevado o preço que o ego paga ao contraego para a manutenção dessa escamoteação Cabe citar pelo menos quatro importantes áreas do ego que ficam desvirtuadas a percepção o pensa mento a comunicação e a destruição da capa cidade para a curiosidade A conjunção de tais funções prejudicadas promove uma séria inca pacidade para o aprendizado especialmente aquele que decorre de experiências frustran tes e que implicariam em uma dolorosa apren dizagem com a experiência 120 DAVID E ZIMERMAN A melhor ilustração clínica para este con traego automutilador está na experiência par ticular de cada analista que muito provavel mente já passou pela experiência de analisar um paciente que mesmo mantendo uma irretocável colaboração com a tarefa analíti ca quase não produz verdadeiras modifica ções estruturais Isso vem aliado ao fato de que este tipo de paciente mostra facilidade para adquirir insight intelectual além de uma grande dificuldade para o insight afetivo Isto se deve ao fato de que freqüentemente o ego desse paciente lança mão do recurso que Bion denominou reversão da perspectiva o qual como é sabido consiste em um processo pelo qual tudo o que provém das interpretações do seu analista é desvitalizado pelo paciente e revertido às suas categóricas premissas an teriores É possível que o tipo de paciente que J MacDougall 1972 chamou de antianalisan do formalmente tratase de um excelente colaborador no processo analítico mas que em pouco tempo revelase incapaz de fazer asso ciações entre fantasias pensamentos e senti mentos represente ser uma forma extrema da dessa função desvinculadora e mutiladora do contraego O CONTRAEGO DO TIPO PERVERSO MODELO A VIA CURTA DO NARCISISMO A expressão via curta é de Janine Ch Smirgell 1978 que a emprega para caracte rizar um tipo de estado mental mais típico das perversões no qual o paciente desde peque no julga que não necessita percorrer a via lon ga de um amadurecimento lento gradual e difícil que conduz à verdadeira condição de um desenvolvimento adulto A via curta ga rantelhe a eternização da fantasia do paraíso simbiótico a um mesmo tempo que o poupa de entrar em contato com as inevitáveis frus trações desilusões e tempo de espera que são inerentes à realidade objetiva A autora mos tranos como essa condição psíquica se forma a partir de um exclusivo vínculo diádico que a mãe estabelece com o seu filho em que ela designa o papel de a criança a ocupar o lugar do pai de modo que este último fica excluído da relação triangular No curso do tratamento analítico des ses casos o contraego utilizase dos mais diversos recursos para reproduzir essa primi tiva situação vivida pelo paciente como sen do privilegiada sendo que por isso mesmo ele se opõe de forma tenaz a qualquer tenta tiva do analista em tratálo Paralelamente há um prejuízo na capacidade de simboli zação e de comunicação por meio da lingua gem verbal razão pela qual esse paciente recorre freqüentemente à primitiva lingua gem dos actings os quais podem ser de na tureza maligna às vezes seriamente preo cupantes Uma das finalidades inconscientes dessa atuação maligna pode ser a de provar ao analista que este deve desistir de acredi tar nas capacidades adultas do seu ego e es tabelecer um conluio de acomodação em uma situação extremamente primitiva Vinheta 4 A paciente D desenvolveu uma intensa transferência erotizada porém estava eviden te que por intermédio da mesma pretendia encurtar a insuportável distância temporal e espacial com o analista Em sua fantasia o objetivo maior da análise seria o de conseguir o amor incondicional de seu terapeuta e en tão por que perder tempo Existiam nítidas evidências de que uma parte de seu ego preferia que os seus desejos necessidades fossem entendidos e não aten didos porém uma outra parte do ego justa mente o contraego desejava o contrário Assim ela acusava a minha atitude analítica de neutralidade como sendo um insulto à sua condição de mulher adulta Por diversas ve zes D ameaçou abandonar a análise até que certa ocasião combinamos a interrupção defi nitiva da mesma Dois dias após ela me telefo nou e aos prantos pediume para retomála o que foi feito Seguiuse então um período analítico em que ela tratava de seduzir qualquer homem que cruzasse por ela sem medir cor estética ou condição social Estava se expondo de forma séria e pondo a situação profissional e conju MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 121 gal em grave risco De nada adiantavam as in terpretações centradas no deslocamento trans ferencial sendo que a situação mais aguda somente foi superada mediante uma consisten te e exaustiva tática de fazer confrontos colo cando o seu egorealidade simbólico a dialo gar com o contraego Este último estava em penhado em funcionar em um registro imagi nário em moldes de uma ilusória busca de uma perdida díade simbiótica com as conse qüentes manifestações clínicas de sadismo e masoquismo O CONTRAEGO QUE OBRIGA AO CUMPRIMENTO DE PAPÉIS DESIGNADOS PELOS PAIS MODELO PAPEL DE SER O SEGUROSOLIDÃO DA MÃE O discurso dos pais o desejo que eles têm em relação ao filho muitas vezes os projetos de que quem e como o filho deverá ser já vêm traçados pelos pais antes do nascimento ou da gestação constituem o ideal do ego da crian ça primeiro as expectativas provindas dos pais em seguida as exigências do próprio su jeito consigo mesmo que persiste no adulto O ideal do ego pois caracterizase por expec tativas com uma sutil designação de papéis a serem cumpridos pelo filho ao longo de toda a sua vida Tais papéis designados variam bastante com a cultura familiar em que a crian ça está inserida adquirindo múltiplas formas como a de ser um geniozinho um bode expiatório um apaziguador das brigas dos pais uma criança dócil e obediente ou o pa pel de ser o eterno filho querido da mãe etc Mais restritamente em relação ao último aspecto mencionado vale afirmar que é bas tante freqüente na clínica de todo analista que certos pacientes crescem significativamente em muitas áreas de sua vida porém permanecem solteiros desfazendo à última hora algum ca samento que já tinha data marcada sob argu mentos variados No entanto a análise desses casos evidencia que existe uma proibição inte rior dessa mãe pode ser o pai ou ambos pro vavelmente portadora de uma fobia de ficar só e desamparada que por isso desde sempre preparou esse filho às vezes todos os filhos foram catequisados para exercer essa função porém comumente por razões diversas os outros escapam enquanto resta um dos fi lhos para exercer o papel de garantir a retri buição do longo investimento que essa mãe insegura fez na pessoa do filho no seu segu ro contra o grande risco de desamparo de uma possível futura solidão dela Não foram poucas as vezes que quer com analisandos meus ou casos de supervisiona ndos foi possível reverter alguma situação de reação com terapêutica negativa que costuma surgir em tais situações pela enorme carga de culpa que a transgressão deste tipo de papel provoca no paciente quando ele está muito próximo de se libertar e decretar a sua autono mia da mãe real eou internalizada que lhe sabota ameaça e o acusa de ser traidor e in grato A reversão dessa situação tornouse pos sível a partir da análise exaustiva desse aspec to que foi enfocado O CONTRAEGO QUE RESULTA DE IDENTIFICAÇÕES PATÓGENAS MODELO IDENTIFICAÇÃO COM A VÍTIMA Todos conhecemos a importância vital que as identificações representam na estruturação do psiquismo da criança tanto no seu aspecto positivo quando as identificações de forma predominante se realizam por admiração pela figura com quem se identifica quanto no as pecto negativo nesse caso as identificações são tumultuadas com um misto de sentimen tos de amor e ódio idealização e denegrimento prêmios e castigos gratificações e culpas etc Entre as muitas formas de identificações patogênicas vou me restringir aqui a uma delas freqüentíssima na clínica de todos nós é a modalidade que particularmente deno mino identificação com a vítima Essa expres são designa o fato de que o sujeito pode abri gar em seu psiquismo uma ou mais de uma figura significativa que está representada no seu ego como sendo uma vítima de seus presumíveis ataques invejosos vorazes nar cisistas A sensação do paciente de que ele causou vítimas também se deve a culpas que lhe foram imputadas muitas vezes de forma 122 DAVID E ZIMERMAN injusta Esse sentimento habitualmente cos tuma acontecer quando esse paciente tem al gum irmão deficiente ou muito malsucedido ou a sua mãe é uma deprimida crônica transmitindo um constante queixume desde que os filhos eram pequenos de que ela se sacrifica se mata por eles de tanto que esses a incomodam Nesses casos tangido pelas culpas o su jeito sentese na obrigação de seguir o mesmo destino de suas supostas vítimas em um pretenso movimento de solidariedade com eles por meio de um nivelamento por baixo Usan do uma metáfora podese dizer que esse nivelamento processase conforme o que se passa na lei física no fenômeno de que quan do um líquido é colocado em vasos comuni cantes independentemente do diâmetro de cada um dos vasos que se comunicam em for ma de U a água mantémse sempre no mes mo nível em ambos Essa compulsão é muitas vezes tão forte que as defesas do paciente or ganizaramse de forma patológica adquirindo a configuração de um contraego que proíbe o paciente de ser bemsucedido e feliz porque atingir essa condição de bemestar equivale no inconsciente a um ato de deslealdade ou de tripúdio contra o ente querido que jaz morto num caixão ou que leva uma péssima qualida de de vida e que de alguma forma exige uma reparação nem que seja a do aludido nivela mento na desgraça Vinheta 5 Em uma supervisão de uma das primei ras sessões de um paciente senhor E arquite to de 40 anos o colega candidato fez o relato do caso a ser supervisionado dizendo tratar se de um homossexual que vinha se analisar não tanto pela condição da homossexualida de mas sim porque se envolveu em um novo caso com um rapazinho adolescente em condi ções de miserabilidade econômica por quem se sentia apaixonado porém nãocorrespon dido pelo contrário o rapaz só queria saber de tirar vantagens do seu dinheiro Também relatou que outro motivo para se analisar é que embora ele seja reconhecido como sendo um excelente profissional ele dá um jeito de des perdiçar todas as oportunidades que se abrem para ele No curso dessa sessão em meio a um misto de queixumes e de uma idealização do seu jovem companheiro o paciente referiuse a ele com um apelido carinhoso que lhe deu Maninho A sessão prosseguiu com E fazen do projetos de arrumar a vida do parceiro con seguir um bom emprego para este darlhe boas condições de vida tirálo da miséria em resu mo darlhe um sopro de vida Durante a supervisão chamei a atenção do candidato para o fato de que o apelido de Maninho que o paciente dera ao seu parcei ro homossexual deveria ter um significado muito relevante especialmente levando em conta o tipo de cuidados de proteção e da ân sia em resgatar um sopro de vida ao adoles cente por quem se apaixonara embora sen do por esse repudiado Sugeri que ficássemos atentos para a sua história familiar do passa do Transcorridas mais algumas quatro ou cin co sessões o paciente relatou um fato trágico que aconteceu na sua vida quando ele tinha uns cinco anos de idade Sua mãe brincava na piscina com ele e um irmãozinho de três anos porém teve que se afastar por alguns momen tos e pediu ao menino E que cuidasse do irmãozinho Em um descuido distraído que ele estava por algum outro interesse próprio de qualquer criancinha o seu maninho morreu afogado A evolução da análise evidenciou com crescente nitidez que o seu irmãozinho ainda não estava sepultado no cemitério mas sim continuava insepulto dentro do próprio pacien te em uma condição de mortovivo patru lhando os seus passos e permanentemente exi gindo um resgate de seu direito de estar vivo queria de volta a vida que E lhe roubara Creio que todos os leitores concordam com a evidência que o apelido Maninho que o paciente deu ao seu jovem partenaire não foi casual pelo contrário revela uma busca má gica de ele devolver um sopro de vida ao irmãozinho morto e propiciarlhe tudo do bom e do melhor A um mesmo tempo o con traego lhe obrigava a se suicidar em vida levando uma péssima qualidade de vida sabo tando todas as possibilidades de crescimento pessoal e profissional enquanto facilitava re lacionamentos em que fazia de forma siste MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 123 mática e repetitiva o papel do masoquista ex plorado em sua boa fé O CONTRAEGO QUE REPETE UM ANTIGO SCRIPT DOENTIO MODELO VÍNCULO DE AMOR TANTALIZANTE Parto do princípio concebido por Freud de que toda pessoa durante todo o seu desen volvimento psicossexual vai recebendo suces sivos e diversificados estímulos interiores e ex teriores que vão ficando impressos inscritos no ego sob a forma de representaçõescoisa quando a partir de fortes sensações primiti vas elas se formaram antes da aquisição da palavra pois não foram representadas com nomes ou de representaçõespalavra as expe riências emocionais foram impressas na men te quando a criança já tinha a capacidade de compreender e utilizar palavras logo de no mear as aludidas experiências Essas inscrições penso que cabe a metáfora de uma tatuagem indelével ou com o registro de fotografias às vezes ainda no negativo do filme à espera de uma revelação não são unicamente de cenas isoladas mas sim elas podem ficar im pressas sob a forma de cenas inteiras ou até mesmo de uma espécie de novela de uma peça teatral com um determinado script Para completar essa metáfora o enredo dessa peça de teatro ou da montagem de um filme pode atravessar longas décadas de exi bição sem modificar a essência do script origi nal não obstante os atores que interpretam os personagens possam ter sido substituídos por outros de forma parcial ou total O mesmo passase com o teatro do psiquismo isto é um determinado enredo foi produzido com uma mescla de fatos reais e imaginários sadios ou patológicos internos ou externos com uma variedade de personagens mãe pai irmãos a criança pequena ou o adolescente que o pa ciente já foi etc que interagem entre si e que receberam a missão inscrita no inconsciente do sujeito de cumprir a ocupação de certos lugares que lhe foram designados e determina dos papéis a serem desempenhados fato que freqüentemente pode acontecer ao longo de toda a vida do sujeito Essa peça teatral pode estar inscrita na mente com tal intensidade e precisão do enre do que tal como se fosse um ímã exerce um campo de imantação que atrai para si colorin do com as mesmas cores emocionais as futu ras experiências afetivas obrigando o sujeito a uma repetitividade do script que foi escrito e internalizado no passado Assim o grupo in terno faz a representação da essência da mes ma peça embora os atores externos sejam outros Dentre as múltiplas peças teatrais do psiquismo possíveis quero destacar uma que se refere a uma patológica forma de amar e de ser amado a que venho propondo denominar como tantalizante Vinheta 6 A paciente F era uma mulher muito boni ta com aproximadamente 30 anos profissio nal liberal que buscou tratamento analítico pela manifesta motivação de que enquanto a sua vida profissional e social corriam muito bem ela não tinha sorte em sua vida afetiva Não tinha dificuldades em ser cortejada por homens interessantes e começar algum namo ro que inicialmente evoluía de forma apai xonada porém decorrido algum tempo eles os homens começavam a mostrar as garras traíamna com outras mulheres humilhavam na sem a menor consideração eles descum priam compromissos combinados faziam pro messas mentirosas e coisas do gênero Não existia explicação lógica que justifi casse por que ela atraía pessoas deste perfil como era o atual namorado à época que pro curou análise que a fazia vibrar de felicidade quando ele reiterava juras de amor e promes sas de um casamento breve enquanto a fazia sofrer ao desespero a imergir em fortes mo mentos depressivos quando ele a rejeitava e desaparecia durante algum tempo até que F descobria que ele desfilava com alguma ou tra mulher Então rompia com ele porém transcorrido algum tempo ele voltava a procurála sempre com métodos sutis indire tos e então renovava as promessas e tudo voltava ao estado anterior em um círculo vici oso interminável 124 DAVID E ZIMERMAN A evolução da análise esclareceu que esse círculo maligno e repetido de forma estereoti pada estava ancorado em um núcleo do ego no qual havia uma representação teatral do tri ângulo amoroso seu pai a tratava como sendo a rainha da casa seduzindo e fazendo todas suas vontades fazendo sestas deitando jun to com ela durante certas tardes dando a en tender que a menina F era muito mais querida e desejada que a sua esposa a mãe da pacien te No enredo dessa peça teatral a mãe de sempenhava o papel de bruxa má competi dora ciumenta e ameaçadora As inscrições impressas no ego da paciente ficaram centrali zadas na dor e no ódio de sentirse traída pelo pai porque era com a bruxa que o pai deita vase à noite e fazia novos filhos Esse jogo algo sadicomasoquista de dar e tirar que ela e o pai mantinham em um clima de perma nente esperança de que um dia ela concretiza ria seu sonho funcionava como o aludido ímã que a obrigava a repetir a mesma experiência emocional frustra em uma vã tentativa de pre encher o vazio que se formou desde a sua me ninice MANEJO TÉCNICO EM RELAÇÃO AO CONTRAEGO De forma altamente sintetizada os se guintes aspectos merecem ser mencionados 1 A atitude analítica interna do terapeuta Diante de um estado de forte resistência de algum paciente o analista deve levar em con ta a possibilidade de que ela se deva à presen ça muito mais freqüente na prática analítica do que possa parecer de uma das modalida des de um contraego que antes foram mencio nadas 2 Nesse caso é necessário que o analista consiga localizar onde está o inimigo na trin cheira para então poder aclarar para o paci ente as formas subreptícias de como e para que esse inimigo dentro dele está agindo con tra ele A localização e o reconhecimento des se inimigo interior isto é do contraego per mitem extrair os dois seguintes aspectos técni cos que seguem 3 Um deles consiste em o analista for mar uma aliança entre duas pessoas ele e o lado sadio do paciente contra uma pessoa inimiga que é justamente o inimigo que está enquistado dentro do ego do paciente parasitando e destruindoo O placar fica favo rável ficam dois contra um 4 O segundo aspecto técnico aludido re ferese ao importantíssimo fato de que o pacien te comandado por um contraego consiga de senvolver a capacidade de estabelecer um diálogo entre o seu lado sadio e este seu lado doente de modo a encarar o seu solerte inimi go com ele estabelecendo uma espécie de ne gociação 5 A propósito de negociação o analista deve ter bem claro para si e então assim pro ceder com o paciente que ele não é unicamente uma vítima passiva desse inimigo Antes o seu lado sadio aceitou fazer um conluio perver so com o seu lado doente sabotador 6 O risco maior é quando esse conluio perverso tornase egossintônico no pacien te ou seja ele se queixa lamuria no entanto no fundo está acomodado para não dizer sa tisfeito com a situação Nesses casos uma ta refa fundamental do analista é conseguir trans formar essa egossintonia em uma egodistonia ou seja é um bom indício quando o paciente começa a se angustiar com a situação 7 Quando o paciente derse conta que ele é um participante ativo logo ele também aciona a repetição de cenas do seu teatro in terno o passo seguinte é que ele assuma de forma consciente o seu quinhão de responsa bilidade por tudo que de mal está acontecendo com ele A tomada de conhecimento de que ele é participante ativo e que está acomodado à sua situação pode ser levada a um ponto de pedirmos ao paciente que pense se de fato ele quer fazer mudanças verdadeiras 8 Essa função cognitiva isto é o conhe cimento consciente do que ele está fazendo contra ele mesmo é muito importante porém não será suficiente se não vier acompanhada de um suficiente insight afetivo de raízes in conscientes de como e por que o paciente está masoquisticamente atacando a si próprio 9 Os fatores inconscientes que configuram cada uma das diferentes modalidades de con traego variam de uma situação para outra mas é importante que consiga perceber as primiti vas raízes de sua formação além da forma como elas se organizam patologicamente Sugiro ao MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 125 leitor que leia o capítulo referente ao vínculo tantalizante no qual encontrará vinhetas clíni cas e um detalhamento das referidas raízes da formação desse tipo de contraego 10 Assim muitas vezes o contraego se estabelece a fim de reencontrar os primeiros abandonos que lhe despertaram um misto de excitação angústia e gozo Por exemplo uma mulher é abandonada pelo namorado e esse trauma a remete à cena da mãe que a deixava chorando sozinha no escuro desde quando ela tinha poucos meses de vida 11 É fundamental que o paciente dian te disso tudo que impresso e radicado na sua mente age ativa e continuadamente no interior de seu psiquismo obtenha um insight que como se sabe é adquirido por meio de atividade interpretativa Porém nos casos em que sobres sai a presença de um forte contraego o analis ta deve estar bastante atento à possibilidade de o paciente vir a desvitalizar a importância das suas interpretações Tratase pois de ob servar qual é o destino das interpretações na mente desse paciente portador de um contraego 12 Um outro ponto de capital importân cia é a necessidade de o analista perceber si nais iniciais de uma possível instalação de uma reação terapêutica negativa fenômeno que se guidamente acompanha as análises em que exista uma predominância de um contraego que sabota os movimentos de crescimento e emancipação do paciente 11 Transferências Transferência de Impasse Psicose de Transferência Na prática analítica o que é mais relevante O clássico conceito de Freud de que a transferência resulta de uma compulsiva necessidade de repetição ou a tendência atual de considerála como uma repetição de necessidades que não foram com preendidas e resolvidas no passado primitivo Ou ambas têm a mesma importância O leitor que queira acompanhar a evolu ção histórica do fenômeno da transferência desde Freud até os dias atuais passando pelos demais autores M Klein Rosenfeld Meltzer B Joseph Kohut Winnicott Lacan e Bion com as respectivas concepções que adquiriram uma nomenclatura própria pode consultar o Capítulo 31 de Fundamentos psicanalíticos Zimerman 1999 Ainda dentro da proposta de conceitua lização do fenômeno transferencial impõese a necessidade de fazer uma distinção entre a transferência propriamente dita e os outros fe nômenos correlatos porém de significados dis tintos que aparecem com freqüência na lite ratura psicanalítica com uma terminologia es pecífica como são os conceitos que seguem Extratransferência Tratase de um termo bastante conheci do e divulgado que classicamente designa uma condição pela qual o analista percebe que o analisando demonstra por meio dos interre lacionamentos de sua vida cotidiana a forma de como estão estruturadas as suas relações objetais internas De modo geral os analistas desvirtuam a extratransferência e apregoam que tais experiências emocionais só têm eficá cia analítica se forem analisadas à luz da vivência do aquiagoracomigo transferencial Acredito que esteja crescendo o número de psicanalistas entre os quais me incluo que EVOLUÇÃO DA CONCEITUAÇÃO Embora o fenômeno transferencial esteja virtualmente presente em todas as interrela ções humanas o termo transferência deve ficar reservado unicamente para a relação pre sente no processo psicanalítico o qual junta mente com a resistência e a interpretação constitui o tripé fundamental da prática da psi canálise dandolhe o selo de genuinidade psi canalítica entre outras modalidades psico terápicas De forma extremamente genérica pode se conceituar o fenômeno transferencial como o conjunto de todas as formas pelas quais o paciente vivencia com a pessoa do psicanalis ta na experiência emocional da relação analí tica todas as representações que ele tem do seu próprio self as relações objetais que ha bitam o seu psiquismo bem como os conteú dos psíquicos que estão organizados como fantasias inconscientes com as respectivas distorções perceptivas de modo a permitir in terpretações do psicanalista que possibilitem a integração do presente com o passado o imaginário com o real o inconsciente com o consciente O conceito de transferência vem sofren do sucessivas transformações e renovados questionamentos como por exemplo se a figu ra do analista é uma mera pantalha para uma repetição de antigas relações objetais introje tadas ou se ele também se comporta como uma nova pessoa real 128 DAVID E ZIMERMAN diante de determinadas circunstâncias da si tuação analítica mais particularmente aque la na qual uma verdadeira transferência ainda deve ser paulatinamente construída também trabalham com naturalidade e profundidade os vínculos manifestos na extratransferência tal como essa se apresenta na vida lá fora Por exemplo no caso de um paciente que estiver narrando na sessão uma séria briga que teve na véspera com a sua mulher existe a pos sibilidade muito comum de que o analista proceda a um automático reducionismo inter pretativo de que o analisando está expressan do uma briga com ele analista Independente mente se essa interpretação corresponde a uma realidade psíquica do paciente ou se é um equí voco de compreensão do analista é freqüente que o paciente rejeitea com costumeiras ex clamações do tipo não é nada disso eu sa bia que ias dizer isso tudo que eu falo sem pre trazes para ti não sendo rara a possibi lidade que o analista queira impor a sua inter pretação transferencial e a sessão adquira um clima polêmico Em uma situação como essa que foi hipo teticamente referida creio ser perfeitamente possível um trabalho verdadeiramente analíti co a partir da extratransferência isto é de ana lisar com o paciente os detalhes da briga que teve com a esposa como tudo começou qual foi a sua participação o seu papel a sua res ponsabilidade por uma possível provocação para uma previsível resposta daquela e que esse episódio repete tantos outros análogos com outras pessoas etc de sorte a poder pro piciar um importante insight com a possibili dade eventual de aí sim poder fazer uma cos tura dessa briga com outras manifestas ou ocul tas que se passaram no passado ou que de fato possa estar acontecendo no vínculo analítico Neurose de transferência É útil traçar uma diferença entre o surgi mento na situação analítica de momentos transferenciais e a instalação de uma neurose de transferência Neste último caso quer seja de aparecimento precoce ou tardio o analisan do vive intensa e continuadamente uma forte carga emocional investida na pessoa do psica nalista que transborda para fora da sessão e ocupalhe uma grande fatia dos seus tempo e espaço mental O comum nesses casos é que o paciente reviva suas experiências afetivas não com uma percepção de um como se de que está reproduzindo antigas vivências equivalen tes mas sim com a convicção de um está ha vendo de fato um amor pelo analista por exemplo A existência desse tipo de transferên cia justifica plenamente o emprego sistemáti co de interpretações centradas no calor do aquiagoracomigocomo lá então Transferência psicótica Conforme o nome designa tratase de uma transferência que caracteriza os pacien tes clinicamente psicóticos sendo que contra riamente à crença de Freud de que eles não seriam analisáveis porquanto nunca desenvol veriam uma transferência ele partia da idéia de que nesses casos toda libido estava in vestida autoeroticamente hoje é consensual que eles desenvolvem sim uma clara transfe rência visto que embora muitas vezes sejam inacessíveis à análise muitas outras vezes es ses pacientes possibilitam que se desenvolva um verdadeiro trabalho analítico Esse conceito de transferência psicótica não deve ser confundido com o da transferên cia provinda da parte psicótica da personali dade conforme Bion e tampouco igualase com a conceituação de psicose de transferên cia descrita por Rosenfeld 1978 Bion consi dera que a transferência que caracteriza os pa cientes em nível psicótico e um grau expressi vo de pacientes histéricos acrescento eu apre senta três aspectos típicos cujos nomes pode se abreviar com a letra inicial p é prematura a transferência se instala logo no início da terapia analítica pertinaz se agarram ao ana lista de uma forma forte tenaz e perecível nas primeiras decepções e desilusões distanciam se e esfriam o vínculo com o terapeuta a trans ferência perece e não raramente abandonam a análise Psicose de transferência Consiste no fato nada infreqüente no curso das análises de que eventualmente pa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 129 cientes nãopsicóticos ingressem em um esta do transferencial de tamanho negativismo e distorção dos fatos reais em relação ao analis ta que chega a dar a impressão de uma situa ção psicótica de fato No entanto a grande característica dessa psicose transferencial re side no fato de que fica restrita à situação da sessão analítica finda a qual o analisando re toma a sua vida de forma completamente nor mal Devido à sua importância clínica essa for ma de transferência será explicitada de forma mais alongada mais adiante neste capítulo Aliança terapêutica Esta denominação pertence à E Zetzel psicanalista norteamericana que em um tra balho de 1956 concebeu um aspecto impor tante relativo ao vínculo transferencial ou seja o fato de que um determinado paciente apre sente uma condição mental tanto de forma consciente quanto inconsciente que permita que ele se mantenha verdadeiramente aliado à tarefa do psicanalista Essa concepção apa rece nos textos psicanalíticos com outras de nominações mas com significados equivalen tes como transferência eficaz por meio da construção prévia de um rapport Freud1913 transferência racional de Fenichel 1945 que alude a um aspecto sensato do paciente aliança de trabalho de Greenson 1965 etc Cabe acrescentar que uma aliança tera pêutica não deve ser tomada como um simples desejo de melhorar tampouco como sinôni mo de transferência positiva e muito menos como antônimo de transferência negativa pelo contrário creio que o importante surgi mento dessa última em sua plenitude aparen temente negativa muitas vezes tornase pos sível devido ao respaldo de uma aliança tera pêutica provinda pelo menos de uma parte da mente do paciente que está comprometida em assumir e colaborar com a profundeza da análise enfrentando assim as inevitáveis di ficuldades e dores Dizendo com outras palavras a aliança terapêutica AT consiste no fato de que a parte observadora do paciente se alia ao ana lista e coopera para enfrentar seus aspectos doentes A aliança terapêutica reproduz anti gas alianças que visavam à formação do sujei to em diferentes etapas da vida provavelmen te desde a condição de feto O aspecto da AT que me parece ser o mais importante refere o que representa para o paciente ele estar den tro do processo para o qual ele contribuiu isto é quando o paciente reconstrói sua experiên cia de estar sendo contido pelo corpo e pelo psiquismo do seu analista Assim na aliança terapêutica mais do que na pessoa do analista os pacientes se ligam no processo da análise de modo que a aliança sempre implica em um mútuo reconhecimen to que preliminarmente começa quando o pa ciente percebe que o terapeuta está compro metido com emoções e sua crença no proces so analítico Match Talvez a melhor tradução para este ter mo seja a de encontro psicanalítico Ele alude diretamente ao que vem sendo denominado relação real Tratase de uma conceituação proposta por psicanalistas pesquisadores nor teamericanos como J Kantrowitz e colabora dores 1989 e diz respeito ao fato de que uma relação analítica vai bastante além de uma sim ples relação transferencial repetidora de vivências passadas A investigação desses au tores obedeceu a uma rigorosa metodologia científica e permitiulhes a conclusão de que os aspectos pessoais de cada psicanalista em relação com os de um determinado paciente constituem um match singular o qual tem uma decisiva influência na evolução exitosa ou não da análise Pessoa real do analista Observações equivalentes a essas últimas mencionadas estão convocando os analistas para se perguntarem quanto à importância que deve ser creditada ou desacreditada à pes soa real do analista na construção do vínculo transferencialcontratransferencial e por con seguinte no destino da análise Tenho a im pressão de que aos poucos o pêndulo está se inclinando para a crença de que a percepção que o paciente capta das características reais da personalidade e da ideologia da pessoa que 130 DAVID E ZIMERMAN o seu psicanalista é mais do que uma mera pantalha transferencial de fato ele é um mo delo de identificação para o paciente tem uma significativa influência no campo analítico até mesmo na determinação do tipo de transferên cia manifesta pelo analisando Pela relevância que o tema representa na psicanálise prática ele aparece neste livro em um capítulo especial TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS Como se sabe Freud dividiu as transfe rências em positivas e negativas Com a evolu ção da psicanálise essa classificação ficou ina dequada e insuficiente e isso justifica uma explicitação em separado de cada uma das modalidades Antes de tudo quero definir a minha posição de que julgo as expressões po sitivo e negativo altamente inadequadas para uma compreensão psicanalítica porquan to elas estão impregnadas de um juízo de va lores com um ranço moralístico superegóico No entanto como são termos consagrados eles devem ser mantidos desde que bemcompre endidos sob a óptica atual Transferência positiva Classicamente essa denominação referia se a todas as pulsões e derivados relativos a libido especialmente os sentimentos carinho sos e amistosos mas também incluídos os de sejos eróticos desde que eles tenham sido su blimados sob a forma de amor nãosexual e não persistam como um vínculo erotizado O que julgo importante a ser destacado é o fato de que muitas vezes o que parece ser uma transferência positiva pode estar sendo negativa do ponto de vista de um processo analítico pois ela pode estar representando não mais do que uma extrema e permanente idealização isso é diferente de uma estrutu rante admiração que o paciente faz em re lação ao analista Também pode acontecer que uma aparên cia de positividade pode estar significando unicamente um inconsciente conluio transfe rencialcontratransferencial sob a forma de uma estéril recíproca fascinação narcisística Igualmente é necessário levar em conta a pos sibilidade nada incomum de que uma aparen te transferência positiva pela qual o paciente cumpre fielmente todas as combinações de as siduidade pontualidade verbalização uso do divã manifesta concordância com as interpre tações etc possa estar encobrindo uma pseudocolaboração Isso geralmente ocorre com pacientes portadores de uma forte estrutura narcisista que os leva em um plano oculto da mente a desvitalizarem as interpretações do analista de modo a que nele paciente nada mude de verdade O que mais importa desta car é o fato de que muitas vezes uma transfe rência positiva pode não estar sendo mais do que uma extrema idealização do seu analista com a possibilidade de que isso esteja enco brindo sentimentos negativos Em contrapartida uma transferência costumeiramente chamada de negativa pode estar sendo altamente positiva para o curso exitoso da análise Transferência idealizadora Tal como antes foi referida a transferên cia idealizadora mesmo que em grau exage rado quando parte de pacientes bastante re gredidos deve ser bem aceita pelo analista pelo fato de que ela representa uma impor tante e necessária tentativa de contrair um vínculo primário Em caso contrário isto é quando por meio de interpretações unica mente dirigidas à persecução resultante da agressão que está encoberta além de uma ten tativa de manipulação e controle por parte do analisando o psicanalista desfaz precoce mente a idealização daí resultando a possi bilidade de o paciente ingressar em um esta do de desamparo análogo à imagem que me ocorre de se tirar a escada e deixálo seguro pelo pincel O inconveniente analítico dessa excessi va idealização seria no caso de o analista por um excesso de narcisismo pessoal ou por difi culdades contratransferenciais deixar que essa situação se perpetue É importante termos em mente a significativa distinção às vezes mui to sutil que deve haver entre idealização sem pre muito instável e admiração muito mais MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 131 estável além de ser para o paciente o melhor dos modelos de identificação As transferências histéricas de início são altamente idealizadas e pertinazes embo ra elas possam ser muito instáveis e lábeis de modo que os analistas podem se entusiasmar muito rapidamente com os resultados da psi canálise e depois sofrer decepções Isso lem bra uma notável frase de Freud dita em 1925 Considerem a maneira pela qual uma donadecasa distingue um bom forno de um mau forno Os fornos ruins esquentam rápido mas esfriam com a mesma rapi dez Os bons fornos esquentam lentamen te de modo incerto mas conservam seu calor por muito tempo in Pensamentos de Freud de Alain de Mijolla 1985 p41 Transferência negativa Com esse nome Freud referia aquelas transferências nas quais predominava a exis tência de pulsões agressivas com os seus inú meros derivados sob a forma de inveja ciú me rivalidade voracidade ambição desmedi da algumas formas de destrutividade as eró ticas incluídas etc Na atualidade creio ser relevante afirmar que uma análise que não transitou pela trans ferência negativa no mínimo não ficou com pleta porquanto todo e qualquer analisando tem conflitos manifestos ou latentes relacio nados à agressividade A propósito é útil esta belecer uma diferença entre agressão sádico destrutiva e agressividade a qual tal como a sua etimologia ad gradior designa repre senta um movimento gradior para a frente ad uma forma de se proteger contra os pre dadores externos além de também indicar uma ambição sadia com metas possíveis de serem alcançadas Assim a transferência pode ser negati va a partir de uma perspectiva adulta em re lação à educação de uma criança que quer rom per com certas regras porém ela pode ser al tamente positiva a partir de um vértice que permite propiciar ao paciente a criação de um espaço no qual ele pode reexperimentar as antigas experiências que foram malentendi das e malsolucionadas pelos pais por exem plo aquelas que eles não tenham entendido os presentesfezes ou o direito do filho de fazer uma sadia contestação aos valores deles etc Principalmente o terapeuta deve levar em con ta que as manifestações agressivas possam es tar representando a construção de preciosos núcleos de confiança que o paciente esteja de senvolvendo em relação a si mesmo ao analis ta e ao vínculo entre ambos Talvez não exista experiência analítica mais importante do que aquela na qual o paci ente permitase atacar ao seu analista por meio das formas mais diversas às vezes cruéis e este sobrevive aos ataques sem se intimidar revidar deprimir desistir contrabalançar com forma ções reativas apelar para recursos medicamen tosos e outros afins mantendose fiel e firme à sua posição de analista Isso repercute no paciente de duas formas estruturantes para o seu self a comprovação de que ele não é tão perigoso destruidor e mau como imaginava e tampouco os seus objetos são tão frágeis como ele sempre temeu O aspecto positivo de uma transferência negativa pode ser equiparado à fase evolutiva da criança quando ela entra no período de sistematicamente dizer não à autoridade dos pais fato que mais do que um ato agressivo representa ser em condições normais uma ten tativa de começar a construir seu sentimento de identidade por meio de uma busca de au tonomia e diferenciação Transferência especular Na atualidade é consensual entre os psi canalistas que a transferência não expressa unicamente conflitos tais como aqueles que tipificam a neurose de transferência mas também que ela traduz os problemas de défi cit Neste último caso próprio dos pacientes com fortes fixações em etapas primitivas nas quais as necessidades emocionais básicas não foram suficientemente satisfeitas pelos cuida dos de uma adequada maternagem a trans ferência assume características de uma busca de algo em alguém Essas últimas condições podem assumir a forma de uma busca no ana lista de uma fusão com ele ou a de um con 132 DAVID E ZIMERMAN tinente apropriado ou de alguém que seja portador de seus ideais ou ainda a de um espelho que o reflita etc Neste último caso quando o movimento transferencial representa uma busca de um espelho na pessoa do analista que o refli ta reconheça e devolva a sua imagem de auto idealização vitalmente necessária para que o paciente sinta que de fato ele existe e é valo rizado estabelece aquilo que genericamen te está sendo denominado transferência es pecular Nestes casos é necessário que o analista transitoriamente aceite funcionar como ego auxiliar do paciente a um mesmo tempo que gradativamente vá construindo o processo de diferenciação que possibilite o paciente a ad quirir uma separação uma individuação e uma posterior autonomia Transferência erótica e erotizada Em 1915 Freud referiuse ao amor de transferência como uma complicação do pro cesso psicanalítico que acontece com freqüên cia e no qual ao paciente dizse apaixo nadao pelo seusua analista Embora reco nhecesse o caráter defensivo dessa forma transferencial Freud alertava os terapeutas para que não confundissem essa reação com um amor verdadeiro a um mesmo tempo em que os advertia contra as tentativas de eles re primirem o amor desses pacientes desde que o tratassem como algo irreal e o rastreassem até suas origens inconscientes Freud também advertia quanto aos ca sos graves de amor transferencial e descrevia essas suas pacientes histéricas como meninas que por natureza de uma pulsão elementar recusam aceitar o psíquico em lugar do mate rial sendo que ele sugeria que a única forma de tratar esses casos é com uma tentativa de mudar de analista ou então com a interrup ção da análise Como se vê a transferência de caracte rísticas eróticas adquire um largo espectro de possibilidades desde os sentimentos afetuosos e carinhosos pelo analista até o outro pólo de uma intensa atração sexual por ele ela atra ção essa que se converte em um desejo sexual obcecado permanente consciente egossin tônico e resistente a qualquer tentativa de aná lise O primeiro caso alude à transferência eró tica enquanto o segundo referese à transfe rência erotizada Conquanto ambas as formas em algum grau estejam virtual e ocasionalmente presen tes em todas as análises tanto de forma homo quanto heterossexual é necessário estabelecer uma clara diferença entre elas A transferência erótica está mais vinculada com a necessidade que qualquer pessoa tem de ser amada sendo que essa demanda por compreensão reconhe cimento e contato emocional pode se fundir logo confundir com o desejo de um con tato físico Em contrapartida a transferência eroti zada designa a predominância de pulsões liga das ao ódio com as respectivas fantasias agres sivas que visam a um controle sobre o analis ta e a uma posse voraz dele Tais fantasias ma nifestamse sob diversas formas são de origem inconsciente superam o senso crítico da reali dade objetiva a ponto de o paciente sequer reconhecer o como se transferencial apa recendo na situação analítica disfarçadas de legítimas necessidades amorosas e sexuais Dois sérios riscos podem acompanhar a instalação da transferência erotizada no cam po analítico uma é a de que diante da não gratificação do psicanalista dessas demandas sexuais do paciente este recorra a actings fora da situação analítica que às vezes podem ad quirir características de grave malignidade A segunda possibilidade igualmente maligna é que a análise a partir dessa transferência de natureza perversa possa descambar para uma perversão da transferência inclusive com a pos sível eventualidade de o analista envolverse nela o que está longe de ser uma raridade Transferência perversa O termo perverso deve ser entendido como um desvio da normalidade porém não deve ser tomado como sinônimo de uma per versão clinicamente configurada como tal não obstante não seja totalmente improvável que a análise possa descambar para uma per versão de fato Assim é comum que os pacien MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 133 tes em geral de alguma forma tentem per verter as combinações que eles aceitaram em relação ao setting analítico procurando modi ficar as regras do jogo traduzidas nas for mas de pagamento na obtenção de privilégi os em alguma forma de provocação para tirar o analista de seu lugar etc Comumente nada do mencionado aqui representa algum risco para a análise desde que o analista embora possa ter alguma flexi bilidade em relação aos pedidos do paciente não saia do seu lugar e função de psicanalista No entanto em se tratando de pacientes pre dominantemente psicopatas essa atitude trans ferencial perversa pode se constituir como uma constante que exige redobrados esforços do terapeuta sendo que muitas vezes as suces sivas atuações podem definir uma condição de nãoanalisabilidade Meltzer 1973 foi o autor que mais con sistentemente estudou a perversão da transfe rência apontando para o risco da formação de um conluio perverso entre o par analítico que consiste em um jogo de seduções por parte do paciente creio que vale acrescentar a hi pótese de que as seduções podem partir do analista sendo que na hipótese de o tera peuta ficar envolvido e desse conluio ficar es tabilizado virá a acontecer que o paciente em vez de reconhecer suas limitações e con flitos verá o seu analista como uma prosti tuta uma amadeleite viciada na prática da psicanálise e incapaz de conseguir melhores pacientes p 159 Transferência de impasse Embora essa denominação não costume aparecer na literatura psicanalítica ela parece ser válida como uma forma de designar aque les períodos transferenciais típicos de situa ções de impasses analíticos que inclusive podem culminar com a preocupante situação de uma reação terapêutica negativa Nesses casos de impasse a transferência do paciente tanto adquire uma forte tonalida de erotizada que enquanto dura pode impos sibilitar o curso da análise conforme foi des crito atrás ou como acontece mais comu mente o analisando fica invadido por ansie dades paranóides de modo que todo o seu dis curso é concentrado em queixas e acusações ao seu analista a um mesmo tempo que fica em um estado de tamanha defensividade que não consegue escutar o que seu analista diz Em casos mais extremos essa forma de trans ferência pode atingir o estado conhecido como psicose de transferência tal como Rosenfeld a conceitua Segundo este autor essa psicose de trans ferência ou transitória surge em pacientes neuróticos ou fronteiriços durante a análise e desaparecem após dias semanas ou talvez meses podendo recidivar periodicamente Toda psicose de transferência constituise em grave à análise rompe a aliança terapêutica e pode levar a um impasse analítico completo Durante a vigência dessa psicose transfe rencial prossegue Rosenfeld O analista costuma ser percebido de uma forma distorcida como um superego oni potente e sádico mas a forma erótica da transferência psicótica na qual o paciente acredita que o analista está apaixonado por ele ou ela pode também dominar a situa ção analítica por um certo tempo Tais pacientes freqüentemente formam alguma aliança terapêutica com o analista mesmo tendo presente uma parte psicótica da sua personalidade enquanto simultaneamen te mantêm a aliança terapêutica com a par te nãopsicótica de si mesmos diminuin do assim o perigo de aparecerem episódios delirantes transitórios Pela razão declinada essa delicada situa ção transferencial requer que o analista com preenda bem o que está se passando tenha uma boa capacidade de continência e paciên cia procurando se aliar à parte nãopsicótica do paciente e evitando pressionar com inter pretações que embora possam ser corretas só fazem aumentar um clima polêmico e por conseguinte incrementar os delírios transfe renciais Reações dessa natureza surgem com re lativa freqüência no campo analítico sendo nem sempre fácil discriminar se elas corres pondem a uma reação e possível inadequação por parte da atitude e manejo do analista ou se traduzem um impasse prenunciador de uma 134 DAVID E ZIMERMAN ruptura com a análise ou ainda se estão re presentando um difícil porém necessário mo mento analítico como uma forma de progres so e construção da confiança básica Nessas situações de psicose de transferên cia as reações contratransferenciais são extre mamente difíceis para o analista e por tudo isso esse quadro transferencial merece uma particular atenção de modo a ser bemconhe cido por todo analista praticante A TRANSFERÊNCIA NA PRÁTICA ANALÍTICA Devido à enorme amplitude deste tema que por si só comportaria um livro restringir meei a enumerar em um estilo telegráfico sob a forma de afirmativas e indagações alguns dos principais tópicos que cercam o fenômeno transferencial tal como ele aparece na nossa clínica cotidiana em relação aos seguintes seg mentos do campo analítico Em relação ao setting 1 A transferência é um fenômeno origi nal no qual o presente dá forma ao passado a um mesmo tempo em que este dá forma àque le O que é era e o que era é A transferência não é em si mesma uma resistência porém pode ser usada como tal 2 A análise não cria a transferência ape nas propicia a sua redescoberta bastante faci litada pela instalação do setting que favorece algum grau de regressão do paciente por meio de uma intimidade porém a análise será pro cessada com uma certa privação sensorial frus trações inevitáveis assimetria de papéis etc Um exemplo bastante comum disso é o daque le paciente que atribui a sua relutância inicial em aceitar a indicação da análise ao seu medo de ficar dependente o que por si só já nos indica que ele no fundo se reconhece como um portador de núcleos dependentes possi velmente uma dependência má como o seu medo expressa e o trabalho analítico visará a transformála em uma dependência boa à medida que se desenvolverem os elementos de confiança básica do self 3 Mais do que simplesmente fruto de deslocamento e de uma carga de projeções a transferência é a externalização de um diálo go no interior do psiquismo 4 Há transferência em tudo porém nem tudo é transferência a ser analisada e interpre tada Desta forma há uma significativa dife rença entre o analista trabalhar na transferên cia e trabalhar sistematicamente na análise da transferência 5 Uma questão instigante muito em vo ga é aquela que indaga se a pessoa do analista é unicamente um objeto transferencial no qual o paciente reedita suas experiências pas sadas ou se ele também representa e funciona como um objeto real e novo 6 Com outras palavras a transferência consiste em uma necessidade de repetição tal como postulava Freud que incluía o fenôme no transferencial como um exemplo do seu princípio de compulsão à repetição ou an tes a transferência representa uma repetição de necessidades como querem os autores atuais ou ainda as duas são indissociadas e con comitantes 7 A conceituação da transferência como repetição de necessidades que não foram com preendidas e satisfeitas na devida época pri mitiva do desenvolvimento emocional dele ga ao setting uma considerável importância no processo analítico porquanto esse passa a re presentar para o paciente um novo e singular espaço no qual ele poderá reexperimentar e transformar aquelas vivências emocionais trau máticas malresolvidas desestruturantes e re presentadas no ego de forma patogênica 8 Levando em conta o importante fato de que a pessoa do analista também faz parte do setting creio que também se impõe a afir mativa de que assim como a transferência do analisando promove um estado contratrans ferencial do analista da mesma forma é pos sível refletir que a moderna psicanálise vincu lar considera que a transferência do analista também pode condicionar e estruturar a res posta transferencial do paciente como é o caso por exemplo de quando o paciente capta os desejos ocultos que o analista tem em relação a ele 9 Em contrapartida diante de uma per manente transferência de características pre MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 135 dominantemente idealizadoras o paciente terá sérias dificuldades em detectar as falhas ou os erros de seu analista fato que é relevante para ele desenvolver a nobre capacidade de discri minação Inexiste desenvolvimento do ego sem a capacidade de juízo crítico Assim se o ana lista por inexperiência por uma contratrans ferência difícil por inevitáveis equívocos hu manos por aspectos neuróticos seus por uma identificação patógena com o paciente ou por inúmeras outras razões equivocase com quem esteja em uma transferência idealizadora ex cessiva esse analisando só tem duas saídas ou nega e não vê essas falhas do seu terapeuta ou as vê porém as releva compensando com aquilo que de realmente bom ele vê no seu analista 10 O primeiro desses dois caminhos é patogênico pois reforça um viver com ilu sões de forma falsa além de que sempre existe a possibilidade do objeto bomidealizado con verterse às vezes abruptamente em um mau persecutório O segundo caminho perceber as falhas do analista porém perdoálas pode incrementar uma dependência excessiva sub missão masoquismo servidão amorosa e de mais configurações vinculares patogênicas Em um extremo exagerado aceitar tudo que vem de um analista idealizado em nome do amor a ele com a cumplicidade do terapeuta equi vale à posição do amor masoquista do tipo tantalizante porque o amo acredito em suas mentiras aceito a sua tirania participo de seus jogos perversos lhe concedo o direito de ter um apoderamento sobre mim tudo isso por que eu me apavoro ante a possibilidade de lhe perder 11 Os aspectos reais do analista que po dem determinar uma influência na transferên cia do paciente dizem respeito desde os deta lhes do consultório o seu sexo a idade como também a sua ideologia que o paciente logo percebe a escolha do material a ser interpre tado e a sua forma de interpretar Além disso é necessário levar em conta os aspectos da re lação real que se expressam por intermédio do match bem como também o fato muito impor tante de o analista igualmente funcionar como um novo modelo de identificação transforma cional por via da sua forma de pensar contatar com as verdades enfrentar as angústias e exer cer as funções que Bion denomina como conti nente e função alfa 12 Alguns autores alertam para o fato de que a existência e a função do analista como um objeto real novo somente são possíveis quando a transferência manifesta já tiver sido analisada em profundidade Outros autores no entanto acreditam que a importância real do analista existe desde o início da análise ale gando que vida mental começa com interações e não com pulsões 13 Em relação ao sexo biológico do ana lista na atualidade há um certo consenso en tre os autores que esse aspecto pode exercer uma diferença na evolução da análise mais provavelmente no seu início como pode ser o caso da instalação de alguma forma de re sistência ou de transferênciacontratransfe rência específicas não obstante o fato de exis tirem ao mesmo tempo transferências do tipo materno e paterno com analistas de ambos sexos 14 Relativamente à extratransferência é relevante que o analista considere a alta possi bilidade de que alguma pessoa do mundo exte rior possa estar sendo utilizada como um su porte transferencial de algum importante obje to primário do paciente que assim funciona como um partenaire a quem cabe o papel de carregar sustentar e executar uma parte essen cial da personalidade do paciente que está ne gada dissociada e projetada nessa pessoa Em relação às resistências 15 Embora o clássico conceito de resis tência de transferência venha rareando na li teratura psicanalítica é necessário lembrar que Freud primeiramente considerou a transferên cia como uma forma de resistência o anali sando repete em lugar de recordar 1914 p196 e em um segundo momento ele a con cebeu como aquilo que é o próprio resistido Em Freud resistência e transferência aparecem muitas vezes superpostas como se fossem si nônimos mas elas não o são apesar de que a primeira delas possa servir de suporte para a segunda e viceversa 16 É útil estabelecer uma distinção en tre dois tipos de relação entre transferência e 136 DAVID E ZIMERMAN resistência um é a resistência contra a tomada de conhecimento da transferência enquanto o outro tipo consiste em uma resistência contra a resolução transferencial Da mesma forma o surgimento da transferência no campo analíti co tanto pode expressar a superação da resis tência como ela também pode funcionar a ser viço da própria resistência como um meio de evitar um acesso a outras áreas ocultas do in consciente Assim muitos pacientes e inúme ros analistas pelo medo do novo imprevisível preferem que o analista permaneça sempre unicamente como objeto transferencial den tro dos parâmetros com os quais os dois já es tão bem familiarizados 17 Ana Freud descreveu a transferên cia de defesa que ela exemplifica com a pos sibilidade de o paciente manifestar uma trans ferência de hostilidade a qual o está protegen do do seu medo de amar Um outro exemplo nada raro consiste na eventualidade de o ana lista interpretar de uma forma enfática e re petitiva a transferência negativa que pode estar a serviço de uma possível fobia dele pró prio em relação à transferência erótica e as sim por diante os exemplos poderiam ser mul tiplicados 18 Em resumo continua vigente a ques tão que Freud levantou em Além 1920 É a resistência que causa a transferência ou o inverso Em relação às interpretações 19 Reduzir o momento da situação ana lítica a apenas uma única categoria transfe rencial como seria por exemplo considerar somente a transferência paterna ou mater na sem levar em conta o fato de que cada um dos pais está introjetado em cada anali sando de uma forma bastante dissociada é limitado Assim cabe ao analista se pergun tar Qual é o pai que esse paciente está trans ferindo para mim nesse momento O amigo bom o tirano mau um substituto das falhas da mãe A mãe boa que velou seu sono ali mentouo e protegeuo ou a mãe que está re presentada no seu ego como invejosa cas tradora infantilizadora etc 20 Além disso o analista deve ter bem presente o fato de que em muitos casos sobre tudo com pacientes que ainda estão detidos em uma ligação diádica ele funciona na trans ferência ao mesmo tempo com um papel ma terno e paterno Esse tipo de paciente necessi ta que o analista se comporte como uma mãe continente compreendendo e satisfazendo as suas necessidades básicas concomitantemente com uma outra necessidade desse analisando a de que o terapeuta também funcione como uma representação do pai que seguindo uma terminologia de Lacan lhe imponha os limites da lei fazendo a castração simbólica da sua parte infantil que quer se apossar da mãe a qual também está representada no mesmo ana lista no mesmo momento da situação analítica 21 Com outras palavras independente mente do sexo biológico o analistamãe per mite e facilita uma regressão do paciente a ní veis simbióticos com elea ao mesmo tempo que como analistapai ele frustra regula normatiza e delimita essa aproximação colo candose na condição de uma cunha interdi tora à moda de um outro um terceiro que é autônomo e diferente do paciente assim rom pendo com as ilusões narcisistas que este nu tre pelo analistamãe 22 As considerações feitas acerca da transferência paterna materna e a concomi tância de ambas servem unicamente como uma exemplificação que obviamente não exclui outras formas transferenciais como poderia ser a transferência fraterna etc O que importa destacar é que independentemente do sexo ou da idade do analista ele tanto pode ser perce bido pelo paciente como figura paterna ou ma terna ou fraterna ou concomitantemente al guns deles juntos e rapidamente alternantes Por exemplo o analista pode estar servindo para assumir o papel transferencial de uma aco lhedora mãecontinente no entanto a um mes mo tempo ele deve executar na transferên cia o papel paterno que impõe os limites jus tamente contra uma relação por demais sim biótica com o outro papel dele o materno 23 O analista deve estar atento e prepa rado para compreender e desempenhar ambos os papéis conforme forem as circunstâncias da situação analítica Nem sempre os analistas MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 137 davamse conta disso tendo dificuldades para assumir certos papéis na transferência Pode servir como exemplo o seguinte trecho de uma carta que em 1933 Mijolla 1985 Freud en viou a Hilda Doolittle para serlhe franco não me agrada ser a mãe numa transferência Isso sem pre me surpreende e me choca um pouco Sintome sendo muito masculino Acredito que se fosse hoje Freud não ti tubearia em afirmar que se sentir muito mas culino não tem nada a haver com o exercício da função de maternagem suficientemente ne cessária 24 Por outro lado a permanência da transferência idealizadora além do tempo ne cessário representa o risco de entronizar a fé no lugar da confiança a evasiva dos problemas em vez do seu enfrentamento e a sugestão no lugar da análise 25 Os seguintes aspectos também rela cionados à atividade interpretativa devem ser levados em conta o risco de um transferen cialismo por parte do analista ou seja que ele promova um reducionismo para o aquiago racomigo a tudo o que o seu paciente falar sem levar em conta as particularidades especí ficas de cada situação analítica em separado assim criando uma atmosfera de uma trans ferência artificial 26 Essa situação pode gerar em analis tas ainda sem uma sólida formação mais par ticularmente em candidatos que devem cum prir as normas regulamentares uma condição mental de se portar como um caçador de trans ferências 27 Assim é comum que o analista veja transferência em tudo mesmo quando não é e quando de fato surge uma transferência ne gativa embora possa estar sendo necessária e saudável a mesma seja taxada de acting agres são ou resistência 28 Igualmente nefasta é a interpretação voltada unicamente para os aspectos negati vos sádicodestrutivos ou exclusivamente para os positivos que não dá margem à análise da agressão O mesmo podese dizer da inter pretação dirigida exclusivamente para a par te infantil do analisando muitas vezes cons tituise como um insulto ao adulto que real mente o paciente também é ou inversamen te dirigida somente à parte adulta o pacien te sabe que isso não é a sua verdade e sente se desamparado 29 Inúmeras vezes o transferencialismo do aqui agora redunda em uma esterilida de porquanto o paciente ainda nem está aí De fato freqüentemente há uma ausência da transferência pela razão de que esteja preva lecendo uma ausência de vínculo o que acon tece com pacientes nos quais haja uma predo minância de sentimentos de vazio increduli dade e desesperança Nestes casos gradual mente deve haver um processo de construção da transferência 30 Diante de uma inicial transferência especular ou de uma transferência ideali zadora o analista deve aceitálas porquanto elas visam a preencher buracos afetivos e cog nitivos do paciente porém o terapeuta deve manter o cuidado de que tais transferências sejam transitórias o tempo suficiente para que a análise exerça a função precípua daquilo que proponho denominar uma experiência emocio nal transformadora incluída a transformação que permita a passagem da posição narcisis ta do paciente para uma posição edípica 31 Tanto no caso de uma transferência erótica que de uma forma ou outra sempre aparece no processo analítico como também no caso de uma transferência erotizada em bora oa paciente mantenha absoluta convic ção e determinação no seu obstinado jogo de sedução bem no fundo elea receia que o analista cometa alguma destas três possíveis falhas 1 manterse frio indiferente e distan te aos seus apelos e fantasias eróticas pode estar significando uma dificuldade fóbica do analista 2 o terapeuta ficar perturbado e defensivamente substituir as interpretações compreensivas que levam ao insight por dis simuladas críticas acusações lições de moral e a apologia de bom comportamento quando não por uma ação repressora que pode incluir a ameaça de uma interrupção da análise uso de medicação encaminhamento para algum colega de outro sexo etc 3 a possibilidade real de o analista ficar envolvido em uma inti 138 DAVID E ZIMERMAN midade sexual o que caracterizaria uma total perversão da transferência e do processo psi canalítico portanto o fim do mesmo com o acréscimo de mais um sério fracasso na cole ção de fracassos que esse paciente provavel mente vem acumulando ao longo de sua vida 32 Diante do surgimento de uma psico se de transferência nos termos de Rosenfeld o psicanalista deve evitar ao máximo entrar na provocação de um clima polêmico que o leva ria a ficar enredado nas malhas de uma defen sividade ou ofensividade Essa difícil situação requer que juntamente com um entendimen to da dinâmica daquilo que está se passando no psiquismo do paciente o analista reuna as condições de uma adequada continência sobretudo a de uma ativa paciência 33 Diante de uma transferência negati va é inegável que nós analistas ficamos sa tisfeitos quando os pacientes nos elogiam e amam e detestamos a situação oposta a essa o que justifica a necessidade de o terapeuta estar bem munido de uma capacidade negati va termo de Bion ou seja poder conter os sentimentos supostamente desagradáveis des pertos dentro dele caso contrário a capacida de para interpretar ficará muito prejudicada 34 É evidente que inúmeros outros as pectos poderiam ser enfocados nas relações entre a transferência e a atividade interpretati va porém as exemplificações apresentadas permitem comprovar o quanto a transferência pode se manifestar de múltiplas formas graus e em diferentes planos do psiquismo do paci ente Esse polimorfismo justifica a adoção do esquema proposto por A Alvarez 1992 que aponta para quatro modalidades de manifes tações transferenciais cada uma delas exigin do por parte do analista um manejo técnico especificamente apropriado inclusive quanto à forma de interpretar ou de não interpretar 35 Resumidamente as referidas quatro modalidades transferenciais são caracterizadas pelo fato de que a há um predomínio das re pressões tal como acontece nas neuroses em geral e que tão profundamente aprendemos com Freud b a partir das contribuições de M Klein acerca do psiquismo arcaico a transfe rência passou a ser vista prioritariamente a partir das identificações projetivas na pessoa do analista e portanto da necessidade deste per ceber onde estão ocultas as partes negadas dissociadas fragmentadas e projetadas daque las relações objetais internas e de tudo mais daquilo que o analisando não tolera reconhe cer em si próprio c especialmente inspirado nas concepções originais de Bion a respeito da relação continenteconteúdo o pêndulo psica nalítico inclinouse para a relação do psicana lista com a parte psicótica da personalidade do paciente com os respectivos vínculos de amor ódio e conhecimento e com uma ênfase no seu papel de continente na sua capacidade de rêverie d Alvarez fundamen tada em sua larga experiência com crianças autistas sugere a existência de uma quarta possibilidade que consiste no fato de que essas crianças estão tão rompidas com a realidade exterior que não chegam a desenvolver uma transferência Em tais casos diz a autora não adianta o terapeuta ter uma boa condição de continente porquanto essas crianças sequer olham para ele mas sim através dele impossi bilitando um contato afetivo mínimo As cri anças que desenvolveram um autismo secun dário não estão fugindo ou se ocultando an tes elas estão de fato perdidas e necessitam que o terapeuta vá ativamente ao seu encalço 36 Ocorreume a hipótese de que essa quarta possibilidade também possa estar pre sente na análise de certos adultos especialmen te naqueles casos em que predomina um esta do mental de desistência é diferente de de pressão embora possam estar associadas em cujo caso o único desejo do paciente é o de não desejar situação essa que costuma provocar uma reação contratransferencial muito difícil 37 Não quero encerrar este capítulo sem tentar responder à questão que levantei na epígrafe se a transferência deve ser encarada pelo analista como uma manifestação de uma compulsão à repetição ou se mais do que essa necessidade de repetição a transferência na situação analítica representa uma repetição de necessidades que não foram preenchidas no seu devido tempo passado Em meu enten dimento ambas colocações são igualmente re levantes e complementares se levarmos em conta o fato de que um determinado script que foi produzido sob a égide de acontecimen tos antigos com os respectivos significados que esteja escrito e impresso na mente do pa ciente à moda de uma peça teatral pode se repetir ao longo de toda a vida do paciente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 139 daí resulta em uma compulsória necessida de de repetição em uma vã tentativa de que o enredo do teatro do psiquismo cumpra a sa tisfação das necessidades desejos demandas e o desempenho de determinados papéis que constam da peça daí se origina uma busca de repetição das necessidades Na verdade em determinados casos na vida desse tipo de pa ciente a única coisa que muda são os atores isto é as pessoas da realidade exterior que contracenam e desempenham os papéis de cer tos personagens do psiquismo interior porém a essência do enredo permanece a mesma É fundamental que o analista esteja atento à pos sibilidade de que ele possa estar atendendo ao convite que o paciente lhe faz para desem penhar um certo papel de protagonista e ele esteja desempenhando sem se dar conta disso 12 Contratransferência Todo terapeuta tem direito de sentir difíceis sentimentos contratransferenciais como medo dúvidas raiva excitação confusão tédio etc pois antes de ser médico psicólogo psicanalista ele é um ser humano Isso é possível desde que tenha capacidade coragem e honestidade de reconhecêlos de modo a não permitir que esses sentimentos se transformem numa contratransferência patológica e melhor ainda que possa transformálos em empatia Ele pode sim envolverse afetivamente porém jamais ficar envolvido nas perigosas malhas da contratransferência da que está havendo um emprego cada vez mais generalizado da terapia psicanalítica com pacientes severamente regredidos Freud A primeira menção explícita ao fenôme no da contratransferência coube a Freud 1910 p 130 que a ele se referiu no congres so de psicanálise de Nuremberg com a deno minação original de Gegenubertragung o que alguns autores traduziram como transferência recíproca Nessa ocasião Freud usou este ter mo para referirse à resistência inconsciente do analista como sendo um obstáculo que o im pedia de ajudar o paciente a enfrentar áreas da psicopatologia que ele próprio não conse guia enfrentar Neste trabalho de 1910 As perspectivas futuras da terapia psicanalítica Freud intro duziu a sua idéia acerca da contratransfe rência como uma forma de oferecer conselhos técnicos a médicos nãoanalisados que então praticavam a psicanálise movido pela sua es perança de que assim se pudesse reduzir o perigo da participação emocional e o acting out dos terapeutas especificamente os de en volvimento erotizado até mesmo porque Freud sabia dos envolvimentos incestuosos de Jung e Ferenczi com algumas pacientes e te mia que o mesmo pudesse acontecer com os analistas em geral EVOLUÇÃO DO CONCEITO O estudo do fenômeno da contratrans ferência está intimamente ligado ao da trans ferência de forma que ambos são indissociá veis um não existe sem o outro pois muitas vezes se superpõem e se confundem entre si Da mesma forma também os fenômenos da resistênciacontraresistência podem estar superpostos e confundidos com os da transfe rênciacontratransferência A contratransferência costuma ser consi derada como um dos conceitos fundamentais do campo analítico ao mesmo tempo em que a sua conceituação é uma das mais complexas e controvertidas entre as distintas correntes psicanalíticas Assim discussões sobre suas possíveis inconveniências ou prováveis vanta gens como um excelente instrumento da práti ca psicanalítica o ocultamento ou a valoriza ção exagerada desse fenômeno na literatura psicanalítica problemas semânticos devido às diferentes formas de sua compreensão a di vergência quanto a se a contratransferência é um fenômeno unicamente inconsciente ou também consciente e a possibilidade de ela ser utilizada pelo psicanalista de forma bené fica ou inadequada e iatrogênica são alguns dos aspectos que têm acompanhado a sua his tória no curso das sucessivas etapas da psica nálise Não obstante tudo isso a importância da contratransferência continua plenamente vi gente tendo seu interesse aumentado à medi 142 DAVID E ZIMERMAN Em seu artigo de 1912 Conselhos ao Médico sobre o Tratamento Psicanalítico Freud recomenda ao analista tomar como mo delo o cirurgião quem deixa de lado todos os seus afetos e tam bém a sua compaixão humana e concen tra as suas forças espirituais numa única meta realizar a cirurgia o mais de acordo possível com as regras da arte Da mesma forma Freud também empre gou a metáfora do espelho o psicanalista tal qual um espelho somente deve refletir aquilo que o paciente lhe mostrar As metáforas citadas permitem perceber os receios de Freud quanto a uma aproximação afetiva entre analista e paciente no entanto no mesmo trabalho de 1912 ele recomenda que o inconsciente do analista comportese a respei to do inconsciente emergente do paciente como um receptor telefônico se comporta com o emis sor das mensagens telefônicas É evidente que Freud emitia ao mesmo tempo duas recomen dações contraditórias uma que apontava para a necessidade de uma distância afetiva por par te do analista e a outra para que ele fosse bas tante sensível ao paciente Na verdade Freud manteve essa ambigüidade conceitual ao longo de todos os seus textos sobre técnica e ele evi tava abordar diretamente esse assunto para não dar armas ao inimigo repare leitor como na quela época Freud ainda concebia o processo analítico como uma guerra travada entre o paciente e o analista Ainda em 1912 a instituição da análise didática revelava a preocupação de Freud com a contratransferência especialmente pelo mal estar representado pela possibilidade de a psi canálise ficar desqualificada como ciência de vido às raízes subjetivas que caracterizam o seu procedimento Nessa época conforme aludi do o prefixo contra era utilizado unicamente com o significado de obstáculo diferente mente do significado atual que equivale ao sen tido de contraparte ou seja que tem a fina lidade de diferenciar o que é contratransfe rência e o que simplesmente é a transferên cia do analista Embora muitos autores como H Deutch 1926 e Reik 1934 reconhecessem a in fluência emocional recíproca entre analista e paciente o conceito específico de contratrans ferência ficou relegado a um plano secundá rio tendo esperado cerca de 40 anos para res surgir com uma outra conceituação por meio dos trabalhos de P Heimann 1950 e Racker 1952 que postularam a possibilidade de a contratransferência constituirse como um ex celente recurso de o analista compreender e ma nejar cada situação analítica em particular Esse hiato de duas gerações de analistas que virtualmente silenciaram sobre a contra transferência sugere que havia um medo e uma vergonha generalizada dos terapeutas de ex porem publicamente os seus sentimentos por quanto estariam transgredindo as regras vigen tes da psicanálise correndo o risco de serem interpretados pelos demais colegas de que a reação contratransferencial era um indicador de que eles deveriam retornar à análise Ain da na atualidade em meio a uma abundante literatura existente sobre a contratransferência aparece com muito maior naturalidade a ex posição de sentimentos do analista como os de ódio confusão erotização e impotência po rém o narcisismo do analista dificilmente é re conhecido por ele o que indica a possibilidade de existir não só uma negação disso como tam bém uma reação de vergonha e desejo de en cobrir tal situação Assim diferentemente do que aconteceu com o fenômeno transferencial cujo reconhe cimento trouxe muito alívio aos analistas os riscos não sendo reais o analista não precisa ria passar por aquele sofrimento que Breuer passou com Ana O a contratransferência con tinua provocando problemas de desconforto nos terapeutas Embora a instituição da análise didática revelasse a preocupação de Freud com o pro blema da contratransferência ele não chegou a dar o passo que deu em relação à transfe rência de ver a contratransferência como um instrumento útil ao trabalho analítico Para Freud a contratransferência consis tia nos sentimentos que surgem no inconsci ente do terapeuta como influência nele dos sen timentos inconscientes do paciente e ele des tacava o quanto era imprescindível que o ana lista reconhecesse essa contratransferência em si próprio e a necessidade de superála No entanto ele a abordava do ponto de vista do risco dos sentimentos eróticos e por conseguin MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 143 te quase unicamente como uma forma de re sistência inconsciente do analista Os autores não são unânimes quanto à conceitualização e à utilização ou não na prá tica analítica da contratransferência O que pode ser afirmado é que o termo contratransferência adquiriu na atualidade o significado de um fe nômeno distinto daquele descrito por Freud Autores kleinianos Conquanto virtualmente todos os auto res que estudam o fenômeno transferencial contratransferencial utilizam de uma forma ou outra os conceitos kleinianos de dissociação e de identificação projetiva e introjetiva a verda de é que M Klein da mesma forma que Freud sempre sustentou energicamente a sua posi ção de que a contratransferência não era mais do que um obstáculo para a análise pois ela corresponderia a núcleos inconscientes do ana lista insatisfatoriamente analisados Inspirados nos conceitos kleinianos ain da que de forma algo tímida em uma mesma época alguns importantes seguidores de M Klein começaram a referir os fenômenos con tratransferenciais Assim Rosenfeld 1947 des creveu o fato clínico de que ele somente conse guiu entender uma paciente psicótica a partir dos próprios sentimentos despertados nele pela paciente Aliás em muitos outros de seus tex tos é possível perceber inúmeras outras alusões interessantes a respeito da contratransferência contudo ele nunca publicou qualquer trabalho que levasse por título a palavra contratrans ferência possivelmente por respeito a M Klein de quem ele foi analisando sendo sabido que ela não gostava de tal conceito Também Winnicott na época em que co mungava com a corrente kleiniana em seu importante e corajoso trabalho O ódio na con tratransferência 1947 destacava os efeitos recíprocos que o par analítico provoca um no outro Bion 1963 em seus trabalhos com gru pos que ele realizava na década de 40 funda mentado naquelas idéias kleinianas fez a im portante observação de que a identificação pro jetiva mais do que uma mera descarga de sen timentos intoleráveis conforme enfatizava M Klein também tinha a função de uma forma de comunicação primitiva não verbal por meio dos efeitos contratransferenciais No entanto um estudo mais sistemático e consistente do fenômeno contratransferencial surgiu somente 40 anos após a primeira men ção de Freud a partir de dois analistas tam bém kleinianos P Heimann na Inglaterra e H Racker na Argentina os quais sem que um soubesse do outro quase que simultaneamen te apresentaram trabalhos em que destacavam a possibilidade de o analista utilizar a sua contratransferência como um importante ins trumento psicanalítico especialmente para a sua função de interpretação sendo que ambos distinguiram esse uso útil daquilo que pode ser uma resposta contratransferencial patológica Da mesma forma com palavras diferentes ambos destacaram que a contratransferência representava a totalidade dos sentimentos do analista como uma resposta emocional ao pa ciente Tal era a oposição na época quanto à di vulgação da contratransferência que a apre sentação e posterior publicação do trabalho Sobre a Contratransferência de P Heimann apresentado no Congresso de Zurich em 1950 custou a ela uma ruptura com M Klein que se sentiu desconsiderada Na verdade após esse episódio P Heimann silenciou sobre o tema da contratransferência retomandoo somente após 10 anos 1960 Não resta dúvida de que Racker foi o au tor que mais consistentemente estudou e di vulgou o fenômeno contratransferencial Há re gistros que atestam a sua primeira apresenta ção referente ao tema na Sociedade Psicanalí tica de Buenos Aires em 1948 que no entan to somente foi publicado após alguns anos Para Racker a contratransferência consiste em uma conjunção de imagens sentimentos e im pulsos do terapeuta durante a sessão Ele tam bém descreveu dois tipos de reações contra transferenciais a do tipo complementar pela qual o analista fica identificado com os obje tos internos do paciente e a concordante a identificação se faz com partes do paciente como pode ser com as pulsões e com o ego do analisando Racker também propôs a existên cia na pessoa do analista de uma neurose de contratransferência Nem todos os autores concordam com a postulação de Heimann e de Racker quanto à 144 DAVID E ZIMERMAN utilização da contratransferência como sendo um importante instrumento para o trabalho do psicanalista muitos deles apontam para o ris co de que tudo o que o analista venha a sentir seja atribuído às projeções do paciente o que nem sempre seria uma verdade O próprio Bion um dos primeiros a destacar a importân cia do fenômeno contratransferencial assumiu em seus últimos tempos a posição de que a contratransferência é um fenômeno inconscien te e portanto não pode ser usada conscientemente pelo analista pelo menos durante a sessão Assim Bion preferia entender o fenôme no transferencialcontratransferencial por meio do seu modelo da interação continenteconteú do de modo a valorizar sobretudo a função continente do analista que consiste em acolher transformar e devolver as identificações proje tivas que o paciente forçou a ficarem dentro dele analista Bion também afirmava que a for ma como o analista processa e devolve para o paciente o que lhe foi projetado por meio das interpretações vai formar consciente e incons cientemente no analisando alguma idéia de como o analista é como pessoa real ALGUNS ASPECTOS BÁSICOS DA CONTRATRANSFERÊNCIA Levando em conta todas as contribuições mencionadas e fundamentado sobretudo no aludido modelo continenteconteúdo de Bion entendo que os aspectos que seguem em sub títulos merecem enfoque mais detalhado Conceituação A constante interação entre analista e pa ciente implica em um processo de recíproca introjeção das identificações projetivas do outro Quando isso ocorre mais especificamente na pessoa do analista pode mobilizar nele du rante a sessão uma resposta emocional sur da ou manifesta sob a forma de um conjunto de sentimentos afetos associações fantasias evocações lapsos imagens sonhos sensações corporais etc Não raramente essa resposta emocional pode se prolongar no analista para fora da sessão através de sonhos actings iden tificações ou somatizações que traduzem a permanência de resíduos contratransferenciais Assim uma autora como J McDougall 1989 chega a afirmar que a contratransferência expressa as minhas próprias introjeções das experiências préverbais e présimbólicas do paciente e que às vezes tomo conhecimento disso através de meus próprios sonhos Dizendo com outras palavras o fenôme no contratransferencial resulta das identifica ções projetivas oriundas do analisando as quais provocam no analista um estado de contra identificação projetiva segundo conceituação de Grinberg 1963 para quem os conflitos parti culares do analista não são os que determinam a contratransferência o que simplesmente acon tece é que ele fica impregnado com as maciças cargas das identificações projetivas do paciente e fica sendo passivamente dirigido a sentir e a executar determinados papéis que o paciente co locou e despertou dentro do terapeuta Na atualidade predomina entre os psica nalistas a aceitação do tríplice aspecto da contratransferência como obstáculo como ins trumento técnico e como um campo no qual o paciente pode reviver as fortes experiências emocionais que originalmente teve As maiores controvérsias entre os auto res giram em torno das questões relativas a a Se o fenômeno contratransferencial durante a sessão é unicamente inconsciente ou tam bém pode ser préconsciente e consciente b Se não há o risco de se confundirem os senti mentos do analista como uma resposta sua às identificações projetivas do paciente quando na verdade esses sentimentos podem ser ex clusivamente do próprio terapeuta c Se a contratransferência pode ficar a serviço da empatia e da intuição d Se o analista pode interpretar a partir de seus sentimentos con tratransferenciais e Se deve confessar isso ao analisando ou não etc Existem outros questionamentos equivalentes que a seguir serão abordados separadamente A contratransferência é sempre inconsciente Mais comumente a contratransferência é considerada o resultado de uma interação mediante a qual o inconsciente do analista põese em comunicação com o inconsciente do MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 145 analisando Tal posição é compartida por au tores importantes como Bion e Segal Como já foi aludido Bion nos seus últimos anos ma nifestouse contra a possibilidade de que a contratransferência pudesse ser utilizada cons cientemente pelo analista durante a sessão pelo fato de que segundo ele tratavase de um fe nômeno de formação unicamente inconsciente Da mesma maneira Segal 1977 opinou que A parte mais importante da contratrans ferência é inconsciente e somente pode mos reconhecêla a partir de seus deriva dos conscientes Assim os analistas seguidores da linha de pensamento desses dois autores afirmam que quando o analista diz que está angustiado ou entediado impotente isto não reflete mais do que um conteúdo contratransferencial ma nifesto e que da mesma forma como ocorre com os sonhos é o seu conteúdo latente que ele deverá decifrar ou fora da sessão por ele mesmo ou com a ajuda de uma análise Outros psicanalistas entre os quais me incluo acreditam ser possível em situações pri vilegiadas porém que não seja feita de uma forma ininterrupta e continuada que o te rapeuta perceba conscientemente mesmo du rante a sessão os efeitos contratransferenciais nele despertados e possa fazer um proveitoso uso disso desde que esse analista tenha con dições para discriminar entre o que foi proje tado nele daquilo que é dele mesmo Diferença entre contratransferência e transferência do analista Desde 1910 quando Freud instituiu o conceito de contratransferência até hoje o entendimento desse fenômeno já passou pelos extremos opostos de tanto ser considerado al tamente prejudicial para a análise quanto tam bém houve época em que era moda atribuir unicamente às identificações projetivas do paciente toda a responsabilidade por tudo aquilo que o analista estivesse sentindo emo cionalmente Creio que ninguém contesta que em am bos os extremos há um evidente exagero sen do que a segunda possibilidade evidencia uma espécie de fobia de o analista reconhecer os seus próprios conflitos neuróticos e por con seguinte aquilo que ele esteja atribuindo a uma contratransferência possa estar sendo nada mais do que uma forma dele estar transferin do para o paciente aquilo que é a sua neurose particular Essa última situação pode custar muitos abusos injustiças e um resultado iatro gênico contra o paciente Um critério que pode ser utilizado para discriminar quando se trata de uma legítima contratransferência provinda do paciente ou se é uma transferência própria do analista con siste no fato de que se um mesmo paciente despertasse em qualquer outro terapeuta uma mesma resposta emocional sugere a existên cia de uma contratransferência Em contra partida se um mesmo analista tem uma mes ma reação emocional para qualquer paciente que guarde uma estrutura psíquica análoga muito provavelmente é dele mesmo que pro vêm seus sentimentos latentes os quais ficam manifestos na situação analítica Assim o fenômeno contratransferencial surge em cada situação analítica de forma sin gular e única cada analista forma uma contra transferência diferente específica com cada paciente em separado a qual é variável com um mesmo analisando Essa variação irá depender das condições de cada situação analítica em particular a qual pode algumas vezes configu rar uma situação edípica enquanto outras ve zes surge como uma díade narcisista etc ContinenteConteúdo As necessidades desejos demandas an gústias e defesas de todo e qualquer paciente mais particularmente a de pacientes muito regredidos constituem um conteúdo que urge por encontrar um continente no qual elas possam ser acolhidas Cabe ao analista o papel e a função de ser o continente do seu analisando no entanto reciprocamente tam bém o paciente funciona como continente do conteúdo do analista como pode ser exempli ficado com o acolhimento que ele vier a fazer das interpretações daquele Destarte da mesma forma como aconte ce com o paciente também o analista pode 146 DAVID E ZIMERMAN fazer um uso inconsciente de suas próprias identificações projetivas patológicas dentro da mente do paciente e em contrapartida o pa ciente pode fazer uso de um juízo crítico sadio dessas projeções de seu terapeuta como um instrumento de percepção da realidade daqui lo que de fato está se passando com a pessoa do analista Como decorrência dessa percep ção consciente ou inconsciente pode aconte cer que a partir de observações explícitas ou das que estão implícitas nos sonhos ou na livre associação de idéias ele pode auxiliar o ana lista a darse conta de seus sentimentos contra transferenciais desde que este último esteja em condições de escutar o seu paciente Por outro lado a noção de continente também alude ao fato de que o analista deva possuir as condições de poder conter as suas próprias angústias e desejos Cabe afirmar que além da transferência do paciente e os conse qüentes efeitos contratransferenciais mais os seguintes fatores compõem o conteúdo da mente do analista os quais ele mesmo deverá conter e trabalhálos a A latente às vezes manifesta neurose infantil do terapeuta b O seu superego analítico composto pelas re comendações técnicas das instituições psica nalíticas que o filiam e pelo modelo do seu pró prio psicanalista que o fiscaliza permanente mente quanto a um possível erro ou trans gressão c A eventualidade de sua mente es tar saturada por memórias desejos ou uma ânsia por compreensão imediata d Um ideal de ego que pode mantêlo em uma perma nente expectativa narcisística de que demons tre um êxito pessoal sendo que no caso ele ficará dependente e subordinado às melhoras do seu paciente e A sua condição de manter uma autoanálise dentro ou fora da sessão f Creio que também cabe afirmar que faz parte da autocontinência do analista ele encontrar um respaldo nos seus conhecimentos teórico técnicos Exemplo Uma experiência pessoal de minha prática psicanalítica pode ilustrar essa última condição apontada há muitos anos após um importante êxito que uma paciente obtivera na sua vida profissional graças ao que me parecia ser fruto de uma exaustiva análise dos fatores inibitórios que antes a vinham im pedindo de ser bemsucedida para uma enor me perplexidade e desconcerto inicial de mi nha parte ela começou a me fazer fortes acu sações dizendo que apesar de você de seus boicotes contra o meu crescimento de sua des crença em minhas capacidades minha tese foi aprovada e eu fui promovida A situa ção prosseguia por semanas nesse mesmo tom enquanto o que unicamente eu conseguia per ceber é que quanto mais eu interpretava mais ela se revoltava contra mim pinçando palavras ou frases minhas e distorcendo com pletamente o sentido das mesmas A situação analítica ganhava contornos polêmicos e eu me flagrava com um estado mental de impotência e indignação diante de tamanha ingratidão a um mesmo tempo em que defensivamente eu queria lhe provar o quanto as suas eviden tes melhorias deviamse à sua análise comigo Busquei auxílio na literatura psicanalíti ca para esse impasse psicanalítico e encontrei em um artigo de Rosenfeld A Psicose de Trans ferência 1978 o esclarecimento que me fal tava que mudou a minha conduta no sentido de substituir as interpretações defensivas por uma atitude de continência sobretudo de pa ciência e permitiume compreender que ela não estava sendo conscientemente ingrata antes projetava em mim a sua mãe por ela internalizada como invejosa e castradora que não suportava o seu êxito e fazialhe ameaças Percebi então que a minha defensividade man tendo um clima polêmico com essa paciente unicamente estava reforçando e complemen tando a esse objeto interno mãe intolerante e invejosa dentro dela Somente depois des sa mudança com a aquisição de conhecimen tos teóricos e técnicos que me faltavam é que foi possível reverter o impasse Ainda em relação à capacidade de ser continente tornase indispensável mencio nar aquela condição necessária para um ana lista que Bion denomina capacidade negativa 1992 que não tem nada de negativo mas que leva esse nome porque alude à capacida de para suportar suas próprias limitações ou sentimentos contratransferenciais negativos Isso pode se manifestar como uma sensação de o terapeuta não saber o que está se passan do entre ele e o paciente a existência de dúvi das e incertezas ou a presença de sentimentos penosos como ódio medo angústia excitação confusão tédio apatia paralisia ou impotên cia etc Caso o analista não possua essa condi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 147 ção tornase bem provável que ele vá preen cher o vazio de sua ignorância com pseudo interpretações que visam mais a aliviar a ele mesmo do que qualquer outra coisa A maior ou menor capacidade de conti nência do analista determinará o destino que a contraidentificação projetiva tomará dentro dele se de uma forma patogênica ou constru tiva para a análise com o seu paciente Empatia Cabe afirmar que as identificações proje tivas do paciente podem invadir a mente do analista de modo que este fique perdido em meio aos sentimentos que lhe foram desperta dos tal como no exemplo apresentado sendo que isso pode redundar numa contratrans ferência patológica Quando isso ocorre o que não é nada raro o analista trabalha com um grande desgaste emocional é invadido por sen timentos contra oposição o paciente por um estado de confusão e de impotência podendo leválo a cometer contraactings somatizações e inadequadas interpretações do tipo su peregóico De alguma forma toda essa situa ção corresponde e deriva daquilo que Racker conceituou como contratransferência comple mentar Os efeitos contratransferenciais em cer tos casos extremamente fortes que o analista está experimentando durante os 50 minutos da sessão podem estar representando uma for ma de comunicação primitiva daqueles senti mentos igualmente fortes que o paciente está abrigando digamos durante 50 anos e que ele não consegue transmitir verbalmente por quanto eles constituem um terror sem nome como Bion denomina Se o analista detectar esse estado de coisas ele poderá utilizar os seus sentimentos contratransferenciais às vezes dentro da sessão mais comumente fora dela como uma bússola empática como costumo de nominar Pareceme que essa contratrans ferência transformada em empatia corresponde ao que Racker denominou contratransferência concordante creio ser muito significativo o fato de que a etimologia da palavra concor dante mostra que ela é composta de con quer dizer junto de cor cordis que significa coração O termo empatia da mesma forma como acontece com contratransferência também guarda designações distintas Assim em alguns textos de autores norteamericanos empatia costuma aparecer como uma função conscien te confundindose com o significado de sim patia ou de um superego amável por parte do analista Nada disso corresponde ao signifi cado que aqui estamos atribuindo à conceitua ção de empatia Entendo que empatia con siste na capacidade de o analista sentir em si parece que essa é a tradução mais aproxima da de einfuhlung termo empregado por Freud no capítulo VII de Psicologia das massas e aná lise do ego de 1921 para poder sentir dentro do outro por meio de adequadas identificações projetivas e introjetivas Aliás isso está de acor do com a etimologia da palavra empatia em pathos derivados do grego o prefixo em ou en designa a idéia de dentro de enquan to o prefixo sym ou sin indica estar com e o étimo pathos designa sofrimento dor o que deixa clara a importante distinção entre empa tia e simpatia Também é útil distinguir empatia de in tuição A primeira é mais própria da área afetiva enquanto a segunda referese mais pro priamente ao terreno ideativo e pré cognitivo e exige uma certa privação sensorial uma forma de escutar com um terceiro ouvido T Reik1948 ou podemos acrescentar de en xergar com um terceiro olho que provém de dentro da sua mente in tuere significa olhar desde dentro Empatia e intuição não se ex cluem pelo contrário misturamse e uma pode levar à outra Ambas não se aprendem pelo ensino mas podem ser desenvolvidas pelo aprendizado com a experiência termo de Bion O estudo da empatia impõe que se men cione Kohut Ele não foi o primeiro a enfatizá la mas certamente foi dos que mais importân cia deu a essa na técnica e prática psicanalíti ca Kohut 1971 preconiza que a relação ana lítica deve ser a de uma ressonância empática entre o self do analisando e a função de self objeto do analista o que está acontecendo quando o paciente sentese compreendido e demonstra que compreende o analista Embo ra reconheçamos a importância essencial da empatia na prática clínica é necessário ad vertir contra o risco de uma supervalorização da mesma quando essa for resultante de ex 148 DAVID E ZIMERMAN cessivas identificações projetivas e introjetivas o que pode acabar se constituindo na forma ção de conluios inconscientes até o extremo de uma espécie de folieadeux Conluios inconscientes Toda relação transferencialcontratrans ferencial implica a existência de vínculos que conforme Bion são elos relacionais e emocio nais que unem duas ou mais pessoas assim como também a duas ou mais partes de uma mesma pessoa Assim os vínculos de amor ódio e co nhecimento aos quais venho propondo a in clusão do vínculo do reconhecimento o qual alude à necessidade vital de qualquer ser hu mano em qualquer etapa de sua vida de ser reconhecido pelos outros estão invariavelmen te sempre presentes em toda situação analíti ca ainda que em graus e modalidades distin tos com a prevalência maior de um ou de ou tro etc No entanto pode acontecer que o incons ciente do analisando efetue aquilo que Bion chama de ataque aos vínculos pelo uso de identificações projetivas excessivas na quan tidade ou no grau de onipotência e que aca bam atingindo a capacidade perceptiva do ana lista e por conseguinte a sua condição de pen sar livremente e estabelecer correlações ideo afetivas De forma análoga certos pacientes têm um dom intuitivo de projetarse dentro do analista e atingir justamente aqueles pontos que constituem os mais vulneráveis do tera peuta provocandolhe escotomas pontos ce gos contratransferenciais e um prejuízo da escuta do psicanalista assim propiciando a for mação de conluios inconscientes aos que são conscientes é melhor chamálos de pactos cor ruptos São inúmeros os tipos de conluios trans ferenciaiscontratransferenciais comumente estão superpostos com os conluios resistenciais contraresistenciais que se estabelecem incons cientemente entre ambos do par analítico sen do que na maioria das vezes eles se estruturam de uma forma insidiosa e pouco transparente Pode acontecer que esses conluios adquiram uma configuração de natureza sadomasoquista ou fóbicoevitativa de sentimentos tanto agres sivos quanto eróticos ou ainda o conluio comu mente formase a partir de uma recíproca fas cinação narcisista na qual não cabe lugar para frustrações etc Diversos autores descreveram algumas formas peculiares de conluios inconscientes que costumam paralisar a evolução de uma análise Assim a título de exemplificação vale citar Winnicott e Meltzer O primeiro descre veu no seu artigo O Uso do Objeto uma si tuação na qual tanto o paciente quanto o ana lista familiares e amigos etc estão satisfeitos com a análise pois há evidentes benefícios terapêuticos no entanto assegura Winnicott como análise propriamente dita provavelmen te foi um fracasso porquanto não se processa ram verdadeiras mudanças caracterológicas Meltzer 1973 por sua vez aponta para os riscos de o analista ficar enredado contratrans ferencialmente nas malhas de alguma forma de transferência de natureza perversa Assim por diante muitos outros vértices conceituais po deriam ser enfocados Contratransferência erotizada Uma analista sentir sensações e dese jos eróticos que lhe são despertados pelao paciente constitui situação analítica absoluta mente normal inclusive como um útil indica dor de possíveis sentimentos ocultos da área da sexualidade desse paciente e que na situa ção transferencial estão sendo transmitidos pela via dos efeitos contratransferenciais A nor malidade dessa contratransferência erótica pressupõe que o analista assume o que ele está sentindo de modo a que a sua atividade per ceptiva e interpretativa não sofra nenhum pre juízo No entanto às vezes pode acontecer que o analista fique impregnado desses recípro cos desejos eróticos que ocupam a maior parte do espaço analítico e que de uma forma ou outra interferem na sua atividade psicana lítica Isso constitui uma contratransferência erotizada a qual não tão raramente como se possa imaginar pode perverter o vínculo ana lítico com a prática efetiva de actings e contra actings sexuais O exemplo que segue talvez ilustre me lhor a contratransferência erotizada certa ocasião fui procurado por um colega já com uma experiência psicanalítica muito boa Ele MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 149 queria trocar idéias comigo porquanto estava atravessando um impasse psicanalítico com uma paciente que ele descrevia como extre mamente bonita sensual sedutora e que gra dativamente o assediava sexualmente fazen do claras propostas de um relacionamento ge nital As interpretações que o psicanalista fa zia em relação a tais investidas de sedução sexual dessa sua analisanda giravam em tor no de que ela necessitava preencher vazios existenciais que se formaram na infância de vido às falhas dos objetos parentais ou de que ela o idealizava como um príncipe en cantado e por isso tentava gratificar a sua antiga fantasia de possuir o papai maravi lhoso todinho só para ela ou ainda de que por baixo de sua atitude amorosa escondia se uma intensa carga agressiva com o propó sito de denegrir a imagem o conceito e o seu lugar de psicanalista como forma de vingar se da figura do paitraidor Essas e outras interpretações equivalen tes não faziam o menor efeito na analisanda pelo contrário ela não só debochava delas como ainda afirmava provocativamente que o analista estava se escondendo através das in terpretações mas que sentia nitidamente pelo jeito dele que ele estava afim dela mas que estava acovardado A paciente chegou a pon to de tomar a decisão de interromper a análise para livrar o analista do problema ético e po derem transar livremente em local mais apro priado A iminência dessa ameaça de interrup ção vir a se concretizar além da inocuidade da atividade interpretativa devido à desquali ficação que a paciente fazia dessa é que esta vam constituindo o impasse psicanalítico Como tentativa de sair do impasse e sem cogitar diretamente dos aspectos éticos e mui to menos os de natureza moral propus ao co lega três aspectos técnicos que me pareciam essenciais 1 que ele assumisse para si pró prio a verdade do que realmente estava sen tindo ele admitiu que estava invadido por uma enorme tentação erótica e inclusive reconhe ceu que as suas primeiras interpretações pelo conteúdo e pela voz com que eram formula das poderiam ter repercutido na paciente como se fossem verdadeiras carícias verbais 2 a partir daí vimos que por mais que se es forçasse suas interpretações embora estives sem corretas não eram eficazes porquanto elas eram ambíguas devido à sua divisão interna entre o desejo e a razão e portanto estéreis Assim ele deveria adotar no plano consciente uma posição única a critério de sua autoaná lise ele deveria optar entre ceder a sua tenta ção de praticar um contraacting erótico e ar car com as conseqüências ou manter coerente e sólida a sua posição e função de psicanalista ele optou pela última 3 era imperiosa a condição de que ele conseguisse manter uma estável e firme dissociação útil do ego entre a sua parte homem que tem direito de sentir desejos e a do psicanalista que tem o dever de manter a neutralidade juntamente com a necessidade de se manter obediente ao crité rio mínimo de não falsear hipocritamente a verdade dos sentimentos tampouco desquali ficando a correta percepção da paciente Assim ele encontrou condições emocio nais para se posicionar perante o assédio da analisanda de uma forma mais ou menos as sim é bem possível que tenha razão quando diz que me percebe atraído por você até mesmo por que você traz uma abundância de situações que comprovam que é uma mulher bastante atraen te O que deve ficar claro no entanto é que essa muito provável atração provém do meu lado homem porém ela não é maior que o meu lado psicanalista que certamente por respeito a mim e sobretudo a você não se envolverá contigo in dependentemente se continuar ou se interrom per a análise Até onde sei parece que essa ati tude desfez o impasse Contratransferência somatizada Uma forma manifesta de contratrans ferência que é pouco descrita embora pareça me ser relativamente freqüente caso a obser varmos mais detidamente é aquela que se manifesta durante determinados momentos da situação analítica sob a forma de somatizações na pessoa do terapeuta Essas manifestações va riam na forma e intensidade desde algum dis creto desconforto físico até a possibilidade de o analista vir a ser tomado de uma invencível sonolência ou de fortes sensações e sintomas corporais Essa última afirmativa pode ser ilustrada por exemplos colhidos em relatos de alguns colegas que supervisiono Assim uma candida 150 DAVID E ZIMERMAN ta em formação psicanalítica traz à supervisão o fato de ela ter sentido no curso da sessão com a sua paciente uma forte sensação corpo ral de que estava escorrendo leite de seu seio esquerdo o que perdurou até que a paciente deu sinais mais claros do seu estado regressi vo do quanto se sentia desamparada e neces sitada de cuidados maternos No momento vivencial da situação analítica a analista vi nha sentindo falta do seio nutridor da mãe recentemente falecida de sorte que ela ficou contraidentificada com a paciente a um mes mo tempo como a criança desamparada e com a sua mãe que forneceria o leite nutridor do corpo e do espírito Um outro colega relatoume que durante um certo momento de uma sessão que consi derou pesada devido ao clima melancólico da mesma ele começou a sentir uma progressiva sensação de que estava imobilizado na cadei ra talvez paralisado pensou com horror e ia se alarmando com a possibilidade de que lhe houvesse rompido um aneurisma até que o paciente começou a lhe falar do derrame ce rebral que deixou o seu pai hemiplégico Posso atestar o registro da existência de inúmeras situações equivalentes a essas bem como de outras tantas que também permitem perceber que por vezes é em uma somatização contratransferencial que o analista poderá con seguir captar a profundos sentimentos que o paciente não consegue verbalizar pois eles se formaram nos primórdios do desenvolvimen to da criança antes da formação e da represen tação da palavra dos aludidos sentimentos pri mitivos que ficaram impressos em algum can to do inconsciente Também em relação à contratransferên cia somatizada é necessário distinguir quan do a mesma provém das projeções do pacien te como nos dois exemplos anteriores ou quando ela resulta de uma transferência somá tica que unicamente procede do próprio ana lista sendo que o paciente não tem nada a ver com ela apesar de ser freqüente que analistas nesse estado contratransferencial procurem en contrar a responsabilidade disso no paciente Um exemplo disso no momento em que redijo este texto acabo de concluir uma super visão com uma analista que relatou que desde o início da sessão com o seu paciente ela come çou a perceber que seu estômago roncava continuadamente e de forma bastante audível a um ponto de o paciente fazer a observação de que a analista deveria estar com fome ao que ela redargüiu com uma interpretação qualquer de ordem intelectualizada que o paciente deu alguma mostra de não têla aceito Bem mais adiante na sessão ao falar da sua esposa e fi lha esse paciente exclamou que elas estão co mendo demais que estão engordando e que não sabe mais o que fazer com elas que está temeroso de que elas adoeçam atribuindo isso a um hábito de muitas pessoas tentarem sair de um estado de angústia e de depressão por meio de comer demasiado Fica evidente o quanto o paciente ligou o conceito de fome com o de de pressão de forma que o seu comentário inicial de que a analista deveria estar com fome tra duz a sua sensação de que poderia estar depri mida Resta dizer que o paciente captou atra vés de uma manifestação somática da analista além de prováveis outros sinais corporais ex teriores que realmente diante de uma dificí lima situação de doença familiar pessoal ela estava de fato bastante deprimida Ao final da sessão o paciente começou a evocar o seu pai como um deprimido que se aposentou muito jovem enfurnado na televisão sempre de pija ma e que ele paciente quer ter o direito de não ter de seguir o mesmo destino do pai e continuar a ser um vitorioso como vem sendo O interessante a registrar é que o paciente trans mitia à analista o seu antigo temor de que os seus pais ficassem secos agora de forma contratransferencial a analista sentia uma vaga imagem de uma mãe seca enquanto o paci ente falava ou seja que sua analista poderia decair em uma depressão permanente e que ele queria se dar ao direito de não ter que fazer um sacrifício pessoal de modo a ter de perma necer solidário à depressão dela Essa sadia po sição estava de acordo com a aquisição dessa capacidade de ter autonomia sem culpas que justamente ele adquiriu no curso da análise com essa mesma analista Da mesma forma que uma somatização também determinados sonhos do analista em momentos mais turbulentos da análise podem ajudar a trazer à luz alguns sentimentos trans ferenciais do paciente que ainda não tinham aparecido manifestamente no seu discurso MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 151 Sonolência Creio que uma boa parte dos leitores já tenha passado alguma vez pela difícil situação de ser invadido no curso de alguma sessão com um determinado paciente por uma sonolên cia invencível daquelas que as pálpebras pa recem pesar chumbo e os minutos se arrastam enquanto o analista faz um enorme esforço para pelo menos manterse desperto Nesse caso não se trata de uma estafa sono atrasado ou algo equivalente porquanto as sessões se guintes com outros pacientes decorrem nor malmente Antes estou me referindo a uma forma particular de contratransferência um estado de sonolência que comumente corresponde a uma dessas três possibilidades a primeira é a de que o analista consome um esforço enor me devido à pressão do seu superego para manter afastadas de sua consciência algumas pulsões e ansiedades que foram despertadas pelo discurso do paciente a segunda eventua lidade é a de que o analista entre em um esta do hipnóide diante de um paciente que apre sente uma alteração do seu sensório cujas as sociações adquirem um caráter estereotipado de modo que elas são pronunciadas em um tom de voz monótono e monocórdico principal mente quando acompanham uma dificuldade de pensar de estabelecer conexões lógicas a terceira possibilidade estudada por Cesio 1960 é a que decorre das identificações projetivas do paciente de seus objetos inter nos aletargados ou seja objetos que habitam o espaço depressivo do analisando sob a for ma de moribundos isto é embora mortos eles permanecem vivos dentro da sua mente A so nolência do terapeuta estaria representando uma contraidentificação dele com esses obje tos mortosvivos IMPLICAÇÕES NA TÉCNICA À guisa de resumo deste artigo baseado na experiência como psicanalista e supervisor penso ser válido dar destaque aos seguintes elementos que cercam o fenômeno contra transferencial na prática das terapias psicana líticas 1 A importância da origem reconheci mento e manejo da contratransferência após um longo período opaco na psicanálise vem ganhando um espaço cada vez maior na medi da em que o tratamento psicanalítico ampliou o alcance da analisibilidade para crianças psicóticos e pacientes regressivos em geral como no caso de perversões borderlines soma tizadores etc Além disso a contemporânea psicanálise vincular obviamente implica em uma especial relevância aos aspectos transfe renciaiscontratransferenciais 2 As reações contratransferenciais ma nifestamse como percepções físicas emocio nais e somatossensoriais 3 Nem tudo que o analista sente ou pen sa deve ser significado como sendo uma con tratransferência promovida pelo paciente Tal recomendação vale principalmente para aque les que diante de qualquer dificuldade na si tuação analítica logo responsabilizam a mi nha contratransferência me impediu de 4 A contratransferência costuma surgir em uma dessas três possibilidades a em rela ção à pessoa do paciente b em relação ao material clínico que o paciente esteja narran do e sentindo c à reação que o paciente este ja manifestando de forma negativa em relação ao analista 5 Deve ficar bastante claro para todos nós que os difíceis sentimentos contratrans ferenciais não são exclusivos dos analistas iniciantes como equivalentes às conhecidas dores do crescimento Qualquer analista por mais veterano e experimentado que seja tam bém está sujeito a isso no entanto a provável diferença é que esses últimos têm mais facili dade de não ficar envolvido de forma patoló gica pelo contrário é bem possível que consi ga transformála em empatia 6 Os seguintes fatos justificam a impor tância da contratransferência no campo analí tico a ela influi decisivamente na seleção de pacientes para tomar em análise tendo em vis ta que a escolha tende a recair nos pacientes que gratifiquem as necessidades neuróticas do analista b quando bempercebidos os efei tos contratransferenciais podem se constituir para o analista como um relevante meio de compreender um primitivo meio de comunica ção nãoverbal que está sendo empregado por 152 DAVID E ZIMERMAN certos pacientes notadamente os que estão em condições regressivas c os inevitáveis pon tos cegos que acompanham qualquer tera peuta podem adquirir uma visualização atra vés de alguma reação contratransferencial d a contratransferência pode servir como um es tímulo para o analista prosseguir sempre em sua autoanálise e a existência da contra transferência tem uma significativa influência no conteúdo e na forma de o analista exercer a sua atividade interpretativa f da mesma for ma é bastante freqüente que o analisando es teja mais ligado à resposta contratransferencial do seu analista de modo a perceber a ideolo gia deste o seu estado de espírito a sua veraci dade etc do que propriamente ao conteúdo das interpretações dele 7 No curso de supervisões é onde melhor se pode perceber a freqüente existência das mais variadas formas de contratransferência inconsciente do terapeuta assim como também é possível comprovar como o clareamento de las creio ser dispensável enfatizar que de for ma alguma isso implica em invadir ou compe tir com o eventual analista do supervisionan do pode modificar fundamentalmente o cur so da análise 8 De modo genérico a contratransfe rência pode ser de natureza concordante que pode ser considerada como sendo benéfica pois possibilita um contato psicológico com o self do paciente ou de natureza complementar em cujo caso ela costuma ser prejudicial pelo fato de que pode acarretar que o analista se contraidentifique com os objetos superegóicos que habitam o psiquismo do paciente e por conseguinte reforçar aos mesmos assim im pedindo que ele se liberte de suas identifica ções patogênicas 9 A contratransferência concordante pode ficar avariada entre outras por essas três causas bastante comuns a situações muito impactantes da realidade externa que interfe rem no campo analítico b pontos cegos do analista que o fragilizam e ocasionam uma maior vulnerabilidade para a transição de um estado de empatia para o de uma contratrans ferência patológica c a instalação no cam po analítico de uma psicose de transferência tal como foi descrita por Rosenfeld Podem ser vir como exemplo da primeira condição citada os cada vez mais freqüentes problemas de ma nutenção do setting e as dificuldades para a interpretação diante de épocas de séria crise econômica que acarretem no analista um me do real de vir a perder pacientes 10 Já a contratransferência complemen tar instalase quando começa o predomínio de um objeto interno do paciente no campo analí tico sem que o analista se aperceba disso Em tais casos fica diminuída a capacidade de auto nomia do terapeuta ele perde uma necessária equidistância de seus próprios conteúdos incons cientes entra em uma confusão embora essa quase nunca seja transparente um estado de desarmonia ansiedade sonolência sensação de impotência etc de sorte que resulta um sensí vel prejuízo na sua capacidade para pensar e interpretar Como decorrência instalase o ris co de sobrevir uma contraresistência a qual pode assumir alguma insidiosa forma de conluio inconsciente com o seu paciente 11 O mais comum é que haja uma alter nância cíclica entre a contratransferência con cordante e a complementar e também isso apa rece com muita nitidez nas supervisões Esse vaivém entre ambas as formas pode estar expressando uma dissociação interna do paci ente e possivelmente também a do analis ta como uma forma de defesa de partes do self que estão ameaçadas por fantasias destru tivas provindas do próprio sujeito 12 Assim talvez a contratransferência ideal seja aquela na qual o analista reconheça uma dupla identificação com o paciente com o sujeito e com os seus objetos Por exemplo é útil que diante de um conflito mãefilho o te rapeuta tenha condições de empaticamente colocarse ao mesmo tempo nos dois lugares ou seja tanto se identificar com o lado criança do paciente como também que ele possa reco nhecer a sua identificação não é a mesma coi sa que ficar identificado de forma total com a figura parental internalizada desse mesmo paciente 13 À noção das contratransferências de tipo concordante e complementar tal como fo ram descritas por Racker creio que podemos acrescentar a modalidade de contratransferência defensiva Essa última surge nas organizações predominantemente narcisistas da personalida de nas quais a sua autosuficiência sentese MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 153 ameaçada Assim essa contratransferência de fensiva consiste na existência de pontos cegos ou seja o analista não conseguiu visualizar cer tos aspectos e sentimentos do paciente em rela ção a ele porque isso lhe representaria um ris co à sobrevivência de seu próprio self grandio so muito idealizado por ele mesmo 14 Cabe destacar que um dos momentos contratransferenciais mais difíceis é aquele que acompanha alguma transformação importante no estado mental do paciente aquilo que Bion denomina como mudança catastrófica Essa mudança que pode ser por exemplo a passa gem de uma posição esquizoparanóide para a de uma posição depressiva ou ainda a renún cia por parte do paciente a algumas ilusões pró prias do princípio do prazer substituindoas pelo princípio da realidade costuma vir acom panhada por um estado de sofrimento que às vezes atinge proporções muito preocupantes Nessa última eventualidade o analisando pode manifestar um estado confusional uma angús tia referente à uma sensação de perdas de referenciais inclusive corporais e do sentimen to de identidade uma descrença na incerteza do futuro ao mesmo tempo que percebe a im possibilidade de voltar a utilizar recursos do passado uma vivência intensamente paranóide com fortes acusações contra o analista a quem responsabiliza pela piora alguma depressão que em casos mais extremos pode atingir o grau de ameaça de suicídio etc 15 Tudo isso gera uma contratransfe rência que deve ser muito bemreconhecida pelo analista pois vai exigir dele uma boa ca pacidade de ser continente dessas angústias caso contrário ele corre o risco de ficar con traidentificado com os medos e culpas pondo a perder o resultado de um árduo trabalho que embora numa forma muito penosa pode estar expressando um momento fundamental do crescimento de seu analisando 16 Quando o paciente mantém a crença de que o analista é de fato o personagem que existe nele como objeto interno ele provocará o seu terapeuta a assumir esse papel de com portarse exatamente como seus pais se com portavam com fantasias compartilhadas Tal fenômeno é conhecido na psicanálise atual com o nome de encenação enactement no original inglês 17 Para exemplificar uma encenação transferencialcontratransferencial um pacien te fortemente narcisista pode projetar suas fan tasias dentro do analista de modo a provocar que o terapeuta estabeleça com ele um conluio inconsciente ora sob a forma de uma recíproca fascinação narcisista ora assumindo con luiado com esse paciente o papel de nós con tra eles Se o analista não assumir esse papel é muito provável que esse paciente vá induzir outras pessoas cônjuge adoradores etc ou o uso de coisas drogas ou busca de fetiches poder exibição de grandeza conquistas amo rosas de modo a forçar uma idealização por parte das demais pessoas que compartilhem as fantasias de sua grandiosidade Essa última hipótese permite que o analista trabalhe anali ticamente enquanto na primeira possibilida de ele estaria enredado numa contratrans ferência patológica encenando juntamente com o paciente uma recíproca grandiosidade im possibilitando uma análise eficiente 18 É imprescindível destacar que antes de ser um psicanalista ele é um ser humano e portanto está sujeito a toda ordem de sensa ções e sentimentos contratransferenciais como pode ser um estado mental de angústia caos ódio atração erótica compaixão enfado im potência paralisia etc etc O importante não é tanto o fato de que esses sentimentos descon fortáveis irrompam na mente do analista mas sim que eles possam ser assumidos consciente mente por ele através de uma dissociação útil do ego juntamente com uma capacidade ne gativa para poder contêlos dentro de si pró prio durante um tempo que pode ser curto ou bastante longo Caso contrário o analista vai trabalhar com culpas medos e um grande desgaste emocional chegando a ficar extenua do ao final de um dia de trabalho assim tor nando desprazerosa a sua atividade psicanalí tica que pelo contrário embora sempre mui to difícil pode perfeitamente ser gratificante e prazerosa 19 Persiste um ponto controvertido é vantajoso ou desvantajoso para o curso da aná lise que o paciente fique conhecedor das rea ções contratransferenciais que ele está desper tando no seu psicanalista Para definir a mi nha posição pessoal tomo emprestada a se guinte afirmativa de Irma Pick 1985 154 DAVID E ZIMERMAN a opinião de que o analista não seja afe tado por estas experiências não só é falsa como indicaria ao paciente que para o ana lista a sua situação sua dor e conduta não têm valor do ponto de vista emocional Isso representaria não neutralidade mas hi pocrisia ou insensibilidade O que apa renta ser falta de paixão na realidade pode vir a ser a morte do amor e do cuidado Um outro aspecto referente a isso é o que diz respeito a se o analista deve verbalizar explici tamente para o analisando esses seus sentimen tos em uma forma algo confessional ou se os admite no bojo de sua atividade interpretativa Penso que isso depende do estilo pessoal de cada um desde que se mantenha a condição básica de que o analista se mantenha verda deiro e honesto com o seu analisando Particu larmente entendo que diante de uma percep ção do paciente por exemplo de que o analis ta estava desligado preocupado com algum pro blema particular etc adoto a tática de sem fazer detalhadas confissões explicativas reco nhecer a alta probabilidade de que o paciente esteja certo nas suas observações e em cima dessa verdade objetiva continuar analisando normalmente 20 Por outro lado é indispensável lem brar a afirmação de H Segal 1983 para quem Muitos abusos e pecados analíticos foram cometidos em nome da contratransfe rência Muitas vezes vejome dizendo aos meus supervisionandos que a contratrans ferência não é desculpa dizer que o pa ciente projetou em mim ou ele me irri tou ou ainda ele me colocou sob tal pres são sedutora deve ser claramente reconhe cido como afirmações de fracasso para compreender e usar a contratransferência construtivamente 21 Cabe dizer que na época de Freud devido a uma equivocada recomendação téc nica dele a respeito da regra da neutralida de em que comparava o analista como de vendo se comportar como um mero espelho ou com a frieza de um cirurgião os analistas tinham vergonha e culpa de reconhecer suas emoções a ponto de se tornarem frios ate morizados e desumanos na situação analíti ca Não obstante isso na grande maioria das vezes eles eram pessoas sensíveis e afetivas na sua vida privada porém recorriam a me canismos de defesa principalmente o das di ferentes formas de negação a ponto de abu sarem de interpretações intelectualizadas nu ma atitude contra o paciente assim escapan do para a teoria para o passado e no apo geu kleiniano priorizavam a transferência negativa como forma de manter o frio desa pego que confundiam como sendo uma neu tralidade Portanto lhes escapava que em grande parte a transferência negativa justa mente resultava da sensação dos pacientes de que estavam sendo recriminados rechaçados e não compreendidos 22 Quero concluir este capítulo a partir da citação de Segal enfatizando os diferentes destinos que os efeitos contratransferenciais podem assumir na mente e na atitude psicana lítica do terapeuta a Podem se configurar em uma forma de contratransferência patológica com todos os prejuízos daí decorrentes b Não devem ser usadas como desculpa e muito me nos com a finalidade de atribuir exclusivamente ao paciente a responsabilidade por todos os seus próprios sentimentos e pelas dificuldades que a análise esteja atravessando c Uma vez reconhecida conscientemente pelo analista ela pode se transformar em uma excelente bússo la empática MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 155 ou está falando disso para não falar sobre você etc Pelo contrário na atualidade cabe ao analista não só a compreensão e a interpre tação daquilo que está explicitamente signifi cado e representado no discurso verbal do pa ciente mas também cabelhe a decodificação das mensagens implícitas do que está subja cente ao verbo ou oculta pelo mesmo bem como também na ausência do verbo como algum gesto somatização atuação etc Da mesma forma o foco de interesse dos aspectos da linguagem e da comunicação na análise contemporânea não está centralizado unicamente naquilo que provém do analisan do porém igualmente consiste naquilo que diz respeito à participação do terapeuta Mais pre cisamente cada vez mais valorizase não tan to a comunicação do paciente ou a do analis ta mas sim a que se estabelece entre eles Além disso a comunicação por parte do analista não se restringe ao diálogo na situa ção psicanalítica é muito freqüente que as pes soas aparentemente estejam em um intercâm bio comunicativo pacienteanalista analista analista analistapúblico leigo etc porém na verdade eles estão utilizando discursos pa ralelos nos quais as idéias e os sentimentos não se tocam Aliás o fato de que dois ou mais analistas compartam os mesmos referenciais teóricos ou que falem de forma similar acerca da psicanálise não significa que trabalhem da mesma forma na prática analítica eles podem 13 A Comunicação Verbal e a Nãoverbal na Situação Analítica Nenhum mortal pode guardar um segredo Se sua boca permanece em silêncio falarão as pontas de seus dedos S Freud Caso Dora Se eu pudesse te dizerAquilo que nunca te direi Tu poderias entenderAquilo que nem eu sei Fernando Pessoa Quadras ao Gosto Popular A importância da comunicação na exis tência humana é tão fundamental que cabe iniciar este capítulo lembrando a afirmativa de que o maior mal da humanidade é o proble ma dos malentendidos da comunicação Mais especificamente no campo da psicanálise nin guém contesta a afirmativa de que aquilo que o ser humano tem de mais primitivo e imperi oso é sua necessidade de comunicação de modo que na situação analítica a comunica ção vai além das palavras pois há um campo do processo analítico no qual as palavras não dão conta do que está acontecendo Assim já pertence ao passado tal como foi transmitida e utilizada por algumas gera ções de psicanalistas a recomendação técni ca de Freud de que o processo psicanalítico dependeria unicamente do aporte por par te do analisando da verbalização da sua livre associação de idéias como parte essencial da regra fundamental da psicanálise Essa re comendação enfática estava justificada se le varmos em conta que a prática psicanalítica da época visava precipuamente a uma recons trução genéticodinâmica por intermédio do levantamento das repressões dos traumas e das fantasias primitivas contidas nos relatos do paciente Hoje não mais se admite por parte do psicanalista uma reiterada interpretação sob a forma de uma impaciente cobrança na base de se não falar nada posso fazer por você 156 DAVID E ZIMERMAN diferir na sua forma de escutar o paciente de selecionar o que julgam relevante e sobretu do podem ter estilos bem diferentes de anali sar e de interpretar assim como reciprocamen te analistas de filiações diferentes podem ter um estilo similar entre si O objetivo deste capítulo é justamente abordar as diversas formas de como ocorre a normalidade e a patologia da comunicação no vínculo das situações psicanalíticas com ênfa se nos distintos canais de comunicação entre analisando e analista e viceversa principal mente os que se referem ao emprego da lin guagem nãoverbal ALGUNS ASPECTOS DA METAPSICOLOGIA DA COMUNICAÇÃO A gênese a normalidade e a patologia das funções da linguagem e da comunicação cons tituem uma das áreas em que mais confluem as contribuições de distintas disciplinas huma nísticas Assim embora trabalhando separada mente em diferentes épocas lugares culturas e com abordagens muito distintas entre si é pos sível encontrar uma certa convergência e com plementação entre os estudos de lingüistas an tropólogos epistemólogos filósofos neurólogos e naturalmente por parte de psicanalistas Den tre esses últimos a meu juízo cabe destacar as contribuições de Freud Bion e Lacan Freud Na atualidade ainda persistem vigentes e como uma viva fonte inspiradora as investi gações que aparecem em Freud já em 1895 no seu Projeto acerca dos aspectos formativos e estruturantes dos sons das imagens da me mória da sensorialidade e do desenvolvimen to verbalmotor Uma contribuição igualmente importan te de Freud aparece em seu trabalho O incons ciente de 1915 no qual ele postula as duas formas de como o ego representa as sensações que estimulam a criança como representa çãocoisa e como representaçãopalavra Como tais termos indicam é somente na se gunda dessas formas que a representação tem acesso ao préconsciente sob a forma de pala vras simbolizadoras ou seja é uma linguagem simbólica enquanto que na primeira forma a da representaçãocoisa a linguagem é chama da de sígnica pois ela se manifesta por meio de sinais que expressam primitivas sensações emocionais e corporais Assim a genialidade de Freud também se evidencia no campo da comunicação no qual ele refere que a linguagem antes do verbo tam bém se manifesta por meio de gestos sintomas como os conversivos por exemplo lapsos atos falhos ou sinais corporais por mínimos que se jam como pode ser um fino tremor dos dedos da mão tal como estão aludidos na citação que aparece na epígrafe etc Uma outra citação de Freud que merece ser mencionada em relação à sua sensibilidade de valorar a comunicação nãoverbal é a que aparece no rodapé da pági na de seu trabalho Três ensaios sobre a teoria da sexualidade 1905 no qual ele reproduz a se guinte narrativa de um analista Uma vez ouvi a um menino de três anos que gritava desde um quarto escuro Titia fala comigo Tenho medo porque está muito escuro Sua tia respondeu De que adianta que eu te fale se tu não podes me ver Isso não importa se alguém fala co migo é como se houvesse luz respondeu o menino O analista continua Então o medo do menino não era tanto do escuro mas sim à ausência de alguém a quem ele amava e podia estar seguro de que se tranqüilizaria tão pronto tivesse uma evi dência da presença desta pessoa Uma outra importante contribuição de Freud é aquela em que nos seus escritos so bre técnica 1912 e 1915 estabelece uma analogia entre a comunicação concreta de um transmissor a um receptador com a comuni cação direta que existe entre as pessoas de inconsciente a inconsciente sem passar pelo consciente Bion A partir dos fundamentos de Freud rela tivos aos princípios do prazer e da realidade de 1911 e daqueles de M Klein sobre inveja MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 157 e ódio primários da posição depressiva e da formação de símbolos Bion 1967 desenvol veu Uma teoria do pensamento título de um trabalho seu de 1962 baseado em suas ob servações da prática psicanalítica com pacien tes psicóticos em que ele estudou profunda mente os distúrbios de pensar os pensamentos e os da linguagem tal como eles aparecem nos esquizofrênicos Uma outra contribuição de Bion que en contra uma ressonância na prática da psicaná lise é a que se refere ao que ele denomina como terror sem nome Tratase de um tipo de an siedade de aniquilamento que o paciente re gressivo não consegue descrever com palavras e que muitas vezes de forma equivocada o terapeuta fica insistindo para que ele o faça pela simples razão de que esta ansiedade foi representada no ego sem ter sido designada com o nome do que o estava aterrorizando Embora Bion não mencione Freud a respeito da representação coisa e da representação palavra creio que essa correlação se impõe No entanto a maior contribuição de Bion relativamente ao campo da comunicação no processo analítico é a que se refere ao uso que o paciente ou eventualmente o analista faz das suas narrativas verbais isto é se elas vi sam a uma comunicação objetiva ou se elas se dirigem mais ao propósito inconsciente de uma nãocomunicação se predomina o emprego de verdades ou de falsificações Lacan Este autor partindo do estruturalismo do lingüista Saussure e do antropólogo Levy Strauss desenvolveu sua teoria de que a lin guagem ou convenção significante como ele costumava denominar é que determina o sentido e gera as estruturas da mente Lacan dá uma importância primacial aos dois sig nos lingüísticos o significante alude à ima gem acústica ou visual e o significado alu de ao conceito formado afirmando que o significante não existe sem o significado e viceversa No entanto em sua opinião não importa tanto a relação recíproca entre am bos mas sim a relação com os demais sig nos da estrutura Para facilitar o entendimento do leitor que não esteja familiarizado com os postulados lacanianos é útil usar a metáfora de que os di versos signos da estrutura podem ser lidos como se consulta um dicionário no qual um termo remete ao outro e assim sucessivamente A ex traordinária dimensão que Lacan deu à lingua gem como fator desestruturante do psiquismo de todo indivíduo pode ser medida por essas conhecidas expressões suas O inconsciente é o discurso do outro e o inconsciente estrutu rase como uma linguagem com uma sintaxe própria É fácil depreender a repercussão disto na atividade interpretativa do analista pois pas sa a ganhar uma relevância especial a sua fun ção de promover ressignificações Outro conceito de Lacan que ajuda o psi canalista a trabalhar com a comunicação lin güística do paciente é o de que no discurso do analisando pode haver o que ele caracteri za de palavra vazia e palavra cheia ou plena Procedendo a uma síntese de vários au tores podese dizer que a palavra plena de sig nificado é uma formação simbólica e ela re sulta da sinergia de dois fatores o neurobio lógico e o emocional Nos casos em que este último tenha falhado no referencial kleiniano a falha alude a que não foi atingida a posição depressiva as palavras não adquirem a dimen são de conceituação e abstração pelo contrá rio não passam de um nível de concretização Tal fato em seu grau máximo é observado ni tidamente em esquizofrênicos que utilizam as palavras e frases não como símbolos mas como equações simbólicas tal como é descrito por Segal 1954 Nesses casos resulta uma con fusão entre o que é símbolo e o que está sendo simbolizado na exemplificação de Segal um paciente dela psicótico quando convidado para tocar violino deu um significado de que ele estaria sendo convidado a masturbarse publicamente Dessa confusão é possível advir uma fa lha de sintaxe que pode se manifestar nos psicóticos sob a forma de um discurso caóti co como uma salada de palavras Em pacien tes não clinicamente psicóticos podem apare cer formas mais sutis e não claramente perce bidas desses distúrbios de pensamento e por conseguinte de linguagem e comunicação 158 DAVID E ZIMERMAN TIPOS E FUNÇÕES DA LINGUAGEM Na atualidade ninguém mais duvida que desde a condição de recémnascido estabele cese uma comunicação recíproca entre a mãe e o bebê através da sensorialidade vi são audição olfato tato sabor da motrici dade assim como de sensações afetivoemocio nais que um desperta no outro em especial no momento simbiótico e sublime do ato da ama mentação Da mesma forma crescem as inves tigações que comprovam a existência de uma comunicação no período fetal sendo que al guns autores como Bion fazem fortes especu lações sobre a viabilidade de uma vida psíqui ca já no estado de embrião o qual estaria fa zendo um importante registro dos movimen tos físicos e psíquicos da mãe Uma mãe que tenha uma boa capacida de de comunicação com o seu bebê sabe dis criminar os diferentes significados que estão embutidos nos sinais emitidos por ele Vamos exemplificar com a manifestação sígnica mais comum do bebê o choro Os gritos que o bebê emite são fonemas ou seja são sons que ser vem para descarregar a tensão porém ainda não há discriminação entre o grito e o fator que o excitou somente as palavras designa riam discriminadamente o que estaria se pas sando de doloroso no bebê mas isso se dará bem mais tarde a partir da aquisição da capa cidade de representaçãopalavra no pré consciente da criança No exemplo do choro é necessário que a mãe interprete os gritos do seu bebê e no caso de ter uma boa capacidade de rêverie ela será capaz de distinguir os vários significados possíveis Assim qualquer mãe atenta ou qual quer pediatra experiente irá confirmar que de certa forma é possível distinguir quando o cho ro é de fome gritos fortes de desconforto pelas fraldas úmidas e sujas de fezes o odor fala por ele de uma cólica intestinal um ricto facial de dor com uma contração generaliza da uma dor de ouvidos o choro é acompa nhado de um agitar horizontal da cabecinha de medo uma expressão assustada de pneu monia o choro é débil e a respiração superfi cial vem acompanhada de um gemido de quando é manha e assim por diante Um choro importante é o que acompanha a difi culdade de mamar no seio o que tanto pode ser decorrência de algum problema de ordem física como pode estar traduzindo alguma di ficuldade no clima emocional entre a mutua lidade mãebebê O que importa deixar claro aqui é que guardando as óbvias diferenças o mesmo se passa na recíproca comunicação analistaanali sando a qual muitas vezes está se processan do através de uma linguagem sígnica e não simbólica O fenômeno da comunicação implica a conjugação de três fatores a transmissão a recepção e entre ambas os canais de comuni cação os quais determinam as diversas formas de linguagens A maioria dos lingüistas acha desneces sário e até contraproducente dividir a lin guagem em verbal e nãoverbal porquan to todas elas convergem para um fim maior que é a comunicação Embora este argumento seja válido creio ser útil traçar um esquema didático até como um intento de estabelecer uma linguagem comum com o leitor Destarte as formas de linguagem podem ser divididas em dois grandes grupos a que se expressa pelo discurso verbal e a que se mani festa por formas nãoverbais No discurso verbal a sintaxe das palavras e frases compõe a fala no entanto é impor tante frisar que nem sempre as palavras têm um sentido simbólico e tampouco nem sempre o discurso tem a função de comunicar algo Pelo contrário segundo Bion o discurso pode estar a serviço da incomunicação na situação analítica o termo alude ao fato de o paciente construir uma narrativa fundada em uma ilu são falsa além de tentar passála ao analista como se ela fosse verdadeira como uma for ma de atacar os vínculos perceptivos Assim é útil que se tenha clara a diferença entre falar e dizer sendo que isso vale tanto para o pacien te como para o analista e para os educadores em geral Nessa altura impõese mencionar as con tribuições do antropólogo Bateson e colabora dores 1955 da Escola de Palo Alto Califór nia acerca dos transtornos de comunicação em certas famílias que acarretam graves conse qüências na estruturação do psiquismo da crian ça Dentre outros transtornos apontados por esses pesquisadores merece ser destacado aqui lo que eles denominam como mensagens com MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 159 duplos vínculos em cujo caso os pais inundam a criança com significados paradoxais eu lhe ordeno que não aceite ordens de ninguém e desqualificadores quando os elogios vêm acom panhados de uma crítica denegritória Tipos e funções da mentira Um outro aspecto referente ao transtor no da comunicação que embora verbal visa a uma nãocomunicação é o que diz respeito ao emprego de falsificações mais particular mente do importante problema das mentiras Unicamente para dar uma idéia de como o uso das mentiras comporta um universo de significações passo a enumerar nada menos que 18 modalidades que a mim ocorrem como possíveis de serem observadas no curso da análise 1 mentira comum faz parte de uma inevitável hipocrisia social e ela é inó cua 2 mentira piedosa 3 como forma de evitar sentir vergonha 4 uma maneira de aplacar de fugir de um perseguidor 5 a ser viço de um falso self nesse caso tanto pode ser exemplificado com o discurso mentiroso de um político demagogo como também é ne cessário considerar que muitas vezes um fal so self tem a função de proteger o verdadeiro self 6 mentira psicopática visa a ludibriar primando pelo uso da máfé 7 mentira maníaca a sua origem radica em um passado em que a criança gozava um triunfo sobre os pais um controle onipotente sobre eles 8 como uma forma de perversão existe uma mis tura do real com o imaginário em que o su jeito cria histórias vive parcialmente nelas e quer impôlas aos demais com o propósito de desvirtuar os papéis e objetivos de cada um 9 a mentira do impostor o sujeito cria uma situação falsa e a vive como verdadeira às vezes conseguindo enganar a todo mun do inclusive a ele mesmo 10 como uma forma de comunicação o paciente recria a sua realidade psíquica racionalizada por intermé dio de mentiras assim exibindo os seus pri mitivos traumas e fantasias inconscientes 11 a mentira que é usada como uma forma de evitação de tomar conhecimento das ver dades penosas corresponde ao que Bion de nomina K 12 a mentira encoberta por um conluio geralmente inconsciente com outros um exemplo banal é o da mocinha que já leva uma plena vida genital mas para to dos os efeitos os pais acreditam que ela se mantém pura e virgem 13 a mentira que decorre de uma cultura familiar em certas famílias a mentira é um valor idealizado e corriqueiro de tal modo que a criança se iden tifica com os pais que são mentirosos 14 a mentira ligada à ambigüidade em cujo caso o sujeito nunca se compromete com as verda des emite mensagens contraditórias e deixa os outros ficarem em um estado de confusão 15 a mentira ligada ao sentimento de inveja o sujeito pode mentir de forma autodepre ciativa para evitar a inveja dos outros ou ele pode usar mentiras autolaudatórias com o fim de provocar inveja nos que o cercam 16 a mentira utilizada como uma forma de pôr vida no vazio essa bela imagem pertence a Bollas 1992 17 a mentira que tem uma fi nalidade estruturante partindo da posição de que algo se revela por meio do seu negativo podese dizer que para encontrar a sua ver dade o paciente precisa mentir isso faz lem brar o poeta Mário Quintana quando nos brin dou com a frase a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer 18 por fim tendo em vista a situação da prática analíti ca é sobremodo relevante que o analista es teja atento e venha a assinalar consistente mente aquelas afirmativas e crenças pelas quais o paciente está mentindo para ele mes mo é claro que deve ser feita a ressalva que essa afirmativa só importa quando houver um excesso das mentiras do sujeito para si pró prio porquanto creio que todos concordamos com o dito de Bion de que toda e qualquer pessoa em algum grau é portador de uma parte mentirosa Comunicação nãoverbal A linguagem nãoverbal ou préverbal por sua vez admite uma subdivisão em for mas mais específicas de como ela pode se ex pressar como são as seguintes paraverbal gestural corporal conductual metaverbal oniróide transverbal e por meio de efeitos contratransferenciais Cada uma dessas formas requer uma escuta especial por parte do psica nalista conforme será discriminado adiante 160 DAVID E ZIMERMAN Antes disso é útil lembrar que um dis curso tem três facetas o seu conteúdo a sua forma e as suas inúmeras funções as quais po dem ser discriminadas nos seguintes tipos 1 Informativa aporte de dados 2 Estética vem de estésis que quer dizer sensação ou seja diz respeito a um impacto sensorial porém não unicamente da ordem da beleza como geral mente se supõe 3 Retórica tem a finalidade de doutrinar ao outro 4 Instigativa estimu la reflexões no outro 5 Negatória está a ser viço da função K isto é da nãocomunica ção 6 Primitiva age através de efeitos que afetam ao outro como pode ocorrer na con tratransferência 7 Persuasiva o sujeito visa a convencer os outros de algo que de fato ele não é Para ficar em um único exemplo consi derase a última das formas enumeradas nes se caso o discurso do paciente geralmente tratase de um portador de uma organização narcisista pode servir como uma forma de assegurar uma autorepresentação idealizada e para tanto ele convoca uma outra pessoa que lhe confirme isso Nesse tipo de discurso persuasivo o conteúdo da comunicação é a sua falsa crença a forma é a de uma veemência por vezes patética enquanto o propósito in consciente do discurso é o de conseguir alia dos que compartilhem e comunguem dessa referida falsa crença a qual consiste em pro pagar a tese de que ele é vítima da incom preensão e da inveja dos demais Na situação analítica essa forma de linguagem não deixa de ser uma modalidade de resistência sendo que a confirmação ou omissão do terapeuta diante dessas teses do paciente se constituiria em contraresistência assim compondo um conluio entre ambos Todas essas distintas formas e funções da linguagem têm uma enorme importância na prática psicanalítica pois elas determinam de cisivamente não só o estilo da fala do paciente e do analista mas também o tipo de escuta por parte de ambos A ESCUTA DO ANALISTA Por uma questão de espaço voume res tringir aqui unicamente aos aspectos ineren tes à comunicação nãoverbal A escuta da linguagem paraverbal A expressão alude às mensagens que es tão ao lado para do verbo sendo que o em prego da voz tanto pelo paciente mas tam bém é claro por parte do psicanalista consti tuise em um poderoso indicador de algo que está sendo transmitido e que vai muito aquém e muito além das palavras que estão sendo pro feridas Notadamente as nuances e as alternân cias da altura intensidade amplitude e tim bre da voz ou o ritmo da fala no curso da ses são dizem muito a respeito do que está sendo dito e principalmente do que não está sendo dito Por exemplo a voz do paciente ou a sua forma de falar traduzem uma arrogância uma timidez um constante desculparse um pedi do de licença um por favor um jeito impo sitivo querelante dentre outros Dentro da escuta dos sentimentos que estão ao lado do verbo também é preciso levar em conta que a escolha das palavras e a seleção dos assuntos pode ter uma expressiva significação assim como é a importância dos lapsos que acompa nham o discurso Creio que muitas das formas de silêncio que acompanham ou substituem a fala po dem ser incluídas como uma manifestação paraverbal no entanto os silêncios por terem uma dinâmica própria e uma expressiva rele vância na prática analítica merecem uma con sideração à parte A escuta dos gestos e atitudes Desde o momento em que o analisando está na sala de espera é recebido e adentra o consultório ele já está nos comunicando algo através de sua linguagem préverbal veio cedo tarde foi pontual como está vestido qual a sua expressão como nos saudou deita senta como começa a sessão está nos induzindo a assumir algum tipo de papel Da mesma forma constituise em uma expressiva forma de linguagem nãoverbal os sinais da mímica facial a postura os sutis ges tos de impaciência de contrariedade de afli ção ou de alívio Assim como certos manei rismos tics atos falhos estereotipias o riso e os sorrisos e muito especialmente por que e MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 161 como chora etc etc Além disso como já foi referido o analista deve estar sobretudo aten to para a linguagem nãoverbal contida e oculta no discurso verbal Diante da impossibilidade de abarcar todo o leque de possibilidades deste tipo de lingua gem vou me limitar a exemplificar com uma única situação a da forma de cumprimentar como é por exemplo a atitude de alguns pacien tes que preferem não utilizar a rotina habitual do aperto de mão na entrada e na saída de sessão Não resta dúvida de que se trata de uma forma de comunicação que deve ser respeita da embora indispensável que ela seja enten dida e interpretada Assim em vários pacien tes meus ficou claro que o nãocumprimento com o rotineiro aperto de mão traduzia um propósito positivo por parte do analisando qual seja o de não se submeter a uma estereotipia formal e pelo contrário visava a propiciar uma atmosfera com o analista mais informal inti mista e sobretudo mais livre É claro que por outro lado também seria fácil exemplificar com pacientes cuja evitação deste tipo de cumpri mento com o aperto das mãos deviase a uma necessidade de manter uma distância fóbica notadamente a de evitar uma cálida aproxi mação física A escuta do corpo O corpo fala Basta a observação de como o bebê comunicase com a sua mãe para com provar essa afirmativa Desde as descobertas de Freud o ego antes de tudo é corporal além daquelas relativas aos seus múltiplos re latos de conversões histéricas até os atuais e aprofundados estudos da psicanalítica Esco la Psicossomática de Paris cada vez mais to dos os psicanalistas estão atentos para fazer a leitura das mensagens psíquicas emitidas pelo corpo Podese considerar no mínimo como sen do cinco os canais de comunicação provindos do corpo 1 A imagem corporal o paciente tem sintomas de despersonalização Julgase gor do mesmo sendo magro ou viceversa Julga se feio mesmo quando os outros o acham bo nito e viceversa Tem problemas de transtor no alimentar como anorexia nervosa bulimia ou obesidade 2 Cuidados corporais como podem ser os que se manifestam nas vesti mentas nos penteados na saúde física etc 3 Sintomas conversivos muito freqüentes e varia dos de modo que se expressam nos órgãos dos sentidos ou na musculatura que obedeça ao comando do sistema nervoso voluntário sen do que as reações conversivas permitem mui tas vezes a decodificação do seu significado psíquico como será ilustrado com um exem plo mais adiante 4 Hipocondria com mani festações de sintomas físicos erráticos sem res paldo em uma real afecção orgânica 5 Somati zações em um sentido estrito o termo soma tização alude a uma conflitiva psíquica que determina uma afecção orgânica como por exemplo uma úlcera péptica Senso lato o ter mo paciente somatizador abrange todas as manifestações psicossomáticas nas quais algu ma parte do corpo funciona como caixa de res sonância Sabemos o quanto uma somatização pode dizer mais do que a fala de um longo discurso No entanto nem sempre as somatizações são de fácil leitura sendo que nas doenças psico fisiológicas propriamente ditas úlcera asma eczema retocolite ulcerativa etc os autores questionamse se é possível encontrar um sim bolismo do conflito inconsciente diretamente expressado no sintoma orgânico ou se este não é mais do que uma mesma e predeterminada resposta psicoimunológica a diferentes estímu los estressores Conforme assinalamos as manifestações compreensivas possibilitam ao psicanalista às vezes de forma fácil às vezes muito difícil a leitura dos conflitos psíquicos que estão conti dos no sintoma Exemplo Recordome de uma paciente que enquanto discorria sobre os pesa dos encargos que os familiares e amigos deposi tavam nela começou a acusar um desconforto no ombro direito que foi crescendo de intensi dade até transformarse em uma dor quase in suportável a qual a analisanda atribuía à possi bilidade de ter deitado de mau jeito no divã Após eu ter interpretado que por meio da dor no ombro ela mostrava dramaticamente o quanto vinha lhe doendo desde longa data o fato de ela ter aceitado e propiciado o papel de carregar nos seus ombros o pesado fardo das expectativas e mazelas de sua família depres siva a dor como que em um passe de mágica passou instantaneamente Não custa repetir 162 DAVID E ZIMERMAN que obviamente nem sempre as coisas se pas sam assim tão facilmente A escuta da linguagem metaverbal Por linguagem metaverbal entendese aquela comunicação que opera simultaneamen te em dois níveis distintos os quais podem ser contraditórios entre si Um exemplo banal dis so pode ser o de uma pessoa que comunica algo com o verbo a um mesmo tempo que com uma piscadela furtiva e anuladora ele co munica a um terceiro que nada do que ele está dizendo tem validade e que a sua mensagem é uma outra oposta Da mesma forma a importância da meta linguagem pode ser avaliada na situação ana lítica por meio de uma cadeia associativa com posta por mensagens ambíguas paradoxais contraditórias o uso de formas negativas do discurso que devem ser lidas pelo lado afir mativo e viceversa etc Creio que um bom exemplo de lingua gem metaverbal que alcança uma grande im portância na situação analítica consiste no fe nômeno chamado por Bion de reversão da perspectiva por meio do qual o paciente manifestamente concorda com as interpreta ções do analista porém ao mesmo tempo de forma latente ele as desvitaliza e anula a efi cácia delas revertendoas aos seus próprios valores e perspectivas prévias A escuta da linguagem oniróide Neste caso a linguagem processase por meio de imagens visuais às vezes podendo ser verbalizadas mas outras não podendo até mesmo adquirir uma dimensão mística As manifestações mais correntes desse tipo de lin guagem na prática analítica consistem no surgimento de devaneios fenômenos alucina tórios e sonhos Cada um desses aspectos separadamen te mereceria uma longa e detalhada exposi ção que não cabe aqui No entanto não é de mais lembrar que também os sonhos podem ser vazios quando meramente representam ser a evacuação de restos diurnos plenos quan do eles são elaborativos processandose a di nâmica psíquica por meio de transformações simbólicas ou mistos Uma forma oniróide de comunicação que está adquirindo uma grande importância na psicanálise contemporânea é a que Bion deno mina ideograma ou criptograma foto grama holograma imagem onírica que é um súbito surgimento de imagens na mente do paciente ou do analista que podem estar significando que algo de muito importante pro vindo das profundezas desconhecidas do psi quismo a modo do que se passa no sonho esteja sendo comunicado ao consciente Um exemplo de comunicação feita uni camente por meio de imagens sem palavras é aquela que costuma ser praticada pelos zen budistas Assim dizse que Buda nome que significa o iluminado trouxe a iluminação para seu discípulo mais promissor simplesmen te segurando uma flor diante dele sem nada falar porém dizendo muito por intermédio do simbolismo da flor A escuta da conduta Sem levar em conta os aspectos da roti neira conduta do paciente na sua família tra balho ou sociedade e tampouco as particula ridades de sua assiduidade pontualidade e o modo de conduzirse em relação à sua análise o que mais importa em relação à linguagem conductual é o que está expresso no fenômeno dos actings Embora muitos actings sejam de nature za totalmente impeditiva quanto à possibilida de do prosseguimento de uma análise a ver dade é que é cada vez maior a tendência de os analistas encararem as atuações não só as dis cretas e benignas mas também muitas que assumem formas malignas e até seriamente preocupantes como sendo uma primitiva e importante forma de comunicação Aludimos à possibilidade de que os actings os quais até há pouco tempo eram sempre vistos pelo psicanalista segundo um vértice negativo possam ser benignos sendo que vale acrescentar a eventualidade de que a atuação esteja a serviço de uma função estruturante do self como é o caso de uma busca de criatividade e de liberdade de modo que o surgimento de determinados actings po MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 163 dem ser um indicador de que a análise está marchando exitosamente Ainda em relação ao acting é necessário lembrar que a clássica equação que Freud for mulou em relação às suas pacientes histéricas de que a atuação se constitui em uma forma de repetir para não ter que recordar deve ser complementada com esta outra repetir atra vés do acting na análise aquilo que não se con segue pensar conhecer K simbolizar conter ou verbalizar Na atualidade o fenômeno da atuação também permite compreender que o paciente está repetindo compulsivamente como uma forma de propiciar novas chances dele vir a ser entendido e atendido pelo psica nalista em suas falhas e necessidades básicas Este último aspecto representa portanto uma importante forma de comunicação primitiva por meio dos efeitos contratransferenciais A escuta dos efeitos contratransferenciais Descontando os evidentes exageros que alguns analistas cometem de virtualmente reduzir tudo o que eles sentem como oriundos das projeções transferenciais do analisando e com isso eludem a possibilidade de perceber que os sentimentos despertados podem provir unicamente do próprio analista a verdade é que o sentimento contratransferencial é um importante veículo de uma comunicação pri mitiva que o paciente não consegue expressar pela linguagem verbal O psicanalista deve ficar alerta diante dos dois caminhos que a contratransferência pode tomar dentro dele tanto ela se pode configu rar como patológica em cujo caso ele ficará enredado em uma confusão devido ao fato de que ele pode estar complementando os obje tos patógenos que habitam o mundo interno do analisando como também é possível que a contratransferência se constitua como uma excelente bússola empática Um simples exemplo disto e que certa mente corresponde à experiência de todo terapeuta é o de um difícil sentimento contra transferencial de desânimo impotência bem como de um certo rechaço que um paciente borderline provocava em mim Embora eu per cebesse e interpretasse a projeção de sua agres são e depressão assim como a dinâmica de seu ataque aos vínculos perceptivos e a busca de um triunfo maníaco sobre mim nada mudava e a minha confusão aumentava Somente con segui reverter o sentimento contratransferen cial patológico para o de uma empatia a partir do reconhecimento de que o paciente insistia em repetir compulsivamente a sua atitude de arrogância narcisista como uma forma de se proteger e de me comunicar que aqueles senti mentos que me abrumavam durante os 50 mi nutos da sessão eram exatamente os mesmos que lhe foram impostos que o vinham ator mentando desde sempre mas que ele não con seguia expressar com as palavras A escuta intuitiva Sabese que na transição entre os níveis préverbais e verballógico situamse as lingua gens metafóricas como da poesia da música dos devaneios imaginativos dos mitos dos sentimentos inefáveis etc Conquanto Freud fez a recomendação técnica de que o psicana lista deveria cegarse artificialmente para po der ver melhor e trabalhar em um estado de atenção flutuante é a Bion que se deve o mérito de ter dado uma grande ênfase à im portância da capacidade de intuição do analis ta a palavra intuição vem do latim intuere que quer dizer olhar para dentro como uma espécie de terceiro olho Dessa forma com a sua controvertida expressão de que o analista deveria estar na sessão em um estado psíquico de sem memó ria desejo e ânsia de entendimento Bion unicamente pretendia exaltar o fato de que a abolição dos órgãos sensoriais e a da satura ção da mente consciente permitem aflorar uma intuição que está subjacente e latente O mo delo que me ocorre para ilustrar esta postula ção de Bion é o do brinquedo que já esteve muito em voga conhecido pelo nome de olho mágico o qual consiste no fato de que utili zando a forma habitual de visão o observador não vê nada mais do que um colorido desenho comum porém se este observador a partir de uma distância ótima nem perto nem longe demais vier a exercitar uma outra forma de olhar ele ficará surpreendido e gratificado com uma nova perspectiva tridimensional de aspec 164 DAVID E ZIMERMAN tos antes não revelados que saltam daquele mesmo desenho A essas formas de escuta do psicanalista poderiam ser acrescidas outras tantas mais como é o caso de uma autoescuta uma ade quada leitura discriminativa entre o que é con tratransferência e o que é a transferência do analista e o da escuta transverbal consiste no fato de que os mesmos relatos sintomas so nhos etc costumam ressurgir periodicamen te porém é importante que o analista perceba as transformações dos mesmos às vezes de forma muito sutil É claro que todas estas formas de escuta nãoverbal embora tenham sido aqui descri tas separadamente devem processarse de maneira simultânea O que importa é que to das elas obviamente somadas à indispensável linguagem verbal estão virtualmente sempre presentes nas distintas situações analíticas expressandose por meio de canais de comu nicação como as que são descritas a seguir A COMUNICAÇÃO NA SITUAÇÃO ANALÍTICA As distintas modalidades da normalida de e patologia da comunicação na situação analítica a seguir enumeradas tanto valem para a pessoa do paciente quanto para a do analista bem como a do vínculo singular que se forma entre eles 1 É consenso entre os historiadores o re conhecimento de que as narrativas da história da humanidade são essencialmente subjetivas isto é de que o curso da história segue a proje ção de nossos valores e idiossincrasias Da mesma forma as narrativas de cada um de nos sos pacientes por mais sinceras que sejam tam bém estão impregnadas de distorções subjeti vas decorrentes das fantasias inconscientes que as acompanham além de significações pato gênicas que foram atribuídas a fatos realmen te acontecidos etc 2 A partir de alguns historiais clínicos de Freud sabese que sintomas a tosse histérica por exemplo podem funcionar como uma sig nificativa forma de linguagem nãoverbal Cabe ao analista captar decifrar sentir aquilo que não é dito As coisas que não entendemos têm um significado da mesma forma como é um idioma falado por um estrangeiro o qual não entendemos 3 De forma genérica cabe dizer que o paciente faz narrativas tanto verbais relatos do cotidiano de sua vida quanto nãoverbais sob uma das seguintes formas gráfica mais por parte de crianças ou psicóticos lúdica onírica corporal por meio de actings somati zações efeitos contratransferenciais 4 Assim é importante o terapeuta reco nhecer a posição do narrador de que vértice ele fala Quais os canais de comunicação que ele utiliza A que distância e temperatura afetiva ele coloca o interlocutor no caso o analista Qual é a tonalidade altura e timbre de sua voz Em relação ao seu discurso qual é o seu ritmo repetição de temas silêncios reti cências ambigüidade clima emocional que cria aceleração ou lentidão entrelinhas ter mos empregados por exemplo não sei o que falar nada adianta não vejo saída sei lá estás me entendendo o que é que eu faço agora amor às verdades ou uma fuga delas etc 5 Relativamente à forma de se comuni car com verdades ou com evasivas cabe exem plificar com a regra técnica da livre associação de idéias que tanto pode ser extremamente útil quando o paciente faz correlações entre aqui lo que esteja associando no curso da sessão quanto também pode servir para outros fins que não sejam benéficos como pode ser uma dessas três possibilidades patogênicas a ela está servindo unicamente como uma forma de evacuação b para satisfazer prováveis desejos do analista que os pacientes captam com cer ta facilidade c a associação resta mais livre do que associativa 6 É fundamental que o analista esteja aten to ao problema de uma anticomunicação por parte do paciente Este termo designa a situa ção na qual o analisando cria uma concepção falsa e por meio de uma narrativa convincente tenta fazêla passar ao analista como sendo ver dadeira o que muitas vezes ele consegue 7 Em relação aos silêncios o que é bas tante freqüente na situação analítica cabem as seguintes observações sobre o papel e a fun ção do silêncio tanto do paciente quanto do analista a O paciente pode estar em uma po sição silenciosa por uma razão simbiótica em cujo caso ele se julga no pleno direito de es MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 165 perar que o analista adivinhe magicamente suas demandas não satisfeitas b Existe um bloqueio passageiro ou permanente na sua capacidade para pensar c Uma inibição fó bica como pode ser o medo de decepcionar o analista d Uma forma de protesto que ge ralmente acontece quando os anseios narci sistas do analisando não estão sendo gratifi cados e Uma forma de controlar o analista como um recurso de testar a capacidade de continência do terapeuta ou de manter as ré deas da situação f Um desafio narcisista quando o paciente fantasia que permanecen do silencioso ele triunfa e derrota o seu ana lista invertendo os papéis g Um negativismo que pode estar expressando um revide ou uma identificação com os objetos frustradores que não lhe respondiam ou pode estar represen tando aquele necessário e estruturante uso do não tal como foi descrito por Spitz 1957 como um meio transitório de a criança o pa ciente tentar adquirir uma autonomia e iden tidade próprias h Uma forma de comunica ção primitiva isto é despertando uma contra transferência em cujo caso cabe ao analista decodificar o que se passa uma vez que um nada pode estar dizendo muito acerca de um tudo nãomanifestado i Um silêncio regressivo que ocorre quando o paciente che ga a adormecer no divã como se estivesse vivenciando a experiência de dormir sendo velado pela mamãe primitiva j Um silêncio elaborativo situação em que ele se constitui como um espaço e um tempo necessários para o paciente fazer reflexões e a integração de insights parciais para um insight total 8 Relativamente ao silêncio por parte do analista é importante que este tenha em men te que pausas silenciosas durante as sessões podem ser muito importantes tal como apare ce nessa significativa metáfora de Bion a mú sica está formada por elementos de notasinter valosnotas sendo que a ausência de som isto é a presença do intervalo equivale ao silêncio na sessão pode representar mais vigor e expressividade que a nota musical por si só Creio inclusive que o estilo interpretativo que denomino pinguepongue em que o analis ta em um contínuo baterebate vocal com o paciente não dá lugar a qualquer pausa silen ciosa representa uma série de prejuízos para a terapia analítica 9 Igualmente é fundamental a capa cidade de escuta do analista especialmente a de como ele escuta a forma de como o paciente o escuta Uma escuta adequada também refe rese a sua condição mental de saber valorar algo que vai muito além do que simplesmen te ele está ouvindo atenção ouvir uma função meramente fisiológica é bastante di ferente de escutar que é uma função empá tica Uma metáfora pode explicar melhor um sábio pode ser o analista está apontando uma direção com o seu dedo estendido e o apren diz pode ser o paciente de forma concreta presta mais atenção e interesse no dedo do que nos caminhos abstratos que ele aponta 10 A recíproca pode ser verdadeira isto é nem sempre o analista escuta que o pacien te esteja lhe dando claras evidências de que a sua compreensão e portanto as suas coloca ções interpretativas estão seguindo um cami nho equivocado Se o analista levar a sério a sua maior ou menor capacidade de escuta ele irá observar o grande número de vezes em que os pacientes estão nos corrigindo assim cola borando com a tarefa analítica 11 Ainda em relação ao silêncio do ana lista é necessário diferenciar o silêncio de quem sabe do silêncio de quem ignora ou que ignora o que sabe ou daquele que sabe que ignora 12 De forma resumida podese dizer que são quatro os grandes canais que em um movimento permanente e recíproco de liga ção entre o emissor e o receptor compõem o campo comunicativo da interação analista analisando São eles a A livre associação e verbalização de idéias b As diversas formas de linguagem nãoverbal incluída a do silên cio c A capacidade de intuição nãosenso rial como podem ser o surgimento de ima gens oníricas d Os efeitos contratransferen ciais Creio que cabe uma analogia entre o apa relho de rádio e o sensibilômetro do analis ta porquanto tanto ele pode mover o dial e conseguir uma sintonia fina e clara quanto pode estar com o dial fora da sintonia do ca nal que está emitindo sendo que sequer falta a possibilidade da interferência dos ruídos da comunicação ou a de um total emu decimento transitório resultantes dos conhe cidos fenômenos da estática 13 O sensibilômetro a que aludi im plica no fato de que algumas condições míni 166 DAVID E ZIMERMAN mas são indispensáveis na pessoa do terapeuta como um modelo de função a ser continua mente introjetado pelo paciente Utilizando uma linguagem sintética eu diria que essas condições mínimas consistem em que o analis ta em um estado de atenção e de teorização flutuante tenha bem claro para si as funda mentais diferenças que existem entre olhar e ver ouvir e escutar entender e compreender falar e dizer e entre parecer e de fato ser 14 Não custa reiterar que embora a ên fase deste trabalho esteja incidindo sobre a pessoa do terapeuta deve ficar claro que guar dando as óbvias diferenças da assimetria dos papéis do terapeuta e do paciente tudo se passa igualmente em ambos Um importante elemen to do campo analítico que pode servir como exemplo que unifica analisando e analista é o do estilo da comunicação cuja relevância ali ás foi admiravelmente sintetizada pela clássi ca frase de Buffon O estilo é o homem 15 Tamanha é a relevância do estilo co municativo do paciente que uma exposição detalhada desta temática mereceria por si só um trabalho à parte De forma resumida im põese como um dever mencionar o psicana lista argentino D Liberman 1971 que en tre outros aspectos muito elucidativos reali zou estudos sobre os estilos da comunicação nos quais já se tornaram clássicos os cinco es tilos que ele nomeia como reflexivo lírico ético narrativo e dramático neste último caso o paciente provoca suspense ou um impacto estético Cada um desses estilos costuma re velar a forma de como está estruturado o self da pessoa 16 Um estilo bastante comum de o pa ciente transmitir as suas mensagens é o de uti lizar uma forma intelectualizada resistencial de comunicar Nesses casos costumo fazer o paciente comprometerse afetivamente a refle tir sobre aquilo que ele transmite de forma apa rentemente fria Como exemplo recordo de um paciente que não era da área psi porém que lia com assiduidade capítulos inteiros em livros de minha autoria que tratavam de te mas psicanalíticos que o interessavam e os tra zia para a sessão querendo esclarecer e discu tilos No início encarei como uma forma de acting de modo que não valorava o que o pa ciente insistia em me mobilizar porém o seu interesse e consistência da leitura inspiraram me a valorizar a sua curiosidade No entanto eu fazia isso sempre tomando a sua própria pessoa como referência das impressões afetivas que a leitura dos textos o mobilizava e para surpresa minha nossa tarefa analítica ficou ni tidamente beneficiada 17 Do ponto de vista do estilo interpre tativo do analista é importante considerar que devem ser preservadas e respeitadas ao máxi mo os modos genuínos e autênticos do estilo de cada um em particular Todavia é igualmen te importante considerar o efeito antianalítico de alguns estilos como são alguns que estão descritos no Capítulo 16 O analista deve ter em mente que o paciente está continuamente fazendo uma leitura daquilo que ele diz ou faz À guisa de destacar a importância da ati tude psicanalítica no processo comunicativo vale repetir que a comunicação desde os seus primórdios está radicada na condição inata do bebê em ler os significantes contidos nas modulações da face voz e corpo da mãe 18 Para finalizar este capítulo nada me lhor do que dar um exemplo da prática clínica Assim dentre as múltiplas formas de comuni cação que mereceriam ser ilustradas pela im portância que estão ocupando na psicanálise contemporânea escolhi a que alude ao surgi mento de ideogramas tal como já foi descrito e que lembra a escrita chinesa na qual as ima gens designam significados conceituais na mente do analista A vinheta que segue foi ex traída de uma supervisão na qual a analis tacandidata saiu de uma sessão em que o paciente se queixava de que vinha sentindo muitos medos principalmente o de morrer com uma forte sensação molesta de que ela não estava cuidando bem dele Na sessão seguinte o paciente prosseguia manifestando seu temor de morrer de forma trágica enquanto a analista não sabia o que dizer para ele além de amenidades porque sua mente estava tomada por uma imagem de muito sangue derramado pelo chão sendo que se fortalecia o sentimento de que não es tava cuidando do paciente ante os perigos que o rondavam Bastam alguns dados sucintos da história desse paciente para compreendermos a importância do ideograma sangue derra mado quando ele tinha cinco anos foi en carregado pela mãe para ficar cuidando de uma irmãzinha de três durante alguns poucos mi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 167 nutos enquanto ela voltou da rua para buscar algo em casa Esse pequeno intervalo de tem po foi o suficiente para a pequena menina des prenderse da mão do paciente avançar para o leito da rua e ser violentamente atropelada por um carro caindo morta em meio a uma forte poça de sangue É útil esclarecer que o paciente sempre carregou dentro de si uma sensação de que o olhar dos pais estaria sem pre denunciandoo e acusandoo de que ele não soube cuidar bem da irmã e dessa for ma ele sentia um terror sem nome de que te ria sido um assassino e que teria que pagar um preço masoquista que era a forma com ele es tava levando a sua vida Ademais identificado com a vítima sua irmã que falecera tragicamente ele estava à espera permanente de que haveria uma vin gança nos mesmos moldes ele morreria tragi camente em meio de poças de sangue espe cialmente quando ele obtivesse êxitos na vida coisa que ele estava começando a obter na sua análise principalmente graças à excelente ca pacidade de continência da analista Existem pois claras evidências que a imagem onírica da terapeuta foi devida à identificação projetiva que o paciente depositou nela de seus dois la dos patogênicos um o de que ele agora sen tida pela analista não soube cuidar da crian ça desamparada correndo sérios riscos a ou tra parte do paciente também projetada pelo paciente e assim sentida pela terapeuta na si tuação analítica era a de seu lado que teria o mesmo destino de sua vítima morrer banha do em sangue Não resta dúvida de que no processo analítico o aspecto mais nobre do fenômeno da comunicação é aquele que dentro do mar co da permanente interação recíproca com o paciente se refere à atividade interpretativa do analista tal como aparece em capítulo es pecífico 14 As Atuações Actings Na psicanálise atual o acting deixou de ser um nome feio pelo contrário representa uma importantíssima forma de uma primitiva comunicação nãoverbal der o surgimento de atuações a partir de seus inúmeros outros vértices além de considerar que um entendimento dos actings permite utilizálos como um importante instrumento analítico Essa última possibilidade implica a necessidade de que o terapeuta sempre leve em conta a condição básica de que as atuações devam ser consideradas dentro da totalidade de cada contexto em particular A excessiva ampliação conceitual desse fenômeno tornouo muito diluído e logo me nos compreensivo na sua essencialidade Creio que apesar das dificuldades semânticas do ter mo acting ele pode ser definido a partir da situação psicanalítica como toda forma de con duta algo exagerada que se manifesta como uma maneira única de substituir algum conflito ou angústia que não consegue ser lembrada pen sada conhecida simbolizada verbalizada ou contida Tais significados que serão discrimi nados ao longo deste capítulo estão direta ou indiretamente evidenciados nos trabalhos de autores de distintas correntes psicanalíticas sendo que a seguir serão mencionadas as con tribuições de alguns deles separadamente Freud Em 1901 em Psicopatologia da vida coti diana quando se referiu aos atos falhos que poderiam ser entendidos como de uma origem inconsciente Freud falou pela primeira vez em atuar empregando o termo handein com o significado de um simples atosintoma que substituía alguma repressão que estava proi bida de ser recordada Mais tarde ele passou CONCEITUAÇÃO Na literatura psicanalítica o fenômeno acting neste capítulo os termos acting e atuação serão empregados indistintamente aparece definido de forma imprecisa e desig nando distintas significações O inegável é que ele se constitui como um dos aspectos mais im portantes do processo psicanalítico quer pe los múltiplos significados que comporta quer também pela sua alta freqüência Assim pode se dizer que alguma forma de atuação surge em toda e qualquer análise seja de forma be néfica ou maléfica manifesta ou oculta dis creta ou acintosa dentro actingin ou fora actingout do consultório Nas primeiras formulações de Freud o conceito de acting aludia tãosomente a uma modalidade de resistência que o paciente em pregava com a finalidade inconsciente de im pedir que as repressões tivessem acesso à cons ciência correndo o risco de elas serem lem bradas Constituíase portanto em um fenô meno essencialmente pertinente ao processo analítico que como tantos outros deveria ser compreendido e interpretado pelo analista Aos poucos esse conceito nodal foi sofrendo am pliações e sucessivas transformações de tal sorte que adquiriu um significado moralístico denegritório algo ligado à perversão chegan do ao extremo de designar e se confundir com toda forma de impulsividade psicopatia drogadição ou delinqüência Embora esse ranço moralístico ainda per sista em alto grau no meio analítico bem como também fora dele é inegável que a maioria dos analistas da atualidade tende a compreen 170 DAVID E ZIMERMAN a utilizar a expressão agieren que no original alemão é bem menos coloquial que a anterior traduzida para o inglês com o verbo to act actingout e para português por atuação Em 1905 no Caso Dora ele introduziu o termo de forma mais explícita chegando a atribuir a interrupção da análise por parte da paciente Dora a um atuar dela de certas fantasias não percebidas por Freud e portan to não interpretadas por ele Textualmente ele admite que Dora vingouse de mim como quis vin garse do Senhor K e me abandonou como acreditava ter sido abandonada e engana da por ele Assim ela atuou uma parte essencial de suas lembranças e fantasias em lugar de relatálas no tratamento 1905 p 116 Em 1912 nas Novas recomendações emprega o mesmo termo em um contexto das relações existentes entre o atuar e os fenô menos da resistência e da transferência Em 1914 em Recordar repetir elaborar o conceito de atuar aparece como uma forte tendência de se repetir o passado esquecido sendo que no processo psicanalítico o paciente atua como forma de resistência repetindo a experiência emocional reprimida transferida sobre o analista Nesse texto Freud assevera que o paciente não recorda nada daquilo que esqueceu e reprimiu mas o atua reproduzindo não como lembrança mas como ação repetin doo sem naturalmente saber que o está repe tindo Por exemplo o sujeito não diz que estava acostumado a ser rebelde e crítico em relação à autoridade dos pais em vez disso comportase assim com o analista É interessante registrar que já nesse tra balho Freud intuíra que há um tipo especial de experiência para a qual nenhuma lembrança via de regra pode ser recuperada São experiências que ocorreram na infância muito remota e não foram compreendidas na ocasião mas subse qüentemente foram compreendidas e interpre tadas podendo ser convincentemente compro vadas pelos sonhos e pela própria estrutura da neurose Em 1920 a partir de Além do princípio do prazer a atuação será considerada por Freud como um fenômeno ligado ao da compulsão à repetição portanto inerente à pulsão de morte É bem possível que essa conexão entre atuação e pulsão de morte tenha contribuído para que os psicanalistas tenhamna significa do sistematicamente com algo destrutivo do setting analítico e da própria análise Em 1938 no seu Esboço de psicanálise parece que Freud propõe limitar o termo atua ção para as condutas do paciente que se pro cessam fora da situação analítica porém inti mamente ligadas a ela conforme se depreende quando assegura que não é desejável o paciente atuar fora da transferência em vez de recordar o que acarreta problemas em relação à realida de externa do paciente ou seja para aquilo que sucede a ele nas outras 23 horas do dia De forma resumida para Freud a atua ção ocupa o lugar da recordação Convém lem brar que a palavra recordar de acordo com a sua etimologia latina re quer dizer uma volta ao passado e cor cordis significa co ração mais precisamente do que uma sim ples lembrança abreativa designa o fato de que antigas experiências emocionais estão sendo revividas conscientizadas e ressigni ficadas na situação analítica Essa postulação de Freud continua a representar uma signifi cativa importância no processo analítico ten do em vista que a melhor maneira de esquecer é lembrar Autores kleinianos Em 1930 em A importância da formação de símbolos M Klein estabelece que existe uma equivalência entre o mundo externo e o corpo da mãe sendo que a criança espera encontrar dentro do corpo da mãe fezes pênis do pai bebês e outros tesouros Essa equivalência sim bólica entre a fantasia do cenário materno e a realidade do mundo externo permite inferir algo que cerca a metapsicologia do fenômeno atuação no sentido de que muitas pessoas podem passar a vida inteira atuando como uma forma compulsiva de alcançar a algo ou alguém que é inalcançável Sobretudo a partir da sua concepção de identificação projetiva formulada em 1946 é que M Klein abriu as portas para um mais amplo e mais claro entendimento de como se processam os actings por meio de estudos de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 171 senvolvidos por outros autores seguidores dela Bion sobretudo Da mesma forma as conceituações de M Klein a respeito das posições esquizoparanóide e depressiva com as respectivas interações entre ambas possibilitou uma compreensão de que uma das principais razões do surgimento da atuação consiste em uma forma de fuga do paciente ante o seu temor de enfrentar as dores psíquicas que acompanham a entrada na posição depressiva Igualmente os conceitos kleinianos rela tivos à precoce e terrível angústia de aniqui lamento à presença no psiquismo do bebê de objetos parciais em permanente interação além dos relativos ao funcionamento de pri mitivos mecanismos defensivos permitiram que indo muito além de uma forma de resis tência às repressões tal como Freud enfatizou os psicanalistas passassem a considerar que sentimentos tais como a inveja as ansiedades préedípicas os aspectos negados dissociados e projetados também fossem os responsáveis por muitas formas de atuação Nesse mesmo contexto cabe acrescentar a conceituação de M Klein de que a memória não se restringe unicamente a fatos mas sim também pode ser uma memória de sentimentos memory in feelings 1957 as quais provavelmente po dem expressarse por meio de actings Rosenfeld um importante analista klei niano traz em 1964 uma importante colabo ração ao se referir à existência de dois tipos de actings um de natureza parcial que pode re presentar ser útil para o processo analítico e um outro de natureza total ou regressiva que pode ser ameaçador à preservação do setting da análise Segundo esse autor ambos os tipos de atuação dependem fundamentalmente do grau de hostilidade de como o paciente tal como quando era criança distanciouse dos seus ob jetos primitivos isto é do seio materno p228 Bion Ao longo da obra de Bion podese de preender o quanto as suas originais concep ções ampliam significativamente o entendi mento e a utilização do fenômeno acting De forma resumida penso que os seguintes aspec tos devam ser destacados 1 Acting como uma forma de evacuação de elementos beta Para os que não estão fami liarizados com as idéias de Bion vale acentuar que elementos beta referemse a protopen samentos isto é a primitivas sensações e ex periências emocionais que ainda não puderam ser de fato pensadas pela criança pequena e que por isso mesmo apenas podem ser eva cuadas tanto para dentro de si mesmo sob a modalidade de somatizações ou para fora de seu corpo por meio de uma ação motora que no bebê adquire a forma de choro esper neio vômitos enquanto no adulto caracteri zam as atuações na conduta Essa evacuação dos desprazerosos elementos beta estão à es pera de um continente da mãe ou do ana lista na situação analítica que mercê de uma função alfa em um processo de verdadeira alfabetização emocional possibilite que aqueles possam ser pensados em vez de atuados 2 Acting como uma forma de comunica ção primitiva Acredito que essa concepção de Bion constituase em uma importantíssima con tribuição à prática analítica tendo em vista que ela descaracteriza aquilo que costumava pro vocar um julgamento antecipado do analista de enfoque negativo depreciativo ou moralís tico possibilitandolhe ficar em um estado mental de procurar compreender o que o pa ciente não está conseguindo dizer com as pa lavras porém o está comunicando por meio da linguagem nãoverbal da atuação 3 Acting como manifestação da parte psicótica da personalidade Determinados pa cientes durante o seu desenvolvimento emo cional primitivo não conseguiram encontrar um adequado continente que os auxiliasse a suportar as frustrações provindas de dentro e de fora razão pela qual desenvolveram um ódio contra a necessidade de dependência de outra pessoa substituindo essa angústia por uma série de mecanismos primitivos dentre os quais cabe destacar a hipertrofia de uma onipotência que se instala no lugar de pen sar pois esse paciente imagina que pode tudo uma onisciência no lugar do indispen sável aprendizado com as experiências já que imagina saber tudo uma prepotência na verdade uma prépotência que mascara sua impotência assim substituindo o reconheci mento de seu estado de desamparo e de fragi lidade um excessivo uso de identificações 172 DAVID E ZIMERMAN projetivas as quais aumentam à medida que não encontram um continente acolhedor e transformador um terror sem nome que refe re a fortes angústias desconhecidas pelo me nos não reconhecidas pelo paciente que se não forem devidamente nomeadas serão atuadas 4 Acting como resultante da função K Faz parte da aludida parte psicótica da perso nalidade o estabelecimento de um ódio às ver dades penosas tanto as externas quanto as in ternas sob a forma que Bion designou com a sigla negativa de K inicial da palavra know ledge no original em inglês Assim um pa ciente cuja mente está saturada por um estado mental tipo não sei não quero saber e odeio quem sabe fatalmente estará propenso a subs tituir o conhecimento por várias formas de negação incluída a de acting Também o K é responsável pelas diversas formas de menti ras falsificações e mistificações que podem ser empregadas pelo paciente como uma modali dade de atuação 5 Acting por meio de uma nãocomuni cação verbal A partir dos estudos de Bion acer ca da linguagem e da comunicação os analis tas passaram a perceber mais claramente que nem sempre o discurso verbal está a serviço de realmente comunicar algo ao interlocu tor pelo contrário o seu propósito incons ciente pode justamente estar visando a uma nãocomunicação por intermédio de um ata que aos vínculos perceptivos do analista Nesse caso o terapeuta pode ficar confuso sonolento irritado etc tudo isso se consti tuindo em um acting porquanto adquire a estrutura de uma tenaz e ativa resistência ao trabalho analítico O ACTING NA PRÁTICA ANALÍTICA As modalidades antes destacadas podem ser resumidas no fato de que o acting proces sase como uma forma de substituição de uma ou mais de uma incapacidade como são as sete seguintes que apresentam um significati vo prejuízo das funções do ego não poder re cordar pensar simbolizar conhecer verbalizar autoconter e inclusive a de livremente po der fantasiar Ademais vale acrescentar mais algumas outras possibilidades nos modos de manifestação bem como nas causas da forma ção de actings como são os que se seguem 1 Uma forma de reexperimentar no curso da análise velhas experiênciais emocionais malresolvidas Muitos autores consideram que os precursores do actingout originamse no período préverbal e na précapacidade para pensar de sorte que o paciente adulto regride a essa etapa evolutiva na qual o ato impulsi vomotor da criança era o seu único meio de obter gratificação e ajuda Igualmente o acting pode estar significando uma tentativa de pre enchimento de lacunas afetivas logo a busca de uma reestruturação Pode servir como exem plo dessa eventualidade o fato de que algumas vezes uma atuação homossexual em um pa ciente masculino esteja significando uma irre freável busca de um faltante e estruturante pênis paterno por intermédio de uma incor poração anal tal como apontam autores se guidores de Lacan 2 Uma fuga de um estado mental para outro Explico melhor com o exemplo dos ca sos de donjuanismo cuja intensa atuação na conquista de mulheres pode aparentar uma forte resolução edípica quando na verdade ela pode estar representando não mais do que uma pseudogenitalidade encobridora de pro fundas feridas narcísicas que reclamam uma imperiosa necessidade de reconhecimento de que ele está sendo amado e desejado e por tanto que ele existe A recíproca disso pode ser verdadeira isto é um sujeito pode atuar a partir de um regressivo refúgio em uma autar quia narcisista como uma forma de ele fugir de uma temida sexualidade edípica 3 A possibilidade de que a atuação possa estar representando alguma forma de crescimen to Particularmente considero esse aspecto in teressante e importante não só porque ele não aparece com freqüência na literatura psicana lítica mas principalmente pelo fato de que se o analista não estiver suficientemente atento poderá interpretar com um enfoque negativo aquilo que embora oculta por uma aparência enganadora esteja indicando alguma forma importante de mudança psíquica Um exemplo que me ocorre relativo a isso é o de uma paciente que nos primeiros tem pos de análise mostravase como uma exce lente cumpridora de todas as combinações do MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 173 setting era assídua pontual pagava rigorosa mente em dia telefonandome a tempo nas raras vezes que tinha que se atrasar ou faltar após alguns anos essa paciente começou a che gar atrasada e a faltar seguidamente sem ra zões justificáveis e deixou de me comunicar isso por telefone Contive a tentação de inter pretar essa indiscutível atuação como um ata que dela resistência à análise ou algo equiva lente pois um sentimento intuitivo alertava me que algo importante estava se passando com ela De fato ela ganhara com a análise suficiente confiança básica nela e em mim a ponto de fazer um movimento inconsciente de testar se as suas características de sairse bem em tudo que fazia se deviam a uma obediência ao ideal do ego plantado por seus pais ou se eram dotes autênticos e livres O interessante é que após a análise desses aspectos que moti vavam o seu acting aparentemente de rebel dia e que se prolongou por muitos meses a paciente retomou a sua atitude de cumpridora das combinações do enquadre analítico com a diferença de que agora ela o fazia não por que estaria sendo compelida por uma ritua lística obsessiva mas sim com um sentimen to de liberdade e quando ocasionalmente me telefonava era não por uma obediência devida à sua intimidação mas sim por uma conside ração a mim Embora esse exemplo de acting que no caso representava um movimento de crescimento analítico possa parecer por demais banal acredito que ele tenha uma significação profunda porque ele se reproduz com múlti plas variantes equivalentes no diaadia dos consultórios de cada um de nós 4 Uma forma de dramatização do mundo interno Essa modalidade de atuação também sutil e bastante freqüente consiste no fato de que o paciente aciona outras pessoas a desem penharem e representarem determinados pa péis que correspondem ao script de seu drama original no qual os personagens que interagem são os seus objetos primitivos enquanto o ce nário é o espaço da sua mente inconsciente É interessante assinalar que as palavras drama e dramatização vêm do grego drama cujo signi ficado é sentimentos que se concretizam em figuras que agem com movimento e ação Para ficar em um único exemplo vale lembrar o quanto alguma dramatização na situação psi canalítica que aparece nos pacientes de carac terísticas marcadamente histéricas manifesta se não somente por meio de um estilo dramá tico e hiperbólico de como eles fazem suas comunicações verbais como também de re gra virtualmente todas as sessões desses pa cientes são pontuadas pelo relato do dra ma do dia cuja essência em todos eles é a mesma embora os personagens envolvidos variem bastante 5 Uma escolha de pessoas que atuam pelo paciente Essa modalidade de atuação nem sem pre é perceptível pelo analista pois o paciente mantémse inocente enquanto ele induz ou tras pessoas a atuarem por ele Todo analista conhece aquele paciente que como alguém que não quer nada sutilmente introduz o as sunto sobre analistas mesmo em rodas sociais de modo a colher informações íntimas de seu terapeuta Da mesma forma é comum que esse tipo de paciente atuador conte algum episódio da análise com a sua versão pessoal assim con seguindo manifestações desqualificatórias por parte de uma outra pessoa que por sua vez leve adiante o fato de denegrir o analista en quanto o analisando simplesmente faz o rela to na sessão de uma forma um tanto ingê nua porém com um discreto toque de triun fo Exemplos como esse no qual o paciente faz um jogo de intrigas enquanto permanece protegido pelo obrigatório sigilo do analista poderiam ser multiplicados sendo que mui tas vezes esses actings processados por meio de outras pessoas que se prestam a esse jogo podem adquirir características malignas 6 Acting devido às inadequações do ana lista Bem mais freqüente do que possa pare cer vou me limitar a apontar duas causas nas quais as falhas reais do terapeuta resultam em alguma forma de atuação do paciente A pri meira acontece principalmente com pacientes em estado regressivo quando ele não se sen tiu compreendido pelo analista ou mais gra vemente ainda quando somado a isso ele ain da recebe interpretações que o fazem se sen tir culpado e desqualificado A segunda possi bilidade lamentavelmente não tão rara refe rese ao fato de que certos desejos proibidos e reprimidos no inconsciente do analista por meio da sua linha interpretativa às vezes com um propósito não reconhecido por ele de exibicionismo voyeurismo ou donjuanismo por exemplo serão satisfeitos por esse analis 174 DAVID E ZIMERMAN ta por intermédio de algum acting praticado pelo seu paciente 7 Acting em crianças Transcrevo um tre cho de um trabalho de B S Francisco 1995 p140 com o qual pretendo sintetizar o pre sente item Achamos que constitui um problema es pecífico da psicanálise de crianças discri minar actigouts de atos pois a transição de um para o outro é sutil diferentemen te do adulto nos quais o controle da mo tricidade e o uso predominante da lingua gem verbal faz com que o ato se destaque O analista de crianças tem que se prestar a brincar representar aceitar limitar fisi camente até que as possibilidades de mentalização possam ocorrer em seus pa cientes Nesses casos a elaboração de um conflito como ocorre no actingout de adultos coincide com o trabalho de ela boraçãoinstauração da própria mente 8 Acting e mitologia pessoal No excelen te artigo mencionado Francisco p138 o autor a partir do mito de Atalanta traça um interessante paralelo com os mitos pessoais que com configurações distintas cada indiví duo porta dentro de si Esse trabalho conclui afirmando que em tais casos a análise mostra que o actingout não é um ato isolado mas sim uma concatenação de atos que se articu lam entre si como o roteiro de um conto de uma história É na repetição do conto e na articulação de seu encadeamento que se descobre a revelação sob forma de me táfora como ocorre na mitologia 9 Contraacting É relativamente fre qüente a possibilidade de que o paciente mo bilize no analista um despertar de emoções que o deixem confuso invadido que ele fica por sentimentos contratransferenciais que nem sempre são perceptíveis porém que po dem acionálo a agir de alguma forma anti analítica Essas contraatuações tanto po dem ser discretas e inócuas quanto podem atingir o desvirtuamento do setting instituí do ou alguma transação comercial uma ex cessiva intimidade social o extremo de um grave envolvimento sexual etc De qualquer forma um contraacting do terapeuta sempre tem relevância na prática analítica como a seguir será enfocado 10 As atuações por parte do paciente em grau maior ou menor de uma maneira ou outra motivadas por alguma das diversas ra zões possíveis inconscientes ou conscientes ocorrem em toda e qualquer análise Na hipó tese que nunca ocorra alguma forma de atua ção isso pode ser um sinal preocupante pois esse paciente ou está exageradamente escu dado em uma couraça caracterológica obsessi va ou o analista está deixando de perceber algo nesse sentido 11 Muitos textos psicanalíticos descre vem separadamente actingout de actingin no entanto como a essência de ambas as situa ções é exatamente a mesma optei por chamá las com a denominação genérica de actings O que importa ser bem distinguido é a diferença que existe entre atuação tal como está sen do conceituado no contexto deste capítulo da quilo que não é mais do que uma ação impul siva do paciente 12 Até poucas décadas o surgimento de algum acting era malrecebido pelo analista e sempre era significado como nocivo à análise No entanto da mesma forma como ocorreu com os fenômenos da resistência transfe rência e contratransferência que igualmen te por longo tempo foram considerados por Freud e seu seguidores como prejudiciais à aná lise e aos poucos foram reconhecidos como excelentes instrumentos para a prática analíti ca também o acting está sendo reconhecido como uma importante via de acesso ao incons ciente 13 A partir das interrelações que Freud estabeleceu entre a resistência e a transfe rência cabe dizer que o acting se constitui como alguma forma particular de resistência contra a dor psíquica ao mesmo tempo em que também representa ser alguma modalidade de transferência 14 Da mesma maneira que aqueles fenô menos mencionados a existência da atuação na situação analítica tanto pode ser maléfica inócua ou benéfica Ela é maléfica no sentido de destrutiva quando pela sua intensidade qualidade maligna e uma condição de se mos trar refratária às interpretações em um grau extremo pode se constituir em uma resistên MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 175 cia poderosa que funcione como um sério em pecilho podendo inclusive desembocar em um irreversível impasse psicanalítico situa ção que ocorre mais freqüentemente com pa cientes portadores de fortes traços psicopáticos ou perversos 15 Todavia na sua grande maioria as atuações são inócuas porque elas não repre sentam uma maior preocupação e elas se cons tituem como benéficas construtivas nas si tuações em que representam uma tentativa de mudança como por exemplo é o caso de um paciente exageradamente obsessivo que se per mite testar a realidade com alguma forma de acting em vez de ficar em uma eterna rumina ção obsessiva Assim por diante exemplos equi valentes poderiam ser multiplicados 16 A atitude analítica interna do tera peuta diante das atuações do paciente não deve estar impregnada e saturada de precon ceitos préconceitos de ordem moralística que além de fazer soar a palavra atuação como um nome feio ainda lhe confere uma conotação pejorativa e mobiliza um rechaço Nesses casos o analista pode estar deixando de reconhecer uma possível mensagem incons ciente do paciente acerca de uma busca dele de vir a conseguir satisfações ou punições e especialmente como uma importante forma de comunicação primitiva Além disso também há a possibilidade antes aludida de que o analis ta devido à saturação da sua mente não con siga perceber quando a atuação esteja signifi cando algum movimento construtivo 17 Não obstante é inegável que deter minados actings adquirem uma perigosa natu reza psicótica maníaca perversa ou psicopá tica assim representando um grave risco de que eles possam comprometer de forma des trutiva não somente a imagem e a integridade do próprio paciente mas também das pessoas que ele consegue envolver inclusive a do ana lista além da deterioração da sua análise 18 Como decorrência imediata disso cabe levantar uma importante questão está justificado que em certos casos imponhase a necessidade de o analista tomar uma atitude categórica diretiva até mesmo proibitiva in cluída a possibilidade de chamar os familiares desse paciente e partilhar com eles as respon sabilidades pelas preocupações daquelas gra ves atuações que ele tomou conhecimento por meio do sigilo da situação analítica Creio que a resposta é afirmativa sempre que o analista consiga discriminar se a significação da atua ção é inócua construtiva ou destrutiva sendo que nesta última situação a indispensável co locação de limites deve ser feita por meio de interpretações e somente quando essas se re velarem inoperantes a um mesmo tempo que o grau máximo de continente do analista es tiver esgotada é que fica justificada a sua to mada de uma medida extrema de proibição explícita dos perigosos actings inclusive com o direito de o analista condicionar isso à conti nuação ou à interrupção da análise 19 As causas mais comuns que disparam o gatilho dos actings dizem respeito a alguma forma de o paciente estar revivendo na situa ção analítica as primitivas experiências de traumas com as respectivas sensações peno sas de desamparo Algumas dessas situações mais costumeiras no curso do processo analí tico referemse ao eventual surgimento de an gústia de separação a penosa renúncia às ilusões narcisísticas a transição para o esta do psíquico de uma posição depressiva as sim como os momentos catastróficos segun do Bion que acompanham as verdadeiras mu danças psíquicas do paciente Em todos esses casos os pacientes estão avidamente buscan do a objetos substitutos que possam preencher os vazios que as referidas vivências de desam paro provocam em si 20 A identificação projetiva é considera da como o mecanismo essencial do acting de modo que a importância disso é complemen tada pelo fato de que ela pode provocar equi valentes contraidentificações no analista e por conseguinte induz a respostas contratrans ferenciais contraresistenciais e a contra actings sendo que a própria interpretação eventualmente possa estar a serviço de algu ma atuação do analista 21 É imprescindível que se leve em con ta a necessidade de se fazer uma distinção en tre o que é contraacting do analista provoca do pelo paciente e aquilo que está sendo aci ma de tudo um acting do analista provindo unicamente do inconsciente dele próprio e que pode levar o analisando a contraatuar Da mes ma forma também se deve considerar a possi bilidade nada incomum de que a análise pos sa estar contaminada por um inconsciente e 176 DAVID E ZIMERMAN inaparente conluio de atuações entre ambos do par analítico 22 Convém assinalar que a dinâmica prin cipal que preside a prática de atuações do pa ciente ou do analista ou de ambos devese a uma evacuação de elementos psíquicos indiges tos daí que se pode dizer que os actings encon tram equivalentes nas somatizações e na acidentofilia reiterada busca inconsciente de acidentes pessoais 23 Finalmente é útil consignar a distin ção que deve ser feita entre uma ação e uma atuação A primeira decorre em três tempos o desejo cuja impulsividade para ser satisfeito sofre o crivo de uma reflexão com pensamen tos críticos que consideram as seqüências dos atos com as respectivas conseqüências ao que se segue uma ação sob forma de tomada de decisão de atitude de conduta Por seu turno a atuação processase em dois tempos ao de sejo seguese uma impulsividade para a ação sem transitar pelo pensamento reflexivo com o resultado de que existe uma seqüência de atos em que não são avaliadas as conseqüências MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 177 quanto ao psicanalista cabia a tarefa única de decodificar as narrativas e traduzilas para o analisando A noção de vincularidade implica uma contínua interação entre analista e analisan do pela qual o primeiro deixa de ser unica mente um observador e passa a ser um parti cipante ativo de modo que cada um deles do par analítico influencia e é influenciado pelo outro Assim a interpretação formal repre senta ser uma das peças embora importan tíssima de um processo bastante mais amplo que é o da comunicação entre ambos tanto a que é consciente como a inconsciente a ver bal e a nãoverbal no registro imaginário ou no simbólico no plano intra inter ou transpes soal na dimensão científica filosófica ou ar tística etc Sabese que nos primórdios da psicaná lise a interpretação valorizava sobretudo a decodificação do simbolismo dos sonhos como a via régia de acesso ao inconsciente Em um segundo momento a interpretação dos sonhos cedeu lugar à interpretação sistemática do aquiagoracomigo da neurose de transferên cia Na atualidade todavia a transferência não está sendo entendida unicamente como uma simples repetição do passado de modo que a interpretação também deve levar em conta outros fatores inclusive o da pessoa real do psicanalista Nesta perspectiva da atual psicanálise vin cular resulta ser claro o fato de que nem tudo o que o paciente diz tem a finalidade de comu nicar algo à espera de uma interpretação efi caz por parte do analista pelo contrário fre 15 A Atividade Interpretativa Pisa mas pisa devagar porque estás pisando nos meus sonhos mais queridos Yeats Amor sem verdade não é mais do que paixão verdade sem amor não passa de crueldade W Bion Habitualmente na literatura psicanalíti ca sobre técnica a abordagem do tema relati vo à atividade das intervenções do analista costuma ter o título de Interpretação no en tanto na atualidade colocar no singular um assunto tão amplo e que permite tantos vérti ces e dimensões de entendimento e de abor dagem seria simplificar demasiado e sacrificar a riqueza do campo analítico Prefiro a termi nologia de Atividade Interpretativa De fato a interpretação vem sofrendo significativas e acentuadas transformações neste primeiro sé culo de existência da ciência psicanalítica notadamente naqueles aspectos que dizem res peito ao paradigma da vincularidade que vem caracterizando a psicanálise contemporânea ou seja que o processo analítico não fica tão centrado na pessoa do analisando tampouco na do analista mas sim no campo que se esta belece entre eles Por um outro lado desde os seus primórdios até a atualidade continuam persistindo muitos pontos bastante polêmicos e controvertidos entre os psicanalistas em re lação ao conteúdo à forma à finalidade e ao estilo de interpretar CONCEITUAÇÃO O termo interpretação está bem adequa do desde que se leve em conta que o prefixo inter designa uma relação de vincularidade en tre o analisando e o analista o que é muito diferente daquela idéia clássica de que caberia ao paciente o papel de trazer o seu material sob a forma de livre associação de idéias en 178 DAVID E ZIMERMAN qüentemente o discurso do paciente visa exa tamente ao contrário ou seja a dominar con trolar e induzir o analista a lhe interpretar justamente aquilo que ele quer ouvir para triun far sobre ele ou para não necessitar sofrer e fazer verdadeiras transformações e mudanças na sua personalidade Da mesma forma nem tudo o que o psi canalista diz são interpretações que corres pondam ao que realmente proveio do anali sando pois não poucas vezes elas não são mais do que chavões repetitivos e estereotipa dos ou acusações disfarçadas que no entanto podem adquirir um alto grau de poder de su gestão sobre o paciente induzindo tal ao aporte de material associativo que simula uma falsa eficácia Por outro lado é bem sabido que na re ciprocidade do vínculo analisandoanalista as maciças identificações projetivas do primeiro deles poderá provocar no psicanalista uma des tas duas possibilidades 1 uma contratrans ferência patológica e 2 uma transformação para o estado mental de uma indispensável fun ção de empatia por parte do psicanalista A importância disto é que cada uma dessas duas possibilidades definirá a construção de um modo e conteúdo de interpretações possivel mente diferentes conforme a égide de um ou de outro dos aludidos estados engendrados na mente do analista Igualmente cabe a pergunta se o mais importante é aquilo que o paciente diz e faz ou o que ele deixou de dizer sentir e fazer Aquilo que ele associa e verbaliza ao terapeuta ou como ele entende e significa o que se diz a ele A resposta a esta última pergunta também deve levar em conta o fato de ser bastante co mum que o analisando responda mais à meta comunicação do analista aquilo que é trans mitido por outros meios que não o das pala vras do que propriamente ao conteúdo conti do nas verbalizações das interpretações A função de interpretar não é unívoca e podese dizer guarda uma equivalência com a hermenêutica arte de interpretar particular mente os textos de natureza muito ambígua sendo que essa área semiótica pode lembrar as características dos oráculos ou seja cada paciente emana signos e mensagens de múlti plos significados que necessitam serem decodificados diferentemente a cada vez de acordo com a situação e o momento particular de cada intérprete no caso o psicanalista A interpretação segundo o consenso ge ral entre os psicanalistas sobretudo visa à ob tenção de insight de modo que a convergên cia e interrelação dos diversos insights parci ais é que vai possibilitar o trabalho de uma ela boração psíquica e conseqüentemente a aqui sição de verdadeiras mudanças caractero lógicas Todos estamos de acordo com essa afir mativa porém é necessário acrescentar que a interpretação do analista não deve ficar restri ta unicamente à conscientização dos conflitos inconscientes mas sim que ela também se cons titui como uma dialética com uma nova co nexão e combinação de significados de modo a possibilitar que o analisando desenvolva de terminadas funções nobres do ego que ou nun ca foram desenvolvidas ou que foram porém estão obstruídas como é por exemplo a aqui sição de uma capacidade para pensar as ve lhas e as novas experiências emocionais O mesmo vale para o desenvolvimento de outras capacidades do ego consciente do analisando como é o caso de sua capacidade para enfrentar o conhecimento das verdades penosas função K segundo Bion ao invés de simplesmente evadilas K desenvolver a capacidade de ser continente dos outros e de si mesmo conseguir fazer a abertura de novos vértices de percepção e entendimento de forma a possibilitar uma visão binocular Bion dos mesmos fatos psíquicos Cabe acrescentar que essa capacidade de visão binocular constituise como uma condição básica e necessária para a correlação confron tação e comunicação elementos fundamen tais na atividade interpretativa Interpretação é um termo consagrado na psicanálise e deve permanecer restrito a ela embora essa função não seja exclusivida de do campo psicanalítico Assim não me pa rece ser um exagero a afirmativa de que uma mãe adequadamente boa interpreta ao seu bebê quando mercê de sua capacidade de rêverie escuta compreende significa e nomeia a comunicação primitiva do seu filho Muito embora sejam situações bem distintas enten di ser útil esta metáfora como uma forma de caracterizar que o ato interpretativo se forma aquém e além das palavras unicamente Essa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 179 comparação adquire uma maior validação se se levar em conta que a mãe consegue inter pretar seu filho somente se ela tiver aquilo que Bion denomina função alfa sendo que o mesmo acontece com o psicanalista consti tuindose como uma condição necessária mí nima Bion para que ele possa interpretar adequadamente NA PRÁTICA ANALÍTICA Dentre inúmeros outros aspectos que di zem respeito tanto ao paciente quanto ao ana lista bem como ao vínculo entre ambos os seguintes merecem ser assinalados Aspectos básicos 1 Nem tudo o que o analista diz é inter pretação e tampouco nem toda obtenção de um insight é formulada sob o modo formal de uma interpretação 2 Interpretação não é o mesmo que tradução simultânea daquilo que o paciente diz 3 Também não é um transfe rencialismo pelo qual tudo que for dito pelo analisando em qualquer circunstância sofre um sistemático reducionismo ao clássico é aqui agoracomigocomo lá e então 4 Mesmo que o analista não se nomeie referindose explicita mente à sua pessoa aquilo que ele diz pode funcionar como uma interpretação transfe rencial 5 Há um permanente risco de que a interpretação incida sobre o que o analisando fala e não sobre o que de fato ele diz faz e sobre quem realmente ele é não custa enfati zar que o mesmo vale para a fala do analista 6 Acima de tudo a importante função da in terpretação tal como insiste Bion não é de conhecer sobre mas sim de promover no paciente transformações em direção a um vir a ser 7 A atividade interpretativa não visa unicamente a tornar consciente o conflito in consciente entre pulsões e defesas porquanto ela também visa a assinalar os significados das crenças idéias afetos e transformações que es tão se processando 8 De modo geral a ativi dade interpretativa visa a atingir essas três me tas na mente do paciente curiosidade refle xão e transformações 9 Um dos mais impor tantes objetivos da interpretação é introduzir o paciente à pessoa mais importante com que ele jamais poderá lidar ou seja ele mesmo 10 A interpretação deve sempre manter uma visão binocular ou multifocal isto é o terapeuta deve estar atento aos diferentes aspectos o lado sadio doente a parte criança adulta etc que convivem em um mesmo paciente freqüentemente de forma contraditória e an tagônica 11 Toda interpretação muito antes de uma verdade acabada e final não é mais do que uma hipótese a ser ou não confirmada pelo paciente 12 Dar interpretações no sentido de alimentar na boca o que reforça a depen dência infantil do paciente não é a mesma coisa que manter uma permanente atividade interpretativa o paciente trabalha junto com o analista 13 Mais do que uma decodificação do conflito pulsional no clássico modelo de causa efeito a interpretação consiste na cons trução de novos sentidos significados e na nomeação das velhas bem como das novas difíceis experiências emocionais 14 Quando o paciente for capaz de evocar imagens visuais no analista isso é um indicador de que ele já está produzindo e fornecendo elementos alfa 15 Como em tudo também a atividade interpretativa do analista pode ser normal ou patogênica Formação da interpretação na mente do analista Preliminarmente é indispensável estabe lecer que a interpretação fundamentada no vín culo interacional também deve ficar definida por aquilo que ela não é Assim vale consignar que ela não deve ser influenciada confundida ou superposta com os inconscientes muitas vezes conscientes propósitos do analista ami zade sedução confissão poder apoio morali zação catequese aconselhamento ser o subs tituto de mãe ou pai etc 1 Em sua essência a interpretação é o resultado final de uma comunicação entre as mensagens via de regra transferenciais emi tidas pelo analisando e a repercussão contra transferencial conceituada em um sentido genérico que aquelas despertam no psicana lista em três tempos o de uma acolhida segui da de transformações em sua mente e final 180 DAVID E ZIMERMAN mente a devolução sob a forma de formula ções verbais ou seja tudo se processa no se guimento desses sucessivos passos na mente do analista uma empática disposição para uma escuta polifônica ou seja são diversas as for mas de linguagem uma capacidade para con ter as necessidades desejos angústias e incóg nitas nele depositadas paciência para permitir uma ressonância por vezes muito turbulenta em seu próprio psiquismo em especial aquela que consiste na qual o analista se confronta com a sua impotência e ignorância 2 Essa última requer uma condição de capacidade negativa termo com que Bion designa uma necessária capacitação do tera peuta para suportar sentimentos negativos dentro de si decorrentes de ele não saber o que está se passando transitoriamente na si tuação analítica 3 Igualmente o analista deve ter capaci dade para exercer uma função alfa Bion que o possibilite processar a decodificação das iden tificações projetivas do paciente e as respecti vas contraidentificações de modo a possibili tar a ativas transformações de entendimento e de significados até que o psicanalista perceba estar em condições de dar um nome às expe riências emocionais que estão sendo vividas e revividas A partir daí o terapeuta pode dar o passo final que é o de verbalizar àquelas últi mas com uma formulação que seja coerente com o momento particular de cada situação analítica com o seu estilo autêntico na forma de interpretar e o propósito de promover a abertura de novos vértices de percepção e com preensão na mente do analisando de forma a possibilitarlhe uma visão multifocal dos mes mos fatos psíquicos 4 A atitude psicanalítica interna do ana lista é fundamental para um bom exercício da atividade interpretativa Além da capaci dade negativa referida também é necessário que o analista mantenha um estado de aten ção flutuante isto é que não esteja com a sua mente saturada com desejos memória por exemplo daquilo que ouviu do seu su pervisor na véspera e ânsia de compreensão imediata 5 Assim os sonhos contratransferenciais podem servir como um excelente indicador da possibilidade de o analista estar enredado nas projeções que o paciente faz dentro dele e de que o terapeuta não esteja conseguindo ter uma boa capacidade negativa que lhe permitiria contêlas dentro de si o que lhe facilitaria a compreensão e logo a interpretação 6 Acredito que toda atividade interpre tativa como que repousa em um sistema de duas coordenadas em uma forma de letra L um eixo é o da interpretação propriamente dita enquanto o outro é o da atitude psicanalítica interna do analista Quanto mais regressivo for o paciente psicóticos borderlines etc mais relevante é este último eixo mencionado 7 Também é necessário levar em conta alguns outros fatores importantes Um deles é o que se concerne ao surgimento espontâneo da intuição do analista a qual consiste em uma espécie de terceiro olho in dentro tuere olhar em latim significa olhar para den tro que segundo Bion constituise em um elemento muito relevante na construção da in terpretação surgindo quando a mente do ana lista não está saturada pelo uso exclusivo dos seus órgãos dos sentidos visão audição nem pela sua memória ativa e tampouco pelos seus desejos e ânsia de compreensão imedia ta Aliás a favor do surgimento da intuição Bion recomendava aos analistas para que dei xassem livre a imaginação a fim de promover a sua imagememação 8 Um segundo fator a considerar em re lação à formação da interpretação consiste no fato de que um clima positivo no vínculo psi canalítico existência de uma aliança terapêu tica empatia respeito paciência holding etc independentemente se a situação psi canalítica estiver em transferência positiva ou negativa costuma produzir o que venho su gerindo denominar experiência emocional transformadora A inclusão do termo trans formadora alude ao fato de que as transfor mações operadas no psiquismo do analisan do além das clássicas interpretações produ toras de insights da abertura de novos vérti ces afetivos sentir cognitivos conhecer e cogitativos pensar também se devem ao fato de que o analista por meio do seu modelo real de como ele pensa as experiências emo cionais enfrenta angústias ligase às verda des enfim o seu modo autêntico de ser está propiciando ao paciente a possibilidade de fazer algumas necessárias desidentificações e dessignificações substituindoas por neo MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 181 identificações e neosignificações assim como igualmente promove novos modelos de fun cionamento de capacidades de ego no senti do de como enfrentar com dor os velhos e novos problemas no lugar de simplesmente evadilos 9 Também vale consignar que a interpre tação não se forma única e exclusivamente a partir de uma situação que de forma definida esteja dentro da transferência No fundo sem pre é possível captar que há transferência em tudo porém nem tudo é transferência a ser sis tematicamente interpretada Assim conforme a situação psicanalítica muitas vezes a inter pretação não deve enfatizar tanto a presença dos sentimentos transferenciais mas sim o desenvolvimento da capacidade para pensar e comunicálos ao analista 10 Um outro fator que exerce uma signi ficativa diferença na formação da interpreta ção na mente do analista é o que diz respeito ao referencial teóricotécnico da corrente psi canalítica no qual ele está respaldado Tal fato tem muito a ver com o critério de escolha do analista em relação a qual aspecto presente na situação psicanalítica merece a prioridade das interpretações e qual o tipo de significado será transmitido ao paciente Aliás todos sabemos que entre tantas interpretações possíveis em certos momentos é difícil saber qual delas é a mais exata ou muito mais importante que isto qual será a mais eficaz conforme comumente fica evidenciado no curso de supervisões cole tivas em que abundam múltiplos e distintos vértices interpretativos 11 Assim os analistas mais ligados às raízes freudianas ficarão mais atentos à livre associação de idéias do paciente buscando re conhecer a presença das pulsões sobretudo as manifestações do desejo intimamente ligadas às vivências edípicas com o respectivo cortejo de ansiedades e defesas consistindo a interpreta ção em trazêlas do inconsciente para o consci ente Aqueles que são seguidores mais fiéis aos postulados kleinianos privilegiarão as relações objetais internas com o inevitável acompanha mento das fantasias inconscientes ansiedades de aniquilamento decorrentes da pulsão de morte defesas primitivas com as conseqüentes culpas e necessidade de reparação Até certa época as interpretações dos analistas kleinianos deveriam ser sempre formuladas no aquiago racomigo transferencial bem como costuma vam privilegiar os aspectos sádicodestrutivos ser dirigidas a objetos parciais e a órgãos anatô micos em uma tentativa de conseguir um con tato com as arcaicas experiências emocionais Vale consignar que nas últimas décadas os prin cipais autores kleinianos vêm gradativamente modificando a sua técnica interpretativa em diversos aspectos Para dar um único exemplo vale citar a Rosenfeld cujos primeiros trabalhos importantes com pacientes psicóticos revelam o quanto ele nitidamente centrava as suas in terpretações na presença da inveja primária e nos acompanhantes de ódio destrutivo e con trole onipotente O mesmo autor da idêntica forma como sucedeu com outros póskleinianos importantes como Bion por exemplo modifi cou a sua posição em relação à inveja primária conforme aparece em seu último e póstumo li vro Impasse e interpretação 1988 p 32 no qual Rosenfeld deixa claro que a interpre tação da inveja deve se dirigir às defesas contra ela narcisísticas maníacas ou melancólicas e às conseqüências dela dor vergonha humilha ção e culpa A interpretação não deve enfatizar a inveja propriamente dita repetidamente mas sim as conseqüências que inibem a capacidade de amar A inveja propriamente dita somente diminui quando o paciente sentese aceito res peitado e sabe que tem um espaço para pensar contestar e crescer 12 Creio que cabe construir uma metá fora no sentido de que a formação e a formu lação da interpretação na mente do analista guarda uma analogia com um espelho para bólico O que define esse tipo de espelho é que ele tem a propriedade de fazer com que convirjam os raios luminosos que incidem sobre ele de forma paralela ou seja organi za junta e integra elementos diferentes sob uma primazia única De maneira análoga incidem sobre a mente do analista uma quan tidade enorme de mensagens emitidas pelo paciente e à moda de um espelho parabóli co ele deve possuir uma boa capacidade de função sintética do ego para extrair um deno minador comum Bion chamaria de fato se lecionado que dê ordem ao caos 13 O analista deve considerar que as pa lavras são polissêmicas isto é cada uma delas permite vários significados de modo que tanto o analista pode entender de forma equivoca 182 DAVID E ZIMERMAN da o que o paciente lhe diz quanto também o paciente pode distorcer o real sentido das palavras que o analista usou na sua interpre tação Cabe ilustrar com um fato pitoresco que um saudoso analista professor contavanos quando ele fazia a sua formação em Buenos Aires interpretou certa vez ao paciente que então ele analisava a emergência de um as pecto homossexual deste Para surpresa do analista brasileiro o paciente argentino pa receu ter gostado porque nada comentou porém esboçou um discreto sorriso de satis fação Decorrido um longo tempo em certa sessão coube ao paciente algo contristado trazer a sua angústia diante de que observa va em si a emergência de pensamentos e de sejos homossexuais O analista lembrouo de que ele já havia interpretado tal aspecto e que o paciente não ligara ao que este muitíssi mo surpreso redargüiu que se lembrava do fato mas que ele havia entendido que o ana lista lhe teria dito que ele o paciente era um hombre muy sexual Alguns questionamentos relativos à interpretação Inúmeros aspectos relativos à arte de in terpretar continuam polêmicos entre os psica nalistas valendo a pena abordar mais detida mente alguns deles Sempre que possível emi tirei a minha posição pessoal em relação aos mesmos 14 Interpretação superficial e profunda Comumente existe por parte dos psicanalis tas um certo juízo pejorativo ao que se deno mina interpretação superficial e inversamen te uma respeitosa admiração pela profunda Em meu modo de entender esta última não deve ser medida unicamente pelo grau de pro fundidade das evolutivas camadas primitivas da mente que a interpretação pretendeu atin gir antes disso creio que o critério deve ser o de se ela conseguiu ou não ir pro fundo das necessidades e ansiedades emergentes no pa ciente em um dado momento da situação psi canalítica Visto por esse vértice é interessan te o fato de que as interpretações realmente profundas são as superficiais no sentido de que elas entram em contato com o que está palpitando na superfície emocional do pacien te Dentro desse contexto confesso que não consigo entender por que ainda na atualida de muitos autores além de inúmeros psica nalistas de larga experiência continuam se questionado se é válido interpretar na transfe rência desde as primeiras sessões Particular mente interpreto inclusive nas sessões preli minares de avaliação desde que a interpreta ção seja de natureza compreensiva que é muito diferente de uma disruptiva por exem plo como explicitarei mais adiante ou seja que ela tenha o dom de fazer com que o paci ente se sinta profundamente entendido assim aliviando as suas fortes ansiedades iniciais e promovendo a semeadura de uma necessária aliança terapêutica 15 Um exemplo banal disto na entrevis ta inicial de avaliação uma senhora deprimi da que buscava tratamento analítico enquan to relatava os seus principais motivos reprisava com freqüência o quanto tem procurado por pessoas que sejam amigas de verdade porém mais cedo ou mais tarde ela tem sido engana da por todos que se fazem de bonzinhos mas sempre a abandonam depois de a explorarem Creio que nenhum de nós contesta que esta paciente está pedindo embora de forma in consciente para ser compreendida e interpre tada quanto à sua expectativa de que ela en contre no analista uma pessoa verdadeiramente amiga e prestimosa a um mesmo tempo em que a analisanda mostrase bastante assusta da e angustiada diante da perspectiva de que venha a sofrer um novo fracasso afetivo Isto é que esta pessoa nova o analista mais cedo ou tarde venha a decepcionála explo rando seu dinheiro valores e esperanças para depois abandonála Exemplos dessa natureza são diuturnos e infinitos O importante é não confundir interpretação superficial com su pérflua esta última com o sentido de inócua estereotipada ou tautológica esse último ter mo alude ao terapeuta repetir a mesma coisa que o paciente disse embora o faça com ou tras palavras 16 Interpretar o conteúdo ou as defesas Um outro questionamento correlato ao anteri or é se as interpretações devem ser dirigidas prioritariamente ao conteúdo pulsões fanta sias inconscientes etc ou às defesas que cons tituem as diversas modalidades resistenciais MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 183 Igualmente até uma certa época pioneira os psicanalistas discutiam se as interpretações deviam obedecer a uma ordem seqüencial ca mada por camada do psiquismo da superfície para a profundidade como postulava Reich 1934 em uma equivocada crença de que a história do processo analítico reproduziria li nearmente os passos da história do analisan do Não me parece que restem dúvidas entre os psicanalistas da atualidade em relação a es tes aspectos e outros equivalentes porquanto prevalece um consenso geral de que tudo ocor re de forma simultânea e que tanto mais efi caz será uma interpretação quanto mais espon tânea ela for sendo que o nível o grau e a opor tunidade em que ela for formulada serão dita dos pelo sensibilômetro do analista para cada situação analítica em particular 17 Usar a via di porre ou a di levare Não custa lembrar que Freud 1905 mencio nando Leonardo da Vinci afirmou que uma interpretação tal como acontece na criação das obras de arte pode agir tanto com o analista pondo algo dentro do paciente como faz o pin tor diante de sua tela é a via di porre ou reti rando os excessos como na escultura é a via di levare do que resulta o afloramento de algo que já preexistia em um estado de encarce ramento à espera de uma libertação um no tável exemplo disto é a série de esboços de es culturas de Miguel Ângelo que compõe o con junto Os Escravos que pode ser visto no mu seu Uffizi em Florença A tendência atual dos psicanalistas é a de dar uma valorização muito superior à via di levare com o que concordo desde que fique claro que nem sempre pôr algo é o mesmo que praticar uma sugestio nabilidade ativa ou alguma forma de imposi ção na mente do paciente Igualmente em inú meras situações sobretudo com pacientes mui to regressivos tornase indispensável que o analista ponha ou reponha no psiquismo do paciente algo que preencha os seus vazios exis tenciais e que da mesma forma venha a su plementar algumas funções do ego que não foram suficientemente desenvolvidas na infân cia do paciente A propósito da sugestiona bilidade acima referida não é possível ignorar o fato de que por mais que o analista cumpra a regra da abstinência quer ele queira ou não sempre o seu discurso veicula algo de sua ide ologia particular 18 Vale a inclusão de parâmetros Esta questão alude à polêmica existente entre mui tos autores quanto à validade ou não de que indo além das interpretações clássicas o ana lista também permita a inclusão de alguns parâmetros conforme a conceituação psicana lítica empregada por Eissler 1953 como é o caso de ele responder diretamente a certas perguntas do analisando prestar algumas in formações por exemplo indicar nomes de médicos advogados etc fazer algumas mo dificações do enquadre e principalmente tra balhar com a extratransferência com a inclu são de outras pessoas no contexto da interpre tação Pessoalmente mantenho a coerência com as mesmas posições anteriores isto é não vejo inconveniente nenhum desta prática des de que o terapeuta esteja bem seguro da pre servação do seu lugar e do seu papel de psica nalista e consiga portanto discriminar a pos sibilidade de que os parâmetros possam de for ma patogênica ficar a serviço de atuações e contraatuações 19 Interpretar sistematicamente no aqui agoracomigo Esta é uma questão altamente controvertida entre os psicanalistas sendo que pela sua importância mais adiante no subtí tulo Interpretação e Transferência farei con siderações mais amplas e explícitas Por ora quero consignar que concordo integralmente com A Green 1995 que afirma que o uso exclusivo desse tipo de interpretação sistemá tica transforma a análise em um processo ter rivelmente empobrecedor 20 Existe análise sem interpretações As sim como tantos outros também estou con victo de que uma análise sem interpretações não é uma análise e não pode progredir no entanto uma análise feita exclusivamente com interpretações tampouco é concebível Indo além não resta dúvidas quanto ao fato de que embora haja transferência em tudo nem tudo na análise é transferência e que muitas vezes o psicanalista deve despender um largo perío do de tempo no processo analítico construindo uma neurose de transferência a partir de uma abordagem extratransferencial 21 Interpretação ou atividade interpre tativa Creio ser útil estabelecer uma diferen ça entre interpretação propriamente dita e atividade interpretativa A primeira consiste no tipo de interpretação clássica que se desti 184 DAVID E ZIMERMAN na a tornar consciente o conflito inconsciente com as respectivas pulsões ansiedades e defe sas que estão sendo reproduzidas transferen cialmente no campo analítico Atividade interpretativa por sua vez de signa a utilização por parte do analista de ou tros recursos como é o emprego de interpreta ções extratransferenciais a valorização da rea lidade exterior do paciente o assinalamento de contrastes e paradoxos o clareamento daquilo que o analisando expressa de um modo confu so ou ambíguo a valorização das distintas for mas de linguagem nãoverbal e sobretudo a utilização de confrontos e de perguntas sob a forma de indagações que promovam a abertu ra de novos vértices e que instiguem o paciente ao exercício da capacidade para pensar sob a forma dele estabelecer correlações e fazer re flexões Esses aspectos talvez fiquem mais cla ros quando abordarmos mais adiante o tópico referente a como agem as interpretações 22 Tem relevância a pessoa real do psica nalista Este é um outro ponto altamente con trovertido entre distintos autores Particular mente filiome àqueles que encaram o fato de que a análise contemporânea sobretudo va loriza a concepção de que ela é um campo ana lítico e como tal implica uma permanente interação vincular entre analista e analisando portanto o papel do psicanalista deixou de ser unicamente o de um privilegiado observador mas sim ele é um ativo participante além de um agente de modificações do referido campo analítico Dentro dessa linha de concepção admitese que o próprio aporte de material por parte do paciente assim como as suas manifestações resistenciais e transferenciais pode estar sendo fortemente induzido pela in fluência da ideologia do analista pela sua realidade psíquica e pela maneira real de ele ser de tal sorte que teremos de concluir que a pessoa do analista não pode ficar reduzida unicamente à condição de um representante do mundo dos objetos internos do analisando Acredito que um exemplo simples dessa influ ência do analista no curso da análise pode es tar contido nestas perguntas Quais são os critérios de normalidade ou de patologia adotados pelo analista em relação aos seus pacientes ou ainda Qual o critério de cura que ele tem em mente e este coincide com o de seu analisando 23 Cabe fazer perguntas ao paciente Acredito que uma bem colocada pergunta do analista pode funcionar como uma interpre tação enquanto em contrapartida uma clás sica interpretação formal em especial quan do formulada em um automático transferen cialismo ou com um ranço tautológico repe tição daquilo que o paciente já dissera com as suas próprias palavras ou ainda como um sistemático reducionismo às suas premissas teóricotécnicas pode ter como resultado não mais do que uma intelectualização doutrina ção ou outras formas igualmente estéreis do ponto de vista de promoção de mudanças psi canalíticas 24 O que fazer com o paciente intelectua lizador Em relação à intelectualização que o paciente possa fazer de suas narrativas ou do insight intelectivo que ele está adquirindo sugiro o emprego de uma tática que consiste em transitoriamente o analista aceitar essa forma de o paciente ser levando em conta o princípio de que o paciente sempre tem ra zão na sua maneira de se apresentar na situ ação analítica porém procurando fazer com que o paciente se comprometa com os afetos e reflexões que estejam contidos em cada pala vrachave amor ódio angústia dor medo etc de sua narrativa Vou dar um exemplo algo inusitado um paciente culto e curioso por tudo que se referia à área da psicologia embora não pertencesse a ela adquiriu um livro meu no qual ele estudava diversos temas psicanalíti cos trazendo às sessões seus apontamentos com dúvidas e comentários para discutir co migo Em um primeiro momento eu não as respondia e fazia as clássicas interpretações voltadas para assinalar a sua tentativa de fugir dos sentimentos para uma intelectualização a par de fugir da condição de paciente que ele estaria considerando como humilhante para a de um colega amigo discutindo assuntos acadêmicos comigo O máximo que eu conse guia era irritálo e aumentar o seu crônico sen timento de ser rechaçado e não levado a sério pelos demais Decidi tentar outra tática escu tava com atenção os seus comentários acerca dos temas psicanalíticos porém incentivavao a fazer correlações daquilo que ele dizia sobre os textos que estudara com o que se passava na sua própria pessoa Na minha forma de ver deu excelentes resultados no sentido de pro MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 185 mover uma passagem do plano intelectual para o afetivo e o reflexivo 25 O analista deve assumir certas funções que faltam ao paciente Indo mais longe acre dito firmemente que a atividade interpretativa do analista também deve suplementar uma função que muitos pacientes em particular aqueles que são muito regressivos não exerci tam porque nunca a desenvolveram ou por que a mesma ficou estagnada e bloqueada no curso de suas etapas evolutivas Refirome à função alfa termo com o qual Bion designa aquela imprescindível função da mãe ou do terapeuta na situação psicanalítica de empres tar as suas funções de ego como são as de perceber conhecer pensar discriminar signi ficar nomear etc durante algum tempo até que a criança ou o paciente tenha condições de utilizálas de forma autônoma No processo analítico o desenvolvimento dessas capacida des egóicas não depende unicamente das in terpretações pois de uma forma insensível a aquisição dessas capacidades também pode acontecer como decorrência de uma identifi cação com as de seu analista com o modo au têntico de como este as utiliza no curso das diferentes e múltiplas experiências emocionais da análise 26 Importa o estilo pessoal do analista Certamente E importa tanto que decidi dedi car um capítulo especial o que se segue para explicitar com mais profundidade os as pectos normais e patogênicos do estilo peculi ar que cada analista tem na maneira de for mular suas interpretações 27 Quais são os elementos essenciais de uma interpretação Como eles agem De forma sumarizada podese dizer que são seis os ele mentos essenciais de uma interpretação sen do que de alguma forma eles estão sempre presentes e vinculados entre si 1 Conteúdo 2 Forma 3 Oportunidade 4 Finalidade 5 Significação 6 Destino das interpretações na mente do analisando 28 Em relação ao conteúdo já foi desta cado antes o importante é que ele seja fruto de sucessivas transformações que as mensa gens verbais e préverbais vão produzindo na mente do analista até que ele encontre a no meação necessária Não custa enfatizar o fato de que o conteúdo que ele seleciona para a sua interpretação dentre tantas outras possi bilidades está intimamente conectada com o seu tipo de escuta daquilo que o paciente está emitindo e que provoca ressonâncias em sua realidade psíquica Tal afirmativa deve ser complementada com a importância de como o terapeuta escuta a escuta do analisando e de como este escuta a escuta que o analista fez de sua fala 29 Ainda em relação ao conteúdo das interpretações cabe frisar que elas podem ser corretas adequadas mas não serem eficazes assim como também podem ser inadequadas sem que isso represente um grande dano des de que o analista se dê conta do seu erro e possa retomar o rumo certo Nesse caso o terapeuta deve estar aberto ao que o paciente diz pois na maioria das vezes mesmo que não se dê conta e traga associações que apa rentemente não estejam muito claras ele fun ciona como um verdadeiro auxiliar para que o analista retome o rumo perdido Vale men cionar o depoimento de Bion dirigindose a analistas Se vocês estivessem praticando análise tanto tempo como eu não se molestariam por uma interpretação inadequada A crença de que existe um analista que sem pre dê interpretações adequadas é parte da mitologia da psicanálise Em verdade eu me preocuparia se vocês se preocupas sem em demasia com essa possibilidade 30 Uma interpretação eficaz é aquela que tem o dom de tocar isto é as palavras do analista evocam no paciente certas repre sentações de coisas afetos e significados Em cada análise vão se estabelecendo palavras chaves de forma singular para cada vínculo de cada paciente as quais têm esse poder de produzir evocações com as respectivas signi ficações já analisadas e que por isso mesmo podem ser trazidas pelo analista como um referencial importante para ambos Isso leva a questionar a recomendação habitual de o analista usar o mesmo léxico do paciente porque ao lado positivo de aproximálos mais quando partilham uma mesma linguagem também pode representar um inconveniente pelo risco de que pode dar uma falsa impres são de que estão se comunicando quando às vezes o léxico comum pode estar funcionan 186 DAVID E ZIMERMAN do como duas paralelas que estão juntas mas nunca se encontram 31 Da mesma forma às vezes o analista interpreta de forma correta e eficaz um deter minado aspecto do paciente mas em decor rência de sua sensação de dever cumprido não mais retorna a interpretar o mesmo con teúdo O mais recomendável adequado e efi ciente é o analista perder o constrangimento de voltar à mesma interpretação pelo contrá rio deve voltar em momentos e situações di ferentes com formulações também distintas de acordo com as distintas configurações do contexto da situação analítica 32 Levando em conta os aludidos aspec tos do ato interpretativo convém sublinhar que antes de formular a sua interpretação o analista deve levar em conta a polissemia da linguagem ou seja os prováveis distintos sig nificados das palavras empregadas pelo paci ente na escuta do analista e os significados que as palavras do analista adquirem na per cepção do paciente Exemplo trivial é aquele no qual o paciente fala de seu amor ou ódio etc devendo o analista investigar com mais profundidade analítica o que o paciente quer dizer com essa palavra qual é de fato a sua maneira de considerar o fato de amar e de ser amado caso contrário o terapeuta pode rever ter as palavras do paciente para os seus pró prios valores quando na verdade ambos pos sam ter valores e significados bastante opos tos em relação ao significado de um mesmo termo 33 Ainda em relação ao conteúdo da in terpretação é necessário mencionar a adver tência de Bion no sentido de que o analista leve em conta se o paciente está entendendo o que lhe está sendo interpretado Para esse au tor não é apenas de uma questão sobre o que o analista compreende mas sobretudo se o paci ente terá condições de compreender a interpre tação Por exemplo alguém pode se propor a dar ao bebê uma extensa explicação da biologia do aparelho digestivo Pode ser verdade pode ser a interpretação correta mas é um absurdo desper dício de tempo 34 Ressignificações Creio ser relevante destacar que o ato interpretativo não deve fi car limitado a proporcionar ao paciente um insight relativo aos seus conflitos decorrentes do embate entre pulsões e defesas mas tam bém deve visar aos significados de como certos fatos primitivos estão representados na mente do paciente Isso favorece que o analista objetive a possibilidade de o paciente fazer dessignificações daquilo que foi representado nele de forma patogênica e a partir daí pro mover novas significações agora sadias Por exemplo recordome de uma jovem paciente que me parecia muito bonita por fora e por dentro no entanto paradoxalmente a sua maior motivação para a terapia analítica era a queixa de que se sentia muito feia o que a deprimia sendo que ela não via esperanças para o seu futuro Nenhuma interpretação na base de uma sensação de que ela se julgava portadora de sentimentos feios e afins surtia efeito da mesma forma como os elogios que recebia por sua beleza vindos de todas as pes soas com quem convivia não eram levados a sério por ela que os creditava à sua idéia de que a elogiavam por pena como consolo ou hipocrisia Em uma sessão em um dia em que me falava de sua mãe a paciente abriu as por tas para que eu pudesse compreender o que estava provocando sua crença de feiúra Em um comentário despretensioso em meio ao dis curso de sua narrativa a paciente deixou esca par que a minha mãe sempre me repetia que menina que não obedece é feia Entendi que essa repetida sentença da mãe adquiriu den tro do psiquismo da paciente um significado concreto de feiúra mas que a minha tarefa analítica seria dar um novo significado Assim aos poucos ela foi fazendo uma progressiva dessignificação seguida de uma nova signi ficação de sua desobediência inclusive poden do perceber que se tratava de um injusto equí voco de sua mãe já que se tratava de uma res posta sadia da menina que então ela era em busca de uma afirmação de autonomia e de construção do seu sentimento de identidade portanto ela tinha todo o direito de ser deso bediente na época 35 A forma de como o conteúdo será for mulado é de uma importância extraordinária muito particularmente com pacientes bastante regredidos e cuja atenção está muito mais vol tada a mínimos detalhes provindos do analista de molde a querer saber se pode confiar nele já que não confia em seus objetos internos do que propriamente àquilo que lhe está sendo dito Uma analogia que me parece válida é a de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 187 comparar esta situação com a de uma mãe que está amamentando o seu bebê sendo que tão importante como o leitealimento é a forma de como ela o segura embala olha Ainda em relação à forma de o analista interpretar é im prescindível enfatizar a importância da voz com as respectivas tonalidades e modulações vocais sendo que alguns autores chegam a considerar a voz do analista como uma espécie de objeto transicional entre aquele que fala e aquele que ouve quando ambos estão em um vínculo de unidade diádica Da mesma maneira vale lem brar que as considerações tecidas a respeito do estilo interpretativo fazem parte inerente do que estamos particularizando como a forma de in terpretar Em resumo penso que a forma por si só pode funcionar como o conteúdo de uma interpretação 36 A forma de formular a interpretação diz muito para o paciente Assim por exemplo tenho observado em supervisões a freqüência com que os terapeutas dizem eu quero te aju dar e algo equivalente e o quanto isso pode manter a desigualdade e gerar um efeito opos to no paciente porquanto ele se sente reduzido a uma criança frágil diante de uma autoridade forte e muito superior a ele A arte de o analista formular adequadamente pode mudar a forma de escuta do paciente o que pode ser ilustrado com esta interessante citação de Freud por Mijolla 1985 ao se referir à maneira pela qual no curso de uma análise as primeiras interpre tações deviam ser dadas ao paciente ele con tou a seguinte história O xá da Pérsia tivera um sonho inquietan te Mandou chamar aquele que tinha a fun ção de interpretar os sonhos e confioulhe o conteúdo do seu O mágico declarou Ó Rei infelizmente todos os seus parentes vão morrer e depois deles será a sua vez O xá encolerizouse ordenou que esse in térprete fosse decapitado Em seguida convocou um segundo intérprete ao qual contou seu sonho Este lhe disse então Salve ó Rei que sobreviverás a todos os seus parentes O xá ordenou que a este segundo intérprete oferecessem 100 pe ças de ouro Em resumo cabe dizer que a forma de interpretação pode se constituir como o prin cipal conteúdo 37 Interpretação sem palavras Este é um aspecto interessante que pode ser conceitua do de uma forma mais clara a partir de uma imagem que alude a situações do cotidiano de nossas práticas analíticas vamos supor que um paciente ataque duramente o seu analista e que este no lugar de revidar ou de se depri mir ou de ter reações equivalentes consiga tranqüilamente sobreviver aos ataques Isso fun ciona para o paciente como se fosse uma inter pretação sem palavras que pode levar ao se guinte insight Não sou tão perigoso como me imaginava e tampouco o meu terapeuta re presentante de seus objetos internos é tão frá gil como eu temia que fosse 38 A oportunidade do ato interpretati vo consiste naquilo que todos aprendemos como sendo o timing o qual deve ser deriva do de um estado mental do analista que ve nho chamando de bússola empática e que se estiver sintonizada com o estado mental do analisando se constitui talvez no elemen to mais importante relativo ao fato de que nem sempre uma interpretação correta é efi caz e viceversa 39 Finalidades da atividade interpretativa Creio que todos os analistas concordam com o fato de que na atualidade não basta dizer en tão eu interpretei que Faltanos saber para quem foi dirigida a interpretação ou seja para qual personagem que habita o interior do pa ciente e que nesse momento está falando por ele pai mãe e se for um destes tratase do lado amigo ou do tirano deste pai ou mãe etc Igualmente cabe perguntar para qual parte do psiquismo do analisando ela pre tende atingir a parte psicótica da personali dade a nãopsicótica o falso self a forma de como o paciente utiliza as suas fun ções do ego Quem sabe a interpretação visa a denunciar um conluio perverso entre partes distintas e contraditórias que coabitam no self do paciente e que inconscientemente ele está tentando reproduzir com a pessoa do analis ta e assim por diante Mais importante que isto com qual propósito o psicanalista está emi tindo a sua interpretação Desde logo deve ficar claro que conforme for um dado momen to da situação e do processo analítico deverá variar a finalidade da atividade interpretativa sendo que em um esquema didático acredito que se possa discriminar seis tipos de interpre 188 DAVID E ZIMERMAN tação seguindo o critério de sua finalidade 1 Compreensiva 2 Integradora 3 Disruptora 4 Instigadora 5 Nomeadora 6 Reconstrutora 40 Interpretação compreensiva alude àquela que pode e deve ser formulada desde as entrevistas preliminares e também natural mente no curso de toda análise porquanto a sua finalidade maior é a de fazer com que o paciente sinta que as suas angústias e necessi dades estão sendo compreendidas e contidas e por conseguinte ela ajuda a construir uma necessária aliança terapêutica e um empático clima de trabalho Anteriormente neste capítu lo referi um trivial exemplo disto a sessão de avaliação de uma paciente deprimida 41 Interpretação integradora como o nome diz tem a finalidade de promover a integração das partes do self do paciente que estão dissociadas e projetadas tanto fora dele sob a forma de múltiplas identificações proje tivas como também dentro dele mesmo Nesta última hipótese é de especial importância conforme postula Bion que o analista apre sente o analisando a uma parte dele pró prio que ele conscientemente desconhece mas que pode estar funcionando ativa e inten samente como seria o caso de sua parte psi cótica da personalidade Bion ou a do seu falso self Winnicott ou a de um conluio perverso Steiner etc Tal forma de interpre tação integradora promove o ingresso na posi ção depressiva e assim também facilita que o paciente resgate valores capacidades e identi ficações que estão atrofiadas e esvaziadas 42 Com o nome de Interpretação instiga dora quero me referir àquelas intervenções do analista que sem serem interpretações pro priamente ditas exercem contudo uma im portante função interpretativa pois irão insti gar o analisando a abrir novos vértices de per cepção conhecimento e reflexões sobre as suas atuais e antigas experiências emocionais de modo a estimulálo e educálo a pensar e assim fazêlo assumir o seu quinhão de res ponsabilidade em relação a elas Não custa lem brar que na psicanálise contemporânea tanto quanto o clássico propósito de tornar cons ciente o conflito inconsciente desde Bion é igualmente fundamental o exercício e o desen volvimento da capacidade para pensar as vi vências emocionais de modo a extrair uma aprendizagem com tais experiências 43 A interpretação disruptora consiste no ato de o analista tornar egodistônico aqui lo que embora seja doentio está integrado na estrutura psíquica do paciente de uma ma neira egossintônica Um primeiro exemplo que me ocorre a respeito disto é o concer nente às ilusões narcisistas de muitos pacien tes as quais devem ser desfeitas para permi tir a passagem do registro imaginário para o simbólico Talvez não exista experiência ana lítica mais dolorosa do que aquela que por via das interpretações disruptoras levem o analisando a reconhecer que de fato ele nun ca foi aquilo que acreditava ser imaginava que os outros pensavam dele e que muito prova velmente nunca virá a ser Nesses casos será unicamente possível por meio da penosa ela boração dessa desilusão das ilusões narcisis tas uma mudança comumente com as carac terísticas que Bion descreveu com a denomi nação de mudança catastrófica que possi bilitará ao paciente avançar para um projeto de vida voltado para um verdadeiro vir a ser O simples fato de o analista na situação ana lítica falar a partir de um outro lugar dife rente daquele que o paciente quer que ele ocu pe por exemplo o de uma simetria entre ele e o analista o de um espelho dele a contra ção de um conluio etc já tem por si só uma função disruptora 44 A interpretação nomeadora tal como o termo designa alude à importantíssima fun ção de que o psicanalista mercê do exercício de sua função alfa acolha as cargas projetivas do seu paciente penseas decodifiqueas transformeas signifiqueas e finalmente dê lhes um nome Conquanto esse aspecto da in terpretação seja essencial em qualquer análi se não resta dúvida de que ela é prioritária e vital para pacientes altamente regressivos cuja angústia manifestase pela forma que Bion descreve como terror sem nome justamente pelo fato creio eu de que os primeiros regis tros de aniquilamento foram impressos no ego como representaçãocoisa e não atingiram o nível de representaçãopalavra segundo a co nhecida terminologia de Freud Este último aspecto é sobremodo significativo nas situações MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 189 analíticas nas quais o analista insiste exage radamente para que o paciente verbalize a angústia que diz estar sentindo enquanto com toda razão ele também insiste que não encon tra as palavras daí terror sem nome para expressálas assim como não raramente nes sas condições o vínculo analítico descamba para um clima polêmico 45 A interpretação reconstrutora desig na o fato de que o analista consegue efetivar uma espécie de costura entre as experiên cias emocionais atuais que estão sendo vividas e ressignificadas na análise e aquelas experiên cias análogas do passado tal como elas foram distorcidas pelas fantasias inconscientes e pe los significados que foram imputados pelos pais educadores e cultura vigente Penso ser útil acompanhar aqueles autores que se refe rem ao conceito de construção de Freud para designar a função construtiva das interpreta ções durante o curso da sessão enquanto re construção fica reservada para significar as modificações ocorridas ao longo do processo analítico e que permitem reconstruir a história genética dinâmica evolutiva do analisando a um mesmo tempo que a recomposição dos ne xos históricos que estavam dissociados entre si vão lhe propiciar uma continuidade exis tencial componente importante do senso de identidade 46 A significação que o paciente dá à in terpretação Cada vez mais ganha em relevân cia o fato de que a emissão de uma mensagem verbal pode sofrer profundas transformações na mente de quem faz a recepção da mesma em função daquilo que Lacan denomina uma rede de significantes Assim o aspecto da es cuta não custa reprisar que escutar é mui tíssimo diferente de simplesmente ouvir ad quire uma importância fundamental no ato da interpretação Como antes já foi referido a es cuta daquilo que vem do outro vale tanto para o paciente quanto para o analista de sorte que ainda mais importante do que a escuta é a mútua escuta de como cada um deles escutou a escuta do outro isto é quais foram os signi ficados que o paciente emprestou ao propósi to da comunicação original do analista e vice versa Podese afirmar que diante de um signi ficado que está encoberto no paciente é neces sário que o analista ponha a idéia no lugar cer to da cadeia associativa 47 Destino da interpretação na mente do paciente Antes de tudo é necessário enfatizar que um dos riscos de uma interpretação resul tar ineficaz é diferente de incorreta é o fato de ela incidir unicamente sobre o que o paci ente fala e não sobre o que ele diz faz e sobre tudo sobre quem realmente ele é assim contri buindo para que ele permaneça oculto sob as várias formas resistenciais que manifestamen te são imperceptíveis Da mesma forma a in terpretação resultará estéril se ela não vier acompanhada por uma legítima atitude psica nalítica interna do terapeuta isto é se não houver uma plena sintonia entre o que ele diz e o que de fato sente faz e é Assim por exem plo não adianta assinalar corretamente os as pectos obsessivos do paciente se o analista es tiver agindo e interpretando de forma exage radamente obsessiva etc assim como também não basta que ele fale de amor se não o fizer com amor 48 O que estou pretendendo destacar é a importância na situação analítica do estado mental não só do analisando mas também do analista sendo que ambas as possibilidades podem desfigurar esvaziar e esterilizar total mente a eficácia interpretativa por mais exa tas que as interpretações estejam sendo do ponto de vista de entendimento daquilo que está se passando com o paciente Assim pode acontecer que as interpretações resultem in frutíferas no caso de o analista se manter for mulando em um nível de pensamento simbóli co enquanto o estado mental do paciente esti ver por exemplo em um nível de equação sim bólica ou dominado pela sua parte psicótica da personalidade em cujo caso haverá pre dominância obstrutiva de onipotência onisci ência prepotência alucinose excessivas iden tificações projetivas evitação das verdades substituindoas pelas diversas formas de nega ção falsificações e mentiras etc 49 No presente capítulo voume limitar à participação do analisando no destino que ele dá ao que o analista lhe diz no sentido que ele pode promover um processo de esteriliza ção das interpretações o qual de forma incons ciente está a serviço da mais séria forma 190 DAVID E ZIMERMAN resistencial que é a resistência às mudanças verdadeiras É claro que tal processo obstrutivo pode acontecer episódica e periodicamente em qualquer análise de evolução exitosa no en tanto em muitos analisandos ela pode adqui rir uma rígida estruturação permanente como é no caso daqueles portadores de uma forte organização narcisista patológica Um exem plo disto é o fenômeno de reversão da perspec tiva tal como Bion o conceituou que consiste no fato de que o analisando nessas condições de couraça narcisista costuma concordar ma nifestamente com as colocações do seu analis ta enquanto de modo latente ele as desvita liza revertendoas às suas próprias premissas de crenças e valores Um outro exemplo pode ser o de um paciente em estado regressivo simbióticoparasitário que acredita na ilusão de que uma interpretação correta do seu ana lista seja suficiente para aliviar o seu sofrimento ou fazêlo crescer negando que a interpreta ção visa mais do que tudo a fazer com que ele ativamente estabeleça correlações e interco nexões dentro dele mesmo bem como que ele assuma o seu quinhão de responsabilidades e de eventuais culpas ou seja que ingresse nas dores da posição depressiva Nesses casos é comum que tal paciente proceda a uma dis sociação da interpretação aceita a parte que o traz alívio e desvitaliza a que o faria sofrer 50 Uma outra forma de dar um destino inócuo às interpretações é aquela que foi des crita por Bion com o nome de ataque aos vín culos sendo que esses vínculos atacados tanto são os intrasubjetivos por exemplo os que ligam um pensamento a outro pensamento ou a um sentimento etc quanto também podem ser intersubjetivos em cujo caso o paciente inconscientemente age no sentido de impedir a capacidade perceptiva do seu analista Esta última forma de ataque aos vínculos pode re sultar de uma maciça invasão de identificações projetivas na mente do terapeuta de modo a provocarlhe fortes e bloqueadores efeitos con tratransferenciais de confusão irritação tédio impotência paralisia etc 51 É útil esclarecer que a indução desse dificílimo estado contratransferencial provém da parte psicótica da personalidade do ana lisando e tanto pode funcionar como uma im portante forma de comunicação de sentimen tos primitivos e inonimados quando predo mina a pulsão de vida como também pode estar a serviço de uma obstrução destrutiva por vezes definitiva e irreversível quando hou ver uma acentuada predominância de um ar rogante triunfo narcisista aliado à pulsão de morte 52 Da mesma maneira em situações ana líticas mais corriqueiras todos conhecemos bem como determinadas organizações caracte rológicas podem desviar o objetivo da inter pretação para outro fim que não o da aquisi ção de um insight afetivo Assim há uma forte possibilidade de que analisandos de forte pre dominância obsessiva utilizem as interpreta ções como um modo de reforçar o seu arsenal defensivo ou de pacientes fóbicos relaciona remse com os assinalamentos do analista de maneira evasiva e evitativa pacientes negati vistas que desqualificam todas as interpreta ções do analista muitas vezes com o propósito inicial de uma diferenciação estruturante de sua individuação a exemplo da criança que ensaia o exercício do não ou do adolescente que se posiciona contra tudo que vem dos seus pais De forma análoga os pacientes paranói des e masoquistas costumam sistematicamen te apresentar uma significação superegóica a qual o analista interpreta o que o faz substi tuir a aquisição de insight por uma atitude de fensiva contra o que ele julga estar sendo acu sações ou cobranças por parte do seu analista e assim por diante 53 Esta última possibilidade deve levar em conta a hipótese nada rara de que subjacente à interpretação formal o analista esteja real mente cobrando acusando ou exigindo do pa ciente tal como foi explicitado antes no tópico referente a uma possível patogenia do estilo de o analista formular as suas interpretações 54 Ainda vale destacar uma outra forma comum embora pouco referida de o paciente anular o seu penoso confronto com interpre tações que o levariam a mudanças verdadei ras que consiste no fato de que ele expõe as suas crenças geralmente de natureza narcisís tica embora disfarçadas por uma auréola de vítima da incompreensão e inveja dos outros de uma maneira bastante convincente e cate górica com o propósito inconsciente de forçar efeitos no analista para que este concorde com MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 191 as suas teses assim conseguindo não só um importante aliado mas também impedindo o aporte das antíteses ressignificadoras que estariam contidas no processo dialético do ato interpretativo do terapeuta 55 Aprendemos com Freud 1937 que a simples concordância do paciente com a in terpretação não é válida como critério de êxi to e viceversa Penso ser útil reiterar que a adequação da interpretação deve ser medida não tanto pelos critérios de que se ela foi dinâmicamente correta mas sim pela sua ca pacidade de promover autoindagações refle xões ressignificações reidentificações reco nhecimento do desempenho de papéis e se guindo Bion a passagem de um estado mental a outro cesura acompanhada de uma difícil condição psíquica mudança catastrófica como um indispensável trânsito para um cres cimento mental Bion prefere esta expressão no lugar de cura consubstanciada no desen volvimento da função psicanalítica da persona lidade 56 Por fim cabe destacar que em muitos pacientes notadamente nos portadores de um transtorno narcisista ou de uma personalida de histérica a interpretação pode tomar o destino de um falso insight isto é apesar de entender a interpretação e concordar com ela o paciente não a experimenta como sendo dirigida a ele próprio de um forma viva real que o levasse a meditar em termos de uma posição depressiva ou seja assumindo o seu quinhão de responsabilidade pelos seus pen samentos sentimentos e ações No lugar dis so ele pode usar a interpretação que deveria ser para si para interpretar amigos e famili ares tornandose uma praga para todos eles 57 Interpretação e transferência Conquan to algumas considerações já foram menciona das acerca deste importante tema aqui cabe ressaltar a importância de diferenciarmos a in terpretação da transferência quando formula da na dentro da situação transferencial da quela outra que podemos chamar de transfe rencialismo reducionista Esta última expres são designa aquela atitude estereotipada do ana lista ainda bastante freqüente de reduzir tudo o que ele ouve de seu paciente a um sistemático isto é aquiagoracomigocomo lá e então a ponto de isto representar um sério risco de que as interpretações transformemse em chavões frios e mecânicos em pouco tempo detectadas pelo analisando Esta última condição pode lhe conferir um controle sobre o seu analista com a possibilidade de induzilo a interpretálo mal ou a formular as interpretações justamente com o conteúdo que ele paciente quer ouvir e an tecipadamente já conhece Ademais em paci entes mais regressivos tal tipo de interpretação pode reforçar a fantasia de uma díade simbiótica entre ambos e assim dificultar a necessária pas sagem pelas etapas de diferenciaçãoseparação individuação 58 Um outro inconveniente do transfe rencialismo decorre do fato de que para mui tos pacientes convém que o analista seja um objeto unicamente transferencial pois isso evita ter de experimentálo como um objeto novo e imprevisível daí podendo resultar uma alta possibilidade de uma análise enfadonha e estéril 59 Sumarizando além do fato de conce der um controle ao paciente os outros possí veis inconvenientes de um automático transferencialismo reducionista ao aquiago ra dizem respeito à artificialização do pro cesso analítico muitas vezes o analista insis te no aqui enquanto o paciente ainda nem está aí e ao fato de que este clichê define e encerra o insight assim dificultando a abertu ra de novos vértices e inibindo o pensar Ade mais esse vício interpretativo também dimi nui a importância da realidade exterior além de excluir os assinalamentos extratransferen ciais e reforçar que o paciente atribua ao ana lista a condição de sujeitosupostosaber ter minologia de Lacan 60 Penso que um bom exemplo desse reducionismo empobrecedor pode ser obser vado na utilização muitas vezes abusiva da interpretação daquilo que se conhece como angústia de separação a qual obviamente existe de forma corrente nas situações psica nalíticas e necessita ser devidamente reconhe cida e interpretada Antes estou me referindo àquelas situações nas quais não poucos analis tas interpretam de forma mecânica quase tudo que escutam dos pacientes como manifestações da falta que sentiram dele se forem as primei ras sessões da semana ou como uma angústia antecipatória devido à separação que se avizi 192 DAVID E ZIMERMAN nha se forem as últimas sessões ou se for vés pera de feriados no caso de férias então vem uma aluvião de interpretações que enfa tizam a angústia do paciente diante da separa ção do analista Reconheço que utilizei an teriormente um tom algo jocoso mas isto não deve diminuir a importância do fato de que muitas vezes o analista que assim procede sis tematicamente pode estar desqualificando a condição adulta de seu paciente que não só pode viver muito bem longe dele no caso de predominar uma recíproca confiabilidade na relação analítica como ainda representa uma separação inevitável necessária e estruturante Por conseguinte não adianta interpretar a an gústia de separação de uma forma genérica e estereotipada pelas razões de que esta angús tia tem muitas formas e significados sendo que muito mais importante que a concreta separa ção por si mesma é a possível significação que a mesma gera na realidade psíquica do anali sando e que necessita ser analisada em segun do lugar porque o analista fica insistindo que o analisando não quer reconhecer que ficou angustiado com a falta que ele sentiu dele analista quando na realidade esse hipotéti co paciente não sentiu mesmo nada disso pela simples razão de que é justamente contra tais sentimentos que ele está se defendendo e erigiu a sua couraça defensiva assim como também não se deve descartar a possibilidade antes mencionada de que de fato o analisando con segue funcionar muito bem com o seu lado se guro e autônomo 61 Também não se pode ignorar o fato de que existe uma exigência dos institutos psi canalíticos em geral de que para um trabalho ser reconhecido como verdadeiramente psi canalítico devese nomear a pessoa do ana lista na interpretação Além do fato de que a leitura e a escrita desses trabalhos costumam ser muito tediosas e enfadonhas há um outro inconveniente isto pode acarretar a nefasta conseqüência especialmente nos candidatos em formação de eles se tornarem caçadores de transferência Assim sentemse analistas de fato quando orgulhosos de sua habilidade psicanalítica formulam de forma sistemática e estereotipada essa briga que estás contando que teve com a sua mulher na verdade é a briga que está tendo com você mesmo aqui agora da mesma forma como brigava com seu pai Even tualmente tal interpretação pode estar corre ta No entanto o paciente logo percebe que ela não passa de um mero clichê e se ele qui ser pode manter um controle sobre o analista de forma a induzilo a dizer aquilo que ele paciente quer ouvir 62 O que se está querendo enfatizar é que não cabe mais na psicanálise contempo rânea a interpretação pura e simples daquilo que o material verbal aportado pelo paci ente sugere para o entendimento e devolu ção por parte do analista e tampouco se jus tifica o uso pasteurizado de interpretações clichês como a da angústia com a separa ção do fim de semana nas condições em que foi exemplificada Antes é necessário obser var e de forma prioritária interpretar como é e como funciona o estado mental do psi quismo do analisando durante o ato interpre tativo como ele se liga às interpretações e de como ele influencia o estado mental com que o psicanalista exerce a sua atividade compre ensiva e interpretativa 63 Muitas vezes com pacientes em alto grau de regressividade que não apresentam condições de processar a significação simbóli ca das interpretações ou que por outras ra zões as ignoram é indispensável que mais do que simplesmente desvelar o inconsciente re primido o analista construa a interpretação juntamente com o seu paciente O modelo que me ocorre para esta última assertiva é o do jogo do rabisco de Winnicott 64 À guisa de conclusão cabe afirmar que o ato interpretativo visa sobretudo a es tabelecer um contato com as verdades porém o analista deve levar em conta que a verdade pode aparecer em diferentes dimensões de modo que o ideal seria poder fazer juntamen te com o paciente uma construção com a di mensão afetiva emoções e representações semântica entendimento dos significados cognitiva alude a uma tomada de conhecimen to consciente e uma assunção de responsabili dade por parte do paciente e espiritual algo que vai além dos sentidos e das idéias No entanto a principal dimensão no manejo das verdades é a que diz respeito à atitude psica nalítica interna por parte do terapeuta uma vez que essa determina de forma decisiva a MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 193 eficácia ou não da interpretação Para con substanciar essa afirmativa voume valer de duas citações que julgo serem a um mesmo tempo poéticas e profundas a primeira é de Bion amor sem verdade não é mais do que pai xão verdade sem amor não passa de crueldade A segunda é do poeta inglês Yeats Pise mas pise devagar porque está pisando nos meus so nhos mais queridos do Freud pensar em imagens guarda maior pro ximidade dos processos inconscientes do que pen sar em palavras pois o pensamento em imagens é mais antigo e essencial na infância No entanto não custa alertar que deter minados estilos interpretativos ao lado dos seus aspectos normais embora com grandes varia ções de um terapeuta para outro também po dem exercer um efeito nocivo ao livre curso do processo analítico assim como se constituí rem em erros técnicos podendo inclusive exer cer um resultado patogênico Para exemplificar com alguns aspectos dos diversos estilos normais de interpretar cabe mencionar os seguintes 1 Estilo dialético o paciente propõe uma tese que representa as suas crenças o analis ta contrapropõe uma antítese por meio de sua atividade interpretativa e daí pode resultar uma síntese corresponde ao insight a qual se porta como uma nova tese que retoma o mes mo ciclo de sorte que durante toda a duração da análise de forma crescente movimentase esse mesmo círculo virtuoso 2 Metafórico quando o analista gosta de empregar metáforas como um importante re curso de unir a idéia com a imagem conforme mais adiante será exemplificado 3 Coloquial o terapeuta fala com o paci ente como se estivesse conversando natural mente com um amigo sem que isso represen te algum risco de se perder os necessários pa péis de cada um Como consideração inicial convém enfati zar que na epígrafe deste capítulo a frase de Buffon o estilo é o homem por si só dá nos uma medida da importância do aspecto relativo ao estilo pessoal de os analistas inter pretarem mesmo que os princípios técnicos que norteiam a atividade interpretativa de cada um de nós sejam os mesmos Aliás a palavra estilo deriva do étimo latino stilus cujo sig nificado original está na derivação da palavra estilete com uma dupla face deste instrumen to uma face cortante para separar a matéria prima o barro por exemplo e uma outra face lisa do estilete para aparar dar forma e con tornos à escultura que será erigida a partir do barro que por sua vez será transformado em cerâmica quando submetido a processos es peciais de tratamento A analogia entre o estilete e o estilo da função interpretativa pa receme bastante evidente Igualmente vale consignar que cada ana lista devese manter fiel ao seu estilo peculiar que varia de um para outro algum de nós será mais silencioso outro mais loquaz um será curto e seco nas suas formulações enquanto um outro será espirituoso e talvez empregue metáforas e assim por diante em um número de combinações quase infinitas O que impor ta é o fato de que a técnica é que deve se man ter inalterada nos seus princípios básicos in dependentemente da variação dos estilos Ali ás entendo ser perfeitamente válido que a for mulação das interpretações seja temperada com imagens metafóricas uma vez que segun 16 Normalidade e Patogenia dos Estilos de Interpretar O Uso de Metáforas O estilo é o homem Buffon Fitote E o teu silêncio é uma cegueira minha Fernando Pessoa 196 DAVID E ZIMERMAN 4 Indagativo o analista faz muitas per guntas não com finalidade inquisitorial ou de uma mera coleta de dados mas sim com o propósito de instigar a curiosidade e a refle xão do paciente 5 Artístico alude à condição de o analis ta conseguir formular de forma poética estéti ca muitas vezes atingindo uma dimensão que toca a espiritualidade sem que perca a pro fundidade e a eficácia do que esteja interpre tando 6 Construtivo à moda do jogo do rabisco cabe lembrar que o jogo do rabisco squiggle no original inglês foi preconizado e aplicado por Winnicott no atendimento de crianças com o objetivo de ele e a criança fazerem uma construção comum por exemplo o desenho de alguma figura Assim Winnicott fazia um ra bisco a criança fazia outro às vezes quando necessário com o auxílio da mão dele e assim sucessivamente até completarem o desenho de um cavalo de uma árvore etc De forma equi valente o analista pode utilizar o estilo de ra bisco verbal construindo com o paciente algu ma figura que se aproxime de uma interpreta ção e logo de um insight 7 É claro que as seis modalidades mencio nadas superpõemse e se complementam en tre si podendo muitas outras variedades aná logas de estilo pessoal serem mencionadas no entanto o que deve existir de comum nesses diferentes estilos normais do analista é uma atitude interna de veracidade aliada a um sin cero e autêntico interesse pelo paciente ESTILOS PATOGÊNICOS Ninguém na atualidade duvida do fato de que mais do que a exatidão do conteúdo de uma interpretação o fundamental é a forma de como ela será interpretada sendo que no âmago da forma desponta o estilo costumeiro de cada analista que pode assumir modalida des iatrogênicas isto é causar mais malefícios do que benefícios Dentre os múltiplos estilos patogênicos pela sua freqüência e importân cia cabe assinalar aos seguintes 8 Estilo superegóico Neste caso mais pró prio de um analista excessivamente obsessivo logo portador de um superego rígido suas in terpretações poderão de forma camuflada estarem sempre veiculando acusações cobran ças e expectativas a serem cumpridas pelo pa ciente 9 Estilo pedagógico Consiste no fato de que a formulação da interpretação assume a forma de verdadeiras aulinhas com um ex cesso de explicações em busca das causas que geraram os efeitos Não descarto a possibilida de de que em determinadas situações crian ças adolescentes borderlines psicóticos um toque pedagógico possa ser bastante útil po rém usada de forma rotineira exagerada e indiscriminada tende a produzir inúteis insights intelectuais além do risco de infantilizar o paciente ou de o terapeuta estar sendo domi nado pela pressão que o paciente lhe impõe de que quer conhecer as prontas respostas que ex pliquem de forma definitiva o porquê de suas inquietudes 10 Estilo doutrinário A patogenia deste estilo devese ao fato de o uso de sua retórica vocábulo que alude à arte de utilizar o verbo com o fim de convencer os outros juntamen te com um possível vício do analista querer confirmar ou demonstrar que a sua interpreta ção é correta o resultado nocivo pode ser o de que ele esteja catequizando seu paciente o que é muito diferente de estar produzindo trans formações Em um pólo extremo esses analis tas podem usar as interpretações como se fos sem fetiches isto é lançam enunciados dogmá ticos prontos e mágicos como se fossem a ver dade final sem consideração pelas particula ridades complexas e específicas do universo psíquico de cada paciente em especial 11 Estilo deslumbrador Relativamente bastante freqüente este tipo de estilo é mais próprio de analistas excessivamente narcisis tas e que estão mais interessados com um bien dire falar bonito do que num vrai dire dizer a verdade O risco patogênico é que assim agindo o analista possa de fato deslumbrar isto é tirar des a luz lumbre de seu paciente A metáfora que pode ser feita em casos exagerados deste estilo é a de que este jamos dirigindo nosso carro por uma estrada à noite e um outro carro vindo em direção contrária à nossa projete um feixe luminoso provindo do farol alto que de tão luminoso e brilhante possa nos cegar e provocar sérios aci dentes Outra metáfora que me ocorre é a da MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 197 revelação do negativo de uma fotografia penso que a mente do paciente também comportase como um filme em negativo que está à espera que o analista saiba como lidar para revelar e nomear as experiências emocionais que estão impressas nele ainda sem nome levando em conta a possibilidade de que no ato da revela ção do filme uma exposição demasiada à luz ou seja um encantador brilho excessivo do analista pode queimar e apagar o negativo da fotografia do filme do psiquismo do pacien te Um outro inconveniente desse estilo que está baseado em um exagerado narcisismo do analista é que ele fica decepcionado quando o paciente tem um insight espontâneo visto que ele o terapeuta é quem desejava falar antes para exibir o seu talento fato que transparece uma oculta rivalidade com o paciente bastan te nociva 12 Estilo pinguepongue Proponho essa terminologia para aqueles casos muito co muns nos quais o analista mantém com o seu analisando um baterebate de tal forma que não se formam espaços para os silêncios os quais são necessários entre outras razões para que o terapeuta exerça a sua função de conti nente e igualmente para que o paciente possa exercer a indispensável função de ele pensar as suas impressões sensações e experiências emocionais muito particularmente aquelas que foram suscitadas pelas intervenções do analista 13 Estilo além disso Com esta expres são pretendo designar o estilo que inadverti damente muitos analistas empregam após já terem formulado adequadamente a interpre tação essencial de modo a prosseguirem acres centando mais e mais aspectos que acabam diluindo aquele que já era suficiente assim po dendo esterilizar a eficácia da interpretação 14 Estilo tímido Consiste em que todas as interpretações venham sistematicamente precedidas de um excessivo cuidado tipo eu acho que pode ser que estejas querendo di zer que posso estar enganado mas e expressões afins com uma cautelosa escolha das palavras em um tom de voz estudado evi tando dizer muitas coisas que ele sente e pen sa assim revelando um receio de causar dano ao paciente ou de indispolo contra o analis ta Ressalvando o fato de que em algumas si tuações essa cautela está justificada e seja útil para construir um vínculo sólido na maioria das vezes quando o vínculo do analista com o paciente já esteja suficientemente estabeleci do com uma aliança terapêutica já vigente a experiência demonstra que todo paciente gos ta de uma linguagem direta sem formalismos verdadeira e impactante desde que formula da por um analista que lhe transmita respeito o quer bem e acredita nas suas capacidades adultas por mais ocultas que estejam 15 Estilo demasiado silencioso Da mes ma forma como louvamos que a formação de silêncios úteis na situação analítica quer seja por parte do paciente quer do analista ou de ambos seja bemvinda lembra a imagem de Bion que na execução de uma música os in tervalos silenciosos entre os sons possam con ferir uma alta expressão artística de bela musicalidade é necessário sublinhar que já está superada a atitude preconizada no passa do por alguns analistas pioneiros como Reik que recomendavam ao analista se manter o mais silencioso possível o tempo todo Mais ainda era propagado que a eficácia do analis ta podia ser medida pela quantidade de seus silêncios Ainda na atualidade muitos analis tas empregam e advogam tal método pelas razões que segundo eles o silêncio provoca angústia principalmente a de desamparo no paciente a qual seria a matériaprima es sencial para o desenvolvimento de uma análi se pois evocaria o reviver de antigas situações traumáticas e a um mesmo tempo estariam cumprindo como analistas de verdade a re comendação técnica de Freud da regra da neutralidade Os contemporâneos cada vez mais se afastam desse formalismo de uma rígi da neutralidade mostrandose mais vivos fran cos participativos e bemhumorados sem que de forma alguma isso represente uma perda dos papéis lugares e funções de cada um do par analítico Ainda a propósito de silêncios que possam ser prejudiciais ao vínculo analítico sempre que os analistas pequem por escassez isto é o terapeuta não abre o mínimo espaço tal como no estilo pinguepongue ou por um excesso silencioso cabe a metáfora com o ato de cozinhar um prato sofisticado se não for em um tempo certo de alguma forma ele estraga o que cozinha Igualmente o verso de F Pessoa que serve de epígrafe a este capítulo ilustra com clareza quanto uma atitude dema siado silenciosa do analista repercute no pa 198 DAVID E ZIMERMAN ciente de uma mesma forma como o bebê fi tando a mãe à espera de algo e não obtém res posta o que equivale a uma cegueira a uma sensação de estar desamparado e perdido 16 Estilo loquaz com interpretações ex cessivas Na mesma linha de pensamento que estamos adotando impõese enfatizar que não obstante as interpretações sejam de con teúdo correto elas serão ineficazes e possi velmente até prejudiciais se o analista não levar em conta o importante aspecto de que o volume do que ele interpretou pode exceder a capacidade de assimilação do paciente Para ilustrar melhor essa última assertiva cabe a metáfora de que uma plantinha que para se desenvolver bem necessita de um solo apro priado do calor do sol e de água No entanto se o sol for demasiado ele seca e mata a plan ta se a violeta que está em um vaso for exces sivamente irrigada com água murcha e mor re Um outro inconveniente de um excesso de interpretações às vezes o analista sentese na indevida obrigação de interpretar tudo é que elas perdem o impacto emocional sobre o pa ciente Cabe a metáfora de um rio que tendo muitos afluentes perde a vitalidade de sua correnteza Para o analista evitar fazer um ex cesso de interpretações ele necessita ter a co ragem de renunciar ao desejo narcisista ou à imposição obsessiva de abarcar todas as in terpretações possíveis 17 Estilo com chavões reducionistas Este estilo consiste no fato de o analista de forma sistemática reduzir tudo o que seu paciente estiver narrando a um repetitivo plano transfe rencial coloquei entre aspas porque muitas vezes não se trata propriamente de uma ma nifesta transferência mas sim de um arti fício técnico que o analista emprega de forma estereotipada com a clássica formulação do éaquiagoracomigo Entre outros inconve nientes vale assinalar o de que em pouco tem po o paciente já sabe antecipadamente o que vai ouvir do terapeuta de modo que tanto ele se arma para refutar de pronto o que lhe for interpretado como também pode acontecer de ele utilizar esse previamente sabido estilo re ducionista de seu analista como uma forma de poder manter um controle sobre ele Mais uma vez vale repetir o exemplo corriqueiro da in terpretação da angústia de separação diante dos finsdesemana Não que essa angústia não possa de fato estar presente e ser muito importante em determinadas situações no entanto na imensa maioria das vezes o im portante não é tanto a ausência física do analista que deixa o paciente desamparado mas sim os significados de abandono e de samparo que eventualmente possam ter sido despertados em um determinado analisando 18 Estilo caçador de transferências Tra tase de uma variação do que foi descrito no item anterior Em parte bem menos do que até recentemente era vigente ainda persiste uma exigência dos institutos psicanalíticos em geral de que para um trabalho ser reconheci do como verdadeiramente psicanalítico devese nomear a pessoa do analista na inter pretação naquele antes aludido contexto reducionista de éaquiagoracomigo Isso costumava acarretar sobretudo em candida tos em formação a nefasta conseqüência de eles se tornarem verdadeiros caçadores de transferências para assim poder interpretar na transferência e então sentiremse legiti mados como psicanalistas de verdade É óbvio que estou me referindo ao uso abusivo deste recurso visto que quando a vivência transfe rencial está realmente presente na situação analítica nada é mais importante e eficaz do que trazêla à tona e interpretar 19 Estilo formal e mecânico Mais co mumente do que seria o desejável podese observar que certos analistas mostram um ta lento para captar os meandros do inconscien te do paciente percebem as angústias mani festas e as latentes detectam os padrões emo cionais que estão reativados os fatores emocio nais intervenientes e os mecanismos defensi vos de que ele lança mão o que lhe permite construir e formular a sua atividade interpre tativa de forma correta Não obstante pode acontecer que a interpretação seja formulada de uma forma algo fria como que recitada Quando percebo este estilo em algum deter minado supervisionando apesar de que sem pre faço questão de respeitar o estilo essencial de cada um permitome incentivar o colega em supervisão a tentar fazer um aquecimento daquilo que ele está dizendo com uma certa dramatização do drama que se supõe que es teja passando no interior do seu psiquismo na MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 199 quele momento da sessão Uma outra possibi lidade é a de que este estilo frio possa decor rer de uma incoerência entre o que o analista sente por dentro e o que ele pensa e diz para o seu paciente Com a finalidade de ilustrar esse aspecto de haver uma incoerência entre o que o terapeuta diz e o que de fato sente e faz vou utilizar a lembrança que me ocorreu de uma situação havida com um residente em for mação no curso de psiquiatria dinâmica em bora ela seja um exemplo extremado caricato e jocoso Eu supervisionava esse residente que sistematicamente traziame o caso de um pa ciente borderline que invariavelmente come çava todas as sessões exclamando que de nada adiantaria o tratamento pois ele carregava uma vergonha que não tinha perdão e levaria para o resto da vida aos cinco anos tinha sido passivamente penetrado por um rapaz mais velho Diante do fato de que nada que o resi dente lhe dizia fazia o menor efeito e qual um cantochão monótono todo o tempo das sessões era ocupado pela mesma lamúria do paciente sugeri ao colega a possibilidade de ele tentar ver com o paciente por que ele dava uma significação tão importante diante de um antigo ato que visto pelo enfoque atual não tem nada de mais faz parte da curiosidade sadia inclusive acerca de dramatizar as fan tasias ligadas à sexualidade infantil e que de resto o que ele paciente tachava de vergo nha e pecado constituise um ato de altíssima freqüência normal entre os jogos das crian ças na idade que aconteceu com ele ou seja que era um fato que acontecia com pratica mente todas as crianças normais O residente esboçou um discreto sorriso algo enigmático e me mirou com um olhar que me pareceu de desconfiança no entanto um tanto animado disse que achou boa a idéia e que iria experi mentar esse tipo de intervenção Na supervi são seguinte ele me relatou que na primeira sessão com o paciente este como sempre reiniciou a mesma ladainha do episódio da infância quando então o colega supervisio nando interrompeuo fazendo a colocação tal como lhe fora sugerida por mim e formalmen te aceita por ele O paciente interrompeu sua lamúria quedouse em um silêncio de quase um minuto e com uma expressão facial de perplexidade exclamou com voz mais alta e surpresa O senhor também doutor ao que nosso residente respondeu de forma imedia ta e categórica como o diabo fugindo da cruz Não eu não eu fora Pela obviedade dis pensome de comentar O USO DE METÁFORAS Metáfora em essência consiste em uma figura de linguagem por excelência a qual implica uma capacidade de simbolização e abs tração o que a diferencia de metonímia que tem uma característica de maior concretude Um exemplo pode esclarecer melhor a distin ção entre ambos os conceitos se a partir da palavra fogo nos referirmos a calor trata se de uma metonímia porque os dois conceitos estão ligados por uma contigüidade sem sim bolismo Se a palavra fogo for utilizada para transmitir uma paixão ardente podese di zer que se trata de uma metáfora pois houve uma semelhança simbólica e sobretudo a cria ção de um novo significado A experiência clínica comprova o quanto uma determinada metáfora composta de ima gens visuais e de fácil compreensão que o ana lista apresente ao paciente pode promover um efeito que as interpretações normais não con seguiriam Especialmente mas não unicamen te quando o paciente estiver em um nível préverbal e préconceitual tornase útil o uso de metáforas as quais introduzem a primitiva linguagem das imagens O plano sensorial do paciente pode ser alcançado pela via dos estí mulos sensoriais da música da voz dança dos gestos estética das imagens expressividade das palavras Particularmente gosto bastante de utili zar usar não abusar o estilo metafórico como por exemplo nas breves ilustrações que seguem a É comum que na entrevista inicial de avaliação o paciente permaneça em um esta do de angústia sem saber o que o analista achou dele se ele está gravemente doente etc nesses casos costumo comparar quando real mente acredito no que vou dizer o seu estado psíquico com um automóvel que tem um exce lente motor porém está com o freio de mão 200 DAVID E ZIMERMAN puxado e tal como o seu psiquismo não de senvolve a real capacidade que possui desgas tandose demais de modo que a terapia analí tica visa afrouxar os seus freios internos b Exemplo de uma outra metáfora que deu resultados muito melhores do que a inter pretação formal uma paciente normalmente uma pessoa muito animada e cheia de vida foi vítima de uma ignóbil desilusão amorosa e por isso vinha às sessões amparada pela mãe com uma postura corporal encurvada bastan te cabisbaixa lembrando um estado fetal A tudo que eu dizia ela respondia com monos sílabos o suficiente para dar a entender que se sentia um rotundo fracasso e que a saída seria a morte O quadro somente reverteu quando eu lhe perguntei o que deve fazer uma pessoa quando tem que saltar de uma margem à ou tra de um buraco enorme ao que ela me res pondeu agora quase me olhando de frente deve dar uns passos para trás para ganhar im pulso para o salto Concordei e enfatizei que o mesmo estava se passando com ela era necessário ela dar passos para trás a sua regressão para recompor as suas forças e po der saltar da margem de uma relação doentia para uma outra futura provavelmente sadia Com o passar do tempo foi o que realmente aconteceu c Para pacientes em que é difícil enten der por que eles reagem de forma extremamen te dolorosa e com intensidade desproporcio nal diante de certas frustrações que pela lógi ca são mínimas costumo empregar a metáfo ra que ilumina a distinção entre quantidade e intensidade comparando a reação de dor do paciente à situação de passar uma quanti dade grande de tintura de iodo em uma pele sadia na qual nada vai acontecer no entanto se eu passar poucas gotas do mesmo iodo so bre uma ferida aberta a mesma pessoa vai ur rar de dor Isso favorece que o paciente queira investigar e conhecer as suas velhas feridas psí quicas que estão malcicatrizadas d Como muitos dos leitores também te nho me deparado com pacientes com uma for te organização narcisista que não obstante possam ser profissionais liberais ou executivos muito inteligentes e bemsucedidos não con seguem metabolizar as interpretações que ob jetivam leválos a reconhecer a sua arrogân cia onipotência onisciência e prepotência as pectos esses que lhes têm custado uma enor me coleção de desafetos Tal dificuldade de fazer um insight dessas características deve se à razão de que além da resistência de en trar em contato com facetas tão dolorosas do receio de renunciar à volúpia pelo poder ri queza prestígio conquistas amorosas e coi sas afins eles também têm uma forma de pen sar que está tão direcionada para esses valo res que se torna realmente muito difícil com preender o objetivo de tais interpretações Nesses casos mais de uma vez utilizei a metá fora do Triunfo de Pirro A motivação de Pirro para a guerra não foi mais do que uma birra para provar especialmente a si mesmo que era imbatível Pelo menos em alguns casos tenho a convicção de que esse relato metafórico com as respectivas imagens promoveu significati vas reflexões e mudanças e Em uma paciente que exercia funções executivas de forma eficiente porém que em certos períodos em que ficava embevecida com o seu sucesso ou como recurso de se evadir de sentimentos depressivos manifestava uma con duta de natureza maníaca quando então fica va cega para a realidade fazendo despesas além de suas possibilidades investindo tempo e dinheiro em projetos inviáveis etc Ela apa rentemente concordava com as minhas inter pretações relativas às razões inconscientes que a levavam a se socorrer de defesas maníacas porém em nada mudava Utilizei então uma metáfora que no mínimo a fez refletir bastan te além de servir de ponto de referência quan do ela própria desenvolvia a capacidade de se acautelar de vigiar a si mesma Vou chamar de metáfora da beladona a qual empreguei com ela e que consistiu em mostrar a origem do vocábulo beladona substância química que os oftalmologistas pingam nos olhos dos pacien tes quando querem obter uma dilatação das pupilas com o objetivo de facilitar determina dos exames às custas de que por algum tem po a visão do paciente fique ofuscada Pois bem em tempos passados era chique que as mocinhas donnas quando iam a um baile de gala por exemplo usassem essa substância pois com as pupilas dilatadas elas ficavam MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 201 mais belas daí beladona No entanto nesse afã de sucesso elas ficavam cegas em tudo igual ao que se passava com a paciente É claro que caberia enumerar um gran de número de imagens metafóricas algumas de conteúdo poético no entanto me limitei a uma pequena amostragem unicamente para realçar que uma metáfora também exer ce no paciente o papel de desenvolver uma capacidade de simbolização abstração e re flexão cações Também cabe citar outras frases de Bion 1992 que reforçam o mesmo ponto de vista A questão no campo analítico não é ape nas do relacionamento do paciente com o analista mas do relacionamento do pa ciente consigo mesmo Quando o pa ciente não usa o seu conhecimento cons ciente ele não terá acesso ao seu incons ciente e daí inviabiliza que o analista possa ajudálo embora ambos possam estar empenhados num trabalho sério Não basta o analista ou o paciente dizer que está em transferência ou resis tência é o mesmo que alguém dizer ao médico que está doente porque é neces sário esclarecer que doença se trata e como especificamente ela se manifesta porque há um universo delas A prá tica da psicanálise é a única situação em que se lêem pessoas e não livros A psicanálise tem um desafio o de encon trar uma linguagem apropriada para a análise do consciente Ainda mais essa afirmativa feita durante um seminário clínico 1992b Não só nos concerne a psicopatologia mas também os estímulos ou fatos externos reais Muitos pacientes usam a análise para evadirse da realidade e refugiarse na psicopatologia É então que se deseja real mente não só esclarecer o material incons 17 Análise do Consciente A Função do Pensar Quando o consciente está perturbado é impossível tomar interesse pelo inconsciente S Freud in Mijolla 1988 Que tipo de psicanálise é necessária para o consciente W Bion 1970 CONCEITUAÇÃO Não obstante o fato de a literatura psica nalítica só excepcionalmente e de forma mui to passageira empregar a terminologia análi se do consciente e tampouco dedicar uma atenção aos aspectos conscientes que devem ser analisados no seu paciente particularmen te creio que se trata de uma abordagem sobre maneira importante no processo de qualquer terapia analítica Assim acompanhando Bion que em al gumas passagens de seus escritos no livro Atenção e interpretação aparece a pergunta Que tipo de psicanálise é necessária para o consciente faz alusão a uma falta de uma análise apropriada para o consciente também me custa entender por que a psicanálise ao lado da óbvia importância fundamental do in consciente não privilegia igualmente um as pecto tão importante como é o fato de que nossas atitudes e decisões conscientes ocupam um espaço enorme no cotidiano de nossa vida psíquica Cabe exemplificar com esta frase de Bion 1992 p 9 deve haver algum método de comunicação entre as coisas esquecidas e a habilidade consciente do indivíduo para articulálas Entre as aludidas coisas esqueci das creio que constam os imprintings primi tivas impressões sensoriais e emocionais com as respectivas representações repressões e o discurso dos pais com as conseqüentes signifi 204 DAVID E ZIMERMAN ciente mas também analisar o que é cons ciente conhecido para o paciente Deve mos tratar os fatos que são comumente conscientes da maneira que tratamos fa tos que são inconscientes para colocálos às claras todos os grifos são meus Parto do princípio de que a grande maio ria dos institutos psicanalíticos logo a maior parte dos psicanalistas continuam mantendo uma rigorosa fidelidade a Freud quanto à hegemonia quase que absoluta do inconscien te a ponto de que muitos colegas analistas re batem o ponto de vista antes expressado com o argumento de que a vida consciente é obvia mente considerada em qualquer análise po rém ela é uma decorrência direta do inconsci ente que é quem a determina Não obstante concorde em grande parte com essa assertiva atrevome a discordar na sua generalização de sorte que assumo a posição de que o cons ciente tem sim uma relativa porém expressi va autonomia no exercício de importantes fun ções do ego consciente da assunção de respon sabilidade por nossos atos da formação de um sistema de valores e de um código de ética na tomada de decisões entre tantos outros aspec tos mais Para empregar uma terminologia própria da escola psicanalítica americana do Norte a da Psicologia do Ego creio que cabe dizer que no psiquismo existem áreas com uma auto nomia primária a qual inicialmente está li vre de conflitos e em grande parte pertence unicamente ao ego consciente como são as fun ções de pensamento conhecimento juízo crí tico discriminações vontade responsabili zação pelos atos volitivos e também pelas ações que provêm do inconsciente porém que o seu lado consciente já tem um claro insight do que está se passando com ele Do ponto de vista neurobiológico sistê mico o estudo científico da consciência tor nouse no decorrer da década de 90 um cam po de pesquisas respeitado com uma pletora de trabalhos provindos de notáveis cientistas reveladores de uma nítida tendência a consi derar a consciência não como uma coisa sediada exclusivamente no cérebro mas isto sim como um processo fundamentalmente ligado à cognição Assim a consciência é com preendida a partir de dois pontos de signi ficativa importância a consciência é um tipo especial de processo cognitivo que surge quando a cognição toda a estrutura do organismo vivo participa do processo cognitivo quer o orga nismo tenha um cérebro e um sistema nervoso superior quer não alcança um certo nível de complexidade O segundo ponto consiste na distinção entre dois tipos de consciência ou seja dois tipos de experiências cognitivas que surgem em níveis diferentes de complexidade neurológica O primeiro tipo é chamado de consciência primária o processo cognitivo vem acompanhado por uma espécie de percepção sensação emoção e ação tal com acontece em bebês recémnascidos ou em certos animais e o segundo é denominado consciência de or dem superior envolvendo a autoconsciência uma noção de si mesmo formulada por um sujeito que percebe pensa e reflete Existem duas escolas que estudam a ciência da consciên cia Uma é a reducionista reduz a consciência unicamente aos mecanismos lineares do siste ma nervoso enquanto a segunda corrente a funcionalista postula uma organização funci onal isto é o sistema nervoso responsável pela consciência deve ser estudado a partir de uma cuidadosa análise das experiências da física da bioquímica da biologia e da dinâmica com plexa e não linear das redes neurais conforme Capra 2002 Na atualidade os investigadores das neurociências estão estudando e pesquisando com profundidade as bases neurobiológicas que fundamentem cientificamente em que con siste a existência do que se costuma chamar de consciente Um dos pontos que enfatizam é o fato de que realmente a consciência só começa a ficar estabelecida quando o bebê co meça a tomar conhecimento de suas sensações corporais e a discriminar o seu eu do não eu ou seja quando percebe um corpo pró prio e inicia a diferenciação entre ele e os de mais do mundo exterior Isso faz lembrar a con cepção de M Mahler 1971 relativa ao nas cimento psicológico do bebê que segundo ela se efetiva justamente quando iniciam as eta pas de diferenciação seguidas da de separa ção e de individuação A propósito creio que esse enfoque está de acordo com a etimologia da palavra consciência que é formada dos étimos latinos cum com alguém sciere sa ber isto é deve existir uma interação do su MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 205 jeito com outros nos quais ele discrimine o que é dele e o que é do outro Cabe enumerar alguns pontos que possi velmente auxiliam a confirmar a relevância dos aspectos conscientes no curso da nossa práti ca analítica cotidiana 1 Começo com uma citação de Freud que aparece contada por um amigo Smiley Blanton em 1938 tal como consta no livro Pensamentos de Freud de Allain de Mijolla 1985 Segundo esse amigo evocando o pe ríodo em que os alemães invadiram a Áustria em 1o de março daquele ano ele perguntou a Freud se lhe tinha sido possível continuar a tra balhar ao que o mestre respondeu Não eu tinha dois pacientes mas lhes comuniquei que já não poderia recebêlos e aconselheios a irem embora Quando o consciente está perturbado é impossível tomar interesse pelo consciente o grifo é meu Igualmente vale mencionar o seguinte trecho de uma carta que Freud reme teu a Ferenczi em 1915 A autocrítica consciente portanto não é um dom agradável mas junto com a cora gem que não esteja afetada pelas con venções é a melhor coisa que possuo a que ditou a escolha rigorosa de minhas publicações 2 Assim à parte da distribuição topográ fica consciente préconsciente e inconscien te concebida por Freud bem como da sua concepção estrutural composta pela existên cia dinâmica de id ego e superego impõese a necessidade de manterse uma articulação sistêmica entre todas essas instâncias psíqui cas que são indissociadas entre si apesar de cada uma delas manter funções e conflitos pró prios e específicos como é o caso da zona cons ciente do psiquismo 3 Destarte o clássico aforismo freudia no na época pioneira de que a análise con sistiria em tornar consciente tudo aquilo que era inconsciente na atualidade adquiriu uma outra dimensão e compreensão a de que mais importante do que esta máxima de Freud é que o analista perceba e assinale para o seu paciente como é que se processa a comuni cação entre o consciente e o inconsciente de um mesmo sujeito em um permanente trânsito de duas mãos em um incessante vaivem entre ambas as instâncias 4 Por outro lado sou daqueles que acre ditam que as defesas utilizadas pelo ego consci ente possam se estruturar de formas mais rígi das e difíceis de desfazer do que as do incons ciente pois elas podem ficar muito fortemente organizadas e às vezes esclerosadas median te o uso maciço de racionalizações conscien tes ou por um deliberado juramento de que nunca vão querer mudar 5 Um dos importantes objetivos da aná lise do consciente é que o paciente venha a construir uma capacidade de exprimir sentimen tos diferentes com palavras diferentes de for ma a desenvolver as capacidades de discrimi nação simbolização síntese e nomeação das experiências emocionais 6 A meu juízo talvez o aspecto mais re levante da análise do consciente consiste em desenvolver no paciente a capacidade de ele conscientemente reconhecer e assumir o seu quinhão de responsabilidade por tudo aquilo que pensa diz e faz Vou exemplificar com uma situação trivial na clínica cotidiana de cada um de nós não é verdade caro leitor que freqüen temente diante de um assinalamento interpre tativo que se dirige a algum aspecto oculto e desconhecido pelo paciente e o pega de sur presa aliás essa me parece ser a mais eficaz das intervenções interpretativas os pacientes costumam se defender com a exclamação ime diata Só se isso for inconsciente ao que cos tumo redargüir de imediato Sim mas a quem pertence o teu inconsciente intervenção essa que quase sempre provoca no paciente o im pacto da surpresa que logo vem seguida de reflexões 7 Apesar da singeleza dessa última colo cação ela tem se mostrado de grande valia analítica no sentido de fazer com que o paci ente troque o papel de observador como se o seu inconsciente fosse um terceiro um corpo estranho a ele pelo papel de participante di reto assumindo assim a sua parte de respon sabilidade por tudo que se passa com ele 8 De forma análoga também utilizo bas tante o recurso tático de fazer o paciente com prometerse afetivamente com aquilo que ele narra de forma intelectualizada Explico me lhor toda vez que um paciente notadamente os que usam exageradamente o recurso da 206 DAVID E ZIMERMAN intelectualização como são os obsessivos os narcisistas alguns da área psi emprega ter mos técnicos as minhas projeções a minha angústia de separação etc ou palavras signi ficativas no curso do seu discurso na sessão amor ódio angústia medo depressão cos tumo pedir que ele me esclareça melhor qual o significado que tal ou qual palavra representa para ele 9 Considero esse procedimento de utili dade relevante por duas razões uma é que beneficia a comunicação do analista com o pa ciente tendo em vista que uma mesma palavra costuma ter um determinado significado para o paciente e que muito mais freqüentemente do que cremos possa ter um significado bastante distinto no vocabulário cognitivo e afetivo do terapeuta A segunda razão consiste no fato de que o paciente é instado a refletir e a dar cores afetivas àquilo que havia pronunciado de forma mecânica com a suposição de que o analista estaria sempre um tanto magicamen te sintonizado com aquilo que é muito especí fico do analisando e entendendoo no entan to às vezes a vagueza das palavras tem uma finalidade inconsciente de impedir o analista de poder entender o que realmente se passa nas profundezas do seu inconsciente Para dar um único exemplo é comum que quando um paciente me diz que ama um outro e peço que me clareie o que ele considera ser o seu sentimento de amor surgem exemplos de uma forte tonalidade sadomasoquística ou outras de patologias equivalentes que são muito di ferentes daquilo que em um primeiro momen to eu entenderia por amar e ser amado 10 A psicanálise começa a ceder algum espaço para as correntes cognitivas e compor tamentais que se fundamentam sobretudo em uma participação consciente de uma tomada de conhecimentos e respectivos comportamen tos logo em grande parte se trata de uma fundamental função do ego consciente Enten do que cabe à escola lacaniana o mérito de ter priorizado este aspecto da valoração da fun ção cognitiva na prática analítica 11 Dentre as funções nobres do ego cons ciente além daquelas já antes destacadas cabe dar um relevo especial à capacidade de fazer sínteses o que é muito diferente de simples mente fazer resumos pois alude mais direta mente à função de juntar aspectos dissociados às vezes contraditórios e opostos criando um novo significado e sentido 12 Virtualmente sempre existe uma in tersecção do presente com o passado e com o futuro de modo que certas lembranças são de idéias conteúdos fracas porém de emoções poderosas Penso que na prática analítica as frases que seguem possam ser de muita utili dade para aqueles pacientes que gastam uma intensa energia psíquica para manter suas re pressões inconscientes no lugar de deixálas aflorar no consciente e assumilas consciente mente Com outras palavras seria analitica mente muito proveitoso se o analista pudesse plantar no psiquismo consciente do paciente essas sementes que o levariam a pensar a me lhor forma de eu esquecer é recordar não consi go esquecer aquilo que não posso ou não que ro lembrar Eu não presto atenção ao presente se estou obcecado pelo futuro 13 Isso me faz lembrar de outras duas importantes afirmativas de Bion Na primeira em um seminário clínico 1992b ele afirma que certos tipos de pacientes usam a análise para evadirse da realidade e refugiarse na psico patologia É então que se deseja realmente não só esclarecer o material inconsciente mas tam bém o que é consciente e conhecido para o pa ciente Penso que temos que encontrar uma técnica para as interpretações do real e do cons ciente assim como já encontramos para o in consciente Na segunda frase 1973 ele diz que certos pacientes não têm respeito pelo que já sa bem e por isso a sua experiência e os seus co nhecimentos não lhes são úteis Nada se pode fazer a respeito de seu conhecimento inconscien te porque ele não usa o seu conhecimento cons ciente de modo a estabelecer ligações dele consi go mesmo 14 Igualmente à importância que esta mos creditando ao fato de o paciente fazer um adequado uso das funções do seu ego conscien te o mesmo vale para a pessoa do analista Vou me limitar a um exemplo que se refere ao importante conceito de Bion sobre o que ele denomina Capacidade negativa a mesma se re fere à capacidade de o terapeuta conseguir ser continente de seus próprios sentimentos ne gativos nele despertados pelo seu paciente como é o caso de ele não estar entendendo o que se passa na situação analítica que ele es teja confuso ou com tédio raiva sensação de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 207 paralisia ou impotência etc O importante a enfatizar é que estes sentimentos são normais em qualquer analista no entanto para que ele não se perca na sua contratransferência é ne cessário que faça uso do seu ego consciente para reconhecer e discriminar esses sentimentos negativos de sorte a conseguir se harmoni zar com eles como sendo naturais e se possí vel transformálos num excelente instrumen to analítico a partir do desconforto que ele sen te uma empatia 15 Outro recurso técnico que costumo utilizar com o objetivo de que o paciente con fronte o seu inconsciente com o consciente consiste em enfatizar a validade e adequação de suas produções inconscientes portanto com uma predominância do seu lado ilógico e irracional porém a um mesmo tempo acres centando uma pergunta diretamente dirigida ao seu consciente tipo e o que o seu lado lógico aquele que sabemos que raciocina muito bem está achando disso que o seu outro lado acabou de dizer 16 Creio que a tática mencionada que visa levar o paciente a dialogar consigo mes mo com partes opostas e contraditórias que convivem dentro de si seja especialmente im portante para certos pacientes como por exemplo os antianalisandos nome dado por J MacDougall 1972 para aqueles pacientes que apesar de serem honestos esforçados e cumpridores de todos os requisitos e combina ções do setting não fazem mudanças verda deiras devido a uma férrea oposição oriunda de uma parte deles que por razões distintas fez uma espécie de juramento de nunca mu dar de verdade Um segundo exemplo pode ser o daqueles pacientes que costumam fazer uma bastante freqüente dissociação entre o que dizem e o que de fato fazem 17 Uma vinheta clínica para exempli ficar um paciente que é sobremaneira parti cularmente bemsucedido na sua área profis sional e que manifestamente demonstra uma ótima colaboração com a tarefa analítica de monstra um radicalismo extremo por meio de uma série de racionalizações quando se trata de permitir um apego afetivo maior com quer que seja Pelo contrário provoca sua mulher até um extremo de ela não agüentar mais nos primeiros tempos tentava fazer o mesmo co migo e pedir uma separação definitiva Ele entrava em estado de angústia ficava carinhoso com ela e a presenteava de modo que tudo voltava às boas Ao me contar o fato ele queria me presentear com a boa nova de que estava fazendo mudanças no seu jeito de ser apontei que situações idênticas têm sido bastante re petitivas com a sua esposa tudo recomeçando de uma mesma forma de sorte que eu pergun tava ao seu consciente se ele achava que era mudança verdadeira ou se não era mais do que o emprego de uma nova tática bemsucedida o que é diferente de mudança Depois de pen sar bastante definiuse pela segunda possibili dade A seguir perguntei se ele realmente que ria mudar Como sempre fazia começou a fa zer uma longa digressão ao que lhe assinalei que estava enrolando para não assumir uma responsabilidade consciente daquilo que ele queria ou não queria mudar Novamente fez um prolongado silêncio pensativo e com voz tímida admitiu que sabia que não queria mu dar É claro que continuamos trabalhando nas razões inconscientes que no caso dele foram os sentimentos de terse sentido quando crian ça humilhado pelo pai que o desqualificava e pela mãe que o teria traído na velada esperan ça que ela lhe passara de que ele seria sempre seu filho único da mesma forma como sua mulher o estaria traindo porque ela ainda man tinha um forte vínculo com seus filhos de um casamento anterior Como represália às primi tivas humilhações decepções e ilusões ele fez o juramento de nunca mais depender de nin guém e que jogaria com as pessoas Penso que a partir de uma assunção mais clara e cons ciente de sua responsabilidade nos destinos de seus vínculos como o conjugal e o analítico a análise tomou um rumo diferente 18 Um outro exemplo clínico que pode ser dado é aquele que ilustra a situação corri queira dos pacientes que fazem uma dissocia ção entre uma tomada de posição consciente seguida de uma sabotagem do inconsciente tal como acontece quase que sistematicamen te nos vínculos tantalizantes conforme está descrito em um capítulo específico deste livro Assim evoco o caso de uma paciente que esta va enrolada em um vínculo desta natureza que não atava nem desatava mas cada vez que ela tinha uma recaída a atribuía a algu ma circunstância especial que a pegara des prevenida Senti que ela colocava nos pais e 208 DAVID E ZIMERMAN em mim um sentimento de vergonha e de fra casso porque não estaria cumprindo suas pro messas de terminar definitivamente com uma ligação tão louca a qual ela não merecia Sempre ela expunha essa mesma tese embora no curso da análise explicitamente eu assina lava o uso indevido de suas promessas tanto porque o inconsciente dela não deixaria que ela as cumprisse quanto também pelo fato de diferentemente do que atribuía a mim eu não alimentava expectativas que não aquelas de que ela se tornasse uma pessoa livre para tomar decisões desde que se dispusesse a analisar os prós e os contras Em outras palavras ela foi incentivada por o seu consciente a dialogar com o que já conhecia do seu lado inconscien te de modo a assumir a responsabilidade pela decisão que livremente ela tomasse com as pos síveis vantagens ou riscos de desvantagens 19 Uma terceira vinheta clínica O pró prio fato de um paciente estar em terapia ana lítica pode lhe servir como uma resistência ou até mesmo estabelecer um conluio resis tencial com o seu terapeuta O exemplo a se guir é o de um paciente de um supervisionan do que em todas as sessões queixavase de que estava sendo roubado pelo seu sócio mas nada fazia enquanto as suas reservas econômicas estavam rapidamente se esvaindo Nenhuma interpretação adiantava o tempo passando célere e o paciente sempre repetindo o mes mo chavão minha esperança é que vou resol ver isso na análise A situação só modificou quando o analista fez uma ameaça dirigida ao ego consciente do paciente Ou dá logo um jei to de esclarecer com o seu sócio ou termina mos a análise até o fim desta semana porque senão ficaremos numa eterna masturbação É claro que se trata de uma intervenção excepcio nal mas o exemplo serve para acentuar o fato de que o analista não pode aceitar o convite do paciente para contraírem um conluio incons ciente ou até consciente tornandose com sua complacência um cúmplice com o lado doen te do paciente no caso masoquista Da mes ma forma a chamada ao consciente do pa ciente visou a trazêlo para o mundo da reali dade e no lugar de esperar soluções mágicas vir a assumir conscientemente a sua res ponsabilidade pelos destinos de sua vida 20 Também costumo utilizar um outro recurso tático para auxiliar a certos pacien tes a desenvolverem a capacidade para pen sar como pode ser mais bem explicitado nes ta breve vinheta colhida em uma supervi são um paciente bastante regressivo que ti nha uma sensação algo delirante de que exa la um terrível odor fétido corresponde à sua fantasia de que seu interior está prenhe de sujeiras com coisas nojentas e perigosas tem muitas coisas para falar mas que não vai fa lar porque ele não quer A terapeuta muito acertadamente assinalou que ela respeitaria a sua vontade e que quem sabe no futuro quando tivesse mais confiança nela ele con taria Minha sugestão foi que indo além desta acertada atitude de respeito ao ritmo do pa ciente e de reasseguramento de que ela não tomaria medidas de imposição ou de retalia ção como os pais dele no passado fariam a analista poderia fazer uma pergunta singe la de uma maneira aproximadamente assim É claro que você tem liberdade para falar ou não porém o mais importante é se se ani ma a dizer o que acha que aconteceria entre nós caso resolvesse contar aquilo que po demos inferir ele considera coisas fétidas O propósito dessa intervenção é estimular o paciente a pensar conscientemente não só a seqüência do seu pensamento mas tam bém as conseqüências que ele imagina que poderiam acontecer na situação analítica de modo a promover uma conversa dialética en tre paciente e terapeuta 21 Alguns pensadores como Paul Ricoeur 1978 por exemplo usam a expressão dia lética da consciência para referir que a toma da de consciência passa pela consciência do outro assim como também passa pela consci ência do analista no caso da situação analítica sempre levando em conta a necessidade vital de encontrar um reconhecimento 22 Muitos adultos mostram a experiên cia de terem obtido consideráveis mudanças na estrutura da personalidade sem qualquer experiência de tratamentos de base psicanalí tica pois se trata de pessoas que tinham em si a capacidade de introspecção ou seja de aprender com novas experiências integrálas e de vir a modificarse A palavra introspecção que segundo alguns dicionários designa o exame da alma deve ser entendida como o exame de conteúdos de pensamentos e de afe tos que estão no consciente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 209 23 Também vale consignar que os seres humanos são de uma natureza excepcional dentre os seres vivos graças à sua função de consciência a qual serve de base à capacidade para desenvolver ações voluntárias de um tipo especial ações que são motivadas por razões e não por causas 24 Tudo o que foi dito conduz a um pon to muito interessante para reflexão até que ponto uma consciente autoreflexão psicana lítica pode suspender a causalidade psíquica e transcendêla Muitos autores acreditam que sim Particularmente valorizo de forma muito enfática que o analista proceda ao longo da análise a execução de um mapeamento do psiquismo nome que venho propondo com vistas a desenvolver no paciente parto do prin cípio que o analista já tem o seu próprio ma peamento razoavelmente bem feito um conhe cimento consciente de que possui distintas re giões psíquicas consegue reconhecer e discri minálas para só então poder encontrar um diálogo interno entre as suas partes contradi tórias e opostas que o levem à conquista de uma harmonia interior Está crescendo a corrente de analistas que acredita que a psicanálise deveria se es forçar para aproximar a sua interação com a psicologia cognitiva ou indo um pouco mais longe com uma futura fusão delas com as neurociências tal como apregoa o psicanalis ta Erik Kandel 1999 destacado neurocien tista que recebeu o prêmio Nobel de 2000 Nesse mesmo trabalho Kandel menciona duas assertivas proféticas de Freud que robustecem essa visão integradora e mutuamente enrique cedora entre a psicanálise e a neurobiologia dando uma nova dimensão à ciência psicana lítica que não aquela centrada unicamente no inconsciente Assim primeiramente Freud afirma em Sobre o narcisismo 1914 que nossas idéias pro visórias irão presumivelmente na psicologia se estruturar a partir de base orgânica Em seguida diznos Freud em Mais além 1920 que As deficiências que aparecem em nossa descrição possivelmente desapareceriam se já nos encontrássemos prontos para substituir termos psicológicos por fisioló gicos ou químicos Acredito ser possível esperar tanto da fisiologia quanto da quí mica as mais surpreendentes informações pois é impossível prever que respostas re tomarão em umas poucas dúzias de anos às indagações que apresentamos Elas po derão ser de tal natureza a varrer toda a nossa estrutura artificial de hipóteses Uma leitura atenta dessa citação permite evidenciar que Freud antecipou a importância de que as experiências emocionais pudessem ser nomeadas como fenômenos psíquicos com grande participação concreta da fisiologia e química cerebral de sorte a serem com mais facilidade reconhecidas pelo ego consciente Em resumo podese dizer que a escuta clínica parte importantíssima do processo analítico vem sofrendo transformações na análise permitindo uma maior participação da percepção cognitiva consciente nas interações o que provém do inconsciente Talvez a forma ção etimológica do termo consciência que se forma dos étimos latinos cum com sciere saber consiga sintetizar a essência do que foi processado neste capítulo ou seja quando a criança começa a partilhar a aquisição de seus conhecimentos com o meio circundante ela está fazendo um nascimento psicológico para utilizar uma expressão de M Mahler 1971 assim adquirindo e desenvolvendo a função de consciência 18 Insight Elaboração Crescimento Mental O objetivo de uma análise não é o de o paciente vir a ficar igualzinho ao analista e estar curado igualzinho ao seu analista mas sim o de ele vir a tornarse alguém que está se tornando alguém Bion tualizadores como por exemplo os obsessi vos ou narcisistas 2 Insight cognitivo Cognição não é o mesmo que intelectualização antes referese a uma clara tomada de conhecimento por parte do paciente de atitudes e características suas que até então estavam egossintônicas É mui to comum que a aquisição desse nível de insight venha seguida da pergunta por parte do pacien te E agora o que faço com isso Creio que esse insight cognitivo deve ser valorizado e um tipo de resposta sincera que me parece ade quada àquela pergunta é algo assim É um bom começo de nossa caminhada vamos ver o que você vai fazer com essa sua tomada de conhe cimento de como sufoca e desqualifica a sua mulher O insight cognitivo promove uma egodistonia e é ela que vai propiciar o passo seguinte 3 Insight afetivo Podese dizer que aí começa o insight propriamente dito tendo em vista que a cognição muito mais do que uma mera intelectualização passa a ser acompanha da por vivências afetivas tanto as atuais quan to as evocativas possibilitando o estabeleci mento de correlações entre elas 4 Insight reflexivo Representa uma im portante e decisiva evolução Esse insight ins tituise a partir das inquietações que foram pro movidas pelo insight afetivo as quais levam o analisando a refletir a se fazer indagações e a estabelecer correlações entre os paradoxos e as contradições de seus sentimentos pensa mentos atitudes e valores entre aquilo que ele diz o que faz e o que de fato ele é Esse insight é de natureza binocular isto é o paciente co Comumente os analistas estão habitua dos com a terminologia Insight Elaboração Cura No entanto por razões que serão expos tas mais adiante preferi usar crescimento mental no lugar de cura INSIGHT A atividade interpretativa do psicanalista leva aos insights do analisando sendo que a lenta elaboração dos mesmos é que irá possibi litar a obtenção de mudanças psíquicas obje tivo maior de qualquer análise A composição da palavra in dentro de sight iluminação por si só evidencia o seu significado de que se fez uma luz na mente do paciente O inte ressante é que às vezes essa iluminação inter na se processa muito lentamente até que ocor re um flash repentino de forma um tanto pa recida com o entendimento súbito de uma piada após ter decorrido algum tempo que ela foi contada A importância do insight no pro cesso curativo de um tratamento analítico jus tifica que se pormenorize e discrimine algumas de suas particularidades Assim proponho uma diferenciação na qualidade do insight segun do a escala a seguir 1 Insight intelectivo Neste caso talvez não se justifique o uso do termo insight tendo em vista que enquanto intelectivo ele não só é inócuo como pode ser prejudicial em alguns casos como é por exemplo a possibilidade de que ele venha unicamente a reforçar o arsenal defensivo de pacientes marcantemente intelec 212 DAVID E ZIMERMAN meça a se olhar a partir de duas perspectivas a sua própria e a que é oferecida pelo analista e da mesma forma quando ele adquire condi ções de observar simultaneamente ao conví vio de aspectos contraditórios seus como é o caso de sua parte infantil contrapondose à parte adulta etc É essa visão binocular que mais eficazmente propicia a transição da po sição esquizoparanóide para a posição depres siva O insight reflexivo somente adquire uma condição de eficácia quando acompanhado do insight afetivo de modo que a união de ambos lembra o princípio básico do movimento do zen budismo zen significa meditação e budis mo iluminação no qual é pregado que haja uma atitude de iluminação é o mesmo que insight simultânea com a meditação corres ponde à reflexão 5 Insight pragmático Vale a afirmativa de que uma bemsucedida elaboração dos insights obtidos pelo paciente ou seja as suas mudanças psíquicas deve necessariamente ser traduzida na praxis de sua vida real exterior assim que a mesma esteja sob o controle de seu ego consciente com a respectiva assunção da responsabilidade pelos seus atos ELABORAÇÃO O termo elaboração refere que a men te do paciente está trabalhando no senti do de integrar sucessivos insights parciais que estão sendo adquiridos no curso da análise Mais comumente o árduo trabalho de ela boração desperta uma dor psíquica com o significado que Bion dá a essa expressão Convém lembrar que Bion utiliza o termo in glês pain para designar unicamente uma dor que é sentida mas não é elaborada enquan to ele reserva a palavra suffering para referir que o paciente está sofrendo a dor isto é ele a está elaborando no sentido de fazer mudanças É verdade que uma elaboração pode ser prazerosa pelo fato de que vem acompanha da por uma sensação de descobertas ou seja a retirada des de cobertas que sempre foram usadas a serviço de negações com um con seqüente alívio por se desfazer em parte de uma carga pesada que carrega há longos anos além de representar uma gradativa aquisição de um sentimento de autenticidade Entretan to dificilmente esse trabalho de elaboração não vem acompanhado de algum grau de forte so frimento pois ele implica em o analisando acei tar perdas fazer renúncias a aspectos que ele sempre idealizara enfrentar pressões externas e principalmente internas que organizadas sob a forma de um contraego cobram dele o cumprimento de expectativas além do desem penho de papéis que desde criança pequena lhe colocaram ou o acusam de transgredir cer tas normas e mandamentos etc Talvez não haja dor mais difícil de supor tar do que aquela que resulta de o paciente ter de renunciar à sua fachada de um falsoself ou às ilusões do fazdeconta do mundo narcisis ta A saudável transição da predominância da posição esquizoparanóide para um estado mental de funcionamento no qual prevaleça a posição depressiva também costuma desper tar grande sofrimento às vezes acompanhado por um quadro sintomático que Bion denomina mudança catastrófica Igualmente bastante penoso para pacientes portadores de uma sóli da organização narcisista é quando reconhece que a sua onipotência tem de ser substituída pela capacidade para pensar a onisciência deve ceder lugar ao aprendizado com as expe riências no lugar da prepotência o paciente deverá reconhecer que a mesma encobre e mas cara uma prépotência ou seja ele terá que fazer um doloroso contato com a sua parte in fantil frágil desamparada e cheia de crateras emocionais Não é todo o tempo de uma análise que existe essa turbulência emocional pelo contrá rio em todo tratamento analítico decorrem pontos mortos expressão que me ocorreu para fazer uma analogia com o tempo morto das mudanças de um automóvel isto é ele está ligado funcionando normalmente porém está em um tempo de espera até que o condutor engrene uma marcha e siga seu caminho Às vezes esse tempo morto analítico pode estar justamente significando que o paciente esteja elaborando de forma silenciosa em uma forma de pausa para a meditação fazendo a reali zação e integração dos insights parciais MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 213 CONCEITUAÇÃO DE CURA PSICANALÍTICA Os termos cura e psicanalítica do sub título guardam entre si uma certa imprecisão conceitual e semântica razão pela qual é ne cessário esclarecer o vértice que aqui está sen do adotado Dessa forma o conceito do que está sen do considerado como analítico não se pren de exclusivamente ao formalismo das combi nações convencionais do setting analítico mí nimo de quatro sessões semanais uso indis pensável do divã rigor na livre associação de idéias neutralidade absoluta interpretação sistemática e exclusiva no aquiagoracomi go da neurose de transferência etc Embora a essência da instalação do setting deva ser mantida neste capítulo estáse considerando o termo psicanalítica do título a partir do marco de referência que prioritariamente leva em conta os objetivos terapêuticos a serem al cançados Como forma esquemática creio que se pode dizer que a obtenção de um objetivo terapêutico processase de duas maneiras 1 a de um benefício terapêutico e 2 a de um resultado analítico O benefício terapêutico pode atingir uma gama distinta de objetivos com uma certa hie rarquia entre si como são os seguintes a a resolução de crises situacionais agu das pode ser obtida em prazo curto e se bem manejadas costumam ser de excelente prognóstico b o esbatimento de sintomas se não es tiverem organizados em uma cronifi cação também são de bom prognós tico c um melhor reconhecimento e utiliza ção de certas capacidades sadias do ego que estavam latentes ou bloqueadas e a possível liberação das mesmas d uma melhor adaptação interpessoal tanto no plano da vida familiar quan to na profissional além da social Não obstante o grande mérito que repre senta esse benefício terapêutico deve ser levado em conta que mesmo quan do resulta uma inequívoca melhora no padrão de ajuste interrelacional ele pode ser algo instável sujeito a recaí das quando a melhora não tiver sido construída com os alicerces das pro fundas modificações da estrutura in terna do indivíduo O resultado psicanalítico por sua vez é uma expressão que pressupõe o preenchimen to de uma condição básica uma modificação nas relações objetais internas do paciente e portanto na sua estrutura caracterológica Isso necessariamente implica trabalhar com as pri mitivas pulsões necessidades demandas e de sejos que estão embutidos nas fantasias incons cientes com as respectivas ansiedades e defe sas porém não fica unicamente nisso pois exis tem outros aspectos estruturantes provindos da terapia analítica os quais serão analisados mais adiante Os benefícios terapêuticos antes des critos são mais próprios do processo que ha bitualmente se denomina às vezes de forma pejorativa por parte de alguns psicoterapia enquanto o resultado analítico tal como foi referido seria restrito unicamente ao que se denomina psicanálise Assim a maioria dos psicanalistas considera que o uso do termo psi canálise somente adquire legitimidade quan do preencher as condições mínimas do setting clássico antes aludido Particularmente incluome entre os que pensam que o cumprimento desse formalismo não deva ser o critério diferencial mais impor tante a despeito da convicção de que o em prego do termo psicanalítico deva transitar pelas seguintes condições básicas ser exercida por um técnico cuja formação de base psica nalítica tenha sido feita em uma instituição re conhecida segundo os padrões vigentes visa prioritariamente à obtenção de resultados ana líticos constantes de modificações da estrutu ra interna do paciente essas mudanças devem ser profundas estáveis e permanentes se pos sível mas não obrigatoriamente o estabele cimento do setting enquadre deve seguir as recomendações vigentes na análise standard sempre que essa indicação prioritária não re 214 DAVID E ZIMERMAN presentar um descompasso com a realidade ou uma imposição do analista na base do dá ou desce como sendo a única saída possível para o paciente Por razões óbvias os tratamentos psicana líticos que são inerentes aos institutos de psica nálise filiados à IPA tanto as análises pessoais dos candidatos quanto as que esses realizam com pacientes com a finalidade de supervisão curricular devem seguir obrigatoriamente o modelo clássico que estiver vigindo não permi tindo uma flexibilização maior O conceito de cura por sua vez vai mui to além do significado latente que essa palavra sugere uma prestação de cuidados como apa rece em cura de uma paróquia curador pro curador curativo descurar etc da mesma forma que também vai além do seu habitual significado manifesto como é empregado na medicina na qual designa uma resolução com pleta de alguma doença Em terapia psicana lítica o conceito de cura deve aludir mais dire tamente ao terceiro significado que essa pala vra sugere qual seja o de uma forma de ama durecimento tal como é empregado para ca racterizar um queijo que está maturado sazo nado o que equivale ao trabalho de uma len ta elaboração psíquica que permita a obtenção de mudanças psíquicas estáveis e definitivas Justamente com o propósito de evitar essa ambigüidade conceitual que o termo cura per mite principalmente o clássico significado que ele adquiriu na medicina o de um término com a remoção total dos sintomas ou transtor nos orgânicos é que Bion propõe que evite mos o emprego desse termo em psicanálise e o substitui pela noção de crescimento mental que ao contrário do fechamento implícito na cura mais bem sugere continuadas novas aberturas CRITÉRIOS DE CRESCIMENTO MENTAL Segue uma enumeração em forma mui to resumida dos principais aspectos que na atualidade caracterizam uma verdadeira mu dança psíquica 1 Uma modificação na qualidade das re lações objetais as internas e a partir daí as externas 2 Um menor uso de mecanismos defensi vos primitivos notadamente as excessivas ne gações dissociações identificações projetivas idealizações e um controle onipotente 3 Uma renúncia às ilusões de natureza simbióticonarcisísticas 4 A aquisição de uma capacidade em rea lizar reintrojeções e daí novas identifica ções de renovados modelos tanto de objetos como de funções psíquicas de valores e de papéis 5 A recuperação e a integração de partes suas que foram profundamente rechaçadas reprimidas e cindidas mas que estão projeta das em outras pessoas ou ocultas dentro dele mesmo 6 A obtenção de uma capacidade em su portar frustrações absorver perdas e fazer um luto pelas mesmas por meio da assunção da sua parte de responsabilidades além de even tuais culpas pelo destino de seus objetos im portantes assim como também pelo destino que deu às capacidades do seu ego 7 A isso deve seguirse a consideração Winnicott utiliza o termo concern pelas ou tras pessoas assim como a capacidade de re paração pelos possíveis danos inflingidos aos objetos e a si mesmo Não é demais lembrar a importante diferença entre a verdadeira e a falsa reparação sendo que essa última pode se processar por meio de recursos maníacos de um falso self ou de uma superproteção obsessiva 8 Uma diminuição das expectativas im possíveis de serem alcançadas as quais são provindas tanto por parte de um ego ideal quanto de um ideal do ego 9 Um abrandamento do superego sem pre que este for de natureza arcaica rígido punitivo e todopoderoso Nesse caso a mu dança consiste em transformar esse tipo de superego em um ego auxiliar isto é que ele conserve as indispensáveis funções delimita doras de proteção e de princípios éticos a ser viço do ego 10 Uma libertação das áreas autônomas do ego que possibilite um uso mais adequado de suas nobres funções de percepção pensa mento linguagem juízo crítico conhecimen to comunicação ação e criatividade 11 A aceitação da condição de dependên cia a partir do insight de que depender dos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 215 outros é em princípio sadio e inerente à con dição humana O medo do paciente de ficar dependente da análise e do analista expressa em verdade que ele sofre de uma dependên cia má devido às decepções e humilhações sofridas a qual deve ser transformada em uma dependência boa tecida com confiança res peito amizade etc 12 A utilização da linguagem verbal em substituição à nãoverbal a qual muitas ve zes sobretudo em pacientes muito regressivos expressa através de actings malignos e por somatizações assim como por uma contra transferência difícil por vezes paralisante Da mesma forma em pacientes borderlines e psi cóticos constituise como uma importante mu dança psíquica a utilização de símbolos em lugar das equações simbólicas e de abstrações 13 A aquisição de uma função psicanalí tica da personalidade Essa expressão original mente empregada por Bion designa que o ana lisando fez uma adequada identificação com as funções do seu psicanalista o que vai possi bilitálo a prosseguir a sua autoanálise pelo resto de sua vida 14 Uma ruptura com os papéis estereoti pados Este é um ponto muito importante e que pareceme nem sempre tem merecido a devi da atenção por parte dos psicanalistas De fato muito comumente o código de valores e a con duta dos indivíduos é repetitiva e estereotipa da pelo fato de que essa conduta é comanda da por uma espécie de computador interno que desde bebezinho lhe foi programado pela cultura de seu habitat sociofamiliar Nessa pro gramação deve merecer um registro especial os valores conflitos e expectativas dos pais tanto os conscientes quanto e principalmen te os inconscientes Sabese que os papéis de signados pelos pais ao seu filho são os mais variados possíveis por exemplo o de nunca deixar de ser uma eterna criança o papel de gênio ou o de bode expiatório etc além de outros papéis possíveis de adquirir uma for ma imperativa e categórica Em tais casos os pais convencem a criança bem pequena quem ela é e como ela deve vir a ser ou não ser para garantir o amor deles sendo que em caso de desobediência essas pessoas serão acusa das a partir de dentro de si mesmas e para sempre de crime de infidelidade e de alta trai ção Constituise em uma das principais razões da eclosão de estados depressivos diante de situações de um êxito pessoal que tenha sido construído em moldes diferentes das expecta tivas nos quais o indivíduo foi programado 15 A aquisição de um sentimento de iden tidade consistente e estável Sabese que a for mação da identidade resulta da combinação de múltiplas identificações e que ela se pro cessa em vários planos como o sexual o de gênero o de geração o social o profissional etc Por outro lado vale assinalar que a mor fologia da palavra identidade compõese de idem quer dizer igual ou seja implica a manutenção de uma mesma maneira básica de o sujeito ser e de entidade que se forma quan do a criança ou o paciente resolve a sim biotização a qual se caracteriza por uma indi ferenciação entre o eu e o outro quando a partir daí o sujeito faz uma separação e ad quire uma individuação assim ele nasce psi cologicamente como diz M Mahler 1973 ou seja ele passa a existir a ser um ente daí enti dade 16 A obtenção de uma autenticidade e de uma autonomia A importância de que o paci ente adquira uma autonomia está contida na própria etimologia da palavra Assim ela se forma a partir de auto próprio e de nomos étimo grego que tanto designa nome como lei Assim segundo o que Lacan chama de o nome do pai ou a lei do pai o analisando con segue dessimbiotizar da mãe ou seja sair de uma condição de ser um sujeitado ou um sujeitador e adquirir o estatuto de um sujeito livre a partir de uma liberdade interna o que o faculta possuir um nome próprio e leis tam bém próprias a serem cumpridas Essa liberda de é indissociável ao amor às verdades sen do elas que irão permitir a passagem para um novo nível de mudança psíquica a do exercí cio da autonomia da criatividade da aceita ção dos limites e das limitações assim como do direito ao usufruto de prazeres e lazeres A propósito disso vale lembrar a referência de Freud em um rodapé de O ego e o id 1923 a análise se dispõe a dar ao ego a liberdade para decidir por um meio ou por outro 17 Ao mesmo tempo que o sujeito ad quire o direito de sentirse livre das expectati vas e dos mandamentos dos outros especial mente dos que moram dentro dele ele tam bém deve ser capaz de experimentar relações 216 DAVID E ZIMERMAN afetivas com outras pessoas reconhecendoas como livres inteiras diferentes e separadas de si enquanto puder suportar sentimentos ambivalentes em relação a tais pessoas ALGUNS ASPECTOS DE TÉCNICA Além dos conhecidos procedimentos téc nicos e táticos que visam a promover as mu danças psíquicas creio ser útil enfatizar entre muitos elementos que constituem o campo analítico alguns pontos que conferem uma fei ção atualizada à prática psicanalítica e que como uma breve síntese do que está contido nos capítulos deste livro sobre a técnica são apresentados a seguir Natureza da ação curativa da terapia analítica O critério de mudança psíquica permite ser visto através de diversos planos inerentes à vida do sujeito os quais nem sempre coin cidem pois o crescimento mental não se pro cessa de forma uniforme e tampouco é abrangente de forma concomitante para todo o mapa da mente humana Ademais o crité rio de cura também depende de quem ava lia e muito especialmente do objetivo ao qual a análise se propôs dependente diretamente do paradigma vigente para uma determinada época deste primeiro século da ciência psica nalítica Assim somente para exemplificar vale reavaliar os sucessivos aforismos que caracte rizam em Freud a natureza da ação curativa da psicanálise conforme o estágio evolutivo de sua obra 1 O neurótico sofre de reminiscências e a cura consiste em rememorálas formulada a partir do ponto de vista da teoria do trau ma Este aforismo baseiase na premissa cor reta de que a melhor forma de esquecer é lem brar e assim libertar as energias psíquicas que estão a serviço da repressão Sabese hoje que esse princípio embora válido em sua essência não representa mais do que uma pequena par cela do processo curativo sendo que essa pró pria formulação da importância das aludidas rememorações é entendida na atualidade sob o vértice de que o que mais importa na análi se a partir das recordações espontâneas do paciente é útil lembrar que etimologicamente recordar alude ao que vem do coração con siste na possibilidade de que ele possa ressig nificar o passado a partir do presente 2 O segundo aforismo de Freud relativo ao mecanismo curativo da psicanálise tornar consciente o que é inconsciente ponto de vista da teoria topográfica na atualidade deve ser entendido que não se trata unicamente de passar de uma simples zona para uma outra mas sim adquire o significado de que o paci ente consiga estabelecer um livre canal de co municação entre essas duas regiões da mente 3 Onde houver Id e Superego deve estar o Ego caracteriza a teoria estrutural de Freud Este aforismo por colocar o acento tônico no ego tem merecido uma crescente importância e valorização por parte dos psica nalistas de todas as correntes É claro que se fôssemos aprofundar as funções do ego pode ríamos desdobrar aquela sentença em outras do tipo onde houver processo primário deve ficar o secundário onde houver o princípio do prazer deve ficar o da realidade etc 4 Do ponto de vista evolutivo uma atua lização dos fundamentais estudos sobre o com plexo de Édipo e sobre o Narcisismo justifica a seguinte máxima Onde houver Narciso deve estar Édipo uma outra formulação deste prin cípio seguindo uma terminologia de Lacan seria Onde houver a lei do desejo de fusão com a mãe deve ficar o desejo da lei de um pai que se interponha entre a criança e a mãe E assim por diante os aforismos relativos à cura analítica provindos de outros importan tes autores poderiam aqui sofrer um proces so de reavaliação atual Via di porre e via di levare Em 1905 inspirado em da Vinci Freud postulou a bela metáfora de que a cura analíti ca poderia seguir a dois modelos o da via di porre a exemplo de um pintor que cria a sua obra de arte pondo as suas tintas em uma tela em branco e o da via di levare que correspon de à criação artística de um escultor que re movendo levando embora pedaços de uma MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 217 peça de mármore pode trazer o nascimento de figuras que ocultas no seu interior esta vam como que pedindo para nascer como atestam as magníficas esculturas Moisés David e a série dos Escravos todas de Michelângelo Freud utilizou o modelo da via di porre para caracterizar aqueles tratamentos nãopsi canalíticos que consistiam nas diversas técni cas sugestivas como a hipnose modelo esse que ficou desprezado na psicanálise embora na atualidade considerese que alguma forma de sugestão é inevitável e inerente ao método psicanalítico Assim a psicanálise passou a ser regida pela via di levare isto é pela ideologia psicanalítica de que o papel do analista res tringirseia a retirar os excessos neuróticos e psicóticos do paciente para que então pu desse nascer e resplandescer a personalidade sadia que está oculta ou congelada dentro dele Embora esta última afirmativa genericamen te esteja absolutamente correta ela não deve invalidar que para certos pacientes em grau extremo de regressão ela é insuficiente pois tais pacientes podem estar requerendo que o terapeuta ponha algo que eles nunca tiveram e que foram substituídos pelos vazios dos bura cos negros do seu self As cinco regras técnicas legadas por Freud Acompanhando as transformações da teo ria técnica e objetivos terapêuticos da psica nálise as clássicas recomendações de Freud também devem ser ressignificadas na atuali dade tal como foi detalhado no capítulo es pecífico do presente livro De uma forma ex tremamente reduzida aqui cabe dizer que na atualidade 1 A regra fundamental tam bém conhecida como a da livre associação de idéias deve ser entendida não como uma obrigação mas sim como um direito à liber dade para o paciente verbalizar ou não tudo o que lhe vier à mente 2 A regra da neutrali dade não deve ser entendida no sentido de que o analista comportese rigorosamente como uma mera superfície fria de um epelho que reflita tãosomente o que o paciente nele depositar pelo contrário neutralidade deve ser conceitualizada como sendo uma arte em que o analista deve se envolver empatia sem no entanto ficar envolvido nas malhas de uma contratransferência patológica 3 A regra da abstinência indica que o terapeuta deve se abs ter de gratificar tanto os seus próprios desejos quanto os do analisando na atualidade cabe acrescentar que vale sim gratificar o pacien te desde que fique claro que a melhor gra tificação para ele não é a de ser atendido em seus desejos mas sim de ser entendido pelo seu analista 4 A regra da atenção flutuante corresponde ao sem memória sem desejo e sem ânsia de compreensão de Bion Esta re comendação de Freud continua lamentavel mente vigente no entanto vale realçar que uma atenção flutuante não deve sugerir uma passividade e muito menos um desligamen to por parte do analista Pelo contrário trata se de um processo ativo tendo em vista que o mesmo pressupõe uma sintonia afetiva em patia intuitiva subjacente à sensorial e cognitiva desde que a mente do terapeuta não esteja saturada de preconceitos 5 A regra do amor às verdades ainda que não esteja explicitada com esse nome na obra de Freud pode ser depreendida claramente em inúme ras passagens de seus escritos sobre técnica O que importa como um fator curativo é que amor às verdades designa uma atitude ana lítica por parte do analista de veracidade de ele ser verdadeiro e assim ser introjetado pelo paciente e que esse amor às verdades não deve ser confundido com uma caça ob sessiva às supostas verdades absolutas Elementos do campo analítico Hoje não se concebe uma análise unidire cional o paciente traz o material enquanto caberia ao analista a função única de interpre tálo pelo contrário o processo analítico re pousa em uma permanente vincularidade re cíproca o que constitui a formação do campo analítico Assim dentro da concepção adotada de que cura analítica muito mais que um es batimento de sintomas e uma remissão de transtornos caracterológicos consiste em um crescimento das capacidades mentais os se guintes oito elementos fundamentais também vêm sofrendo as necessárias transformações técnicas que aqui vão ser resumidas em uma ou duas frases pois são especificamente anali 218 DAVID E ZIMERMAN sadas nos capítulos específicos 1 Insight Vai muito além de uma combinação de regras e detalhes práticos constituindose em um novo singular e adequado espaço para o paciente reexperimentar velhas experiências emocionais que foram malsolucionadas no passado 2 Resistência Contrariamente a ser considerada um obstáculo ao bom andamento de uma aná lise os analistas de hoje reconhecem que as resistências servem de excelente amostragem de como o ego do paciente defendese diante dos seus medos frente à vida 3 Contraresis tência O aspecto mais importante a ser desta cado é o da possibilidade da formação de conluios inconscientes é mais adequado deno minar os conscientes como pactos corruptos entre as necessidades e os desejos do paciente com os do seu analista e viceversa 4 Transfe rência Um tratamento analítico que não tran sitou pela assim chamada transferência ne gativa não pode ser considerado uma análi se completa porque ele não propiciou um im portante fator curativo qual seja o de reexpe rimentar e ressignificar os sentimentos agres sivos Podese dizer que a transferência nega tiva é positiva se ela for bementendida e manejada corretamente pelo analista 5 Con tratransferência O importante é que o tera peuta faça uma indispensável discriminação e um reconhecimento entre o que realmente é uma contratransferência como resultante dos efeitos das identificações projetivas do pacien te dentro da sua mente e aquilo que não é mais do que a transferência do próprio ana lista em cujos casos o paciente é no máximo um detonador Da mesma forma o processo curativo de uma análise notadamente com pa cientes bastante regredidos depende funda mentalmente do destino que a contratransfe rência tomará na pessoa do analista ela tanto pode servir como um importante meio de co municação primitiva do paciente e uma útil bússola empática quanto também pode resul tar como patológica e confusionante 6 Co municação De acordo com uma análise atual de características vinculares e dialéticas é evi dente que a forma de comunicação recíproca entre o par analítico tanto a verbal como a nãoverbal assume uma alta relevância Em re lação à verbal o que mais importa é que o pa ciente adquira a condição de discriminar quan do o seu discurso está servindo para comuni car algo ou se pelo contrário é para confun dir e nada comunicar Quanto à comunicação nãoverbal principalmente a que se traduz por actings e somatizações faz parte do processo curativo que o analisando possa pensar as ex periências emocionais e expressálas pelo pen samento verbal 7 Interpretação É óbvio que uma análise sem interpretações não é análise e não pode progredir Contudo tampouco é con cebível uma análise baseada exclusivamente em interpretações Também é útil diferenciar interpretação de atividade interpretativa sendo que esta última sugere mais diretamen te um exercício dialético entre analista e pacien te no qual as interpretações resultam em gran de parte de uma construção de ambos 7 Insight e elaboração Tal aspecto abrange to das as considerações presentes neste capítulo sendo útil ressaltar que a eficácia curativa das mesmas depende fundamentalmente da con dição de que o analisando tenha conseguido atingir a posição depressiva segundo a concep ção de M Klein sendo que isso costuma vir acompanhado de algum sofrimento psíquico Nos casos em que existe uma total evitação da dor psíquica que é inerente à posição depressiva e que ainda assim o paciente manifesta me lhoras é necessário que o analista fique atento à possibilidade de que se trate de uma pseudo melhora constituindo aquilo que Bion deno mina cura cosmética isto é o paciente desen volve uma série de camadas bonitas que estão encobrindo a permanência de uma feiúra in terna A única forma de o paciente enfrentar a dor mental no curso da análise é quando hou ver uma adequada atmosfera analítica Atmosfera analítica Esta expressão designa aqui o clima afe tivo que se estabelece nas sessões a partir da atitude interna do psicanalista sendo que a mesma é entretecida por seus atributos genui nos e essenciais tais como as capacidades de empatia e de continência entre tantas outras Parto do princípio de que toda e qualquer téc nica analítica gira em torno de dois eixos fun damentais ambos indissociados e complemen tares entre si Vale traçar uma representação gráfica disso segundo o modelo cartesiano de duas coordenadas perpendiculares sendo que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 219 o eixo vertical da atividade interpretativa é mais importante nos analisandos que têm uma melhor integração do ego enquanto o eixo ho rizontal da atmosfera analítica cresce em relevância na proporção direta do grau de regressividade dos pacientes Esse último caso deve ser entendido a partir do inequívoco fato de que os atributos do psicanalista também se constituem em um fator curativo porquanto eles exercem a função indireta de preencher as lacunas que resultaram de uma deficiente maternagem original Nessas condições é vá lida a analogia de que a amamentação com põese tanto do conteúdo leiteinterpretação quanto da forma a atitude da mãeanalista em relação à maneira de segurar alimentar olhar e falar com o seu filhopaciente sua calidez seu amor etc desde que o analista não con funda a sua função de preencher as lacunas pri mitivas da formação do self desse tipo de pa ciente com a de substituir o papel da mãe ou do pai Funções do ego A tendência atual é considerar que tão ou mais importante do que a clássica decodificação das fantasias inconscientes com as respectivas pulsões ansiedades e defesas consiste na ne cessidade de que o analista priorize a maneira como o seu analisando está utilizando as suas funções congnitivas do ego Em outras pala vras como se processa a percepção do paciente em relação aos fatos e às pessoas do mundo exterior como ele utiliza a sua incapacidade para pensar ele consegue formar símbolos e daí tem capacidade para as abstrações e conceituações ou o paciente está detido no nível de equações simbólicas e portanto os seus pensamentos são concretos Como é o seu juízo crítico Da mesma forma valeria pergun tar até que ponto a sua função de conhecimen to está mais voltada para o nãoconhecimento K de Bion das verdades penosas como é a sua comunicação com qual tipo de lingua gem como são as suas ações no plano da con duta etc Sabemos que em pacientes detidos em níveis primitivos tais funções do ego não se desenvolveram adequadamente de forma que nesses casos uma das tarefas do analista é a de que durante algum tempo da análise ele empreste ao paciente aquela função do ego que ele possui mas que falta ao paciente por exemplo em muitos momentos pensar pelo paciente e assim ensinálo a pensar Para que essa atividade do analista constituase como um fator curativo ela deve ser transitó ria o modelo que me ocorre é dos andaimes de uma construção considerandose que os mesmos são indispensáveis até a conclusão da obra mas depois são retirados Neoidentificações Partindo do princípio de que todo anali sando é em grau distinto portador de identi ficações patógenas impõese como uma tarefa analítica imprescindível como fator curativo o difícil processo de realizar desidentificações É como se fosse uma decantação termo da química que designa a operação que separa duas substâncias diferentes como pode ser dois líquidos ou um líquido e um sólido que estão misturadas e confundidas em uma mesma so lução tratase portanto de uma decantação entre as diferentes identificações parciais as boas e as patógenas imbricadas no interior de cada sujeito As desidentificações abrem espa ços dentro do ego a serem preenchidos com neoidentificações sendo que a pessoa do psi canalista como pessoa real também funciona como um importante modelo para as novas identificações do paciente o que se constitui em um importante fator curativo mais impor tante do que é habitualmente considerado Neosignificações Desde bebê a estruturação do inconsci ente de todo indivíduo vai se impregnando dos significantes veiculados pelo discurso dos pais e da sociedade Tais significantes ao se combi narem com as fantasias inconscientes originais vão compondo novas e profundas formações fantasmáticas que acabam regendo a vida dos nossos pacientes Por exemplo uma mãe fóbica emprestará um significado de perigo e a necesidade de evitação a tudo que estiver acontecendo com o seu filho e assim está se guramente fabricando um novo fóbico na fa mília o mesmo podese dizer em relação ao 220 DAVID E ZIMERMAN doutrinário discurso dos pais com significa ções paranóides obsessivas ou narcisistas e assim por diante A exemplo do que foi dito em relação às identificações também é uma tarefa muito importante do analista promover as dessignificações seguidas de neosignifi cações Estereotipia de papéis Aí temos um bom exemplo de como a psi canálise pode se enriquecer com a utilização de conceitos provindos de outras áreas A teoria sistêmica vigamestra das terapias do grupo familiar aprofundou os estudos referentes ao interjogo dos papéis e posições que cada mem bro de uma família é impelido a desempenhar muitas vezes prolongandose ao longo de suas vidas A ruptura com o imperativo categórico desses valores e papéis constituise em momen tos críticos do tratamento psicanalítico muito especialmente quando se trata de pacientes que são fortes portadores daquilo que poderíamos denominar parte simbiótica da personalidade Durante o período de dessimbiotização e de transição de papéis rigidamente estereotipados para outros de natureza mais livre e autônoma tais pacientes podem apresentar sintomas confu sionais e depressivos às vezes com queixas hi pocondríacas e de despersonalização Se o psi canalista observar com atenção perceberá que o estado depressivo do analisando que está rom pendo com a tradição dos papéis que lhe foram imputados tem uma forte tonalidade de um sen timento de traição não é por nada que os ter mos tradição e traição procedem de uma mesma raiz etimológica Creio ser muito rele vante o terapeuta conhecer e estar atento ao surgimento de uma crise na análise do pacien te justamente quando ele está procedendo a uma ruptura com certos papéis a ponto de pelo menos em meu entendimento em situações mais extremas essa situação poder constituir se em uma das quatro causas principais do surgimento da temida reação terapêutica ne gativa as outras três causas como já foi refe rido em outro capítulo são uma inveja excessi va do sucesso do analista um superego alta mente punitivo quando o êxito analítico lhe re presenta um triunfo edípico e o encontro do paciente com uma terrível depressão subjacente na qual jazem feridos e mortos que o proíbem de ser feliz A dor mental É inevitável a presença de algum grau de dor psíquica no curso de uma análise que pro mova verdadeiras mudanças psicológicas Bion foi o autor que mais profundamente estudou esse tema cabendo destacar alguns dos aspec tos que abordou a No lugar de evadir as frus trações penosas o paciente deve adquirir con dições para enfrentar tais frustrações inevitá veis e assim modificar não só as formas de como tentar solucionálas mas também a pos sibilidade de obter uma modificação da fonte geradora das frustrações b Suportar a dor psí quica é o único caminho que permite a passa gem da posição esquizoparanóide para a depressiva e como decorrência para uma apren dizagem com as experiências emocionais c Bion estabelece uma significativa diferença entre sentir a dor pain e sofrer a dor suffering em cujo caso o paciente está elaborando e pro cessando os insights adquiridos muitas vezes dolorosos d O analista deve estar atento para a possibilidade de que uma mudança significa tiva do estado mental do paciente venha acom panhada de uma dor psíquica muito intensa chamada por Bion de mudança catastrófica que consiste na possibilidade de o analisando mos trarse confuso deprimido desesperançado fa zer acusações ao analista de que está muito pior do que antes da análise não sendo rara a possibilidade de surgir uma ideação suicida Apesar da dramaticidade do quadro clínico é bem possível que ele seja temporário e repre sente o preço pago por uma significativa me lhora e um expressivo crescimento mental Embora todo crescimento psíquico tenha algo de doloroso porque vai contra uma ten dência do ser humano de buscar o paraíso nar cisista isso não deve ser levado ao pé da letra porquanto se acredita cada vez mais que a busca de novas relações de ampliação do co MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 221 nhecimento e do sucesso de realizações é uma função inata natural e prazerosa do ego Parte psicótica da personalidade O termo como já foi visto pertence a Bion que o emprega para caracterizar que todo sujeito em maior ou menor grau é portador de núcleos bastante regressivos remanescen tes dos primitivos períodos evolutivos como onipotência onisciência uso excessivo de iden tificações projetivas etc Um processo analíti co que não transitou por esses núcleos psicóti cos deve ser considerado no mínimo incom pleto pois é a análise dessa parte psicótica que possibilita a criação de um espaço mental no qual 1 A onipotência seja substituída pela capacidade para pensar 2 A onisciência dê lu gar à formação de uma capacidade para apren der com as experiências 3 No lugar da pre potência prépotência deve ficar um reconhe cimento de dependência desamparo e impotên cia 4 Um habitual estado mental de confusão deve ser substituído por uma capacidade para fazer discriminações entre o que é verdadeiro e o que é falso entre uma parte da personalida de que se opõe a uma outra etc 5 A curiosi dade arrogante e intrusiva deve ceder lugar a uma curiosidade sadia 6 Um estado mental de arrogância deve ser substituído por um or gulho de si próprio 7 No lugar de um uso ex cessivo de identificações projetivas deve haver o desenvolvimento de uma capacidade de empatia e de continência 8 A costumeira mo dalidade transferencial de uma exagerada idea lização ou de denegrimento deve ser substituí da por uma harmônica introjeção da função psicanalítica da personalidade do analista de tal sorte que possibilite ao paciente o desen volvimento de uma função autoanalítica Término da análise Desde Freud 1937 sabese que existe uma velha polêmica a análise é terminável ou ela é sempre interminável Sou dos que pen sam que ela nunca é totalmente terminável levando em conta que a cura analítica é bem diferente da cura ou alta em clínica médi ca Por essa razão e pelo risco de que possa ser utilizada como um atestado de plena e com pleta saúde emocional evito utilizar o termo alta em análise por mais bemsucedido que tenha sido o tratamento Prefiro configurar como tendo sido um término ou seja como a conclusão de uma importante etapa da vida o que abre as portas para uma possível rea nálise num outro momento da vida do anali sando Se se tomar o prefixo latino in no sen tido de uma interiorização e não de uma ne gativa que é o seu outro significado habitual podese dizer a partir de um vértice etimo lógico que uma análise tornase terminável quando ela fica interminável Em outras pala vras um tratamento analítico termina quando o analisando mercê de uma boa introjeção da função psicanalítica do seu analista está equi pado para prosseguir a sua eterna função auto analítica e dessa forma continuar fazendo renovadas mudanças psíquicas Um critério de resultado analítico exitoso segundo Bion não é o de o paciente vir a ficar igualzinho ao ana lista e estar curado igualzinho ao analista mas sim o de vir a se tornar alguém que está se tor nando alguém Partindo do princípio de que o analista é uma espécie de arquiteto que juntamente com o cliente lida com os espaços mentais modifi candoos abrindo paredes emprestando mais luz cores harmonia e funcionalidade quero concluir este capítulo com uma frase de um eminente arquiteto inglês a qual considero muito tocante e que poeticamente sintetiza e define o espírito deste capítulo Diz Denys Lasdun entre colchetes introduzo alguns ter mos que remetem à situação analítica e os grifos são meus Nosso papel é proporcionar ao cliente den tro do tempo e custo e capacidades dis poníveis não o que ele quer pelo menos no início da análise mas o que ele nunca sonhou em querer e quando ele tem o pro duto resultado analítico final ele o re conhece como sendo exatamente o que ele queria o tempo todo 19 O Término de um Tratamento Analítico Como vir a ser o que realmente se é Nietzche em Ecce Homo to analítico a avaliação do paciente também é objetiva porém predominam critérios subjeti vos em um nível de abstração em meio a uma complexidade que envolve muitas dimensões do psiquismo e da vida de relações Ademais a palavra alta pode condicio nar um significado equivocado no paciente tal como vou ilustrar na vinheta que segue De corridos aproximadamente quatro anos após a alta de uma análise bemsucedida a pa ciente telefonoume perguntando se poderia atendêla Quando veio contoume que esta va em um processo de separação de seu mari do fato que a estava deixando algo angustia da e deprimida Ao me dizer que isso vinha durando quase quatro meses algo surpreso perguntei por que não me procurara antes ao que ela respondeu Mas eu estava de alta Aos poucos foi ficando claro que para ela ter fraquejado como ela disse representaria ter fracassado e assim eu me decepcionar com o risco de ela vir a perder o meu afeto e admira ção Acrescentei que também temia expressar o seu sentimento de que ela é que estivesse decepcionada comigo visto que da forma como significava a alta eu é que teria fracas sado A paciente ficou visivelmente aliviada pelo fato de suas fantasias de fracasso meu e dela e sua angústia depressiva terem vindo à tona e serem encaradas de forma respeitosa e muitíssimo natural enquanto de minha par te colhi um importante aprendizado que me lembrou a frase de Freud A psicanálise pode curar o sofrimento psíquico do paciente mas nada pode fazer contra os fatos da miséria hu mana Aprendi pois que um tratamento ana lítico por mais bemsucedido que tenha sido Uma das questões mais importantes que todo analista enfrenta no que diz respeito à avaliação das mudanças psíquicas no analisan do é aquela que consiste em dúvidas que se referem a decidir se o seu paciente já está em condições de terminar formalmente a sua aná lise Por alguma razão que ainda não me é cla ra o assunto relativamente é quase que ine xistente na literatura psicanalítica Uma hipótese que me ocorreu é a possi bilidade de que como as supervisões dos can didatos futuros psicanalistas em sua gran de maioria ficam concluídas antes de chega rem ao seu término não se tenha criado nos analistas o costume de dar uma maior ênfase à valorização desse aspecto tão significativo e fundamental que é o término de uma análise com todas as suas vicissitudes e possíveis tur bulências Uma outra possibilidade pode ser justamente a permanência da dúvida no ana lista que possa ter gerado um desconforto nele quanto a se o término da análise de seu pacien te foi adequado ou não DISTINÇÃO ENTRE TÉRMINO E ALTA Inicialmente faço questão de esclarecer que utilizo o termo término em vez da ex pressão habitual de alta porque como afir mei em outro capítulo acompanhando Bion evito usar a terminologia de cura analítica substituindoa por crescimento mental Em ambas as situações os termos cura e alta estão culturalmente ligados aos significados próprios da medicina que é de natureza mais objetiva e palpável enquanto em um tratamen 224 DAVID E ZIMERMAN consegue reforçar de forma sólida as forças defensivas sadias do ego porém não imuniza ninguém a passar por dissabores existenciais com as respectivas angústias inevitáveis DISTINÇÃO ENTRE TÉRMINO INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DA ANÁLISE Também é útil estabelecer uma distinção entre término da análise e os termos inter rupção e suspensão do tratamento analíti co A primeira alude à idéia de que os objeti vos finais foram suficientemente atingidos de sorte que o paciente adquiriu uma autonomia para reger a sua vida com uma boa qualidade A expressão interrupção designa que por razões diversas circunstanciais o pacien te ou o analista embora muito raramente resolveu terminar o seu tratamento analítico quando visivelmente ainda não tinha condi ções satisfatórias Com o termo suspensão pretendo trans mitir o fato de que de comum acordo com o terapeuta o paciente não pode por questões de séria dificuldade financeira viagem lon ga etc ou não quer continuar a terapia pois sabe que está relativamente bem mas não tanto como seria o desejável porém reivindi ca se dar um certo tempo para experimentar caminhar com suas próprias pernas etc Essa última possibilidade de suspensão da análise é relativamente freqüente com pacientes fóbi cos que não conseguem ficar próximos de mais do analista e tampouco longe demais dele de modo que suspendem e voltam as sim fazendo o que se pode denominar como análise em capítulos Manejo técnico Em qualquer uma dessas três possibili dades sempre procuro fazer juntamente com o paciente uma espécie de balanço do que ele alcançou e daquilo que conserva de nú cleos doentios ou de capacidades latentes que ainda não desabrocharam Creio ser suma mente importante que o paciente reconheça a honesta avaliação e visualização que o ana lista tem dele Do ponto de vista de manejo técnico com os pacientes que eventualmente interrompem ou suspendem a análise em particular não cos tumo polemizar com eles porém isso não sig nifica que eu fique indiferente ou concorde de imediato com a saída do tratamento Pelo con trário procuro reconhecer o seu pleno direito de entrar e sair sem lhe fazer terrorismo ou veladas ameaças porém alertandoo quanto ao seu verdadeiro estado com os possíveis con venientes e inconvenientes representados pe los riscos de ele poder prejudicar a si próprio ou a outros Enfatizei o fato de que não polemizo com esses pacientes no sentido de um fato muito corrente que observo com alta freqüência em supervisões quando determinado paciente expressa que quer interromper o tratamento o terapeuta começa a fazer uma verdadeira doutrinação na base de que ele ainda não tem condições que pode se dar mal que logo ago ra que estava melhorando ele está sabotan do ou resistindo ou atuando etc Tudo isso até pode ser verdade no entanto a ênfase que o analista empresta ao que diz fruto de uma ansiedade subjacente de ele perder o pacien te cria uma perniciosa dissociação ou seja a parte do analisando que sabe que necessita e quer se tratar fica projetada no terapeuta en quanto a outra parte de sua ambivalência a que não quer se submeter a uma análise mais profunda fica mais maciçamente com o pró prio paciente TEMPO DE DURAÇÃO DA FASE DE TÉRMINO DA ANÁLISE A expressão fase de término da análise designa o período de tratamento que se pro longa desde o momento em que pela primeira vez o paciente às vezes o analista propõe de forma mais séria a intenção de encerrar a sua análise de obter uma alta Uma segunda etapa dessa fase de término alude ao período que começa a partir da combinação entre o par analítico de uma data para o encerramen to concreto do tratamento analítico Cada uma dessas duas etapas tem algumas característi cas peculiares De modo geral podese dizer que não existe um tempo determinado visto que as fa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 225 ses de término são muito variáveis de pacien te para paciente de analista para analista de pendendo da natureza que pautou cada víncu lo analítico em particular Assim o encaminha mento do término definitivo da análise tanto pode se processar suavemente numa evolução natural harmônica e progressiva como tam bém é bastante comum que ela sofra uma ten tativa de apressamento ou de retardamento por parte do paciente ou do analista ou de am bos Da mesma forma o término pode seguir uma evolução gradual com uma progressiva diminuição do número de sessões semanais ou com um ponto final único sem alterar o setting que foi instituído desde o início O apressamento do término Nesses casos na imensa maioria das ve zes é o paciente que sob o argumento de que está se sentindo bem começa a fazer al gum tipo de pressão para que o analista con corde com sua proposta de darem a análise por concluída As possibilidades mais fre qüentes são 1 O paciente realmente atingiu as metas que o levaram a buscar tratamento e sabe que restam vários outros aspectos que poderiam e merecem serem trabalhados porém ele se acha em condições de encerrar Aí cabe ao analista ponderar consigo mesmo e com o ana lisando uma maneira holística de observar as condições reais do paciente além de julgar se é viável combinar um término com o reconhe cimento de lacunas ou não concordar Para tan to porém o analista não pode ser demasiada mente perfeccionista nem por demais narci sista a ponto que se julgue detentor da última palavra 2 A situação mais freqüente que leva o paciente a acelerar o processo de término da análise é o seu cansaço da rotina analítica às vezes com razão ou a vontade de melhorar a sua condição econômica etc 3 Outras vezes a pressa em terminar a análise pode ser decorrência de uma motiva ção inicial pouco consistente como seria o caso de fazer uma análise por obrigação ou dever algum tipo de formação analítica por exemplo 4 Também é relativamente comum que a causa do apressamento devase a uma espécie de fobia de prosseguir vasculhando em zonas desconhecidas e temidas do seu psiquismo 5 É dever do analista estar atento à pos sibilidade de o paciente estar de forma incons ciente propondo um conluio do tipo fazde conta que está tudo bem ambos somos compe tentes e maravilhosos O retardamento do término Nessas situações as causas mais comuns manifestamse como uma das seguintes 1 Ainda não foi suficientemente solucio nado o problema de uma forte angústia diante de separações importantes 2 Isto está diretamente ligado à persis tência de uma área do psiquismo que mantém uma excessiva dependência 3 Não raramente o retardo em sair da análise é devido a um inconsciente temor do analisando de que vá sofrer uma retaliação do analista que abandonado pelo paciente fi cará decepcionado com ele e nunca mais o receberá 4 Um grau exagerado dessa última situa ção pode despertar no paciente uma forte an gústia de morte de um vínculo que se ex pressa por manifestações relativas ao medo de um vazio desamparo solidão tragédias imi nentes etc 5 Outras causas correlatas poderiam ser mencionadas porém o que cabe destacar como a causa mais comum de retardamento do término de uma análise consiste em um consciente ou inconsciente desejo do analis ta de que esse término não aconteça por ra zões diversas 6 Essa última possibilidade pode induzir a duas situações patogênicas a Em um extre mo o paciente e o analista contraem um vín culo de acomodação que satisfaz a ambos não obstante o fato de que em termos psicanalíti cos nada mais esteja de fato acontecendo b Em um outro extremo o paciente à sua moda protesta argumenta esperneia Tudo em vão quanto mais esse analisando insiste que sente que está na hora e que acredita ter condições de terminar a análise às vezes já bastante lon 226 DAVID E ZIMERMAN ga mais material estará dando ao analista para este lhe interpretar que ele está demons trando ainda não estar bem Assim pode se instalar um círculo vicioso com sério risco de a análise desembocar em uma transferência de impasse com um inevitável retardamento do término formal do tratamento analítico CONLUIO DE ACOMODAÇÃO A expressão conluio de acomodação que antes utilizei merece ser melhor explici tada e discriminada pois pode gerar alguma confusão conceitual Assim é indispensável que o analista saiba discriminar quando uma aná lise prolongada está estagnada no sentido de que o par analítico está patinando em torno do mesmo lugar e quando se trata de uma análise que não obstante esteja bem mais pro longada que o tempo de duração considerado como sendo médio aproximadamente entre quatro e oito anos evidencia que o processo analítico continua fértil em plena atividade com resultados palpáveis na conduta do pa ciente Particularmente quando acredito que estou nessa segunda situação e tanto o pacien te quanto eu achamos conveniente prosseguir não me sinto pressionado pela preocupação de que está havendo um prolongamento exage rado da análise ou que como muitos costu mam sentenciar se esteja cronificando uma dependência e coisas afins CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DA FASE DE TÉRMINO A primeira observação a ser feita é a de que inexiste uma forma típica e única de como são as manifestações clínicas que acompanham o período maior ou menor do término da aná lise Antes as características dessa fase são bastante variáveis conforme as particularida des de cada analisando em particular e da na tureza do vínculo que foi estabelecido com o analista Não obstante essa diversificação al gumas situações manifestamse com bastante regularidade e é relevante que o terapeuta as reconheça suficientemente bem Os seguintes elementos podem ser enumerados 1 Revivescência à moda de trailler de um filme já visto De fato muitas vezes o pa ciente reproduz na situação analítica as mes mas angústias actings queixas dúvidas ape go simbiótico idealização excessiva transfe rência negativa etc que caracterizaram os seus primeiros tempos de análise A diferença é que não se trata exatamente de uma regres são ao ponto inicial da análise mas sim uma forma de tornar a vivenciar fortes emoções agora com uma resolução muito mais breve e que conta com uma participação ativa e cooperadora do paciente que mantém uma aliança terapêutica com o analista Se con firmada essa participação ativa do paciente em diversos flashes do filme que resultou de suas vivências ao longo da análise isso pode ser um excelente indicador de que mercê da análise e de uma boa identificação com o seu terapeuta ele adquiriu uma eficiente função psicanalíti ca da personalidade logo está em condições de prosseguir uma permanente função auto analítica 2 Formas de testar o analista É bastante freqüente que de forma inconsciente às ve zes consciente o paciente necessite subme ter o analista a uma série de testes para se reassegurar que o terapeuta não o esteja sim plesmente descartando por cansaço decep ção ou algo equivalente ou que o vínculo com o analista após o término da análise não vai morrer totalmente ou para se certificar que ele tem o direito de atuar agredir regredir errar sem sofrer reprimendas revides ou que cause danos irreversíveis etc Nos casos em que a referida necessidade de fazer testes com o analista seja predominante essa fase de tér mino da análise costuma adquirir uma carac terística de alguma turbulência com sensíveis alternâncias do estado psíquico do paciente fato este que exige uma boa capacidade de continente do analista 3 O despertar de sentimentos contratrans ferenciais Esse é um aspecto que pode servir como uma forma de o analista captar alguma comunicação primitiva do paciente acerca da quilo que não está sendo verbalizado por este a respeito de como ele está vivenciando a pro ximidade do término com satisfação ou com insatisfação Essa comunicação primitiva pode se manifestar por meio de actings so MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 227 matizações estados depressivos confusionais dramatizações reativação de sonhos É possível que um difícil estado contra transferencial instalese no analista quando na fase do término ele enfrenta amargas queixas do paciente concernentes a uma decepção que ele teve com uma análise tão longa da qual esperava muito mais Nesse caso cabe ao analista aproveitar o efeito dessa contratrans ferência para poder fortalecer o insight do nú cleo que persiste no paciente relativo à mui to provável primitiva decepção que ela tive ra com seus pais na infância que não conse guiram preencher todos os desejos e expecta tivas mágicas da criança pequena ou do ado lescente que ele então era A propósito é necessário destacar o fato de que manifestações de insatisfação do paci ente com sentimentos de decepção diante dos resultados finais da análise de forma alguma devem sempre significar que o paciente está sendo ingrato ou que a análise realmente dei xou muito a desejar Deve ser levado em conta o fato de que quando nesse período de térmi no a insatisfação do paciente não corresponde aos visíveis resultados positivos que ele adqui riu com a análise o analista deve compreen der e analisar as idealizadas fantasias iniciais do analisando de que o tratamento o levaria a atingir a utopia fato não raro de que ele con seguiria a condição de perfeitamente analisa do plenamente feliz e em tudo realizado Por isso está insatisfeito 4 Sonhos Não cabe dúvida de que os sonhos tanto do paciente freqüentemente quanto do analista menos comumente re presentam uma excelente bússola de capta ção percepção e significação do estado emo cional do par analítico diante do término da análise Os sonhos refletem o momento trans ferencial e facilitam o surgimento de novas transferências O conteúdo dos sonhos adquire caracte rísticas típicas assim é bastante comum que nessa fase mais do que é o habitual o pacien te sonhe com construções ou reformas de ca sas o que deve ser traduzido pelo analista como uma clara referência à casa interna do paci ente Conforme for a nova moradia contida no sonho ela pode evidenciar um sentimento do paciente de satisfação de que ele cresceu bas tante na sua qualidade de vida e no desabro char de capacidades a retirada de paredes tornando as peças da casa mais espaçosas re cebendo luminosidade decoração agradável com colorido harmônico preservação de alguns móveis antigos em combinação com outros modernos etc ou um receio do paciente de insatisfação de que ele esteja em perigo de abandono e ruína o conteúdo manifesto do sonho pode ser o de uma casa malconstruída malassobrada em uma zona cercada de peri gos de solidão etc Ainda em relação à importância dos so nhos nessa fase da análise cabe realçar a utili dade de o analista perceber se determinados sonhos que eram recorrentes no curso da aná lise ainda persistem ou desapareceram ou sofreram sensíveis transformações Igualmen te é útil avaliar a capacidade que o paciente tenha adquirido de ele próprio compreender e estabelecer conexões entre os elementos de seus sonhos Da mesma forma há vantagens em o analista ficar atento para o significado de seus próprios sonhos que se manifestam em determinados casos mais significantes 5 Livre associação de idéias Este item pode parecer uma redundância visto que toda análise baseiase nesse fundamental princípio freudiano No entanto da mesma forma como foi referido em relação aos sonhos também a associação de idéias e imagens espelhadas nos relatos do paciente adquire características mais diretamente ligadas às fortes emoções que es tão manifestas ou ainda ocultas no psiquismo do analisando diante do momento altamente significativo de um término de uma separa ção tão importante INDICADORES POSITIVOS EOU NEGATIVOS DA ADEQUAÇÃO DO TÉRMINO DA ANÁLISE Partindo da assertiva de que a obtenção final do resultado analítico nunca será total e plenamente ao nível de uma perfeição absolu ta como alguns pacientes inicialmente imagi naram justificase a valorização de alguns in dicadores positivos eou negativos que pos sibilitam ao analista e ao paciente com vistas à adequação ou não do término final da análi 228 DAVID E ZIMERMAN se fazerem uma avaliação a mais completa possível das diversas áreas do psiquismo logo da conduta do paciente no cotidiano de sua vida Indicadores negativos 1 Não custa repisar que o analista deve estar bastante atento à possibilidade de que inadvertidamente possa estar conluiado com o paciente sob uma cegueira relativa a muitos aspectos doentios do paciente que não foram analisados ou não foram suficientemente mo dificados Da mesma forma sua atenção deve estar voltada para a hipótese de que todos pa ciente seus familiares analista estejam sa tisfeitos contudo em termos realmente psica nalíticos a análise não tenha construído mais do que um falso self 2 Assim impõese fazer uma distinção entre a obtenção de benefícios terapêuticos sem dúvida muito úteis porém instáveis e de re sultados analíticos quando aconteceram mu danças estruturais definitivas 3 Os sonhos as associações de idéias e os outros sinais emitidos pelo paciente este jam transparecendo uma excessiva insatisfação e angústia Igualmente é um indicador nega tivo se o estado mental do analista por efeito de uma contratransferência ou pela sua pró pria transferência em relação ao paciente que está se despedindo seja de um excessivo des conforto ou alívio visto que essa última pos sibilidade pode estar indicando que ele quis li vrarse do paciente 4 No paciente ainda persiste uma exage rada instabilidade no seu estado de humor que oscila rapidamente entre os pólos de um bem estar consigo mesmo e um estado psíquico de angústia apatia surgimento de defesas da posi ção esquizoparanóide forte manutenção da po sição narcisista e aspectos similares Indicadores positivos 1 Analista e paciente sentem que de for ma suficiente foi traçado o mapa do psiquis mo do paciente de modo que ele pode transi tar de uma área do seu mundo interior por exemplo sua parte de criança frágil ou sua parte psicótica da personalidade para uma outra área psíquica por exemplo seu lado adulto sua parte nãopsicótica etc sem maior confusão ou com uma costumeira instabilida de em suas reações emocionais 2 Destarte a partir dessa familiarização com suas diversas zonas mentais o paciente está conseguindo estabelecer um diálogo inter no ou seja consegue conversar consigo mes mo da mesma forma como até há pouco ele conversava com o seu analista À aquisição dessa capacidade dáse o nome de função psi canalítica da personalidade No caso o pacien te demonstra possuir condições para integrar aquilo que aprendeu com as experiências emo cionais sofridas na análise conseguindo esta belecer diferentes correlações 3 O analisando dá evidentes sinais de que atingiu a posição depressiva de sorte que assu me o seu quinhão de responsabilidade pelo que acontece consigo e com seus circunstantes ele passou de uma posição de narcisismo para a de socialismo isto é revela consideração e solidariedade com os demais assim como tam bém demonstra outras características ineren tes à aludida posição depressiva 4 Um importante indicador positivo é quando o paciente demonstra que a sua capa cidade de continência consegue servir como um suficiente continente para necessidades e angústias de certas pessoas significativas e normalmente funcionar como um autoconti nente para as suas próprias ansiedades e de mandas 5 No entanto o indicador positivo para o término da análise que me parece ser o mais significativo consiste em uma sensação de o analista sentir que está havendo uma harmo nia transferencialcontratransferencial muito especialmente no que tange a uma sensação interna em ambos do par analítico de que chegou a hora Ou seja reina uma atmosfera de mútua compreensão paciente e analista estão falando a mesma linguagem até discor dando em alguns aspectos porém a comuni cação flui com liberdade especialmente no que toca à escuta e à recíproca escuta da escuta 6 Creio ser imprescindível fazer um ba lanço final das metas que foram ou não alcançadas das transformações que se proces saram das aquisições das perdas dos proje tos imediatos e futuros dos alcances e das li MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 229 mitações o mapeamento do psiquismo que permita ao paciente conhecer os seus pontos frágeis e vulneráveis como o paciente exerce as suas funções do ego consciente etc Essa avaliação é realizada pela continuidade nor mal da análise dos sonhos das associações de idéias que estão contidas nos relatos do coti diano nas atuações etc Geralmente após a entrada na fase do término quando de for ma marcante predominam os indicadores po sitivos costumam decorrer alguns poucos me ses até o encerramento formal final CONDIÇÕES NECESSÁRIAS AO ANALISTA EM RELAÇÃO AO TÉRMINO É inquestionável que o período de tér mino adquire configurações distintas confor me a singularidade de cada paciente porém sempre as condições emocionais do analista exercem um papel altamente significativo nes se processo de encerramento Assim descon tando o fato de que provavelmente na maio ria das vezes o processo do término evolua de forma normal não se pode negar que existe a possibilidade não tão pequena como possa parecer de que o terapeuta influencie negati vamente como pode acontecer numa das se guintes situações 1 O analista tenha uma personalidade demasiadamente obsessiva de modo a buscar a meta próxima da perfeição e assim vir a se perder em preciosismos 2 Igualmente esse analista pode ter uma característica de sempre esperar um algo a mais assim podendo estar repetindo aqueles pais que quando o filho atinge uma meta im portante de imediato já demonstram uma ve lada exigência de que se trace um novo projeto mais sofisticado deixando no ar uma expecta tiva de que o filho paciente não o frustre 3 Nos casos mais extremados de o ana lista possuir uma caracterologia marcante mente narcisista é bastante provável que seu critério de término fundamentese em seu de sejo manifesto ou oculto de que o paciente tenha os mesmos valores idéias conduta e metas que as dele terapeuta Isso pode con figurar a permanência de uma relação de poder 4 Não custa repetir que em grande par te orientado por um possível desconforto contratransferencial o analista deve ter a hu mildade de reconhecer a possibilidade de ele poder ter contraído com o seu paciente um conluio de acomodação ter construído um falso self ou ainda não ter se apercebido que ainda remanescem muitos pontos cegos seus que o impediram de perceber certos aspectos complicados do paciente os quais provavel mente sejam da mesma natureza que os con flitos nãoresolvidos do próprio analista 5 Um exemplo dessa última situação pode justamente ser o de uma dificuldade com as perdas e separações 6 Uma última possibilidade quanto a uma possível influência patogênica do tera peuta no processo de término que não pode ser descartada é aquela em que o labor do analista esteja sendo determinado de forma inconsciente préconsciente ou consciente por interesses particulares seus como pode ser por exemplo o de natureza econômica o medo de seu consultório ficar esvaziado e coi sas análogas MODALIDADES DE TÉRMINO Cabe reiterar que não existe uma modali dade única mas sim que cada analista tem o seu estilo preferido e que mesmo assim cada um pode variar o estabelecimento do término de acordo com as particularidades específicas de cada caso individualmente As questões que merecem ser levantadas dizem respeito aos seguintes pontos é mais adequado que se faça uma finalização total isto é se por exemplo eram quatro sessões semanais assim vai até o último dia ou gra dual com a expressão finalização gradual quero designar uma gradativa redução do nú mero de sessões semanais No caso de ser um encerramento final é útil marcar uma data precisa e cumprir rigorosamente o combinado ou se restringir a alinhavar uma provável data a poder ser algo modificada conforme for o andor do período de término É útil que o ana lista não deixe a análise se prolongar mais do que alguns possíveis longos anos de tratamen to ou não importa esse fato Na hipótese de o paciente manifestar desejo de voltar a se tra 230 DAVID E ZIMERMAN tar em uma outra oportunidade futura caso ele sinta necessidade qual deve ser a posição do analista E ainda diante do fato de ele de sejar voltar a se analisar deve ser com o mes mo analista ou será preferível que seja com outro É útil indicar uma reanálise Reitero que não existe uma única forma de procedimento à moda de uma fórmula consa grada sendo que por isso vou me restringir a expor de forma muito breve a minha forma par ticular de pensar e de lidar com tais situações Assim tenho tido muitos términos de tratamen to analítico de forma total como também de forma gradual não obstante essa última mo dalidade seja um assunto algo controvertido en tre os analistas Particularmente não sinto a menor dificuldade ou algum inconveniente de aceitar as ponderações do paciente em concluir sua análise de forma gradativa Igualmente não me sinto impelido a con cluir a análise após um determinado período longo enquanto eu e o paciente acreditarmos que o trabalho continua sendo fértil Diante da questão se o paciente poderá voltar a me procurar em coerência com a mi nha posição de que não houve uma alta defi nitiva com uma plena cura mas sim que chegamos ao término de uma etapa de um mo mento de sua vida sempre combino um regi me de manutenção de um canal de comuni cação livremente aberto entre nós em um re gime de portas abertas No entanto deixo claro que portas abertas não significa que eu vá dispor de horários para um tratamento sis temático embora lhe afiance a certeza de que certamente conseguirei algumas brechas na minha agenda para conversarmos Tenho muitas evidências clínicas que essa conduta facilita bastante que o paciente em um outro momento de sua vida a seu critério procure prosseguir com uma análise termina da ou seja uma reanálise Em relação à pos sibilidade de o paciente desejar experimentar o prosseguimento da análise com um outro ana lista já passou a minha época de ficar melin drado na atualidade não só reconheço o seu direito legítimo e provavelmente sadio de as sim proceder como também em algumas cir cunstâncias se eu for consultado eu o apoio com sinceridade De igual modo não encontro dificuldades em aceitar se minhas circunstâncias pessoais permitirem a possibilidade de entrar no ritmo da antes aludida análise em capítulos sig nificativamente mais encontrada em pacientes com características fóbicas Para concluir este capítulo talvez o que esteja querendo transmitir em sua essência é que já não mais me sinto dono do pacien te antes intimamente congratulome com ele e me gratifico quando tenho a convicção de que contribuí com alguns tijolos para uma importante construção embora ela possa não ser completa e definitiva Falando em cons trução ocorreme novamente a metáfora de que o papel do analista é análogo ao dos an daimes de uma edificação são importantes enquanto a obra dura mas se tornam dispen sáveis quando ela se conclui sem afastar a possibilidade de que diante do desejo dos proprietários de expandir ou de reformar a construção sejam usados os mesmos andai mes ou outros MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 231 ram aplicaram e divulgaram trabalhos analí ticos como essencialmente centrados na inter relação do analista com o paciente Bion se guiu nessa mesma linha até porque os seus primeiros passos na carreira que o levou a ser o terceiro gênio da psicanálise começaram por um trabalho com grupos e seguiram de for ma ininterrupta privilegiando cada vez mais os vínculos que o indivíduo estabelece consigo próprio e com os demais A importância que está sendo creditada às condições emocionais da pessoa do analista ao longo de todo o processo de um tratamento analítico levou Bion a postular que cada analis ta deve ter em mente de modo claro quais são as condições mínimas necessárias CMN para si mesmo nas quais ele e o seu paciente podem fa zer o trabalho 1992 p 75 Por ser o autor que segundo creio mais enfatizou a participação do terapeuta de acordo com seu modelo continen teconteúdo além de tantas outras concepções originais este capítulo será essencialmente ba seado em Bion Para tanto usarei o recurso de mencionar frases originais dele e de tecer con siderações a partir delas ressalvando que são meus os eventuais grifos de suas transcrições FORMAÇÃO DO ANALISTA Assim Bion costumava afirmar em seus seminários clínicos que 20 Condições Necessárias para um Analista Em algum lugar da situação analítica sepultada sob massas de neuroses psicoses e demais há uma pessoa que pugna por nascer O analista está comprometido com a tarefa de tentar ajudar a criança a encontrar a pessoa adulta que palpita dentro dele e por sua vez também mostrar que a pessoa adulta que ele é ainda é uma criança W Bion Nem só a arte e a ciência servem no trabalho deve ser mostrada paciência Goethe em Fausto Na atualidade é impossível a compreen são dos fenômenos psíquicos sob um enfoque centrado unicamente no indivíduo pelo con trário impõese cada vez mais a convicção de que desde os primeiros estágios evolutivos até o pleno funcionamento em todas as áreas de sua vida o psiquismo de cada sujeito inte rage permanentemente com outras pessoas so frendo influências às vezes de maneira passi va a um mesmo tempo que ele também é um ativo agente modificador do seu entorno fami liar social profissional Portanto não é mais admissível que uma análise funcione unicamente com o método ul trapassado no qual ao paciente cabia o papel de trazer o seu material enquanto o papel do psicanalista limitavase a observar e inter pretar o aludido material com uma atitude de neutralidade absoluta na qual tal como um espelho opaco ante seus pacientes ele refle tiria tãosomente aquilo que viesse das livres associações de idéias do analisando Entre os analistas de hoje existe um consenso virtual mente absoluto de que um processo analítico repousa sobretudo na dinâmica que existe no campo analítico termo de Baranger 1961 es tabelecido pelas influências recíprocas entre o par analítico Ferenczi desde que iniciou seus traba lhos em 1931 pode ser considerado o precur sor de autores como Balint Winnicott Guntrip Kohut Baranger e tantos outros que estuda 232 DAVID E ZIMERMAN A prática da psicanálise é muito difícil A teoria é simples Se o analista tem boa memória poderá ler todos estes livros e decorálos com facilidade Daí poderão dizer que bom analista é tal pessoa sabe todas essas teorias Mas isto não equivale a ser um bom analista Um bom analista está sempre lidando com uma situação desconhecida imprevisível e perigosa Re vista IDE 14 1987 p 5 Essa frase creio introduznos na condi ção de que mais do que uma necessária baga gem de conhecimentos provindos de seminá rios e estudos continuados de uma igualmen te necessária competente habilidade resultan te de supervisões o analista deve possuir uma adequada atitude psicanalítica mercê de seus atributos naturais e daqueles desenvolvidos por meio da análise pessoal sendo que esta últi ma consiste exatamente na posse do analista das condições mínimas necessárias para en frentar as angústias e os imprevistos de uma longa viajem pelos meandros do inconsciente do paciente e dele mesmo Dentre outras condições de ego do paci ente que seguem adiante além das adequa das funções de percepção pensamento conhe cimento juízo crítico e discriminação cabe destacar a importante função de capacidade sintética do ego a qual lhe permitirá fazer as necessárias correlações e integrações que tam bém servirão como um importante modelo para o paciente PAR ANALÍTICO A posição anteriormente declinada de Bion fica confirmada com a sua afirmativa de que a única coisa que parece ser básica não é tanto aquilo que fazemos mas aquilo que vivemos aquilo que somos 1992a p 46 Em outros momentos ele diz que em análise a coisa mais importante não é aquilo que o analista e o paciente podem fazer mas o que a dupla pode fazer onde a unidade biológica é dois e não um p62 o ser humano é um animal que depende de um par em análi se é um par temporário p95 sendo que todo analista precisa ser temerário e reu nir a tenacidade e a coragem que acompanham a temeridade para poder insistir no direito de ser ele mesmo e de ter a sua própria opinião a respeito dessa estranha experiência que ocor re quando se está consciente de que há outra pessoa na sala p74 É importante observar que a postulação de que uma análise exige uma comunhão en tre analista e paciente não deve significar que o analista perca o seu lugar a sua autonomia e muito menos que fiquem borradas as dife renças e a manutenção dos necessários limites entre ambos Bion entre outros tantos autores é um dos que mais destaca o fato de que a simples presença do psicanalista promove alterações no setting Isso está de acordo com o princí pio da incerteza uma concepção de Eisenberg freqüentemente mencionada por Bion e que consiste no fato de que o observador muda a realidade do fenômeno observado conforme for o seu estado mental durante uma determi nada situação a exemplo do que se passa na física quântica subatômica na qual uma mes ma energia em um dado momento é onda enquanto em outro é partícula Assim Bion foi um dos que mais contri buiu para desmistificar a posição de infalibili dade do analista como um privilegiado obser vador neutro e perfeitamente sadio investido como autoridade e juiz supremo daquilo que é o certo e o verdadeiro considerandoo como um ser humano certamente mais bemprepa rado que o seu analisando porém também ten cionado por angústias e incertezas Ele com pleta esse seu pensamento dizendo que a in certeza não tem cheiro não é palpável mas ela existe Se existe algo que é certo é que a certeza é errada 1992b p 202 Pelo contrá rio diz ele referindose ao ritmo da análise na prática devemos ter uma percepção acerca do que o paciente pode suportar Nosso comportamento tem que sustentar certo compromisso o analista deve ter con sideração para com o paciente para quem essa é uma experiência atemorizante PESSOA REAL DO ANALISTA Penso que freqüentes afirmativas de Bion como o paciente faz algo para o analista e o MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 233 analista faz algo para o paciente não é apenas uma fantasia onipotente 1992 p79 com provam que ele valorizava o fato de que o psiquismo do analista como pessoa real mais do que unicamente uma pantalha transferen cial exerce uma importante influência nos des tinos da análise Assim ele insiste na tecla de que em toda situação analítica devem existir duas pessoas angustiadas e esperase que uma menos que a outra completara jocosa mente Dentro desse contexto cabe destacar a sua afirmativa de que Cada analista deve esperar seguir melho rando de modo igual ao paciente Por isso é bom que o analista dê a si mesmo a opor tunidade de aprender algo e não permitir que o paciente ou quem quer que seja insista que ele é uma espécie de deus que conhece todas as respostas É desesperante sentir que se está condenado a ser de al gum modo um grande pai ou uma grande mãe ou um grande que seja O que toda pessoa deve querer é ter espaço para viver como um ser humano que comete er ros 1992b p 13 Embora possamos depreender quão im portante é o fato de o analista reconhecer que ele tem limites limitações e direito de come ter enganos e erros como todo mundo im põese enfatizar que isso não é a mesma coisa que ele adotar uma postura analítica de in dulgência ou negligência tal como fica con firmado nessa posição de Bion Na Inglaterra não se pode iniciar uma ação legal contra o médico por que ele tenha fracassado em curar a um paciente o fra casso na cura não é um crime nem mesmo se for o caso de um médico incompetente O que sim é um crime é a negligência Em psicanálise a obrigação do analista é a de intentar ajudar não se pode estar na obrigação de conseguir ajudar O úni co contrato que o analista participa é aque le que estabelece que ele fará o melhor que ele pode mas não a obrigação de que terá êxito p 39 e 69 Destarte destaco como mais profundas e belas as palavras de Bion que estão nesta citação Em algum lugar da situação analítica se pultada sob massas de neuroses psicoses e demais há uma pessoa que pugna por nascer O analista está comprometido em uma tarefa de tentar ajudar a criança a encontrar a pessoa adulta que palpita den tro dele e por sua vez também mostrar que a pessoa adulta que ele é ainda é uma criança O ideal é que ambas partes dife rentes convivam em um criativo vínculo do tipo simbiótico 1992b p49 No entanto insistindo na necessidade de o analista reconhecer as suas próprias limita ções além daquelas do paciente Bion alerta nos que certos pacientes não são analisáveis Pode não ser culpa do analista nem do pacien te senão que simplesmente ainda não sabe mos o suficiente p 32 VISUALIZAR AS DIFERENTES PARTES DO PACIENTE Para Bion faz parte da atitude psicanalí tica do terapeuta em relação ao aspecto trans ferencial que a situação mental do paciente não seja vista unicamente como espaçada no tempo passado presente e futuro mas que no lugar disso o analista poderia considerar a mente do paciente como um mapa militar no qual tudo está retratado em sua superfície pla na ligada com vários contornos Isso significa que falar com uma pessoa é sempre aquie agora desde que o analista consiga distinguir uma parte da outra 1992a p 30 Em outros momentos Bion utiliza a mes ma metáfora da mente humana comportando se como um mapa e assim entendi ele traz a importante noção de que nem sempre o com portamento humano será uniforme Pelo con trário suas emoções podem proceder das suas zonas glaciais das temperadas e até mesmo das tórridas do seu equador mental podem ser de superfícies lisas e planas ou de zonas mon tanhosas e de escalada perigosa de mares pa cíficos ou turbulentos sofrendo a possível in fluência dos niños dentro dele com borrascas e profundas alterações do clima emocional etc Partindo de um outro vértice Bion emprega essa imagem do mapa da mente humana para comparála com os pontos cardiais de uma 234 DAVID E ZIMERMAN rosadeventos que podem servir como indi cadores de direção para progressão regressão transgressão e creio que cabe acrescentar também possibilita que o paciente adquira con dições para conhecer e locomoverse de um ponto para outro de sua nãoacidentada geo grafia mental O que importa é que na situação analíti ca o relacionamento do paciente não deve ser entendido unicamente com a pessoa do analis ta mas sim também do próprio paciente consi go mesmo como por exemplo de seu consciente com seu inconsciente de sua parte infantil com a adulta da parte psicótica com a não psicótica daquela que é verdadeira com a ou tra parte dele que falsifica e mente etc Bion enfatiza a necessidade de que o analista reúna condições para poder discriminar essas dife rentes partes e procurar integrálas Assim ele afirma que o objetivo essencial da atividade interpretativa do analista é promo ver a abertura de novos vértices de observação e de introduzir o paciente à pessoa mais impor tante que ele jamais poderá lidar ou seja ele mesmo 1992a p13 Isso pode ser exem plificado com essa interpretação que Bion pro põe para um paciente no curso de uma super visão essa pessoa que você diz que foge e essa pessoa que é muito agressiva são a mesma pes soa Penso que seja você mesmo p179 Ou essa outra interpretação Está havendo um ca samento entre você e você um casamento en tre seus sentimentos e pensamentos Igualmen te pode servir de exemplo essa sua frase todo gordo tem um magro que pugna por sair 1992b p 22 a qual examinada detidamen te revela uma sensível profundidade Da mes ma forma ainda cabe mais essa outra bonita citação de Bion Existe o termo panteão lugar de todos os deuses mas também existe o ter mo pandemônio lugar de todos os demônios cada demônio tem um santo que o acompanha e viceversa Do mesmo modo cada cura tem um mal que a acompanha p 156 VISÃO BINOCULAR Ainda dentro do mesmo contexto Bion traz outra metáfora igualmente bonita qual seja a de comparar a mente humana com uma orquestra p179 na qual diferentes instru mentos parte infantil adolescente adulta tocam uma mesma partitura Ele conclui suas analogias perguntando De que zona do mapa do self o paciente não quer saber absolutamen te nada A isso poderseia completar com uma outra questão a partir de qual vértice de percepção o analista poderia induzir o paciente a entrar em contato e refletir sobre as áreas que ele mantêm ocultas para si mesmo Todos esses aspectos conduzemnos àqui lo que Bion denomina visão binocular ou tras vezes ele denomina visão multifocal ou seja uma capacidade de o analista abrir novos vértices de observação de um mesmo fato psíquico de propiciar ao paciente o desenvol vimento de uma condição de estabelecer cor relações entre as partes distintas dele entre um pensamento e outro pensamento um sen timento com outro sentimento uma idéia com um sentimento e assim por diante Da mesma forma esse atributo do analista permite que ele desenvolva no paciente um diálogo inter no entre a parte infantil e a adulta a parte psicótica da personalidade e a nãopsicótica os seus aspectos agressivos e os amorosos a parte que quer conhecer as verdades e a que quer negálas de forma absoluta etc Essa forma de abrir uma outra forma de autovisualização tem uma extraordinária im portância na psicanálise atual e ela está ba seada no fato de que assim como a criança forma a imagem de si mesma nos moldes de como a mãe a vê também o paciente está em grande parte condicionado à visão que o ana lista tem dos potenciais dele RESPEITO É importante destacar a necessidade de que o analisando seja aceito pelo analista tal como de fato ele é ou pode vir a ser e não como o terapeuta gostaria que ele fosse desde que fique claro que respeitar as limitações do paciente não é o mesmo que se conformar com elas Creio que se pode completar ser bom não é o mesmo que ser bonzinho A etimologia mostranos que o atributo de respeito tem um significado muito mais amplo e profundo do que aquele usualmente empregado Respeito vem de re de novo e spectore olhar ou seja é a capacidade de o MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 235 psicanalista e a partir daí ser desenvolvida no paciente voltar a enxergar o ser humano que está à sua frente como outros olhos com outras perspectivas sem a miopia repetitiva dos rótulos e papéis que desde criancinha foram incutidos no paciente O desenvolvimento dessa capacidade de respeitar só será possível se o analista tal como a mãe no passado possuir as capacidades de empatia e de rêverie ou seja de continência Bion alerta para os riscos de que o analis ta repita aquilo que os pais de muitos pacien tes fizeram condenandoos de alguma forma a viverem para cumprir as suas dos pais ex pectativas grandiosas O que a pessoa quer diz ele é comportarse como uma pessoa comum é ter um espaço para viver como um ser humano que comete erros Talvez não tenha experiência mais frus trante para um paciente do que aquela na qual graças a um enorme esforço ele consegue fa zer uma confidência guardada de longa data ou apresentar uma pequena melhora bastan te significativa para ele embora possa parecer invisível ou banal do ponto de vista de um ob servador externo e assim mesmo não ser com preendido por seu analista Essa nãocompre ensão logo uma desvalorização do seu esfor ço reaviva e reforça no paciente seus antigos sentimentos de que era desrespeitado levan dose a fazer significações patogênicas de fa tos normais Serve como exemplo disso a ob servação de Bion de que no amor de uma pes soa por outra do mesmo sexo qualquer sugestionamento por parte do analista de com portamento homossexual mata a pequena plan ta que está nascendo pois ser capaz de amar a alguém que é igual a si mesmo pode ser um pas so no caminho para amar a alguém distinto EMPATIA Embora raramente Bion tenha emprega do esse termo diretamente é evidente a im portância que ele outorgou a esse atributo do analista conforme nos demonstra a etimologia dessa palavra Empatia é composta das raízes gregas em quer dizer dentro de e pathos sig nifica sofrimento portanto alude à capaci dade de o analista colocarse no papel do pa ciente isto é entrar dentro dele para junto sentir o seu sofrimento Isso é muito diferente de simpatia que se forma a partir do prefixo sim que designa ao lado de e não dentro de A empatia resulta da capacidade de o ana lista poder utilizar as fortes cargas das identifi cações projetivas como uma forma de comuni cação primitiva do paciente O extremo opos to seria o de um estado mental do analista de apatia ou seja ele não se mantém sintoniza do com o sofrimento do paciente e nesses ca sos a análise não vai além de um processo pro tocolar monótono e estéril pois em tais condi ções a apatia contamina ambos do par analítico CORAGEM Nesses últimos casos Bion recomenda que o analista deve ter a coragem para se aperceber que as aparentes harmonia e tranqüilidade da situação analítica não são mais do que uma es tagnação estéril a qual ele denomina calma do desespero e que a partir dessa percepção o ana lista possa provocar uma turbulência emocional Assim Bion estabelece uma comparação com náufragos que estão em uma balsa aparente mente calmos na verdade resignados até que aparece um avião de salvamento e eles entram em um estado de turbulência A pessoa desesperada não manifesta ne nhum sentimento particularmente marcado e algumas vezes preferiria ficar nesse esta do porque resulta menos perturbador do que a possibilidade de resgate 1992a p 152 CAPACIDADE DE SER CONTINENTE Partindo de sua original concepção de que a todo conteúdo carga de necessidades e angús tias da criança ou do paciente deve corresponder um estado de continente da mãe ou do analis ta Bion concebeu como uma das condições ne cessárias mínimas a função de o analista acolher as projeções daquilo que é intolerável para o pa ciente decodificálas transformálas dar um sig nificado um sentido e um nome para somente devolvêlas ao paciente devidamente desinto xicadas sob a forma de assinalamentos ou inter pretações em doses adequadas ao ritmo que cada paciente em particular consegue suportar 236 DAVID E ZIMERMAN A função continente alude portanto a um processo ativo não devendo ser confundi do com um recipiente em cujo caso tratase de um mero depósito passivo Um aspecto que me parece particularmente importante em re lação a essa função de continência é o que eu costumo denominar função moratória ou seja o paciente deposita aspectos seus dentro da mente do analista à espera que esse tal como se passa em um depósito de bens materiais a serem custodiados na forma de uma morató ria contenha durante algum tempo pode ser de vários anos sobretudo com pacientes bas tante regredidos para depois devolver ao pa ciente seu legítimo dono quando ele tiver con dições de resgatálos Um aspecto muito desafiador para a con dição de continente do analista alerta Bion é quando ele projeta uma carga agressiva exa gerada particularmente aquela que tem um cunho desqualificatório Assim Certos pacientes de qualquer modo ten tam provar que o analista está equivo cado consideram o analista tão ignoran te que este não lhe pode brindar nenhu ma ajuda ou que ele é tão inteligente que poderia fazer o seu trabalho sem ne nhuma assistência dele paciente Mais adiante ele completa Haveria algo de muito errado com o seu paciente caso ele não pudesse fazer o seu analista de bobo Ao mesmo tempo há algo de muito errado com o analista que não consegue tolerar ser feito de bobo caso possa tolerar isso se você puder su portar ficar irritado então você pode aprender algo p 114 PACIÊNCIA Essa condição mínima necessária está di retamente ligada à anterior porém como a sua raiz etimológica mostra a palavra paciência vem de pathos que em grego significa sofri mento ela exige que o analista suporte a dor de uma espera enquanto não surge uma luz no fosso do túnel depressivo do paciente Tam bém Freud exaltou a virtude da paciência como se vê no caso Dora no qual ele cita um tre cho de Fausto de Goethe Nem só a arte e a ciência servem no trabalho deve ser mostrada paciência 1905 p 19 Deve ficar bem claro que paciência não significa uma atitude passiva de resignação ou coisa parecida pelo contrário consiste em um processo ativo dentro do analista Como diz Bion de início o analista desconhece o que está ocorrendo caso sejamos honestos temos que admitir que não temos a menor idéia do que está ocorrendo Mas se ficarmos se não fugirmos se continuarmos observando o pa ciente vai emergir um padrão 1992 p 172 Essa última expressão que Bion gostava de utilizar é uma menção a Freud que por sua vez a tomou emprestada de Charcot Em um outro momento Bion afirma que o analista deve dar um bom tempo para que o paciente manifeste plenamente os sentimen tos de desespero depressão inadequação ou de insatisfação ressentida com a análise e com o analista assim como a mãe deve abrir um espaço para acompanhar a depressão do filho portanto não devemos ser demasiado prema turos em dar uma interpretação tranqüiliza dora Aliás às vezes Bion comparava a análi se com um processo de gestação de modo que referia que Sócrates costumava dizer que mui tas vezes fazia o papel de parteira atendia ao nascimento de uma idéia e que da mes ma forma os analistas podem ajudar a que um paciente nasça a que ele emerja do ventre do pensamento Green 1986 p134 reforça a importân cia do atributo de paciência ativa do psicana lista como se depreende dessa citação Não há um só analista que mantenha a ilu são de que se ele interpretar uma deter minada atitude esta desaparece Para mim por exemplo a atitude do paciente pode durar digamos 15 anos A aná lise é um trabalho de Penélope todos os dias você tece a teia e logo que o paciente o deixa ela se desfaz Se não estivermos preparados para ver a análise assim é melhor mudar de profissão CAPACIDADE NEGATIVA O termo alude a uma positiva condi ção minimamente necessária de o terapeuta MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 237 conter as suas próprias angústias decorrentes do seu não saber aquilo que está se passando na situação analítica porquanto temos um hor ror ao vazio nós odiamos estar ignorantes Na ausência dessa capacidade as inter pretações dadas ao paciente poderão repre sentar nada mais do que uma tentativa de o analista aliviar a sua própria angústia pre enchendo o vazio daquilo que ele está igno rando De forma equivalente pode acontecer que o analista não tenha a capacidade para conter a sua ânsia de não frustrar o paciente e com isso ele faz interpretações prematuras embora elas possam ser corretas de forma que ele pode estar assassinando a curiosidade do paciente a um mesmo tempo que completo ele pode estar assassinando a sua própria ca pacidade intuitiva Como um derivado direto da condição de capacidade negativa por parte do analista Bion postulou a recomendação técnica de um estado mental do terapeuta no transcurso de uma sessão analítica um estado de sem me mória sem desejo e sem compreensão A finali dade maior de que a mente não fique saturada com a memória os desejos e a necessidade de compreensão imediata é para que os órgãos dos sentidos não fiquem tão predominantes e assim não dificultem a emergência da capaci dade de intuição do analista INTUIÇÃO Tratase de uma condição necessária para o analista que não tem nada de transcedental como muitas vezes se pensa antes alude à uma capacidade da mente do terapeuta para ele não utilizar exclusivamente os seus órgãos dos sentidos para captar algo importante da esfera afetiva A etimologia do verbo intuir procede dos étimos latinos in dentro e tuere olhar ou seja Bion utiliza novamente um modelo da analogia visual para definir pareceme uma capacidade de se olhar com um terceiro olho nãosensorial com uma visão para dentro ou partindo desde dentro do sujeito Uma metáfo ra de Bion esclarece melhor ele recomenda que o analista lance sobre sua própria visão um fa cho de escuridão para que se possa ver melhor assim como esclarece a metáfora de que con forme Rezende 1993 na escuridão da noite as estrelas ficam mais visíveis De forma análoga uma imagem que me ocorre para caracterizar a importância da ca pacidade de intuição é aquela que pode ser extraída do jogo conhecido como olho mági co Consiste no fato de que se o observador olhar de uma forma especial diferente da ha bitual a uma folha plana com certas figuras impressas terá uma impressionante visão de terceira dimensão que só se tornou possível quando ele relaxou o hábito de olhar única e fixamente com o órgão sensorial que é o seu olho Dentro dessa mesma idéia Bion costu mava utilizar uma citação do poeta Milton Observar coisas invisíveis para um mortal ou seja Bion dizia que o analista deve saber escutar não só as palavras e os sons mas tam bém a música Igualmente ele com freqüên cia mencionava a concepção do filósofo Kant de que intuição sem conceito é cega concei to sem intuição é vazio cabendo ao analista promover um casamento entre a intuição e o conceito de tal modo que gerem um pensamen to moderno completo SER VERDADEIRO Este aspecto de o analista ter amor às ver dades constituise em uma das CNM mais enfatizadas por Bion não obviamente no senti do dele ter a posse de conhecimentos que julga serem as verdades absolutas mas sim que ele seja verdadeiro consigo mesmo portanto que como condição sine qua non ele tenha uma ati tude analítica de querer conhecer e enfrentar as verdades dele do paciente e do vínculo en tre eles por mais penosas que sejam À essa função do conhecimento Bion con siderou como sendo um dos vínculos essenciais que ele designou com a letra K ou se estiver a serviço de negar e evitar o conhecimento K Assim podemos depreender de Bion ser ver dadeiro vai muito além de um dever ético é uma imposição técnica mínima a ser transmi tida ao analisando e a ser dirigida em profun didade em uma busca das verdades originais Esse aspecto tem uma profunda repercus são na prática analítica porquanto alude dire 238 DAVID E ZIMERMAN tamente ao vínculo do par analítico e conse qüentemente diz respeito à atividade interpre tativa e aos critérios de crescimento mental do paciente Assim conforme Bion um paciente procurar um analista sugere que ele necessita de uma injeção poderosa de verdade mesmo que ele não goste dela No entanto o medo de conhecer as verdades pode ser tão poderoso que as doses de verdade são letais 1992a p 61 Isso quero crer constitui um alerta para o analista não confundir amor às verdades com um estado mental de permanente caça obsessiva às supostas verdades até mesmo porque a busca da liberdade bem maior que uma análise pode propiciar é indissociável da verdade tal como aparece na sabedoria milenar da Bíblia no trecho que reza que só a verdade vos libertará Assim impõese mencionar essa profun da e ao mesmo tempo poética frase de Bion que estabelece uma íntima correlação entre o amor a verdade e a liberdade amor sem ver dade não é mais do que paixão verdade sem amor não passa de crueldade Isso me faz re cordar dessa outra frase do poeta inglês Yeats igualmente bela e profunda e que pode servir como uma luva para nós analistas por favor pise devagar porque estás pisando nos meus mais queridos sonhos Um aspecto particularmente importante em relação à condição minimamente neces sária de o analista ser verdadeiro consiste no risco durante o processo analítico de uma formação de conluios inconscientes do analis ta com as falsificações do analisando Assim Bion adverte para o fato de que há pacientes que tentam limitar a liberdade de pensamen to e por conseguinte de interpretação do ana lista Ele compara isso com situação de uma paciente ir a um médico e dizer Doutor apa receu um inchaço no meu seio agora eu não quero ouvir nada sobre câncer ou qualquer treco desse tipo 1992a p 260 Isso não di fere fundamentalmente do fato de que um analista possa ficar conluiado submetido àquele tipo de paciente que quer baixar leis sobre aquilo que o analista vai pensar ou sen tir a respeito dele São pacientes que querem impor o não quero ouvir que há algo de er rado comigo p 30 Da mesma forma Bion também alerta para que o analista precavenhase contra a for mação de um conluio com pacientes que pre ferem o que ele denomina como uma cura cos mética muitas vezes de aparência bonita po rém que é superficial e instável porquanto ela é encobridora daquilo que é sentido pelo pa ciente como uma feiúra interna sendo que isso é próprio daqueles analisandos que não que rem se desfazer dos seus proteiformes disfar ces mentais CAPACIDADE PARA SOBREVIVER Não resta dúvida que uma das capacida des fundamentais de um analista é a de ele sobreviver às diversas modalidades de ata ques agressivas eróticas depressivas e nar cisistas que muitos pacientes vão lhe impor no curso da análise Na prática clínica os refe ridos ataques podem se manifestar sob a for ma de uma constante desqualificação e dene grimento que o paciente faça de seu trabalho e de sua pessoa de alguma forma de sedução erótica inclusive que inconscientemente ou de forma deliberadamente consciente visa a tirar o analista de seu lugar e papel de uma atitude arrogante própria de um narcisismo exagerado por meio da prática de actings de natureza maligna e comprometedora para o analista por meio de ameaças e intentos suici das do eventual surgimento de um período de psicose de transferência ou mesmo de manifestações psicóticas preocupantes etc Todos estes casos costumam despertar uma dificílima contratransferência razão porque mais do que nunca seja qual for o paciente embora ambíguo e ambivalente no fundo ele quer se assegurar que o seu analista sobrevive aos seus ataques porque não se deixa ficar en volvido pela tentação da sedução não revida e tampouco se submete aos ataques agressivos e arrogantes não o remete para um outro terapeu ta e não apela de forma despropositada para um inadequado uso de medicação A sobrevi vência do analista representa dois significados de primeira grandeza para a análise desse pa ciente 1 nem todas as pessoas representan tes de seus objetos internos são tão frágeis como MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 239 ele imaginava 2 ele paciente não é tão destrutivo e perigoso como acreditava ser SENTIMENTO DE UMA SUFICIENTE AUTONOMIA A palavra autonomia deriva dos étimos auto próprio e de nomos que em grego sig nifica nome lei ou seja podese considerar como uma condição mínima necessária para o analista que ele tenha adquirido um sentimento de identidade um nome próprio com uma liberdade interior de ele ser autêntico e não simplesmente um mero cumpridor de expec tativas e mandamentos de outros por mais sig nificativos que estes sejam Assim o analista não pode ficar prisio neiro de sua formação quando então corre o risco de se deixar invadir por uma espécie de terrorismo teórico de modo a unicamente obedecer e logo deixar de pensar e indagar Da mesma forma o terapeuta pode ficar cego surdo e paralítico diante daquilo que ele não analisou em si ou quando em um extremo exa gerado o terrorismo teórico provindo de um rígido superego analítico funciona nele como uma camisa de força impedindo uma liberda de de pensamento intuição criatividade e li vre movimentação além do sagrado direito de cometer eventuais falhas erros e ter limitações À guisa de síntese do que foi exposto nes se capítulo podese dizer que a formação de uma indispensável atitude psicanalítica inter na resultante da aquisição das condições mínimas necessárias implica a condição de que o analista discrimine as seguintes trans formações na situação analítica ouvir não é o mesmo que escutar olhar é diferente de ver enxergar entender não é o mesmo que compre ender ter a mente saturada com a posse das verdades é bem distinto de um estado mental de amor pelas verdades funcionar como um oráculo que tudo sabe pode aconselha e condena não é o mesmo que demonstrar uma au têntica segurança e conhecimentos simpatia não é o mesmo que empatia recipiente não é o mesmo que conti nente ser bonzinho não deve ser confundido com ser bom interpretar corretamente não significa que houve um efeito eficaz adivinhar ou palpitar não é a mesma coisa que intuir falar não é o mesmo que dizer saber não é o mesmo que de fato ser PARTE III Características Clínicas e Manejo Técnico das Diferentes Psicopatologias 21 Psicoses Pacientes Bordeline A Parte Psicótica da Personalidade Qualquer paciente de natureza psicótica sempre está cheio de vazios ESTADOS PSICÓTICOS Abarcam um largo espectro mas sempre pressupõem a preservação de áreas do ego que atendem a duas condições uma é a de que tais estados psicóticos permitem uma relativa adap tação ao mundo exterior como é o caso de pacien tes borderline as personalidades excessivamente paranóides ou narcisistas algumas formas de perversão psicopatias ou neuroses graves A se gunda consiste no fato de que esses quadros clí nicos possibilitam uma recuperação sem seqüe las após a irrupção de surtos francamente psicóticos como por exemplo reações esquizo frênicas agudas ou episódios na doença de transtornos afetivos que até há pouco era de nominada como psicose maníacodepressiva BORDERLINE Pela importância que representa e pelo alto grau de incidência clínica cabe dar um destaque mais detalhado aos pacientes border line tal como segue Durante muito tempo o termo borderline designava um estado de psiquismo do pacien te que clinicamente estivesse na fronteira no limite entre a neurose e a psicose Embora exis tam evidências clínicas que confirmem essa afirmativa na atualidade os estudiosos desses casos borderline preferem considerar tal con dição psíquica uma estrutura com caracterís ticas específicas e peculiares De forma abrevia O termo psicose não tem uma clara e definida precisão conceitual e clínica pois abran ge distintas significações e diferentes quadros clínicos cada um por sua vez com variadas di ferenças qualitativas e quantitativas Destarte como não se pode falar de psicose como uma categoria homogênea independente da catego rização oficial que o DSMIVTR designa creio que para fins didáticos cabe adotar o critério de uma classificação de base clínica em três subcategorias 1 psicoses propriamente ditas 2 estados psicóticos e 3 condições psicóticas Cada uma dessas por sua vez pode ser subdivi dida conforme o grau de gravidade em uma escala que vai de 1 forma benigna a 4 malig na sendo que muitas vezes elas tangenciam e superpõemse umas às outras PSICOSES PROPRIAMENTE DITAS Implicam um processo deteriorante das fun ções do ego a tal ponto que haja em graus variá veis algum sério prejuízo de contato com a rea lidade É o caso por exemplo das diferentes for mas de esquizofrenias crônicas O quadro clínico de psicose pode tanto ser de surgimento agudo como também pode evoluir de forma muito len ta e gradativa constituindo as formas crônicas quando então são de prognóstico bastante mais sombrio que as formas agudas Estas últimas embora de sintomatologia muito mais ruidosa quando bem diagnosticadas manejadas e trata das podem ser de excelente prognóstico 21 Psicoses Pacientes Borderline A Parte Psicótica da Personalidade Qualquer paciente de natureza psicótica sempre está cheio de vazios 244 DAVID E ZIMERMAN da cabe destacar as seguintes características dos pacientes borderline Todos os aspectos inerentes à parte psicótica da personalidade em algum grau e forma estão presentes nesses pacientes fronteiriços No entanto diferentemente do que acontece nas psicoses clínicas os pa cientes borderline conservam um juízo crítico e o senso da realidade Assim é bastante freqüente a presen ça de sintomas de estranheza em relação ao meio ambiente exterior e de despersonalização estranheza em relação a si próprio Esses sintomas estão intimamente liga dos ao fato de que os pacientes border line apresentam um transtorno do sen timento de identidade o qual consiste no fato de que não existe uma inte gração dos diferentes aspectos de sua personalidade de sorte que essa não integração resulta numa dificuldade que esse tipo de paciente tem de trans mitir uma imagem integrada coerente e consistente de si próprio e assim deixa os outros confusos em relação a ele transmitindo uma sensação de que ele é uma pessoa esquisita Este estado mental decorre do fato de que este tipo de paciente faz uso ex cessivo da defesa de clivagem disso ciação dos distintos aspectos de seu psiquismo que permanecem contra ditórios ou em oposição entre si de modo que ele se organiza como uma pessoa ambígua instável e exagera damente compartimentada Também existe a presença permanen te de uma ansiedade difusa e uma sen sação de vazio crônico que acompa nham uma neurose polissintomática Essa última refere que tais pacientes recobrem as suas intensas angústias depressivas e paranóides com uma fa chada de sintomas ou de traços carac terológicos de fobias diversas ma nifestações obsessivocompulsivas histéricas narcisistas somatizadoras perversas etc todas elas podendo ser concomitantes ou alternantes É bastante freqüente o surgimento de actings que muitas vezes adquirem uma natureza de sexualidade perver sa e sadomasoquista Em casos mais avançados podem apa recer manifestações prépsicóticas como é o caso de personalidade pa ranóide esquizóide hipomaníaca neuroses impulsivas transtornos ali mentares graves drogadicções psico patias etc O que é incontestável é o fato de que mesmo que haja uma florida aparên cia edípica nas atuações de uma incontida sexualidade a raiz do esta do psicótico borderline reside nas fa lhas e faltas ocorridas durante o de senvolvimento emocional primitivo com a conseqüente formação de va zios verdadeiros buracos negros que estão à espera de serem preenchi dos por uma adequada conduta analí tica do terapeuta A experiência da prática clínica mos tra que o prognóstico da evolução analítica é bastante variável de modo que é consensual que os pacientes borderline podem ser não apenas os mais frustrantes mas também os mais gratificantes de serem tratados Em relação aos estados paranóides que freqüentemente acompanham os pa cientes borderline cabe destacar que eles costumam se manifestar isolada mente ou mesclados entre si por uma das seguintes quatro formas ideação delirante de perseguição de ciúme erotomania e megalomania CONDIÇÕES PSICÓTICAS Aqui a denominação faz referência àque les pacientes que apesar de estarem manifes tamente bemadaptados são portadores de condições psíquicas que os caracterizam como potencialmente psicóticos e que não raramen te no curso do processo analítico podem apre MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 245 sentar episódios de regressão ao nível de psi cose clínica Isso se deve a uma acentuada pre sença dos assim chamados núcleos psicó ticos os quais correspondem ao que Bion 1967 denomina a parte psicótica da perso nalidade Tais núcleos psicóticos estão subja centes às estruturas neuróticas rigidamente organizadas como por exemplo as de natu reza excessivamente obsessiva fóbica ou soma tizadora as quais podem estar funcionando como uma última e instável barreira defensiva contra a permanente ameaça de descompen sação psicótica diante de um assustador in cremento de uma primitiva ansiedade de ani quilamento É importante deixar claro que o conceito de parte psicótica da personalidade não é sinô nimo de psicose clínica embora em alguns casos essa parte predomina tanto que se cons titui como uma franca psicose de modo que toda pessoa nãopsicótica é portadora mesmo que em grau diminuto em estado latente de um resíduo de sua majestade o bebê do seu primitivo psiquismo Assim embora esse conceito aparece mais amplamente explicitado no capítulo referente ao glossário dos principais conceitos da práti ca analítica não custa enfatizar que nessa con dição psicótica do psiquismo na prática clíni ca destacamse as seguintes características es se paciente em graus distintos troca o pensa mento conceitual pelo uso da onipotência Se eu posso tudo para que pensar o aprendi zado com as experiências cede lugar à onisci ência Se eu sei tudo para que aprender com as experiências o reconhecimento da parte frágil da personalidade é substituído pela prepotência Não é verdade que eu seja uma criança frágil e desamparada pelo contrário quem é assim são aqueles que tremem de medo de mim a capacidade de discriminação é trocada por um estado de confusão e ambigüi dade no lugar de uma curiosidade sadia fica uma curiosidade intrusiva e invasiva a inteli gência é substituída por uma estupidez o or gulho sadio se transforma em arrogância en quanto o juízo crítico adquire uma dimensão psicótica de um supraego isto é esse paciente crê que pode ditar as próprias leis mesmo que elas atentem contra a natureza encolarizando se quando os demais a quem ele considera seus súditos não as seguem MANEJO TÉCNICO DAS PSICOSES CLÍNICAS Em relação às psicoses propriamente di tas tal como são descritas na psiquiatria é consensual a existência de uma evidente lacuna entre os profundos avanços de nossa complexa metapsicologia e os limitados alcances de nossa prática analítica Assim os poucos relatos de tra tamentos realizados exclusivamente pelo méto do psicanalítico clássico em pacientes com esquizofrenias processuais por parte de reno mados psicanalistas como Rosenfeld Bion e Meltzer são de brilhantes resultados de investi gação teórica mas de duvidosa eficácia clínica A análise de psicóticos foi de interesse vital nos anos 50 tendo começado como uma tentativa de mostrar que eles podiam ser tra tados exclusivamente pela técnica psicanalíti ca clássica Se por um lado isso propiciou notáveis aberturas para o estudo e para o tra tamento de pacientes bastante regredidos borderline transtornos narcisistas perversões etc que até então não tinham acesso à psica nálise por um outro acarretou inconvenien tes pelo fato de que muitos autores tenderam a refugiarse e a enclausurarse em uma dou trina rígida e monolítica centrada unicamen te na interpretação transferencialista dirigida quase que exclusivamente para os conteúdos das arcaicas fantasias inconscientes ligadas a objetos parciais como o seio o pênis etc Hoje em nosso meio para esses pacien tes a maioria dos psicanalistas preconiza o uso de métodos alternativos em um arranjo combi natório de múltiplos recursos como por exem plo a simultaneidade do método analítico e o uso de psicofármacos ou com outros meios que seguem referidos 1 Recentes avanços teóricos Destes os que vêm merecendo maior relevância são os refe rentes à indiferenciação entre o eu e o não eu ao fenômeno da primitiva especularidade com a mãe ou seja como se a mãe fosse um espelho dela ao registro somático das arcai cas sensações e experiências emocionais ao alargamento das atribuições das identificações projetivas nos processos perceptivocognitivos tanto do ponto de vista de autores psicanalíti cos como os das contemporâneas neurociên cias um mais aprofundado conhecimento das 246 DAVID E ZIMERMAN faltas e por conseguinte da formação de va zios no psiquismo prematuro que ocorreram durante o desenvolvimento emocional primiti vo do bebê e da criança pequena 2 Valorização da realidade externa Dife rentemente do que a técnica kleiniana classi camente recomendava no sentido de priorizar a interpretação dos conflitos quase que exclu sivamente enfocado no mundo interno tam bém no paciente psicótico os analistas contem porâneos hierarquizam a importância dos ob jetos externos reais com ênfase nas primiti vas fantasias inconscientes e nos objetos par ciais introjetados 3 Relações familiares No mínimo dois aspectos merecem um registro especial um é o discurso dos pais primitivos como sendo um dos modeladores do inconsciente do sujeito o segundo é a designação de papéis fixos a se rem cumpridos no contexto da dinâmica fami liar como por exemplo a atribuição do papel de bode expiatório ou de gênio ou o de se comportar como uma eterna criança e assim por diante inclusive a possibilidade de que o papel que foi designado para o nosso paciente psicótico tenha sido justamente o de ele funci onar como psicótico isto é como o portador das partes psicóticas de cada um e de todos do seu grupo familiar A corrente sistêmica de nomina paciente identificado aquele que as sume este papel forçado pelo restante da famí lia sadia 4 Colaboração multidisciplinar Cada vez mais os psicanalistas estão permeáveis às con tribuições de epistemólogos neurólogos lin güistas e geneticistas bem como das ciências cognitivas e da neurociência além da muito especialmente moderna psicofarmacoterapia Neste último aspecto bastante recente a psi canálise deu um grande salto de qualidade pois até pouco tempo atrás a recomendação vigen te era a de não misturar análise com medica ção enquanto na atualidade são poucos os que contestam que um adequado emprego concomitante de ambos os recursos represen ta uma enorme vantagem sem o menor preju ízo para a evolução do processo analítico 5 Tratamento múltiplo Como decorrên cia dos itens anteriores a tendência dos psica nalistas contemporâneos que tratam de psicó ticos pelo método analítico é a de combinar outros métodos alternativos a este como por exemplo diversas formas de psicoterapia grupos de autoajuda medicação psicotrópica eventual hospitalização ou a utilização de um hospital dia os benefícios da ambientoterapia dessas últimas o concurso dos assim chamados au xiliares terapêuticos amigos qualificados atendimento do grupo familiar e outros 6 A pessoa real do analista Embora não seja consensualmente aceito por todos os psi canalistas particularmente posicionome en tre aqueles que dão um expressivo crédito à influência da pessoa real do analista a qual vai muito além de sua competência profissio nal de interpretar corretamente na transferên cia Proponho imaginarmos um sistema de co ordenadas em forma de L em que o eixo ver tical seja o das interpretações do analista en quanto o eixo horizontal designe a autêntica atitude psicanalítica interna do analista Assim quanto mais bemestruturado for o psiquismo do paciente mais cabe a eficiência da função interpretativa do analista no entanto quanto maior for o estado de regressão do paciente notadamente nas psicoses mais cresce a rele vância da pessoa real do analista que mercê de sua sensibilidade ao sofrimento respeito e tolerância às falhas e limitações sua capacida de de continência e de sobrevivência ante as pulsões amorosas eróticas agressivas e narci sistas seus valores acreditar e de fato gostar do seu paciente psicótico executa uma im portante função de preencher primitivas faltas e falhas parentais Manejo da técnica analítica 1 Na época pioneira de Freud as psico ses então chamadas de neuroses narcisistas não encontravam guarida na terapia analítica sob o argumento de que todo investimento da libido do paciente teria sido retirado do mun do exterior de modo que não haveria transfe rência logo não caberia o recurso analítico De uns tempos para cá com a significativa ampliação de conhecimentos relativos ao de senvolvimento emocional primitivo o campo psicanalítico abriu as portas para o tratamento desses pacientes aceitando a combinação com outros recursos provindos da psiquiatria 2 Da mesma forma ninguém duvida que existe sim uma transferência psicótica do MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 247 paciente em relação ao analista com caracte rísticas singulares É útil diferenciar essa for ma de transferência daquele conceito de psi cose de transferência tal como este último foi descrito por Rosenfeld 1978 a qual pode emergir no curso da análise com pacientes não psicóticos pode aparentar ser uma verdadeira psicose clínica porém essa forma de psicose restringese ao campo analítico e tem uma du ração em geral breve 3 O analista deve partir do princípio de que todo paciente psicótico por mais desagre gado que esteja sempre tem uma parte não psicótica à qual ele deve aliarse Como ilus tração dessa afirmativa creio ser oportuno ci tar a bela e profunda frase de Bion 1992 Em algum lugar da situação analítica so terrado por uma massa de psicose ou neu roses e afins existe um ser humano que pugna por nascer o analista está compro metido com a tarefa de auxiliar a libertar o adulto que palpita dentro do paciente a um mesmo tempo que mostre a esse adul to a criança que ele ainda é 4 O passo inicial é pois conseguir o es tabelecimento de uma aliança terapêutica sem a qual o restante do trabalho analítico com este tipo de paciente será estéril 5 Ao contrário do que poderia parecer é essencial que se mantenha a preservação do setting básico instituído como uma forma de assegurar a indispensável manutenção dos li mites da valorização do princípio da realida de e da diferenciação dos respectivos papéis 6 As identificações projetivas costumam ser excessivas porém o importante é que o terapeuta consiga discriminar o tríplice aspec to delas como um mecanismo defensivo con tra uma angústia de desmantelamento total da mente como um importante meio de comuni cação primitiva por meio dos efeitos contra transferenciais que são despertados no analis ta e como uma forma de invasãofusão po dendo provocar uma confusão na mente do terapeuta e controle onipotente 7 É comum que esse paciente durante um longo tempo inicial da análise faça uma idealização extremada da pessoa do analista sendo importante que a mesma não seja des truída de forma abrupta e muito menos que venha a ser perpetuada em função das neces sidades narcisistas do terapeuta Essa ideali zação inicial excessiva está de acordo com a colocação de Bion sobre a transferência psicó tica na qual ele descreve três características vou traduzir com três palavras que começam com a letra p para facilitar a memorização 1 ela é precoce a transferência pode insta larse logo no início da terapia analítica com uma acentuada dependência 2 pertinaz ou seja ela se manifesta forte tenaz 3 perecí vel não obstante seja forte essa transferên cia revelase muito frágil e instável com facili dade oscilando da idealização do analista para um denegrimento dele 8 Os aspectos contratransferenciais assu mem uma importância fundamental pelo fato de que costumam adquirir uma extensão e pro fundidade tais que tanto podem se constituir como uma excelente bússola empática ao ana lista que lhe permita navegar no mundo psi cótico do paciente como também pode acon tecer que os difíceis sentimentos despertados na contratransferência do terapeuta sensação de impotência paralisia tédio ódio adqui ram uma forma de contratransferência pato lógica em cujo caso eles podem estancar des virtuar ou até mesmo deteriorar de forma irreversível o método analítico 9 Também é de máxima importância o re conhecimento dos movimentos resistenciaiscon traresistenciais como por exemplo a formação no par analítico de diferentes tipos de conluios inconscientes Da mesma forma é importante que se discrimine quando as resistências do paciente representam uma absoluta oposição ao método analítico pelo uso maciço de uma intensa nega ção tipo forclusão corresponde ao K de Bion ou quando elas podem estar servindo ao analista como um indispensável indicador de como funciona o ego do paciente 10 Assim os múltiplos e freqüentes actings devem ser entendidos como uma im portante forma de comunicação bastante pri mitiva de sentimentos que o paciente não tem condições de verbalizar e que se expressam pela linguagem paraverbal da ação 11 Também as freqüentes manifestações psicossomáticas devem ser compreendidas e se possível decodificadas como um meio arcaico de comunicação dos primeiros registros do cor po no ego e deste no corpo 248 DAVID E ZIMERMAN 12 Neste sentido está ganhando uma crescente importância a necessidade de o ana lista ficar atento ao surgimento de imagens na mente dele ou na do paciente que surgem no lugar de idéias memória de sentimentos ou de narrativas verbais mas que expressam o significado destas últimas Essas imagens que analiticamente são denominadas por Bion como ideogramas este fenômeno que lembra a escrita chinesa também é conhecido com os nomes de pictograma holograma fotograma imagem onírica representam uma forma de linguagem que não é a denotativa que é de natureza conceitual mas sim uma lingua gem de tipo expressiva a qual é de natureza afetiva em que as emoções se expressam de uma forma às vezes poética exemplo um pa ciente psicótico de Bion após um longo silên cio disse que não sabia como falar o que sen tia porém se lhe dessem um piano ele conse guiria expressar todas as suas emoções às ve zes corporal assim como por outras formas equivalentes 13 Como exemplos de ideograma ex presso no corpo entre tantas situações da prá tica analítica cabe mencionar algumas como a relatada por Bion quando o analista duran te a sessão começou a massagear o seu coto velo devido a um desconforto doloroso inex plicável que a evolução da sessão revelou que correspondia a um sentimento de dor interna que o paciente psicótico sentia e não conse guia dizer com palavras Outro exemplo uma sensação física pungente que surge no pacien te de uma mesma forma como comumente acontece em uma criança quando ele não con segue conceituar com linguagem verbal que certa angústia de separação está sendo sen tida como uma facada ou como uma cólica ou uma dor no ombro e similares 14 É de máxima importância o fato de que pacientes psicóticos ou borderline ou ou tros muito regredidos não consigam dizer com o verbo as angústias que sentem fato que Bion denominou como terror sem nome pela ra zão de que elas estejam irrepresentáveis ou seja elas resultam de sensações primitivas que se formaram antes das representações de pa lavras Cabe ao terapeuta não forçar o paciente a verbalizar o que ele sente pois é muito pro vável que ele não consiga mesmo a despeito de um esforço seu pelo contrário é tarefa do analista decodificar o sofrimento do seu pa ciente psicótico e fazer a devida nomeação da quilo que ainda não tem nome 15 Duas frases poéticas que me ocorrem neste momento talvez ilustrem mais claramen te o que acima foi exposto uma é do poeta maior Camões que num trecho de seu clássico Lusíadas nos brinda com Dias há em que em minha alma se tem posto Um não sei o quê Que nascenão sei onde Que surge não sei quando E que dóinão sei por quê A se gunda citação de Fernando Pessoa assim ver seja Se eu te pudesse dizer O que nunca te direi Tu terias que entender Aquilo que nem eu sei É fácil perceber como ambos os excertos cabem como uma luva na situação analítica que trata da parte psicótica da personalidade diante de angústias que primitivamente não fo ram representadas com palavras 16 Sabese como os pacientes psicóticos são altamente sensíveis às frustrações nas suas múltiplas formas como as privações perdas ausências falta de continente falta de reco nhecimento e outras equivalentes Resulta daí que tais pacientes tendem a negar e evadir es sas frustrações por meio de defesas patológi cas em vez de as enfrentar e modificálas o que se constitui em um dos fatores que mais se opõem ao crescimento da mente No entanto o analista deve ter claro para si o fato de que a capacidade de tolerância às frustrações é im prescindível para a formação de símbolos e para a mudança psíquica a qual implica em uma ruptura com os conhecimentos e o códi go de valores previamente estabelecidos na mente do paciente 17 Na experiência emocional do vínculo analítico no que cabe ao analista o indispen sável contato com as verdades nunca deve ser de forma absoluta e tampouco definitiva não existem verdades únicas além de que elas sem pre são relativas mas sim deve se constituir em um compromisso com a veracidade com um modelo de coerência e busca de correla ção de significados A relatividade das verda des está bem expressa nas palavras do poeta Campoamor Nem tudo é verdade Nem tudo é mentira Tudo depende Do cristal com que se mira 18 Na atualidade creio que sejam pou cos os que contestam o fato de que não basta que uma interpretação do analista seja corre MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 249 ta para que ela seja eficaz é essencial a forma por exemplo a entonação vocal a construção da frase etc como ela é formulada 19 Ainda em relação ao que se refere à atividade interpretativa cabe reiterar que de pouco adiantam as interpretações centradas exclusivamente nas fantasias inconscientes e pior ainda formuladas sistematicamente no chavão é comigo aqui e agora No en tanto as interpretações sem esses vícios são indispensáveis pois somente elas possibilitam nomear e dar sentido às inominadas angús tias primitivas que o paciente está revivendo ao calor da experiência emocional analítica e que são as mesmas que ele vem experimen tando a vida inteira mas que não consegue verbalizálas 20 Assim é indispensável levar em con ta que sempre o paciente de natureza psicótica está cheio de vazios e que tais vazios anti gos e muito dolorosos costumam ser substitu ídos por autarquias narcisistas de autosufici ência ou por estruturas de falso self etc Di zendo com outras palavras existe desde sem pre uma falta básica resultante de uma falha de uma adequada maternagem primitiva com as conseqüentes feridas emocionais de modo que nos pacientes psicóticos predomina a pre sença de uma ausência 21 A importância disso na prática clínica explicase pelo fato de que toda privação que esse paciente sofre inclusive aquela que é ine vitável e necessária ao seu crescimento é sig nificada como um abandono e portanto ele a semantiza como uma vivência de aniquilamen to Da mesma forma também é indispensável que o analista escute a constante necessida de desse paciente de ser entendido nas suas angústias emergentes no lugar de ser atendi do na demanda de seus pedidos concretos 22 Neste contexto podese dizer que a atividade interpretativa e a função continente do analista aí incluída a capacidade de empatia e paciência constituem um sistema único que vai compondo a fundamental e nos casos mais extremos como o mais importante fator terapêutico atmosfera analítica a partir da qual aumenta a responsabilidade do terapeuta pois ele vai sendo introjetado como um novo modelo de identificação e de ressignificação do código de valores do seu paciente em condi ções psicóticas 23 Portanto cabe ao analista especial mente quando ele trate a paciente com fortes características psicóticas ter uma série de atri butos básicos dos quais é preciso ressaltar aque les correspondentes aos que certamente fal taram na maternagem original do paciente Apesar da ressalva de que o vínculo analista paciente psicótico não reproduza de forma ri gorosamente igual a relação mãebebê é evi dente que existem profundas similitudes entre ambos É útil desfazer uma confusão muito comum entre analistas a função do terapeuta não é a de assumir o papel de mãe ou pai faltante mas sim a de suprir por meio de uma adequada função de maternagem essa defici ência que certamente acompanha a esse pa ciente 24 Uma outra forma de abordar as con dições mínimas necessárias expressão de Bion 1992 que um analista deve possuir para tratar pacientes psicóticos é a de realçar aqui lo que ele não deve ser Assim ele não é o ego ideal do paciente ou seja ele não é Deus ou uma pessoa poderosa mágico onipotente etc Da mesma forma o analista também não é uma mãe substituta como já foi acentuado que nunca o frustre tampouco é professor confes sor amigo com vínculos sociais unicamente um conselheiro um representante da moral etc O terapeuta não é nada disso embora tem porariamente possa ser um pouco disso tudo 25 Cabe enfatizar alguns aspectos mais sutis que dizem respeito às interpretações do terapeuta Assim o pior erro do analista diz Rosenfeld 1988 é quando ele interpreta todo o conflito transferencial em situações de im passe analítico que são de ocorrência muito freqüente como sendo de responsabilidade única do paciente 26 Do mesmo modo o analista pode es tar cometendo uma violência interpretativa ao seu paciente psicótico se ele não levar em conta o nível evolutivo do pensamento deste por exemplo falar em termos éticocientíficos ou de elevada abstração para um paciente que só consegue pensar em uma dimensão mágica e concreta 27 Outro considerável erro técnico é quando o terapeuta enfatiza exageradamente os aspectos destrutivos do paciente sem levar em conta a contraparte construtiva dos mes mos ou enfoca unicamente a parte infantil sem 250 DAVID E ZIMERMAN utilizar uma visão bifocal isto é concomi tantemente também estar atento para o lado adulto por menor que esse seja 28 Um dos recursos técnicos que consi dero dos mais importantes no tratamento ana lítico com personalidades psicóticas consiste em propiciar a esse paciente o desenvolvimento gradativo da capacidade para estabelecer um diálogo interno consigo mesmo isto é que uma vez reconhecendo que o seu psiquismo tem partes opostas um lado doente e um ou tro potencialmente sadio é muito útil que ele aprenda a possibilitar que essas partes contra ditórias conversem entre si 29 Dessa forma o analista respeita a par te doente porém faz uma aliança com o lado sadio desse paciente de sorte que ficam dois o analista mais a parte sadia do paciente contra um o lado doente um placar bastan te favorável para as perspectivas de êxito do tratamento 30 Igualmente creio que quando o ana lista interpreta os aspectos destrutivos do pa ciente predominância da pulsão de morte in veja maligna conduta sadomasoquista entre outras mais deve nesse mesmo contexto apontar os aspectos construtivos que visivel mente acompanham ou que estão ocultos e disfarçados à espera de serem descobertos pelo seu analista não obstante o medo que acom panha o paciente diante da revelação das ver dades sobre ele 31 A propósito disto cabe enfatizar que sem perder a essência psicanalítica está ple namente justificada a utilização por parte do analista de uma Técnica de Apoio desde que fique bem claro que o emprego de apoio não é o mesmo que dar conselhos consolo ser bonzinho não confundir com ser bom não frustrar ou não estabelecer limites etc Pelo contrário a técnica de apoio exige muita com petência por parte do terapeuta tendo em vis ta que ela implica a capacidade de o analista conseguir sintonizar com os aspectos constru tivos e as potencialidades latentes que estão ocultas e bloqueadas no psiquismo desse pa ciente e das quais ele mesmo não se dá conta que possui 32 Um exemplo banal dessa última asser tiva no curso de uma supervisão o analista interpretava corretamente os aspectos agressi vos e birrentos de uma paciente que se recusa va terminantemente a aceitar uma necessária para o analista mudança de horário de uma sessão A situação caminhava para um verda deiro impasse que só foi revertido quando o terapeuta compreendeu e apoiou os aspec tos positivos da briga do paciente que esta va expressando a sua necessidade de sair de um estado de submissão crônica que sempre tivera com seus pais além de experimentar o exercício da importante capacidade para di zer não 33 Este exemplo permite que tiremos duas deduções técnicas 1 a importância do direito de qualquer paciente de um psicótico especialmente de sentir sentimentos agressi vos de ódio inclusive cabe denominar este aspecto capacidade para odiar o que é po sitivo desde que o terapeuta possua a impor tantíssima capacidade de sobrevivência aos ataques 2 é indispensável que o analista te nha claro para si que a assim chamada trans ferência negativa quando bemcompreendi da e manejada por ele representa ser muito positiva para o processo analítico 34 Assim é necessário que o analista sem pre esteja atento ao fato de que o paciente psicótico está submetido a um superego psi cótico isto é ele sobretudo não está prensa do diante de culpas mas sim antes disso ele está muito mais acuado por um clima de terror 35 Um obstáculo importante às mudan ças psíquicas ocorre quando o terapeuta não percebe as transformações do paciente por mí nimas que estas possam parecer para um obser vador externo transformações essas que mui tas vezes estão manifestas sob a forma de actings e aparência preocupante ou por meio de mani festações transferenciais negativas como aque las já aludidas as quais podem estar significan do o começo de um movimento de independên cia e também dele estar começando a experi mentar o afloramento de sua contida agressão assim como a sua forma de amar 36 Não custa reiterar que em certas si tuações mais críticas notadamente no que tange às manifestações ruidosas de doença afetiva bipolar o uso concomitante da medi cação específica em nada perturba o normal andamento da terapia analítica pelo contrá rio além de amenizar um desnecessário ex MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 251 cesso de sofrimento bem como de riscos do paciente ainda torna a sua mente mais cla ra favorecendo a evolução do tratamento de base analítica 37 Permitome sugerir ao leitor ainda não razoavelmente familiarizado com os recentes e notáveis avanços das neurociências que procure conhecêlos porquanto eles podem esclarecer que muitos mecanismos e fenômenos psicóticos têm raízes biológicas em uma constante intera ção com os aspectos psicológicos de modo que favorece a possibilidade de o terapeuta po der dar um nome palpar e conhecer concreta mente os complexos transtornos psicóticos que estão diante de si como os alusivos aos proble mas de percepção pensamento linguagem afe tos imagem corporal e somatizações entre tan tos outros mais 22 Transtornos Narcisistas O homem ideal deveria ser tão bonito quanto sua mãe pensa que ele é tão rico quanto seu filho pensa que ele é ter tantas amantes quanto sua mulher pensa que ele tem e ser tão bom de cama quanto ele próprio pensa que é Do anedotário popular em particular é inegável que algumas caracte rísticas são comuns a todos e de alguma forma em algum momento estão sempre presentes em todos funcionando sob a égide de uma posi ção narcisista Zimerman 1999 Cabe enu merar a seguinte série de elementos que sem pre acompanham a posição narcisista PN 1 Um certo estado de indiferenciação Se gundo M Mahler 1975 quando o bebê sai da fase simbiótica ele ingressa na etapa de diferenciação composta de duas subetapas respectivamente denominadas pela autora separação em relação à mãe e indivi duação coincide com o início da marcha Se as mesmas forem superadas satisfatoriamen te possibilitarão o nascimento psicológico da criança a um mesmo tempo em que se abrirão as portas para as demais etapas até a obtenção de uma constância objetal com a construção de uma confiança básica Enquanto a criancinha não obtiver êxito na aquisição de uma diferenciação ela per manecerá fixada em uma indiferenciação entre o eu e o nãoeu entre si mesma e os outros e quanto mais próxima estiver da eta pa simbiótica maior será a sua crença ilusó ria e onipotente de que possui uma indepen dência absoluta quando na verdade está em um estado de absoluta dependência No perío do de indiferenciação o bebê acredita que cada ato de sua mãe é um ato dele próprio que cada resposta de sua mãe prazerosa ou despraze rosa é uma obra de seu desejo e uma prova de sua onipotência a melhor metáfora provém de Freud que comparou esse estado mental com o de uma ameba que unicamente emite O tema relacionado com o narcisismo vem ocupando um crescente espaço de importân cia na literatura psicanalítica tanto nos aspec tos metapsicológicos quanto nos da teoria téc nica e prática clínicas Apesar da óbvia expan são dos conhecimentos nessas áreas da psica nálise a verdade é que a temática do narci sismo permanece plena de ambigüidades con tradições obscuridades e confusão semântica Neste capítulo serão abordadas mais de tidamente as múltiplas e diversificadas mani festações narcisísticas que surgem na cotidia na prática clínica de todo psicanalista Assim embora alguma forma de narcisismo sempre esteja presente em todos os nossos pacientes é inegável que em alguns deles os problemas narcisistas atingem um relevante grau de im portância adquirindo um papel preponderan te e central constituindo uma larga gama dos assim chamados transtornos narcisistas Não obstante a epígrafe deste capítulo tenha um cunho de brincadeira ela transmite uma ver dade de que a pessoa que tem algum marcante tipo de transtorno narcisista de sua personali dade leva a sua vida em meio a um mundo em que predominam as idealizações auto ou hetero as expectativas mágicas junto com a contrapartida de decepções e de sentimentos persecutórios CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO NARCISISMO Respeitando as óbvias diferenças que exis tem relativamente à natureza grau e singulari dade da configuração narcisista de cada sujeito 254 DAVID E ZIMERMAN pseudópodos e engolfa para dentro de seu nú cleo central como sendo exclusivamente seu aquilo que estiver ao seu alcance Tudo isso vem reforçar no bebê a sua ilusão mágica de que de fato é uma majestade rodeada de fiéis súditos que pode atingir uma total com pletude posição de onde ele vê e se relaciona com o mundo exterior É fácil perceber como guardando as devidas proporções nossos pa cientes adultos portadores de algum transtor no narcisista da personalidade manifestam pe culiaridades análogas as deste bebê natural mente onipotente Esse estado de indiferenciação é o eixo principal em torno do qual giram as demais características da posição narcisista na pessoa adulta muito particularmente aquelas que di zem respeito à falha relativa ao reconhecimento de um inevitável estado de incompletude e à aceitação das óbvias diferenças que separam as singularidades de cada indivíduo com quem o sujeito narcisista convive 2 Estado de ilusão em busca de uma completude Como é impossível manterse na permanente crença absoluta de que haja uma total indiferenciação entre o eu e os outros salvo nos casos de extrema regressão esquizo frênica autística a criança ou o futuro adul to narcisista passa por um intenso sofrimento decorrente do reconhecimento de que ele ne cessita dos outros portanto depende desses para a sua sobrevivência física e psíquica O terror de enfrentar uma incompletude leva à exacerbação dos mecanismos de negação oni potência e onisciência de sorte que as pessoas fortemente narcisistas passam a maior parte da vida buscando algo ou alguém que confir me o seu mundo ilusório garantindo assim a preservação da autoestima e do sentimento de identidade ambas permanentemente mui to ameaçadas na posição narcisista em virtu de das demandas do mundo da realidade 3 Negação das diferenças Premido pela necessidade de negar todos os aspectos da rea lidade exterior e interior que afrontam a sua imaginária completude o sujeito narcisista re corre ao uso maciço do recurso defensivo da negação Assim as principais regressões das pessoas fortemente fixadas na posição narci sista dizem respeito à negação e à intolerância de suas diferenças em relação aos demais tan to de sexo é muito difícil o luto pela perda da bissexualidade como as diferenças de gera ções de capacidades e de atributos o tama nho do pênis a força a inteligência os privilé gios de cada um etc A negação também é extensiva a um nãoreconhecimento das ver dades penosas como são a impossibilidade de uma plena completude a admissão de que exis te a presença de um terceiro o reconhecimen to de que depende dos outros e por isso ele corre sérios riscos de sentir inveja ciúme per das e separações a aceitação de que o outro tem uma vida autônoma não é posse sua não está sob seu controle total e tem o direito de ser diferente dele na forma de pensar de sen tir e de agir Além dessas negações o narcisis ta também tem dificuldades em reconhecer os seus inevitáveis limites e limitações como são por exemplo os problemas ligados às incapa cidades e ao envelhecimento à doença e à morte igualmente ele custa a aceitar uma ine vitável hierarquia na família nas instituições na situação analítica etc quanto à atribuição de papéis lugares posições e funções bem como à aceitação de normas e de leis inclusi ve aquelas próprias da natureza do mundo 4 A presença da parte psicótica da perso nalidade Devemos a Bion 1967 a compreen são de que todo sujeito é portador em grau maior ou menor do que ele denomina parte psicótica da personalidade PPP a qual por si só não designa uma psicose clínica mas sim um encapsulado estado regressivo da mente que está bastante presente e atuante nos transtornos narcisistas Vale destacar na PPP a existência de uma baixíssima capacida de de tolerância às frustrações a predominân cia da inveja destrutiva o uso maciço das ne gações o emprego excessivo de identificações projetivas o ataque aos vínculos perceptivos a inibição das funções de representações no ego a dificuldade de ingressar na posição depressiva com o conseqüente prejuízo na capacidade de formação de símbolos abstra ção e criatividade Uma forte presença da posição narcisista na organização da PPP com o predomínio do narcisismo de morte sobre o de vida acar reta profundas conseqüências na estruturação da personalidade Assim a onipotência ocupa o lugar da formação e do uso dos pensamen tos a onisciência substitui o difícil aprendi zado pela experiência a prepotência prépo MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 255 tência substitui a impotência do sujeito dian te da fragilidade desamparo e dependência dos outros a ambigüidade e a confusão obliteram a discriminação entre o real e o ilusório entre a verdade e a mentira a imitação substitui a identificação a indiferenciação gera um esta do de indiferença afetiva pelo outro a indivi dualidade confundese com um individualismo enquanto o sadio exercício de autoridade se transforma em um maligno autoritarismo e assim por diante 5 Núcleos de simbiose e ambigüidade Re produzindo a original simbiose mãebebê ou seja uma condição psíquica na qual persiste algum forte grau de fusão e indiferenciação com o outro o sujeito com transtorno narcisis ta sempre elege uma outra pessoa e a mantém sob um controle onipotente com característi cas de apoderamento Isso pode ser facilmen te observado entre tantos outros exemplos pos síveis na união de um casal cujo vínculo con figurase entre um marido obsessivo e extre mamente controlador e uma esposa dependen te e submissa ou viceversa Quando predomina um estado psíquico de ambigüidade o sujeito narcisista apresen ta os seguintes aspectos a persistência de nú cleos sincréticos ou seja ele confunde a parte com o todo e o como se com um imaginá rio de fato é a coexistência de aspectos con traditórios e até incompatíveis da personali dade que o sujeito não sente e não percebe como estando em oposição entre si o freqüen te jogo que o sujeito na PN faz com a vagueza como uma forma de negar as diferenças den tro do princípio de que no escuro todos os gatos são pardos a busca o uso abusivo e ao mesmo tempo a fuga de pessoas que funcio nem como depositárias de suas necessidades e angústias 6 Uma lógica do tipo binário No pensa mento de tipo sincrético uma parte costuma representar o todo de modo que no caso de um determinado atributo de um sujeito não corresponder ao seu ego ideal ou ideal do ego ele generaliza essa deficiência para a totalida de de sua pessoa Por exemplo um nariz feio determina a convicção de uma feiúra total e da mesma maneira o insucesso de uma tarefa é vivenciado na PN como sendo um fracasso na totalidade de suas capacidades e assim por diante Da mesma forma a escala de valores na PN conduz a uma lógica do tipo binário ou bipolar na qual o sujeito oscila unica mente entre dois pólos ou ele imaginase o melhor ou o pior um pleno sucesso ou um to tal fracasso se não for o mais belo é porque é feio etc Todos estes aspectos adquirem uma grande importância na prática clínica porquan to em grande parte eles contribuem na deter minação do sentimento de identidade e de autoestima 7 Escala de valores centrada no ego ideal e no ideal de ego A presença na estrutura psí quica do sujeito tanto do ego ideal que é o herdeiro direto do narcisismo original o que leva a uma eterna busca de um estado de total completude quanto do ideal do ego repre senta o pólo em que o sujeito sentese na obri gação de cumprir os ideais e as expectativas provindas dos pais e da sociedade determina uma extrema vulnerabilidade da autoestima acompanhada dos penosos sentimentos de ver gonha fracasso e humilhação Na sua precoce infância essas pessoas foram crianças extre mamente sensíveis a qualquer tipo de frustra ção ou de insucesso Nos casos em que a auto estima do indivíduo fixado na PN gravita uni camente em torno do cumprimento da obriga ção de corresponder às expectativas de si pró prio ou às provindas de seus pais e represen tantes sociais professores autoridades é muito comum que resulte a instalação do qua dro clínico conhecido como depressão narci sista diante do fracasso na realização dos pro jetos ideais Uma outra possibilidade também muito comum é que uma superadaptação às demandas do ideal de ego determine a consti tuição da personalidade do tipo falso self 8 Uma desesperada necessidade de reco nhecimento com a busca de fetiches A ferida narcisista uma das mais dolorosas entre to dos os sofrimentos psíquicos é aquela que resulta da distância que vai entre o plano ilu sório ego ideal e o plano da realidade ego real Em contrapartida o prazer narcisista tem tudo a ver com o constante reconhecimento e admiração de um outro significativo Para fu gir da ferida narcisista e garantir o prazer con ferido pela PN o sujeito deve encontrar valo res e atributos que preencham os vazios de sua imaginária completude e asseguremlhe o vi tal reconhecimento dos outros Quando os re feridos valores e atributos ficam supervalo 256 DAVID E ZIMERMAN rizados eles exercem a função de fazer o su jeito parecer ser aquilo que de fato ele ainda não é de sorte que esses valores superestima dos constituemse como sendo fetiches que ele vai buscar em si próprio sob a forma de beleza erudição riqueza conquistas amoro sas prestígio ou poder ou fora dele em uma outra pessoa idealizada instituição ideologia paixão etc A própria sexualidade pode fun cionar como um fetiche de modo que uma ati vidade sexual insaciável pode não ser mais do que um simulacro genital e como um fetiche exercer a função equivalente a de um antide pressivo de efeito passageiro 9 Escolha de pessoas reforçadoras da ilu são narcisista Tendo em vista a imperiosa de manda do sujeito fixado na PN pela busca de provas de que nele estão preservadas tanto a integração biopsicossocial como a autoesti ma e o sentimento de identidade ele institui como meta principal de sua vida a procura de pessoas cuja função essencial é a de que elas endossem o seu ego ideal Lacan ao aprofundar o estudo da dialética do desejo baseado na metáfora do Amo e Escravo do filósofo Hegel mostra o quanto cada um deles precisa do ou tro para constituirse como um todo completo a tal ponto que no fundo o amo acaba sendo escravo do seu escravo e esse amo do seu amo 10 Identificações patógenas Na PN as identificações não se fazem por admiração pe los objetos modeladores como é o desejável Pelo contrário elas se formam por uma adesividade o sujeito fica sendo uma som bra um duplo de um outro não mais do que grudado nesse por uma mera imita ção caso em que ele paga o alto preço de um quase total esvaziamento do seu self ou ain da no decorrer do processo evolutivo corre o risco de idealizar ou denegrir excessivamente os seus objetos exteriores e assim introjetá los Nos casos mais graves de transtornos nar cisistas a presença interiorizada de figuras parentais sentidas como tanáticas e enlouque cedoras impedem a passagem da posição nar cisista para a edípica processo que é indispen sável para a constituição do sentimento de identidade e de uma coesão objetal 11 Um permanente estado psíquico de fa zer comparações Como o sujeito fixado na PN está permanentemente pondo em cheque a sua autoestima a qual é sempre muito instável e como da mesma maneira ele se reconhe ce através dos outros resulta que de uma for ma compulsória se vê impelido a estabelecer comparações com os demais Premido pela ló gica bipolar do tudo ou nada o sujeito narci sista sofre muito com o êxito dos outros por quanto por comparação isso lhe representa um fracasso pessoal Esse eterno jogo de com parações costuma ser sutil e dissimulado po rém na predominância da PN ele é perma nente obcecante e torturante 12 A presença de uma gangue narcisista Essa última expressão pertence a Rosenfeld 1971 com a qual ele designa a possibilidade de que o narcisismo onipotente e destrutivo organizese e enquiste no próprio self e tal como uma gangue mafiosa por meio de ame aças chantagens e sedução com promessas de satisfação das ilusões ele ataca sabota e boi cota o restante do self do sujeito que embora dependente e frágil está desejoso de um cres cimento verdadeiro Esse mesmo fenômeno tem sido estudado com outros enfoques e de nominações entre elas a de organização pa tológica Steiner 1981 13 Interrelações entre Narciso e Édipo A patologia de Édipo é indissociável da de Nar ciso Assim clinicamente falando antes do que uma disjunção alternativa tipo Narciso ou Édipo é muito mais útil considerar a conjun ção copulativa tipo Narciso e Édipo sendo que cada um deles pode funcionar como refúgio do outro Embora ambas estejam articuladas entre si no caso de pacientes muito regressi vos é indispensável que o psicanalista encare as manifestações edípicas às vezes muito flo ridas e atrativas a partir de um vértice da PN de seu paciente Creio que uma boa ilustração disso está na conhecida figura do DonJuan 14 Narcisismo de pele fina e de pele gros sa Rosenfeld 1987 propôs uma classificação das pessoas narcisistas em dois tipos que ele denomina como sendo os de pele fina que são supersensíveis altamente melindráveis e com uma extrema vulnerabilidade da sua auto estima embora seja evidente que o papel de vítima lhes assegure a manutenção do poder por meio do recurso da fraqueza e os narci sistas de pele grossa que pelo contrário são arrogantes em uma constante atitude de fensivoagressiva permitindo pouca acessibili dade psicanalítica Na verdade a experiência MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 257 clínica ensinanos que a pele grossa sempre está encobrindo dissimulando e protegendo uma subjacente pele fina enquanto ao mesmo tem po é justamente a pele fina que para evitar as dores das velhas feridas narcisistas constrói uma espessa cicatriz de pele grossa NARCISISMO NA PRÁTICA CLÍNICA Cada vez mais a psicanálise contempo rânea confere uma extraordinária importância à análise dos aspectos narcisistas da personali dade de qualquer paciente sempre levando em consideração que todos somos portadores dos referidos aspectos embora possam estar ocul tos dissimulados ou francamente manifestos ser de grau moderado ou intenso de natureza benigna e sadia ou maligna e destrutiva Por tudo isso o manejo técnico do psicanalista di ante de alguma forma de transtorno narcisista requer uma atenção especial que creio pode ser consubstanciada nos seguintes enfoques 1 Perfil do paciente narcisista A história genética desses pacientes mostra que sempre houve um precoce fracasso ambiental em rela ção às necessidades de apego da criança quer pela privação materna quer por uma realimen tação patológica da mesma Em outras pala vras ou foram mães indiferentes ou foram mães intrusivas com uma possessividade nar cisista de modo que usaram seus filhos com fins exibicionistas e em muitos casos confor me se observa claramente nos casos de perver sões contribuiram para que a figura do pai fi casse sendo denegrida e em um papel de ter ceiro excluído Em resumo houve uma grave falha de empatia continência materna e da ca pacidade de frustrar adequadamente tanto no caso de que a mãe incorreu em reiteradas e indiscriminadas frustrações excessivas como também de que as necessárias frustrações fo ram excessivamente escassas ou também a possibilidade de que as frustrações impostas à criança foram incoerentes e injustas Como resultante disso tudo formouse um prejuízo na construção da confiança básica da constân cia objetal da passagem da indiferenciação para a de separação e individuação e da internalização de objetos bons com largos va zios no espaço psíquico Como conseqüência tais pacientes mos tram uma particular dificuldade para depen der com o fim de evitar novas humilhações e uma angústia de desamparo diante de sepa rações pois estas lhes estão sempre ligadas a uma ansiedade do tipo de aniquilamento de abandono logo com o risco de cair em uma depressão anaclítica refere a um primitivo de samparo e a uma falta da figura materna Igualmente na situação analítica apresentam um baixíssimo limiar de tolerância às frustra ções provindas do analista às quais sobrevêm uma grande facilidade para o sentimento de desilusão e decepção pois esses pacientes têm uma acentuada dificuldade em distinguir en tre as frustrações necessárias e estruturantes que são impostas por um ato de amor daque las que realmente foram desnecessárias e ina dequadas Ao sentimento de decepção segue se o de indignação com planos de vingança e após repetindo o modelo da época da sua in fância surge o sentimento de desânimo e de vazio às vezes um vazio de morte que assume a forma clínica de um estado de desistência a qual consiste tanto em uma literal desistên cia da análise ou em uma continuidade da mesma porém com uma descrença na recupe ração uma abolição dos desejos o único de sejo passa a ser o de nada desejar e um acirra do namoro com a morte física eou psíquica 2 A construção do setting Inicialmente impõese destacar que o conceito de setting enquadre vai muito além de uma indispen sável colocação de regras e combinações que possibilitem um processo psicanalítico tam bém abarca o importante fato de que o setting comportase como a conquista de um novo es paço singular e especialíssimo em que o pa ciente vai poder reproduzir em meio a suces sivas transformações as mesmas experiências emocionais que lhe foram muito malresolvidas em etapas precoces do seu desenvolvimento mental É imperativo levar em conta que os pa cientes narcisistas muito regressivos exercem pressões de toda ordem no sentido de desvir tuar o setting instituído e de levar o terapeuta a cometer transgressões técnicas Para tanto eles podem usar uma série de táticas conscien tes e inconscientes tais como a coerção amea ças sedução chantagem desafios alegação de desamparo e ideação suicida provocações vá rias além de um sutil convite para o analista 258 DAVID E ZIMERMAN exercer um determinado papel que pode ir ao extremo de retirálo do seu lugar na situação analítica Neste último caso com o fim de prevale cer o seu anseio de indiferenciação o paciente excessivamente fixado na PN vai exercer uma tentativa de tornar simétrica a sua relação com o analista simetria essa que na realidade só cabe relativamente ao nivelamento como se res humanos que ambos são e que comparti lham as mesmas angústias do desconhecido Pareceme ser consensual que a relação ana listapaciente necessariamente deve ser assimé trica para preservar e propiciar ao paciente com transtorno narcisista uma indispensável colocação de limites hierarquia funcional acei tação de leis e combinações reconhecimento dos alcances limitações e sobretudo das di ferenças entre ele e os outros Tudo isso é in dispensável para que esse tipo de paciente ad quira a condição de reconhecer que o analista da mesma forma como as demais pessoas com quem convive também tem direito a possuir uma autonomia de valores pensamentos e ati tudes e que ele não é posse sua É parte essencial do setting o desenvol vimento de uma aliança terapêutica sem a qual a análise não se processará mas com a qual a transferência negativa poderá ter livre trânsito para se manifestar nas suas formas mais ruidosas de modo a alavancar a progres são exitosa da análise Igualmente acompa nho os autores que crêem no fato de que a pessoa real do analista indo além de funcio nar unicamente como uma mera pantalha transferencial também participa ativamente do enquadre analítico Isso vale especialmen te com pacientes regressivos porquanto alia do à sua atividade interpretativa o analista também opera analiticamente no sentido de propiciar um crescimento mental ao analisan do pela razão de que ele está servindo como um novo modelo de identificação no que se refere à sua maneira de enfrentar as angústi as funcionar como um adequado continente sua forma de pensar e se relacionar com as verdades uma atitude de reconhecimento e respeito às diferenças e muito particularmen te um modelo de alguém que pode ser valo rizado e respeitado sem ter que apelar para recursos narcisísticos pavimentados no prin cípio da ilusão 3 Em relação aos aspectos resistenciais contraresistenciais cabe consignar que de modo geral as resistências manifestas pelos pacientes são bemvindas na análise pois re presentam uma clara indicação de como fun ciona o seu self diante da vida real no entan to com pacientes fortemente narcisistas os portadores de uma excessiva pele grossa as resistências podem atingir um grau que obs trui um acesso ao inconsciente a ponto de tor nar a análise estéril Nesses casos mais freqüen temente as resistências adquirem tanto a for ma de uma inversão dos papéis e lugares que naturalmente são designados respectivamen te ao analista e ao paciente quanto dos fenô menos que Bion 1967 denominou reversão da perspectiva o analisando desvitaliza a ação analítica porque reverte para as suas próprias premissas tudo aquilo que o analista interpre ta e ataque aos elos em cujo caso o pacien te desperta sentimentos contratransferenciais que podem deixar o analista algo confuso ou irritado ou impotente etc o que vai reduzir sensivelmente a sua capacidade de compreen der e portanto de interpretar Entretanto o fundamental é acentuar o risco de o analista deixarse envolver pelo pa ciente narcisista e com ele contrair conluios inconscientes de múltiplas formas sendo as mais comuns aquelas que estruturam um pac to de recíproca fascinação narcisística o es tabelecimento de uma disfarçada ligação de natureza sadomasoquística um conluio de acomodação entre tantas outras mais pos síveis não sendo rara a possibilidade de que algum paciente em um alto grau de nar cisismo seja especialista em não mudar e procure uma análise para provar que nem o processo analítico e tampouco o analista podem com ele 4 Os fatores transferenciaiscontratransfe renciais adquirem uma importância essencial na prática clínica levando em conta que as alu didas difíceis resistências funcionam como o padrão transferencial de uma constante oposi ção inconsciente às vezes ela é consciente e de uso deliberado ao êxito da análise Além disso a diminuta tolerância às frustrações pro move com facilidade o surgimento de uma transferência que Kohut 1971 denomina fú ria narcisista nome que já diz tudo e que podese acrescentar exige do analista uma MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 259 muito boa capacidade de continência para po der conter tolerar e transformar os sentimen tos negativos do paciente e contratransferen cialmente os dele próprio Também se deve a Kohut a descrição de algumas modalidades do que ele chamou de transferências narcisís ticas que aparecem na clínica sob três formas principais a do tipo fusional o paciente ima gina que o terapeuta não é mais do que uma indiferenciada extensão sua e portanto deve estar totalmente à sua disposição nunca frustrálo deve adivinhar seus pensamentos e necessidades atender às suas demandas etc a do tipo gemelar na qual já existe algum grau de diferenciação porém esse paciente nar cisista crê que o analista tem a obrigação de ser exatamente como ele é logo sempre con firmar as suas teses sob o risco de desencade ar a aludida fúria uma terceira modalidade de transferência narcisista é a especular em cujo caso o paciente necessita que o analista tal como a mãe no passado reconheça confir me e espelhe o self grandioso que o paciente lhe exibe Deve ser levado em conta que o analista deve aceitar transitoriamente as possíveis manifestações iniciais por parte do paciente de um self grandioso de si mesmo ou a de uma imago parental idealizada a qual vai deter minar uma transferência com uma idealização excessiva do analista pois ambos os aspectos representam recursos extremos de manter de pé a sua combalida autoestima e seu pavor de desamparo Assim creio que se pode afirmar que o surgimento inicial de uma exagerada idealização do analista é sinal de que se está diante de uma estrutura fortemente fixada na PN É útil acrescentar que existe a possibilida de de se configurar uma relação transferencial contratransferencial nos moldes que Caper 1997 denomina nós contra eles a qual como o próprio nome sugere refere o fato de que o paciente narcisista por meio de excla mações do tipo pela primeira vez estou sendo compreendido acertou na mosca e outras tantas laudatórias consegue tocar no narcisis mo do analista de sorte a fazerem uma alian ça que corresponde a um pacto de nãoagres são no qual não haja lugar para frustrações e assim mantêm a ilusão na construção de um oásis de perfeita compreensão recíproca nós já que a vida lá fora com os outros pode permanecer sendo vivida como sendo um inferno contra eles assim reforçando a dis sociação patogênica que prevalece na mente desse tipo de paciente Pode acontecer uma configuração transferencial que embora con serve a mesma natureza narcisista da descrita manifestase de forma exatamente oposta à do nós contra eles isto é o paciente sente o ana lista concretamente como um objeto externo de sua fantasia e desenvolve uma transferên cia negativa às vezes extremamente hostil en quanto elege como o selfobjeto bom um côn juge um filho uma carreira uma droga o pró prio self ou qualquer outro alguém ou coisa que ele possa idealizar Tanto a forma idealizada da transferên cia narcisista quanto a tanáticadenegritória ou a amorosaerotizada podem quando atin gem um grau extremo adquirir a modalidade de uma psicose transferencial tal como está descrita mais adiante Dentre essas últimas penso que cabe incluir a forma transferencial que Freud 1915 chamou de amor de trans ferência atualmente vem sendo conhecida como transferência erotizada a qual é temí vel e deve ser diferenciada de transferência erótica considerada de surgimento normal e útil em que ele destaca a supremacia do ero tismo das pacientes em relação aos analistas homens hoje sabemos que a recíproca tam bém é verdadeira a ponto de tornar a análi se impossível sendo que os últimos avanços da teoria e técnica permitem reconhecer que o risco tornase mais grave quando o analista consciente ou inconscientemente contribui de alguma forma para a erotização do vínculo Na prática analítica o analista pode ficar atraído para entender e interpretar essas situações no nível das fantasias edípicas de sorte que a aná lise provavelmente permanecerá estéril já que o componente emocional determinante está radicado em carências préedípicas bem pri mitivas Igualmente na prática clínica com tais pacientes é fundamental que o analista esta beleça uma distinção entre encarar o fenôme no da transferência como significando uma compulsória necessidade de repetição con forme Freud ou como uma repetição da ne cessidade Partindo desse último vértice o ana lista mudará significativamente a sua atitude analítica interna o que lhe possibilitará perce 260 DAVID E ZIMERMAN ber que por mais turbulentas que sejam as manifestações transferenciais as mesmas re presentam uma nova chance que o paciente lhe concede de repetir com ele à espera de uma resolução sadia as suas velhas e malsu cedidas experiências emocionais vividas pre cocemente com seus pais Para tanto o tera peuta deverá assumir tanto a transferência materna com um novo modelo de função de maternagem assim servindo sobretudo como um adequado continente como também ele será alvo de uma transferência paterna em cujo caso deverá impor os necessários limites e obe diência às leis 5 Um elevado grau de desvirtuamento dos vínculos do amor ódio conhecimento e reconhe cimento sempre está presente nos transtornos narcisistas Em relação ao amor convém lem brar que tão essencial sentimento que sem pre nasce de um estado psíquico de falta adquire uma larga complexidade semântica em um leque que vai de um amor sadiamente sublime até o das mais complexas patologias que desembocam em distintas configurações sadomasoquísticas Enfocando mais restrita mente os pacientes narcisistas podese dizer que a sua forma de amar e de ser amado re pousa em uma afanosa busca de algo ou al guém que preencha as suas falhas e faltas com uma expectativa de que poderá resgatar o ima ginário estado de completude original de sua majestade o bebê que no adulto adquire a forma de sua majestade o ego em uma fu são indiferenciada com a mãe Diante da im possibilidade de alcançar a plena completude o narcisista não se conforma com a sua incompletude não tolera as diferenças e apela para distintas formas de amenizar o sofrimen to tanto se recolhe em um enclausuramento evitando qualquer tipo de ligação afetiva e erigindo uma autarquia de autosuficiência compensadora quanto também é muito co mum que ele contraia sucessivos e malsuce didos vínculos amorosos dentro de uma eter na busca do impossível Baseado na observação de minha práti ca analítica com inúmeros casos de amor de configuração vincular narcisista penso ser im portante enfatizar aquela forma que propo nho denominar amor tantalizante nome que me foi inspirado pelo mito grego de Tântalo Destarte quando nos referimos a uma mãe tantalizadora ou a um namorado tantalizador por exemplo estamos designando um víncu lo patogênico entre duas pessoas que se ca racteriza pelo fato de que uma delas o sedu tor por meio de promessas de uma futura felicidade paradisíaca assim garantindo o su cesso do seu vínculo de apoderamento sub mete o outro o seduzido tantalizado a um verdadeiro suplício na base de um dá que carrega as pilhas da esperança seguido de um tira submerge a vítima num profundo e doloroso desamparo situação essa que às vezes em uma repetição cíclica pode se pro longar pela vida inteira Em relação ao vínculo do ódio é indis pensável que o analista localize as antigas fe ridas narcisísticas que estão sendo relatadas e revividas na situação analítica como e con tra quem elas se formaram e que tipo de solu ções a criança encontrou para enfrentar as precoces frustrações privações perdas aban donos e humilhações com o respectivo senti mento acompanhante o ódio Sobretudo creio ser importante que o terapeuta ajude o paciente a estabelecer uma distinção entre uma agressividade boa construtiva que lhe permita ter ambições e desejos de avançar na vida e uma agressão má destrutiva resul tante de uma inveja excessiva um secreto desejo de vingança eterna uma imensurável volúpia pelo poder aspectos que incrementam as pulsões sádicodestrutivas e o levam a atro pelar a tudo e a todos O vínculo do conhecimento tal como foi descrito por Bion 1962 refere mais precisa mente ao importantíssimo problema de o pa ciente querer conhecer as verdades penosas tanto as externas quanto as internas ou se in conscientemente prefere negálas Os pacien tes com transtornos narcisistas optam pela úl tima solução por meio das diferentes formas psicanalíticas de negação porém quanto mais ele se evade de entrar em contato com as ver dades mais ele entrará no mundo das ilusões falsificação dos fatos e do próprio self No caso mais extremo dele utilizar maciçamente o re curso de excessivas clivagens com as respecti vas identificações projetivas vai resultar uma negação do tipo forclusão a qual indica al gum grau de ruptura com a realidade com o risco de uma hipertrofia da parte psicótica da personalidade a ponto de poder levar o pa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 261 ciente a um esvaziamento da mente equiva lente a uma morte psíquica Quanto ao vínculo do reconhecimento Zimerman 1999 é transparente o quanto o paciente narcisista tem uma necessidade vital de saber que contrariamente ao seu enorme temor de ser esquecido abandonado e despre zado ele tem uma necessidade vital tal como o oxigênio que respira de receber constantes provisões de reconhecimento de que é aceito amado desejado valorizado enfim de que ele de fato existe Acontece que tamanha é a di mensão da premente necessidade em de qual quer jeito ser reconhecido pelos demais que conforme confirma a prática clínica desde cri ança o paciente pode ter construído um falso self como uma maneira de adivinhar e assim preencher os desejos e expectativas dos pais e da sociedade em relação a ele assim assegu rando que não seria abandonado Outras possibilidades patogênicas consis tem na construção da antes aludida pele gros sa por meio de defesas características da par te psicótica da personalidade na qual nestes casos freqüentemente sobressai o uso do tripé maníaco ou seja um controle onipotente onis ciente e prepotente um ânsia de triunfo de tamanho tão grande que o analista deve aju dar o paciente a discriminar a diferença entre o que consiste em um triunfo maníaco e quan do se trata de uma merecida obtenção de êxi tos o terceiro aspecto da tríade maníaca é o desprezo mercê do qual este paciente desde nha tudo aquilo que os outros têm e ele não inclusive é claro a capacidade interpretativa do analista Da mesma forma a ânsia desme dida por algum reconhecimento pode levar a pessoa narcisista a uma interminável busca de fetiches compensadores que sirvam como pal co para brilhaturas no qual a aparência subs titua a essência correndo o risco de ficar cego de tanto deslumbramento Cabe propor o nome de complexo de mariposa para aquelas situa ções tão comuns em que atraída pela luz a mariposa acaba morrendo queimada pelo ex cessivo calor da lâmpada 6 Relativamente aos aspectos da comu nicação no campo analítico é útil insistir no fato de que indo muito além da clássica e ainda vigente livre associação de idéias verbalizada pelo paciente a psicanálise contemporânea em presta uma extraordinária importância à co municação nãoverbal nas suas múltiplas for mas como é a linguagem dos gestos atitudes tratos corporais somatizações silêncios cho ro actings e muito particularmente pelos efei tos contratransferenciais que se bemaprovei tados pelo analista podem se constituir em uma rica vertente de compreensão daquilo que o paciente regressivo não consegue dizer com palavras porém o consegue através de uma comunicação primitiva fazendo o analista sen tir o mesmo que ele paciente sente há longos anos sendo que ele está à espera de que al guém nomeie aquilo que sente mas não sabe o que é nem de onde vem A comunicação se processa em três pla nos o da emissão das mensagens o da recep ção das mesmas e os canais de comunicação por onde elas transitam Nos pacientes dema siadamente narcisistas esses três fatores es tão perturbados em algum nível e grau cau sando seguidamente os conhecidos problemas dos malentendidos o que secundariamen te gera desentendimentos ressentimentos e desafeições com as pessoas em geral Além dis so os vazios existenciais do paciente com transtorno narcisista comumente são preen chidos com um moralismo no lugar de uma boa capacidade para fazer julgamentos um pensamento dogmático substitui a função de pensar baseada na condição de indagar e correlacionar um uso de clichês estereotipa dos uma busca de fetiches e por um funda mentalismo quer este seja religioso científi co ou ideológico 7 O problema do freqüente surgimento de actings no curso da análise com pacientes narcisistas também merece uma atenção espe cial por parte do analista tendo em vista que embora eventualmente as atuações possam representar algum real perigo na grande mai oria das vezes elas se constituem como uma significativa forma de comunicação primitiva Assim os actings intercorrentes podem estar dramatizando aqueles conflitos inconscientes que o paciente não consegue recordar nem tampouco pensar nomear verbalizar e auto conter além da possibilidade de que eles este jam denunciando uma relação terapêutica negativa ou seja o paciente não está se sen tindo compreendido e adequadamente inter pretado pelo analista Também é comum que por meio de atuações preocupantes esteja pro 262 DAVID E ZIMERMAN curando atacar a função perceptiva logo a capacidade interpretativa do terapeuta coisa que não raramente acontece sendo possível que esse ataque decorra justamente de quan do o analista quer trabalhar bem com verda des e não com ilusões e conluios As atuações freqüentemente são desencadeadas por proble mas de separações que embora transitórias são vivenciadas pela pele fina dos narcisistas como uma perda real definitiva O analista deve estar atento para valorizar a faceta posi tiva estruturante da dor de solidão que acom panha a angústia de separação já que ela pro picia ao paciente uma tomada de conhecimen to consciente de que ele é uma pessoa única separada e diferenciada dos demais e que isso é matériaprima para a formação do sentimen to de identidade 8 A atividade interpretativa do analista com pacientes muito narcisistas exige dele uma sensibilidade e uma adequação especial levando em conta que os narcisistas de pele fina requerem a construção de uma empatia e uma cabal demonstração de que o analista é possuidor de um bom continente capaz de conter suas necessidades angústias e depres sões a um mesmo tempo em que sobreviva aos seus ataques sádicos e que tenha uma boa ca pacidade de paciência para andar no ritmo e na velocidade compatíveis com as possibilida des do paciente Em contrapartida os narcisis tas de pele grossa aparentemente em uma ati tude superior desdenhosa e inacessível deman dam uma atividade mais enérgica por parte do analista com um contínuo e às vezes contun dente assinalamento de negação de certos as pectos da realidade paradoxos contradições atos falhos e ambições impossíveis de modo a abrir um acesso a seus ocultos aspectos frágeis que bem no fundo estão pedindo socorro para serem descobertos pelo analista compreendi dos respeitados e devidamente interpretados Os analistas dividemse entre aqueles que preferem manter com os pacientes portadores de transtorno narcisístico o clássico método de interpretar sistematicamente no aquiagora comigo transferencial e aqueles outros entre quem particularmente me situo que pensam que tal metódica muitas vezes favorece uma intelectualização defensiva ou alguma outra forma resistencial ferrenha ou ainda pode permitir uma facilidade para assegurar um con trole do paciente narcisista sobre o analista já que sutilmente ele pode comandar aquilo que ele quer que o analista lhe diga e que de ante mão ele já sabe o que será pois as interpreta ções se tornam previsíveis Penso que um fun cionamento mais eficaz com esses pacientes consiste no emprego por parte do analista de um método dialético isto é às verdades do analisando que estão contidas nas teses que ele apresenta o analista abrirá outros vértices de observação assim propondo antíteses e se de tal diálogo surgir um insight o mesmo corresponderá à formação de uma síntese a qual por sua vez nos casos exitosos funcio nará como uma nova tese permitindo uma nova antítese formando um movimento dialético espiralar helicoidal ascendente e expansivo promovendo transformações no sentido de um crescimento mental De forma análoga cabe ao analista apre sentar ao paciente adulto a sua parte infantil de sorte a possibilitar um permanente diálo go entre essas partes tão diferentes que con vivem em uma mesma pessoa Uma magnífi ca amostragem deste último aspecto assina lado pode ser visto no filme Duas vidas no qual o personagem narcisista um bemsuce dido empresário de quarenta e poucos anos fazendo uso abusivo de onipotência e prepo tência arrogante sem capacidade para amar só consegue sair dessa situação quando co meça a dialogar com um menino de oito anos que é ele mesmo Como bem mostra o filme a transição de um estado psíquico de pele grossa com a sua marcante característica de autosuficiência onipotente e arrogante para o estado de uma pele fina com a sua face de desamparo e impotência é dolorosa e vivenciada pelo paciente como sendo perigo sa Isso equivale à passagem do princípio do prazer para o da realidade Freud ou da po sição esquizoparanóide para a depressiva M Klein ou ainda a passagem da posição narci sista para a edípica ou seja a de um estado de predominância do narcisismo para o de um socialismo Bion situações essas que podem vir acompanhadas de um estado confusional de ideação persecutória e agressiva ou de pressiva até com ameaças suicidas configu rando aquela situção turbulenta e delicada da análise que Bion 1965 denomina mudan ça catastrófica MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 263 Outras vezes quando o paciente sentese ameaçado na sua couraça narcisista protetora pode acontecer a intercorrência de episódios transitórios daquilo que Rosenfeld 1978 cha ma de psicose de transferência que consiste numa transferência de características deliran tes e persecutórias restritas unicamente ao ana lista a um mesmo tempo que a vida do paci ente fora da análise permanece inalterada Esses momentos transferencias de natureza psicótica na maioria das vezes se bemcom preendidos e manejados a insistência do ana lista nas interpretações transferenciais pode descambar para um clima polêmico agravan do o já difícil quadro clínico não duram mais do que dias semanas ou poucos meses com a possibilidade de uma resolução com crescimen to mental porém não é raro que possa croni ficar e desembocar em uma reação terapêutica negativa Um atual questionamento especialmen te relevante no que tange à atividade interpre tativa com neuroses predominantemente nar cisistas é se a ênfase deve incidir nas clássicas interpretações centradas na neurose de trans ferência ou se deve ser priorizado o trabalho analítico de como o paciente relacionase com as verdades que ele de alguma forma nega Nesse caso a tarefa maior do analista será enfocar como o paciente exerce a sua função de pensar tendo em vista a probabilidade de que a mesma esteja alicerçada numa posição narcisistaesquizoparanóide Nessa situação a capacidade para fazer julgamentos fica bastan te prejudicada porque o paciente narcisista além do emprego de onipotência onisciência prepotência confusão moralismo pedantismo e dogmatismo que lhe obscurecem a mente também exerce julgamentos com os critérios baseados no princípio do prazer quem o frus tra é sempre mau e no da isonomia todos devem pensar sentir e agir como ele caso con trário Somente a exitosa passagem para a posição depressiva é que possibilitará o desen volvimento das capacidades de pensar simbo lizar abstrair criar e substituir o critério pra zerdesprazer pelo de existência isto é o de dar liberdade para o ego decidir independen te se o objeto é bom ou mau Destarte creio que se pode dizer que se a psicanálise pionei ra foi calcada quase que exclusivamente em Édipo e aos poucos foi igualmente dividindo o espaço com Narciso nos dias de hoje se co meça a valorizar de forma crescente a figura de Hamlet com suas reflexões existenciais acer ca do ser ou não ser eis a questão a psica nálise contemporânea bastante fundamenta da no princípio da negatividade que prega a convivência dos opostos prefere resolver a questão hamletiana com a formulação ser e não ser ALGUMAS SUGESTÕES DE ORDEM TÉCNICA 1 É fundamental que haja um propício estado mental do analista diante dos pacientes com organização da personalidade excessiva mente protegida por defesas narcisistas caso contrário ele poderá ficar envolvido e sucum bir diante de uma difícil contratransferência que então tornase patológica e patogênica Não se pode perder de vista que a fixação em uma estrutura narcisista deriva de um luto pa tológico de natureza persecutóriavingativa que a criança sofreu com as separações da mãe com a predominância do sentimento de ódio Isso pode ter acontecido por uma simbiose ex cessivamente prolongada ou excessivamente abreviada dificultando as separações e frus trações em geral assim aumentando a neces sidade de novas simbioses acompanhadas das respectivas fantasias de que não existirão pri vações nem fronteiras tampouco diferenças e limitações Ademais uma mãe simbiotizadora quer no sentido narcísico ou erótico ou em ambos provoca a idealização da prégenita lidade Daí a relevância de que o analista não contraia vínculos por demais simbióticos de modo que o setting combinado seja mantido sem rigidez porém com muita firmeza e da mesma forma com brandura cálida e flexibili dade desde que essas não se confundam com fragilidade e medo de uma possível fúria nar cisista desse tipo de paciente Igualmente a dor da angústia de separação merece uma con sideração especial do analista porém existe um risco bastante comum de ele interpretar de for ma mecânica e estereotipada qualquer separa ção unicamente como estás assim porque sentiste muito a minha falta e outros chavões do tipo configurando o paciente como um pobre desvalido que não pode viver sem a pro 264 DAVID E ZIMERMAN teção dele analista Creio que a angústia de separação nesses casos é importantíssima sim mas muito mais pelos significados que estão representados na mente do paciente de aban dono indiferença humilhação traição etc do que propriamente pela falta concreta do terapeuta 2 O analista deve aceitar durante um período transitório embora esse possa ser de média ou longa duração que o paciente man tenha uma idealização excessiva de si próprio ou dele analista porque devido à sua necessi dade vital de reassegurar a coesão do self e de que não está desamparado o analisando nar cisista se ampara respectivamente no seu self grandioso e na sua imago parental idealiza da transferida para o terapeuta a metáfora que me ocorre é aquela do sujeito que está com um pincel na mão no topo de uma escada e a mesma é retirada deixandoo solto no espaço vazio segurando o pincel assim durante algum tempo o terapeuta necessita funcionar como uma espécie de escada que dê consistên cia e esperança É claro que o analista deve visar a uma sucessiva e indispensável desilusão das ilu sões porém a mesma deve ser gradual com a atividade interpretativa integrando a dissolu ção das ilusões com o assinalamento concomi tante de seus aspectos verdadeiramente sadi os fortificando o ego real em detrimento do ego ideal confronto entre o que é necessário e o que é possível de ser alcançado e sobretu do com o reconhecimento de seus eventuais progressos mesmo que esses pareçam ser mí nimos Por outro lado também é bastante fre qüente que o paciente excessivamente narci sista inicie a análise de uma forma altamente desdenhosa e denegridora da pessoa do ana lista sendo que nesses casos também é indis pensável que haja uma tolerância não é o mesmo que passividade transitória visto que ele está inconscientemente testando ao má ximo a capacidade de continência do analista diante de sua agressão confusão falsidade e depressão A meta analítica a ser alcançada consiste em propiciar que esse tipo de pacien te que no fundo é extremamente dependente obtenha uma gradual passagem na condição de encarar o analista não como um objeto de necessidade e demanda ou a contrapartida de desprezo mas sim de desejo como enfa tizam os seguidores de Lacan 3 A mente do ser humano não é unifor me e muito menos um maciço bloco unívoco de sorte que o psiquismo de qualquer pessoa se comporta como um mapa geográfico com regiões distintas em que convivem os opostos e contraditórios de maneira que por exem plo um matemático com um excelente racio cínio abstrato pode ser estúpido para outras formas de utilizar o pensamento ou ser porta dor de uma perversão oculta sendo que é evi dente os exemplos poderiam se multiplicar ao infinito O importante é que o analista desen volva no paciente uma capacidade de ele dia logar consigo mesmo isto é o adulto que ele é deve conviver e conversar com a criancinha que ele também ainda é da mesma forma a sua parte nãopsicótica deve adquirir condições de observar e administrar a sua parte psicótica da personalidade Em resumo é de importância essencial a obtenção de uma discriminação que possibilite uma convivência harmônica entre a parte narcisista e a nãonarcisista do psiquismo de cada um paciente e analista Convém lem brar que a alusão à parte narcisista da perso nalidade nem sempre deve ser tomada como sinônimo de patologia pelo contrário existem as formas sadias do narcisismo que devem ser analisadas como tal reconhecidas e até esti muladas pelo analista por exemplo uma vai dade adequada é diferente de exibicionismo um orgulho de si próprio é diferente de arro gância uma vibração pelo reconhecimento de seus êxitos é diferente de triunfo maníaco uma valorização maior da essência do que da aparência ou seja gostar de um jeito autênti co e livre de realmente ser alguém é dife rente de parecer ser que resulta da compul são a que o narcisista se vê premido o de cati var aos outros o que lhe custa o alto preço de permanecer no cativeiro e assim por diante 4 A transferência analítica é um fenôme no singular que resulta de uma amálgama do passado com o presente em que o presente dá forma ao passado daí a importância de no curso de sua atividade interpretativa o analis ta fazer ressignificações de lembranças e an tigas fantasias do paciente a um mesmo tem po que o passado dá forma ou deforma ao presente o que determina ser tarefa prioritária MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 265 para o analista promover desidentificações das patogênicas figuras superegóicas segui das de neoidentificações reformas nas quais o modelo de o analista trabalhar e transparecer como de fato ele é adquire um peso relevan te Assim nesse círculo interativo formado pelo o que era é e o que é era tornase funda mental que haja uma integração transferencial do passado com o presente e viceversa para o paciente saber aonde ir no futuro É impor tante o analista levar em conta que os movi mentos transferenciaiscontratransferenciais com os pacientes fixados na posição narcisista são particularmente muito difíceis entre ou tras razões já discutidas também devidas ao fato de que eles apresentam um sério prejuízo no senso de espaço de tempo e das regras da lógica O prejuízo espacial é devido à indiferen ciação do ego com o objeto o que borra os limites do espaço que deveria haver entre am bos daí podendo ocorrer uma confusão na ocupação de lugares e assunção de papéis en quanto o valor dos objetos e dos lugares são medidos unicamente por aquilo que gratificam ou frustram Por sua vez o comprometimento do senso temporal resulta do fato de que o tem po é medido pelo gap que existe entre o desejo e sua satisfação além do fato de que os narci sistas negam a diferença entre as gerações com as respectivas e óbvias diferenças de capacida des limitações e hierarquia Já as regras da lógica ficam deturpadas porque o paciente nar cisista dita suas próprias leis que orbitam em torno de seu umbigo enquanto ele espera con victo que o mundo deva gravitar em torno dessas suas leis imaginárias e onipotentes A confusão espacial temporal e de lógica per turba a ocupação dos lugares no conflito edí pico além de impedir a sua elaboração assim dificultando sobremaneira a resolução da díade fusional Como tudo isso se reproduz no vín culo analítico é fácil deprender a complexida de transferencial e os riscos de o analista se deixar emaranhar numa contratransferência igualmente difícil Na prática analítica um claro indicador de que isso possa estar acontecendo é quando o analista percebe que está havendo alguma confusão nos respectivos papéis atri buídos a cada um do par e muito especialmen te quando ele sente que está trabalhando com um estado mental de grande desconforto 5 Em relação à atividade interpretativa nas neuroses narcisistas uma primeira obser vação necessária é a de que não basta uma in terpretação ser correta no seu conteúdo for ma timing e finalidade se a escuta do analista não estiver atenta para perceber qual o destino que a interpretação tomou na mente do seu analisando narcisista já que freqüentemente ele as desvitaliza e reverte às suas próprias pre missas embora aparentemente manifeste es tar de acordo com o analista 6 Igualmente deve ser levada em conta a alta probabilidade de que o discurso deste pa ciente não visa à finalidade de comunicar algo mas pelo contrário pode estar a serviço de um propósito inconsciente de confundir falsi ficar e justamente o de nãocomunicar Assim na prática clínica o terapeuta deve estar bem atento à diferença que existe entre falar e dizer o paciente pode falar muito e nada dizer ou falar pouco e dizer muito principal mente por meio de alguma forma de lingua gem nãoverbal 7 A propósito é útil realçar a importân cia crescente que a psicanálise contemporânea está atribuindo às comunicações que se fazem em um registro pictográfico isto é muitas vivências sensoriais e experiências emocionais primitivas que não foram elaboradas e nomea das podem manifestarse por meio de imagens visuais ou seja os pictogramas que corres pondem a representações primitivas que o seu gênero narrativo tem o dom de despertar na sua própria mente ou na do analista 8 Ainda em relação à atividade inter pretativa cabe enfatizar que o procedimento do analista na sua técnica de interpretar pacien tes narcisistas deve mudar bastante de acordo com o fato de se tratar de um narcisista de pele grossa ou de pele fina Rosenfeld 1988 Os de pele grossa caracterizamse pelos as pectos de que com muita freqüência abando nam a análise mostramse insensíveis aos as pectos transferenciais especialmente os de de pendência zombam das interpretações que se referem aos sentimentos ligados às suas par tes frágeis aparentam uma superioridade às vezes arrogante rejeitam antes de serem re jeitados e predomina neles um self destru tivo manifesto por uma atitude de controle triunfo e desprezo Nestes casos o analista 266 DAVID E ZIMERMAN deve ser muito firme sem perder a ternura jamais estar preparado para não se deixar envolver em uma contratransferência muito difícil que esses pacientes despertam além de assinalar de forma consistente que sua pele grossa encobre uma outra extremamente fina a um mesmo tempo que deve enfatizar os aspectos destrutivos das defesas exagera damente narcisistas que ele emprega 9 Já os narcisistas de pele fina são alta mente vulneráveis e sensíveis de modo que re agem com muita dor a tudo aquilo que lhes parecer uma rejeição do seu analista predo mina neles uma sensação de baixa autoesti ma de modo a sempre se sentirem inferiores aos outros exercem sobre os outros um con trole paralisante às vezes por meio de amea ças suicidas assim exercem o papel de víti ma que por meio de sua fraqueza corres ponde à pele fina mantêm o poder pele grossa Nesses casos durante um tempo ne cessário o analista deve evitar dar ênfase ex cessiva na interpretação dos aspectos destruti vos e pelo contrário assinalar como se forma ram as antigas feridas narcisistas que ainda estão muito malcicatrizadas e por isso extre mamente dolorosas É importante acentuar que é bastante comum a possibilidade de que um mesmo paciente narcisista manifeste oscilações entre estados de peles finas e grossas 10 Um outro aspecto igualmente impor tante refere ao fato de que não é tanto a ação interpretativa propriamente dita que movimen ta a análise dos pacientes com transtornos nar cisistas mas sim que a ação principal consis te na reversão dialética das teses do pacien te Para tanto o analista utiliza o recurso téc nico como por exemplo aquele proposto por Bion de fazer abertura de novos vértices de percepção dos fatos que o paciente narra e sen te à sua moda o uso de interpretações bino culares nas quais ao mesmo tempo são en focados os aspectos opostos que concomi tantemente interagem no psiquismo do mes mo analisando a sua parte de adulto versus a criança frágil ou onipotente etc e sobretu do cabe ao analista a importante função de propiciar alguns modelos de pensamento que tal tipo de paciente ainda não tem por inter médio do recurso de promover indagações que estimulem o paciente a desfazer negações e no seu lugar fazer reflexões construir correla ções de fatos e sentimentos além de apurar o seu senso crítico de como ele se vê e de como os outros o vêem É dispensável acentuar que ajudar a pensar é totalmente diferente de intelectualizar coisa essa que o narcisista sabe fazer muito bem Essa última afirmativa está diretamente ligada à importância que repre senta para o analista discernir entre a aquisi ção de insight que está tendo uma finalidade construtiva daquela outra que unicamente está reforçando o arsenal defensivo do paciente narcisista 11 Da mesma forma que Copérnico de monstrou que o planeta Terra não passa de um corpo opaco que gira em torno do sol do qual recebe luz e calor também na atualidade entendese que o sujeito narcisista deixa de ser o centro em torno do qual tudo e todos se mo vem pois na verdade ele gira em torno de suas carências básicas mascaradas por uma pretensão de autonomia ilusão de independên cia e presunção de autosuficiência Assim o problema do narcisista não é o de um amor por si mesmo antes disso o seu problema é o de um espelho que não o reflete mais do que ele próprio e por isso ele tem uma dificulda de de fazer uma exitosa transição do imaginá rio para o simbólico MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 267 signar unicamente os desvios ou aberrações das pulsões sexuais incluídas aquelas que estão fusionadas com as pulsões sádicodestrutivas Um outro ponto que deve ser enfatizado é o que se refere à necessidade de que se esta beleça uma distinção entre perversão e perver sidade o primeiro alude a uma estrutura que se organiza como defesa contra angústias persecutórias depressivas e especialmente de desamparo enquanto a outra referese a um caráter de crueldade e de malignidade Assim na perversão o sujeito não busca primariamen te a sensualidade antes essa se comporta como uma válvula de escape para ele provar para os outros e para si mesmo que superou as an gústias mencionadas De qualquer maneira todos admitem hoje que a perversão não é um simples ressurgimen to ou persistência de componentes parciais da sexualidade prégenital como era a assertiva original de Freud Antes o atual conceito de perversão implica a existência de um tipo parti cular de vínculo interpessoal que consiste em um jogo de identificações projetivas e intro jetivas de núcleos psicóticos de cada um que são admitidos e processados pelos participan tes da relação de tal forma que um fica preso ao outro complementandose reciprocamente Indo mais longe entre muitos autores atuais que estudam as perversões há uma forte inclinação em considerar que suas raízes residem nas pri mitivas fixações narcisistas não obstante certas perversões guardarem nítidas fixações na fase perversopolimorfa nas fases anais e sexuais enquanto muitas outras transparecem uma 23 Perversões O vínculo de perversão somente se realiza quando o manifesto perverso se encontra e se completa com um partenaire por mais dissimulado ou oculto que esse pareça ser Assim muitas pessoas exercem o papel de servir como simples cenário de palco no qual um outro representa eternamente o seu drama e viceversa CONCEITUAÇÃO O tema da perversão é controverso e po lêmico porque além da conceituação clássica de que refere um transtorno que desvia os fins da sexualidade normal ele também implica na atualidade questões morais éticas ideo lógicas e jurídicas Assim de acordo com a sua etimologia a palavra perversão deriva de per vertere que quer dizer pôr às avessas des viar desvirtuar o vocábulo designa o ato de o sujeito perturbar o estado natural das coisas de modo que com a sua conduta oposta à nor mal desafia as leis habituais consciente de que com os seus atos ultraja seus pares e a ordem social na qual ele está inserido Para muitos autores o conceito de per versão nos dias de hoje foi estendido dentro e fora da psicanálise para uma abrangência que inclui outros desvios que não unicamente os sexuais como seriam os casos de perver sões morais por exemplo os proxenetas ou seja pessoas que ganham dinheiro interme diando casos amorosos sociais neste caso a conceituação de perversão fica muito con fundida com a de psicopatia perversões ali mentares bulimia anorexia nervosa ins titucionais algum desvio da finalidade para a qual a instituição foi originalmente criada e naturalmente também a possível perversão do setting analítico Entretanto dentro de uma conceituação mais estrita um expressivo con tingente de autores psicanalíticos mantêm uma fidelidade a Freud e defende a posição de que em psicanálise o termo perversão deve de 268 DAVID E ZIMERMAN intersecção entre Édipo e Narciso como é o caso por exemplo do donjuanismo e das ninfoma nias nos quais subjacentes a uma aparente ati vidade genital intensa e insaciável sempre está presente uma intensa angústia de desamparo narcisista da mesma forma como no caso do exibicionismo a angústia que está encoberta pela exibição do pênis é decorrente de uma an gústia de castração Para ficar num único exemplo de perver são vou citar uma situação de exibicionismo que mesmo tendo sido fora da situação ana lítica e ter um sabor jocoso me parece bas tante ilustrativa do quanto o ato perverso de o sujeito se exibir representa um fetiche de fensivo contra uma intensa angústia de cas tração e de desamparo A historieta é a se guinte na época em que eu era residente de psiquiatria na Clínica Pinel de Porto Alegre fui procurado por uma de nossas atendentes uma jovem universitária que aos prantos pedia socorro porque já não sabia mais o que fazer diante do fato de que quando atraves sava o parque da Redenção caminho obri gatório para ir de sua residência até a clínica sempre topava com um jovem senhor que então abria com um gesto orgulhoso uma longa capa preta que sempre usava de sorte a exibir o seu pênis o qual pela sua atitude manifestamente ele julgava imenso A aten dente estava apavorada mudava constante mente de trajeto no parque porém o exibi cionista sistematicamente a surpreendia e re petia o mesmo gesto para o pavor dela e a enorme satisfação dele Diante de seu pedido de socorro se não houvesse solução ela estava determinada a pedir demissão embora gostasse muito de seu trabalho na clínica tentei fazêla entender que quanto mais ela se apavorasse mais ele se gratificava e se motivava para prosseguir nes sa forma de assédio visto que assim sentiase forte e reasseguravase de que não estava cas trado pelo contrário as mocinhas que ele es pantava é que eram frágeis e tremiam de medo dele enquanto ele ficava com o papel de po tente todopoderoso e possuidor de um pênis avantajado e assustador Poucos dias após com um ar feliz a atendente veio contar que o exibicionista lar gara do pé dela diante da sua seguinte ma nobra não satisfeita em seguir a recomenda ção de que ela se mostrasse indiferente para esvaziar a sua ilusão de onipotência contida na perversão exibicionista ela decidiu ir além e aproximandose bem junto a ele mirou fi xamente para o seu pênis e com uma voz de piedade exclamou a sentença Mas como é pequenininho o que aconteceu meu filho ao que se seguiu que o aludido exibicionista fechou lenta e melancolicamente a sua capa retirandose em passos lentos A parte cômica dessa narrativa real é que após um breve tempo a atendente também chorando voltou a me procurar sendo que é claro me preparei para ficar decepcionado de que a estratégia de compreensão analítica ti vesse falhado Não foi isso que aconteceu ela simplesmente chorava porque estava cheia de culpas enquanto em meio às lágrimas que der ramava conseguiu balbuciar Coitado ele de sapareceu eu o procuro por todos os cantos do parque para confortálo e dar uma força mas coitadinho desapareceu totalmente O que é que eu faço CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS As formas clínicas que comumente são descritas como protótipos das perversões são as de sadismo e de masoquismo fetichismo pedofilia homossexualidade em grau de de gradação exibicionismo incesto de pai com filhas ou muito mais raramente de mãe com filho voyeurismo ou escopofilia e traves tismo Mecanismos defensivos Cada uma delas permitiria uma densa explanação genéticodinâmica mas isso extra polaria os propósitos deste capítulo De uma forma genérica o que cabe afirmar é que uma pessoa portadora de uma perversão idealiza a sexualidade prégenital as zonas erógenas tal como elas primitivamente foram representa das com os objetos parciais e mercê do recur so defensivo da recusa ou renegação dene gação o sujeito perverso apresenta uma compulsão a idealizar assim pretendendo impor aos outros as suas ilusões Muitos auto res contemporâneos tendem a considerar que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 269 a perversão constituise em uma defesa extre ma contra a psicose A aludida defesa de recusa na base do eu sei que tal coisa existe mas fazdeconta que não existe é típica das perversões e vale acrescentar que o seu uso excessivo prejudica o emprego de uma repressão útil o que afe ta a elaboração edípica daí resultando um borramento dos limites e limitações o que por sua vez determina um nãoreconhecimento das diferenças relativas ao sexo por exemplo en tre a prégenitalidade e a genitalidade adul ta gerações capacidades ocupação de luga res hierarquia e obediência às leis Para completar a conceituação de perver são a partir do enfoque abordado cabe afir mar que nas neuroses existe uma completa dis criminação entre eu e os outros nas psicoses há uma total indiscriminação disso enquanto nas perversões o outro não está completamen te internalizado porquanto falta uma constân cia objetal e os objetos guardam uma condi ção de fetiche isto é já não é mais imaginário mas também ainda não é simbólico Actings Resulta daí que nas perversões existe uma necessidade de constantes actings na bus ca de uma pessoa externa que se preste ao conluio inconsciente de um fazdeconta de que tudo está bem por exemplo porém como a função de discriminação do perverso é pre cária ele não vai permitir que o outro seja au tônomo e diferente dele tampouco existe uma consideração dele pela outra pessoa porque o seu partenaire deve funcionar como uma espé cie de fetiche Antíteses É útil enfatizar o aspecto de que nos vín culos perversos sempre se observa a perma nente presença de pares antitéticos em que um é a antítese do outro como por exemplo um recíproco sadismomasoquismo ou exi bicionismovoyeurismo subjugadorsubjuga do etc que funcionam à moda de uma gangorra Ou seja é freqüente a possibilida de de que os papéis se revezem na vincula ridade perversa de sorte que para exempli ficar com uma única situação um mesmo ho mem pode estar no papel de sádico em um certo momento e no outro pode caber à sua mulher esse papel enquanto ele se submete masoquisticamente a ela Clivagem da personalidade Devese ao fato de que toda pessoa per versa apresenta uma dissociação na sua perso nalidade de forma que à moda da metáfora do médico e o monstro o sujeito durante o dia pode ser um conceituado e sério profissio nal liberal enquanto à noite vai procurar uma relação sexual com travestis e o que importa enfatizar é que ambos os aspectos embora antípodas são autênticos e representam aspec tos opostos dissociados que pertencem à pes soa do perverso e que convivem dentro dele Um outro exemplo que cabe é aquele que aparece no filme La belle de jour interpretada por Catherine Deneuve a qual durante a noi te conservava todo porte de uma fina dama de hábitos requintados e uma excelente cumpri dora dos deveres de esposa mãe e dona de casa porém durante as tardes freqüentava um bordel onde satisfazia os seus desejos perver sos de ser uma prostituta submetendose se xualmente a práticas sexuais com todo tipo de homem inclusive com aqueles que lhe impu nham sadicamente rituais de castigos físicos Estou certo que todo leitor poderá facilmente constatar uma série de situações equivalentes a essa na vida real na prática analítica em determinados filmes etc Psicopatia Embora clinicamente muitas vezes a per versão e a psicopatia se superponham e con fundam é útil estabelecer uma distinção entre ambas Assim muitos autores consideram que a psicopatia pode ser vista como um defeito moral porquanto ela designa um transtorno psíquico que se manifesta no plano de uma conduta antisocial Os exemplos mais co muns são os daqueles indivíduos que roubam e assaltam mentem enganam e são imposto res seduzem e corrompem usam drogas e co 270 DAVID E ZIMERMAN metem delitos transgridem as leis sociais e de máfé envolvem outros etc A estruturação psicopática manifestase por três características básicas a impulsividade a repetitividade compulsiva e o uso prevalente de actings de natureza maligna acompanha dos por uma irresponsabilidade e aparente au sência de culpa pelo que fazem Algum traço de fantasia de psicopatia assim como de per versão é inerente à natureza humana no en tanto o que define a doença psicopática é o fato de que as três características que foram enfatizadas vão além de um uso eventual mas sim que elas se tornam um fim em si mesmo e além disso são egossintônicas muitas vezes sendo idealizadas pelo sujeito psicopata vin do acompanhar uma total falta de considera ção pelas pessoas que se tornam alvo e cúm plices de seu jogo psicopático Na prática psicanalítica os psicopatas são pacientes que dificilmente entram espontanea mente em análise e quando o fazem mostram uma forte propensão para atuações e para o aban dono do tratamento quando este é levado a sério pelo analista não só pela razão de uma enorme dificuldade de ingressarem em uma posição depressiva como também por causa de uma arraigada predominância da pulsão de morte e seus derivados que obrigam a uma conduta tan to hetero como autodestrutiva ASPECTOS TÉCNICOS NA PRÁTICA ANALÍTICA DAS PERVERSÕES 1 Não é comum que os pacientes espon taneamente procurem um tratamento psicana lítico para tratar de sua perversão muitas ve zes em situações mais graves eles procuram quando são prensados por algum familiar ou representante da lei O mais freqüente é que no curso da análise gradual e sutilmente vão surgindo os sintomas da perversão que amiú de o terapeuta durante longo tempo às vezes anos sequer suspeitava da existência deles 2 Isso se deve a duas razões uma é a que eles funcionam de uma forma em que a perso nalidade mantémse absolutamente cindida isso constitui a característica mais típica da perversão tal como aparece na conhecida metáfora antes mencionada do médico e monstro Convém enfatizar que a cisão da perversão nesse caso é a personalidade como um todo que fica cindida é distinta da cisão descrita por M Klein os objetos é que são dissociados em bom e mau idealizado e per secutório etc e também difere da cisão da histeria dissociativa na qual é o ego que fica cindido em uma parte que está consciente e em outra que opera a partir dos desejos que estão recalcados no inconsciente 3 A segunda razão que explica por que o lado perverso pode custar a aparecer é que tais pacientes convivem com ele de uma forma egossintônica Isso não afasta a possibilidade de que quando descobertos na prática perver sa mais condenável incesto pedofilia por exemplo eles se debatam em culpas e dúvi das porém sentemse impotentes diante de uma irrefreável compulsão à repetição da prá tica perversa 4 A perversão sempre resulta de uma busca de encontrar e preencher uma falta de algo ou alguém do passado o perverso apenas necessita de um parceiro partenaire que consinta e complemente a ilusão daquilo que ele procura 5 A montagem estrutura perversa fra cassa porque ela contém justamente aquilo que deve esconder O perverso por mais que quei ra ocultar sua perversão sempre acaba se tra indo porque ele está sujeito a duas forças opos tas iguais na quantidade que estão em um permanente jogo duplo uma parte dele man tém um policiamento à pulsão perversa en quanto a outra parte sabota a primeira tam bém pela razão da formação de culpas que o impelem a ser flagrado e punido e comete al gum tipo de besteira assim fazendo fracas sar o seu lado sadio de modo a perpetuar o sistema perverso É função do analista tornar bem claro para este tipo de paciente a existên cia desta inconsciente mesmo dialética per versa que essas duas partes travam dentro dele próprio 6 Na história pregressa desses pacientes quase sempre são encontradas evidências de pais pervertizantes como por exemplo o de uma mãe simbiótica sedutora erógena eou narcisista e neste último caso ela engrande ce o filho e o usa como uma mera extensão sua com a exclusão do pai MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 271 7 Nessas pessoas sempre existem fortes componentes narcisistas e sadomasoquistas de modo que há uma espécie de adição à con duta sádicodestrutiva e masoquista com a respectiva escolha de pessoas que funcionem de partenaires O analista deve se manter atento à forte possibilidade de que este paciente pro cure envolvêlo em uma configuração vincular dessa natureza 8 Da mesma forma sempre é encontra da uma baixa tolerância às frustrações uma nítida preferência pelo mundo das ilusões con seqüentemente uma evitação de entrar em contato com as penosas verdades tanto as ex ternas quanto as internas Uma das tarefas mais difíceis para o terapeuta consiste justamente em desfazer no ritmo tolerável para o pacien te o mundo das ilusões e a negação a recu sa que ele faz das verdades que ele faz ques tão de não conhecer corresponde ao K de Bion processo sempre muito doloroso 9 Esse estado mental do paciente gera uma ideologia baseada na crença de que me lhor vive quem melhor consegue fingir o que o leva ao emprego dominante de pensamento e atitudes de um como se uma indefinição do senso de identidade entre ser e nãoser o que costuma acarretar um crônico sentimento de vazio tédio asco e falsidade 10 Todos esses aspectos coexistem com a presença em uma parte da personalidade de uma estrutura obsessiva o que denota a fre qüência que as fixações anais estão presentes 11 Além das aterradoras angústias pa ranóides e depressivas esse paciente foge so bretudo de seu terror diante da angústia de desamparo A repercussão disso na prática clí nica é que esse paciente faz uma negação ma ciça do quanto ele é dependente e principal mente mantémse em uma constante fuga de entrar em um desejável porém altamente penoso estado de posição depressiva 12 Em decorrência de uma série de difi culdades para a capacidade de pensar adequa damente essas difíceis experiências emocionais pela razão maior de que ao longo da vida muito pouco esses pacientes transitaram pela posição depressiva eles substituem por actings excessivos Uma das principais formas de es coamento é a da atuação por vias erógenas não sendo raro que para manter um estado de completude inclusive da bissexualidade eles atuem uma fantasia de hibridização por meio de uma ligação com alguma pessoa bissexuada Outras formas possíveis de atua ção pela via erógena consiste em manifesta ções homossexuais donjuanismo ou ninfo mania pedofilia e algo equivalente 13 Embora se processem pelas zonas erógenas tais atuações estão predominante mente a serviço de uma prégenitalidade de forma que cabe afirmar que é nas perversões que mais claramente se observa uma articula ção da estrutura edípica com a estrutura nar císica Essa afirmativa é importante quanto ao manejo técnico pelo fato de que envolvido pelas ricas e floridas narrativas de conteúdo sexual que esse paciente lhe oferta o analista pode se sentir tentado a interpretar em um ní vel edípico quando muito provavelmente a raiz de tudo seja a de um transtorno narcisista caso esse equívoco se mantenha pode resultar uma análise estéril 14 Em relação aos fenômenos que se processam no campo analítico cabe ressaltar os seguintes aspectos Em relação ao setting há uma necessidade de que o mesmo seja pre servado ao máximo no entanto o ataque ao enquadre não se faz marcadamente contra as combinações contratuais horários faltas pa gamentos conforme acontece comumente com as psicopatias mas sim contra os luga res e papéis que respectivamente devem ca ber ao paciente e ao analista e que o paciente perverso procura subvertêlos Assim é útil que o analista se pergunte Qual o papel que esse paciente quer colocar em mim O de uma mãe que nunca frustra o de um pai engana do e esterilizado o de um juiz professor su perego ego auxiliar um duplo dele continen te para as projeções das partes que ele não suporta 15 A resistência mais difícil de ser remo vida é aquela decorrente de uma forte cisão da personalidade de modo que esse paciente tal como acontece nitidamente no fetichismo usa maciçamente o recurso da recusa de modo que ele repete com o terapeuta as experiências infantis de tentar negar as diferenças entre ambos o que ele faz por mecanismos próprios da posição esquizoparanóide embora diferen temente dos psicopatas ele pode entrar em 272 DAVID E ZIMERMAN estado depressivo às vezes num estado de de sespero e ideação suicida 16 Em relação à transferência inicialmen te é útil estabelecer uma diferença entre per versão clínica consiste no quadro cujas prin cipais características foram descritas neste ca pítulo e perversão da transferência ou trans ferência perversa Esta última pode estar pre sente na análise de pacientes com perversões ou fantasias de no entanto isso está longe de significar que com certeza se trate de paci ente perverso pois a perversão da transferên cia pode estar presente em qualquer análise na qual os papéis e as funções do par analítico fiquem desvirtuados A maneira mais comum de acontecer uma perversão da transferência é que por meio de identificações projetivas o paciente consiga colocar no analista a sua ex citação a sua impaciência uma intimidade exagerada a provocação de contraatuações e especialmente importante a sua tentativa de fazer o analista entrar em uma cumplicidade com ele Vale lembrar que existem registros de que nos casos nos quais pacientes perversos queriam colocar Freud no papel de cúmplice como por exemplo rompendo a regra do sigi lo ele interrompia a análise 17 Assim a contratransferência assume uma importância singular na relação analítica pois o terapeuta fica submetido a uma pressão do paciente nem sempre manifesta por meio de um sutil jogo de seduções ou de ameaças diversas com as quais esse analisando procura ter o domínio da situação analítica e forçar que o analista comportese como ele o paciente quer O grande risco consiste na possibilidade de haver uma absoluta falta de conscientização sobre a real esterilização do processo analíti co devido à construção transferencialcontra transferencial de um conluio de acomodação entre ambos É provável que esse tipo de conluio tenha o conformismo do analista como uma forma de ele se defender de um verdadei ro tumulto contratransferencial que muitas vezes os pacientes conseguem despertar Outro aspecto que pode provocar uma contratransferência difícil é o fato de que a exemplo de como deve ter sido com sua mãe que provavelmente alternou com ele momen tos de sedução com outros de castração e re jeição os pacientes com estrutura perversa também com o analista alternam fases de se dução inclusive por meio de aparências de melhoras com outros em que há uma perma nente presença de polêmica e desafio Na situação analítica é comum a sensação contratransferencial de o analista estar presen ciando e às vezes participando de uma cena tea tral com um script préprogramado como é o caso por exemplo de um paciente exibicionista forçar o terapeuta a ficar no papel de um voyeurista de suas façanhas amorosas Um aspecto particularmente importante no vínculo analítico é o fato de que os perver sos costumam executar com alta maestria a arte de manter uma fachada de bom moço que está encobrindo a parte perversa propriamen te dita Quanto às interpretações do analista so bretudo ele deve levar em conta no mínimo quatro aspectos a a impulsividade deste pa ciente não é tanto vivida por ele como um real desejo como pode aparentar mas sim como uma forma de ele expressar uma ideologia par ticular prenhe de idealizações e ilusões b ele tem a convicção de que a análise não passa de uma doutrinação que o analista quer impor a ele de modo que ele pode se queixar que as interpretações do analista somente o desqua lificam enquanto a verdade é que assim pro cedendo é ele quem desqualifica o seu analis ta Da mesma forma quando este paciente exclama em um aparente desespero não adian ta não tem saída é bem provável que o ver dadeiro sentido disso possa ser Não adianta não vou lhe dar entrada aos meus núcleos in conscientes c o terapeuta deve estar atento para uma forte tentação de interpretar o flori do e atraente material edípico e assim dei xar passar os essenciais elementos narcisísticos d não basta o analista estar interpretando cor retamente acima de tudo ele deve estar aten to é com o destino que as suas interpretações seguem na mente desse paciente porquê ele costuma desvirtuálas 18 Uma característica especialmente im portante na atividade interpretativa do analis ta consiste na necessidade de ele mostrar sis tematicamente as relações perversas que se es tabelecem entre as partes contraditórias den MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 273 tro do próprio self do paciente de modo que é eficaz assinalar ao paciente que constantemen te ele está mentindo para si mesmo 19 Habitualmente o estado mental do paciente perverso é o de uma fragmentação de modo que os movimentos de integração vêm acompanhados das angústias próprias da mu dança catastrófica termo de Bion com sin tomas de confusão e despersonalização o que exige do terapeuta uma atitude ao mesmo tem po firme e solidária 20 A pessoa real do analista adquire um papel relevante pois todo perverso sofre de identificações patogênicas de sorte que indo além das interpretações o terapeuta também funciona como um novo modelo de identificação 24 Homossexualidades Como todas as mães insatisfeitas ela tomou o filhinho em lugar do marido e pela maturidade demasiadamente precoce do erotismo dele despojouo em parte de sua masculinidade S Freud referindose a Leonardo da Vinci O ato homossexual em si não é desviante mas sim quando deixa de ser uma variação da sexualidade adulta e se transforma em sintoma Joyce MacDougall tos edípicos quanto os préedípicos Devido à impossibilidade de abarcar todas as dimensões que estão presentes na determinação da ho mossexualidade o presente capítulo pretende privilegiar a abordagem dos fatores préedípi cos que são inerentes à Posição Narcisista Em primeiro lugar é necessário deixar claro que antes de ser enquadrada em uma única categoria nosológica como perversão por exemplo a homossexualidade deve ser compreendida como uma síndrome ou seja diversas causas etiológicas podem manifestar se por meio de uma mesma manifestação sin tomática aparente Cabe uma analogia com o surgimento de uma febre a qual por si só de forma nenhuma pode ser considerada como um quadro clínico específico mas sim como uma síndrome febril que tanto pode ser devi da a um resfriado banal como pode traduzir uma pneumonia ou qualquer outro processo infeccioso indo até a possibilidade extrema de um processo cancerígeno ou de uma gravíssima septicemia Assim é melhor falar em homossexuali dades no plural e admitir que existe um largo espectro que vai de um extremo natural até um outro psicopatológico e que o comporta mento sexual normal é muito mais abran gente que os concebidos pelas culturas em ge ral e pela psicanálise clássica em particular Freud já estabelecera uma distinção en tre perversão fetichismo sadomasoquismo voyeurismo exibicionismo pedofilia e in CONSIDERAÇÕES INICIAIS A exemplo do que acontece na nosologia psiquiátrica também na literatura psicanalíti ca não é clara e unívoca a conceituação nem a inserção da homossexualidade Na verdade essa expressão aparece de forma polissêmica ou seja permite várias significações e sentidos de tal forma que as concepções dos múltiplos autores a respeito da homossexualidade tanto se superpõem ou coincidem como também sur gem ambíguas ou divergentes entre si enquan to muitas outras vezes se complementam de forma frutífera em uma ampla gama de varia ções teóricotécnicas Igualmente o termo homossexualidade permite uma escuta polifônica isto é cada psicoterapeuta tem uma forma particular de entender e de escutar e portanto de interpre tar o conteúdo e a forma das mensagens ver bais e nãoverbais emitidas por esses pacien tes a respeito de sua conduta sexual Destarte cabe afirmar que a conceitua ção psicanalítica de homossexualidade além de polissêmica e polifônica também é polimorfa várias formas de apresentação e polideter minada diversas causas concorrem para uma mesma manifestação clínica Em relação a essa polideterminação da homossexualidade concorrem fatores diversos como podem ser os de natureza biológica so ciocultural e os psicológicas sendo que neste último caso tanto podem predominar elemen 276 DAVID E ZIMERMAN versão cujo termo designava a homossexuali dade Embora seja evidente que entre os ho mossexuais também se encontram muitos que apresentam características perversas que são condenados pelos outros homossexuais os quais constituem a maioria e que não ma nifestam sintomas de perversão pura este termo deveria ser evitado por essa dupla ra zão sugere uma generalização injusta e além disso a palavra perversão em quase todos os idiomas tem um significado altamente pe jorativo Para evitar que o termo homossexuali dade rotule a todas manifestações desta for ma homoerótica de sexualidade com um mes mo e generalizado significado qualitativo e quantitativo geralmente impregnado com uma significação pejorativa e estigmatizadora é que muitos autores preferem empregar o termo conduta homossexual o qual condiciona a necessidade de um esclarecimento quanto à forma e ao grau desse tipo de conduta A conceituação de conduta homossexual ou mais simplesmente a de homossexua lismo alude aos apegos emocionais que impli cam em atração sexual ou às relações sexuais declaradas entre indivíduos de um mesmo sexo Como se sabe o termo homo em grego signifi ca igual semelhante assim como a expres são lesbianismo que define a homossexuali dade feminina se origina de Lesbos nome da ilha grega onde residia Safo poetisa da Grécia clássica que se notabilizou por suas re lações homoeróticas De um modo geral os autores concordam que o emprego do termo homossexual deve ria se restringir aos casos em que os indivídu os de uma forma mais crônica e compulsiva em geral com alternância de episódios de exa cerbações e de remissões e como uma manei ra de se aliviarem de fortes ansiedades para nóides ou depressivas em distintos graus de qualidade e intensidade atuam um desejo se xual de forma muito predominante isto é não requer exclusividade para pessoas do mesmo sexo biológico Enquanto isto o termo homossexualida de latente deve aludir aos desejos homosse xuais disfarçados ou ocultos nãoassumidos e tampouco concretizados É um termo ambíguo e impreciso requerendo cautela em sua nomi nação Da mesma forma não se justifica rotu lar de homossexuais aquelas pessoas que em bora comumente casados e com filhos ocasio nalmente cometem actings de natureza homoe rótica sem que a mesma guarde uma natureza compulsória e permanente O mesmo vale para aqueles casos deno minados homossexualidade situacional isto é a experiência homoerótica fica restrita a determinadas situações circunstanciais presí dios internatos etc nunca mais se repetindo Na verdade é muito difícil definir o que vem a ser uma sexualidade normal ou uma sexualidade perversa A esse respeito J McDougall posicionase que ocorre a compre ensão da perversão a partir da destrutividade que o sujeito estabelece em relação a si e ao ou tro mas nunca como uma forma de prática se xual não enquadrada naquilo que habitualmente é chamada de normalidade O ato homossexual em si não é desviante mas sim quando deixa de ser uma variação da sexualidade adulta e se transforma em sintoma O autor questiona se há diferenças no contexto do processo analíti co entre analisandos heterossexuais os quais estão mais relacionados com uma dificuldade de obter prazer e os homossexuais a queixa referese mais à dificuldade de dar prazer Também é necessário considerar que a assim denominada fase perverso polimorfa des crita por Freud 1905 como uma etapa no curso normal da evolução psicossexual pode se manifestar na genitalidade adulta com ma nifestações prégenitais no curso das relações sexuais que até podem simular uma prática perversa mas que nada tem a haver com a psicopatologia da perversão Em termos socioculturais dados estatís ticos deixam claro que homossexualidade não é um fenômeno inusitado mas pelo contrá rio é bastante freqüente em qualquer socie dade Algumas pesquisas apontam para um índice aproximado de 4 do total de homens cuja conduta homoerótica é a única durante toda a vida enquanto para as mulheres essa mesma conduta ocorre em 2 da população em geral Os homens manifestamente efeminados ou as mulheres de aspecto viril constituem so mente uma pequena percentagem da popula ção homossexual Algumas pesquisas apontam MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 277 que somente 15 dos homossexuais masculi nos e não mais do que 5 dos femininos são facilmente reconhecíveis Assim ao contrário de uma difundida crença popular os homossexuais não se diferenciam do ponto de vista físico adi posidade quadris largos órgãos sexuais peque nos pilosidade nas mulheres etc dos indiví duos normais Nem todo efeminado é homosse xual e a recíproca é verdadeira A importância e a significação assim como a aceitação ou repúdio da prática de uma determinada modalidade sexual varia muito de uma cultura para outra e mesmo dentro de uma mesma cultura também varia com o seu momento sociopolítico e econômico Esta últi ma afirmativa pode ser exemplificada com o extraordinário aumento da prática homosse xual comprovadamente manifesta no apogeu da Alemanha nazista talvez pelo então incre mento da pulsão de morte com a respectiva agressão sádicodestrutiva e os temores corres pondentes Também é muito difundida a crença de que na Grécia clássica o homossexualismo não somente constituía uma regra do comporta mento sexual como ainda era altamente valo rizado e reconhecido pelos pares como um ideal estético Falta acrescentar no entanto que isso era verdadeiro para a fase da puberdade du rante a qual uma entrega total do rapaz aos cuidados de seu tutor era considerada uma honraria e um sinal de uma aprendizagem com pleta e perfeita entretanto em contrapartida na mesma Grécia a homossexualidade adulta era severamente repudiada e punida Em resumo a cultura determina gran des mudanças na maneira de encarar e abor dar a homossexualidade Na atualidade exis tem fortes controvérsias sobre alguns assun tos essenciais que cercam os homossexuais como a do direito legal de acasalamento a permissão ou não de pertencerem aos qua dros de organizações militares e de cúpulas políticas a aceitação ou não por parte da população de não encarálos como doentes e assim por diante O que não resta dúvida é o fato de que as medidas de legislação represso ra acarretam resultados negativos porquan to reforça a condição de clandestinidade com os inevitáveis problemas de culpa vergonha solidão e humilhação assim como propicia o favorecimento de chantagens nada incomuns e extremamente persecutórias Cabe perguntar se a homossexualidade está aumentando em números percentuais A resposta é muito difícil pois os homossexuais não só estão assumindo essa sua condição com maior franqueza como fazem inúmeros movi mentos públicos em defesa de seus direitos o que pode dar uma falsa idéia de incremento em números relativos é claro De qualquer for ma é incontestável que a homossexualidade constituise em um problema de extrema rele vância individual e social logo um importante desafio para a psicanálise e para os psicanalistas Mais particularmente em relação ao cam po da psicanálise também existe uma polêmi ca quanto ao fato de se uma pessoa homosse xual pode ter direito a fazer uma formação psicanalítica regular e oficial e mais se essa sua condição é compatível ou incompatível com o pleno e exitoso exercício da profundeza da função psicanalítica Por outro lado cada vez mais os pacien tes homossexuais procuram atendimento psi canalítico e os psicanalistas estão muito mais bem preparados em conhecimentos teóricos relativos às primitivas etapas da evolução psi cossexual logo estão mais bem equipados com os necessários recursos técnicos Como resul tado desses avanços ficame a impressão de que os resultados analíticos com esses anali sandos têm sido mais exitosos e promissores do que décadas atrás POSSÍVEIS ETIOLOGIAS Conforme já foi tratado são muitos os fatores que concorrem para o surgimento da síndrome homossexual sendo necessário que se destaquem aos seguintes Biológicoconstitucionais A ciência atual ainda tem um conheci mento muito pequeno acerca dos aspectos ge néticos orgânicos ou glandulares sendo que até o presente momento predomina a idéia de que eles têm uma participação mínima na determinação da homossexualidade 278 DAVID E ZIMERMAN Socioculturais e familiares Ninguém contesta na atualidade os efei tos condicionantes indiretos dos costumes e códigos sociais quais são ditados pela vigên cia de uma determinada cultura a qual por sua vez varia grandemente com as distintas geografias e épocas Como já foi menciona do o fator cultural determina grandes e deci sivas mudanças na maneira de surgir encarar e abordar a homossexualidade Geralmente prevalece por parte do ambiente uma rejei ção franca ou dissimulada contra a homosse xualidade nos mesmos moldes persecutórios e humilhatórios que se processam contra to das as minorias sociais Podese dizer que os conflitos dos homossexuais estão mais em re lação aos costumes sociais do que propriamente consigo mesmo Adquire uma especial importância o dis curso dos pais e da religião acerca da sexuali dade de tal forma que muitas vezes além de proibida a sexualidade também é significada como perigosa cabe lembrar novamente o pa ciente esquizofrênico com fortes fantasias ho mossexuais que seguidamente lembrava a ad moestação de seu padreprofessor de que cada gota de esperma derramado na prática da masturbação correspondia a uma gota de sangue que se esvaia do corpo de Nossa Se nhora Toda e qualquer família está inserida em um determinado contexto sociofamiliar e so fre as suas influências de modo que as mes mas são repassadas pelos pais aos filhos Os padrões da sexualidade não são inatos mas sim eles são criados logo adquire uma importân cia fundamental as identificações dos filhos com os pais assim como o discurso destes últimos acerca da sexualidade Da mesma maneira adquire uma especial importância o aspecto da transgeneraciona lidade isto é os conflitos edípicos ou pré edípicos nãoresolvidos nos pais serão neces sariamente repetidos com os filhos processo que pode ter uma continuidade ao longo de muitas gerações de uma mesma família Para tanto o habitual é que se estabeleça na famí lia uma designação de papéis os mais diversos a serem inconscientemente cumpridos por to dos dentro de um clima de veladas ameaças superego ou de fortes expectativas ideal do ego cujo nãocumprimento gera culpa medo vergonha e humilhação Sexo e gênero sexual Na atualidade graças principalmente aos trabalhos de R Stoller 1985 psicanalista americano 19241991 atribuise uma ex pressiva importância não somente ao sexo bio lógico com que a criança nasce mas também à formação do seu gênero sexual o qual vai de pender fundamentalmente dos desejos incons cientes que os pais alimentam quanto às suas expectativas e demandas em relação à condu ta e ao comportamento do filho ou filha Esta indução por parte dos pais na deter minação do gênero sexual das crianças costu ma ser feita a partir de combinação de fatores influenciadores como são alguns apontados por Graña 1995 que destaca por parte dos pais a atribuição de nomes próprios ambíguos o uso de roupas que provocam confusões e indefini ções no contexto social em que a criança está inserida o tipo de brinquedos e de brincadeiras a forma de como os pais designam os genitais o tipo de esporte que estimulam nos filhos a idealização ou denegrimento de certos atributos masculinos ou femininos etc Costuma ser comum a formação de um conluio inconsciente na base de um fazde conta que ninguém está vendo nada negan do assim uma evidente cumplicidade entre duas ou mais pessoas de uma mesma família sendo que muitas vezes os pais não só deter minam decisivamente o gênero sexual dos fi lhos como também pode acontecer que eles atuem a sua possível homossexualidade laten te através de seu filho ou filha Aliás não é nada raro que certas famílias cultivem um conluio múltiplo que se manifesta através de um determinado segredo familiar Entendo que a estruturação de um gêne ro sexual diferente do sexo biológico está lon ge de necessariamente significar uma homos sexualidade atuante porém pode ser um fator propiciador Por outro lado penso que se pode dizer que em alguns casos um casal com se xos biológicos diferentes porém com um cer to arranjo dos respectivos gêneros sexuais po de estar configurando uma relação de nature za homossexual MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 279 Fatores psicológicos Os referidos aspectos sociais culturais e familiares intimamente interrelacionados com as necessidades desejos e fantasias inconsci entes da criança vão determinar primitivos pontos de fixação conflitivos nos quais ela vai estacionar em seu desenvolvimento psicos sexual ou para eles vai regredir quando em bora tenha alcançado a condição adulta não suporta o surgimento de determinadas ansie dades terríveis Classicamente os pontos de fixação refe remse à etapa oral felácio sexualidade pos sessiva e aditiva etc anal no imaginário das crianças de ambos os sexos a incorporação anal do pênis do pai representa a aquisição de uma ilusória completude e potência fálica e etapa fálica inserida dentro do complexo de Édipo com as mais distintas configurações possíveis Unicamente como um esquema didático de exposição podese considerar os fatores psicológicos propriamente ditos na determina ção da conduta homossexual a partir de duas vertentes a edípica e a narcísica que serão mais adiante abordadas de maneira individual No entanto devese sempre levar em conta o fato de que ambas costumam estar intimamente interrelacionadas e que mais freqüentemen te do que em geral se pensa os conflitos narcísicos e prégenitais podem estar masca rados e representados por uma ruidosa facha da edípica Aliás foi o próprio Freud quem nos apon tou separadamente os caminhos das duas ver tentes Assim ao mesmo tempo em que a prin cipal parte da sua obra gira em torno dos con flitos psíquicos resultantes das pulsões libidinais investidas nas vivências e fantasias implícitas no conceito universal do complexo de Édipo é a Freud que se deve a primeira compreensão das raízes narcísicas na determinação da ho mossexualidade Essa última afirmativa pode ser comprovada nos seus trabalhos de 1910 acerca de Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância no qual fica claro que a ho mossexualidade de Leonardo representava uma busca de recompor com a mãe uma perdida unidade fusional primitiva e principalmente no trabalho sobre Uma introdução ao narcisismo 1914 Neste último Freud aponta que a es colha do objeto homossexual pode ser de na tureza anaclítica um retorno à situação pa radisíaca do apego original com a mãe com a sensação de ter a posse absoluta dela ou narcísica nas suas três modalidades busca no parceiro uma extensão daquilo que ele é tem po presente ou do que ele foi tempo passa do ou daquilo que almeja vir a ser futuro A propósito também é a Freud tal como aparece no trabalho de 1911 sobre o célebre Caso Schreber que se deve a postulação de que existe no curso do desenvolvimento psicos sexual da criança uma posição homossexual normal e estruturante No mesmo artigo a partir do original e proibido desejo homosse xual eu o amo por meio de uma série de transformações do verbo e do objeto determi nadas pela necessidade de negar tal opróbrio Freud mostra como o indivíduo pode construir tanto uma produção delirante paranóide não eu não o amo eu o odeio e logo ele me odeia como pode ser um delírio de ciúme é ela que o ama ou uma erotomania elas é que me amam ou uma retirada narcisística ninguém me ama e eu não amo e não preciso de ninguém Igualmente Freud contribuiu com um importante pressuposto de que inicialmente a criança apresenta uma concepção imaginária de que é possuidora de uma bissexualidade sendo que esta sua idéia continua servindo de ponto de partida dos mais avançados estudos sobre a determinação da sexualidade portan to também da homossexualidade No entan to foi em torno da triangularidade da conflitiva edípica que Freud fez as suas mais importan tes descobertas que seguem aqui extremamen te sumarizadas A FACE EDÍPICA A crise edípica quer tenha sido de re solução homo ou heterossexual impli ca para a criança a condição de renun ciar à fantasia de que ela tem a posse de uma bissexualidade por conseguin te também implica a renúncia de seu desejo imaginário de que pode possuir sexualmente os dois genitores Essa renúncia está ligada ao reco nhecimento da existência de um ter ceiro o pai e está intimamente liga 280 DAVID E ZIMERMAN da à cena primária com todas as fan tasias daí decorrentes As principais fantasias tanto no me nino quanto na menina estão direta mente ligadas à posição e ao lugar que imaginariamente ou concretamente em certas famílias de estrutura perver sa as crianças ocupam nessa cena que tanto lhes pode sugerir uma idilíaca troca de benesses entre os pais ou um inferno no qual estes se destroem fan tasia esta que promove na criança uma concepção sadomasoquista do ato se xual Segundo M Klein a fantasia da criança de que os pais estão fundidos no coito produz a imaginação da fi gura combinada responsável pela criação mítica da existência de figu ras monstruosas Ficar excluída da cena primária gera na criança uma sensação de abando no e traição por parte de um dos pais ou de ambos e por conseqüência produz sentimentos de ódio rivalida de curiosidade invasiva e arrogante incremento de um controle possessi vo e de sentimentos de vingança A rivalidade com o genitor do sexo oposto por meio de um jogo de pro jeções e introjeções dos referidos sen timentos e fantasias determina o surgimento do complexo de castração é útil lembrar que Freud restringiu o uso deste termo ao temor da castra ção dos órgãos genitais Para evitar a castração o futuro adulto pode renun ciar à heterossexualidade O complexo de Édipo pode tomar uma configuração positiva desejo pelo genitor do sexo oposto e uma rivalida de com o do mesmo sexo ou negativa em cujo caso o complexo de Édipo é invertido ou seja a criança deseja o genitor do mesmo sexo É útil levar em conta que a resolução invertida do complexo muito comumente seja devi da ao fato de que o gênero sexual dos pais esteja trocado o que por si só determina uma patogenia no processo identificatório da criança Assim a elaboração final da crise edípica acarreta duas conseqüências fundamentais para a criança as quais estão entrelaçadas os modelos de iden tificação e a formação do superego Para o primeiro entre tantas outras possi bilidades de identificações patogênicas que concorram para a homossexuali dade pode servir de exemplo a iden tificação do menino com uma mãe fálica sendo que esta por sua vez possivelmente também esteja identi ficada com a sua própria mãe também fálica ou com a figura masculina do seu pai ou de algum irmão cujo pênis ela invejava Em relação à formação do superego basta lembrar o aforismo de Freud o superego é o herdeiro dire to do complexo de Édipo É desnecessário destacar que tal como Freud nos ensinou no processamento normal da crise edípica há uma dife rença do que se passa no psiquismo do menino ou da menina É suficiente lembrar que normalmente a menina entra na crise edipiana quando ela devido ao complexo de castração afas tase da mãe e se aproxima do pai para obter dele o pênis que lhe falta ou um bebê como um substituto fá lico enquanto o menino sai dessa cri se quando acuado pela angústia de castração renuncia à posse da mãe e se reaproxima e se modela com o pai A FACE NARCISISTA Em relação ao desenvolvimento nor mal da psicossexualidade as primei ras formulações de Freud postulavam a existência de uma etapa de autoero tismo seguida de um narcisismo pri mário e finalmente uma posterior eta pa do investimento libidinal em obje tos externos Na atualidade é consensual que des de o nascimento o bebê já está inte ragindo com o meio ambiente exterior e estabelecendo relações objetais mui MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 281 to particularmente com a sua mãe Importantes autores destacaram este inato relacionamento objetal Inicialmente na vigência da fase de indiferenciação e de indiscriminação os objetos externos são percebidos sem diferenças sexuais por conseguinte de uma perspectiva homossexual Sabese que a etapa de simbiose com a mãe é indispensável e estruturante no entanto ela pode se tornar patogê nica tanto nos casos em que há um precoce desligamento da mãe quanto principalmente quando houver uma exagerada manutenção desse vínculo simbiótico fortalecendo e fixando uma relação de natureza diádica fusional da criança com a mãe desta forma excluindo a importância do pai Nesses casos é fácil perceber na clí nica que esta mãe simbiotizadora que não renuncia ao seu desejo de manter uma eterna gravidez tenta cimentar a posse exclusiva de seu fi lho por meio dos seguintes recursos inconscientes 1 Toma o filho como um mero prolongamento de seu pró prio narcisismo no dizer de Lacan delega ao filho a obrigação de cum prir o papel de representar o falo ou seja o poder que ela almeja 2 Por meio de uma precoce erotização a mãe fortalece a ilusão onipotente do me nino de que ele já é uma pessoa adul ta isto estrutura um falso self e que ele substitui com vantagem ao pai 3 Esta exclusão do pai no psiquismo da criança especialmente nos meni nos é de fundamental importância na estruturação de uma homossexua lidade 4 Para manter a garantia da posse do seu filho com finalidade que costumo nominar segurosolidão essa mãe utiliza inúmeros recursos in conscientes como injeção de culpas chantagem afetiva desqualificação dos valores adultos duplas mensa gens etc a fim de perpetuar uma infantilização de seu filho 5 Um ou tro custo é o fato de que a criança futuro adulto hipertrofia o papel que lhe foi imposto de ser o principal dese jo dos desejos da mãe assim como tam bém costuma haver um continuum confusional entre o corpo da mãe e do filho ou filha J McDougall alude a um corpo para dois Se a mãe simbiótica não for capaz de renunciar ao corpo do filho e à posse do seu pênis resultará uma luta deses perada e ambígua por parte do filho com o propósito de repelir a mãe per cebida como engolfadora e perigosa A referida exclusão do pai do campo afetivo do filho adquire tamanha im portância na determinação de uma possível estruturação homossexual do filho pelas seguintes duas razões prin cipais o pai excluído não funciona como uma necessária cunha inter ditora a qual Lacan chama de Lei ou Nome do pai no romance simbiótico entre a mãe e a criança A segunda razão em se tratando de menino é que faltará a ele um modelo de identifi cação masculino que possa ser intro jetado com admiração Tais possibili dades encontram respaldo em Freud que em Leonardo afirma que igual todas as mães insatisfeitas sua mãe tomou o filhinho em lugar do marido e pela maturação demasiado precoce do erotismo do menino despojouo de parte de sua masculinidade As principais causas que concorrem para a exclusão do pai são as seguin tes o pai mantémse física e geografi camente muito afastado do lar ele é exageradamente frágil e dominado pela mulher ou excessivamente tirâ nico no entanto a principal causa é quando a imagem do pai apesar de seus esforços é denegrida pelo discur so da mãe na determinação dos valo res do filho Em outras palavras a imagem que a criança introjetará da figura paterna é a mesma que esta tem do seu marido A conseqüência maior da manutenção dessa díade fusional simbiótica é o for 282 DAVID E ZIMERMAN talecimento e a persistência do esta do mental que propus denominar po sição narcisista na qual entre muitas outras condições psíquicas faz parte a assim denominada por Bion parte psicótica da personalidade Nesta última vai acontecer que a cri ança não suporta frustrações em con seqüência vai haver a hipertrofia das pulsões agressivodestrutivas com a séria decorrência futura da contração de vínculos sadomasoquistas Para li vrarse dos conseqüentes sentimentos e angústias intoleráveis a criança utiliza excessivamente o recurso das identifi cações projetivas A um mesmo tem po ela desenvolve um horror ao co nhecimento das verdades penosas tanto as externas quanto as internas K de Bion Assim a criança incre menta a onipotência por meio da qual ela faz uma negação dos limites das limitações do reconhecimento das di ferenças tendendo a abolir as dimen sões do espaço confundese como ou tro e tempo independentemente de sua idade cronológica conservar a fan tasia de seu privilégio de funcionar na vida com o primitivo princípio do pra zerdesprazer Essa onipotência im pede o ingresso na posição depres siva e conseqüentemente inibe a ca pacidade para pensar e formar símbo los A necessária aprendizagem com as experiências termo de Bion fica substituída por uma onisciência en quanto a negação do sentimento de dependência fragilidade e inermia cede lugar a uma prepotência pré potência Podese ir mais longe e afirmar que é a aquisição da posição depressiva que determina e inaugura o complexo de Édipo De fato entre outros aspectos inerentes a essa posição vale desta car que é ela que possibilita a criança discriminar e separarse do objeto ga nhando para si e concedendo para o outro uma relativa autonomia assim efetivando um reconhecimento da existência real do pai no contexto edipiano Nos indivíduos em que existe uma ma nutenção predominante da posição narcisista vai acontecer um sério dis túrbio na construção do sentimento de identidade de tal modo que na tenta tiva desesperada de manter o amea çado sentimento de identidade o su jeito pode usar a sexualidade tanto a homo quanto a heterossexual como uma droga assim configurando aque les casos que J McDougall 1978 de nomina como sexoadictos Da mesma forma a angústia de desam paro Hilflosigkeit é o nome original uti lizado por Freud a angústia mais te mida não só pela razão da falta de apoio e de extrema dependência que ela acar reta mas principalmente pela ameaça de uma desorganização do ego está intimamente ligada à estrutura narcisís tica Portanto mais do que a angústia de castração aqui se está enfatizando a presença da angústia de desamparo e desvalia mais do que a problemática dos desejos impõese a das necessida des básicas mais do que uma dolorosa frustração decorrente da exclusão da criança do triângulo edípico está se aludindo à questão essencial da sobre vivência psíquica e à constituição do ego com os seus limites e sua identi dade primitiva e corporal Creio que se pode dizer que virtual mente todos os pacientes homossexu ais apresentam transtorno do narci sismo ou seja eles necessitam do ou tro o seu duplo para que esse fun cione como um espelho um suporte identificatório e como um reasse guramento de que ele de fato existe Em resumo cabe a afirmativa de que o narcisismo não é apenas uma etapa do desen volvimento do ser humano ele é também um modelo de estrutura psíquica uma modalida de de vínculo em um registro imaginário que poderá operar ao longo de toda vida inclusive na escolha homossexual de objetos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 283 Da mesma maneira a passagem pelo con flito edípico promove a introdução do registro simbólico o qual poderá atenuar ou modificar o registro das ilusões imaginárias porém nun ca conseguirá acabar totalmente com elas O certo é que ambos os registros o narcísico e o edípico mantêmse em perma nente interação em cuja intersecção ora há a predominância de um deles a solução exitosa da conflitiva edípica permitirá o ingresso na genitalidade adulta ora de outro uma fixa ção predominante na posição narcisista rete rá o sujeito numa prégenitalidade que por sua vez pode condicionar uma estruturação de natureza homossexual Os exemplos que interrelacionam Narciso e Édipo poderiam ser muitos como o donjuanismo por exemplo porém o importante na prática analítica é con siderar a passagem tanto a progressiva de Narciso a Édipo quanto a regressiva de Édipo a Narciso e muito particularmente a observação do oculto e latente ego narcísico que está encoberto pela manifesta e às vezes enganadora e florida configuração manifes tamente edípica PRÁTICA PSICANALÍTICA A experiência clínica atesta que tem ha vido uma significativa procura de tratamento analítico por parte de pacientes homossexu ais o que na atualidade emprestalhe uma importância especial e requer assinalar alguns pontos essenciais 1 O certo é que o analista que quiser tra tar um paciente homossexual não pode ter pre conceitos arraigados contra o homossexua lismo também não deve priorizar o seu desejo pessoal de que o objetivo precípuo da análise será o de conseguir que seu paciente reverta o desvio da sua sexualidade e ingresse no mun do da heterossexualidade 2 Creio que antes desse desejo o mais importante a obterse na análise é uma melhor qualidade de vida do paciente o que não ex clui a necessidade de o analista estar atento a manifestações desse analisando ainda que su tis de que ele gostaria de adquirir uma plena heterossexualidade de sorte que se torna im portante que o terapeuta aliese a esse lado do paciente homossexual Porém também é ver dade que em certas situações pode caber ao analista a tarefa de fazer uma aliança com o lado do paciente que quer reunir condições para assumir a sua homossexualidade porém esbarra numa barreira de pânico 3 É necessário que o analista diferencie os casos que evidenciam uma homossexualida de manifesta daqueles outros casos em que existe um transtorno de gênero sexual sem que haja uma atividade homossexual propriamente dita ou quando muito algumas atuações esporádi cas em certos períodos difíceis da vida O referi do transtorno da identidade de gênero sexual é especialmente importante quer ele leve a uma homossexualidade ou não porque ele nos re mete às influências que os discursos e os dese jos dos pais manifestos ou ocultos exercem sobre a determinação do gênero sexual 4 Assim na minha experiência na práti ca clínica e de supervisão com relação à tera pia analítica com pacientes homossexuais mas culinos fica a impressão de que na totalidade dos casos eles tiveram uma mãe ambiguamen te superprotetora com uma excessiva estimu lação narcisística eou erótica enquanto a fi gura do pai ficou sendo de pessoa ausente ou fisicamente ou por um distanciamento afetivo personalidade por demais frágil e denegrida por ele ser excessivamente tirano ou o que é o mais comum pelo discurso da mãe que em uma verdadeira catequese ao filho constante mente denigre a imagem do marido 5 O preço pago na determinação dessa forma de homossexualidade é duplo tanto esse paciente afastase das mulheres sexuadas por que ele está impregnado de significações in cestuosas como também não consegue se de finir com homem porque lhe faltou na figura denegrida do pai a possibilidade de ter um bom modelo de masculinidade 6 Setting A primeira pergunta que se impõe é se faz alguma diferença o psicanalista que vai tratar um caso de homossexualidade ter o mesmo sexo biológico de seu paciente ou se é mais adequado que seja o oposto No caso do homossexual masculino sempre pre dominou a opinião de que seria mais indicado um psicanalista homem pela simples razão de que ele funcionasse como um novo modelo de identificação masculina virtualmente sempre faltante nesse paciente Embora na atualidade 284 DAVID E ZIMERMAN a maioria dos autores considere que o mais im portante é o estabelecimento de uma neurose de transferência e que essa vai independer do sexo do analista eu particularmente inclinome a acreditar na possibilidade de que a análise com um paciente homossexual masculino progride mais exitosamente com uma psicanalista mu lher pelas razões já expandidas acerca da exis tência de um primitivo e esterilizador vínculo simbiótico com a figura da mãe O setting propicia um novo espaço no qual as primitivas experiências patogênicas com a mãe possam ser reexperimentadas e ressigni ficadas com a figura real de uma mulher Da mesma forma caberia perguntar se um analis ta preconceituoso em relação ao problema da homossexualidade reúne condições para ana lisar com êxito a um paciente homossexual Ainda em relação ao setting é necessário destacar a importância da preservação das com binações instituídas porquanto tais pacientes tendem a induzir alterações e busca de privilé gios enquanto o analista deve ter claro para si que é fundamental que o paciente desenvolva a capacidade para tolerar frustrações e para acei tar seus limites e limitações Esta última afir mativa está respaldada na habitual observação de que a criança não suporta que não haja o estabelecimento de limites ela sentese desam parada e recai numa intensa angústia Assim é fundamental a função do setting de definir os lugares e os papéis do analista e do paciente estabelecendo as devidas diferenças 7 Resistências A principal resistência nos casos de homossexualidade parece não ser tan to a oposição a um acesso às repressões edípicas com as correspondentes fantasias ligadas à cena primária como habitualmente era entendido quase que de forma exclusiva pelos psicana listas Pelo contrário nestes casos a resistência costuma estar muito mais ligada a um aferra mento a essa suposta conflitiva edípica como um véu encobridor e protetor das ilusões pró prias do mundo narcisista que esse paciente inconscientemente e muitas vezes também conscientemente procura manter a todo custo Para manter a autarquia de suas ilusões narcisistas uma das formas de resistência que este analisando utiliza com freqüência é a de um ataque aos vínculos perceptivos termo de Bion tanto os dele próprio como os de seu analista a serviço de um K e para tanto é comum que o paciente consiga despertar um certo estado confusional no terapeuta 8 Uma contraresistência importante é a possibilidade de que o analista desenvolva uma atitude fóbica em relação aos movimentos aproximatórios do paciente que sejam de na tureza homossexual Uma outra contraresis tência temível alude à contração de conluios inconscientes com o paciente como pode ser exemplificado com a construção de um nada incomum vínculo baseado em uma recíproca fascinação narcisista 9 Transferências Toda transferência tem no mínimo um resto narcísico da primitiva uni dade da díade simbiótica A análise da transfe rência visa a permitir a separação desse objeto de necessidade para constituílo como um ob jeto de desejo edípico Há portanto uma dife rença entre a transferência narcísica de colori do erótico que guarda uma natureza especu lar com a constante busca do seu duplo e a transferência erótica propriamente dita com desejos de cunho edípico triangular não sen do incomum que ambas as formas se super ponham e se alternem Um aspecto particularmente importante é aquele que diz respeito ao fato de que uma transferência positiva pode na verdade estar sendo não mais do que uma transferência idea lizada em cujo caso a fé do paciente ocupa o lugar da confiança básica e a sugestão do terapeuta substitui o penoso porém impres cindível para o analisando processo de pen sar as experiências emocionais do vínculo ana lítico que estão reproduzindo similares expe riências antigas e novas Em contrapartida a transferência de aparência negativa pode estar representando um movimento altamente posi tivo para a análise isto é uma sadia e mais confiante tentativa de romper com os estereo tipados vínculos de domínio posse especu laridade e falsidade Tão importante como a atividade inter pretativa é o fato de que o analista consti tuase como um novo objeto para o paciente homossexual Um novo objeto que diferen temente de seus pais originais preencha no mínimo as seguintes condições básicas no vínculo analítico não seja demasiado frágil ou bonzinho e tampouco por demais rígi do e diretivo que sobreviva não ficar depri mido ou arrasado aos ocasionais ataques de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 285 ódio controle onipotente triunfo e despre zo que não se deixe enredar nas malhas de um envolvimento sedutório e portanto que não entre no jogo dos actings e contraactings não proceda a retaliações que muitas vezes estão disfarçadas por interpretações supere góicas ou ameaças veladas propicie a for mação de neoidentificações e neosignifica ções facilite o processo de dessimbiotização com vistas a desenvolver no paciente as ca pacidades de discriminação diferenciação separação e a aquisição de um sentimento de identidade que não receie impor as ine vitáveis frustrações ao paciente desde que essas não sejam por demais escassas nem excessivas e tampouco incoerentes acima de tudo no entanto é imprescindível que o ana lista possua a capacidade de rêverie de modo que tenha condições de conter as maciças cargas de identificações projetivas do pacien te ou a actings preocupantes sem ter que apelar para uma medicação quando esta é desnecessária e só serve para acalmar a ansie dade do terapeuta ou resistir à tentação de encaminhar para um outro colega e assim por diante Enfim o analista no seu papel de um novo objeto deve exercer a função alfa a qual segundo Bion visa a propiciar ao paciente que as suas fortes ansiedades inomimadas o ter ror sem nome de Bion sejam acolhidas pen sadas significadas adquiram um sentido e uma nominação para só então serem devolvidas ao paciente em doses adequadas sob a forma de interpretações Um outro aspecto que julgo muito impor tante no que diz respeito ao entendimento e manejo por parte do analista em relação à transferência de um paciente homossexual é o fato de que ele tanto vai ocupar o lugar da transferência materna exercendo uma mater nagem nos moldes acima explicitados comple mentando e suplementando funções egóicas que faltam ao paciente como também o terapeuta deve encarar a transferência pater na de modo a que se forme um curioso para doxo o analista na função de pai vai frustrar interporse e interditar o apego provisoriamen te simbiótico que ele próprio aceita quando no papel transferencial de mãecontinente 10 Uma observação mais atenta em um grande número de casos de homossexualidade que tenho acompanhado em supervisões faz com que me incline pela hipótese de que nos casos masculinos acontece a constelação fami liar antes referida quanto à exclusão do pai enquanto que na homossexualidade feminina a predominância é a de um pai sedutor e seduzível o que obriga a menina a fugir do horror do incesto e a refugiarse na mãe 11 Habitualmente nestes casos também o pai necessita fugir do pavor de um envolvi mento edípicoincestuoso o que ele faz por intermédio de um distanciamento da filha fí sico ou afetivo e assim reforça o apego narcísicosimbiótico dela com a mãe Resulta daí uma dupla complicação na relação da filha com a mãe em moldes de um retorno à posi ção narcisista assim o erotismo da menina que foi originado nas fantasias com o pai fica incrementado por uma erogeneidade equiva lente da mãe inclusive com disfarçadas caríci as físicas por parte de ambas Ao mesmo tem po este vínculo mãefilha fica impregnado de uma forte ambivalência tingida com aspectos sadomasoquísticos porquanto nesses casos o apego narcisístico é inseparável da rivalidade edípica com a mãebruxa na disputa pelo pai 12 Contratransferência As pessoas homos sexuais via de regra notabilizam sua vida afetiva por vínculos carregados de uma extrema sensibi lidade às frustrações um pânico de abandono e uma forte tônica sadomasoquista manifesta ou disfarçada às vezes cabendo o papel de sádico a um do par e o de masoquista ao outro ou mais comumente esses papéis se alternam entre eles Embora nem sempre seja assim e muitas vezes um casal homossexual adquira uma harmonia e estabilidade nos casos mais extremos há um per manente risco de atuações masoquistas de alto risco por vezes trágicos Por tudo isto é fácil perceber que tama nhas cargas de necessidades com subjacentes ansiedades primitivas de desamparo e aniqui lamento e com actings por vezes muito graves venham a provocar fortes impactos contra transferenciais os quais tanto podem se cons tituir em enredamentos patológicos como tam bém podem servir como uma excelente bússo la empática para o psicanalista Neste último caso pode servir como exemplo a possibilidade de o terapeuta enten der que através de atuações somatizações e difíceis efeitos contratransferenciais o seu 286 DAVID E ZIMERMAN paciente homossexual esteja utilizando uma primitiva forma de comunicação nãoverbal com a esperança que o analista decodifique e o ajude a pensar aqueles sentimentos e angús tias que ele nunca foi capaz de rememorar ou pensar Um aspecto que me parece útil consignar é o que diz respeito ao fato de que esse tipo de paciente pode provocar no analista uma forte sensação de desconforto como se este o esti vesse decepcionando e fraudando Isto se deve à identificação projetiva dentro do psicanalis ta de uma mãe narcisista que enganou o filho por fazêlo crer como sendo realidade aquilo que na verdade não passava de meras ilusões infantis 13 Atividade interpretativa A primeira observação que necessita ser feita é a de que comumente o psicanalista deixase atrair e se duzir pelo belo e convincente material sexual trazido pelo paciente que parece estar pedin do para ser interpretado em um plano edípico É possível que em muitas ocasiões essas inter pretações satisfaçam a ambos do par analítico porém é possível que elas resultem inférteis porquanto a aludida sexualidade edipiana pode estar fortemente ancorada em fixações narci sistas nãoresolvidas Da mesma forma creio ser recomendá vel que o psicanalista não se detenha de modo prioritário e sistemático na interpretação úni ca dos conflitos resultantes dos desejos e fan tasias sexuais com as angústias corresponden tes Também é desejável que a atividade inter pretativa se dirija à forma de como o analisan do utiliza os seus recursos de ego de como ele pensa as suas experiências emocionais mais diretamente aquelas que estão associadas com a angústia do desamparo de como ele utiliza a sua função K ou K diante das penosas ver dades internas e externas o seu juizo crítico a sua capacidade de fazer discriminações as cone xões que ele estabelece entre partes contradi tórias de sua personalidade e assim por diante Desse modo cabe dizer que necessidades pulsionais podem ser satisfeitas conflitos incons cientes podem ser resolvidos por meio de in terpretações porém os vazios existenciais exi gem algo mais do que unicamente interpreta ções exigem o preenchimento dos buracos negros emocionais além da suplementação de funções do ego que não foram suficiente mente desenvolvidas em decorrência do fra casso da função de rêverie da mãe Em relação à interpretação propriamen te dita é útil destacar o risco de o analista fu gir da paixão homossexual do paciente do mesmo sexo através de interpretações que pre cocemente remetem às figuras do passado edí pico aqueles sentimentos e desejos sexuais que estão sendo diretamente dirigidos para o tera peuta Pelo contrário o psicanalista deve reu nir condições de conter todas as demandas passionais de seu paciente homossexual ve nham elas como vierem e sobreviver a to das de uma forma bem diferente daquela que os pais do paciente utilizaram Portanto as interpretações para os pacien tes homossexuais devem visar acima de tudo a auxiliar no processo de dessimbiotização por meio das desidentificações seguidas de neo identificações a partir do modelo da função alfa do seu analista para a construção de um ver dadeiro senso de identidade Igualmente convém assinalar que eventuais atuações ou homossexuais podem fazer parte do espectro dos transtornos narcisistas não de vendo ser rotulados como perversões 14 Elaboração É muito difícil para esse tipo de analisando a aquisição de um autêntico crescimento mental e de uma sólida identidade de gênero sexual como fruto de um trabalho de elaboração de sucessivos insights parciais porquanto tudo isso implica sentir uma profun da dor psíquica Talvez não haja dor mais difícil de suportar do que aquela que implica ter de renunciar às ilusões do mundo do fazdecon ta e assim ingressar na posição depressiva Não se trata unicamente de sentir a dor mas sobretudo conforme ensina Bion da capa cidade de sofrer a dor tendo em vista que o paciente homossexual radicado na posição nar cisista deve substituir a sua habitual atitude de evadir as verdades pela de enfrentálas Da mesma forma deverá fazer a reposição dos papéis dos pais no caso da homossexualidade masculina provavelmente nem a mãe era tão virtuosa como inicialmente costuma estar ins crita na realidade psíquica do paciente homos sexual e nem o pai era tão tirano devendo os seus aspectos positivos serem resgatados Igualmente a costumeira onipotência destes pacientes deverá ser substituída pela ca pacidade para pensar a onisciência deve ce MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 287 der lugar ao aprendizado com as experiên cias no lugar da prepotência o paciente de verá reconhecer que a mesma mascara uma prépotência ou seja ele terá que fazer um doloroso contato com a sua parte frágil de samparada e cheia de crateras emocionais Somente a partir destas transformações é que o analisando homossexual poderá substituir a díade simbiótica com o seu duplo por uma triangularidade edípica em que há o reconhe cimento e valorização de um terceiro e a par tir daí fazer livremente a sua opção de esco lha do objeto de sua sexualidade Para os leitores que queiram estudar a evolução do pensamento de Freud ao longo de sua obra permitome recomendar os seus se guintes textos básicos 1 Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de 1905 no qual ele con cebe a neurose como o negativo da perver são e que por excelência existe uma fixa ção prégenital à etapa perversopolimorfa da sexualidade infantil 2 Uma criança é espan cada de 1919 no qual Freud mostra que a perversão pode radicar em uma reedição de um jogo sadomasoquista que a criança pode ter tido com seus pais 3 O Fetichismo de 1927 destaca o fato de que diante da angústia de castração surge o mecanismo defensivo de re cusa de reconhecer a suposta castração por meio de uma clivagem do ego que assim permeia os dois lados em que a personalidade fica cindida a que contém os desejos proibi dos que estão recalcados e a outra parte que é a que está adaptada à realidade 4 Clivagem do ego no processo de defesa escrito em 1938 e publicado em 1940 Freud descreve com mai or profundidade a clivagem do ego aludida no item anterior 25 A Clínica do Vazio Essas crianças autistas não estão fugindo ou escondendose elas de fato estão perdidas à espera de que alguém vá ao seu alcance Anne Alvarez tais transtornos também são encontrados em certos estados neuróticos de adultos mais notadamente em situações de psicopatologia bastante regressiva como as psicoses border line perversões drogadições etc sendo que um fator comum em todos eles parece ser o de uma primitiva separação traumática do cor po da mãe em um período no qual ainda não se processara suficientemente bem na criança a etapa de uma diferenciação discrimina ção com a mãe com um conseqüente prejuí zo das subetapas de separação e indivi duação se for usada a terminologia de M Mahler 1975 Visto por um outro vértice teórico é fun damental entender que a formação dos aludi dos vazios resulta de primitivas faltas e fa lhas da figura materna nas essenciais funções de uma suficientemente boa maternagem como são 1 As de a mãe ser continente das an gústias do bebê 2 Ser provedora das necessidades vi tais da criança pequena as biológicas fome sede físicas cuidados higiênicos e corpo rais e afetivas compreensão calor amor e paz 3 A função de espelho ou seja a criancinha olha para a sua mãe à espera de que essa reflita uma positiva resposta de ale gria assim o espelhomãe reflete que a crian ça é amada e lhe dá satisfações porém pode acontecer que o espelho reflita a ele uma ex pressão facial com um olhar rancoroso depressivo enigmático etc que pode estar sig nificando para a criança que ela é má pois CONCEITUAÇÃO Cada vez mais as investigações da psica nálise inclinamse das neuroses para as situa ções clínicas que resultam de fixações ou re gressões concernentes às etapas mais primiti vas do desenvolvimento emocional Dentre as referidas situações clínicas existe uma que há mais de 50 anos vem preocupando os analis tas pesquisadores dos transtornos autísticos de certas crianças não aqueles autismos que são de natureza genéticoneurológicas mas sim os quadros de autismo psicogênico ou autismo secundário nos quais essas crian ças parecem desligadas do mundo exterior e transmitemnos a impressão de que olham não para as pessoas porém através delas A esse respeito a psicanálise contemporânea princi palmente a partir de F Tustin 1986 fez duas revelações muito importantes a primeira é a comprovação de que essas crianças antes dos conflitos pulsões versus defesas típicos das neuroses em geral sofrem de vazios uma au sência quase absoluta de emoções ou seja elas estão cheias daquilo que Tustin chama de bu racos negros nome tirado da moderna física cósmica que designa uma espécie de auto fagia da luminosidade das estrelas resultan tes de uma rígida carapaça uma concha autística que se forma contra a ameaça de um sofrimento provindo de frustrações impos tas pela realidade exterior A segunda revelação relativa à existência desses buracos negros na constelação psico lógica que começa a ocupar a atenção da mo derna psicanálise é que esses estados autísticos não são exclusivos das crianças mas sim que 290 DAVID E ZIMERMAN imagina ser a responsável pelo sofrimento de sua mãe 4 O pior no entanto é quando o rosto espelho materno é mortiço e nada reflete dei xando a criança em um estado de confusão e desamparo Essa última situação ocorre de for ma mais comum no caso de mães permanen temente depressivas ou quando se trata da quelas mães que A Green 1976 denominou complexo da mãe morta que não refere o fato de que mãe tenha realmente falecido mas sim segundo o autor que a criancinha imagi na que tenha cometido um assassinato psí quico do objeto mãe que a criança perpetua sem ódio do qual resulta uma depressão bran ca que é diferente da depressão negra na qual há luto e dor pela perda 5 Assim devido ao desinvestimento libidinal da mãe pelo bebê provavelmente por uma depressão materna formouse um vazio de mãe que está presente fisicamente porém morta afetivamente portanto a introjeção é de uma figura materna sem vitalidade o que resulta em crianças deprimidas às vezes com a depressão encoberta por uma hiperatividade reativa É importante destacar o fato de que a identificação inconsciente da criança fazse pelo modelo da mãe morta 6 Também é relevante reconhecer a in fluência exercida pela inscrição de antigos pro vavelmente desde o período fetal fatos e im pressões como por exemplo o de sensações de vazio que mesmo tendo sido esquecidas de algum modo arcaico continuam persistin do na mente da pessoa adulta de tal forma que elas prosseguem a operar e a se fazer sen tir ao longo da vida 7 Quando o ideal de ego dos pais é dema siadamente exagerado com expectativas inalcançáveis às vezes junto com ameaças sá dicas e agressivas a criança sente que nunca conseguirá satisfazêlos e mais tarde quase sempre também perceberá que não tem con dições reais de satisfazer as demandas de seu próprio ego ideal O sentimento de vazio e al gum grau depressivo são as conseqüências ha bituais disto que o sujeito sente como tendo sido um fracasso pessoal 8 Se utilizar o referencial das concepções de Bion cabe destacar que ele concebe que uma criança tanto pode introjetar um seio mãe que o alimenta e satisfaz ele nomeia como mais seio como também pode se tratar de um seio que foi introjetado como mau ausen te e frustrante em cujo caso salienta Bion existe representada no self da criança não uma ausência do seio mas sim uma presença da ausência e nesses casos ele denomina como menos seio O mais grave prossegue o au tor é quando não existe representação algu ma de seio e então ele dá o nome de não seio neste caso é destruída a representação do seio resultando um vazio Aliás Bion no original inglês faz um bonito jogo de palavras para esclarecer este último conceito de não seio assim se a criança não no em inglês encontra a coisa thing teremos no thing ou seja nothing nada que corresponde aos vazios a que se está aludindo 9 Com o propósito de enfatizar a diferen ça essencial que representa a qualidade mater na na formação do psiquismo da criança é in contestável que uma mãe suficientemente ade quada colabora para a formação da mente do filho que desenvolve e amadurece capacidades ou no caso de uma série falha da mãe existe uma alta possibilidade de formar enormes vazios no psiquismo da criança Para ilustrar essa afir mativa Bion disse na década de 60 que o bebê sob a agonia da fome e do medo de estar morrendo devido à culpa e à an siedade impelido por voracidade deso rientase e chora A mãe pegao no colo alimentao e consolao e ele quase sem pre adormece assim o objeto bom trans forma o nãoseio em seio as fezes e a uri na em leite o pavor da morte iminente e desespero em vitalidade e confiança a vo racidade e aflição em sentimentos de amor e generosidade e o bebê suga outra vez as suas posses más agora transmudadas em bondade Podese depreender daqui que situações diametralmente opostas dessa se constituem em um excelente caldo de cultura para medrar uma patologia do vazio CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS As considerações anteriores ficaram cen tralizadas na gênese dos vazios que em MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 291 casos mais extremos se formam nas crianci nhas com o objetivo de enfatizar a impor tância crucial que no desenvolvimento pri mitivo da personalidade representa a maior ou menor capacidade de a mãe investir afe tivamente ou de responder emocionalmente às demandas básicas do filho carente Deve ficar claro no entanto que tais crianças cres cerão ficarão adultas de modo que de uma forma ou outra continuarão portando esses buracos negros por meio de múltiplas e variadas configurações caracterológicas e de manifestações clínicas mais ou menos ma nifestas e ruidosas tudo isso englobado pelo fator comum que é a existência de vazios exis tenciais constitui o que está sendo denomi nado como clínica do vazio Assim voltando às crianças Tustin 1986 estudou particularmente as crianças autistas nas quais existe um estado de nada cheias de crateras afetivas que as levaram a erigir conchas ou barreiras autísticas o que tra duz um desligamento da realidade de uma vincularidade com o mundo exterior Em con seqüência tornamse crianças apáticas desli gadas com um olhar perdido apenas permi tem serem alimentadas passivamente ficam ligadas exclusivamente de forma mecânica em algum brinquedo único a capacidade de apren dizado e de comunicação verbal fica reduzida a quase zero Na verdade diante do congelamento da mãe a criança pode passar por três períodos 1 de protesto com muitas manhas choros gritos e sintomas somáticos 2 se esse protes to de nada adiantar a criança cansa e ingressa num estado de acomodação de apatia depressiva 3 se ainda assim ela não for es cutada compreendida e atendida entra em um estado de desesperança perde as esperan ças que conduz a um desespero nada mais espera do mundo exterior que a leva a única saída possível a de construir uma barreira que a separe deste mundo hostil podendo contar unicamente com as fantasias contidas na sua concha na sua autarquia narcisistaautística Tudo isso dá a medida da importância da pes soa do terapeuta que vier a atender uma crian ça com autismo psicógeno A forma mais comum e bemsucedida de negação por parte desse paciente consiste no emprego continuado de identificações projeti vas excessivas Quando esse recurso não for possível em virtude da ameaça que lhe repre senta como sendo de aniquilamento da mente pelo seu esvaziamento devido ao excesso de projeções resulta que um outro mecanismo pode ser seu substituto uma supressão radical K ou forclusão daquilo que ocorre na mente O resultado disso é o que acontece nos estados de vazio ou seja é a formação de buracos negros os quais é importante en fatizar não se comportam unicamente como um vazio interno pelo fato de que também executam a ação tal qual o campo eletromag nético provindo de um ímã de poder atrair todos os conteúdos mentais ou pensamentos ligados ao aludido vazio Tudo isso sob a égide de K compromete bastante a capacidade de formação de símbolos Pacientes adultos que não tiveram uma estagnação evolutiva tão extremada porém que em algum grau são portadores dos aludi dos vazios a despeito do núcleo gelado do amor pela mãe morta não os impediu total mente de terem tido uma evolução posterior para o complexo de Édipo e tampouco de te rem conseguido casar ter filhos e construírem uma vida profissional regularmente satisfa tória Não obstante eles ergueram e conti nuam erguendo muralhas defensivas contra a angústia de desamparo de desmoronamento psíquico contra os medos de uma perda de identidade ameaças de indiferenciação com os demais de não existir como pessoa Para fugir dessa ameaça de vazio é bas tante freqüente o uso de mecanismos psicóti cos ou perversos como são por exemplo cer tas formas de homossexualidade de sexuali dade aditiva tal como a que é praticada no donjuanismo ou na ninfomania como um recurso de fugir para o outro e dentro do outro em uma tentativa mágica de reencon trar o imaginário nirvana primitivo que na realidade sempre esteve tão longe dele Tam bém é comum que esse paciente no fundo sempre muito carente possa expressar essa angústia de desamparo e de aniquilamento através de somatizações e de erigir uma autar quia narcisista assim desenvolvendo distin tas formas de transtornos do narcisismo de sorte a fugir dos outros congelando os afe tos ou exercendo um controle tirânico sobre si e sobre os demais hipertrofiando onipo 292 DAVID E ZIMERMAN tência onisciência prepotência arrogância e fuga das verdades que toquem nas cicatrizes malcuradas das feridas que estão no lugar dos primitivos vazios de mãe Em outras palavras para evitar sofrer decepções desilusões culpas e depressão o melhor recurso que ele encontra é o de tirar o caráter de seriedade à vida por meio da tríade maníaca isto é o controle triunfo e despre zo sobre todos os demais Para não perder a condição imaginária de se manter imperador continuação do estado primitivo de sua ma jestade o bebê o paciente portador de va zios que são bemdissimulados que tenha ape lado para o recurso de defesas perversas e oni potentes necessita diferenciarse dos outros para não cair na vala comum da igualdade assim correndo o risco de ficar perdido em um anonimato ou em um nivelamento de medio cridade segundo sua crença narcisista A fim de evitar essa ruína o perverso necessita de platéia devido à sua necessidade vital de ser visto como garantia de que existe e tam bém crê que deve ser diferente do pai e dos irmãos bemcomportados Para tanto ele não pode compreender os outros pois isso lhe re presentaria ser igual a eles e tampouco sen tirse entendido pelas demais pessoas Nos casos mais extremos quando falham os mecanismos descritos principalmente de vido à sua identificação com a mãe morta esse tipo de paciente portador da patologia do vazio pode mergulhar num estado de desistên cia diante da vida e inclusive é possível que ele apele para o suicídio MANEJO TÉCNICO A importância dessas considerações até aqui tecidas reside no fato de que tais pacien tes requerem uma outra abordagem técnica que não unicamente aquela habitualmente em pregada com indivíduos neuróticos comuns Os seguintes aspectos técnicos merecem ser des tacados 1 No caso de crianças autistas o tera peuta deve levar em conta que essa criança mais do que simplesmente fugindo está real mente perdida até porque ela ergueu uma es pessa muralha defensiva contra o mundo ex terior de modo que ela não conseguiu se be neficiar dos estímulos que em condições nor mais são essenciais para o desenvolvimento humano Assim ela deve ser encontrada e sa cudida pelo terapeuta para despertála de um estado de desistência ver esse termo no ca pítulo referente ao Glossário do Autor de viver a vida conformada que ela está em uni camente sobreviver qual um vegetal 2 Dizendo com outras palavras o funda mental é o analista propiciar a essa criança ou ao adulto em um estado de regressão simi lar algum tipo de experiência de ligação já que não adiantam as interpretações do analis ta por mais corretas que sejam pois esse paci ente escudado em sua cápsula autística não se liga a elas Tampouco adianta uma boa fun ção continente do terapeuta porquanto nes ses casos mais extremos o paciente não está nem aí e logo ele não fica sensibilizado pela boa continência que lhe é oferecida 3 Portanto as crianças que construíram barreiras autísticas necessitam por parte do terapeuta algo mais do que interpretações e de um adequado continente Tomo em prestado de A Alvarez 1992 a seguinte idéia que define bem essa condição essas crianças autistas não estão fugindo ou se escondendo mas estão perdidas à espera de que alguém vá ao seu alcance 4 Por isso Tustin metaforiza que em tais casos o setting analítico é uma espécie de úte ro psicológico que ele funciona como uma in cubadora para que o self em estado prema turo para o seu desenvolvimento podendo ob ter a suplementação daquelas provisões essen ciais que não se realizaram na sua infância pre matura 5 Assim a proposta analítica contempo rânea é aquela antes referida ou seja de algu ma forma ir ao encontro dessa criança e sacu dir sacudir sacudir as emoções que congela das estão atrás do escudo protetor até obter alguma resposta nem que sejam gritos de pro testo que sirva de escada para novas sacudi das com vistas a transformar um estado men tal de desistência em um outro de exsistência 6 Creio que esse estado psíquico no qual essas crianças encapsuladas autisticamente fi cam distantes apáticas e abúlicas corresponde nos adultos ao aludido estado de desistência que os leva a viver ou a analisarse de forma MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 293 mecânica sem vitalidade em um namoro com a morte sendo que o único desejo é o nada desejar 7 São análises difíceis não obstante o analista possa estar trabalhando muito bem de modo que o mais importante a assinalar é que é grande o risco da instalação na mente do terapeuta de uma contratransferência de de sistência pela qual ele também trabalhará na situação analítica de uma forma igualmente distante apática abúlica e desesperançada 8 Essa atitude psicanalítica interna do terapeuta praticamente inviabiliza a terapia analítica com esse tipo de paciente pois so bretudo requer a necessidade de que de al guma maneira o terapeuta deve funcionar como modelo de uma mãe viva para suprir as falhas da mãe morta de sorte que ele deve demonstrar uma autêntica garra ir ao en calço desse paciente e sacudilo por meio de atividade interpretativa mais ativa juntamen te com a referida atitude 9 Também as outras formas da clínica do vazio cada vez mais freqüentes na clíni ca cotidiana dos analistas como são os esta dos psicóticos transtornos do narcisismo so matizadores graves perversões etc costumam constituir o contingente de pacientes que na atualidade são conhecidos como pacientes de difícil acesso 10 Essa última afirmativa manifestase na situação analítica por meio de uma série de manifestações de tais pacientes como são eles falam de situações e coisas mas não da rela ção entre elas da mesma forma faltalhes fa zer ligações como por exemplo do consciente com o inconsciente do passado com o presen te e com o futuro dos fatos com os afetos da seqüência dos fatos que relata com as conse qüências dos mesmos da curiosidade sadia com aquela que é intrusiva dos aspectos pró prios da posição esquizoparanóide com aque les que são inerentes à posição depressiva etc 11 Mais propriamente com pacientes nos quais haja um forte componente psicótico como borderline por exemplo a linguagem que utilizam costuma ser linear com ênfase em um raciocínio concreto sem abstrações ou com abstrações excessivas na qual despontam mais crenças do que convicções o que pode tor nar a sua narrativa muito enfadonha e nem sempre facilmente inteligível Outras vezes o que prevalece é um certo mutismo com graus variáveis que eventualmente pode atingir a condição de um silêncio quase que absoluto 12 Disso tudo pode resultar uma contra transferência muito difícil para o analista de certa impotência paralisia nãoentendimen to do que está se passando além de um estado mental de tédio e de perda de esperança na terapia analítica que ele está realizando com esse paciente 13 Com relativa freqüência a transferên cia é natimorta mas paradoxalmente tais pacientes apegamse à análise paradoxo que pode ser explicado pela razão de o apego re fletir sua esperança de preencher o vazio de mãe ou pai ao mesmo tempo em que conge lam os sentimentos devido ao intenso receio de sofrer novas decepções humilhações e re cair em uma dependência má 14 Nessa altura é necessário esclarecer que creio existem dois tipos de pacientes por tadores de vazios a os que têm o seu psiquis mo invadido pelos referidos buracos negros quando então são bastante válidas as consi derações que constam nos itens anteriores b e aqueles outros pacientes da clínica do va zio que superpuseram à subjacente camada vazia de sua personalidade um conjunto de defesas mais bem organizadas de sorte que eles podem apresentar um pensamento lúcido e o emprego de uma linguagem bemarticula da com um natural vínculo transferencial e com uma boa ligação de idéias e afetos além de um bom êxito social e profissional Aconte ce no entanto que quando regridem a um grau bastante expressivo por razões de traumas externos ou internos emerge uma constelação de angústias primitivas ligadas à patologia do vazio que se traduzem em uma intensa práti ca de actings que seguidamente são de natu reza masoquista o surgimento de sintomas somáticos um estado de confusão um apelo ao uso de drogas uma exacerbação de idéias persecutórias uma conduta algo maníaca ou submergem em uma depressão clínica não ra ramente chegando a um estado de desistência 15 Em função dessa clivagem da perso nalidade que sempre existe em grau acentua do nos pacientes que compõem a clínica do vazio a atividade interpretativa do analista deve sobretudo ser de natureza binocular ou seja com um olho ele deve estar bastante 294 DAVID E ZIMERMAN ligado aos vazios que estão claramente mani festos ou muito bem dissimulados e disfarça dos enquanto com um outro deve valorar as capacidades adultas desse paciente e sobretu do reconhecer seus verdadeiros avanços analí ticos por mínimos que estes possam parecer 16 Uma atividade interpretativa inten sa prematura e portadora de excessivas expec tativas do terapeuta pode parecer para esse tipo de paciente como pressionantes e invasivas assim forçando uma resposta contrária de maior oposição ao tratamento e ao terapeuta 17 Penso que especialmente com esse tipo de paciente um bom recurso interpretativo é o emprego de metáforas que conjugando a imagem à idéia pode provocar um impacto na pessoa de percepção e de compreensão mais clara Um exemplo que me ocorre é o de um paciente que preenchia os seus vazios com uma frenética atividade profissional na qual mer cê de seus eficazes dotes adultos ele era mui to bemsucedido de sorte que se jactava de estar conseguindo os três triunfos que acima de tudo o mais era o que mais almejava triun fo dinheiro e vaginas Ao perguntarlhe se sa bia diferenciar triunfo no sentido do tripé ma níaco de controle arrogância e desprezo de êxito com o significado de obtenção de con quistas sadias e meritórias ele respondeu que tinha dificuldades de entender o que eu dizia Completei então contandolhe muito breve mente a lenda do triunfo de Pirro Em um pri meiro momento o paciente limitouse a ficar silencioso e expressar um certo ar de perplexi dade nas sessões seguintes porém ele não cansava de repetir o impacto que essa metáfo ra lhe provocou às custas de muitas noites de insônia e de continuadas reflexões sobre a pos sibilidade de que ele estava ou não levando a sua qualidade de vida como uma verdadeira batalha de Pirro 18 A propósito da mencionada necessi dade de reconhecimento que é inerente a qual quer paciente bem como a toda e qualquer pessoa em geral na clínica do vazio isso ad quire uma proporção bastante elevada Assim quando este paciente não encontra este reco nhecimento por parte do terapeuta por mais que dissimule ou creia que não dê a menor importância no fundo ele se sente nãocom preendido e não suficientemente olhado o que toma inconscientemente a mesma signi ficação das falhas maternas que determinaram a formação de seus vazios 19 Assim mais do que o correto conteú do de uma interpretação formal a função do terapeuta diante da clínica do vazio isto é diante de sentimentos extremamente intensos transbordantes ou congelados de decepções angústias ódio e medo age terapeuticamente mais pelos atributos reais do analista sua sen sibilidade especial intuição e empatia escu tar atentamente com um real interesse con versar em um tom de voz apropriado pergun tar como forma de o paciente sentir que tem alguém amigo que realmente está ao lado dele ser continente daquilo que para esse paciente parece ser uma carga horrível 20 Tudo isso concorrendo para o que de fato é o mais importante na clínica do vazio ou seja que o paciente sinta que verdadeira mente o analista sobreviveu aos seus ataques e indiferença e juntamente com ele está vivo e presente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 295 A seguir são apresentadas as principais características clínicas assim como algumas recomendações técnicas que sobressaem em alguns dos quadros das neuroses mais relevan tes a partir de um viés analítico sem levar em conta o rigorismo científico da nosologia ofici al do DSMIVTR Neurose de angústia Segundo recentes pesquisas Revista In ternacional de Psiquiatria e Saúde Integral 2001 depois dos transtornos por abuso de substâncias os de ansiedade constituem o tipo de transtornos psiquiátricos mais freqüentes na população em geral Na atualidade a clássica expressão neu rose de angústia adquiriu uma dimensão mui to mais ampla de modo que uma série de en tidades clínicas não obstante guardem como característica comum a presença de uma forte manifestação de angústia livre conservam suas particularidades específicas e singulares Assim o surgimento da angústia pode englo bar mais os seguintes quadros de psicopato logia clínica neurose atual transtorno de an siedade generalizada TAG fobias doença do pânico transtorno obsessivocompulsivo do enças depressiva estresse póstraumático etc Freqüentemente tais quadros se superpõem de sorte que nem sempre é fácil estabelecer um diagnóstico diferencial entre eles Cabe no entanto a tentativa de traçaremse as sin gularidades as semelhanças e as diferenças entre todos Freud estudou a angústia em dois mo mentos de sua obra Na primeira formulação a angústia seria conseqüente à repressão o que provocaria uma libido acumulada que funcio naria de uma maneira tóxica no organismo 26 Transtornos Ansiosos NEUROSES Conceituação de neurose Os pacientes portadores de uma estru tura neurótica caracterizamse pelo fato de apresentarem algum grau de sofrimento e de adaptação em alguma ou mais de uma área importante de sua vida tais como a familiar a social a sexual ou a profissional incluída também é evidente o seu permanente e pre dominante estado mental de bem ou males tar consigo próprio de uma maior ou menor autoestima No entanto apesar de o sofrimento e o prejuízo em alguns casos poderem alcançar níveis de gravidade os indivíduos neuróticos sempre conservam uma razoável integração do self além de uma boa capacidade de juízo crí tico e de adaptação à realidade não obstante o fato de que em algum grau sempre existe em todo neurótico uma parte psicótica da per sonalidade conforme Bion 1957 As manifestações neuróticas expressam se tanto sob a forma de sintomas típicos de cada um dos variados quadros de neuroses como também podem se evidenciar por meio de inibições angústia difusa estereótipos tra ços de caráter etc São múltiplas as formas clássicas de neu roses como por exemplo a neurose atual a neurose de angústia as fobias a obses sivocompulsiva as histerias as depressi vas e as que se manifestam por somatizações transtornos alimentares etc Na clínica atual é difícil encontrar uma neurose pura ou seja que se manifeste unicamente pela sintoma tologia específica de cada um delas pelo con trário o habitual é a predominância de neu roses mistas que apresentam uma mescla de evidências de traços peculiares de todas elas 296 DAVID E ZIMERMAN A partir de sua monografia Inibições sintomas e angústias 1926 conceituou de forma inver sa ou seja a repressão é que se processa como uma forma de defesa contra a ameaça de irrupção da angústia mais especificamente a angústia de castração Em resumo a neurose de angústia consiste em um transtorno clínico que se manifesta por meio de uma angústia livre quer sob uma for ma permanente quer pelo surgimento de mo mentos de crise Em outras palavras a ansieda de do paciente expressase tanto por equivalen tes somáticos como uma opressão précordial uma taquicardia uma dispnéia suspirosa uma sensação de uma bola no peito etc como por uma indefinida e angustiante sensação de medo de que possa vir a morrer enlouquecer ou de iminência de alguma tragédia Na maioria das vezes tais sintomas indi cam que está havendo uma falha do mecanis mo de repressão diante de um traumático excesso de estímulos externos eou internos Nos quadros clínicos em que prevalece uma recorrência de episódios de crises de angústia é necessário que se levante a hipótese que se esteja tratando do transtorno conhecido como doença do pânico que costuma responder muito bem à medicação específica Igualmente é útil estabelecer uma certa diferença entre neurose atual e neurose de angústia Enquanto a primeira refere mais di retamente que o ego do sujeito não está con seguindo processar um excesso de estímulos que na realidade e na atualidade estão acos sando o seu self a neurose de angústia alude mais diretamente à manifestação sintomática de uma angústia mais flutuante livre resul tante da ameaça de que os primitivos desejos libidinais ou ímpetos agressivos proibidos que estão reprimidos no inconsciente retornem à consciência acompanhados com os imaginári os castigos como o de uma ameaça de morte Nos primeiros tempos Freud descreveu dois tipos de neurose atual no sentido de que sejam de origem somática e estejam modifican do o funcionamento do corpo em um determi nado momento a neurose de angústia e a neurastenia as quais vinculou com a sexualida de na neurose de angústia essa se deveria à insatisfação sexual com o conseqüente repre samento da libido enquanto atribuiu a neuras tenia a um excesso de atividade sexual com um esgotamento daí decorrente Ninguém mais na atualidade concorda com essa teoria Não obstante o termo neurose atual para desig nar a participação do corpo no processo de an gústia está voltando a ser mencionado na ter minologia da literatura psicanalítica A expressão neurose de angústia muito empregada em certa época caiu em certo desu so justamente porque ela ora se confunde com a síndrome do pânico ora com a neurose atu al ora com a angústia dos fóbicos diante de situações especificamente ansiogênicas Aliás nos primeiros tempos Freud designava as fobi as como histeria de angústia o que evidencia a sua percepção de que a neurose de angústia e a fobia são parentes íntimos Manejo técnico 1 No caso da neurose atual cabe ao terapeuta juntamente com o paciente locali zar qual está sendo o fator estressante exter no ou interno que acresceu uma quantidade de angústia que ultrapassa a capacidade de o paciente poder enfrentar Isto deve vir acom panhado do trabalho analítico de fazer resig nificações aos significados alarmantes e terrorí ficos que uma parte do psiquismo do pacien te esteja atribuindo a algum trauma atual mesmo que este objetivamente possa pare cer banal 2 Em relação à neurose de angústia propriamente dita é tarefa do analista propi ciar ao paciente a possibilidade dele poder ab reagir ou seja fazer uma catarse de memória de sentimentos que estão fortemente e de longa data reprimidos no inconsciente e que foram despertados por qualquer fato atual Esta desrepressão mais do que um simples desa bafo visa possibilitar a aquisição de novos significados para os mesmos fatos que foram recalcados e representados de uma forma al tamente ansiogênica 3 É bastante comum que esse tipo de paciente diante de sua angústia intolerável use uma continuada medicação ansiolítica e seda tiva fato que deve alertar o terapeuta contra o risco de que isso evolua para um estado de adicção a algum determinado medicamen to o que não é tão raro de acontecer em cujo caso ocorrem sérios transtornos secundários MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 297 4 Também é freqüente que o paciente portador de uma neurose de angústia tente convencer o analista para que o ajude a es quecer os traumas do passado já que segun do ele não vai adiantar nada já pertence ao passado não tem como consertar Nessas ocasiões costumo trabalhar com o pa ciente o vértice de que ele reflita sobre a possi bilidade de que a melhor forma de esquecer seja justamente a de ele se lembrar ou dizen do a mesma coisa com as palavras de Bion Não é possível esquecer aquilo que não con seguimos lembrar 1992 Tal conduta é im portante porque além de servir de incentivo para que o paciente não gaste tanta energia psíquica no esforço de represamento também sugerelhe que o analista tem suficiente capa cidade de continência para acolher tudo aqui lo que vier à tona 5 Cabe ao analista a importante função de ajudar o paciente com neurose de angústia a desenvolver uma capacidade de autocon tinência de modo que ele possa conter a sua própria angústia sem entrar em estado de pâ nico 6 Freqüentemente existe uma comorbi dade entre a manifestação de quadros clínicos de angústia livre e os de depressão de sorte que reciprocamente um influencia o surgi mento do outro com a coexistência dos res pectivos sintomas em aproximadamente 50 desses indivíduos o que complica o diagnósti co diferencial 7 Um recurso técnico que me parece ser de especial eficácia diante do surgimento de brotos de angústia incontrolável visto que o paciente sentea como uma ameaça de loucu ra ou morte não obstante o seu lado racional saiba que tais riscos não existem consiste em desenvolver nele uma capacidade de conver sar consigo mesmo isto é que na hora em que ele é assaltado por esse tipo de angústia no lugar de imediatamente telefonar para o seu terapeuta ou coisa parecida ele possa telefo nar para o terapeuta que está internalizado nele que reforça e ajuda a estabilizar o seu lado racional 8 A minha experiência de supervisor com prova que uma grande quantidade de terapeu tas em formação analítica diante de pacientes deste tipo contagiados pela angústia que eles transpiram costuma usar um recurso de tran qüilizar o paciente por meio de recomendações do tipo qualquer coisa me telefone Penso que esse recurso seja desvantajoso porque re força no paciente a convicção de que o socorro deve vir de fora e não de dentro dele o que amplia a influência da ação do lado da criancinha assustada que habita uma significativa parte do seu psiquismo Uma outra desvantagem é que o estímulo indireto ao poder de controle dessa parte criancinha tem condições de fazer que cada vez mais esse paciente apele à recomendação do analista a ponto de que possa se tornar incon veniente recordome de um paciente que tele fonava para a casa do analista com freqüência progressiva principalmente nos finais de sema na em horas impróprias o que começou a gerar um sério conflito do casal com ameaças de di vórcio Assim o próprio analista pode cansar desse paciente além de que analisando em um estado mental nessas condições de irritabilidade pode gerar um círculo vicioso interminável vis to que quanto mais uma criança se sente rejeita da pela mãe com mais avidez e desespero ela quer se agarrar à saia dessa mãe analista 27 Estados Depressivos fracasso pessoal o que afeta severa mente a autoestima e daí o favore cimento para a eclosão de quadros depressivos É grande o número de depressões subclínicas isto é aqueles estados depressivos que não se manifestam de forma evidente mas sim por meio de traços mais inaparentes como por exemplo um estado de continuada apatia assim como a depressão pode se revelar por meio de manifestações equivalentes como a de uma hipo condria alcoolismo transtornos ali mentares etc TIPOS DE DEPRESSÕES São muitas as classificações conforme o vértice de observação que é privilegiado A ci tada a seguir está sendo correntemente utili zada e tem a vantagem de ser muito simpli ficada Essa classificação considera três tipos de depressão 1 Atípica era mais conhecida com os nomes de depressão neurótica ou depres são reativa Seu perfil é único e resulta de al guma forma de crise existencial por razões predominantemente internas ou externas Ha bitualmente não respondem bem à medicação 2 Endógena resulta de causas orgânicas e manifestase com sintomatologia mais típi ca adquirindo características unipolares os sintomas são unicamente depressivos ou bipolares os sintomas tanto podem ser da esfera depressiva ou em um pólo oposto de natureza maníaca Apesar de serem endóge nas comumente elas podem ser desencadeadas por fatores ambientais assemelhandose qua litativamente à depressão atípica Costuma res ALGUNS DADOS ESTATÍSTICOS Não cabe a menor dúvida que os quadros clínicos de depressão nas suas múltiplas for mas e graus estão adquirindo uma crescente importância na prática analítica assumindo a condição de predominância na motivação para a busca de tratamento Tal afirmativa pode ser comprovada por meio dos seguintes dados es tatísticos Entre as 10 mais importantes causas incapacitantes dos indivíduos cinco são psiquiátricas e nessas a depres são especialmente a depressão mai or unipolar é a primeira delas Em geral os médicos nãopsiquiatras em uma média de 50 não diagnos ticam e entre os que fazem o diag nóstico quase sempre tratam mal equivocadamente usando benzodia zepínicos ou acertadamente antide pressivos porém em dosagens inade quadas O número de depressões está aumen tando não só em números absolutos mas também em números relativos a outras épocas Virtualmente em todos quadros de pa tologia mental existe subjacente al guma forma de piso depressivo Esse aumento tão expressivo do nú mero de pacientes deprimidos que nos procuram devese em grande parte ao fato de que vem mudando o perfil da pessoa que busca alguma forma de tratamento piscoterápico ou medi camentoso ou seja as atuais condi ções competitivas de cada pessoa para conseguir um lugar ao sol propiciam o surgimento maior de sensação de 300 DAVID E ZIMERMAN ponder bastante bem à moderna medicação antidepressiva quando adequadamente minis trada e principalmente quando acompanhada de alguma forma de terapia de base analítica 3 Distímica esta denominação corres ponde à depressão que comumente era cha madas de crônica DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Tornase necessário estabelecer uma dife rença entre a depressão propriamente dita e outros estados mentais que apresentam manifes tações clínicas semelhantes porém que na sua essência tratase de situações bastante distintas Assim cabe estabelecer uma distinção diagnós tica com os estados mentais de tristeza indica um estado de humor afetivo que pode estar pre sente ou não na depressão luto corresponde a um período necessário para a elaboração da perda de um objeto amado que foi introjetado no ego sem maiores conflitos melancolia a introjeção do objeto perdido por morte aban dono etc processouse de forma muito confli tada posição depressiva refere a um estado mental que o paciente adquire no decurso da análise que embora penoso é bastante positivo porque denota que o analisando está integrando os aspectos dissociados de sua personalidade assim como adquirindo condições para sentir gratidão e reconhecer seu quinhão de responsa bilidade e de eventuais culpas depleção refere à existência de faltas de vazios existenciais que estão à espera para serem preenchidos desmo ralização este nome está sendo dado para aque les estados mentais nos quais sobretudo existe uma autoestima baixa com sensações de fra casso e de humilhação SINTOMATOLOGIA Os sintomas no quadro depressivo va riam intensamente de grau desde formas le ves até manifestações ruidosas pela forma gri tante como aparece às vezes com psicóticos delírios de ruína preocupando todos circuns tantes e com um alto risco de suicídio Não obstante a alta gama de variações alguns sin tomas mantêmse constantes como por exemplo sentimentos culposos sem causa de finida exacerbada intolerância a perdas e frustrações um alto nível de exigências con sigo próprio extrema submissão ao julgamen to dos outros baixa autoestima autodene grimento sentimento de perda do amor por parte de todos sensação de ser um fracassa do e de que nada mais vale a pena perma nente estado de que existe um desejo que ja mais será alcançado etc PRINCIPAIS CAUSAS DA DEPRESSÃO De forma esquemática as seguintes etiologias merecem ser assinaladas Depressão anaclítica resulta de um pri mitivo vazio de mãe Identificação com o objeto perdido corresponde ao clássico aforismo de Freud a sombra do objeto recai so bre o ego com um luto malelabo rado desse objeto de maneira que pro picia a instalação de quadros melan cólicos Depressão por perdas tanto de obje tos importantes especialmente quando foram perdas prematuras traumáticas e significativas como também de partes do ego tal como acontece nas depressões involuti vas quando o sujeito que está en trando em idade mais avançada sen te estar perdendo o vigor físico a con centração a memória etc Depressão por culpas neste caso a depressão é determinada pela ação punitiva de um superego tirânico Identificações patógenas em especial aquelas que particularmente tenho proposto a denominação de identifi cação com a vítima Ruptura com os papéis designados a depressão provém da ação de um ego ideal que obriga o sujeito a corres ponder aos inalcançáveis ideais que o seu narcisismo original exige bem como de um Ideal de Ego que re sulta das expectativas grandiosas que os pais e o ambiente circundante de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 301 positaram no sujeito desde bebezi nho atribuindolhe papéis que ele deverá executar pelo resto da vida caso contrário despertam nele uma sensação de traição vergonha e hu milhação Depressão decorrente do fracasso nar cisista bastante mais freqüente do que possa parecer este estado de pressivo é conseqüente de algum tipo de fracasso que o sujeito quando estiver fortemente fixado na posição narcisista sofre diante das suas enormes demandas de obtenção de êxitos sucessivos dinheiro poder prestígio etc Pseudodepressões é muito comum que determinadas pessoas atravessem a vida inteira aparentando desvalia e pobreza que não correspondem à sua realidade assim procedendo por ra zões tais como a o medo de atrair a inveja retaliadora dos demais b O receio de provocar uma depressão naqueles que o invejarem c O medo de vir a ser considerado pelos outros como uma inesgotável fonte de provi mento das necessidades deles e daí o risco de vir a ser exigido cobrado e sugado d Uma forma de parecer ser um sacrificado sofredor o que lhe representa ser uma espécie de passa porte para merecer o amor dos de mais etc MANEJO TÉCNICO 1 Em relação às depressões endógenas não cabe aqui esmiuçar as inequívocas melhoras obtidas pelo uso dos modernos recursos psicofarmacológicos tendo em vista que os mesmos pertencem mais particularmente à área da psiquiatria embora haja incompatibilidade alguma entre a concomitância do emprego da medicação e o prosseguimento normal da aná lise Um aspecto prático que cabe ressaltar é o de que o analisando e o analista aprendam a reconhecer e a discriminar as diferenças clíni cas constantes de sinais e sintomas típicos e es pecíficos entre essas depressões e os estados depressivos de outra natureza Uma situação cli nicamente difícil é quando existe uma ansieda de crônica em um paciente deprimido o que acontece com relativa freqüência no transtorno depressivo maior TDM 2 Quanto às depressões anaclíticas o ana lista deve considerar que esse tipo de paciente deprimido sofreu uma profunda e precoce per da física ou afetiva da mãe e por isso desde sempre se mantém em um estado permanente de carência amalgamado com os sentimentos de desesperança e cólera reprimida São pacien tes muito propensos a somatizar No fundo são pessoas vingativas e rancorosas e na situação analítica esse ressentimento crônico pode tra duzirse sob a forma do que particularmente proponho chamar de estado de desistência 3 A maior importância desse estado de desistência reside no fato de que tais pacientes podem se opor tenazmente a fazer mudanças psíquicas Nesses casos é fundamental a ati tude psicanalítica interna do terapeuta de forma a ele vir a ser introjetado pelo paciente como um objeto confiável pois consegue con ter suas angústias gosta dele dálhe limites não o trai ou o engana e não se destrói e tam pouco desaparece 4 Nas depressões resultantes de signifi cativas perdas costuma haver por parte do paciente uma significativa prematura e inten sa idealização da pessoa do analista como for ma inconsciente de recuperar o lado bom e necessitado do objeto perdido A recomenda ção técnica é que o terapeuta aceite essa idealização tão necessária para o equilíbrio de seu paciente deprimido desde que fique bem claro para o analista que essa idealização deve ser transitória e vir a ser gradativamente des feita e modificada 5 Nos casos em que a depressão é resul tante de culpas a principal recomendação téc nica consiste na cautela que o analista deve ter diante da costumeira possibilidade de que a compulsão inconsciente do paciente estejao induzindo a estabelecer um vínculo analítico de natureza sadomasoquista Se o analista fi car contratransferencialmente envolvido o mais provável é que suas intervenções virão confundidas com advertências cobranças nor mas e acusações o que virá de encontro ao núcleo masoquista do paciente e nessa situa 302 DAVID E ZIMERMAN ção o processo analítico desembocará em um repetitivo círculo vicioso fechado sem possi bilidades para novas saídas Cabe ao terapeuta mercê de interpretações e de seu modelo como pessoa real que ele é abrandar a tirania do superego mau do paciente e tanto quanto possível transformálo em um superego bom um verdadeiro ego auxiliar Igualmente é tarefa do analista prover ao paciente a capaci dade de ele fazer discriminações entre as cul pas que de fato são devidas e que podem vir a ser reparadas daquelas outras culpas que lhe foram indevidamente imputadas o que exige um trabalho de fazer designificações das signi ficações que ficaram impressas no ego de for ma patogênica seguidas de resignificações para que ele possa se livrar delas 6 Nos analisandos em que o colapso nar cisista é o responsável pela depressão como uma conseqüência da decepção sofrida pelo seu ego ideal e pelo seu ideal do ego a ênfase da técnica analítica consiste em que se promova uma gradual e muito difícil renúncia às suas grandiosas e ilusórias aspirações Não é tarefa fácil para tais pacientes reconhecer que não são o que pensavam que eram ou gostariam de vir a ser e que não o são e que muito pro vavelmente nunca virão a sêlo De fato é uma transição de mudança psíquica muito pe nosa para o analisando e de certa forma para o psicanalista pelo fato de que o sentimento depressivo de perda de sonhos tão caros e an tigos vem mesclado com sentimentos de fra casso luto e humilhação Por outro lado se o sentimento de fracasso narcisista do paciente devese à sua convicção de ter decepcionado as expectativas das pessoas que representam o seu ideal de ego a técnica analítica consiste em trabalhar sistematicamente na transferên cia das identificações projetivas que o pacien te reproduz com o analista tendo em vista que este também é um importante representante do seu ideal do ego Não é demais insistir que especialmente nestes casos o tipo de contra transferência despertada no analista se ela é normal em cujo caso pode servir para o terapeuta como uma bússola empática ou se ela é patológica e nessa situação o analis ta sobretudo quando também ele tem expec tativas narcisistas em relação ao seu paciente acaba reforçando ainda mais no paciente a sen sação de ser um fracassado 7 Nas depressões resultantes de identi ficações patógenas o essencial da técnica ana lítica consiste em promover desidentificações seguidas de neoidentificações as quais em grande parte terão a pessoa do analista como um novo modelo de identificação É necessá rio deixar claro que uma desidentificação não significa uma ruptura no sentido bélico com os objetos com os quais ele estava identifica do tal como paciente inicialmente imagina Pelo contrário o paciente deve desenvolver uma capacidade em discriminar entre os as pectos que ele admira nos referidos objetos e que vai conservar agora como autenticamen te seus e os aspectos que ele vai se permitir a abandonar porque o parasitam submetem e o forçam a deprimirse e a ser o que de fato ele não é O analista deve estar bem atento ao fato de que o processo de desidentificação representa um momento delicado do curso analítico pela razão de que ele costuma vir acompanhado de um incremento do estado depressivo assim como de sensações de ser abandonante de confusão de estranheza e de amputação da identidade 8 Em relação à depressão conseqüente à ruptura com os papéis designados a manifesta ção clínica mais comum é o surgimento de sen timentos de ingratidão e de traição assim como também é comum a ocorrência de somatizações de sensações de despersonalização e de um in definido sentimento de perda de amor e o de uma algumadesgraçaporvir É essencial que o analista não se deixe enredar na difícil contra transferência que mantenha a sua condição de continente desses sentimentos penosos do paciente além de que esteja em uma aliança terapêutica com o lado sadio do analisando que luta bravamente contra a rígida estereotipia de papéis que lhe foi imposta no passado É impor tante destacar o fato de que um desses papéis designados ao paciente pode ter sido justamen te o de ele nunca sair da condição de deprimi do Entre tantos outros casos lembrome de uma paciente que em seus momentos de felici dade tinha uma nítida sensação de que estava traindo os seus pais porque esses faziam um verdadeiro culto de reverência aos familiares mortos enfatizando a crença de que esse culto deveria ser eternizado 9 Relativamente às pseudodepressões o aspecto mais importante a ser destacado é a MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 303 necessidade de o psicanalista ter bem claro para si a distinção entre as aparências falsas de de pressão tal como antes foi mencionado e os verdadeiros estados depressivos Uma vez estabelecida a diferença o manejo técnico con siste em fazer o respectivo desmascaramento da falsidade das queixas depressivas acompa nhado da atividade interpretativa enfocada nas fantasias inconscientes responsáveis por essa estruturação enganosa 10 Nos casos em que está justificado o uso de medicação antidepressiva é necessário que o analista tenha em mente que o mais in dicado é que haja uma complementação entre o uso medicamentoso e a concomitância da terapia analítica Isoladamente um deles sem o auxílio do outro perde em muito a eficácia 11 Os terapeutas da atualidade estão cada vez mais levando em conta a existência de depressões em crianças e adolescentes com características específicas e que merecem uma atenção acurada contando se necessário com a colaboração de psicofármacos 12 As considerações aqui tecidas foram particularizadas separadamente para cada uma das modalidades depressivas apenas por uma busca didática e de exposição sendo necessá rio reiterar que elas não são estanques pelo contrário elas interagem imbricamse com plementamse e manifestamse em um estado de comorbidade Um aspecto particularmente importante que necessita ser enfatizado é a ocorrência de estados depressivos na infância e na ado lescência Embora as manifestações clínicas não sejam exatamente as mesmas que se evidenci am nas depressões adultas não resta dúvida que existem sintomas e sinais equivalentes conduta apática tendência a um ensimes mamento baixo rendimento escolar oscilação do humor com inclinação a um estado afetivo de tristeza baixa autoestima etc que se de vem a uma estrutura mental depressiva Os graus dessa depressão em crianças e jovens variam No entanto elas estão sendo diagnos ticadas e tratadas cada vez com maior fre qüência Notadamente entre os adolescentes depressivos existem claras evidências de que há um grande risco de que a depressão não seja superada e que possam resultar diversos problemas em etapas posteriores da vida in cluindo a depressão maior TDM e a possibi lidade de suicídio 28 Fobias Na fobia o que importa é saber que o psiquismo do sujeito comportase de forma reticular isto é um determinado estímulo tal qual um circuito em uma rede conectase com primitivas lembranças traumáticas que foram significadas com terror pela criança de então Também é importante levar em conta o diagnóstico diferencial que deve ser estabele cido entre as fobias propriamente ditas as quais vêm acompanhadas por uma intensa angús tiapânico e aqueles quadros clínicos simila res que se manifestam na doença do pânico Nem sempre é fácil a distinção entre ambas no entanto um critério útil consiste no fato de que na fobia há a presença de uma circunstân cia certo objeto local alguma cena bem determinada bastando evitála para que a an gústia cesse enquanto no transtorno do pâni co é mais difícil correlacionar a origem desen cadeante da crise de angústia geralmente com uma duração de menos de uma hora com al guma clara causa definida e desencadeante embora as modernas neurociência estejam tra zendo notáveis aportes de investigação cientí fica clareando as raízes psiconeurobiológicas na formação destes quadros de pânico Uma das constatações é o pavor do sujeito em vir a sofrer um estado de pânico que em uma ansi edade antecipada ele começa a fazer evitações de muitas situações assim emergindo secun dariamente em um estado de fobia É útil esclarecer que a Associação America na de Psiquiatria no seu Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais quarta edição DSMIVTR situa as diversas modalidades de fobias dentre os transtornos de ansiedade ETIOLOGIA Não há uma explicação unitária para a formação das fobias de modo que cabe tentar CONCEITUAÇÃO A estrutura fóbica costuma ser multi determinada e variar intensamente de um su jeito para outro tanto em intensidade quan to em qualidade de forma que clinicamente ela se configura com uma ampla gama de pos sibilidades desde as mais simples e facilmen te contornáveis até as mais complicadas a ponto de às vezes serem incapacitantes e paralisantes Assim a partir de uma situação na qual estão presentes alguns traços fóbicos na perso nalidade sob a forma de inibições por exem plo e encobertas por expressões amenas como timidez ou pouco sociável passando pela possibilidade de uma caracterologia fóbica ca racterizada por uma modalidade evitativa de conduta aliada a um típico evasivo estilo de comunicação e de lógica podese atingir a uma configuração clínica de uma típica neurose fóbica sendo que em certos casos é tal o grau de comprometimento do sujeito que não é exa gero designar como psicose fóbica Somando todas essas possibilidades podese afirmar que é grande o contingente de pacientes com al gum grau de fobia que procuram tratamento analítico quer como predominante manifes tação única quer vindo associada num mes mo indivíduo a outras configurações como as histéricas e principalmente as obsessivas e as paranóides suas legítimas primasirmãs que andam sempre juntas Podese dizer que a soma das distintas modalidades de fobia incluída a fobia social constituem o tipo mais comum dos transtornos de ansiedade 306 DAVID E ZIMERMAN classificálas de acordo com a pluralidade cau sal como são as seguintes Além da clássica responsabilização atribuída à angústia de castração no presente existe um consenso de que em qualquer tipo de fobia sempre está presente alguma forma de ansiedade de aniquilamento e sobretudo de de samparo Existe uma permanente simbolização e deslocamento da ansiedade que se constitui como uma cadeia de signifi cantes de sorte que uma representa ção de algum fato ou lembrança terrorífica remete a outro tal confor me acontece com os fios de uma rede Assim por exemplo uma fobia do es curo pode estar associada a um medo primitivo de perder o contato com a mãe a fobia por animais um cachor ro por exemplo podese dever a uma associação primitiva com um pai que foi representado pela criança como sendo um animal feroz que iria devo rála etc Praticamente sempre constatase que no passado houve uma intensa rela ção simbiótica com a mãe com eviden tes prejuízos na resolução das etapas da fase evolutiva da separaçãoindi viduação A patologia da fase de separaçãoindi viduação promove uma dupla ansie dade a de engolfamento resultante do medo do sujeito de chegar perto de mais e absorver ou ser absorvido pelo outro e a angústia de separação pelo risco imaginário de perder o objeto de tal sorte que é característico da fo bia essa pessoa criar um delimitado e restrito espaço fóbico para a sua mo vimentação que não pode ser nem perto demais e tampouco longe de mais das pessoas de que ele necessita Um aspecto etiológico significativo é o que se refere à identificação da cri ança com a fobia de ambos pais ou de um deles bastante mais freqüen temente com a mãe Assim adquire uma importância na etiologia da fobia o tipo de discurso dos pais repletos com os respectivos significados fóbicos nos quais acima de tudo prevalecem as palavras cui dado é perigoso faz mal evita chegar perto etc etc que refletem uma excessiva carga de identificações projetivas dos temores dos pais na mente da criança CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A neurose fóbica pode ser caracteri zada pela sistematização da angústia original em Freud seria a angústia de castração deslocada sobre pes soas coisas situações e atos que se constituem como objetos fobígenos e assim se convertem em uma situa ção de um terror paralisante Os pacientes com características fóbi cas experimentam um temor quase sempre irracional excessivo e per sistente de objetos pessoas e situações específicas o que lhes causa sofrimen to e daí decorre a manifestação mais típica das fobias que é o uso de uma técnica de evitação das situações fobígenas por meio de dissimulações e condutas evasivas com sucessivas fugas racionalizadas de tudo que por antecipação o angustia Na clínica conforme já foi acentua do os estados fóbicos virtualmente vêm acompanhados de manifestações paranóides e obsessivas além de es tarem sempre encobrindo uma depres são subjacente Tanto ou mais do que a clássica expli cação de uma sexualidade conflitada sempre encontramos uma má elabo ração das pulsões agressivas há uma acentuada tendência a manifestações de natureza psicossomática A situação exterior fobígena por exem plo um elevador um avião um encon tro social um tratamento analítico pode estar sendo o cenário no qual es MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 307 tão sendo projetados deslocados e sim bolizados por meio de uma rede de significantes os aspectos dissociados das pulsões e de objetos internos repre sentados no ego como perigosos Muitas vezes a fobia não aparece ma nifestamente e ela apenas pode ser detectada pelo seu oposto isto é de sua conduta contrafóbica na qual se realiza de um modo exagerado exata mente aquilo que se teme com o fim de driblar a angústia Em certas fobias como as claustro fóbicas e as agorafóbicas sempre exis te uma escolha de pessoas que se pres tam ao papel de acompanhantes os quais muitas vezes seguem sendo os continuadores da mesma fobia ra zão por que ela pode se perpetuar atra vés de sucessivas gerações de uma mesma família Uma manifestação de fobia que pas sava despercebida porque era consi derada não mais do que um traço de caráter com uma certa timidez é a fobia social por sinal muitíssimo fre qüente pela qual o sujeito usando as mais diversas racionalizações evita participar de qualquer situação de con vívio social e quando premido pelas circunstâncias freqüenta um encon tro dessa natureza sentese muito mal alheio a tudo e passa todo tempo planejando a melhor forma de se es capar logo Em relação ao caráter fóbico cabe des tacar dois aspectos proeminentes o primeiro consiste em um permanente estado de alarme ante possíveis peri gos resultantes da projeção no espa ço exterior de suas pulsões perigosas e ameaçadores objetos internos que muitas vezes levam o sujeito a se de fender com condutas de autosuficiên cia e com atitudes rígidas e estereoti padas O segundo aspecto é o de uma constante atitude de fuga que apare ce de duas formas uma atitude passi va que leva a condutas inibitórias e a condutas contrafóbicas A evolução das fobias pode assumir três formas 1 podem estabilizarse 2 po dem adquirir um caráter progressivo 3 podem desaparecer espontaneamente ou o que é mais corrente por meio de um tratamento analítico MANEJO TÉCNICO 1 Os pacientes fóbicos comumente apre sentam uma grande ambigüidade diante da perspectiva de iniciar um tratamento analíti co Assim o primeiro encontro costuma ser postergado de modo que muitas vezes o tem po que decorre entre o encaminhamento e a entrevista inicial pode ser de anos Existe um grande número de abandonos precoces da te rapia analítica porém também costuma acon tecer um intenso apego do paciente com pro pósitos de ele nunca mais abandonar a análi se Igualmente é freqüente a possibilidade de haver um grande número de atrasos e faltas às sessões além até de interrupções Em certos casos as interrupções decorrido algum tem po podem ser seguidas de retomada da análi se com o mesmo terapeuta configurando aqui lo que Nogueira 1996 da SPPA deu o feliz nome de análise em capítulos 2 É útil que o terapeuta esteja atento ao fato de que a teoria de cura do paciente pode ser bastante diferente da dele analista de sorte que continuadamente é necessário trabalhar com o paciente a discrepância que existe entre o que ele necessita o que deseja e o que é possível 3 Outro ponto que merece a atenção do analista reside na possibilidade de o paciente fóbico manter uma posição de que não sei se continuarei vindonão vejo resultados de modo a manter uma dissociação por meio de uma constante ameaça de suspender a análi se assim podendo forçar o analista a ficar no papel de defensor da posição de que o pacien te deve continuar enquanto esse fica no papel de quem quer sair 4 Nos primeiros tempos da análise o pa ciente com características fóbicas fala muito dos outros o que provavelmente está indicando a predominância de um estado mental de posi ção esquizoparanóide de modo que o analis ta deve respeitar é diferente de aceitar de conluiar o ritmo das capacidades desse pa 308 DAVID E ZIMERMAN ciente até que gradativamente possa condu zilo a uma indispensável posição depressiva 5 Quando não existe o referido respeito e paciência às limitações fóbicas e ao ritmo do paciente pode acontecer o fato de que muitas análises fracassam logo de início quando não haja por parte do analista um mínimo de fle xibilidade na combinação do contrato 6 O temor deste tipo de paciente de che gar perto demais do analista e a um mesmo tempo vir a ficar longe demais dele determi na a formação de uma distância fóbica do paciente em relação à análise logo ao analis ta com as respectivas repercussões de claus trofobia quando receia se aproximar apegar e ficar preso à análise ou de uma angústia de separação quando predomina o temor de fi car longe e perder totalmente o contato com o terapeuta 7 Isto explica o fato bastante corrente na análise de pacientes fóbicos de que após uma ou mais sessões consideradas como boas produtivas em que ele se aproximou mais do analista e especialmente de si próprio comu mente em um período imediato ele se distan cia novamente e tenta desfazer tudo que esta va conseguindo na análise Da mesma manei ra pode acontecer um paradoxo este tipo de paciente pode fazer uma grande produção na véspera de separações mais longas férias porque ele sente que está protegido contra o risco imediato de uma maior aproximação fí sica e afetiva 8 De forma equivalente tais pacientes re lutam bastante em se deitarem no divã exclu indo os casos em que ele deita obedecendo a um imperativo do analista tanto porque lhes representam um excesso de intimidade perigo sa como também porque sentem que o analista está por demais distante enquanto a ele pacien te só lhe resta ficar imaginando o que está se passando com o terapeuta dormindo rindo dele sentindose mal e ficar olhando para as paredes frias do consultório 9 O analista corre o risco de cometer er ros técnicos na sua atividade interpretativa em situações como por exemplo 1 interpretar sistematicamente no aquiagoracomigo transferencial para pacientes nos quais ainda predomina uma ansiedade de engolfamento o que pode provocar neles sentimentos de o pressão e perseguição 2 o analista forçar a integração dos aspectos dissociados próprios da posição esquizoparanóide quando o paci ente ainda esteja se defendendo fortemente com intelectualizações e evitações 3 interpre tar excessivamente a angústia de separação como se o paciente fosse unicamente uma po bre criança pequena que não sobrevive sem ele analista assim cometendo o equívoco de dei xar de interpretar aquilo que é o mais impor tante que é o significado que um determinado paciente atribui à determinada separação Um exemplo banal dessa última situação certos pacientes suportam tranqüilamente a longa separação do período de férias porque está dentro do que foi previamente combinado enquanto podem manifestar uma forte angús tia diante de uma separação curta porém imprevisível o que lhe desperta fantasias com respectivos significados atemorizantes 10 É útil o terapeuta estabelecer a noção de distâncias limites limitações de espaço tem po aproximações e capacidades Comumente existe um paradoxo o vínculo transferencial pode estar melhor não confundir com ideali zado aliás bastante freqüente entre as ses sões do que nas sessões propriamente ditas 11 Em princípio todo paciente fóbico tem concomitantemente um lado adulto e outro infantil muito dependente embora este último possa ser por ele negado A de pendência vigente no paciente é do tipo que proponho chamar de dependência má por que ela vem sempre acompanhada do medo dele vir a sofrer decepções como abandono etc Cabe ao analista transformar gradual mente essa dependência má em uma de pendência boa 12 Assim é fundamental que esse pacien te desenvolva uma capacidade egóica de fazer discriminações entre as distintas e diferentes partes de sua personalidade de sorte a lhe possibilitar estabelecer um diálogo entre a sua parte infantil amedrontada diante de certas situações e a sua parte adulta que possa tran qüilizar àquela 13 Assim creio que em certas circuns tâncias são válidas algumas intervenções cognitivas que possibilitem ao paciente o co nhecimento e a nomeação da angústia fóbica e também de intervenções sugestivodiretivas de sorte a que o analista estabeleça uma alian ça com o ego sadio do paciente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 309 14 Ainda em relação à dependência ex cessiva do paciente nos casos em que esse cos tume ter crises de pânico não creio que seja útil uma disponibilidade muito comum por parte dos terapeutas qualquer coisa me tele fona Por haver um forte risco de que essa ati tude incremente uma dependência ainda mui to maior pois o paciente telefona mesmo às vezes com freqüência em dias e horas inade quadas creio que seja muito mais apropriado desenvolver no paciente a capacidade de sua parte em pânico telefone para o seu lado adul to para o seu analista tal como já está intro jetado nele 15 Freqüentemente a angústia fóbica fica dissimulada pelo paciente porque mercê de evitações ele convive em sintonia com ela Nesse caso a tarefa do analista consiste antes de tudo por meio da atividade interpretativa transformar o que parece ser egossintônico em egodistônico Vou dar um exemplo uma paciente recusavase a dirigir automóvel sob a alegação de que ela estava dando um bom exemplo de não contribuir para a poluição at mosférica e que os táxis ou o seu marido re solviam suas eventuais necessidades de loco moção Na verdade ela estava fugindo de um angustiante temor de que com a força de um carro ela poderia morrer em um acidente ou pior vir a matar alguém Certo dia ela ficou retida em um lugar distante de casa porque chovia a cântaros com tudo alagado não apa recia táxi e o marido não tinha acesso ao lugar onde ela estava Entrou furiosa na sessão quei xandose do que aconteceu o que facilitou pro mover uma egodistonia de sorte que aos pou cos assumiu que era fobia de dirigir ao que se seguiu a análise das fantasias inconscientes e após ter decorrido algum tempo de análise a fobia cedeu 16 O analista necessita estar atento a um fato paradoxal muitas vezes justamente quan do o paciente está melhorando significativa mente de sua fobia ele mostra o recrudesci mento de uma angústia que podemos deno minar fobia de perder a fobia tendo em vis ta que ele já está familiarizado de longa data com suas defesas fóbicas e teme dispensálas receando o desconhecido que está por ocupar o lugar daquelas 17 Com relativa freqüência surge um problema técnico no curso da análise com aque les pacientes fóbicos que começam a faltar às sessões com grande exagero de modo que a ausência fica por demais prolongada estabe lecendo um círculo vicioso pois o analista está controlado pelo paciente mas não cabe lhe telefonar de forma seguida porquanto isto aumentaria o controle do paciente a um mes mo tempo quanto mais afastado o paciente se mantém maior é o seu receio de um reencon tro que lhe soa como um choque carregado que ele está com fantasias e expectativas perse cutórias O que deve então fazer o terapeuta Não cabe responder aqui de forma geral por que a conduta do analista vai variar de acordo com a singularidade específica de cada caso no entanto quase sempre esse paciente está testando o limite do analista em não desani mar nem revidar e tampouco desistir da análi se de maneira que se justifica que o analista faça episódicos telefonemas para clarear a po sição do paciente em relação à continuidade de sua análise 18 Como antes já foi dito dentre as múl tiplas formas de fobia cabe destacar a fobia social que é considerada como a segunda mais comum de todas na qual essas pessoas sofrem o medo de passar por um ridículo público de que estejam sendo alvo de uma avaliação críti ca depreciativa dos demais com receio de co meter enganos e dizer asneiras e frases desco nexas Tais situações incluem a fobia de falar em público e de ficar paralisado por um bran co na mente de reuniões sociais ou científi cas de comer ou beber em público O maior sofrimento é durante o período antecipatório da situação que terá de enfrentar Quando a referida necessidade de enfrentar um auditó rio é obrigatória e o sofrimento por mais irra cional que seja segundo o julgamento do pró prio paciente esteja sendo de uma intensida de insuportável creio que o terapeuta pode sugerir o uso de uma transitória medicação com algum betabloqueador propranolol que costuma dar excelentes resultados Porém deve ficar bem claro para o paciente que não se tra ta de medicação curativa ou que ela será usa da de forma sistemática e muito menos que isso representa a solução de seu problema fóbico mas sim que tãosomente o medica mento é para aquela situação específica e que a provável solução está na continuidade de sua terapia analítica 29 Transtornos Obsessivo compulsivos TOC É útil também esclarecer que o diagnós tico obsessivo não define uma forma única de caracterologia pois ela pode se manifestar de formas opostas ou seja tanto são obsessi vos aqueles nos quais predomine uma tendên cia à passividade e que tomam inúmeros cui dados antes de tomar qualquer iniciativa e dei xam subjugarse como também são obsessi vos aqueles nos quais prevalece uma atitude agressiva que se tornam líderes com um perfil de mandonismo intolerância a mínimos erros falhas ou limitações dos outros assim adotan do uma postura despótica e tirânica ainda que sejam pessoas sérias bemsucedidas e bemin tencionadas ETIOLOGIA Resumidamente os fatores etiológicos mais comumente apontados pelos autores de todos tempos consistem na existência de Pais obsessivos que impuseram um superego por demais rígido e punitivo Uma exagerada carga de pulsões libidinais ou agressivas que o ego não conseguiu processar Um permanente conflito intrasistêmi co o ego está submetido ao superego cruel e ao mesmo tempo ele está pres sionado pelas demandas pulsionais do id assim como um conflito intersis têmico por exemplo dentro do pró prio id as pulsões de vida e morte podem estar em um forte conflito ou para dar outro exemplo nas represen tações dentro do ego o gênero mas culino e o feminino do sujeito não se entendem entre si etc CONCEITUAÇÃO Na DSMIVTR a neurose obsessivocom pulsiva está enquadrada como transtorno obses sivocompulsivo TOC Embora a obsessividade possa ser um elemento comum em diversas pessoas é importante que se faça uma indis pensável discriminação entre os seguintes es tados 1 traços obsessivos em uma pessoa nor mal ou como traços acompanhantes de uma neurose mista uma perversão uma psicose etc 2 caráter marcadamente obsessivo 3 transtorno obsessivocompulsivo É útil estabelecer uma diferença concei tual a caracterologia obsessiva implica a pre sença permanente e predominante dos conhe cidos traços de meticulosidade controle dúvi da intolerância etc sem que isso altere a har monia do indivíduo ou que o faça sofrer exageradamente embora ele apresente algumas inibições que o desgastam e possa estar infli gindo algum sofrimento aos que convivem mais intimamente com ele Podese mesmo dizer que uma pessoa portadora de um caráter obsessivo desde que esse não seja excessivo é aquela que melhor reúne os aspectos sadios de uma neces sária disciplina método ordem respeito mo ral e ética Já o TOC pelo contrário implica um grau de sofrimento a si próprio e aos demais e tam bém em algum prejuízo no seu funcionamento na vida familiar e social É bem sabido o quan to em certos casos os sintomas obsessivos pen samentos e compulsivos atos compostos por dúvidas ruminativas pensamentos cavilatórios controle onipotente frugalidade obstinação rituais e cerimoniais atos que compulsiva e repetitivamente são feitos e desfeitos num nun ca acabar podem atingir um alto grau de incapacitação total do sujeito para uma vida livre configurando uma gravíssima neurose 312 DAVID E ZIMERMAN As primitivas fixações da fase anal com os respectivos significados que a teimo sia e a rebeldia próprias dessa fase as sim como o ato de defecar e as fezes adquiriram para a criança pequena Uma identificação com aspectos obses sivos dos pais e da cultura em que es tão inseridos De forma resumida podese dizer que o neurótico obsessivo luta em duas frentes 1 contra fantasias e desejos sadomasoquistas intensos que exigem um grande dispêndio de energia psí quica para o ego manter as defesas de repressão e de formação reativa 2 contra um superego cruel sádico que determina uma conduta predominan temente masoquista ou tirânica CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Existe uma ambigüidade e uma ambi valência no paciente obsessivo resul tante do fato de que por um lado ele sente o seu ego submetido a um su perego tirânico ele sentese obriga do a pensar a fazer ou a omitir sob pena de a um mesmo tempo em que quer tomar uma posição contra esse superego ou contra as expectati vas exageradas do ideal do ego e dar uma livre evasão ao id Disso resulta que comumente são en contrados dois tipos de obsessivos o tirânicocontrolador ou ativosubme tedor e o tímidoindeciso ou passi vosubmetido Assim a escolha de suas relações objetais costuma recair em pessoas que se prestem em fazer a complemen tação dos dois tipos referidos como é por exemplo o de uma relação do tipo dominador versus dominado ati vo versus passivo sádico versus maso quista etc Um traço comum a todos eles é que se mostram pessoas lógicas geralmen te utilizando intelectualizações racio nalizações detalhismos certo ar professoral de modo a que a comuni cação com o analista possa ficar difi cultada Alguns autores estabelecem uma distinção entre racionalização como sendo uma mentira apaixona da e intelectualização como uma ver dade congelada Também é comum que os obsessivos apresentem uma série de dissociações tipo idéia versus afeto querer conhe cer K versus não querer tomar conhecimento K mente versus corpo contradições entre o que diz e o que faz etc O paciente obsessivo está em um per manente conflito em busca de um perfeccionismo em uma luta para cumprir eou descumprir as deman das de perfeição impostas pelo seu superego ego ideal e ideal do ego bem como também contra as forças sabotadoras do seu contraego Sempre existe a concomitância de as pectos obsessivos com os fóbicos e os paranóides embora em graus variá veis quando estes últimos predomi nam o paciente fica sendo um polemi zador ele querela e porfia sobre deta lhes mínimos ele sempre tem um não engatilhado na ponta da língua ou quando diz sim em seguida vem um mas configurando aquilo que socialmente se costuma chamar de chato Quando prevalece uma obsessividade narcisista esse tipo de paciente exibe uma superioridade muito bem disfarçada sob uma capa de modés tia pela qual ele tenta convencer aos outros e a si próprio o quanto ele é entre todos outros mais o mais ho nesto dadivoso humilde etc Essa convicção de superioridade obsessiva pode manifestarse por uma dimensão moral que consiste no fato de que ele se torna compulsivamente um colecionador de injustiças o que prova a sua tese de que ele está rodea do de gente que está longe da pureza dos seus ideais MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 313 Nesse mesmo tipo de paciente obses sivonarcisista é tal o pavor de que haja um fracasso da potência ou da orgasmia que ele ela usa de mil sub terfúgios para evitar o enfrentamento de uma ligação erótica porque este tipo de paciente não se entrega ao ato sexual precipuamente na busca de um prazer antes disso é como se estives se se submetendo a um exame de ava liação de sua autoestima sempre a perigo e daí a facilidade de instalar se um círculo vicioso de medo e evitação que pode adquirir caracte rísticas fóbicas Muitos sintomas manifestamse com a participação da defesa de anulação o que leva o neurótico obsessivo a rea lizar algum ato anulando o que fez apagando rasgando pondo fora e re começando de modo que em casos mais graves essa operação de faz desfaz podese repetir de uma forma quase interminável e uma tarefa que normalmente levaria uma hora por exemplo pode durar cinco ou mais horas Uma manifestação sintomática bastan te freqüente é aquela na qual a mente do obsessivo é invadida por pensa mentos estranhos como pode ser o de uma recorrente dúvida se ele não está tomado por uma doença termi nal ou se é homossexual ou uma iló gica ideação agressiva erótica suici da etc não obstante o seu lado ló gico perceba a irracionalidade desses pensamentos estranhos Tais pessoas gastam expressivos tempo e energia psíquica que poderiam ser aproveita dos para ações construtivas para con seguir afastar esses pensamentos es tranhos porém insidiosamente os mesmos voltam a invadir a mente No entanto a característica que pare ce ser a mais comum e constante é a de um permanente estado de dúvida na base de interrogações do tipo faço ou não faço está ou vai dar certo ou errado devo ou não devo Re cordome de uma paciente obsessiva que durante semanas ficou me rela tando sua indecisão quanto à compra de um tapete novo para o living de sua casa Após ter descartado muitos mo delos finalmente ficou entre um ta pete que era claro quase branco e um outro igualmente bonito que era pre to Ela preferia o branco porém essa cor sujava muito enquanto preto era lindo porém se mais tarde se arre pender nunca vai se perdoar de sor te que entre argumentos e contraar gumentos favoráveis e desfavoráveis ora a um ora para o outro tapete não só tempo das sessões mas o de sua própria vida iam se escorrendo Em bora nesse caso sua indecisão entre o branco e o preto permitisse o entendi mento e a formulação de outras dúvi das provindas de seu inconsciente o efeito das interpretações não afetava ao rigor de sua obsessividade recorrente MANEJO TÉCNICO 1 Como tal tipo de paciente sempre está submetido a um superego que é rígido cobra dor e ameaçador cabe ao analista por meio da atividade interpretativa e de sua conduta como pessoa real que ele é gradativamente transformar esse superego mau em um superego bom ou seja em um ego auxiliar 2 Relativamente às excessivas demandas perfeccionistas do ego ideal e do ideal do ego a tarefa do terapeuta em grande parte deve visar ao estabelecimento da capacidade de o paciente reconhecer claramente quais são os seus limites alcances e limitações direitos e deveres o possível e o impossível de ser alcan çado a intolerância pelas falhas e diferenças que os outros têm em relação a ele 3 Nos casos em que há uma interna exi gência excessiva no cumprimento dos ideais que desde criancinha lhe foram programados este tipo de paciente tornase muito vulnerá vel a críticas achase injustiçado pelos esfor ços que envidou ou decepcionase consigo mesmo deprimese e sobretudo corre o risco de abdicar do seu direito de ser desejante o 314 DAVID E ZIMERMAN que ele pode substituir por uma atitude de fi car escravizado ao desejo de ser o objeto do dese jo do outro 4 Assim especialmente nos obsessivos com fortes defesas narcisistas o analista deve assumir a posição de nãodesejante de modo a sair do mundo especular do paciente em que o mesmo procure corresponder ao ideal do ego do seu analista 5 Nessas situações o analista deve pro piciar ao paciente que ele construa espaços próprios nos quais passe por experiências vi vidas como sendo de solidão e possa gozá los como privacidade responsabilizandose pelo que ele faz não ficar eternamente na po sição esquizoparanóide atribuindo todas as mazelas aos outros Assim o terapeuta de verá ter continência e paciência para as angús tias do paciente no início da experiência de uma autêntica busca de sua autonomia 6 O contraego uma organização pa tológica que atua contra o crescimento do pa ciente merece uma atenção especial por par te do analista tal como aparece no Capítulo 10 pois ele age subrepticiamente e obriga o paciente a se manter em uma permanente vi gília obsessiva 7 Em relação aos pacientes obsessivos por demais lógicos creio que uma boa tática consiste em fazêlos clarearem e assumirem com os respectivos afetos o significado daqui lo que dizem de uma forma intelectual e fria Recordome de uma paciente que recitava tre chos de escritos meus e queria discutilos em um nível científico nos primeiros tempos man tinhame evasivo e reticente para evitar ser controlado por ela porém em um segundo mo mento aproveitava o aporte de sua leitura para incentivála a fazer conexões de como ela en tendia e sentia os enunciados psicanalíticos dos textos com a sua própria pessoa 8 Nos obsessivos existe uma forte ten dência em utilizar um sistema de pensar rumi nativo cavilatório com uma nítida preferên cia pelo emprego da conjunção ou que é disjuntiva excludente Cabe ao analista propi ciar ao paciente que no lugar do ou ele pen se com a conjunção e que é integrativa includente 9 Na situação analítica há risco de que o paciente obsessivo consiga fazer prevalecer o seu controle sobre si mesmo e sobre o terapeuta pelo uso de seus habituais mecanis mos defensivos o de um controle onipotente tenta deixar o processo analítico estagnado o deslocamento para detalhes que se tornam enfadonhos e podem provocar uma esterili zante contratransferência de tédio a anula ção com o emprego sistemático de um discur so na base do é isto mas também pode ser aquilo ou não é nada disto a formação reativa sempre gentil educado e bemcompor tado o paciente não deixa irromper a sua agres são reprimida o isolamento em narrativas desprovidas de emoções etc 10 O maior cuidado que o analista deve ter consiste na possibilidade de ele se deixar equivocar pela colaboração irretocável desse paciente que costuma ser obsessivamente cor reto assíduo pontual bom pagador com boa apresentação e vida profissional geralmente bemresolvida porém existe a possibilidade de que esse paciente não esteja mais do que cumprindo a tarefa de ser um bom paciente do que propriamente alguém disposto a fazer mudanças verdadeiras Nesses casos não bas ta que as interpretações do analista estejam corretas é necessário observar o destino que elas tomam na mente do obsessivo se elas ger minam ou ficam desvitalizadas às vezes en grossando o seu arsenal defensivo Um bom recurso técnico é fazer um permanente con fronto para o paciente entre o que ele diz sen te e de fato faz 11 Há uma grande possibilidade de que as defesas obsessivas do paciente ajudem a construir uma aliança terapêutica com o tra balho do analista em cujo caso são muito pro váveis as perspectivas de um bom resultado analítico 12 Além do risco da mencionada contra transferência de tédio o analista também deve conhecer bem o perfil de sua própria persona lidade para evitar a hipótese de que ele seja portador de excessivos aspectos obsessivos que deixe isso contaminar o campo analítico o que não daria saída para o seu paciente igualmen te obsessivo MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 315 quanto o estilo da comunicação é ca racterizado por uma forma superlati va algo dramática na forma de expor os fatos mais baseados em sensações do que em reflexões a ânsia para obter alguma forma de reconhecimento dos outros domina a maior parte do psiquismo o que se expressa por meio de uma excessiva demanda por sucessivos reassegura mentos de que é uma pessoa amada valorizada desejada etc existe uma grande habilidade no uso da técnica de provocação a qual con siste em induzir as pessoas com quem convivem a maltratálos de alguma forma assim confirmando a sua arrai gada tese de que são eternas vítimas de injustiças e de abandonos uma acentuada inconstância e labili dade na manifestação das emoções que podem oscilar rapidamente de um estado de alegria para o de tristeza do riso ao choro de um jeito carinho so para o de uma agressiva cobrança imperativa ou aos vingativos daí decorre uma exagerada sensibili dade com sofrimento diante de se parações 30 Histerias A sexualidade do histérico é oral e a sua oralidade é genital R Fairbairn Considerem a maneira pela qual uma donadecasa distingue um bom forno de um mau forno Os fornos ruins esquentam rápido mas esfriam com a mesma rapidez Os bons fornos esquentam lentamente de modo incerto mas conservam o seu calor por muito tempo S Freud a propósito dos pacientes que se entusiasmam muito rapidamente com os resultados da análise Alain de Mijolla 1988 CONCEITUAÇÃO A grafia do título deste capítulo no plural justificase pelo fato de que histeria aparece nos textos psicanalíticos com formas e significados bastante distintos Sua conceituação abrange muitas modalidades e graus tanto de traços caracterológicos quanto de quadros clínicos além de ser tão plástica que a rigor podese dizer que está presente em todas as psicopatologias No en tanto o termo deve ficar restrito aos quadros sintomatológicos e de caracterologia que obede cem a uma estruturação própria e conservam uma série de pontos em comum cabendo destacar entre eles os seguintes aspectos que virtualmen te estão sempre presentes o limiar de tolerância às frustrações é bastante baixo o mecanismo defensivo por excelên cia consiste no uso de repressões o uso consistente de forma direta ou dissimulada de alguma forma de se dução uma supervalorização do corpo tan to nos exagerados cuidados estéticos como na possibilidade de surgimento de conversões e somatizações o discurso em geral é entremeado de queixas e demandas insaciáveis en 316 DAVID E ZIMERMAN cabe dizer que uma mulher ou ho mem histérica é a representação de uma criança se debatendo desajeita damente no corpo de um adulto freqüentemente essas características coexistem em estado de comorbi dade com outros quadros clínicos TIPOS DE HISTERIAS A classificação nosológica das doenças mentais DSMIVTR não fica restrita a um úni co eixo assim partindo do eixo I designa os sintomas psicopatologia as histerias mantêm a velha divisão nos dois tipos denominados como conversivas as angústias são convertidas nos órgãos dos sentidos como na cegueira his térica e no sistema nervoso voluntário do cor po como em uma paralisia e dissociativas desmaios personalidade múltipla etc Já no eixo II caracterologia transtornos de persona lidade o conceito é mais abrangente e inclui as denominações de transtornos de personali dade histérica personalidade infantil depen dente personalidade fáliconarcisista traços histéricos em outras personalidades transtor nos de personalidade histriônica Do ponto de vista de clínica psicanalítica cabe tomar como referência a conhecida sub divisão de E Zetzel 1968 que propõe a exis tência de quatro subtipos de pacientes histéri cas as quais ela classificou 1 as verdadeiras ou boas histéricas que atingem a condição de casar ter filhos com bom desempenho profis sional e que se beneficiam com a análise 2 Outras também verdadeiras com casamen tos complicados geralmente de natureza sadomasoquística que não conseguem manter por muito tempo um satisfatório compromisso com a análise 3 Aquelas pacientes que mani festam sintomas histéricos que lhes confere uma fachada de pessoa histérica porém que na verdade encobre uma subjacente condição bastante depressiva sendo que essas pessoas não se completam em nenhuma área da vida 4 As pseudohisterias presentes em personali dades muito mais primitivas de modo que a sua extrema instabilidade emocional justifica a antiga denominação psicose histérica Se gundo esse autor a indicação de psicanálise para as duas últimas formas de personalidade histérica especialmente a última seria muito discutível Também é útil considerar uma distinção entre personalidade histérica e personali dade histriônica embora às vezes elas se su perponham A forma histérica é a mais sadia delas porquanto os seus pontos de fixação es tão radicados na fase fálicoedipiana enquan to a forma histriônica o termo histrião na Roma antiga designava os atores que repre sentavam farsas bufonas ou grosseiras está mais fixada nos períodos iniciais da oralidade bem como suas formas de apresentação são muito mais floridas ruidosas e teatrais que das histéricas CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Não existe propriamente uma especifici dade típica perfeita de sinais e sintomas nas histerias e tampouco uma etiologia sempre igual pelo contrário os quadros clínicos das distintas modalidades de histerias permitem uma diversidade de enfoques nem sempre compatíveis entre si É certo no entanto que elas podem ser entendidas a partir das princi pais identificações com os pais e também em função da predominância das fixações desde as narcísicas até as edípicas Não obstante al gumas características comuns das diversas for mas de histerias embora não sejam exclusivas delas podem ser assim sintetizadas A existência de uma mãe histerogê nica que provoca na criança senti mentos muito contraditórios pois ao mesmo tempo ela é próxima e distan te carinhosa e colérica dedicada e indiferente ou seja prevalece uma atitude ambígua usando a criança como uma vitrine sua para exibirse aos outros projetando no filho os sen timentos que são inerentes à sua pró pria estrutura histérica No caso de fi lhos meninos essas mães desenvolvem um clima de expectativas narcisistas eou de sedução erotizada O pai no caso das meninas costuma ser simultaneamente sedutor e frustra MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 317 dor permanentemente erotizandoas e permanentemente rejeitandoas Em relação à ansiedade existente nas histerias além da clássica angústia de castração diretamente ligada ao con flito edípico todas as demais podem ser sintetizadas em uma primitiva an gústia de cair em um estado de de samparo e de baixa autoestima con seqüente do precoce medo de perder o amor dos pais ambíguos A tolerância às frustrações e às críticas costuma ser muito baixa geralmente vindo acompanhada por uma labilida de emocional sugestionabilidade e uma alternância entre uma idealização e denegrimento das outras pessoas especialmente as muito próximas Os mecanismos de defesa predominan tes são todos aqueles que levam a al gum tipo de negação principalmente o da repressão e também é comum o uso da denegação Outra defesa muito freqüente é uma dissociação dos distintos aspectos de sua persona lidade de sorte que tal como se pas sa em um giro de um caleidoscópio tais pessoas podem cambiar subita mente de identidade passando de uma madura conduta adulta para a de uma criancinha assustada e birrenta De forma análoga também é comum que uma pessoa histérica neguese conscientemente a praticar alguma atuação porém inconscientemente e de forma ingênua ela faz de tudo para que esse acting aconteça Em relação ao sentimento de identida de é bastante freqüente a existência de um falso self falta de autenticida de transparece uma insinceridade e sentem um inexplicável sentimento de falsidade e futilidade além de uma certa confusão acerca de sua real iden tidade sou criança ou adulto sou he tero ou homossexual etc O vínculo do reconhecimento adquire uma enorme importância nas pessoas histéricas porquanto elas estão per manentemente pressionadas por suas demandas de obtenção de provas con cretas de que são amadas desejadas e reconhecidamente valorizadas É tão intensa a demanda por um reconhe cimento que em algumas formas de histeria transparece um egocentrismo e um infantilismo de modo que a ou tra pessoa significativa com quem o histérico conviva é utilizado unicamen te como provedor das necessidades materiais e afetivas às vezes insaciá veis o que pode traduzirse pela pa tologia de um consumismo compul sivo Assim não lhes basta ter o amor da pessoa amada exigem ser o centro da vida dessa pessoa daí a comum intercorrência de brigas motivadas por inveja e ciúmes Em razão dessa alta vulnerabilidade da autoestima os histéricos são pre sas fáceis de estados depressivos es pecialmente a assim chamada de pressão narcisística Para compensar esse permanente vazio existencial buscam compensações na obtenção de dinheiro beleza prestígio glória colunas sociais e como foi aludido um exagerado consumismo de rou pas jóias etc Destarte o corpo adquire uma extra ordinária importância para a pessoa histérica não só porque ela ficou hipersensibilizada quase sempre por excessivos estímulos erógenos na in fância mas também porque é por meio do corpo uma certa forma de vestir um sorriso enigmático um olhar diferente uma certa entonação vocal alguma manifestação conversiva ou dissociativa que a pessoa histérica pretende garantir a sedução e a posse da pessoa desejada Quando se trata de uma histeria con versiva é importante o analista levar em conta o que Freud denominou com placência somática isto é quais são as zonas histerógenas que correspon dem a pontos de fixação formados durante os estágios evolutivos onde aparecerão as conversões 318 DAVID E ZIMERMAN Na conversão o corpo expressa com a sua linguagem somática particular aquelas idéias e representações que a repressão e outras defesas primitivas a serviço da censura não permitiram que elas se expressassem por meio de palavras Daí por que se costuma di zer que o corpo fala A sexualidade da pessoa histérica qua se sempre está prejudicada e apresen ta algum tipo de transtorno como uma sensação de ter uma homossexualida de latente algum transtorno do seu gênero sexual alguma forma de ini bir ou de castrar a genitalidade doa parceiroa certa impotência anor gasmia fantasias perversas don juanismo ninfomania etc Pode acontecer que a possível frigidez da mulher histérica funcione como um instrumento inconsciente de tipo nar cisista isto é a serviço de ela não se humilhar perante o homem e de ma neira vingativa fazer com que esse se sinta um fracassado Assim freqüente mente esse tipo de histérica usa a téc nica da provocação e da vingança se duzindo o homem até o ponto de esse mostrar o seu intenso desejo por ela quando então ela realiza uma fuga o que exaspera o seduzido de sorte que tudo isso não raramente é seguido de posteriores acusações dela de que ele foi grosseiro vulgar e estuprador Relativamente à escolha das relações objetais mais particularmente a esco lha da parceria adquire algumas ca racterísticas típicas como pode ser a de uma configuração sadomasoquista a de recíproca busca de um pai ou de uma filha etc a busca de uma pai xão na eterna procura do príncipe encantado ou da fadamadrinha além de outras configurações equiva lentes a essas De modo geral mais cedo ou mais tarde sobrevêm as de cepções seguidas de novas ilusões em um círculo vicioso interminável mui tas vezes entremeadas de infidelida des na busca de outros parceiros O estilo da comunicação comumente é do tipo demonstrativo ou seja uma forma dramatizada e hiperbólica de narrar os fatos Esse estilo dramatiza do pode se expressar por meio do re curso de um jogo de intrigas de pres sionar as pessoas circunstantes re presentadas pelos grupos familiar so cial ou profissional a fim de que elas assumam o papel de protagonistas do script do drama inscrito no seu mundo interno representando aqueles papéis que desempenham os personagens do seu interior teatro imaginário Na verdade tratase da dramatização do drama edípico de modo que se cri am encenações enactements fora e dentro das sessões das vivências des se drama com os respectivos papéis de cada um dos personagens em que predominantemente sempre existe al guém do triângulo edípico que é idea lizado enquanto sempre algum outro se sente excluído e denegrido alimen tando idéias vingativas Não obstante virtualmente sempre o colorido histérico apresentase visivel mente com uma transparência edípica não resta dúvida que de longe pre domina a existência de uma intersec ção de Édipo com Narciso de sorte a confirmar a clássica frase de Fairbairn de que comumente nas histerias a oralidade expressa a genitalidade en quanto a oralidade procura satisfação pela genitalidade MANEJO TÉCNICO Embora exista um largo espectro de varia ção de qualidade e quantidade nos tipos de pacientes manifestamente histéricos cabe tra çar algumas recomendações técnicas que são comuns a todos casos em terapia analítica 1 É fundamental a atitude psicanalítica interna do terapeuta pois necessariamente ele deve estar despido dos habituais preconceitos pejorativos que culturalmente estigmatizam a MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 319 essas pessoas histéricas assim como também ele deve estar preparado para não ficar de imediato envolvido nas malhas do encan tamento que esses pacientes inicialmente pro vocam 2 Na definição do contrato analítico deve ser levado em conta que comumente esse tipo de paciente fecha o contrato com alguma faci lidade No entanto também com alguma faci lidade pode interrompêlo ou porque não es tava bemmotivado ou porque confiou demais na sua capacidade de encantar o analista que decepcionou este desejo ou porque levado por seus desejos ilusórios esses pacientes não cal cularam bem as possibilidades reais de arcar com um tratamento tão longo difícil e custo so ou até mesmo porque não suportam as ine vitáveis frustrações que decorrem de um trata mento analítico bem conduzido até porque esse tipo de paciente tem uma forte propensão à idealização e igualmente à decepção 3 Um aspecto particularmente importan te consiste no fato de que embora o inconscien te do paciente histérico faça de tudo para dis simular a dor narcísica por meio de uma flori da fachada de sexualidade erotizada e eroti zante bem no fundo não há nada que mais o decepcione e provoque rancor do que quando as pessoasalvo de sua sedução como fica sen do o a terapeuta na situação analítica não consigam distinguir entre os desejos eróticos do id do a paciente e as necessidades provindas do seu ego carente e assim se deixem envol ver num acting sexual 4 Assim na atualidade ninguém duvida de que o paciente histérico tem desejos sexuais porém ele também tem feridas e necessidades narcisísticas sendo que na prática clínica a regra é que essas últimas aparecem mascara das por uma florida e estimulante manifesta ção de aspectos da sexualidade fortemente tentadoras para o analista interpretar em ter mos transferenciais unicamente edípicos quan do na verdade o seu verdadeiro sofrimento radica nas primitivas falhas narcísicas 5 Com muita freqüência os pacientes ti picamente histéricos começam suas sessões ou pelo menos a sessão que segue o fim de semana fazendo uma narrativa do drama do dia que quase sempre reflete o drama grupal da família primitiva tal como esta está intro jetada dentro deles e que por meio de proje ções distribuem os respectivos papéis aos cir cunstantes 6 O analista deve permanecer atento ao fato de que tais pacientes costumam convidar o analista a se sensibilizar e compadecer da condição de vítima desse analisando de modo a ficar aliado a ele contra os demais que segundo ele são seus verdugos 7 O relato histérico em ocasiões distin tas abrange uma grande diversidade de con flitos com o cônjuge os familiares os ami gos seu grupo de trabalho etc cabendo ao analista assinalar a unidade que existe na diver sidade uma espécie de tirar o mínimo deno minador comum na conduta do paciente assim unificando os significados 8 Creio que um bom recurso tático que o analista pode utilizar consiste em obter que o paciente refaça sua narrativa na qual ele sis tematicamente aparece como vítima de incom preensões e injustiças de modo que ele re conte como tudo começou desde o início e seguidamente ambos terapeuta e paciente dãose conta que a história não tinha sido bem contada e que o próprio paciente indu ziu os demais a trataremno mal assim con firmando a sua tese de que é um injustiçado crônico 9 É indispensável nestes casos que o analista proponha ao paciente a abertura de novos vértices de percepção dos significados que o paciente atribui aos acontecimentos dos quais ele participou ativamente Por exemplo se uma paciente estiver se queixando indignada de que foi vítima de um assédio sexual podese lhe pedir para relatar toda a história do episó dio que ela julga um assédio indigno e agressi vo sendo muito provável que surjam impor tantes aspectos que estavam ocultos 10 Assim este relato mais completo pode possibilitar a visualização de três possibilida des através da abertura de novos vértices como a primeira é a de que involuntaria mente ela foi mesmo vítima de uma agressão indevida em cujo caso a sua incontida indig nação e fúria estão representando uma reação sadia por parte da paciente a segunda hipóte se é que ela possa ter emprestado um signifi cado equivocado de sedução por exemplo à real intenção ser gentil ou uma manifes tação de amizade ou admiração por exem plo contida nas palavras ou gestos do seu 320 DAVID E ZIMERMAN presumível abusador a terceira possibilidade é que ela venha a descobrir que sem se dar conta ela é quem inicialmente provocou o ou tro com a forma transbordante de sensuali dade de se vestir a languidez do olhar um esfregar do corpo ao falar etc 11 Um outro interessante recurso tático é o de propor ao paciente uma espécie de role playing imaginário isto é partindo da mesma cena que ele contou fazer o paciente imaginar uma troca de lugares e de papéis com os ou tros que participaram da aludida cena de ma neira que estabelecendo confrontos e assina lando paradoxos o analista conduza o pacien te a sentir em si aquilo que os demais devem ter sentido em relação a ele 12 Essa conduta pode abrir o caminho para o paciente histérico conhecer melhor as suas autorepresentações ou seja como os outros me vêem como o meu analista me vê como eu me vejo 13 A propósito é fundamental que o ana lista assinale as diversas partes do self do paci ente histérico a criancinha versus o adulto o seu lado sóbrio e comedido versus o lado sedu tor de sorte a poder integrar e harmonizá las no convívio permanente que existe entre elas 14 Em relação ao setting o analista deve ficar atento à possibilidade de que o paciente com forte caracterologia histérica tente desvir tuar as combinações previamente acordadas o que ele pode fazer tanto por um sucessivo pedido de mudanças de horários e dias das sessões como também por meio de criar uma atmosfera de que paciente e terapeuta já são muito amiguinhos e vai haver uma mútua concessão de privilégios especiais etc 15 A finalidade inconsciente da transgres são do enquadre analítico pode estar a serviço de uma resistência desse paciente em permitir um aprofundamento da análise assim como também é possível que vise a submeter o terapeuta a sucessivos testes para assegurar o quanto elea é um paciente filho especial ou em um outro plano testar quais são os li mites das capacidades do analista 16 Relativamente ao fenômeno da resis tênciacontraresistência o paciente histérico pode estar em egossintonia e até jactar com suas atividade e habilidade eróticas no en tanto resiste muito mais a entrar em contato com suas feridas narcisistas e principalmente com a depressão que sempre está subjacente Uma forma típica de resistência histérica é aquela que consiste em evitar a tomada de co nhecimento de desejos proibidos de modo que o nãoconhecimento fica substituído por con versões somáticas ou por actings 17 Cabe destacar a importância do risco de que na situação analítica haja a possibili dade de o terapeuta contrair algum tipo de conluio inconsciente com o paciente quer se deixando envolver em actings o que pode re presentar a morte da análise ou pelo contrá rio contraindo um conluio fóbico de modo a evitar a abordagem de fantasias e sentimen tos considerados perigosos 18 A transferênciacontratransferência assume um papel relevante na prática analíti ca com personalidades histéricas tendo em vista que a transferência pode surgir de forma precoce e intensa quer sob a forma de uma narcisista exagerada idealização do analista quer com uma excessiva erotização que segui damente assume nesta paciente uma forma obcecada e que não raramente impede o pros seguimento normal da análise O analista deve estar atento para o fato muito comum de que a transferência erótica vem acompanhada de material clínico repleto de claras alusões ao conflito edípico de sorte a que o analista sin tase convidado a interpretar nessa dimensão de Édipo quando na verdade é bem provável que a raiz do verdadeiro conflito esteja radica da em Narciso 19 Nos casos mais graves de histerias o comportamento intrusivo do paciente por meio de uma curiosidade invasiva além de um con trole constante embora às vezes sutil sobre a vida do analista costuma despertar um sen timento contratransferencial muito difícil Igualmente difícil é a contratransferência di ante de actings às vezes muito preocupantes e que não raramente forçam a intervenção de familiares no setting analítico resultante do fato de que no paciente histérico as funções de pensar e de verbalizar ficam substituídas por uma forma de comunicação nãoverbal que tanto pode ser por meio de atuações quanto de conversões somatizações e transtornos da imagem corporal 20 A atividade interpretativa do analista pode ficar centrada nos seguintes aspectos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 321 a Usar a técnica da confrontação como por exemplo levando o paciente a con frontar se há similaridade em como ele se vê e como os outros o vêem ou entre o que ele diz e faz ou a versão de como ele faz a sua narrativa sem pre no papel de vítima em confronto com uma outra possível significação da mesma narrativa b Para tanto como já antes foi assinala do é válido utilizar a técnica de uma imaginária dramatização verbal pela qual o paciente troca de lugar e de papel com outras pessoas que estão no cenário de seus grupos de convivên cia inclusive com o próprio analista c Trabalhar com as funções conscientes do ego do paciente ou seja de como ele percebe pensa ajuíza discrimina e comunica os seus sentimentos de ódio e de amor como ele ama é amado e quais são os seus critérios de amor d O analista deve tentar juntar os aspec tos dissociados do paciente histérico de modo a tornálos unificados e as sim possibilitar que o paciente assu ma o seu quinhão de responsabilida de pelo que acontece nos seus distin tos relacionamentos e Da mesma maneira é função do terapeuta estar atento para a forma dissociada de como funciona o psiquis mo do paciente histérico Um exemplo que me ocorre em relação a esse as pecto é o de uma paciente que tendo feito um insight do quanto sob um dis farce de ingenuidade estava acinto samente seduzindo um homem casa do tomou a firme deliberação cons ciente de não mais prosseguir nesse jogo sedutório ela se afastaria e somen te conservaria uma boa e pura amiza de com ele No entanto algumas se manas após veio à lume que ainda sob a aparência de uma ingenuidade ela matinha uma correspondência pura uma troca de cartas singelas com o homem desejado e proibido Tratava se de uma pessoa séria que honesta mente não percebia que continuava com o mesmo jogo de sedução não que estivesse deliberadamente mentindo mas sim porque ela funcionava com a sua mente dissociada em duas partes opostas e contraditórias agindo con comitantemente f Esse aspecto remete a um outro equi valente de importância essencial no tratamento analítico qual seja se esse tipo de paciente pensa em resolver os seus conflitos por meio de múltiplas formas de evadir as dificuldades de conhecer as verdades penosas ou se ele está de fato disposto a ser verda deiro e enfrentálas única maneira de vir a fazer verdadeiras mudanças psí quicas mais profundas g Assim há uma necessidade de o ana lista ir desfazendo as idealizações e as múltiplas ilusões que habitam a men te do paciente histérico processo esse que deve ser permanente firme e coe rente porém que exige paciência e tolerância porquanto ele é muito do loroso para esse analisando 21 Em relação ao trabalho de elaboração analítica um aspecto que deve merecer uma atenção especial do analista consiste na possi bilidade de que o paciente esteja fazendo fal sos insights ora intelectualizando ora desvita lizando as interpretações do analista Igual mente existe o risco de que o terapeuta deixe se envolver em alguns dos muitos conluios resistenciais 22 De forma genérica cabe dizer que os pacientes da série histérica são aqueles que mais gratificam às vezes com resultados no táveis e ao mesmo tempo podem ser aque les que mais frustram Assim é bastante fre qüente acontecer que certos pacientes histé ricos despertam um entusiasmo no analista durante os primeiros meses ou anos de aná lise e depois o frustram tanto pela constata ção de que não estão ocorrendo mudanças verdadeiras como também pela razoável pos sibilidade de interrupções por vezes súbitas e inesperadas 23 O entusiasmo inicial decorre do fato de que no início tais pacientes histéricos en cantam pelo charme inteligência brilhante 322 DAVID E ZIMERMAN com facilidade para uma livre associação de idéias com uma rica e detalhada vida de fan tasias comumente centradas na sexualidade Além disso parecem bem motivados trazem muitos sonhos revelam reflexos rápidos e uma clara compreensão e resposta afetiva às in terpretações do analista a par de uma agu deza na percepção da realidade no entanto esse último aspecto pode ficar anulado pela sua parte doente que se opõe a um cresci mento adulto logo a uma renúncia aos de sejos ilusórios 24 Essa probabilidade de anulação de um possível êxito analítico devese a alguns fato res tais como a Embora manifestem emoções turbu lentas o contato afetivo desses pacien tes costuma ser muito superficial con traditório instável e com uma cons tante fuga das verdades penosas ha vendo uma propensão para adquirir uma feição sadomasoquista b A existência de uma ambigüidade na base do nem que sim nem que não muito antes até pelo contrário que pode levar a uma confusão pois re presenta um ataque aos vínculos per ceptivos c Costuma haver uma rápida passagem de um estado mental humor afeto atitude idéia identificação para ou tro estado mental oposto de modo que ambos se anulem entre si d O exagero hiperbólico dos sentimentos qualquer coisa mesmo sendo banal adquire dimensões enormes pode des figurar os reais significados dos fatos e Existe a possibilidade de atuações ex cessivas que mobilizam outras pes soas que ficam diretamente envolvi das e que às vezes são levadas a in tervir no andamento da análise assim pondo em risco a necessária preser vação do setting analítico f Não raramente tais pacientes mercê de uma espécie de transferência de vingança ficam satisfeitos em provo car uma certa excitação no campo ana lítico seguida de uma frustração nas expectativas que teriam despertado no analista 25 Para finalizar creio que a experiên cia clínica ensina que os aspectos obstrutivos e anulatórios predominam quando a estrutu ra psíquica do paciente histérico funciona sob a égide da posição esquizoparanóide No en tanto os fracassos não se constituem a regra pelo contrário aqueles pacientes que não obstante apresentem uma nítida configuração histérica conseguiram adquirir uma adequa da organização obsessiva uma capacidade para ingressar na posição depressiva a cons trução de uma aliança terapêutica aliado a um apropriado manejo técnico do analista de monstram excelentes e muito gratificantes re sultados verdadeiramente analíticos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 323 do final da década de 40 o termo psicosso mático passou a ser empregado como subs tantivo para designar no campo da medicina a decisiva influência dos fatores psicológicos na determinação das doenças orgânicas já ad mitindo uma inseparabilidade entre elas Aliás ninguém mais contesta a inequívo ca interação entre o psiquismo determinando alterações somáticas e viceversa o que per mitiria a ilustração com exemplos clínicos que vão desde os mais simples a corriqueira evi dência de estados de raiva ou medo produzin do palidez e taquicardia vergonha levando a um enrubescimento um estado gripal desen cadeando uma reação depressiva e reciproca mente um estado depressivo facilitando o sur gimento de uma gripe etc passando por si tuações relativamente complexas Assim é co nhecido o fato bastante freqüente de mulhe res que embora desejosas de engravidar man têmse inférteis durante um longo período de anos até que após a adoção de uma criança pelo casal comecem a engravidar com facili dade Igualmente as psicossomatizações podem atingir níveis bastante mais complexos e ainda inexplicáveis conforme comprovam os moder nos estudos da psicoimunologia e dados da ob servação clínica como o da instalação de qua dros cancerígenos diante de perdas importan tes etc Da mesma forma as correntes expressões populares como estou me cagando de medo cego de ódio estômago embrulhado de tan to nojo dentre tantos atestam claramente o quanto a sabedoria popular de forma intuiti 31 Pacientes Somatizadores Quando o sofrimento não pode expressarse pelo pranto ele faz chorarem os outros órgãos W Motsloy médico Se você pensa positivamente o seu sistema imunológico também responde positivamente CONCEITUAÇÃO Sempre houve uma tendência tanto no campo da filosofia quanto no da primitiva ci ência médica de separar o corpo da mente Mais especificamente no que se refere à psica nálise ainda hoje muitos se perguntam se a doença psicossomática é um campo de saber à parte dos princípios psicanalíticos ou se estes últimos representam uma extensão um desen volvimento e um novo campo mais abrangen te da psicanálise assim facilitando a compre ensão e o manejo dos pacientes somatizadores O fato incontestável é que os psicanalistas têm sido os grandes fomentadores do movimento psicossomático logo de uma medicina inte grada holística e de uma visão humanística da existência O termo psicosomático tal como está grafado com um hífen nitidamente separador entre psique e soma apareceu pela primeira vez na literatura médica há aproximadamente 200 anos em um texto de Heinroth clínico e psiquiatra alemão no qual o autor buscava adjetivar uma forma particular de insônia Essa concepção pioneira foi fortemente atacada por grande parte do conservadorismo científico da época enquanto algumas outras vozes tímidas apontavam para aquela concepção integradora Um dos seguidores dessa linha de pensamento médico foi William Motsloy que há mais de 100 anos em Fisiologia da mente demonstran do um alto grau de intuição escreveu que quan do o sofrimento não pode expressarse pelo pran to ele faz chorarem os outros órgãos A partir 324 DAVID E ZIMERMAN va captou a existência de uma estreita e in contestável relação entre os estados mentais e os corporais Os exemplos clínicos poderiam ser multiplicados ao infinito sendo que esse fato juntamente com a multiplicidade de vér tices de abordagem e de inúmeros fatores etio lógicos em jogo evidencia a enorme comple xidade do fenômeno de psicossomatização Para dar um único exemplo somente o presti gioso Instituto de Psicossomática de Paris des creveu cinco tipos de personalidade asmáti ca cada uma delas privilegiando uma com preensão e um tratamento distinto do outro O que importa é que a somatização como resposta à dor mental é uma das respostas psí quicas mais comuns que o ser humano é capaz no entanto a recíproca também é verdadeira isto é o sofrimento orgânico em alguma forma e grau igualmente repercute no psiquismo O melhor seria dizer que ambos o psiquismo e o soma são indissociáveis e estão em uma cons tante interação influenciandose reciproca mente Não obstante creio ser necessário enfatizar que por vezes o fator predominante no desencadeamento de uma reação psicosso mática é nitidamente de origem de alguma for ma de conflito emocional enquanto em mui tas outras situações o fator desencadeante é de longe de natureza estritamente orgânica nesse último caso talvez o nome mais ade quado fosse o de fenômeno somatopsíquico Aliás entendo que a rigor tais denomina ções diferenciadas priorizando um ou outro fa tor ora o orgânico ora o psicológico não pas sam de um preciosismo inútil pois se o critério for o de exatidão terseia que convir que unica mente o binômio corpomente é muito escasso para explicar toda a complexidade que deman da ficar mais completada na tríade biopsicossocial porquanto ninguém mais duvida da enorme in fluência que os fatores sociais econômicos polí ticos culturais familiares espirituais dentre tan tos exercem na resposta do organismo de toda e qualquer pessoa como um todo Seguindo essa linha de raciocínio de que existe uma permanente interação entre múlti plas partes diferentes embora indissociadas entre si agindo sobre um mesmo indivíduo muitos advogam a idéia de abolir a terminolo gia de psicossomatização e seus termos deri vados com o argumento de que isto é uma re dundância pois toda situação clínica por de finição é sempre psicossomática de modo a simplesmente usar a denominação ampla e geral de medicina da pessoa conforme pro põe Perestrello 1974 Meu posicionamento pessoal a esse res peito é de continuar empregando a expressão paciente psicossomático já que esse nome está consagrado embora saibamos que os fe nômenos expressados na mente ou no corpo ou em ambos concomitantemente não são tão simples e lineares como essa denominação re ducionista pode fazer supor Creio que o mais adequado é considerar que todo paciente fun ciona como uma gestalt isto é um conjunto composto por uma figura no caso é a doen ça e um fundo a pessoa como um ser hu mano porém com a predominância ou como desencadeante ora do orgânico ora do psí quico ora do social Entre 1930 e 1960 floresceu o movimen to da medicina psicossomática mais notada mente pelas contribuições de F Alexander que na Escola de Chicago estudou e descreveu as sete doenças psicossomáticas asma brônqui ca úlcera gástrica artrite reumatóide retocolite ulcerativa neurodermatose tireotoxicose e hi pertensão essencial atribuindo a cada uma delas uma especificidade do conflito psicogê nico Assim segundo essa Escola os indivíduos reagiriam de forma diferente conforme predo minasse neles uma hiperatividade do sistema simpático sistema do organismo que implica a predominância de reações adrenalínicas com tendências ativas e agressivas porque esse siste ma simpático está embriologicamente determi nado a se defender contra perigos externos ou uma hipoatividade do sistema parassimpático também conhecido como vagal que alude ao sistema responsável pela tendência aos estados de repouso e lentificação com uma propensão à passividade razão pela qual esse sistema está determinado a se defender contra os perigos in ternos ou seja a uma ameaça ao equilíbrio homeostático do organismo ALGUNS INFORMES SOBRE NEUROCIÊNCIAS As últimas considerações representam os estudos introdutórios ao campo das neurociên cias que cada vez mais estão ganhando uma MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 325 crescente importância na psicanálise em geral e nos fenômenos psicossomáticos em particu lar As neurociências demonstram como as emoções se desenvolveram para aumentar a sobrevivência e garantir a existência da espé cie em qualquer espécie animal por propi ciar e organizar soluções mais adaptativas aos problemas inerentes aos seres vivos tal como é a busca de uma homeostasia corporal a ne cessidade de alimentos e demais demandas pulsionais a fuga de perigos a reprodução os cuidados com a prole e as relações sociais Deste modo as neurociências objetivam iluminar os circuitos cerebrais das emoções as sim comprovando o fato de que por vias neu ronais através de partes do cérebro como tálamo amígdala funciona em nível subcor tical com respostas rápidas curtas em bloco hipocampo funciona em nível cortical com respostas mais lentas e longas porque ele re gistra a memória do perigo o que lhe possi bilita pelo medo a prevenção em espaços e circunstâncias delimitadas de maneira que nos casos de lesão do hipocampo o medo se gene raliza córtex ocipital mais destinada a rea ções impulsivas contra os supostos perigos e córtex préfrontal responsável pela atenção dirigida e pela tomada de decisões com uma escolha de respostas adequadas baseadas em experiências prévias juntamente com a secre ção de serotoninas cortisol entre outras de terminarão respostas corporais que são hormo nais viscerais e da musculatura esquelética Por exemplo um determinado estresse provocará uma excessiva excitação do sistema nervoso autônomo e através do eixo hipotála mohipófisesuprarenal este último elevará o nível de cortisol o qual por sua vez promove prejuízos tanto no sistema imunológico de terminando quadros de cólon irritável asma úlcera quanto no sistema cognitivo promo vendo uma diminuição da memória concen tração capacidade para pensar agir com coe rência uma certa confusão e dificuldade de usar as outras pessoas que normalmente por intermédio da função de reconhecimento exercem o papel de autoreguladores das emo ções A ausência dessa última condição favo rece o surgimento de uma alexitimia ou seja de uma incapacidade para ler as emoções en quanto o pensamento adquire uma natureza operatória pois as fantasias fazendo um cur tocircuito em vez de ficarem conscientes dre nam através do corpo assim alimentando um círculo vicioso Ainda dentro do campo das investigações que cercam as interrelações entre os proces sos mentais e os orgânicos impõese mencio nar duas importantes fontes uma é a provin da dos estudos dos norteamericanos Sifneos e Nemiah que introduziram a noção de alexiti mia antes mencionada Conforme designa a etimologia dessa palavra que deriva dos étimos a quer dizer privação de lex leitura timos glândula que era considerada a respon sável pelo humor o conceito de alexitimia alu de à dificuldade de os pacientes somatizadores conseguirem ler as suas emoções e por isso elas se expressam pelo corpo assim caracte rizando uma dificuldade neurobiológica de simbolização A segunda fonte procede da Es cola Psicossomática de Paris que aportou o con ceito de pensamento operatório ou seja o somatizador tem dificuldades de fantasiar de sorte que o ego não consegue processar ela borar e representar as pulsões do que resulta que ele superlibidinizar o corpo de forma con creta Cabe consignar que alguns cientistas con temporâneos estão descrevendo o princípio da autoorganização segundo o qual existe um estado de regulação mútua entre duas pes soas que é baseada em uma troca de informa ções por meio dos sistemas perceptivo e afetivo por exemplo de que maneira e com qual tipo de afeto os pais significam para a criança de terminadas experiências como a de ela andar pela primeira vez de escorregador Assim o bebê a criança pequena internaliza esse pro cesso de regulação mútua de sorte que desde cedo aprende a conhecer as formas de aborda gem afetiva que serão rejeitadas ou bemacei tas pelos pais enquanto as emoções desperta das pela via dos circuitos cerebrais conectam corpo e mente A emoção processase no in consciente independentemente do conscien te Nesse contexto não se está fazendo refe rência ao inconsciente de Freud mas sim ao inconsciente biológico aquele que é comanda do pela neurofisiologia Especulase também a possibilidade científica de que cada emoção tenha seu próprio circuito com características particulares As respostas corporais são hormo nais viscerais e músculoesqueléticas Os me 326 DAVID E ZIMERMAN dos uma vez estabelecidos ficam permanen tes e requerem um recondicionamento Psicoimunologia Diretamente ligado aos processos estuda dos pelas neurociências o sistema imunológico de toda pessoa sofre uma sensível influência dos fatores emocionais desempenhando um importantíssimo papel no corpo em geral e mais particularmente nas doenças somáticas que são resultantes de ataques autoimunes O que não resta dúvida é o fato de que con forme foi mencionado na epígrafe deste capí tulo quando o sujeito pensa positivamente o seu sistema imunológico responde também de forma positiva para a saúde e a recíproca é verdadeira UMA BREVE RESENHA DE PRINCIPAIS AUTORES Do ponto de vista psicanalítico são mui tos os autores que têm contribuído com enfoques distintos porém complementares entre si Ci tamse algumas das principais contribuições desses autores que ao longo dos anos estuda ram e muitos outros continuam estudando o fenômeno das psicossomatizações Comecemos por Freud De forma esque mática podese sintetizar suas contribuições tanto as diretas quanto as indiretas nos seguin tes nove itens 1 O seu conceito de representaçãocoisa e de representaçãopalavra A importância dis so no sujeito somatizador reside no fato de que os acontecimentos e os sentimentos das expe riências afetivas vivenciadas no passado estão impressos e representados no ego porém se essas pretéritas vivências emocionais ainda não passaram para o préconsciente e não foram simbolizadas e denominadas com palavras elas vão se expressar corporalmente Relativamen te às representações do corpo no ego creio ser útil acrescentar que também as interações en tre nosso corpo e o mundo inanimado por exemplo andar de bicicleta fazem parte da representação do ego corporal 2 Complacência somática é o nome que Freud deu ao fenômeno de que uma determi nada somatização não é específica de algum quadro clínico especial mas sim existem ór gãos particularmente sensíveis ou por razões de constituição orgânica ou por fatores psí quicos como os de fantasias inconscientes lo calizadas e fixadas em um certo órgão que então funcionam como caixa de ressonância do conflito 3 O fenômeno das conversões que como o nome sugere alude ao fato de que determi nado conflito psíquico que não consegue ser simbolizado logo tampouco conhecido e pen sado conscientemente convertese em uma manifestação corporal em algum órgão dos sentidos ou em alguma zona da musculatura voluntária Nesse caso de fenômeno conversivo os sintomas narram sem palavras uma histó ria inconsciente 4 Neuroses atuais cuja causa segundo Freud era o bloqueio das excitações libidinais conseqüentes tanto de uma privação de satis fação sexual quanto de um excesso de estimu lação como seria o caso de uma masturbação excessiva Dizendo de outra forma o concei to de neurose atual alude a um excesso de estimulação que o ego não consegue proces sar de sorte que o corpo funciona como um dreno do excesso A noção de neurose atual implica a aceitação da teoria econômica das energias pulsionais razão pela qual caiu em descrédito na psicanálise hibernando em um longo ostracismo até que na atualidade ela ressurge revigorada e com teorias mais sofis ticadas 5 Processos primário e secundário De for ma reduzida cabe afirmar que as somatizações correspondem às falhas dos processos de simbolização os quais estão unicamente pre sentes no processo secundário de pensamen to Nos casos em que haja falha do processo secundário logo da abstração dos pensamen tos predominará a concretude dos sintomas próprias do processo primário 6 Ego corporal A clássica afirmativa de Freud de que o ego antes de tudo é corpo ral permite depreender nos processos somato formes a importância das representações do corpo no ego e de uma cenarização dos confli tos do ego no corpo Tais concepções adqui MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 327 rem capital importância na psicanálise atual tanto para o entendimento dos transtornos da imagem corporal quanto para a participação do corpo como um cenário dos diversos tea tros da mente 7 Identificações patógenas Freud em Luto e Melancolia afirmou que a sombra do objeto recai sobre o ego isto é formase uma identifi cação do sujeito com o objeto perdido de du ração transitória no caso de luto normal ou de forma definitiva nos casos de melancolia Nesta última situação deve ter havido uma relação de conflito com a pessoa que foi ataca da e perdida de sorte a forçar um tipo de iden tificação patológica que venho propondo cha mar de identificação com a vítima Quando isso acontece o sujeito sentese como que obriga do a ser igual em tudo ao objeto perdido o que adquire uma especial importância nos pro cessos psicossomáticos pois tal identificação com grande freqüência fazse com os sinto mas clínicos da doença que acompanhou ou que vitimou a pessoa que ambivalentemente ele amou e odiou 8 Para evidenciar a valorização que Freud sempre atribuiu às íntimas conexões que exis tem entre o psique e o soma cabe consignar a sua visão profética quando em 1938 preconi zou que o futuro poderá ensinarnos a influir diretamente no psiquismo mediante substâncias químicas particulares Essa profecia de que subs tâncias químicas seriam utilizadas para com pensar a patologia da química celular encon tra plena confirmação na moderna psicofar macologia como são os excelentes resultados clínicos que os medicamentos propiciam em casos de doenças afetivas ou nos de transtor no do pânico por exemplo 9 Também vale consignar que coube a Freud o pioneirismo de assinalar que nem toda comunicação é unicamente verbal e que de alguma forma o corpo também comunica tal como se pode depreender desta frase a pro pósito do Caso Dora 1905 nenhum mor tal pode guardar um segredo se sua boca per manece em silêncio falarão as pontas de seus dedos As contribuições de M Klein que indire tamente facilitam o entendimento dos fenô menos relativos às somatizações podem ser resumidas às fundamentais concepções de 1 fantasias inconscientes que impregnam os ór gãos 2 O fenômeno da despersonalização conseqüente de um excessivo jogo de identifi cações projetivas e introjetivas Daí também resulta o sério problema da distorção da ima gem corporal 3 O seu conceito de memória de sentimentos sensações e emoções primitivas que não conseguem expressarse pela lingua gem verbal podem estar gravadas em algum canto da memória do ego corporal 4 A ex plicação que Klein dá para o processo psicopa tológico da hipocondria como sendo a da introjeção de objetos persecutórios que se alo jam dentro de órgãos e daí ameaçam a saúde e a vida do sujeito 5 De modo geral a escola kleiniana considera que toda doença psicosso mática é a expressão de um luto patológico vin gativopersecutório do objeto perdido dentro do ego Indica que houve predominância do ódio durante a representação da mãe prece dendo tais manifestações somáticas o surgi mento das fobias Cabe acrescentar que geral mente a separação deuse antes de concluída a fase de simbiose o que isso leva tais pacien tes a uma inalcançável busca de novas simbioses A Escola Francesa de psicanálise empres tou as seguintes contribuições Lacan conce beu a noção de 1 Corpo espedaçado o bebê ou o futuro adulto muito regredido é capaz de vivenciar o seu corpo como que feito de ou em pedaços dispersos 2 A crença da criança de que ela está alienada no corpo da mãe com ela ficando confundida corporalmente 3 O discurso dos pais na modelação do inconscien te da criança de modo a poder inscrever signi ficantes de natureza psicossomática Dentro dessa Escola o Instituto de Psicos somática de Paris conceitua 4 O pensamen to operatório equivale ao conceito de alexi timia antes descrito que esse Instituto des creve nos pacientes somatizadores 5 A rela ção branca isto é aqueles pacientes que na relação com o analista mostram uma afetivi dade esvaziada e só parecem ligados aos as pectos concretos dos fatos narrados A renomada psicanalista Joyce Mac Dougall acrescentou as conceituações de 6 Uma primitiva relação diádica fusional da mãe com o lactante que pode chegar a um ponto 328 DAVID E ZIMERMAN de tal intensidade que a autora cunhou a ex pressão um corpo para dois 7 Na história dos pacientes somatizadores sempre existe uma imago materna que falhou ou exagerou na função de paraexcitação isto é a de conter e desintoxicar o excesso de estímulos provindos de várias fontes de modo que a mãe não con seguiu ajudar a criança a pensar a decodificar e a simbolizar o seu universo présimbólico razão por que eles se expressam pelo corpo 8 O corpo primário e fragmentário da mais ten ra infância deixa traços psíquicos a partir do começo da vida de modo que compõem uma história sem palavras tendo o corpo como ce nário 9 Os processos que operam na somati zação podem ser considerados semelhantes aos oníricos chegando MacDougall a asseverar que o sintoma psicossomático é um sonho inexitoso 10 Em relação à organização edipiana desse pacientes a autora considera que ela está construída sobre uma organização bastante mais primitiva na qual predomina uma imago materna que usa a criança tanto como uma extensão narcísica quanto uma extensão eróti ca e corporal dela própria enquanto a figura do pai fica bastante desqualificada e ausente do discurso simbólico 11 Dessa forma todo afeto é sentido como perigoso e o corpo de fendese como se estivesse em perigo Bion por sua vez também trouxe uma inestimável colaboração para a compreensão da dinâmica do paciente somatizador por meio de conceituações originais como 1 A exis tência de um psiquismo fetal Segundo Bion o feto já tem uma vida psíquica e as arcaicas sen sações experimentadas ficam de alguma for ma impressas nos primitivos sistemas neuronal e corporal do feto de sorte que as manifesta ções orgânicas podem ser reexperimentadas na vida adulta sem que haja uma causa aparen te Creio que essa concepção possa ser uma boa explicação para o fato de que um estado men tal demasiadamente regressivo restabelece a conexão com a corporalidade de modo que aciona um determinado código psicossomático 2 O discurso de uma mãe hipocondríaca que desvirtua as angústias manifestas pela crian ça dandolhe uma explicação de causa orgâ nica atribuindo a responsabilidade do estado ansioso do filho para algum determinado ór gão Por exemplo se a criança chora alegando um determinado tipo de medo ou pânico a mãe logo acha uma explicação somatoforme É o seu fígado que não está funcionando bem A conseqüência futura é que toda vez que esse filho agora adulto sentir algum tipo de an gústia sem causa explícita muito provavelmen te ele a expressará referindo através de uma queixa localizada no fígado Esse tipo de mãe pode ser incluída naquela categoria que creio se pode chamar de mães psicossomatizantes 3 A falha na capacidade para pensar nesse caso as experiências emocionais penosas no lugar de serem pensadas funcionam como protopen samentos isto é elementos beta cujo destino é o de evacuação tanto para fora sob a forma de actings quanto para dentro dos órgãos em cujo caso se expressam por psicossomatizações A DOR Penso que dentre as manifestações do paciente somatizador cabe incluir os aspectos referentes ao problema da dor nas suas múlti plas manifestações aguda ou crônica a de ori gem orgânica ou traumática com repercussões psíquicas ou a de origem inicialmente psicógena com repercussões orgânicas assim como a dor que é comunicada de forma superlativa ou aquela que o sujeito sofre silenciosamente etc Relativamente à psiconeurofisiologia da dor quatro fatores essenciais devem ser leva dos em conta 1 Limiar fisiológico alude ao momento em que surge a dor o limiar é igual em todos os indivíduos como por exemplo quando se usa o calor como fator estimulante o limiar à dor situase em torno de 44 graus 2 Limiar de tolerância refere ao ponto em que o estímulo alcança um grau intolerável o que varia um pouco conforme o indivíduo de modo que muitas pessoas toleram bem 48 graus 3 Resistência à dor varia de uma pessoa para outra para mais ou para menos em função de fatores emocionais circunstanciais e espiritu ais Assim um sujeito em transe místico ou um preso político submetido à tortura física quan do está em um estado de extrema fidelidade à sua ideologia e aos seus companheiros elevam sua resistência à dor a níveis inacreditáveis 4 Quantidade e intensidade da dor é importante que se estabeleça uma distinção entre a quan tidade do estímulo doloroso físico ou emocio MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 329 nal e a intensidade da reação que o estímulo desencadeia em uma determinada pessoa o que varia com a sensibilidade da área psíquica que foi atingida ZONA CORPORAL Um aspecto que também merece ser des tacado como relevante é o que diz respeito à zona corporal na qual o conflito se manifesta Um exemplo de minha clínica privada pode ser mais esclarecedor no curso de uma sessão de análise a paciente deitada no divã relatava me que desde que começou a amadurecer emo cionalmente está pagando um alto preço cobra do pelos seus familiares porquanto esses a soli citam para tudo e cada vez mais esperam que ela resolva toda a sorte de problemas de todos Enquanto o relato prosseguia a paciente come çou a acusar um desconforto no ombro direito que foi aumentando de intensidade a ponto de adquirir as características de uma dor aguda insuportável que ela atribuía a uma possível posição viciosa de como dormira na véspera ou de como deitara no divã da presente sessão A dor no ombro atingiu tal intensidade que a pa ciente não mais conseguia fazer nenhum movi mento e estava começando a dar sinais de sur gimento de uma forte angústia Nesse momen to decidi intervir psicanaliticamente e assinalei o fato da coincidência de que a dor no seu om bro surgiu exatamente no momento em que ela me narrava que estava carregando as mazelas da família nos seus ombros de modo que o seu corpo falava através da linguagem da dor no ombro o quanto o seu papel de sustentáculo da família estava sendo penoso e dolorido para ela Ao término de minha fala a dor desapareceu instantânea e totalmente tendo a sessão pros seguido de modo normal OUTRAS SOMATIZAÇÕES Talvez o exemplo anterior não seja o mais adequado pois as resoluções das somatizações não se passam assim tão facilmente além de que na vinheta ilustrativa tratase de uma si tuação conversiva em cujo caso não chega a existir uma lesão somática além disso sabe se que as conversões permitem uma leitura sim bólica do significado dos sintomas o que não acontece na psicossomatização propriamente dita Não obstante esta ressalva a situação descrita ilustra a íntima conexão que pode exis tir entre os fatores emocionais e a utilização do corpo como cenário para a dramatização simbólica de um determinado conflito Em síntese o importante a destacar é que como antes foi referido o corpo fala e falam especialmente aqueles sentimentos que ainda não puderam ser expressos com o simbolismo das palavras Assim alguma parte do corpo que estiver mais sensibilizada por um determina do conflito psíquico pode funcionar tanto como uma caixa de ressonância à moda daquele di tado popular de que a corda rebenta na parte mais frágil como também a área corporal escolhida tratase de uma vulnerabilidade psi cossomática pode se constituir como um ce nário no qual são representados dramas ínti mos com as respectivas fantasias inconscien tes Ademais muito cedo o bebê aprende a co nhecer as formas de abordagem afetiva que serão rejeitadas ou bem acolhidas pelos pais Esses fatos aliados à constelação de ou tros fatores como por exemplo o das reper cussões imunológicas adquirem uma signifi cativa importância em todo e qualquer ato mé dico de sorte que cada especialidade médica permite até um certo ponto é claro a decodificação dos componentes emocionais implícitos em determinados sintomas orgâni cos específicos de uma determinada especiali dade Assim os gastrenterologistas conhecem bem as fantasias orais que acompanham a ingestão e metabolização de alimentos ou medicamentos e as fantasias ligadas à analida de que se manifestam nos problemas de diar réia prisão de ventre etc Da mesma forma os cardiologistas facilmente identificam o quan to algum sintoma cardíaco está ligado aos te mores de morte por exemplo Embora seja fas cinante a idéia de esmiuçar estabelecer cone xões e particularizar os aspectos psicossomá ticos que cada especialidade comporta não cabe aqui fazer esse aprofundamento cabe no entanto lembrar que já no início da psi canálise Freud descrevia casos de paralisias histéricas e em 1910 publicou o elucidativo trabalho A concepção psicanalítica da perturba ção psicogênica da visão 330 DAVID E ZIMERMAN MANEJO TÉCNICO 1 Em algum grau em qualquer análise praticamente sempre surgirá alguma manifes tação de natureza psicossomática no entanto as considerações relativas ao manejo técnico no presente capítulo estão restritas aos paci entes que manifestam uma marcante continui dade de diferentes formas de somatizações 2 Muitos autores postulam a hipótese de que existe uma estrutura psíquica própria do paciente psicossomático à semelhança do que ocorre com as estruturas neurótica psicótica narcisista perversa etc Igualmente uma ques tão que freqüentemente é levantada concerne a se deve existir uma clínica especializada para doenças psicossomáticas ou se pelo menos existem técnicas psicanalíticas específicas para estes casos A resposta depende da conjunção de uma série de fatores que intervêm no pro cesso como a tipificação singular das psicosso matizações de cada um dos pacientes o es quema referencial utilizado pelo psicanalista o tipo de leitura que o analista faz dos sinto mas orgânicos manifestos o tipo de interação vincular transferencialcontratransferencial própria de um determinado momento da aná lise as intercorrências ambientais os aspectos biopsicossociais e espirituais os modelos interpretativos e os de abordagem analítica Em síntese creio que os aspectos que seguem enu merados merecem ser considerados no que diz respeito ao manejo técnico com pacientes somatizadores 3 Parece que predomina entre os auto res uma opinião consensual de que é necessá rio haver uma modificação na técnica psicana lítica que habitualmente é utilizada com paci entes simplesmente neuróticos Assim o ana lista deve levar em conta que os pacientes somatizadores genericamente apresentam dificuldades não só quanto à capacidade para produzir fantasias inconscientes mas também estão prejudicados no que tange à formação de símbolos e conseqüentemente às capaci dades de abstração conceituação e de genera lização que cedem lugar a uma predominân cia do pensamento concreto 4 É necessário deixar claro que nesses pacientes o prejuízo na formação de símbolos logo o de pensar abstratamente não significa que haja uma total ausência dessas capacida des antes o referido prejuízo costuma ser par cial e seletivo ou seja uma pessoa pode ser bastante bemsucedida em áreas importantes e complexas de sua vida porém para uma ou tra ordem de sentimentos que necessitariam ser pensados simbolizados e verbalizados essa mesma pessoa pode fazer um bloqueio de sorte que tais sentimentos falarão através do corpo 5 Assim diante de pacientes francamen te psicossomáticos freqüentemente os analis tas os consideram no limite do analisável Os hipocondríacos por exemplo raramente che gam à análise e quando algum chega reve lam uma forma concreta de pensar ao mesmo tempo em que passa grande parte das sessões manifestando algum grau de desespero assim convidando o analista a fazer uma aliança de comiseração com o seu corpo que está fragi lizado devido a uma sensação do paciente de que alguma parte desse seu corpo esteja sendo invadida por inimigos 6 É indispensável que o analista esteja atento para a profunda problemática e para a estrutura psíquica regressiva subjacentes aos defensivos recursos psicossomatizantes como por exemplo a de um temor do paciente de ele cair em uma grave depressão Aliás um expressivo número de trabalhos correlaciona as somatizações com as situações de separa ções perdas e baixa autoestima 7 No paciente somatizador é bastante freqüente a constatação de que a mãe usava o corpo do filho como se fosse um prolongamen to do dela de sorte que essas crianças futuros adultos ficam muito vulneráveis para situações de separações 8 Aliás ninguém mais contesta que o cor po do bebê no início nãointegrado e sentido por ele como sendo feito de pedaços despe daçado vai se unificar e integrar graças a uma suficientemente boa maternagem da mãe à sua voz ao seu olhar à sua continência suas excla mações laudatórias ou desqualificatórias as to que de suas mãos mãos essas que vão deslizar sobre o corpo da criancinha unificando os seus pedaços definindo os seus contornos estabele cendo os limites com a realidade exterior e trans formando o corpo até então unicamente bioló gico em um corpo erógeno 9 Assim o corpo é o cenário das primiti vas inscrições dessa relação mãebebê o cor po é a memória do inconsciente dos sentimen MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 331 tos primários dos significados do discurso e do desejo materno Isso equivale à atitude e à atividade interpretativa que toca a sensibilida de do paciente somatizador e da mesma for ma também creio que toque a do analista jun tamente com a sua função de continência con tribuindo decisivamente para a construção de uma segunda pele para certos pacientes neces sitados de uma delimitação com o mundo ex terior conforme a conceituação de Esther Bick 1968 10 A propósito é imprescindível que o terapeuta sempre considere o fato de que o corpo representa fala às vezes narra uma his tória serve de cenário e descarrega primitivas sensações e emoções que não foram represen tadas com palavras ou que ficaram fortemente negadas Por exemplo no fenômeno con versivo o histérico faz um jogo concomitante de através do corpo ocultar eludir e de de monstrar aludir o verdadeiro conflito psíqui co subjacente 11 É importante que o analista valorize o fato de que o paciente psicossomático tem uma forma peculiar de pensamento linguagem e de lidar com as emoções e vínculos afetivos Green denomina relação branca o vínculo afetivo que caracteriza esses pacientes Assim na relação analítica o paciente e o analista estão presentes um frente ao outro porém ambos sentemse vazios porque predomina no primeiro uma atitude do tipo deu isto é tudo ou seja ele já disse qual é a sua necessidade e agora cabe ao terapeuta resolvêla de forma concreta e de preferência imediata Às vezes não há uma negação do reconhecimento das emoções porém transparece uma ausência de afetos 12 Por essa razão a resposta contratrans ferencial costuma ser muito difícil de sorte que é bastante comum que o analista sinta senti mentos de vazio frustração impotência tédio e de uma paralisação interior como se ele esti vesse alexitímico tal como o seu paciente é Isso representa um risco analítico pois o paci ente somatizador tem uma grande parte infan til ou seja uma parte de infans em latim sig nifica incapacidade para falar 13 Assim cabe à mãe com seu filhinho ou ao analista com o seu paciente nomear os sentimentos que estão anestesiados e ainda sem nome propiciar a verbalização de fantasias e afetos e servir como modelo que desenvolva a sua capacidade para pensar Sabese que pelo contrário não raramente os pais confundem mais ainda os afetos da criança como na clás sica sentença menino que é homem não cho ra ou faz como eu não deixe ninguém saber o que você está sentindo etc 14 A fim de ilustrar a importância de o paciente psicossomático entrar em contato e verbalizar os seus sentimentos depressivos e de vazio cabe citar J MacDougall que após analisar sete pacientes com tuberculose disse que por não terem sido capazes de abrir o seu coração para o luto abriram o pulmão para o bacilo de Koch 15 Assim a linguagem empregada pelo analista deve ser clara simples e direta devi do às prováveis dificuldades de o paciente con seguir abstrair e decodificar as interpretações mais sofisticadas 16 Igualmente é útil que haja um papel mais ativo por parte do analista com uma ati vidade interpretativa que permita o uso de clareamentos confrontos assinalamentos de paradoxos e contraditórios e especialmente o emprego de perguntas não as interrogativas mas sim as estimulativas que instiguem o pa ciente a fazer reflexões 17 De fato é fundamental que o analista também proceda à análise das funções do ego consciente sobretudo as que se referem à ca pacidade para pensar os protopensamentos isto é aquelas primitivas sensações e experiências emocionais que ainda não foram representa das com palavras as sensações e os sentimen tos de modo a estabelecer um trânsito de co municação entre o consciente e o inconsciente do paciente somatizador além de fazêlo com prometerse afetivamente com aquilo que diz intelectualmente 18 Um bom recurso técnico consiste no emprego do método dialético isto é à tese do paciente o meu único problema é a minha colite ulcerativa eu enlouqueço de angústia quando evacuo fezes mucossangüinolentas não fosse isso eu estaria ótimo o analista contrapõe uma antítese acha possível que o caminho seja inverso ou seja que é justamen te quando você está ansioso é que surgem os sintomas de sua colite que leve o paciente a fazer reflexões de modo a propiciar uma pos sível construção de uma síntese na situação 332 DAVID E ZIMERMAN analítica isso corresponde à aquisição de um insight síntese essa que funciona como uma nova tese movimentando um círculo virtuoso crescente e expansivo próprios do movimento dialético 19 Se o paciente manifesta dificuldades em dar acesso às interpretações rigorosamen te transferenciais o que é bastante comum com os pacientes somatizadores é recomendável que o analista não insista nessa tecla pelo menos temporariamente e em troca valorize e utilize os assinalamentos interpretativos que são sugeridos pelas narrativas extratransferen ciais isto é aquelas que estão contidas nas narrativas de fatos do cotidiano do paciente para a partir daí poder construir com o seu paciente uma verdadeira relação transferencial 20 Da mesma forma o emprego de me táforas simples e facilmente compreensíveis que possibilitem a junção do pensamento com o sentimento e com uma imagem visual sugerida pela metáfora tem revelado em inú meras vezes um excelente resultado 21 Um outro aspecto que deve merecer uma atenção especial do terapeuta diz respei to à possibilidade de que o surgimento da somatização esteja coincidindo com o aniver sário de morte de alguma pessoa que foi espe cialmente importante na vida do paciente de modo que em nossa prática clínica não rara mente encontraremos vários pontos de seme lhança entre o sintoma psicossomático mani festo pelo nosso paciente e sintomas da doen ça que vitimou aquela pessoa significativa Isso acontece mais comumente naqueles casos a que antes aludi com o nome de identificação com a vítima 22 É útil que o terapeuta leve em conta que as emoções conectam não apenas a mente e o corpo de cada indivíduo em separado mas também as mentes e os corpos entre os indiví duos com os quais o paciente convive em uma interação que pode estar sendo de matiz patogênica 23 Assim na prática clínica não basta apenas que os pacientes psicossomáticos per cebam os seus sentimentos o analista deve ajudálos a que os expressem para os outros logo para o analista na situação analítica por quanto isto desempenha um importante papel na fundamental função de regulação da atividade emocional Ademais diante de sin tomas somáticos que são desconhecidos e in capazes de serem nomeados com palavras pelo paciente cabe ao analista mediante sua fun ção interpretativa transformar meras sensa ções corporais em palavras capazes de simbo lizarem a emoção que está subjacente ao sin toma somático assim preenchendo um enor me vazio interior 24 Creio desnecessário enfatizar que mesmo diante de tantas evidências da inter venção das emoções no fenômeno das somati zações o analista deve estar atento à possibili dade de ele encaminhar o seu paciente para um médico clínico para uma avaliação de pos síveis causas orgânicas com vistas à detecção de alguma situação mais grave 25 Por fim cabe dizer que a ação analíti ca somente terá eficácia quando os assinala mentos interpretativos do analista vierem acompanhados de uma autêntica atitude psi canalítica interna dele que englobe entre tan tos outros atributos como os de continência e empatia também o de um respeito pelos sinto mas manifestos juntamente com um sincero bem querer e crença nas capacidades constru tivas latentes desse tipo de paciente Igualmen te é imprescindível que o terapeuta possua o atributo de ser coerente e verdadeiro com aqui lo que ele diz faz e o que de fato é MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 333 No presente capítulo voume restringir a abordar unicamente uma forma patológica do vínculo do amor que proponho chamar de tantalizante consubstanciado em uma forma predominante da presença de elementos que caracterizam uma vinculação de domínio apo deramento e sedução do tipo que tantaliza conforme será explicitado mais adiante Creio que nenhum analista contesta o fato de que em nossa clínica cotidiana todos ob servamos um grande número de situações com configurações vinculares nas quais nossos pa cientes homens ou mulheres estejam envol vidos amorosamente com algum parceiroa de uma forma muito sofrida e cronificada em um nem ata nem desata cíclico e aparente mente sem saída Ademais é notório que tais ligações amo rosas conflitadas guardam características co muns e igualmente repetitivas entre os inúme ros e diferentes pacientes que estão presos nas malhas dessa forma patológica de amar e ser amado Na verdade em nosso meio cultural parece mais evidente que predomina de lon ge o número de mulheres que estão aprisio nadas na rede dessa vinculação patológica e que por isso sofrem as intensas angústias des se tipo de relação amorosa baseada naqueles refrões que a sabedoria popular designa como não emprenha e nem sai de cima não caga nem desocupa a moita etc Assim como ponto de partida para as re flexões que seguirão cabe formular a hipótese genérica de uma mulher ao mesmo tempo es 32 Uma Forma Patológica de Amar O Vínculo Tantalizante Quando o achei me perdi quando o perdi me achei Para muitas pessoas o grande dilema de sua vida amorosa é fazer uma opção entre uma destas duas sentenças Antes só do que malacompanhado ou Antes malacompanhado do que só Quanto mais forte for a forma patológica de amar mais prevalece a segunda alternativa Bion conceituou vínculo como uma rela ção resultante de elos emocionais e intera cionais que ligam duas ou mais pessoas ou duas ou mais partes constituintes do psiquismo dentro de uma mesma pessoa De forma gené rica cabe dizer que os interrelacionamentos humanos tanto no processo psicanalítico quanto na vida cotidiana estão permeados por quatro tipos de vínculos sempre presentes concomitantes de recíproca influenciação e indissociados entre si os de amor ódio co nhecimento e reconhecimento Cada um de les enfocado isoladamente ou em conjunção com os demais permite apresentar uma faceta própria do princípio da negatividade ou seja há um permanente conflito entre uma deter minada emoção e uma antiemoção Para exemplificar quando Bion refere em seus textos a letra K inicial de knowledge ou seja traduzido para o português conheci mento ele quer dizer que uma determinada pessoa em geral ou algum analisando em es pecial tem um desejo de conhecer ou seja que ele tem amor à verdade de algum fato ou sen timento Por sua vez a grafia K designa o oposto isto é o sujeito tem ódio quanto ao conhecimento das verdades penosas exterio res eou interiores e as nega de alguma ma neira para manter a crença ilusória de que está sendo reconhecido pelos outros como sendo aquilo que ele imagina que é ou que possui mas que de fato ele não é Da mesma forma poderseia multiplicar em uma larga escala exemplos análogos com os outros vínculos 334 DAVID E ZIMERMAN perançosa e frustrada envolvida com um ho mem a quem ela ama acima de tudo enquan to ele mantém e renova as esperanças dela porém por razões diferentes sempre se diz impedido de realizar concreta e definitivamen te as suas promessas de uma união estável e exclusiva com ela Desse modo ela vai croni ficando a sua condição de excluída de sorte a assumir o papel de uma eterna reserva uma regra três para usar uma imagem futebolísti ca que de vez em quando entra em campo para jogar por um curto tempo o jogo deste tipo de amor para logo após nas partidas seguin tes ceder o lugar a uma outra eventual titular As desculpas dele giram sempre em torno das mesmas teclas ele vai se separar porém há o problema dos filhos que segundo ele ora ain da são por demais pequenos ora pede para ela ter um pouco mais de paciência até que eles agora já grandes passem pelo vestibular Outras vezes ele confessa geralmente com uma falsa sinceridade que não consegue gostar de ninguém logo ela merece alguém melhor ou alega que precisa de um tempo para ajeitar a situação econômica outras tantas ve zes usa o expediente de atribuir a ela as cul pas pela sua indecisão e assim o tempo vai passando com determinados momentos críti cos em que ela jura que está tudo acabado e ele então renova as promessas de amor e que agora sim tudo vai dar certo porque até lhe pode ser infiel porém ela é a única que ele ama o que a faz recarregar as pilhas da espe rança dar mais uma chance e tudo recomeça da estaca zero Ao cabo e ao fim ele mantém um poder e um domínio sobre ela Familiares e amigos não conseguem en tender como uma pessoa como ela tão bonita séria prendada esteja perdendo a melhor parte de sua vida com um sujeito que não a merece a humilha e comumente eles adjetivam o se dutor de forma altamente pejorativa como cafajeste etc Diante de mais uma recorrente decepção ela toma posições sinceramente de finidas de que agora sim tudo terminou mes mo chega não agüento mais No entanto ao primeiro aceno dele tudo desanda apesar da sua inegável honestidade no propósito de esca par dessa escravidão pretensamente amorosa Por coincidência no momento em que estou redigindo estas linhas acabo de concluir uma supervisão na qual a paciente de meu colega supervisionado lhe relatara na sessão do dia anterior finalmente tomei a decisão final de que agora é para valer mesmo não agüento mais tanta mentira e humilhação briga mos feio trocamos insultos e saí arrasa da porém firmemente decidida a me se parar definitivamente No entanto na sessão do dia seguinte a mesma paciente continua o relato anterior ao chegar em casa escutei na secretária eletrônica uma mensagem dele na qual com uma voz muito doce ele me pergun tava se estava tudo bem comigo Para não ser ainda mais grosseira do que fui resol vi retornar a ligação mas ele não estava em casa apelei para o celular mas como só dava o sinal de fora da área ou desliga do repeti várias tentativas Será que es tou errada em querer ser gentil e terminar tudo em harmonia É fácil o leitor acertar que nas sessões que seguiram apareceu a evidência de que o sedu tor desapareceu por alguns dias o suficiente para deixar a paciente em um quase pânico ao que se seguiu uma desculpa dele dita de uma forma muito carinhosa e a via crucis prosseguiu inalterada no melhor estilo de um vínculo de tipo tantalizante conforme será detalhado mais adiante Igualmente é fácil per ceber o quanto essa paciente do exemplo está cindida entre um lado seu que sinceramente quer fugir do seu cativeiro amoroso e de um outro lado que está intrinsecamente conluiado com o sedutordominador Com pequenas variantes de forma aná loga à relação amorosa que utilizei como exem plo também esta vinculação patológica pode estar presente em certas relações conjugais de casamento formalmente legalizado De modo geral são casais que vivem sob o mesmo teto porém que não conseguem ficar sós e tam pouco separados razão por que a relação ten de a se eternizar com inúmeros intervalos de separações seguidos de reaproximações em um círculo vicioso às vezes interminável Pode acontecer que ele eou ela tenham vários ca sos ou aventuras passageiras porém nunca é a mesma coisa Assim entre tapas e beijos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 335 a relação adquire uma configuração vincular de natureza sádicomasoquista em cujo caso os papéis de quem exerce o sadismo e de quem sofre o masoquismo tanto podem ser fixos e permanentes ou alternantes entre eles No entanto é indiscutível o fato de que o sadismo manifesto está sempre junto com o masoquismo latente e viceversa de sorte que todo sádico tem um lado masoquista e todo masoquista tem uma contraparte sádica assim como todo dominador tem um lado de domi nado e assim por diante Deriva daí que tais casais dissociam e projetam no outro as suas partes sádicas ou masoquistas que estão cin didas razão pela qual eles se complementam o que torna a separação muito difícil pois a perda do outro representa para cada um deles uma espécie de amputação de uma própria metade sua Destarte como se está destacando um tipo de configuração vincular patológica utili zando palavras como domínio apodera mento sedutor e tantalizante convém abrir parênteses e discriminar separadamente a conceituação de cada um deles aqui DOMÍNIO Este termo etimologicamente deriva do latim dominus que quer dizer senhor daí é que vem domingo dia do senhor e designa uma relação de dominadordominado na qual o primeiro exerce uma apropriação quase sem pre indébita através de uma desapropriação dos bens afetivos e de uma violência à liber dade do outro Essa conceituação era corrente no século XVII época em que a palavra domí nio pertencia à linguagem jurídica O domí nio sobre o outro ou outros pode ser exerci do de muitas formas distintas como é o caso de uma dominação intelectual moral econô mica política religiosa afetiva mas nos ca sos bemcaracterizados sempre alude ao exer cício de um poder supremo que leva o outro a sentirse subjugado controlado diminuído hu milhado manipulado e em uma crescente de pendência má Do ponto de vista psicanalítico o domí nio exercido no casal é conceituado com as seguintes características como uma captura do desejo do outro abolindo ou neutralizandoo uma abolição das diferenças e da autonomia do parceiro uma dominação por meio de uma configuração perversa Neste último caso pres supõese um conluio inconsciente entre ambos embora aparentemente apenas um deles o dominador é quem manifesta abertamente uma tirania de natureza obsessivoparanóide podendo atingir em casos extremos a demarca ção no corpo do outro de marcas que fiquem impressas a exemplo do ferrete de como se marca o gado ou como são equimoses que de nunciem chupões ou agressões físicas assim como também a impressão com eternas tatua gens etc Essas marcas além de servirem como evidência de domínio também demarcam a posse que exerce sobre o outro ou seja um apoderamento A maior arma do domínio per verso consiste no uso de sortilégios da sedução Convém registrar no entanto que o exer cício do domínio nem sempre é fundamental mente perverso pois ele pode estar a serviço inconsciente da pulsão de vida isto é para não cair em um estado de desamparo a exemplo de uma criancinha insegura que se agarra na saia da mãe e pretende ter um domínio abso luto sobre ela mantendo a ilusão de que ainda estão fundidos e indiferenciados Também é útil assinalar que como todo o dominador sem pre tem em contrapartida um lado de domi nado a exemplo da relação mencionada no sadismomasoquismo é bastante freqüente que a tirania atinja o apogeu na intimidade do méstica enquanto na vida fora dos limites do lar estes dominadores sejam extremamente gentis e não raro notoriamente submissos APODERAMENTO Alude ao exercício de um poder eou de uma posse total em relação ao corpo mente e espírito do outro É útil realçar que a etimologia da palavra poder deriva do verbo latino potere que também dá origem ao termo po tência tanto na condição sadia de uma ca pacidade para fazer quanto no que está conti do nos derivados lingüísticos de onipotência onipresença prepotência que designam esta dos de patologia psíquica de natureza psicótica que aparecem durante o ato de fazer Por sua vez o étimo possidere que origina a palavra possuir significa estar sentado em cima de 336 DAVID E ZIMERMAN não é por nada que no linguajar popular é corrente a expressão está sentado no trono quando uma mãe quer referir que seu filhi nho está usando o vaso sanitário Por outro lado a ciência da etologia comprova a exis tência no reino animal do instinto da territo rialidade ou seja a evidência de que muitos animais pela depositação de suas fezes e uri na com o respectivo odor persistente demar cam o seu território o qual deve ser respeita do pelos demais animais Um prolongamento atávico disto no ser humano configurase na clássica equação ter é igual a ser e viceversa de modo que a me lhor forma de ter aquilo ou aquelea de que se necessita e deseja é a de possuíloa e ter po der sobre elea Assim há evidências de que os grandes tiranos da história foram crianças ex cessivamente carentes muito precocemente de modo que a posse garantida pelo poder é vivenciada como sendo uma espécie de seguro contra o desamparo que está ligado à dependên cia e às separações Este seguro é feito através do preenchimento dos três fetiches que carac terizam o abuso do poder além da intrusão e da ânsia de expansão o terceiro aspecto consis te na apropriação daquilo que pertence ao rival derrotado Em síntese cabe a afirmativa de que quando o sujeito sente que não tem autorida de para se fazer respeitar admirar e ser obede cido ele substitui essa lacuna por um autorita rismo situação essa que pode ocorrer no âm bito de casal de família de instituições etc podendo se estender ao governo de nações É inegável que a luta pelo poder é um fato corrente em todos setores dos interrela cionamentos humanos em todos os tempos e geografias ora assumindo formas ostensiva mente manifestas conchavos ataques intri gas calúnias guerras ora disfarçadas com uma capa de paternalismo ou deslocadas para alguma ideologia que pretensamente é a úni ca verdadeira ou é racionalizada sob a forma de discursos demagógicos que em casos ex tremos podem atingir um nível de formação de seitas não unicamente religiosas mas tam bém societárias etc fanáticas e fundamenta listas Seria útil que os grandes responsáveis pelo exercício do poder pudessem distinguir a diferença entre o que é governar e o que não passa de um desejo de dominar entre o que é comandar mandar junto e o que não é mais do que mandar de forma única e autoritária distinção essa que também cabe perfeitamen te para os responsáveis pelo casal e pela família O viés psicanalítico do vínculo de apode ramento situa as suas raízes nas fases evolutivas prégenitais principalmente as oriundas de ver tentes narcisistas nas quais ainda não há uma diferenciação entre o eu e o outro e de verten tes provindas das pulsões sádicoanais externa das nos impulsos de poder e tomada de posse com os respectivos cortejos de incorporação retenção controle onipotente triunfo despre zo e destruição do objeto dominado SEDUÇÃO Sedução por sua vez é um termo cuja provável etimologia resulte de sed doença entorpecimento ducere conduzir ou seja designa uma atitude e ação que em situações normais é bastante utilizada por todos em ge ral não obstante na maioria das vezes de for ma bastante discreta e até imperceptível En tretanto nas formas exageradas e patogênicas a sedução consiste na utilização por parte doa sedutora dos mais variados e nem sempre éticos recursos de conquistar o amor do outro e uma vez alcançado êxito no intento tanto pode desprezar e abandonar a vítima seduzida para imediatamente sair à caça de outra con quista caso típico dos donjuans como tam bém é freqüente a manutenção de um vínculo com características doentias que conduzem a pessoa seduzida para a doença para um en torpecimento que pode se tornar crônico e muitas vezes até incurável Do ponto de vista psicanalítico os sorti légios que o sedutor utiliza com muita habili dade consistem no despertar de um encanta mento no seduzido mercê de promessas de uma completude paradisíaca que em pouco tempo se revelará como não mais do que ilu sória e pelo contrário se concretizará como um emaranhado círculo vicioso de sucessivas decepções e renovadas ilusões em meio a mo vimentos de submissão e de rebeldia nos quais o outro o seduzido se perderá no sedutor Isso acontece porque o sedutor executa o pa pel de funcionar como o duplo o alterego do seduzido ou seja ele não é mais do que um agente que desperta aqueles desejos que já MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 337 eram próprios do seduzido por mais viáveis ou ilusórios que esses possam ter sido Em alguns casos o sedutor emprega a táti ca narcisista de provocar no seduzido um esta do de deslumbramento essa palavra vem de des que significa privação lumbre luz ou seja equivale ao fato de que um excessivo facho lu minoso nos cega Este deslumbramento pode ser de ordem intelectual física retórica etc que de tão brilhante deixa o seduzido fascina do e cegado por sua própria imagem espelhada no outro No plano erótico essa sedução con siste no fato de que o corpo de um encontra ressonância um eco no corpo do outro como se estivesse havendo um reencontro com uma primitiva fusão do corpo do bebê com o da mãe Isso pode remeter à época em que a criança fa zia uma colusão essa palavra se origina de co ludere ou seja brincar junto e tem parentes co direto com coilusão isto é ilusões com partidas da criança com um dos genitores pai ou mãe enquanto o outro ficava excluído A maioria dos autores atribui uma enor me importância às primitivas experiências re ais que tanto o sedutor quanto o seduzido so freram quando crianças geralmente provindas de pais que os seduziram erótica eou narcisisti camente ou de pais obsessivos que exerceram um rígido controle tirânico de características tantalizantes De qualquer maneira como de corrência dessa sedução patogênica a criança fica sedenta de amor e é interessante assinalar que também cabe na etimologia da palavra sedução o fato de que sed em latim também significa sede TANTALIZANTE Tantalizante por sua vez é um termo pouco conhecido não obstante a meu juízo represente ter uma enorme importância na compreensão e manejo da prática psicanalíti ca No dicionário Aurélio o termo tantali zante aparece definido como aquele que tantaliza isto é que espicaça ou atormenta com alguma coisa que apresentada à vista excite o desejo de possuíla frustrandose este dese jo continuamente por se manter o objeto fora de alcance à maneira do suplício de Tântalo Escolhi essa palavra para conceituar uma for ma mais específica de patologia de relação amorosa pois ela alude diretamente ao mito lógico suplício de Tântalo o qual explicarei mais detalhadamente o personagem que tem esse nome por ter roubado os manjares dos deuses do Olimpo foi punido por Zeus para eternamente passar fome e sede Mais precisa mente Tântalo acorrentado estava imerso até a cabeça nas águas de um lago situado em um lugar aprazível rodeado por um bosque aco lhedor consistindo o suplício em que as águas subissem até sua boca para em seguida fugi rem de seu alcance quando ele se preparava para saciar a sua imensa sede o mesmo acon tecia com os apetitosos frutos que se aproxi mavam com a promessa de alimentálo e igual mente se afastavam assim perpetuando um irreversível e repetitivo ciclo de promessas ex pectativas e decepções em um perverso dar e tirar Na situação mencionada de pais obsessi vos que exerceram sobre os filhos pequenos uma sedução de tipo tantalizante isto signifi ca que eles tanto lhes davam carinho prote ção e elogios quanto também impunham rígi das condições e suplícios como a de que as crianças devessem pensar desejar sentir valo rar e agir estritamente de acordo com eles pais ou pelo menos com um deles o dominador sob pena de castigos severos às vezes físicos ou de um corte na comunicação verbal amea ça de expulsão de casa etc Outras vezes o suplício é praticado com castigos mais dissi mulados sabotando obstaculizando ou desqualificando qualquer iniciativa do filho que não estivesse de acordo com o pai ou mãe dominadora ou que não tivesse provindo da iniciativa deles Isso caracteriza de forma análoga a do suplício imposto a Tântalo um processo de dar geralmente às custas de muito choro promes sas de obediência total etc e tirar acrescido de um apoderamento e de uma abolição do desejo do outro O que importa destacar é que os filhos educados nessa atmosfera emocio nal tornamse fortes candidatos a se identifi carem tanto com o agressor por exemplo o pai quanto com a vítima por exemplo com a mãe ou com ela própria criança vítima de suplícios assim reproduzindo na vida adulta relações amorosas com configurações análo gas ao do modelo que os pais tiveram entre si e com ela a criança 338 DAVID E ZIMERMAN Nos casos em que a configuração vincu lar do par sedutorseduzido esteja alicerçada em bases predominantemente narcisísticas o personagem no papel de seduzido colocará o sedutortantalizante no lugar de seu ideal de ego o qual por definição implica em uma de manda de expectativas grandiosas por isso passando a agir como um objeto interno insa ciável devorador que exerce um efeito de suc ção e de conseqüente vácuo com permanen tes incertezas e sobressaltos prisioneiros do telefone à espera de um chamado do amado que teima em não chamar tudo isso exaurin do todas as energias do sujeito seduzido Os aspectos característicos relativos ao do mínio apoderamento sedução e tantalização foram aqui descritos separadamente por razões de esquema de exposição no entanto eles não são estanques pelo contrário agem concomi tantemente ora predominando um deles ora se confundindo e complementando entre si De re gra neste tipo patológico de vínculo amoroso existe uma superposição destes quatro fatores mencionados com a respectiva presença das facetas narcisistas a da tirania obsessivosádica e a perversa A face narcisista implica uma de manda insaciável de continuadas provas de re conhecimento por parte do seduzido de que elea é amadoa enquanto por parte do sedu tor a demanda é a de comprovar que ele tem a posse total do amor do outro A conjunção destes fatores tal como pode ser constatado nos exemplos dados no início deste capítulo têm um ponto de encontro nos vínculos amorosos nos quais o sedutor deixa claramente subentendida embora o seduzido de forma consciente ou não negue sistemati camente a sua mensagem inconsciente mais por atos do que por palavras que pode ser re sumida mais ou menos assim quero ser amado por você e farei tudo para conseguir e perpetuar esse amor porém quero lhe advertir que isso de verá ser à minha moda de amar que eu não que ro perder a liberdade de continuar procurando a minha princesa ou o meu príncipe encan tadao de modo que ao mesmo tempo eu tam bém farei de tudo para não ser amado por você e mais ainda que corre o risco de passar fome e sede por um amor acenado e recusado e de vir a ser destruídao por mim Isso lembra o verso da canção interpretada por Daniela Mercury que diz quando lhe achei me perdi à qual creio para efeitos de cura psicanalítica pode ria ser acrescentado a contraparte quando o perdi me achei O que deve restar claro é que a denomi nação de vínculo tantalizante apenas fica justificada nos casos em que predomina niti damente uma relação amorosa com caracte rísticas de uma situação de aprisionamento que tende à cronificação nos mesmos mol des de alguma outra forma de adição consis tente em um continuado jogo perverso de ace nos e promessas de um dar seguidos de um retirar com periódicos términos e reapro ximações que recarregam as pilhas desse amor patológico Também deve ficar claro que nesses casos não cabe exatamente rotular de bandido um dos participantes do par amoro so e o outro de vítima porquanto o que está realmente doente é a relação o vínculo sado masoquista que na imensa maioria das ve zes tem uma origem muito antiga pré genital uma representação de uma criancinha mendigando para a mãe tantalizante provas de que é amada pela mãe que não vai ficar repudiada desamada desamparada e aban donada em uma solidão para sempre Por guardar raízes tão primitivas e orga nizadas está justificada para as pessoas que querem sair dessa adição doentia a indicação prioritária para um tratamento psicanalítico individual ou de casal o qual quando bem conduzido quase certamente terá um curso com períodos bastante penosos tendo em vis ta que não há nada que provoque mais sofri mento do que a renúncia ao mundo das ilu sões narcisistas É claro que o processo analíti co segue os paradigmas fundamentais da psi canálise no entanto vale enfatizar algumas características técnicas mais especiais para os casos em que sobressai a patologia de um vín culo tantalizante SUGESTÕES TÉCNICAS Não obstante ter sido frisado que funda mentalmente o sedutor e o seduzido formem uma unidade pois são feitos de uma mesma argamassa creio que cabe discriminar o en foque analítico preferencial para cada um de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 339 les levando em conta que os papéis assumi dos e desempenhados são aparentemente muito distintos entre si Assim quando o paciente em análise in dividual é aquele que funciona no papel do se dutordominador quase sempre um homem é imprescindível que o analista concentre a aqui sição de insights nos seguintes aspectos 1 Um assinalamento permanente e con sistente da existência de uma parte sua que está subjacente à sua aparência exterior de muita segurança e de vencedor a qual na verdade esconde um meninozinho frágil e com medo terrível do desamparo e da depressão isso aparece claramente no personagem cen tral do imperdível filme Duas vidas 2 Este menino debilitado e assustado que remanesce e habita uma parte oculta de seu psiquismo como forma de escapar de uma de pendência má que prevaleceu na sua infância e de uma rejeição que ele teme acima de tudo erigiu um falso self ou seja vive mais da apa rência do que da essência de sorte que ele cons truiu um escudo protetor uma falsa fortaleza alicerçada em fetiches substitutos tipo beleza poder domínio riqueza prestígio social e so bretudo nesses casos uma facilidade para con quistas amorosas não obstante essas sejam superficiais 3 Considero ser de primeiríssima impor tância que o analista apresente ao seu pacien te poderoso uma outra pessoa com quem ele vai ter que conviver toda a vida o seu lado de criança impotente de molde a desenvolver uma capacidade de o paciente fazer um diálogo entre ambos os seus lados 4 A onipotência é um ingrediente que virtualmente sempre acompanha este falso self poderoso devendo o analista estar muito bem preparado para não cair em sedutoras armadi lhas que muitas vezes esse tipo de paciente lhe coloca com vistas a manter a sua onipotência direcionada para obter um sutil comando da análise 5 Ainda em relação à onipotência o ana lista deve estar bem atento para mostrar clara mente sempre que possível o exercício de um domínio e apoderamento que ele faz com a sua companheira seduzida e tenta fazer com as pes soas em geral e particularmente com o analis ta como uma forma falsa de se convencer de que ele não precisa dos outros e que a recípro ca é que seria a verdadeira 6 Como decorrência disto é importante que o paciente comece a reconhecer a positi vidade de seus recursos autênticos profissio nais e afetivos dos quais ele no fundo des crê pois os mesmos estão confundidos com a sensação de falsidade que como defesa ele próprio se impôs 7 É igualmente importante que o analis ta trabalhe com os aspectos identificatórios desse paciente notadamente quanto à sua identificação com o agressor o qual no pas sado maltratouo com distintas maneiras 8 A meu juízo é altamente relevante que o analista trabalhe com os significados que es tão contidos no vínculo do reconhecimento que aludem à necessidade vital de o sujeito ser re conhecido pelos demais como uma pessoa que existe e que é capaz de ser amado Além disso esse paciente também deve fazer outros reco nhecimentos ligados à sua onipotência como é o de ele reconhecer que não tem só direitos e aos outros cabem os deveres mas sim que também deve respeitar os seus limites próprios que só podem ir até onde não invadam os di reitos dos outros que certamente ele possui potencialidades possíveis de serem alcançadas mas que também tem inevitáveis limitações que os outros não são propriedade sua e que eles têm direito a ser diferentes com valores algo distintos dos dele e igualmente também gozarem do direito a um espaço de autonomia e movimentação livre Um reconhecimento es pecialmente doloroso para o paciente com per fil sedutortantalizador é o de que ele tem uma séria incapacidade para amar de verdade 9 Cabe estabelecer uma distinção entre domínioapoderamento e domínioelabora ção O primeiro diz respeito a que certos pa cientes às vezes atingem níveis de arrogância e prepotência devido ao uso excessivo de de fesas pertinentes à posição esquizoparanóide Assim este tipo de paciente deve obter o insight de que ele costuma se apoderar da vontade da outra e que isso corresponde à fantasia da criancinha que um dia ele já foi no passado de que a mãe existia unicamente para ele o que o fez crer que os desejos dele eram tam bém os dela 340 DAVID E ZIMERMAN 10 Já o domínioelaboração concerne a um estado psíquico e de conduta no qual existem sinais indicadores de que o paciente está começando a reconhecer que sua ânsia por dominar resulta de um medo de se separar e perder pessoas que lhe são importantes Tal reconhecimento é um importante passo para o ingresso na posição depressiva logo para a consideração e reparação para com os demais juntamente com uma forma de pensar e sim bolizar mais adequada tudo isso ajudando a convergir para uma possibilidade de verdadei ra mudança psíquica 11 Pode ser uma mera coincidência mas tenho observado na minha prática analítica e em supervisões que uma significativa maioria de pacientes com esse perfil dominadortanta lizante vem de famílias que passaram grandes dificuldades e coube a eles justamente porque já demonstravam ser bem dotados de qualida des positivas assumir um papel de vir a ser uma espécie de redentor para proteger honrar e or gulhar os familiares a um mesmo tempo em que fizeram secretos juramentos de vencer na vida de modo a superar vingativamente todos aqueles que de alguma forma os teriam rejei tado e humilhado Tal aspecto necessita ser bem trabalhado pois se constitui em uma das fontes de pulsões narcisistas e sadomasoquistas Em relação à figura do paciente quase sempre do sexo feminino que está no sofrido papel de seduzidadominada os seguintes enfo ques merecem a atenção do analista 1 Não aceitar analiticamente falando a sua tese reforçada pelo que ela passa aos fa miliares e amigos de que ela está sendo uma passiva vítima de um sujeito mau caráter que não merece o seu amor porém como ela o ama muito então Pelo contrário deve fi car bem claro que ela não é tão ingênua e que existe uma cumplicidade inconsciente entre ambos em que há uma especularidade isto é um é o espelho e complemento do outro ra zão por que funcionam em uma espécie de uma folie a deux Na verdade ambos são concomi tantemente vítimas e algozes um do outro en redados e aprisionados em um antigo enredo do teatro do psiquismo em que cada um de les como uma espécie de fetiche desempe nha o papel de ator atriz substituto dos pro tagonistas originais do passado 2 Essa necessidade de encontrar um fe tiche como tentativa ilusória de preencher um desejo ou de cumprir uma compulsão à repeti ção de traumas antigos não necessita neces sariamente ser sob a forma de um caso real de amor patológico entre os dois cúmplices Mui tas vezes este tipo de amor configurase como uma paixão secreta nãoassumida ou nãocorrespondida assim como também é bas tante freqüente que ele se manifeste como uma verdadeira obsessão pertinaz cruel e com uma eterna esperança que nunca terá solução Para o leitor que queira se deliciar com um relato literário em que essa última situação que des crevi aparece com uma clareza comovedora permitome recomendar a leitura do livro Quando Nietzche chorou de Irwin Yalom 3 O analista tem a difícil tarefa de le var essa paciente a reconhecer que aquilo que ela considera como um grande amor embo ra ela mesma o reconheça como complicado e tumultuado pode não estar sendo mais do que um sintoma psíquico severo fruto de uma excessiva idealização que ela faz do cúmplice tantalizador às custas de um esvaziamento e autodenegrimento de si própria de sorte que ela possa estar cegada pelo deslumbramen to passional 4 Da mesma forma diante dao pacien te que de forma incessante se lamuria que o inimigo de sua felicidade está no outro que a seduz e não cumpre as promessas cabe ao ana lista apontar que ela está equivocada o inimi go real não é aquele sedutor que não é mais do que um cúmplice seu apenas executando um papel previamente encomendado assim ajudando a encobrir o verdadeiro inimigo da sua pretensa vítima ela Tratase pois de um inimigo na trincheira muito mais anti go que mora dentro dela onde se mantém oculto agindo como se fosse um ímã que exer ce uma irresistível atração para a repetição do trauma 5 Sempre que possível articular a ativi dade interpretativa no tripé a as expectati vas e as esperanças frustradas que essa paciente vive com o homem que ela crê amar b as ex periências emocionais análogas às que ela já vivenciou no seu passado com os pais e que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 341 de alguma forma c ela possa estar revivendo transferencialmente com a pessoa do analista 6 Uma tática que uso bastante nos casos em que está mais do que evidente que se trata de um vínculo de características nitidamente tantalizantes consiste em que costumo igua lar o seu apego doentio à uma drogadição à cocaína por exemplo de modo que uma satis fação breve e ilusória paga um alto preço à sua saúde emocional e que igualmente à droga dição a suspensão da droga embora impera tiva provoca um intenso estado doloroso du rante o período de abstinência que segue por algum tempo 7 Diante de uma possível alegação da paciente de que a culpa do que acontece é de seu inconsciente que ela não domina co mo se fosse um corpo estranho à sua pes soa costumo enfatizar o assinalamento de que o inconsciente pertence a ela e que ela pode e deve acionar os seus recursos cons cientes de modo a se responsabilizar pelo destino de seus atos 8 As duas últimas colocações referidas somente justificam ser feitas quando o ana lista tem absoluta convicção de que elas não terão um cunho superegóico acusador ou reclamador que o seu estado mental não é de cansaço impaciência ou de alguma difícil con tratransferência mas que pelo contrário ele acredita naquilo que está fazendo e a pacien te sentindo a sua sinceridade também acre dita que ele vai pegar junto com ela nos mo mentos mais difíceis Às vezes uma colocação em linguagem metafórica adquire uma possi bilidade de tocar o paciente mais do que as clássicas interpretações verbais como posso exemplificar com uma paciente que embora séria e bem dotada dos melhores predicados passou alguns anos enredada nas malhas de uma muitíssima dolorosa relação tantalizante Recém agora que ela está se libertando para valer de verdade desse vínculo tanático ela me afiançou que durante o apogeu de sua dor e medo de não sobreviver as minhas pa lavras que mais a tocaram e encorajaram a enfrentar a sua regressão foram aquelas que usei em uma metáfora de que quando alguém quer saltar de uma margem para outra de um terreno interrompido por uma cratera deve recuar regredir para mobilizar forças e ga nhar impulso para melhor poder saltar para a margem da liberdade 9 É importante o reconhecimento das identificações que habitam a mente dessas pa cientes com ênfase em uma possível identifi cação com a vítima não obstante não custa repetir essa mesma paciente também tenha núcleos identificados com o agressor 10 Partindo daí tornase mais possível trabalhar com os aspectos vinculares sadoma soquistas especialmente o quanto a nossa hi potética paciente possa inconscientemente es tar acionando o sadismo do outro e vicever sa configurando um jogo perverso de ataques revides submissão juras de vingança miga lhas de amor e sexo humilhações em meio a fortuitos momentos felizes etc 11 Em relação ao termo masoquismo que aparece com freqüência neste capítulo é ne cessário fazer uma ressalva conceitual O as pecto masoquista do vínculo tantalizante não é exatamente o mesmo que o conceito clássico de Freud mais propriamente ligado a uma necessidade de punição devida a sentimentos de culpa No vínculo tantalizante o sofrimen to é buscado porque ele o próprio sofrimen to ocupa o lugar do objeto como este está representado no ego do seduzido perdido e assim o mantém vivo Dessa forma por exem plo um abandono atual sempre remete aos pri meiros abandonos sofridos quando criancinha Muitas vezes a estruturação de um laço amo roso se estabelece com o fim de reencontrar o primeiro abandono que para esse tipo de pa ciente representa ser o período mais rico da criança com a mãe ou pai em matéria de sen sações emoções e excitações 12 Ainda em relação às identificações é relevante o fato de que os objetos originais mãe pai e a relação de ambos foram intro jetados tanto em função de fantasias quanto de uma possível realidade exterior como po derosos divinos ou demoníacos o que provo cou na infância da paciente sentimentos concomitantes de idealização e denegrimento submissão e rebeldia 13 A paciente deve desenvolver uma cla ra percepção de que ela passa a maior parte do seu tempo sofrendo e lamuriando porém que ela tem no mínimo metade da respon sabilidade e conivência na promoção cons 342 DAVID E ZIMERMAN trução e perpetuação desta simbiose patoló gica destrutiva 14 Se o analista tiver uma boa capacida de de continência para poder conter as difíceis angústias nele depositadas especialmente quando começam a haver as primeiras renún cias verdadeiras à manutenção dos desejos impossíveis de serem alcançados e ao mesmo tempo tiver paciência para esperar mudanças lentas e entrecortadas por sucessivas recidivas da paciente quando ela volta a ir ao encontro amoroso com o seu amado tantalizante é bem possível que ambos o analista e a sua paciente sejam muito bemrecompensados 15 Deve haver um assinalamento siste mático da cisão perversa que existe no psiquis mo da paciente entre o seu lado sadio e a or ganização patológica que sabota todos seus in tentos de buscar a saúde emocionalafetiva 16 Por intermédio da introjeção do mo delo da figura do analista que a respeita a quer bem acredita nela suporta a sua dor sem se alarmar demasiado não cansa nem se de prime e tampouco revida aos seus prováveis ataques portanto uma forma de ser sensivel mente diferente da do seu par sedutor e de como seus pais foram introjetados a paciente vai gradativamente construindo os núcleos de confiança básica que lhe faltaram no curso de sua evolução emocional 17 Essa maior confiança em si própria e nos demais facilita os passos seguintes que consistem em proceder às necessárias desiden tificações com os aspectos patogênicos dos pais que desde criancinha a paciente incorporou A desidentificação não deve ser total porquan to seguramente alguns aspectos positivos har mônicos com o jeito autêntico de como a paci ente quer ser devem ser preservados como patrimônio do seu psiquismo A desidentifi cação com os núcleos patógenos abre um sufi ciente espaço psíquico não só para neoidenti ficações como foi mencionado em relação à internalização da figura do terapeuta como também permite o florescimento de outros va lores interesses e relações 18 Devido ao fato de que os núcleos patógenos tantalizantes estão muito fortemen te arraigados no psiquismo as mudanças ana líticas costumam ser lentas entre altos e bai xos razão por que é de capital importância que o analista observe se uma provável recidiva da paciente segue um movimento apenas circular parte e volta sempre a um mesmo ponto es tanque sem que nada tenha mudado ou se o movimento é espiralar helicoidal ascendente no qual os fatos também se repetem passam pelos mesmos pontos porém sempre em um plano acima já algo transformado na forma duração posicionamento etc 19 Assim a experiência demonstra que nos casos nos quais a análise progrediu exito samente acontece uma das seguintes possibili dades a nossa hipotética paciente ainda não se libertou totalmente do cativeiro no entan to abriu muitos outros espaços profissionais por exemplo de modo a melhorar substan cialmente a sua qualidade de vida outra pos sibilidade é a de que ela tenha mudado tanto o seu posicionamento interior e a correspondente conduta exterior diante do seu companheiro tantalizante que ela o aceita sob novas bases e condições de sorte a ficarem juntos final mente a perspectiva mais alentadora é aquela em que a paciente se liberte internamente do antigo vínculo tantalizante que a supliciava desde sempre o que lhe propicia libertarse do jugo torturador que vivia com seu parceiro dominadortantalizante sob um disfarce de grande amor assim podendo encontrar um novo vínculo amoroso sadio e estável quan do o perdi me achei Mais especificamente em relação à te rapia de casal nos casos que estão enrodi lhados em um vínculo tantalizante além dos aspectos já mencionados vale acrescentar mais os seguintes 1 É muito difícil reunir o par recipro camente envolvido pois na grande maioria das vezes aquele que exe cuta o papel de sedutortantalizante não quer perder o vínculo de apode ramento que exerce de modo que por meio de inúmeros subterfúgios negase a participar para valer 2 Nos casos em que a terapia analíti ca do casal evolui satisfatoriamen te ambos os participantes sob a ameaça da perda do outro incons cientemente tendem a radicalizar MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 343 os respectivos papéis de domina dorsádico e de dominadomaso quista de sorte que surge uma cri se manifesta quando começa a ha ver a reintrojeção da parte frágil e doente que estava projetada no outro 3 Assim ambos descobrem a mútua dependência má que os une e de sune de modo a perceber melhor por que sempre se tocam e nunca se juntam Em qualquer uma das situações analíti cas enfocadas na pessoa do sedutor da sedu zida ou na do casal virtualmente sempre existe um fator etiológico comum qual seja o fato de que no passado houve uma interrup ção da fusão diádica da criança que ainda remanesce no paciente com a mãe que criou um vazio cujo preenchimento muitas vezes é buscado na figura do pai Este vazio deixou uma marca indelével de falta de algo algo esse que concomitantemente se deseja e se teme lembra o conceito de unheimlich o es tranho sinistro de Freud e que a partir daí fica sendo o gerador do desejo Com outras palavras no desmame físi co eou afetivo o afastamento físico da mãe corresponde ao início do processo de sepa ração e individuação conforme M Mahler 1971 é representado na criança como sen do uma falta e uma falha da mãe Daí o futuro adulto vai procurar esse algo que lhe falta em algum vestígio da mãe da ilusão nirvânica Lacan chama de objeto a ou do deslocamento no pai como pode ser um olhar odor alguma característica típica um traço fisionômico algum significante que através de uma rede de significações move uma evoca ção e reativação da necessidade de uma grati ficação alucinatória do desejo Logo o objeto sentido como amado é a causa do desejo e não o objeto do desejo Ele funciona como uma representaçãocoisa como um fetiche e quando essa fixação no fetiche tornase dema siadamente exagerada tem uma alta probabi lidade de se tornar uma perversão a dois Essa história básica cuja origem está nos primórdios da vida adquire características va riáveis de uma criança para outra porém fica impressa na mente de cada um com um enre do típico que qual a produção de uma peça tea tral ou de um filme segue a estereotipia de um mesmo modelo em que o cenário é representa do peloa parceiroa escolhidoa Esse script teatral do interior do psiquismo tende a se re produzir com os mesmos personagens protago nistas embora mudem os atores externos desempenhando os mesmos papéis e ocupando os mesmos lugares em moldes repetitivos que com algumas variações como que atraídos pelo magnetismo de um ímã interno podem se re produzir ao longo de toda uma vida em pessoas adultas às vezes pessoas maduras muito bem dotadas mas que conservam um núcleo desse enredo patológico enquistado em algum canto do seu ego caso elas não tenham tido o privi légio de alguma forma de um bemsucedido tra tamento psicanalítico PARTE IV Terapias Analíticas Especiais 33 Psicanálise com Crianças O primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe a sua expressão o seu olhar a sua voz É como se o bebê pensasse olho e sou visto logo existo D Winnicott Se um analista tem internalizado a psicanálise sua atitude vai ser sempre uma a atitude psicanalítica infantis suas próprias de seus netos e pacien tes além de seus apontamentos sobre sonhos de crianças o papel da sexualidade infantil como matériaprima de seu edifício teórico e notadamente a sua participação na condução da análise do caso de fobia do menino Hans que foi executada pelo pai da criança No entanto sempre foi consensual entre os psicanalistas que Freud posicionouse de for ma contrária à de admitir que a psicanálise fos se um método aplicável a crianças posição essa que se constituiu como um forte legado inibidor para os analistas de futuras gerações até mes mo porque indo contra a posição psicanalítica de M Klein ele manifestou uma profunda soli dariedade e um apoio à sua filha Anna para o atendimento de crianças em uma linha de na tureza mais pedagógica mais voltada para o ego consciente do que para as profundezas do in consciente A maior contribuição de Freud à análise de crianças é indireta é aquela que pos sibilitou o reconhecimento e a importância dos dinamismos psíquicos da criança que continua ativa e presente em cada um de nós ANNA FREUD Antes de A Freud e de M Klein alguns outros psicanalistas fizeram algumas tentati vas de tratar crianças com bases psicanalíticas porém não ocorreu maior consistência e apro fundamento A Dra Hilde HugHellmuth foi a UMA BREVE RESENHA HISTÓRICA Dentro do propósito deste livro de pro mover uma atualizada revisão de tudo que diz respeito a aspectos técnicos da psicanálise a respeito principalmente das transformações que estão continuamente se processando muito antes de esgotar uma abordagem de con cepções teóricas metapsicológicas e até mes mo uma completude de enfoques técnicos optei por redigir este capítulo fortemente fun damentado em recente número do boletim in formativo International Psychoanalysis vol 10 no 2 2001 Tratase de uma publicação ofici al da IPA que nesse exemplar traz um conjun to de artigos especialmente dirigidos à atuali zação da psicanálise com crianças de autoria de ilustres psicanalistas procedentes de dis tintas partes do mundo como Peter Blos Jr americano atual Presidente do Comitê de Psi canálise de Crianças e Adolescentes da IPA COCAP Karen Gilmore da Associação Psica nalítica Americana Johan Norman Terttu Eskelinen de Foch Virginia Ungar Argentina e Carmem Médici de Steiner Uruguai FREUD É fácil perceber que ao longo de sua obra Freud sempre demonstrou um especial inte resse pelo psiquismo das crianças o que pode ser evidenciado em recordações de vivências 348 DAVID E ZIMERMAN primeira psicanalista que tentou psicanalisar crianças e escreveu em 1921 um trabalho so bre o tema Anna Freud que a partir de 1926 come çou a analisar crianças foi sua seguidora Qua se a um mesmo tempo que Klein Anna dedicou uma atenção especial ao tratamento de crian ças primando por uma orientação de natureza essencialmente pedagógica isto é ela reeduca va a criança no sentido de uma adaptação da mesma à realidade visando à construção de um melhor convívio com os pais e irmãos Em Lon dres onde ela se refugiou acompanhando o pai trabalhou com crianças que conseguiram sobre viver a desastres traumatizantes como a 2a gran de Guerra campos de concentração orfandade fome etc Assim ela fundou em 1951 a Clínica Hampstead um prestigioso centro de tratamen to pesquisa e formação em psicoterapia infantil imprimindo uma orientação mais voltada para o ego como por exemplo os mecanismos de de fesa passaram a ser vistos mais do que impedi mentos como aquisições do ego Anna criticava acerbamente a M Klein a qual na mesma épo ca por volta de 1927 preconizava e praticava a psicanálise dentro do mais puro rigor psicanalí tico fato que gerou sérias polêmicas no seio da Sociedade Britânica de Psicanálise M KLEIN Partindo dos postulados de Freud essa genial psicanalista construiu o seu edifício teóricotécnico a partir da observação do com portamento de bebês e do tratamento psica nalítico com crianças algumas de tenra idade Como se sabe ela introduziu de forma mais sistemática e consistente o uso de brinquedos desenhos e jogos na sua técnica o que lhe per mitiu descrever e interpretar para a criança na situação analítica as primitivas angústias de aniquilamento os mecanismos defensivos arcaicos a existência de um cruel superego pri mitivo a forte presença de fantasias incons cientes às vezes aterradoras para os bebês e as crianças Os usos e jogos que as crianças faziam com os brinquedos equivaliam para Klein como uma forma equivalente a da livre associação de idéias tal como Freud preconi zara Assim ela interpretava a criancinha com a maior neutralidade possível sempre dentro do marco transferencial mirando as fantasias inconscientes que promoviam as angústias ini bições e sintomas No Simpósio sobre Análise de Crianças realizado em 1927 coube a M Klein dirigir pesadas críticas e discordâncias em relação ao método educativo de Anna Freud Como foi dito os componentes da Socie dade Britânica de então ficaram divididos en tre Anna Freud e Melanie Klein o que gerou as célebres Controvérsias no início dos anos 40 que quase resultou numa profunda cisão da Sociedade a qual foi habilmente contorna da por acordos do que resultou a existência de três grupos o freudiano o kleiniano e o independente ainda vigentes na atualidade S Freud procurou manterse à parte e nos seus raros pronunciamentos colocouse ao lado da filha ignorou solenemente M Klein e fez se veras críticas aos seguidores que a apoiavam como E Jones por exemplo Na realidade coube ao grupo kleiniano uma expansão bem mais significativa na Socie dade Britânica com um crescente número de psicanalistas realizando análise com crianças adotando a técnica preconizada por M Klein RENÉ SPITZ Psicanalista austríaco que emigrou para os Estados Unidos realizou observações por meio de filmes sobre as etapas evolutivas de crianças assim documentando e legitimando o desenvol vimento emocional do ser humano de acordo com o que empiricamente Freud postulara WINNICOTT De formação originalmente kleiniana aos poucos D Winnicott foi se distanciando dela ingressou no grupo independente e criou concepções originais que trouxeram uma gran de contribuição para a compreensão do desen volvimento emocional primitivo da criança a partir da vinculação primária com a mãe real Isso lhe foi facilitado mercê de sua longa expe riência como pediatra quando então brincava com as crianças pacientes dele com jogo dos rabiscos squiggle game e jogo da espátula Assim Winnicott concebeu a fundamental im MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 349 portância da presença de uma mãe suficien temente boa do meio ambiente facilitador ou complicador do desenvolvimento infan til a noção de espaço e dos fenômenos transicionais a importância da atividade de as crianças brincarem com outros no sentido de despertarem a criatividade o reconhecimento e a socialização a formação de um falso self quando as crianças querem garantir o amor da mãe a qualquer custo etc etc É óbvio que muitos outros conhecidos e importantes autores como E Bick M Mahler Meltzer F Tustin A Alvarez A Ferro trou xeram relevantes contribuições teóricas e téc nicas que poderiam ser relatadas porém este capítulo não tem o propósito de fazer uma re visão completa e exaustiva ESTADO ATUAL DA ANÁLISE COM CRIANÇAS Ainda persiste uma nítida dúvida no meio dos psicanalistas entre aqueles que seguem o legado de Freud defendendo que o tratamen to emocional das crianças não pode ser consi derado uma verdadeira psicanálise e os de mais formando um número cada vez maior entre os membros da IPA os quais conferem um estatuto que é legítimo considerar plena mente a psicanálise com crianças de sorte que muito recentemente a partir da nominata cons tante do Roster da IPA de 2001 todos os ana listas de crianças passam a ser identificados por um símbolo ao lado do nome É consensual que um analista de crianças requer um treinamen to prévio ou no mínimo simultâneo com psi canálise de adultos assim seguindo uma tra dição como é nos Estados Unidos em que to das as especialidades pediátricas cirúrgicas exi gem um treinamento geral Entretanto as antes aludidas Controvér sias da Sociedade Psicanalítica Britânica não estão de todo elaboradas tanto que muitos psicanalistas de crianças de formação kleiniana continuam criticando de forma acrimoniosa os demais aos quais chamam de psicoterapeutas e não de psicanalistas que são formados no Centro Anna Freud de Londres possivelmen te o mesmo ocorre com a Clínica Tavistock e outras instituições similares de treinamento Na verdade embora ninguém conteste que A Freud foi uma completa analista de adultos e de crianças os alunos do Centro que leva seu nome procediam de diferentes profissões nem todos eram médicos ou psicólogos e o treina mento não incluía psicanálise de adultos Estes últimos reclamam o seu direito de serem considerados psicanalistas de crianças porém a maioria dos responsáveis pela IPA mantém a posição de estabelecer uma neces sária distinção embora muitos deles reconhe çam que no caso em que tenha havido uma completa formação psicanalítica segundo os padrões estabelecidos então o analista de cri anças pode alterar as recomendações clássicas com o argumento de que se um analista tem internalizado a psicanálise sua atitude vai ser sempre uma a atitude analítica A tendência atual da psicanálise com crianças trata de conservar primordialmente aquilo que de fundamental foi transmitido pelo pioneirismo da escola kleiniana porém redu zindo a prematura e sistemática interpretação transferencial quase sempre enfocada com os pais e a escola apontando para novos horizon tes Neste último caso cabe citar uma posição do Centro Anna Freud com a sua afirmativa de que a ambição terapêutica do analista vai mais além do domínio do conflito e a melhora das soluções inadequadas dos conflitos Agora abarca faltas falhas defeitos e privações isto é toda a variedade de fatores externos e inter nos adversos aponta a correção de suas con seqüências e define o tratamento como uma combinação de terapia orientada para o insight e a assistência para o desenvolvimento Pode se inferir que este aspecto relativo ao fato de que muitas crianças muito mais do que sofrer de conflitos sofrem de carências verdadei ros buracos negros adquire uma extraordi nária importância no entendimento e no tra tamento da moderna patologia do vazio nota damente o caso de crianças portadoras de um autismo psicógeno Creio que se pode acrescentar mais um vértice que deve ser enfatizado no trabalho analítico com crianças e respectivos pais refi rome à necessidade de o analista estar aten to a uma programação prévia às vezes an tes da concepção que os pais fazem em rela ção ao filho determinando a ocupação de lugares no âmbito familiar o desempenho de certos papéis ao longo da vida futura dese 350 DAVID E ZIMERMAN jos de que o filho vá preencher expectativas deles pais e assim por diante tentando mo delar a criança à sua imagem feição discur so e desejo Em relação à precoce influência dos pais antes do nascimento do filho é relevante des tacar que Bion aventou a sua conjetura ima ginativa da existência de um precoce psiquis mo fetal e concebeu que o feto recebia impor tantes impressões imprintings procedentes do mundo externo ruídos brigas dos pais modi ficações uterinas etc e do mundo interno da mãe com as suas variações emocionais e mais segundo ele tais impressões marcariam pro fundamente o psiquismo adulto O impressio nante disso está no fato de que as conjeturas especulativas de Bion estão encontrando ple na aprovação graças aos modernos recursos tecnológicos como os exames de alta resso nância tal como comprovam cientificamente os experimentos de cientistas como Alessandra Piontelli 1996 na Itália ASPECTOS DA PRÁTICA NA ANÁLISE COM CRIANÇAS Características As crianças apresentam algumas particu laridades próprias no seu atendimento dife rentes das dos adolescentes e dos adultos como são as que seguem 1 A criança está em pleno período de transformações constantes e rápi das daí que a instabilidade é a sua maior característica 2 Dentre as transformações físicas e psíquicas é importante levar em conta que ela está em processo de maturação neurobiológica que va ria de criança para criança de modo que o terapeuta não pode exigir ta refas como usar adequadamente o banheiro fazer recortes amarrar os sapatos etc para as quais ela ain da não está preparada 3 As crianças costumam reagir a cer tos estímulos de forma imediata com ansiedades às vezes intensas 4 Elas ora são caladas e inertes ora apresentam uma profusão de material verbal préverbal e paraverbal por meio de narrativas jogos desenhos personificações etc Aliás mesmo quando a criança já atingiu o uso efe tivo da linguagem a expressão de suas fantasias e sentimentos subjacentes se faz predominantemente por canais nãoverbais de comunicação 5 É grande a facilidade de a criança contrair um vínculo transferencial com o analista 6 Igualmente é bastante freqüente a manifestação de actings 7 A dependência da criança em rela ção aos pais é total e absoluta 8 Outra característica notória das crian ças é que fazem uma experimenta ção continuada por meio de alguns testes no sentido de verificar como é o seu terapeuta além de suas recor rentes tentativas de levar o analista a dar uma resposta já conhecida ou para leválo a encenar um determi nado tipo de papel Encaminhamento para tratamento Diferentemente do que costuma aconte cer com pacientes adultos salvo raríssimas exceções o pedido de ajuda de tratamento não provém das próprias crianças Elas são trazidas pelos pais geralmente encaminhadas pela es cola pelo pediatra ou por pessoas beminfor madas como podem ser os próprios pais In dependentemente da sua idade ela deve ser informada pelos pais com convicção e verda de de que vai consultar com uma pessoa espe cialista e por que vai à consulta Indicações De forma diferente de como foi a indica ção que Freud fez para o menino Hans na atua lidade predomina a idéia de que certos trans tornos da infância como são as tão costumei ras fobias simples são mais bem tratados com tratamentos menos intensivos e que a efetivi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 351 dade da análise é tanto maior quanto mais cedo ela tenha começado Pesquisas apontam que o método mais rigorosamente psicanalítico foi claramente mais eficaz para dois grupos de cri anças púberes ambos com transtornos emocio nais severos e persistentes É consensual entre psicanalistas de mui tos países que está havendo uma diminuição do número de pacientes em análise nos mol des clássicos e um incremento de pacientes psicoterapêuticos em análise de crianças e adolescentes Algumas razões são apontadas como o fato de que existe uma pressão pelos órgãos prestadores de serviços médicos assis tenciais a maioria das mães trabalha fora e não tem mais a mesma disponibilidade além de que a renda em média diminuiu e natu ralmente também influi a diminuição progres siva das diferenças entre os tratamentos sen do cada vez mais freqüente Os autores em geral enfatizam a impor tância crucial de que antes de se iniciar a aná lise seja feito um diagnóstico psiquiátrico e di nâmico da situação da criança com vistas a poder preferir alguma outra modalidade alter nativa de tratamento como o da moderna psicofarmacologia que talvez seja mais ade quada para alguma situação específica O contrato Deve ser feito com os pais quando se trata de crianças maiores grande número de analistas infantis prefere fazer o contrato na presença do pequeno paciente no que se re fere aos horários honorários assunção da res ponsabilidade no caso de faltas tempo de du ração da sessão plano de férias participação dos pais O importante é que cada um desses aspectos fique suficientemente claro para to dos caso contrário uma porta fica aberta para futuras complicações Também é útil que o analista confira com os pais quais são as ex pectativas dos mesmos em relação ao trata mento Setting É inegável que cada vez mais aumenta a flexibilidade dos analistas em relação ao es tabelecimento dos parâmetros clássicos que norteavam a análise com crianças como por exemplo o número de sessões M Klein utili zava cinco sessões semanais o uso de medi cação etc A propósito os analistas desde há muito pouco tempo tendem a incorporar ao seu trabalho analítico uso da medicação com maior facilidade do que antes Dessa maneira não obstante com a reprovação de muitos podese dizer que está encurtando bastante a distância que interpunham entre a análise pro priamente dita e as psicoterapias de base ana lítica de sorte que na atualidade muito fre qüentemente elas se tangenciam interpõem e confundem entre si O fato de que existe uma maior flexibili dade de forma alguma significa que não se jam mais válidas em sua essência as clássicas regras técnicas de Freud como a da livre asso ciação das idéias que de forma equivalente estão expressas nas atividades lúdicas as da abstinência e da neutralidade é claro que sem a rigidez dos tempos pioneiros da atenção flu tuante e sobretudo a do amor às verdades O clima reinante no setting enquadre deve ser o de liberdade para que a criança pos sa brincar jogar falar movimentarse rolar pelo chão cantar pintar gritar desenhar es crever rasgar fazer coisas e expressarse à sua moda sem outras restrições que aquelas im possibilitadas por razões práticas e pela neces sidade de o analista preservar a sua integrida de física Para manter a integridade material do consultório o local de atendimento deve ser especialmente preparado com o preenchimen to dos requisitos básicos que assegurem a pro teção principalmente da própria criança a sala de atendimento deve ser clara e suficientemen te espaçosa um mínimo de móveis simples resistentes e confortáveis uma pia com água tapete que possa ser removido e facilmente la vado uma espécie de quadro negro e alguma outra coisa mais É útil enfatizar que a atitude de neutrali dade do analista deve ser mantida ao máximo mas de forma alguma isso deve representar uma inibição para ele ser espontâneo e mergulhar em uma interação junto com a criança nos seus jogos e brinquedos Ademais é importante que o setting combinado deve ser preservado ao máximo pelo fato de que o cumprimento das 352 DAVID E ZIMERMAN combinações visa a construir confiabilidade regularidade e estabilidade além do fato de que auxiliam a criança a estruturar ordem discri minação limites orientação espacial e tempo ral além de uma adaptação à realidade OS PAIS Um aspecto fundamental hoje conside rada parte integrante do setting concerne à participação dos pais De forma nenhuma a participação deles no processo analítico com a criança deve ser considerado um entrave tal como era considerado até certa época a ponto de que havia a recomendação para que o ana lista evitasse ao máximo o contato com os pais mesmo diante da insistência desses Pelo con trário hoje é difícil imaginar uma criança em análise sem um concomitante acompanhamen to dos pais ou pelo menos de um deles Conforme as circunstâncias específicas de cada caso os pais participam desde o início muitas vezes antes do filho outras vezes já começam participando conjuntamente com a criança assim como em outras situações os pais requerem um certo tempo de preparação an tes que possam se integrar e apoiar o trata mento analítico do filho A continuidade da participação dos pais adquire modalidades va riáveis não sendo rara a possibilidade de que se ache viável alguma sessão que reúna toda a família A presença dos pais também é muito significativa pois possibilita a formação de muitas oportunidades para a observação de desempenho de papéis possíveis transtornos da comunicação e a emergência de transferên cias e de dissociações com as respectivas iden tificações projetivas de uns nos outros O ana lista deve estar suficientemente bemprepara do para reconhecer e manejar tais situações Um aspecto particularmente relevante é aquele que se refere ao fato de que o discurso e o desejo dos pais quanto à expectativa do sexo biológico do filho pode causar em casos mais extremos graves problemas na formação do gênero sexual da criança e por conseguin te do futuro adulto É bastante freqüente a possibilidade de que em algumas situações os pais ansiosos fiquem motivados para serem encaminhados para alguma forma de tratamen to psicanalítico Ainda a propósito da importância do ana lista infantil trabalhar com os pais da criança vale mencionar que a psicanalista H Fainberg 1963 criou uma técnica original para o aten dimento psicanalítico de bebês e crianças pe quenas Ela parte do fato de que os passados conflitos da mãe nãosolucionados são repro duzidos com o bebê por meio de identifica ções projetivas de sorte que Fainberg empre ga a prática de psicoterapia analítica conjunta de paisbebê Pesquisadores ligados as neurociências de monstraram que crianças autistas sofreram os efeitos de uma eventual depressão pósnatal quan do eram bebês quando então encontraram uma menor atividade no lobo frontal esquerdo desses bebês o que pode explicar muitos sintomas Voltando ao setting existe na sala do te rapeuta infantil a presença da caixa de brin quedos que possibilita que a criança que ainda não tem satisfatórias condições de expressar se verbalmente ou que ainda está muito inibi da possa utilizar a linguagem por meio de montagens desenhos das histórias que cria e os papéis que ela confere aos personagens a forma de brincar com os brinquedos e a utili zação que as crianças menores empregam nas narrativas baseadas no fazdecontaque aliás uma excelente via para o conhecimento das fantasias inconscientes Cabe particulari zar que os desenhos modelagens e pinturas permitem perceber a força expressiva contida nas cores nas proporções nos limites que as figuras humanas desenhadas guardam em re lação com o espaço do papel que podem defi nir a importante discriminação de seus limites corporais do seu eu em relação ao mundo exterior etc De modo geral os analistas de orienta ção predominantemente kleiniana deixam dis poníveis para a criança brinquedos constantes de bonecas que permitam representar uma fa mília pequenos animais de plástico selvagens e domésticos carrinhos pequenos uma caixa de cubos para construção uma bola pequena e leve papel lápis simples e de cores materi al para pinturas simples plastilina ou argila e mais algo similar Muitos analistas de crianças são contrários a uma oferta excessiva de brin quedos com o argumento de que uma grande quantidade poderia representar uma mensa gem implícita à criança de que é melhor não MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 353 dirigir a atenção à presença do outro mas jo gar com o material fartamente disponível Alguns temas simbólicos aparecem com maior freqüência como casa árvores secas ou com flores e frutos família sol e nuvens estradas rio e barco ilha aviões e carros monstros labirintos máscaras armas de fogo água e peixe corpo humano O importante é que o analista esteja atento não só às fantasias implícitas mas também aos papéis designados aos diversos personagens que compõem o en redo das encenações Assim o ato de brincar inclui brincadeiras com um material lúdico cuja seleção foi sendo depurada por longos anos de experiência analí tica com crianças ficando finalmente reduzida a alguns brinquedos simples e algum material escolar É freqüente a possibilidade de que es ses objetos sejam levados para casa enquanto outros são trazidos pela criança de casa para as sessões Também podem fazer parte do en quadre jogos de mímica e adivinhação ou jo gos de regras fixas tanto os competitivos quan to os de passatempo social como são os de dama xadrez cartas quebracabeças etc que segundo alguns analistas as crianças costumam introduzir em momentos difíceis do relaciona mento com o terapeuta ou quando querem re duzir o ritmo do trabalho analítico A dramatiza ção repetitiva de más experiências é freqüente em análise de crianças com a função de externar evacuar o que ela não suporta dentro de si e especialmente como uma forma de ela borar determinadas vivências traumáticas É necessário incluir como fator integran te do setting a pessoa real do analista especial mente a sua autêntica atitude analítica que resulta do seu setting interno mercê de uma série de atributos mínimos dos quais o priori tário minimamente indispensável é a condi ção que ele de verdade goste de crianças Não custa reiterar que é absolutamente vital que os pais sejam abordados Há ocasiões raras nas quais eles dizem que virão mas não vêem ou faltam muito Os contemporâneos analistas infantis preferem não ser rígidos a respeito disso porque entendem que mesmo que os pais relutem sempre é possível fazer algo de produtivo pela criança Resta dizer que o próprio setting funcio na como um objeto continente assim como de sustentação primária provedor e delimitador ResistênciaContraresistência É evidente que a criança tem múltiplas formas de resistir tanto no que se refere às suas vindas para as sessões quanto também contra a evolução do processo analítico as quais vari am com a idade e com a singularidade de cada uma delas Quatro aspectos merecem ser des tacados 1 A resistência da criança pode estar significando a ocorrência de alguma falha no entendimento e no manejo por parte do analista 2 De modo geral as resistências da criança na análise expressam como se comportam em casa e se consti tuem como um indicador dos meca nismos que estão forjando a estrutu ração de sua personalidade Por exemplo a criança pode estar agre dindo continuadamente ao terapeu ta sob forma verbal ou conductual como forma de testar ao máximo possível a sua capacidade de conti nente a sua capacidade de sobrevi ver aos ataques sem desmoronar ou revidar 3 Importante mesmo é a possibilida de de o analista consciente ou in conscientemente formar um conluio de acomodação no que tange à aná lise de determinados aspectos e con dutas significativas preferindo ficar unicamente em uma condição de amiguinho 4 A presença da resistência na análi se de crianças adquire uma carac terística singular pelo fato de que em um grande número de vezes tra tase uma dupla resistência isto é a que é própria da criança e aquela que procede dos pais às vezes de forma acintosa e outras muito sutil TransferênciaContratransferência Igualmente ao que foi referido em rela ção à resistência também costuma haver uma 354 DAVID E ZIMERMAN dupla transferência com distintas e às vezes complexas configurações transferenciais que se formam entre a criança a mãe e o pai tendo o terapeuta como figura central não sendo nada rara a possibilidade de a criança forçar um jogo de intrigas entre os pais e o analista Por outro lado conhecemos o fato de que seguidamente os pais signifiquem o analista como uma espé cie de rival que quer destronálos no campo afetivo do filho que vá jogar a criança contra eles ou nos casos mais patológicos evidenci am o medo inconsciente de que o filho pode melhorar a ponto de escapar do seu controle razão por que é tão freqüente a interrupção que os pais fazem da análise justamente no período que começam a aparecer significati vas mudanças na criança É consensual que em condições propí cias as crianças costumam desenvolver a as sim chamada neurose de transferência o que não significa que o analista não vá valorizar os aspectos extratransferenciais dos fatos que acontecem na realidade exterior Os sentimen tos contratransferenciais são especialmente fre qüentes e importantes visto que a ansiedade do analista pode pressionálo a evitar as impli cações da interação na sessão às vezes mui to difícil por meios nãoanalíticos desviando o foco da sessão para assuntos amenos ou tor nandose excessivamente pedagógicos Um especial cuidado que o terapeuta deve ter em mente é não aceitar o papel de mãe subs tituta que por vezes a criança o induz a assu mir deve haver uma clara distinção entre ser mãe substituta idealizada e simplesmente exercer um novo modelo de função de maternagem Acredito que as maciças cargas projetivas que a criança deposita no terapeuta somadas à con duta de irrequietação dela devam ser as maio res responsáveis pelo fato de que uma grande parcela de analistas de crianças com o tempo prefere não se dedicar exclusivamente à análise com crianças fazendo questão de incluir um bom número de pacientes adultos no seu cotidiano trabalho psicanalítico por mais que gostem e saibam trabalhar com crianças Comunicação Vimos neste capítulo a existência das dis tintas formas verbais e nãoverbais de como a criança se comunica com o analista Compete ao terapeuta conter decodificar dar um signi ficado sentido e nome às experiências emocio nais que estão sendo expressas pela linguagem lúdica e comportamental para então poder devolver com alguma forma de atividade interpretativa em uma linguagem capaz de ser compreendida pela criança Um aspecto particularmente relevante da comunicação diz respeito à escuta não somen te em relação às possíveis distorções que a criança faz mas também nas ocasiões em que manifestamente como um movimento resis tencial ela se faz de surda para determina dos assinalamentos do terapeuta A falha na comunicação é um dos principais ingredien tes no surgimento de actings Actings Da mesma forma que os adolescentes as crianças também fazem atuações com seus analistas de modo mais maciço que a maior parte de adultos Assim como foi assinalado um dos actings mais comuns é a tentativa da criança e às vezes consegue de levar o ana lista a ter uma relação complicada com os pais com todas as conseqüências previsíveis Outras vezes existe um conluio inconsciente da crian ça com os pais ou com um deles contra o ana lista para garantir que não será desfeito um vínculo por exemplo fortemente simbiótico Atividade interpretativa Este é um dos aspectos que mais tem so frido sensíveis transformações Assim segun do Amazonas Lima 2000 interpretar desenhos requer experiência para não incidir nos modelos estereotipa dos de explicação simbólica Requer tam bém finura muito especial quanto à sua oportunidade como por exemplo nos casos em que a criança utiliza o desenho como defesa Insistir em mostrar que mesmo sem falar ela se revela é usar au toridade e superioridade intelectuais Ademais na atualidade a atividade in terpretativa do analista vai muito além da mera MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 355 revelação de fantasias inconscientes da crian ça com as suas respectivas conseqüências As sim uma significativa importância é conferida aos significados que a criança conferiu ao dis curso dos pais de como ela captou os desejos conscientes eou inconscientes deles e quais são os papéis que ela está cumprindo ou não para atender ou contrariar as expectativas que os pais depositam nela além é claro de analisar as identificações que estão se forman do com os pais notadamente aquelas que es tão adquirindo uma natureza patogênica Existe uma força natural na criança que a leva a brincar e a jogar além de uma força natural que a leva a criar um vínculo emocio nal com outra pessoa Neste último caso a cri ança visa acima de tudo à busca de um conti nente adequado no qual ela possa ter a liber dade de colocar suas necessidades desejos de mandas angústias amor e ódio dúvidas e fan tasias Assim hoje não se pode entender que o analista simplesmente interprete os conteú dos de forma automática sem que simultanea mente alie sua interpretação a uma forma ade quada à sensibilidade da criança estimulea a participar da construção da interpretação por meio de alguns recursos que despertem fun ções do ego da criança ainda em formação como por exemplo o emprego de perguntas que estimulem a indagação e a reflexão Da mesma forma o terapeuta deve ter bem clara para si qual a finalidade que ele visa quando interpreta determinado aspecto assim como qual o destino que a interpretação tomou na mente da criança além dos resultados práti cos da mesma O analista infantil deve ter uma sensibilidade para perceber quando ele deve evitar fazer a interpretação tendo em vista que a própria criança está evidenciando sinais de que está entendendo e quer ter a conquista de atingir o insight As crianças inclusive quando são muito pequenas podem expressarse por meio do jogo simbólico Porém quando as relações in ternas dos objetos são por demais complica das com predominância do ódio a relação ana lítica pode tornarse violenta Nesse caso as crianças gritam tapam os ouvidos atiramse no chão e lançam objetos no analista provo cando neste uma dificuldade em manter uma atenção flutuante ou uma capacidade para pensar Com freqüência não é somente a atua ção física que perturba a eficácia do terapeuta mas também conta bastante a habilidade da criança para levar o analista a praticar contra atuações e sair de seu papel e lugar Nessas condições não adianta o analista querer for mular as interpretações clássicas o que só vai aumentar a agressividade dessa criança irada Assim nesses casos mais eficaz do que interpretar verbalmente o analista deve pos suir alguns atributos essenciais que relevam a sua capacidade de continência paciência fir meza sobrevivência aos ataques e um sentimen to autêntico que apesar de tudo ele conse gue transmitir ao seu pequeno paciente que gosta compreende e acredita nele Merece uma atenção especial pela fre qüência crescente da demanda clínica parti cularizar alguns aspectos do tratamento analí tico com crianças muito regredidas como psicóticas borderlines e alguma forma e grau de autismo psicógeno Neste último caso tais crianças autistas parecem desligadas do mun do exterior e transmitemnos a impressão de que elas olham não para as pessoas porém através delas A importância no tratamento dessas crianças reside no fato de que elas re querem uma outra abordagem técnica que con siste em o terapeuta sair ativamente em busca de seu pacientezinho que mais do que escon dido ou fugindo está realmente perdido e ne cessitado de ser encontrado e sacudido para ser despertado de um estado de desistência de viver a vida conformado que ele está em unicamente sobreviver qual um vegetal Dizendo com outras palavras o funda mental é que o analista possa propiciar a esse tipo de criança algum tipo de experiência de ligação já que não adiantam as suas inter pretações por mais corretas que elas sejam pois essa criança escudada em sua cápsula autística não se liga a elas tampouco adianta uma boa função continente do terapeuta por quanto a criança não está nem aí e não fica sensibilizada pela continência que lhe é ofe recida Por isso Tustin 1981 faz a metáfora de que para tais casos o setting analítico seja uma espécie de útero psicológico que ele funcio ne como uma incubadora para que o self em estado prematuro possa obter aquelas provi sões essenciais para o seu desenvolvimento 356 DAVID E ZIMERMAN primitivo que não se realizaram no vínculo com a mãe Assim a proposta analítica con temporânea é de alguma forma ir ao encon tro e sacudir sacudir as emoções escondidas atrás do escudo protetor até obter alguma res posta que sirva de escada para novas sacudi das com vistas a transformar um estado men tal de desistência em um outro de exsistência Anne Alvarez 2002 dá um expressivo destaque aos traumas que ocorreram durante o desenvolvimento da criança ressaltando o fato de que eles foram muito prejudiciais es pecialmente se ocorreram em uma idade mui to precoce e adquiriram uma cronicidade por quanto os aludidos diferentes tipos de traumas provocam uma mutilação do ego prejudica ram não somente o desenvolvimento emocio nal mas também o das funções cognitivas A autora também ressalta a importância das neurociências no que diz respeito às recentes pesquisas bemfundamentadas sobre o cérebro nas quais os pesquisadores demonstram que experiências traumáticas ou de privação como a negligência dos pais atrofiam certas vias neuronais e por conseguinte atrofiam nobres funções cerebrais com as respectivas conse qüências emocionais Dentre essas últimas Alvarez menciona a formação de um estado de hipervigilância que pode evoluir para uma síndrome de transtorno de atenção e o de uma hiperexcitação quando então essas cri anças são hipersensíveis e não raramente fe chamse em copas Para os leitores que estão particularmen te interessados na técnica de tratamento com crianças autistas além dos livros e artigos de F Tustin e A Alvarez permitome enfaticamen te recomendar a leitura de uma supervisão que Meltzer fez no Brasil com a análise de uma criança diagnosticada como autista Conside ro este texto de uma grande riqueza e fonte de ensinamento teórico e técnico Está publica do na Revista Brasileira de Psicanálise v24 n4 p 528546 1990 MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 357 ção de conduta sintomas esquizóides uso de drogas etc na maior parte das vezes a moti vação do paciente adolescente para a terapia analítica prendese a alguns aspectos típicos como são seguintes Sempre existe algum grau de sensação de confusão em relação ao seu senti mento de identidade tanto no nível in dividual quanto no grupal social e se xual É necessário levar em conta as eviden tes transformações físicas e hormonais que se apoderam de seu corpo bioló gico Tal fato determina uma certa confusão pela perda do que lhe é co nhecido e tão familiar pela angústia devido ao surgimento do desconheci do a ambigüidade na passagem da identidade de criança para a de adul to a sua autoimagem corporal e psicológica sofrendo novas represen tações e significações Paralelamente a muitos ganhos tam bém existe um luto pelas perdas inevi táveis como as das mudanças do cor po o direito aos privilégios da crian ça a renúncia à fantasia de bisse xualidade a perda dos pais da infân cia especialmente quando eles foram muito idealizados a onipotência pró pria do narcisismo infantil a qual ele tenta conservar acima de tudo a um mesmo tempo que renega o direito que os outros os pais principalmen te têm à sua própria autonomia 34 Terapia Psicanalítica com Púberes e Adolescentes Dentro do enfoque psicanalítico cabe uma atenção especial a quatro vertentes a biológica a familiar a das interações sociais e a da vertiginosa aceleração da cultura pósmodernista É útil iniciar este capítulo definindo a conceituação e os significados que aqui o termo adolescente representa em diferen tes dimensões Assim de modo geral considerase que a adolescência abrange três níveis de maturação e desenvolvimento a puberdade ou préado lescência no período dos 12 aos 14 anos a adolescência propriamente dita dos 15 aos 17 e a adolescência tardia dos 18 aos 21 anos cada uma delas com suas características pró prias e específicas que exigem abordagem psi canalítica com aspectos singulares para cada uma delas no entanto neste capítulo serão abordados quase que unicamente os aspectos técnicos relativos aos adolescentes após a pu berdade Até algumas décadas atrás o grau de de sistência da análise por parte de pacientes ado lescentes era bastante elevado em boa parte devido ao fato de que com eles a análise sis tematicamente enfocada na neurose de trans ferência deixavaos confusos e temerosos de vido a uma natural falta de plenas condições em discriminar naquilo que o analista inter pretava entre o que é abstrato é como se e o que lhe parece ser concreto realmente você está apaixonado por mim Nos primeiros tempos eram os pais es pontaneamente ou influenciados por outros orientadores educacionais médicos profes sores parentes que induziam o filho ado lescente a se tratar psicanaliticamente Na atua lidade cada vez mais a iniciativa está partin do do próprio adolescente Por definição salvo algum caso de exces siva preocupação devido a alguma perturba 358 DAVID E ZIMERMAN O adolescente ainda está com um pé na condição de criança dependente dos pais e com o outro pé na condi ção de um quase adulto Na maioria das vezes existe algum tipo de confli to com os pais os quais muito fre qüentemente já estão divorciados ou em vias de especialmente diante do problema da colocação de limites A autoestima do adolescente está sem pre em equilíbrio instável entre pó los de extremos opostos de reações afetivas que são facilmente oscilantes sendo que decepções de toda ordem sobretudo as amorosas são vivencia das como verdadeiras tragédias Em situações mais patológicas é pos sível o surgimento de problemas de transtornos alimentares especialmen te a obesidade bulimia e anorexia nervosas somatizações algumas for mas de transtornos neuróticos trans tornos de conduta drogadição qua dros borderline e de depressão inclu sive com ideação suicida e em casos mais extremos com o cometimento de suicídios diretos ou por meios indire tos O ato suicida choca a todos pelo inesperado e ele parece ter sido repen tino porém na imensa maioria das vezes já existiam claros sinais indica dores de que isto poderia acontecer Os sinais de depressão clínica mais fre qüentes são transtornos de sono apa tia e desinteresse generalizado reclu são queda de rendimento escolar sen timentos de insuficiência exagerada queda da autoestima permanente sen sação de ser vítima sempre eu tudo é culpa minha estão todos con tra mim a depressão pode estar mascarada por outros sinais e sintomas que aparentam ser o inverso dela como são os sinais ou sintomas algo hipoma níacos manifestações de agitação psi comotora ou inclusive de violência O aludido quadro depressivo não rara mente pode adquirir a forma de uma depressão maior uni ou bipolar Dian te de quadros como esses é útil que o terapeuta investigue a existência de antecedentes familiares de doenças depressivas levando em conta a even tualidade de que o adequado emprego de uma medicação específica possa ser altamente benéfico As manifestações depressivas que acontecem com crian ças adolescentes e adultos adquirem características singulares e diferentes em cada uma delas É útil ter em mente que os principais motivos de luto na adolescência nor mal decorrem de perdas de ilusões narcisistas do corpo infantil com mudanças fisiológicas do status de criança dos pais na condição única de protetores e provedores Em relação ao surgimento de quadros borderline cabe destacar aspectos como esse adolescente pode regredir a um estado psicótico porém recupe ra o equilíbrio mental e emocional embora de forma instável Existe uma indefinição do seu sentimento de iden tidade a estrutura de seu caráter é de natureza dispersa fluida e frágil É comum a presença constante de um sentimento de desamparo e vulnera bilidade por conseguinte ele costu ma construir uma autarquia narcisis ta É útil o terapeuta fazer uma dis tinção entre o que é a manifestação de traços borderline como compo nentes de uma fase borderline da ado lescência normal além daquilo que já está constituindo uma síndrome bor derline processual O natural no adolescente é a existên cia de dúvidas existenciais e ideológi cas sustentadas por meio de intelec tualizações às vezes com uma ten dência a um misticismo e forte con testação aos vigentes valores cultu rais políticos e religiosos Os fenômenos do campo grupal fa miliar escolar social etc aos quais pertencem provocam fortes e penosos sentimentos de estar sendo vítima de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 359 incompreensões injustiças rechaço dos demais atribuição de papéis de negridores como o de bode expia tório etc que atingem níveis às ve zes insuportáveis e que demandam a necessidade de um auxílio que nem sempre os pais conseguem prestar com êxito É indispensável levar em conta que o adolescente atual vive em uma cultu ra de um pósmodernismo de sorte que os seus valores destoam bastante dos valores convencionais das gera ções anteriores Assim no lugar do namoro clássico predomina as sucessi vas experiências de ficar sem maior compromisso especialmente as mo ças após o advento dos anticoncepci onais ingressam muito mais cedo em uma ativa vida sexual a Internet esti mula e propicia uma rede de comuni cações com toda aldeia global com uma impressionante instantaneidade a mídia exerce um enorme poder de persuasão ditando padrões de beleza e de comportamento a imagem virtual ganha preponderância sobre o pensa mento conceitual etc O ADOLESCENTE E A FAMÍLIA A afanosa busca pela aquisição de um sentimento de identidade próprio costuma forçar o adolescente a uma necessidade de di ferenciarse de sua família para não ser uni camente o filho de seus pais um mero pro longamento deles por melhores que estes se jam As forças em conflito amorosas agres sivas eróticas narcisistas de dependência e de independência que estão reativadas den tro dele podem ser tão intensas que com fre qüência podem se voltar violentamente con tra os seus pais ou também contra a socieda de Isso acontece especialmente quando os mecanismos de defesa que o ego mobiliza contra os seus medos e a depressão subjacen te consistem em uma idealização maníaca oni potente com a utilização de uma primitiva posição narcisista com uma respectiva lógi ca extremamente dissociada de tudo ou nada branco ou preto está comigo ou contra mim etc O adolescente pode tratar de arrastar os seus pais com ele ou afastarse enfurecido de les ou ainda deixar ser arrastado pelos seus pais que projetam nele conflitos equivalentes deles próprios malresolvidos A decepção com os pais além das razões devidas à pressão dos seus conflitos internos fica incrementada por que ele se dá conta mais agudamente das hipo crisias praticadas por parte da geração que o antecede O drama do adolescente fica insupor tável quando ele se dá conta de que despreza depender dos pais tão ambivalentemente ama dos e odiados necessitados e denegridos por ele a um mesmo tempo que sem os pais não consegue superar e sequer enfrentar sozinho as suas necessidades e problemas Convém que o terapeuta que acompanha os pais de seu paciente adolescente tenha em mente que também os pais ou toda a família de alguma forma vivem uma situação de cri se no curso da entrada caótica do seu filho no mundo da adolescência Essa crise dos pais costuma ser composta pelos seguintes seis fa tores 1 luto pela constatação da passagem do tempo para eles 2 luto pela perda da crian cinha querida que está crescendo rápido de mais 3 luto pelo possível reconhecimento da nãorealização de seus projetos e sonhos re sultantes da desilusão das expectativas de seu ideal do ego que foram colocadas no filho 4 incremento de uma natural preocupação em pais excessivamente obsessivos a preocupação será em nível altamente angustiante quase in suportável diante da acelerada escalada da vi olência urbana paralelamente à aquisição de uma maior liberdade de movimentos por par te dos adolescentes 5 em alguns pais o surgi mento de uma angústia depressiva pelo temor de uma solidão e desamparo em função do afastamento do filho 6 um estado de total confusão diante da perda de controle sobre o destino do filho e da emergência de sentimen tos intensos contraditórios e ambíguos em re lação ao que fazer e a como proceder com ele Na verdade a história de qualquer pes soa nasce antes do seu nascimento biológico Existe uma ordem simbólica termo de Lacan que precede seu nascimento a qual represen 360 DAVID E ZIMERMAN ta o lugar que o filho vai ocupar na fantasia individual de cada genitor assim como nas do casal Por exemplo se os pais são exagerada mente narcisistas a fim de manter a homeos tasia do narcisismo deles além da do meio ambiente ele começará a ser identificado no contexto familiar em tal lugar e com tal papel Uma conjunção das dificuldades de sepa ração tanto por parte do adolescente como a de seus pais pode representar o risco de uma adolescência por demais prolongada A mesma se sustenta na crença idealizada do filho de que os pais serão os eternos salvadores e pro vedores dele enquanto os pais se sustentam em uma idealização messiânica em relação ao filho seguida de contínuas desilusões e decep ções o que pode gerar um movimento pendular com o risco de um crescente círculo vicioso sob a égide de um clima de desafio de ambas as partes porém mais visível no adoles cente porque ele quer lutar pela sua emanci pação com os seus valores mas ainda não sabe como conseguir isto de forma harmônica com os pais Tal clima de desafio do adolescente tanto pode ser de cunho positivo a serviço de uma sadia busca de diferenciação separação e individuação como pode ser negativo atra vés de sucessivas provocações e guerrilhas com os pais assim ficando detido em uma falsa sen sação de que já está emancipado Seguidamente essa situação beligerante pode estar servindo às necessidades simbióticas tanto do filho quanto de um dos pais ou de ambos de sorte que se instala uma resistência ao crescimento a qual independentemente da idade do filho pode conduzir a uma crônica adolescência eterna como forma de todos não perderem a ilusão do nirvana simbiótico Não é incomum que exista um forte jogo de identificações projetivas dos pais sobre os filhos de maneira que um dos pais possa in duzir o filho a atuar sexualmente por exem plo a própria adolescência dele malresolvi da ou pode ocorrer o oposto o genitor mani festar uma absoluta intolerância aos movimen tos livres de uma adolescência normal porque ele pode estar reprimindo fortemente a sua própria impulsividade adolescente Também costuma acontecer que os pais regridam à con dição de adolescente na forma de se vestir por exemplo como uma maneira de negar a apro ximação da velhice ou não raramente com a expressão de uma competição com o filho Resumidamente sempre cabe ao terapeu ta se perguntar o que se passa na família a partir da adolescência dos filhos A GRUPALIDADE DO ADOLESCENTE Existe nos adolescentes uma clara tendên cia a se agruparem constituindo as turmas nos caso de normalidade quando predominam as pulsões de vida ou as gangues nas situações patológicas nas quais prevalecem os sentimen tos tanáticos A turma propicia a formação de uma nova identidade intermediária entre a família e a sociedade com a assunção e o exercício de novos papéis Igualmente a turma cria um novo modelo de superego ou de ideais do ego quando os adolescentes sentem que não po dem ou não querem cumprir com os valores e ideais propostos e esperados pelos pais A tendência ao agrupamento também se deve ao fato de que sentem menos expostos às críticas diretas buscam uma discriminação dos adul tos confiam mais nos valores de seus pares diluem os sentimentos de vergonha medo culpa e inferioridade quando convivem com outros iguais a eles reasseguram a autoesti ma pela imagem que os outros lhe remetem estão ancorados na crença de que a união faz a força e com o que eles se sentem mais for tes a sua voz ressoa mais longe e mais poten te além de fazerem distintas formas de movi mentos Outra forma de as turmas firmarem a sua diferenciação com os adultos é pela via da obtenção de um reconhecimento propiciado pelos sinais exteriores como são as roupas uniforme o uso de motos potentes a exibição das pranchas de surf o uso de insígnias de tatuagens de vestimentas e de penteados bi zarros algum tipo de música da moda etc Também costuma haver por vezes com um co lorido manifestamente histérico uma busca por ídolos que consubstancia uma imagem não importa se fabricada pela mídia de alguém que seja o portador e portavoz dos ideais dos adolescentes tanto sob a forma de beleza quan to de prestígio talento riqueza ou contesta MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 361 ção libertária Nesses casos podese dizer que muitas vezes as modas tomam o lugar das identidades enquanto essas ainda não estão claramente definidas A continuada e íntima convivência com grupos pode estimular o uso de algum tipo de droga da moda Entretanto é imprescindível que se faça a distinção entre os que são drogativos e os drogaditos Nos primeiros pode estar acontecendo que se trate de um grupo normal no qual a droga esteja unicamente ser vindo como um modismo uma espécie de griffe de coragem e valorização junto aos respectivos pares Nesse caso as drogas estariam parado xalmente desempenhando de certa forma o papel de um fetiche que une e integra a turma Assim existe uma certa tendência anti social de uma turma adolescente com o co metimento de algumas transgressões fato que a princípio não é por demais preocupante pois na imensa maioria das vezes é uma fase tran sitória para cada um dos adolescentes da tur ma que respectivamente vão assumindo seus papéis adultos A importância dessa breve resenha das características da grupalidade dos adolescen tes reside no fato de que os pais devam ser conhecedores da dinâmica normal embora revestida de uma aparência patológica sem excluir é óbvio que possam existir situações específicas que realmente exigem uma atitude de firmeza e de uma atenta observação da con duta do filho Nas situações normais os indi víduos com os seus respectivos grupos neces sitam apenas ser contidos em seus excessos nas transgressões das leis que regem a sociedade e a atenção dos pais no cumprimento de seus deveres sem pressionálos para uma imediata tomada de posições adultas A PRÁTICA CLÍNICA 1 O primeiro aspecto que deve ser res saltado é o que diz respeito aos atributos pes soais do terapeuta de adolescentes A condi ção necessária mínima para um analista de adolescentes é a de ele gostar deles em qual quer nível da evolução em que cada um deles estiver Assim o terapeuta terá mais condições de manter uma aliança terapêutica com um estado mental de natural curiosidade função K de Bion em relação ao que se passa com o seu paciente adolescente 2 Assim a um mesmo tempo juntamen te com uma fundamental capacidade de empatia o analista deve conseguir manter uma flexibilidade sem jamais perder de vista a ma nutenção dos limites e a preservação dos res pectivos papéis no que diz respeito à constru ção do setting que servirá de cenário do pro cesso analítico 3 O terapeuta necessita manter um deli cado equilíbrio porque o adolescente rapida mente sente quando aquele está conluiado com a sua ideologia contra a dos pais ou tratan do de arrastálo para uma ideologia rival a que é própria da geração de seus pais O ado lescente sentese profundamente ferido quan do ele é rechaçado mas também é agudamen te sensível quando se sente infantilizado Quan do espera a ajuda do analista sua necessidade de ser atendido é sempre urgente e intensa e se ele se desilude a sua vingança em forma de atuação pode ser rápida preocupante às vezes com sérios riscos 4 Da mesma forma que as crianças tam bém os púberes e adolescentes fazem actings com os seus terapeutas de um modo muito mais ma ciço do que a maior parte dos adultos além de tentarem também seguidamente conseguindo induzir o analista a ter uma relação complicada com os seus pais Tais aspectos são resultantes da forte propensão que os adolescentes têm de expressarse por meio de atuações 5 É imprescindível que o analista de ado lescente possua uma boa capacidade de conti nente de modo que ele possa receber e conter as maciças e variadas cargas de projeções do paciente ora de seu lado amoroso e construti vo ora do lado com um ódio destrutivo de eu foria ou depressão de certezas e dúvidas gra tidão e desprezo de erotismo ou repulsa emotividade ou excessiva intelectualização sub missão ou rebeldia e assim por diante 6 De fato comumente existe uma gran de mobilidade e uma flutuação das diferentes regiões contraditórias do psiquismo no qual coexistem simultaneamente partes opostas como a do seu lado adulto com o da criança a parte psicótica da personalidade com a não psicótica um lado obsessivo com um outro algo 362 DAVID E ZIMERMAN psicopático etc Tudo isso caracteriza um níti do estado de uma dicotomia que também se ex pressa na manifestação dos vínculos de amor ódio conhecimento e reconhecimento além das respectivas configurações vinculares que vão tipificar os distintos interrelacionamentos 7 Como o paciente adolescente na imen sa maioria das vezes é dependente dos pais a participação destes adquire uma grande rele vância tanto no sentido de que eles podem auxiliar de forma bastante positiva quanto também podem tentar controlar sabotar e até mesmo destruir e interromper o processo ana lítico às vezes justamente quando as melho ras no critério do analista pioras no critério deles começam a se evidenciar 8 Por essa razão uma primeira questão sempre levantada é a que se refere a se o analis ta deve ou não falar ou acompanhar os pais do adolescente no transcurso do tratamento analítico Quando se trata de adolescente púbere é mais ou menos consensual que o ana lista deva manter um permanente canal de co municação com os pais de forma sistemática ou eventual conforme cada caso A dúvida cresce na medida em que o paciente esteja na fase final da adolescência cronológica e sua conduta não desperta maiores preocupações Creio que em princípio o analista deva estar sempre disponível para conversar com os pais com ou sem a presença do paciente adolescen te desde que tudo seja feito a céu aberto sem segredos como aliás é uma conduta viável de ser tomada com qualquer paciente depen dente de qualquer idade 9 Em muitas ocasiões é possível que seja bastante útil para o processo analítico fazer uma reunião conjunta ou uma série delas do paciente adolescente com os pais ou em cer tos casos especiais alguma reunião com todas pessoas significativas da família A realização desses possíveis encontros deve ter a anuência de nosso paciente adolescente caso ele não aceite o analista deve ter paciência e traba lhar analiticamente acerca das razões consci entes e inconscientes de sua recusa até o pa ciente tomar e assumir algum tipo de decisão 10 A iniciativa de eventualmente reunir o paciente com os pais tratase pois de uma intervenção vincular pode partir do próprio adolescente dos pais ou do analista A finalida de maior consiste na possibilidade de o analista vir a construir aquilo que proponho denominar como uma aliança terapêutica familiar ou seja criar um clima em que todos vistam uma mes ma camiseta e joguem em um mesmo time Além disso este eventual encontro do grupo familiar visa a restabelecer uma comunicação na qual cada um aprenda a escutar os demais visto que habitualmente nessas situações a comunicação costuma estar muito prejudicada na base de queixas e ataques recíprocos decor rentes de um prévio estado mental de defensivi dade por parte de todos 11 No contato com os pais um dos te mas que certamente surge com forte interesse é o que se refere à colocação de limites O tera peuta deve ter claro para si que a liberdade concedida às gerações mais jovens é bastante sadia quando enquadrada em limites bemdefi nidos que em caso contrário se trata mais de liberdade hipotética do que real a qual gera mais insegurança do que a aparência de felici dade Exemplos comuns o descaso pelos reais riscos que representam a violência urbana os primeiros sinais de uma drogadição uma exa gerada promiscuidade a precoce liberação do sexo para adolescentes que ainda não estejam suficientemente preparados tendo em vista as profundas mudanças em poucos anos dos préconceitos muito arraigados na família e na sociedade Os pais também terão que en tender que igualmente a milenar tradição da instituição do casamento formal está ficando supérflua para as novas gerações 12 No mesmo contexto o analista deve estar bem preparado para não ficar enredado nas malhas das difíceis contraidentificações projetivas isto é ele não pode se identificar com o adolescente contra os pais ou vicever sa porquanto o grande risco que o terapeuta deve evitar a todo custo é o de ele ficar envol vido em algum tipo de conluio consciente ou inconsciente com o paciente ou com os pais ou com ambos alternadamente 13 Assim o papel do terapeuta não é o de conselheiro ou de um julgador papel que seguidamente querem lhe impor mas sim o de um conciliador que deve se manter neutro não é o mesmo que indiferente e exercer a função de assinalar os transtornos da comuni cação a ocupação dos lugares o desempenho dos papéis o respeito pelas diferenças propi ciar uma recíproca percepção não só das fa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 363 lhas mas também das boas intenções do outro e prestar alguns esclarecimentos 14 Cabe dar um exemplo clínico em cer to momento vime diante da intolerância de um casal frente à conduta do filho adolescente de 17 anos que os agredia publicamente pela forma desleixada de ele se vestir pentear con duzir e de provocálos alardeando ideais va lores e idéias políticas esquerdistas totalmen te opostos aos deles pais Ambas as partes estavam radicalizando suas respectivas posi ções com os pais sentindo que chegaram no limite da tolerância Estava declarada a assim chamada guerra de gerações Percebi que o rapaz era de boa índole e que à sua moda estava lutando para construir o caminho de uma emancipação de um sentimento de iden tidade próprio Para esclarecer os pais que re almente se tratava de um movimento de opo sição a eles porém que isso não significava ne cessariamente uma agressão utilizei uma me táfora perguntei se eles lembravam da histó ria em quadrinhos do clube do Bolinha na qual os meninos penduraram uma placa com os dizeres Menina não entra Responderam afirmativamente e prossegui lhes clareando que essa atitude dos meninos visava a construir a sua identidade de homem por intermédio das diferenças se menina não entra é porque confirma que existiria uma enorme diferença entre aqueles que são do sexo masculino e as que são do sexo feminino Esclareci que o mes mo se passava com o filho deles por meio da oposição o rapaz estava tentando definir as di ferenças entre a geração dele e a dos pais assim pretendendo construir um genuíno sentimento de identidade visto que o indivíduo definese ba sicamente por aquilo que não é pelas diferen ças com os outros Como os pais não eram pes soas muito comprometidas emocionalmente eles tiveram condições de entender o filho e assim modificar sua posição interna diante dele e logo a conduta externa fato que trouxe uma sensível e estável melhora no relacionamento entre eles É desnecessário frisar que nem sempre as coisas se passam de forma tão gratificante no entanto esta vinheta serve para ilustrar uma necessária diferença que deve haver entre uma agressão destrutiva e uma agressividade construtiva 15 Para manter um indispensável sigilo ético o analista deve fazer as combinações de forma muito clara e verdadeira O paciente deve ser respeitado em sua busca de autono mia como ele próprio marcar a sua entrevista inicial participar ativamente das combinações inerentes ao setting como a do pagamento devendo assumir a responsabilidade por seus eventuais atrasos ou faltas etc da mesma for ma o terapeuta deve evitar que o paciente sir va de pombo correio sistematicamente le vando recados dos pais para ele e viceversa 16 Nem sempre coincidem as teorias de cura daqueles que encaminham educadores etc dos pais do paciente adolescente e as do analista Existe o risco de o paciente assumir o papel de ser o paciente identificado do grupo familiar muito comumente sob a forma extre ma do papel de bode expiatório de todas as mazelas da família 17 É muito provável que o analista vá se confrontar com alguma angústia confusional do adolescente quando a mesma se refere à sua identidade sexual pode acarretar o incre mento de fantasias ou temores de homosse xualidade fato que é de surgimento freqüente entre os adolescentes sobretudo os de sexo masculino que não raramente adquirem a proporção de uma ideação obsessiva que os supliciam com uma alta voltagem de angús tia À medida que se fortalece a autoconfiança do paciente adolescente tal estado psíquico tende a desaparecer 18 Também não é raro que o adolescen te submetido a tantas mudanças físicas men tais e espirituais bem como a uma reativação de conflitos que estavam latentes apresente sintomas característicos de um sentimento de despersonalização 19 Algo equivalente acontece com o consumo de drogas cabe repisar a importân cia de diferenciarmos o drogativo do droga dito uma conduta com riscos como um de safio em limites perigosos como os de corri das de automóvel em velocidade alucinante o uso de mentiras roubos etc 20 Quando o paciente adolescente está em plena posição esquizoparanóide ou seja ele atribui a outros a culpa de tudo que não vai bem com ele enquanto mantém uma posição egossintônica resulta um prejuízo na motiva ção para ele se analisar para valer Nesses ca sos a tarefa mais prioritária do analista é a de com muita habilidade transformar o estado psíquico de egossintonia para um de egodis 364 DAVID E ZIMERMAN tonia com vistas a levar o adolescente a refle tir com algum grau de angústia sobre o que ele está fazendo com a sua vida e a dos outros 21 Um aspecto técnico de fundamental importância é o que se refere à comunicação verbal e nãoverbal com as diferentes formas de linguagem O adolescente quase sempre está no limbo na intersecção entre o adulto e a criança que ele ainda é em um equilíbrio ins tável de modo que as suas posições também são muito instáveis Assim há uma dissocia ção entre o que ele diz às vezes é um discurso contestador muito bonito contra a intolerân cia dos pais e o que ele de fato faz 22 Uma questão relativa à comunicação que seguidamente é levantada referese ao possível uso de outras formas de comunicação do adolescente além da fala como é o caso da utilização de desenhos jogos etc A resposta que cabe a esse questionamento é que não exis te o menor problema quanto ao uso destes re cursos principalmente quando partem dos pró prios pacientes porém o analista deve ter cla ro que são recursos transitórios de sorte que a meta final é a de desenvolver a capacidade da forma de comunicação que é a mais madura isto é a de verbalização de idéias e sentimen tos por meio dos símbolos das palavras 23 Relativamente às características do adolescente silencioso o que é bastante fre qüente na adolescência inicial menores de 16 anos as seguintes particularidades devem ser destacadas a É bastante comum notada mente nos primeiros tempos da terapia analí tica que esses adolescentes mostremse exces sivamente silenciosos b Em grande parte essa atitude silenciosa devese ao fato de que o ado lescente nessa idade ainda não tem bem de senvolvidas as condições para discriminar e abstrair e por isso ele não compreende o como se da abstração da interpretação c Por essa última razão o paciente leva tudo no con creto exige respostas imediatas confunde o real com o imaginário tenta falar como se fos se um adulto constantemente exige opiniões e conselhos do analista e diante de frustra ções magoase com enorme facilidade d As principais frustrações decorrem do nãoenten dimento de seus pedidos desejos e demandas e principalmente quando esse jovem não se sente compreendido pelo seu terapeuta da mesma forma como ele acredita que seus pais não o entendem e A forma de como esse ado lescente reage a tais frustrações é por meio de actings dos quais o pior e lamentavelmente o mais comum consiste em faltar muito às ses sões e por vezes culmina com o abandono da análise outro modo de reagir às frustrações é por meio de silêncios bastante prolongados não raramente um silêncio absoluto durante muito tempo da análise f Por todas estas ra zões entendo que o analista deve ter uma cau tela especial no entendimento desse paciente com a sua conseqüente atividade interpreta tiva estou me referindo ao risco de o terapeu ta deixarse envolver por uma contratransfe rência do tipo complementar em cujo caso ele estará identificado com os pais repressores e por conseguinte reforçará nesse analisando adolescente o seu superego ameaçador ou o seu ideal de ego que está repleto de expectati vas a serem cumpridas por ele 24 A linguagem do analista deve se adap tar a do paciente adolescente sem aqueles cacoetes verbais artificiais cujo objetivo é parecer que ele pertence ao mundo adolescen te o suficiente para entender e ser entendi do no plano da comunicação verbal Assim por exemplo ainda persiste no adolescente al guma dificuldade de plena simbolização logo com uma certa predominância de pensamen tos concretos e uma restrição de discrimina ção conceitual O analista deve respeitar o es paço próprio do paciente adolescente com os seus pares de modo que seguidamente ele dá mostras que não gosta quando o terapeuta invade a sua gíria privada 25 A linguagem nãoverbal pode ser lúdica gestural comportamental corporal rou pas penteados tatuagens manifestações somáticas bizarrias etc especialmente na fase inicial da adolescência eles manifestam uma inquietude motora sentamse levantamse deitamse movimentamse ameaçam sair etc 26 Uma forma freqüente de comunica ção nãoverbal é aquela que se expressa por meio de actings que embora algumas vezes possam adquirir proporções preocupantes sempre representam uma forma primitiva de comunicar algo que esteja no inconsciente in capaz de ser comunicado com palavras Cabe ao analista decodificar analiticamente não obstante o fato de que diante de atuações com sérios riscos seja necessária a tomada de algu MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 365 ma medida firme delimitadora de natureza concreta e objetiva 27 Sintomas psíquicos e orgânicos tam bém se constituem como uma significativa for ma de linguagem nãoverbal Ultimamente em grande parte influenciada pela mídia que im põe padrões estéticos vem aumentando entre os adolescentes o surgimento de transtornos de alimentação sob a forma principal de anorexia e bulimia nervosa Nesses casos é ne cessário fazer uma criteriosa pesagem da in tervenção de fatores orgânicos tanto como causadores do transtorno como também das possíveis complicações no organismo às vezes muito alarmantes O terapeuta também deve cogitar da possibilidade de contar com os re cursos possibilitados pelo método das terapias cognitivas que nesses casos têm mostrado efi ciência 28 Não basta o analista interpretar cor retamente o conteúdo do conflito também é indispensável levar em conta a forma de como o adolescente escutou o que o terapeuta disselhe assim como o destino que a inter pretação tomou na sua mente Considerando que o adolescente ainda desconhece muitos fatos e fenômenos psíquicos relativos ao que está se passando com ele fica justificado que o analista formule as suas intervenções com um certo teor pedagógico 29 É inegável que muitas vezes o ana lista seja invadido por sentimentos contratrans ferenciais muito difíceis cuidado não vamos confundir contratransferência advinda das pro jeções do paciente adolescente com uma trans ferência oriunda do próprio analista que se repetiria com qualquer paciente adolescente dele Essa difícil contratransferência pode ser devida a alguma forma de identificação do te rapeuta com o paciente ou com os familiares deste alguma confusão com a sua adolescên cia malelaborada a velocidade das mudan ças no seu paciente adolescente e no próprio processo analítico não se pode descartar a pos sibilidade de que o analista sinta inveja da mo cidade e de uma maior fruição de prazeres que o seu jovem paciente curte aquilo que ele te rapeuta gostaria de curtir mas não consegue ou está impossibilitado 30 A propósito na análise de adolescen te influi a idade do terapeuta Parece que in flui muito pouco se o adolescente não descar tar de imediato um terapeuta mais idoso por exemplo ou se o analista não tiver maiores problemas com o seu lado adolescente Na hi pótese de que o analista não esteja suficiente mente bem com a sua própria adolescência la tente é possível que quando ele seja muito jovem o fato de ele e o paciente estarem en tão muito próximos possa atrapalhar a ambos Em um pólo oposto um analista de muito mais idade pode ter resistências ao novo que pro cede do adolescente A experiência ensina que muitas vezes o paciente adolescente prefere um analista mais idoso porquanto este lhe repre senta uma esperança de resgatar um melhor vínculo com os seus pais 31 Em relação às regras técnicas refe rentes às da livre associação de idéias absti nência atenção flutuante neutralidade e a do amor às verdades elas se mantêm basicamen te as mesmas que as descritas em relação aos adultos No entanto cabe enfatizar que os ado lescentes são sobremaneira suscetíveis às de cepções e à colocação de freios exagerados a suas aspirações Por essa razão o terapeuta deve ter um cuidado especial para não esterilizar a espontaneidade e a criatividade do adolescente que muitas vezes adquire uma aparência de bi zarria ou de uma excentricidade maluca Da mesma forma é imprescindível que o analista tenha condições de discriminar entre as demons trações por parte do adolescente de uma agressividade sadia e as de uma agressão destrutiva de sorte a poder tolerar algumas transgressões e experiências que não dêem certo 32 Neste último caso não é tão impor tante se o adolescente acertou ou errou mas sim cabe ao analista trabalhar no sentido de o seu paciente desenvolver a capacidade para fazer um aprendizado com as experiências as boas e as más 33 Deixei para o final talvez porque jul gue ser o mais relevante o aspecto de que o adolescente ainda está em pleno processo de incorporação de novos modelos de identificação que em seu conjunto vão definir a sua identi dade Assim o modelo real representado pela pessoa do analista adquire uma importância especial no que diz respeito às formas de como ele pauta a sua conduta com verdades coe rência e respeito pelas diferenças de como enfrenta situações angustiantes como ele de senvolve o seu pensamento e linguagem como 366 DAVID E ZIMERMAN ele pode ser firme sem ser rígido e ser flexível sem ser frágil 34 Cabe alertar para o fato de que nos casos em que o analista é por demais narcisis ta existe o risco de ele ocupar o papel de ideal do ego e assim de reforçar o ego ideal do pa ciente adolescente sobrecarregandoo com um excesso de expectativas a serem cumpridas por ele o que vai reforçar ainda mais uma possível prévia identificação patogênica provinda dos desejos e do discurso dos pais narcisistas Resumidamente podese dizer que den tro do enfoque psicanalítico cabe uma aten ção especial a quatro vertentes a biológica a familiar a das interações sociais e a da vertigi nosa aceleração da cultura pósmodernista MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 367 tempo pai mau uma mãe igualmente boa e má a relação deste casal os filhos e os vínculos entre os irmãos etc O que importa destacar é o fato de que esses múltiplos perso nagens são de alguma forma buscados na vida exterior de sorte que sem nos darmos conta reproduzimos com outros personagens atuais um mesmo script que já estava previamente programado Cabe uma metáfora com uma peça teatral embora mudem os atores o en redo é o mesmo a mesma coisa se passa com o teatro da mente Essa tendência à busca e à repetição do mundo interior no mundo exterior pela lei matemática das combinações determina a for mação de múltiplas e diferentes modalidades de configurações vinculares em um casal em um família ou em grupos sociais A corrente sistêmica freqüentemente utiliza a expressão colusão para conceituar algum tipo de combi nação vincular muitas vezes com uma confi guração patológica que se estabelece entre os membros de um determinado casal ou a tota lidade de uma família Assim a colusão pode ser manifestamente harmônica ou desarmô nica egosintônica ou egodistônica etc PATOLOGIA DE CASAIS As configurações vinculares repousam fundamentalmente nos tipos de vínculos os de amor de ódio de conhecimento e de reco nhecimento que conjuntamente cimentam todos os relacionamentos de qualquer pessoa tal como é por exemplo na estruturação nor mal ou patológica de um casal Em um capí 35 Terapia com Casais e Famílias Nosso amor é muito bonito Ela finge que me ama E eu finjo que acredito Nélson Sargento compositor de Falso amor sincero O tratamento com casais e com famílias vem ganhando progressiva demanda e relevân cia em nosso meio Existe uma substanciosa literatura científica referente a essa temática provinda de distintas correntes com os respec tivos seguidores terapeutas de família Não cabe aqui esmiuçálas no entanto cabe assi nalar que começa a aumentar uma aproxima ção e uma integração por parte de um núme ro significativo de terapeutas de família da li nha sistêmica com a psicanalítica Os princípios psicanalíticos estão mais di rigidos aos diversificados tipos de conflitos que procedem do inconsciente dos indivíduos e dos grupos Os sistêmicos por sua vez privilegiam o funcionamento de um casal ou família sob o enfoque de um sistema isto é esses terapeutas trabalham em um nível mais próprio do consci ente e ficam mais voltados para a permanente interação que sempre existe entre todos os in tegrantes de uma família com uma determina da ocupação de lugares e de papéis por parte de cada um deles de sorte que cada um influ encia e é influenciado pelos demais Não obstante ser evidente o fato de que cada corrente segue os seus próprios referen ciais teóricos e técnicos com abordagens téc nicas e táticas bastante distintas entre si par ticularmente concordo com aqueles que ad vogam a concomitância de uma visão holística que abranja ao mesmo tempo uma compre ensão psicanalítica com outra sistêmica e com outra cognitiva Parto da concepção de que todo indiví duo é um grupo pois dentro de cada sujeito ao longo de toda a existência vivem e convi vem personagens um pai bom e ao mesmo 368 DAVID E ZIMERMAN tulo específico deste livro Uma forma pato lógica de amar o vínculo tantalizante abor do mais detalhadamente os aludidos aspectos vinculares No presente capítulo nesta parte refe rente aos casais vou me restringir unicamen te à abordagem de algumas facetas de casais patológicos que necessitam ser trabalhados na terapia de base analítica Na grande maio ria das vezes quando o casal procura o tra tamento espontaneamente ou por encami nhamento é porque o convívio comum en tre eles está em crise em pleno processo de separação ou em vias de A motivação principal para a busca de tra tamento do casal é a de uma destas possibili dades uma tentativa de salvar o casamento ou a de aceitar que a separação já esteja irreversível porém o casal deseja que a mes ma seja o menos traumática possível especial mente para os filhos também acontece fre qüentemente que um dos cônjuges já esteja decidido pelo divórcio enquanto o outro não aceita de forma alguma e luta pela manuten ção da união É bastante freqüente que individualmen te tanto o homem quanto a mulher sejam pes soas legais bemsucedidas porém como ca sal podem estar emaranhados em uma colusão muito doentia que em grande parte deriva do fato de que problemas e conflitos inconscien tes de uma mesma categoria embora aparen temente possam parecer totalmente opostos exercem uma grande atração mútua Na ver dade virtualmente todos casais em algum momento e de alguma forma já manifestaram um desejo de separação Existe um expressivo número de casais que está em crise sem saber disto porque dis simulam acomodaramse ou estabeleceram algum tipo de arranjo que vem auxiliado pelo recurso defensivo da negação o qual serve para ambos do casal Entretanto é necessário res saltar que muitas crises são muito favoráveis no sentido de que representem um ponto de culminância de que algo de importante e mais sadio vá se transformar na relação do casal No momento em que redijo estas linhas acode à minha mente duas lembranças uma frase de Buda e um verso de um compositor brasileiro Diz o profeta e líder religioso Buda que estar unido com aquilo aquele que não gostamos é sofrer separarmonos daquilo que gostamos é sofrer e não conseguir o que quere mos é sofrer eu me permitiria completar sair de uma relação doentia na qual um é o duplo do outro também é sofrer de sorte que muitos casais não conseguem viver juntos e tampouco separados Minha segunda lembrança que serve como exemplo de um vínculo dissimula do ou acomodado é a deste trecho da compo sição Falso sincero amor em que o compositor Nélson Sargento da Escola de Samba Manguei ra assim verseja Nosso amor é muito bonito ela finge que me ama e eu finjo que acredito Na maioria das vezes o ato de separação aciona um processo que desmascara e atualiza conflitos anteriores além de trazer à tona o que estava denegado A crise de separação pode ser comparada à da adolescência pois em ambas se reativam os antigos conflitos com as famílias de origem do que resulta uma desor dem nas identificações Todo casal prestase a um jogo dialético entre o repetir e o recriar porém algumas vezes acontece unicamente o repetir em cujos casos fica evidenciada a predominância das pulsões tanáticas lutos nãoelaborados segredos familiares ou fixa ções excessivas em etapas evolutivas malresol vidas Eventuais relações sexuais com oa excompanheiroa costumam ser uma for ma de recompor o seu próprio corpo e identi dade de gênero sexual que ficam desor denados e decompostos através do familia rizado corpo do outro O que favorece eou desfavorece o casal As principais causas que desgastam um casal a ponto de conduzir a um desejo de se paração em linhas gerais são as seguintes 1 Uma profunda desilusão quando a rea lidade desmente a expectativa paradisíaca que a recíproca idealização extrema própria da fase da paixão prometeu a ambos 2 Personalidades por demais imaturas e dependentes sucumbem diante de exigências para as quais não estão preparados como é o nascimento e cuidados com os filhos crises existenciais etc 3 A entrada em cena de uma terceira pes soa a doa amante de um dos cônjuges Este MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 369 aspecto referente à infidelidade sabidamente bastante comum às vezes aparece de forma aleatória porém na maioria dos casos já re presenta ser um sintoma de que as coisas já não estavam bem entre eles o que não signifi ca necessariamente que a situação crítica não possa ser revertida especialmente se ambos aceitarem fazer uma terapia de casal 4 A propósito da infidelidade conjugal pela sua freqüência e importância cabe fazer algumas considerações a Em um grande nú mero de vezes existe um secreto conluio in consciente entre os protagonistas do triângu lo amoroso decorrente de conflitos neuróti cos quase sempre edípicos que se comple mentam b O desejo predominante daquele que trai é o de que ao amante supra as falhas do cônjuge traído as quais podem ser reais c Em muitas outras situações a entrada de um terceiro representa uma tentativa de preen cher as faltas de uma incompletude de res taurar a eterna e ilusória é o que acontece na imensa maioria das vezes busca esperançosa de finalmente encontrar a fada madrinha ou o príncipe encantado d A infidelidade pode estar representando uma forma de vin gança com propósitos agressivos às vezes cru éis e Em alguns casos paradoxalmente a in fidelidade pode estar significando o início de um movimento de individuação f Neste úl timo caso a inclusão de um terceiro pode aliviar a ansiedade de engolfamento do ca sal a qual às vezes pode atingir um alto grau do temor de permanecerem em estados de indiferenciação e de perda da identidade in dividual neste caso o alívio do sufoco dáse porque a figura do amante permite as táticas alternativas de inclusão e de exclusão g A consentida inclusão do amante embora disfarçada por uma denegação pode estar a serviço de conflitos inconscientes de natureza homossexual 5 A existência de lutos patológicos não elaborados pode fazer com que revivam os fan tasmas do passado que habitam o interior de um deles ou de ambos Assim introjetados tais fantasmas funcionam como corpos estranhos nãometabolizados determinando uma condu ta inconsciente do casal freqüentemente de natureza masoquista No caso cabe lembrar o estado de melancolia que Freud 1917 des creveu como sendo resultante de algo como o ego haver sido atingido pela sombra de algum objeto e podese completar a partir daí que ela pode obrigar um dos cônjuges a seguir o mesmo caminho daquele objeto constituindo aquilo que particularmente costumo denomi nar como identificação com a vítima 6 Assim não é incomum que um ou os dois do casal sintamse impelidos a inconsci entemente reproduzir a mesma configuração vincular que caracterizou a união dos respec tivos pais A metáfora que me ocorre novamen te é a da lei física que reproduz o comporta mento dos vasos comunicantes pela qual in dependentemente do formato e da largura de cada um dos braços dos vasos que se ligam na forma de um U quando se coloca água em um dos braços do vaso automaticamente a água fica no mesmo nível no outro Destarte se os pais da esposa por exemplo se divorcia ram em certa época e se o vínculo dos pais dela era do tipo sadomasoquístico é bastante provável que o mesmo acontecerá com o casa mento dela própria 7 Constantes agressões recíprocas tanto de formas diretas e francamente manifestas quanto de formas sutis resultam de querelas competitivas cobranças excessivas controle ti rânico mútuas responsabilizações indevidas desqualificações humilhações lancetadas nos pontos frágeis de cada um deboches acusa ções exigências críticas e ameaças tendo como principal instrumento o uso sistemático e exagerado de identificações projetivas daqui lo que cada um não suporta reconhecer em si e projeta no outro 8 Às vezes essa configuração vincular sádica e masoquista tal como foi exemplifi cada pode se prolongar eternamente quando um do casal representa ser o duplo ou doublé ou alter ego do outro logo necessitamse reciprocamente para manter e complementar a unidade que está dissociada por parte de ambos 9 Existe uma grande importância das identificações patógenas Muitas internaliza ções de figuras paternais não se dão por um normal processo continuado de elaboração antes pode se tratar de um enquistamento uma forma de incrustração do objeto na qual esse fica como um corpo estranho que per manece por várias gerações determinando uma similaridade de conduta mandamentos 370 DAVID E ZIMERMAN expectativas papéis e de vínculos objetais Pode ser tão intensa a busca de um objeto do passado que inclusive o encontro repetitivo de situações de sofrimento que de alguma forma represente algum personagem perdi do pode ser procurado como sendo um feti che Esse aspecto é muito importante porque a busca de sofrimento em tais circunstâncias pode simular ser um masoquismo típico mas não o é 10 Um desempenho estereotipado de pa péis é uma outra característica de expressiva relevância Assim de regra um casal patoló gico mantém uma certa divisão e constância no desempenho de papéis que se complemen tam entre si Por exemplo a um deles cabe o papel de sádico controlador subjugador en quanto o outro cônjuge desempenha papéis contrários respectivamente de masoquista controlado e subjugado Um outro exemplo igualmente bastante comum um deles diga mos que seja o marido é altamente idealizado e venerado pela mulher enquanto esta se re signa a ficar em uma posição de pessoa esvazia da apagadinha Acontece que existe a possi bilidade de que a vítima ou porque ela está em tratamento analítico ou por influência de amigas leituras filmes etc decida sair des te papel Fica ameaçado o equilíbrio neurótico que o casal mantinha do que resulta um impasse ou o outro também se modifica para poder acompanhar o cônjuge que se rebelou e ambos crescem juntos com novas regras de relacionamento ou a separação se torna bas tante provável 11 Assim um fator que pode ser deleté rio para o casal é o que refere uma indefinição dos respectivos papéis e dos limites não só entre eles mas também em relação com os pais sogros e filhos Em relação aos limites existe o risco de duas possibilidades extremas ou eles são por demais difusos ou exagerada mente rígidos 12 Relativamente aos pais e sogros é relevante incluir o problema da existência de uma transgeracionalidade ou seja cada um dos cônjuges carrega dentro de si profundas identificações sadias e patógenas com as res pectivas figuras parentais além dos valores costume e crenças que caracterizam cada família em particular 13 Especialmente em relação aos casais jovens pesa bastante o fato de que com alta velocidade mudam os valores socioculturais de sorte que também mudam os tabus como por exemplo as adolescentes terem vergonha de negar ou postergar a vida sexual com o na morado para não passar por babaca uma aparente indiferença diante da infidelidade dúvidas se podem exigir uma união estável ou se isso já é coisa superada dificuldade em reconhecer admitir e demonstrar sentimen tos de amor dependência e falta do outro para não ficar sujeito a ser submetido rejeitado etc e assim por diante TIPOS DE COLUSÕES De forma esquemática cabe discriminar que as colusões patogênicas de um casal po dem assumir uma das formas que de modo muitíssimo resumido seguem abaixo enume radas separadamente embora elas se superpo nham entre si 1 Amor paixão Devese levar em conta as duas faces da paixão uma é o seu lado sa dio e lindo como um despertar para a vida amorosa conforme é regra nos adolescentes ou como a paixão sendo o prelúdio de um amor que pode se solidificar e estabilizar de forma permanente A outra face da paixão é aquela que se torna obcecante escravizadora cega e burra em nome da qual há muito ma soquismo e sadismo além do que muitas bo bagens são cometidas 2 Amor simbiótico O apego amoroso pode ser tão exageradamente intenso no fun do corresponde a um intenso medo de desam paro a ponto de poder haver uma espécie de sufocação tal como pode ser significada na frase de que um abraço demasiado forte no lu gar de afago afoga o amor que está demons trando ao outro 3 Amor distante Cada vez mais as pes soas em geral homens e mulheres evidenci am um sistema defensivo dos sentimentos amo rosos É comum que mantenham breves rela ções sexuais sempre com o freio puxado con tra um maior envolvimento de assumir um compromisso mais sério sobretudo pelo medo MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 371 de uma futura desilusão de ter que comparti lhar prováveis momentos difíceis e de vir a perder a liberdade 4 Amor sadomasoquista A grande carac terística consiste em recíprocas agressões às vezes francamente manifestas e outras vezes bem dissimuladas às vezes cabe a um do casal exercer o permanente papel de sádico e ao outro o de manter a exclusividade de maso quista porém em outras ocasiões tais papéis se revezam de forma alternante num ritmo de maior ou menor velocidade 5 Amor narcisista Neste caso mais im portante do que amar é ter provas de que se é amado pelo outro de uma forma incondicio nal o que costuma gerar incontáveis protestos em um deles ou nos dois de que esteja fal tando mais amor existe um continuado fluxo de demandas de presentes de alguma forma de exibicionismo de consumismo exagerado e de coisas do gênero Impera o uso de alguma forma de fetiche pode ser dinheiro prestígio poder beleza conquistas amorosas extrava gâncias que provoque nas demais pessoas um sentimento de admiração e inveja 6 Amor com controle obsessivo Esta é uma forma bastante freqüente na vinculação amo rosa de um casal de sorte que um deles às vezes os dois assume o papel de exercer um controle rígido e tirânico sobre o outro Por vezes a forma de controlar consiste em man ter o outro por meio de constantes desqualifi cações e imputação de culpas em um estado de permanente infantilização fato que no fundo é uma garantia do controlador de que o outro nunca o abandonará visto que sempre dependerá dele para tudo Também é comum que esse tipo de amor adquira uma modalida de paranóide cuja forma mais corriqueira é a de um ciúme patológico 7 Amor tantalizante Tendo em vista a importância na prática clínica deste tipo de vín culo patológico até pela freqüência com que se manifesta este tipo de colusão um capítulo específico consta no presente livro 8 Outras formas Poderseia caracterizar uma forma histérica de colusão tal como algu mas referências já foram feitas Ou uma mo dalidade fóbica a evitação de situações novas é a tônica e muitas vezes a fobia expressase com uma sexualidade excessivamente reprimi da ou sob a forma de uma fobia social etc Um conluio do tipo perverso também é relati vamente comum sob a forma de donjuanis mo ninfomania sadomasoquismo exagerado um jogo tantalizante em que falta o sentimento de consideração pelo outro e naturalmente existe o amor sadio não é a mesma coisa que um eterno amorpaixão ou amor de perfeição ou tampouco que não haja atritos entre o ca sal que aqui neste capítulo não foi consi derado NA PRÁTICA CLÍNICA Os objetivos de uma terapia de casal vi sam a que o terapeuta contribua para os se guintes aspectos 1 Reconhecer o tipo de colusão que pre side o vínculo do casal As colusões formamse a partir de um jogo uma forma de brincar conjunta que não é reconhecido consciente mente pelos integrantes do casal individual mente principalmente em decorrência do fato de que ambos compartilham um fundamental conflito inconsciente similar Aliás a palavra colusão se forma de co junto e ludere brin car O referido conflito de cada um que não foi superado nas respectivas etapas evolutivas manifestase pelo desempenho de papéis às ve zes diametralmente opostos o que pode dar a falsa impressão de que eles sejam bem dife rentes que cada um deles é o oposto do outro quando na verdade são pólos contrários de uma mesmidade 2 Cada um do casal faz tentativas de sa tisfazer a duas necessidades básicas uma bus car no outro uma complementação daquilo que falta em si próprio a segunda consiste em de positar no outro tudo aquilo que não tolera em si Isso explica por que esses casais às vezes se organizam de uma forma simbiótica na qual vivem brigando ameaçam continuamente uma separação desgastamse bastante porém não obstante tudo isso quase nunca se separam ou se separam durante algum tempo porém de pois se reaproximam a ponto de que não con seguem viver juntos e tampouco separados 3 Restabelecer o processo de comunica ção que habitualmente já está muito compro 372 DAVID E ZIMERMAN metido de modo a possibilitar uma forma menos beligerante na transmissão do discurso e uma melhor capacidade de escuta daquilo que o outro está tentando comunicar O terapeuta deve enfatizar o quanto a palavra deixou de ser um vínculo de comunicação e se tornou um instrumento a serviço de projeções agressivas 4 Uma recomendação útil é a de que o terapeuta possa assinalar o fato bastante co mum de que o casal pensa que está dialogan do no entanto é evidente que se trata de uma pseudocomunicação que não passa de dois monólogos em paralelo no qual cada um quer provar e impor a sua tese ao outro 5 Mostrar que a radicalização dos papéis e das posições presente na maioria das vezes por parte de cada um atingiu tal ponto que no rastro disso ambos se escudam na sua família de origem e ataca a do outro de forma que o campo dinâmico do casal ainda que de forma invisível fica muito ampliado e tumultuado 6 Relativamente ao desempenho de pa péis que em grande parte determinam os as pectos regressivos e os progressivos de cada um dos cônjuges pode acontecer que um de les ou ambos em um movimento de gangorra sintase obrigado a representar e a desempe nhar o papel de adulto progressivo às cus tas de ter que reprimir os seus desejos regres sivos na nossa cultura para o homem é algo vedado o seu direito de regredir chorar etc pois lhe parece ser coisa de mulher Por ou tro lado muitas mulheres de características bastante infantis representam o papel de guei xa para se adaptar aos anseios de que seus companheiros assumam o papel de funciona rem como sendo o pai ou mãe Nesses casos um tipo de colusão muito comum é a de o com panheiro servir como uma espécie de ornato jóia para a companheira que tem os moldes descritos A recíproca é verdadeira embora muito menos freqüente em nossa cultura 7 Essa forma de configuração vincular é típica das personalidades histéricas de modo que nos casos mais intensos costuma se esta belecer um equilíbrio destrutivo do casal que se caracteriza por recorrentes manifestações de choro deboche com acusações abandonos temporários da casa silêncio obstinado már tir ou santa sintomas somáticos ameaça ou intento suicida embriaguês recusa a trabalhar greve de sexo forçar a intervenção de tercei ros etc Quanto mais cenas desse tipo emergi rem durante a terapia do casal maiores são as possibilidades de o terapeuta poder trabalhar incisivamente nessa patologia com melhores perspectivas de obter sucesso 8 Assim cabe ao terapeuta de casal de senvolver em cada cônjuge a capacidade de reconhecimento e de respeito pelas inevitáveis diferenças de pontos de vista valores posições etc que cada um deles tem em relação ao ou tro sem que isso signifique que um esteja cer to e o outro errado que um é o sadio enquan to o outro é que está doente etc 9 Tanto quanto possível deve ficar bem claro no contrato analítico que o paciente é o casal de sorte que não haverá atendimento individual sistemático se o outro não estiver presente 10 A transferência da dupla em relação ao terapeuta do casal pode recriar uma cena primária triangular na qual alguém se sinta ou mesmo fique excluído O analista deve fi car atento para que isso não aconteça tendo em vista a possibilidade de que ele se identifi que com um dos cônjuges contra o outro o que seria um sério erro técnico As reações transferenciais podem ficar em um nível de abstração simbólica ou é possível manifestar se direta e concretamente fato que não rara mente pode induzir o terapeuta a cometer actings contratransferenciais e às vezes deixá lo como que paralisado 11 Quando se trata de um casal com for tes características perversas há possibilidade que a transferência adquira a forma de ataques ao analista por meio de mentiras ocultamento manipulações do setting em relação a horários pagamentos etc 12 A compreensão analítica da dinâmi ca do casal ajuda muito contudo as interpre tações não devem ficar centradas nos indiví duos separadamente mas sim na interrela ção especialmente do que um provoca no ou tro e sobretudo nos problemas do malen tendido da comunicação 13 O problema dos filhos ante o descasa mento dos pais possivelmente é o tema que surge com maior predominância nas sessões de terapia do casal Cabe ao terapeuta traba lhar com os cônjuges o quanto é fundamental a forma de comunicar aos filhos que essa deci são deles de separação já está consumada MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 373 Essa forma de comunicar vai depender de uma autêntica tomada de posição de modo natu ral sem um clima de tragédia e a um mesmo tempo transmitir aos filhos um reassegura mento de um respeito que persistirá entre o casal além de uma garantia afetiva de cada genitor para todos os seus filhos 14 É especialmente importante que o ana lista propicie que o casal dêse conta que os fi lhos devem ficar isentos da responsabilidade e culpas além de lhes passarem a convicção de que nenhum dos pais restou destruído Da mes ma forma uma abordagem imprescindível do terapeuta do casal referese ao reiterado assina lamento de que se constitui um sério problema para os filhos quando os pais em processo de separação utilizam os filhos como objetos com a finalidade de funcionarem como pomboscor reio de mensagens recíprocas ou quando os for çam a se envolverem direta ou indiretamente nas brigas do casal de modo a tomarem parti do a favor de um contra o outro 15 É igualmente útil que o analista esteja atento para a possibilidade bastante comum de que um casal que ainda não elaborou ade quadamente o luto da separação pode adiar in finitamente o divórcio legal e para tanto utili zam o argumento do problema econômico ou a consideração pelos filhos ou ainda o re curso bastante freqüente de uma nunca acaba da disputa pela divisão de bens o meu bem dos primeiros tempos do amor fica substituído pelo amor aos meus bens inclusive em acir radas brigas por quinquilharias alegadamente de valor afetivo na decisão da partilha 16 Muitos terapeutas de casal recomen dam a eventual utilização do recurso da dra matização principalmente aquela que propõe a inversão na representação dos respectivos papéis Da mesma forma eles propõem ao ca sal que façam um tema para casa por exem plo listarem separadamente o que gostam ou detestam no outro o que depois será traba lhado na sessão 17 Varia bastante o manejo de determi nadas particularidades como por exemplo se o atendimento do casal será de curto prazo o suficiente para a resolução de uma crise mais aguda ou se pode ser de duração longa com a pretensão de um aprofundamento analítico Da mesma maneira o atendimento de um ca sal pode dar num outro contexto que não aque le da habitual terapia de casal ser resultante de uma necessidade que a análise individual de um deles demanda ou a problemática de um filho que angustia ambos por exemplo e ficar limitada a uma ou duas sessões neste caso costumamos dar o nome de intervenção vincular 18 Na atualidade está entrando em voga diante de ações de divórcio que se encaminham para um enfrentamento litigioso a figura do mediador 19 De alguma forma em alguns casais mais e em outros menos os respectivos pais e sogros exercem um papel importante Cabe ao terapeuta do casal trabalhar com o par a ne cessidade de fazer com que aqueles pais e so gros conheçam os seus papéis e seus limites Igualmente é útil deixar que reflitam sobre o fato de que nas brigas mais sérias do casal devidas a malentendidos com os sogros cada um deles deva ficar ao lado do consorte e não dos respectivos pais Já na hipótese de uma separação iminente do casal também é útil que cada um do casal saiba que independentemen te dos afetos que mantenham com os sogros ou das razões que determinaram a separação os pais praticamente sempre ficarão solidári os com o seu filho 20 Uma visão caleidoscópica sempre pre sente em qualquer casal Não obstante seja al tamente reduzido o esquema que a seguir vou propor creio que ele seja bastante útil na prá tica clínica com casais Tratase do entendimen to de quatro aspectos que sempre estão pre sentes em todo e qualquer casal e que deter minam as alternâncias entre os encontros e desencontros os bons e os maus momentos os criativos e os destrutivos Os referidos quatro elementos são a par te sadia de um dos cônjuges a parte doente dele a parte sadia do outro cônjuge a parte doente desse Parto da noção de que todos so mos portadores de uma geografia do psiquis mo isto é nenhum ser humano tem um psiquis mo unívoco qual um bloco maciço e unifor me Pelo contrário da mesma forma como o mapa do mundo tem zonas glaciais em que tudo nos pólos norte e sul é branco frio gelo e solidão assim como também existe a zona do equador com a respectiva temperatura tórri da senegalesca sendo que entre ambas exis 374 DAVID E ZIMERMAN tem zonas temperadas lagos mansos convi vendo com mares agitados superfícies planas e férteis ao lado de áreas íngremes e rochosas etc também a mente humana é composta de várias zonas que respectivamente correspon dem à nossa parte glacial depressiva coabi tando com nossa parte tórrida temperamen tal a parte adulta com a infantil a sadia com a neurótica etc etc A figura do caleidoscópio por sua vez alude àquele brinquedo no qual umas mesmas pedrinhas coloridas colocadas em uma caixinha apropriada com as faces poliédricas de vidro conforme for o giro que dermos visualizarse ão configurações de desenhos e cores totalmen te distintas entre si Assim as pedrinhas do psiquismo do casal são as mesmas porém pela lei das combinações são possíveis as seguin tes quatro possibilidades a Predomina o encontro da parte sadia de um dos cônjuges com a sadia do outro em cujo caso é alta a probabili dade de comporem um casal feliz e construtivo b A parte sadia de um em colusão com a parte doente do outro e viceversa c Nessas duas hipóteses citadas costu ma acontecer que o vínculo do casal seja instável na base de uma previsão do tipo metereológica de tempo bom sujeito a chuvas e trovoadas ou seja como se costuma dizer popularmen te o casal vai entre tapas e beijos d Prevalece uma colusão entre as par tes doentes de ambos de modo que os aspectos mutuamente destrutivos desse tipo de casais estão permanen temente presentes com recíprocas co branças acusações ataques e amea ças configurando um vínculo de na tureza sadomasoquista MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 375 A aludida unidade sistêmica consiste em uma permanente interação que varia no tem po com as sucessivas transformações como por exemplo a idade dos filhos é diferente de quando eram bebês ou adolescentes etc novos valores e necessidades Essa constante interação direta ou indireta entre todos fica mais manifesta quando um dos familiares en tra em alguma forma de crise quando então todo o grupo familiar é atingido passando a funcionar como uma espécie de grupo operativo construtivo e estruturante nas fa mílias sadias ou desestruturante e até destru tivo nas famílias mais doentias É fácil imaginar o intenso jogo de identi ficações projetivas cruzadas que se processam entre os membros da família com as respecti vas atribuições de lugares a serem ocupados papéis a serem executados e expectativas a se rem cumpridas Cabe traçar alguns destes as pectos embora de forma muito breve e restri ta às pessoas da mãe pai e irmãos que seguem descritos separadamente não obstante o fato de que estejam em permanente interação com mútuo intercâmbio de influências MÃE No contexto de uma família nuclear a mãe ocupa cinco papéis primaciais a é a ge radora da vida dos filhos de sorte que já des de a fase da gestação segundo modernos es tudos interage biológica e emocionalmente com o seu filho ainda em estado fetal b ela é objeto do desejo deles c ela representa ser para o filho quando criança pequena mercê das fan tasias deste um objeto amoroso e a um mes 36 Terapia com a Família Muitos pais despejam sobre os filhos um verdadeiro banho de linguagem atribuindolhes rótulos com significantes que ficam impressos valores e modelos a serem copiados designando lugares a serem ocupados expectativas a serem preenchidas e determinando papéis a serem cumpridos ao longo da vida Inicialmente é necessário lembrar que nas últimas décadas a concepção de grupo familiar tem sofrido profundas modificações Assim a tradicional família nuclear constituí da por pais filhos avós tem cedido um consi derável espaço a outras composições distintas e atípicas São exemplos disso casais que se mantêm unidos porém optaram por moradias independentes um alto índice de divórcios se guidos de novos casamentos nos quais cada cônjuge entra com os seus filhos de casamen tos anteriores mães solteiras que optaram pela assim chamada produção independente de filhos o crescimento do número de mães ado lescentes uma redefinição do papel dos côn juges da mulher principalmente uma maior aquisição de liberdade às vezes se confunde com liberalidade dos filhos Um ponto que também merece ser considerado é o relativo à união estável de casais homossexuais inclusi ve compondo um grupo familiar com filhos adotivos Tudo isso justifica uma pergunta em voga o casamento é uma instituição em vias de falên cia Parece que não a julgar por recentes esta tísticas Ademais permanece em todos os quadrantes do mundo a conhecida pressão so cial por parte dos pais familiares amigos etc para a efetivação do casamento após o qual se sucede a cobrança para que tenham filhos etc Toda e qualquer família constituise como uma unidade sistêmica que adquire uma certa identidade e ela deve ser visualizada pelo ana lista também do vértice de uma transgeracio nalidade isto é são no mínimo três gerações em interação a dos pais responsáveis pela fa mília em foco a dos respectivos genitores de cada um deles e a dos filhos 376 DAVID E ZIMERMAN mo tempo um tanático d funciona como pro vedora e contenedora das necessidades básicas e das angústias e é imprimidora tal como acontece no fenômeno do imprinting de re presentações na mente dos filhos desde a con dição de bebê recémnascido ou bem antes disso Este último aspecto de a mãe imprimir emoções representações e papéis está mere cendo uma atenção especial na psicanálise con temporânea logo também no tratamento da família Cabe dar alguns exemplos que se ob serva com alguma freqüência pessoas que nas relações amorosas conquanto não sejam basi camente masoquistas inconscientemente po dem estar repetindo situações de um doloroso abandono previsível fato que muitas vezes pro cede de uma busca de uma situação passada que representa estar perto de uma mãe que foi representada pela criança como sendo ambí gua e abandonante Outra possibilidade que observei algu mas vezes na prática clínica determinados pa cientes exercem na vida um papel algo esva ziado e depressivo sem justificativa aparen te levando em conta que a vida exterior pos sa estar indo muito bem no entanto pode ter acontecido que a mãe teve uma perda muito importante a de um pai ou de um fi lho por exemplo e engravida novamente já com uma determinação inconsciente de que o filho que nascerá ocupará o lugar daquele que por ter morrido não pôde ocupálo É útil que o analista detecte quais foram as teclas que certas mães mais martelaram no curso do ver dadeiro banho de linguagem a que submete ram seus filhos menores Creio que a conseqüência mais grave no desenvolvimento emocional de um filho decor re do seu convívio com aquele tipo de mãe que Green 1976 chama de mãe morta o que não significa que a mãe tenha realmente falecido mas sim que por ela ter sido excessivamente deprimida distante ou desligada formouse um sério vazio de mãe corresponde ao con ceito de nãoseio de Bion É útil consignar que na maioria das ve zes a mãe falha não por ser má mas porque ela própria narcisisticamente carente con serva a sua parte criança que está em busca de alguém muitas vezes o próprio filho que lhe sirva de amparo PAI Além do clássico papel de a ser prove dor das necessidades econômicas da família papel este que diante da nova posição da mulher moderna está cada vez mais se modi ficando ainda mais cabe ao pai as importan tes funções de b funcionar como uma cunha interditora entre a possível díade fusional simbiótica que muitas vezes certas mães esta belecem com seus filhinhos c ser o represen tante da lei conforme Lacan de modo a frus trar e colocar os devidos limites impostos pela realidade exterior d o pai atual também deve funcionar como um adequado continente para as necessidades dos filhos especialmente como uma alternativa quando a mãe não tiver con dições para tão importante função É útil frisar que a animosidade do filho competição fantasias de parricídio oposicio nismo desafios contra o pai ou substitutos sociais dele autoridades polícia leis hierar quia nem sempre resulta de um conflito edípico pode se tratar de uma formação rea tiva ou de uma contrafobia contra o desejo regressivo de um retorno a uma fusão diádica simbiótica com o pai tendo em vista que com a mãe seria ainda mais perigoso pelos riscos fantasiados de um engolfamento ou de in cesto Se o pai não responder temporariamen te à demanda diádica do filho é provável que esta demanda fique ainda mais intensa pois aumenta o vazio e assim pode acarretar o inconveniente de o filho apelar para uma efeminização FILHOS O nascimento de filhos representa uma significativa transformação na dinâmica do grupo familiar sob distintos aspectos Um de les é que os conflitos que os genitores tiveram com os seus respectivos pais costumam ser revividos com os filhos por meio de um siste ma de reprojeções dos valores de ego amea ças do superego e expectativas do ideal do ego de cada um deles O nascimento de um primeiro filho mui tas vezes unifica o casal no entanto em mui tas outras vezes pode desestabilizar a famí lia ou até desagregála Essa última possibili MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 377 dade pode acontecer em um casal simbiótico em cujo caso a entrada de um terceiro o bebê pode ser vivido mais comumente pelo ho mem como um intruso que ameaça a apa rente segurança garantida pela simbiose ma nifesta ou dissimulada até então reinante entre o casal Em muitos casos é a mulher que se fragiliza não raramente em um extremo quadro clínico conhecido por psicose pós parto o qual se deve à reativação dos confli tos que ela mãe quando criancinha sofreu com a sua própria mãe Relativamente ao aspecto transgeracio nal antes apontado é importante assinalar que certos papéis e lugares a serem assumidos pelo filho podem estar diretamente ligados à neces sidade de os pais terem gerado ou modelado o filho para preencher suas lacunas existenci ais ou para que o filho recémnascido venha a ocupar o lugar de alguém que por morte dei xou um vazio a ser preenchido O nascimento de outros filhos em casos de patologia pode gerar extensas dissociações na família com formação de novos pares e ali anças Assim é relativamente comum que o casal de genitores faça uma combinação explí cita ou implícita em que cada um deles se paradamente adote para si a criação e pre ferência por um determinado filho Um outro aspecto relevante é que a famí lia pode mudar a sua estrutura e funcionamen to de acordo com a condição temporária de que os filhos estejam na infância adolescên cia ou já sejam adultos Assim a fase em que os filhos são pequenos favorece a simbio tização tanto a sadia como a patológica No período da adolescência talvez o mais difícil para a maioria dos pais a busca de um senti mento de identidade autônomo por parte do adolescente expressase por contestações que os pais podem não entender e assim significá las como ataques agressivos contra eles o que pode gerar um círculo vicioso maligno Essa situação crítica de um ou mais ado lescentes de uma mesma família pode acarretar uma às vezes séria crise familiar Quando os filhos adquirem a condição de adultos resul tam inevitáveis separações as quais embora sadias podem levar alguns pais a sentirem uma forte vivência de abandono e não raramente regridem à condição de crianças desamparadas assim entrando em estado depressivo É bastante comum sobretudo em famílias simbióticas que no mínimo um dos filhos fi que encarregado de se manter intimamente unido ao seu lar de origem de modo a se cons tituir como um segurodesamparo contra apro vável viuvez de um dos genitores Finalmente cabe destacar o papel funda mental dos pais em relação aos filhos que é aquele que se refere ao processo das identifica ções as quais se comportam esquematicamen te de seis maneiras por admiração é a me lhor de todas por idealização ocorre espe cialmente em famílias narcisistas e resultam identificações algo instáveis com o agressor com a vítima com algum aspecto parcial de um dos pais por exemplo com os sintomas de al guma doença bem como com a tradição dos valores e dos costumes da família Relativamente ao antes aludido banho de linguagem que certos pais despejam sobre os filhos cabe dizer que isso se processa prin cipalmente através da atribuição de rótulos este menino é tranqüilo aquele é um dia binho de tanto que incomoda aquela outra é desligada demais um outro filho é rotulado de anarquista ou geniozinho e assim por diante Tais rótulos funcionam como significan tes conforme Lacan aos quais a criança adap tase e assume o papel designado IRMÃOS A literatura especializada é relativamen te bastante escassa e nem sempre valoriza a importância teórica e prática do complexo fra terno No entanto essa interação é de capital relevância na estruturação dos indivíduos e do grupo familiar Podese dizer que os irmãos funcionam como objetos de um duplo investi mento o primeiro é o que diz respeito às co nhecidas reações ambivalentes de amor e amizade que vêm mescladas com sentimen tos de ódio inveja ciúme rivalidade etc O segundo investimento consiste em um defen sivo deslocamento e projeção nos irmãos de pulsões libidinosas ou agressivas que primaria mente seriam dirigidas aos pais O complexo fraterno consiste em um ema ranhado de sentimentos concomitantes e con traditórios entre irmãos em que estão mescla dos amor e ódio culpas e remorsos compa 378 DAVID E ZIMERMAN nheirismo e ressentimentos rivalidade e soli dariedade etc Assim é comum observar situa ções nas quais os irmãos criam camufladas brin cadeiras eróticas entre si ou quando um ir mão tornase zeloso e enciumado guardião dos namoros de sua irmã mais velha ou quando essa adota uma atitude maternal em relação a um seu irmão ou irmã mais moçoa ou quando se manifesta uma acentuada regres são a níveis de necessidades que estão sendo gratificadas pela mãe para um irmãozinho ca çula ou doente etc Por outro lado não é raro observar que a um irmão é dado o papel de substituir a um outro já falecido ou abortado de quem deve herdar tudo o que os pais esperavam daquele como por exemplo nome gênero sexual ex pectativas etc Da mesma forma podese ob servar o fato de que um dentre os irmãos de sempenhe o papel de duplo de um outro as sim complementando para este e viceversa tudo o que não conseguiram fazer ou ter como é o caso da diferença dos sexos por exemplo Por vezes pode acontecer que essa condição de duplo adquira tal intensidade que ambos não conseguem se separar e se envolvam em uma típica folie a deux que pode ser reprodu zida em uma futura relação conjugal com a possível conseqüência de que a ruptura desta ligação simbiótica em especial na adolescên cia pode trazer graves complicações para um dos dois fato que se observa mais comumente na situação de gêmeos Uma outra situação bastante comum e muito evidenciável na prática clínica é aquela encontrada nos indivíduos que se sabotam ou se deprimem diante de seus sucessos na vida adulta nos casos em que eles tenham tido ir mãos precocemente falecidos ou com sérias li mitações orgânicas e psíquicas ou malsucedidos de forma geral Essa autosabotagem devese a às culpas inconscientes por terem concreti zado o triunfo de uma antiga rivalidade entre os irmãos b ao fato de que para não humilhar e fazer sofrer os que não acompanharam o seu sucesso o sujeito faça um voto de solidariedade às vítimas e boicote o seu próprio crescimento enquanto não conseguir fazer uma reparação geralmente impossível de que os demais irmãos eou seus pais acompanhem o seu sucesso TIPOS DE FAMÍLIAS Em tese a família é uma unidade sistêmi ca com identidade característica que seguida mente segue o perfil transgeracional dos pais que às vezes fica anquilosada sempre repe tindo as mesmas pausas de conduta e de valo res porém em muitas outras vezes vai sofren do inevitáveis transformações em meio a cri ses e surgimento de novas necessidades e pro blemas assim adquirindo uma modificação de estrutura familiar além de uma aquisição de novos valores normas e conduta Da mesma forma como se passa em qual quer indivíduo também o grupo familiar ad quire uma determinada caracterologia típica a qual varia bastante de um familiar para ou tro De forma esquemática cabe nominar os seguintes tipos de famílias em nível tanto nor mal ou com um certo grau maior ou menor de patologia 1 Famílias aglutinadas predomina por parte dos pais uma atitude tendente a uma simbiose generalizada que reforça uma forte e mútua dependência de características exagera das Cabe lembrar que os anseios de dependên cia manifestamse em cinco planos afetivo eco nômico sexual social e o de uma reafirmação de identidade principalmente quando o sujeito se constitui através de um espelhamento de outros significativos Outro inconveniente des se tipo de família é que os necessários limites as necessárias diferenças e o desempenho de distintos papéis nem sempre ficam claramente delimitadas o que gera uma série de prejuízos Assim quando se instala uma crise familiar freqüentemente desencadeada quando algum filho adolescente destoa da aglutinação que tem uma aparência de união e por meio de trans gressões busca a sua emancipação acontece que a aludida crise eclode sob forma de acessos agudos disseminando um caos generalizado Nesses casos é bastante comum que toda a fa mília eleja o transgressor como o bode expiatório caracterizandoo como o paciente identificado isto é aquele que carrega nas suas costas as mazelas do restante da família O con trário de uma família aglutinada constituise como uma família dispersa MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 379 2 Dispersadas prevalece uma falta de coesão entre os membros da família de modo que impera a lei do cada um por si e Deus por todos O mecanismo predominante na fa mília dispersa é o uso excessivo de dissocia ções seguidas de identificações projetivas de uns nos outros com queixas recíprocas e for mação de subgrupos ou pior com um afas tamento matizado por uma indiferença de um pelo outro 3 Aquarteladas tais famílias caracteri zamse pelo fato de que lembra um quartel comandado por um chefe pode ser o pai ou a mãe rígido autoritário por vezes tirânico que não escuta os subordinados o diálogo fica na base de cobranças perguntas e respostas e acima de tudo cobra o cumprimento de suas ordens sob a ameaça de severas penas o que gera nos demais uma conduta de alta submis são ou o oposto disto ou seja alguma forma de rebeldia a formação de um superego de características severas e punitivas ou ao con trário um desprezo pelo superego o que se constitui matériaprima para a formação de conduta psicopática As identificações neste tipo de família processamse principalmente pelo mecanismo de identificação com o agressor 4 Narcisistas notabilizamse porque es tão sempre se jactando de serem os melhores em tudo tomam a si mesmos como modelo de família exemplar e não toleram outros valores e condutas distintos seus Essa última situa ção em casos mais extremos pode atingir um estado psíquico da família de onipotência onisciência arrogância e prepotência Há uma predominância de um ideal de ego coletivo em um clima familiar no qual a tônica reside em uma constante idealização e em uma imperio sa necessidade do cumprimento de expectati vas às vezes grandiosas Não raramente acon tece que todos dessa família sejam realmente bemsucedidos entretanto também ocorre a possibilidade de que tendo em vista que é mí nima a tolerância às frustrações desse tipo de família diante de um insucesso de algum mem bro este entre em crise depressiva e a família em crise de angústia Também é característico desse tipo de família narcisista que seus mem bros sejam buscadores de fetiches isto é pro curam compensar uma subjacente inseguran ça com substitutos ilusórios geralmente o po der o prestígio a riqueza a ostentação e as alardeadas conquistas amorosas 5 Com algum tipo de psicopatologia é bastante comum que alguma determinada fa mília funcione de forma moderada ou fran camente psicótica com condutas bizarras dis túrbios da linguagem transtornos da percep ção da comunicação e do pensamento pre domínio das pulsões de morte um uso exces sivo de mecanismos primitivos pode haver uma sucessão de crises transtornos de con duta e acidentes às vezes trágicos além de uma eventual internação psiquiátrica de al guns deles Em outras famílias manifestase alguma forma de psicopatia em cujos casos os padrões vigentes tanto os sexuais mo rais sociais éticos e estéticos são transgre didos Assim é muito comum que haja uma perda dos limites como por exemplo uma promiscuidade revestida por uma fetichi zada aparência de liberdade Em outras ve zes o conluio inconsciente desse tipo de fa mília consiste em que um dos familiares assu ma um papel de puritanismo enquanto a um outro cabe o de psicopata sendo que no fun do ambos estão inconscientemente em uma cumplicidade cada um se comportando como o executivo do lado oculto do outro Também é possível a estruturação de famílias em ba ses fóbicas evitam tudo aquilo que lhes foi significado e representado como sendo pe rigoso ou obsessivas com os traços caracte rísticos do que conhecemos como típicas de uma neurose obsessivocompulsiva de algu ma pessoa ou famílias adictas nas suas múltiplas possibilidades como é o tabagismo a alimentação o consumismo as drogas etc somatizadoras uma hipocondria por exem plo pode acometer a todos familiares Igual mente cabe incluir aquelas famílias que se caracterizam por uma estruturação paranóide são desconfiados querelantes criadores de casos sempre na defensiva logo sempre con traatacando depressiva às vezes fazem um eterno culto a algum morto da família e muitas outras vezes se proíbem de serem felizes ansiosa quase todos membros da família são propensos a crises de angústia 380 DAVID E ZIMERMAN diante de algum sinal de alarme famílias portadoras de um falso self em cujo caso mais vale a aparência do que a essência e assim por diante 6 Tipos mistos na maior parte das ve zes os tipos até agora descritos nem sempre são rigidamente estanques antes disso o mais freqüente é que coexistam em uma mesma fa mília os distintos traços característicos de to das aquelas com uma predominância maior de uma ou de outra 7 Famílias normalmente integradas nes sas famílias normais dentro dos critérios atual mente vigentes predomina uma aceitação e uma preservação dos direitos e deveres de cada um dentro de uma necessária hierarquia fami liar existe o reconhecimento dos limites das diferenças dos alcances e das limitações que particularizam individualmente os distintos membros da família As crises também se for mam porém adquirem uma função estrutu rante as vivências as boas e as más são com partidas com uma mutualidade da função de continência Ademais existe uma capacidade para suportar diversos tipos de perdas especial mente de pessoas queridas e de absorver a en trada de outras pessoas no seio familiar PRÁTICA CLÍNICA 1 O terapeuta de família deve encarar a esta como sendo ao mesmo tempo uma pro dução coletiva uma instituição interativa que vai muito além de um mero somatório de pes soas e um aspecto do mundo interno de cada membro em separado em meio a um intenso jogo de cruzadas identificações projetivas e introjetivas entre eles 2 Assim o ideal é que o terapeuta pos sua sólidos conhecimentos da dinâmica psíqui ca inconsciente psicanalítica da teoria sistêmi ca além de noções dos fundamentos cogniti vocomportamentais da teoria comunicacional e do uso de roleplaying da corrente psicodra mática 3 Em termos práticos o maior cuidado que o analista de família deve ter é o de não permitir que o tratamento concentrese em um único pacienteemergente e assim fique trans formado em uma terapia individual feito à vis ta dos demais familiares Até mesmo porque todos concordam com o fato de que nesses casos muitas famílias conservam uma aparen te unidade e harmonia às custas de utilizar um certo membro como um depositário é o que costuma ser chamado de paciente identi ficado dos problemas nãomanifestos dos de mais Assim o terapeuta de família de forma cuidadosa deve procurar o desmascaramento da farsa inconsciente de que de um lado há um único paciente e de outro lado uma famí lia desesperançada vítima daquele 4 Igualmente o terapeuta deve estar aler ta para a possibilidade de justamente quando começam a aparecer os problemas de todos surgir o risco de dissolução do tratamento da família devido a uma sabotagem por meio de faltas atrasos ou franca desistência daqueles que se sentem ameaçados 5 Também é comum que haja nas famíli as uma compulsão à repetição de geração a geração de um mesmo código de valores estratificados e que se constituem nos chama dos mitos familiares difíceis de desfazer 6 Da mesma forma também é bastante freqüente a existência de segredos da família que todos sabem porém há como que um pac to coletivo de ninguém tocar no assunto É re comendável que o terapeuta possa auxiliar a desfazer esse tabu de sorte a propiciar à famí lia conjunta uma livre ventilação portanto uma elaboração dos segredos 7 Cabe reiterar que é fundamental que o terapeuta de família trabalhe de forma siste mática com os muito prováveis problemas do malentendido das comunicações entre todos eles É necessário enfocar os três elementos constituintes da comunicação a transmissão refere à forma de como cada um emprega o seu discurso se arrogante por demais tímida ou interpeladora etc a recepção daquilo que escuta ou ouve mas não escuta ou ela é distorcida ou faz uma reação exageradamente sensível e desproporcional ou é desqualifi catória etc e o terceiro elemento referese aos canais de linguagem da comunicação é verbal ou nãoverbal neste último caso é por meio de gestos atitudes conduta somati zações atuações 8 Igualmente é de primacial relevância o assinalamento que o terapeuta de família deve fazer acerca do desempenho que fica reproduzido na sessão da terapia de papéis e MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 381 a assunção de lugares posições e funções por parte de cada familiar Esse aspecto ganha ain da uma maior importância nos casos em que na família em foco os limites estejam perdidos e os papéis invertidos o que não é nada raro 9 Da mesma forma como foi enfatizado em relação à terapia com casais é essencial que o terapeuta consiga manter uma adequa da neutralidade de modo a evitar a possibili dade de ele ser envolvido em algumas situa ções contratransferenciais deletérias como é o caso de ele se identificar e tomar o partido de uns contra outros ou a de aceitar o convite que a família o induz a aceitar como o de um julgador de quem ou não tem razão ou de um superego punitivo etc ou ainda a de co meter contraatuações 10 Durante a sessão com o grupo fami liar é útil que o terapeuta possa trabalhar com os aspectos às vezes sutis de como os pais podem estar influenciando no psiquismo dos filhos por meio de alguns recursos Um é o de induzir alguns à formação de um falso self resultante da necessidade de esses gratificarem seus pais ou um deles com os filhos adivi nhando e cumprindo os desejos parentais em detrimento dos seus próprios que seriam os de um verdadeiro self Assim cabe ao terapeuta de família auxiliar os pais a abrirem para os filhos um espaço para desejar 11 Uma outra possibilidade da influên cia da estruturação do psiquismo dos filhos que deve ser ressaltada pelo analista resulta do dis curso empregado pelos pais que determinam valores expectativas significações representa ções ou a imposição de seus próprios desejos 12 Cabe dar um exemplo hipotético di ante da oportunidade de incentivar um filho a ir ao cinema o pai ou a mãe dirigese ao filho em uma destas formas a Deve ver tal filme é para o seu bem neste caso dito em uma forma imperativa é bem provável que o pai esteja impondo o seu próprio desejo b Se quer ir vamos juntos senão eu vou de qual quer jeito o pai pode estar dando uma men sagem de teor narcisista primeiro eu quan do é possível que o filho esteja querendo um espaço interno unicamente seu de modo a construir os seus próprios desejos c Só vou ver o filme se você for comigo neste caso se ele for continuado em situações equivalentes existe o risco de estar havendo uma troca de papéis de modo que é unicamente o filho quem pode desejar e assim estaria contri buindo para o reforço da onipotência infan til d Não quer ir ver tal filme porque você é um cagão tem medo de tudo assim ninguém vai querer ser seu amigo neste caso pode se perceber um discurso paterno que faz uma significação desqualificatória do filho a um mesmo tempo que leva este a fazer uma auto representação fóbica e denegrida de si mes mo e Ouvi boas referências sobre tal filme gostaria de ir Caso queira que eu vá com você estou disponível na presente situação o pai não impõe mas propõe respeitando a liberda de de decisão do filho além de também de monstrar uma disponibilidade afetiva 13 Esta última hipótese a de o pai es cutar e valorizar a tomada de posição do filho está diretamente conectada ao fato de que na situação da terapia da família o terapeuta trabalhe com o fato de que sim os filhos apren dem muito com os pais com a recíproca intei ramente verdadeira 37 Grupoterapia Psicanalítica A psicologia individual e a social não diferem em sua essência O êxito que a terapia passa a ter no indivíduo haverá de obtêlo na coletividade No futuro os estudiosos da sociologia e psicologia se perguntarão perplexos como é que há mais tempo nós não nos interssamos por grupos se vivemos e convivemos há maior parte do tempo de nossa vida em uma permanente intensa extraordinária e complexa relaçao do indivíduo com os seu mundo S Freud Convém lembrar que nessa época a prá tica da terapia psicanalítica individual era le galmente vedada aos psicólogos e os próprios psiquiatras limitavamse à chamada psicote rapia de apoio e caso trabalhassem diretamen te com os aspectos transferenciais eram rotula dos de atuadores porquanto estariam inva dindo o sagrado espaço do Olimpo exclusivo dos deusespsicanalistas formados pela IPA O recurso para quem queria fazer análise e não dispunha de condições econômicas era a de se tratar com um psicanalista por meio de grupos Assim nos anos 60 apogeu da grupo terapia psicanalítica a demanda era intensa os encaminhamentos se sucediam e não tínha mos dificuldades de compor grupos analíticos que após uma seleção entre muitos pretenden tes começavam a funcionar já completos com uma composição mista de homens e mulheres totalizando uma média de sete participantes em um nível neurótico Por uma série de razões que não cabe aqui sugiro aos interessados que leiam o capítulo Estado Atual e Perspectivas Futuras das Grupoterapias Zimerman 2000 a partir da década de 70 e seguintes a psicoterapia analí tica de grupo começou a entrar em progressi vo declínio embora nos últimos anos esteja começando a dar claros sinais de uma impor tante reabilitação Como decorrência do fato de que a demanda por grupoterapia analítica ficou sensivelmente reduzida criouse uma dificuldade para começar um grupo com o nú mero ideal de pacientes de modo que para O objetivo precípuo do presente capítulo aqui ficará restrito unicamente à prática com grupoterapia de base psicanalítica dirigida ao insight consiste justamente em partilhar com os interessados as mudanças que vêm se ope rando no meu trabalho clínico ao longo de mais de 40 anos especialmente aquelas que dizem respeito aos aspectos referentes à técni ca Para tanto adotarei um esquema de expo sição algo didático especificando separada mente cada um dos fenômenos que estão sem pre presentes no campo analítico grupal Ade mais sempre que possível procurarei traçar ainda que de forma breve possíveis semelhan ças e diferenças eventuais vantagens e desvan tagens entre a psicanálise individual e a grupal SELEÇÃO E COMPOSIÇÃO DO GRUPO Um importante e bemsucedido congres so latinoamericano de psicoterapia analítica de grupo realizado em 1957 em Buenos Aires alavancou de forma extraordinária o interesse pela formação e prática da grupoanálise em nosso meio Mais especificamente em Porto Alegre então os únicos técnicos autorizados a praticar a grupoterapia analítica eram os psi canalistas filiados à Sociedade Psicanalítica Eram poucos os analistas que a praticavam e muitos os pacientes que a procuravam nota damente os jovens estudantes e outros que não dispunham de recursos econômicos para realizar uma análise individual standard 384 DAVID E ZIMERMAN evitar os sérios inconvenientes de uma espera demasiadamente longa passei a orientar os meus alunos e supervisionandos à prática de poder iniciar um grupo terapêutico com um número menor inclusive a viabilidade mínima de iniciar o grupo com dois pacientes Uma outra mudança importante relativa à seleção consiste no fato de que nos primei ros tempos descartávamos aqueles pacientes que consensualmente eram contraindicados para tratamento em grupo como era o caso dos excessivamente portadores de algum aspec to de patologia psíquica como o de paranóia depressão esquizoidia somatizadores traços psicopáticos perversos etc Na atualidade mantenho a posição de não incluir esses pacien tes excessivos em um grupo de outros que têm uma estruturação psíquica mais sólida no en tanto estimulo meus supervisionandos a com por grupos homogêneos com eles Considero que os resultados grupoanalíticos com pacientes de uma mesma categoria psicopa togênica como por exemplo com deprimidos mais graves ou com pacientes borderlines trans tornos de alimentação etc têm sido suficien temente gratificantes e alentadores Na época áurea da grupoterapia analítica muitos grupoterapeutas preferiam evitar as pré vias entrevistas individuais com os pacientes que procuravam tratamento grupal sob a alegação de que a melhor seleção seria a de juntálos des de o início para que se mantivesse uma fideli dade total ao espírito grupal e que todos inclu sive o analista enfrentassem nas mesmas con dições as angústias do desconhecido Nunca adotei essa tática e continuo pensando que uma boa seleção é a chave do êxito ou fracasso do desenvolvimento futuro do grupo além de que uma boa seleção deve passar por uma ou mais entrevistas individuais prévias nas quais além de avaliar o nível e o grau da psicopatogenia tendo em vista a composição do grupo aquilo que sobretudo necessita ser bem aquilatado é o que diz respeito à motivação que o pretenden te demonstra em relação à seriedade de como encara o tratamento e a disposição para fazer mudanças verdadeiras SETTING GRUPAL Nos primeiros tempos acompanhando in timamente as diretrizes que então regiam a psicanálise individual também os grupote rapeutas iniciavam o novo grupo recémforma do com uma série de combinações e regras que deveriam ser obrigatoriamente cumpridas as quais por vezes entravam em minúcias e de talhes referentes ao comportamento dentro e fora da situação grupal Na verdade o com promisso que os pacientes formalmente assu miam não impedia a ocorrência de actings às vezes graves como o daquele que considero o mais temível deles ou seja o da quebra da re gra de ouro da grupoterapia a do sigilo Em situações mais extremas de atuação maligna não foram raros os informes que cir culavam de envolvimento sexual entre pacien tes daqueles grupos nos quais a seleção não foi mais criteriosa e rigorosa Hoje entendo que a melhor maneira de minimizar os riscos de actings daninhos consiste em uma seleção e composição adequadas e acima de tudo em uma permanente atenção e escuta apropria das do grupoterapeuta para que no curso dos acontecimentos relativos ao momento da di nâmica grupal por meio dos assinalamentos e interpretações das emergentes ansiedades in conscientes possa ir implicitamente estabe lecendo as necessárias regras mínimas e pro movendo a profilaxia do risco das aludidas atua ções mercê da construção de um espírito de grupo alicerçado no crescimento dos núcleos básicos de uma recíproca confiança Na atualidade considero que a instala ção do setting vai além de combinações míni mas como a de horários honorários férias e afins que são fundamentais porquanto esta belecem a importância da realidade exterior e a necessária colocação dos limites e das limi tações No entanto muito mais do que isso o enquadre grupal promove a criação de um novo espaço no qual os pacientes irão reexperimen tar velhas experiências emocionais e interre lacionamentos complicados que foram malre solvidos no passado na família e nos demais grupos de convívio os quais estão à espera de uma ressignificação que possibilite a reconstru ção do grupo da família que está interiorizada de forma patogênica dentro de cada um Destarte postulo que a figura do terapeu ta quer na sua função profissional quer como pessoa real é parte essencial do setting grupal notadamente no que tange a uma capacidade que obrigatoriamente ele deve possuir a de MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 385 ser um adequado continente ativo é muito di ferente de recipiente passivo para as maci ças identificações projetivas de cada um e de todos do grupo Tais identificações projetivas constituem o conteúdo tanto de necessidades básicas como também de desejos demandas angústias fantasias pulsões libidinais e agres sivas atuações sentimentos depressivos etc A propósito o próprio enquadre grupal quan do adquire a condição da mútua confiabilidade geral por si só funciona como um continente de uns para os outros RESISTÊNCIACONTRARESISTÊNCIA O termo contraresistência estava vir tualmente desaparecido da literatura psicana lítica Fiz questão de ajudar a ressuscitálo por que entendo que não se pode pensar em qual quer tipo de terapia analítica que não seja atra vés da noção de que sempre existe uma per manente e recíproca vincularidade interpes soal na qual cada um incluído o grupote rapeuta é óbvio influencia e é influenciado pelos demais São inúmeras as formas de como os indivíduos e os grupos resistem contra o acesso a regiões inconscientes do psiquismo à tomada de conhecimento de verdades peno sas à regressão ou progressão à aquisição de verdadeiras mudanças etc No entanto o que aqui objetivo enfatizar é que na contemporânea grupoterapia analí tica devemos estar suficientemente alertas para a alta probabilidade da contração de conluios resistenciaiscontraresistenciais de natureza inconsciente aos conscientes é me lhor chamálos de pactos corruptos Tais conluios adquirem distintas configurações vin culares entre os pacientes do grupo e o grupoterapeuta porém cabe destacar a fre qüência com que podem surgir situações como 1 Um conluio de negação coletiva por exem plo de temas e sentimentos relativos a sexo agressão morte 2 Uma recíproca fascina ção narcisista o grupo fica embevecido com as brilhantes interpretações do analista ain da que essas não sejam mais do que intelectua lizadas demonstrações de erudição enquanto ele também fica fascinado com o fascínio de seu grupo de sorte que não cabe espaço para eventuais e necessárias frustrações e manifes tações agressivas 3 A predominância do su posto básico conforme Bion de dependên cia o grupoterapeuta mantém e até estimula uma excessiva dependência e infantilização do grupo em relação a ele ou o de luta e fuga nesse caso é freqüente a busca de bodes ex piatórios internos ou externos ao grupo po dendo o clima de trabalho ficar tenso e belige rante 4 Um insidioso e pouco transparente conluio de acomodação isto é o grupo de pa cientes e o terapeuta entram em um estado de desistência a adquirir mudanças caractero lógicas mais profundas acomodandose na gra tificação que a sociabilidade do grupo propor ciona Costumo enfatizar que enquanto houver a presença de resistência existe uma vonta de de viver o funesto é quando a resistência cede lugar à acomodação de uma desistên cia que em graus exagerados pode chegar aos níveis de que o único desejo é nada dese jar ou até o de um namoro com a morte bio lógica ou psíquica Um outro aspecto que vale destacar rela tivamente às resistências provindas do meio ambiente exterior à prática da análise em gru po é aquele que sofre muitas críticas dos opositores a grupoanálise os quais alegam que um paciente pode ficar resistindo em um gru po ocultado em um silêncio ou desligamento navegando na carona dos outros sem nunca se expor Penso um pouco diferente disso por duas razões uma é se o grupoterapeuta esti ver atento incluirá esse hipotético paciente dentro da totalidade grupal assinalando o pa pel que ele representa e a comunicação que expressa por vias nãoverbais Um segundo aspecto é que na minha experiência um gru po pelo contrário pode facilitar a remoção de alguma resistência de algum indivíduo em par ticular porque uma determinada comunicação ou forte manifestação afetiva pode ter o dom de acordar certos sentimentos e fantasias que estavam ocultas nos demais por distintos ti pos de negação TRANSFERÊNCIA CONTRATRANSFERÊNCIA Na psicanálise contemporânea quer a individual quanto a grupal no lugar de des 386 DAVID E ZIMERMAN crever separadamente os fenômenos da trans ferência e da contratransferência que sempre estão presentes no campo grupal é muito mais adequado colocálos de uma forma unida por um hífen diferenciador porquanto de alguma forma são inseparáveis dentro da concepção hodierna das configurações vinculares As dis tintas e múltiplas formas de a transferência se manifestar nos grupos tanto a que é dirigida por um individualmente e todos diretamente em relação à pessoa do grupoterapeuta quan to às transferências laterais de cada um com todos e viceversa porém não cabe aqui descrevêlas mais detalhadamente O grande avanço em relação ao manejo técnico diz respeito aos sentimentos contra transferenciais Assim desde que os analistas foram entendendo que antes de serem sim plesmente sentimentos prejudiciais ao anda mento da análise e indicadores de falhas pes soais do terapeuta como a psicanálise clássi ca ensinava nos primeiros tempos os senti mentos resultantes da contratransferência po dem representar uma importantíssima forma de comunicação primitiva daquilo que o paci ente individual ou a totalidade do grupo não consegue expressar pela linguagem verbal Assim a contraidentificação projetiva do analista que resulta das maciças identifi cações projetivas emitidas pelos pacientes pode tomar dois caminhos na sua mente uma é que descambe para uma contratransferência patogênica pela qual ele ficará algo perdido confuso e identificado com os objetos parentais que estão sendo projetados dentro dele A se gunda possibilidade é que o grupoterapeuta mercê de uma capacidade de reconhecer e con ter os difíceis sentimentos negativos nele des pertados Bion chama a isso de capacidade negativa consiga transformálos em uma capacidade de empatia o que lhe possibilitará colocarse no lugar dos outros e logo sentir juntamente com eles as angústias que ainda não conseguem pensar e muito menos ver balizar COMUNICAÇÃO Esse aspecto fundamental da dinâmica do campo grupal é um dos que vem sofrendo sensíveis transformações com o decorrer dos anos da prática com grupoterapias Creio não ser exagero a afirmativa de que o maior mal da humanidade consiste no problema dos mal entendidos De fato é fácil observar o quanto indivíduos casais famílias grupos variados instituições em geral esbarram no tríplice as pecto inerente ao problema da comunicação 1 a transmissão além da tonalidade da voz que é um elemento essencial também pesa muito a forma de o sujeito se expressar se é com arrogância ambigüidade excessiva timi dez confusão etc 2 a recepção a pessoa que ouve determinada mensagem tanto pode cap tar o real sentido e intenção da mesma como também pode fazer distorções paranóides dar um sentido de mandamento superegóico em prestar uma desqualificação e denegrimento sistemático daquilo que provém de um outro e assim por diante 3 os canais de transmis são no lugar de o analista valorizar quase que exclusivamente a comunicação verbal na atua lidade cada vez mais os grupoterapeutas es tão atentos a outros canais de comunicação que se expressam por vias nãoverbais São exemplos da comunicação nãover bal que se processam nos grupos a linguagem postural a forma de como se vestem cumpri mentam onde se sentam são pontuais e assí duos ou o oposto disso gestural alguém está cabisbaixo atento ou desligado faz sutis gestos de reprovação e desconforto somá tica algum órgão está falando por alguns de les por meio de uma somatização como por exemplo uma diarréia que possivelmente es teja indicando que alguém está ou todos es tão se cagando de medo actings essa é uma importante via de comunicação nãover bal como será explicitada mais adiante efei tos contratransferenciais tal como foi antes alu dido o próprio silêncio quando sistemático se bementendido na sua significação pode re presentar uma importante via de comunicação do muito que o aparente nada do vazio do silêncio possa estar dizendo Creio ser importante que o grupotera peuta saiba discriminar em si próprio e nos demais as sutis porém importantes diferen ças que existem entre ouvir e escutar olhar e enxergar falar e dizer nesse último caso levando em conta que um sujeito ou um gru po pode falar muito e nada dizer ou falar pou co e dizer muito MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 387 ACTINGS Já passou o tempo em que as atuações eram consideradas sistematicamente como algo nefasto no processo psicanalítico Além do fato de que muitas delas possam estar representan do um movimento progressivo por exemplo um paciente excessivamente obsessivo ou fóbico aguilhoado por um superego tirânico começar a se libertar do jugo deste inicialmen te por meio de ensaios de algum tipo de atua ção também é imprescindível levar em conta a necessidade de o grupoterapeuta fazer a lei tura apropriada do significado da comunica ção de algo primitivo que a linguagem do acting esteja comunicando de forma codificada Assim o analista deve saber que um pa ciente ou o grupo atua quando ele não con segue recordar experiências traumáticas ou usa excessivamente o mecanismo de negação das verdades dolorosas as externas e as internas ou não as consegue pensar ou quando tam pouco tem condições de verbalizar Uma ade quada atividade interpretativa do analista pode fazer a profilaxia e reduzir substancialmente a ocorrência dos actings principalmente daque les que possam ser malignos Nos primeiros passos de minha prática com grupoterapia analítica os professores de então ensinavam que as costumeiras reuniões que os pacientes freqüentemente fazem no lá fora da sessão grupal representavam uma im portante forma de atuação nociva porque as sim eles substituíam as comunicações que de veriam ser trazidas no calor do grupo além do risco de envolvimentos perigosos Embora re conheça que existe algum risco dessa nature za hoje penso diferente quando as inevitá veis ansiedades paranóides iniciais ficam esbatidas e o grupo adquire um espírito de corpo com mutualidade na confiabilidade tais encontros têm se mostrado muito saudá veis e concorrem para a formação de sólidas amizades além de solidariedade INTERPRETAÇÃO Em meu entendimento esse aspecto da teoria e da prática da técnica grupanalítica é a que sofreu as maiores transformações ao lon go de toda a sua existência Cabe recordar que nos tempos pioneiros o tratamento era pro cessado em grupo ou seja o terapeuta inter pretava cada paciente do grupo em separado Mais tarde os psicanalistas que começavam a trabalhar com grupos postulavam a necessida de de que o tratamento fosse do grupo que deveria ser visto não como uma soma de indi vidualidades mas sim como uma nova enti dade uma totalidade com características pró prias e específicas Nesse caso durante muitas décadas prevaleceu a orientação dogmática de que a interpretação deveria sempre ser dirigida à totalidade do grupo sem particularizar nenhum indivíduo por exemplo o grupo está me dizen do que o grupo está me atacando porque a inveja que sentem de mim Muito cedo fui adotando a técnica de fazer a terapia de grupo ou seja após colher uma impressão geral da an siedade emergente do assunto que estava sendo predominantemente compartilhado ia partindo das colocações pessoais valorizando cada uma delas e integrandoas com as dos demais tanto nas concordâncias quanto nas necessárias diver gências nos contraditórios e opostos Na atualidade inclinome cada vez mais para um quarto passo isto é à terapia analíti ca com o grupo ou seja adotei um estilo mais coloquial dialético estimulando a capacidade de pensar de cada um dentro do contexto grupal e sobretudo permitindo e de certa for ma incentivando que sejam livres para poder interpretar aos colegas coisa que nos meus primeiros tempos de aprendizado era conside rado uma grossa atuação ele está queren do ocupar o lugar do terapeuta do mesmo modo como quis superar o pai Não deixe que ele tome conta de você O início de minha formação como grupo terapeuta coincidiu com o auge do kleinia nismo em nosso meio de sorte que transpor tando para a grupoterapia psicanalítica as in terpretações ficavam quase que exclusivamen te focadas no aquiagoracomigo da neurose de transferência grupal dirigida ao psicanalis ta com predominância do assinalamento dos aspectos sádicodestrutivos Nesse particular fiz modificações profundas a começar pela pro posição que faço entre interpretação propria mente dita e atividade interpretativa Embora em certos momentos muito es pecialmente nos inícios de um grupo analíti co quando as ansiedades paranóides estão vi 388 DAVID E ZIMERMAN síveis e muito intensas impõese a necessida de de interpretar os temores transferidos para o grupoterapeuta de regra na atualidade uti lizo muito mais a atividade interpretativa isto é por meio de clareamentos confrontos assinalamentos de paradoxos problemas da co municação valorização dos momentos trans ferenciais vividos no lá fora da vida cotidia na de cada um e de perguntas que instiguem a reflexão de todos acerca de idéias e senti mentos que estão compartilhando Partindo das vivências relatadas por cada um descubro um denominador comum nas di ferentes narrativas e só então formulo uma interpretação mais como sendo uma hipótese do que uma verdade acabada e fico à espera de novas associações Também tenho por há bito ao final da sessão como um recurso de integrar os aspectos que muitas vezes apare cem de forma muito dissociada e às vezes até caótica fazer uma síntese é diferente de resu mo que unifique aquilo que aconteceu na ses são de forma a nomear integrar e tornar com preensível para todos aquilo que se passou no curso da sessão com as respectivas correlações e interações entre todos os participantes Assim na minha maneira atual de traba lhar psicanaliticamente com grupos não me res trinjo unicamente aos aspectos que por repres são ou renegação estejam inconscientes na indi vidualidade e na totalidade dos pacientes Pelo contrário também empresto um valor especialís simo ao que cabe chamar de análise do conscien te em cujo caso tenho por objetivo ajudar a de senvolver o funcionamento das áreas do psiquismo nas quais o ego consciente tem uma grande participação como são as funções de per cepção atenção juízo crítico discriminação co municação conduta desempenho de papéis e ocupação de lugares conhecimento e enfrenta mento das verdades capacidade para pensar contestar criar assumir conscientemente a par cela de responsabilidade e de eventuais culpas por aquilo que dizem fazem ou passivamente deixam acontecer reconhecer os limites limita ções e as inevitáveis diferenças com os demais INSIGHT ELABORAÇÃO E CURA A aquisição de insight o processo de ela boração e os resultados terapêuticos são indis sociados entre si razão por que esses três con ceitos aqui aparecem unificados Em linhas esquemáticas podese dizer hoje que o insight se processa em uma certa seqüência tempo ral em cinco modos distintos 1 o intelectivo talvez não mereça o nome de insight pois ele pode estancar em uma mera intelectualização 2 o cognitivo refere a uma tomada de conhe cimento por parte dos pacientes de atitudes características suas que até então estavam egos sintônicas 3 o afetivo a cognição vem acom panhada por vivências afetivas tanto as atuais como as evocativas possibilitando o estabele cimento de correlações entre elas dentro de cada um e de uma comparação com similares vivências vindas de outros 4 o reflexivo além de entender tomar conhecimento e sentir as experiências emocionais despertadas pelo gru po é importante que cada um reflita aprenda a pensar dentro de um marco inerente à po sição depressiva M Klein de modo a tirar um aprendizado com as experiências as boas e principalmente as más 5 o insight pragmá tico as mudanças psíquicas propiciadas pela aquisição de insights e a elaboração dos mes mos devem necessariamente ser traduzidas na praxis de sua vida real exterior além de que a mesma esteja sob o controle de seu ego cons ciente com a respectiva assunção da respon sabilidade pelos seus atos O processo de elaboração consiste na aqui sição de um insight total e definitivo consegui do por meio da integração dos insights parciais Em minha experiência a elaboração mais difí cil e penosa de ser realizada com vistas a uma transformação caracterológica verdadeira é aquela que implica o fato de que deve haver uma renúncia a ideais narcisistas isto é quan do o indivíduo ou a totalidade grupal necessi ta assumir a verdade de que não é aquilo que cada um pensava que era nem aquilo que ele pensava que os outros pensariam que ele fos se que muito provavelmente nunca venha a ser e que terá que voltar a uma estaca zero para traçar um verdadeiro projeto de um vir a ser Caso esse último aspecto não seja satisfa toriamente bemresolvido na grupanálise exis tirá o risco de que os pacientes desenvolvam tanto uma reação terapêutica negativa como também há a possibilidade de que compensem as perdas das ilusões narcisistas com a cons trução de um falso self conforme Winnicott MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 389 Nesse último caso a grupoterapia representa uma vantagem decorrente do fato de que mer cê da conquista de uma franqueza natural e sem agressividade uns alertam e denunciam os movimentos falsos dos outros MECANISMOS DE CURA Inicialmente creio ser útil estabelecer uma distinção entre benefícios terapêuticos e re sultados analíticos Os primeiros como por exemplo resolução de crises emocionais agu das remoção de sintomas psicopatológicos uma melhor adaptação sociofamiliar e profis sional são inegavelmente muito importantes porém podem ser transitórios uma vez que não chega a haver uma mudança caracterológica mais profunda e estável Já os resultados ana líticos perfeitamente alcançáveis através da grupoterapia psicanalítica designam signifi cativas mudanças da estrutura psíquica interior as quais visam conferir a aquisição de uma li berdade interior ou seja o sujeito e o grupo aprendem que para dizer sim ao seu próprio ego é necessário dizer não sem uma ruptura odiosa mas sim através de posições firmes e seguras aos seus objetos internalizados que os oprimem ora ameaçando ora com expec tativas exageradas ora com uma desqualifi cação permanente etc A partir da obtenção suficientemente boa dessa liberdade interna o sujeito sente uma liberdade em relação ao mundo exterior liberdade para pensar contes tar criar e sobretudo para ser realmente quem ele de fato é e não quem os outros que rem que ele seja As afirmativas por si só já constituem um indicador da mudança que cada vez mais vem se processando na forma de como o ana lista da atualidade encara o perfil patogênico dos pacientes isto é não se está centrado uni camente nos conflitos decorrentes das pulsões libidinais e agressivas como durante longo tempo foi entendido e praticado quer na aná lise individual quanto na grupal Na atualidade no mínimo duas modifi cações importantes devem ser consignadas 1 nem toda psicopatologia deve ser reduzida à clássica etiologia resultante do embate entre as pulsões do id versus as ameaças do superego e os mecanismos defensivos do ego muitas vezes antes disso o sujeito sofre mais de ca rências primitivas responsáveis pelos contem porâneos quadros clínicos ligados à patologia do vazio do que dos aludidos conflitos estru turais 2 Os psicoterapeutas da atualidade es tão conferindo um mesmo peso de valor à pre sença das pulsões que são inatas ao ser huma no e ao meio ambiente exterior representa dos pelos pais e pela cultura vigente que im põem valores predições expectativas signifi cações mandamentos etc e como tal são introjetados e determinam as identificações freqüentemente patógenas Baseado na minha experiência de longos anos em trabalhar concomitantemente e de for ma ininterrupta com psicanálise individual e grupanálise sintome bem à vontade em estabe lecer alguns pontos comparativos entre ambas sem a menor intenção de estabelecer qualquer confronto do tipo melhor ou pior porquanto cada uma tem suas peculiaridades específicas Unicamente pretendo expor alguns tópicos que no curso da análise grupal podem representar alguma vantagem sobre a individual obviamen te a recíproca também é verdadeira Assim cabe destacar os seguintes aspectos 1 A dinâmica do campo grupal possibili ta perceber mais claramente a interrelação íntima indissociada e continuada que existe entre o indivíduo e o grupo no qual ele está inserido de forma familiar social profissional e culturalmente 2 Partindo do princípio de que um gru po comportase como uma galeria de espelhos em que cada um se reflete e é refletido pelos demais o campo grupal possibilita observar com mais acuidade e nitidez os fenômenos dessa especularidade resultante dos funda mentais processos de identificações projetivas e introjetivas que ocorrem permanentemente nos grupos 3 Também fica bem evidenciada a distri buição de lugares posições funções e papéis que cada um assume em relação aos demais as pecto esse que é fundamental na forma de se viver e conviver 4 Os distintos arranjos e combinações entre os papéis designados e assumidos nos múltiplos relacionamentos interpessoais es tão diretamente ligados à formação das diversi ficadas configurações vinculares que unem ou 390 DAVID E ZIMERMAN desunem casais famílias grupos insti tuições etc 5 Igualmente a observação ao vivo de como os indivíduos assumem determinados pa péis no funcionamento do grupo que provavel mente estão reproduzindo papéis análogos que de forma estereotipada podem estar desempe nhando no cotidiano de suas vidas pode se cons tituir como um importante instrumento terapêu tico Isto é o grupo propicia aos pacientes reexperimentarem antigas e novas vivências grupais e ao analista vir a reconhecer e assim resignificar a estereotipia dos papéis e lugares ocupados individualmente por eles que lhes foram inculpados pelos educadores com uma determinação de significações patogênicas 6 O grupo mais do que qualquer outra modalidade psicanalítica favorece a observa ção da normalidade e patologia da comunica ção verbal ou nãoverbal lógica ou primitiva que permeia a vida de todos nós e se constitui como o maior problema responsável pela que bra de harmonia no convívio entre as pessoas 7 O grupo por si próprio comportase como um continente de sorte que esse impor tante fato viabiliza um atendimento mais ade quado para pacientes muito regressivos como são os psicóticos egressos de hospitalizações psiquiátricas borderline somatizadores crôni cos depressivos graves patologias do vazio em geral levandose em conta que todos eles muitas vezes não suportam um tratamento psicanalítico individual 8 Creio que o grupoterapeuta não funcio na unicamente como uma pantalha das trans ferências a partir da qual ele faz as interpreta ções que resultam em insights curativos Isso em boa parte continua sendo verdadeiro no entanto tenho a convicção que a pessoa real do grupoterapeuta por si só igualmente se consti tui em um importante agente terapêutico le vando em conta que ele também desempenha o papel de um novo e importantíssimo modelo de identificação Assim indo muito além das inter pretações propriamente ditas sob uma forma não manifestamente perceptível a totalidade do grupo vai absorvendo o jeito e se modelando pela maneira de como o terapeuta encara e se posiciona diante das angústias dúvidas e incer tezas dos outros e dele próprio de como ele enfrenta e maneja os conflitos quais são as suas posições éticas no que diz respeito às verdades e aceitação das diferenças qual a sua forma de se relacionar comunicar e muito especialmen te de como raciocina e pensa as experiências emocionais que se passam na vida interna e externa do grupo 9 A grupoterapia favorece a possibilida de de os pacientes fazerem reparações verda deiras Particularmente em grupos compostos por pacientes bastante regredidos com sérios problemas decorrentes de pulsões agressivas malelaboradas e por conseguinte altamente desestruturantes do psiquismo a terapia grupal propicia uma oportunidade ímpar qual seja a de um paciente de alguma forma poder aju dar a um outro É necessário frisar que essa função de reparar e de auxiliar os companhei ros de grupo não deve ser confundida com uma bondade samaritânica Para ser eficaz e estru turante ela deve vir acompanhada de outros elementos próprios daquilo que a escola kleiniana denomina posição depressiva ou seja um reconhecimento da parcela de respon sabilidade e de eventuais culpas pelos aconte cimentos passados e que de alguma forma se reproduzem no seu grupo assim como pelo desenvolvimento de sentimentos de considera ção e de preocupação pelo outro 10 Um ponto de especial relevo que sur ge muito claramente no campo grupal é aque le que diz respeito aos quatro aspectos daquilo que denomino vínculo do reconhecimento ou seja a o grupo possibilita a cada indivíduo reconhecer em si próprio aquilo que estava re primido e latente e que é despertado pelo que provém dos demais do grupo b reconhecer os outros como sendo pessoas diferentes dele que têm valores e idiossincrasias autenticamen te pessoais são autônomos embora possam estar afetivamente muito ligados a ele e so bretudo reconhecer além das diferenças tam bém os alcances limitações e limites dele e dos outros c como uma forma de gratidão poder ser reconhecido a outras pessoas que porventura o tenham ajudado e que ele tenha menospre zado ou atacado de alguma forma d refere se à aceitação do quanto todo e qualquer su jeito necessita vitalmente ser reconhecido pe los outros como sendo alguém que existe é aceito como um igual respeitado valorizado desejado e amado Nesse caso a falha desse tipo de reconhecimento pode levar muitos in divíduos ou grupos a desenvolver como com MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 391 pensação a formação de estruturas psíquicas do tipo narcisista e a de falso self 11 Uma clara vantagem que a grupo terapia representa em relação à terapia indivi dual além dos já assinalados consiste na pos sibilidade de uma observação mais evidente de três fenômenos de indiscutível freqüência e importância a aquele que foi descrito por Freud como identificação coletiva com a qual ele aludia à possibilidade de uma propagação em cadeia de alguma manifestação de angús tia como a de tipo histérica por exemplo b a ocorrência do complexo fraterno que embora sabidamente represente um aspecto de rele vante importância da conflitiva de raízes pri mitivas entre irmãos pouco aparece na litera tura psicanalítica porquanto essa última so bremodo enfatiza os conflitos com os pais obs curecendo o complexo fraterno tão manifes to nos grupos c a existência de fantasias com partilhadas entre as pessoas um aspecto que está merecendo uma especial atenção da psi canálise contemporânea 12 Excluindo a hipótese de que o grupote rapeuta seja excessivamente narcisista e cen tralizador na sua pessoa ou negligente sem a necessária colocação dos devidos limites a grupoterapia costuma oportunizar o desenvol vimento de uma saudável função psicanalítica da personalidade termo de Bion a qual inclui o direito a uma sadia capacidade interpretativa de cada um em relação aos demais 13 Se somarmos essa função psicanalíti ca da personalidade com as igualmente impor tantes funções de reconhecimento dos múltiplos significados da existência dos outros com a possibilidade de fazer resignificações desiden tificações e transformações no exercício de pa péis assim como também com uma possível reconstrução de desagregado grupo familiar tal como está interiorizado juntamente com o exercício da experiência emocional de poder fazer recíprocas reparações podemos aquilatar o grau de importância que a psicoterapia ana lítica de grupo representa para a ciência psica nalítica ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Uma breve vinheta clínica de uma sessão de grupanálise não selecionei nenhuma em especial simplesmente escolhi a última que coincidiu com o momento de redigir esse capí tulo talvez possa dar uma idéia melhor de como trabalho atualmente Tratase de um gru po que já está em tratamento há muitos anos praticamente com a mesma composição Es tão todos presentes Inicialmente a paciente Ana refere que a sua filha menor estava querendo desistir de ir numa festinha de sua escolinha para a qual antes a criança vinha mostrando muita ani mação Ana percebeu que havia uma angústia disfarçada na menina abriu o diálogo e escla receu que os jogos foguetes e fogueiras que estavam anunciando para a festa não repre sentavam os perigos que ela imaginava alivia da a criança decidiu ir Ana prossegue contan do uma briga que teve com uma irmã mais moça porque a mesma não seguia os seus con selhos em relação à educação do filho dela irmã e recriminoua asperamente na frente do sobrinho Conclui contando que discordou de uma crítica que um professor fez em rela ção a ela na frente dos colegas porém engo liu em seco submetendose a ele Comentário Possivelmente nos meus primeiros tem pos como grupoterapeuta analítico pensaria em termos transferenciais Ana como portavoz dos medos do grupo em relação aos meus fo guetes interpretativos e das fogueiras repre sentadas pela reativação de pulsões e angústi as uma hostilidade beligerante entre os irmãos e uma submissão ao professoranalistapais que me levaria a pesquisar o que o grupo esta ria engolindo em seco em relação ao que eu vinha interpretando e fazendo No atual mo mento de como estou trabalhando nada in terpretei somente registrei intimamente que Ana estava expressando tanto a aquisição de sentimentos construtivos e de empatia com a parte criança atemorizada dela e dos demais a um mesmo tempo que também expunha uma parte de sentimentos agressivos e vingativos Berta toma a palavra e partilha com o gru po a sua dúvida se conta ou não para uma amiga sua que ela tomou conhecimento de cla ras evidências de que o marido da amiga a está traindo fato que essa está negando não ven 392 DAVID E ZIMERMAN do o óbvio Estimulei de forma indireta uma tomada de posição de cada um e percebi que o tema geral que estava se desenhando na ses são consistia no dilema de cada um e de to dos valia a pena desafiar as negações Clarice passa a relatar para o grupo que após muitos anos sem falar com o seu exmari do tomou a iniciativa de marcar um encontro para falarem dos problemas que o filho ado lescente vem apresentando Destaca o quanto ficou surpreendida com a boa vontade dele e da sua posição de estabelecer limites firmes para o filho diferentemente da imagem denegrida do ex que ela sempre alardeou no grupo e para o próprio filho desde que esse ainda era criancinha e que por azar acabou ficando com os mesmos defeitos sérios do pai denegrido Fiquei com a sensação de que Clarice estava trazendo uma contribuição im portante no que tange à formação das identi ficações patógenas ou seja de como o jeito e o discurso dos pais pode moldar nos filhos iden tificações sadias ou patogênicas o que ela e o grupo todo estavam começando a reconhecer nas suas próprias pessoas evocando indireta mente as penosas experiências emocionais que tiveram com os respectivos pais quando cri anças e adolescentes Fiquei refletindo quanto à possibilidade de que a paciente estaria ex pressando um afrouxamento da negação as sumindo a sua parte da responsabilidade em relação às suas distorções e agressões Diego relata que teve um atrito com a sua companheira motivado pelo fato de que ele não estava disposto a transar com ela Fiz pequenas intervenções levando o grupo a evo car a sessão anterior a essa na qual Diego contara de sua indignação porque a namora da estava impedida de dormir com ele de modo que ficou claro que ele teve um incons ciente sentimento e ato de retaliação Diego sério comentou unicamente que iria refletir muito sobre isso Ester refere que ficou muito chocada quando o seu amante de quem ela estava afas tada com a condição que só voltaria quando ele resolvesse a sua situação conjugal contou lhe que a esposa provavelmente está com um câncer Ester ficou com pena dela tão moça ainda e deu uns conselhos de como ele deve ria proceder No curso de seu permenorizado e contristado relato movido por um sentimento contratransferencial perguntei se bem no fun do ela não percebia um oculto desejo de que um cancerzinho não vinha mal visto que po deria resolver o seu problema A paciente per turbouse visivelmente ficou vermelha trope çou nas palavras e balbuciou que era uma coisa horrível ter um desejo tão nojento como esse mas que admitia que isso era verdade completando que nem valia a pena cultivar esse desejo porque com os recursos modernos da medicina o desenlace da morte ainda iria demorar um longo tempo Assinalei em meio a risadas gerais que por baixo da negação do desejo proibido ela já estava com tudo plane jado Perguntei a Ester se o sentimento que predominava nela nesse momento da sessão era de culpa e vergonha ou o de alívio ao que ela respondeu que era o de um grande alívio Lancei então uma pergunta ao grupo todo é proibido fantasiar sejam quais forem os dese jos proibidos Após mais alguns comentários e relatos associativos dos participantes do grupo como é de meu hábito mercê de um trabalho de ela boração interna acerca do que senti e refleti daquilo que a partir das individualidades o grupo como uma totalidade me transmitiu fiz uma síntese geral e integradora do que se pas sou no grupo tomei como denominador comum Bion chamaria de fato selecionado aquilo que partiu de Berta ou seja a de que a dúvida de cada um e de todos consistia no dilema se é melhor negar K em Bion as verdades pe nosas de modo a evadirse delas por meio de diferentes recursos defensivos ou é mais sa dio e estruturante ser verdadeiro e desenvol ver um amor à tomada de conhecimentos K de sorte a poupar energias psíquicas e encon trar meios de transformar os fatos da realida de exterior Essa síntese foi tecida com a tese de que cada um falou por todos de modo que Ana expressou a concomitância de sentimentos construtivos e empáticos juntamente com os de submissão e os de natureza invejosa prepotente e vingativa tal como Clarice e Diego também manifestaram de forma mais explíci ta com a importante ressalva de que ao mes mo tempo evidenciavam um movimento repa rador e reflexivo o que corresponde à impor tante consolidação da posição depressiva conforme descrita por M Klein MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 393 Com essa ilustração clínica pretendi dar uma idéia de que na atualidade de meu traba lho com grupoterapia psicanalítica eu sofri transformações em relação aos meus primei ros tempos Assim não emprego as interpreta ções centradas na neurose de transferência de forma sistemática embora os relatos pos sam se constituir em um prato apetitoso dou uma significativa ênfase aos aspectos extra transferenciais que estão contidos nos fatos do cotidiano da realidade externa de cada um não me limito ao assinalamento dos conflitos en tre pulsões e defesas inconscientes de sorte que valorizo sobremodo as mensagens de sig nificados positivos ou negativos que no passa do foram transmitidas pelos discursos dos pais empresto uma relevância aos aspectos cons cientes incentivando a capacidade de pensar as experiências emocionais e de querer conhe cer as verdades internas e externas as inter pretações não são dirigidas aos indivíduos iso ladamente tampouco unicamente ao grupo como um todo mas sim parto da valorização dos aportes de cada um com incentivo às mú tuas reflexões especulares cada um se miran do no espelho que o outro representa procu rando construir uma totalidade psicológica que seja comum a todos Tudo isso em um estilo coloquial e em uma atmosfera descontraída por mais sérios e até dramáticos que possam ser os problemas que estejam sendo ventilados tendo por obje tivo maior o reconhecimento da geografia das distintas e contraditórias zonas psíquicas de cada um de sorte a propiciar a construção de um definido sentimento de identidade sob a égide daquilo que considero ser a conquista maior de qualquer indivíduo ou grupo a liber dade para fantasiar pensar contestar agredir amar sofrer e criar 38 Vínculos e Configurações Vinculares Quando o amor é por demais simbiótico asfixiante cabe fazer uma metáfora com o sol que ilumina e cria no entanto o sol quando em excesso ao invés de criar seca Nem tudo é verdade Nem tudo é mentira Tudo depende Do cristal com que se mira Campoamor poeta As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os problemas quando na realidade o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas Norman Mailer mento desta concepção Também M Klein por vezes mencionava a relevância clínica do vín culo como se pode observar no seu relato acer ca da análise do menino Dick 1930 no se guinte trecho A análise desta criança tinha que começar pelo estabelecimento de um con tato com ele J Bowlby 1969 importante psicanalista britânico estudou os vínculos interativos do ponto de vista do comportamen to social porém sobremodo ele destacou o primitivo apego afetivo da relação do bebê com a mãe Bateson e colaboradores 1955 no curso de seus aprofundamentos sobre a te oria da comunicação humana na Escola Palo Alto Califórnia descreveram a importante con ceituação de duplo vínculo A escola Argen tina de Psicanálise tem dado uma importante contribuição ao estudo dos vínculos nas inte rações humanas Assim o casal Baranger 1961 descreveu com grande riqueza de vér tices psicanalíticos a permanente e recíproca interação entre analisando e analista no espa ço que eles denominaram como campo analíti co Já os psicanalistas argentinos Berenstein e Puget 1994 reservam a conceituação de vín culo para o plano da intersubjetividade isto é o que se refere às relações exteriores com um enfoque de natureza sistêmica assim pri vilegiando uma ênfase nas distintas configura ções vinculares INTRODUÇÃO Este capítulo não poderia faltar no pre sente manual tal é a importância que o fenô meno dos vínculos com as respectivas confi gurações vinculares de cada um e do entrosa mento entre todos adquire na contemporânea prática psicanalítica De fato a psicanálise deu um significativo salto de complexidade e de qualidade quando indo além do que de im portante na metapsicologia teoria e técnica aprendemos com Freud essencialmente fun damentada nas inatas pulsões libidinais e agres sivas com as respectivas angústias e defesas e com M Klein fundamentalmente baseada nas pulsões sádicodestrutivas na existência de objetos parciais e totais arcaicas fantasias in conscientes com intensas angústias e com de fesas bastante mais primitivas do que aquelas descritas por Freud ela adquiriu o paradig ma de uma permanente vincularidade no cam po analítico Muitos autores antes de Bion de forma direta ou indireta com uma determinada con ceituação ou outra bem diversa fizeram cla ras alusões à importância dos vínculos existen tes nas distintas situações analíticas Assim Freud em diversos trabalhos deixou implícita a importância que atribuía aos vínculos afe tivos sem no entanto fazer um aprofunda 398 DAVID E ZIMERMAN É claro que poderíamos acrescentar ou tros autores como Ferenczi Balint Winnicott Kohut Aulagnier Mahler Tustin etc que de ram um significativo destaque às vicissitudes do primitivo vínculo mãebebê e às recíprocas emoções que se passam entre paciente e ana lista Da mesma maneira também não resta dúvida que o estudo teórico e técnico dos fe nômenos ligados à interação transferênciacon tratransferência ou da resistênciacontraresis tência implicitamente estão ligados à noção de vínculos No entanto creio que são poucos os ana listas que ainda contestem o fato de que coube a Bion o mérito de ter ampliado aprofundado estruturado e divulgado a importância essen cial das múltiplas formas de como os vínculos se apresentam nas relações humanas e de como eles se combinam entre si determinando as inúmeras e variadas formas de configurações vinculares E tão expressiva é essa contribui ção que fica justificada a afirmativa de que ele foi o grande inovador na mudança do para digma da psicanálise contemporânea que cabe denominar como psicanálise vincular embora essa ainda conserve a essência do paradigma predominantemente pulsional freudiano e objetal kleiniano CONCEITUAÇÃO O termo vínculo tem sua origem no étimo latino vinculum que significa uma ata dura uma união duradoura Da mesma forma que a palavra vinco com o significado que aparece por exemplo em vinco das calças ou de rugas de uma mesma raiz etimológica também o conceito de vínculo alude a algu ma forma de ligação entre as partes que a um mesmo tempo estão unidas e inseparáveis apesar de que elas apareçam claramente deli mitadas entre si Cabe uma analogia com o hífen cuja função na gramática é a de a um mesmo tempo separar e unir certas palavras Assim Bion definiu vínculo como sendo uma estrutura relacionalemocional entre duas ou mais pessoas ou entre duas ou mais partes separadas de uma mesma pessoa A partir dessa definição podese depreender uma série de aspectos que são básicos e característicos dos vínculos como são 1 Os vínculos se organizam em uma es trutura ou seja os diversos elementos formam um sistema no qual cada um deles influencia e é influenciado pelos demais A melhor metá fora que me ocorre é a das notas musicais que isoladamente não passam de um dó ré mi porém quando combinadas entre si em distin tos arranjos tanto podem formar simples acor des musicais como também complexas belas e geniais peças musicais 2 Logo sempre existe uma relação uma interação entre todos os elementos 3 É imprescindível que deve existir a pre sença de emoções caso contrário não cabe a conceituação de vínculo 4 Seja qual for a emoção de alguma for ma ela sempre tem uma dupla face isto é com porta uma antiemoção que respectivamente Bion costuma representar com os signos de positividade o qual está implícito quando antes da emoção em pauta não houver nenhum sinal e o signo de negatividade quando se trata de uma antiemoção como será explicita do mais adiante 5 Deste modo no lugar do clássico con flito entre o amor versus o ódio Bion propôs uma ênfase no conflito entre as emoções e as antiemoções presentes em um mesmo víncu lo Assim ele postulou que menos amor L não é o mesmo que sentir ódio e que tampouco o menos ódio H significa sen tir amor 6 O tipo de emoção predominante no vín culo é que vai articular definir e caracterizar a forma da vincularidade 7 Os vínculos são imanentes isto é sem pre existem e são inseparáveis do sujeito 8 Eles também são polissêmicos o que quer dizer que cada um dos comporta vários significados 9 A estrutura dos vínculos é de natureza reticular portanto em uma forma de rede na qual todos os elementos estão entremea dos e não a de uma roda na qual diversas partes convergem em uma central única 10 A noção de vínculo está intimamente ligada ao modelo continenteconteúdo de Bion que nesse enfoque aborda três possibilidades 1 a forma parasitária em que um parasita o outro sem nada dar em troca 2 a comensal as pessoas estão vinculadas de uma forma a partilhar co uma mesma mesa mensa em MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 399 uma relação mútua porém algo morna 3 a forma simbiótica nessa situação o termo simbiótico não tem a conotação de uma díade fusional indiferenciada mas sim Bion faz uma analogia com o conceito da biologia de que há uma recíproca e fértil troca sym de vida bio entre as partes vinculadas entre si 11 A relevância maior da contribuição de Bion acerca de vínculos é a sua concepção de que esses não se limitam às exteriores re lações interpessoais mas também aludem às interiores relações intrapessoais isto é as di ferentes partes do psiquismo o pensamento com o sentimento um pensamento com um outro pensamento um sentimento com a per cepção dele a parte infantil do sujeito com a sua parte adulta etc em uma alta gama de possibilidade de múltiplas combinações 12 Igualmente Bion enfatizou a impor tante contribuição para a prática clínica do fe nômeno psíquico que ele denominou ataque aos vínculos no qual o paciente pode não que rer tomar conhecimento de determinado sen timento por exemplo e forças inconscientes o impelem a rechaçar a interpretação do analis ta de sorte a utilizar recursos defensivos que ataquem a sua capacidade de compreensão 13 Na situação analítica uma outra for ma de atacar os vínculos unificadores consiste em confundir o analista ou provocar sentimen tos contratransferenciais muito perturbadores de modo que ele perca a sua capacidade de interpretar com eficiência ou o paciente tam bém pode aparentemente concordar com as interpretações porém o destino que ele dá a essas é o de lentamente desvitalizálas assim impedindo as correlações e vinculações que poderiam levar a um expressivo insight 14 Bion descreveu três tipos de víncu los 1 o de amor que ele representa com a letra L inicial de love amor e que em muitas traduções aparece com a letra A de amor 2 o de ódio H de hate ou com a inicial O de ódio e 3 o vínculo de conhecimento K de knowledge ou C de conhecimento ou ainda também como S inicial de sa ber sendo que ele se deteve mais particular mente no vínculo K ou seja aquele que alu de a um ataque ao conhecimento de verdades penosas 15 Particularmente pela sua permanen te presença na vida de qualquer pessoa venho propondo a inclusão de um quarto vínculo o de reconhecimento pode ser representado pela letra R inicial tanto dessa palavra em portu guês como do inglês recognition 16 Sempre os referidos quatro vínculos estão em permanente interação formando dis tintas configurações vinculares porém por ra zões didáticas cabe descrevêlos separadamen te tal como segue VÍNCULO DO AMOR O vínculo do amor também se manifesta com uma possível oposição L à emoção do amor L fato que pode ser ilustrado com a situação de puritanismo ou a de samari tanismo ou seja em nome do amor o sujeito opõese à obtenção da emoção de prazer pois os referidos sentimentos amorosos extremados quase sempre se devem a formações reativas contra um ódio subjacente Um exemplo de menos amor sem ódio que me ocorre seria o caso de uma mãe que pode amar intensamen te seu filho porém ela o faz de uma forma simbiótica possessiva e sufocante de modo que embora sem ódio o seu amor samaritâ nico cheio de sacrifícios pessoais e com renún cia ao prazer próprio é de resultados negati vos porquanto ele funciona como sendo culpí geno e infantilizador já que essa mãe se ima gina em uma gestação eterna de modo que não reconhece e impede o necessário processo de diferenciação separação e individuação do seu filho Uma metáfora que acaba de me ocor rer talvez esclareça melhor é a de um sol que é vital para todo ser humano porque ele aque ce ilumina cria porém quando ele é demasia do será deletério porque secará lavouras por exemplo O que realmente importa é a maneira como as diferentes formas de o nosso paciente amar e de ser amado configuramse dentro dele em relação a seus objetos e relações objetais que estão internalizadas e fora dele com to das as pessoas com quem convive mais intima mente sempre levando em conta que os vín culos interpessoais em grande parte reprodu zem os intrapessoais Tudo isso acrescido do fato de que a variação quantitativa e qualitati va dos elementos que compõem o próprio sen timento do amor mesclado com as igualmen 400 DAVID E ZIMERMAN te distintas formas dos sentimentos de ódio e mais com as emoções contidas no conhecimen to e no reconhecimento desenha diferentes e complexas configurações vinculares amorosas Assim de forma análoga ao que se passa com a escala musical antes aludida de pouco adianta um paciente simplesmente nos dizer que ama uma outra pessoa antes é necessá rio discriminar e compreender qual é a sua maneira de amar e de ser amado quais são as particularidades e idiossincrasias do seu amor aquilo que aparece manifesto ou mantémse oculto com as respectivas fantasias ansieda des defesas demandas e propósitos Tratase de um amor sadio no qual prevalece uma ternura e atração com recíproco respeito e consideração Ou o único laço entre a dupla é o erótico Ou o vínculo é de amor platôni co com muito carinho porém sem vida genital Ou o vínculo é o de amor paixão e nesse caso com o lado predominantemente belo como sendo o prelúdio de um amor sau dável ou a predominância é a do lado cego e burro de muitas paixões É possível que pre valeça o companheirismo fraterno muitas vezes em um nível de muita harmonia nou tras com tédio e apatia e naquelas ainda com súbitas alternâncias de paz e guerra Também é possível que o amor configu rese sob a forma sufocante de um tirânico con trole obsessivo e de poder de um sobre o outro ou ele pode estar sendo marcado pela presen ça paranóide de um ciúme delirante que fica racionalizado como prova de um grande amor Muitas vezes essa mesma racionaliza ção de um grande amor pode não estar mais do que encobrindo um amor de natureza simbiótica alicerçado em uma intensa e es terilizante dependência recíproca entre o ca sal cabe a metáfora de que um abraço forte demais afoga o amor que se está demonstran do ao outro e isso nas exageradas dependên cias recíprocas faz com que um obstaculize o crescimento do outro com um prejuízo da di ferenciação e logo de uma individuação Também é bastante provável que se trate de uma forma de amar que pareceme ser de lon ge a mais freqüente de todas a de um amor de natureza sadomasoquista nas suas inúme ras variações quantitativas e qualitativas no qual surgem fatores inconscientes ancorados em competitividade inveja disputa por valo res e infindáveis querelas narcisistas Igualmen te é possível que a configuração vincular pre dominante seja de natureza histérica ou per versa ou tantalizante ou psicótica ou narcisista ou a de uma mistura de todas for mas que foram assinaladas Podese dizer que o amor não existe sem uma identificação re cíproca uma colusão do par amoroso que se funda em protótipos infantis que se alicerçam na identificação recíproca entre filhos e pais Em suma tanto pode estar acontecendo um vínculo amoroso construtivo como pode estar prevalecendo por vezes disfarçada e ca muflada uma agressão escravizante e des trutiva Uma leitura mais detalhada das diver sas formas de configurações vinculares amo rosas aparece no presente livro no capítulo que aborda o vínculo tantalizante como uma forma patológica de amor VÍNCULO DO ÓDIO O mesmo que foi dito em relação ao amor também vale para o vínculo baseado no senti mento de agressividade o qual ora adquire um caráter destrutivo como também pode estar a serviço da vida e construtividade Assim a exemplo do que se passa na escala zoológica primariamente agredir consiste num movi mento sadio que nos mobiliza a ir em frente ad gradior e nos protege dos predadores externos No caso de uma patologia da evolu ção psíquica o ato de agredir de forma saudá vel e estruturante pode se transformar em agressão destrutiva desestruturante podendo atingir os graus máximos de violência e cruel dade Confirmando a concepção de que uma mesma emoção comporta uma antiemoção a etimologia também nos ensina que o étimo la tino vis vita que significa força tanto dá origem aos vocábulos vigor e vitalidade como também origina o termo violência A transição de um estado de vigor para o de um estado de violência é a mesma que se processa entre a antes mencionada passagem de uma agressi vidade sadia para o de uma agressão destrutiva O vínculo H menos ódio pode ser ilustrado com o estado emocional e conduta de hipocrisia pela qual o indivíduo está ten do uma atitude manifestamente amorosa por alguém a um mesmo tempo em que existe um MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 401 ódio latente quando o ódio estiver muito pre dominante tratase de cinismo Portanto podese dizer que no menos ódio embora o sujeito não se dê conta dele como em grau extremo pode servir como exemplo as atroci dades que em nome do amor foram cometi das pela Santa Inquisição Visto por um ângulo psicanalítico creio que também pode servir como exemplo a situa ção pela qual o sujeito está sendo manifesta mente agressivo com os outros inclusive com uma emoção de ódio por não estar se sentindo entendido e respeitado porém no fundo é uma agressividade que simultaneamente com o ódio está mais a serviço da pulsão de vida do que propriamente à pulsão de morte assim caracterizando o conflito de uma emoção versus uma antiemoção Um exemplo comum disso pode ser visto em muitos adolescentes que são rotulados de rebeldes e agressivos pelos pais pelos professores e pela sociedade porém uma análise mais atenta pode demonstrar que eles estão exercendo uma conduta contestatória com a finalidade precípua de adquirir um sen timento de identidade própria ou seja serem eles mesmos e não quem os outros querem que sejam Algo equivalente a isso não raramente acontece na prática analítica nos casos em que o paciente esteja sendo interpretado pelo analista como rebelde invejoso e adjetivos afins quando é possível que ele esteja brava mente lutando pelo seu direito de ser escuta do entendido reconhecido e sobretudo de não ser rotulado de forma injusta Um aspecto que me parece particularmen te importante ao qual o analista deve estar atento é o que se refere à necessidade de que se tenha claro as diferentes formas de odiar juntamente com as raízes que forjaram o ódio primitivo e o atual Assim deve ser destacado que esse ódio pode resultar de antigas frustra ções decepções desilusões sentimentos de abandono e desesperança que realmente fo ram injustamente cometidos contra o paci ente experiências penosas que ele terá uma compulsão a repetir com o seu analista na es perança de que elas tenham um desfecho dife rente daqueles que aconteceram no passado Cabe assim a afirmativa de que deve mos desenvolver no paciente uma capacidade para odiar adequadamente de sorte que ele se harmonize sem culpas com o seu sagrado direito de ficar indignado às vezes em estado de cólera diante de certas situações em que de fato querem enganálo tripudiar humilhar e denegrir sempre levando em conta que exis te uma diferença entre o sentimento de ódio maligno e o de um estado de raiva fúria que são desencadeadas pelos referidos atos indig nos contra ele na suposição é claro de que esse paciente não seja um paranóide que faça distorções algo delirantes dos fatos que acon tecem consigo É útil diferenciar o estado de ódio ten dência à cronicidade que se revela pela per manência de um rancor vingativo dos esta dos de ira a reação é provocada por uma irritação recente e dura um tempo limitado e de fúria é o grau máximo de ira e irrompe com muita facilidade nas personalidades nar cisistas quando são contrariados nas suas ilu sões de onipotência Assim relativamente ao vínculo de ódio temos três tipos de pacientes 1 aqueles que não conseguem odiar 2 não conseguem parar de odiar 3 odeiam e perdoam No transcurso de um tratamento analítico os primeiros de verão desenvolver a capacidade de sentirem sentimentos raivosos fantasias vingativas sem terem que necessariamente sentir culpas por isso muito menos se obrigarem a recalcálos e substituílos por formações reativas desde que saibam reconhecer e administrar a eclosão des ses sentimentos caso contrário tornamse pes soas resignadas com uma incapacidade para lutar pelos seus desejos Quanto aos segundos é necessário desen volver neles a capacidade de fazer discrimina ção entre as diversas situações que justificam ou não o seu permanente estado de ódio defen sivo e ofensivo também cabe ao terapeuta lo calizar a origem das antigas privações e humi lhações que devem ter sido a usina geradora ainda vigente de tanto ódio e ressentimento são pacientes que estão sempre voltando re a sentir os mesmos sentimentos odientos de um passado remoto com o fim de poder fazer as possíveis e necessárias ressignificações Relativamente ao terceiro tipo de pacien te é útil que o analista desenvolva nele a ca pacidade de discernir se é um perdão sadio ou se ele conserva características masoquistas no caso de que as afrontas provindas de um 402 DAVID E ZIMERMAN outro se tornem repetitivas e depois do per dão tudo volte à estaca zero Isso é muito di ferente daquelas situações equivalentes porém que em cada reinício alguma coisa de positi vo por mínimo que possa parecer esteja mu dando em conseqüência de que esse paciente esteja por meio das experiências aprendendo a se posicionar VÍNCULO DO CONHECIMENTO As seguintes características devem ser destacadas 1 O conceito psicanalítico de conheci mento K de Bion alude ao vínculo que une os pensamentos e as emoções com a função vinculadora de dar sentido e significado às ex periências emocionais 2 O conhecimento é uma parte da fun ção de pensar o qual é bem mais amplo Por exemplo a incógnita é algo que é desconheci do e que por isso mesmo faz pensar e criar e viceversa Os pensamentos e sentimentos nas cem da frustração da ausência do objeto ne cessitado 3 A função do conhecimento fica compli cada desde os primórdios da vida porque a crian ça vive em um estado mental no qual ela está inundada de paradoxos ama objetos proibidos odeia objetos amados tem uma absoluta depen dência dos outros mas odeia e sente inveja de quem a ajuda necessita de amparo e ajuda porém desafia com ódio à colocação de limites com os respectivos mandatos e proibições 4 À medida que não quer conhecer aqui lo que o angustia o sujeito vai criando e de senvolvendo estruturas falsas e mentirosas diante da alternativa que escolheu de evadir no lugar de enfrentar 5 A função K não se refere à posse de um conhecimento ou saber mas sim a um enfren tamento do nãosaber de modo que o saber resulta da difícil tarefa de se fazer descobri mentos retirada das cobertas que vedam as verdades previamente conhecidas e de um aprendizado com as experiências 6 A verdade é sempre relativa assim podese ver uma estrela que possivelmente não mais existe e é provável que não se possa ver minúsculos vírus que de fato existem Também o poeta Campoamor confirma essa re latividade quando verseja nem tudo é verda denem tudo é mentiratudo dependedo cristal com que se mira 7 Uma contribuição de Bion favorece uma maior aproximação do que pode repre sentar uma verdade objetiva é a que se refere ao seu conceito de senso comum isto é se os cinco sentidos confirmarem que o fruto que está na nossa frente é uma maçã então é verdade O mesmo se passa com as experiências emocio nais 8 É necessário que se faça uma distinção entre querer conhecer a verdade e ter uma posse absoluta da verdade máxima essa que também é muito válida para os analistas Da mesma forma também cabe afirmar que não se deve confundir amor às verdades com o de sejo de certeza em nosso mundo relativo toda certeza tem muito de mentira 9 Uma frase de Nietzche os inimi gos da verdade não são as mentiras mas as convicções expressa o importante fato de que são as convicções radicais que nos aprisio nam e impedem que tomemos conhecimento de outras verdades e de outras prováveis facetas de uma mesma verdade 10 O uso da verdade é considerado por Bion como o alimento da mente Aquele que mercê de maciças negações nega a sua histó ria está condenado a repetila eternamente cada vez com maior probabilidade de ela ser mais autodestrutiva Já Sófocles na sua clássi ca tragédia Édipo rei fala pela voz do protago nista Édipo é doce manter nossa mente fora do alcance daquilo que a fere 11 Os três principais fatores psicanalíti cos que determinam a função da tomada de conhecimentos são 1 o modelo da mãe mais particularmente no que se refere à rêverie fun ção alfa e como foi o continente materno 2 a capacidade de o paciente ingressar na posi ção depressiva ou seja quando percebe e dá convicção ao paradoxo de que o objeto amado e o odiado podem ser o mesmo e um único objeto pois é essa posição que propicia a pos sibilidade de formação de símbolos 3 possuir um amor às verdades com um real desejo de conhecer 12 A designação K não significa ausên cia de K senão um processo ativo que visa pri var de significado a relação vincular na qual MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 403 entram o amor e o ódio Esse tipo de vínculo negativo alude diretamente ao fato de que uma pessoa ou casal família grupo ou mesmo toda uma sociedade negue a tomada de conheci mentos de determinadas verdades penosas como por exemplo a de fazer contato cons ciente de como está sendo patológica a sua for ma de amar e ser amado de odiar ou estar sendo odiado 13 Da mesma forma poderseia exem plificar o quanto o vínculo do conhecimento ou seja o do amor às verdade costuma ficar deturpado naquelas pessoas que vivem mais ancoradas no princípio do prazer que no prin cípio da realidade em cujo caso um corajoso conhecimento da realidade as levaria ao dolo roso processo de ter que fazer renúncias às suas ilusões narcisistas 14 No lugar de fazer essa aproximação com a verdade dos fatos tais como eles real mente são e não como gostariam que ela fos se muitos litigantes na maioria das vezes movidos por razões inconscientes preferem o autoengano a deturpação a mentira e a fal sificação das verdades de modo que um dos recursos defensivos inconscientes mais utiliza dos é na criação de um clima de confusão en tre o que é verdade e aquilo que é mentira ou qualquer outra forma de falsificação Nessas condições o ataque às verdades vem acompa nhado de uma radicalização das posições de cada um o que os torna surdos e cegos à argu mentação que vem de outra parte Vale fazer uma metáfora com o que dizem os historiado res nas guerras a primeira vítima é a verdade é fácil comprovar isso em certas guerras não necessariamente as armadas como a de uma campanha eleitoral política por exemplo 15 As grandes verdades quase sempre aparecem sob a forma de paradoxos que não necessitam ser explicados mas sim serem pensados e aplicados O paradoxo retrata a fórmula típica da natureza por isso toda ver dade tem uma forma paradoxal permite os contraditórios os opostos e as distintas signi ficações de cada fato Vale lembrar o clássico modelo do paradoxo de um mentiroso consta que um filósofo grego do século IV aC propôs a seus discípulos Eu estou mentindo então as minhas proposições são falsas ou o que es tou dizendo agora é falso então elas são ver dadeiras Penso que uma boa tentativa de re solver esse paradoxo consiste justamente na aplicação dos princípios psicanalíticos da negatividade uma afirmativa que quer di zer o contrário e viceversa e o princípio de que existe uma concomitância de um conví vio de partes diferentes do nosso psiquismo em que uma delas de forma honesta assume uma posição verdadeira enquanto à outra par te cabe o papel de falsidade 16 Trabalhos científicos sobre a psicolo gia evolutiva observam que existe uma tendên cia genética à mentira é uma mentira natural e espontânea a criança mente mais ou me nos da mesma forma como ela inventa cria ou brinca 17 Algumas mentiras têm um cunho com características peculiares Assim por exemplo para os psicopatas que fazem da mentira o seu mais eficaz instrumento de trabalho mentir é uma arte A sua capa envernizada com apa rência de credibilidade e honestidade não pode sofrer o menor arranhão 18 Um outro exemplo é o do mentiroso que mente para si próprio a tal ponto que ele próprio se convence de seus equívocos e por isso mesmo transmite muito hábil e convicta mente suas mentiras aos demais porque de fato ele acredita nelas Muitos políticos famo sos bons tribunos e comunicadores usam esse discurso demagógico à exaustão e são geral mente bemsucedidos porque a melhor for ma de enganar aos outros é mentir para si mesmo 19 Os pacientes narcisistas mentem para manter o mundo das ilusões pois receiam o desmoronamento do vulnerável castelo de cartas a forma de como o narcisista erigiu o seu psiquismo o que os levaria a uma terrível depressão Já os pacientes com estrutura per versa mentem defesa da recusa para si e para os outros como um recurso de manter intocável a dissociação interna entre partes contraditórias uma séria e uma outra ban dida que convivem numa aparente harmonia dentro deles Todos que usam exageradamente a defesa de negar a realidade ou seja o K em um grau expressivo são portadores de uma parte psicótica da personalidade 20 Assim a parte psicótica da persona lidade caracterizase por atacar a tomada de conhecimentos penosos por meio de mecanis mos defensivos como os da onipotência que 404 DAVID E ZIMERMAN substitui o pensamento conceitual a onisciên cia substitui o aprendizado com as experiên cias a prepotência fica no lugar da dependên cia a confusão e ambigüidade substituem a capacidade de discriminação o supraego dita as próprias leis e assim fica no lugar do juízo crítico a imitação substitui uma verdadeira identificação de modo que um falso self pode ocupar o lugar de um verdadeiro self uma intrusividade sobrepõese a uma curiosidade sadia a inteligência cede lugar à estupidez o orgulho à arrogância e os símbolos são substi tuídos por equações simbólicas 21 Mentir pressupõe uma intenção cons ciente embora às vezes não claramente re velada de falsear a verdade para diferentes fins Na prática analítica é relevante que o analista não empreste um caráter moralístico diante de eventuais mentiras do paciente pelo contrário elas podem se constituir como uma excelente porta de entrada para se conhecer angústias mais profundas que se evadem pelas mentiras e que têm a sua razão de ser e de aparecer no campo analítico 22 É possível analisar um mentiroso Essa pergunta foi formulada por Bion 1970 e adquire uma grande relevância na prática clíni ca visto que para ele potencialmente todas as pessoas em algum grau são mentirosas o que é normal e inerente ao processo analítico o exa me desses aspectos No entanto em muitos pa cientes a disposição para as mentiras isso alu de mais diretamente ao fato de serem conscien tes e aos autoenganos tem um tanto de cons ciente e outro tanto de inconsciente assumem uma forte intensidade além de que às vezes são idealizadas pelo mentiroso pois dálhe a sensação de que é muito vivo e esperto deixan do de ser um mero e transitório recurso defen sivo para se tornar um fim em si mesmo o que pode inviabilizar uma evolução do tratamento analítico Entre esses dois pólos opostos exis tem situações intermediárias que não obstante possa representar possíveis dificuldades justi ficam a indicação do método analítico porém algumas cautelas técnicas impõemse 23 Desta forma não cabe ao analista re jeitar as mentiras se ele estiver funcionando como um superego fiscalizador e ameaçador Em contrapartida uma aceitação sempre táci ta das mentiras do paciente constituise uma negligência à importância da verdade além de representar um conluio do analista com as mentiras do paciente Assim o maior risco é que certos pacientes mentirosos especialmen te quando são inteligentes sofisticados e com um discurso encantador procurem persuadir o analista a fazer interpretações que confirmem a manutenção da mentira como acontece com os portadores de um falso self ou uma fuga para uma falsa cura etc 24 É útil que o analista faça uma distin ção quando a mentira visa à racionalização por exemplo sempre arruma alguma descul pa razoável para seus atrasos sistemáticos ou quando ela objetiva enganar ludibriar caso dos psicopatas ou pelo medo de causar uma decepção e possível decepção como uma cri ança que fez artes ou como forma de se jac tar causar inveja nos outros como são os nar cisistas ou como uma importante forma para verbal de comunicar algo toda mentira tem um grão de verdade O mais importante não é tanto o fato de que esse paciente minta para o analista mas sim o fato de que ele mente para si próprio como já foi aludido 25 Em relação à atividade interpretativa é indispensável que o analista respeite o ritmo natural de como ele pode evoluir na sua análi se as condições de como ele está equipado para enfrentar a tomada de conhecimento de cer tas verdades e coisas equivalentes Assim um analista ser verdadeiro condição mínima necessária para o exercício dessa especialida de não deve ser confundido com a formula ção de uma interpretação que por mais verda deira que ela possa ser pode ter sido realizada num tempo e numa forma errada o que pode abolir todo efeito analítico e desnecessaria mente provocar um ânimo contraproducente no paciente A seguinte bela frase de Bion sin tetiza com primor o que estou tentando dizer amor sem verdade não passa de paixãoverdade sem amor não é mais do que crueldade 26 Ainda em relação à atividade inter pretativa é útil enfatizar qual o destino que a interpretação toma na mente do analista pelo fato de que aqueles pacientes que utilizam ex cessivamente o recurso de evitação da tomada de conhecimento de certas verdades K embo ra eles concordem manifestamente com o tera peuta estão no fundo negando toda importân cia do que foi dito e nada muda tudo continua como antes MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 405 27 O conhecimento conduz à verdade que por sua vez conduz à liberdade o maior bem que qualquer sujeito pode possuir VÍNCULO DO RECONHECIMENTO Emprego o termo reconhecer com quatro conceituações psicanalíticas 1 a de reconhe cimento de si próprio de fatos e sentimentos que no passado de alguma forma já foram conhecidos pelo paciente 2 reconhecimen to do outro como alguém que é diferente dele e tem direito a uma autonomia independente dele paciente 3 ser reconhecido ao outro como expressão de gratidão 4 ser reconhe cido pelo outro Aqui vou me ater a esse últi mo enumerando as seguintes características 1 Parto da obviedade de que todo ser humano em qualquer idade circunstância cultura época ou geografia desde que nasce até o dia de sua morte tem uma necessidade vital de obter a comprovação de que ele é re conhecido pelos demais como sendo alguém que é valorizado aceito respeitado amado e desejado Cabe lembrar a metáfora que está contida nessa conhecida frase poética para existir a estrela depende do olhar dos outros Em muitos sujeitos inseguros é tal a intensi dade do receio de deixarem de ser reconheci dos e assim virem a perder o amor e segurança por parte das pessoas necessitadas que eles apelam para recursos extremos como pode ser o da construção de um falso self Isto é quan do o paciente construiu a sua personalidade em bases falsas porque ele está mais intensa mente mobilizado para agradar as expectati vas que os outros esperam dele em detrimen to de ele vir a ser alguém autêntico e livre Uma outra possibilidade é a de que uma pessoa tor nese extremamente submissa ao outro como um preço que ele paga para não desagradar e correr o risco de vir a ser castigado com algu ma forma de desprezo 2 Uma função essencial à solidez e à har monia de qualquer pessoa é a aquisição de uma autoestima e essa está intimamente conectada com a convicção do sujeito de que ele está sen do reconhecido pelos outros que lhe são signi ficativamente importantes É difícil conceber qualquer relação humana em que não esteja presente a necessidade de algum tipo de mú tuo reconhecimento salvo no caso de profun da patologia 3 Pelo contrário as habituais configura ções psicopatológicas servem para confirmar que os transtornos de autoestima do senti mento de identidade e o da relação com a rea lidade exterior formamse como uma decorrên cia direta da falência desse tipo de necessida de do sujeito em ser reconhecido ou então como uma compensação contra isso Nesses últimos casos em que esse tipo de vínculo do reconhecimento esteja profundamente afeta do ou negado proponho a sinalização de R como uma proposta de conectar com o K de Bion 4 É relevante destacar que até mesmo qualquer pensamento conhecimento ou sen timento requerem ser reconhecidos pelos ou tros como resulta claro na interação mãe criança para adquirir uma existência ou seja passar do plano intrapessoal para o interpes soal e viceversa A propósito cabe citar essa frase de Winnicott 1971 referente a um ima ginário pensamento de uma criança em rela ção à mãe olho e sou visto logo existo E posso agora permitirme olhar e ver ocultarse é um prazer porém não ser encontrado é uma ca tástrofe Também não resisto a mencionar esse bonito trecho de Shakespeare Os olhos não enxergam a si mesmos precisam ser refletidos em qualquer outra coisa Ou seja o ser huma no necessita de um outro para poder perceber conhecer reconhecer e assim desenvolver 5 Assim creio que cabe propor a expres são de olhar reconhecedor da mãe ou do analista etc e parafraseando M Klein acer ca do seio bom e do seio mau entendo ser justificado propor a concepção do olhar bom e olhar mau da mãe 6 São inúmeras as repercussões na prá tica analítica de vínculo que alude à necessi dade de o paciente ser reconhecido pelo ana lista e viceversa como pode ser uma dessas a conhecida angústia de separação do pacien te em relação ao analista muitas vezes espe cialmente com pacientes bastante regredidos pode se dever ao fato de que para eles sepa rarse evoca experiências do passado de sorte que fica sendo o mesmo que perder o olhar materno Isso se reproduz na situação analíti ca quando o paciente projeta maciçamente no 406 DAVID E ZIMERMAN analista esta mãe sem olhar reconhecedor ou quando o terapeuta mal olha para o paci ente ou olha mas não vê 7 Algumas manifestações de perversão da atividade sexual como um compulsivo e excessivo donjuanismo ou ninfomania podem ser entendidas como uma ânsia incontida de esses pacientes comprovarem que conseguem conquistar ser desejados o que representa uma forma desesperada de serem reconhecidos na sua aparente genitalidade adulta a fim de manterem protegidas as dolo rosas feridas narcisistas subjacentes 8 No plano das identificações edípicas radicadas em um prévio narcisismo malresol vido pode acontecer que resultarão muitos casos de bissexualidade e de transtorno de gê nero sexual Isso se deve a uma tentativa de solução da criança para o seu dilema de como enfrentar o rechaço dos pais por terem nasci do de sexo trocado em relação à expectativa deles Assim no afã de serem reconhecidas pe los pais que foram frustrados em seus desejos de que a criança tivesse nascido com outro sexo o filho se ajusta ao desejo deles ao custo de um transtorno de sua sexualidade 9 O vínculo do reconhecimento é parti cularmente importante no que diz respeito à inserção social do sujeito nos mais diversos lu gares como por exemplo a família a escola o clube as instituições etc com uma necessi dade vital de sentirse reconhecido pelos de mais como alguém que é aceito que pertence ao grupo e respeitam o seu pleno direito a compartilhar o mesmo espaço e valores comuns a todos Caso contrário o indivíduo protesta sob as mais diversas formas inclusive com ati tudes antisociais ou sintomas hiperbólicos drogadição conduta agressiva e de provoca ção de riscos etc como uma forma extrema da de que de alguma forma seja visto e de que se preocupem com ele 10 Na situação analítica às vezes é ne cessário que o analista aceite temporariamen te que certos pacientes exibam um self gran dioso que o faz imaginar que pode prescindir da dependência do terapeuta ou que esse fi cará com tanta admiração por ele que o reco nhecimento ficaria garantido Igualmente em muitos casos o analista também deve aceitar que por algum tempo o paciente o idealize exageradamente tendo em vista que necessita ter a certeza de que o analista é uma figura parental forte logo não ficará desamparado e será reconhecido como uma pessoa que pode ser acreditada nos seus potenciais valorada e respeitada 11 Em relação à evolução da terapia ana lítica creio ser de fundamental importância que o analista mantenha uma atenção especial quanto à necessidade de fazer o reconhecimen to de prováveis progressos verdadeiros do pa ciente por mínimos que esses possam parecer porém que do ponto de vista do paciente po dem parecer enormes e convenhamos é hor rível quando alguém despende esforços enor mes para que uma tarefa saia bem e não é re conhecido quando em algum grau de realida de isso está sendo conseguido Todos concordamos na atualidade que analista e paciente interagem e se influenciam reciprocamente e de forma permanente cons tituindo vínculos os mais diversos em uma at mosfera de trabalho que é chamada de psica nálise vincular que é o atual paradigma vi gente na terapia psicanalítica em que tudo deve ser visto dessa singular única e mútua relação interativa O que não costuma ser dito é que não obstante seja verdadeira essa assertiva pode ser exagerada levando em con ta o fato de que muitas manifestações do paci ente sejam unicamente dele próprio sem a in fluência do seu analista e que elas se repetiri am da mesmíssima forma com qualquer outro terapeuta competente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 407 Reconheço que em alguns escritos ante riores eu próprio teci críticas nessa direção porém hoje entendo que o termo está consa grado e na imensa maioria das vezes está des pido do significado de uma atitude de superio ridade sobre o supervisionando Por essa ra zão emprego os termos supervisão e super visão coletiva com absoluta naturalidade Abo mino sim a terminologia controle de caso que estava em moda há tempos e ainda remanesce em alguns analistas poucos é verdade Quan do se trata de uma supervisão coletiva o ter mo mais apropriado nos dias atuais tem sido o de seminário clínico No presente capítulo independentemen te se a supervisão é de candidato de algum ins tituto filiado a IPA ou não se o caso é conside rado estritamente de análise ou de psicote rapia analítica o critério aqui empregado para as reflexões que seguirão consiste na utiliza ção do referencial fundamentado nos princípi os fundamentais do método analítico CARACTERÍSTICAS DO CAMPO DINÂMICO DA SUPERVISÃO ANALÍTICA É evidente que não existe uma rígida pa dronização como modelo único de uma super visão Existem muitos fatores variáveis que tor nam a supervisão algo diferente de caso para caso como são as singularidades específicas de cada supervisionando do paciente que ele esteja tratando psicanaliticamente e especial mente dos referenciais teóricos e técnicos do supervisor de sua ideologia psicanalítica e do seu estilo próprio de trabalhar O que é certo no entanto é que a supervisão sistemática com 39 Reflexões Sobre a Supervisão Psicanalítica Quem não sabe o que procura não o reconhece quando o encontra Provérbio chinês Operada de forma regular e sistemática para os candidatos em formação nos institutos de psicanálise a supervisão foi introduzida por Max Eitingon na década de 20 no Instituto de Berlim Inicialmente ele denominou a su pervisão análise de con trole À época da mesma forma que as análises pessoais também as supervisões eram muito breves Hoje ninguém mais contesta a importân cia fundamental que a supervisão sistemática e obrigatória com um mínimo de horas a se rem cumpridas com mais de um paciente em análise formal segundo os critérios da IPA representa para a formação de um candidato à obtenção da condição de psicanalista O me lhor reconhecimento da relevância da super visão como estrela de primeira grandeza no universo psicanalítico pode ser a orientação adotada na França onde cada supervisão pro longase por muitos anos desde o início até o término da análise do paciente do candidato tendo aí um peso de valorização no mínimo equivalente ao da análise pessoal do candida to O que cabe nos interrogarmos é por que não obstante exista um consenso quase unâni me quanto à importância da supervisão ainda assim a literatura psicanalítica é relativamen te bastante escassa no que tange a esse tema O termo supervisão tem sido bastante criticado por muitos psicanalistas pelo fato de que a morfologia da palavra pode sugerir uma sinonímia com uma supervisão narcisista e ar rogante por parte do analista supervisor que então no caso estaria supervisionando o can didato com uma visão de cima para baixo de sorte que abinicio ele pretenderia impor a sua posição como sendo a verdadeira e final a qual o supervisionando deveria cumprir fielmente 408 DAVID E ZIMERMAN a duração de um ou mais anos cria um impor tante e peculiar vínculo candidatosupervisor com a formação de um campo dinâmico na interação entre ambos Como esquema de exposição didática vou considerar separadamente o lugar o papel e as atribuições do supervisionando do super visor e do vínculo entre eles tanto nos aspec tos positivos estruturantes quanto também no que se refere a possíveis desvios patogênicos de um deles ou de ambos do par supervisor supervisionando CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O SUPERVISIONANDO 1 A supervisão começa pelo próprio can didato por sua motivação e o seu estado men tal interno de estar ou não comprometido emocional e pragmaticamente com a tarefa da supervisão Esse estado mental do candida to não deve ficar restrito ao simples cumpri mento de uma obrigação curricular exigida pelo seu instituto de formação oficial em cujo caso a supervisão resulta muito pobre não mais do que formal Pelo contrário a supervisão tor nase mais frutífera na proporção direta do in teresse genuíno do candidato em aprender tal vez seja melhor dizer aprender a aprender diferentemente da hipótese de que ele esteja predominantemente voltado para a idéia de que esteja sendo avaliado pelo seu supervisor para fins de aprovação Da mesma forma muito antes do significado de um mero cumprimen to do dever é fundamental que o candidato signifique a sua supervisão como a aquisição de um privilégio de intercambiar experiências com um colega mais experimentado É inegá vel que além da condição mínima necessária de que o candidato seja sério estudioso dedi cado e realmente interessado também pesa muitíssimo a existência natural de um dote de um talento especial que alguns candidatos têm mais do que os outros 2 Essa disposição para a tarefa de super visionamento deve de forma alguma signifi car uma candura uma obediência cega por parte do candidato A propósito a etimologia da palavra candidato a respeito do que estamos enfocando é muito significativa ori ginase do latim candidus que significa bran co de pureza candura e alude à toga bran ca que antigamente eram usados pelos alunos em formação acadêmica Assim pelo contrá rio de uma obediência automática o supervi sionando deve ter liberdade para perguntar contestar e verbalizar dúvidas e sentimentos 3 Em termos patogênicos as seguintes estruturas caracterológicas mesmo em candi datos bemdotados e intencionados podem obstruir um trabalho de supervisão que pode ria ser fecundo porém que podem resultar a Na formação de algum tipo de conluio inconsciente do candidato com o seu paciente e que pode estar se repetin do na interação dele com o supervi sor como por exemplo o de uma re cíproca fascinação narcisista uma disfarçada relação de poder de natu reza sadomasoquista uma acomo dação em não fazer mudanças verda deiras uma troca de papéis por exemplo o terapeuta é que fica de pendente do seu paciente etc b Na construção de um falso self do paciente que o candidato está psica nalisando c Em uma terapia estéril devido as contraresistências do candidato em formação d O trabalho analítico transcorrer em um clima beligerante no caso de o can didato mostrar excessivos traços para nóides ou narcisistas ou entediante se ele for exageradamente obsessivo ou apático se predominar uma atitu de depressiva do candidato ou evitativa caso do terapeuta com as pectos fóbicos etc e Na formação de inúmeros pontos ce gos quando predomina um recíproco K segundo Bion ou seja uma ne cessidade inconsciente de negação de verdades penosas f Em um reforço de traços neuróticos do paciente no caso em que o candi dato esteja envolvido numa contra identificação complementar segundo Racker 1960 com o seu paciente ou MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 409 na hipótese de que os estilos de comu nicação sejam por demais simétricos conforme Liberman 1983 Neste úl timo caso por exemplo é a possibili dade de o analistacandidato ou o analistasupervisor possuir um estilo obsessivo detalhista e perfeccionista estiver analisando um paciente que justamente esteja preso em uma ca misadeforça obsessiva g Em alguma forma de atuação com o paciente no caso em que o candida to ainda não tenha bemdesenvolvi da uma capacidade de autoconti nência de suas angústias uma ca pacidade negativa segundo Bion em cujo caso ele troca a capacidade para pensar as experiências por um acting das mesmas h A possibilidade de o candidato fazer uma dissociação é verdade que mui tas vezes com uma complacência ou indução do supervisor ou do seu ana lista entre as figuras do seu analista e a do supervisor de modo a figurar que um é ótimo enquanto o outro CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O SUPERVISOR 1 Não levar ao pé da letra a palavra su pervisão com o significado de onipotência já descrito Pelo contrário por mais veterano que seja um supervisor sua atitude deve ser a de que somos todos de forma permanente analistas em formação Assim o supervisor poderá crescer bastante como analista por meio de uma mais acurada escuta do supervi sionando do paciente deste bem como das vi cissitudes da evolução daquela análise singu lar da qual ele participa indiretamente e que pode fornecerlhe subsídios e estímulo para reflexões acerca de experiências emocionais que ele ainda não tinha vivenciado 2 Respeitar as inevitáveis limitações do seu supervisionando assim como também res peitar o ritmo do seu aprendizado 3 Da mesma forma é importante que o supervisor respeite o estilo pessoal que o seu candidato demonstre como sendo genuíno dele Isto não significa que o supervisor não venha a fazer assinalamentos quanto ao con teúdo e sobretudo à forma de como o seu su pervisionando esteja exercendo a sua ativida de interpretativa 4 O supervisor deve ter bem claro para si que ele representa ser um altamente signifi cativo embora nãoexclusivo modelo de iden tificação para o seu supervisionando Tal mo delo implica a forma de ele encarar as angús tias manifestas pelos pacientes dos candidatos de como ele as contém pensa e transforma 5 Igualmente constituise uma das mais importantes tarefas do supervisor a sua capa cidade de funcionar como um continente para as angústias dúvidas incertezas e especial mente para os difíceis sentimentos contra transferenciais do supervisionando 6 Uma outra condição indispensável para o supervisor é a de que ele não confun da o seu papel com o do psicanalista do can didato o que não significa que conforme as circunstâncias do momento seja útil que se assinalem sentimentos de contraidentificação do supervisionando com o seu paciente os quais estão impedindo um eficiente curso da terapia analítica 7 Da mesma maneira não é pequeno o risco de o supervisor vir a seduzir o seu candi dato com atitudes que levem esse a fazer con frontos com as atitudes de seu próprio analista 8 Também cabe ao supervisor estimular não é o mesmo que exigir o zelo do candida to pela forma de sua apresentação do material clínico como por exemplo um incentivo ao uso do computador ou o incentivo para determina das leituras que enriqueçam a compreensão teó rica do seu caso de análise ou um estímulo para a feitura de trabalhos idas a congressos etc 9 Creio importante assinalar que muito antes de estar predominantemente voltado para observar acertos ou erros do candidato o supervisor deveria dirigir a sua atenção mais especial para as transformações menos medo maior desenvoltura aquisição de uma melhor capacidade de continência etc que se eviden ciam no trabalho do candidato 10 Acima de tudo deve haver na pessoa do supervisor uma coerência entre aquilo que ele diz faz e realmente ele é 410 DAVID E ZIMERMAN CONDIÇÕES DO VÍNCULO SUPERVISORSUPERVISIONANDO Cabe uma observação inicial na tarefa de supervisão existe uma diferença entre o su pervisionando ser alguém que não está em for mação institucional nestes casos há uma mai or liberdade e alguém que está em formação em cujo caso é óbvio existem as necessárias exigências do instituto relativas à validação do candidato em supervisão Da mesma forma de como se passa na prática da situação psicanalítica com cada um dos seus pacientes individuais também na re lação com o supervisor não existe uma neutra lidade absoluta do supervisor Não obstante uma maior ou menor empatia recíproca algu ma diversidade de estilo algum complexo jogo de identificações mútuas e coisas similares de regra não costumam atrapalhar um bom an damento da tarefa de supervisão Somente em situações mais excepcionais a pessoa do super visor pode perturbar a supervisão como é por exemplo a possibilidade de ele ter um exces sivo narcisismo e assim manter uma surda ri validade com o candidato ser portador de pulsões filicidas ter a ambição de que seu su pervisionando se torne um epígono seu etc Igualmente pode haver um sério risco não tão raro de o supervisor por intermédio do supervisionando manter uma competição com os demais colegas professores e superviso res do candidato assim como com o seu pró prio analista além de uma nefasta possibilida de de ele estar em certo litígio ideológico com a sua instituição psicanalítica e usar o candida to para fazer um proselitismo de suas idéias contra as usuais do seu instituto Ainda um outro risco consiste na possibili dade de o supervisor estar identificado com um superego analítico por demais rígido e ameaça dor e querer impôlo a seus supervisionandos assim os infantilizando e coibindo a criatividade liberdade e autenticidade do candidato Como decorrência direta dessa hipotéti ca rigidez superegóica de um determinado supervisor dois prejuízos costumam acontecer a Uma estereotipia reducionista de usar siste maticamente uma única forma de compreen são e de manejo técnico sem levar em conta as singularidades específicas de cada análise de cada tipo de vínculo de um certo candidato com um certo paciente b Também existe um risco pedagógico isto é o supervisor movido por um narcisismo exagerado em uma posi ção de sujeito suposto saber conforme Lacan ou cumprindo os mandamentos que provêm do seu próprio superego analítico utilize com excessiva freqüência ao longo do processo de supervisão expressões como de ve interpretar tal coisa assim como estou lhe mostrando O mais grave é que não é incomum o fato de que nos encontros seguin tes o supervisor fique cobrando do candidato se este cumpriu ao pé da letra as determina ções que lhe foram ditadas Esta hipotética atitude do supervisor es taria então concorrendo para uma infantili zação do supervisionado para um certo apa gamento do direito de cada analista ter um estilo próprio desde que é claro permaneça fiel aos princípios técnicos já consagrados Igualmente não é raro acontecer que por intermédio do processo de identificações pro jetivas e introjetivas o enredo do teatro da mente do paciente seja projetado no analista candidato o qual por sua vez da mesma for ma reproduza com o supervisor a encenação enactement é o termo usado em inglês para definir este fenômeno que consiste em o paci ente fazer com que o analista encene desem penhe um determinado papel Desta forma sentimentos que partem do paciente passam pelo supervisionando e se abrigam no supervisor despertando sentimentos contratransferenciais nos dois últimos Um detalhe interessante é que o conflito original do paciente pode ficar dissociado de sorte que o candidato se contra identifique com um dos objetos internos de seu paciente digamos por exemplo com um pai tirânico ou com a criança confusa e intimida da enquanto o supervisor fique identificado com uma outra característica complementar do mesmo objeto interno No processo da tarefa de supervisiona mento a dupla deve trabalhar em um estado de conforto especialmente o supervisionando caso contrário ambos devem refletir em con junto e cogitar da possibilidade de mudar de supervisor É interessante consignar o fato de que às vezes o candidato pode reproduzir com o supervisor o mesmo papel que o seu paciente mantém com ele Assim seguidamente obser MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 411 vo que em algum momento um olhar assus tado ou um suspiro depressivo etc do candi dato esteja expressando que o paciente que estamos supervisionando esteja passando res pectivamente por sentimentos de medo de pressão etc Sobretudo creio que o mais importante a ser enfatizado seja que o estabelecimento do vínculo entre o supervisionando e o supervisor representa ser um importante modelo de iden tificação de como praticar a terapia psicanalí tica na prática cotidiana Assim o candidato em parte incorpora o modelo de como o seu supervisor transita pela geografia psíquica do paciente de como ele percebe pensa comu nicase formula as interpretações etc Um outro aspecto que considero igual mente importante consiste no fato de que em determinadas ocasiões particularmente difíceis para o candidato em certos momentos de sua vida pessoal principalmente quando coincide com um período em que seu analista esteja ausente cabe ao supervisor servir de continen te não só no que se refere a uma escuta atenta e respeitosa mas também de ajudar a encon trar algum tipo de orientação e mostrarse dis ponível para algum tipo de ajuda Cabe consignar que em um trabalho de supervisão sistemática de alguma forma sem pre há efeitos analíticos Em termos de patogenia do vínculo super visorsupervisionando cabe consignar algumas situações possíveis como a a supervisão fi car restrita exclusivamente ao caso e não às particularidades do candidato em formação psicanalítica b o supervisionado ficar unica mente no papel de observador do supervisor que então dita de forma magistral e categóri ca o que aquele deve fazer c é relevante observar o tipo de transferência que possi velmente se estabelece entre ambos d o risco de a supervisão redundar em um trabalho ape nas burocrático igualmente da mesma forma como pode acontecer no processo de uma aná lise também uma supervisão pode decair numa calmaria exagerada que não raro pode ser indicador de que a esperada fertilização da ta refa de supervisionamento esteja em um pro cesso de estagnação à espera quem sabe de que o supervisor provoque alguma sadia tur bulência e os inconvenientes para o candi dato e para o supervisor de um possível uso excessivo de regulamentação institucional o que pode exigir uma árdua tarefa de equili brismo entre a pressão da instituição e as par ticularidades específicas de cada caso da clíni ca de cada candidato em separado Por outro lado entendo que excepcional mente o supervisor deva sugerir diretamente ao candidato que tais ou quais aspectos ele deva levar para a sua análise pessoal quando é o caso ele próprio se dará conta dessa necessi dade Assim indiretamente a supervisão pode contribuir para a análise pessoal sendo que a recíproca obviamente é verdadeira OBJETIVOS DA SUPERVISÃO Em linhas gerais a atividade de supervi são visa a três objetivos precípuos um o de educação um segundo de instrumentação no sentido de equipar o candidato para o exercí cio da prática clínica e um terceiro de contri buir para a construção do sentimento de identi dade do terapeuta psicanalítico Vejamos indi vidualmente cada um deles 1 Educação analítica No contexto do pre sente capítulo o termo educação deve ser diferenciado de ensino conforme a origem etimológica dessas duas palavras Ensino de riva dos étimos latinos en dentro de signo sinais ou seja alude à colocação de conhe cimentos dentro da mente do aluno Educa ção por sua vez procede de ex para fora ducare dirigir isto é designa uma condição na qual o educador no caso o supervisor faci lita que saiam aquelas capacidades e potencia lidades que ainda estão latentes à espera de serem reconhecidas estimuladas e libertadas 2 Instrumentação O acompanhamento sistemático de um mesmo caso em supervisão propicia ao candidato familiarizarse com a natureza do processo psicanalítico em suas múltiplas facetas inconscientes e conscientes com as regras e procedimentos técnicos com uma conexão da teoria com a técnica e prática clínica com as artimanhas da comunicação com os conhecimentos e recursos táticos que podem variar de caso para caso ou de situa ção para situação em um mesmo paciente como é por exemplo o enfrentamento de uma eventual crise difícil no curso da análise caben 412 DAVID E ZIMERMAN do exemplificar com o surgimento de uma psi cose de transferência conforme Rosenfeld 1978 ou com o aparecimento de alguma inter corrência inusitada etc 3 Construção do sentimento de identida de de psicanalista À medida que o candidato vai se aprofundando na análise com o seu pa ciente assim entrando em contato com as di ferentes regiões do psiquismo inclusive da parte psicótica da personalidade e com o respaldo do supervisor reforça suas capacida des de continente e empatia ele sobrevive às crises e mantém com o seu paciente uma boa aliança terapêutica Ademais ele vai adquirin do em autoconfiança e de tempos em tempos vai preparar relatórios para o currículo de seu Instituto assim organizando as suas idéias e conhecimentos fazendo conexões da teoria com a técnica entendimento dinâmico e ma nejo prático Simultaneamente aumenta o seu gosto pelo trabalho estudo e pesquisa tudo isto convergindo para a estruturação do seu sentimento de identidade profissional no qual o supervisor representa ser um dos tijolos nes ta bonita embora às vezes penosa construção Quanto aos objetivos propriamente ditos da supervisão creio que os seguintes aspectos uma espécie de síntese do que foi dito até agora merecem ser destacados Valorizar a importância fundamental da aquisição do candidato de uma ati tude psicanalítica interna diante do pa ciente em geral e do regressivo em particular Alertar o candidato quanto à necessi dade de que o setting instituído em bora sem uma rigidez excessiva por parte dele seja preservado ao máxi mo possível caso contrário pode sur gir o risco de uma perversão do pro cesso analítico Embora respeitando o estilo e as idios sincrasias de cada candidato em par ticular é importante que o supervisor ajude a transformar determinadas ati tudes e posturas falsamente psicana líticas por exemplo a de um perma nente reducionismo transferencial em uma verdadeira caça às transferên cias seguidamente de forma artificial e forçada Também costuma acon tecer que em um pólo oposto o can didato esteja fazendo um enfoque qua se absoluto nos fatos da realidade externa Igualmente deve ser transfor mada uma atitude de excessiva rigi dez em nome da regra da neutrali dade ou em outro extremo um exa gero de bondade e de ausência de frustrações em nome de um humani tarismo Eventualmente assinalar algum as pecto fortemente contratransferencial despertado pelo paciente do candida to que esteja interferindo na análise e que ele não esteja percebendo ou até mesmo um sentimento unicamente transferencial do próprio supervisio nando em relação ao seu paciente Sem remeter diretamente à sua análi se pessoal é sabido que esses assinala mentos podem ser de muita valia para a análise do candidato Um significativo objetivo da supervi são consiste em que o supervisor pro cure fazer conexões do material clíni co que está sendo enfocado com al guns referenciais teóricos e inclusive sugerindo a leitura de alguns textos Servir como um continente para as ine vitáveis angústias do candidato nota damente no início de sua formação inclusive com a possibilidade de cir cunstancialmente permitir que o su pervisionando tenha um espaço para fazer uma espontânea catarse de sentimentos da sua vida particular e esteja necessitado não de interpreta ções ou coisa parecida mas sim de alguma reafirmação orientação ou de clareamentos Ilustrar como ele supervisor no seu estilo pessoal sempre deixando cla ro de que não se trata de uma exi gência e tampouco de uma insinua ção para que ele seja imitado exer ce a sua atividade interpretativa e de como formularia suas intervenções diante de determinadas situações do material clínico MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 413 Estar atento para a possibilidade nada rara de que o candidato possa estar enredado em algum tipo de incons ciente conluio transferencialcontra transferencial Ajudar o supervisionando a discrimi nar que ele pode ser flexível sem ser um fraco ou um liberal e também que ele pode ser forte e firme sem que isso implique em ser radical e rígido Em determinados momentos muito di fíceis da análise do candidato com o seu paciente como por exemplo a ocorrência de uma forte transferência negativa ameaça de abandono ou al gum tipo de impasse preocupante é fundamental que o supervisor mercê de sua experiência consiga tranqüili zar o candidato servindo como mo delo de continente e de capacidade negativa conforme Bion até que as coisas se resolvam Também é relevante aprimorar a ca pacidade de escuta do candidato em relação às narrativas de seu paciente e da escuta da escuta dele próprio Igualmente deve ser valorizada a sua capacidade de intuição tratase de um terceiro olho e a de decodificar o surgimento de imagens em sua mente são ideogramas tal como é a escri ta chinesa O supervisor deve auxiliar o candi dato a desenvolver a capacidade de aceitação das idéias e pontos de vista do paciente que sejam diferentes das dele e fazer para o seu paciente a abertura de novos vértices de visua lização a respeito de um mesmo fato tal como é relatado e percebido pelo seu paciente Ficar atento para assinalar sempre que necessário uma possível contração do candidato com o seu paciente de um conluio inconsciente do tipo de uma recíproca fascinação narcisista ou de um conluio de acomodação ou de uma inversão dos papéis etc É importante que o supervisionando reconheça nele e logo no seu pacien te os seus alcances e direitos mas também suas limitações limites dife renças obrigações éticas e os subcon tinentes de sua geografia psíquica isto é ele pode conter suficientemente bem aspectos depressivos e agressivos porém tolerar mal facetas narcisistas e eróticas ou outras inúmeras combi nações possíveis Também cabe ao supervisor o objeti vo de ajudar o candidato a transfor mar os seus sentimentos contratrans ferenciais muito difíceis e possivelmen te patogênicos em empatia que lhe será muito útil para sintonizar melhor afetivamente com o seu paciente Valorizar sobremodo a interpretação transferencial quando esta se justifica porém alertar o candidato a não se transformar em um mero caçador de transferências nem tampouco em um mero recitador de chavões de in terpretações sistemáticas e reducio nistas para o é comigo aqui e agora A propósito é igualmente necessário que o candidato perceba claramente que a transferência está sempre presen te de alguma forma mas que nem tudo é transferência a ser interpretada e que muitas vezes como na clínica do vazio mais importante é preencher carências e buracos no psiquismo Creio ser importante que o supervisio nando desenvolva uma atitude de re conhecimento de progressos do pacien te por mínimos que estes sejam e para tanto nada melhor que o supervisor sirva de modelo ele próprio reconhe cendo progressos quando verdadei ros no trabalho do candidato que ele supervisiona É fundamental que o supervisionan do desenvolva a capacidade de decodi ficar a comunicação nãoverbal nas suas distintas formas de sorte que cabe enfatizar que a linguagem do paciente tanto pode ser a de um dis curso normal como também pode ser um gesto uma careta um balbuceio uma única palavra um suspiro etc 414 DAVID E ZIMERMAN No curso do relato do paciente o supervisor deve auxiliar o candidato a dissociar o conteúdo real e concreto do mundo exterior daquilo que é abs trato simbólico pertencente ao mun do interno do paciente Em relação à atividade interpretativa do analistacandidato tenho observa do que com relativa freqüência ele faz sugestões ou afirmações que são cor retas porém diretivas e pedagógicas cabe ao supervisor dar o modelo de que no lugar dessa atitude o candi dato pode atingir o mesmo fim que ele pretendia se utilizar uma formulação interrogativa que leve o próprio pa ciente a chegar a alguma decisão É útil que o candidato se conscientize de que suas interpretações não devam ser ditadas como sendo a verdade fi nal mas sim que elas não passam de hipóteses que podem ser aceitas ou re futadas pelo seu paciente Alertar o supervisionando toda vez que houver uma pressão do paciente por mais acintosa ou dissimulada que ela seja para o candidatoanalista de sempenhar certos papéis e ocupar cer tos lugares por meio de sedução chantagem ameaça confusão actings de acordo com a dinâmica do seu gru po familiar internalizado nele Cabe dar um exemplo bastante corriqueiro o paciente ameaça abandonar a aná lise e o analista entra em uma espécie de pânico especialmente se for caso de supervisão curricular e obrigató ria de modo que os papéis ficam in vertidos pois é possível que seja o can didato quem fique dependente e te meroso do seu paciente A propósito é bastante freqüente que seja o paciente quem reconduza o ana lista para certos aspectos que ele não esteja percebendo ou que esteja equi vocado na forma de entender Assim por exemplo recordome de uma si tuação na qual um supervisionado es tava elogiando em demasia um seu paciente por este estar se permitindo atacar e denegrir o pai idealizado o próprio paciente associou imediata mente com a lembrança de um filme que tratava das distorções de comu nicação e entendimento entre os per sonagens principais Na verdade den tro do contexto da referida situação analítica inconscientemente o pacien te alertava o seu analista mais ou me nos assim calma não se empolgue não é bem assim estou ensaiando dar uns primeiros passos para uma neces sária desidealização porém preciso conservar tudo que de bom o meu pai também possui e me transmitiu co mo aliás estava implícito na própria transcrição da sessão que foi vista na supervisão Tanto o supervisor como o supervisio nando devem ter uma clara idéia da quilo que buscam bem como do papel de cada um para a obtenção deste ob jetivo no trabalho de supervisão Isto faz lembrar um conhecido provérbio chinês quem não sabe o que procu ra não o reconhece quando encontra Alguns exemplos de supervisão Os relatos que utilizarei com exemplos não foram especialmente selecionados antes esco lhi aqueles que coincidiram com o momento em que estava redigindo este capítulo Alguns das ilustrações que seguem virão acompanhadas de algum algarismo entre parênteses para referir que no final da transcrição da sessão apresen tada na supervisão será feito um comentário meu acerca do que e como o supervisor dialo gou com o supervisionando Habitualmente re servo minhas observações no final da leitura de uma sessão dialogada na íntegra No entanto ocasionalmente em momentos especiais inter rompo a leitura para enfatizar algum determi nado aspecto que julgo importante Exemplo no 1 A ilustração que segue se refere a um iní cio de análise mais precisamente à entrevista MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 415 inicial A supervisionanda começou referindo que a paciente anteriormente já tinha feito dois contatos telefônicos no primeiro ela re feriu que tinha sido indicada pela doutora X mas que no momento ela não tinha condições e que voltaria a ligar em uma outra ocasião No segundo telefonema após algumas sema nas a provável paciente marcou a consulta porém à última hora teve que desmarcar de vido ao surgimento de um imprevisto Foi mar cado um novo encontro ao qual ela compare ceu com algum atraso 1 Ela começa se des culpando pelos imprevistos desperta uma empatia na analistacandidata e a seguir rela ta que já fez duas tentativas prévias de trata mento analítico com outros dois terapeutas diferentes Perguntada pela candidata a razão da interrupção dos tratamentos a paciente va mos chamála de Célia informou que o pri meiro terapeuta cobrava muito caro de modo que após dois meses ela sugeriu uma negocia ção que ele recusou e ela então abandonou Na segunda experiência Célia achou que o ana lista praticamente não falava e ela não supor tou os silêncios longos e o laconismo dele de forma que abandonou Após um breve silên cio Célia completa quase não vim hoje Por quê perguntou a analistacan didata Por medonão sei bem de que mas sentia medo A candidata não levou adiante o assun to e perguntou por que ela buscava análise 2 Célia responde que não dá sorte com os namorados e que no seu atual namoro que dura uns quatro meses a relação íntima do casal não vai além de beijos e não se consu mou uma penetração vaginal ela não sabe se é por uma excessiva timidez do namorado ou se é porque ela acusa uma dor intensa vagi nismo quando a penetração total vai aconte cer Célia conta a seguir que ela teve um na moro anterior que durou aproximadamente três anos Ela tinha relações sexuais comple tas com o namorado razoavelmente satisfa tórias porém ela resolveu terminar porque sus peita que ele lhe passou uma doença vaginal candidíase e que além disto ele se apropriou indevidamente de um dinheiro que ela em con fiança o deixou administrar 3 Como o tempo da sessão chegava ao término tendo em vista que a paciente fez os relatos de forma prolixa a candidata limitouse a propor para a pacien te a feitura de um contrato analítico com a combinação de horários e honorários 4 e 5 Comentários que foram feitos em uma interação com o supervisionando 1 Tais e tão seguidas protelações por si só já constituem em uma linguagem nãover bal um forte indicador que esta paciente deve ter um forte componente fóbico não se afasta totalmente e tampouco se aproxima mais inti mamente 2 A própria paciente logo no início da sessão de forma indireta nas informações re lativas ao seu precoce abandono das duas ten tativas de terapia analítica já esboçou uma resposta ao surgimento de seu medo Célia re ceava que a nova terapeuta nossa analista candidata nessa terceira tentativa de trata mento viesse a repetir as falhas como as que ela sofreu com as outras duas experiências frus tras uma sua esperança de que a nova analis ta não desse mais valor ao dinheiro do que a ela como acontecera com um dos terapeutas anteriores mas sim que a analista percebes se o quanto ela estava sofrida temerosa e ne cessitada de uma atenção especial e que para tanto provavelmente submeteria a candidata a muitos testes inconscientes como o acting de sugerir uma negociação do valor da ses são O outro esclarecimento indireto quan to ao seu medo indefinido poderia ter sido decodificado e assinalado o fato de que a se gunda experiência fracassada estaria significan do o quanto ela temia ficar sentindose sozi nha desamparada em uma relação fria e pro tocolar tal como ela significou o silêncio e a parcimônia do segundo analista 3 Entendo que a paciente continua tra zendo de forma cada vez mais consistente o medo de que nessa experiência analítica sabidamente difícil e que implica uma entrega de muita intimidade também se decepcione seja pelo temor de que esta da mesma forma que o seu namorado atual seja por demais tí mida e não vai conseguir vencer a sua resis tência ao seu medo de ser totalmente penetra da no interior de seu psiquismo seja pelo re ceio de contagiar e ficar contagiada e tam 416 DAVID E ZIMERMAN bém de ser roubada não só em termos de dinheiro mas igualmente de seus segredos e valores que ela está entregando em confian ça para a analista administrar Também se ria importante que a supervisionanda se aper cebesse que caso venham a se confirmar os temores de Célia ela avisa que também vai abandonar a atual tentativa de análise tal como fez com o antigo namorado e com os dois terapeutas anteriores 4 Creio que todos concordamos com o fato de que uma entrevista inicial não precisa ficar limitada a uma única sessão de sorte que no presente caso tenha sido prematura a pro posta da feitura de um contrato pelas seguin tes razões a não ficou claro o grau de motiva ção da paciente para investir em uma análise b o nível de angústia persecutória está muito intenso e a meu critério faltou uma interpre tação compreensiva que alumiasse as razões inconscientes como aparecem no comentário anterior do medo da análise c como não foi esclarecida para Célia a sua advertência de que ela abandona a quem lhe decepciona é bas tante possível que ela também cogite de fazer um novo abandono 5 Aproveitamos a situação para a novel candidata aprender com a experiência de sor te a iniciar o processo de desenvolver uma ca pacidade de decodificar e transformar as in formações que são narradas pelos pacientes num nível objetivo e concreto para uma com preensão simbólica expressiva da dinâmica do seu mundo interior Também foi destacada a importância do estabelecimento de um rapport de confiança com qualquer paciente especial mente com aquele como no presente caso que esteja fixado em uma esquizoparanóide com evidentes manifestações paranóides e fóbicas Exemplo no 2 O exemplo que segue visa a mostrar dois momentos distintos no curso de duas sessões muito próximas uma da outra de uma análise que já alcança 180 sessões e que é acompa nhada de uma supervisão sistemática Lucas é um arquiteto em torno de 40 anos homossexual que no momento está envolvi do numa relação amorosa com um rapazinho a quem chama de fradinho com um signifi cado de irmãozinho Essa relação vem ad quirindo uma característica perversa de cores cada vez mais evidentes de um forte sadoma soquismo na qual além de ser continuamente humilhado Lucas é submetido pelo seu parte naire a uma exploração de dinheiro desprezo e afins Quando o paciente tinha cinco anos de idade ficou encarregado pelos pais a cuidar de um irmãozinho menor de dois anos e em uma breve distração de Lucas seu pequenino irmão caiu na piscina e morreu afogado Em um primeiro momento da sessão psi canalítica que vamos enfocar o paciente co meça lembrando o ataque terrorista às torres de Nova York comentando que se ele fosse ter rorista atacaria a Estátua da Liberdade A se guir rindo diz não vá me dizer que isso tem relação com a raiva que venho sentindo pelo fradinho O candidatoanalista em seqüência ao que vínhamos trabalhando em relação ao mundo interno do paciente não teve dificul dades em mostrar que havia uma relação com o fradinho sim porém não tanto em relação ao seu parceiro homossexual mas muito an tes disso com o seu real irmãozinho do passa do Mais adiante o candidato assinalou o quan to Lucas está identificado com a vítima isto é com seu irmão morto que na base da lei de talião ataca a sua liberdade e o obriga a ficar escravo de uma relação sadomasoquística com um outro alguém que lhe representa ser seu irmão morto o qual então estaria justifi cado em se vingar dele submetendoo sadica mente com sevícias de toda ordem O paciente aparentemente concordou elogiou o analista por sua argúcia e concluiu dizendo que pretendia voltar a fazer as quatro sessões semanais porque agora está ganhan do mais Na sessão seguinte o candidatoana lista fez alguns arranjos práticos para a combi nação de um quarto horário com uma mani festa satisfação e concordância do paciente porém no dia aprazado Lucas telefonou desfa zendo a combinação Em segundo momento narrada na su pervisão seguinte o supervisionando chegou muito aflito e começou a relatar que algo de sério se passou com Lucas ele teve uma forte crise agressiva comigo e ameaçou interrom per a análise Contou então que no momen to que formulava a sua interpretação de que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 417 pelo fato de que o analista deveria se ausen tar uma semana Lucas se vingava desfazen do a combinação de aumentar uma sessão porque ele sentia o afastamento como um abandono um desamparo da mesma forma como acontecia entre ele e seu parceiro Lucas o interrompeu e em um tom raivoso e amea çador aos gritos pela primeira vez na análi se berrou Chega Esta análise está ficando perigosa pode terminar em agressão física eu nunca perco um desafio acho que vou in terromper este tratamento O supervisionando estava em alto grau de angústia no início da supervisão não sa bendo onde tinha errado a ponto de provo car uma reação tão explosiva COMENTÁRIOS Os seguintes aspectos foram enfocados 1 O surgimento de uma transferência positiva no primeiro momento da primeira sessão relatada não passava de uma transfe rência falsamente positiva pois estava mescla da com idealização negação da importância do que de fundamental o analista lhe dizia um jogo de sedução por meio de promessas que viriam satisfazer o suposto desejo do analista voltar a quatro sessões semanais e coisas equivalentes 2 Em contrapartida o surgimento de uma forte transferência negativa talvez pudesse estar significando um momento altamente po sitivo porquanto o paciente poderia estar en saiando ter manifestações afetivas mais fran cas e verdadeiras assim atestando uma maior confiança no vínculo com o seu analista além da busca de uma autenticidade 3 Na verdade Lucas estava dramatizan do com o analista o tipo de configuração vin cular perversa e tantalizante que ele manti nha com o seu parceiro homossexual fazendo ativamente com o analista aquilo que ele so fria passivamente por parte do seu parceiro irmãozinho facilitando assim um acesso à turbulência de seu inconsciente mais precisa mente da sua parte psicótica da personalidade 4 Esta última manifestavase por um baixíssimo limiar de tolerância às frustrações em geral e especialmente em relação à angús tia de separação em manifestações de arro gância e prepotência o incremento de senti mentos de ódio a substituição da capacidade para pensar por uma impulsividade etc 5 Foi importante assinalar para o super visionando que o paciente tinha uma forte ne cessidade interna de testar a capacidade de o analista conseguir conter e tolerar os seus as pectos loucos o seu ódio e ameaças sem que aquele desmoronasse e que não repetisse com Lucas as penosas experiências emocionais que este teve com a mãe sentia que a profunda depressão da mãe era uma muda acusação con tra ele e com o pai com respostas coléricas contra o menino Lucas 6 Também foi assinalado na supervisão o fato de que teria sido muito útil para a aqui sição de um insight por parte do paciente se o analista pudesse mercê de uma visão bifocal conforme Bion ter assinalado e integrado os dois momentos diferentes do paciente ou seja as partes aparentemente diametralmente opostas que convivem dentro dele como por exemplo o de uma criança frágil travestida de uma aparência pseudoforte porém também com um lado autenticamente adulto e bem sucedido profissionalmente o seu lado afetivo e o colérico e assim por diante 7 Caso o supervisionando não tivesse condições de conter e assim superar a forte carga de identificações projetivas que foram despejadas dentro dele a análise poderia cor rer o risco de uma perversa troca de papéis isto é o analista é que ficaria dependendo e inti midado com o paciente reproduzindo e re forçando antigos e atuais traumas psíquicos de forma repetitiva 8 A repetição estereotipada da conduta sádica e masoquista do paciente na sua vida e na análise permitiu que a supervisão facilitas se a compreensão de que a transferência na si tuação analítica indo além de uma prova da existência de uma compulsão necessidade à repetição segundo Freud comportase como uma necessidade de repetição de penosas e an tigas experiências emocionais malelaboradas e que são repetidas com o analista na espe rança de que este consiga dar um outro signi ficado e desfecho Felizmente neste caso foi isso que aconteceu 9 A turbulência da sessão relatada ser viu para que o supervisionando pudesse viver 418 DAVID E ZIMERMAN a experiência emocional de que a sua angústia inicial na sessão expressava corporalmente aquelas fortes angústias equivalentes abando no etc que o paciente sente há longos anos e não consegue verbalizar com palavras corres ponde ao terror sem nome de Bion 10 O trabalho da supervisão também fi cou voltado para o fato de o supervisionando aceitar e assumir com naturalidade em casos de pacientes bastante regredidos como este seu o surgimento de sentimentos contratrans ferenciais muitíssimo difíceis além de desen volver a capacidade de ao invés de ficar enre dado neles transformálos em uma empatia que possibilite uma melhor sintonia com a par te psicótica da personalidade do paciente ALGUMAS SUGESTÕES Pela indiscutível capital importância que a supervisão representa para a formação de um terapeuta psicanalítico este tema vem mere cendo ultimamente um acentuado interesse dos institutos formadores com a existência mais freqüente de debates um maior espaço nos órgãos de divulgação e novas proposições pe los responsáveis mais significativos De minha parte sempre fazendo a ressalva de que todas as idéias que vou expressar comprometem uni camente a mim não passam de opiniões pes soais e de forma alguma elas representam ofi cialmente as posições de minha sociedade penso que algumas das sugestões a seguir po dem ser úteis Habitualmente por uma série de ra zões compreensíveis o candidato as pira concluir o seu tempo mínimo ne cessário para cumprir o tempo curri cular que é exigido pelo seu instituto Seria utilíssimo para a sua formação que predominasse uma outra atitude interna em relação à supervisão isto é que ele ficasse motivado para pro longar o máximo possível a sua expe riência clínica acompanhada por um supervisor tal como é realizado na França Um dos inconvenientes para isto é o custo econômico Para tanto poder seia adotar em nosso meio um re curso que muitos institutos europeus adotam cada psicanalista supervisor voluntariamente comprometese a abrir espaço para uma duas ou no máximo três supervisões nas quais ele cobrasse do candidato nada mais do que aquilo que este cobra de seu paci ente no curso de uma semana Uma outra vantagem de limitar um número máximo de supervisionados para todos os supervisores é evitar o risco nada incomum de que certos analistas de personalidades excessi vamente narcisistas muito ávidas de discípulos possam reunir pessoas em torno de si com fins de obtenção de prestígio e poder Nesses casos tal como diz o renomado psicanalista francês Fedida estudioso do assunto ele próprio o supervisor podese tornar uma instituição à parte Entre tantas outras uma das vanta gens de uma supervisão continuada e prolongada seria a de propiciar ao can didato a importante experiência de acompanhar as fases finais de uma análise Cabe cogitar da possibilidade de que não houvesse uma ênfase institucio nal embora esta seja mais dissimula da do que explícita de que uma aná lise verdadeira implica a necessida de de que o candidatoanalista tenha que sistematicamente nomearse na transferência Também cabe pensarmos se não pode haver outras formas de supervisão que não unicamente o modelo clássico de apresentação literal de transcrições na base do paciente disse tal coisa e aí eu interpretei que Muitos analistas de reconhecida com petência com larga experiência na função de supervisão vêm se questio nando se uma adequada supervisão deva necessariamente ser de um caso só e exclusivamente nas condições de quatro sessões semanais ou se pode dar à dupla supervisorsupervisonando MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 419 um crédito de confiança de ambos construírem uma relação singular Também existe uma corrente de super visores que recomenda a utilidade de que um mesmo candidato faça suas su pervisões com analistas que tenham orientações teóricas e técnicas diferen tes do supervisor precedente ou de seu próprio analista Seria útil que houvesse uma maior fle xibilidade em relação às naturais exi gências que recaem sobre o supervisio nando tendo em vista que a matéria prima para um analista trabalhar bem é a sua escuta analítica e essa só pode acontecer se ele estiver tranqüi lo sem sentirse pressionado nem por ele próprio e tampouco pela teoria da psicanálise pelo supervisor e pela ins tituição à qual ele pertence Creio ser muito interessante a suges tão dada por Fedida no sentido de que a primeira supervisão deveria priorizar que o supervisor ajude o candidato a tornarse um analista enquanto a se gunda supervisão visa a dar maior li berdade à espontaneidade e à criati vidade do candidato e sobretudo a desenvolver a capacidade para encon trar soluções para situações difíceis Penso que um dos papéis do supervisor é abrandar o superego analítico do can didato quando estiver evidente que este radicalizou uma cega fidelidade a uma única doutrina de pensamento psicanalítico tendo em vista que é muito enriquecedor que ele conheça outras correntes distintas dentro da psicanálise ou até fora destas como é o caso de encaminhálo para outras fontes de conhecimento como para ficar num único exemplo para as re centes e importantes descobertas do campo da neurociência A palavra formação deve ser enten dida como derivada do verbo formar e não do verbo formatar que alude a uma fôrma idêntica para todos caso contrário correse o sério risco de de formar ou de simplesmente titu larizar isto é formartítulos 40 Sonhos Manejo Técnico Sonhar é acordarse para dentro Mário Quintana ram reprimidos constituindo o conteúdo la tente somente sendo permitido que voltas sem à consciência sob a forma de conteúdo manifesto como uma forma de gratificação dos desejos após serem mobilizados por al gum resto diurno passarem pelo crivo da censura onírica e sofrerem a ação do tra balho onírico que por meio de distorções que camuflassem os aludidos desejos se manifes tam através de uma gratificação alucinatória com imagens visuais Partindo dos conhecimentos atuais mui tos autores criticam de forma acerbada as con cepções de Freud acerca dos sonhos no en tanto alguns outros autores mantêm a posi ção de que a essência do que Freud postulou continua vigente e que ademais ele plantou as sementes porém os limitados conheci mentos da época impediramno de colher os frutos de reconhecer o sonho como sendo um processo criativo com uma sofisticada ca pacidade de simbolização expressando o im portante fenômeno da passagem do processo primário para o secundário do pensamento exercendo uma função sintética e reveladora das angústias existenciais Freud também en saiou a valorização dos significantes com a respectiva rede de conexões depois desen volvida por Lacan além da função defensiva dos sonhos No presente capítulo vou me restringir a fazer quase que unicamente uma abordagem dos aspectos que digam respeito à técnica da compreensão e manejo dos sonhos Para tan to sob forma interrogativa empregarei o re curso de fazer um contraponto entre as ques tões suscitadas na obra de Freud a respeito dos sonhos e as concepções dominantes na psica nálise contemporânea provindas de contribui ções de eminentes psicanalistas Na história da humanidade tal como ar caicos relatos bíblicos comprovam por exem plo consta que José filho de Jacó teria sido um exímio interpretador dos sonhos de um faraó egípcio os sonhos acompanham o ser humano desde sempre Como sabemos Freud foi o primeiro cientista que a partir de 1900 começou a dar uma dimensão rigorosamente científica quanto à compreensão da formação e das funções dos sonhos o entendimento dos seus significados inconscientes e algumas re comendações técnicas quanto ao seu manejo Antes das suas descobertas a busca de enten dimento dos sonhos estava entregue a profe tas demiurgos e charlatães em geral que pro curavam extrair anúncios proféticos premoni tórios mensagens de espíritos ou interpreta ções fantásticas Da mesma forma na época em que a ciência começava a dar os seus pas sos mais firmes coube aos filósofos e a alguns médicos neuropsiquiatras tentar desvendar os mistérios e enigmas contidos no ato de dormir e sonhar mas esses não conseguiram passar do plano das especulações além de também insistirem na tecla de emprestar a cada frag mento simbólico de qualquer sonho um de terminado significado específico o qual vale ria para todos as pessoas que sonham Durante e depois de Freud da mesma maneira como mudou significativamente o en tendimento da gênese e significado dos sinto mas e atossintomas assim como também a origem formação decodificação compreensão do simbolismo e dos significados assim como a interpretação dos sonhos sofreram substan ciais mudanças De forma extremamente re duzida podese dizer que Freud até o final de sua obra concebeu o fenômeno dos sonhos como resultante de inconscientes desejos in fantis às vezes proibitivos que por isso fo 422 DAVID E ZIMERMAN O SONHO AINDA É CONSIDERADO A VIA RÉGIA DO INCONSCIENTE Durante muito tempo essa clássica frase de Freud constituiuse como uma verdadeira bandeira para todos psicanalistas a ponto de que o critério para julgar o que definia ser um bom analista era a condição de uma maior ou menor habilidade de interpretar sonhos dando significados aos manifestos conteúdos simbólicos Na atualidade ninguém contesta que o sonho prossegue representando ser uma via importante de acesso ao inconsciente po rém não mais régia porquanto ela não reina absoluta Pelo contrário existem inúmeras ou tras vias que conduzem ao inconsciente como são as múltiplas modalidades de comunica ções nãoverbais como actings somatizações surgimento espontâneo de ideogramas narra tivas de filmes livros com a respectiva identi ficação do paciente com certos personagens etc Muitos analistas já li em trabalhos de americanos do norte chegam a brincar ironi camente dizendo que a via que era régia já está muito esburacada de tanto tráfego pesa do e incessante que ela sofreu Fazendo a res salva de um possível duvidoso gosto dessa pia da cabe afirmar que durante muito tempo houve uma supervalorização dos sonhos no processo analítico AINDA É VÁLIDA A COMPARAÇÃO DE QUE INTERPRETAR SONHOS É O MESMO QUE DECIFRAR HIERÓGLIFOS OU UMA CARTA ENIGMÁTICA Essas metáforas de Freud em grande par te continuam válidas sim até porque ele fez a feliz analogia de que as representações utiliza das nesses mecanismos são símiles e metáfo ras em imagens semelhante às do discurso po ético de modo que estabeleceu uma ligação entre os processos oníricos e a linguagem sim bólica e metafórica Na verdade todo analista considera ser um fascínio especial o entendi mento e a interpretação dos sonhos do pacien te visto que o desafio é mais instigante pois o inconsciente surge com toda a sua complexida de cheia de contradições e enigmas fato que é coerente com a própria essência do inconscien te em que não existe ordenação de tempo an tes depois presente passado de espaço dentro fora aqui lá longe e tampouco lógica coerência e obediência à ordem dos acon tecimentos Assim um fato pode ter acontecido antes de outro e no sonho aparecer invertido personagens adultos em uma casa que lembra a do passado quando eram crianças pequenas e assim por diante É fascinante o apelo para um analista tentar decodificar tudo isso A DECODIFICAÇÃO DOS SÍMBOLOS DO SONHO CONTINUA SENDO O ESSENCIAL NA INTERPRETAÇÃO Essa prática que era a rotina recomen dável na época pioneira hoje considerada de forma isolada de um contexto mais amplo a interpretação de fragmentos com um simbo lismo por mais rico e interessante que este seja correse o risco de o analista estar menos inte ressado no paciente e mais ligado no seu narci sismo que o incentiva e desafia a fazer belas interpretações às vezes imaginárias intelec tualizadas de um determinado aspecto parci al divorciado da totalidade Ademais um ou tro risco consiste na possibilidade de o analis ta traduzir um determinado símbolo baseado em um paradigma universalmente aceito como único Por exemplo nos primeiros tempos em que de longe predominava o paradigma da sexualidade reprimida sonhar com facas re vólveres ou figuras assemelhadas era inevitá vel que essas imagens seriam traduzidas como sendo representante do pênis assim como so nhar com figuras com formas de concavidade como caixas etc quase certamente seriam in terpretadas como equivalentes à genitália fe minina à espera de uma introdução Como exemplo vou relatar uma expe riência pessoal no início da década 60 No iní cio da minha formação então como psiquia tra e terapeuta analítico a paciente que eu su pervisionava com um colega mais experimen tado sistematicamente me trazia sonhos nos quais apareciam cobras Meu supervisor me provava que se tratava de uma inveja do pênis e me induzia a assim interpretar Embo ra em sucessivas supervisões meu bom super MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 423 visor insistisse nessa tecla caso contrário ele afiançava a terapia analítica com essa pacien te decairia em uma estagnação para uma cres cente aflição minha eu não conseguia encai xar o pênis na interpretação sugerida Essa situação perdurou mais algum tempo até que a paciente enquanto desabafava contra a sua sogra fez uma exclamação dramática mas também essa cobra que é a minha sogra ela é horrível ela que me fez subitamente pen sar na possibilidade de que a cobra naquela paciente em particular não estaria represen tando o pênis mas sim a sogra no caso re presentante da mãe internalizada vivenciada como tendo sido tal qual uma cobra veneno sa dando botes traiçoeiros destilando vene no de forma subreptícia maligna etc Mais recentemente uma outra paciente sonhou que ela estava de gravata a qual tinha um estam pado que lembrava uma cobra a gravata foi virando cobra de verdade que ia se enroscan do em seu pescoço e a estrangulando etc A análise que seguiu dentro do contexto geral nos remeteu a uma antiga fantasia sua de que na gestação e no nascimento ela poderia ser estrangulada pelo cordão umbilical da mãe Usei esses exemplos para mostrar o quanto um mesmo símbolo pode adquirir múltiplas e dis tintas significações dentro de um contexto mais amplo O SONHO É SEMPRE UMA REALIZAÇÃO DE DESEJOS Essa clássica afirmativa de Freud conti nua despertando muita polêmica entre os psi canalistas visto que de alguma forma todo sentimento humano de forma direta e próxi ma ou indireta e remota conserva alguma re lação com o desejo principalmente se levar mos em conta que a formação do desejo se ori gina de inevitáveis faltas ocorridas no passa do que estão à espera de serem preenchidas Entretanto a partir dos teóricos das relações objetais sob a liderança de M Klein o so nho deixou de ser unicamente uma realização de algum desejo e ganhou a relevância de tam bém ser considerado como uma forma de co municação às vezes de sentimentos muito pri mitivos por meio de um código estabelecido entre o par analítico É necessário levar em conta que as principais concepções de Freud acerca dos sonhos datam de uma época muito anterior à sua formulação da pulsão de morte que com os respectivos impulsos destrutivos indo além do princípio do prazer também determinam uma enorme parte da vida psíqui ca inconsciente O que importa destacar é que na psicanálise contemporânea se considera que muitas vezes mas não sempre os so nhos podem significar uma realização de de sejo no entanto isso não é o principal pois está ficando consensual entre os analistas o fato de que o surgimento de sonhos no paciente durante certos períodos do processo analítico à moda de uma espécie de retrato do atual mo mento de sua realidade psíquica denota que a mente do paciente está silenciosamente tra balhando O QUE SIGNIFICA A MENTE ESTAR TRABALHANDO DURANTE O SONHO Utilizo esta expressão para caracterizar que já está superada a época em que se procu rava extrair uma relação de causa quase sem pre desejos libidinaisefeito disfarces dos desejos e a interpretação incidia quase que totalmente nos significados dos símbolos que estariam traduzindo as causas e os efeitos dos conflitos reprimidos Na atualidade antes das causas o analista está mais voltado em co nhecer as razões que determinaram em um certo momento um sonho específico ou as co nexões entre vários sonhos sonhados em uma mesma noite em busca das possíveis significa ções das angústias que estão em ebulição no psiquismo interior Ademais o analista deve permanecer atento a como a mente do anali sando está tentando encontrar soluções inte grar gerar novos significados enfim elaborar as necessidades desejos demandas e confli tos que sob forma de lembranças já estavam representadas no ego de longa data e que agora reativadas por restos diurnos como não puderam ser colocadas em palavras se ex pressam por meio da primitiva linguagem por meio de imagens e associações visuais à es pera que o analista consiga traduzir seus sen timentos em uma linguagem verbal 424 DAVID E ZIMERMAN QUAL É O CONCEITO DE RESTOS DIURNOS É importante destacar que os assim de nominados por Freud restos diurnos po dem resultar de situações estressantes ou trau máticas ou provocados por algum muitas ve zes inaparente impacto emocional da vida co tidiana Entretanto na vigência da análise os aludidos restos diurnos quase sempre se cons tituem do trabalho analítico desenvolvido nas sessões de véspera significando pois o aspec to bastante positivo do ponto de vista da aná lise de que os assinalamentos interpretativos que o analista esteja fazendo estão encontran do ressonância na mente do analisando CONTINUA VÁLIDA A AFIRMATIVA DE QUE O SONHO É O GUARDIÃO DO SONO Esta afirmativa de Freud uma das mais conhecidas fundamentada na idéia de que se os desejos proibidos encontram realização poupam o sonhador de gastar energias psíqui cas e de ter que se manter alerta para garantir a censura e a repressão contínuas assim per mitindo que ele durma com um sono tranqüi lo continua valendo porém só muito parcial mente Alguns autores advogam uma idéia con trária ou seja que é um estado de sono que propicia a importante função do sonho Já Bion é um dos autores que concordam com Freud que uma das funções do sonho consiste em pro teger o sono caso contrário diz ele o pacien te não pode sonhar não pode muito menos dor mir nem acordar O que todos concordam é que essa afirmativa de Freud hoje é por de mais simplista e deixaria de considerar a in tervenção de muitos outros fatores na produ ção e significação dos sonhos inclusive os de ordem neurofisiológica de sorte que raramente alguém contesta que os sonhos representam uma plurifuncionalidade uma pluridimensio nalidade Para dar um único exemplo de uma das múltiplas funções do sonho basta lembrar que já em 1952 Fairbairn fazia uma metáfora do sonho com a linguagem cinematográfica afir mando que os sonhos têm a função de apresen tar um short curta metragem da realidade in terior da pessoa em um dado momento da sua vida ou da análise Assim outros exemplos de que nem sempre o sonho está protegendo o sono do sujeito seriam aqueles antes mencio nados sonhos que representam uma saudável tentativa de elaboração tal como por exem plo acontecem sonhos típicos na fase de tér mino de uma análise que permitem um mais claro acompanhamento de como o psiquismo do paciente está processando as suas vivências emocionais com a finalização de sua análise formal QUAL É A LIGAÇÃO DOS SONHOS COM A NEUROFISIOLOGIA A ligação começou a partir dos anos 50 por meio de investigações experimentais da descoberta psicofisiológica dos movimentos oculares durante o sonhar e das formas como aparecem os traçados eletroencefalográficos no curso de certas fases do sono especialmente o período que passou a ser chamado de REM em inglês significa rapid eyes movementes o qual designa que o sono está sendo acompanhado por um movimento rápido dos olhos Quando a pessoa adormecida seja despertada durante essa fase ela é capaz na maioria das vezes de narrar o sonho contrariamente às outras fases do sono Em contrapartida quando durante a fase REM o sono for sucessivamente interrom pido isso pode provocar importantes distúrbi os durante a vigília um comportamento alucinatório no animal transtornos na perso nalidade alguma eventual situação psicótica mudanças de caráter e diminuição na eficiên cia Tais descobertas causaram um grande en tusiasmo entre os pesquisadores da área e es tabeleceramse laboratórios que prosseguem ativamente nos dias atuais para os estudos que acompanham o dormir o sonhar e a atividade onírica durante toda a noite de sono Na atualidade o campo das neurociên cias e inclusive o movimento que está sendo denominado como neuropsicanálise relatam achados experimentais que comprovam que existe uma integração de experiências emocio nais recentes com o registro de memórias per manentes de traumas passados Um aspecto interessante a ser consignado é o fato de que MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 425 os fenômenos que ocorrem na fase REM e as mais recentes pesquisas de modo genérico estão confirmando as hipóteses de Freud ALÉM DE FREUD EXISTEM IMPORTANTES CONTRIBUIÇÕES DE OUTROS AUTORES Sem dúvida De forma excessivamente sintética além das já referidas contribuições dos cientistas da moderna neurociência vou me restringir a mencionar apenas as contribui ções dos seguintes autores psicanalistas 1 Melanie Klein teve o mérito de equi parar os sonhos segundo as concepções de Freud com a forma de como a criança brinca com os jogos desenhos e brinquedos Diferen temente de Freud ela sobretudo valorizou a importância das fantasias inconscientes liga das às relações objetais internas que se expres sam por meio do simbolismo dos sonhos O terceiro aspecto introduzido por M Klein este de natureza técnica e muito discutível na atua lidade referese à recomendação que os sonhos sempre devem ser vistos e interpretados no aquiagora como uma mensagem transfe rencial 2 Psicólogos do ego estes autores norte americanos enfatizaram a utilização do ponto de vista estrutural na compreensão dos sonhos ou seja como se manifestam as pulsões do id as funções do ego e a censura do superego e a interrelação entre essas instâncias psíquicas Por conseguinte eles reduziram a obrigação que o analista tinha de fazer uma sistemática decifra ção do conteúdo latente que estaria contido em qualquer fragmento do conteúdo manifesto 3 Lacan este genial e polêmico autor em seu retorno sobre Freud fundamentado na extraordinária importância que deu aos signifi cantes e significados preferia falar em signifi cância dos sonhos em lugar do clássico in terpretação dos sonhos Segundo ele o sonho permite descobrir a verdade do desejo de um sujeito desejante 4 Winnicott coerente com o seu corpo teórico Winnicott considerou o sonho como uma atividade lúdica de modo que em rela ção ao manejo técnico ele recomenda que ana lista e paciente façam uma espécie do jogo do rabisco em torno do entendimento do sonho até formarem um desenho do mesmo Winnicott chegou a afirmar que o analista não deve sa ber demais a ponto de poder ofuscar a criativi dade do paciente Outra frase significativa des te autor é que o importante não é tanto a in terpretação do sonho mas sim o fato de ele ter sido sonhado 5 Meltzer teceu fortes críticas às concep ções originais de Freud sobre os sonhos e pos tulou que eles devam ser considerados como imagens de uma vida onírica que está em um contínuo processamento independentemente se o sujeito estiver dormindo quando cabe cha mar de sonhos ou acordado quando corresponde às fantasias inconscientes Meltzer 1984 afirma que não gosta da ex pressão interpretação do sonho e propõe que o termo formulação seria mais adequado levando em conta o fato de que se trata de um processo de sucessivas transformações como a de uma imagem visual para uma verbal de uma forma simbólica para outra Do ponto de vista da técnica de interpretação ele recomen da que os analistas evitem proceder como apa rece na obra de Freud isto é fazer a tradução do sonho como se fosse uma língua estrangei ra Pelo contrário diante dos sonhos relatados o analista deve estar em um estado de sem memória e sem desejo ele menciona a Bion de modo a escutar o paciente com isenção e poder observar as imagens oníricas ideogra mas que surgirem em sua própria mente 6 Bion partindo da idéia de que a emo ção é anterior à razão ele considerou os so nhos sob o ponto de vista da predominância de elementos alfa que formam a barreira de contato e possibilitam a função de pensar e poder simbolizar ou dos elementos beta que formam a pantalha beta e cuja função li mitase mais a serem evacuados A partir daí Bion repetiu muitas vezes que psicóticos não sonham Em termos genéricos Bion postulou que a mente sonha as experiências emocio nais conscientes e as armazena no inconscien te onde permanece como memória ou como elemento propiciador do pensamento Os fa tos armazenados na memória adquirem a for ma de imagens oníricas que recebendo estí mulos internos ou externos podem se mani festar nos sonhos durante o sono ou como ideogramas no estado de vigília 426 DAVID E ZIMERMAN QUESTÕES SOBRE A PRÁTICA ANALÍTICA COM SONHOS Psicóticos sonham Bion em seus textos sobre pacientes psicóticos costumava afirmar que os psicóticos mais graves não sonham pois a capacidade para fazer simbolizações matériaprima na produ ção de sonhos está seriamente comprometi da O que parece ser sonho completa Bion não é mais do que uma evacuação de restos diurnos mais traumáticos Particularmente creio ser exa gerada a afirmativa de Bion pronunciada de forma algo absoluta de que psicóticos não so nham visto que segundo ele próprio sempre coexiste no psiquismo psicótico uma parte não psicótica a qual penso pode manter uma razoá vel função simbólica A propósito L Grinberg 1995 um im portante seguidor de Bion após afirmar que os sonhos podem ser usados como continen tes que libertam os pacientes de tensões ele vadas descreve três tipos de sonhos 1 os evacuativos que ocorrem com pacientes psi cóticos borderline e em neuróticos quando estão em alto grau de regressividade 2 os sonhos elaborativos que têm uma função de finida de elaboração e que quanto maior for a sua produção menor é a tendência ao acting e viceversa 3 sonhos mistos em que ambas as formas se alternam A interpretação deve abranger detalhe por detalhe de todos fragmentos do sonho Na época pioneira da interpretação dos sonhos de fato Freud dedicava uma atenção especial em cada detalhe e a detalhes do de talhe de cada sonho assim procedendo por duas razões principais A primeira é que en tão ele priorizava na psicanálise a sua face de investigação A segunda razão é que Freud partia do princípio de que a psicanálise deve ria se comportar como um trabalho arqueoló gico ou seja todas as camadas que pudessem estar encobrindo as primitivas construções de veriam ser examinadas em profundidade para se atingir as repressões que jaziam no fundo do inconsciente Existem relatos completos de sonhos que consagraram Freud como por exemplo o famoso sonho de Irma ou o so nho pedese não fechar os olhos entre ou tros mais sonhados pelo próprio Freud En tretanto é no sonho do homem dos lobos de 1914 refiro àquele sonho do seu paciente que depois de divulgado por Freud o fez fi car famoso em que aparecem alguns lobos brancos empoleirados na árvore em frente de sua janela tendo ele despertado aterrorizado pelo medo de ser comido por eles é que se torna possível observarmos de perto como Freud examinava detida e exaustivamente to dos os mínimos detalhes a ponto de que uni camente a análise desse sonho haver se pro longado por meses Na atualidade as coisas não se passam mais assim pois o levantamento arqueológico cedeu lugar a uma valorização do sonho como um importante método de comunicação de sorte que o analista está mais atento ao todo de um determinado contexto atual do que às descobertas das repressões do passado Os sonhos devem ser interpretados sempre na transferência M Klein e seus seguidores imediatos obe deciam à risca essa recomendação Na atuali dade da mesma forma como existem mudan ças quanto à atividade interpretativa em ge ral também em relação aos sonhos o analista deve ter a cautela de não incorrer no abuso de um reducionismo transferencialista em que força a permanente nomeação de sua pessoa Muitas vezes os sonhos não estão mais do que comunicando movimentos no interior do psi quismo inclusive os de natureza elaborativa que nada tem a ver de forma direta e imediata com o seu analista Existem sonhos típicos De certa forma sim Vale citar como exemplos os sonhos que acontecem no início de uma análise os quais são bem distintos dos sonhos que acompanham a fase de término do tratamento analítico O aspecto mais típico que surge nos sonhos dos primórdios da análise é a comunicação por meio de símbolos oníricos MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 427 de uma alta ansiedade persecutória que tra duz o receio do paciente diante de uma situa ção nova e desconhecida Unicamente para exemplificar lembro de dois pacientes um deles já na primeira ses são relatoume um sonho no qual seu carro estragou ele o levou a uma oficina bem reco mendada no entanto o técnico encarregado do conserto após ter mexido um tempão no motor entregou o automóvel como estando solucionado e novinho em folha cobrou um dinheirão e dois dias depois o carro voltou a estragar A alusão a que o mesmo se repetiria na análise está mais do que evidente Um ou tro sonho de início de análise consistia em um combate aéreo entre forças inimigas com bom bas sendo jogadas sobre a terra produzindo destruição e morte Também está transparen te que o paciente comunicava a ansiedade de que ele tinha medo de sua agressividade destrutiva e por identificação projetiva tinha o pavor de que houvesse uma retaliação do analista com a mesma carga de destruição Já os sonhos da fase do término da análise carac terizamse por imagens que sugerem mudan ças como reformas de casas viagens algum temor de situações imprevistas etc sonhos estes que de forma geral podem servir como uma excelente amostragem de avaliação das reais condições do paciente diante do final de sua análise Alguns autores descrevem sonhos típicos de pacientes somatizadores assim como em algumas outras formas de psicopatologia Um mesmo sonho permite interpretações diferentes Em reuniões científicas nas quais são fei tas apresentações coletivas de casos clínicos é possível observar com muita freqüência que diante do surgimento de algum sonho integran te do relato clínico do apresentador os diver sos analistas presentes que estão debatendo esse caso procedam a interpretações subjeti vas de um mesmo sonho às vezes de forma convergente porém em outras vezes cada um tem a sua maneira particular de entender e in terpretar o que não raras vezes conduz a uma situação algo caótica Essa divergência acon tece quando predomina um interesse mais di retamente voltado à decifração subjetiva dos símbolos oníricos separadamente enquan to a convergência de opiniões prevalece quan do nos comentadores do sonho que surgiu a atitude prevalente objetiva é a de encarar o conteúdo manifesto dentro de uma perspecti va mais ampla e holística que o contexto do caso clínico em suas várias dimensões permi te observar Também é comum acontecer que na hi pótese de os analistas que interpretem um mesmo sonho pertençam a distintas correntes do pensamento analítico é natural que o enfoque da interpretação seja igualmente di ferente o que não necessariamente represen ta que um esteja certo e o outro equivocado antes é bem mais provável que sejam perspec tivas que possam se complementar Por exem plo o menino Fritz atendido por M Klein so nhou que um oficial imobiliza a criança e a assusta com ameaças Possivelmente os freudia nos interpretariam prioritariamente a angús tia de castração provinda de um pai castrador enquanto os kleinianos fariam a interpretação centrada na identificação projetiva na pes soa do analista isto é na transferência do objeto interno pai mau ou preferentemente de uma mãe perseguidora assim como tam bém caberia a interpretação de que se tratava de uma projeção do ódio que o menino tinha contra o pai Muito provavelmente um psicó logo do ego ou Bion Meltzer Lacan Winnicott teriam outros vértices de percepção e de inter pretação Continua válida a máxima de que todo sonho que não se interpreta é uma carta que fica sem ser aberta Esta sentença foi extraída do Talmud li vro da sabedoria judaica o que demonstra que já há milênios existia uma intuição de que os sonhos representavam como uma importan te forma primitiva de comunicação daquilo que não foi dito Embora continue sendo inquestio nável a relevância que representa um sonho poder ser decifrado e comunicado sob forma de palavras Para os dias de hoje essa afirma tiva talmúdica parece ser um tanto exagerada no mínimo por duas razões A primeira é que muitas outras formas de comunicação nãover bal podem resgatar o mesmo sentido que esta 428 DAVID E ZIMERMAN va na carta nãoaberta do sonho A segunda razão é que a importância não reside sobre maneira na dissecação completa de um deter minado sonho mais importante do que isso é por exemplo o analista conseguir fazer o en cadeamento de significados entre os inúmeros sonhos parciais que muito comumente foram sonhados em uma mesma noite O objetivo do analista será então o de juntamente com o resto diurno e mais as li vres associações do paciente poder fazer uma integração uma síntese e a descoberta de um denominador comum entre alguns dos ele mentos o analista não necessita ser um obses sivo exagerado sentindose na obrigação com pulsória de interpretar detalhe por detalhe to das as imagens visuais que surgiram que este jam presentes nos diversos fragmentos de to dos os sonhos relatados Assim cabe a metáfo ra de que em uma floresta mais importante do que examinar árvore por árvore se observe a floresta como um todo o analista possa rea lizar uma espécie de fotografia de todo con junto e produzir um enredo provavelmente evocativo de um análogo script do seu passado do atual momento da dinâmica do psiquismo do paciente em relação à sua análise O relato de sonhos pode funcionar como uma forma de resistência à análise Da mesma forma como os relatos verbais que algum paciente esteja fazendo possam es tar funcionando como uma preciosa fonte para comunicar algo significativo ou pelo contrá rio que as narrativas estejam sutilmente a ser viço de uma nãocomunicação resistencial também os relatos que o paciente faz de seus sonhos podem comportar essas duas possibili dades A função de comunicação é incontestá vel porém cabe ao analista ficar atento à pos sibilidade de por meio dos sonhos determi nados pacientes de forma nãodeliberada pre tendam seduzir o analista eles partem da idéia generalizada de que os analistas adoram os pacientes que trazem sonhos bonitos assim como também costuma acontecer que com o objetivo inconsciente a serviço da resistência por meio de um sutil ataque à capacidade ana lítica do terapeuta algum paciente pretenda deixar o analista confuso ou entediado Nesse último caso quase todo analista já passou pela experiência de certos analisan dos que pelo menos em algumas fases da aná lise trazem uma torrente de sonhos intermi náveis com uma pletora de personagens e ce nas que se misturam e se confundem ou rela tam sonhos que são falsamente profundos Tudo isto pode estar a serviço da resistência porquanto a um mesmo tempo em que esse paciente gratifica o analista também o dei xa mais perplexo e confuso com um sensível prejuízo em sua capacidade de compreender a mensagem dos sonhos logo de interpretálos adequadamente Qual é o papel do analista diante do relato dos sonhos Esta questão pode ser considerada como fundamental para os propósitos do presente capítulo visto que desde o pioneirismo de Freud até os dias de hoje muita coisa referen te à função do analista diante dos sonhos que o paciente aporta à análise sofreu profundas transformações Com um estilo telegráfico cabe destacar os aspectos que seguem Atitude do analista Em vez de ficar numa atitude mental de descobrir as estratégias que os disfarces do sonho representam para ocultar determina dos conflitos o analista deve acredi tar que por mais camuflado que o so nho se manifeste ele visa comunicar algo que o paciente não sabe e que por mais resistente que esteja no fun do ele anseia que o seu analista con siga decifrar e pôr em palavras que lhe façam um sentido esclarecedor Estado mental de sem memória sem desejo e sem ânsia de compreensão imediata Esta postura inspirada em concepções de Bion que as advoga como uma condição mínima necessá ria para o analista durante todo o cur so da análise mais particularmente diante do sonho que ele está escutan do do paciente refere que o analista não pode estar com a sua mente saturada por prévias concepções e sig MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 429 nificações que certos símbolos lhe ins pirem Na verdade é útil que no lu gar de uma atitude determinista isto é a busca de causas que unicamente determinam os efeitos deve ficar uma atitude hermenêutica essa palavra deriva de Hermes deus grego que entre outras tarefas era encarregado de transportar mensagens logo a co municação entre os deuses do Olim po e daí hermenêutica significa a arte de decifrar textos ambíguos e obs curos como por exemplo podem ser alguns que constam da Bíblia Essa condição mental despojada junto com uma escuta interessada e voltada para uma integração dos múltiplos peda ços do quebracabeças que o sonho despertou é que vai possibilitar que o analista sonhe a sessão Capacidade de sonhar a sessão Essa terminologia alude à condição de o analista observar os fatos psíquicos se desenvolvendo na sessão com uma particular atenção voltada para o sur gimento de pictogramas ou ideo gramas isto é a formação de ima gens visuais em sua própria mente de uma forma equivalente à possibili dade de conforme Freud observar e transformar os conteúdos manifestos do sonho em conteúdos latentes com os respectivos significados A forma ção espontânea dos ideogramas está diretamente ligada à capacidade de o analista estar no estado mental de sem a mente saturada por memória e desejos tal como foi descrito no item anterior Evitar ficar no papel de sujeito supos to saber Com esta expressão Lacan designa o fato de que o paciente mer cê de uma exagerada idealização do analista delega este a função de quem sabe e pode tudo Assim relativamen te aos sonhos é comum que muitos pacientes insistam que cabe unicamen te ao analista a condição de saber in terpretar corretamente o sonho que ele paciente sonhou sob o argumen to de que é o terapeuta que entende das coisas do inconsciente durante muito tempo os analistas incentivaram essa posição Participação conjunta do par analíti co Pelo contrário do que foi dito aci ma cabe ao analista incentivar que o paciente transmita as suas impressões acerca de seu sonho que faça o exer cício de associação de idéias senti mentos e imagens independente mente se elas estarão corretas ou não Esta última afirmativa é impor tante na medida em que em respos ta ao estímulo do analista o pacien te imagina que o terapeuta esteja à espera de que ele paciente faça uma interpretação psicanalítica do sonho que ele sonhou Por isso o analisan do fica inibido de emitir sensações opiniões associações e à sua moda o direito de se arriscar a fazer inter pretações Creio importante o paciente participar do entendimento e da elaboração dos seus sonhos especialmente na fase de término da análise como exercí cio de um recurso a mais na constru ção de sua função psicanalítica da per sonalidade que vai lhe propiciar a con tinuação de sua interminável auto análise Construção do sonho à moda do jogo do rabisco Reiterando o menciona do o procedimento ideal é que em um contínuo de associações analista e paciente vão construindo cada um faz os seus rabiscos uma espécie de desenho do significado do sonho com um sentido afetivo para ambos Para tanto é necessário que fique bem cla ro para o paciente e também para o analista que não está se tratando de um fascinante exercício de decifração meramente intelectual mas sim o de juntos transformarem o enredo do sonho com as respectivas imagens vi suais em uma linguagem verbal A partir desta tentar resgatar os emocio nais restos diurnos desencadeantes as 430 DAVID E ZIMERMAN antigas representações que estão im pressas no ego do sonhador e que con figuram o permanente teatro encena do no seu psiquismo interior as fan tasias inconscientes bem como as emo ções que deram origem e aparecem co dificadas no sonho Sonhos do analista Depois de Freud raramente algum analista revelou seus próprios sonhos Segundo pesquisas a maior parte dos sonhos do analista sucede como uma reação de tentativa de elaboração diante de uma intensa transferência erótica ou agressiva É evidente que nem todos os sonhos do analista têm ligação com a sua vida profissional entretanto um claro in dicador que o seu sonho possa estar significando que se trata de um sonho contratransferencial é quando a figura de algum paciente ou de alguém mui to assemelhado surge no sonho Nes ses casos uma autoanálise que o ana lista faça do seu sonho pode se consti tuir como uma excelente bússola para que ele comprenda com mais clareza a sua contratransferência ou seja o que está se passando no plano incons ciente da relação analítica Sonhos como avaliação da evolução da análise É bastante freqüente que um determinado tipo de sonho repi tase conservando as mesmas cenas ao longo da análise Entretanto o papel do analista consiste em reconhecer os elementos desses sonhos repetitivos que são invariáveis porém ele deve se manter atento para perceber se não estão ocorrendo algumas transforma ções por mínimas que pareçam ser tanto de detalhes cenários como tam bém das significações Isso somado às associações do paciente mais o con texto geral do momento analítico pro picia um entendimento mais claro e um excelente indicador da marcha da aná lise se ela está estagnada ou em um possível franco progresso no sentido de efetivas mudanças na estrutura do psiquismo interior do paciente Um exemplo que me ocorre é o de uma paciente que praticamente desde a primeira sessão traziame sonhos nos quais apareciam casas nessa época do início da análise eram casebres malo cas escuras de chão com terra batida com crianças magras famélicas rodea das de gente perigosa e coisas do gê nero É fácil perceber que através dessas imagens visuais a paciente es tava comunicando ao analista o quan to ela sentiase uma criança esfomea da de proteção compreensão preen chimento de vazios e como a sua casa interior estava em ruínas À medida que os anos de análise iam transcorrendo ela continuou sonhan do com casas porém gradativamente as peças da casa iam aparecendo mais amplas arejadas com janelas permi tindo a entrada da luminosidade do sol uma vizinhança amiga etc Como me parece que esse exemplo ilustra com muita evidência que as transfor mações de um mesmo tipo de sonho estejam traduzindo as transformações internas do analisando dispensome de comentálo Significações subjetivas do analista Provavelmente deixei este tópico para o final justamente por considerar ser de especial importância o fato de que um mesmo aspecto do conteúdo ma nifesto de um sonho pode tomar uma significação equivocada dentro dele e portanto na interpretação que formu lará ao paciente o que eventualmen te pode gerar efeitos iatrogênicos no paciente Vamos a um ou dois exem plos triviais porém o suficiente para transmitir a idéia que esse aspecto é relevante Uma analisanda próximo da fase final da análise relutava de forma muito ambivalente em relatar o seu sonho de véspera Como costumo fazer deixei claro que respeitaria sua decisão de ela não con tar o sonho porém que muito mais importante que propriamente o con teúdo do sonho era o porque ela es MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 431 tava tão inibida constrangida e até me parecia sofrida A paciente respon deume que já tivera um sonho prati camente igual e que seu terapeuta de um tratamento anterior fezlhe uma interpretação que a deixou mal por muito tempo e acarretou uma decep ção com análise e analistas Dito isso ela decidiu relatar era um sonho em que entre assustada e com uma pon ta de prazer ela assistia uma cena em que a sua mãe em meio de um ambi ente como muito lixo e sucata estava morrendo por um homicídio A inter pretação que lhe tinha sido dada na quela ocasião especialmente no frag mento de sua reação prazerosa era a de que o sonho evidenciava o seu lado sádicodestrutivo devido a uma forte inveja primitiva que ela tinha da mãe da mesma forma como na transfe rência era com ele o analista ou seja ela comunicava que desejava a morte da mãe Independentemente da possibilidade de que o contexto naquela época da análise anterior pudesse ser bem dife rente do momento atual ou se a paci ente distorceu o que ouviu de seu te rapeuta de então a verdade é que o entendimento do atual sonho foilhe formulado como sendo a expressão de uma mudança corajosa dentro dela isto é para que ela adquirisse o direi to de construir a sua verdadeira iden tidade ela necessitava conservar mui tas das coisas e valores que admirava na mãe porém também se impunha a necessidade de matar muitos aspec tos da mãe internalizada que ela de testava não fechavam com o seu jei to autêntico de ser ou seja ela estava dando os primeiros passos decisivos e sadios em busca de uma parcial desidentificação com a figura materna Assim através do sonho ela demonstrava que estava realizando o insight de que para ga nhar algo é necessário perder um outro algo ou alguém de sorte que estava executando a tare fa de ter que desocupar um grande espaço den tro de seu psiquismo ocupado por velharias sucata imprestáveis para poder ocupar o mesmo espaço com novos valores e identifica ções mais sadias isto é com neoidentificações Daí a explicação da razão pela qual a um mes mo tempo ela queria e temia relatar o sonho estava aterrorizada pela perda de uma parte da mãe e assistindo com prazer que era uma sa dia morte figurada necessária para gerar vida 41 Glossário de Conceitos e Termos Propostos pelo Autor é importante na prática clínica estabelecer uma diferença entre ambos os conceitos Nesse sentido agressão alude mais direta mente à pulsão sádicoagressiva nos termos des critos por M Klein de forma profunda e exaus tiva Agressividade por sua vez tal como revela a etimologia ad gradior representa um movimento gradior para a frente ad uma saudável forma de protegerse contra os preda dores externos além de igualmente indicar uma ambição sadia com metas possíveis de alcançar Em resumo na agressão predomina a pulsão de morte destrutiva enquanto na agressividade prevalece a pulsão de vida construtiva Se o ana lisando não as discriminar e pior que isto se o analista também não discriminar quando é uma ou a outra corre o sério risco de bloque ar seu pleno direito de liberar sua energia agres siva positiva garra ambição adequada deter minação sagrado direito de contestação etc por temer que seja perigosa e condicionar um revide persecutório igualmente perigoso ou uma destruição do objeto atingido Costumo utilizar uma metáfora que escla rece melhor essa última afirmativa imagine mos uma queda dágua de grande altura e cor renteza ela pode ter os seguintes destinos 1 arrasar e destruir tudo o que está na superfície abaixo por exemplo uma lavoura isso seria o simbolismo da agressão destrutiva 2 a ener gia hídrica poderia ser canalizada de tal modo que irrigasse as lavouras da redondeza fertili zandoas de forma altamente saudável 3 ou esta energia provinda da água poderia movi mentar uma usina geradora de energia elétri ca 4 essa eletricidade por sua vez poderia gerar calor ou luminosidade toda vez que ela tiver no seu trajeto a colocação de alguma re sistência repare leitor que já estou fazendo uma analogia com a situação psicanalítica e assim por diante Decidi incluir este capítulo tendo em vis ta que os leitores ao longo do livro irão se deparar com alguns termos e conceitos que não fazem parte da literatura psicanalítica o que pode gerar alguma dificuldade de compreen são São contribuições que ouso fazer pois para a minha experiência particular de clínica psicanalítica do diaadia elas têm se mostra do muito válidas ajudandome a compreen der melhor a situação do campo analítico e logo o respectivo manejo técnico No entanto resta óbvio que cabe a cada leitor mercê de seu juízo crítico e de sua expe riência pessoal aceitálas ou não Também é dispensável reconhecer que não tenho nenhu ma pretensão de ser um criador original tanto que todos os conceitos e nomes propostos por mim já devem ter sido abordados por distin tos autores de alguma forma ou outra Destarte se houver alguma redundância no sentido daí constar algum termo ou conceitua ção que tenha escapado à minha vigilância peço desculpas antecipadas Não é rara a even tualidade de que uma vez publicada determi nada terminologia própria eu descubra algu ma publicação anterior de outro autor referin do praticamente a mesma coisa entretanto a recíproca também existe Seguirei uma ordem alfabética na expo sição dos verbetes procurando ser o mais sin tético possível o suficiente para ser compre endido pelo leitor AGRESSIVIDADE CONSTRUTIVA E AGRESSÃO DESTRUTIVA Entendi ser útil juntar estes dois termos porquanto comumente são confundidos en tre si não só na mente dos pacientes mas tam bém muitos terapeutas os confundem Por isso 434 DAVID E ZIMERMAN Na situação da técnica analítica esse con ceito ganha grande importância tendo em vista que muitas vezes a manifestação agressiva do paciente contra o analista ao contrário de que possa parecer uma agressão talvez esteja reve lando que o paciente sente maior confiança no vínculo íntimo que está estabelecendo com seu analista confiando mais que este saberá conter não revidar e tampouco baquear deprimido ou destruído como acontecia quando esta mesma experiência repetiase com seus pais no passado Considero um erro técnico o fato de o ana lista não reconhecer o lado sadio de uma de terminada manifestação de aparência agressi va por parte do paciente ANTICORPOS EMOCIONAIS Todos conhecemos aquele tipo de pacien te que no curso de uma conversa na qual o interlocutor pode ser o analista esteja lhe di zendo coisas que ele não concorda ou sequer admite uma posição contrária à sua toma uma atitude de nada escutar não pára para refletir um segundo que seja sobre o que lhe está sendo dito Em vez disso tem gestos de clara indis posição e quando a raiva sobe muitas vezes subitamente a níveis intoleráveis para ele tro ca a reflexão pela impulsividade em cujo caso nas situações mais extremas pode ter gestos ou atos agressivos como também é possível que se retire de forma abrupta e beligerante Descontando a hipótese de que haja a possibi lidade aliás bastante comum de o interlocu tor induzilo a uma reação dessas na maioria das vezes tratase de uma hiperreação do tipo de uma reação alérgica que resulta de uma mobilização exagerada dos anticorpos naturais que o sistema imunológico do organismo hu mano utiliza para se defender dos antígenos isto é dos agentes supostamente estranhos invasores ameaçadores tanto dos que vêm de fora quanto dos que procedem de dentro do organismo como é o caso das doenças auto imunes Nesses casos patológicos o mesmo sis tema imunológico de importância crucial para a defesa contra todo tipo de infecções por um erro de programação a mesma defensividade orgânica voltase contra o próprio organismo que ela queria defender Entendo que um fenômeno análogo pas sase com o sistema psíquico no caso das pes soas que têm tanto receio de serem invadidas por agentes invasores muito comum em crian ças que tiveram pais que invadiam as suas mentes de serem comandados desqualifica dos e humilhados a ponto de eles estarem com os seus anticorpos emocionais sempre prontos qual sentinelas avançadas para lutar contra os supostos antígenos invasores tanto os de fora quanto os de dentro dele Nesta altura cabe fazer uma distinção conceitual entre quantidade e intensidade da reação emocional de um sujeito diante de um estímulo que esteja sendo traumático para o seu psiquismo Ambos psicanaliticamente têm significados distintos Assim um pacien te pode reagir intensamente diante de uma excitação quantitativamente pequena ou sua reação emocional pode ser discreta ante um estímulo que objetivamente é de grande quantidade As respectivas respostas emocio nais desproporcionais dependem da área do psiquismo mais ou menos sensível que foi atingida pelo estímulo ATITUDE PSICANALÍTICA INTERNA Esta terminologia visa unicamente enfati zar aquilo que todos sabemos ser uma condi ção fundamental no processo analítico ou seja o fato de que não basta o terapeuta ser um técnico bempreparado que cumpre correta mente a sua função de compreender o pacien te cumprir o seu papel de neutralidade absti nência e demais regras que regem o setting analítico e igualmente é insuficiente que ele tenha a capacidade de interpretar o conteúdo dos conflitos e angústias do analisando de for ma exata Indo muito além da conduta analíti ca que explicitamente seja correta é indis pensável que a análise seja eficaz e para tan to uma condição mínima necessária refere à necessidade de que a sua conduta explícita venha acompanhada de uma autêntica ati tude implícita isto é de um conjunto de atri butos internos que compõem o perfil da atmos fera do seu mundo interior e que determinam o seu modo de se relacionar com as demais pessoas e em particular com o seu paciente MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 435 Os referidos atributos do psiquismo do analista dizem respeito entre tantas outras capacidades mais às de empatia continência paciência sobrevivência respeito amor às ver dades e sobretudo gosto pelo seu trabalho de analista acreditar no paciente e realmente gostar deste de sorte a manter uma perma nente visão binocular isto é com um olho en xergando o lado adulto de qualquer de seus pacientes enquanto com o outro olho ele deve possuir uma sensibilidade especial para po der sintonizar com a criança que ainda reside em qualquer ser humano porém em muitos pacientes o resíduo da criança que permane ce no adulto pode ser o de uma criancinha ou de um bebê que se sente frágil desampa rado perdido em meio a medos terríveis e à espera que seu terapeuta mais do que atento unicamente aos seus conflitos esteja acima de tudo afetivamente ligado aos seus vazios pavores e carências Para melhor esclarecer a importância na prática analítica do conceito que estamos ex pondo costumo propor a utilidade de imagi narmos um modelo gráfico de duas coorde nadas uma vertical que corresponda à fun ção interpretativa do analista e uma outra horizontal que vamos denominar como sen do da atitude psicanalítica interna Quanto mais bem organizado e composto for o ego do paciente mais cresce em importância o eixo vertical em contrapartida quanto mais esti ver a estruturação da personalidade do nosso paciente em estado de regressão muito maior será a importância do eixo horizontal isto é a de uma verdadeira sensibilidade especial do terapeuta pelas demandas essenciais do indi víduo regredido BENEFÍCIO TERAPÊUTICO E RESULTADO ANALÍTICO DIFERENÇA ENTRE De forma esquemática podese dizer que o objetivo maior de qualquer terapia analítica é produzir mudanças no psiquismo do pacien te logo na sua conduta diante da vida Creio que tais mudanças ocorrem de duas formas na de um benefício terapêutico e na de um resul tado analítico sendo necessário diferenciálas Benefício terapêutico alude à obtenção de benefícios inegáveis no curso da terapia como podem ser os seguintes 1 a resolução de crises situacionais agudas pode ser obtida em curto prazo e se bem manejadas costu mam ser de excelente prognóstico 2 o esbatimento de sintomas se não estiver organizado em uma cronifi cação também é de bom prognós tico 3 um melhor reconhecimento e utili zação de algumas capacidades sadias do ego que estavam latentes e a possível liberação das mesmas 4 uma melhor adaptação interpessoal tanto no plano da vida familiar quanto na profissional e social Não obstante o grande mérito que represen tam esses benefícios terapêuticos deve ser levado em conta que mesmo quando resulta uma inequí voca melhora no padrão de ajuste interrelacio nal essa melhora pode ser algo instável sujeita a recaídas diante dos mesmos fatores estressantes que provocaram a reação neurótica anterior Isso pode acontecer quando a melhora não tiver sido construída sobre os alicerces das profundas modi ficações da estrutura interna do paciente Resultado psicanalítico por sua vez é uma expressão que pressupõe o preenchimento de uma condição básica a de uma modificação nas relações objetais internas do paciente e portan to de sua estrutura caracterológica Isso neces sariamente implica trabalhar com as primitivas pulsões defesas necessidades desejos e deman das embutidas nas fantasias inconscientes com as respectivas ansiedades e defesas Porém não fica unicamente nisso pois existem outros aspec tos estruturantes provindos de outras zonas do psiquismo notadamente as que dizem respeito ao resgate de capacidades do ego consciente que estejam prejudicadas como a capacidade para pensar para discriminar a função de síntese o juízo crítico a responsabilização pelos atos etc Diferentemente do que foi assinalado em relação aos benefícios terapêuticos os resulta dos analíticos conservam maior estabilidade consistência e duração 436 DAVID E ZIMERMAN CONLUIO DE ACOMODAÇÃO Psicanaliticamente falando o termo con luio referese a uma espécie de pacto secreto de natureza inconsciente portanto sem a me nor combinação formal consciente que o ana lista e o paciente fazem entre si com o fim de evitar a abordagem ou o aprofundamento de determinadas áreas psíquicas que os afligem Tratase de uma manifestação clínica muito mais freqüente do que comumente se possa imaginar além de ter a agravante de que o analista não se dá conta e por isso a perma nência do conluio tende a se cronificar com o risco de estagnar o processo analítico Dentre um grande número de formas de conluios que aparecem descritos no capítulo sobre Re sistênciasContraresistência creio ser válido intitular mais dois com uma terminologia pró pria como forma de destacar a importância de cada um É o que está neste verbete e o segundo está no verbete seguinte Assim conluio de acomodação alude a uma situação analítica na qual paciente e analista estão aparentemente satisfeitos pois não sur ge nenhum estado de angústia e o analista mesmo quando se dá conta consciente de que a análise esteja algo parada racionaliza para si próprio que ele está respeitando o direito do paciente de manter as suas negações e tam bém de ele ser respeitado no ritmo de que é capaz Encontro respaldo em Bion 1992 p 26 que alerta para o analista não confundir entre o aspecto positivo de aceitarmos temporariamente a nega ção do paciente em relação ao ritmo analí tico que lhe é possível e o aspecto negati vo de nos conluiarmos de forma permanen te com esta negação em cujo caso o ana lista estaria submetido ao controle do paci ente sobre ele no seu desejo de limitar a liberdade de pensamento do terapeuta Uma metáfora de Bion pode esclarecer melhor É ridículo para um paciente vir a um médi co e dizer doutor apareceu um inchaço no meu seio Agora eu não quero ouvir nada sobre câncer ou qualquer coisa deste tipo CONLUIO DE UMA RECÍPROCA FASCINAÇÃO NARCISISTA Muitos pacientes em estado de regressão narcisista tendem a configurar o campo analí tico como um estado de paraíso no qual ele crê que encontrou alguém analista que es taria dotado de uma onipotência narcisista ou seja que tudo sabe e pode e assim pode subs tituir sua neurose por uma mágica felicidade Resulta então um estado de euforia e elação com o analisando fazendo de sua análise es pecialmente no início o tema central de sua vida em termos de uma nova religião Quando a recíproca é verdadeira vai par tir desse analista contrair um pacto com o seu paciente brilhante fica fascinado por este do que resulta que o analista não se dê conta de que ambos reciprocamente fascinados es tejam dando voltas sem sair do mesmo lugar pois esse estado é incompatível com outros sen timentos como os agressivos por exemplo de sorte que é grande o risco de que nada mais se produza no processo analítico Este tipo de conluio em graus de intensi dade variável é muitíssimo freqüente devendo merecer uma atenção especial de um eventual supervisor porquanto é muito provável que o analista exageradamente narcisista não se aperceba tão deslumbrado ele esteja com a análise paradisíaca A propósito cabe vermos que a etimologia do verbo deslumbrar dá uma níti da noção do que se está expondo ela se forma dos étimos latinos des privação de lumbre luz ou seja lembra a situação em que quan do dirigimos nosso carro à noite e os faróis altos de um carro em direção contrária à nos sa podem nos cegar de tanto que nos des lumbra podendo inclusive provocar acidentes pois há o risco de perdermos o rumo certo esta metáfora alude à perda do rumo analítico CONTINENTE ALGUNS ACRÉSCIMOS SOBRE O CONCEITO DE No presente manual tem sido bastante destacada a importância fundamental do con ceito de continente tal como foi concebido e relatado por Bion com as profundas repercus MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 437 sões que ele representa para a técnica e a prá tica analíticas Por acreditar nisto adquiri o hábito de dedicar uma atenção especial a como a função de continente manifestase em nossa cotidiana prática analítica Assim penso que os seguintes aspectos com os respectivos ter mos que proponho merecem ser considerados Diferença entre continente e recipiente A função de continente é um processo ativo no qual o analista participa intensamente acolhen do contendo decodificando significando no meando e devolvendo de forma desintoxicada tudo aquilo que foi projetado dentro dele Reci piente por sua vez significa um processo passi vo no qual o analista somente recebe qual um penico a evacuação de todos os dejetos isto é de tudo aquilo que o paciente não suporta em si mesmo de sorte que ele sai da sessão com uma sensação de alívio temporário porque tal como a evacuação biológica sempre haverá uma nova necessidade de evacuações sucessivas en quanto o analista fica estaqueado sentindose pesado e fatigado quando não confuso Autocontinência Geralmente temse o há bito de considerar continente como sendo unica mente a capacidade de o analista ou a mãe no passado conter o que vem do outro no entanto é fundamental que ele próprio tenha a capacida de a ser desenvolvida no paciente de conter as suas próprias angústias Como foi referido no capítulo anterior o melhor exemplo que me ocor re para caracterizar a relevância da função de autocontinência é o conceito de capacidade ne gativa conforme Bion Subcontinentes Proponho este termo ins pirado na noção de mapamúndi do psiquismo está descrito mais adiante no verbete mapea mento do psiquismo ou seja o mundo psíqui co do paciente e do analista também é com posto de distintas zonas de maneira que es pecialmente na atividade de supervisor obser vo que muitos supervisionandos têm uma ex celente capacidade de conter alguns aspectos provindos de certas áreas psíquicas como por exemplo as agressivas as eróticas as narcisis tas porém se perturbam seriamente diante da projeção de sentimentos fortemente depres sivos do mesmo paciente ocasião que pertur ba de modo significativo a marcha da terapia analítica Outras vezes o analista contém sufi cientemente bem sentimentos depressivos en quanto um outro subcontinente seu não con segue acolher manifestações por exemplo psicopáticas perversas ou somatizadoras en tre outros Enfim são múltiplas as possibilida des de distintas combinações sendo que o im portante a ser destacado é que cada analista conheça bem os seus respectivos subcontinen tes de maneira a respeitar as suas próprias li mitações e reconhecer o seu alcance o que lhe possibilitará enxergar o mesmo no seu pacien te Aliás é necessário deixar claro que toda mãe assim como todo terapeuta tem o seu limite máximo de continência por exemplo uma criança ou paciente adulto com um ódio excessivo ou com uma hiperatividade perma nente é capaz de impedir que a mãe ou o analista exerça a função de continente Por tanto não é justo idealizar demais esta função tão fundamental Função delimitadora Ainda inspirado na metáfora comparativa do psiquismo humano como um mapamúndi observo a coincidên cia de que a mesma palavra continente do latim continere que significa conter expressa não só a função de conter mas também alude aos vários continentes que compõem o globo terrestre marcando espaços e delimitando fronteiras De forma análoga tanto o analista quanto o paciente deverão conhecer os seus respectivos continentes parciais zona sadia depressiva narcisista paranóide etc para então munido de uma bússola empática po der delimitar e discriminar e assim mais harmonicamente navegar nas diversas zonas psíquicas suas e do paciente Função custódia Esta expressão designa o fato de que especialmente com pacientes em estado de acentuada regressão há maciças iden tificações projetivas dentro do psiquismo do ana lista que deve contêlas porém deve ter claro para si que as mesmas ainda não podem ser de volvidas ao paciente porquanto este ainda não reúne as mínimas condições egóicas de absorvê las Nesses casos o analista tem de possuir a sen sibilidade de perceber que o paciente pedelhe uma espécie de moratória ou seja algo equiva lente a um sujeito que solicita uma espécie de prazo para pagar uma dívida ou que ele possa empenhar uma jóia em uma casa de penhores 438 DAVID E ZIMERMAN até que passados alguns meses ou anos ele pos sa resgatar tudo aquilo que deixou protegido por uma custódia temporária Esta metáfora preten de realçar a importância de o analista poder con ter dentro de si com muita paciência às vezes durante muitos anos aqueles sentimentos difí ceis que o paciente deixou em custódia no interi or do seu terapeuta até que tenha condições de resgatálos Função de sobrevivência É imprescindível à função de continência que o analista consi ga sobreviver às diversas formas de como o pa ciente julga que possa estar destruindo o seu analista e logo a sua análise na qual nem que seja inconscientemente deposita suas úl timas esperanças São muitos os tipos desses supostos ataques de ordem narcisista na qual o paciente faz prevalecer uma atitude arrogan te onipotente onisciente e prepotente de na tureza sádicoagressiva movida por exemplo por uma inveja maligna de uma excessiva avi dez voracidade e possessividade excesso de actings preocupantes um assédio sexual mo vido por uma transferência fortemente ero tizada etc Freqüentemente tais ataques repre sentam para o paciente uma forma extremada de testar os limites do analista até quanto e quando o mesmo poderá suportálo No fun do esses pacientes ficam à espera de que o ana lista sobreviva aos ataques sem revidar sem se deprimir sem ficar apático e desinteressado sem enchêlos de medicamentos sem apelar para uma internação hospitalar sem encaminhálo para outro colega e sem desencorajálo total mente Esta função de sobrevivência do analista é sobremaneira importante devido ao fato de que tais ataques provocam reações contratrans ferenciais muito difíceis Uma recomendação técnica que me parece muito útil é que o tera peuta tenha em conta a diferença conceitual que a identificação projetiva veículo do ataque ad quire na obra de M Klein para quem esse fe nômeno tem a finalidade precípua de evacuar no analista aquilo que não quer sentir enquan to para Bion o paciente tal como o bebê eva cua o que ele quer que o analista como a mãe sinta para poder compreendêlo melhor Função de reconhecimento Penso que não são unicamente os aspectos intoleráveis que o paciente despeja no analista mas também ele força a entrada na mente do terapeuta de seus aspectos positivos de seus progressos na aná lise por mais camuflados e minúsculos que sejam à espera de reconhecimento para os mesmos pois na maioria das vezes nem ele dáse conta consciente de que está crescendo Caso contrário se o analista não reconhece ou porque não se dá conta ou porque acha irrelevante considero isso uma falta de conti nência de ele conter aspectos positivos e no caso é muito provável que o paciente possa decair para um estado de desânimo e apatia Cabe uma metáfora a de uma menina que cor re alegre para a mãe exclamando eufórica que conseguiu se pentear sozinha enquanto a res posta da mãe pode ser uma lacônica concor dância e uma enfática censura do tipo pois é mas sua blusa está toda suja Continente abstrato Explico melhor ob servo na prática clínica de pacientes individu ais ou em grupo que não é exclusivamente a pessoa do analista que desempenha a tarefa de ser continente também o próprio setting instituído na análise funciona como um conti nente visto que o paciente sabe que ele con quistou um espaço que é dele onde ele é conti do pela atmosfera emocional pela colocação de limites um enquadre que o coloca no prin cípio da realidade onde ele não só goza de direitos mas também tem deveres e sobretu do onde ele tem a intuição de que nunca fica rá desamparado que é o sentimento mais apa vorante de toda criatura humana Nas terapi as analíticas de grupo é onde melhor observo esse fenômeno de que a própria idéia de o in divíduo pertencer a um grupo independente mente de quem sejam os demais participan tes provoca uma sensação de que ele não está desamparado pois sente estar bem acompa nhado que pode contar com os outros que está sendo contido e em especial com pacien tes severamente depressivos o grupo como uma abstração funciona como se fosse a reor ganização de um grupo familiar que está internalizado como muito destruído CONTRAEGO Como a composição desta palavra suge re contraego designa a condição na qual par te do próprio ego sabota e impede o cresci MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 439 mento do restante da personalidade do sujei to de sorte que ele tem grande participação na ocorrência de impasses analíticos inclusive no surgimento de uma possível reação tera pêutica negativa Essa expressão pretende sintetizar mui tas das distintas formas que têm sido descritas por diferentes autores relativamente a esse fe nômeno de especial importância para a técni ca e prática psicanalítica como são as seguin tes Fairbairn 1941 referia o fenômeno como ego sabotador Rosenfeld 1971 descreveu a gangue narcisista um conjunto de objetos internos que sob a forma de ameaças e falsas promessas qual uma máfia impede que o pa ciente reconheça e assuma um lado seu de cri ança frágil mas que movida pela pulsão de vida pugna por se libertar e crescer Steiner 1981 dá o nome muito apropriado de orga nização patológica aludindo a um conluio perverso entre partes distintas do self Bollas 1981 refere o estado fachista uma organi zação interna que promete o paraíso se o su jeito comportarse bem se for obediente po rém ameaçao com o inferno se de alguma forma desobedecer aos ditames impostos Outras formas de contraego poderiam ser acrescentadas como é o caso de uma obediên cia do paciente a um determinado papel que lhe foi conferido pelos pais por exemplo o de ser um eterno companheiro da mãe no qual ocorre um protesto de seu próprio ego quando ele quer se emancipar de modo que sabota o crescimento de autonomia que estava come çando a ganhar êxito Na prática analítica uma das formas de manifestação do contraego é a que aparece com relativa freqüência na fase crucial da análise quando começam as necessárias desiden tificações em relação aos objetos patogênicos e sobrevém uma sensação de traição vazio de samparo morte e uma atração para voltar às prévias identificações patológicas como meca nismo de defesa contra a depressão subjacente Este conceito ainda ganha maior relevân cia se se levar em conta o critério do destino que as interpretações do analista tomam na mente do paciente pois não bastam que elas sejam corretas é necessário que sejam efica zes o que muitas vezes é impedido pela ação secreta e solerte do contraego DEPENDÊNCIA BOA E DEPENDÊNCIA MÁ No diaadia da prática analítica sem pre aparece o temor do paciente de vir a con trair uma dependência em relação ao analis ta Creio ser importante que o terapeuta aju de o paciente a discriminar a diferença que existe entre seu sentimento que proponho de nominar como dependência má porquanto representa para ele o risco de tal como acon teceu no passado vir a sofrer novas humilha ções traições etc e a dependência boa a qual é inerente à natureza humana em que as pes soas estão em uma interdependência que pode ser prazerosa e propiciadora de um autêntico crescimento Tais aspectos surgem com muita freqüên cia na entrevista inicial quando se o analis ta estiver atento à motivação do pretendente a terapia analítica vai observar um fato bastan te comum que é aquele que embora aparente mente motivado o paciente dá claros indícios de que ele teme ficar por demais dependente do analista Costumo então perguntar o que ele tem contra a dependência ao que uma grande maioria responde que teria que prestar conta de todos atos de sua vida que o analista pode querer fazer a cabeça dele que pode querer retêlo por um tempo demasiado longo forma sutil de dizer que teme ser explorado pela suposta ganância do terapeuta e coisas equivalentes Então completo a minha com preensão e afirmo enfático Agora está dei xando claro o seu temor de dependência por que para você ela representa ser má sujeita a humilhações e perda da independência Nun ca lhe ocorreu que a dependência pode ser boa que ela é inevitável na vida de todo ser huma no e que só se harmonizando com o sentimen to de dependência é que poderá obter uma saudável independência DESISTÊNCIA ESTADO DE Proponho este termo porque na prática clínica deparamonos freqüentemente com pacientes que mais do que estarem em esta do de resistência enquanto houver resistên cia há sinal de vida estão em uma atitude 440 DAVID E ZIMERMAN de desistência Neste caso seu único desejo é nada desejar havendo um preocupante namo ro com a morte Pacientes em tais condições de desistência podem até dar continuidade à análise porém o fazem de forma robotizada automática e apática do grego a privação pathos paixão Alguns desses pacientes tornamse suici das e seu desejo de morrer de desaparecer em um esquecimento e desistência por parte dos demais expressase de forma bastante aberta a um mesmo tempo em que a morte é idealiza da como uma solução para todos os proble mas Nesses casos o mais comum é que tal tipo de paciente refugiase em defesas extremamen te narcisistas de modo a construir uma autar quia narcisista na qual ficam encapsulados sentindose autosuficientes Assim de certa forma esse estado de de sistência diante da vida e da análise embora possam se manter nela por um longo tempo equivale em sua natureza à formação nas crianças de uma barreira autística conforme o conceito de F Tustin 1981 O fundamental a ser destacado com ênfase é que o analista não pode se deixar contaminar por um cons tante convite do paciente para que ele analis ta também desista dele paciente DESREPRESSÃO Não obstante o conceito de desrepressão o qual data desde os primeiros lampejos de Freud seja fartamente conhecido por todos decidi incluílo aqui com o objetivo de estimu lar uma reflexão sobre os atuais significados do termo Assim na época pioneira da psicanálise tanto na teoria do trauma quanto na teoria to pográfica a tônica da técnica analítica incidia respectivamente na meta de que as reminiscên cias que no neurótico estão reprimidas devem ser lembradas o que estiver no inconsciente no consciente deve ficar Especialmente a primeira destas recomendações técnicas também costu ma ser chamada como abreativa em uma alu são a que este método equivaleria a uma espé cie de desabafo uma descarga daquilo que de forma prejudicial estaria ocupando um im portante segmento do espaço mental e mobili zando uma apreciável quantidade de energia psíquica que poderia ser mais bem utilizada pelo psiquismo Não resta dúvida que para certos casos essa concepção continua perfeitamente válida na prática clínica enquanto para outros embora válida por si só é insuficiente Na psicanálise contemporânea creio que se pode agregar mais alguns aspectos a essa primacial conceituação de Freud como são seguintes 1 No lugar do termo reminiscência como habitualmente aparece traduzido na frase de Freud recémmencionada sugiro que se em pregue a palavra recordação o que à primeira vista pode parecer um mero preciosismo lingüístico porém se nos valermos da etimolo gia do verbo recordar vamos perceber que ela designa que se trata de uma nova re evoca ção de algo que vem do coração do latim cor cordis Assim podese inferir que a desrepres são vai além de um ato abreativo ou de uma mera lembrança que do inconsciente passou para o consciente antes disto alude a um aporte ao consciente de memórias de fatos recalcados que voltam à tona carregados de emoções tal como elas foram afetivamente representadas primariamente no psiquismo com as prováveis distorções em relação aos fatos reais que aconteceram e que deram ori gem às referidas repressões 2 Uma vez desre primidas e presentes no consciente do pacien te essas recordações que ficaram libertas do longo cativeiro no inconsciente às custas de uma enorme demanda de energia psíquica serão trabalhadas pelo analista tanto no senti do de analisar os afetos unidos às lembranças quanto muito especialmente propiciarão a análise dos respectivos significados que cada um dos distintos recalques adquiriram na men te de cada um de nossos pacientes Cabe construir uma metáfora bem sim ples para melhor esclarecer a importância do alto preço que o paciente paga quando man tém determinadas repressões a todo custo ima ginemos uma situação na qual alguém tenta empurrar uma bola para o fundo de uma tina cheia de água quanto mais a bola teimar em voltar à superfície corresponde à tendência a um retorno do reprimido mais energia me cânica equivale à energia psíquica o sujeito gastará para continuar mantendo a bola cheia de repressões no fundo da tina no précons ciente e no inconsciente Mais do que simples mente tornar consciente aquilo que estiver inconsciente hoje se deve priorizar a obten MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 441 ção de uma capacidade de o paciente estabele cer uma comunicação entre o seu inconsciente e o do paciente de modo a poder refazer anti gas significações patogênicas tal como apare ce no verbete que vem logo a seguir DESSIGNIFICAÇÃO E NEOSIGNIFICAÇÃO Entendi ser útil propor estas denomina ções para designar a importância de o analista estar atento à função de ele propiciar ao paci ente a possibilidade de este fazer novas signi ficações de fatos lembranças impressões fan tasias etc que adquiriram nele significados patogênicos Assim muitos fatos naturais ocor ridos na infância masturbação ter machuca do um irmão ter respondido de forma algo desaforada ao pai ter tido um período de do ença etc etc podem ter sido significados pe los educadores de forma calamitosa tendo as sim ficado impresso e representado no ego do paciente Tais significações patogênicas por meio de uma rede de significantes termo de Lacan que por uma espécie de deslizamen to de um significado para outro tornamse os responsáveis maiores das estruturações fóbicas Tendo em vista que essas significações pa togênicas convivem durante uma vida inteira com o paciente a ponto de se tornarem egossintônicas tornase indispensável que o analista promova uma egodistonia ou seja que o paciente fique desconfortado com certas crenças que lhe pare cem serem verdadeiras A dessignificação deve ser acompanhada concomitantemente com o aporte de uma neosignificação Vou dar um exemplo clínico um pacien te jovem em surto psicótico trazia reitera damente às sessões o seu sentimento de desme recimento de ser feliz dizia que sou um cafa jeste não mereço o ar que respiro atentei con tra Deus as culpas pelas minhas masturba ções ainda vão me matar Perguntado do porquê ele dá um significado tão terrível à prática masturbatória tão comum sobretudo na infância e na adolescência respondendo que não pode esquecer que o padre professor de sua classe no primário dissera em aula que cada gota de esperma derramado no crime de onanismo correspondia a uma gota de san gue do coração de Nossa Senhora Estava ex plicado por que o paciente passava grande par te do seu tempo olhando nos espelhos as suas mucosas nas dobras de suas pálpebras para conferir se já estava ficando anêmico pois ele fizera uma identificação com Nossa Senho ra sua mãe razão pela qual tanto se suplicia va Recordo que lhe perguntei abrindo pois um novo vértice conforme Bion de obser vação se lhe ocorria a possibilidade de que aquele padre naquela época tivesse dito uma grande besteira levando em conta os valores atuais que consideram a masturbação não só natural mas também como um exercício sa dio de a criança entrar em contato com a ana tomia e a fisiologia do seu corpo experimen tar sensações que são inerentes à condição humana A sua parte nãopsicótica permitiu que ele ficasse algo perplexo e após um longo silêncio disse que nunca havia pensado nisso Estava aberta uma porta para estabelecer uma dessignificação de como a masturbação ficou patogenicamente impressa na sua mente e uma abertura para o estabelecimento de no vas significações sadias e estruturantes DISSOCIAÇÃO ÚTIL DO EGO Estamos habituados a pensar o mecanis mo defensivo da dissociação clivagem splitting como algo que está sempre na li nha da patologia Claro que isso não corres ponde à verdade tanto que nos primórdios do desenvolvimento do recémnascido a disso ciação como as demais defesas primitivas é necessária para um desenvolvimento normal de sorte a permitir uma separação entre as pulsões de vida e as de morte entre outros Na condição de adulto da mesma for ma creio que o mecanismo de dissociação do ego possa ser extremamente útil como é o caso por exemplo de o analista poder supor tar certos estados mentais pessoais seus que se não pudessem ser dissociados o impedi riam de naquele momento poder analisar de forma suficientemente boa Quantas vezes car regamos preocupações com algum familiar al gum problema econômico alguma demanda ur gente e também algum sentimento contratrans ferencial que esteja nos abrumando Tudo isto é 442 DAVID E ZIMERMAN normal e impossível evitar o importante é que o analista possa fazer uma dissociação útil do seu ego de modo que um lado seu pessoal fi que à parte e permita que o seu outro lado o de terapeuta assuma as rédeas da situação Um exemplo um supervisionando esta va se sentindo bastante perturbado diante de um assédio sexual de uma paciente que se gundo ele era extremamente sensual Nenhu ma interpretação fazia eco na paciente até mesmo porque ele interpretava sem convicção daquilo que dizia tanto que ela mal o escuta va e replicava que ele estava a fim dela que ela lia isso nos olhos dele e que ele só estava se acovardando por causa das regrinhas bes tas que vocês têm Prefere que eu interrompa o tratamento para ficarmos livres Sugeri que ele fizesse a aludida dissociação útil e que comunicasse isso à paciente ou seja diante de um novo assédio o analista conseguiu se posicionar de forma mais categórica e sincera dizendo a ela que Como homem não nego que você tem muitos atrativos porém como analista posso lhe assegurar de forma defini tiva que nem durante o tratamento ou com ele encerrado terei um envolvimento com você até mesmo porque seria uma enorme des lealdade que eu estaria cometendo contra a sua parte que quer realmente ser entendida e aju dada a crescer no lugar de procurar soluções ilusórias e passageiras EQUAÇÃO 8C Como uma tentativa de sintetizar os fato res essenciais que em algum lugar grau e tipo de arranjo combinatório entre eles sempre es tão presentes com configurações distintas em qualquer situação psicopatológica proponho um esquema mnemônico constituído por oito fato res cujos termos têm a letra C como inicial e que estão em permanente interação Completude Todo indivíduo nasce num estado subjetivo de total completude por estar fundido com a mãe num estado de nirvana e o bebê ou uma parte do futuro adulto anseia a eternização desse estado paradisíaco Carência Como este desejo de total com pletude é impossível de ser alcançado diante das inevitáveis e necessárias frustrações por parte dos objetos provedores sua majestade o bebê entra em um estado de carência afetiva Cólera crime Conforme o grau e a quali dade dessas frustrações a criança desenvolve um estado raivoso de cólera que pode atingir o ní vel de fantasias de crueldade e de crime homici da contra os objetos frustradores e privadores Culpa Como decorrência direta dos ata ques reais ou fantasiados instalase na crian ça um estado de culpa pelos eventuais danos que tenha inflingido tanto aos seus objetos quanto ao seu próprio ego Castigo A conseqüência direta desse es tado culposo é a necessidade de castigo que se reveste das mais diversas formas de maso quismo desde as inaparentes até as de mais alta gravidade Compulsão à repetição É fácil observar que após serem castigados pelos pais pelo cometimento de uma arte significada por eles como delituosa as crianças sintamse libera das para uma nova transgressão Elas são mo vidas por uma forma de compulsão à repeti ção até conseguirem provocar um novo casti go e assim por diante Código de valores introjetados Uma mes ma arte praticada por duas crianças em dife rentes ambientes familiares ou em uma mes ma família que funcione muito dissociada pode resultar em significados totalmente opostos Assim uma dessas crianças pode ter sido en tendida e valorizada na sua arte o que faria crescer o seu núcleo de confiança básica e de autoestima enquanto a outra pode ter sido rotulada de criança má desobediente e causa dora de sérios estragos Nesse último caso é o castigo indevido que precede o sentimento de culpa Considero esta última afirmativa como bastante importante na situação analítica Capacidade para atingir a posição depressiva Segundo a concepção da escola kleiniana o cír culo vicioso dessa compulsividade à repetição somente será desfeito se a criança adquirir a ca pacidade para atingir a posição depressiva As sim assumirá a sua parcela de responsabilida des e poderá vir a fazer reparações verdadeiras abrindo o penoso caminho para fazer transfor mações no sentido de um crescimento mental Cada uma dessas oito etapas tem uma constelação particular e apesar de todas esta rem em permanente interação a ênfase da fi MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 443 xação em uma ou outra etapa pode servir como uma espécie de roteiro dos aspectos que prio ritariamente devem ser analisados ÊXITO E TRIUNFO DIFERENÇA ENTRE Tenho observado que uma das causas mais freqüentes de porque certos pacientes não conseguem saborear algum sucesso que obti veram embora este tenha sido muito ambicio nado e demandado muito esforço e talento é devido ao fato de que eles confundem êxito com triunfo Explico melhor um êxito decorre da condição mencionada enquanto a noção de triunfo está mais diretamente conectada com um sentimento de ter derrotado alguém alu dindo mais propriamente a personagens que estão introjetados dentro do paciente a quem ele sempre almejou derrotar na maioria das vezes por vingança Neste caso a obtenção de um sucesso embora manifestamente mere cido colide com o antigo desejo de submeter e humilhar a um outro por exemplo o pai no caso de um triunfo edípico do menino o que vem acompanhado de fortes culpas e um sen timento vago de que perderá tudo que con quistou no caso é a necessidade de castigo que sucede à culpa intolerável Nesses pacientes cegamente empenhados em uma sucessão de triunfos na base de custe o que custar costumo lhes apresentar a me táfora do triunfo de Pirro personagem mítico que como devem lembrar os leitores conseguiu alcançar a vitória em uma batalha contra o ini migo inexpressiva do ponto de vista prático às custas de enormes perdas humanas Cercado por cadáveres ele se perguntou E agora de que me adiantou conquistar essa cidade o que faço com ela Acontece que certas vezes uma metáfora como esta promove muito mais refle xões que as interpretações clássicas EXPERIÊNCIA EMOCIONAL TRANSFORMADORA F Alexander um notável psicanalista nor teamericano das décadas de 40 a 60 cunhou a expressão experiência emocional corretiva que entrou na literatura psicanalítica como um clássico Tem o propósito de enfatizar a impor tância que representa a figura do analista como um novo modelo de superego Assim contra riamente às figuras parentais superegóicas que estejam internalizadas no analisando como rí gidas e punitivas a atitude analítica do tera peuta deve possibilitar um abrandamento des se superego ameaçador e castrador mercê do seu modelo de acolhimento tolerância flexi bilidade e liberdade No entanto entendo que o vocábulo cor retiva está muito ligado a uma concepção superegóica moralista razão por que há bas tante tempo desde que senti o alcance da con cepção de Bion 1965 acerca do fenômeno das transformações venho propondo uma peque na porém muito significativa mudança na ex pressão antiga de Alexander para uma atual experiência emocional transformadora a qual empresta uma noção muito mais clara de como se processam as mudanças psíquicas IDENTIFICAÇÃO COM A VÍTIMA A literatura psicanalítica na abordagem dos tipos de identificações de modo geral menciona os tipos resultantes de uma identifi cação que se processa com a figura amada e admirada com a figura idealizada com a figu ra odiada isto é aquilo que é conhecido com o nome de identificação com o agressor com a figura perdida base dos processos depressivos melancólicos quando o sujeito tinha previa mente uma relação muito conflitada com o objeto perdido com os valores que lhe foram impostos pelos pais Também é necessário lem brar que nos primórdios do fenômeno da iden tificação o processo se faz por imitações da criança situação essa que pode perdurar em muitos adultos em cujo caso creio que cabe a denominação identificação de forma camaleô nica levando em conta de que se trata de pes soas que por não terem uma identidade defi nida adquirem a cor do ambiente onde estão No entanto a terminologia que julgo im portante propor é a de identificação com a víti ma seguindo o modelo de identificação com o agressor caso em que o sujeito identifica se com a figura que na realidade ou na fanta sia ele julga ter atacado e danificado grave 444 DAVID E ZIMERMAN mente Nesses casos é comum que persista a presença de um mesmo aspecto que a vítima tinha como pode ser um sintoma valor maneirismo ou mesmo uma forte sensação que ocupa o lugar e o papel de uma pessoa morta como pode ser por exemplo o de um feto que foi abortado Para esclarecer melhor essa conceituação de identificação com a vítima costumo propor uma metáfora a do princípio físico que rege os vasos comunicantes ou seja são vasos em forma de U com diâmetros diferentes em um braço e no outro de modo que se pusermos água em um deles imediatamente a água su birá no outro e ambos ficarão sempre no mes mo nível O mesmo se passa entre o paciente e sua vítima porque ele sentese proibido de ul trapassar esta última em qualidade de vida INTERVENÇÃO VINCULAR Nos últimos tempos de minha atividade analítica diante de determinadas situações de tratamento individual por vezes sinto que se ria útil ver ao vivo como funciona por exem plo um casal que vive às turras e que segun do a versão de quem é o paciente a situação é irreversível porque o cônjuge não colabora não muda em nada sempre é a responsável maior por todas as desavenças Diante de uma situa ção hipotética como essa independentemente da possibilidade de que o cônjuge tenha o seu analista ou não venho utilizando o recurso de abrir a possibilidade de fazer o que se pode denominar uma intervenção vincular pode ser a de um adolescente com seus pais etc isto é fazermos algumas sessões conjuntas que podem ser algumas poucas ou muitas porém sempre transitórias Creio que tem sido um recurso bastante interessante e útil especial mente no sentido de trabalhar com o sério pro blema dos malentendidos da comunicação MAPEAMENTO DO PSIQUISMO Bion compara o funcionamento do psi quismo com uma orquestra na qual estão pre sentes concomitantemente instrumentos diver sos executando uma partitura musical cada um com funções específicas e distintas porém inseparáveis e interdependentes De forma aná loga a mente humana também é composta de diferentes zonas com características e funções específicas que operam distintamente às vezes de forma harmônica porém em sua maioria configuram aspectos contraditórios e opostos Cabe a metáfora com um mapamúndi em que temos as zonas polares nas quais tudo é branco gelo frio solidão corresponde à nos sa zona melancólica entre os pólos glaciais existe a zona do equador em que prevalece um clima tórrido senegalesco equivalente à zona do psiquismo humano na qual o sujeito tem seus acessos temperamentais uma impul sividade tórrida entre o equador e os pó los o mapa do mundo mostranos a existência simultânea de superfícies férteis convivendo com montanhas íngremes e rochosas lagos mansos com mares agitados etc Da mesma forma no psiquismo de qualquer ser humano em graus diferentes convivem aspectos de zo nas muito diferentes como é o caso de uma parte infantil inclui um resto de bebê que um dia todos já fomos ou adolescente coabitan do com um lado adulto uma parte psicótica da personalidade ao lado de uma nãopsicótica uma parte do psiquismo que quer crescer e uma outra que é regida por um contraego que se opõe ao crescimento e assim por diante Se quer falta nesta metáfora lembrar a existência de fenômenos atmosféricos no globo terrestre como para ficar em um único exemplo o do furacão que foi denominado El Niño evocan do um duplo significado um que também o psiquismo do sujeito tem uma criança niño dentro de si e o outro de que episodicamente a mente é atravessada por verdadeiros furacões emocionais Destarte assim como um navegador neces sita de um mapa e de uma bússola para se orien tar na geografia do globo também o analista deve fazer o mapeamento de seu psiquismo e assim munirse de uma bússola empática que o per mitirá navegar nas profundas águas de uma aná lise com vistas a junto com o paciente dese nhar o mapa da geografia psíquica deste último para que também ele adquira a referida bússola Considero esse mapeamento um dos re quisitos técnicos da maior importância na prá tica clínica pois inicialmente o analista apre senta ao paciente adulto a sua parte infantil a Mariazinha é apresentada para a Maria e MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 445 fica implícito que ambas terão que conviver juntas por toda a vida Isso desenvolve a capa cidade de o paciente dialogar consigo mesmo às vezes levandoo a promover uma verdadei ra conferência entre suas diversas partes em terceiro lugar quem conhece o seu mapeamen to está menos sujeito a uma instabilidade de humor e incoerência de atitudes que são res pectivamente ditadas por zonas distintas o contato mais próximo e consciente das diver sas áreas do psiquismo poupa energia psíquica que é gasta para manter as negações energia essa que pode ser muito mais bem aproveita da para uma vida mais harmônica Como exemplo simples cabe referir um manejo que recomendo para pacientes que padecem de recorrentes crises de angústia e estimulados pelo próprio terapeuta na clás sica disponibilidade de qualquer coisa me chama apelam em estado de pânico para o analista em qualquer dia hora ou lugar em que ele esteja em busca de socorro de um reasseguramento de que não vai suceder nada de trágico Na minha experiência como super visor percebo que quando tal conduta ocorre por parte do terapeuta existe uma crescente tendência para a situação ficar mantida como risco de ele se molestar e cansar do paciente A recomendação a que antes referi consiste em estimular o paciente a telefonar sim mas não propriamente para o analista salvo em situa ções muito especiais mas para ele mesmo para a sua parte sadia que pela lógica consciente sabe que não há nada de grave etc Penso que não exagero em dizer que em casos como esse do exemplo nas quais duas zonas distintas da geografia do paciente se comunicam os resul tados clínicos são bastante alentadores O PACIENTE SEMPRE TEM RAZÃO Entendi ser útil cunhar esta expressão para enfatizar que ela diz respeito diretamen te à atitude psicanalítica interna do terapeu ta isto é diante de manifestações do paciente que provoquem difíceis sentimentos contra transferenciais é indispensável que o analista parta da posição de que é um direito do paci ente mostrarse em toda sua rudez turbulên cia emocional e atitudes socialmente reprová veis Indo além essa posição do analista de dar crédito ao paciente no sentido de que ele está com a razão de ser como é possibilita que pos sa entender que por mais desagradáveis que sejam as verbalizações e atitudes do paciente elas podem representar um excelente veículo para captar a comunicação que está se proces sando em um nível muito primitivo ao mesmo tempo em que propicia a dramatização por tanto a análise daquilo que em qualquer ou tra situação que não a analítica sempre pro vocaria um evidente rechaço Não podemos esquecer que demanda um longo tempo a per sistência de uma dúvida interna do paciente em relação a quem é essa pessoa o terapeu ta que está querendo entrar na minha intimi dade para aonde ele quer me levar Quando refiro que o paciente sempre tem razão mesmo em formas repulsivas como o uso de mentiras faltas e atrasos excessivos com uma forma arrogante desqualificatória e desafiadora de se dirigir ao analista mutismo exagerado diversas tentativas de sedução a erótica inclusive actings excessivos e preocu pantes etc impõese fazer três ressalvas Pri meira em hipótese nenhuma é permitido ao paciente cometer uma agressão física segun da cada analista deve conhecer muito bem os seus limites físicos e mentais a ponto de não ter de trabalhar cometendo uma violência con tra si próprio terceira na hipótese de que mesmo trabalhando com essa atitude interna aliada a uma adequada continência e paciên cia nada tenha modificado e a situação esteja claramente se cronificando é chegada a hora de o analista revisar o contrato com o pacien te antes que se estabeleça um conluio de na tureza sadomasoquista no qual o analista fi caria com este último papel POSIÇÃO NARCISISTA A denominação de posição narcisista PN visa enfatizar que ela não é apenas uma im portante etapa no desenvolvimento de todo ser humano antes comportase como uma estru tura um modelo de relacionamento e de vín culo que opera ao longo de toda a vida e por isso é de especial importância seu reconheci mento na prática clínica A posição narcisista em sua forma original que pode persistir no adulto caracterizase por uma total indiferen 446 DAVID E ZIMERMAN ciação entre o eu e o outro Sobretudo é fun damental destacar a PN precede a posição esquizoparanóide conforme M Klein porquan to nessa mercê das identificações projetivas já existem relações objetais portanto alguma diferenciação Ademais segundo Klein essa posição organizase como defesa contra as pulsões de ódio da inveja primária enquanto a PN não se constitui originalmente a partir da agressão mas sim como uma forma de asse gurar e perpetuar a unidade simbiótica indis criminada e fusionada com a mãe Na sua evolução gradativamente o sujei to vai adquirindo uma relativa diferenciação e autonomia embora nunca exista uma indepen dência absoluta em relação aos demais Assim podese imaginar um eixo relacional no qual em uma extremidade há uma relação diádica de natureza fusional e indiscriminada enquan to a outra extremidade é constituída por uma triangularidade na qual os indivíduos estão discriminados entre si Quanto mais próximo estiver o sujeito do primeiro pólo mais enrije cida estará sendo a sua PN e nesses casos na situação analítica sobressaem no paciente adulto as seguintes 11 características 1 uma condição de indiferenciação 2 um permanen te estado de ilusão em busca de uma comple tude imaginária 3 uma negação das diferen ças que todos temos em relação aos demais 4 a presença da parte psicótica da personali dade conforme a concepção de Bion 5 a per sistência de núcleos de simbiose e ambigüida de 6 uma lógica do tipo binário ou seja ele é o melhor ou o pior etc 7 uma escala de va lores centrada no ego ideal herdeiro do seu narcisismo original ou no ideal do ego as ex pectativas ideais que os pais colocaram nele 8 a existência de identificações defeituosas 9 uma afanosa busca por fetiches e objetos reasse guradores de sua autoestima aparentemente alta mas que subjacente está sempre em bai xa 10 um permanente jogo de comparações com os outros 11 a freqüente presença de um contraego sabotador PRAZER SEM NOME Como foi conceituado por Bion existe um terror ou pavor sem nome que provavelmen te resulta de primitivas experiências emocio nais muito angustiantes que ficaram inscritas no ego da criança sob a forma de representa çãocoisa portanto em uma etapa anterior à formação de palavras Da mesma forma acre dito que também exista uma inscrição de ex periências prazerosas que estão representadas em alguma parte do ego ainda sem o nome sem as palavras que possam definilas Um bom exemplo é a percepção do bebê relativa à música da voz da mãe ao brilho do seu olhar à dança de seus gestos tudo sendo englobado no ato da mamada Não estará aí uma explicação para o fato de as crianças feli zes quase intuitivamente costumarem dese nhar um sol emitindo raios luminosos Ou que nos extasiamos diante de determinados estí mulos estéticos Ou que os nossos pacientes captem os sinais de alto astral que emitimos e que eles respondem com sensações bastante prazerosas SCRIPT DO TEATRO DO PSIQUISMO Um dos aspectos mais importantes da psicanálise contemporânea consiste na valori zação que se faz das antigas inscrições termo conceitual de Freud que ficaram impressas na mente com os respectivos significantes termo de Lacan constituindo sob a forma de rede verdadeiros enredos com uma determinada história com distintos personagens contrace nando entre si sob a direção de um diretor tudo se processando qual uma peça teatral ou a produção de um filme que conserva a sua essência mesmo que a peça seja reproduzida por décadas ou séculos só mudando os ato res Da mesma maneira o arquivo do psiquismo interior consta de algumas peças teatrais que podem se reproduzir de forma interminável no mundo exterior Pode servir como exemplo a repetição de uma peça que trata de um sofrido amor que contrariando toda a lógica da própria pessoa que esteja prisioneira dessa situação doentia segue em frente por tempo indeterminado em meio a penosas humilhações que é diferente do clássico conceito de masoquismo e que nunca se completa tal como está explicitado no capítulo sobre o vínculo tantalizante Cabe dar um outro exemplo embora também ligado com a situação tantalizante MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 447 que se refere a um tipo de vínculo amoroso que se configura pelo signo do abandono isto é o casal por meio de papéis complementa res do tipo abandonanteabandonado repro duz uma situação de reencontrar o abandono original mãe pai ou ambos Assim para reviver a primeira e perdida ligação com a mãe abandonante a pessoa pode utilizar vários re cursos como intermináveis atuações eróticas por exemplo Quando a pessoa adulta provoca seu próprio abandono por parte de uma outra pessoa situação que é muitíssimo freqüente ela está reproduzindo o script nas mesmas condições anteriores em que ela procurava a mãe em um misto de sentimento de angústia e de desamparo acompanhado de alguma for ma e grau de excitação e gozo Nesses casos há pois uma necessidade compulsiva de o su jeito repetir a peça teatral que poderia ser denominada um interminável reencontro com o próprio abandono SEGUROSOLIDÃO Tratase de uma expressão singela sem maior profundidade conceitual que visa uni camente realçar um fato bastante freqüente que se observa em certos pacientes que apresen tam uma grande dificuldade em fazer uma emancipação mais completa da família de ori gem notadamente da mãe a ponto de muitas vezes não conseguirem oficializar um casamen to com os rituais formais Não é difícil observar que no fundo são pacientes mais comumente masculinos que provêm de uma família aglutinada simbiótica na qual uma mãe geralmente superprotetora porém com uma forte insegurança que atinge a condição de uma fobia à solidão como que prepara seus filhos para que pelo menos al gum deles assumam a tarefa de nunca aban donála nem afetiva e tampouco fisicamen te É interessante observar nessas famílias que às vezes todos os filhos ficam extremamente apegados à mãe no entanto outras vezes al guns dos filhos escapam cedo dessa armadilha viajando casandose mas quase sempre algum deles fica com o mico na mão Em resumo as sim como existe o segurosaúde o segurode semprego etc metaforicamente podese dizer que a mãe investiu em um segurosolidão SUPEREGO BOM E SUPEREGO MAU O clássico termo superego tal como foi cunhado desenvolvido e divulgado por Freud acabou recebendo uma significação que quase sempre é imediatamente ligada a uma instân cia psíquica geradora de culpas tem funções ameaçadoras e punitivas quando não tirâni cas e até cruéis No entanto concordamos que o superego é indispensável ao psiquismo por quanto ele também tem funções normativas de modo que pode estar a serviço do princípio da realidade da colocação de necessários li mites e de obediência às regras éticas Embora exista uma denominação para este último tipo de superego é a de ego auxi liar ela é muito pouco usada de forma que gera alguma confusão em nossa comunicação e às vezes em nossa compreensão Unicamen te por essa razão parodiando a expressão mé dica de que existe um colesterol bom e outro mau entendi ser útil a proposição dessa ter minologia para o superego como auxiliar in direto para a necessária tarefa de discrimina ção conceitual SUPRAEGO O termo supraego não existe na literatu ra psicanalítica e aqui ele não passa de uma sugestão de terminologia que talvez seja mais apropriada para o nosso idioma para a impor tante conceituação que Bion faz acerca do que ele denomina como habitualmente aparece traduzido como superego ou supersuperego Esse conceito de Bion embora conserve os prin cípios essenciais de Freud e de M Klein acerca de como eles conceberam o superego clássico deve ser distinguido do mesmo Assim o supraego ou seja o superego faz parte do que Bion chama de parte psicótica da personalidade no sentido de que tal concei to vai além da imposição do que é certo ou errado permitido ou proibido etc de sorte que o sujeito portador dessa instância psíqui ca gerese por uma moralidade sem moral que ele quer impor aos demais a partir de sua convicção de que ele tem uma superioridade destrutiva sobre os outros e assim pode re ger o mundo Desse modo o supraego ofusca as funções do ego do sujeito e afirma a sua 448 DAVID E ZIMERMAN superioridade pelo denegrimento dos demais achando falhas em tudo que não coincidir com o que ele crê opondose tenazmente a qual quer aprendizado com a experiência e devotan do um ódio a toda verdade que seja diferente da dele Uma importante característica do supra ego segundo Bion 1957 é que a pessoa que o possui fica perplexa quando as leis da natu reza não obedecem às leis do seu funcionamen to mental Nesse caso os fatos e as pessoas não são o que são mas aquilo que o supraego deseja e imagina que sejam Igualmente não toleram a existência de múltiplas e diferentes versões que um mesmo fato comporta o que dificulta uma aproximação mais verdadeira com o mundo exterior Resumindo o paciente com tais caracte rísticas psicóticas de seu supraego crente de que ele tudo sabe pode controla e condena substitui a capacidade de pensar pela onipo tência o aprendizado pela experiência cede lugar à onisciência o reconhecimento da fragi lidade e dependência é substituído pela prepotência a capacidade de discriminação entre o verdadeiro e falso fica borrada por um radicalismo arrogante além de existir uma to tal incapacidade para tolerar qualquer tipo de frustração a qual é substituída por um estado de cólera contra o analista no caso da situa ção analítica É dispensável acentuar o quan to tais reações emocionais provindas de um supraego despertam sentimentos contratrans ferenciais dificílimos que devem ser muito bem contidos e manejados pelo terapeuta TRANSFERÊNCIA DE IMPASSE Freqüentemente o processo analítico de semboca em alguma forma de impasse de qua lidade mais ou menos séria de grau maior ou menor que na maioria das vezes são desfei tos com naturalidade porém em alguns ca sos toda análise pode transcorrer em um per manente clima de impasse Admitindo que a res ponsabilidade desse clima não resida em um possível manejo analítico inadequado por par te do terapeuta podese dizer que provavel mente ela deriva de pacientes que levam a sua vida em uma constante forma de impasse com familiares amigos etc o qual está sendo re produzido na situação transferencial São muitos os tipos de impasses analíti cos como é o caso da psicose de transferência que foi magistralmente estudada por Rosenfeld 1978 e representa uma necessidade de ma nejo técnico importantíssimo por parte do ana lista assim como também deve ser destacada a forma extrema de impasse a reação terapêuti ca negativa e outras tantas mais como a trans ferência erotizada que poderiam ser engloba das sob um nome genérico de transferência de impasse não obstante prefiro mantêla restrita àquela forma de transferência descrita no pará grafo anterior alusiva aos pacientes que estão transferindo sua forma habitual de criar impasses na vida e que na análise estão sempre amea çando abandonála de trocar de analista etc na maioria das vezes situações bastante difíceis porém contornáveis quando bem manejadas TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA SOMÁTICA Todo analista em alguma forma já deve ter passado pela experiência de sentir que seu paciente possa estar transmitindo sentimentos e conflitos em um canal de comunicação não verbal mas sim por meio de sinais sintomas conversivos ou diversas somatizações que alu dem diretamente ao vínculo transferencial com a análise e com o analista No entanto cabe acentuar o que escassa mente aparece na literatura psicanalítica ou seja que o próprio analista sinta no seu corpo sensações físicas às vezes muito desconfor táveis alguma opressão précordial uma sen sação de estar fluindo leite do seio uma cóli ca uma cefaléia uma fadiga inexplicável etc que claramente possam estar correspondendo justamente àquilo que o paciente esteja sen tindo e que verbaliza após o analista ter sen tido em seu próprio corpo ou outras vezes possa estar traduzindo nessa forma primitiva de linguagem aquilo que o paciente não con segue comunicar com palavras Se o analista se mantiver atento a tais fe nômenos mais freqüentes do que parecem ser poderá utilizar suas passageiras somatizações como um excelente instrumento para estabe MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 449 lecer uma empatia com o sofrimento de seu paciente VÍNCULO DO RECONHECIMENTO Embora essa expressão não conste na ter minologia psicanalítica creio que cabe sua in clusão como acréscimo aos outros três víncu los clássicos o de amor o do ódio e o do conhe cimento em razão de que durante a vida in teira todo e qualquer indivíduo vive perma nentemente em interação com os demais ne cessitando vitalmente obter alguma forma de reconhecimento O vínculo do reconhecimento dáse em quatro dimensões 1 fazer um reconhecimento de sorte a voltar a conhecer aquilo que já pre existe dentro dele 2 o reconhecimento do outro como sendo uma pessoa autônoma e dife rente dele 3 ser reconhecido aos outros como uma demonstração de capacidade de gratidão 4 ser reconhecido pelos outros a come çar pelo bebê recémnascido que já necessita do olhar reconhecedor da mãe e essa necessidade prossegue com diversas variantes pela vida to da de qualquer pessoa Não é possível conceber qualquer relação humana em que não esteja presente a necessi dade de algum tipo de mútuo reconhecimen to o qual é vital para a manutenção da auto estima e a construção de um definido sentimen to de identidade Assim até mesmo qualquer pensamento conhecimento ou sentimento re quer ser reconhecido pelos outros de forma análoga à que acontece na relação mãebebê o que se torna fator fundamental para o sujei to adquirir o sentimento de existência Muitas situações de psicopatologia como a angústia de separação a construção de um falso self a formação de uma caracterologia ou transtorno narcisista os transtornos de con vívio com grupos etc podem ser mais bem compreendidos e manejados por meio do vér tice das carências de reconhecimento e dos me canismos defensivos compensatórios Na prática analítica isso ganha relevân cia sobretudo no que diz respeito à necessida de de o analista estar atento para reconhecer não somente os conflitos e as carências do paci ente mas também e fundamentalmente os seus progressos analíticos por mínimos que es ses possam nos parecer mas que para ele re presentam muitíssimo VÍNCULO TANTALIZANTE Pelo fato de considerar esse conceito de vínculo tantalizante especialmente importan te na prática analítica em certas patologias do vínculo amoroso ele consta do Capítulo 32 ALGUMAS EXPRESSÕES QUE O AUTOR COSTUMA UTILIZAR Para familiarizar o leitor com algumas expressões que costumo utilizar porém que não são correntes na literatura psicanalítica creio ser útil descrever muito brevemente algumas delas Bússola empática Referese ao conceito de que diante do mapeamento do psiquismo nosso e do paci ente a exemplo de um navegador que neces sita de uma bússola para poder se orientar na sua navegação pelo globo terrestre da mesma forma ao analista cabe a tarefa de construir uma bússola empática ou seja a capacidade para o sujeito entrar em íntimo contato com as diferentes regiões de seu psiquismo assim com as de outras pessoas com as quais convive Alguns tipos de complexos Complexo de Cinderela Para designar aquelas pacientes femini nas que se julgam gatas borralheiras e perma 450 DAVID E ZIMERMAN necem em um compasso de espera passivo com a permanente fantasia de que vai acontecer um milagre proporcionado pelo imaginário de uma fadamadrinha pode ser a figura do analista que magicamente irá proporcionar o surgi mento de um príncipe encantado que também pode incluir o analista A contrapartida disto em determinados pacientes masculinos é a eter na espera de encontrar a sua princesa encanta da portadora de todas as maravilhosas condi ções de perfeita beleza sabedoria amor fideli dade submissão própria de uma gueixa etc Complexo de Conde de Monte Cristo Alude àqueles pacientes que fizeram como objetivo principal de sua vida a execu ção de uma vingança contra os seus desafetos os quais bem no fundo representam aquelas figuras do seu passado que segundo seu jul gamento o humilharam rechaçaram debocha ram traíram etc Tais pacientes padecem de um crônico ressentimento ou seja estão vol tando re a sentir os mesmos sentimentos vingativos de retaliação isto é querem apli car a lei de Talião a que prega olho por olho dente por dente Complexo de Galo Chanteclaire Este nome deriva de uma novela de Edmond de Rostand na qual um galo desper tava todas manhãs bem cedo começava a cocoricar e como o sol naturalmente logo apa recia ele criou a ilusão onipotente que era o seu canto chante em francês que fazia apa recer a luminosidade claire do sol Certa oca sião algumas pessoas resolveram encerrar o galo em um quarto fechado e escuro de sorte que ao raiar do dia seguinte o galo Chante claire recomeçou o seu cantar habitual e nada de o sol aparecer Resultado o galo psicotizou Essa alegoria objetiva enfatizar o quanto o ana lista deve ser prudente para a retirada de tra ços defensivos do paciente como os de ilusão de onipotência onisciência etc de maneira a respeitar o ritmo que cada paciente tem para fazer mudanças importantes Complexo de Hulk Todos devem lembrar do personagem Hulk de um seriado norteamericano de te levisão cuja principal característica era de que quando indignado e furioso ficava verde de ódio enquanto seu tórax estufava os botões de sua camisa eram expelidos e aparecia um tronco de boxeador fortíssimo com cuja força ninguém podia Assim o complexo de Hulk de certos pacientes designa o fato de que eles so mente se sentem fortes quando estão tomados de ódio confundindo os berros que emitem as ameaças com gestos ameaçadores etc como uma forma de impor respeito aos outros en quanto ele atrofia a capacidade para se fazer respeitar por meio de uma tomada de posições firmes e decididas Complexo de mariposa Sabemos que as mariposas são atraídas pela luminosidade das lâmpadas acesas e por conseguinte muitas vezes acabam se queiman do De forma análoga é útil na prática clíni ca assinalar para certos pacientes fortemente narcisistas a sua volúpia pela atração e obten ção do brilho por meio do poder da ambição desmedida da riqueza infindável etc que cor rem o sério risco de se queimarem Crescimento acromegálico A expressão acromegalia é própria de uma patologia médica e conforme demonstra a sua etimologia refere que por uma disfunção hipofisária o crescimento exagerado megalo do corpo dáse unicamente nas extremidades acro Da mesma forma é possível que mui tos pacientes podem se beneficiar de uma aná lise porém somente parcialmente como por exemplo o seu lado adulto crescendo e resga tando capacidades enquanto a parte psicótica da personalidade mantenhase não analisada e portanto nãomodificada promovendo um crescimento mental algo disforme Este termo aparece mais explicitado no capítulo referente a como agem as terapias analíticas MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 451 Personalidade camaleônica Com esta expressão que por exemplo aparece neste capítulo no verbete alusivo à identificação com a vítima pretendo desig nar de forma metafórica uma modalidade de falso self que alude àquelas pessoas que não tendo uma identidade definida e com medo de se posicionarem ficam em cima do muro e ad quirem a cor do ambiente onde estão assim não correndo o risco de vir a desagradar alguém Vasos comunicantes Tal como aparece no verbete identifica ção com a vítima do presente glossário a ex pressão vasos comunicantes é uma metáfora do fenômeno da física que leva esse nome e que na prática analítica adquire uma importância muito significativa pelo fato de que conceitua aquelas situações muitíssimo freqüentes nas quais alguns pacientes sofrem uma proibição interna de crescerem serem felizes ou goza rem uma prosperidade porquanto existe uma obrigação imaginária de não poderem ultra passar uma determinada figura importante que habita o seu mundo interior Por exemplo no momento em que redijo estas linhas acabo de concluir uma supervisão na qual o paciente do caso que tem tudo para ser uma pessoa bem realizada e feliz leva uma conduta inten samente masoquista sabotando todas as pos sibilidades de crescimento porque quando ti nha 8 anos ele foi encarregado pelos pais de cuidar de um irmão menor de 4 anos e em um breve descuido o irmãozinho morreu afo gado na piscina Esse paciente está identifica do com o destino de sua vítima o seu irmão zinho a um mesmo tempo que está se sentin do permanentemente vigiado e perseguido pelas acusações de seus pais internalizados Palavras Finais enumeração e mantendo uma relativa inde pendência das idéias expostas em cada um deles Relevem o fato de que eu possa estar pa recendo pretensioso ditando recomendações técnicas quando sabemos que cada um de vocês na imensa maioria das vezes está sen do acompanhado de perto por textos e ensi namentos de excelentes autores professores e supervisores Apesar do meu receio de que ve nha a ser assim julgado mantenhome tran qüilo pela convicção de que estou agindo de boa fé e de que as idéias que a seguir emitirei visam funcionar como uma espécie de epílogo deste livro com uma visão sinóptica ainda que muitíssimo reduzida de conceitos expressos em distintos capítulos 1 Inicialmente caro leitor desejo enfati zar a importância que adquire na técnica ana lítica portanto no processo terapêutico a sua atitude psicanalítica interna isto é qual é de fato a sua autêntica posição cognitiva e afetiva diante da ciência e da arte da terapia analíti ca e principalmente diante do paciente que está à sua frente entregandolhe os bens mais preciosos que ele possui os seus mais íntimos segredos a esperança de que você acredite nele e que esteja junto dele 2 A propósito tenha em mente essa bela frase de Bion Em algum lugar da situação analítica se pultada sob massas de neuroses psicoses e demais existe uma pessoa que pugna por nascer O analista está comprometido com a tarefa de ajudar a criança a encon trar a pessoa adulta que palpita nele e por sua vez mostrar que a pessoa adulta ain da é uma criança 1992b p 49 CARTA ÍNTIMA PARA OS LEITORES QUE ESTÃO SE INICIANDO COMO TERAPEUTAS PSICANALÍTICOS Porto Alegre 2003 Meu prezado jovem colega Dirijome nesta carta especialmente a você que em conjunto com outros jovens cons titui o meu público predileto Aqui emprego o termo jovem não só no sentido cronológico mas principalmente para caracterizar aquelas pes soas que independentemente da idade são jovens de espírito isto é mantêm sadia curiosi dade garra tenacidade e afanosa disposição para ler estudar conhecer e refletir Acredito que vocês têm uma mente aberta ao contrário de muitos outros colegas que ainda estão afer rados a determinadas ideologias analíticas com as quais estão de tal modo familiarizados que correm o risco de se manterem algemados e estagnados prisioneiros daquilo que já sabem e praticam O mais lamentável é que assim pro cedem de uma certa forma estereotipada não obstante possam estar repetindo equívocos de manejo técnico ou ancorados em conceitos cer tos porém já superados por sucessivas trans formações da prática analítica Creiam não estou exagerando o risco de incidirmos em um processo de anquilose mental é maior do que possa parecer Por tudo isso meu estimado jovem decidi abrir a você o coração e a experiência para em um tom o mais informal e coloquial possível passar um pouco das reflexões que venho fazendo fundamentado em uma já longa vivência de prática psicanalítica Com o propósito de conservar o espírito didático que animou a feitura do presente li vro nesta carta aberta também utilizarei o re curso de separar os parágrafos seguindo uma 454 DAVID E ZIMERMAN 3 Esta frase expressa com clareza o quan to devemos estar atentos com nossa visão psi canalítica binocular ou multifocal enfocada nos múltiplos aspectos que habitam e intera gem dentro de um mesmo paciente de forma permanente e que com freqüência estão em contradição oposição incoerência e com con flitos entre eles São aspectos ocultos à espera de que você mercê de sua sadia curiosidade analítica ilumineos e os nomeie 4 Assim meu jovem colega resgate a criança curiosa e filósofa que dorme em algum canto do seu self e no de seu paciente Toda criança sadia é uma filósofa essa palavra vem de philos amigo das sofos verdades de sejosa de conhecer a origem o como o por quê e o para que dos mistérios da natureza Elas interrogam continuamente o lamentável é que os educadores adultos na maioria das vezes distorcem reprimem confundem e se pultam este inato dom epistemofílico Tome cuidado para que não façam essa esterilização com você ao longo de sua formação e igual mente para não que não faça o mesmo com seus pacientes 5 Portanto de forma suave porém con sistente reaja contra esses eventuais educado res repressores de sua curiosidade filosófica os quais agora de alguma forma estão internalizados em você ou se prolongam para fora de si nas pessoas de algum eventual diri gente professor ou supervisor Dê asas à sua imaginação ou seja permita em muitas ocasi ões que a sua imagem se transforme em ação como ensinava Bion com vistas a libertar a sua criatividade 6 Para que você seja bemsucedido no resgate de sua parte criançacuriosa filósofa imaginativa criativa é imprescindível que te nha bem estabelecida a diferença que existe entre uma curiosidade patogênica e uma sa dia A primeira é de natureza essencialmente intrusiva invasiva invejosa e controladora A segunda é uma curiosidade saudável e estru turante do psiquismo visto que conduz a um estado mental interrogativo aliado a um amor pelas verdades o que conduz a um sentimen to de o analista sentirse verdadeiro e autênti co É este último atributo que diferencia um analista de outros que estejam exercendo a sua função não mais do que mecanicamente em bora cumprindo as regras técnicas que eles aprenderam por mais adequadas que essas tenham sido 7 Destarte não se apoquente com a sua relativa ignorância pelo contrário faça um bom uso dela Aplique para si mesmo e para o seu paciente o método maiêutico preconi zado por Sócrates que induzia o interlocutor a reconhecer a sua própria ignorância e a par tir daí encontrar e partejar possíveis soluções e novas aberturas Novas aberturas não quer dizer que elas devam ser certas ou originalís simas mas sim simplesmente que elas sejam outras 8 Incorpore portanto o princípio da in certeza do filósofo Heisenberg que Bion ado tou e divulgou como sendo uma condição ne cessária para que alguém seja um bom psica nalista Este princípio hoje aceito por todas as ciências logo também pela psicanálise alude ao fato de que a verdade é sempre rela tiva e que a significação dos fenômenos ob servados dependem em grande parte da ati tude e da posição do observador Ademais os físicos que ensinam a teoria quântica demons tram que conforme a variação de algumas cir cunstâncias o fenômeno da propagação da luz ora se faz sob a forma de partículas ora de ondas A propósito caso você tenha se interes sado por essa nova postura científica baseada na importância de que as incertezas são fér teis cabeme lhe recomendar a leitura do livro Fim das incertezas de Ylia Prigogine um cien tista russo nascido em 1917 que vive na Bél gica desde os 12 anos e que em 1997 recebeu o prêmio Nobel de Química 9 Como decorrência do mencionado prin cípio na sua prática clínica cuidese para não cair e tampouco deixar o paciente cair em um dogmatismo moralista e doutrinário com res postas já antecipadamente prontas e acabadas do que resulta um sensível prejuízo da curiosi dade pensamento e escuta Saiba que é bas tante comum que um terapeuta iniciante ape guese dogmaticamente às suas certezas como um recurso para sentirse mais seguro e que ele tente convencer seus pacientes dessas mes mas certezas enlatadas para igualmente reassegurálos também A psicanálise contem porânea enfatiza a necessidade e o objetivo de aceitar as contradições inconscientes diferen temente dos princípios positivistas clássicos e da lógica racional de Aristóteles MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 455 10 Desta forma desenvolva ao máximo possível o atributo que Bion chama de capa cidade negativa a qual se refere àquela capa cidade que de negativo só tem o nome uma vez que ela é altamente positiva pela razão de que alude à capacidade de o terapeuta analíti co conseguir conter os seus próprios sentimen tos negativos de incertezas dúvidas angústia de não saber o que está se passando no campo analítico e é evidente ele também deve con ter os difíceis sentimentos contratransferenciais que às vezes surgem Tenha paciência meu caro até que as coisas se esclareçam na sua mente para poder então trabalhar harmonica mente com o seu paciente 11 Se você já está em formação analítica em alguma instituição conceituada como séria e competente ou pensa ingressar em alguma destas vista a camiseta dela mesmo tendo eventuais discordâncias com a mesma Empe nhese ao máximo na aceitação é diferente de submissão e na preparação de todos os semi nários teóricos e técnicos pois os mesmos pro piciam um estudo sistematizado de textos con sagrados com um franco debate com profes sores e colegas O mesmo vale para atividades coletivas que reúnem membros e candidatos da instituição sob a forma de apresentação de trabalhos clínicos conferências de visitantes feitura e debate de relatórios além dos demais trabalhos Igualmente sempre que possível participe de tarefas administrativas porque isso ajuda a forjar uma identidade psicanalítica Se você tiver condições participe de jornadas e congressos de modo a conhecer outros cole gas e ficar sendo conhecido bem como para cultivar vínculos e fazer novas amizades Tudo faz parte da construção de um indispensável sentimento de identidade de terapeuta psicana lítico Ademais também pesa o fato de que se você quiser alguma variação na sua forma de trabalhar analiticamente deve antes concluir uma formação clássica de acordo com as dire trizes de sua instituição 12 Não obstante eu reafirmar tudo o que já foi dito cuidese porque o analista pode cor rer o risco de ficar prisioneiro de sua forma ção mercê de um possível certo terrorismo que alguns responsáveis pelo ensino assumin do o papel de vestais fazem em nome da sal vaguarda de uma rigorosa e cerrada ideologia da técnica psicanalítica Isso pode induzilo a trabalhar sob a forma de uma obediência au tomática atrofiando a sua capacidade para indagar pensar e criar Daí decorre a explica ção de por que algum analista nessas condi ções diante de situações imprevisíveis angus tiantes e singulares do paciente fica cego para uma outra visualização surdo a uma escuta empática e paralítico a uma ação adequada 13 Exagerando um pouco creio que vale fazer uma paródia da conhecida frase existem mestres que ajudam o aluno a se tor nar livre e mestres que criam escravos de sorte que algo equivalente pode acontecer com um candidato em formação que então fica amor daçado por um superego analítico Entendo que um excessivo apego às teorias sejam quais fo rem ou às expectativas do aludido superego analítico provocam a perda de um aquecido contato com o paciente 14 Também é muito provável que ao lon go de sua formação uma das decepções que muito provavelmente você já sentiu ou virá a sentir é quando perceber que freqüentemente existe uma certa incoerência e hipocrisia entre aquilo que muitos colegas e professores pro fessam e escrevem e aquilo que realmente pra ticam no cotidiano de seus consultórios 15 Nesta mesma linha de percepção e observação se você quer identificar um pro fessor conferencista supervisor analista ou a você mesmo se é autêntico ou falso procure observar se há coerência entre o que ele fala faz e o que de fato ele é Por exemplo nada mais falso e às vezes grotesco do que a constatação de um palestrante discorrendo por exemplo sobre a patologia do narcisismo em uma postura flagrantemente sedutora sober ba exibicionista autolaudatória no limite da arrogância sempre tomando a si mesmo como exemplo daquilo que deve ser o certo 16 Tenha bem claro para si que o exercí cio do poder na instituição manifestase tanto por evidências diretas nos casos exagerados um flagrante jogo de sedução conchavos ata ques sutis calúnias dissimuladas intrigas bo atos quanto indiretas Neste segundo caso os sinais de exercício e de disputa pelo poder aparecem disfarçados seja sob a forma de uma sólida e bem costurada racionalização seja um deslocamento para causas ideológicas que é feito com um toque de sutileza a idealização de uma certa corrente psicanalítica fanatismo 456 DAVID E ZIMERMAN nas crenças paixões fundamentalistas uma catequese retórica e principalmente um rodí zio de poder entre as mesmas pessoas por meio de eleições democráticas e legais 17 Também é muito provável que ao lon go de sua formação mercê de algum sentimen to de decepção desilusão ou injustiça ora aqui ora acolá você entre em um gradual processo de desidealização de sua instituição Não desa nime Isto até saudável é porque você poderá crescer bastante se aprender com as experiên cias de enfrentar e contornar as dificuldades Não acredite na hipótese de que em uma ou tra instituição similar salvo quando ela está no início não surjam problemas próprios do campo dinâmico grupal como são os proble mas inerentes ao narcisismo das pequenas dife renças e o dissimulado jogo de poder que per passa pela cúpula diretiva A dinâmica grupal que preside qualquer instituição quer política quer de ensino etc tanto na sua face sadia quanto na patogênica é virtualmente sempre a mesma Não há problema no fato de sua ins tituição ter problemas o problema seria o caso de ela não propiciar um amplo espaço adequa do para a discussão das situações e condições problemáticas 18 Discrimine a diferença fundamental que deve existir entre uma indispensável pre sença de autoridade e um nefasto exercício de autoritarismo Quando não há uma autorida de realmente capaz qualquer instituição de qualquer natureza nos casos excessivos im planta um autoritarismo disfarçado de paterna lismo no qual prevalecem obstáculos de de pendência infantilização vínculos do tipo sadomasoquista certo apoderamento da men te e anulação daqueles que estão no plano in ferior da pirâmide hierárquica 19 Não basta você perceber e discrimi nar aquelas pessoas do escalão superior que detêm a volúpia pelo poder Também é neces sário que não se deixe envolver nas malhas desse jogo políticonarcisista mercê de promes sas de você atingir o altar do Olimpo caso co mungue das mesmas idéias e ações dos donos do poder É óbvio que alguém tem que exercer funções diretivas e muitos fazem isso de for ma denodada e competente Também é certo que muitos de nós têm um talento natural para as indispensáveis tarefas administrativas O alerta que aqui foi dado deve ficar restrito aos casos em que possa ficar picado pela mos ca azul da ambição desmedida e assim acei tar e lutar por cargos que de tão deslumbran tes podem cegar e atrofiar outras capacidades Quando Bion aborda este assunto ele empre ga uma frase que cabe ser mencionada repleto de honrarias ele abafou sua autono mia e criatividade de modo que morreu sem deixar vestígios 20 Esteja preparado você pessoalmen te assim como seus pacientes a sua institui ção e também a própria IPA passarão por séri as fases de crises No entanto não se preocupe em demasia pois é sabido que as grandes trans formações formamse em situações de crises em seu apogeu Para tanto é necessário que haja uma escuta adequada que permita refle tir depressivamente sobre os problemas além de uma capacidade para sentir e conter senti mentos e fatos dolorosos de modo a poder cres cer com as experiências 21 Mais especificamente em relação a certas crises da instituição elas podem trans parecer por meio da formação de subgrupos verdadeiras facções que seguem de forma apostólica a liderança do psicanalista X que freqüentemente são compostas por pacientes expacientes e às vezes supervisionandos dele enquanto outros candidatos e psicanalistas mantêmse como fiéis escudeiros do psicana lista didata Y e assim por diante 22 Uma dissociação análoga pode acon tecer entre os que pertencem a tal ou qual insti tuição de ensino psicanalítico em uma rivali dade que pode atingir um grau de radicaliza ção desafeição e denegrimento recíproco am bos os lados proclamando que a verdade está com eles Em certo grau essa situação adquire uma configuração de um partido político ou de um movimento religioso que prega princípios rígidos daquilo que é o certo ou errado em de fesa da verdadeira psicanálise porém que no fundo não passa de uma racionalização para o exercício de surdas querelas narcisistas em dis puta pelo poder Em resumo abra mão dessa sucessão apostólica e fique alerta para o fato de que muitos fazem da psicanálise uma religião quando ela não deveria ser mais do que um método de tratamento por meio de uma fasci nante ciência e arte que ela é 23 Reitero a minha posição já expressa da diante das prováveis decepções com a sua MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 457 instituição fato que reitero acontece com qualquer outra assim como com a própria na tureza de nossas vidas mantenha uma autocontinência paciência e não se intimide Não tome nenhuma medida precipitada cres ça e curta com tudo que você está recebendo de bom fértil e gratificante da instituição a um mesmo tempo que aprenda a administrar os aspectos que o desgostam Se possível aprenda com as experiências emocionais as boas e principalmente com as dolorosas 24 O fenômeno da identificação é funda mental na sua formação como psicoterapeuta analítico De forma análoga ao que se proces sa na criança que introjeta os modelos sadios eou patógenos provindos especialmente de seus pais também você está em pleno proces so de fazer identificações com seu psicanalis ta seus professores supervisores Lembrese que em situações patogênicas na criança no seu paciente ou em cada um de nós o objeto modelador tanto pode ser introjetado como todopoderoso e divino ou denegrido e demo níaco assim provocando respectivamente uma predominante conduta de idealização submissão perseguição ou rebeldia Não con funda identificação com imitação O ideal é que você possa fazer múltiplas identificações de sorte a incorporar alguns aspectos de figuras que você admira e que lhe servem como uma luva a um mesmo tempo que se dê o direito de ignorar outras características mesmo das pessoas admiradas que não fecham com o seu jeito autêntico de ser Portanto construa a sua própria identidade de psicanalista 25 Neste mesmo contexto construa tam bém o seu próprio e genuíno estilo de traba lhar sem nunca se afastar dos postulados es senciais que regem a técnica analítica Cabe dizer que a técnica com algumas variações de escola para a escola mantémse basicamente a mesma para todos os analistas porém o esti lo é bastante variável de um terapeuta para outro Assim algum de nós vai ser mais proli xo enquanto um outro vai se caracterizar por ser mais silencioso uns analistas são extrema mente formais outros informais alguns for mulam as interpretações de uma forma sóbria e neutra enquanto outros empregam um esti lo coloquial entremeando com o emprego de metáforas e coisas equivalentes Respeitando a singularidade de cada situação analítica e sem sair das regras técnicas seja você mesmo No entanto esteja atento muitos estilos de os analistas trabalhar adquirem um caráter patogênico no processo analítico tal com está descrito no capítulo referente à Atividade Interpretativa no presente livro 26 Como síntese do que se pode consi derar como um bom modelo para a pessoa do psicanalista tomo a transcrição que Otávio Paz faz ao citar a metáfora da pomba do filóso fo Kant Para voar a pomba necessita vencer tanto a resistência do ar como a atração para o solo a força da gravidade ela deve baixar à terra e encarnarse entre os homens 27 É útil ter em mente que você não é unicamente uma pantalha transferencial tecida pelo paciente por meio de deslocamentos e identificações projetivas na sua pessoa Você também é uma pessoa real com sua ideologia e idisioncrasias próprias e com um algo mais que vai além das interpretações De fato a efi cácia da terapia analítica depende em grande parte de uma adequada atividade interpreta tiva e em parte de um encontro match peculiar entre você com seu paciente Você somente como pessoa real mercê de sua ação e jeito sincero de ser pode desconfirmar as impressões e expectativas patológicas que es tão de longa data implantadas na mente do paciente determinando o seu modo defensivo de se relacionar e conduzir Como pessoa real você também está sujeito a passar por crises existenciais doenças perdas etc que podem influir marcantemente na sua eficácia analítica 28 Procure minimizar esta interferência prejudicial desenvolvendo uma capacidade de fazer uma dissociação útil do ego isto é reco nheça e separe o seu lado analista do seu lado da pessoa humana que tem problemas como todo mundo sem deixar que uma dessas par tes se confunda e interfira com a outra 29 Ainda em relação à pessoa real que você é cabe dizer da impossibilidade de sepa rar a sua atividade interpretativa e a sua ma neira verdadeira de ser Por exemplo uma mesma interpretação igualmente certa pode ser formulada de forma diferente por dois ou mais analistas da mesma competência e filiação escolástica daí podendo resultar que a inter pretação correta pode vir a ser eficaz ou não Para clarear melhor esta afirmativa vou me socorrer de dois pensadores um filósofo e um 458 DAVID E ZIMERMAN poeta Bion inspirado em Kant filosofa poeti camente que na situação analítica amor sem verdade não passa de paixão verdade sem amor não é mais do que crueldade Por sua vez Yeats o poeta britânico verseja uma frase singela porém de uma profundidade e bele za que deveria constantemente inspirar a nossa atividade interpretativa Eis o trecho que sele cionei para a sensibilidade do meu caro leitor pisa mas pisa devagar com cuidado por que estás pisando nos meus sonhos mais que ridos 30 Permita se envolver afetivamente com o seu paciente porém atenção sem ficar en volvido com ele Com outras palavras não con funda ser uma pessoa boa com ser bonzinho as frustrações inevitáveis e a colocação de li mites que contrariam o paciente são indispen sáveis para o seu crescimento mental Igual mente não permita que se confundam ou se in vertam os respectivos lugares e papéis que res pectivamente pertencem a cada um do par ana lítico Assim evite ser demasiadamente prove dor conselheiro e diretivo com seus pacientes 31 A propósito dessa tendência de o ana lista assumir uma posição de grandiosidade perante o seu paciente cabe mencionar essa frase de Freud pronunciada no seu último ano de vida Por mais tentado que possa sentirse o analista a se tornar o educador o modelo e o ideal de seus pacientes qualquer que seja o desejo que tenha de moldálos à sua imagem ele precisa lembrarse de que esse não é o objetivo que procura atingir na análise e até de que fracassará em sua tarefa entregandose a essa tendência Agindo assim ele apenas repetiria o erro dos pais cuja influência sufocou a indepen dência da criança e substituiria a antiga sujeição por uma nova 32 Prefira seguir a direção que Antônio Machado sentencia neste seu bonito verso Caminhante não há caminho fazse o cami nho ao andar Assim transposta para a situa ção analítica essa mensagem poética encora janos a caminharmos junto com o paciente sem idéias expectativas e projetos preconce bidos antes disto andarmos com ele por no vas estradas ao sabor da espontaneidade até que o seu verdadeiro caminho na vida começa a se delinear e ganhar consistência e harmo nia O mesmo verso fora da situação analítica propriamente dita também ilumina que no lugar de transitar unicamente por caminhos analíticos com fronteiras bemdelimitadas já bemconhecidas procure trilhar áreas de tran sição e intersecção entre as diversas ciências as artes e o espírito Procure pois fazer uma formação múltipla não só no que se refere a um livre trânsito entre as diversas escolas den tro da psicanálise mas também em uma apro ximação dos campos da biologia da física da filosofia da religião da educação da antropo logia da espiritualidade da música e natural mente da psicanálise 33 Meu caro leitor vou abrir para você uma discreta confidência Nos primeiros anos de minha formação psicanalítica nos meados da década de 60 igualmente aos demais insti tutos brasileiros nosso referencial de aprendi zagem teóricotécnico consistia em um pouco de ênfase em Freud embora tenhamos feito todos os seminários curriculares preconizados pela IPA e uma indubitável preferência pelo estudo dos autores da escola kleiniana Todos os demais autores eram estudados muito su perficialmente para não dizer quase nada Nossa excelente formação kleiniana possibili tou que trabalhássemos bem como psicanalis tas No entanto com o correr dos anos perce bi que na época as supervisões coletivas e as apresentações de trabalhos clínicos para pro moção a membro associado ou efetivo repeti amse de uma forma monótona e monocórdica Fazendo uma caricatura exagerada cabe dizer que em cada caso apresentado só mudava o nome do paciente e o seu passado histórico porquanto as considerações psicodinâmicas sempre de fundamentação kleiniana eram pra ticamente as mesmas Quando nos anos 70 comecei a redigir o meu trabalho para alcan çar a condição de membro efetivo percebi que eu estava incidindo em uma mesmice idêntica àquelas que intimamente tanto criticava Lem breime da máxima que afirma que cada um de nós descobre nos outros as mesmas falhas que os outros descobrem em nós Não mais tive dúvidas estava me violentando porque a minha mente estava saturada impregnada com as concepções kleinianas que auxiliavam o su ficiente para a análise evoluir bem mas deixa va a função de analisar algo repetitiva e tedio MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 459 sa Concordei comigo mesmo que deveria ter mais paciência e me proporcionar um novo tempo de sorte que suspendi a feitura do tra balho que já estava adiantado e decretei para mim uma espécie de período sabático durou dois anos durante o qual salvo alguma si tuação especial raramente eu freqüentava a Sociedade e me atirei à leitura de autores como Bion Winnicott Kohut Lacan Joyce MacDou gall outros autores franceses e psicólogos do ego entre tantos e tantos Fiquei com a sensa ção de que se revelava para mim um outro uni verso psicanalítico Sofri significativas influên cias de muitos desses autores que na época em nosso meio eram pouco conhecidos em profundidade porém confesso que foi com a obra de Bion que mais me identifiquei e a que mais me influenciou e fez com que eu mudas se de forma substancial a minha forma de en tender e trabalhar a prática psicanalítica coti diana Após dois anos retomei a feitura do tra balho em moldes muito distintos do original e que pelo menos para mim foi muito gratifi cante apresentar e debater com meus colegas da SPPA 34 Trouxe este exemplo pessoal que tal vez não seja o melhor ou sequer válido para outros com o propósito de fazer o leitor refle tir no fato de não ser necessário termos pressa exagerada na construção de nossa formação como psicanalistas há momentos certos para tudo Assim meu jovem leitor permitome su gerirlhe que você tenha sempre em mente a profunda sabedoria contida neste clássico tre cho bíblico do Eclesiastes Velho Testamento 311 Existe um tempo para tudo um tempo para procurar e um para encontrar tam bém cabe dizer para semear e para colher para ficar em silêncio e para falar um tempo para amar e um para odiar um tempo para a guerra e outro para a paz 35 Se possível não fique confinado uni camente em seu consultório privado A expe riência que você está adquirindo e acumulan do pode ser muito útil em organizações que representam finalidades sociais como escolas hospitais centros comunitários órgãos políti cos etc No entanto esteja preparado para a possibilidade de que nosso instrumento prima cial a verdade com base psicanalítica pos sa vir a ser rejeitada e sabotada pelas cúpulas diretivas e outras pessoas dos respectivos ór gãos que desde cedo não foram preparadas para amar as verdades pelo contrário sentem se ameaçados porque eles foram ensinados a não confiar naqueles que querem propor ou tros vértices de percepção e manejo das verdades 36 O tratamento analítico pode alcançar somente um setor restrito da população no entanto a compreensão psicanalítica pode sim ajudar a muita gente em diversos campos como por exemplo da medicina e demais ciên cias humanísticas a educação escolar e do pú blico em geral as múltiplas áreas transdisci plinares jurídica literatura etc 37 Pavimente o seu caminho para a aqui sição de sabedoria o que é muito diferente de uma acumulação de conhecimentos e erudi ção A propósito creio que cabe mencionar no vamente a Bion quando ele afirma que é necessário muita ciência para fabricar uma bomba atômica porém é preciso muito mais sabedoria para não usála como uma arma destrutiva contra a humanidade 38 Lembrese que antes de você ser um médico psicólogo psiquiatra ou psicanalista você é gente como a gente um ser humano co mum sujeito às mesmas grandezas fragilida des e pequenezas como qualquer outra pessoa O reconhecimento deste fato pode ajudálo bastante a ser uma pessoa mais simples é muitíssimo diferente de simplória mais pró ximo e empático com o seu paciente 39 Finalmente não gostaria de concluir esta carta sem enfatizar a importância de você não ter pressa em amadurecer como psicotera peuta analítico prefira uma marcha mais len ta porém consistente e progressiva em meio a dúvidas angústias limitações omissões e ine vitáveis falhas não custa reiterar que não exis te o menor problema em cometermos erros desde que tenhamos a capacidade de apren der com as experiências as boas e principal mente aquelas em que cometemos equívocos e erros no lugar de rapidamente considerar se pronto Se você tiver essa capacidade de paciência serlheá muito útil para trabalhar com os seus pacientes com vistas a esse mes mo objetivo de um gradativo desenvolvimen to maduro 40 Assim para ilustrar o que disse en tendi incluir nesta carta uma mensagem intitulada Amigos que considero altamente 460 DAVID E ZIMERMAN afetiva e tocante que li e guardo o recorte como um bem precioso embora não tenha consegui do descobrir o nome do autor Para não muti lar o tom poético que emana dessa mensagem resolvi transcrevêla na íntegra Lembrese que essa fábula vale para você e para os pacientes que trata ou virá a tratar Um dia uma pequena abertura apareceu em um casulo um homem sentou e observou a borboleta por várias horas conforme ela se esforçava para fazer que seu corpo passasse através daquele pequeno buraco Então pare ceu que ela havia parado de fazer qualquer progresso Parecia que ela tinha ido o mais lon ge que podia e não conseguia ir mais Então o homem decidiu ajudar a borbo leta ele pegou uma tesoura e cortou o restante do casulo A borboleta então saiu facilmente Mas seu corpo estava murcho e era pe queno e tinha as asas amassadas O homem continuou a observála porque ele esperava que a qualquer momento as asas dela se abrissem e esticassem para serem ca pazes de suportar o corpo que iria se afirmar a tempo Nada aconteceu Na verdade a borbole ta passou o resto de sua vida rastejando com um corpo murcho e asas encolhidas Ela nun ca foi capaz de voar O que o homem em sua gentileza e vontade de ajudar não compreen dia era que o casulo apertado e o esforço ne cessário à borboleta para passar através da pequena abertura era o momento pelo qual Deus fazia com que o fluido do corpo da bor boleta fosse para as suas asas de forma que ela estaria pronta para voar uma vez que esti vesse livre do casulo Algumas vezes o esforço é justamente o que precisamos em nossa vida Se Deus nos permitisse passar através de nossas vidas sem quaisquer obstáculos ele nos deixaria aleijados Nós não iríamos ser tão for tes como poderíamos ter sido Nós nunca po deríamos voar Eu pedi forçase Deus deume dificulda des para me fazer forte Eu pedi sabedoriae Deus me deu problemas para resolver Eu pedi prosperidade e Deus me deu cérebro e mús culos para trabalhar Eu pedi coragem e Deus me deu pessoas com problemas para ajudar Eu pedi favorese Deus me deu oportunidades Eu não recebi nada do que pedimas eu recebi tudo que precisava Meu prezado leitor peço desculpas se me alonguei demasiado ou se fui exagerado ou equivocado em algumas observações Guardo a esperança de que esta carta possa ter algu ma valia prática para você De qualquer for ma fui fiel a um forte desejo que me acome teu de escrevêla para um novo amigo e eu ficaria muito grato se você me devolver com as suas opiniões críticas e sugestões a respeito dela Despeçome desejandolhe boa sorte e sucesso na sua atividade de psicoterapeuta analítico e deixo o abraço carinhoso e agrade cido pela sua atenção Do amigo David E Zimerman MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 461 Referências Bibliográficas BLUM AP The position and value of extransference interpretation J Amer Psychoan Ass v31 n3 p 587 1983 Psicoanálisis historia y psicohistoria The News letter of the International Psychoanalytical Association v 5 1996 BOLETIM INFORMATIVO DA IPA Conjunto de artigos sobre psicanálise com crianças v 10 n 2 2001 BOLLAS C A sombra do objeto Rio de Janeiro Imago 1992 The fascist state of mind In Being a character psychoanalysis and self experience New York Hill and Wang 1997 BOWLBY J Attachment and loss London The Hogarth Press 19 CAPER R Tendo uma mente própria Livro anual de psicanálise São Paulo Escuta1997 Tomo XII CAPRA F As conexões ocultas ciência para uma vida sustentável São Paulo Cultrix 2002 CESIO F El letargo contribuicion al estudio de la reac cion terapeutica negativa Rev de Psicoanalisis v17 n3 p 289 1960 CHASSEGET SMIRGEL J O ideal do ego Porto Ale gre Artmed 1978 Ética e estética da perversão Porto Alegre Artmed 1991 COMITÊ DA IPA Revista Brasil de Psicanál v27 n2 1993 COROMINAS SJ Dicionário crítico etimológico cas tellano hispânico Madrid Gredos1980 CRUZ J G A injeção de Irma cem anos depois algu mas considerações sobre a função dos sonhos Revista de Psicanálise da SPPA v 3 n1 1996 EISSLER K The effect of the structure of the ego on psy choanalitic technique JAPA v 1 1953 EKSTERMAN A Abordagem psicodinâmica dos sinto mas somáticos Rev Brasil Psicanál v 28 n1 1994 ETCHEGOYEN H Fundamentos da técnica psicanalíti ca Porto Alegre Artmed 1987 El impasse psicanalitico y las estrategias del yo Rev de Psicoanalisis v33 n4 p 613 1976 FAINBERG H Malentendidos y verdades psiquicas Rev de Pscoanalisis 1995 ABRAHAM K Uma forma particular de resistência con tra el métdodo psicoanalític In Psicoanalisis clinico Buenos Aires Paidós 1959 p 2317 Un breve estudio de la evolucion de la libido considerada a la luz de los transtornos mentales In Psicoanalisis clinico Buenos Aires Paidós 1959 ALVAREZ A Companhia viva Porto Alegre Artmed 1994 AULAGNIER P A violência da interpretação del picto grama al enunciado Buenos Aires Amorrotu 1977 BADARACCOJG Las identificaciones y la identidad en el proceso analitico Rev Psicanalisis v47 n4 1979 BARANGER W BARANGER M La situación analíti ca In Problemas del campo psicanalitico Buenos Aires Kargieman 1960 BARANGER M Ubicación de la resistencia en el proce so analíticoIn Rev de Psicoanalisis v26 n4 p 721 1979 La mente del analista de la escucha a la inter pretaciónRev de Psicoanalisis v 49 n2 1992 BIONWR Experiências com grupos Rio de Janeiro Imago 1970 Aprendendo com a experiência Rio de Janeiro Imago 197 Elementos em psicanálise Rio de Janeiro Imago 1977 Conferências brasileiras I Rio de Janeiro Imago 1973 Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janei ro Imago 1988 Atenção e Interpretação Rio de Janeiro Imago 1973 Conversando com Bion Rio de Janeiro Imago1992 Seminários clínicos y cuatro textos Buenos Aires Lugar 1992 Cogitações Rio de Janeiro Imago 2000 BLEICHMAR H O narcisismo Porto Alegre Artmed 1987 Depressão um estudo psicanalítico Porto Ale gre Artmed 1982 BLEICHMAR N BLEICHMAR CL A psicanálise depois de Freud teoria e clínica Porto Alegre Artmed 1992 462 DAVID E ZIMERMAN FAIRBAIRN W R D Estudio psicoanalitico de la perso nalidad Buenos Aires Hormé 1962 Observaciones sobre la naturaleza de los esta dos histéricos In SAURI J Las histerias Buenos Aires Nueva Vision 1975 p 21550 FERENCZI S Estadios en el desarrollo del sentido de la realidad In Sexo y psicoanalisis Buenos Aires Paidós 1959 Elasticidade na técnica analítica In Escritos psicanalíticos Rio de Janeiro 1988 La confusión de Lenguajes entre los adultos y el niño In Problemas y metodos del psicoana lisis Buenos Aires Paidós 1966 Cap 13 Obras completas São Paulo Martin Fontes 1992 FERRÃO LM O impasse analitico Revista Latinoame ricana de Psicoanalisis v1 n1 p 55 1974 FRANCISCO B S S Actingout considerações teóri coclínicas In OUTEIRAL J E THOMAS T Orgs Psicanálise brasileira Porto Alegre Artmed 1995 FREUD S Estudos sobre a histeria In Obras completas Rio de Janeiro Imago 1968 v2 Edição standard brasileira Projeto para uma psicologia científica In Rio de Janeiro Imago 1968 v1 Edição standard brasileira A interpretação dos sonhos In Rio de Janeiro Imago 1968 v5 Edição standard brasi leira A psicopatologia da vida cotidiana In Rio de Janeiro Imago 1968 v6 Edição standard bra sileira O método psicanalítico de Freud In Rio de Janeiro Imago 1968 v7 Edição standard bra sileira Três ensaios sobre a teoria da sexualidade In Rio de Janeiro Imago 1968 v7 Edição stan dard brasileira Sobre a psicoterapia In Rio de Ja neiro Imago 1968 v7 Edição standard brasileira Fragmentos da análise de um caso de histeria caso Dora In Rio de Janeiro Imago 1968 v7 Edição standard brasileira Notas sobre um caso de neurose obsessiva o homem dos ratos In Rio de Janeiro Imago 1968 v10 Edição standard brasileira Análise de uma fobia em um menino de cinco anos caso do menino Hans In Rio de Janei ro Imago 1968 v10 Edição standard brasileira Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância In Rio de Janeiro Imago 1968 v11 Edição standard brasileira As perspectivas futuras da terapia psicanalíti ca In Rio de Janeiro Imago 1968 v11 Edi ção standard brasileira Formulações sobre os dois princípios do funcio namento mental In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasileira Notas psicanalíticas sobre um relato autobio gráfico de um caso de paranóia caso Schreber In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasileira A dinâmica da transferência In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasi leira Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Obras Completas Rio de Janei ro Imago 1968 v12 Edição standard brasileira Totem e tabu In Rio de Janeiro Imago 1968 v13 Edição standard brasileira Sobre o início do tratamento Novas recomen dações sobre a técnica da psicanálise In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasi leira Sobre a história do movimento psicanalítico In Rio de Janeiro Imago 1968 v14 Edição standard brasileira Sobre o narcisismo uma introdução In Rio de Janeiro Imago 1968 v14 Edição standard brasileira Recordar repetir e elaborar Novas recomen dações sobre a técnica da psicanálise II In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasileira Observações sobre o amor transferencial In Rio de Janeiro Imago 1968 v12 Edição standard brasileira O inconsciente In Rio de Janeiro Imago 1968 v14 Edição standard brasileira As pulsões e suas vicissitudes In Rio de Janeiro Imago 1968 v14 Edição standard brasi leira Conferências introdutórias à psicanálise In Rio de Janeiro Imago 1968 v16 parte 2 Edição standard brasileira Luto e Melancolia In Obras Comple tas Rio de Janeiro Imago 1968 v14 Edição standard brasileira Da história de uma neurose infantil o ho mem dos lobos In Obras Completas Rio de Janeiro Imago 1968 v17 Edição standard brasileira Linhas de avanço nas terapias psicanalíticas In Rio de Janeiro Imago 1968 Edição stan dard brasileira Uma criança é espancada Linhas de avanço nas terapias psicanalíticas In Rio de Janeiro Imago 1968 v17 Edição standard brasileira O sobrenatural Linhas de avanço nas terapias psicanalíticas In Obras Completas Rio de Ja neiro Imago 1968 v17 Edição standard brasileira Além do princípio do prazer Linhas de avan ço nas terapias psicanalíticas In Obras Com pletas Rio de Janeiro Imago 1968 v18 Edição stan dard brasileira A psicologia de grupo e a análise do ego Li nhas de avanço nas terapias psicanalíticas In MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 463 Rio de Janeiro Imago 1968 v18 Edição standard brasileira Dois artigos de enciclopédia psicanálise e teoria da libido In Rio de Janeiro Imago 1968 v18 Edição standard brasileira O ego e o id In Rio de Janeiro Imago 1968 v19 Edição standard brasileira Neurose e psicose In Rio de Janei ro Imago 1968 v19 Edição standard brasileira A perda da realidade na neurose e na psicose In Rio de Janeiro Imago 1968 v19 Edição standard brasileira O problema econômico do masoquismo In Rio de Janeiro Imago 1968 v19 Edição standard brasileira A negação In Rio de Janeiro Imago 1968 v19 Edição standard brasileira A questão da análise leiga In Rio de Janeiro Imago 1968 v20 Edição standard brasileira Inibições sintomas e angústia In Rio de Janeiro Imago 1968 v20 Edição standard brasileira Fetichismo In Rio de Janeiro Imago 1968 v20 Edição standard brasileira O malestar da civilização In Rio de Janeiro Imago 1968 v20 Edição standard brasileira Tipos libidinais In Rio de Janeiro Imago 1968 v20 Edição standard brasileira Novas conferências introdutórias à psicanáli se In Rio de Janeiro Imago 1968 v22 Edi ção standard brasileira Análise terminável e interminável In Rio de Janeiro Imago 1968 v23 Edição standard bra sileira Construções em análise In Rio de Janeiro Imago 1968 v23 Edição standard brasileira Clivagem do ego no processo de defesa In Rio de Janeiro Imago 1968 v23 Edição standard brasileira Esboço de psicanálise In Rio de Janeiro Imago 1968 v23 Edição standard brasileira Achados idéias problemas In Rio de Janeiro Imago 1968 v19 Edição standard brasi leira GILL M El analisis de la transferência Revista de Psi coanalisis v381981 GLOVER E The therapeutic effect of inexact inter pretation a contribution to the theory sugestion Int J Psychoanal v12 n4 p 399411 1931 GRAÑA R Além do desvio sexual Porto Alegre Artes Médicas 1995 GREEN A Narcisismo de vida e narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 Revista IDE v13 1986 p 9 Entrevista Sobre a loucura pessoal Rio de Janeiro Imago 1988 p 5376 Revista da Sociedade Psicanalítica de Porto Ale gre v2 n1 1995 Entrevista GREENSON RR A técnica e a prática da psicanálise Rio de Janeiro Imago 1981 GRINBERG L Psicopatologia de la identificación y de la contraidentificación projetivas y de la contratransfe rencia Rev de Psicoanalisis v20 n2 p 1131963 Culpa y depresión Buenos Aires Paidós1975 GRINBERG lGRINBERG R Identidad y Cambio Buenos Aires Paidós 1976 HARTMANN H Psicologia do ego e o problema da adap tação Rio de Janeiro Zahar 1989 HEIMANN P On countertransference Int J Psychoa nal v31 p 8184 1960 HORNSTEIN L Introdução à psicanálise São Paulo Escuta 1989 JACOBS T Sobre não ouvir e não ver alguns proble mas na técnica e sua relação com o treinamento analí tico In PELLANDA N PELLANDA LEOrgs Psi canálise hoje Porto Alegre Vozes 1996 JOSEPH B O paciente de difícil acesso Rev Brasil Psicanal v20 n3 p 413 1986 KANDEL E A biologia e o futuro da psicanálise um novo enquadre intelectual para a psiquiatria revisitada American Journal of Psychiatry 1999 KANTROWITZ J The relationship between the resolution of the transference and the patientanalyst match Trabalho apresentado no 36º Congresso da IPA Roma1989 KERNBERG O Entrevista con Otto Kernberg The News letter of the International Psychoanalytical Association v 5 n1 1996 A desonestidade na transferência Slsn 19 Desordens fronteirizos y narcisismo patológico México Paidós 1988 KLEIN M La importancia de la formación de símbo los en el desarrollo del ego In Contribuciones al psicoanalisis Buenos Aires Hormé 1964 Psicanálise da criança São Paulo Mestre Jou 1969 Notas sobre os mecanismos esquizóides In Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1982 KLEIN M et al Desarrollos em psicoanálisis Buenos Aires Paidós 1962 As origens da transferência Rev Bras Psicanal v4 p 618 1969 Envidia y gratitud In Las emociones basicas del hombre Buenos Aires Nova 1960 KOHUT H Análise do self Rio de Janeiro Imago 1988 The restoration of the self New York Int Univ Press 1977 LACAN J Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998 Algumas reflexões sobre o ego Revista Uru guaya de psicoanalisis v 14 n2 1977 464 DAVID E ZIMERMAN LAPLANCHE J PONTALIS JB Vocabulário da psica nálise São Paulo Martins Fontes 1970 LIBERMAN D Linguistica interacción comunicativa y proceso psicoanalítico Buenos Aires Kargieman 1983 LOEWENSTEIN R Remarks on some variations in clas sical technique Int J Psychoanal v39 n2 p 210 19 McDOUGALL J Em defesa de uma certa anormalida de Porto Alegre Artmed 1983 Um corpo para dois Boletim científico da SBPRJ v 1 n2 1987 Corpo e linguagem da linguagem do soma às palavras da mente Rev Brasil Psican v 28 n1 1994 Revista Trieb v1 n1 1991 p 6878 Entre vista MAHLER M O nascimento psicológico da criança sim biose e individuação Rio de Janeiro Zahar 1982 MATTE BLANCO Understanding Matte Blanco Int J Psychoanal v67 p 251254 MELTZER D El proceso psicanalítico Buenos Aires Hormé 1987 Estados sexuais da mente Rio de Janeiro Imago 1979 Exploraciones sobre el autismo Buenos Aires Paidós 1979 Identificação Adesiva Jornal de Psicanálise v38 p 4052 19 Dream Life Conferência Detalhes lugar ano O desenvolvimento kleiniano I o desenvolvi mento clínico de Freud São Paulo Escuta 1989 MIJOLLA A Pensamentos de Freud Rio de Janeiro Nova Fronteira 1988 MONEYKYRLEY R Contratransferencia normal y algu nas de suas desviaciones Rev Uruguaya de Psicoana lisis v4 n1 19611962 Desarrollo Cognitivo Revista de Psicoanalisis v27 n4 1970 NOGUEIRA J Histeria Trabalho apresentado na SPPA Ano lugar PESSOA F Poesias São Paulo LPM Pocket 1999 v2 PIAGET J La construcción de lo real en el niño Buenos Aires Protec 1965 PICK I A elaboração na contratransferência In BAR ROS EM da R Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 PIONTELLI A Observação de crianças desde antes do nascimento In PELLANDA N PELLANDA LEOrgs Psicanálise hoje uma revolução do olhar Petrópolis Vo zes 1996 PLATÃO Diálogos São Paulo Icone 1981 RACKER H Estudios sobre técnica psicoanalitica Bue nos Aires Paidós 1973 RANK O El refflejo Sinmbolo del Narcisismo Payot Capítulo V Don Juan y el doble REICH W Analise do caráter Lisboa Publicações Dom Quixote 1979 REIK T Como se llega a ser psicólogo Buenos Aires Paidós 1975 RICOEUR P O conflito das interpretações ensaios de hermenêutica Rio de Janeiro Imago 1978 RIVIÈRE J Contribucion a analisis de la reacción tera peutica negativa Rev de Psicoanalisis Buenos Aires 1949 ROCHA F A psicanálise e o paciente somatizante in trodução às idéias de Joyce McDougall Revista Bras Psicanál v22 n1 1988 A sexualidade na teoria e prática psicanalíti ca sobre o complexo de édipo e de castração Rev Bras Psicanál v30 n4 1996 ROSENFELD H Os estados psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 A psicose de transferência no paciente frontei riço Rev Brasil Psicanál v23 n3 1989 Uma abordagem clínica à teoria psicanalítica das pulsões de vida e morte uma investigação dos as pectos agressivos do narcisismo In BARROS EM da R Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 Impasse e Interpretação Rio de Janeiro Imago 1988 p 32 SPILLIUS E B A interpretação da inveja na análise Rev Brasil Psicanál v25 n3 p 551 1991 Entrevista com Elisabeth Spillius e David Tuckett Revista de Psicanálise da Sociedade Psicanalíti ca de Porto Alegre v2 1995 SPITZ R Analytic depression the psychoanalitic study of the child Sl sn 1946 v2 No y Si Buenos Aires Hormé 1960 O primeiro ano de vida São Paulo Martim Fontes 1980 STOLLER R Masculinidade e feminilidade apresenta ções de gênero Porto Alegre Artmed 1993 STRACHEY J The nature of therapeutic action of psycho analysis Rev de Psicoanalisis v5 p 194748 19 TUSTIN F Estados autistas em crianças Rio de Janei ro Imago 1984 Barreiras autistas em pacientes neuróticos Porto Alegre Artmed 1990 WALLERSTEIN R Psicoanalisis y Psicoterapia una perspectiva histórica Libro Anual de Psicoanálisis 1989 WINNICOTT D Textos selecionados da pediatria à psi canálise Rio de Janeiro Francisco Alves 1988 O Ambiente e os processos de maturação Porto Alegre Artes Médicas 1988 O brincar e a realidade Rio de Janeiro Imago 1975 O uso de um objeto Rev Bras Psicanál Ano volume Therapeutic consultations in child psyhiatry London The Hogarth Press and the Institute of Psycho Analysis 1985 MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 465 ZETZEL E Current concepts of transference Int J Psy choanallysis v 37 p 36975 1986 The so called good hysteric Int J Psychoanal v49 p 25660 1968 ZIMERMAN D Fundamentos básicos das grupoterapias Porto Alegre Artmed 1993 Bion da teoria à prática Porto Alegre Art med 1995 Fundamentos psicanalíticos teoria técnica e clínica Porto Alegre Artmed 1999 Vocabulário contemporâneo da psicanálise Por to Alegre Artmed 2001 ZIMERMAN D OSÓRIO LC Como trabalhamos com grupos Porto Alegre Artmed 1997 Índice Remissivo A Actings 169176 269 354 387 acting na prática analítica 172176 conceituação 169172 autores kleinianos 170171 Bion 171172 Freud 169170 Adolescentes terapia psicanalítica com 357366 adolescente e a família 359360 grupalidade do adolescente 360361 prática clínica 361366 Agressão destrutiva 433434 Agressividade construtiva 433434 Analisabilidade critérios de 6062 conceituação 6061 indicações e contraindicações para análise 6162 Analista a pessoa real do 8594 129130 232233 analista como novo modelo de identificação 9294 aspectos reais exteriores 8688 atributos pessoais 8992 essência interior 8889 Analista condições necessárias para um 231239 capacidade de ser continente 235236 capacidade negativa 236237 capacidade para sobreviver 238 coragem 235 empatia 235 formação 231232 intuição 237 paciência 236 par analítico 232 pessoa real do analista 232233 respeito 234235 sentimento de uma suficiente autonomia 239 ser verdadeiro 237238 visão binocular 234 visualizar as diferentes partes do paciente 233234 Analista transformações no perfil do 1730 crise de identidade 19 cultura do narcisismo 20 família 19 globalização 18 novos padrões éticos 1819 pósmodernismo 2021 transformações na psicanálise 2128 paciente o 2122 processo analítico o 2425 psicanalista o 2224 setting 2528 valores 1920 visão sistêmica 18 Anticorpos emocionais 434 Atitude psicanalítica interna 434435 Atividade interpretativa 177193 conceituação 177179 prática analítica na 179193 aspectos básicos 179 formação de interpretação na mente do analista 179193 Atuações Ver Actings B Benefício terapêutico e resultado analítico diferença entre 435 Bion W 4042 156157 171172 328 425 Bússola empática 449 C Casais e famílias terapia com 367374 patologia de casais 367370 causas de desgaste 368370 prática clínica na 371374 tipos de colusões 370371 Clínica do vazio 289294 características clínicas 290292 conceituação 289290 manejo técnico 292294 Complexo de Cinderela 449450 Complexo de Conde de Monte Cristo 450 Complexo de Galo Chanteclaire 450 Complexo de Hulk 450 Complexo de mariposa 450 Conluio de acomodação 436 Conluio de uma recíproca fascinação narcisista 436 Conceitos glossário de 433451 Condições necessárias para um analista Ver Analista condições necessárias para um Conluios inconscientes 109112 148 Consciente análise do 203209 conceituação 203209 Continente acréscimos sobre o conceito de 436438 Contraego 113125 438439 antianalisando modelo do Ver mutilador contraego do tipo antigo script doentio contraego que repete um 123 124 arraigada recusa ao crescimento modelo de uma Ver reivindicador contraego esclarecimento semântico de termos 113115 gangue narcisista modelo da Ver sabotador contraego identificação com a vítima modelo Ver identificações patógenas contraego que resulta de identificações patógenas contraego que resulta de 121123 lei de talião modelo da Ver retaliador contraego manejo técnico em relação ao contraego 124125 mutilador contraego do tipo 119120 papéis designados pelos pais contraego que obriga ao cumprimento de 121 papel de ser o segurosolidão da mãe Ver papéis de signados pelos pais contraego que obriga ao cumprimento de perverso contraego do tipo 120121 prática analítica contraego na 116 reivindicador contraego 117118 retaliador contraego 118119 revisão conceitual 115116 sabotador contraego 116117 via curta do narcisismo modelo Ver perverso con traego do tipo vínculo de amor tantalizante modelo Ver antigo script doentio contraego que repete um Contraresistência 105109 conceituação 105106 prática analítica na 106109 Contrato 6265 Contratransferência 141154 aspectos básicos 144151 conceituação 144 conluios inconscientes 148 continenteconteúdo 145147 contratransferência erotizada 148149 contratransferência somatizada 149150 diferença entre contratransferência e transferên cia do analista 145 empatia 147148 sonolência 151 conceito evolução de 141144 autores kleinianos 143144 Freud 141143 implicações na técnica 151154 Crescimento mental 214216 Crescimento acromegálico 450 Crianças psicanálise com 347356 Anna Freud 347348 aspectos da prática 350352 características 350 contrato 351352 encaminhamento para tratamento 350 indicações 350351 setting 351352 estado atual da análise com crianças 349350 Freud 347 M Klein 348 pais 352356 atividade interpretativa 354356 comunicação 354 actings 354 resistênciacontraresistência 353 transferênciacontratransferência 353354 René Spitz 348 resenha histórica 347 Winnicott 348349 Cura psicanalítica 213214 D Dependência boa e dependência má 439 Desistência estado de 439440 Desrepressão 440441 Dessignificação e neosignificação 441 Dissociação útil do ego 441442 E Elaboração 212 Entrevista inicial 5760 conceituação 58 finalidades 5860 Equação 8C 442443 Erikson 35 Escolas de psicanálise principais autores das 3142 Bion W 4042 Freud 3134 kleinianos 3435 Rivière J 34 Lacan 3739 psicologia do self 3637 Kohut H 36 psicólogos do ego 35036 Erikson 35 Freud Anna 35 Jacobson E 35 Kernberg O 35 Mahler M 35 Winnicott 3940 Estados depressivos 299303 dados estatísticos 299 depressões tipos de 299300 diagnóstico diferencial 300 manejo técnico 301303 principais causas da depressão 300301 sintomatologia 300 Estilos de interpretar normalidade e patogenia dos 195 201 estilos patogênicos 196199 Êxito e triunfo diferença entre 443 Experiência emocional transformadora 443 F Família terapia com a 375381 mãe 375376 pai 376 filhos 376377 irmãos 377378 tipos de famílias 378380 prática clínica 380381 Fobias 305309 características clínicas 306307 conceituação 305 etiologia 305306 manejo técnico 307309 468 ÍNDICE REMISSIVO Freud Anna 35 347348 Freud S 3134 7383 141143 156 169170 217 326327 347 421431 G Grupoterapia psicanalítica 383393 actings 387 comunicação 386 ilustração clínica 391393 insight elaboração e cura 388389 interpretação 387388 mecanismos de cura 389391 resistênciacontraresistência 385 seleção e composição do grupo 383384 setting grupal 384385 transferênciacontratransferência 385386 H Histerias 315322 características clínicas 316318 conceituação 315316 manejo técnico 318322 tipos 316 Homossexualidades 275287 etiologias possíveis 277279 biológicoconstitucionais 277 fatores psicológicos 279 sexo e gênero sexual 278 socioculturais e familiares 278 face edípica 279280 face narcisista 280283 prática psicanalítica 283287 I Identificação com a vítima 443444 Insight 211212 388389 Intervenção vincular 444 J Jacobson E 35 K Kernberg O 35 Klein M 327 348 425 Kohut H 36 L Lacan 3739 157 327 425 M MacDougall J 327328 Mahler M 35 Mapeamento do psiquismo 444445 Metáforas uso de 199201 Meltzer 34 425 P Paciente transformações no perfil do Ver Analista trans formações no perfil do Pacientes somatizadores 323332 conceituação 323324 dor 328329 manejo técnico 330332 neurociências informes sobre 324326 psicoimunologia 326 outras somatizações 329 principais autores 326328 zona corporal 329 Personalidade camaleônica 451 Perversões 267273 conceituação 267268 características clínicas 268270 antíteses 269 clivagem da personalidade 269 mecanismos defensivos 268269 actings 269 psicopatia 269270 aspectos técnicos na prática analítica 270273 Posição narcisista 445446 Prazer sem nome 446 Primeiro contato 57 Processo analítico transformações Ver Analista trans formações no perfil do Processo psicanalítico a pessoa real do analista no Ver Analista a pessoa real do Psicanálise com crianças Ver Crianças psicanálise com Psicoses 243251 condições psicóticas 244245 estados psicóticos 243244 borderline 243244 manejo técnico das psicoses clínicas 245251 técnica analítica manejo da 246251 Púberes terapia psicanalítica com Ver Adolescentes terapia psicanalítica com R Reação terapêutica negativa Ver Resistências Regras técnicas recomendadas por Freud 7383 217 preservação do setting 8283 regra da abstinência 7578 regra da atenção flutuante 7879 regra da neutralidade 7980 regra do amor às verdades 8082 regra fundamental 7375 Resistências 95104 prática analítica na 97104 visão históricoevolutiva 9597 Rivière J 34 Rosenfeld H 34 S Segall 34 Segurosolidão 447 Setting 2528 6772 8283 351352 384385 conceituação 6768 funções terapêuticas 6872 Script do teatro do psiquismo 446447 Situação analítica comunicação verbal e nãoverbal na 155167 metapsicologia da comunicação alguns aspectos da 156157 ÍNDICE REMISSIVO 469 Bion 156157 Freud 156 Lacan 157 comunicação na situação analítica 164167 escuta do analista 160164 conduta escuta da 162163 corpo escuta do 161162 efeitos contratransferenciais escuta dos 163 gestos e atitudes escuta dos 160161 intuitiva escuta 163164 linguagem metaverbal escuta da 162 linguagem oniróide escuta da 162 linguagem paraverbal escuta da 160 tipos e funções da linguagem 158160 comunicação nãoverbal 159160 tipos e funções da mentira 159 Sonhos 421431 Freud 421431 interpretação 422423 prática analítica com sonhos 426431 interpretação 426 427 papel do analista diante do relato 428431 psicóticos 426 resistência 428 restos diurnos 424 sonho e inconsciente 422 sonho e realização de desejos 423 sonho e sono 424 sonhos e neurofisiologia 424425 Spitz R 348 Steiner J 35 Superego bom e superego mau 447 Supervisão psicanalítica reflexões sobre a 407419 características do campo dinâmico 407408 objetivos 411471 supervisionado condições necessárias para o 408 409 supervisor condições necessárias para o 409 vínculo supervisorsupervisionado condições do 410 411 Supraego 447448 T Técnica psicanalítica alguns aspectos da 216221 atmosfera analítica 218219 dor mental 220 elementos do campo analítico 217218 estereotipia de papéis 220 funções do ego 219 natureza da ação curativa da terapia analítica 216 neoidentificações 219 neosignificações 219220 parte psicótica da personalidade 221 regras técnicas legadas por Freud 217 término da análise 221 via di porre e via di levare 216217 Terapia com a família Ver Família terapia com a Terapia com casais e famílias Ver Casais e famílias te rapia com Terapia psicanalítica com púberes e adolescentes Ver Púberes e adolescentes terapia psicanalítica com Terapias analíticas como agem as 4354 analista como um novo modelo de identificação 49 50 benefício terapêutico e resultado analítico 45 consciente análise do 50 espaço psíquico ampliação da noção de 4748 evolução histórica 4345 interpretação conceito mais amplo 4647 interpretação e atitude psicanalítica interna 46 interpretação e atividade interpretativa 45 neurociências 51 novas táticas na técnica 5051 patogenia de mudanças psíquicas 5154 pessoa real do analista 49 psicofarmacologia 51 psiquismo mapeamento do 4849 Término de um tratamento analítico Ver Tratamento analítico término de um Termos glossário de 433451 TOC Ver Transtornos obessivocompulsivos Transferência e contratransferência somática 448449 Transferências 127139 448449 conceituação evolução da 127130 aliança terapêutica 129 extratransferência 127128 neurose de transferência 128 pessoa real do analista 129130 psicose de transferência 128129 transferência psicótica 128 tipos 130134 erótica e erotizada 132 especular 131132 idealizadora 130131 impasse de 133134 448 negativa 131 perversa 132133 positiva 130 transferência na prática analítica 134139 interpretações em relação às 136139 resistências em relação às 135136 setting em relação ao 134135 Transtornos ansiosos 295297 neuroses 295297 conceituação 295 manejo técnico 296297 neurose de angústia 295296 Transtornos narcisistas 253266 características clínicas 253257 narcisismo na prática clínica 257263 Transtornos obessivocompulsivos 311314 características clínicas 312313 conceituação 311 etiologia 311312 manejo técnico 313314 Tratamento analítico término de um 223230 características típicas da fase de término 226227 condições necessárias ao analista em relação ao tér mino 229 conluio de acomodação 226 indicadores da adequação do término da análise 227 229 negativos 228 positivos 228229 modalidades de término 229230 470 ÍNDICE REMISSIVO tempo de duração da fase de término da análise 224226 apressamento do término 225 retardamento do término 225226 término e alta distinção entre 223224 término interrupção e suspensão da análise distinção entre 224 manejo técnico 224 V Vasos comunicantes 451 Vínculo do reconhecimento 449 Vínculo tantalizante 333343 449 apoderamento 335336 domínio 335 sedução 336337 sugestões técnicas 338343 tantalizante 337338 Vínculos e configurações vinculares 397406 amor vínculo do 399400 conceituação 398399 conhecimento vínculo do 402405 ódio vínculo do 400402 reconhecimento vínculo do 405406 W Winnicott 348349 425 ÍNDICE REMISSIVO 471