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História Oral Possibilidades e Procedimentos Sônia Maria de Freitas ASSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS História Oral Possibilidades e procedimentos 2 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional Lei nº 1825 de 20121907 Impresso no Brasil Printed in Brazil Abril 2006 Proibida a reprodução parcial ou integral desta obra por qualquer meio eletrônico me cânico inclusive por processo xerográfico sem permissão expressa do editor Lei n 9610 de 190298 EDITORA HUMANITAS Presidente Moacir Amâncio VicePresidente Bernardo Ricupero U NIVERSIDADE DE SÃO P AULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Diretor Gabriel Cohn ViceDiretora Sandra Margarida Nitrini ASSO CIAÇÃO EDIT ORIAL H UMANITAS Rua do Lago 717 Cid Universitária 05508080 São Paulo SP Brasil Tel 30913728 Telefax 30914593 email editorafflchuspbr httpeditorahumanitascommercesuitecombr 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS História Oral Possibilidades e procedimentos Sônia Maria de Freitas HUMANITAS 2a edição 4 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Copyright 2006 by Sônia Maria de Freitas Serviço de Biblioteca e Documentação da da FFLCHUSP ASSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS Editor Responsável Prof Dr Moacir Amâncio Coordenação Editorial M a Helena G Rodrigues MTb n 28840 Projeto Gráfico Diagramação e Digitalização das Imagens Marcos Eriverton Vieira Revisão Thaís Totino Richter e Letícia Santos Carniello F866 Freitas Sônia Maria de História oral possibilidades e procedimentos Sônia Maria de Freitas 2 ed São Paulo Associação Editorial Humanitas 2006 142 p ISBN 8598292931 1 História Oral Metodologia 2 História Oral Brasil I Título CDD 9070981 Capa José Luís Solsona da Silva e Ana Carolina P Romero LopesSENAI Artes GráficasSP Fotos da capa Eduardo Castanho Eliana Lopes Rogerio Voltan Tradução da apresentação Rosalba Facchinetti 1 ed 2002 ISBN 8575060821 Humanitas 1 ed 2002 ISBN 8570601247 Imprensa Oficial do Estado 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Dirás o que puderes lembrar Trabalho com fragmentos de episódios restos de aconte cimentos e tiro disso tudo uma história tecida num desenho providencial Quando me salvas te tu me deste o pouco futuro que me resta e te recompensarei devolvendo a ti o passado que perdeste Mas minha história talvez não faça nenhum sentido Não existem histórias sem sentido Sou um daqueles homens que o sabem encontrar até mesmo onde os outros não o vêem Depois dis so a história se transforma no livro dos vivos como uma trombeta poderosa que ressuscita do sepulcro aqueles que há séculos não passa vam de pó Para isso todavia precisamos de tempo sendo realmente necessário considerar os acontecimentos combinálos descobrirlhe os nexos mesmo aqueles menos visíveis diá logo de Baudolino com Nicetas Coniates na obra Baudolino de Umberto Eco p 17 6 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS Sumário Apresentação 9 Prefácio 15 História Oral a busca de uma definição 17 História Oral x Meios de Comunicação 22 A História da História Oral 27 A Experiência em História Oral na GrãBretanha 29 A História Oral no Brasil 30 História x História Oral x Memória 39 As Reminiscências da Memória 50 Lembrança e Esquecimento 59 Da Memória Pura à Memória Histórica 62 Seletividade e Subjetividade 66 História Oral potencialidade e possibilidades 77 Metodologia de Coleta e Utilização da História Oral 83 Elaboração de Projeto 85 Pesquisa 86 O Roteiro 88 A Entrevista e suas Estratégias de Condução 91 8 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Local da Entrevista 96 Duração 97 Procedimentos PósEntrevista 97 Questões Éticas e Legais 100 História Oral x Projetos Individuais e Institucionais103 O Uso do Vídeo110 A Transcrição 111 Produtos e Subprodutos 112 Critérios Arquivísticos armazenamento e catalogação113 Considerações Finais 115 Apêndice Modelo de Roteiro para Entrevista com Imigrantes119 Modelo de Termo de Cessão Gratuita de Direitos sobre Depoimento Oral 125 Termo de Compromisso de Uso 126 Programa de Documentação OralCatálogo das Coleções 127 Bibliografia129 Anexo Fotográfico 133 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Apresent ação Este livro de Sônia Maria de Freitas é o resultado de uma longa experiência de trabalho com fontes orais o qual cobre o âmbito de pro blemas levantados por essa metodologia de pes quisa histórica da reflexão teóricometodológi ca à prática do trabalho de campo da entrevista e transcrição ao arquivamento e conservação Portanto sua clareza nunca superficial é ao mesmo tempo um instrumento útil de orienta ção para aqueles que se aproximam pela primeira vez da história oral e de reflexão para os pesqui sadores experientes Tratase portanto de um outro molde de construção da tradição no campo da história oral Nem todos no país e fora dele percebem o fato de que há pelo menos dez anos o Brasil está na vanguarda neste campo no plano internacional São sinais disso o sucesso do congresso da In ternational Oral History Association organiza do pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas em 1998 a eleição e sucessiva reeleição de Ma 10 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS APRESENTAÇÃO rieta de Moraes Ferreira na presidência interna cional do IOHA a ativa e numerosa presença brasileira nos congressos internacionais tanto em Istambul em 2000 como em Pietermaritz burg na África do Sul em 2002 a delegação brasileira foi a mais numerosa e o aumento de projetos arquivos revistas publicações even tos em várias partes do país A razão deste desenvolvimento são mui tas e são em grande parte apresentadas neste livro Por exemplo sempre me impressionou o cosmopolitismo da formação teórica e metodo lógica dos historiadores brasileiros bem como de outros países da América Latina basta ver as bibliografias incluindo a deste volume para perceber que cobrem facilmente a produção teó rica e a pesquisa proveniente de países e tradi ções diversas anglosaxônica francesa italia na etc Constantemente na Europa e Estados Unidos essas tradições não se comunicam mui to entre si e se conhece muito pouco das sofis ticadas contribuições dos historiadores orais la tinoamericanos Paradoxalmente e talvez pela sua posição original em relação aos centros tra dicionais a história oral brasileira é capaz de ser menos provinciana e mais eclética No entanto ela colocase num contexto his tórico e social em que a relação com uma plurali dade de culturas orais tanto tradicionais como 11 SÔNIA MARIA DE FREITAS urbanas e contemporâneas é muito mais inten sa e comum do que na Europa e na América do Norte Isso confere à história oral brasileira uma dimensão intrinsecamente interdisciplinar em que história antropologia música folclore e etnografia se entrelaçam de tal maneira que não é mais possível definir os tradicionais limites entre as disciplinas comprovamno neste livro as freqüentes referências ao trabalho de Carlos Sebe Bom Meihy A isso somase a relação par ticipativa de importantes movimentos popula res e sociais urbanos e rurais para os quais a oralidade representa um instrumento primário de comunicação e de agregação e que portanto se prestam de forma particularmente adequada ao trabalho com as fontes orais Enfim acrescento que os traços ainda re centes e dolorosos da ditadura militar conferem uma relevância e uma intensidade muito espe cial ao trabalho sobre a memória se na Itália a história do antifascismo e da resistência consti tuem há meio século de distância ainda o ter reno privilegiado da história oral isto é muito mais verdade para países como o Brasil onde a distância temporal e de gerações é muito mais curta e isto é visível também naqueles traba lhos de história oral da elite na qual outra vez a história oral brasileira se distinguiu de modo particular 12 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS APRESENTAÇÃO Há dois aspectos neste livro para os quais eu quero chamar a atenção Em primeiro lugar pare ceme significativo que na tentativa de dar indica ções metodológicas gerais Sônia coloque que este é um trabalho que se aprende fazendoo Uma característica de toda a tradição internacional da história oral de fato tem sido a sua qualidade prática o envolvimento pessoal a disposição em confrontarse diretamente com a realidade do cam po que se pesquisa Do que deriva que na reali dade cada um dos historiadores orais desenvol veu por assim dizer seu próprio estilo pessoal Como exemplo cito o meu modo de conduzir as entrevistas e de trabalhar sobre as transcrições que difere daquele proposto neste livro Mas é exatamente por isso que são necessários textos como este que estabelecem as bases comuns gra ças às quais diferentes pesquisadores e diferentes projetos podem confrontarse e comunicarse A outra observação diz respeito àquilo que afinal é o fundamento do trabalho de Sônia a imigração São comuns principalmente no âmbito dos estudos étnicos norteamericanos trabalhos sobre a imigração pensados sobretudo como reconstrução dos traços originais essenciais das culturas provenientes e de sua conservação Cada vez mais vamos nos dando conta que para além das diversas origens o que importa é 13 SÔNIA MARIA DE FREITAS exatamente o processo da imigração um proces so em grande medida partilhado para além das diversas proveniências Quer pelas indicações feitas aqui quer em outros trabalhos por exem plo o recente E chegam os imigrantes o Café e a Imigração em São Paulo Sônia escolheu essa segunda e mais produtiva estrada quer venham de Trento ou do Japão os imigrantes são afinal protagonistas de um processo de transformação que acontece no solo brasileiro em condições e através de etapas partilhadas Esta é uma indica ção importante também para aqueles países como a Itália que em tempos recentes transforma ramse de emigrantes em países de imigração e hoje põem obstáculos à construção de uma so ciedade democraticamente multicultural Em junho de 2004 o congresso mundial da International Oral History Association foi realizado em Roma e eu fui incumbido de or ganizálo Os colegas e companheiros brasilei ros puderam mais uma vez estar presentes como no passado e temas como este da imigração e das ligações transantlânticas entre Itália e Brasil encontraram o espaço que merecem e contribuí ram para o sucesso do evento Por tudo isso obrigado e parabéns à Sônia Alessandro Portelli Professor da Universidade La Sapienza de Roma 14 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS 15 SÔNIA MARIA DE FREITAS Prefácio O que é escrito ordenado factual nunca é suficiente para abarcar toda a verdade a vida sempre transborda de qualquer cálice Boris Pasternak No Brasil há uma quantidade significativa de trabalhos que utilizam a História Oral como instrumento de pesquisa e como fonte documen tal nas ciências humanas Entretanto existem ainda dificuldades no sentido de circunscrever mais precisamente os liames e particularidades dessa metodologia de trabalho O debate sobre a História Oral possibilita reflexões sobre o registro dos fatos na voz dos próprios protagonistas A História Oral utiliza se de metodologia própria para a produção do conhecimento Sua abrangência além de peda gógica e interdisciplinar está relacionada ao seu importante papel na interpretação do imaginário e na análise das representações sociais 16 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Encontros e workshops em diversas insti tuições acadêmicas e culturais no país revelam o despreparo e a desinformação a respeito das metodologias utilizadas Diante do exposto sur giu a idéia de desenvolver a obra que ora apre sentamos Ou seja ela nasceu da necessidade de instrumentalizar as instituições e os profis sionais da área Este manual foi organizado a partir da perspectiva historiográfica minha área de for mação e atuação por meio de uma aborda gem teórica e prática abrangendo as especifici dades e problemáticas da documentação oral Foime bastante valioso o estágio e participação no curso The Interview Method in Social His tory ministrado pelo Prof Paul Thompson na Universidade de Essex GrãBretanha além das pesquisas realizadas nas seguintes instituições Oral History Society GrãBretanha Oral His tory Research Office Columbia University Nova Iorque Oral History Office University of Cali fornia Berkeley e Centro de Pesquisa e Docu mentaçãoCPDOC da FGV Rio de Janeiro PREFÁCIO 17 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral a busca de uma definição As pessoas sempre relataram suas histórias em conversas Em todos os tempos a história tem sido transmitida de boca a boca Pais para filhos mães para filhas avós para netos os anciãos do lugar para a geração mais nova mexeriqueiros para ou vidos ávidos todos a seu modo contam sobre acontecimentos do passado os interpretam dão lhes significado mantêm viva a memória coletiva Mesmo na nossa época de alfabetização generali zada e de grande penetração dos meios de comu nicação a real e secreta história da humanidade é contada em conversas e a maioria das pessoas ainda forma seu entendimento básico do próprio passado por meio de conversas com outros Ronald Grele Nas últimas décadas páginas e páginas têm sido escritas sobre o assunto Conferên cias seminários congressos e encontros deba tem algumas questões cruciais seria mais cor reto falar História Oral ou fontes orais Seria a História Oral uma técnica um método ou um 18 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO procedimento de pesquisa Mas afinal o que será essa tal de História Oral História Oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimen tos articulados entre si no registro de narrativas da experiência humana Definida por Allan Nevis1 como moderna história oral devido ao uso de recursos eletrônicos a história oral é técnica e fon te por meio das quais se produz conhecimento O mínimo que podemos dizer é que a História Oral é uma fonte um documento uma entrevista gravada que podemos usar da mesma maneira que usamos uma notícia do jornal ou uma referência em um arquivo em uma carta 2 De abrangência multidisciplinar ela tem sido sistematicamente utilizada por diversas áreas das ciências humanas a saber História Sociologia Antropologia Lingüística Psicolo gia entre outras O uso de fontes orais no tra balho historiográfico é cada vez mais comum Nos Estados Unidos GrãBretanha Itália e Fran ça encontramos uma vasta bibliografia disponí 1 Oral history how it was born In DUNAWAY D K BAUM Willa K Ed Oral history an interdisciplinary antho logy Nashville American Association for State and Lo cal History 1985 p 42 2 CAMARGO Aspásia História oral e política In FERREIRA M de M Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Janeiro CPDOCDiadorimFinep 1994 p 78 19 SÔNIA MARIA DE FREITAS vel sobre a história oral e trabalhos feitos a par tir dessa metodologia de pesquisa3 Na perspectiva do trabalho que realizo a História Oral tem como principal finalidade criar fontes históricas Portanto essa documentação deve ser armazenada conservada e sua abor dagem inicial deve partir do estabelecimento preciso dos objetivos da pesquisa A História Oral no nosso ponto de vista pode ser dividida em três gêneros distintos4 tra dição oral história de vida história temática Quanto à tradição oral Jan Vansina especialis ta em tradição oral africana afirma que uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar elocuçõeschaves isto é a tradição oral A tra dição pode ser definida de fato como um tes temunho transmitido verbalmente de uma ge ração para outra 3 Nos Estados Unidos gostaríamos de destacar a obra Oral History an interdisciplinary anthology citada anteriormen te Na GrãBretanha anualmente a Oxford University Press publica o International Yearbook of Oral History 4 Cf FREITA S Sônia Maria de Contribuição à memória da FFCLUSP 19341954 1992 Dissertação Mestrado em História FFLCHUSP São Paulo Publicado pela edi tora Maltese como Reminiscências em 1993 20 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO Mas a tradição oral não está presente ape nas nas comunidades tidas como iletradas ou tribais Ela pode também ser identificada e res gatada em sociedades rurais e urbanas pela metodologia de História Oral Por exemplo as cantigas de rodas brincadeiras e estórias infan tis são transmitidas oralmente de geração para geração Assim numa sociedade oral por tradição tudo que uma sociedade considera importante para o perfeito funcionamento de suas institui ções para uma correta compreensão dos vários status sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um tudo é cuida dosamente transmitido enquanto que numa sociedade que adota a escrita somente as me mórias menos importantes são deixadas à tradi ção 5 Não cabe aqui um aprofundamento na metodologia e técnicas específicas necessárias ao estudo de sociedades orais Além disso a tradição inclui os depoimentos como as crôni cas orais de um reino genealogias literatura oral etc Nessas sociedades a tradição assume diferentes funções que podem ser religiosas e 5 Cf VANSINA Jan A tradição oral e sua metodologia In História geral da África São Paulo Ática Paris Unesco 1982 v 1 Metodologia e préhistória da África J Ki Zerbo Coord Trad Beatriz Turquetti et al p 157 21 SÔNIA MARIA DE FREITAS litúrgicas na realização de rituais jurídicas estéticas didáticas históricas e míticas Há que se considerar também que essas sociedades di vergem entre si e dos valores e costumes ociden tais na concepção de tempo espaço e causali dade O tempo por exemplo pode ser contado tendose como referência unidades baseadas em atividades humanas por dinastias reinos ge rações ou famílias A História Oral também não é sinônimo de história de vida História de vida pode ser considerada um relato autobiográfico mas do qual a escrita que define a autobiografia está ausente Na história de vida é feita a reconsti tuição do passado efetuado pelo próprio indi víduo sobre o próprio indivíduo Esse relato que não é necessariamente conduzido pelo pes quisador pode abranger a totalidade da exis tência do informante Para tanto seriam neces sárias inúmeras horas de gravação Com a História Oral temática a entrevista tem caráter temático e é realizada com um gru po de pessoas sobre um assunto específico Essa entrevista que tem característica de depoimento não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante Dessa maneira os depoimentos podem ser mais numerosos re sultando em maiores quantidades de informa ções o que permite uma comparação entre eles 22 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO apontando divergências convergências e evidên cias de uma memória coletiva por exemplo Um projeto de História Oral pode ser de senvolvido em diferentes contextos como ini ciativa individual ou trabalho coletivo em pré escolas nos primeiro e segundo graus nas universidades na educação de adultos por cen tros comunitários por museus convencionais museus itinerantes ou por museus de rua e por outras instituições No campo do Direito pes soas arroladas como testemunhas também são convidadas a dar depoimentos que se transfor mam em peçaschave nos julgamentos de situa ções litigiosas Hist ória Oral x Meios de Comunicação É cada vez mais comum o uso de entrevis tas por profissionais que atuam nos meios de comunicação emissoras de rádio e televisão jornais e revistas Aliás há várias décadas a mídia realiza enquetes e pesquisas de opinião Na imprensa escrita o trabalho de alguns jor nalistas aproximase da História Oral Roldão Arruda Moacir Assunção Gilberto Dimenstein são exemplos de jornalistas que fizeram e ain da fazem investigações profundas sobre temas sociais dando voz aos atores anônimos Em 23 SÔNIA MARIA DE FREITAS geral o jornalista traduz cria outra narrativa e raramente dá voz ao entrevistado às vezes alguns trechos são citados entre aspas A maio ria das entrevistas feitas por esses profissionais visa esclarecer eou elucidar algum assunto ou ponto de vista de envolvidos em alguma ques tão Quase sempre essas entrevistas são mar cadas pela superficialidade pela rapidez são apressadas e permeadas pelo imediatismo exigido pela velocidade da notícia e muitas vezes feitas até por telefone Em algumas oca siões o tom é meio nervoso traduzindo o cli ma estressante das redações Ao abordar uma questão o jornalista deve ser frio distante e im parcial essa postura até consta dos manuais de redação de jornais Ainda dentro da mídia destacaria os talk shows programas de entrevistas muito em moda hoje em dia Geralmente eles têm um caráter de entretenimento mas não se pode confundir jornalismo com espetáculo O público quer co nhecer melhor as pessoas que deram certo ou aquelas que se destacam por algum motivo Com raríssimas exceções essas entrevistas buscam explorar o curioso o pitoresco de seus entrevis tados Notase o despreparo dos entrevistadores que demonstram falta de conhecimento nos as suntos apresentados deselegância na insistên cia com questões íntimas e delicadas buscando 24 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO sempre o sensacionalismo ou o recurso à sedu ção ou à agressividade Simpatizando ou não com o entrevistado ou com suas idéias o entre vistador deve se preparar pesquisando e lendo sobre o convidado Por tudo isso muitas vezes os entrevistadores levam seus convidados a um clima constrangedor O tempo de duração dos programas é outro fator agravante Mas nesse universo grotesco e intimidató rio há que se destacar algumas exceções A ele gância inteligência perspicácia e espontaneida de de Jô Soares tornaram seu antigo programa no SBT bastante atraente embora fosse eviden te a seleção dos convidados atendendo aos ape los do mercado e a avançada hora de sua veicu lação Hoje na TV Globo Jô Soares tornouse um showman dançando cantando tocando al gum instrumento e recebendo principalmente os atores globais O jornalista Roberto DAvila em seu programa Conexão Nacional fazia um trabalho denso e profundo Como um batepapo ou uma conversa a entrevista transcorria num tom natural e espontâneo Felizmente esse pro grama foi retomado e está sendo apresentado pela TV Cultura de São Paulo e TVERede Bra sil às sextasfeiras 22h30 com reprise aos do mingos Depoimentos têm sido muito utilizados na produção de grandes reportagens e biografias 25 SÔNIA MARIA DE FREITAS aliás gênero também muito em moda hoje em dia Para escrever os livros Olga Chatô o Rei do Brasil e Corações Sujos o jornalista Fernan do Morais realizou centenas de entrevistas Ar mandinho do Bixiga reconstrói sua trajetória que se mistura com a história do bairro em depoi mento dado ao jornalista Júlio Moreno em Cinderela Negra José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M Levine contam a saga de Carolina Maria de Jesus por meio de depoimentos de personagens que conviveram com a escritora No cinema destacase o trabalho realiza do pelo cineasta Eduardo Coutinho em Cabra Marcado pra Morrer O Fio da Memória e Edifí cio Master Erik de Castro dirigiu Senta a Pua feito a partir de imagens de arquivos fotos e ilustra ções e principalmente entrevistas Tratase de um comovente documentário sobre a história do Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Bra sil na Segunda Guerra Mundial 27 SÔNIA MARIA DE FREITAS A Hist ória da Hist ória Oral O termo história oral é novo assim como o gra vador de fita e tem implicações radicais para o futuro Mas isto não significa que ela não tenha um passado De fato a história oral é tão antiga como a própria história Ela foi a primeira modali dade de história Nas palavras acima Paul Thompson afir ma que a História Oral é tão velha quanto a pró pria História Heródoto ouviu testemunhos de seu tempo Michelet colheu depoimentos dos que vivenciaram a Revolução Francesa Oscar Lewis sobre a Revolução Mexicana Ronald Fraser sobre a Guerra Civil Espanhola Denominamos de moderna História Oral àquela cujo método consiste na realização de de poimentos pessoais orais por meio da técnica de entrevista que utiliza um gravador além de estratégias questões práticas e éticas relaciona das ao uso desse método A primeira experiência da História Oral como uma atividade organizada é de 1948 quan 28 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL do o Professor Allan Nevis lançou o The Oral History Project na Columbia University em Nova Iorque Hoje o Oral History Research Office1 da Columbia University possui uma coleção de mais de 6000 fitas gravadas e mais de 600000 páginas de transcrição Esse material é consultado anualmente por mais de 2500 pes quisadores segundo informações do próprio ór gão O OHRO tornouse uma referência funda mental na área quer pelo seu expressivo acervo quer pelo dinamismo de seus projetos voltados à temática e linguagem bem atuais tais como a questão das minorias multiculturalismo movi mento estudantil etc O boom da História Oral nos Estados Uni dos deuse no final dos anos 60 e início dos 70 Em 1967 foi fundada a Oral History Association OHA2 que publica anualmente a Oral His tory Review Houve a proliferação de programas de História Oral em outras universidades como em Berkeley na Califórnia centros de pesquisa e instituições ligadas aos meios de comunicação como o New York Times Oral History Programm estabelecido em 1972 A partir de 1970 coleções de História Oral foram também incluídas no 1 Oral History Research Office Columbia University New York NY 10027 USA Ronald Grele é o atual diretor 2 Oral History Association 1093 Broxton Ave 720 Los Angeles CA 90024 USA 29 SÔNIA MARIA DE FREITAS National Union Catalog Manuscript Collections da Biblioteca do Congresso americano3 A História Oral está hoje consolidada em diversos países além dos EUA GrãBretanha Itália Alemanha Canadá França entre outros Faz parte do currículo escolar nos diferentes ní veis de aprendizado E cursos sobre o método e teoria são oferecidos regularmente até por uni versidades tidas por conservadoras como a Columbia e a Oxford A Experiência em Hist ória Oral na GrãBret anha Na história da História Oral destacase o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da GrãBretanha que com suas experiências aca baram influenciando pesquisadores de outros países Na década de 1960 na Universidade de Essex na GrãBretanha buscavase o testemu nho de pessoas comuns ordinary people mar ginalizadas pelo poder e de idosos enquanto a história oral norteamericana estava voltada 3 Ver Encyclopedia of library and information science v 20 p 44063 Uma vastíssima literatura sobre História Oral pode ser facilmente adquirida nos Estados Unidos e na GrãBretanha Nesses países o material encontrase disponível para venda em fitas cassete vídeo e CDROM 3 0 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL para os great men ou seja os homens social mente reconhecidos Nesse processo o historiador Paul Thompson foi um dos pioneiros e tornouse uma das auto ridades na reflexão e na utilização desse méto do para o registro histórico Seu livro A Voz do Passado História Oral é considerado um clássi co por sua importante contribuição ao método e à teoria da História Oral Atualmente a História Oral na GrãBreta nha envolve profissionais de diversas áreas Ali destacase a National Life Story Collection da British Library National Sound Archive funda da por Paul Thompson e dirigida por Robert Perks4 A exemplo da entidade americana a Oral History Society5 congrega elementos oriundos dos meios de comunicação universidades mu seus centros de reminiscências e outros e pu blica o Journal of the Oral History Society A Hist ória Oral no Brasil Uma das primeiras experiências com Histó ria Oral no Brasil ocorreu no Museu da Imagem e 4 96 Euston Road London NW1 2DB Telefone 020 74127404 Fax 02074127441 Emailnsanlscbluk 5 Oral History Society Department of Sociology University of Essex Wivenhoe Colchester CO4 3SQ United Kingdom 3 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS do Som MISSP 1971 que tem se dedicado à preservação da memória cultural brasileira Ou tras experiências ocorreram no Museu do Arqui vo Histórico da Universidade Estadual de Londri na Paraná 1972 e na Universidade Federal de Santa Catarina onde foi implantado um laborató rio de História Oral em 1975 Porém a experiên cia mais importante e enriquecedora tem sido a do Centro de Pesquisa e Documentação de Histó ria Contemporânea do Brasil CPDOC ligado à Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro que dis põe de um setor de História Oral desde a sua fun dação em 1975 Indubitavelmente o CPDOC é o melhor exemplo da bemsucedida experiência com História Oral no Brasil tanto pela qualidade de seu acervo constituído principalmente de entre vistas com personalidades da história política contemporânea do país quanto pela realização de comunicações palestras e edições de obras sobre a teoria e metodologia da História Oral Tampou co podemos deixar de destacar a utilização da metodologia de História Oral em pesquisas so ciológicas que vêm sendo desenvolvidas pelo Centro de Estudos Rurais e Urbanos CERU da Universidade de São Paulo desde meados dos anos 1970 No Centro de Memória da Unicamp pesquisadores têm se utilizado do método da História Oral na realização de seus projetos É inegável o interesse que a história oral vem despertando no pesquisador brasileiro 3 2 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL Entretanto do ponto de vista teóricometodoló gico a literatura disponível é ainda escassa e deixa muito a desejar Apesar de aqui não ser o espaço para discutir ou mostrar as diferentes maneiras de conceber e usar a História Oral entretanto podemos assinalar que nos trabalhos publicados percebese a existência de diferentes posturas metodológicas Na década de 1990 foram realizados al guns encontros dedicados ao debate sobre a História Oral no Brasil o que contribuiu para uma maior divulgação da História Oral No pri meiro semestre de 1991 realizamos o encontro História Oral na Voz de Paul Thompson que constituiuse de depoimento workshop e semi nário com o historiador Paul Thompson no Museu da Imagem e do Som de São Paulo ór gão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo onde implantamos e coordenamos o Pro jeto Depoimentos em Vídeo de 1988 a 1992 voltado para a arte e cultura brasileiras O encontro acima citado cujo objetivo bá sico foi introduzir contextualizar e problematizar a discussão sobre História Oral possibilitou o amadurecimento da questão e serviu também como catalisador das múltiplas experiências que aqui vinham sendo desenvolvidas Além disso mostrounos concretamente a existência no Brasil de uma quantidade significativa de traba lhos que utilizavam a História Oral como ins 3 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS trumento de pesquisa e como fonte documen tal Foram identificados 125 projetos de História Oral em desenvolvimento sendo 49 projetos in dividuais e 76 institucionais de um total de 220 participantes Esses dados são relevantes pois comprovaram o interesse despertado em um nú mero significativo de pesquisadores em um en contro pioneiro no gênero em São Paulo Outros encontros sucederamse e torna ramse estímulos importantes na propagação de trabalhos com a História Oral no Brasil como a discussão ocorrida durante a realização do Con gresso América 92 na USP o Encontro ocorri do na USP em 1993 e finalmente a criação da Associação Brasileira de História Oral no Rio de Janeiro em 1994 Sem dúvida a fundação da Associação atualmente presidida pela pesquisadora Verena Alberti6 significou um grande avanço para a História Oral no Brasil7 Hoje graças às transformações ocorridas nas ciências humanas e devido aos debates multidisci 6 abhobridgecombr httphistoriaoralvilaboluolcombr 7 Associação Brasileira de História Oral ABHO Ac Verena Alberti presidente Fundação Getúlio Vargas CPDOC Praia do Botafogo 1901408 22253900 Rio de Janeiro RJ Tel 2125595694 Fax 2125595679 3 4 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL plinares existe um consenso é inegável o pa pel que as fontes orais vêm ocupando na pro dução acadêmica No Brasil existem várias obras produzi das nas duas últimas décadas fundamentalmen te a partir deou sobre fontes orais Entre elas gostaríamos de mencionar aquelas produzidas a partir do debate e do material apresentado nos encontros regionais e congressos nacionais8 Pelo conjunto merecem destaque aquelas editadas pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro9 8 M EIHY José C Sebe Bom Org Re introduzindo a história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 Tratase de um conjunto de textos apresentados no I Encontro Regional de História OralSudesteSul O organizador dessa obra tem vários livros publicados a partir do do cumento oral entre eles destacamse A colônia brasilia nista história oral de vida acadêmica Cinderela negra a saga de Carolina Maria de Jesus Canto de morte Kaiowá história oral de vida e o Manual de história oral 9 Cf Catálogo de depoimentos Programa de História Oral Rio de Janeiro CPDOC 1981 A LBERTI Verena História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1990 FERREIRA Marieta de Moraes Org Entrevistas abordagens e usos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 FERREIRA M de M Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro Fun dação Getúlio Vargas 1994 FERREIRA M de M Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Janeiro CPDOCDiadorimFinep 1994 Resultado do II Encon tro Nacional de História Oral 3 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Apesar da dimensão que a História Oral tem atingido no debate sobre as tendências da historiografia brasileira contemporânea há ain da grupos de pesquisadores que não aceitam a História Oral pela seletividade alegando tam bém a falibilidade das fontes orais Esses inte gram uma tradição historiográfica centrada em documentos oficiais ou congêneres Concorda mos com Meihy ao afirmar que os oralistas não têm enfrentado de forma convincente o debate epistemológico fica explicada a falta de respeitabilidade entre certos pares acadêmicos 1995 49 Acreditamos que a resistência à História Oral ainda encontrada no meio acadêmico bra sileiro está ligada a alguns outros fatores En tre eles o fato de a academia ter tido desde a sua origem uma forte influência francesa se guindo pressupostos do Positivismo muito presentes na produção acadêmica daquele país Grande parte da produção teórica da História Oral foi produzida na língua inglesa e ainda não foi traduzida para a língua portuguesa10 10 O livro A voz do passado história oral do historiador inglês Paul Thompson editado no Brasil em 1992 cons titui uma exceção e representou um grande avanço pois o mesmo tem servido de modelo teórico para os tra balhos de História Oral no Brasil Thompson é autor de uma vasta obra entre seus livros destacamse 3 6 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL A tardia penetração da História Oral no Brasil11 ocorrida nos anos 80 e principalmente nos 90 deve ser relacionada ao desdobramento do golpe militar de 1964 que coibiu proje tos que gravassem experiências opiniões ou de poimentos Em conseqüência disto enquanto no resto do mundo proliferavam projetos de histó ria oral nós nos retraíamos deixando para o fu turo algo que seria inevitável Meihy 1995 7 Nesse período o Brasil passou a ocupar mais espaço nos encontros e congressos inter nacionais nos trabalhos de História Oral apre sentados percebese claramente que as matrizes do pensamento são européias os pressupostos e arcabouços teóricos são sobretudo franceses Daniel Bertaux Henry Rousso Jean Boutier Roger Chartier Pierre Boudieur apenas para citar alguns nomes THOMPSON P et al I dont feel old the experience of later life Oxford Oxford University Press 1990 SAMUEL Raphael THOMPSON Paul Ed The myths we live by London Routledge 1990 BERTAUX Daniel THOMPSON Paul Ed Between generations family models myths and memories International Yearbook of Oral History and Life Stories v 2 Oxford Oxford University Press 1993 11 Curiosamente a historiografia francesa também igno rou a fonte oral por muito tempo O primeiro encontro que reuniu pesquisadores que utilizavam a fonte oral em pesquisas só se realizou na França em 1980 Cf JOUTA RD P Esas voces que nos llegan del pasado Méxi co Fondo de Cultura Económica 1986 p 171 3 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS Entretanto a maioria dos pesquisadores brasileiros infelizmente ainda desconhece o nível de sofisticação teórica o número de livros publicados e resenhas em revistas sobre uma enorme diversidade temática disponível nos Es tados Unidos e GrãBretanha12 A partir dessas experiências a História Oral atingiu um nível de credibilidade nos meios acadêmicos tornando se um campo de estudo com suas associações e revistas próprias de caráter inclusive interna cional e multidisciplinar Todo o processo vivenciado pelos pesqui sadores em História Oral nos últimos dez anos possibilitou o aprofundamento do debate sig nificando um avanço em termos conceituais apesar de se evidenciarem diferenças metodo lógicas 12 No inverno de 1988 tivemos a oportunidade de conhe cer essa entidade e os trabalhos por ela desenvolvidos e participar do curso Interview Method in Social History ministrado pelo Prof Paul Thompson na Universidade de Essex Colchester GrãBretanha 3 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória x Hist ória Oral x Memória O essencial é saber ver saber ver sem estar a pensar saber ver quando se vê E nem pensar quando se vê nem ver quando se pensa Alberto Caieiro O Guardador de Rebanhos Há pesquisadores que ainda mantêm vín culos com a tradição historiográfica do século XIX que elegeu como modelo de documento histórico o testemunho escrito objetivo neu tro dado como fidedigno Nessa perspectiva os depoimentos passaram a ser considerados apenas fontes subsidiárias e de baixo valor his tórico pois representariam um testemunho sub jetivo falível e cuja fidedignidade estaria com prometida pelas notícias tendenciosas mentiras e calúnias que poderiam apresentar Se pouca credibilidade era dada aos depoi mentos escritos os orais foram praticamente ignorados Neles se acentuariam aqueles aspec 40 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA tos negativos atribuídos a esse tipo de fonte acres cidos da parca confiabilidade que a palavra falada assumia numa sociedade solidamente estabeleci da sobre a escrita e das dificuldades de preserva ção e divulgação inerentes às fontes orais Destarte como documento que deveria propiciar ao historiador o resgate dos acontecimentos tal como se sucederam o testemunho oral ou escri to mostravase evidentemente uma fonte inade quada só devendo ser utilizada como último re curso e assim mesmo com extrema cautela Um dos mais expressivos representantes dessa corrente foi Fustel de Coulanges que de fendeu tais idéias na obra La Monarchie Franque escrita em 1888 A maior contribuição para a mudança do enfoque acima apresentado foi o movimento iniciado por Marc Bloch e Lucien Febvre com o lançamento da revista Annales em 1929 A atua ção do grupo colaborou para a construção da História como ciência e para a renovação dos estudos da História O grupo dos Annales no período de 1929 a 1969 principalmente tinha concepções co muns que foram resultado de debates travados com historiadores tradicionais positivistas e historicistas As idéias e diretrizes do grupo apresentadas por Peter Burke 1981 são as se guintes 41 SÔNIA MARIA DE FREITAS 1 a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma históriaproblema 2 história de todas as atividades humanas e não apenas da história política 3 colaboração com outras disciplinas tais como a geografia a sociologia a psicologia a eco nomia a lingüística e a antropologia social Esta última idéia foi decorrência das infin dáveis discussões que Febvre e Bloch mantive ram com o psicólogo social Charles Blondel e o sociólogo Maurice Halbwachs cujo estudo so bre a estrutura social da memória publicado em 1925 causou profunda impressão em Bloch 4 Introdução de diversos aspectos da vida so cial nos estudos da história trabalhados por Febvre a vida diária o povo e as coisas coisas que a humanidade produz ou conso me alimentos vestuário habitação ferra mentas moeda cidades a civilização mate rial e as representações coletivas de Braudel história sociocultural por Emmanuel Le Roy Ladurie Jacques Le Goff Georges Duby 5 ênfase na história econômica demográfica e social salientando os aspectos sociais por meio de estudos regionais coletivos e comparati vos em detrimento do episódico e individual 6 descoberta e utilização de novas fontes tra dição oral e vestígios arqueológicos 42 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Com relação à última idéia anteriormente apresentada Lucien Febvre afirmou A histó ria fazse com documentos escritos sem dúvi da Quando eles existem Mas ela pode fazer se ela deve fazerse sem documentos escritos se os não houver Com tudo o que o engenho do historiador pode permitirlhe utilizar para fabricar o seu mel à falta das flores habituais Portanto com palavras Com signos Com pai sagens e telhas Com formas de cultivo e ervas daninhas Com eclipses da lua e cangas de bois Com exames de pedras por geólogos e análises de espadas de metal por químicos Numa pa lavra com tudo aquilo que pertencendo ao ho mem depende do homem serve o homem exprime o homem significa a presença a ativi dade os gostos e as maneiras de ser do homem Febvre 1989 249 Sem dúvida esse movimento chamado por Peter Burke de a Revolução Francesa da His toriografia revolucionou a História no que diz respeito a conceitos abordagens e métodos O grupo dos Annales passou a ser denominado mais tarde de Nova História dedicandose sobretudo à história do cotidiano e das menta lidades Os historiadores desse grupo aponta ram para a necessidade de a História se dedicar menos aos acontecimentos aos heróis e à cro nologia dos fatos 43 SÔNIA MARIA DE FREITAS De fato a Nova História foi um impor tante movimento que contribuiu para a mudan ça dos procedimentos na pesquisa de fontes para se reconstruir a História Segundo a historiado ra Maria de Lourdes Mônaco Janotti 1995 61 A esta epistemologia mal definida como positi vista opuseramse historiadores franceses e in gleses propugnando em meados do século atual XX por uma Nova História livre de cânones rígidos onde a história do presente do cotidia no e da experiência individual adquiriram signi ficativa importância Muito contribuiu para esta inovação o pensamento dos intelectuais da cha mada Escola de Frankfurt O tema da Memó ria juntamente com o da Cultura passou a ser para os historiadores um desafio e motivo de renovada criação como atestam os trabalhos de J Le Goff Pierre Nora E P Thompson Christopher Hill e Keith Thomas para citar al guns exemplos A partir dessa ênfase dada ao estudo do cotidiano os historiadores franceses sobretu do mostraram que as fontes da história não eram mais somente os documentos oficiais No Brasil a maioria dos cientistas sociais ainda vê a fotografia a caricatura a carta o diá rio assim como o depoimento oral como fontes subsidiárias possuidoras de baixo valor histórico embora essas fontes sejam freqüentemente utili 44 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA zadas para ilustrar ou comprovar alguma idéia Há aqueles que acreditam na História Oral po rém assumindo uma postura de que o documento oral deve ser cruzado com outras fontes de prefe rência escritas e oficiais Nessa perspectiva os documentos orais visam a complementaridade e veracidade das informações portanto o cotejo das fontes Há também aqueles que em suas disser tações teses e ensaios utilizam entrevistas como fonte de informação para preencher lacunas em suas pesquisas Todavia esses trabalhos não fa zem nenhuma menção à História Oral e à vasta produção acerca dessa metodologia disponível no país e muito menos indicam as metodologias de pesquisa utilizadas Segundo a visão e práticas desses historia dores que vêem no documento escrito a condi ção sine qua non da história a África não tem história pois esse continente é constituído de sociedades organizadas a partir da tradição oral portanto sem escrita E as tribos indígenas bra sileiras somente poderão ser estudadas a partir dos dados da Funai A esses pesquisadores que defendem essa visão diríamos que todo docu mento é questionável e que todo documento escrito ou iconográfico é limitado e subjetivo Entretanto as atuais correntes da historio grafia têm ressaltado a necessidade de uma 45 SÔNIA MARIA DE FREITAS reavaliação dos critérios pelos quais se determi na a utilização e análise de fontes históricas pois na produção do conhecimento fatores como a subjetividade e a seletividade são inevitáveis Assim a História Oral tem adquirido um novo status devido aos novos significados atribuídos aos depoimentos às histórias de vida às bio grafias etc Adam Schaff em sua obra História e Ver dade 1983 relata uma interessante pesquisa acerca das causas da Revolução Francesa e con clui que o conhecimento dessas é um processo ainda inacabado e que a verdade histórica se constrói cada vez mais complexa cada vez mais precisa a partir de verdades parciais e neste sentido relativas o fato da diversida de da variabilidade até mesmo da incompati bilidade dos pontos de vista dos historiadores que potencialmente dispõem das mesmas fon tes e subjetivamente aspiram à verdade e só à verdade crendo mesmo têla realmente desco berto Schaff 1983 59 Adam Schaff destaca ainda 1983 169 que o nosso conhecimento adquiriu necessariamen te a forma de um processo infinito que aperfei çoando o saber sobre diversos aspectos da reali dade analisada sob diferentes prismas e acumulando verdades parciais não produz uma soma de conhecimentos nem modificações pura 46 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA mente quantitativas do saber mas transforma ções qualitativas da nossa visão da história Segundo Maria Isaura P Queiroz 1983 91 as histórias de vida e depoimentos pessoais a partir do momento em que foram gerados pas sam a constituir documentos como quaisquer outros isto é definemse em função das infor mações indicações esclarecimentos escritos ou registrados que levam a elucidações de deter minadas questões e funcionam também como provas O documento gravado como qualquer tipo de documento está sujeito a diversas leituras O procedimento do historiadorpesquisador diante de tal documento deverá ser o mesmo no que concerne à sua análise e problematização A História Oral fornece documentação para reconstruir o passado recente pois o contem porâneo é também história A História Oral le gitima a história do presente pois a história foi durante muito tempo relegada ao passado Esse redimensionamento do trabalho do historiador e a crescente revalorização da orali dade embora mediatizada trazida pela ex pansão dos meios de comunicação de massa como o rádio a televisão o cinema discos etc indicam a oportunidade de uma revisão das posturas historiográficas que têm até hoje olhado com grande desconfiança o testemunho 47 SÔNIA MARIA DE FREITAS pessoal É importante destacar que certos his toriadores têm procurado orientar suas refle xões nesse sentido apresentando seus primei ros frutos Na reconstrução do passado a linguagem auditiva que se baseia essencialmente no uso da voz exercerá um papel fundamental Pois é como discurso que a memória evidencia todo um sistema de símbolos e convenções produzi dos e utilizados socialmente Além disso a voz é um elemento em si mesmo Suas variações dão sentido ao texto transmitido transformamno dandolhe muitas vezes um significado além do que foi meramente dito Porém é pela oportunidade de recupe rar testemunhos relegados pela História que o registro de reminiscências orais se destaca pois permite a documentação de pontos de vis ta diferentes ou opostos sobre o mesmo fato os quais omitidos ou desprezados pelo dis curso do poder estariam condenados ao es quecimento Fazse necessária uma revisão das postu ras historiográficas com relação às novas fon tes históricas sonora e visual esta última representada pela fotografia caricatura e cine ma É preciso vencer os limites livrescos e que brar a resistência às novas fontes documentais novas técnicas linguagens e suportes 48 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Ken Plummer na sua obra Documents of Life 1983 aborda o uso de histórias de vida e outros tipos de documentos pessoais nas pes quisas em Ciência Social os quais resultam em memória de uma experiência social do ponto de vista dos participantes Entre esses documen tos ele destaca a história de vida o diário a carta a História Oral a fotografia o filme etc O autor conclui que essa diversidade de docu mentos muitas vezes ignorados e negligencia dos pelo cientista social revelam um enorme potencial na exploração da experiência social concreta Por fim defende a combinação entre os diversos tipos de documentos citados ante riormente bem como a utilização desses docu mentos de forma multidisciplinar ou seja por historiadores sociólogos psicólogos antropó logos lingüistas cientistas políticos etc Assim utilizando a metodologia da Histó ria Oral produzse uma documentação diferen ciada e alternativa da história realizada exclusi vamente com fontes escritas Entretanto não defendo o uso exclusivo de fontes orais por acre ditar que a utilização de diversas fontes será mais enriquecedora para a pesquisa Considero a mis celânea proposta por Ken Plummer 1983 bas tante interessante Na busca de características de uma coleti vidade a realização de depoimentos pessoais 49 SÔNIA MARIA DE FREITAS permitenos captar a partir das reminiscên cias o que as pessoas vivenciaram e experi mentaram As análises históricas são construídas a par tir de vestígios eou registros deixados pelas ge rações anteriores Entretanto a produção desta matériaprima quase sempre esteve a cargo das classes dominantes e até bem recentemente tal fato não era encarado como uma questão A co leta de depoimentos e de histórias de vida pode ser inserida no amplo esforço de resgatar a pa lavra de indivíduos que sem a mediação do pes quisador não deixariam nenhum testemunho Assim essa metodologia abre novas pers pectivas para o entendimento do passado recen te pois amplifica vozes que não se fariam ouvir Além de nos possibilitar o conhecimento de di ferentes versões sobre determinada questão os depoimentos podem apontar continuidade descontinuidade ou mesmo contradições no dis curso do depoente A maior potencialidade deste tipo de fonte é a possibilidade de resgatar o indivíduo como sujeito no processo histórico Conseqüentemen te reativa o conflito entre liberdade e determi nismo ou entre estrutura social e ação humana Os indivíduos elementos fundamentais para a compreensão da vida humana têm sido freqüentemente minimizados e marginalizados 50 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA pelo cientista social que acredita que os docu mentos pessoais são subjetivos descritivos e arbitrários para contribuírem com o avanço cien tífico A tradição inglesa é por excelência ca racterizada pelo empirismo e pelo individualis mo metodológico Nesse sentido Peter Burke 1981 112 afirma que na Inglaterra desde os tempos de Herbert Spencer ou mesmo antes pressupunhase que entidades coletivas como sociedade são fictícias enquanto os indiví duos existem Curiosamente notase que a origem e o maior avanço da História Oral ocor reram nos países de origem anglosaxônica In glaterra e Estados Unidos A História Oral privilegia enfim a voz dos indivíduos não apenas dos grandes homens como tem ocorrido mas dando a palavra aos esquecidos ou vencidos da história À histó ria que tradicionalmente esteve voltada para os heróis os episódios as estruturas Walter Benjamin responde que qualquer um de nós é uma personagem histórica As Reminiscências da Memória Eu realmente acredito que existimos como seres humanos porque podemos contar histórias Oliver Sacks escreveu que pessoas neurologicamente sãs contam a si mesmas as histórias de suas vidas to 51 SÔNIA MARIA DE FREITAS dos os dias Vivemos numa narrativa Há uma espé cie de linha que seguimos e que nos liga ao ontem ao hoje e ao amanhã É claro que montamos e cor tamos muitas coisas sobretudo aquilo que não se encaixa no que pensamos ou queremos ser Escre vemos a nossa própria história É o que nos leva para o futuro Mas as pessoas que são neurologi camente deficientes não conseguem fazer isso Elas têm a vida em fragmentos Não há continuidade Paul Auster O desenvolvimento deste trabalho levou nos inevitavelmente à busca da compreensão do conceito de memória Este esforço se justifica pois a História Oral tem como suporte as lem branças evidenciando uma memória coletiva Esta última pode ser entendida como uma soma tória de experiências individuais passíveis de serem utilizadas como fontes históricas Relem brando Pierre Nora memória é o vivido e histó ria é o elaborado Através do resgate da memó ria se reconstrói o passado É preciso destacar que são poucas as ten tativas de definição do que é a memória pois essa ainda não foi eleita especificamente obje to de estudo em áreas como a História a So ciologia a Antropologia etc Embora visando interesse específico da área identificamos al guns títulos na Biologia e principalmente na Psicologia 52 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Em decorrência da complexidade da ques tão e da dificuldade de acesso a bibliografias que tratem o tema de forma mais abrangente o ca minho percorrido foi buscar a acepção de me mória para o senso comum na atualidade recu perar a concepção e significado de memória em diferentes momentos da história da antigüida de à atualidade e finalmente refletir sobre os fenômenos da memória individual fazendo uso de seus principais teóricos Expressões do tipo memória de elefante memória visual de memória lapso da me mória fazem parte de nosso universo vocabular A noção de memória está presente em nosso cotidiano relacionada à idéia de que o Brasil é um país sem memória histórica Na atualidade a acepção da memória está ligada ao desenvol vimento da Cibernética memória armazenada pelos computadores e também da Biologia memória da hereditariedade presente no códi go genético Na Antiguidade Clássica os gregos fize ram da memória uma deusa Mnemósine Essa deusa lembra aos homens os heróis e os seus altos feitos e também preside a poesia lírica O poeta é pois um homem que quando possuído pela memória é transportado por ela ao coração dos acontecimentos antigos tornandose assim um adivinho do passado Cabe ao poeta o po 53 SÔNIA MARIA DE FREITAS der de lembrarse de tudo É a testemunha ins pirada dos tempos antigos da idade heróica e por isso da idade das origens Vernant em sua obra Mito e Pensamento entre os Gregos 1973 716 utilizouse de documentos como as nar rativas míticas que tratam da divinização da memória e da elaboração de uma vasta mitolo gia da reminiscência na Grécia arcaica Aristóteles distingue mnemê memória faculdade de conservar o passado e mamnesi reminiscência faculdade de evocar volunta riamente esse passado por um esforço intelec tual Platão por sua vez emprega a imagem da memória como impressão traços depositados e gravados em nós A alma é revestida de uma camada de cera de modelar cuja espessura con sistência e pureza variam aliás de acordo com os indivíduos Ora por um dom da mãe das Musas Mnemósine a cera recebe a impressão das sensações e pensamentos formando uma gravura em relevo análoga a marcas de anéis Esta impressão é como que o assinalamento da coisa e o meio de recordarmola O que se apagar ou não conseguir de forma alguma imprimirse nós esquecemos Platão 1976 15612 Segundo Le Goff 1984 201 a memória na Idade Média passará por profundas trans formações em decorrência da difusão do cristia nismo religião da recordação como ideologia 54 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA 1 Ainda sobre as artes mnemônicas ver o estudo de Francis Yatesa The art of memory Chicago Chicago University Press 1974 e Jonathan D Spence O palácio da memória de Mateo Ricci São Paulo Companhia das Letras 1986 dominante Ocorre a cristianização da memó ria coletiva e da mnemotécnica repartição da memória coletiva entre a memória litúrgica gi rando em torno de si mesma e uma memória laica de fraca penetração cronológica desenvol vimento da memória dos mortos principalmente dos Santos papel da memória no ensino que articula o oral e o escrito aparecimento enfim de tratados da memória ars memoriae 1 A memória estará presente na literatura medieval através das narrativas orais contos populares canções e da escrita Paul Zumthor destaca que o uso da escritura expandiuse com extrema lentidão nas classes dirigentes dos jo vens Estados europeus pois essa prática esteve confinada até por volta do ano 1000 a alguns mosteiros e cortes régias Na época moderna o desenvolvimento do comércio e a intensificação das comunicações favoreceram uma maior difu são da escritura Entretanto o fenômeno ora lidade concomitante à escrita ultrapassa a Ida de Média e pode ser detectado ainda no século XIX e início do XX Zumthor 1993 97 Neste sentido Robert Darnton em sua obra O Grande Massacre de Gatos 1986 anali 55 SÔNIA MARIA DE FREITAS sa as maneiras de pensar e o modo como as pessoas interpretavam o mundo na França do século XVIII O trabalho consiste na análise de contos populares que segundo o autor surgi ram ao longo de muitos séculos e sofreram dife rentes transformações em diferentes tradições culturais Como todos os contadores de histó rias os narradores camponeses adaptavam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio mas mantinham intactos os principais elementos usando repetições rimas e outros dispositivos mnemônicos Esse estudo baseado em coletâneas de con tos populares organizadas no fim do século XIX e início do XX é sem dúvida uma rara oportu nidade de se tomar contato com as massas anal fabetas que desapareceram no passado sem dei xar vestígios Rejeitar os contos populares porque não podem ser datados nem situados com preci são como outros documentos históricos é virar as costas a um dos poucos pontos de entrada no universo mental dos camponeses nos tempos do Antigo Regime Darnton 1986 312 Ainda segundo Darnton na narrativa tra dicional de histórias as continuidades de forma e de estilo têm mais peso que as variações de detalhes Zumthor também destaca a importân cia da poesia nesse processo abordado por Darnton sobre os contos populares 56 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA 2 Cf A BRÃO Bernadette Siqueira História da filosofia São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores p 274 No século XVIII o Iluminismo injetou uma considerável medida de racionalismo e ceticis mo nos escritos da história A consciência histó ria nasceu naquele período Os iluministas criti caram as teorias mnemônicas decorebas e a tradição escolástica desprezaram o passado e a memória porque afetiva Vislumbraram uma memória técnicocientífica do conhecimento acu mulado e o historiador buscou a ação racional De acordo com Voltaire 16941778 o prin cipal propagandista das Luzes a história é a cadeia de acontecimentos em que os homens por suas paixões e necessidades constroem li vremente seu mundo criando as sociedades e os governos e desenvolvem a economia as téc nicas as ciências e as artes E que a história é a história do progresso que avança à medida que os homens vão se esclarecendo pelas luzes da razão 2 No final do século XVIII e início do XIX desenvolvese o Romantismo na Alemanha e em outras regiões da Europa Goethe Herder Schiller entre outros foram seus expoentes Com o movimento romântico nasceu a histo riografia Barthold Georg Niebuhr 17761831 e Leopold von Ranke 17951886 historiado 57 SÔNIA MARIA DE FREITAS res alemães transformaram a escrita da histó ria Ranke explicou a história como realmente aconteceu criando novos padrões de pesqui sa baseados na evidência primária sujeita à avaliação crítica Esta história científica levou à catalogação das fontes e a um ensino mais acadêmico Com seu caráter nacionalista essa histo riografia é a história de um povo enquanto na ção Na Alemanha que nessa época ainda não passa de uma idéia buscavase transformar um povo em nação por meio das peculiaridades dos alemães Um dos principais precursores desta busca é Friedrich Gottlieb Klopstock 17241803 Vários autores procuraram na tradição popular leiase reminiscência com seus deuses mitos e heróis lendários o fundo nacional para suas obras 3 Herder por exemplo pesquisa e comen ta lendas mitos narrativas canções e versos antigos legados pela tradição popular Não lhe importa se esse material é pouco refinado até mesmo grosseiro com o emprego de dialetos e termos considerados obscenos Seu objetivo é apreender a alma o gênio de cada povo aquilo que faz com que um povo seja o que é 4 3 Cf A BRÃ O op cit p 325 4 Cf A BRÃ O op cit p 327 58 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA História é sinônimo de memória havendo uma relação de fusão Elas não se distinguem A história se apodera da memória coletiva e a trans creve em palavras É nesse momento que a histó ria dá voz ao povo pela primeira vez O século XIX portanto é o momento da perda da memó ria ou melhor ela vai se ancorar na história O filósofo Walter Benjamin 18921940 ao discorrer sobre a arte da narração nos diz que o grande narrador se enraizará sempre no povo antes de mais nada nas suas camadas artesanais Mas como estas compreendem as camadas ru rais marítimas e urbanas nos vários estágios do seu grau de desenvolvimento econômico e técni co multiplicamse os conceitos em que se sedi menta para nós o acervo de sua experiência e ainda que o narrador colhe o que narra na expe riência própria ou relatada E transforma isso ou tra vez em experiência dos que ouvem sua histó ria5 Desde a virada do século XIX para o XX a memória emancipouse da história Tornou se matéria da literatura Proust da Filosofia Bergson da Psicologia da Psicanálise por in termédio de Freud e da Sociologia Halbwachs Os historiadores desde então têm um do mínio limitado no campo da memória Poucos 5 C BENJAMIN Walter O narrador São Paulo Abril Cultu ral 1980 Os Pensadores p 609 59 SÔNIA MARIA DE FREITAS estudos foram realizados sobre o tema Na atua lidade os trabalhos dos historiadores franceses Pierre Nora e Le Goff são uns dos poucos exem plos A história está ainda devendo uma refle xão sobre a memória Lembrança e Esqueciment o Aquilo que foi não pode mais de agora em dian te deixar de ter sido de agora em diante este fato misterioso e profundamente obscuro de ter existido é seu viático para a eternidade Jankélévitch citado por Paul Ricoeur em La mé moire lhistoire et loubli Ainda dentro de nosso propósito discuti remos a seguir a problemática acerca da memó ria individual A utilização do depoimento oral como fonte histórica nos impulsiona a uma re flexão sobre o fenômeno da memória em si Memória aqui entendida como propriedade de conservar certas informações por meio de um conjunto de funções psíquicas e cerebrais Nesse sentido a memória como produto de uma operação mental é um mecanismo muito complexo ainda hoje muito pouco conhe cido mesmo para as outras ciências que a ela se dedicam tais como a Neurologia a Psiquiatria a Psicologia e a Psicanálise 6 0 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA A seletividade e o esquecimento estão pre sentes no processo da memória Do ponto de vis ta psicanalítico o esquecimento não é visto como um fenômeno passivo ou uma simples deficiência do organismo As lembranças que incomodam são expulsas da consciência mas continuam atuan do sobre o comportamento no inconsciente en tendido como uma forma de funcionamento do psiquismo Uma dinâmica que foge ao controle de nossa consciência racional Portanto selecio nar ou esquecer são manipulações conscientes ou inconscientes decorrentes de fatores diversos que afetam a memória individual por um curtís simo espaço de tempo temos algo que se asseme lha a uma memória fotográfica mas isso dura ape nas uma questão de minutos esta fase específica é muito muito breve e então o processo de sele ção organiza a memória e estabelece espécies de vestígios duráveis por meio de um processo quí mico Thompson 1972 5 Há que se considerar que as pessoas idosas ao relatar as suas experiências de vida são de im portância fundamental para a História Oral En tretanto as pessoas de idade mais avançada estão sujeitas à deterioração do funcionamento do siste ma nervoso central mas neste caso a recordação de acontecimentos recentes se deteriora primeiro 6 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS O psiquiatra Sergio Ricardo Hototian6 rela tounos que a neuropsiquiatria esforçase para ter um conhecimento cada vez mais claro do processo da memória O hipocampo localizado no cérebro parece ser o principal centro da memória pois diversos estudos têm demons trado estreita relação entre a degeneração dessa estrutura com a doença de Alzheimer a princi pal causa de demências que se conhece até o momento Para esse local parecem estar direciona das as informações captadas pela sensopercep ção em uma complexa rede neuronal ainda pouco conhecida que envolve o córtex cerebral e as estruturas mais internas do cérebro A memória de fatos recentes na grande maioria dos casos de demência é a primeira a ser perdida ao mesmo tempo que a memória de fatos do passado surge com precisão rigoro sa de detalhes como diz Hototian que ainda afirma o hipocampo está para o cérebro assim como o historiador está para a humanida de sem eles nós humanos tornamonos de menciais ou seja perdemos o contato com a realidade de nossa frágil existência 6 É médico psiquiatra e pósgraduando do Departamen to de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP Relato à autora em 1942001 6 2 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Um fato curioso é que quanto mais anti gas e mais importantes forem as reminiscênci as mais persistentes elas se tornam em nossa memória A partir de nossa experiência concre ta como entrevistadora percebemos que os nos sos entrevistados diferem em sua capacidade de recordar e muitas vezes recordam os mes mo fatos de diferentes maneiras No geral o significado do que as pessoas dizem é o mesmo mas o vocabulário é dife rente Este último é indício de maneiras dife rentes de pensar e de se expressar A mesma pessoa escreve e fala de forma diferente Além disso o discurso oral natural e espontâneo é muito mais detalhado e expressivo ao passo que o discurso escrito é mais formal elaborado e estereotipado Mas voltando à questão da seletividade por que as pessoas não lembram determinadas coisas e por que algumas são lembradas Embora o cientista social não tenha respos tas para suas questões relativas ao processo da memória este depende da compreensão e inte resse individual e é influenciado pela necessi dade social 6 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Da Memória Pura à Memória Hist órica A psicologia científica teve início na França com a publicação de vários trabalhos a partir de 1880 Neste contexto surge Matière et Mémoire de Henri Bergson 18591941 em 1896 De acordo com Bergson a memóriapura a verdadeira memória se mantém subcons ciente ligada ao eu profundo e caracterizase pela singularidade pois as lembranças são úni cas e alcançam o indivíduo por meio de uma evocação Somente a memóriapura recupe raria o passado em sua totalidade e sem nenhu ma intenção utilitária Mas para que isto ocorra é necessário afastar o cérebro distanciálo da ação e creio que todo o nosso passado lá está subconsciente isto é presente a nós de tal maneira que nossa consciência para revelálo não necessita sair de si mesma nem acrescen tarse algo estranho ela só precisa para perce ber distintamente tudo o que ela contém ou melhor tudo o que ela é afastar um obstáculo levantar um véu Bergson 1974 103 Esse autor na construção de sua teoria so bre a memória privilegia o indivíduo e suas lem branças ignorando o meio social do qual esse indivíduo é oriundo e que é determinante sobre ele A obra memorialística é vista como uma fon te que permite simplesmente a apreensão factual 6 4 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA do passado ou seja o resgate de um aconteci mento que pela força da evocação mnemônica libertase das malhas do tempo e nos alcança inviolado Portanto recordar é reviver integral mente o passado A relação entre o autor e o conteúdo de sua lembrança é privilegiada re forçandose a importância do que é lembrado Além disso a experiência de vida que separa o memorialista do momento evocado é também ignorada como também impossível de ser com partilhada Contrapondose à teoria de Henri Bergson com a teoria psicossocial temos Maurice Hal bwachs o principal estudioso das relações en tre memória e história De seus estudos nasce ram as obras Os Quadros Sociais da Memória e A Memória Coletiva que colocaram a questão da memória sobre novas bases prolongando os estudos de Emile Durkheim que levaram a pes quisa de campo às hipóteses de Auguste Comte sobre a procedência do fato social e do siste ma social sobre fenômenos de ordem psicoló gica individual Com Durkheim o eixo das investigações sobre a psique e o espírito des locase para as funções que as representações e idéias dos homens exercem no interior do seu grupo e da sociedade em geral Essa preexistên cia do predomínio do social sobre o individual deveria por força alterar substancialmente o 6 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS enfoque dos fenômenos ditos psicológicos como a percepção a consciência e a memória Em Bergson o método introspectivo conduz a uma reflexão sobre a memória em si mesma como subjetividade livre e conservação espiritual do passado sem que lhe parecesse pertinente fa zer intervir quadros condicionantes de teor so cial ou cultural Bosi 1983 16 Maurice Halbwachs relativizando as idéi as de Bergson desenvolve uma teoria psicosso cial na qual salienta que lembrar não é reviver mas refazer reconstruir repensar com imagens e idéias de hoje A conservação total do passa do e a sua ressurreição só seriam possíveis se o adulto mantivesse intacto o sistema de repre sentações hábitos e relações sociais da sua in fância o que é impossível O passado não so brevive tal como foi porque o tempo transforma as pessoas em suas percepções idéi as juízos de realidade e de valor O autor em vez de tratar a memória isola damente busca sua compreensão na relação ho memsociedade Ele não vai estudar a memória em si mas os quadros sociais da memória As relações a serem determinadas já não se limitam ao mundo da pessoa e sim à realidade interpes soal das instituições sociais A memória do in divíduo depende do seu relacionamento com a família com a classe social com a escola com a 6 6 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA igreja com a profissão com os grupos de conví vio e os grupos de referências peculiares a esse indivíduo Nessa perspectiva lembrarse é uma ação coletiva pois embora o indivíduo seja o memorizador a memória somente se sustenta no interior de um grupo Bosi 1983 17 A reconstrução do passado portanto irá depender da integração do indivíduo em um grupo social que compartilha de suas experiên cias Será esse grupo que dará sustentação a suas lembranças Porém segundo Halbwachs é indispensável que haja entre o grupo e o me morialista uma identidade pela qual se eviden cie uma memória coletiva Conseqüentemente o isolamento ou a falta de contato com o grupo significará a perda do passado A partir dos estudos de Halbwachs que apontam o caráter coletivo da memória e assim lhe atribui uma função social é que podemos colocar a questão memorialística sob o ponto de vista históricosociológico Este redimensiona mento nos permite reavaliar e apresentar o de poimento oral como fonte para o historiador Destacando a importância da memória co letiva Le Goff 1984 24 nos adverte que a me mória onde cresce a história que por sua vez a alimenta procura salvar o passado para servir o presente e o futuro Devemos trabalhar de for 6 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS ma que a memória coletiva sirva para a liberta ção e não para a servidão dos homens Selet ividade e Subjet ividade De certo modo cada testemunho é uma versão e toda conclusão é um enfoque Luiz Carlos Lisboa A discussão acerca da natureza da memó ria levanos inevitavelmente a um dos aspec tos mais polêmicos das fontes orais a questão da credibilidade Para alguns historiadores tradicionais os depoimentos orais são tidos como fontes subje tivas por nutriremse da memória individual que às vezes pode ser falível e fantasiosa No en tanto em História Oral o entrevistado é consi derado ele próprio um agente histórico Nesse sentido é importante resgatar sua visão acerca de sua própria experiência e dos acontecimen tos sociais dos quais participou Por outro lado a subjetividade está presente em todas as fon tes históricas sejam elas orais escritas ou vi suais O que interessa em História Oral é saber por que o entrevistado foi seletivo ou omisso pois esta seletividade tem o seu significado 6 8 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Além disso a noção de que o documento escri to possui um valor hierárquico superior a ou tros tipos de fonte vem sendo sistematicamente contestada em um século marcado por um avan ço sem precedentes nas tecnologias de comuni cação Sigmund Freud em sua obra A Interpre tação dos Sonhos 1984 afirma que nada do que possuímos intelectualmente pode ser intei ramente perdido Ele discorda da idéia de re duzir o fenômeno do sonho ao da rememora ção pois existe uma escolha específica do sonho na memória uma memória específica do sonho Destaca ainda a importância funda mental da infância na constituição da memória A psicanálise freudiana tem sido freqüen temente questionada e reinterpretada O psi canalista francês Jacques Lacan 1985 por exemplo destaca o papel fundamental na apren dizagem da linguagem na infância na forma ção do nosso inconsciente que vem à tona por meio da linguagem e o qual é impossível com preender racionalmente Lacan considera a aqui sição da identidade sexual e pessoal como um processo simultâneo e sempre precário cujas bases se firmam ao ascender a criança à lingua gem escutando e aprendendo a falar Não nos cabe no presente estudo questio nar as pesquisas de Freud sobre o simbolismo 6 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS nem questionar as idéias de Lacan mas acredi tamos que na afirmação de Lacan de que o in consciente é estruturado como linguagem é muito importante Nesse sentido é interessan te observar como homens e mulheres contam suas histórias de maneiras diferentes Geralmen te os homens utilizamse da voz ativa as mu lheres da voz passiva O essencial consiste em considerar o signi ficado dos silêncios durante a entrevista Embo ra em sua prática o historiador oral deparese com situações de trauma comoção fantasia enfim ele não se utilizará de técnicas e da teo ria da psicanálise que tem como como possibi litar que o sujeito entre em contato com conteú dos recalcados de sua consciência e possa dessa maneira ser mais saudável O que siginfica ser mais capaz de realizar seu desejo no sentido psicanalítico O trabalho realizado pelo histo riador oral visa o registro de experiências e re presentações do indivíduo inserido num con texto social No entanto é bom lembrar que em nossa prática muitos entrevistados admitem que a experiência da entrevista tem colaborado para uma autoavaliação um questionamento e um repensar da própria vida Segundo Jan Vansina 1982 toda pessoa quando está contando uma estória está ao mesmo tempo tentando apre 70 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA sentar um tipo de imagem consistente de si mesmo e uma imagem de autodesenvolvimento lógico Acreditamos que embora as pessoas que chegam a uma certa idade estejam mais dispos tas para falar a verdade em decorrência da própria maturidade as estórias contadas podem muitas vezes ser distorcidas ou inventadas Nos últimos dez anos a História Oral tem se voltado para a questão da subjetividade e menos para a objetividade Os pesquisadores italianos Luisa Passerini 1984 e Alessandro Portelli 1991 1993 1997 têm se dedicado ao estudo da questão em vários artigos e livros privilegiando as relações entre classe operária e fascismo e memória popular Portelli argumenta que as fantasias e mes mo os casos de transferência que aparecem nas estórias são importantes para a memória das pessoas Deste modo os fatos que as pessoas lembram ou esquecem seriam a substância da qual é feita a história Esses fatos apenas sobre vivem se fazem sentido para as pessoas e que por sobreviverem tornamse fatos históricos conseqüentemente não há fonte oral falsa Portelli salienta ainda que nós temos checado a credibilidade das fontes orais com todos os critérios adotados pela crítica histórica aplica dos para todo tipo de documento A diferença 71 SÔNIA MARIA DE FREITAS da fonte oral encontrase no fato de que os de poimentos não verdadeiros são psicologicamen te verdadeiros e que esses erros às vezes revelam mais dados que o relato exato A credibilidade da fonte oral não deve ser avaliada por aquilo que o testemunho oral pode freqüentemente esconder por sua ine xatidão para com os fatos mas na divergência deles onde imaginação e simbolismo estão presentes A Paixão da Memória foi o título da pa lestra proferida pela escritora Nélida Piñon no jornal Folha de S Paulo Para ela a memória é como uma entidade que persegue o ser hu mano e que não está a serviço do homem tanto como ele pensa Ao mesmo tempo a memória é a matéria mais irrenunciável do homem A memória não tem coesão não tem lógica não tem simetria e é fragmentada múltipla confu sa um turbilhão que se apossa do seu ser da sua integridade Essa descrição diz respeito ao inconsciente freudiano Quanto à relação da me mória com o tempo Piñon diz que a memória não tem uma compreensão profunda da passa gem do tempo Ela embaralha tudo mistura Daí seu poder de viajar para qualquer época Enquanto nós envelhecemos nossa memória não compreende com exatidão a passagem do tempo Ela funde costura os tempos De acor 72 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA do com a conclusão da escritora somos todos narradores Ainda que não escrevamos nossa memória está sempre narrando os fatos que vi vemos ou que pensamos ter vivido 7 Ainda sobre as fantasias das pessoas Paul Thompson argumenta que inventar um passa do imaginário que deve ter acontecido é uma forma de preservar suas crenças e sua ideolo gia E que a subjetividade é de fato a única força da História Oral pois aquilo que o depoente acredita é para ele mais importante do que aquilo que realmente aconteceu Sabemos que as memórias são fragmenta das e que nós as reconstruímos enquanto fala mos A entrevista ajuda as pessoas a recuperar seus traumas leva a uma melhor compreensão de si e de seu passado A História Oral é a ciên cia do indivíduo Respeitar e valorizar as dife renças individuais numa sociedade cada vez mais massificada é fundamental Aqui se destaca a dimensão social da História Oral e a atuação do historiador Portelli 1997 Quanto à questão da fidelidade acredita mos que o historiador deve ser fiel à entrevista porque a fita gravada é um documento histórico que pode ser usado por outros historiadores 7 Folha de S Paulo 5 ago 1999 Caderno Mais p 510 73 SÔNIA MARIA DE FREITAS Mercedes Vilanova afirma que Nunca antes na história da humanidade houve a possibilida de da não manipulação dos diálogos A fonte oral que é fonte porque está gravada numa fita não necessariamente transcrita introduz uma revolução historiográfica porque impede que os diálogos sejam manipulados como têm sido até o presente 8 Paul Thompson 1992 privilegia a grava ção como elemento mais importante conside rando que sua origem é oral posição com a qual nos afinamos Há autores que dão maior importância ao texto final Nessa linha destacase Philippe Joutard para quem la grabación solo es un medio y la cinta magnética es un estado provisional de la constituición del documento cada entrevista es sistemáticamente transcrita y dactilografada Desde esta perspectiva el documento original no es la cinta por la que hay poca preocupación sino el texto escrito y corregido 9 8 VILANOVA Mercedes Pensar a subjetividade estatísticas e fontes orais In FERREIRA M de M História oral Rio de Janeiro CPDOCFGVDiadorim 1994 p 48 9 JOUTA RD Philippe Esas voces que nos llegan del pasado México Fondo de Cultura Económica 1986 p 111 74 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Para Daphne Patai 1989 a entrevista é uma criação textual fazendo parte de sua me todologia tornar a leitura mais compreensiva por meio da reestruturação do depoimento Nessa mesma linha José Carlos Sebe Bom Meihy na transcrição da entrevista assume uma postura mais radical Para esse autor o texto final tem o teor literário expressando as idéias e a essência do que foi dito e não as palavras do depoente Na verdade Meihy em sua prática de História Oral adequou dois conceitos da lingüística o da transcriação proposto por Haroldo de Cam pos e o de teatro de linguagem formulado por Roland Barthes10 No ponto de vista de Pierre Bourdieu o processo do discurso oral para o escrito está submetido a dois conjuntos de obrigações difí ceis de conciliar as obrigações de fidelida de a tudo que manifesta durante a entrevista e que não se reduz ao que é realmente registrado na fita magnética que levariam a tentar restituir ao discurso tudo que lhes foi tirado pela trans crição para o escrito e pelos recursos ordinários da pontuação muito fracos e muito pobres e que fazem muito amiúde todo o seu sentido e 10 Cf M EIHY José Carlos Sebe Bom Canto de morte Kaiowá história oral de vida São Paulo Loyola 1991 p 2933 11 BOURDIEA U Pierre Org Compreender In A miséria do mundo Petrópolis Vozes 1997 p 709 75 SÔNIA MARIA DE FREITAS o seu interesse mas as leis de legibilidade e com petências muito diversas impedem a publicação de uma transcrição fonética acompanhada das notas necessárias para restituir tudo que foi per dido na passagem do oral para o escrito isto é a voz a pronúncia principalmente em suas varia ções socialmente significativas a entonação o ritmo cada entrevista tem seu tempo particular que não é o da leitura a linguagem dos gestos da mímica e de toda a postura corporal etc 11 Conforme meu entendimento a História Oral pressupõe projeto pesquisa técnica de entrevista postura ética com relação ao entre vistado assim como de respeito ao entrevista do ao que foi dito Aliás saber ouvir é a carac terística fundamental do oralista O entrevistador não é passivo e nem neutro na medida em que com suas perguntas ele participa e dirige o pro cesso da entrevista prepara o roteiro seleciona as perguntas e introduz questões e temas a se rem abordados pelo entrevistado O documen to final é o resultado de um diálogo entre pes quisador e pesquisado Raphael Samuel fundador do movimento e da revista History Workshop na GrãBreta nha salienta que o historiador não deve impor critérios na fala de seus informantes e que mes mo ele conservando o privilégio da seleção deve utilizar a fonte oral com o mesmo escrúpulo 76 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA como se estivesse trabalhando com fontes im pressas ou manuscritos indicando quaisquer cortes feitos Fala ainda da importância de pre servar e dar oportunidade de uso para outros historiadores no futuro sua maior contri buição poderia bem ser na coleta e segura pre servação do seu material mais do que no uso imediato que consegue encontrar para ele ou o modo de relatálo Historiadores no futuro examinarão com novo interesse os materiais que coletamos formularão novas perguntas e procu rarão outras respostas Por maior que seja o êxito que conseguimos na execução das nossas tare fas de pesquisa é mais provável que sua obra divergirá da nossa A menos que gravações pos sam ser preservadas na sua integridade original e disponibilizadas livremente para a consulta de outros pesquisadores permanecerão para sem pre fechadas dentro das preocupações do pes quisador imunes a críticas e incapazes de ser vir de base para a continuação da pesquisa 12 12 SA MUEL Raphael Perils of the transcript In PERKS Robert THOMPSON Alistair The oral history reader New York Routledge 1998 p 3912 77 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral pot encialidade e possibilidades A potencialidade da História Oral está no fato de ela poder ser utilizada fora dos limites da cultura acadêmica nos museus nos meios de comunicação em centros comunitários e ou tras instituições Entre as possibilidades vale destacar o uso da História Oral para a gerontologia para a qual o processo de reminiscência de pessoas idosas tem implicações sociais O A ge Exchange Reminiscence Centre 1 é uma instituição inglesa que tem realizado intensa atividade no campo da reminiscência ao longo dos anos produzin do peças livros e exposições baseadas em me mórias de pessoas idosas Essa instituição tor nouse também um museu do cotidiano com objetos e utensílios que datam do começo do século onde as pessoas idosas são encorajadas 1 Age Exchange Reminiscence Centre Camden Row Blackheath London SE3 OQA UK 78 HISTÓRIA ORAL POTENCIALIDADE E POSSIBILIDADES a manusear objetos que fizeram parte de suas vidas e a falar de suas experiências Dessa for ma além de estimular a memória o Centro per mite o desfrute do lazer do convívio que se mostram na verdade atividades terapêuticas Na prática didática um projeto de His tória Oral pode ser desenvolvido em diferen tes contextos tanto iniciativa individual quan to trabalho coletivo em préescolas no ensino fundamental e médio nas universidades na educação de adultos É bastante expressiva a quantidade de material impresso e audiovi sual produzido por conceituados editores para fins didáticos na GrãBretanha e nos Estados Unidos Para os professores de História um pro jeto de História Oral abre os caminhos para a exploração da história local e de temas contem porâneos Mas um projeto de História Oral não se limita a professores de História ele pode também ser desenvolvido por professores de Língua Portuguesa Geografia Educação Ar tística ou pode auxiliar a integração entre essas áreas numa pesquisa interdisciplinar Nessa perspectiva esse trabalho possibilita a discus são e o sentido de cooperação no grupo de senvolve habilidades com a própria linguagem colaborando assim para o aprendizado dos alunos 79 SÔNIA MARIA DE FREITAS A partir de centros comunitários e associa ções de bairro é possível reconstruir a história local bem como a consciência do grupo Entre tanto como afirma Paul Thompson 1992 22 a História Oral não é necessariamente um ins trumento de mudança isso depende do espíri to com que seja utilizada Não obstante a His tória Oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalida de da história Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos cam pos de investigação pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos entre gera ções entre instituições educacionais e o mundo exterior e na produção da história seja em li vros museus rádio ou cinema pode devol ver às pessoas que fizeram e vivenciaram a his tória um lugar fundamental mediante suas próprias palavras 2 A História Oral possibilita novas versões da História ao dar voz a múltiplos e diferentes narradores Esse tipo de projeto propicia sobre tudo fazer da História uma atividade mais de mocrática a cargo das próprias comunidades já que permite produzir história a partir das pró prias palavras daqueles que vivenciaram e par 2 As diferentes possibilidades da História Oral são apre sentadas pelo autor no capítulo dedicado à História Oral e Comunidade 8 0 HISTÓRIA ORAL POTENCIALIDADE E POSSIBILIDADES ticiparam de um determinado período por in termédio de suas referências e também do seu imaginário O método da História Oral possibi lita o registro das reminiscências das memórias individuais a reinterpretação do passado en fim uma história alternativa à história oficial O oralista italiano Alessandro Portelli 1981 96 afirma que a primeira coisa que diferencia história oral é que ela nos diz menos a respeito dos acontecimentos em si do que do seu signifi cado Isto não quer dizer que a História Oral não possua interesse factual entrevistas muitas vezes revelam fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de fatos conhecidos e elas sem pre jogam uma luz nova sobre aspectos inex plorados da vida cotidiana das classes nãohe gemônicas Para esse mesmo autor o testemunho oral tem sido amplamente considerado como fonte de informação sobre eventos históricos Ele pode ser encarado como um evento em si mesmo e como tal submetido a uma análise independen te que permite recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido como também a atitude do narrador em relação a eventos à subjetivida de à imaginação e ao desejo que cada indivíduo investe em sua relação com a história 1993 41 No nosso entender a grande potencialida de da História Oral é que essa permite a inte 8 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS gração com outras fontes a confrontação entre as fontes escritas e orais e a sua utilização mul tidisciplinar Mas a fonte oral é resultado da re lação e interação entre informante e pesquisa dor Por isso considero fundamental que esse trabalho seja feito por um historiadorsociólogo antropólogo ou no mínimo que o projeto seja orientado por um desses profissionais levan dose em conta a formação específica e os méto dos de pesquisa e análise do cientista social Entretanto o resultado de uma pesquisa em História Oral irá depender da cultura histórica do pesquisador e da sua base teórica Os depoimentos resultam em fontes his tóricas que são por excelência qualitativas mas todo pesquisador devese valer de todas as fon tes disponíveis a fim de obter um quadro o mais enriquecedor possível do período ou tema em análise 8 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Met odologia de Colet a e Ut ilização da Hist ória Oral A realização de uma pesquisa utilizando a metodologia da História Oral pressupõe a ne cessidade de um conjunto de orientações A des crição sumária que faremos a seguir é fruto da bibliografia a que tivemos acesso no Brasil e no exterior e principalmente da experiência adqui rida com a implantação e coordenação de dois projetos Museu da Imagem e do Som e Me morial do ImigranteMuseu da Imigração am bos da Secretaria de Estado da Cultura e sobre os quais falaremos mais adiante Interessada em aprofundar utilizar e valo rizar a metodologia de História Oral em traba lho acadêmico ingressei no curso de pósgra duação no Departamento de História da FFLCH USP em 1988 elegendo como objeto de estudo a Faculdade de Filosofia Ciências e LetrasUSP utilizei para a pesquisa a metodologia de Histó ria Oral O trabalho que resultou numa disser tação de mestrado teve por objetivo contribuir para as discussões e estudos teóricos e meto 8 4 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL dológicos sobre o uso de fontes orais no traba lho historiográfico Essa pesquisa transformou se na obra intitulada Reminiscências publicada pela editora Maltese em 1993 No mesmo departamento apresentamos projeto de pesquisa para o ingresso na pósgra duação nível de doutoramento em 1996 A pesquisa resultou na tese Falam os Imigrantes Memória e Diversidade Cultural em São Pau lo apresentada e aprovada em abril de 2001 Partindo do registro da memória de alguns grupos de imigrantes com o intuito de recons truir parte da história social do processo imi gratório para o estado de São Paulo esse tra balho procura evidenciar uma história comum a todos esses grupos particularmente os traços culturais e de que maneira eles reconstruíram e vivenciaram as suas identidades étnicas no país adotivo Apresenta uma análise sobre o uso de fontes orais no trabalho historiográfico e utilizando a História Oral como metodologia de pesquisa busca por meio de fontes orais o registro histórico a partir da memória de cada grupo e da problemática interna de cada um deles Aborda também o processo histórico da imigração e da constituição de 10 grupos nacio naisétnicos em São Paulo armênios chineses espanhóis húngaros italianos de Monte San 8 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Giacomo e Sanza lituanos okinawanos polo neses russos ucranianos Destaca ainda a importância da imigra ção para o estado pois os imigrantes com o seu trabalho seus dramas e trajetórias pessoais participaram das principais transformações eco nômicas e sociais ocorridas no estado de São Paulo a partir do final do século XIX Elaboração de Projet o O primeiro passo a ser dado é elaborar um projeto definindo o tema e os propósitos da pes quisa Ao se eleger um tema é importante que esse seja relevante para as questões históricas mais amplas Sendo um método por excelência voltado para a informação viva a História Oral abarca o período contemporâneo da História Portanto após a definição do tema há que se definir o nome das pessoas a serem entrevista das A relação de nomes nunca é definitiva pois muitas vezes um depoente levanos a descober ta de outros algumas vezes a pessoa eleita pode declinar do nosso convite Nessa modalidade de trabalho corremos o risco de gravar memó rias confusas e debilitadas pois na velhice pode ocorrer nas pessoas o fenômeno da senilidade com perda ou descontrole da memória 8 6 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL Na pesquisa sobre a FFCLUSP a primeira seleção foi realizada a partir do levantamento de nomes no Anuário da Faculdade de Filoso fia Ciências e LetrasUSP do período enfocado Da listagem inicial que privilegiou as décadas de 30 40 e os primeiros anos da década de 50 algumas pessoas não aceitaram o convite ale gando compromissos profissionais ou familia res outros demonstraram resistência à idéia da entrevista gravada Durante o desenvolvimento do projeto houve também falecimentos de pes soas que constavam da nossa listagem Há que se preocupar com a qualidade e não com a quantidade de entrevistas a serem realizadas Além disso não se deve limitar o tempo de duração das entrevistas e essas de vem respeitar sempre a velocidade e as formas de se expressar de cada indivíduo O entrevis tador não deve levar o entrevistado à exaustão pois ele pode falar compulsivamente por várias horas ao rememorar o seu passado Acredito que uma entrevista não deva ter mais que duas ho ras de duração Pesquisa Uma vez definido o tema com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre o objeto 8 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS de estudo passamos então à fase da pesquisa bibliográfica biográfica e investigação exaustiva em fontes primárias e secundárias Confecção de fichas bibliográficas e de cronologia colabo ram para o bom desempenho da pesquisa Em um projeto de História Oral devese sempre elaborar fichas biográficas a partir do currículo do entrevistado e também uma crono logia da trajetória marcos significativos da pes soa eou assunto em questão Obviamente co nhecendo o assunto o entrevistador poderá se sentir mais seguro na realização de uma entre vista Além disso o entrevistador estará lidan do com a memória que às vezes pode ser vaga em relação a coisas que aconteceram e por isso o entrevistador pode e deve ajudar as pessoas a resgatar as suas memórias principalmente quan do for solicitado Nesse trabalho percebemos que muitas vezes as pessoas confundem datas acontecimen tos nomes de pessoas de cidades ou de insti tuições percebemos também como no projeto sobre a FFCLUSP que os depoentes por se rem pessoas intelectualizadas e bastante expres sivas na cultura brasileira tornaramse mais aces síveis à medida que no decorrer da entrevista notaram que estávamos familiarizados com o assunto ao ajudálos a esclarecer nomes e da tas em algum momento Sem dúvida podemos 8 8 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL provocar desinteresse por parte do depoente se esse letrado ou não perceber o nosso des conhecimento sobre o assunto abordado Verena Alberti aponta que na História Oral a pesquisa e a documentação estão inte gradas de maneira especial e peculiar uma vez que é realizando uma pesquisa em arquivos bibliotecas etc e com base em um projeto que se pode produzir entrevistas que se transforma rão em documentos os quais por sua vez se rão incorporados ao conjunto de fontes para novas pesquisas A relação da história oral com arquivos e demais instituições de consulta e documentos é portanto bidirecional enquanto se obtém das fontes já existentes material para a pesquisa e a realização de entrevistas estas úl timas tornarseão novos documentos enrique cendo e muitas vezes explicando aqueles aos quais se recorreu de início 1989 45 O Rot eiro A partir da definição do tema e da realiza ção da pesquisa elaborase um roteiro geral para as entrevistas Todo entrevistador precisa saber como conduzir a sua entrevista as questões mais importantes a serem perguntadas e até onde ir nessa entrevista 8 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS No nosso entender uma entrevista sem roteiro e direção tende a ser subjetiva e sem dados realmente fundamentais para a pesqui sa Por um lado o que o depoente considera relevante pode não ser do ponto de vista de nosso trabalho Por outro lado levantar ques tões é útil para as pessoas que falam pouco ou que têm certa dificuldade de se expressar oral mente Em nossos projetos elaboramos um rotei ro amplo e abrangente que é utilizado em to das as entrevistas para se garantir uma certa unidade dos documentos produzidos Porém normalmente fazemos uma diferenciação nos ro teiros destinados a homens e mulheres e às di ferentes atuações profissionais de cada um A aplicação dos roteiros nas entrevistas não é feita de forma rígida uma vez que muitas ques tões vão surgindo naturalmente no discurso do depoente no transcurso da entrevista e essas às vezes nos suscitam outras Cada entrevista tem a sua própria dinâmica e cada entrevistado mostranos diferentes interesses na abordagem de determinadas questões É preciso deixar claro que nosso roteiro tem caráter temático e não se restringe à trajetória de vida de nossos entrevistados Consideramos estritamente aquela parte da vida do entrevista do ligada ao tema de estudo Levamos sempre 9 0 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL em consideração a área de interesse e atuação do depoente e a especificidade do tema relacio nandoas sempre que possível Em geral o roteiro segue uma ordem cro nológica da trajetória dos entrevistados origem formação influências marcos significativos Não há nenhuma rigidez nesta ordem cronológica cada depoente segue rumos mais ou menos se qüenciais embora em algumas ocasiões ele dê saltos altos com intenção de evitar algum perío do ou situação embaraçosa em sua vida Muitas vezes o depoente nos introduz importantes questões não previstas no roteiro original o que resulta em um enriquecimento da pesquisa Procuramos manter sempre o con trole da entrevista no sentido de garantir as per guntas eou questões não abordadas pelo de poente Devese evitar o fornecimento do roteiro ao depoente antes da entrevista É comum pes soas socialmente importantes ou seus asses sores nos pedirem previamente a pauta ou roteiro Forneçaa somente se esta for a condi ção da realização da entrevista pois o contato prévio induzirá o depoente a tentar elaborar respostas tirando a espontaneidade da fala Além disso ele poderá ficar angustiado e ten so pelo fato de não se lembrar das respostas premeditadas 9 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS A Ent revist a e suas Est rat égias de Condução Após a elaboração do roteiro e mediante a lista dos possíveis entrevistados passamos a contatar e a agendar as entrevistas com as pes soas que concordem em dar o seu depoimento O contato inicial é feito por telefone durante o qual informamos ao entrevistado sobre o pro pósito do projeto e da importância de seu de poimento para a realização da pesquisa Antes do início da entrevista asseguramos aos nossos entrevistados que naquela entrevista ele terá todo o direito de não opinar sobre aquilo que não lhe for conveniente solicitar o desliga mento do equipamento quando considerar ne cessário ou mesmo censurar trechos da entre vista gravada e da sua respectiva transcrição Procuramos também em toda entrevista ter o cuidado de não interferir na fala e nunca fazer nenhum juízo de valor Ou seja ouvimos experiências e interpretações e em nenhum mo mento a nossa opinião pessoal sobre determi nada questão é colocada A nossa preocupação e da História Oral é garantir a visão de mun do as idéias os sonhos e as crenças dos de poentes Nessa narrativa a imaginação se mis tura com a realidade A nossa experiência como entrevistador pesa bastante na condução das entrevistas Acre 9 2 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL ditamos que um bom desempenho na realiza ção de uma entrevista depende de conselhos e informações obtidas de livros e manuais espe cíficos sobre o método da História Oral mas esse bom desempenho está diretamente vincu lado à práxis Saber entrevistar se aprende en trevistando Uma entrevista é uma troca de experiência entre duas pessoas É uma relação que se esta belece entre pessoas com experiências forma ção e interesses diferentes São pessoas que apesar de pertencerem a diversas faixas etárias e diferentes condições socioeconômicas e cultu rais estarão dialogando e interagindo sobre uma mesma questão Geralmente conseguimos atingir uma certa empatia e estabelecer alguma cumplicidade com os entrevistados na tarefa proposta Enfim a nossa intuição e sensibilidade aliadas à expe riência de escuta ainda constituem os melhores instrumentos de que dispomos para a nossa fi nalidade de registrar narrativas orais que tor namse evidências e dão sustentação à memória histórica Em uma situação de entrevista o entrevis tado sempre espera que o entrevistador faça al guma pergunta Se isso não ocorrer o entrevis tado ficará perturbado surpreso e assustado não sabendo o que fazer 9 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS A entrevista puramente espontânea não existe A questão é saber o quanto devemos perguntar e desenvolver as nossas questões Isso irá depender do tipo de pessoa que entrevista remos Algumas pessoas mais idosas não são muito falantes Essas necessitam da nossa aju da com perguntas para saberem exatamente em que estamos interessados Mas existem ou tros tipos de pessoas que são mais confidentes articuladas e que detêm um maior grau de in formação Uma regra básica em História Oral é que nunca devemos interromper uma fala e nunca devemos demonstrar desinteresse Se o entre vistado se distanciar muito da questão em pau ta devemos aproveitar uma pausa e com muito tato dizer isto é muito interessante mas Dependendo do jeito que interrompemos um assunto poderemos reprimir o depoente e não conseguirmos o que realmente queremos ou vir Aliás saber ouvir as pessoas é uma carac terística fundamental do pesquisador que utili za a História Oral como instrumento em sua pesquisa Como já dissemos anteriormente as ques tões colocadas devem ser sempre neutras e nun ca devemos colocar nossa posição ou fazermos qualquer julgamento Tampouco devemos de monstrar não estarmos acreditando nas palavras 9 4 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL do depoente mesmo quando percebemos que o seu discurso não é natural e verdadeiro O entrevistador deve saber respeitar a lógica e o ritmo de cada entrevistado Muitas vezes as pessoas ao buscarem a sua memória acabam refletindo sobre o próprio passado emocionan dose Devemos saber respeitar as lágrimas e os momentos de emoção que se apresentam du rante a entrevista Às vezes o silêncio é elo qüente e pode tornarse um forte elemento na interpretação da entrevista As perguntas devem ser colocadas da for ma mais simples direta e natural possível Isso não é fácil de se fazer durante a entrevista A improvisação tende a nos levar à confusão Por isso a elaboração das perguntas deve ser fei ta junto com a confecção do roteiro Indubita velmente uma melhor relação entre entrevis tado e entrevistador será estabelecida se este último estiver bem familiarizado com as per guntas e com o assunto Se a formulação da pergunta é feita de forma complicada o entre vistador pode se embaraçar na apresentação da mesma ou o depoente não entendêla Procuramos também evitar perguntar duas coisas ao mesmo tempo caso contrário corre mos o risco de obtermos somente parte da res posta A formulação da questão depende do tipo de resposta de que necessitamos devemos 9 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS formular uma pergunta que conduza nosso en trevistado a uma resposta precisa Aprendemos a não dizer sim sim a não emitir qualquer tipo de som ou a fazer qual quer tipo de comentário durante a entrevista Procuramos fazer movimentos com a cabeça ou sorrir pois sabemos que esses gestos encorajam as pessoas a falar Procuramos evitar questões fechadas que normalmente levam as pessoas a responder sim ou não e optamos pelas questões abertas que as levam a falar mais Esse tipo de trabalho exi ge memória rápida e muita concentração para não repetirmos questões e muita atenção à con sistência e possíveis contradições do depoente Um caderno de campo para essas ou outras observações enriquecerá a pesquisa e será de grande utilidade para o pesquisador no momen to da análise do conteúdo Os entrevistados quando formadores da elite artísticocultural do país por um lado im põemnos uma melhor preparação por se tratar de pessoas altamente intelectualizadas e expres sivas mas por outro lado justamente por se rem pessoas muito articuladas acostumadas a falar em público com muita freqüência demons tram muita facilidade em seus discursos orais espontâneos Nenhuma estranheza ou hostili dade ao equipamento tem sido por mim perce 9 6 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL bida mesmo por parte das pessoas mais sim ples e com vida menos glamourosa Percebo nas pessoas que entrevisto para o Memorial do ImigranteMuseu da Imigração uma certa grati dão por serem lembradas e suas vidas valoriza das tornadas importantes e perpetuadas Mui tos entrevistados retornam inúmeras vezes ao Museu como se aquele espaço físico fizesse parte de suas vidas ou como se eles fizessem parte daquele prédio onde muitos deles ficaram alo jados Talvez por suas histórias cruzarem com a história do edifício ao reencontrarem aquele lugar reencontram o seu próprio passado como se aquele espaço tornasse real a história que alguns tinham como uma ficção uma história dramática permeada de incertezas tristezas perdas e abandonos Muitos não sabiam os li mites entre a imaginação e a realidade Tinham apenas fragmentos nebulosos de memória mes clados de sonhos e fantasias Ao reconhecerem o espaço alguns se reconhecem como persona gens de uma verdadeira história Local da Ent revist a O local a ser realizada a entrevista deve ser determinado pelo entrevistado Seja no tra balho ou na residência deixe que ele escolha 9 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS sua cadeira ou sofá preferido pois esses ele mentos que integram o seu cotidiano colabo ram para seu bemestar físico e psíquico Duração A duração de uma entrevista no meu pon to de vista nunca deve ultrapassar duas horas de gravação Em função das necessidades e ob jetivos da pesquisa a entrevista poderá ter dife rente caráter ser do tipo história de vida ou temática e exigir a realização em várias etapas Procediment os PósEnt revist a Transcrição e Conferência Dependendo dos propósitos de cada pro jeto uma entrevista de História Oral terá uma forma final de apresentação Quando se decide pela apresentação na forma escrita é o caso dos projetos que têm objetivos acadêmicos ela deve necessariamente passar por algumas etapas A primeira delas é a realização da transcri ção na íntegra das entrevistas gravadas e em seguida a leitura e conferência do material Após 9 8 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL a digitação o texto deve ser enviado ao depoen te para correção de nomes próprios termos téc nicos e quando necessário complementação de frases Alertamos nossos depoentes da necessi dade de se garantir o máximo possível a origi nalidade e a espontaneidade das entrevistas pois um discurso escrito elaborado torna a entrevis ta oral sem função É nossa preocupação ser o mais fiel possível ao que foi gravado dando mais importância ao conteúdo e menos à forma en tendida como estilo Isto não significa que dei xamos de retirar das transcrições as redundân cias e vícios de linguagem em comum acordo com os depoentes Apesar do alerta cheguei a receber transcrição com mais de 50 de seu con teúdo alterado Na transcrição do discurso oral para o es crito devese então suprimir as palavras ou expressões repetidas ou aquelas que forem retificadas pelo entrevistado No discurso oral é muito comum as pessoas recorrerem a palavras ou expressões de função fática que não têm um valor semântico no discurso por exemplo quer dizer entendeu justamente realmente assim aí sabe não é então são vícios de lingua gem ou palavras de apoio São comuns e recor rentes na comunicação verbal correspondendo à função fática da linguagem e servem para pro longar ou interromper a comunicação para veri 9 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS ficar se o canal funciona para atrair a atenção do interlocutor ou confirmar sua atenção conti nuada Jakobson 1969 126 Verificamos que muitas vezes o orador busca ganhar tempo para articular o que tenciona dizer Às vezes por deficiência na construção de frases o entrevistado omite o termo fundamen tal da oração Nesse caso devese acrescentálo quando este estiver claro no contexto Se a en trevista for transformada em livro ou outro tipo de publicação os erros gramaticais como con cordância regência reordenação sintática das orações deverão ser corrigidos Por esses motivos e para se evitar mani pulações é que o documento sonoro deve ser preservado e sempre que possível o pesquisa dor deve preferilo às transcrições Todo esse processamento significa um exaustivo e longo trabalho Geralmente necessitase pelo menos seis horas de trabalho para transcrever uma hora de entrevista A desvantagem da transcrição de uma en trevista é que essa de uma certa forma impede a percepção de elementos importantes como o tom e velocidade da voz as pausas as lágri mas etc Embora a transcrição permita uma maior divulgação do material a partir do mo mento em que se estabelece no depoimento a adoção de normas e padrões cultos rigorosos 10 0 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL ela acaba descaracterizando a fala original e todo um contexto em que foi produzida Alguns pro fissionais dedicamse sobremaneira ao trabalho com o texto transformando a entrevista origi nal e dela se distanciando Embora algumas alterações na transcrição do depoimento sejam inevitáveis como ante riormente dito principalmente em se tratando de pessoas cultas e públicas insistimos na idéia de que todo pesquisador que é viciado na leitu ra de texto escrito deve preferir o audiovisual Quest ões Ét icas e Legais Após a revisão final do texto o entrevista do deve assinar um termo de doação do de poimento seja à instituição onde o projeto foi desenvolvido seja ao entrevistador em se tra tando de pesquisa individual Nesse termo de verão constar possibilidades e restrições à con sulta que também vão ser definidas pelo doador Dessa maneira o pesquisador estará evitando possíveis problemas futuros com os descendentes e herdeiros do depoente Quanto à relação entre ética e História Oral gostaria de destacar a realização de seminário sediado na PUCSP no qual discutiuse especi ficamente a questão resultando na edição do 10 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS livro Ética e História Oral em 19951 O texto de apresentação do catálogo salienta argutamen te que a incorporação de novos sujeitos histó ricos e de novos campos de investigação exi gem daqueles que trabalham com a História Oral um esforço de crítica constante diante das múltiplas situações e dilemas encontrados O respeito a diferenças e individualidades e a cons tante mutação de valores tornam imperativa por tanto uma aproximação entre a História Oral e o estudo da Ética À guisa de exemplificação foram anexa dos modelos do termo de cessão gratuita de di reitos sobre o depoimento oral ficha catalográfica das coleções e termo de compromisso de uso 1 O evento e o livro foram organizados pela pesquisadora Daisy Perelmutter 10 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral x Projet os Individuais e Inst it ucionais Nas últimas décadas assistimos à expan são desenfreada dos meios de comunicação de massa jornal rádio televisão cinema Essa expansão colaborou para revalorizar a oralidade e a imagem em detrimento do discurso escrito Gravadores de fitas cassete e mais tarde as câmeras de vídeo foram incorporados ao coti diano das pessoas Hoje os computadores do minam a cena tempo de multimídia sistemas interativos vídeoconferências satélites Internet Seguindo a tendência de incorporar novas tecnologias novas linguagens e novos temas houve a proliferação de projetos de História Oral em museus de diversos países o Ellis Island Immigration Museum Nova Iorque o Museu da Diáspora Israel o National Sound Archive Londres o Museu da Imagem e do SomMIS o de São Paulo e o do Rio de Janeiro o Museu Marc Chagall Porto Alegre e mais recentemente o Memorial do ImigranteMuseu da Imigração 10 4 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS em São Paulo apenas para citar alguns exem plos Vale também destacar a criação de diver sos museus departamentos de patrimônio his tórico ou centros de memória por empresas e instituições públicas e privadas que se dedicam ao trabalho de resgate e preservação da memó ria histórica As experiências citadas anteriormente en tre outras são voltadas para temas específicos as questões históricas mais amplas ainda per manecem pouco exploradas É como se não hou vesse o movimento da história o dinamismo e as mudanças que marcam as culturas Ignoram se as transformações ocorridas no mundo con temporâneo Por um lado talvez há 30 ou 40 anos não imaginássemos que o mundo tomaria os rumos que tomou na velocidade e propor ções atuais As novas tecnologias estão domi nando a cena O realismo deixou de ser fantás tico para tornarse virtual Bites megabites e gigabites determinam a potência e dinâmica no processamento das informações Tempos de neo liberalismo globalização da economia e para doxalmente o renascimento de nacionalismos e conflitos étnicos Sofisticação do Capital Por outro lado no campo social os movimentos de trabalhadores do campo e da cidade dos ne gros das mulheres dos gays em busca de ci dadania e melhores condições de vida pressio nam os poderes públicos e econômicos 10 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Entretanto as transformações e as tendên cias do mundo contemporâneo são totalmente ignoradas pela maioria dos museus visitados no Estado de São Paulo e em outros Estados Eles se limitam ainda a privilegiar a taxidermia a numismática sacralizando a memória dos he róis locais ou nacionais São espaços sombrios e enfadonhos que pouco têm atraído um públi co cada vez mais alienado pelos meios de co municação Diante dessa perspectiva fazse necessá rio um balanço um redimensionamento enfim atualizar os museus e reciclar os seus técnicos Um museu deve refletir a sociedade que repre senta expressando a sua realidade e os anseios demandas da sociedade civil Há que se reconsiderar o papel dos mu seus seu objetivo sua abrangência seus crité rios de coleta de acervo bem como neles incor porar novos suportes novas linguagens e novas metodologias Afinal como e o que estamos coletando do século XX Nesse contexto a His tória Oral pode dar uma grande contribuição ao registrar a experiência humana no mundo contemporâneo Embora um projeto individual por exem plo uma tese acadêmica eleja a entrevista de História Oral como fonte privilegiada produ zindo um conjunto de depoimentos um proje 10 6 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS to institucional objetiva fundamentalmente a constituição de um acervo aberto ao público Direito de acesso à memória histórica é também uma questão de cidadania Um acervo criado a partir de um projeto institucional deve ser pro cessado catalogado e armazenado para consul ta garantindo assim a sua disseminação Nes sa perspectiva assumimos a posição de que todo material produzido por projeto individual de veria ser preservado com a sua doação a insti tuições públicas Para a implantação de um projeto institu cional fazse necessária a elaboração de projeto de pesquisa que contenha objetivos tema re cortes metodologias e diretrizes a serem em pregados Outros procedimentos serão neces sários em decorrência de especificidades de cada projeto de pesquisa À guisa de exemplo relato a seguir duas experiências antagônicas porém bastante fecundas Ao longo de 20 anos de atuação na Secre taria da Cultura tive a oportunidade de desen volver dois projetos de História Oral De 1987 a 1992 implantei e coordenei o Setor de História Oral no Museu da Imagem e do SomMIS Em bora o MIS registrasse depoimentos em áudio de forma nãosistematizada desde a sua funda ção foi a partir da criação do Setor que se im plantou o Projeto Depoimentos em Vídeo que 10 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS tinha por objetivo a produção de acervo pela realização de depoimentos com personalidades da área artísticocultural do país1 O setor contava além do coordenador com um pesquisador e dois estagiários A equipe téc nica que se revezava era formada por dois téc nicos de som e dois operadores de vídeo A cada entrevista realizávamos extensa pesquisa em obras de referência bibliografias específicas hemerotecas e além disso solicitávamos o cur rículo do entrevistado previamente Durante as gravações contávamos sempre com a presença de profissionais da área eou especialistas no as sunto em questão a fim de enriquecer o depoi mento O acervo foi constituído nos suportes vídeo VHS PalM fita cassete e de rolo A cada sessão era também feito registro fotográfico A maioria de nossas entrevistas foi realiza da no estúdio de som do Museu da Imagem e do Som Ali contamos sempre com equipamen to profissional e com a colaboração dos técnicos citados anteriormente o que nos garantiu uma excelente qualidade nas gravações Este mate rial encontrase armazenado na reserva técnica do MIS as fitas matrizes estão preservadas no arquivo climatizado que tem condições ideais de temperatura e controle da umidade do ar As 1 No MIS recolhi pessoalmente 120 depoimentos 10 8 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS cópias estão disponíveis a pesquisadores e ao público em geral no Setor de Documentação desse Museu Esses recursos nos propiciaram condições ideais e nos pouparam dos cuidados técnicos com as fitas e com a câmera de vídeo que todo entrevistador deve ter para não correr nenhum risco e garantir qualidade na gravação Os depoentes eram cineastas músicos compositores intelectuais Eram portanto per sonalidades expressivas e bastante acostumadas a lidar com interlocutores microfones câmeras e luzes Percebiase nesses entrevistados uma grande necessidade em manter a própria ima gem pública As entrevistas eram temáticas exploravase o trabalho o processo criativo e a realização de cada personagem Porém buscá vamos também registrar a origem formação prováveis influências contexto social e fami liar situações ou fatos que às vezes podem ser determinantes no encaminhamento do indi víduo para uma atividade profissional eou na sua atuação A segunda experiência no entanto diz respeito à história de heróis anônimos que chegaram ao Estado de São Paulo em busca de condições dignas de vida e concretização de seus sonhos os imigrantes Foram mais de 25 mi lhões de imigrantes sendo que a maioria veio 10 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS trabalhar na lavoura de café em franca expan são para o interior do Estado Idealizei implantei e coordeno desde ju lho de 1993 o Setor de História Oral do Museu da Imigração que integra o Memorial do Imi grante órgão da Secretaria da Cultura do Esta do de São Paulo Registrar e preservar a memó ria do imigrante respeitando a sua experiência como indivíduo bem como a singularidade e a diversidade de mais de 70 nacionalidades cons tituídas de diferentes grupos étnicos esse é o objetivo básico do setor Para resgatar essa saga sem esconder difi culdades e conflitos dando voz à diversidade de versões e fugindo da história oficial homo gênea e redutora o Setor de História Oral tem priorizado entrevistar imigrantes anônimos e idosos Afinal esta talvez seja a última oportu nidade para pessoas de 80 90 e até 102 anos contarem suas experiências de mudança de país e integração numa cultura totalmente diferente Das suas narrativas emerge um cotidiano rico em alegrias aventuras fantasias sofrimento e resignação Os imigrantes são localizados por meio de suas igrejas clubes associações e instituições Além disso o Setor mantém um cadastro per manente no próprio Museu As entrevistas têm sido realizadas pela autora e gravadas no Mu 110 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS seu ou na residência dos próprios depoentes Fotos e documentos apresentados pelo imigrante são contextualizados e identificados durante a entrevista Esse material colabora no ato de re memoração e ao mesmo tempo enriquece o acervo documental iconográfico textual e tri dimensional objetos seja ele emprestado para reprodução ou doado Dessa maneira estamos colaborando na captação de acervo privado sen do também um elo entre as famílias as comuni dades e o Museu O Uso do Vídeo Concebido para registrar e preservar a his tória da imigração e levando em consideração a importância da imagem e dos novos meios de comunicação no mundo contemporâneo o projeto temse utilizado de gravações em vídeo fitas VHS no sistema PalM e cassete as quais são processadas conforme a metodologia da História Oral O uso de um microfone de lapela melhorou sensivelmente a qualidade da gravação A utilização do vídeo na gravação dos de poimentos nos permite captar muito além das palavras captamos os gestos das mãos a ex pressão física e facial os risos as lágrimas o 111 SÔNIA MARIA DE FREITAS tom da voz enfim estórias de vida comoven tes Como dito anteriormente de forma algu ma resistência à câmera de vídeo foi por mim registrada pelo contrário as pessoas que con cordam em participar do projeto sentemse lem bradas e valorizadas Em suas narrativas perce bemos os seus dramas pessoais que na verdade foi um drama coletivo vivenciado por milhares de indivíduos A Transcrição Nesse projeto a transcrição tem sido uma das nossas grandes dificuldades pois estamos lidando com uma infinidade de línguas e for mas de expressão Procuramos manter o fa lar do imigrante tal como ele chegou até nós com seus estrangeirismos seu sotaque enfim seu estilo Entretanto alguns retoques no texto são indispensáveis mas com muita cautela para não interferir no sentido seja para evitar excessos de erros seja para conter vícios da linguagem coloquial que impeçam o fluir da leitura Procuramos manter a seqüência o natu ralismo a espontaneidade enfim tentamos manter a entrevista tal qual se sucedeu apesar das interferências na versão transcrita 112 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS Produt os e Subprodut os O Setor de História Oral portanto está produzindo um acervo de depoimentos consti tuído de versões transcritas e orais e de cópias em vídeo aberto ao público2 Seguindo a tendência mundial das novas tecnologias o Setor implantou um sistema mul timídia A expressão multimídia significa múl tiplos meios ou seja este sistema é resultado da combinação de diversas técnicas num mes mo equipamento O multimídia reúne as capa cidades do áudio locução ou música texto imagens fixas e em movimento vídeo O mul timídia desenvolvido para o Memorial contém imagens em movimento de trechos das entre vistas resumos biográficos fotos e fichas catalográficas Esta estação cumpre a finalidade de divulgar o acervo produzido facilitando as sim o acesso dos usuários aos depoimentos dos imigrantes Os imigrantes que deram depoimen to podem ser conhecidos através da Internet no site wwwmemorialdoimigrantespgovbr selecionandose Acervo HistóricoCultural Acervo de História Oral e em seguida De poimentosListagem de nacionalidadeetnia 2 No Memorial do Imigrante recolhi pessoalmente 350 depoimentos até o presente momento Esse material está sendo digitalizado 113 SÔNIA MARIA DE FREITAS Crit érios Arquivíst icos armazenament o e cat alogação Uma vez realizada a entrevista o vídeo é copiado em áudio Da audição da fita cassete é feita a transcrição e posterior conferência de fi delidade Por medida de segurança cópia da entrevista do winchester é feita em disquetes Em seguida as fichas técnicas que foram pre enchidas com o imigrante são completadas com os resumos e enviadas com as fotos para a con fecção de brochuras e alimentação do banco de dados e do sistema multimídia Após todo esse processamento passase à fase da catalogação São elaboradas fichas catalográficas do depoi mento contendo duração da entrevista o nú mero de páginas transcritas e as palavrascha ve Terminada essa fase atualizamse as listagens do acervo organizadas em ordem alfabética por país nome e em ordem numérica seqüencial de entrada do depoimento no acervo sendo a últi ma forma utilizada também para o armazena mento O pesquisador poderá selecionar o depo imento por país pelo nome pelas palavras chave seja nos suportes vídeo cassete ou bro chura 115 SÔNIA MARIA DE FREITAS Considerações Finais A confecção deste manual teve por objeti vo abordar os diferentes procedimentos e possi bilidades da História Oral em seus aspectos teó ricos metodológicos e principalmente práticos Aliando teoria e práxis de forma indissolúvel processo que foi determinante na estrutura de apresentação aqui seguida a sua publicação possibilita maior divulgação dos procedimentos e possibilidades da História Oral enquanto mé todo que está causando mudanças na constru ção do conhecimento nas ciências sociais nas úl timas décadas Em nossa experiência as vozes não se tor nam apêndices ou anexos Elas são parte inte grante e fundamental de nossos estudos pois apesar do diálogo entrevistadorentrevistado elas são a condição por excelência da existên cia da História Oral É nossa intenção com a edição deste ma nual abrir novas perspectivas para pesquisado res de instituições públicas e privadas bem como 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS para educadores A experiência acumulada em quase duas décadas autorizanos a ver a Histó ria Oral como um método eficaz na constitui ção de fontes históricas e de pesquisa nas ciên cias sociais entre outras possibilidades No entanto é preciso considerar globalmente essa fonte e desconsiderar a falibilidade e a seletivi dade que porventura se apresentem nas re miniscências A subjetividade deve ser enten dida como inerente ao universo simbólico e ideológico do indivíduo e conseqüentemente do grupo ao qual pertence e que compartilha de suas memórias Dessa forma as reminiscências colaboram na constituição da memória histórica e permi tem uma interpretação das representações va lores e costumes de um grupo ou de uma so ciedade Ao dar voz a múltiplos narradores a His tória Oral possibilita diferentes versões diferen tes percepções sobre o mesmo fato Por isso neste tipo de trabalho não podemos adotar mo delos reducionistas de análise buscando a con tinuidade e a descontinuidade os equívocos as falhas as comparações apenas pois aquele que rememora expressa também em seu dis curso as suas fantasias e suas idealizações ul trapassando o campo do racional da lógica e da razão 117 SÔNIA MARIA DE FREITAS Pela somatória das memórias individuais temos a evidência de uma memória coletiva que nos fornece elementos para a reconstrução da memória histórica É bom não esquecer que o discurso do depoente transmite um ponto de vista do presente nos conteúdos rememorados Não é nossa intenção fazer a análise das entrevistas posto que o objetivo principal dos projetos desenvolvidos é constituir acervo de fontes orais Indubitavelmente as entrevistas re sultam em um rico material de pesquisa que deve estar disponível a pesquisadores e ao pú blico em geral nas instituições mantenedoras dos acervos de História Oral Além de ser a voz um componente impor tante para análise toda entrevista de História Oral pode também ser analisada pelo discurso e pelo conteúdo por elas apresentados Partindo do pressuposto de que os indiví duos reconstroem o passado as entrevistas ava liadas demonstram que cada depoente possui uma maneira diferente de se expressar Ao mes mo tempo percebese que há falas mais articu ladas que outras discursos mais diretos e obje tivos que outros Convém lembrar que sendo a memória uma faculdade do ser humano ela não é imune a conflitos contradições e frustrações percebi dos nas falas As narrativas são coerentes com 118 CONSIDERAÇÕES FINAIS as suas próprias realidades com as suas pró prias vidas No segundo nível da análise essas remi niscências trazem em si informações que enri quecem e efetivamente contribuem para uma melhor compreensão dos temas e pessoas pes quisados Na atualidade a mídia está cada vez mais preocupada em divulgar os chiques e famosos e menos preocupada com a história Vivemos o império da cultura das celebridades por meno res e insignificantes que sejam as suas ações A pesquisa que realizo junto às comunida des de imigrantes não se limita a registrar teste munhos orais e armazenálos para as futuras ge rações O pesquisador constrói a história a partir das memórias usando as fontes orais e escritas interpretandoas Esse trabalho voltado para a memória é muito importante tendo em vista a globalização do mundo que pode levar as pes soas a perder as suas raízes Perder a nossa memória significa perder a nossa identidade 119 SÔNIA MARIA DE FREITAS APÊNDICE Modelo de Rot eiro para Ent revist a com Imigrant es Alguns tópicos que podem ser abordados sobre o tema imigração Origem Qual é o seu nome Quando e onde nasceu Faça uma descrição da sua cidade Quais eram e como eram as festas mais im portantes na sua cidade natal Qual era a principal atividade econômica de sua cidade Fale das condições de vida em seu país de origem O que seus pais faziam lá Fale de sua infância brincadeiras convívio com outras crianças escola cotidiano no cam po ou na cidade 120 APÊNDICE Trajet ória Quando emigrou para o Brasil Que idade tinha Qual foi a causa de sua emigração Qual era o procedimento para sair de seu país documentos e exames exigidos Quais eram os outros possíveis lugares para onde queria emigrar De que maneira o Brasil surgiu como alterna tiva Teve algum contato com algum tipo de pro paganda como anúncio e cartaz sobre a imi gração para o Brasil O que sabia sobre o Brasil Havia algum parente amigo ou conhecido no Brasil O que idealizava com a viagem Conte como foram os arranjos para a viagem Quem ajudou você ou sua família na via gem Quem veio com você O que trouxe consigo Fale de sua bagagem Conte como foi a viagem rotina horários ali mentação descanso duração da viagem etc Estabeleceu contato com pessoas de outras nacionalidades no navio 121 SÔNIA MARIA DE FREITAS Chegada Onde e como foi o seu desembarque Qual foi a sua primeira impressão sobre o Bra sil ao desembarcar Como foi a recepção Como era organizada a recepção em Santos e em São Paulo Hospedaria de Imigrant es Como foi a sua chegada à Hospedaria caso tenha tido essa experiência aprofundar as questões Fale de sua permanência na Hospedaria tria gem exames médicos tratamento aos doen tes o diaadia os horários as louças as re feições o contato com os outros imigrantes a vida das crianças Havia algum tipo de separação entre as pes soas Por exemplo por nacionalidade con dições de saúde doenças comuns pessoas suspeitas refugiados etc Dest ino Qual era o destino dos imigrantes que esta vam na Hospedaria 122 APÊNDICE Eram oferecidas ao imigrante opções de des tino de tipo de trabalho Havia algum tipo de contrato Conte sua trajetória a partir do trem que saía da Hospedaria Fale como era a sua vida na fazenda de café desde que acordava até a hora em que dor mia Era permitido ter as suas próprias plantações no meio ou fora do cafezal Quais eram os produtos de primeira necessi dade as cadernetas o salário Da Tradição aos Novos Cost umes Manteve contato com parentes e amigos do país de origem Fale do período de adaptação novo clima novos costumes novos hábitos novos ami gos nova língua Conviveu com imigrantes de outras naciona lidades Como foi Foi difícil o aprendizado da língua portugue sa Havia escola para os imigrantes e seus filhos Era mantida por quem 123 SÔNIA MARIA DE FREITAS Qual era a distância entre a escola e a mora dia E entre a sua casa e o cafezal entre a casa e a cidade mais próxima Como era o diaadia das crianças Como era o lazer e a prática religiosa Fale de encontros e da sua relação com os patrícios O que permaneceu da cultura e dos costu mes de origem na sua família língua ali mentação religião etc E como grupo quais eram as datas as festas e as comemorações O que foi incorporado da cultura da nova pá tria Rumo à Cidade novas relações sociais e de t rabalho Por que e como se deu a sua transferência do campo para a cidade ou para a Capital Fuga Qual foi o primeiro bairro em que morou Como era E a cidade de São Paulo como era era um bairro tipicamente Havia e ainda há associações ou clubes da comunidade O que proporcionavam aos imi 124 APÊNDICE grantes educação trabalho lazer política cultura Que atividade profissional desenvolveu na ci dade Como aprendeu Havia algum tipo de trabalho já característi co do grupo de seu país Qual era A expe riência profissional ou política deve ser ex plorada Quest ão de Ident idade Mantém vínculo com país de origem Cartas telefonemas Casouse com pessoa da sua origem do gru po ou de outra nacionalidade Teve oportunidade de retornar à terra natal Como foi a experiência O senhor hoje se sente um brasileiro ou Com que mais se identifica no Brasil O que vê de positivo e negativo no Brasil Qual a diferença mais marcante no compor tamento das pessoas daqui e de Na sua opinião qual a importância desse tra balho de recuperar o seu passado a sua ex periência e de outros imigrantes 125 SÔNIA MARIA DE FREITAS MODELO DE TERMO DE CESSÃO GRATUITA DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL CEDENTE naciona lidade estado civil profissão portador da Cédula de Identidade RG Cédula de Identificação de Estrangeiro nº emitida pelo e do CPF nº domiciliado e resi dente na RuaAvPraça CESSIONÁRIO Prefeitura Municipal de São PauloSecretaria da CulturaMuseu do Trabalhador fictício estabelecido na RuaAvPraça São Paulo Capital OBJETO Entrevista gravada exclusivamente para o Departa mento de História Oral do Museu do Trabalhador DO USO Declaro ceder ao Museu do Trabalhador sem quais quer restrições quanto aos seus efeitos patrimoniais e fi nanceiros a plena propriedade e os direitos autorais do depoimento de caráter histórico e documental que prestei aoa pesquisadora na cidade de em num total de fitas gravadas O Museu do Trabalhador pelo Departamento de História Oral fica conseqüentemente autorizado a utilizar divulgar e publicar para fins culturais o mencionado depoimento no todo ou em parte editado ou não bem como permitir a terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos segundo suas normas com a única ressalva de sua integridade e indicação de fonte e autor São Paulo de de Assinatura do DepoenteCedente 126 APÊNDICE TERMO DE COMPROMISSO DE USO AUTORIZADO Formação Acadêmica Endereço Telefone Nº da Cédula de Identidade ou Passaporte Tipo de Trabalho artigo dissertação livro monografia tese outros Título do Trabalho Instituição Responsável Comprometome a utilizar as cópias dos depoimentos doa Sra ao pesquisador em e pertencentes à Coleção do Departamento de História Oral constando de fitas cassetes vídeo e páginas exclusivamente para a finalida de declarada acima e de acordo com as normas de citação esta belecidas pelo Museu do Trabalhador Declaro estar ciente de que a utilização indevida dos materiais ocasionando a transgressão das normas de consul ta sujeitame às penalidades previstas na Lei nº 9610 de 1921998 Quaisquer outras formas de utilização e divulgação não previstas nas mencionadas normas necessitam de autorização expressa do depoente ou herdeiro sendo o Museu do Traba lhador o intermediário entre o solicitante e o depoente São Paulo de de Ass 127 SÔNIA MARIA DE FREITAS PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO ORAL CATÁLOGO DAS COLEÇÕES COLEÇÃO Museu do Trabalhador Departamento de História Oral TIPO DE ENTREVISTA história de vida história temática depoimento individual depoimento coletivo NOMES DOS ENTREVISTA DOS 1 2 LOCAL DA ENTREVISTA DATA DA ENTREVISTA DURAÇÃO CONDIÇÕES DA GRAVAÇÃ O TRANSCRIÇÃO sim não manuscrita impressa em disquete NÚMERO DE SÉRIE SUMÁ RIO Palavraschave Obs Os modelos apresentados foram baseados nas pro postas do CEDICPUC e CPDOCGV 129 SÔNIA MARIA DE FREITAS Bibliografia A BRÃO Bernardette Siquera História da filosofia São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores A LBERTI Verena História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Centro de Pesquisa e Documentação de Histó ria ContemporâneaCPDOCFGV 1989 BEN JAMIN Walter O narrador São Paulo Abril Cultural 1980 Os Pensadores BERGSON Henri A alma e o corpo In Cartas conferências e outros escritos Trad Franklin Leopoldo e Silva São Paulo Abril Cultural 1974 Os Pensadores BURKE Peter A escola dos Annales São Paulo Unesp 1991 A arte da conversação São Paulo Editora da Unesp 1995 BERTAUX D THOMPSON P Ed Between generations family models myths and memories International Yearbook of Oral History and Life Stories Oxford Oxford University Press v 2 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de códigos culturais na pesquisa etnológica In ECH ERT Cornelia GODIPHIM Nuno Org Horizontes antropológi cos antropologia visual Porto Alegre Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul n 2 ano 1 1995 FERREIRA M de M Org Entrevistas abordagens e usos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Ja neiro CPDOCDiadorinFinesp 1994 Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 FREITAS Sônia Maria de Reminiscências São Paulo Maltese 1993 FREUD Sigmund A interpretação dos sonhos Trad Walderedo Ismael de Oliveira São Paulo Círculo do Livro 1984 v 1 GRELE Ronald J Envelopes of sound the art of Oral History Chicago Precedent Publishing 1995 H ALBWACHS Maurice A memória coletiva São Paulo Vértice 1990 JAKOBSON Roman Lingüística e poética In Lingüística e co municação São Paulo Cultrix 1969 JAN OTTI Maria de Lourdes Mônaco Refletindo sobre história oral procedimentos e possibilidades In M EIH Y J C S B Org Reintroduzindo história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 ROSA Zita de Paula Memory of slavery in black families of São Paulo Brazil In BERTAUX D THOMPSON P Eds Between generations family models myths and memories Oxford Oxford University Press 1993 International Yearbook of Oral History and Life Stories v 2 JOUTARD P Esas voces que nos llegan del pasado México Fondo de Cultura Económica 1986 13 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS LACAN Jacques 19011981 O seminário livro 20 texto estabe lecido por JacquesAlain Miller Trad M D Magno 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1985 LE GOFF Jacques Memória In Enciclopédia Einaudi Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1984 v 1 Memória e história M EIH Y J C S B A colônia brasilianista história oral de vida São Paulo Nova Stella 1990 Canto de morte Kaiowá história oral de vida São Pau lo Loyola 1991 Org Reintroduzindo a história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 LEVINE Robert M Cinderela negra a saga de Carolina Maria de Jesus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 N EVIS Allan Oral history how it was born In DUNAWAY D K BAUM Willa Eds Oral history an interdisciplinary antho logy Nashville American Association for State and Local History 1985 N ORA P Entre memória e história a problemática dos lugares São Paulo Educ 1993 Projeto História 10 PASSERIN I Luiza Storia Orale vita quotidiana e cultura materiale delle classi subalterna Torino Rosenberg Sellier 1978 Torino operaria e fascismo una Storia Orale RomaBari Laterza 1984 PATAI Daphne Brazilian women speak New Brunswich Rutgers University Press 1989 PERELMUTTER D A NTONACCI M Org Ética e história oral São Paulo Educ 1997 Projeto História 15 PLATÃO Teeteto Trad e notas A Lobo Vilela Lisboa sn 1946 Cadernos da Seara Nova Diálogos Trad Jaime Bruna São Paulo Cultrix 1976 PLUMM ER Ken Documents of life an introduction to the problems and literature of a humanistic method Londres George Allen UnWin 1983 PORTELLI Alessandro Oral History the law and the making of history History Workshop Journal n 20 p 525 The Peculiarities of Oral History History Workshop Journal n 12 p 96 1981 13 2 BIBLIOGRAFIA Sonhos ucrônicos memórias e possíveis mundos dos trabalhadores In Projeto História 10 São Paulo Educ 1993 Tentando aprender um pouquinho algumas reflexões sobre a ética na história oral In Projeto História 15 São Paulo Educ p 1350 1997 QUEIROZ Maria Isaura Pereira de Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva São Paulo FFLCH USP Centro de Estudos Rurais e UrbanosCeru 1983 SAMUEL Raphael Perils of the transcript In PERKS Robert TH OMPSON Alistair Ed The oral history reader New York Routledge 1998 THOMPSON Paul Orgs The myths we live by London Routledge 1990 SCHAFF Adam História e verdade Trad Maria Paula Duarte 2 ed São Paulo Martins Fontes 1983 SPENCE Jonathan D O palácio da memória de Mateo Ricci São Paulo Companhia das Letras 1986 THOMPSON Paul Problems of method in oral history Oral His tory Journal Essex n 4 p 5 march 1972 et al I dont feel old the experience of later life Oxford Oxford University Press 1990 A voz do passado história oral São Paulo Paz e Terra 1992 VAN SIN A Jan A tradição oral e sua metodologia In História geral da África São Paulo Ática Paris Unesco 1982 v 1 Metodologia e préhistória da África VERNAN T Jean Pierre Mito e pensamento entre os gregos es tudo de psicologia histórica Trad Haiganuch Sarian São Paulo Difusão Européia do LivroEdusp 1973 VILANOVA Mercedes Pensar a subjetividade estatísticas e fon tes orais In FERREIRA M de M História oral Rio de Janei ro CPDOCFGVDiadorim 1994 Las mayorias invisibles Explotación fabril revolución y represión Barcelona IcariaAntrozyt 1997 YATESA Francis The art of memory Chicago Chicago Univer sity Press 1974 ZUMTHOR Paul A letra e a voz a literatura medieval São Pau lo Companhia das Letras 1993 13 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Anexo Fot ográfico SÔNIA MARIA DE FREITAS 137 13 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Foto 1 Apresentação da primeira versão de estação multi mídia idealizada pela autora para o Acervo de História Oral do Museu da Imigração São Paulo SP 1994 Foto Ricardo Hantzschel 13 6 ANEXO FOTOGRÁFICO Fotos 2 e 3 Páginas da primeira versão de estação multimídia do Acervo de História Oral do Museu da Imigração São Paulo SP 1994 Foto Ricardo Hantzschel Rozália Gal saiu da Hungria no final da Segunda Guerra Mundial em 1945 partindo para a Áustria e de lá viajou ao Brasil em 1949 Na Hungria morou em uma aldeia no interior onde seu pai exercia a profissão de agricultor Suas lembranças são sobre os costumes húngaros referentes à música habito de falar palavrões e casamentos que restringia o trabalho e o inverno rigoroso que era um por exemplo da xadrez o crochê e a marcenaria Chegavam no Rio de Janeiro permanecendo por duas semanas na Ilha das Flores Em São Paulo tomaram como centro de referência a igreja protetista da Lapa reduto húngaro Destacam alguns elementos rústicos para a cultura húngara a banana a mortadela e a raça negra Desde a chegada ao Brasil trabalham com pintura em porcelana onde utilizam motivos húngaros 13 8 ANEXO FOTOGRÁFICO Foto 4 Gravação de entrevista com a imigrante Anna Eleonora Hradec Nascida na Áustria em 1893 emigrou para o Brasil em 1921 Na oca sião ela contava com 101 anos e como não falava português sua filha Anna Eleonora Katharina Schulz serviu de intérprete São Paulo SP 1231994 Foto Eduardo Castanho 13 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Foto 5 Momento de descontração Anna Eleonora Hradec posa com a autora após a gravação de entrevista em sua residência São Paulo SP 1871994 Foto Eliana Lopes 140 ANEXO FOTOGRÁFICO Foto 6 Gravação de entrevista com Hans Johan Kuhn em sua residência Nascido na Suíça em 1926 emigrou para o Brasil em 1951 São Paulo SP 1871994 Foto Rogerio Voltan 141 SÔNIA MARIA DE FREITAS Foto 7 Gravação de entrevista com Angelo José Torrezani filho de Luigi Torrezani que chegou ao Brasil em 1888 realizada no Museu da Imigração São Paulo SP 10 31997 Foto Marco Antonio Xavier Entrevista conduzida por Seu Nome Local Escola chamada de vídeo por WhatsApp Neste artigo temos o prazer de explorar a metodologia de ensino de História do renomado professor Leonardo Santos Com uma carreira dedicada ao desenvolvimento de estratégias pedagógicas inovadoras o Prof Francisco Evandro da Silva Morais Professo efetivo de história da secretaria de educação de Buriti dos Lopes Piauí compartilha sua abordagem única para envolver os alunos no estudo da História A entrevista destaca aspectos cruciais desde a contextualização dos temas até a promoção do pensamento crítico e inclusão de diversidade cultural Vamos mergulhar nas ideias e práticas educacionais do Prof Santos para entender como ele enfrenta desafios e promove um ambiente de aprendizado estimulante Entrevista Entrevistador Professor Evandro é um prazer têlo aqui para discutir sua metodologia de ensino de História Para começar como você descreveria a abordagem geral que você adota em suas aulas Professor Evandro Em minhas aulas busco constantemente contextualizar os temas com o cotidiano dos alunos Acredito que estabelecer um vínculo afetivo com o conteúdo é essencial para uma memorização eficiente As recentes descobertas da neurociência apoiam essa abordagem e isso me motiva a criar condições propícias para o ensinoaprendizagem Entrevistador É fascinante E sobre estratégias pedagógicas quais você considera mais eficazes para envolver os alunos no estudo da História Professor Evandro Primeiramente a contextualização do conteúdo com a vivência dos alunos é crucial Além disso utilizo recursos visuais como imagens e vídeos e promovo atividades para desenvolver a criticidade Quero que os alunos se tornem cidadãos ativos na sociedade e isso vai além do conhecimento histórico tradicional Entrevistador Entendo Como você incorpora recursos tecnológicos como computadores e internet na sua metodologia Professor Evandro Utilizo recursos tecnológicos para atrair a atenção dos alunos destacando eventos históricos e utilizando a internet como fonte de análise histórica No entanto é crucial problematizar essas fontes e isso é uma parte essencial do papel do professor Entrevistador Excelente ponto Falando em fontes em que medida você utiliza fontes primárias e secundárias no ensino de História Professor Evandro Sempre que possível trago fontes primárias para desenvolver o pensamento crítico dos alunos Um exemplo notável é a pintura A Redenção de Cam que utilizo para explorar a tese do branqueamento das raças Isso demonstra que as artes também são fontes importantes que expressam ideias e pontos de vista de uma época específica Entrevistador Interessante abordagem Mudando um pouco de foco como você aborda questões de diversidade cultural e inclusão em suas aulas de História Professor Evandro Busco abordar questões de diversidade cultural de forma abrangente integrando diferentes perspectivas históricas e promovendo discussões que estimulem a compreensão e respeito às diferenças Criar um ambiente inclusivo é fundamental para o aprendizado significativo Entrevistador Com certeza E qual é o papel da discussão e do debate em sua metodologia de ensino Professor Evandro A discussão e o debate são fundamentais Estimulo os alunos a expressarem suas opiniões desafiarem ideias preconcebidas e a defenderem seus pontos de vista Essa troca de ideias enriquece o aprendizado e desenvolve habilidades críticas e analíticas Entrevistador Como você incentiva o pensamento crítico dos alunos ao abordar eventos históricos Professor Evandro Foco na análise de fontes históricas e na interpretação de eventos Atividades desafiadoras que questionam interpretações estabelecidas e promovem debates construtivos são essenciais para o desenvolvimento do pensamento crítico Entrevistador E sobre avaliação de que forma você avalia o aprendizado dos alunos em História Professor Evandro A avaliação é abrangente incluindo provas escritas apresentações orais debates e projetos de pesquisa Isso permite avaliar não apenas o conhecimento factual mas também as habilidades de análise interpretação e expressão dos alunos Entrevistador Como você adapta sua metodologia para atender aos diferentes estilos de aprendizado dos alunos Professor Evandro Adapto minha metodologia incorporando uma variedade de atividades para atender aos diferentes estilos de aprendizado Recursos visuais discussões atividades práticas tudo é pensado para proporcionar uma experiência inclusiva e eficaz Entrevistador E finalmente quais desafios você enfrenta ao implementar sua metodologia de ensino e como os supera Professor Evandro Lidar com resistência a debates administrar diferentes ritmos de aprendizado e garantir a inclusão de todos são desafios comuns Para superálos mantenho uma comunicação aberta adapto estratégias conforme o feedback e crio um ambiente colaborativo onde todos se sintam valorizados A entrevista com o Professor Evandro nardo Santos revela uma abordagem apaixonante e inovadora para o ensino de História Sua dedicação em criar um ambiente de aprendizado inclusivo e estimulante aliado ao constante aprimoramento de suas estratégias pedagógicas destaca a importância de uma educação que vai além da transmissão de fatos históricos O Prof Santos é um exemplo inspirador para educadores que buscam promover uma compreensão profunda e crítica do passado enquanto preparam os alunos para um papel ativo na sociedade contemporânea
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História Oral Possibilidades e Procedimentos Sônia Maria de Freitas ASSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS História Oral Possibilidades e procedimentos 2 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional Lei nº 1825 de 20121907 Impresso no Brasil Printed in Brazil Abril 2006 Proibida a reprodução parcial ou integral desta obra por qualquer meio eletrônico me cânico inclusive por processo xerográfico sem permissão expressa do editor Lei n 9610 de 190298 EDITORA HUMANITAS Presidente Moacir Amâncio VicePresidente Bernardo Ricupero U NIVERSIDADE DE SÃO P AULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Diretor Gabriel Cohn ViceDiretora Sandra Margarida Nitrini ASSO CIAÇÃO EDIT ORIAL H UMANITAS Rua do Lago 717 Cid Universitária 05508080 São Paulo SP Brasil Tel 30913728 Telefax 30914593 email editorafflchuspbr httpeditorahumanitascommercesuitecombr 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS História Oral Possibilidades e procedimentos Sônia Maria de Freitas HUMANITAS 2a edição 4 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Copyright 2006 by Sônia Maria de Freitas Serviço de Biblioteca e Documentação da da FFLCHUSP ASSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS Editor Responsável Prof Dr Moacir Amâncio Coordenação Editorial M a Helena G Rodrigues MTb n 28840 Projeto Gráfico Diagramação e Digitalização das Imagens Marcos Eriverton Vieira Revisão Thaís Totino Richter e Letícia Santos Carniello F866 Freitas Sônia Maria de História oral possibilidades e procedimentos Sônia Maria de Freitas 2 ed São Paulo Associação Editorial Humanitas 2006 142 p ISBN 8598292931 1 História Oral Metodologia 2 História Oral Brasil I Título CDD 9070981 Capa José Luís Solsona da Silva e Ana Carolina P Romero LopesSENAI Artes GráficasSP Fotos da capa Eduardo Castanho Eliana Lopes Rogerio Voltan Tradução da apresentação Rosalba Facchinetti 1 ed 2002 ISBN 8575060821 Humanitas 1 ed 2002 ISBN 8570601247 Imprensa Oficial do Estado 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Dirás o que puderes lembrar Trabalho com fragmentos de episódios restos de aconte cimentos e tiro disso tudo uma história tecida num desenho providencial Quando me salvas te tu me deste o pouco futuro que me resta e te recompensarei devolvendo a ti o passado que perdeste Mas minha história talvez não faça nenhum sentido Não existem histórias sem sentido Sou um daqueles homens que o sabem encontrar até mesmo onde os outros não o vêem Depois dis so a história se transforma no livro dos vivos como uma trombeta poderosa que ressuscita do sepulcro aqueles que há séculos não passa vam de pó Para isso todavia precisamos de tempo sendo realmente necessário considerar os acontecimentos combinálos descobrirlhe os nexos mesmo aqueles menos visíveis diá logo de Baudolino com Nicetas Coniates na obra Baudolino de Umberto Eco p 17 6 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS Sumário Apresentação 9 Prefácio 15 História Oral a busca de uma definição 17 História Oral x Meios de Comunicação 22 A História da História Oral 27 A Experiência em História Oral na GrãBretanha 29 A História Oral no Brasil 30 História x História Oral x Memória 39 As Reminiscências da Memória 50 Lembrança e Esquecimento 59 Da Memória Pura à Memória Histórica 62 Seletividade e Subjetividade 66 História Oral potencialidade e possibilidades 77 Metodologia de Coleta e Utilização da História Oral 83 Elaboração de Projeto 85 Pesquisa 86 O Roteiro 88 A Entrevista e suas Estratégias de Condução 91 8 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Local da Entrevista 96 Duração 97 Procedimentos PósEntrevista 97 Questões Éticas e Legais 100 História Oral x Projetos Individuais e Institucionais103 O Uso do Vídeo110 A Transcrição 111 Produtos e Subprodutos 112 Critérios Arquivísticos armazenamento e catalogação113 Considerações Finais 115 Apêndice Modelo de Roteiro para Entrevista com Imigrantes119 Modelo de Termo de Cessão Gratuita de Direitos sobre Depoimento Oral 125 Termo de Compromisso de Uso 126 Programa de Documentação OralCatálogo das Coleções 127 Bibliografia129 Anexo Fotográfico 133 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Apresent ação Este livro de Sônia Maria de Freitas é o resultado de uma longa experiência de trabalho com fontes orais o qual cobre o âmbito de pro blemas levantados por essa metodologia de pes quisa histórica da reflexão teóricometodológi ca à prática do trabalho de campo da entrevista e transcrição ao arquivamento e conservação Portanto sua clareza nunca superficial é ao mesmo tempo um instrumento útil de orienta ção para aqueles que se aproximam pela primeira vez da história oral e de reflexão para os pesqui sadores experientes Tratase portanto de um outro molde de construção da tradição no campo da história oral Nem todos no país e fora dele percebem o fato de que há pelo menos dez anos o Brasil está na vanguarda neste campo no plano internacional São sinais disso o sucesso do congresso da In ternational Oral History Association organiza do pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas em 1998 a eleição e sucessiva reeleição de Ma 10 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS APRESENTAÇÃO rieta de Moraes Ferreira na presidência interna cional do IOHA a ativa e numerosa presença brasileira nos congressos internacionais tanto em Istambul em 2000 como em Pietermaritz burg na África do Sul em 2002 a delegação brasileira foi a mais numerosa e o aumento de projetos arquivos revistas publicações even tos em várias partes do país A razão deste desenvolvimento são mui tas e são em grande parte apresentadas neste livro Por exemplo sempre me impressionou o cosmopolitismo da formação teórica e metodo lógica dos historiadores brasileiros bem como de outros países da América Latina basta ver as bibliografias incluindo a deste volume para perceber que cobrem facilmente a produção teó rica e a pesquisa proveniente de países e tradi ções diversas anglosaxônica francesa italia na etc Constantemente na Europa e Estados Unidos essas tradições não se comunicam mui to entre si e se conhece muito pouco das sofis ticadas contribuições dos historiadores orais la tinoamericanos Paradoxalmente e talvez pela sua posição original em relação aos centros tra dicionais a história oral brasileira é capaz de ser menos provinciana e mais eclética No entanto ela colocase num contexto his tórico e social em que a relação com uma plurali dade de culturas orais tanto tradicionais como 11 SÔNIA MARIA DE FREITAS urbanas e contemporâneas é muito mais inten sa e comum do que na Europa e na América do Norte Isso confere à história oral brasileira uma dimensão intrinsecamente interdisciplinar em que história antropologia música folclore e etnografia se entrelaçam de tal maneira que não é mais possível definir os tradicionais limites entre as disciplinas comprovamno neste livro as freqüentes referências ao trabalho de Carlos Sebe Bom Meihy A isso somase a relação par ticipativa de importantes movimentos popula res e sociais urbanos e rurais para os quais a oralidade representa um instrumento primário de comunicação e de agregação e que portanto se prestam de forma particularmente adequada ao trabalho com as fontes orais Enfim acrescento que os traços ainda re centes e dolorosos da ditadura militar conferem uma relevância e uma intensidade muito espe cial ao trabalho sobre a memória se na Itália a história do antifascismo e da resistência consti tuem há meio século de distância ainda o ter reno privilegiado da história oral isto é muito mais verdade para países como o Brasil onde a distância temporal e de gerações é muito mais curta e isto é visível também naqueles traba lhos de história oral da elite na qual outra vez a história oral brasileira se distinguiu de modo particular 12 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS APRESENTAÇÃO Há dois aspectos neste livro para os quais eu quero chamar a atenção Em primeiro lugar pare ceme significativo que na tentativa de dar indica ções metodológicas gerais Sônia coloque que este é um trabalho que se aprende fazendoo Uma característica de toda a tradição internacional da história oral de fato tem sido a sua qualidade prática o envolvimento pessoal a disposição em confrontarse diretamente com a realidade do cam po que se pesquisa Do que deriva que na reali dade cada um dos historiadores orais desenvol veu por assim dizer seu próprio estilo pessoal Como exemplo cito o meu modo de conduzir as entrevistas e de trabalhar sobre as transcrições que difere daquele proposto neste livro Mas é exatamente por isso que são necessários textos como este que estabelecem as bases comuns gra ças às quais diferentes pesquisadores e diferentes projetos podem confrontarse e comunicarse A outra observação diz respeito àquilo que afinal é o fundamento do trabalho de Sônia a imigração São comuns principalmente no âmbito dos estudos étnicos norteamericanos trabalhos sobre a imigração pensados sobretudo como reconstrução dos traços originais essenciais das culturas provenientes e de sua conservação Cada vez mais vamos nos dando conta que para além das diversas origens o que importa é 13 SÔNIA MARIA DE FREITAS exatamente o processo da imigração um proces so em grande medida partilhado para além das diversas proveniências Quer pelas indicações feitas aqui quer em outros trabalhos por exem plo o recente E chegam os imigrantes o Café e a Imigração em São Paulo Sônia escolheu essa segunda e mais produtiva estrada quer venham de Trento ou do Japão os imigrantes são afinal protagonistas de um processo de transformação que acontece no solo brasileiro em condições e através de etapas partilhadas Esta é uma indica ção importante também para aqueles países como a Itália que em tempos recentes transforma ramse de emigrantes em países de imigração e hoje põem obstáculos à construção de uma so ciedade democraticamente multicultural Em junho de 2004 o congresso mundial da International Oral History Association foi realizado em Roma e eu fui incumbido de or ganizálo Os colegas e companheiros brasilei ros puderam mais uma vez estar presentes como no passado e temas como este da imigração e das ligações transantlânticas entre Itália e Brasil encontraram o espaço que merecem e contribuí ram para o sucesso do evento Por tudo isso obrigado e parabéns à Sônia Alessandro Portelli Professor da Universidade La Sapienza de Roma 14 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS 15 SÔNIA MARIA DE FREITAS Prefácio O que é escrito ordenado factual nunca é suficiente para abarcar toda a verdade a vida sempre transborda de qualquer cálice Boris Pasternak No Brasil há uma quantidade significativa de trabalhos que utilizam a História Oral como instrumento de pesquisa e como fonte documen tal nas ciências humanas Entretanto existem ainda dificuldades no sentido de circunscrever mais precisamente os liames e particularidades dessa metodologia de trabalho O debate sobre a História Oral possibilita reflexões sobre o registro dos fatos na voz dos próprios protagonistas A História Oral utiliza se de metodologia própria para a produção do conhecimento Sua abrangência além de peda gógica e interdisciplinar está relacionada ao seu importante papel na interpretação do imaginário e na análise das representações sociais 16 HISTÓRIA ORAL POSSIBILIDADES E PROCEDIMENTOS Encontros e workshops em diversas insti tuições acadêmicas e culturais no país revelam o despreparo e a desinformação a respeito das metodologias utilizadas Diante do exposto sur giu a idéia de desenvolver a obra que ora apre sentamos Ou seja ela nasceu da necessidade de instrumentalizar as instituições e os profis sionais da área Este manual foi organizado a partir da perspectiva historiográfica minha área de for mação e atuação por meio de uma aborda gem teórica e prática abrangendo as especifici dades e problemáticas da documentação oral Foime bastante valioso o estágio e participação no curso The Interview Method in Social His tory ministrado pelo Prof Paul Thompson na Universidade de Essex GrãBretanha além das pesquisas realizadas nas seguintes instituições Oral History Society GrãBretanha Oral His tory Research Office Columbia University Nova Iorque Oral History Office University of Cali fornia Berkeley e Centro de Pesquisa e Docu mentaçãoCPDOC da FGV Rio de Janeiro PREFÁCIO 17 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral a busca de uma definição As pessoas sempre relataram suas histórias em conversas Em todos os tempos a história tem sido transmitida de boca a boca Pais para filhos mães para filhas avós para netos os anciãos do lugar para a geração mais nova mexeriqueiros para ou vidos ávidos todos a seu modo contam sobre acontecimentos do passado os interpretam dão lhes significado mantêm viva a memória coletiva Mesmo na nossa época de alfabetização generali zada e de grande penetração dos meios de comu nicação a real e secreta história da humanidade é contada em conversas e a maioria das pessoas ainda forma seu entendimento básico do próprio passado por meio de conversas com outros Ronald Grele Nas últimas décadas páginas e páginas têm sido escritas sobre o assunto Conferên cias seminários congressos e encontros deba tem algumas questões cruciais seria mais cor reto falar História Oral ou fontes orais Seria a História Oral uma técnica um método ou um 18 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO procedimento de pesquisa Mas afinal o que será essa tal de História Oral História Oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimen tos articulados entre si no registro de narrativas da experiência humana Definida por Allan Nevis1 como moderna história oral devido ao uso de recursos eletrônicos a história oral é técnica e fon te por meio das quais se produz conhecimento O mínimo que podemos dizer é que a História Oral é uma fonte um documento uma entrevista gravada que podemos usar da mesma maneira que usamos uma notícia do jornal ou uma referência em um arquivo em uma carta 2 De abrangência multidisciplinar ela tem sido sistematicamente utilizada por diversas áreas das ciências humanas a saber História Sociologia Antropologia Lingüística Psicolo gia entre outras O uso de fontes orais no tra balho historiográfico é cada vez mais comum Nos Estados Unidos GrãBretanha Itália e Fran ça encontramos uma vasta bibliografia disponí 1 Oral history how it was born In DUNAWAY D K BAUM Willa K Ed Oral history an interdisciplinary antho logy Nashville American Association for State and Lo cal History 1985 p 42 2 CAMARGO Aspásia História oral e política In FERREIRA M de M Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Janeiro CPDOCDiadorimFinep 1994 p 78 19 SÔNIA MARIA DE FREITAS vel sobre a história oral e trabalhos feitos a par tir dessa metodologia de pesquisa3 Na perspectiva do trabalho que realizo a História Oral tem como principal finalidade criar fontes históricas Portanto essa documentação deve ser armazenada conservada e sua abor dagem inicial deve partir do estabelecimento preciso dos objetivos da pesquisa A História Oral no nosso ponto de vista pode ser dividida em três gêneros distintos4 tra dição oral história de vida história temática Quanto à tradição oral Jan Vansina especialis ta em tradição oral africana afirma que uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar elocuçõeschaves isto é a tradição oral A tra dição pode ser definida de fato como um tes temunho transmitido verbalmente de uma ge ração para outra 3 Nos Estados Unidos gostaríamos de destacar a obra Oral History an interdisciplinary anthology citada anteriormen te Na GrãBretanha anualmente a Oxford University Press publica o International Yearbook of Oral History 4 Cf FREITA S Sônia Maria de Contribuição à memória da FFCLUSP 19341954 1992 Dissertação Mestrado em História FFLCHUSP São Paulo Publicado pela edi tora Maltese como Reminiscências em 1993 20 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO Mas a tradição oral não está presente ape nas nas comunidades tidas como iletradas ou tribais Ela pode também ser identificada e res gatada em sociedades rurais e urbanas pela metodologia de História Oral Por exemplo as cantigas de rodas brincadeiras e estórias infan tis são transmitidas oralmente de geração para geração Assim numa sociedade oral por tradição tudo que uma sociedade considera importante para o perfeito funcionamento de suas institui ções para uma correta compreensão dos vários status sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um tudo é cuida dosamente transmitido enquanto que numa sociedade que adota a escrita somente as me mórias menos importantes são deixadas à tradi ção 5 Não cabe aqui um aprofundamento na metodologia e técnicas específicas necessárias ao estudo de sociedades orais Além disso a tradição inclui os depoimentos como as crôni cas orais de um reino genealogias literatura oral etc Nessas sociedades a tradição assume diferentes funções que podem ser religiosas e 5 Cf VANSINA Jan A tradição oral e sua metodologia In História geral da África São Paulo Ática Paris Unesco 1982 v 1 Metodologia e préhistória da África J Ki Zerbo Coord Trad Beatriz Turquetti et al p 157 21 SÔNIA MARIA DE FREITAS litúrgicas na realização de rituais jurídicas estéticas didáticas históricas e míticas Há que se considerar também que essas sociedades di vergem entre si e dos valores e costumes ociden tais na concepção de tempo espaço e causali dade O tempo por exemplo pode ser contado tendose como referência unidades baseadas em atividades humanas por dinastias reinos ge rações ou famílias A História Oral também não é sinônimo de história de vida História de vida pode ser considerada um relato autobiográfico mas do qual a escrita que define a autobiografia está ausente Na história de vida é feita a reconsti tuição do passado efetuado pelo próprio indi víduo sobre o próprio indivíduo Esse relato que não é necessariamente conduzido pelo pes quisador pode abranger a totalidade da exis tência do informante Para tanto seriam neces sárias inúmeras horas de gravação Com a História Oral temática a entrevista tem caráter temático e é realizada com um gru po de pessoas sobre um assunto específico Essa entrevista que tem característica de depoimento não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante Dessa maneira os depoimentos podem ser mais numerosos re sultando em maiores quantidades de informa ções o que permite uma comparação entre eles 22 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO apontando divergências convergências e evidên cias de uma memória coletiva por exemplo Um projeto de História Oral pode ser de senvolvido em diferentes contextos como ini ciativa individual ou trabalho coletivo em pré escolas nos primeiro e segundo graus nas universidades na educação de adultos por cen tros comunitários por museus convencionais museus itinerantes ou por museus de rua e por outras instituições No campo do Direito pes soas arroladas como testemunhas também são convidadas a dar depoimentos que se transfor mam em peçaschave nos julgamentos de situa ções litigiosas Hist ória Oral x Meios de Comunicação É cada vez mais comum o uso de entrevis tas por profissionais que atuam nos meios de comunicação emissoras de rádio e televisão jornais e revistas Aliás há várias décadas a mídia realiza enquetes e pesquisas de opinião Na imprensa escrita o trabalho de alguns jor nalistas aproximase da História Oral Roldão Arruda Moacir Assunção Gilberto Dimenstein são exemplos de jornalistas que fizeram e ain da fazem investigações profundas sobre temas sociais dando voz aos atores anônimos Em 23 SÔNIA MARIA DE FREITAS geral o jornalista traduz cria outra narrativa e raramente dá voz ao entrevistado às vezes alguns trechos são citados entre aspas A maio ria das entrevistas feitas por esses profissionais visa esclarecer eou elucidar algum assunto ou ponto de vista de envolvidos em alguma ques tão Quase sempre essas entrevistas são mar cadas pela superficialidade pela rapidez são apressadas e permeadas pelo imediatismo exigido pela velocidade da notícia e muitas vezes feitas até por telefone Em algumas oca siões o tom é meio nervoso traduzindo o cli ma estressante das redações Ao abordar uma questão o jornalista deve ser frio distante e im parcial essa postura até consta dos manuais de redação de jornais Ainda dentro da mídia destacaria os talk shows programas de entrevistas muito em moda hoje em dia Geralmente eles têm um caráter de entretenimento mas não se pode confundir jornalismo com espetáculo O público quer co nhecer melhor as pessoas que deram certo ou aquelas que se destacam por algum motivo Com raríssimas exceções essas entrevistas buscam explorar o curioso o pitoresco de seus entrevis tados Notase o despreparo dos entrevistadores que demonstram falta de conhecimento nos as suntos apresentados deselegância na insistên cia com questões íntimas e delicadas buscando 24 HISTÓRIA ORAL A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO sempre o sensacionalismo ou o recurso à sedu ção ou à agressividade Simpatizando ou não com o entrevistado ou com suas idéias o entre vistador deve se preparar pesquisando e lendo sobre o convidado Por tudo isso muitas vezes os entrevistadores levam seus convidados a um clima constrangedor O tempo de duração dos programas é outro fator agravante Mas nesse universo grotesco e intimidató rio há que se destacar algumas exceções A ele gância inteligência perspicácia e espontaneida de de Jô Soares tornaram seu antigo programa no SBT bastante atraente embora fosse eviden te a seleção dos convidados atendendo aos ape los do mercado e a avançada hora de sua veicu lação Hoje na TV Globo Jô Soares tornouse um showman dançando cantando tocando al gum instrumento e recebendo principalmente os atores globais O jornalista Roberto DAvila em seu programa Conexão Nacional fazia um trabalho denso e profundo Como um batepapo ou uma conversa a entrevista transcorria num tom natural e espontâneo Felizmente esse pro grama foi retomado e está sendo apresentado pela TV Cultura de São Paulo e TVERede Bra sil às sextasfeiras 22h30 com reprise aos do mingos Depoimentos têm sido muito utilizados na produção de grandes reportagens e biografias 25 SÔNIA MARIA DE FREITAS aliás gênero também muito em moda hoje em dia Para escrever os livros Olga Chatô o Rei do Brasil e Corações Sujos o jornalista Fernan do Morais realizou centenas de entrevistas Ar mandinho do Bixiga reconstrói sua trajetória que se mistura com a história do bairro em depoi mento dado ao jornalista Júlio Moreno em Cinderela Negra José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M Levine contam a saga de Carolina Maria de Jesus por meio de depoimentos de personagens que conviveram com a escritora No cinema destacase o trabalho realiza do pelo cineasta Eduardo Coutinho em Cabra Marcado pra Morrer O Fio da Memória e Edifí cio Master Erik de Castro dirigiu Senta a Pua feito a partir de imagens de arquivos fotos e ilustra ções e principalmente entrevistas Tratase de um comovente documentário sobre a história do Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Bra sil na Segunda Guerra Mundial 27 SÔNIA MARIA DE FREITAS A Hist ória da Hist ória Oral O termo história oral é novo assim como o gra vador de fita e tem implicações radicais para o futuro Mas isto não significa que ela não tenha um passado De fato a história oral é tão antiga como a própria história Ela foi a primeira modali dade de história Nas palavras acima Paul Thompson afir ma que a História Oral é tão velha quanto a pró pria História Heródoto ouviu testemunhos de seu tempo Michelet colheu depoimentos dos que vivenciaram a Revolução Francesa Oscar Lewis sobre a Revolução Mexicana Ronald Fraser sobre a Guerra Civil Espanhola Denominamos de moderna História Oral àquela cujo método consiste na realização de de poimentos pessoais orais por meio da técnica de entrevista que utiliza um gravador além de estratégias questões práticas e éticas relaciona das ao uso desse método A primeira experiência da História Oral como uma atividade organizada é de 1948 quan 28 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL do o Professor Allan Nevis lançou o The Oral History Project na Columbia University em Nova Iorque Hoje o Oral History Research Office1 da Columbia University possui uma coleção de mais de 6000 fitas gravadas e mais de 600000 páginas de transcrição Esse material é consultado anualmente por mais de 2500 pes quisadores segundo informações do próprio ór gão O OHRO tornouse uma referência funda mental na área quer pelo seu expressivo acervo quer pelo dinamismo de seus projetos voltados à temática e linguagem bem atuais tais como a questão das minorias multiculturalismo movi mento estudantil etc O boom da História Oral nos Estados Uni dos deuse no final dos anos 60 e início dos 70 Em 1967 foi fundada a Oral History Association OHA2 que publica anualmente a Oral His tory Review Houve a proliferação de programas de História Oral em outras universidades como em Berkeley na Califórnia centros de pesquisa e instituições ligadas aos meios de comunicação como o New York Times Oral History Programm estabelecido em 1972 A partir de 1970 coleções de História Oral foram também incluídas no 1 Oral History Research Office Columbia University New York NY 10027 USA Ronald Grele é o atual diretor 2 Oral History Association 1093 Broxton Ave 720 Los Angeles CA 90024 USA 29 SÔNIA MARIA DE FREITAS National Union Catalog Manuscript Collections da Biblioteca do Congresso americano3 A História Oral está hoje consolidada em diversos países além dos EUA GrãBretanha Itália Alemanha Canadá França entre outros Faz parte do currículo escolar nos diferentes ní veis de aprendizado E cursos sobre o método e teoria são oferecidos regularmente até por uni versidades tidas por conservadoras como a Columbia e a Oxford A Experiência em Hist ória Oral na GrãBret anha Na história da História Oral destacase o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da GrãBretanha que com suas experiências aca baram influenciando pesquisadores de outros países Na década de 1960 na Universidade de Essex na GrãBretanha buscavase o testemu nho de pessoas comuns ordinary people mar ginalizadas pelo poder e de idosos enquanto a história oral norteamericana estava voltada 3 Ver Encyclopedia of library and information science v 20 p 44063 Uma vastíssima literatura sobre História Oral pode ser facilmente adquirida nos Estados Unidos e na GrãBretanha Nesses países o material encontrase disponível para venda em fitas cassete vídeo e CDROM 3 0 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL para os great men ou seja os homens social mente reconhecidos Nesse processo o historiador Paul Thompson foi um dos pioneiros e tornouse uma das auto ridades na reflexão e na utilização desse méto do para o registro histórico Seu livro A Voz do Passado História Oral é considerado um clássi co por sua importante contribuição ao método e à teoria da História Oral Atualmente a História Oral na GrãBreta nha envolve profissionais de diversas áreas Ali destacase a National Life Story Collection da British Library National Sound Archive funda da por Paul Thompson e dirigida por Robert Perks4 A exemplo da entidade americana a Oral History Society5 congrega elementos oriundos dos meios de comunicação universidades mu seus centros de reminiscências e outros e pu blica o Journal of the Oral History Society A Hist ória Oral no Brasil Uma das primeiras experiências com Histó ria Oral no Brasil ocorreu no Museu da Imagem e 4 96 Euston Road London NW1 2DB Telefone 020 74127404 Fax 02074127441 Emailnsanlscbluk 5 Oral History Society Department of Sociology University of Essex Wivenhoe Colchester CO4 3SQ United Kingdom 3 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS do Som MISSP 1971 que tem se dedicado à preservação da memória cultural brasileira Ou tras experiências ocorreram no Museu do Arqui vo Histórico da Universidade Estadual de Londri na Paraná 1972 e na Universidade Federal de Santa Catarina onde foi implantado um laborató rio de História Oral em 1975 Porém a experiên cia mais importante e enriquecedora tem sido a do Centro de Pesquisa e Documentação de Histó ria Contemporânea do Brasil CPDOC ligado à Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro que dis põe de um setor de História Oral desde a sua fun dação em 1975 Indubitavelmente o CPDOC é o melhor exemplo da bemsucedida experiência com História Oral no Brasil tanto pela qualidade de seu acervo constituído principalmente de entre vistas com personalidades da história política contemporânea do país quanto pela realização de comunicações palestras e edições de obras sobre a teoria e metodologia da História Oral Tampou co podemos deixar de destacar a utilização da metodologia de História Oral em pesquisas so ciológicas que vêm sendo desenvolvidas pelo Centro de Estudos Rurais e Urbanos CERU da Universidade de São Paulo desde meados dos anos 1970 No Centro de Memória da Unicamp pesquisadores têm se utilizado do método da História Oral na realização de seus projetos É inegável o interesse que a história oral vem despertando no pesquisador brasileiro 3 2 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL Entretanto do ponto de vista teóricometodoló gico a literatura disponível é ainda escassa e deixa muito a desejar Apesar de aqui não ser o espaço para discutir ou mostrar as diferentes maneiras de conceber e usar a História Oral entretanto podemos assinalar que nos trabalhos publicados percebese a existência de diferentes posturas metodológicas Na década de 1990 foram realizados al guns encontros dedicados ao debate sobre a História Oral no Brasil o que contribuiu para uma maior divulgação da História Oral No pri meiro semestre de 1991 realizamos o encontro História Oral na Voz de Paul Thompson que constituiuse de depoimento workshop e semi nário com o historiador Paul Thompson no Museu da Imagem e do Som de São Paulo ór gão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo onde implantamos e coordenamos o Pro jeto Depoimentos em Vídeo de 1988 a 1992 voltado para a arte e cultura brasileiras O encontro acima citado cujo objetivo bá sico foi introduzir contextualizar e problematizar a discussão sobre História Oral possibilitou o amadurecimento da questão e serviu também como catalisador das múltiplas experiências que aqui vinham sendo desenvolvidas Além disso mostrounos concretamente a existência no Brasil de uma quantidade significativa de traba lhos que utilizavam a História Oral como ins 3 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS trumento de pesquisa e como fonte documen tal Foram identificados 125 projetos de História Oral em desenvolvimento sendo 49 projetos in dividuais e 76 institucionais de um total de 220 participantes Esses dados são relevantes pois comprovaram o interesse despertado em um nú mero significativo de pesquisadores em um en contro pioneiro no gênero em São Paulo Outros encontros sucederamse e torna ramse estímulos importantes na propagação de trabalhos com a História Oral no Brasil como a discussão ocorrida durante a realização do Con gresso América 92 na USP o Encontro ocorri do na USP em 1993 e finalmente a criação da Associação Brasileira de História Oral no Rio de Janeiro em 1994 Sem dúvida a fundação da Associação atualmente presidida pela pesquisadora Verena Alberti6 significou um grande avanço para a História Oral no Brasil7 Hoje graças às transformações ocorridas nas ciências humanas e devido aos debates multidisci 6 abhobridgecombr httphistoriaoralvilaboluolcombr 7 Associação Brasileira de História Oral ABHO Ac Verena Alberti presidente Fundação Getúlio Vargas CPDOC Praia do Botafogo 1901408 22253900 Rio de Janeiro RJ Tel 2125595694 Fax 2125595679 3 4 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL plinares existe um consenso é inegável o pa pel que as fontes orais vêm ocupando na pro dução acadêmica No Brasil existem várias obras produzi das nas duas últimas décadas fundamentalmen te a partir deou sobre fontes orais Entre elas gostaríamos de mencionar aquelas produzidas a partir do debate e do material apresentado nos encontros regionais e congressos nacionais8 Pelo conjunto merecem destaque aquelas editadas pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro9 8 M EIHY José C Sebe Bom Org Re introduzindo a história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 Tratase de um conjunto de textos apresentados no I Encontro Regional de História OralSudesteSul O organizador dessa obra tem vários livros publicados a partir do do cumento oral entre eles destacamse A colônia brasilia nista história oral de vida acadêmica Cinderela negra a saga de Carolina Maria de Jesus Canto de morte Kaiowá história oral de vida e o Manual de história oral 9 Cf Catálogo de depoimentos Programa de História Oral Rio de Janeiro CPDOC 1981 A LBERTI Verena História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1990 FERREIRA Marieta de Moraes Org Entrevistas abordagens e usos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 FERREIRA M de M Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro Fun dação Getúlio Vargas 1994 FERREIRA M de M Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Janeiro CPDOCDiadorimFinep 1994 Resultado do II Encon tro Nacional de História Oral 3 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Apesar da dimensão que a História Oral tem atingido no debate sobre as tendências da historiografia brasileira contemporânea há ain da grupos de pesquisadores que não aceitam a História Oral pela seletividade alegando tam bém a falibilidade das fontes orais Esses inte gram uma tradição historiográfica centrada em documentos oficiais ou congêneres Concorda mos com Meihy ao afirmar que os oralistas não têm enfrentado de forma convincente o debate epistemológico fica explicada a falta de respeitabilidade entre certos pares acadêmicos 1995 49 Acreditamos que a resistência à História Oral ainda encontrada no meio acadêmico bra sileiro está ligada a alguns outros fatores En tre eles o fato de a academia ter tido desde a sua origem uma forte influência francesa se guindo pressupostos do Positivismo muito presentes na produção acadêmica daquele país Grande parte da produção teórica da História Oral foi produzida na língua inglesa e ainda não foi traduzida para a língua portuguesa10 10 O livro A voz do passado história oral do historiador inglês Paul Thompson editado no Brasil em 1992 cons titui uma exceção e representou um grande avanço pois o mesmo tem servido de modelo teórico para os tra balhos de História Oral no Brasil Thompson é autor de uma vasta obra entre seus livros destacamse 3 6 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL A tardia penetração da História Oral no Brasil11 ocorrida nos anos 80 e principalmente nos 90 deve ser relacionada ao desdobramento do golpe militar de 1964 que coibiu proje tos que gravassem experiências opiniões ou de poimentos Em conseqüência disto enquanto no resto do mundo proliferavam projetos de histó ria oral nós nos retraíamos deixando para o fu turo algo que seria inevitável Meihy 1995 7 Nesse período o Brasil passou a ocupar mais espaço nos encontros e congressos inter nacionais nos trabalhos de História Oral apre sentados percebese claramente que as matrizes do pensamento são européias os pressupostos e arcabouços teóricos são sobretudo franceses Daniel Bertaux Henry Rousso Jean Boutier Roger Chartier Pierre Boudieur apenas para citar alguns nomes THOMPSON P et al I dont feel old the experience of later life Oxford Oxford University Press 1990 SAMUEL Raphael THOMPSON Paul Ed The myths we live by London Routledge 1990 BERTAUX Daniel THOMPSON Paul Ed Between generations family models myths and memories International Yearbook of Oral History and Life Stories v 2 Oxford Oxford University Press 1993 11 Curiosamente a historiografia francesa também igno rou a fonte oral por muito tempo O primeiro encontro que reuniu pesquisadores que utilizavam a fonte oral em pesquisas só se realizou na França em 1980 Cf JOUTA RD P Esas voces que nos llegan del pasado Méxi co Fondo de Cultura Económica 1986 p 171 3 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS Entretanto a maioria dos pesquisadores brasileiros infelizmente ainda desconhece o nível de sofisticação teórica o número de livros publicados e resenhas em revistas sobre uma enorme diversidade temática disponível nos Es tados Unidos e GrãBretanha12 A partir dessas experiências a História Oral atingiu um nível de credibilidade nos meios acadêmicos tornando se um campo de estudo com suas associações e revistas próprias de caráter inclusive interna cional e multidisciplinar Todo o processo vivenciado pelos pesqui sadores em História Oral nos últimos dez anos possibilitou o aprofundamento do debate sig nificando um avanço em termos conceituais apesar de se evidenciarem diferenças metodo lógicas 12 No inverno de 1988 tivemos a oportunidade de conhe cer essa entidade e os trabalhos por ela desenvolvidos e participar do curso Interview Method in Social History ministrado pelo Prof Paul Thompson na Universidade de Essex Colchester GrãBretanha 3 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória x Hist ória Oral x Memória O essencial é saber ver saber ver sem estar a pensar saber ver quando se vê E nem pensar quando se vê nem ver quando se pensa Alberto Caieiro O Guardador de Rebanhos Há pesquisadores que ainda mantêm vín culos com a tradição historiográfica do século XIX que elegeu como modelo de documento histórico o testemunho escrito objetivo neu tro dado como fidedigno Nessa perspectiva os depoimentos passaram a ser considerados apenas fontes subsidiárias e de baixo valor his tórico pois representariam um testemunho sub jetivo falível e cuja fidedignidade estaria com prometida pelas notícias tendenciosas mentiras e calúnias que poderiam apresentar Se pouca credibilidade era dada aos depoi mentos escritos os orais foram praticamente ignorados Neles se acentuariam aqueles aspec 40 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA tos negativos atribuídos a esse tipo de fonte acres cidos da parca confiabilidade que a palavra falada assumia numa sociedade solidamente estabeleci da sobre a escrita e das dificuldades de preserva ção e divulgação inerentes às fontes orais Destarte como documento que deveria propiciar ao historiador o resgate dos acontecimentos tal como se sucederam o testemunho oral ou escri to mostravase evidentemente uma fonte inade quada só devendo ser utilizada como último re curso e assim mesmo com extrema cautela Um dos mais expressivos representantes dessa corrente foi Fustel de Coulanges que de fendeu tais idéias na obra La Monarchie Franque escrita em 1888 A maior contribuição para a mudança do enfoque acima apresentado foi o movimento iniciado por Marc Bloch e Lucien Febvre com o lançamento da revista Annales em 1929 A atua ção do grupo colaborou para a construção da História como ciência e para a renovação dos estudos da História O grupo dos Annales no período de 1929 a 1969 principalmente tinha concepções co muns que foram resultado de debates travados com historiadores tradicionais positivistas e historicistas As idéias e diretrizes do grupo apresentadas por Peter Burke 1981 são as se guintes 41 SÔNIA MARIA DE FREITAS 1 a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma históriaproblema 2 história de todas as atividades humanas e não apenas da história política 3 colaboração com outras disciplinas tais como a geografia a sociologia a psicologia a eco nomia a lingüística e a antropologia social Esta última idéia foi decorrência das infin dáveis discussões que Febvre e Bloch mantive ram com o psicólogo social Charles Blondel e o sociólogo Maurice Halbwachs cujo estudo so bre a estrutura social da memória publicado em 1925 causou profunda impressão em Bloch 4 Introdução de diversos aspectos da vida so cial nos estudos da história trabalhados por Febvre a vida diária o povo e as coisas coisas que a humanidade produz ou conso me alimentos vestuário habitação ferra mentas moeda cidades a civilização mate rial e as representações coletivas de Braudel história sociocultural por Emmanuel Le Roy Ladurie Jacques Le Goff Georges Duby 5 ênfase na história econômica demográfica e social salientando os aspectos sociais por meio de estudos regionais coletivos e comparati vos em detrimento do episódico e individual 6 descoberta e utilização de novas fontes tra dição oral e vestígios arqueológicos 42 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Com relação à última idéia anteriormente apresentada Lucien Febvre afirmou A histó ria fazse com documentos escritos sem dúvi da Quando eles existem Mas ela pode fazer se ela deve fazerse sem documentos escritos se os não houver Com tudo o que o engenho do historiador pode permitirlhe utilizar para fabricar o seu mel à falta das flores habituais Portanto com palavras Com signos Com pai sagens e telhas Com formas de cultivo e ervas daninhas Com eclipses da lua e cangas de bois Com exames de pedras por geólogos e análises de espadas de metal por químicos Numa pa lavra com tudo aquilo que pertencendo ao ho mem depende do homem serve o homem exprime o homem significa a presença a ativi dade os gostos e as maneiras de ser do homem Febvre 1989 249 Sem dúvida esse movimento chamado por Peter Burke de a Revolução Francesa da His toriografia revolucionou a História no que diz respeito a conceitos abordagens e métodos O grupo dos Annales passou a ser denominado mais tarde de Nova História dedicandose sobretudo à história do cotidiano e das menta lidades Os historiadores desse grupo aponta ram para a necessidade de a História se dedicar menos aos acontecimentos aos heróis e à cro nologia dos fatos 43 SÔNIA MARIA DE FREITAS De fato a Nova História foi um impor tante movimento que contribuiu para a mudan ça dos procedimentos na pesquisa de fontes para se reconstruir a História Segundo a historiado ra Maria de Lourdes Mônaco Janotti 1995 61 A esta epistemologia mal definida como positi vista opuseramse historiadores franceses e in gleses propugnando em meados do século atual XX por uma Nova História livre de cânones rígidos onde a história do presente do cotidia no e da experiência individual adquiriram signi ficativa importância Muito contribuiu para esta inovação o pensamento dos intelectuais da cha mada Escola de Frankfurt O tema da Memó ria juntamente com o da Cultura passou a ser para os historiadores um desafio e motivo de renovada criação como atestam os trabalhos de J Le Goff Pierre Nora E P Thompson Christopher Hill e Keith Thomas para citar al guns exemplos A partir dessa ênfase dada ao estudo do cotidiano os historiadores franceses sobretu do mostraram que as fontes da história não eram mais somente os documentos oficiais No Brasil a maioria dos cientistas sociais ainda vê a fotografia a caricatura a carta o diá rio assim como o depoimento oral como fontes subsidiárias possuidoras de baixo valor histórico embora essas fontes sejam freqüentemente utili 44 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA zadas para ilustrar ou comprovar alguma idéia Há aqueles que acreditam na História Oral po rém assumindo uma postura de que o documento oral deve ser cruzado com outras fontes de prefe rência escritas e oficiais Nessa perspectiva os documentos orais visam a complementaridade e veracidade das informações portanto o cotejo das fontes Há também aqueles que em suas disser tações teses e ensaios utilizam entrevistas como fonte de informação para preencher lacunas em suas pesquisas Todavia esses trabalhos não fa zem nenhuma menção à História Oral e à vasta produção acerca dessa metodologia disponível no país e muito menos indicam as metodologias de pesquisa utilizadas Segundo a visão e práticas desses historia dores que vêem no documento escrito a condi ção sine qua non da história a África não tem história pois esse continente é constituído de sociedades organizadas a partir da tradição oral portanto sem escrita E as tribos indígenas bra sileiras somente poderão ser estudadas a partir dos dados da Funai A esses pesquisadores que defendem essa visão diríamos que todo docu mento é questionável e que todo documento escrito ou iconográfico é limitado e subjetivo Entretanto as atuais correntes da historio grafia têm ressaltado a necessidade de uma 45 SÔNIA MARIA DE FREITAS reavaliação dos critérios pelos quais se determi na a utilização e análise de fontes históricas pois na produção do conhecimento fatores como a subjetividade e a seletividade são inevitáveis Assim a História Oral tem adquirido um novo status devido aos novos significados atribuídos aos depoimentos às histórias de vida às bio grafias etc Adam Schaff em sua obra História e Ver dade 1983 relata uma interessante pesquisa acerca das causas da Revolução Francesa e con clui que o conhecimento dessas é um processo ainda inacabado e que a verdade histórica se constrói cada vez mais complexa cada vez mais precisa a partir de verdades parciais e neste sentido relativas o fato da diversida de da variabilidade até mesmo da incompati bilidade dos pontos de vista dos historiadores que potencialmente dispõem das mesmas fon tes e subjetivamente aspiram à verdade e só à verdade crendo mesmo têla realmente desco berto Schaff 1983 59 Adam Schaff destaca ainda 1983 169 que o nosso conhecimento adquiriu necessariamen te a forma de um processo infinito que aperfei çoando o saber sobre diversos aspectos da reali dade analisada sob diferentes prismas e acumulando verdades parciais não produz uma soma de conhecimentos nem modificações pura 46 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA mente quantitativas do saber mas transforma ções qualitativas da nossa visão da história Segundo Maria Isaura P Queiroz 1983 91 as histórias de vida e depoimentos pessoais a partir do momento em que foram gerados pas sam a constituir documentos como quaisquer outros isto é definemse em função das infor mações indicações esclarecimentos escritos ou registrados que levam a elucidações de deter minadas questões e funcionam também como provas O documento gravado como qualquer tipo de documento está sujeito a diversas leituras O procedimento do historiadorpesquisador diante de tal documento deverá ser o mesmo no que concerne à sua análise e problematização A História Oral fornece documentação para reconstruir o passado recente pois o contem porâneo é também história A História Oral le gitima a história do presente pois a história foi durante muito tempo relegada ao passado Esse redimensionamento do trabalho do historiador e a crescente revalorização da orali dade embora mediatizada trazida pela ex pansão dos meios de comunicação de massa como o rádio a televisão o cinema discos etc indicam a oportunidade de uma revisão das posturas historiográficas que têm até hoje olhado com grande desconfiança o testemunho 47 SÔNIA MARIA DE FREITAS pessoal É importante destacar que certos his toriadores têm procurado orientar suas refle xões nesse sentido apresentando seus primei ros frutos Na reconstrução do passado a linguagem auditiva que se baseia essencialmente no uso da voz exercerá um papel fundamental Pois é como discurso que a memória evidencia todo um sistema de símbolos e convenções produzi dos e utilizados socialmente Além disso a voz é um elemento em si mesmo Suas variações dão sentido ao texto transmitido transformamno dandolhe muitas vezes um significado além do que foi meramente dito Porém é pela oportunidade de recupe rar testemunhos relegados pela História que o registro de reminiscências orais se destaca pois permite a documentação de pontos de vis ta diferentes ou opostos sobre o mesmo fato os quais omitidos ou desprezados pelo dis curso do poder estariam condenados ao es quecimento Fazse necessária uma revisão das postu ras historiográficas com relação às novas fon tes históricas sonora e visual esta última representada pela fotografia caricatura e cine ma É preciso vencer os limites livrescos e que brar a resistência às novas fontes documentais novas técnicas linguagens e suportes 48 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Ken Plummer na sua obra Documents of Life 1983 aborda o uso de histórias de vida e outros tipos de documentos pessoais nas pes quisas em Ciência Social os quais resultam em memória de uma experiência social do ponto de vista dos participantes Entre esses documen tos ele destaca a história de vida o diário a carta a História Oral a fotografia o filme etc O autor conclui que essa diversidade de docu mentos muitas vezes ignorados e negligencia dos pelo cientista social revelam um enorme potencial na exploração da experiência social concreta Por fim defende a combinação entre os diversos tipos de documentos citados ante riormente bem como a utilização desses docu mentos de forma multidisciplinar ou seja por historiadores sociólogos psicólogos antropó logos lingüistas cientistas políticos etc Assim utilizando a metodologia da Histó ria Oral produzse uma documentação diferen ciada e alternativa da história realizada exclusi vamente com fontes escritas Entretanto não defendo o uso exclusivo de fontes orais por acre ditar que a utilização de diversas fontes será mais enriquecedora para a pesquisa Considero a mis celânea proposta por Ken Plummer 1983 bas tante interessante Na busca de características de uma coleti vidade a realização de depoimentos pessoais 49 SÔNIA MARIA DE FREITAS permitenos captar a partir das reminiscên cias o que as pessoas vivenciaram e experi mentaram As análises históricas são construídas a par tir de vestígios eou registros deixados pelas ge rações anteriores Entretanto a produção desta matériaprima quase sempre esteve a cargo das classes dominantes e até bem recentemente tal fato não era encarado como uma questão A co leta de depoimentos e de histórias de vida pode ser inserida no amplo esforço de resgatar a pa lavra de indivíduos que sem a mediação do pes quisador não deixariam nenhum testemunho Assim essa metodologia abre novas pers pectivas para o entendimento do passado recen te pois amplifica vozes que não se fariam ouvir Além de nos possibilitar o conhecimento de di ferentes versões sobre determinada questão os depoimentos podem apontar continuidade descontinuidade ou mesmo contradições no dis curso do depoente A maior potencialidade deste tipo de fonte é a possibilidade de resgatar o indivíduo como sujeito no processo histórico Conseqüentemen te reativa o conflito entre liberdade e determi nismo ou entre estrutura social e ação humana Os indivíduos elementos fundamentais para a compreensão da vida humana têm sido freqüentemente minimizados e marginalizados 50 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA pelo cientista social que acredita que os docu mentos pessoais são subjetivos descritivos e arbitrários para contribuírem com o avanço cien tífico A tradição inglesa é por excelência ca racterizada pelo empirismo e pelo individualis mo metodológico Nesse sentido Peter Burke 1981 112 afirma que na Inglaterra desde os tempos de Herbert Spencer ou mesmo antes pressupunhase que entidades coletivas como sociedade são fictícias enquanto os indiví duos existem Curiosamente notase que a origem e o maior avanço da História Oral ocor reram nos países de origem anglosaxônica In glaterra e Estados Unidos A História Oral privilegia enfim a voz dos indivíduos não apenas dos grandes homens como tem ocorrido mas dando a palavra aos esquecidos ou vencidos da história À histó ria que tradicionalmente esteve voltada para os heróis os episódios as estruturas Walter Benjamin responde que qualquer um de nós é uma personagem histórica As Reminiscências da Memória Eu realmente acredito que existimos como seres humanos porque podemos contar histórias Oliver Sacks escreveu que pessoas neurologicamente sãs contam a si mesmas as histórias de suas vidas to 51 SÔNIA MARIA DE FREITAS dos os dias Vivemos numa narrativa Há uma espé cie de linha que seguimos e que nos liga ao ontem ao hoje e ao amanhã É claro que montamos e cor tamos muitas coisas sobretudo aquilo que não se encaixa no que pensamos ou queremos ser Escre vemos a nossa própria história É o que nos leva para o futuro Mas as pessoas que são neurologi camente deficientes não conseguem fazer isso Elas têm a vida em fragmentos Não há continuidade Paul Auster O desenvolvimento deste trabalho levou nos inevitavelmente à busca da compreensão do conceito de memória Este esforço se justifica pois a História Oral tem como suporte as lem branças evidenciando uma memória coletiva Esta última pode ser entendida como uma soma tória de experiências individuais passíveis de serem utilizadas como fontes históricas Relem brando Pierre Nora memória é o vivido e histó ria é o elaborado Através do resgate da memó ria se reconstrói o passado É preciso destacar que são poucas as ten tativas de definição do que é a memória pois essa ainda não foi eleita especificamente obje to de estudo em áreas como a História a So ciologia a Antropologia etc Embora visando interesse específico da área identificamos al guns títulos na Biologia e principalmente na Psicologia 52 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Em decorrência da complexidade da ques tão e da dificuldade de acesso a bibliografias que tratem o tema de forma mais abrangente o ca minho percorrido foi buscar a acepção de me mória para o senso comum na atualidade recu perar a concepção e significado de memória em diferentes momentos da história da antigüida de à atualidade e finalmente refletir sobre os fenômenos da memória individual fazendo uso de seus principais teóricos Expressões do tipo memória de elefante memória visual de memória lapso da me mória fazem parte de nosso universo vocabular A noção de memória está presente em nosso cotidiano relacionada à idéia de que o Brasil é um país sem memória histórica Na atualidade a acepção da memória está ligada ao desenvol vimento da Cibernética memória armazenada pelos computadores e também da Biologia memória da hereditariedade presente no códi go genético Na Antiguidade Clássica os gregos fize ram da memória uma deusa Mnemósine Essa deusa lembra aos homens os heróis e os seus altos feitos e também preside a poesia lírica O poeta é pois um homem que quando possuído pela memória é transportado por ela ao coração dos acontecimentos antigos tornandose assim um adivinho do passado Cabe ao poeta o po 53 SÔNIA MARIA DE FREITAS der de lembrarse de tudo É a testemunha ins pirada dos tempos antigos da idade heróica e por isso da idade das origens Vernant em sua obra Mito e Pensamento entre os Gregos 1973 716 utilizouse de documentos como as nar rativas míticas que tratam da divinização da memória e da elaboração de uma vasta mitolo gia da reminiscência na Grécia arcaica Aristóteles distingue mnemê memória faculdade de conservar o passado e mamnesi reminiscência faculdade de evocar volunta riamente esse passado por um esforço intelec tual Platão por sua vez emprega a imagem da memória como impressão traços depositados e gravados em nós A alma é revestida de uma camada de cera de modelar cuja espessura con sistência e pureza variam aliás de acordo com os indivíduos Ora por um dom da mãe das Musas Mnemósine a cera recebe a impressão das sensações e pensamentos formando uma gravura em relevo análoga a marcas de anéis Esta impressão é como que o assinalamento da coisa e o meio de recordarmola O que se apagar ou não conseguir de forma alguma imprimirse nós esquecemos Platão 1976 15612 Segundo Le Goff 1984 201 a memória na Idade Média passará por profundas trans formações em decorrência da difusão do cristia nismo religião da recordação como ideologia 54 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA 1 Ainda sobre as artes mnemônicas ver o estudo de Francis Yatesa The art of memory Chicago Chicago University Press 1974 e Jonathan D Spence O palácio da memória de Mateo Ricci São Paulo Companhia das Letras 1986 dominante Ocorre a cristianização da memó ria coletiva e da mnemotécnica repartição da memória coletiva entre a memória litúrgica gi rando em torno de si mesma e uma memória laica de fraca penetração cronológica desenvol vimento da memória dos mortos principalmente dos Santos papel da memória no ensino que articula o oral e o escrito aparecimento enfim de tratados da memória ars memoriae 1 A memória estará presente na literatura medieval através das narrativas orais contos populares canções e da escrita Paul Zumthor destaca que o uso da escritura expandiuse com extrema lentidão nas classes dirigentes dos jo vens Estados europeus pois essa prática esteve confinada até por volta do ano 1000 a alguns mosteiros e cortes régias Na época moderna o desenvolvimento do comércio e a intensificação das comunicações favoreceram uma maior difu são da escritura Entretanto o fenômeno ora lidade concomitante à escrita ultrapassa a Ida de Média e pode ser detectado ainda no século XIX e início do XX Zumthor 1993 97 Neste sentido Robert Darnton em sua obra O Grande Massacre de Gatos 1986 anali 55 SÔNIA MARIA DE FREITAS sa as maneiras de pensar e o modo como as pessoas interpretavam o mundo na França do século XVIII O trabalho consiste na análise de contos populares que segundo o autor surgi ram ao longo de muitos séculos e sofreram dife rentes transformações em diferentes tradições culturais Como todos os contadores de histó rias os narradores camponeses adaptavam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio mas mantinham intactos os principais elementos usando repetições rimas e outros dispositivos mnemônicos Esse estudo baseado em coletâneas de con tos populares organizadas no fim do século XIX e início do XX é sem dúvida uma rara oportu nidade de se tomar contato com as massas anal fabetas que desapareceram no passado sem dei xar vestígios Rejeitar os contos populares porque não podem ser datados nem situados com preci são como outros documentos históricos é virar as costas a um dos poucos pontos de entrada no universo mental dos camponeses nos tempos do Antigo Regime Darnton 1986 312 Ainda segundo Darnton na narrativa tra dicional de histórias as continuidades de forma e de estilo têm mais peso que as variações de detalhes Zumthor também destaca a importân cia da poesia nesse processo abordado por Darnton sobre os contos populares 56 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA 2 Cf A BRÃO Bernadette Siqueira História da filosofia São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores p 274 No século XVIII o Iluminismo injetou uma considerável medida de racionalismo e ceticis mo nos escritos da história A consciência histó ria nasceu naquele período Os iluministas criti caram as teorias mnemônicas decorebas e a tradição escolástica desprezaram o passado e a memória porque afetiva Vislumbraram uma memória técnicocientífica do conhecimento acu mulado e o historiador buscou a ação racional De acordo com Voltaire 16941778 o prin cipal propagandista das Luzes a história é a cadeia de acontecimentos em que os homens por suas paixões e necessidades constroem li vremente seu mundo criando as sociedades e os governos e desenvolvem a economia as téc nicas as ciências e as artes E que a história é a história do progresso que avança à medida que os homens vão se esclarecendo pelas luzes da razão 2 No final do século XVIII e início do XIX desenvolvese o Romantismo na Alemanha e em outras regiões da Europa Goethe Herder Schiller entre outros foram seus expoentes Com o movimento romântico nasceu a histo riografia Barthold Georg Niebuhr 17761831 e Leopold von Ranke 17951886 historiado 57 SÔNIA MARIA DE FREITAS res alemães transformaram a escrita da histó ria Ranke explicou a história como realmente aconteceu criando novos padrões de pesqui sa baseados na evidência primária sujeita à avaliação crítica Esta história científica levou à catalogação das fontes e a um ensino mais acadêmico Com seu caráter nacionalista essa histo riografia é a história de um povo enquanto na ção Na Alemanha que nessa época ainda não passa de uma idéia buscavase transformar um povo em nação por meio das peculiaridades dos alemães Um dos principais precursores desta busca é Friedrich Gottlieb Klopstock 17241803 Vários autores procuraram na tradição popular leiase reminiscência com seus deuses mitos e heróis lendários o fundo nacional para suas obras 3 Herder por exemplo pesquisa e comen ta lendas mitos narrativas canções e versos antigos legados pela tradição popular Não lhe importa se esse material é pouco refinado até mesmo grosseiro com o emprego de dialetos e termos considerados obscenos Seu objetivo é apreender a alma o gênio de cada povo aquilo que faz com que um povo seja o que é 4 3 Cf A BRÃ O op cit p 325 4 Cf A BRÃ O op cit p 327 58 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA História é sinônimo de memória havendo uma relação de fusão Elas não se distinguem A história se apodera da memória coletiva e a trans creve em palavras É nesse momento que a histó ria dá voz ao povo pela primeira vez O século XIX portanto é o momento da perda da memó ria ou melhor ela vai se ancorar na história O filósofo Walter Benjamin 18921940 ao discorrer sobre a arte da narração nos diz que o grande narrador se enraizará sempre no povo antes de mais nada nas suas camadas artesanais Mas como estas compreendem as camadas ru rais marítimas e urbanas nos vários estágios do seu grau de desenvolvimento econômico e técni co multiplicamse os conceitos em que se sedi menta para nós o acervo de sua experiência e ainda que o narrador colhe o que narra na expe riência própria ou relatada E transforma isso ou tra vez em experiência dos que ouvem sua histó ria5 Desde a virada do século XIX para o XX a memória emancipouse da história Tornou se matéria da literatura Proust da Filosofia Bergson da Psicologia da Psicanálise por in termédio de Freud e da Sociologia Halbwachs Os historiadores desde então têm um do mínio limitado no campo da memória Poucos 5 C BENJAMIN Walter O narrador São Paulo Abril Cultu ral 1980 Os Pensadores p 609 59 SÔNIA MARIA DE FREITAS estudos foram realizados sobre o tema Na atua lidade os trabalhos dos historiadores franceses Pierre Nora e Le Goff são uns dos poucos exem plos A história está ainda devendo uma refle xão sobre a memória Lembrança e Esqueciment o Aquilo que foi não pode mais de agora em dian te deixar de ter sido de agora em diante este fato misterioso e profundamente obscuro de ter existido é seu viático para a eternidade Jankélévitch citado por Paul Ricoeur em La mé moire lhistoire et loubli Ainda dentro de nosso propósito discuti remos a seguir a problemática acerca da memó ria individual A utilização do depoimento oral como fonte histórica nos impulsiona a uma re flexão sobre o fenômeno da memória em si Memória aqui entendida como propriedade de conservar certas informações por meio de um conjunto de funções psíquicas e cerebrais Nesse sentido a memória como produto de uma operação mental é um mecanismo muito complexo ainda hoje muito pouco conhe cido mesmo para as outras ciências que a ela se dedicam tais como a Neurologia a Psiquiatria a Psicologia e a Psicanálise 6 0 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA A seletividade e o esquecimento estão pre sentes no processo da memória Do ponto de vis ta psicanalítico o esquecimento não é visto como um fenômeno passivo ou uma simples deficiência do organismo As lembranças que incomodam são expulsas da consciência mas continuam atuan do sobre o comportamento no inconsciente en tendido como uma forma de funcionamento do psiquismo Uma dinâmica que foge ao controle de nossa consciência racional Portanto selecio nar ou esquecer são manipulações conscientes ou inconscientes decorrentes de fatores diversos que afetam a memória individual por um curtís simo espaço de tempo temos algo que se asseme lha a uma memória fotográfica mas isso dura ape nas uma questão de minutos esta fase específica é muito muito breve e então o processo de sele ção organiza a memória e estabelece espécies de vestígios duráveis por meio de um processo quí mico Thompson 1972 5 Há que se considerar que as pessoas idosas ao relatar as suas experiências de vida são de im portância fundamental para a História Oral En tretanto as pessoas de idade mais avançada estão sujeitas à deterioração do funcionamento do siste ma nervoso central mas neste caso a recordação de acontecimentos recentes se deteriora primeiro 6 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS O psiquiatra Sergio Ricardo Hototian6 rela tounos que a neuropsiquiatria esforçase para ter um conhecimento cada vez mais claro do processo da memória O hipocampo localizado no cérebro parece ser o principal centro da memória pois diversos estudos têm demons trado estreita relação entre a degeneração dessa estrutura com a doença de Alzheimer a princi pal causa de demências que se conhece até o momento Para esse local parecem estar direciona das as informações captadas pela sensopercep ção em uma complexa rede neuronal ainda pouco conhecida que envolve o córtex cerebral e as estruturas mais internas do cérebro A memória de fatos recentes na grande maioria dos casos de demência é a primeira a ser perdida ao mesmo tempo que a memória de fatos do passado surge com precisão rigoro sa de detalhes como diz Hototian que ainda afirma o hipocampo está para o cérebro assim como o historiador está para a humanida de sem eles nós humanos tornamonos de menciais ou seja perdemos o contato com a realidade de nossa frágil existência 6 É médico psiquiatra e pósgraduando do Departamen to de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP Relato à autora em 1942001 6 2 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Um fato curioso é que quanto mais anti gas e mais importantes forem as reminiscênci as mais persistentes elas se tornam em nossa memória A partir de nossa experiência concre ta como entrevistadora percebemos que os nos sos entrevistados diferem em sua capacidade de recordar e muitas vezes recordam os mes mo fatos de diferentes maneiras No geral o significado do que as pessoas dizem é o mesmo mas o vocabulário é dife rente Este último é indício de maneiras dife rentes de pensar e de se expressar A mesma pessoa escreve e fala de forma diferente Além disso o discurso oral natural e espontâneo é muito mais detalhado e expressivo ao passo que o discurso escrito é mais formal elaborado e estereotipado Mas voltando à questão da seletividade por que as pessoas não lembram determinadas coisas e por que algumas são lembradas Embora o cientista social não tenha respos tas para suas questões relativas ao processo da memória este depende da compreensão e inte resse individual e é influenciado pela necessi dade social 6 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Da Memória Pura à Memória Hist órica A psicologia científica teve início na França com a publicação de vários trabalhos a partir de 1880 Neste contexto surge Matière et Mémoire de Henri Bergson 18591941 em 1896 De acordo com Bergson a memóriapura a verdadeira memória se mantém subcons ciente ligada ao eu profundo e caracterizase pela singularidade pois as lembranças são úni cas e alcançam o indivíduo por meio de uma evocação Somente a memóriapura recupe raria o passado em sua totalidade e sem nenhu ma intenção utilitária Mas para que isto ocorra é necessário afastar o cérebro distanciálo da ação e creio que todo o nosso passado lá está subconsciente isto é presente a nós de tal maneira que nossa consciência para revelálo não necessita sair de si mesma nem acrescen tarse algo estranho ela só precisa para perce ber distintamente tudo o que ela contém ou melhor tudo o que ela é afastar um obstáculo levantar um véu Bergson 1974 103 Esse autor na construção de sua teoria so bre a memória privilegia o indivíduo e suas lem branças ignorando o meio social do qual esse indivíduo é oriundo e que é determinante sobre ele A obra memorialística é vista como uma fon te que permite simplesmente a apreensão factual 6 4 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA do passado ou seja o resgate de um aconteci mento que pela força da evocação mnemônica libertase das malhas do tempo e nos alcança inviolado Portanto recordar é reviver integral mente o passado A relação entre o autor e o conteúdo de sua lembrança é privilegiada re forçandose a importância do que é lembrado Além disso a experiência de vida que separa o memorialista do momento evocado é também ignorada como também impossível de ser com partilhada Contrapondose à teoria de Henri Bergson com a teoria psicossocial temos Maurice Hal bwachs o principal estudioso das relações en tre memória e história De seus estudos nasce ram as obras Os Quadros Sociais da Memória e A Memória Coletiva que colocaram a questão da memória sobre novas bases prolongando os estudos de Emile Durkheim que levaram a pes quisa de campo às hipóteses de Auguste Comte sobre a procedência do fato social e do siste ma social sobre fenômenos de ordem psicoló gica individual Com Durkheim o eixo das investigações sobre a psique e o espírito des locase para as funções que as representações e idéias dos homens exercem no interior do seu grupo e da sociedade em geral Essa preexistên cia do predomínio do social sobre o individual deveria por força alterar substancialmente o 6 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS enfoque dos fenômenos ditos psicológicos como a percepção a consciência e a memória Em Bergson o método introspectivo conduz a uma reflexão sobre a memória em si mesma como subjetividade livre e conservação espiritual do passado sem que lhe parecesse pertinente fa zer intervir quadros condicionantes de teor so cial ou cultural Bosi 1983 16 Maurice Halbwachs relativizando as idéi as de Bergson desenvolve uma teoria psicosso cial na qual salienta que lembrar não é reviver mas refazer reconstruir repensar com imagens e idéias de hoje A conservação total do passa do e a sua ressurreição só seriam possíveis se o adulto mantivesse intacto o sistema de repre sentações hábitos e relações sociais da sua in fância o que é impossível O passado não so brevive tal como foi porque o tempo transforma as pessoas em suas percepções idéi as juízos de realidade e de valor O autor em vez de tratar a memória isola damente busca sua compreensão na relação ho memsociedade Ele não vai estudar a memória em si mas os quadros sociais da memória As relações a serem determinadas já não se limitam ao mundo da pessoa e sim à realidade interpes soal das instituições sociais A memória do in divíduo depende do seu relacionamento com a família com a classe social com a escola com a 6 6 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA igreja com a profissão com os grupos de conví vio e os grupos de referências peculiares a esse indivíduo Nessa perspectiva lembrarse é uma ação coletiva pois embora o indivíduo seja o memorizador a memória somente se sustenta no interior de um grupo Bosi 1983 17 A reconstrução do passado portanto irá depender da integração do indivíduo em um grupo social que compartilha de suas experiên cias Será esse grupo que dará sustentação a suas lembranças Porém segundo Halbwachs é indispensável que haja entre o grupo e o me morialista uma identidade pela qual se eviden cie uma memória coletiva Conseqüentemente o isolamento ou a falta de contato com o grupo significará a perda do passado A partir dos estudos de Halbwachs que apontam o caráter coletivo da memória e assim lhe atribui uma função social é que podemos colocar a questão memorialística sob o ponto de vista históricosociológico Este redimensiona mento nos permite reavaliar e apresentar o de poimento oral como fonte para o historiador Destacando a importância da memória co letiva Le Goff 1984 24 nos adverte que a me mória onde cresce a história que por sua vez a alimenta procura salvar o passado para servir o presente e o futuro Devemos trabalhar de for 6 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS ma que a memória coletiva sirva para a liberta ção e não para a servidão dos homens Selet ividade e Subjet ividade De certo modo cada testemunho é uma versão e toda conclusão é um enfoque Luiz Carlos Lisboa A discussão acerca da natureza da memó ria levanos inevitavelmente a um dos aspec tos mais polêmicos das fontes orais a questão da credibilidade Para alguns historiadores tradicionais os depoimentos orais são tidos como fontes subje tivas por nutriremse da memória individual que às vezes pode ser falível e fantasiosa No en tanto em História Oral o entrevistado é consi derado ele próprio um agente histórico Nesse sentido é importante resgatar sua visão acerca de sua própria experiência e dos acontecimen tos sociais dos quais participou Por outro lado a subjetividade está presente em todas as fon tes históricas sejam elas orais escritas ou vi suais O que interessa em História Oral é saber por que o entrevistado foi seletivo ou omisso pois esta seletividade tem o seu significado 6 8 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Além disso a noção de que o documento escri to possui um valor hierárquico superior a ou tros tipos de fonte vem sendo sistematicamente contestada em um século marcado por um avan ço sem precedentes nas tecnologias de comuni cação Sigmund Freud em sua obra A Interpre tação dos Sonhos 1984 afirma que nada do que possuímos intelectualmente pode ser intei ramente perdido Ele discorda da idéia de re duzir o fenômeno do sonho ao da rememora ção pois existe uma escolha específica do sonho na memória uma memória específica do sonho Destaca ainda a importância funda mental da infância na constituição da memória A psicanálise freudiana tem sido freqüen temente questionada e reinterpretada O psi canalista francês Jacques Lacan 1985 por exemplo destaca o papel fundamental na apren dizagem da linguagem na infância na forma ção do nosso inconsciente que vem à tona por meio da linguagem e o qual é impossível com preender racionalmente Lacan considera a aqui sição da identidade sexual e pessoal como um processo simultâneo e sempre precário cujas bases se firmam ao ascender a criança à lingua gem escutando e aprendendo a falar Não nos cabe no presente estudo questio nar as pesquisas de Freud sobre o simbolismo 6 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS nem questionar as idéias de Lacan mas acredi tamos que na afirmação de Lacan de que o in consciente é estruturado como linguagem é muito importante Nesse sentido é interessan te observar como homens e mulheres contam suas histórias de maneiras diferentes Geralmen te os homens utilizamse da voz ativa as mu lheres da voz passiva O essencial consiste em considerar o signi ficado dos silêncios durante a entrevista Embo ra em sua prática o historiador oral deparese com situações de trauma comoção fantasia enfim ele não se utilizará de técnicas e da teo ria da psicanálise que tem como como possibi litar que o sujeito entre em contato com conteú dos recalcados de sua consciência e possa dessa maneira ser mais saudável O que siginfica ser mais capaz de realizar seu desejo no sentido psicanalítico O trabalho realizado pelo histo riador oral visa o registro de experiências e re presentações do indivíduo inserido num con texto social No entanto é bom lembrar que em nossa prática muitos entrevistados admitem que a experiência da entrevista tem colaborado para uma autoavaliação um questionamento e um repensar da própria vida Segundo Jan Vansina 1982 toda pessoa quando está contando uma estória está ao mesmo tempo tentando apre 70 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA sentar um tipo de imagem consistente de si mesmo e uma imagem de autodesenvolvimento lógico Acreditamos que embora as pessoas que chegam a uma certa idade estejam mais dispos tas para falar a verdade em decorrência da própria maturidade as estórias contadas podem muitas vezes ser distorcidas ou inventadas Nos últimos dez anos a História Oral tem se voltado para a questão da subjetividade e menos para a objetividade Os pesquisadores italianos Luisa Passerini 1984 e Alessandro Portelli 1991 1993 1997 têm se dedicado ao estudo da questão em vários artigos e livros privilegiando as relações entre classe operária e fascismo e memória popular Portelli argumenta que as fantasias e mes mo os casos de transferência que aparecem nas estórias são importantes para a memória das pessoas Deste modo os fatos que as pessoas lembram ou esquecem seriam a substância da qual é feita a história Esses fatos apenas sobre vivem se fazem sentido para as pessoas e que por sobreviverem tornamse fatos históricos conseqüentemente não há fonte oral falsa Portelli salienta ainda que nós temos checado a credibilidade das fontes orais com todos os critérios adotados pela crítica histórica aplica dos para todo tipo de documento A diferença 71 SÔNIA MARIA DE FREITAS da fonte oral encontrase no fato de que os de poimentos não verdadeiros são psicologicamen te verdadeiros e que esses erros às vezes revelam mais dados que o relato exato A credibilidade da fonte oral não deve ser avaliada por aquilo que o testemunho oral pode freqüentemente esconder por sua ine xatidão para com os fatos mas na divergência deles onde imaginação e simbolismo estão presentes A Paixão da Memória foi o título da pa lestra proferida pela escritora Nélida Piñon no jornal Folha de S Paulo Para ela a memória é como uma entidade que persegue o ser hu mano e que não está a serviço do homem tanto como ele pensa Ao mesmo tempo a memória é a matéria mais irrenunciável do homem A memória não tem coesão não tem lógica não tem simetria e é fragmentada múltipla confu sa um turbilhão que se apossa do seu ser da sua integridade Essa descrição diz respeito ao inconsciente freudiano Quanto à relação da me mória com o tempo Piñon diz que a memória não tem uma compreensão profunda da passa gem do tempo Ela embaralha tudo mistura Daí seu poder de viajar para qualquer época Enquanto nós envelhecemos nossa memória não compreende com exatidão a passagem do tempo Ela funde costura os tempos De acor 72 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA do com a conclusão da escritora somos todos narradores Ainda que não escrevamos nossa memória está sempre narrando os fatos que vi vemos ou que pensamos ter vivido 7 Ainda sobre as fantasias das pessoas Paul Thompson argumenta que inventar um passa do imaginário que deve ter acontecido é uma forma de preservar suas crenças e sua ideolo gia E que a subjetividade é de fato a única força da História Oral pois aquilo que o depoente acredita é para ele mais importante do que aquilo que realmente aconteceu Sabemos que as memórias são fragmenta das e que nós as reconstruímos enquanto fala mos A entrevista ajuda as pessoas a recuperar seus traumas leva a uma melhor compreensão de si e de seu passado A História Oral é a ciên cia do indivíduo Respeitar e valorizar as dife renças individuais numa sociedade cada vez mais massificada é fundamental Aqui se destaca a dimensão social da História Oral e a atuação do historiador Portelli 1997 Quanto à questão da fidelidade acredita mos que o historiador deve ser fiel à entrevista porque a fita gravada é um documento histórico que pode ser usado por outros historiadores 7 Folha de S Paulo 5 ago 1999 Caderno Mais p 510 73 SÔNIA MARIA DE FREITAS Mercedes Vilanova afirma que Nunca antes na história da humanidade houve a possibilida de da não manipulação dos diálogos A fonte oral que é fonte porque está gravada numa fita não necessariamente transcrita introduz uma revolução historiográfica porque impede que os diálogos sejam manipulados como têm sido até o presente 8 Paul Thompson 1992 privilegia a grava ção como elemento mais importante conside rando que sua origem é oral posição com a qual nos afinamos Há autores que dão maior importância ao texto final Nessa linha destacase Philippe Joutard para quem la grabación solo es un medio y la cinta magnética es un estado provisional de la constituición del documento cada entrevista es sistemáticamente transcrita y dactilografada Desde esta perspectiva el documento original no es la cinta por la que hay poca preocupación sino el texto escrito y corregido 9 8 VILANOVA Mercedes Pensar a subjetividade estatísticas e fontes orais In FERREIRA M de M História oral Rio de Janeiro CPDOCFGVDiadorim 1994 p 48 9 JOUTA RD Philippe Esas voces que nos llegan del pasado México Fondo de Cultura Económica 1986 p 111 74 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA Para Daphne Patai 1989 a entrevista é uma criação textual fazendo parte de sua me todologia tornar a leitura mais compreensiva por meio da reestruturação do depoimento Nessa mesma linha José Carlos Sebe Bom Meihy na transcrição da entrevista assume uma postura mais radical Para esse autor o texto final tem o teor literário expressando as idéias e a essência do que foi dito e não as palavras do depoente Na verdade Meihy em sua prática de História Oral adequou dois conceitos da lingüística o da transcriação proposto por Haroldo de Cam pos e o de teatro de linguagem formulado por Roland Barthes10 No ponto de vista de Pierre Bourdieu o processo do discurso oral para o escrito está submetido a dois conjuntos de obrigações difí ceis de conciliar as obrigações de fidelida de a tudo que manifesta durante a entrevista e que não se reduz ao que é realmente registrado na fita magnética que levariam a tentar restituir ao discurso tudo que lhes foi tirado pela trans crição para o escrito e pelos recursos ordinários da pontuação muito fracos e muito pobres e que fazem muito amiúde todo o seu sentido e 10 Cf M EIHY José Carlos Sebe Bom Canto de morte Kaiowá história oral de vida São Paulo Loyola 1991 p 2933 11 BOURDIEA U Pierre Org Compreender In A miséria do mundo Petrópolis Vozes 1997 p 709 75 SÔNIA MARIA DE FREITAS o seu interesse mas as leis de legibilidade e com petências muito diversas impedem a publicação de uma transcrição fonética acompanhada das notas necessárias para restituir tudo que foi per dido na passagem do oral para o escrito isto é a voz a pronúncia principalmente em suas varia ções socialmente significativas a entonação o ritmo cada entrevista tem seu tempo particular que não é o da leitura a linguagem dos gestos da mímica e de toda a postura corporal etc 11 Conforme meu entendimento a História Oral pressupõe projeto pesquisa técnica de entrevista postura ética com relação ao entre vistado assim como de respeito ao entrevista do ao que foi dito Aliás saber ouvir é a carac terística fundamental do oralista O entrevistador não é passivo e nem neutro na medida em que com suas perguntas ele participa e dirige o pro cesso da entrevista prepara o roteiro seleciona as perguntas e introduz questões e temas a se rem abordados pelo entrevistado O documen to final é o resultado de um diálogo entre pes quisador e pesquisado Raphael Samuel fundador do movimento e da revista History Workshop na GrãBreta nha salienta que o historiador não deve impor critérios na fala de seus informantes e que mes mo ele conservando o privilégio da seleção deve utilizar a fonte oral com o mesmo escrúpulo 76 HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL x MEMÓRIA como se estivesse trabalhando com fontes im pressas ou manuscritos indicando quaisquer cortes feitos Fala ainda da importância de pre servar e dar oportunidade de uso para outros historiadores no futuro sua maior contri buição poderia bem ser na coleta e segura pre servação do seu material mais do que no uso imediato que consegue encontrar para ele ou o modo de relatálo Historiadores no futuro examinarão com novo interesse os materiais que coletamos formularão novas perguntas e procu rarão outras respostas Por maior que seja o êxito que conseguimos na execução das nossas tare fas de pesquisa é mais provável que sua obra divergirá da nossa A menos que gravações pos sam ser preservadas na sua integridade original e disponibilizadas livremente para a consulta de outros pesquisadores permanecerão para sem pre fechadas dentro das preocupações do pes quisador imunes a críticas e incapazes de ser vir de base para a continuação da pesquisa 12 12 SA MUEL Raphael Perils of the transcript In PERKS Robert THOMPSON Alistair The oral history reader New York Routledge 1998 p 3912 77 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral pot encialidade e possibilidades A potencialidade da História Oral está no fato de ela poder ser utilizada fora dos limites da cultura acadêmica nos museus nos meios de comunicação em centros comunitários e ou tras instituições Entre as possibilidades vale destacar o uso da História Oral para a gerontologia para a qual o processo de reminiscência de pessoas idosas tem implicações sociais O A ge Exchange Reminiscence Centre 1 é uma instituição inglesa que tem realizado intensa atividade no campo da reminiscência ao longo dos anos produzin do peças livros e exposições baseadas em me mórias de pessoas idosas Essa instituição tor nouse também um museu do cotidiano com objetos e utensílios que datam do começo do século onde as pessoas idosas são encorajadas 1 Age Exchange Reminiscence Centre Camden Row Blackheath London SE3 OQA UK 78 HISTÓRIA ORAL POTENCIALIDADE E POSSIBILIDADES a manusear objetos que fizeram parte de suas vidas e a falar de suas experiências Dessa for ma além de estimular a memória o Centro per mite o desfrute do lazer do convívio que se mostram na verdade atividades terapêuticas Na prática didática um projeto de His tória Oral pode ser desenvolvido em diferen tes contextos tanto iniciativa individual quan to trabalho coletivo em préescolas no ensino fundamental e médio nas universidades na educação de adultos É bastante expressiva a quantidade de material impresso e audiovi sual produzido por conceituados editores para fins didáticos na GrãBretanha e nos Estados Unidos Para os professores de História um pro jeto de História Oral abre os caminhos para a exploração da história local e de temas contem porâneos Mas um projeto de História Oral não se limita a professores de História ele pode também ser desenvolvido por professores de Língua Portuguesa Geografia Educação Ar tística ou pode auxiliar a integração entre essas áreas numa pesquisa interdisciplinar Nessa perspectiva esse trabalho possibilita a discus são e o sentido de cooperação no grupo de senvolve habilidades com a própria linguagem colaborando assim para o aprendizado dos alunos 79 SÔNIA MARIA DE FREITAS A partir de centros comunitários e associa ções de bairro é possível reconstruir a história local bem como a consciência do grupo Entre tanto como afirma Paul Thompson 1992 22 a História Oral não é necessariamente um ins trumento de mudança isso depende do espíri to com que seja utilizada Não obstante a His tória Oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalida de da história Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos cam pos de investigação pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos entre gera ções entre instituições educacionais e o mundo exterior e na produção da história seja em li vros museus rádio ou cinema pode devol ver às pessoas que fizeram e vivenciaram a his tória um lugar fundamental mediante suas próprias palavras 2 A História Oral possibilita novas versões da História ao dar voz a múltiplos e diferentes narradores Esse tipo de projeto propicia sobre tudo fazer da História uma atividade mais de mocrática a cargo das próprias comunidades já que permite produzir história a partir das pró prias palavras daqueles que vivenciaram e par 2 As diferentes possibilidades da História Oral são apre sentadas pelo autor no capítulo dedicado à História Oral e Comunidade 8 0 HISTÓRIA ORAL POTENCIALIDADE E POSSIBILIDADES ticiparam de um determinado período por in termédio de suas referências e também do seu imaginário O método da História Oral possibi lita o registro das reminiscências das memórias individuais a reinterpretação do passado en fim uma história alternativa à história oficial O oralista italiano Alessandro Portelli 1981 96 afirma que a primeira coisa que diferencia história oral é que ela nos diz menos a respeito dos acontecimentos em si do que do seu signifi cado Isto não quer dizer que a História Oral não possua interesse factual entrevistas muitas vezes revelam fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de fatos conhecidos e elas sem pre jogam uma luz nova sobre aspectos inex plorados da vida cotidiana das classes nãohe gemônicas Para esse mesmo autor o testemunho oral tem sido amplamente considerado como fonte de informação sobre eventos históricos Ele pode ser encarado como um evento em si mesmo e como tal submetido a uma análise independen te que permite recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido como também a atitude do narrador em relação a eventos à subjetivida de à imaginação e ao desejo que cada indivíduo investe em sua relação com a história 1993 41 No nosso entender a grande potencialida de da História Oral é que essa permite a inte 8 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS gração com outras fontes a confrontação entre as fontes escritas e orais e a sua utilização mul tidisciplinar Mas a fonte oral é resultado da re lação e interação entre informante e pesquisa dor Por isso considero fundamental que esse trabalho seja feito por um historiadorsociólogo antropólogo ou no mínimo que o projeto seja orientado por um desses profissionais levan dose em conta a formação específica e os méto dos de pesquisa e análise do cientista social Entretanto o resultado de uma pesquisa em História Oral irá depender da cultura histórica do pesquisador e da sua base teórica Os depoimentos resultam em fontes his tóricas que são por excelência qualitativas mas todo pesquisador devese valer de todas as fon tes disponíveis a fim de obter um quadro o mais enriquecedor possível do período ou tema em análise 8 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Met odologia de Colet a e Ut ilização da Hist ória Oral A realização de uma pesquisa utilizando a metodologia da História Oral pressupõe a ne cessidade de um conjunto de orientações A des crição sumária que faremos a seguir é fruto da bibliografia a que tivemos acesso no Brasil e no exterior e principalmente da experiência adqui rida com a implantação e coordenação de dois projetos Museu da Imagem e do Som e Me morial do ImigranteMuseu da Imigração am bos da Secretaria de Estado da Cultura e sobre os quais falaremos mais adiante Interessada em aprofundar utilizar e valo rizar a metodologia de História Oral em traba lho acadêmico ingressei no curso de pósgra duação no Departamento de História da FFLCH USP em 1988 elegendo como objeto de estudo a Faculdade de Filosofia Ciências e LetrasUSP utilizei para a pesquisa a metodologia de Histó ria Oral O trabalho que resultou numa disser tação de mestrado teve por objetivo contribuir para as discussões e estudos teóricos e meto 8 4 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL dológicos sobre o uso de fontes orais no traba lho historiográfico Essa pesquisa transformou se na obra intitulada Reminiscências publicada pela editora Maltese em 1993 No mesmo departamento apresentamos projeto de pesquisa para o ingresso na pósgra duação nível de doutoramento em 1996 A pesquisa resultou na tese Falam os Imigrantes Memória e Diversidade Cultural em São Pau lo apresentada e aprovada em abril de 2001 Partindo do registro da memória de alguns grupos de imigrantes com o intuito de recons truir parte da história social do processo imi gratório para o estado de São Paulo esse tra balho procura evidenciar uma história comum a todos esses grupos particularmente os traços culturais e de que maneira eles reconstruíram e vivenciaram as suas identidades étnicas no país adotivo Apresenta uma análise sobre o uso de fontes orais no trabalho historiográfico e utilizando a História Oral como metodologia de pesquisa busca por meio de fontes orais o registro histórico a partir da memória de cada grupo e da problemática interna de cada um deles Aborda também o processo histórico da imigração e da constituição de 10 grupos nacio naisétnicos em São Paulo armênios chineses espanhóis húngaros italianos de Monte San 8 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Giacomo e Sanza lituanos okinawanos polo neses russos ucranianos Destaca ainda a importância da imigra ção para o estado pois os imigrantes com o seu trabalho seus dramas e trajetórias pessoais participaram das principais transformações eco nômicas e sociais ocorridas no estado de São Paulo a partir do final do século XIX Elaboração de Projet o O primeiro passo a ser dado é elaborar um projeto definindo o tema e os propósitos da pes quisa Ao se eleger um tema é importante que esse seja relevante para as questões históricas mais amplas Sendo um método por excelência voltado para a informação viva a História Oral abarca o período contemporâneo da História Portanto após a definição do tema há que se definir o nome das pessoas a serem entrevista das A relação de nomes nunca é definitiva pois muitas vezes um depoente levanos a descober ta de outros algumas vezes a pessoa eleita pode declinar do nosso convite Nessa modalidade de trabalho corremos o risco de gravar memó rias confusas e debilitadas pois na velhice pode ocorrer nas pessoas o fenômeno da senilidade com perda ou descontrole da memória 8 6 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL Na pesquisa sobre a FFCLUSP a primeira seleção foi realizada a partir do levantamento de nomes no Anuário da Faculdade de Filoso fia Ciências e LetrasUSP do período enfocado Da listagem inicial que privilegiou as décadas de 30 40 e os primeiros anos da década de 50 algumas pessoas não aceitaram o convite ale gando compromissos profissionais ou familia res outros demonstraram resistência à idéia da entrevista gravada Durante o desenvolvimento do projeto houve também falecimentos de pes soas que constavam da nossa listagem Há que se preocupar com a qualidade e não com a quantidade de entrevistas a serem realizadas Além disso não se deve limitar o tempo de duração das entrevistas e essas de vem respeitar sempre a velocidade e as formas de se expressar de cada indivíduo O entrevis tador não deve levar o entrevistado à exaustão pois ele pode falar compulsivamente por várias horas ao rememorar o seu passado Acredito que uma entrevista não deva ter mais que duas ho ras de duração Pesquisa Uma vez definido o tema com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre o objeto 8 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS de estudo passamos então à fase da pesquisa bibliográfica biográfica e investigação exaustiva em fontes primárias e secundárias Confecção de fichas bibliográficas e de cronologia colabo ram para o bom desempenho da pesquisa Em um projeto de História Oral devese sempre elaborar fichas biográficas a partir do currículo do entrevistado e também uma crono logia da trajetória marcos significativos da pes soa eou assunto em questão Obviamente co nhecendo o assunto o entrevistador poderá se sentir mais seguro na realização de uma entre vista Além disso o entrevistador estará lidan do com a memória que às vezes pode ser vaga em relação a coisas que aconteceram e por isso o entrevistador pode e deve ajudar as pessoas a resgatar as suas memórias principalmente quan do for solicitado Nesse trabalho percebemos que muitas vezes as pessoas confundem datas acontecimen tos nomes de pessoas de cidades ou de insti tuições percebemos também como no projeto sobre a FFCLUSP que os depoentes por se rem pessoas intelectualizadas e bastante expres sivas na cultura brasileira tornaramse mais aces síveis à medida que no decorrer da entrevista notaram que estávamos familiarizados com o assunto ao ajudálos a esclarecer nomes e da tas em algum momento Sem dúvida podemos 8 8 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL provocar desinteresse por parte do depoente se esse letrado ou não perceber o nosso des conhecimento sobre o assunto abordado Verena Alberti aponta que na História Oral a pesquisa e a documentação estão inte gradas de maneira especial e peculiar uma vez que é realizando uma pesquisa em arquivos bibliotecas etc e com base em um projeto que se pode produzir entrevistas que se transforma rão em documentos os quais por sua vez se rão incorporados ao conjunto de fontes para novas pesquisas A relação da história oral com arquivos e demais instituições de consulta e documentos é portanto bidirecional enquanto se obtém das fontes já existentes material para a pesquisa e a realização de entrevistas estas úl timas tornarseão novos documentos enrique cendo e muitas vezes explicando aqueles aos quais se recorreu de início 1989 45 O Rot eiro A partir da definição do tema e da realiza ção da pesquisa elaborase um roteiro geral para as entrevistas Todo entrevistador precisa saber como conduzir a sua entrevista as questões mais importantes a serem perguntadas e até onde ir nessa entrevista 8 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS No nosso entender uma entrevista sem roteiro e direção tende a ser subjetiva e sem dados realmente fundamentais para a pesqui sa Por um lado o que o depoente considera relevante pode não ser do ponto de vista de nosso trabalho Por outro lado levantar ques tões é útil para as pessoas que falam pouco ou que têm certa dificuldade de se expressar oral mente Em nossos projetos elaboramos um rotei ro amplo e abrangente que é utilizado em to das as entrevistas para se garantir uma certa unidade dos documentos produzidos Porém normalmente fazemos uma diferenciação nos ro teiros destinados a homens e mulheres e às di ferentes atuações profissionais de cada um A aplicação dos roteiros nas entrevistas não é feita de forma rígida uma vez que muitas ques tões vão surgindo naturalmente no discurso do depoente no transcurso da entrevista e essas às vezes nos suscitam outras Cada entrevista tem a sua própria dinâmica e cada entrevistado mostranos diferentes interesses na abordagem de determinadas questões É preciso deixar claro que nosso roteiro tem caráter temático e não se restringe à trajetória de vida de nossos entrevistados Consideramos estritamente aquela parte da vida do entrevista do ligada ao tema de estudo Levamos sempre 9 0 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL em consideração a área de interesse e atuação do depoente e a especificidade do tema relacio nandoas sempre que possível Em geral o roteiro segue uma ordem cro nológica da trajetória dos entrevistados origem formação influências marcos significativos Não há nenhuma rigidez nesta ordem cronológica cada depoente segue rumos mais ou menos se qüenciais embora em algumas ocasiões ele dê saltos altos com intenção de evitar algum perío do ou situação embaraçosa em sua vida Muitas vezes o depoente nos introduz importantes questões não previstas no roteiro original o que resulta em um enriquecimento da pesquisa Procuramos manter sempre o con trole da entrevista no sentido de garantir as per guntas eou questões não abordadas pelo de poente Devese evitar o fornecimento do roteiro ao depoente antes da entrevista É comum pes soas socialmente importantes ou seus asses sores nos pedirem previamente a pauta ou roteiro Forneçaa somente se esta for a condi ção da realização da entrevista pois o contato prévio induzirá o depoente a tentar elaborar respostas tirando a espontaneidade da fala Além disso ele poderá ficar angustiado e ten so pelo fato de não se lembrar das respostas premeditadas 9 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS A Ent revist a e suas Est rat égias de Condução Após a elaboração do roteiro e mediante a lista dos possíveis entrevistados passamos a contatar e a agendar as entrevistas com as pes soas que concordem em dar o seu depoimento O contato inicial é feito por telefone durante o qual informamos ao entrevistado sobre o pro pósito do projeto e da importância de seu de poimento para a realização da pesquisa Antes do início da entrevista asseguramos aos nossos entrevistados que naquela entrevista ele terá todo o direito de não opinar sobre aquilo que não lhe for conveniente solicitar o desliga mento do equipamento quando considerar ne cessário ou mesmo censurar trechos da entre vista gravada e da sua respectiva transcrição Procuramos também em toda entrevista ter o cuidado de não interferir na fala e nunca fazer nenhum juízo de valor Ou seja ouvimos experiências e interpretações e em nenhum mo mento a nossa opinião pessoal sobre determi nada questão é colocada A nossa preocupação e da História Oral é garantir a visão de mun do as idéias os sonhos e as crenças dos de poentes Nessa narrativa a imaginação se mis tura com a realidade A nossa experiência como entrevistador pesa bastante na condução das entrevistas Acre 9 2 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL ditamos que um bom desempenho na realiza ção de uma entrevista depende de conselhos e informações obtidas de livros e manuais espe cíficos sobre o método da História Oral mas esse bom desempenho está diretamente vincu lado à práxis Saber entrevistar se aprende en trevistando Uma entrevista é uma troca de experiência entre duas pessoas É uma relação que se esta belece entre pessoas com experiências forma ção e interesses diferentes São pessoas que apesar de pertencerem a diversas faixas etárias e diferentes condições socioeconômicas e cultu rais estarão dialogando e interagindo sobre uma mesma questão Geralmente conseguimos atingir uma certa empatia e estabelecer alguma cumplicidade com os entrevistados na tarefa proposta Enfim a nossa intuição e sensibilidade aliadas à expe riência de escuta ainda constituem os melhores instrumentos de que dispomos para a nossa fi nalidade de registrar narrativas orais que tor namse evidências e dão sustentação à memória histórica Em uma situação de entrevista o entrevis tado sempre espera que o entrevistador faça al guma pergunta Se isso não ocorrer o entrevis tado ficará perturbado surpreso e assustado não sabendo o que fazer 9 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS A entrevista puramente espontânea não existe A questão é saber o quanto devemos perguntar e desenvolver as nossas questões Isso irá depender do tipo de pessoa que entrevista remos Algumas pessoas mais idosas não são muito falantes Essas necessitam da nossa aju da com perguntas para saberem exatamente em que estamos interessados Mas existem ou tros tipos de pessoas que são mais confidentes articuladas e que detêm um maior grau de in formação Uma regra básica em História Oral é que nunca devemos interromper uma fala e nunca devemos demonstrar desinteresse Se o entre vistado se distanciar muito da questão em pau ta devemos aproveitar uma pausa e com muito tato dizer isto é muito interessante mas Dependendo do jeito que interrompemos um assunto poderemos reprimir o depoente e não conseguirmos o que realmente queremos ou vir Aliás saber ouvir as pessoas é uma carac terística fundamental do pesquisador que utili za a História Oral como instrumento em sua pesquisa Como já dissemos anteriormente as ques tões colocadas devem ser sempre neutras e nun ca devemos colocar nossa posição ou fazermos qualquer julgamento Tampouco devemos de monstrar não estarmos acreditando nas palavras 9 4 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL do depoente mesmo quando percebemos que o seu discurso não é natural e verdadeiro O entrevistador deve saber respeitar a lógica e o ritmo de cada entrevistado Muitas vezes as pessoas ao buscarem a sua memória acabam refletindo sobre o próprio passado emocionan dose Devemos saber respeitar as lágrimas e os momentos de emoção que se apresentam du rante a entrevista Às vezes o silêncio é elo qüente e pode tornarse um forte elemento na interpretação da entrevista As perguntas devem ser colocadas da for ma mais simples direta e natural possível Isso não é fácil de se fazer durante a entrevista A improvisação tende a nos levar à confusão Por isso a elaboração das perguntas deve ser fei ta junto com a confecção do roteiro Indubita velmente uma melhor relação entre entrevis tado e entrevistador será estabelecida se este último estiver bem familiarizado com as per guntas e com o assunto Se a formulação da pergunta é feita de forma complicada o entre vistador pode se embaraçar na apresentação da mesma ou o depoente não entendêla Procuramos também evitar perguntar duas coisas ao mesmo tempo caso contrário corre mos o risco de obtermos somente parte da res posta A formulação da questão depende do tipo de resposta de que necessitamos devemos 9 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS formular uma pergunta que conduza nosso en trevistado a uma resposta precisa Aprendemos a não dizer sim sim a não emitir qualquer tipo de som ou a fazer qual quer tipo de comentário durante a entrevista Procuramos fazer movimentos com a cabeça ou sorrir pois sabemos que esses gestos encorajam as pessoas a falar Procuramos evitar questões fechadas que normalmente levam as pessoas a responder sim ou não e optamos pelas questões abertas que as levam a falar mais Esse tipo de trabalho exi ge memória rápida e muita concentração para não repetirmos questões e muita atenção à con sistência e possíveis contradições do depoente Um caderno de campo para essas ou outras observações enriquecerá a pesquisa e será de grande utilidade para o pesquisador no momen to da análise do conteúdo Os entrevistados quando formadores da elite artísticocultural do país por um lado im põemnos uma melhor preparação por se tratar de pessoas altamente intelectualizadas e expres sivas mas por outro lado justamente por se rem pessoas muito articuladas acostumadas a falar em público com muita freqüência demons tram muita facilidade em seus discursos orais espontâneos Nenhuma estranheza ou hostili dade ao equipamento tem sido por mim perce 9 6 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL bida mesmo por parte das pessoas mais sim ples e com vida menos glamourosa Percebo nas pessoas que entrevisto para o Memorial do ImigranteMuseu da Imigração uma certa grati dão por serem lembradas e suas vidas valoriza das tornadas importantes e perpetuadas Mui tos entrevistados retornam inúmeras vezes ao Museu como se aquele espaço físico fizesse parte de suas vidas ou como se eles fizessem parte daquele prédio onde muitos deles ficaram alo jados Talvez por suas histórias cruzarem com a história do edifício ao reencontrarem aquele lugar reencontram o seu próprio passado como se aquele espaço tornasse real a história que alguns tinham como uma ficção uma história dramática permeada de incertezas tristezas perdas e abandonos Muitos não sabiam os li mites entre a imaginação e a realidade Tinham apenas fragmentos nebulosos de memória mes clados de sonhos e fantasias Ao reconhecerem o espaço alguns se reconhecem como persona gens de uma verdadeira história Local da Ent revist a O local a ser realizada a entrevista deve ser determinado pelo entrevistado Seja no tra balho ou na residência deixe que ele escolha 9 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS sua cadeira ou sofá preferido pois esses ele mentos que integram o seu cotidiano colabo ram para seu bemestar físico e psíquico Duração A duração de uma entrevista no meu pon to de vista nunca deve ultrapassar duas horas de gravação Em função das necessidades e ob jetivos da pesquisa a entrevista poderá ter dife rente caráter ser do tipo história de vida ou temática e exigir a realização em várias etapas Procediment os PósEnt revist a Transcrição e Conferência Dependendo dos propósitos de cada pro jeto uma entrevista de História Oral terá uma forma final de apresentação Quando se decide pela apresentação na forma escrita é o caso dos projetos que têm objetivos acadêmicos ela deve necessariamente passar por algumas etapas A primeira delas é a realização da transcri ção na íntegra das entrevistas gravadas e em seguida a leitura e conferência do material Após 9 8 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL a digitação o texto deve ser enviado ao depoen te para correção de nomes próprios termos téc nicos e quando necessário complementação de frases Alertamos nossos depoentes da necessi dade de se garantir o máximo possível a origi nalidade e a espontaneidade das entrevistas pois um discurso escrito elaborado torna a entrevis ta oral sem função É nossa preocupação ser o mais fiel possível ao que foi gravado dando mais importância ao conteúdo e menos à forma en tendida como estilo Isto não significa que dei xamos de retirar das transcrições as redundân cias e vícios de linguagem em comum acordo com os depoentes Apesar do alerta cheguei a receber transcrição com mais de 50 de seu con teúdo alterado Na transcrição do discurso oral para o es crito devese então suprimir as palavras ou expressões repetidas ou aquelas que forem retificadas pelo entrevistado No discurso oral é muito comum as pessoas recorrerem a palavras ou expressões de função fática que não têm um valor semântico no discurso por exemplo quer dizer entendeu justamente realmente assim aí sabe não é então são vícios de lingua gem ou palavras de apoio São comuns e recor rentes na comunicação verbal correspondendo à função fática da linguagem e servem para pro longar ou interromper a comunicação para veri 9 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS ficar se o canal funciona para atrair a atenção do interlocutor ou confirmar sua atenção conti nuada Jakobson 1969 126 Verificamos que muitas vezes o orador busca ganhar tempo para articular o que tenciona dizer Às vezes por deficiência na construção de frases o entrevistado omite o termo fundamen tal da oração Nesse caso devese acrescentálo quando este estiver claro no contexto Se a en trevista for transformada em livro ou outro tipo de publicação os erros gramaticais como con cordância regência reordenação sintática das orações deverão ser corrigidos Por esses motivos e para se evitar mani pulações é que o documento sonoro deve ser preservado e sempre que possível o pesquisa dor deve preferilo às transcrições Todo esse processamento significa um exaustivo e longo trabalho Geralmente necessitase pelo menos seis horas de trabalho para transcrever uma hora de entrevista A desvantagem da transcrição de uma en trevista é que essa de uma certa forma impede a percepção de elementos importantes como o tom e velocidade da voz as pausas as lágri mas etc Embora a transcrição permita uma maior divulgação do material a partir do mo mento em que se estabelece no depoimento a adoção de normas e padrões cultos rigorosos 10 0 METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL ela acaba descaracterizando a fala original e todo um contexto em que foi produzida Alguns pro fissionais dedicamse sobremaneira ao trabalho com o texto transformando a entrevista origi nal e dela se distanciando Embora algumas alterações na transcrição do depoimento sejam inevitáveis como ante riormente dito principalmente em se tratando de pessoas cultas e públicas insistimos na idéia de que todo pesquisador que é viciado na leitu ra de texto escrito deve preferir o audiovisual Quest ões Ét icas e Legais Após a revisão final do texto o entrevista do deve assinar um termo de doação do de poimento seja à instituição onde o projeto foi desenvolvido seja ao entrevistador em se tra tando de pesquisa individual Nesse termo de verão constar possibilidades e restrições à con sulta que também vão ser definidas pelo doador Dessa maneira o pesquisador estará evitando possíveis problemas futuros com os descendentes e herdeiros do depoente Quanto à relação entre ética e História Oral gostaria de destacar a realização de seminário sediado na PUCSP no qual discutiuse especi ficamente a questão resultando na edição do 10 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS livro Ética e História Oral em 19951 O texto de apresentação do catálogo salienta argutamen te que a incorporação de novos sujeitos histó ricos e de novos campos de investigação exi gem daqueles que trabalham com a História Oral um esforço de crítica constante diante das múltiplas situações e dilemas encontrados O respeito a diferenças e individualidades e a cons tante mutação de valores tornam imperativa por tanto uma aproximação entre a História Oral e o estudo da Ética À guisa de exemplificação foram anexa dos modelos do termo de cessão gratuita de di reitos sobre o depoimento oral ficha catalográfica das coleções e termo de compromisso de uso 1 O evento e o livro foram organizados pela pesquisadora Daisy Perelmutter 10 3 SÔNIA MARIA DE FREITAS Hist ória Oral x Projet os Individuais e Inst it ucionais Nas últimas décadas assistimos à expan são desenfreada dos meios de comunicação de massa jornal rádio televisão cinema Essa expansão colaborou para revalorizar a oralidade e a imagem em detrimento do discurso escrito Gravadores de fitas cassete e mais tarde as câmeras de vídeo foram incorporados ao coti diano das pessoas Hoje os computadores do minam a cena tempo de multimídia sistemas interativos vídeoconferências satélites Internet Seguindo a tendência de incorporar novas tecnologias novas linguagens e novos temas houve a proliferação de projetos de História Oral em museus de diversos países o Ellis Island Immigration Museum Nova Iorque o Museu da Diáspora Israel o National Sound Archive Londres o Museu da Imagem e do SomMIS o de São Paulo e o do Rio de Janeiro o Museu Marc Chagall Porto Alegre e mais recentemente o Memorial do ImigranteMuseu da Imigração 10 4 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS em São Paulo apenas para citar alguns exem plos Vale também destacar a criação de diver sos museus departamentos de patrimônio his tórico ou centros de memória por empresas e instituições públicas e privadas que se dedicam ao trabalho de resgate e preservação da memó ria histórica As experiências citadas anteriormente en tre outras são voltadas para temas específicos as questões históricas mais amplas ainda per manecem pouco exploradas É como se não hou vesse o movimento da história o dinamismo e as mudanças que marcam as culturas Ignoram se as transformações ocorridas no mundo con temporâneo Por um lado talvez há 30 ou 40 anos não imaginássemos que o mundo tomaria os rumos que tomou na velocidade e propor ções atuais As novas tecnologias estão domi nando a cena O realismo deixou de ser fantás tico para tornarse virtual Bites megabites e gigabites determinam a potência e dinâmica no processamento das informações Tempos de neo liberalismo globalização da economia e para doxalmente o renascimento de nacionalismos e conflitos étnicos Sofisticação do Capital Por outro lado no campo social os movimentos de trabalhadores do campo e da cidade dos ne gros das mulheres dos gays em busca de ci dadania e melhores condições de vida pressio nam os poderes públicos e econômicos 10 5 SÔNIA MARIA DE FREITAS Entretanto as transformações e as tendên cias do mundo contemporâneo são totalmente ignoradas pela maioria dos museus visitados no Estado de São Paulo e em outros Estados Eles se limitam ainda a privilegiar a taxidermia a numismática sacralizando a memória dos he róis locais ou nacionais São espaços sombrios e enfadonhos que pouco têm atraído um públi co cada vez mais alienado pelos meios de co municação Diante dessa perspectiva fazse necessá rio um balanço um redimensionamento enfim atualizar os museus e reciclar os seus técnicos Um museu deve refletir a sociedade que repre senta expressando a sua realidade e os anseios demandas da sociedade civil Há que se reconsiderar o papel dos mu seus seu objetivo sua abrangência seus crité rios de coleta de acervo bem como neles incor porar novos suportes novas linguagens e novas metodologias Afinal como e o que estamos coletando do século XX Nesse contexto a His tória Oral pode dar uma grande contribuição ao registrar a experiência humana no mundo contemporâneo Embora um projeto individual por exem plo uma tese acadêmica eleja a entrevista de História Oral como fonte privilegiada produ zindo um conjunto de depoimentos um proje 10 6 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS to institucional objetiva fundamentalmente a constituição de um acervo aberto ao público Direito de acesso à memória histórica é também uma questão de cidadania Um acervo criado a partir de um projeto institucional deve ser pro cessado catalogado e armazenado para consul ta garantindo assim a sua disseminação Nes sa perspectiva assumimos a posição de que todo material produzido por projeto individual de veria ser preservado com a sua doação a insti tuições públicas Para a implantação de um projeto institu cional fazse necessária a elaboração de projeto de pesquisa que contenha objetivos tema re cortes metodologias e diretrizes a serem em pregados Outros procedimentos serão neces sários em decorrência de especificidades de cada projeto de pesquisa À guisa de exemplo relato a seguir duas experiências antagônicas porém bastante fecundas Ao longo de 20 anos de atuação na Secre taria da Cultura tive a oportunidade de desen volver dois projetos de História Oral De 1987 a 1992 implantei e coordenei o Setor de História Oral no Museu da Imagem e do SomMIS Em bora o MIS registrasse depoimentos em áudio de forma nãosistematizada desde a sua funda ção foi a partir da criação do Setor que se im plantou o Projeto Depoimentos em Vídeo que 10 7 SÔNIA MARIA DE FREITAS tinha por objetivo a produção de acervo pela realização de depoimentos com personalidades da área artísticocultural do país1 O setor contava além do coordenador com um pesquisador e dois estagiários A equipe téc nica que se revezava era formada por dois téc nicos de som e dois operadores de vídeo A cada entrevista realizávamos extensa pesquisa em obras de referência bibliografias específicas hemerotecas e além disso solicitávamos o cur rículo do entrevistado previamente Durante as gravações contávamos sempre com a presença de profissionais da área eou especialistas no as sunto em questão a fim de enriquecer o depoi mento O acervo foi constituído nos suportes vídeo VHS PalM fita cassete e de rolo A cada sessão era também feito registro fotográfico A maioria de nossas entrevistas foi realiza da no estúdio de som do Museu da Imagem e do Som Ali contamos sempre com equipamen to profissional e com a colaboração dos técnicos citados anteriormente o que nos garantiu uma excelente qualidade nas gravações Este mate rial encontrase armazenado na reserva técnica do MIS as fitas matrizes estão preservadas no arquivo climatizado que tem condições ideais de temperatura e controle da umidade do ar As 1 No MIS recolhi pessoalmente 120 depoimentos 10 8 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS cópias estão disponíveis a pesquisadores e ao público em geral no Setor de Documentação desse Museu Esses recursos nos propiciaram condições ideais e nos pouparam dos cuidados técnicos com as fitas e com a câmera de vídeo que todo entrevistador deve ter para não correr nenhum risco e garantir qualidade na gravação Os depoentes eram cineastas músicos compositores intelectuais Eram portanto per sonalidades expressivas e bastante acostumadas a lidar com interlocutores microfones câmeras e luzes Percebiase nesses entrevistados uma grande necessidade em manter a própria ima gem pública As entrevistas eram temáticas exploravase o trabalho o processo criativo e a realização de cada personagem Porém buscá vamos também registrar a origem formação prováveis influências contexto social e fami liar situações ou fatos que às vezes podem ser determinantes no encaminhamento do indi víduo para uma atividade profissional eou na sua atuação A segunda experiência no entanto diz respeito à história de heróis anônimos que chegaram ao Estado de São Paulo em busca de condições dignas de vida e concretização de seus sonhos os imigrantes Foram mais de 25 mi lhões de imigrantes sendo que a maioria veio 10 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS trabalhar na lavoura de café em franca expan são para o interior do Estado Idealizei implantei e coordeno desde ju lho de 1993 o Setor de História Oral do Museu da Imigração que integra o Memorial do Imi grante órgão da Secretaria da Cultura do Esta do de São Paulo Registrar e preservar a memó ria do imigrante respeitando a sua experiência como indivíduo bem como a singularidade e a diversidade de mais de 70 nacionalidades cons tituídas de diferentes grupos étnicos esse é o objetivo básico do setor Para resgatar essa saga sem esconder difi culdades e conflitos dando voz à diversidade de versões e fugindo da história oficial homo gênea e redutora o Setor de História Oral tem priorizado entrevistar imigrantes anônimos e idosos Afinal esta talvez seja a última oportu nidade para pessoas de 80 90 e até 102 anos contarem suas experiências de mudança de país e integração numa cultura totalmente diferente Das suas narrativas emerge um cotidiano rico em alegrias aventuras fantasias sofrimento e resignação Os imigrantes são localizados por meio de suas igrejas clubes associações e instituições Além disso o Setor mantém um cadastro per manente no próprio Museu As entrevistas têm sido realizadas pela autora e gravadas no Mu 110 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS seu ou na residência dos próprios depoentes Fotos e documentos apresentados pelo imigrante são contextualizados e identificados durante a entrevista Esse material colabora no ato de re memoração e ao mesmo tempo enriquece o acervo documental iconográfico textual e tri dimensional objetos seja ele emprestado para reprodução ou doado Dessa maneira estamos colaborando na captação de acervo privado sen do também um elo entre as famílias as comuni dades e o Museu O Uso do Vídeo Concebido para registrar e preservar a his tória da imigração e levando em consideração a importância da imagem e dos novos meios de comunicação no mundo contemporâneo o projeto temse utilizado de gravações em vídeo fitas VHS no sistema PalM e cassete as quais são processadas conforme a metodologia da História Oral O uso de um microfone de lapela melhorou sensivelmente a qualidade da gravação A utilização do vídeo na gravação dos de poimentos nos permite captar muito além das palavras captamos os gestos das mãos a ex pressão física e facial os risos as lágrimas o 111 SÔNIA MARIA DE FREITAS tom da voz enfim estórias de vida comoven tes Como dito anteriormente de forma algu ma resistência à câmera de vídeo foi por mim registrada pelo contrário as pessoas que con cordam em participar do projeto sentemse lem bradas e valorizadas Em suas narrativas perce bemos os seus dramas pessoais que na verdade foi um drama coletivo vivenciado por milhares de indivíduos A Transcrição Nesse projeto a transcrição tem sido uma das nossas grandes dificuldades pois estamos lidando com uma infinidade de línguas e for mas de expressão Procuramos manter o fa lar do imigrante tal como ele chegou até nós com seus estrangeirismos seu sotaque enfim seu estilo Entretanto alguns retoques no texto são indispensáveis mas com muita cautela para não interferir no sentido seja para evitar excessos de erros seja para conter vícios da linguagem coloquial que impeçam o fluir da leitura Procuramos manter a seqüência o natu ralismo a espontaneidade enfim tentamos manter a entrevista tal qual se sucedeu apesar das interferências na versão transcrita 112 HISTÓRIA ORAL x PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS Produt os e Subprodut os O Setor de História Oral portanto está produzindo um acervo de depoimentos consti tuído de versões transcritas e orais e de cópias em vídeo aberto ao público2 Seguindo a tendência mundial das novas tecnologias o Setor implantou um sistema mul timídia A expressão multimídia significa múl tiplos meios ou seja este sistema é resultado da combinação de diversas técnicas num mes mo equipamento O multimídia reúne as capa cidades do áudio locução ou música texto imagens fixas e em movimento vídeo O mul timídia desenvolvido para o Memorial contém imagens em movimento de trechos das entre vistas resumos biográficos fotos e fichas catalográficas Esta estação cumpre a finalidade de divulgar o acervo produzido facilitando as sim o acesso dos usuários aos depoimentos dos imigrantes Os imigrantes que deram depoimen to podem ser conhecidos através da Internet no site wwwmemorialdoimigrantespgovbr selecionandose Acervo HistóricoCultural Acervo de História Oral e em seguida De poimentosListagem de nacionalidadeetnia 2 No Memorial do Imigrante recolhi pessoalmente 350 depoimentos até o presente momento Esse material está sendo digitalizado 113 SÔNIA MARIA DE FREITAS Crit érios Arquivíst icos armazenament o e cat alogação Uma vez realizada a entrevista o vídeo é copiado em áudio Da audição da fita cassete é feita a transcrição e posterior conferência de fi delidade Por medida de segurança cópia da entrevista do winchester é feita em disquetes Em seguida as fichas técnicas que foram pre enchidas com o imigrante são completadas com os resumos e enviadas com as fotos para a con fecção de brochuras e alimentação do banco de dados e do sistema multimídia Após todo esse processamento passase à fase da catalogação São elaboradas fichas catalográficas do depoi mento contendo duração da entrevista o nú mero de páginas transcritas e as palavrascha ve Terminada essa fase atualizamse as listagens do acervo organizadas em ordem alfabética por país nome e em ordem numérica seqüencial de entrada do depoimento no acervo sendo a últi ma forma utilizada também para o armazena mento O pesquisador poderá selecionar o depo imento por país pelo nome pelas palavras chave seja nos suportes vídeo cassete ou bro chura 115 SÔNIA MARIA DE FREITAS Considerações Finais A confecção deste manual teve por objeti vo abordar os diferentes procedimentos e possi bilidades da História Oral em seus aspectos teó ricos metodológicos e principalmente práticos Aliando teoria e práxis de forma indissolúvel processo que foi determinante na estrutura de apresentação aqui seguida a sua publicação possibilita maior divulgação dos procedimentos e possibilidades da História Oral enquanto mé todo que está causando mudanças na constru ção do conhecimento nas ciências sociais nas úl timas décadas Em nossa experiência as vozes não se tor nam apêndices ou anexos Elas são parte inte grante e fundamental de nossos estudos pois apesar do diálogo entrevistadorentrevistado elas são a condição por excelência da existên cia da História Oral É nossa intenção com a edição deste ma nual abrir novas perspectivas para pesquisado res de instituições públicas e privadas bem como 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS para educadores A experiência acumulada em quase duas décadas autorizanos a ver a Histó ria Oral como um método eficaz na constitui ção de fontes históricas e de pesquisa nas ciên cias sociais entre outras possibilidades No entanto é preciso considerar globalmente essa fonte e desconsiderar a falibilidade e a seletivi dade que porventura se apresentem nas re miniscências A subjetividade deve ser enten dida como inerente ao universo simbólico e ideológico do indivíduo e conseqüentemente do grupo ao qual pertence e que compartilha de suas memórias Dessa forma as reminiscências colaboram na constituição da memória histórica e permi tem uma interpretação das representações va lores e costumes de um grupo ou de uma so ciedade Ao dar voz a múltiplos narradores a His tória Oral possibilita diferentes versões diferen tes percepções sobre o mesmo fato Por isso neste tipo de trabalho não podemos adotar mo delos reducionistas de análise buscando a con tinuidade e a descontinuidade os equívocos as falhas as comparações apenas pois aquele que rememora expressa também em seu dis curso as suas fantasias e suas idealizações ul trapassando o campo do racional da lógica e da razão 117 SÔNIA MARIA DE FREITAS Pela somatória das memórias individuais temos a evidência de uma memória coletiva que nos fornece elementos para a reconstrução da memória histórica É bom não esquecer que o discurso do depoente transmite um ponto de vista do presente nos conteúdos rememorados Não é nossa intenção fazer a análise das entrevistas posto que o objetivo principal dos projetos desenvolvidos é constituir acervo de fontes orais Indubitavelmente as entrevistas re sultam em um rico material de pesquisa que deve estar disponível a pesquisadores e ao pú blico em geral nas instituições mantenedoras dos acervos de História Oral Além de ser a voz um componente impor tante para análise toda entrevista de História Oral pode também ser analisada pelo discurso e pelo conteúdo por elas apresentados Partindo do pressuposto de que os indiví duos reconstroem o passado as entrevistas ava liadas demonstram que cada depoente possui uma maneira diferente de se expressar Ao mes mo tempo percebese que há falas mais articu ladas que outras discursos mais diretos e obje tivos que outros Convém lembrar que sendo a memória uma faculdade do ser humano ela não é imune a conflitos contradições e frustrações percebi dos nas falas As narrativas são coerentes com 118 CONSIDERAÇÕES FINAIS as suas próprias realidades com as suas pró prias vidas No segundo nível da análise essas remi niscências trazem em si informações que enri quecem e efetivamente contribuem para uma melhor compreensão dos temas e pessoas pes quisados Na atualidade a mídia está cada vez mais preocupada em divulgar os chiques e famosos e menos preocupada com a história Vivemos o império da cultura das celebridades por meno res e insignificantes que sejam as suas ações A pesquisa que realizo junto às comunida des de imigrantes não se limita a registrar teste munhos orais e armazenálos para as futuras ge rações O pesquisador constrói a história a partir das memórias usando as fontes orais e escritas interpretandoas Esse trabalho voltado para a memória é muito importante tendo em vista a globalização do mundo que pode levar as pes soas a perder as suas raízes Perder a nossa memória significa perder a nossa identidade 119 SÔNIA MARIA DE FREITAS APÊNDICE Modelo de Rot eiro para Ent revist a com Imigrant es Alguns tópicos que podem ser abordados sobre o tema imigração Origem Qual é o seu nome Quando e onde nasceu Faça uma descrição da sua cidade Quais eram e como eram as festas mais im portantes na sua cidade natal Qual era a principal atividade econômica de sua cidade Fale das condições de vida em seu país de origem O que seus pais faziam lá Fale de sua infância brincadeiras convívio com outras crianças escola cotidiano no cam po ou na cidade 120 APÊNDICE Trajet ória Quando emigrou para o Brasil Que idade tinha Qual foi a causa de sua emigração Qual era o procedimento para sair de seu país documentos e exames exigidos Quais eram os outros possíveis lugares para onde queria emigrar De que maneira o Brasil surgiu como alterna tiva Teve algum contato com algum tipo de pro paganda como anúncio e cartaz sobre a imi gração para o Brasil O que sabia sobre o Brasil Havia algum parente amigo ou conhecido no Brasil O que idealizava com a viagem Conte como foram os arranjos para a viagem Quem ajudou você ou sua família na via gem Quem veio com você O que trouxe consigo Fale de sua bagagem Conte como foi a viagem rotina horários ali mentação descanso duração da viagem etc Estabeleceu contato com pessoas de outras nacionalidades no navio 121 SÔNIA MARIA DE FREITAS Chegada Onde e como foi o seu desembarque Qual foi a sua primeira impressão sobre o Bra sil ao desembarcar Como foi a recepção Como era organizada a recepção em Santos e em São Paulo Hospedaria de Imigrant es Como foi a sua chegada à Hospedaria caso tenha tido essa experiência aprofundar as questões Fale de sua permanência na Hospedaria tria gem exames médicos tratamento aos doen tes o diaadia os horários as louças as re feições o contato com os outros imigrantes a vida das crianças Havia algum tipo de separação entre as pes soas Por exemplo por nacionalidade con dições de saúde doenças comuns pessoas suspeitas refugiados etc Dest ino Qual era o destino dos imigrantes que esta vam na Hospedaria 122 APÊNDICE Eram oferecidas ao imigrante opções de des tino de tipo de trabalho Havia algum tipo de contrato Conte sua trajetória a partir do trem que saía da Hospedaria Fale como era a sua vida na fazenda de café desde que acordava até a hora em que dor mia Era permitido ter as suas próprias plantações no meio ou fora do cafezal Quais eram os produtos de primeira necessi dade as cadernetas o salário Da Tradição aos Novos Cost umes Manteve contato com parentes e amigos do país de origem Fale do período de adaptação novo clima novos costumes novos hábitos novos ami gos nova língua Conviveu com imigrantes de outras naciona lidades Como foi Foi difícil o aprendizado da língua portugue sa Havia escola para os imigrantes e seus filhos Era mantida por quem 123 SÔNIA MARIA DE FREITAS Qual era a distância entre a escola e a mora dia E entre a sua casa e o cafezal entre a casa e a cidade mais próxima Como era o diaadia das crianças Como era o lazer e a prática religiosa Fale de encontros e da sua relação com os patrícios O que permaneceu da cultura e dos costu mes de origem na sua família língua ali mentação religião etc E como grupo quais eram as datas as festas e as comemorações O que foi incorporado da cultura da nova pá tria Rumo à Cidade novas relações sociais e de t rabalho Por que e como se deu a sua transferência do campo para a cidade ou para a Capital Fuga Qual foi o primeiro bairro em que morou Como era E a cidade de São Paulo como era era um bairro tipicamente Havia e ainda há associações ou clubes da comunidade O que proporcionavam aos imi 124 APÊNDICE grantes educação trabalho lazer política cultura Que atividade profissional desenvolveu na ci dade Como aprendeu Havia algum tipo de trabalho já característi co do grupo de seu país Qual era A expe riência profissional ou política deve ser ex plorada Quest ão de Ident idade Mantém vínculo com país de origem Cartas telefonemas Casouse com pessoa da sua origem do gru po ou de outra nacionalidade Teve oportunidade de retornar à terra natal Como foi a experiência O senhor hoje se sente um brasileiro ou Com que mais se identifica no Brasil O que vê de positivo e negativo no Brasil Qual a diferença mais marcante no compor tamento das pessoas daqui e de Na sua opinião qual a importância desse tra balho de recuperar o seu passado a sua ex periência e de outros imigrantes 125 SÔNIA MARIA DE FREITAS MODELO DE TERMO DE CESSÃO GRATUITA DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL CEDENTE naciona lidade estado civil profissão portador da Cédula de Identidade RG Cédula de Identificação de Estrangeiro nº emitida pelo e do CPF nº domiciliado e resi dente na RuaAvPraça CESSIONÁRIO Prefeitura Municipal de São PauloSecretaria da CulturaMuseu do Trabalhador fictício estabelecido na RuaAvPraça São Paulo Capital OBJETO Entrevista gravada exclusivamente para o Departa mento de História Oral do Museu do Trabalhador DO USO Declaro ceder ao Museu do Trabalhador sem quais quer restrições quanto aos seus efeitos patrimoniais e fi nanceiros a plena propriedade e os direitos autorais do depoimento de caráter histórico e documental que prestei aoa pesquisadora na cidade de em num total de fitas gravadas O Museu do Trabalhador pelo Departamento de História Oral fica conseqüentemente autorizado a utilizar divulgar e publicar para fins culturais o mencionado depoimento no todo ou em parte editado ou não bem como permitir a terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos segundo suas normas com a única ressalva de sua integridade e indicação de fonte e autor São Paulo de de Assinatura do DepoenteCedente 126 APÊNDICE TERMO DE COMPROMISSO DE USO AUTORIZADO Formação Acadêmica Endereço Telefone Nº da Cédula de Identidade ou Passaporte Tipo de Trabalho artigo dissertação livro monografia tese outros Título do Trabalho Instituição Responsável Comprometome a utilizar as cópias dos depoimentos doa Sra ao pesquisador em e pertencentes à Coleção do Departamento de História Oral constando de fitas cassetes vídeo e páginas exclusivamente para a finalida de declarada acima e de acordo com as normas de citação esta belecidas pelo Museu do Trabalhador Declaro estar ciente de que a utilização indevida dos materiais ocasionando a transgressão das normas de consul ta sujeitame às penalidades previstas na Lei nº 9610 de 1921998 Quaisquer outras formas de utilização e divulgação não previstas nas mencionadas normas necessitam de autorização expressa do depoente ou herdeiro sendo o Museu do Traba lhador o intermediário entre o solicitante e o depoente São Paulo de de Ass 127 SÔNIA MARIA DE FREITAS PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO ORAL CATÁLOGO DAS COLEÇÕES COLEÇÃO Museu do Trabalhador Departamento de História Oral TIPO DE ENTREVISTA história de vida história temática depoimento individual depoimento coletivo NOMES DOS ENTREVISTA DOS 1 2 LOCAL DA ENTREVISTA DATA DA ENTREVISTA DURAÇÃO CONDIÇÕES DA GRAVAÇÃ O TRANSCRIÇÃO sim não manuscrita impressa em disquete NÚMERO DE SÉRIE SUMÁ RIO Palavraschave Obs Os modelos apresentados foram baseados nas pro postas do CEDICPUC e CPDOCGV 129 SÔNIA MARIA DE FREITAS Bibliografia A BRÃO Bernardette Siquera História da filosofia São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores A LBERTI Verena História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Centro de Pesquisa e Documentação de Histó ria ContemporâneaCPDOCFGV 1989 BEN JAMIN Walter O narrador São Paulo Abril Cultural 1980 Os Pensadores BERGSON Henri A alma e o corpo In Cartas conferências e outros escritos Trad Franklin Leopoldo e Silva São Paulo Abril Cultural 1974 Os Pensadores BURKE Peter A escola dos Annales São Paulo Unesp 1991 A arte da conversação São Paulo Editora da Unesp 1995 BERTAUX D THOMPSON P Ed Between generations family models myths and memories International Yearbook of Oral History and Life Stories Oxford Oxford University Press v 2 1993 BOSI Ecléa Memória e sociedade lembranças de velhos São Paulo TA Queiroz 1983 Cultura e desenraizamento In BOSI Alfredo Cultura brasileira temas e situações São Paulo Ática 1987 BOURDIEAU Pierre Org Compreender In A miséria do mun do Petrópolis Vozes 1997 CAMARGO Aspásia História oral e política In FERREIRA M de M Org História oral Rio de Janeiro CPDOCFundação Getúlio VargasDiadorim 1994 DARNTON Robert O grande massacre de gatos e outros episó dios da história cultural francesa Trad Sônia Coutinho Rio de Janeiro Graal 1986 13 0 BIBLIOGRAFIA DUN AWAY D K BAUM Willa K Eds Oral history an inter disciplinary anthology Nashville American Association for State and Local History 1985 ENTREVISTAR para quê In História y Fuente Oral Barcelona Universitat de Barcelona 1990 FEBVRE Lucien Combates pela história Trad Leonor Martinho Simões e Gisela Moniz Lisboa Editorial Presença 1989 FELDMANBIANCO Bela Reconstruindo a saudade portuguesa em vídeo histórias orais artefatos visuais e a tradução de códigos culturais na pesquisa etnológica In ECH ERT Cornelia GODIPHIM Nuno Org Horizontes antropológi cos antropologia visual Porto Alegre Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul n 2 ano 1 1995 FERREIRA M de M Org Entrevistas abordagens e usos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 Org História oral e multidisciplinaridade Rio de Ja neiro CPDOCDiadorinFinesp 1994 Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1994 FREITAS Sônia Maria de Reminiscências São Paulo Maltese 1993 FREUD Sigmund A interpretação dos sonhos Trad Walderedo Ismael de Oliveira São Paulo Círculo do Livro 1984 v 1 GRELE Ronald J Envelopes of sound the art of Oral History Chicago Precedent Publishing 1995 H ALBWACHS Maurice A memória coletiva São Paulo Vértice 1990 JAKOBSON Roman Lingüística e poética In Lingüística e co municação São Paulo Cultrix 1969 JAN OTTI Maria de Lourdes Mônaco Refletindo sobre história oral procedimentos e possibilidades In M EIH Y J C S B Org Reintroduzindo história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 ROSA Zita de Paula Memory of slavery in black families of São Paulo Brazil In BERTAUX D THOMPSON P Eds Between generations family models myths and memories Oxford Oxford University Press 1993 International Yearbook of Oral History and Life Stories v 2 JOUTARD P Esas voces que nos llegan del pasado México Fondo de Cultura Económica 1986 13 1 SÔNIA MARIA DE FREITAS LACAN Jacques 19011981 O seminário livro 20 texto estabe lecido por JacquesAlain Miller Trad M D Magno 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1985 LE GOFF Jacques Memória In Enciclopédia Einaudi Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1984 v 1 Memória e história M EIH Y J C S B A colônia brasilianista história oral de vida São Paulo Nova Stella 1990 Canto de morte Kaiowá história oral de vida São Pau lo Loyola 1991 Org Reintroduzindo a história oral no Brasil São Paulo Xamã 1996 LEVINE Robert M Cinderela negra a saga de Carolina Maria de Jesus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 N EVIS Allan Oral history how it was born In DUNAWAY D K BAUM Willa Eds Oral history an interdisciplinary antho logy Nashville American Association for State and Local History 1985 N ORA P Entre memória e história a problemática dos lugares São Paulo Educ 1993 Projeto História 10 PASSERIN I Luiza Storia Orale vita quotidiana e cultura materiale delle classi subalterna Torino Rosenberg Sellier 1978 Torino operaria e fascismo una Storia Orale RomaBari Laterza 1984 PATAI Daphne Brazilian women speak New Brunswich Rutgers University Press 1989 PERELMUTTER D A NTONACCI M Org Ética e história oral São Paulo Educ 1997 Projeto História 15 PLATÃO Teeteto Trad e notas A Lobo Vilela Lisboa sn 1946 Cadernos da Seara Nova Diálogos Trad Jaime Bruna São Paulo Cultrix 1976 PLUMM ER Ken Documents of life an introduction to the problems and literature of a humanistic method Londres George Allen UnWin 1983 PORTELLI Alessandro Oral History the law and the making of history History Workshop Journal n 20 p 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Acervo de História Oral do Museu da Imigração São Paulo SP 1994 Foto Ricardo Hantzschel 13 6 ANEXO FOTOGRÁFICO Fotos 2 e 3 Páginas da primeira versão de estação multimídia do Acervo de História Oral do Museu da Imigração São Paulo SP 1994 Foto Ricardo Hantzschel Rozália Gal saiu da Hungria no final da Segunda Guerra Mundial em 1945 partindo para a Áustria e de lá viajou ao Brasil em 1949 Na Hungria morou em uma aldeia no interior onde seu pai exercia a profissão de agricultor Suas lembranças são sobre os costumes húngaros referentes à música habito de falar palavrões e casamentos que restringia o trabalho e o inverno rigoroso que era um por exemplo da xadrez o crochê e a marcenaria Chegavam no Rio de Janeiro permanecendo por duas semanas na Ilha das Flores Em São Paulo tomaram como centro de referência a igreja protetista da Lapa reduto húngaro Destacam alguns elementos rústicos para a cultura húngara a banana a mortadela e a raça negra Desde a chegada ao Brasil trabalham com pintura em porcelana onde utilizam motivos húngaros 13 8 ANEXO FOTOGRÁFICO Foto 4 Gravação de entrevista com a imigrante Anna Eleonora Hradec Nascida na Áustria em 1893 emigrou para o Brasil em 1921 Na oca sião ela contava com 101 anos e como não falava português sua filha Anna Eleonora Katharina Schulz serviu de intérprete São Paulo SP 1231994 Foto Eduardo Castanho 13 9 SÔNIA MARIA DE FREITAS Foto 5 Momento de descontração Anna Eleonora Hradec posa com a autora após a gravação de entrevista em sua residência São Paulo SP 1871994 Foto Eliana Lopes 140 ANEXO FOTOGRÁFICO Foto 6 Gravação de entrevista com Hans Johan Kuhn em sua residência Nascido na Suíça em 1926 emigrou para o Brasil em 1951 São Paulo SP 1871994 Foto Rogerio Voltan 141 SÔNIA MARIA DE FREITAS Foto 7 Gravação de entrevista com Angelo José Torrezani filho de Luigi Torrezani que chegou ao Brasil em 1888 realizada no Museu da Imigração São Paulo SP 10 31997 Foto Marco Antonio Xavier Entrevista conduzida por Seu Nome Local Escola chamada de vídeo por WhatsApp Neste artigo temos o prazer de explorar a metodologia de ensino de História do renomado professor Leonardo Santos Com uma carreira dedicada ao desenvolvimento de estratégias pedagógicas inovadoras o Prof Francisco Evandro da Silva Morais Professo efetivo de história da secretaria de educação de Buriti dos Lopes Piauí compartilha sua abordagem única para envolver os alunos no estudo da História A entrevista destaca aspectos cruciais desde a contextualização dos temas até a promoção do pensamento crítico e inclusão de diversidade cultural Vamos mergulhar nas ideias e práticas educacionais do Prof Santos para entender como ele enfrenta desafios e promove um ambiente de aprendizado estimulante Entrevista Entrevistador Professor Evandro é um prazer têlo aqui para discutir sua metodologia de ensino de História Para começar como você descreveria a abordagem geral que você adota em suas aulas Professor Evandro Em minhas aulas busco constantemente contextualizar os temas com o cotidiano dos alunos Acredito que estabelecer um vínculo afetivo com o conteúdo é essencial para uma memorização eficiente As recentes descobertas da neurociência apoiam essa abordagem e isso me motiva a criar condições propícias para o ensinoaprendizagem Entrevistador É fascinante E sobre estratégias pedagógicas quais você considera mais eficazes para envolver os alunos no estudo da História Professor Evandro Primeiramente a contextualização do conteúdo com a vivência dos alunos é crucial Além disso utilizo recursos visuais como imagens e vídeos e promovo atividades para desenvolver a criticidade Quero que os alunos se tornem cidadãos ativos na sociedade e isso vai além do conhecimento histórico tradicional Entrevistador Entendo Como você incorpora recursos tecnológicos como computadores e internet na sua metodologia Professor Evandro Utilizo recursos tecnológicos para atrair a atenção dos alunos destacando eventos históricos e utilizando a internet como fonte de análise histórica No entanto é crucial problematizar essas fontes e isso é uma parte essencial do papel do professor Entrevistador Excelente ponto Falando em fontes em que medida você utiliza fontes primárias e secundárias no ensino de História Professor Evandro Sempre que possível trago fontes primárias para desenvolver o pensamento crítico dos alunos Um exemplo notável é a pintura A Redenção de Cam que utilizo para explorar a tese do branqueamento das raças Isso demonstra que as artes também são fontes importantes que expressam ideias e pontos de vista de uma época específica Entrevistador Interessante abordagem Mudando um pouco de foco como você aborda questões de diversidade cultural e inclusão em suas aulas de História Professor Evandro Busco abordar questões de diversidade cultural de forma abrangente integrando diferentes perspectivas históricas e promovendo discussões que estimulem a compreensão e respeito às diferenças Criar um ambiente inclusivo é fundamental para o aprendizado significativo Entrevistador Com certeza E qual é o papel da discussão e do debate em sua metodologia de ensino Professor Evandro A discussão e o debate são fundamentais Estimulo os alunos a expressarem suas opiniões desafiarem ideias preconcebidas e a defenderem seus pontos de vista Essa troca de ideias enriquece o aprendizado e desenvolve habilidades críticas e analíticas Entrevistador Como você incentiva o pensamento crítico dos alunos ao abordar eventos históricos Professor Evandro Foco na análise de fontes históricas e na interpretação de eventos Atividades desafiadoras que questionam interpretações estabelecidas e promovem debates construtivos são essenciais para o desenvolvimento do pensamento crítico Entrevistador E sobre avaliação de que forma você avalia o aprendizado dos alunos em História Professor Evandro A avaliação é abrangente incluindo provas escritas apresentações orais debates e projetos de pesquisa Isso permite avaliar não apenas o conhecimento factual mas também as habilidades de análise interpretação e expressão dos alunos Entrevistador Como você adapta sua metodologia para atender aos diferentes estilos de aprendizado dos alunos Professor Evandro Adapto minha metodologia incorporando uma variedade de atividades para atender aos diferentes estilos de aprendizado Recursos visuais discussões atividades práticas tudo é pensado para proporcionar uma experiência inclusiva e eficaz Entrevistador E finalmente quais desafios você enfrenta ao implementar sua metodologia de ensino e como os supera Professor Evandro Lidar com resistência a debates administrar diferentes ritmos de aprendizado e garantir a inclusão de todos são desafios comuns Para superálos mantenho uma comunicação aberta adapto estratégias conforme o feedback e crio um ambiente colaborativo onde todos se sintam valorizados A entrevista com o Professor Evandro nardo Santos revela uma abordagem apaixonante e inovadora para o ensino de História Sua dedicação em criar um ambiente de aprendizado inclusivo e estimulante aliado ao constante aprimoramento de suas estratégias pedagógicas destaca a importância de uma educação que vai além da transmissão de fatos históricos O Prof Santos é um exemplo inspirador para educadores que buscam promover uma compreensão profunda e crítica do passado enquanto preparam os alunos para um papel ativo na sociedade contemporânea