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Texto de pré-visualização
Anemia Falciforme Fernando Ferreira Costa Nicola Conran Kleber Yotsumoto Fertrin c a p í t u l o INTRODUÇÃO O eritrócito tem estrutura e propriedades metabóli cas extremamente complexas que ainda hoje são objeto de investigações O perfeito equilíbrio entre seus diver sos constituintes como a membrana celular as enzimas e a hemoglobina é extremamente precário e na opinião de vários investigadores um verdadeiro convite ao de sastre A hemoglobina representa importante fator do controle da integridade do eritrócito Sua elevada con centração próxima de 30 gdL faculta à hemácia operar com máxima efi ciência mas implica em contrapartida um potencial letal A anemia falciforme é um exemplo clássico de uma alteração mínima na estrutura de hemo globina capaz de provocar sob determinadas circunstân cias uma singular interação molecular e drástica redução na sua solubilidade Eritrócitos peculiarmente alongados e em forma de foice foram descritos pela primeira vez por Herrick em 1910 no sangue de um indivíduo anêmico de origem afri cana No Brasil a primeira referência a um paciente com anemia falciforme se deve a Castro em 1933 Pauling et al demonstraram em 1949 que indivíduos sofrendo de anemia falciforme possuíam hemoglobina que diferia da normal pela ausência de duas cargas negativas e inaugura ram assim um novo capítulo na medicina o das Moléstias Moleculares FISIOPATOLOGIA A alteração molecular primária na anemia falciforme é representada pela substituição de uma única base no có don 6 do gene da globina uma adenina A é substituída por uma timina T GAGGTC Esta mutação resulta na substituição do resíduo glutamil na posição 6 por um resíduo valil 6GluVal e tem como consequência fi nal a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal HbS quando desoxigenadas A substituição do ácido glutâmico por valina na po sição 6 ocorre na superfície da molécula sem provocar alterações signifi cativas na sua conformação global A he moglobina S na conformação oxi é isomorfa à hemoglobi na normal sugerindo que a estrutura das duas moléculas exceto pela substituição do aminoácido são similares As solubilidades das hemoglobinas oxigenadas A e S são seme lhantes embora pequenas diferenças tenham sido detecta das em tampão fosfato concentrado Em soluções diluídas as propriedades físicas das hemoglobinas desoxigenadas A e S são também parecidas No entanto soluções concen tradas de desoxihemoglobina S e desoxihemoglobina A diferem grandemente e este fato fornece as bases físico químicas da gelifi cação e falcização A hemoglobina S quando desoxigenada in vitro tornase relativamente inso lúvel e agregase em longos polímeros Esses polímeros resultam do alinhamento de moléculas de hemoglobina S unidas por ligações não covalentes e na descrição desse fe nômeno os termos polimerização agregação e gelifi cação são usados como sinônimos A polimerização da desoxi hemoglobina S depende de numerosas variáveis como concentração de oxigênio pH concentração de hemoglo bina S temperatura pressão força iônica e presença de he moglobinas normais Somente a forma desoxigenada de hemoglobina S sofre polimerização o fenômeno não ocorre normalmente com nenhuma das formas cuja conformação se assemelha à oxi Hb S como metaHb S carboxiHb S ou cianometaHb S A polimerização da hemoglobina S é o evento funda mental na patogenia da anemia falciforme resultando na alteração da forma do eritrócito e na acentuada redução de sua deformabilidade A Hemoglobina Fetal HbF inibe a polimerização fe nômeno responsável pela redução de sintomatologia clínica nos pacientes com elevados níveis de Hb fetal Da mesma forma a HbA participa pouco do polímero e esta é a razão 205 206 Tratado de Hematologia para a quase ausência de anormalidades clínicas nos hetero zigotos para o gene da hemoglobina S CINÉTICA DA FALCIZAÇÃO Todas as hemácias contendo predominantemente he moglobina S podem adquirir a forma falciforme clássica após desoxigenação em decorrência da polimerização in tracelular da desoxiHb S processo normalmente reversí vel após a reoxigenação No entanto a repetição frequente desse fenômeno provoca lesão de membrana em algumas células fazendo com que a rigidez e a confi guração em for ma de foice persistam mesmo após a reoxigenação Assim esses eritrócitos denominados genericamente células ir reversivelmente falcizadas ou células densas retêm per manentemente a forma anormal mesmo na ausência de polimerização intracelular de hemoglobina Em decorrência de sua acentuada rigidez as células irreversivelmente falcizadas têm vidamédia reduzida e contribuem signifi cativamente para a anemia hemolíti ca dos pacientes No entanto o quadro clínico da anemia falciforme contrastando com as demais formas de ane mia hemolítica não dependem substancialmente dos sin tomas causados pela anemia propriamente mas sim da ocorrência de lesões orgânicas causadas pela infl amação e obstrução vascular e das chamadas crises de falcização Nos períodos entre as crises a fase estável os pacientes evoluem praticamente assintomáticos a despeito da anemia persistente com níveis de hemoglobina variáveis mas em geral ao redor de 8 gdL O PROCESSO VASOOCLUSIVO O fenômeno de vasooclusão ocorre geralmente na microcirculação No entanto grandes artérias principal mente nos pulmões e cérebro também podem ser afeta das Atualmente acreditase que o fenômeno vasooclusivo compreende um processo com várias etapas que envolve interações de hemácias leucócitos ativados células endo teliais plaquetas e proteínas do plasma Figura 271 A liberação intravascular de hemoglobina pelas hemácias fra gilizadas além da vasooclusão recorrente e dos processos de isquemia e reperfusão leva a dano e ativação das células endoteliais da parede do vaso Como consequência há in dução de uma resposta infl amatória vascular e a adesão de células brancas e vermelhas à parede dos vasos sanguíneos Tal fato associado a uma redução na biodisponibilidade de Óxido Nítrico NO no interior do vaso e ao estresse oxi dativo pode ocasionar em alguns casos uma redução no fl uxo sanguíneo e fi nalmente a vasooclusão Vasooclusão e o endotélio A falcização repetida de hemácias SS pode levar a dano da membrana dos eritrócitos com a exposição de proteínas na superfície celular e a produção de Espécies Reativas de Oxigênio ROS As células falcizadas e a própria hemoglobina liberada no vaso pelo processo de hemólise podem ocasionar danos às células endoteliais que revestem a parede vascular A subsequente ativação das célu las endoteliais tem consequências signifi cativas que incluem a expressão de moléculas de adesão como VCAM1 molécula de adesão vascular 1 ICAM1 molécula de adesão intercelular1 e Eselectina na superfície celular e a produção de citocinas e quimio cinas como Interleucina IL8 IL6 e GMCSF fator estimulador de colônias de granulócitosmacrófagos O endotélio ativado ainda libera fatores procoagulan tes e fatores vasoconstritores potentes como as En dotelinas 1 e 2 ET1 ET2 A vasooclusão e a infl amação A anemia falcifor me está geralmente associada a um estado infl ama tório crônico que exerce um papel fundamental na ativação das células endoteliais e células sanguíneas em especial dos leucócitos Diversas moléculas infl a matórias se apresentam em níveis elevados na anemia falciforme incluindo TNF Fator de Necrose Tu moral IL1 proteína C reativa todos potentes ativadores do endotélio além do MCSF fator esti mulador de colônia de macrófagos IL3 GMCSF IL8 e IL6 Além disso algumas proteínas antiin fl amatórias como a HemeOxigenase1 HO1 e IL 10 também estão aumentadas na anemia falciforme possivelmente tentando limitar a produção de molé culas infl amatórias e a ativação endotelial na doença A vasooclusão e a adesão celular A vasooclu são é o resultado de um mecanismo complexo que aparentemente culmina na adesão de células ver melhas leucócitos e plaquetas ao endotélio e à pa rede vascular que pode causar diminuição no fl uxo sanguíneo e portanto a vasooclusão A expressão de moléculas como VCAM1 ICAM1 selectinas e CD36 na superfície das células endoteliais ativa das tem como consequência a captura das células brancas e vermelhas que por sua vez também apre sentam propriedades adesivas aumentadas As cé lulas vermelhas e em especial os reticulócitos de indivíduos com doenças falciformes apresentam maior capacidade adesiva devido ao grande núme ro de moléculas de adesão como a integrina VLA4 integrina 41 CD36 ICAM4 e BCAMLu que estão altamente expressas nessas células e interagem com as moléculas subendoteliais da parede vascu lar laminina trombospondina fi bronectina etc ou com as moléculas das células endoteliais CD36 VCAM1 BCAMLu Pselectina entre outras Os leucócitos geralmente encontrados em estado ati vado na circulação de indivíduos com AF também aderem com mais facilidade ao endotélio vascular particularmente na presença de um estímulo infl a matório Acreditase atualmente que o processo vasooclusivo é desencadeado pela adesão de leucó citos em especial dos neutrófi los já que são células grandes 1215 μm e relativamente rígidas à parede da microvasculatura Adicionalmente os leucócitos 207 Capítulo 27 Anemia Falciforme aderidos podem intermediar a adesão secundária de hemácias à parede vascular e a combinação desses episódios inicia o processo vasooclusivo uma vez que ocorre a obstrução física dos pequenos vasos da microcirculação A interação dos leucócitos com o endotélio é intermediada na maior parte pelas in tegrinas Mac1 e LFA1 além de algumas moléculas como a Lselectina e ligantes da Eselectina na su perfície dos leucócitos que por sua vez interagem com as moléculas ICAM1 Pselectina e Eselec tina presentes na superfície das células endoteliais Ademais há indícios de que um número elevado de granulócitos circulantes está associado à maior incidência de complicações na anemia falciforme As plaquetas também encontradas em estado ati vado na AF podem aderir ao endotélio vascular exacerbando a infl amação local pela liberação de mediadores infl amatórios potentes Assim sendo as plaquetas também apresentam papel importante no mecanismo de vasooclusão A vasooclusão e o óxido nítrico O NO é um gás sinalizador produzido constitutivamente pelas células endoteliais e é responsável pela regulação do tônus vasomotor A biodisponibilidade do NO está reduzida na AF principalmente devido ao seu con sumo pela hemoglobina livre liberada na circulação após a hemólise das hemácias O resultado principal da redução da disponibilidade do NO é a inibição da vasodilatação dependente de NO na vasculatura contribuindo assim com a vasoconstrição e portanto favorecendo potencialmente a vasooclusão e partici pando da fi sopatogenia de algumas manifestações da AF como hipertensão pulmonar e priapismo Vasooclusão plaquetas e a coagulação A fi siopatologia da AF está associada a um estado de hipercoagulabilidade Indivíduos com AF apresen tam níveis elevados de marcadores de ativação de trombina plaquetas e células endoteliais tais como o dímeroD TrombinaAntitrombina TAT ligante de CD40 solúvel CD40L Fator Tecidual FT Fa Figura 271 Mecanismo de vasooclusão na anemia falciforme O contato direto das hemácias SS e a presença de hemólise intravascular levam à ativação das células endoteliais que revestem o vaso a presença do heme livre na circulação tem efeito deletério no vaso e ainda consome o Óxido Nítrico NO sintetizado pelas células endoteliais Juntamente com a presença de Espécies Reativas de Oxigênio ROS a hipóxia e os vasoconstritores como Endotelina1 ET1 esses mecanismos contribuem para a ativação das células endoteliais O estado de hipercoagulabilidade leva a níveis aumentados de Fator Tecidual FT Fator Ativador de Plaquetas FAP Fator de von Willebrand FvW e ativação plaquetária A ativação do endotélio também conta com a presença das plaquetas ativadas no vaso sanguíneo e a sua adesão à parede vascular Após sua ativação as células endoteliais aumentam a expressão das moléculas de adesão como ICAM1 VCAM1 e Eselectina na superfície do vaso e também liberam mais citocinas e quimiocinas como o IL8 IL6 e IL1 que com o TNF contribuem para a inflamação vascular e a ativação das células sanguíneas Os leucócitos e as hemácias aderem à parede vascular devido à sua ati vação e expressão de moléculas de adesão e também podem haver interações heterotípicas entre leucócitos aderidos e hemácias A vasoconstrição elevada e a obstrução física do vaso ocasionam uma redução no fluxo sanguíneo com consequente hipóxia e falcização das hemácias dificultando a passagem do sangue e finalmente resultando na vasooclusão 208 Tratado de Hematologia tor Ativador de Plaquetas FAP Fator de von Wil lebrand FvW entre outras moléculas Há dados que indicam uma associação na AF entre a hemólise e a ativação da coagulação bem como uma possível contribuição da ativação plaquetária para o AVC na doença Contudo é provável que a vasooclusão re corrente contribua com a hipercoagulabilidade por aumentar a ativação do endotélio e das plaquetas Vasooclusão e o estresse oxidativo A produção de Espécies Reativas de Oxigênio ROS é neu tralizada sob condições fi siológicas normais pela presença de antioxidantes que previnem os danos causados pelas ROS Na anemia falciforme múlti plos mecanismos são responsáveis por aumentar a produção de ROS na vasculatura como por exem plo lesões por isquemiareperfusão que ocorrem nos vasos sanguíneos devido à interrupção e sub sequente reestabelecimento do fl uxo sanguíneo A presença de ROS no vaso sanguíneo e a baixa con centração de oxigênio apresentam um papel impor tante na ativação das células endoteliais em que a produção de ROS é amplifi cada pela presença da enzima xantina oxidase ativada e o desacoplamento ou inativação da enzima sintase de óxido nítrico a qual pode produzir ânions superóxidos A atividade aumentada da NADPH oxidase devido à leucoci tose a formação de Dimetilarginina Assimétrica DMAA e a autooxidação da própria hemoglobina S na presença de oxigênio também contribuem com a produção de ROS Por outro lado importantes mecanismos de defesa antioxidantes como os níveis das vitaminas A C e E e a atividade das enzimas glutationa peroxidase e superóxido dismutase estão diminuídos na anemia falciforme O estresse oxidativo provavelmente apresenta um papel importante em vários mecanismos fi sio patológicos da anemia falciforme Além da ativação do endotélio facilitando a hemólise aumentando as propriedades adesivas das células brancas e verme lhas e elevando a oxidação dos lipídios presentes na membrana celular o estresse oxidativo também participa do consumo intravascular de NO Hidroxiureia HU e a vasooclusão A terapia com hidroxiureia está geralmente associada a um au mento nos níveis de Hemoglobina Fetal HbF nos pacientes com anemia falciforme diminuindo por sua vez a falcização das hemácias e promovendo me lhora signifi cativa nos níveis de hemólise Uma taxa menor de hemólise pode reduzir o consumo de NO intravascular além de diminuir a ativação do endoté lio Evidências apontam que a HU pode agir como um doador de NO in vivo possivelmente melhorando a biodisponibilidade desse vasodilatador na anemia falciforme Outro efeito importante da terapia com HU é a redução na contagem de leucócitos já que os leucócitos participam de forma signifi cativa na infl a mação e na oclusão física dos vasos Indiretamente a terapia com HU está associada a uma diminuição na expressão das moléculas de adesão na superfície das células brancas e vermelhas além de melhorar par cialmente o estado infl amatório e reduzir o estado de hipercoagulabilidade dos pacientes PADRÕES DA HERANÇA NA ANEMIA FALCIFORME Síndrome doença e anemia falciforme O termo síndromes falciformes identifi ca as condi ções em que o eritrócito sofre falcização após redução na tensão de oxigênio enquanto que a designação doenças falciformes é reservada às situações em que a falcização das hemácias conduz a manifestações clínicas evidentes Assim as doenças falciformes incluem a anemia falciforme que representa o estado homozigoto para a hemoglobina S SS e as interações hemoglobina Stalassemia S tal hemoglobinopatia SC SC hemoglobinopatia SD SD e hemoglobina Spersistência hereditária de hemoglobina fe tal SPHHF É importante observar que nessa defi nição o estado heterozigótico para hemoglobina S traço falci forme é classifi cado como síndrome falciforme mas não como doença falciforme Genética populacional das síndromes falciformes A distribuição geográfi ca do gene da hemoglobina S na África é expressivamente semelhante àquela do Plasmodium falciparum Indivíduos com HbS em heterozigose quando infectados por Plasmodium falciparum apresentam vantagem seletiva em relação a indivíduos que não carregam esse gene anômalo A vantagem seletiva das células AS sobre as AA foi demonstrada in vitro embora seu mecanismo exato ainda não tenha sido completamente elucidado É interes sante observar que propriedades semelhantes de resistên cia à malária também são relatadas em heterozigotos para hemoglobina E talassemia defi ciência de G6PD e em al gumas alterações hereditárias da membrana do eritrócito como a ovalocitose hereditária Desse modo a vantagem seletiva do heterozigoto teve como consequência o aumen to da frequência do gene da HbS em áreas do mundo em que a malária foi endêmica A anemia falciforme prevalece na raça negra e sua maior incidência ocorre na África embora seja também en contrada em países mediterrâneos principalmente Grécia Itália e Israel assim como na Arábia Saudita Índia e nos negros americanos Nos Estados Unidos a forma hetero zigota afeta aproximadamente 8 da população negra e o número de recémnascidos portadores de forma grave ho mozigótica nessa população está estimado em 1625 Em nosso país frequências variáveis de 5 a 10 de heterozigo tos AS foram descritas em descendentes de africanos Na população geral do estado de São Paulo essa porcentagem é ligeiramente menor que 2 No estado de Minas Gerais onde é realizado o maior programa de triagem neonatal do país o estudo de cerca de 260 mil crianças mostrou um caso de doença falciforme para cada 1591 nascimentos 11591 Merecem menção os valores para diversos estados brasileiros Bahia 1650 Rio de Janeiro 11100 e Rio Grande do Sul 110000 o que mostra a grande diversidade na origem da população brasileira Anemia falciforme A homozigose para o gene βS em geral resultante da herança de um gene anormal do pai e um da mãe corresponde à forma mais grave das síndromes falciformes Há ausência de HbA predominando a produção de HbS acompanhada de quantidades normais de HbA2 em geral ao redor de 25 e aumento variável de HbF em geral inferior a 8 mas atingindo até 25 em algumas formas especiais Heterozigose para hemoglobina S Os heterozigotos AS não apresentam nenhuma anormalidade hematológica significativa embora possa ser observado muito raramente algum eritrócito falcizado no esfregaço de sangue periférico o nível de hemoglobina é normal assim como os números de leucócitos e plaquetas Estimase que no mundo todo existam 30 milhões de heterozigotos AS e no Brasil esse número provavelmente situase próximo de 2 milhões As complicações clínicas relacionadas à heterozigose da HbS são extremamente raras porque a concentração de HbS nas hemácias desses indivíduos é inferior a 50 tornandoas resistentes à falcização nas condições fisiológicas normais Por outro lado o ambiente metabólico dos rins é bastante propício à falcização onde ocorrem as mais frequentes complicações no indivíduo AS Hematúria é a anormalidade mais frequente seguida da redução da capacidade de concentrar urina hipostenúria e aumento na frequência de infecções urinárias na gravidez A literatura científica enumera outras possíveis situações de risco para heterozigotos AS incluindo falcização durante grandes cirurgias glaucoma agudo em caso de sangramento intraocular infartos esplênicos em situação de hipóxia grave como viagens aéreas em cabine não pressurizada e mergulho submarino aumento do risco de trombose venosa profunda maior incidência de carcinoma medular renal e casos anedóticos de priapismo e morte súbita após exercícios exaustivos Convém enfatizar a raridade dessas complicações Os heterozigotos para hemoglobina S não necessitam tratamento médico e essa alteração aparentemente não altera sua expectativa de vida Os indivíduos AS devem sempre ser encaminhados para aconselhamento genético uma vez que têm possibilidade de ter filhos com formas mais graves de doenças falciformes Hemoglobinopatia SC A hemoglobina C é uma variante estrutural de cadeia β da globina resultante de mutação no mesmo códon β6 que a hemoglobina S No caso da HbC a substituição é GAGAAG com consequente inserção do aminoácido lisina substituindo o ácido glutâmico β6 GluLys A HbC não participa de maneira efetiva do polímero de desoxiHbS e por esse motivo os pacientes com hemoglobinopatia SC têm evolução clínica mais benigna que pacientes SS No entanto é necessário lembrar que esses pacientes também apresentam quase todas as complicações da anemia falciforme maior suscetibilidade a infecções e fenômenos vasooclusivos Em razão dos níveis de hemoglobina mais elevados e maior viscosidade sanguínea algumas complicações como as oftalmológicas e as osteonecroses de cabeça femoral e umeral são mais frequentes na hemoglobinopatia SC do que na anemia falciforme Sβtalassemia Em algumas regiões do Brasil em que houve grande aporte de imigrantes originários da Itália como o estado de São Paulo são frequentes filhos de portadores de HbS e de βtalassemia originando uma forma de doença derivada da herança concomitante dos dois genes anormais chegando a corresponder a aproximadamente 13 do total de pacientes com doenças falciformes No entanto é necessário ressaltar que essa associação pode ser observada em todas as regiões do Brasil Existem dois tipos de associação Sβ0 talassemia com ausência total de produção de HbA e Sβ talassemia em que ocorre produção predominante de HbS e de quantidades reduzidas de HbA Do ponto de vista clínico os pacientes com Sβ0 talassemia têm evolução mais grave semelhante aos homozigotos SS Apesar de a eletroforese de hemoglobina mostrar HbS sem HbA como na homozigose SS três achados contribuem para o diagnóstico diferencial microcitose hipocromia e níveis elevados de HbA2 Além disso o estudo familiar é fundamental para o diagnóstico correto e mostrará que um dos pais é heterozigoto AS e o outro heterozigoto para βtalassemia microcitose hipocromia elevação de HbA2 e ausência de HbS na eletroforese No Brasil a associação mais comum é com a mutação β0 do códon 39 CT Os pacientes com Sβ talassemia podem apresentar evolução clínica grave ou moderada dependendo da mutação de βtalassemia envolvida Em geral a mutação IVS 1110 GA está associada com evolução mais grave enquanto que a mutação IVS16 TC acompanhase de evolução clínica mais benigna Essas duas mutações são após a mutação β0 do códon 39 as mutações talassêmicas mais frequentes no estado de São Paulo Importa lembrar que a frequência de talassemia β em negros é reduzida em geral abaixo de 1 Assim a associação entre HbS e β talassemia em negros não é frequente 209 210 Tratado de Hematologia Nesses casos a mutação mais comum é na região promo tora do gene globina 88 CT também caracterizada por evolução clínica benigna DIAGNÓSTICO LABORATORIAL O diagnóstico das síndromes falciformes depende fun damentalmente da comprovação da hemoglobina S pela eletroforese de hemoglobinas utilizando conjuntos complementares de suportes e tampões que permitam a distinção das diferentes hemoglobinas anormais As técni cas mais utilizadas incluem a eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose com pH 84 em gel de ágar com pH 62 e teste de solubilidade da hemoglobina em tampão fosfato concentrado A detecção da HbS pode também ser feita com base em Cromatografi a Líquida de Alta Performance HPLC ou Eletroforese com Focalização Isoelétrica FIE A alteração molecular pode ser facilmente identifi cada pela Reação em Cadeia da Polimerase PCR seguida de sequenciamento do DNA ou digestão com uma enzima de restrição apro priada Este último é o método utilizado no diagnóstico prénatal das doenças falciformes ou em alguns casos de difícil diagnóstico pela eletroforese de hemoglobinas É im portante ressaltar que é quase sempre indispensável para o diagnóstico correto das síndromes falciformes o estudo de todos os familiares disponíveis Os resultados da eletrofo rese de hemoglobina são sintetizados na Tabela 271 Todos os recémnascidos de grupos populacionais onde a frequência da mutação para HbS é elevada devem ser sub metidos à triagem neonatal para detecção de doença fal ciforme Atualmente são bem conhecidos os benefícios do diagnóstico precoce introdução de antibioticoterapia pro fi lática e programa adequado de vacinação Alguns estudos bem controlados mostram que a introdução dessas medi das permite reduzir a mortalidade nos cinco primeiros anos de vida de 25 para aproximadamente 3 Os procedimentos laboratoriais para o diagnóstico em amostras de recémnascidos devem separar com segurança a HbF das outras hemoglobinas O teste pode ser realiza do em sangue de cordão umbilical ou amostras de sangue venoso coletado em papel de fi ltro podendo ser utilizada a mesma estratégia de coleta de amostras para outros tes tes neonatais como de fenilcetonúria e de hipotireoidismo congênito testes do pezinho As técnicas comumente utilizadas são a focalização isoelétrica ou cromatografi a lí quida de alta performance Os níveis de hemoglobina em pacientes na fase es tável da anemia falciforme variam entre 6 a 10 gdL Em geral a anemia é normocrômica e normocítica embora os níveis de reticulócitos sejam elevados entre 5 e 20 Ocasionalmente podem ser observados eritroblastos cir culantes É sempre importante estabelecer os valores he matológicos basais para cada paciente pois esses valores permanecem relativamente estáveis em um deles mas va riam grandemente em diferentes pacientes Valores redu zidos de VCM indicam S talassemia ou associação com talassemia Ocasionalmente pode ocorrer defi ciência de ferro em pacientes com doenças falciformes que também pode levar à hipocromia e à microcitose As clássicas hemácias em forma de foice são carac teristicamente observadas nas doenças falciformes embora outras formas aberrantes possam também ser visualizadas Em recémnascidos poucas células falcizadas podem ser observadas devido à elevada porcentagem de HbF Após o primeiro ano de vida as células falcizadas tornamse mais evidentes Hemácias em alvo também podem aparecer principalmente na S talassemia e na hemoglobinopatia SC Com a redução na função esplênica podem ser iden tifi cados corpos de HowelJolly A hipofunção esplêni ca pode ser avaliada também pela contagem de inclusões intracelulares observadas por microscopia de contraste de interferência quantifi cação de hemácias com pits Os clássicos dados laboratoriais de hemólise estão presentes elevação de bilirrubina indireta redução de hap toglobina sérica elevação de urobilinogênio urinário e hi perplasia eritroide na medula óssea Frequentemente há leucocitose às vezes com desvio à esquerda alteração que nem sempre está relacionada a pro cesso infeccioso podendo ser observada mesmo na fase Tabela 271 Sumário dos resultados da eletroforese de hemoglobinas nas síndromes falciformes Condição HbS HbC HbA HbF HbA2 Comentário SS Predominante N Elevação moderada de HbF SC Presente Presente HbS HbC HbA2 migra na mesma posição de HbC So talassemia Predominante Elevação moderada de HbF S talassemia Predominante Presente Elevação moderada de HbF Quantidade de HbS HbA AS Presente Presente HbS HbA 211 Capítulo 27 Anemia Falciforme estável A contagem de plaquetas está em geral elevada podendo atingir até 1000000L Provavelmente tanto a leucocitose quanto a trombocitose estão associadas à hi perplasia de medula óssea em pacientes com hipofunção esplênica além do estado infl amatório crônico As provas de coagulação são normais durante a fase estável mas durante os episódios vasooclusivos alguns testes podem apresentar alterações características de hiper coagulabilidade A velocidade de hemossimentação está geralmente baixa não sendo parâmetro útil nas doenças falciformes pois as hemácias falcizadas difi cilmente formam os grupa mentos que facilitam a sedimentação Nos pacientes não submetidos a transfusões crônicas os níveis de ferritina são inicialmente normais podendo apresentar discreta elevação após a terceira década de vida Ao contrário nos pacientes submetidos a transfusões re petidas esses níveis são elevados podendo ocorrer hemo cromatose secundária Muitas vezes é necessária a terapia com quelantes de ferro embora as lesões orgânicas sejam menos acentuadas que aquelas observadas nos pacientes com talassemia FATORES GENÉTICOS MODULADORES DA GRAVIDADE DA ANEMIA FALCIFORME Apesar de a alteração molecular ser a mesma diferentes pacientes com anemia falciforme podem apresentar evo luções clínicas signifi cativamente distintas O mais conhe cido e talvez o mais importante modulador fenotípico da anemia falciforme é o nível de HbF Outros possíveis indi cadores da variação fenotípica da anemia falciforme são os haplótipos do gene da globina a região controladora da expressão do complexo do gene da globina LCR Locus Control Region mutações que causam persistência hereditá ria de hemoglobina fetal e talassemia Os diversos polimorfi smos do DNA em cis ligados ao complexo do gene da globina defi nem os chamados ha plótipos da anemia falciforme A mesma mutação s apa receu independentemente em pelo menos cinco diferentes grupos populacionais com cinco diferentes composições genéticas nas proximidades do gene da globina hapló tipos Benin Bantu Senegal Camarões e ÁrabeIndiano Esses haplótipos podem ser utilizados como marcadores de características genéticas em cis herdadas com o gene s e que podem infl uenciar a expressão dos genes globina e consequentemente os níveis de HbF Os haplótipos Sene gal e ÁrabeIndiano estão associados com níveis elevados de HbF ao passo que os haplótipos Benin e Bantu com níveis menores de HbF No Brasil existe certa heterogenei dade na frequência dos diversos haplótipos entre as dife rentes regiões geográfi cas mas predominam os haplótipos Bantu e Benin A talassemia em negros deriva quase que exclusi vamente da deleção de um dos genes No Brasil cerca de 20 dos negros são portadores da heterozigose para talassemia consequente à defi ciência de um gene 37 Assim é frequente a associação entre anemia falciforme e talassemia Essa associação tem como consequências a redução do VCM e do HCM menor número de reticu lócitos menor grau de hemólise e maior concentração de hemoglobina quando comparadas com pacientes que apre sentam genótipo normal para os genes da globina Os benefícios na evolução clínica que essas alterações principalmente a redução na concentração da hemoglobi na intracelular podem produzir ainda não estão comple tamente estabelecidos Aparentemente úlceras de perna acidente vascular cerebral e anormalidades da retina são menos frequentes em pacientes com herança concomitante de talassemia embora alguns estudos apontem que esses pacientes poderiam apresentar mais episódios dolorosos devido ao aumento de viscosidade sanguínea correspon dente ao aumento da hemoglobina total circulante Polimorfi smos em vários genes já foram estudados e associados com o aumento de incidência de complica ções nas doenças falciformes e ajudam a explicar a hete rogeneidade das apresentações clínicas nesses pacientes apesar de todos apresentarem a mesma mutação genética A Tabela 272 mostra uma lista de genes agrupados em função de sua importância biológica cujos polimorfi smos já foram associados com manifestações clínicas dessas en fermidades MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas nas doenças falciformes são extremamente variáveis mas são derivadas primariamente da oclusão vascular e em menor grau da anemia Pratica mente todos os órgãos podem ser afetados pela oclusão vascular Tabela 273 Os recémnascidos portadores de doenças falciformes possuem níveis elevados de HbF e por essa razão não apresentam manifestações clínicas sig nifi cativas De fato apenas quando os níveis de HbF de clinam signifi cativamente aparecem os primeiros sinais e sintomas da doença em geral após os seis meses de idade Crises de falcização Os pacientes com doença falciforme apresentam pe ríodos sem manifestações clínicas correspondentes à fase estável da doença que pode ser interrompida por mani festações agudas denominadas crises de falcização clas sifi cadas em crises vasooclusivas ou episódios dolorosos crises aplásticas hemolíticas e de sequestro Crises vasooclusivas Os episódios dolorosos agudos representam as mani festações clínicas mais comuns e características das doenças falciformes A frequência e a gravidade das crises variam con sideravelmente de paciente para paciente e em um mesmo paciente modifi candose bastante em diferentes períodos da vida Os fatores desencadeantes são variados e incluem 212 Tratado de Hematologia Tabela 272 Genes associados a complicações nas doenças falciformes e sua importância biológica Importância Gene Dor STA Infecção AVC Úlcera de perna Priapismo NACF HP Bil IRC Adesão celular SELP X ITGAV NRCAM X PIK3CG X VCAM1 X Angiogênese TEK X X Crescimento celular ANXA2 X IGF1R X Infl amação IL4R X TNFA X CCL5 X Metabolismo do colesterol LDLR X Coagulação F13A1 X HPA3 X ITGA2 X X X X MTHFR X Imunidade HLA vários X X MBL2 X X MPO X Metabolismo do óxido nítrico GCH1 X NOS3 X KL X X X X X Via TGFSMAD ACVRL1 X BMP6 X X X X X BMPR1A X BMPR1B X BMPR2 X MAP2K1 X MAP3K7 X SMAD1 X SMAD3 X X SMAD6 X SMAD7 X X SMAD9 X SMURF1 X TGFBR1 X TGFBR2 X X X TGFBR3 X X X X X X Metabolismo da bilirrubina UGT1A X Desconhecido STARD13 X STA Síndrome Torácica Aguda AVC Acidente Vascular Cerebral NACF Necrose Avascular da Cabeça Femoral HP Hipertensão Pulmonar Bil Doença Biliar e Hiperbilirrubinemia IRC Insufi ciência Renal Crônica relatos controversos Adaptado de Fertrin e Costa Expert Rev Hematol2010 34 44358 213 Capítulo 27 Anemia Falciforme Tabela 273 Principais manifestações clínicas e complicações das doenças falciformes Sistema linfohematopoético Sistema nervoso central Anemia Asplenia Esplenomegalia crônica rara Sequestro esplênico agudo Acidente isquêmico transitório Acidente vascular cerebral Hemorragia intraparenquimatosa Hemorragia subaracnoidea Pele Cardiopulmonar Palidez Icterícia Úlceras de perna Cardiomegalia Insufi ciência cardíaca Hipertensão pulmonar Infarto pulmonar Pneumonia Osteoarticular Urogenital Síndrome mãopé Dores osteoarticulares Osteomielite Necrose asséptica da cabeça do fêmur e úmero Osteoporose Compressão vertebral Gnatopatia Priapismo Hipostenúria proteinúria Insufi ciência renal crônica Olho Gastrointestinal e abdominal Retinopatia proliferativa Glaucoma Hemorragia retiniana ou vítrea Crises de dor abdominal Cálculos biliares Icterícia obstrutiva Hepatopatia crônica Colestase intrahepática Geral Hipodesenvolvimento somático Retardo da maturação sexual Maior suscetibilidade a infecções infecção desidratação e tensão emocional de qualquer na tureza As crises dolorosas são mais frequentes na terceira e quarta décadas de vida e a taxa de mortalidade é mais alta em adultos que as apresentam com maior frequência A oclusão microvascular sobretudo na medula óssea é o fator inicial do episódio doloroso Essa oclusão se cundária à falcização das hemácias causa isquemia dos tecidos o que por sua vez provoca uma resposta infl ama tória aguda As crises dolorosas típicas atingem principal mente ossos longos articulações e região lombar Outras regiões podem também ser afetadas como couro cabelu do face tórax e pelve Episódios agudos de dor e inchaço de mãos e pés sín drome das mãos e pés ou dactilite são frequentes em crianças entre seis meses e dois anos de idade e extrema mente raras após os sete anos de idade Essas crises vaso oclusivas são autolimitadas e em geral desaparecem após uma semana embora possam ocorrer ataques recorrentes O tratamento é sintomático e se os sinais persistirem é importante afastar o diagnóstico de osteomielite Uma crise dolorosa grave é defi nida como aquela que exige tratamento hospitalar com analgésico parenteral por mais de quatro horas A ocorrência de mais de três episó dios graves em um mesmo ano caracteriza doença falcifor me com evolução clínica grave Crises aplásticas São caracterizadas por queda acentuada nos níveis de hemoglobina acompanhada de níveis de reticulócitos redu zidos caracterizando insufi ciência transitória da eritropoese Em geral esse tipo de crise é desencadeado pela infecção por parvovírus B19 e ocorre em 68 dos casos em crianças No entanto em adultos a presença de imunização natural por exposição prévia ao vírus torna mais frequentes infecções 214 Tratado de Hematologia por Streptococcus pneumoniae salmonelas e pelo vírus Epstein Barr além de necrose medular óssea extensa com febre dor óssea reticulocitopenia e reação leucoeritroblástica Ou tra causa de queda na contagem de reticulócitos é o uso iatro gênico de tensões supramáximas de oxigênio inalatório que podem suprimir a produção endógena de eritropoetina após dois dias de uso Essa complicação é autolimitada e no pe ríodo de cinco a dez dias a eritropoese volta ao normal No entanto no período agudo de anemia pode ser necessária a terapêutica com transfusões de concentrado de hemácias A insufi ciência medular também pode resultar da defi ciência de ácido fólico especialmente durante a gravidez também conhecida como crise megaloblástica Crises hemolíticas Também denominadas de crises hiperhemolíticas deri vam de um incremento brusco na taxa de hemólise Esse tipo de crise é raro e aparentemente está relacionado a infec ções por Mycoplasma defi ciência de G6PD ou esferocitose hereditária associadas As manifestações clínicas podem in cluir agravamento da anemia e acentuação da icterícia No entanto antes de fazer o diagnóstico de crise hemolítica de vem ser afastadas outras causas mais frequentes de elevação dos níveis de bilirrubinas como obstrução por cálculo de vesícula hepatite ou falcização com colestase intrahepática Crise de sequestro esplênico Esse tipo de crise representa um episódio agudo carac terizado pelo acúmulo rápido de sangue no baço A crise de sequestro esplênico é defi nida pela queda nos níveis basais de hemoglobina de pelo menos 2 gdL hiperplasia com pensatória de medula óssea e aumento rápido do baço Essa complicação ocorre em geral após o sexto mês de vida e tornase menos frequente após os dois anos de idade No entanto pode ocorrer mesmo em adultos portadores de es plenomegalia especialmente portadores de Stalassemia ou hemoglobinopatia SC As crises de sequestro esplênico são responsáveis por elevado percentual de mortes nos pri meiros dez anos de vida 1015 em alguns estudos Infecções Infecções são a principal causa da morbidade e morta lidade na anemia falciforme BarrettConnor observou em interessante e hoje clássico estudo em que 116 pacientes com doenças falciformes foram acompanhados durante 11 anos vários dados importantes a infecção bacteriana é a maior cau sa de morte na anemia falciforme particularmente na infân cia além de constituir a principal causa de hospitalização O risco de infecções graves é maior em pacientes com menos de quatro anos de idade e entre estas se destaca a meningi te bacteriana causada em 78 dos casos por pneumococos Outros tipos de infecções frequentes são pneumonia osteo mielite septicemia e infecção urinária As bactérias envolvidas são mais comumente embora não exclusivamente aquelas que caracteristicamente possuem envoltório de polissacarí deos tais como Streptococcus pneumoniae Haemophilus infl uenzae tipo b Neisseria meningitidis Escherichia coli Enterobacter sp Kleb siella sp e Staphylococcus aureus além de Mycoplasma sp As razões da maior suscetibilidade à infecção apresenta da pelos pacientes com doenças falciformes ainda não são totalmente conhecidas Aparentemente as múltiplas lesões orgânicas e a asplenia orgânica ou funcional têm papel preponderante Além disso são descritas defi ciências de opsoninas séricas defeito na via alternativa do complemen to falta de tuftsina alteração na atividade da via hexose monofosfato dos leucócitos e defeitos imunes É relevante ressaltar que intervenções diagnósticas e te rapêuticas rápidas nos casos com suspeitas de infecção bac teriana podem ser cruciais para salvar a vida do paciente As alterações histopatológicas no baço de pacientes com anemia falciforme são conhecidas Inicialmente há uma esplenomegalia consequente à congestão da polpa es plênica em virtude da obstrução por grandes quantidades de células falcizadas acompanhada de hemorragias ao re dor dos corpúsculos de Malpighi A oclusão vascular pro voca repetidos microinfartos tornando o órgão fi brótico e atrófi co Esses fenômenos são coincidentes com os acha dos clínicos observados à palpação do baço nos pacientes com anemia falciforme Comumente há esplenomegalia nos primeiros anos de vida seguida de ausência do órgão após os seis anos de idade resultante da autoesplenecto mia acompanhada de fi brose As repercussões da hipo função esplênica nas doenças falciformes concentramse principalmente na maior suscetibilidde a infecções O grau de comprometimento da função esplênica é mais acentua do em pacientes com anemia falciforme e S0 talassemia quando comparados aos pacientes com hemoglobinopatia SC ou HbS talassemia No entanto mesmo em pacien tes que conservam o baço ou têm esplenomegalia a fun ção do órgão pode estar comprometida caracterizando a asplenia funcional Em pacientes com doenças falciformes não é rara ob servação de osteomielite secundária a Salmonella typhimu rium embora esse tipo de infecção também possa ocorrer por germes mais comuns como Staphylococcus aureus Infec ções do trato urinário são em geral associadas com bacté rias gramnegativas principalmente Escherichia coli Complicações cardíacas As manifestações cardíacas são relacionadas à circulação hiperdinâmica secundária aos mecanismos compensatórios da anemia A radiografi a de tórax mostra cardiomegalia glo bal mesmo em pacientes jovens Também são observadas comumente artérias pulmonares proeminentes e aumento no padrão vascular pulmonar Dados convincentes mostram que isquemia miocárdica pode ocorrer mesmo em pacientes jo vens embora não seja um evento comum As hipóteses para explicar a baixa frequência de oclusão importante de artérias coronárias são a circulação hiperdinâmica e os baixos níveis de 215 Capítulo 27 Anemia Falciforme colesterol observados nos pacientes com doenças falciformes Alguns pacientes podem evoluir para insufi ciência cardíaca principalmente depois da segunda década de vida A pressão arterial em pacientes com doenças falciformes é em geral in ferior à observada em populações controles Complicações pulmonares As alterações pulmonares nas doenças falciformes são provocadas por fenômenos vasooclusivos e infecções Com frequência ambas ocorrem simultaneamente Os episódios agudos são denominados de Síndrome Torácica Aguda STA e são caracterizados por dor to rácica febre dispneia opacidade nova na radiografi a de tórax e queda no nível de hemoglobina podendo evoluir com hipóxia grave Esse tipo de complicação é hoje uma das causas mais comuns de morte e a segunda causa mais comum de hospitalização em pacientes com doenças falci formes nos Estados Unidos É três vezes mais frequente em crianças do que em adultos sendo mais comum nos homozigotos SS seguidos por S talassemia hemoglobi nopatias SC e S talassemia em ordem decrescente de frequência A STA pode ser causada por infarto de costela ou esterno pneumonia embolia pulmonar após necrose de medula óssea ou infarto pulmonar devido a falcização in vivo A investigação diagnóstica da STA deve incluir ra diografi as de tórax seriadas cultura de secreção pulmonar quando possível hemoculturas monitoramento da gaso metria acompanhamento dos níveis de hemoglobina es tudo da ventilaçãoperfusão ou angiotomografi a quando indicada a pesquisa de tromboembolismo A função pulmonar pode ser anormal mesmo em pa cientes que não apresentem antecedentes prévios de doen ça pulmonar A hipertensão pulmonar na doença falciforme pode ser de origem arterial venosa ou mista Até 20 dos pacientes terão hipertensão pulmonar leve ou limítrofe Pressão Sistólica de Artéria Pulmonar PSAP estimada acima de 35 mmHg e 10 terão hipertensão pulmonar moderada ou grave PSAP acima de 45 mmHg Um valor de PSAP de 35 mmHg equivale aproximadamente a uma velocidade de fl uxo regurgitante da válvula tricúspide de 25 ms enquanto valores de entre 25 e 29 ms se associam a um risco relativo de óbito de 44 e acima de 30 ms o risco é de 106 vezes Assim recomendase rastreamento anual com ecocardiograma transtorácico com medida da PSAP e fl uxo regurgitante da válvula tricúspide Se o fl uxo regurgitante for 25 ms eou PSAP elevada considerar cateterismo cardíaco direito para confi rmação e se o fl uxo for 30 ms ou sinais de disfunção cardíaca direita devese realizar cateterismo cardíaco direito e considerar programa regular de transfusão e hidroxiureia O uso crônico do ini bidor de fosfodiesterase5 sildenafi l não foi bemsucedido em um estudo e aumentou a incidência de crises dolorosas Complicações neurológicas Algum tipo de comprometimento neurológico acomete cerca de 25 dos pacientes com doenças falciformes Essas alterações são mais comuns em pacientes SS do que em pa cientes com hemoglobinopatias SC ou S talassemia As complicações clínicas no sistema nervoso central incluem acidente vascular cerebral hemorragia cerebral e ataques is quêmicos transitórios Infartos cerebrais são mais frequentes em crianças com pico de incidência até os seis anos de idade e em adultos após os trinta anos de idade ao passo que he morragia intracerebral é mais frequente em adultos entre as segunda e terceira décadas de vida Aparentemente novelos vasculares conhecidos como moya moya envolvendo vasos frágeis e dilatados que se desenvolvem como circulação co lateral ao redor de áreas de infarto e aneurismas são os fato res causais das hemorragias em adultos No sistema nervoso ao contrário de outras regiões va sos maiores parecem ser os locais preferencialmente aco metidos por vasooclusão As complicações neurológicas são graves e podem ser fatais em até 15 dos casos A terapêutica básica nas alterações vasooclusivas no sistema nervoso central é a transfusão de concentrado de hemácias O diagnóstico preciso e o início rápido da tera pêutica transfusional impedem a progressão da doença e podem mesmo reverter as manifestações clínicas A hemo globina S deve ser mantida abaixo de 30 durante a tera pêutica transfusional cuja duração não deve ser inferior a cinco anos Alguns dados indicam que provavelmente essa terapêutica deve ser mantida indefi nidamente O exame com Doppler ultrassonográfi co transcraniano detecta precocemente as lesões com base na medida das velocidades do fl uxo sanguíneo nos principais vasos que irrigam o encéfalo Altas velocidades identifi cam as crian ças potencialmente suscetíveis a sofrer AVC que pode ser evitado por um esquema de transfusão crônica Complicações hepatobiliares A excreção contínua e elevada de bilirrubinas leva à for mação de cálculos biliares Embora tenham sido relatados cálculos em crianças de três ou quatro anos de idade essa complicação é comum em pacientes adultos A colecistec tomia era anteriormente reservada para pacientes que apre sentavam sintomas signifi cativos dois ou três episódios de dor no período de seis meses porém pode ser indicada mesmo nos pacientes assintomáticos pelo alto risco de complicações com crises vasooclusivas graves e síndrome torácica aguda no caso de colecistite aguda As alterações na função hepática podem ser relacionadas à falcização in trahepática infecções adquiridas na transfusão ou hemos siderose transfusional A denominação síndrome do quadrante superior direi to designa episódio agudo caracterizado por hiperbilirru binemia extrema aumento rápido do fígado febre e dor acentuada O diagnóstico diferencial desta condição inclui colecistite aguda pancreatite hepatite aguda crise doloro sa e um possível sequestro hepático Os níveis de enzimas hepáticas são anormais e os níveis de bilirrubina podem chegar até a 100 mgdL A etiologia dessa complicação não está ainda bem elucidada O tratamento recomendado é a 216 Tratado de Hematologia q u a d r o Indicação para tratamento Pacientes com SS Sotal Stal que apresentam episódios dolorosos graves frequentes três ou mais internações em 12 meses história de síndrome torácica aguda anemia grave Hb abaixo de 6 gdL ou outra complicação vasooclusiva grave priapismo hipertensão pulmonar O uso em hemoglobinopatia SC é discutível Avaliação de valores basais Hemograma HbF exames bioquímicos teste de gravidez na ausência de programa de transfusão crônica Início do tratamento Hidroxiureia 1015 mgkgdia em dose única diária por 68 se manas Hemograma a cada duas semanas níveis de HbF a cada 68 semanas exames bioquímicos 24 semanas Tratamento contínuo Se as contagens permanecem em faixa aceitável aumentar progressivamente as doses a cada 68 semanas até atingir os objetivos do tratamento Objetivos do tratamento Diminuição de crises de dor Aumento de HbF para 1520 Incremento nos níveis de Hb se a anemia for grave Melhora do estado geral Mielotoxicidade aceitável granulócitos 2500L e reticulóci tos 75000L e plaquetas 5000L Na ausência de aumento de HbF ou do VCM Excluir má adesão ao tratamento Provável ausência de resposta biológica Aumentar dose cuidadosamente até 225 gdia dose máxima 35 mgkgdia O período de tratamento deve ser de 612 me ses para considerar ausência de resposta Cuidados especiais Pacientes com insufi ciência renal ou hepática Homens e mulheres devem tomar medidas anticoncepcionais durante o tratamento pois a hidroxiureia é teratogênica Após atingir nível estável e não tóxico de hidroxiureia o hemogra ma pode ser realizado a cada 48 semanas para verifi car mie lotoxicidade aceitável granulócitos 2500L e reticulócitos 75000L e plaquetas 95000L Adaptado de Steinberg MH The Scientifi c World Journal 2008 81295 1324 N Engl J Med 1999340102130 Current use of hydroxyurea in sickle cell disease American Society of Hematology Education Program 2000 Hidroxiureia nas doenças falciformes transfusão de substituição mantendo níveis de HbS meno res que 10 Em crianças a evolução é em geral favorável mas em adultos o quadro pode ser de difícil resolução Complicações genitourinárias O rim é extremamente suscetível a complicações em pa cientes com doenças falciformes devido às características peculiares de seu microambiente que incluem reduzidas tensões de oxigênio pH ácido e alta tensão osmótica Esse tipo de ambiente facilita a ocorrência de falcização e infarto na medula renal com consequente hematúria e inabilidade de concentrar urina hipostenúria É importante lembrar que essas complicações podem ocorrer não somente em pacientes com doenças falciformes mas também em hete rozigotos para hemoglobina S traço falciforme AS O tra tamento da hematúria é conservador em geral repouso no leito e hidratação adequada levam à remissão espontânea No entanto algumas vezes a hematúria é de tal intensidade que é necessária transfusão de sangue A excreção de potássio também está reduzida e episó dios de hipercalemia foram descritos Ocasionalmente po dem ser observados níveis elevados de ácido úrico devido à hiperplasia de medula óssea e consequente aumento na pro dução de urato em razão do metabolismo das purinas além da redução na depuração de urato pelos túbulos renais Proteinúria ocorre em 26 dos pacientes com doença falciforme e creatinina sérica elevada em 7 A lesão anatomopatológica é representada por aumento glomerular e glomeruloesclerose perifé rica focal segmentar O tratamento com enalapril um inibidor da enzima conversora de angiotensina parece reduzir a proteinúria sugerindo que a hi pertensão capilar pode ser um fator patogênico na nefropatia da anemia falciforme Em pacientes com insufi ciência renal crônica deve ser iniciado progra ma de hemodiálise e se possível indicado transplan te renal Priapismo é uma complicação relativamente fre quente e ocorre quando as células falcizadas oblite ram os corpos cavernosos e esponjoso e impedem o esvaziamento do sangue do pênis Existem duas apresentações clínicas priapismo agudo e priapismo recorrente ou intermitente do inglês stuttering A apresentação aguda corresponde à ereção dolorosa prolongada que persiste por várias horas ao passo que o priapismo recorrente é caracterizado por epi sódios reversíveis da ereção que podem ocorrer em períodos variáveis com duração de minutos e tam bém em múltiplos episódios no mesmo dia O tratamento deve ser feito com repouso hidratação analgésicos e nos casos mais graves transfusão de substi tuição para manter níveis de HbS abaixo de 30 Em al guns casos aparentemente a hidroxiureia parece ser útil Quando não houver resposta aos tratamentos clínicos a 217 Capítulo 27 Anemia Falciforme intervenção cirúrgica pode ser necessária uma complicação frequente é a disfunção erétil Em relação ao tratamento medicamentoso um único pequeno estudo randomizado com 11 pacientes mostrou evidência de que o dietilstil bestrol pode ajudar a abortar a crise de priapismo e doses menores 1 a 5 mg por dia poderiam funcionar como pro fi láticas de novas crises Há relato anedótico de melhora de priapismo com hidralazina e com leuprolide um análo go de Hormônio Liberador de Gonadotrofi nas GnRH como forma de profi laxia porém também provoca castra ção química Houve relatos de sucesso com etilefrina oral ou injetável intracavernosa e de profi laxia dos casos in termitentes O papel dos inibidores de fosfodiesterase5 como o sildenafi l ainda é incerto com relato de seu uso em três pacientes com alívio agudo do priapismo em até 90 minutos No entanto há relato de um caso de priapismo desencadeado por uso da mesma medicação em portador de traço falciforme Complicações oftalmológicas As complicações oftalmológicas são frequentes nas doenças falciformes e incluem anormalidades na conjun tiva infartos orbitários hemorragia retiniana e retinopa tia proliferativa A retinopatia resulta de lesões oclusivas arteriolares que levam a microaneurismas e proliferação neovascular colateral Essa alteração é mais frequente em pacientes com hemoglobinopatia SC do que em outras doenças falciformes Seguimento regular com oftalmo logista deve fazer parte do tratamento de pacientes com doenças falciformes porque o tratamento precoce com fo tocoagulação pode prevenir a progressão de retinopatia e cegueira Devese lembrar também que mesmo o paciente com traço falciforme inspira cuidados quando ocorre trau ma ocular com hifema sangramento intraocular na câmara anterior pelo risco de glaucoma agudo e cegueira por obs trução da drenagem ocular por hemácias falcizadas Complicações osteoarticulares A complicação mais comum é a necrose asséptica da ca beça do fêmur e afeta cerca de 10 das pacientes podendo chegar a mais de 50 dos portadores de hemoglobinopatia SC Outras regiões ósseas podem também ser afetadas pela necrose vascular como corpos vertebrais e cabeça do úme ro A necrose asséptica da cabeça do fêmur aparenta estar associada positivamente com a idade frequência de episó dios dolorosos deleção do gene da globina e níveis de hemoglobina O diagnóstico algumas vezes pode requerer imagens de ressonância nuclear magnética O tratamento é sintomático inclui analgésicos repouso e redução de carga naquele membro Em muitos casos é necessária a realização de cirurgia e substituição óssea mas não há evidência de superioridade da descompressão cirúrgica sobre a fi siotera pia na prevenção da progressão da doença A osteoporose precoce é uma complicação que vem sendo progressivamente mais diagnosticada na doença fal ciforme e recomendase rastreamento anual com densito metria mineral óssea a partir dos 18 anos de idade Ingestão aumentada de cálcio banhos de sol além de pesquisar e controlar hipomagnesemia podem ser condutas adequadas para prevenção de osteoporose Apenas um estudo com 14 pacientes avaliou o tratamento da osteopenia na doença falciforme com reposição de carbonato de cálcio e vitami na D com melhora da densidade óssea o tratamento com alendronato é extrapolado a partir dos estudos de osteo porose em mulheres pósmenopausa pois não há estudos prospectivos em pacientes com doença falciforme Manifestações cutâneas Além de manifestações comuns às demais anemias he molíticas como icterícia e palidez as doenças falciformes caracterizamse pela presença de úlceras no terço inferior das pernas especialmente na região maleolar A prevalência de úlcera de perna na anemia falciforme é estimada em 5 a 10 dos pacientes É mais comum em homens e em pa cientes mais velhos e raras nas crianças e doenças falcifor mes heterozigóticas duplas É uma complicação altamente incapacitante principalmente para jovens O tratamento é quase sempre insatisfatório e inclui cuidados locais da feri da higiene antibióticos e repouso O repouso prolongado é fundamental mas quase sempre é difícil de ser realizado por pacientes com atividade física normal Nos casos crônicos de difícil tratamento já foram utili zados bota de Unna transfusões regulares enxerto de pele sulfato de zinco e fatores de crescimento de granulócitos Não há evidências de que há melhora das úlceras com pro grama regular de transfusão crônica O tratamento com hi droxiureia parece não ser efetivo e um estudo demonstrou que não há aumento da incidência de úlceras com o uso de hidroxiureia em pacientes com anemia falciforme A re posição oral de sulfato de zinco não demonstrou melhora estatisticamente signifi cativa em outro estudo Uma com plicação que deve sempre ser pesquisada é a osteomielite Gravidez Com os cuidados terapêuticos atuais a morte materna é complicação rara nas doenças falciformes Estudos reali zados nos últimos trinta anos revelaram redução progres siva nos índices dessas complicações Os primeiros relatos descreviam problemas em cerca de um terço das gestações enquanto que atualmente essa porcentagem foi reduzida a 16 que é equivalente à de populaçõescontrole normais Algumas das principais complicações durante a gravidez e o puerpério incluem abortos espontâneos crescimento in trauterino retardado infecções insufi ciência cardíaca con gestiva fenômenos tromboembólicos e préeclâmpsia Abortos espontâneos Complicação de etiolo gia desconhecida parece ter menor frequência nas portadoras de hemoglobinopatia SC em relação às SS mas tem incidência desconhecida nas S talassêmicas Aumento de aneuploidia ou outras 218 Tratado de Hematologia anormalidades cromossômicas e malformações fe tais signifi cativas não têm sido descritas com maior incidência nessa população de doentes Especulase que lesões microvasculares na placenta causadas pe las hemácias falcizadas tenham papel mais impor tante na fi siopatologia das perdas gestacionais do primeiro trimestre do que o próprio grau de anemia das doentes acometidas Retardo de crescimento intrauterino Ocorre com frequência elevada em pacientes com anemia falci forme e com menor frequência em portadoras de hemoglobinopatia SC ou Stalassemia Numero sas causas contribuem para esse quadro porém dois fatores que agem desfavoravelmente no crescimento fetal intrauterino são a hipóxia e a desnutrição A pla centa de portadoras de anemia falciforme é anormal em tamanho localização inserção na parede uterina e histologia Anemia materna promove diminuição do fl uxo sanguíneo na região placentária causan do défi cit de crescimento da membrana placentária Episódios frequentes de vasooclusão podem ainda contribuir para o retardo do crescimento intraute rino sendo possível que arteríolas deciduais sejam obstruídas por agrupamentos de hemácias falcizadas promovendo hipoperfusão e hipóxia da membrana placentária Provavelmente essas lesões ocorrem pre cocemente no período gestacional explicando por que programas profi láticos de transfusões sanguíneas realizadas em período ulterior não modifi cam signifi cativamente a evolução desse processo Infecções São provavelmente as complicações mais comuns das doenças falciformes com frequên cia estimada em 28 a 67 dos casos A infecção uri nária é encontrada em 28 dos casos superando o grupo controle normal com apenas 15 Inicial mente a infecção urinária é assintomática mas com o transcorrer da gravidez há possibilidade de exa cerbação da bacteriúria com aumento na frequên cia de prematuridade e de recémnascido pequeno para a idade gestacional As pacientes devem pois ser investigadas e tratadas precocemente durante o acompanhamento prénatal Dores ósseas Episódios de dores ósseas são frequen temente observados nas doenças falciformes Durante a gravidez principalmente no terceiro trimestre pode haver maior incidência dessa complicação Anemia Durante o terceiro trimestre principal mente ao redor de 3234 semanas de gravidez há redução nos níveis de hemoglobina tanto em mu lheres normais como em mulheres com doenças falciformes Essa redução é de aproximadamente 30 sendo agravada por defi ciência de folato qua dros infecciosos ou infl amatórios crises aplásticas ou acentuação da hemólise Préeclâmpsia A frequência de préeclâmpsia é elevada em mulheres com doenças falciformes po dendo agravar as doenças renais preexistentes Por outro lado a presença de proteinúria e hipertensão arterial em pacientes com lesão renal prévia pode ser confundida com o diagnóstico de préeclâmpsia O diagnóstico deve ser sugerido quando há hipertensão arterial associada com edema e proteinúria após a 20ª semana de gravidez Essa afi rmação é consequência do fato de que habitualmente na doença falciforme os níveis pressóricos são inferiores aos de indivíduos normais e durante a gestação normal observase pressão arterial mantida em níveis inferiores aos de mulheres grávidas normais até a 20ª semana Dessa forma níveis pressóricos iguais ou superiores a 125 75 mmHg devem ser rigorosamente monitorizados pois a existência de préeclâmpsia é acompanhada de alta taxa de mortalidade Morbidade e mortalidade perinatal O desenvolvimento de centros especializados para tratamento multidisciplinar de pacientes com doenças falciformes nos Estados Unidos da América infl uenciou substancialmente a redução na incidência de natimortos e prematuridade Os estudos anteriores à implantação desses centros de atendimento apresentavam taxas de 24 a 32 dessas complicações Atualmente esses valores são de 5 nesse país Não existem dados a esse respeito no Brasil Recémnascidos de baixo peso são comumente observa dos com incidência de 31 As razões desse fato provavel mente estão relacionadas à anemia e ao comprometimento de vasos placentários como descrito anteriormente Infertilidade e contracepção Não existem dados convincentes na literatura que es tabeleçam diferenças quanto à capacidade reprodutiva de portadoras de doenças falciformes em relação a mulheres normais No entanto existe atraso puberal signifi cativo nessas pacientes o que em parte pode explicar os dados confl itantes concernentes à fertilidade dessa população Entre os métodos contraceptivos mais amplamente empre gados em portadoras de doenças falciformes encontramse os de barreira géis espermicidas dispositivos intrauterinos acetato de medroxiprogesterona e anticoncepcionais orais Aparentemente não há aumento da incidência de infecções ginecológicas com os métodos utilizados TRATAMENTO Pacientes com doenças falciformes devem sempre que possível ser acompanhados regularmente em serviços es pecializados Centros de Atenção a Doenças Falciformes com a presença de equipes multidisciplinares médicos psi cólogos enfermeiros assistentes sociais e fi sioterapeutas Desse modo os objetivos básicos da terapêutica consistem no tratamento das complicações específi cas e em cuidados gerais da saúde Além dos cuidados gerais para acompa nhamento do crescimento desenvolvimento somático e 219 Capítulo 27 Anemia Falciforme psicológico e tratamento específi co de lesões orgânicas como colecistopatia úlceras de pernas osteomielite etc o tratamento a longo prazo apoiase em a suplementação com ácido fólico 5 mgdia deve ser sempre realizada de vido à hiperplasia eritropoética b uso de medicamentos que promovem o aumento da hemoglobina fetal como a hidroxiureia em pacientes selecionados c profi laxia de in fecções d tratamento das crises dolorosas vasooclusivas d tratamento das demais crises agudas aplásticas seques tro esplênico neurológicas síndrome torácica aguda e tratamento das infecções Aumento na síntese de hemoglobina fetal Vários agentes farmacológicos são capazes de au mentar a produção de hemoglobina fetal ou atuar na seleção de precursores eritrocitários que mantêm a ha bilidade de produzir HbF Entre essas drogas podem ser incluídas a 5azacitidina a Hidroxiureia HU e os derivados do butirato A hidroxiureia é uma droga utilizada como quimiote rápico no tratamento de neoplasias hematológicas agindo por meio do bloqueio da síntese de ácidos nucleicos pela inibição da ribonucleotídeo redutase O mecanismo exato pelo qual a HU aumenta a produção de HbF ainda não é completamente conhecido Os efeitos benéfi cos tanto clínicos como hematológicos da hidroxiureia na anemia falciforme foram demonstrados de forma inequívoca no estudo multicêntrico MSH envolvendo 299 pacientes adul tos Os pacientes tratados com a droga mostraram redução de 50 na frequência de hospitalização e incidência de cri ses dolorosas na frequência de síndrome torácica aguda e na necessidade transfusional Outro estudo com pacientes portadores de Stalassemia demonstrou que a frequên cia e duração das internações foi reduzida A segurança de seu uso em crianças a partir de seis meses de idade foi de monstrada em alguns estudos tais como o HUGKIDS e o BABYHUG Crises vasooclusivas As crises agudas dolorosas são de difícil tratamento e a conduta adequada depende da gravidade da dor e da pre sença ou não de outras complicações concomitantes As regras básicas no tratamento dessas complicações são a procurar e tratar agressivamente o fator desencadeante principalmente infecções b hidratação adequada por via oral ou endovenosa c utilização adequada de analgésico para aliviar a dor Nos casos de dor leve ou moderada o tratamento pode ser ambulatorial mas muitos casos necessitam de internação devido à gravidade do episódio doloroso Os analgésicos mais utilizados incluem paracetamol ácido acetil salicíli co dipirona e ibuprofeno Frequentemente são necessários opioides que incluem codeína tramadol e morfi na O tipo de analgésico utilizado depende da gravidade do episódio doloroso para crises leves podem ser utilizados paracetamol ácido acetilsalicílico dipirona e ibuprofeno nos casos moderados sem resposta à medicação inicial pode então ser associada codeína ou tramadol nas cri ses dolorosas graves deve ser administrada morfi na Há contraindicação relativa do uso de meperidina por alguns serviços em função de seu maior potencial de indução de dependência física a longo prazo e redução do limiar convulsivo por seus metabólitos após uso por mais de 72 horas embora represente boa alternativa nas crises envol vendo vias biliares por induzir menor espasmo de muscu latura lisa A seleção dos analgésicos apropriada deve ser feita com base na história prévia do paciente a terapêutica da dor A ingestão hídrica diminui durante as crises dolorosas Como a capacidade de concentrar urina está prejudicada a perda de líquidos e desidratação podem ocorrer rapida mente Desse modo uma hidratação adequada deve ser instituída rapidamente e o balanço hídrico deve ser medido nos pacientes internados Nesses casos a hidratação deve ser endovenosa Nos casos menos graves em tratamento ambulatorial a hidratação deve ser via oral Os objetivos básicos da hidratação incluem correção da defi ciência hí drica e de eletrólitos manutenção da concentração sérica de eletrólitos e administração de um volume de fl uidos pa renteral e oral igual a uma vez e meia a necessidade diá ria A escolha do tipo de hidratação depende do estado do paciente e dos valores dos eletrólitos Para pacientes com crises não complicadas a hidratação pode ser feita com gli cose 5 e salina normal em proporção 11 Para pacientes adultos a quantidade indicada é de 3 litrosdia se a função cardíaca for normal ao passo que em crianças depende do peso do paciente Esse tipo de hidratação deve ser acompa nhado com cuidado para evitar insufi ciência cardíaca con gestiva ou desequilíbrio eletrolítico iatrogênico Tratamento das infecções A conduta global relacionada às infecções em pacien tes com doenças falciformes incluem a imunização para prevenir infecção b penicilina profi lática e c tratamento adequado do paciente com febre Crianças com doenças falciformes apresentam produ ção normal de anticorpos após vacinação e devem receber todas as imunizações recomendadas para uma criança nor mal Além disso devem ser imunizadas contra pneumoco co pela asplenia funcional Todas as crianças com doenças falciformes devem rece ber penicilina profi lática com início aos dois ou três meses de idade mantida continuamente até pelo menos os cinco anos de idade Adicionalmente em locais onde a disponibilidade de acesso a serviços médicos seja limitada a profi laxia com penicilina após os cinco anos pode ser benéfi ca A profi laxia pode ser feita com penicilina oral ou com penicilina benzati na a cada 21 dias Os benefícios desse tratamento são tão sig nifi cativos que em todas as populações em que a frequência do gene s for elevada devem ser realizados programas de 220 Tratado de Hematologia q u a d r o Septicemia fulminante Os agentes mais comuns são Streptococcus pneumoniae e Hae mophilus infl uenzae O curso é rapidamente letal ocorrendo morte em menos de 24 horas algumas vezes a progressão é mais lenta e insidiosa A taxa de mortalidade é de cerca de 50 mas o diagnóstico precoce e o tratamento vigoroso reduzem drasticamente a mortalidade A maioria dos episódios ocorre em crianças em geral menores de dois anos de idade Febre é o pri meiro e mais importante sintoma e em crianças pode ser a única indicação de processo infeccioso De modo geral aumento de temperatura da velocidade de hemossedimentação do número de leucócitos e da proporção de bastonetes são sinais de infec ção bacteriana grave Outros sinais ou sintomas são convulsões coma choque circulatório coagulação intravascular dissemina da síndrome de WaterhouseFriedrichsen insufi ciência adrenal aguda Embora ocorra envolvimento meníngeo geralmente não há sinais no exame físico nem no líquido cefalorraquidiano As infecções pneumocócicas são menos frequentes após a primei ra década de vida e outros agentes encontrados na população normal tornamse comuns sugerindo pois a necessidade de avaliação bacteriológica previamente à administração de antibió ticos No entanto também nessa faixa etária a febre persistente e maior que 385 oC não deve ser interpretada como resultante da vasooclusão O tratamento envolve a altas doses de penicilina cristalina endovenosa ou outra classe de antibióticos pex ce falosporinas a depender da sensibilidade dos pneumococos em cada região b corticosteroides quando há sinais de choque c tratamento da coagulação intravascular disseminada quando presente Meningite pneumocócica Meningite bacteriana acomete 68 dos pacientes com anemia falciforme e em 70 dos casos são causadas por Streptococcus pneumoniae e 7080 dos casos ocorrem antes dos dois anos de idade muitas vezes antes que se tenha feito o diagnóstico da hemoglobinopatia subjacente Além disso são comuns os ata ques recorrentes A mortalidade está entre 18 e 38 sendo as principais sequelas o retardo mental a surdez a cegueira plegias e hemiparesia O tratamento inclui ceftriaxone em doses adequa das para tratar meningites após coleta de material para cultura e antibiograma Pneumonias A associação de febre com leucocitose e infi ltrado pulmonar muitas vezes com dor torácica e tosse é descrita sob a denomi nação de síndrome torácica aguda A síndrome torácica aguda pode ser causada por infarto pulmonar ou por pneumonia ou ainda por um infarto posteriormente infectado a distinção en tre eles é difícil ou mesmo impossível Em crianças a síndrome torácica é geralmente devida a pneumonia em adolescentes e adultos a frequência de infartos e embolia gordurosa é maior Quando há infecção os agentes etiológicos mais comuns são Streptococcus pneumoniae Haemophilus infl uenzae e Myco plasma pneumoniae Como a distinção entre infarto e infecção é geralmente difícil e como com frequência há sobreposição de ambos o tratamento sempre inclui o uso de antibióticos para o tratamento da pneumonia preferencialmente após coleta de hemocultura e escarro para cultura e antibiograma em esque mas que ofereçam cobertura para os patógenos mais frequentes pex cefalosporina de terceira geração em combinação com macrolídeo como ceftriaxone com azitromicina ou fl uoroquino lonas como levofl oxacina Osteomielite Osteomielites são muito mais comuns em pacientes com doen ças falciformes do que na população normal Esta ocorrência au mentada devese a áreas de infartos ósseos ou de medula óssea que constituem locais apropriados para se assestarem germes absorvidos do tubo gastrointestinal O agente infeccioso mais co mum é a Salmonella em 5075 dos casos enquanto na popu lação normal sem doença falciforme Salmonella é uma causa rara de osteomielite o agente mais comum é o Staphylococcus Além do mais múltiplos focos podem ser afetados simultanea mente Infecções comuns em pacientes com doença falciforme rastreamento neonatal para identifi cação precoce de afetados e início do tratamento profi lático o mais cedo possível Febre em pacientes com doenças falciformes deve sem pre ser considerada um problema grave e potencialmente fatal Nunca deve ser presumido que o paciente tem uma doença viral A avaliação de episódios febris inclui anam nese e exame físico cuidadosos exame hematológico com contagens diferenciais estudos bacteriológicos incluindo culturas de sangue de urina e de secreção de orofaringe punção liquórica se houver suspeita de meningite e radio grafi a de tórax Antibioticoterapia sistêmica deve ser insti tuída rapidamente com fármacos que sejam efetivos contra S pneumoniae e H infl uenzae A escolha do antibiótico apro priado para prosseguir o tratamento deve ser feita após identifi cação do organismo envolvido na infecção Se os exames laboratoriais não revelarem infecção bacteriana e o exame clínico também não conduzir à detecção de infec ção a antibioticoterapia pode ser suspensa após três dias No entanto o paciente deve ser cuidadosamente observado por pelo menos mais 24 a 48 horas O tratamento da síndrome torácica aguda inclui antibio ticoterapia agressiva com drogas de atividade ampla contra germes gramnegativos e grampositivos associação de pe nicilinas e macrolídeos ou fl uoroquinolonas por exemplo oxigênio inalatório se saturação abaixo de 92 transfusões simples nos casos moderados ou transfusão de substituição nos casos graves Terapêutica transfusional Pacientes com anemia falciforme toleram bem a anemia crônica e necessitam de transfusões somente em circunstân cias especiais como por exemplo crise de sequestro AVC crise aplástica preparação para cirurgia gravidez hipóxia com síndrome torácica aguda e priapismo Tabela 274 221 Capítulo 27 Anemia Falciforme troverso Um estudo cooperativo mostrou que em situações précirúrgicas transfusões simples apresentam resultados fa voráveis quando comparados à transfusão de substituição Na indicação de regime transfusional na anemia fal ciforme em geral o objetivo deve ser manter o nível de HbS abaixo de 30 Nesses casos deve ser lembrado que o acúmulo de ferro é inevitável e pode ser tratado com quelantes de ferro por via parenteral com desferoxamina ou via oral com deferiprone ou deferasirox Além disso devem ser avaliados todos os riscos inerentes às transfusões sanguíneas tais como reações transfusionais transmissão de patógenos e especialmente aloimunização Redução de 60 a 80 nas células falciformes circulantes pode ser atingida em crianças com anemia falciforme em 6 a 12 horas pela troca de duas vezes a massa de hemácias 2 volume sanguíneo hematócrito Nos centros em que for disponível separador automático de células a transfusão de substituição 2 volumes pode ser feita em 90 minutos Um estudo demonstrou inequivocadamente que um regi me de transfusão sanguínea que mantenha o nível de HbS abai xo de 30 reduz enormemente o risco do primeiro episódio de AVC em crianças com Doppler Ultrassonográfi co Trans craniano DTC alterado Esse procedimento deve ser aplicado rotineiramente para todos os pacientes com anemia falciforme Condutas na gestante com doenças falciformes Prénatal Acompanhamento prénatal cuidadoso deve ser realizado com visitas médicas frequentes principalmente após a 26a semana de gestação São essenciais os controles dos níveis de hemoglobina ganho de peso corporal detecção de proteinúria e observação dos níveis de pressão arterial Trabalho de parto Deve ser conduzido de forma a haver menor esforço físico possível pela paciente equivalente àqueles cuidados levados a efeito para Tabela 274 Indicações de transfusão em doenças falciformes Transfusão simples Hemoglobina 5gdL e sinais e sintomas signifi cativos de anemia Angina ou insufi ciência cardíaca Hemorragia aguda Sequestro esplênico ou hepático Crise aplástica Preparação para cirurgia préoperatório Transfusão de substituição Acidente vascular cerebral Síndrome torácica aguda Insufi ciência de múltiplos órgãos incluindo embolia gordurosa Priapismo agudo Cirurgia do sistema nervoso central Prevenção de AVC recorrente em crianças com acidente vascular cerebral agudo Indicações controversas Úlceras de perna Gravidez Episódio doloroso que não responde a tratamento Adultos com história prévia de AVC Antes de injeção de meio de contraste hipertônico q u a d r o A profi laxia de septicemia deve ser iniciada aos três meses de idade para todas as crianças com doenças falciformes SS SC Stalassemia e deve continuar pelo menos até os cinco anos de idade No entanto como as complicações infecciosas podem ocorrer mais tardiamente o uso de penicilina até a adolescência é uma medida razoável Podese utilizar a forma oral penicilina V ou parenteral penicilina benzatina sendo a segunda alternativa mais barata e mais confi ável em famílias de menor nível socioe conômico e educacional Penicilina V 125 mg VO 2 vezes ao dia para crianças até três anos de idade ou 15 kg 250 mg VO 2 vezes ao dia para crianças de três a seis anos de idade ou com 1525 kg 500 mg VO 2 vezes ao dia para crianças com mais de 25 kg Penicilina benzatina administrada por via IM a cada 21 dias 300000 U para crianças até 10 kg 600000 U para crianças de 10 a 25 kg 1200000 U para indivíduos com mais de 25 kg Gaston MH Verter JI Prophylaxis with oral penicillin in children with sickle cell anemia a randomized trial N Engl J Med 314 15931598 1986 Profi laxia de septicemia nas doenças falciformes Nos casos de crises de sequestro e crise aplástica transfu sões simples são necessárias para restaurar a massa sanguínea circulante e garantir uma oferta adequada de oxigênio aos tecidos Nas outras situações transfusão de substituição é provavelmente mais adequada que transfusão simples pois reduz a viscosidade que poderia ser causada por elevação do hematócrito No entanto esse é ainda um assunto con 222 Tratado de Hematologia pacientes com doenças cardiovasculares O tempo de trabalho de parto é fundamental na prevenção de complicações e deve ser o mais breve possível As medidas que habitualmente devem ser toma das incluem diminuir o trabalho cardíaco evitar cri ses vasooclusivas com hidratação e monitorização fetal cuidadosa A indicação de via de parto é obstétri ca não sendo indicado parto cesáreo rotineiramente Terapêutica na gravidez O seguimento clínico de gestantes com doença falciforme baseiase no acompanhamento obstétrico e hematológico com o objetivo de reconhecer precocemente as complica ções relacionadas à gravidez e à doença falciforme Até o presente momento no entanto não há dados sufi cientes sobre a segurança do uso de drogas como hidroxiureia na gestação principalmente quanto à possibilidade de teratogênese e neoplasias secundá rias O tratamento preconizado visa à prevenção dos fatores capazes de desencadear crises vasooclusivas e terapêutica rápida e agressiva durante quadros in fecciosos desequilíbrios hidroeletrolíticos e hipóxia O uso profi lático de ácido fólico é fundamental em quadros hemolíticos crônicos além do que a suple mentação de folato no período periconcepcional e nas primeiras semanas de gestação é altamente re comendável como medida efi caz na redução da in cidência de defeitos de fechamento do tubo neural Transfusões podem ser empregadas de forma profi lática ou apenas durante intercorrências que ne cessitem de transfusão Estudos iniciais de Ricks re comendavam o uso profi lático de transfusão durante a gravidez de pacientes com anemia falciforme ba seados na melhora substancial daquelas submetidas a transfusão quando comparadas a grupos controle No entanto os riscos de transmissão de doenças in fecciosas e a aloimunização estimularam o desenvol vimento de programas que pudessem comparar os resultados das gestações entre dois grupos equivalen tes de pacientes com anemia falciforme submetidas ou não a terapêutica transfusional Esses resultados mostraram que não há benefício defi nitivo da tera pêutica profi lática quando comparados aos esquemas de transfusão somente durante emergências ou aos dados relativos à morbidade materna e fetal Não existe consenso na literatura sobre em quais eventualidades deva ser levada a efeito a transfusão de substituição crônica na gravidez As indicações para transfusões de emergência incluem queda dos níveis de hemoglobina de cerca de 30 ou mais dos valores prégravidez frequentemente atingindo níveis abso lutos de hemoglobina menores do que 5gdL ou he matócrito abaixo de 15 síndrome torácica aguda insufi ciência renal aguda septicemia e préeclâmpsia Prevenção diagnóstico prénatal e pré implantação Uma importante estratégia para informar os pais sobre o nascimento de crianças afetadas pela doença é a detecção de heterozigotos e o aconselhamento genéticoTodos os heterozigotos em idade reprodutiva devem ser encaminha dos para centros especializados onde possam ter acesso ao aconselhamento genético A tecnologia de DNA recombinante e manipulação ce lular permitem hoje o diagnóstico prénatal ou préimplan tação das doenças falciformes Transplante de célulastronco hematopoéticas e terapêuticas experimentais Um tratamento curativo para as doenças falciformes representa hoje objetivo fundamental para os pesquisado res nessa área A única opção curativa para doenças falci formes até o momento é o transplante de célulastronco hematopoéticas aparentado indicado a crianças com casos graves como por exemplo ocorrência de acidente vascu lar cerebral na infância e que tenham doador compatível na família A descoberta de novas drogas que isoladamen te ou em conjunto com a HU aumentem a produção de HbF o aprimoramento das técnicas do transplante de me dula óssea em adultos e com fontes alternativas de células progenitoras hematopoéticas tais como sangue de cordão umbilical doador não aparentado ou haploidêntico ou a terapia gênica representam alternativas possíveis que no fu turo poderão conduzir a novas possibilidades de cura ou melhor controle dessas enfermidades REFERÊNCIAS CONSULTADAS 1 Ballas S Sickle cell disease clinical management Baillieres Clin Haematol 199811185214 2 Bunn HF Pathogenesis and treatment of sickle cell disease N Engl J Med 19973377629 3 Conran N Costa FF Hemoglobin disorders and endothelial cell interactions Clin Biochem 20094218182438 4 Conran N FrancoPenteado CF Costa FF Newer aspects of the pathophysiology of sickle cell disease vasoocclusion Hemoglobin 2009331116 5 Embury SH Hebbel RP Mohandas N Steinberg M eds Sickle cell disease principles and clinical prac tice New York Raven Press 1994 223 Capítulo 27 Anemia Falciforme 6 Fertrin KY Costa FF Genomic polymorphisms in si ckle cell disease implications for clinical diversity and treatment Expert Rev Hematol 20103444358 7 Lubin B Vichinsky E Sickle cell disease In Hoffman R Benz EJ Shattil SJ Furie B Cohen H eds Ha ematology basic principles and practice New York Churchill Livingstone 1991 8 Powars DR Management of cerebral vasculopathy in children with sickle cell anaemia Br J Haemat 200010866678 9 Ricks P Jr Further experience with exchange transfu sion in sickle cell anemia and pregnancy Am J Obstet Gynecol 1968100108791 10 Steinberg MH Pathophysiology of sickle cell disease Baillieres Clin Haematol 19981116384 11 National Institutes of Health The management of sickle cell disease NIH Publication no 022117 In ternet acesso em 2013 aug 09 Disponível em httpwwwnhlbinihgovhealthprofbloodsi cklescmngtpdf 12 Wang WC Ware RE Miller ST Iyer RV Casella JF Minniti CP et al BABY HUG Investigators Hy droxycarbamide in very young children with sickle cell anaemia a multicentre randomised controlled trial BABY HUG Lancet 2011 3779778166372
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Texto de pré-visualização
Anemia Falciforme Fernando Ferreira Costa Nicola Conran Kleber Yotsumoto Fertrin c a p í t u l o INTRODUÇÃO O eritrócito tem estrutura e propriedades metabóli cas extremamente complexas que ainda hoje são objeto de investigações O perfeito equilíbrio entre seus diver sos constituintes como a membrana celular as enzimas e a hemoglobina é extremamente precário e na opinião de vários investigadores um verdadeiro convite ao de sastre A hemoglobina representa importante fator do controle da integridade do eritrócito Sua elevada con centração próxima de 30 gdL faculta à hemácia operar com máxima efi ciência mas implica em contrapartida um potencial letal A anemia falciforme é um exemplo clássico de uma alteração mínima na estrutura de hemo globina capaz de provocar sob determinadas circunstân cias uma singular interação molecular e drástica redução na sua solubilidade Eritrócitos peculiarmente alongados e em forma de foice foram descritos pela primeira vez por Herrick em 1910 no sangue de um indivíduo anêmico de origem afri cana No Brasil a primeira referência a um paciente com anemia falciforme se deve a Castro em 1933 Pauling et al demonstraram em 1949 que indivíduos sofrendo de anemia falciforme possuíam hemoglobina que diferia da normal pela ausência de duas cargas negativas e inaugura ram assim um novo capítulo na medicina o das Moléstias Moleculares FISIOPATOLOGIA A alteração molecular primária na anemia falciforme é representada pela substituição de uma única base no có don 6 do gene da globina uma adenina A é substituída por uma timina T GAGGTC Esta mutação resulta na substituição do resíduo glutamil na posição 6 por um resíduo valil 6GluVal e tem como consequência fi nal a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal HbS quando desoxigenadas A substituição do ácido glutâmico por valina na po sição 6 ocorre na superfície da molécula sem provocar alterações signifi cativas na sua conformação global A he moglobina S na conformação oxi é isomorfa à hemoglobi na normal sugerindo que a estrutura das duas moléculas exceto pela substituição do aminoácido são similares As solubilidades das hemoglobinas oxigenadas A e S são seme lhantes embora pequenas diferenças tenham sido detecta das em tampão fosfato concentrado Em soluções diluídas as propriedades físicas das hemoglobinas desoxigenadas A e S são também parecidas No entanto soluções concen tradas de desoxihemoglobina S e desoxihemoglobina A diferem grandemente e este fato fornece as bases físico químicas da gelifi cação e falcização A hemoglobina S quando desoxigenada in vitro tornase relativamente inso lúvel e agregase em longos polímeros Esses polímeros resultam do alinhamento de moléculas de hemoglobina S unidas por ligações não covalentes e na descrição desse fe nômeno os termos polimerização agregação e gelifi cação são usados como sinônimos A polimerização da desoxi hemoglobina S depende de numerosas variáveis como concentração de oxigênio pH concentração de hemoglo bina S temperatura pressão força iônica e presença de he moglobinas normais Somente a forma desoxigenada de hemoglobina S sofre polimerização o fenômeno não ocorre normalmente com nenhuma das formas cuja conformação se assemelha à oxi Hb S como metaHb S carboxiHb S ou cianometaHb S A polimerização da hemoglobina S é o evento funda mental na patogenia da anemia falciforme resultando na alteração da forma do eritrócito e na acentuada redução de sua deformabilidade A Hemoglobina Fetal HbF inibe a polimerização fe nômeno responsável pela redução de sintomatologia clínica nos pacientes com elevados níveis de Hb fetal Da mesma forma a HbA participa pouco do polímero e esta é a razão 205 206 Tratado de Hematologia para a quase ausência de anormalidades clínicas nos hetero zigotos para o gene da hemoglobina S CINÉTICA DA FALCIZAÇÃO Todas as hemácias contendo predominantemente he moglobina S podem adquirir a forma falciforme clássica após desoxigenação em decorrência da polimerização in tracelular da desoxiHb S processo normalmente reversí vel após a reoxigenação No entanto a repetição frequente desse fenômeno provoca lesão de membrana em algumas células fazendo com que a rigidez e a confi guração em for ma de foice persistam mesmo após a reoxigenação Assim esses eritrócitos denominados genericamente células ir reversivelmente falcizadas ou células densas retêm per manentemente a forma anormal mesmo na ausência de polimerização intracelular de hemoglobina Em decorrência de sua acentuada rigidez as células irreversivelmente falcizadas têm vidamédia reduzida e contribuem signifi cativamente para a anemia hemolíti ca dos pacientes No entanto o quadro clínico da anemia falciforme contrastando com as demais formas de ane mia hemolítica não dependem substancialmente dos sin tomas causados pela anemia propriamente mas sim da ocorrência de lesões orgânicas causadas pela infl amação e obstrução vascular e das chamadas crises de falcização Nos períodos entre as crises a fase estável os pacientes evoluem praticamente assintomáticos a despeito da anemia persistente com níveis de hemoglobina variáveis mas em geral ao redor de 8 gdL O PROCESSO VASOOCLUSIVO O fenômeno de vasooclusão ocorre geralmente na microcirculação No entanto grandes artérias principal mente nos pulmões e cérebro também podem ser afeta das Atualmente acreditase que o fenômeno vasooclusivo compreende um processo com várias etapas que envolve interações de hemácias leucócitos ativados células endo teliais plaquetas e proteínas do plasma Figura 271 A liberação intravascular de hemoglobina pelas hemácias fra gilizadas além da vasooclusão recorrente e dos processos de isquemia e reperfusão leva a dano e ativação das células endoteliais da parede do vaso Como consequência há in dução de uma resposta infl amatória vascular e a adesão de células brancas e vermelhas à parede dos vasos sanguíneos Tal fato associado a uma redução na biodisponibilidade de Óxido Nítrico NO no interior do vaso e ao estresse oxi dativo pode ocasionar em alguns casos uma redução no fl uxo sanguíneo e fi nalmente a vasooclusão Vasooclusão e o endotélio A falcização repetida de hemácias SS pode levar a dano da membrana dos eritrócitos com a exposição de proteínas na superfície celular e a produção de Espécies Reativas de Oxigênio ROS As células falcizadas e a própria hemoglobina liberada no vaso pelo processo de hemólise podem ocasionar danos às células endoteliais que revestem a parede vascular A subsequente ativação das célu las endoteliais tem consequências signifi cativas que incluem a expressão de moléculas de adesão como VCAM1 molécula de adesão vascular 1 ICAM1 molécula de adesão intercelular1 e Eselectina na superfície celular e a produção de citocinas e quimio cinas como Interleucina IL8 IL6 e GMCSF fator estimulador de colônias de granulócitosmacrófagos O endotélio ativado ainda libera fatores procoagulan tes e fatores vasoconstritores potentes como as En dotelinas 1 e 2 ET1 ET2 A vasooclusão e a infl amação A anemia falcifor me está geralmente associada a um estado infl ama tório crônico que exerce um papel fundamental na ativação das células endoteliais e células sanguíneas em especial dos leucócitos Diversas moléculas infl a matórias se apresentam em níveis elevados na anemia falciforme incluindo TNF Fator de Necrose Tu moral IL1 proteína C reativa todos potentes ativadores do endotélio além do MCSF fator esti mulador de colônia de macrófagos IL3 GMCSF IL8 e IL6 Além disso algumas proteínas antiin fl amatórias como a HemeOxigenase1 HO1 e IL 10 também estão aumentadas na anemia falciforme possivelmente tentando limitar a produção de molé culas infl amatórias e a ativação endotelial na doença A vasooclusão e a adesão celular A vasooclu são é o resultado de um mecanismo complexo que aparentemente culmina na adesão de células ver melhas leucócitos e plaquetas ao endotélio e à pa rede vascular que pode causar diminuição no fl uxo sanguíneo e portanto a vasooclusão A expressão de moléculas como VCAM1 ICAM1 selectinas e CD36 na superfície das células endoteliais ativa das tem como consequência a captura das células brancas e vermelhas que por sua vez também apre sentam propriedades adesivas aumentadas As cé lulas vermelhas e em especial os reticulócitos de indivíduos com doenças falciformes apresentam maior capacidade adesiva devido ao grande núme ro de moléculas de adesão como a integrina VLA4 integrina 41 CD36 ICAM4 e BCAMLu que estão altamente expressas nessas células e interagem com as moléculas subendoteliais da parede vascu lar laminina trombospondina fi bronectina etc ou com as moléculas das células endoteliais CD36 VCAM1 BCAMLu Pselectina entre outras Os leucócitos geralmente encontrados em estado ati vado na circulação de indivíduos com AF também aderem com mais facilidade ao endotélio vascular particularmente na presença de um estímulo infl a matório Acreditase atualmente que o processo vasooclusivo é desencadeado pela adesão de leucó citos em especial dos neutrófi los já que são células grandes 1215 μm e relativamente rígidas à parede da microvasculatura Adicionalmente os leucócitos 207 Capítulo 27 Anemia Falciforme aderidos podem intermediar a adesão secundária de hemácias à parede vascular e a combinação desses episódios inicia o processo vasooclusivo uma vez que ocorre a obstrução física dos pequenos vasos da microcirculação A interação dos leucócitos com o endotélio é intermediada na maior parte pelas in tegrinas Mac1 e LFA1 além de algumas moléculas como a Lselectina e ligantes da Eselectina na su perfície dos leucócitos que por sua vez interagem com as moléculas ICAM1 Pselectina e Eselec tina presentes na superfície das células endoteliais Ademais há indícios de que um número elevado de granulócitos circulantes está associado à maior incidência de complicações na anemia falciforme As plaquetas também encontradas em estado ati vado na AF podem aderir ao endotélio vascular exacerbando a infl amação local pela liberação de mediadores infl amatórios potentes Assim sendo as plaquetas também apresentam papel importante no mecanismo de vasooclusão A vasooclusão e o óxido nítrico O NO é um gás sinalizador produzido constitutivamente pelas células endoteliais e é responsável pela regulação do tônus vasomotor A biodisponibilidade do NO está reduzida na AF principalmente devido ao seu con sumo pela hemoglobina livre liberada na circulação após a hemólise das hemácias O resultado principal da redução da disponibilidade do NO é a inibição da vasodilatação dependente de NO na vasculatura contribuindo assim com a vasoconstrição e portanto favorecendo potencialmente a vasooclusão e partici pando da fi sopatogenia de algumas manifestações da AF como hipertensão pulmonar e priapismo Vasooclusão plaquetas e a coagulação A fi siopatologia da AF está associada a um estado de hipercoagulabilidade Indivíduos com AF apresen tam níveis elevados de marcadores de ativação de trombina plaquetas e células endoteliais tais como o dímeroD TrombinaAntitrombina TAT ligante de CD40 solúvel CD40L Fator Tecidual FT Fa Figura 271 Mecanismo de vasooclusão na anemia falciforme O contato direto das hemácias SS e a presença de hemólise intravascular levam à ativação das células endoteliais que revestem o vaso a presença do heme livre na circulação tem efeito deletério no vaso e ainda consome o Óxido Nítrico NO sintetizado pelas células endoteliais Juntamente com a presença de Espécies Reativas de Oxigênio ROS a hipóxia e os vasoconstritores como Endotelina1 ET1 esses mecanismos contribuem para a ativação das células endoteliais O estado de hipercoagulabilidade leva a níveis aumentados de Fator Tecidual FT Fator Ativador de Plaquetas FAP Fator de von Willebrand FvW e ativação plaquetária A ativação do endotélio também conta com a presença das plaquetas ativadas no vaso sanguíneo e a sua adesão à parede vascular Após sua ativação as células endoteliais aumentam a expressão das moléculas de adesão como ICAM1 VCAM1 e Eselectina na superfície do vaso e também liberam mais citocinas e quimiocinas como o IL8 IL6 e IL1 que com o TNF contribuem para a inflamação vascular e a ativação das células sanguíneas Os leucócitos e as hemácias aderem à parede vascular devido à sua ati vação e expressão de moléculas de adesão e também podem haver interações heterotípicas entre leucócitos aderidos e hemácias A vasoconstrição elevada e a obstrução física do vaso ocasionam uma redução no fluxo sanguíneo com consequente hipóxia e falcização das hemácias dificultando a passagem do sangue e finalmente resultando na vasooclusão 208 Tratado de Hematologia tor Ativador de Plaquetas FAP Fator de von Wil lebrand FvW entre outras moléculas Há dados que indicam uma associação na AF entre a hemólise e a ativação da coagulação bem como uma possível contribuição da ativação plaquetária para o AVC na doença Contudo é provável que a vasooclusão re corrente contribua com a hipercoagulabilidade por aumentar a ativação do endotélio e das plaquetas Vasooclusão e o estresse oxidativo A produção de Espécies Reativas de Oxigênio ROS é neu tralizada sob condições fi siológicas normais pela presença de antioxidantes que previnem os danos causados pelas ROS Na anemia falciforme múlti plos mecanismos são responsáveis por aumentar a produção de ROS na vasculatura como por exem plo lesões por isquemiareperfusão que ocorrem nos vasos sanguíneos devido à interrupção e sub sequente reestabelecimento do fl uxo sanguíneo A presença de ROS no vaso sanguíneo e a baixa con centração de oxigênio apresentam um papel impor tante na ativação das células endoteliais em que a produção de ROS é amplifi cada pela presença da enzima xantina oxidase ativada e o desacoplamento ou inativação da enzima sintase de óxido nítrico a qual pode produzir ânions superóxidos A atividade aumentada da NADPH oxidase devido à leucoci tose a formação de Dimetilarginina Assimétrica DMAA e a autooxidação da própria hemoglobina S na presença de oxigênio também contribuem com a produção de ROS Por outro lado importantes mecanismos de defesa antioxidantes como os níveis das vitaminas A C e E e a atividade das enzimas glutationa peroxidase e superóxido dismutase estão diminuídos na anemia falciforme O estresse oxidativo provavelmente apresenta um papel importante em vários mecanismos fi sio patológicos da anemia falciforme Além da ativação do endotélio facilitando a hemólise aumentando as propriedades adesivas das células brancas e verme lhas e elevando a oxidação dos lipídios presentes na membrana celular o estresse oxidativo também participa do consumo intravascular de NO Hidroxiureia HU e a vasooclusão A terapia com hidroxiureia está geralmente associada a um au mento nos níveis de Hemoglobina Fetal HbF nos pacientes com anemia falciforme diminuindo por sua vez a falcização das hemácias e promovendo me lhora signifi cativa nos níveis de hemólise Uma taxa menor de hemólise pode reduzir o consumo de NO intravascular além de diminuir a ativação do endoté lio Evidências apontam que a HU pode agir como um doador de NO in vivo possivelmente melhorando a biodisponibilidade desse vasodilatador na anemia falciforme Outro efeito importante da terapia com HU é a redução na contagem de leucócitos já que os leucócitos participam de forma signifi cativa na infl a mação e na oclusão física dos vasos Indiretamente a terapia com HU está associada a uma diminuição na expressão das moléculas de adesão na superfície das células brancas e vermelhas além de melhorar par cialmente o estado infl amatório e reduzir o estado de hipercoagulabilidade dos pacientes PADRÕES DA HERANÇA NA ANEMIA FALCIFORME Síndrome doença e anemia falciforme O termo síndromes falciformes identifi ca as condi ções em que o eritrócito sofre falcização após redução na tensão de oxigênio enquanto que a designação doenças falciformes é reservada às situações em que a falcização das hemácias conduz a manifestações clínicas evidentes Assim as doenças falciformes incluem a anemia falciforme que representa o estado homozigoto para a hemoglobina S SS e as interações hemoglobina Stalassemia S tal hemoglobinopatia SC SC hemoglobinopatia SD SD e hemoglobina Spersistência hereditária de hemoglobina fe tal SPHHF É importante observar que nessa defi nição o estado heterozigótico para hemoglobina S traço falci forme é classifi cado como síndrome falciforme mas não como doença falciforme Genética populacional das síndromes falciformes A distribuição geográfi ca do gene da hemoglobina S na África é expressivamente semelhante àquela do Plasmodium falciparum Indivíduos com HbS em heterozigose quando infectados por Plasmodium falciparum apresentam vantagem seletiva em relação a indivíduos que não carregam esse gene anômalo A vantagem seletiva das células AS sobre as AA foi demonstrada in vitro embora seu mecanismo exato ainda não tenha sido completamente elucidado É interes sante observar que propriedades semelhantes de resistên cia à malária também são relatadas em heterozigotos para hemoglobina E talassemia defi ciência de G6PD e em al gumas alterações hereditárias da membrana do eritrócito como a ovalocitose hereditária Desse modo a vantagem seletiva do heterozigoto teve como consequência o aumen to da frequência do gene da HbS em áreas do mundo em que a malária foi endêmica A anemia falciforme prevalece na raça negra e sua maior incidência ocorre na África embora seja também en contrada em países mediterrâneos principalmente Grécia Itália e Israel assim como na Arábia Saudita Índia e nos negros americanos Nos Estados Unidos a forma hetero zigota afeta aproximadamente 8 da população negra e o número de recémnascidos portadores de forma grave ho mozigótica nessa população está estimado em 1625 Em nosso país frequências variáveis de 5 a 10 de heterozigo tos AS foram descritas em descendentes de africanos Na população geral do estado de São Paulo essa porcentagem é ligeiramente menor que 2 No estado de Minas Gerais onde é realizado o maior programa de triagem neonatal do país o estudo de cerca de 260 mil crianças mostrou um caso de doença falciforme para cada 1591 nascimentos 11591 Merecem menção os valores para diversos estados brasileiros Bahia 1650 Rio de Janeiro 11100 e Rio Grande do Sul 110000 o que mostra a grande diversidade na origem da população brasileira Anemia falciforme A homozigose para o gene βS em geral resultante da herança de um gene anormal do pai e um da mãe corresponde à forma mais grave das síndromes falciformes Há ausência de HbA predominando a produção de HbS acompanhada de quantidades normais de HbA2 em geral ao redor de 25 e aumento variável de HbF em geral inferior a 8 mas atingindo até 25 em algumas formas especiais Heterozigose para hemoglobina S Os heterozigotos AS não apresentam nenhuma anormalidade hematológica significativa embora possa ser observado muito raramente algum eritrócito falcizado no esfregaço de sangue periférico o nível de hemoglobina é normal assim como os números de leucócitos e plaquetas Estimase que no mundo todo existam 30 milhões de heterozigotos AS e no Brasil esse número provavelmente situase próximo de 2 milhões As complicações clínicas relacionadas à heterozigose da HbS são extremamente raras porque a concentração de HbS nas hemácias desses indivíduos é inferior a 50 tornandoas resistentes à falcização nas condições fisiológicas normais Por outro lado o ambiente metabólico dos rins é bastante propício à falcização onde ocorrem as mais frequentes complicações no indivíduo AS Hematúria é a anormalidade mais frequente seguida da redução da capacidade de concentrar urina hipostenúria e aumento na frequência de infecções urinárias na gravidez A literatura científica enumera outras possíveis situações de risco para heterozigotos AS incluindo falcização durante grandes cirurgias glaucoma agudo em caso de sangramento intraocular infartos esplênicos em situação de hipóxia grave como viagens aéreas em cabine não pressurizada e mergulho submarino aumento do risco de trombose venosa profunda maior incidência de carcinoma medular renal e casos anedóticos de priapismo e morte súbita após exercícios exaustivos Convém enfatizar a raridade dessas complicações Os heterozigotos para hemoglobina S não necessitam tratamento médico e essa alteração aparentemente não altera sua expectativa de vida Os indivíduos AS devem sempre ser encaminhados para aconselhamento genético uma vez que têm possibilidade de ter filhos com formas mais graves de doenças falciformes Hemoglobinopatia SC A hemoglobina C é uma variante estrutural de cadeia β da globina resultante de mutação no mesmo códon β6 que a hemoglobina S No caso da HbC a substituição é GAGAAG com consequente inserção do aminoácido lisina substituindo o ácido glutâmico β6 GluLys A HbC não participa de maneira efetiva do polímero de desoxiHbS e por esse motivo os pacientes com hemoglobinopatia SC têm evolução clínica mais benigna que pacientes SS No entanto é necessário lembrar que esses pacientes também apresentam quase todas as complicações da anemia falciforme maior suscetibilidade a infecções e fenômenos vasooclusivos Em razão dos níveis de hemoglobina mais elevados e maior viscosidade sanguínea algumas complicações como as oftalmológicas e as osteonecroses de cabeça femoral e umeral são mais frequentes na hemoglobinopatia SC do que na anemia falciforme Sβtalassemia Em algumas regiões do Brasil em que houve grande aporte de imigrantes originários da Itália como o estado de São Paulo são frequentes filhos de portadores de HbS e de βtalassemia originando uma forma de doença derivada da herança concomitante dos dois genes anormais chegando a corresponder a aproximadamente 13 do total de pacientes com doenças falciformes No entanto é necessário ressaltar que essa associação pode ser observada em todas as regiões do Brasil Existem dois tipos de associação Sβ0 talassemia com ausência total de produção de HbA e Sβ talassemia em que ocorre produção predominante de HbS e de quantidades reduzidas de HbA Do ponto de vista clínico os pacientes com Sβ0 talassemia têm evolução mais grave semelhante aos homozigotos SS Apesar de a eletroforese de hemoglobina mostrar HbS sem HbA como na homozigose SS três achados contribuem para o diagnóstico diferencial microcitose hipocromia e níveis elevados de HbA2 Além disso o estudo familiar é fundamental para o diagnóstico correto e mostrará que um dos pais é heterozigoto AS e o outro heterozigoto para βtalassemia microcitose hipocromia elevação de HbA2 e ausência de HbS na eletroforese No Brasil a associação mais comum é com a mutação β0 do códon 39 CT Os pacientes com Sβ talassemia podem apresentar evolução clínica grave ou moderada dependendo da mutação de βtalassemia envolvida Em geral a mutação IVS 1110 GA está associada com evolução mais grave enquanto que a mutação IVS16 TC acompanhase de evolução clínica mais benigna Essas duas mutações são após a mutação β0 do códon 39 as mutações talassêmicas mais frequentes no estado de São Paulo Importa lembrar que a frequência de talassemia β em negros é reduzida em geral abaixo de 1 Assim a associação entre HbS e β talassemia em negros não é frequente 209 210 Tratado de Hematologia Nesses casos a mutação mais comum é na região promo tora do gene globina 88 CT também caracterizada por evolução clínica benigna DIAGNÓSTICO LABORATORIAL O diagnóstico das síndromes falciformes depende fun damentalmente da comprovação da hemoglobina S pela eletroforese de hemoglobinas utilizando conjuntos complementares de suportes e tampões que permitam a distinção das diferentes hemoglobinas anormais As técni cas mais utilizadas incluem a eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose com pH 84 em gel de ágar com pH 62 e teste de solubilidade da hemoglobina em tampão fosfato concentrado A detecção da HbS pode também ser feita com base em Cromatografi a Líquida de Alta Performance HPLC ou Eletroforese com Focalização Isoelétrica FIE A alteração molecular pode ser facilmente identifi cada pela Reação em Cadeia da Polimerase PCR seguida de sequenciamento do DNA ou digestão com uma enzima de restrição apro priada Este último é o método utilizado no diagnóstico prénatal das doenças falciformes ou em alguns casos de difícil diagnóstico pela eletroforese de hemoglobinas É im portante ressaltar que é quase sempre indispensável para o diagnóstico correto das síndromes falciformes o estudo de todos os familiares disponíveis Os resultados da eletrofo rese de hemoglobina são sintetizados na Tabela 271 Todos os recémnascidos de grupos populacionais onde a frequência da mutação para HbS é elevada devem ser sub metidos à triagem neonatal para detecção de doença fal ciforme Atualmente são bem conhecidos os benefícios do diagnóstico precoce introdução de antibioticoterapia pro fi lática e programa adequado de vacinação Alguns estudos bem controlados mostram que a introdução dessas medi das permite reduzir a mortalidade nos cinco primeiros anos de vida de 25 para aproximadamente 3 Os procedimentos laboratoriais para o diagnóstico em amostras de recémnascidos devem separar com segurança a HbF das outras hemoglobinas O teste pode ser realiza do em sangue de cordão umbilical ou amostras de sangue venoso coletado em papel de fi ltro podendo ser utilizada a mesma estratégia de coleta de amostras para outros tes tes neonatais como de fenilcetonúria e de hipotireoidismo congênito testes do pezinho As técnicas comumente utilizadas são a focalização isoelétrica ou cromatografi a lí quida de alta performance Os níveis de hemoglobina em pacientes na fase es tável da anemia falciforme variam entre 6 a 10 gdL Em geral a anemia é normocrômica e normocítica embora os níveis de reticulócitos sejam elevados entre 5 e 20 Ocasionalmente podem ser observados eritroblastos cir culantes É sempre importante estabelecer os valores he matológicos basais para cada paciente pois esses valores permanecem relativamente estáveis em um deles mas va riam grandemente em diferentes pacientes Valores redu zidos de VCM indicam S talassemia ou associação com talassemia Ocasionalmente pode ocorrer defi ciência de ferro em pacientes com doenças falciformes que também pode levar à hipocromia e à microcitose As clássicas hemácias em forma de foice são carac teristicamente observadas nas doenças falciformes embora outras formas aberrantes possam também ser visualizadas Em recémnascidos poucas células falcizadas podem ser observadas devido à elevada porcentagem de HbF Após o primeiro ano de vida as células falcizadas tornamse mais evidentes Hemácias em alvo também podem aparecer principalmente na S talassemia e na hemoglobinopatia SC Com a redução na função esplênica podem ser iden tifi cados corpos de HowelJolly A hipofunção esplêni ca pode ser avaliada também pela contagem de inclusões intracelulares observadas por microscopia de contraste de interferência quantifi cação de hemácias com pits Os clássicos dados laboratoriais de hemólise estão presentes elevação de bilirrubina indireta redução de hap toglobina sérica elevação de urobilinogênio urinário e hi perplasia eritroide na medula óssea Frequentemente há leucocitose às vezes com desvio à esquerda alteração que nem sempre está relacionada a pro cesso infeccioso podendo ser observada mesmo na fase Tabela 271 Sumário dos resultados da eletroforese de hemoglobinas nas síndromes falciformes Condição HbS HbC HbA HbF HbA2 Comentário SS Predominante N Elevação moderada de HbF SC Presente Presente HbS HbC HbA2 migra na mesma posição de HbC So talassemia Predominante Elevação moderada de HbF S talassemia Predominante Presente Elevação moderada de HbF Quantidade de HbS HbA AS Presente Presente HbS HbA 211 Capítulo 27 Anemia Falciforme estável A contagem de plaquetas está em geral elevada podendo atingir até 1000000L Provavelmente tanto a leucocitose quanto a trombocitose estão associadas à hi perplasia de medula óssea em pacientes com hipofunção esplênica além do estado infl amatório crônico As provas de coagulação são normais durante a fase estável mas durante os episódios vasooclusivos alguns testes podem apresentar alterações características de hiper coagulabilidade A velocidade de hemossimentação está geralmente baixa não sendo parâmetro útil nas doenças falciformes pois as hemácias falcizadas difi cilmente formam os grupa mentos que facilitam a sedimentação Nos pacientes não submetidos a transfusões crônicas os níveis de ferritina são inicialmente normais podendo apresentar discreta elevação após a terceira década de vida Ao contrário nos pacientes submetidos a transfusões re petidas esses níveis são elevados podendo ocorrer hemo cromatose secundária Muitas vezes é necessária a terapia com quelantes de ferro embora as lesões orgânicas sejam menos acentuadas que aquelas observadas nos pacientes com talassemia FATORES GENÉTICOS MODULADORES DA GRAVIDADE DA ANEMIA FALCIFORME Apesar de a alteração molecular ser a mesma diferentes pacientes com anemia falciforme podem apresentar evo luções clínicas signifi cativamente distintas O mais conhe cido e talvez o mais importante modulador fenotípico da anemia falciforme é o nível de HbF Outros possíveis indi cadores da variação fenotípica da anemia falciforme são os haplótipos do gene da globina a região controladora da expressão do complexo do gene da globina LCR Locus Control Region mutações que causam persistência hereditá ria de hemoglobina fetal e talassemia Os diversos polimorfi smos do DNA em cis ligados ao complexo do gene da globina defi nem os chamados ha plótipos da anemia falciforme A mesma mutação s apa receu independentemente em pelo menos cinco diferentes grupos populacionais com cinco diferentes composições genéticas nas proximidades do gene da globina hapló tipos Benin Bantu Senegal Camarões e ÁrabeIndiano Esses haplótipos podem ser utilizados como marcadores de características genéticas em cis herdadas com o gene s e que podem infl uenciar a expressão dos genes globina e consequentemente os níveis de HbF Os haplótipos Sene gal e ÁrabeIndiano estão associados com níveis elevados de HbF ao passo que os haplótipos Benin e Bantu com níveis menores de HbF No Brasil existe certa heterogenei dade na frequência dos diversos haplótipos entre as dife rentes regiões geográfi cas mas predominam os haplótipos Bantu e Benin A talassemia em negros deriva quase que exclusi vamente da deleção de um dos genes No Brasil cerca de 20 dos negros são portadores da heterozigose para talassemia consequente à defi ciência de um gene 37 Assim é frequente a associação entre anemia falciforme e talassemia Essa associação tem como consequências a redução do VCM e do HCM menor número de reticu lócitos menor grau de hemólise e maior concentração de hemoglobina quando comparadas com pacientes que apre sentam genótipo normal para os genes da globina Os benefícios na evolução clínica que essas alterações principalmente a redução na concentração da hemoglobi na intracelular podem produzir ainda não estão comple tamente estabelecidos Aparentemente úlceras de perna acidente vascular cerebral e anormalidades da retina são menos frequentes em pacientes com herança concomitante de talassemia embora alguns estudos apontem que esses pacientes poderiam apresentar mais episódios dolorosos devido ao aumento de viscosidade sanguínea correspon dente ao aumento da hemoglobina total circulante Polimorfi smos em vários genes já foram estudados e associados com o aumento de incidência de complica ções nas doenças falciformes e ajudam a explicar a hete rogeneidade das apresentações clínicas nesses pacientes apesar de todos apresentarem a mesma mutação genética A Tabela 272 mostra uma lista de genes agrupados em função de sua importância biológica cujos polimorfi smos já foram associados com manifestações clínicas dessas en fermidades MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas nas doenças falciformes são extremamente variáveis mas são derivadas primariamente da oclusão vascular e em menor grau da anemia Pratica mente todos os órgãos podem ser afetados pela oclusão vascular Tabela 273 Os recémnascidos portadores de doenças falciformes possuem níveis elevados de HbF e por essa razão não apresentam manifestações clínicas sig nifi cativas De fato apenas quando os níveis de HbF de clinam signifi cativamente aparecem os primeiros sinais e sintomas da doença em geral após os seis meses de idade Crises de falcização Os pacientes com doença falciforme apresentam pe ríodos sem manifestações clínicas correspondentes à fase estável da doença que pode ser interrompida por mani festações agudas denominadas crises de falcização clas sifi cadas em crises vasooclusivas ou episódios dolorosos crises aplásticas hemolíticas e de sequestro Crises vasooclusivas Os episódios dolorosos agudos representam as mani festações clínicas mais comuns e características das doenças falciformes A frequência e a gravidade das crises variam con sideravelmente de paciente para paciente e em um mesmo paciente modifi candose bastante em diferentes períodos da vida Os fatores desencadeantes são variados e incluem 212 Tratado de Hematologia Tabela 272 Genes associados a complicações nas doenças falciformes e sua importância biológica Importância Gene Dor STA Infecção AVC Úlcera de perna Priapismo NACF HP Bil IRC Adesão celular SELP X ITGAV NRCAM X PIK3CG X VCAM1 X Angiogênese TEK X X Crescimento celular ANXA2 X IGF1R X Infl amação IL4R X TNFA X CCL5 X Metabolismo do colesterol LDLR X Coagulação F13A1 X HPA3 X ITGA2 X X X X MTHFR X Imunidade HLA vários X X MBL2 X X MPO X Metabolismo do óxido nítrico GCH1 X NOS3 X KL X X X X X Via TGFSMAD ACVRL1 X BMP6 X X X X X BMPR1A X BMPR1B X BMPR2 X MAP2K1 X MAP3K7 X SMAD1 X SMAD3 X X SMAD6 X SMAD7 X X SMAD9 X SMURF1 X TGFBR1 X TGFBR2 X X X TGFBR3 X X X X X X Metabolismo da bilirrubina UGT1A X Desconhecido STARD13 X STA Síndrome Torácica Aguda AVC Acidente Vascular Cerebral NACF Necrose Avascular da Cabeça Femoral HP Hipertensão Pulmonar Bil Doença Biliar e Hiperbilirrubinemia IRC Insufi ciência Renal Crônica relatos controversos Adaptado de Fertrin e Costa Expert Rev Hematol2010 34 44358 213 Capítulo 27 Anemia Falciforme Tabela 273 Principais manifestações clínicas e complicações das doenças falciformes Sistema linfohematopoético Sistema nervoso central Anemia Asplenia Esplenomegalia crônica rara Sequestro esplênico agudo Acidente isquêmico transitório Acidente vascular cerebral Hemorragia intraparenquimatosa Hemorragia subaracnoidea Pele Cardiopulmonar Palidez Icterícia Úlceras de perna Cardiomegalia Insufi ciência cardíaca Hipertensão pulmonar Infarto pulmonar Pneumonia Osteoarticular Urogenital Síndrome mãopé Dores osteoarticulares Osteomielite Necrose asséptica da cabeça do fêmur e úmero Osteoporose Compressão vertebral Gnatopatia Priapismo Hipostenúria proteinúria Insufi ciência renal crônica Olho Gastrointestinal e abdominal Retinopatia proliferativa Glaucoma Hemorragia retiniana ou vítrea Crises de dor abdominal Cálculos biliares Icterícia obstrutiva Hepatopatia crônica Colestase intrahepática Geral Hipodesenvolvimento somático Retardo da maturação sexual Maior suscetibilidade a infecções infecção desidratação e tensão emocional de qualquer na tureza As crises dolorosas são mais frequentes na terceira e quarta décadas de vida e a taxa de mortalidade é mais alta em adultos que as apresentam com maior frequência A oclusão microvascular sobretudo na medula óssea é o fator inicial do episódio doloroso Essa oclusão se cundária à falcização das hemácias causa isquemia dos tecidos o que por sua vez provoca uma resposta infl ama tória aguda As crises dolorosas típicas atingem principal mente ossos longos articulações e região lombar Outras regiões podem também ser afetadas como couro cabelu do face tórax e pelve Episódios agudos de dor e inchaço de mãos e pés sín drome das mãos e pés ou dactilite são frequentes em crianças entre seis meses e dois anos de idade e extrema mente raras após os sete anos de idade Essas crises vaso oclusivas são autolimitadas e em geral desaparecem após uma semana embora possam ocorrer ataques recorrentes O tratamento é sintomático e se os sinais persistirem é importante afastar o diagnóstico de osteomielite Uma crise dolorosa grave é defi nida como aquela que exige tratamento hospitalar com analgésico parenteral por mais de quatro horas A ocorrência de mais de três episó dios graves em um mesmo ano caracteriza doença falcifor me com evolução clínica grave Crises aplásticas São caracterizadas por queda acentuada nos níveis de hemoglobina acompanhada de níveis de reticulócitos redu zidos caracterizando insufi ciência transitória da eritropoese Em geral esse tipo de crise é desencadeado pela infecção por parvovírus B19 e ocorre em 68 dos casos em crianças No entanto em adultos a presença de imunização natural por exposição prévia ao vírus torna mais frequentes infecções 214 Tratado de Hematologia por Streptococcus pneumoniae salmonelas e pelo vírus Epstein Barr além de necrose medular óssea extensa com febre dor óssea reticulocitopenia e reação leucoeritroblástica Ou tra causa de queda na contagem de reticulócitos é o uso iatro gênico de tensões supramáximas de oxigênio inalatório que podem suprimir a produção endógena de eritropoetina após dois dias de uso Essa complicação é autolimitada e no pe ríodo de cinco a dez dias a eritropoese volta ao normal No entanto no período agudo de anemia pode ser necessária a terapêutica com transfusões de concentrado de hemácias A insufi ciência medular também pode resultar da defi ciência de ácido fólico especialmente durante a gravidez também conhecida como crise megaloblástica Crises hemolíticas Também denominadas de crises hiperhemolíticas deri vam de um incremento brusco na taxa de hemólise Esse tipo de crise é raro e aparentemente está relacionado a infec ções por Mycoplasma defi ciência de G6PD ou esferocitose hereditária associadas As manifestações clínicas podem in cluir agravamento da anemia e acentuação da icterícia No entanto antes de fazer o diagnóstico de crise hemolítica de vem ser afastadas outras causas mais frequentes de elevação dos níveis de bilirrubinas como obstrução por cálculo de vesícula hepatite ou falcização com colestase intrahepática Crise de sequestro esplênico Esse tipo de crise representa um episódio agudo carac terizado pelo acúmulo rápido de sangue no baço A crise de sequestro esplênico é defi nida pela queda nos níveis basais de hemoglobina de pelo menos 2 gdL hiperplasia com pensatória de medula óssea e aumento rápido do baço Essa complicação ocorre em geral após o sexto mês de vida e tornase menos frequente após os dois anos de idade No entanto pode ocorrer mesmo em adultos portadores de es plenomegalia especialmente portadores de Stalassemia ou hemoglobinopatia SC As crises de sequestro esplênico são responsáveis por elevado percentual de mortes nos pri meiros dez anos de vida 1015 em alguns estudos Infecções Infecções são a principal causa da morbidade e morta lidade na anemia falciforme BarrettConnor observou em interessante e hoje clássico estudo em que 116 pacientes com doenças falciformes foram acompanhados durante 11 anos vários dados importantes a infecção bacteriana é a maior cau sa de morte na anemia falciforme particularmente na infân cia além de constituir a principal causa de hospitalização O risco de infecções graves é maior em pacientes com menos de quatro anos de idade e entre estas se destaca a meningi te bacteriana causada em 78 dos casos por pneumococos Outros tipos de infecções frequentes são pneumonia osteo mielite septicemia e infecção urinária As bactérias envolvidas são mais comumente embora não exclusivamente aquelas que caracteristicamente possuem envoltório de polissacarí deos tais como Streptococcus pneumoniae Haemophilus infl uenzae tipo b Neisseria meningitidis Escherichia coli Enterobacter sp Kleb siella sp e Staphylococcus aureus além de Mycoplasma sp As razões da maior suscetibilidade à infecção apresenta da pelos pacientes com doenças falciformes ainda não são totalmente conhecidas Aparentemente as múltiplas lesões orgânicas e a asplenia orgânica ou funcional têm papel preponderante Além disso são descritas defi ciências de opsoninas séricas defeito na via alternativa do complemen to falta de tuftsina alteração na atividade da via hexose monofosfato dos leucócitos e defeitos imunes É relevante ressaltar que intervenções diagnósticas e te rapêuticas rápidas nos casos com suspeitas de infecção bac teriana podem ser cruciais para salvar a vida do paciente As alterações histopatológicas no baço de pacientes com anemia falciforme são conhecidas Inicialmente há uma esplenomegalia consequente à congestão da polpa es plênica em virtude da obstrução por grandes quantidades de células falcizadas acompanhada de hemorragias ao re dor dos corpúsculos de Malpighi A oclusão vascular pro voca repetidos microinfartos tornando o órgão fi brótico e atrófi co Esses fenômenos são coincidentes com os acha dos clínicos observados à palpação do baço nos pacientes com anemia falciforme Comumente há esplenomegalia nos primeiros anos de vida seguida de ausência do órgão após os seis anos de idade resultante da autoesplenecto mia acompanhada de fi brose As repercussões da hipo função esplênica nas doenças falciformes concentramse principalmente na maior suscetibilidde a infecções O grau de comprometimento da função esplênica é mais acentua do em pacientes com anemia falciforme e S0 talassemia quando comparados aos pacientes com hemoglobinopatia SC ou HbS talassemia No entanto mesmo em pacien tes que conservam o baço ou têm esplenomegalia a fun ção do órgão pode estar comprometida caracterizando a asplenia funcional Em pacientes com doenças falciformes não é rara ob servação de osteomielite secundária a Salmonella typhimu rium embora esse tipo de infecção também possa ocorrer por germes mais comuns como Staphylococcus aureus Infec ções do trato urinário são em geral associadas com bacté rias gramnegativas principalmente Escherichia coli Complicações cardíacas As manifestações cardíacas são relacionadas à circulação hiperdinâmica secundária aos mecanismos compensatórios da anemia A radiografi a de tórax mostra cardiomegalia glo bal mesmo em pacientes jovens Também são observadas comumente artérias pulmonares proeminentes e aumento no padrão vascular pulmonar Dados convincentes mostram que isquemia miocárdica pode ocorrer mesmo em pacientes jo vens embora não seja um evento comum As hipóteses para explicar a baixa frequência de oclusão importante de artérias coronárias são a circulação hiperdinâmica e os baixos níveis de 215 Capítulo 27 Anemia Falciforme colesterol observados nos pacientes com doenças falciformes Alguns pacientes podem evoluir para insufi ciência cardíaca principalmente depois da segunda década de vida A pressão arterial em pacientes com doenças falciformes é em geral in ferior à observada em populações controles Complicações pulmonares As alterações pulmonares nas doenças falciformes são provocadas por fenômenos vasooclusivos e infecções Com frequência ambas ocorrem simultaneamente Os episódios agudos são denominados de Síndrome Torácica Aguda STA e são caracterizados por dor to rácica febre dispneia opacidade nova na radiografi a de tórax e queda no nível de hemoglobina podendo evoluir com hipóxia grave Esse tipo de complicação é hoje uma das causas mais comuns de morte e a segunda causa mais comum de hospitalização em pacientes com doenças falci formes nos Estados Unidos É três vezes mais frequente em crianças do que em adultos sendo mais comum nos homozigotos SS seguidos por S talassemia hemoglobi nopatias SC e S talassemia em ordem decrescente de frequência A STA pode ser causada por infarto de costela ou esterno pneumonia embolia pulmonar após necrose de medula óssea ou infarto pulmonar devido a falcização in vivo A investigação diagnóstica da STA deve incluir ra diografi as de tórax seriadas cultura de secreção pulmonar quando possível hemoculturas monitoramento da gaso metria acompanhamento dos níveis de hemoglobina es tudo da ventilaçãoperfusão ou angiotomografi a quando indicada a pesquisa de tromboembolismo A função pulmonar pode ser anormal mesmo em pa cientes que não apresentem antecedentes prévios de doen ça pulmonar A hipertensão pulmonar na doença falciforme pode ser de origem arterial venosa ou mista Até 20 dos pacientes terão hipertensão pulmonar leve ou limítrofe Pressão Sistólica de Artéria Pulmonar PSAP estimada acima de 35 mmHg e 10 terão hipertensão pulmonar moderada ou grave PSAP acima de 45 mmHg Um valor de PSAP de 35 mmHg equivale aproximadamente a uma velocidade de fl uxo regurgitante da válvula tricúspide de 25 ms enquanto valores de entre 25 e 29 ms se associam a um risco relativo de óbito de 44 e acima de 30 ms o risco é de 106 vezes Assim recomendase rastreamento anual com ecocardiograma transtorácico com medida da PSAP e fl uxo regurgitante da válvula tricúspide Se o fl uxo regurgitante for 25 ms eou PSAP elevada considerar cateterismo cardíaco direito para confi rmação e se o fl uxo for 30 ms ou sinais de disfunção cardíaca direita devese realizar cateterismo cardíaco direito e considerar programa regular de transfusão e hidroxiureia O uso crônico do ini bidor de fosfodiesterase5 sildenafi l não foi bemsucedido em um estudo e aumentou a incidência de crises dolorosas Complicações neurológicas Algum tipo de comprometimento neurológico acomete cerca de 25 dos pacientes com doenças falciformes Essas alterações são mais comuns em pacientes SS do que em pa cientes com hemoglobinopatias SC ou S talassemia As complicações clínicas no sistema nervoso central incluem acidente vascular cerebral hemorragia cerebral e ataques is quêmicos transitórios Infartos cerebrais são mais frequentes em crianças com pico de incidência até os seis anos de idade e em adultos após os trinta anos de idade ao passo que he morragia intracerebral é mais frequente em adultos entre as segunda e terceira décadas de vida Aparentemente novelos vasculares conhecidos como moya moya envolvendo vasos frágeis e dilatados que se desenvolvem como circulação co lateral ao redor de áreas de infarto e aneurismas são os fato res causais das hemorragias em adultos No sistema nervoso ao contrário de outras regiões va sos maiores parecem ser os locais preferencialmente aco metidos por vasooclusão As complicações neurológicas são graves e podem ser fatais em até 15 dos casos A terapêutica básica nas alterações vasooclusivas no sistema nervoso central é a transfusão de concentrado de hemácias O diagnóstico preciso e o início rápido da tera pêutica transfusional impedem a progressão da doença e podem mesmo reverter as manifestações clínicas A hemo globina S deve ser mantida abaixo de 30 durante a tera pêutica transfusional cuja duração não deve ser inferior a cinco anos Alguns dados indicam que provavelmente essa terapêutica deve ser mantida indefi nidamente O exame com Doppler ultrassonográfi co transcraniano detecta precocemente as lesões com base na medida das velocidades do fl uxo sanguíneo nos principais vasos que irrigam o encéfalo Altas velocidades identifi cam as crian ças potencialmente suscetíveis a sofrer AVC que pode ser evitado por um esquema de transfusão crônica Complicações hepatobiliares A excreção contínua e elevada de bilirrubinas leva à for mação de cálculos biliares Embora tenham sido relatados cálculos em crianças de três ou quatro anos de idade essa complicação é comum em pacientes adultos A colecistec tomia era anteriormente reservada para pacientes que apre sentavam sintomas signifi cativos dois ou três episódios de dor no período de seis meses porém pode ser indicada mesmo nos pacientes assintomáticos pelo alto risco de complicações com crises vasooclusivas graves e síndrome torácica aguda no caso de colecistite aguda As alterações na função hepática podem ser relacionadas à falcização in trahepática infecções adquiridas na transfusão ou hemos siderose transfusional A denominação síndrome do quadrante superior direi to designa episódio agudo caracterizado por hiperbilirru binemia extrema aumento rápido do fígado febre e dor acentuada O diagnóstico diferencial desta condição inclui colecistite aguda pancreatite hepatite aguda crise doloro sa e um possível sequestro hepático Os níveis de enzimas hepáticas são anormais e os níveis de bilirrubina podem chegar até a 100 mgdL A etiologia dessa complicação não está ainda bem elucidada O tratamento recomendado é a 216 Tratado de Hematologia q u a d r o Indicação para tratamento Pacientes com SS Sotal Stal que apresentam episódios dolorosos graves frequentes três ou mais internações em 12 meses história de síndrome torácica aguda anemia grave Hb abaixo de 6 gdL ou outra complicação vasooclusiva grave priapismo hipertensão pulmonar O uso em hemoglobinopatia SC é discutível Avaliação de valores basais Hemograma HbF exames bioquímicos teste de gravidez na ausência de programa de transfusão crônica Início do tratamento Hidroxiureia 1015 mgkgdia em dose única diária por 68 se manas Hemograma a cada duas semanas níveis de HbF a cada 68 semanas exames bioquímicos 24 semanas Tratamento contínuo Se as contagens permanecem em faixa aceitável aumentar progressivamente as doses a cada 68 semanas até atingir os objetivos do tratamento Objetivos do tratamento Diminuição de crises de dor Aumento de HbF para 1520 Incremento nos níveis de Hb se a anemia for grave Melhora do estado geral Mielotoxicidade aceitável granulócitos 2500L e reticulóci tos 75000L e plaquetas 5000L Na ausência de aumento de HbF ou do VCM Excluir má adesão ao tratamento Provável ausência de resposta biológica Aumentar dose cuidadosamente até 225 gdia dose máxima 35 mgkgdia O período de tratamento deve ser de 612 me ses para considerar ausência de resposta Cuidados especiais Pacientes com insufi ciência renal ou hepática Homens e mulheres devem tomar medidas anticoncepcionais durante o tratamento pois a hidroxiureia é teratogênica Após atingir nível estável e não tóxico de hidroxiureia o hemogra ma pode ser realizado a cada 48 semanas para verifi car mie lotoxicidade aceitável granulócitos 2500L e reticulócitos 75000L e plaquetas 95000L Adaptado de Steinberg MH The Scientifi c World Journal 2008 81295 1324 N Engl J Med 1999340102130 Current use of hydroxyurea in sickle cell disease American Society of Hematology Education Program 2000 Hidroxiureia nas doenças falciformes transfusão de substituição mantendo níveis de HbS meno res que 10 Em crianças a evolução é em geral favorável mas em adultos o quadro pode ser de difícil resolução Complicações genitourinárias O rim é extremamente suscetível a complicações em pa cientes com doenças falciformes devido às características peculiares de seu microambiente que incluem reduzidas tensões de oxigênio pH ácido e alta tensão osmótica Esse tipo de ambiente facilita a ocorrência de falcização e infarto na medula renal com consequente hematúria e inabilidade de concentrar urina hipostenúria É importante lembrar que essas complicações podem ocorrer não somente em pacientes com doenças falciformes mas também em hete rozigotos para hemoglobina S traço falciforme AS O tra tamento da hematúria é conservador em geral repouso no leito e hidratação adequada levam à remissão espontânea No entanto algumas vezes a hematúria é de tal intensidade que é necessária transfusão de sangue A excreção de potássio também está reduzida e episó dios de hipercalemia foram descritos Ocasionalmente po dem ser observados níveis elevados de ácido úrico devido à hiperplasia de medula óssea e consequente aumento na pro dução de urato em razão do metabolismo das purinas além da redução na depuração de urato pelos túbulos renais Proteinúria ocorre em 26 dos pacientes com doença falciforme e creatinina sérica elevada em 7 A lesão anatomopatológica é representada por aumento glomerular e glomeruloesclerose perifé rica focal segmentar O tratamento com enalapril um inibidor da enzima conversora de angiotensina parece reduzir a proteinúria sugerindo que a hi pertensão capilar pode ser um fator patogênico na nefropatia da anemia falciforme Em pacientes com insufi ciência renal crônica deve ser iniciado progra ma de hemodiálise e se possível indicado transplan te renal Priapismo é uma complicação relativamente fre quente e ocorre quando as células falcizadas oblite ram os corpos cavernosos e esponjoso e impedem o esvaziamento do sangue do pênis Existem duas apresentações clínicas priapismo agudo e priapismo recorrente ou intermitente do inglês stuttering A apresentação aguda corresponde à ereção dolorosa prolongada que persiste por várias horas ao passo que o priapismo recorrente é caracterizado por epi sódios reversíveis da ereção que podem ocorrer em períodos variáveis com duração de minutos e tam bém em múltiplos episódios no mesmo dia O tratamento deve ser feito com repouso hidratação analgésicos e nos casos mais graves transfusão de substi tuição para manter níveis de HbS abaixo de 30 Em al guns casos aparentemente a hidroxiureia parece ser útil Quando não houver resposta aos tratamentos clínicos a 217 Capítulo 27 Anemia Falciforme intervenção cirúrgica pode ser necessária uma complicação frequente é a disfunção erétil Em relação ao tratamento medicamentoso um único pequeno estudo randomizado com 11 pacientes mostrou evidência de que o dietilstil bestrol pode ajudar a abortar a crise de priapismo e doses menores 1 a 5 mg por dia poderiam funcionar como pro fi láticas de novas crises Há relato anedótico de melhora de priapismo com hidralazina e com leuprolide um análo go de Hormônio Liberador de Gonadotrofi nas GnRH como forma de profi laxia porém também provoca castra ção química Houve relatos de sucesso com etilefrina oral ou injetável intracavernosa e de profi laxia dos casos in termitentes O papel dos inibidores de fosfodiesterase5 como o sildenafi l ainda é incerto com relato de seu uso em três pacientes com alívio agudo do priapismo em até 90 minutos No entanto há relato de um caso de priapismo desencadeado por uso da mesma medicação em portador de traço falciforme Complicações oftalmológicas As complicações oftalmológicas são frequentes nas doenças falciformes e incluem anormalidades na conjun tiva infartos orbitários hemorragia retiniana e retinopa tia proliferativa A retinopatia resulta de lesões oclusivas arteriolares que levam a microaneurismas e proliferação neovascular colateral Essa alteração é mais frequente em pacientes com hemoglobinopatia SC do que em outras doenças falciformes Seguimento regular com oftalmo logista deve fazer parte do tratamento de pacientes com doenças falciformes porque o tratamento precoce com fo tocoagulação pode prevenir a progressão de retinopatia e cegueira Devese lembrar também que mesmo o paciente com traço falciforme inspira cuidados quando ocorre trau ma ocular com hifema sangramento intraocular na câmara anterior pelo risco de glaucoma agudo e cegueira por obs trução da drenagem ocular por hemácias falcizadas Complicações osteoarticulares A complicação mais comum é a necrose asséptica da ca beça do fêmur e afeta cerca de 10 das pacientes podendo chegar a mais de 50 dos portadores de hemoglobinopatia SC Outras regiões ósseas podem também ser afetadas pela necrose vascular como corpos vertebrais e cabeça do úme ro A necrose asséptica da cabeça do fêmur aparenta estar associada positivamente com a idade frequência de episó dios dolorosos deleção do gene da globina e níveis de hemoglobina O diagnóstico algumas vezes pode requerer imagens de ressonância nuclear magnética O tratamento é sintomático inclui analgésicos repouso e redução de carga naquele membro Em muitos casos é necessária a realização de cirurgia e substituição óssea mas não há evidência de superioridade da descompressão cirúrgica sobre a fi siotera pia na prevenção da progressão da doença A osteoporose precoce é uma complicação que vem sendo progressivamente mais diagnosticada na doença fal ciforme e recomendase rastreamento anual com densito metria mineral óssea a partir dos 18 anos de idade Ingestão aumentada de cálcio banhos de sol além de pesquisar e controlar hipomagnesemia podem ser condutas adequadas para prevenção de osteoporose Apenas um estudo com 14 pacientes avaliou o tratamento da osteopenia na doença falciforme com reposição de carbonato de cálcio e vitami na D com melhora da densidade óssea o tratamento com alendronato é extrapolado a partir dos estudos de osteo porose em mulheres pósmenopausa pois não há estudos prospectivos em pacientes com doença falciforme Manifestações cutâneas Além de manifestações comuns às demais anemias he molíticas como icterícia e palidez as doenças falciformes caracterizamse pela presença de úlceras no terço inferior das pernas especialmente na região maleolar A prevalência de úlcera de perna na anemia falciforme é estimada em 5 a 10 dos pacientes É mais comum em homens e em pa cientes mais velhos e raras nas crianças e doenças falcifor mes heterozigóticas duplas É uma complicação altamente incapacitante principalmente para jovens O tratamento é quase sempre insatisfatório e inclui cuidados locais da feri da higiene antibióticos e repouso O repouso prolongado é fundamental mas quase sempre é difícil de ser realizado por pacientes com atividade física normal Nos casos crônicos de difícil tratamento já foram utili zados bota de Unna transfusões regulares enxerto de pele sulfato de zinco e fatores de crescimento de granulócitos Não há evidências de que há melhora das úlceras com pro grama regular de transfusão crônica O tratamento com hi droxiureia parece não ser efetivo e um estudo demonstrou que não há aumento da incidência de úlceras com o uso de hidroxiureia em pacientes com anemia falciforme A re posição oral de sulfato de zinco não demonstrou melhora estatisticamente signifi cativa em outro estudo Uma com plicação que deve sempre ser pesquisada é a osteomielite Gravidez Com os cuidados terapêuticos atuais a morte materna é complicação rara nas doenças falciformes Estudos reali zados nos últimos trinta anos revelaram redução progres siva nos índices dessas complicações Os primeiros relatos descreviam problemas em cerca de um terço das gestações enquanto que atualmente essa porcentagem foi reduzida a 16 que é equivalente à de populaçõescontrole normais Algumas das principais complicações durante a gravidez e o puerpério incluem abortos espontâneos crescimento in trauterino retardado infecções insufi ciência cardíaca con gestiva fenômenos tromboembólicos e préeclâmpsia Abortos espontâneos Complicação de etiolo gia desconhecida parece ter menor frequência nas portadoras de hemoglobinopatia SC em relação às SS mas tem incidência desconhecida nas S talassêmicas Aumento de aneuploidia ou outras 218 Tratado de Hematologia anormalidades cromossômicas e malformações fe tais signifi cativas não têm sido descritas com maior incidência nessa população de doentes Especulase que lesões microvasculares na placenta causadas pe las hemácias falcizadas tenham papel mais impor tante na fi siopatologia das perdas gestacionais do primeiro trimestre do que o próprio grau de anemia das doentes acometidas Retardo de crescimento intrauterino Ocorre com frequência elevada em pacientes com anemia falci forme e com menor frequência em portadoras de hemoglobinopatia SC ou Stalassemia Numero sas causas contribuem para esse quadro porém dois fatores que agem desfavoravelmente no crescimento fetal intrauterino são a hipóxia e a desnutrição A pla centa de portadoras de anemia falciforme é anormal em tamanho localização inserção na parede uterina e histologia Anemia materna promove diminuição do fl uxo sanguíneo na região placentária causan do défi cit de crescimento da membrana placentária Episódios frequentes de vasooclusão podem ainda contribuir para o retardo do crescimento intraute rino sendo possível que arteríolas deciduais sejam obstruídas por agrupamentos de hemácias falcizadas promovendo hipoperfusão e hipóxia da membrana placentária Provavelmente essas lesões ocorrem pre cocemente no período gestacional explicando por que programas profi láticos de transfusões sanguíneas realizadas em período ulterior não modifi cam signifi cativamente a evolução desse processo Infecções São provavelmente as complicações mais comuns das doenças falciformes com frequên cia estimada em 28 a 67 dos casos A infecção uri nária é encontrada em 28 dos casos superando o grupo controle normal com apenas 15 Inicial mente a infecção urinária é assintomática mas com o transcorrer da gravidez há possibilidade de exa cerbação da bacteriúria com aumento na frequên cia de prematuridade e de recémnascido pequeno para a idade gestacional As pacientes devem pois ser investigadas e tratadas precocemente durante o acompanhamento prénatal Dores ósseas Episódios de dores ósseas são frequen temente observados nas doenças falciformes Durante a gravidez principalmente no terceiro trimestre pode haver maior incidência dessa complicação Anemia Durante o terceiro trimestre principal mente ao redor de 3234 semanas de gravidez há redução nos níveis de hemoglobina tanto em mu lheres normais como em mulheres com doenças falciformes Essa redução é de aproximadamente 30 sendo agravada por defi ciência de folato qua dros infecciosos ou infl amatórios crises aplásticas ou acentuação da hemólise Préeclâmpsia A frequência de préeclâmpsia é elevada em mulheres com doenças falciformes po dendo agravar as doenças renais preexistentes Por outro lado a presença de proteinúria e hipertensão arterial em pacientes com lesão renal prévia pode ser confundida com o diagnóstico de préeclâmpsia O diagnóstico deve ser sugerido quando há hipertensão arterial associada com edema e proteinúria após a 20ª semana de gravidez Essa afi rmação é consequência do fato de que habitualmente na doença falciforme os níveis pressóricos são inferiores aos de indivíduos normais e durante a gestação normal observase pressão arterial mantida em níveis inferiores aos de mulheres grávidas normais até a 20ª semana Dessa forma níveis pressóricos iguais ou superiores a 125 75 mmHg devem ser rigorosamente monitorizados pois a existência de préeclâmpsia é acompanhada de alta taxa de mortalidade Morbidade e mortalidade perinatal O desenvolvimento de centros especializados para tratamento multidisciplinar de pacientes com doenças falciformes nos Estados Unidos da América infl uenciou substancialmente a redução na incidência de natimortos e prematuridade Os estudos anteriores à implantação desses centros de atendimento apresentavam taxas de 24 a 32 dessas complicações Atualmente esses valores são de 5 nesse país Não existem dados a esse respeito no Brasil Recémnascidos de baixo peso são comumente observa dos com incidência de 31 As razões desse fato provavel mente estão relacionadas à anemia e ao comprometimento de vasos placentários como descrito anteriormente Infertilidade e contracepção Não existem dados convincentes na literatura que es tabeleçam diferenças quanto à capacidade reprodutiva de portadoras de doenças falciformes em relação a mulheres normais No entanto existe atraso puberal signifi cativo nessas pacientes o que em parte pode explicar os dados confl itantes concernentes à fertilidade dessa população Entre os métodos contraceptivos mais amplamente empre gados em portadoras de doenças falciformes encontramse os de barreira géis espermicidas dispositivos intrauterinos acetato de medroxiprogesterona e anticoncepcionais orais Aparentemente não há aumento da incidência de infecções ginecológicas com os métodos utilizados TRATAMENTO Pacientes com doenças falciformes devem sempre que possível ser acompanhados regularmente em serviços es pecializados Centros de Atenção a Doenças Falciformes com a presença de equipes multidisciplinares médicos psi cólogos enfermeiros assistentes sociais e fi sioterapeutas Desse modo os objetivos básicos da terapêutica consistem no tratamento das complicações específi cas e em cuidados gerais da saúde Além dos cuidados gerais para acompa nhamento do crescimento desenvolvimento somático e 219 Capítulo 27 Anemia Falciforme psicológico e tratamento específi co de lesões orgânicas como colecistopatia úlceras de pernas osteomielite etc o tratamento a longo prazo apoiase em a suplementação com ácido fólico 5 mgdia deve ser sempre realizada de vido à hiperplasia eritropoética b uso de medicamentos que promovem o aumento da hemoglobina fetal como a hidroxiureia em pacientes selecionados c profi laxia de in fecções d tratamento das crises dolorosas vasooclusivas d tratamento das demais crises agudas aplásticas seques tro esplênico neurológicas síndrome torácica aguda e tratamento das infecções Aumento na síntese de hemoglobina fetal Vários agentes farmacológicos são capazes de au mentar a produção de hemoglobina fetal ou atuar na seleção de precursores eritrocitários que mantêm a ha bilidade de produzir HbF Entre essas drogas podem ser incluídas a 5azacitidina a Hidroxiureia HU e os derivados do butirato A hidroxiureia é uma droga utilizada como quimiote rápico no tratamento de neoplasias hematológicas agindo por meio do bloqueio da síntese de ácidos nucleicos pela inibição da ribonucleotídeo redutase O mecanismo exato pelo qual a HU aumenta a produção de HbF ainda não é completamente conhecido Os efeitos benéfi cos tanto clínicos como hematológicos da hidroxiureia na anemia falciforme foram demonstrados de forma inequívoca no estudo multicêntrico MSH envolvendo 299 pacientes adul tos Os pacientes tratados com a droga mostraram redução de 50 na frequência de hospitalização e incidência de cri ses dolorosas na frequência de síndrome torácica aguda e na necessidade transfusional Outro estudo com pacientes portadores de Stalassemia demonstrou que a frequên cia e duração das internações foi reduzida A segurança de seu uso em crianças a partir de seis meses de idade foi de monstrada em alguns estudos tais como o HUGKIDS e o BABYHUG Crises vasooclusivas As crises agudas dolorosas são de difícil tratamento e a conduta adequada depende da gravidade da dor e da pre sença ou não de outras complicações concomitantes As regras básicas no tratamento dessas complicações são a procurar e tratar agressivamente o fator desencadeante principalmente infecções b hidratação adequada por via oral ou endovenosa c utilização adequada de analgésico para aliviar a dor Nos casos de dor leve ou moderada o tratamento pode ser ambulatorial mas muitos casos necessitam de internação devido à gravidade do episódio doloroso Os analgésicos mais utilizados incluem paracetamol ácido acetil salicíli co dipirona e ibuprofeno Frequentemente são necessários opioides que incluem codeína tramadol e morfi na O tipo de analgésico utilizado depende da gravidade do episódio doloroso para crises leves podem ser utilizados paracetamol ácido acetilsalicílico dipirona e ibuprofeno nos casos moderados sem resposta à medicação inicial pode então ser associada codeína ou tramadol nas cri ses dolorosas graves deve ser administrada morfi na Há contraindicação relativa do uso de meperidina por alguns serviços em função de seu maior potencial de indução de dependência física a longo prazo e redução do limiar convulsivo por seus metabólitos após uso por mais de 72 horas embora represente boa alternativa nas crises envol vendo vias biliares por induzir menor espasmo de muscu latura lisa A seleção dos analgésicos apropriada deve ser feita com base na história prévia do paciente a terapêutica da dor A ingestão hídrica diminui durante as crises dolorosas Como a capacidade de concentrar urina está prejudicada a perda de líquidos e desidratação podem ocorrer rapida mente Desse modo uma hidratação adequada deve ser instituída rapidamente e o balanço hídrico deve ser medido nos pacientes internados Nesses casos a hidratação deve ser endovenosa Nos casos menos graves em tratamento ambulatorial a hidratação deve ser via oral Os objetivos básicos da hidratação incluem correção da defi ciência hí drica e de eletrólitos manutenção da concentração sérica de eletrólitos e administração de um volume de fl uidos pa renteral e oral igual a uma vez e meia a necessidade diá ria A escolha do tipo de hidratação depende do estado do paciente e dos valores dos eletrólitos Para pacientes com crises não complicadas a hidratação pode ser feita com gli cose 5 e salina normal em proporção 11 Para pacientes adultos a quantidade indicada é de 3 litrosdia se a função cardíaca for normal ao passo que em crianças depende do peso do paciente Esse tipo de hidratação deve ser acompa nhado com cuidado para evitar insufi ciência cardíaca con gestiva ou desequilíbrio eletrolítico iatrogênico Tratamento das infecções A conduta global relacionada às infecções em pacien tes com doenças falciformes incluem a imunização para prevenir infecção b penicilina profi lática e c tratamento adequado do paciente com febre Crianças com doenças falciformes apresentam produ ção normal de anticorpos após vacinação e devem receber todas as imunizações recomendadas para uma criança nor mal Além disso devem ser imunizadas contra pneumoco co pela asplenia funcional Todas as crianças com doenças falciformes devem rece ber penicilina profi lática com início aos dois ou três meses de idade mantida continuamente até pelo menos os cinco anos de idade Adicionalmente em locais onde a disponibilidade de acesso a serviços médicos seja limitada a profi laxia com penicilina após os cinco anos pode ser benéfi ca A profi laxia pode ser feita com penicilina oral ou com penicilina benzati na a cada 21 dias Os benefícios desse tratamento são tão sig nifi cativos que em todas as populações em que a frequência do gene s for elevada devem ser realizados programas de 220 Tratado de Hematologia q u a d r o Septicemia fulminante Os agentes mais comuns são Streptococcus pneumoniae e Hae mophilus infl uenzae O curso é rapidamente letal ocorrendo morte em menos de 24 horas algumas vezes a progressão é mais lenta e insidiosa A taxa de mortalidade é de cerca de 50 mas o diagnóstico precoce e o tratamento vigoroso reduzem drasticamente a mortalidade A maioria dos episódios ocorre em crianças em geral menores de dois anos de idade Febre é o pri meiro e mais importante sintoma e em crianças pode ser a única indicação de processo infeccioso De modo geral aumento de temperatura da velocidade de hemossedimentação do número de leucócitos e da proporção de bastonetes são sinais de infec ção bacteriana grave Outros sinais ou sintomas são convulsões coma choque circulatório coagulação intravascular dissemina da síndrome de WaterhouseFriedrichsen insufi ciência adrenal aguda Embora ocorra envolvimento meníngeo geralmente não há sinais no exame físico nem no líquido cefalorraquidiano As infecções pneumocócicas são menos frequentes após a primei ra década de vida e outros agentes encontrados na população normal tornamse comuns sugerindo pois a necessidade de avaliação bacteriológica previamente à administração de antibió ticos No entanto também nessa faixa etária a febre persistente e maior que 385 oC não deve ser interpretada como resultante da vasooclusão O tratamento envolve a altas doses de penicilina cristalina endovenosa ou outra classe de antibióticos pex ce falosporinas a depender da sensibilidade dos pneumococos em cada região b corticosteroides quando há sinais de choque c tratamento da coagulação intravascular disseminada quando presente Meningite pneumocócica Meningite bacteriana acomete 68 dos pacientes com anemia falciforme e em 70 dos casos são causadas por Streptococcus pneumoniae e 7080 dos casos ocorrem antes dos dois anos de idade muitas vezes antes que se tenha feito o diagnóstico da hemoglobinopatia subjacente Além disso são comuns os ata ques recorrentes A mortalidade está entre 18 e 38 sendo as principais sequelas o retardo mental a surdez a cegueira plegias e hemiparesia O tratamento inclui ceftriaxone em doses adequa das para tratar meningites após coleta de material para cultura e antibiograma Pneumonias A associação de febre com leucocitose e infi ltrado pulmonar muitas vezes com dor torácica e tosse é descrita sob a denomi nação de síndrome torácica aguda A síndrome torácica aguda pode ser causada por infarto pulmonar ou por pneumonia ou ainda por um infarto posteriormente infectado a distinção en tre eles é difícil ou mesmo impossível Em crianças a síndrome torácica é geralmente devida a pneumonia em adolescentes e adultos a frequência de infartos e embolia gordurosa é maior Quando há infecção os agentes etiológicos mais comuns são Streptococcus pneumoniae Haemophilus infl uenzae e Myco plasma pneumoniae Como a distinção entre infarto e infecção é geralmente difícil e como com frequência há sobreposição de ambos o tratamento sempre inclui o uso de antibióticos para o tratamento da pneumonia preferencialmente após coleta de hemocultura e escarro para cultura e antibiograma em esque mas que ofereçam cobertura para os patógenos mais frequentes pex cefalosporina de terceira geração em combinação com macrolídeo como ceftriaxone com azitromicina ou fl uoroquino lonas como levofl oxacina Osteomielite Osteomielites são muito mais comuns em pacientes com doen ças falciformes do que na população normal Esta ocorrência au mentada devese a áreas de infartos ósseos ou de medula óssea que constituem locais apropriados para se assestarem germes absorvidos do tubo gastrointestinal O agente infeccioso mais co mum é a Salmonella em 5075 dos casos enquanto na popu lação normal sem doença falciforme Salmonella é uma causa rara de osteomielite o agente mais comum é o Staphylococcus Além do mais múltiplos focos podem ser afetados simultanea mente Infecções comuns em pacientes com doença falciforme rastreamento neonatal para identifi cação precoce de afetados e início do tratamento profi lático o mais cedo possível Febre em pacientes com doenças falciformes deve sem pre ser considerada um problema grave e potencialmente fatal Nunca deve ser presumido que o paciente tem uma doença viral A avaliação de episódios febris inclui anam nese e exame físico cuidadosos exame hematológico com contagens diferenciais estudos bacteriológicos incluindo culturas de sangue de urina e de secreção de orofaringe punção liquórica se houver suspeita de meningite e radio grafi a de tórax Antibioticoterapia sistêmica deve ser insti tuída rapidamente com fármacos que sejam efetivos contra S pneumoniae e H infl uenzae A escolha do antibiótico apro priado para prosseguir o tratamento deve ser feita após identifi cação do organismo envolvido na infecção Se os exames laboratoriais não revelarem infecção bacteriana e o exame clínico também não conduzir à detecção de infec ção a antibioticoterapia pode ser suspensa após três dias No entanto o paciente deve ser cuidadosamente observado por pelo menos mais 24 a 48 horas O tratamento da síndrome torácica aguda inclui antibio ticoterapia agressiva com drogas de atividade ampla contra germes gramnegativos e grampositivos associação de pe nicilinas e macrolídeos ou fl uoroquinolonas por exemplo oxigênio inalatório se saturação abaixo de 92 transfusões simples nos casos moderados ou transfusão de substituição nos casos graves Terapêutica transfusional Pacientes com anemia falciforme toleram bem a anemia crônica e necessitam de transfusões somente em circunstân cias especiais como por exemplo crise de sequestro AVC crise aplástica preparação para cirurgia gravidez hipóxia com síndrome torácica aguda e priapismo Tabela 274 221 Capítulo 27 Anemia Falciforme troverso Um estudo cooperativo mostrou que em situações précirúrgicas transfusões simples apresentam resultados fa voráveis quando comparados à transfusão de substituição Na indicação de regime transfusional na anemia fal ciforme em geral o objetivo deve ser manter o nível de HbS abaixo de 30 Nesses casos deve ser lembrado que o acúmulo de ferro é inevitável e pode ser tratado com quelantes de ferro por via parenteral com desferoxamina ou via oral com deferiprone ou deferasirox Além disso devem ser avaliados todos os riscos inerentes às transfusões sanguíneas tais como reações transfusionais transmissão de patógenos e especialmente aloimunização Redução de 60 a 80 nas células falciformes circulantes pode ser atingida em crianças com anemia falciforme em 6 a 12 horas pela troca de duas vezes a massa de hemácias 2 volume sanguíneo hematócrito Nos centros em que for disponível separador automático de células a transfusão de substituição 2 volumes pode ser feita em 90 minutos Um estudo demonstrou inequivocadamente que um regi me de transfusão sanguínea que mantenha o nível de HbS abai xo de 30 reduz enormemente o risco do primeiro episódio de AVC em crianças com Doppler Ultrassonográfi co Trans craniano DTC alterado Esse procedimento deve ser aplicado rotineiramente para todos os pacientes com anemia falciforme Condutas na gestante com doenças falciformes Prénatal Acompanhamento prénatal cuidadoso deve ser realizado com visitas médicas frequentes principalmente após a 26a semana de gestação São essenciais os controles dos níveis de hemoglobina ganho de peso corporal detecção de proteinúria e observação dos níveis de pressão arterial Trabalho de parto Deve ser conduzido de forma a haver menor esforço físico possível pela paciente equivalente àqueles cuidados levados a efeito para Tabela 274 Indicações de transfusão em doenças falciformes Transfusão simples Hemoglobina 5gdL e sinais e sintomas signifi cativos de anemia Angina ou insufi ciência cardíaca Hemorragia aguda Sequestro esplênico ou hepático Crise aplástica Preparação para cirurgia préoperatório Transfusão de substituição Acidente vascular cerebral Síndrome torácica aguda Insufi ciência de múltiplos órgãos incluindo embolia gordurosa Priapismo agudo Cirurgia do sistema nervoso central Prevenção de AVC recorrente em crianças com acidente vascular cerebral agudo Indicações controversas Úlceras de perna Gravidez Episódio doloroso que não responde a tratamento Adultos com história prévia de AVC Antes de injeção de meio de contraste hipertônico q u a d r o A profi laxia de septicemia deve ser iniciada aos três meses de idade para todas as crianças com doenças falciformes SS SC Stalassemia e deve continuar pelo menos até os cinco anos de idade No entanto como as complicações infecciosas podem ocorrer mais tardiamente o uso de penicilina até a adolescência é uma medida razoável Podese utilizar a forma oral penicilina V ou parenteral penicilina benzatina sendo a segunda alternativa mais barata e mais confi ável em famílias de menor nível socioe conômico e educacional Penicilina V 125 mg VO 2 vezes ao dia para crianças até três anos de idade ou 15 kg 250 mg VO 2 vezes ao dia para crianças de três a seis anos de idade ou com 1525 kg 500 mg VO 2 vezes ao dia para crianças com mais de 25 kg Penicilina benzatina administrada por via IM a cada 21 dias 300000 U para crianças até 10 kg 600000 U para crianças de 10 a 25 kg 1200000 U para indivíduos com mais de 25 kg Gaston MH Verter JI Prophylaxis with oral penicillin in children with sickle cell anemia a randomized trial N Engl J Med 314 15931598 1986 Profi laxia de septicemia nas doenças falciformes Nos casos de crises de sequestro e crise aplástica transfu sões simples são necessárias para restaurar a massa sanguínea circulante e garantir uma oferta adequada de oxigênio aos tecidos Nas outras situações transfusão de substituição é provavelmente mais adequada que transfusão simples pois reduz a viscosidade que poderia ser causada por elevação do hematócrito No entanto esse é ainda um assunto con 222 Tratado de Hematologia pacientes com doenças cardiovasculares O tempo de trabalho de parto é fundamental na prevenção de complicações e deve ser o mais breve possível As medidas que habitualmente devem ser toma das incluem diminuir o trabalho cardíaco evitar cri ses vasooclusivas com hidratação e monitorização fetal cuidadosa A indicação de via de parto é obstétri ca não sendo indicado parto cesáreo rotineiramente Terapêutica na gravidez O seguimento clínico de gestantes com doença falciforme baseiase no acompanhamento obstétrico e hematológico com o objetivo de reconhecer precocemente as complica ções relacionadas à gravidez e à doença falciforme Até o presente momento no entanto não há dados sufi cientes sobre a segurança do uso de drogas como hidroxiureia na gestação principalmente quanto à possibilidade de teratogênese e neoplasias secundá rias O tratamento preconizado visa à prevenção dos fatores capazes de desencadear crises vasooclusivas e terapêutica rápida e agressiva durante quadros in fecciosos desequilíbrios hidroeletrolíticos e hipóxia O uso profi lático de ácido fólico é fundamental em quadros hemolíticos crônicos além do que a suple mentação de folato no período periconcepcional e nas primeiras semanas de gestação é altamente re comendável como medida efi caz na redução da in cidência de defeitos de fechamento do tubo neural Transfusões podem ser empregadas de forma profi lática ou apenas durante intercorrências que ne cessitem de transfusão Estudos iniciais de Ricks re comendavam o uso profi lático de transfusão durante a gravidez de pacientes com anemia falciforme ba seados na melhora substancial daquelas submetidas a transfusão quando comparadas a grupos controle No entanto os riscos de transmissão de doenças in fecciosas e a aloimunização estimularam o desenvol vimento de programas que pudessem comparar os resultados das gestações entre dois grupos equivalen tes de pacientes com anemia falciforme submetidas ou não a terapêutica transfusional Esses resultados mostraram que não há benefício defi nitivo da tera pêutica profi lática quando comparados aos esquemas de transfusão somente durante emergências ou aos dados relativos à morbidade materna e fetal Não existe consenso na literatura sobre em quais eventualidades deva ser levada a efeito a transfusão de substituição crônica na gravidez As indicações para transfusões de emergência incluem queda dos níveis de hemoglobina de cerca de 30 ou mais dos valores prégravidez frequentemente atingindo níveis abso lutos de hemoglobina menores do que 5gdL ou he matócrito abaixo de 15 síndrome torácica aguda insufi ciência renal aguda septicemia e préeclâmpsia Prevenção diagnóstico prénatal e pré implantação Uma importante estratégia para informar os pais sobre o nascimento de crianças afetadas pela doença é a detecção de heterozigotos e o aconselhamento genéticoTodos os heterozigotos em idade reprodutiva devem ser encaminha dos para centros especializados onde possam ter acesso ao aconselhamento genético A tecnologia de DNA recombinante e manipulação ce lular permitem hoje o diagnóstico prénatal ou préimplan tação das doenças falciformes Transplante de célulastronco hematopoéticas e terapêuticas experimentais Um tratamento curativo para as doenças falciformes representa hoje objetivo fundamental para os pesquisado res nessa área A única opção curativa para doenças falci formes até o momento é o transplante de célulastronco hematopoéticas aparentado indicado a crianças com casos graves como por exemplo ocorrência de acidente vascu lar cerebral na infância e que tenham doador compatível na família A descoberta de novas drogas que isoladamen te ou em conjunto com a HU aumentem a produção de HbF o aprimoramento das técnicas do transplante de me dula óssea em adultos e com fontes alternativas de células progenitoras hematopoéticas tais como sangue de cordão umbilical doador não aparentado ou haploidêntico ou a terapia gênica representam alternativas possíveis que no fu turo poderão conduzir a novas possibilidades de cura ou melhor controle dessas enfermidades REFERÊNCIAS CONSULTADAS 1 Ballas S Sickle cell disease clinical management Baillieres Clin Haematol 199811185214 2 Bunn HF Pathogenesis and treatment of sickle cell disease N Engl J Med 19973377629 3 Conran N Costa FF Hemoglobin disorders and endothelial cell interactions Clin Biochem 20094218182438 4 Conran N FrancoPenteado CF Costa FF Newer aspects of the pathophysiology of sickle cell disease vasoocclusion Hemoglobin 2009331116 5 Embury SH Hebbel RP Mohandas N Steinberg M eds Sickle cell disease principles and clinical prac tice New York Raven Press 1994 223 Capítulo 27 Anemia Falciforme 6 Fertrin KY Costa FF Genomic polymorphisms in si ckle cell disease implications for clinical diversity and treatment Expert Rev Hematol 20103444358 7 Lubin B Vichinsky E Sickle cell disease In Hoffman R Benz EJ Shattil SJ Furie B Cohen H eds Ha ematology basic principles and practice New York Churchill Livingstone 1991 8 Powars DR Management of cerebral vasculopathy in children with sickle cell anaemia Br J Haemat 200010866678 9 Ricks P Jr Further experience with exchange transfu sion in sickle cell anemia and pregnancy Am J Obstet Gynecol 1968100108791 10 Steinberg MH Pathophysiology of sickle cell disease Baillieres Clin Haematol 19981116384 11 National Institutes of Health The management of sickle cell disease NIH Publication no 022117 In ternet acesso em 2013 aug 09 Disponível em httpwwwnhlbinihgovhealthprofbloodsi cklescmngtpdf 12 Wang WC Ware RE Miller ST Iyer RV Casella JF Minniti CP et al BABY HUG Investigators Hy droxycarbamide in very young children with sickle cell anaemia a multicentre randomised controlled trial BABY HUG Lancet 2011 3779778166372