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Educação Física ·
Redação
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93 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula Bases and legal foundations for the discussion of gender and sexuality in the classroom httpsdoiorg103411223170972a2016v34n68p93106 Alex Barreiro1 Fernando Henrique Martins2 Resumo Este artigo é resultado de uma série de levantamentos realizados em diversas documentações como Leis de Diretrizes e Bases da Educação resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Educação legislações da área educacional brasileira e também arti gos da Constituição Federal concedendo bases e fundamentos legais para que as discussões de gênero e sexualidade sejam desenvolvidas por professorases através de atividades e propostas pedagógicas diferenciadas Buscase por meio da crítica cultural e dos disposi tivos legislativos produzidos ao longo das últimas décadas no país questionar as recentes decisões tomadas pelas câmaras municipais brasileiras retirando e em alguns casos proi bindo que as discussões de gênero e sexualidade sejam tratadas no âmbito institucional da educação pública Para isso recorreremos aos estudos e teorias pósestruturalistas enfatizando que a inserção das discussões de gênero e sexualidades nas escolas podem ser compreendidas como importantes medidas educativas para a desconstrução da coloniali dade do ser e do saber Palavraschave Gênero sexualidade educação póscolonialismo 1 Universidade Estadual de Campinas Campinas SP Brasil 2 Faculdades Integradas Maria Imaculada Mogi Guaçu SP Brasil 93 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 94 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula Abstract This article is the result of a series of studies carried out in several documents which include the Brazilian Guidelines and Standards of Education the resolutions issued by the National Board of Education the Brazilian Legislation on Education and also the Federal Constitution granting bases and legal foundations for discussions of gender and sexuality to be developed by teachers through different pedagogical activities and proposals Based on cultural criticism and legislation produced in the last decades in the country our objective is to question recent decisions taken by the Brazilian city councils withdrawing and in some cases prohibiting discussions of gender and sexuality from taking place in the scope of public education Resorting to poststructuralist theories and studies we highlight the fact that the insertion of gender and sexuality discussions in schools can be understood as important edu cational measures for the deconstruction of the coloniality of the being and of the knowledge Keywords Gender sexuality education postcolonialism O autor Walter Mignolo em DesColonialidad del ser y del saber vídeos indí genas y los limites coloniales de la ezquierda en Bolivia destaca que a lógica da colo nialidade opera em três diferentes níveis a colonialidade do poder referente aos processos econômicos e políticos a colonialidade do saber condizente com as questões de natureza epistêmica filosófica científica e com as relações de línguas e conhecimento e a colonialidade do ser ou seja dos aspectos relacionados à subjetividade ao controle da sexualidade e aos papéis atribuídos aos gêneros Para o autor En la medida en que los imperios occidentales capitalistas y cristianos protestantes y cató licos formados en los últimos cinco siglos de historia del Atlantico proyectada sobre el resto del globo son coextensivos con la idea de modernidad la colonialidad aparece como el lado más escuro e invisible de ella La colonialid en otras palabras es constitutiva de la moder nidade Y en la medida en que la colonialidad del poder del saber y del ser se asienta sobre el racismo y el patriarcalismo los movimientos sociales identitarios son hoy las respuestas contundentes a la colonialidad del saber e del ser y en consecuencia de la colonialidad del poder MIGNOLO 2006 p 16 Assim as teorias denominadas decolonialistas emergem como um novo cam po teórico e sobretudo epistemológico do conhecimento analisando o impacto provocado pelo processo de colonização na América Latina e no Caribe ressal tando as três instâncias estruturais que constituíram e ainda mantêm sustentável a Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 95 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 hegemonia dos saberes e dos conhecimentos eurocêntricos sendo eles a coloniali dade do poder do saber e do ser os quais inclusive gerenciam as relações culturais sociais e pessoais interferindo não apenas nas dinâmicas econômicas e políticas como também no processo de subjetivação LANDER 2005 A pedagogia e consequentemente a educação formal aparecem como lócus privilegiado para a manutenção dos interesses ideológicos de Estado e das insti tuições que se agregam aos aparelhos estatais como nos lembra Cambi 1999 as quais secularmente de acordo com Foucault regularam e disciplinaram os corpos colocandoos a serviço das políticas e dos métodos das mais distintas instituições esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilida deutilidade são o que podemos chamar de disciplinas FOUCAULT 1987 p 118 portanto o corpo para Foucault 1987 p 118 é um corpo que pode ser submetido que pode ser utilizado que pode ser transformado e aperfeiçoado Em Género y descolonialidad Mignolo 2014 afirma que nos devemos despren der das ficções naturalizadas e empreendidas pelas matrizes coloniais do poder exercido sobre a produção do conhecimento e da subjetividade pois a construção do conceito de modernidade produziu feridas coloniais patriarcais como normas e hierarquias que regularam o gênero e a sexualidade humana e também as questões étnicas promovendo o entretenimento banal que narcotizou o pensamento As normas e hierarquias que regularam o gênero e a sexualidade humana naturali zando determinadas condutas e comportamentos mencionados pelo autor nos fazem recordar o conceito de performatividade desenvolvido pela filósofa Judith Butler que questiona exatamente a noção essencialista substanciada na anatomia humana a qual concebe o gênero como um atributo interligado ao sexo biológico Para Butler Nesse sentido o gênero não é um substantivo mas tampouco é um conjunto de atri butos flutuantes pois vimos que seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero Consequentemente o gênero é sempre um feito ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra No desafio de repensar as categorias do gênero fora da metafísica da substância é mister considerar a relevância da afirmação de Nietzsche em A genealogia da moral de que não há ser por trás do fazer do realizar e do tornarse o fazedor é uma mera ficção acrescentada à obra a obra é tudo BUTLER 2008 p 48 grifo do autor Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 96 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula A noção de natureza surge como uma política estratégica sendo possível por meio dela legitimar uma série de desigualdades e direitos acondicionando a mulher e o gênero feminino constituído socioculturalmente ao ambiente privado Dessa forma como ressaltaram Miguel e Biroli 2014 p 33 é impossível descolar a esfera política da vida social a vida pública da vida privada quando se tem como objeti vo a construção de uma sociedade democrática Público e privado encontramse constantemente em movimento simbiótico Nessa dinâmica segregacionista fundamentando as diferenças de gênero pela distinção de natureza anatômica e muitas vezes recorrendo às explicações de ca ráter religioso teológico funciona o aparelho de manutenção das desigualdades sociais desvalorizando e subalternizando as profissões e as atividades ocupadas por mulheres e pelo gênero feminino majoritariamente e permitindo aos homens usu fruir de melhores salários e oportunidades nas áreas em que possuem seus cargos A busca pela equidade de gênero exige não somente políticas afirmativas mas também um intenso e progressivo trabalho educacional seja essa educação no âm bito formal ou informal Por essas e outras razões o Brasil vem há algumas décadas debatendo as formações docentes e discentes propondo novos conteúdos curri culares e pedagógicos que contemplem essas questões e atuem como propulsores no combate às discriminações e às desigualdades de gênero Gênero e Sexualidade nas escolas bases e fundamentos legais Recentemente em todo o Brasil a palavra gênero conquistou espaço e visi bilidade em diferentes setores sociais dentre os quais podemos destacar o campo político o religioso e sobretudo o educacional Adultos e adultas jovens e adoles centes que antes sequer haviam escutado a palavra gênero passaram a pesquisar sobre o assunto e sobre as problemáticas e polêmicas em torno dessa categoria sociológica permitindo que o tema circulasse por lugares e instituições que até então despertavam pouco interesse ou eram pouco acessíveis As discussões emergiram do embate político federal e posteriormente estadual e municipal sobre a necessidade de se trabalhar e discutir com as crianças desde a préescola as maneiras arbitrárias e impositivas de construção das masculinidades e feminilidades as quais configuram um território prescritivo e pouco livre para as manifestações de meninos e meninas que queiram experienciar atividades e fazeres outros não socialmente inscritos pelas convenções socioculturais hegemônicas e Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 97 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 colonizadas para um determinado sexo biológico Dessa forma a defesa da inserção dos estudos de gênero na educação básica brasileira visa não meramente propiciar a livre manifestação de gênero mas também desenvolver a longo prazo um trabalho de construção da equidade de direitos partindo das diferenças das identidades e ou dos papéis de gênero Assim os valores hierárquicos historicamente herdados do patriarcado3 e que operam para a permanência das desigualdades entre homens e mulheres e entre as atividades masculinas e femininas seriam pouco a pouco destituídos do espaço da educação institucional E promoveriam por meio de di ferentes dispositivos4 pedagógicos formas de compreensão que permitam abranger as profissões as funções sociais o direito ao corpo e o exercício pleno da cidadania como parte do processo da subjetividade e não meramente como marcadores so ciais das diferenças determinantes nas escolhas e nas posições sociais políticas e econômicas de homens e mulheres no decorrer de suas vidas Contudo mobilizados pelos discursos maniqueístas orquestrados pelos setores conservadores compostos por segmentos religiosos de diferentes matrizes cristãs como católicos protestantes adventistas entre outros os debates acerca das dis cussões de gênero nas escolas passaram a adquirir uma dimensão escatológica5 que chegou inclusive a ser tratada como uma medida que destruiria a família tradicional brasileira Algumas lideranças políticas e religiosas argumentavam que as práticas de gênero confundiriam a orientação sexual das crianças e dos adoles centes conduzindoos à homossexualidade à bissexualidade e à transexualidade e em alguns casos poderiam ser relacionadas com a permissão da prática da pedofilia Os debates nas câmaras municipais ocorreram de forma acalorada movimen tando grupos políticos favoráveis e contrários às discussões na educação básica e em 3 Tratase de um cargo ou jurisdição de um patriarca Termo que abrange diferentes significados atualmente podendo ser entendido como o conjunto de leis escritas ou não escritas que privilegiam e priorizam os homens nas dimensões sociais culturais políticas e que refletem na perspectiva econômica 4 A noção de dispositivo em Michel Foucault é vasta e esparsa englobando diferentes instituições arquiteturas e produção de saberes dispositivos Contudo pode também ser referida como 1 a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos heterogêneos discursos instituições arquitetura regramentos leis medidas administrativas enunciados científicos proposições filosóficas morais filantrópicas o dito e o não dito 2 O dispositivo que estabelece a natureza do nexo que pode existir entre esses elementos heterogêneos Por exemplo o discurso pode aparecer como programa de uma instituição como um elemento que pode justificar ou ocultar uma prática ou funcionar como uma interpretação a posteriori dessa prática oferecerlhe um campo novo de racionalidade 3 Tratase de uma formação que em um momento dado teve por função responder a uma urgência O dispositivo tem assim uma função estratégica CASTRO 2009 p 123 5 Parte dos estudos filosóficos e teológicos que tratam dos últimos eventos na história do mundo ou da espécie humana A escatologia está associada às profecias messiânicas Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 98 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula muitas cidades chegaram a ser adiadas as sessões dos órgãos legislativos em decor rência da indignação de parcela da população que considerava a exclusão dos debates de gênero um retrocesso para a construção do respeito às diferenças e também aos direitos das mulheres e da população LGBTT Exemplos podem ser destacados como nos casos de grandes cidades brasileiras como Maceió6 Campinas7 entre outras Por fim prevaleceu majoritariamente em muitos municípios a decisão de reti rar a palavra gênero dos planos municipais de educação o que não significa que a professora ou o professor não possa ou esteja proibido de trabalhar essas questões em sala de aula Pelo contrário existe um arcabouço legal que autoriza fundamenta e entende o desenvolvimento de atividades e projetos que abordem as relações de gênero em sala de aula como medidas relevantes e de extrema importância para o desenvolvimento do exercício da cidadania e da dignidade humana Vejamos quais são alguns deles Consta nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Básica brasileira8 que Art 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida fami liar na convivência humana no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais Art 2º A educação escolar deverá vincularse ao mundo do trabalho e à prática social Art 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola II liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar a cultura o pensamento a arte e o saber III plu ralismo de ideias e de concepções pedagógicas IV respeito à liberdade e apreço à tolerância BRASIL 2015 p 09 grifos nossos A LDB afirma que o processo educativo abrange a formação dos indivíduos que se desenvolve nos movimentos sociais e nas manifestações culturais além de vincularse também à prática social e ressalta que o ensino exige condições de igualdade para o acesso e a permanência dos estudantes na escola além da liberdade de aprendizagem 6 Disponível em httpreporteralagoascombrnovocamarademaceioadiadiscussaosobreideologia degeneronaeducacao Acesso em 02 jan 2016 7 Disponível em httpg1globocomspcampinasregiaonoticia201511camaradecampinasadia debatesobreideologiadegenerohtml Acesso em 02 jan 2016 8 Disponível em httpwww2camaralegbrdocumentosepesquisapublicacoesedicoespaginas individuaisdoslivrosleidediretrizesebasesdaeducacaonacional Acesso em 27 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 99 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 ensino pesquisa e divulgação cultural colaborando para o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas Atualmente a realidade da educação brasileira apresenta dados que contrariam as propostas apresentadas pela LDB sobretudo com relação ao número de evasão de pessoas transgêneros e à violência contra alunos e alunas gays lésbicas e bissexuais como apontam os pesquisadores Borges e Meyer 2008 Dinis 2011 e Junqueira 2010 Dessa forma uma das finalidades requeridas pela Lei de diretrizes e bases da educação básica não está sendo assegurada nos referimos à formação para a cidadania e o desenvolvimento da tolerância recíproca em que se assenta a vida social como descritos nos artigos abaixo Art 22 A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando assegurarlhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecerlhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores BRASIL 2015 p 17 grifos nossos Art 32 IV o fortalecimento dos vínculos de família dos laços de solidariedade hu mana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social BRASIL 2015 p 23 grifos nossos O Brasil vem empreendendo esforços para efetivar mudanças no cenário de violência contra as mulheres e a população LGBTT nas escolas do País e modificar essa realidade herança de uma colonialidade cultural Para isso conta muitas vezes com a promulgação de resoluções que possibilitem aos docentes o exercício de atividades e propostas pedagógicas desde a infância A Resolução CNECP nº 01 de 15 de maio de 2016 prevê Art 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a X Demonstrar consciência da diversidade respeitando as diferenças de natureza am bientalecológica étnicoracial de gêneros faixas geracionais classes sociais religiões necessidades especiais escolhas sexuais entre outras9 Conforme a resolução emitida pelo Conselho Nacional de Educação os es tudantes egressos dos cursos de Pedagogia deverão ao término da formação não 9 Disponível em httpportalmecgovbrcnearquivospdfrcp0106pdf Acesso em 31 dez 2015 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 100 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula apenas encontrarse aptos para respeitar as diferenças de natureza de gênero de faixas geracionais raciais e sexuais como também demonstrar consciência da di versidade Alguns sinônimos do verbete demonstrar podem ser exemplificar exibir expor expressar mostrar provar e revelar uma vez que o significado da palavra de monstrar é Fazer com que alguma coisa se torne evidente por meio de provas fazer com que se torne conhecido comprovar10 Assim cabe à pedagoga e ao pe dagogo demonstrar por meio da realização de conversas projetos atividades entre outros recursos de caráter pedagógico a pluralidade e a diversidade social brasileira instruindo e orientando as crianças para que respeitem as diferenças de gênero As relações de gênero mencionadas aqui podem ser trabalhadas por meio do currículo oculto11 que é extremamente importante uma vez que o currículo oficial é incapaz de prever as necessidades locais de cada escola e programar um conteúdo a ser desenvolvido especificamente para a realidade de cada unidade educacional Para José Gimeno Sacristán 1998 p 43 A acepção do currículo como conjunto de experiências planejadas é insuficiente pois os efeitos produzidos nos alunos por um tratamento pedagógico ou currículo planeja do e suas consequências são tão reais e efetivos quanto podem ser os efeitos provenien tes das experiências vividas na realidade da escola sem têlas planejado às vezes nem sequer ser conscientes de sua existência É o que se conhece como currículo oculto O currículo oculto aparece como um espaço significativo para que possamos no dia a dia da sala de aula e da experiência com o cotidiano escolar e dos estudan tes elucidar alternativas temáticas educativas e valorativas que respondam aos conflitos e anseios presentes na comunidade os quais inevitavelmente atravessam os muros da escola Outro relevante respaldo encontrase entre as concepções de proposta peda gógica inclusas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil publicadas pelo Ministério da Educação em 201012 que determinam que as insti 10 Disponível em httpwwwdiciocombrdemonstrar Acesso em 31 dez 2015 11 Conforme Silva 1999 p78 O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que sem fazer parte do currículo oficial explícito contribuem de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes comportamentos valores e orientações 12 Disponível em httpportalmecgovbrindexphpoptioncomdocmanviewdownloadalias9769 diretrizescurriculares2012categoryslugjaneiro2012pdfItemid30192 Acesso em 05 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 101 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 tuições de educação infantil devem garantir o cumprimento pleno de sua função sociopolítica e pedagógica Construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade a democracia a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de rela ções de dominação etária socioeconômica étnicoracial de gênero regional linguística e religiosa BRASIL 2010 p 17 Portanto as contribuições do trabalho pedagógico são de suma importância para que as crianças desenvolvam reflexões e posturas éticas com relação às deman das políticas propostas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil o que inclui necessariamente construir novas relações de sociabilidade e subjetividade a partir das perspectivas de gênero consolidando as plataformas de acesso para a equidade e a valorização das atividades e dos papéis sociais de gênero na cultura brasileira Com relação ao Ensino Fundamental de nove anos a Resolução n 07 do Conselho Nacional de Educação de 14 de dezembro de 2014 publicada pelo Diário Oficial da União e disponível online13 apresenta o seguinte artigo Art 16 Os componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global regional e local bem como na esfera individual Temas como saúde sexualidade e gênero vida familiar e social assim como os direitos das crianças e adolescentes de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 806990 preservação do meio ambiente nos termos da política nacional de educação ambiental Lei nº 979599 educação para o consumo educação fiscal trabalho ciência e tecnologia e diversidade cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacio nal comum e da parte diversificada do currículo 1º Outras leis específicas que com plementam a Lei nº 939496 determinam que sejam ainda incluídos temas relativos à condição e aos direitos dos idosos Lei nº 107412003 e à educação para o trânsito Lei nº 950397 2º A transversalidade constitui uma das maneiras de trabalhar os componentes curriculares as áreas de conhecimento e os temas sociais em uma 13 Disponível em httpportalmecgovbrdmdocumentsrceb00710pdf Acesso em 05 jan 2016 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 102 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula perspectiva integrada conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica Parecer CNECEB nº 72010 e Resolução CNECEB nº 42010 3º Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino compete a produção e a disseminação de materiais subsidiários ao trabalho docente que contribuam para a eliminação de discriminações racismo sexismo homofobia e outros preconceitos e que condu zam à adoção de comportamentos responsáveis e solidários em relação aos outros e ao meio ambiente BRASIL 2010 seção 1 p 34 grifos nossos O artigo 16 prevê que os conteúdos trabalhados abordem temas contemporâ neos os quais afetam a vida humana em escala global regional local e individual e destaca como exemplos as questões de gênero e sexualidade Visa sobretudo a partir de medidas educativas colaborar para a eliminação de posturas e atitudes discriminatórias como o racismo o sexismo a homofobia e outros preconceitos A legislação educacional vem há alguns anos produzindo seu arcabouço documental para priorizar e construir a escola como um espaço de interação respeito e valori zação das diferenças e da vida social e política entre alunos e alunas As menções do CNE para o Ensino Médio são semelhantes adequando as propostas pedagógicas às séries e à idade dos estudantes No inciso XV do Artigo 1614 destacase XV valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas relativos a gênero identidade de gênero raça e etnia religião orientação sexual pessoas com deficiência entre outros bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrenta mento de todas as formas de preconceito discriminação e violência sob todas as formas BRASIL 2012 Seção 1 p 20 grifo nosso Nesta resolução a inclusão do termo identidade de gênero está diretamente relacionada ao tratamento de pessoas transgêneros as quais não se identificam com o sexo biológico e com o papel de gênero socialmente prescrito para elas Entretanto cabe à escola e à comunidade promover por meio do reconhecimento da identidade de gênero a valorização e a garantia dos direitos humanos das pessoas 14 Disponível em httppactoensinomediomecgovbrimagespdfresolucaoceb00230012012pdf Acesso em 05 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 103 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 trans respeitando o nome social sua integridade física e seu acesso aos espaços a partir de sua relação de identificação No estado de São Paulo algumas leis já foram promulgadas como a nº 10948 de 5 de novembro de 2001 que proíbe a discriminação por homofobia e transfobia e pune toda manifestação de violência praticada contra pessoas LGBT Outro avanço foi o Decreto estadual n 55588 que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos de São Paulo e dá providências correlatas Este decreto assegura às pessoas transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo Mediante indicação da pessoa seu nome social deverá constar em todos os documen tos fichas formulários e crachás e os servidores públicos deverão tratála pelo nome indicado SÃO PAULO 2014 p 2930 Além do arcabouço legal discorrido acima a Constituição Federal15 enfatiza logo em seu primeiro título Dos Princípios Fundamentais BRASIL 19882015 p 15 A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana Seu artigo 3º IV diz que um dos objetivos fundamentais é promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 19882015 p 16 E o Artigo 5º esclarece Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença 15 Disponível em httpwwwimprensaoficialcombrPortalIOdownloadpdfConstituicoesdeclaracao pdf Acesso em 27 jan 2016 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 104 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula E referente à promoção da educação básica brasileira descreve a Constituição Federal nos artigos 205 e 206 BRASIL 19882015 p 130 Art 205 A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Art 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios II liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber Como todos sabemos a decisão legislativa de muitas câmaras dos municípios no Brasil extraiu dos planos municipais de educação a palavra gênero tornan doa invisível nos documentos oficiais o que não significa se tratar de uma medida proibitiva que impeça docentes coordenadores e direção de realizar atividades e projetos pedagógicos temáticos ou envolvendo as relações de gênero e sexualidade pois qualquer ação ou medida de caráter proibitivo pode configurar inconstitucio nalidade uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil as Leis de Diretrizes e Bases da Educação e as resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Educação fundamentam priorizam e autorizam o trabalho pedagógico que valorize o respeito à pluralidade étnica de gênero e sexual no País garantindo a todos e todas a integridade dos direitos e o exercício pleno da cidadania Esta onda conservadora e suas pautas políticas como ficou popularmente conhecida é o reflexo histórico do processo de colonização do conhecimento e dos saberes implicando diretamente na produção de discursos que constituem a subjetividade como nos alerta Mignolo 2014 Aníbal Quijano 2000 p 342 sobre o processo de colonização ressalta A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial de poder capitalista Se funda na imposição de uma classificação racialétnica da popula ção do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos planos âmbitos e dimensões materiais e subjetivas da existência social cotidiana e da escala social Originase e mundializase a partir da América Para Quijano como nos lembra Luciana Ballestrin 2013 p 101 as categorias de raça gênero e trabalho foram as três linhas principais de classificação que cons tituíram a formação do capitalismo mundial colonial moderno no século XVI Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 105 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 É nessas três instâncias que as relações de exploraçãodominaçãoconflito estão ordenadas O processo de descolonização do pensamento exige que sejamos capazes de aprender a desaprender romper com categorias naturalizadas e inscritas no estatuto das verdades científicas ocidentais que serviram inclusive como arma e caneta do poder colonial a primeira como proposta de dizimação étnica e das resistências ao assujeitamento cultural empreendido desde o final do século XV e a segunda como ferramenta de inscrição simbólica e representativa da população na América inaugu rando sua entrada para o cenário da modernidade e do chamado mundo civilizatório Referências BALLESTRIN Luciana América Latina e o giro decolonial Rev Bras Ciênc Polít Brasília n 11 p 89117 ago 2013 BRASIL Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil Secretaria de Educação Básica Brasília MEC SEB 2010 BRASIL LDB nacional recurso eletrônico Lei de diretrizes e bases da educação nacional Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional 11 ed Brasília Câmara dos Deputados Edições Câmara 2015 Lei Darcy Ribeiro 1996 BRASIL SÃO PAULO Estado Constituição da República Federativa do Brasil 1988 Atualizada até a Emenda Constitucional nº 88 de 7 de maio de 2015 e Constituição do Estado de São Paulo Atualizada até a Emenda Constitucional nº 40 de 9 de abril de 2015 Reimpressão São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo 2015 BORGES Zulmira Newlands MEYER Dagmar Estermann Limites e possibilidades de uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia Ensaio Aval Pol Públ Educ Rio de Janeiro v 16 n 58 p 5976 janmar 2008 BUTLER Judith P Problemas de gênero feminismo e subversão da identidade 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora Unesp 1999 CASTRO Edgardo Vocabulário de Foucault um percurso pelos seus temas conceitos e autores Belo Horizonte Autêntica 2009 DINIS Nilson Fernandes Homofobia e educação quando a omissão também é signo de violência Educar em Revista UFPR Curitiba Brasil n 39 p 3950 janabr 2011 FOUCAULT Michel Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 1987 JUNQUEIRA Rogério Diniz Currículo heteronormativo e cotidiano escolar homofóbico Espaço do Currículo v 2 n 2 p 208230 setmar 2010 LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericanas Ciudad Autónoma de Buenos Aires Argentina CLACSO set 2005 Colección Sur Sur Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 106 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula MIGNOLO Walter Descolonialidad del ser y del saber Videos indígenas y los limites coloniales de la izquierda em Bolivia 1 ed Buenos Aires Del signo 2006 Género y descolonialidad Ciudad Autónoma de Buenos Aires Del Signo 2014 MIGUEL Luis Felipe BIROLI Flávia Feminismo e política uma introdução 1 ed São Paulo Boitempo 2014 QUIJANO Aníbal Colonialidad del poder y clasificación social Journal of WorldSystems Research Pittsburgh v 11 n 2 p 342386 2000 SACRISTÁN José Gimeno Currículo uma reflexão sobre a prática 3 ed Tradução Ernani Ferreira da Fonseca Rosa Porto Alegre ArtMed 1998 SÃO PAULO Estado Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania Coordenação de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual Diversidade sexual e cidadania LGBT São Paulo SJDCSP 2014 SILVA Tomaz Tadeu da Quem escondeu o currículo oculto In SILVA Tomaz Tadeu da Documento de identidade uma introdução às teorias do currículo Belo Horizonte Autêntica 1999 Sobre os autores Alex Barreiro é Bacharel e Licenciado em História Pontifícia Universidade Católica de Campinas com especialização em História Sociedade e Cultura Pontifícia Universidade Católica de São Paulo É Mestre e doutorando em Educação Universidade Estadual de Campinas Atualmente é docente nos cursos de História e Pedagogia das Faculdades Integradas Maria Imaculada e professor da rede pública municipal de Mogi GuaçuSP Email barreiroalex86gmailcom Fernando Henrique Martins é Graduado em História Pontifícia Universidade Católica de Campinas com Especialização em História Social Faculdades Integradas Maria Imaculada Email lhemaoyahoocombr Recebido em 21 de março de 2016 e aprovado em 15 de dezembro de 2016
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93 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula Bases and legal foundations for the discussion of gender and sexuality in the classroom httpsdoiorg103411223170972a2016v34n68p93106 Alex Barreiro1 Fernando Henrique Martins2 Resumo Este artigo é resultado de uma série de levantamentos realizados em diversas documentações como Leis de Diretrizes e Bases da Educação resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Educação legislações da área educacional brasileira e também arti gos da Constituição Federal concedendo bases e fundamentos legais para que as discussões de gênero e sexualidade sejam desenvolvidas por professorases através de atividades e propostas pedagógicas diferenciadas Buscase por meio da crítica cultural e dos disposi tivos legislativos produzidos ao longo das últimas décadas no país questionar as recentes decisões tomadas pelas câmaras municipais brasileiras retirando e em alguns casos proi bindo que as discussões de gênero e sexualidade sejam tratadas no âmbito institucional da educação pública Para isso recorreremos aos estudos e teorias pósestruturalistas enfatizando que a inserção das discussões de gênero e sexualidades nas escolas podem ser compreendidas como importantes medidas educativas para a desconstrução da coloniali dade do ser e do saber Palavraschave Gênero sexualidade educação póscolonialismo 1 Universidade Estadual de Campinas Campinas SP Brasil 2 Faculdades Integradas Maria Imaculada Mogi Guaçu SP Brasil 93 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 94 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula Abstract This article is the result of a series of studies carried out in several documents which include the Brazilian Guidelines and Standards of Education the resolutions issued by the National Board of Education the Brazilian Legislation on Education and also the Federal Constitution granting bases and legal foundations for discussions of gender and sexuality to be developed by teachers through different pedagogical activities and proposals Based on cultural criticism and legislation produced in the last decades in the country our objective is to question recent decisions taken by the Brazilian city councils withdrawing and in some cases prohibiting discussions of gender and sexuality from taking place in the scope of public education Resorting to poststructuralist theories and studies we highlight the fact that the insertion of gender and sexuality discussions in schools can be understood as important edu cational measures for the deconstruction of the coloniality of the being and of the knowledge Keywords Gender sexuality education postcolonialism O autor Walter Mignolo em DesColonialidad del ser y del saber vídeos indí genas y los limites coloniales de la ezquierda en Bolivia destaca que a lógica da colo nialidade opera em três diferentes níveis a colonialidade do poder referente aos processos econômicos e políticos a colonialidade do saber condizente com as questões de natureza epistêmica filosófica científica e com as relações de línguas e conhecimento e a colonialidade do ser ou seja dos aspectos relacionados à subjetividade ao controle da sexualidade e aos papéis atribuídos aos gêneros Para o autor En la medida en que los imperios occidentales capitalistas y cristianos protestantes y cató licos formados en los últimos cinco siglos de historia del Atlantico proyectada sobre el resto del globo son coextensivos con la idea de modernidad la colonialidad aparece como el lado más escuro e invisible de ella La colonialid en otras palabras es constitutiva de la moder nidade Y en la medida en que la colonialidad del poder del saber y del ser se asienta sobre el racismo y el patriarcalismo los movimientos sociales identitarios son hoy las respuestas contundentes a la colonialidad del saber e del ser y en consecuencia de la colonialidad del poder MIGNOLO 2006 p 16 Assim as teorias denominadas decolonialistas emergem como um novo cam po teórico e sobretudo epistemológico do conhecimento analisando o impacto provocado pelo processo de colonização na América Latina e no Caribe ressal tando as três instâncias estruturais que constituíram e ainda mantêm sustentável a Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 95 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 hegemonia dos saberes e dos conhecimentos eurocêntricos sendo eles a coloniali dade do poder do saber e do ser os quais inclusive gerenciam as relações culturais sociais e pessoais interferindo não apenas nas dinâmicas econômicas e políticas como também no processo de subjetivação LANDER 2005 A pedagogia e consequentemente a educação formal aparecem como lócus privilegiado para a manutenção dos interesses ideológicos de Estado e das insti tuições que se agregam aos aparelhos estatais como nos lembra Cambi 1999 as quais secularmente de acordo com Foucault regularam e disciplinaram os corpos colocandoos a serviço das políticas e dos métodos das mais distintas instituições esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilida deutilidade são o que podemos chamar de disciplinas FOUCAULT 1987 p 118 portanto o corpo para Foucault 1987 p 118 é um corpo que pode ser submetido que pode ser utilizado que pode ser transformado e aperfeiçoado Em Género y descolonialidad Mignolo 2014 afirma que nos devemos despren der das ficções naturalizadas e empreendidas pelas matrizes coloniais do poder exercido sobre a produção do conhecimento e da subjetividade pois a construção do conceito de modernidade produziu feridas coloniais patriarcais como normas e hierarquias que regularam o gênero e a sexualidade humana e também as questões étnicas promovendo o entretenimento banal que narcotizou o pensamento As normas e hierarquias que regularam o gênero e a sexualidade humana naturali zando determinadas condutas e comportamentos mencionados pelo autor nos fazem recordar o conceito de performatividade desenvolvido pela filósofa Judith Butler que questiona exatamente a noção essencialista substanciada na anatomia humana a qual concebe o gênero como um atributo interligado ao sexo biológico Para Butler Nesse sentido o gênero não é um substantivo mas tampouco é um conjunto de atri butos flutuantes pois vimos que seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero Consequentemente o gênero é sempre um feito ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra No desafio de repensar as categorias do gênero fora da metafísica da substância é mister considerar a relevância da afirmação de Nietzsche em A genealogia da moral de que não há ser por trás do fazer do realizar e do tornarse o fazedor é uma mera ficção acrescentada à obra a obra é tudo BUTLER 2008 p 48 grifo do autor Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 96 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula A noção de natureza surge como uma política estratégica sendo possível por meio dela legitimar uma série de desigualdades e direitos acondicionando a mulher e o gênero feminino constituído socioculturalmente ao ambiente privado Dessa forma como ressaltaram Miguel e Biroli 2014 p 33 é impossível descolar a esfera política da vida social a vida pública da vida privada quando se tem como objeti vo a construção de uma sociedade democrática Público e privado encontramse constantemente em movimento simbiótico Nessa dinâmica segregacionista fundamentando as diferenças de gênero pela distinção de natureza anatômica e muitas vezes recorrendo às explicações de ca ráter religioso teológico funciona o aparelho de manutenção das desigualdades sociais desvalorizando e subalternizando as profissões e as atividades ocupadas por mulheres e pelo gênero feminino majoritariamente e permitindo aos homens usu fruir de melhores salários e oportunidades nas áreas em que possuem seus cargos A busca pela equidade de gênero exige não somente políticas afirmativas mas também um intenso e progressivo trabalho educacional seja essa educação no âm bito formal ou informal Por essas e outras razões o Brasil vem há algumas décadas debatendo as formações docentes e discentes propondo novos conteúdos curri culares e pedagógicos que contemplem essas questões e atuem como propulsores no combate às discriminações e às desigualdades de gênero Gênero e Sexualidade nas escolas bases e fundamentos legais Recentemente em todo o Brasil a palavra gênero conquistou espaço e visi bilidade em diferentes setores sociais dentre os quais podemos destacar o campo político o religioso e sobretudo o educacional Adultos e adultas jovens e adoles centes que antes sequer haviam escutado a palavra gênero passaram a pesquisar sobre o assunto e sobre as problemáticas e polêmicas em torno dessa categoria sociológica permitindo que o tema circulasse por lugares e instituições que até então despertavam pouco interesse ou eram pouco acessíveis As discussões emergiram do embate político federal e posteriormente estadual e municipal sobre a necessidade de se trabalhar e discutir com as crianças desde a préescola as maneiras arbitrárias e impositivas de construção das masculinidades e feminilidades as quais configuram um território prescritivo e pouco livre para as manifestações de meninos e meninas que queiram experienciar atividades e fazeres outros não socialmente inscritos pelas convenções socioculturais hegemônicas e Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 97 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 colonizadas para um determinado sexo biológico Dessa forma a defesa da inserção dos estudos de gênero na educação básica brasileira visa não meramente propiciar a livre manifestação de gênero mas também desenvolver a longo prazo um trabalho de construção da equidade de direitos partindo das diferenças das identidades e ou dos papéis de gênero Assim os valores hierárquicos historicamente herdados do patriarcado3 e que operam para a permanência das desigualdades entre homens e mulheres e entre as atividades masculinas e femininas seriam pouco a pouco destituídos do espaço da educação institucional E promoveriam por meio de di ferentes dispositivos4 pedagógicos formas de compreensão que permitam abranger as profissões as funções sociais o direito ao corpo e o exercício pleno da cidadania como parte do processo da subjetividade e não meramente como marcadores so ciais das diferenças determinantes nas escolhas e nas posições sociais políticas e econômicas de homens e mulheres no decorrer de suas vidas Contudo mobilizados pelos discursos maniqueístas orquestrados pelos setores conservadores compostos por segmentos religiosos de diferentes matrizes cristãs como católicos protestantes adventistas entre outros os debates acerca das dis cussões de gênero nas escolas passaram a adquirir uma dimensão escatológica5 que chegou inclusive a ser tratada como uma medida que destruiria a família tradicional brasileira Algumas lideranças políticas e religiosas argumentavam que as práticas de gênero confundiriam a orientação sexual das crianças e dos adoles centes conduzindoos à homossexualidade à bissexualidade e à transexualidade e em alguns casos poderiam ser relacionadas com a permissão da prática da pedofilia Os debates nas câmaras municipais ocorreram de forma acalorada movimen tando grupos políticos favoráveis e contrários às discussões na educação básica e em 3 Tratase de um cargo ou jurisdição de um patriarca Termo que abrange diferentes significados atualmente podendo ser entendido como o conjunto de leis escritas ou não escritas que privilegiam e priorizam os homens nas dimensões sociais culturais políticas e que refletem na perspectiva econômica 4 A noção de dispositivo em Michel Foucault é vasta e esparsa englobando diferentes instituições arquiteturas e produção de saberes dispositivos Contudo pode também ser referida como 1 a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos heterogêneos discursos instituições arquitetura regramentos leis medidas administrativas enunciados científicos proposições filosóficas morais filantrópicas o dito e o não dito 2 O dispositivo que estabelece a natureza do nexo que pode existir entre esses elementos heterogêneos Por exemplo o discurso pode aparecer como programa de uma instituição como um elemento que pode justificar ou ocultar uma prática ou funcionar como uma interpretação a posteriori dessa prática oferecerlhe um campo novo de racionalidade 3 Tratase de uma formação que em um momento dado teve por função responder a uma urgência O dispositivo tem assim uma função estratégica CASTRO 2009 p 123 5 Parte dos estudos filosóficos e teológicos que tratam dos últimos eventos na história do mundo ou da espécie humana A escatologia está associada às profecias messiânicas Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 98 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula muitas cidades chegaram a ser adiadas as sessões dos órgãos legislativos em decor rência da indignação de parcela da população que considerava a exclusão dos debates de gênero um retrocesso para a construção do respeito às diferenças e também aos direitos das mulheres e da população LGBTT Exemplos podem ser destacados como nos casos de grandes cidades brasileiras como Maceió6 Campinas7 entre outras Por fim prevaleceu majoritariamente em muitos municípios a decisão de reti rar a palavra gênero dos planos municipais de educação o que não significa que a professora ou o professor não possa ou esteja proibido de trabalhar essas questões em sala de aula Pelo contrário existe um arcabouço legal que autoriza fundamenta e entende o desenvolvimento de atividades e projetos que abordem as relações de gênero em sala de aula como medidas relevantes e de extrema importância para o desenvolvimento do exercício da cidadania e da dignidade humana Vejamos quais são alguns deles Consta nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Básica brasileira8 que Art 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida fami liar na convivência humana no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais Art 2º A educação escolar deverá vincularse ao mundo do trabalho e à prática social Art 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola II liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar a cultura o pensamento a arte e o saber III plu ralismo de ideias e de concepções pedagógicas IV respeito à liberdade e apreço à tolerância BRASIL 2015 p 09 grifos nossos A LDB afirma que o processo educativo abrange a formação dos indivíduos que se desenvolve nos movimentos sociais e nas manifestações culturais além de vincularse também à prática social e ressalta que o ensino exige condições de igualdade para o acesso e a permanência dos estudantes na escola além da liberdade de aprendizagem 6 Disponível em httpreporteralagoascombrnovocamarademaceioadiadiscussaosobreideologia degeneronaeducacao Acesso em 02 jan 2016 7 Disponível em httpg1globocomspcampinasregiaonoticia201511camaradecampinasadia debatesobreideologiadegenerohtml Acesso em 02 jan 2016 8 Disponível em httpwww2camaralegbrdocumentosepesquisapublicacoesedicoespaginas individuaisdoslivrosleidediretrizesebasesdaeducacaonacional Acesso em 27 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 99 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 ensino pesquisa e divulgação cultural colaborando para o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas Atualmente a realidade da educação brasileira apresenta dados que contrariam as propostas apresentadas pela LDB sobretudo com relação ao número de evasão de pessoas transgêneros e à violência contra alunos e alunas gays lésbicas e bissexuais como apontam os pesquisadores Borges e Meyer 2008 Dinis 2011 e Junqueira 2010 Dessa forma uma das finalidades requeridas pela Lei de diretrizes e bases da educação básica não está sendo assegurada nos referimos à formação para a cidadania e o desenvolvimento da tolerância recíproca em que se assenta a vida social como descritos nos artigos abaixo Art 22 A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando assegurarlhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecerlhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores BRASIL 2015 p 17 grifos nossos Art 32 IV o fortalecimento dos vínculos de família dos laços de solidariedade hu mana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social BRASIL 2015 p 23 grifos nossos O Brasil vem empreendendo esforços para efetivar mudanças no cenário de violência contra as mulheres e a população LGBTT nas escolas do País e modificar essa realidade herança de uma colonialidade cultural Para isso conta muitas vezes com a promulgação de resoluções que possibilitem aos docentes o exercício de atividades e propostas pedagógicas desde a infância A Resolução CNECP nº 01 de 15 de maio de 2016 prevê Art 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a X Demonstrar consciência da diversidade respeitando as diferenças de natureza am bientalecológica étnicoracial de gêneros faixas geracionais classes sociais religiões necessidades especiais escolhas sexuais entre outras9 Conforme a resolução emitida pelo Conselho Nacional de Educação os es tudantes egressos dos cursos de Pedagogia deverão ao término da formação não 9 Disponível em httpportalmecgovbrcnearquivospdfrcp0106pdf Acesso em 31 dez 2015 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 100 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula apenas encontrarse aptos para respeitar as diferenças de natureza de gênero de faixas geracionais raciais e sexuais como também demonstrar consciência da di versidade Alguns sinônimos do verbete demonstrar podem ser exemplificar exibir expor expressar mostrar provar e revelar uma vez que o significado da palavra de monstrar é Fazer com que alguma coisa se torne evidente por meio de provas fazer com que se torne conhecido comprovar10 Assim cabe à pedagoga e ao pe dagogo demonstrar por meio da realização de conversas projetos atividades entre outros recursos de caráter pedagógico a pluralidade e a diversidade social brasileira instruindo e orientando as crianças para que respeitem as diferenças de gênero As relações de gênero mencionadas aqui podem ser trabalhadas por meio do currículo oculto11 que é extremamente importante uma vez que o currículo oficial é incapaz de prever as necessidades locais de cada escola e programar um conteúdo a ser desenvolvido especificamente para a realidade de cada unidade educacional Para José Gimeno Sacristán 1998 p 43 A acepção do currículo como conjunto de experiências planejadas é insuficiente pois os efeitos produzidos nos alunos por um tratamento pedagógico ou currículo planeja do e suas consequências são tão reais e efetivos quanto podem ser os efeitos provenien tes das experiências vividas na realidade da escola sem têlas planejado às vezes nem sequer ser conscientes de sua existência É o que se conhece como currículo oculto O currículo oculto aparece como um espaço significativo para que possamos no dia a dia da sala de aula e da experiência com o cotidiano escolar e dos estudan tes elucidar alternativas temáticas educativas e valorativas que respondam aos conflitos e anseios presentes na comunidade os quais inevitavelmente atravessam os muros da escola Outro relevante respaldo encontrase entre as concepções de proposta peda gógica inclusas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil publicadas pelo Ministério da Educação em 201012 que determinam que as insti 10 Disponível em httpwwwdiciocombrdemonstrar Acesso em 31 dez 2015 11 Conforme Silva 1999 p78 O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que sem fazer parte do currículo oficial explícito contribuem de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes comportamentos valores e orientações 12 Disponível em httpportalmecgovbrindexphpoptioncomdocmanviewdownloadalias9769 diretrizescurriculares2012categoryslugjaneiro2012pdfItemid30192 Acesso em 05 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 101 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 tuições de educação infantil devem garantir o cumprimento pleno de sua função sociopolítica e pedagógica Construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade a democracia a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de rela ções de dominação etária socioeconômica étnicoracial de gênero regional linguística e religiosa BRASIL 2010 p 17 Portanto as contribuições do trabalho pedagógico são de suma importância para que as crianças desenvolvam reflexões e posturas éticas com relação às deman das políticas propostas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil o que inclui necessariamente construir novas relações de sociabilidade e subjetividade a partir das perspectivas de gênero consolidando as plataformas de acesso para a equidade e a valorização das atividades e dos papéis sociais de gênero na cultura brasileira Com relação ao Ensino Fundamental de nove anos a Resolução n 07 do Conselho Nacional de Educação de 14 de dezembro de 2014 publicada pelo Diário Oficial da União e disponível online13 apresenta o seguinte artigo Art 16 Os componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global regional e local bem como na esfera individual Temas como saúde sexualidade e gênero vida familiar e social assim como os direitos das crianças e adolescentes de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 806990 preservação do meio ambiente nos termos da política nacional de educação ambiental Lei nº 979599 educação para o consumo educação fiscal trabalho ciência e tecnologia e diversidade cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacio nal comum e da parte diversificada do currículo 1º Outras leis específicas que com plementam a Lei nº 939496 determinam que sejam ainda incluídos temas relativos à condição e aos direitos dos idosos Lei nº 107412003 e à educação para o trânsito Lei nº 950397 2º A transversalidade constitui uma das maneiras de trabalhar os componentes curriculares as áreas de conhecimento e os temas sociais em uma 13 Disponível em httpportalmecgovbrdmdocumentsrceb00710pdf Acesso em 05 jan 2016 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 102 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula perspectiva integrada conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica Parecer CNECEB nº 72010 e Resolução CNECEB nº 42010 3º Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino compete a produção e a disseminação de materiais subsidiários ao trabalho docente que contribuam para a eliminação de discriminações racismo sexismo homofobia e outros preconceitos e que condu zam à adoção de comportamentos responsáveis e solidários em relação aos outros e ao meio ambiente BRASIL 2010 seção 1 p 34 grifos nossos O artigo 16 prevê que os conteúdos trabalhados abordem temas contemporâ neos os quais afetam a vida humana em escala global regional local e individual e destaca como exemplos as questões de gênero e sexualidade Visa sobretudo a partir de medidas educativas colaborar para a eliminação de posturas e atitudes discriminatórias como o racismo o sexismo a homofobia e outros preconceitos A legislação educacional vem há alguns anos produzindo seu arcabouço documental para priorizar e construir a escola como um espaço de interação respeito e valori zação das diferenças e da vida social e política entre alunos e alunas As menções do CNE para o Ensino Médio são semelhantes adequando as propostas pedagógicas às séries e à idade dos estudantes No inciso XV do Artigo 1614 destacase XV valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas relativos a gênero identidade de gênero raça e etnia religião orientação sexual pessoas com deficiência entre outros bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrenta mento de todas as formas de preconceito discriminação e violência sob todas as formas BRASIL 2012 Seção 1 p 20 grifo nosso Nesta resolução a inclusão do termo identidade de gênero está diretamente relacionada ao tratamento de pessoas transgêneros as quais não se identificam com o sexo biológico e com o papel de gênero socialmente prescrito para elas Entretanto cabe à escola e à comunidade promover por meio do reconhecimento da identidade de gênero a valorização e a garantia dos direitos humanos das pessoas 14 Disponível em httppactoensinomediomecgovbrimagespdfresolucaoceb00230012012pdf Acesso em 05 jan 2016 Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 103 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 trans respeitando o nome social sua integridade física e seu acesso aos espaços a partir de sua relação de identificação No estado de São Paulo algumas leis já foram promulgadas como a nº 10948 de 5 de novembro de 2001 que proíbe a discriminação por homofobia e transfobia e pune toda manifestação de violência praticada contra pessoas LGBT Outro avanço foi o Decreto estadual n 55588 que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos de São Paulo e dá providências correlatas Este decreto assegura às pessoas transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo Mediante indicação da pessoa seu nome social deverá constar em todos os documen tos fichas formulários e crachás e os servidores públicos deverão tratála pelo nome indicado SÃO PAULO 2014 p 2930 Além do arcabouço legal discorrido acima a Constituição Federal15 enfatiza logo em seu primeiro título Dos Princípios Fundamentais BRASIL 19882015 p 15 A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana Seu artigo 3º IV diz que um dos objetivos fundamentais é promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 19882015 p 16 E o Artigo 5º esclarece Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença 15 Disponível em httpwwwimprensaoficialcombrPortalIOdownloadpdfConstituicoesdeclaracao pdf Acesso em 27 jan 2016 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 104 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula E referente à promoção da educação básica brasileira descreve a Constituição Federal nos artigos 205 e 206 BRASIL 19882015 p 130 Art 205 A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Art 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios II liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber Como todos sabemos a decisão legislativa de muitas câmaras dos municípios no Brasil extraiu dos planos municipais de educação a palavra gênero tornan doa invisível nos documentos oficiais o que não significa se tratar de uma medida proibitiva que impeça docentes coordenadores e direção de realizar atividades e projetos pedagógicos temáticos ou envolvendo as relações de gênero e sexualidade pois qualquer ação ou medida de caráter proibitivo pode configurar inconstitucio nalidade uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil as Leis de Diretrizes e Bases da Educação e as resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Educação fundamentam priorizam e autorizam o trabalho pedagógico que valorize o respeito à pluralidade étnica de gênero e sexual no País garantindo a todos e todas a integridade dos direitos e o exercício pleno da cidadania Esta onda conservadora e suas pautas políticas como ficou popularmente conhecida é o reflexo histórico do processo de colonização do conhecimento e dos saberes implicando diretamente na produção de discursos que constituem a subjetividade como nos alerta Mignolo 2014 Aníbal Quijano 2000 p 342 sobre o processo de colonização ressalta A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial de poder capitalista Se funda na imposição de uma classificação racialétnica da popula ção do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos planos âmbitos e dimensões materiais e subjetivas da existência social cotidiana e da escala social Originase e mundializase a partir da América Para Quijano como nos lembra Luciana Ballestrin 2013 p 101 as categorias de raça gênero e trabalho foram as três linhas principais de classificação que cons tituíram a formação do capitalismo mundial colonial moderno no século XVI Artigos Alex Barreiro Fernando Henrique Martins 105 Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 É nessas três instâncias que as relações de exploraçãodominaçãoconflito estão ordenadas O processo de descolonização do pensamento exige que sejamos capazes de aprender a desaprender romper com categorias naturalizadas e inscritas no estatuto das verdades científicas ocidentais que serviram inclusive como arma e caneta do poder colonial a primeira como proposta de dizimação étnica e das resistências ao assujeitamento cultural empreendido desde o final do século XV e a segunda como ferramenta de inscrição simbólica e representativa da população na América inaugu rando sua entrada para o cenário da modernidade e do chamado mundo civilizatório Referências BALLESTRIN Luciana América Latina e o giro decolonial Rev Bras Ciênc Polít Brasília n 11 p 89117 ago 2013 BRASIL Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil Secretaria de Educação Básica Brasília MEC SEB 2010 BRASIL LDB nacional recurso eletrônico Lei de diretrizes e bases da educação nacional Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional 11 ed Brasília Câmara dos Deputados Edições Câmara 2015 Lei Darcy Ribeiro 1996 BRASIL SÃO PAULO Estado Constituição da República Federativa do Brasil 1988 Atualizada até a Emenda Constitucional nº 88 de 7 de maio de 2015 e Constituição do Estado de São Paulo Atualizada até a Emenda Constitucional nº 40 de 9 de abril de 2015 Reimpressão São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo 2015 BORGES Zulmira Newlands MEYER Dagmar Estermann Limites e possibilidades de uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia Ensaio Aval Pol Públ Educ Rio de Janeiro v 16 n 58 p 5976 janmar 2008 BUTLER Judith P Problemas de gênero feminismo e subversão da identidade 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora Unesp 1999 CASTRO Edgardo Vocabulário de Foucault um percurso pelos seus temas conceitos e autores Belo Horizonte Autêntica 2009 DINIS Nilson Fernandes Homofobia e educação quando a omissão também é signo de violência Educar em Revista UFPR Curitiba Brasil n 39 p 3950 janabr 2011 FOUCAULT Michel Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 1987 JUNQUEIRA Rogério Diniz Currículo heteronormativo e cotidiano escolar homofóbico Espaço do Currículo v 2 n 2 p 208230 setmar 2010 LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericanas Ciudad Autónoma de Buenos Aires Argentina CLACSO set 2005 Colección Sur Sur Leitura Teoria Prática Campinas São Paulo v34 n68 p93106 2016 106 Artigos Bases e fundamentos legais para a discussão de gênero e sexualidade em sala de aula MIGNOLO Walter Descolonialidad del ser y del saber Videos indígenas y los limites coloniales de la izquierda em Bolivia 1 ed Buenos Aires Del signo 2006 Género y descolonialidad Ciudad Autónoma de Buenos Aires Del Signo 2014 MIGUEL Luis Felipe BIROLI Flávia Feminismo e política uma introdução 1 ed São Paulo Boitempo 2014 QUIJANO Aníbal Colonialidad del poder y clasificación social Journal of WorldSystems Research Pittsburgh v 11 n 2 p 342386 2000 SACRISTÁN José Gimeno Currículo uma reflexão sobre a prática 3 ed Tradução Ernani Ferreira da Fonseca Rosa Porto Alegre ArtMed 1998 SÃO PAULO Estado Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania Coordenação de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual Diversidade sexual e cidadania LGBT São Paulo SJDCSP 2014 SILVA Tomaz Tadeu da Quem escondeu o currículo oculto In SILVA Tomaz Tadeu da Documento de identidade uma introdução às teorias do currículo Belo Horizonte Autêntica 1999 Sobre os autores Alex Barreiro é Bacharel e Licenciado em História Pontifícia Universidade Católica de Campinas com especialização em História Sociedade e Cultura Pontifícia Universidade Católica de São Paulo É Mestre e doutorando em Educação Universidade Estadual de Campinas Atualmente é docente nos cursos de História e Pedagogia das Faculdades Integradas Maria Imaculada e professor da rede pública municipal de Mogi GuaçuSP Email barreiroalex86gmailcom Fernando Henrique Martins é Graduado em História Pontifícia Universidade Católica de Campinas com Especialização em História Social Faculdades Integradas Maria Imaculada Email lhemaoyahoocombr Recebido em 21 de março de 2016 e aprovado em 15 de dezembro de 2016