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Psicologia ·

Psicometria

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1 Teoria da Medida1 Luiz Pasquali Universidade de Brasília A Psicometria assume o modelo quantitativista em Psicologia Nos manuais de metodologia científica particularmente nas áreas das ciências psicossociais este tema vem tratado muito esporádica e superficialmente Falase quase exclusivamente de um tema muito debatido ou seja as escalas de números nominal ordinal de intervalo e de razão Inclusive sem demonstrar como tais escalas surgem A problemática da medida em ciências é bem mais complexa do que isto Para oferecer uma visão mais coerente abrangente e racional a esta temática o presente capítulo procura dar e explicitar os fundamentos epistemológicos de medida em ciências empíricas bem como explicitar os tipos e níveis possíveis que ela pode assumir 1 Introdução Ciência e Matemática A medida em ciências psicossociais notadamente na Psicologia deveria ser chamada puramente de Psicometria similarmente ao que ocorre em áreas afins onde se fala de sociometria econometria politicometria etc Psicometria contudo tem sido abusivamente utilizada dentro de um contexto muito restrito referindose a testes psicológicos e escalas psicométricas De qualquer forma a Psicometria ou medida em Psicologia se insere dentro da teoria da medida em geral que por sua vez desenvolve uma discussão epistemológica em torno da utilização do símbolo matemático o número no estudo científico dos fenômenos naturais Tratase portanto de uma sobreposição ou melhor de uma interface entre sistemas teóricos de saber diferentes tendo a teoria da medida à função de justificar e explicar o sentido que tal interface possui A matemática e a ciência empírica são sistemas teóricos2 ou de conhecimento muito distintos e em termos estruturais não são comensuráveis Na verdade os dois sistemas têm objetos e metodologias próprias distintas e irreversíveis entre si Podese discernir esta distinção atentando para a Tabela 21 Observase que em nenhum momento ou sob nenhum critério os dois sistemas se assemelham estruturalmente A ciência tem como referente ou objeto os fenômenos da realidade ao passo que a matemática estuda como seu objeto o símbolo numérico que é um conceito e não uma realidade empírica e nem uma propriedade desta realidade Frege 1884 a metodologia da ciência é a observação sistemática e a da matemática é a dedução o critério de verdade para a ciência é o teste empírico ao passo que para a matemática é a consistência interna do argumento 1 PASQUALI Luiz Teoria da Medida In Psicometria teoria dos testes na psicologia e na educação Petrópolis RJ Vozes 2003 Cap 02 Pág 2351 ISBN 8532628893 2 Uma discussão epistemológica mais detalhada sobre sistemas de saber se encontra em Pasquali L org Delineamento de Pesquisa em Ciência Em elaboração 2 Tabela 21 Enfoque epistemológico em ciência e matemática Sistema Teórico Objeto Atitude Metodologia Verdade Certeza Critério de Verdade Ciência empírica Fenômenos naturais Empírica Observação e Controle Fato Relativa Teste Empírico Matemática Símbolo numérico Transcendental Dedução Teorema Absoluta Consistência interna do argumento Assim a primeira afirmação no contexto da teoria da medida consiste em dizer que o sistema científico do conhecimento não tem nada a ver com a matemática e viceversa falandose em termos das estruturas epistemológicas dos dois saberes O mesmo tipo de argumentação pode ser feito da ciência com relação aos outros sistemas de saber filosofia teologia etc 2 A Natureza da Medida Apesar dessa distância epistemológica entre ciência e matemática a primeira se apercebeu das vantagens consideráveis que ela pode obter ao se utilizar a linguagem da matemática para descrever o seu objeto próprio de estudo Na verdade se o modelo matemático não dita e nem fundamenta o conhecimento científico parece que é o uso deste modelo que vem possibilitando distinguir níveis de progresso no conhecimento científico Esta afirmação pelo menos aparece claramente demonstrada na ciência da Física que com o uso do modelo matemático pôde passar de um estágio précientífico à física moderna Além disso Os instrumentos e técnicas de medida propiciam a ponte mais útil entre os mundos do diaadia do leigo e dos especialistas em ciência Klein 1974 24 O uso do número na descrição dos fenômenos naturais constitui o objeto da teoria da medida Esta teoria está razoavelmente axiomatizada somente nas ciências físicas aparecendo ainda lacunar nas ciências psicossociais onde aliás ainda se discute a viabilidade epistemológica da própria medida A natureza da medida implica em alguns problemas básicos dentre os quais três devem ser mencionados Luce Suppes 1986 Suppes Zinnes 1963 Campbell 1928 1938 a representação a unicidade e o erro 21 O problema da representação ou o isomorfismo O problema central da medida consiste em justificar a legitimidade de se passar de procedimentos e operações empíricos a observação para uma representação numérica destes procedimentos É justificável designar ou expressar objetos ou fenômenos naturais através de números Sim se nesta designação se preservarem tanto as propriedades estruturais do número quanto as características próprias dos atributos dos fenômenos empíricos Tratase do teorema da representação isto é representar com números objeto da matemática as propriedades dos fenômenos naturais objeto da ciência 22 O problema da unicidade da representação A questão envolvida aqui é a seguinte será que o número é a única ou a melhor representação das propriedades dos objetos naturais para fins de conhecêlos pelo homem Evidentemente você vê que a resposta a esta pergunta gera imediatamente 3 guerra particularmente entre cientistas da área psicossocial Entretanto os defensores da medida em ciência respondem afirmativamente à pergunta sem pestanejar Mesmo assim alertam que esta representação ainda que sendo a melhor apresenta níveis diferentes de qualidade ou precisão dependendo do tipo de característica dos objetos que se está focalizando Assim para o caso do peso o número representa excelente informação a saber o quilograma enquanto no caso da inteligência ele já é menos preciso o QI por exemplo ou um escore num teste X Esta problemática da unicidade da representação e de seus níveis gera os níveis da escala de medida ou seja define se a escala obtida será ordinal intervalar etc como veremos 23 O problema do Erro A observação dos fenômenos empíricos é sempre sujeita a erros devidos tanto ao instrumental de observação os sentidos e suas extensões através de instrumentos tecnológicos quanto a diferenças individuais do observador além de erros aleatórios sem causas identificáveis Assim tipicamente toda e qualquer medida vem acompanhada de erros e por conseqüência o número que descreve um fenômeno empírico deve vir acompanhado de algum indicador do erro provável o qual será analisado dentro de teorias estatísticas para determinar se o valor encontrado e que descreve o atributo empírico está dentro dos limites de aceitabilidade de medida Note que o número matemático é um conceito unívoco sem a mínima variabilidade de interpretação os números são conceitos pontuais onde um número não apresenta nenhuma interseção com o próximo Assim 1 é somente 1 2 é somente 2 etc coisa que não ocorre quando o número é utilizado para descrever representar fenômenos naturais porque aqui o número 1 pode ser mais ou menos 1 e assim pode ter interseção com o 2 etc Acontece que na medida dos fenômenos naturais o número se adultera um pouco perdendo sua identidade pontual e absoluta para se tomar um intervalo em vez de ser um ponto sem dimensões O fato de o número na medida se tomar um intervalo diz que ele já tem variabilidade variância e isto é o erro Se você chamar o número da matemática como número matemático o número da medida você chamaria de número estatístico Aquele é um ponto enquanto este é um intervalo Desta forma em matemática o número está sempre solitário inconfundível enquanto na medida ele vem sempre acompanhado de um cão de guarda a variância que indica o erro Voltaremos a este ponto mais adiante Concluindo O uso do número na descrição dos fenômenos naturais isto é a medida somente se justifica se se puder responder afirmativamente às duas questões seguintes 1 É legítimo utilizar o número para descrever os fenômenos da ciência 2 É útil vantajoso utilizar o número para descrever os fenômenos da ciência O restante deste capítulo procura responder e fundamentar a resposta afirmativa a essas duas questões 3 A Base Axiomática da Medida Esta parte visa fundamentar a legitimidade epistemológica da medida em ciências isto é a legitimidade do uso do número como descritor de fenômenos naturais 4 Há legitimidade no uso do número na descrição dos fenômenos naturais se e somente se as propriedades estruturais tanto do número quanto dos fenômenos naturais forem salvaguardadas neste procedimento Isto é deverá haver isomorfismo estrito relação de 1 para 1 entre propriedades do número e aspectos dos atributos da realidade empírica São propriedades básicas do sistema numérico a identidade a ordem e a aditividade A medida deve resguardar pelo menos as duas primeiras destas propriedades de preferência as três Para melhor enquadrar a Psicometria e a medida em geral em ciências psicossociais a base axiomática da medida será tratada dentro das ciências físicas fazendo em seguida as ressalvas e correções necessárias para o caso da medida em ciências psicossociais e em especial da Psicologia 31 Axiomas do sistema numérico Stevens 1951 representaria o sistema numérico como na Figura 21 Figura 21 O sistema numérico Estes vários tipos de números surgiram em épocas históricas diferentes segundo as necessidades dos estudiosos e as da vida prática Inicialmente só havia os números inteiros que se mostravam suficientes para a contagem de objetos discretos razão pela qual também são chamados de números naturais veja Klein 1974 Com eles se podia fazer as operações de soma e de multiplicação Eles não davam sempre certo especialmente quando se queria subtrair um número maior de um número menor Esta limitação do sistema de inteiros fez com que o sistema fosse estendido para incluir números negativos e o zero Com a divisão o sistema de inteiros se mostrava ainda mais limitado o que forçou a adoção de números fracionários Este conjunto de números inteiros positivos negativos zero e frações constitui o sistema de números racionais dado que qualquer número deste sistema pode ser expresso em termos de razão entre dois números inteiros Excetuada a divisão por zero todas as operações são possíveis dentro deste sistema numérico Contudo certas operações matemáticas não eram viáveis dentro do sistema como por exemplo a raiz quadrada de 2 Inventaramse então os 5 números irracionais e assim se fechou o círculo dos números reais suficientes para permitir qualquer sorte de medida da realidade até o presente A matemática é um saber baseado em puras convenções assim tanto o seu objeto o número quanto suas regras são convencionadas No início do século XX os filósofos e matemáticos Whitehead e Russell 19101913 1965 elencaram nada menos que 27 axiomas ou regras do jogo da matemática apresentadas em seu livro Principia Mathematica Destes axiomas três grandes conjuntos são importantes para o caso da medida Tratase dos axiomas que definem as propriedades numéricas de identidade ordem e aditividade 1 Identidade Esta propriedade define o conceito de igualdade isto é que um número é idêntico a si mesmo e somente a si mesmo Ela apresenta três axiomas postulados aceitos e não provados que expressam a relação de IGUAL A reflexividade a a ou a b Números são idênticos ou são diferentes simetria se a b então b a transitividade se a b e b c então a c Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si 2 Ordem Esta propriedade se baseia na desigualdade dos números Todo número é diferente do outro Essa desigualdade não é somente de qualidade mas ela se caracteriza em termos de magnitude isto é um número não é somente diferente do outro mas um é maior que o outro Aliás eles são diferentes precisamente porque um é maior que o outro Assim excetuado o caso de igualdade os números podem ser colocados numa seqüência invariável ao longo de uma escala linear seqüência monotônica crescente Também apresenta três axiomas que expressam NÃO IGUAL A ou MAIOR QUE assimetria se a b então b a A ordem dos termos não pode ser invertida transitividade se a b e b c então a c conectividade ou a b ou b a um quarto axioma é o de ordemdenso números racionais são tais que entre dois números inteiros quaisquer há sempre um número racional o intervalo entre dois inteiros não é vazio 3 Aditividade Os números podem ser somados isto é podem ser concatenados de modo que a soma de dois números excetuado o zero produz um outro número diferente deles próprios Isto é as quatro operações soma subtração multiplicação e divisão as três últimas são redutíveis à primeira podem ser aplicadas aos números Dois axiomas se destacam comutatividade a b b a A ordem dos termos não altera o resultado da adição associatividade a b c é igual a a b c A ordem de associação ou de combinação dos termos não afeta o resultado Nota As quatro operações básicas dos números soma subtração multiplicação divisão se reduzem à soma Veja Soma 3 2 5 Subtração 3 2 3 2 6 Multiplicação 3 x 2 2 2 2 três vezes o 2 Divisão 4 2 ½ ½ ½ ½ quatro vezes ½ 32 Axiomas da medida Como a medida consiste na atribuição de números às propriedades das coisas segundo certas regras ela deve garantir que as operações empíricas salvem os axiomas dos números A medida que salva todos esses axiomas é a mais sofisticada possível e por isso rara escala de razão A maioria das medidas ao menos em ciências psicossociais se dão por satisfeitas se puderem salvar pelo menos os axiomas de ordem Se somente os axiomas de identidade forem salvos escala nominal a operação propriamente não chega a ser medida mas tratase apenas de classificação pois a única característica do número salva é a sua identidade isto é o número utilizado para uma operação empírica deve ser diferente do de uma outra operação Para tanto aliás o número é utilizado tão somente como numeral a saber um rabisco diferente de outro que poderia ser substituído por qualquer outro sinal ou rabisco desde que diferentes entre si sem a menor conseqüência para a medida O número neste caso serve apenas de etiqueta para uma classe de coisas A medida realmente acontece quando se salvam pelo menos os axiomas de ordem dos números Então fica a pergunta é possível se demonstrar a existência de ordem de magnitude nos atributos das coisas isto é as coisas têm dimensões entendidas estas como atributos mensuráveis propriedades empíricas possuidoras de magnitude Como resposta a esta questão poderseia simplesmente assumir que sim os atributos empíricos têm magnitude como o senso comum nos parece dizer quotidianamente quando fala de mais do que maior que e expressões similares Contudo esta não parece ser uma base suficientemente segura para fundamentar uma teoria da medida É preciso então demonstrar empiricamente que tal ocorrência existe na realidade das coisas Nas ciências físicas esta questão parece resolvida mas nas ciências psicossociais ainda suscita acirradas controvérsias Antes de oferecer uma tentativa de demonstração experimental de axiomas da medida note o comentário a seguir Comentário Os números pelo menos os complexos diferem entre si em termos de magnitude e não em termos de qualidade Assim o 2 não é qualitativamente diferente do 1 ele é diferente quantitativamente Quer dizer que todos os números são da mesma qualidade ou natureza isto é são todos da qualidade de quantidade ou de magnitude eles diferem em ordem porque um é maior que o outro Repare que os fenômenos naturais por outro lado diferem entre si também qualitativamente a cor é uma qualidade diferente da do peso que é diferente da do comprimento etc Estas diferenças são de qualidade pois se trata de aspectos qualidades características atributos diversos e distintos de um mesmo objeto natural O isomoformismo defendido na medida é entre as propriedades do número sobretudo de ordem e aditividade com estas mesmas propriedades de cada atributo de um objeto natural e não com o próprio objeto natural De fato os diferentes atributos de um mesmo objeto não diferem em termos de quantidade e sim de qualidade Entretanto um mesmo atributo de um objeto natural pode variar em diferentes momentos ou situações ou objetosindivíduos e esta variação é que é definida em termos de magnitude portanto mensurável donde a medida esta é de atributos individuais de objetos e não dos próprios objetos Assim por exemplo da rosa eu posso falar de diferentes qualidades tais como intensidade de aroma peso tamanho etc Mas cada uma dessas qualidades pode aparecer com magnitude diferente de aroma peso comprimento etc isto é eu posso medir as 7 magnitudes de cada qualidade Em termos de seus atributos qualitativamente diferentes não posso dizer que uma rosa é mais rosa que a outra posso porém dizer que uma é mais aromática mais pesada etc que a outra Veja a figura 22 para facilitar a compreensão Figura 22 Três qualidades da rosa com suas Magnitudes 321 Demonstração empírica dos axiomas de ordem Guilford 1954 Os axiomas de ordem afirmam que na medida a ordem dada pelos números atribuídos aos objetos transitividade e conectividade deve ser a mesma obtida pela ordenação empírica destes mesmos objetos Existe ordem maior que nas propriedades das coisas Exemplos Um metal que arranha um outro e não pode ser arranhado por este dizse que é mais duro Assim uma ordem empírica de dureza pode ser estabelecida a partir da operação empírica de arranhar Igualmente o alinhamento de linhas mostra que uma é maior que outra donde uma ordenação de objetos em termos de comprimento poder ser montada Um tom que é dito mais alto que outro por uma amostra de sujeitos dizse que é mais agudo Assim uma ordem de altura tonal pitch pode ser estabelecida Idem se um sujeito resolve corretamente maior número de uma série de problemas do que outro dizse que é mais inteligente Assim podese estabelecer uma escala de inteligência As inversões que ocorrem são consideradas erros de medida ou de observação que devem ser tratados dentro da teoria da consistência a qual visa mostrar que apesar desses erros há consistência na medida 322 Demonstração empírica dos axiomas de aditividade A demonstração dos axiomas de aditividade parece ser possível somente no caso dos atributos extensivos como massa comprimento e duração temporal bem como no caso da probabilidade A aditividade se baseia na idéia de concatenação a combinação concatenação de dois objetos ou eventos produz um terceiro objeto ou evento com as mesmas propriedades dos dois mas em grau maior Assim tomandose um objeto de comprimento x medido em uma unidade de comprimento qualquer o metro por exemplo encontrar um outro objeto com o mesmo comprimento x juntando concatenando os dois objetos obtémse um objeto maior z com comprimento duas vezes os comprimentos dos objetos individuais O conceito de concatenação implica que A com B A concatenando B A B 8 Conclusão Fica assim claro e amplamente demonstrado que a medida isto é a utilização do número para descrever os fenômenos naturais é legítima e adequada Contudo da discussão anterior você também percebe que existe medir e medir ou seja nem todas as medidas são iguais digamos em qualidade Esta qualidade depende do grau ou da quantidade de isomorfismo que existe entre as propriedades do número e as propriedades dos fenômenos naturais Isto quer dizer que há níveis diferentes de correspondência entre o número e os fenômenos naturais o que implicará em diferentes níveis de medida como veremos em seguida 4 Níveis da Medida Escalas de Medida Dependendo da quantidade de axiomas do número que a medida salva resultam vários níveis de medida conhecidos como escalas de medida Como vimos são três os axiomas básicos do número identidade ordem e aditividade O último apresenta dois aspectos úteis para o presente problema origem e intervalo ou distância Quanto mais axiomas do número a medida salvaguardar maior será o seu nível isto é mais se aproximará da escala numérica ou métrica e maior será o isomorfismo entre o número e as operações empíricas Assim podemos considerar cinco elementos numéricos para definir o nível da medida identidade ordem intervalo origem e unidade de medida Destes cinco elementos os mais discriminativos dos níveis são a origem e o intervalo dado que a ordem é uma condição necessária para que realmente haja medida Se a medida somente salva a identidade do número na verdade não se trata de medida mas sim de classificação e contagem Neste caso escala nominal os números não são atribuídos a atributos dos objetos mas o próprio objeto é identificado por rótulo numérico Este rótulo nem precisaria ser numérico dado que não importa que símbolo ou rabisco pode ser utilizado com a mesma função de distinguir objetos um do outro ou classe de objetos de outra classe A única condição necessária é que se salvaguarde a identidade do símbolo isto é um mesmo símbolo não pode ser duplicado para identificar objetos diferentes como também diferentes símbolos não podem ser usados para identificar objetos idênticos Embora não estejamos neste caso medindo a escala numérica que resulta desta rotulação adquire direito ao nome escala dado que ela corresponde em parte à definição de medida que reza medir é atribuir números às coisas empíricas O esquema a seguir ilustra como se originam as várias escalas de medida Origem NãoNatural Natural NãoIgual Ordinal Ordinal Intervalo Igual Intervalar Razão Assim uma medida de uma propriedade de um objeto natural que não tem uma origem natural exemplos aroma QI amizade não pode começar em zero 0 porque não se conhece um valor zero de aroma ou de QI Mesmo se você usa o zero na medida de tais atributos este é um zero fictício não natural Desta forma uma escala de medida de tais atributos pode começar com qualquer número inclusive o zero sendo este número a origem da escala e o próximo número tem que ser maior se a escala for ascendente porque a escala precisa salvar pelo menos a ordem natural dos números Uma tal escala seria chamada de ordinal onde a origem é arbitrária e a distância entre os números não seria igual Conseqüentemente as seguintes escalas são equivalentes produzem exatamente a mesma informação 9 3 4 5 6 7 3 5 6 10 100 0 1 2 3 4 3 0 15 30 31 A única coisa relevante que distingue estas escalas é uma questão de estética sendo provavelmente a mais elegante a escala 0 1 2 3 4 Mas elegância é questão de gosto e de gustibus non est disputandum não se briga por gostos Agora seria um erro transformar estas escalas na seguinte 0 1 2 4 3 porque se perderia a ordem monotônica crescente Se nesta mesma medida você puder salvar a origem natural isto é o zero mas não puder salvar o intervalo igual entre os números da escala você ainda estaria medindo apenas ao nível ordinal Por exemplo medir o peso de diferentes objetos sem ter uma balança Neste caso você pode pedir a um ou vários sujeitos para ordenar os objetos em termos de mais pesado surgindo daí uma ordenação dos mesmos pelo peso sem se poder dizer quanto um objeto é mais pesado que o anterior Peso na verdade é um atributo da natureza que permite o valor 0 mas o processo de medida como descrito não permite dizer mais do que um objeto ser mais pesado que o outro sem se poder definir quanto mais Se você pudesse ou puder definir quanto mais pesado ele é então você já estaria medindo ao nível de escala de razão que além de ter uma origem natural 0 tem intervalos iguais entre os números da escala Uma tal escala sempre começa com 0 e seus números estão a distâncias iguais entre si Exemplo 0 1 2 3 4 0 2 4 6 8 0 5 10 15 20 Nesta escala o que muda é apenas a unidade de medida o tamanho do intervalo sendo ela sucessivamente de 12 e 5 no exemplo proposto Um exemplo de uma escala simplesmente intervalar e suas transformações legítimas seria a seguinte 0 2 4 6 8 2 4 6 8 10 5 0 5 10 15 onde são salvos a ordem dos números e o tamanho do intervalo entre eles Note que o fator que define o nível da medida não é o número mas sim a característica do atributo medido da natureza da realidade se ele permite ou não uma ordem natural o 0 tais como peso comprimento se permite definir distâncias iguais ou não muitos pesquisadores afirmam que nenhum atributo não extensivo da natureza como todos os atributos psicossociais permite medida intervalar Os números por natureza têm todas estas características origem natural o 0 ordem e distâncias iguais entre si Assim para os números todas as escalas são de razão mas para a medida isto é os números 10 utilizados para descrever fenômenos naturais nem sempre se pode salvar estas características dos números A Tabela 22 sumaria as características de cada escala Tabela 22 Características das escalas numéricas de medida Escala Axiomas Salvos Invariâncias Liberdades Transformações Permitidas Estatísticas Apropriadas Nominal identidade ordem intervalo origem unidade Permutação troca 1 por 1 Freqüências f p Mo qui² C Ordinal identidade ordem ordem intervalo origem unidade Monotônica crescente isotonia Não paramétricas Md rS U etc Intervalar identidade ordem aditividade ordem intervalo origem unidade Linear de tipo Y abx Paramétricas M DP r t F etc Razão identidade ordem aditividade ordem intervalo origem unidade Linear de tipo ybx similaridade M geométrica Coef variação Logaritmos f freqüência percentagem p proporção C coeficiente de contingência Md mediana DP desvio padrão rs correlação de Spearman U teste de MannWhitney r correlação produtomomento de Pearson F teste de Fisher análise da variância Como já insinuado uma escala numérica pode ser transformada numa outra equivalente se forem respeitados os elementos da invariância nesta transformação Uma escala de maior nível pode utilizar as operações estatísticas de uma escala inferior mas perde informação dado que as estatísticas próprias de uma escala inferior são menos eficientes isto é são menos robustas Por exemplo posso organizar o leque de idades dos sujeitos em quatro grupos etários adolescência jovemadulto adulto e terceira idade mas nesse caso a partir desses grupos não posso saber a média das idades da amostra Não é permitido é erro utilizar estatísticas de uma escala de nível superior numa inferior dado que esta não satisfaz os requisitos necessários para se utilizarem procedimentos estatísticos superiores São chamados paramétricos os procedimentos estatísticos da escala intervalar porque os números nela possuem caráter métrico isto é são adicionáveis enquanto os nãoparamétricos não são métricos dado que representam somente postos e não quantidades somáveis 5 Formas e Unidades de Medida Até aqui sabemos que posso expressar legitimamente os atributos naturais com escalas de números e que estas se apresentam em diferentes níveis Fica entretanto o seguinte problema como é que vou atribuir um número a tal e tal atributo de um fenômeno natural e por que este número e não outro Isto não pode se constituir em um processo aleatório pois medir como veremos mais adiante visa precisamente dar maior precisão à descrição do fenômeno natural e nada é mais impreciso que uma descrição aleatória Então o que fazer Bem se cada atributo da realidade empírica apresentasse uma unidadebase natural específica de magnitude a medida dele seria uma tarefa relativamente fácil Seria suficiente verificar quantas unidadesbase ele possui e o número de unidades seria a medida do atributo em questão Desta forma se eu pudesse dividir um dado atributo em pedacinhos o tamanho deste atributo seria a soma desses pedacinhos Para tal tarefa eu posso definir um pedacinho qualquer aleatoriamente como por exemplo o centímetro para o comprimento e assim ver quantos deles este 11 atributo tem e quanto aquele Acontece porém que nem no mundo da física todos os atributos permitem uma definição de unidadebase natural específica como por exemplo é o caso da velocidade Disto resulta que deve haver mais de uma forma de se proceder à medida dos atributos da realidade que não seja a simples enumeração do número de unidades que o objeto apresenta 51 Formas de medida Há diferentes maneiras formas de se atribuir números às propriedades dos objetos Uma das taxonomias mais úteis consiste em distinguir três formas diferentes de mensuração medida fundamental medida derivada e medida por teoria esta chamada de medida by fiat por Campbell 1928 1938 Podese igualmente falar em medida direta e medida indireta e há outras ainda A primeira contudo parece mais esclarecedora 511 Medida fundamental É a medida de atributos de objetos empíricos para os quais além de se poder estabelecer uma unidadebase natural específica existe uma representação extensiva São dimensões atributos mensuráveis que permitem a concatenação isto é dois objetos podem ser associados concatenados formando um terceiro objeto de mesma natureza Tal situação ocorre com os atributos de massa comprimento e duração temporal Estes atributos permitem uma medida direta e fundamental dado que o instrumento utilizado para medilos possui a mesma qualidade que se quer medir neles Assim ao se medir o comprimento de um objeto utilizase um instrumento composto de unidades de comprimento A medida dele será dada pela coincidência de pontos entre o comprimento do objeto e a unidade de comprimento marcada no instrumento por exemplo o metro É como se você dissesse este objeto tem 100 centímetros de comprimento isto é têm o tamanho da soma de 100 pedacinhos de comprimento sendo estes pedacinhos os centímetros O metro é um analógico conveniente composto de 100 destes pedacinhos ou centímetros veremos em seguida que hoje em dia se define o metro com outro tipo de pedacinhos de comprimento que pode ser utilizado para facilitar a medida do comprimento das coisas Mesmo podendo ser possível conceitualmente se proceder a uma medida fundamental nos casos mencionados nem sempre isto é empiricamente factível Por exemplo como se faria uma medida fundamental de distâncias astronômicas ou subatômicas Ou como se poderia medir fundamentalmente a massa de uma galáxia Nestes casos e semelhantes é preciso recorrer a outras estratégias de medida mais indiretas como a medida derivada ou outra 512 Medida derivada Muitos atributos da realidade não permitem uma medida extensiva ou possuem unidades base e portanto nenhuma medida fundamental é deles possível Podem contudo ser medidos indiretamente através do estabelecimento de uma relação com medidas extensivas Este procedimento depende da prova empírica de que estes atributos são afetados independentemente por dois ou mais componentes Se estes componentes permitem medida fundamental então se pode obter uma medida derivada para aqueles atributos nãoextensivos através de uma função de potência entre os componentes do qual o atributo em questão é constituído De qualquer forma uma tal medida é derivada se finalmente ela pode ser expressa em termos de medidas fundamentais Por exemplo 12 sabese que a massa varia em função de volume e de densidade massa volume x densidade Como a massa permite medida fundamental peso expresso em quilos e o volume também o cubo do comprimento m3 então a densidade que não possui medida fundamental pode ser medida indiretamente em função de massa e volume quilos dividido por metros cúbicos kgm3 Devese notar que o fundamento da função existente entre os componentes constitui uma lei isto é deve ser um dado empiricamente demonstrado e não somente baseado em alguma teoria Assim a massa sendo determinada pelo volume e pela densidade é uma descoberta científica a lei não uma hipótese Entendese portanto por medida derivada de um atributo aquela cujos componentes do atributo estabelecidos por uma lei empírica tenham finalmente dimensões extensivas Nessa discussão sobre as formas de medida estamos falando de atributos extensivos ou atributos possuidores de unidadesbase como sendo sinônimos Na verdade esta sinonímia só entrou em jogo em 1960 com a definição do conceito de unidadebase e do estabelecimento das primeiras unidadesbase da Física do Système lnternational des Unités SI como veremos logo mais Até essa data eram em número muito reduzido as propriedades naturais consideradas extensivas elas praticamente se esgotavam com os atributos de comprimento peso e duração temporal Agora com a definição de atributo extensivo sendo aquele para o qual existe unidadebase de medida o número de propriedades extensivas subiu para 6 em 1960 e 7 em 1961 Assim por exemplo a luminância pode ser considerada um atributo extensivo já que possui unidadebase a saber a candela De fato ela é lum cd m2 O mesmo vale para resistência elétrica força do campo elétrico e do campo magnético 513 Medida por teoria Há outros atributos da realidade e é o caso de quase todos em ciências psicossociais que 1 não podem ser expressos em termos de dimensões extensivas ou de unidades base não permitindo conseqüentemente uma medida fundamental e 2 não são resultantes de componentes extensivos não permitindo conseqüentemente nem a medida derivada Tais atributos são mensuráveis somente com base em leis e em teorias científicas 1 Medida por lei quando uma lei for empiricamente estabelecida entre duas ou mais variáveis as constantes típicas do sistema podem ser medidas indiretamente através da relação estabeleci da entre estas variáveis como é o caso da viscosidade em Física e a lei do reforço em Psicologia 2 Medida por teoria quando nem leis existem relacionando variáveis podese recorrer a teorias que hipotetizam relações entre os atributos da realidade permitindo assim a medida indireta de um atributo através de fenômenos a ele relacionados via teoria O importante neste caso é garantir que haja instrumentos calibrados para medir fundamentalmente ou de outra forma válida os fenômenos com os quais o atributo em questão esteja relacionado pela teoria Mesmo em Física isto ocorre como é o caso da medida das distâncias galácticas Afirmase por exemplo que medindo o movimento das linhas espectrais para o vermelho estarseia medindo as distâncias astronômicas dada a teoria de que existe uma relação sistemática entre a distância de uma galáxia e a velocidade do seu afastamento e a cor do seu espectro luminoso O mesmo vale para o 13 efeito Doppler que afirma teoria que um objeto que se afasta tende a espalhar as ondas do seu espectro luminoso reduzindo sua freqüência Veja por exemplo como funciona a teoria do efeito Doppler Este cientista alemão hipotetizou que quanto mais as linhas do espectro luminoso da galáxia se separam mais rapidamente esta está se afastando e quanto mais elas se aproximam mais rapidamente a galáxia está se aproximando de nós Veja a ilustração da separação das linhas espectrais Há duas questões importantes nesta hipótese de Doppler 1 é preciso uma medida extremamente exata das distâncias entre as linhas espectrais isto é teoricamente de simples solução pois se trata de uma medida fundamental de comprimento distância que o metro resolve Ela é contudo um problema tecnicamente difícil porque nesta medida como em qualquer medida existe sempre o erro e um erro mínimo aqui irá resultar em erro gigantesco ao se referenciar às distâncias intergalácticas 2 outra questão e esta é a mais importante é a seguinte é verdade que a distância das linhas espectrais tem a ver com o movimento da galáxia Na resposta a esta questão é onde entra a teoria dizendo que sim Se isto for verdade então posso deduzir daí hipóteses sobre o movimento das galáxias e testálas empiricamente e tomar assim a teoria uma teoria científica Foi o que os físicos fizeram com sucesso tomando a medida por teoria uma medida cientificamente legítima 52 Unidades de Medida Normalmente existe interdependência entre os fenômenos de sorte que ao se variar um deles o outro covaria com ele Esta covariância pode ser expressa por alguma constante Estas constantes podem ser universais como o caso da gravitação universal que covaria com as gravitações locais de um sistema menor por exemplo a da massa chamada aquela inclusive de constante universal de gravitação Outras constantes pertencem a algum sistema específico chamadas de constantes do sistema ou locais como a constante entre massa e volume ou as constantes da lei do reforço em Psicologia Evidentemente a descrição de tais constantes pode constituir uma medida indireta Além de constantes que relacionam dois ou mais atributos os próprios atributos variam por conta própria assumindo diferentes magnitudes isto é eles são dimensões entendendo por isso que podem variar de magnitude e portanto podem ser mensuráveis Neste caso seria extremamente útil se houvesse para cada atributo diferente uma unidade básica com a qual se pudesse determinar a magnitude do mesmo De fato qualquer unidade que se queira definir serve aos propósitos da medida bastando haver 14 consenso sobre a mesma Mas é fácil ver as vantagens de se estabelecerem unidades base aceitáveis para todos Nas ciências físicas este esforço tem sido constante O critério que tem guiado os físicos na procura destas unidadesbase foi a busca de um fenômeno natural de estabilidade máxima que pudesse servir como padrão físico da unidadebase para o sistema A história da procura destas unidades tem lances de Babel pois cada região do mundo tinha seus sistemas de medida incomensuráveis com outras regiões Por exemplo para medir o comprimento na França se utilizava o pé do rei francês que era diferente do tamanho do pé direito do rei da Inglaterra e daí surgiam brigas sem fim no comércio entre os países Há cerca de 200 anos contudo uma procura mais sistemática e mais entrosada no âmbito mundial tem sido desenvolvida até que culminasse no Systeme lnternational des Unités abreviado SI definido na 11th General Conference On Weights and Measures Paris 1960 onde foram estabelecidas seis unidadesbase ou primárias para os fenômenos físicos sendo todas as restantes medidas derivadas destas seis primárias Klein 1974 Luce Suppes 1986 No ano seguinte uma sétima unidadebase foi definida o mole que representa a substância peso massa da molécula e é igual à soma dos pesos atômicos de todos os átomos que compõem a molécula Lembrando que o peso atômico também chamado número de massa corresponde ao total de nucleídeos prótons e nêutrons do núcleo do átomo A Tabela 23 sintetiza estas unidadesbase consensuais Tabela 23 Unidadesbase da Física Atributo Unidade Sigla Padrão Físico Definição do SI Comprimento metro m O metro é o comprimento igual a 165076373 comprimentos de onda no vácuo da radiação correspondente à transição entre os níveis 2 p10 e 5 d5 do átomo do Krypton86 Massa quilograma kg O quilograma unidade de massa é a massa de um cilindro especial feito de liga de platina e de irídio que é considerado como o protótipo internacional do quilograma e é conservado sob os cuidados do Bureau lnternational des Poids et Mesures num cofre forte em Sèvres França Tempo segundo s O segundo é a duração de 9192631770 períodos ou ciclos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do átomo de césio133 Corrente elétrica ampere A O ampere unidade de corrente elétrica é a corrente constante que se mantida em dois condutores paralelos de comprimento infinito de uma grossura negligível e colocados a I metro de distância num vácuo produzirá entre estes condutores uma força igual a 2xl07 newtons por metro de comprimento cerca de 01 kg Temperatura Kelvin K O kelvin a unidade de temperatura termodinâmica é a fração 127316 da temperatura termodinâmica do triplo ponto da água no qual gelo água e vapor estão em equilíbrio igual a 7316C Intensidade da luz candela cd Luminosidade de 1600000 de um metro quadrado de pura platina fundida no ponto de se solidificar Isto corresponde a uma temperatura de 2045 K Massa atômica mole mol Montante de substância que corresponde à soma dos pesos atômicos de todos os átomos que compõem uma molécula 15 A maioria das outras unidades em física é expressa em unidades derivadas destas seis unidadesbase Por exemplo densidade é igual a peso por volume kgm velocidade a metros por segundos mls luminância a intensidade da luz por área que é expressa em termos de distância cdJm2 volt é watts por ampêre V W A watt é joule por segundo W js joule é newton vezes comprimento j Nm newton é peso vezes distância por tempo N kgxmls2 etc A procura de unidades similares em ciências psicossociais é algo ainda precário exceto onde medidas fundamentais forem possíveis como talvez em psicofísica medida dos estímulos e na análise experimental do comportamento medidas de estímulos e freqüência de respostas E por isso nestas ciências prevalece a forma de medida por teoria como a corriqueira 6 A Medida em Ciências Psicossociais Medidas fundamentais nestas ciências parecem difícil de serem concebidas Mesmo em economia que se apresenta como a mais desenvolvida nesta área parece ter caído em descrédito a concepção de que a escolha dos sujeitos se reduziria à avaliação da quantidade e preço dos bens De fato há ali fatores subjetivos que codeterminam a escolha dos sujeitos fatores agrupados sob o construto de utilidade Também não parece aceitável que a utilidade de um conjunto de bens possa ser reduzida à soma das utilidades individuais destes bens Deste problema surgiu a teoria moderna da utilidade baseada na teoria dos jogos Em psicofísica também se tenta enquadrar a medida como sendo fundamental Entretanto para isso deverseia modificar a definição de medida fundamental como sendo a medida de atributos extensivos Em psicofísica o atributo de interesse é a resposta do sujeito a estímulos físicos Estes certamente podem permitir medida fundamental mas não são eles que constituem o interesse específico direto da medida psicofísica mas sim a resposta a eles E desta não há como visualizar uma medida fundamental dado que não é um atributo extensivo A medida da resposta se faz em função da sua relação com o estímulo relação estabelecida por uma lei empiricamente demonstrada A medida portanto se baseia numa função entre componentes A palavra componentes está entre aspas porque o estímulo realmente não é componente da resposta no sentido dado nas medidas derivadas nas quais os componentes relacionados são propriedades constituintes do atributo medido derivadamente como massa em função de volume e densidade Se medida fundamental não é defensável em ciências psicossociais nem a derivada o é Resta então a possibilidade de se medir nestas ciências por uma terceira forma que vimos apresentando sob a égide de medida por teoria que congrega finalmente aquelas formas de medida não redutíveis a medidas fundamentais Duas formas de medida são aqui destacáveis medida por lei e medida por teoria propriamente As duas podem ser enquadradas sob medida por teoria dado que a lei constitui uma hipótese derivável de alguma teoria e empiricamente demonstrável 61 Medida por lei A medida por lei é comum nas ciências psicossociais Em Psicologia em particular ela faz parte da história da psicofísica e da análise experimental do comportamento Em psicofísica a história que vai de Weber a Stevens é a da medida por lei lei da constante 16 Weber lei logarítmica Fechner e lei da potência Stevens Na análise experimental do comportamento temos as várias leis do reforço por exemplo Em que consiste uma medida por lei Medese por lei quando se quer demonstrar empiricamente que dois ou mais atributos estruturalmente diferentes mantêm entre si relações sistemáticas Duas condições são expressas nesta concepção 1 os atributos são de natureza diferente um não é redutível ao outro Por exemplo a cor e a distância são dois atributos distintos dos fenômenos físicos no caso do desvio para o vermelho das linhas espectrais dos objetos na medida de distâncias No caso da medida psicofísica e da análise experimental do comportamento acontece o mesmo com a resposta e o estímulo que são dois atributos diferentes e 2 a existência de uma relação sistemática entre estes atributos que foi demonstrada cientificamente Assim as manipulações efetuadas num atributo repercutem sistematicamente no outro donde é possível estabelecer uma função de covariância entre os dois uma lei 62 Medida por teoria Uma teoria não é uma lei dado que é composta de axiomas ou postulados e não de fatos empíricos Ademais ela é científica se de seus axiomas é possível deduzir hipóteses empiricamente testáveis O caso da medida por teoria ocorre também em Física como ficou dito acima No caso da Psicologia podemos distinguir vários enfoques teóricos com respeito à medida por teoria Quatro deles são de uso corrente quais sejam 1 Teoria dos Jogos esta trabalha basicamente com dois parâmetros isto é a a probabilidade objetiva de ganhos e perdas associada com a escolha de cada alternativa disponível e b a utilidade que expressa a preferência subjetiva do sujeito por uma determinada alternativa O conceito de utilidade foi introduzido pela ciência econômica diante do fato de que os sujeitos nem sempre escolhem a alternativa de maior probabilidade objetiva de ganhos De fato as alternativas numa dada situação podem ser ordenadas tanto pela grandeza de suas probabilidades objetivas quanto pelo nível de preferência que o sujeito lhes atribui Aliás o conceito de utilidade entendida corno a força de nosso desejo já foi trabalhado por Pascal em La logique ou lart de penser 1662 apud Bernstein 1997 depois por BernouIli e redescoberta por Bentham no século XVllI este conceito foi reelaborado por V on Neumann e Morgenstern na teoria dos jogos que publicaram em Theory of games and economic behavior 1953 A escolha ou decisão final depende de uma interação entre estas duas ordenações decisão que a teoria dos jogos procura explicar V on Neumann Morgenstern 1944 Blinder 1982 Zagare 1984 Mirowski 1991 1992 Macrae 1992 Nasar 1994 Leonard 1995 2 Teoria Psicofísica esta teoria trabalha com estímulos e respostas Dentro dela se distinguem 1 Teoria clássica que trabalha sobretudo o problema dos limiares sensoriais Weber 1834 Fechner 1860 Gescheider 1997 2 Teoria da Detecção do Sinal esta trabalha com dois parâmetros a saber relação sinalruído d e a disposição do sujeito beta O primeiro parâmetro define o grau de detectabilidade do sinal contra um fundo de ruído e o beta define o nível de vontade ou disposição que o sujeito tem de ver o sinal quando ele está presente Gescheider 1997 Swets 1959 Green Swets 1966 Swets et aI 1961 3 Teoria stevensiana Stevens 1946 1951 1959 1960 1971 1974 1975 Faleiros Souza Kamizaki da Silva 1999 4 Teoria do Estímulo e Resposta Skinner 1953 1958 1959 KelIer Schoenfeld 1950 Sidman 1960 17 3 Teoria Psicométrica ou a Teoria dos Testes Psicológicos Esta teoria trabalha igualmente com dois parâmetros a saber a resposta comportamento do sujeito e o critério Pelo fato de que o critério é entendido de diferentes maneiras surgem duas teorias psicométricas bastante distintas quais sejam a Teoria Clássica dos Testes TCT que entende o critério como comportamento futuro e a Teoria de Resposta ao Item TRI que entende como critério o traço latente latent modeling Estas serão detalhadas no Capítulo 4 7 O Problema do Erro 71 Conceito de erro A medida é um procedimento empírico e não existe procedimento empírico isento de erro Esta não é uma afirmação lógica mas pode ser considerado um postulado e pode ser empiricamente verificada através de operações de mensuração Mesmo na medida fundamental é impossível se evitar o erro Argumentando com Popper 1972 podemos dizer que medir consiste na determinação da coincidência de pontos um sinal no objeto a ser medido e um sinal no instrumento de medida metro por exemplo Agora não existe tal coincidência no sentido de que os dois pontos se fundem num ponto único há apenas uma justaposição dos dois pontos A precisão perfeita da justaposição só seria finalmente efetuada se pudesse ser verificada num aumento ao infinito desses dois pontos e acontece que com o aumento deles ao infinito se verifica que os pontos realmente de fato não estão perfeitamente alinhados mas apenas aparecem mais ou menos próximos Assim a coincidência se faz dentro de um intervalo o ponto do corpo medido cai dentro de um intervalo de pontos no instrumento extremos de condensação Quanto menor este intervalo maior a precisão da medida Por esta razão é costumeiro entre os cientistas apresentar além do valor da medida o seu equivalente erro provável o qual define precisamente estes extremos de condensação A esta altura você provavelmente já sentiu que o número utilizado na medida dos fenômenos naturais não é exatamente o número que os matemáticos estudam embora ele mantenha importantes características em comum tais como ordem e até aditividade É entretanto esclarecedor observar que o número estudado pelos matemáticos é um conceito absolutamente claro e distinto ele é um ponto ele é o objeto direto de estudo do matemático Por outro lado o número utilizado na medida já não é mais um ponto ele é um intervalo o que significa que ele pode ser mais ou menos ele mesmo isto é ele admite variabilidade o que é uma maneira elegante de dizer que ele admite erro Este número grosseiro é objeto de estudo de um ramo da Matemática chamada Estatística Assim enquanto a Estatística estuda o número como representação de algo diferente dele porque ele é uma descrição de fenômenos naturais e não mais um conceito original a Matemática estuda precisamente o número em sua própria identidade 72 Tipos de erro Os erros podem ser debitados ou à própria observação ou à amostragem de objetos ou eventos na qual a medida foi realizada 721 Erros de observação Há quatro fontes principais de erros de observação 1 erros instrumentais devidos a inadequações do instrumento de observação 2 erros pessoais devidos às diferentes maneiras de cada pessoa reagir 3 erros sistemáticos devidos a algum fator sistemático 18 não controlado como por exemplo medir a temperatura em nível diferente da do mar e 4 erros aleatórios que não têm causa conhecida ou cognoscível Há inclusive curiosos acontecimentos neste particular como a demissão do seu assistente pelo astrônomo real Nevil Maskelyne Inglaterra por ter observado a passagem de estrelas e planetas meio segundo depois do que tinha ele mesmo observado O problema não é tanto a existência desses erros que são inevitáveis mas sim identificar as suas fontes e propor meios de reduzilos A Tabela 24 dá uma síntese desta problemática 722 Erros de amostragem Como a pesquisa empírica normalmente não pode ser feita sobre rodos os membros de uma população de eventos ou objetos tipicamente se seleciona uma amostra destes eventos ou objetos Esta escolha de indivíduos no meio de uma população é sujeita a desvios vieses isto é erros O problema não é os erros em si se o interesse fosse tirar conclusões sobre a amostra selecionada Acontece porém que o interesse do pesquisador é tirar conclusões ou fazer inferências sobre toda a população da qual a amostra foi retirada Neste caso o erro de amostragem é desastroso dado que poderia ocasionar inferências errôneas considerando a presença de vieses da amostra com respeito a esta população falta de representatividade Para solucionar os problemas advindos da seleção da amostra foi desenvolvida a teoria estatística da amostragem Tabela 24 Erros de medida fontes e controle Tipo Causa Controle instrumental instrumento calibração pessoal observador diferenças individuais atenção treinamento sistemático fator específico experimental ou estatístico aleatório não conhecida teorias do erro probabilidade amostragem seleção da amostra Representatividade da amostra teoria estatística 73 A teoria do erro Dado que o erro está sempre presente em qualquer medida e que sua presença constitui uma ameaça séria à tomada de decisões científicas é de capital importância que haja meios de neutralizar ou diminuir os seus efeitos ou pelo menos de conhecer sua grandeza o mais aproximado possível para saber o tamanho de risco em que se está incorrendo ao tomar decisões baseadas na medida Todos os esforços para controlar o erro através de procedimentos experimentais são necessários mas nem por isso o erro vai desaparecer dado que a ocorrência dele é imprevisível isto é não é nunca possível se determinarem as causas de todos os erros possíveis numa medida Para enfrentar esta situação foi desenvolvida a teoria do erro baseada na teoria da probabilidade e dos eventos casualóides Um evento casualóide ou aleatório é definido por Popper 1974 190 Uma seqüênciaevento ou seqüência propriedade especialmente uma alternativa se diz casualóide ou aleatória se e somente se os limites das freqüências de suas propriedades primárias forem absolutamente livres isto é indiferentes a qualquer seleção que se apóie nas propriedades de qualquer ênupla de predecessores Em palavras mais simples um evento empirico é aleatério se sua ocorréncia nao pode ser predita a partir dos eventos que ocorreram antes dele isto é ele é totalmente independente livre com relagao ao que aconteceu antes Imagine o jogo de langar uma moeda para obter cara ou coroa ou de um dado qualquer que tenha sido o resultado nos langamentos anteriores do dado o resultado um entre seis possiveis do prdximo langamento é totalmente imprevisivel isto é liberdade absoluta O erro na medida é considerado um evento aleatério pela teoria do erro Feita esta suposiao entao é possivel tratar o erro dentro da teoria da probabilidade do teorema de Bernoulli que baseia a lei dos grandes numeros e da curva normal que determina a probabilidade de ocorréncia dos varios elementos da série no nosso caso da série aleatoria composta dos varios tamanhos de erros cometidos na medida A curva normal define que uma sequéncia aleatoria de eventos empiricos se distribui normalmente em tomo de um ponto modal média igual a O e uma variancia igual a 1 Este valor modal no caso de uma distribuigao de erros significa que estes se cancelam no final dado que este valor 0 o que possui a maior probabilidade na distribuigao Contudo isto 6 absolutamente verdadeiro somente na distribuigao de uma série aleat6ria de um numero infinito de eventos segundo o teorema de Bernoulli Este teorema na verdade afirma que um segmento x de elementos de uma série aleatoria infinita A isto é com liberdade absoluta que se aproxima da série total x 1 A possui os mesmos parametros desta série Isro significa que quanto maior o segmento mais proximo esta dos parametros da série ou em outras palavras quanto maior 0 segmento menor o desvio dos parametros dele dos da série Diz Popper 1974 198 Assim o teorema de Bemoulli assevera que os segmentos mais curtos de sequéncias casualdides mostram muitas vezes grandes flutuagées enquanto que os segmentos longos sempre se comportam de modo que sugerem constancia ou convergéncia diz o teorema em suma que encontramos desordem e aleatoriedade no pequeno ordem e constancia no grande E a este comportamento que se refere a expresso lei dos grandes numeros Na pratica da pesquisa contudo o erro da medida é expresso pelo erro padrao da medida EPM que é 0 valor médio da variancia isto é hi ail ahI onde S2 variancia e N numero de sujeitos A informagao dada pelo erro padrao da medida esclarece que a medida verdadeira de um atributo se situa entre o valor médio das medidas efetuadas e um erro padrao em tomo dele isto 6 mais um erro padrao e menos um erro padrao 8 Importancia da Medida Poderseia perguntar diante de tantas dificuldades que a medida apresenta se ha vantagem em se utilizar métodos de medides em lugar de métodos puramente qualitativos ou descritivos Parece que a resposta deva ser positiva porque aqueles métodos se apresentam superiores a estes em pelo menos duas areas precisao e simulagao 19 20 81 Precisão Apesar da medida nunca ser destituída de erro ela é capaz de definir limites dentro dos quais os reais valores dos atributos medidos se encontram O conceito de pontos de condensação ou de extremos imprecisos Popper 1974 nos indica a solução da questão da precisão da medida Fazer pontos coincidirem ponto extremo do atributo do objeto a ser medido e ponto de referência do instrumento de medida significa determinar que o ponto do atributo cai dentro de um intervalo de pontos extremos do instrumento A questão então se reduziria a determinar estes pontos extremos do intervalo que por sua vez também caem dentro de um intervalo cujos pontos extremos precisariam ser determinados e assim indefinidamente Isto é nunca daria para decidir nenhum intervalo de pontos de condensação Entretanto os pontos extremos do intervalo de condensação seriam definidos por intervalos cada vez menores de sorte que se pode finalmente definir um intervalo o menor possível com pontos extremos imprecisos dentro do qual o valor real do atributo se encontra Assim fica definido um intervalo mínimo mais provável dentro de seus pontos extremos e igualmente a margem de erro tolerada ou provável De sorte que não se contentaria em simplesmente afirmar que o atributo é mais ou menos de tal magnitude mas que tem uma magnitude definida dentro de limites intervalo assim estabelecidos A redução ao mínimo do intervalo dos pontos de condensação evidentemente depende de avanços tecnológicos no instrumental de medição Sendo isso possível fica mais precisa tanto a descrição do fenômeno natural quanto a comunicação sobre o mesmo Fica também mais exata a definição das operações e procedimentos utilizados na observação dos mesmos fenômenos A medição não toma a observação possível mas a torna mais unívoca isto é menos ambígua mais precisa Esta vantagem da medição se toma ainda mais crucial na observação do muito grande macroscópico e do muito pequeno microscópico 82 A simulação A manipulação da realidade é geralmente complexa difícil e custosa Além disso às vezes ela é impossível ou eticamente condenável Por exemplo não parece aceitável querer estudar os efeitos da bomba atômica sobre uma cidade explodindo uma Mas conhecendo com precisão as relações entre os componentes em jogo e suas magnitudes podese utilizar modelos matemáticos para simular os efeitos que queremos estudar e que de outro modo seria impossível ou impraticável pesquisar Conclusão A medida em ciências empíricas não pode ser considerada uma panacéia para decidir todos os problemas do conhecimento da realidade inclusive porque não é ela que define o objeto e nem o método da ciência Mas diante das vantagens apresentadas seria quiçá até irracional não se aproveitar da medida como instrumental de trabalho no estudo da realidade A história da ciência parece demonstrar inclusive que o avanço do conhecimento científico está ligado ao maior ou menor uso da medida sobretudo quando ela está baseada numa teoria axiomatizada isto é quando há a explicitação clara do maior número possível dos axiomas necessários Infelizmente na medida em ciências psicossociais esta axiomatização está longe de ser uma realidade Mesmo assim a discussão sobre a viabilidade da medida nestas ciências parece uma disputa mais inócua que produtiva uma discussão de como se proceder à medida parece mais substantiva produtiva e útil para o desenvolvimento destas ciências