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39 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE O DISCURSO CIENTÍFICO IMPLICAÇÕES ENTRE ANCORAGEM SOCIAL ARGUMENTAÇÃO E REALIZAÇÃO TEXTUAL Francisca Tarciclê P Rodrigues1 Doutora em Linguística UFC Professora de Português do IFCE Membro do Grupo de Pesquisa Protexto UFC Mônica Magalhães Cavalcante2 Doutora em Linguística UFPE Professora do Programa de Pósgraduação em Linguística UFC Líder do Grupo de Pesquisa Protexto UFC RESUMO Este trabalho que dá sequência às constatações de Rodrigues 2017 em sua tese tem o objetivo de tecer ponderações sobre o discurso científico que tem dominância em muitos gêneros formais acadêmicos principalmente no artigo científico À luz do contrato de comunicação proposto pela semiolinguística da análise da argumentação nos discursos e dos pressupostos teóricometodológicos da Linguística Textual refletimos sobre as regularidades e particularidades da modalidade argumentativa demonstrativa ilustrando isso com o contexto interacional em que são produzidos e consumidos os artigos científicos Palavraschave Discurso científico Ancoragem social Argumentação Realização textual Introdução Este artigo aborda o discurso científico a partir de uma interface teórica entre a teoria semiolinguística a análise da argumentação nos discursos e a Linguística Textual utilizando como ilustração o gênero acadêmico artigo científico O objetivo é defender a tese de que a sua escrita obedece a certas convenções de ordem científica no que diz respeito às especificidades da área da disciplina da teoria a que o estudo desenvolvido pode se filiar de ordem situacional no que diz respeito ao lugar de publicação à revista a que é submetido e ao subtipo de gênero de ordem comunicacional no que diz respeito a quem é projetado como os seus possíveis leitores 1 Endereço eletrônico ttarsicleyahoocombr 2 Endereço eletrônico monicamc02gmailcom 40 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE e de ordem textual no que diz respeito às estratégias argumentativas que o locutor mobiliza na negociação com o outro entre elas os recursos intertextuais de copresença a consideração de um plano de texto que atenda à sequência textual argumentativa dominante e o uso de marcações dêiticas de posicionamento A argumentação no discurso científico Todo texto é atravessado por diversos discursos e tem os seus jogos de realização definidos por um contrato de comunicação no qual a finalidade da situação interativa é determinante Quando há dominância de discurso científico como se dá em alguns gêneros acadêmicos esse discurso tem uma finalidade demonstrativa segundo Charaudeau 2008 Nesse sentido o alcance dessa finalidade se dá por meio da realização de uma argumentação demonstrativa que consiste em uma atividade de provar desenvolver os conhecimentos e convencer CHARAUDEAU MAINGUENEAU 2008 p 149 ou seja de demonstrar uma verdade a partir do emprego de métodos e princípios racionais Com isso em mente julgamos ser necessário pensar esse discurso considerando as relações de forças envolvidas nas práticas do domínio discursivo acadêmico Como afirma Rajagopalan 1991 p 12 o discurso científico é produzido por profissionais que exercem uma enorme influência no dia a dia do cidadão comum A ciência é hoje a religião do homem moderno que se considera iluminado Mas conforme nota o autor por detrás da fachada do consenso da opinião paciente e cautelosamente formada das conclusões e certezas confiantemente divulgadas descobrese uma luta sem trégua RAJAGOPALAN 1991 p 11 Tratase de considerar que no meio acadêmicocientífico a produção do conhecimento científico se dá em meio a um processo de acordos e desacordos Santos 2008 por exemplo trata da questão da identidade dos pesquisadores em formação e ressalta que a identidade desses pesquisadores se constitui na tensão no embate aproximaçãoafastamento com uma imagem ideal de pesquisador certamente sob a influência das representações que têm da chamada ciência moderna sobre o modelo de pesquisadorcientista Isso significa que assim como no meio acadêmicocientífico não se tem uma identidade definida de pesquisador também não se tem a verdade como resultado de um 41 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE estudo científico O que há é uma verdade validada pelo paradigma científico que norteia o estudo realizado Em razão disso importa ressaltar que a escrita de um texto científico não converge para o estabelecimento da verdade mas para a demonstração de uma verdade que pode ou não ser considerada válida segundo o paradigma da comunidade científica KUHN 2013 Pela concepção de ciência de Kuhn 2013 os paradigmas podem ser compreendidos como exemplos aceitos na prática científica real exemplos de teoria aplicação e instrumentação que proporcionam modelos e assim constituem as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica de uma dada comunidade científica Em outras palavras as comunidades científicas orientam as suas investigações com base em teorias recorrentes e quase padronizadas quanto às suas aplicações conceituais instrumentais e com base na forma tradicional de observação do objeto de estudo mas ainda assim os posicionamentos teóricos assumidos pelos pesquisadores constituem uma evidência de que a prática científica se realiza conforme a formação e as experiências acadêmicocientíficas deles Isso explica por que os pesquisadores agem científica discursiva e textualmente orientados pelas práticas de sua comunidade científica e ao mesmo tempo pelos próprios interesses acadêmicocientíficos Para nós o modo como se dá a prática científica incluindose o próprio discurso científico seja em função de um paradigma epistemológico seja em função das contingências sociais econômicas políticas seja em função desse conjunto de coisas exerce uma influência determinante sobre o seu fortalecimento ou seu redimensionamento razão por que se desenvolve em textos com uma modalidade de argumentação demonstrativa uma tese é apresentada pelo locutor num discurso monogerido ou poligerido a um auditório cuja adesão ele quer obter por meio da demonstração razoável do raciocínio articulado apoiado em provas AMOSSY 2008 p2 Pensamos que a modalidade de argumentação demonstrativa funciona no discurso científico como a atividade pela qual os sujeitos pesquisadores podem influenciar a comunidade científica no sentido de fortalecer ou redimensionar o paradigma que orienta ou deve orientar as pesquisas Defendemos por isso que a argumentação no discurso científico pode tanto refletir quanto fortalecer as lutas que constituem as práticas científicas em relação aos paradigmas a serem seguidos por uma comunidade científica Mas consideramos 42 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE apropriado acrescentar que há outras formas de luta presentes no meio acadêmico científico como é o caso da partilha de títulos os quais atuam como importantes instrumentos de poder determinantes para a construção de subjetividades conforme destaca Da Silva 2015 sobre a necessidade da conquista de determinados títulos para que o sujeito possa ser legitimado a ingressar no meio profissional acadêmico Esses títulos só são possíveis mediante certas comprovações das quais a produção escrita acadêmicocientífica é talvez a mais relevante Do mesmo modo além da produção é necessária a publicação acadêmicocientífica condicionada a certos critérios de validação Dito de outro modo a escrita acadêmicocientífica precisa se realizar de modo a atender a critérios desde os textuais até os situacionais ou seja precisa se realizar obedecendo a um contrato de comunicação conforme prevê a semiolinguística A maneira de analisar o discurso na semiolinguística é orientada pela necessidade de distinção proposta por Charaudeau 2002 entre a noção de fim que está ligada à ação e de intenção visada que está ligada à linguagem Assim os termos intenção finalidade visada designam a finalidade e ao mesmo tempo a intenção do sujeito falante de produzir um efeito sobre o outro no ato de comunicação para tentar influenciálo Por isso a finalidade da situação de comunicação também pode ser designada como visada uma condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função de um objetivo ou seja de uma visada As principais visadas estão descritas a seguir a visada de prescrição eu quer mandar fazer e ele tem autoridade para sancionar tu se encontra em posição então de dever fazer a visada de solicitação eu quer saber e ele está portanto em relação de inferioridade de saber diante do tu mas legitimado em sua demanda tu está em posição de dever responder à solicitação a visada de incitação eu quer mandar fazer mas não estando em posição de autoridade só pode incitar a fazer ou seja fazer o tu acreditar por persuasão ou sedução que ele será o beneficiário de seu próprio ato Logo o tu está em posição de dever acreditar que se ele age é para o seu bem a visada de informação eu quer fazer saber e ele está legitimado em sua posição de saber tu se encontra em posição de dever saber alguma coisa sobre a existência dos fatos ou sobre o porquê ou o como de seu surgimento 43 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE a visada de instrução eu quer fazer saberfazer e ele se encontra em posição de autoridade de saber fazer e de legitimação para transmitir o saber fazer tu se encontra em posição de dever saberfazer segundo um modelo que é proposto por eu a visada de demonstração eu quer estabelecer a verdade e mostrar as provas segundo uma certa posição de autoridade cientista especialista expert tu está em posição de ter de receber e ter que avaliar uma verdade e então ter a capacidade de fazêlo a visada de pathos eu quer fazer sentir e ele tem os meios para isso tu está em uma posição na qual pode sentir um estado emocional agradável ou desagradável As visadas são relacionadas na semiolinguística às situações de comunicação por isso são pressupostas pela linguística textual como associadas a situações interacionais nas quais há a dominância de uma ou mais finalidades Essas visadas envolvem um fim e uma ação Nas práticas de escrita de um artigo científico por exemplo o fim a se alcançar inclui a publicação em um determinado periódico de preferência bem avaliado pela Capes Do ponto de vista comunicacional para que o fim seja alcançado o sujeito pode realizar um ato de comunicação o que para o artigo científico por exemplo supostamente implicaria a realização do discurso científico no texto conforme as regras que a situação de comunicação prevê para o caso em questão Mas isso somente não basta Para que a ação realizada possa levar ao fim pretendido é preciso que o outro sobre quem se pretende agir assim o permita ou seja o sujeito falante ou locutor nos termos da linguística textual precisa buscar influenciar o outro em seu pensar em seu crer em seu agir etc Por essa razão o quadro de ação precisa implicar a linguagem mediante uma intenção visada do sujeito falante em relação ao outro sujeito da comunicação A visada está necessariamente relacionada a um projeto de influência para o qual são exigidos invenção e cálculo permanente sobre o outro sem que se tenha certeza do sucesso Em síntese para a semiolinguística uma análise por exemplo acerca do artigo científico deveria necessariamente concentrarse sobre a ação que possibilitou a produção do discurso científico e da finalidade que possibilitou a realização deste texto Seria uma análise motivada pela seguinte questão qual a influência social pretendida com a produção deste texto Essa questão muito cara à semiolinguística é colocada apenas como subentendida para a linguística textual cuja análise deve concentrarse sobre as práticas discursivas que as interações requerem para a organização de um dado texto 44 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Este trabalho embora se apoie nos pressupostos charaudianos sobre a noção de contrato de comunicação de sujeito de intencionalidade e de busca de influência sobre o outro traz reflexões importantes sobre a perspectiva teóricometodológica da Linguística Textual em interface com a análise argumentativa dos discursos de Ruth Amossy Interessanos na Linguística Textual analisar o texto como um lugar de estruturação dos usos da linguagem em função das condições de produção nas quais esses usos se manifestam sempre parcialmente condicionados por sistemas de conhecimento e de crenças aos quais aderem os indivíduos e os grupos sociais Dessa forma podemos afirmar que no texto estão implicadas as práticas discursivas dos participantes diretos ou indiretos da interação O locutor toma decisões sobre o modo de elaborar seu texto como quem precisa fazer cálculos acerca de como convém proceder na interação e no texto pelo qual ela acontece Para a elaboração de um artigo científico por exemplo ele se interroga sobre quem são seus pares sobre que possíveis conhecimentos o outro domina sobre que temas podem ser interessantes para o outro Além disso o locutor pondera sobre que conhecimentos precisa compartilhar no artigo em função do que julga relevante para a argumentação demonstrativa que está desenvolvendo Ainda que não aceitemos como equivalentes os termos texto e discurso como o faz Charaudeau concordamos com o autor quando defende que o discursotexto se realiza circunscrito a uma finalidade que lhe é socialmente convencional e ao mesmo tempo que é particularmente definida pelo locutor em termos de projeto de fala por isso somente na análise da convergência ou não dessas finalidades é que se pode descrever analiticamente a influência possível que o texto pode exercer E para que a interação aconteça a contento de modo a possibilitar a influência tencionada fazse necessário que os participantes regulem o jogo de influências por meio de estratégias discursivas Para a análise da argumentação nos discursos de Ruth Amossy e para a Linguística Textual tais estratégias são sempre argumentativas porque todo texto tem uma dimensão argumentativa ou seja é de natureza argumentativa no sentido de que se realiza como tentativa de interação de orientação de problematização de compartilhamento de negociação de sentidos Esses princípios repercutem sobre os modos de dizer do locutor o que para a Linguística Textual envolve não apenas os processos linguísticos mas também os processos de construção de referentes de intertextualidade de padronização das práticas 45 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE discursivas dos gêneros de organização composicional do texto e de gerenciamento dos modos de marcar no texto as heterogeneidades enunciativas Assim a Linguística Textual que temos defendido adota a visão de Amossy 2015 de que a argumentação está inscrita no discurso por isso dizemos que todo texto se constrói numa negociação persuasiva no acordo ou no desacordo A dinâmica dessa negociação é construída pela utilização de estratégias argumentativas entre as quais destacamos as que concernem à textualização A análise da argumentação nos discursos Amossy 2017 fundada na retórica nova e clássica e na perspectiva dialógica para a explicação dos embates discursivos defende a tese de que o componente retórico usado para a tentativa de influência e de negociação está no coração dos discursos Amossy acredita ser possível observar em todo uso linguageiro uma dimensão argumentativa mesmo que uma dada interação não apresente uma visada de persuasão proposta por Charaudeau 2016 Percebemos muito do pensamento charaudiano nas bases da proposta de Amossy como ela própria o admite Embora não sejam noções equivalentes as modalidades argumentativas sugeridas por Amossy parecem ter inspiração nos diferentes tipos de visada de que fala Charaudeau Amossy 2015 reitera que diferentemente da semiolinguística sua análise da argumentação nos discursos não sobrevaloriza a análise dos possíveis efeitos sociais da tentativa de influência sobre o outro Importalhe examinar como nas interações respeitando quadros institucionais diversos os participantes da comunicação em seus papéis sociais gerem variados pontos de vista Para a autora importa mais o fazer argumentativo dos textos nas interações particulares o que pode se dar sob diferentes modalidades que não se separam tão discretamente como poderia parecer Tratase das modalidades argumentativas demonstrativa patêmica pedagógica negociada por coconstrução e polêmica Dessas modalidades focalizamos aqui a demonstrativa definida por Amossy 2008 como aquela em que o locutor buscaria a adesão dos interlocutores apresentando uma tese central escorandoa em argumentos Entre os gêneros que se elaboram dentro desse tipo de modalidade argumentativa figuram o artigo de opinião o debate eleitoral o editorial e outros Pensamos que os artigos científicos as monografias as dissertações e teses também se inscrevam na modalidade demonstrativa todavia o modo como o locutor constrói suas estratégias argumentativas a nosso ver diverge da maneira como as opiniões são sustentadas em artigos de opinião e editoriais por exemplo 46 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Isso nos leva a sugerir que se investigue em outros trabalhos como o fazer argumentativo se mostra diversificado em diferentes gêneros até dentro de uma mesma modalidade como a demonstrativa O que importa considerar no planejamento da escrita de um artigo científico Para elaborar qualquer texto e sobretudo para escrever um texto que atenda aos padrões do gênero artigo científico é necessário definir um propósito em torno de um domínio de saber O propósito guarda estreita relação com a pertinência da delimitação temática e da tese dentro do universo de discurso dominante Por atrelar a realização da argumentação à situação de comunicação em que ocorre Charaudeau 2016 não defende a posição de que a argumentação constitui todos os discursos ou seja para o autor o modo argumentativo não está necessariamente relacionado a todo texto pode haver dominância dos modos narrativo ou descritivo Embora isso contrarie nossos pressupostos dentro da Linguística Textual assim como o da análise da argumentação nos discursos retomamos aqui alguns aspectos importantes apontados pelo autor para a consideração do modo de argumentar em gêneros acadêmicos formais Segundo Charaudeau 2016 as situações interacionais cuja finalidade consiste em estabelecer uma verdade correspondem à ordem da demonstração como se dá com os artigos científicos O locutor como sujeito argumentante no artigo científico levando em conta as instruções da situação de comunicação na qual se encontra deve se engajar em uma tripla atividade discursiva fazendo com que o outro interlocutor único ou auditório compreenda 1 de que se trata para problematizar 2 qual a posição que ele adota para posicionarse 3 qual é a força de sua argumentação para provar Essas três condições estão diretamente relacionadas aos elementos que constituem o dispositivo argumentativo Problematizar é uma atividade discursiva que consiste em propor a alguém que é preciso pensar sobre a questão colocada dentro do domínio temático proposto A problematização só é possível se lhe cabe um questionamento Posicionarse é a condição que exige que o sujeito argumentante diga que ponto de vista quer defender Para isso ele se engaja em uma tomada de posição o que o levará ao mesmo tempo a se opor a outras Posicionarse não significa somente colocarse em posição de concordância ou de discordância pois é possível aparentar um tipo de neutralidade como se apenas se 47 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE examinassem os diferentes pontos de vista Provar é a atividade discursiva que serve para justificar a escolha do posicionamento Com isso o sujeito argumentante ou locutor nos termos da Linguística Textual pode assegurar a validade de sua tomada de posição e dar ao interlocutor os meios para julgálo A fim de permitir que o interlocutor seja capaz de aderir à tomada de posição ou de rejeitála o locutor estabelece relações de causalidade entre as asserções e tenta garantir a força da ligação entre elas Além disso ele seleciona os argumentos que parecerão pertinentes para validar o seu raciocínio e influenciar o interlocutor quanto à validade de sua argumentação Esses procedimentos argumentativos ficam muito concentrados na proposta do autor a escolhas léxicosemânticas e gramaticais Para a Linguística Textual as estratégias argumentativas devem contemplar além da interação e das convenções do gênero a heterogeneidade das sequências textuais e dos planos de texto o gerenciamento do tópico discursivo em relação à tese proposta a colocação dos processos referenciais em rede a convocação de processos intertextuais como citação paráfrase e alusão e as marcas de heterogeneidades enunciativas Todos esses recursos de textualização são fundamentais para a hierarquização dos argumentos de valor de acordo com o que no domínio discursivo acadêmico é considerado como verdadeiro como ético como pragmático e que corresponde a saberes de conhecimento e saberes de crença Em todo texto são encenados jogos de verdade que envolvem relações de forças próprias das interações humanas Para Gregolin 2016 a verdade é concebida como uma configuração histórica assim não há uma verdade mas vontades de verdade que se transformam de acordo com as contingências históricas Essa vontade de verdade se apoia sobre um suporte institucional porque é reforçada e reconduzida por todo um conjunto de práticas É reforçada no sentido de que as instituições definem valorizam excluem evidenciam a vontade de verdade em determinada época por isso a vontade de verdade implica relações de poder e de saber correlacionadas na produção de discursos pelos quais também se produzem as verdades Na concepção foucaultiana vontade de verdade significa considerar a possibilidade de existência de uma verdade entre verdades ou seja de uma verdade que por razões de controle pode sobressair em relação a outras possíveis verdades Não devemos pois na Academia presumir a existência de uma única e absoluta verdade que somente a ciência pode produzir mas sim de verdades institucionalmente controladas e historicamente produzidas conforme frisa Gregolin 2016 Em outras palavras tratar de 48 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE conhecimento científico implica considerar sob que concepção no espaço de que campo de saber no âmbito de que disciplina sob qual paradigma KUHN 2013 e em que momento históricosocial esse saber é reconhecido e valorado As instituições convivem formando um sistema estratégico em que se travam lutas e relações de poder cujas armas são também os discursos e os textos acadêmicos pelos quais as vontades de verdade são produzidas e compartilhadas Cremos que a despeito das especificidades teóricas de cada um tanto Charaudeau 2013a 2013b quanto Foucault 2011 reconhecem a possibilidade de sobredeterminação e ao mesmo tempo de liberdade entre uma dada situação de comunicação o locutor e os textos que produz em negociação Isso condiz com a concepção de sujeito com a qual lida a Linguística Textual Charaudeau enxerga na liberdade do sujeito falante a possibilidade de ele se insurgir digamos assim contra o que lhe é sobredeterminado por intermédio das estratégias discursivas Amossy 2017 elabora sua teoria da argumentação nos discursos demonstrando não apenas o potencial argumentativo dessas estratégias mas também como elas acontecem textualmente em diferentes interações Entendemos a partir de Charaudeau 2016b que há algumas situações de comunicação em que a argumentação se realiza para que o sujeito exerça a sua influência sobre o outro e para que se realize aquilo que é esperado na situação segundo os poderes e os saberes que foram se estabelecendo Porém para Amossy 2015 e também para a Linguística Textual a argumentação não é apenas um dos modos de organização dos textos mas a própria motivação para que um texto aconteça como evento comunicativo Por isso para nós todo texto tem uma dimensão argumentativa Seguindo Amossy 2015 dizemos que a Linguística Textual se interessa pela análise dos textos e das interações examinando as estratégias de negociação persuasiva num contínuo de modalidades argumentativas Uma dessas modalidades é a demonstrativa pela qual se guia o discurso científico organizado de maneira a apresentar uma problematização um posicionamento e provas Se essa demonstração será feita pela explicação relação de causalidade ou pela compreensão dos fenômenos somente a situação interacional em que o discurso científico se realiza pode definir A situação interacional na perspectiva da semiolinguística compreende inclusive a legitimidade do discurso científico a qual parece ser construída no contexto brasileiro a partir de critérios de produtividade valorados hierarquicamente Os pesquisadores são classificados de acordo com o tipo de produtividade Nível de bolsa 49 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE PQCNPq com o título acadêmico com os tipos de publicações artigos científicos livros etc e com os lugares de publicação de suas produções periódicos científicos e os fatores de impacto A compreensão disso pode ser feita analisandose MottaRoth et al 2016 que apresentam a partir da análise da produção escrita publicada nos currículos lattes de pesquisadores de algumas áreas científicas determinadas particularidades que permitem compreender como se dá a produtividade da prática de produção científica dessas áreas Com análises dessa natureza é possível identificar as instituições que estão no controle da realização dos textos científicos como se dá tal controle o que essas instituições controlam em termos de produção científica e assim também é possível apreender como as relações de poder de saberes e de vontades de verdade constituintes do discurso científico são atualizadas nos contratos de comunicação considerados para análise Análises desse tipo importam para os estudos que se visem considerar o contrato de comunicação que orienta determinadas práticas de produção científica discursivas e de escrita acadêmica como o fez Rodrigues 2017 ao se concentrar sobre o estudo da argumentação no discurso científico de pesquisadores da Linguística Com caráter exemplificativo fazemos menção à tese de Rodrigues 2017 na qual se destaca o papel de influência que os órgãos Capes e CNPq com suas ações e instrumentos de ação têm sobre a prática acadêmicocientífica do Brasil e assim exercem uma função determinante também sobre a prática científica da Linguística desenvolvida sobretudo nos seus Programas de Pósgraduação Considerandose este estudo constatase que o Poder Executivo brasileiro tem um papel determinante sobre a prática científica do país em especial por intermédio de órgãos como a Capes e o CNPq por isso os reconhecemos como instâncias de controle O CNPq por exemplo é institucionalmente caracterizado como parte do compromisso do Governo Federal com a promoção da ciência da tecnologia e da inovação os quais são considerados elementos centrais do pleno desenvolvimento da nação brasileira Conforme análise do regimento interno do CNPq estabelecido em portaria pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia MCT 2002 observouse que o verbo mais recorrente na descrição das competências desse órgão é promover usado em relação a finalidades como formação de pesquisadores brasileiros reconhecimento das instituições de pesquisa e pesquisadores brasileiros pela comunidade científica 50 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE internacional desenvolvimento de pesquisas científicas voltadas às questões de relevância econômica e social relacionadas às necessidades do País Quanto à Capes fundação do Ministério da Educação MEC ressaltamos que esta tem a sua razão de ser no desenvolvimento dos Programas de Pósgraduação do Brasil como se lhes atribuísse o compromisso de atingir as suas finalidades tais como mudanças exigidas pelo avanço do conhecimento e pelas demandas da sociedade e busca de excelência acadêmica para os mestrados e doutorados nacionais O QualisPeriódicos é descrito como um instrumento da Capes usado como um dos meios para alcançar as finalidades pretendidas por essa Coordenação para avaliar e classificar a produção científica dos Programas de Pósgraduação no que se refere aos artigos publicados em periódicos científicos Os critérios de avaliação são definidos de acordo com cada área de avaliação e aprovados pelos consultores especializados do Comitê TécnicoCientífico CTC que procuram refletir a importância relativa dos periódicos para uma determinada área Dessa forma a classificação é feita pelos CTC de cada área de avaliação de acordo com os critérios gerais e específicos disponibilizados nos Documentos de Avaliação de cada área Segundo o Relatório de avaliação de área da Linguística de 2013 os critérios de avaliação QualisPeriódicos são definidos visando fortalecer e consolidar os periódicos da Área de LetrasLinguística e propiciar a progressiva qualificação dos meios de divulgação científica e acadêmica da área Nesse sentido são definidos parâmetros gerais e critérios específicos para classificação dos periódicos em estratos A1 A2 B1 B2 B3 B4 B5 C Observamos assim em que contexto as produções científicas dos pesquisadores da Linguística considerados em uma situação específica são realizadas O reconhecimento da situação de comunicação do ponto de vista mais global em que se dão as produções científicas desses pesquisadores permite por exemplo tratar sobre a questão situacional para poder responder a questões como a que finalidade esses pesquisadores deveriam atender por meio de suas produções científicas Na perspectiva semiolinguística na teoria da argumentação no discurso e na linguística textual admitese o papel sobredeterminante da finalidade da situação de comunicação em que os textos são produzidos Assim com base nas finalidades definidas pela Capes pelo CNPq e pelo uso do instrumento QualisPeriódicos podemos entender que as pesquisas científicas devem se realizar em função da busca pela qualidade das pesquisas Em outras palavras esses 51 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE órgãos e os seus instrumentos de controle reforçam bastante o interesse pelo alcance da qualidade das pesquisas No entanto importa considerar o que pode significar qualidade no âmbito de cada área disciplina paradigma de pesquisa A palavra qualidade só tem o seu sentido apreendido no contexto de sua realização e ainda assim carece às vezes de esclarecimentos específicos Por exemplo o que seria uma pesquisa de qualidade nos termos da Capes do CNPq do instrumento QualisPeriódicos Como não se tem uma definição específica para o que se designa como qualidade o estrato A1 dos periódicos foi considerado como referência do que seria o ideal de qualidade no âmbito da produção e da publicação de artigos científicos da Linguística no Brasil Disso entendemos que a finalidade que orienta a produção e a publicação de artigos científicos é a de promoção de avaliação e reconhecimento ou não da qualidade da pesquisa científica Logo interpretamos que no caso dos pesquisadores da Linguística a produção e a publicação de artigos científicos são orientadas pela finalidade de promover a almejada qualidade da pesquisa científica para obter reconhecimento na comunidade científica Conforme já dito a finalidade do discurso científico se caracteriza por uma visada demonstrativa um querer estabelecer uma verdade Para produzir e publicar seus artigos científicos os pesquisadores da Linguística no âmbito do estudo tomado como exemplo devem também considerar as finalidades dos periódicos a que submetem suas pesquisas A qualidade almejada pressupõe o tema da revista o campo disciplinar e as identidades de quem está reconhecidamente legitimado para produzir e publicar artigos científicos A identidade dos participantes da produção e do consumo dos artigos científicos influencia no como dizer do texto porque o locutor pode operar com um vocabulário mais especializado pode ser mais conciso nas explicações mas ao mesmo tempo pode se antecipar aos posicionamentos do interlocutor e assim ser mais criterioso quanto ao uso de definições citações e esclarecimentos Os padrões idealizados que os pesquisadores têm em vista constam geralmente das exigências dos periódicos classificados no estrato A1 do QualisCapes e dos critérios de seleção de Produtividade3 em Pesquisa PQ 3A classificação o enquadramento e a progressão do bolsista de Produtividade em Pesquisa por categoria e nível devem obedecer aos critérios gerais produção científica formação de recursos humanos em nível de Pósgraduação contribuição científica e tecnológica e para a inovação coordenação ou participação principal em projetos de pesquisa e participação em atividades editoriais e de gestão científica e administração de instituições e núcleos de excelência e tecnológica Para ser classificado como bolsista de 52 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Os critérios de avaliação do estrato A1 relacionados aos sujeitos compreendem preferencialmente doutores capazes de produzirem artigos de alta qualidade com efetiva contribuição científicoacadêmica para a Área que publiquem em periódicos com indexação no Brasil e no exterior e em periódicos que sejam referência internacional para a Área A PQ tem a finalidade de fomentar a pesquisa mediante a concessão de bolsas aos pesquisadores que se destacam entre os seus pares conforme critérios normativos definidos pelo CNPq e outros específicos definidos pelos Comitês de Assessoramento CAs desse órgão A Linguística tomada com base no estudo adotado como exemplo neste artigo parece orientar a produção dos textos dos pesquisadores segundo as seguintes restrições as instâncias de comunicação as relações instauradas entre essas instâncias a finalidade discursiva visada e o domínio temático a ela filiado Em outras palavras trata se de uma situação na qual se relacionam instâncias de comunicação que reconhecemos como institucionais como a Capes e o CNPq os Programas de PósGraduação as associações tal como a Abralin e as Universidades Essas instâncias atuam em um processo de interdependência com fazeres e poderes específicos que lhes permitem exercer influência uma sobre as outras Quanto à finalidade discursiva da Linguística observamos que convém a essa área do conhecimento se desenvolver a fim de produzir conhecimentos sobre a linguagem conforme as determinações históricas e epistemológicas em questão Problematizase a linguagem seja em seu funcionamento seja naquilo que condiciona esse funcionamento Impõese aos pesquisadores dessa área uma exigência de legitimação e de produtividade eles precisam realizar determinadas conquistas relacionadas a publicações a experiências profissionais e científicas reconhecidas conforme os valores e critérios institucionais PQ na categoria 1 o candidato deve comprovar na ocasião da implementação da bolsa o tempo mínimo de oito anos de doutorado Nessa categoria mais elevada o candidato pode ser enquadrado em quatro níveis A B C D que se diferenciam pela avaliação do Comitê com base nos critérios gerais e também pela avaliação da inserção nacional e internacional a partir de palestras e assessorias ministradas ad hoc a revistas nacionais e internacionais e de órgãos de financiamento à pesquisa além do envolvimento em atividades de gestão científica incluindo a organização de eventos participação em comitês assessores estaduais ou nacionais sociedades científicas revistas científicas assessoria de órgãos de governo estaduais ou nacionais e conferências proferidas a convite eou plenárias de congressos BRASIL 2015 Conforme tabela publicada no DOU de 12042013 Seção 1 página 7 a bolsa destinada a um pesquisador de PQ 1A é de R 150000 mais R 1300 00 de adicional de bancada 53 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Em se tratando do estudo sobre o discurso científico dos pesquisadores da Linguística nossos dados evidenciaram que os pesquisadores inicialmente investem na problematização dos objetos de estudo ou seja na etapa de escolha e de definição de um dado problema de um tópico central SÁ 2018 Em geral como primeiro subtópico são resumidos os esclarecimentos de conceitos a delimitação do próprio problema e o estabelecimento das linhas gerais do referencial teórico e metodológico de análise É essa necessidade própria da prática científica de se apresentar um conhecimento verdadeiro que leva os pesquisadores a investirem nas provas que devem constituir a argumentação Quando o pesquisador afirma pretendo tratar da a partir da perspectiva mais especificamente a partir ele está ao mesmo tempo delimitando o tópico central de seu estudo construindo os processos referenciais que restringem esse posicionamento em relação à sua e não a outra proposta Poderia tratar de um semnúmero de coisas mas o pesquisador se posiciona sobre a viabilidade de tratar de determinado tema circunscrito na abordagem de determinada teoria e não de outras Julgamos importante ressaltar esse aspecto porque a problematização como condição de realização da argumentação ao mesmo tempo em que cumpre a função de apresentar a delimitação do tópico central exerce também o papel fundamental de evidenciar retoricamente a singularidade da pesquisa Tratase de uma singularidade que retoricamente é realizada com a apresentação da escolha do objeto de pesquisa do tipo de problematização científica realizada da abordagem teóricometodológica adotada da proposta de interfaces teóricas entre correntes de estudo do campo disciplinar da fundamentação teórica escolhida dos posicionamentos teóricos selecionados ou seja da decisão particular do pesquisador O investimento nessa singularidade pode ser interpretado como o atendimento a uma das condições de cientificidade que é descrita por Eco 2014 como a necessidade de a pesquisa científica dizer sobre o objeto de estudo algo que ainda não foi dito ou de a pesquisa científica rever sob uma óptica diferente o que já se disse a respeito desse objeto As particularidades na realização do texto científico também podem ser observadas na apresentação das provas que constituem a argumentação demonstrativa Tal como Charaudeau 2011 salienta a abordagem nas pesquisas em ciências humanas e sociais é dupla empíricodescritiva e hipotéticodedutiva o que é comprovado na análise das provas apresentadas nos artigos analisados e apresentados na tese de 54 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Rodrigues 2017 Nesses artigos constatamos que a interpretação dos dados e portanto a apresentação das provas foi toda orientada pela teoria adotada pelos pesquisadores O modo de raciocínio dedutivo é dominante nos artigos científicos analisados o qual recorrentemente se realiza por meio de uma análise empírica e descritiva de um dado corpus e com o uso de argumentos considerados tradicionalmente compartilhados pela comunidade científica de pesquisadores da Linguística Muitas das estratégias argumentativas utilizadas nos artigos científicos e no discurso acadêmico em geral recorrem a processos intertextuais como citações literais paráfrases e alusões ou seja intertextualidades por copresença de um texto em outro Além disso o locutor sempre apela para técnicas argumentativas de definição de comparação de comprovação descritiva dos fatos e de ilustração ou de exemplificação Para persuadir os pesquisadores precisam investir em um rigoroso processo de argumentação em que apresentar exemplos e explicálos é ao mesmo tempo fundamental e funcional Ao convocar aportes teóricos incomuns na tradição de estudos do campo disciplinar o uso desse tipo de prova se faz determinante para o alcance do objetivo de pesquisa porque funciona no discurso como uma espécie de guia que orienta a leitura que define para o leitor o que é importante e sobretudo que envolve o leitor no processo de compreensão dos aspectos teóricos e metodológicos desenvolvidos na pesquisa Os argumentos mais recorrentes guardam relação com a finalidade de pesquisa da Linguística o que se reflete na escolha dos verbos que introduzem e retomando os referentes que concernem ao tópico recategorizandoos Assim é frequente encontrar os seguintes predicados responder mostrar analisar promover demonstrar refletir contribuir etc Notese que esses verbos sinalizam para um paradigma epistemológico interpretativista o que justifica o uso dos argumentos de citação de paráfrase de definição entre outros Identificamos também que em termos de recorrência empregamse os procedimentos enunciativos com o uso de pronomes na primeira pessoa do plural seguido de casos de pronomes na primeira pessoa do singular e poucos casos de impessoalidade Os pesquisadores portanto se engajam em seu dizer principalmente pelo uso de pronomes e o fazem para marcarem o seu papel na inovação que presumem realizar principalmente quando delimitam os temas de pesquisa Apesar da preferência por pronomes de primeira pessoa do plural observamos uma clara distinção quanto aos efeitos de sentido quando o pesquisador 55 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE prefere usar a primeira pessoa do singular eu e não a primeira pessoa do plural nós que é o caso mais recorrente Ao tratar especificamente dos textos científicos do modo de dizer dos sujeitos falantes Charaudeau 2013b explica que o espaço de locução deve ser ocupado pelo dizer do sujeito de modo que ele possa justificar por que tomou a palavra imporse como sujeito falante Nos artigos analisados Rodrigues 2017 constatou que o uso da primeira pessoa do plural tem um papel realmente enunciativo de marcar quem fala no texto é usado com vistas a produzir efeitos de sentido relativos à autoridade que dá legitimidade ao pesquisador em relação ao seu direito de fala e sobretudo em relação à inovação que propõe com a problematização científica realizada Embora os pesquisadores se encontrem em uma posição de legítima autoridade porque produziram e publicaram os seus artigos científicos na condição de convidados a impressão de uma autoridade no uso dos procedimentos enunciativos é considerada discreta Interpretamos disso também que os pesquisadores talvez reconheçam na própria situação de comunicação a legitimação que a identidade social de pesquisadores experientes lhes confere O locutor do artigo científico precisa se apresentar ratificando o seu direito de dizer tratase de um quem sou que me autoriza a tomar a palavra Como se trata de um texto monogerido AMOSSY 2017 o próprio locutor gere os dizeres dos teóricos a quem cita e parafraseia fazendoos atender a seu projeto de dizer captando a mesma posição teórica e subvertendoa Para isso precisa ter ciência do jogo de expectativas que reconhece em relação à situação de comunicação ao seu interlocutor à identidade que reconhece de si e à que pressupõe ser a do outro aos conhecimentos que pressupõe serem comuns etc No caso dos gêneros acadêmicos formais não costuma haver marcas dêiticas da implicação do interlocutor no texto como formas de dêixis pessoal ou social pelas quais o interlocutor seria interpelado Assim conquanto os locutores dos artigos científicos se considerem legitimados em sua identidade social e científica pela situação de comunicação pois preferem a primeira pessoa do plural eles pouco se apresentam pela forma dêitica de primeira pessoa do singular e não interpelam o interlocutor por meio das formas dêiticas de segunda pessoa do discurso 56 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE Conclusão Abordamos neste artigo o discurso científico como um discurso de base CHARAUDEAU 2016a que se realiza sob um contrato de comunicação com finalidade demonstrativa pois tenta estabelecer uma verdade entre várias possíveis por meio de estratégias argumentativas que evidenciem as provas Para tanto é preciso que o locutor tenha em vista a situação de comunicação em que estará implicado o gênero acadêmico que está redigindo que explicite como tópico central uma problematização colocação de um questionamento e que defina a tese em torno da qual vai posicionarse Para defender essa tese o locutor impõe a seu plano de texto ADAM 2017 uma organização textual de sequência argumentativa dominante Observamos que o engajamento do interlocutor nos artigos científicos analisados não se faz pelo emprego de dêiticos pessoais e sociais e que se empregam comumente os pronomes na primeira pessoa do plural bem menos os pronomes de primeira pessoa do singular e poucos casos de impessoalidade Os pesquisadores portanto se engajam em seu dizer principalmente pelo uso de dêiticos formalizados por pronomes pessoais de primeira pessoa para marcarem o seu papel na inovação que presumem realizar principalmente quando delimitam os temas de pesquisa Apesar da preferência pelo uso de pronomes de primeira pessoa do plural notamos uma clara distinção quanto aos efeitos de sentido provocados no meio acadêmico quando o pesquisador prefere usar a primeira pessoa do singular o que parece dar ao locutor uma voz mais autoral e um papel social de autoridade na temática investigada Referências ADAM JMichel Texto tipos e protótipos Trad Mônica M Cavalcante et al São Paulo Contexto 2017 AMOSSY Ruth Apologia da polêmica Trad Mônica Magalhães Cavalcante et al São Paulo Contexto 2017 La place de linfluence et de la persuasion dans lanalyse du discours In SOULAGES JC Org Lanalyse de discours sa place dans les sciences du langage e de la communication Homage à Patrick Charaudeau Renns Press Universitaires de Rennes 2015 57 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE As modalidades argumentativas do discurso In LARA Gláucia MACHADO Ida EMEDIATO Wander Orgs Análises do discurso hoje Rio de Janeiro Nova Fronteira 2008 p 231254 v 1 CHARAUDEAU Patrick O discurso entre a ação e a comunicação 2002 Disponível em httpwwwpatrickcharaudeaucomOdiscursoentreaacaoeahtml Acesso em 14 jan 2017 Dizme qual é teu corpus eu te direi qual é a tua problemática Revista Diadorim Revista de Estudos Linguísticos e Literários do Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro v 10 dez 2011 Discurso político Trad Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz 2 ed 1 reimp São Paulo Contexto 2013a Discurso das mídias Trad Angela M S Corrêa 2 ed 2 reimp São Paulo Contexto 2013b Sobre o discurso científico e sua midiatização Trad Maria Eduarda Giering e Luciana Cavalheiro Caleidoscópio v 14 n 3 p 550556 setdez 2016a A argumentação em uma problemática de influência Trad Maria Aparecida Lino Pauliukonis ReVEL edição especial v 14 n 12 2016b Disponível em httpwwwrevelinfbrfiles82cdc76251f39fa72a9aa561bec1216apdf Acesso em 23 de março de 2019 CHARAUDEAU Patrick MAINGUENEAU Michel Dicionário de análise do discurso Trad Fabiana Komesu 2 ed 3 reimp São Paulo Contexto 2008 DA SILVA Maurício J Rodrigues Habemus doctorem considerações sobre processos de subjetivação no campo acadêmico contemporâneo Araraquara 2015 192 f Tese Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa Faculdade de Ciências e Letras Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Araraquara 2015 ECO Umberto Como se faz uma tese Trad Gilson Cesar Cardoso de Souza 5 ed São Paulo Perspectiva 2014 FOUCAULT Michel A ordem do discurso 21 ed São Paulo Loyola 2011 GREGOLIN Maria do Rosario Michel Foucault uma análise de discursos que remonta à história para retorizar a filosofia In SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO III SEDIAR 3 2016 Ilhéus Anais Ilhús Editora da Universidade Estadual de Santa Cruz 2016 v 1 p 32133223 KUHN Thomas S A estrutura das revoluções científicas Trad Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira 12 ed São Paulo Perspectiva 2013 Ministério da Ciência e Tecnologia BR Portaria nº 816 de 17 de dezembro de 2002 Aprova o Regimento Interno do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Diário Oficial da União Brasília DF 18 dez 2002 Seção I pág 28 MOTTAROTH et al Letramentos acadêmicos em comunidades de prática culturas disciplinares Letras n 52 p 111 jun 2016 ISSN 21761485 Disponível em httpsperiodicosufsmbrletrasarticleview2532614664 Acesso em 21 jun 2019 doihttpdxdoiorg1059022176148525326 58 VERBUM ISSN 23163267 v 8 n 2 p 3958 set 2019 FRANCISCA TARCICLÊ P RODRIGUES E MÔNICA MAGALHÃES CAVALCANTE RAJAGOPALAN Kanavillil Prefácio In CORACINI Maria José Rodrigues Faria Um fazer persuasivo o discurso subjetivo da ciência São Paulo Educ Campinas Pontes 1991 p 1116 RODRIGUES F T P A argumentação no discurso científico de pesquisadores da Linguística 2017 162f Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal do Ceará Programa de PósGraduação em Linguística Fortaleza CE 2017 SÁ Kleiane B de Coerência e articulação tópica uma análise a partir de redações do Enem 2018 260f Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal do Ceará Programa de PósGraduação em Linguística Fortaleza CE 2018 SANTOS Boaventura de Sousa Um discurso sobre as ciências 5 ed São Paulo Cortez 2008 THE SCIENTIFIC SPEECH IMPLICATIONS BETWEEN SOCIAL ANCHORAGE ARGUMENTATION AND TEXTUAL ACHIEVEMENT Abstract This work which follows the findings of Rodrigues 2017 in her PhD thesis aims to make considerations about the scientific discourse which dominates many formal academic genres mainly the scientific paper In light of the contract of communication proposed by semiolinguistics of the analysis of argumentation in discourses and of the theoretical and methodological postulates of text linguistics we reflect upon the regularities and peculiarities of the demonstrativeargumentative modality by illustrating them through the interactional context in which scientific papers are produced and consumed Keywords Scientific discourse Social anchorage Argumentation Text realization Envio julho2019 Aceito para publicação agosto2019