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O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém PAULO FREIRE EDUCAÇÃO E MUDANÇA PAZ E TERRA PAULO FREIRE EDUCAÇÃO E MUDANÇA PAZ E TERRA 1103953 Copyright Herdeiros Paulo Freire Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela EDITORA PAZ E TERRA Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar em qualquer forma ou meio seja eletrônico de fotocópia gravação etc sem a permissão do detentor do copirraite EDITORA PAZ E TERRA LTDA Rua do Triunfo 177 Sta Ifigênia São Paulo Tel 011 33378399 Fax 011 32236290 httpwwwpazeterracombr Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ Freire Paulo 19211997 Educação e mudança recurso eletrônico Paulo Freire 1 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2013 recurso digital Título original Educacion y cambio Formato ePub Requisitos do sistema Adobe Digital Editions Modo de acesso World Wide Web Inclui índice ISBN 9788577532209 recurso eletrônico 1 Educação 2 Educação Aspectos políticos 3 Educação Aspectos sociais 4 Freire Paulo 1921 1997 5 Pedagogia I Gadotti Moacir II Título CDD3701 Sumário PREFÁCIO EDUCAÇÃO E ORDEM CLASSISTA MOACIR GADOTTI 1 O compromisso do profissional com a sociedade 2 A educação e o processo de mudança social 3 O papel do trabalhador social no processo de mudança 4 Alfabetização de adultos e conscientização Prefácio EDUCAÇÃO E ORDEM CLASSISTA O LANÇAMENTO DESTA OBRA de Paulo Freire em português se dá no momento em que o educador brasileiro retorna de quinze anos de exílio Retorna ao Brasil distante do qual estava há catorze anos mas distante do qual nunca estava também como declarou ele no ano passado quando foi impossibilitado de participar do I Seminário de Educação Brasileira porque lhe fora negado o passaporte Indagado ao descer hoje no aeroporto de Viracopos se havia acompanhado a evolução política e educacional do país Paulo Freire disse ter feito o impossível para isso e acrescentou mas a cada momento eu descubro que é indispensável estar aqui para melhor entender toda a atual realidade Quinze anos de ausência exigem uma reaprendizagem e uma maior intimização com o Brasil de hoje Com a modéstia intelectual que sempre o caracterizou ele volta disposto a percorrer mais uma etapa nesta sua permanente aprendizagem Éme portanto impossível apresentar hoje esta obra sem mencionar sua volta do exílio O exílio não marcou de forma alguma o seu pensamento de mágoa ou de uma nostalgia doentia Onde quer que tenha trabalhado saindo do país no Chile nos Estados Unidos na Suíça ou na África sua teoria e sua práxis estão carregadas de otimismo certamente um otimismo crítico levando mensagens de esperança certo de estar combatendo ao lado daqueles que são os portadores da liberdade os oprimidos Paulo Freire não é um intelectual acadêmico distante da vida concreta do cotidiano É por isso e não porque tenha seguido uma doutrina filosófica ou um ideário político que sua teoria e sua práxis são tão fortes violentas até carregadas de um sentido existencial profundo Sentido que Paulo Freire não dá mas que exprime E como o seu ponto de partida a sua opção radical é a libertação dos oprimidos o sentido mais profundo da sua obra é ser a expressão dos oprimidos Daí ser uma obra inquietadora perturbadora revolucionária Ela exprime a realidade e a estratégia do oprimido Foi por essa razão que não foi tolerado após o golpe militar de 1964 por ser o pedagogo dos oprimidos Feitas estas observações iniciais minha intenção é tecer algumas considerações sobre a temática central deste livro a mudança Inicialmente quero dizer que ao lado da conscientização a mudança é um tema gerador da prática teórica de Paulo Freire Como o tema da consciência o tema da mudança acompanha todas as suas obras A mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação da conscientização nesse processo de mudança são as preocupações básicas da pedagogia de Paulo Freire Aqui porém nestes quatro estudos ele se detém mais sistematicamente Pode a educação operar a mudança Que mudança Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política Combate igualmente a concepção oposta o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades e as limitações da educação nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e todo profissional a se engajar social e politicamente a perceber as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista Acrescentese porém que embora ele não separe o ato pedagógico do ato político tampouco ele os confunde Evitando querelas políticas ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da ação política e o político da ação pedagógica reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que por si só não leva uma sociedade a se libertar da opressão É dentro desse quadro que gostaria de dialogar um pouco com ele caminhar com ele e ao mesmo tempo problematizar o seu discurso central isto é a possibilidade de uma educação libertadora transformadora Paulo Freire é certamente um profissional comprometido cujo pensamento que pensa a vida as relações humanas encerra um grande potencial de direção na luta pela transformação das sociedades notadamente das sociedades em trânsito Neste sentido ele tem o mérito não apenas de denunciar uma educação supostamente neutra como o de distinguir claramente a pedagogia das classes dominantes da pedagogia das classes oprimidas Depois de Paulo Freire não é mais possível pensar a educação como um universo preservado como não foi mais possível pensar a sociedade sem a luta de classes após a dialética de Marx Muito se tem escrito sobre o pensamento do maior pedagogo do nosso tempo na expressão de Roger Garaudy Muitas questões porém pode ainda nos suscitar o seu pensamento sempre em evolução como todo pensamento concreto Não me preocupa saber se Paulo é ou não é marxista Se Paulo é ou não é cristão Ele tem sempre rejeitado etiquetas daqueles que tentam simplificar o pensamento e a vida reduzila a esquemas intelectualistas Os sectários de posições ideológicas muito rígidas o consideram um endemoniado contraditório como ele mesmo afirma Na verdade o que me interessa discutir concretamente é a questão da mudança e o caráter de dependência da educação em relação à sociedade A tradição pedagógica insiste ainda hoje em limitar o pedagógico à sala de aula à relação professoraluno educadoreducando ao diálogo singular ou plural entre duas ou várias pessoas Não seria esta uma forma de cercear de limitar a ação pedagógica Não estaria a burguesia tentando reduzir certas manifestações do pensamento das classes emergentes e oprimidas da sociedade a certos momentos exercendo sobre a escola um controle não apenas ideológico hoje menos ostensivo do que ontem mas até espacial Abrir os muros da escola para que ela possa ter acesso à rua invadir a cidade a vida parece ser ação classificada de não pedagógica pela pedagogia tradicional A conscientização sim até certo ponto mas dentro da escola dentro dos campi das universidades Enquanto os grandes debates os seminários revolucionários permanecerem dentro da escola cada vez mais isolada dos problemas reais e longe das decisões políticas não existirá uma educação libertadora Compreendendo esta estratégia o professorado brasileiro invade hoje as ruas sai da escola lutando por melhores condições de ensino e de salário certo de que assim fazendo está também fortalecendo a categoria e transformando a sociedade civil numa sociedade mais resistente à dominação A burguesia nacional reconhece os limites da conscientização que são os limites da própria consciência E aqui ela tem razão uma conscientização que partisse apenas do educador limitada ao campo escolar é insuficiente para operar uma verdadeira mudança social A educação e o papel do educador não é só isso Se houve tempo em que o papel do pedagogo parecia ser este hoje o educador o intelectual engajado cimentado com o oprimido não pode limitar se a conscientizar dentro da sala de aula Deverá aprender a se conscientizar com a massa Há igualmente limites para o diálogo Porque numa sociedade de classes não há diálogo há apenas um pseudodiálogo utopia romântica quando parte do oprimido e ardil astuto quando parte do opressor Numa sociedade dividida em classes antagônicas não há condições para uma pedagogia dialogal O diálogo pode estabelecerse talvez no interior da escola da sala de aula em pequenos grupos mas nunca na sociedade global Dentro de uma visão macroeducacional em que a ação pedagógica não se limita à escola a organização da sociedade é também tarefa do educador E para isso o seu método a sua estratégia é muito mais a desobediência o conflito a suspeita do que o diálogo A transparência do diálogo é substituída pela suspeita crítica O papel do educador de um novo tempo do tempo do acirramento das contradições e do antagonismo de classe o educador da passagem do trânsito é mais a organização do conflito do confronto do que a ação dialógica Não pretendo com isso condenar todo diálogo O diálogo porém não pode excluir o conflito sob pena de ser um diálogo ingênuo Eles atuam dialeticamente o que dá força ao diálogo entre os oprimidos é a sua força de barganha frente ao opressor É o desenvolvimento do conflito com o opressor que mantém coeso o oprimido com o oprimido O diálogo de que nos fala Paulo Freire não é o diálogo romântico entre oprimidos e opressores mas o diálogo entre os oprimidos para a superação de sua condição de oprimidos Esse diálogo supõe e se completa ao mesmo tempo na organização de classe na luta comum contra o opressor portanto no conflito Não podemos esperar que uma escola seja comunitária numa sociedade de classes Não podemos esquecer que a escola também faz parte da sociedade Ela não é uma ilha de pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não penetram Numa sociedade de classes toda educação é classista E na ordem classista educar no único sentido aceitável significa conscientizar e lutar contra esta ordem subvertêla Portanto uma tarefa que revela muito mais o conflito interior à ordem classista do que a busca de um diálogo que instaure a comunhão de pessoas ou de classes Até que ponto o humanismo sustentado pela pedagogia tradicional que valoriza excessivamente o diálogo não é uma maneira de esconder a luta de classes as disparidades socioeconômicas o antagonismo os interesses escusos da classe dominante A tradição humanista da nossa educação parece justificar tal hipótese Nossa educação é sustentada por esses dois tipos de humanismo que embora combatam entre si são ambos conservadores o humanismo idealista de um lado lutando por uma educação pietista cujo ideal educativo conduziria ao obscurantismo da Idade Média frequentemente encabeçado pela escola particular e religiosa por outro lado o humanismo tecnológico reduzindo toda educação a um arsenal de metodologias e de instrumentos de aprendizagem despolitizando a grande massa da população mais frequentemente professado pelas escolas oficiais e burocráticas Um se perde na contemplação dos ideais de uma sociedade humana acima da luta de classes outro elimina todo ideal substituindoo pela ciência e pela técnica É dentro desse quadro que vejo a leitura desta obra publicada já há alguns anos em espanhol como um subsídio valioso para a compreensão da realidade educacional latinoamericana dentro de uma sociedade fechada a compreensão do papel do trabalhador social do profissional engajado compromissado com um projeto de uma sociedade diferente isto é uma sociedade aberta Depois de Paulo Freire ninguém mais pode ignorar que a educação é sempre um ato político Aqueles que tentam argumentar em contrário afirmando que o educador não pode fazer política estão defendendo uma certa política a política da despolitização Pelo contrário se a educação notadamente a brasileira sempre ignorou a política a política nunca ignorou a educação Não estamos politizando a educação Ela sempre foi política Ela sempre esteve a serviço das classes dominantes Este é um princípio de que parte Paulo Freire princípio subjacente a cada página que aqui escreveu Hoje a volta dele representa um momento importante na história da educação no Brasil Com ele surge a possibilidade de reanimar o debate em torno dos problemas educacionais brasileiros debate este sufocado no período de obscurantismo imposto pela oligarquia governamental não menos obscurantista e tecnocrática Com a volta de Paulo Freire continuador de Fernando de Azevedo Lourenço Filho Anísio Teixeira a educação brasileira ganha um novo alento adquire maior lucidez faznos lembrar que o Brasil tem uma história educacional importante Moacir Gadotti Campinas 7 de agosto de 1979 1 O COMPROMISSO DO PROFISSIONAL COM A SOCIEDADE A QUESTÃO DO COMPROMISSO do profissional com a sociedade nos coloca alguns pontos que devem ser analisados Algumas reflexões das quais não podemos fugir necessárias para o esclarecimento do tema Em primeiro lugar a expressão o compromisso do profissional com a sociedade nos apresenta o conceito do compromisso definido pelo complemento do profissional ao qual segue o termo com a sociedade Somente a presença do complemento na frase indica que não se trata do compromisso de qualquer um mas do profissional A expressão final por sua vez define o polo para o qual o compromisso se orienta e no qual o ato comprometido só aparentemente terminaria pois na verdade não termina como trataremos de ver mais adiante As palavras que constituem a frase a ser analisada não estão ali simplesmente jogadas postas arbitrariamente Diríamos que se encontram inclusive comprometidas entre si e implicam na estrutura de suas relações uma determinada posição a de quem as expressou O compromisso seria uma palavra oca uma abstração se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume Se não se desse no plano do concreto Se prosseguimos na análise da frase proposta sentimos a necessidade de uma penetração cada vez maior no conceito do compromisso com a qual podemos apreender aquilo que faz com que um ato se constitua em compromisso Mas no momento em que esta necessidade nos é imposta cada vez mais claramente como uma exigência prévia à análise do compromisso definido o do profissional com a sociedade uma reflexão anterior se faz necessária É a que se concentra em torno da pergunta quem pode comprometerse Contudo como pode parecer esta pergunta não se formula no sentido da identificação de quem entre alguns sujeitos hipotéticos A B ou C é o protagonista de um ato de compromisso numa situação dada É uma pergunta que se antecipa a qualquer situação de compromisso Indaga sobre a ontologia do ser sujeito do compromisso A resposta a esta indagação nos faz entender o ato comprometido que começa a desvelarse diante da nossa curiosidade De fato ao nos aproximarmos da natureza do ser que é capaz de se comprometer estaremos nos aproximando da essência do ato comprometido A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir É preciso que seja capaz de estando no mundo saberse nele Saber que se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar é capaz sem dúvida de ter consciência desta consciência condicionada Quer dizer é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo que condiciona sua consciência de estar Se a possibilidade de reflexão sobre si sobre seu estar no mundo associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo não existe no ser seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo do que resulta que este ser não é capaz de compromisso É um ser imerso no mundo no seu estar adaptado a ele e sem ter dele consciência Sua imersão na realidade da qual não pode sair nem distanciarse para admirála e assim transformála faz dele um ser fora do tempo ou sob o tempo ou ainda num tempo que não é seu O tempo para tal ser seria um perpétuo presente um eterno hoje Ahistórico um ser como este não pode comprometer se em lugar de relacionarse com o mundo o ser imerso nele somente está em contato com ele Seus contatos não chegam a transformar o mundo pois deles não resultam produtos significativos capazes de inclusive voltandose sobre ele marcálos Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto de distanciarse dele para ficar com ele capaz de admirálo para objetivandoo transformálo e transformandoo saberse transformado pela sua própria criação um ser que é e está sendo no tempo que é o seu um ser histórico somente este é capaz por tudo isso de comprometerse Além disso somente este ser é já em si um compromisso Este ser é o homem Mas se este ser é o homem que além de poder comprometerse já é um compromisso o que é o compromisso Uma vez mais teremos de voltar ao próprio homem em busca de uma resposta Porém não a um homem abstrato mas ao homem concreto que existe numa situação concreta Afirmamos anteriormente que a primeira condição para que um ser pudesse exercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir É exatamente esta capacidade de atuar operar de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem à qual está associada sua capacidade de refletir que o faz um ser da práxis Se ação e reflexão como constituintes inseparáveis da práxis são a maneira humana de existir isso não significa contudo que não estão condicionadas como se fossem absolutas pela realidade em que está o homem Assim como não há homem sem mundo nem mundo sem homem não pode haver reflexão e ação fora da relação homemrealidade Esta relação homemrealidade homemmundo ao contrário do contato animal com o mundo como já afirmamos implica a transformação do mundo cujo produto por sua vez condiciona ambas ação e reflexão É portanto através de sua experiência nestas relações que o homem desenvolve sua açãoreflexão como também pode têlas atrofiadas Conforme se estabeleçam estas relações o homem pode ou não ter condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir Contudo o fundamental é que esta realidade proibitiva ou não do pensar e do atuar autênticos é criação dos homens Daí ela não pode por ser histórica tal como os homens que a criam transformarse por si só Os homens que a criam são os mesmos que podem prosseguir transformandoa Podese pensar diante desta afirmação que estamos numa espécie de beco sem saída Porque se a realidade criada pelos homens dificultalhes objetivamente seu atuar e seu pensar autênticos como podem então transformála para que possam pensar e atuar verdadeiramente Se a realidade condiciona seu pensar e atuar não autênticos como podem pensar corretamente o pensar e o atuar incorretos É que no jogo interativo do atuarpensar o mundo se num momento da experiência histórica dos homens os obstáculos ao seu autêntico atuar e pensar não são visualizados em outros estes obstáculos passam a ser percebidos para finalmente os homens ganharem com eles sua razão Os homens alcançam a razão dos obstáculos na medida em que sua ação é impedida É atuando ou não podendo atuar que se lhes aclaram os obstáculos à ação a qual não se dicotomiza da reflexão E como é próprio da existência humana a atuaçãoreflexão quando se impede um homem comprometido de atuar os homens se sentem frustrados e por isso procuram superar a situação de frustração1 Impedidos de atuar de refletir os homens encontramse profundamente feridos em si mesmos como seres do compromisso Compromisso com o mundo que deve ser humanizado para a humanização dos homens responsabilidade com estes com a história Este compromisso com a humanização do homem que implica uma responsabilidade histórica não pode realizarse através do palavrório nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo da realidade concreta onde se encontram os homens concretos O compromisso próprio da existência humana só existe no engajamento com a realidade de cujas águas os homens verdadeiramente comprometidos ficam molhados ensopados Somente assim o compromisso é verdadeiro Ao experienciálo num ato que necessariamente é corajoso decidido e consciente os homens já não se dizem neutros A neutralidade frente ao mundo frente ao histórico frente aos valores reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso Este medo quase sempre resulta de um compromisso contra os homens contra sua humanização por parte dos que se dizem neutros Estão comprometidos consigo mesmos com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem E como este não é um compromisso verdadeiro assumem a neutralidade impossível O verdadeiro compromisso é a solidariedade e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário mas com aqueles que na situação concreta se encontram convertidos em coisas Comprometerse com a desumanização é assumila e inexoravelmente desumanizarse também Esta é a razão pela qual o verdadeiro compromisso que é sempre solidário não pode reduzirse jamais a gestos de falsa generosidade nem tampouco ser um ato unilateral no qual quem se compromete é o sujeito ativo do trabalho comprometido e aquele com quem se compromete a incidência de seu compromisso Isso seria anular a essência do compromisso que sendo encontro dinâmico de homens solidários ao alcançar aqueles com os quais alguém se compromete volta destes para ele abraçando a todos num único gesto amoroso Pois bem se nos interessa analisar o compromisso do profissional com a sociedade teremos que reconhecer que ele antes de ser profissional é homem Deve ser comprometido por si mesmo Como homem que não pode estar fora de um contexto históricosocial em cujas interrelações constrói seu eu é um ser autenticamente comprometido falsamente comprometido ou impedido de se comprometer verdadeiramente2 No caso do profissional é necessário juntar ao compromisso genérico sem dúvida concreto que lhe é próprio como homem o seu compromisso de profissional Se de seu compromisso como homem como já vimos não pode fugir fora deste compromisso verdadeiro com o mundo e com os homens que é solidariedade com eles para a incessante procura da humanização seu compromisso como profissional além de tudo isso é uma dívida que assumiu ao fazerse profissional Seu compromisso como profissional sem dúvida pode dicotomizarse de seu compromisso original de homem O compromisso como um quefazer radical e totalizado repele as racionalizações Não posso nas segundasfeiras assumir compromisso como homem para nas terçasfeiras assumilo como profissional Uma vez que profissional é atributo de homem não posso quando exerço um quefazer atributivo negar o sentido profundo do quefazer substantivo e original Quanto mais me capacito como profissional quanto mais sistematizo minhas experiências quanto mais me utilizo do patrimônio cultural que é patrimônio de todos e ao qual todos devem servir mais aumenta minha responsabilidade com os homens Não posso por isso mesmo burocratizar meu compromisso de profissional servindo numa inversão dolosa de valores mais aos meios que ao fim do homem Não posso me deixar seduzir pelas tentações míticas entre elas a da minha escravidão às técnicas que sendo elaboradas pelos homens são suas escravas e não suas senhoras Não devo julgarme como profissional habitante de um mundo estranho mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais donos da verdade proprietários do saber que devem ser doados aos ignorantes e incapazes Habitantes de um gueto de onde saio messianicamente para salvar os perdidos que estão fora Se procedo assim não me comprometo verdadeiramente como profissional nem como homem Simplesmente me alieno Todavia existe algo que deve ser destacado Na medida em que o compromisso não pode ser um ato passivo mas práxis ação e reflexão sobre a realidade inserção nela ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade Se o compromisso só é válido quando está carregado de humanismo este por sua vez só é consequente quando está fundado cientificamente Envolta portanto no compromisso do profissional seja ele quem for está a exigência de seu constante aperfeiçoamento de superação do especialismo que não é o mesmo que especialidade O profissional deve ir ampliando seus conhecimentos em torno do homem de sua forma de estar sendo no mundo substituindo por uma visão crítica a visão ingênua da realidade deformada pelos especialismos estreitos Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade e com os homens concretos que nela e com ela estão se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua Não é possível um compromisso autêntico se àquele que se julga comprometido a realidade se apresenta como algo dado estático e imutável Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques Se não a vê e não a capta como uma totalidade cujas partes se encontram em permanente interação Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas pensando que assim transforma a realidade mas sobre a totalidade É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário No primeiro caso sua ação que estaria baseada numa visão ingênua meramente focalista da realidade não poderia constituir um compromisso Um profissional por exemplo para quem a Reforma Agrária é apenas um instrumento jurídico que normaliza uma sociedade em transformação sem conseguir apreendêla em sua complexidade em sua globalidade não pode em termos concretos comprometerse com ela ainda que ideologicamente a aceite A questão é que a Reforma Agrária como um processo global não é algo que não existindo anteriormente passa a existir completa e acabadamente com a instauração de uma estrutura nova A Reforma Agrária por ser um processo é algo dinâmico Dáse no domínio humano As relações homemrealidade que se verificavam na estrutura anterior necessariamente deixaram sua marca profunda na forma de estar sendo do camponês Mudada a velha estrutura através da Reforma se inevitável é que cedo ou tarde a estrutura instaurada condicione novas formas de pensar e de atuar resultantes das novas relações homem realidade isto não significa que essa mudança se dê instantaneamente O compromisso portanto de um profissional da Reforma Agrária que a veja sob esta visão criticada não pode ser verdadeiro não pode ser o compromisso do profissional em cuja ação de caráter técnico se esquece do homem ou se o minimiza pensando ingenuamente que existe o dilema humanismotecnologia E respondendo ao desafio do falso dilema3 opta pela técnica considerando que a perspectiva humanista é uma forma de retardar as soluções mais urgentes O erro desta concepção é tão nefasto como o erro da sua contrária a falsa concepção do humanismo que vê na tecnologia a razão dos males do homem moderno E o erro básico de ambas que não podem oferecer a seus adeptos nenhuma forma real de compromisso está em que perdendo elas a dimensão da totalidade não percebem o óbvio que humanismo e tecnologia não se excluem Não percebem que o primeiro implica a segunda e viceversa Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto com a causa de sua humanização de sua libertação não posso por isso mesmo prescindir da ciência nem da tecnologia com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa Por isso também não posso reduzir o homem a um simples objeto da técnica a um autômato manipulável Quase sempre técnicos de boa vontade embora ingênuos deixamse levar pela tentação tecnicista mitificação da técnica e em nome do que chamam necessidade de não perder tempo tentam verticalmente substituir os procedimentos empíricos do povo camponeses por exemplo por sua técnica Partem do pressuposto verdadeiro de que é não só necessário mas urgente aumentar a produção agrícola Uma das exigências para conseguilo está na mudança tecnológica que deve verificarse Outro pressuposto válido No entanto ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentos empíricos dos camponeses são manifestações culturais e deste ponto de vista ambas válidas cada qual em sua medida e que por isso não podem ser mecanicamente substituídos enganamse e já não podem comprometerse Terminam então por cair nesta irônica contradição para não perder tempo o que fazem é perdêlo Deformados pela acriticidade não são capazes de ver o homem na sua totalidade no seu quefazeraçãoreflexão que sempre se dá no mundo e sobre ele Pelo contrário será mais fácil para conseguir seus objetivos ver o homem como uma lata vazia que vão enchendo com seus depósitos técnicos Mas ao desenvolver desta forma sua ação que tem sua incidência neste homem lata podemos melancolicamente perguntar Onde está seu compromisso verdadeiro com o homem com sua humanização Todavia em nossos países há sem dúvida uma sombra que ameaça permanentemente o compromisso verdadeiro Ameaça que se concretiza na autenticidade do compromisso Estamos nos referindo à alienação ou alheamento cultural que sofrem nossas sociedades4 Com o centro de decisão econômica e cultural em grande parte fora delas portanto sociedades de economia periférica dependente exportadoras de matériasprimas e importadoras não somente de produtos manufaturados mas também de ideias de técnicas de modelos são sociedades seres para outro Assim o primeiro grande obstáculo que se apresenta nestas sociedades ao compromisso autêntico encontrase na falta de autenticidade de seu próprio ser dual Estas sociedades são e não são elas próprias Na medida em que em grande parte para solucionar seus problemas importam técnicas e tecnologias sem a devida redução sociológica destas a suas condições objetivas não necessariamente idênticas às das sociedades metropolitanas onde se desenvolvem essas tecnologias importadas não podem proporcionar as condições para o compromisso autêntico Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro A alienação do profissional não lhe permite perceber esta obviedade Seu compromisso se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação é um instrumento estranho às vezes antagônico à sua cultura5 O alienado seja profissional ou não pouco importa não distingue o ano do calendário do ano histórico Não percebe que existe uma não contemporaneidade do coetâneo Todas estas manifestações da alienação e outras mais cuja análise detalhada não nos cabe aqui fazer explicam a inibição da criatividade no período da alienação Esta geralmente produz uma timidez uma insegurança um medo de correr o risco da aventura de criar sem o qual não há criação No lugar deste risco que deve ser corrido a existência humana é risco e que também caracteriza a coragem do compromisso a alienação estimula o formalismo que funciona como uma espécie de cinto de segurança Daí o homem alienado inseguro e frustrado ficar mais na forma que no conteúdo ver as coisas mais na superfície que em seu interior Seu pensamento não tem força instrumental porque nasce de seu contexto para voltar a ele Constituise na nostalgia de mundos alheios e distantes Seu pensamento finalmente não tem força nem para o seu mundo porque dele não nasceu nem para o outro o mundo imaginário da sua nostalgia Desta forma como comprometerse Entretanto no momento em que a sociedade se volta sobre si mesma e se inscreve na difícil busca de sua autenticidade começa a dar evidentes sinais de preocupação pelo seu projeto histórico Quanto mais cresce esta preocupação mais desfavorável se torna o clima para o compromisso Estamos convencidos de que o momento histórico da América Latina exige de seus profissionais uma séria reflexão sobre sua realidade que se transforma rapidamente e da qual resulte sua inserção nela Inserção esta que sendo crítica é compromisso verdadeiro Compromisso com os destinos do país Compromisso com seu povo Com o homem concreto Compromisso com o ser mais deste homem Se numa sociedade preponderantemente alienada o profissional pela natureza mesma da sociedade hierarquicamente estruturada é um privilegiado numa sociedade que se está abrindo o profissional é um comprometido ou deve sêlo Fugir da concretização deste compromisso é não só negarse a si mesmo como negar o projeto nacional Notas 1 Neste sentido cf Erich Fromm sobretudo O coração do homem Rio de Janeiro Jorge Zahar 1965 Excelente livro no qual ele discute claramente a frustração do não atuar e suas consequências 2 Impedido de comprometerse verdadeiramente significa para nós a situação na qual as grandes maiorias encontramse manipuladas por minorias através de ordens Estas grandes maiorias têm a impressão de que se comprometem quando na verdade são induzidas em seu compromisso Escolhem entre as opções no melhor dos casos que as minorias lhes indicam quase sempre manhosamente pela propaganda Existe toda uma bibliografia sobre este assunto Sugerimos contudo a obra de Fromm já citada e Wright Mills La elite del poder México Fondo de Cultura Económica 1945 3 O autor não entende por humanismo neste como em outros estudos seus as belasartes a formação clássica aristocrática a erudição nem tampouco um ideal abstrato de bom homem O humanismo é um compromisso radical com o homem concreto Compromisso que se orienta no sentido de transformação de qualquer situação objetiva na qual o homem concreto esteja sendo impedido de ser mais 4 De algum tempo para cá as sociedades latinoamericanas começam a pôrse à prova historicamente Algumas mais que outras Começam a tentar uma volta sobre si mesmas o que as leva a se autoobjetivarem e assim descobriremse alienadas Se esta descoberta não significa ainda a desalienação e admitilo seria assumir uma postura idealista é contudo motivadora para que a sociedade inicie a procura de sua concretização 5 Esta é a razão pela qual defendemos para bolsistas nacionais que vão estudar em cursos de formação ou aperfeiçoamento em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico um curso prévio e profundo sobre seu país sobre sua realidade histórica econômica social e cultural sobre as condições concretas de seu atuar etc Muitos dos jovens latinoamericanos ao voltarem a seus países sentemse como estrangeiros frustrados ou reforçam o número dos transplantes de experiências de outro espaço e de outro tempo histórico São mais compromissos inautênticos 2 A EDUCAÇÃO E O PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL 1 INTRODUÇÃO Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem Por isso é preciso fazer um estudo filosóficoantropológico Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar na natureza do homem algo que possa constituir o núcleo fundamental no qual se sustente o processo de educação Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem O cão e a árvore também são inacabados mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado O homem perguntase Quem sou De onde venho Onde posso estar O homem pode refletir sobre si mesmo e colocarse num determinado momento numa certa realidade é um ser na busca constante de ser mais e como pode fazer esta autorreflexão pode descobrirse como um ser inacabado que está em constante busca Eis aqui a raiz da educação A educação é uma resposta da finitude da infinitude A educação é possível para o homem porque este é inacabado e sabese inacabado Isto levao à sua perfeição A educação portanto implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém Por outro lado a busca deve ser algo e deve traduzirse em ser mais é uma busca permanente de si mesmo eu não posso pretender que meu filho seja mais em minha busca e não na dele Sem dúvida ninguém pode buscar na exclusividade individualmente Esta busca solitária poderia traduzirse em um ter mais que é uma forma de ser menos Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências caso contrário se faria de umas consciências objetos de outras Seria coisificar as consciências Jaspers disse Eu sou na medida em que os outros também são O homem não é uma ilha É comunicação Logo há uma estreita relação entre comunhão e busca 2 SABERIGNORÂNCIA A educação tem caráter permanente Não há seres educados e não educados Estamos todos nos educando Existem graus de educação mas estes não são absolutos O homem por ser inacabado incompleto não sabe de maneira absoluta Somente Deus sabe de maneira absoluta A sabedoria parte da ignorância Não há ignorantes absolutos Se num grupo de camponeses conversarmos sobre colheitas devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem muito mais do que nós Se eles sabem selar um cavalo e sabem quando vai chover se sabem semear etc não podem ser ignorantes durante a Idade Média saber selar um cavalo representava alto nível técnico o que lhes falta é um saber sistematizado O saber se faz através de uma superação constante O saber superado já é uma ignorância Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já anuncia Todo saber traz consigo sua própria superação Portanto não há saber nem ignorância absoluta há somente uma relativização do saber ou da ignorância Por isso não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo É preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade 3 AMORDESAMOR O amor é uma tarefa do sujeito É falso dizer que o amor não espera retribuições O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam Cada um tem o outro como sujeito de seu amor Não se trata de apropriarse do outro Nesta sociedade há uma ânsia de imporse aos demais numa espécie de chantagem de amor Isto é uma distorção do amor Quem ama o faz amando os defeitos e as qualidades do ser amado Amase na medida em que se busca comunicação integração a partir da comunicação com os demais Não há educação sem amor O amor implica luta contra o egoísmo Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar Não há educação imposta como não há amor imposto Quem não ama não compreende o próximo não o respeita Não há educação do medo Nada se pode temer da educação quando se ama 4 ESPERANÇADESESPERANÇA Com base no inacabamento nasce o problema da esperança e da desesperança Podemos fazer dele o objeto de nossa reflexão Eu espero na medida em que começo a busca pois não seria possível buscar sem esperança Uma educação sem esperança não é educação Quem não tem esperança na educação dos camponeses deverá procurar trabalho noutro lugar 5 O HOMEM UM SER DE RELAÇÕES O homem está no mundo e com o mundo Se apenas estivesse no mundo não haveria transcendência nem se objetivaria a si mesmo Mas como pode objetivar se pode também distinguir entre um eu e um não eu Isto o torna um ser capaz de relacionarse de sair de si de projetarse nos outros de transcender Pode distinguir órbitas existenciais distintas de si mesmo Estas relações não se dão apenas com os outros mas se dão no mundo com o mundo e pelo mundo nisto se apoiaria o problema da religião O animal não é um ser de relações mas de contatos Está no mundo e não com o mundo 6 CARACTERÍSTICAS A primeira característica desta relação é a de refletir sobre este mesmo ato Existe uma reflexão do homem face à realidade O homem tende a captar uma realidade fazendoa objeto de seus conhecimentos Assume a postura de um sujeito cognoscente de um objeto cognoscível Isto é próprio de todos os homens e não privilégio de alguns por isso a consciência reflexiva deve ser estimulada conseguir que o educando reflita sobre sua própria realidade Quando o homem compreende sua realidade pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções Assim pode transformála e com seu trabalho pode criar um mundo próprio seu eu e suas circunstâncias O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos Cultura é tudo o que é criado pelo homem Tanto uma poesia como uma frase de saudação A cultura consiste em recriar e não em repetir O homem pode fazêlo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformálo Isto nos leva a uma segunda característica da relação a consequência resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus O homem não é pois um homem para a adaptação A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade O homem deve transformar a realidade para ser mais a propaganda política ou comercial fazem do homem um objeto O homem se identifica com sua própria ação objetiva o tempo temporaliza se fazse homemhistória O animal está sob o tempo Para ele não há ontem nem amanhã Está sob uma eternidade esmagadora Está encharcado pelo tempo e por isso não tem tempo Para Deus também não existe tempo porque está sobre ele O homem ao contrário está no tempo e abre uma janela no tempo dimensionase tem consciência de um ontem e de um amanhã O homem primitivo viveu sob o tempo e quando teve consciência do tempo se historicizou Deus vive no presente e para ele o meu futuro é presente Por isso não podemos dizer que Deus prevê mas que vê tudo no seu presente As relações do homem são também temporais transcendentes O homem pode transcender sua imanência e estabelecer relação com os seres infinitos Mas esta relação não pode ser uma domesticação submissão ou resignação diante do ser infinito As relações ou contatos dos animais são reflexos Apesar de a psicologia revelar certa inteligência como a de crianças de três anos em alguns animais esta inteligência se restringe ao mecânico e ao reflexo Em segundo lugar as relações dos animais são inconsequentes já que estes não têm liberdade para criar ou não criar As abelhas por exemplo não podem fazer um mel especial para consumidores mais exigentes Estão determinadas pelo instinto Uma educação que pretendesse adaptar o homem estaria matando suas possibilidades de ação transformandoo em abelha A educação deve estimular a opção e afirmar o homem como homem Adaptar é acomodar não transformar O homem integrase e não se acomoda Existe contudo uma adaptação ativa Quanto mais dirigidos são os homens pela propaganda ideológica política ou comercial tanto mais são objetos e massas Quanto mais o homem é rebelde e indócil tanto mais é criador apesar de em nossa sociedade se dizer que o rebelde é um ser inadaptado Os contatos além disso não são temporais porque os animais não podem fazer sua própria história Os contatos são intranscendentes porque os animais estão submersos em sua imanência Em resumo As relações são Os contatos são Reflexivas Reflexos Consequentes Inconsequentes Transcendentes Intranscendentes Temporais Intemporais 7 O ÍMPETO CRIADOR DO HOMEM Em todo homem existe um ímpeto criador O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar A educação deve ser desinibidora e não restritiva É necessário darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos Caso contrário domesticamos o que significa a negação da educação Um educador que restringe os educandos a um plano pessoal impedeos de criar Muitos acham que o aluno deve repetir o que o professor diz na classe Isso significa tomar o sujeito como instrumento O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transformar a realidade se faz cada vez mais urgente Na medida em que os homens dentro de sua sociedade vão respondendo aos desafios do mundo vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo história pela sua própria atividade criadora 8 CONCEITO DE SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores com formas de ser ou de comportarse que buscam plenitude Enquanto estas concepções se envolvem ou são envolvidas pelos homens que procuram a plenitude a sociedade está em constante mudança Se os fatores rompem o equilíbrio os valores começam a decair esgotamse não correspondem aos novos anseios da sociedade Mas como esta não morre os novos valores começam a buscar a plenitude A este período chamamos transição Toda transição é mudança mas não viceversa atualmente estamos numa época de transição Não há transição que não implique um ponto de partida um processo e um ponto de chegada Todo amanhã se cria num ontem através de um hoje De modo que o nosso futuro baseiase no passado e se corporifica no presente Temos de saber o que fomos e o que somos para saber o que seremos 9 CARACTERÍSTICAS DE UMA SOCIEDADE FECHADA A sociedade fechada latinoamericana foi uma sociedade colonial Em algumas formas básicas de seu comportamento observamos que geralmente o ponto de decisão econômica desta sociedade está fora dela Isso significa que este ponto está dentro de outra sociedade Esta outra é a sociedade matriz Espanha ou Portugal em nossa realidade latinoamericana Esta sociedade matriz é a que tem opções em troca as demais sociedades somente recebem ordens Assim é possível falar de sociedadesujeito e de sociedadeobjeto Esta última opera necessariamente como um satélite comandado pelo seu ponto de decisão é uma sociedade periférica e não reflexiva O ponto de decisão ou sociedade matriz fortificase e procura na outra sociedade a matériaprima e a transforma em produtos manufaturados que vende às mesmas sociedadesobjetos O custo a importação a exportação o preço etc são determinados pela sociedadesujeito Não cabe à sociedade dominada decidir Por isso não há nela mercado interno sua economia cresce para fora o que significa não crescer O mercado é externo à sociedadeobjeto e tem características cíclicas madeira açúcar ferro café sucessivamente Esta sociedade é predatória não tem povo tem massa Não é uma entidade participante Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade diretriz Esta elite impõese às massas populares Esta imposição faz com que ela esteja sobre o povo e não com o povo As elites prescrevem as determinações às massas Estas massas estão sob o processo histórico Sua participação na história é indireta Não deixam marcas como sujeitos mas como objetos A própria organização destas sociedades se estrutura de forma rígida e autoritária Não há mobilidade vertical ascendente um filho de sapateiro dificilmente pode chegar a ser professor universitário Tampouco há mobilidade descendente o filho de um professor universitário não pode chegar a ser sapateiro pelos preconceitos de seu pai De modo que cada um reproduz seu status Este é ganho geralmente por herança e não por valor ou capacidade A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver todo um sistema educacional para manter este status Estas sociedades não são tecnológicas são servis Há uma dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual Nestas sociedades nenhum pai gostaria que seus filhos fossem mecânicos se pudessem ser médicos mesmo que tivessem vocação para ser mecânicos Consideram o trabalho manual degradante os intelectuais são dignos e os que trabalham com as mãos são indignos Por isso as escolas técnicas se enchem de filhos das classes populares e não das elites Também se caracterizam pelo analfabetismo e pelo desinteresse pela educação básica dos adultos 10 SOCIEDADE ALIENADA Quando o ser humano pretende imitar outrem já não é ele mesmo Assim também a imitação servil de outras culturas produz uma sociedade alienada ou sociedadeobjeto Quanto mais alguém quer ser outro tanto menos ele é ele mesmo A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir Um profissional alienado é um ser inautêntico Seu pensar não está comprometido consigo mesmo não é responsável O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal mas com olhos alheios Por isso vive uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva Vive através da visão de outro país Vivese Rússia ou Estados Unidos mas não se vive Chile Peru Guatemala ou Argentina O ser alienado não procura um mundo autêntico Isto provoca uma nostalgia deseja outro país e lamenta ter nascido no seu Tem vergonha da sua realidade Vive em outro país e trata de imitálo e se crê culto quanto menos nativo é Diante de um estrangeiro tratará de esconder as populações marginais e mostrará bairros residenciais porque pensa que as cidades mais cultas são as que têm edifícios mais altos Como o pensar alienado não é autêntico também não se traduz numa ação concreta É preciso partir de nossas possibilidades para sermos nós mesmos O erro não está na imitação mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou de autocrítica Julgase que os bolivianos ou panamenhos são preguiçosos porque são bolivianos ou panamenhos Por isso procurase ser menos boliviano ou panamenho Acreditase que ser grande é imitar os valores de outras nações Sem dúvida a grandeza se expressa através da própria vocação nativa Outro exemplo de alienação é a preferência pelos técnicos estrangeiros em detrimento dos nacionais A sociedade alienada não conhece a si mesma é imatura tem comportamento exemplarista trata de conhecer a realidade por diagnósticos estrangeiros Os dirigentes solucionam os problemas com fórmulas que deram resultado no estrangeiro Fazem importação de problemas e soluções Não conhecem a realidade nativa Antes de admitir soluções estrangeiras teria de se perguntar quais eram as condições e características que motivaram esses problemas Porque o ano de 1966 da Rússia ou dos Estados Unidos não é o mesmo 1966 do Chile ou da Argentina Somos contemporâneos no tempo mas não na técnica Além do mais os técnicos estrangeiros chegam com soluções fabulosas sem um julgamento prévio que não correspondem à nossa idiossincrasia As soluções importadas devem ser reduzidas sociologicamente isto é estudadas e integradas num contexto nativo Devem ser criticadas e adaptadas neste caso a importação reinventada ou recriada Isto já é desalienação o que não significa senão autovaloração Geralmente as elites acusam o povo de fraqueza ou incapacidade e por isso suas soluções não dão resultado Assim as atitudes dos dirigentes oscilam entre um otimismo ingênuo e um pessimismo ou desespero É ingenuidade pensar que a simples importação de soluções salvará o povo Isso se passa entre os candidatos que por não conhecerem a fundo os problemas do poder fazem mil promessas e ao chegar ao poder encontram mil obstáculos que às vezes os fazem cair no desânimo Não se trata de desonestidade mas de ingenuidade 11 UMA SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO A sociedade fechada quando sofre pressão de determinados fatores externos se espedaça mas não se abre uma sociedade está se abrindo quando começa o processo de desalienação com o surgimento de novos valores Assim por exemplo a ideia da participação popular no poder Nesta sociedade em transição se está numa posição progressista ou reacionária não se pode estar com os braços cruzados É preciso procurar uma nova escala de valores O velho e o novo têm valor na medida em que são válidos Ou se dirige a sociedade para ontem ou para o amanhã que se anuncia hoje As atitudes reacionárias são as que não satisfazem o processo e os valores requeridos pela sociedade de hoje Existe uma série de fenômenos sociológicos que têm ligação com o papel do educador Nesta etapa da sociedade existem primeiramente as massas populares espectadoras passivas Quando a sociedade se incorpora nelas começa um processo chamado democratização fundamental É um crescente ímpeto para participar As massas populares começam a se procurar e a procurar seu processo histórico Com a ruptura da sociedade as massas começam a emergir e esta emersão se traduz numa exigência das massas por participar é a sua presença no processo As massas descobrem na educação um canal para um novo status e começam a exigir mais escolas Começam a ter uma apetência que não tinham Existe uma correspondência entre a manifestação das massas e a reivindicação É o que chamamos educação das massas As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade Percebem que outros têm mais facilidade que elas e descobrem que a educação lhes abre uma perspectiva Às vezes emergem em posição ingênua de rebelião e não revolucionária ao se defrontarem com os obstáculos Começam a exigir e a criar problemas para as elites Estas agem torpemente esmagando as massas e acusandoas de comunismo As massas querem participar mais na sociedade As elites acham que isso é um absurdo e criam instituições de assistência social para domesticálas Não prestam serviços atuam paternalisticamente o que é uma forma de colonialismo Procurase tratálas como crianças para que continuem sendo crianças Uma sociedade justa dá oportunidade às massas para que tenham opções e não a opção que a elite tem mas a própria opção das massas A consciência criadora e comunicativa é democrática As convicções devem ser profundas porém nunca impostas aos demais através do diálogo se tratará de convencer com amor o contrário seria sectarismo O sectarismo não é crítica não ama não dialoga não comunica não faz comunicados No processo histórico os sectários comportamse como inimigos consideramse donos da história O sectarismo pretende conquistar o poder com as massas mas estas depois não participam do poder Para que haja revolução das massas é necessário que estas participem do poder 12 A CONSCIÊNCIA BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO As sociedades latinoamericanas começam a se inscrever neste processo de abertura umas mais que outras mas a educação ainda permanece vertical O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes Isto forma uma consciência bancária O educando recebe passivamente os conhecimentos tornandose um depósito do educador Educase para arquivar o que se deposita Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem que perde assim seu poder de criar se faz menos homem é uma peça O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo sendo o sujeito de sua ação A consciência bancária pensa que quanto mais se dá mais se sabe Mas a experiência revela que com este mesmo sistema só se formam indivíduos medíocres porque não há estímulo para a criação Por outro lado quem aparece como criador é um inadaptável e deve nivelar se aos medíocres O professor arquiva conhecimentos porque não os concebe como busca e não busca porque não é desafiado pelos seus alunos Em nossas escolas se enfatiza muito a consciência ingênua 13 A CONSCIÊNCIA E SEUS ESTADOS A consciência se reflete e vai para o mundo que conhece é o processo de adaptação A consciência é temporalizada O homem é consciente e na medida em que conhece tende a se comprometer com a própria realidade O primeiro estado da consciência é a intransitividade tomouse este termo da noção gramatical de verbo intransitivo aquele que não deixa passar sua ação a outro Existe neste estado uma espécie de quase compromisso com a realidade A consciência intransitiva contudo não é consciência fechada Resulta de um estreitamento no poder de captação da consciência É uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da órbita vegetativa do homem Quanto mais se distancia da captação da realidade mais se aproxima da captação mágica ou supersticiosa da realidade A intransitividade produz uma consciência mágica As causas que se atribuem aos desafios escapam à crítica e se tornam superstições Se uma comunidade sofre uma mudança econômica por exemplo a consciência se promove e se transforma em transitiva Num primeiro momento essa consciência é ingênua Em grande parte é mágica Este passo é automático mas o passo para a consciência crítica não é Ele somente se dá com um processo educativo de conscientização Este passo exige um trabalho de promoção e critização Se não se faz este processo educativo só se intensifica o desenvolvimento industrial ou tecnológico e a consciência sofrerá um abalo e será uma consciência fanática Este fanatismo é próprio do homem massificado Na consciência ingênua há uma busca de compromisso na crítica há um compromisso e na fanática uma entrega irracional A consciência intransitiva responde a um desafio com ações mágicas porque a compreensão é mágica Geralmente em todos nós existe algo de consciência mágica o importante é superála Características da consciência ingênua 1 Revela uma certa simplicidade tendente a um simplismo na interpretação dos problemas isto é encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade Não se aprofunda na casualidade do próprio fato Suas conclusões são apressadas superficiais 2 Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor Por exemplo os pais que se queixam da conduta de seus filhos comparandoa ao que faziam quando jovens 3 Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento Esta tendência pode levar a uma consciência fanática 4 Subestima o homem simples 5 É impermeável à investigação Satisfazse com as experiências Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras Suas explicações são mágicas 6 É frágil na discussão dos problemas O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis É polêmico não pretende esclarecer Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades não procura a verdade trata de impô la e procurar meios históricos para convencer com suas ideias É curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha pelos gestos e pelo palavreado Trata de brigar mais para ganhar mais 7 Tem forte conteúdo passional Pode cair no fanatismo ou sectarismo 8 Apresenta fortes compreensões mágicas 9 Diz que a realidade é estática e não mutável Características da consciência crítica 1 Anseio de profundidade na análise de problemas Não se satisfaz com as aparências Podese reconhecer desprovida de meios para a análise do problema 2 Reconhece que a realidade é mutável 3 Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade 4 Procura verificar ou testar as descobertas Está sempre disposta às revisões 5 Ao se deparar com um fato faz o possível para livrarse de preconceitos Não somente na captação mas também na análise e na resposta 6 Repele posições quietistas É intensamente inquieta Tornase mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude e viceversa Sabe que é na medida que é e não pelo que parece O essencial para parecer algo é ser algo é a base da autenticidade 7 Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas 8 É indagadora investiga força choca 9 Ama o diálogo nutrese dele 10 Face ao novo não repele o velho por ser velho nem aceita o novo por ser novo mas aceitaos na medida em que são válidos 3 O PAPEL DO TRABALHADOR SOCIAL NO PROCESSO DE MUDANÇA6 PARECENOS INDISCUTÍVEL que nossa primeira preocupação em se tratando de discutir o papel do trabalhador social no processo de mudança deva ser a de refletir sobre esta própria frase A principal vantagem desse procedimento é que a frase proposta revelarseá diante de nós no seu sentido profundo A análise crítica da frase nos possibilitará perceber a relação de seus termos na formação de um pensamento estruturado que envolve um tema significativo Não será possível digase desde já a discussão do tema contido na frase proposta se não se tiver dele uma compreensão comum mesmo partindo de diferentes pontos de vista Esta análise crítica que nos leva a uma apreensão mais profunda do significado da frase supera a visão ingênua que sendo simplista nos deixa na periferia de tudo o que tratamos Para o ponto de vista crítico que aqui defendemos o ato de olhar implica outro o de admirar7 Admiramos e ao penetrarmos no que foi admirado o olhamos de dentro e daí de dentro aquilo que nos faz ver Na ingenuidade que é uma forma desarmada de enfrentamento da realidade apenas olhamos e porque não admiramos não podemos adentrar o que é olhado não vendo o que está sendo olhado Por isso é necessário que admiremos a frase proposta para olhandoa de dentro reconhecêla como algo que jamais poderá ser reduzido ou rebaixado a um simples clichê A frase em discussão não é um conjunto de meros sons com rótulo estático uma frase feita Como dissemos envolve um tema significativo Ela é em si um problema um desafio Se apreciarmos a frase como um clichê ficando na sua superfície provavelmente não faremos outra coisa que discutir sobre outros clichês que nos foram depositados ou em outras palavras sobre conceitos temáticos que nos foram propostos como clichês Assim um trabalho de análise crítica do texto proposto que nos permita a compreensão de seu contexto total no qual se encontra o tema desafiador vai nos possibilitar outro trabalho fundamental a separação do contexto nas suas partes constitutivas Esta separação do contexto total em suas partes nos permite retornar a ele de onde partimos pela operação de admirar alcançando desta maneira uma compreensão mais vertical e também dinâmica de sua significação Se depois da admiração do texto que nos permitiu a compreensão do contexto total procedemos à sua separação constatamos através desta interação entre suas partes que por isso mesmo se nos apresentam como corresponsáveis pela significação do texto Admirar olhar por dentro separar para voltar a olhar o todo admirado que é um ir para o todo um voltar para suas partes o que significa separálas são operações que só se dividem pela necessidade que o espírito tem de abstrair para alcançar o concreto No fundo são operações que se implicam dialeticamente Então ao admirar por dentro a frase que contém um tema desafiador ao separála em seus elementos descobrimos que o termo papel achase modificado por uma expressão restritiva que limita sua extensão do trabalhador social Nesta por outro lado há um qualificativo social que incide sobre a compreensão do termo trabalhador8 Esta subunidade da estrutura social papel do trabalhador social ligase à segunda o processo de mudança que representa conforme a compreensão da frase onde o papel se cumpre através do conectivo em Contudo há algo a considerar depois desta análise É que através dela fica claro que o papel do trabalhador social se dá no processo de mudança Esta é sem dúvida a inteligência da frase em estudo Esta não será contudo a mesma conclusão à qual chegaremos quando analisarmos não mais a própria frase mas o quefazer do trabalhador social Ao fazêlo descobriremos um equívoco na frase proposta pois o papel do trabalhador social não se dá no processo de mudança em si mas num domínio mais amplo Domínio do qual a mudança é uma das dimensões Naturalmente este domínio específico no qual atua o trabalhador social é a estrutura social Por isso é que é preciso tomála na sua complexidade Se não a entendemos em seu dinamismo e em sua estabilidade não teremos dela uma visão crítica Efetivamente a mudança e a estabilidade o dinamismo e o estático constituem a estrutura social Não há nenhuma estrutura que seja exclusivamente estática como não há uma absolutamente dinâmica A estrutura social não poderia ser somente mutável porque se não houvesse o oposto da mudança sequer a conheceríamos Em troca não poderia ser também só estática pois se assim fosse já não seria humana histórica e ao não ser histórica não seria estrutura social Não há permanência da mudança fora do estático nem deste fora da mudança O único que permanece na estrutura social realmente é o jogo dialético da mudançaestabilidade Desta forma a essência do ser da estrutura social não é a mudança nem o estático tomados isoladamente mas a duração da contradição entre ambos9 De fato na estrutura social não há estabilidade nem mudança da mudança O que há é a estabilidade e a mudança de formas dadas Por isso se observam aspectos de uma mesma estrutura visivelmente mutáveis contraditórios que alcançados pela demora e pela resistência culturais mantêmse resistentes à transformação Mas se toda a estrutura social que é histórica tem como expressão de sua forma de ser a duração da dialética mudançaestabilidade é necessário que se tenha dela uma visão crítica Quem são São em si algo independente da realidade que comandam Simples aparências Realmente mudança e estabilidade não são um em si algo separado ou independente da estrutura não são um engano da percepção Mudança e estabilidade resultam ambas da ação do trabalho que o homem exerce sobre o mundo Como um ser de práxis o homem ao responder aos desafios que partem do mundo cria seu mundo o mundo históricocultural O mundo de acontecimentos de valores de ideias de instituições Mundo da linguagem dos sinais dos significados dos símbolos Mundo da opinião e mundo do saber Mundo da ciência da religião das artes mundo das relações de produção Mundo finalmente humano Todo este mundo históricocultural produto da práxis humana se volta sobre o homem condicionandoo Criado por ele o homem não pode sem dúvida fugir dele Não pode fugir do condicionamento de sua própria produção Como dissemos antes não há estabilidade da estabilidade nem mudança da mudança mas estabilidade e mudança de algo Assim dentro deste universo criado pelo homem a mudança e a estabilidade da sua própria criação aparecem como tendências que se contradizem Esta é a razão pela qual não há mundo humano isento desta contradição Por isso não se pode dizer do mundo animal que ele está sendo o mundo humano só é porque está sendo e só está sendo na medida em que se dialetizam a mudança e o estático Enquanto a mudança implica em si mesma uma constante ruptura ora lenta ora brusca da inércia a estabilidade encarna a tendência desta pela cristalização da criação Enquanto a estrutura social se renova através da mudança de suas formas da mudança de suas instituições econômicas políticas sociais culturais a estabilidade representa a tendência à normalização da estrutura10 Desta forma não se pode estudar a mudança sem estudar a estabilidade estudar uma é estudar a outra Assim também têlas como objeto da reflexão é submeter a estrutura social a essa mesma reflexão como refletir sobre esta é refletir sobre aquelas Falar pois do papel do trabalhador social implica a análise da mudança e da estabilidade como expressões da forma de ser da estrutura social Estrutura social que se lhe oferece como campo de seu quefazer Deste modo o trabalhador social que atua numa realidade a qual mudando permanece para mudar novamente precisa saber que como homem somente pode entender ou explicar a si mesmo como um ser em relação com esta realidade que seu quefazer nesta realidade se dá com outros homens tão condicionados como ele pela realidade dialeticamente permanente e mutável e que finalmente precisa conhecer a realidade na qual atua com os outros homens Este conhecimento sem dúvida não pode reduzirse ao nível de pura opinião doxa sobre a realidade Fazse necessário que a área da simples doxa alcance o logos saber e assim canalize para a percepção do ontos essência da realidade Este movimento da pura doxa ao logos não se faz contudo com um esforço estritamente intelectualista mas na indivisibilidade da reflexão e da ação da práxis humana Na ação que provoca uma reflexão que se volta a ela o trabalhador social irá detectando o caráter preponderante da mudança ou estabilidade na realidade social na qual se encontra Irá percebendo as forças que na realidade social estão com a mudança e aquelas que estão com a permanência As primeiras olhando para a frente no curso da história que também é futuridade que deve ser feita têm uma atitude progressista as segundas olhando para trás pretendem parar o tempo e assumem uma posição antimudança É necessário porém que o trabalhador social se preocupe com algo já enfatizado nestas considerações que a estrutura social é obra dos homens e que se assim for a sua transformação será também obra dos homens Isso significa que a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e não objetos de transformação Tarefa que lhes exige durante sua ação sobre a realidade um aprofundamento da sua tomada de consciência da realidade objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantêla como está e dos que pretendem transformála Por isso o trabalhador social não pode ser um homem neutro frente ao mundo um homem neutro frente à desumanização ou humanização frente à permanência do que já não representa os caminhos do humano ou à mudança destes caminhos O trabalhador social como homem tem que fazer sua opção Ou adere à mudança que ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem de seu ser mais ou fica a favor da permanência Isso não significa contudo que deva em seu trabalho pedagógico impor sua opção aos demais Se atua desta forma apesar de afirmar sua opção pela libertação do homem e pela sua humanização está trabalhando de maneira contraditória isto é manipulando adaptase somente à ação domesticadora do homem que em lugar de libertálo o prende Deste modo a opção feita pelo trabalhador social irá determinar tanto o seu papel como seus métodos e suas técnicas de ação É uma ingenuidade pensar num papel abstrato num conjunto de métodos e técnicas neutros para uma ação que se dá entre homens numa realidade que não é neutra Isto só seria possível se fosse possível um absurdo que o trabalhador social não fosse um homem submetido como os demais aos mesmos condicionamentos da estrutura social que exige dele como dos demais uma opção frente às contradições constitutivas da estrutura Assim se a opção do trabalhador social é pela antimudança sua ação e seus métodos se orientarão no sentido de frear as transformações Em lugar de desenvolver um trabalho através do qual a realidade objetiva a estrutura social vá se desvelando a ele e aos homens com que trabalha num esforço crítico comum se preocupará por mitificar a realidade Em lugar de ater se a esta situação problemática que desafia a ele e aos homens com que deveria estar em comunicação tenderá pelo contrário às soluções de caráter assistencialista Em lugar de sentirse como trabalhador social um homem a serviço da libertação da humanização vocação fundamental do homem temendo a libertação na qual vê uma ameaça ao que considera sua paz se encaminha no sentido da paralisação Encaminharse no sentido da paralisação não é outra coisa senão pretender com ações e reações normalizar a estrutura social através da ênfase na estabilidade no seu jogo com a mudança11 O assistente social que faz esta opção pode quase sempre tenta disfarçála fingindo aderir à mudança mas ficando sem dúvida ou com certeza nas meias mudanças que é uma forma de não mudar Um dos sinais da opção pela antimudança é a inquietude acrítica do trabalhador social diante das consequências da mudança é um receio quase mágico à novidade que é para ele sempre uma interrogação cuja resposta parece ameaçar seu status quo Por isso que em métodos de ação não há lugar para a comunicação para a colaboração mas sim para a manipulação ostentativa ou disfarçada O trabalhador social que opta pela antimudança não pode realmente interessarse pelo desenvolvimento de uma percepção crítica da realidade por parte dos indivíduos Não pode interessarse pelo exercício de reflexão dos indivíduos sobre a sua ação sobre a própria percepção que possam ter da realidade Não lhe interessa a revisão da percepção condicionada pela estrutura social em que se encontram No momento em que os indivíduos atuando e refletindo são capazes de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram sua percepção muda embora isso não signifique ainda a mudança da estrutura Mas a mudança da percepção da realidade que antes era vista como algo imutável significa para os indivíduos vêla como realmente é uma realidade históricocultural humana criada pelos homens e que pode ser transformada por eles A percepção ingênua da realidade da qual resultava uma postura fatalista condicionada pela própria realidade cede seu lugar a uma percepção capaz de se ver E se o homem é capaz de perceberse enquanto percebe uma realidade que lhe parecia em si inexorável é capaz de objetivála descobrindo sua presença criadora e potencialmente transformadora desta mesma realidade O fatalismo diante da realidade característico da percepção distorcida cede seu lugar à esperança Uma esperança crítica que move os homens para a transformação Evidentemente esse é o objetivo do trabalhador social que opta pela mudança Por isso que seu papel é outro e que seus métodos de ação não podem confundirse com aqueles já mencionados característicos da opção pela antimudança O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade não prescreve não manipula não foge da comunicação pelo contrário a procura e vive Todo seu esforço de caráter humanista centralizase no sentido da desmitificação do mundo da desmitificação da realidade Vê nos homens com quem trabalha jamais sobre quem ou contra quem pessoas e não coisas sujeitos e não objetos E se na estrutura social concreta objetiva os homens são considerados simples objetos sua opção inicial o impele para a tentativa de superação da estrutura para que possa também operarse a superação do estado de objeto em que estão para se tornarem sujeitos O trabalhador social que opta pela mudança não vê nesta uma ameaça Adere à mudança da estrutura social porque reconhece esta obviedade que não pode ser trabalhador social se não for homem se não for pessoa e que a condição para ser pessoa é que os demais também o sejam Ele está convencido de que se a declaração de que o homem é pessoa e como pessoa é livre não estiver associada a um esforço apaixonado e corajoso de transformação da realidade objetiva na qual os homens se acham coisificados então esta é uma afirmação que carece de sentido Humilde no seu trabalho não pode aceitar sem uma justa crítica o conteúdo ingênuo da frase feita e tão generalizada segundo a qual ele é o agente da mudança Em primeiro lugar se ele fosse o agente da mudança não seria agente da mudança da mudança mas agente da mudança da estrutura social Sua ação como agente da mudança teria na estrutura social seu objeto A estrutura social certamente não existe sem os homens que tanto como ele estão nela Assim reconhecerse como o agente da mudança atribui a si a exclusividade da ação transformadora que sem dúvida numa concepção humanista cabe também aos demais homens realizar Se sua opção é pela humanização não pode então aceitar que seja o agente da mudança mas um de seus agentes A mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens mas dos homens que a escolhem O trabalhador social tem que lembrar a estes homens que são tão sujeitos como ele do processo da transformação E se nas circunstâncias determinadas já mencionadas neste estudo em que a estrutura social vem dificultando a transformação dos homens em sujeitos seu papel não é o de reforçar o estado de objeto em que se encontram achando que podem assim ser sujeitos mas problematizarlhes este estado Outro aspecto fundamental que não pode passar despercebido do trabalhador social é que a estrutura social que deve ser mudada é uma totalidade O objetivo da ação da mudança é a superação de uma totalidade por outra em que a nova não continue apresentando a contradição estabilidademudança que como dissemos constitui a duração da estrutura social e também o histórico cultural Se a estrutura social é uma totalidade significa a existência em si de partes que em interação a constituem Uma das questões fundamentais que assim mesmo se coloca para o trabalhador social que opta pela mudança é a da validez ou não das mudanças parciais ou da mudança das partes antes da mudança da totalidade Que se deve fazer mudar as partes e assim alcançar a totalidade ou mudar esta para assim mudar aquelas que são seus componentes12 Afirmamos neste estudo que não há mudança da mudança nem estabilidade da estabilidade mas mudança e estabilidade de algo A estabilidade e a mudança de uma estrutura e numa estrutura não podem ser vistas em um nível simplesmente mecânico como alguns pensam no qual os homens fossem simples objetos da mudança ou da estabilidade que se fizeram com forças inumanas ou sobrehumanas sob as quais os homens deveriam ficar dóceis e conformados Pelo fato de que não há estrutura social que não seja humana e histórica a estabilidade e a mudança de e em uma estrutura implicam a presença dos homens Estes por sua vez dividemse entre os que desejam ou não a mudança ou a estabilidade Seria uma ilusão ingênua pensar que não se organizassem em instituições organismos grupos de caráter ideológico para a defesa de suas opções criando em função destas sua estratégia e suas táticas de ação O problema maior que se coloca àqueles que por questão de viabilidade histórica não têm outro caminho que o da mudança gradual das partes com a qual pretendem alcançar a mudança da totalidade consiste em ao mudar uma das dimensões da estrutura as respostas a esta mudança não tardam São respostas de caráter estrutural e respostas de caráter ideológico De um lado são as demais dimensões da realidade que ao se conservarem como estão criam obstáculos ao processo de transformação da dimensão sobre a qual está incidindo a ação transformadora de outro lado são as forças contrárias à mudança que tendem a se fortalecer diante da ameaça concreta da mudança de uma das dimensões em transformação Seria outra ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança não percebem que a mudança de uma parte promove a mudança de outra até que chega a mudança da totalidade como seria ingenuidade também não contar com a reação sempre mais forte a estas transformações parciais Esta é a razão pela qual uma estrutura social que vive este momento histórico tende a viver também e necessariamente o aprofundamento do antagonismo entre os que querem e os que não querem a mudança E na medida em que este organismo cresce se instaura um clima de irracionalidade que gera novos mitos auxiliares para a manutenção do status quo O papel do trabalhador social que opta pela mudança num momento histórico como este não é propriamente o de criar mitos contrários mas o de problematizar a realidade aos homens proporcionar a desmitificação da realidade mitificada Aos mitos que são os elementos básicos da ação manipuladora dos indivíduos deve responder não com a manipulação da manipulação que realizam os que estão contra a mudança Isto não é possível pela simples razão de que a manipulação é instrumento da desumanização consciente ou não pouco importa enquanto a tarefa de mudar de quem está com a mudança só se justifica em sua finalidade humanista É impossível servir a esta finalidade com instrumentos e meios que servem à outra Esta é a razão pela qual o trabalhador social humanista não pode transformar sua palavra em ativismo nem em palavreado pois uma e outra nada transformam realmente Pelo contrário será tanto mais humanista quanto mais verdadeiro for seu trabalho quanto mais reais forem sua ação e sua reflexão com a ação e a reflexão dos homens com quem tem que estar em comunhão colaboração em convivência Observemos outro aspecto que se apresenta como outro ponto crucial na discussão da mudança de uma estrutura social e do qual o trabalhador social deve estar ciente Se é ingênua uma visão focalista da realidade que a reduz a partes que nada têm a ver entre si na formação da totalidade não menos ingênuo é ter da estrutura social uma visão focalista de fora Isto é uma visão que a absolutize Assim uma estrutura social como um todo encontrase em interação com outras estruturas sociais Estas interrelações podem darse ora em sociedadessujeitos com sociedadessujeitos ora em sociedadessujeitos com sociedadesobjetos O primeiro tipo caracteriza as relações entre sociedades seres para si o segundo as relações antagônicas entre sociedades seres para si e sociedades seres para outro Do ponto de vista filosófico um ser que ontologicamente é para si se transforma em ser para outro quando perdendo o direito de decidir não opta e segue as prescrições de outro ser Suas relações com este outro são as relações que Hegel chama de consciência servil para a consciência senhorial13 A sociedade cujo centro de decisão não se encontra em seu ser mas no ser de outra se comporta em relação a esta como um ser para outro A ciência política a sociologia a economia e não somente a filosofia têm nestas relações objeto de suas análises específicas dentro do quadro geral que constitui o que chamam de dependência Embora a verdadeira transformação de uma sociedadeobjeto tenha de ser feita por seus homens por ela mesma e não pela sociedadesujeito da qual depende objetivamente não é possível negar o forte condicionamento ao qual está submetida neste esforço de sua transformação Esta é a razão pela qual nem sempre é viável a quem realmente opta pelas transformações fazêlas como gostaria e no momento em que gostaria Além do desejo de fazêlas há um viável ou um inviável histórico do fazer14 Qualquer que seja o momento histórico em que esteja a sociedade seja o do viável ou do inviável histórico o papel do trabalhador social que optou pela mudança não pode ser outro senão o de atuar e refletir com os indivíduos com quem trabalha para conscientizarse junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade Isto implica a necessidade constante do trabalhador social de ampliar cada vez mais seus conhecimentos não só do ponto de vista de seus métodos e técnicas de ação mas também dos limites objetivos com os quais se enfrenta no seu quefazer Outro ponto que também exige do trabalhador social uma reflexão crítica e que se encontra no centro destas considerações é o que tem relação com a mudança cultural Mudança cultural da qual tanto se fala Educação e mudança cultural reforma agrária e mudança cultural desenvolvimento e mudança cultural são algumas das expressões em que mudança cultural aparece ora como um associado consequente ora como um associado eficiente do quefazer implícito nos termos a ela referidos educação reforma agrária desenvolvimento etc O que é mudança cultural Antes de responder a esta pergunta já estamos diante de outra Que é cultural Responder a esta pergunta implica pensar criticamente a estrutura social para tentar descobrir a forma pela qual se constitui A estrutura social precisamente por ser social é humana e se não fosse humana seria uma simples estruturasuporte como é para o animal que como um ser em si não é capaz de significála animalmente O homem pelo contrário transformando com seu trabalho o que seria seu suporte se não pudesse transformálo cria sua estrutura que se faz social e na qual se constitui o eu social15 Nas permanentes relações homemrealidade homemestrutura realidade homem estruturahomem originase a dimensão do cultural que em sentido amplo antropológicodescritivo é tudo o que o homem cria e recria Cultural no sentido que aqui nos interessa é tanto um instrumento primitivo de caça de guerra como o é a linguagem ou a obra de Picasso Todos os produtos que resultam da atividade do homem todo o conjunto de suas obras materiais ou espirituais por serem produtos humanos que se desprendem do homem voltamse para ele e o marcam impondolhe formas de ser e de se comportar também culturais Sob este aspecto evidentemente a maneira de andar de falar de cumprimentar e de se vestir e os gostos são culturais Cultural também é a visão que têm ou estão tendo os homens da sua própria cultura da sua realidade16 Assim as expressões educação e mudança cultural reforma agrária e mudança cultural desenvolvimento e mudança cultural não têm a mesma significação nas estruturas sociais que estão em momentos históricos distintos A mudança cultural num sentido amplo será ou deixará de ser um associado consequente ou eficiente do quefazer conforme a estrutura social se encontre concretamente ou não em transformação Contudo o fato de que uma estrutura social que se transforma totalmente provoque a mudança cultural como um associado consequente da transformação estrutural não significa que a nova estrutura não necessite de um trabalho dirigido para a mudança cultural E isto porque o que se havia consubstanciado na velha estrutura continua na nova até que esta através da experiência histórica dos homens proporcione formas de ser correspondentes não mais à estrutura anterior mas à nova17 No caso contrário em que a estrutura social ainda não se transformou e na qual se enfrentam os que querem e os que não querem a mudança a mudança estrutural de qualquer quefazer só tem uma dimensão realmente importante em que possa aparecer como associado eficiente do quefazer Esta é a dimensão na qual se procura mudar a percepção que se tem da realidade trabalho que tem de prosseguir como afirmamos mesmo quando a estrutura esteja transformada na sua totalidade Neste momento pelo que já foi dito com facilidades que antes não havia A mudança da percepção da realidade que não pode darse no nível intelectualista mas na ação e na reflexão em momentos históricos especiais além de ser a única possibilidade de ser tentada tornase como associado eficiente instrumento para ação da mudança Desta forma a realidade objetiva ao condicionar a percepção que dela têm os indivíduos condiciona também a forma de enfrentála suas perspectivas suas aspirações suas expectativas Condiciona também os vários níveis de percepção que por sua vez explicam as formas de ação dos indivíduos Até o momento em que uma realidade for vista como algo imutável superior às forças de resistência dos indivíduos que assim a veem a tendência destes será adotar uma postura fatalista e sem esperança Ainda mais e por isso mesmo sua tendência é procurar fora da própria realidade a explicação para a sua impossibilidade de atuar18 A percepção mágica da realidade por ela condicionada provoca uma ação também mágica diante dela através da qual o homem tenta defenderse do incerto19 Poderseia dizer que a mudança da percepção só seria possível com a mudança da estrutura por causa do condicionamento que esta exerce sobre aquela Tal afirmação tomada de um ponto de vista acriticamente rigoroso pode levar a interpretações mecanicistas das relações percepçãomundo Por outro lado para evitar qualquer confusão entre a nossa posição e uma atitude idealista é necessário esclarecer o que entendemos por mudança de percepção Reconhecemos e já o afirmamos que só podemos entender o homem no mundo Sabemos que a verdade do mundo não se encontra só no homem interior pois este só existe porque pode ser dicotomizado do mundo em e com o qual se fala A mudança de percepção da realidade pode darse antes da sua transformação se se excluir do termo antes o significado de dimensão estática do tempo com que se pode apelidar a consciência ingênua A significação de antes aqui não é a do sentido comum nem a do sentido gramatical O antes aqui não significa um momento anterior separado de outro por uma fronteira rígida O antes pelo contrário toma parte no processo participa da estrutura social envolvendo os homens seja como um passado que foi presente seja como um anteriorpresente à estrutura Desta forma a percepção distorcida da realidade neste antes da mudança estrutural pode ser mudada na medida em que o hoje no qual se está verificando o antagonismo entre mudança e estabilidade já é em si um desafio que a põe à prova Quanto mais agudo este antagonismo mais se revela a realidade que condiciona tal percepção e isso é suficiente para que nela se verifique a mudança Assim sendo aproveitando este clima característico do anteriorpresente cabe ao trabalhador social problematizando para o homem o que se opõe ao seu hojeanteriorpresente da mudança estrutural tentar a mudança de sua percepção da realidade Por isso repetimos que esta mudança de percepção não é outra coisa senão a substituição de uma percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica da mesma Esta mudança de percepção que se dá na problematização de uma realidade concreta no entrechoque de suas contradições implica um novo enfrentamento do homem com sua realidade Implica admirála em sua totalidade vêla de dentro e desse interior separála em suas partes e voltar a admirála ganhando assim uma visão mais crítica e profunda da sua situação na realidade que não condiciona Implica uma apropriação do contexto uma inserção nele um não ficar aderido a ele um não estar quase sob o tempo mas no tempo Implica reconhecerse homem Homem que deve atuar pensar crescer transformar e não adaptarse fatalisticamente a uma realidade desumanizante Implica finalmente o ímpeto de mudar para ser mais A mudança da percepção distorcida do mundo pela conscientização é algo mais que a tomada de consciência que pode inclusive ser ingênua Tentar a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha enquanto com eles também se conscientiza este e não outro nos parece ser o papel do trabalhador social que optou pela mudança Notas 6 Parte deste texto foi traduzida e adaptada pelo próprio autor e publicada no livro Ação cultural para a liberdade e outros escritos Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 13ª edição São Paulo Paz e Terra 2011 NT 7 Chamamos a atenção do leitor para a relação entre as palavras mirar olhar e admirar no espanhol NT 8 A extensão de um termo é o número de indivíduos aos quais se aplica o termo No caso do termo papel sua extensão é o conjunto de quefazeres que se pode chamar de papel A compreensão por sua vez é a soma de qualidades que dão a significação do termo Quanto maior é a compreensão de um termo menor é sua extensão ou viceversa Entre os termos homem e cientista este tem uma compreensão maior e uma extensão menor Todo cientista é homem genericamente falando contudo nem todo homem é cientista 9 Duração é um conceito bergsoniano sinônimo de tempo real Bergson o opõe ao de tempo artificial ou quantitativo dos matemáticos e dos físicos Considera a duração como um processo o aspecto mais importante da vida humana Ao aplicar seu conceito de duração para caracterizar a contradição estabilidademudança como um processo que se dá permanentemente no tempo vivido pelos homens não estamos aceitando seu intuicionismo na formação da realidade 10 A cristalização de hoje é a mudança que se operou ontem numa outra cristalização Por isso é que nada de novo nasce de si mesmo mas sim do velho que antes foi novo Por isso também tudo o que é novo ao tomar forma faz seu testamento ao novo que nascerá dele quando se esgotar e ficar velho 11 Ainda que nosso pensamento nos pareça claro neste último parágrafo sublinhamos contudo que a normalização à qual nos estamos referindo daí colocarmos entre aspas o verbo normalizar não é a de quem pretendendo a mudança necessita frear os que não a querem mas a de quem repelindo a mudança luta por normalizar o status quo 12 Descartamos nesta discussão uma distorção da percepção das partes por sua absoluta ingenuidade Referimonos à percepção das partes como absolutos em si não tendo nada que ver umas com as outras na constituição da totalidade A realidade nesta percepção que gera uma concepção também falsa da ação não chega a constituir uma estrutura no sentido próprio da palavra Se presentifica focalistamente ao sujeito desta percepção Desta maneira a ação que parte da concepção gerada nesta falsa percepção já nasce inoperante Daí que em lugar de se constituir em ação transformadora fica nas soluções puramente assistencialistas 13 Hegel Fenomenologia del espíritu México Fondo de Cultura Económica 1966 14 Nenhum inviável histórico o é hoje Amanhã não necessariamente o será 15 Sobre o mundo humano e o suporte animal cf Paulo Freire A propósito del tema generador Educação e conscientização extensionismo rural Cuernavaca CIDOCCuaderno 25 1968 16 A percepção social é um produto um derivado da estrutura das relações humanas Robert K Merton Teoría y estructura sociales México Fondo de Cultura Económica 1964 p 117 17 Isto nos parece um aspecto que deve ser criticamente estimulado em todas as dimensões do trabalho da Corporación de la Reforma Agraria nas bases A nosso ver as atividades de base quaisquer que sejam as de assistência técnica em seus múltiplos aspectos como as sanitárias são meios para a autêntica promoção rural Promoção na qual se encontra implícita a mudança cultural que provoca a mudança das atitudes da valorização etc De forma que os técnicos que trabalham numa base não podem exercer sua técnica por ela mesma o que tende à mitificação da técnica mas ao fazer dela um instrumento de promoção humana fazem com que a técnica tenha sentido 18 Em torno das situaçõeslimite e o viável histórico tema correspondente ao estudo destas considerações cf Paulo Freire A propósito del tema generador 19 Partindo destas observações cheias de significado o autor se refere a observações realizadas por Malinowski formula sua teoria de que a crença mágica servia para diminuir a incerteza nas atividades de ordem prática do homem para fortalecer sua confiança para reduzir sua ansiedade e para abrir vias de escape em situações aparentemente sem saída A magia representa uma técnica suplementar para conseguir certos objetivos práticos O autor chama a atenção ainda sobre o fato de que Malinowski introduziu na teoria da magia através de suas observações novos elementos tais como as relações entre a magia e o acaso a magia e o perigo e a magia e o incontrolável Robert K Merton op cit p 118 4 ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS E CONSCIENTIZAÇÃO 1 INSTRUMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados O homem é um ser de raízes espaçotemporais De forma que ele é na expressão feliz de Marcel um ser situado e temporalizado A instrumentação da educação algo mais que a simples preparação de quadros técnicos para responder às necessidades de desenvolvimento de uma área depende da harmonia que se consiga entre a vocação ontológica deste ser situado e temporalizado e as condições especiais desta temporalidade e desta situacionalidade Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto só poderá desenvolvêla na medida em que refletindo sobre suas condições espaçotemporais introduzse nelas de maneira crítica Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade sobre seu enraizamento espaçotemporal mais emergirá dela conscientemente carregado de compromisso com sua realidade da qual porque é sujeito não deve ser simples espectador mas deve intervir cada vez mais Por isso mesmo a educação para não instrumentar tendo como objeto um sujeito ser concreto que não somente está no mundo mas também está com ele deve estabelecer uma relação dialética com o contexto da sociedade à qual se destina quando se integra neste ambiente que por sua vez dá garantias especiais ao homem através de seu enraizamento nele Superposta a ele fica alienada e por isso inoperante Tal enfoque significa necessariamente uma superação do falso dilema humanismotecnologia Numa era cada vez mais tecnológica como a nossa será menos instrumental uma educação que despreze a preparação técnica do homem como a que dominada pela ansiedade de especialização esqueçase de sua humanização A primeira condição mencionada faria perder a batalha do desenvolvimento a segunda poderia levar o homem ao anonimato da massificação de onde para sair necessitaria da reflexão mais de uma vez especialmente da reflexão sobre a sua própria condição de massificado 2 O HOMEM COMO UM SER DE RELAÇÕES Este ser temporalizado e situado ontologicamente inacabado sujeito por vocação objeto por distorção descobre que não só está na realidade mas também que está com ela Realidade que é objetiva independente dele possível de ser reconhecida e com a qual se relaciona Estas relações que o homem trava nesta e com esta realidade apresentam uma ordem tal de conotações que as distinguem dos meros contatos da esfera animal por isso mesmo o conceito de relações da esfera puramente humana guarda em si conotações de pluralidade de criticidade de consequência e de temporalidade Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo na medida em que o homem responde aos desafios deste mesmo mundo na sua ampla variedade na medida em que não se esgota num tipo padronizado de resposta Pluralidade não só com relação aos diferentes desafios que lhe faz o ambiente mas também com relação ao próprio desafio No jogo constante de suas respostas muda seu modo de responder Organizase escolhe a melhor resposta Atua nas relações do homem com o mundo existe uma pluralidade na própria singularidade A captação que faz dos dados objetivos de sua realidade é essencialmente crítica e não puramente reflexa como sucede nas esferas dos contatos Além disso o homem e somente o homem é capaz de transcender de discernir de separar órbitas existenciais diferentes de distinguir ser do não ser de travar relações incorpóreas Na capacidade de discernir estará a raiz da consciência de sua temporalidade obtida precisamente quando atravessando o tempo de certa forma até então unidimensional alcança o ontem reconhece o hoje e descobre o amanhã Na história de sua cultura o tempo e a dimensão do tempo foram um dos primeiros discernimentos do homem20 O excesso de tempo sob o qual vivia o homem iletrado comprometia sua própria temporalidade à qual se chega com o discernimento a que nos referimos E com a consciência desta temporalidade a de sua historicidade Não há historicidade no gato por sua incapacidade de discernir e transcender tragado no tempo unidimensional um hoje eterno do qual não tem consciência Todas essas características das relações que o homem trava com e na sua realidade fazem dessas relações algo consequente Na verdade não se esgota na mera passividade Criando e recriando integrandose nas condições de seu contexto respondendo aos desafios autoobjetivandose discernindo o homem vai se lançando no domínio que lhe é exclusivo o da história e da cultura21 A sua integração o enraíza e lhe dá consciência de sua temporalidade Se não houvesse essa integração que é uma característica das relações do homem e que se aperfeiçoa na medida em que esse se faz crítico seria apenas um ser acomodado e então nem a história nem a cultura seus domínios teriam sentido Faltaria a eles a marca da liberdade E é porque se integra na medida em que se relaciona e não somente se julga e se acomoda que o homem cria recria e decide Por sua vez os contatos da esfera animal implicam ao contrário das relações respostas singulares reflexas e inconsequentes Disto resulta uma acomodação não uma integração Observase por aí que o homem vai dinamizando o seu mundo a partir destas relações com ele e nele vai criando recriando decidindo Acrescenta algo ao mundo do qual ele mesmo é criador Vai temporalizando os espaços geográficos Faz cultura E é o jogo criador destas relações do homem com o mundo o que não permite a não ser em termos relativos a imobilidade das sociedades nem das culturas 3 O HOMEM E A SUA ÉPOCA À medida que o homem cria recria e decide vão se formando as épocas históricas E é também criando recriando e decidindo como deve participar nessas épocas É por isso que obtém melhor resultado toda vez que integrando se no espírito delas se apropria de seus temas e reconhece suas tarefas concretas Ponhase ênfase desde já na necessidade permanente de uma atitude crítica a única com a qual o homem poderá apreender os temas e tarefas de sua época para ir se integrando nela Uma época por outro lado realizase na proporção em que seus temas forem captados e suas tarefas resolvidas22 E se supera na medida em que os temas e as tarefas não correspondem a novas ansiedades emergentes Uma época da história apresentará uma série de aspirações de desejos de valores em busca de sua realização Formas de ser de comportarse atitudes mais ou menos generalizadas das quais somente os visionários que se antecipam têm dúvidas e frente às quais sugerem novas fórmulas A passagem de uma época para outra caracterizase por fortes contradições que se aprofundam dia a dia entre valores emergentes em busca de afirmações de realizações e valores do ontem em busca de preservação 4 A TRANSIÇÃO Quando isso ocorre verificase o que chamamos transição Observase um aspecto fortemente dramático que vai atingir as mudanças de que se nutre a sociedade Porque é dramático é fortemente desafiador E a transição se torna então um tempo de opções Nutrindose de mudanças a transição é mais que as mudanças Implica realmente a marcha que faz a sociedade na procura de novos temas de novas tarefas ou mais precisamente de sua objetivação As mudanças se produzem numa mesma unidade de tempo sem afetála profundamente É que se verificam dentro do jogo normal resultante da própria busca de plenitude que fazem estes temas Quando por fim estes temas começam a esvaziar e a perder sua significação emergindo novos temas a sociedade começa a passar para outra época Nestas fases mais do que nunca se faz indispensável a integração Mais do que nunca se faz indispensável o desenvolvimento de uma mente crítica23 com a qual o homem possa se defender dos perigos dos irracionalismos encaminhamentos distorcidos da emoção característica dessas fases de transição 5 BRASIL UMA SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO O Brasil vivia exatamente a transição de uma época para outra A passagem de uma sociedade fechada para uma sociedade aberta Era uma sociedade se abrindo A transição era precisamente o elo entre uma época que se desvanecia e outra que se formava Por isso é que tinha algo de prolongação e algo de penetração De prolongação daquela sociedade que se desvanecia e na qual se projetava querendo se preservar De penetração na nova sociedade anunciada e que através dela se incorpora na velha Esta sociedade brasileira estava sujeita por isso mesmo a retrocessos na sua transição na medida em que as forças que encaram aquela sociedade na vigência de seus poderes conseguissem sobrepor se de uma forma ou de outra à formação da nova sociedade Sociedade nova que se oporia necessariamente à vigência de privilégios quaisquer que fossem suas origens contrários aos interesses do homem brasileiro 6 DEMOCRATIZAÇÃO FUNDAMENTAL Entrando a sociedade brasileira em transição havia se instalado entre nós o fenômeno que Mannheim chama de democratização fundamental que implica uma crescente participação do povo em seu processo histórico O povo se encontrava na fase anterior de isolamento da nossa sociedade imerso no processo Com a ruptura da sociedade e sua entrada em transição emerge Imerso era apenas espectador do processo emergindo descruza os braços renuncia a ser simples espectador e exige participação Já não se satisfaz em assistir quer participar quer decidir Não tendo um passado de experiências decisivas dialogais o povo emerge inteiramente ingênuo e desorganizado E quanto mais pretende participar ainda que ingenuamente mais se agrupam as forças reacionárias que se sentem ameaçadas em seus princípios Cada vez mais sentíamos de um lado a necessidade de uma educação que não descuidasse da vocação ontológica do homem a de ser sujeito e por outro de não descuidar das condições peculiares de nossa sociedade em transição intensamente mutável e contraditória Educação que tratasse de ajudar o homem brasileiro em sua emersão e o inserisse criticamente no seu processo histórico Educação que por isso mesmo libertasse pela conscientização24 Não aquela educação que domestica e acomoda Educação afinal que promovesse a ingenuidade característica da emersão em criticidade com a qual o homem opta e decide Por isso esta educação ao significar um esforço para chegar ao homem sujeito enfrentava como ameaça os setores privilegiados Para o irracionalismo sectário a humanização representava um perigo 7 MAIS UMA VEZ O HOMEM E O MUNDO Partíamos dizendo que a posição normal do homem como já afirmamos no começo deste capítulo não era só a de estar na realidade mas de estar com ela A de travar relações permanentes com ela cujo resultado é a criação concretizada no domínio cultural Posto diante do mundo o homem estabelece uma relação sujeitoobjeto da qual nasce o conhecimento que ele expressa por uma linguagem Esta relação é feita também pelo analfabeto o homem comum A diferença entre a relação que ele trava neste campo e a nossa é que sua captação do dado objetivo se faz pela via preponderantemente sensível A nossa por via preponderantemente reflexiva Deste modo surge da primeira captação uma compreensão preponderantemente mágica25 da realidade Da segunda uma compreensão preponderantemente crítica Como a toda compreensão de algo corresponde cedo ou tarde uma ação a uma compreensão preponderantemente mágica corresponderá também uma ação mágica 8 A ORGANIZAÇÃO REFLEXIVA DO PENSAMENTO O que teríamos que fazer então seria como diz Paul Legrand ajudar o homem a organizar reflexivamente o pensamento Colocar como diz Legrand um novo termo entre o compreender e o atuar o pensar Fazêlo sentir que é capaz de superar a via dominantemente reflexa Se isso acontecesse estaríamos levandoo a substituir a captação mágica por uma captação cada vez mais crítica e assim ajudandoo a assumir formas de ação também críticas identificadas com o clima de transição Respondendo às exigências de democratização fundamental inserindose no processo histórico ele renunciará ao papel de simples objeto e exigirá ser o que é por vocação sujeito 9 COMO FAZÊLO As respostas parecem estar a Num método ativo dialógico crítico e criticista b Na modificação do conteúdo programático da educação c No uso de técnicas como a de redução e a de codificação Somente um método ativo dialogal e participante poderia fazêlo E que é o diálogo26 É uma relação horizontal de A com B Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade Jaspers Nutrese de amor de humanidade de esperança de fé de confiança Por isso somente o diálogo comunica E quando os dois polos do diálogo se ligam assim com amor com esperança com fé no próximo se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de empatia entre ambos Só ali há comunicação O diálogo é portanto o caminho indispensável diz Jaspers não somente nas questões vitais para nossa ordem política mas em todos os sentidos da nossa existência Somente pela virtude da fé contudo o diálogo tem estímulo e significação pela fé no homem e em suas possibilidades pela fé na pessoa que pode chegar à união de todos pela fé de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais chegam a ser eles mesmos ABBComunicação Relação de empatia na procura de algo amoroso humilde crítico esperançoso confiante criador É no diálogo que nos opomos ao antidiálogo tão entranhado em nossa formação históricocultural tão presente e ao mesmo tempo tão antagônico ao clima da transição O antidiálogo que implica uma relação de A sobre B é o oposto a tudo isso É desamoroso Não é humilde Não é esperançoso arrogante autossuficiente Quebrase aquela relação de empatia entre seus polos que caracteriza o diálogo Por tudo isso o antidiálogo não comunica Faz comunicados Precisávamos de uma pedagogia da comunicação com a qual pudéssemos vencer o desamor do antidiálogo Lamentavelmente por uma série de razões esta postura a do antidiálogo vem sendo a mais comum na América Latina Educação que mata o poder criador não só do educando mas também do educador na medida em que este se transforma em alguém que impõe ou na melhor das hipóteses num doador de fórmulas e comunicados recebidos passivamente pelos seus alunos Não cria aquele que impõe nem aqueles que recebem ambos se atrofiam e a educação já não é educação 10 NOVO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Mas quem dialoga dialoga com alguém sobre alguma coisa Esta alguma coisa deveria ser o novo conteúdo programático da educação que defendíamos E nos pareceu que a primeira dimensão deste novo conteúdo com que ajudaríamos o analfabeto antes ainda de iniciar sua alfabetização para conseguir a destruição da sua compreensão mágica e a construção duma compreensão crescentemente crítica seria a do conceito antropológico de cultura isto é a distinção entre estes dois mundos o da natureza e o da cultura o papel ativo do homem na sua realidade e com a sua realidade o sentido de mediação que tem a natureza para as relações e a comunicação dos homens a cultura como o acréscimo que o homem faz ao mundo que não criou a cultura como resultado de seu trabalho de seu esforço criador e recriador a dimensão humanista da cultura a cultura como aquisição sistemática da experiência humana como uma incorporação por isso crítica e criadora uma justaposição de informações e descrições doadas a democratização da cultura que é uma dimensão da democratização fundamental frente à problemática da aprendizagem da escrita e da leitura seria pois como uma chave com a qual o analfabeto inicia sua introdução no mundo da comunicação escrita Como ser no mundo e com o mundo Em seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto Para tal introdução ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica elaboramos depois da redução do conceito de cultura onze situações codificadas capazes de motivar os grupos e leválos por meio de sua descodificação a estas compreensões Esta primeira situação desperta a curiosidade do analfabeto e o leva a distinguir o mundo da natureza do mundo da cultura Apresentase um homem do povo diante do mundo Em torno dele seres de natureza e objetos de cultura É impressionante ver como se travam os debates e com que curiosidade os analfabetos vão respondendo às questões contidas na situação Cada situação apresenta um dado número de informações para serem descodificadas pelos grupos de analfabetos com o auxílio do coordenador de debates Na medida em que se intensifica o diálogo em torno das situações codificantes com n informações e os participantes respondem diferentemente a elas porque os desafiam se produz um círculo que será tanto mais dinâmico quanto mais a informação corresponda à realidade existencial dos grupos Muitos deles durante os debates sobre as situações afirmam felizes e autoconfiantes que nada de novo lhes está sendo demonstrado mas que lhes estavam refrescando a memória Faço sapatos disse certa vez um deles e descubro agora que tenho o mesmo valor do doutor que faz livros amanhã afirmou outro ao discutir o conceito de cultura vou entrar no meu trabalho com a cabeça erguida Era um simples varredor de ruas que descobriu o valor de sua pessoa e a dignidade de seu trabalho Afirmavase27 Reconhecidos através da primeira situação os dois mundos o da natureza e o da cultura e o papel do homem nestes dois mundos outras situações vão se sucedendo em que ora se fixam ora se ampliam as áreas de compreensão do domínio cultural A conclusão dos debates gira em torno da dimensão humana e fica claro que esta conquista numa cultura letrada já não se faz por via oral como nas iletradas em que falta a sinalização gráfica Vencendo este primeiro passo iniciase o debate sobre a democratização da cultura com o qual se abrem as perspectivas para o começo da alfabetização 11 A ALFABETIZAÇÃO COMO UM ATO CRIADOR Todo debate que se coloca é altamente crítico e motivador O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e a escrever Preparase para ser o agente desta aprendizagem E consegue fazêlo na medida em que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler Com efeito ela é o domínio dessas técnicas em termos conscientes É entender o que se lê e escrever o que se entende É comunicarse graficamente É uma incorporação Implica não uma memorização mecânica das sentenças das palavras das sílabas desvinculadas de um universo existencial coisas mortas ou semimortas mas uma atitude de criação e recriação Implica uma autoformação da qual pode resultar uma postura atuante do homem sobre seu contexto28 Isso faz com que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar com o analfabeto sobre situações concretas oferecendolhe simplesmente os meios com os quais possa se alfabetizar Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo nem de fora para dentro como uma doação ou uma exposição mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto somente ajustado pelo educador Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de se fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse como claramente observou um jovem sociólogo brasileiro29 o conteúdo da aprendizagem com o processo da aprendizagem Por essa mesma razão não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma Tínhamos de achar por outro lado na redução das palavras chamadas geradoras30 fundamentos para a aprendizagem de uma língua silábica como a nossa Não pensávamos na necessidade de cinquenta oitenta ou mais palavras geradoras Isto seria como efetivamente é uma perda de tempo Quinze ou dezoito nos pareciam suficientes para o processo de alfabetização pela conscientização 12 LEVANTAMENTO DO UNIVERSO VOCABULAR Uma pesquisa inicial feita nas áreas que vão ser trabalhadas nos oferece as palavras geradoras que nunca devem sair de nossa biblioteca Elas são constituídas pelos vocábulos mais carregados de certa emoção pelas palavras típicas do povo Tratase de vocábulos ligados à sua experiência existencial da qual a experiência profissional faz parte Esta investigação dá resultados muito ricos para a equipe de educadores não só pelas relações que trava mas pela exuberância da linguagem do povo às vezes insuspeita As entrevistas revelam desejos frustrações desilusões esperanças desejos de participação e frequentemente certos momentos altamente estéticos da linguagem popular Nos levantamentos vocabulares que tínhamos nos arquivos do Departamento de Extensão Cultural da Universidade do Recife do qual éramos diretores feitos nas áreas rurais do Brasil não são raros estes exemplos Janeiro de Angicos disse um homem deste sertão do Rio Grande do Norte Nordeste brasileiro é um mês de se viver porque janeiro é cabra danado Quero aprender a ler e a escrever disse um analfabeto do Recife para deixar de ser sombra dos outros E ainda um homem de Florianópolis revelando a emersão do povo característica da transição brasileira O povo tem resposta Outro em tom sentimental Não tenho dó de ser pobre mas de não saber ler Eu tenho a escola do mundo disse um analfabeto de um estado do sul do Brasil o que motivou o professor Jomard de Brito31 a perguntar num ensaio seu Haveria algo mais para propor a um homem tão adulto que afirma eu tenho a escola do mundo Quero aprender a ler e a escrever para mudar o mundo foi a afirmação de um analfabeto paulista para quem acertadamente conhecer é interferir na realidade conhecida O povo pôs um parafuso na cabeça afirmou outro numa linguagem um tanto esotérica Ao perguntarlhe que parafuso era esse respondeu revelando uma vez mais a emersão popular da transição brasileira é o que o senhor doutor explica ao falar comigo povo Inúmeras afirmações deste tipo exigiam realmente um tratamento universitário em sua interpretação tratamento que estivesse a cargo de especialistas e do qual resultasse um instrumento eficiente para a ação do educador de adultos 13 SELEÇÃO DE PALAVRAS GERADORAS Com o material recolhido na pesquisa chegase à fase de seleção de palavras geradoras que é feita com os critérios a de riqueza fonética b de dificuldades fonéticas as palavras selecionadas devem responder às dificuldades fonéticas da língua colocadas numa sequência que vai gradativamente de dificuldades menores para dificuldades maiores c do aspecto pragmático da palavra que implica um maior entrosamento da palavra numa determinada realidade social cultural e política Hoje disse o professor Jarbas Maciel nós vemos que estes critérios estão contidos no critério semiótico a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si maior percentagem de critérios sintático possibilidade ou riqueza fonética grau de dificuldade fonética complexa de manipulabilidade dos conjuntos de sinais de sílabas etc semântico maior ou menor intensidade do vínculo entre a palavra e o ser que designa maior ou menor adequação entre a palavra e o ser designado e pragmático maior ou menor carga de conscientização que a palavra traz potencialmente ou o conjunto de relações socioculturais que a palavra cria nas pessoas ou grupos que a utilizam32 14 CRIAÇÃO DE SITUAÇÕES SOCIOLÓGICAS Selecionadas as palavras geradoras criamse situações pintadas ou fotografadas nas quais são colocadas as palavras geradoras em ordem crescente de dificuldades fonéticas Essas situações funcionam como elementos desafiadores dos grupos e constituem no seu conjunto uma programação compacta são situaçõesproblema codificadas unidades gestálticas de aprendizagem que guardam em si informações que serão descodificadas pelos grupos com a colaboração do coordenador O debate em torno delas irá levando os grupos como se fez para chegar ao conceito antropológico de cultura a se conscientizarem para que ao mesmo tempo se alfabetizem Constituem situações locais que abrem perspectivas para a análise dos problemas regionais e nacionais Uma palavra geradora tanto pode englobar toda uma situação como se referir simplesmente a um dos sujeitos da situação 15 FICHAS AUXILIARES Uma vez preparado todo o material para o Círculo de Cultura33 elaboramse as fichas auxiliares para o trabalho dos coordenadores de debates Estas fichas devem constituir simples sugestões para os educadores nunca uma prescrição rígida para ser obedecida 16 AMPLIAÇÃO Posta uma situaçãoproblema diante do grupo iniciase a sua análise ou a descodificação com o auxílio do coordenador Somente quando o grupo termina a análise dentro de um prazo razoável o educador se volta à visualização da palavra geradora Tratase pois de visualização e não de memorização puramente mecânica Uma vez visualizada a palavra estabelecido o vínculo semântico entre ela e o objeto a que se refere representado na situação passa o educando a outra projeção a outra cartela ou a outro fotograma no caso de diapositivo no qual aparece escrita a palavra sem o objeto que ela representa Logo surge a palavra separada em suas sílabas que o analfabeto geralmente chama pedaços Reconhecidos os pedaços na etapa da análise passase à visualização das famílias fonéticas que compõem a palavra geradora Estas famílias que são estudadas isoladamente passam depois a ser representadas em conjunto Foram chamadas pela professora Aurenice Cardoso34 Ficha da descoberta Efetivamente através dela fazendo síntese o homem descobre o mecanismo da formação vocabular de uma língua silábica como a nossa que se estrutura por combinações fonéticas Apropriandose criticamente e não mecanicamente o que não seria uma apropriação deste mecanismo o adulto inicia a formação rápida do seu próprio sistema de sinais gráficos Começa então cada vez com maior facilidade e no primeiro dia em que luta para alfabetizarse a criar palavras com as combinações fonéticas que lhe oferece a decomposição de uma palavra trissilábica Tomemos por exemplo a palavra tijolo como a palavra geradora colocada numa situação de trabalho de construção Discutida a situação em seus possíveis aspectos fazse a vinculação semântica entre a palavra e o objeto que designa Visualizada a palavra dentro da situação será apresentada imediatamente TIJOLO Visualizados os pedaços e sem depender de uma ortodoxia analítico sintética começase o reconhecimento das famílias fonéticas A partir da primeira sílaba Ti ajudase o grupo a conhecer toda a família fonética resultante da combinação da consoante inicial com as demais vogais Em seguida o grupo conhece a segunda família através da visualização de Jo para chegar finalmente ao conhecimento da terceira Quando se projeta a família fonética o grupo obviamente reconhece somente a sílaba da palavra visualizada tatetitotu jajejijoju e lalelilolu Reconhecido o Ti o grupo é levado a comparálo com as outras sílabas o que o faz descobrir que começandose igualmente terminam diferentemente Desta maneira nem todas podem chamarse Ti Idêntico procedimento se segue para as sílabas Jo e Lo e suas famílias Depois do conhecimento de cada família efetuamse exercícios de leitura para a fixação das novas sílabas O momento mais importante se dá quando se apresentam as três famílias juntas tatetitotu jajejijoju lalelilolu Ficha da descoberta Depois da leitura na horizontal e outra na vertical em que se descobrem os sons vocais o grupo começa notese que não o coordenador a realizar a síntese oral Um a um todos vão fazendo palavras com as possíveis combinações à sua disposição Tatu luta lajota tito loja jato lote tela e não faltam os que aproveitando uma vogal de uma das sílabas a associem a outra a que juntam uma terceira formando outra palavra Exemplo tiram o i de li acrescentam o le e somam te leite Existem outros como o analfabeto de Brasília que para emoção de todos os presentes inclusive a do então Ministro da Educação Paulo de Tarso disse Tu já lês E isso foi na primeira noite em que começava a alfabetização Terminados os exercícios orais nos quais não houve só conhecimentos nessa mesma noite passa a escrever No dia seguinte traz de casa como tarefa tantos vocábulos quanto pôde criar com as sílabas aprendidas Não importa que traga vocábulos que não estejam terminados O que importa no dia em que começa a pisar este novo terreno é a descoberta do mecanismo das combinações fonéticas A revisão dos vocábulos criados deve ser feita pelo grupo com o auxílio do educador e não por este com a assistência daquele 17 A CAPACITAÇÃO DOS COORDENADORES A grande dificuldade que surge e que exige um alto sentido da responsabilidade se baseia na preparação dos quadros de coordenadores e supervisores Não porque haja dificuldades na aprendizagem puramente técnica do procedimento A dificuldade está na própria criação de uma nova atitude ao mesmo tempo tão velha no educador Referimonos ao diálogo Tratase de uma atitude dialogal à qual os coordenadores devem converterse para que façam realmente educação e não domesticação Precisamente porque sendo o diálogo uma relação eutu é necessariamente uma relação de dois sujeitos Toda vez que se converte o tu desta relação em mero objeto terseá pervertido e já não se estará educando mas deformando 18 RESULTADOS PRÁTICOS Entre um mês e meio e dois meses com Círculos de Cultura funcionando de segunda a sextafeira cerca de uma hora e meia deixávamos grupos de 25 a trinta homens lendo e escrevendo Com nove meses de trabalho à frente do Programa Nacional de Alfabetização de Adultos no Ministério da Educação ao qual chegamos pelo ministro Paulo de Tarso e autorizados pelo ministro Júlio Sambaquy conseguimos com nossa equipe da Universidade do Recife preparar quadros em quase todas as capitais brasileiras Ao mesmo tempo em que preparávamos esses quadros iamse formando círculos experimentais com os quais se ampliava o número de coordenadores para a extensão da campanha A isso foi se somando o esforço de outras equipes como as de São Paulo Brasília Porto Alegre etc A estas alturas deveríamos ter funcionando no Brasil mais de 20 mil Círculos de Cultura na etapa de alfabetização pois tínhamos traçadas as etapas posteriores com que aprofundaríamos os conhecimentos dos recém alfabetizados E tudo isso com um custo irrisório um projetor polonês que chegava ao Brasil pelo preço de Cr 780000 o governo havia importado 35 mil destes projetores que operavam com 220 110 e 6 volts um filme que antes de ser fabricado por nós nos custava aproximadamente Cr 400000 um quadro negro e a parede de uma casa ou da sede de um clube onde instalávamos o Círculo de Cultura Entramos em contato também com d José Távora bispo de Aracaju Sergipe nordeste do Brasil um dos líderes do Movimento de Educação de Base MEB que desenvolvia um intenso e proveitoso esforço no campo da educação de adultos através da escola radiofônica Esperávamos assim aproveitando toda uma rede já montada de escolas dinamizálas mais aplicando seus resultados Notas 20 Erich Kahler História universal del hombre México Fondo de Cultura Económica 1953 21 Id ibid 22 Hans Freyer Teoría de la época actual México Fondo de Cultura Económica 1958 23 Importante a leitura de Barbu Zevedei 24 Desenvolvimento da tomada de consciência 25 A compreensão mágica resulta de uma certa obliteração que não permite uma visualização translúcida do desafio cujas conotações são assim confundidas Esta compreensão é característica de um tipo de consciência que chamamos intransitiva A intransitivação da consciência por sua vez implica um total enclausuramento do homem em si mesmo soterrado se assim se pode dizer por um tempo e um espaço todopoderosos 26 Diálogo Horizontal Relação EuTu Dois sujeitos 27 Manifestações desta natureza feitas por homens comuns levaram os que defendem um mundo dividido por privilégios inconfessáveis e sem amor a vislumbrar em nosso esforço de humanização do homem uma subversão da ordem Não souberam ou não quiseram perceber que ao afirmar sua descoberta do valor que tinha fazendo sapatos como o doutor fazendo livros aquele sapateiro não pretendia superar o doutor substituindoo no seu trabalho Estava certo por outro lado que o doutor não o substituiria no seu Está certo agora que ele sapateiro e o outro doutor ambos têm uma dignidade no trabalho um tem tanto valor como o outro considerandose que os dois são autênticos em seus trabalhos específicos 28 Somente assim a alfabetização de adultos tem significado para o desenvolvimento na medida em que faz do próprio esforço de progresso objeto da reflexão do analfabeto 29 Celso Beisiegel 30 São aquelas que decompostas em seus elementos silábicos proporcionavam pela combinação desses elementos o nascimento de novas palavras 31 Jomard Muniz de Brito Educação de adultos e unificação de cultura Revista de cultura Universidade do Recife 241963 32 Jarbas Maciel A fundamentação teórica do sistema de Paulo Freire de educação de adultos Revista de cultura n IV Universidade do Recife 1963 33 Substituímos a escola noturna tradicional para adultos que tinha conotação passiva em contradição com o clima intensamente dinâmico da transição brasileira pelo Círculo de Cultura o professor quase sempre doador pelo coordenador de debate o aluno pelo participante do grupo a classe pelo diálogo 34 Aurenice Cardoso Conscientização e alfabetização Uma visão prática do sistema Paulo Freire de educação de adultos Revista de cultura n IV Universidade do Recife 1963 COORDENAÇÃO EDITORIAL Izabel Aleixo PRODUÇÃO EDITORIAL Hugo Langone Mariana Elia REVISÃO Eduardo Carneiro PROJETO GRÁFICO Priscila Cardoso DIAGRAMAÇÃO DA VERSÃO IMPRESSA Filigrana Este ebook foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa SA

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O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém PAULO FREIRE EDUCAÇÃO E MUDANÇA PAZ E TERRA PAULO FREIRE EDUCAÇÃO E MUDANÇA PAZ E TERRA 1103953 Copyright Herdeiros Paulo Freire Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela EDITORA PAZ E TERRA Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar em qualquer forma ou meio seja eletrônico de fotocópia gravação etc sem a permissão do detentor do copirraite EDITORA PAZ E TERRA LTDA Rua do Triunfo 177 Sta Ifigênia São Paulo Tel 011 33378399 Fax 011 32236290 httpwwwpazeterracombr Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ Freire Paulo 19211997 Educação e mudança recurso eletrônico Paulo Freire 1 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2013 recurso digital Título original Educacion y cambio Formato ePub Requisitos do sistema Adobe Digital Editions Modo de acesso World Wide Web Inclui índice ISBN 9788577532209 recurso eletrônico 1 Educação 2 Educação Aspectos políticos 3 Educação Aspectos sociais 4 Freire Paulo 1921 1997 5 Pedagogia I Gadotti Moacir II Título CDD3701 Sumário PREFÁCIO EDUCAÇÃO E ORDEM CLASSISTA MOACIR GADOTTI 1 O compromisso do profissional com a sociedade 2 A educação e o processo de mudança social 3 O papel do trabalhador social no processo de mudança 4 Alfabetização de adultos e conscientização Prefácio EDUCAÇÃO E ORDEM CLASSISTA O LANÇAMENTO DESTA OBRA de Paulo Freire em português se dá no momento em que o educador brasileiro retorna de quinze anos de exílio Retorna ao Brasil distante do qual estava há catorze anos mas distante do qual nunca estava também como declarou ele no ano passado quando foi impossibilitado de participar do I Seminário de Educação Brasileira porque lhe fora negado o passaporte Indagado ao descer hoje no aeroporto de Viracopos se havia acompanhado a evolução política e educacional do país Paulo Freire disse ter feito o impossível para isso e acrescentou mas a cada momento eu descubro que é indispensável estar aqui para melhor entender toda a atual realidade Quinze anos de ausência exigem uma reaprendizagem e uma maior intimização com o Brasil de hoje Com a modéstia intelectual que sempre o caracterizou ele volta disposto a percorrer mais uma etapa nesta sua permanente aprendizagem Éme portanto impossível apresentar hoje esta obra sem mencionar sua volta do exílio O exílio não marcou de forma alguma o seu pensamento de mágoa ou de uma nostalgia doentia Onde quer que tenha trabalhado saindo do país no Chile nos Estados Unidos na Suíça ou na África sua teoria e sua práxis estão carregadas de otimismo certamente um otimismo crítico levando mensagens de esperança certo de estar combatendo ao lado daqueles que são os portadores da liberdade os oprimidos Paulo Freire não é um intelectual acadêmico distante da vida concreta do cotidiano É por isso e não porque tenha seguido uma doutrina filosófica ou um ideário político que sua teoria e sua práxis são tão fortes violentas até carregadas de um sentido existencial profundo Sentido que Paulo Freire não dá mas que exprime E como o seu ponto de partida a sua opção radical é a libertação dos oprimidos o sentido mais profundo da sua obra é ser a expressão dos oprimidos Daí ser uma obra inquietadora perturbadora revolucionária Ela exprime a realidade e a estratégia do oprimido Foi por essa razão que não foi tolerado após o golpe militar de 1964 por ser o pedagogo dos oprimidos Feitas estas observações iniciais minha intenção é tecer algumas considerações sobre a temática central deste livro a mudança Inicialmente quero dizer que ao lado da conscientização a mudança é um tema gerador da prática teórica de Paulo Freire Como o tema da consciência o tema da mudança acompanha todas as suas obras A mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação da conscientização nesse processo de mudança são as preocupações básicas da pedagogia de Paulo Freire Aqui porém nestes quatro estudos ele se detém mais sistematicamente Pode a educação operar a mudança Que mudança Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política Combate igualmente a concepção oposta o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades e as limitações da educação nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e todo profissional a se engajar social e politicamente a perceber as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista Acrescentese porém que embora ele não separe o ato pedagógico do ato político tampouco ele os confunde Evitando querelas políticas ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da ação política e o político da ação pedagógica reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que por si só não leva uma sociedade a se libertar da opressão É dentro desse quadro que gostaria de dialogar um pouco com ele caminhar com ele e ao mesmo tempo problematizar o seu discurso central isto é a possibilidade de uma educação libertadora transformadora Paulo Freire é certamente um profissional comprometido cujo pensamento que pensa a vida as relações humanas encerra um grande potencial de direção na luta pela transformação das sociedades notadamente das sociedades em trânsito Neste sentido ele tem o mérito não apenas de denunciar uma educação supostamente neutra como o de distinguir claramente a pedagogia das classes dominantes da pedagogia das classes oprimidas Depois de Paulo Freire não é mais possível pensar a educação como um universo preservado como não foi mais possível pensar a sociedade sem a luta de classes após a dialética de Marx Muito se tem escrito sobre o pensamento do maior pedagogo do nosso tempo na expressão de Roger Garaudy Muitas questões porém pode ainda nos suscitar o seu pensamento sempre em evolução como todo pensamento concreto Não me preocupa saber se Paulo é ou não é marxista Se Paulo é ou não é cristão Ele tem sempre rejeitado etiquetas daqueles que tentam simplificar o pensamento e a vida reduzila a esquemas intelectualistas Os sectários de posições ideológicas muito rígidas o consideram um endemoniado contraditório como ele mesmo afirma Na verdade o que me interessa discutir concretamente é a questão da mudança e o caráter de dependência da educação em relação à sociedade A tradição pedagógica insiste ainda hoje em limitar o pedagógico à sala de aula à relação professoraluno educadoreducando ao diálogo singular ou plural entre duas ou várias pessoas Não seria esta uma forma de cercear de limitar a ação pedagógica Não estaria a burguesia tentando reduzir certas manifestações do pensamento das classes emergentes e oprimidas da sociedade a certos momentos exercendo sobre a escola um controle não apenas ideológico hoje menos ostensivo do que ontem mas até espacial Abrir os muros da escola para que ela possa ter acesso à rua invadir a cidade a vida parece ser ação classificada de não pedagógica pela pedagogia tradicional A conscientização sim até certo ponto mas dentro da escola dentro dos campi das universidades Enquanto os grandes debates os seminários revolucionários permanecerem dentro da escola cada vez mais isolada dos problemas reais e longe das decisões políticas não existirá uma educação libertadora Compreendendo esta estratégia o professorado brasileiro invade hoje as ruas sai da escola lutando por melhores condições de ensino e de salário certo de que assim fazendo está também fortalecendo a categoria e transformando a sociedade civil numa sociedade mais resistente à dominação A burguesia nacional reconhece os limites da conscientização que são os limites da própria consciência E aqui ela tem razão uma conscientização que partisse apenas do educador limitada ao campo escolar é insuficiente para operar uma verdadeira mudança social A educação e o papel do educador não é só isso Se houve tempo em que o papel do pedagogo parecia ser este hoje o educador o intelectual engajado cimentado com o oprimido não pode limitar se a conscientizar dentro da sala de aula Deverá aprender a se conscientizar com a massa Há igualmente limites para o diálogo Porque numa sociedade de classes não há diálogo há apenas um pseudodiálogo utopia romântica quando parte do oprimido e ardil astuto quando parte do opressor Numa sociedade dividida em classes antagônicas não há condições para uma pedagogia dialogal O diálogo pode estabelecerse talvez no interior da escola da sala de aula em pequenos grupos mas nunca na sociedade global Dentro de uma visão macroeducacional em que a ação pedagógica não se limita à escola a organização da sociedade é também tarefa do educador E para isso o seu método a sua estratégia é muito mais a desobediência o conflito a suspeita do que o diálogo A transparência do diálogo é substituída pela suspeita crítica O papel do educador de um novo tempo do tempo do acirramento das contradições e do antagonismo de classe o educador da passagem do trânsito é mais a organização do conflito do confronto do que a ação dialógica Não pretendo com isso condenar todo diálogo O diálogo porém não pode excluir o conflito sob pena de ser um diálogo ingênuo Eles atuam dialeticamente o que dá força ao diálogo entre os oprimidos é a sua força de barganha frente ao opressor É o desenvolvimento do conflito com o opressor que mantém coeso o oprimido com o oprimido O diálogo de que nos fala Paulo Freire não é o diálogo romântico entre oprimidos e opressores mas o diálogo entre os oprimidos para a superação de sua condição de oprimidos Esse diálogo supõe e se completa ao mesmo tempo na organização de classe na luta comum contra o opressor portanto no conflito Não podemos esperar que uma escola seja comunitária numa sociedade de classes Não podemos esquecer que a escola também faz parte da sociedade Ela não é uma ilha de pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não penetram Numa sociedade de classes toda educação é classista E na ordem classista educar no único sentido aceitável significa conscientizar e lutar contra esta ordem subvertêla Portanto uma tarefa que revela muito mais o conflito interior à ordem classista do que a busca de um diálogo que instaure a comunhão de pessoas ou de classes Até que ponto o humanismo sustentado pela pedagogia tradicional que valoriza excessivamente o diálogo não é uma maneira de esconder a luta de classes as disparidades socioeconômicas o antagonismo os interesses escusos da classe dominante A tradição humanista da nossa educação parece justificar tal hipótese Nossa educação é sustentada por esses dois tipos de humanismo que embora combatam entre si são ambos conservadores o humanismo idealista de um lado lutando por uma educação pietista cujo ideal educativo conduziria ao obscurantismo da Idade Média frequentemente encabeçado pela escola particular e religiosa por outro lado o humanismo tecnológico reduzindo toda educação a um arsenal de metodologias e de instrumentos de aprendizagem despolitizando a grande massa da população mais frequentemente professado pelas escolas oficiais e burocráticas Um se perde na contemplação dos ideais de uma sociedade humana acima da luta de classes outro elimina todo ideal substituindoo pela ciência e pela técnica É dentro desse quadro que vejo a leitura desta obra publicada já há alguns anos em espanhol como um subsídio valioso para a compreensão da realidade educacional latinoamericana dentro de uma sociedade fechada a compreensão do papel do trabalhador social do profissional engajado compromissado com um projeto de uma sociedade diferente isto é uma sociedade aberta Depois de Paulo Freire ninguém mais pode ignorar que a educação é sempre um ato político Aqueles que tentam argumentar em contrário afirmando que o educador não pode fazer política estão defendendo uma certa política a política da despolitização Pelo contrário se a educação notadamente a brasileira sempre ignorou a política a política nunca ignorou a educação Não estamos politizando a educação Ela sempre foi política Ela sempre esteve a serviço das classes dominantes Este é um princípio de que parte Paulo Freire princípio subjacente a cada página que aqui escreveu Hoje a volta dele representa um momento importante na história da educação no Brasil Com ele surge a possibilidade de reanimar o debate em torno dos problemas educacionais brasileiros debate este sufocado no período de obscurantismo imposto pela oligarquia governamental não menos obscurantista e tecnocrática Com a volta de Paulo Freire continuador de Fernando de Azevedo Lourenço Filho Anísio Teixeira a educação brasileira ganha um novo alento adquire maior lucidez faznos lembrar que o Brasil tem uma história educacional importante Moacir Gadotti Campinas 7 de agosto de 1979 1 O COMPROMISSO DO PROFISSIONAL COM A SOCIEDADE A QUESTÃO DO COMPROMISSO do profissional com a sociedade nos coloca alguns pontos que devem ser analisados Algumas reflexões das quais não podemos fugir necessárias para o esclarecimento do tema Em primeiro lugar a expressão o compromisso do profissional com a sociedade nos apresenta o conceito do compromisso definido pelo complemento do profissional ao qual segue o termo com a sociedade Somente a presença do complemento na frase indica que não se trata do compromisso de qualquer um mas do profissional A expressão final por sua vez define o polo para o qual o compromisso se orienta e no qual o ato comprometido só aparentemente terminaria pois na verdade não termina como trataremos de ver mais adiante As palavras que constituem a frase a ser analisada não estão ali simplesmente jogadas postas arbitrariamente Diríamos que se encontram inclusive comprometidas entre si e implicam na estrutura de suas relações uma determinada posição a de quem as expressou O compromisso seria uma palavra oca uma abstração se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume Se não se desse no plano do concreto Se prosseguimos na análise da frase proposta sentimos a necessidade de uma penetração cada vez maior no conceito do compromisso com a qual podemos apreender aquilo que faz com que um ato se constitua em compromisso Mas no momento em que esta necessidade nos é imposta cada vez mais claramente como uma exigência prévia à análise do compromisso definido o do profissional com a sociedade uma reflexão anterior se faz necessária É a que se concentra em torno da pergunta quem pode comprometerse Contudo como pode parecer esta pergunta não se formula no sentido da identificação de quem entre alguns sujeitos hipotéticos A B ou C é o protagonista de um ato de compromisso numa situação dada É uma pergunta que se antecipa a qualquer situação de compromisso Indaga sobre a ontologia do ser sujeito do compromisso A resposta a esta indagação nos faz entender o ato comprometido que começa a desvelarse diante da nossa curiosidade De fato ao nos aproximarmos da natureza do ser que é capaz de se comprometer estaremos nos aproximando da essência do ato comprometido A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir É preciso que seja capaz de estando no mundo saberse nele Saber que se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar é capaz sem dúvida de ter consciência desta consciência condicionada Quer dizer é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo que condiciona sua consciência de estar Se a possibilidade de reflexão sobre si sobre seu estar no mundo associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo não existe no ser seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo do que resulta que este ser não é capaz de compromisso É um ser imerso no mundo no seu estar adaptado a ele e sem ter dele consciência Sua imersão na realidade da qual não pode sair nem distanciarse para admirála e assim transformála faz dele um ser fora do tempo ou sob o tempo ou ainda num tempo que não é seu O tempo para tal ser seria um perpétuo presente um eterno hoje Ahistórico um ser como este não pode comprometer se em lugar de relacionarse com o mundo o ser imerso nele somente está em contato com ele Seus contatos não chegam a transformar o mundo pois deles não resultam produtos significativos capazes de inclusive voltandose sobre ele marcálos Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto de distanciarse dele para ficar com ele capaz de admirálo para objetivandoo transformálo e transformandoo saberse transformado pela sua própria criação um ser que é e está sendo no tempo que é o seu um ser histórico somente este é capaz por tudo isso de comprometerse Além disso somente este ser é já em si um compromisso Este ser é o homem Mas se este ser é o homem que além de poder comprometerse já é um compromisso o que é o compromisso Uma vez mais teremos de voltar ao próprio homem em busca de uma resposta Porém não a um homem abstrato mas ao homem concreto que existe numa situação concreta Afirmamos anteriormente que a primeira condição para que um ser pudesse exercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir É exatamente esta capacidade de atuar operar de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem à qual está associada sua capacidade de refletir que o faz um ser da práxis Se ação e reflexão como constituintes inseparáveis da práxis são a maneira humana de existir isso não significa contudo que não estão condicionadas como se fossem absolutas pela realidade em que está o homem Assim como não há homem sem mundo nem mundo sem homem não pode haver reflexão e ação fora da relação homemrealidade Esta relação homemrealidade homemmundo ao contrário do contato animal com o mundo como já afirmamos implica a transformação do mundo cujo produto por sua vez condiciona ambas ação e reflexão É portanto através de sua experiência nestas relações que o homem desenvolve sua açãoreflexão como também pode têlas atrofiadas Conforme se estabeleçam estas relações o homem pode ou não ter condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir Contudo o fundamental é que esta realidade proibitiva ou não do pensar e do atuar autênticos é criação dos homens Daí ela não pode por ser histórica tal como os homens que a criam transformarse por si só Os homens que a criam são os mesmos que podem prosseguir transformandoa Podese pensar diante desta afirmação que estamos numa espécie de beco sem saída Porque se a realidade criada pelos homens dificultalhes objetivamente seu atuar e seu pensar autênticos como podem então transformála para que possam pensar e atuar verdadeiramente Se a realidade condiciona seu pensar e atuar não autênticos como podem pensar corretamente o pensar e o atuar incorretos É que no jogo interativo do atuarpensar o mundo se num momento da experiência histórica dos homens os obstáculos ao seu autêntico atuar e pensar não são visualizados em outros estes obstáculos passam a ser percebidos para finalmente os homens ganharem com eles sua razão Os homens alcançam a razão dos obstáculos na medida em que sua ação é impedida É atuando ou não podendo atuar que se lhes aclaram os obstáculos à ação a qual não se dicotomiza da reflexão E como é próprio da existência humana a atuaçãoreflexão quando se impede um homem comprometido de atuar os homens se sentem frustrados e por isso procuram superar a situação de frustração1 Impedidos de atuar de refletir os homens encontramse profundamente feridos em si mesmos como seres do compromisso Compromisso com o mundo que deve ser humanizado para a humanização dos homens responsabilidade com estes com a história Este compromisso com a humanização do homem que implica uma responsabilidade histórica não pode realizarse através do palavrório nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo da realidade concreta onde se encontram os homens concretos O compromisso próprio da existência humana só existe no engajamento com a realidade de cujas águas os homens verdadeiramente comprometidos ficam molhados ensopados Somente assim o compromisso é verdadeiro Ao experienciálo num ato que necessariamente é corajoso decidido e consciente os homens já não se dizem neutros A neutralidade frente ao mundo frente ao histórico frente aos valores reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso Este medo quase sempre resulta de um compromisso contra os homens contra sua humanização por parte dos que se dizem neutros Estão comprometidos consigo mesmos com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem E como este não é um compromisso verdadeiro assumem a neutralidade impossível O verdadeiro compromisso é a solidariedade e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário mas com aqueles que na situação concreta se encontram convertidos em coisas Comprometerse com a desumanização é assumila e inexoravelmente desumanizarse também Esta é a razão pela qual o verdadeiro compromisso que é sempre solidário não pode reduzirse jamais a gestos de falsa generosidade nem tampouco ser um ato unilateral no qual quem se compromete é o sujeito ativo do trabalho comprometido e aquele com quem se compromete a incidência de seu compromisso Isso seria anular a essência do compromisso que sendo encontro dinâmico de homens solidários ao alcançar aqueles com os quais alguém se compromete volta destes para ele abraçando a todos num único gesto amoroso Pois bem se nos interessa analisar o compromisso do profissional com a sociedade teremos que reconhecer que ele antes de ser profissional é homem Deve ser comprometido por si mesmo Como homem que não pode estar fora de um contexto históricosocial em cujas interrelações constrói seu eu é um ser autenticamente comprometido falsamente comprometido ou impedido de se comprometer verdadeiramente2 No caso do profissional é necessário juntar ao compromisso genérico sem dúvida concreto que lhe é próprio como homem o seu compromisso de profissional Se de seu compromisso como homem como já vimos não pode fugir fora deste compromisso verdadeiro com o mundo e com os homens que é solidariedade com eles para a incessante procura da humanização seu compromisso como profissional além de tudo isso é uma dívida que assumiu ao fazerse profissional Seu compromisso como profissional sem dúvida pode dicotomizarse de seu compromisso original de homem O compromisso como um quefazer radical e totalizado repele as racionalizações Não posso nas segundasfeiras assumir compromisso como homem para nas terçasfeiras assumilo como profissional Uma vez que profissional é atributo de homem não posso quando exerço um quefazer atributivo negar o sentido profundo do quefazer substantivo e original Quanto mais me capacito como profissional quanto mais sistematizo minhas experiências quanto mais me utilizo do patrimônio cultural que é patrimônio de todos e ao qual todos devem servir mais aumenta minha responsabilidade com os homens Não posso por isso mesmo burocratizar meu compromisso de profissional servindo numa inversão dolosa de valores mais aos meios que ao fim do homem Não posso me deixar seduzir pelas tentações míticas entre elas a da minha escravidão às técnicas que sendo elaboradas pelos homens são suas escravas e não suas senhoras Não devo julgarme como profissional habitante de um mundo estranho mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais donos da verdade proprietários do saber que devem ser doados aos ignorantes e incapazes Habitantes de um gueto de onde saio messianicamente para salvar os perdidos que estão fora Se procedo assim não me comprometo verdadeiramente como profissional nem como homem Simplesmente me alieno Todavia existe algo que deve ser destacado Na medida em que o compromisso não pode ser um ato passivo mas práxis ação e reflexão sobre a realidade inserção nela ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade Se o compromisso só é válido quando está carregado de humanismo este por sua vez só é consequente quando está fundado cientificamente Envolta portanto no compromisso do profissional seja ele quem for está a exigência de seu constante aperfeiçoamento de superação do especialismo que não é o mesmo que especialidade O profissional deve ir ampliando seus conhecimentos em torno do homem de sua forma de estar sendo no mundo substituindo por uma visão crítica a visão ingênua da realidade deformada pelos especialismos estreitos Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade e com os homens concretos que nela e com ela estão se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua Não é possível um compromisso autêntico se àquele que se julga comprometido a realidade se apresenta como algo dado estático e imutável Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques Se não a vê e não a capta como uma totalidade cujas partes se encontram em permanente interação Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas pensando que assim transforma a realidade mas sobre a totalidade É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário No primeiro caso sua ação que estaria baseada numa visão ingênua meramente focalista da realidade não poderia constituir um compromisso Um profissional por exemplo para quem a Reforma Agrária é apenas um instrumento jurídico que normaliza uma sociedade em transformação sem conseguir apreendêla em sua complexidade em sua globalidade não pode em termos concretos comprometerse com ela ainda que ideologicamente a aceite A questão é que a Reforma Agrária como um processo global não é algo que não existindo anteriormente passa a existir completa e acabadamente com a instauração de uma estrutura nova A Reforma Agrária por ser um processo é algo dinâmico Dáse no domínio humano As relações homemrealidade que se verificavam na estrutura anterior necessariamente deixaram sua marca profunda na forma de estar sendo do camponês Mudada a velha estrutura através da Reforma se inevitável é que cedo ou tarde a estrutura instaurada condicione novas formas de pensar e de atuar resultantes das novas relações homem realidade isto não significa que essa mudança se dê instantaneamente O compromisso portanto de um profissional da Reforma Agrária que a veja sob esta visão criticada não pode ser verdadeiro não pode ser o compromisso do profissional em cuja ação de caráter técnico se esquece do homem ou se o minimiza pensando ingenuamente que existe o dilema humanismotecnologia E respondendo ao desafio do falso dilema3 opta pela técnica considerando que a perspectiva humanista é uma forma de retardar as soluções mais urgentes O erro desta concepção é tão nefasto como o erro da sua contrária a falsa concepção do humanismo que vê na tecnologia a razão dos males do homem moderno E o erro básico de ambas que não podem oferecer a seus adeptos nenhuma forma real de compromisso está em que perdendo elas a dimensão da totalidade não percebem o óbvio que humanismo e tecnologia não se excluem Não percebem que o primeiro implica a segunda e viceversa Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto com a causa de sua humanização de sua libertação não posso por isso mesmo prescindir da ciência nem da tecnologia com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa Por isso também não posso reduzir o homem a um simples objeto da técnica a um autômato manipulável Quase sempre técnicos de boa vontade embora ingênuos deixamse levar pela tentação tecnicista mitificação da técnica e em nome do que chamam necessidade de não perder tempo tentam verticalmente substituir os procedimentos empíricos do povo camponeses por exemplo por sua técnica Partem do pressuposto verdadeiro de que é não só necessário mas urgente aumentar a produção agrícola Uma das exigências para conseguilo está na mudança tecnológica que deve verificarse Outro pressuposto válido No entanto ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentos empíricos dos camponeses são manifestações culturais e deste ponto de vista ambas válidas cada qual em sua medida e que por isso não podem ser mecanicamente substituídos enganamse e já não podem comprometerse Terminam então por cair nesta irônica contradição para não perder tempo o que fazem é perdêlo Deformados pela acriticidade não são capazes de ver o homem na sua totalidade no seu quefazeraçãoreflexão que sempre se dá no mundo e sobre ele Pelo contrário será mais fácil para conseguir seus objetivos ver o homem como uma lata vazia que vão enchendo com seus depósitos técnicos Mas ao desenvolver desta forma sua ação que tem sua incidência neste homem lata podemos melancolicamente perguntar Onde está seu compromisso verdadeiro com o homem com sua humanização Todavia em nossos países há sem dúvida uma sombra que ameaça permanentemente o compromisso verdadeiro Ameaça que se concretiza na autenticidade do compromisso Estamos nos referindo à alienação ou alheamento cultural que sofrem nossas sociedades4 Com o centro de decisão econômica e cultural em grande parte fora delas portanto sociedades de economia periférica dependente exportadoras de matériasprimas e importadoras não somente de produtos manufaturados mas também de ideias de técnicas de modelos são sociedades seres para outro Assim o primeiro grande obstáculo que se apresenta nestas sociedades ao compromisso autêntico encontrase na falta de autenticidade de seu próprio ser dual Estas sociedades são e não são elas próprias Na medida em que em grande parte para solucionar seus problemas importam técnicas e tecnologias sem a devida redução sociológica destas a suas condições objetivas não necessariamente idênticas às das sociedades metropolitanas onde se desenvolvem essas tecnologias importadas não podem proporcionar as condições para o compromisso autêntico Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro A alienação do profissional não lhe permite perceber esta obviedade Seu compromisso se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação é um instrumento estranho às vezes antagônico à sua cultura5 O alienado seja profissional ou não pouco importa não distingue o ano do calendário do ano histórico Não percebe que existe uma não contemporaneidade do coetâneo Todas estas manifestações da alienação e outras mais cuja análise detalhada não nos cabe aqui fazer explicam a inibição da criatividade no período da alienação Esta geralmente produz uma timidez uma insegurança um medo de correr o risco da aventura de criar sem o qual não há criação No lugar deste risco que deve ser corrido a existência humana é risco e que também caracteriza a coragem do compromisso a alienação estimula o formalismo que funciona como uma espécie de cinto de segurança Daí o homem alienado inseguro e frustrado ficar mais na forma que no conteúdo ver as coisas mais na superfície que em seu interior Seu pensamento não tem força instrumental porque nasce de seu contexto para voltar a ele Constituise na nostalgia de mundos alheios e distantes Seu pensamento finalmente não tem força nem para o seu mundo porque dele não nasceu nem para o outro o mundo imaginário da sua nostalgia Desta forma como comprometerse Entretanto no momento em que a sociedade se volta sobre si mesma e se inscreve na difícil busca de sua autenticidade começa a dar evidentes sinais de preocupação pelo seu projeto histórico Quanto mais cresce esta preocupação mais desfavorável se torna o clima para o compromisso Estamos convencidos de que o momento histórico da América Latina exige de seus profissionais uma séria reflexão sobre sua realidade que se transforma rapidamente e da qual resulte sua inserção nela Inserção esta que sendo crítica é compromisso verdadeiro Compromisso com os destinos do país Compromisso com seu povo Com o homem concreto Compromisso com o ser mais deste homem Se numa sociedade preponderantemente alienada o profissional pela natureza mesma da sociedade hierarquicamente estruturada é um privilegiado numa sociedade que se está abrindo o profissional é um comprometido ou deve sêlo Fugir da concretização deste compromisso é não só negarse a si mesmo como negar o projeto nacional Notas 1 Neste sentido cf Erich Fromm sobretudo O coração do homem Rio de Janeiro Jorge Zahar 1965 Excelente livro no qual ele discute claramente a frustração do não atuar e suas consequências 2 Impedido de comprometerse verdadeiramente significa para nós a situação na qual as grandes maiorias encontramse manipuladas por minorias através de ordens Estas grandes maiorias têm a impressão de que se comprometem quando na verdade são induzidas em seu compromisso Escolhem entre as opções no melhor dos casos que as minorias lhes indicam quase sempre manhosamente pela propaganda Existe toda uma bibliografia sobre este assunto Sugerimos contudo a obra de Fromm já citada e Wright Mills La elite del poder México Fondo de Cultura Económica 1945 3 O autor não entende por humanismo neste como em outros estudos seus as belasartes a formação clássica aristocrática a erudição nem tampouco um ideal abstrato de bom homem O humanismo é um compromisso radical com o homem concreto Compromisso que se orienta no sentido de transformação de qualquer situação objetiva na qual o homem concreto esteja sendo impedido de ser mais 4 De algum tempo para cá as sociedades latinoamericanas começam a pôrse à prova historicamente Algumas mais que outras Começam a tentar uma volta sobre si mesmas o que as leva a se autoobjetivarem e assim descobriremse alienadas Se esta descoberta não significa ainda a desalienação e admitilo seria assumir uma postura idealista é contudo motivadora para que a sociedade inicie a procura de sua concretização 5 Esta é a razão pela qual defendemos para bolsistas nacionais que vão estudar em cursos de formação ou aperfeiçoamento em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico um curso prévio e profundo sobre seu país sobre sua realidade histórica econômica social e cultural sobre as condições concretas de seu atuar etc Muitos dos jovens latinoamericanos ao voltarem a seus países sentemse como estrangeiros frustrados ou reforçam o número dos transplantes de experiências de outro espaço e de outro tempo histórico São mais compromissos inautênticos 2 A EDUCAÇÃO E O PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL 1 INTRODUÇÃO Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem Por isso é preciso fazer um estudo filosóficoantropológico Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar na natureza do homem algo que possa constituir o núcleo fundamental no qual se sustente o processo de educação Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem O cão e a árvore também são inacabados mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado O homem perguntase Quem sou De onde venho Onde posso estar O homem pode refletir sobre si mesmo e colocarse num determinado momento numa certa realidade é um ser na busca constante de ser mais e como pode fazer esta autorreflexão pode descobrirse como um ser inacabado que está em constante busca Eis aqui a raiz da educação A educação é uma resposta da finitude da infinitude A educação é possível para o homem porque este é inacabado e sabese inacabado Isto levao à sua perfeição A educação portanto implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém Por outro lado a busca deve ser algo e deve traduzirse em ser mais é uma busca permanente de si mesmo eu não posso pretender que meu filho seja mais em minha busca e não na dele Sem dúvida ninguém pode buscar na exclusividade individualmente Esta busca solitária poderia traduzirse em um ter mais que é uma forma de ser menos Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências caso contrário se faria de umas consciências objetos de outras Seria coisificar as consciências Jaspers disse Eu sou na medida em que os outros também são O homem não é uma ilha É comunicação Logo há uma estreita relação entre comunhão e busca 2 SABERIGNORÂNCIA A educação tem caráter permanente Não há seres educados e não educados Estamos todos nos educando Existem graus de educação mas estes não são absolutos O homem por ser inacabado incompleto não sabe de maneira absoluta Somente Deus sabe de maneira absoluta A sabedoria parte da ignorância Não há ignorantes absolutos Se num grupo de camponeses conversarmos sobre colheitas devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem muito mais do que nós Se eles sabem selar um cavalo e sabem quando vai chover se sabem semear etc não podem ser ignorantes durante a Idade Média saber selar um cavalo representava alto nível técnico o que lhes falta é um saber sistematizado O saber se faz através de uma superação constante O saber superado já é uma ignorância Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já anuncia Todo saber traz consigo sua própria superação Portanto não há saber nem ignorância absoluta há somente uma relativização do saber ou da ignorância Por isso não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo É preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade 3 AMORDESAMOR O amor é uma tarefa do sujeito É falso dizer que o amor não espera retribuições O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam Cada um tem o outro como sujeito de seu amor Não se trata de apropriarse do outro Nesta sociedade há uma ânsia de imporse aos demais numa espécie de chantagem de amor Isto é uma distorção do amor Quem ama o faz amando os defeitos e as qualidades do ser amado Amase na medida em que se busca comunicação integração a partir da comunicação com os demais Não há educação sem amor O amor implica luta contra o egoísmo Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar Não há educação imposta como não há amor imposto Quem não ama não compreende o próximo não o respeita Não há educação do medo Nada se pode temer da educação quando se ama 4 ESPERANÇADESESPERANÇA Com base no inacabamento nasce o problema da esperança e da desesperança Podemos fazer dele o objeto de nossa reflexão Eu espero na medida em que começo a busca pois não seria possível buscar sem esperança Uma educação sem esperança não é educação Quem não tem esperança na educação dos camponeses deverá procurar trabalho noutro lugar 5 O HOMEM UM SER DE RELAÇÕES O homem está no mundo e com o mundo Se apenas estivesse no mundo não haveria transcendência nem se objetivaria a si mesmo Mas como pode objetivar se pode também distinguir entre um eu e um não eu Isto o torna um ser capaz de relacionarse de sair de si de projetarse nos outros de transcender Pode distinguir órbitas existenciais distintas de si mesmo Estas relações não se dão apenas com os outros mas se dão no mundo com o mundo e pelo mundo nisto se apoiaria o problema da religião O animal não é um ser de relações mas de contatos Está no mundo e não com o mundo 6 CARACTERÍSTICAS A primeira característica desta relação é a de refletir sobre este mesmo ato Existe uma reflexão do homem face à realidade O homem tende a captar uma realidade fazendoa objeto de seus conhecimentos Assume a postura de um sujeito cognoscente de um objeto cognoscível Isto é próprio de todos os homens e não privilégio de alguns por isso a consciência reflexiva deve ser estimulada conseguir que o educando reflita sobre sua própria realidade Quando o homem compreende sua realidade pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções Assim pode transformála e com seu trabalho pode criar um mundo próprio seu eu e suas circunstâncias O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos Cultura é tudo o que é criado pelo homem Tanto uma poesia como uma frase de saudação A cultura consiste em recriar e não em repetir O homem pode fazêlo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformálo Isto nos leva a uma segunda característica da relação a consequência resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus O homem não é pois um homem para a adaptação A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade O homem deve transformar a realidade para ser mais a propaganda política ou comercial fazem do homem um objeto O homem se identifica com sua própria ação objetiva o tempo temporaliza se fazse homemhistória O animal está sob o tempo Para ele não há ontem nem amanhã Está sob uma eternidade esmagadora Está encharcado pelo tempo e por isso não tem tempo Para Deus também não existe tempo porque está sobre ele O homem ao contrário está no tempo e abre uma janela no tempo dimensionase tem consciência de um ontem e de um amanhã O homem primitivo viveu sob o tempo e quando teve consciência do tempo se historicizou Deus vive no presente e para ele o meu futuro é presente Por isso não podemos dizer que Deus prevê mas que vê tudo no seu presente As relações do homem são também temporais transcendentes O homem pode transcender sua imanência e estabelecer relação com os seres infinitos Mas esta relação não pode ser uma domesticação submissão ou resignação diante do ser infinito As relações ou contatos dos animais são reflexos Apesar de a psicologia revelar certa inteligência como a de crianças de três anos em alguns animais esta inteligência se restringe ao mecânico e ao reflexo Em segundo lugar as relações dos animais são inconsequentes já que estes não têm liberdade para criar ou não criar As abelhas por exemplo não podem fazer um mel especial para consumidores mais exigentes Estão determinadas pelo instinto Uma educação que pretendesse adaptar o homem estaria matando suas possibilidades de ação transformandoo em abelha A educação deve estimular a opção e afirmar o homem como homem Adaptar é acomodar não transformar O homem integrase e não se acomoda Existe contudo uma adaptação ativa Quanto mais dirigidos são os homens pela propaganda ideológica política ou comercial tanto mais são objetos e massas Quanto mais o homem é rebelde e indócil tanto mais é criador apesar de em nossa sociedade se dizer que o rebelde é um ser inadaptado Os contatos além disso não são temporais porque os animais não podem fazer sua própria história Os contatos são intranscendentes porque os animais estão submersos em sua imanência Em resumo As relações são Os contatos são Reflexivas Reflexos Consequentes Inconsequentes Transcendentes Intranscendentes Temporais Intemporais 7 O ÍMPETO CRIADOR DO HOMEM Em todo homem existe um ímpeto criador O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar A educação deve ser desinibidora e não restritiva É necessário darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos Caso contrário domesticamos o que significa a negação da educação Um educador que restringe os educandos a um plano pessoal impedeos de criar Muitos acham que o aluno deve repetir o que o professor diz na classe Isso significa tomar o sujeito como instrumento O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transformar a realidade se faz cada vez mais urgente Na medida em que os homens dentro de sua sociedade vão respondendo aos desafios do mundo vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo história pela sua própria atividade criadora 8 CONCEITO DE SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores com formas de ser ou de comportarse que buscam plenitude Enquanto estas concepções se envolvem ou são envolvidas pelos homens que procuram a plenitude a sociedade está em constante mudança Se os fatores rompem o equilíbrio os valores começam a decair esgotamse não correspondem aos novos anseios da sociedade Mas como esta não morre os novos valores começam a buscar a plenitude A este período chamamos transição Toda transição é mudança mas não viceversa atualmente estamos numa época de transição Não há transição que não implique um ponto de partida um processo e um ponto de chegada Todo amanhã se cria num ontem através de um hoje De modo que o nosso futuro baseiase no passado e se corporifica no presente Temos de saber o que fomos e o que somos para saber o que seremos 9 CARACTERÍSTICAS DE UMA SOCIEDADE FECHADA A sociedade fechada latinoamericana foi uma sociedade colonial Em algumas formas básicas de seu comportamento observamos que geralmente o ponto de decisão econômica desta sociedade está fora dela Isso significa que este ponto está dentro de outra sociedade Esta outra é a sociedade matriz Espanha ou Portugal em nossa realidade latinoamericana Esta sociedade matriz é a que tem opções em troca as demais sociedades somente recebem ordens Assim é possível falar de sociedadesujeito e de sociedadeobjeto Esta última opera necessariamente como um satélite comandado pelo seu ponto de decisão é uma sociedade periférica e não reflexiva O ponto de decisão ou sociedade matriz fortificase e procura na outra sociedade a matériaprima e a transforma em produtos manufaturados que vende às mesmas sociedadesobjetos O custo a importação a exportação o preço etc são determinados pela sociedadesujeito Não cabe à sociedade dominada decidir Por isso não há nela mercado interno sua economia cresce para fora o que significa não crescer O mercado é externo à sociedadeobjeto e tem características cíclicas madeira açúcar ferro café sucessivamente Esta sociedade é predatória não tem povo tem massa Não é uma entidade participante Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade diretriz Esta elite impõese às massas populares Esta imposição faz com que ela esteja sobre o povo e não com o povo As elites prescrevem as determinações às massas Estas massas estão sob o processo histórico Sua participação na história é indireta Não deixam marcas como sujeitos mas como objetos A própria organização destas sociedades se estrutura de forma rígida e autoritária Não há mobilidade vertical ascendente um filho de sapateiro dificilmente pode chegar a ser professor universitário Tampouco há mobilidade descendente o filho de um professor universitário não pode chegar a ser sapateiro pelos preconceitos de seu pai De modo que cada um reproduz seu status Este é ganho geralmente por herança e não por valor ou capacidade A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver todo um sistema educacional para manter este status Estas sociedades não são tecnológicas são servis Há uma dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual Nestas sociedades nenhum pai gostaria que seus filhos fossem mecânicos se pudessem ser médicos mesmo que tivessem vocação para ser mecânicos Consideram o trabalho manual degradante os intelectuais são dignos e os que trabalham com as mãos são indignos Por isso as escolas técnicas se enchem de filhos das classes populares e não das elites Também se caracterizam pelo analfabetismo e pelo desinteresse pela educação básica dos adultos 10 SOCIEDADE ALIENADA Quando o ser humano pretende imitar outrem já não é ele mesmo Assim também a imitação servil de outras culturas produz uma sociedade alienada ou sociedadeobjeto Quanto mais alguém quer ser outro tanto menos ele é ele mesmo A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir Um profissional alienado é um ser inautêntico Seu pensar não está comprometido consigo mesmo não é responsável O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal mas com olhos alheios Por isso vive uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva Vive através da visão de outro país Vivese Rússia ou Estados Unidos mas não se vive Chile Peru Guatemala ou Argentina O ser alienado não procura um mundo autêntico Isto provoca uma nostalgia deseja outro país e lamenta ter nascido no seu Tem vergonha da sua realidade Vive em outro país e trata de imitálo e se crê culto quanto menos nativo é Diante de um estrangeiro tratará de esconder as populações marginais e mostrará bairros residenciais porque pensa que as cidades mais cultas são as que têm edifícios mais altos Como o pensar alienado não é autêntico também não se traduz numa ação concreta É preciso partir de nossas possibilidades para sermos nós mesmos O erro não está na imitação mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou de autocrítica Julgase que os bolivianos ou panamenhos são preguiçosos porque são bolivianos ou panamenhos Por isso procurase ser menos boliviano ou panamenho Acreditase que ser grande é imitar os valores de outras nações Sem dúvida a grandeza se expressa através da própria vocação nativa Outro exemplo de alienação é a preferência pelos técnicos estrangeiros em detrimento dos nacionais A sociedade alienada não conhece a si mesma é imatura tem comportamento exemplarista trata de conhecer a realidade por diagnósticos estrangeiros Os dirigentes solucionam os problemas com fórmulas que deram resultado no estrangeiro Fazem importação de problemas e soluções Não conhecem a realidade nativa Antes de admitir soluções estrangeiras teria de se perguntar quais eram as condições e características que motivaram esses problemas Porque o ano de 1966 da Rússia ou dos Estados Unidos não é o mesmo 1966 do Chile ou da Argentina Somos contemporâneos no tempo mas não na técnica Além do mais os técnicos estrangeiros chegam com soluções fabulosas sem um julgamento prévio que não correspondem à nossa idiossincrasia As soluções importadas devem ser reduzidas sociologicamente isto é estudadas e integradas num contexto nativo Devem ser criticadas e adaptadas neste caso a importação reinventada ou recriada Isto já é desalienação o que não significa senão autovaloração Geralmente as elites acusam o povo de fraqueza ou incapacidade e por isso suas soluções não dão resultado Assim as atitudes dos dirigentes oscilam entre um otimismo ingênuo e um pessimismo ou desespero É ingenuidade pensar que a simples importação de soluções salvará o povo Isso se passa entre os candidatos que por não conhecerem a fundo os problemas do poder fazem mil promessas e ao chegar ao poder encontram mil obstáculos que às vezes os fazem cair no desânimo Não se trata de desonestidade mas de ingenuidade 11 UMA SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO A sociedade fechada quando sofre pressão de determinados fatores externos se espedaça mas não se abre uma sociedade está se abrindo quando começa o processo de desalienação com o surgimento de novos valores Assim por exemplo a ideia da participação popular no poder Nesta sociedade em transição se está numa posição progressista ou reacionária não se pode estar com os braços cruzados É preciso procurar uma nova escala de valores O velho e o novo têm valor na medida em que são válidos Ou se dirige a sociedade para ontem ou para o amanhã que se anuncia hoje As atitudes reacionárias são as que não satisfazem o processo e os valores requeridos pela sociedade de hoje Existe uma série de fenômenos sociológicos que têm ligação com o papel do educador Nesta etapa da sociedade existem primeiramente as massas populares espectadoras passivas Quando a sociedade se incorpora nelas começa um processo chamado democratização fundamental É um crescente ímpeto para participar As massas populares começam a se procurar e a procurar seu processo histórico Com a ruptura da sociedade as massas começam a emergir e esta emersão se traduz numa exigência das massas por participar é a sua presença no processo As massas descobrem na educação um canal para um novo status e começam a exigir mais escolas Começam a ter uma apetência que não tinham Existe uma correspondência entre a manifestação das massas e a reivindicação É o que chamamos educação das massas As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade Percebem que outros têm mais facilidade que elas e descobrem que a educação lhes abre uma perspectiva Às vezes emergem em posição ingênua de rebelião e não revolucionária ao se defrontarem com os obstáculos Começam a exigir e a criar problemas para as elites Estas agem torpemente esmagando as massas e acusandoas de comunismo As massas querem participar mais na sociedade As elites acham que isso é um absurdo e criam instituições de assistência social para domesticálas Não prestam serviços atuam paternalisticamente o que é uma forma de colonialismo Procurase tratálas como crianças para que continuem sendo crianças Uma sociedade justa dá oportunidade às massas para que tenham opções e não a opção que a elite tem mas a própria opção das massas A consciência criadora e comunicativa é democrática As convicções devem ser profundas porém nunca impostas aos demais através do diálogo se tratará de convencer com amor o contrário seria sectarismo O sectarismo não é crítica não ama não dialoga não comunica não faz comunicados No processo histórico os sectários comportamse como inimigos consideramse donos da história O sectarismo pretende conquistar o poder com as massas mas estas depois não participam do poder Para que haja revolução das massas é necessário que estas participem do poder 12 A CONSCIÊNCIA BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO As sociedades latinoamericanas começam a se inscrever neste processo de abertura umas mais que outras mas a educação ainda permanece vertical O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes Isto forma uma consciência bancária O educando recebe passivamente os conhecimentos tornandose um depósito do educador Educase para arquivar o que se deposita Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem que perde assim seu poder de criar se faz menos homem é uma peça O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo sendo o sujeito de sua ação A consciência bancária pensa que quanto mais se dá mais se sabe Mas a experiência revela que com este mesmo sistema só se formam indivíduos medíocres porque não há estímulo para a criação Por outro lado quem aparece como criador é um inadaptável e deve nivelar se aos medíocres O professor arquiva conhecimentos porque não os concebe como busca e não busca porque não é desafiado pelos seus alunos Em nossas escolas se enfatiza muito a consciência ingênua 13 A CONSCIÊNCIA E SEUS ESTADOS A consciência se reflete e vai para o mundo que conhece é o processo de adaptação A consciência é temporalizada O homem é consciente e na medida em que conhece tende a se comprometer com a própria realidade O primeiro estado da consciência é a intransitividade tomouse este termo da noção gramatical de verbo intransitivo aquele que não deixa passar sua ação a outro Existe neste estado uma espécie de quase compromisso com a realidade A consciência intransitiva contudo não é consciência fechada Resulta de um estreitamento no poder de captação da consciência É uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da órbita vegetativa do homem Quanto mais se distancia da captação da realidade mais se aproxima da captação mágica ou supersticiosa da realidade A intransitividade produz uma consciência mágica As causas que se atribuem aos desafios escapam à crítica e se tornam superstições Se uma comunidade sofre uma mudança econômica por exemplo a consciência se promove e se transforma em transitiva Num primeiro momento essa consciência é ingênua Em grande parte é mágica Este passo é automático mas o passo para a consciência crítica não é Ele somente se dá com um processo educativo de conscientização Este passo exige um trabalho de promoção e critização Se não se faz este processo educativo só se intensifica o desenvolvimento industrial ou tecnológico e a consciência sofrerá um abalo e será uma consciência fanática Este fanatismo é próprio do homem massificado Na consciência ingênua há uma busca de compromisso na crítica há um compromisso e na fanática uma entrega irracional A consciência intransitiva responde a um desafio com ações mágicas porque a compreensão é mágica Geralmente em todos nós existe algo de consciência mágica o importante é superála Características da consciência ingênua 1 Revela uma certa simplicidade tendente a um simplismo na interpretação dos problemas isto é encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade Não se aprofunda na casualidade do próprio fato Suas conclusões são apressadas superficiais 2 Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor Por exemplo os pais que se queixam da conduta de seus filhos comparandoa ao que faziam quando jovens 3 Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento Esta tendência pode levar a uma consciência fanática 4 Subestima o homem simples 5 É impermeável à investigação Satisfazse com as experiências Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras Suas explicações são mágicas 6 É frágil na discussão dos problemas O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis É polêmico não pretende esclarecer Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades não procura a verdade trata de impô la e procurar meios históricos para convencer com suas ideias É curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha pelos gestos e pelo palavreado Trata de brigar mais para ganhar mais 7 Tem forte conteúdo passional Pode cair no fanatismo ou sectarismo 8 Apresenta fortes compreensões mágicas 9 Diz que a realidade é estática e não mutável Características da consciência crítica 1 Anseio de profundidade na análise de problemas Não se satisfaz com as aparências Podese reconhecer desprovida de meios para a análise do problema 2 Reconhece que a realidade é mutável 3 Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade 4 Procura verificar ou testar as descobertas Está sempre disposta às revisões 5 Ao se deparar com um fato faz o possível para livrarse de preconceitos Não somente na captação mas também na análise e na resposta 6 Repele posições quietistas É intensamente inquieta Tornase mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude e viceversa Sabe que é na medida que é e não pelo que parece O essencial para parecer algo é ser algo é a base da autenticidade 7 Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas 8 É indagadora investiga força choca 9 Ama o diálogo nutrese dele 10 Face ao novo não repele o velho por ser velho nem aceita o novo por ser novo mas aceitaos na medida em que são válidos 3 O PAPEL DO TRABALHADOR SOCIAL NO PROCESSO DE MUDANÇA6 PARECENOS INDISCUTÍVEL que nossa primeira preocupação em se tratando de discutir o papel do trabalhador social no processo de mudança deva ser a de refletir sobre esta própria frase A principal vantagem desse procedimento é que a frase proposta revelarseá diante de nós no seu sentido profundo A análise crítica da frase nos possibilitará perceber a relação de seus termos na formação de um pensamento estruturado que envolve um tema significativo Não será possível digase desde já a discussão do tema contido na frase proposta se não se tiver dele uma compreensão comum mesmo partindo de diferentes pontos de vista Esta análise crítica que nos leva a uma apreensão mais profunda do significado da frase supera a visão ingênua que sendo simplista nos deixa na periferia de tudo o que tratamos Para o ponto de vista crítico que aqui defendemos o ato de olhar implica outro o de admirar7 Admiramos e ao penetrarmos no que foi admirado o olhamos de dentro e daí de dentro aquilo que nos faz ver Na ingenuidade que é uma forma desarmada de enfrentamento da realidade apenas olhamos e porque não admiramos não podemos adentrar o que é olhado não vendo o que está sendo olhado Por isso é necessário que admiremos a frase proposta para olhandoa de dentro reconhecêla como algo que jamais poderá ser reduzido ou rebaixado a um simples clichê A frase em discussão não é um conjunto de meros sons com rótulo estático uma frase feita Como dissemos envolve um tema significativo Ela é em si um problema um desafio Se apreciarmos a frase como um clichê ficando na sua superfície provavelmente não faremos outra coisa que discutir sobre outros clichês que nos foram depositados ou em outras palavras sobre conceitos temáticos que nos foram propostos como clichês Assim um trabalho de análise crítica do texto proposto que nos permita a compreensão de seu contexto total no qual se encontra o tema desafiador vai nos possibilitar outro trabalho fundamental a separação do contexto nas suas partes constitutivas Esta separação do contexto total em suas partes nos permite retornar a ele de onde partimos pela operação de admirar alcançando desta maneira uma compreensão mais vertical e também dinâmica de sua significação Se depois da admiração do texto que nos permitiu a compreensão do contexto total procedemos à sua separação constatamos através desta interação entre suas partes que por isso mesmo se nos apresentam como corresponsáveis pela significação do texto Admirar olhar por dentro separar para voltar a olhar o todo admirado que é um ir para o todo um voltar para suas partes o que significa separálas são operações que só se dividem pela necessidade que o espírito tem de abstrair para alcançar o concreto No fundo são operações que se implicam dialeticamente Então ao admirar por dentro a frase que contém um tema desafiador ao separála em seus elementos descobrimos que o termo papel achase modificado por uma expressão restritiva que limita sua extensão do trabalhador social Nesta por outro lado há um qualificativo social que incide sobre a compreensão do termo trabalhador8 Esta subunidade da estrutura social papel do trabalhador social ligase à segunda o processo de mudança que representa conforme a compreensão da frase onde o papel se cumpre através do conectivo em Contudo há algo a considerar depois desta análise É que através dela fica claro que o papel do trabalhador social se dá no processo de mudança Esta é sem dúvida a inteligência da frase em estudo Esta não será contudo a mesma conclusão à qual chegaremos quando analisarmos não mais a própria frase mas o quefazer do trabalhador social Ao fazêlo descobriremos um equívoco na frase proposta pois o papel do trabalhador social não se dá no processo de mudança em si mas num domínio mais amplo Domínio do qual a mudança é uma das dimensões Naturalmente este domínio específico no qual atua o trabalhador social é a estrutura social Por isso é que é preciso tomála na sua complexidade Se não a entendemos em seu dinamismo e em sua estabilidade não teremos dela uma visão crítica Efetivamente a mudança e a estabilidade o dinamismo e o estático constituem a estrutura social Não há nenhuma estrutura que seja exclusivamente estática como não há uma absolutamente dinâmica A estrutura social não poderia ser somente mutável porque se não houvesse o oposto da mudança sequer a conheceríamos Em troca não poderia ser também só estática pois se assim fosse já não seria humana histórica e ao não ser histórica não seria estrutura social Não há permanência da mudança fora do estático nem deste fora da mudança O único que permanece na estrutura social realmente é o jogo dialético da mudançaestabilidade Desta forma a essência do ser da estrutura social não é a mudança nem o estático tomados isoladamente mas a duração da contradição entre ambos9 De fato na estrutura social não há estabilidade nem mudança da mudança O que há é a estabilidade e a mudança de formas dadas Por isso se observam aspectos de uma mesma estrutura visivelmente mutáveis contraditórios que alcançados pela demora e pela resistência culturais mantêmse resistentes à transformação Mas se toda a estrutura social que é histórica tem como expressão de sua forma de ser a duração da dialética mudançaestabilidade é necessário que se tenha dela uma visão crítica Quem são São em si algo independente da realidade que comandam Simples aparências Realmente mudança e estabilidade não são um em si algo separado ou independente da estrutura não são um engano da percepção Mudança e estabilidade resultam ambas da ação do trabalho que o homem exerce sobre o mundo Como um ser de práxis o homem ao responder aos desafios que partem do mundo cria seu mundo o mundo históricocultural O mundo de acontecimentos de valores de ideias de instituições Mundo da linguagem dos sinais dos significados dos símbolos Mundo da opinião e mundo do saber Mundo da ciência da religião das artes mundo das relações de produção Mundo finalmente humano Todo este mundo históricocultural produto da práxis humana se volta sobre o homem condicionandoo Criado por ele o homem não pode sem dúvida fugir dele Não pode fugir do condicionamento de sua própria produção Como dissemos antes não há estabilidade da estabilidade nem mudança da mudança mas estabilidade e mudança de algo Assim dentro deste universo criado pelo homem a mudança e a estabilidade da sua própria criação aparecem como tendências que se contradizem Esta é a razão pela qual não há mundo humano isento desta contradição Por isso não se pode dizer do mundo animal que ele está sendo o mundo humano só é porque está sendo e só está sendo na medida em que se dialetizam a mudança e o estático Enquanto a mudança implica em si mesma uma constante ruptura ora lenta ora brusca da inércia a estabilidade encarna a tendência desta pela cristalização da criação Enquanto a estrutura social se renova através da mudança de suas formas da mudança de suas instituições econômicas políticas sociais culturais a estabilidade representa a tendência à normalização da estrutura10 Desta forma não se pode estudar a mudança sem estudar a estabilidade estudar uma é estudar a outra Assim também têlas como objeto da reflexão é submeter a estrutura social a essa mesma reflexão como refletir sobre esta é refletir sobre aquelas Falar pois do papel do trabalhador social implica a análise da mudança e da estabilidade como expressões da forma de ser da estrutura social Estrutura social que se lhe oferece como campo de seu quefazer Deste modo o trabalhador social que atua numa realidade a qual mudando permanece para mudar novamente precisa saber que como homem somente pode entender ou explicar a si mesmo como um ser em relação com esta realidade que seu quefazer nesta realidade se dá com outros homens tão condicionados como ele pela realidade dialeticamente permanente e mutável e que finalmente precisa conhecer a realidade na qual atua com os outros homens Este conhecimento sem dúvida não pode reduzirse ao nível de pura opinião doxa sobre a realidade Fazse necessário que a área da simples doxa alcance o logos saber e assim canalize para a percepção do ontos essência da realidade Este movimento da pura doxa ao logos não se faz contudo com um esforço estritamente intelectualista mas na indivisibilidade da reflexão e da ação da práxis humana Na ação que provoca uma reflexão que se volta a ela o trabalhador social irá detectando o caráter preponderante da mudança ou estabilidade na realidade social na qual se encontra Irá percebendo as forças que na realidade social estão com a mudança e aquelas que estão com a permanência As primeiras olhando para a frente no curso da história que também é futuridade que deve ser feita têm uma atitude progressista as segundas olhando para trás pretendem parar o tempo e assumem uma posição antimudança É necessário porém que o trabalhador social se preocupe com algo já enfatizado nestas considerações que a estrutura social é obra dos homens e que se assim for a sua transformação será também obra dos homens Isso significa que a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e não objetos de transformação Tarefa que lhes exige durante sua ação sobre a realidade um aprofundamento da sua tomada de consciência da realidade objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantêla como está e dos que pretendem transformála Por isso o trabalhador social não pode ser um homem neutro frente ao mundo um homem neutro frente à desumanização ou humanização frente à permanência do que já não representa os caminhos do humano ou à mudança destes caminhos O trabalhador social como homem tem que fazer sua opção Ou adere à mudança que ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem de seu ser mais ou fica a favor da permanência Isso não significa contudo que deva em seu trabalho pedagógico impor sua opção aos demais Se atua desta forma apesar de afirmar sua opção pela libertação do homem e pela sua humanização está trabalhando de maneira contraditória isto é manipulando adaptase somente à ação domesticadora do homem que em lugar de libertálo o prende Deste modo a opção feita pelo trabalhador social irá determinar tanto o seu papel como seus métodos e suas técnicas de ação É uma ingenuidade pensar num papel abstrato num conjunto de métodos e técnicas neutros para uma ação que se dá entre homens numa realidade que não é neutra Isto só seria possível se fosse possível um absurdo que o trabalhador social não fosse um homem submetido como os demais aos mesmos condicionamentos da estrutura social que exige dele como dos demais uma opção frente às contradições constitutivas da estrutura Assim se a opção do trabalhador social é pela antimudança sua ação e seus métodos se orientarão no sentido de frear as transformações Em lugar de desenvolver um trabalho através do qual a realidade objetiva a estrutura social vá se desvelando a ele e aos homens com que trabalha num esforço crítico comum se preocupará por mitificar a realidade Em lugar de ater se a esta situação problemática que desafia a ele e aos homens com que deveria estar em comunicação tenderá pelo contrário às soluções de caráter assistencialista Em lugar de sentirse como trabalhador social um homem a serviço da libertação da humanização vocação fundamental do homem temendo a libertação na qual vê uma ameaça ao que considera sua paz se encaminha no sentido da paralisação Encaminharse no sentido da paralisação não é outra coisa senão pretender com ações e reações normalizar a estrutura social através da ênfase na estabilidade no seu jogo com a mudança11 O assistente social que faz esta opção pode quase sempre tenta disfarçála fingindo aderir à mudança mas ficando sem dúvida ou com certeza nas meias mudanças que é uma forma de não mudar Um dos sinais da opção pela antimudança é a inquietude acrítica do trabalhador social diante das consequências da mudança é um receio quase mágico à novidade que é para ele sempre uma interrogação cuja resposta parece ameaçar seu status quo Por isso que em métodos de ação não há lugar para a comunicação para a colaboração mas sim para a manipulação ostentativa ou disfarçada O trabalhador social que opta pela antimudança não pode realmente interessarse pelo desenvolvimento de uma percepção crítica da realidade por parte dos indivíduos Não pode interessarse pelo exercício de reflexão dos indivíduos sobre a sua ação sobre a própria percepção que possam ter da realidade Não lhe interessa a revisão da percepção condicionada pela estrutura social em que se encontram No momento em que os indivíduos atuando e refletindo são capazes de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram sua percepção muda embora isso não signifique ainda a mudança da estrutura Mas a mudança da percepção da realidade que antes era vista como algo imutável significa para os indivíduos vêla como realmente é uma realidade históricocultural humana criada pelos homens e que pode ser transformada por eles A percepção ingênua da realidade da qual resultava uma postura fatalista condicionada pela própria realidade cede seu lugar a uma percepção capaz de se ver E se o homem é capaz de perceberse enquanto percebe uma realidade que lhe parecia em si inexorável é capaz de objetivála descobrindo sua presença criadora e potencialmente transformadora desta mesma realidade O fatalismo diante da realidade característico da percepção distorcida cede seu lugar à esperança Uma esperança crítica que move os homens para a transformação Evidentemente esse é o objetivo do trabalhador social que opta pela mudança Por isso que seu papel é outro e que seus métodos de ação não podem confundirse com aqueles já mencionados característicos da opção pela antimudança O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade não prescreve não manipula não foge da comunicação pelo contrário a procura e vive Todo seu esforço de caráter humanista centralizase no sentido da desmitificação do mundo da desmitificação da realidade Vê nos homens com quem trabalha jamais sobre quem ou contra quem pessoas e não coisas sujeitos e não objetos E se na estrutura social concreta objetiva os homens são considerados simples objetos sua opção inicial o impele para a tentativa de superação da estrutura para que possa também operarse a superação do estado de objeto em que estão para se tornarem sujeitos O trabalhador social que opta pela mudança não vê nesta uma ameaça Adere à mudança da estrutura social porque reconhece esta obviedade que não pode ser trabalhador social se não for homem se não for pessoa e que a condição para ser pessoa é que os demais também o sejam Ele está convencido de que se a declaração de que o homem é pessoa e como pessoa é livre não estiver associada a um esforço apaixonado e corajoso de transformação da realidade objetiva na qual os homens se acham coisificados então esta é uma afirmação que carece de sentido Humilde no seu trabalho não pode aceitar sem uma justa crítica o conteúdo ingênuo da frase feita e tão generalizada segundo a qual ele é o agente da mudança Em primeiro lugar se ele fosse o agente da mudança não seria agente da mudança da mudança mas agente da mudança da estrutura social Sua ação como agente da mudança teria na estrutura social seu objeto A estrutura social certamente não existe sem os homens que tanto como ele estão nela Assim reconhecerse como o agente da mudança atribui a si a exclusividade da ação transformadora que sem dúvida numa concepção humanista cabe também aos demais homens realizar Se sua opção é pela humanização não pode então aceitar que seja o agente da mudança mas um de seus agentes A mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens mas dos homens que a escolhem O trabalhador social tem que lembrar a estes homens que são tão sujeitos como ele do processo da transformação E se nas circunstâncias determinadas já mencionadas neste estudo em que a estrutura social vem dificultando a transformação dos homens em sujeitos seu papel não é o de reforçar o estado de objeto em que se encontram achando que podem assim ser sujeitos mas problematizarlhes este estado Outro aspecto fundamental que não pode passar despercebido do trabalhador social é que a estrutura social que deve ser mudada é uma totalidade O objetivo da ação da mudança é a superação de uma totalidade por outra em que a nova não continue apresentando a contradição estabilidademudança que como dissemos constitui a duração da estrutura social e também o histórico cultural Se a estrutura social é uma totalidade significa a existência em si de partes que em interação a constituem Uma das questões fundamentais que assim mesmo se coloca para o trabalhador social que opta pela mudança é a da validez ou não das mudanças parciais ou da mudança das partes antes da mudança da totalidade Que se deve fazer mudar as partes e assim alcançar a totalidade ou mudar esta para assim mudar aquelas que são seus componentes12 Afirmamos neste estudo que não há mudança da mudança nem estabilidade da estabilidade mas mudança e estabilidade de algo A estabilidade e a mudança de uma estrutura e numa estrutura não podem ser vistas em um nível simplesmente mecânico como alguns pensam no qual os homens fossem simples objetos da mudança ou da estabilidade que se fizeram com forças inumanas ou sobrehumanas sob as quais os homens deveriam ficar dóceis e conformados Pelo fato de que não há estrutura social que não seja humana e histórica a estabilidade e a mudança de e em uma estrutura implicam a presença dos homens Estes por sua vez dividemse entre os que desejam ou não a mudança ou a estabilidade Seria uma ilusão ingênua pensar que não se organizassem em instituições organismos grupos de caráter ideológico para a defesa de suas opções criando em função destas sua estratégia e suas táticas de ação O problema maior que se coloca àqueles que por questão de viabilidade histórica não têm outro caminho que o da mudança gradual das partes com a qual pretendem alcançar a mudança da totalidade consiste em ao mudar uma das dimensões da estrutura as respostas a esta mudança não tardam São respostas de caráter estrutural e respostas de caráter ideológico De um lado são as demais dimensões da realidade que ao se conservarem como estão criam obstáculos ao processo de transformação da dimensão sobre a qual está incidindo a ação transformadora de outro lado são as forças contrárias à mudança que tendem a se fortalecer diante da ameaça concreta da mudança de uma das dimensões em transformação Seria outra ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança não percebem que a mudança de uma parte promove a mudança de outra até que chega a mudança da totalidade como seria ingenuidade também não contar com a reação sempre mais forte a estas transformações parciais Esta é a razão pela qual uma estrutura social que vive este momento histórico tende a viver também e necessariamente o aprofundamento do antagonismo entre os que querem e os que não querem a mudança E na medida em que este organismo cresce se instaura um clima de irracionalidade que gera novos mitos auxiliares para a manutenção do status quo O papel do trabalhador social que opta pela mudança num momento histórico como este não é propriamente o de criar mitos contrários mas o de problematizar a realidade aos homens proporcionar a desmitificação da realidade mitificada Aos mitos que são os elementos básicos da ação manipuladora dos indivíduos deve responder não com a manipulação da manipulação que realizam os que estão contra a mudança Isto não é possível pela simples razão de que a manipulação é instrumento da desumanização consciente ou não pouco importa enquanto a tarefa de mudar de quem está com a mudança só se justifica em sua finalidade humanista É impossível servir a esta finalidade com instrumentos e meios que servem à outra Esta é a razão pela qual o trabalhador social humanista não pode transformar sua palavra em ativismo nem em palavreado pois uma e outra nada transformam realmente Pelo contrário será tanto mais humanista quanto mais verdadeiro for seu trabalho quanto mais reais forem sua ação e sua reflexão com a ação e a reflexão dos homens com quem tem que estar em comunhão colaboração em convivência Observemos outro aspecto que se apresenta como outro ponto crucial na discussão da mudança de uma estrutura social e do qual o trabalhador social deve estar ciente Se é ingênua uma visão focalista da realidade que a reduz a partes que nada têm a ver entre si na formação da totalidade não menos ingênuo é ter da estrutura social uma visão focalista de fora Isto é uma visão que a absolutize Assim uma estrutura social como um todo encontrase em interação com outras estruturas sociais Estas interrelações podem darse ora em sociedadessujeitos com sociedadessujeitos ora em sociedadessujeitos com sociedadesobjetos O primeiro tipo caracteriza as relações entre sociedades seres para si o segundo as relações antagônicas entre sociedades seres para si e sociedades seres para outro Do ponto de vista filosófico um ser que ontologicamente é para si se transforma em ser para outro quando perdendo o direito de decidir não opta e segue as prescrições de outro ser Suas relações com este outro são as relações que Hegel chama de consciência servil para a consciência senhorial13 A sociedade cujo centro de decisão não se encontra em seu ser mas no ser de outra se comporta em relação a esta como um ser para outro A ciência política a sociologia a economia e não somente a filosofia têm nestas relações objeto de suas análises específicas dentro do quadro geral que constitui o que chamam de dependência Embora a verdadeira transformação de uma sociedadeobjeto tenha de ser feita por seus homens por ela mesma e não pela sociedadesujeito da qual depende objetivamente não é possível negar o forte condicionamento ao qual está submetida neste esforço de sua transformação Esta é a razão pela qual nem sempre é viável a quem realmente opta pelas transformações fazêlas como gostaria e no momento em que gostaria Além do desejo de fazêlas há um viável ou um inviável histórico do fazer14 Qualquer que seja o momento histórico em que esteja a sociedade seja o do viável ou do inviável histórico o papel do trabalhador social que optou pela mudança não pode ser outro senão o de atuar e refletir com os indivíduos com quem trabalha para conscientizarse junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade Isto implica a necessidade constante do trabalhador social de ampliar cada vez mais seus conhecimentos não só do ponto de vista de seus métodos e técnicas de ação mas também dos limites objetivos com os quais se enfrenta no seu quefazer Outro ponto que também exige do trabalhador social uma reflexão crítica e que se encontra no centro destas considerações é o que tem relação com a mudança cultural Mudança cultural da qual tanto se fala Educação e mudança cultural reforma agrária e mudança cultural desenvolvimento e mudança cultural são algumas das expressões em que mudança cultural aparece ora como um associado consequente ora como um associado eficiente do quefazer implícito nos termos a ela referidos educação reforma agrária desenvolvimento etc O que é mudança cultural Antes de responder a esta pergunta já estamos diante de outra Que é cultural Responder a esta pergunta implica pensar criticamente a estrutura social para tentar descobrir a forma pela qual se constitui A estrutura social precisamente por ser social é humana e se não fosse humana seria uma simples estruturasuporte como é para o animal que como um ser em si não é capaz de significála animalmente O homem pelo contrário transformando com seu trabalho o que seria seu suporte se não pudesse transformálo cria sua estrutura que se faz social e na qual se constitui o eu social15 Nas permanentes relações homemrealidade homemestrutura realidade homem estruturahomem originase a dimensão do cultural que em sentido amplo antropológicodescritivo é tudo o que o homem cria e recria Cultural no sentido que aqui nos interessa é tanto um instrumento primitivo de caça de guerra como o é a linguagem ou a obra de Picasso Todos os produtos que resultam da atividade do homem todo o conjunto de suas obras materiais ou espirituais por serem produtos humanos que se desprendem do homem voltamse para ele e o marcam impondolhe formas de ser e de se comportar também culturais Sob este aspecto evidentemente a maneira de andar de falar de cumprimentar e de se vestir e os gostos são culturais Cultural também é a visão que têm ou estão tendo os homens da sua própria cultura da sua realidade16 Assim as expressões educação e mudança cultural reforma agrária e mudança cultural desenvolvimento e mudança cultural não têm a mesma significação nas estruturas sociais que estão em momentos históricos distintos A mudança cultural num sentido amplo será ou deixará de ser um associado consequente ou eficiente do quefazer conforme a estrutura social se encontre concretamente ou não em transformação Contudo o fato de que uma estrutura social que se transforma totalmente provoque a mudança cultural como um associado consequente da transformação estrutural não significa que a nova estrutura não necessite de um trabalho dirigido para a mudança cultural E isto porque o que se havia consubstanciado na velha estrutura continua na nova até que esta através da experiência histórica dos homens proporcione formas de ser correspondentes não mais à estrutura anterior mas à nova17 No caso contrário em que a estrutura social ainda não se transformou e na qual se enfrentam os que querem e os que não querem a mudança a mudança estrutural de qualquer quefazer só tem uma dimensão realmente importante em que possa aparecer como associado eficiente do quefazer Esta é a dimensão na qual se procura mudar a percepção que se tem da realidade trabalho que tem de prosseguir como afirmamos mesmo quando a estrutura esteja transformada na sua totalidade Neste momento pelo que já foi dito com facilidades que antes não havia A mudança da percepção da realidade que não pode darse no nível intelectualista mas na ação e na reflexão em momentos históricos especiais além de ser a única possibilidade de ser tentada tornase como associado eficiente instrumento para ação da mudança Desta forma a realidade objetiva ao condicionar a percepção que dela têm os indivíduos condiciona também a forma de enfrentála suas perspectivas suas aspirações suas expectativas Condiciona também os vários níveis de percepção que por sua vez explicam as formas de ação dos indivíduos Até o momento em que uma realidade for vista como algo imutável superior às forças de resistência dos indivíduos que assim a veem a tendência destes será adotar uma postura fatalista e sem esperança Ainda mais e por isso mesmo sua tendência é procurar fora da própria realidade a explicação para a sua impossibilidade de atuar18 A percepção mágica da realidade por ela condicionada provoca uma ação também mágica diante dela através da qual o homem tenta defenderse do incerto19 Poderseia dizer que a mudança da percepção só seria possível com a mudança da estrutura por causa do condicionamento que esta exerce sobre aquela Tal afirmação tomada de um ponto de vista acriticamente rigoroso pode levar a interpretações mecanicistas das relações percepçãomundo Por outro lado para evitar qualquer confusão entre a nossa posição e uma atitude idealista é necessário esclarecer o que entendemos por mudança de percepção Reconhecemos e já o afirmamos que só podemos entender o homem no mundo Sabemos que a verdade do mundo não se encontra só no homem interior pois este só existe porque pode ser dicotomizado do mundo em e com o qual se fala A mudança de percepção da realidade pode darse antes da sua transformação se se excluir do termo antes o significado de dimensão estática do tempo com que se pode apelidar a consciência ingênua A significação de antes aqui não é a do sentido comum nem a do sentido gramatical O antes aqui não significa um momento anterior separado de outro por uma fronteira rígida O antes pelo contrário toma parte no processo participa da estrutura social envolvendo os homens seja como um passado que foi presente seja como um anteriorpresente à estrutura Desta forma a percepção distorcida da realidade neste antes da mudança estrutural pode ser mudada na medida em que o hoje no qual se está verificando o antagonismo entre mudança e estabilidade já é em si um desafio que a põe à prova Quanto mais agudo este antagonismo mais se revela a realidade que condiciona tal percepção e isso é suficiente para que nela se verifique a mudança Assim sendo aproveitando este clima característico do anteriorpresente cabe ao trabalhador social problematizando para o homem o que se opõe ao seu hojeanteriorpresente da mudança estrutural tentar a mudança de sua percepção da realidade Por isso repetimos que esta mudança de percepção não é outra coisa senão a substituição de uma percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica da mesma Esta mudança de percepção que se dá na problematização de uma realidade concreta no entrechoque de suas contradições implica um novo enfrentamento do homem com sua realidade Implica admirála em sua totalidade vêla de dentro e desse interior separála em suas partes e voltar a admirála ganhando assim uma visão mais crítica e profunda da sua situação na realidade que não condiciona Implica uma apropriação do contexto uma inserção nele um não ficar aderido a ele um não estar quase sob o tempo mas no tempo Implica reconhecerse homem Homem que deve atuar pensar crescer transformar e não adaptarse fatalisticamente a uma realidade desumanizante Implica finalmente o ímpeto de mudar para ser mais A mudança da percepção distorcida do mundo pela conscientização é algo mais que a tomada de consciência que pode inclusive ser ingênua Tentar a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha enquanto com eles também se conscientiza este e não outro nos parece ser o papel do trabalhador social que optou pela mudança Notas 6 Parte deste texto foi traduzida e adaptada pelo próprio autor e publicada no livro Ação cultural para a liberdade e outros escritos Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 13ª edição São Paulo Paz e Terra 2011 NT 7 Chamamos a atenção do leitor para a relação entre as palavras mirar olhar e admirar no espanhol NT 8 A extensão de um termo é o número de indivíduos aos quais se aplica o termo No caso do termo papel sua extensão é o conjunto de quefazeres que se pode chamar de papel A compreensão por sua vez é a soma de qualidades que dão a significação do termo Quanto maior é a compreensão de um termo menor é sua extensão ou viceversa Entre os termos homem e cientista este tem uma compreensão maior e uma extensão menor Todo cientista é homem genericamente falando contudo nem todo homem é cientista 9 Duração é um conceito bergsoniano sinônimo de tempo real Bergson o opõe ao de tempo artificial ou quantitativo dos matemáticos e dos físicos Considera a duração como um processo o aspecto mais importante da vida humana Ao aplicar seu conceito de duração para caracterizar a contradição estabilidademudança como um processo que se dá permanentemente no tempo vivido pelos homens não estamos aceitando seu intuicionismo na formação da realidade 10 A cristalização de hoje é a mudança que se operou ontem numa outra cristalização Por isso é que nada de novo nasce de si mesmo mas sim do velho que antes foi novo Por isso também tudo o que é novo ao tomar forma faz seu testamento ao novo que nascerá dele quando se esgotar e ficar velho 11 Ainda que nosso pensamento nos pareça claro neste último parágrafo sublinhamos contudo que a normalização à qual nos estamos referindo daí colocarmos entre aspas o verbo normalizar não é a de quem pretendendo a mudança necessita frear os que não a querem mas a de quem repelindo a mudança luta por normalizar o status quo 12 Descartamos nesta discussão uma distorção da percepção das partes por sua absoluta ingenuidade Referimonos à percepção das partes como absolutos em si não tendo nada que ver umas com as outras na constituição da totalidade A realidade nesta percepção que gera uma concepção também falsa da ação não chega a constituir uma estrutura no sentido próprio da palavra Se presentifica focalistamente ao sujeito desta percepção Desta maneira a ação que parte da concepção gerada nesta falsa percepção já nasce inoperante Daí que em lugar de se constituir em ação transformadora fica nas soluções puramente assistencialistas 13 Hegel Fenomenologia del espíritu México Fondo de Cultura Económica 1966 14 Nenhum inviável histórico o é hoje Amanhã não necessariamente o será 15 Sobre o mundo humano e o suporte animal cf Paulo Freire A propósito del tema generador Educação e conscientização extensionismo rural Cuernavaca CIDOCCuaderno 25 1968 16 A percepção social é um produto um derivado da estrutura das relações humanas Robert K Merton Teoría y estructura sociales México Fondo de Cultura Económica 1964 p 117 17 Isto nos parece um aspecto que deve ser criticamente estimulado em todas as dimensões do trabalho da Corporación de la Reforma Agraria nas bases A nosso ver as atividades de base quaisquer que sejam as de assistência técnica em seus múltiplos aspectos como as sanitárias são meios para a autêntica promoção rural Promoção na qual se encontra implícita a mudança cultural que provoca a mudança das atitudes da valorização etc De forma que os técnicos que trabalham numa base não podem exercer sua técnica por ela mesma o que tende à mitificação da técnica mas ao fazer dela um instrumento de promoção humana fazem com que a técnica tenha sentido 18 Em torno das situaçõeslimite e o viável histórico tema correspondente ao estudo destas considerações cf Paulo Freire A propósito del tema generador 19 Partindo destas observações cheias de significado o autor se refere a observações realizadas por Malinowski formula sua teoria de que a crença mágica servia para diminuir a incerteza nas atividades de ordem prática do homem para fortalecer sua confiança para reduzir sua ansiedade e para abrir vias de escape em situações aparentemente sem saída A magia representa uma técnica suplementar para conseguir certos objetivos práticos O autor chama a atenção ainda sobre o fato de que Malinowski introduziu na teoria da magia através de suas observações novos elementos tais como as relações entre a magia e o acaso a magia e o perigo e a magia e o incontrolável Robert K Merton op cit p 118 4 ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS E CONSCIENTIZAÇÃO 1 INSTRUMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados O homem é um ser de raízes espaçotemporais De forma que ele é na expressão feliz de Marcel um ser situado e temporalizado A instrumentação da educação algo mais que a simples preparação de quadros técnicos para responder às necessidades de desenvolvimento de uma área depende da harmonia que se consiga entre a vocação ontológica deste ser situado e temporalizado e as condições especiais desta temporalidade e desta situacionalidade Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto só poderá desenvolvêla na medida em que refletindo sobre suas condições espaçotemporais introduzse nelas de maneira crítica Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade sobre seu enraizamento espaçotemporal mais emergirá dela conscientemente carregado de compromisso com sua realidade da qual porque é sujeito não deve ser simples espectador mas deve intervir cada vez mais Por isso mesmo a educação para não instrumentar tendo como objeto um sujeito ser concreto que não somente está no mundo mas também está com ele deve estabelecer uma relação dialética com o contexto da sociedade à qual se destina quando se integra neste ambiente que por sua vez dá garantias especiais ao homem através de seu enraizamento nele Superposta a ele fica alienada e por isso inoperante Tal enfoque significa necessariamente uma superação do falso dilema humanismotecnologia Numa era cada vez mais tecnológica como a nossa será menos instrumental uma educação que despreze a preparação técnica do homem como a que dominada pela ansiedade de especialização esqueçase de sua humanização A primeira condição mencionada faria perder a batalha do desenvolvimento a segunda poderia levar o homem ao anonimato da massificação de onde para sair necessitaria da reflexão mais de uma vez especialmente da reflexão sobre a sua própria condição de massificado 2 O HOMEM COMO UM SER DE RELAÇÕES Este ser temporalizado e situado ontologicamente inacabado sujeito por vocação objeto por distorção descobre que não só está na realidade mas também que está com ela Realidade que é objetiva independente dele possível de ser reconhecida e com a qual se relaciona Estas relações que o homem trava nesta e com esta realidade apresentam uma ordem tal de conotações que as distinguem dos meros contatos da esfera animal por isso mesmo o conceito de relações da esfera puramente humana guarda em si conotações de pluralidade de criticidade de consequência e de temporalidade Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo na medida em que o homem responde aos desafios deste mesmo mundo na sua ampla variedade na medida em que não se esgota num tipo padronizado de resposta Pluralidade não só com relação aos diferentes desafios que lhe faz o ambiente mas também com relação ao próprio desafio No jogo constante de suas respostas muda seu modo de responder Organizase escolhe a melhor resposta Atua nas relações do homem com o mundo existe uma pluralidade na própria singularidade A captação que faz dos dados objetivos de sua realidade é essencialmente crítica e não puramente reflexa como sucede nas esferas dos contatos Além disso o homem e somente o homem é capaz de transcender de discernir de separar órbitas existenciais diferentes de distinguir ser do não ser de travar relações incorpóreas Na capacidade de discernir estará a raiz da consciência de sua temporalidade obtida precisamente quando atravessando o tempo de certa forma até então unidimensional alcança o ontem reconhece o hoje e descobre o amanhã Na história de sua cultura o tempo e a dimensão do tempo foram um dos primeiros discernimentos do homem20 O excesso de tempo sob o qual vivia o homem iletrado comprometia sua própria temporalidade à qual se chega com o discernimento a que nos referimos E com a consciência desta temporalidade a de sua historicidade Não há historicidade no gato por sua incapacidade de discernir e transcender tragado no tempo unidimensional um hoje eterno do qual não tem consciência Todas essas características das relações que o homem trava com e na sua realidade fazem dessas relações algo consequente Na verdade não se esgota na mera passividade Criando e recriando integrandose nas condições de seu contexto respondendo aos desafios autoobjetivandose discernindo o homem vai se lançando no domínio que lhe é exclusivo o da história e da cultura21 A sua integração o enraíza e lhe dá consciência de sua temporalidade Se não houvesse essa integração que é uma característica das relações do homem e que se aperfeiçoa na medida em que esse se faz crítico seria apenas um ser acomodado e então nem a história nem a cultura seus domínios teriam sentido Faltaria a eles a marca da liberdade E é porque se integra na medida em que se relaciona e não somente se julga e se acomoda que o homem cria recria e decide Por sua vez os contatos da esfera animal implicam ao contrário das relações respostas singulares reflexas e inconsequentes Disto resulta uma acomodação não uma integração Observase por aí que o homem vai dinamizando o seu mundo a partir destas relações com ele e nele vai criando recriando decidindo Acrescenta algo ao mundo do qual ele mesmo é criador Vai temporalizando os espaços geográficos Faz cultura E é o jogo criador destas relações do homem com o mundo o que não permite a não ser em termos relativos a imobilidade das sociedades nem das culturas 3 O HOMEM E A SUA ÉPOCA À medida que o homem cria recria e decide vão se formando as épocas históricas E é também criando recriando e decidindo como deve participar nessas épocas É por isso que obtém melhor resultado toda vez que integrando se no espírito delas se apropria de seus temas e reconhece suas tarefas concretas Ponhase ênfase desde já na necessidade permanente de uma atitude crítica a única com a qual o homem poderá apreender os temas e tarefas de sua época para ir se integrando nela Uma época por outro lado realizase na proporção em que seus temas forem captados e suas tarefas resolvidas22 E se supera na medida em que os temas e as tarefas não correspondem a novas ansiedades emergentes Uma época da história apresentará uma série de aspirações de desejos de valores em busca de sua realização Formas de ser de comportarse atitudes mais ou menos generalizadas das quais somente os visionários que se antecipam têm dúvidas e frente às quais sugerem novas fórmulas A passagem de uma época para outra caracterizase por fortes contradições que se aprofundam dia a dia entre valores emergentes em busca de afirmações de realizações e valores do ontem em busca de preservação 4 A TRANSIÇÃO Quando isso ocorre verificase o que chamamos transição Observase um aspecto fortemente dramático que vai atingir as mudanças de que se nutre a sociedade Porque é dramático é fortemente desafiador E a transição se torna então um tempo de opções Nutrindose de mudanças a transição é mais que as mudanças Implica realmente a marcha que faz a sociedade na procura de novos temas de novas tarefas ou mais precisamente de sua objetivação As mudanças se produzem numa mesma unidade de tempo sem afetála profundamente É que se verificam dentro do jogo normal resultante da própria busca de plenitude que fazem estes temas Quando por fim estes temas começam a esvaziar e a perder sua significação emergindo novos temas a sociedade começa a passar para outra época Nestas fases mais do que nunca se faz indispensável a integração Mais do que nunca se faz indispensável o desenvolvimento de uma mente crítica23 com a qual o homem possa se defender dos perigos dos irracionalismos encaminhamentos distorcidos da emoção característica dessas fases de transição 5 BRASIL UMA SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO O Brasil vivia exatamente a transição de uma época para outra A passagem de uma sociedade fechada para uma sociedade aberta Era uma sociedade se abrindo A transição era precisamente o elo entre uma época que se desvanecia e outra que se formava Por isso é que tinha algo de prolongação e algo de penetração De prolongação daquela sociedade que se desvanecia e na qual se projetava querendo se preservar De penetração na nova sociedade anunciada e que através dela se incorpora na velha Esta sociedade brasileira estava sujeita por isso mesmo a retrocessos na sua transição na medida em que as forças que encaram aquela sociedade na vigência de seus poderes conseguissem sobrepor se de uma forma ou de outra à formação da nova sociedade Sociedade nova que se oporia necessariamente à vigência de privilégios quaisquer que fossem suas origens contrários aos interesses do homem brasileiro 6 DEMOCRATIZAÇÃO FUNDAMENTAL Entrando a sociedade brasileira em transição havia se instalado entre nós o fenômeno que Mannheim chama de democratização fundamental que implica uma crescente participação do povo em seu processo histórico O povo se encontrava na fase anterior de isolamento da nossa sociedade imerso no processo Com a ruptura da sociedade e sua entrada em transição emerge Imerso era apenas espectador do processo emergindo descruza os braços renuncia a ser simples espectador e exige participação Já não se satisfaz em assistir quer participar quer decidir Não tendo um passado de experiências decisivas dialogais o povo emerge inteiramente ingênuo e desorganizado E quanto mais pretende participar ainda que ingenuamente mais se agrupam as forças reacionárias que se sentem ameaçadas em seus princípios Cada vez mais sentíamos de um lado a necessidade de uma educação que não descuidasse da vocação ontológica do homem a de ser sujeito e por outro de não descuidar das condições peculiares de nossa sociedade em transição intensamente mutável e contraditória Educação que tratasse de ajudar o homem brasileiro em sua emersão e o inserisse criticamente no seu processo histórico Educação que por isso mesmo libertasse pela conscientização24 Não aquela educação que domestica e acomoda Educação afinal que promovesse a ingenuidade característica da emersão em criticidade com a qual o homem opta e decide Por isso esta educação ao significar um esforço para chegar ao homem sujeito enfrentava como ameaça os setores privilegiados Para o irracionalismo sectário a humanização representava um perigo 7 MAIS UMA VEZ O HOMEM E O MUNDO Partíamos dizendo que a posição normal do homem como já afirmamos no começo deste capítulo não era só a de estar na realidade mas de estar com ela A de travar relações permanentes com ela cujo resultado é a criação concretizada no domínio cultural Posto diante do mundo o homem estabelece uma relação sujeitoobjeto da qual nasce o conhecimento que ele expressa por uma linguagem Esta relação é feita também pelo analfabeto o homem comum A diferença entre a relação que ele trava neste campo e a nossa é que sua captação do dado objetivo se faz pela via preponderantemente sensível A nossa por via preponderantemente reflexiva Deste modo surge da primeira captação uma compreensão preponderantemente mágica25 da realidade Da segunda uma compreensão preponderantemente crítica Como a toda compreensão de algo corresponde cedo ou tarde uma ação a uma compreensão preponderantemente mágica corresponderá também uma ação mágica 8 A ORGANIZAÇÃO REFLEXIVA DO PENSAMENTO O que teríamos que fazer então seria como diz Paul Legrand ajudar o homem a organizar reflexivamente o pensamento Colocar como diz Legrand um novo termo entre o compreender e o atuar o pensar Fazêlo sentir que é capaz de superar a via dominantemente reflexa Se isso acontecesse estaríamos levandoo a substituir a captação mágica por uma captação cada vez mais crítica e assim ajudandoo a assumir formas de ação também críticas identificadas com o clima de transição Respondendo às exigências de democratização fundamental inserindose no processo histórico ele renunciará ao papel de simples objeto e exigirá ser o que é por vocação sujeito 9 COMO FAZÊLO As respostas parecem estar a Num método ativo dialógico crítico e criticista b Na modificação do conteúdo programático da educação c No uso de técnicas como a de redução e a de codificação Somente um método ativo dialogal e participante poderia fazêlo E que é o diálogo26 É uma relação horizontal de A com B Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade Jaspers Nutrese de amor de humanidade de esperança de fé de confiança Por isso somente o diálogo comunica E quando os dois polos do diálogo se ligam assim com amor com esperança com fé no próximo se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de empatia entre ambos Só ali há comunicação O diálogo é portanto o caminho indispensável diz Jaspers não somente nas questões vitais para nossa ordem política mas em todos os sentidos da nossa existência Somente pela virtude da fé contudo o diálogo tem estímulo e significação pela fé no homem e em suas possibilidades pela fé na pessoa que pode chegar à união de todos pela fé de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais chegam a ser eles mesmos ABBComunicação Relação de empatia na procura de algo amoroso humilde crítico esperançoso confiante criador É no diálogo que nos opomos ao antidiálogo tão entranhado em nossa formação históricocultural tão presente e ao mesmo tempo tão antagônico ao clima da transição O antidiálogo que implica uma relação de A sobre B é o oposto a tudo isso É desamoroso Não é humilde Não é esperançoso arrogante autossuficiente Quebrase aquela relação de empatia entre seus polos que caracteriza o diálogo Por tudo isso o antidiálogo não comunica Faz comunicados Precisávamos de uma pedagogia da comunicação com a qual pudéssemos vencer o desamor do antidiálogo Lamentavelmente por uma série de razões esta postura a do antidiálogo vem sendo a mais comum na América Latina Educação que mata o poder criador não só do educando mas também do educador na medida em que este se transforma em alguém que impõe ou na melhor das hipóteses num doador de fórmulas e comunicados recebidos passivamente pelos seus alunos Não cria aquele que impõe nem aqueles que recebem ambos se atrofiam e a educação já não é educação 10 NOVO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Mas quem dialoga dialoga com alguém sobre alguma coisa Esta alguma coisa deveria ser o novo conteúdo programático da educação que defendíamos E nos pareceu que a primeira dimensão deste novo conteúdo com que ajudaríamos o analfabeto antes ainda de iniciar sua alfabetização para conseguir a destruição da sua compreensão mágica e a construção duma compreensão crescentemente crítica seria a do conceito antropológico de cultura isto é a distinção entre estes dois mundos o da natureza e o da cultura o papel ativo do homem na sua realidade e com a sua realidade o sentido de mediação que tem a natureza para as relações e a comunicação dos homens a cultura como o acréscimo que o homem faz ao mundo que não criou a cultura como resultado de seu trabalho de seu esforço criador e recriador a dimensão humanista da cultura a cultura como aquisição sistemática da experiência humana como uma incorporação por isso crítica e criadora uma justaposição de informações e descrições doadas a democratização da cultura que é uma dimensão da democratização fundamental frente à problemática da aprendizagem da escrita e da leitura seria pois como uma chave com a qual o analfabeto inicia sua introdução no mundo da comunicação escrita Como ser no mundo e com o mundo Em seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto Para tal introdução ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica elaboramos depois da redução do conceito de cultura onze situações codificadas capazes de motivar os grupos e leválos por meio de sua descodificação a estas compreensões Esta primeira situação desperta a curiosidade do analfabeto e o leva a distinguir o mundo da natureza do mundo da cultura Apresentase um homem do povo diante do mundo Em torno dele seres de natureza e objetos de cultura É impressionante ver como se travam os debates e com que curiosidade os analfabetos vão respondendo às questões contidas na situação Cada situação apresenta um dado número de informações para serem descodificadas pelos grupos de analfabetos com o auxílio do coordenador de debates Na medida em que se intensifica o diálogo em torno das situações codificantes com n informações e os participantes respondem diferentemente a elas porque os desafiam se produz um círculo que será tanto mais dinâmico quanto mais a informação corresponda à realidade existencial dos grupos Muitos deles durante os debates sobre as situações afirmam felizes e autoconfiantes que nada de novo lhes está sendo demonstrado mas que lhes estavam refrescando a memória Faço sapatos disse certa vez um deles e descubro agora que tenho o mesmo valor do doutor que faz livros amanhã afirmou outro ao discutir o conceito de cultura vou entrar no meu trabalho com a cabeça erguida Era um simples varredor de ruas que descobriu o valor de sua pessoa e a dignidade de seu trabalho Afirmavase27 Reconhecidos através da primeira situação os dois mundos o da natureza e o da cultura e o papel do homem nestes dois mundos outras situações vão se sucedendo em que ora se fixam ora se ampliam as áreas de compreensão do domínio cultural A conclusão dos debates gira em torno da dimensão humana e fica claro que esta conquista numa cultura letrada já não se faz por via oral como nas iletradas em que falta a sinalização gráfica Vencendo este primeiro passo iniciase o debate sobre a democratização da cultura com o qual se abrem as perspectivas para o começo da alfabetização 11 A ALFABETIZAÇÃO COMO UM ATO CRIADOR Todo debate que se coloca é altamente crítico e motivador O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e a escrever Preparase para ser o agente desta aprendizagem E consegue fazêlo na medida em que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler Com efeito ela é o domínio dessas técnicas em termos conscientes É entender o que se lê e escrever o que se entende É comunicarse graficamente É uma incorporação Implica não uma memorização mecânica das sentenças das palavras das sílabas desvinculadas de um universo existencial coisas mortas ou semimortas mas uma atitude de criação e recriação Implica uma autoformação da qual pode resultar uma postura atuante do homem sobre seu contexto28 Isso faz com que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar com o analfabeto sobre situações concretas oferecendolhe simplesmente os meios com os quais possa se alfabetizar Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo nem de fora para dentro como uma doação ou uma exposição mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto somente ajustado pelo educador Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de se fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse como claramente observou um jovem sociólogo brasileiro29 o conteúdo da aprendizagem com o processo da aprendizagem Por essa mesma razão não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma Tínhamos de achar por outro lado na redução das palavras chamadas geradoras30 fundamentos para a aprendizagem de uma língua silábica como a nossa Não pensávamos na necessidade de cinquenta oitenta ou mais palavras geradoras Isto seria como efetivamente é uma perda de tempo Quinze ou dezoito nos pareciam suficientes para o processo de alfabetização pela conscientização 12 LEVANTAMENTO DO UNIVERSO VOCABULAR Uma pesquisa inicial feita nas áreas que vão ser trabalhadas nos oferece as palavras geradoras que nunca devem sair de nossa biblioteca Elas são constituídas pelos vocábulos mais carregados de certa emoção pelas palavras típicas do povo Tratase de vocábulos ligados à sua experiência existencial da qual a experiência profissional faz parte Esta investigação dá resultados muito ricos para a equipe de educadores não só pelas relações que trava mas pela exuberância da linguagem do povo às vezes insuspeita As entrevistas revelam desejos frustrações desilusões esperanças desejos de participação e frequentemente certos momentos altamente estéticos da linguagem popular Nos levantamentos vocabulares que tínhamos nos arquivos do Departamento de Extensão Cultural da Universidade do Recife do qual éramos diretores feitos nas áreas rurais do Brasil não são raros estes exemplos Janeiro de Angicos disse um homem deste sertão do Rio Grande do Norte Nordeste brasileiro é um mês de se viver porque janeiro é cabra danado Quero aprender a ler e a escrever disse um analfabeto do Recife para deixar de ser sombra dos outros E ainda um homem de Florianópolis revelando a emersão do povo característica da transição brasileira O povo tem resposta Outro em tom sentimental Não tenho dó de ser pobre mas de não saber ler Eu tenho a escola do mundo disse um analfabeto de um estado do sul do Brasil o que motivou o professor Jomard de Brito31 a perguntar num ensaio seu Haveria algo mais para propor a um homem tão adulto que afirma eu tenho a escola do mundo Quero aprender a ler e a escrever para mudar o mundo foi a afirmação de um analfabeto paulista para quem acertadamente conhecer é interferir na realidade conhecida O povo pôs um parafuso na cabeça afirmou outro numa linguagem um tanto esotérica Ao perguntarlhe que parafuso era esse respondeu revelando uma vez mais a emersão popular da transição brasileira é o que o senhor doutor explica ao falar comigo povo Inúmeras afirmações deste tipo exigiam realmente um tratamento universitário em sua interpretação tratamento que estivesse a cargo de especialistas e do qual resultasse um instrumento eficiente para a ação do educador de adultos 13 SELEÇÃO DE PALAVRAS GERADORAS Com o material recolhido na pesquisa chegase à fase de seleção de palavras geradoras que é feita com os critérios a de riqueza fonética b de dificuldades fonéticas as palavras selecionadas devem responder às dificuldades fonéticas da língua colocadas numa sequência que vai gradativamente de dificuldades menores para dificuldades maiores c do aspecto pragmático da palavra que implica um maior entrosamento da palavra numa determinada realidade social cultural e política Hoje disse o professor Jarbas Maciel nós vemos que estes critérios estão contidos no critério semiótico a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si maior percentagem de critérios sintático possibilidade ou riqueza fonética grau de dificuldade fonética complexa de manipulabilidade dos conjuntos de sinais de sílabas etc semântico maior ou menor intensidade do vínculo entre a palavra e o ser que designa maior ou menor adequação entre a palavra e o ser designado e pragmático maior ou menor carga de conscientização que a palavra traz potencialmente ou o conjunto de relações socioculturais que a palavra cria nas pessoas ou grupos que a utilizam32 14 CRIAÇÃO DE SITUAÇÕES SOCIOLÓGICAS Selecionadas as palavras geradoras criamse situações pintadas ou fotografadas nas quais são colocadas as palavras geradoras em ordem crescente de dificuldades fonéticas Essas situações funcionam como elementos desafiadores dos grupos e constituem no seu conjunto uma programação compacta são situaçõesproblema codificadas unidades gestálticas de aprendizagem que guardam em si informações que serão descodificadas pelos grupos com a colaboração do coordenador O debate em torno delas irá levando os grupos como se fez para chegar ao conceito antropológico de cultura a se conscientizarem para que ao mesmo tempo se alfabetizem Constituem situações locais que abrem perspectivas para a análise dos problemas regionais e nacionais Uma palavra geradora tanto pode englobar toda uma situação como se referir simplesmente a um dos sujeitos da situação 15 FICHAS AUXILIARES Uma vez preparado todo o material para o Círculo de Cultura33 elaboramse as fichas auxiliares para o trabalho dos coordenadores de debates Estas fichas devem constituir simples sugestões para os educadores nunca uma prescrição rígida para ser obedecida 16 AMPLIAÇÃO Posta uma situaçãoproblema diante do grupo iniciase a sua análise ou a descodificação com o auxílio do coordenador Somente quando o grupo termina a análise dentro de um prazo razoável o educador se volta à visualização da palavra geradora Tratase pois de visualização e não de memorização puramente mecânica Uma vez visualizada a palavra estabelecido o vínculo semântico entre ela e o objeto a que se refere representado na situação passa o educando a outra projeção a outra cartela ou a outro fotograma no caso de diapositivo no qual aparece escrita a palavra sem o objeto que ela representa Logo surge a palavra separada em suas sílabas que o analfabeto geralmente chama pedaços Reconhecidos os pedaços na etapa da análise passase à visualização das famílias fonéticas que compõem a palavra geradora Estas famílias que são estudadas isoladamente passam depois a ser representadas em conjunto Foram chamadas pela professora Aurenice Cardoso34 Ficha da descoberta Efetivamente através dela fazendo síntese o homem descobre o mecanismo da formação vocabular de uma língua silábica como a nossa que se estrutura por combinações fonéticas Apropriandose criticamente e não mecanicamente o que não seria uma apropriação deste mecanismo o adulto inicia a formação rápida do seu próprio sistema de sinais gráficos Começa então cada vez com maior facilidade e no primeiro dia em que luta para alfabetizarse a criar palavras com as combinações fonéticas que lhe oferece a decomposição de uma palavra trissilábica Tomemos por exemplo a palavra tijolo como a palavra geradora colocada numa situação de trabalho de construção Discutida a situação em seus possíveis aspectos fazse a vinculação semântica entre a palavra e o objeto que designa Visualizada a palavra dentro da situação será apresentada imediatamente TIJOLO Visualizados os pedaços e sem depender de uma ortodoxia analítico sintética começase o reconhecimento das famílias fonéticas A partir da primeira sílaba Ti ajudase o grupo a conhecer toda a família fonética resultante da combinação da consoante inicial com as demais vogais Em seguida o grupo conhece a segunda família através da visualização de Jo para chegar finalmente ao conhecimento da terceira Quando se projeta a família fonética o grupo obviamente reconhece somente a sílaba da palavra visualizada tatetitotu jajejijoju e lalelilolu Reconhecido o Ti o grupo é levado a comparálo com as outras sílabas o que o faz descobrir que começandose igualmente terminam diferentemente Desta maneira nem todas podem chamarse Ti Idêntico procedimento se segue para as sílabas Jo e Lo e suas famílias Depois do conhecimento de cada família efetuamse exercícios de leitura para a fixação das novas sílabas O momento mais importante se dá quando se apresentam as três famílias juntas tatetitotu jajejijoju lalelilolu Ficha da descoberta Depois da leitura na horizontal e outra na vertical em que se descobrem os sons vocais o grupo começa notese que não o coordenador a realizar a síntese oral Um a um todos vão fazendo palavras com as possíveis combinações à sua disposição Tatu luta lajota tito loja jato lote tela e não faltam os que aproveitando uma vogal de uma das sílabas a associem a outra a que juntam uma terceira formando outra palavra Exemplo tiram o i de li acrescentam o le e somam te leite Existem outros como o analfabeto de Brasília que para emoção de todos os presentes inclusive a do então Ministro da Educação Paulo de Tarso disse Tu já lês E isso foi na primeira noite em que começava a alfabetização Terminados os exercícios orais nos quais não houve só conhecimentos nessa mesma noite passa a escrever No dia seguinte traz de casa como tarefa tantos vocábulos quanto pôde criar com as sílabas aprendidas Não importa que traga vocábulos que não estejam terminados O que importa no dia em que começa a pisar este novo terreno é a descoberta do mecanismo das combinações fonéticas A revisão dos vocábulos criados deve ser feita pelo grupo com o auxílio do educador e não por este com a assistência daquele 17 A CAPACITAÇÃO DOS COORDENADORES A grande dificuldade que surge e que exige um alto sentido da responsabilidade se baseia na preparação dos quadros de coordenadores e supervisores Não porque haja dificuldades na aprendizagem puramente técnica do procedimento A dificuldade está na própria criação de uma nova atitude ao mesmo tempo tão velha no educador Referimonos ao diálogo Tratase de uma atitude dialogal à qual os coordenadores devem converterse para que façam realmente educação e não domesticação Precisamente porque sendo o diálogo uma relação eutu é necessariamente uma relação de dois sujeitos Toda vez que se converte o tu desta relação em mero objeto terseá pervertido e já não se estará educando mas deformando 18 RESULTADOS PRÁTICOS Entre um mês e meio e dois meses com Círculos de Cultura funcionando de segunda a sextafeira cerca de uma hora e meia deixávamos grupos de 25 a trinta homens lendo e escrevendo Com nove meses de trabalho à frente do Programa Nacional de Alfabetização de Adultos no Ministério da Educação ao qual chegamos pelo ministro Paulo de Tarso e autorizados pelo ministro Júlio Sambaquy conseguimos com nossa equipe da Universidade do Recife preparar quadros em quase todas as capitais brasileiras Ao mesmo tempo em que preparávamos esses quadros iamse formando círculos experimentais com os quais se ampliava o número de coordenadores para a extensão da campanha A isso foi se somando o esforço de outras equipes como as de São Paulo Brasília Porto Alegre etc A estas alturas deveríamos ter funcionando no Brasil mais de 20 mil Círculos de Cultura na etapa de alfabetização pois tínhamos traçadas as etapas posteriores com que aprofundaríamos os conhecimentos dos recém alfabetizados E tudo isso com um custo irrisório um projetor polonês que chegava ao Brasil pelo preço de Cr 780000 o governo havia importado 35 mil destes projetores que operavam com 220 110 e 6 volts um filme que antes de ser fabricado por nós nos custava aproximadamente Cr 400000 um quadro negro e a parede de uma casa ou da sede de um clube onde instalávamos o Círculo de Cultura Entramos em contato também com d José Távora bispo de Aracaju Sergipe nordeste do Brasil um dos líderes do Movimento de Educação de Base MEB que desenvolvia um intenso e proveitoso esforço no campo da educação de adultos através da escola radiofônica Esperávamos assim aproveitando toda uma rede já montada de escolas dinamizálas mais aplicando seus resultados Notas 20 Erich Kahler História universal del hombre México Fondo de Cultura Económica 1953 21 Id ibid 22 Hans Freyer Teoría de la época actual México Fondo de Cultura Económica 1958 23 Importante a leitura de Barbu Zevedei 24 Desenvolvimento da tomada de consciência 25 A compreensão mágica resulta de uma certa obliteração que não permite uma visualização translúcida do desafio cujas conotações são assim confundidas Esta compreensão é característica de um tipo de consciência que chamamos intransitiva A intransitivação da consciência por sua vez implica um total enclausuramento do homem em si mesmo soterrado se assim se pode dizer por um tempo e um espaço todopoderosos 26 Diálogo Horizontal Relação EuTu Dois sujeitos 27 Manifestações desta natureza feitas por homens comuns levaram os que defendem um mundo dividido por privilégios inconfessáveis e sem amor a vislumbrar em nosso esforço de humanização do homem uma subversão da ordem Não souberam ou não quiseram perceber que ao afirmar sua descoberta do valor que tinha fazendo sapatos como o doutor fazendo livros aquele sapateiro não pretendia superar o doutor substituindoo no seu trabalho Estava certo por outro lado que o doutor não o substituiria no seu Está certo agora que ele sapateiro e o outro doutor ambos têm uma dignidade no trabalho um tem tanto valor como o outro considerandose que os dois são autênticos em seus trabalhos específicos 28 Somente assim a alfabetização de adultos tem significado para o desenvolvimento na medida em que faz do próprio esforço de progresso objeto da reflexão do analfabeto 29 Celso Beisiegel 30 São aquelas que decompostas em seus elementos silábicos proporcionavam pela combinação desses elementos o nascimento de novas palavras 31 Jomard Muniz de Brito Educação de adultos e unificação de cultura Revista de cultura Universidade do Recife 241963 32 Jarbas Maciel A fundamentação teórica do sistema de Paulo Freire de educação de adultos Revista de cultura n IV Universidade do Recife 1963 33 Substituímos a escola noturna tradicional para adultos que tinha conotação passiva em contradição com o clima intensamente dinâmico da transição brasileira pelo Círculo de Cultura o professor quase sempre doador pelo coordenador de debate o aluno pelo participante do grupo a classe pelo diálogo 34 Aurenice Cardoso Conscientização e alfabetização Uma visão prática do sistema Paulo Freire de educação de adultos Revista de cultura n IV Universidade do Recife 1963 COORDENAÇÃO EDITORIAL Izabel Aleixo PRODUÇÃO EDITORIAL Hugo Langone Mariana Elia REVISÃO Eduardo Carneiro PROJETO GRÁFICO Priscila Cardoso DIAGRAMAÇÃO DA VERSÃO IMPRESSA Filigrana Este ebook foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa SA

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