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DELTA 181 2002 117143 RETROSPECTIVA RETROSPECTIVE JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM John Langshaw Austin and the Performative View of Language Paulo OTTONI ABSTRACTJohn Langshaw Austin and the Performative view of language Austin appears on the scene at the exact historic moment in the debates about language and serves as the spokesperson for modern philosophy thereby revolutionizing not only analytic philosophy but also linguistics as an autonomous science In this article I call into question the supremacy of logical positivism via a discussion of the concepts of performatives of speech acts of uptake as well as the illocutionary acts that are interrelated in a very special way in his writing I contend in this paper that Austin is a deconstructor I consider his approach to language as a performative view based on the fact that there exists in his writing a point of conflict that questions the very existence of the borderlines between philosophy and linguistics in the field of language study KEYWORDS performative illocutionary speech act uptake performative view RESUMOAustin surge no cenário da discussão sobre a linguagem num momento his tórico preciso e será o portavoz de todo um processo histórico da filosofia contemporâneas ao revolucionar não só a filosofia analítica naquele momento como também a lingüís tica enquanto ciência autônoma Neste artigo questiono o caminho e a supremacia do positivismo lógico nos estudos da linguagem procurando analisar qual é o papel de Conferência proferida no ciclo Geofilosofia do Século XX promovido pela Faculdade de Filosofia da PUC Rio e Fundação Planetário do Rio de Janeiro no dia 15 de julho de 1998 Essa conferên cia resume algumas reflexões que estão desenvolvidas no meu livro Visão Performativa da Lin guagem As notas foram acrescidas para esta publicação Professor Associado do Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Cam pinas SP wwwunicampbrottonix 118 DELTA 181 Austin neste processo através da discussão dos conceitos de performativo de ato de fala de uptake e de ilocucionário que estão vinculados na sua obra de modo muito especial Parto da hipótese de que Austin é um desconstrutor Denomino sua aborda gem da linguagem de visão performativa pelo fato de haver nas suas reflexões um espaço conflitante que põe em discussão as fronteiras entre a filosofia e a lingüística nos estudos da linguagem PALAVRASCHAVEperformativo ilocionário ato de fala uptake visão performativa Acredito que a única maneira clara de definir o objeto da filosofia é dizer que ela se ocupa de todos os resíduos de todos os problemas que ficam ainda insolúveis após experi mentar todos os métodos aprovados anteriormente Ela é o depositário de tudo o que foi abandonado por todas as ciênci as em que se encontra tudo o que não se sabe como resolver AUSTIN Colóquio deRoyaumont 1958 John Langshaw Austin surge no cenário da discussão sobre a lingua gem num momento histórico preciso Situar e justificar a posição de Austin neste contexto histórico não é uma tarefa fácil mas ao mesmo tempo é fundamental para que se possa ter uma visão da extrema importância de suas idéias e de seus trabalhos sobre a linguagem É importante dizer neste início que Austin é o portavoz de todo um processo histórico da filosofia contemporânea Seu surgimento como procurarei mostrar pare ce planejado pela história das discussões sobre a linguagem para se tornar um dos pensadores mais importante de todo esse processo O momento histórico preciso do fortalecimento das discussões sobre a linguagem surgido na Inglaterra pela chamada escola de Oxford é a dé cada de 40 e mais precisamente o pósguerra Austin nasceu em 26 de março de 1911 em Lancaster e morreu em fevereiro de 1960 No início dos anos 50 coincidentemente um lingüista norteamericano está pro pondo a gênese do que vai ser mais tarde um dos maiores empreendimen tos lingüísticos na história desta ciência a sintaxe gerativa Tratase de OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 119 Noam Chomsky Nesta mesma época desenvolviase na França liderado por Emile Benveniste um importante trabalho sobre a linguagem que tinha a semântica como centro das discussões É importante lembrar que na França além de Emile Benveniste pensadores como Michel Foucault Jacques Derrida e Jacques Lacan1 entre outros começavam a elaborar importantes reflexões sobre a linguagem que vão desembocar nas refle xões denominadas de pósestruturalista Austin revoluciona não só a filosofia analítica naquele momento como questiona postulados fundamentais da lingüística enquanto ciência autô noma proporcionando uma gigantesca discussão em torno da filosofia da linguagem Vai deste modo questionar fortemente o caminho e a supre macia do positivismo lógico ou logicismo nos estudos da linguagem O caminho aberto por Austin é o fortalecimento do estudo da linguagem ordinária Procurarei mostrar qual é o papel de Austin neste processo e quais as conseqüências deste estudo na filosofia analítica e suas implicações lingüísticas Para Austin que estava inserido na discussão criada a partir das ques tões surgidas pela dificuldade do uso da linguagem pela e para a filosofia o objetivo da filosofia analítica é estudar o funcionamento da linguagem antes de estabelecer modelos lógicos modelos ideais que dêem conta de questões filosóficas Analisou a linguagem a partir das dificuldades que ela coloca frente a certos procedimentos filosóficos tradicionais De fato para muitos filósofos a linguagem humana cria certas dificuldades para a reso lução de questões filosóficas Subjacente às reflexões de Austin na análise da linguagem ordinária podemos dizer que são os filósofos e os lingüistas que criam dificuldades para o entendimento dessa linguagem Daí o seu grande interesse em estudar este tipo de linguagem e não se dedicar ao estudo de uma linguagem ideal e formal O desinteresse de Austin por uma linguagem ideal é um dos pontos principais que toca diretamente a um certo tipo de lingüística e de filosofia É a partir do estudo de certas dificuldades criadas pela linguagem ordinária que segundo certos filósofos ou lingüistas uma palavra não expressa um conceito preciso ou mesmo uma frase não expressa um pensamento claro isto é não há uma adequa 1 Sobre a questão do performativo a partir de Austin e as possíveis relações com o pensamento de Benveniste com a psicanálise e com as reflexões de Foucault ver Ottoni 1988 1990b e 1992 respectivamente 120 DELTA 181 ção entre a palavra e o conceito e entre a frase e o pensamento A questão do sentido do significado e da referência para um certo tipo de lingüística e de filosofia cria um impasse crucial e até certo ponto insolúvel entre algumas teorias sobre a linguagem Austin é o filósofo da escola de Oxford que vai abordar esta questão de maneira inédita e é a sua originalidade que vai abalar como disse acima certas questões fundamentais da lingüística descritiva e da filosofia tradicional Não podemos nos esquecer de que a questão do uso da linguagem foi amplamente discutida por Ludwig Wittgenstein no Philosophische Untersuchungen Investigações Fi losóficas publicado em 1953 o que contribuiu para fortalecer posteri ormente algumas das discussões propostas por Austin o empreendimento de Austin entretanto foi uma atitude única e original independente do próprio Wittgenstein É importante deixar claro que Austin não era o único filósofo da escola analítica de Oxford que procurava resolver ques tões filosóficas discutindo a linguagem ordinária com ele estavam Strawson Ryle e Hare entre outros Mas foi Austin quem introduziu de maneira definitiva os conceitos de performativo ilocucionário e de ato de fala conceitos através dos quais deslancha toda a sua argumentação Estes três conceitos tanto se perpetuaram nas discussões posteriores da filosofia analítica quan to nas da lingüística O conceito de performativo de ato de fala e de ilocucionário estão vincu lados na obra de Austin de modo muito especial um conceito muitas vezes serve para a explicação do outro havendo uma interdependência entre eles Esta complementaridade esta dependência de um conceito pelo ou tro é fundamental no interior da sua argumentação2 O seu procedimen to é enriquecedor pelo fato de criar uma tensão a partir da discussão des tes conceitos no interior da filosofia e da lingüística Esta tensão podemos dizer cria uma polarização entre a filosofia analítica de Oxford e uma filo sofia construtivista que propõe a subordinação da linguagem ordinária 2 Toda a reflexão que desenvolvo a seguir está sustentada nas seguintes obras de Austin Performativo Constativo traduzido por mim do francês juntamente com a Discussão que seguiu a sua apresentação no Colóquio de Royaumont e encontra se no apêndice do livro Visão Performativa da Lingua gem 1998 Outras Mentes tradução de Marcelo Guimarães da Silva Lima editado na coleção Os Pensadores 1989 há também neste volume cf pp XXIII alguns dados sobre a vida e a obra de Austin organizados por Armando Mora DOliveira Quando Dizer é Fazer Palavras e Ação tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho 1990 Sentido e Percepção tradução de Arman do Manuel Mora de Oliveira 1993 OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 121 dominandoa em favor dos seus interesses teóricos Na lingüística esta tensão divide os lingüistas entre aqueles que vêem a lingüística como uma ciência autônoma que se aproxima cada vez mais dos modelos da ciência exata e os que fazem de certo modo o caminho inverso e vão em direção à lingüística filosófica O que estou chamando de procedimento filosófico de Austin fica evi denciado pelo tipo de análise proporcionada pela filosofia analítica de Oxford que difere da realizada em Cambridge aonde os filósofos principalmente Wittgenstein e Russell chegaram à filosofia através de um longo estudo das ciências e da matemática Os filósofos de Oxford por sua vez abor dam a filosofia partindo de um profundo estudo das humanidades clássi cas No Colóquio de Royaumont o próprio Austin comenta que um dos traços característicos que os filósofos analíticos têm em comum é que eles são na sua maioria formados na tradição das humanidades clássicas e que o grego e o latim sem falar de algumas línguas estrangeiras intervêm freqüentemente nas suas dis cussõesLa Philosophie Analytique p 231 Daí o fato do seu interesse pela a análise lingüística de uma língua por si só e também para resolver problemas clássicos da filosofia tradicional Esta constatação é sem dúvida nenhuma uma das maiores caracterís ticas que define a habilidade deste procedimento filosófico de Austin que foi freqüentemente expresso em seus trabalhos de maneira muito especial Há uma série de artigos comentando a maneira original como Austin agia em suas conferências aulas e seminários Todos os comentaristas foram seus contemporâneos seja como alunos seja como colegas são unânimes em afirmar que a personalidade original de Austin se confundia com sua originalidade filosófica com seu procedimento filosófico Ele foi sem dú vida nenhuma no entre e pósguerra o filósofo mais importante de Oxford como Wittgenstein o foi em Cambridge Reconhecido e respeitado pelas suas idéias por todos aqueles que o conheceram e tiveram a oportunidade de ouvilo e de discutir pessoalmente suas idéias ele representava toda uma riqueza uma fertilidade de idéias fertilidade que proporcionou para a lingüística e para a filosofia um impacto único Austin é em si um desconstrutor de uma filosofia tradicional e por que não de uma lin güística tradicional Este rompimento com o passado está evidenciado pela discussão do performativo e do constativo do verdadeiro e do falso que é o lugar em que para ele se confundem e fundem a filosofia e a lingüística 122 DELTA 181 Austin apresenta uma nova abordagem da linguagem que chamo de visão performativa Nessa visão não há uma preocupação em delimitar as fronteiras entre a filosofia e a lingüística fato que produz toda a tensão da força do novo do desconstrutorconstrutor Dos comentaristas que procuram recuperar a perspicácia e a originali dade de sua vida filosófica escolhi uma passagem entre muitas outras que considero especialmente curiosa Berlin 1973 um dos seus colegas comentando a resposta que Austin lhe derá quando fez a seguinte pergun taSuponha que uma criança expresse a vontade de encontrar Napoleão na batalha de Austerlitz e eu digo Isto não pode acontecer e a criança responde por que não e continuo Porque isto aconteceu no passado e você não pode estar viva agora e também há cento e trinta anos atrás e permanecer com a mesma idade e a criança insistente continua dizendo Por que não e eu volto a dizer Porque isto não faz sentido como usamos palavras para dizer que você pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ou voltar ao passado e esta sofisticada criança diz se é só uma questão de palavras então não podemos simplesmente alterar nosso uso verbal Isto me permitiria ver Napoleão na batalha de Austerlitz e também é claro estar onde estou agora no lugar e no tempo Berlin perguntou então a Austin o que dizer a esta criança que simplesmente ela confundiu os métodos material e for mal ao falar Austin respondeu Não fale assim Diga para a criança experi mentar voltar para o passado Diga que não há nenhuma lei contra isso Deixea tentar Deixea experimentar e ver então o que acontece cf p156Mesmo considerado exageradamente acadêmico overpedantic exageradamente cauteloso overcautions e insistir em estar sempre exageradamente segu ro oversure de suas defesas antes de se expor para Berlin Austin havia entendido melhor que ninguém o que era a filosofia Austin questiona a fronteira entre a filosofia e a lingüística nas suas reflexões sobre a linguagem ordinária ao discutir sobre a possibilidade de se estabelecer esta fronteira ele comenta Onde está a fronteira Há uma em alguma parte Você pode colocar esta mesma questão nos quatro cantos do horizonte Não há fronteira O campo está livre para quem quiser se instalar O lugar é do primeiro que chegar Boa sorte ao primeiro que encontrar alguma coisa cf Austin 1958 p134 Considero essa resposta uma das maiores contribuições de Austin e também a sua autolocalização histórica não é possível pensar na linguagem de forma compartimentada institucionalizada Sua contribui ção teórica justifica a sua própria quebra de barreiras OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 123 Descrever a obra de Austin tendo em vista a sua argumentação filo sófica não é fácil principalmente quando a meta é enfocar de que modo esta obra pressupõe uma nova concepção de linguagem através do fenô meno da performatividade Por outro lado é difícil falar das técnicas austinianas em torno do performativo tendo em vista a amplitude e diver sidade de sua obra A originalidade de Austin está também na estreita ligação entre os seus procedimentos filosóficos e seus procedimentos técnicos que de certo modo se confundem ao analisar a linguagem ordinária Austin não gostava da palavra metodologia para falar do seu trabalho comenta Quando me perguntam porque faço o que faço eu fico irritado Tudo o que posso dizer da maneira mais insistente é que a palavra método me desagrada Prefiro muito mais a palavra técnicano plural de preferência técnicas La Philosophie Analytique 1962 p348 É difícil na sua argumentação desvincular suas técnicas filosóficas das suas reflexões A maneira aparentemente divertida fun com que procurou analisar e questionar a linguagem ordinária é seu principal valor Suas técnicas são construídas juntamente com suas descobertas teóricas quero dizer que o modo de enfrentar discutir o funcionamento da lingua gem é de tal forma descompromissado com uma qualquer teoria que o seu procedimento filosófico até certo ponto comprometido com suas técnicas vai obrigálo a retomar e produzir gradativamente uma nova visão da linguagem a que ele próprio está analisando Austin morre com 48 anos em pleno vigor do seu trabalho fato que incentivou uma divulgação bastante rápida de suas idéias A repercussão através da publicação do How to do Thinhs With Words Quando dizer é fazer palavras e ação 1962a e Sense Sensibilia Sentido e Per cepção 1962b e de alguns dos artigos que compõem o Philosophical Papers3 1961 passou a ser feita através de recomposi ções de anotações de seus alunos e colegas Deste modo a complexidade de suas idéias passa a ser acrescida de um outro fator que é o da recompo sição de seu pensamento Esta original reflexão sobre a linguagem passa 3 Este livro não está traduzido para o português Um amplo estudo do Philosophical Papers está publicado em Fann 1969 ed e é composto pelos trabalhos de Forguson 1969a Chisholm New NowellSmith Searle Thalberg Wheatley e White todos de 1969 E em Berlin 1973 ed cf Pears 1973 124 DELTA 181 então a ser divulgada não pela forma que possivelmente Austin a tivesse produzido4 Os caminhos que suas idéias percorreram foram aqueles que podemos dizer Austin consciente e inconscientemente propôs Se antes tínhamos em Austin uma vidafilosófica original agora podemos acres centar que a divulgação de sua obra se deu também desta mesma maneira Dois textos refletem e recobrem de modo especial a reflexão e a téc nica austiniana em torno da performatividade O primeiro é Other Minds Outras Mentes publicado em Proceeding of the Aristotelian Society em 1946 artigo que propõe o que se pode chamar da gênese da performatividade que vai a partir daí ser desenvolvida até 1958 quando do aparecimento do texto PerformativoConstativo Um de seus últimos tra balhos seu único trabalho em francês que se conhece e que consolida o que chamo de visão performativa da linguagem Diferente dos dois textos os livros How to do Things With Words e Sense Sensibilia foram compostos a partir de anotações de Austin e de participantes de seus seminários e conferências mostrando a flexibili dade do pensamento na composição de sua argumentação embora o leitor esteja frente a um texto que não foi originalmente composto por Austin vê nele o exemplo de sua preocupação a não linearidade das questões que ele propõe sobre a linguagem e ao mesmo tempo a maneira como tudo está ligado de modo muito original na sua argumentação O pri meiro livro reconstituído por M Sbisà e J O Urmson é resultado de doze palestras proferidas em Harvard em 1955 e de outras durante o curso Words and Deeds que ele ministrou de 1952 a 1954 em Oxford e também das gravações de duas conferências uma realizada na BBC em 1956 e a outra em Gothenberg em outubro de 1959 O segundo livro reconstituído por G J Warnock é resultado de anotações de suas conferências em Oxford que se iniciaram em 1947 com o título de Problems in Philosophy e também de uma série de anotações feitas em 1948 e 1949 e ainda de uma outra série de anotações redigidas em 1955 e em 1958 para o curso na Universi dade da Califórnia em Berkeley uma vez que o curso Sense and Sensibilia foi ministrado pela última vez em Oxford no segundo trimestre de 1959 4 Esta observação já se encontra na apresentação desses livros Ver o Preface to the First Edition de J O Urmson de 1962 e o Preface to the Second Edition de Marina Sbisà e J O Urmson de 1977 e também o Appendix desta mesma edição todos traduzidos na edição brasileira do How to do Things with Words ver nota 2 e o Prefácio de G J Warnock de novembro de 1960 traduzido na edição brasileira do Sense Sensibilia Estes quatro textos relatam a maneira cuidadosa com que foram reproduzidas as reflexões de Austin OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 125 Vejamos como Austin de maneira ao mesmo tempo cuidadosa e descontraída inicia os dois livros Nestas aulas vou discutir algumas doutrinas conhecidas a esta altura talvez nem tanto acerca da percepção sensível Receio que não cheguemos ao ponto de deci dir da verdade ou falsidade dessas doutrinas na verdade porém essa é uma ques tão que não pode ser decidida pois ocorre que todas essas teorias querem abarcar o mundo com as pernas Austin 1962b p7 O que tenho a dizer não é difícil nem polêmico O único mérito que gostaria de reivindicar para esta exposição é o fato de ser verdadeira pelo menos em parte O fenômeno a ser discutido é bastante difundido e óbvio e não pode ter passado desper cebido pelo menos em algumas instâncias Entretanto ainda não encontrei quem a ele tivesse se dedicado especificamente Austin 1962a p 21 Este jeito descontraído fun que Austin apresenta já no início de suas conferências é uma maneira engenhosa de levantar polêmicas e de deixar claro que nas suas discussões sobre a linguagem não estava preocupado como coloquei anteriormente com as fronteiras institucionais de suas técnicas e reflexões Não há fronteiras e nem linearidade no interior de sua própria obra5 do seu pensamento dificultando a delimitação certos con ceitos da sua obra fato este positivo e que vejo como uma postura polêmi ca e de indiscutível valor para as discussões sobre a linguagem Em muitos casos a delimitação desses conceitos só será possível através de uma lin güística descritiva lingüística esta que não incorporou a quebra de barrei ras filosóficas e lingüísticas proporcionadas por Austin Daí as diversas in terpretações que não conseguem delimitar e nem distinguir o conceito de performativo dos outros conceitos relacionados o ilocucionário e ato de fala 5 A obra completa de Austin que se conhece além do PerfomativoConstativo e dos livros How to do Things with words e Sense and Sensibilia que já foram citados é composta por Are There A Priori Concepts 1939 Other Minds 1946 Truth 1950 How to talk same simple ways 1953 A Plea for Excuses 1956 Ifs and Cans 1956 e Pretending 1958 papers que ele publicou em vida e mais Agathon and Eudaimonia in the Ethics of Aristotle 1936 The Meaning of a Word 1940 Unfair to Facts 1954 Performative Utterances 1956 Three Ways of Spilling Ink 1958 e The Line and the Cave in Platos Republic incluído na edição de 1979 do PhP textos reproduções reconstituições e transcrições de Austin que estão publicados no Philosophical Papers E ainda a tradução para o inglês da obra de G Frege Die Grundlagen Der Arithmetik Os Fundamentos da Aritmé tica 1884 publicada em 1950 e mais Critical Notice on J Lukasiewiczs Aristotles Syllogistic From the Standpoint of Modern Formal Logig in Mind 61 1952 Report on Analysis Problems nº 1 What sort of if is the if of I can if I choose in Analysis nº 1 2 1952 e Report on Analysis Problem nº 12 All Swams are white or black Does this Refer to Swans on Canals on Mars in Analysis nº 1 8 1958 126 DELTA 181 As discussões iniciais sobre a performatividade aparecem ligadas à dis cussão da certeza de se saber algo certeza sobre a qual Austin desenvolve toda uma argumentação que desemboca na crítica à falácia descritiva já que a linguagem não é puramente descritiva mesmo quando se diz eu sei Austin 1946 p38 Segundo ele há circunstâncias nas quais não descre vemos a ação mas a praticamos Com isto Austin descarta a possibilida de de se ver o performativo como um objeto lingüístico que possa ser anali sado empiricamente como qualquer objeto de natureza física Insisto no princípio de que Austin na sua argumentação desvinculou suas técnicas de qualquer fronteira entre o lingüístico e o filosófico possibilitando a quebra da distinção entre performativoconstativo a performatividade adquire então um estatuto único ao ser analisada no interior dos estudos da lin guagem A cisão sujeito e objeto não se sustenta mais numa visão performativa ela não possibilita estabelecer uma fronteira entre o eu e o não eu Esta característica na argumentação de Austin é o lugar de con fronto que possibilita redimensionar através da fusão de seus procedi mentos filosóficos e de suas técnicas de análise da linguagem ordinária de modo decisivo a relação sujeitoobjeto nos estudos da linguagem Quero dizer que a separação sujeitoobjeto que é característica funda mental de uma ciência da linguagem de base descritiva e formal foi com batida por Austin Podemos dizer que na visão performativa há inevita velmente uma fusão do sujeito e do seu objeto a fala por isso as dificulda des de uma análise empírica em torno do performativo além disso conce ber o performativo como um objeto de análise lingüística independente de uma concepção de sujeito está fadado neste caso ao fracasso Esta preocupação Austin procurou mostrar ao longo de sua obra a relação da fala com seu uso por um sujeito A fusão sujeito e objeto na análise da linguagem e conseqüentemente da linguagem ordinária pode ser verificada também a partir da análise que Austin fez sobre a sensação sobre a percepção humana que tratarei mais à frente Um acontecimento fundamental no pensamento austiniano é o fato de que após o abandono da distinção performativoconstativo cf Austin 1958 ele continua a empregar o performativo para denominar toda fala huma na É neste momento que há uma tensão na sua argumentação não há mais separação entre sujeito e objeto não há mais volta não há mais pos sibilidade de acordo com seus antecessores e opositores que analisam a OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 127 linguagem através somente de certas marcas lingüísticas6 Esta atitude da grande maioria dos estudiosos da linguagem se reflete de maneira estan que na análise dos atos de fala do ilocucionário e do performativo enquanto teorias independentes Há uma relação entre estes três conceitos no interi or da sua argumentação mas não se pode dizer que há de fato uma relação de complementaridade no sentido de um estar ligado ao outro de modo linear ou de um se definir pelo outro O que há é um desdobramento destes conceitos no interior da sua argumentação Há toda uma força his tórica no interior das discussões sobre a linguagem que justifica a análise e o aparecimento da performatividade num determinado momento7 Esse momento pode ser analisado através de um outro trabalho de Austin sobre a linguagem ordinária que questiona um postulado um monumento filosófico pouco combatido antes dos primeiro trabalhos dos filósofos analíticos as noções de verdade e falsidade Vejamos no seu artigo Truth de 1950 como ele colocava esta questão para ser realizado muitos enunciados que têm sido tomados como afirmações não são de fato descritivos nem susceptíveis de serem verdadeiros ou falsos Quando uma afirmação não é afir mação Quando é uma fórmula de um cálculo quando é um enunciado performatório performatory quando é um julgamento de valor quando é uma definição quando é parte de um trabalho de ficção há muitas sugestivas respostas É uma questão para ser decidida até quando podemos continuar denominando tais afirma ções de mascaradas simplesmente e como nós podemos amplamente estar preparados para estender o uso de verdadeiro e falso em diferentes sentidos p131 Ao questionar a categoria afirmação statement Austin também ques tiona o emprego das noções da verdade e de falsidade Esta atitude vai ser fundamental mais tarde ao afirmar no início do PerformativoConstativo que Podese muito beam fazer uma idéia do enunciado performativo termo sei disso que não existe na língua francesa nem em outros lugares Esta idéia foi introduzida para contrastar com a do enunciado declarativo ou melhor como chamarei constativo Eis aí o que questionarei Esta antítese performativoconstativo devemos aceitála O enunciado constativo tem sob o nome de afirmação tão querido dos filósofos a 6 Veremos mais à frente a posição de Emile Benveniste com relação à Subjetividade na linguagem e a sua severa crítica ao abandono da distinção performativoconstativo em Austin 7 Lyotard 1979 p18 associa a performatividade a Austin e a precisão de sentido que esta passa a ter depois dele A questão da performatividade vai de certo modo estar presente em algumas partes na reflexões de Lyotard neste livro contribuindo para a discussão de uma nova legitimação do saber pósmoderno 128 DELTA 181 propriedade de ser verdadeiro ou falso Ao contrário o enunciado performativo não pode jamais ser nem um nem outro tem sua própria função serve para realizar uma ação p111 À medida que Austin opõe num primeiro momento o enun ciadoconstativoaoperformativofazendo uma distinção entre o verdadeiro e o falso ele já tinha em mente todo o ataque que faria ao enunciado constativo Austin assume que nas afirmações é possível encontrar as propriedades verdadeiro ou falso e que estas propriedades não serão encontradas nos enun ciados performativos É interessante observar de que modo a questão da referência da relação linguagemmundo está presente na sua afirmação Nos enunciados constativos há filosoficamente um tipo de referência já nos enunciados performativos esta mesma noção filosófica não pode ser aplicada porque estes últimos segundo ele realizam uma ação e aqui a referência é de outro tipo Neste momento o performativo deve ser pensa do de outro modo Este performativo poderá ser feliz se for realizada a ação pretendida será infeliz se esta ação não se realizar As infelicidades mais específicas do performativo são a a nulidade ou sem efeito quando o autor não está em posição de efetuar tal ato quando não consegue formulando seu enunciado completar o ato pretendido b o abuso da fórmula falta de since ridade quando se diz eu prometo por exemplo sem ter a intenção de realizar a ação prometida c a quebra de compromisso quando se diz eu te desejo boas vindas por exemplo tratando no entanto o indivíduo como estranho Para Austin o ato de fala é composto de três partes três atos simultâ neos um ato locucionário que produz tanto os sons pertencentes a um vo cabulário quanto a articulação entre a sintaxe e a semântica lugar em que se dá a significação no sentido tradicional um ato ilocucionário que é o ato de realização de uma ação através de um enunciado por exemplo o ato de promessa que pode ser realizado por um enunciado que se inicie por eu prometo ou por outra realização por último umato perlocucionárioque é o ato que produz efeito sobre o interlocutor Através destes três atos Austin faz a distinção entre sentido e força já que o ato locucionário é a produção de sentido que se opõe à força do ato ilocucionário estes dois se distinguem do ato perlocucionário que é a produção de um efeito sobre o interlocutor Neste breve resumo das distinções no interior do ato de fala podemos perceber que a questão da referência é tratada de modo bastante diferente da noção mais tradicional que produz uma relação biunívoca entre linguagem e mundo Posso dizer eu prometo e produzir consciente ou inconsciente por exemplo uma ameaça ou seja não há mais lugar para fazer uma distinção entre sentido e significado das palavras quando se trata da performatividade OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 129 Retomando a questão da originalidade do pensamento de Austin um outro conceito é fundamental para a sua compreensão o de ação Ação8 para Austin tem um significado muito preciso pelo fato de ser um dos elementos constitutivos da performatividade Para ele a ação é uma atitu de independente de uma forma lingüística o performativo é o próprio ato de realização da falaação Se o performativo realiza uma ação através de um enunciado que é a realização de um ato de fala como chega Austin a desfazer a distinção proposta inicialmente entre o performativo e o constativo Segundo Austin há duas formas normais para a expressão do performativo 1 no início do enunciado há um verbo na primeira pessoa do singular no presente do indicativo na voz ativa por exemplo Eu te prometo que 2 há um verbo na voz passiva na segunda ou terceira pessoa do presente do indicativo esta é a forma encontrada sobretudo nos enunciados emitidos por escrito por exemplo os passageiros estão convidados a utilizar a passarela para atraves sar as pistas Ele chega à conclusão de que há outros performativos que não são expressos nestas formas normais como Feche a porta ou a palavra cão podendo ser explicitados por exemplo como Eu te ordeno que feche a porta e Previnoo que o cão vai atacar Para tentar responder à pergunta acima da quebra da distinção inicial entre o performativo e o constativo devemos voltar e rever o desdobramento dos atos de fala Os atos ilocucionários que são convencionais possibilitam a existência de enunciados performativos sem que seja possível identificar uma forma gramatical para eles ou seja são regras convencionais que dão con dições para que tal enunciado em tal situação seja ou não performativo realize ou não uma ação Daí Austin concluir que uma afirmação pode ser um performativo Podemos dizer que por detrás de cada afirmação há uma forma não explicitada de um performativo um performativo mascarado A explicitação desta forma gramatical será sempre a utilização da primeira pessoa do singular e do verbo no presente do indicativo Por exemplo se digo ele é um péssimo indivíduo isso pode dependendo do lugar em que está sendo dito ser interpretado de várias maneiras ter vários implí citos performativos Pode por exemplo ser explicitado como eu afirmo 8 As reflexões sobre a ação estão desenvolvidas no texto A Plea for Excuses 1956 de maneira exemplar ver principalmente pp17981 e 191Ver também sobre esta questão Felman 1980b e Sousa Filho 1984 1986 e1992 130 DELTA 181 que ele é um péssimo indivíduo ou eu imagino que ele é um péssimo indivíduo Um fato interessante de se observar é que para dar as condi ções de performatividade de um enunciado Austin identifica um enuncia do com um sujeito falante para que possa praticar uma ação Neste momento temos a afirmação o constativo ele é um péssimo indivíduo por exemplo no mesmo nível dos performativos e por isso podendo ser feliz ou infeliz As afirmações agora não só dizem sobre o mundo como fazem algo no mundo Não descrevem a ação praticamna Este salto que desfaz a distinção entre performativoconstativo produz uma visão de linguagem que não é mais idêntica à utilizada na distinção anterior entre o performativo e o constativo Esta visão produz como já foi dito uma virada brutal na questão da referência ou seja verdade e falsidade são conceitos que não terão mais um papel relevante nem prioritário para Austin A partir deste momento podemos falar de uma visão performativa na qual o sujeito não pode se desvincular de seu objeto fala e conseqüen temente não é possível analisar este objeto fala desvinculado do sujeito Certas discussões das reflexões austinianas sobre a performatividade geram muitos tensões e impasses Quero dizer que há uma questão funda mental envolvendo a performatividade à qual teorias dos atos de fala não proporcionaram um melhor entendimento já que estas teorias pressupõem e defendem concepções de linguagem diferentes daquela subjacente às idéias de Austin já que o que aparece no interior destas reflexões procuram sepa rar a lingüística da filosofia por isso acho importante relembrar mais uma vez a afirmação de Austin de que não há fronteira lingüística ou filosófica quando se trata de analisar a linguagem ordinária É a partir desta postura vou resumidamente analisar uma polêmica que envolve di retamente essa questão Essa polêmica tem uma especificidade a de evidenciar a dura reação de Benveniste 1963 às propostas à argumentação de Austin Para Benveniste há uma divisão muito nítida entre a filosofia analítica e a lin güística quanto à questão da performatividade O fenômeno da performatividade segundo Benveniste pode favorecer um bom relaciona mento entre estas duas áreas que estudam a linguagem se cada uma deli mitar claramente o que pretende analisar deste fenômeno Esta é justa mente a postura que a performatividade austiniana não proporciona Benveniste julga necessário manter a distinção performativoconstativo segundo ele há critérios formais que legitimam esta divisão Esta tensão OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 131 coloca então um impasse insolúvel Mas é a performatividade que serve tanto como fator de aproximação para Benveniste criticar Austin quanto de distanciamento de discordância entre os dois Podemos nos perguntar que fatores envolvem a performatividade que põem em confronto duas visões tão distintas de linguagem A performatividade serve como uma espécie de espelho através do qual Benveniste 1958 procura refletir sua própria concepção de lingua gem que está presente na sua concepção da subjetividade na linguagem e que cuja abordagem teórica é bastante distinta daquela utilizada por Austin não admite que possa haver subjacente às reflexões sobre a performatividade de Austin uma outra visão de linguagem Quero dizer que Benveniste fica no nível do enunciado do lingüístico e não faz referências ao processo de elaboração da performatividade no interior da argumentação de Austin sua abordagem se utiliza da performatividade de maneira estanque Austin utilizase de enunciados performativos da linguagem ordinária para argu mentar para elaborar uma nova visão da linguagem enquanto que Benveniste utilizase de enunciados performativos como exemplos como dados empíricos para fortalecer uma abordagem específica da linguagem neste caso a da subjetividade Podemos dizer que os conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário são analisados de maneiras tão diferentes e divergentes quantas são as te orias que estudam a linguagem Estes conceitos sofrem constantes redefinições e a flexibilidade teórica para muitos estudiosos que traba lham com a linguagem serve mais para eles explorarem suas próprias áre as de pesquisa do que discutir as reflexões de Austin9 9 As reflexões sobre a linguagem envolvendo a questão da performatividade é muito ampla por exemplo como John Searle John Ross George Lakoff Jerrold Sadock Oswald Ducrot François Récanati Michel Foulcault Danilo Marcondes de Souza Filho Marina Sbisà Shoshana Felman Marike Finlay Stephen Levinson Através da análise desses autores procurei responder as seguintes questões Como puderam as propostas austinianas ser utilizadas pela lingüística gerativa como querem Sadock Lakoff e Ross e do mesmo modo ser tão próximas de uma teoria psicanalítica como quer Felman Ou ainda como foram utilizadas pela filosofia com Searle possibilitando uma análise lógica da linguagem humana e com Souza Filho possibilitando uma abordagem ideo lógica da sociedade Como pôde Ducrot legitimar sua noção de pressuposição partindo do ato ilocucionário Qual é o ato de fala subjacente às discussões específicas sobre a enunciação feitas por Foucault e Sbisà Como as reflexões de Austin geraram as posições críticas de Récanati Finlay e Levinson Estas tentativas de respostas estão analisadas no terceiro capítulo de minha tese de douto rado cf Ottoni 1990a Capítulo não incluído no livro Visão Performativa da Linguagem 132 DELTA 181 Dito de outro modo a possibilidade de com esses conceitos se discu tir questões ligadas às várias teorias que estudam a linguagem é profunda mente enriquecedora mas esta atitude deve ser vista com uma certa cau tela porque pode fugir demasiadamente da proposta austiniana Acredito que a riqueza contida nos conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário é originária das discussões que Austin desenvolveu sobretudo com relação à performatividade Por um lado as teorias baseadas nestes conceitos não devem deixar de lado a performatividade já que é em torno deste acontecimento que se produzem divergências marcantes por outro Austin não formalizou estes conceitos a ponto de se poder identificálos no inte rior de uma teoria Por que teorias dos atos de fala produzem tantos desentendimentos com relação à performatividade Uma resposta breve e simples seria dizer que as teorias dos atos de fala performativo e ilocucionário não levam em conta o que venho chamando de visão performativa Esta rápida resposta justifica também que ao longo destes anos uma enorme quantidade de trabalhos tenha sido produzida e divergências tão profundas tenham apa recido e apareçam a cada dia na discussão dos atos de fala do performativo e do ilocucionário Como pode uma reflexão sobre a linguagem ser tão abrangente Esta amplitude de questões por um lado pressupõe que se for possível uma só resposta esta deverá ser suficientemente ampla para abranger os diver gentes interesses teóricos por outro lado esta diversidade de aborda gem das propostas austinianas de certo modo aproxima as várias áreas que estudam e analisam a linguagem Portanto deve haver algo subjacente às reflexões de Austin que dê conta desta amplitude Parto do princípio de que esta amplitude se deve a três fatores interligados de modo muito específico Inicialmente há uma maneira especial de encarar o rela cionamento dos conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário já que Austin não fez uma análise global e nem um desdobramento sistematiza do destes três conceitos Em seguida a relação destes conceitos pode dar conta de uma doutrina geral de que fala Austin mas partindo de uma visão performativa e finalmente podemos dizer que esta visão performativa mantém certas relações com a percepção humana isto é há subjacente à doutrina ao mesmo tempo completa e geral da linguagem cf 1958 p121 para a qual Austin chamava a atenção algumas aproximações com o fenômeno da percepção humana Estes três fatores mostram a abrangência e a comple OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 133 xidade das reflexões austinianas e podem servir para discutir e explicar ao mesmo tempo as abordagens diferentes conflitantes e contraditórios das propostas de Austin Em Royaumont respondendo a uma pergunta que colocava a possibi lidade de haver uma lógica formal dos enunciados performativos Austin 1958 comenta Pode haver uma lógica formal dos enunciados performativos Seria tentado a dizer sim Mas com esta reserva todavia penso que seria preciso que estejamos muito seguros de saber o que entendemos por enunciados performativos o que supõe de antemão um inventário muita mais detalhado e minucioso que este que indiquei brevemente na minha exposição Neste caso e neste caso somente em posse de um inventário e de uma definição poderemos em caso de necessidade encarar a formalização de uma lógica dos enunciados performativos ou ao menos em certos tipos ou famílias de expressões deste gênero E ainda teríamos um trabalho conside rável para desenvolver antes de chegar a alguma coisa de utilizável sobre certos pontos p144 O conceito de ato de fala sofre tentativas de formalização dentro de uma teoria uma vez que Austin no seu texto PerformativoConstativo ao falar do ato de fala em duas passagens lembra sempre a necessidade de encarálo como algo mais geral como uma doutrina que dê conta do que se faz ao dizer alguma coisa Também no início na última conferência 1962a p148 ele faz a seguinte afirmação O ato de fala total na situação de fala total é o único fenômeno que em última instância estamos procurando elucidar p148 Destaco este fato para lembrar que não é por acaso que Austin relaciona o ato de fala ao ato de fala total na situação de fala total para o momento ainda a ser revelado Deste modo podemos dizer que há uma ordem que não aparece por acaso Há o performativo que é o fenômeno central seguido de um desdobramento através do ilocucionário e finalmen te o ato de fala total como algo a ser desvendado Há segundo Austin três maneiras de distinguir o ato ilocucionário do perlocucionário assegurar sua apreensão securing uptake tem efeito taking effect e levam a uma resposta ou seqüela inviting a response 1962a p100 Destas três a primeira é a mais importante uma vez que com o uptake 10 fica mais claro que a referência que vai estar diretamente ligada ao mo 10 Souza Filho traduziu o termo uptake por apreensão Utilizo o termo uptake em inglês por considerar a sua significação mais abrangente e mais consistente do que o termo em português 134 DELTA 181 mento da enunciação não se dá mais ao nível constativo da linguagem mas numa concepção performativa ou seja no momento em que há o reconhecimento entre os interlocutores de que algo está assegurado de que o objetivo ilocucionário foi realizado através de sua força O uptake en quanto uma relação entre interlocutores por meio da linguagem está pró ximo do jogo de linguagem já que não há regras nem critérios formais definitivos que possam descrevêlo Austin comenta Assim a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão uptake p100 E mais à frente afirma a referência depende do conhecimento que se tem ao emitir o proferimento utterance cf p119 Esta nova noção de referência tem que passar pelo eu para se constituir como linguagem para realizar uma ação Uma das características importantes da reflexão sobre a perfor matividade é então a questão do eusujeito e a sua relação com o uptake 11 que estabelece uma nova concepção de referência e de intencionalidade O eu aparece nas reflexões austinianas como uma entidade extralingüística isto é um sujeito que pode empiricamente casar batizar um navio etc realizando um ato de fala mas somente se for o sujeito adequado para isto o ato em si de fala não é ele sozinho suficiente para realizar esta ação Em seguida este eu passa a se fundir com a lingua gem a fazer parte integrante dela O eu expresso através do pronome sujeito do presente do indicativo ao falar realiza uma ação por intermédio do ato de fala este eu é agora qualquer sujeito no mundo Para Austin qualquer enunciado tem implicitamente um sujeito um eu que produz a fala o significado depende do sujeito e do momento da sua enunciação Austin parte de um eu com a linguagem e chega a um eu na lingua gem e da linguagem O eu não tem sozinho o domínio da significação ele se constitui no momento de sua enunciação na interlocução Para este controle do significado Austin utiliza o conceito de uptake O eu não deve mais ser confundido com o sujeito falante empírico uma vez que é só através do uptake que se constitui o sujeito Uma das dificuldades de compreensão deste momento crítico da pro posta de Austin está localizada na questão da intencionalidade e sua rela ção com a significação Não é possível mais 1962a p95102 falar de 11 Ver também sobre esta questão Rajangopalan 1990a OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 135 uma intenção do sujeito falante já que esta intenção não é e não pode ser mais unilateral Austin com a noção de uptake subverte a sua própria teoria até então calcada no papel centralizador do sujeito falante Com relação a importância que desempenha o uptake na sua argumen tação podemos dizer que em qualquer situação de fala não há um contro le do sujeito falante sobre sua intenção já que ela se realiza juntamente e através do uptake com seu interlocutor O uptake é então uma condição necessária do próprio ato de fala e é ele que produz o ato Nunca deixare mos de atribuir uma intencionalidade num ato físico uma vez que este não poderá ser isolado de uma intenção já que pode haver situações ines peradas nãotencionadas pelo sujeito É através do uptake que há um descentramento do papel do sujeito falante Deste modo podemos dizer que o uptake numa versão branda é o lugar onde se complementam o eu e o tu onde se assegura a fala12 Numa versão mais forte o uptake é o lugar do desmantelamento da intenção o caminho próprio da desconstrução Num caminho oposto ao que expus John Searle 1973 faz uma leitu ra única da obra de Austin Ele produz uma descrição lógica do ato de fala criando a fórmula Fp que representa as tradicionais noções de verdade e falsidade sendo que F representa a força ilocucionária e p o conteúdo proposicional Searle deixa de lado assim o que considero a contribuição mais importante de Austin que foi abrir um campo de reflexão não centrado apenas numa abordagem formalista ou positiva da linguagem Com a noção de uptake se estabelece entre os dois uma distância e uma discordância bastante significativa Searle de certo modo pretende ser fiel a Austin mas não percebe o efeito corrosivo que a noção de uptake provocou nas reflexões austinianas sobre os atos de fala O papel de Searle é ambíguo se por um lado ele tem o mérito de ter introduzido as idéias de Austin no interior das discussões da ciência lingüística por outro podemos dizer que ele descaracterizou demasiadamente estas idéias desvirtuandoas de ma neira definitiva Searle enquanto filósofo da linguagem é considerado apesar das diferenças o sucessor de Austin por ter desenvolvido nestes 12 Podemos fazer de certo modo uma aproximação um paralelo entre a noção de uptake na versão mais branda relacionando ao fato de que por exemplo se assino um documento este só terá validade na medida em que minha assinatura for identificada reconhecida como sendo minha pelo outro Portanto minha assinatura tem que ser iterável para poder ser identificada pelo outro 136 DELTA 181 últimos trinta anos uma teoria dos atos de fala Na realidade o caráter inovador das propostas de Austin como tenho insistido proporciona ine gavelmente várias interpretações e a de Searle é apenas uma delas Muitos estudiosos dada a influência searliana ao tratar dos atos de fala e do ilocucionário não percebem a diferença entre Searle e Austin não fazendo distinções entre eles o que deve ser encarado com uma certa cautela por comprometer profundamente as reflexões de Austin Voltando à questão da subversão que se opera no pensamento austiniano a partir do conceito de uptake tornase pertinente aproximar esta questão do que Felman 1980a afirma ou seja de que não há uma simetria perfei ta entre sentido e referência e nem entre enunciado e enunciação em Austin mas ao contrário é da assimetria que procede o pensamento de Austin do excesso daenunciação em relação aoenunciadoda força da enunciação como um resto referencial do enunciado e do sentido p108 O que em última instância significa que esta assimetria rompe com a intenção isto é não dá conta exata simétrica entre a intenção do sujeito falante e a do seu interlocutor contrariamente ao que pensa Searle Esta não exata simetria é o lugar das situações inesperadas nãotencionadas inconscientes indis pensáveis para que se constitua um eusujeito Não há uma lógica no sentido transcendental do termo que possa identificar o sujeito a não ser através da ação da sua fala da sua performatividade A argumentação minuciosa e detalhada do livro Sense Sensibilia mostra mais uma vez a originalidade e a maneira pela qual Austin rompe com a filosofia de sua época ao estabelece relações entre a linguagem e a percepção humana e como elas contribuem para a visão performativa Neste livro ele chama a atenção para um exemplo de Wittgenstein no qual uma imagem ou um diagrama pode ser concebido de maneira especial de modo que pode ser visto de várias maneiras como um pato ou um coelho como uma figura convexa ou como uma figura côncava13 ou ainda de qual quer outro modo e afirma que Diferentes maneiras de dizer o que se vê serão com bastante freqüência devidas não apenas a diferenças de conhecimento sutilezas de discernimento disposição a correr riscos ou interesse por este ou aquele aspecto da situação total podem deverse ao fato de que aquilo que se vê é visto diferentemente 13 Os trabalhos gráficos de Maurits Cornelis Escher 18981972 exemplificam em parte esta posição onde uma figura está tão intrinsecamente associada à outra que ao mesmo tempo que sugere surge de uma outra e nunca se sabe qual o limite entre estas figuras OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 137 visto de uma maneira diferente visto mais como isto do que como aquilo E às vezes não existirá uma maneira certa de dizer o que se vê pela razão adicional de que talvez não exista uma única maneira certa de vêlo 1962b p135 Austin está dizendo que na descrição do que se vê está presente uma das várias maneiras do que foi visto e não pode ser a correta já que há várias maneiras de ver e conseqüentemente de descrevêlas isto nos remete ao conceito deuptake Em outras duas passagens Austin coloca a questão da referência de modo semelhante ao que desenvolve no How to do Things with Words Ele comenta que se tomarmos uma boa parte de frases impecavelmente bem formadas numa ou outra língua não vem ao caso classificálas como frases verdadeiras ou frases falsas pois deixando de fora os chamados enuncia dos analíticos a questão da verdade ou falsidade não depende somente de saber o que é uma frase nem mesmo do que significa mas falando de modo geral das circunstâncias em que se deu seu enunciado Enquanto tais as frases não são verdadeiras ou falsas 1962b p147 Em seguida afirma que se vejo um homem atirar em outro posso oferecer meu depoimento evidence como teste munha ocular às pessoas que não se achavam tão bem colocadas como eu mas não tenho evidências para a minha afirmação de que houve um disparo de que re almente o vi De novo então verificase de que devemos levar em conta não apenas as palavras usadas mas a situação em que são usadas 1962b p152 Verificamos aqui a relação entre a referência e a percepção uma vez que a maneira de se ver mantém relações com as circunstâncias que envol vem a enunciação Podemos dizer assim que o sujeito vai se constituir não somente através das palavras mas também das circunstâncias nas quais elas são empregadas Dito de outro modo numa versão mais forte da visão performativa o que vai importar não é o que o enunciado ou as palavras significam mas as circunstâncias de sua enunciação a força que ela tem e o efeito que ela provoca Volto a dizer que as reflexões de Austin estão mais distantes de favore cer uma abordagem positivista no universo empiricista da ciência lingüís tica e da filosofia tradicional Para um entendimento de Austin temos que ultrapassar as barreiras destas duas disciplinas e utilizar outras áreas de estudo que nos permitam ter produzir segundo ele uma doutrina uma teoria geral e completa que dê conta do que se faz ao dizer alguma coisa isto é do que ele chamou de ato da fala Com isto ele não estaria querendo 138 DELTA 181 dizer que a relação entre ver perceber o mundo e dizer sobre o mundo é um fator decisivo para esta doutrina geral doutrina esta que rompe com as distinções entre linguagem e corpo e sujeito e objeto Austin soube como ninguém discutir ao mesmo tempo a linguagem humana e o humano como ninguém mostrou que a linguagem não se distancia do humano do corpo e de maneira exemplar mostrou como o corpo e a linguagem se fundem Temos então o encontro entre o sujeito e o objeto entre o corpo e a linguagem e conseqüentemente a grande dificuldade de se estabelecer parâmetros positivos para identificação e para análise do fenômeno da performatividade A sua intuição e o seu desejo de romper com a postura tradicional frente à linguagem falou mais alto que sua postura científica ou até lógica atitude que ele tinha como escolha É questionável esta tendência em fazer uma aproximação empírica e positivista que em mui tos casos é imposta às reflexões austinianas uma vez que ele procurou fazer justamente o contrário apesar das insistências de vários de seus co mentaristas14 Rajagopalan 1990b comenta que não é de se estranhar que Austin de fato compartilhasse com Frege a tese central deste grande gênio de que é o sentido que determina a referência e não o contrário E continua Trocando em miúdos é possível sustentar que o trabalho de Austin ao mesmo tempo em que evidencia sinais de franco descompasso com a linha logicista traçada por Frege constituise em uma continuação do projeto fregeano muito além é claro do vislumbrado pelo ilustre antecessor alemão cuja obraprima lembrese foi o próprio Austin quem traduziu para o idioma inglês Ora tudo isso nos dá uma nova perspectiva para encarar a leitura desconstrutiva que Derrida faz da própria obra de Austin perseguição implacável da meta austiniana além do ponto efetivamente alcançado pelo próprio Austin Ou seja se Austin faz uma leitura fregueana de Frege Derrida 1972 mostra como é relativamente fácil fazer uma leitura austiniana de Austin mos trando ao texto de Austin o seu ponto cego o momento crítico onde o autor demonstra sinais de não querer cumprir sua promessa e opta por não ver as consequências mais lógicas do seu próprio projeto O mérito de Derrida consiste 14 A título de exemplo é bom dizer que além dos textos até agora citados temos Black 1969 Fingarette 1967 Forgunson 1969b Sesonske 1965 e Warnock 1973 entre muitos outros que discutem o Performativo de maneiras muito distintas mas sempre preocupados em tentar identificar e às vezes justificar em Austin um certo descompasso e até uma certa irreverência entre sua postura como investigador e suas intuições Este descompasso é justamente o que considero hoje uma das características fundamentais de suas reflexões OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 139 justamente em mostrar a fragilidade do empreendimento estruturalista com o qual a filosofia analítica tem a despeito das aparências ao contrário ligações estreitas cf Norris 1984 Quem tematiza tal fragilidade é Richard Rorty 1982 para quem o pragmaticismo está caminhando sem retorno exatamente em direção a um desmorona mento até chegar a tal ponto em que segundo este autor a atividade filosófica deve se desembaraçar de vez de toda a sua aspiração emancipatória para começar a cultivar uma espécie de quem sabe niilismo ativo no dizer de Lyotard pp 245247 Este comentário sugere uma série de questões muito importantes na medida em que coloca em xeque grande parte do empreendimento austiniano enquanto uma postura inovadora e única na história da filosofia e da lingüística contemporânea Que se possa fazer uma leitura desconstrutivista de não importa qual seja o texto e se chegar a uma posi ção crítica que justifique essa leitura é fundamental para o entendimento das reflexões de Austin como faz Derrida citado por Rajagopalan no comentário acima mas o que não concordo é com a generalização desta afirmação Considerando que o pensamento de Austin não é uniforme há uma técnica que se repete em alguns textos mas não é uma característica que pode ser tomada em termos absolutos Rajagopalan afirma que Austin opta por não ver as conseqüências mais lógicas do seu próprio projeto Na verdade essa opção se baseia no fato de sua obra se caracterizar por pontos críticos dos quais ele tinha consciência dado o seu rompimento o seu mo mento de transição nos estudos da linguagem por isso não considero fácil fazer uma leitura austiniana de Austin Austin questionou e mostrou o ponto crítico da filosofia tradicional através de suas técnicas de análise da linguagem ordinária fazendo um questionamento da atuação de uma ciência lingüística empírica e de uma filosofia tradicional Ao romper com uma visão positivista da linguagem teve que partir de certas influências e pressupostos para poder dialo gar para falar com seus opositores o seu oposto E é justamente neste ponto que Derrida15 se aproxima de Austin e o desconstrói Aceito a proposta desconstrutivista para um momento específico um estágio do pensamento austiniano como faz Derrida Daí generalizar este momento crítico para toda a reflexão de Austin considero uma postura um tanto apressada como faz Norris na citação acima ao identificar a filosofia analítica com o estruturalismo Austin enquanto um filósofo analítico inglês tem um projeto sobre a linguagem que vai além do projeto wittigensteiniano como afirmei no 15 Sobre as semelhanças e as diferenças entre Austin e Derrida ver Ottoni 1997 140 DELTA 181 início já que as reflexões de Austin atingem várias áreas de estudo da linguagem enquanto que Wittgenstein fica restrito a um mundo filosó fico na tentativa de dar conta deste mundo É inegável que haja algumas semelhanças entre Wittgenstein e Austin Entretanto podemos fazer uma distinção entre eles que está próxima à distinção que Ruby 1990 faz entre os pósmodernos e os neomodernos Estes por sua vez dentro os quais se localiza Wittgenstein procuram recuperar uma modernidade inacabada modernité inachevée identificandose com a universalidade e a razão mo derna pp151154 Aqueles no qual incluo Austin rompem com uma cultura anterior a moderna eles não se apóiam numa cultura conserva dora já que a pósmodernidade se fecha num pensamento e numa atividade que não consistem em nada mais do que um desarranjo da modernidade p17 A visão performativa que reflete a amplitude do pensamento austiniano é de certo modo uma postura pósmoderna frente à linguagem e que pode ser tomada de duas maneiras numa primeira podemos dizer que as reflexões de Austin estão presentes num momento histórico do surgimento da pósmodernidade dialogando com ele numa segunda o que vai carac terizar a pósmodernidade de Austin é a ruptura a reviravolta seachange inevitável que seu pensamento proporcionou Lyotard 1979 faz a seguinte crítica à filosofia positivista da eficiên cia A expansão da ciência não se faz graças ao positivismo da eficiência É o contrário trabalhar na prova é pesquisar e inventar o contraexemplo isto é o ininteligível trabalhar na argumentação é pesquisar o paradoxo e legitimálo com novas regras do jogo de raciocínio o traço surpreendente do saber pós moderno é a imanência assim mesmo mas explícita do discurso sobre as regras que o legitimam pp99100 Esta afirmação pode servir para exemplificar a instabilidade teórica que a argumentação austiniana provoca por um lado na ciência lingüística de base descritiva e formal e como então a visão performativa pode desorganizar esta ciência por outro na filosofia a necessidade de se repensar a eficiência positiva que procura desenvolver os aspectos empíricos e lógicos do performativo Concluindo diria que Austin não surge por acaso ele é o portavoz de todo um processo planejado pela história para se tornar a figura mais impor tante desse processo Austin deixou um espaço conflitante no seu raciocínio que é inerente ao inovador e que o destino não por acaso proporcionou Email ottonixhotmailcom Recebido em julho de 2001 OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSTIN J L 1946 Other Minds Philosophical Papers 76116 Traduzido por Marcelo Guimarães da Silva Lima Outras Mentes In Os Pensa dores 4ª ed São Paulo Nova Cultural 1989 2147 1950 Truth Philosophical Papers 117133 1956 A Plea for Excuses Philosophical Papers 175204 1958 PerformatifConstatif La Philosophie Analitique Cahiers de Royaumont 271304 Tradução de Paulo Ottoni Performativo Constativo In Ottoni 1998 Visão Performativa da Linguagem 111144 1961 Philosophical Papers Oxford University Press 1962a How to do things with words Harvard University Press Tra duzido por Danilo Marcondes de Souza Filho Quando Dizer é Fazer Palavras e Ação Porto Alegre Artes Médicas 1990 1962b Sense and Sensibilia Oxford at the Clarendon Press Tra duzido por Armando Manuel Moura de Oliveira Sentido e Percepção São Paulo Martins Fontes 1993 BENVENISTE E 1958 De la Subjectivité dans le langage In Problèmes de Linguistique Générale I Paris Editions Gallimard Tradução de 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DELTA 181 2002 117143 RETROSPECTIVA RETROSPECTIVE JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM John Langshaw Austin and the Performative View of Language Paulo OTTONI ABSTRACTJohn Langshaw Austin and the Performative view of language Austin appears on the scene at the exact historic moment in the debates about language and serves as the spokesperson for modern philosophy thereby revolutionizing not only analytic philosophy but also linguistics as an autonomous science In this article I call into question the supremacy of logical positivism via a discussion of the concepts of performatives of speech acts of uptake as well as the illocutionary acts that are interrelated in a very special way in his writing I contend in this paper that Austin is a deconstructor I consider his approach to language as a performative view based on the fact that there exists in his writing a point of conflict that questions the very existence of the borderlines between philosophy and linguistics in the field of language study KEYWORDS performative illocutionary speech act uptake performative view RESUMOAustin surge no cenário da discussão sobre a linguagem num momento his tórico preciso e será o portavoz de todo um processo histórico da filosofia contemporâneas ao revolucionar não só a filosofia analítica naquele momento como também a lingüís tica enquanto ciência autônoma Neste artigo questiono o caminho e a supremacia do positivismo lógico nos estudos da linguagem procurando analisar qual é o papel de Conferência proferida no ciclo Geofilosofia do Século XX promovido pela Faculdade de Filosofia da PUC Rio e Fundação Planetário do Rio de Janeiro no dia 15 de julho de 1998 Essa conferên cia resume algumas reflexões que estão desenvolvidas no meu livro Visão Performativa da Lin guagem As notas foram acrescidas para esta publicação Professor Associado do Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Cam pinas SP wwwunicampbrottonix 118 DELTA 181 Austin neste processo através da discussão dos conceitos de performativo de ato de fala de uptake e de ilocucionário que estão vinculados na sua obra de modo muito especial Parto da hipótese de que Austin é um desconstrutor Denomino sua aborda gem da linguagem de visão performativa pelo fato de haver nas suas reflexões um espaço conflitante que põe em discussão as fronteiras entre a filosofia e a lingüística nos estudos da linguagem PALAVRASCHAVEperformativo ilocionário ato de fala uptake visão performativa Acredito que a única maneira clara de definir o objeto da filosofia é dizer que ela se ocupa de todos os resíduos de todos os problemas que ficam ainda insolúveis após experi mentar todos os métodos aprovados anteriormente Ela é o depositário de tudo o que foi abandonado por todas as ciênci as em que se encontra tudo o que não se sabe como resolver AUSTIN Colóquio deRoyaumont 1958 John Langshaw Austin surge no cenário da discussão sobre a lingua gem num momento histórico preciso Situar e justificar a posição de Austin neste contexto histórico não é uma tarefa fácil mas ao mesmo tempo é fundamental para que se possa ter uma visão da extrema importância de suas idéias e de seus trabalhos sobre a linguagem É importante dizer neste início que Austin é o portavoz de todo um processo histórico da filosofia contemporânea Seu surgimento como procurarei mostrar pare ce planejado pela história das discussões sobre a linguagem para se tornar um dos pensadores mais importante de todo esse processo O momento histórico preciso do fortalecimento das discussões sobre a linguagem surgido na Inglaterra pela chamada escola de Oxford é a dé cada de 40 e mais precisamente o pósguerra Austin nasceu em 26 de março de 1911 em Lancaster e morreu em fevereiro de 1960 No início dos anos 50 coincidentemente um lingüista norteamericano está pro pondo a gênese do que vai ser mais tarde um dos maiores empreendimen tos lingüísticos na história desta ciência a sintaxe gerativa Tratase de OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 119 Noam Chomsky Nesta mesma época desenvolviase na França liderado por Emile Benveniste um importante trabalho sobre a linguagem que tinha a semântica como centro das discussões É importante lembrar que na França além de Emile Benveniste pensadores como Michel Foucault Jacques Derrida e Jacques Lacan1 entre outros começavam a elaborar importantes reflexões sobre a linguagem que vão desembocar nas refle xões denominadas de pósestruturalista Austin revoluciona não só a filosofia analítica naquele momento como questiona postulados fundamentais da lingüística enquanto ciência autô noma proporcionando uma gigantesca discussão em torno da filosofia da linguagem Vai deste modo questionar fortemente o caminho e a supre macia do positivismo lógico ou logicismo nos estudos da linguagem O caminho aberto por Austin é o fortalecimento do estudo da linguagem ordinária Procurarei mostrar qual é o papel de Austin neste processo e quais as conseqüências deste estudo na filosofia analítica e suas implicações lingüísticas Para Austin que estava inserido na discussão criada a partir das ques tões surgidas pela dificuldade do uso da linguagem pela e para a filosofia o objetivo da filosofia analítica é estudar o funcionamento da linguagem antes de estabelecer modelos lógicos modelos ideais que dêem conta de questões filosóficas Analisou a linguagem a partir das dificuldades que ela coloca frente a certos procedimentos filosóficos tradicionais De fato para muitos filósofos a linguagem humana cria certas dificuldades para a reso lução de questões filosóficas Subjacente às reflexões de Austin na análise da linguagem ordinária podemos dizer que são os filósofos e os lingüistas que criam dificuldades para o entendimento dessa linguagem Daí o seu grande interesse em estudar este tipo de linguagem e não se dedicar ao estudo de uma linguagem ideal e formal O desinteresse de Austin por uma linguagem ideal é um dos pontos principais que toca diretamente a um certo tipo de lingüística e de filosofia É a partir do estudo de certas dificuldades criadas pela linguagem ordinária que segundo certos filósofos ou lingüistas uma palavra não expressa um conceito preciso ou mesmo uma frase não expressa um pensamento claro isto é não há uma adequa 1 Sobre a questão do performativo a partir de Austin e as possíveis relações com o pensamento de Benveniste com a psicanálise e com as reflexões de Foucault ver Ottoni 1988 1990b e 1992 respectivamente 120 DELTA 181 ção entre a palavra e o conceito e entre a frase e o pensamento A questão do sentido do significado e da referência para um certo tipo de lingüística e de filosofia cria um impasse crucial e até certo ponto insolúvel entre algumas teorias sobre a linguagem Austin é o filósofo da escola de Oxford que vai abordar esta questão de maneira inédita e é a sua originalidade que vai abalar como disse acima certas questões fundamentais da lingüística descritiva e da filosofia tradicional Não podemos nos esquecer de que a questão do uso da linguagem foi amplamente discutida por Ludwig Wittgenstein no Philosophische Untersuchungen Investigações Fi losóficas publicado em 1953 o que contribuiu para fortalecer posteri ormente algumas das discussões propostas por Austin o empreendimento de Austin entretanto foi uma atitude única e original independente do próprio Wittgenstein É importante deixar claro que Austin não era o único filósofo da escola analítica de Oxford que procurava resolver ques tões filosóficas discutindo a linguagem ordinária com ele estavam Strawson Ryle e Hare entre outros Mas foi Austin quem introduziu de maneira definitiva os conceitos de performativo ilocucionário e de ato de fala conceitos através dos quais deslancha toda a sua argumentação Estes três conceitos tanto se perpetuaram nas discussões posteriores da filosofia analítica quan to nas da lingüística O conceito de performativo de ato de fala e de ilocucionário estão vincu lados na obra de Austin de modo muito especial um conceito muitas vezes serve para a explicação do outro havendo uma interdependência entre eles Esta complementaridade esta dependência de um conceito pelo ou tro é fundamental no interior da sua argumentação2 O seu procedimen to é enriquecedor pelo fato de criar uma tensão a partir da discussão des tes conceitos no interior da filosofia e da lingüística Esta tensão podemos dizer cria uma polarização entre a filosofia analítica de Oxford e uma filo sofia construtivista que propõe a subordinação da linguagem ordinária 2 Toda a reflexão que desenvolvo a seguir está sustentada nas seguintes obras de Austin Performativo Constativo traduzido por mim do francês juntamente com a Discussão que seguiu a sua apresentação no Colóquio de Royaumont e encontra se no apêndice do livro Visão Performativa da Lingua gem 1998 Outras Mentes tradução de Marcelo Guimarães da Silva Lima editado na coleção Os Pensadores 1989 há também neste volume cf pp XXIII alguns dados sobre a vida e a obra de Austin organizados por Armando Mora DOliveira Quando Dizer é Fazer Palavras e Ação tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho 1990 Sentido e Percepção tradução de Arman do Manuel Mora de Oliveira 1993 OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 121 dominandoa em favor dos seus interesses teóricos Na lingüística esta tensão divide os lingüistas entre aqueles que vêem a lingüística como uma ciência autônoma que se aproxima cada vez mais dos modelos da ciência exata e os que fazem de certo modo o caminho inverso e vão em direção à lingüística filosófica O que estou chamando de procedimento filosófico de Austin fica evi denciado pelo tipo de análise proporcionada pela filosofia analítica de Oxford que difere da realizada em Cambridge aonde os filósofos principalmente Wittgenstein e Russell chegaram à filosofia através de um longo estudo das ciências e da matemática Os filósofos de Oxford por sua vez abor dam a filosofia partindo de um profundo estudo das humanidades clássi cas No Colóquio de Royaumont o próprio Austin comenta que um dos traços característicos que os filósofos analíticos têm em comum é que eles são na sua maioria formados na tradição das humanidades clássicas e que o grego e o latim sem falar de algumas línguas estrangeiras intervêm freqüentemente nas suas dis cussõesLa Philosophie Analytique p 231 Daí o fato do seu interesse pela a análise lingüística de uma língua por si só e também para resolver problemas clássicos da filosofia tradicional Esta constatação é sem dúvida nenhuma uma das maiores caracterís ticas que define a habilidade deste procedimento filosófico de Austin que foi freqüentemente expresso em seus trabalhos de maneira muito especial Há uma série de artigos comentando a maneira original como Austin agia em suas conferências aulas e seminários Todos os comentaristas foram seus contemporâneos seja como alunos seja como colegas são unânimes em afirmar que a personalidade original de Austin se confundia com sua originalidade filosófica com seu procedimento filosófico Ele foi sem dú vida nenhuma no entre e pósguerra o filósofo mais importante de Oxford como Wittgenstein o foi em Cambridge Reconhecido e respeitado pelas suas idéias por todos aqueles que o conheceram e tiveram a oportunidade de ouvilo e de discutir pessoalmente suas idéias ele representava toda uma riqueza uma fertilidade de idéias fertilidade que proporcionou para a lingüística e para a filosofia um impacto único Austin é em si um desconstrutor de uma filosofia tradicional e por que não de uma lin güística tradicional Este rompimento com o passado está evidenciado pela discussão do performativo e do constativo do verdadeiro e do falso que é o lugar em que para ele se confundem e fundem a filosofia e a lingüística 122 DELTA 181 Austin apresenta uma nova abordagem da linguagem que chamo de visão performativa Nessa visão não há uma preocupação em delimitar as fronteiras entre a filosofia e a lingüística fato que produz toda a tensão da força do novo do desconstrutorconstrutor Dos comentaristas que procuram recuperar a perspicácia e a originali dade de sua vida filosófica escolhi uma passagem entre muitas outras que considero especialmente curiosa Berlin 1973 um dos seus colegas comentando a resposta que Austin lhe derá quando fez a seguinte pergun taSuponha que uma criança expresse a vontade de encontrar Napoleão na batalha de Austerlitz e eu digo Isto não pode acontecer e a criança responde por que não e continuo Porque isto aconteceu no passado e você não pode estar viva agora e também há cento e trinta anos atrás e permanecer com a mesma idade e a criança insistente continua dizendo Por que não e eu volto a dizer Porque isto não faz sentido como usamos palavras para dizer que você pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ou voltar ao passado e esta sofisticada criança diz se é só uma questão de palavras então não podemos simplesmente alterar nosso uso verbal Isto me permitiria ver Napoleão na batalha de Austerlitz e também é claro estar onde estou agora no lugar e no tempo Berlin perguntou então a Austin o que dizer a esta criança que simplesmente ela confundiu os métodos material e for mal ao falar Austin respondeu Não fale assim Diga para a criança experi mentar voltar para o passado Diga que não há nenhuma lei contra isso Deixea tentar Deixea experimentar e ver então o que acontece cf p156Mesmo considerado exageradamente acadêmico overpedantic exageradamente cauteloso overcautions e insistir em estar sempre exageradamente segu ro oversure de suas defesas antes de se expor para Berlin Austin havia entendido melhor que ninguém o que era a filosofia Austin questiona a fronteira entre a filosofia e a lingüística nas suas reflexões sobre a linguagem ordinária ao discutir sobre a possibilidade de se estabelecer esta fronteira ele comenta Onde está a fronteira Há uma em alguma parte Você pode colocar esta mesma questão nos quatro cantos do horizonte Não há fronteira O campo está livre para quem quiser se instalar O lugar é do primeiro que chegar Boa sorte ao primeiro que encontrar alguma coisa cf Austin 1958 p134 Considero essa resposta uma das maiores contribuições de Austin e também a sua autolocalização histórica não é possível pensar na linguagem de forma compartimentada institucionalizada Sua contribui ção teórica justifica a sua própria quebra de barreiras OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 123 Descrever a obra de Austin tendo em vista a sua argumentação filo sófica não é fácil principalmente quando a meta é enfocar de que modo esta obra pressupõe uma nova concepção de linguagem através do fenô meno da performatividade Por outro lado é difícil falar das técnicas austinianas em torno do performativo tendo em vista a amplitude e diver sidade de sua obra A originalidade de Austin está também na estreita ligação entre os seus procedimentos filosóficos e seus procedimentos técnicos que de certo modo se confundem ao analisar a linguagem ordinária Austin não gostava da palavra metodologia para falar do seu trabalho comenta Quando me perguntam porque faço o que faço eu fico irritado Tudo o que posso dizer da maneira mais insistente é que a palavra método me desagrada Prefiro muito mais a palavra técnicano plural de preferência técnicas La Philosophie Analytique 1962 p348 É difícil na sua argumentação desvincular suas técnicas filosóficas das suas reflexões A maneira aparentemente divertida fun com que procurou analisar e questionar a linguagem ordinária é seu principal valor Suas técnicas são construídas juntamente com suas descobertas teóricas quero dizer que o modo de enfrentar discutir o funcionamento da lingua gem é de tal forma descompromissado com uma qualquer teoria que o seu procedimento filosófico até certo ponto comprometido com suas técnicas vai obrigálo a retomar e produzir gradativamente uma nova visão da linguagem a que ele próprio está analisando Austin morre com 48 anos em pleno vigor do seu trabalho fato que incentivou uma divulgação bastante rápida de suas idéias A repercussão através da publicação do How to do Thinhs With Words Quando dizer é fazer palavras e ação 1962a e Sense Sensibilia Sentido e Per cepção 1962b e de alguns dos artigos que compõem o Philosophical Papers3 1961 passou a ser feita através de recomposi ções de anotações de seus alunos e colegas Deste modo a complexidade de suas idéias passa a ser acrescida de um outro fator que é o da recompo sição de seu pensamento Esta original reflexão sobre a linguagem passa 3 Este livro não está traduzido para o português Um amplo estudo do Philosophical Papers está publicado em Fann 1969 ed e é composto pelos trabalhos de Forguson 1969a Chisholm New NowellSmith Searle Thalberg Wheatley e White todos de 1969 E em Berlin 1973 ed cf Pears 1973 124 DELTA 181 então a ser divulgada não pela forma que possivelmente Austin a tivesse produzido4 Os caminhos que suas idéias percorreram foram aqueles que podemos dizer Austin consciente e inconscientemente propôs Se antes tínhamos em Austin uma vidafilosófica original agora podemos acres centar que a divulgação de sua obra se deu também desta mesma maneira Dois textos refletem e recobrem de modo especial a reflexão e a téc nica austiniana em torno da performatividade O primeiro é Other Minds Outras Mentes publicado em Proceeding of the Aristotelian Society em 1946 artigo que propõe o que se pode chamar da gênese da performatividade que vai a partir daí ser desenvolvida até 1958 quando do aparecimento do texto PerformativoConstativo Um de seus últimos tra balhos seu único trabalho em francês que se conhece e que consolida o que chamo de visão performativa da linguagem Diferente dos dois textos os livros How to do Things With Words e Sense Sensibilia foram compostos a partir de anotações de Austin e de participantes de seus seminários e conferências mostrando a flexibili dade do pensamento na composição de sua argumentação embora o leitor esteja frente a um texto que não foi originalmente composto por Austin vê nele o exemplo de sua preocupação a não linearidade das questões que ele propõe sobre a linguagem e ao mesmo tempo a maneira como tudo está ligado de modo muito original na sua argumentação O pri meiro livro reconstituído por M Sbisà e J O Urmson é resultado de doze palestras proferidas em Harvard em 1955 e de outras durante o curso Words and Deeds que ele ministrou de 1952 a 1954 em Oxford e também das gravações de duas conferências uma realizada na BBC em 1956 e a outra em Gothenberg em outubro de 1959 O segundo livro reconstituído por G J Warnock é resultado de anotações de suas conferências em Oxford que se iniciaram em 1947 com o título de Problems in Philosophy e também de uma série de anotações feitas em 1948 e 1949 e ainda de uma outra série de anotações redigidas em 1955 e em 1958 para o curso na Universi dade da Califórnia em Berkeley uma vez que o curso Sense and Sensibilia foi ministrado pela última vez em Oxford no segundo trimestre de 1959 4 Esta observação já se encontra na apresentação desses livros Ver o Preface to the First Edition de J O Urmson de 1962 e o Preface to the Second Edition de Marina Sbisà e J O Urmson de 1977 e também o Appendix desta mesma edição todos traduzidos na edição brasileira do How to do Things with Words ver nota 2 e o Prefácio de G J Warnock de novembro de 1960 traduzido na edição brasileira do Sense Sensibilia Estes quatro textos relatam a maneira cuidadosa com que foram reproduzidas as reflexões de Austin OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 125 Vejamos como Austin de maneira ao mesmo tempo cuidadosa e descontraída inicia os dois livros Nestas aulas vou discutir algumas doutrinas conhecidas a esta altura talvez nem tanto acerca da percepção sensível Receio que não cheguemos ao ponto de deci dir da verdade ou falsidade dessas doutrinas na verdade porém essa é uma ques tão que não pode ser decidida pois ocorre que todas essas teorias querem abarcar o mundo com as pernas Austin 1962b p7 O que tenho a dizer não é difícil nem polêmico O único mérito que gostaria de reivindicar para esta exposição é o fato de ser verdadeira pelo menos em parte O fenômeno a ser discutido é bastante difundido e óbvio e não pode ter passado desper cebido pelo menos em algumas instâncias Entretanto ainda não encontrei quem a ele tivesse se dedicado especificamente Austin 1962a p 21 Este jeito descontraído fun que Austin apresenta já no início de suas conferências é uma maneira engenhosa de levantar polêmicas e de deixar claro que nas suas discussões sobre a linguagem não estava preocupado como coloquei anteriormente com as fronteiras institucionais de suas técnicas e reflexões Não há fronteiras e nem linearidade no interior de sua própria obra5 do seu pensamento dificultando a delimitação certos con ceitos da sua obra fato este positivo e que vejo como uma postura polêmi ca e de indiscutível valor para as discussões sobre a linguagem Em muitos casos a delimitação desses conceitos só será possível através de uma lin güística descritiva lingüística esta que não incorporou a quebra de barrei ras filosóficas e lingüísticas proporcionadas por Austin Daí as diversas in terpretações que não conseguem delimitar e nem distinguir o conceito de performativo dos outros conceitos relacionados o ilocucionário e ato de fala 5 A obra completa de Austin que se conhece além do PerfomativoConstativo e dos livros How to do Things with words e Sense and Sensibilia que já foram citados é composta por Are There A Priori Concepts 1939 Other Minds 1946 Truth 1950 How to talk same simple ways 1953 A Plea for Excuses 1956 Ifs and Cans 1956 e Pretending 1958 papers que ele publicou em vida e mais Agathon and Eudaimonia in the Ethics of Aristotle 1936 The Meaning of a Word 1940 Unfair to Facts 1954 Performative Utterances 1956 Three Ways of Spilling Ink 1958 e The Line and the Cave in Platos Republic incluído na edição de 1979 do PhP textos reproduções reconstituições e transcrições de Austin que estão publicados no Philosophical Papers E ainda a tradução para o inglês da obra de G Frege Die Grundlagen Der Arithmetik Os Fundamentos da Aritmé tica 1884 publicada em 1950 e mais Critical Notice on J Lukasiewiczs Aristotles Syllogistic From the Standpoint of Modern Formal Logig in Mind 61 1952 Report on Analysis Problems nº 1 What sort of if is the if of I can if I choose in Analysis nº 1 2 1952 e Report on Analysis Problem nº 12 All Swams are white or black Does this Refer to Swans on Canals on Mars in Analysis nº 1 8 1958 126 DELTA 181 As discussões iniciais sobre a performatividade aparecem ligadas à dis cussão da certeza de se saber algo certeza sobre a qual Austin desenvolve toda uma argumentação que desemboca na crítica à falácia descritiva já que a linguagem não é puramente descritiva mesmo quando se diz eu sei Austin 1946 p38 Segundo ele há circunstâncias nas quais não descre vemos a ação mas a praticamos Com isto Austin descarta a possibilida de de se ver o performativo como um objeto lingüístico que possa ser anali sado empiricamente como qualquer objeto de natureza física Insisto no princípio de que Austin na sua argumentação desvinculou suas técnicas de qualquer fronteira entre o lingüístico e o filosófico possibilitando a quebra da distinção entre performativoconstativo a performatividade adquire então um estatuto único ao ser analisada no interior dos estudos da lin guagem A cisão sujeito e objeto não se sustenta mais numa visão performativa ela não possibilita estabelecer uma fronteira entre o eu e o não eu Esta característica na argumentação de Austin é o lugar de con fronto que possibilita redimensionar através da fusão de seus procedi mentos filosóficos e de suas técnicas de análise da linguagem ordinária de modo decisivo a relação sujeitoobjeto nos estudos da linguagem Quero dizer que a separação sujeitoobjeto que é característica funda mental de uma ciência da linguagem de base descritiva e formal foi com batida por Austin Podemos dizer que na visão performativa há inevita velmente uma fusão do sujeito e do seu objeto a fala por isso as dificulda des de uma análise empírica em torno do performativo além disso conce ber o performativo como um objeto de análise lingüística independente de uma concepção de sujeito está fadado neste caso ao fracasso Esta preocupação Austin procurou mostrar ao longo de sua obra a relação da fala com seu uso por um sujeito A fusão sujeito e objeto na análise da linguagem e conseqüentemente da linguagem ordinária pode ser verificada também a partir da análise que Austin fez sobre a sensação sobre a percepção humana que tratarei mais à frente Um acontecimento fundamental no pensamento austiniano é o fato de que após o abandono da distinção performativoconstativo cf Austin 1958 ele continua a empregar o performativo para denominar toda fala huma na É neste momento que há uma tensão na sua argumentação não há mais separação entre sujeito e objeto não há mais volta não há mais pos sibilidade de acordo com seus antecessores e opositores que analisam a OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 127 linguagem através somente de certas marcas lingüísticas6 Esta atitude da grande maioria dos estudiosos da linguagem se reflete de maneira estan que na análise dos atos de fala do ilocucionário e do performativo enquanto teorias independentes Há uma relação entre estes três conceitos no interi or da sua argumentação mas não se pode dizer que há de fato uma relação de complementaridade no sentido de um estar ligado ao outro de modo linear ou de um se definir pelo outro O que há é um desdobramento destes conceitos no interior da sua argumentação Há toda uma força his tórica no interior das discussões sobre a linguagem que justifica a análise e o aparecimento da performatividade num determinado momento7 Esse momento pode ser analisado através de um outro trabalho de Austin sobre a linguagem ordinária que questiona um postulado um monumento filosófico pouco combatido antes dos primeiro trabalhos dos filósofos analíticos as noções de verdade e falsidade Vejamos no seu artigo Truth de 1950 como ele colocava esta questão para ser realizado muitos enunciados que têm sido tomados como afirmações não são de fato descritivos nem susceptíveis de serem verdadeiros ou falsos Quando uma afirmação não é afir mação Quando é uma fórmula de um cálculo quando é um enunciado performatório performatory quando é um julgamento de valor quando é uma definição quando é parte de um trabalho de ficção há muitas sugestivas respostas É uma questão para ser decidida até quando podemos continuar denominando tais afirma ções de mascaradas simplesmente e como nós podemos amplamente estar preparados para estender o uso de verdadeiro e falso em diferentes sentidos p131 Ao questionar a categoria afirmação statement Austin também ques tiona o emprego das noções da verdade e de falsidade Esta atitude vai ser fundamental mais tarde ao afirmar no início do PerformativoConstativo que Podese muito beam fazer uma idéia do enunciado performativo termo sei disso que não existe na língua francesa nem em outros lugares Esta idéia foi introduzida para contrastar com a do enunciado declarativo ou melhor como chamarei constativo Eis aí o que questionarei Esta antítese performativoconstativo devemos aceitála O enunciado constativo tem sob o nome de afirmação tão querido dos filósofos a 6 Veremos mais à frente a posição de Emile Benveniste com relação à Subjetividade na linguagem e a sua severa crítica ao abandono da distinção performativoconstativo em Austin 7 Lyotard 1979 p18 associa a performatividade a Austin e a precisão de sentido que esta passa a ter depois dele A questão da performatividade vai de certo modo estar presente em algumas partes na reflexões de Lyotard neste livro contribuindo para a discussão de uma nova legitimação do saber pósmoderno 128 DELTA 181 propriedade de ser verdadeiro ou falso Ao contrário o enunciado performativo não pode jamais ser nem um nem outro tem sua própria função serve para realizar uma ação p111 À medida que Austin opõe num primeiro momento o enun ciadoconstativoaoperformativofazendo uma distinção entre o verdadeiro e o falso ele já tinha em mente todo o ataque que faria ao enunciado constativo Austin assume que nas afirmações é possível encontrar as propriedades verdadeiro ou falso e que estas propriedades não serão encontradas nos enun ciados performativos É interessante observar de que modo a questão da referência da relação linguagemmundo está presente na sua afirmação Nos enunciados constativos há filosoficamente um tipo de referência já nos enunciados performativos esta mesma noção filosófica não pode ser aplicada porque estes últimos segundo ele realizam uma ação e aqui a referência é de outro tipo Neste momento o performativo deve ser pensa do de outro modo Este performativo poderá ser feliz se for realizada a ação pretendida será infeliz se esta ação não se realizar As infelicidades mais específicas do performativo são a a nulidade ou sem efeito quando o autor não está em posição de efetuar tal ato quando não consegue formulando seu enunciado completar o ato pretendido b o abuso da fórmula falta de since ridade quando se diz eu prometo por exemplo sem ter a intenção de realizar a ação prometida c a quebra de compromisso quando se diz eu te desejo boas vindas por exemplo tratando no entanto o indivíduo como estranho Para Austin o ato de fala é composto de três partes três atos simultâ neos um ato locucionário que produz tanto os sons pertencentes a um vo cabulário quanto a articulação entre a sintaxe e a semântica lugar em que se dá a significação no sentido tradicional um ato ilocucionário que é o ato de realização de uma ação através de um enunciado por exemplo o ato de promessa que pode ser realizado por um enunciado que se inicie por eu prometo ou por outra realização por último umato perlocucionárioque é o ato que produz efeito sobre o interlocutor Através destes três atos Austin faz a distinção entre sentido e força já que o ato locucionário é a produção de sentido que se opõe à força do ato ilocucionário estes dois se distinguem do ato perlocucionário que é a produção de um efeito sobre o interlocutor Neste breve resumo das distinções no interior do ato de fala podemos perceber que a questão da referência é tratada de modo bastante diferente da noção mais tradicional que produz uma relação biunívoca entre linguagem e mundo Posso dizer eu prometo e produzir consciente ou inconsciente por exemplo uma ameaça ou seja não há mais lugar para fazer uma distinção entre sentido e significado das palavras quando se trata da performatividade OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 129 Retomando a questão da originalidade do pensamento de Austin um outro conceito é fundamental para a sua compreensão o de ação Ação8 para Austin tem um significado muito preciso pelo fato de ser um dos elementos constitutivos da performatividade Para ele a ação é uma atitu de independente de uma forma lingüística o performativo é o próprio ato de realização da falaação Se o performativo realiza uma ação através de um enunciado que é a realização de um ato de fala como chega Austin a desfazer a distinção proposta inicialmente entre o performativo e o constativo Segundo Austin há duas formas normais para a expressão do performativo 1 no início do enunciado há um verbo na primeira pessoa do singular no presente do indicativo na voz ativa por exemplo Eu te prometo que 2 há um verbo na voz passiva na segunda ou terceira pessoa do presente do indicativo esta é a forma encontrada sobretudo nos enunciados emitidos por escrito por exemplo os passageiros estão convidados a utilizar a passarela para atraves sar as pistas Ele chega à conclusão de que há outros performativos que não são expressos nestas formas normais como Feche a porta ou a palavra cão podendo ser explicitados por exemplo como Eu te ordeno que feche a porta e Previnoo que o cão vai atacar Para tentar responder à pergunta acima da quebra da distinção inicial entre o performativo e o constativo devemos voltar e rever o desdobramento dos atos de fala Os atos ilocucionários que são convencionais possibilitam a existência de enunciados performativos sem que seja possível identificar uma forma gramatical para eles ou seja são regras convencionais que dão con dições para que tal enunciado em tal situação seja ou não performativo realize ou não uma ação Daí Austin concluir que uma afirmação pode ser um performativo Podemos dizer que por detrás de cada afirmação há uma forma não explicitada de um performativo um performativo mascarado A explicitação desta forma gramatical será sempre a utilização da primeira pessoa do singular e do verbo no presente do indicativo Por exemplo se digo ele é um péssimo indivíduo isso pode dependendo do lugar em que está sendo dito ser interpretado de várias maneiras ter vários implí citos performativos Pode por exemplo ser explicitado como eu afirmo 8 As reflexões sobre a ação estão desenvolvidas no texto A Plea for Excuses 1956 de maneira exemplar ver principalmente pp17981 e 191Ver também sobre esta questão Felman 1980b e Sousa Filho 1984 1986 e1992 130 DELTA 181 que ele é um péssimo indivíduo ou eu imagino que ele é um péssimo indivíduo Um fato interessante de se observar é que para dar as condi ções de performatividade de um enunciado Austin identifica um enuncia do com um sujeito falante para que possa praticar uma ação Neste momento temos a afirmação o constativo ele é um péssimo indivíduo por exemplo no mesmo nível dos performativos e por isso podendo ser feliz ou infeliz As afirmações agora não só dizem sobre o mundo como fazem algo no mundo Não descrevem a ação praticamna Este salto que desfaz a distinção entre performativoconstativo produz uma visão de linguagem que não é mais idêntica à utilizada na distinção anterior entre o performativo e o constativo Esta visão produz como já foi dito uma virada brutal na questão da referência ou seja verdade e falsidade são conceitos que não terão mais um papel relevante nem prioritário para Austin A partir deste momento podemos falar de uma visão performativa na qual o sujeito não pode se desvincular de seu objeto fala e conseqüen temente não é possível analisar este objeto fala desvinculado do sujeito Certas discussões das reflexões austinianas sobre a performatividade geram muitos tensões e impasses Quero dizer que há uma questão funda mental envolvendo a performatividade à qual teorias dos atos de fala não proporcionaram um melhor entendimento já que estas teorias pressupõem e defendem concepções de linguagem diferentes daquela subjacente às idéias de Austin já que o que aparece no interior destas reflexões procuram sepa rar a lingüística da filosofia por isso acho importante relembrar mais uma vez a afirmação de Austin de que não há fronteira lingüística ou filosófica quando se trata de analisar a linguagem ordinária É a partir desta postura vou resumidamente analisar uma polêmica que envolve di retamente essa questão Essa polêmica tem uma especificidade a de evidenciar a dura reação de Benveniste 1963 às propostas à argumentação de Austin Para Benveniste há uma divisão muito nítida entre a filosofia analítica e a lin güística quanto à questão da performatividade O fenômeno da performatividade segundo Benveniste pode favorecer um bom relaciona mento entre estas duas áreas que estudam a linguagem se cada uma deli mitar claramente o que pretende analisar deste fenômeno Esta é justa mente a postura que a performatividade austiniana não proporciona Benveniste julga necessário manter a distinção performativoconstativo segundo ele há critérios formais que legitimam esta divisão Esta tensão OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 131 coloca então um impasse insolúvel Mas é a performatividade que serve tanto como fator de aproximação para Benveniste criticar Austin quanto de distanciamento de discordância entre os dois Podemos nos perguntar que fatores envolvem a performatividade que põem em confronto duas visões tão distintas de linguagem A performatividade serve como uma espécie de espelho através do qual Benveniste 1958 procura refletir sua própria concepção de lingua gem que está presente na sua concepção da subjetividade na linguagem e que cuja abordagem teórica é bastante distinta daquela utilizada por Austin não admite que possa haver subjacente às reflexões sobre a performatividade de Austin uma outra visão de linguagem Quero dizer que Benveniste fica no nível do enunciado do lingüístico e não faz referências ao processo de elaboração da performatividade no interior da argumentação de Austin sua abordagem se utiliza da performatividade de maneira estanque Austin utilizase de enunciados performativos da linguagem ordinária para argu mentar para elaborar uma nova visão da linguagem enquanto que Benveniste utilizase de enunciados performativos como exemplos como dados empíricos para fortalecer uma abordagem específica da linguagem neste caso a da subjetividade Podemos dizer que os conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário são analisados de maneiras tão diferentes e divergentes quantas são as te orias que estudam a linguagem Estes conceitos sofrem constantes redefinições e a flexibilidade teórica para muitos estudiosos que traba lham com a linguagem serve mais para eles explorarem suas próprias áre as de pesquisa do que discutir as reflexões de Austin9 9 As reflexões sobre a linguagem envolvendo a questão da performatividade é muito ampla por exemplo como John Searle John Ross George Lakoff Jerrold Sadock Oswald Ducrot François Récanati Michel Foulcault Danilo Marcondes de Souza Filho Marina Sbisà Shoshana Felman Marike Finlay Stephen Levinson Através da análise desses autores procurei responder as seguintes questões Como puderam as propostas austinianas ser utilizadas pela lingüística gerativa como querem Sadock Lakoff e Ross e do mesmo modo ser tão próximas de uma teoria psicanalítica como quer Felman Ou ainda como foram utilizadas pela filosofia com Searle possibilitando uma análise lógica da linguagem humana e com Souza Filho possibilitando uma abordagem ideo lógica da sociedade Como pôde Ducrot legitimar sua noção de pressuposição partindo do ato ilocucionário Qual é o ato de fala subjacente às discussões específicas sobre a enunciação feitas por Foucault e Sbisà Como as reflexões de Austin geraram as posições críticas de Récanati Finlay e Levinson Estas tentativas de respostas estão analisadas no terceiro capítulo de minha tese de douto rado cf Ottoni 1990a Capítulo não incluído no livro Visão Performativa da Linguagem 132 DELTA 181 Dito de outro modo a possibilidade de com esses conceitos se discu tir questões ligadas às várias teorias que estudam a linguagem é profunda mente enriquecedora mas esta atitude deve ser vista com uma certa cau tela porque pode fugir demasiadamente da proposta austiniana Acredito que a riqueza contida nos conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário é originária das discussões que Austin desenvolveu sobretudo com relação à performatividade Por um lado as teorias baseadas nestes conceitos não devem deixar de lado a performatividade já que é em torno deste acontecimento que se produzem divergências marcantes por outro Austin não formalizou estes conceitos a ponto de se poder identificálos no inte rior de uma teoria Por que teorias dos atos de fala produzem tantos desentendimentos com relação à performatividade Uma resposta breve e simples seria dizer que as teorias dos atos de fala performativo e ilocucionário não levam em conta o que venho chamando de visão performativa Esta rápida resposta justifica também que ao longo destes anos uma enorme quantidade de trabalhos tenha sido produzida e divergências tão profundas tenham apa recido e apareçam a cada dia na discussão dos atos de fala do performativo e do ilocucionário Como pode uma reflexão sobre a linguagem ser tão abrangente Esta amplitude de questões por um lado pressupõe que se for possível uma só resposta esta deverá ser suficientemente ampla para abranger os diver gentes interesses teóricos por outro lado esta diversidade de aborda gem das propostas austinianas de certo modo aproxima as várias áreas que estudam e analisam a linguagem Portanto deve haver algo subjacente às reflexões de Austin que dê conta desta amplitude Parto do princípio de que esta amplitude se deve a três fatores interligados de modo muito específico Inicialmente há uma maneira especial de encarar o rela cionamento dos conceitos de ato de fala performativo e ilocucionário já que Austin não fez uma análise global e nem um desdobramento sistematiza do destes três conceitos Em seguida a relação destes conceitos pode dar conta de uma doutrina geral de que fala Austin mas partindo de uma visão performativa e finalmente podemos dizer que esta visão performativa mantém certas relações com a percepção humana isto é há subjacente à doutrina ao mesmo tempo completa e geral da linguagem cf 1958 p121 para a qual Austin chamava a atenção algumas aproximações com o fenômeno da percepção humana Estes três fatores mostram a abrangência e a comple OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 133 xidade das reflexões austinianas e podem servir para discutir e explicar ao mesmo tempo as abordagens diferentes conflitantes e contraditórios das propostas de Austin Em Royaumont respondendo a uma pergunta que colocava a possibi lidade de haver uma lógica formal dos enunciados performativos Austin 1958 comenta Pode haver uma lógica formal dos enunciados performativos Seria tentado a dizer sim Mas com esta reserva todavia penso que seria preciso que estejamos muito seguros de saber o que entendemos por enunciados performativos o que supõe de antemão um inventário muita mais detalhado e minucioso que este que indiquei brevemente na minha exposição Neste caso e neste caso somente em posse de um inventário e de uma definição poderemos em caso de necessidade encarar a formalização de uma lógica dos enunciados performativos ou ao menos em certos tipos ou famílias de expressões deste gênero E ainda teríamos um trabalho conside rável para desenvolver antes de chegar a alguma coisa de utilizável sobre certos pontos p144 O conceito de ato de fala sofre tentativas de formalização dentro de uma teoria uma vez que Austin no seu texto PerformativoConstativo ao falar do ato de fala em duas passagens lembra sempre a necessidade de encarálo como algo mais geral como uma doutrina que dê conta do que se faz ao dizer alguma coisa Também no início na última conferência 1962a p148 ele faz a seguinte afirmação O ato de fala total na situação de fala total é o único fenômeno que em última instância estamos procurando elucidar p148 Destaco este fato para lembrar que não é por acaso que Austin relaciona o ato de fala ao ato de fala total na situação de fala total para o momento ainda a ser revelado Deste modo podemos dizer que há uma ordem que não aparece por acaso Há o performativo que é o fenômeno central seguido de um desdobramento através do ilocucionário e finalmen te o ato de fala total como algo a ser desvendado Há segundo Austin três maneiras de distinguir o ato ilocucionário do perlocucionário assegurar sua apreensão securing uptake tem efeito taking effect e levam a uma resposta ou seqüela inviting a response 1962a p100 Destas três a primeira é a mais importante uma vez que com o uptake 10 fica mais claro que a referência que vai estar diretamente ligada ao mo 10 Souza Filho traduziu o termo uptake por apreensão Utilizo o termo uptake em inglês por considerar a sua significação mais abrangente e mais consistente do que o termo em português 134 DELTA 181 mento da enunciação não se dá mais ao nível constativo da linguagem mas numa concepção performativa ou seja no momento em que há o reconhecimento entre os interlocutores de que algo está assegurado de que o objetivo ilocucionário foi realizado através de sua força O uptake en quanto uma relação entre interlocutores por meio da linguagem está pró ximo do jogo de linguagem já que não há regras nem critérios formais definitivos que possam descrevêlo Austin comenta Assim a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão uptake p100 E mais à frente afirma a referência depende do conhecimento que se tem ao emitir o proferimento utterance cf p119 Esta nova noção de referência tem que passar pelo eu para se constituir como linguagem para realizar uma ação Uma das características importantes da reflexão sobre a perfor matividade é então a questão do eusujeito e a sua relação com o uptake 11 que estabelece uma nova concepção de referência e de intencionalidade O eu aparece nas reflexões austinianas como uma entidade extralingüística isto é um sujeito que pode empiricamente casar batizar um navio etc realizando um ato de fala mas somente se for o sujeito adequado para isto o ato em si de fala não é ele sozinho suficiente para realizar esta ação Em seguida este eu passa a se fundir com a lingua gem a fazer parte integrante dela O eu expresso através do pronome sujeito do presente do indicativo ao falar realiza uma ação por intermédio do ato de fala este eu é agora qualquer sujeito no mundo Para Austin qualquer enunciado tem implicitamente um sujeito um eu que produz a fala o significado depende do sujeito e do momento da sua enunciação Austin parte de um eu com a linguagem e chega a um eu na lingua gem e da linguagem O eu não tem sozinho o domínio da significação ele se constitui no momento de sua enunciação na interlocução Para este controle do significado Austin utiliza o conceito de uptake O eu não deve mais ser confundido com o sujeito falante empírico uma vez que é só através do uptake que se constitui o sujeito Uma das dificuldades de compreensão deste momento crítico da pro posta de Austin está localizada na questão da intencionalidade e sua rela ção com a significação Não é possível mais 1962a p95102 falar de 11 Ver também sobre esta questão Rajangopalan 1990a OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 135 uma intenção do sujeito falante já que esta intenção não é e não pode ser mais unilateral Austin com a noção de uptake subverte a sua própria teoria até então calcada no papel centralizador do sujeito falante Com relação a importância que desempenha o uptake na sua argumen tação podemos dizer que em qualquer situação de fala não há um contro le do sujeito falante sobre sua intenção já que ela se realiza juntamente e através do uptake com seu interlocutor O uptake é então uma condição necessária do próprio ato de fala e é ele que produz o ato Nunca deixare mos de atribuir uma intencionalidade num ato físico uma vez que este não poderá ser isolado de uma intenção já que pode haver situações ines peradas nãotencionadas pelo sujeito É através do uptake que há um descentramento do papel do sujeito falante Deste modo podemos dizer que o uptake numa versão branda é o lugar onde se complementam o eu e o tu onde se assegura a fala12 Numa versão mais forte o uptake é o lugar do desmantelamento da intenção o caminho próprio da desconstrução Num caminho oposto ao que expus John Searle 1973 faz uma leitu ra única da obra de Austin Ele produz uma descrição lógica do ato de fala criando a fórmula Fp que representa as tradicionais noções de verdade e falsidade sendo que F representa a força ilocucionária e p o conteúdo proposicional Searle deixa de lado assim o que considero a contribuição mais importante de Austin que foi abrir um campo de reflexão não centrado apenas numa abordagem formalista ou positiva da linguagem Com a noção de uptake se estabelece entre os dois uma distância e uma discordância bastante significativa Searle de certo modo pretende ser fiel a Austin mas não percebe o efeito corrosivo que a noção de uptake provocou nas reflexões austinianas sobre os atos de fala O papel de Searle é ambíguo se por um lado ele tem o mérito de ter introduzido as idéias de Austin no interior das discussões da ciência lingüística por outro podemos dizer que ele descaracterizou demasiadamente estas idéias desvirtuandoas de ma neira definitiva Searle enquanto filósofo da linguagem é considerado apesar das diferenças o sucessor de Austin por ter desenvolvido nestes 12 Podemos fazer de certo modo uma aproximação um paralelo entre a noção de uptake na versão mais branda relacionando ao fato de que por exemplo se assino um documento este só terá validade na medida em que minha assinatura for identificada reconhecida como sendo minha pelo outro Portanto minha assinatura tem que ser iterável para poder ser identificada pelo outro 136 DELTA 181 últimos trinta anos uma teoria dos atos de fala Na realidade o caráter inovador das propostas de Austin como tenho insistido proporciona ine gavelmente várias interpretações e a de Searle é apenas uma delas Muitos estudiosos dada a influência searliana ao tratar dos atos de fala e do ilocucionário não percebem a diferença entre Searle e Austin não fazendo distinções entre eles o que deve ser encarado com uma certa cautela por comprometer profundamente as reflexões de Austin Voltando à questão da subversão que se opera no pensamento austiniano a partir do conceito de uptake tornase pertinente aproximar esta questão do que Felman 1980a afirma ou seja de que não há uma simetria perfei ta entre sentido e referência e nem entre enunciado e enunciação em Austin mas ao contrário é da assimetria que procede o pensamento de Austin do excesso daenunciação em relação aoenunciadoda força da enunciação como um resto referencial do enunciado e do sentido p108 O que em última instância significa que esta assimetria rompe com a intenção isto é não dá conta exata simétrica entre a intenção do sujeito falante e a do seu interlocutor contrariamente ao que pensa Searle Esta não exata simetria é o lugar das situações inesperadas nãotencionadas inconscientes indis pensáveis para que se constitua um eusujeito Não há uma lógica no sentido transcendental do termo que possa identificar o sujeito a não ser através da ação da sua fala da sua performatividade A argumentação minuciosa e detalhada do livro Sense Sensibilia mostra mais uma vez a originalidade e a maneira pela qual Austin rompe com a filosofia de sua época ao estabelece relações entre a linguagem e a percepção humana e como elas contribuem para a visão performativa Neste livro ele chama a atenção para um exemplo de Wittgenstein no qual uma imagem ou um diagrama pode ser concebido de maneira especial de modo que pode ser visto de várias maneiras como um pato ou um coelho como uma figura convexa ou como uma figura côncava13 ou ainda de qual quer outro modo e afirma que Diferentes maneiras de dizer o que se vê serão com bastante freqüência devidas não apenas a diferenças de conhecimento sutilezas de discernimento disposição a correr riscos ou interesse por este ou aquele aspecto da situação total podem deverse ao fato de que aquilo que se vê é visto diferentemente 13 Os trabalhos gráficos de Maurits Cornelis Escher 18981972 exemplificam em parte esta posição onde uma figura está tão intrinsecamente associada à outra que ao mesmo tempo que sugere surge de uma outra e nunca se sabe qual o limite entre estas figuras OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 137 visto de uma maneira diferente visto mais como isto do que como aquilo E às vezes não existirá uma maneira certa de dizer o que se vê pela razão adicional de que talvez não exista uma única maneira certa de vêlo 1962b p135 Austin está dizendo que na descrição do que se vê está presente uma das várias maneiras do que foi visto e não pode ser a correta já que há várias maneiras de ver e conseqüentemente de descrevêlas isto nos remete ao conceito deuptake Em outras duas passagens Austin coloca a questão da referência de modo semelhante ao que desenvolve no How to do Things with Words Ele comenta que se tomarmos uma boa parte de frases impecavelmente bem formadas numa ou outra língua não vem ao caso classificálas como frases verdadeiras ou frases falsas pois deixando de fora os chamados enuncia dos analíticos a questão da verdade ou falsidade não depende somente de saber o que é uma frase nem mesmo do que significa mas falando de modo geral das circunstâncias em que se deu seu enunciado Enquanto tais as frases não são verdadeiras ou falsas 1962b p147 Em seguida afirma que se vejo um homem atirar em outro posso oferecer meu depoimento evidence como teste munha ocular às pessoas que não se achavam tão bem colocadas como eu mas não tenho evidências para a minha afirmação de que houve um disparo de que re almente o vi De novo então verificase de que devemos levar em conta não apenas as palavras usadas mas a situação em que são usadas 1962b p152 Verificamos aqui a relação entre a referência e a percepção uma vez que a maneira de se ver mantém relações com as circunstâncias que envol vem a enunciação Podemos dizer assim que o sujeito vai se constituir não somente através das palavras mas também das circunstâncias nas quais elas são empregadas Dito de outro modo numa versão mais forte da visão performativa o que vai importar não é o que o enunciado ou as palavras significam mas as circunstâncias de sua enunciação a força que ela tem e o efeito que ela provoca Volto a dizer que as reflexões de Austin estão mais distantes de favore cer uma abordagem positivista no universo empiricista da ciência lingüís tica e da filosofia tradicional Para um entendimento de Austin temos que ultrapassar as barreiras destas duas disciplinas e utilizar outras áreas de estudo que nos permitam ter produzir segundo ele uma doutrina uma teoria geral e completa que dê conta do que se faz ao dizer alguma coisa isto é do que ele chamou de ato da fala Com isto ele não estaria querendo 138 DELTA 181 dizer que a relação entre ver perceber o mundo e dizer sobre o mundo é um fator decisivo para esta doutrina geral doutrina esta que rompe com as distinções entre linguagem e corpo e sujeito e objeto Austin soube como ninguém discutir ao mesmo tempo a linguagem humana e o humano como ninguém mostrou que a linguagem não se distancia do humano do corpo e de maneira exemplar mostrou como o corpo e a linguagem se fundem Temos então o encontro entre o sujeito e o objeto entre o corpo e a linguagem e conseqüentemente a grande dificuldade de se estabelecer parâmetros positivos para identificação e para análise do fenômeno da performatividade A sua intuição e o seu desejo de romper com a postura tradicional frente à linguagem falou mais alto que sua postura científica ou até lógica atitude que ele tinha como escolha É questionável esta tendência em fazer uma aproximação empírica e positivista que em mui tos casos é imposta às reflexões austinianas uma vez que ele procurou fazer justamente o contrário apesar das insistências de vários de seus co mentaristas14 Rajagopalan 1990b comenta que não é de se estranhar que Austin de fato compartilhasse com Frege a tese central deste grande gênio de que é o sentido que determina a referência e não o contrário E continua Trocando em miúdos é possível sustentar que o trabalho de Austin ao mesmo tempo em que evidencia sinais de franco descompasso com a linha logicista traçada por Frege constituise em uma continuação do projeto fregeano muito além é claro do vislumbrado pelo ilustre antecessor alemão cuja obraprima lembrese foi o próprio Austin quem traduziu para o idioma inglês Ora tudo isso nos dá uma nova perspectiva para encarar a leitura desconstrutiva que Derrida faz da própria obra de Austin perseguição implacável da meta austiniana além do ponto efetivamente alcançado pelo próprio Austin Ou seja se Austin faz uma leitura fregueana de Frege Derrida 1972 mostra como é relativamente fácil fazer uma leitura austiniana de Austin mos trando ao texto de Austin o seu ponto cego o momento crítico onde o autor demonstra sinais de não querer cumprir sua promessa e opta por não ver as consequências mais lógicas do seu próprio projeto O mérito de Derrida consiste 14 A título de exemplo é bom dizer que além dos textos até agora citados temos Black 1969 Fingarette 1967 Forgunson 1969b Sesonske 1965 e Warnock 1973 entre muitos outros que discutem o Performativo de maneiras muito distintas mas sempre preocupados em tentar identificar e às vezes justificar em Austin um certo descompasso e até uma certa irreverência entre sua postura como investigador e suas intuições Este descompasso é justamente o que considero hoje uma das características fundamentais de suas reflexões OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 139 justamente em mostrar a fragilidade do empreendimento estruturalista com o qual a filosofia analítica tem a despeito das aparências ao contrário ligações estreitas cf Norris 1984 Quem tematiza tal fragilidade é Richard Rorty 1982 para quem o pragmaticismo está caminhando sem retorno exatamente em direção a um desmorona mento até chegar a tal ponto em que segundo este autor a atividade filosófica deve se desembaraçar de vez de toda a sua aspiração emancipatória para começar a cultivar uma espécie de quem sabe niilismo ativo no dizer de Lyotard pp 245247 Este comentário sugere uma série de questões muito importantes na medida em que coloca em xeque grande parte do empreendimento austiniano enquanto uma postura inovadora e única na história da filosofia e da lingüística contemporânea Que se possa fazer uma leitura desconstrutivista de não importa qual seja o texto e se chegar a uma posi ção crítica que justifique essa leitura é fundamental para o entendimento das reflexões de Austin como faz Derrida citado por Rajagopalan no comentário acima mas o que não concordo é com a generalização desta afirmação Considerando que o pensamento de Austin não é uniforme há uma técnica que se repete em alguns textos mas não é uma característica que pode ser tomada em termos absolutos Rajagopalan afirma que Austin opta por não ver as conseqüências mais lógicas do seu próprio projeto Na verdade essa opção se baseia no fato de sua obra se caracterizar por pontos críticos dos quais ele tinha consciência dado o seu rompimento o seu mo mento de transição nos estudos da linguagem por isso não considero fácil fazer uma leitura austiniana de Austin Austin questionou e mostrou o ponto crítico da filosofia tradicional através de suas técnicas de análise da linguagem ordinária fazendo um questionamento da atuação de uma ciência lingüística empírica e de uma filosofia tradicional Ao romper com uma visão positivista da linguagem teve que partir de certas influências e pressupostos para poder dialo gar para falar com seus opositores o seu oposto E é justamente neste ponto que Derrida15 se aproxima de Austin e o desconstrói Aceito a proposta desconstrutivista para um momento específico um estágio do pensamento austiniano como faz Derrida Daí generalizar este momento crítico para toda a reflexão de Austin considero uma postura um tanto apressada como faz Norris na citação acima ao identificar a filosofia analítica com o estruturalismo Austin enquanto um filósofo analítico inglês tem um projeto sobre a linguagem que vai além do projeto wittigensteiniano como afirmei no 15 Sobre as semelhanças e as diferenças entre Austin e Derrida ver Ottoni 1997 140 DELTA 181 início já que as reflexões de Austin atingem várias áreas de estudo da linguagem enquanto que Wittgenstein fica restrito a um mundo filosó fico na tentativa de dar conta deste mundo É inegável que haja algumas semelhanças entre Wittgenstein e Austin Entretanto podemos fazer uma distinção entre eles que está próxima à distinção que Ruby 1990 faz entre os pósmodernos e os neomodernos Estes por sua vez dentro os quais se localiza Wittgenstein procuram recuperar uma modernidade inacabada modernité inachevée identificandose com a universalidade e a razão mo derna pp151154 Aqueles no qual incluo Austin rompem com uma cultura anterior a moderna eles não se apóiam numa cultura conserva dora já que a pósmodernidade se fecha num pensamento e numa atividade que não consistem em nada mais do que um desarranjo da modernidade p17 A visão performativa que reflete a amplitude do pensamento austiniano é de certo modo uma postura pósmoderna frente à linguagem e que pode ser tomada de duas maneiras numa primeira podemos dizer que as reflexões de Austin estão presentes num momento histórico do surgimento da pósmodernidade dialogando com ele numa segunda o que vai carac terizar a pósmodernidade de Austin é a ruptura a reviravolta seachange inevitável que seu pensamento proporcionou Lyotard 1979 faz a seguinte crítica à filosofia positivista da eficiên cia A expansão da ciência não se faz graças ao positivismo da eficiência É o contrário trabalhar na prova é pesquisar e inventar o contraexemplo isto é o ininteligível trabalhar na argumentação é pesquisar o paradoxo e legitimálo com novas regras do jogo de raciocínio o traço surpreendente do saber pós moderno é a imanência assim mesmo mas explícita do discurso sobre as regras que o legitimam pp99100 Esta afirmação pode servir para exemplificar a instabilidade teórica que a argumentação austiniana provoca por um lado na ciência lingüística de base descritiva e formal e como então a visão performativa pode desorganizar esta ciência por outro na filosofia a necessidade de se repensar a eficiência positiva que procura desenvolver os aspectos empíricos e lógicos do performativo Concluindo diria que Austin não surge por acaso ele é o portavoz de todo um processo planejado pela história para se tornar a figura mais impor tante desse processo Austin deixou um espaço conflitante no seu raciocínio que é inerente ao inovador e que o destino não por acaso proporcionou Email ottonixhotmailcom Recebido em julho de 2001 OTTONI JOHN LANGSHAW AUSTIN E A VISÃO PERFORMATIVA DA LINGUAGEM 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSTIN J L 1946 Other Minds Philosophical Papers 76116 Traduzido por Marcelo Guimarães da Silva Lima Outras Mentes In Os Pensa dores 4ª ed São Paulo Nova Cultural 1989 2147 1950 Truth Philosophical Papers 117133 1956 A Plea for Excuses Philosophical Papers 175204 1958 PerformatifConstatif La Philosophie Analitique Cahiers de Royaumont 271304 Tradução de Paulo Ottoni Performativo Constativo In Ottoni 1998 Visão Performativa da Linguagem 111144 1961 Philosophical Papers Oxford University Press 1962a How to do things with words Harvard University Press Tra duzido por Danilo Marcondes de Souza Filho Quando Dizer é Fazer Palavras e Ação Porto Alegre Artes Médicas 1990 1962b Sense and Sensibilia Oxford at the Clarendon Press Tra duzido por Armando Manuel Moura de Oliveira Sentido e Percepção São Paulo Martins Fontes 1993 BENVENISTE E 1958 De la Subjectivité dans le langage In Problèmes de Linguistique Générale I Paris Editions Gallimard Tradução de 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