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Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 A COMUNIDADE DE FALA NA SOCIOLINGÜÍSTICA LABOVIANA ALGUMAS REFLEXÕES Cristine Gorski Severo 1 RESUMO Objetivase expor e discutir a noção laboviana de comunidade de fala especialmente quanto às idéias de homogeneidade e de heterogeneidade Acreditase que a comunidade de fala é essencialmente heterogênea o que leva o pesquisador a valorizar pesquisas que se fundamentem em níveis micro de análise as quais possuem como lócus de estudo as redes sociais e as comunidades de prática por exemplo Esse interesse pela dimensão micro de pesquisa tende a favorecer reflexões críticas sobre a relação entre identidade língua e sociedade PALAVRASCHAVE comunidade de fala homogeneidade heterogeneidade ABSTRACT We aim to describe and discuss the labovian notion of speech community specially in relation to the aspects of homogeneity and heterogeneity We believe that the speech community is essentially heterogeneous which leads the researcher to value the research that is based on micro levels of analysis which has as locus of study the social networks and the communities of practice for instance This interest for the micro dimension of research tends to favor critical reflection on the relation between identity language and society KEYWORDS speech community homogeneity heterogeneity Introdução Pretendese expor e analisar a noção laboviana de comunidade de fala Tal noção se fundamenta em dois aspectos nas atitudes dos falantes em relação à língua e nas regras gramaticais que eles compartilham A partir desses dois aspectos indagase em que medida a comunidade de fala seria homogênea ou heterogênea questionase nesse artigo a idéia de homogeneidade dado que os indivíduos não são iguais tendem a ter avaliações diferentes sobre a língua já que circulam por uma variedade de esferas e grupos sociais o que favorece a diversidade de atitudes sobre a língua Com isso notase que sendo a comunidade de fala essencialmente heterogênea como se defende neste artigo o procedimento metodológico para o estudo da variaçãomudança pautado em 1 Doutoranda em Lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina Tratase de trabalho inédito Email crisgorskihotmailcom Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 uma noção homogênea de comunidade de fala passa a ser posto em xeque Para lidar com a heterogeneidade de uma comunidade pesquisas focadas nas redes sociais e nas comunidades de prática têm se voltado para um nível micro de análise em contraposição ao nível macro da comunidade de fala o que favorece por conseqüência reflexões sobre o papel dos indivíduossujeitos no processo de variaçãomudança e a relação entre identidade língua e sociedade Sucintamente um pequeno histórico da noção de comunidade de fala mostra que a elaboração desse conceito nas pesquisas sociolingüísticas data da década de 1960 PATRICK 2004 Gumperz 1996 p 362 ressalta que o início da sociolingüística moderna é marcado pelo reconhecimento de que a correlação entre aspectos lingüísticos e forças sociais e políticas deve considerar a comunidade de fala tida como o ponto inicial da análise ao invés do foco em línguas ou dialetos2 Portanto para a sociolingüística a comunidade de fala e não o indivíduo ou a língua é a unidade de estudo Diversos autores se referem à dificuldade de conceituação de comunidade de fala MILROY 1982 ROMAINE 1982 FIGUEROA 1994 HUDSON 1996 PAGOTTO 2004 PATRICK 2004 entre outros o que gera múltiplas definições centradas em diferentes aspectos lingüísticos sociais socioculturais e psicológicos Dell Hymes 1972 por exemplo define comunidade de fala como uma comunidade que compartilha regras para a conduta e interpretação da fala e regras para a interpretação de pelo menos uma variedade lingüística Ambas as condições são necessárias3 apud FIGUEROA 1994 p57 Hymes prioriza aspectos sociais em detrimento de lingüísticos na delimitação do conceito defende a heterogeneidade da comunidade de fala e admite que um indivíduo pode participar de diferentes comunidades de fala o que torna a relação entre indivíduo e comunidade de fala bastante fluida FIGUEROA 1994 2 as the analytical starting point rather than focusing on languages or dialects as such As traduções no decorrer do texto são de minha responsabilidade 3 a community sharing rules for the conduct and interpretation of speech and rules for the interpretation of as least one linguistic variety Both conditions are necessary Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 Similarmente Gumperz 1996 aponta para a diversidade própria da comunidade de fala uma vez que esta se constitui por uma variedade de redes de socialização às quais se associam padrões de uso e interpretação lingüísticos Contudo o lingüista reforça o papel das redes sociais como unidades de análise ao invés da comunidade de fala se os significados residem em práticas interpretativas e essas se localizam em redes sociais nas quais o indivíduo está socializado então as unidades cultura e língua não são as nações os grupos étnicos ou algo parecido ao invés são redes de indivíduos em interação4 1996 p 11 Além dos aspectos sociais envolvidos na delimitação da unidade de análise a conceituação da comunidade de fala também recai sobre aspectos individuais Em outras palavras o sujeito pode conscientemente escolher o grupo com o qual se identificar Tal enfoque se evidencia tanto nos escritos de Le Page 1968 quanto nos de Wardhaugh 2002 De acordo com Le Page apud HUDSON 1996 LABOV 2001 Cada indivíduo cria o sistema para seu comportamento verbal de forma que ele possa se parecer com aqueles do grupo ou grupos com os qual quais de tempos em tempos ele possa querer se identificar na extensão em que a ele possa identificar os grupos b ele tenha tanto oportunidade como habilidade em observar e analisar seus sistemas comportamentais c sua motivação é suficientemente forte para impelilo à escolha e para adaptar seu comportamento de acordo d ele seja capaz de adaptar seu comportamento5 p 27 Também Wardhaugh acredita que o indivíduo pode pertencer a diversas comunidades de fala identificandose com uma ou outra conforme as circunstâncias Nesta perspectiva há uma relação entre o processo identificatório 4 if meaning resides in interpretative practices and these are located in the social networks one is socialized in then the culture and language bearing units are not nations ethnic groups or the like but rather networks of interacting individuals 5 Each individual crates the system for his verbal behavior so that they shall resemble those of the group or groups with which time to time he may wish to be identified to the extent that a he can identify the groups b he has both opportunity and ability to observe and analyse their behavioral systems c his motivation is sufficiently strong to impel him to choose and to adapt his behavior accordingly d he is able to adapt his behavior Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 e a comunidade de fala sendo esta considerada fluida e dinâmica O lingüista assume a abordagem de Bolinger apud WARDHAUGH 2002 segundo a qual não há limite para as formas pelas quais os seres humanos se ligam uns aos outros em nome de identificação segurança ganho divertimento adoração ou por qualquer outro propósito que seja compartilhado conseqüentemente não há limites para o número e para a variedade de comunidades de fala que podem ser encontrados em uma sociedade p 124 O fato de que as identidades não são estáticas e que os sujeitos estão em constante processo de identificação dificulta o processo metodológico de delimitação e sistematização da comunidade de fala e conseqüentemente da realização de uma pesquisa com enfoque amplo sobre o fenômeno da variação Guy 20016 por sua vez considera que a comunidade de fala se constitui a partir de três critérios i os falantes devem compartilhar traços lingüísticos que sejam diferentes de outros grupos ii devem ter uma freqüência de comunicação alta entre si e iii devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da linguagem Para o lingüista os limites entre uma comunidade de fala e outra devem ser vistos em termos de diferenças gramaticais e não simplesmente diferenças na freqüência de uso de determinada variável Em outras palavras Guy acredita haver i diferenças de freqüência em diferentes comunidades de fala sendo que o efeito de contexto7 permanece semelhante ii diferenças em termos do efeito de contexto observado através de resultados estatísticos traduzidos em pesos relativos entre as comunidades o que determinaria diferenças estruturais ao invés de diferenças simplesmente quantitativas Guy trabalha com a seguinte hipótese em assuntos de variação diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais ou seja diferenças em efeitos contextuais Ao mesmo tempo diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza nãogramatical ou 6 Esta noção foi discutida anteriormente por Severo 2004 7 Entendese por efeito de contexto a influência exercida por algum tipo de fator lingüístico que atua como condicionante do uso de determinada variante como por exemplo o efeito do fator verbo no grupo de fatores classe de palavras sobre o apagamento do r O efeito de contexto é avaliado através de pesos relativos Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 seja diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável 2001 p 8 O que se percebe é que o conceito de comunidade de fala tão caro à sociolingüística se articula em torno de diferentes aspectos como os sociais Dell Hymes e Gumperz psicológicosidentificatórios La Page e Wardhaugh e lingüísticos Guy Ademais vale ressaltar a opinião de Hudson 1996 p 30 de que é possível que as comunidades de fala não existam na sociedade a menos como protótipos na mente das pessoas e neste caso a busca de uma definição verdadeira de comunidade de fala não passa de uma perseguição inútil8 A seguir passo a tratar da noção laboviana de comunidade de fala 1 A conceituação laboviana Para Labov 1972 a definição de língua deve levar em conta necessariamente o contexto social o que implica atribuir à língua uma função comunicativa E é enquanto um sistema evolutivo e heterogêneo9 que a língua como estrutura com seus aspectos fonológicos morfológicos sintáticos e semânticos deve ser analisada sem ser desvinculada do contexto social de uma certa comunidade de fala Dessa maneira o objeto da lingüística deve ser o instrumento de comunicação utilizado pela comunidade de fala p 187 considerandose que pressões sociais estão continuamente operando sobre a língua10 p 03 Estando clara a vinculação entre língua e comunidade de fala resta averiguar quais seriam as fronteiras que delimitariam o pertencimento de um 8 it is possible that speech communities do not really exist in society except as prototypes in the minds of people in which case the search for the true definition of speech community is just a wild goose chase 9 Na fala de Labov 1972 uma vez que tenhamos dissolvido a associação entre estrutura e homogeneidade estaremos livres para desenvolver as ferramentas formais necessárias para lidar com a variação herdada dentro de uma comunidade de fala p 204 10 social pressures are continually operating upon language Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 indivíduo a uma certa comunidade de fala e não a outra Labov considera que as fronteiras são postas mediante dois aspectos um deles no nível consciente e outro no inconsciente Quanto ao nível consciente os falantes compartilham atitudes e valores semelhantes em relação à língua já que a comunidade de fala é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relação à língua11 LABOV 1972 p 158 Tais normas são apreendidas pelo pesquisador mediante o valor que os falantes de uma certa comunidade de fala atribuem a elas sendo que normalmente ao grupo de prestígio cuja fala é dominante na escola no trabalho na mídia etc são vinculados valores positivos Segundo Labov 1972 p 192 membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala real Vale ressaltar que a uniformidade das normas compartilhadas pelos falantes geralmente ocorre quando a variável lingüística possui marcas sociais evidentes aos falantes No caso de não haver tais marcas vinculadas às variáveis as normas compartilhadas correm o risco de não ser tão uniformes neste caso a delimitação da comunidade de fala não poderia se restringir unicamente aos valores compartilhados pelos falantes pois há variáveis que não são necessariamente conhecidas por estes falantes embora Labov acredite que julgamentos sociais inconscientes sobre a língua podem ser medidos por técnicas12 1972 p 248 13 11 is best defined as a group who share the same norms in regard to language 12 Tais testes visam identificar as reações subjetivas em relação à mudança lingüística e geralmente se verifica que a avaliação social corresponde à estratificação social da fala LABOV 2001 Alguns desses testes são Ibid p1937 i self report test no qual os indivíduos devem selecionar dentre uma gama de variantes lingüísticas aquelas que se aproximam do uso habitual deles tais sujeitos geralmente assumem utilizar as formas próximas às de prestígio reconhecido ii family background test no qual é visto o quanto os indivíduos são capazes de identificar dialetos diferentes iii matched guise test que visa identificar atitudes inconscientes dos sujeitos em relação à língua É a este teste que a citação se refere e consiste em submeter à avaliação dos sujeitos trechos de falas com a presença das variantes que se quer estudar sendo que os sujeitos devem localizar as passagens que ouvem em escalas de personalidade inteligência confiança honestidade ou da variável que se quer averiguar profissão status social Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 O nível de consciência que o falante tem sobre determinada variável está associado à classificação dos elementos variantes da língua face à avaliação social a que estão sujeitos Tal classificação engloba os seguintes tipos i os indicadores que operam num nível inconsciente dizem respeito aos elementos lingüísticos sobre os quais haveria pouca força de avaliação podendo haver diferenciação social de uso destes elementos correlacionado à idade à região ou ao grupo social mas não quanto a motivações estilísticas ii os marcadores que também permanecem abaixo do nível de consciência correlacionamse às estratificações sociais e estilísticas e podem ser diagnosticados em testes subjetivos iii os estereótipos que são formas socialmente marcadas e reconhecidas pelos falantes Alguns estereótipos podem ser estigmatizados socialmente o que pode conduzir à mudança lingüística rápida e à extinção da forma estigmatizada Outros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupos para grupos podendo ser positivo para alguns e negativo para outros LABOV 1972 2001 As normas compartilhadas pelos falantes e a determinação da comunidade de fala se tomarmos o modelo classificatório exposto acima associamse aos estereótipos e aos marcadores que podem ser percebidos pelos falantes e detectados pelas técnicas que identificam avaliação subjetiva da língua Já os indicadores ficariam num nível inconsciente e não seriam identificados pelos falantes Essas considerações suscitam novos questionamentos em que extensão os indicadores podem estar relacionados à mudança na língua motivada não por forças sociais mas pela própria estrutura lingüística Por outro lado se a comunidade de fala é em grande parte determinada pelas atitudes dos falantes em relação ao uso lingüístico qual seria o número adequado de variáveis frente às quais os falantes teriam uma atitude uniforme que permitiria a identificação de 13 unconscious social judgments about language can be measured by techniques Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 uma comunidade de fala Em outras palavras basta que um grupo de falantes compartilhe atitude similar em relação a uma única variável para que se tenha uma comunidade de fala Além de valores conscientes em relação à língua os falantes de uma mesma comunidade de fala compartilham inconscientemente aspectos essenciais do sistema lingüístico as regras gramaticais sendo que os indivíduos adquirem tal sistema sem que eles possam escolher falar deste ou daquele jeito Para evidenciar este aspecto valhome das reflexões de Figueroa 1994 sobre os trabalhos de Labov 1980 em relação ao BEV Labov 1980a discute o caso da Carla uma mulher não negra que era capaz de criar a impressão social efetiva de estar falando o inglês negro vernacular BEV e a impressão de identidade negra LABOV 1980b p 379 Carla conta com uma variedade de estratégias relativas ao estilo discursivo tais como o uso de certos itens lexicais inversão negativa advérbio de lugar e o uso efetivo de ênfase entonação e tempo Dessa maneira Carla é capaz de convencer outros de que ela fala o BEV Ou seja quando amostras da fala dela são apresentadas aos negros e é solicitado a eles que a julguem todos avaliam a fala como sendo BEV ibid Labov contudo argumenta que Carla na verdade não é um membro da comunidade de fala do BEV pois ela não aprendeu as regras definidoras da gramática do BEV o tempo verbal do BEV e o sistema aspectual ibid Ser capaz de adquirir e manipular os símbolos sociais não é suficiente devese adquirir as regras essenciais da gramática FIGUEROA 1994 p 73 Considerandose os dois níveis14 envolvidos na delimitação da comunidade de fala fica claro que Labov prioriza o caráter de consciência das atitudes dos falantes em relação às normas gramaticais compartilhadas pelo grupo para caracterizar a comunidade de fala uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que utiliza as mesmas formas ela é mais 14 Sobre a relação entre os níveis ser consciente ou inconsciente e o indivíduosujeito Pagotto 2004 p92 comenta tanto ele é consciente do processo de variação quanto os processos de variação lhe são inconscientes Neste último caso o sujeito pode ser comparado àquele do estruturalismo ou seja completamente dominado pela estrutura da qual é apenas um portador No primeiro caso é semelhante ao sujeito da Etnografia da Fala que manipula as regras de conversação a partir de suas intenções Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relação à língua 1972 p 158 Por que Labov teria optado pela uniformidade das atitudes dos falantes em relação à língua para definir as fronteiras de uma comunidade de fala e não pelas regras lingüísticas presentes nas falas destes indivíduos Uma das possíveis respostas pode ser encontrada na discussão que Labov 1972 faz sobre a busca dos lingüistas por um objeto homogêneo em consonância com o modelo estipulado por Saussure E talvez seja em busca desta homogeneidade que Labov tenha preferido as atitudes dos falantes para determinar a comunidade de fala evitando também um certo tipo de variação Esperavase que ao nos concentrarmos sobre os julgamentos dos falantes nativos ao invés de sua fala real muito desta variação poderia ser desviada De certa forma esta esperança justificase membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando nós encontramos variação altamente estratificada na fala real15 1972 p 192 Dessa maneira Labov teria garantido a homogeneidade não na delimitação de seu objeto que é a língua como sistema heterogêneo mas na definição do lócus de seu objeto que é a comunidade de fala Assim o estudo da língua que para Labov é heterogênea se dá numa comunidade de fala que teria características homogêneas Em outras palavras aquilo que para Saussure é homogêneo o sistema lingüístico para Labov tem um caráter heterogêneo e aquilo que Saussure estipulou como sendo heterogêneo os falantes da língua Labov definiu como homogêneo as atitudes dos falantes em relação à língua Inversão teórica e metodológica Figueroa 1994 formula uma crítica ao modelo laboviano de comunidade de fala especialmente quanto à relação entre indivíduo e grupo social A autora afirma que a falta de vinculação clara entre indivíduo e comunidade de fala subordinando o primeiro ao segundo dificulta a observação do comportamento 15 It was hoped that by concentrating upon the judgments of the native speaker rather than his actual speech much of this variation could be bypessed In some way this hope is justified Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 lingüístico uma vez que este seria determinado pelo grupo E levando em conta que os dados utilizados na pesquisa são provenientes de falas individuais Figueroa indaga como sustentar que a língua se localiza na comunidade quando o comportamento lingüístico estudado é extraído dos indivíduos16 p 89 A autora supõe que a particularidade do indivíduo no caso da teoria laboviana seria ignorada sendo atribuídas a ele categorias supraindividuais como classe e gênero o indivíduo neste caso seria tomado como um tipo social considerado para fins metodológicos como um conjunto de fatores mensuráveis O indivíduo sendo submetido à comunidade lingüística e conseqüentemente ao sistema lingüístico não seria a fonte da variação e da mudança Nesse sentido Pagotto 2004 p 75 pergunta onde estaria esta fonte se o sistema é definido como sempre restrito a uma comunidade de fala A fonte da mudança neste caso não estaria no indivíduo uma vez que na teoria laboviana não se trata de um indivíduo senhor de si e do processo de variação p 76 mas antes ele é apenas uma instância onde se materializam as forças operantes em tal comunidade lingüística aqui novamente entendidas não como vetores de uma fonte externa mas como integrantes de um sistema ibid Ainda segundo Pagotto a crítica de Figueroa acerca da articulação entre indivíduo e comunidade não considera que estes juntamente com o sistema lingüístico operariam estruturalmente aqueles dois não seriam agentes externos ao funcionamento lingüístico mas os três operariam no mesmo nível estrutural num jogo de relações A questão pertinente à teoria sociolingüística para Pagotto não seria sobre a relação entre indivíduo e sociedade mas sim sobre o tipo de relação estabelecida entre o sistema línguacomunidade de falaindivíduo e a realidade Não distante das reflexões acima uma outra crítica é trazida por Figueroa 1994 para quem a relação entre língua e sociedade não é clara na teoria laboviana Apoiandose em Cameron 1990 a autora argumenta que um modelo que afirme que a linguagem reflete a sociedade pressupõe estruturas sociais members of a speech community do share a common set of normative patterns even when we find highly stratified variation in actual speech Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 préexistentes à linguagem Tal perspectiva de acordo com Figueroa carece de uma teoria social elaborada que explique o comportamento lingüístico em termos sociais 2 Comunidade de fala heterogênea ou homogênea A noção laboviana de comunidade de fala como já visto recobre tanto aspectos lingüísticos quanto sociais tratase de atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham características lingüísticas semelhantes O vínculo entre aspectos sociais e lingüísticos e a comunidade de fala se evidencia na fala de Romaine 1982 p 13 para quem em diferentes comunidades de fala fatores sociais e lingüísticos vinculamse não apenas de diferentes maneiras mas em graus diferentes17 Ademais a associação entre questões sociais e lingüísticas na delimitação da comunidade de fala dificulta a sua identificação já que ela pode operar tanto como um objeto social quanto lingüístico PATRICK 2004 Romaine não acredita que os membros de uma mesma comunidade utilizem as regras gramaticais da mesma maneira e questiona se há realmente comunidades de fala que utilizam regras de gramática da maneira pela qual Labov teria nos feito crer18 1982 p 15 A questão posta por Romaine coloca em xeque a homogeneidade da comunidade de fala que se baseia especialmente nas atitudes e regras de gramática regras variáveis compartilhadas pelos falantes sendo as primeiras mais relevantes para Labov na definição da comunidade de fala As mudanças lingüísticas não ocorreriam em toda a comunidade de fala dada a sua heterogeneidade mas seriam consideradas locais e individuais Para reforçar esta 16 how can we maintain that language is located in the community when the language behaviour being studied is taken from the individuals 17 in different speech communities social and linguistic factors are linked not only in different ways but in different degrees Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 perspectiva a autora cita os trabalhos de Bailey para quem nem todo membro de uma comunidade de fala opera com as mesmas regras resultando que as gramáticas da comunidade e do indivíduo não são isomórficas19 ROMAINE 1982 p 19 Além disso a autora acredita que uma mesma comunidade de fala embora compartilhe normas e regras de um língua pode fazer usos lingüísticos de maneiras diferentes sendo que haveria um diferença entre tipos kinds e usos uses de uma língua Na mesma direção de Romaine Milroy 1982 questiona a homogeneidade da comunidade de fala especialmente quanto a i se todos os integrantes de uma comunidade de fala avaliam igualmente as variantes lingüísticas em relação ao prestígio e ao status então caso tal avaliação seja constante tornase difícil a identificação das mudanças motivadas por fatores sociais ii havendo uniformidade quanto às restrições impostas ao uso das variantes tal uniformidade será expandida para toda a comunidade de fala Assim o autor indaga Por que deveríamos supor que indivíduos em diferentes níveis sociais avaliam igualmente as possíveis variantes20 MILROY 1982 p 46 A noção laboviana de comunidade de fala se estrutura principalmente com base nas atitudes que os falantes compartilham em relação às variantes lingüísticas A perspectiva laboviana de homogeneidadeconsenso das atitudes dos falantes supõe uma sociedade não conflitiva na qual os indivíduos concordariam em suas avaliações Diferente desta visão Milroy Milroy 1997 defendem uma heterogeneidade das atitudes dos falantes pautada no conflito que seria inerente à dinâmica social Para estes autores o padrão conflitivo pode ser entendido pelo menos parcialmente como sendo oriundo de conflitos entre ideologias baseadas no status e ideologias baseadas na solidariedade presentes 18 are there really speech communities which use the rules of grammar in the way in which Labov would have us believe 19 not every member of the speech community necessarily operates with the same set of rules with the result that the community and the individual grammar are not isomorphic 20 Why should we suppose that individuals at different social levels make the same evaluations of the possible variants Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 na comunidade21 p 53 Dessa maneira dado o dinamismo e as contradições da realidade social e a pluralidade de contextos sociais de uso da língua parece questionável a homogeneidade das atitudes dos falantes em relação às variantes lingüísticas Diante disso podese perguntar não seria a homogeneidade da comunidade de fala uma abstração teórica tomada a priori e a partir da qual as pesquisas seriam realizadas Se considerarmos a realidade como sendo plural conflitiva e dinâmica a comunidade de fala é por certo uma abstração teórica Por outro lado Patrick 2004 acredita que ambos os modelos consensual ou conflitivo são pertinentes desde que a escolha de um ou de outro seja motivada pela questão da pesquisa e por padrões mais amplos de organização social econômica histórica e cultural que o tornam obrigatório22 p 589 Ressalta também que a noção de comunidade de fala não deve ser tomada como entidades predefinidas à espera de serem pesquisadas p 593 mas como objetos que são construídos pelo olhar e pelas questões do pesquisador Milroy 1992 apud 2004 também defende que ambos os modelos podem ser integrados considerando uma perspectiva dinâmica de classes que divide a sociedade em subgrupos os quais se caracterizam por diferentes estruturas de redes Por fim percebese que os modelos consensual e conflitivo focalizam respectivamente a sociedade e o indivíduo Para o primeiro a noção de comunidade de fala é fundamental para o segundo outras noções são pertinentes como a de redes sociais Neste sentido vale ressaltar os níveis de abstração possíveis na análise lingüística sugeridos por Romaine 1982 indivíduo redes network grupos sociais comunidade de fala língua 3 Sobre a heterogeneidade 21 the conflict pattern can be at least partially understood as arising from the conflict between statusbased ideologies and solidaritybased ideologies in the community 22 broader patterns of social economic historical and cultural organization that make it compelling Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 Percebese que é justamente em função das particularidades dos indivíduossujeitos que a noção laboviana de comunidade de fala como uma unidade dotada de certa homogeneidade tem sido criticada por outros sociolingüistas Milroy 1997 2002 por exemplo opta pelo estudo da língua em redes sociais considerada como uma categoria real e concreta de análise O foco nesta vertente seriam indivíduos reais em situações reais de interação e não abstrações teóricas BRITAIN MATSUMOTO sd Na mesma direção micro de análise Eckert 1996 propõe o estudo da variação centrado nas comunidades de prática nas quais os indivíduos ao escolherem pertencer a esta ou àquela comunidade compartilham repertórios de práticas dentre os quais as lingüísticas Nessas comunidades as variantes lingüísticas assumiriam significação social havendo relação direta entra língua e identidade Nesse contexto os estilos individuais como marcas de identidades sociais ocupariam lugar central no estudo da variação lingüística A questão posta em relação a esses estudos micro e centrados nas interações individuais seria quão longe o indivíduo pode ir na decisão de seu destino lingüístico BRITAIN MATSUMOTO sd p 14 O próprio Labov 2001 em pesquisas de caráter micro opera com a noção de redes sociais objetivando identificar os líderes23 da mudança lingüística Na tentativa de localizar as forças motivadoras da generalização de uso de certas formas lingüísticas foram realizadas entrevistas na Filadélfia que buscavam identificar os indivíduos e suas redes de relações além de suas histórias sociais de vida Nesse sentido percebese que as categorias clássicas vinculadas à identidade são repensadas à luz de suas significações sociais como por exemplo as variáveis gênero e idade ECKERT 1996 1997 LABOV 2001 Posto isso questionase considerando o caráter essencialmente heterogêneo da comunidade de fala não estaria a sociolingüística laboviana indo para uma outro direção de pesquisa ao valorizar e utilizar as noções de redes sociais e porventura de comunidade de prática como o lócus para a observação 23 Na busca das motivações sociais para a mudança de determinada forma Labov 2001 busca identificar os possíveis líderes daquela mudança na tentativa de localizar as forçasvalores sociais que estariam motivando o uso de determinada forma de maneira generalizada Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 e análise dos dados lingüísticos Esse novo direcionamento por certo atribui um espaço maior ao papel dos indivíduossujeitos no processo de variaçãomudança favorecendo uma reflexão mais profunda e crítica sobre a relação entre identidade língua e sociedade nos estudos labovianos de variaçãomudança Considerações finais Este artigo tratou da noção laboviana de comunidade de fala Para tanto inicialmente foi feito um resgate sucinto das definições de comunidade de fala segundo alguns pesquisadores sociolingüísticos Na seqüência foi apresentada e discutida a idéia de Labov sobre a comunidade de fala que se define em torno principalmente do compartilhamento de atitudes em relação à língua e em segundo plano do compartilhamento de regras gramaticais semelhantes Considerando a questão do nível de consciência dos falantes o primeiro aspecto da definição implica que os indivíduos possuem consciência da língua e que por isso mesmo compartilham atitudes em relação a ela já o segundo aspecto envolveria um certo grau de inconsciência sendo os indivíduos submetidos à estrutura lingüística Labov teria optado prioritariamente pela propriedade de compartilhamento das atitudes para definir comunidade de fala devido ao grau de homogeneidade que seria conferido ao lócus da língua essa sim vista como um sistema heterogêneo Assim a língua um sistema heterogêneo seria estudada como a fala da comunidade e não do indivíduo Nessa proposta Labov ao mesmo tempo em que rompe com a tradição saussureana de ver a língua langue como sistema homogêneo faz as pazes com essa tradição ao estipular uma homogeneidade da comunidade de fala que lhe permita sistematizar o estudo da língua Ademais alguns sociolingüistas ROMAINE MILROY entre outros questionam a noção de homogeneidade da comunidade de fala sugerindo que as mudanças lingüísticas não ocorreriam em toda a comunidade mas seriam fenômenos locais e individuais interacionais dado que os sujeitos circulam por diferentes grupos assumindo características lingüísticas variadas e atribuem Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 valores sociais às variantes lingüísticas de forma diversificada Ademais a idéia de homogeneidade supõe uma visão consensual de sociedade na qual os conflitos e as discordâncias de opinião entre os indivíduos tendem a ser apagadas Como acreditam Milroy e Milroy 1997 e Foucault 1999 o conflito é inerente à dinâmica social Contudo há aqueles PATRICK MILROY que acreditam ser possível conciliar um modelo consensual homogêneo de comunidade de fala com um conflitivo heterogêneo tendo em mente é claro que a noção de comunidade de fala não é um a priori mas uma construção metodológica Por fim percebese que as pesquisas sociolingüísticas de variaçãomudança incluindo as labovianas têm valorizado as dimensões micro de estudo sendo que as unidades de análise deixam de se centrar na comunidade de fala para integrar as idéias de redes sociais e de comunidades de prática Tal valorização traz como conseqüência a necessidade de se pensar de forma crítica e aprofundada a relação existente entre identidade sociedade e língua ao invés de se tomar essa relação como algo predefinido Referências bibliográficas CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds The handbook of language variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 BRITAIN David MATSUMOTO Kazuko Language Communities Networks and Practices Disponível em wwwhomepagestesconetdavidbritain15pdf Acesso em 25092005 ECKERT Penelope ay Goes to the City Exploring the expressive use of variation In GUY G FEAGIN C SCHIFFRIN D BAUGH J eds Towards a social science of language Vol 1 Variation and change in language and society AmsterdamPhiladelphia J Benjamins 1996 p4768 FIGUEROA Ester Sociolinguistic metatheory Pergamon 1994 FOUCAULT Michel Microfísica do poder 14a ed Rio de Janeiro Graal 1999 GUMPERZ J John Introduction to part IV In GUMPERZ J John LEVINSON C Stephen eds 1996 p35973 GUMPERZ J John LEVINSON C Stephen Introduction Linguistic relativity re examined In GUMPERZ J John LEVINSON C Stephen eds 1996 p 118 eds Rethinking linguistic relativity Cambridge Cambridge University Press 1996 GUY Gregory As comunidades de fala fronteiras internas e externas Abralin 2001 Disponível em httpswnpdufcbrabralinanaiscon2intconf02pdf Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 HUDSON R Sociolinguistics 2a ed Cambridge Cambridge University Press 1996 LABOV William Sociolinguistic Patterns Pennsylvania University of Pennsylvania Press 1972 Principles of Linguistic Change Social Factors Cambridge Blackwall Publishers 2001 MILROY Lesley Social Network In CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds 2004 2002 p 549571 MILROY James Probing under the tip of the iceberg phonological normalization and the shape of speech communities In ROMAINE ed 1982 MILROY James MILROY Lesley Varieties and Variation In COULMAS Florian ed The Handbook of Sociolinguistics Oxford Blackwell 1997 PATRICK Peter L The Speech Community In CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds 2004 2002 p 573597 PAGOTTO Emílio G Variação e identidade Maceió edUFAL EDUFBA 2004 ROMAINE Suzanne What is a speech community In Sociolinguistic Variation in Speech Communities London Edward Arnold 1982 SEVERO Cristine Gorski O lugar do indivíduo na teoria laboviana Linguagem Macapá vol 1 nº 02 p4362 juldez 2004 WARDHAUGH Ronald An Introduction to Sociolinguistics Cambridge Blackwell 2002
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Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 A COMUNIDADE DE FALA NA SOCIOLINGÜÍSTICA LABOVIANA ALGUMAS REFLEXÕES Cristine Gorski Severo 1 RESUMO Objetivase expor e discutir a noção laboviana de comunidade de fala especialmente quanto às idéias de homogeneidade e de heterogeneidade Acreditase que a comunidade de fala é essencialmente heterogênea o que leva o pesquisador a valorizar pesquisas que se fundamentem em níveis micro de análise as quais possuem como lócus de estudo as redes sociais e as comunidades de prática por exemplo Esse interesse pela dimensão micro de pesquisa tende a favorecer reflexões críticas sobre a relação entre identidade língua e sociedade PALAVRASCHAVE comunidade de fala homogeneidade heterogeneidade ABSTRACT We aim to describe and discuss the labovian notion of speech community specially in relation to the aspects of homogeneity and heterogeneity We believe that the speech community is essentially heterogeneous which leads the researcher to value the research that is based on micro levels of analysis which has as locus of study the social networks and the communities of practice for instance This interest for the micro dimension of research tends to favor critical reflection on the relation between identity language and society KEYWORDS speech community homogeneity heterogeneity Introdução Pretendese expor e analisar a noção laboviana de comunidade de fala Tal noção se fundamenta em dois aspectos nas atitudes dos falantes em relação à língua e nas regras gramaticais que eles compartilham A partir desses dois aspectos indagase em que medida a comunidade de fala seria homogênea ou heterogênea questionase nesse artigo a idéia de homogeneidade dado que os indivíduos não são iguais tendem a ter avaliações diferentes sobre a língua já que circulam por uma variedade de esferas e grupos sociais o que favorece a diversidade de atitudes sobre a língua Com isso notase que sendo a comunidade de fala essencialmente heterogênea como se defende neste artigo o procedimento metodológico para o estudo da variaçãomudança pautado em 1 Doutoranda em Lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina Tratase de trabalho inédito Email crisgorskihotmailcom Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 uma noção homogênea de comunidade de fala passa a ser posto em xeque Para lidar com a heterogeneidade de uma comunidade pesquisas focadas nas redes sociais e nas comunidades de prática têm se voltado para um nível micro de análise em contraposição ao nível macro da comunidade de fala o que favorece por conseqüência reflexões sobre o papel dos indivíduossujeitos no processo de variaçãomudança e a relação entre identidade língua e sociedade Sucintamente um pequeno histórico da noção de comunidade de fala mostra que a elaboração desse conceito nas pesquisas sociolingüísticas data da década de 1960 PATRICK 2004 Gumperz 1996 p 362 ressalta que o início da sociolingüística moderna é marcado pelo reconhecimento de que a correlação entre aspectos lingüísticos e forças sociais e políticas deve considerar a comunidade de fala tida como o ponto inicial da análise ao invés do foco em línguas ou dialetos2 Portanto para a sociolingüística a comunidade de fala e não o indivíduo ou a língua é a unidade de estudo Diversos autores se referem à dificuldade de conceituação de comunidade de fala MILROY 1982 ROMAINE 1982 FIGUEROA 1994 HUDSON 1996 PAGOTTO 2004 PATRICK 2004 entre outros o que gera múltiplas definições centradas em diferentes aspectos lingüísticos sociais socioculturais e psicológicos Dell Hymes 1972 por exemplo define comunidade de fala como uma comunidade que compartilha regras para a conduta e interpretação da fala e regras para a interpretação de pelo menos uma variedade lingüística Ambas as condições são necessárias3 apud FIGUEROA 1994 p57 Hymes prioriza aspectos sociais em detrimento de lingüísticos na delimitação do conceito defende a heterogeneidade da comunidade de fala e admite que um indivíduo pode participar de diferentes comunidades de fala o que torna a relação entre indivíduo e comunidade de fala bastante fluida FIGUEROA 1994 2 as the analytical starting point rather than focusing on languages or dialects as such As traduções no decorrer do texto são de minha responsabilidade 3 a community sharing rules for the conduct and interpretation of speech and rules for the interpretation of as least one linguistic variety Both conditions are necessary Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 Similarmente Gumperz 1996 aponta para a diversidade própria da comunidade de fala uma vez que esta se constitui por uma variedade de redes de socialização às quais se associam padrões de uso e interpretação lingüísticos Contudo o lingüista reforça o papel das redes sociais como unidades de análise ao invés da comunidade de fala se os significados residem em práticas interpretativas e essas se localizam em redes sociais nas quais o indivíduo está socializado então as unidades cultura e língua não são as nações os grupos étnicos ou algo parecido ao invés são redes de indivíduos em interação4 1996 p 11 Além dos aspectos sociais envolvidos na delimitação da unidade de análise a conceituação da comunidade de fala também recai sobre aspectos individuais Em outras palavras o sujeito pode conscientemente escolher o grupo com o qual se identificar Tal enfoque se evidencia tanto nos escritos de Le Page 1968 quanto nos de Wardhaugh 2002 De acordo com Le Page apud HUDSON 1996 LABOV 2001 Cada indivíduo cria o sistema para seu comportamento verbal de forma que ele possa se parecer com aqueles do grupo ou grupos com os qual quais de tempos em tempos ele possa querer se identificar na extensão em que a ele possa identificar os grupos b ele tenha tanto oportunidade como habilidade em observar e analisar seus sistemas comportamentais c sua motivação é suficientemente forte para impelilo à escolha e para adaptar seu comportamento de acordo d ele seja capaz de adaptar seu comportamento5 p 27 Também Wardhaugh acredita que o indivíduo pode pertencer a diversas comunidades de fala identificandose com uma ou outra conforme as circunstâncias Nesta perspectiva há uma relação entre o processo identificatório 4 if meaning resides in interpretative practices and these are located in the social networks one is socialized in then the culture and language bearing units are not nations ethnic groups or the like but rather networks of interacting individuals 5 Each individual crates the system for his verbal behavior so that they shall resemble those of the group or groups with which time to time he may wish to be identified to the extent that a he can identify the groups b he has both opportunity and ability to observe and analyse their behavioral systems c his motivation is sufficiently strong to impel him to choose and to adapt his behavior accordingly d he is able to adapt his behavior Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 e a comunidade de fala sendo esta considerada fluida e dinâmica O lingüista assume a abordagem de Bolinger apud WARDHAUGH 2002 segundo a qual não há limite para as formas pelas quais os seres humanos se ligam uns aos outros em nome de identificação segurança ganho divertimento adoração ou por qualquer outro propósito que seja compartilhado conseqüentemente não há limites para o número e para a variedade de comunidades de fala que podem ser encontrados em uma sociedade p 124 O fato de que as identidades não são estáticas e que os sujeitos estão em constante processo de identificação dificulta o processo metodológico de delimitação e sistematização da comunidade de fala e conseqüentemente da realização de uma pesquisa com enfoque amplo sobre o fenômeno da variação Guy 20016 por sua vez considera que a comunidade de fala se constitui a partir de três critérios i os falantes devem compartilhar traços lingüísticos que sejam diferentes de outros grupos ii devem ter uma freqüência de comunicação alta entre si e iii devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da linguagem Para o lingüista os limites entre uma comunidade de fala e outra devem ser vistos em termos de diferenças gramaticais e não simplesmente diferenças na freqüência de uso de determinada variável Em outras palavras Guy acredita haver i diferenças de freqüência em diferentes comunidades de fala sendo que o efeito de contexto7 permanece semelhante ii diferenças em termos do efeito de contexto observado através de resultados estatísticos traduzidos em pesos relativos entre as comunidades o que determinaria diferenças estruturais ao invés de diferenças simplesmente quantitativas Guy trabalha com a seguinte hipótese em assuntos de variação diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais ou seja diferenças em efeitos contextuais Ao mesmo tempo diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza nãogramatical ou 6 Esta noção foi discutida anteriormente por Severo 2004 7 Entendese por efeito de contexto a influência exercida por algum tipo de fator lingüístico que atua como condicionante do uso de determinada variante como por exemplo o efeito do fator verbo no grupo de fatores classe de palavras sobre o apagamento do r O efeito de contexto é avaliado através de pesos relativos Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 seja diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável 2001 p 8 O que se percebe é que o conceito de comunidade de fala tão caro à sociolingüística se articula em torno de diferentes aspectos como os sociais Dell Hymes e Gumperz psicológicosidentificatórios La Page e Wardhaugh e lingüísticos Guy Ademais vale ressaltar a opinião de Hudson 1996 p 30 de que é possível que as comunidades de fala não existam na sociedade a menos como protótipos na mente das pessoas e neste caso a busca de uma definição verdadeira de comunidade de fala não passa de uma perseguição inútil8 A seguir passo a tratar da noção laboviana de comunidade de fala 1 A conceituação laboviana Para Labov 1972 a definição de língua deve levar em conta necessariamente o contexto social o que implica atribuir à língua uma função comunicativa E é enquanto um sistema evolutivo e heterogêneo9 que a língua como estrutura com seus aspectos fonológicos morfológicos sintáticos e semânticos deve ser analisada sem ser desvinculada do contexto social de uma certa comunidade de fala Dessa maneira o objeto da lingüística deve ser o instrumento de comunicação utilizado pela comunidade de fala p 187 considerandose que pressões sociais estão continuamente operando sobre a língua10 p 03 Estando clara a vinculação entre língua e comunidade de fala resta averiguar quais seriam as fronteiras que delimitariam o pertencimento de um 8 it is possible that speech communities do not really exist in society except as prototypes in the minds of people in which case the search for the true definition of speech community is just a wild goose chase 9 Na fala de Labov 1972 uma vez que tenhamos dissolvido a associação entre estrutura e homogeneidade estaremos livres para desenvolver as ferramentas formais necessárias para lidar com a variação herdada dentro de uma comunidade de fala p 204 10 social pressures are continually operating upon language Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 indivíduo a uma certa comunidade de fala e não a outra Labov considera que as fronteiras são postas mediante dois aspectos um deles no nível consciente e outro no inconsciente Quanto ao nível consciente os falantes compartilham atitudes e valores semelhantes em relação à língua já que a comunidade de fala é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relação à língua11 LABOV 1972 p 158 Tais normas são apreendidas pelo pesquisador mediante o valor que os falantes de uma certa comunidade de fala atribuem a elas sendo que normalmente ao grupo de prestígio cuja fala é dominante na escola no trabalho na mídia etc são vinculados valores positivos Segundo Labov 1972 p 192 membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala real Vale ressaltar que a uniformidade das normas compartilhadas pelos falantes geralmente ocorre quando a variável lingüística possui marcas sociais evidentes aos falantes No caso de não haver tais marcas vinculadas às variáveis as normas compartilhadas correm o risco de não ser tão uniformes neste caso a delimitação da comunidade de fala não poderia se restringir unicamente aos valores compartilhados pelos falantes pois há variáveis que não são necessariamente conhecidas por estes falantes embora Labov acredite que julgamentos sociais inconscientes sobre a língua podem ser medidos por técnicas12 1972 p 248 13 11 is best defined as a group who share the same norms in regard to language 12 Tais testes visam identificar as reações subjetivas em relação à mudança lingüística e geralmente se verifica que a avaliação social corresponde à estratificação social da fala LABOV 2001 Alguns desses testes são Ibid p1937 i self report test no qual os indivíduos devem selecionar dentre uma gama de variantes lingüísticas aquelas que se aproximam do uso habitual deles tais sujeitos geralmente assumem utilizar as formas próximas às de prestígio reconhecido ii family background test no qual é visto o quanto os indivíduos são capazes de identificar dialetos diferentes iii matched guise test que visa identificar atitudes inconscientes dos sujeitos em relação à língua É a este teste que a citação se refere e consiste em submeter à avaliação dos sujeitos trechos de falas com a presença das variantes que se quer estudar sendo que os sujeitos devem localizar as passagens que ouvem em escalas de personalidade inteligência confiança honestidade ou da variável que se quer averiguar profissão status social Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 O nível de consciência que o falante tem sobre determinada variável está associado à classificação dos elementos variantes da língua face à avaliação social a que estão sujeitos Tal classificação engloba os seguintes tipos i os indicadores que operam num nível inconsciente dizem respeito aos elementos lingüísticos sobre os quais haveria pouca força de avaliação podendo haver diferenciação social de uso destes elementos correlacionado à idade à região ou ao grupo social mas não quanto a motivações estilísticas ii os marcadores que também permanecem abaixo do nível de consciência correlacionamse às estratificações sociais e estilísticas e podem ser diagnosticados em testes subjetivos iii os estereótipos que são formas socialmente marcadas e reconhecidas pelos falantes Alguns estereótipos podem ser estigmatizados socialmente o que pode conduzir à mudança lingüística rápida e à extinção da forma estigmatizada Outros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupos para grupos podendo ser positivo para alguns e negativo para outros LABOV 1972 2001 As normas compartilhadas pelos falantes e a determinação da comunidade de fala se tomarmos o modelo classificatório exposto acima associamse aos estereótipos e aos marcadores que podem ser percebidos pelos falantes e detectados pelas técnicas que identificam avaliação subjetiva da língua Já os indicadores ficariam num nível inconsciente e não seriam identificados pelos falantes Essas considerações suscitam novos questionamentos em que extensão os indicadores podem estar relacionados à mudança na língua motivada não por forças sociais mas pela própria estrutura lingüística Por outro lado se a comunidade de fala é em grande parte determinada pelas atitudes dos falantes em relação ao uso lingüístico qual seria o número adequado de variáveis frente às quais os falantes teriam uma atitude uniforme que permitiria a identificação de 13 unconscious social judgments about language can be measured by techniques Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 uma comunidade de fala Em outras palavras basta que um grupo de falantes compartilhe atitude similar em relação a uma única variável para que se tenha uma comunidade de fala Além de valores conscientes em relação à língua os falantes de uma mesma comunidade de fala compartilham inconscientemente aspectos essenciais do sistema lingüístico as regras gramaticais sendo que os indivíduos adquirem tal sistema sem que eles possam escolher falar deste ou daquele jeito Para evidenciar este aspecto valhome das reflexões de Figueroa 1994 sobre os trabalhos de Labov 1980 em relação ao BEV Labov 1980a discute o caso da Carla uma mulher não negra que era capaz de criar a impressão social efetiva de estar falando o inglês negro vernacular BEV e a impressão de identidade negra LABOV 1980b p 379 Carla conta com uma variedade de estratégias relativas ao estilo discursivo tais como o uso de certos itens lexicais inversão negativa advérbio de lugar e o uso efetivo de ênfase entonação e tempo Dessa maneira Carla é capaz de convencer outros de que ela fala o BEV Ou seja quando amostras da fala dela são apresentadas aos negros e é solicitado a eles que a julguem todos avaliam a fala como sendo BEV ibid Labov contudo argumenta que Carla na verdade não é um membro da comunidade de fala do BEV pois ela não aprendeu as regras definidoras da gramática do BEV o tempo verbal do BEV e o sistema aspectual ibid Ser capaz de adquirir e manipular os símbolos sociais não é suficiente devese adquirir as regras essenciais da gramática FIGUEROA 1994 p 73 Considerandose os dois níveis14 envolvidos na delimitação da comunidade de fala fica claro que Labov prioriza o caráter de consciência das atitudes dos falantes em relação às normas gramaticais compartilhadas pelo grupo para caracterizar a comunidade de fala uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que utiliza as mesmas formas ela é mais 14 Sobre a relação entre os níveis ser consciente ou inconsciente e o indivíduosujeito Pagotto 2004 p92 comenta tanto ele é consciente do processo de variação quanto os processos de variação lhe são inconscientes Neste último caso o sujeito pode ser comparado àquele do estruturalismo ou seja completamente dominado pela estrutura da qual é apenas um portador No primeiro caso é semelhante ao sujeito da Etnografia da Fala que manipula as regras de conversação a partir de suas intenções Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relação à língua 1972 p 158 Por que Labov teria optado pela uniformidade das atitudes dos falantes em relação à língua para definir as fronteiras de uma comunidade de fala e não pelas regras lingüísticas presentes nas falas destes indivíduos Uma das possíveis respostas pode ser encontrada na discussão que Labov 1972 faz sobre a busca dos lingüistas por um objeto homogêneo em consonância com o modelo estipulado por Saussure E talvez seja em busca desta homogeneidade que Labov tenha preferido as atitudes dos falantes para determinar a comunidade de fala evitando também um certo tipo de variação Esperavase que ao nos concentrarmos sobre os julgamentos dos falantes nativos ao invés de sua fala real muito desta variação poderia ser desviada De certa forma esta esperança justificase membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando nós encontramos variação altamente estratificada na fala real15 1972 p 192 Dessa maneira Labov teria garantido a homogeneidade não na delimitação de seu objeto que é a língua como sistema heterogêneo mas na definição do lócus de seu objeto que é a comunidade de fala Assim o estudo da língua que para Labov é heterogênea se dá numa comunidade de fala que teria características homogêneas Em outras palavras aquilo que para Saussure é homogêneo o sistema lingüístico para Labov tem um caráter heterogêneo e aquilo que Saussure estipulou como sendo heterogêneo os falantes da língua Labov definiu como homogêneo as atitudes dos falantes em relação à língua Inversão teórica e metodológica Figueroa 1994 formula uma crítica ao modelo laboviano de comunidade de fala especialmente quanto à relação entre indivíduo e grupo social A autora afirma que a falta de vinculação clara entre indivíduo e comunidade de fala subordinando o primeiro ao segundo dificulta a observação do comportamento 15 It was hoped that by concentrating upon the judgments of the native speaker rather than his actual speech much of this variation could be bypessed In some way this hope is justified Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 lingüístico uma vez que este seria determinado pelo grupo E levando em conta que os dados utilizados na pesquisa são provenientes de falas individuais Figueroa indaga como sustentar que a língua se localiza na comunidade quando o comportamento lingüístico estudado é extraído dos indivíduos16 p 89 A autora supõe que a particularidade do indivíduo no caso da teoria laboviana seria ignorada sendo atribuídas a ele categorias supraindividuais como classe e gênero o indivíduo neste caso seria tomado como um tipo social considerado para fins metodológicos como um conjunto de fatores mensuráveis O indivíduo sendo submetido à comunidade lingüística e conseqüentemente ao sistema lingüístico não seria a fonte da variação e da mudança Nesse sentido Pagotto 2004 p 75 pergunta onde estaria esta fonte se o sistema é definido como sempre restrito a uma comunidade de fala A fonte da mudança neste caso não estaria no indivíduo uma vez que na teoria laboviana não se trata de um indivíduo senhor de si e do processo de variação p 76 mas antes ele é apenas uma instância onde se materializam as forças operantes em tal comunidade lingüística aqui novamente entendidas não como vetores de uma fonte externa mas como integrantes de um sistema ibid Ainda segundo Pagotto a crítica de Figueroa acerca da articulação entre indivíduo e comunidade não considera que estes juntamente com o sistema lingüístico operariam estruturalmente aqueles dois não seriam agentes externos ao funcionamento lingüístico mas os três operariam no mesmo nível estrutural num jogo de relações A questão pertinente à teoria sociolingüística para Pagotto não seria sobre a relação entre indivíduo e sociedade mas sim sobre o tipo de relação estabelecida entre o sistema línguacomunidade de falaindivíduo e a realidade Não distante das reflexões acima uma outra crítica é trazida por Figueroa 1994 para quem a relação entre língua e sociedade não é clara na teoria laboviana Apoiandose em Cameron 1990 a autora argumenta que um modelo que afirme que a linguagem reflete a sociedade pressupõe estruturas sociais members of a speech community do share a common set of normative patterns even when we find highly stratified variation in actual speech Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 préexistentes à linguagem Tal perspectiva de acordo com Figueroa carece de uma teoria social elaborada que explique o comportamento lingüístico em termos sociais 2 Comunidade de fala heterogênea ou homogênea A noção laboviana de comunidade de fala como já visto recobre tanto aspectos lingüísticos quanto sociais tratase de atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham características lingüísticas semelhantes O vínculo entre aspectos sociais e lingüísticos e a comunidade de fala se evidencia na fala de Romaine 1982 p 13 para quem em diferentes comunidades de fala fatores sociais e lingüísticos vinculamse não apenas de diferentes maneiras mas em graus diferentes17 Ademais a associação entre questões sociais e lingüísticas na delimitação da comunidade de fala dificulta a sua identificação já que ela pode operar tanto como um objeto social quanto lingüístico PATRICK 2004 Romaine não acredita que os membros de uma mesma comunidade utilizem as regras gramaticais da mesma maneira e questiona se há realmente comunidades de fala que utilizam regras de gramática da maneira pela qual Labov teria nos feito crer18 1982 p 15 A questão posta por Romaine coloca em xeque a homogeneidade da comunidade de fala que se baseia especialmente nas atitudes e regras de gramática regras variáveis compartilhadas pelos falantes sendo as primeiras mais relevantes para Labov na definição da comunidade de fala As mudanças lingüísticas não ocorreriam em toda a comunidade de fala dada a sua heterogeneidade mas seriam consideradas locais e individuais Para reforçar esta 16 how can we maintain that language is located in the community when the language behaviour being studied is taken from the individuals 17 in different speech communities social and linguistic factors are linked not only in different ways but in different degrees Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 perspectiva a autora cita os trabalhos de Bailey para quem nem todo membro de uma comunidade de fala opera com as mesmas regras resultando que as gramáticas da comunidade e do indivíduo não são isomórficas19 ROMAINE 1982 p 19 Além disso a autora acredita que uma mesma comunidade de fala embora compartilhe normas e regras de um língua pode fazer usos lingüísticos de maneiras diferentes sendo que haveria um diferença entre tipos kinds e usos uses de uma língua Na mesma direção de Romaine Milroy 1982 questiona a homogeneidade da comunidade de fala especialmente quanto a i se todos os integrantes de uma comunidade de fala avaliam igualmente as variantes lingüísticas em relação ao prestígio e ao status então caso tal avaliação seja constante tornase difícil a identificação das mudanças motivadas por fatores sociais ii havendo uniformidade quanto às restrições impostas ao uso das variantes tal uniformidade será expandida para toda a comunidade de fala Assim o autor indaga Por que deveríamos supor que indivíduos em diferentes níveis sociais avaliam igualmente as possíveis variantes20 MILROY 1982 p 46 A noção laboviana de comunidade de fala se estrutura principalmente com base nas atitudes que os falantes compartilham em relação às variantes lingüísticas A perspectiva laboviana de homogeneidadeconsenso das atitudes dos falantes supõe uma sociedade não conflitiva na qual os indivíduos concordariam em suas avaliações Diferente desta visão Milroy Milroy 1997 defendem uma heterogeneidade das atitudes dos falantes pautada no conflito que seria inerente à dinâmica social Para estes autores o padrão conflitivo pode ser entendido pelo menos parcialmente como sendo oriundo de conflitos entre ideologias baseadas no status e ideologias baseadas na solidariedade presentes 18 are there really speech communities which use the rules of grammar in the way in which Labov would have us believe 19 not every member of the speech community necessarily operates with the same set of rules with the result that the community and the individual grammar are not isomorphic 20 Why should we suppose that individuals at different social levels make the same evaluations of the possible variants Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 na comunidade21 p 53 Dessa maneira dado o dinamismo e as contradições da realidade social e a pluralidade de contextos sociais de uso da língua parece questionável a homogeneidade das atitudes dos falantes em relação às variantes lingüísticas Diante disso podese perguntar não seria a homogeneidade da comunidade de fala uma abstração teórica tomada a priori e a partir da qual as pesquisas seriam realizadas Se considerarmos a realidade como sendo plural conflitiva e dinâmica a comunidade de fala é por certo uma abstração teórica Por outro lado Patrick 2004 acredita que ambos os modelos consensual ou conflitivo são pertinentes desde que a escolha de um ou de outro seja motivada pela questão da pesquisa e por padrões mais amplos de organização social econômica histórica e cultural que o tornam obrigatório22 p 589 Ressalta também que a noção de comunidade de fala não deve ser tomada como entidades predefinidas à espera de serem pesquisadas p 593 mas como objetos que são construídos pelo olhar e pelas questões do pesquisador Milroy 1992 apud 2004 também defende que ambos os modelos podem ser integrados considerando uma perspectiva dinâmica de classes que divide a sociedade em subgrupos os quais se caracterizam por diferentes estruturas de redes Por fim percebese que os modelos consensual e conflitivo focalizam respectivamente a sociedade e o indivíduo Para o primeiro a noção de comunidade de fala é fundamental para o segundo outras noções são pertinentes como a de redes sociais Neste sentido vale ressaltar os níveis de abstração possíveis na análise lingüística sugeridos por Romaine 1982 indivíduo redes network grupos sociais comunidade de fala língua 3 Sobre a heterogeneidade 21 the conflict pattern can be at least partially understood as arising from the conflict between statusbased ideologies and solidaritybased ideologies in the community 22 broader patterns of social economic historical and cultural organization that make it compelling Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 Percebese que é justamente em função das particularidades dos indivíduossujeitos que a noção laboviana de comunidade de fala como uma unidade dotada de certa homogeneidade tem sido criticada por outros sociolingüistas Milroy 1997 2002 por exemplo opta pelo estudo da língua em redes sociais considerada como uma categoria real e concreta de análise O foco nesta vertente seriam indivíduos reais em situações reais de interação e não abstrações teóricas BRITAIN MATSUMOTO sd Na mesma direção micro de análise Eckert 1996 propõe o estudo da variação centrado nas comunidades de prática nas quais os indivíduos ao escolherem pertencer a esta ou àquela comunidade compartilham repertórios de práticas dentre os quais as lingüísticas Nessas comunidades as variantes lingüísticas assumiriam significação social havendo relação direta entra língua e identidade Nesse contexto os estilos individuais como marcas de identidades sociais ocupariam lugar central no estudo da variação lingüística A questão posta em relação a esses estudos micro e centrados nas interações individuais seria quão longe o indivíduo pode ir na decisão de seu destino lingüístico BRITAIN MATSUMOTO sd p 14 O próprio Labov 2001 em pesquisas de caráter micro opera com a noção de redes sociais objetivando identificar os líderes23 da mudança lingüística Na tentativa de localizar as forças motivadoras da generalização de uso de certas formas lingüísticas foram realizadas entrevistas na Filadélfia que buscavam identificar os indivíduos e suas redes de relações além de suas histórias sociais de vida Nesse sentido percebese que as categorias clássicas vinculadas à identidade são repensadas à luz de suas significações sociais como por exemplo as variáveis gênero e idade ECKERT 1996 1997 LABOV 2001 Posto isso questionase considerando o caráter essencialmente heterogêneo da comunidade de fala não estaria a sociolingüística laboviana indo para uma outro direção de pesquisa ao valorizar e utilizar as noções de redes sociais e porventura de comunidade de prática como o lócus para a observação 23 Na busca das motivações sociais para a mudança de determinada forma Labov 2001 busca identificar os possíveis líderes daquela mudança na tentativa de localizar as forçasvalores sociais que estariam motivando o uso de determinada forma de maneira generalizada Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 e análise dos dados lingüísticos Esse novo direcionamento por certo atribui um espaço maior ao papel dos indivíduossujeitos no processo de variaçãomudança favorecendo uma reflexão mais profunda e crítica sobre a relação entre identidade língua e sociedade nos estudos labovianos de variaçãomudança Considerações finais Este artigo tratou da noção laboviana de comunidade de fala Para tanto inicialmente foi feito um resgate sucinto das definições de comunidade de fala segundo alguns pesquisadores sociolingüísticos Na seqüência foi apresentada e discutida a idéia de Labov sobre a comunidade de fala que se define em torno principalmente do compartilhamento de atitudes em relação à língua e em segundo plano do compartilhamento de regras gramaticais semelhantes Considerando a questão do nível de consciência dos falantes o primeiro aspecto da definição implica que os indivíduos possuem consciência da língua e que por isso mesmo compartilham atitudes em relação a ela já o segundo aspecto envolveria um certo grau de inconsciência sendo os indivíduos submetidos à estrutura lingüística Labov teria optado prioritariamente pela propriedade de compartilhamento das atitudes para definir comunidade de fala devido ao grau de homogeneidade que seria conferido ao lócus da língua essa sim vista como um sistema heterogêneo Assim a língua um sistema heterogêneo seria estudada como a fala da comunidade e não do indivíduo Nessa proposta Labov ao mesmo tempo em que rompe com a tradição saussureana de ver a língua langue como sistema homogêneo faz as pazes com essa tradição ao estipular uma homogeneidade da comunidade de fala que lhe permita sistematizar o estudo da língua Ademais alguns sociolingüistas ROMAINE MILROY entre outros questionam a noção de homogeneidade da comunidade de fala sugerindo que as mudanças lingüísticas não ocorreriam em toda a comunidade mas seriam fenômenos locais e individuais interacionais dado que os sujeitos circulam por diferentes grupos assumindo características lingüísticas variadas e atribuem Revista Voz das Letras Concórdia Santa Catarina Universidade do Contestado número 9 I Semestre de 2008 valores sociais às variantes lingüísticas de forma diversificada Ademais a idéia de homogeneidade supõe uma visão consensual de sociedade na qual os conflitos e as discordâncias de opinião entre os indivíduos tendem a ser apagadas Como acreditam Milroy e Milroy 1997 e Foucault 1999 o conflito é inerente à dinâmica social Contudo há aqueles PATRICK MILROY que acreditam ser possível conciliar um modelo consensual homogêneo de comunidade de fala com um conflitivo heterogêneo tendo em mente é claro que a noção de comunidade de fala não é um a priori mas uma construção metodológica Por fim percebese que as pesquisas sociolingüísticas de variaçãomudança incluindo as labovianas têm valorizado as dimensões micro de estudo sendo que as unidades de análise deixam de se centrar na comunidade de fala para integrar as idéias de redes sociais e de comunidades de prática Tal valorização traz como conseqüência a necessidade de se pensar de forma crítica e aprofundada a relação existente entre identidade sociedade e língua ao invés de se tomar essa relação como algo predefinido Referências bibliográficas CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds The handbook of language variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 BRITAIN David MATSUMOTO Kazuko Language Communities Networks and Practices Disponível em wwwhomepagestesconetdavidbritain15pdf Acesso em 25092005 ECKERT Penelope ay Goes to the City Exploring the expressive use of variation In GUY G FEAGIN C SCHIFFRIN D BAUGH J eds Towards a social science of language Vol 1 Variation and change in language and society 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