·

Letras ·

Linguística

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

GROLA E FIGUEIREDO SILVA M C Para conhecer aquisição da linguagem São Paulo Contexto 2014 conjunto de construções gramaticais palavras derivadas sentenças Este termo se opõe ao termo extensional que aqui faz referência às sentenças geradas pela línguaI Para ficar mais claro o que esses termos querem dizer vamos dar um exemplo de fora da Linguística Um conjunto de números por exemplo pode ser definido extensionamente caso em que podemos listar todos os seus membros 2 4 6 8 Esse mesmo conjunto no entanto pode ser definido intensionalmente quando fornecenos a regra que dá todos os números pertencentes ao conjunto os números pares entre 2 e 8 Para Chomsky o verdadeiro objeto de estudo da teoria gramatical deve ser a línguaI aquela que está internalizada pelo falante e que subjaz a toda produção linguística dele a línguaE que é afinal o que é o português o inglês ou o turco são manifestações sociais quando muito da línguaI e não possuem o mesmo estatuto teórico O input é da ordem da línguaE mas o que a criança está desenvolvendo dentro de si é a línguaI Assim não é esperada nenhuma relação muito estreita entre input e aquisição Para entendermos melhor esses conceitos vamos lançar mão de uma comparação entre o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento de outras faculdades humanas biologicamente determinadas como a capacidade de andar Trivialmente se a criança for mantida em um ambiente em que não possa se sentar engatinhar ou ficar em pé é bem pouco provável que ela consiga desenvolver sua habilidade para andar Mais sério ainda se as habilidades para sentar engatinhar e pôrse de pé não forem desenvolvidas num tempo apropriado que é bastante cedo na vida da criança há muitas chances de que seus músculos e nervos se atrofiem e ela não possa desenvolver mais essas habilidades normalmente Como vimos no capítulo precedente esse também é o caso das línguas humanas que não se desenvolvem perfeitamente se durante a primeira infância a criança não tiver acesso a input de alguma língua humana Portanto uma coisa é certa o input é necessário para pôr em marcha o processo de aquisição de uma língua Chomsky tem uma metáfora já antiga mas muito bonita se você plantar uma margarida é preciso que ela receba água e sol e que a terra tenha nutrientes suficientes para que ela se desenvolva mas o que vai nascer ali de acordo com o código genético da semente que você plantou é uma mar garida não uma rosa Não adianta você tratar a muda de margarida como se fosse de rosa regando com água bem fria por exemplo porque isso não vai fazer com que nasça ali uma rosa Sem as condições mínimas não vai nascer nada ali mas se nascer pode apostar que é margarida Ou seja não é porque a linguagem é inata que ela vai se desenvolver automaticamente Da mesma forma que a semente de margarida precisa de terra água e sol para se desenvolver e se tornar uma margarida assim também a linguagem precisa de um input para se desenvolver na criança Apenas a parte inata não é suficiente Ela é condição necessária mas não suficiente para que a aquisição ocorra É importante frisar esse ponto porque a visão social da linguagem é muito forte na nossa cultura e nos faz pensar que as propriedades últimas que as línguas humanas têm dependem fundamentalmente de elas serem usadas para o que são isto é para comunicação Nós estamos aqui defendendo uma ideia completamente diferente as línguas humanas têm as propriedades que têm porque nós somos o bicho homem e o nosso código genético é tal que determina um conjunto específico de características para as línguas naturais e não outro Claro com essas características as línguas humanas têm sido relativamente eficientes para a comunicação como já vimos no capítulo A capacidade linguística de adultos e crianças mas não são as condições de comunicação que determinam as propriedades das línguas são as línguas que têm propriedades tais que podem ser assim empregadas na comunicação Isso posto podemos avançar para a próxima questão que provavelmente você já está se colocando se as línguas são todas determinadas pelo nosso código genético e se o nosso código genético é fundamentalmente o mesmo para toda a espécie humana como é que as línguas humanas são tão diferentes umas das outras Por que afinal não falamos todos uma única e mesma língua Vamos começar retomando e aprofundando uma diferença que nós já apontamos várias vezes mas que sempre deve ser frisada sob o ponto de vista do léxico isto é do vocabulário da língua aparentemente as línguas são diferentes e isso depende pelo menos em parte da cultura com a qual ela se integra nas línguas dos esquimós existem muitas palavras para traduzir o que entendemos simplesmente por branco e isso supostamente tem a ver com o universo imediato deles Dizemos que aparentemente as línguas são diferentes porque pelo menos um certo formato geral do léxico deve ser partilhado por todas as línguas todas elas por exemplo têm itens que apresentam propriedades daquilo que chamamos verbo itens que partilham propriedades do que chamamos nome etc Porém com respeito aos aspectos mais propriamente gramaticais as línguas são muito mais semelhantes do que pode parecer à primeira vista porque partilham certas propriedades profundas como a que vimos em 3 Vamos retomar em 9 a seguir um dos exemplos dados em 3 9 O João disse que eleik viajou Essas possibilidades de correferência ou não que se observam em português são também observadas em inglês em katukina em turco em walpiri e em todas as outras línguas que conhecemos Tratase de um fenômeno universal que na teoria que estamos adotando aqui é denominado princípio Princípios são portanto leis universais respeitadas por todas as línguas humanas Por outro lado sabemos que há variação entre as línguas em certos pontos por exemplo sentenças do tipo 9 podem apresentar variação na realização fonética da posição sujeito da sentença encaixada em diferentes línguas 9 se realiza como 10a em inglês em que o pronome deve ser lexicalmente realizado por he mas 9 tem em forma 10b onde o pronome deve ser realizado por uma categoria vazia ou não pronunciada marcada em 10b por ec nesse contexto gramatical 10 a John said that heik has travelled b Gianni ha detto che ecijk ha viaggiato Uma maneira de codificar esse tipo de variação é por meio da noção de parâmetros que serão portanto responsáveis por certo tipo de variação que encontramos entre as línguas Por isso a teoria que adotamos aqui é chamada de Teoria de Princípios e Parâmetros Em outras palavras todas as línguas obedecem a certos princípios universais e constitutivos mas elas podem variar com relação a alguns parâmetros essa explicação dá conta de maneira elegante a um só tempo dos aspectos linguísticos universais e da variação entre as línguas Mas saber o que os parâmetros respondem pela variação entre as línguas não é muito instrutivo se não soubermos o que pode ser um parâmetro isto é exatamente que tipo de variação nas línguas pode ser tratado desse modo Vamos dar um exemplo para deixar claro do que estamos falando Nessa discussão dos exemplos em 10 está em jogo um princípio que é o chamado Princípio de Projeção Estendido Esse princípio garante que toda sentença tem sujeito Portanto mesmo não vendo nada ali como no caso de 10b somos levados a dizer que alguma coisa ocupa esse lugar e chamamos essa coisa não pronunciada de categoria vazia Observe que esse lugar aparentemente vazio pode veicular duas interpretações diferentes o que é uma evidência semântica de que algo está ali Contudo note que se qualquer tipo de variação nas línguas puder ser um parâmetro isto é se a cada tipo de variação corresponder um parâmetro específico nós não teremos avançado muito na nossa compreensão de como a criança adquire tão rápida e perfeitamente a sua língua porque seriam necessários muitos anos olhando cada propriedade superficial da língua para saber o valor de cada um dos milhares de parâmetros que então deveriam existir De fato pensando bem a história não pode ser essa E na verdade não é porque o que efetivamente vemos nas línguas é que certos conjuntos de propriedades formam um feixe por exemplo as mesmas línguas que exibem sujeito nulo como o italiano ou o espanhol exibem também inversão do sujeito isto é o sujeito pode aparecer à direita da sentença como mostram 12a 12b por outro lado as línguas que não admitem sujeito nulo como o inglês e o francês por exemplo também não admitem inversão do sujeito como se vê pela agramaticidade de 12c 12d Como você pode facilmente perceber apenas o italiano dispõe de seis sinências distintas que correspondem às seis combinações possíveis dos traços de número e pessoa Desse modo a flexão é capaz de recobrir o conteúdo da categoria vazia em posição de sujeito permitindo que ela seja nula em outras palavras a morfologia já responde sozinha pelas propriedades gramaticais do sujeito qual pessoa está em jogo e se é singular ou plural Por outro lado o inglês possui uma só desinência o que faz com que o paradigma como um todo seja pobre demais para poder recobrir o conteúdo de uma eventual categoria vazia na posição de sujeito razão pela qual esta posição deve ser sempre preenchida por algum conteúdo lexical um pronome ou um DP Dito de outro modo se topamos com a forma eat saberemos apenas que não se trata da terceira pessoa do singular mas não sabemos de qual forma se trata por outro lado diante da forma italiana mangi sabemos imediatamente e sem qualquer dúvida de qual pessoa se trata 2ª pessoa do singular nome e verbo são mais ou menos uniformes entre línguas e a variação nessas categorias costuma ser mais associada com outras propriedades da linguagem como aquelas ligadas à cultura por exemplo Nesse ponto da discussão podemos tentar dar uma formulação para o nosso Parâmetro do Sujeito Nulo olhando para a categoria funcional I Vamos dizer assim a flexão das línguas humanas isto é seu núcleo I pode ter um caráter pronominal ou pronominal Uma língua que tem um paradigma verbal como o do italiano exibe o valor pronominal enquanto uma língua com um paradigma verbal como o do inglês exibe o valor pronominal Dito de outro modo em italiano a flexão vale por um pronome digamonos enquanto em inglês isso não é verdade e por isso o inglês precisa de um pronome lexicalmente realizado na posição de sujeito E como a criança reconhece que valor tem o Parâmetro do Sujeito Nulo na sua língua Bom isso já é uma outra discussão Para abordar essa questão vamos usar aqui uma metáfora de autoria da professora Dra Ruth E Vasconcellos Lopes O problema com que a criança se defronta para fixar o valor de um parâmetro é similar ao que nós temos quando compramos um aparelho eletroeletrônico um secador de cabelo ou um microondas e vamos ligálo na tomada Normalmente tem uma chavinha no aparelho de um lado dela está escrito 220V do outro está escrito 110V Pode ser que a chavinha venha posicionada no meio isto é nenhum dos dois valores está acionado mas dá se a gente ligar não acontece nada o aparelho não funciona Temos então que escolher uma das duas opções para poder usar o aparelho Qual é a voltagem na sua região Alguém que mora na região é que deve informar isso a você porque só olhando pra tomada você não vai saber Se na sua região a voltagem é 220V escolhendo a posição 110V seguramente você vai queimar o aparelho o caso contrário isto é ligar o aparelho 220V na tomada 110V talvez não estrague o aparelho mas é provável que ele simplesmente não funcione Vejamos como essa metáfora nos ajuda a entender o problema da criança frente à fixação de parâmetros Não sabemos bem como estão os parâmetros logo no início da aquisição mas uma coisa é certa se estão na posição neutra nada vai funcionar A criança vai precisar escolher um valor para os parâmetros e isso vai depender de qual é o input que ela tem Em princípio os dados que vão servir para a fixação do parâmetro devem ser abundantes isto é alguém estará dizendo ao lado dela qual é a voltagem da tomada das mais variadas formas Vimos que se um mesmo parâmetro é responsável por diferentes propriedades a rigor a criança tem informações vindas de diferentes fontes todas convergindo para o mesmo valor Não é muito claro se a criança presta atenção a todos ou se existe uma delas que chamamos de dado desencadeador ou trigger que vai ser responsável pela fixação daquele parâmetro Uma coisa no entanto é certa essa informação tem que estar acessível bem facilmente nos dados não pode depender de ser uma sentença relativa que tenha a cabeça ocupando a posição de complemento PP na frase matriz que é o complemento de um nome na sentença encaixada como vimos no começo da seção anterior Curiosamente as crianças parecem todas prestar atenção aos dados relevantes para a fixação do parâmetro mais ou menos na mesma época Essa discussão nos leva então a definir a Gramática Universal doravante GU como o conhecimento geneticamente determinado que é composto por princípios gramaticais invariáveis em todas as línguas e por parâmetros que apresentam opções de escolha que são fixados durante o processo de aquisição Dentro da nossa teoria a GU é o estado inicial desse órgão do cérebromente chamado faculdade da linguagem responsável pela aquisição da linguagem pelas crianças Nós nascemos todos dotados de conhecimento especificamente linguístico como o princípio que rege a interpretação de nomes como discutido no exemplo 3 ou o princípio de dependência de estrutura discutido no capítulo A capacidade linguística de adultos e crianças ou ainda o princípio relacionado ao movimento de elementos WH em pergunta como discutido em 7 Além disso as opções de escolha disponibilizadas pelos parâmetros também estariam presentes para que as crianças fixassem os valores de acordo com o que ouvem à sua volta Esse conhecimento seria anterior a qualquer experiência da criança com a língua e a auxiliaria no processo de aquisição Por exemplo ao ouvir uma sentença com concordância sujeitoverbo a criança nunca formularia uma hipótese para concordância que não envolvesse relações estruturais Uma regra sem relação estrutural nunca seria formulada pois a criança sabe que regras têm de ser dependentes da estrutura É nesse sentido que se diz que a GU guia a criança no processo de aquisição algumas hipóteses logicamente possíveis são descartadas a priori porque não se conformam com a arquitetura que a GU impõe Nessa perspectiva teórica portanto a tarefa da criança adquirindo uma língua natural será adquirir os itens lexicais da língua e fixar os valores dos parâmetros Contudo agora a questão é se a aquisição nessa visão envolve tarefas aparentemente tão simples por que ela demora 5 anos para ser completada Afinal as respostas para os parâmetros são sempre sim e não Duas propostas surgiram ao longo dos anos para responder a essa pergunta A visão maturacionista defende que nem todos os princípios e parâmetros estão disponíveis para a criança quando ela nasce Alguns deles maturariam com o tempo em um cronograma predeterminado Essa visão é defendida observandose que o corpo humano passa por modificações ao longo do tempo Os dentes das crianças inexistentes no momento do seu nascimento surgem por volta dos 6 meses Aos 6 anos eles caem e novos dentes surgem Na adolescência novas mudanças físicas ocorrem com meninos e meninas Os maturacionistas propõem então que tal maturação ocorreria também com o cérebro e assim alguns princípios e parâmetros só surgiriam mais tarde Isso explicaria por que a aquisição não é instantânea a criança ainda não dispõe de todo o conhecimento necessário para adquirir uma língua logo ao nascer Esse conhecimento surgiria aos poucos Por outro lado a visão continuísta defende que todo o conhecimento linguístico incluindo todos os princípios e os parâmetros não fixados já está disponível para a criança ao nascer Ela demoraria algum tempo para fixar os parâmetros porque isso depende de aquisição dos itens lexicais incluindo as palavras funcionais ou que não é automática A aquisição depende também de seu desenvolvimento cognitivo além de necessitar de desenvolvimento de sua memória e habilidades de processamento que melhoram com a idade Além disso para processar adequadamente uma sentença a criança precisa entender seu conteúdo semântico e isso vai necessitar de conhecimento de mundo Para os continuístas é por conta dessa limitação em aspectos não lingüísticos que a aquisição não seria instantânea Contudo só com mais pesquisas na área sabermos qual dessas alternativas está correta Como você pode ver nós não temos respostas imediatas para todas as questões mas o fato concreto é que nós conseguimos fazer perguntas muito mais acuradas e profundas do que fazíamos antes e isso em ciência já é um ganho enorme Finalmente dada essa conclusão sobre a qualidade do input discutimos que papel ele pode ter numa teoria inatista Adotamos a versão de Princípios e Parâmetros segundo a qual a Gramática Universal GU o estado inicial da faculdade da linguagem é composta por um conjunto de princípios que são universais e um conjunto de parâmetros propriedades binárias associadas fundamentalmente a categorias funcionais que representam o lugar da variação nas línguas O papel do input neste quadro é o acionamento de um dos valores para cada um dos diferentes parâmetros O livro de Pinker 2002 O instinto da linguagem este capítulo ensejou O livro de Pinker 2002 O instinto da linguagem também é um excelente material de divulgação e pode ser consultado para esclarecer alguns dos problemas que estamos abordando neste livro é preciso dizer que a tradução para o português tem algumas falhas e seria melhor que o leitor pudesse acessar a obra em inglês Finalmente Crain e LilloMartin 1999 é uma boa introdução à Teoria Linguística e à Aquisição de Linguagem embora seja mais técnico e esteja em inglês Você pode ter ficado curiosoa com respeito às habilidades lingüísticas dos recémnascidos Estudos que tratam especificamente deste tema são Christophe e Morton 1998 Mehler et al 1988 e Moon Cooper e Fifer 1993 Há também um vídeo interessante de Patricia Kuhl sobre o mesmo tema em httpwwwtedcomtalkspatriciakuhlthelinguisticgeniusofbabieshtml