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SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros CARVALHO C I C Gerativismo linguístico In CARVALHO C I C and BARBOSA J R A ed Teorias linguísticas orientações para a pesquisa online Mossoró EdUFERSA 2021 pp 4369 ISBN 9786587108254 httpsdoiorg10747697865871086290004 All the contents of this work except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International license Todo o conteúdo deste trabalho exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 40 Todo el contenido de esta obra excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 40 2 Gerativismo linguístico Cid Ivan da Costa Carvalho 43 2 GERATIVISMO LINGUÍSTICO Cid Ivan da Costa Carvalho 21 Considerações iniciais Se a linguagem é vista como um traço essencial de nossa humanidade então parece razoável dizer que a linguís ticaciência da linguagemtem um longo caminho a per correr pois o seu objeto de estudo se mostra tão complexo que mais de 2500 anos de pesquisa não foram capazes de depreender uma resposta clara sobre o que realmente é a linguagem No entanto ao longo desses anos vemos alguns lampejos que nos auxiliam na compreensão desse objeto de forma parcial Dentro do programa biolinguístico acreditamos que a teoria gerativa lampeja um caminho de investigação muito mais abrangente sobre a linguagem e sobre os tópicos a ela relacionados 44 gErativismo linguístico Essa afirmação parece coerente pois se considerarmos inicialmente as seguintes indagações Por que apenas nós humanos somos capazes de formar comunidades que vão além da noção de família Por que somen te nós e nenhum outro animal buscamos explicações para os eventos naturais sociais culturais e históricos Por que só nós organizamos e planejamos o futuro de maneira que vai muito além do que as outras cria turas fazem Por que exclusivamente os humanos produzem e apreciam ficções e fantasias e especulam desenham e empregam formas artísticas às quais não são praticadas pelos outros animais Parece que a única resposta plausível para essas indagações seja o fato de o homem possuir o fator mais importante que explica como essas capacidades notáveis chegaram até nósa linguagem McGilvray 2014 diz que essa conclusão faz sentido porque a lingua gem fornece a capacidade de especular e pensar sobre algum conteúdo próximo ou distante construindo um número ilimitado de pensamentos complexos passíveis de separar das circunstâncias e estender sobre tempos e circunstâncias arbitrárias Ela fornece a capacidade de organizar e cons truir projetos que envolvem a cooperação entre os indivíduos Porque sem ela não se pode fazer ciência nem buscar explicações básicas e conceitos matemáticos Essas e outras capacidades estão diretamente relacionadas ao fato de sermos possuidores da linguagem Se considerarmos também que a linguística é uma ciência natural ob jetiva que trata a linguagem como um sistema biológico que evoluiu a partir de um único indivíduo e foi geneticamente transmitido a sua prole diríamos então que as línguas não são ferramentas que os seres huma nos projetam ao longo dos milhares de anos mas são objetos biológicos como o sistema virtual ou imunológico digestivo por exemplo como diz Chomsky 2018a Considerando esses pontos fundamentais para o estudo da lingua gem humana percebemos que a linguagem é mais que um sistema de comunicação ou de interação ela é mais que um depósito de imagens de 45 gErativismo linguístico palavras na mente dos membros de uma comunidade ela é mais que um contrato estabelecido entre os membros de uma comunidade de fala ela é mais que uma série de hábitos usados para responder a situações de fala convencionais e para responder aos sons com as ações ela é mais que um o corpo de sinais proferidos e audíveis pelos quais o pensamento é expresso ela é mais que um método puramente humano e não instintivo de comu nicar ideia e emoções por meio de símbolos produzidos voluntariamente Nesse sentido o primeiro tópico deste capítulo apresenta o surgimento da teoria gerativa e sua importância na década da revolução cognitiva O segundo tópico mostra os principais conceitos que julgamos necessários à compreensão geral da teoria Todavia os leitores que pretendem se aprofundar no assunto encontrarão nas referências as principais obras relacionadas ao tema O terceiro tópico expõe a metodologia empregada na linguística gerativa fazendo a distinção entre o método utilizado pelos ge rativistas e os métodos aplicados pelos distribucionalistas O quarto tópico apresenta um recorte de uma pesquisa com a utilização da teoria gerativa 22 Surgimento da teoria A revolução cognitiva foi um movimento intelectual que se iniciou na década de 1950 como proposta interdisciplinar de estudar a mente e os processos a ela relacionados As áreas mais relevantes eram a psicologia a linguística a ciência da computação a antropologia a filosofia e a neu rociência nas quais predominavam o pensamento behaviorista O beha viorismo entendia que a psicologia humana podia ser estudada com base na observação do comportamento individual Para isso o comportamento era testado em laboratório Nesse sentido essa perspectiva tomava o com portamento como um dado que evidenciaria os mecanismos internos da mente e esses mecanismos operariam ao executar as ações e ao interpretar a experiência A revolução cognitiva surgiu em oposição a essa concepção e as principais publicações que desencadearam o movimento foram a obra 46 gErativismo linguístico The Magical Number Seven Plus or Minus Two 1956 do psicólogo George Miller e a obra Syntactic Structures 1957 do linguista Noam Chomsky Nessa época os estudos estruturalistas do linguista Leonard Bloomfield constituam a baliza que definia a prática científica da linguística A lingua gem humana era vista como um dos fatores sociais condicionados e sua aquisição dependia dos estímulos e respostas dos sujeitos na interação social Assim considerando os pressupostos da teoria behaviorista uma comunidade ensina o indivíduo a emitir uma dada resposta verbal uma palavra provendo estímulos reforçadores na presença da coisa para a qual o termo proferido é tomado como referente Nesse sentido Bloomfield 1935 aponta que a aquisição da linguagem é construída por meio dos eventos práticos que precedem o ato de fala depois ocorre a produção da própria fala e por último há os eventos práticos seguidos de ato de fala Podemos simplificar com a seguinte sequência temos os estímulos e as respostas aos estímulos que serão estímulos para outras respostas Pensando assim Costa 2016 p 123 afirma que o distribucionalis mo como era chamado o estruturalismo norteamericano pressupunha que cada língua apresentava uma estrutura específica pois fazia parte de uma comunidade de fala que os níveis fonológico morfológico e sintático evidenciavam essa estrutura que as unidades de nível imediatamente inferior constituem a unidade seguinte que a descrição de uma língua deve começar pelas unidades mais simples que a posição estrutural linear da unidade linguística define a função da unidade que na descrição é necessária absoluta objetividade que o processo de combinação das uni dades é guiada por leis próprias do sistema linguístico Esses pressupostos auxiliavam os pesquisadores distribucionalistas no estudo das línguas até meados dos anos de 1950 No entanto em Estrutura Sintática Syntactic structures Noam Chomsky lança as bases da teoria gerativa como uma proposta diferente os distribucionalistas americanos tanto na concepção de língua natural quanto nos pressupostos teóricos defendidos por eles Essa teoria procura 47 gErativismo linguístico descrever as línguas particulares e explicar abstratamente o funcionamento das formas linguísticas da linguagem Ao contrário dos distribucionalistas Chomsky 2015 p 17 afirma que uma língua é um conjunto finito ou infinito de sentenças cada senten ça sendo finita em extensão e construída a partir de um conjunto finito de elementos Ele acrescenta que todas as línguas naturais são línguas nesse sentido uma vez que cada língua apresenta um número finito de fonemas e as sentenças podem ser definidas como um conjunto desses fonemas Essa afirmação corrobora com o fato de que as línguas apresentam uma estrutura comum entre si Essa estrutura comum é evidenciada a partir da estrutura sintática pois é na sintaxe que se encontram os princípios e processos que constituem as sentenças das línguas particulares Um nível linguístico como o fonológico ou o morfológico é essencialmente um conjunto de recursos descritivos que estão disponíveis para a construção de uma gramática Explicando o objeto de estudo proposto por Chomsky Barbosa 2013 p 21 comunica que nessa concepção caberia ao linguista descrever as línguas naturais com vistas a determinar as sequências uni versais da língua comuns a toda e qualquer língua Por esse motivo a descrição de uma língua deve começar pela sin taxe unidade mais abrangente no nível de análise pois ela determina a construção de uma gramática para língua particular ou seja o mecanis mo de produção de sentenças de determinada língua No entanto como determinar a gramaticalidade de uma sentença Para Chomsky 2015 o objetivo básico da análise linguística de uma língua qualquer é separar as sentenças gramaticais das sentenças agramaticais de uma língua e estudar a estrutura das sentenças gramaticais Além disso cada unidade é definida na forma estrutural hierárquica e não na estrutura linear das sentenças Vejamos as sentenças abaixo 1 a O homem chutou a bola de plástico b O homem chutou a bola de tarde 48 gErativismo linguístico Podemos observar que as sentenças 1a e 1b pertencem à gramática da língua portuguesa e que os sintagmas preposicionais prepositional phrasePP de plástico e de tarde se encontram na posição linear da estrutura nas sentenças ou seja antes do nome nounN bola Todavia o sintagma preposicional de tarde está numa posição acima na estrutura hierárquica uma vez que ele não pertence ao sintagma nominal noun phraseNP encabeçado pelo item lexical bola mas ao sintagma verbal verbal phraseVP encabeçado pelo verbo chutar como ilustra a figura 1 Figura 1 Ilustração arbórea das sentenças 1a e 1b Fonte Sistema Constituency Parser do Lx Center 2020 Outro posicionamento do gerativismo cujo cerne já se encontrava nas obras iniciais de Chomsky é o fato de que o processo de combinação das unidades é guiado por leis universais desconsiderando as particularida des das línguas pois a linguagem é um objeto natural um componente da mente humana representado fisicamente no cérebro e integrado ao patrimônio biológico da espécie CHOMSKY 2018b p 1 Para a perspectiva gerativa o que significa dizer que a linguagem é um objeto natural como Chomsky a definiu Que propriedades da linguagem 1 a 1 b 49 gErativismo linguístico são estudadas quando a consideramos um objeto natural Que concepção de linguagem é adotada na teoria gerativa Que conceitos estão presentes nessa teoria No próximo tópico apresentaremos algumas explicações que podem levar às respostas dessas perguntas 23 Princípios teóricos Quando Chomsky 2018b diz que a linguagem é um objeto natural ele pressupõe que se os humanos são parte do mundo natural e não seres sobrenaturais então a inteligência humana tem seu escopo e seus limi tes determinados pelo design inicial CHOMSKY 2005 p 195 Esse é um ponto fundamental na teoria gerativa pois esta concebe inicialmente que o homem é um ser biológico e os aspectos mentais como linguagem pensamento percepção memória etc são objetos naturais comparados a moléculas campo elétrico sistema respiratório Não podemos fazer distinção entre a linguagem e as moléculas de H2O por exemplo pois ambos os objetos são naturais Nesse sentido não se pensa que o primeiro é cultural e o segundo é natural Os hábitos culturais são manifestações exteriores que a própria natureza do ser pode expressar Quando olhamos um pássaro por exemplo um Joãodebarro vemos que essa ave é um ser natural como outros objetos também os são Se observarmos o ninho que eles fazem nos galhos das árvores percebemos que o material utilizado para a construção é feito de material natural barro e gravetos porém não diríamos que o ninho é um objeto natural Se escutarmos o canto desse pássaro diríamos que o canto seria um objeto natural ou cultural Ele aprende o canto porque escuta os outros da mesma espécie cantarem ou ele tem a competência adquirida da espécie para desempenhar o canto O gerativismo entende que os objetos naturais são distintos dos objetos culturais O ninho de um pássaro é um objeto cultural pois é construí do por meio de um processo de transformação da matéria prima mesmo 50 gErativismo linguístico que esse ninho seja uma escavação em rocha ou em terra Todavia não diríamos o mesmo da capacidade de construílo Quando recorremos à linguagem numa perspectiva naturalista dire mos que ela é uma faculdade um dos elementos da mentecérebro dos seres humanos uma estrutura especializada da mentecérebro com a fun ção de executar os processos linguísticos A faculdade da linguagem é o estado inicial geneticamente determinado para todos os indivíduos para Peter Juan John e outros seres humanos Esse estado Inicial determina de maneira singular o sistema computacional da linguagem junto com uma série muito estruturada de possibilidades lexicais e algumas opções entre elementos gramaticais que não apresentam conteúdo substantivo CHOMSKY 2005 p 66 A faculdade da linguagem é um módulo da mente especificamente associado à língua e não a outras linguagens como a pintura a música a dança etc e apresenta no mínimo dois componentes diferentes um sistema cognitivo que armazena as informações de alguma maneira e sistemas de desempenho que fazem uso dessas informações para arti culação e percepção para falar sobre o mundo fazer perguntas contar piadas e assim por diante CHOMSKY 2005 p 210 Definese o primeiro componente como sendo um corpo comum de informações inatas que os sistemas de desempenho acessam ligamnos e os provêm de instruções a parte da linguagem que permanece intacta a mais básica propriedade da linguagem uma dotação genética chamada de estado inicial que torna possível o desenvolvimento de qualquer língua a Gramática Universal O segundo componente é descrito como sendo uma parte da linguagem que é mutável e seletivamente imperfeita uma unidade totalmente determi nada pelo estado inicial da linguagem um procedimento computacional que satisfaz a propriedade básica Destacamos que a expressão estado inicial se refere ao estado em que a linguagem está quando a criança nasce sendo considerada uniforme em relação a toda a espécie humana 51 gErativismo linguístico Observando bem a distinção desses dois componentes da linguagem vemos que tais componentes estão diretamente associados à LínguaI in terior individual intensional e a LínguaE exterior social extensional A línguaI é um estado do sistema cognitivo da linguagem de um indivíduo semelhante a maneira de falar de uma pessoa A línguaI por exemplo de uma criança nos estágios iniciais de aquisição apresenta forma de falar diferente dos adultos Se a línguaI fosse um objeto palpável e abríssemos para ver de que ela é composta encontraríamos três sistemas integrados o sistema computacional o sistema sensóriomotor e o sistema conceitual intencional como descrita por Chomsky e Berwick 2017 p 20 1 um sistema computacional interno que constrói expressões hierarquicamente estruturadas com interpretações sistemáticas no nível das interfaces com outros dois sistemas internos a saber 2 um sistema sensóriomotor para a externalização como produção ou parsing e 3 um sistema conceitual para inferência interpre tação planejamento e organização de açãoo que formalmente é chamado de pensamento O sistema computacional interno mapeia um leque de itens lexicais em um par de objetos simbólicos que apresentam as características foné ticas som e os aspectos semânticos significado Considerando que S corresponde a um significado no português e que F se refere a uma cadeia de sons S e F fornecem as informações necessárias para os sistemas de desempenho Veremos logo a seguir o que são esses sistemas Por ora diremos que o sistema computacional executa esse mapeamento por meio de uma operação chamada de Merge A operação das expressões hierarquicamente estruturadas na LínguaI é feita por meio de Merge Esse é o princípio computacional básico de todas as línguas Conforme a ideia exposta por Chomsky 2014 p 34 35 há dois tipos de Merge possíveis o Merge que toma duas coisas e colocálas juntas sem que uma altere o estado da outra E o outro Merge que toma 52 gErativismo linguístico uma coisa e um pedaço dela e prende esse pedaço na borda ou margem edge da coisa Essa é a propriedade de deslocamento ou movimento das línguas naturais que é encontrado em todos os lugares O primeiro tipo é chamado de Merge interno e o segundo de Merge externo Merge externo é usado em essência para fornecer as estruturas de argumentos Merge interno é basicamente usado para fornecer informação relacionada ao discurso como foco tópico informação novatodo tipo de coisa que se relaciona com a situação do discurso Nesse sentido Merge é uma operação computacional que toma dois objetos humanos compostos de som e significado como x ler e y livro e os concatena para forma o terceiro objeto z ler livro sem alterar a estrutura de nenhum desses objetos Os objetos ler livro e ler livro permanecem os mesmos Essa operação é fundamental para a produção das expressões estruturadas sintaticamente que são interpretadas no sistema conceitualintencional e emitidas pelo sistema sensóriomotor Observe que Merge opera com os itens lexicais Mas o que são itens lexicais na teoria gerativa Jackendoff 2002 define o item lexical como uma unidade armazenada na memória de longo prazo do falante de extensão maior ou menor que as palavras gramaticais Para esse autor nem todas as palavras gramaticais são itens lexicais e a gramática universal pode ser formulada como uma coleção de itens lexicais abstratos que semeiam a aquisição da linguagem Seguindo a mesma ideia de Jackendoff RioTorto 2016 dispõe que a organização das estruturas dos itens lexicais tem lugar na mente do falante de modo dinâmico uma vez ele analisa as estruturas antes de utilizálos na formação de novas palavras É claro que as pala vras escritas são representações fixas do léxico do falante constituindo parte do material linguístico produzido quando expressa o pensamento com a utilização do léxico ou cada vez que ele emite uma produção da fala ou da escrita O falante pode fazer a montagem do lexema em cada ato de fala Para isso o falante recorre aos mecanismos paradigmáticos às 53 gErativismo linguístico bases e aos operadores afixais disponíveis para formar nomes deverbais de ação Escolhe a base que encerra o significado con ceptual que pretende exprimir e para essa base escolhe o afixo que obedece aos constrangimentos que a base e o padrão derivacional impõem RIOTORTO 2016 p 81 Além dessas características Kenedy 2013 expressa que o léxico é o componente inicial do processamento computacional da linguagem que contém a forma fonética π e a forma lógica λ ou seja no léxico en contramse armazenadas todas as informações relacionadas à emissão de som e ao significado que devem ser mescladas no espaço derivacional Ele tem a função de fornecer à sintaxe os itens lexicais com os quais o sistema computacional gera as sentenças da língua Resumindo o que foi dito acima o léxico numa perspectiva cognitiva da linguagem possui instâncias de interface com a memória de longo prazo com os sistemas conceitual e articulatório e com o sistema computacional é nele que a línguaI e os demais sistemas cognitivos e as contingências da línguaE se entrecruzam Como menciona Kenedy 2013 o léxico existe na cognição individual e reflete as relações conceituais e morfossintáticas derivando de convenções socioculturais e históricas Os valores conceituais de uma língua são codificados no léxico de seus falantes Nesse sentido a faculdade da linguagem assume a forma de uma LínguaI completa e se integra num sistema de desempenho que executa um papel na articulação na interpretação e na expressão de crenças e desejos referindo contando histórias e assim por diante CHOMSKY 2005 Ela assume essa forma uma vez que cada falante a utiliza no de sempenho da línguaI Os sistemas de desempenho estão associados à LínguaE exterior ex tensional e se apresentam em dois tipos distintos o sistema sensóriomotor e o sistema conceitualintencional Uma expressão linguística é gerada por meio desses dois níveis de interfaces uma que fornece informação e ins trução para os sistemas articulatórioperceptivos e outra para os sistemas 54 gErativismo linguístico conceitualintencionais CHOMSKY 2005 p 67 O primeiro fornece as instruções para a externalização da língua que são caracterizadas como a representação fonética forma fonéticaFF ou seja é responsável pelo controle da produção e da recepção dos sons na fala e dos sinais visuais nas línguas vísuoespaciais O segundo fornece informações para os pro cessos mentais e são caracterizados como a representação lógica forma lógicaFL ou seja é responsável pelas crenças desejos conceitos lógica Se observarmos os conceitos de LínguaI e de LínguaE com mais de talhes perguntaremos o que há de comum entre um falante do português e um falante do mandarim Diríamos que é o fato de ambos compartilha rem a única estrutura virtual dos seres humanos que é o estado inicial da faculdade da linguagem No entanto o que os diferencia são os sistemas de desempenho que eles adquiriram e aplicariam a casos específicos no uso da línguaE Parafraseando Chomsky 2005 quando perscrutamos as proprieda des fonéticas das LínguasE encontramos uma textura rica de elementos sonoros puramente internalista e evidências para as relações fonéticas entre as línguas Uma grande parte dessa estrutura fonética deriva de nossa natureza interior determinada pelo estado inicial de nossa faculda de de linguagem por isso não apreendida e universal para as LínguasI Como diz Chomsky 2005 p79 Algumas propriedades da expressão são universais outras são particulares da linguagem Nesse sentido as propriedades fonéticas do português no nível da interface articulatório perceptual apresentam muitas semelhanças com outras línguas porque dos sistemas de desempenho a representação no nível da interface na forma fonética impõe condições estruturais sobre o uso ou seja sobre a articulação e a percepção Embora a capacidade de controlar o trato vocal para a fala pareça ser uma propriedade especificamente humana isso não é considerado determinante na produção da linguagem uma vez que a produção da linguagem humana não dependente da modalidade de externalização 55 gErativismo linguístico o que as línguas de sinais deixam bem claro A externalização então é um processo auxiliar e suas propriedades um reflexo do sistema sensó riomotor Conforme Chomsky 2018a p 43 o processamento é um aspecto periférico da linguagem e que usos específicos da linguagem que dependem da externalização entre eles a comunicação são ainda mais periféricos contrariamente ao dogma virtual que não tem nenhum embasamento sério Esses conceitos nos levam a compreender melhor o que a teoria ge rativa demonstra sobre os princípios e os parâmetros da linguagem Os princípios da linguagem são fixos e inatos ao ser humano e os parâmetros são as variações restritas aos sistemas de desempenho Segundo Chomsky 2014 inicialmente a teoria gerativa sustentava que um parâmetro era uma opção disponível em um princípio linguístico uma regra univer sal No entanto nas discussões mais recentes da teoria o parâmetro se apresenta como duas formas distintas a saber as categorias funcionais e os microparâmetros Um dos principais exemplos dos parâmetros de categorias funcionais é o parâmetro sobre a ordenação entre o núcleo o especificador e os com plementos que geralmente levam as línguas a escolherem um parâmetro de ordenação para as categorias de sujeito S verbo V e objeto O O português o francês e o inglês escolhem para essas categorias que o núcleo do Inflectional phrase IP precede o complemento Compl e o especificador Spec precede o núcleo V Diferentemente dessas línguas o alemão ordena essas categorias de forma inversa de modo que o objeto O antecede o verbo V e o sujeito S antecede o objeto A figura 2 ilustra a diferença desses dois parâmetros 56 gErativismo linguístico Figura 2 Ilustração do parâmetro da ordem nas categorias de sujeito de verbo e de objeto no francês e no alemão respectivamente Fonte Adaptação de Raposo 1993 Para Raposo 1993 numa língua em que o valor do parâmetro é X Compl como o francês a ordem canônica é VO como ilustra a figura em 2a numa língua em que o valor do parâmetro é Compl X como o alemão a ordem canônica é OV como ilustra a figura em 2b Percebese aí que quando o verbo fica em posição final o complemento e o especi ficador aparecem à sua esquerda ou o objeto direto pode aparecer à sua direita No entanto quando o verbo fica no meio o objeto direto pode aparecer à sua esquerda Essas distinções na ordem das categorias funcionais apontam para o fato de que as diferenças paramétricas entre as línguas são na verdade diferentes formas que a faculdade da linguagem tem disponíveis para preencher os outputs estabelecidos pelos sistemas de desempenho pelas LínguasE com os quais ela interage mediante as interfaces sensório motora e conceitualintencional Presumese também que as diferenças paramétricas estejam alojadas nas palavras funcionais ao invés de nos princípios em si mesmos como era sugerido na abordagem inicial con forme afirma Chomsky 2014 a b 57 gErativismo linguístico Os microparâmetros identificam as unidades mínimas de variação paramétrica nos itens lexicais Kayne 2005 p 4 afirma que uma ideia generalizada sobre os parâmetros sintáticos foi a de que eles estão limita dos a serem característicaspropriedades de elementos funcionais em vez de serem características de elementos lexicais Porém como os elementos funcionais fazem parte do léxico essa limitação significa dizer que os pa râmetros sintáticos são necessariamente características ou propriedades dos elementos do léxico Essa ideia apresentada por Kayne veio a ser casada também com a ideia de que todas as diferenças paramétricas estão localizadas no léxico CHOMSKY 2014 p 402 Como vimos os parâmetros dizem respeito às propriedades específi cas das línguas e os princípios são propriedades universais presentes nas línguas Uma dessas propriedades no nível sintático é que os sintagmas X tem X como núcleo ou seja o NP Noun Phrase tem um N como seu núcleo em outras palavras cada categoria sintagmática é projetada por seu núcleo Disso resulta o seguinte princípio todo sintagma é a projeção de seu núcleo Com base nesse princípio dizemos que a estruturação hierárquica dos constituintes é basicamente a mesma para todos os sintag mas Mais precisamente os núcleos N V A ou P admitem modificadores e complementos que ocorrem na mesma ordem para todas as categorias Em português todos os modificadores ocorrem em princípio à esquerda do núcleo e os complementos à direita do núcleo Trazendo a ideia dos princípios para o nível fonológico dizemos que o número de segmentos que podem ser associados a determinado cons tituinte silábico e a ordem em que tais segmentos ocorrem são defini dos pelas restrições dos princípios de sonoridade da distância mínima e do máximo onset Para Silva 2014 p207 o princípio da sonoridade é uma gradação referente ao grau de abertura do trato vocal durante a produção dos sons e da quantidade de energia produzida durante a produção de um som Tal princípio expressa a tendência de que os segmentos mais sonoros ficam 58 gErativismo linguístico mais próximos do núcleo silábico e os menos sonoros ocupam as posições periféricas Em português as líquidas são mais sonoras que as nasais e que as obstruintes e por isso elas estão mais próximas do núcleo num ataque complexo e na coda complexa A posição periférica é ocupada pelas consoantes líquidas nasais e obstruintes O português apresenta uma distância mínima menor que a líquida ou igual a ela para a segunda consoante do ataque complexo Na sequência de segmentos pl como na palavra placa há um aumento de sonoridade que sai da obstruinte p para a líquida l Todavia quando a realização da sequência é por exemplo pn como na palavra pneu em que a sonoridade aumenta de uma obstruinte para uma nasal há a inserção de uma vogal entre as duas consoantes pinew ou penew Esse princípio explica a realização da epêntese e a formação do ataque e da coda complexos em português CARVALHO 2016 O princípio do máximo onset diz que uma sílaba espelha a coda no nível de sonoridade pois enquanto o primeiro cresce em sonoridade o segundo decresce ou seja o nível de sonoridade do onset vai das obstruin tes às líquidas e o nível da coda vai das líquidas às obstruintes A sílaba tɾaNs na palavra transporte por exemplo exemplifica muito bem esse princípio pois o nível de sonoridade aumenta da obstruinte t para líquida ɾ e depois para a vogal a e diminui da vogal a para a nasal n e depois para a obstruinte s No próximo tópico veremos os processos metodológicos que são uti lizados na pesquisa gerativa bem como as técnicas e os procedimentos aplicados pela teoria para obtenção de resultados 24 Metodologia para a pesquisa Os métodos de uma ciência se caracterizam pela constituição de um con junto das etapas que o pesquisador deve seguir na realização de uma pesquisa Os objetos de investigação determinam o tipo de método a ser 59 gErativismo linguístico empregado No entanto as técnicas que compõe o método podem ser distintas Quando pensamos a linguagem como o objeto de investigação do linguista percebemos que existem diferentes aplicações dos métodos e das técnicas empregados por ele na realização da pesquisa Apontaremos aqui o método na teoria distribucionalista e detalharemos o método na teoria gerativa Os pressupostos teóricos dos distribucionalistas que apresentamos no início deste capítulo guiavam os processos metodológicos da pesquisa na seguinte direção 1 era necessária a constituição de um corpus mais variado possível de ocorrências linguísticas da comunidade de falantes da língua 2 a partir do corpus elaboravase um inventário que permitisse identificar as unidades elementares de cada nível 3 depois verificavam se as leis combinatórias dos elementos linguísticos em cada nível Esse método de pesquisa é conhecido como método indutivo no qual o lin guista parte das observações e dos experimentos para fazer generalizações sobre os fatos linguísticos ou seja o linguista passa dos fatos particulares observados na língua para aplicar a todos os fatos da mesma espécie O que se constata da amostra no corpus ele estende a toda a população de casos da mesma espécie na língua A técnica de análise que eles utilizavam era chamada de análise de constituintes imediatos Essa técnica consiste em decompor o corpus em unidades significativas em frases depois a frase segmentada em consti tuintes chamados de sintagmas em seguida o sintagma é dividido em palavras por último a palavra era separada em morfemas e fonemas Nesse sentido os distribucionalistas eram indutivistas na metodologia de investigação e na prática científica eram descritivistas No entanto para compreendermos o processo metodológico da teoria gerativa devemos olhar os objetivos dessa teoria Como apresentamos acima a noção de língua está associada ao estado inicial da faculdade da linguagem e aos resultados do desenvolvimento desse estado inicial pelo contato com um determinado ambiente linguístico do falante Nesse 60 gErativismo linguístico sentido a teoria gerativa tem dois objetivos fundamentais 1 descrever o conhecimento do falante da língua em particular por exemplo o portu guês ou a língua de sinais brasileira 2 explicar os processos mentais do falante ideal que sai do estágio inicial do conhecimento linguístico inato até o conhecimento pleno da língua Tendo em vista esses dois objetivos veremos o método científico uti lizado e as técnicas empregadas na teoria gerativa 241 Método científico empregado no gerativismo O gerativista utiliza o método dedutivo hipotéticodedutivo Esse método considera que a pesquisa científica é uma livre criação de hipótese e que a descoberta científica é resultado da construção da hipótese Pensando assim a pesquisa em linguística gerativa segue as seguintes etapas 1 formulase uma hipótese uma conjectura acerca do objeto sob a forma de lei geral 2 procurase tirar conclusões por meio de deduções lógicas ou seja faz a dedução das consequências da lei depois 3 comparase essas consequências entre si e com o que é observado a fim de se verificar a adequação da hipótese proposta LOBATO 1986 p 79 Essa autora afirma também que o gerativista e o distribucionalista se diferenciam pelo fato de o método dedutivo permitir a introdução de hipóteses na teoria e a aceitação do uso da intuição na análise científica Por um lado os estruturalistas americanos não aceitavam a construção das hipóteses nas pesquisas pois para eles o linguista não deveria questionar os dados linguísticos mas apenas descrevêlos sem fazer qualquer indagação Por outro lado com a utilização do método hipotéticodedutivo a linguística propõe conjecturas sobre a linguagem e as línguas Ao invés de limitar a descrição dos dados de um corpus como faziam os distribucionalistas o linguista gerativista propõe hipóteses as quais devem ser testadas e postas em confronto com os dados observados nas línguas Essa característica da pesquisa gerativista privilegia dois aspectos atribuidores de cientificidade 61 gErativismo linguístico da linguística o primeiro é o carácter explicativo quando afirma que a linguística faz predições e o segundo é o carácter empírico quando diz que essas predições são empiricamente testáveis LOBATO 1986 p 80 Essas duas características estão diretamente relacionadas aos objetivos propostos pela teoria como apresentamos acima O gerativista utiliza a descrição das línguas que constitui a habilidade de fazer com que o outro veja mentalmente aquilo que o pesquisador observou em campo Essa descrição deve ser suficientemente precisa para que o leitor visualize o que o linguista observou em sua pesquisa Nesse sentido ela pode ser um passo metodológico utilizado pelo linguista e pode ser uma técnica da pesquisa de modo que outro pesquisador possa replicála aplicando o mesmo método A demonstração das descrições linguísticas é feita por meio das árvores sintáticas ou dos diagramas arbóreos Além da descrição o linguista gerativista procura explicar o conjunto de propriedades genéticas inatas e universais presentes na gramática universal GU ou seja procura explicar como há diversidade de línguas se somos dotados por um único aparato genético A explicação é feita por meio das noções de princípios e parâmetros A faculdade da linguagem é construída por leis gerais que servem para todas as línguas naturais Um fenômeno que viola os princípios gerais não é tolerado em nenhuma língua particular Talvez isso ocorra devido à forma como a mentecérebro da es pécie humana funciona É tarefa do gerativista explicar como os processos as estruturas linguísticas acontecem na mente do falante 242 Técnicas científicas utilizadas no gerativismo As técnicas de coleta de dados e os procedimentos operacionais que servem de mediação prática em pesquisa gerativa constituem elementos precípuos Eles são instrumentos que auxiliam o pesquisador na provação ou não de sua hipótese Abaixo apresentaremos três principais técnicas utilizadas na pesquisa gerativa 62 gErativismo linguístico Mencionaremos em primeiro lugar que a base empírica para a cons trução da gramática de uma língua é a introspecção acerca das entidades linguísticas ou seja os juízos de gramaticalidade e aceitabilidade da língua feitos pelos pesquisadores Essa afirmação pressupõe que o pesquisador é falante plenamente competente da língua e que a sua competência é idêntica à dos demais falantes Outra fonte muito importante é a documentação sobre a língua ou os corpora de textos Os corpora são registros e a sistematizações dos dados informações organizadas em condições de serem analisadas pelo pesquisa dor No contexto de realização de uma pesquisa gerativa a documentação é uma técnica de identificação levantamento e exploração de documen tosfonte do objeto pesquisado e registro do uso pelo falante As entidades linguísticas que se encontram nos corpora ajudam a sugerir informações sobre a língua que escapam ao escrutínio mental do pesquisador Além dessas podemos mencionar a entrevista in loco Com a aplicação dessa técnica o linguista gerativista colhe as informações de um deter minado fenômeno linguístico diretamente dos falantes da língua Com a utilização dessa técnica o linguista procura compreender o que os falantes pensam sabem representam sobre o conhecimento linguístico da língua que eles falam Para isso ele pode utilizar uma entrevista não diretiva ou a entrevista estruturada Na primeira o linguista colhe as informações dos falantes a partir do discurso livre deixandoos muito à vontade para expressar seus conhecimentos sobre as representações linguísticas na segunda o linguista direciona as perguntas com questões diretivas de modo a obter os resultados esperados pela pesquisa No próximo tópico apresentaremos um recorte de pesquisa que auxilia o leitor na compreensão e na prática científica desta teoria 63 gErativismo linguístico 25 Recorte de uma pesquisa Vimos no tópico anterior que as hipóteses são conjecturas acerca do objeto sob a forma de lei geral Quando definimos a hipótese de nosso trabalho temos de avaliála conforme a coerência interna consistente das noções usadas e a utilidade das hipóteses na análise das estruturas da língua como menciona Perini 2019 Antes de sugerirmos uma hipótese vejamos uma sentença explicada por esse autor 2 Os passarinhos atacaram a cobra Observamos na frase 2 alguns aspectos formais a o constituinte os passarinhos aparece em primeiro lugar antes do verbo b o constituin te a cobra aparece depois do verbo c o verbo concorda em número e pessoa com o constituinte que o antecede Esses elementos definem as funções sintáticas dos sintagmas O verbo concorda com o constituinte que o antecede o qual é chamado de sujeito da sentença e os constituintes que vêm depois do verbo são os objetos Para esse recorte de pesquisa em linguística gerativa levantemos a seguinte hipótese O processamento computacional dos sujeitos das sen tenças em português opera com deslocamento à direita do verbo para atender a filtro de caso nominativo Para explicarmos como esse processamento computacional ocorre nas sentenças do português traremos uma explicação apresentada por Kenedy 2015 p 2023 Ao descrever as operações formais que geram as estruturas sintáticas na língua portuguesa por exemplo devemos entender que as frases que pro duzimos e compreendemos quando usamos a linguagem são na verdade o resultado de um processo computacional Os gerativistas entendem que a sintaxe de uma língua não funciona naquilo que ouvimos ou escrevemos na superfície de uma dada frase Eles procuram reconstruir cada operação sintática do processo que lhe deu origem O conjunto das computações que geram uma frase é chamado de derivação e os sintagmas e as frases que 64 gErativismo linguístico resultam das operações sintáticas denominamse representação Vejamos o exemplo 3 abaixo 3 a Maria parece gostar de sintaxe b Parece Maria gostar de sintaxe Comparandose as sentenças 3a e 3b observamos que a represen tação da sentença 3a é agramatical pois o sintagma Maria é pleno isto é possui matriz fonética não é nulo nem oculto e está posicionado como sujeito de gostar que é verbo na forma infinita Sabemos que os verbos na forma infinita não conseguem licenciar sujeito Nesse sentido ocorre que nessa frase existe uma posição sintática livre que licencia uma expres são nominal que atribui a função de sujeito ao verbo flexionado parece durante a derivação dessa frase Isso acontece devido ao sistema compu tacional que preserva o Filtro de Caso nominativo na operação sintática de deslocamento do constituinte Maria para essa posição antes do verbo parece Podemos ver essa operação na sentença 4 4 Maria parece Maria gostar de sintaxe Observe em 4 que ocorrem o movimento do sujeito da frase Maria para uma posição licenciada e o apagamento fonético na posição não licen ciada forma tachada São operações como essas que tornam as sentenças gramaticais na língua Esse exemplo ilustra de forma simples a maneira pela qual se postula a existência de operações formais que são necessárias e suficientes para gerar estruturas gramaticais na língua portuguesa Após o levantamento da hipótese o gerativista utiliza uma das técnicas mencionadas para aqui sição das informações necessárias à pesquisa Aos poucos ele observará que uma operação formal advogada pelo pesquisador em sintaxe geral servirá para uma vasta gama de fenômenos linguísticos Como nós vimos as regras de movimento são apenas um exemplo de computação no sistema 65 gErativismo linguístico formal das línguas Elas se aplicam não só em relação ao licenciamento de sintagmas com Filtro de Caso mas também em outros fenômenos como o elemento QU Em línguas como o português elementos QU são tipi camente deslocados para periferias à esquerda nas frases interrogativas 26 Considerações finais Os pontos que abordamos sobre a teoria gerativa neste capítulo não são suficientes para compreendêla plenamente mas vislumbram alguns con ceitos necessários à pesquisa em linguística Se a linguagem for realmen te e parece que é um órgão da mentecérebro então acreditamos que essa teoria elucida alguns problemas científicos referentes à linguagem e apresenta um caminho de investigação que explica o processamento computacional dos fenômenos linguísticos e a relação da linguagem com outros órgãos da mentecérebro No entanto consideramos que alguns conceitos operacionais da teoria ficaram de fora ou em stand by para outros capítulos como as noções de ccomando sseleção cseleção projeção sintática formação de consti tuintes espaço derivacional numeração SPELLOUT etc as quais são fundamentais para uma compreensão técnica dos processamento com putacional das línguas Outros conceitos aqui apresentados exigiriam maior aprofundamento e exemplificação como a definição de sistema computacional sistemas de desempenho estado inicial da linguagem que contribuem os conceitos basilares da teoria gerativa Todavia procuramos apresentar o surgimento da teoria gerativa de modo que o leitor percebesse a importância dela para os estudos da cogni ção humana e descobrisse a diferença entre o gerativismo e o distribuciona lismo Depois mostramos os principais conceitos que julgamos necessários à compreensão geral da teoria Acreditamos que o fulcro da teoria gerativa foi exposto ao pesquisador que pretende iniciar seus estudos no gerativis mo ou seja diríamos que o tópico sobre princípios teóricos apresentou 66 gErativismo linguístico mesmo que de forma geral as cláusulas sine qua non do gerativismo Com aquelas informações iniciais o pesquisador foi introduzido às principais noções da teoria gerativa aos métodos científicos utilizados às técnicas aplicadas pela teoria para obtenção de resultados e a um pequeno recorte de pesquisa cujo escopo o investigador poderá ampliar e desenvolver uma pesquisa sobre o movimento de constituintes no português 67 gErativismo linguístico REFERÊNCIAS BARBOSA José Roberto Alves Linguística outra introdução Mossoró Queima Bucha 2013 88 p BLOOMFIELD Leonardo The use of language In BLOOMFIELD Leonardo Language Londres George Allen e Unwin 1935 cap 2 p 2141 CARVALHO Cid Ivan da Costa Transdutor de estados finitos para conversão de grafema para a pronúncia da variedade linguística potiguar 2016 160 f Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal do Ceará Fortaleza CHOMSKY Noam Novos horizontes no estudo da linguagem e da Mente São Paulo Unesp 2005 343 p CHOMSKY Noam Linguagem e mente São Paulo Unesp 2009 344 p CHOMSKY Noam Ciência da linguagem conversas com James McGilvray São Paulo Unesp 2014 p 2540 399403 CHOMSKY Noam Estrutura sintática Petrópolis RJ Vozes 2015 CHOMSKY Noam Que tipo de criatura somos nós Petrópolis RJ Vozes 2018a 175 p 68 gErativismo linguístico CHOMSKY Noam Sobre natureza e linguagem 2 ed São Paulo Wmf Martins Fontes 2018b 243 p CHOMSKY Noam BERWICK Robert C Por que apenas nós linguagem e evolução São Paulo Unesp 2017 COSTA Marcos Antonio Estruturalismo In MARTELOTTA Mário Eduardo org Manual de Linguística São Paulo Contexto 2016 p 123126 JACKENDOFF Ray Lexical storage versus online construction In JACKENDOFF Ray Foundations of language brain meaning grammar evolution Oxford Oxford University Press 2002 cap 6 p 152155 KAYNE Richard S Some notes on comparative syntax with special reference to english and french In CINQUE Guglielmo KAYNE Richard S The Oxford handbook of comparative syntax Oxford Oxford University Press 2005 p 369 KENEDY Eduardo Curso básico de linguística gerativa São Paulo Contexto 2013 KENEDY Eduardo Sintaxe gerativa In OTHERO Gabriel de Ávila KENEDY Eduardo Sintaxe sintaxes uma introdução São Paulo Contexto 2015 Cap 2 p 1126 LOBATO Lúcia Maria Pinheiro Sintaxe gerativa do português da teoria padrão à teoria da regência e ligação Belo Horizonte Vigília 1986 274 p McGILVRAY James Introdução In CHOMSKY N Ciência da linguagem conversas com James McGilvray São Paulo Unesp 2014 p 1121 MIOTO Carlos SILVA Maria Cristina Figueiredo LOPES Ruth Novo manual de morfossintaxe São Paulo Contexto 2016 269 p 69 gErativismo linguístico PERINI Mário Alberto Sintaxe São Paulo Parábola 2019 RAPOSO Eduardo P Categorias funcionais na gramática gerativa Delta São Paulo v 9 n 2 p237274 jun 1993 RIOTORTO Graça et al Gramática derivacional do português 2 ed Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 571 p Disponível em httpdxdoiorg10141959789892608648 Acesso em 21 set 2019 SILVA T C Fonética e fonologia do português 10 ed São Paulo Contexto 2014
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SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros CARVALHO C I C Gerativismo linguístico In CARVALHO C I C and BARBOSA J R A ed Teorias linguísticas orientações para a pesquisa online Mossoró EdUFERSA 2021 pp 4369 ISBN 9786587108254 httpsdoiorg10747697865871086290004 All the contents of this work except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International license Todo o conteúdo deste trabalho exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 40 Todo el contenido de esta obra excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 40 2 Gerativismo linguístico Cid Ivan da Costa Carvalho 43 2 GERATIVISMO LINGUÍSTICO Cid Ivan da Costa Carvalho 21 Considerações iniciais Se a linguagem é vista como um traço essencial de nossa humanidade então parece razoável dizer que a linguís ticaciência da linguagemtem um longo caminho a per correr pois o seu objeto de estudo se mostra tão complexo que mais de 2500 anos de pesquisa não foram capazes de depreender uma resposta clara sobre o que realmente é a linguagem No entanto ao longo desses anos vemos alguns lampejos que nos auxiliam na compreensão desse objeto de forma parcial Dentro do programa biolinguístico acreditamos que a teoria gerativa lampeja um caminho de investigação muito mais abrangente sobre a linguagem e sobre os tópicos a ela relacionados 44 gErativismo linguístico Essa afirmação parece coerente pois se considerarmos inicialmente as seguintes indagações Por que apenas nós humanos somos capazes de formar comunidades que vão além da noção de família Por que somen te nós e nenhum outro animal buscamos explicações para os eventos naturais sociais culturais e históricos Por que só nós organizamos e planejamos o futuro de maneira que vai muito além do que as outras cria turas fazem Por que exclusivamente os humanos produzem e apreciam ficções e fantasias e especulam desenham e empregam formas artísticas às quais não são praticadas pelos outros animais Parece que a única resposta plausível para essas indagações seja o fato de o homem possuir o fator mais importante que explica como essas capacidades notáveis chegaram até nósa linguagem McGilvray 2014 diz que essa conclusão faz sentido porque a lingua gem fornece a capacidade de especular e pensar sobre algum conteúdo próximo ou distante construindo um número ilimitado de pensamentos complexos passíveis de separar das circunstâncias e estender sobre tempos e circunstâncias arbitrárias Ela fornece a capacidade de organizar e cons truir projetos que envolvem a cooperação entre os indivíduos Porque sem ela não se pode fazer ciência nem buscar explicações básicas e conceitos matemáticos Essas e outras capacidades estão diretamente relacionadas ao fato de sermos possuidores da linguagem Se considerarmos também que a linguística é uma ciência natural ob jetiva que trata a linguagem como um sistema biológico que evoluiu a partir de um único indivíduo e foi geneticamente transmitido a sua prole diríamos então que as línguas não são ferramentas que os seres huma nos projetam ao longo dos milhares de anos mas são objetos biológicos como o sistema virtual ou imunológico digestivo por exemplo como diz Chomsky 2018a Considerando esses pontos fundamentais para o estudo da lingua gem humana percebemos que a linguagem é mais que um sistema de comunicação ou de interação ela é mais que um depósito de imagens de 45 gErativismo linguístico palavras na mente dos membros de uma comunidade ela é mais que um contrato estabelecido entre os membros de uma comunidade de fala ela é mais que uma série de hábitos usados para responder a situações de fala convencionais e para responder aos sons com as ações ela é mais que um o corpo de sinais proferidos e audíveis pelos quais o pensamento é expresso ela é mais que um método puramente humano e não instintivo de comu nicar ideia e emoções por meio de símbolos produzidos voluntariamente Nesse sentido o primeiro tópico deste capítulo apresenta o surgimento da teoria gerativa e sua importância na década da revolução cognitiva O segundo tópico mostra os principais conceitos que julgamos necessários à compreensão geral da teoria Todavia os leitores que pretendem se aprofundar no assunto encontrarão nas referências as principais obras relacionadas ao tema O terceiro tópico expõe a metodologia empregada na linguística gerativa fazendo a distinção entre o método utilizado pelos ge rativistas e os métodos aplicados pelos distribucionalistas O quarto tópico apresenta um recorte de uma pesquisa com a utilização da teoria gerativa 22 Surgimento da teoria A revolução cognitiva foi um movimento intelectual que se iniciou na década de 1950 como proposta interdisciplinar de estudar a mente e os processos a ela relacionados As áreas mais relevantes eram a psicologia a linguística a ciência da computação a antropologia a filosofia e a neu rociência nas quais predominavam o pensamento behaviorista O beha viorismo entendia que a psicologia humana podia ser estudada com base na observação do comportamento individual Para isso o comportamento era testado em laboratório Nesse sentido essa perspectiva tomava o com portamento como um dado que evidenciaria os mecanismos internos da mente e esses mecanismos operariam ao executar as ações e ao interpretar a experiência A revolução cognitiva surgiu em oposição a essa concepção e as principais publicações que desencadearam o movimento foram a obra 46 gErativismo linguístico The Magical Number Seven Plus or Minus Two 1956 do psicólogo George Miller e a obra Syntactic Structures 1957 do linguista Noam Chomsky Nessa época os estudos estruturalistas do linguista Leonard Bloomfield constituam a baliza que definia a prática científica da linguística A lingua gem humana era vista como um dos fatores sociais condicionados e sua aquisição dependia dos estímulos e respostas dos sujeitos na interação social Assim considerando os pressupostos da teoria behaviorista uma comunidade ensina o indivíduo a emitir uma dada resposta verbal uma palavra provendo estímulos reforçadores na presença da coisa para a qual o termo proferido é tomado como referente Nesse sentido Bloomfield 1935 aponta que a aquisição da linguagem é construída por meio dos eventos práticos que precedem o ato de fala depois ocorre a produção da própria fala e por último há os eventos práticos seguidos de ato de fala Podemos simplificar com a seguinte sequência temos os estímulos e as respostas aos estímulos que serão estímulos para outras respostas Pensando assim Costa 2016 p 123 afirma que o distribucionalis mo como era chamado o estruturalismo norteamericano pressupunha que cada língua apresentava uma estrutura específica pois fazia parte de uma comunidade de fala que os níveis fonológico morfológico e sintático evidenciavam essa estrutura que as unidades de nível imediatamente inferior constituem a unidade seguinte que a descrição de uma língua deve começar pelas unidades mais simples que a posição estrutural linear da unidade linguística define a função da unidade que na descrição é necessária absoluta objetividade que o processo de combinação das uni dades é guiada por leis próprias do sistema linguístico Esses pressupostos auxiliavam os pesquisadores distribucionalistas no estudo das línguas até meados dos anos de 1950 No entanto em Estrutura Sintática Syntactic structures Noam Chomsky lança as bases da teoria gerativa como uma proposta diferente os distribucionalistas americanos tanto na concepção de língua natural quanto nos pressupostos teóricos defendidos por eles Essa teoria procura 47 gErativismo linguístico descrever as línguas particulares e explicar abstratamente o funcionamento das formas linguísticas da linguagem Ao contrário dos distribucionalistas Chomsky 2015 p 17 afirma que uma língua é um conjunto finito ou infinito de sentenças cada senten ça sendo finita em extensão e construída a partir de um conjunto finito de elementos Ele acrescenta que todas as línguas naturais são línguas nesse sentido uma vez que cada língua apresenta um número finito de fonemas e as sentenças podem ser definidas como um conjunto desses fonemas Essa afirmação corrobora com o fato de que as línguas apresentam uma estrutura comum entre si Essa estrutura comum é evidenciada a partir da estrutura sintática pois é na sintaxe que se encontram os princípios e processos que constituem as sentenças das línguas particulares Um nível linguístico como o fonológico ou o morfológico é essencialmente um conjunto de recursos descritivos que estão disponíveis para a construção de uma gramática Explicando o objeto de estudo proposto por Chomsky Barbosa 2013 p 21 comunica que nessa concepção caberia ao linguista descrever as línguas naturais com vistas a determinar as sequências uni versais da língua comuns a toda e qualquer língua Por esse motivo a descrição de uma língua deve começar pela sin taxe unidade mais abrangente no nível de análise pois ela determina a construção de uma gramática para língua particular ou seja o mecanis mo de produção de sentenças de determinada língua No entanto como determinar a gramaticalidade de uma sentença Para Chomsky 2015 o objetivo básico da análise linguística de uma língua qualquer é separar as sentenças gramaticais das sentenças agramaticais de uma língua e estudar a estrutura das sentenças gramaticais Além disso cada unidade é definida na forma estrutural hierárquica e não na estrutura linear das sentenças Vejamos as sentenças abaixo 1 a O homem chutou a bola de plástico b O homem chutou a bola de tarde 48 gErativismo linguístico Podemos observar que as sentenças 1a e 1b pertencem à gramática da língua portuguesa e que os sintagmas preposicionais prepositional phrasePP de plástico e de tarde se encontram na posição linear da estrutura nas sentenças ou seja antes do nome nounN bola Todavia o sintagma preposicional de tarde está numa posição acima na estrutura hierárquica uma vez que ele não pertence ao sintagma nominal noun phraseNP encabeçado pelo item lexical bola mas ao sintagma verbal verbal phraseVP encabeçado pelo verbo chutar como ilustra a figura 1 Figura 1 Ilustração arbórea das sentenças 1a e 1b Fonte Sistema Constituency Parser do Lx Center 2020 Outro posicionamento do gerativismo cujo cerne já se encontrava nas obras iniciais de Chomsky é o fato de que o processo de combinação das unidades é guiado por leis universais desconsiderando as particularida des das línguas pois a linguagem é um objeto natural um componente da mente humana representado fisicamente no cérebro e integrado ao patrimônio biológico da espécie CHOMSKY 2018b p 1 Para a perspectiva gerativa o que significa dizer que a linguagem é um objeto natural como Chomsky a definiu Que propriedades da linguagem 1 a 1 b 49 gErativismo linguístico são estudadas quando a consideramos um objeto natural Que concepção de linguagem é adotada na teoria gerativa Que conceitos estão presentes nessa teoria No próximo tópico apresentaremos algumas explicações que podem levar às respostas dessas perguntas 23 Princípios teóricos Quando Chomsky 2018b diz que a linguagem é um objeto natural ele pressupõe que se os humanos são parte do mundo natural e não seres sobrenaturais então a inteligência humana tem seu escopo e seus limi tes determinados pelo design inicial CHOMSKY 2005 p 195 Esse é um ponto fundamental na teoria gerativa pois esta concebe inicialmente que o homem é um ser biológico e os aspectos mentais como linguagem pensamento percepção memória etc são objetos naturais comparados a moléculas campo elétrico sistema respiratório Não podemos fazer distinção entre a linguagem e as moléculas de H2O por exemplo pois ambos os objetos são naturais Nesse sentido não se pensa que o primeiro é cultural e o segundo é natural Os hábitos culturais são manifestações exteriores que a própria natureza do ser pode expressar Quando olhamos um pássaro por exemplo um Joãodebarro vemos que essa ave é um ser natural como outros objetos também os são Se observarmos o ninho que eles fazem nos galhos das árvores percebemos que o material utilizado para a construção é feito de material natural barro e gravetos porém não diríamos que o ninho é um objeto natural Se escutarmos o canto desse pássaro diríamos que o canto seria um objeto natural ou cultural Ele aprende o canto porque escuta os outros da mesma espécie cantarem ou ele tem a competência adquirida da espécie para desempenhar o canto O gerativismo entende que os objetos naturais são distintos dos objetos culturais O ninho de um pássaro é um objeto cultural pois é construí do por meio de um processo de transformação da matéria prima mesmo 50 gErativismo linguístico que esse ninho seja uma escavação em rocha ou em terra Todavia não diríamos o mesmo da capacidade de construílo Quando recorremos à linguagem numa perspectiva naturalista dire mos que ela é uma faculdade um dos elementos da mentecérebro dos seres humanos uma estrutura especializada da mentecérebro com a fun ção de executar os processos linguísticos A faculdade da linguagem é o estado inicial geneticamente determinado para todos os indivíduos para Peter Juan John e outros seres humanos Esse estado Inicial determina de maneira singular o sistema computacional da linguagem junto com uma série muito estruturada de possibilidades lexicais e algumas opções entre elementos gramaticais que não apresentam conteúdo substantivo CHOMSKY 2005 p 66 A faculdade da linguagem é um módulo da mente especificamente associado à língua e não a outras linguagens como a pintura a música a dança etc e apresenta no mínimo dois componentes diferentes um sistema cognitivo que armazena as informações de alguma maneira e sistemas de desempenho que fazem uso dessas informações para arti culação e percepção para falar sobre o mundo fazer perguntas contar piadas e assim por diante CHOMSKY 2005 p 210 Definese o primeiro componente como sendo um corpo comum de informações inatas que os sistemas de desempenho acessam ligamnos e os provêm de instruções a parte da linguagem que permanece intacta a mais básica propriedade da linguagem uma dotação genética chamada de estado inicial que torna possível o desenvolvimento de qualquer língua a Gramática Universal O segundo componente é descrito como sendo uma parte da linguagem que é mutável e seletivamente imperfeita uma unidade totalmente determi nada pelo estado inicial da linguagem um procedimento computacional que satisfaz a propriedade básica Destacamos que a expressão estado inicial se refere ao estado em que a linguagem está quando a criança nasce sendo considerada uniforme em relação a toda a espécie humana 51 gErativismo linguístico Observando bem a distinção desses dois componentes da linguagem vemos que tais componentes estão diretamente associados à LínguaI in terior individual intensional e a LínguaE exterior social extensional A línguaI é um estado do sistema cognitivo da linguagem de um indivíduo semelhante a maneira de falar de uma pessoa A línguaI por exemplo de uma criança nos estágios iniciais de aquisição apresenta forma de falar diferente dos adultos Se a línguaI fosse um objeto palpável e abríssemos para ver de que ela é composta encontraríamos três sistemas integrados o sistema computacional o sistema sensóriomotor e o sistema conceitual intencional como descrita por Chomsky e Berwick 2017 p 20 1 um sistema computacional interno que constrói expressões hierarquicamente estruturadas com interpretações sistemáticas no nível das interfaces com outros dois sistemas internos a saber 2 um sistema sensóriomotor para a externalização como produção ou parsing e 3 um sistema conceitual para inferência interpre tação planejamento e organização de açãoo que formalmente é chamado de pensamento O sistema computacional interno mapeia um leque de itens lexicais em um par de objetos simbólicos que apresentam as características foné ticas som e os aspectos semânticos significado Considerando que S corresponde a um significado no português e que F se refere a uma cadeia de sons S e F fornecem as informações necessárias para os sistemas de desempenho Veremos logo a seguir o que são esses sistemas Por ora diremos que o sistema computacional executa esse mapeamento por meio de uma operação chamada de Merge A operação das expressões hierarquicamente estruturadas na LínguaI é feita por meio de Merge Esse é o princípio computacional básico de todas as línguas Conforme a ideia exposta por Chomsky 2014 p 34 35 há dois tipos de Merge possíveis o Merge que toma duas coisas e colocálas juntas sem que uma altere o estado da outra E o outro Merge que toma 52 gErativismo linguístico uma coisa e um pedaço dela e prende esse pedaço na borda ou margem edge da coisa Essa é a propriedade de deslocamento ou movimento das línguas naturais que é encontrado em todos os lugares O primeiro tipo é chamado de Merge interno e o segundo de Merge externo Merge externo é usado em essência para fornecer as estruturas de argumentos Merge interno é basicamente usado para fornecer informação relacionada ao discurso como foco tópico informação novatodo tipo de coisa que se relaciona com a situação do discurso Nesse sentido Merge é uma operação computacional que toma dois objetos humanos compostos de som e significado como x ler e y livro e os concatena para forma o terceiro objeto z ler livro sem alterar a estrutura de nenhum desses objetos Os objetos ler livro e ler livro permanecem os mesmos Essa operação é fundamental para a produção das expressões estruturadas sintaticamente que são interpretadas no sistema conceitualintencional e emitidas pelo sistema sensóriomotor Observe que Merge opera com os itens lexicais Mas o que são itens lexicais na teoria gerativa Jackendoff 2002 define o item lexical como uma unidade armazenada na memória de longo prazo do falante de extensão maior ou menor que as palavras gramaticais Para esse autor nem todas as palavras gramaticais são itens lexicais e a gramática universal pode ser formulada como uma coleção de itens lexicais abstratos que semeiam a aquisição da linguagem Seguindo a mesma ideia de Jackendoff RioTorto 2016 dispõe que a organização das estruturas dos itens lexicais tem lugar na mente do falante de modo dinâmico uma vez ele analisa as estruturas antes de utilizálos na formação de novas palavras É claro que as pala vras escritas são representações fixas do léxico do falante constituindo parte do material linguístico produzido quando expressa o pensamento com a utilização do léxico ou cada vez que ele emite uma produção da fala ou da escrita O falante pode fazer a montagem do lexema em cada ato de fala Para isso o falante recorre aos mecanismos paradigmáticos às 53 gErativismo linguístico bases e aos operadores afixais disponíveis para formar nomes deverbais de ação Escolhe a base que encerra o significado con ceptual que pretende exprimir e para essa base escolhe o afixo que obedece aos constrangimentos que a base e o padrão derivacional impõem RIOTORTO 2016 p 81 Além dessas características Kenedy 2013 expressa que o léxico é o componente inicial do processamento computacional da linguagem que contém a forma fonética π e a forma lógica λ ou seja no léxico en contramse armazenadas todas as informações relacionadas à emissão de som e ao significado que devem ser mescladas no espaço derivacional Ele tem a função de fornecer à sintaxe os itens lexicais com os quais o sistema computacional gera as sentenças da língua Resumindo o que foi dito acima o léxico numa perspectiva cognitiva da linguagem possui instâncias de interface com a memória de longo prazo com os sistemas conceitual e articulatório e com o sistema computacional é nele que a línguaI e os demais sistemas cognitivos e as contingências da línguaE se entrecruzam Como menciona Kenedy 2013 o léxico existe na cognição individual e reflete as relações conceituais e morfossintáticas derivando de convenções socioculturais e históricas Os valores conceituais de uma língua são codificados no léxico de seus falantes Nesse sentido a faculdade da linguagem assume a forma de uma LínguaI completa e se integra num sistema de desempenho que executa um papel na articulação na interpretação e na expressão de crenças e desejos referindo contando histórias e assim por diante CHOMSKY 2005 Ela assume essa forma uma vez que cada falante a utiliza no de sempenho da línguaI Os sistemas de desempenho estão associados à LínguaE exterior ex tensional e se apresentam em dois tipos distintos o sistema sensóriomotor e o sistema conceitualintencional Uma expressão linguística é gerada por meio desses dois níveis de interfaces uma que fornece informação e ins trução para os sistemas articulatórioperceptivos e outra para os sistemas 54 gErativismo linguístico conceitualintencionais CHOMSKY 2005 p 67 O primeiro fornece as instruções para a externalização da língua que são caracterizadas como a representação fonética forma fonéticaFF ou seja é responsável pelo controle da produção e da recepção dos sons na fala e dos sinais visuais nas línguas vísuoespaciais O segundo fornece informações para os pro cessos mentais e são caracterizados como a representação lógica forma lógicaFL ou seja é responsável pelas crenças desejos conceitos lógica Se observarmos os conceitos de LínguaI e de LínguaE com mais de talhes perguntaremos o que há de comum entre um falante do português e um falante do mandarim Diríamos que é o fato de ambos compartilha rem a única estrutura virtual dos seres humanos que é o estado inicial da faculdade da linguagem No entanto o que os diferencia são os sistemas de desempenho que eles adquiriram e aplicariam a casos específicos no uso da línguaE Parafraseando Chomsky 2005 quando perscrutamos as proprieda des fonéticas das LínguasE encontramos uma textura rica de elementos sonoros puramente internalista e evidências para as relações fonéticas entre as línguas Uma grande parte dessa estrutura fonética deriva de nossa natureza interior determinada pelo estado inicial de nossa faculda de de linguagem por isso não apreendida e universal para as LínguasI Como diz Chomsky 2005 p79 Algumas propriedades da expressão são universais outras são particulares da linguagem Nesse sentido as propriedades fonéticas do português no nível da interface articulatório perceptual apresentam muitas semelhanças com outras línguas porque dos sistemas de desempenho a representação no nível da interface na forma fonética impõe condições estruturais sobre o uso ou seja sobre a articulação e a percepção Embora a capacidade de controlar o trato vocal para a fala pareça ser uma propriedade especificamente humana isso não é considerado determinante na produção da linguagem uma vez que a produção da linguagem humana não dependente da modalidade de externalização 55 gErativismo linguístico o que as línguas de sinais deixam bem claro A externalização então é um processo auxiliar e suas propriedades um reflexo do sistema sensó riomotor Conforme Chomsky 2018a p 43 o processamento é um aspecto periférico da linguagem e que usos específicos da linguagem que dependem da externalização entre eles a comunicação são ainda mais periféricos contrariamente ao dogma virtual que não tem nenhum embasamento sério Esses conceitos nos levam a compreender melhor o que a teoria ge rativa demonstra sobre os princípios e os parâmetros da linguagem Os princípios da linguagem são fixos e inatos ao ser humano e os parâmetros são as variações restritas aos sistemas de desempenho Segundo Chomsky 2014 inicialmente a teoria gerativa sustentava que um parâmetro era uma opção disponível em um princípio linguístico uma regra univer sal No entanto nas discussões mais recentes da teoria o parâmetro se apresenta como duas formas distintas a saber as categorias funcionais e os microparâmetros Um dos principais exemplos dos parâmetros de categorias funcionais é o parâmetro sobre a ordenação entre o núcleo o especificador e os com plementos que geralmente levam as línguas a escolherem um parâmetro de ordenação para as categorias de sujeito S verbo V e objeto O O português o francês e o inglês escolhem para essas categorias que o núcleo do Inflectional phrase IP precede o complemento Compl e o especificador Spec precede o núcleo V Diferentemente dessas línguas o alemão ordena essas categorias de forma inversa de modo que o objeto O antecede o verbo V e o sujeito S antecede o objeto A figura 2 ilustra a diferença desses dois parâmetros 56 gErativismo linguístico Figura 2 Ilustração do parâmetro da ordem nas categorias de sujeito de verbo e de objeto no francês e no alemão respectivamente Fonte Adaptação de Raposo 1993 Para Raposo 1993 numa língua em que o valor do parâmetro é X Compl como o francês a ordem canônica é VO como ilustra a figura em 2a numa língua em que o valor do parâmetro é Compl X como o alemão a ordem canônica é OV como ilustra a figura em 2b Percebese aí que quando o verbo fica em posição final o complemento e o especi ficador aparecem à sua esquerda ou o objeto direto pode aparecer à sua direita No entanto quando o verbo fica no meio o objeto direto pode aparecer à sua esquerda Essas distinções na ordem das categorias funcionais apontam para o fato de que as diferenças paramétricas entre as línguas são na verdade diferentes formas que a faculdade da linguagem tem disponíveis para preencher os outputs estabelecidos pelos sistemas de desempenho pelas LínguasE com os quais ela interage mediante as interfaces sensório motora e conceitualintencional Presumese também que as diferenças paramétricas estejam alojadas nas palavras funcionais ao invés de nos princípios em si mesmos como era sugerido na abordagem inicial con forme afirma Chomsky 2014 a b 57 gErativismo linguístico Os microparâmetros identificam as unidades mínimas de variação paramétrica nos itens lexicais Kayne 2005 p 4 afirma que uma ideia generalizada sobre os parâmetros sintáticos foi a de que eles estão limita dos a serem característicaspropriedades de elementos funcionais em vez de serem características de elementos lexicais Porém como os elementos funcionais fazem parte do léxico essa limitação significa dizer que os pa râmetros sintáticos são necessariamente características ou propriedades dos elementos do léxico Essa ideia apresentada por Kayne veio a ser casada também com a ideia de que todas as diferenças paramétricas estão localizadas no léxico CHOMSKY 2014 p 402 Como vimos os parâmetros dizem respeito às propriedades específi cas das línguas e os princípios são propriedades universais presentes nas línguas Uma dessas propriedades no nível sintático é que os sintagmas X tem X como núcleo ou seja o NP Noun Phrase tem um N como seu núcleo em outras palavras cada categoria sintagmática é projetada por seu núcleo Disso resulta o seguinte princípio todo sintagma é a projeção de seu núcleo Com base nesse princípio dizemos que a estruturação hierárquica dos constituintes é basicamente a mesma para todos os sintag mas Mais precisamente os núcleos N V A ou P admitem modificadores e complementos que ocorrem na mesma ordem para todas as categorias Em português todos os modificadores ocorrem em princípio à esquerda do núcleo e os complementos à direita do núcleo Trazendo a ideia dos princípios para o nível fonológico dizemos que o número de segmentos que podem ser associados a determinado cons tituinte silábico e a ordem em que tais segmentos ocorrem são defini dos pelas restrições dos princípios de sonoridade da distância mínima e do máximo onset Para Silva 2014 p207 o princípio da sonoridade é uma gradação referente ao grau de abertura do trato vocal durante a produção dos sons e da quantidade de energia produzida durante a produção de um som Tal princípio expressa a tendência de que os segmentos mais sonoros ficam 58 gErativismo linguístico mais próximos do núcleo silábico e os menos sonoros ocupam as posições periféricas Em português as líquidas são mais sonoras que as nasais e que as obstruintes e por isso elas estão mais próximas do núcleo num ataque complexo e na coda complexa A posição periférica é ocupada pelas consoantes líquidas nasais e obstruintes O português apresenta uma distância mínima menor que a líquida ou igual a ela para a segunda consoante do ataque complexo Na sequência de segmentos pl como na palavra placa há um aumento de sonoridade que sai da obstruinte p para a líquida l Todavia quando a realização da sequência é por exemplo pn como na palavra pneu em que a sonoridade aumenta de uma obstruinte para uma nasal há a inserção de uma vogal entre as duas consoantes pinew ou penew Esse princípio explica a realização da epêntese e a formação do ataque e da coda complexos em português CARVALHO 2016 O princípio do máximo onset diz que uma sílaba espelha a coda no nível de sonoridade pois enquanto o primeiro cresce em sonoridade o segundo decresce ou seja o nível de sonoridade do onset vai das obstruin tes às líquidas e o nível da coda vai das líquidas às obstruintes A sílaba tɾaNs na palavra transporte por exemplo exemplifica muito bem esse princípio pois o nível de sonoridade aumenta da obstruinte t para líquida ɾ e depois para a vogal a e diminui da vogal a para a nasal n e depois para a obstruinte s No próximo tópico veremos os processos metodológicos que são uti lizados na pesquisa gerativa bem como as técnicas e os procedimentos aplicados pela teoria para obtenção de resultados 24 Metodologia para a pesquisa Os métodos de uma ciência se caracterizam pela constituição de um con junto das etapas que o pesquisador deve seguir na realização de uma pesquisa Os objetos de investigação determinam o tipo de método a ser 59 gErativismo linguístico empregado No entanto as técnicas que compõe o método podem ser distintas Quando pensamos a linguagem como o objeto de investigação do linguista percebemos que existem diferentes aplicações dos métodos e das técnicas empregados por ele na realização da pesquisa Apontaremos aqui o método na teoria distribucionalista e detalharemos o método na teoria gerativa Os pressupostos teóricos dos distribucionalistas que apresentamos no início deste capítulo guiavam os processos metodológicos da pesquisa na seguinte direção 1 era necessária a constituição de um corpus mais variado possível de ocorrências linguísticas da comunidade de falantes da língua 2 a partir do corpus elaboravase um inventário que permitisse identificar as unidades elementares de cada nível 3 depois verificavam se as leis combinatórias dos elementos linguísticos em cada nível Esse método de pesquisa é conhecido como método indutivo no qual o lin guista parte das observações e dos experimentos para fazer generalizações sobre os fatos linguísticos ou seja o linguista passa dos fatos particulares observados na língua para aplicar a todos os fatos da mesma espécie O que se constata da amostra no corpus ele estende a toda a população de casos da mesma espécie na língua A técnica de análise que eles utilizavam era chamada de análise de constituintes imediatos Essa técnica consiste em decompor o corpus em unidades significativas em frases depois a frase segmentada em consti tuintes chamados de sintagmas em seguida o sintagma é dividido em palavras por último a palavra era separada em morfemas e fonemas Nesse sentido os distribucionalistas eram indutivistas na metodologia de investigação e na prática científica eram descritivistas No entanto para compreendermos o processo metodológico da teoria gerativa devemos olhar os objetivos dessa teoria Como apresentamos acima a noção de língua está associada ao estado inicial da faculdade da linguagem e aos resultados do desenvolvimento desse estado inicial pelo contato com um determinado ambiente linguístico do falante Nesse 60 gErativismo linguístico sentido a teoria gerativa tem dois objetivos fundamentais 1 descrever o conhecimento do falante da língua em particular por exemplo o portu guês ou a língua de sinais brasileira 2 explicar os processos mentais do falante ideal que sai do estágio inicial do conhecimento linguístico inato até o conhecimento pleno da língua Tendo em vista esses dois objetivos veremos o método científico uti lizado e as técnicas empregadas na teoria gerativa 241 Método científico empregado no gerativismo O gerativista utiliza o método dedutivo hipotéticodedutivo Esse método considera que a pesquisa científica é uma livre criação de hipótese e que a descoberta científica é resultado da construção da hipótese Pensando assim a pesquisa em linguística gerativa segue as seguintes etapas 1 formulase uma hipótese uma conjectura acerca do objeto sob a forma de lei geral 2 procurase tirar conclusões por meio de deduções lógicas ou seja faz a dedução das consequências da lei depois 3 comparase essas consequências entre si e com o que é observado a fim de se verificar a adequação da hipótese proposta LOBATO 1986 p 79 Essa autora afirma também que o gerativista e o distribucionalista se diferenciam pelo fato de o método dedutivo permitir a introdução de hipóteses na teoria e a aceitação do uso da intuição na análise científica Por um lado os estruturalistas americanos não aceitavam a construção das hipóteses nas pesquisas pois para eles o linguista não deveria questionar os dados linguísticos mas apenas descrevêlos sem fazer qualquer indagação Por outro lado com a utilização do método hipotéticodedutivo a linguística propõe conjecturas sobre a linguagem e as línguas Ao invés de limitar a descrição dos dados de um corpus como faziam os distribucionalistas o linguista gerativista propõe hipóteses as quais devem ser testadas e postas em confronto com os dados observados nas línguas Essa característica da pesquisa gerativista privilegia dois aspectos atribuidores de cientificidade 61 gErativismo linguístico da linguística o primeiro é o carácter explicativo quando afirma que a linguística faz predições e o segundo é o carácter empírico quando diz que essas predições são empiricamente testáveis LOBATO 1986 p 80 Essas duas características estão diretamente relacionadas aos objetivos propostos pela teoria como apresentamos acima O gerativista utiliza a descrição das línguas que constitui a habilidade de fazer com que o outro veja mentalmente aquilo que o pesquisador observou em campo Essa descrição deve ser suficientemente precisa para que o leitor visualize o que o linguista observou em sua pesquisa Nesse sentido ela pode ser um passo metodológico utilizado pelo linguista e pode ser uma técnica da pesquisa de modo que outro pesquisador possa replicála aplicando o mesmo método A demonstração das descrições linguísticas é feita por meio das árvores sintáticas ou dos diagramas arbóreos Além da descrição o linguista gerativista procura explicar o conjunto de propriedades genéticas inatas e universais presentes na gramática universal GU ou seja procura explicar como há diversidade de línguas se somos dotados por um único aparato genético A explicação é feita por meio das noções de princípios e parâmetros A faculdade da linguagem é construída por leis gerais que servem para todas as línguas naturais Um fenômeno que viola os princípios gerais não é tolerado em nenhuma língua particular Talvez isso ocorra devido à forma como a mentecérebro da es pécie humana funciona É tarefa do gerativista explicar como os processos as estruturas linguísticas acontecem na mente do falante 242 Técnicas científicas utilizadas no gerativismo As técnicas de coleta de dados e os procedimentos operacionais que servem de mediação prática em pesquisa gerativa constituem elementos precípuos Eles são instrumentos que auxiliam o pesquisador na provação ou não de sua hipótese Abaixo apresentaremos três principais técnicas utilizadas na pesquisa gerativa 62 gErativismo linguístico Mencionaremos em primeiro lugar que a base empírica para a cons trução da gramática de uma língua é a introspecção acerca das entidades linguísticas ou seja os juízos de gramaticalidade e aceitabilidade da língua feitos pelos pesquisadores Essa afirmação pressupõe que o pesquisador é falante plenamente competente da língua e que a sua competência é idêntica à dos demais falantes Outra fonte muito importante é a documentação sobre a língua ou os corpora de textos Os corpora são registros e a sistematizações dos dados informações organizadas em condições de serem analisadas pelo pesquisa dor No contexto de realização de uma pesquisa gerativa a documentação é uma técnica de identificação levantamento e exploração de documen tosfonte do objeto pesquisado e registro do uso pelo falante As entidades linguísticas que se encontram nos corpora ajudam a sugerir informações sobre a língua que escapam ao escrutínio mental do pesquisador Além dessas podemos mencionar a entrevista in loco Com a aplicação dessa técnica o linguista gerativista colhe as informações de um deter minado fenômeno linguístico diretamente dos falantes da língua Com a utilização dessa técnica o linguista procura compreender o que os falantes pensam sabem representam sobre o conhecimento linguístico da língua que eles falam Para isso ele pode utilizar uma entrevista não diretiva ou a entrevista estruturada Na primeira o linguista colhe as informações dos falantes a partir do discurso livre deixandoos muito à vontade para expressar seus conhecimentos sobre as representações linguísticas na segunda o linguista direciona as perguntas com questões diretivas de modo a obter os resultados esperados pela pesquisa No próximo tópico apresentaremos um recorte de pesquisa que auxilia o leitor na compreensão e na prática científica desta teoria 63 gErativismo linguístico 25 Recorte de uma pesquisa Vimos no tópico anterior que as hipóteses são conjecturas acerca do objeto sob a forma de lei geral Quando definimos a hipótese de nosso trabalho temos de avaliála conforme a coerência interna consistente das noções usadas e a utilidade das hipóteses na análise das estruturas da língua como menciona Perini 2019 Antes de sugerirmos uma hipótese vejamos uma sentença explicada por esse autor 2 Os passarinhos atacaram a cobra Observamos na frase 2 alguns aspectos formais a o constituinte os passarinhos aparece em primeiro lugar antes do verbo b o constituin te a cobra aparece depois do verbo c o verbo concorda em número e pessoa com o constituinte que o antecede Esses elementos definem as funções sintáticas dos sintagmas O verbo concorda com o constituinte que o antecede o qual é chamado de sujeito da sentença e os constituintes que vêm depois do verbo são os objetos Para esse recorte de pesquisa em linguística gerativa levantemos a seguinte hipótese O processamento computacional dos sujeitos das sen tenças em português opera com deslocamento à direita do verbo para atender a filtro de caso nominativo Para explicarmos como esse processamento computacional ocorre nas sentenças do português traremos uma explicação apresentada por Kenedy 2015 p 2023 Ao descrever as operações formais que geram as estruturas sintáticas na língua portuguesa por exemplo devemos entender que as frases que pro duzimos e compreendemos quando usamos a linguagem são na verdade o resultado de um processo computacional Os gerativistas entendem que a sintaxe de uma língua não funciona naquilo que ouvimos ou escrevemos na superfície de uma dada frase Eles procuram reconstruir cada operação sintática do processo que lhe deu origem O conjunto das computações que geram uma frase é chamado de derivação e os sintagmas e as frases que 64 gErativismo linguístico resultam das operações sintáticas denominamse representação Vejamos o exemplo 3 abaixo 3 a Maria parece gostar de sintaxe b Parece Maria gostar de sintaxe Comparandose as sentenças 3a e 3b observamos que a represen tação da sentença 3a é agramatical pois o sintagma Maria é pleno isto é possui matriz fonética não é nulo nem oculto e está posicionado como sujeito de gostar que é verbo na forma infinita Sabemos que os verbos na forma infinita não conseguem licenciar sujeito Nesse sentido ocorre que nessa frase existe uma posição sintática livre que licencia uma expres são nominal que atribui a função de sujeito ao verbo flexionado parece durante a derivação dessa frase Isso acontece devido ao sistema compu tacional que preserva o Filtro de Caso nominativo na operação sintática de deslocamento do constituinte Maria para essa posição antes do verbo parece Podemos ver essa operação na sentença 4 4 Maria parece Maria gostar de sintaxe Observe em 4 que ocorrem o movimento do sujeito da frase Maria para uma posição licenciada e o apagamento fonético na posição não licen ciada forma tachada São operações como essas que tornam as sentenças gramaticais na língua Esse exemplo ilustra de forma simples a maneira pela qual se postula a existência de operações formais que são necessárias e suficientes para gerar estruturas gramaticais na língua portuguesa Após o levantamento da hipótese o gerativista utiliza uma das técnicas mencionadas para aqui sição das informações necessárias à pesquisa Aos poucos ele observará que uma operação formal advogada pelo pesquisador em sintaxe geral servirá para uma vasta gama de fenômenos linguísticos Como nós vimos as regras de movimento são apenas um exemplo de computação no sistema 65 gErativismo linguístico formal das línguas Elas se aplicam não só em relação ao licenciamento de sintagmas com Filtro de Caso mas também em outros fenômenos como o elemento QU Em línguas como o português elementos QU são tipi camente deslocados para periferias à esquerda nas frases interrogativas 26 Considerações finais Os pontos que abordamos sobre a teoria gerativa neste capítulo não são suficientes para compreendêla plenamente mas vislumbram alguns con ceitos necessários à pesquisa em linguística Se a linguagem for realmen te e parece que é um órgão da mentecérebro então acreditamos que essa teoria elucida alguns problemas científicos referentes à linguagem e apresenta um caminho de investigação que explica o processamento computacional dos fenômenos linguísticos e a relação da linguagem com outros órgãos da mentecérebro No entanto consideramos que alguns conceitos operacionais da teoria ficaram de fora ou em stand by para outros capítulos como as noções de ccomando sseleção cseleção projeção sintática formação de consti tuintes espaço derivacional numeração SPELLOUT etc as quais são fundamentais para uma compreensão técnica dos processamento com putacional das línguas Outros conceitos aqui apresentados exigiriam maior aprofundamento e exemplificação como a definição de sistema computacional sistemas de desempenho estado inicial da linguagem que contribuem os conceitos basilares da teoria gerativa Todavia procuramos apresentar o surgimento da teoria gerativa de modo que o leitor percebesse a importância dela para os estudos da cogni ção humana e descobrisse a diferença entre o gerativismo e o distribuciona lismo Depois mostramos os principais conceitos que julgamos necessários à compreensão geral da teoria Acreditamos que o fulcro da teoria gerativa foi exposto ao pesquisador que pretende iniciar seus estudos no gerativis mo ou seja diríamos que o tópico sobre princípios teóricos apresentou 66 gErativismo linguístico mesmo que de forma geral as cláusulas sine qua non do gerativismo Com aquelas informações iniciais o pesquisador foi introduzido às principais noções da teoria gerativa aos métodos científicos utilizados às técnicas aplicadas pela teoria para obtenção de resultados e a um pequeno recorte de pesquisa cujo escopo o investigador poderá ampliar e desenvolver uma pesquisa sobre o movimento de constituintes no português 67 gErativismo linguístico REFERÊNCIAS BARBOSA José Roberto Alves Linguística outra introdução Mossoró Queima Bucha 2013 88 p BLOOMFIELD Leonardo The use of language In BLOOMFIELD Leonardo Language Londres George Allen e Unwin 1935 cap 2 p 2141 CARVALHO Cid Ivan da Costa Transdutor de estados finitos para conversão de grafema para a pronúncia da variedade linguística potiguar 2016 160 f Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal do Ceará Fortaleza CHOMSKY Noam Novos horizontes no estudo da linguagem e da Mente São Paulo Unesp 2005 343 p CHOMSKY Noam Linguagem e mente São Paulo Unesp 2009 344 p CHOMSKY Noam Ciência da linguagem conversas com James McGilvray São Paulo Unesp 2014 p 2540 399403 CHOMSKY Noam Estrutura sintática Petrópolis RJ Vozes 2015 CHOMSKY Noam Que tipo de criatura somos nós Petrópolis RJ Vozes 2018a 175 p 68 gErativismo linguístico CHOMSKY Noam Sobre natureza e linguagem 2 ed São Paulo Wmf Martins Fontes 2018b 243 p CHOMSKY Noam BERWICK Robert C Por que apenas nós linguagem e evolução São Paulo Unesp 2017 COSTA Marcos Antonio Estruturalismo In MARTELOTTA Mário Eduardo org Manual de Linguística São Paulo Contexto 2016 p 123126 JACKENDOFF Ray Lexical storage versus online construction In JACKENDOFF Ray Foundations of language brain meaning grammar evolution Oxford Oxford University Press 2002 cap 6 p 152155 KAYNE Richard S Some notes on comparative syntax with special reference to english and french In CINQUE Guglielmo KAYNE Richard S The Oxford handbook of comparative syntax Oxford Oxford University Press 2005 p 369 KENEDY Eduardo Curso básico de linguística gerativa São Paulo Contexto 2013 KENEDY Eduardo Sintaxe gerativa In OTHERO Gabriel de Ávila KENEDY Eduardo Sintaxe sintaxes uma introdução São Paulo Contexto 2015 Cap 2 p 1126 LOBATO Lúcia Maria Pinheiro Sintaxe gerativa do português da teoria padrão à teoria da regência e ligação Belo Horizonte Vigília 1986 274 p McGILVRAY James Introdução In CHOMSKY N Ciência da linguagem conversas com James McGilvray São Paulo Unesp 2014 p 1121 MIOTO Carlos SILVA Maria Cristina Figueiredo LOPES Ruth Novo manual de morfossintaxe São Paulo Contexto 2016 269 p 69 gErativismo linguístico PERINI Mário Alberto Sintaxe São Paulo Parábola 2019 RAPOSO Eduardo P Categorias funcionais na gramática gerativa Delta São Paulo v 9 n 2 p237274 jun 1993 RIOTORTO Graça et al Gramática derivacional do português 2 ed Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 571 p Disponível em httpdxdoiorg10141959789892608648 Acesso em 21 set 2019 SILVA T C Fonética e fonologia do português 10 ed São Paulo Contexto 2014