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Linguística
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Sociolinguística Florianópolis 2010 Edair Maria Görski Izete Lehmkuhl Coelho Christiane Maria Nunes de Souza Guilherme Henrique May 5º Período Governo Federal Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro de Educação Fernando Haddad Secretário de Ensino a Distância Carlos Eduardo Bielschowky Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil Celso Costa Universidade Federal de Santa Catarina Reitor Alvaro Toubes Prata ViceReitor Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância Cícero Barbosa PróReitora de Ensino de Graduação Yara Maria Rauh Müller PróReitora de Pesquisa e Extensão Débora Peres Menezes PróReitor de PósGraduação Maria Lúcia de Barros Camargo PróReitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz Henrique Vieira da Silva PróReitor de InfraEstrutura João Batista Furtuoso PróReitor de Assuntos Estudantis Cláudio José Amante Centro de Ciências da Educação Wilson Schmidt Curso de Licenciatura LetrasPortuguês na Modalidade a Distância Diretora Unidade de Ensino Felício Wessling Margutti Chefe do Departamento Zilma Gesser Nunes Coordenadoras de Curso Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser Nunes Coordenador de Tutoria Josias Ricardo Hack Coordenação Pedagógica LANTECCED Coordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem HiperlabCCE Comissão Editorial Tânia Regina Oliveira Ramos Izete Lehmkuhl Coelho Mary Elizabeth Cerutti Rizzati Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias LANTECCED Coordenação Geral Andrea Lapa Coordenação Pedagógica Roseli Zen Cerny Produção Gráfica e Hipermídia Design Gráfico e Editorial Ana Clara Miranda Gern Kelly Cristine Suzuki Responsável Thiago Rocha Oliveira Laura Martins Rodrigues Adaptação do Projeto Gráfico Laura Martins Rodrigues Thiago Rocha Oliveira Diagramação Karina Silveira Figuras Bruno Nucci Maiara Ariño João Machado Amanda Woehl Tratamento de Imagem Amanda Woehl João Machado Revisão gramatical x Design Instrucional Responsável Vanessa Gonzaga Nunes Designer Instrucional Tecia Estefana Vailati Copyright 2010 Universidade Federal de Santa CatarinaLLVCCEUFSC Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico por fotocópia e outros sem a prévia autorização por escrito da Coordena ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em LetrasPortuguês na Modalidade a Distância Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina Ficha Catalográfica C672s Coelho Izete Sociolinguística Izete Coelho Florianópolis LLVCCE UFSC 2010 172 p 28 cm ISBN 9788561482251 1Sociolinguística 2Linguística 3Educação 4Dialetos ITítulo CDU 801 Sumário Apresentação 7 Unidade A Introdução ao estudo da linguagem no contexto social 11 1 Breve histórico da Sociolinguística 13 2 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 19 21 A proposta de William Labov 19 22 Conceitos fundamentais 23 23 Significado social das formas variantes 30 24 As noções de comunidade de fala e de redes sociais 37 Fechando a Unidade A 43 Unidade B As dimensões interna e externa da variação linguística 45 3 A dimensão interna níveis de variação linguística 47 31 Contextualizando 48 32 A variação interna 50 4 A dimensão externa da variação linguística 71 41 Breve retrospectiva 71 42 Tipos de variação 76 Fechando a Unidade B87 Unidade C Variação e mudança linguística 89 5 Mudança linguística e o tempo 91 51 Homogeneidade versus heterogeneidade 91 52 Problemas empíricos para uma teoria da mudança linguística 95 53 Princípios gerais para o estudo da mudança linguística 106 Fechando a Unidade C 108 Unidade D Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística 111 6 Etapas da pesquisa sociolinguística 113 61 Seleção dos informantes 113 62 Metodologia de coleta de dados 116 63 Envelope de variação 129 64 Levantamento de questões e hipóteses132 65 Codificação de dados e análise estatística 135 7 Estudo de um fenômeno linguístico variável 137 Fechando a Unidade D 144 Unidade E Sociolinguística e Ensino 147 Contribuições da Sociolinguística para o ensino 8 de língua portuguesa 149 81 A proposta dos PCNs para o ensino de língua portuguesa 149 82 Contribuições no nível conceitual 152 83 Contribuições em torno da heterogeneidade da língua portuguesa 154 84 Contribuições quanto à prática do professorpesquisador 159 Fechando a Unidade E 161 Glossário 163 Referências 167 Apresentação Caros alunos Queremos introduzir a disciplina de Sociolinguística de forma leve e bem humorada Por isso decidimos começar com a seguinte piada já conhecida de você Domingo à tarde o político vê um programa de TV Um assessor passa por ele e pergunta Firme O político responde Não Sírvio Santos POSSENTI S Os humores da língua Campinas SP Mercado das Letras 1998 p 34 Você deve estar se perguntando o que tem a ver essa piada com a Sociolinguís tica Vejamos Numa análise rápida notamos que é a palavra firme que desencadeia o efeito humorístico pois está funcionando com dois sentidos a firme tudo bem um cumprimento informal b firme filme uma variante popular O assessor cumprimenta o político perguntando se está tudo bem mas este entende que o primeiro está querendo saber se ele está assistindo a um filme na TV Essa segunda interpretação é linguisticamente reforçada pelo uso da pala vra Sírvio Está claro que a figura do político está sendo representada como caipira não escolarizado etc Ele ouve a palavra firme e a entende como uma variante de filme A troca de l por r nesse caso representa um fenômeno que chamamos de variação linguística Tratase aqui de uma variação fonológica ou seja a troca de um fonema por outro sem alteração do significado referencial da pa lavra No caso exemplificado pela piada a variante usada pelo político carrega um significado social justamente aquele mencionado acima o falante não tem domínio da variedade padrão do português oral sendo provavelmente de baixa escolaridade A piada veicula um teor de crítica apresentando uma espécie de caricatura da classe dos políticos A noção de significado referencial aqui equiva le de certa forma à de referência ou denotação já apresentada na disciplina de Semântica O que estamos querendo mostrar a partir desse exemplo é que existe uma relação estreita entre as formas da língua os diferentes grupos sociais que as utilizam e a imagem que projetamos nestes através daquela É dessa relação que se ocupa a Sociolinguística Para você ter uma visão geral do que vai ser abordado neste livrotexto apre sentamos a ementa da disciplina de Sociolinguística que faz parte do projeto pedagógico do Curso de Letras a distância Língua como sistema heterogêneo Significado social das formas variantes Dimensões externa e interna da variação linguística Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística Prática pedagógica variação linguística e ensino Reflexões sobre a prá tica pedagógica no ensino fundamental e médio O termochave é variação linguística É sobre essa propriedade das línguas a de que afinal não falamos todos da mesma forma que se voltam os estu dos sociolinguísticos e que nos voltaremos nós ao longo desta disciplina Para alguns pode parecer óbvio que a variação bem como a mudança nas línguas conste no programa de investigações da linguística Contudo como veremos os paradigmas de maior projeção no último século não consideravam neces sário nem possível o estudo da variação e da mudança para a compreen são de como as línguas funcionam O surgimento de uma proposta de análise sistemática desses fenômenos representa portanto um importante marco no desenvolvimento da ciência linguística e já nos trouxe valiosas informações acerca de como se comporta a variabilidade nas línguas Essas informações por sua vez são de grande valor em questões como a do preconceito linguís tico e a do ensino de língua materna Já não temos aí motivos suficientes para conhecermos um pouco mais essa área Dividimos nosso caminho pela Sociolinguística em quatro unidades Na pri meira apresentamos essa interessante proposta de estudos e a situamos no contexto mais amplo dos estudos linguísticos do último século Na segunda unidade abordamos as dimensões interna e externa da variação discutindo os modos como ela se manifesta no sistema linguístico e na vida social de uma comunidade Na terceira parte veremos como se dá o estudo da mudança nas formas da língua um processo intimamente ligado ao fenômeno da variação Na quarta etapa de nosso percurso aprenderemos como pôr a mão na massa em uma pesquisa sociolinguística examinando suas etapas principais Inclu ímos também no livrotexto reflexões e sugestões de como o conhecimento advindo da pesquisa em Sociolinguística pode e deve contribuir com nossa prática pedagógica em língua materna a fim de que atinjamos um ensino cada vez mais efetivo e menos segregador Desejamos a você um semestre de muito estudo muitos questionamentos e muitas reflexões Vamos lá Os autores Unidade A Introdução ao estudo da lin guagem no contexto social Objetivos desta Unidade Descrever um panorama dos estudos da língua como um fato ǿ social Identificar alguns pressupostos básicos da Teoria da Variação e ǿ Mudança linguística Refletir sobre a questão do preconceito linguístico ǿ Nesta primeira Unidade apresentamos a você o quadro geral de pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista No primeiro ca pítulo veremos quais eram as ideias dominantes quanto ao estudo da variação e da mudança bem como de que forma outros teóricos antes de William Labov o principal nome da Sociolinguística Variacionista buscaram integrar aos estudos linguísticos possíveis influências sociais No segundo capítulo somos apresentados a alguns postulados de Labov e aos principais conceitos teóricos que os fundamentam passando inclu sive pela discussão um pouco mais avançada dos problemas de definição de alguns desses conceitos e pela questão do preconceito linguístico Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 13 1 Livro clássico publicado em 1916 como obra póstuma de Saussure organizado por seus dis cípulos Bally e Sechehaye a partir de apontamentos de aulas Ao longo da história há inúmeros registros do in teresse dos homens pelas línguas especialmente de filósofos conforme foi visto na disciplina de História dos Estudos Linguísticos No século XIX predominaram os estudos históricocomparativos Mas é a partir de Saussure que os estudos linguísti cos passam a adquirir um caráter mais sistemático e abstrato e a língua é estudada sincronicamen te desvinculada de sua história Langue e parole Essa dicotomia pode ser traduzida como lín gua e fala Entretanto preferimos manter os termos originais para assegurar a concepção saussureana sempre que nos referirmos a ela Breve histórico da Sociolinguística Para entender melhor os pressupostos teóricos da Sociolinguísti ca vamos inicialmente contextualizar em termos gerais os estudos da linguagem no século XX Começamos falando do linguista suíço Ferdi nand de Saussure e do linguista americano Noam Chomsky A atribuição de estatuto científico à linguística costuma ser cre ditada a Saussure no início do século XX De fato com seu Curso de linguística geral Saussure inaugura a linguística moderna delimitando e definindo seu objeto de estudo estabelecendo seus princípios gerais e seu método de abordagem Saussure é um marco da corrente linguística denominada estruturalismo segundo a qual a língua i é tomada em si mesma separada de fatores externos ii é vista como uma estrutura autônoma valendo pelas relações de natureza essencialmente linguís tica que se estabelecem entre seus elementos Ou seja para Saussure a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma Saussure postula algumas dicotomias e vai isolando o que segundo ele seria de interesse da ciência linguística Vamos apresentar dessas dicotomias as que são mais importantes para esta disciplina a Langue e parole a langue é homogênea e social um sistema de signos um tesouro depositado pela prática da fala no cé rebro dos falantes é essencial já a parole é um ato individual de vontade é heterogênea manifestação concreta da primeira é acessória e acidental O objeto da linguística para Saussure é a langue b Sincronia e diacronia correspondem a dois eixos ou pers pectivas pelas quais se pode estudar a língua na sincronia se faz um recorte da língua em um momento histórico presente ou passado como se fosse um registro fotográfico que capta as relações entre os elementos do sistema tomandose a língua como um estado do qual se exclui a intervenção do tempo na diacronia a língua é analisada como um produto de uma série Sociolinguística 14 de evoluções que ocorrem ao longo do tempo portanto como algo mutável dinâmico É a perspectiva sincrônica segundo Saussure que permite o estudo científico da língua Saussure estabelece a seguinte relação entre essas dicotomias i os fenômenos variáveis não são visíveis na langue que é social mas na parole que é individual ii a evoluçãomudança se dá em alguns elementos e isso é suficiente para que se reflita em todo o sistema iii o falante não tem consciência das mudanças que ocorrem entre os estados os recortes sincrônicos da língua Vale observar que embora delimite dessa maneira o objeto de es tudo da linguística Saussure admite que a língua seja um fenômeno social produto de uma convenção estabelecida entre os membros de determinado grupo porém os fatores externos ao sistema são deixados de lado por ele voltaremos a esse ponto mais adiante Nos Estados Unidos a visão formal da língua ganha destaque a partir da década de 60 com Noam Chomsky e a corrente denominada gerativismo segundo a qual a língua i é concebida como um sistema de princípios universais ii é vista como o conhecimento mental que um falante tem de sua língua a partir do estado inicial da faculdade da linguagem ou seja a competência O que interessa ao gerativista é o sistema abstrato de regras de formação de sentenças gramaticais A abordagem gerativista ao estudo da língua foi trabalhada na discipli na de Sintaxe Retome os conteúdos dessa disciplina para mais exem plos de como a teoria gerativista lida com a analise linguística Como vimos tanto a abordagem estruturalista como a gerativista consideram a língua como uma realidade abstrata desvinculada de fa tores históricos e sociais É como uma reação a essas duas correntes que a Sociolinguística desponta nos Estados Unidos na década de 60 tendo como um de seus maiores expoentes William Labov Saussure estabelece uma analogia entre a língua e o jogo de xadrez assim como as peças vão ad quirindo novos valores a cada lance no jogo em decorrência das posições que vão assumindo frente às demais também na língua cada mudança tem reflexos sobre todo o sis tema linguístico O tabu leiro com as peças é usado como metáfora para a língua como sistema de signos A faculdade da linguagem corresponde para Chos mky a um módulo linguís tico em nossa mente que é inato na espécie huma na Às regras que formam a faculdade da linguagem chamase gramática uni versal Reveja esse concei to em GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdução aos Estudos Gramaticais Florianópolis LLVCCEUFSC 2008 Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 15 Sociolinguística labo viana Também chamada de Teoria da Variação e Mudança ou de Socio linguística Quantitati va pois trabalha com resultados estatísticos Wiliam Labov Antes contudo de nos determos na Sociolinguística laboviana que é o foco principal de nosso livro é importante retroceder no tempo para resgatar alguns autores do início do século XX que diferentemente da proposta teórica de Saussure postulavam uma concepção social da língua Vamos falar um pouco do linguista francês Meillet 18661936 e dos linguistas russos Marr 18651934 e Bakhtin 18951975 Antoine Meillet enfatizava em seus textos o caráter social e evolutivo da língua Segundo ele Por ser a língua um fato social resulta que a linguística é uma ciência social e o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social MEILLET 1921 apud CALVET 2002 p 16 Como se pode notar nessa citação do ponto de vista de Meillet toda e qualquer variação na língua é motivada estritamente por fatores sociais Comparando brevemente as ideias de Meillet e de Saussure pode mos dizer que i Saussure opõe linguística interna aquela que se ocupa estritamente da língua e linguística externa aquela que se ocupa das relações entre a língua e fatores extralinguísticos e Meillet as associa ii Saussure distingue abordagem sincrônica estrutural de abordagem diacrônica histórica e Meillet as une Em suma enquanto Saussure elabora um modelo abstrato da langue sistema de signos Meillet bus ca explicar a estrutura linguística por meio de fatores históricos e so ciais Essas ideias de Meillet como vamos ver adiante serão retomadas por Labov décadas depois Meillet foi discípulo de Saussure mas inspirado no sociólogo Durkheim definia a língua como um fato social enfatizando o caráter evolutivo da língua diferentemente de Saussure para quem a sincronia prevalece sobre a diacronia Sociolinguística 16 Já na perspectiva da linguística soviética encontramos também no início do século XX posições marxistas acerca da língua Inicialmente o linguista Nicholas Marr propunha que i todas as línguas do mun do têm uma mesma origem ii as línguas são instrumento de poder e refletem a luta de classes sociais iii as línguas são parte de uma supe restrutura passando por estágios de desenvolvimento de acordo com a base econômica de diferentes sociedades ou seja os estágios das línguas corresponderiam aos estágios da sociedade A doutrina de Marr cha mada marrismo foi tida como oficial na União Soviética no período de 19201950 até ser severamente atacada pela intervenção política de Stalin que negava o caráter de classe e de superestrutura da língua Ainda na linguística soviética Bakhtin e o chamado Círculo de Bakhtin critica a perspectiva estruturalista abstrata que é a perspecti va saussureana defendendo um enfoque da língua na interação verbal historicamente contextualizada seja num contexto imediato seja num contexto social mais amplo Nesse sentido a mudança linguística é his toricamente motivada pelos diferentes contextos de uso da língua que acabam conferindo diferentes sentidos à mesma palavra Assim na visão de Bakhtin as palavras não são neutras nem imutáveis é no con texto real de uso da língua que determinada forma possui valor para o falante sendo nesse caso um signo variável e flexível É bastante eluci dativa a seguinte afirmação de Bakhtin 1988 1929 p 147 conforme a língua conforme a época ou os grupos sociais conforme o contexto apresente tal ou qual objetivo específico vêse dominar ora uma forma ora outra ora uma variante ora outra Em síntese foi no início do século XX que começaram a germinar as sementes que viriam posteriormente depois de cerca de meio século de domínio de correntes estruturalistas a florescer e dar frutos no terreno fecundo da área de estudos da linguagem que veio a ser conhecida como Sociolinguística Assim é que a partir da década de 60 como herança de Meillet volta a ganhar força a noção de língua como fato social dinâ mico cuja variação é explicada pela mudança social por forças externas portanto E como herança de Bakhtin se renova a perspectiva de que a língua é um fenômeno social cuja natureza é ideológica Como já acen tuamos anteriormente o foco deste livro é a Sociolinguística laboviana abordagem que se ancora historicamente nas ideias de Meillet Na disciplina de Lin guística Textual você viu algumas contribuições de Bakhtin no campo dos gêneros do discurso Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 17 Vamos nos situar portanto a partir de agora no contexto da So ciolinguística norteamericana Esse campo do conhecimento tem uma estreita relação com a antropologia com a sociologia e com a geografia linguística A associação com a ǿ antropologia chamada de etnolinguísti ca ou antropologia linguística devese ao fato de a Sociolin guística estender a descrição e análise da língua para incluir as pectos da cultura em que é usada Nesse âmbito se insere mais recentemente a corrente denominada Sociolinguística Intera cional que considera a relação entre os interlocutores o assunto etc na análise da conversação A proximidade com a ǿ sociologia resulta na chamada sociologia da linguagem área que investiga a interação entre esses dois aspectos do comportamento humano o uso da língua e a orga nização social do comportamento ou seja a organização social do comportamento linguístico seja em termos de usos seja em termos de atitudes em relação à língua e aos usuários A aproximação com a ǿ geografia linguística ou dialetologia ou ainda geolinguística devese ao interesse pela elaboração de atlas linguísticos No Brasil está sendo organizado o Atlas Linguístico do Brasil ALIB cujo objetivo é descrever a realidade linguística com vistas a traçar a divisão dialetal do país tornando evidentes as diferenças regionais que através de pesquisas de campo mapeiam dados de diferentes regiões identificando e delimitando traços dialetais Em suma a Sociolinguística se ocupa de questões como variação e mudança linguística bilinguismo contato linguístico línguas mino ritárias política e planejamento linguístico entre outras A partir desse breve panorama histórico passamos a tratar especi ficamente de uma das vertentes da Sociolinguística a Teoria da Varia ção e Mudança Linguística Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 19 2 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável Mais do que isso podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano ALKMIN 2001 p 21 No capítulo anterior vimos que há diversas propostas no âmbito da linguística contemporânea que rejeitam a abordagem associal dos estudos estruturalistas e gerativistas De agora em diante vamos dis cutir com mais vagar sobre uma dessas propostas a da Sociolinguística Variacionista fundada principalmente sobre as pesquisas do linguista estadunidense William Labov que por sua vez como vimos se inspi rou em certas ideias de Meillet Neste capítulo apresentamos alguns dos principais conceitos teóricos da proposta laboviana que nos ajuda rão a compreender qual é exatamente o olhar sobre a línguagem que ela assume bem como sobre a complexa relação entre línguagem e sociedade de que formas ela se opõe a certas concepções até hoje vi gentes em linguística e como ela se concretiza em uma análise empírica de dados linguísticos 21 A proposta de William Labov Como já vimos as duas abordagens teóricas de maior projeção na linguística pelo menos até a década de 60 foram o estruturalismo e o gerativismo De fato a concepção estruturalista de língua de Ferdinand de Saussure fez muito no sentido de elevar a linguística à posição de campo científico pleno com objeto e método definidos Chomsky so fisticou ainda mais os objetivos dessa ciência ao propor que a faculdade da linguagem é um componente universal e inato da espécie humana cujas regras poderiam ser descritas a partir da análise das construções gramaticais aceitáveis de línguas diversas No entanto tanto estrutu ralistas quanto gerativistas deixam de lado as possíveis influências ex ternas históricas sociais ideológicas etc sobre a estrutura linguística assumindo uma perspectiva pela qual as regras e relações internas dos Sociolinguística 20 componentes da gramática são suficientes para uma descrição adequa da do objeto Ademais de acordo com essas propostas o sistema a ser descrito pela linguística era um construto homogêneo ou seja não eram consideradas eventuais variações ou influências típicas da fala sobre os elementos da língua Desse modo a variabilidade o fato de que pode haver mais que uma forma expressando o mesmo significado o valor social das formas linguísticas e o estudo empírico das mudanças na lín gua ficavam excluídos da agenda Padrões Sociolinguísticos Sociolinguistic patterns 1972 de William Labov É a partir desse contexto que se posiciona desde a década de 60 o linguista William Labov questionando e propondo um novo olhar sobre a estrutura das línguas e especialmente sobre os fenômenos da variação e da mudança linguísticas Em seu livro Padrões sociolingüísti cos Sociolinguistic patterns 1972 Labov apresenta os principais postu lados teóricos e a metodologia de trabalho empírico com a linguagem dessa nova proposta Conforme já adiantamos inicialmente a proposta teóricometodológica de Labov surge como uma reação aos modelos saussureano e chomskiano Labov critica os seguintes aspectos em Saussure Como todos os falantes possuem um conhecimento da ǿ langue que é a parte social da linguagem é possível estudar o aspec to social da linguagem pela observação de um único indiví duo No entanto o estudo da parole que é a parte individual da linguagem só pode ser feito pela observação dos indivídu os interagindo linguisticamente ou seja pela observação da O social para Saussure corresponde simplesmen te a multiindividual sem nenhuma implicação de interação social Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 21 linguagem em seu contexto social A isso se chama paradoxo saussureano Os fatos linguísticos são explicados através de outros fatos lin ǿ guísticos Tratase do princípio da imanência Em outras pa lavras tudo o que acontece na língua é motivado e explicado por meio da própria estrutura da língua pela atuação de forças internas sem influência de nenhuma força externa A fala só opera sobre um ǿ estado de língua e as mudanças que ocorrem entre os estados não têm nesses nenhum lugar O pri meiro aspecto estado de língua constitui a realidade verdadei ra e única Os fatos evolutivos diacrônicos não são percebidos pela massa falante e não fazem parte do sistema da língua que é estático Portanto há um emparelhamento de um lado sin cronia e fato estático e de outro diacronia e fato evolutivo am bos os lados são mutuamente incompatíveis Visão de Labov Labov critica a separação estabelecida por Saussure entre langue e parole e entre sincronia e diacronia e também o fato de Saussure des considerar os fatores externos à língua ao definila como um sistema de signos que estabelecem relações entre si Em última instância La bov posicionase contra a primazia dos estudos imanentes da língua Em Chomsky Labov critica entre outros os seguintes aspectos O objeto da linguística é uma comunidade de fala abstrata ho ǿ mogênea composta por um falanteouvinte ideal Os dados linguísticos analisados correspondem às próprias in ǿ tuições do linguista eou dos falantes sobre a linguagem São eles que fazem julgamentos acerca da agramaticalidade das sentenças e esses dados intuitivos são usados na construção de teorias Sociolinguística 22 Visão de Labov Não existe uma comunidade de fala homogênea nem um falante ouvinte ideal Pelo contrário a existência de variação e de estrutu ras heterogêneas nas comunidades de fala é um fato comprovado Existe variação inerente dentro da comunidade de fala não há dois falantes que se expressam do mesmo modo nem mesmo um falan te que se expresse da mesma maneira em diferentes situações de comunicação A busca por julgamentos intuitivos homogêneos é falha Os linguis tas não podem continuar a produzir teoria e dados ao mesmo tem po Para lidar com a língua é preciso olhar para os dados de fala do diaadia e relacionálos às teorias gramaticais o mais criteriosamen te possível ajustando a teoria de modo que ela dê conta do objeto Qual é então a proposta da Teoria da Variação e Mudança ǿ Linguística O ponto fundamental na abordagem proposta por Labov é a pre sença do componente social na análise linguística Com efeito a So ciolinguística se ocupa da relação entre língua e sociedade e do estudo da estrutura e da evolução da linguagem dentro do contexto social da comunidade de fala Veja que ao eleger como objeto de estudo a estru tura e a evolução linguística Labov rompe com a relação estabelecida por Saussure entre estrutura e sincronia de um lado e história evolutiva e diacronia de outro aproximando igualmente a sincronia e a diacronia às noções de estrutura e funcionamento da língua Duas obras foram fundamentais para a proposição e consolidação desse novo programa de estudos o texto Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística Empirical foundations for a theory of language change publicado em 1968 por Uriel Weinreich William Labov e Marvin Herzog ou ainda WLH 2006 1968 e o já mencio nado Padrões Sociolinguísticos Sociolinguistic Patterns publicado por Labov em 1972 A partir de então Labov desenvolveu inúmeros traba lhos voltados para o estudo da língua em seu contexto social focalizan Variação inerente Por variação inerente entendese que como o sistema linguístico é heterogêneo i a variação é uma pro priedade regular do sistema ii o falante tem competência lin guística para lidar com regras variáveis Falaremos de comunidade de fala na seção 24 Evolução No âmbito da Socio linguística o termo evolução equivale a mudança Não existe nenhum tipo de valo ração associado não está em jogo nenhuma avaliação positiva ou negativa as línguas simplesmente mudam nem para melhor nem para pior Aprofun daremos a questão da mudança na Unidade C Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 23 do especialmente a variação fonológica na língua inglesa Seu grupo de pesquisa sediado na Universidade da PensilvâniaUSA tornouse o centro irradiador dessa nova e instigante abordagem da língua Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística Empirical foundations for a theory of language change No Brasil as pesquisas na área da Sociolinguística laboviana tive ram início na Universidade Federal do Rio de Janeiro na década de 70 sob a orientação do professor Anthony Naro Desde então as linhas de pesquisa que se ocupam da descrição de fenômenos variáveis no portu guês do Brasil PB se multiplicaram espalhandose pelas diferentes re giões do país Na Universidade Federal de Santa Catarina por exemplo temos o Projeto VARSUL Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil que conta com um banco de dados de fala de informantes da Região Sul Paraná Santa Catarina e Rio Grande do Sul do país para o desenvolvimento de pesquisas sociolinguísticas 22 Conceitos fundamentais 221 Concepção de língua como sistema heterogêneo Na abordagem laboviana vale lembrar que o fato de a variação ser inerente às línguas está ligado diretamente à noção de heterogeneidade as línguas são sistemas heterogêneos e não homogêneos conforme pos tulam Saussure e Chomsky Como contudo ainda se está falando em sistema somos levados a assumir que a variação pode ser sistematizada Não se trata portanto de um caos linguístico Uma evidência de que a he terogeneidade é organizada ou sistematizada é o fato de os indivíduos de Variação É o processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo con texto linguístico com o mesmo valor referen cial ou com o mesmo valor de verdade ie com o mesmo signifi cado Dois requisitos devem pois ser cum pridos para que ocorra variação as formas envolvidas precisam i ser intercambiáveis no mesmo contexto e ii manter o mesmo significado Falaremos mais sobre esse Projeto na Unidade D Sociolinguística 24 uma comunidade se entenderem se comunicarem apesar das variações ou diversidades linguísticas A partir desse postulado teórico a Teoria da Variação e Mudança fornece um instrumental metodológico que permite analisar e sistematizar os diferentes tipos de variação linguística Então mesmo que a princípio se possa pensar que heterogeneidade implica ausência de regras a língua é dotada de heterogeneidade estru turada portanto há regras sim Só que enquanto a língua concebida como sistema homogêneo contém somente regras categóricas ou obri gatórias ou invariantes ie que sempre se aplicam da mesma maneira por todos a língua concebida como um sistema heterogêneo comporta ao lado de regras categóricas também regras variáveis Um exemplo de regra que até que se prove o contrário é categóri ca no português é a da colocação do artigo em relação ao nome que ele determina o artigo sempre aparece antes do nome assim dizemos a casa mas nunca casa a O aspecto cujo comportamento a Sociolinguís tica busca desvendar é quanto às regras variáveis da língua as regras que permitem que em certos momentos em certos contextos linguísticos e sociais falemos de uma forma e em outros contextos de outra for ma O aparato teórico e metodológico da Sociolinguística surgiu e até hoje vem sendo construído para que com cada vez mais precisão essa realidade até então posta de lado nos estudos linguísticos seja compre endida levandose em conta a influência não só dos elementos inter nos da língua mas dos elementos externos a ela o componente social mencionado acima 222 Variedade variação variável variante Mas que tal agora abordarmos alguns exemplos reais de variação no português brasileiro e vermos como esses princípios se aplicam a uma análise concreta de dados Aproveitaremos o ensejo para introduzir a você mais alguns conceitos básicos relacionados à pesquisa sociolinguística Um fenômeno variável bastante perceptível em nosso diaadia de falantes do português é o da alternância entre os pronomes pessoais tu e você para a expressão da segunda pessoa do singular Muitos de vocês já se deram conta de que dependendo da origem de uma pessoa ou por Os aspectos metodoló gicos da Sociolinguística serão abordados na Unidade D A noção de regra variável implica que não existe variação livre como se vê numa abordagem estrutu ralista Uma regra variável relaciona duas ou mais formas linguísticas de modo que quando a regra se aplica ocorre uma das formas e quando não se aplica ocorrem as outras formas A apli cação ou não das regras variáveis é condicionada por fatores do contexto social eou linguístico O mesmo você que muitos ainda insistem em chamar de pronome de tratamen to listandoo no mesmo rol de vossa excelência e vossa santidade Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 25 vezes do grau de formalidade com o qual ela nos trata podemos ouvila se referindo a nós tanto por tu quanto por você Se ainda não percebeu preste atenção quando alguém de outra região do país é entrevistado na TV ou mesmo quando você tu conversa online com os tutores de uma disciplina ou com seus colegas de curso As formas são diferentes mas não há dúvida de que ambas estão sendo usadas com o mesmo propósi to o de referir à segunda pessoa do singular O que ocorre aí nada mais é do que o fenômeno que vimos discu tindo até agora a variação linguística Para um sociolinguista o fato de em uma comunidade ou mesmo na fala de um indivíduo convive rem tanto a forma tu quanto você não pode ser considerado marginal acidental ou irrelevante em termos de pesquisa e de avanço de conhe cimento Como já vimos a variação é inerente às línguas e não compro mete o bom funcionamento do sistema linguístico nem a possibilidade de comunicação entre falantes De fato palavras ou construções em va riação em vez de comprometerem o mútuo entendimento são ricas em significado social e têm o poder de comunicar a nossos interlocutores mais do que o significado representacional pelo qual disputam As di ferentes formas que empregamos ao falar e ao escrever dizem de certa forma quem somos dão pistas a quem nos ouve ou lê i sobre o local de onde viemos ii o quanto estamos inseridos na cultura letrada do minante de nossa sociedade iii quando nascemos iv com que grupo nos identificamos entre várias outras informações É essa realidade acima descrita que o sociolinguista tenta captar sem qualquer tipo de ideia préconcebida tanto como linguista acredi tando por exemplo que a variação é mero acidente na língua que não pode ser estudada com rigor e que o sistema a ser descrito está num plano mais abstrato que o da fala quanto como cidadão acreditando por exemplo que um falante que diz nós vai tem menos capacidade de pensar e de se expressar do que o falante que diz nós vamos Tratase do que chama mos de variação diatópi ca ou regional e variação estilística conceitos que serão trabalhados na Unidade B E é essa postura aberta à pesquisa e isenta de pre conceitos como veremos uma das maiores contri buições que a Sociolin guística tem a nos trazer quando trabalhamos com o ensino de língua mater na ou quando tentamos compreender e comba ter o preconceito linguís tico em nossa sociedade Sociolinguística 26 Esse é o olhar sobre a língua e sobre o fenômeno da variação que um sociolinguista adota ao trabalhar com dados reais produzidos por fa lantes reais em uma comunidade real Seu objetivo é descobrir quais os mecanismos que regulam a variação como ela interage com os ou tros elementos do sistema linguístico e também da matriz social em que ocorre e como que ela pode levar à mudança na língua Nas pala vras da sociolinguista brasileira Maria Cecilia Mollica 2008 p 11 Cabe à Sociolinguística investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação diagnosticar as variáveis que têm efei to positivo ou negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático E quais são os meios pelos quais chegamos a esses objetivos Bem a pesquisa sociolinguística envolve etapas metodológicas bastante refina das com o fim de melhor colheremse os dados que servirão como fonte das análises e de melhor tratálos para que cheguemos a resultados e con clusões confiáveis A Unidade D deste livrotexto será dedicada exclusiva mente a isso motivo por que suspenderemos por ora essa discussão Retomemos nosso exemplo de variação para estabelecermos uma distinção importante no que concerne à terminologia empregada nos estudos de variação a distinção entre variável e variantes No exemplo acima em que mencionamos a variação entre os pronomes tu e você comumente chamamos de variável o lugar na gramática em que locali zamos variação de forma mais abstrata no caso a variável com a qual estamos lidando é a da expressão pronominal da segunda pessoa do sin gular Chamamos de variantes dessa variável as formas individuais que disputam pela expressão da variável no caso os pronomes tu e você Outro exemplo de variável no sistema pronominal do PB é a ex pressão da primeira pessoa do plural cujas variantes são os pronomes nós e a gente Lembrese variável corresponde a um aspecto ou categoria da língua se encontra em variação variantes são as formas individuais que con correm em uma variável Existe ainda o conceito de variedade que não deve ser confundido com o de variável ou o de variante variedade representa a fala de uma comuni dade de modo global considerandose todas as suas particularidades tanto categóricas quanto variáveis é o mesmo que dialeto ou falar Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 27 Em um caso de variação as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidade Trabalharemos com o significado social das variantes logo mais mas por enquanto vale estabelecermos a diferença entre as variantes padrão e nãopadrão As variantes pa drão são grosso modo as que condizem com as prescrições dos manuais de norma padrão já as variantes nãopadrão se afastam desse modelo Mesmo que não seja a variante mais usada por uma comunidade a va riante padrão é em geral a variante de prestígio enquanto a nãopa drão é muitas vezes estigmatizada por essa comunidade pode haver comentários negativos à forma ou aos falantes que a empregam Ade mais as variantes padrão tendem a ser conservadoras fazendo parte do repertório linguístico da comunidade há mais tempo ao passo que as variantes nãopadrão tendem a ser inovadoras na comunidade Mais um aspecto importante relacionado à variação é o fato de que esse fenômeno não está limitado a um dos níveis da gramática encon tramos variação no nível fonológico bem como no morfológico no sin tático no lexical e no discursivo No nível fonológico note que podemos realizar certos ditongos tan to de maneira plena quanto reduzida como em caixacaxa e em outro otro no morfológico encontramos variação por exemplo na marcação do infinitivo dos verbos andarandá beberbebê etc na sintaxe encon tramos variação na realização das orações relativas Esse é o livro de que eu gosto Esse é o livro que eu gosto Esse é o livro que eu gosto dele no discursivo um estudo com dados de Florianópolis VALLE 2001 mostra o uso alternado dos marcadores discursivos sabe não tem e entende na variável requisito de apoio discursivo no nível do léxico vem logo à mente o exemplo do aipimmandiocamacaxeira com distintos traços regionais como há vários outros Em suma como vimos constatando a variação linguística não só é um fenômeno inerente às línguas naturais mas também se manifesta em qualquer nível de análise que se tome Agora que já tratamos dos conceitos de variável e de variantes e que vimos como estas se encontram em todos os níveis da gramática passemos ao exame das armas de que se equipam as formas varian tes de uma variável na disputa pela expressão de um significado os condicionadores linguísticos e sociais Ocorrem ainda variáveis no que podemos chamar de interfaces de níveis como o nível morfossintá tico e o morfofonológico Mais sobre isso será discu tido na Unidade B Apresentamos aqui ape nas alguns exemplos já que a Unidade B trabalha rá com essa dimensão da variação linguística Sociolinguística 28 Não eles não são produtos para o cabelo Os condicionadores em um caso de variação são os fatores que regulam que condicionam nossa escolha entre uma ou outra variante É o controle rigoroso desses fatores que permite ao linguista sugerir em que tipo de ambiente tanto linguís tico quanto extralinguístico uma variante tem maior probabilidade de ser escolhida em detrimento de suas rivalis Os condicionadores ajudam o analista a delimitar quais exatamente são os contextos mais propícios para a ocorrência das variantes em es tudo Eles são divididos em dois grandes grupos em função de serem mais ligados a aspectos internos ao sistema linguístico ou externos a ele No primeiro caso são também chamados de condicionadores linguísti cos exemplos são a ordem dos constituintes a categoria das palavras ou construções envolvidas aspectos semânticos etc No segundo caso são também chamados de condicionadores extralinguísticos ou sociais e entre eles os mais comuns são o sexogênero o grau de escolaridade e a faixa etária do informante Com o controle refinado da frequência de ocorrência de formas variantes e em função dos condicionadores linguísticos e sociais sele cionados para nossa análise podemos traçar um quadro respaldado por resultados quantitativos precisos de quais condicionadores favorecem ou desfavorecem a ocorrência das formas em consideração Para que vejamos isso de modo mais claro retomemos nosso exem plo da variação entre tu e você Que aspectos do próprio sistema linguís tico eou da sociedade que o emprega poderiam influenciar na escolha de uma das duas formas Como já adiantamos a região de origem do falante parece ser deci siva nesse caso há diversas regiões do país cujos falantes nativos falam apenas você outras em que o tu é predominante e outras em que as duas formas convivem havendo uma diferenciação no uso por outros fatores o grau de intimidade entre os interlocutores por exemplo Temos aí dois condicionadores externos ao sistema linguístico os quais como já deve ter ficado claro de modo algum são rejeitados em uma pesquisa sociolinguística pelo contrário eles são mais possibilidades disponíveis ao analista para que este desvende os mecanismos da variação Condicionadores lin guísticos e sociais Os condicionares lin guísticos e sociais são também tratados por variáveis indepen dentes ou grupos de fatores enquanto a variável propriamente dita também pode ser tratada por variável dependente Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 29 Bem e quanto aos fatores intrínsecos ao sistema linguístico Que condicionadores internos poderíamos controlar em um estudo dessa variável Um dos diversos estudos sobre a variação entre tu e você no português do Brasil o de Lucca 2005 controlou como fatores inter nos por exemplo o tempo e o modo do verbo a que o pronome se refere e o tipo semântico do pronome se genérico ou específico Pesquise a Pense um pouco em como você percebe esse caso de variação tu você e sugira outros condicionadores linguísticos e sociais para o emprego de cada forma b Pense também em outras variáveis e sugira condicionadores rele vantes para a escolha de cada variante c Compartilhe suas reflexões com os colegas É essa em suma a postura investigativa que se adota no trabalho com a Sociolinguística Com ela identificase uma variável no uso cor rente da língua de uma comunidade identificamse a seguir as variantes dessa variável a partir das hipóteses que elaboramos quanto aos fatores que possam estar em jogo no favorecimento ou desfavorecimento das variantes prosseguese à coleta e posteriormente à análise de dados para a confirmação ou refutação de nossas hipóteses iniciais Mas essa é somente a síntese Como você já deve estar percebendo uma pesquisa sociolinguística deve ir muito além disso se quiser efetivamente escla recer um pouco mais sobre a complexa relação que há entre língua e sociedade através do estudo da variação e da mudança linguística A Sociolinguística assume portanto que existe uma forte corre lação entre os mecanismos internos da língua e fatores externos a ela tanto de uma ordem micro envolvendo nosso grau de contato e de identificação com os grupos com os quais interagimos no diaadia quanto de uma ordem macro relacionada a uma estratificação social mais ampla Sociolinguística 30 Síntese da seção É necessário aprender a ver a linguagem tanto de um ponto de vis ta diacrônico como de um ponto de vista sincrônico como um ob jeto possuidor de heterogeneidade sistemática Isso significa que a língua é um sistema heterogêneo dotado de variação ǿ sendo um sistema a língua é constituída por um conjunto estru ǿ turado de regras além de regras categóricas existem regras variáveis que são ǿ inerentes ao sistema as regras variáveis podem ser mais ou menos aplicadas depen ǿ dendo do ambiente linguístico eou social explicações para as escolhas dos falantes por uma ou outra va ǿ riante linguística são buscadas pelo controle de fatores condi cionadores variáveis independentes a natureza do sistema é probabilística o que pressupõe o em ǿ prego de técnicas quantitativas para a observação das regulari dades que o regem Nas seções a seguir continuaremos tratando de alguns conceitos básicos da Sociolinguística Variacionista Entram em jogo a partir de agora o significado social das formas variantes os diferentes tipos de variáveis que podemos ter a partir desse significado a um tanto po lêmica definição de comunidade de fala e o modo como todo o arca bouço teórico que vimos apresentando se presta a uma questão bastante pertinente que escapa às fronteiras da pesquisa acadêmica e lança luz sobre um problema social a do preconceito linguístico 23 Significado social das formas variantes Prosseguimos nosso contato inicial com a Sociolinguística reto mando uma questão que já foi apresentada a você há alguns semestres na disciplina de Estudos Gramaticais Tratase do valor ou significado Releia as páginas 5153 de GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdu ção aos Estudos Grama ticais Florianópolis LLV CCEUFSC 2008 Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 31 social das formas variantes Repetimos aqui o mesmo exemplo daquela disciplina a fim de que tenhamos um ponto de partida conhecido para nossas reflexões Considere as sentenças Tu vai sair A gente vamos sair Nós vai sair O que difere as três quanto à ocorrência de um fenômeno variável A princípio nada pois em todas há manifestações do mesmo fenôme no o da concordância variável entre verbo e sujeito No entanto algo parece nos dizer que elas não são totalmente idênticas na manifestação desse fenômeno para muitos pelo menos para muitos oriundos da Região Sul do país as duas últimas sentenças são menos aceitáveis que a primeira soam mais erradas Isso reflete uma face da variação pela qual a Sociolinguística também se interessa a do significado social das variantes A concordância tu vai apesar de também não fazer parte da variedade padrão do português em certas regiões já se encontra am plamente difundida por diversas camadas socioeconômicas Já a gente vamos e nós vai ainda se encontram fortemente associadas a grupos de falantes específicos em nossa sociedade nomeadamente os perten centes a camadas com baixa renda e pouca escolaridade Ou seja não há nada intrínseco ao fenômeno de variação observável nos três exemplos acima que faça com que um seja melhor que o outro O que distingue as sentenças é o valor atribuído a um extrato da sociedade que usa ou que imaginamos que usa certas construções e não outras Essa confusão entre fazer julgamento à língua e julgamento ao falante é um dos fatores que permitem a existência e a perpetuação do pre conceito linguístico em nossa sociedade Com o falso argumento de que uma construção é em si errada abrese espaço para que taxemos de ignorantes entre outros adjetivos os falantes que fazem uso dessa construção Uma das contribuições da Sociolinguística é justamente a de desmascarar esse argumento incontáveis pesquisas já confirma ram que não há nada nas formas variáveis de uma língua que permita afirmar que umas são melhores ou mais corretas do que as outras Sociolinguística 32 Segue daí portanto que o julgamento ou em termos mais claros o preconceito é social e geralmente parte de cima para baixo ou seja das camadas dominantes econômica e culturalmente para as cama das dominadas Dizer que tal pessoa ou tal grupo é ignorante por que fala de uma forma e não de outra é apenas mais um mecanismo de afirmação e de perpetuação desse preconceito que se manifesta como preconceito linguístico mas que nunca deixou de ser social Felizmente não é apenas para a manutenção do preconceito lin guístico que se prestam os significados sociais da variação Vimos ante riormente que as formas da língua não veiculam apenas seu significado denotacional elas denunciam em grande medida quem somos a região de onde viemos nossa idade nossa inserção na cultura dominante atra vés do grau em que dominamos a variedade padrão nossas atitudes em relação a determinados grupos E nada mais adequado e interessante que incorporar o valor do significado social de formas ao programa de estudos da Sociolinguística Como veremos melhor mais adiante o prestígio ou o estigma que uma comunidade associa a uma determinada variante tem o poder de acelerar ou de barrar uma mudança na língua Essa não é uma afirma ção banal Esperamos que ainda lhe esteja fresca na memória a breve história dos estudos linguísticos que traçamos no capítulo 1 Até poucas décadas atrás afirmavase que a mudança não era passível de estudo rigoroso que não era perceptível e muito menos se considerava impor tante buscar fora do sistema possíveis explicações para esse processo Na abordagem sociolinguística como podemos acompanhar o quadro é justamente o oposto 231 Estereótipos marcadores e indicadores Vamos adiante com nossas reflexões Labov reconhece que há jul gamentos sociais conscientes e inconscientes sobre a língua Com base no nível de consciência que o falante tem sobre determinada variável o autor distingue três tipos de elementos Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 33 Os ǿ estereótipos são traços socialmente marcados de forma consciente Alguns estereótipos podem ser estigmatizados so cialmente o que pode conduzir à mudança linguística rápida e à extinção da forma estigmatizada Outros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupo para grupo podendo ser positivo para alguns e negativo para outros Exemplos de estereótipos e átono final pronunciado como ǿ e e não como como em leite quente forma encontrada na variedade paranaense e de parte do oeste catarinense e gaúcho Consoantes d e t pronunciadas como d e t e não ǿ como diante de como em bom dia titia formas típicas de variedades nordestinas O fonema l de encontros consonantais pronunciado como ǿ r como em craro Cráudia forma associada a varieda des rurais eou pouco escolarizadas e portanto socialmen te estigmatizada como vimos no texto de apresentação da disciplina Os estereótipos são comumente explorados com certo exagero na composição de personagens de programas humorísticos em piadas e mesmo em novelas e em filmes Os ǿ marcadores correlacionamse às estratificações sociais e estilísticas e podem ser diagnosticados em testes subjetivos São traços linguísticos social e estilisticamente estratificados que podem ser diagnosticados em certos testes de reação sub jetiva embora o julgamento social seja inconsciente Os resul tados de alguns testes têm mostrado que apesar de os falantes diagnosticarem certos usos como uma forma feia ou errada isso não significa que não fazem uso dela Muitas vezes este uso se dá inconscientemente Na Unidade D serão apre sentados a você alguns testes de reação subjetiva Sociolinguística 34 Exemplos de marcadores O uso alternado dos pronomes tu e você verificado em certas regiões do Brasil apresenta variação estilística e social enquanto tu costuma ser usado para referir um interlocutor íntimo familiar você é usado como pronome de segunda pessoa quando o interlocutor é um des conhecido ou uma pessoa mais velha ou ainda tu é usado em regis tros mais informais e você em registros mais formais O uso desses pronomes em geral não é estigmatizado mas está correlacionado a variáveis estilísticas grau de intimidade por exemplo e sociais como a faixa etária dos falantes Tratase pois de marcadores Os ǿ indicadores são elementos linguísticos sobre os quais ha veria pouca força de avaliação podendo haver diferenciação social de uso dessas formas correlacionada à idade à região ou ao grupo social mas não quanto a motivações estilísticas Em outras palavras indicadores são traços socialmente estratifica dos mas não sujeitos à variação estilística sem força avaliativa com julgamentos sociais inconscientes Exemplos de indicadores Entre os indicadores podemos inserir por exemplo a monotonga ção dos ditongos ey e ow no português falado atual em palavras como peixepexe feijãofejão couvecove courocoro isenta de valor social e estilístico Reflita A depender da região uma variante pode ser interpretada tanto como marcador quanto como estereótipo Exemplos disso são as formas tu foi e vou ir No Rio Grande do Sul tratase de marcadores e não de estereó tipos pois não são estigmatizadas e marcam identidade local Contudo essa certamente não é a situação em outras localidades Como essas formas são avaliadas em sua região Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 35 A classificação de variáveis em estereótipos marcadores e indica dores é uma ferramenta relevante para a Sociolinguística pois nos auxi lia a compreender por exemplo o processo da mudança linguística e da escorregadia definição de uma comunidade de fala esta será tratada na seção 24 e aquela na Unidade C 232 A questão do preconceito linguístico Vimos até agora como a Sociolinguística surgiu em oposição a cer tos princípios dos modelos hegemônicos da linguística do século XX como através principalmente da figura de William Labov a regulari dade da variação e da mudança linguística pôde ser comprovada e que o estudo dessa regularidade só teria a ganhar se passassem a ser consi derados fatores não só internos mas externos à língua Assim a partir da inserção da Sociolinguística no quadro mais amplo de interesses da linguística fica atestada a íntima relação que existe entre língua e socie dade E é por causa dessa constatação a de que o estudo da língua não pode prescindir até certo ponto do da sociedade que o acúmulo em teoria e em pesquisas da Sociolinguística pode nos ajudar a compreen der melhor um fenômeno social o preconceito linguístico Tratase do que já adiantamos acima dar vida ao preconceito lin guístico é julgar falantes ou grupos inteiros em uma comunidade pelas formas linguísticas que empregam e essas formas geralmente são as que se afastam do padrão O argumento é que há em uma língua cons truções corretas e incorretas melhores e piores e que os falantes que erram em suas escolhas ao falar e ao escrever são consequentemente também imperfeitos pessoas que ou desprezam ou que têm dificuldade em atingir o nível em que só se empregam as construções aceitáveis corretas A aceitação dessa ideia e da noção de erro no uso linguístico que está por trás dela autoriza a exclusão social gerada pelo preconceito linguístico uma exclusão que em muitos casos é bastante dura Entre os mitos que compõem o discurso do preconceito linguístico está o de que o português é uma língua muito difícil mesmo para seus falantes nativos o de que seu domínio é uma tarefa árdua atingida ape nas por poucos intelectuais professores e escritores o de que por essa razão a maioria de nós brasileiros não sabe português ou o sabe de Sociolinguística 36 modo parcial incompleto e incorreto Ora nenhum de nós precisa ir muito longe para falsear todos esses mitos que alimentam o preconceito e o bolso de muitos autores de obras do tipo não erre mais Com tudo que já foi trabalhado nesta disciplina e ao longo do cur so temos base suficiente para defender que o português não pode ser uma língua difícil para seus falantes nativos simplesmente porque essa é a língua materna deles e a eles deve ser creditado todo o conhecimen to das regras que compõem a língua O que se defende como língua aí é a norma padrão do português aquele ideal de língua prescrito nas gramáticas e nos livros didáticos adotado pelo ensino tradicional de língua materna e por diversos espaços na mídia Esquecemse esses es paços infelizmente da realidade heterogênea da língua de como ela é plural o suficiente para dar conta dos mais diversos matizes semânticos pragmáticos e sociais de nossa realidade Lembrandonos do conceito de significado social dos itens da lín gua podemos imaginar que em uma sociedade estratificada em classes como a nossa mesmo que o preconceito não fosse amparado e difundido pelo ensino e pela mídia ainda assim talvez houvesse algum tipo de va loração social estigmatizadora sobre as formas empregadas pelas classes mais baixas ou por quem não teve acesso à escolarização plena Contu do o preconceito linguístico vigora firme e sem ser percebido como tal em nossa sociedade e muitos passam suas vidas acreditando que de fato não são capazes de se expressar que falam uma língua toda errada e que nunca terão acesso a alguns de seus direitos mais básicos como cidadãos como o direito à justiça à inclusão e à livre defesa de suas posições E nesse quadro em que lugar somos colocados nós especialistas no estudo da linguagem Estamos em um lugar que nos permite saber o que acontece através da disseminação do preconceito linguístico e quais os mecanismos pelos quais ele se manifesta Agora o que podemos fazer com esse conhecimento Este não é um livrotexto de política não podemos nem queremos que esta introdução à sociolinguística se destine a qualquer tipo de mili tância Entretanto fazemos a você um convite à reflexão principalmen te neste momento em que lidamos com esta subárea dos estudos linguís ticos que se detém na complexa relação entre língua e sociedade Releia sobre o conceito de norma e sobre seu papel como conteúdo do ensino de língua portuguesa em GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdu ção aos Estudos Grama ticais Florianópolis LLV CCEUFSC 2008 Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 37 Para refletir O conhecimento que temos acumulado sobre a sistematicidade da va riação nas línguas e sobre os danos ao indivíduo e a camadas inteiras de uma comunidade por conta da valoração social que recai sobre for mas variantes não nos torna equipados para uma postura como pro fessores e como cidadãos mais aberta à heterogeneidade da língua e em último grau da sociedade De que modo isso poderia se efetivar 24 As noções de comunidade de fala e de redes sociais A Teoria da Variação e Mudança trata da estrutura e evolução da língua dentro do contexto social da comunidade de fala ou seja é nes se espaço que se dá a interação entre língua e sociedade Logo é a co munidade de fala e não o indivíduo que interessa mais ao pesquisador sociolinguista De acordo com Labov é na comunidade de fala que a variação e a mudança tomam lugar Cumpre então tentarmos definir esse termo Ocorre que na busca por uma conceituação se percebe que por um lado não há um consenso entre os estudiosos da área acerca do assunto e por outro não se trata de uma noção fácil de ser caracteriza da Vamos nos ater aqui a definições de dois autores Labov e Guy Segundo Labov uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que usam todos as mesmas formas ela é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas a respeito da língua 2008 1972 p 188 Ainda de acordo com o autor os membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala real LABOV 2008 1972 p 225 Das afirmações acima depreendemos que o principal critério labo viano para definir comunidade de fala não é o uso linguístico compar tilhado pelos falantes mas suas atitudes semelhantes diante dos fatos linguísticos Nesse caso é preciso considerar que a uniformidade das normas compartilhadas pelo grupo ocorre quando a variável linguística Sociolinguística 38 possui marcas sociais evidentes aos falantes Isso significa que eles de vem ter consciência desses usos e ser capazes de emitir juízos de valor sobre as formas linguísticas variáveis Normalmente ao grupo de pres tígio cuja fala é dominante na escola no trabalho na mídia etc são atribuídos valores positivos ex a fala é bonita correta etc ao grupo socialmente desprestigiado em contrapartida costumam ser vincula dos valores negativos ex a fala é feia errada etc Essa atribuição consciente de um valor social às formas da língua define algo que vimos há pouco os estereótipos Por isso a essas alturas você já deve estar se perguntando o seguinte as normas em relação à língua que são compartilhadas pelos falantes só dizem respeito aos es tereótipos Uma comunidade de fala é delimitada com base em estereó tipos E quanto às variáveis que não são necessariamente reconhecidas pelos falantes Essas indagações são bastante pertinentes pois tocam num ponto relativamente frágil da noção laboviana de comunidade de falaBem vimos na seção 231 que apesar de os estereótipos serem mar cados com uma valoração social consciente os marcadores também são de certa forma avaliados na matriz social Assim podemos inferir que as normas compartilhadas pelos falantes se associam aos estereótipos e aos marcadores os quais podem ser percebidos pelos falantes e identifi cados por meio de técnicas que testam a avaliação subjetiva da língua Considerando a uniformidade do comportamento dos falantes quanto a normas sociais em relação à língua Labov busca uma certa homogeneidade na definição de comunidade de fala já que ela não vai ser caracterizada pelas regras linguísticas presentes na fala dos indivídu os as quais são altamente variáveis e sim pelas atitudes dos falantes em relação às regras e formas linguísticas que são mais uniformes Figueroa 1994 faz uma crítica ao modelo laboviano afirmando que a falta de uma vinculação clara entre indivíduo e comunidade de fala torna difícil a observação dos dados linguísticos pois embora eles sejam provenientes de falas individuais o comportamento linguístico deve na proposta de Labov ser visto no grupo De fato na teoria laboviana o in divíduo é um ser estratificado isto é um tipo social caracterizado por um conjunto de fatores sexo idade escolaridade profissão etc Assim inte ressa menos ao pesquisador sociolinguista se o informante que fornece os Essa questão do valor social das formas linguísti cas já vista nesta Unidade será ainda retomada mais adiante na Unidade C quando for apresentado o princípio da avaliação Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 39 dados é João Maria ou José o que interessa mais é identificar o tipo social indivíduo do sexo masculino situado na faixa etária de 26 a 40 anos com grau de escolaridade correspondente ao ensino médio nascido e residen te na zona urbana da cidade tal ou indivíduo do sexo feminino com ida de entre 15 e 25 anos com nível de escolaridade fundamental nascido e residente na zona rural da cidade tal Em outras palavras os indivíduos são identificados por pertencerem a determinadas células sociais Outras questões são suscitadas em relação ao modelo laboviano como a seguinte existe um número determinado de formas linguísticas variáveis frente às quais os falantes teriam uma atitude uniforme que per mite a identificação de uma comunidade de fala Essa questão e aquelas anteriormente levantadas mostram a dificuldade que encontramos na ope racionalização da noção de comunidade de fala nos moldes labovianos Percebendo as dificuldades ligadas a essa noção o sociolinguista Gregory Guy parte da concepção laboviana de comunidade de fala e a amplia Guy 2001 considera que a comunidade de fala se constitui a partir de três critérios Os falantes devem compartilhar traços linguísticos que sejam 1 diferentes de outros grupos Devem ter uma frequência de comunicação alta entre si 2 Devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da 3 linguagem Como se pode notar apenas o terceiro critério acima coincide com a proposta de Labov Guy amplia os elementos caracterizadores de uma comunidade de fala ao considerar também o compartilhamento de tra ços linguísticos identificadores de um grupo social e a frequência de comunicação entre os falantes Em síntese a noção de comunidade de fala recobre tanto aspec tos sociais quanto linguísticos pois envolve atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham ca racterísticas linguísticas que os diferem de outros grupos sociais Essa propriedade do mo delo laboviano é central na composição de bancos de dados de fala e na metodologia da pesquisa sociolinguística Trabalha remos mais com a estrati ficação da comunidade de fala na Unidade D Sociolinguística 40 Não obstante os problemas apontados no que se refere a estabelecer as fronteiras de uma comunidade de fala essa noção tem sido utiliza da nas pesquisas sociolinguísticas Por exemplo na cidade de Floria nópolis SC o Projeto VARSUL dispõe de entrevistas realizadas com informantes nascidos e residentes na zona urbana de Florianópolis e também com informantes nascidos e residentes no Ribeirão da Ilha e na Barra da Lagoa duas comunidades pesqueiras não urbanas com características sóciohistóricas e geográficas diferenciadas Nesse caso dispomos de dados linguísticos de três comunidades de fala em Floria nópolis Por outro lado se tomarmos amostras de fala de indivíduos de Curitiba PR Florianópolis SC e Porto Alegre RS também estare mos comparando três comunidades de fala só que dessa vez correspon dentes às capitais da Região Sul do Brasil E assim por diante A pesquisa de campo sobre a fala das comunidades traz importantes contribuições para a descrição do português brasileiro pois podemos ir compondo o mosaico que representa os diferentes falares à medida que novas pesquisas vão sendo feitas nas diferentes regiões Vimos acima que um dos critérios considerados por Guy é a fre quência de comunicação alta ou baixa entre os falantes Esse critério remete à ideia de redes sociais noção que apresentamos a seguir to mando como referência os trabalhos de Milroy Redes sociais são redes de relacionamento dos indivíduos estabele cidas na vida cotidiana Essas redes variam de um indivíduo para outro e são constituídas por ligações de diferentes tipos envolvendo graus de parentesco amizade ocupação ambiente de trabalho etc Quanto maior o número de pessoas que se conhecem umas às outras numa certa rede mais alta será a densidade dessa rede quanto menor o número de pessoas mais baixa será a densidade da rede Os indivíduos que se rela cionam entre si em diversas situações ex parentes e vizinhos parceiros no trabalho e no lazer estabelecem redes multiplexas já os indivíduos que se relacionam de uma única maneira estabelecem redes uniplexas A noção de redes tem sua origem na área da antropologia social sendo dependente das estruturas social econômica e política mais am plas Uma análise sociolinguística baseada em redes sociais procura cap tar a dinâmica dos comportamentos interacionais dos falantes Pesquisas Lesley Milroy é uma socio linguista americana que se interessa por aspectos dialetológicos e ideológi cos de variedades urbanas e rurais com ênfase na noção de redes sociais Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 41 apontam que redes de alta densidade e multiplexas tendem a manter seu dialeto e a se mostrar resistentes à influência de valores externos em ra zão dos fortes laços de solidariedade existentes entre os indivíduos e da identificação dos mesmos com os valores sociais do grupo Assim as re des sociais densas são vistas como fatores conservadores fortes freando a mudança linguística O contrário ocorre com as redes sociais frouxas À ideia de rede social se associam também os conceitos de localis mo e mobilidade O localismo tem a ver com o sentimento do indivíduo em relação ao local em que vive ele o valoriza socialmente demons trando um sentimento de pertencer àquele lugar reforçando valores culturais e linguísticos da comunidade Já a mobilidade diz respeito ao grau de deslocamento dos indivíduos a partir de seu local de origem Quanto maior for a mobilidade mais os indivíduos estarão sujeitos a adotar valores de outros grupos A utilização de redes sociais possibilita o estudo de pequenos gru pos sociais como grupos étnicos minoritários migrantes populações rurais etc favorecendo a identificação das dinâmicas sociais que moti vam a mudança linguística Labov também reconhece a importância de se trabalhar com re des sociais salientando aspectos da metodologia utilizada realização de várias entrevistas individuais participação do pesquisador na esfera so cial do grupo e perguntas individuais sobre as redes sociais de relações desses falantes Segundo o autor estudos de pessoas inseridas em sua rede social nos permitem graválas conversando com quem elas geral mente falam amigos família e colegas de trabalho LABOV 2001 p 326 Esse tipo de pesquisa oferece resultados bastante relevantes para se identificar as causas e o mecanismo social da mudança linguística especialmente quanto ao papel dos líderes da mudança pessoas que ocupam o centro de suas respectivas redes sociais e que seriam o veícu lo de expansão de características dessas redes para outros locais Além disso permite a observação de dados linguísticos mais naturais do que aqueles obtidos numa interação entrevistadorentrevistado metodolo gia que conheceremos na Unidade D Tanto o trabalho com comunidades de fala como o trabalho com redes sociais apresentam algumas limitações O primeiro por desconsi Sociolinguística 42 derar o indivíduo priorizando o tipo social estratificado o segundo pela dificuldade em se levantar e sistematizar todos os grupos de interação em uma comunidade além de contemplar um número reduzido de in divíduos O ideal em termos de metodologia de pesquisa seria unir as duas abordagens considerando tanto as estratificações vinculadas à ori gem e à classe social sexo idade escolaridade etnia profissão como as redes sociais a que os indivíduos escolhem pertencer as quais operam como mecanismos normatizadores Antes de concluirmos esta seção convém mencionar ainda breve mente a noção de comunidade de práticas um conjunto de indivídu os negociando e aprendendo práticas que contribuem para a satisfação de um objetivo comum MEYERHOFF 2004 p530 Exemplificando reuniões de pais e professores rotinas familiares e escolares comunida de de hackers entrevistas médicas comunidade de pescadores etc As comunidades de prática dizem respeito a práticas sociais compartilha das por indivíduos que se reúnem regularmente em torno de uma meta comum e envolvem desde crenças e valores compartilhados até formas de realizar certas atividades e de falar Eckert 2000 propõe o estudo da variação centrado nas comuni dades de prática pois nelas as variantes linguísticas assumiriam signi ficação social havendo relação direta entre língua e identidade Nesse contexto os estilos individuais como marcas de identidades sociais ocupariam um lugar central no estudo da variação linguística Esse en foque se aproxima do de redes sociais ambos de nível micro e mais qualitativo em oposição ao de comunidades de fala de nível macro e predominantemente quantitativo Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 43 Fechando a Unidade A Como fechamento de nossa primeira Unidade de estudos nada melhor do que continuarmos a pensar sobre questões de linguagem e ensino de língua portuguesa considerando tudo o que estudamos até aqui Deixamos a você dois excertos para reflexão o primeiro foi ex traído dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa 1997 o segundo do livro Preconceito linguístico o que é como se faz 2004 de Marcos Bagno O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na escola como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença Para isso e também para poder ensinar Língua Portuguesa a escola precisa livrarse de alguns mitos o de que existe uma única forma certa de fa lar a que se parece com a escrita e o de que a escrita é o espelho da fala e sendo assim seria preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado A questão não é falar certo ou errado mas saber qual forma de fala utilizar considerando as características do contexto de comunicação ou seja saber adequar o registro às diferen tes situações comunicativas É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazêlo considerando a quem e por que se diz determinada coisa É saber portanto quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige A questão não é de correção da forma mas de sua adequação às circunstâncias de uso ou seja de utili zação eficaz da linguagem falar bem é falar adequadamente é produzir o efeito pretendido BRASIL 1997 p 26 a primeira campanha a ser feita por todos na sociedade é a favor da mudança de atitude Cada um de nós professor ou não precisa elevar o grau da própria autoestima lingüística recusar com veemência os ve lhos argumentos que visem menosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna Parar de acreditar que brasileiro não sabe portu guês que português é muito difícil que os habitantes da zona rural ou das classes sociais mais baixas falam tudo errado Acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis deixando de lado e de nunciando de preferência as informações preconceituosas autoritárias e intolerantes BAGNO 2004 p 115 Bagno entende por co mandos paragramaticais todo esse arsenal de livros manuais de redação de empresas jornalísticas programas de rádio e de televisão colunas de jor nal e de revista CDROMS consultórios gramaticais por telefone e por aí afora BAGNO 2004 p 76 que perpetuam os mitos do preconceito linguístico Sociolinguística 44 Leia mais BAGNO Marcos Preconceito lingüístico o que é como se faz São Pau lo Edições Loyola 2004 Marcos Bagno é atualmente um dos autores de mais destaque no Brasil na discussão do preconceito linguístico Neste livro ele discute com uma pos tura bastante crítica alguns dos mitos que povoam o senso comum quanto à língua em nosso país e sugere caminhos para que quebremos seja como pesquisadores professores ou cidadãos comuns o círculo vicioso composto pelo ensino tradicional pelas gramáticas tradicionais e pelos livros didáticos que ajuda a perpetuar esse tipo de discriminação Unidade B As dimensões interna e externa da variação linguística Objetivos da Unidade Identificar os diferentes níveis de variação linguística em sua ǿ dimensão interna Reconhecer diferentes tipos de variação linguística motivados ǿ por fatores externos à língua Identificar fenômenos em variação no PB nas dimensões ex ǿ terna e interna Nesta Unidade vamos abordar as dimensões interna e externa da variação linguística em dois capítulos Em primeiro lugar apresentamos os diferentes níveis linguísticos em variação desde lexicais e fonológi cos até sintáticos e discursivos Apontamos também alguns trabalhos em variação e certos condicionadores internos e externos que inibem ou favorecem o uso de uma ou outra forma linguística ou variante Em seguida verticalizamos o foco para a dimensão externa trazendo exemplos de condicionadores não linguísticos e sua correlação com os aspectos internos da língua Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 47 3 A dimensão interna níveis de variação linguística Para falar sobre a dimensão interna da variação linguística retoma mos inicialmente a discussão que você já viu na Unidade A sobre variá vel linguística e variantes Na variável expressão da primeira pessoa do plural temos no português do Brasil duas variantes os pronomes nós e a gente Essas variantes são alternativas de se dizer a mesma coisa que ofe recem a mesma informação referencial Só o uso que marca uma forma nós em contraste com a outra a gente é diferenciado As duas formas estão disponíveis no sistema pronominal do português do Brasil e são lar gamente usadas em nossa sociedade Alguns falantes podem usar as duas marcandoas estilisticamente outros podem usar apenas a mais antiga nós por causa de alguma restrição social como faixa etária por exem plo mas todos os falantes têm a habilidade de interpretar as duas formas e entender o significado da escolha de uma forma em vez de outra O caráter heterogêneo do sistema linguístico é produto portanto de duas ou mais formas em variação duas ou mais variantes que se alternam de acordo com condicionadores internos linguísticos e ex ternos extralinguísticos que motivam ou restringem a variação Como já dissemos anteriormente não se trata de um caos linguístico Há re gras que regem a variação Neste capítulo vamos tratar da variação nos seguintes níveis lin guísticos Variação lexical ǿ Variação fonológica ǿ Variação morfofonológica morfológica e morfossintática ǿ Variação sintática ǿ Variação e discurso ǿ Antes de começarmos a discutir cada um dos níveis é bom lembrar que a variação lexical constitui o campo predileto de estudos geolinguís ticos e a fonologia o campo predileto da pesquisa sociolinguística Sugerimos que você reto me GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdução aos Estudos Gramaticais Florianópolis LLVCCEUFSC 2008 e reveja os diferentes níveis de descrição gramatical que já foram explorados lá Além disso reveja os conteúdos das disciplinas de Fonologia Morfologia e Sintaxe pois eles serão acionados neste capítulo Sociolinguística 48 Vamos iniciar este capítulo com uma breve retrospectiva sobre os es tudos variacionistas clássicos de variação fonológica que abriram caminho para que o campo de investigação se ampliasse para o estudo dos diferentes níveis gramaticais indo da fonologia à sintaxe e da sintaxe ao discurso 31 Contextualizando Foi no campo da fonéticafonologia que os estudos variacionistas começaram na década de 60 com os trabalhos de Labov em Marthas Vi neyard no estado de Massachusetts e em três lojas de departamento de Nova Iorque Os fenômenos investigados foram a pronúncia da primeira vogal dos ditongos ay e aw e a realização do r pósvocálico respecti vamente Os resultados do primeiro estudo apontam para uma tendência dos moradores de Marthas a centralizar a primeira vogal dos ditongos investigados diferentemente da pronúncia padrão de Nova Inglaterra re gião nordeste dos Estados Unidos onde se localiza o estado de Massachu setts No segundo estudo a tendência encontrada vai na direção da fala de prestígio dos novaiorquinos uma tendência à pronúncia retroflexa do r diferentemente da forma conservadora da década de 30 Em ambos os estudos fatores extralinguísticos é que se revelaram significativos A dife rença de uso está relacionada ao significado social eou estilístico Calvet 2002 p 96 diz que a maioria dos estudos de variação inci de sobre os sons da língua porque as variações nesse nível são ao mesmo tempo mais evidentes e mais fáceis de descrever Afinal os fonemas são unidades mínimas distintivas não dotadas de significação Logo a vari ável fonológica não tem significado referencial Só a partir da década de 70 é que alguns estudos de variação se voltam a campos diferentes da fonologia E junto deles surgem mui tos questionamentos e dúvidas sobre a aplicabilidade da teoria da va riação e mais amplamente de técnicas quantitativas para o estudo de fenômenos fora do campo da fonologia A transferência dos métodos de análise para além do nível fonológico coloca problemas com relação ao requisito de mesmo significado Lembrese cf Unidade A que há dois requisitos para que as formas linguísticas sejam consideradas variantes de uma mesma variável i devem ter o mesmo significado e ii devem ser intercambiáveis no mesmo contexto No capítulo 4 faremos uma resenha dos dois tra balhos de Labov conside rando em especial essa correlação Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 49 Sobre uma possível ampliação dos níveis de análise merece desta que a polêmica discussão travada por Lavandera 1977 e Labov 1978 Vamos explicar essa polêmica mais detalhadamente a você O primeiro trabalho de variação sintática de que se tem notícia é de Weiner e Labov 1983 1977 Os autores realizaram uma pesquisa quantitativa sobre as construções ativas e passivas do inglês testando fa tores externos estilo sexo classe etnia idade e fatores internos status informacional paralelismo estrutural A variável investigada era cons tituída das seguintes variantes construção passiva sem agente versus construção ativa com pronome sujeito genérico Ao analisarem seus resultados verificaram que a escolha de uma variante ou de outra não era socialmente motivada e que as formas alternantes mostravamse condicionadas sintaticamente Isso significaria dizer que a explicação da variação e possível mudança passa nesse caso a ser apenas de ordem interna relativa ao funcionamento da gramática Você pode imaginar o impacto causado por esses resultados no âmbito das pesquisas sociolinguísticas Note que nos estudos sobre va riáveis fonológicas mencionados anteriormente os fatores extralinguís ticos é que se revelaram significativos aqueles trabalhos apontaram uma correlação sistemática entre o uso variável e a estratificação social correlação essa que era justamente o que a proposta teórica de Labov pretendia evidenciar Pois bem os questionamentos começaram Lavandera 1977 põe em xeque o trabalho de Weiner e Labov le vantando argumentos desfavoráveis ao fato i de se estender o estudo variacionista para além do nível fonológico e ii de fatores sociais e estilísticos não se mostrarem relevantes Para a autora casos como o da ativapassiva não deveriam ser caracterizados como variação sociolin guística já que não se mostram socialmente condicionados Quanto a i Lavandera 1977 argumenta que para além do nível fonológico cada forma tem um significado Logo se cada construção tem seu próprio significado como é possível indaga a autora que haja variação se por variação entendemos duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa A questão que se levanta é polêmica o que seria ter o mesmo significado dada a inexistência de sinonímia absoluta nas lín guas humanas Sociolinguística 50 Em resposta ao duplo questionamento de Lavandera Labov 1978 alarga a noção de variável linguística para ǿ dois enunciados que se referem ao mesmo estado de coisas e que têm o mesmo va lor de verdade entendendo estado de coisas como significa do representacional relativizando assim a noção de mesmo significado deixa claro em relação à variável sociolinguística que ao realizar ǿ mos estudos sociolinguísticos não estamos somente preocupados em verificar a relevância dos fatores sociais mas antes disso objeti vamos obter um retrato da estrutura gramatical da língua Para o autor o valor da análise de variação em sintaxe está em ser um indicador dos processos gramaticais subjacentes isto é um indica dor das restrições que inibem ou favorecem o uso de uma ou de outra va riante um indicador que também possa predizer mudanças no sistema Ainda segundo o autor ao fazermos um estudo de variação sintáti ca temos de isolar o contexto onde a variação relevante é encontrada e gradualmente isolar aqueles casos em que a mesma forma tem funções linguísticas diferentes em que há neutralização da variação e em que há comportamento categórico O resultado do debate foi positivo uma vez que abriu caminho não só para estudos de variação sintática como também de variação discur siva Muitos pesquisadores entenderam que a quantificação de fenôme nos sintáticos e também discursivos pode além de nos fornecer bons indicadores da relevância de diversos grupos de fatores ser um instru mental útil capaz até mesmo de verificar a ausência de variação 32 A variação interna Esta seção se destina a apresentar exemplos e resultados de alguns tra balhos que investigaram fenômenos variáveis do PB nos diferentes níveis gramaticais o que será feito logo após a discussão sobre variação lexical Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 51 321 Variação lexical No campo da variação lexical as maiores contribuições têm sido ofe recidas a partir de estudos geolinguísticos de diferentes regiões do Brasil Esses estudos já desde os trabalhos pioneiros do filólogo Antenor Nascen tes têm como propósito a elaboração de um Atlas Linguístico do Brasil com o mapeamento das diferentes áreas linguísticas do português brasi leiro O autor dividiu o falar brasileiro em seis subfalares reunidos em dois grandes grupos falar do norte e falar do sul Desde então vários pesquisadores se dedicaram a estudos geolinguísticos para testar empirica mente as hipóteses de Nascentes Alguns desses estudos como os de Car doso 1986 1996 apud ROCHA 2008 sobre o Nordeste têm apontado fortes coincidências de resultados com as linhas traçadas por Nascentes No caso da Região Sul Koch 2000 apud Rocha 2008 p 14 salien ta que ela tem uma pluralidade social cultural e geofísica rara que lhe confere um status particular no estudo do PB Dentre os achados de sua pesquisa destacamse quatro fatores como principais determinantes ex ternos das variantes do português falado nessa região 1 a presença de açorianos no leste de Santa Catarina 2 a existência de fronteiras políti cas com países de fala hispânica no extremo sul e o contato português espanhol derivado dessa situação 3 o contato entre paulistas e gaúchos em dois fluxos migratórios opostos e o papel das rotas dos tropeiros paulistas no comércio do gado e 4 a existência de áreas bilíngues ex pressivas originadas da instalação nas antigas zonas de floresta de imigrantes europeus não lusos a partir do século XX A coleta de dados para a formação dos atlas é feita em geral a par tir de respostas a Questionários Semânticos Lexicais QSL Os questio nários são compostos de perguntas distribuídas em campos semânticos diferentes A divisão do questionário em campos semânticos distintos é uma tentativa de captar a diversidade lexical de cada microrregião dos estados do Brasil tendo em vista fatores históricos de colonização e par ticularidades relativas aos diversos campos da atividade humana eco nomia política trabalho cultura etc Está aí na empiria uma grande diferença entre a geolinguística e a sociolinguística aquela pautada basicamente em questionários lexicais e esta especialmente em coletas de entrevistas individuais Nesta última década es tudos que unem a meto dologia da geolinguística e a da sociolinguística chamados de geossociolin guísticos têm sido bastan te comuns tanto para dar conta de fenômenos lexi cais como de fenômenos fonológicos morfofono lógicos e morfossintáticos em variação O interesse do filólogo Antenor Nascentes por questões dialetológicas pode ser observado na obra Bases para a elabo ração do Atlas Lingüístico do Brasil cujas edições datam de 1958 e 1961 A metodologia de coleta de entrevistas sociolin guísticas será mostrada na Unidade D Sociolinguística 52 É certo que quando se fala em variação linguística os exemplos que costumam vir primeiro à mente dizem respeito ao vocabulário lé xico quase sempre associados à variação regional ou diatópica A mesma realidade é representada conforme a região por palavras di ferentes Mas há também usos variados conforme a situação mais for mal ou menos formal em que se está falando associados portanto à variação estilística ou diafásica Listamos abaixo alguns casos de varia ção no nível lexical Campo da alimentação 1 abóbora jerimum ǿ bergamota ou vergamota tangerina laranjacravo mimosa ǿ mandioca aipim macaxeira ǿ pão francês pão de trigo cacetinho ǿ polenta angu ǿ Outros campos 2 banheiro toalete wc ǿ coisa troço trem ǿ estojo penal ǿ mulher dona senhora ǿ negócio venda ǿ pandorga pipa papagaio ǿ vaso bacio privada casinha ǿ Vale ressaltar que na classificação dos dialetos em geral os aspec tos lexicais são menos sistematizáveis do que os fonéticofonológicos morfológicos ou sintáticos visto que esses últimos são condicionados por fatores internos além dos externos enquanto os lexicais estão inti mamente ligados a fatores extralinguísticos de caráter cultural sobretu do etnográficos e históricos Variação regional ou dia tópica e variação estilística ou diafásica são temas do Capítulo 4 tratados nesta mesma Unidade Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 53 O que a análise da distribuição geográfica de formas lexicais tem permitido portanto é a delimitação de áreas lexicais ou seja de zonas de um território que se caracterizam por nelas existirem vocábulos que não ocorrem noutras zonas Lindley Cintra 1962 em seu artigo Áreas lexicais no território português citando Herculano de Carvalho 1953 diz que esses elementos do vocabulário seguem o seu próprio destino regional agrupandose em áreas bem definidas que se interpenetram se deslocam e se recobrem mutuamente seguindo correntes culturais de direcção igualmente definidas CINTRA 1962 apud SARAMAGO GONÇALVES 20 p 2 322 Variação fonológica Vários estudos de sociolinguística atestam variação fonológica em diversos fenômenos do português do Brasil Para exemplificar este tipo de variação começamos retomando nossa conhecida piada sobre o po lítico assistindo TV Domingo à tarde o político vê um programa de TV Um assessor passa por ele e pergunta Firme O político responde Não Sírvio Santos Como já comentamos na Apresentação deste livrotexto há uma troca do fonema l pelo r nas palavras filme e Sílvio constituindose um caso de variação fonológica Esse fenômeno de troca de l por r se chama rotacismo Existe uma explicação histórica para a troca de l por r Observe os exemplos de evolução do latim para o português ecclesia igreja plaga praia esclavu escravo É bastante comum no português brasileiro esse fenômeno linguístico Comunicação apresentada ao Primeiro Congresso de Dialectologia e Etnogra fia Porto Alegre 1958 in Boletim de Filologia Lisboa XX 1961 1962 p 273307 Sep Lisboa 1962 35 p Reeditado em Estudos de Dialectologia Portuguesa Lisboa Sá da Costa Editora p 5594 A esses processos de transformação por que passou a língua chama mos metaplasmos Sociolinguística 54 Vamos pensar em outros exemplos que apresentam variação entre l e r Grupo 1 carda por calda sorda por solda arto por alto Grupo 2 brusa por blusa framengo por flamengo grobo por glo bo pranta por planta Desafio a Descubra o critério utilizado para a distribuição dessas palavras em dois grupos b Continue a levantar dados para cada um dos grupos c Tente formular uma hipótese sobre a frequência de variação desses grupos onde ocorre mais alternância de l por r em português em palavras do grupo 1 ou do grupo 2 Justifique sua hipótese d Compartilhe suas reflexões com os colegas Outro caso de variação fonológica bastante comum no PB é a tro ca de lh por i num fenômeno chamado de despalatalização ou seja perda de palatalização lh passa para l palha palia seguida de iotacismo evolução de um som para a vogal i ou para a semi vogal correspondente palia paia Observe os dados paia por pa lha muié por mulher veia por velha foia por folha trabaio por trabalho e assim por diante Existe uma aproximação entre os pontos de articulação da palatal λ e da semivogal y o que justifica linguisticamente essa variação Em determinados contextos portanto por facilidade ou relaxamento de articulação o traço palatal passa a ser articulado como alveolar ou como iode Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 55 Ainda no âmbito da variação fonológica encontramos Síncope ǿ supressão de fonema no interior da palavra Há uma tendência de as proparoxítonas se igualarem às paroxítonas que são muito mais frequentes no português Um passeio diacrôni co vai nos mostrar casos de evolução do latim para o português como digitu dedo insula ilha paupere pobre littera letra frigidu frio o que evidencia que a passagem de proparoxítona para paroxítona é um fenômeno regular na história do português Atualmente nossa língua apresenta ainda outros casos relampo por relâmpago fosfro por fósforo abobra por abóbora ar vre por árvore figo por fígado etc Monotongação ǿ transformação ou redução de um ditongo em uma vogal i do ditongo ow para o poco por pouco ropa por roupa cenora por cenoura etc ii do ditongo ey para e pexe por peixe bejo por beijo brasilero por brasileiro quejo por queijo etc e iii do ditongo ay para a caxa por caixa etc Alçamento das vogais médias ǿ processo de elevação das vo gais pretônicas por influência de uma vogal em sílaba subse quente É o caso por exemplo de minino por menino curuja por coruja piru por peru tisoura por tesoura subrinho por sobrinho etc Epêntese vocálica ǿ emissão de uma vogal entre as consoantes não representada na escrita formal obiter por obter pineu ou peneu por pneu adivogado ou adevogado por advogado rí timo por ritmo etc Vocalização ǿ transformação de consoante lateral em vogal Brasiu por Brasil méu por mel tau por tal etc Desnasalização ǿ de vogais postônicas transformação de um fonema nasal em oral home por homem bagage por baga gem onte por ontem viage por viagem etc Sociolinguística 56 Palatalização ǿ transformação de um ou mais fonemas em um fonema palatal i de ni e de li para nh ou lh como em demonho por demônio familha por família de s para como em pata por pasta deligar por dezligar iii de t para t como em tia por tia etc Assimilação ǿ aproximação total ou parcial de fonemas devido à influência de um sobre o outro i do d pelo n com queda do d cantano por cantando correno por correndo sorrino por sorrindo ii do t pelo s esse por este fosse por foste etc Como você pode observar são muitos os tipos de variação fonológi ca no PB Além desses mostrados acima há muitos outros E o mais inte ressante de tudo é que esses fenômenos são comuns nas línguas humanas e também nos ajudam a explicar a mudança fonética que se processou do latim às línguas vulgares entre elas o português A língua portuguesa desde o latim passou por diversos processos de transformação fonética até resultar na língua que hoje conhecemos Dois desses processos você viu anteriormente com os exemplos de rotacismo e síncope Investigue a Procure levantar outros casos de variação fonológica diferentes desses listados acima e descubra critérios para classificálos Fique atentoa à fala das pessoas a sua volta b Compartilhe seus achados com os colegas Alguns desses fenômenos foram mapeados em diferentes regiões do Brasil Vamos notar que a ocorrência das variantes de uma variável fonológica pode estar correlacionada a pressões fonológicas ou a pres sões morfológicas além de pressões externas Para entendermos como se dá esse processo tomemos como exemplo dois fenômenos linguísti cos em variação a monotongação de ditongos decrescentes e o apaga mento da vibrante pósvocálica Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 57 Sobre a monotongação dos ditongos decrescentes ow para o ey para e e ay para a Cabreira 2000 Paiva 2003 e Silva 2004 mostram os seguintes resultados Uma tendência em todo o Brasil à queda da semivogal w em ǿ ditongos ow como padrão de uso sem distinção de contexto fonológico seguinte de posição do fonema na palavra ou de categoria de palavra como em poco por pouco vô por vou cenora por cenoura por exemplo Uma queda da semivogal y mais restritiva em ditongos ey e ǿ ay condicionada principalmente quando o contexto seguin te é uma consoante palatal como em pee por peixe e kaa por caixa por exemplo A monotongação dos ditongos ey e ay é portanto condicionada por pressões fonéticofonológicas como o contexto seguinte Quanto à queda do r Monaretto 2000 2002 atesta um mesmo padrão de comportamento na fala de diferentes regiões com uma ten dência à queda do r mais acentuada em verbos no infinitivo como em andá por andar vendê por vender parti por partir enquanto em nomes o apagamento desse fonema é pouco frequente revolve por revólver Nesse caso a queda do r é condicionada por fatores de na tureza morfológica como classe de palavras e se reflete na diferença de uso entre um r morfêmico ou apenas fonêmico um caso portanto de interface essa questão será retomada na próxima seção Pesquise Há diversos trabalhos de variação fonológica no PB Além dos ilus ǿ trados acima outros artigos compõem as coletâneas organizadas por Leda Bisol 1991 e Dermeval da Hora 1997 2004 Tente ler pelo menos um desses artigos Qual foi o fenômeno fonológico em variação tratado no artigo que ǿ você leu Quais os condicionadores internos e externos que se mostraram mais significativos Troque textos e informações com os colegas Seja uma ǿ investigadora Sociolinguística 58 323 Variação morfofonológica morfológica e morfossintática Vamos começar esta seção recordando a definição de morfema unidade mínima significativa Vamos considerar como variação mor fológica aquela alteração que ocorre num morfema da palavra Parece fácil não é Vamos examinar alguns dados Retomemos o caso do gerúndio apresentado na seção anterior can tano por cantando correno por correndo sorrino por sorrindo Sabemos que ndo é o morfema verbal que representa o gerúndio Nos três exemplos acima esse morfema sofre uma redução para no com a queda do fonema d E agora será um caso de variação fonológica ou morfológica A mesma indagação pode ser feita em relação às seguintes situa ções em variação muito frequentes no português do Brasil i andá por andar vendê por vender parti por partir ii eles anda por eles andam eles vendi por eles vendem eles parti por eles partem iii tu anda por tu andas tu vende por tu vendes tu parte por tu partes iv você anda por tu andas e a gente anda por nós andamos Em i temos a supressão de r marca de infinitivo nos verbos Tratase pois de um morfema verbal Nesse caso temos claramente a falta do morfema de infinitivo nas realizações andá vendê e parti Po demos concluir que há uma coincidência r representa um fonema e também um morfema nesses dados Já em revolve por revólver por exemplo a queda do r é um fato apenas fonológico pois r não é um morfema e sim parte do radical da palavra Em ii a não realização de m uma desinência verbal que indica terceira pessoa do plural representa uma alternância morfêmica Já em casos como homi por homem viagi por viagem o m é só um fone ma Nas duas situações porém um fonema deixou de ser pronunciado Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 59 Em iii a nãorealização de s é uma alternância morfêmica pois s é um morfema que representa a segunda pessoa do discurso nos três verbos Em casos como andamo vendemo partimo por andamos vendemos partimos a desinência verbal que indica primeira pessoa do plural é mos Houve queda de s restando a marca mo Apenas o fonema deixou de ser pronunciado O mesmo acontece em palavras como lápi por lápis ou em doi por dois por exemplo a queda do s é apenas fonológica O que podemos observar é que a variação parece atingir um morfe ma e depois um fonema ou um fonema e depois um morfema Quando está só no âmbito do fonema temos uma variação fonológica mas quan do vai também para o âmbito do morfema que variação encontramos aí Morfológica Talvez fosse mais interessante dizer que nesses casos o que temos é uma variação morfofonológica uma vez que os morfemas que caem são também fonemas É um caso portanto de interface Mas quando dizemos que a referência à segunda pessoa do singular em tu anda e a referência à terceira pessoa do plural em eles anda é dada na relação que se estabelece entre pronome e verbo é o pronome que car rega o significado de pessoa do verbo já saímos do campo da morfologia e vamos para o campo da sintaxe melhor dizendo da morfossintaxe Entretanto quando nossa variável estudada é a alternância entre os pronomes tu e você ou nós e a gente por exemplo temos um caso de variação morfológica e não um caso de interface Afinal é uma alter nância de forma pronominal apenas E o que acontece com exemplos em variação como v As menina bonita por As meninas bonitas A ideia de pluralidade em As menina bonita só pode ser dada na relação entre a primeira e as outras palavras do sintagma nominal Ob serve que essa marcação é sistemática a marca de plural o fonema s é apagada sempre da direita para a esquerda em um sintagma nominal e não o contrário Dificilmente um falante nativo do português produzirá algo como a menina bonitas ou a meninas bonitas O que temos aí é uma variação no campo da morfossintaxe É mais um caso de interface Como temos visto a busca por essa sistematicidade naquilo que costuma ser chamado de erro é uma das preocupações da Sociolinguística Sociolinguística 60 Reflita a Nos casos em que ocorre ndo no andando andano mos mo andamos andamos A variação é fonológica ou morfológica b Justifique sua resposta Notese pois que a variação morfológica é em sua maioria um caso de variação morfofonológica ou morfossintática Ressaltamos nes sa interface os muitos trabalhos de Maria Marta Scherre e de Anthony Naro sobre a variação na concordância nominal e verbal com dados do Sudeste E com dados da Região Sul destacamos os trabalhos de Mon guilhott 2001 2009 sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural de Loregian 1996 sobre a concordância verbal de segunda pes soa do singular de Zilles Maya e Silva 2000 a respeito da concordân cia verbal com a primeira pessoa do plural na fala de Panambi e Porto Alegre entre outros Esses estudos sobre a variação na concordância nominal e verbal mostram um mesmo condicionamento linguístico oposições mais sa lientes fonicamente entre singularplural por serem mais perceptíveis aumentam a probabilidade de concordância nominal ou verbal Por exemplo oposições mais salientes como os anéisos anel os caminhões os caminhão e os ovosos ovo tendem a manter muito mais marcação de plural do que oposições menos salientes como os meninosos menino os carrosos carro e os homensos home Este grupo de fatores é conhecido como saliência fônica Com relação à variação morfológica destacamse entre outros trabalhos do grupo de sociolinguistas da UFRJ como os de Célia Lopes sobre variação pronominal com dados de fala e de escrita do Sudeste numa perspectiva sincrônica e diacrônica Com dados do Sul temos por exemplo resultados de dissertações de mestrado defendidas na UFSC como a de Arduin 2005 sobre a variação nas formas pronominais dos No Capítulo 7 traremos resultados estatísticos que confirmam o condicio namento desse grupo de fatores sobre a variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 61 possessivos de segunda pessoa do singular teuseu a de Silva 2004 e a de SilvaBrustolin 2009 sobre a alternância entre os pronomes nós e a gente além da tese de doutoramento de LoregianPenkal 2004 temos ainda artigos de Menon e LoregianPenkal 2002 e de Coelho e Görski 2009 sobre a variação pronominal de segunda pessoa do singular tu e você entre outros Muitos condicionadores linguísticos se mostraram relevantes nes ses estudos Alguns de natureza sintática como o preenchimento do sujeito por exemplo Tanto resultados de trabalhos sobre a alternân cia entre nós e a gente como resultados sobre a alternância entre tu e você mostram que os pronomes a gente e você por se combinarem com verbos na terceira pessoa do singular a gente foi e você foi tendem a aparecer com sujeito preenchido enquanto pronomes nós e tu quando carregam a marca morfêmica de primeira pessoa do plural e segunda pessoa do singular respectivamente vêm preferencialmente com sujei tos nulos Essa discussão vai ser retomada na próxima seção 324 Variação sintática A variação na sintaxe aqui no Brasil tem sido estudada em geral com a adoção de um outro quadro teórico além do quadro da Teoria da Variação e Mudança para explicar as hipóteses internas à língua ou de base gerativista ou de base funcionalista Os estudos que articulam dois quadros teóricos aparentemente con flitantes de um lado os pressupostos da Teoria da Variação e Mudança e de outro lado os pressupostos da teoria gerativa foram inaugurados na década de 80 por Fernando Tarallo e Mary Kato com trabalhos sobre o preenchimento do sujeito pronominal a ordem do sujeito em relação ao verbo a posição do clítico o objeto nulo as diferentes estratégias de relativização entre outros Muitos desses trabalhos apontam para o século XIX como um marco no processo de implementação de mudan ças sintáticas que distanciam significativamente a sintaxe do português contemporâneo daquém e dalémmar Quanto aos estudos que articulam o aparato teórico da Sociolinguísti ca e o aparato teórico do funcionalismo em geral um funcionalismo com base nos estudos do linguista americano Talmy Givón eles começaram Sociolinguística 62 com o grupo de pesquisadores da UFRJ coordenado por Anthony Naro Destacamse nesse campo trabalhos de variação na concordância verbal e nominal fenômenos de interface sobre a variação modotemporal al guns que também tratam sobre o preenchimento do sujeito pronominal trabalhos sobre usos alternantes de conectores entre outros Vamos mostrar brevemente certos fenômenos que estão em varia ção sintática para discutir com você Eilos a Construções relativas O filme a que me referi é muito bomO filme que me referi é muito bomO filme que me referi a ele é muito bom b Preenchimento do sujeito anafórico Nós fomos à praiaØ Fomos à praiaA gente foi à praia Ø Foi à praia c Posição do clítico Eu vio no cinemaEu o vi no cinema d Construções passivas versus índice de indeterminação do sujei to Alugamse casasAlugase casas A variação das relativas estudada por Tarallo na década de 80 foi um dos primeiros trabalhos de Sociolinguística no âmbito da variação na sintaxe feitos no Brasil O autor mostrou que as três construções ilustradas anteriormente estão em variação no PB e são condicionadas principalmente por fatores extralinguísticos Seus resultados indicaram que a relativa padrão O filme a que me referi é muito bom parece es tar deixando de ser usada na linguagem espontânea sua substituta é a relativa cortadora O filme que me referi é muito bom enquanto a rela tiva com pronome lembrete O filme que me referi a ele é muito bom é geralmente usada por falantes menos escolarizados e sofre estigma na sociedade Notese aqui uma correlação entre variável sintática e fatores externos Sobre o preenchimento do sujeito pronominal desde o traba lho de Duarte 1995 estudos atestam uma mudança em curso no PB de uma língua de sujeito nulo a uma língua de sujeito preenchido Um dos principais condicionadores dessa mudança é a pessoa do discurso Enquanto a primeira e a segunda pessoas são usadas preferencialmente com sujeito preenchido a terceira ainda permanece com sujeito nulo Essa mudança segundo a autora está relacionada principalmente à Você poderá saber mais sobre o trabalho das relativas lendo o livro de Tarallo intitulado A pesqui sa sociolinguística 1985 A influência dos fatores extralinguísticos sobre os fenômenos linguísticos em variação será discutida no Capítulo 4 e retomada na Unidade D Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 63 entrada de dois pronomes na língua o você e o a gente São pronomes que se combinam com formas verbais de terceira pessoa você foi a gen te foi provocando na língua um enfraquecimento do sistema de flexões verbais o que leva a uma tendência acentuada ao preenchimento do sujeito pronominal Ou seja a identificação da pessoa do discurso se dá nesses casos pela presença do pronomesujeito já que a desinência númeropessoal do verbo é zero Outro fenômeno de variação na sintaxe que tem levantado muitos questionamentos é a posição do clítico em relação ao verbo ilustrada nos exemplos Eu vio no cinemaEu o vi no cinema No primeiro caso um fenômeno conhecido como ênclise posição pósverbal e no segundo caso conhecido como próclise posição préverbal Estudos mostram que a próclise Eu o vi no cinema é o padrão do PB especialmente quan do o sujeito está anteposto ao verbo seja ele nominal ou pronominal e não a ênclise Eu vio no cinema embora esse último padrão seja pres crito como a forma correta pelas gramáticas normativas tradicionais Martins 2009 analisa textos de escrita brasileira para mostrar o percurso diacrônico da posição dos clíticos e com base em trabalhos que já mapearam a escrita do português nos séculos XVI a XX princi palmente de Galves Brito e Paixão de Sousa 2005 e de Pagotto 1992 confirma o percurso de mudança Uso majoritário da ǿ próclise nos séculos XVI a XVIII Queda da próclise no século XIX com um consequente au ǿ mento da ênclise Queda da ênclise com um aumento considerável da ǿ próclise no final do século XX Com relação às construções chamadas de passivas sintéticas em es pecial no que tange à variação da concordância verbal vendemse casas vendese casas estudos de Nunes 1990 Scherre 2005 e Martins 2005 entre outros mostram que mesmo em situações formais o padrão de uso mais frequente é o da nãoconcordância entre verbo e sintagma nominal De todas as mudanças por que passa o português do Brasil atu al talvez essa seja a mais polêmica Diferentemente do que dizem as Na unidade E faremos uma discussão mais de talhada sobre a mudança que está ocorrendo no paradigma pronominal do português do Brasil Sociolinguística 64 gramáticas normativas tradicionais os trabalhos supracitados tentam mostrar que na verdade essas construções são atualmente interpreta das como sendo de indeterminação do sujeito É como se com o tempo a ideia de que existe uma sentença passiva sintética no português tivesse ficado obsoleta A interpretação de tais sentenças como ativa com sujei to indeterminado parece a única possível Vejamos Possenti 2007 em texto escrito para a revista Terra Magazine lembranos que Said Ali já na década de 60 mostra a incoerência de se interpretar uma sentença do tipo Alugase esta casa como passiva sinté tica Traz alguns questionamentos do autor Como entendemos uma placa com a inscrição A ǿ lugase esta casa que acaso vemos pendurada em uma casa pergunta Said Ali Se a oração fosse passiva e esta casa seu sujeito diz ele então de veríamos entender há moradores na casa e eles estão avisando aos transeuntes que a casa não lhes pertence mas que pagam aluguel para morar nela Mas alguém já leu uma placa dessas assim questiona Said Ali ǿ Essa leitura seria absurda absolutamente contrária à interpretação corrente Uma inscrição como Alugase esta casa para ele e com cer teza para nós também quer dizer obviamente que uma pessoa ou uma empresa cujo nome não importa tem a seu encargo fazer com que a casa que provavelmente está desabitada venha a ser alugada Portanto parece mais coerente dizer que nas sentenças Alugamse casas e Alugase casas exemplificadas anteriormente o sintagma no minal casas não deve ser considerado o sujeito das sentenças e por isso não precisaria concordar com o verbo As duas sentenças são ativas com sujeitos indeterminados Desafio a Leia o texto de Sírio Possenti Jogase os grãos escrito para a revista Terra Magazine em 21 de junho de 2007 Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 65 Conector qualquer elemento linguístico usado para relacionar orações períodos e mesmo parágrafos temáticos Pode ser uma conjun ção e mas porque portanto etc uma expressão de natureza adverbial assim afinal finalmente daí conse quentemente quanto a por outro lado etc marcadores discursivos aí então quer dizer digamos assim etc entre outros b Considere agora os exemplos trazidos pelo autor de variação mor fossintática Jogase ǿ os grãos na água do alguidar Para que se escreve ǿ tantos poemas Doase ǿ lindos filhotes de poodle c Em muitas aulas de língua portuguesa os professores versam sobre o assunto afirmando que na maioria das vezes as sentenças em b são passivas sintéticas Perguntase 1 Como esses professores avaliariam as sentenças em b 2 Por que as pessoas em geral falam e escrevem como as sentenças em b 325 Variação e discurso Até agora examinamos fenômenos variáveis no âmbito do léxico e dos níveis gramaticais fonológico morfológico e sintático Dependen do da visão de gramática assumida o nível linguístico de análise pode ser expandido para além da frase de modo a abarcar também porções textuais ou discursivas maiores Nesse caso aspectos semânticoprag máticos que envolvem a significação e o contexto situacional também são considerados Apresentamos a seguir alguns fenômenos variáveis na dimensão textualdiscursiva Dados interessantes são encontrados na função de encadear tre chos discursivos ou seja desempenhando o papel de conectores tanto na fala como na escrita O conjunto de exemplos a seguir ilustra usos variáveis dos itens e aí daí e então na função de coordenação em relação de continuidade e consonância estabelecendo uma relação coesiva entre uma informa ção precedente e outra subsequente Os dados são oriundos de amostras orais do projeto VARSULSC e foram extraídos de Tavares 2003 Sociolinguística 66 Aí a minha mãe Ah pois é mas eu tenho que dar baixa nessa 1 carteira Aí o cara falou É mas a senhora não quer nada E a minha mãe disse Quer nada o quê É porque nós somos obrigados a vender um ônibus desses pra pagar ele porque a a carteira dele não está dando baixa ninguém deu baixa né MCFLP09J Aí no que ele chegou ali ele me convidou pra mim ouvir mú 2 sica com ele Aí eu disse Ah não eu não vou porque amanhã é outro dia e eu outro dia tenho que enfrentar todo mundo pai mãe tio todo mundo né Aí ele disse Não mas ama nhã eu fico contigo Eu disse Ah não Aí eu não sabia se eu acreditava nele se eu ria se eu chorava se eu não Eu não sabia a minha reação não tem SEFLP20 A costureira não quis fazer então eu e a minha irmã A minha 3 irmã não sabe costurar muito bem daí ela disse pra ele assim Não mas quando que nós vamos fazer serão A minha irmã disse pra ele Como nós vamos fazer esse serão se não tem costureira Daí ele disse Ah vocês não querem fazer então dá a carteira que eu dou as contas JRFLP02 Mas ele insistiu e disse Olha tem uma equipe de São Paulo 4 lá do Professor Odair Pedroso se for necessário nós podemos lhe mandar pra São Paulo fazer um curso Então eu disse Se é assim se desejam assim eu posso tentar se não decepcionar Então eu fiquei realmente três meses em treinamento com a equipe do Professor Odair Pedroso num no Hospital Celso Ramos ACFLP21 Observe os contextos oracionais em que aparecem os conectores nos quatro trechos E a minha mãe disse Aí eu disse Aí ele disse daí ela disse Daí ela disse Então eu disse Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 67 Tratase do mesmo contexto de introdução de discurso direto Em todos os casos o elemento variável dá sequenciação de modo coesivo ao texto Veja que nessa funçãosignificação eles são intercambiáveis atuando portanto como variantes que constituem uma mesma variável linguística No entanto se vistos isoladamente dificilmente diríamos que seriam variantes Provavelmente seria feita a seguinte classificação e conjunção coordenativa aí daí advérbio de lugar então advér bio de tempo Isso mostra o quanto é importante se considerar o contex to real de ocorrência dos dados que queremos analisar Vejamos outro exemplo de variação no nível discursivo Os dados são oriundos de amostras orais do VARSULSC e foram extraídos de RostSnichelotto 2009 Observe F Tem gente que faz colchão com a lã da ovelha Só que 5 ela tem lógico a gente tosa a ovelha porque no inverno ela no verão ela é tosada por causa do calor demais ela não pode Então tosa a ovelha a lã é lavada depois ela é seca no no a gente pendura ela no nos arames de de de esses ara mes farpados como eles chamam porque eles têm as farpas aí elas secam ali depois de secas elas são abertas inteirinhas Tem gente que abre com megadaime parece que eles chamam que são feitos com pregos então bate um no outro assim a lã vai abrin Mas o bom mesmo é abrir a lã sabe ir abrindo ela manualmente Eu fazendo aqui como se estivesse aparecen do ali né Lúcia Mas eu estou te mostrando Então daí são confeccionados colchões são confecci são confeccionados cobertores né pra enfrentar o frio dessa terra aqui Porque olha é frio mesmo no inverno Pode ver a lareira ainda não foi Ainda tem o vestígio do inverno porque não foi lavada ainda LGS 21 E E como é que ele se tornou pastor assim teve que estudar 6 F Aí aí ele foi aquele dia ele foi lá e se encontrou se né Ele veio de lá mudadinho mudadinho mudou naquela daque la daquele daquele dia em diante ele mudou ele já chegou mudado Viu como é que é Ele che ele chegou de lá Oh Sociolinguística 68 Ele não lia a Bíblia Você sabe que essa gente nova assim eles não gostam muito assim Oh Ele gostava de de baile carnaval não tinha um carnaval que ele não fizesse uma fantasia Ele ele desfilava na escola de samba sabe Não tinha um carnaval que ele não fizesse uma fantasia Eu tenho até hoje as fantasias dele ali E ele voltou de lá mudado mudado Ele fumava não fumou mais Daquele dia em diante ele não fumou mais Ele não foi mais ele não entrou nem num bar mais Verdade Eu fiquei Agora você vê né a gente Por isso que eu digo Deus o que ele tem pra gente pra vida da gente pra pessoa eu acho que né eu acho que ele escolhe decerto a pessoa né A pes soa é escolhida por Deus né Esse foi escolhido porque vê ele chegou de lá aquele dia mesmo ele não deitava sem se ajoelhar na assim na beira da cama dele orar ler a Bíblia E ao meio dia assim no almoço e tudo às vezes os pais precisam tava estar dizendo ore ou né faça uma oração Nunca mais ele dei xou isso aí orar na hora da antes de do almoço quando senta na mesa E ter a Bíblia isso ele fazia né direto Não pre cisou mais falar nada pra ele fazer LGS 13 Os marcadores discursivos olha e vê destacados nos trechos acima são usados para chamar a atenção do interlocutor sobre a informação que está sendo veiculada Eles têm caráter textualinterativo pois ao mesmo tempo que chamam a atenção do interlocutor também auxiliam no estabelecimento de relações coesivas de causalidade inclusive com a presença do conector porque nos dois trechos Os itens olha e vê estão funcionando como variantes nesse caso Repare que ambos são marca dores derivados de verbos de percepção visual Existem ainda expressões de caráter discursivo como mas bah pô cara aí orra meu pronto que são facilmente associadas a falan tes gaúchos cariocas paulistas e nordestinos respectivamente consti tuindose em variantes regionais Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 69 Desafio a Antes de passar ao Capítulo 4 que vai tratar da dimensão externa da variação leia com atenção a bela cantiga Cuitelinho e reflita so bre os níveis de variação linguística discutidos neste Capítulo 3 Cuitelinho Cheguei na bera do porto onde as onda se espaia As garça dá meia volta senta na bera da praia E o cuitelinho não gosta que o botão de rosa caia Quando eu vim de minha terra despedi da parentaia Eu entrei no Mato Grosso dei em terras paraguaia Lá tinha revolução enfrentei fortes bataia A tua saudade corta como aço de navaia O coração fica aflito bate uma a outra faia E os oio se enche dágua que até a vista se atrapaia Cantiga popular brasileira autor desconhecido b Tente fazer um levantamento das variantes que ocorrem na can tiga distribuindoas em grupos conforme os diferentes níveis lin guísticos fonológico morfológico sintático e discursivo c Discuta os seus achados com os colegas Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 71 4 A dimensão externa da variação linguística Como a linguagem é em última análise um fenômeno social fica claro para um sociolinguista que é necessário recorrer às variações derivadas do contexto social para encontrar respostas para os problemas que emergem da variação inerente ao sistema linguístico CAMACHO 2001 p 50 Como já apontamos a abordagem da língua pode se dar numa di mensão interna eou numa dimensão externa Este capítulo é dedicado à dimensão externa da variação linguística Vamos tratar dos seguintes tipos Variação ǿ regional ou geográfica ou diatópica Variação ǿ social ou diastrática Variação ǿ estilística ou diafásica Variação na ǿ fala e na escrita também chamada de variação dia mésica cf ILARI BASSO 2006 Ressaltese que essa classificação por tipos não quer dizer que eles ocorram separadamente e nem que sejam independentes da dimensão interna da variação Normalmente o que ocorre é uma combinação dos fatores que condicionam a forma como falamos Na dimensão externa da variação estudamos os fatores extralinguísticos aqueles que como o nome sugere encontramse fora da estrutura da língua Para a Socio linguística esses fatores são tão importantes quanto os linguísticos 41 Breve retrospectiva Os fatores extralinguísticos foram o alvo do estudo pioneiro de La bov realizado na ilha de Marthas Vineyard Massachusetts em 1962 O autor procurou relacionar diferentes produções ie diferentes pronún cias do primeiro elemento dos ditongos ay e aw como em right e house respectivamente com características sociais dos habitantes da ilha Essas características sociais numa pesquisa sociolinguística trans formamse nos fatores condicionadores extralinguísticos Lembrese de que na dimensão interna da variação consideramos os fatores que são internos à língua nos seus diferentes níveis lexical fonológico morfológico sintático e discursivo Sociolinguística 72 A motivação desse estudo foi a percepção de que aqueles ditongos poderiam ser pronunciados de diferentes maneiras Além da pronúncia padrão de Nova Inglaterra variedade normalmente seguida pelos ha bitantes de Marthas Vineyard e havia outras que tendiam à centralização da primeira vogal como a realização de ə e ə um schwa e mesmo de e e e Labov foi então em busca de explica ções para a variação fonética que observou Para melhor entendermos os resultados a que o autor chegou vamos primeiro conhecer a organi zação social de Marthas Vineyard e perceber como ela foi aproveitada na metodologia empregada na pesquisa Basicamente a ilha de Marthas Vineyard é dividida em UpIsland Ilha Alta uma região rural que combina fazendas e vilas com um grande espaço desabitado e DownIsland IlhaBaixa que conta com três pequenos centros urbanos onde viviam cerca de ¾ de uma popu lação de 5563 habitantes de acordo com o censo realizado em 1960 As etnias que lá habitavam eram as de origem indígena de origem por tuguesa e de origem inglesa Labov desconsiderou em seu estudo o grande número de turistas que permanecia na ilha apenas nos meses de verão nesse período o número de habitantes subia consideravelmente chegando à marca de 42000 Labov procurou dados dos ditongos ay e aw em diferentes situa ções na fala casual através da observação da interação entre falantes na rua em bares etc na fala com acento emocional através de questionários que requeriam aos informantes emitir juízos de valor na fala cuidada atra vés de entrevistas e na leitura pedindo aos informantes para que lessem uma história em voz alta As entrevistas foram realizadas com 69 nativos de Marthas Vineyard representantes das diferentes regiões da ilha Entre eles 40 eram upislanders provenientes da Ilha Alta e 29 eram downislanders provenientes da Ilha Baixa Labov controlou também a ocupação dos informantes 14 deles eram pescadores 8 se ocupavam da agricultura 6 trabalhavam em construções 19 eram comerciantes 3 eram profissionais liberais 5 eram donas de casa e 14 eram estudantes A divisão entre grupos étnicos foi a seguinte 42 descendentes de ingleses 16 de portugueses e 9 de índios Os fatores idade e sexogênero dos informantes também foram considerados Por meio das entrevistas Labov obteve 3500 dados de ay e 1500 de aw que lhe renderam interessantes resultados Observe na descrição da metodologia da pesquisa de Labov em Marthas Vineyard a estratificação social dos informantes de que falamos na Unidade A Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 73 Labov considerou além dos fatores sociais os seguintes fatores linguís ticos i ambiente fonético ou seja quais eram as consoantes precedentes e subsequentes aos ditongos ay e aw ii fatores prosódicos isto é a tonici dade das formas linguísticas em que apareciam os ditongos iii influência estilística que deveria refletir nos dados as diferentes situações em que eles foram coletados fala casual fala com acento emotivo fala cuidada e leitu ra iv considerações lexicais ou seja em que palavras esses ditongos ten diam a ser pronunciados centralizados Esses fatores na pesquisa realizada em Marthas Vineyard se mostraram pouco ou não significativos Seus resultados mostraram porém que a centralização dos diton gos ay e aw estava atrelada à estratificação social dos informantes muito mais do que aos fatores linguísticos As explicações encontradas não estavam na estrutura da língua não havia quase nada no contexto linguístico que condicionava um falante a pronunciar de uma maneira ou de outra os ditongos pesquisados As explicações estavam fora da língua estavam no contexto social dos informantes da pesquisa Vamos dar uma olhada nos resultados da pesquisa e depois enten der as conclusões a que Labov chegou Quanto ao fator idade considerandose todo o grupo entrevistado a faixa etária que mais favoreceu a centralização dos ditongos ay e aw foi a dos 31 aos 45 anos A região UpIsland área rural foi a que mais apresentou centralização sendo que os mais altos índices foram encon trados entre os habitantes de um lugarejo chamado Chilmark onde a maior parte da economia está concentrada na pesca E foi exatamente o grupo dos pescadores no fator ocupação que apresentou os maiores índices de centralização Já quanto ao fator etnia foram os descendentes de ingleses que se destacaram Além disso um fator se revelou signi ficativo nos juízos de valor emitidos pelos informantes a questão da identidade e da atitude como veremos a seguir Esses resultados fazem muito sentido quando associados à história so cial da ilha A região de Chilmark na UpIsland é habitada por descenden tes de ingleses que como dissemos conservam a pesca como sua principal ocupação Eles são conhecidos por serem diferentes dos demais habitantes da ilha por serem independentes e por defenderem seu modo de vida Nas entrevistas realizadas por Labov frequentemente os informantes se refe Na Unidade D conhece remos os passos de uma pesquisa sociolinguística Sociolinguística 74 riam aos habitantes de Chilmark como típicos velhos ianques Acontece que àquela época Marthas Vineyard vinha passando por grandes trans formações econômicas e sociais A prática da pesca uma atividade tradi cional vinha decaindo e a atividade turística crescendo invadindo a ilha não só espacialmente como também culturalmente Esse processo resultou em uma divisão de um lado ficaram os que na tentativa de preservar sua cultura e identidade reagiram negativamente à atividade turística de outro lado aqueles que reagiram positivamente ou não se importaram com as mudanças buscando integração com a nova atividade econômica e com as diferenças culturais trazidas por ela Os habitantes de Chilmark incluíram se majoritariamente no primeiro grupo Por isso dizemos que o estudo de Labov em Marthas Vineyard tem seus resultados amparados na identidade e na atitude dos falantes com relação à ilha Aqueles que se identificam com a ilha e são avessos aos turistas centralizam mais os ditongos ay e aw para preservarem sua marca de identidade como os habitantes de Chilmark aqueles que são neutros ou reagem positivamente ao turismo apresentam em menor escala essa centralização ou não a apresentam Para refinar ainda mais sua análise na questão da atitude e da identi dade Labov comparou a fala de jovens descendentes de famílias inglesas Aqueles que queriam sair da ilha e procurar diferentes oportunidades de emprego centralizavam pouco ou não centralizavam os ditongos ay e aw aqueles que queriam permanecer na ilha centralizavam muito mais A maior contribuição desse estudo foi mostrar a grande influên cia que os fatores condicionadores extralinguísticos podem ter sobre a língua ou seja as motivações sociais que a variação linguística pode apresentar Ele se tornou um clássico e serve até hoje como base para outras pesquisas sociolinguísticas Além do trabalho de Labov sobre a variação dos ditongos ay e aw em Marthas Vineyard destacase também seu trabalho na cidade de Nova Iorque sobre The social stratification of r in New York city de partment stores Nesse trabalho o autor confirma a hipótese segundo a qual se dois subgrupos de falantes de Nova Iorque são ordenados numa escala de estratificação social eles serão ordenados da mesma maneira por seus usos diferenciados de r Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 75 O autor parte de uma questão preliminar pretende verificar um problema metodológico clássico se o meio usado para recolher os dados interfere nos dados recolhidos Busca investigar a variável presençaau sência de r em posição pósvocálica car card four fourth etc em três lojas de departamento de Nova Iorque Sacks Fifth Avenue classe média alta Macys classe média baixa e S Klein classe baixa testando i se o uso de r é um diferenciador social em todos os níveis de fala da ci dade de Nova Iorque e ii se eventos de fala rápidos e anônimos podem ser usados como base para um estudo sistemático da linguagem A coleta de dados foi realizada nas três lojas em duas tardes e o pro cedimento de coleta método chamado de inquérito breve e anônimo baseouse numa metodologia bem simples o entrevistador perguntava aos seus informantes os empregados do local onde ficava uma determi nada sessão da loja a fim de obter como resposta a expressão fourth floor quarto andar em dois momentos como resposta casual a primeira resposta do informante e enfática a segunda resposta do informante que ao perceber que não havia sido compreendido pronuncia a expres são fourth floor com a fala mais cuidada como descrito abaixo Entrevistador Excuse me where are x Informante Fourth floor estilo casual Entrevistador Excuse me Informante Fourth floor estilo cuidado e acento enfático Após fazer a pergunta longe dos olhos dos informantes o pesqui sador registrava todos os dados ou seja todas as ocorrências e as ausên cias de r em posição pósvocálica na expressão fourth floor tanto na resposta casual quanto na resposta enfática Os resultados da estratifica ção do r por loja mostraram que 62 de empregados da Sacks 51 da Macys e 21 da Klein usaram totalmente ou algum r em suas respostas ao inquérito Os resultados quanto ao uso do r dispõem os emprega dos numa ordem idêntica à gerada pelo nível socioeconômico das três lojas quanto mais alto o nível socioeconômico da loja mais se observa o uso do r quanto mais baixo o nível menos se observa o uso Note se que o uso do r era a variante nova e de prestígio do novaiorquino A variante conservadora e estigmatizada era a ausência de r As lojas investigadas foram estratificadas de acordo com os seguin tes critérios localização geográfica anúncios em jornais listas de preços de mercadorias espaço físico das lojas prestígio da loja e condições de trabalho dos funcionários Vale lembrar porém que a tradição anglófila ensina va que a pronúncia do r era um traço provinciano e que a pronúncia correta era o apagamento do r de acordo com o inglês britânico A influência da norma britânica pode ser constatada na fala dos in formantes da classe média alta em torno de 40 anos e da classe média baixa em torno de 50 anos Sociolinguística 76 Novamente se afirma a correlação entre fenômeno linguístico e social 42 Tipos de variação Agora vamos conhecer que tipos de variação podem resultar da influência de fatores extralinguísticos 421 Variação regional ou diatópica É a variação diatópica também conhecida por regional ou ainda geográfica a responsável por podermos identificar às vezes com bas tante precisão a origem de uma pessoa através do modo como ela fala É possível saber quando um falante é gaúcho mineiro ou de um dos estados do Nordeste por exemplo Mas o que é que nos permite fazer essa distinção O aparato teóricometodológico da Sociolinguística nos equipa para que possamos sair de um nível impressionístico e às vezes carica to da variação geográfica e descubramos quais são exatamente as mar cas linguísticas que caracterizam a fala de uma região em relação à de outra Em geral itens lexicais particulares certos padrões entoacionais e principalmente certos traços fonológicos respondem pelo fato de que falantes de localidades diferentes apresentem dialetos diferentes de uma mesma língua Veremos alguns exemplos em seguida A variação regional pode ser estudada colocandose em oposição diferentes tipos de unidades espaciais podemos dizer que existe varia ção regional entre Brasil e Portugal dois países entre o Nordeste e o Sul do Brasil duas regiões de um mesmo país entre Paraná e Santa Catarina dois estados de uma mesma região entre Chapecó e Floria nópolis duas cidades de um mesmo estado e mesmo entre falantes do Centro de Florianópolis e falantes do Ribeirão da Ilha dois bairros de uma mesma cidade É comum também que se analise variação regional entre zonas urbanas e zonas rurais ou do interior Exemplos claros podem ser encontrados em novelas e em programas humorísticos que vez ou outra fazem uso de mar cas distintivas da fala de uma região para a carac terização de personagens embora isso sirva em certos casos para reforçar um estereótipo negativo sobre as pessoas de uma região como o do nor destino preguiçoso do caipira ignorante etc A Sociolinguística Varia cionista tem uma defini ção particular de dialeto diferente daquela do senso comum e mesmo de outras áreas da Lin guística Aqui tomamos dialeto como sinônimo de variedade conceito que vimos no final do Capítulo 2 e se aplica tanto para a variação regional quanto para a variação social Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 77 A variação regional está associada algumas vezes à etnia coloni zadora de uma comunidade Isso ocorre porque a língua do povo colonizador acaba influenciando a língua da região colonizada No Brasil apesar de termos sido originalmente colonizados por portu gueses tivemos um grande fluxo imigratório de diversos povos alemães italianos espanhóis açorianos japoneses e eslavos entre outros sem contar os povos africanos que foram trazidos como mãodeobra escrava e povos indígenas que já habitavam o terri tório brasileiro o que faz do nosso país um espaço pluridialetal um prato cheio para a pesquisa sociolinguística Devemos ter cautela no entanto pois nem toda variação regional pode ser explicada pelo fator colonização Um exemplo de variação regional é a pronúncia das vogais e e o prétônicas como nas palavras peteca e moderno que no diale to nordestino de algumas regiões são pronunciadas abertas pteca mderno e no dialeto do Sudeste e do Sul do Brasil são pronunciadas fechadas peteca moderno A pronúncia do fonema r em final de sílaba coda silábica como na palavra porta também é bastante variada No interior de São Paulo temos o retroflexo que é comu mente chamado de r caipira embora essa terminologia não seja das mais apropriadas por trazer certa conotação negativa Já na capital do mesmo estado ouvese a vibrante r Ainda temos a fricativa velar e a fricativa glotal normalmente associadas ao dialeto carioca Reflita a A sua região recebeu imigrantes Existe algo típico da fala de sua comunidade que revele a influência dessa colonização b Pense em alguns exemplos de variação regional Registreos c Discuta seus achados com os colegas Sociolinguística 78 422 Variação social ou diastrática Da mesma forma que a fala pode carregar marcas de diferentes re giões também pode refletir diferentes características sociais dos falan tes A essa propriedade dáse o nome de variação social Os principais fatores sociais que condicionam a variação linguística são o grau de es colaridade o nível socioeconômico o sexogênero a faixa etária e mes mo a profissão dos falantes conforme exemplificamos a seguir Grau de escolaridade ǿ Por terem um contato maior com a cul tura letrada e com o uso da variedade padrão da língua supõe se que em geral falantes altamente escolarizados dificilmente produzirão formas como nós vai ou a gente vamos que são tí picas de falantes pouco ou não escolarizados É mais provável que eles falem nós vamos e a gente vai Outro exemplo de variação condicionada pelo fator escolaridade é a marcação do plural nos elementos de um sintagma nominal Falantes mais escolarizados tendem a produzir formas como as meninas boni tas marcando o plural em todos os elementos do sintagma ao passo que falantes menos escolarizados tendem a produzir formas como as meninas bonita ou as menina bonita marcando o plural em um ou dois elementos do sintagma Nível socioeconômico ǿ É um fator muito estudado princi palmente nos trabalhos de Labov e de seu grupo de pesqui sa sobre o inglês de Nova Iorque Resultados de seus estudos mostram que o grupo social menos privilegiado favorece o uso de variantes nãopadrão da língua enquanto os mais privile giados optam pela variante padrão Mas essa constatação em geral é correlacionada com ocupação e estratificação estilísti ca O efeito de indicadores sociais sobre o perfil sociolinguísti co dos falantes não é nada simples Segundo Mollica 2008 p 29 origem social renda acesso a bens materiais e culturais ocupação grau de inserção em redes sociais são alguns dos in dicadores sociais No Brasil há poucos estudos que levam em consideração esses indicadores Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 79 Sexogênero ǿ Quanto à variação social relacionada a sexogê nero dos informantes Paiva 2008 p 39 levanta a seguinte questão Como explicar os padrões regulares depreendidos em di ǿ ferentes pesquisas e a natureza das possíveis diferenças lin guísticas entre homens e mulheres Alguns estudos mostram que as mulheres são mais conservadoras do que os homens Elas em geral preferem usar as variantes reconhe cidas socialmente é como se elas fossem mais receptivas à atuação nor matizadora da escola Esses resultados segundo Paiva 2008 requerem cautela afinal os papéis feminino e masculino nas diversas sociedades estão a todo momento sofrendo transformações É bem possível que a explicação sobre as diferenças linguísticas en tre os sexosgêneros estejam relacionadas com o papel que a mulher tem na vida pública das sociedades O comportamento conservador é muitas vezes espelho da história particular e das histórias culturais das diferen tes regiões As mulheres nas sociedades ocidentais como Europa EUA Canadá e América Latina são mais conservadoras do que os homens mas em sociedades como Índia e na Ásia em que não têm um papel de destaque reagem menos fortemente às normas da cultura dominante Nesse caso o comportamento conservador é observado na fala dos ho mens cf Labov 1982 Paiva sugere que uma atitude mais adequada seria portanto a de correlacionar sempre a variável sexogênero com faixa etária da popu lação e se possível com a história social das diferentes comunidades investigadas para que as transformações culturais e as mudanças com portamentais das faixas mais jovens da população possam ser levadas em consideração também Faixa etária ǿ A questão da relação entre variação linguística e idade do falante tem suscitado muitas reflexões dentre os so ciolinguistas no Brasil e no mundo pois em geral entra em jogo a questão da mudança linguística Estudos que levam em conta esse fator têm tentado responder as seguintes questões Variação e mudança Variação implica duas ou mais formas que concorrem para expressar um mesmo significado enquanto mudança implica pro cesso de substituição gradual de uma forma por outra Sociolinguística 80 Como se relacionam a variaçãomudança no ǿ indivíduo e na comunidade A língua falada pelo ǿ indivíduo pode realmente mudar no decorrer dos anos Segundo Naro 2008 existem duas posições teóricas que mesmo sem evidência empírica convincente dão respostas diferentes a essas perguntas A primeira resposta a clássica vem dos que acreditam que o pro cesso de aquisição da linguagem se encerra mais ou menos na puberda de E que a partir desse momento a língua espontânea ou o vernáculo do indivíduo fica basicamente estável ou seja o indivíduo não muda sua língua espontânea no decorrer dos anos Alguns estudos atestam essa hipótese clássica quando trazem re sultados que mostram indivíduos adultos tendendo a preferir formas antigas e os mais jovens formas novas Nesse caso indivíduos adultos estariam refletindo o estado da língua adquirida quando tinham apro ximadamente 15 anos de idade Assim sendo a fala de uma pessoa de 70 anos estaria refletindo a fala usada 55 anos atrás Ao comparar a fala desse adulto de 70 anos e a fala de um jovem que nos dias atuais tem 15 anos poderíamos enxergar mudança em curso na sincronia A mu dança pode ser atestada nesse caso na comparação entre as diferentes faixas etárias e não na fala de um mesmo indivíduo Temos então va riação na comunidade e estabilidade no indivíduo As gírias antigas e novas são reflexos dessa mudança em curso por exemplo Esse tipo de mudança é conhecido como mudança em tempo aparente Por ou tro lado além de a fala do indivíduo permanecer estável a comunidade também pode refletir essa estabilidade A segunda resposta é que a língua falada pelo indivíduo pode mu dar no decorrer dos anos Naro mostra que nem toda variação na fala representa mudança linguística em progresso Existem casos em que o uso linguístico diferenciado pelas faixas etárias não revela mudança mas variação estável Quando essa variação pode se observada Em geral quando jovens e velhos apresentam o mesmo comportamento linguís tico contrastandose com a população de meia idade principalmente Na Unidade C ilustraremos esse tipo de mudança Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 81 com a população que estiver no mercado de trabalho Essa em geral usa uma linguagem mais monitorada mais condizente com a varieda de padrão Isso significa dizer que indivíduos podem mudar sua língua no decorrer dos anos E esse comportamento pode se mostrar estável na comunidade Nesse caso o indivíduo muda seu comportamento linguístico durante a sua vida mas a comunidade à qual pertence per manece estável Alguns estudos sobre a concordância verbal e nominal têm atestado esse processo Por outro lado além de a fala do indivíduo mudar a comunidade também pode refletir essa mudança Em síntese A correlação entre faixa etária e variaçãomudança linguística no in divíduo e na comunidade pode revelar os seguintes processos A fala do indivíduo permanece estável e a comunidade muda a A fala do indivíduo permanece estável e a comunidade também b permanece estável A fala do indivíduo muda e a comunidade permanece estável c A fala do indivíduo muda e a comunidade também muda d Enfim vale salientar que na dimensão externa grupos de fatores como nível de escolaridade nível socioeconômico e sexogênero para se investigar estudos em variação não devem ser considerados isola damente e podem explicar entre outras coisas o fato de um dialeto se aproximar mais ou menos da norma culta ou de prestígio conceito que vimos no livrotexto de Introdução aos Estudos Gramaticais Com re lação a grupos de fatores como faixa etária estudos têm mostrado que não podem ser estudados sem que se leve em conta uma correlação entre indivíduo e comunidade e entre esse fator e os demais fatores sociais 423 Variação estilística ou diafásica Um mesmo falante pode usar diferentes formas linguísticas depen dendo da situação em que se encontra Basta pensarmos que a maneira como falamos em casa com nossa família não é a mesma como falamos Esses fatores sociais serão retomados na Unidade C quando tratarmos dos problemas empíricos para uma Teoria da Mudança Linguística Sociolinguística 82 em nosso emprego com o chefe O que está em jogo aí são os diferentes papéis sociais que as pessoas desempenham nas interações que se esta belecem em diferentes domínios sociais na escola na igreja no traba lho em casa com os amigos etc Os papéis sociais que desempenhamos vão se alterando em conformidade com as situações comunicativas en tre professor e aluno patrão e empregado pais e filhos irmãos etc Es ses papéis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais e são construídos no próprio processo da interação humana BORTONIRICARDO 2004 p 23 Os papéis representam tipos de relações que ocorrem entre o locu tor e seu interlocutor as chamadas relações de poder e solidariedade o contexto ou domínio social se a comunicação ocorre na escola no trabalho em casa na igreja na vizinhança etc e até mesmo o assunto sobre o qual se conversa Esses são fatores que determinam a variação estilística uma questão de adequação ao contexto em que ocorre a comunicação Certamente em situações mais formais usamos uma linguagem mais monitorada ou seja prestamos mais atenção à forma como falamos enquanto que em situações mais informais usamos uma fala mais coloquial Essas duas linguagens são chamadas respectivamente de registro formal e registro informal Apesar da classificação entre registro formal e informal normal mente nossa fala não apresenta somente esses dois extremos É mais apropriado pensarmos que existe um continuum que perpassa situações de maior ou menor formalidade correspondendo a registros mais ou menos formais entre esses dois polos Ou seja mais do que dois modos que se opõem temos graus de formalidade que permeiam as situações cotidianas de interação Eventualmente falantes vão apresentar uma escala maior ou menor de possibilidades de registro dependendo de seu desempenho linguístico As crianças por exemplo usualmente não apresentam uma escala grande e portanto têm menor possibilidade de variar estilisticamente seus registros Macedo 2008 apresenta alguns exemplos de variação em que se perceberam influências estilísticas o estudo mais clássico é o de Labov a respeito da variação no r em inglês Ele realizou coletas de cinco formas distintas que apontaram uma gradação entre um estilo mais A expressão poder e soli dariedade está associada às relações sociais de hie rarquia e intimidadeproxi midade que existem entre os participantes de uma situação comunicativa Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 83 monitoradoformal e menos monitoradoinformal entrevista com o informante leitura de um texto leitura de palavras leitura de pares mí nimos e conversa informal Labov atestou a correlação entre o emprego das variantes de prestígio nos estilos mais formais e o das variantes de menor prestígio nos estilos mais casuais No Brasil o trabalho de Naro e Lemle 1977 sobre a variação na concordância verbal foi pioneiro na consideração dos fatores estilísticos Os autores chegaram ao resultado de que nos discursos informais nos contextos familiares e em situações menos formais os falantes eram me nos propensos a realizar a marca de concordância verbal no plural do que nos discursos formais nãofamiliares e em contextos menos formais em que era favorecida a marcação explícita da concordância Scherre 1978 analisou na mesma amostra a variação na concordância nominal e chegou a resultados semelhantes a marca explícita de plural era favorecida pelas situações tensas e a eliminação dessa marca pelas situações distensas Fica clara portanto a hipótese que em geral guia as análises do papel do estilo na variação linguística diferenças de contextos formal e informal levariam os falantes a empregar respectivamente estilos tam bém formais ou informais MACEDO 2008 p 60 Passemos agora a mais um eixo da dimensão externa da variação linguística a variação diamésica 424 Variação na fala e na escrita ou diamésica A palavra diamésica se relaciona etimologicamente à ideia de vá rios meios no contexto da Sociolinguística os meios ou códigos a que nos referimos são a fala e a escrita Mas o que basicamente difere a fala da escrita ǿ Uma resposta pode ser esboçada ao considerarmos suas condições básicas de produção Comecemos pela fala Podemos dizer que salvo em situações excepcionais como o proferimento de uma palestra por exemplo a produção de um texto falado é uma atividade espontânea improvisada e suscetível a variação nos mais diversos níveis Já a escrita constituise como uma atividade artificial não espontânea ensaiada no sentido de que reserva tempo e espaço para planejamento revisões Este é um eixo um tanto diferente da variação pois trabalha com as caracte rísticas de dois códigos distintos enquanto os outros níveis da dimensão externa da variação dizem respeito a fenômenos que se manifestam no mesmo código geralmente o da fala Sociolinguística 84 e reformulações e um pouco menos variável pois em geral está mais vinculada à produção de gêneros sobre os quais há mais regras e maior monitoramento O que essas diferenças fundamentais provocam mais superfi ǿ cialmente nos próprios textos falado e escrito que nos permi tam falar em variação diamésica Ao falarmos e especificamente ao nos envolvermos em um diá logo faceaface não temos a nosso dispor o tempo que costumamos ter para o planejamento de um texto escrito Devido a esse caráter na turalmente improvisatório da produção do texto falado as sequências linguísticas produzidas estão sujeitas a falsos inícios a reformulações e a correções que não podem ocorrer senão no momento em que o texto é produzido Levese em conta também que ao interagirmos através da fala temos acesso a diversas informações contextuais que não estão presentes em um texto escrito geralmente podemos verouvir nosso in terlocutor e no decorrer da interação captar sinais que são indicativos de que direção devemos tomar em nossos turnos Por conta disso o texto resultante será pontuado de mecanismos de organização textu al particulares como os marcadores discursivos por exemplo Temos assim em síntese no texto falado o caráter espontâneo improvisado e em alto grau vinculado ao contexto extralinguístico que lhe confere pela possibilidade de correção e reformulação online do texto que está sendo produzido as diversas marcas formais que sinalizam não só esse processo mas nossa relação com nosso interlocutor com o assunto etc Vejamos agora como se constitui o texto escrito O grau em que ele se difere do texto falado se deve em grande parte ao tempo de plane jamento que caracteriza sua produção Ao trabalharmos sobre um texto escrito como este por exemplo geralmente temos tempo para planejar com antecedência sobre o que discorreremos em que ordem os argu mentos serão apresentados que mecanismos linguísticos são os mais adequados para os objetivos definidos e concomitantemente quais são os mecanismos esperados para o gênero no qual produzimos nosso texto Dessa forma as hesitações repetições e reformulações caracte rísticas do texto falado não são muito prováveis em um texto escrito pois a princípio toda a tarefa de planejamento formulação e revisão Essas considerações são feitas pensandose na fala natural espontânea Devemos relativizálas se quisermos considerar também a fala planejada Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 85 reformulação do texto já foi feita antes que seus leitores tivessem acesso ao produto final Além disso sabemos que a escrita por geralmente estar associa da a ambientes de maior monitoramento linguístico costuma impor a seus produtores regras mais rígidas de conformidade às formas da va riedade padrão É claro usamos a escrita para os mais diversos fins com uma gama de variação estilística que pode guardadas as proporções ser comparada à da fala mas ainda assim na escrita encontramos formas mais ligadas às variedades de prestígio Na fala encontramos formas mais ligadas à linguagem coloquial Lembramos novamente que na variação diamésica é necessário relativizar assim como não existe uma oposição polarizada entre os re gistros formal e informal também não há uma fronteira rígida entre as modalidades oral e escrita da língua Uma amostra interessante para se analisar comparativamente fala e escrita pode ser buscada através de uma metodologia de coleta de da dos que opõe uma versão oral e outra escrita de uma mesma narrativa de experiência pessoal SilvaBrustolin 2009 fez este tipo de coleta de dados e conseguiu resultados bem significativos Vejamos dois exemplos abaixo Os trechos selecionados de fala e de escrita são de alunos da oitava série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Florianópolis Dados de fala Bom a minha história é que um dia quando eu tinha seis anos é eu fui passeá na fazenda de uma amiga minha Era sábado de manhã e a gente saiu de casa Mais quando a gente chegô lá eu fiquei muito animada e a gente quis í vê os animais então a gente foi vê as galinha Daí quando eu entrei lá dentro meu chinelo ficou entalado daí a minha amiga o nome dela é Sofia ela foi lá tentá tirá meu chinelo aí eu fiquei tão animada quando eu vi o chinelo na mão dela queu peguei e larguei a porta e fui pegá meu chinelo e as galinha fugiro Informante feminino A da 8ª série Dados de escrita Pra mim uma das coisas mais importante é a família Pois a minha vó e vô mora num sitio em petrolandia e todos meses a gente aluga um onibus e vamos toda a familia deis de filhos tios e netos Os chats em EaD que você está vivenciando desde o início do Curso de Letras e os livrostextos são exem plos de como essa dicoto mia está em xeque pois se tratam de um espaço em que a interação se dá via escrita mas com diversos elementos considerados típicos da fala Sociolinguística 86 Fomos pra la esse mês pro aniversario dos meus avós la nós dançamos eu dirigi a moto do meu tio andamos de cavalo fizemos quentão re sumindo fizemos uma festa de arromba e o mais importante é que a família estava toda unida e felizes Informante feminino B da 8ª série Nos exemplos apresentados os informantes narram em ambas as modalidades pequenas histórias que vivenciaram SilvaBrustolin 2009 verificou que os pronomes nós e a gente na fala e na escrita fo ram usados diferentemente há um uso majoritário do pronome de pri meira pessoa a gente a forma nova e de sujeito preenchido na fala enquanto na modalidade escrita há uma predominância do pronome nós com sujeito nulo Essa diferença atesta segundo ela que a interação espontânea se aproxima da fala e que a interação planejada e que exige maior atenção do falante diz respeito à escrita Desafio a Observe a tirinha abaixo e reflita sobre os tipos de variação linguís tica que podemos encontrar na fala das personagens Rosinha e Chico Bento HQs de Chico Bento coleção Linhas e Entrelinhas vol 2 p 154 Extraída de VIANA Suelen A Por uma interface sociolingüística no livro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Florianópolis UFSC 2005 b Destaque fenômenos variáveis encontrados na fala das personagens c Converse com seus colegas sobre essas diferenças e pense em um trabalho que poderia ser feito na sala de aula sobre diferenças regionais e ou sociais Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 87 Fechando a Unidade B Nesta Unidade tratamos em primeiro lugar das dimensões inter nas da língua a partir dos níveis linguísticos lexical fonológico morfo lógico sintático e discursivo apresentando sucintamente alguns fenôme nos em variação em cada um desses níveis Foram levantadas evidências de um sistema heterogêneo de língua a língua portuguesa a partir da discussão de diferentes regras variáveis e de conjuntos de variantes que se alternam de acordo com motivações internas e externas Em segui da trazemos algumas discussões sobre a correlação entre as dimensões externas regional ou diatópica social ou diastrática situacional ou dia fásica e através do meio ou diamésica e a variação linguística confir mando o que diz Cedergren 1983 apud BENTIVOGLIO 1987 p 7 É essencialmente por meio da variação que se manifestam os parâmetros de diferenciação social os processos dinâmicos de variação estilística e a interação de fatores do sistema lingüístico Leia mais VANDRESEN Paulino Org Variação mudança e contato lingüístico no português da Região Sul Pelotas Educat 2006 Variação e mudança no português falado da Região Sul Pelotas Educat 2002 As duas coletâneas indicadas acima são compostas de artigos escritos por pesquisadores do Sul do Brasil Tais artigos discutem fenômenos linguísticos em variação nos diferentes níveis da gramática fonológico morfológico sin tático e discursivo trazendo explicações muito significativas sobre fatores in ternos e externos que condicionam cada um dos fenômenos investigados Unidade C Variação e mudança linguística Objetivo da Unidade Identificar os principais fundamentos empíricos para uma teoria ǿ da mudança linguística Nesta Unidade apresentamos os principais fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística propostos por Weinreich La bov e Herzog WLH 2006 1968 Discutiremos questões relacionadas à mudança e ao tempo princípios gerais e problemas empíricos par tindo de uma discussão entre língua homogênea e língua heterogênea retomando noções já apresentadas na Unidade A para chegarmos à concepção de que é da heterogeneidade que emerge a mudança Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 91 5 Mudança linguística e o tempo As teorias da linguagem do passado ou atuais sempre refletem concep ções particulares de fenômenos linguísticos e compreensões distintas do papel destes na vida social em cada época as teorias linguísticas definem a seu modo a natureza e as características relevantes do fenômeno linguístico ALKMIM 2001 p 22 Sabemos que cada estado da língua é resultado de um longo e con tínuo processo histórico Em cada momento do tempo as mudanças es tão ocorrendo ainda que imperceptíveis Como o inglês do século XV é diferente do inglês do século XX o português do século XV também não é o mesmo do português do século XX Assim também o inglês e o português do futuro serão diferentes do inglês e do português atuais E isso ocorre com todas as línguas humanas Mas afinal de contas se a língua muda como é que as pessoas con tinuam a se comunicar enquanto ela passa por períodos em que suposta mente haveria menor sistematicidade Essa é uma das grandes questões discutidas por WLH 2006 1968 no livro clássico Empirical foundations for a theory of language change Uma das primeiras respostas dos autores foi a de que a mudança linguística não afeta a estrutura da língua isto é a língua continua estruturada enquanto as mudanças vão ocorrendo Investigaremos a seguir as propostas teóricometodológicas dos autores começando com a discussão sobre homogeneidade e heteroge neidade que já introduzimos a você na Unidade A 51 Homogeneidade versus heterogeneidade Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística im plica mudança mas toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade WLH 2006 1968 p 126 Abrimos esta seção parafraseando a epígrafe acima um postulado importante que não deve ser esquecido por você na língua nem tudo A versão que será utilizada neste livrotexto é a obra Fundamentos empíricos para uma teoria da mudan ça linguística traduzida por Marcos Bagno de 2006 Sociolinguística 92 que varia sofre mudança mas toda mudança linguística pressupõe variação Isso significa que o fato de existirem duas variantes com o mesmo valor de verdade que competem pelo mesmo espaço não quer dizer que uma delas vai se tornar obsoleta e que a outra vai ser a forma padrão Duas variantes podem conviver em variação durante anos sem que haja substituição de uma forma por outra ou seja sem que haja mudança Em outras palavras duas variantes podem conviver numa si tuação de variação estável Retomemos mais uma vez o exemplo que foi colocado na Apre sentação deste livro As formas firme e filme convivem na nossa socieda de marcando uma diferença entre a fala rural eou pouco escolarizada e a fala padrão Qualquer pessoa saberia dizer que entre as formas con correntes filmefirme há variação mas não há indicativo de mudança Pensemos agora em um outro exemplo Sabemos que no português do Brasil o pronome vós foi substituído pelo pronome vocês para indicar a segunda pessoa do plural No entanto se formos aos textos antigos do século XVI veremos que é vós que está sendo usado como pronome de segunda pessoa e não vocês Observamos portanto uma mudança linguística de forma pronominal no tempo O pronome vós atualmente só aparece em algumas linguagens específicas como a religiosa ou a ju rídica e não mais na fala das pessoas em que somente vocês é usado Você percebeu a diferença entre esses dois casos Pois é são ques ǿ tões como essa que vamos tratar neste capítulo Começamos trazendo algumas reflexões de Saussure postuladas no clássico Curso de Linguística Geral 1995 1916 referentes a dois grandes pontos i a língua como um sistema homogêneo e estrutura do e ii a separação entre sincronia e diacronia Para o autor os estudos linguísticos comportam duas dimensões distintas a histórica chamada diacrônica em que o centro das aten ções são as mudanças por que passam as formas de uma língua no tempo b estática chamada sincrônica em que o centro das atenções são as características da língua vista como um sistema estável num espaço de tempo aparentemente fixo Embora vós ainda seja a forma prescrita pelas gramáticas normativas tra dicionais contemporâneas Reflexões a respeito das ideias de Saussure já foram introduzidas na Unidade A e agora serão aprofundadas direcionan do nossa discussão para a questão da mudança linguística Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 93 Para Saussure 1995 1916 p 116 enquanto a linguística sincrô nica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que formam sistema entre si a linguística diacrônica estudará as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si A abordagem estrutural seria exclusivamente sincrônica por se apli car apenas a um estado da língua ou seja a um espaço no tempo mais ou menos longo durante o qual a soma de modificações ocorridas é mí nima A noção de estado da língua na concepção do autor retira o fluxo da língua do tempo ou seja retira da língua a sua dimensão histórica como se ela fosse atemporal A crítica feita por WLH a essa concepção saussureana é de que ela impede que se considerem fatores sociais agindo sobre a língua e que se incorpore ao sistema da língua a mudança Já a diacronia segundo Saussure estuda a sucessão dos diversos es tados de língua As mudanças linguísticas são entendidas pelo autor como a substituição de um elemento por outro no tempo como uma sucessão de estados independentes entre si Entre um estado e outro ocorre a mu dança linguística que não afeta o estado anterior e nada diz sobre o estado subsequente Na verdade quando Saussure fala de mudança ou transfor mação diz que esses fenômenos não existem senão diacronicamente WLH 2006 1968 reagem aos postulados de Saussure Para cons truir uma teoria que rompa com o axioma da homogeneidade WLH pre cisam explicar como a língua que é um sistema estruturado muda sem que as pessoas tenham problemas de comunicação Segundo os autores Nos parece bastante inútil construir uma teoria de mudança que aceite como seu input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênti cas dos estados de língua Muito antes de se poder esboçar teorias pre ditivas da mudança linguística será necessário aprender a ver a língua seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada 2006 1968 p 35 Para WLH 2006 1968 a língua é heterogênea e essa heteroge neidade deve ser buscada na comunidade de fala A língua comporta regras variáveis que permitem que um falante A aprenda uma forma usada por um falante B e a adote como sua sem abandonar a forma antiga que usava Nesse caso o falante A vai ter duas formas disponíveis Reveja a noção de comu nidade de fala apresenta da na Unidade A Sociolinguística 94 para se comunicar uma forma mais antiga e uma mais nova como se fosse bidialetal Essa disponibilidade pode ser observada também na fala de outros membros da comunidade na qual o falante está inserido Quando a mudança linguística ocorre dentro do repertório lin guístico do falante A pode acontecer por exemplo um desfavoreci mento gradual da forma original em prol da nova de modo que a for ma antiga assuma o estatuto de arcaica ou obsoleta e aos poucos possa deixar de ser usada Para mostrar que as formas convivem na sociedade no grupo so cial e até mesmo num mesmo indivíduo e que a mudança não é abrup ta os autores trazem i estudos com atlas dialetais os quais oferecem exemplos da oposição arcaicoinovador dentro da competência linguís tica de falantes individuais e ii estudos sociolinguísticos que mostram as alternâncias estilísticas dentro do comportamento linguístico da co munidade de fala Esses estudos serviram de base para a formulação dos problemas e princípios empíricos para uma teoria da mudança que serão abordados nas seções seguintes Em síntese Para WLH a mudança não envolve uma troca direta e abrupta de um ele ǿ mento por outro mas envolve sempre uma fase de concorrência variação devese romper a dicotomia saussureana que separa sincronia e ǿ diacronia pois essa concepção impede que se considerem fato res sociais agindo sobre a língua e que se incorpore ao sistema da língua a mudança a língua é heterogênea e essa heterogeneidade deve ser busca ǿ da na comunidade de fala Bidialetal Por bidialetal entende se uma pessoa que fala dois dialetos de uma mesma língua para se comunicar em diferen tes situações Reveja o que foi apresen tado na seção 422 sobre a relação entre faixa etária e variaçãomudança Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 95 52 Problemas empíricos para uma teoria da mudança linguística Contrários às hipóteses de Saussure WLH 2006 1968 vão tentar apresentar uma teoria de mudança linguística que explique como a es trutura linguística de uma comunidade de fala complexa se transforma no curso do tempo de tal modo que tanto a língua quanto a comunidade permaneçam ordenadas embora a língua adquira formas diferentes Para encontrar respostas plausíveis sobre a mudança linguística o pesquisador segundo os autores deverá levar em consideração a descrição de dados empíricos fontes necessárias para se confirmar que as possibi lidades de diferenciação das formas em variação estão descritas ordenada mente na língua isto é que a heterogeneidade é sistemática e ordenada WLH 2006 1968 apresentam cinco grandes questões 1 Qual o conjunto de mudanças possíveis e de condições para mudanças que podem ocorrer em uma determinada estrutura 2 Como as mudanças estão encaixadas na matriz de concomi tantes linguísticos e extralinguísticos das formas em questão 3 Como as mudanças passam de um estágio a outro de uma co munidade a outra 4 Como as mudanças podem ser avaliadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística e sobre a estrutura social 5 A que fatores se pode atribuir a implementação das mudanças Por que uma mudança ocorre em uma língua em uma época e não em outras Cada uma dessas questões corresponde a um problema a ser resol vido Os autores formulam então cinco problemas que sintetizam os princípios concernentes aos fundamentos empíricos para uma teoria da mudança Cada uma dessas questõesproblemas leva a uma investiga ção que será descrita a seguir Sociolinguística 96 521 Problema de restrição ou fatores condicionantes Neste problema buscase investigar o conjunto de mudanças possí veis e de condições possíveis para a mudança que podem ocorrer numa dada estrutura isto é os fatores condicionantes da variação e mudança linguísticas externos e internos Para estudar as motivações linguís ticas o pesquisador deve fazer um levantamento dos fatores internos que condicionam o uso mais ou menos frequente da nova forma ou do novo traço na língua isto é das forças estruturais da língua E para estudar as motivações externas deve fazer um levantamento dos fatores sociais e estilísticos que condicionam o uso mais ou menos frequente da nova forma ou do novo traço na língua O estudo desses condicionadores é importante no sentido de con firmar que a variação é inerente ao sistema linguístico uma vez que o sistema linguístico é heterogêneo Lembrese de que a variação é uma propriedade regular do sistema sendo motivada por condicionadores internos e externos e de que o falante tem competência linguística para lidar com regras variáveis Para exemplificar o problema empírico de restrição vamos mos trar dois grupos de fatores condicionadores estudados por Monguilhott 2009 em sua tese de doutoramento sobre a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala de moradores de Florianó polis de etnia portuguesa de zonas rurais e urbanas A autora estabe leceu como seu objeto de estudo a variável dependente marcaçãonão marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural Buscan do verificar os contextos favorecedores para cada uma das variantes i com marca de concordância e ii sem marca de concordância foram controlados seis grupos de fatores linguísticos e cinco extralinguísticos ou variáveis independentes Interessanos discutir neste momento os grupos de fatores posição do sujeito em relação ao verbo e escolaridade um grupo linguístico e outro social levantados como possíveis condicionadores da marcação da concordância verbal Vejamos então os resultados da autora expres sos nas tabelas 1 e 2 Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 97 Posição AplTotal SN anteposto 464546 84 SN posposto 2367 34 Total 487613 79 Tabela 1 Frequência de concordância verbal segundo a variável posição do sujeito em relação ao verbo MONGUILHOTT 2009 p 125 Antes de comentarmos os resultados convém observar como de vem ser lidos os números da tabela cuja configuração é típica nos estu dos sociolinguísticos A tabela 1 apresenta os resultados da atuação da variável independente posição do sujeito constituída por dois fatores SN anteposto e SN posposto sobre a variável dependente ou seja a concordância verbal A linha do Total corresponde ao total de dados da variável marcaçãonão marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural levantados na amostra analisada por Apl entendese o número de dados correspondentes à aplicação da regra variável em estudo nesse estudo a concordância verbal No caso a autora encon trou 613 dados dos quais 487 79 aparecem com a marca de concor dância ou seja houve aplicação da regra variável em 487 dados do total de 613 Olhando para os fatores vêse o seguinte há 546 dados com SN anteposto dos quais 464 84 apresentam marca de concordância e há 67 dados com SN posposto dos quais 23 34 apresentam concordân cia entre o sujeito e o verbo A tabela 1 evidencia uma tendência de uso a marcação de concor dância é maior quando o sujeito fica anteposto ao verbo com 84 de frequência distanciandose significativamente da posposição do sujei to com apenas 34 de frequência Vejamos agora resultados estatísticos de um grupo de fatores so cial a escolaridade Escolaridade AplTotal Ensino superior 397447 89 Ensino fundamental 243347 70 Total 640794 80 Tabela 2 Frequência de concordância verbal segundo a variável escolaridade MONGUILHOTT 2009 p 132 Sociolinguística 98 Os informantes mais escolarizados do ensino superior apre sentam um percentual bastante alto de concordância verbal com 89 de frequência observe que mesmo entre os mais escolarizados não há 100 de concordância verbal na fala enquanto os que fizeram até o ensino fundamental apresentam um uso de marcação de concordância mais baixo de 70 Ao fazer um cruzamento entre os dois grupos de fatores a autora observa que as diferenças entre posição anteposta e posposta do sujeito em relação ao verbo se acentuam Mesmo falantes mais escolarizados usam uma marcação de concordância baixa quando o sujeito está posi cionado à direita do verbo posição não canônica dele como o gráfico a seguir ilustra 100 80 60 40 20 0 Percentual Ensino Fundamental Ensino Superior Escolaridade SN anteposto SN posposto Gráfico 1 Frequência de concordância verbal segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito em relação ao verbo e escolaridade MONGUILHOTT 2009 p 125 A frequência de marcação da concordância cai consideravelmente quando o sujeito está posposto ao verbo independentemente da esco laridade do informante Embora a posição do sujeito seja mais determi nante na marcação ou não da concordância verbal a escolaridade tam bém se revela significativa De acordo com os resultados apresentados podemos dizer portanto que a marcação da concordância verbal não é resultado de aleatoriedade mas motivada pela posição do sujeito em re lação ao verbo e pela escolaridade entre outros fatores condicionantes 522 Problema de encaixamento Ao explicar os fatores condicionantes estamos também apontando como a variaçãomudança está encaixada na estrutura linguística ou so cial Vale lembrar que sem encaixar a mudança no quadro das relações sociais vamos ter uma visão parcial do condicionamento dela Esse en A posição canônica de um constituinte é a posição em que normalmente ele é encontrado numa sentença Por exemplo no PB a posição canônica do sujeito como vamos per ceber nos resultados do estudo de Monguilhott e também por nossa intui ção como falantes é à es querda do verbo ao passo que a posição canônica do objeto é à direita do ver bo A expressão canônico é aplicada a tudo é que é estável e mais frequente numa língua Lembrase da marcação canônica e da marcação excepcional de caso na Sintaxe Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 99 caixamento foi também mais um dos problemas investigados por WLH no texto de 1968 Observando a diversidade dos fatores condicionantes e sua correlação com as questões sobre encaixamento estrutural e social que pode ser observada por exemplo no gráfico 1 anterior Labov 1982 propõe que se tratem os dois problemas o das restrições e o do encai xamento juntos Para efeitos didáticos resolvemos mantêlos separados tal como foi apresentado no trabalho clássico de WLH de 1968 As restrições internas e externas à língua ou os condicionadores internos e externos podem ajudar por exemplo a compreender como a mudança se encaixa na língua e na sociedade e quais as forças que guiam a continuidade da mudança linguística Possíveis respostas a essas ques tões estariam ligadas principalmente à estrutura social O encaixamento pode ser observado quando estudos atestam uma correlação entre o fe nômeno de mudança e a estrutura social grupo socioeconômico idade sexo escolaridade etnia localização geográfica A tarefa do linguista não seria apenas a de mostrar a motivação social de uma mudança mas sim a de determinar o grau de correlação que existe entre estrutura linguística e sociedade e apresentar como ela pesa sobre o sistema linguístico abstrato O trabalho de Labov realizado na ilha de Marthas Vineyard sobre a centralização da primeira vogal dos ditongos ay e aw apresentado no Capítulo 4 deste livrotexto é um bom exemplo dessa correlação A grande contribuição desse estudo como já salientamos foi a de mos trar a influência que os condicionadores extralinguísticos relacionados a características sociais dos habitantes da ilha podem ter sobre a língua ou seja as motivações sociais que a variação linguística pode apresentar Segundo Labov somente o encaixamento sociolinguístico da variável na comunidade pode explicar o fato de que a variante não padrão seja mais usada na comunidade de Marthas A centralização dos ditongos se apresenta naquela comunidade como se fosse uma marca local exagerada pelos membros da comunidade para demarcar seu espaço e sua identidade cultural Além do encaixamento na estrutura linguística e social WLH 2006 1968 perceberam um outro tipo de encaixamento o de que mudanças em determinados terrenos da gramática fatalmente desencadearão mu Reveja a resenha deste estudo apresentada no Capítulo 4 Sociolinguística 100 Mudança em tempo real Diferente da mudança em tempo aparente que é observada pelo comportamento lin guístico de diferentes gerações num mesmo espaço de tempo cf Capítulo 4 a mudan ça em tempo real é captada pelo compor tamento linguístico ao longo de diferentes períodos de tempo danças em outras partes da mesma gramática como se fosse uma situação de espelhamento interno das línguas como se fossem reações em cadeia Para exemplificar esse processo em cadeia retomamos a discus são sobre a entrada de determinados pronomes e a alteração do sistema de flexões verbais no PB apresentada no Capítulo 3 Estudos mostram que o paradigma flexional foi alterado em decorrência da entrada dos pronomes você e a gente que se combinam com formas verbais de 3ª pessoa do singular Por conta do sincretismo de formas instalase na língua gradativamente uma tendência ao preenchimento do sujeito pro nominal Além disso as mudanças operadas no sistema pronominal repercutem também em outros pontos da estrutura interna da língua relacionandose a outras mudanças Vejamos Com a entrada do pronome vocês na língua para se referir à se gunda pessoa do discurso outras mudanças se desencadearam no sis tema linguístico tais como na forma de realização do possessivo as formas pronominais de terceira pessoa seu sua seus suas se deslocam para a segunda pessoa acompanhando o pronome vocês e a forma possessiva de terceira pessoa passa a ser genitiva como em dele dela deles delas acompanhando o pronome eles 523 Problema de transição Segundo Faraco 2005 no estudo deste problema de transição a característica mais recorrente é o fato de a mudança não ser discreta As formas antigas não são simplesmente substituídas pelas novas mas há fases intermediárias em que as variantes coexistem e concorrem dimi nuindo aos poucos a ocorrência de uma em oposição à outra até que a mudança se complete Vejamos um caso concreto de mudança no tempo ou mudança em tempo real captada a partir da análise de amostras diacrônicas do PB Ao estudar as variáveis preenchimento do sujeito e preenchi mento do objeto direto ou clítico Tarallo 1990 detectou mudança em curso ao longo do tempo em direções opostas nos dois fenômenos estudados enquanto o sujeito vai ficando cada vez mais preenchido o objeto vai ficando cada vez mais esvaziado Vejamos Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 101 Função sintática Tempo 1725 1775 1825 1880 1981 Sujeito preenchido 233 266 164 327 794 Objeto direto preenchido 892 962 837 602 182 Tabela 3 Resumo da porcentagem de retenção pronominal TARALLO 1990 p 140 A tabela 3 mostra que o percentual de sujeito preenchido que ficava na faixa de 20 no século XVIII e início do XIX 1725 1775 e 1825 sobe para 327 no final do século XIX 1880 e no final do século XX chega a 794 Quanto ao preenchimento do objeto direto a tabela mostra justamente o contrário de 1725 a 1825 o objeto é preferencial mente preenchido acima de 80 em 1880 cai para 602 e em 1981 cai ainda mais chegando à faixa de 20 Ambos os fenômenos eviden ciam portanto mudança em progresso ao longo do tempo Um dos propósitos do problema empírico de transição é descobrir como pode a mudança linguística passar de um estágio a outro de uma sincronia a outra sem interferir na comunicação entre os membros de uma comunidade de fala Estudos em geral mostram que a transferên cia de uma forma para outra pode ocorrer entre comunidades diferentes e entre grupos de pares de faixas etárias levemente diferentes e que o caminho por meio do qual uma forma é substituída por outra depende de prestígio pressão estrutural ou utilidade funcional Nesse campo segundo WLH 2006 1968 estudos apontam que a mudança pode se dar à medida que um falante aprende a forma alternativa 1 durante o tempo em que as duas formas existem em contato 2 dentro da competência linguística do falante quando uma das duas formas se torna obsoleta 3 Para explicar a transição na estrutura social é necessário analisar os processos que ocorrem em cada uma das situações de contato quando uma forma se move de uma comunidade à outra ou de uma geração à outra Vejamos Uma mudança se espalha de uma comunidade à outra por trans missão através de proximidade geográfica mas a taxa de desenvolvi Sociolinguística 102 mento de uma variante ou de outra está em proporção ao número popu lacional e à densidade de interações verbais Quanto mais contato mais chances de transmissão de formas novas e de mudança Vale lembrar porém que as regiões em contato não mantêm uma uniformidade de comportamento Monaretto 2000 no trabalho sobre a queda do r em final de palavras mostra por exemplo que há mais apagamento do r em Florianópolis 80 do que nas outras capitais do sul do Brasil Em Porto Alegre a queda fica na faixa de 60 e em Curitiba apenas em 50 Como nos lembra Faraco 2005 p 196 a difusão da mudança tanto no interior da língua quanto no espectro social e no espaço geográfico não se dá uniformemente mas em ritmos e direções diferenciados Uma mudança pode ser detectada através da comparação entre duas gerações quando a fala de uma pessoa mais velha e a fala de uma pessoa mais jovem são diferentes Segundo a hipótese clássica sobre a mudança linguística na sincronia conhecida como mudança em tempo aparente já apresentada a você no Capítulo 4 cada pessoa preserva durante a vida o sistema vernacular que foi adquirido durante seus primeiros anos de formação até a puberdade de 5 a 15 anos mais ou menos Quando envelhece em geral retrata um vernáculo de anos atrás Podemos então perceber indícios de mudança linguística ao comparar uma geração com a outra Da observação sincrônica de faixas etárias diferentes podese ver por exemplo quais as mudanças linguísticas que estão em curso Observamos agora como a mudança em tempo aparente pode ser detectada nos trabalhos empíricos Ao controlar a faixa etária como um dos condicionadores podemos observar se há uma distribuição contí nua das diferentes formas através de sucessivas faixas etárias da popula ção É como se fizéssemos um recorte transversal da amostra sincrônica em função da faixa etária dos informantes Para exemplificar esse tipo de mudança trazemos resultados de Pagotto 2001 em estudo sobre a vari ável palatalização do t na comunidade de Florianópolis cf tabela 4 Veja a esse respeito o que foi discutido na seção 24 sobre redes sociais Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 103 Palatalização do t Faixa etária dos falantes t ts t 13 a 23 anos 42 29 30 25 a 50 anos 66 18 17 Acima de 50 anos 69 19 12 Tabela 4 Percentual de palatalização do t em Florianópolis segundo a faixa etária PAGOTTO 2001 p 317 Notase nos resultados que a variante inovadora a forma palatali zada t tem uma frequência baixa na faixa etária mais velha 12 e uma frequência mais alta na faixa mais jovem 30 enquanto a varian te mais conservadora a não palatalização do t é preferencialmente usada pela faixa etária mais velha 69 A variante ts representa uma realização fonética intermediária entre as consoantes alveolar e palato alveolar Observase pois um aumento regular no uso da variante ino vadora através dos vários grupos etários que compõem a comunidade de falantes o que caracteriza um indício de mudança em curso ou seja mudança em tempo aparente 524 Problema de avaliação A atitude social quanto à língua pode ser um fator poderoso na determinação da mudança linguística Este problema se propõe a in vestigar justamente isso como as mudanças observadas podem ser ava liadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística sobre a eficiência comunicativa carga funcional e na ampla gama de fatores não linguísticos envolvidos na fala No que diz respeito à carga funcional de segmentos envolvidos em mudanças podemos hierarquizar condições favoráveis e desfavoráveis à mudança linguística São favoráveis as condições quando a forma é prestigiada na sociedade e desfavoráveis quando a forma é estigmati zada por exemplo Ou seja a avaliação da mudança linguística pelos membros da comunidade de fala se dá pelo seu significado social pres tígio ou não Há um reconhecimento social sobre as formas que estão em variação e mudança que pode ser medido pelas reações negativas ou positivas dos falantes Essas reações podem ser observadas nos resultados de testes de Sociolinguística 104 reação subjetiva a partir de respostas das pessoas sobre os diferentes usos linguísticos em variação na comunidade de fala na qual estão inseridas Monguilhott 2009 ao estudar a variação na concordância ver bal de terceira pessoa do plural aplicou testes de atitudeavaliação para medir a reação das pessoas sobre 36 sentenças sem concordância reti radas de sua amostra sincrônica O instrumento foi aplicado a 24 alunos do nono ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública de ensino de Florianópolis e com 24 alunos de dois cursos superiores da Universidade Federal de Santa Catarina Os resultados da autora atestaram que os informantes do nível su perior se mostraram mais conservadores na classificação das sentenças em comparação com os informantes do nível fundamental no sentido de classificarem as sentenças ou como ruins ou como muito ruins Acredi tase que os universitários por estarem há mais tempo em contato com a norma padrão da língua tendem a estigmatizar formas que fogem do padrão como é o caso da não marcação da concordância nos verbos ao contrário dos alunos que frequentam ainda o ensino fundamental O nível de consciência social é portanto uma propriedade im portante da mudança linguística que deve ser determinada diretamente Em geral a mudança linguística se inicia em um determinado grupo social associada a um determinado valor social e gradativamente se expande para outros grupos até se completar É comum observarmos uma correlação entre uso e valor social Variantes de maior prestígio estão associadas quase sempre 1 a estilos de fala mais formais e variantes de menor prestígio a estilos de fala mais informais ao vernáculo As formas mais conservadoras e em geral mais prestigiadas 2 são usadas majoritariamente no trabalho e as mais inovadoras na interação com os amigos e familiares e nas brincadeiras O surgimento de reações negativas pode retardar ou até mesmo impedir a mudança Isso significa dizer que os falantes podem acelerar ou reter processos de mudança linguística de uma comunidade à medi da que se identificam com eles ou os rejeitam Na unidade D mostrare mos a metodologia de alguns desses testes a você Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 105 525 Problema de implementação ou atuação Sabese que o processo global de mudança linguística pode envol ver motivações e restrições tanto da sociedade quanto da estrutura da língua Este problema tenciona investigar como se dá a implementação da mudança e por que ela ocorre em determinados contextos linguísti cos e não em outros ou em determinados lugares e não em outros Estudos mostram que podemos explicar a implementação a partir dos resultados referentes aos condicionadores linguísticos e sociais À me dida que identificamos os condicionamentos que agem sobre a mudança damos uma explicação sobre a forma como a mudança vai se implemen tando nos diferentes contextos estruturais e nos diferentes estratos sociais Mas é provável que todas as explicações a respeito da implementação da mudança só possam ser fornecidas depois do fato ocorrido a posteriori quando a mudança é completada ou seja quando a forma nova ou o traço novo deixa de ser variável e passa a ser constante Nesse caso há em geral perda da significação social que a forma ou o traço possuía Para refletir Com base nas reflexões feitas neste livrotexto e no texto de WLH a 2006 1968 acreditamos que agora você consiga responder al gumas das questões que abriram a seção 52 sobre os problemas empíricos da Teoria da Variação e Mudança Vamos lá então 1 Qual o conjunto de mudanças possíveis e de condições para mu danças que podem ocorrer em uma determinada estrutura 2 Como as mudanças estão encaixadas na matriz de concomitantes linguísticos e extralinguísticos das formas em questão 3 Como as mudanças passam de um estágio a outro de uma comu nidade a outra 4 Como as mudanças podem ser avaliadas em termos de seus efei tos sobre a estrutura linguística e sobre a estrutura social Sociolinguística 106 5 A que fatores se pode atribuir a implementação das mudanças Por que uma mudança ocorre em uma língua em uma época e não em outras Tente agora dar a cada um dos problemas um novo exemplo de b formas em variaçãomudança Discuta as respostas com seus colegas c 53 Princípios gerais para o estudo da mudança linguística Uma vez postulados os problemas empíricos como grandes questões a serem investigadas WLH 2006 1968 sintetizam seus achados teóricos na formulação de sete princípios gerais para o estudo da mudança linguís tica Apresentamos esses princípios agora para você com o propósito de fixar os postulados mais importantes da Teoria da Variação e Mudança A mudança linguística se inicia quando a generalização de uma 1 dada alternância em um certo subgrupo da comunidade de fala assume o caráter de diferenciação ordenada isto é não é uma deriva aleatória A associação entre estrutura e homogeneidade é uma ilusão A 2 estrutura linguística inclui a diferenciação ordenada de falan tes e de estilos através de regras que regem a variação na comu nidade de fala O domínio de uma língua pressupõe o controle de tais estruturas heterogêneas Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura lin 3 guística envolve mudança mas toda mudança implica variabi lidade e heterogeneidade A generalização da mudança linguística através da estrutura 4 linguística não é nem uniforme nem instantânea A generali zação envolve a correlação de mudanças ao longo do tempo e aparece refletida em diferentes áreas do espaço geográfico Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 107 As gramáticas nas quais a mudança linguística ocorre são gra 5 máticas da comunidade de fala Devido ao fato de as estruturas variáveis contidas no sistema serem determinadas por funções sociais não é possível falar em gramáticas individuais A mudança linguística é transmitida dentro da comunidade 6 como um todo Ela não está confinada a etapas discretas den tro da família Toda e qualquer descontinuidade encontrada na mudança resulta de descontinuidades específicas observadas dentro da comunidade de fala É muito mais do que o resultado de diferenças de geração entre pai e filho Fatores linguísticos e sociais encontramse intimamente rela 7 cionados no desenvolvimento da mudança linguística Expli cações apenas de um ou outro aspecto falharão ao descrever as regularidades que podem ser observadas nos estudos empíri cos do comportamento lingüístico Sociolinguística 108 Fechando a Unidade C Nesta Unidade trouxemos alguns pontos de WLH 2006 1968 sobre a Teoria da Variação e Mudança que foram fundamentais para o novo rumo que os estudos sobre mudança ganharam a partir da década de 60 tendo como base estudos de Geolinguística e de Sociolinguística Vamos retomálos rapidamente Argumentase contra a tradicional ideia de que a sistematici ǿ dade e a variabilidade se excluem Questionase o pressuposto sincrônico tradicional que associa ǿ sistema estrutura organização com homogeneidade Não se aceita como necessária a homogeneização do objeto ǿ linguístico ou seja a ideia de que só fazendo abstrações é que teríamos condições de encontrar um objeto estruturado Cancelase a distinção entre diacronia e sincronia Tanto na ǿ diacronia quanto na sincronia podemos observar um sistema linguístico em variação e mudança Defendese um modelo de língua que seja capaz de acomodar ǿ sistematicamente a heterogeneidade sincrônica e diacrônica um modelo que acomode os fatos de uso variável e seus condi cionadores internos e externos sociais e estilísticos Assumese que a ǿ heterogeneidade é ordenada Leia mais WEINREICH U LABOV W HERZOG M Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística Trad de M Bagno São Paulo Parábola 2006 1968 Tratase da obra que estabelece as bases teóricometodológicas do que se conhece hoje como Sociolinguística Variacionista O livro traz uma apresen tação circunstanciada feita por Carlos Alberto Faraco que oferece aos lei tores um histórico e um breve roteiro de leitura e um posfácio escrito por Maria da Conceição Paiva e Maria Eugênia Duarte em que as autoras falam da herança do programa proposto por WLH na Sociolinguística brasileira Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 109 PAIVA M da C DUARTE M E L Orgs Mudança linguística em tempo real Rio de Janeiro Contra Capa 2003 O livro apresenta uma introdução sobre a mudança linguística em curso e mais dez capítulos escritos por diferentes autores que abordam distintos fenômenos de mudança no PB monotongação de ey concordância de número uso do sujeito pronominal entre outros Os estudos seguem a me todologia de painel e tendência CALLOU Dinah MORAES João LEITE Yonne Apagamento do R Fi nal no Dialeto Carioca um Estudo em Tempo Aparente e em Tempo Real DELTA v 14 São Paulo 1998 Disponível em httpwww scielobrscielophppidS010244501998000300006scriptsciart text Acesso em 01 mar 2010 Unidade D Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística Objetivos desta Unidade Identificar as etapas de uma pesquisa sociolinguística ǿ Verificar os passos de uma pesquisa por meio do exame do es ǿ tudo de um fenômeno linguístico variável Nesta Unidade apresentamos os principais postulados da metodo logia de pesquisa de campo da Sociolinguística Variacionista e fazemos a descrição de todos os passos da pesquisa a partir do exame de um fenômeno linguístico variável do PB Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 113 6 Etapas da pesquisa sociolinguística A Sociolinguística laboviana dispõe de uma metodologia de pes quisa de campo bastante criteriosa para conduzir os estudos sobre va riação e mudança linguística Neste capítulo vamos abordar os seguin tes tópicos Seleção dos informantes ǿ Metodologia de coleta de dados ǿ O envelope de variação ǿ Levantamento de questões e hipóteses ǿ Codificação de dados e análise estatística ǿ 61 Seleção dos informantes Já vimos na Unidade A que o lócus para a busca de dados linguís ticos é a comunidade de fala podendose também trabalhar com redes sociais Ou seja não é propriamente o indivíduo que interessa ao pes quisador sociolinguista mas o grupo social no qual ele vive e com o qual ele interage Mas obviamente só podemos chegar ao grupo através do contato com os indivíduos os informantes que nos fornecerão os da dos Tendo em vista que em função de comunidades de fala em geral serem compostas por centenas ou mesmo milhares de indivíduos não temos outra opção senão coletar os dados referentes ao comportamento linguístico de uma comunidade com apenas alguns de seus componen tes e como vamos ver isso não chega a ser uma limitação à pesquisa pois na verdade uma quantidade pequena mas representativa da comunidade é tudo de que precisamos É muito importante por essa razão que os informantes selecionados para serem entrevistados sejam representativos da comunidade de fala a que pertencem Alguns procedimentos devem ser seguidos quanto à definição do universo da amostra e ao tamanho e estratificação da amostra Na defini ção do universo da amostra partimos do seguinte ponto qual a comu É fundamental nesta unidade a leitura do livro TARALLO Fernando A pesquisa sociolingüística São Paulo Ática 1985 Sociolinguística 114 nidade de fala que desejamos estudar Tratase de uma comunidade da zona urbana ou da zona rural Um grupo linguisticamente minoritário na região Uma comunidade bilíngue Uma comunidade de pescado res Uma resposta precisa a essa pergunta é relevante pois a definição da comunidade de fala a ser investigada vai se refletir na maneira de selecionar os informantes As pesquisas sociolinguísticas têm mostrado que não há necessi dade de amostras tão grandes como as usadas em outras pesquisas de natureza social de intenções de voto por exemplo para se analisar fe nômenos variáveis uma vez que o uso linguístico é mais homogêneo do que o comportamento humano acerca de outros fatos em virtude de não estar tão sujeito à manipulação consciente com a ressalva de que no caso dos estereótipos possa haver algum grau de manipulação consciente Assim por exemplo numa dada comunidade resultados obtidos a partir da análise da fala de cerca de 60 informantes serão ape nas ratificados em amostras maiores ou seja a partir de certo número de informantes os resultados tornamse redundantes Há ainda a necessidade de se considerar as dimensões sociais rele vantes da variação pois elas irão se refletir no tamanho e na constituição da amostra isto é na constituição das células sociais agrupamento de fatores sociais que caracterizam os informantes O recomendado em termos do número ideal de informantes é de cinco por célula de modo a garantir a representatividade da amostra Não é preciso portanto ter centenas de gravações para se fazer uma análise estatística Padrões bá sicos de estratificação social e estilística emergem de amostras com cer ca de cinco informantes por célula social cf quadro 1 Vejamos como funciona essa estratificação Se vamos considerar as variáveis sociais sexogênero idade três faixas etárias e escolarida de três níveis por exemplo podemos ter a seguinte distribuição dos informantes Nem sempre alcançamos a quantidade de cinco informantes por célula so cial Há bancos de dados linguísticos com quatro informantes por célula e mesmo com dois Quanto menor o número de infor mantes por célula mais cautela precisamos tomar na análise dos resultados estatísticos concernentes aos fatores sociais Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 115 Escolaridade IdadeSexogênero Até 4 anos De 5 a 8 anos De 9 a 11 anos M F M F M F 15 a 24 anos 5 5 5 5 5 5 25 a 49 anos 5 5 5 5 5 5 de 50 anos 5 5 5 5 5 5 Total 15 15 15 15 15 15 Quadro 1 Distribuição dos informantes Total 90 informantes À medida que aumentarmos ou diminuirmos as variáveis sociais controladas vai aumentar ou diminuir proporcionalmente o número de informantes de nossa pesquisa em função do preenchimento das células sociais No quadro 1 acima por exemplo temos 18 células sociais 2 re lativas ao sexogênero do informante x 3 concernentes aos graus de es colaridade x 3 referentes a três faixas etárias 18 Daí o total 18 células x 5 informantes 90 informantes Se desconsiderarmos a escolaridade ficaremos com seis células logo com 30 informantes e assim por diante Já temos a distribuição dos informantes por célula social O próxi mo passo é saber como localizar informantes com essas características A orientação é que a amostra seja aleatória também chamada de randômi ca O que vem a ser isso Cada sujeito de uma populaçãocomunidade tem igual chance de ser escolhido para fazer parte da pesquisa tratase de uma amostra probabilística cujos resultados podem depois ser pro jetados para a comunidade de fala como um todo ou seja podem ser generalizados Partese então para uma localização aleatória dos infor mantes desde que se contemplem as características sociais já definidas nas células devemos localizar cinco indivíduos do sexogênero mascu lino com até quatro anos de escolaridade com idade entre 15 e 24 anos cinco mulheres com as mesmas características e assim por diante Uma busca aleatória pode ser feita a partir de listas telefônicas catálogos de endereços registros eleitorais dados do censo etc Com a conclusão dessa etapa partese para a coleta de dados através de entrevistas gravadas com os informantes selecionados Lidaremos com isso na próxima seção Sociolinguística 116 62 Metodologia de coleta de dados Segundo Labov o principal método para a investigação linguística é a observação direta da língua falada usada em situações naturais de interação social face a face Essa língua é o vernáculo estilo em que o mínimo de monitoração ou atenção é dispensado à fala É a língua que usamos em nossas casas com nossos amigos nas reuniões de lazer longe dos locais de trabalho por exemplo onde se requer uma fala mais cuidada Mas como coletar o vernáculo Como conseguir que os infor mantes falem livremente em entrevistas gravadas Esse problema consiste no chamado paradoxo do observador o objetivo da pesquisa linguística na comunidade é verificar como as pes soas falam quando não estão sendo sistematicamente observadas mas só podemos obter esses dados através da observação sistemática Labov apresenta uma proposta para tentar neutralizar esse paradoxo como ve remos em seguida Para Labov a melhor forma de coletar bons dados que reflitam de forma fidedigna e em boa qualidade sonora o vernáculo é a gravação de entrevistas individuais E no decorrer da entrevista os dados mais interessantes provêm de narrativas de experiências pessoais Por quê Porque ao envolver o falante em tópicos que recriem emoções fortes vividas no passado por exemplo fazendo perguntas como Você já pas sou por uma situação em que correu perigo de morte Como foi o entrevistador faz com que o informante desvie a atenção de sua própria fala deixando o vernáculo emergir O falante deixa de prestar atenção no como diz para ficar atento a o que diz Outros estímulos desse tipo podem ser Conte um fato história que tenha acontecido com você e que tenha sido muito engraçado ou muito triste ou muito constran gedor O nome que se dá a esse formato específico de interação cuja finalidade é a composição de um banco de dados para estudos sociolin guísticos é entrevista sociolinguística Um roteiro de entrevista sociolinguística não se restringe contudo à elicitação de narrativas de experiências pessoais Os fenômenos variá veis que podem ser analisados são de diversos tipos podendo envolver por exemplo tempos e modos verbais uso de operadores argumenta É preciso atentar para a qualidade das gravações com uso de bons equi pamentos e minimização de interferência de ruídos externos de modo a obter dados de boa qualidade sonora Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 117 tivos formas de tratamento etc O problema é que dificilmente vamos encontrar verbos no tempo futuro ou no modo subjuntivo ou no modo imperativo em relatos de fatos passados Do mesmo modo serão escas sos os operadores argumentativos nesses relatos O mesmo se diga sobre as diferentes formas de se dirigir ao interlocutor Então o pesquisador precisa estar atento para de um lado obter dados vernaculares e de ou tro obter dados pertinentes ao estudo que deseja desenvolver Por isso a sugestão de que se diversifiquem i os estímulos oferecidos ao longo da entrevista e ii os tipos de coleta de dados Além de estimular narrativas o entrevistador pode conduzir per guntas como Fale sobre o local onde você mais gosta de ficar ou passear ǿ descrição O que você acha sobre a escola relacionamentos afetivos ami ǿ zade namoro pressões sociais família escola igreja vocação política interna do país Ou fale sobre algo que lhe incomoda ou provoca ou agrada Ou o que você faria se opinião argumentação O que você sabe ou gosta de fazer Como se faz isso ǿ proce dimentos Apresentamos a seguir alguns dados extraídos do Projeto VARSUL para ilustrar alguns tipos de sequências textuais presentes no corpus Trecho argumentativo E E que que como é que a senhora sente assim a cidade de Curitiba a senhora gosta daqui F Gosto gosto sempre gostei Apesar que eu estava achando a agora Curitiba muito suja E Suja Sociolinguística 118 F Suja Curitiba é um cartão postal é muito bonita e agora está mui to suja Está suja e relaxada mas isto acho que o culpado mesmo é o governo pelo falta de verba Porque você veja eu acho eu sempre pego uma casa d de uma família eu faço uma comparação com o governo Se numa casa não há boa administração então as as coisas não vão bem E assim é o governo se não tem a adminis tração boa o país não pode ir bem né CTB 22 L 1171 Trecho narrativo Aí eu tava dormindo tudo e eu tava com uma dor de cabeça a minha mãe saiu pra pegar um óleo de de ungir não tem e pas sou assim na minha cabeça orou tudo Pelo amor de Deus est que cure o meu filho que tal Aí chegou num dia pro outro eu t fui dormir e curou assim passou a dor passou a dor de cabeça assim na hora FLP10MJP1090 Trecho descritivo Bem é assim a diretoria é composta de seis pessoas tem a presi dente a vicepresidente a primeira secretária a segunda secretária a primeira tesoureira a segunda tesoureira Quer dizer que a presi dente é eleita pelas sócias do Apostolado que nós somos quase em 200 né SBO17 L222 Trecho com citação E E eu não estava mais querendo saber de brincar assim de fi car o tempo todo com as minhas amigas Eu estava querendo fazer aquilo ali Aí ela achou assim que não que as gurias eram menorzi nhas não sei quê que podia me atrapalhar e tal Daí ela foi cortando tipo Não vão fazer aqui não sei quê Ou então foi me botando na cabeça Lúcia olha só tu já estás nessa idade essas pirralhas aí atrás de ti todo tempo não sei quê Aquelas coisas Aí eu fui me desligan do e a minha família é muito era principalmente muito voltada assim pro esporte né Então nessa época meus doze anos toda família começou a jogar vôlei né POA 20 L 703 Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 119 Trecho com procedimentos descrição de passos necessários na re alização de determinadas tarefas Mas também pode não se não quiser também não precisa co locar que salada fica ótima do mesmo jeito sem salame E tem o molho também pra salada que é meia xícara de maionese sabe Tu pegas a maionesezinha o suco de meio limão sal pimenta e um pouquinho de açúcar tá Isso é o que vai FLP01FAP616 Um roteiro de entrevistas abrangente tem um papel importante tanto para garantir diferentes tipos de assunto e consequentemente dados de natureza diversificada como para uniformizar em certa me dida os dados de vários informantes para comparação posterior Cabe ao pesquisador porém adaptar o roteiro de entrevista a cada grupo es tudado Nas entrevistas sociolinguísticas o entrevistador deve tentar i neutralizar a força inibidora de sua presença já que ele é uma pessoa estranha à comunidade e do gravador mostrandose interessado de fato nas histórias que os informantes vão contar ii realizar o mínimo de interferências no momento em que o informante estiver discorrendo sobre os assuntos que despertem o seu interesse Tomando esses cui dados o pesquisador estimula o informante a soltar seu vernáculo e garante textos com unidade discursiva e não fragmentados É recomendado que se utilize ainda uma ficha social para cada infor mante registrando dados de identificação informações relativas ao con texto da entrevista tais como descrição do local e do tipo de interação entrevistadorinformante ou outras observações julgadas relevantes Alguns outros tipos de coleta de dados são Entrevistas anônimas e rápidas por exemplo como vimos na ǿ Unidade B ao estudar a variável presençaausência de r em posição pósvocálica na cidade de Nova Iorque Labov visitou três lojas de departamentos fazendo perguntas aos funcioná rios cuja resposta deveria ser fourth floor quarto andar e re Como toda pesquisa que envolve informantes a pesquisa sociolinguística também está sujeita à aprovação prévia pelo Comitê de Ética da insti tuição à qual se vincula o pesquisador Sociolinguística 120 gistrando a seguir cada resposta Com essa estratégia rápida ele levantou os dados que desejava analisar Observações e registros assistemáticos em trens ônibus bal ǿ cões de lojas bilheterias filas etc Gravações de programas de TV e rádio ǿ Gravações em locais de desastres situação em que as pessoas ǿ se encontram sob impacto emocional em discursos públicos Gravações de interações entre pares de informantes ǿ Questionários sobre ǿ usos linguísticos de produção e de per cepção Em relação a testes de produção e de percepção há evidências de que existe uma grande assimetria entre percepção e produção as regras variáveis são regras de produção e não de percepção Por exemplo num estudo relatado por Labov sobre o inglês negro vernacular Black En glish Vernacular BEV testes de repetição da estrutura inglesa padrão I asked him if he did it Pergunteilhe se ele fez isso mostram que o sig nificado da sentença é percebido pelos falantes mas que ela é produzida automaticamente como I axed him did he do it Apesar dessa assimetria apontada acima diferentes testes de per cepção e de produção podem ser criados e aplicados em pesquisas so ciolinguísticas Um bom exemplo énos apresentado por Tarallo 1985 p 5557 sobre o uso das orações relativas cf já mencionado na Unida de B Ele sugere que se apresente aos informantes uma bateria de cons truções sem uma ordem prédeterminada para que eles digam quais são as mais aceitáveis e quais são as menos aceitáveis Vamos simular um teste de percepção Numere as frases de 1 a 3 de acordo com o grau de aceitabilidade 1 para a mais aceitável 2 para a mais ou menos aceitável e 3 para a menos aceitável a Eu tenho uma amiga que é ótima Temse observado que quando os informantes vão comentar sobre fatos da própria língua sua fala se torna mais cuidada Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 121 b Eu tenho uma amiga que você conhece ela c Eu tenho uma amiga que você conhece d Eu tenho uma amiga que ele se encontrou no Rio e Eu tenho uma amiga que ela é ótima f Eu tenho uma amiga com quem ele se encontrou no Rio g Eu tenho uma amiga que ele se encontrou com ela no Rio h Eu tenho uma amiga que o marido dela se mudou para o Rio i Eu tenho uma amiga cujo marido se mudou para o Rio j Eu tenho uma amiga que o marido se mudou para o Rio Confira seu teste Nas frases a c f i temos relativaspadrão Nas demais temos relativas não padrão Entre essas as frases b e g h são de relativas com prono me lembrete e as frases d j são de relativas cortadoras No estudo de Tarallo ele testou uma bateria com mais de cem frases entre informantes de classe média e de classe alta os resultados apon taram que informantes da classe média avaliaram como aceitáveis 79 das relativaspadrão enquanto informantes da classe alta avaliaram como aceitáveis 93 dessas mesmas construções Por outro lado a clas se média aceitou 47 das relativas não padrão e a classe alta somente 29 Percebese assim uma correlação entre classe social dos falantes e grau de aceitabilidade de construções sintáticas padrão e não padrão Tarallo sugere um refinamento desse teste comparar qual das relativas não padrão é a mais estigmatizada Uma das hipóteses do autor é que a construção com cujo seja evitada por ser considerada uma forma de pedantismo E a sua hipótese qual seria Um teste de produção poderia ser organizado do seguinte modo Com as duas sentenças abaixo formule somente uma fazendo as de vidas alterações Sociolinguística 122 Aquela menina é bonita Aquela menina é de São Paulo Duas opções são previsíveis aí Aquela menina que é de São Paulo é bonita Aquela menina que ela é de São Paulo é bonita Você formulou uma dessas combinações A primeira é de relativapa ǿ drão e a segunda é de relativa não padrão com pronome lembrete Na testagem de Tarallo ele ofereceu 36 diferentes situações os infor mantes de classe média produziram 75 de relativaspadrão e os de classe alta 94 Dessa forma nesse estudo o teste de produção confir mou os resultados do teste de percepção Vamos tratar um pouco agora da metodologia empregada para capturarmos diferentes matizes estilísticos em casos de variação Labov 2008 1972 afirma que não existe nenhum falante com estilo único E que os estilos podem ser dispostos ao longo de uma dimensão me dida pelo grau de atenção dispensado à fala monitoramento É nesse contexto que o vernáculo é definido como o estilo em que é dispensada a monitoração mínima à fala Pois bem Labov sugere alguns tipos de testes aplicáveis especialmente a estudos fonológicos que captam níveis estilísticos distribuídos num gradiente fala casual fala cuidada leitura listas de palavras pares mínimos distensoinformal tensoformal Os dados para análise são obtidos em amostras de fala casual de fala cuidada com algum grau de monitoramento em gravação de lei tura de textos com palavras que contêm o dado sob análise distribuídas aleatoriamente leitura de listas de palavras e leitura de pares de pala vras que se distinguem pelo som em questão A ideia é que essas coletas diversificadas permitem identificar fenômenos de variação estilística Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 123 Uma coleta de dados interessante é aquela que contempla produ ções de fala e de escrita de um mesmo informante Vamos exemplifi car esse procedimento a partir de um projeto de extensão realizado na Universidade Federal de Santa Catarina Tratase do projeto Variação linguística e ensino de gramática nas escolas do Ensino Fundamental um estudo do paradigma pronominal cujos pesquisadores coordenados pela professora Izete Lehmkuhl Coelho coletaram em 2008 amostras de fala e escrita de redação de alunos dos terceiros e quartos ciclos do Ensino Fundamental 5ª 6ª 7ª e 8ª série ou 6º 7º 8º e 9º ano de acordo com a Lei 1127406 de quatro escolas públicas de Florianópolis para servirem como banco de dados para pesquisas de variação morfossintá tica A metodologia utilizada seguiu estas etapas 1ª etapa ǿ Local a ser investigado seleção de quatro escolas da rede pública de ensino de Florianópolis para fazer a pesquisa de campo 2ª etapa ǿ Pesquisa de campo de dados de escrita aplicação de uma atividade de produção textual preferencialmente uma narrativa a respeito de acontecimentos alegres tristes diverti dos e outros da vida dos alunos 3ª etapa ǿ Pesquisa de campo de dados de fala realização de gravação do relato oral do mesmo fato que tinha sido anterior mente produzido por escrito pelos alunos com o intuito de servir de comparação com a versão na modalidade escrita as produções textuais 4ª etapa ǿ Armazenamento das coletas de dados de escrita e de fala Adaptado de SILVABRUSTOLIN 2009 p 138 O banco de dados com as amostras de fala e escrita coletadas está disponível para pesquisas no Projeto VARSULSC O primeiro resul tado bem sucedido desse projeto foi a dissertação de SilvaBrustolin uma das participantes do projeto de extensão nas escolas defendida na UFSC em maio de 2009 sobre a variação entre nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da rede públi ca de Florianópolis A autora mostra que a variação de nós e a gente é Sociolinguística 124 motivada pelo meio falaescrita uma vez que 65 de a gente foram encontrados na fala e apenas 16 na escrita Quanto ao pronome nós 83 na escrita e 35 na fala Segundo SilvaBrustolin a leitura dos resultados nos permite inferir que nas escolas da rede pública de Florianópolis pesquisadas i o pro nome nós é mais utilizado na escrita em detrimento do a gente apesar de este já aparecer na escrita ii o pronome a gente é mais usado na oralida de narrativas de cunho pessoal em detrimento do pronome nós e iii apesar de a gente já ter um grande espaço o emprego de nós na escrita é proporcionalmente maior do que o emprego do a gente na fala Vejamos ainda outros tipos de testes Testes de atitudeavaliação ǿ reação subjetiva prestígio vs es tigma certo vs errado valor social das variáveis identificação de características socioculturais de falantes como etnia e classe social a partir da audição de gravações identificação de carac terísticas de personalidade inteligência honestidade etc Teste de insegurança linguística ǿ escolher qual dentre duas formas alternantes é a correta e qual o informante normal mente usa O falante vai demonstrar segurança se achar que a sua fala é a norma vai revelar insegurança se considerar sua fala pouco valorizada SilvaBrustolin 2009 além de utilizar as amostras de fala e escri ta também aplicou um teste de reação subjetiva aos alunos de uma das escolas investigadas no projeto O controle social dos testes baseouse em idade 1014 anos e 1519 anos sexogênero homens e mulheres escolaridade 5ª 6ª 7ª e 8ª série do ensino fundamental cidade onde o aluno nasceu cidade onde vive atualmente e por fim escola onde estu dava O modelo de teste adotado por ela será apresentado a seguir Nomepseudônimo Idade Sexo Escolaridade Cidade onde nasceu Cidade onde vive Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 125 Assinale mais de uma opção se você achar necessário Que forma você nunca falaria Nós vamos dançar 1 Nós vai dançar 2 A gente vai dançar 3 A gente vamos dançar 4 Que forma você falaria e acha legalboa Nós vamos embora 1 Nós vai embora 2 A gente vai embora 3 A gente vamos embora 4 Que forma você falaria mas acha ruim Nós vamos embora 1 Nós vai embora 2 A gente vai embora 3 A gente vamos embora 4 Nenhuma das anteriores 5 Que forma você não falaria e acha ruim Nós vamos viajar amanhã 1 Nós vai viajar amanhã 2 A gente vai viajar amanhã 3 A gente vamos viajar amanhã 4 5 Nenhuma das anteriores Sociolinguística 126 Que forma você falaria em uma situação formal para apresentar um trabalho por exemplo Nós estudamos na biblioteca da escola 1 Nós estuda na biblioteca da escola 2 A gente estudamos na biblioteca da escola 3 A gente estuda na biblioteca da escola 4 Que forma você falaria em uma situação informal com amigos família Nós estudamos na biblioteca da escola 1 Nós estuda na biblioteca da escola 2 A gente estudamos na biblioteca da escola 3 A gente estuda na biblioteca da escola 4 Os resultados do teste confirmaram o uso estilisticamente marcado dos pronomes A maioria das respostas dos alunos à pergunta Que forma você falaria em uma situação formal foi nós estudamos na bi blioteca da escola o que mostra que eles elegem o pronome tradicional nós que é ensinado na escola para usar em uma situação mais formal Já em uma situação mais informal preferem o pronome a gente SILVA BRUSTOLIN 2009 p 214215 Falamos até aqui sobre procedimentos metodológicos a serem adotados para a constituição de amostras ou corpora especificamente de fala Já temos disponíveis no Brasil vários bancos de dados linguís ticos Ou seja para se fazer uma pesquisa sociolinguística nem sempre é necessário ir a campo podese utilizar dados de um banco previamen te constituído O primeiro deles é do Projeto NURC Norma Linguística Urbana Culta formado na década de 70 com entrevistas gravadas em cinco capitais brasileiras Porto Alegre São Paulo Rio de Janeiro Sal vador e Recife com informantes de nível universitário envolvendo três tipos de coleta diálogo entre dois informantes diálogo entre informan te e entrevistador e elocução formal A importância do Projeto NURC Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 127 se evidencia por exemplo nos oito volumes da Gramática do Portu guês Falado projeto coordenado pelo professor Ataliba Castilho Além desse banco de dados de fala culta outros tantos se formaram e estão se formando no Brasil coletando outros tipos de amostras O quadro 2 abaixo adaptado e ampliado de Gonçalves 2009 ilustra os estudos brasileiros nessa área Projeto Procedência Tamanho da amostra nº de informantes Variáveis sociais controladas Programa de Estudos sobre Usos da Língua PEUL Cidade do Rio de Janeiro 64 Sexogênero faixa etária e escolaridade Variação Linguística na Região Sul VARSUL Região Sul 12 áreas urbanas 288 24 por área Sexogênero faixa etária e escolaridade Variação Linguística na Paraíba VALPB Estado da Paraíba 60 Sexogênero faixa etária e escolaridade Dialetos Sociais Cea renses Fortaleza 23 Sexogênero faixa etária bairro e classe social Língua Usada em Alagoas LUAL Maceió 32 Sexogênero faixa etária e escolaridade Discurso Gramática DG Cidade do Rio de Janeiro Natal RN Juiz de Fora MG e Rio Grande RS 220 Sexogênero faixa etária e escolaridade Amostra Linguística do Interior Paulista ALIP Região Noroeste do estado de SP 7 áreas urbanas 152 Sexogênero faixa etária escolaridade e renda familiar Banco de Dados Sociolinguísticos da Fronteira e da Cam panha Sulriogran dense BDS Pampa 21 municípios da faixa de fronteira Brasil Uruguai Argentina e cam panha gaúcha 600 Sexogênero faixa etária e escolaridade Banco de Dados Sociolinguísticos Variáveis por Classe Social VarX Pelotas RS 90 Sexogênero faixa etária e classe social Quadro 2 Estudos brasileiros na área Ampliado de Gonçalves 2009 Sociolinguística 128 Vamos detalhar um pouco mais o Projeto VARSUL por ser o mais próximo da nossa realidade Tratase de um projeto interinstitucional dele participam UFSC UFPR UFRGS PUCRS que conta com um banco de 288 entrevistas orais 96 por estado coletadas nos moldes da Sociolinguística laboviana no decorrer da década de 90 As gravações fo ram feitas em quatro cidades de cada estado a capital mais três cidades com diferentes etniascolonizações ou centros urbanos de destaque assim distribuídas i no Paraná Curitiba Irati colonização eslava Pato Bran co centro urbano de destaque da região sudoeste do Paraná e Londrina grande centro urbano da região norte do estado ii em Santa Catarina Florianópolis Lages caminho dos tropeiros entre SP e RS Blumenau colonização alemã e Chapecó colonização italiana iii no Rio Grande do Sul Porto Alegre Flores da Cunha colonização italiana Panambi colonização alemã e São Borja fronteira com a Argentina Esses bancos de dados ao controlarem a variável faixa etária ofe recem amostras para testar hipóteses de mudança linguística em tem po aparente Para estudos que investigam mudança linguística no tempo real também dispomos de uma metodologia de coleta própria O pesquisa dor nesse caso pode lançar mão de três tipos de metodologia as duas primeiras relativas a dados de fala e a terceira a dados de escrita Coletar amostras de fala de mesmos indivíduos relativas a dois ǿ momentos diferentes com o fim de perceber a estabilidade e ou mudança no indivíduo O pesquisador retorna à comunida de de fala cerca de vinte anos depois procurando entrevistar os mesmos informantes para proceder a uma análise compara tiva dos dados Esse é um estudo do tipo painel Coletar amostras aleatórias mas com a estratificação social ǿ idêntica da mesma comunidade de fala relativas a dois mo mentos diferentes com o fim de perceber a estabilidade eou mudança na comunidade O pesquisador retorna à comuni dade de fala cerca de vinte anos depois entrevistando infor mantes que se enquadrem nas mesmas características sociais dos anteriores Esse é um estudo do tipo tendência A distribuição dos infor mantes do Projeto VARSUL é de dois por célula social Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 129 Coletar textos escritos em prosa que potencialmente possam ǿ refletir o vernáculo de certo período de tempo Por exemplo cartas de cunho pessoal diários textos teatrais que tenham trazido a fala de diferentes camadas da sociedade além de in formações de atlas linguísticos e textos que forneçam alguma informação sobre avaliação linguística como gramáticas No Brasil amostras de fala chamadas de painel e de tendência foram coletadas principalmente no Rio de Janeiro em épocas distintas duas sincronias pelo grupo de pesquisadores de sociolinguística da UFRJ na década de 80 e na década de 2000 A amostra de 2000 é cha mada de recontato As amostras sistemáticas de escrita diacrônica começaram a ser co letadas no Brasil na década de 80 A primeira coleta foi coordenada pelo professor Fernando Tarallo na UNICAMP Alguns dos textos levantados pela equipe datam de 1316 a 1937 e fazem parte do exemplar Tempos lingüísticos itinerário da língua portuguesa escrito pelo autor Outros bancos coletados principalmente para pesquisas de História da Língua também se prestam a estudos sobre variação e mudança como os arma zenados pela equipe da professora Rosa Virgínia Mattos e Silva na Bahia UFBA Temos também amostras de escrita diacrônica que estão sendo coletadas já há uma década pelos pesquisadores do projeto nacional Para uma História do Português Brasileiro em diversas capitais do Brasil coordenado pelo professor Ataliba Castilho Em Santa Catarina o grupo do PHPB é coordenado pela professora Izete Lehmkuhl Coelho desde agosto de 2009 Encontrase em fase de coleta e armazenamento de peças de teatro de escritores catarinenses e de cartas de leitores e de editores de jornais de Santa Catarina dos séculos XIX e XX Voltemos agora à descrição de outros aspectos relacionados às eta pas de uma pesquisa sociolinguística clássica ou prototípica que está relacionada a coletas de amostras de dados de fala 63 Envelope de variação Uma vez definida a comunidade de fala a ser investigada e a amos tra a ser analisada partese para a delimitação precisa do objeto de es O exemplo de Tarallo 1990 sobre o preenchi mento do sujeito e do objeto que mostramos no Capítulo 5 ilustra resultados que podem ser encontrados a partir do le vantamento de coleta de amostras escritas diacrô nicas amostras que levem em consideração certo período de tempo Sociolinguística 130 tudo e do seu respectivo envelope de variação Envelope de variação é o nome dado em um estudo sociolinguístico à descrição detalhada de uma variável de suas variantes e dos contextos em que elas podem ou não ocorrer ou seja de como exatamente um fenômeno de variação está se manifestando na língua Para isso é necessário primeiramente reconhecer um fenômeno em variação ou seja uma variável e identificar suas possíveis variantes Esse processo inicial é um pouco intuitivo depende das impressões que o pesquisador tem a respeito da fala da comunidade investigada mas a partir da observação dos primeiros dados essa questão vai se delimi tando e as impressões do pesquisador sendo confirmadas ou não Uma indagação que você deve estar se fazendo é a seguinte quantas variantes tem uma variável linguística Vamos trabalhar essa questão a partir de alguns dados Comecemos com a realização da consoante vibrante em português Observe como é pronunciado o r em posição final de sílaba em pala vras como mar carta carne cantor Para situarmos concretamente nossos dados vamos nos apoiar num estudo publicado por Monaretto 2002 sobre a realização da vi brante pósvocálica em dados da comunidade de fala de Porto Alegre A autora encontrou as seguintes realizações da vibrante em posição de coda tepe R 60 vibrante alveolar r 9 retroflexa 5 fri cativa velar x 1 e apagamento Ø 25 Temos pois nesse caso a variável linguística realização de r em posição de coda constituída por cinco variantes Observe agora os seguintes dados de concordância verbal retira dos de Zilles et al 2000 Nós falamos corretamente português POA01L513 Nós falamo o nosso alemão PAN16L1067 Nós era agricultor PAN06L1128 No estudo da variável concordância verbal com a primeira pessoa do plural examinando amostras de fala das comunidades gaúchas de Porto Alegre e de Panambi VARSUL os autores encontraram as se Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 131 guintes realizações mos 53 mo 34 e zero Ø 13 Temos nesse caso três variantes para essa variável linguística Contudo pode mos também guiar nosso estudo para que ele considere em vez das três variantes individuais o emprego da desinência mos e mo versus o seu apagamento Ø com o que passamos a ter duas variantes para essa mesma variável Podemos retomar nesse ponto a pergunta formulada anteriormen te quantas variantes tem uma variável linguística A resposta como você já deve ter concluído é duas ou mais dependendo do fenômeno investigado pois como vimos por definição um fenômeno variável implica sempre a existência de duas ou mais formas de se veicular um mesmo significado referencial Como já foi mencionado na Unidade A seção 22 a variável lin guística escolhida como objeto de estudo é tratada na análise quantita tiva como variável dependente Podemos ter portanto variáveis de pendentes binárias com duas variantes ternárias com três variantes ou eneárias com quatro ou mais variantes A variável dependente é tomada como referência para se testar a atuação de diferentes variáveis independentes ou grupos de fatores que possam influenciar a escolha entre as formas alternantes ou a aplicação da regra variável Voltaremos a esse ponto na seção 65 Considere a seguinte passagem A identificação de uma variável inclui definir as variantes o que é e o que não é uma ocorrência da variável em estudo e determinar o enve lope da variação onde é possível ou impossível que a variável ocorra Contextos categóricos nos quais não há variação e contextos neutra lizadores nos quais a variação é irrelevante ou imperceptível devem ser identificados e normalmente são excluídos da análise GUY ZILLES 2007 p 36 Na prática no estudo sobre a realização da vibrante pósvocálica anteriormente referido por exemplo o envelope de variação engloba a possibilidade de produção de cinco diferentes variantes cujo lócus de ocorrência é definido de acordo com o léxico do português de modo que todas as palavras que apresentem r em coda isto é em final de sílaba incluindo final de palavra são consideradas como ambiente pro Sociolinguística 132 pício à variação em foco Nesse fenômeno como têm mostrado os estu dos dificilmente são encontrados contextos categóricos em que apenas uma das formas irá ocorrer Já como ambientes neutralizadores temos por exemplo sequências em que a variante em questão ocorre em final de palavra e a palavra seguinte inicia com um fonema semelhante com prar régua mar revolto Esses dados devem ser excluídos da análise variacionista uma vez que não se pode discriminar com segurança se o r pertence à primeira à segunda ou a ambas as palavras Da mesma maneira devem ser desconsiderados desse tipo de análise aqueles dados cuja audição é prejudicada por ruídos externos ou por problemas de articulação do falante Uma vez definido o envelope de variação passase à formulação de questões e hipóteses o que será tratado na seção a seguir 64 Levantamento de questões e hipóteses A observação empírica da fala das pessoas e a própria intuição de falante nativo do português além da revisão da literatura isto é leituras e resenhas já feitas sobre trabalhos que focalizem o objeto de interesse guiam o pesquisador na formulação de questões e hipóteses que vão orientar a sua investigação Para exemplificar voltemos inicialmente ao estudo sobre concor dância verbal mencionado na seção anterior cujas variantes são mos mo e Ø Os autores partiram das seguintes suposições i de que há dois processos determinando o uso das formas não padrão um fono lógico de apagamento do s e outro morfossintático de variação na aplicação da regra de concordância verbal ii de que maior escolarida de deve favorecer o uso da forma padrão e iii de que dado que a cida de gaúcha de Panambi é de colonização alemã deve se observar interfe rência na fala devido ao contato entre alemão e português Algumas das hipóteses testadas nesse estudo foram assim formuladas observe que as duas primeiras hipóteses são de natureza linguística e as outras duas são extralinguísticas a A forma verbal proparoxítona favorece a omissão da desinência nú meropessoal mos Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 133 b A posposição do sujeito favorece o apagamento da marca de concordância c As formas não padrão zero e mo são favorecidas na fala dos infor mantes com menor grau de escolaridade d As formas não padrão são mais favorecidas em Panambi em decor rência da aquisição tardia do português pelos falantes bilíngues desta comunidade Adaptado de ZILLES et al 2000 p 204 Essas hipóteses se constituem em respostas possíveis e esperadas a questões como Qual é o efeito da tonicidade sobre o uso variável da concor a dância verbal Qual é o papel da posição do sujeito em relação ao verbo para b a realização da concordância Qual é o papel da escolaridade sobre a realização da concor c dância Qual é o papel do bilinguismo sobre o uso variável da concor d dância verbal A operacionalização das hipóteses é feita mediante o levantamento de grupos de fatores ou variáveis independentes No caso acima fo ram testados os seguintes grupos de fatores Posição do acento na forma verbal alvo forma padrão pro 1 paroxítonas ou paroxítonas Posição do sujeito em relação ao verbo posposição anteposi 2 ção direta distância entre sujeito e verbo de uma a três sílabas e distância entre sujeito e verbo de mais de três sílabas Escolaridade primário até 4 anos de escolarização ou se 3 gundo grau Comunidade Panambi ou Porto Alegre 4 Temos acima quatro grupos posição do acento posição do sujeito escolaridade e comunidade Cada um desses grupos é constituído pe los seguintes fatores proparoxítonas e paroxítonas posposição antepo Se achar necessário retor ne à Unidade A e reveja o que são grupos de fatores Sociolinguística 134 sição distância de uma a três sílabas e distância de mais de três sílabas primário e segundo grau Panambi e Porto Alegre respectivamente Vejamos agora um detalhamento de algumas hipóteses testadas por SilvaBrustolin 2009 no trabalho sobre a alternância entre as for mas nós e a gente sua variável dependente como possíveis condicio nadoras do uso das formas pronominais variantes na amostra utilizada Essas hipóteses são formuladas para responder à seguinte questão i quais os fatores linguísticos estilísticos e sociais que condicionam o uso da forma a gente no lugar do pronome nós A autora acredita que pre enchimento do sujeito marca morfêmica do verbo e fala e escrita por exemplo sejam grupos de fatores motivadores do uso de uma forma pronominal no lugar de outra baseandose nas seguintes expectativas Haverá mais predominância de sujeito preenchido com o pronome a gente pois este pronome acompanha o verbo na 3ª pessoa do singu lar P3 do que com o pronome nós tanto na fala quanto na escrita E provavelmente o pronome nós virá com sujeito nulo uma vez que o nós em geral acompanha o verbo na 1ª pessoa do plural P4 com morfema distintivo de primeira pessoa mos A combinação de a gente com verbo em P3 e da forma pronominal nós com verbo em P4 provavelmente é majoritária nos dados ii a concordância de a gente com P3 evidencia que formas gramaticalizadas não perdem inteiramente as suas propriedades originais assim a gente mantém a possibilidade de concordância verbal com a 3ª pessoa do sin gular e a pluralidade inerente ao nome coletivo gente Acreditamos que haja um maior monitoramento na modalidade escri ta do que na falada devido também ao grau de formalidade da situação de escrita por parte dos alunos e consequentemente um uso maior de nós nessa modalidade Adaptado de SILVABRUSTOLIN 2009 p 145162 Numa pesquisa sociolinguística a definição dos grupos de fatores está intimamente relacionada com as hipóteses que por sua vez são formuladas em termos de respostas provisórias às questões levantadas Definir os grupos de fatores representa um importante passo na pesqui sa e é uma tarefa que normalmente vai sendo refeita ao longo da aná lise É comum nas pesquisas empíricas que lidam com dados reais ir Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 135 refinando as hipóteses incorporando novos grupos de fatores e descar tando outros por exemplo Esse procedimento naturalmente requer um bom tempo do pesquisador Formuladas as questões e hipóteses e com os grupos de fatores de vidamente detalhados passase à etapa seguinte da pesquisa que é co dificar os dados para então se proceder à análise estatística 65 Codificação de dados e análise estatística A codificação dos dados é um requisito para a análise estatística da qual falaremos na seção seguinte Para cada fator de cada grupo é atribuído um código No interior de cada grupo os códigos devem ser obrigatoriamente distintos um do outro já nos diferentes grupos pode haver repetição de código embora o recomendável seja não repetilos Os códigos disponíveis para esse procedimento são as letras os núme ros e os símbolos dos caracteres do computador de modo que cada có digo deve corresponder a um único caracter Suponhamos que a nossa variável dependente seja a concordân cia verbal com a primeira pessoa do plural Podemos estabelecer por exemplo os códigos apresentados no quadro abaixo de acordo com os fatores exemplificados para cada variável Variável dependente 1 mos 2 mo 0 zero apagamento Variáveis independentes Linguísticas Sociais 1 Posição do acento P proparoxítona 1 Escolaridade 4 primário p paroxítona 9 segundo grau 2 Posição do sujeito d posposição 2 Comunidade I Panambi a anteposição direta A Porto Alegre distância de uma a três sílabas distância de mais de três sílabas Quadro 3 Exemplo de códigos Relembrando um grupo de fatores é por exemplo a faixa etária os fatores desse grupo poderiam ser entre 20 e 50 anos e acima de 50 anos Sociolinguística 136 O próximo passo é examinar a amostra delimitada para a pesqui sa e extrair cada ocorrência da variável acompanhada do contexto em que ela está inserida o que implica na maioria das vezes ler eou ouvir amostras bem extensas No caso aqui exemplificado é preciso conside rar o contexto em que aparece o sujeito e o respectivo verbo atentando se para a possível distância que pode separálos bem como para a or dem em que eles aparecem na sentença Feito o levantamento de todas as ocorrências partese para a codificação desses dados Imaginemos que estamos codificando os dados de um informante de Panambi com escolaridade primária Aplicando os códigos do quadro 3 acima tere mos por exemplo note que os códigos correspondem ao número e à ordem dos fatores controlados sendo o primeiro deles referente a uma das variantes da variável dependente Codificação Ocorrências 0P4I Nós sempre cantava cantávamos 1pa4I Nós fomos embora 2pa4I Pedro e eu corremo até cansar Quadro 4 Exemplo de codificação Dependendo do tipo de fenômeno que está sendo investigado po demos chegar a um número bastante elevado de dados E dependendo do número de variáveis independentes testadas a quantidade de infor mação associada a cada dado também será grande Daí a necessidade de se lançar mão de recursos computacionais com a utilização de um pacote estatístico Nas pesquisas variacionistas o pacote utilizado é o Varbrul Não vamos todavia nos deter nos meandros da operacionali zação desse pacote pois isso foge aos objetivos desta disciplina Para os principiantes na pesquisa sociolinguística qualquer pacote estatístico que calcule percentuais pode ser utilizado No Capítulo 7 mostraremos um exemplo de pesquisa sociolinguís tica com descrição e análise de dados O Varbrul Variable rules analysis é um pacote es tatístico desenvolvido por Sankoff e Rousseau em 1978 usado para descre ver padrões de variação entre formas alternati vas de uso da língua O pacote fornece cálculos de frequência percentuais e pesos relativos associados a cada fator das variáveis independentes em relação à aplicação da regra indi cando a influência de cada um desses fatores sobre o uso de uma das variantes Além disso realiza a sele ção estatística dos grupos de fatores por ordem de relevância É bastante utilizada nas pesquisas sociolinguísticas a ver são Varbrul 2S PINTZUK 1988 Atualmente se encontra disponível livremente para Mac OS e Windows da Microsoft com o nome de Goldvarb Disponível em http individualutorontoca tagliamonteGoldvarb GVindexhtm Acesso em 01 mar 2010 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 137 7 Estudo de um fenômeno linguístico variável Para mostrar em termos gerais o estudo de um fenômeno variável optamos por descrever um trabalho de variação morfossintática Varia ção na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala de floriano politanos de Monguilhott 2001 Para a realização desta pesquisa a au tora utilizou dados referentes a amostras pertencentes ao banco de dados do Projeto VARSUL Foram analisadas entrevistas de vinte e quatro in formantes da cidade de Florianópolis de origem açoriana estratificados de acordo com as variáveis sociais sexogênero idade 15 a 24 anos 25 a 45 anos e 52 a 76 anos e escolaridade 4 anos de escolarização e 11 anos de escolarização distribuídos de acordo com o quadro a seguir Feminino Masculino 15 a 24 anos 25 a 45 anos 52 a 76 anos 15 a 24 anos 25 a 45 anos 52 a 76 anos Primário 02 02 02 02 02 02 Colegial 02 02 02 02 02 02 Quadro 5 Distribuição dos informantes de acordo com as células sociais Após a coleta para que fosse possível verificar a influência dos fatores linguísticos e sociais sobre o fenômeno em estudo os dados foram codifi cados e analisados estatisticamente com o auxílio do Programa Varbrul Monguilhott estabeleceu a marcaçãonão marcação da concordân cia verbal de terceira pessoa do plural como sua variável dependente com duas variantes marca explícita de plural nos verbos e a não mar cação de plural nos verbos como os exemplos extraídos do estudo da autora ilustram abaixo Mas o meus irmão não nem tava aí 01FAP276 Mora dois no Rio 03FAP309 Eles moru lá tudo em Criciúma 03FAP413 Do total de 1583 dados obtidos 1251 apresentaram marcas explíci tas de concordância nos verbos correspondendo a 79 da amostra e 332 dados 21 do total apresentaram a variante zero de plural nos verbos Observe no quadro 5 que há dois informantes em cada célula social Vale lembrar que este pro grama estatístico fornece pesos relativos associa dos aos diversos fatores dos grupos de fatores ou variáveis independentes consideradas bem como a seleção destes grupos em função de sua relevância estatística para a variação do fenômeno analisado Os pesos relativos atri buídos indicam o efeito que cada um dos fatores tem sobre as variantes do fenômeno linguístico analisado a variável dependente Sociolinguística 138 Para responder à questão quais os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos que condicionam a concordância verbal de terceira pes soa do plural a autora investigou sete grupos de fatores ou variáveis independentes linguísticosas e três sociais Vamos apresentar a carac terização e os resultados de quatro desses grupos saliência fônica po sição do sujeito em relação ao verbo sexogênero e escolaridade que se mostraram condicionadores da marcação da concordância verbal ou seja foram selecionados pelo pacote estatístico VARBRUL como rela taremos a seguir Com o propósito de investigar se a concordância verbal era ou não motivada pela saliência fônica a autora tomou como ponto de partida os níveis de saliência estudados por Naro 1981 apud MON GUILHOTT 2001 p 41 Vejamos Nível 1 oposição não acentuada não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plu a ral conhececonhecem consegueconseguem correcorrem vivevivem sabesabem ex Todas elas já sabe a tarefa 07FBP466 Eles só sabem viver assim juntos né 22FBC1051 envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural ga b nhaganham eraeram gostagostam ex Os baile era rodeado de janela 04MAP540 Eu acho que eles eram improvisados 02MAP968 envolve acréscimo de segmentos na forma plural dizdizem c querquerem ex Eles diz que é criada a ração né 06MBP955 Eles dizem que foi dele 06MBP472 Nível 2 oposição acentuada envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural a tátão vaivão ex Quando vai alguns parente essas coisa 03FJP557 Fico enrolada na toalha quando eles vão na praia 03FJP400 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 139 envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na b forma plural bateubateram viuviram incluindo o par foi foram que perde a semivogal ex Foi duas turma 15MJC913 Forum eles que me ajudarum a me soltá mais 16FJC907 envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na for c ma plural mudanças vocálicas na desinência mudanças na raiz e até mudanças completas veiovieram ésão dissedis seram ex Mais tarde então veio os hospitais 18MAC789 As rendeiras vieru dali né 24FBC1262 A hipótese de Monguilhott é de que as formas fonicamente mais salientes tendem a ser mais marcadas do que as menos salientes ou seja as oposições mais saliente entre singularplural por serem mais per ceptíveis devem aumentar a probabilidade de ocorrência da variante explícita de plural Seus resultados corroboram essa hipótese como po demos observar na tabela 5 abaixo Nível 1 Oposição não acentuada APLTOTAL PR a não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural 25101 25 002 b envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural 638802 80 046 c envolve acréscimo de segmentos na forma plural 68103 66 013 Nível 2 Oposição acentuada APLTOTAL PR a envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural 125130 96 088 b envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural 85102 83 065 c envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural 310345 90 075 Total 1 2511 583 79 Tabela 5 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores saliência fônica MONGUILHOTT 2001 p 42 Peso relativo PR é uma medida probabilística usada para calcular o efeito de um fator condicionador na aplicação da regra variável ou seja o peso que um fator tem ao condicionar a ocorrência da variante que estipulamos como aplicação da regra Como o nome sugere o peso relativo de um fator só tem significado quando relativizado ao peso de Sociolinguística 140 outros fatores com os quais coocorre Essa medida é tão constante em tabelas de pesquisas sociolinguísticas quanto a porcentagem e é dada em valores de 00 a 10 Quanto mais próximo de 10 maior o peso rela tivo do fator isto é maior o efeito dele sobre a variante escolhida como aplicação da regra quanto mais próximo de 00 menor o peso relativo ou seja menor a força de atuação desse fator na escolha daquela va riante próximo ao valor de 05 temos o ponto neutro pesos relativos próximos a esse valor indicam que o grupo de fatores tem pouco efeito sobre a aplicação da regra variável Como se pode verificar os fatores pertencentes ao nível 2 oposição acentuada tenderam a uma maior marcação da regra de concordância verbal Já em relação ao nível 1 oposição não acentuada percebemos uma tendência a marcas zero de concordância verbal em especial nos verbos que fazem parte do item a em que não há mudança na qualidade da vogal na forma plural como em conhececonhecem com apenas 25 de concordância e 002 de peso relativo Quanto ao grupo de fatores posição do sujeito em relação ao ver bo novamente Monguilhott 2001 parte de resultados de trabalhos que mostram uma tendência à marcação da concordância verbal quando o sujeito se encontra anteposto ao verbo e uma tendência à não marcação da concordância quando ele vem depois do verbo como os exemplos a seguir ilustram Ordem sujeitoverbo ex Eles fizeru churrasco 02MAP1161 Ordem verbosujeito ex Seriam três cidade que eu gostaria de voltar 02MAP139 A hipótese de Monguilhott é a de que o sujeito quando posposto ao verbo apresentará forte tendência à variante zero de plural nos ver bos e quando anteposto uma tendência à marcação da concordância Vejamos os resultados na tabela 6 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 141 Posição do sujeito em relação ao verbo AplicaçãoTotal Peso relativo Sujeito anteposto 1 1191328 84 058 Sujeito posposto 132255 52 017 Total 1 2511 583 79 Tabela 6 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores posição do sujeito em relação ao verbo MONGUILHOTT 2001 p 46 Podemos observar através da tabela 6 que a probabilidade de aplicação da regra de concordância foi maior quando o sujeito estava anteposto ao verbo atestando dessa forma a hipótese da autora Os resultados da tabela mostram que 84 058 de peso relativo dos sujei tos antepostos apareceram com marcação da concordância enquanto apenas 52 017 de peso relativo dos sujeitos pospostos vieram mar cados o que significa dizer que além da saliência a concordância verbal é motivada também pela posição do sujeito em relação ao verbo Segun do Monguilhott 2001 alguns trabalhos mostram que essa tendência se deve ao fato de o sujeito posposto ao verbo ser encarado como objeto pelo falante que não aplica a regra de concordância Vejamos agora dois grupos sociais sexogênero e escolaridade Começamos com o grupo sexogênero dos informantes Monguilhott esperava encontrar nos resultados mais concordância marcada por parte das mulheres por elas se mostrarem mais receptivas à atuação normatizadora da escola como a maioria dos estudos sociolinguísticos sobre o PB apontam uma vez que marcação da concordância é uma forma de prestígio Os resultados estatísticos expostos na tabela 7 a seguir ratificam a hipótese de haver uma tendência à maior marcação de concordância por parte das mulheres o que parece indicar que as mulheres estão de fato mais atentas às regras estabelecidas sejam elas sociais ou linguísticas SexoGênero AplicaçãoTotal Peso relativo Feminino 736905 81 053 Masculino 515678 76 045 Total 1 2511 583 79 Tabela 7 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores sexogênero MONGUILHOTT 2001 p 62 Perceba que essa inter pretação é perfeitamente justificável pois o sujeito quando posposto aca ba ocupando a posição canônica do objeto na sentença Sociolinguística 142 Escolaridade foi outro grupo de fatores controlado pela autora A hipótese investigada é de que quanto maior o nível de escolaridade maior a probabilidade de o falante utilizar a regra da concordância ver bal pois a escola é um dos ambientes que privilegia a norma linguísti ca utilizada na escrita Segundo Monguilhott de acordo com estudos variacionistas envolvendo a variável anos de escolarização existe uma correlação entre formas linguísticas consideradas padrão ensinadas na escola e reforçadas em outros ambientes como TV jornais etc e maior escolaridade Dois níveis de escolarização foram controlados corres pondendo a 4 e a 11 anos de escolarização Os resultados estatísticos atestam a hipótese da autora os falantes mais escolarizados aplicaram mais a regra de concordância verbal 81 e 057 de peso relativo que os menos escolarizados 78 e 044 de peso relativo cf tabela 8 Anos de escolarização AplicaçãoTotal Peso relativo 11 anos 591733 81 057 4 anos 660850 78 044 Total 12511583 79 Tabela 8 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores escolaridade MONGUILHOTT 2001 p 59 Por fim os resultados estatísticos dos grupos de fatores apresen tados neste Capítulo evidenciam que há uma tendência à marcação da concordância verbal quando o verbo for mais saliente isto é quando apresentar uma oposi a ção fônica entre singularplural mais acentuada o sujeito estiver anteposto ao verbo b a sentença for usada por mulheres c a sentença for usada por pessoas mais escolarizadas d Esses resultados evidenciam o fato de que a variação na concor dância verbal de terceira pessoa do plural é condicionada por fatores linguísticos e sociais e não uma escolha aleatória do falante Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 143 A exposição desse estudo serviu principalmente para mostrar que apenas resultados expostos em tabelas não são suficientes para a análise de um fenômeno em variação É necessário na medida do possível re lacionar os resultados a outros já encontrados e entender o que a leitura de estudos anteriores sobre o mesmo objeto e o que o contexto social onde ocorre o fenômeno têm a nos dizer Sociolinguística 144 Fechando a Unidade D Nesta unidade apresentamos as etapas de uma pesquisa sociolin guística e verificamos sua aplicação através do detalhamento do estudo e exame de um fenômeno linguístico variável no PB a saber a concor dância verbal com a terceira pessoa do plural Sintetizamos no quadro abaixo os passos de uma pesquisa socio linguística Passos de uma pesquisa sociolinguística Escolha de uma comunidade de fala ǿ Escolha de um objeto variável sociolinguística ǿ Definição do envelope de variação ǿ Revisão da literatura levantamento do que já foi dito sobre esse ǿ objeto Formulação de questões e hipóteses ǿ Definição dos grupos de fatores linguísticos e sociais ǿ Coleta de dados de um banco pronto ou formação de novas amos ǿ tras Codificação das ocorrências de acordo com os grupos de fatores ǿ Análise quantitativa dos dados pacote Varbrul ǿ Interpretação dos resultados ǿ Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 145 Leia mais MONGUILHOTT Isabel de O e S Estudo sincrônico e diacrônico da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE Tese Doutorado em Linguística Florianópolis UFSC 2009 Além de ser um ótimo exemplo de estudo sociolinguístico essa leitura é recomendada especialmente porque no capítulo 2 a autora descreve em detalhes a metodologia geossociolinguística que utilizou em sua pesquisa GUY Gregory ZILLES Ana Sociolinguística quantitativa instrumental de análise São Paulo Parábola Editorial 2007 Nesse livro os autores além de mostrarem a relevância da análise quantitati va em uma pesquisa sociolinguística trazem importantes ferramentas para uma exploração aprofundada dos recursos do programa estatístico Varbrul e uma leitura completa dos resultados por ele emitidos NARO A J Modelos quantitativos e tratamento estatístico In MOLLI CA M C BRAGA M L Orgs Introdução à sociolinguística o trata mento da variação 3 ed São Paulo Contexto 2008 p 1525 SCHERRE M M P NARO A J Análise quantitativa e tópicos de in terpretação do Varbrul In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à sociolinguística o tratamento da variação 3 ed São Paulo Contexto 2008 147177 Esses dois capítulos tratam de um aspecto muito importante da pesquisa sociolinguística a estatística No primeiro deles são explorados os porquês dos programas estatísticos como se chegou ao modelo de análise hoje uti lizado e quais peculiaridades uma pesquisa do tipo sociolinguística pode ter em termos de estatística O segundo explora a terminologia utilizada e as etapas de uma rodada estatística e é ricamente ilustrado com dados reais de pesquisas já realizadas Unidade E Sociolinguística e Ensino Objetivos desta Unidade Identificar nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN a ǿ base sociolinguística que orienta o documento Apresentar contribuições da Sociolinguística para o ensino da ǿ língua portuguesa Propor algumas sugestões metodológicas para o trabalho do ǿ professorpesquisador Nesta última Unidade reunimos algumas das principais contribui ções da Sociolinguística para o ensino de língua portuguesa retomando de forma resumida os aspectos mais importantes discutidos ao longo do livrotexto que tenham implicações pedagógicas Reportamonos inicialmente aos PCN para contextualizar o que será dito na sequên cia sobre Sociolinguística e ensino As contribuições são apresentadas em três blocos um relativo ao nível conceitual mais amplo outro con cernente à natureza heterogênea da língua portuguesa e um terceiro referente à prática do professorpesquisador Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 149 8 Contribuições da Sociolinguística para o ensino de língua portuguesa Vamos fechar nosso livrotexto focalizando os dois tópicos finais da ementa exposta na Apresentação Prática pedagógica variação linguísti ca e ensino Reflexões sobre a prática pedagógica no ensino fundamental e médio Como se trata de um capítulo de fechamento terá também um caráter de retrospectiva pois retomaremos vários aspectos já estudados ao longo das Unidades precedentes Não podemos falar em ensino sem fazermos referência aos PCN Por isso a seção a seguir é dedicada a um breve exame do que é pro posto nesse documento oficial com ênfase nas questões concernentes à Sociolinguística 81 A proposta dos PCN para o ensino de língua portuguesa Para contextualizar o que vamos dizer sobre Sociolinguística e en sino reportemonos inicialmente aos PCN de Língua Portuguesa A língua portuguesa no Brasil possui muitas variedades dialetais Iden tificamse geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar é muito comum se considera rem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas BRASIL 1997 p 26 Como você pode notar os PCN abordam a questão das varieda des dialetais e salientam o problema do preconceito linguístico advindo do valor social atribuído às formas variantes da língua especialmente àquelas formas linguísticas usadas por falantes que não gozam de pres tígio social na comunidade onde vivem As reações de preconceito se manifestam quase sempre naquelas pessoas que se situam nos pontos mais altos na pirâmide social ou seja que pertencem a um nível so cioeconômico mais alto e que dominam a variedade culta da língua O Parâmetros Curriculares Nacionais Tratase de um conjunto de documentos que têm como objetivo subsidiar a elaboração do currículo dos 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio visando à formação da cidadania do aluno Sugerimos que você retome neste momento o que vimos na Unidade A seção 23 sobre o signi ficado social das formas variantes Sociolinguística 150 preconceito linguístico pode ser identificado em comentários do tipo fulano fala errado fulano não sabe falar direito a fala de fulano é feia A fala ou escrita é julgada em função do status social dos indiví duos que a utilizam e não pelas características linguísticas em si É nessa direção que o documento propõe O problema do precon ceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na escola como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença BRASIL 1997 p 26 Consideremos o seguinte objetivo institucional o objetivo princi pal da escola é a formação do sujeitocidadão Em relação à linguagem a escola deve oferecer condições para que o aluno desenvolva seus co nhecimentos sabendo a ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais b expressarse adequadamente em situações de interação oral diferen tes daquelas próprias de seu universo imediato c refletir sobre os fenômenos da linguagem particularmente os que tocam a questão da variedade linguística combatendo a estig matização discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua BRASIL 1998a p 59 Perceba que os dois primeiros itens acima dizem respeito à compe tência comunicativa dos alunos Já o último remete à questão do respei to às diferenças Ainda nos reportando aos PCN vemos que o documento desti nado ao Ensino Médio enfatiza que o ensino da língua materna deve considerar a aquisição e o desenvolvimento de três competências que devem ser acionadas na resolução de situaçõesproblema interativa ǿ que envolve atividades de interlocução sendo im portante ter consciência do papel social que cada um desem penha do lugar de onde se fala sobre o que se fala a quem se dirige textual ǿ que diz respeito à capacidade de entender e produzir textos dos mais variados tiposgêneros Reveja o fechamento da Unidade A Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 151 gramatical ǿ que envolve conhecimentos sobre a estrutura da língua o domínio de suas regras de funcionamento nos níveis fonológico morfológico sintático lexical BRASIL 1998c No âmbito da competência interativa o documento BRASIL 1998a p 7576 salienta que qualquer língua comporta um grande número de variedades ǿ linguísticas que devem ser respeitadas as variedades são mais ou menos adequadas a determinadas ǿ situações comunicativas os rótulos certo e errado devem ser questionados ǿ a norma culta variedade de maior prestígio social deve ter lugar ǿ garantido na escola mas não deve ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno As passagens dos PCN apresentadas acima são perpassadas pelas seguintes concepções a respeito das práticas com a linguagem As situações reais de interação são condição para que se dê o 1 ensino da língua já que a língua funciona para as pessoas inte ragirem socialmente A língua é heterogênea historicamente situada estando sujeita 2 a variações e mudanças o trabalho pedagógico deve contemplar de maneira articula 3 da usos linguísticos ouvirfalar lerescrever e reflexão sobre a língua o uso da língua deve ser adequado aos propósitos comunicati 4 vos e demandas sociais 5 devese combater o preconceito linguístico Sociolinguística 152 Para refletir Ao longo das quatro Unidades estudadas até agora percorremos ca minhos históricos passamos por pressupostos teóricos por questões conceituais e metodológicas no âmbito da área da Sociolinguística Agora tendo em vista o ensino de língua portuguesa propomos que pensemos juntos na seguinte questão Em que pode a Sociolinguística contribuir para o alcance dos obje ǿ tivos mencionados acima Reflita sobre essa questão relacionando o que lhe foi apresentado até agora sobre os PCN com os conceitos que conheceu ao longo das Uni dades A B C e D Ao fazermos remissão aos PCN percebemos o quanto o documen to é atravessado por pressupostos da Sociolinguística Podemos pensar sobre algumas das contribuições desta disciplina para o ensino da língua portuguesa reunindoas em três blocos um relativo ao nível conceitual mais amplo outro concernente à natureza heterogênea da língua portu guesa e um terceiro referente à prática do professorpesquisador 82 Contribuições no nível conceitual Para dar mais luz aos conceitos básicos da área que queremos en fatizar vamos contrapor resumidamente no quadro abaixo as ideias de Labov que orientaram a elaboração deste livrotexto às concep ções teóricas acerca da linguagem que atravessaram o século XX tendo dominado os estudos linguísticos de forma hegemônica na primeira metade do século e que foram rejeitadas pela Sociolinguística a partir da década de 1960 Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 153 A abordagem sociolinguística Rejeita Postula a primazia dos estudos imanentes da língua ie a língua desvinculada de fatores externos o estudo da estrutura e da evolução da linguagem deve ser feito dentro do contexto social da comuni dade de fala Existe uma correlação sistemática entre variação linguística e estratificação social a relação estabelecida por Saussure entre estrutura e sincronia de um lado e história evolutiva e diacro nia de outro a aproximação da sincronia e da diacronia igual mente às noções de estrutura e funcionamento da língua a noção de comunidade de fala homogênea e a existência de um falanteouvinte ideal a existência de comunidades de fala heterogêneas e de falantesouvintes reais que nunca se expressam da mesma maneira em diferentes situações comuni cativas a noção de língua como um sistema homogêneo o sistema linguístico é heterogêneo e a variação é uma propriedade regular e inerente ao sistema a noção de que as regras linguísticas sejam cate góricas o que é conhecido como axioma da cate goricidade o sistema linguístico é constituído por regras ca tegóricas e também por regras variáveis e o falante tem competência linguística para lidar com regras variáveis o fazer científico que produz teorias e dados ao mesmo tempo é preciso analisar os dados de fala do diaadia e relacionálos às teorias gramaticais ajustando a teo ria de modo que ela dê conta do objeto a atribuição de juízos avaliativos do tipo certo e errado acerca de qualquer fenômeno linguístico todas as variedades são igualmente bem estrutu radas sendo mais ou menos adequadas a deter minadas situações comunicativas As avaliações das formas linguísticas como sendo de prestígio ou es tigmatizadas são de natureza social e não linguísti ca sendo carregadas de preconceito linguístico a noção de norma padrão imposta pelas gramáti cas normativas de caráter prescritivo a noção de normas derivadas do uso efetivo da língua de caráter descritivo Quadro 6 A abordagem sociolinguística Você pode estar questionando qual a importância de o professor de língua portuguesa conhecer os postulados teóricos da Sociolinguísti ca Em que essa teoria pode ajudar na prática pedagógica A resposta não é difícil pelo que pudemos notar em nossa rápida passagem pelos PCN É preciso ter um embasamento teórico consisten te acerca da linguagem em seu funcionamento social para poder atuar de forma competente na orientação da aprendizagem e na formação contínua do alunocidadão Sociolinguística 154 Nesse sentido vale lembrar as palavras de Gadotti 2000 p 10 Os educadores não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica mas também formam pessoas Por isso eles são imprescindíveis Para informar o professor precisa antes conhecer Para poder propiciar condições para que o aluno saiba refletir sobre os fenômenos da linguagem particularmente os que tocam a questão da variedade linguística combatendo a estigmatização discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua BRASIL 1998a p 59 o pro fessor precisa obviamente saber fazer isso mas não de forma superfi cial seguindo o senso comum e sim com embasamento científico e domínio conceitual O domínio dos postulados sociolinguísticos básicos e seus desdo bramentos e implicações sintetizados no quadro acima é o mínimo que se espera do professor de língua portuguesa nos dias atuais 83 Contribuições em torno da heterogeneidade da língua portuguesa O nível conceitual de caráter amplo abordado na seção anterior natu ralmente se aplica a todas as línguas naturais Nesta seção vamos focalizar a língua portuguesa mais especificamente o PB Como vimos amplamen te ao longo deste livrotexto o PB não é uniforme Não há homogeneidade nas comunidades de fala nem sequer na fala de um único indivíduo Antes de nos voltarmos para dados do PB porém sintetizamos no quadro a seguir alguns dos principais pontos que já vimos acerca da língua como um sistema heterogêneo A natureza heterogênea da língua Existem variações de natureza externa à língua regionais sociais esti lísticas Existem variações internas nos diferentes níveis linguísticos lexical fo nológico morfossintático discursivo As variações linguísticas são condicionadas tanto por fatores externos à língua como por fatores internos A variação pode levar à mudança linguística mas podemos ter também situações de variação estável Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 155 A ilustração e a análise aqui apresentadas foram adaptadas de Görski e Coelho 2009 e sistema tizam pontos já vistos ao longo do livro Gramaticalização É um processo de mudança linguística que se dá através de regularização gradual pela qual um item fre quentemente utilizado em contextos comu nicativos particulares adquire função grama tical e pode uma vez gramaticalizado adqui rir funções ainda mais gramaticais ou novas funções HOPPER TRAUGOTT 1993 Ou seja no processo de gramaticalização um item uma palavra ou uma construção intei ra de uma dada língua adquire uma nova função nessa língua A mudança pode ser acelerada ou retardada devido à avaliação social atribuída pelos falantes a certas variantes A mudança é estruturada e se encaixa tanto na estrutura linguística como na estrutura social Quadro 7 A natureza heterogênea da língua A título de ilustração e como uma forma de revisão do que já es tudamos vamos examinar alguns fenômenos variáveis do PB à luz dos aspectos listados no quadro acima Tomemos o paradigma pronomi nal que está exposto nas gramáticas tradicionais e na maioria dos li vros didáticos paradigma 1 confrontandoo com o paradigma em uso paradigma 2 Paradigma 1 Paradigma 2 eu eu Tu tu você elea elea nós nós a gente vós vós vocês elesas eles Quadro 8 Descrição dos paradigmas pronominais tradicional paradigma 1 e em uso efetivo paradig ma 2 no PB Extraído de Görski Coelho 2009 A evidente inovação no paradigma 2 devese à entrada das formas pronominais vocês e a gente Ambas as formas hoje pronominais são resultados de processos de mudança vocês advém do pronome de tra tamento de base nominal Vossa Mercê e a gente é oriundo do substantivo gente associado ao artigo definido a Ambos os processos de mudança se deram por gramaticalização ao assumirem determinadas proprieda des valores e funções essas formas passam a fazer parte de uma nova categoria ou classe a de pronome ou seja mudam seu estatuto gra matical de nome item lexical para pronome item gramatical Vejamos como se deram respectivamente essas mudanças obser vando que traços se mantiveram e que traços foram alterados No percurso de Vossa Mercê para você a forma de tratamen ǿ to vai se gramaticalizando vansuncêvassucêvacêvocê até chegar ao pronome pessoal de segunda pessoa Nessa passa Sociolinguística 156 gem a forma vai gradualmente se reduzindo A forma prono minal você atualmente usada para referir a 2ª pessoa do dis curso mantém o traço formal originário de 3ª pessoa criando uma situação de conflito entre as regras normativas de concor dância Assim persiste a especificação original de 3ª pessoa embora a interpretação semânticodiscursiva passe a ser de 2ª pessoa E você começa a concorrer com o tu No percurso de ǿ gente nome genérico para a gente pronome a forma pronominal a gente mantém o traço formal originário de 3ª pessoa Porém a interpretação semânticodiscursiva se altera para EU passando a incluir o falante 1ª pessoa do plu ral E a gente começa a concorrer com o nós As mudanças por que passaram essas formas linguísticas não afeta ram apenas o paradigma pronominal do caso reto Esse comportamento híbrido dos pronomes você e a gente agregando aos traços originários de 3ª pessoa traços de 2ª pessoa e até mesmo de 1ª pessoa acabou pro vocando uma reestruturação também no paradigma verbal que passa de seis formas básicas para três ou quatro como o quadro 9 ilustra Paradigma 1 Paradigma 2 eu ando eu ando tu andas tu andas você anda elea anda elea anda nós andamos nós andamos a gente andamos vós andais vocês andam elesas andam eles andam Quadro 9 Descrição dos paradigmas flexionais verbais tradicional paradigma 1 e em uso efetivo paradigma 2 no PB Extraído de Görski Coelho 2009 O paradigma 1 mostra o padrão escrito das formas pronominais em uso efetivo nos séculos XVIII e XIX Já o paradigma 2 representa o padrão de uso no PB atual Observe que as formas tu anda nós anda e a gente an damos são típicas da oralidade em alguns estratos sociais eou em algumas regiões do Brasil no entanto as formas vocês andam e a gente anda são de uso mais generalizado adentrando a norma culta e sendo bastante fre quentes também na escrita Esse novo paradigma evidencia que em um Atente que na fala a redução se encontra ainda mais acentuada ocêcê Note que embora o pa radigma 1 esteja pratica mente em desuso atual mente é esse modelo que aparece ainda nos livros didáticos Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 157 mesmo tempo e espaço podem conviver mescladas diferentes variantes linguísticas geralmente associadas a diferentes valores sociais Vejamos agora como se deu a passagem do paradigma 1 para o paradigma 2 a A entrada do pronome vocês na segunda pessoa singular e plural na maioria das regiões brasileiras desencadeou uma mudança no paradigma verbal correspondente que começou a contar com formas homônimas você foiele foi e vocês foram eles foram b As formas pronominais antigas de segunda pessoa tu e vós passaram a conviver com as formas novas em algumas regiões do Brasil vocêvocês como aconteceu com o tu ou perderam seu espaço de atuação como no caso do pronome vós que já foi praticamente substituído na língua pelo pronome vocês em todos os estratos sociais c A entrada da forma a gente na língua como pronome de pri meira pessoa do plural veio a competir com o pronome nós O uso do a gente aparece com frequência principalmente na língua falada de pessoas mais jovens Esse novo pronome a gente desencadeia nova alteração no paradigma verbal que conta agora com mais uma forma verbal homônima você foia gente foiele foi Com a entrada de um novo pronome de primeira pessoa do d plural a forma verbal correspondente se alterna nós vamos nós vai e a gente vaia gente vamos nas chamadas variedades padrão e variedades não padrão da língua respectivamente O enfraquecimento do sistema de flexões verbais decorrente e da entrada de pronomes que se combinam com formas verbais de 3ª pessoa do singular instala na língua gradativamente uma tendência ao preenchimento do sujeito pronominal para evitar a ambiguidade causada se deixarmos sem sujeito formas ver bais homônimas Essa mudança pode ser observada i quando comparamos a fala de pessoas mais jovens e mais velhas confi gurando um caso de mudança em tempo aparente e ii quando O pronome vós mantém se em uso apenas em alguns gêneros discursi vos bastante específicos relacionados aos campos religioso e jurídico É pro dutivo em textos escritos mais antigos Sociolinguística 158 comparamos textos escritos atuais com registros antigos evi denciando uma situação de mudança em tempo real É importante ainda registrar o seguinte a entrada dos pronomes você e a gente no PB não afetou apenas o paradigma pronominal de sujeito e a concordância verbal conforme mostramos até agora Essas inovações provocaram uma espécie de mudanças em cadeia que afe taram também os outros subsistemas pronominais dos clíticos e dos possessivos cf vimos na Unidade C Configurase desse modo o que Labov chama de encaixamento estrutural O quadro seguinte apresenta os usos pronominais que encontra mos atualmente Alguns desses usos que constituem o que as gramáti cas normativas chamam de mistura de tratamento se limitam à orali dade e à escrita informal Pronomes pessoais Pronomes oblíquos Pronomes possessivos eu me mim comigo meus minhas tuvocê te ti contigolhe se o a com você teus tuas seus suas de você elea o a lhe se si consigo com elea seus suas dele dela nósa gente nos conosco com nósse com a gente nossos nossasda gente vocês lhes se os as com vocês seus suas de vocês elesas os as lhes se si consigo com elesas seus suas deles delas Quadro 10 Descrição dos paradigmas pronominais pessoal caso reto e oblíquo e possessivo em uso efetivo no PB Extraído de Görski Coelho 2009 As principais mudanças apontadas no quadro acima são as seguintes Na forma de realização do possessivo as formas pronominais ǿ de terceira pessoa seu sua se deslocam para a segunda pessoa e a forma possessiva de terceira pessoa passa a ser quase cate goricamente a forma genitiva dele dela Na forma de realização do oblíquo i os pronomes ǿ lhe oa se deslocam da terceira para a segunda pessoa e o dativo objeto indireto ganha forma de sintagma preposicionado como em de você ii o reflexivo se segue tanto a forma você você se es pelhou como a forma a gente a gente se espelhou mas ainda é usado nas formas de terceira pessoa ele se espelhou Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 159 Essas mudanças em cadeia apontadas acima evidenciam a complexi dade que envolve os processos de variação e mudança linguística no PB 84 Contribuições quanto à prática do professorpesquisador Veja como estamos associando o professor ao pesquisador De fato não se concebe um professor que não seja também pesquisador de modo a romper com o círculo vicioso de mero repetidor de informações ou repassador de conteúdos previamente oferecidos nos manuais didá ticos disponíveis em larga escala no mercado cf Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Letras UFSC 2006 p 6 Neste ponto deve estar claro para você o quanto é importante que o professor conheça os conceitos sociolinguísticos básicos para poder aplicálos na compreensão das diferentes situações de variaçãomudan ça linguística que permeiam o diaadia dos falantes Do ponto de vista prático apontamos algumas ações que não devem ficar de fora da agen da do professor de língua portuguesa Trabalhar com os alunos a realidade sociolinguística brasileira ǿ desde o contexto sóciohistórico mais amplo até o contexto da comunidade e da sala de aula Desenvolver projetos de pesquisa que levem o professor e os ǿ alunos a identificar fenômenos de variação linguística em diferentes ní 1 veis lexical fonológico morfossintático discursivo presentes na sua comunidade entender o funcionamento desses fenômenos variáveis me 2 diante a realização de pesquisa bibliográfica investigando os traba a lhos já realizados sobre o assunto interpretando os resultados e compreendendo as etapas do trabalho até sua conclusão b a realização de entrevistas na comunidade Sociolinguística 160 a construção e aplicação de testes de atitude etc c lidar conscientemente com as noções de certo e errado que 3 perpassam tais fenômenos posicionarse criticamente frente a situações de preconceito 4 linguístico trabalhar a questão da identidade cultural mediada pela língua 5 ao fazer parte de determinado grupo compartilhamos com os pares não só a mesma linguagem mas também as mesmas atitudes em relação à língua Ensinar a norma culta da língua portuguesa que é a variedade ǿ de prestígio na sociedade sem contudo desconsiderar a varie dade linguística que o aluno traz de casa promovendo a ampliação desses conhecimentos mediante a 1 criação de situações diferenciadas para que os alunos desen volvam sua competência sociocomunicativa de modo a saber usar uma variedade ou outra de acordo com as situações de interação no caso de contextos mais formais e públicos é a variedade padrão que é requerida no caso de contextos menos formais e familiares a variedade não padrão é adequada é uma questão de variação estilística preservando a identidade linguística e cultural dos alunos 2 Segundo Koch 2002 p 53 a competência sociocomunicativa leva os falantesouvintes à detec ção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais O termo sociocomuni cativa reforça o caráter sociolinguístico dessas habilidades Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 161 Fechando a Unidade E Como fechamento de nossa última Unidade de estudo deixamos para você um recadinho final sobre uma possível aplicação da Sociolin guística na prática pedagógica Nessa direção uma das primeiras tarefas do professor seria reconhecer a realidade sociolinguística da sala de aula e da comunidade onde está atuando observando por exemplo se há mescla de dialetos eviden te entre os alunos seja dialetos regionais ruralurbano nortistasulista por exemplo seja sociais maior ou menor domínio da norma culta em decorrência de fatores sociais como o nível socioeconômico da família por exemplo É importante trabalhar explicitamente com essa realida de da sala de aula enfatizando a questão da heterogeneidade linguís tica comparando as variedades e combatendo preconceitos entre os próprios alunos Fazer da sala de aula um laboratório de linguagem e atribuir aos alunos o papel de investigadores linguísticos pode ser uma boa estratégia metodológica para que o ensino de gramática seja signi ficativo e instigante GÖRSKI COELHO 2009 Leia mais GÖRSKI Edair COELHO Izete L Variação linguística e ensino de gra mática Working Papers em Linguística Florianópolis UFSC 2009 O trabalho das autoras traz algumas questões importantes que envolvem variação e mudança linguística com implicações diretas no ensino da lín gua São esboçadas também algumas sugestões metodológicas para o ensino de gramática tomando como pano de fundo um contraponto en tre um ensino gramatical tradicional e o papel social da escola As autoras concluem dizendo que a escola contribuirá para a formação de cidadãos críticos capazes de atuar com competência comunicativa na sociedade em que vivem se tiver consciência das diferentes variedades da língua do valor social que manifestam as formas em variação e adotar uma política linguís tica acerca do ensino de língua materna GÖRSKI Edair COELHO Izete L Orgs Sociolingüística e ensino contribuições para a formação do professor de língua Florianópolis Ed da UFSC 2006 Tratase de uma coletânea que reúne dezesseis ensaios significativos na área da Sociolinguística em seus diversos campos política linguística bilinguis mo dialetologia variação e mudança na fala e na escrita que convergem na preocupação de seus autores de oferecer contribuições de ordem teórico Sociolinguística 162 prática que tenham repercussões não só entre pesquisadores no meio aca dêmico mas principalmente entre os professores de línguas VIANA Suelen de Andrade Por uma interface sociolinguística no li vro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Florianópolis UFSC 2005 A autora faz uma análise sociolinguística de livros didáticos recomendados pelo Ministério da Educação MEC para o ensino de língua portuguesa no Brasil no nível fundamental O foco principal da análise é a concepção de língua e de gramática que está presente nos livros didáticos e a forma como tal concepção evidencia aspectos sociolinguísticos como a noção de certo e errado variação linguística mudança linguística e preconceito linguístico além do papel da norma padrão para os alunos através das atividades ela boradas A autora conclui que a elaboração atual dos livros didáticos traba lha com um grau mínimo de aspectos sociolinguísticos e que esses aspec tos embora presentes não significam que uma interface sociolinguística de abordagem mais consistente esteja sendo levada em consideração Glossário 163 Glossário Banco de dados conjunto de dados já coletados e criteriosamente orga nizados disponíveis para a comunidade científica Ou seja o pesquisa dor não necessariamente precisa ir a campo para coletar os dados para sua análise ele pode recorrer a um banco de dados já formado Célula social agrupamentocruzamento de características sociais dos informantes É a estratificação social dos informantes aplicada à pesqui sa sociolinguística Comunidade de fala noção que recobre tanto aspectos sociais quanto linguísticos envolvendo atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham características linguísticas que os diferem de outros grupos sociais Comunidade de prática diz respeito a práticas sociais compartilhadas por indivíduos que se reúnem regularmente em torno de uma meta co mum e envolve desde crenças e valores compartilhados até formas de realizar certas atividades e de falar Corpus conjunto de dados de que o pesquisador dispõe para sua análi se também chamado de amostra Envelope de variação termo próprio da pesquisa sociolinguística É a descrição da variável dependente das variantes que a compõem e das variáveis independentes ou fatores condicionadores que atuam sobre a variável dependente Estereótipos traços socialmente marcados de forma consciente Al guns estereótipos podem ser estigmatizados socialmente enquanto ou tros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupo para grupo podendo ser positivo para alguns e negativo para outros Gradação etária fenômeno de mudança que ocorre no indivíduo mas não na comunidade de fala o indivíduo muda seu comportamento linguístico durante a sua vida mas a comunidade à qual pertence per manece estável ex uso de gírias mudança por influência do mercado de trabalho Sociolinguística 164 Idioleto dialeto de um indivíduo Indicadores traços socialmente estratificados mas não sujeitos à variação estilística sem força avaliativa com julgamentos sociais inconscientes Informante sujeito da pesquisa sociolinguística aquele que fornece seus dados linguísticos para que o pesquisador analise Linguística sincrônica ocupase das relações entre os signos linguísti cos que formam um sistema estável estado de língua num espaço de tempo aparentemente fixo cf Saussure Linguística diacrônica estuda as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros mudança sem formar sistema entre si cf Saussure Marcadores são traços linguísticos social e estilisticamente estratifica dos que podem ser diagnosticados em certos testes de reação subjetiva embora o julgamento social seja inconsciente Mudança em tempo aparente mudança linguística captada em estu do do comportamento linguístico de indivíduos de diferentes gerações numa comunidade num dado período de tempo Tal estudo possibilita identificar correlações entre a variável social idade e a variável linguís tica em estudo revelando indícios de i uma mudança concernente à idade que ocorre regularmente em cada geração gradação etária ou de ii uma mudança efetiva em progresso Mudança em tempo real mudança linguística captada em estudo i que compara amostras de fala de mesmos indivíduos ou amostras ale atórias da mesma comunidade de fala mas com a mesma estratificação social relativas a dois momentos diferentes num espaço de cerca de vinte anos com o fim de perceber a estabilidade eou mudança no in divíduo ou na comunidade respectivamente ou ii que compara textos escritos de diferentes séculos ex peças teatrais Mudança em curso ou em progresso mudança em andamento numa comunidade de fala ainda não efetivada totalmente captada por meio de estudo em tempo real v mudança em tempo real ou em tempo aparente v mudança em tempo aparente Glossário 165 Mudança por gramaticalização é um processo de mudança linguística que se dá quando determinada palavra ou expressão passa a ser usada como vocábulo gramatical ou como afixo no curso da evolução de uma língua Quando substantivos passam a ser usados como preposições ou afixos por exemplo eles deixam de se comportar como um item lexical e adquirem função gramatical ex o substantivo mente do latim mens muda em por tuguês para o sufixo mente formador de advérbio de modo Preconceito linguístico julgamento sobre falantes ou sobre grupos inteiros em uma comunidade em virtude das formas linguísticas que empregam e essas formas geralmente são as que se afastam do padrão sendo consideradas incorretas feias piores imperfeitas etc Problema da avaliação diz respeito à investigação de como as mudan ças observadas podem ser avaliadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística sobre a eficiência comunicativa carga funcional e na ampla gama de fatores não linguísticos envolvidos na fala Problema da restrição ou dos fatores condicionantes concerne o estudo das motivações linguísticas fatores internos e extralinguísticas fatores externos que condicionam o uso de uma nova forma ou de um novo traço na língua Problema do encaixamento diz respeito a dois tipos de encaixamento i na estrutura linguística mudanças em determinados terrenos da gra mática fatalmente desencadearão mudanças em outras partes da mesma gramática como se fossem reações em cadeia e ii na estrutura social há relação entre o fenômeno de mudança linguística e a estrutura social grupo socioeconômico idade sexo etnia localização geográfica Problema da transição consiste na averiguação das fases intermediá rias em que as variantes coexistem e concorrem já que a mudança se dá num continuum até que se passe de um estágiosistema a outro Problema da implementação ou atuação consiste na identificação de como uma mudança vai se expandindo por diferentes contextos es truturais e como chega a afetar o comportamento social diz respeito ao processo global da mudança linguística Sociolinguística 166 Redes sociais redes de relacionamento dos indivíduos estabelecidas na vida cotidiana Essas redes variam de um indivíduo para outro e são constituídas por ligações de diferentes tipos envolvendo graus de pa rentesco amizade ocupação ambiente de trabalho etc Regras categóricas regras da gramática que são aplicadas em 100 dos casos com comportamento invariável em todos os contextos Regras variáveis regras que relacionam duas ou mais formas linguísticas de modo que quando a regra se aplica ocorre uma das formas e quando não se aplica ocorrem as outras formas A aplicação ou não das regras variáveis é condicionada por fatores do contexto social eou linguístico Variação estável situação de variação entre duas ou mais formas lin guísticas que se estende numa comunidade ao longo do tempo sem que uma variante ceda seu espaço à outra Variação linguística processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo valor referencial ou com o mesmo valor de verdade ie com o mesmo significado Dois requi sitos precisam pois ser cumpridos para que ocorra variação as formas envolvidas precisam i ser intercambiáveis no mesmo contexto e ii manter o mesmo significado Variantes formas individuais que disputam pela veiculação do signi ficado em uma variável Variável dependente aspecto ou categoria da língua que se encontra em variação Variáveis independentes fatores que condicionam nossa escolha entre uma ou outra variante e que permitem ao linguista sugerir em que tipo de ambiente tanto linguístico quanto extralinguístico uma variante tem maior probabilidade de ser escolhida em detrimento de suas rivalis Variedade a fala de uma comunidade de modo global considerando se todas as suas particularidades tanto categóricas quanto variáveis o mesmo que dialeto ou falar Vernáculo estilo em que pouco monitoramento é dispensado à fala fala natural referênCias 167 Referências ALKMIN T A Sociolingüística parte I In MUSSALIM F BENTES A C Orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras São Paulo Cortez 2001 v1 ARDUIN J A variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa do singular teuseu na região sul do Brasil Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 BAGNO M Preconceito lingüístico o que é como se faz 31 ed São Paulo Loyola 2004 BAKHTIN M VOLOSHINOV V N Marxismo e Filosofia da Lingua gem Trad de Michel Lahud e Yara F Vieira São Paulo Hucitec 1988 1929 BENTIVOGLIO P A variação nos estudos sintáticos Anais do GEL Campinas UNICAMP 1987 p729 BISOL L Org A variação no português do Brasil Organon Instituto de LetrasUFRGS v 5 n 18 1991 BORTONIRICARDO S M Educação em língua materna a sociolin güística na sala de aula São Paulo Parábola Editorial 2004 BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais Língua portuguesa Ensino de primeira à quarta série Brasília DF MECSEF 1997 BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental Introdução aos parâmetros curriculares nacio nais Brasília DF MECSEF 1998a BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educa ção Fundamental Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ci clos do ensino fundamental Língua Portuguesa Brasília DF MECSEF 1998b BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais ensino médio Lingua gens códigos e suas tecnologias Brasília DF MECSEF 1998c BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Parâmetros Curricu lares Nacionais para o ensino de língua portuguesa Brasília DF MEC SEF 1997 Sociolinguística 168 BRESCANCINI C Orgs Fonologia e variação recortes do português brasileiro Porto Alegre EDIPUCRS 2002 p 253268 CAMARA JUNIOR J M História e estrutura da língua portuguesa Rio de Janeiro Padrão 1985 CALVET L Sociolingüística uma introdução crítica Trad de Marcos Marcionilo São Paulo Parábola 2002 CAMACHO R Sociolingüística parte II In MUSSALIM F BENTES A C Orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras V 1 São Paulo Cortez 2001 CABREIRA S H A monotongação dos ditongos orais decrescentes no sul do Brasil In Organon n2829 Estudos da língua falada UFRGS 2000 p143155 COELHO I L GÖRSKI E M A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina In LOPES C REBOLLO L Orgs Formas de tratamento em Português e Espanhol variação mudança e funções conversacionais Rio de Janeiro No prelo DUARTE M E L A perda do princípio evite pronome no português brasileiro Tese Doutorado em Linguística Instituto de Estudos da Linguagem UNICAMP Campinas 1995 ECKERT P Linguistic variation as social practice Oxford Blackwell 2000 FARACO C A Lingüística histórica uma introdução ao estudo da his tória das línguas São Paulo Parábola 2005 FIGUEROA E Sociolinguistic metatheory Pergamon 1994 GADOTTI M Perspectivas atuais da educação Perspectivas v14 n2 São Paulo 2000 GONÇALVES S C L Discutindo língua portuguesa ano 1 n1 p 37 2009 GÖRSKI E COELHO I L Orgs Sociolinguística e ensino contribui ções para a formação do professor de língua Florianópolis EdUFSC 2006 GÖRSKI E M FREITAG R M K Marcação e comportamento socio lingüístico de marcadores discursivos interacionais na fala de Florianó polis In VANDRESEN P Org Variação mudança e contato lingüísti co no português da Região Sul Pelotas RS EDUCAT 2006 p2850 GÖRSKI E COELHO I L Variação linguística e ensino de gramática Working Papers em Linguística Florianópolis UFSC 2009 referênCias 169 GUY G As comunidades de fala fronteiras internas e externas In II Congresso Internacional da ABRALIN Fortaleza março de 2001 Anais Disponível em httpswnpdufcbrabralinanaiscon2int conf02pdf GUY G ZILLES A Sociolingüística quantitativa instrumental de aná lise São Paulo Parábola 2007 HORA D Org Estudos sociolingüísticos perfil de uma comunidade João Pessoa Pallotti 2004 HORA D Org Diversidade lingüística no Brasil João Pessoa Idéia 1997 ILARI R BASSO R O português da gente a língua que estudamos e a língua que falamos São Paulo Contexto 2006 KOCH I V A interação pela linguagem São Paulo Contexto 1992 LABOV W Padrões sociolingüísticos Trad de M Bagno M M P Scher re C R Cardoso São Paulo Parábola Editorial 2008 1972 LABOV W Principles of linguistic change social factors Cambridge Blackwell Publishers 2001 LABOV W Building on empirical foundations In LEHMANN W MALKIEL Y Orgs Perspectives on historical linguistics Amsterdam Philadelphia John Benjamins Publishing 1982 LABOV W Where does the linguistic variable stop Sociolinguistic Working Papers Austin Texas n 44 abril 1978 LAVANDERA B R Where does the sociolinguistic variable stop Lan guage and society v 7 p 171182 1977 LOREGIANPENKAL L Concordância verbal com o pronome tu na fala do sul do Brasil Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 1996 LOREGIANPENKAL L Reanálise da referência de segunda pessoa na fala da Região Sul Tese Doutorado Universidade Federal do Paraná Curitiba 2004 LUCCA N N G A variação tuvocê na fala brasiliense Dissertação Mestrado em Linguística Universidade de Brasília Brasília 2005 MACEDO A V T Linguagem e contexto In MOLLICA M C BRA GA M L Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MARTINS M A Competição de gramáticas do português na escrita ca tarinense dos séculos 19 e 20 Tese Doutorado em Linguística Univer Sociolinguística 170 sidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 MARTINS M A Entre estrutura variação e mudança uma análise sincrônica das construções com se indeterminado no PB Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 MENON O LOREGIANPENKAL L Variação no indivíduo e na co munidade tuvocê no sul do Brasil In VANDRESEN P Org Varia ção e mudança no português falado da região sul Pelotas RS Educat 2002 p 147188 MEYERHOFF M Communities of practice In CHAMBERS J K TRUGDILL P SCHILLINGESTES N Eds The handbook of langua ge variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 p 526547 MILROY L Social Network In CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds The handbook of language variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 p 549571 MOLLICA M C Fundamentação teórica conceituação e delimitação In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüís tica o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MONARETTO V O apagamento da vibrante pósvocálica nas capitais do sul do Brasil Letras de Hoje Porto Alegre v 35 n1 mar 2000 p 275284 MONARETTO V A vibrante pósvocálica em Porto Alegre In BISOL L BRESCANCINI C Fonologia e variação recortes do português bra sileiro Porto Alegre EDIPUCRS 2002 MONGUILHOTT I O S Estudo sincrônico e diacrônico da concordân cia verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 MONGUILHOTT I O S Variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala dos florianopolitanos Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2001 NARO A O dinamismo das línguas In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 NUNES J M O famigerado se uma análise sincrônica e diacrônica das referênCias 171 construções com se apassivador e indeterminador Dissertação Mestra do em Linguística Universidade de Campinas Campinas 1990 PAGOTTO E G Variação eé Identidade Tese Doutorado em Lin guística Universidade de Campinas Campinas 2001 PAGOTTO E G A posição dos clíticos em português um estudo diacrô nico Dissertação Mestrado Universidade de Campinas Campinas 1992 PAIVA M da C O percurso da monotongação de ey observações em tempo real In PAIVA M da C DUARTE M E Org Mudança lingü ística em tempo real Rio de Janeiro Contra capa FAPERJ 2003 PAIVA M da C DUARTE M E Quarenta anos depois a herança de um programa na Sociolingüística brasileira posfácio São Paulo Pará bola 2006 p 131151 POSSENTI S Jogase os grãos Revista Terra Magazine 21 de junho de 2007 POSSENTI S Os humores da língua Campinas SP Mercado das Le tras 1998 ROBERTS I KATO M Orgs Português brasileiro uma viagem diacrônica Campinas São Paulo EdUNICAMP 1993 ROCHA P G O português de contato com o espanhol no sul do Brasil empréstimos lexicais Dissertação Mestrado em Linguística Univer sidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2008 ROSTSNICHELOTTO C Olha e vê caminhos que se entrecruzam Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal de Santa Ca tarina Florianópolis 2009 SARAMAGO João António das Pedras GONÇALVES José Betten court Variação lexical abordagem efectuada aos materiais do Volume I do Atlas linguísticoEtnográfico dos Açores Lisboa Centro de Lin guística da Universidade de Lisboa 20 Disponível em wwwclul ulptequipajsaramagosaramagobettencourtprelopdf Acesso em 01 mar 2010 SAUSSURE F Curso de lingüística geral São Paulo Cultrix 1995 1916 SCHERRE M M P Doase lindos filhotes de poodle variação lingüísti ca mídia e preconceito São Paulo Parábola 2005 SILVA I De quem nósa gente estámos falando afinal uma investi gação sincrônica da variação entre nós e a gente como estratégias de designação referencial Dissertação Mestrado em Linguística Uni Sociolinguística 172 versidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2004 SILVA F de S O processo de monotongação em João Pessoa In HORA D da Org Estudos sociolingüísticos perfil de uma comunidade João Pessoa Pallotti 2004 SILVABRUSTOLIN A K Itinerário do uso e variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da rede públi ca de Florianópolis Dissertação Mestrado em Linguística Universi dade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 TARALLO F Tempos linguísticos itinerário histórico da língua portu guesa São Paulo Ática 1990 TARALLO F A pesquisa sociolingüística São Paulo Ática 1985 TAVARES M A A gramaticalização de e aí daí e então estratificação variação e mudança no domínio funcional da seqüenciação retroativo propulsora de informações um estudo sociofuncionalista Tese Dou torado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Flo rianópolis 2003 VALLE C R M Sabe não tem entende itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo Dissertação Mestra do em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianó polis 2001 VANDRESEN P Org Variação mudança e contato lingüístico no português da Região Sul Pelotas Educat 2006 VANDRESEN P Org Variação e mudança no português falado da Região Sul Pelotas Educat 2002 VIANA S de A Por uma interface sociolinguística no livro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 WEINER J LABOV W Constraints on the agentless passive Journal of Linguistcs v19 n1 1983 1977 WEINREICH U LABOV W HERZOG M Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística Trad de Marcos Bagno São Paulo Parábola 2006 1968 ZILLES A M S MAYA L Z SILVA K Q A concordância verbal com a primeira pessoa do plural na fala de Panambi e Porto Alegre Organon v14 n 28 e 29 Porto Alegre p 195219 2000
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Sociolinguística Florianópolis 2010 Edair Maria Görski Izete Lehmkuhl Coelho Christiane Maria Nunes de Souza Guilherme Henrique May 5º Período Governo Federal Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro de Educação Fernando Haddad Secretário de Ensino a Distância Carlos Eduardo Bielschowky Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil Celso Costa Universidade Federal de Santa Catarina Reitor Alvaro Toubes Prata ViceReitor Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância Cícero Barbosa PróReitora de Ensino de Graduação Yara Maria Rauh Müller PróReitora de Pesquisa e Extensão Débora Peres Menezes PróReitor de PósGraduação Maria Lúcia de Barros Camargo PróReitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz Henrique Vieira da Silva PróReitor de InfraEstrutura João Batista Furtuoso PróReitor de Assuntos Estudantis Cláudio José Amante Centro de Ciências da Educação Wilson Schmidt Curso de Licenciatura LetrasPortuguês na Modalidade a Distância Diretora Unidade de Ensino Felício Wessling Margutti Chefe do Departamento Zilma Gesser Nunes Coordenadoras de Curso Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser Nunes Coordenador de Tutoria Josias Ricardo Hack Coordenação Pedagógica LANTECCED Coordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem HiperlabCCE Comissão Editorial Tânia Regina Oliveira Ramos Izete Lehmkuhl Coelho Mary Elizabeth Cerutti Rizzati Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias LANTECCED Coordenação Geral Andrea Lapa Coordenação Pedagógica Roseli Zen Cerny Produção Gráfica e Hipermídia Design Gráfico e Editorial Ana Clara Miranda Gern Kelly Cristine Suzuki Responsável Thiago Rocha Oliveira Laura Martins Rodrigues Adaptação do Projeto Gráfico Laura Martins Rodrigues Thiago Rocha Oliveira Diagramação Karina Silveira Figuras Bruno Nucci Maiara Ariño João Machado Amanda Woehl Tratamento de Imagem Amanda Woehl João Machado Revisão gramatical x Design Instrucional Responsável Vanessa Gonzaga Nunes Designer Instrucional Tecia Estefana Vailati Copyright 2010 Universidade Federal de Santa CatarinaLLVCCEUFSC Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico por fotocópia e outros sem a prévia autorização por escrito da Coordena ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em LetrasPortuguês na Modalidade a Distância Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina Ficha Catalográfica C672s Coelho Izete Sociolinguística Izete Coelho Florianópolis LLVCCE UFSC 2010 172 p 28 cm ISBN 9788561482251 1Sociolinguística 2Linguística 3Educação 4Dialetos ITítulo CDU 801 Sumário Apresentação 7 Unidade A Introdução ao estudo da linguagem no contexto social 11 1 Breve histórico da Sociolinguística 13 2 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 19 21 A proposta de William Labov 19 22 Conceitos fundamentais 23 23 Significado social das formas variantes 30 24 As noções de comunidade de fala e de redes sociais 37 Fechando a Unidade A 43 Unidade B As dimensões interna e externa da variação linguística 45 3 A dimensão interna níveis de variação linguística 47 31 Contextualizando 48 32 A variação interna 50 4 A dimensão externa da variação linguística 71 41 Breve retrospectiva 71 42 Tipos de variação 76 Fechando a Unidade B87 Unidade C Variação e mudança linguística 89 5 Mudança linguística e o tempo 91 51 Homogeneidade versus heterogeneidade 91 52 Problemas empíricos para uma teoria da mudança linguística 95 53 Princípios gerais para o estudo da mudança linguística 106 Fechando a Unidade C 108 Unidade D Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística 111 6 Etapas da pesquisa sociolinguística 113 61 Seleção dos informantes 113 62 Metodologia de coleta de dados 116 63 Envelope de variação 129 64 Levantamento de questões e hipóteses132 65 Codificação de dados e análise estatística 135 7 Estudo de um fenômeno linguístico variável 137 Fechando a Unidade D 144 Unidade E Sociolinguística e Ensino 147 Contribuições da Sociolinguística para o ensino 8 de língua portuguesa 149 81 A proposta dos PCNs para o ensino de língua portuguesa 149 82 Contribuições no nível conceitual 152 83 Contribuições em torno da heterogeneidade da língua portuguesa 154 84 Contribuições quanto à prática do professorpesquisador 159 Fechando a Unidade E 161 Glossário 163 Referências 167 Apresentação Caros alunos Queremos introduzir a disciplina de Sociolinguística de forma leve e bem humorada Por isso decidimos começar com a seguinte piada já conhecida de você Domingo à tarde o político vê um programa de TV Um assessor passa por ele e pergunta Firme O político responde Não Sírvio Santos POSSENTI S Os humores da língua Campinas SP Mercado das Letras 1998 p 34 Você deve estar se perguntando o que tem a ver essa piada com a Sociolinguís tica Vejamos Numa análise rápida notamos que é a palavra firme que desencadeia o efeito humorístico pois está funcionando com dois sentidos a firme tudo bem um cumprimento informal b firme filme uma variante popular O assessor cumprimenta o político perguntando se está tudo bem mas este entende que o primeiro está querendo saber se ele está assistindo a um filme na TV Essa segunda interpretação é linguisticamente reforçada pelo uso da pala vra Sírvio Está claro que a figura do político está sendo representada como caipira não escolarizado etc Ele ouve a palavra firme e a entende como uma variante de filme A troca de l por r nesse caso representa um fenômeno que chamamos de variação linguística Tratase aqui de uma variação fonológica ou seja a troca de um fonema por outro sem alteração do significado referencial da pa lavra No caso exemplificado pela piada a variante usada pelo político carrega um significado social justamente aquele mencionado acima o falante não tem domínio da variedade padrão do português oral sendo provavelmente de baixa escolaridade A piada veicula um teor de crítica apresentando uma espécie de caricatura da classe dos políticos A noção de significado referencial aqui equiva le de certa forma à de referência ou denotação já apresentada na disciplina de Semântica O que estamos querendo mostrar a partir desse exemplo é que existe uma relação estreita entre as formas da língua os diferentes grupos sociais que as utilizam e a imagem que projetamos nestes através daquela É dessa relação que se ocupa a Sociolinguística Para você ter uma visão geral do que vai ser abordado neste livrotexto apre sentamos a ementa da disciplina de Sociolinguística que faz parte do projeto pedagógico do Curso de Letras a distância Língua como sistema heterogêneo Significado social das formas variantes Dimensões externa e interna da variação linguística Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística Prática pedagógica variação linguística e ensino Reflexões sobre a prá tica pedagógica no ensino fundamental e médio O termochave é variação linguística É sobre essa propriedade das línguas a de que afinal não falamos todos da mesma forma que se voltam os estu dos sociolinguísticos e que nos voltaremos nós ao longo desta disciplina Para alguns pode parecer óbvio que a variação bem como a mudança nas línguas conste no programa de investigações da linguística Contudo como veremos os paradigmas de maior projeção no último século não consideravam neces sário nem possível o estudo da variação e da mudança para a compreen são de como as línguas funcionam O surgimento de uma proposta de análise sistemática desses fenômenos representa portanto um importante marco no desenvolvimento da ciência linguística e já nos trouxe valiosas informações acerca de como se comporta a variabilidade nas línguas Essas informações por sua vez são de grande valor em questões como a do preconceito linguís tico e a do ensino de língua materna Já não temos aí motivos suficientes para conhecermos um pouco mais essa área Dividimos nosso caminho pela Sociolinguística em quatro unidades Na pri meira apresentamos essa interessante proposta de estudos e a situamos no contexto mais amplo dos estudos linguísticos do último século Na segunda unidade abordamos as dimensões interna e externa da variação discutindo os modos como ela se manifesta no sistema linguístico e na vida social de uma comunidade Na terceira parte veremos como se dá o estudo da mudança nas formas da língua um processo intimamente ligado ao fenômeno da variação Na quarta etapa de nosso percurso aprenderemos como pôr a mão na massa em uma pesquisa sociolinguística examinando suas etapas principais Inclu ímos também no livrotexto reflexões e sugestões de como o conhecimento advindo da pesquisa em Sociolinguística pode e deve contribuir com nossa prática pedagógica em língua materna a fim de que atinjamos um ensino cada vez mais efetivo e menos segregador Desejamos a você um semestre de muito estudo muitos questionamentos e muitas reflexões Vamos lá Os autores Unidade A Introdução ao estudo da lin guagem no contexto social Objetivos desta Unidade Descrever um panorama dos estudos da língua como um fato ǿ social Identificar alguns pressupostos básicos da Teoria da Variação e ǿ Mudança linguística Refletir sobre a questão do preconceito linguístico ǿ Nesta primeira Unidade apresentamos a você o quadro geral de pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista No primeiro ca pítulo veremos quais eram as ideias dominantes quanto ao estudo da variação e da mudança bem como de que forma outros teóricos antes de William Labov o principal nome da Sociolinguística Variacionista buscaram integrar aos estudos linguísticos possíveis influências sociais No segundo capítulo somos apresentados a alguns postulados de Labov e aos principais conceitos teóricos que os fundamentam passando inclu sive pela discussão um pouco mais avançada dos problemas de definição de alguns desses conceitos e pela questão do preconceito linguístico Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 13 1 Livro clássico publicado em 1916 como obra póstuma de Saussure organizado por seus dis cípulos Bally e Sechehaye a partir de apontamentos de aulas Ao longo da história há inúmeros registros do in teresse dos homens pelas línguas especialmente de filósofos conforme foi visto na disciplina de História dos Estudos Linguísticos No século XIX predominaram os estudos históricocomparativos Mas é a partir de Saussure que os estudos linguísti cos passam a adquirir um caráter mais sistemático e abstrato e a língua é estudada sincronicamen te desvinculada de sua história Langue e parole Essa dicotomia pode ser traduzida como lín gua e fala Entretanto preferimos manter os termos originais para assegurar a concepção saussureana sempre que nos referirmos a ela Breve histórico da Sociolinguística Para entender melhor os pressupostos teóricos da Sociolinguísti ca vamos inicialmente contextualizar em termos gerais os estudos da linguagem no século XX Começamos falando do linguista suíço Ferdi nand de Saussure e do linguista americano Noam Chomsky A atribuição de estatuto científico à linguística costuma ser cre ditada a Saussure no início do século XX De fato com seu Curso de linguística geral Saussure inaugura a linguística moderna delimitando e definindo seu objeto de estudo estabelecendo seus princípios gerais e seu método de abordagem Saussure é um marco da corrente linguística denominada estruturalismo segundo a qual a língua i é tomada em si mesma separada de fatores externos ii é vista como uma estrutura autônoma valendo pelas relações de natureza essencialmente linguís tica que se estabelecem entre seus elementos Ou seja para Saussure a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma Saussure postula algumas dicotomias e vai isolando o que segundo ele seria de interesse da ciência linguística Vamos apresentar dessas dicotomias as que são mais importantes para esta disciplina a Langue e parole a langue é homogênea e social um sistema de signos um tesouro depositado pela prática da fala no cé rebro dos falantes é essencial já a parole é um ato individual de vontade é heterogênea manifestação concreta da primeira é acessória e acidental O objeto da linguística para Saussure é a langue b Sincronia e diacronia correspondem a dois eixos ou pers pectivas pelas quais se pode estudar a língua na sincronia se faz um recorte da língua em um momento histórico presente ou passado como se fosse um registro fotográfico que capta as relações entre os elementos do sistema tomandose a língua como um estado do qual se exclui a intervenção do tempo na diacronia a língua é analisada como um produto de uma série Sociolinguística 14 de evoluções que ocorrem ao longo do tempo portanto como algo mutável dinâmico É a perspectiva sincrônica segundo Saussure que permite o estudo científico da língua Saussure estabelece a seguinte relação entre essas dicotomias i os fenômenos variáveis não são visíveis na langue que é social mas na parole que é individual ii a evoluçãomudança se dá em alguns elementos e isso é suficiente para que se reflita em todo o sistema iii o falante não tem consciência das mudanças que ocorrem entre os estados os recortes sincrônicos da língua Vale observar que embora delimite dessa maneira o objeto de es tudo da linguística Saussure admite que a língua seja um fenômeno social produto de uma convenção estabelecida entre os membros de determinado grupo porém os fatores externos ao sistema são deixados de lado por ele voltaremos a esse ponto mais adiante Nos Estados Unidos a visão formal da língua ganha destaque a partir da década de 60 com Noam Chomsky e a corrente denominada gerativismo segundo a qual a língua i é concebida como um sistema de princípios universais ii é vista como o conhecimento mental que um falante tem de sua língua a partir do estado inicial da faculdade da linguagem ou seja a competência O que interessa ao gerativista é o sistema abstrato de regras de formação de sentenças gramaticais A abordagem gerativista ao estudo da língua foi trabalhada na discipli na de Sintaxe Retome os conteúdos dessa disciplina para mais exem plos de como a teoria gerativista lida com a analise linguística Como vimos tanto a abordagem estruturalista como a gerativista consideram a língua como uma realidade abstrata desvinculada de fa tores históricos e sociais É como uma reação a essas duas correntes que a Sociolinguística desponta nos Estados Unidos na década de 60 tendo como um de seus maiores expoentes William Labov Saussure estabelece uma analogia entre a língua e o jogo de xadrez assim como as peças vão ad quirindo novos valores a cada lance no jogo em decorrência das posições que vão assumindo frente às demais também na língua cada mudança tem reflexos sobre todo o sis tema linguístico O tabu leiro com as peças é usado como metáfora para a língua como sistema de signos A faculdade da linguagem corresponde para Chos mky a um módulo linguís tico em nossa mente que é inato na espécie huma na Às regras que formam a faculdade da linguagem chamase gramática uni versal Reveja esse concei to em GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdução aos Estudos Gramaticais Florianópolis LLVCCEUFSC 2008 Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 15 Sociolinguística labo viana Também chamada de Teoria da Variação e Mudança ou de Socio linguística Quantitati va pois trabalha com resultados estatísticos Wiliam Labov Antes contudo de nos determos na Sociolinguística laboviana que é o foco principal de nosso livro é importante retroceder no tempo para resgatar alguns autores do início do século XX que diferentemente da proposta teórica de Saussure postulavam uma concepção social da língua Vamos falar um pouco do linguista francês Meillet 18661936 e dos linguistas russos Marr 18651934 e Bakhtin 18951975 Antoine Meillet enfatizava em seus textos o caráter social e evolutivo da língua Segundo ele Por ser a língua um fato social resulta que a linguística é uma ciência social e o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social MEILLET 1921 apud CALVET 2002 p 16 Como se pode notar nessa citação do ponto de vista de Meillet toda e qualquer variação na língua é motivada estritamente por fatores sociais Comparando brevemente as ideias de Meillet e de Saussure pode mos dizer que i Saussure opõe linguística interna aquela que se ocupa estritamente da língua e linguística externa aquela que se ocupa das relações entre a língua e fatores extralinguísticos e Meillet as associa ii Saussure distingue abordagem sincrônica estrutural de abordagem diacrônica histórica e Meillet as une Em suma enquanto Saussure elabora um modelo abstrato da langue sistema de signos Meillet bus ca explicar a estrutura linguística por meio de fatores históricos e so ciais Essas ideias de Meillet como vamos ver adiante serão retomadas por Labov décadas depois Meillet foi discípulo de Saussure mas inspirado no sociólogo Durkheim definia a língua como um fato social enfatizando o caráter evolutivo da língua diferentemente de Saussure para quem a sincronia prevalece sobre a diacronia Sociolinguística 16 Já na perspectiva da linguística soviética encontramos também no início do século XX posições marxistas acerca da língua Inicialmente o linguista Nicholas Marr propunha que i todas as línguas do mun do têm uma mesma origem ii as línguas são instrumento de poder e refletem a luta de classes sociais iii as línguas são parte de uma supe restrutura passando por estágios de desenvolvimento de acordo com a base econômica de diferentes sociedades ou seja os estágios das línguas corresponderiam aos estágios da sociedade A doutrina de Marr cha mada marrismo foi tida como oficial na União Soviética no período de 19201950 até ser severamente atacada pela intervenção política de Stalin que negava o caráter de classe e de superestrutura da língua Ainda na linguística soviética Bakhtin e o chamado Círculo de Bakhtin critica a perspectiva estruturalista abstrata que é a perspecti va saussureana defendendo um enfoque da língua na interação verbal historicamente contextualizada seja num contexto imediato seja num contexto social mais amplo Nesse sentido a mudança linguística é his toricamente motivada pelos diferentes contextos de uso da língua que acabam conferindo diferentes sentidos à mesma palavra Assim na visão de Bakhtin as palavras não são neutras nem imutáveis é no con texto real de uso da língua que determinada forma possui valor para o falante sendo nesse caso um signo variável e flexível É bastante eluci dativa a seguinte afirmação de Bakhtin 1988 1929 p 147 conforme a língua conforme a época ou os grupos sociais conforme o contexto apresente tal ou qual objetivo específico vêse dominar ora uma forma ora outra ora uma variante ora outra Em síntese foi no início do século XX que começaram a germinar as sementes que viriam posteriormente depois de cerca de meio século de domínio de correntes estruturalistas a florescer e dar frutos no terreno fecundo da área de estudos da linguagem que veio a ser conhecida como Sociolinguística Assim é que a partir da década de 60 como herança de Meillet volta a ganhar força a noção de língua como fato social dinâ mico cuja variação é explicada pela mudança social por forças externas portanto E como herança de Bakhtin se renova a perspectiva de que a língua é um fenômeno social cuja natureza é ideológica Como já acen tuamos anteriormente o foco deste livro é a Sociolinguística laboviana abordagem que se ancora historicamente nas ideias de Meillet Na disciplina de Lin guística Textual você viu algumas contribuições de Bakhtin no campo dos gêneros do discurso Capítulo 01 Breve histórico da Sociolinguística 17 Vamos nos situar portanto a partir de agora no contexto da So ciolinguística norteamericana Esse campo do conhecimento tem uma estreita relação com a antropologia com a sociologia e com a geografia linguística A associação com a ǿ antropologia chamada de etnolinguísti ca ou antropologia linguística devese ao fato de a Sociolin guística estender a descrição e análise da língua para incluir as pectos da cultura em que é usada Nesse âmbito se insere mais recentemente a corrente denominada Sociolinguística Intera cional que considera a relação entre os interlocutores o assunto etc na análise da conversação A proximidade com a ǿ sociologia resulta na chamada sociologia da linguagem área que investiga a interação entre esses dois aspectos do comportamento humano o uso da língua e a orga nização social do comportamento ou seja a organização social do comportamento linguístico seja em termos de usos seja em termos de atitudes em relação à língua e aos usuários A aproximação com a ǿ geografia linguística ou dialetologia ou ainda geolinguística devese ao interesse pela elaboração de atlas linguísticos No Brasil está sendo organizado o Atlas Linguístico do Brasil ALIB cujo objetivo é descrever a realidade linguística com vistas a traçar a divisão dialetal do país tornando evidentes as diferenças regionais que através de pesquisas de campo mapeiam dados de diferentes regiões identificando e delimitando traços dialetais Em suma a Sociolinguística se ocupa de questões como variação e mudança linguística bilinguismo contato linguístico línguas mino ritárias política e planejamento linguístico entre outras A partir desse breve panorama histórico passamos a tratar especi ficamente de uma das vertentes da Sociolinguística a Teoria da Varia ção e Mudança Linguística Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 19 2 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável Mais do que isso podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano ALKMIN 2001 p 21 No capítulo anterior vimos que há diversas propostas no âmbito da linguística contemporânea que rejeitam a abordagem associal dos estudos estruturalistas e gerativistas De agora em diante vamos dis cutir com mais vagar sobre uma dessas propostas a da Sociolinguística Variacionista fundada principalmente sobre as pesquisas do linguista estadunidense William Labov que por sua vez como vimos se inspi rou em certas ideias de Meillet Neste capítulo apresentamos alguns dos principais conceitos teóricos da proposta laboviana que nos ajuda rão a compreender qual é exatamente o olhar sobre a línguagem que ela assume bem como sobre a complexa relação entre línguagem e sociedade de que formas ela se opõe a certas concepções até hoje vi gentes em linguística e como ela se concretiza em uma análise empírica de dados linguísticos 21 A proposta de William Labov Como já vimos as duas abordagens teóricas de maior projeção na linguística pelo menos até a década de 60 foram o estruturalismo e o gerativismo De fato a concepção estruturalista de língua de Ferdinand de Saussure fez muito no sentido de elevar a linguística à posição de campo científico pleno com objeto e método definidos Chomsky so fisticou ainda mais os objetivos dessa ciência ao propor que a faculdade da linguagem é um componente universal e inato da espécie humana cujas regras poderiam ser descritas a partir da análise das construções gramaticais aceitáveis de línguas diversas No entanto tanto estrutu ralistas quanto gerativistas deixam de lado as possíveis influências ex ternas históricas sociais ideológicas etc sobre a estrutura linguística assumindo uma perspectiva pela qual as regras e relações internas dos Sociolinguística 20 componentes da gramática são suficientes para uma descrição adequa da do objeto Ademais de acordo com essas propostas o sistema a ser descrito pela linguística era um construto homogêneo ou seja não eram consideradas eventuais variações ou influências típicas da fala sobre os elementos da língua Desse modo a variabilidade o fato de que pode haver mais que uma forma expressando o mesmo significado o valor social das formas linguísticas e o estudo empírico das mudanças na lín gua ficavam excluídos da agenda Padrões Sociolinguísticos Sociolinguistic patterns 1972 de William Labov É a partir desse contexto que se posiciona desde a década de 60 o linguista William Labov questionando e propondo um novo olhar sobre a estrutura das línguas e especialmente sobre os fenômenos da variação e da mudança linguísticas Em seu livro Padrões sociolingüísti cos Sociolinguistic patterns 1972 Labov apresenta os principais postu lados teóricos e a metodologia de trabalho empírico com a linguagem dessa nova proposta Conforme já adiantamos inicialmente a proposta teóricometodológica de Labov surge como uma reação aos modelos saussureano e chomskiano Labov critica os seguintes aspectos em Saussure Como todos os falantes possuem um conhecimento da ǿ langue que é a parte social da linguagem é possível estudar o aspec to social da linguagem pela observação de um único indiví duo No entanto o estudo da parole que é a parte individual da linguagem só pode ser feito pela observação dos indivídu os interagindo linguisticamente ou seja pela observação da O social para Saussure corresponde simplesmen te a multiindividual sem nenhuma implicação de interação social Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 21 linguagem em seu contexto social A isso se chama paradoxo saussureano Os fatos linguísticos são explicados através de outros fatos lin ǿ guísticos Tratase do princípio da imanência Em outras pa lavras tudo o que acontece na língua é motivado e explicado por meio da própria estrutura da língua pela atuação de forças internas sem influência de nenhuma força externa A fala só opera sobre um ǿ estado de língua e as mudanças que ocorrem entre os estados não têm nesses nenhum lugar O pri meiro aspecto estado de língua constitui a realidade verdadei ra e única Os fatos evolutivos diacrônicos não são percebidos pela massa falante e não fazem parte do sistema da língua que é estático Portanto há um emparelhamento de um lado sin cronia e fato estático e de outro diacronia e fato evolutivo am bos os lados são mutuamente incompatíveis Visão de Labov Labov critica a separação estabelecida por Saussure entre langue e parole e entre sincronia e diacronia e também o fato de Saussure des considerar os fatores externos à língua ao definila como um sistema de signos que estabelecem relações entre si Em última instância La bov posicionase contra a primazia dos estudos imanentes da língua Em Chomsky Labov critica entre outros os seguintes aspectos O objeto da linguística é uma comunidade de fala abstrata ho ǿ mogênea composta por um falanteouvinte ideal Os dados linguísticos analisados correspondem às próprias in ǿ tuições do linguista eou dos falantes sobre a linguagem São eles que fazem julgamentos acerca da agramaticalidade das sentenças e esses dados intuitivos são usados na construção de teorias Sociolinguística 22 Visão de Labov Não existe uma comunidade de fala homogênea nem um falante ouvinte ideal Pelo contrário a existência de variação e de estrutu ras heterogêneas nas comunidades de fala é um fato comprovado Existe variação inerente dentro da comunidade de fala não há dois falantes que se expressam do mesmo modo nem mesmo um falan te que se expresse da mesma maneira em diferentes situações de comunicação A busca por julgamentos intuitivos homogêneos é falha Os linguis tas não podem continuar a produzir teoria e dados ao mesmo tem po Para lidar com a língua é preciso olhar para os dados de fala do diaadia e relacionálos às teorias gramaticais o mais criteriosamen te possível ajustando a teoria de modo que ela dê conta do objeto Qual é então a proposta da Teoria da Variação e Mudança ǿ Linguística O ponto fundamental na abordagem proposta por Labov é a pre sença do componente social na análise linguística Com efeito a So ciolinguística se ocupa da relação entre língua e sociedade e do estudo da estrutura e da evolução da linguagem dentro do contexto social da comunidade de fala Veja que ao eleger como objeto de estudo a estru tura e a evolução linguística Labov rompe com a relação estabelecida por Saussure entre estrutura e sincronia de um lado e história evolutiva e diacronia de outro aproximando igualmente a sincronia e a diacronia às noções de estrutura e funcionamento da língua Duas obras foram fundamentais para a proposição e consolidação desse novo programa de estudos o texto Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística Empirical foundations for a theory of language change publicado em 1968 por Uriel Weinreich William Labov e Marvin Herzog ou ainda WLH 2006 1968 e o já mencio nado Padrões Sociolinguísticos Sociolinguistic Patterns publicado por Labov em 1972 A partir de então Labov desenvolveu inúmeros traba lhos voltados para o estudo da língua em seu contexto social focalizan Variação inerente Por variação inerente entendese que como o sistema linguístico é heterogêneo i a variação é uma pro priedade regular do sistema ii o falante tem competência lin guística para lidar com regras variáveis Falaremos de comunidade de fala na seção 24 Evolução No âmbito da Socio linguística o termo evolução equivale a mudança Não existe nenhum tipo de valo ração associado não está em jogo nenhuma avaliação positiva ou negativa as línguas simplesmente mudam nem para melhor nem para pior Aprofun daremos a questão da mudança na Unidade C Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 23 do especialmente a variação fonológica na língua inglesa Seu grupo de pesquisa sediado na Universidade da PensilvâniaUSA tornouse o centro irradiador dessa nova e instigante abordagem da língua Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística Empirical foundations for a theory of language change No Brasil as pesquisas na área da Sociolinguística laboviana tive ram início na Universidade Federal do Rio de Janeiro na década de 70 sob a orientação do professor Anthony Naro Desde então as linhas de pesquisa que se ocupam da descrição de fenômenos variáveis no portu guês do Brasil PB se multiplicaram espalhandose pelas diferentes re giões do país Na Universidade Federal de Santa Catarina por exemplo temos o Projeto VARSUL Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil que conta com um banco de dados de fala de informantes da Região Sul Paraná Santa Catarina e Rio Grande do Sul do país para o desenvolvimento de pesquisas sociolinguísticas 22 Conceitos fundamentais 221 Concepção de língua como sistema heterogêneo Na abordagem laboviana vale lembrar que o fato de a variação ser inerente às línguas está ligado diretamente à noção de heterogeneidade as línguas são sistemas heterogêneos e não homogêneos conforme pos tulam Saussure e Chomsky Como contudo ainda se está falando em sistema somos levados a assumir que a variação pode ser sistematizada Não se trata portanto de um caos linguístico Uma evidência de que a he terogeneidade é organizada ou sistematizada é o fato de os indivíduos de Variação É o processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo con texto linguístico com o mesmo valor referen cial ou com o mesmo valor de verdade ie com o mesmo signifi cado Dois requisitos devem pois ser cum pridos para que ocorra variação as formas envolvidas precisam i ser intercambiáveis no mesmo contexto e ii manter o mesmo significado Falaremos mais sobre esse Projeto na Unidade D Sociolinguística 24 uma comunidade se entenderem se comunicarem apesar das variações ou diversidades linguísticas A partir desse postulado teórico a Teoria da Variação e Mudança fornece um instrumental metodológico que permite analisar e sistematizar os diferentes tipos de variação linguística Então mesmo que a princípio se possa pensar que heterogeneidade implica ausência de regras a língua é dotada de heterogeneidade estru turada portanto há regras sim Só que enquanto a língua concebida como sistema homogêneo contém somente regras categóricas ou obri gatórias ou invariantes ie que sempre se aplicam da mesma maneira por todos a língua concebida como um sistema heterogêneo comporta ao lado de regras categóricas também regras variáveis Um exemplo de regra que até que se prove o contrário é categóri ca no português é a da colocação do artigo em relação ao nome que ele determina o artigo sempre aparece antes do nome assim dizemos a casa mas nunca casa a O aspecto cujo comportamento a Sociolinguís tica busca desvendar é quanto às regras variáveis da língua as regras que permitem que em certos momentos em certos contextos linguísticos e sociais falemos de uma forma e em outros contextos de outra for ma O aparato teórico e metodológico da Sociolinguística surgiu e até hoje vem sendo construído para que com cada vez mais precisão essa realidade até então posta de lado nos estudos linguísticos seja compre endida levandose em conta a influência não só dos elementos inter nos da língua mas dos elementos externos a ela o componente social mencionado acima 222 Variedade variação variável variante Mas que tal agora abordarmos alguns exemplos reais de variação no português brasileiro e vermos como esses princípios se aplicam a uma análise concreta de dados Aproveitaremos o ensejo para introduzir a você mais alguns conceitos básicos relacionados à pesquisa sociolinguística Um fenômeno variável bastante perceptível em nosso diaadia de falantes do português é o da alternância entre os pronomes pessoais tu e você para a expressão da segunda pessoa do singular Muitos de vocês já se deram conta de que dependendo da origem de uma pessoa ou por Os aspectos metodoló gicos da Sociolinguística serão abordados na Unidade D A noção de regra variável implica que não existe variação livre como se vê numa abordagem estrutu ralista Uma regra variável relaciona duas ou mais formas linguísticas de modo que quando a regra se aplica ocorre uma das formas e quando não se aplica ocorrem as outras formas A apli cação ou não das regras variáveis é condicionada por fatores do contexto social eou linguístico O mesmo você que muitos ainda insistem em chamar de pronome de tratamen to listandoo no mesmo rol de vossa excelência e vossa santidade Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 25 vezes do grau de formalidade com o qual ela nos trata podemos ouvila se referindo a nós tanto por tu quanto por você Se ainda não percebeu preste atenção quando alguém de outra região do país é entrevistado na TV ou mesmo quando você tu conversa online com os tutores de uma disciplina ou com seus colegas de curso As formas são diferentes mas não há dúvida de que ambas estão sendo usadas com o mesmo propósi to o de referir à segunda pessoa do singular O que ocorre aí nada mais é do que o fenômeno que vimos discu tindo até agora a variação linguística Para um sociolinguista o fato de em uma comunidade ou mesmo na fala de um indivíduo convive rem tanto a forma tu quanto você não pode ser considerado marginal acidental ou irrelevante em termos de pesquisa e de avanço de conhe cimento Como já vimos a variação é inerente às línguas e não compro mete o bom funcionamento do sistema linguístico nem a possibilidade de comunicação entre falantes De fato palavras ou construções em va riação em vez de comprometerem o mútuo entendimento são ricas em significado social e têm o poder de comunicar a nossos interlocutores mais do que o significado representacional pelo qual disputam As di ferentes formas que empregamos ao falar e ao escrever dizem de certa forma quem somos dão pistas a quem nos ouve ou lê i sobre o local de onde viemos ii o quanto estamos inseridos na cultura letrada do minante de nossa sociedade iii quando nascemos iv com que grupo nos identificamos entre várias outras informações É essa realidade acima descrita que o sociolinguista tenta captar sem qualquer tipo de ideia préconcebida tanto como linguista acredi tando por exemplo que a variação é mero acidente na língua que não pode ser estudada com rigor e que o sistema a ser descrito está num plano mais abstrato que o da fala quanto como cidadão acreditando por exemplo que um falante que diz nós vai tem menos capacidade de pensar e de se expressar do que o falante que diz nós vamos Tratase do que chama mos de variação diatópi ca ou regional e variação estilística conceitos que serão trabalhados na Unidade B E é essa postura aberta à pesquisa e isenta de pre conceitos como veremos uma das maiores contri buições que a Sociolin guística tem a nos trazer quando trabalhamos com o ensino de língua mater na ou quando tentamos compreender e comba ter o preconceito linguís tico em nossa sociedade Sociolinguística 26 Esse é o olhar sobre a língua e sobre o fenômeno da variação que um sociolinguista adota ao trabalhar com dados reais produzidos por fa lantes reais em uma comunidade real Seu objetivo é descobrir quais os mecanismos que regulam a variação como ela interage com os ou tros elementos do sistema linguístico e também da matriz social em que ocorre e como que ela pode levar à mudança na língua Nas pala vras da sociolinguista brasileira Maria Cecilia Mollica 2008 p 11 Cabe à Sociolinguística investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação diagnosticar as variáveis que têm efei to positivo ou negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático E quais são os meios pelos quais chegamos a esses objetivos Bem a pesquisa sociolinguística envolve etapas metodológicas bastante refina das com o fim de melhor colheremse os dados que servirão como fonte das análises e de melhor tratálos para que cheguemos a resultados e con clusões confiáveis A Unidade D deste livrotexto será dedicada exclusiva mente a isso motivo por que suspenderemos por ora essa discussão Retomemos nosso exemplo de variação para estabelecermos uma distinção importante no que concerne à terminologia empregada nos estudos de variação a distinção entre variável e variantes No exemplo acima em que mencionamos a variação entre os pronomes tu e você comumente chamamos de variável o lugar na gramática em que locali zamos variação de forma mais abstrata no caso a variável com a qual estamos lidando é a da expressão pronominal da segunda pessoa do sin gular Chamamos de variantes dessa variável as formas individuais que disputam pela expressão da variável no caso os pronomes tu e você Outro exemplo de variável no sistema pronominal do PB é a ex pressão da primeira pessoa do plural cujas variantes são os pronomes nós e a gente Lembrese variável corresponde a um aspecto ou categoria da língua se encontra em variação variantes são as formas individuais que con correm em uma variável Existe ainda o conceito de variedade que não deve ser confundido com o de variável ou o de variante variedade representa a fala de uma comuni dade de modo global considerandose todas as suas particularidades tanto categóricas quanto variáveis é o mesmo que dialeto ou falar Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 27 Em um caso de variação as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidade Trabalharemos com o significado social das variantes logo mais mas por enquanto vale estabelecermos a diferença entre as variantes padrão e nãopadrão As variantes pa drão são grosso modo as que condizem com as prescrições dos manuais de norma padrão já as variantes nãopadrão se afastam desse modelo Mesmo que não seja a variante mais usada por uma comunidade a va riante padrão é em geral a variante de prestígio enquanto a nãopa drão é muitas vezes estigmatizada por essa comunidade pode haver comentários negativos à forma ou aos falantes que a empregam Ade mais as variantes padrão tendem a ser conservadoras fazendo parte do repertório linguístico da comunidade há mais tempo ao passo que as variantes nãopadrão tendem a ser inovadoras na comunidade Mais um aspecto importante relacionado à variação é o fato de que esse fenômeno não está limitado a um dos níveis da gramática encon tramos variação no nível fonológico bem como no morfológico no sin tático no lexical e no discursivo No nível fonológico note que podemos realizar certos ditongos tan to de maneira plena quanto reduzida como em caixacaxa e em outro otro no morfológico encontramos variação por exemplo na marcação do infinitivo dos verbos andarandá beberbebê etc na sintaxe encon tramos variação na realização das orações relativas Esse é o livro de que eu gosto Esse é o livro que eu gosto Esse é o livro que eu gosto dele no discursivo um estudo com dados de Florianópolis VALLE 2001 mostra o uso alternado dos marcadores discursivos sabe não tem e entende na variável requisito de apoio discursivo no nível do léxico vem logo à mente o exemplo do aipimmandiocamacaxeira com distintos traços regionais como há vários outros Em suma como vimos constatando a variação linguística não só é um fenômeno inerente às línguas naturais mas também se manifesta em qualquer nível de análise que se tome Agora que já tratamos dos conceitos de variável e de variantes e que vimos como estas se encontram em todos os níveis da gramática passemos ao exame das armas de que se equipam as formas varian tes de uma variável na disputa pela expressão de um significado os condicionadores linguísticos e sociais Ocorrem ainda variáveis no que podemos chamar de interfaces de níveis como o nível morfossintá tico e o morfofonológico Mais sobre isso será discu tido na Unidade B Apresentamos aqui ape nas alguns exemplos já que a Unidade B trabalha rá com essa dimensão da variação linguística Sociolinguística 28 Não eles não são produtos para o cabelo Os condicionadores em um caso de variação são os fatores que regulam que condicionam nossa escolha entre uma ou outra variante É o controle rigoroso desses fatores que permite ao linguista sugerir em que tipo de ambiente tanto linguís tico quanto extralinguístico uma variante tem maior probabilidade de ser escolhida em detrimento de suas rivalis Os condicionadores ajudam o analista a delimitar quais exatamente são os contextos mais propícios para a ocorrência das variantes em es tudo Eles são divididos em dois grandes grupos em função de serem mais ligados a aspectos internos ao sistema linguístico ou externos a ele No primeiro caso são também chamados de condicionadores linguísti cos exemplos são a ordem dos constituintes a categoria das palavras ou construções envolvidas aspectos semânticos etc No segundo caso são também chamados de condicionadores extralinguísticos ou sociais e entre eles os mais comuns são o sexogênero o grau de escolaridade e a faixa etária do informante Com o controle refinado da frequência de ocorrência de formas variantes e em função dos condicionadores linguísticos e sociais sele cionados para nossa análise podemos traçar um quadro respaldado por resultados quantitativos precisos de quais condicionadores favorecem ou desfavorecem a ocorrência das formas em consideração Para que vejamos isso de modo mais claro retomemos nosso exem plo da variação entre tu e você Que aspectos do próprio sistema linguís tico eou da sociedade que o emprega poderiam influenciar na escolha de uma das duas formas Como já adiantamos a região de origem do falante parece ser deci siva nesse caso há diversas regiões do país cujos falantes nativos falam apenas você outras em que o tu é predominante e outras em que as duas formas convivem havendo uma diferenciação no uso por outros fatores o grau de intimidade entre os interlocutores por exemplo Temos aí dois condicionadores externos ao sistema linguístico os quais como já deve ter ficado claro de modo algum são rejeitados em uma pesquisa sociolinguística pelo contrário eles são mais possibilidades disponíveis ao analista para que este desvende os mecanismos da variação Condicionadores lin guísticos e sociais Os condicionares lin guísticos e sociais são também tratados por variáveis indepen dentes ou grupos de fatores enquanto a variável propriamente dita também pode ser tratada por variável dependente Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 29 Bem e quanto aos fatores intrínsecos ao sistema linguístico Que condicionadores internos poderíamos controlar em um estudo dessa variável Um dos diversos estudos sobre a variação entre tu e você no português do Brasil o de Lucca 2005 controlou como fatores inter nos por exemplo o tempo e o modo do verbo a que o pronome se refere e o tipo semântico do pronome se genérico ou específico Pesquise a Pense um pouco em como você percebe esse caso de variação tu você e sugira outros condicionadores linguísticos e sociais para o emprego de cada forma b Pense também em outras variáveis e sugira condicionadores rele vantes para a escolha de cada variante c Compartilhe suas reflexões com os colegas É essa em suma a postura investigativa que se adota no trabalho com a Sociolinguística Com ela identificase uma variável no uso cor rente da língua de uma comunidade identificamse a seguir as variantes dessa variável a partir das hipóteses que elaboramos quanto aos fatores que possam estar em jogo no favorecimento ou desfavorecimento das variantes prosseguese à coleta e posteriormente à análise de dados para a confirmação ou refutação de nossas hipóteses iniciais Mas essa é somente a síntese Como você já deve estar percebendo uma pesquisa sociolinguística deve ir muito além disso se quiser efetivamente escla recer um pouco mais sobre a complexa relação que há entre língua e sociedade através do estudo da variação e da mudança linguística A Sociolinguística assume portanto que existe uma forte corre lação entre os mecanismos internos da língua e fatores externos a ela tanto de uma ordem micro envolvendo nosso grau de contato e de identificação com os grupos com os quais interagimos no diaadia quanto de uma ordem macro relacionada a uma estratificação social mais ampla Sociolinguística 30 Síntese da seção É necessário aprender a ver a linguagem tanto de um ponto de vis ta diacrônico como de um ponto de vista sincrônico como um ob jeto possuidor de heterogeneidade sistemática Isso significa que a língua é um sistema heterogêneo dotado de variação ǿ sendo um sistema a língua é constituída por um conjunto estru ǿ turado de regras além de regras categóricas existem regras variáveis que são ǿ inerentes ao sistema as regras variáveis podem ser mais ou menos aplicadas depen ǿ dendo do ambiente linguístico eou social explicações para as escolhas dos falantes por uma ou outra va ǿ riante linguística são buscadas pelo controle de fatores condi cionadores variáveis independentes a natureza do sistema é probabilística o que pressupõe o em ǿ prego de técnicas quantitativas para a observação das regulari dades que o regem Nas seções a seguir continuaremos tratando de alguns conceitos básicos da Sociolinguística Variacionista Entram em jogo a partir de agora o significado social das formas variantes os diferentes tipos de variáveis que podemos ter a partir desse significado a um tanto po lêmica definição de comunidade de fala e o modo como todo o arca bouço teórico que vimos apresentando se presta a uma questão bastante pertinente que escapa às fronteiras da pesquisa acadêmica e lança luz sobre um problema social a do preconceito linguístico 23 Significado social das formas variantes Prosseguimos nosso contato inicial com a Sociolinguística reto mando uma questão que já foi apresentada a você há alguns semestres na disciplina de Estudos Gramaticais Tratase do valor ou significado Releia as páginas 5153 de GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdu ção aos Estudos Grama ticais Florianópolis LLV CCEUFSC 2008 Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 31 social das formas variantes Repetimos aqui o mesmo exemplo daquela disciplina a fim de que tenhamos um ponto de partida conhecido para nossas reflexões Considere as sentenças Tu vai sair A gente vamos sair Nós vai sair O que difere as três quanto à ocorrência de um fenômeno variável A princípio nada pois em todas há manifestações do mesmo fenôme no o da concordância variável entre verbo e sujeito No entanto algo parece nos dizer que elas não são totalmente idênticas na manifestação desse fenômeno para muitos pelo menos para muitos oriundos da Região Sul do país as duas últimas sentenças são menos aceitáveis que a primeira soam mais erradas Isso reflete uma face da variação pela qual a Sociolinguística também se interessa a do significado social das variantes A concordância tu vai apesar de também não fazer parte da variedade padrão do português em certas regiões já se encontra am plamente difundida por diversas camadas socioeconômicas Já a gente vamos e nós vai ainda se encontram fortemente associadas a grupos de falantes específicos em nossa sociedade nomeadamente os perten centes a camadas com baixa renda e pouca escolaridade Ou seja não há nada intrínseco ao fenômeno de variação observável nos três exemplos acima que faça com que um seja melhor que o outro O que distingue as sentenças é o valor atribuído a um extrato da sociedade que usa ou que imaginamos que usa certas construções e não outras Essa confusão entre fazer julgamento à língua e julgamento ao falante é um dos fatores que permitem a existência e a perpetuação do pre conceito linguístico em nossa sociedade Com o falso argumento de que uma construção é em si errada abrese espaço para que taxemos de ignorantes entre outros adjetivos os falantes que fazem uso dessa construção Uma das contribuições da Sociolinguística é justamente a de desmascarar esse argumento incontáveis pesquisas já confirma ram que não há nada nas formas variáveis de uma língua que permita afirmar que umas são melhores ou mais corretas do que as outras Sociolinguística 32 Segue daí portanto que o julgamento ou em termos mais claros o preconceito é social e geralmente parte de cima para baixo ou seja das camadas dominantes econômica e culturalmente para as cama das dominadas Dizer que tal pessoa ou tal grupo é ignorante por que fala de uma forma e não de outra é apenas mais um mecanismo de afirmação e de perpetuação desse preconceito que se manifesta como preconceito linguístico mas que nunca deixou de ser social Felizmente não é apenas para a manutenção do preconceito lin guístico que se prestam os significados sociais da variação Vimos ante riormente que as formas da língua não veiculam apenas seu significado denotacional elas denunciam em grande medida quem somos a região de onde viemos nossa idade nossa inserção na cultura dominante atra vés do grau em que dominamos a variedade padrão nossas atitudes em relação a determinados grupos E nada mais adequado e interessante que incorporar o valor do significado social de formas ao programa de estudos da Sociolinguística Como veremos melhor mais adiante o prestígio ou o estigma que uma comunidade associa a uma determinada variante tem o poder de acelerar ou de barrar uma mudança na língua Essa não é uma afirma ção banal Esperamos que ainda lhe esteja fresca na memória a breve história dos estudos linguísticos que traçamos no capítulo 1 Até poucas décadas atrás afirmavase que a mudança não era passível de estudo rigoroso que não era perceptível e muito menos se considerava impor tante buscar fora do sistema possíveis explicações para esse processo Na abordagem sociolinguística como podemos acompanhar o quadro é justamente o oposto 231 Estereótipos marcadores e indicadores Vamos adiante com nossas reflexões Labov reconhece que há jul gamentos sociais conscientes e inconscientes sobre a língua Com base no nível de consciência que o falante tem sobre determinada variável o autor distingue três tipos de elementos Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 33 Os ǿ estereótipos são traços socialmente marcados de forma consciente Alguns estereótipos podem ser estigmatizados so cialmente o que pode conduzir à mudança linguística rápida e à extinção da forma estigmatizada Outros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupo para grupo podendo ser positivo para alguns e negativo para outros Exemplos de estereótipos e átono final pronunciado como ǿ e e não como como em leite quente forma encontrada na variedade paranaense e de parte do oeste catarinense e gaúcho Consoantes d e t pronunciadas como d e t e não ǿ como diante de como em bom dia titia formas típicas de variedades nordestinas O fonema l de encontros consonantais pronunciado como ǿ r como em craro Cráudia forma associada a varieda des rurais eou pouco escolarizadas e portanto socialmen te estigmatizada como vimos no texto de apresentação da disciplina Os estereótipos são comumente explorados com certo exagero na composição de personagens de programas humorísticos em piadas e mesmo em novelas e em filmes Os ǿ marcadores correlacionamse às estratificações sociais e estilísticas e podem ser diagnosticados em testes subjetivos São traços linguísticos social e estilisticamente estratificados que podem ser diagnosticados em certos testes de reação sub jetiva embora o julgamento social seja inconsciente Os resul tados de alguns testes têm mostrado que apesar de os falantes diagnosticarem certos usos como uma forma feia ou errada isso não significa que não fazem uso dela Muitas vezes este uso se dá inconscientemente Na Unidade D serão apre sentados a você alguns testes de reação subjetiva Sociolinguística 34 Exemplos de marcadores O uso alternado dos pronomes tu e você verificado em certas regiões do Brasil apresenta variação estilística e social enquanto tu costuma ser usado para referir um interlocutor íntimo familiar você é usado como pronome de segunda pessoa quando o interlocutor é um des conhecido ou uma pessoa mais velha ou ainda tu é usado em regis tros mais informais e você em registros mais formais O uso desses pronomes em geral não é estigmatizado mas está correlacionado a variáveis estilísticas grau de intimidade por exemplo e sociais como a faixa etária dos falantes Tratase pois de marcadores Os ǿ indicadores são elementos linguísticos sobre os quais ha veria pouca força de avaliação podendo haver diferenciação social de uso dessas formas correlacionada à idade à região ou ao grupo social mas não quanto a motivações estilísticas Em outras palavras indicadores são traços socialmente estratifica dos mas não sujeitos à variação estilística sem força avaliativa com julgamentos sociais inconscientes Exemplos de indicadores Entre os indicadores podemos inserir por exemplo a monotonga ção dos ditongos ey e ow no português falado atual em palavras como peixepexe feijãofejão couvecove courocoro isenta de valor social e estilístico Reflita A depender da região uma variante pode ser interpretada tanto como marcador quanto como estereótipo Exemplos disso são as formas tu foi e vou ir No Rio Grande do Sul tratase de marcadores e não de estereó tipos pois não são estigmatizadas e marcam identidade local Contudo essa certamente não é a situação em outras localidades Como essas formas são avaliadas em sua região Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 35 A classificação de variáveis em estereótipos marcadores e indica dores é uma ferramenta relevante para a Sociolinguística pois nos auxi lia a compreender por exemplo o processo da mudança linguística e da escorregadia definição de uma comunidade de fala esta será tratada na seção 24 e aquela na Unidade C 232 A questão do preconceito linguístico Vimos até agora como a Sociolinguística surgiu em oposição a cer tos princípios dos modelos hegemônicos da linguística do século XX como através principalmente da figura de William Labov a regulari dade da variação e da mudança linguística pôde ser comprovada e que o estudo dessa regularidade só teria a ganhar se passassem a ser consi derados fatores não só internos mas externos à língua Assim a partir da inserção da Sociolinguística no quadro mais amplo de interesses da linguística fica atestada a íntima relação que existe entre língua e socie dade E é por causa dessa constatação a de que o estudo da língua não pode prescindir até certo ponto do da sociedade que o acúmulo em teoria e em pesquisas da Sociolinguística pode nos ajudar a compreen der melhor um fenômeno social o preconceito linguístico Tratase do que já adiantamos acima dar vida ao preconceito lin guístico é julgar falantes ou grupos inteiros em uma comunidade pelas formas linguísticas que empregam e essas formas geralmente são as que se afastam do padrão O argumento é que há em uma língua cons truções corretas e incorretas melhores e piores e que os falantes que erram em suas escolhas ao falar e ao escrever são consequentemente também imperfeitos pessoas que ou desprezam ou que têm dificuldade em atingir o nível em que só se empregam as construções aceitáveis corretas A aceitação dessa ideia e da noção de erro no uso linguístico que está por trás dela autoriza a exclusão social gerada pelo preconceito linguístico uma exclusão que em muitos casos é bastante dura Entre os mitos que compõem o discurso do preconceito linguístico está o de que o português é uma língua muito difícil mesmo para seus falantes nativos o de que seu domínio é uma tarefa árdua atingida ape nas por poucos intelectuais professores e escritores o de que por essa razão a maioria de nós brasileiros não sabe português ou o sabe de Sociolinguística 36 modo parcial incompleto e incorreto Ora nenhum de nós precisa ir muito longe para falsear todos esses mitos que alimentam o preconceito e o bolso de muitos autores de obras do tipo não erre mais Com tudo que já foi trabalhado nesta disciplina e ao longo do cur so temos base suficiente para defender que o português não pode ser uma língua difícil para seus falantes nativos simplesmente porque essa é a língua materna deles e a eles deve ser creditado todo o conhecimen to das regras que compõem a língua O que se defende como língua aí é a norma padrão do português aquele ideal de língua prescrito nas gramáticas e nos livros didáticos adotado pelo ensino tradicional de língua materna e por diversos espaços na mídia Esquecemse esses es paços infelizmente da realidade heterogênea da língua de como ela é plural o suficiente para dar conta dos mais diversos matizes semânticos pragmáticos e sociais de nossa realidade Lembrandonos do conceito de significado social dos itens da lín gua podemos imaginar que em uma sociedade estratificada em classes como a nossa mesmo que o preconceito não fosse amparado e difundido pelo ensino e pela mídia ainda assim talvez houvesse algum tipo de va loração social estigmatizadora sobre as formas empregadas pelas classes mais baixas ou por quem não teve acesso à escolarização plena Contu do o preconceito linguístico vigora firme e sem ser percebido como tal em nossa sociedade e muitos passam suas vidas acreditando que de fato não são capazes de se expressar que falam uma língua toda errada e que nunca terão acesso a alguns de seus direitos mais básicos como cidadãos como o direito à justiça à inclusão e à livre defesa de suas posições E nesse quadro em que lugar somos colocados nós especialistas no estudo da linguagem Estamos em um lugar que nos permite saber o que acontece através da disseminação do preconceito linguístico e quais os mecanismos pelos quais ele se manifesta Agora o que podemos fazer com esse conhecimento Este não é um livrotexto de política não podemos nem queremos que esta introdução à sociolinguística se destine a qualquer tipo de mili tância Entretanto fazemos a você um convite à reflexão principalmen te neste momento em que lidamos com esta subárea dos estudos linguís ticos que se detém na complexa relação entre língua e sociedade Releia sobre o conceito de norma e sobre seu papel como conteúdo do ensino de língua portuguesa em GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdu ção aos Estudos Grama ticais Florianópolis LLV CCEUFSC 2008 Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 37 Para refletir O conhecimento que temos acumulado sobre a sistematicidade da va riação nas línguas e sobre os danos ao indivíduo e a camadas inteiras de uma comunidade por conta da valoração social que recai sobre for mas variantes não nos torna equipados para uma postura como pro fessores e como cidadãos mais aberta à heterogeneidade da língua e em último grau da sociedade De que modo isso poderia se efetivar 24 As noções de comunidade de fala e de redes sociais A Teoria da Variação e Mudança trata da estrutura e evolução da língua dentro do contexto social da comunidade de fala ou seja é nes se espaço que se dá a interação entre língua e sociedade Logo é a co munidade de fala e não o indivíduo que interessa mais ao pesquisador sociolinguista De acordo com Labov é na comunidade de fala que a variação e a mudança tomam lugar Cumpre então tentarmos definir esse termo Ocorre que na busca por uma conceituação se percebe que por um lado não há um consenso entre os estudiosos da área acerca do assunto e por outro não se trata de uma noção fácil de ser caracteriza da Vamos nos ater aqui a definições de dois autores Labov e Guy Segundo Labov uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que usam todos as mesmas formas ela é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas a respeito da língua 2008 1972 p 188 Ainda de acordo com o autor os membros de uma comunidade de fala compartilham um conjunto comum de padrões normativos mesmo quando encontramos variação altamente estratificada na fala real LABOV 2008 1972 p 225 Das afirmações acima depreendemos que o principal critério labo viano para definir comunidade de fala não é o uso linguístico compar tilhado pelos falantes mas suas atitudes semelhantes diante dos fatos linguísticos Nesse caso é preciso considerar que a uniformidade das normas compartilhadas pelo grupo ocorre quando a variável linguística Sociolinguística 38 possui marcas sociais evidentes aos falantes Isso significa que eles de vem ter consciência desses usos e ser capazes de emitir juízos de valor sobre as formas linguísticas variáveis Normalmente ao grupo de pres tígio cuja fala é dominante na escola no trabalho na mídia etc são atribuídos valores positivos ex a fala é bonita correta etc ao grupo socialmente desprestigiado em contrapartida costumam ser vincula dos valores negativos ex a fala é feia errada etc Essa atribuição consciente de um valor social às formas da língua define algo que vimos há pouco os estereótipos Por isso a essas alturas você já deve estar se perguntando o seguinte as normas em relação à língua que são compartilhadas pelos falantes só dizem respeito aos es tereótipos Uma comunidade de fala é delimitada com base em estereó tipos E quanto às variáveis que não são necessariamente reconhecidas pelos falantes Essas indagações são bastante pertinentes pois tocam num ponto relativamente frágil da noção laboviana de comunidade de falaBem vimos na seção 231 que apesar de os estereótipos serem mar cados com uma valoração social consciente os marcadores também são de certa forma avaliados na matriz social Assim podemos inferir que as normas compartilhadas pelos falantes se associam aos estereótipos e aos marcadores os quais podem ser percebidos pelos falantes e identifi cados por meio de técnicas que testam a avaliação subjetiva da língua Considerando a uniformidade do comportamento dos falantes quanto a normas sociais em relação à língua Labov busca uma certa homogeneidade na definição de comunidade de fala já que ela não vai ser caracterizada pelas regras linguísticas presentes na fala dos indivídu os as quais são altamente variáveis e sim pelas atitudes dos falantes em relação às regras e formas linguísticas que são mais uniformes Figueroa 1994 faz uma crítica ao modelo laboviano afirmando que a falta de uma vinculação clara entre indivíduo e comunidade de fala torna difícil a observação dos dados linguísticos pois embora eles sejam provenientes de falas individuais o comportamento linguístico deve na proposta de Labov ser visto no grupo De fato na teoria laboviana o in divíduo é um ser estratificado isto é um tipo social caracterizado por um conjunto de fatores sexo idade escolaridade profissão etc Assim inte ressa menos ao pesquisador sociolinguista se o informante que fornece os Essa questão do valor social das formas linguísti cas já vista nesta Unidade será ainda retomada mais adiante na Unidade C quando for apresentado o princípio da avaliação Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 39 dados é João Maria ou José o que interessa mais é identificar o tipo social indivíduo do sexo masculino situado na faixa etária de 26 a 40 anos com grau de escolaridade correspondente ao ensino médio nascido e residen te na zona urbana da cidade tal ou indivíduo do sexo feminino com ida de entre 15 e 25 anos com nível de escolaridade fundamental nascido e residente na zona rural da cidade tal Em outras palavras os indivíduos são identificados por pertencerem a determinadas células sociais Outras questões são suscitadas em relação ao modelo laboviano como a seguinte existe um número determinado de formas linguísticas variáveis frente às quais os falantes teriam uma atitude uniforme que per mite a identificação de uma comunidade de fala Essa questão e aquelas anteriormente levantadas mostram a dificuldade que encontramos na ope racionalização da noção de comunidade de fala nos moldes labovianos Percebendo as dificuldades ligadas a essa noção o sociolinguista Gregory Guy parte da concepção laboviana de comunidade de fala e a amplia Guy 2001 considera que a comunidade de fala se constitui a partir de três critérios Os falantes devem compartilhar traços linguísticos que sejam 1 diferentes de outros grupos Devem ter uma frequência de comunicação alta entre si 2 Devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da 3 linguagem Como se pode notar apenas o terceiro critério acima coincide com a proposta de Labov Guy amplia os elementos caracterizadores de uma comunidade de fala ao considerar também o compartilhamento de tra ços linguísticos identificadores de um grupo social e a frequência de comunicação entre os falantes Em síntese a noção de comunidade de fala recobre tanto aspec tos sociais quanto linguísticos pois envolve atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham ca racterísticas linguísticas que os diferem de outros grupos sociais Essa propriedade do mo delo laboviano é central na composição de bancos de dados de fala e na metodologia da pesquisa sociolinguística Trabalha remos mais com a estrati ficação da comunidade de fala na Unidade D Sociolinguística 40 Não obstante os problemas apontados no que se refere a estabelecer as fronteiras de uma comunidade de fala essa noção tem sido utiliza da nas pesquisas sociolinguísticas Por exemplo na cidade de Floria nópolis SC o Projeto VARSUL dispõe de entrevistas realizadas com informantes nascidos e residentes na zona urbana de Florianópolis e também com informantes nascidos e residentes no Ribeirão da Ilha e na Barra da Lagoa duas comunidades pesqueiras não urbanas com características sóciohistóricas e geográficas diferenciadas Nesse caso dispomos de dados linguísticos de três comunidades de fala em Floria nópolis Por outro lado se tomarmos amostras de fala de indivíduos de Curitiba PR Florianópolis SC e Porto Alegre RS também estare mos comparando três comunidades de fala só que dessa vez correspon dentes às capitais da Região Sul do Brasil E assim por diante A pesquisa de campo sobre a fala das comunidades traz importantes contribuições para a descrição do português brasileiro pois podemos ir compondo o mosaico que representa os diferentes falares à medida que novas pesquisas vão sendo feitas nas diferentes regiões Vimos acima que um dos critérios considerados por Guy é a fre quência de comunicação alta ou baixa entre os falantes Esse critério remete à ideia de redes sociais noção que apresentamos a seguir to mando como referência os trabalhos de Milroy Redes sociais são redes de relacionamento dos indivíduos estabele cidas na vida cotidiana Essas redes variam de um indivíduo para outro e são constituídas por ligações de diferentes tipos envolvendo graus de parentesco amizade ocupação ambiente de trabalho etc Quanto maior o número de pessoas que se conhecem umas às outras numa certa rede mais alta será a densidade dessa rede quanto menor o número de pessoas mais baixa será a densidade da rede Os indivíduos que se rela cionam entre si em diversas situações ex parentes e vizinhos parceiros no trabalho e no lazer estabelecem redes multiplexas já os indivíduos que se relacionam de uma única maneira estabelecem redes uniplexas A noção de redes tem sua origem na área da antropologia social sendo dependente das estruturas social econômica e política mais am plas Uma análise sociolinguística baseada em redes sociais procura cap tar a dinâmica dos comportamentos interacionais dos falantes Pesquisas Lesley Milroy é uma socio linguista americana que se interessa por aspectos dialetológicos e ideológi cos de variedades urbanas e rurais com ênfase na noção de redes sociais Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 41 apontam que redes de alta densidade e multiplexas tendem a manter seu dialeto e a se mostrar resistentes à influência de valores externos em ra zão dos fortes laços de solidariedade existentes entre os indivíduos e da identificação dos mesmos com os valores sociais do grupo Assim as re des sociais densas são vistas como fatores conservadores fortes freando a mudança linguística O contrário ocorre com as redes sociais frouxas À ideia de rede social se associam também os conceitos de localis mo e mobilidade O localismo tem a ver com o sentimento do indivíduo em relação ao local em que vive ele o valoriza socialmente demons trando um sentimento de pertencer àquele lugar reforçando valores culturais e linguísticos da comunidade Já a mobilidade diz respeito ao grau de deslocamento dos indivíduos a partir de seu local de origem Quanto maior for a mobilidade mais os indivíduos estarão sujeitos a adotar valores de outros grupos A utilização de redes sociais possibilita o estudo de pequenos gru pos sociais como grupos étnicos minoritários migrantes populações rurais etc favorecendo a identificação das dinâmicas sociais que moti vam a mudança linguística Labov também reconhece a importância de se trabalhar com re des sociais salientando aspectos da metodologia utilizada realização de várias entrevistas individuais participação do pesquisador na esfera so cial do grupo e perguntas individuais sobre as redes sociais de relações desses falantes Segundo o autor estudos de pessoas inseridas em sua rede social nos permitem graválas conversando com quem elas geral mente falam amigos família e colegas de trabalho LABOV 2001 p 326 Esse tipo de pesquisa oferece resultados bastante relevantes para se identificar as causas e o mecanismo social da mudança linguística especialmente quanto ao papel dos líderes da mudança pessoas que ocupam o centro de suas respectivas redes sociais e que seriam o veícu lo de expansão de características dessas redes para outros locais Além disso permite a observação de dados linguísticos mais naturais do que aqueles obtidos numa interação entrevistadorentrevistado metodolo gia que conheceremos na Unidade D Tanto o trabalho com comunidades de fala como o trabalho com redes sociais apresentam algumas limitações O primeiro por desconsi Sociolinguística 42 derar o indivíduo priorizando o tipo social estratificado o segundo pela dificuldade em se levantar e sistematizar todos os grupos de interação em uma comunidade além de contemplar um número reduzido de in divíduos O ideal em termos de metodologia de pesquisa seria unir as duas abordagens considerando tanto as estratificações vinculadas à ori gem e à classe social sexo idade escolaridade etnia profissão como as redes sociais a que os indivíduos escolhem pertencer as quais operam como mecanismos normatizadores Antes de concluirmos esta seção convém mencionar ainda breve mente a noção de comunidade de práticas um conjunto de indivídu os negociando e aprendendo práticas que contribuem para a satisfação de um objetivo comum MEYERHOFF 2004 p530 Exemplificando reuniões de pais e professores rotinas familiares e escolares comunida de de hackers entrevistas médicas comunidade de pescadores etc As comunidades de prática dizem respeito a práticas sociais compartilha das por indivíduos que se reúnem regularmente em torno de uma meta comum e envolvem desde crenças e valores compartilhados até formas de realizar certas atividades e de falar Eckert 2000 propõe o estudo da variação centrado nas comuni dades de prática pois nelas as variantes linguísticas assumiriam signi ficação social havendo relação direta entre língua e identidade Nesse contexto os estilos individuais como marcas de identidades sociais ocupariam um lugar central no estudo da variação linguística Esse en foque se aproxima do de redes sociais ambos de nível micro e mais qualitativo em oposição ao de comunidades de fala de nível macro e predominantemente quantitativo Capítulo 02 A Teoria da Variação e Mudança Linguística noções básicas 43 Fechando a Unidade A Como fechamento de nossa primeira Unidade de estudos nada melhor do que continuarmos a pensar sobre questões de linguagem e ensino de língua portuguesa considerando tudo o que estudamos até aqui Deixamos a você dois excertos para reflexão o primeiro foi ex traído dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa 1997 o segundo do livro Preconceito linguístico o que é como se faz 2004 de Marcos Bagno O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na escola como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença Para isso e também para poder ensinar Língua Portuguesa a escola precisa livrarse de alguns mitos o de que existe uma única forma certa de fa lar a que se parece com a escrita e o de que a escrita é o espelho da fala e sendo assim seria preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado A questão não é falar certo ou errado mas saber qual forma de fala utilizar considerando as características do contexto de comunicação ou seja saber adequar o registro às diferen tes situações comunicativas É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazêlo considerando a quem e por que se diz determinada coisa É saber portanto quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige A questão não é de correção da forma mas de sua adequação às circunstâncias de uso ou seja de utili zação eficaz da linguagem falar bem é falar adequadamente é produzir o efeito pretendido BRASIL 1997 p 26 a primeira campanha a ser feita por todos na sociedade é a favor da mudança de atitude Cada um de nós professor ou não precisa elevar o grau da própria autoestima lingüística recusar com veemência os ve lhos argumentos que visem menosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna Parar de acreditar que brasileiro não sabe portu guês que português é muito difícil que os habitantes da zona rural ou das classes sociais mais baixas falam tudo errado Acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis deixando de lado e de nunciando de preferência as informações preconceituosas autoritárias e intolerantes BAGNO 2004 p 115 Bagno entende por co mandos paragramaticais todo esse arsenal de livros manuais de redação de empresas jornalísticas programas de rádio e de televisão colunas de jor nal e de revista CDROMS consultórios gramaticais por telefone e por aí afora BAGNO 2004 p 76 que perpetuam os mitos do preconceito linguístico Sociolinguística 44 Leia mais BAGNO Marcos Preconceito lingüístico o que é como se faz São Pau lo Edições Loyola 2004 Marcos Bagno é atualmente um dos autores de mais destaque no Brasil na discussão do preconceito linguístico Neste livro ele discute com uma pos tura bastante crítica alguns dos mitos que povoam o senso comum quanto à língua em nosso país e sugere caminhos para que quebremos seja como pesquisadores professores ou cidadãos comuns o círculo vicioso composto pelo ensino tradicional pelas gramáticas tradicionais e pelos livros didáticos que ajuda a perpetuar esse tipo de discriminação Unidade B As dimensões interna e externa da variação linguística Objetivos da Unidade Identificar os diferentes níveis de variação linguística em sua ǿ dimensão interna Reconhecer diferentes tipos de variação linguística motivados ǿ por fatores externos à língua Identificar fenômenos em variação no PB nas dimensões ex ǿ terna e interna Nesta Unidade vamos abordar as dimensões interna e externa da variação linguística em dois capítulos Em primeiro lugar apresentamos os diferentes níveis linguísticos em variação desde lexicais e fonológi cos até sintáticos e discursivos Apontamos também alguns trabalhos em variação e certos condicionadores internos e externos que inibem ou favorecem o uso de uma ou outra forma linguística ou variante Em seguida verticalizamos o foco para a dimensão externa trazendo exemplos de condicionadores não linguísticos e sua correlação com os aspectos internos da língua Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 47 3 A dimensão interna níveis de variação linguística Para falar sobre a dimensão interna da variação linguística retoma mos inicialmente a discussão que você já viu na Unidade A sobre variá vel linguística e variantes Na variável expressão da primeira pessoa do plural temos no português do Brasil duas variantes os pronomes nós e a gente Essas variantes são alternativas de se dizer a mesma coisa que ofe recem a mesma informação referencial Só o uso que marca uma forma nós em contraste com a outra a gente é diferenciado As duas formas estão disponíveis no sistema pronominal do português do Brasil e são lar gamente usadas em nossa sociedade Alguns falantes podem usar as duas marcandoas estilisticamente outros podem usar apenas a mais antiga nós por causa de alguma restrição social como faixa etária por exem plo mas todos os falantes têm a habilidade de interpretar as duas formas e entender o significado da escolha de uma forma em vez de outra O caráter heterogêneo do sistema linguístico é produto portanto de duas ou mais formas em variação duas ou mais variantes que se alternam de acordo com condicionadores internos linguísticos e ex ternos extralinguísticos que motivam ou restringem a variação Como já dissemos anteriormente não se trata de um caos linguístico Há re gras que regem a variação Neste capítulo vamos tratar da variação nos seguintes níveis lin guísticos Variação lexical ǿ Variação fonológica ǿ Variação morfofonológica morfológica e morfossintática ǿ Variação sintática ǿ Variação e discurso ǿ Antes de começarmos a discutir cada um dos níveis é bom lembrar que a variação lexical constitui o campo predileto de estudos geolinguís ticos e a fonologia o campo predileto da pesquisa sociolinguística Sugerimos que você reto me GÖRSKI Edair Maria ROST Claudia Andrea Introdução aos Estudos Gramaticais Florianópolis LLVCCEUFSC 2008 e reveja os diferentes níveis de descrição gramatical que já foram explorados lá Além disso reveja os conteúdos das disciplinas de Fonologia Morfologia e Sintaxe pois eles serão acionados neste capítulo Sociolinguística 48 Vamos iniciar este capítulo com uma breve retrospectiva sobre os es tudos variacionistas clássicos de variação fonológica que abriram caminho para que o campo de investigação se ampliasse para o estudo dos diferentes níveis gramaticais indo da fonologia à sintaxe e da sintaxe ao discurso 31 Contextualizando Foi no campo da fonéticafonologia que os estudos variacionistas começaram na década de 60 com os trabalhos de Labov em Marthas Vi neyard no estado de Massachusetts e em três lojas de departamento de Nova Iorque Os fenômenos investigados foram a pronúncia da primeira vogal dos ditongos ay e aw e a realização do r pósvocálico respecti vamente Os resultados do primeiro estudo apontam para uma tendência dos moradores de Marthas a centralizar a primeira vogal dos ditongos investigados diferentemente da pronúncia padrão de Nova Inglaterra re gião nordeste dos Estados Unidos onde se localiza o estado de Massachu setts No segundo estudo a tendência encontrada vai na direção da fala de prestígio dos novaiorquinos uma tendência à pronúncia retroflexa do r diferentemente da forma conservadora da década de 30 Em ambos os estudos fatores extralinguísticos é que se revelaram significativos A dife rença de uso está relacionada ao significado social eou estilístico Calvet 2002 p 96 diz que a maioria dos estudos de variação inci de sobre os sons da língua porque as variações nesse nível são ao mesmo tempo mais evidentes e mais fáceis de descrever Afinal os fonemas são unidades mínimas distintivas não dotadas de significação Logo a vari ável fonológica não tem significado referencial Só a partir da década de 70 é que alguns estudos de variação se voltam a campos diferentes da fonologia E junto deles surgem mui tos questionamentos e dúvidas sobre a aplicabilidade da teoria da va riação e mais amplamente de técnicas quantitativas para o estudo de fenômenos fora do campo da fonologia A transferência dos métodos de análise para além do nível fonológico coloca problemas com relação ao requisito de mesmo significado Lembrese cf Unidade A que há dois requisitos para que as formas linguísticas sejam consideradas variantes de uma mesma variável i devem ter o mesmo significado e ii devem ser intercambiáveis no mesmo contexto No capítulo 4 faremos uma resenha dos dois tra balhos de Labov conside rando em especial essa correlação Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 49 Sobre uma possível ampliação dos níveis de análise merece desta que a polêmica discussão travada por Lavandera 1977 e Labov 1978 Vamos explicar essa polêmica mais detalhadamente a você O primeiro trabalho de variação sintática de que se tem notícia é de Weiner e Labov 1983 1977 Os autores realizaram uma pesquisa quantitativa sobre as construções ativas e passivas do inglês testando fa tores externos estilo sexo classe etnia idade e fatores internos status informacional paralelismo estrutural A variável investigada era cons tituída das seguintes variantes construção passiva sem agente versus construção ativa com pronome sujeito genérico Ao analisarem seus resultados verificaram que a escolha de uma variante ou de outra não era socialmente motivada e que as formas alternantes mostravamse condicionadas sintaticamente Isso significaria dizer que a explicação da variação e possível mudança passa nesse caso a ser apenas de ordem interna relativa ao funcionamento da gramática Você pode imaginar o impacto causado por esses resultados no âmbito das pesquisas sociolinguísticas Note que nos estudos sobre va riáveis fonológicas mencionados anteriormente os fatores extralinguís ticos é que se revelaram significativos aqueles trabalhos apontaram uma correlação sistemática entre o uso variável e a estratificação social correlação essa que era justamente o que a proposta teórica de Labov pretendia evidenciar Pois bem os questionamentos começaram Lavandera 1977 põe em xeque o trabalho de Weiner e Labov le vantando argumentos desfavoráveis ao fato i de se estender o estudo variacionista para além do nível fonológico e ii de fatores sociais e estilísticos não se mostrarem relevantes Para a autora casos como o da ativapassiva não deveriam ser caracterizados como variação sociolin guística já que não se mostram socialmente condicionados Quanto a i Lavandera 1977 argumenta que para além do nível fonológico cada forma tem um significado Logo se cada construção tem seu próprio significado como é possível indaga a autora que haja variação se por variação entendemos duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa A questão que se levanta é polêmica o que seria ter o mesmo significado dada a inexistência de sinonímia absoluta nas lín guas humanas Sociolinguística 50 Em resposta ao duplo questionamento de Lavandera Labov 1978 alarga a noção de variável linguística para ǿ dois enunciados que se referem ao mesmo estado de coisas e que têm o mesmo va lor de verdade entendendo estado de coisas como significa do representacional relativizando assim a noção de mesmo significado deixa claro em relação à variável sociolinguística que ao realizar ǿ mos estudos sociolinguísticos não estamos somente preocupados em verificar a relevância dos fatores sociais mas antes disso objeti vamos obter um retrato da estrutura gramatical da língua Para o autor o valor da análise de variação em sintaxe está em ser um indicador dos processos gramaticais subjacentes isto é um indica dor das restrições que inibem ou favorecem o uso de uma ou de outra va riante um indicador que também possa predizer mudanças no sistema Ainda segundo o autor ao fazermos um estudo de variação sintáti ca temos de isolar o contexto onde a variação relevante é encontrada e gradualmente isolar aqueles casos em que a mesma forma tem funções linguísticas diferentes em que há neutralização da variação e em que há comportamento categórico O resultado do debate foi positivo uma vez que abriu caminho não só para estudos de variação sintática como também de variação discur siva Muitos pesquisadores entenderam que a quantificação de fenôme nos sintáticos e também discursivos pode além de nos fornecer bons indicadores da relevância de diversos grupos de fatores ser um instru mental útil capaz até mesmo de verificar a ausência de variação 32 A variação interna Esta seção se destina a apresentar exemplos e resultados de alguns tra balhos que investigaram fenômenos variáveis do PB nos diferentes níveis gramaticais o que será feito logo após a discussão sobre variação lexical Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 51 321 Variação lexical No campo da variação lexical as maiores contribuições têm sido ofe recidas a partir de estudos geolinguísticos de diferentes regiões do Brasil Esses estudos já desde os trabalhos pioneiros do filólogo Antenor Nascen tes têm como propósito a elaboração de um Atlas Linguístico do Brasil com o mapeamento das diferentes áreas linguísticas do português brasi leiro O autor dividiu o falar brasileiro em seis subfalares reunidos em dois grandes grupos falar do norte e falar do sul Desde então vários pesquisadores se dedicaram a estudos geolinguísticos para testar empirica mente as hipóteses de Nascentes Alguns desses estudos como os de Car doso 1986 1996 apud ROCHA 2008 sobre o Nordeste têm apontado fortes coincidências de resultados com as linhas traçadas por Nascentes No caso da Região Sul Koch 2000 apud Rocha 2008 p 14 salien ta que ela tem uma pluralidade social cultural e geofísica rara que lhe confere um status particular no estudo do PB Dentre os achados de sua pesquisa destacamse quatro fatores como principais determinantes ex ternos das variantes do português falado nessa região 1 a presença de açorianos no leste de Santa Catarina 2 a existência de fronteiras políti cas com países de fala hispânica no extremo sul e o contato português espanhol derivado dessa situação 3 o contato entre paulistas e gaúchos em dois fluxos migratórios opostos e o papel das rotas dos tropeiros paulistas no comércio do gado e 4 a existência de áreas bilíngues ex pressivas originadas da instalação nas antigas zonas de floresta de imigrantes europeus não lusos a partir do século XX A coleta de dados para a formação dos atlas é feita em geral a par tir de respostas a Questionários Semânticos Lexicais QSL Os questio nários são compostos de perguntas distribuídas em campos semânticos diferentes A divisão do questionário em campos semânticos distintos é uma tentativa de captar a diversidade lexical de cada microrregião dos estados do Brasil tendo em vista fatores históricos de colonização e par ticularidades relativas aos diversos campos da atividade humana eco nomia política trabalho cultura etc Está aí na empiria uma grande diferença entre a geolinguística e a sociolinguística aquela pautada basicamente em questionários lexicais e esta especialmente em coletas de entrevistas individuais Nesta última década es tudos que unem a meto dologia da geolinguística e a da sociolinguística chamados de geossociolin guísticos têm sido bastan te comuns tanto para dar conta de fenômenos lexi cais como de fenômenos fonológicos morfofono lógicos e morfossintáticos em variação O interesse do filólogo Antenor Nascentes por questões dialetológicas pode ser observado na obra Bases para a elabo ração do Atlas Lingüístico do Brasil cujas edições datam de 1958 e 1961 A metodologia de coleta de entrevistas sociolin guísticas será mostrada na Unidade D Sociolinguística 52 É certo que quando se fala em variação linguística os exemplos que costumam vir primeiro à mente dizem respeito ao vocabulário lé xico quase sempre associados à variação regional ou diatópica A mesma realidade é representada conforme a região por palavras di ferentes Mas há também usos variados conforme a situação mais for mal ou menos formal em que se está falando associados portanto à variação estilística ou diafásica Listamos abaixo alguns casos de varia ção no nível lexical Campo da alimentação 1 abóbora jerimum ǿ bergamota ou vergamota tangerina laranjacravo mimosa ǿ mandioca aipim macaxeira ǿ pão francês pão de trigo cacetinho ǿ polenta angu ǿ Outros campos 2 banheiro toalete wc ǿ coisa troço trem ǿ estojo penal ǿ mulher dona senhora ǿ negócio venda ǿ pandorga pipa papagaio ǿ vaso bacio privada casinha ǿ Vale ressaltar que na classificação dos dialetos em geral os aspec tos lexicais são menos sistematizáveis do que os fonéticofonológicos morfológicos ou sintáticos visto que esses últimos são condicionados por fatores internos além dos externos enquanto os lexicais estão inti mamente ligados a fatores extralinguísticos de caráter cultural sobretu do etnográficos e históricos Variação regional ou dia tópica e variação estilística ou diafásica são temas do Capítulo 4 tratados nesta mesma Unidade Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 53 O que a análise da distribuição geográfica de formas lexicais tem permitido portanto é a delimitação de áreas lexicais ou seja de zonas de um território que se caracterizam por nelas existirem vocábulos que não ocorrem noutras zonas Lindley Cintra 1962 em seu artigo Áreas lexicais no território português citando Herculano de Carvalho 1953 diz que esses elementos do vocabulário seguem o seu próprio destino regional agrupandose em áreas bem definidas que se interpenetram se deslocam e se recobrem mutuamente seguindo correntes culturais de direcção igualmente definidas CINTRA 1962 apud SARAMAGO GONÇALVES 20 p 2 322 Variação fonológica Vários estudos de sociolinguística atestam variação fonológica em diversos fenômenos do português do Brasil Para exemplificar este tipo de variação começamos retomando nossa conhecida piada sobre o po lítico assistindo TV Domingo à tarde o político vê um programa de TV Um assessor passa por ele e pergunta Firme O político responde Não Sírvio Santos Como já comentamos na Apresentação deste livrotexto há uma troca do fonema l pelo r nas palavras filme e Sílvio constituindose um caso de variação fonológica Esse fenômeno de troca de l por r se chama rotacismo Existe uma explicação histórica para a troca de l por r Observe os exemplos de evolução do latim para o português ecclesia igreja plaga praia esclavu escravo É bastante comum no português brasileiro esse fenômeno linguístico Comunicação apresentada ao Primeiro Congresso de Dialectologia e Etnogra fia Porto Alegre 1958 in Boletim de Filologia Lisboa XX 1961 1962 p 273307 Sep Lisboa 1962 35 p Reeditado em Estudos de Dialectologia Portuguesa Lisboa Sá da Costa Editora p 5594 A esses processos de transformação por que passou a língua chama mos metaplasmos Sociolinguística 54 Vamos pensar em outros exemplos que apresentam variação entre l e r Grupo 1 carda por calda sorda por solda arto por alto Grupo 2 brusa por blusa framengo por flamengo grobo por glo bo pranta por planta Desafio a Descubra o critério utilizado para a distribuição dessas palavras em dois grupos b Continue a levantar dados para cada um dos grupos c Tente formular uma hipótese sobre a frequência de variação desses grupos onde ocorre mais alternância de l por r em português em palavras do grupo 1 ou do grupo 2 Justifique sua hipótese d Compartilhe suas reflexões com os colegas Outro caso de variação fonológica bastante comum no PB é a tro ca de lh por i num fenômeno chamado de despalatalização ou seja perda de palatalização lh passa para l palha palia seguida de iotacismo evolução de um som para a vogal i ou para a semi vogal correspondente palia paia Observe os dados paia por pa lha muié por mulher veia por velha foia por folha trabaio por trabalho e assim por diante Existe uma aproximação entre os pontos de articulação da palatal λ e da semivogal y o que justifica linguisticamente essa variação Em determinados contextos portanto por facilidade ou relaxamento de articulação o traço palatal passa a ser articulado como alveolar ou como iode Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 55 Ainda no âmbito da variação fonológica encontramos Síncope ǿ supressão de fonema no interior da palavra Há uma tendência de as proparoxítonas se igualarem às paroxítonas que são muito mais frequentes no português Um passeio diacrôni co vai nos mostrar casos de evolução do latim para o português como digitu dedo insula ilha paupere pobre littera letra frigidu frio o que evidencia que a passagem de proparoxítona para paroxítona é um fenômeno regular na história do português Atualmente nossa língua apresenta ainda outros casos relampo por relâmpago fosfro por fósforo abobra por abóbora ar vre por árvore figo por fígado etc Monotongação ǿ transformação ou redução de um ditongo em uma vogal i do ditongo ow para o poco por pouco ropa por roupa cenora por cenoura etc ii do ditongo ey para e pexe por peixe bejo por beijo brasilero por brasileiro quejo por queijo etc e iii do ditongo ay para a caxa por caixa etc Alçamento das vogais médias ǿ processo de elevação das vo gais pretônicas por influência de uma vogal em sílaba subse quente É o caso por exemplo de minino por menino curuja por coruja piru por peru tisoura por tesoura subrinho por sobrinho etc Epêntese vocálica ǿ emissão de uma vogal entre as consoantes não representada na escrita formal obiter por obter pineu ou peneu por pneu adivogado ou adevogado por advogado rí timo por ritmo etc Vocalização ǿ transformação de consoante lateral em vogal Brasiu por Brasil méu por mel tau por tal etc Desnasalização ǿ de vogais postônicas transformação de um fonema nasal em oral home por homem bagage por baga gem onte por ontem viage por viagem etc Sociolinguística 56 Palatalização ǿ transformação de um ou mais fonemas em um fonema palatal i de ni e de li para nh ou lh como em demonho por demônio familha por família de s para como em pata por pasta deligar por dezligar iii de t para t como em tia por tia etc Assimilação ǿ aproximação total ou parcial de fonemas devido à influência de um sobre o outro i do d pelo n com queda do d cantano por cantando correno por correndo sorrino por sorrindo ii do t pelo s esse por este fosse por foste etc Como você pode observar são muitos os tipos de variação fonológi ca no PB Além desses mostrados acima há muitos outros E o mais inte ressante de tudo é que esses fenômenos são comuns nas línguas humanas e também nos ajudam a explicar a mudança fonética que se processou do latim às línguas vulgares entre elas o português A língua portuguesa desde o latim passou por diversos processos de transformação fonética até resultar na língua que hoje conhecemos Dois desses processos você viu anteriormente com os exemplos de rotacismo e síncope Investigue a Procure levantar outros casos de variação fonológica diferentes desses listados acima e descubra critérios para classificálos Fique atentoa à fala das pessoas a sua volta b Compartilhe seus achados com os colegas Alguns desses fenômenos foram mapeados em diferentes regiões do Brasil Vamos notar que a ocorrência das variantes de uma variável fonológica pode estar correlacionada a pressões fonológicas ou a pres sões morfológicas além de pressões externas Para entendermos como se dá esse processo tomemos como exemplo dois fenômenos linguísti cos em variação a monotongação de ditongos decrescentes e o apaga mento da vibrante pósvocálica Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 57 Sobre a monotongação dos ditongos decrescentes ow para o ey para e e ay para a Cabreira 2000 Paiva 2003 e Silva 2004 mostram os seguintes resultados Uma tendência em todo o Brasil à queda da semivogal w em ǿ ditongos ow como padrão de uso sem distinção de contexto fonológico seguinte de posição do fonema na palavra ou de categoria de palavra como em poco por pouco vô por vou cenora por cenoura por exemplo Uma queda da semivogal y mais restritiva em ditongos ey e ǿ ay condicionada principalmente quando o contexto seguin te é uma consoante palatal como em pee por peixe e kaa por caixa por exemplo A monotongação dos ditongos ey e ay é portanto condicionada por pressões fonéticofonológicas como o contexto seguinte Quanto à queda do r Monaretto 2000 2002 atesta um mesmo padrão de comportamento na fala de diferentes regiões com uma ten dência à queda do r mais acentuada em verbos no infinitivo como em andá por andar vendê por vender parti por partir enquanto em nomes o apagamento desse fonema é pouco frequente revolve por revólver Nesse caso a queda do r é condicionada por fatores de na tureza morfológica como classe de palavras e se reflete na diferença de uso entre um r morfêmico ou apenas fonêmico um caso portanto de interface essa questão será retomada na próxima seção Pesquise Há diversos trabalhos de variação fonológica no PB Além dos ilus ǿ trados acima outros artigos compõem as coletâneas organizadas por Leda Bisol 1991 e Dermeval da Hora 1997 2004 Tente ler pelo menos um desses artigos Qual foi o fenômeno fonológico em variação tratado no artigo que ǿ você leu Quais os condicionadores internos e externos que se mostraram mais significativos Troque textos e informações com os colegas Seja uma ǿ investigadora Sociolinguística 58 323 Variação morfofonológica morfológica e morfossintática Vamos começar esta seção recordando a definição de morfema unidade mínima significativa Vamos considerar como variação mor fológica aquela alteração que ocorre num morfema da palavra Parece fácil não é Vamos examinar alguns dados Retomemos o caso do gerúndio apresentado na seção anterior can tano por cantando correno por correndo sorrino por sorrindo Sabemos que ndo é o morfema verbal que representa o gerúndio Nos três exemplos acima esse morfema sofre uma redução para no com a queda do fonema d E agora será um caso de variação fonológica ou morfológica A mesma indagação pode ser feita em relação às seguintes situa ções em variação muito frequentes no português do Brasil i andá por andar vendê por vender parti por partir ii eles anda por eles andam eles vendi por eles vendem eles parti por eles partem iii tu anda por tu andas tu vende por tu vendes tu parte por tu partes iv você anda por tu andas e a gente anda por nós andamos Em i temos a supressão de r marca de infinitivo nos verbos Tratase pois de um morfema verbal Nesse caso temos claramente a falta do morfema de infinitivo nas realizações andá vendê e parti Po demos concluir que há uma coincidência r representa um fonema e também um morfema nesses dados Já em revolve por revólver por exemplo a queda do r é um fato apenas fonológico pois r não é um morfema e sim parte do radical da palavra Em ii a não realização de m uma desinência verbal que indica terceira pessoa do plural representa uma alternância morfêmica Já em casos como homi por homem viagi por viagem o m é só um fone ma Nas duas situações porém um fonema deixou de ser pronunciado Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 59 Em iii a nãorealização de s é uma alternância morfêmica pois s é um morfema que representa a segunda pessoa do discurso nos três verbos Em casos como andamo vendemo partimo por andamos vendemos partimos a desinência verbal que indica primeira pessoa do plural é mos Houve queda de s restando a marca mo Apenas o fonema deixou de ser pronunciado O mesmo acontece em palavras como lápi por lápis ou em doi por dois por exemplo a queda do s é apenas fonológica O que podemos observar é que a variação parece atingir um morfe ma e depois um fonema ou um fonema e depois um morfema Quando está só no âmbito do fonema temos uma variação fonológica mas quan do vai também para o âmbito do morfema que variação encontramos aí Morfológica Talvez fosse mais interessante dizer que nesses casos o que temos é uma variação morfofonológica uma vez que os morfemas que caem são também fonemas É um caso portanto de interface Mas quando dizemos que a referência à segunda pessoa do singular em tu anda e a referência à terceira pessoa do plural em eles anda é dada na relação que se estabelece entre pronome e verbo é o pronome que car rega o significado de pessoa do verbo já saímos do campo da morfologia e vamos para o campo da sintaxe melhor dizendo da morfossintaxe Entretanto quando nossa variável estudada é a alternância entre os pronomes tu e você ou nós e a gente por exemplo temos um caso de variação morfológica e não um caso de interface Afinal é uma alter nância de forma pronominal apenas E o que acontece com exemplos em variação como v As menina bonita por As meninas bonitas A ideia de pluralidade em As menina bonita só pode ser dada na relação entre a primeira e as outras palavras do sintagma nominal Ob serve que essa marcação é sistemática a marca de plural o fonema s é apagada sempre da direita para a esquerda em um sintagma nominal e não o contrário Dificilmente um falante nativo do português produzirá algo como a menina bonitas ou a meninas bonitas O que temos aí é uma variação no campo da morfossintaxe É mais um caso de interface Como temos visto a busca por essa sistematicidade naquilo que costuma ser chamado de erro é uma das preocupações da Sociolinguística Sociolinguística 60 Reflita a Nos casos em que ocorre ndo no andando andano mos mo andamos andamos A variação é fonológica ou morfológica b Justifique sua resposta Notese pois que a variação morfológica é em sua maioria um caso de variação morfofonológica ou morfossintática Ressaltamos nes sa interface os muitos trabalhos de Maria Marta Scherre e de Anthony Naro sobre a variação na concordância nominal e verbal com dados do Sudeste E com dados da Região Sul destacamos os trabalhos de Mon guilhott 2001 2009 sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural de Loregian 1996 sobre a concordância verbal de segunda pes soa do singular de Zilles Maya e Silva 2000 a respeito da concordân cia verbal com a primeira pessoa do plural na fala de Panambi e Porto Alegre entre outros Esses estudos sobre a variação na concordância nominal e verbal mostram um mesmo condicionamento linguístico oposições mais sa lientes fonicamente entre singularplural por serem mais perceptíveis aumentam a probabilidade de concordância nominal ou verbal Por exemplo oposições mais salientes como os anéisos anel os caminhões os caminhão e os ovosos ovo tendem a manter muito mais marcação de plural do que oposições menos salientes como os meninosos menino os carrosos carro e os homensos home Este grupo de fatores é conhecido como saliência fônica Com relação à variação morfológica destacamse entre outros trabalhos do grupo de sociolinguistas da UFRJ como os de Célia Lopes sobre variação pronominal com dados de fala e de escrita do Sudeste numa perspectiva sincrônica e diacrônica Com dados do Sul temos por exemplo resultados de dissertações de mestrado defendidas na UFSC como a de Arduin 2005 sobre a variação nas formas pronominais dos No Capítulo 7 traremos resultados estatísticos que confirmam o condicio namento desse grupo de fatores sobre a variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 61 possessivos de segunda pessoa do singular teuseu a de Silva 2004 e a de SilvaBrustolin 2009 sobre a alternância entre os pronomes nós e a gente além da tese de doutoramento de LoregianPenkal 2004 temos ainda artigos de Menon e LoregianPenkal 2002 e de Coelho e Görski 2009 sobre a variação pronominal de segunda pessoa do singular tu e você entre outros Muitos condicionadores linguísticos se mostraram relevantes nes ses estudos Alguns de natureza sintática como o preenchimento do sujeito por exemplo Tanto resultados de trabalhos sobre a alternân cia entre nós e a gente como resultados sobre a alternância entre tu e você mostram que os pronomes a gente e você por se combinarem com verbos na terceira pessoa do singular a gente foi e você foi tendem a aparecer com sujeito preenchido enquanto pronomes nós e tu quando carregam a marca morfêmica de primeira pessoa do plural e segunda pessoa do singular respectivamente vêm preferencialmente com sujei tos nulos Essa discussão vai ser retomada na próxima seção 324 Variação sintática A variação na sintaxe aqui no Brasil tem sido estudada em geral com a adoção de um outro quadro teórico além do quadro da Teoria da Variação e Mudança para explicar as hipóteses internas à língua ou de base gerativista ou de base funcionalista Os estudos que articulam dois quadros teóricos aparentemente con flitantes de um lado os pressupostos da Teoria da Variação e Mudança e de outro lado os pressupostos da teoria gerativa foram inaugurados na década de 80 por Fernando Tarallo e Mary Kato com trabalhos sobre o preenchimento do sujeito pronominal a ordem do sujeito em relação ao verbo a posição do clítico o objeto nulo as diferentes estratégias de relativização entre outros Muitos desses trabalhos apontam para o século XIX como um marco no processo de implementação de mudan ças sintáticas que distanciam significativamente a sintaxe do português contemporâneo daquém e dalémmar Quanto aos estudos que articulam o aparato teórico da Sociolinguísti ca e o aparato teórico do funcionalismo em geral um funcionalismo com base nos estudos do linguista americano Talmy Givón eles começaram Sociolinguística 62 com o grupo de pesquisadores da UFRJ coordenado por Anthony Naro Destacamse nesse campo trabalhos de variação na concordância verbal e nominal fenômenos de interface sobre a variação modotemporal al guns que também tratam sobre o preenchimento do sujeito pronominal trabalhos sobre usos alternantes de conectores entre outros Vamos mostrar brevemente certos fenômenos que estão em varia ção sintática para discutir com você Eilos a Construções relativas O filme a que me referi é muito bomO filme que me referi é muito bomO filme que me referi a ele é muito bom b Preenchimento do sujeito anafórico Nós fomos à praiaØ Fomos à praiaA gente foi à praia Ø Foi à praia c Posição do clítico Eu vio no cinemaEu o vi no cinema d Construções passivas versus índice de indeterminação do sujei to Alugamse casasAlugase casas A variação das relativas estudada por Tarallo na década de 80 foi um dos primeiros trabalhos de Sociolinguística no âmbito da variação na sintaxe feitos no Brasil O autor mostrou que as três construções ilustradas anteriormente estão em variação no PB e são condicionadas principalmente por fatores extralinguísticos Seus resultados indicaram que a relativa padrão O filme a que me referi é muito bom parece es tar deixando de ser usada na linguagem espontânea sua substituta é a relativa cortadora O filme que me referi é muito bom enquanto a rela tiva com pronome lembrete O filme que me referi a ele é muito bom é geralmente usada por falantes menos escolarizados e sofre estigma na sociedade Notese aqui uma correlação entre variável sintática e fatores externos Sobre o preenchimento do sujeito pronominal desde o traba lho de Duarte 1995 estudos atestam uma mudança em curso no PB de uma língua de sujeito nulo a uma língua de sujeito preenchido Um dos principais condicionadores dessa mudança é a pessoa do discurso Enquanto a primeira e a segunda pessoas são usadas preferencialmente com sujeito preenchido a terceira ainda permanece com sujeito nulo Essa mudança segundo a autora está relacionada principalmente à Você poderá saber mais sobre o trabalho das relativas lendo o livro de Tarallo intitulado A pesqui sa sociolinguística 1985 A influência dos fatores extralinguísticos sobre os fenômenos linguísticos em variação será discutida no Capítulo 4 e retomada na Unidade D Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 63 entrada de dois pronomes na língua o você e o a gente São pronomes que se combinam com formas verbais de terceira pessoa você foi a gen te foi provocando na língua um enfraquecimento do sistema de flexões verbais o que leva a uma tendência acentuada ao preenchimento do sujeito pronominal Ou seja a identificação da pessoa do discurso se dá nesses casos pela presença do pronomesujeito já que a desinência númeropessoal do verbo é zero Outro fenômeno de variação na sintaxe que tem levantado muitos questionamentos é a posição do clítico em relação ao verbo ilustrada nos exemplos Eu vio no cinemaEu o vi no cinema No primeiro caso um fenômeno conhecido como ênclise posição pósverbal e no segundo caso conhecido como próclise posição préverbal Estudos mostram que a próclise Eu o vi no cinema é o padrão do PB especialmente quan do o sujeito está anteposto ao verbo seja ele nominal ou pronominal e não a ênclise Eu vio no cinema embora esse último padrão seja pres crito como a forma correta pelas gramáticas normativas tradicionais Martins 2009 analisa textos de escrita brasileira para mostrar o percurso diacrônico da posição dos clíticos e com base em trabalhos que já mapearam a escrita do português nos séculos XVI a XX princi palmente de Galves Brito e Paixão de Sousa 2005 e de Pagotto 1992 confirma o percurso de mudança Uso majoritário da ǿ próclise nos séculos XVI a XVIII Queda da próclise no século XIX com um consequente au ǿ mento da ênclise Queda da ênclise com um aumento considerável da ǿ próclise no final do século XX Com relação às construções chamadas de passivas sintéticas em es pecial no que tange à variação da concordância verbal vendemse casas vendese casas estudos de Nunes 1990 Scherre 2005 e Martins 2005 entre outros mostram que mesmo em situações formais o padrão de uso mais frequente é o da nãoconcordância entre verbo e sintagma nominal De todas as mudanças por que passa o português do Brasil atu al talvez essa seja a mais polêmica Diferentemente do que dizem as Na unidade E faremos uma discussão mais de talhada sobre a mudança que está ocorrendo no paradigma pronominal do português do Brasil Sociolinguística 64 gramáticas normativas tradicionais os trabalhos supracitados tentam mostrar que na verdade essas construções são atualmente interpreta das como sendo de indeterminação do sujeito É como se com o tempo a ideia de que existe uma sentença passiva sintética no português tivesse ficado obsoleta A interpretação de tais sentenças como ativa com sujei to indeterminado parece a única possível Vejamos Possenti 2007 em texto escrito para a revista Terra Magazine lembranos que Said Ali já na década de 60 mostra a incoerência de se interpretar uma sentença do tipo Alugase esta casa como passiva sinté tica Traz alguns questionamentos do autor Como entendemos uma placa com a inscrição A ǿ lugase esta casa que acaso vemos pendurada em uma casa pergunta Said Ali Se a oração fosse passiva e esta casa seu sujeito diz ele então de veríamos entender há moradores na casa e eles estão avisando aos transeuntes que a casa não lhes pertence mas que pagam aluguel para morar nela Mas alguém já leu uma placa dessas assim questiona Said Ali ǿ Essa leitura seria absurda absolutamente contrária à interpretação corrente Uma inscrição como Alugase esta casa para ele e com cer teza para nós também quer dizer obviamente que uma pessoa ou uma empresa cujo nome não importa tem a seu encargo fazer com que a casa que provavelmente está desabitada venha a ser alugada Portanto parece mais coerente dizer que nas sentenças Alugamse casas e Alugase casas exemplificadas anteriormente o sintagma no minal casas não deve ser considerado o sujeito das sentenças e por isso não precisaria concordar com o verbo As duas sentenças são ativas com sujeitos indeterminados Desafio a Leia o texto de Sírio Possenti Jogase os grãos escrito para a revista Terra Magazine em 21 de junho de 2007 Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 65 Conector qualquer elemento linguístico usado para relacionar orações períodos e mesmo parágrafos temáticos Pode ser uma conjun ção e mas porque portanto etc uma expressão de natureza adverbial assim afinal finalmente daí conse quentemente quanto a por outro lado etc marcadores discursivos aí então quer dizer digamos assim etc entre outros b Considere agora os exemplos trazidos pelo autor de variação mor fossintática Jogase ǿ os grãos na água do alguidar Para que se escreve ǿ tantos poemas Doase ǿ lindos filhotes de poodle c Em muitas aulas de língua portuguesa os professores versam sobre o assunto afirmando que na maioria das vezes as sentenças em b são passivas sintéticas Perguntase 1 Como esses professores avaliariam as sentenças em b 2 Por que as pessoas em geral falam e escrevem como as sentenças em b 325 Variação e discurso Até agora examinamos fenômenos variáveis no âmbito do léxico e dos níveis gramaticais fonológico morfológico e sintático Dependen do da visão de gramática assumida o nível linguístico de análise pode ser expandido para além da frase de modo a abarcar também porções textuais ou discursivas maiores Nesse caso aspectos semânticoprag máticos que envolvem a significação e o contexto situacional também são considerados Apresentamos a seguir alguns fenômenos variáveis na dimensão textualdiscursiva Dados interessantes são encontrados na função de encadear tre chos discursivos ou seja desempenhando o papel de conectores tanto na fala como na escrita O conjunto de exemplos a seguir ilustra usos variáveis dos itens e aí daí e então na função de coordenação em relação de continuidade e consonância estabelecendo uma relação coesiva entre uma informa ção precedente e outra subsequente Os dados são oriundos de amostras orais do projeto VARSULSC e foram extraídos de Tavares 2003 Sociolinguística 66 Aí a minha mãe Ah pois é mas eu tenho que dar baixa nessa 1 carteira Aí o cara falou É mas a senhora não quer nada E a minha mãe disse Quer nada o quê É porque nós somos obrigados a vender um ônibus desses pra pagar ele porque a a carteira dele não está dando baixa ninguém deu baixa né MCFLP09J Aí no que ele chegou ali ele me convidou pra mim ouvir mú 2 sica com ele Aí eu disse Ah não eu não vou porque amanhã é outro dia e eu outro dia tenho que enfrentar todo mundo pai mãe tio todo mundo né Aí ele disse Não mas ama nhã eu fico contigo Eu disse Ah não Aí eu não sabia se eu acreditava nele se eu ria se eu chorava se eu não Eu não sabia a minha reação não tem SEFLP20 A costureira não quis fazer então eu e a minha irmã A minha 3 irmã não sabe costurar muito bem daí ela disse pra ele assim Não mas quando que nós vamos fazer serão A minha irmã disse pra ele Como nós vamos fazer esse serão se não tem costureira Daí ele disse Ah vocês não querem fazer então dá a carteira que eu dou as contas JRFLP02 Mas ele insistiu e disse Olha tem uma equipe de São Paulo 4 lá do Professor Odair Pedroso se for necessário nós podemos lhe mandar pra São Paulo fazer um curso Então eu disse Se é assim se desejam assim eu posso tentar se não decepcionar Então eu fiquei realmente três meses em treinamento com a equipe do Professor Odair Pedroso num no Hospital Celso Ramos ACFLP21 Observe os contextos oracionais em que aparecem os conectores nos quatro trechos E a minha mãe disse Aí eu disse Aí ele disse daí ela disse Daí ela disse Então eu disse Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 67 Tratase do mesmo contexto de introdução de discurso direto Em todos os casos o elemento variável dá sequenciação de modo coesivo ao texto Veja que nessa funçãosignificação eles são intercambiáveis atuando portanto como variantes que constituem uma mesma variável linguística No entanto se vistos isoladamente dificilmente diríamos que seriam variantes Provavelmente seria feita a seguinte classificação e conjunção coordenativa aí daí advérbio de lugar então advér bio de tempo Isso mostra o quanto é importante se considerar o contex to real de ocorrência dos dados que queremos analisar Vejamos outro exemplo de variação no nível discursivo Os dados são oriundos de amostras orais do VARSULSC e foram extraídos de RostSnichelotto 2009 Observe F Tem gente que faz colchão com a lã da ovelha Só que 5 ela tem lógico a gente tosa a ovelha porque no inverno ela no verão ela é tosada por causa do calor demais ela não pode Então tosa a ovelha a lã é lavada depois ela é seca no no a gente pendura ela no nos arames de de de esses ara mes farpados como eles chamam porque eles têm as farpas aí elas secam ali depois de secas elas são abertas inteirinhas Tem gente que abre com megadaime parece que eles chamam que são feitos com pregos então bate um no outro assim a lã vai abrin Mas o bom mesmo é abrir a lã sabe ir abrindo ela manualmente Eu fazendo aqui como se estivesse aparecen do ali né Lúcia Mas eu estou te mostrando Então daí são confeccionados colchões são confecci são confeccionados cobertores né pra enfrentar o frio dessa terra aqui Porque olha é frio mesmo no inverno Pode ver a lareira ainda não foi Ainda tem o vestígio do inverno porque não foi lavada ainda LGS 21 E E como é que ele se tornou pastor assim teve que estudar 6 F Aí aí ele foi aquele dia ele foi lá e se encontrou se né Ele veio de lá mudadinho mudadinho mudou naquela daque la daquele daquele dia em diante ele mudou ele já chegou mudado Viu como é que é Ele che ele chegou de lá Oh Sociolinguística 68 Ele não lia a Bíblia Você sabe que essa gente nova assim eles não gostam muito assim Oh Ele gostava de de baile carnaval não tinha um carnaval que ele não fizesse uma fantasia Ele ele desfilava na escola de samba sabe Não tinha um carnaval que ele não fizesse uma fantasia Eu tenho até hoje as fantasias dele ali E ele voltou de lá mudado mudado Ele fumava não fumou mais Daquele dia em diante ele não fumou mais Ele não foi mais ele não entrou nem num bar mais Verdade Eu fiquei Agora você vê né a gente Por isso que eu digo Deus o que ele tem pra gente pra vida da gente pra pessoa eu acho que né eu acho que ele escolhe decerto a pessoa né A pes soa é escolhida por Deus né Esse foi escolhido porque vê ele chegou de lá aquele dia mesmo ele não deitava sem se ajoelhar na assim na beira da cama dele orar ler a Bíblia E ao meio dia assim no almoço e tudo às vezes os pais precisam tava estar dizendo ore ou né faça uma oração Nunca mais ele dei xou isso aí orar na hora da antes de do almoço quando senta na mesa E ter a Bíblia isso ele fazia né direto Não pre cisou mais falar nada pra ele fazer LGS 13 Os marcadores discursivos olha e vê destacados nos trechos acima são usados para chamar a atenção do interlocutor sobre a informação que está sendo veiculada Eles têm caráter textualinterativo pois ao mesmo tempo que chamam a atenção do interlocutor também auxiliam no estabelecimento de relações coesivas de causalidade inclusive com a presença do conector porque nos dois trechos Os itens olha e vê estão funcionando como variantes nesse caso Repare que ambos são marca dores derivados de verbos de percepção visual Existem ainda expressões de caráter discursivo como mas bah pô cara aí orra meu pronto que são facilmente associadas a falan tes gaúchos cariocas paulistas e nordestinos respectivamente consti tuindose em variantes regionais Capítulo 03 A dimensão interna níveis de variação linguística 69 Desafio a Antes de passar ao Capítulo 4 que vai tratar da dimensão externa da variação leia com atenção a bela cantiga Cuitelinho e reflita so bre os níveis de variação linguística discutidos neste Capítulo 3 Cuitelinho Cheguei na bera do porto onde as onda se espaia As garça dá meia volta senta na bera da praia E o cuitelinho não gosta que o botão de rosa caia Quando eu vim de minha terra despedi da parentaia Eu entrei no Mato Grosso dei em terras paraguaia Lá tinha revolução enfrentei fortes bataia A tua saudade corta como aço de navaia O coração fica aflito bate uma a outra faia E os oio se enche dágua que até a vista se atrapaia Cantiga popular brasileira autor desconhecido b Tente fazer um levantamento das variantes que ocorrem na can tiga distribuindoas em grupos conforme os diferentes níveis lin guísticos fonológico morfológico sintático e discursivo c Discuta os seus achados com os colegas Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 71 4 A dimensão externa da variação linguística Como a linguagem é em última análise um fenômeno social fica claro para um sociolinguista que é necessário recorrer às variações derivadas do contexto social para encontrar respostas para os problemas que emergem da variação inerente ao sistema linguístico CAMACHO 2001 p 50 Como já apontamos a abordagem da língua pode se dar numa di mensão interna eou numa dimensão externa Este capítulo é dedicado à dimensão externa da variação linguística Vamos tratar dos seguintes tipos Variação ǿ regional ou geográfica ou diatópica Variação ǿ social ou diastrática Variação ǿ estilística ou diafásica Variação na ǿ fala e na escrita também chamada de variação dia mésica cf ILARI BASSO 2006 Ressaltese que essa classificação por tipos não quer dizer que eles ocorram separadamente e nem que sejam independentes da dimensão interna da variação Normalmente o que ocorre é uma combinação dos fatores que condicionam a forma como falamos Na dimensão externa da variação estudamos os fatores extralinguísticos aqueles que como o nome sugere encontramse fora da estrutura da língua Para a Socio linguística esses fatores são tão importantes quanto os linguísticos 41 Breve retrospectiva Os fatores extralinguísticos foram o alvo do estudo pioneiro de La bov realizado na ilha de Marthas Vineyard Massachusetts em 1962 O autor procurou relacionar diferentes produções ie diferentes pronún cias do primeiro elemento dos ditongos ay e aw como em right e house respectivamente com características sociais dos habitantes da ilha Essas características sociais numa pesquisa sociolinguística trans formamse nos fatores condicionadores extralinguísticos Lembrese de que na dimensão interna da variação consideramos os fatores que são internos à língua nos seus diferentes níveis lexical fonológico morfológico sintático e discursivo Sociolinguística 72 A motivação desse estudo foi a percepção de que aqueles ditongos poderiam ser pronunciados de diferentes maneiras Além da pronúncia padrão de Nova Inglaterra variedade normalmente seguida pelos ha bitantes de Marthas Vineyard e havia outras que tendiam à centralização da primeira vogal como a realização de ə e ə um schwa e mesmo de e e e Labov foi então em busca de explica ções para a variação fonética que observou Para melhor entendermos os resultados a que o autor chegou vamos primeiro conhecer a organi zação social de Marthas Vineyard e perceber como ela foi aproveitada na metodologia empregada na pesquisa Basicamente a ilha de Marthas Vineyard é dividida em UpIsland Ilha Alta uma região rural que combina fazendas e vilas com um grande espaço desabitado e DownIsland IlhaBaixa que conta com três pequenos centros urbanos onde viviam cerca de ¾ de uma popu lação de 5563 habitantes de acordo com o censo realizado em 1960 As etnias que lá habitavam eram as de origem indígena de origem por tuguesa e de origem inglesa Labov desconsiderou em seu estudo o grande número de turistas que permanecia na ilha apenas nos meses de verão nesse período o número de habitantes subia consideravelmente chegando à marca de 42000 Labov procurou dados dos ditongos ay e aw em diferentes situa ções na fala casual através da observação da interação entre falantes na rua em bares etc na fala com acento emocional através de questionários que requeriam aos informantes emitir juízos de valor na fala cuidada atra vés de entrevistas e na leitura pedindo aos informantes para que lessem uma história em voz alta As entrevistas foram realizadas com 69 nativos de Marthas Vineyard representantes das diferentes regiões da ilha Entre eles 40 eram upislanders provenientes da Ilha Alta e 29 eram downislanders provenientes da Ilha Baixa Labov controlou também a ocupação dos informantes 14 deles eram pescadores 8 se ocupavam da agricultura 6 trabalhavam em construções 19 eram comerciantes 3 eram profissionais liberais 5 eram donas de casa e 14 eram estudantes A divisão entre grupos étnicos foi a seguinte 42 descendentes de ingleses 16 de portugueses e 9 de índios Os fatores idade e sexogênero dos informantes também foram considerados Por meio das entrevistas Labov obteve 3500 dados de ay e 1500 de aw que lhe renderam interessantes resultados Observe na descrição da metodologia da pesquisa de Labov em Marthas Vineyard a estratificação social dos informantes de que falamos na Unidade A Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 73 Labov considerou além dos fatores sociais os seguintes fatores linguís ticos i ambiente fonético ou seja quais eram as consoantes precedentes e subsequentes aos ditongos ay e aw ii fatores prosódicos isto é a tonici dade das formas linguísticas em que apareciam os ditongos iii influência estilística que deveria refletir nos dados as diferentes situações em que eles foram coletados fala casual fala com acento emotivo fala cuidada e leitu ra iv considerações lexicais ou seja em que palavras esses ditongos ten diam a ser pronunciados centralizados Esses fatores na pesquisa realizada em Marthas Vineyard se mostraram pouco ou não significativos Seus resultados mostraram porém que a centralização dos diton gos ay e aw estava atrelada à estratificação social dos informantes muito mais do que aos fatores linguísticos As explicações encontradas não estavam na estrutura da língua não havia quase nada no contexto linguístico que condicionava um falante a pronunciar de uma maneira ou de outra os ditongos pesquisados As explicações estavam fora da língua estavam no contexto social dos informantes da pesquisa Vamos dar uma olhada nos resultados da pesquisa e depois enten der as conclusões a que Labov chegou Quanto ao fator idade considerandose todo o grupo entrevistado a faixa etária que mais favoreceu a centralização dos ditongos ay e aw foi a dos 31 aos 45 anos A região UpIsland área rural foi a que mais apresentou centralização sendo que os mais altos índices foram encon trados entre os habitantes de um lugarejo chamado Chilmark onde a maior parte da economia está concentrada na pesca E foi exatamente o grupo dos pescadores no fator ocupação que apresentou os maiores índices de centralização Já quanto ao fator etnia foram os descendentes de ingleses que se destacaram Além disso um fator se revelou signi ficativo nos juízos de valor emitidos pelos informantes a questão da identidade e da atitude como veremos a seguir Esses resultados fazem muito sentido quando associados à história so cial da ilha A região de Chilmark na UpIsland é habitada por descenden tes de ingleses que como dissemos conservam a pesca como sua principal ocupação Eles são conhecidos por serem diferentes dos demais habitantes da ilha por serem independentes e por defenderem seu modo de vida Nas entrevistas realizadas por Labov frequentemente os informantes se refe Na Unidade D conhece remos os passos de uma pesquisa sociolinguística Sociolinguística 74 riam aos habitantes de Chilmark como típicos velhos ianques Acontece que àquela época Marthas Vineyard vinha passando por grandes trans formações econômicas e sociais A prática da pesca uma atividade tradi cional vinha decaindo e a atividade turística crescendo invadindo a ilha não só espacialmente como também culturalmente Esse processo resultou em uma divisão de um lado ficaram os que na tentativa de preservar sua cultura e identidade reagiram negativamente à atividade turística de outro lado aqueles que reagiram positivamente ou não se importaram com as mudanças buscando integração com a nova atividade econômica e com as diferenças culturais trazidas por ela Os habitantes de Chilmark incluíram se majoritariamente no primeiro grupo Por isso dizemos que o estudo de Labov em Marthas Vineyard tem seus resultados amparados na identidade e na atitude dos falantes com relação à ilha Aqueles que se identificam com a ilha e são avessos aos turistas centralizam mais os ditongos ay e aw para preservarem sua marca de identidade como os habitantes de Chilmark aqueles que são neutros ou reagem positivamente ao turismo apresentam em menor escala essa centralização ou não a apresentam Para refinar ainda mais sua análise na questão da atitude e da identi dade Labov comparou a fala de jovens descendentes de famílias inglesas Aqueles que queriam sair da ilha e procurar diferentes oportunidades de emprego centralizavam pouco ou não centralizavam os ditongos ay e aw aqueles que queriam permanecer na ilha centralizavam muito mais A maior contribuição desse estudo foi mostrar a grande influên cia que os fatores condicionadores extralinguísticos podem ter sobre a língua ou seja as motivações sociais que a variação linguística pode apresentar Ele se tornou um clássico e serve até hoje como base para outras pesquisas sociolinguísticas Além do trabalho de Labov sobre a variação dos ditongos ay e aw em Marthas Vineyard destacase também seu trabalho na cidade de Nova Iorque sobre The social stratification of r in New York city de partment stores Nesse trabalho o autor confirma a hipótese segundo a qual se dois subgrupos de falantes de Nova Iorque são ordenados numa escala de estratificação social eles serão ordenados da mesma maneira por seus usos diferenciados de r Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 75 O autor parte de uma questão preliminar pretende verificar um problema metodológico clássico se o meio usado para recolher os dados interfere nos dados recolhidos Busca investigar a variável presençaau sência de r em posição pósvocálica car card four fourth etc em três lojas de departamento de Nova Iorque Sacks Fifth Avenue classe média alta Macys classe média baixa e S Klein classe baixa testando i se o uso de r é um diferenciador social em todos os níveis de fala da ci dade de Nova Iorque e ii se eventos de fala rápidos e anônimos podem ser usados como base para um estudo sistemático da linguagem A coleta de dados foi realizada nas três lojas em duas tardes e o pro cedimento de coleta método chamado de inquérito breve e anônimo baseouse numa metodologia bem simples o entrevistador perguntava aos seus informantes os empregados do local onde ficava uma determi nada sessão da loja a fim de obter como resposta a expressão fourth floor quarto andar em dois momentos como resposta casual a primeira resposta do informante e enfática a segunda resposta do informante que ao perceber que não havia sido compreendido pronuncia a expres são fourth floor com a fala mais cuidada como descrito abaixo Entrevistador Excuse me where are x Informante Fourth floor estilo casual Entrevistador Excuse me Informante Fourth floor estilo cuidado e acento enfático Após fazer a pergunta longe dos olhos dos informantes o pesqui sador registrava todos os dados ou seja todas as ocorrências e as ausên cias de r em posição pósvocálica na expressão fourth floor tanto na resposta casual quanto na resposta enfática Os resultados da estratifica ção do r por loja mostraram que 62 de empregados da Sacks 51 da Macys e 21 da Klein usaram totalmente ou algum r em suas respostas ao inquérito Os resultados quanto ao uso do r dispõem os emprega dos numa ordem idêntica à gerada pelo nível socioeconômico das três lojas quanto mais alto o nível socioeconômico da loja mais se observa o uso do r quanto mais baixo o nível menos se observa o uso Note se que o uso do r era a variante nova e de prestígio do novaiorquino A variante conservadora e estigmatizada era a ausência de r As lojas investigadas foram estratificadas de acordo com os seguin tes critérios localização geográfica anúncios em jornais listas de preços de mercadorias espaço físico das lojas prestígio da loja e condições de trabalho dos funcionários Vale lembrar porém que a tradição anglófila ensina va que a pronúncia do r era um traço provinciano e que a pronúncia correta era o apagamento do r de acordo com o inglês britânico A influência da norma britânica pode ser constatada na fala dos in formantes da classe média alta em torno de 40 anos e da classe média baixa em torno de 50 anos Sociolinguística 76 Novamente se afirma a correlação entre fenômeno linguístico e social 42 Tipos de variação Agora vamos conhecer que tipos de variação podem resultar da influência de fatores extralinguísticos 421 Variação regional ou diatópica É a variação diatópica também conhecida por regional ou ainda geográfica a responsável por podermos identificar às vezes com bas tante precisão a origem de uma pessoa através do modo como ela fala É possível saber quando um falante é gaúcho mineiro ou de um dos estados do Nordeste por exemplo Mas o que é que nos permite fazer essa distinção O aparato teóricometodológico da Sociolinguística nos equipa para que possamos sair de um nível impressionístico e às vezes carica to da variação geográfica e descubramos quais são exatamente as mar cas linguísticas que caracterizam a fala de uma região em relação à de outra Em geral itens lexicais particulares certos padrões entoacionais e principalmente certos traços fonológicos respondem pelo fato de que falantes de localidades diferentes apresentem dialetos diferentes de uma mesma língua Veremos alguns exemplos em seguida A variação regional pode ser estudada colocandose em oposição diferentes tipos de unidades espaciais podemos dizer que existe varia ção regional entre Brasil e Portugal dois países entre o Nordeste e o Sul do Brasil duas regiões de um mesmo país entre Paraná e Santa Catarina dois estados de uma mesma região entre Chapecó e Floria nópolis duas cidades de um mesmo estado e mesmo entre falantes do Centro de Florianópolis e falantes do Ribeirão da Ilha dois bairros de uma mesma cidade É comum também que se analise variação regional entre zonas urbanas e zonas rurais ou do interior Exemplos claros podem ser encontrados em novelas e em programas humorísticos que vez ou outra fazem uso de mar cas distintivas da fala de uma região para a carac terização de personagens embora isso sirva em certos casos para reforçar um estereótipo negativo sobre as pessoas de uma região como o do nor destino preguiçoso do caipira ignorante etc A Sociolinguística Varia cionista tem uma defini ção particular de dialeto diferente daquela do senso comum e mesmo de outras áreas da Lin guística Aqui tomamos dialeto como sinônimo de variedade conceito que vimos no final do Capítulo 2 e se aplica tanto para a variação regional quanto para a variação social Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 77 A variação regional está associada algumas vezes à etnia coloni zadora de uma comunidade Isso ocorre porque a língua do povo colonizador acaba influenciando a língua da região colonizada No Brasil apesar de termos sido originalmente colonizados por portu gueses tivemos um grande fluxo imigratório de diversos povos alemães italianos espanhóis açorianos japoneses e eslavos entre outros sem contar os povos africanos que foram trazidos como mãodeobra escrava e povos indígenas que já habitavam o terri tório brasileiro o que faz do nosso país um espaço pluridialetal um prato cheio para a pesquisa sociolinguística Devemos ter cautela no entanto pois nem toda variação regional pode ser explicada pelo fator colonização Um exemplo de variação regional é a pronúncia das vogais e e o prétônicas como nas palavras peteca e moderno que no diale to nordestino de algumas regiões são pronunciadas abertas pteca mderno e no dialeto do Sudeste e do Sul do Brasil são pronunciadas fechadas peteca moderno A pronúncia do fonema r em final de sílaba coda silábica como na palavra porta também é bastante variada No interior de São Paulo temos o retroflexo que é comu mente chamado de r caipira embora essa terminologia não seja das mais apropriadas por trazer certa conotação negativa Já na capital do mesmo estado ouvese a vibrante r Ainda temos a fricativa velar e a fricativa glotal normalmente associadas ao dialeto carioca Reflita a A sua região recebeu imigrantes Existe algo típico da fala de sua comunidade que revele a influência dessa colonização b Pense em alguns exemplos de variação regional Registreos c Discuta seus achados com os colegas Sociolinguística 78 422 Variação social ou diastrática Da mesma forma que a fala pode carregar marcas de diferentes re giões também pode refletir diferentes características sociais dos falan tes A essa propriedade dáse o nome de variação social Os principais fatores sociais que condicionam a variação linguística são o grau de es colaridade o nível socioeconômico o sexogênero a faixa etária e mes mo a profissão dos falantes conforme exemplificamos a seguir Grau de escolaridade ǿ Por terem um contato maior com a cul tura letrada e com o uso da variedade padrão da língua supõe se que em geral falantes altamente escolarizados dificilmente produzirão formas como nós vai ou a gente vamos que são tí picas de falantes pouco ou não escolarizados É mais provável que eles falem nós vamos e a gente vai Outro exemplo de variação condicionada pelo fator escolaridade é a marcação do plural nos elementos de um sintagma nominal Falantes mais escolarizados tendem a produzir formas como as meninas boni tas marcando o plural em todos os elementos do sintagma ao passo que falantes menos escolarizados tendem a produzir formas como as meninas bonita ou as menina bonita marcando o plural em um ou dois elementos do sintagma Nível socioeconômico ǿ É um fator muito estudado princi palmente nos trabalhos de Labov e de seu grupo de pesqui sa sobre o inglês de Nova Iorque Resultados de seus estudos mostram que o grupo social menos privilegiado favorece o uso de variantes nãopadrão da língua enquanto os mais privile giados optam pela variante padrão Mas essa constatação em geral é correlacionada com ocupação e estratificação estilísti ca O efeito de indicadores sociais sobre o perfil sociolinguísti co dos falantes não é nada simples Segundo Mollica 2008 p 29 origem social renda acesso a bens materiais e culturais ocupação grau de inserção em redes sociais são alguns dos in dicadores sociais No Brasil há poucos estudos que levam em consideração esses indicadores Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 79 Sexogênero ǿ Quanto à variação social relacionada a sexogê nero dos informantes Paiva 2008 p 39 levanta a seguinte questão Como explicar os padrões regulares depreendidos em di ǿ ferentes pesquisas e a natureza das possíveis diferenças lin guísticas entre homens e mulheres Alguns estudos mostram que as mulheres são mais conservadoras do que os homens Elas em geral preferem usar as variantes reconhe cidas socialmente é como se elas fossem mais receptivas à atuação nor matizadora da escola Esses resultados segundo Paiva 2008 requerem cautela afinal os papéis feminino e masculino nas diversas sociedades estão a todo momento sofrendo transformações É bem possível que a explicação sobre as diferenças linguísticas en tre os sexosgêneros estejam relacionadas com o papel que a mulher tem na vida pública das sociedades O comportamento conservador é muitas vezes espelho da história particular e das histórias culturais das diferen tes regiões As mulheres nas sociedades ocidentais como Europa EUA Canadá e América Latina são mais conservadoras do que os homens mas em sociedades como Índia e na Ásia em que não têm um papel de destaque reagem menos fortemente às normas da cultura dominante Nesse caso o comportamento conservador é observado na fala dos ho mens cf Labov 1982 Paiva sugere que uma atitude mais adequada seria portanto a de correlacionar sempre a variável sexogênero com faixa etária da popu lação e se possível com a história social das diferentes comunidades investigadas para que as transformações culturais e as mudanças com portamentais das faixas mais jovens da população possam ser levadas em consideração também Faixa etária ǿ A questão da relação entre variação linguística e idade do falante tem suscitado muitas reflexões dentre os so ciolinguistas no Brasil e no mundo pois em geral entra em jogo a questão da mudança linguística Estudos que levam em conta esse fator têm tentado responder as seguintes questões Variação e mudança Variação implica duas ou mais formas que concorrem para expressar um mesmo significado enquanto mudança implica pro cesso de substituição gradual de uma forma por outra Sociolinguística 80 Como se relacionam a variaçãomudança no ǿ indivíduo e na comunidade A língua falada pelo ǿ indivíduo pode realmente mudar no decorrer dos anos Segundo Naro 2008 existem duas posições teóricas que mesmo sem evidência empírica convincente dão respostas diferentes a essas perguntas A primeira resposta a clássica vem dos que acreditam que o pro cesso de aquisição da linguagem se encerra mais ou menos na puberda de E que a partir desse momento a língua espontânea ou o vernáculo do indivíduo fica basicamente estável ou seja o indivíduo não muda sua língua espontânea no decorrer dos anos Alguns estudos atestam essa hipótese clássica quando trazem re sultados que mostram indivíduos adultos tendendo a preferir formas antigas e os mais jovens formas novas Nesse caso indivíduos adultos estariam refletindo o estado da língua adquirida quando tinham apro ximadamente 15 anos de idade Assim sendo a fala de uma pessoa de 70 anos estaria refletindo a fala usada 55 anos atrás Ao comparar a fala desse adulto de 70 anos e a fala de um jovem que nos dias atuais tem 15 anos poderíamos enxergar mudança em curso na sincronia A mu dança pode ser atestada nesse caso na comparação entre as diferentes faixas etárias e não na fala de um mesmo indivíduo Temos então va riação na comunidade e estabilidade no indivíduo As gírias antigas e novas são reflexos dessa mudança em curso por exemplo Esse tipo de mudança é conhecido como mudança em tempo aparente Por ou tro lado além de a fala do indivíduo permanecer estável a comunidade também pode refletir essa estabilidade A segunda resposta é que a língua falada pelo indivíduo pode mu dar no decorrer dos anos Naro mostra que nem toda variação na fala representa mudança linguística em progresso Existem casos em que o uso linguístico diferenciado pelas faixas etárias não revela mudança mas variação estável Quando essa variação pode se observada Em geral quando jovens e velhos apresentam o mesmo comportamento linguís tico contrastandose com a população de meia idade principalmente Na Unidade C ilustraremos esse tipo de mudança Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 81 com a população que estiver no mercado de trabalho Essa em geral usa uma linguagem mais monitorada mais condizente com a varieda de padrão Isso significa dizer que indivíduos podem mudar sua língua no decorrer dos anos E esse comportamento pode se mostrar estável na comunidade Nesse caso o indivíduo muda seu comportamento linguístico durante a sua vida mas a comunidade à qual pertence per manece estável Alguns estudos sobre a concordância verbal e nominal têm atestado esse processo Por outro lado além de a fala do indivíduo mudar a comunidade também pode refletir essa mudança Em síntese A correlação entre faixa etária e variaçãomudança linguística no in divíduo e na comunidade pode revelar os seguintes processos A fala do indivíduo permanece estável e a comunidade muda a A fala do indivíduo permanece estável e a comunidade também b permanece estável A fala do indivíduo muda e a comunidade permanece estável c A fala do indivíduo muda e a comunidade também muda d Enfim vale salientar que na dimensão externa grupos de fatores como nível de escolaridade nível socioeconômico e sexogênero para se investigar estudos em variação não devem ser considerados isola damente e podem explicar entre outras coisas o fato de um dialeto se aproximar mais ou menos da norma culta ou de prestígio conceito que vimos no livrotexto de Introdução aos Estudos Gramaticais Com re lação a grupos de fatores como faixa etária estudos têm mostrado que não podem ser estudados sem que se leve em conta uma correlação entre indivíduo e comunidade e entre esse fator e os demais fatores sociais 423 Variação estilística ou diafásica Um mesmo falante pode usar diferentes formas linguísticas depen dendo da situação em que se encontra Basta pensarmos que a maneira como falamos em casa com nossa família não é a mesma como falamos Esses fatores sociais serão retomados na Unidade C quando tratarmos dos problemas empíricos para uma Teoria da Mudança Linguística Sociolinguística 82 em nosso emprego com o chefe O que está em jogo aí são os diferentes papéis sociais que as pessoas desempenham nas interações que se esta belecem em diferentes domínios sociais na escola na igreja no traba lho em casa com os amigos etc Os papéis sociais que desempenhamos vão se alterando em conformidade com as situações comunicativas en tre professor e aluno patrão e empregado pais e filhos irmãos etc Es ses papéis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais e são construídos no próprio processo da interação humana BORTONIRICARDO 2004 p 23 Os papéis representam tipos de relações que ocorrem entre o locu tor e seu interlocutor as chamadas relações de poder e solidariedade o contexto ou domínio social se a comunicação ocorre na escola no trabalho em casa na igreja na vizinhança etc e até mesmo o assunto sobre o qual se conversa Esses são fatores que determinam a variação estilística uma questão de adequação ao contexto em que ocorre a comunicação Certamente em situações mais formais usamos uma linguagem mais monitorada ou seja prestamos mais atenção à forma como falamos enquanto que em situações mais informais usamos uma fala mais coloquial Essas duas linguagens são chamadas respectivamente de registro formal e registro informal Apesar da classificação entre registro formal e informal normal mente nossa fala não apresenta somente esses dois extremos É mais apropriado pensarmos que existe um continuum que perpassa situações de maior ou menor formalidade correspondendo a registros mais ou menos formais entre esses dois polos Ou seja mais do que dois modos que se opõem temos graus de formalidade que permeiam as situações cotidianas de interação Eventualmente falantes vão apresentar uma escala maior ou menor de possibilidades de registro dependendo de seu desempenho linguístico As crianças por exemplo usualmente não apresentam uma escala grande e portanto têm menor possibilidade de variar estilisticamente seus registros Macedo 2008 apresenta alguns exemplos de variação em que se perceberam influências estilísticas o estudo mais clássico é o de Labov a respeito da variação no r em inglês Ele realizou coletas de cinco formas distintas que apontaram uma gradação entre um estilo mais A expressão poder e soli dariedade está associada às relações sociais de hie rarquia e intimidadeproxi midade que existem entre os participantes de uma situação comunicativa Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 83 monitoradoformal e menos monitoradoinformal entrevista com o informante leitura de um texto leitura de palavras leitura de pares mí nimos e conversa informal Labov atestou a correlação entre o emprego das variantes de prestígio nos estilos mais formais e o das variantes de menor prestígio nos estilos mais casuais No Brasil o trabalho de Naro e Lemle 1977 sobre a variação na concordância verbal foi pioneiro na consideração dos fatores estilísticos Os autores chegaram ao resultado de que nos discursos informais nos contextos familiares e em situações menos formais os falantes eram me nos propensos a realizar a marca de concordância verbal no plural do que nos discursos formais nãofamiliares e em contextos menos formais em que era favorecida a marcação explícita da concordância Scherre 1978 analisou na mesma amostra a variação na concordância nominal e chegou a resultados semelhantes a marca explícita de plural era favorecida pelas situações tensas e a eliminação dessa marca pelas situações distensas Fica clara portanto a hipótese que em geral guia as análises do papel do estilo na variação linguística diferenças de contextos formal e informal levariam os falantes a empregar respectivamente estilos tam bém formais ou informais MACEDO 2008 p 60 Passemos agora a mais um eixo da dimensão externa da variação linguística a variação diamésica 424 Variação na fala e na escrita ou diamésica A palavra diamésica se relaciona etimologicamente à ideia de vá rios meios no contexto da Sociolinguística os meios ou códigos a que nos referimos são a fala e a escrita Mas o que basicamente difere a fala da escrita ǿ Uma resposta pode ser esboçada ao considerarmos suas condições básicas de produção Comecemos pela fala Podemos dizer que salvo em situações excepcionais como o proferimento de uma palestra por exemplo a produção de um texto falado é uma atividade espontânea improvisada e suscetível a variação nos mais diversos níveis Já a escrita constituise como uma atividade artificial não espontânea ensaiada no sentido de que reserva tempo e espaço para planejamento revisões Este é um eixo um tanto diferente da variação pois trabalha com as caracte rísticas de dois códigos distintos enquanto os outros níveis da dimensão externa da variação dizem respeito a fenômenos que se manifestam no mesmo código geralmente o da fala Sociolinguística 84 e reformulações e um pouco menos variável pois em geral está mais vinculada à produção de gêneros sobre os quais há mais regras e maior monitoramento O que essas diferenças fundamentais provocam mais superfi ǿ cialmente nos próprios textos falado e escrito que nos permi tam falar em variação diamésica Ao falarmos e especificamente ao nos envolvermos em um diá logo faceaface não temos a nosso dispor o tempo que costumamos ter para o planejamento de um texto escrito Devido a esse caráter na turalmente improvisatório da produção do texto falado as sequências linguísticas produzidas estão sujeitas a falsos inícios a reformulações e a correções que não podem ocorrer senão no momento em que o texto é produzido Levese em conta também que ao interagirmos através da fala temos acesso a diversas informações contextuais que não estão presentes em um texto escrito geralmente podemos verouvir nosso in terlocutor e no decorrer da interação captar sinais que são indicativos de que direção devemos tomar em nossos turnos Por conta disso o texto resultante será pontuado de mecanismos de organização textu al particulares como os marcadores discursivos por exemplo Temos assim em síntese no texto falado o caráter espontâneo improvisado e em alto grau vinculado ao contexto extralinguístico que lhe confere pela possibilidade de correção e reformulação online do texto que está sendo produzido as diversas marcas formais que sinalizam não só esse processo mas nossa relação com nosso interlocutor com o assunto etc Vejamos agora como se constitui o texto escrito O grau em que ele se difere do texto falado se deve em grande parte ao tempo de plane jamento que caracteriza sua produção Ao trabalharmos sobre um texto escrito como este por exemplo geralmente temos tempo para planejar com antecedência sobre o que discorreremos em que ordem os argu mentos serão apresentados que mecanismos linguísticos são os mais adequados para os objetivos definidos e concomitantemente quais são os mecanismos esperados para o gênero no qual produzimos nosso texto Dessa forma as hesitações repetições e reformulações caracte rísticas do texto falado não são muito prováveis em um texto escrito pois a princípio toda a tarefa de planejamento formulação e revisão Essas considerações são feitas pensandose na fala natural espontânea Devemos relativizálas se quisermos considerar também a fala planejada Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 85 reformulação do texto já foi feita antes que seus leitores tivessem acesso ao produto final Além disso sabemos que a escrita por geralmente estar associa da a ambientes de maior monitoramento linguístico costuma impor a seus produtores regras mais rígidas de conformidade às formas da va riedade padrão É claro usamos a escrita para os mais diversos fins com uma gama de variação estilística que pode guardadas as proporções ser comparada à da fala mas ainda assim na escrita encontramos formas mais ligadas às variedades de prestígio Na fala encontramos formas mais ligadas à linguagem coloquial Lembramos novamente que na variação diamésica é necessário relativizar assim como não existe uma oposição polarizada entre os re gistros formal e informal também não há uma fronteira rígida entre as modalidades oral e escrita da língua Uma amostra interessante para se analisar comparativamente fala e escrita pode ser buscada através de uma metodologia de coleta de da dos que opõe uma versão oral e outra escrita de uma mesma narrativa de experiência pessoal SilvaBrustolin 2009 fez este tipo de coleta de dados e conseguiu resultados bem significativos Vejamos dois exemplos abaixo Os trechos selecionados de fala e de escrita são de alunos da oitava série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Florianópolis Dados de fala Bom a minha história é que um dia quando eu tinha seis anos é eu fui passeá na fazenda de uma amiga minha Era sábado de manhã e a gente saiu de casa Mais quando a gente chegô lá eu fiquei muito animada e a gente quis í vê os animais então a gente foi vê as galinha Daí quando eu entrei lá dentro meu chinelo ficou entalado daí a minha amiga o nome dela é Sofia ela foi lá tentá tirá meu chinelo aí eu fiquei tão animada quando eu vi o chinelo na mão dela queu peguei e larguei a porta e fui pegá meu chinelo e as galinha fugiro Informante feminino A da 8ª série Dados de escrita Pra mim uma das coisas mais importante é a família Pois a minha vó e vô mora num sitio em petrolandia e todos meses a gente aluga um onibus e vamos toda a familia deis de filhos tios e netos Os chats em EaD que você está vivenciando desde o início do Curso de Letras e os livrostextos são exem plos de como essa dicoto mia está em xeque pois se tratam de um espaço em que a interação se dá via escrita mas com diversos elementos considerados típicos da fala Sociolinguística 86 Fomos pra la esse mês pro aniversario dos meus avós la nós dançamos eu dirigi a moto do meu tio andamos de cavalo fizemos quentão re sumindo fizemos uma festa de arromba e o mais importante é que a família estava toda unida e felizes Informante feminino B da 8ª série Nos exemplos apresentados os informantes narram em ambas as modalidades pequenas histórias que vivenciaram SilvaBrustolin 2009 verificou que os pronomes nós e a gente na fala e na escrita fo ram usados diferentemente há um uso majoritário do pronome de pri meira pessoa a gente a forma nova e de sujeito preenchido na fala enquanto na modalidade escrita há uma predominância do pronome nós com sujeito nulo Essa diferença atesta segundo ela que a interação espontânea se aproxima da fala e que a interação planejada e que exige maior atenção do falante diz respeito à escrita Desafio a Observe a tirinha abaixo e reflita sobre os tipos de variação linguís tica que podemos encontrar na fala das personagens Rosinha e Chico Bento HQs de Chico Bento coleção Linhas e Entrelinhas vol 2 p 154 Extraída de VIANA Suelen A Por uma interface sociolingüística no livro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Florianópolis UFSC 2005 b Destaque fenômenos variáveis encontrados na fala das personagens c Converse com seus colegas sobre essas diferenças e pense em um trabalho que poderia ser feito na sala de aula sobre diferenças regionais e ou sociais Capítulo 04 A dimensão externa da variação linguística 87 Fechando a Unidade B Nesta Unidade tratamos em primeiro lugar das dimensões inter nas da língua a partir dos níveis linguísticos lexical fonológico morfo lógico sintático e discursivo apresentando sucintamente alguns fenôme nos em variação em cada um desses níveis Foram levantadas evidências de um sistema heterogêneo de língua a língua portuguesa a partir da discussão de diferentes regras variáveis e de conjuntos de variantes que se alternam de acordo com motivações internas e externas Em segui da trazemos algumas discussões sobre a correlação entre as dimensões externas regional ou diatópica social ou diastrática situacional ou dia fásica e através do meio ou diamésica e a variação linguística confir mando o que diz Cedergren 1983 apud BENTIVOGLIO 1987 p 7 É essencialmente por meio da variação que se manifestam os parâmetros de diferenciação social os processos dinâmicos de variação estilística e a interação de fatores do sistema lingüístico Leia mais VANDRESEN Paulino Org Variação mudança e contato lingüístico no português da Região Sul Pelotas Educat 2006 Variação e mudança no português falado da Região Sul Pelotas Educat 2002 As duas coletâneas indicadas acima são compostas de artigos escritos por pesquisadores do Sul do Brasil Tais artigos discutem fenômenos linguísticos em variação nos diferentes níveis da gramática fonológico morfológico sin tático e discursivo trazendo explicações muito significativas sobre fatores in ternos e externos que condicionam cada um dos fenômenos investigados Unidade C Variação e mudança linguística Objetivo da Unidade Identificar os principais fundamentos empíricos para uma teoria ǿ da mudança linguística Nesta Unidade apresentamos os principais fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística propostos por Weinreich La bov e Herzog WLH 2006 1968 Discutiremos questões relacionadas à mudança e ao tempo princípios gerais e problemas empíricos par tindo de uma discussão entre língua homogênea e língua heterogênea retomando noções já apresentadas na Unidade A para chegarmos à concepção de que é da heterogeneidade que emerge a mudança Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 91 5 Mudança linguística e o tempo As teorias da linguagem do passado ou atuais sempre refletem concep ções particulares de fenômenos linguísticos e compreensões distintas do papel destes na vida social em cada época as teorias linguísticas definem a seu modo a natureza e as características relevantes do fenômeno linguístico ALKMIM 2001 p 22 Sabemos que cada estado da língua é resultado de um longo e con tínuo processo histórico Em cada momento do tempo as mudanças es tão ocorrendo ainda que imperceptíveis Como o inglês do século XV é diferente do inglês do século XX o português do século XV também não é o mesmo do português do século XX Assim também o inglês e o português do futuro serão diferentes do inglês e do português atuais E isso ocorre com todas as línguas humanas Mas afinal de contas se a língua muda como é que as pessoas con tinuam a se comunicar enquanto ela passa por períodos em que suposta mente haveria menor sistematicidade Essa é uma das grandes questões discutidas por WLH 2006 1968 no livro clássico Empirical foundations for a theory of language change Uma das primeiras respostas dos autores foi a de que a mudança linguística não afeta a estrutura da língua isto é a língua continua estruturada enquanto as mudanças vão ocorrendo Investigaremos a seguir as propostas teóricometodológicas dos autores começando com a discussão sobre homogeneidade e heteroge neidade que já introduzimos a você na Unidade A 51 Homogeneidade versus heterogeneidade Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística im plica mudança mas toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade WLH 2006 1968 p 126 Abrimos esta seção parafraseando a epígrafe acima um postulado importante que não deve ser esquecido por você na língua nem tudo A versão que será utilizada neste livrotexto é a obra Fundamentos empíricos para uma teoria da mudan ça linguística traduzida por Marcos Bagno de 2006 Sociolinguística 92 que varia sofre mudança mas toda mudança linguística pressupõe variação Isso significa que o fato de existirem duas variantes com o mesmo valor de verdade que competem pelo mesmo espaço não quer dizer que uma delas vai se tornar obsoleta e que a outra vai ser a forma padrão Duas variantes podem conviver em variação durante anos sem que haja substituição de uma forma por outra ou seja sem que haja mudança Em outras palavras duas variantes podem conviver numa si tuação de variação estável Retomemos mais uma vez o exemplo que foi colocado na Apre sentação deste livro As formas firme e filme convivem na nossa socieda de marcando uma diferença entre a fala rural eou pouco escolarizada e a fala padrão Qualquer pessoa saberia dizer que entre as formas con correntes filmefirme há variação mas não há indicativo de mudança Pensemos agora em um outro exemplo Sabemos que no português do Brasil o pronome vós foi substituído pelo pronome vocês para indicar a segunda pessoa do plural No entanto se formos aos textos antigos do século XVI veremos que é vós que está sendo usado como pronome de segunda pessoa e não vocês Observamos portanto uma mudança linguística de forma pronominal no tempo O pronome vós atualmente só aparece em algumas linguagens específicas como a religiosa ou a ju rídica e não mais na fala das pessoas em que somente vocês é usado Você percebeu a diferença entre esses dois casos Pois é são ques ǿ tões como essa que vamos tratar neste capítulo Começamos trazendo algumas reflexões de Saussure postuladas no clássico Curso de Linguística Geral 1995 1916 referentes a dois grandes pontos i a língua como um sistema homogêneo e estrutura do e ii a separação entre sincronia e diacronia Para o autor os estudos linguísticos comportam duas dimensões distintas a histórica chamada diacrônica em que o centro das aten ções são as mudanças por que passam as formas de uma língua no tempo b estática chamada sincrônica em que o centro das atenções são as características da língua vista como um sistema estável num espaço de tempo aparentemente fixo Embora vós ainda seja a forma prescrita pelas gramáticas normativas tra dicionais contemporâneas Reflexões a respeito das ideias de Saussure já foram introduzidas na Unidade A e agora serão aprofundadas direcionan do nossa discussão para a questão da mudança linguística Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 93 Para Saussure 1995 1916 p 116 enquanto a linguística sincrô nica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que formam sistema entre si a linguística diacrônica estudará as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si A abordagem estrutural seria exclusivamente sincrônica por se apli car apenas a um estado da língua ou seja a um espaço no tempo mais ou menos longo durante o qual a soma de modificações ocorridas é mí nima A noção de estado da língua na concepção do autor retira o fluxo da língua do tempo ou seja retira da língua a sua dimensão histórica como se ela fosse atemporal A crítica feita por WLH a essa concepção saussureana é de que ela impede que se considerem fatores sociais agindo sobre a língua e que se incorpore ao sistema da língua a mudança Já a diacronia segundo Saussure estuda a sucessão dos diversos es tados de língua As mudanças linguísticas são entendidas pelo autor como a substituição de um elemento por outro no tempo como uma sucessão de estados independentes entre si Entre um estado e outro ocorre a mu dança linguística que não afeta o estado anterior e nada diz sobre o estado subsequente Na verdade quando Saussure fala de mudança ou transfor mação diz que esses fenômenos não existem senão diacronicamente WLH 2006 1968 reagem aos postulados de Saussure Para cons truir uma teoria que rompa com o axioma da homogeneidade WLH pre cisam explicar como a língua que é um sistema estruturado muda sem que as pessoas tenham problemas de comunicação Segundo os autores Nos parece bastante inútil construir uma teoria de mudança que aceite como seu input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênti cas dos estados de língua Muito antes de se poder esboçar teorias pre ditivas da mudança linguística será necessário aprender a ver a língua seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada 2006 1968 p 35 Para WLH 2006 1968 a língua é heterogênea e essa heteroge neidade deve ser buscada na comunidade de fala A língua comporta regras variáveis que permitem que um falante A aprenda uma forma usada por um falante B e a adote como sua sem abandonar a forma antiga que usava Nesse caso o falante A vai ter duas formas disponíveis Reveja a noção de comu nidade de fala apresenta da na Unidade A Sociolinguística 94 para se comunicar uma forma mais antiga e uma mais nova como se fosse bidialetal Essa disponibilidade pode ser observada também na fala de outros membros da comunidade na qual o falante está inserido Quando a mudança linguística ocorre dentro do repertório lin guístico do falante A pode acontecer por exemplo um desfavoreci mento gradual da forma original em prol da nova de modo que a for ma antiga assuma o estatuto de arcaica ou obsoleta e aos poucos possa deixar de ser usada Para mostrar que as formas convivem na sociedade no grupo so cial e até mesmo num mesmo indivíduo e que a mudança não é abrup ta os autores trazem i estudos com atlas dialetais os quais oferecem exemplos da oposição arcaicoinovador dentro da competência linguís tica de falantes individuais e ii estudos sociolinguísticos que mostram as alternâncias estilísticas dentro do comportamento linguístico da co munidade de fala Esses estudos serviram de base para a formulação dos problemas e princípios empíricos para uma teoria da mudança que serão abordados nas seções seguintes Em síntese Para WLH a mudança não envolve uma troca direta e abrupta de um ele ǿ mento por outro mas envolve sempre uma fase de concorrência variação devese romper a dicotomia saussureana que separa sincronia e ǿ diacronia pois essa concepção impede que se considerem fato res sociais agindo sobre a língua e que se incorpore ao sistema da língua a mudança a língua é heterogênea e essa heterogeneidade deve ser busca ǿ da na comunidade de fala Bidialetal Por bidialetal entende se uma pessoa que fala dois dialetos de uma mesma língua para se comunicar em diferen tes situações Reveja o que foi apresen tado na seção 422 sobre a relação entre faixa etária e variaçãomudança Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 95 52 Problemas empíricos para uma teoria da mudança linguística Contrários às hipóteses de Saussure WLH 2006 1968 vão tentar apresentar uma teoria de mudança linguística que explique como a es trutura linguística de uma comunidade de fala complexa se transforma no curso do tempo de tal modo que tanto a língua quanto a comunidade permaneçam ordenadas embora a língua adquira formas diferentes Para encontrar respostas plausíveis sobre a mudança linguística o pesquisador segundo os autores deverá levar em consideração a descrição de dados empíricos fontes necessárias para se confirmar que as possibi lidades de diferenciação das formas em variação estão descritas ordenada mente na língua isto é que a heterogeneidade é sistemática e ordenada WLH 2006 1968 apresentam cinco grandes questões 1 Qual o conjunto de mudanças possíveis e de condições para mudanças que podem ocorrer em uma determinada estrutura 2 Como as mudanças estão encaixadas na matriz de concomi tantes linguísticos e extralinguísticos das formas em questão 3 Como as mudanças passam de um estágio a outro de uma co munidade a outra 4 Como as mudanças podem ser avaliadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística e sobre a estrutura social 5 A que fatores se pode atribuir a implementação das mudanças Por que uma mudança ocorre em uma língua em uma época e não em outras Cada uma dessas questões corresponde a um problema a ser resol vido Os autores formulam então cinco problemas que sintetizam os princípios concernentes aos fundamentos empíricos para uma teoria da mudança Cada uma dessas questõesproblemas leva a uma investiga ção que será descrita a seguir Sociolinguística 96 521 Problema de restrição ou fatores condicionantes Neste problema buscase investigar o conjunto de mudanças possí veis e de condições possíveis para a mudança que podem ocorrer numa dada estrutura isto é os fatores condicionantes da variação e mudança linguísticas externos e internos Para estudar as motivações linguís ticas o pesquisador deve fazer um levantamento dos fatores internos que condicionam o uso mais ou menos frequente da nova forma ou do novo traço na língua isto é das forças estruturais da língua E para estudar as motivações externas deve fazer um levantamento dos fatores sociais e estilísticos que condicionam o uso mais ou menos frequente da nova forma ou do novo traço na língua O estudo desses condicionadores é importante no sentido de con firmar que a variação é inerente ao sistema linguístico uma vez que o sistema linguístico é heterogêneo Lembrese de que a variação é uma propriedade regular do sistema sendo motivada por condicionadores internos e externos e de que o falante tem competência linguística para lidar com regras variáveis Para exemplificar o problema empírico de restrição vamos mos trar dois grupos de fatores condicionadores estudados por Monguilhott 2009 em sua tese de doutoramento sobre a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala de moradores de Florianó polis de etnia portuguesa de zonas rurais e urbanas A autora estabe leceu como seu objeto de estudo a variável dependente marcaçãonão marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural Buscan do verificar os contextos favorecedores para cada uma das variantes i com marca de concordância e ii sem marca de concordância foram controlados seis grupos de fatores linguísticos e cinco extralinguísticos ou variáveis independentes Interessanos discutir neste momento os grupos de fatores posição do sujeito em relação ao verbo e escolaridade um grupo linguístico e outro social levantados como possíveis condicionadores da marcação da concordância verbal Vejamos então os resultados da autora expres sos nas tabelas 1 e 2 Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 97 Posição AplTotal SN anteposto 464546 84 SN posposto 2367 34 Total 487613 79 Tabela 1 Frequência de concordância verbal segundo a variável posição do sujeito em relação ao verbo MONGUILHOTT 2009 p 125 Antes de comentarmos os resultados convém observar como de vem ser lidos os números da tabela cuja configuração é típica nos estu dos sociolinguísticos A tabela 1 apresenta os resultados da atuação da variável independente posição do sujeito constituída por dois fatores SN anteposto e SN posposto sobre a variável dependente ou seja a concordância verbal A linha do Total corresponde ao total de dados da variável marcaçãonão marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural levantados na amostra analisada por Apl entendese o número de dados correspondentes à aplicação da regra variável em estudo nesse estudo a concordância verbal No caso a autora encon trou 613 dados dos quais 487 79 aparecem com a marca de concor dância ou seja houve aplicação da regra variável em 487 dados do total de 613 Olhando para os fatores vêse o seguinte há 546 dados com SN anteposto dos quais 464 84 apresentam marca de concordância e há 67 dados com SN posposto dos quais 23 34 apresentam concordân cia entre o sujeito e o verbo A tabela 1 evidencia uma tendência de uso a marcação de concor dância é maior quando o sujeito fica anteposto ao verbo com 84 de frequência distanciandose significativamente da posposição do sujei to com apenas 34 de frequência Vejamos agora resultados estatísticos de um grupo de fatores so cial a escolaridade Escolaridade AplTotal Ensino superior 397447 89 Ensino fundamental 243347 70 Total 640794 80 Tabela 2 Frequência de concordância verbal segundo a variável escolaridade MONGUILHOTT 2009 p 132 Sociolinguística 98 Os informantes mais escolarizados do ensino superior apre sentam um percentual bastante alto de concordância verbal com 89 de frequência observe que mesmo entre os mais escolarizados não há 100 de concordância verbal na fala enquanto os que fizeram até o ensino fundamental apresentam um uso de marcação de concordância mais baixo de 70 Ao fazer um cruzamento entre os dois grupos de fatores a autora observa que as diferenças entre posição anteposta e posposta do sujeito em relação ao verbo se acentuam Mesmo falantes mais escolarizados usam uma marcação de concordância baixa quando o sujeito está posi cionado à direita do verbo posição não canônica dele como o gráfico a seguir ilustra 100 80 60 40 20 0 Percentual Ensino Fundamental Ensino Superior Escolaridade SN anteposto SN posposto Gráfico 1 Frequência de concordância verbal segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito em relação ao verbo e escolaridade MONGUILHOTT 2009 p 125 A frequência de marcação da concordância cai consideravelmente quando o sujeito está posposto ao verbo independentemente da esco laridade do informante Embora a posição do sujeito seja mais determi nante na marcação ou não da concordância verbal a escolaridade tam bém se revela significativa De acordo com os resultados apresentados podemos dizer portanto que a marcação da concordância verbal não é resultado de aleatoriedade mas motivada pela posição do sujeito em re lação ao verbo e pela escolaridade entre outros fatores condicionantes 522 Problema de encaixamento Ao explicar os fatores condicionantes estamos também apontando como a variaçãomudança está encaixada na estrutura linguística ou so cial Vale lembrar que sem encaixar a mudança no quadro das relações sociais vamos ter uma visão parcial do condicionamento dela Esse en A posição canônica de um constituinte é a posição em que normalmente ele é encontrado numa sentença Por exemplo no PB a posição canônica do sujeito como vamos per ceber nos resultados do estudo de Monguilhott e também por nossa intui ção como falantes é à es querda do verbo ao passo que a posição canônica do objeto é à direita do ver bo A expressão canônico é aplicada a tudo é que é estável e mais frequente numa língua Lembrase da marcação canônica e da marcação excepcional de caso na Sintaxe Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 99 caixamento foi também mais um dos problemas investigados por WLH no texto de 1968 Observando a diversidade dos fatores condicionantes e sua correlação com as questões sobre encaixamento estrutural e social que pode ser observada por exemplo no gráfico 1 anterior Labov 1982 propõe que se tratem os dois problemas o das restrições e o do encai xamento juntos Para efeitos didáticos resolvemos mantêlos separados tal como foi apresentado no trabalho clássico de WLH de 1968 As restrições internas e externas à língua ou os condicionadores internos e externos podem ajudar por exemplo a compreender como a mudança se encaixa na língua e na sociedade e quais as forças que guiam a continuidade da mudança linguística Possíveis respostas a essas ques tões estariam ligadas principalmente à estrutura social O encaixamento pode ser observado quando estudos atestam uma correlação entre o fe nômeno de mudança e a estrutura social grupo socioeconômico idade sexo escolaridade etnia localização geográfica A tarefa do linguista não seria apenas a de mostrar a motivação social de uma mudança mas sim a de determinar o grau de correlação que existe entre estrutura linguística e sociedade e apresentar como ela pesa sobre o sistema linguístico abstrato O trabalho de Labov realizado na ilha de Marthas Vineyard sobre a centralização da primeira vogal dos ditongos ay e aw apresentado no Capítulo 4 deste livrotexto é um bom exemplo dessa correlação A grande contribuição desse estudo como já salientamos foi a de mos trar a influência que os condicionadores extralinguísticos relacionados a características sociais dos habitantes da ilha podem ter sobre a língua ou seja as motivações sociais que a variação linguística pode apresentar Segundo Labov somente o encaixamento sociolinguístico da variável na comunidade pode explicar o fato de que a variante não padrão seja mais usada na comunidade de Marthas A centralização dos ditongos se apresenta naquela comunidade como se fosse uma marca local exagerada pelos membros da comunidade para demarcar seu espaço e sua identidade cultural Além do encaixamento na estrutura linguística e social WLH 2006 1968 perceberam um outro tipo de encaixamento o de que mudanças em determinados terrenos da gramática fatalmente desencadearão mu Reveja a resenha deste estudo apresentada no Capítulo 4 Sociolinguística 100 Mudança em tempo real Diferente da mudança em tempo aparente que é observada pelo comportamento lin guístico de diferentes gerações num mesmo espaço de tempo cf Capítulo 4 a mudan ça em tempo real é captada pelo compor tamento linguístico ao longo de diferentes períodos de tempo danças em outras partes da mesma gramática como se fosse uma situação de espelhamento interno das línguas como se fossem reações em cadeia Para exemplificar esse processo em cadeia retomamos a discus são sobre a entrada de determinados pronomes e a alteração do sistema de flexões verbais no PB apresentada no Capítulo 3 Estudos mostram que o paradigma flexional foi alterado em decorrência da entrada dos pronomes você e a gente que se combinam com formas verbais de 3ª pessoa do singular Por conta do sincretismo de formas instalase na língua gradativamente uma tendência ao preenchimento do sujeito pro nominal Além disso as mudanças operadas no sistema pronominal repercutem também em outros pontos da estrutura interna da língua relacionandose a outras mudanças Vejamos Com a entrada do pronome vocês na língua para se referir à se gunda pessoa do discurso outras mudanças se desencadearam no sis tema linguístico tais como na forma de realização do possessivo as formas pronominais de terceira pessoa seu sua seus suas se deslocam para a segunda pessoa acompanhando o pronome vocês e a forma possessiva de terceira pessoa passa a ser genitiva como em dele dela deles delas acompanhando o pronome eles 523 Problema de transição Segundo Faraco 2005 no estudo deste problema de transição a característica mais recorrente é o fato de a mudança não ser discreta As formas antigas não são simplesmente substituídas pelas novas mas há fases intermediárias em que as variantes coexistem e concorrem dimi nuindo aos poucos a ocorrência de uma em oposição à outra até que a mudança se complete Vejamos um caso concreto de mudança no tempo ou mudança em tempo real captada a partir da análise de amostras diacrônicas do PB Ao estudar as variáveis preenchimento do sujeito e preenchi mento do objeto direto ou clítico Tarallo 1990 detectou mudança em curso ao longo do tempo em direções opostas nos dois fenômenos estudados enquanto o sujeito vai ficando cada vez mais preenchido o objeto vai ficando cada vez mais esvaziado Vejamos Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 101 Função sintática Tempo 1725 1775 1825 1880 1981 Sujeito preenchido 233 266 164 327 794 Objeto direto preenchido 892 962 837 602 182 Tabela 3 Resumo da porcentagem de retenção pronominal TARALLO 1990 p 140 A tabela 3 mostra que o percentual de sujeito preenchido que ficava na faixa de 20 no século XVIII e início do XIX 1725 1775 e 1825 sobe para 327 no final do século XIX 1880 e no final do século XX chega a 794 Quanto ao preenchimento do objeto direto a tabela mostra justamente o contrário de 1725 a 1825 o objeto é preferencial mente preenchido acima de 80 em 1880 cai para 602 e em 1981 cai ainda mais chegando à faixa de 20 Ambos os fenômenos eviden ciam portanto mudança em progresso ao longo do tempo Um dos propósitos do problema empírico de transição é descobrir como pode a mudança linguística passar de um estágio a outro de uma sincronia a outra sem interferir na comunicação entre os membros de uma comunidade de fala Estudos em geral mostram que a transferên cia de uma forma para outra pode ocorrer entre comunidades diferentes e entre grupos de pares de faixas etárias levemente diferentes e que o caminho por meio do qual uma forma é substituída por outra depende de prestígio pressão estrutural ou utilidade funcional Nesse campo segundo WLH 2006 1968 estudos apontam que a mudança pode se dar à medida que um falante aprende a forma alternativa 1 durante o tempo em que as duas formas existem em contato 2 dentro da competência linguística do falante quando uma das duas formas se torna obsoleta 3 Para explicar a transição na estrutura social é necessário analisar os processos que ocorrem em cada uma das situações de contato quando uma forma se move de uma comunidade à outra ou de uma geração à outra Vejamos Uma mudança se espalha de uma comunidade à outra por trans missão através de proximidade geográfica mas a taxa de desenvolvi Sociolinguística 102 mento de uma variante ou de outra está em proporção ao número popu lacional e à densidade de interações verbais Quanto mais contato mais chances de transmissão de formas novas e de mudança Vale lembrar porém que as regiões em contato não mantêm uma uniformidade de comportamento Monaretto 2000 no trabalho sobre a queda do r em final de palavras mostra por exemplo que há mais apagamento do r em Florianópolis 80 do que nas outras capitais do sul do Brasil Em Porto Alegre a queda fica na faixa de 60 e em Curitiba apenas em 50 Como nos lembra Faraco 2005 p 196 a difusão da mudança tanto no interior da língua quanto no espectro social e no espaço geográfico não se dá uniformemente mas em ritmos e direções diferenciados Uma mudança pode ser detectada através da comparação entre duas gerações quando a fala de uma pessoa mais velha e a fala de uma pessoa mais jovem são diferentes Segundo a hipótese clássica sobre a mudança linguística na sincronia conhecida como mudança em tempo aparente já apresentada a você no Capítulo 4 cada pessoa preserva durante a vida o sistema vernacular que foi adquirido durante seus primeiros anos de formação até a puberdade de 5 a 15 anos mais ou menos Quando envelhece em geral retrata um vernáculo de anos atrás Podemos então perceber indícios de mudança linguística ao comparar uma geração com a outra Da observação sincrônica de faixas etárias diferentes podese ver por exemplo quais as mudanças linguísticas que estão em curso Observamos agora como a mudança em tempo aparente pode ser detectada nos trabalhos empíricos Ao controlar a faixa etária como um dos condicionadores podemos observar se há uma distribuição contí nua das diferentes formas através de sucessivas faixas etárias da popula ção É como se fizéssemos um recorte transversal da amostra sincrônica em função da faixa etária dos informantes Para exemplificar esse tipo de mudança trazemos resultados de Pagotto 2001 em estudo sobre a vari ável palatalização do t na comunidade de Florianópolis cf tabela 4 Veja a esse respeito o que foi discutido na seção 24 sobre redes sociais Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 103 Palatalização do t Faixa etária dos falantes t ts t 13 a 23 anos 42 29 30 25 a 50 anos 66 18 17 Acima de 50 anos 69 19 12 Tabela 4 Percentual de palatalização do t em Florianópolis segundo a faixa etária PAGOTTO 2001 p 317 Notase nos resultados que a variante inovadora a forma palatali zada t tem uma frequência baixa na faixa etária mais velha 12 e uma frequência mais alta na faixa mais jovem 30 enquanto a varian te mais conservadora a não palatalização do t é preferencialmente usada pela faixa etária mais velha 69 A variante ts representa uma realização fonética intermediária entre as consoantes alveolar e palato alveolar Observase pois um aumento regular no uso da variante ino vadora através dos vários grupos etários que compõem a comunidade de falantes o que caracteriza um indício de mudança em curso ou seja mudança em tempo aparente 524 Problema de avaliação A atitude social quanto à língua pode ser um fator poderoso na determinação da mudança linguística Este problema se propõe a in vestigar justamente isso como as mudanças observadas podem ser ava liadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística sobre a eficiência comunicativa carga funcional e na ampla gama de fatores não linguísticos envolvidos na fala No que diz respeito à carga funcional de segmentos envolvidos em mudanças podemos hierarquizar condições favoráveis e desfavoráveis à mudança linguística São favoráveis as condições quando a forma é prestigiada na sociedade e desfavoráveis quando a forma é estigmati zada por exemplo Ou seja a avaliação da mudança linguística pelos membros da comunidade de fala se dá pelo seu significado social pres tígio ou não Há um reconhecimento social sobre as formas que estão em variação e mudança que pode ser medido pelas reações negativas ou positivas dos falantes Essas reações podem ser observadas nos resultados de testes de Sociolinguística 104 reação subjetiva a partir de respostas das pessoas sobre os diferentes usos linguísticos em variação na comunidade de fala na qual estão inseridas Monguilhott 2009 ao estudar a variação na concordância ver bal de terceira pessoa do plural aplicou testes de atitudeavaliação para medir a reação das pessoas sobre 36 sentenças sem concordância reti radas de sua amostra sincrônica O instrumento foi aplicado a 24 alunos do nono ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública de ensino de Florianópolis e com 24 alunos de dois cursos superiores da Universidade Federal de Santa Catarina Os resultados da autora atestaram que os informantes do nível su perior se mostraram mais conservadores na classificação das sentenças em comparação com os informantes do nível fundamental no sentido de classificarem as sentenças ou como ruins ou como muito ruins Acredi tase que os universitários por estarem há mais tempo em contato com a norma padrão da língua tendem a estigmatizar formas que fogem do padrão como é o caso da não marcação da concordância nos verbos ao contrário dos alunos que frequentam ainda o ensino fundamental O nível de consciência social é portanto uma propriedade im portante da mudança linguística que deve ser determinada diretamente Em geral a mudança linguística se inicia em um determinado grupo social associada a um determinado valor social e gradativamente se expande para outros grupos até se completar É comum observarmos uma correlação entre uso e valor social Variantes de maior prestígio estão associadas quase sempre 1 a estilos de fala mais formais e variantes de menor prestígio a estilos de fala mais informais ao vernáculo As formas mais conservadoras e em geral mais prestigiadas 2 são usadas majoritariamente no trabalho e as mais inovadoras na interação com os amigos e familiares e nas brincadeiras O surgimento de reações negativas pode retardar ou até mesmo impedir a mudança Isso significa dizer que os falantes podem acelerar ou reter processos de mudança linguística de uma comunidade à medi da que se identificam com eles ou os rejeitam Na unidade D mostrare mos a metodologia de alguns desses testes a você Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 105 525 Problema de implementação ou atuação Sabese que o processo global de mudança linguística pode envol ver motivações e restrições tanto da sociedade quanto da estrutura da língua Este problema tenciona investigar como se dá a implementação da mudança e por que ela ocorre em determinados contextos linguísti cos e não em outros ou em determinados lugares e não em outros Estudos mostram que podemos explicar a implementação a partir dos resultados referentes aos condicionadores linguísticos e sociais À me dida que identificamos os condicionamentos que agem sobre a mudança damos uma explicação sobre a forma como a mudança vai se implemen tando nos diferentes contextos estruturais e nos diferentes estratos sociais Mas é provável que todas as explicações a respeito da implementação da mudança só possam ser fornecidas depois do fato ocorrido a posteriori quando a mudança é completada ou seja quando a forma nova ou o traço novo deixa de ser variável e passa a ser constante Nesse caso há em geral perda da significação social que a forma ou o traço possuía Para refletir Com base nas reflexões feitas neste livrotexto e no texto de WLH a 2006 1968 acreditamos que agora você consiga responder al gumas das questões que abriram a seção 52 sobre os problemas empíricos da Teoria da Variação e Mudança Vamos lá então 1 Qual o conjunto de mudanças possíveis e de condições para mu danças que podem ocorrer em uma determinada estrutura 2 Como as mudanças estão encaixadas na matriz de concomitantes linguísticos e extralinguísticos das formas em questão 3 Como as mudanças passam de um estágio a outro de uma comu nidade a outra 4 Como as mudanças podem ser avaliadas em termos de seus efei tos sobre a estrutura linguística e sobre a estrutura social Sociolinguística 106 5 A que fatores se pode atribuir a implementação das mudanças Por que uma mudança ocorre em uma língua em uma época e não em outras Tente agora dar a cada um dos problemas um novo exemplo de b formas em variaçãomudança Discuta as respostas com seus colegas c 53 Princípios gerais para o estudo da mudança linguística Uma vez postulados os problemas empíricos como grandes questões a serem investigadas WLH 2006 1968 sintetizam seus achados teóricos na formulação de sete princípios gerais para o estudo da mudança linguís tica Apresentamos esses princípios agora para você com o propósito de fixar os postulados mais importantes da Teoria da Variação e Mudança A mudança linguística se inicia quando a generalização de uma 1 dada alternância em um certo subgrupo da comunidade de fala assume o caráter de diferenciação ordenada isto é não é uma deriva aleatória A associação entre estrutura e homogeneidade é uma ilusão A 2 estrutura linguística inclui a diferenciação ordenada de falan tes e de estilos através de regras que regem a variação na comu nidade de fala O domínio de uma língua pressupõe o controle de tais estruturas heterogêneas Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura lin 3 guística envolve mudança mas toda mudança implica variabi lidade e heterogeneidade A generalização da mudança linguística através da estrutura 4 linguística não é nem uniforme nem instantânea A generali zação envolve a correlação de mudanças ao longo do tempo e aparece refletida em diferentes áreas do espaço geográfico Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 107 As gramáticas nas quais a mudança linguística ocorre são gra 5 máticas da comunidade de fala Devido ao fato de as estruturas variáveis contidas no sistema serem determinadas por funções sociais não é possível falar em gramáticas individuais A mudança linguística é transmitida dentro da comunidade 6 como um todo Ela não está confinada a etapas discretas den tro da família Toda e qualquer descontinuidade encontrada na mudança resulta de descontinuidades específicas observadas dentro da comunidade de fala É muito mais do que o resultado de diferenças de geração entre pai e filho Fatores linguísticos e sociais encontramse intimamente rela 7 cionados no desenvolvimento da mudança linguística Expli cações apenas de um ou outro aspecto falharão ao descrever as regularidades que podem ser observadas nos estudos empíri cos do comportamento lingüístico Sociolinguística 108 Fechando a Unidade C Nesta Unidade trouxemos alguns pontos de WLH 2006 1968 sobre a Teoria da Variação e Mudança que foram fundamentais para o novo rumo que os estudos sobre mudança ganharam a partir da década de 60 tendo como base estudos de Geolinguística e de Sociolinguística Vamos retomálos rapidamente Argumentase contra a tradicional ideia de que a sistematici ǿ dade e a variabilidade se excluem Questionase o pressuposto sincrônico tradicional que associa ǿ sistema estrutura organização com homogeneidade Não se aceita como necessária a homogeneização do objeto ǿ linguístico ou seja a ideia de que só fazendo abstrações é que teríamos condições de encontrar um objeto estruturado Cancelase a distinção entre diacronia e sincronia Tanto na ǿ diacronia quanto na sincronia podemos observar um sistema linguístico em variação e mudança Defendese um modelo de língua que seja capaz de acomodar ǿ sistematicamente a heterogeneidade sincrônica e diacrônica um modelo que acomode os fatos de uso variável e seus condi cionadores internos e externos sociais e estilísticos Assumese que a ǿ heterogeneidade é ordenada Leia mais WEINREICH U LABOV W HERZOG M Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística Trad de M Bagno São Paulo Parábola 2006 1968 Tratase da obra que estabelece as bases teóricometodológicas do que se conhece hoje como Sociolinguística Variacionista O livro traz uma apresen tação circunstanciada feita por Carlos Alberto Faraco que oferece aos lei tores um histórico e um breve roteiro de leitura e um posfácio escrito por Maria da Conceição Paiva e Maria Eugênia Duarte em que as autoras falam da herança do programa proposto por WLH na Sociolinguística brasileira Capítulo 05 Mudança Linguística e o Tempo 109 PAIVA M da C DUARTE M E L Orgs Mudança linguística em tempo real Rio de Janeiro Contra Capa 2003 O livro apresenta uma introdução sobre a mudança linguística em curso e mais dez capítulos escritos por diferentes autores que abordam distintos fenômenos de mudança no PB monotongação de ey concordância de número uso do sujeito pronominal entre outros Os estudos seguem a me todologia de painel e tendência CALLOU Dinah MORAES João LEITE Yonne Apagamento do R Fi nal no Dialeto Carioca um Estudo em Tempo Aparente e em Tempo Real DELTA v 14 São Paulo 1998 Disponível em httpwww scielobrscielophppidS010244501998000300006scriptsciart text Acesso em 01 mar 2010 Unidade D Pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística Objetivos desta Unidade Identificar as etapas de uma pesquisa sociolinguística ǿ Verificar os passos de uma pesquisa por meio do exame do es ǿ tudo de um fenômeno linguístico variável Nesta Unidade apresentamos os principais postulados da metodo logia de pesquisa de campo da Sociolinguística Variacionista e fazemos a descrição de todos os passos da pesquisa a partir do exame de um fenômeno linguístico variável do PB Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 113 6 Etapas da pesquisa sociolinguística A Sociolinguística laboviana dispõe de uma metodologia de pes quisa de campo bastante criteriosa para conduzir os estudos sobre va riação e mudança linguística Neste capítulo vamos abordar os seguin tes tópicos Seleção dos informantes ǿ Metodologia de coleta de dados ǿ O envelope de variação ǿ Levantamento de questões e hipóteses ǿ Codificação de dados e análise estatística ǿ 61 Seleção dos informantes Já vimos na Unidade A que o lócus para a busca de dados linguís ticos é a comunidade de fala podendose também trabalhar com redes sociais Ou seja não é propriamente o indivíduo que interessa ao pes quisador sociolinguista mas o grupo social no qual ele vive e com o qual ele interage Mas obviamente só podemos chegar ao grupo através do contato com os indivíduos os informantes que nos fornecerão os da dos Tendo em vista que em função de comunidades de fala em geral serem compostas por centenas ou mesmo milhares de indivíduos não temos outra opção senão coletar os dados referentes ao comportamento linguístico de uma comunidade com apenas alguns de seus componen tes e como vamos ver isso não chega a ser uma limitação à pesquisa pois na verdade uma quantidade pequena mas representativa da comunidade é tudo de que precisamos É muito importante por essa razão que os informantes selecionados para serem entrevistados sejam representativos da comunidade de fala a que pertencem Alguns procedimentos devem ser seguidos quanto à definição do universo da amostra e ao tamanho e estratificação da amostra Na defini ção do universo da amostra partimos do seguinte ponto qual a comu É fundamental nesta unidade a leitura do livro TARALLO Fernando A pesquisa sociolingüística São Paulo Ática 1985 Sociolinguística 114 nidade de fala que desejamos estudar Tratase de uma comunidade da zona urbana ou da zona rural Um grupo linguisticamente minoritário na região Uma comunidade bilíngue Uma comunidade de pescado res Uma resposta precisa a essa pergunta é relevante pois a definição da comunidade de fala a ser investigada vai se refletir na maneira de selecionar os informantes As pesquisas sociolinguísticas têm mostrado que não há necessi dade de amostras tão grandes como as usadas em outras pesquisas de natureza social de intenções de voto por exemplo para se analisar fe nômenos variáveis uma vez que o uso linguístico é mais homogêneo do que o comportamento humano acerca de outros fatos em virtude de não estar tão sujeito à manipulação consciente com a ressalva de que no caso dos estereótipos possa haver algum grau de manipulação consciente Assim por exemplo numa dada comunidade resultados obtidos a partir da análise da fala de cerca de 60 informantes serão ape nas ratificados em amostras maiores ou seja a partir de certo número de informantes os resultados tornamse redundantes Há ainda a necessidade de se considerar as dimensões sociais rele vantes da variação pois elas irão se refletir no tamanho e na constituição da amostra isto é na constituição das células sociais agrupamento de fatores sociais que caracterizam os informantes O recomendado em termos do número ideal de informantes é de cinco por célula de modo a garantir a representatividade da amostra Não é preciso portanto ter centenas de gravações para se fazer uma análise estatística Padrões bá sicos de estratificação social e estilística emergem de amostras com cer ca de cinco informantes por célula social cf quadro 1 Vejamos como funciona essa estratificação Se vamos considerar as variáveis sociais sexogênero idade três faixas etárias e escolarida de três níveis por exemplo podemos ter a seguinte distribuição dos informantes Nem sempre alcançamos a quantidade de cinco informantes por célula so cial Há bancos de dados linguísticos com quatro informantes por célula e mesmo com dois Quanto menor o número de infor mantes por célula mais cautela precisamos tomar na análise dos resultados estatísticos concernentes aos fatores sociais Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 115 Escolaridade IdadeSexogênero Até 4 anos De 5 a 8 anos De 9 a 11 anos M F M F M F 15 a 24 anos 5 5 5 5 5 5 25 a 49 anos 5 5 5 5 5 5 de 50 anos 5 5 5 5 5 5 Total 15 15 15 15 15 15 Quadro 1 Distribuição dos informantes Total 90 informantes À medida que aumentarmos ou diminuirmos as variáveis sociais controladas vai aumentar ou diminuir proporcionalmente o número de informantes de nossa pesquisa em função do preenchimento das células sociais No quadro 1 acima por exemplo temos 18 células sociais 2 re lativas ao sexogênero do informante x 3 concernentes aos graus de es colaridade x 3 referentes a três faixas etárias 18 Daí o total 18 células x 5 informantes 90 informantes Se desconsiderarmos a escolaridade ficaremos com seis células logo com 30 informantes e assim por diante Já temos a distribuição dos informantes por célula social O próxi mo passo é saber como localizar informantes com essas características A orientação é que a amostra seja aleatória também chamada de randômi ca O que vem a ser isso Cada sujeito de uma populaçãocomunidade tem igual chance de ser escolhido para fazer parte da pesquisa tratase de uma amostra probabilística cujos resultados podem depois ser pro jetados para a comunidade de fala como um todo ou seja podem ser generalizados Partese então para uma localização aleatória dos infor mantes desde que se contemplem as características sociais já definidas nas células devemos localizar cinco indivíduos do sexogênero mascu lino com até quatro anos de escolaridade com idade entre 15 e 24 anos cinco mulheres com as mesmas características e assim por diante Uma busca aleatória pode ser feita a partir de listas telefônicas catálogos de endereços registros eleitorais dados do censo etc Com a conclusão dessa etapa partese para a coleta de dados através de entrevistas gravadas com os informantes selecionados Lidaremos com isso na próxima seção Sociolinguística 116 62 Metodologia de coleta de dados Segundo Labov o principal método para a investigação linguística é a observação direta da língua falada usada em situações naturais de interação social face a face Essa língua é o vernáculo estilo em que o mínimo de monitoração ou atenção é dispensado à fala É a língua que usamos em nossas casas com nossos amigos nas reuniões de lazer longe dos locais de trabalho por exemplo onde se requer uma fala mais cuidada Mas como coletar o vernáculo Como conseguir que os infor mantes falem livremente em entrevistas gravadas Esse problema consiste no chamado paradoxo do observador o objetivo da pesquisa linguística na comunidade é verificar como as pes soas falam quando não estão sendo sistematicamente observadas mas só podemos obter esses dados através da observação sistemática Labov apresenta uma proposta para tentar neutralizar esse paradoxo como ve remos em seguida Para Labov a melhor forma de coletar bons dados que reflitam de forma fidedigna e em boa qualidade sonora o vernáculo é a gravação de entrevistas individuais E no decorrer da entrevista os dados mais interessantes provêm de narrativas de experiências pessoais Por quê Porque ao envolver o falante em tópicos que recriem emoções fortes vividas no passado por exemplo fazendo perguntas como Você já pas sou por uma situação em que correu perigo de morte Como foi o entrevistador faz com que o informante desvie a atenção de sua própria fala deixando o vernáculo emergir O falante deixa de prestar atenção no como diz para ficar atento a o que diz Outros estímulos desse tipo podem ser Conte um fato história que tenha acontecido com você e que tenha sido muito engraçado ou muito triste ou muito constran gedor O nome que se dá a esse formato específico de interação cuja finalidade é a composição de um banco de dados para estudos sociolin guísticos é entrevista sociolinguística Um roteiro de entrevista sociolinguística não se restringe contudo à elicitação de narrativas de experiências pessoais Os fenômenos variá veis que podem ser analisados são de diversos tipos podendo envolver por exemplo tempos e modos verbais uso de operadores argumenta É preciso atentar para a qualidade das gravações com uso de bons equi pamentos e minimização de interferência de ruídos externos de modo a obter dados de boa qualidade sonora Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 117 tivos formas de tratamento etc O problema é que dificilmente vamos encontrar verbos no tempo futuro ou no modo subjuntivo ou no modo imperativo em relatos de fatos passados Do mesmo modo serão escas sos os operadores argumentativos nesses relatos O mesmo se diga sobre as diferentes formas de se dirigir ao interlocutor Então o pesquisador precisa estar atento para de um lado obter dados vernaculares e de ou tro obter dados pertinentes ao estudo que deseja desenvolver Por isso a sugestão de que se diversifiquem i os estímulos oferecidos ao longo da entrevista e ii os tipos de coleta de dados Além de estimular narrativas o entrevistador pode conduzir per guntas como Fale sobre o local onde você mais gosta de ficar ou passear ǿ descrição O que você acha sobre a escola relacionamentos afetivos ami ǿ zade namoro pressões sociais família escola igreja vocação política interna do país Ou fale sobre algo que lhe incomoda ou provoca ou agrada Ou o que você faria se opinião argumentação O que você sabe ou gosta de fazer Como se faz isso ǿ proce dimentos Apresentamos a seguir alguns dados extraídos do Projeto VARSUL para ilustrar alguns tipos de sequências textuais presentes no corpus Trecho argumentativo E E que que como é que a senhora sente assim a cidade de Curitiba a senhora gosta daqui F Gosto gosto sempre gostei Apesar que eu estava achando a agora Curitiba muito suja E Suja Sociolinguística 118 F Suja Curitiba é um cartão postal é muito bonita e agora está mui to suja Está suja e relaxada mas isto acho que o culpado mesmo é o governo pelo falta de verba Porque você veja eu acho eu sempre pego uma casa d de uma família eu faço uma comparação com o governo Se numa casa não há boa administração então as as coisas não vão bem E assim é o governo se não tem a adminis tração boa o país não pode ir bem né CTB 22 L 1171 Trecho narrativo Aí eu tava dormindo tudo e eu tava com uma dor de cabeça a minha mãe saiu pra pegar um óleo de de ungir não tem e pas sou assim na minha cabeça orou tudo Pelo amor de Deus est que cure o meu filho que tal Aí chegou num dia pro outro eu t fui dormir e curou assim passou a dor passou a dor de cabeça assim na hora FLP10MJP1090 Trecho descritivo Bem é assim a diretoria é composta de seis pessoas tem a presi dente a vicepresidente a primeira secretária a segunda secretária a primeira tesoureira a segunda tesoureira Quer dizer que a presi dente é eleita pelas sócias do Apostolado que nós somos quase em 200 né SBO17 L222 Trecho com citação E E eu não estava mais querendo saber de brincar assim de fi car o tempo todo com as minhas amigas Eu estava querendo fazer aquilo ali Aí ela achou assim que não que as gurias eram menorzi nhas não sei quê que podia me atrapalhar e tal Daí ela foi cortando tipo Não vão fazer aqui não sei quê Ou então foi me botando na cabeça Lúcia olha só tu já estás nessa idade essas pirralhas aí atrás de ti todo tempo não sei quê Aquelas coisas Aí eu fui me desligan do e a minha família é muito era principalmente muito voltada assim pro esporte né Então nessa época meus doze anos toda família começou a jogar vôlei né POA 20 L 703 Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 119 Trecho com procedimentos descrição de passos necessários na re alização de determinadas tarefas Mas também pode não se não quiser também não precisa co locar que salada fica ótima do mesmo jeito sem salame E tem o molho também pra salada que é meia xícara de maionese sabe Tu pegas a maionesezinha o suco de meio limão sal pimenta e um pouquinho de açúcar tá Isso é o que vai FLP01FAP616 Um roteiro de entrevistas abrangente tem um papel importante tanto para garantir diferentes tipos de assunto e consequentemente dados de natureza diversificada como para uniformizar em certa me dida os dados de vários informantes para comparação posterior Cabe ao pesquisador porém adaptar o roteiro de entrevista a cada grupo es tudado Nas entrevistas sociolinguísticas o entrevistador deve tentar i neutralizar a força inibidora de sua presença já que ele é uma pessoa estranha à comunidade e do gravador mostrandose interessado de fato nas histórias que os informantes vão contar ii realizar o mínimo de interferências no momento em que o informante estiver discorrendo sobre os assuntos que despertem o seu interesse Tomando esses cui dados o pesquisador estimula o informante a soltar seu vernáculo e garante textos com unidade discursiva e não fragmentados É recomendado que se utilize ainda uma ficha social para cada infor mante registrando dados de identificação informações relativas ao con texto da entrevista tais como descrição do local e do tipo de interação entrevistadorinformante ou outras observações julgadas relevantes Alguns outros tipos de coleta de dados são Entrevistas anônimas e rápidas por exemplo como vimos na ǿ Unidade B ao estudar a variável presençaausência de r em posição pósvocálica na cidade de Nova Iorque Labov visitou três lojas de departamentos fazendo perguntas aos funcioná rios cuja resposta deveria ser fourth floor quarto andar e re Como toda pesquisa que envolve informantes a pesquisa sociolinguística também está sujeita à aprovação prévia pelo Comitê de Ética da insti tuição à qual se vincula o pesquisador Sociolinguística 120 gistrando a seguir cada resposta Com essa estratégia rápida ele levantou os dados que desejava analisar Observações e registros assistemáticos em trens ônibus bal ǿ cões de lojas bilheterias filas etc Gravações de programas de TV e rádio ǿ Gravações em locais de desastres situação em que as pessoas ǿ se encontram sob impacto emocional em discursos públicos Gravações de interações entre pares de informantes ǿ Questionários sobre ǿ usos linguísticos de produção e de per cepção Em relação a testes de produção e de percepção há evidências de que existe uma grande assimetria entre percepção e produção as regras variáveis são regras de produção e não de percepção Por exemplo num estudo relatado por Labov sobre o inglês negro vernacular Black En glish Vernacular BEV testes de repetição da estrutura inglesa padrão I asked him if he did it Pergunteilhe se ele fez isso mostram que o sig nificado da sentença é percebido pelos falantes mas que ela é produzida automaticamente como I axed him did he do it Apesar dessa assimetria apontada acima diferentes testes de per cepção e de produção podem ser criados e aplicados em pesquisas so ciolinguísticas Um bom exemplo énos apresentado por Tarallo 1985 p 5557 sobre o uso das orações relativas cf já mencionado na Unida de B Ele sugere que se apresente aos informantes uma bateria de cons truções sem uma ordem prédeterminada para que eles digam quais são as mais aceitáveis e quais são as menos aceitáveis Vamos simular um teste de percepção Numere as frases de 1 a 3 de acordo com o grau de aceitabilidade 1 para a mais aceitável 2 para a mais ou menos aceitável e 3 para a menos aceitável a Eu tenho uma amiga que é ótima Temse observado que quando os informantes vão comentar sobre fatos da própria língua sua fala se torna mais cuidada Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 121 b Eu tenho uma amiga que você conhece ela c Eu tenho uma amiga que você conhece d Eu tenho uma amiga que ele se encontrou no Rio e Eu tenho uma amiga que ela é ótima f Eu tenho uma amiga com quem ele se encontrou no Rio g Eu tenho uma amiga que ele se encontrou com ela no Rio h Eu tenho uma amiga que o marido dela se mudou para o Rio i Eu tenho uma amiga cujo marido se mudou para o Rio j Eu tenho uma amiga que o marido se mudou para o Rio Confira seu teste Nas frases a c f i temos relativaspadrão Nas demais temos relativas não padrão Entre essas as frases b e g h são de relativas com prono me lembrete e as frases d j são de relativas cortadoras No estudo de Tarallo ele testou uma bateria com mais de cem frases entre informantes de classe média e de classe alta os resultados apon taram que informantes da classe média avaliaram como aceitáveis 79 das relativaspadrão enquanto informantes da classe alta avaliaram como aceitáveis 93 dessas mesmas construções Por outro lado a clas se média aceitou 47 das relativas não padrão e a classe alta somente 29 Percebese assim uma correlação entre classe social dos falantes e grau de aceitabilidade de construções sintáticas padrão e não padrão Tarallo sugere um refinamento desse teste comparar qual das relativas não padrão é a mais estigmatizada Uma das hipóteses do autor é que a construção com cujo seja evitada por ser considerada uma forma de pedantismo E a sua hipótese qual seria Um teste de produção poderia ser organizado do seguinte modo Com as duas sentenças abaixo formule somente uma fazendo as de vidas alterações Sociolinguística 122 Aquela menina é bonita Aquela menina é de São Paulo Duas opções são previsíveis aí Aquela menina que é de São Paulo é bonita Aquela menina que ela é de São Paulo é bonita Você formulou uma dessas combinações A primeira é de relativapa ǿ drão e a segunda é de relativa não padrão com pronome lembrete Na testagem de Tarallo ele ofereceu 36 diferentes situações os infor mantes de classe média produziram 75 de relativaspadrão e os de classe alta 94 Dessa forma nesse estudo o teste de produção confir mou os resultados do teste de percepção Vamos tratar um pouco agora da metodologia empregada para capturarmos diferentes matizes estilísticos em casos de variação Labov 2008 1972 afirma que não existe nenhum falante com estilo único E que os estilos podem ser dispostos ao longo de uma dimensão me dida pelo grau de atenção dispensado à fala monitoramento É nesse contexto que o vernáculo é definido como o estilo em que é dispensada a monitoração mínima à fala Pois bem Labov sugere alguns tipos de testes aplicáveis especialmente a estudos fonológicos que captam níveis estilísticos distribuídos num gradiente fala casual fala cuidada leitura listas de palavras pares mínimos distensoinformal tensoformal Os dados para análise são obtidos em amostras de fala casual de fala cuidada com algum grau de monitoramento em gravação de lei tura de textos com palavras que contêm o dado sob análise distribuídas aleatoriamente leitura de listas de palavras e leitura de pares de pala vras que se distinguem pelo som em questão A ideia é que essas coletas diversificadas permitem identificar fenômenos de variação estilística Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 123 Uma coleta de dados interessante é aquela que contempla produ ções de fala e de escrita de um mesmo informante Vamos exemplifi car esse procedimento a partir de um projeto de extensão realizado na Universidade Federal de Santa Catarina Tratase do projeto Variação linguística e ensino de gramática nas escolas do Ensino Fundamental um estudo do paradigma pronominal cujos pesquisadores coordenados pela professora Izete Lehmkuhl Coelho coletaram em 2008 amostras de fala e escrita de redação de alunos dos terceiros e quartos ciclos do Ensino Fundamental 5ª 6ª 7ª e 8ª série ou 6º 7º 8º e 9º ano de acordo com a Lei 1127406 de quatro escolas públicas de Florianópolis para servirem como banco de dados para pesquisas de variação morfossintá tica A metodologia utilizada seguiu estas etapas 1ª etapa ǿ Local a ser investigado seleção de quatro escolas da rede pública de ensino de Florianópolis para fazer a pesquisa de campo 2ª etapa ǿ Pesquisa de campo de dados de escrita aplicação de uma atividade de produção textual preferencialmente uma narrativa a respeito de acontecimentos alegres tristes diverti dos e outros da vida dos alunos 3ª etapa ǿ Pesquisa de campo de dados de fala realização de gravação do relato oral do mesmo fato que tinha sido anterior mente produzido por escrito pelos alunos com o intuito de servir de comparação com a versão na modalidade escrita as produções textuais 4ª etapa ǿ Armazenamento das coletas de dados de escrita e de fala Adaptado de SILVABRUSTOLIN 2009 p 138 O banco de dados com as amostras de fala e escrita coletadas está disponível para pesquisas no Projeto VARSULSC O primeiro resul tado bem sucedido desse projeto foi a dissertação de SilvaBrustolin uma das participantes do projeto de extensão nas escolas defendida na UFSC em maio de 2009 sobre a variação entre nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da rede públi ca de Florianópolis A autora mostra que a variação de nós e a gente é Sociolinguística 124 motivada pelo meio falaescrita uma vez que 65 de a gente foram encontrados na fala e apenas 16 na escrita Quanto ao pronome nós 83 na escrita e 35 na fala Segundo SilvaBrustolin a leitura dos resultados nos permite inferir que nas escolas da rede pública de Florianópolis pesquisadas i o pro nome nós é mais utilizado na escrita em detrimento do a gente apesar de este já aparecer na escrita ii o pronome a gente é mais usado na oralida de narrativas de cunho pessoal em detrimento do pronome nós e iii apesar de a gente já ter um grande espaço o emprego de nós na escrita é proporcionalmente maior do que o emprego do a gente na fala Vejamos ainda outros tipos de testes Testes de atitudeavaliação ǿ reação subjetiva prestígio vs es tigma certo vs errado valor social das variáveis identificação de características socioculturais de falantes como etnia e classe social a partir da audição de gravações identificação de carac terísticas de personalidade inteligência honestidade etc Teste de insegurança linguística ǿ escolher qual dentre duas formas alternantes é a correta e qual o informante normal mente usa O falante vai demonstrar segurança se achar que a sua fala é a norma vai revelar insegurança se considerar sua fala pouco valorizada SilvaBrustolin 2009 além de utilizar as amostras de fala e escri ta também aplicou um teste de reação subjetiva aos alunos de uma das escolas investigadas no projeto O controle social dos testes baseouse em idade 1014 anos e 1519 anos sexogênero homens e mulheres escolaridade 5ª 6ª 7ª e 8ª série do ensino fundamental cidade onde o aluno nasceu cidade onde vive atualmente e por fim escola onde estu dava O modelo de teste adotado por ela será apresentado a seguir Nomepseudônimo Idade Sexo Escolaridade Cidade onde nasceu Cidade onde vive Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 125 Assinale mais de uma opção se você achar necessário Que forma você nunca falaria Nós vamos dançar 1 Nós vai dançar 2 A gente vai dançar 3 A gente vamos dançar 4 Que forma você falaria e acha legalboa Nós vamos embora 1 Nós vai embora 2 A gente vai embora 3 A gente vamos embora 4 Que forma você falaria mas acha ruim Nós vamos embora 1 Nós vai embora 2 A gente vai embora 3 A gente vamos embora 4 Nenhuma das anteriores 5 Que forma você não falaria e acha ruim Nós vamos viajar amanhã 1 Nós vai viajar amanhã 2 A gente vai viajar amanhã 3 A gente vamos viajar amanhã 4 5 Nenhuma das anteriores Sociolinguística 126 Que forma você falaria em uma situação formal para apresentar um trabalho por exemplo Nós estudamos na biblioteca da escola 1 Nós estuda na biblioteca da escola 2 A gente estudamos na biblioteca da escola 3 A gente estuda na biblioteca da escola 4 Que forma você falaria em uma situação informal com amigos família Nós estudamos na biblioteca da escola 1 Nós estuda na biblioteca da escola 2 A gente estudamos na biblioteca da escola 3 A gente estuda na biblioteca da escola 4 Os resultados do teste confirmaram o uso estilisticamente marcado dos pronomes A maioria das respostas dos alunos à pergunta Que forma você falaria em uma situação formal foi nós estudamos na bi blioteca da escola o que mostra que eles elegem o pronome tradicional nós que é ensinado na escola para usar em uma situação mais formal Já em uma situação mais informal preferem o pronome a gente SILVA BRUSTOLIN 2009 p 214215 Falamos até aqui sobre procedimentos metodológicos a serem adotados para a constituição de amostras ou corpora especificamente de fala Já temos disponíveis no Brasil vários bancos de dados linguís ticos Ou seja para se fazer uma pesquisa sociolinguística nem sempre é necessário ir a campo podese utilizar dados de um banco previamen te constituído O primeiro deles é do Projeto NURC Norma Linguística Urbana Culta formado na década de 70 com entrevistas gravadas em cinco capitais brasileiras Porto Alegre São Paulo Rio de Janeiro Sal vador e Recife com informantes de nível universitário envolvendo três tipos de coleta diálogo entre dois informantes diálogo entre informan te e entrevistador e elocução formal A importância do Projeto NURC Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 127 se evidencia por exemplo nos oito volumes da Gramática do Portu guês Falado projeto coordenado pelo professor Ataliba Castilho Além desse banco de dados de fala culta outros tantos se formaram e estão se formando no Brasil coletando outros tipos de amostras O quadro 2 abaixo adaptado e ampliado de Gonçalves 2009 ilustra os estudos brasileiros nessa área Projeto Procedência Tamanho da amostra nº de informantes Variáveis sociais controladas Programa de Estudos sobre Usos da Língua PEUL Cidade do Rio de Janeiro 64 Sexogênero faixa etária e escolaridade Variação Linguística na Região Sul VARSUL Região Sul 12 áreas urbanas 288 24 por área Sexogênero faixa etária e escolaridade Variação Linguística na Paraíba VALPB Estado da Paraíba 60 Sexogênero faixa etária e escolaridade Dialetos Sociais Cea renses Fortaleza 23 Sexogênero faixa etária bairro e classe social Língua Usada em Alagoas LUAL Maceió 32 Sexogênero faixa etária e escolaridade Discurso Gramática DG Cidade do Rio de Janeiro Natal RN Juiz de Fora MG e Rio Grande RS 220 Sexogênero faixa etária e escolaridade Amostra Linguística do Interior Paulista ALIP Região Noroeste do estado de SP 7 áreas urbanas 152 Sexogênero faixa etária escolaridade e renda familiar Banco de Dados Sociolinguísticos da Fronteira e da Cam panha Sulriogran dense BDS Pampa 21 municípios da faixa de fronteira Brasil Uruguai Argentina e cam panha gaúcha 600 Sexogênero faixa etária e escolaridade Banco de Dados Sociolinguísticos Variáveis por Classe Social VarX Pelotas RS 90 Sexogênero faixa etária e classe social Quadro 2 Estudos brasileiros na área Ampliado de Gonçalves 2009 Sociolinguística 128 Vamos detalhar um pouco mais o Projeto VARSUL por ser o mais próximo da nossa realidade Tratase de um projeto interinstitucional dele participam UFSC UFPR UFRGS PUCRS que conta com um banco de 288 entrevistas orais 96 por estado coletadas nos moldes da Sociolinguística laboviana no decorrer da década de 90 As gravações fo ram feitas em quatro cidades de cada estado a capital mais três cidades com diferentes etniascolonizações ou centros urbanos de destaque assim distribuídas i no Paraná Curitiba Irati colonização eslava Pato Bran co centro urbano de destaque da região sudoeste do Paraná e Londrina grande centro urbano da região norte do estado ii em Santa Catarina Florianópolis Lages caminho dos tropeiros entre SP e RS Blumenau colonização alemã e Chapecó colonização italiana iii no Rio Grande do Sul Porto Alegre Flores da Cunha colonização italiana Panambi colonização alemã e São Borja fronteira com a Argentina Esses bancos de dados ao controlarem a variável faixa etária ofe recem amostras para testar hipóteses de mudança linguística em tem po aparente Para estudos que investigam mudança linguística no tempo real também dispomos de uma metodologia de coleta própria O pesquisa dor nesse caso pode lançar mão de três tipos de metodologia as duas primeiras relativas a dados de fala e a terceira a dados de escrita Coletar amostras de fala de mesmos indivíduos relativas a dois ǿ momentos diferentes com o fim de perceber a estabilidade e ou mudança no indivíduo O pesquisador retorna à comunida de de fala cerca de vinte anos depois procurando entrevistar os mesmos informantes para proceder a uma análise compara tiva dos dados Esse é um estudo do tipo painel Coletar amostras aleatórias mas com a estratificação social ǿ idêntica da mesma comunidade de fala relativas a dois mo mentos diferentes com o fim de perceber a estabilidade eou mudança na comunidade O pesquisador retorna à comuni dade de fala cerca de vinte anos depois entrevistando infor mantes que se enquadrem nas mesmas características sociais dos anteriores Esse é um estudo do tipo tendência A distribuição dos infor mantes do Projeto VARSUL é de dois por célula social Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 129 Coletar textos escritos em prosa que potencialmente possam ǿ refletir o vernáculo de certo período de tempo Por exemplo cartas de cunho pessoal diários textos teatrais que tenham trazido a fala de diferentes camadas da sociedade além de in formações de atlas linguísticos e textos que forneçam alguma informação sobre avaliação linguística como gramáticas No Brasil amostras de fala chamadas de painel e de tendência foram coletadas principalmente no Rio de Janeiro em épocas distintas duas sincronias pelo grupo de pesquisadores de sociolinguística da UFRJ na década de 80 e na década de 2000 A amostra de 2000 é cha mada de recontato As amostras sistemáticas de escrita diacrônica começaram a ser co letadas no Brasil na década de 80 A primeira coleta foi coordenada pelo professor Fernando Tarallo na UNICAMP Alguns dos textos levantados pela equipe datam de 1316 a 1937 e fazem parte do exemplar Tempos lingüísticos itinerário da língua portuguesa escrito pelo autor Outros bancos coletados principalmente para pesquisas de História da Língua também se prestam a estudos sobre variação e mudança como os arma zenados pela equipe da professora Rosa Virgínia Mattos e Silva na Bahia UFBA Temos também amostras de escrita diacrônica que estão sendo coletadas já há uma década pelos pesquisadores do projeto nacional Para uma História do Português Brasileiro em diversas capitais do Brasil coordenado pelo professor Ataliba Castilho Em Santa Catarina o grupo do PHPB é coordenado pela professora Izete Lehmkuhl Coelho desde agosto de 2009 Encontrase em fase de coleta e armazenamento de peças de teatro de escritores catarinenses e de cartas de leitores e de editores de jornais de Santa Catarina dos séculos XIX e XX Voltemos agora à descrição de outros aspectos relacionados às eta pas de uma pesquisa sociolinguística clássica ou prototípica que está relacionada a coletas de amostras de dados de fala 63 Envelope de variação Uma vez definida a comunidade de fala a ser investigada e a amos tra a ser analisada partese para a delimitação precisa do objeto de es O exemplo de Tarallo 1990 sobre o preenchi mento do sujeito e do objeto que mostramos no Capítulo 5 ilustra resultados que podem ser encontrados a partir do le vantamento de coleta de amostras escritas diacrô nicas amostras que levem em consideração certo período de tempo Sociolinguística 130 tudo e do seu respectivo envelope de variação Envelope de variação é o nome dado em um estudo sociolinguístico à descrição detalhada de uma variável de suas variantes e dos contextos em que elas podem ou não ocorrer ou seja de como exatamente um fenômeno de variação está se manifestando na língua Para isso é necessário primeiramente reconhecer um fenômeno em variação ou seja uma variável e identificar suas possíveis variantes Esse processo inicial é um pouco intuitivo depende das impressões que o pesquisador tem a respeito da fala da comunidade investigada mas a partir da observação dos primeiros dados essa questão vai se delimi tando e as impressões do pesquisador sendo confirmadas ou não Uma indagação que você deve estar se fazendo é a seguinte quantas variantes tem uma variável linguística Vamos trabalhar essa questão a partir de alguns dados Comecemos com a realização da consoante vibrante em português Observe como é pronunciado o r em posição final de sílaba em pala vras como mar carta carne cantor Para situarmos concretamente nossos dados vamos nos apoiar num estudo publicado por Monaretto 2002 sobre a realização da vi brante pósvocálica em dados da comunidade de fala de Porto Alegre A autora encontrou as seguintes realizações da vibrante em posição de coda tepe R 60 vibrante alveolar r 9 retroflexa 5 fri cativa velar x 1 e apagamento Ø 25 Temos pois nesse caso a variável linguística realização de r em posição de coda constituída por cinco variantes Observe agora os seguintes dados de concordância verbal retira dos de Zilles et al 2000 Nós falamos corretamente português POA01L513 Nós falamo o nosso alemão PAN16L1067 Nós era agricultor PAN06L1128 No estudo da variável concordância verbal com a primeira pessoa do plural examinando amostras de fala das comunidades gaúchas de Porto Alegre e de Panambi VARSUL os autores encontraram as se Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 131 guintes realizações mos 53 mo 34 e zero Ø 13 Temos nesse caso três variantes para essa variável linguística Contudo pode mos também guiar nosso estudo para que ele considere em vez das três variantes individuais o emprego da desinência mos e mo versus o seu apagamento Ø com o que passamos a ter duas variantes para essa mesma variável Podemos retomar nesse ponto a pergunta formulada anteriormen te quantas variantes tem uma variável linguística A resposta como você já deve ter concluído é duas ou mais dependendo do fenômeno investigado pois como vimos por definição um fenômeno variável implica sempre a existência de duas ou mais formas de se veicular um mesmo significado referencial Como já foi mencionado na Unidade A seção 22 a variável lin guística escolhida como objeto de estudo é tratada na análise quantita tiva como variável dependente Podemos ter portanto variáveis de pendentes binárias com duas variantes ternárias com três variantes ou eneárias com quatro ou mais variantes A variável dependente é tomada como referência para se testar a atuação de diferentes variáveis independentes ou grupos de fatores que possam influenciar a escolha entre as formas alternantes ou a aplicação da regra variável Voltaremos a esse ponto na seção 65 Considere a seguinte passagem A identificação de uma variável inclui definir as variantes o que é e o que não é uma ocorrência da variável em estudo e determinar o enve lope da variação onde é possível ou impossível que a variável ocorra Contextos categóricos nos quais não há variação e contextos neutra lizadores nos quais a variação é irrelevante ou imperceptível devem ser identificados e normalmente são excluídos da análise GUY ZILLES 2007 p 36 Na prática no estudo sobre a realização da vibrante pósvocálica anteriormente referido por exemplo o envelope de variação engloba a possibilidade de produção de cinco diferentes variantes cujo lócus de ocorrência é definido de acordo com o léxico do português de modo que todas as palavras que apresentem r em coda isto é em final de sílaba incluindo final de palavra são consideradas como ambiente pro Sociolinguística 132 pício à variação em foco Nesse fenômeno como têm mostrado os estu dos dificilmente são encontrados contextos categóricos em que apenas uma das formas irá ocorrer Já como ambientes neutralizadores temos por exemplo sequências em que a variante em questão ocorre em final de palavra e a palavra seguinte inicia com um fonema semelhante com prar régua mar revolto Esses dados devem ser excluídos da análise variacionista uma vez que não se pode discriminar com segurança se o r pertence à primeira à segunda ou a ambas as palavras Da mesma maneira devem ser desconsiderados desse tipo de análise aqueles dados cuja audição é prejudicada por ruídos externos ou por problemas de articulação do falante Uma vez definido o envelope de variação passase à formulação de questões e hipóteses o que será tratado na seção a seguir 64 Levantamento de questões e hipóteses A observação empírica da fala das pessoas e a própria intuição de falante nativo do português além da revisão da literatura isto é leituras e resenhas já feitas sobre trabalhos que focalizem o objeto de interesse guiam o pesquisador na formulação de questões e hipóteses que vão orientar a sua investigação Para exemplificar voltemos inicialmente ao estudo sobre concor dância verbal mencionado na seção anterior cujas variantes são mos mo e Ø Os autores partiram das seguintes suposições i de que há dois processos determinando o uso das formas não padrão um fono lógico de apagamento do s e outro morfossintático de variação na aplicação da regra de concordância verbal ii de que maior escolarida de deve favorecer o uso da forma padrão e iii de que dado que a cida de gaúcha de Panambi é de colonização alemã deve se observar interfe rência na fala devido ao contato entre alemão e português Algumas das hipóteses testadas nesse estudo foram assim formuladas observe que as duas primeiras hipóteses são de natureza linguística e as outras duas são extralinguísticas a A forma verbal proparoxítona favorece a omissão da desinência nú meropessoal mos Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 133 b A posposição do sujeito favorece o apagamento da marca de concordância c As formas não padrão zero e mo são favorecidas na fala dos infor mantes com menor grau de escolaridade d As formas não padrão são mais favorecidas em Panambi em decor rência da aquisição tardia do português pelos falantes bilíngues desta comunidade Adaptado de ZILLES et al 2000 p 204 Essas hipóteses se constituem em respostas possíveis e esperadas a questões como Qual é o efeito da tonicidade sobre o uso variável da concor a dância verbal Qual é o papel da posição do sujeito em relação ao verbo para b a realização da concordância Qual é o papel da escolaridade sobre a realização da concor c dância Qual é o papel do bilinguismo sobre o uso variável da concor d dância verbal A operacionalização das hipóteses é feita mediante o levantamento de grupos de fatores ou variáveis independentes No caso acima fo ram testados os seguintes grupos de fatores Posição do acento na forma verbal alvo forma padrão pro 1 paroxítonas ou paroxítonas Posição do sujeito em relação ao verbo posposição anteposi 2 ção direta distância entre sujeito e verbo de uma a três sílabas e distância entre sujeito e verbo de mais de três sílabas Escolaridade primário até 4 anos de escolarização ou se 3 gundo grau Comunidade Panambi ou Porto Alegre 4 Temos acima quatro grupos posição do acento posição do sujeito escolaridade e comunidade Cada um desses grupos é constituído pe los seguintes fatores proparoxítonas e paroxítonas posposição antepo Se achar necessário retor ne à Unidade A e reveja o que são grupos de fatores Sociolinguística 134 sição distância de uma a três sílabas e distância de mais de três sílabas primário e segundo grau Panambi e Porto Alegre respectivamente Vejamos agora um detalhamento de algumas hipóteses testadas por SilvaBrustolin 2009 no trabalho sobre a alternância entre as for mas nós e a gente sua variável dependente como possíveis condicio nadoras do uso das formas pronominais variantes na amostra utilizada Essas hipóteses são formuladas para responder à seguinte questão i quais os fatores linguísticos estilísticos e sociais que condicionam o uso da forma a gente no lugar do pronome nós A autora acredita que pre enchimento do sujeito marca morfêmica do verbo e fala e escrita por exemplo sejam grupos de fatores motivadores do uso de uma forma pronominal no lugar de outra baseandose nas seguintes expectativas Haverá mais predominância de sujeito preenchido com o pronome a gente pois este pronome acompanha o verbo na 3ª pessoa do singu lar P3 do que com o pronome nós tanto na fala quanto na escrita E provavelmente o pronome nós virá com sujeito nulo uma vez que o nós em geral acompanha o verbo na 1ª pessoa do plural P4 com morfema distintivo de primeira pessoa mos A combinação de a gente com verbo em P3 e da forma pronominal nós com verbo em P4 provavelmente é majoritária nos dados ii a concordância de a gente com P3 evidencia que formas gramaticalizadas não perdem inteiramente as suas propriedades originais assim a gente mantém a possibilidade de concordância verbal com a 3ª pessoa do sin gular e a pluralidade inerente ao nome coletivo gente Acreditamos que haja um maior monitoramento na modalidade escri ta do que na falada devido também ao grau de formalidade da situação de escrita por parte dos alunos e consequentemente um uso maior de nós nessa modalidade Adaptado de SILVABRUSTOLIN 2009 p 145162 Numa pesquisa sociolinguística a definição dos grupos de fatores está intimamente relacionada com as hipóteses que por sua vez são formuladas em termos de respostas provisórias às questões levantadas Definir os grupos de fatores representa um importante passo na pesqui sa e é uma tarefa que normalmente vai sendo refeita ao longo da aná lise É comum nas pesquisas empíricas que lidam com dados reais ir Capítulo 06 Etapas da Pesquisa Sociolinguística 135 refinando as hipóteses incorporando novos grupos de fatores e descar tando outros por exemplo Esse procedimento naturalmente requer um bom tempo do pesquisador Formuladas as questões e hipóteses e com os grupos de fatores de vidamente detalhados passase à etapa seguinte da pesquisa que é co dificar os dados para então se proceder à análise estatística 65 Codificação de dados e análise estatística A codificação dos dados é um requisito para a análise estatística da qual falaremos na seção seguinte Para cada fator de cada grupo é atribuído um código No interior de cada grupo os códigos devem ser obrigatoriamente distintos um do outro já nos diferentes grupos pode haver repetição de código embora o recomendável seja não repetilos Os códigos disponíveis para esse procedimento são as letras os núme ros e os símbolos dos caracteres do computador de modo que cada có digo deve corresponder a um único caracter Suponhamos que a nossa variável dependente seja a concordân cia verbal com a primeira pessoa do plural Podemos estabelecer por exemplo os códigos apresentados no quadro abaixo de acordo com os fatores exemplificados para cada variável Variável dependente 1 mos 2 mo 0 zero apagamento Variáveis independentes Linguísticas Sociais 1 Posição do acento P proparoxítona 1 Escolaridade 4 primário p paroxítona 9 segundo grau 2 Posição do sujeito d posposição 2 Comunidade I Panambi a anteposição direta A Porto Alegre distância de uma a três sílabas distância de mais de três sílabas Quadro 3 Exemplo de códigos Relembrando um grupo de fatores é por exemplo a faixa etária os fatores desse grupo poderiam ser entre 20 e 50 anos e acima de 50 anos Sociolinguística 136 O próximo passo é examinar a amostra delimitada para a pesqui sa e extrair cada ocorrência da variável acompanhada do contexto em que ela está inserida o que implica na maioria das vezes ler eou ouvir amostras bem extensas No caso aqui exemplificado é preciso conside rar o contexto em que aparece o sujeito e o respectivo verbo atentando se para a possível distância que pode separálos bem como para a or dem em que eles aparecem na sentença Feito o levantamento de todas as ocorrências partese para a codificação desses dados Imaginemos que estamos codificando os dados de um informante de Panambi com escolaridade primária Aplicando os códigos do quadro 3 acima tere mos por exemplo note que os códigos correspondem ao número e à ordem dos fatores controlados sendo o primeiro deles referente a uma das variantes da variável dependente Codificação Ocorrências 0P4I Nós sempre cantava cantávamos 1pa4I Nós fomos embora 2pa4I Pedro e eu corremo até cansar Quadro 4 Exemplo de codificação Dependendo do tipo de fenômeno que está sendo investigado po demos chegar a um número bastante elevado de dados E dependendo do número de variáveis independentes testadas a quantidade de infor mação associada a cada dado também será grande Daí a necessidade de se lançar mão de recursos computacionais com a utilização de um pacote estatístico Nas pesquisas variacionistas o pacote utilizado é o Varbrul Não vamos todavia nos deter nos meandros da operacionali zação desse pacote pois isso foge aos objetivos desta disciplina Para os principiantes na pesquisa sociolinguística qualquer pacote estatístico que calcule percentuais pode ser utilizado No Capítulo 7 mostraremos um exemplo de pesquisa sociolinguís tica com descrição e análise de dados O Varbrul Variable rules analysis é um pacote es tatístico desenvolvido por Sankoff e Rousseau em 1978 usado para descre ver padrões de variação entre formas alternati vas de uso da língua O pacote fornece cálculos de frequência percentuais e pesos relativos associados a cada fator das variáveis independentes em relação à aplicação da regra indi cando a influência de cada um desses fatores sobre o uso de uma das variantes Além disso realiza a sele ção estatística dos grupos de fatores por ordem de relevância É bastante utilizada nas pesquisas sociolinguísticas a ver são Varbrul 2S PINTZUK 1988 Atualmente se encontra disponível livremente para Mac OS e Windows da Microsoft com o nome de Goldvarb Disponível em http individualutorontoca tagliamonteGoldvarb GVindexhtm Acesso em 01 mar 2010 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 137 7 Estudo de um fenômeno linguístico variável Para mostrar em termos gerais o estudo de um fenômeno variável optamos por descrever um trabalho de variação morfossintática Varia ção na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala de floriano politanos de Monguilhott 2001 Para a realização desta pesquisa a au tora utilizou dados referentes a amostras pertencentes ao banco de dados do Projeto VARSUL Foram analisadas entrevistas de vinte e quatro in formantes da cidade de Florianópolis de origem açoriana estratificados de acordo com as variáveis sociais sexogênero idade 15 a 24 anos 25 a 45 anos e 52 a 76 anos e escolaridade 4 anos de escolarização e 11 anos de escolarização distribuídos de acordo com o quadro a seguir Feminino Masculino 15 a 24 anos 25 a 45 anos 52 a 76 anos 15 a 24 anos 25 a 45 anos 52 a 76 anos Primário 02 02 02 02 02 02 Colegial 02 02 02 02 02 02 Quadro 5 Distribuição dos informantes de acordo com as células sociais Após a coleta para que fosse possível verificar a influência dos fatores linguísticos e sociais sobre o fenômeno em estudo os dados foram codifi cados e analisados estatisticamente com o auxílio do Programa Varbrul Monguilhott estabeleceu a marcaçãonão marcação da concordân cia verbal de terceira pessoa do plural como sua variável dependente com duas variantes marca explícita de plural nos verbos e a não mar cação de plural nos verbos como os exemplos extraídos do estudo da autora ilustram abaixo Mas o meus irmão não nem tava aí 01FAP276 Mora dois no Rio 03FAP309 Eles moru lá tudo em Criciúma 03FAP413 Do total de 1583 dados obtidos 1251 apresentaram marcas explíci tas de concordância nos verbos correspondendo a 79 da amostra e 332 dados 21 do total apresentaram a variante zero de plural nos verbos Observe no quadro 5 que há dois informantes em cada célula social Vale lembrar que este pro grama estatístico fornece pesos relativos associa dos aos diversos fatores dos grupos de fatores ou variáveis independentes consideradas bem como a seleção destes grupos em função de sua relevância estatística para a variação do fenômeno analisado Os pesos relativos atri buídos indicam o efeito que cada um dos fatores tem sobre as variantes do fenômeno linguístico analisado a variável dependente Sociolinguística 138 Para responder à questão quais os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos que condicionam a concordância verbal de terceira pes soa do plural a autora investigou sete grupos de fatores ou variáveis independentes linguísticosas e três sociais Vamos apresentar a carac terização e os resultados de quatro desses grupos saliência fônica po sição do sujeito em relação ao verbo sexogênero e escolaridade que se mostraram condicionadores da marcação da concordância verbal ou seja foram selecionados pelo pacote estatístico VARBRUL como rela taremos a seguir Com o propósito de investigar se a concordância verbal era ou não motivada pela saliência fônica a autora tomou como ponto de partida os níveis de saliência estudados por Naro 1981 apud MON GUILHOTT 2001 p 41 Vejamos Nível 1 oposição não acentuada não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plu a ral conhececonhecem consegueconseguem correcorrem vivevivem sabesabem ex Todas elas já sabe a tarefa 07FBP466 Eles só sabem viver assim juntos né 22FBC1051 envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural ga b nhaganham eraeram gostagostam ex Os baile era rodeado de janela 04MAP540 Eu acho que eles eram improvisados 02MAP968 envolve acréscimo de segmentos na forma plural dizdizem c querquerem ex Eles diz que é criada a ração né 06MBP955 Eles dizem que foi dele 06MBP472 Nível 2 oposição acentuada envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural a tátão vaivão ex Quando vai alguns parente essas coisa 03FJP557 Fico enrolada na toalha quando eles vão na praia 03FJP400 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 139 envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na b forma plural bateubateram viuviram incluindo o par foi foram que perde a semivogal ex Foi duas turma 15MJC913 Forum eles que me ajudarum a me soltá mais 16FJC907 envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na for c ma plural mudanças vocálicas na desinência mudanças na raiz e até mudanças completas veiovieram ésão dissedis seram ex Mais tarde então veio os hospitais 18MAC789 As rendeiras vieru dali né 24FBC1262 A hipótese de Monguilhott é de que as formas fonicamente mais salientes tendem a ser mais marcadas do que as menos salientes ou seja as oposições mais saliente entre singularplural por serem mais per ceptíveis devem aumentar a probabilidade de ocorrência da variante explícita de plural Seus resultados corroboram essa hipótese como po demos observar na tabela 5 abaixo Nível 1 Oposição não acentuada APLTOTAL PR a não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural 25101 25 002 b envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural 638802 80 046 c envolve acréscimo de segmentos na forma plural 68103 66 013 Nível 2 Oposição acentuada APLTOTAL PR a envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural 125130 96 088 b envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural 85102 83 065 c envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural 310345 90 075 Total 1 2511 583 79 Tabela 5 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores saliência fônica MONGUILHOTT 2001 p 42 Peso relativo PR é uma medida probabilística usada para calcular o efeito de um fator condicionador na aplicação da regra variável ou seja o peso que um fator tem ao condicionar a ocorrência da variante que estipulamos como aplicação da regra Como o nome sugere o peso relativo de um fator só tem significado quando relativizado ao peso de Sociolinguística 140 outros fatores com os quais coocorre Essa medida é tão constante em tabelas de pesquisas sociolinguísticas quanto a porcentagem e é dada em valores de 00 a 10 Quanto mais próximo de 10 maior o peso rela tivo do fator isto é maior o efeito dele sobre a variante escolhida como aplicação da regra quanto mais próximo de 00 menor o peso relativo ou seja menor a força de atuação desse fator na escolha daquela va riante próximo ao valor de 05 temos o ponto neutro pesos relativos próximos a esse valor indicam que o grupo de fatores tem pouco efeito sobre a aplicação da regra variável Como se pode verificar os fatores pertencentes ao nível 2 oposição acentuada tenderam a uma maior marcação da regra de concordância verbal Já em relação ao nível 1 oposição não acentuada percebemos uma tendência a marcas zero de concordância verbal em especial nos verbos que fazem parte do item a em que não há mudança na qualidade da vogal na forma plural como em conhececonhecem com apenas 25 de concordância e 002 de peso relativo Quanto ao grupo de fatores posição do sujeito em relação ao ver bo novamente Monguilhott 2001 parte de resultados de trabalhos que mostram uma tendência à marcação da concordância verbal quando o sujeito se encontra anteposto ao verbo e uma tendência à não marcação da concordância quando ele vem depois do verbo como os exemplos a seguir ilustram Ordem sujeitoverbo ex Eles fizeru churrasco 02MAP1161 Ordem verbosujeito ex Seriam três cidade que eu gostaria de voltar 02MAP139 A hipótese de Monguilhott é a de que o sujeito quando posposto ao verbo apresentará forte tendência à variante zero de plural nos ver bos e quando anteposto uma tendência à marcação da concordância Vejamos os resultados na tabela 6 Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 141 Posição do sujeito em relação ao verbo AplicaçãoTotal Peso relativo Sujeito anteposto 1 1191328 84 058 Sujeito posposto 132255 52 017 Total 1 2511 583 79 Tabela 6 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores posição do sujeito em relação ao verbo MONGUILHOTT 2001 p 46 Podemos observar através da tabela 6 que a probabilidade de aplicação da regra de concordância foi maior quando o sujeito estava anteposto ao verbo atestando dessa forma a hipótese da autora Os resultados da tabela mostram que 84 058 de peso relativo dos sujei tos antepostos apareceram com marcação da concordância enquanto apenas 52 017 de peso relativo dos sujeitos pospostos vieram mar cados o que significa dizer que além da saliência a concordância verbal é motivada também pela posição do sujeito em relação ao verbo Segun do Monguilhott 2001 alguns trabalhos mostram que essa tendência se deve ao fato de o sujeito posposto ao verbo ser encarado como objeto pelo falante que não aplica a regra de concordância Vejamos agora dois grupos sociais sexogênero e escolaridade Começamos com o grupo sexogênero dos informantes Monguilhott esperava encontrar nos resultados mais concordância marcada por parte das mulheres por elas se mostrarem mais receptivas à atuação normatizadora da escola como a maioria dos estudos sociolinguísticos sobre o PB apontam uma vez que marcação da concordância é uma forma de prestígio Os resultados estatísticos expostos na tabela 7 a seguir ratificam a hipótese de haver uma tendência à maior marcação de concordância por parte das mulheres o que parece indicar que as mulheres estão de fato mais atentas às regras estabelecidas sejam elas sociais ou linguísticas SexoGênero AplicaçãoTotal Peso relativo Feminino 736905 81 053 Masculino 515678 76 045 Total 1 2511 583 79 Tabela 7 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores sexogênero MONGUILHOTT 2001 p 62 Perceba que essa inter pretação é perfeitamente justificável pois o sujeito quando posposto aca ba ocupando a posição canônica do objeto na sentença Sociolinguística 142 Escolaridade foi outro grupo de fatores controlado pela autora A hipótese investigada é de que quanto maior o nível de escolaridade maior a probabilidade de o falante utilizar a regra da concordância ver bal pois a escola é um dos ambientes que privilegia a norma linguísti ca utilizada na escrita Segundo Monguilhott de acordo com estudos variacionistas envolvendo a variável anos de escolarização existe uma correlação entre formas linguísticas consideradas padrão ensinadas na escola e reforçadas em outros ambientes como TV jornais etc e maior escolaridade Dois níveis de escolarização foram controlados corres pondendo a 4 e a 11 anos de escolarização Os resultados estatísticos atestam a hipótese da autora os falantes mais escolarizados aplicaram mais a regra de concordância verbal 81 e 057 de peso relativo que os menos escolarizados 78 e 044 de peso relativo cf tabela 8 Anos de escolarização AplicaçãoTotal Peso relativo 11 anos 591733 81 057 4 anos 660850 78 044 Total 12511583 79 Tabela 8 Frequência e probabilidade de concordância verbal segundo o grupo de fatores escolaridade MONGUILHOTT 2001 p 59 Por fim os resultados estatísticos dos grupos de fatores apresen tados neste Capítulo evidenciam que há uma tendência à marcação da concordância verbal quando o verbo for mais saliente isto é quando apresentar uma oposi a ção fônica entre singularplural mais acentuada o sujeito estiver anteposto ao verbo b a sentença for usada por mulheres c a sentença for usada por pessoas mais escolarizadas d Esses resultados evidenciam o fato de que a variação na concor dância verbal de terceira pessoa do plural é condicionada por fatores linguísticos e sociais e não uma escolha aleatória do falante Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 143 A exposição desse estudo serviu principalmente para mostrar que apenas resultados expostos em tabelas não são suficientes para a análise de um fenômeno em variação É necessário na medida do possível re lacionar os resultados a outros já encontrados e entender o que a leitura de estudos anteriores sobre o mesmo objeto e o que o contexto social onde ocorre o fenômeno têm a nos dizer Sociolinguística 144 Fechando a Unidade D Nesta unidade apresentamos as etapas de uma pesquisa sociolin guística e verificamos sua aplicação através do detalhamento do estudo e exame de um fenômeno linguístico variável no PB a saber a concor dância verbal com a terceira pessoa do plural Sintetizamos no quadro abaixo os passos de uma pesquisa socio linguística Passos de uma pesquisa sociolinguística Escolha de uma comunidade de fala ǿ Escolha de um objeto variável sociolinguística ǿ Definição do envelope de variação ǿ Revisão da literatura levantamento do que já foi dito sobre esse ǿ objeto Formulação de questões e hipóteses ǿ Definição dos grupos de fatores linguísticos e sociais ǿ Coleta de dados de um banco pronto ou formação de novas amos ǿ tras Codificação das ocorrências de acordo com os grupos de fatores ǿ Análise quantitativa dos dados pacote Varbrul ǿ Interpretação dos resultados ǿ Capítulo 07 Estudo de um Fenômeno Linguístico Variável 145 Leia mais MONGUILHOTT Isabel de O e S Estudo sincrônico e diacrônico da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE Tese Doutorado em Linguística Florianópolis UFSC 2009 Além de ser um ótimo exemplo de estudo sociolinguístico essa leitura é recomendada especialmente porque no capítulo 2 a autora descreve em detalhes a metodologia geossociolinguística que utilizou em sua pesquisa GUY Gregory ZILLES Ana Sociolinguística quantitativa instrumental de análise São Paulo Parábola Editorial 2007 Nesse livro os autores além de mostrarem a relevância da análise quantitati va em uma pesquisa sociolinguística trazem importantes ferramentas para uma exploração aprofundada dos recursos do programa estatístico Varbrul e uma leitura completa dos resultados por ele emitidos NARO A J Modelos quantitativos e tratamento estatístico In MOLLI CA M C BRAGA M L Orgs Introdução à sociolinguística o trata mento da variação 3 ed São Paulo Contexto 2008 p 1525 SCHERRE M M P NARO A J Análise quantitativa e tópicos de in terpretação do Varbrul In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à sociolinguística o tratamento da variação 3 ed São Paulo Contexto 2008 147177 Esses dois capítulos tratam de um aspecto muito importante da pesquisa sociolinguística a estatística No primeiro deles são explorados os porquês dos programas estatísticos como se chegou ao modelo de análise hoje uti lizado e quais peculiaridades uma pesquisa do tipo sociolinguística pode ter em termos de estatística O segundo explora a terminologia utilizada e as etapas de uma rodada estatística e é ricamente ilustrado com dados reais de pesquisas já realizadas Unidade E Sociolinguística e Ensino Objetivos desta Unidade Identificar nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN a ǿ base sociolinguística que orienta o documento Apresentar contribuições da Sociolinguística para o ensino da ǿ língua portuguesa Propor algumas sugestões metodológicas para o trabalho do ǿ professorpesquisador Nesta última Unidade reunimos algumas das principais contribui ções da Sociolinguística para o ensino de língua portuguesa retomando de forma resumida os aspectos mais importantes discutidos ao longo do livrotexto que tenham implicações pedagógicas Reportamonos inicialmente aos PCN para contextualizar o que será dito na sequên cia sobre Sociolinguística e ensino As contribuições são apresentadas em três blocos um relativo ao nível conceitual mais amplo outro con cernente à natureza heterogênea da língua portuguesa e um terceiro referente à prática do professorpesquisador Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 149 8 Contribuições da Sociolinguística para o ensino de língua portuguesa Vamos fechar nosso livrotexto focalizando os dois tópicos finais da ementa exposta na Apresentação Prática pedagógica variação linguísti ca e ensino Reflexões sobre a prática pedagógica no ensino fundamental e médio Como se trata de um capítulo de fechamento terá também um caráter de retrospectiva pois retomaremos vários aspectos já estudados ao longo das Unidades precedentes Não podemos falar em ensino sem fazermos referência aos PCN Por isso a seção a seguir é dedicada a um breve exame do que é pro posto nesse documento oficial com ênfase nas questões concernentes à Sociolinguística 81 A proposta dos PCN para o ensino de língua portuguesa Para contextualizar o que vamos dizer sobre Sociolinguística e en sino reportemonos inicialmente aos PCN de Língua Portuguesa A língua portuguesa no Brasil possui muitas variedades dialetais Iden tificamse geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar é muito comum se considera rem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas BRASIL 1997 p 26 Como você pode notar os PCN abordam a questão das varieda des dialetais e salientam o problema do preconceito linguístico advindo do valor social atribuído às formas variantes da língua especialmente àquelas formas linguísticas usadas por falantes que não gozam de pres tígio social na comunidade onde vivem As reações de preconceito se manifestam quase sempre naquelas pessoas que se situam nos pontos mais altos na pirâmide social ou seja que pertencem a um nível so cioeconômico mais alto e que dominam a variedade culta da língua O Parâmetros Curriculares Nacionais Tratase de um conjunto de documentos que têm como objetivo subsidiar a elaboração do currículo dos 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio visando à formação da cidadania do aluno Sugerimos que você retome neste momento o que vimos na Unidade A seção 23 sobre o signi ficado social das formas variantes Sociolinguística 150 preconceito linguístico pode ser identificado em comentários do tipo fulano fala errado fulano não sabe falar direito a fala de fulano é feia A fala ou escrita é julgada em função do status social dos indiví duos que a utilizam e não pelas características linguísticas em si É nessa direção que o documento propõe O problema do precon ceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na escola como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença BRASIL 1997 p 26 Consideremos o seguinte objetivo institucional o objetivo princi pal da escola é a formação do sujeitocidadão Em relação à linguagem a escola deve oferecer condições para que o aluno desenvolva seus co nhecimentos sabendo a ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais b expressarse adequadamente em situações de interação oral diferen tes daquelas próprias de seu universo imediato c refletir sobre os fenômenos da linguagem particularmente os que tocam a questão da variedade linguística combatendo a estig matização discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua BRASIL 1998a p 59 Perceba que os dois primeiros itens acima dizem respeito à compe tência comunicativa dos alunos Já o último remete à questão do respei to às diferenças Ainda nos reportando aos PCN vemos que o documento desti nado ao Ensino Médio enfatiza que o ensino da língua materna deve considerar a aquisição e o desenvolvimento de três competências que devem ser acionadas na resolução de situaçõesproblema interativa ǿ que envolve atividades de interlocução sendo im portante ter consciência do papel social que cada um desem penha do lugar de onde se fala sobre o que se fala a quem se dirige textual ǿ que diz respeito à capacidade de entender e produzir textos dos mais variados tiposgêneros Reveja o fechamento da Unidade A Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 151 gramatical ǿ que envolve conhecimentos sobre a estrutura da língua o domínio de suas regras de funcionamento nos níveis fonológico morfológico sintático lexical BRASIL 1998c No âmbito da competência interativa o documento BRASIL 1998a p 7576 salienta que qualquer língua comporta um grande número de variedades ǿ linguísticas que devem ser respeitadas as variedades são mais ou menos adequadas a determinadas ǿ situações comunicativas os rótulos certo e errado devem ser questionados ǿ a norma culta variedade de maior prestígio social deve ter lugar ǿ garantido na escola mas não deve ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno As passagens dos PCN apresentadas acima são perpassadas pelas seguintes concepções a respeito das práticas com a linguagem As situações reais de interação são condição para que se dê o 1 ensino da língua já que a língua funciona para as pessoas inte ragirem socialmente A língua é heterogênea historicamente situada estando sujeita 2 a variações e mudanças o trabalho pedagógico deve contemplar de maneira articula 3 da usos linguísticos ouvirfalar lerescrever e reflexão sobre a língua o uso da língua deve ser adequado aos propósitos comunicati 4 vos e demandas sociais 5 devese combater o preconceito linguístico Sociolinguística 152 Para refletir Ao longo das quatro Unidades estudadas até agora percorremos ca minhos históricos passamos por pressupostos teóricos por questões conceituais e metodológicas no âmbito da área da Sociolinguística Agora tendo em vista o ensino de língua portuguesa propomos que pensemos juntos na seguinte questão Em que pode a Sociolinguística contribuir para o alcance dos obje ǿ tivos mencionados acima Reflita sobre essa questão relacionando o que lhe foi apresentado até agora sobre os PCN com os conceitos que conheceu ao longo das Uni dades A B C e D Ao fazermos remissão aos PCN percebemos o quanto o documen to é atravessado por pressupostos da Sociolinguística Podemos pensar sobre algumas das contribuições desta disciplina para o ensino da língua portuguesa reunindoas em três blocos um relativo ao nível conceitual mais amplo outro concernente à natureza heterogênea da língua portu guesa e um terceiro referente à prática do professorpesquisador 82 Contribuições no nível conceitual Para dar mais luz aos conceitos básicos da área que queremos en fatizar vamos contrapor resumidamente no quadro abaixo as ideias de Labov que orientaram a elaboração deste livrotexto às concep ções teóricas acerca da linguagem que atravessaram o século XX tendo dominado os estudos linguísticos de forma hegemônica na primeira metade do século e que foram rejeitadas pela Sociolinguística a partir da década de 1960 Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 153 A abordagem sociolinguística Rejeita Postula a primazia dos estudos imanentes da língua ie a língua desvinculada de fatores externos o estudo da estrutura e da evolução da linguagem deve ser feito dentro do contexto social da comuni dade de fala Existe uma correlação sistemática entre variação linguística e estratificação social a relação estabelecida por Saussure entre estrutura e sincronia de um lado e história evolutiva e diacro nia de outro a aproximação da sincronia e da diacronia igual mente às noções de estrutura e funcionamento da língua a noção de comunidade de fala homogênea e a existência de um falanteouvinte ideal a existência de comunidades de fala heterogêneas e de falantesouvintes reais que nunca se expressam da mesma maneira em diferentes situações comuni cativas a noção de língua como um sistema homogêneo o sistema linguístico é heterogêneo e a variação é uma propriedade regular e inerente ao sistema a noção de que as regras linguísticas sejam cate góricas o que é conhecido como axioma da cate goricidade o sistema linguístico é constituído por regras ca tegóricas e também por regras variáveis e o falante tem competência linguística para lidar com regras variáveis o fazer científico que produz teorias e dados ao mesmo tempo é preciso analisar os dados de fala do diaadia e relacionálos às teorias gramaticais ajustando a teo ria de modo que ela dê conta do objeto a atribuição de juízos avaliativos do tipo certo e errado acerca de qualquer fenômeno linguístico todas as variedades são igualmente bem estrutu radas sendo mais ou menos adequadas a deter minadas situações comunicativas As avaliações das formas linguísticas como sendo de prestígio ou es tigmatizadas são de natureza social e não linguísti ca sendo carregadas de preconceito linguístico a noção de norma padrão imposta pelas gramáti cas normativas de caráter prescritivo a noção de normas derivadas do uso efetivo da língua de caráter descritivo Quadro 6 A abordagem sociolinguística Você pode estar questionando qual a importância de o professor de língua portuguesa conhecer os postulados teóricos da Sociolinguísti ca Em que essa teoria pode ajudar na prática pedagógica A resposta não é difícil pelo que pudemos notar em nossa rápida passagem pelos PCN É preciso ter um embasamento teórico consisten te acerca da linguagem em seu funcionamento social para poder atuar de forma competente na orientação da aprendizagem e na formação contínua do alunocidadão Sociolinguística 154 Nesse sentido vale lembrar as palavras de Gadotti 2000 p 10 Os educadores não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica mas também formam pessoas Por isso eles são imprescindíveis Para informar o professor precisa antes conhecer Para poder propiciar condições para que o aluno saiba refletir sobre os fenômenos da linguagem particularmente os que tocam a questão da variedade linguística combatendo a estigmatização discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua BRASIL 1998a p 59 o pro fessor precisa obviamente saber fazer isso mas não de forma superfi cial seguindo o senso comum e sim com embasamento científico e domínio conceitual O domínio dos postulados sociolinguísticos básicos e seus desdo bramentos e implicações sintetizados no quadro acima é o mínimo que se espera do professor de língua portuguesa nos dias atuais 83 Contribuições em torno da heterogeneidade da língua portuguesa O nível conceitual de caráter amplo abordado na seção anterior natu ralmente se aplica a todas as línguas naturais Nesta seção vamos focalizar a língua portuguesa mais especificamente o PB Como vimos amplamen te ao longo deste livrotexto o PB não é uniforme Não há homogeneidade nas comunidades de fala nem sequer na fala de um único indivíduo Antes de nos voltarmos para dados do PB porém sintetizamos no quadro a seguir alguns dos principais pontos que já vimos acerca da língua como um sistema heterogêneo A natureza heterogênea da língua Existem variações de natureza externa à língua regionais sociais esti lísticas Existem variações internas nos diferentes níveis linguísticos lexical fo nológico morfossintático discursivo As variações linguísticas são condicionadas tanto por fatores externos à língua como por fatores internos A variação pode levar à mudança linguística mas podemos ter também situações de variação estável Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 155 A ilustração e a análise aqui apresentadas foram adaptadas de Görski e Coelho 2009 e sistema tizam pontos já vistos ao longo do livro Gramaticalização É um processo de mudança linguística que se dá através de regularização gradual pela qual um item fre quentemente utilizado em contextos comu nicativos particulares adquire função grama tical e pode uma vez gramaticalizado adqui rir funções ainda mais gramaticais ou novas funções HOPPER TRAUGOTT 1993 Ou seja no processo de gramaticalização um item uma palavra ou uma construção intei ra de uma dada língua adquire uma nova função nessa língua A mudança pode ser acelerada ou retardada devido à avaliação social atribuída pelos falantes a certas variantes A mudança é estruturada e se encaixa tanto na estrutura linguística como na estrutura social Quadro 7 A natureza heterogênea da língua A título de ilustração e como uma forma de revisão do que já es tudamos vamos examinar alguns fenômenos variáveis do PB à luz dos aspectos listados no quadro acima Tomemos o paradigma pronomi nal que está exposto nas gramáticas tradicionais e na maioria dos li vros didáticos paradigma 1 confrontandoo com o paradigma em uso paradigma 2 Paradigma 1 Paradigma 2 eu eu Tu tu você elea elea nós nós a gente vós vós vocês elesas eles Quadro 8 Descrição dos paradigmas pronominais tradicional paradigma 1 e em uso efetivo paradig ma 2 no PB Extraído de Görski Coelho 2009 A evidente inovação no paradigma 2 devese à entrada das formas pronominais vocês e a gente Ambas as formas hoje pronominais são resultados de processos de mudança vocês advém do pronome de tra tamento de base nominal Vossa Mercê e a gente é oriundo do substantivo gente associado ao artigo definido a Ambos os processos de mudança se deram por gramaticalização ao assumirem determinadas proprieda des valores e funções essas formas passam a fazer parte de uma nova categoria ou classe a de pronome ou seja mudam seu estatuto gra matical de nome item lexical para pronome item gramatical Vejamos como se deram respectivamente essas mudanças obser vando que traços se mantiveram e que traços foram alterados No percurso de Vossa Mercê para você a forma de tratamen ǿ to vai se gramaticalizando vansuncêvassucêvacêvocê até chegar ao pronome pessoal de segunda pessoa Nessa passa Sociolinguística 156 gem a forma vai gradualmente se reduzindo A forma prono minal você atualmente usada para referir a 2ª pessoa do dis curso mantém o traço formal originário de 3ª pessoa criando uma situação de conflito entre as regras normativas de concor dância Assim persiste a especificação original de 3ª pessoa embora a interpretação semânticodiscursiva passe a ser de 2ª pessoa E você começa a concorrer com o tu No percurso de ǿ gente nome genérico para a gente pronome a forma pronominal a gente mantém o traço formal originário de 3ª pessoa Porém a interpretação semânticodiscursiva se altera para EU passando a incluir o falante 1ª pessoa do plu ral E a gente começa a concorrer com o nós As mudanças por que passaram essas formas linguísticas não afeta ram apenas o paradigma pronominal do caso reto Esse comportamento híbrido dos pronomes você e a gente agregando aos traços originários de 3ª pessoa traços de 2ª pessoa e até mesmo de 1ª pessoa acabou pro vocando uma reestruturação também no paradigma verbal que passa de seis formas básicas para três ou quatro como o quadro 9 ilustra Paradigma 1 Paradigma 2 eu ando eu ando tu andas tu andas você anda elea anda elea anda nós andamos nós andamos a gente andamos vós andais vocês andam elesas andam eles andam Quadro 9 Descrição dos paradigmas flexionais verbais tradicional paradigma 1 e em uso efetivo paradigma 2 no PB Extraído de Görski Coelho 2009 O paradigma 1 mostra o padrão escrito das formas pronominais em uso efetivo nos séculos XVIII e XIX Já o paradigma 2 representa o padrão de uso no PB atual Observe que as formas tu anda nós anda e a gente an damos são típicas da oralidade em alguns estratos sociais eou em algumas regiões do Brasil no entanto as formas vocês andam e a gente anda são de uso mais generalizado adentrando a norma culta e sendo bastante fre quentes também na escrita Esse novo paradigma evidencia que em um Atente que na fala a redução se encontra ainda mais acentuada ocêcê Note que embora o pa radigma 1 esteja pratica mente em desuso atual mente é esse modelo que aparece ainda nos livros didáticos Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 157 mesmo tempo e espaço podem conviver mescladas diferentes variantes linguísticas geralmente associadas a diferentes valores sociais Vejamos agora como se deu a passagem do paradigma 1 para o paradigma 2 a A entrada do pronome vocês na segunda pessoa singular e plural na maioria das regiões brasileiras desencadeou uma mudança no paradigma verbal correspondente que começou a contar com formas homônimas você foiele foi e vocês foram eles foram b As formas pronominais antigas de segunda pessoa tu e vós passaram a conviver com as formas novas em algumas regiões do Brasil vocêvocês como aconteceu com o tu ou perderam seu espaço de atuação como no caso do pronome vós que já foi praticamente substituído na língua pelo pronome vocês em todos os estratos sociais c A entrada da forma a gente na língua como pronome de pri meira pessoa do plural veio a competir com o pronome nós O uso do a gente aparece com frequência principalmente na língua falada de pessoas mais jovens Esse novo pronome a gente desencadeia nova alteração no paradigma verbal que conta agora com mais uma forma verbal homônima você foia gente foiele foi Com a entrada de um novo pronome de primeira pessoa do d plural a forma verbal correspondente se alterna nós vamos nós vai e a gente vaia gente vamos nas chamadas variedades padrão e variedades não padrão da língua respectivamente O enfraquecimento do sistema de flexões verbais decorrente e da entrada de pronomes que se combinam com formas verbais de 3ª pessoa do singular instala na língua gradativamente uma tendência ao preenchimento do sujeito pronominal para evitar a ambiguidade causada se deixarmos sem sujeito formas ver bais homônimas Essa mudança pode ser observada i quando comparamos a fala de pessoas mais jovens e mais velhas confi gurando um caso de mudança em tempo aparente e ii quando O pronome vós mantém se em uso apenas em alguns gêneros discursi vos bastante específicos relacionados aos campos religioso e jurídico É pro dutivo em textos escritos mais antigos Sociolinguística 158 comparamos textos escritos atuais com registros antigos evi denciando uma situação de mudança em tempo real É importante ainda registrar o seguinte a entrada dos pronomes você e a gente no PB não afetou apenas o paradigma pronominal de sujeito e a concordância verbal conforme mostramos até agora Essas inovações provocaram uma espécie de mudanças em cadeia que afe taram também os outros subsistemas pronominais dos clíticos e dos possessivos cf vimos na Unidade C Configurase desse modo o que Labov chama de encaixamento estrutural O quadro seguinte apresenta os usos pronominais que encontra mos atualmente Alguns desses usos que constituem o que as gramáti cas normativas chamam de mistura de tratamento se limitam à orali dade e à escrita informal Pronomes pessoais Pronomes oblíquos Pronomes possessivos eu me mim comigo meus minhas tuvocê te ti contigolhe se o a com você teus tuas seus suas de você elea o a lhe se si consigo com elea seus suas dele dela nósa gente nos conosco com nósse com a gente nossos nossasda gente vocês lhes se os as com vocês seus suas de vocês elesas os as lhes se si consigo com elesas seus suas deles delas Quadro 10 Descrição dos paradigmas pronominais pessoal caso reto e oblíquo e possessivo em uso efetivo no PB Extraído de Görski Coelho 2009 As principais mudanças apontadas no quadro acima são as seguintes Na forma de realização do possessivo as formas pronominais ǿ de terceira pessoa seu sua se deslocam para a segunda pessoa e a forma possessiva de terceira pessoa passa a ser quase cate goricamente a forma genitiva dele dela Na forma de realização do oblíquo i os pronomes ǿ lhe oa se deslocam da terceira para a segunda pessoa e o dativo objeto indireto ganha forma de sintagma preposicionado como em de você ii o reflexivo se segue tanto a forma você você se es pelhou como a forma a gente a gente se espelhou mas ainda é usado nas formas de terceira pessoa ele se espelhou Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 159 Essas mudanças em cadeia apontadas acima evidenciam a complexi dade que envolve os processos de variação e mudança linguística no PB 84 Contribuições quanto à prática do professorpesquisador Veja como estamos associando o professor ao pesquisador De fato não se concebe um professor que não seja também pesquisador de modo a romper com o círculo vicioso de mero repetidor de informações ou repassador de conteúdos previamente oferecidos nos manuais didá ticos disponíveis em larga escala no mercado cf Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Letras UFSC 2006 p 6 Neste ponto deve estar claro para você o quanto é importante que o professor conheça os conceitos sociolinguísticos básicos para poder aplicálos na compreensão das diferentes situações de variaçãomudan ça linguística que permeiam o diaadia dos falantes Do ponto de vista prático apontamos algumas ações que não devem ficar de fora da agen da do professor de língua portuguesa Trabalhar com os alunos a realidade sociolinguística brasileira ǿ desde o contexto sóciohistórico mais amplo até o contexto da comunidade e da sala de aula Desenvolver projetos de pesquisa que levem o professor e os ǿ alunos a identificar fenômenos de variação linguística em diferentes ní 1 veis lexical fonológico morfossintático discursivo presentes na sua comunidade entender o funcionamento desses fenômenos variáveis me 2 diante a realização de pesquisa bibliográfica investigando os traba a lhos já realizados sobre o assunto interpretando os resultados e compreendendo as etapas do trabalho até sua conclusão b a realização de entrevistas na comunidade Sociolinguística 160 a construção e aplicação de testes de atitude etc c lidar conscientemente com as noções de certo e errado que 3 perpassam tais fenômenos posicionarse criticamente frente a situações de preconceito 4 linguístico trabalhar a questão da identidade cultural mediada pela língua 5 ao fazer parte de determinado grupo compartilhamos com os pares não só a mesma linguagem mas também as mesmas atitudes em relação à língua Ensinar a norma culta da língua portuguesa que é a variedade ǿ de prestígio na sociedade sem contudo desconsiderar a varie dade linguística que o aluno traz de casa promovendo a ampliação desses conhecimentos mediante a 1 criação de situações diferenciadas para que os alunos desen volvam sua competência sociocomunicativa de modo a saber usar uma variedade ou outra de acordo com as situações de interação no caso de contextos mais formais e públicos é a variedade padrão que é requerida no caso de contextos menos formais e familiares a variedade não padrão é adequada é uma questão de variação estilística preservando a identidade linguística e cultural dos alunos 2 Segundo Koch 2002 p 53 a competência sociocomunicativa leva os falantesouvintes à detec ção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais O termo sociocomuni cativa reforça o caráter sociolinguístico dessas habilidades Capítulo 08 Contribuições da Sociolinguística para o Ensino de Língua Portuguesa 161 Fechando a Unidade E Como fechamento de nossa última Unidade de estudo deixamos para você um recadinho final sobre uma possível aplicação da Sociolin guística na prática pedagógica Nessa direção uma das primeiras tarefas do professor seria reconhecer a realidade sociolinguística da sala de aula e da comunidade onde está atuando observando por exemplo se há mescla de dialetos eviden te entre os alunos seja dialetos regionais ruralurbano nortistasulista por exemplo seja sociais maior ou menor domínio da norma culta em decorrência de fatores sociais como o nível socioeconômico da família por exemplo É importante trabalhar explicitamente com essa realida de da sala de aula enfatizando a questão da heterogeneidade linguís tica comparando as variedades e combatendo preconceitos entre os próprios alunos Fazer da sala de aula um laboratório de linguagem e atribuir aos alunos o papel de investigadores linguísticos pode ser uma boa estratégia metodológica para que o ensino de gramática seja signi ficativo e instigante GÖRSKI COELHO 2009 Leia mais GÖRSKI Edair COELHO Izete L Variação linguística e ensino de gra mática Working Papers em Linguística Florianópolis UFSC 2009 O trabalho das autoras traz algumas questões importantes que envolvem variação e mudança linguística com implicações diretas no ensino da lín gua São esboçadas também algumas sugestões metodológicas para o ensino de gramática tomando como pano de fundo um contraponto en tre um ensino gramatical tradicional e o papel social da escola As autoras concluem dizendo que a escola contribuirá para a formação de cidadãos críticos capazes de atuar com competência comunicativa na sociedade em que vivem se tiver consciência das diferentes variedades da língua do valor social que manifestam as formas em variação e adotar uma política linguís tica acerca do ensino de língua materna GÖRSKI Edair COELHO Izete L Orgs Sociolingüística e ensino contribuições para a formação do professor de língua Florianópolis Ed da UFSC 2006 Tratase de uma coletânea que reúne dezesseis ensaios significativos na área da Sociolinguística em seus diversos campos política linguística bilinguis mo dialetologia variação e mudança na fala e na escrita que convergem na preocupação de seus autores de oferecer contribuições de ordem teórico Sociolinguística 162 prática que tenham repercussões não só entre pesquisadores no meio aca dêmico mas principalmente entre os professores de línguas VIANA Suelen de Andrade Por uma interface sociolinguística no li vro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Florianópolis UFSC 2005 A autora faz uma análise sociolinguística de livros didáticos recomendados pelo Ministério da Educação MEC para o ensino de língua portuguesa no Brasil no nível fundamental O foco principal da análise é a concepção de língua e de gramática que está presente nos livros didáticos e a forma como tal concepção evidencia aspectos sociolinguísticos como a noção de certo e errado variação linguística mudança linguística e preconceito linguístico além do papel da norma padrão para os alunos através das atividades ela boradas A autora conclui que a elaboração atual dos livros didáticos traba lha com um grau mínimo de aspectos sociolinguísticos e que esses aspec tos embora presentes não significam que uma interface sociolinguística de abordagem mais consistente esteja sendo levada em consideração Glossário 163 Glossário Banco de dados conjunto de dados já coletados e criteriosamente orga nizados disponíveis para a comunidade científica Ou seja o pesquisa dor não necessariamente precisa ir a campo para coletar os dados para sua análise ele pode recorrer a um banco de dados já formado Célula social agrupamentocruzamento de características sociais dos informantes É a estratificação social dos informantes aplicada à pesqui sa sociolinguística Comunidade de fala noção que recobre tanto aspectos sociais quanto linguísticos envolvendo atitudesnormas sociais compartilhadas pelos falantes que por sua vez compartilham características linguísticas que os diferem de outros grupos sociais Comunidade de prática diz respeito a práticas sociais compartilhadas por indivíduos que se reúnem regularmente em torno de uma meta co mum e envolve desde crenças e valores compartilhados até formas de realizar certas atividades e de falar Corpus conjunto de dados de que o pesquisador dispõe para sua análi se também chamado de amostra Envelope de variação termo próprio da pesquisa sociolinguística É a descrição da variável dependente das variantes que a compõem e das variáveis independentes ou fatores condicionadores que atuam sobre a variável dependente Estereótipos traços socialmente marcados de forma consciente Al guns estereótipos podem ser estigmatizados socialmente enquanto ou tros estereótipos podem ter um prestígio que varia de grupo para grupo podendo ser positivo para alguns e negativo para outros Gradação etária fenômeno de mudança que ocorre no indivíduo mas não na comunidade de fala o indivíduo muda seu comportamento linguístico durante a sua vida mas a comunidade à qual pertence per manece estável ex uso de gírias mudança por influência do mercado de trabalho Sociolinguística 164 Idioleto dialeto de um indivíduo Indicadores traços socialmente estratificados mas não sujeitos à variação estilística sem força avaliativa com julgamentos sociais inconscientes Informante sujeito da pesquisa sociolinguística aquele que fornece seus dados linguísticos para que o pesquisador analise Linguística sincrônica ocupase das relações entre os signos linguísti cos que formam um sistema estável estado de língua num espaço de tempo aparentemente fixo cf Saussure Linguística diacrônica estuda as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros mudança sem formar sistema entre si cf Saussure Marcadores são traços linguísticos social e estilisticamente estratifica dos que podem ser diagnosticados em certos testes de reação subjetiva embora o julgamento social seja inconsciente Mudança em tempo aparente mudança linguística captada em estu do do comportamento linguístico de indivíduos de diferentes gerações numa comunidade num dado período de tempo Tal estudo possibilita identificar correlações entre a variável social idade e a variável linguís tica em estudo revelando indícios de i uma mudança concernente à idade que ocorre regularmente em cada geração gradação etária ou de ii uma mudança efetiva em progresso Mudança em tempo real mudança linguística captada em estudo i que compara amostras de fala de mesmos indivíduos ou amostras ale atórias da mesma comunidade de fala mas com a mesma estratificação social relativas a dois momentos diferentes num espaço de cerca de vinte anos com o fim de perceber a estabilidade eou mudança no in divíduo ou na comunidade respectivamente ou ii que compara textos escritos de diferentes séculos ex peças teatrais Mudança em curso ou em progresso mudança em andamento numa comunidade de fala ainda não efetivada totalmente captada por meio de estudo em tempo real v mudança em tempo real ou em tempo aparente v mudança em tempo aparente Glossário 165 Mudança por gramaticalização é um processo de mudança linguística que se dá quando determinada palavra ou expressão passa a ser usada como vocábulo gramatical ou como afixo no curso da evolução de uma língua Quando substantivos passam a ser usados como preposições ou afixos por exemplo eles deixam de se comportar como um item lexical e adquirem função gramatical ex o substantivo mente do latim mens muda em por tuguês para o sufixo mente formador de advérbio de modo Preconceito linguístico julgamento sobre falantes ou sobre grupos inteiros em uma comunidade em virtude das formas linguísticas que empregam e essas formas geralmente são as que se afastam do padrão sendo consideradas incorretas feias piores imperfeitas etc Problema da avaliação diz respeito à investigação de como as mudan ças observadas podem ser avaliadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura linguística sobre a eficiência comunicativa carga funcional e na ampla gama de fatores não linguísticos envolvidos na fala Problema da restrição ou dos fatores condicionantes concerne o estudo das motivações linguísticas fatores internos e extralinguísticas fatores externos que condicionam o uso de uma nova forma ou de um novo traço na língua Problema do encaixamento diz respeito a dois tipos de encaixamento i na estrutura linguística mudanças em determinados terrenos da gra mática fatalmente desencadearão mudanças em outras partes da mesma gramática como se fossem reações em cadeia e ii na estrutura social há relação entre o fenômeno de mudança linguística e a estrutura social grupo socioeconômico idade sexo etnia localização geográfica Problema da transição consiste na averiguação das fases intermediá rias em que as variantes coexistem e concorrem já que a mudança se dá num continuum até que se passe de um estágiosistema a outro Problema da implementação ou atuação consiste na identificação de como uma mudança vai se expandindo por diferentes contextos es truturais e como chega a afetar o comportamento social diz respeito ao processo global da mudança linguística Sociolinguística 166 Redes sociais redes de relacionamento dos indivíduos estabelecidas na vida cotidiana Essas redes variam de um indivíduo para outro e são constituídas por ligações de diferentes tipos envolvendo graus de pa rentesco amizade ocupação ambiente de trabalho etc Regras categóricas regras da gramática que são aplicadas em 100 dos casos com comportamento invariável em todos os contextos Regras variáveis regras que relacionam duas ou mais formas linguísticas de modo que quando a regra se aplica ocorre uma das formas e quando não se aplica ocorrem as outras formas A aplicação ou não das regras variáveis é condicionada por fatores do contexto social eou linguístico Variação estável situação de variação entre duas ou mais formas lin guísticas que se estende numa comunidade ao longo do tempo sem que uma variante ceda seu espaço à outra Variação linguística processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo valor referencial ou com o mesmo valor de verdade ie com o mesmo significado Dois requi sitos precisam pois ser cumpridos para que ocorra variação as formas envolvidas precisam i ser intercambiáveis no mesmo contexto e ii manter o mesmo significado Variantes formas individuais que disputam pela veiculação do signi ficado em uma variável Variável dependente aspecto ou categoria da língua que se encontra em variação Variáveis independentes fatores que condicionam nossa escolha entre uma ou outra variante e que permitem ao linguista sugerir em que tipo de ambiente tanto linguístico quanto extralinguístico uma variante tem maior probabilidade de ser escolhida em detrimento de suas rivalis Variedade a fala de uma comunidade de modo global considerando se todas as suas particularidades tanto categóricas quanto variáveis o mesmo que dialeto ou falar Vernáculo estilo em que pouco monitoramento é dispensado à fala fala natural referênCias 167 Referências ALKMIN T A Sociolingüística parte I In MUSSALIM F BENTES A C Orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras São Paulo Cortez 2001 v1 ARDUIN J A variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa do singular teuseu na região sul do Brasil Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 BAGNO M Preconceito lingüístico o que é como se faz 31 ed São Paulo Loyola 2004 BAKHTIN M VOLOSHINOV V N Marxismo e Filosofia da Lingua gem Trad de Michel Lahud e Yara F Vieira São Paulo Hucitec 1988 1929 BENTIVOGLIO P A variação nos estudos sintáticos Anais do GEL Campinas UNICAMP 1987 p729 BISOL L Org A variação no português do Brasil Organon Instituto de LetrasUFRGS v 5 n 18 1991 BORTONIRICARDO S M Educação em língua materna a sociolin güística na sala de aula São Paulo Parábola Editorial 2004 BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais Língua portuguesa Ensino de primeira à quarta série Brasília DF MECSEF 1997 BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental Introdução aos parâmetros curriculares nacio nais Brasília DF MECSEF 1998a BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educa ção Fundamental Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ci clos do ensino fundamental Língua Portuguesa Brasília DF MECSEF 1998b BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais ensino médio Lingua gens códigos e suas tecnologias Brasília DF MECSEF 1998c BRASIL Ministério da Educação e do Desporto Parâmetros Curricu lares Nacionais para o ensino de língua portuguesa Brasília DF MEC SEF 1997 Sociolinguística 168 BRESCANCINI C Orgs Fonologia e variação recortes do português brasileiro Porto Alegre EDIPUCRS 2002 p 253268 CAMARA JUNIOR J M História e estrutura da língua portuguesa Rio de Janeiro Padrão 1985 CALVET L Sociolingüística uma introdução crítica Trad de Marcos Marcionilo São Paulo Parábola 2002 CAMACHO R Sociolingüística parte II In MUSSALIM F BENTES A C Orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras V 1 São Paulo Cortez 2001 CABREIRA S H A monotongação dos ditongos orais decrescentes no sul do Brasil In Organon n2829 Estudos da língua falada UFRGS 2000 p143155 COELHO I L GÖRSKI E M A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina In LOPES C REBOLLO L Orgs Formas de tratamento em Português e Espanhol variação mudança e funções conversacionais Rio de Janeiro No prelo DUARTE M E L A perda do princípio evite pronome no português brasileiro Tese Doutorado em Linguística Instituto de Estudos da Linguagem UNICAMP Campinas 1995 ECKERT P Linguistic variation as social practice Oxford Blackwell 2000 FARACO C A Lingüística histórica uma introdução ao estudo da his tória das línguas São Paulo Parábola 2005 FIGUEROA E Sociolinguistic metatheory Pergamon 1994 GADOTTI M Perspectivas atuais da educação Perspectivas v14 n2 São Paulo 2000 GONÇALVES S C L Discutindo língua portuguesa ano 1 n1 p 37 2009 GÖRSKI E COELHO I L Orgs Sociolinguística e ensino contribui ções para a formação do professor de língua Florianópolis EdUFSC 2006 GÖRSKI E M FREITAG R M K Marcação e comportamento socio lingüístico de marcadores discursivos interacionais na fala de Florianó polis In VANDRESEN P Org Variação mudança e contato lingüísti co no português da Região Sul Pelotas RS EDUCAT 2006 p2850 GÖRSKI E COELHO I L Variação linguística e ensino de gramática Working Papers em Linguística Florianópolis UFSC 2009 referênCias 169 GUY G As comunidades de fala fronteiras internas e externas In II Congresso Internacional da ABRALIN Fortaleza março de 2001 Anais Disponível em httpswnpdufcbrabralinanaiscon2int conf02pdf GUY G ZILLES A Sociolingüística quantitativa instrumental de aná lise São Paulo Parábola 2007 HORA D Org Estudos sociolingüísticos perfil de uma comunidade João Pessoa Pallotti 2004 HORA D Org Diversidade lingüística no Brasil João Pessoa Idéia 1997 ILARI R BASSO R O português da gente a língua que estudamos e a língua que falamos São Paulo Contexto 2006 KOCH I V A interação pela linguagem São Paulo Contexto 1992 LABOV W Padrões sociolingüísticos Trad de M Bagno M M P Scher re C R Cardoso São Paulo Parábola Editorial 2008 1972 LABOV W Principles of linguistic change social factors Cambridge Blackwell Publishers 2001 LABOV W Building on empirical foundations In LEHMANN W MALKIEL Y Orgs Perspectives on historical linguistics Amsterdam Philadelphia John Benjamins Publishing 1982 LABOV W Where does the linguistic variable stop Sociolinguistic Working Papers Austin Texas n 44 abril 1978 LAVANDERA B R Where does the sociolinguistic variable stop Lan guage and society v 7 p 171182 1977 LOREGIANPENKAL L Concordância verbal com o pronome tu na fala do sul do Brasil Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 1996 LOREGIANPENKAL L Reanálise da referência de segunda pessoa na fala da Região Sul Tese Doutorado Universidade Federal do Paraná Curitiba 2004 LUCCA N N G A variação tuvocê na fala brasiliense Dissertação Mestrado em Linguística Universidade de Brasília Brasília 2005 MACEDO A V T Linguagem e contexto In MOLLICA M C BRA GA M L Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MARTINS M A Competição de gramáticas do português na escrita ca tarinense dos séculos 19 e 20 Tese Doutorado em Linguística Univer Sociolinguística 170 sidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 MARTINS M A Entre estrutura variação e mudança uma análise sincrônica das construções com se indeterminado no PB Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 MENON O LOREGIANPENKAL L Variação no indivíduo e na co munidade tuvocê no sul do Brasil In VANDRESEN P Org Varia ção e mudança no português falado da região sul Pelotas RS Educat 2002 p 147188 MEYERHOFF M Communities of practice In CHAMBERS J K TRUGDILL P SCHILLINGESTES N Eds The handbook of langua ge variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 p 526547 MILROY L Social Network In CHAMBERS JK TRUGDILL P SCHILLINGESTES N eds The handbook of language variation and change Oxford Blackwell 2004 2002 p 549571 MOLLICA M C Fundamentação teórica conceituação e delimitação In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüís tica o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 MONARETTO V O apagamento da vibrante pósvocálica nas capitais do sul do Brasil Letras de Hoje Porto Alegre v 35 n1 mar 2000 p 275284 MONARETTO V A vibrante pósvocálica em Porto Alegre In BISOL L BRESCANCINI C Fonologia e variação recortes do português bra sileiro Porto Alegre EDIPUCRS 2002 MONGUILHOTT I O S Estudo sincrônico e diacrônico da concordân cia verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 MONGUILHOTT I O S Variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala dos florianopolitanos Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2001 NARO A O dinamismo das línguas In MOLLICA M C BRAGA M L Orgs Introdução à Sociolingüística o tratamento da variação São Paulo Contexto 2008 NUNES J M O famigerado se uma análise sincrônica e diacrônica das referênCias 171 construções com se apassivador e indeterminador Dissertação Mestra do em Linguística Universidade de Campinas Campinas 1990 PAGOTTO E G Variação eé Identidade Tese Doutorado em Lin guística Universidade de Campinas Campinas 2001 PAGOTTO E G A posição dos clíticos em português um estudo diacrô nico Dissertação Mestrado Universidade de Campinas Campinas 1992 PAIVA M da C O percurso da monotongação de ey observações em tempo real In PAIVA M da C DUARTE M E Org Mudança lingü ística em tempo real Rio de Janeiro Contra capa FAPERJ 2003 PAIVA M da C DUARTE M E Quarenta anos depois a herança de um programa na Sociolingüística brasileira posfácio São Paulo Pará bola 2006 p 131151 POSSENTI S Jogase os grãos Revista Terra Magazine 21 de junho de 2007 POSSENTI S Os humores da língua Campinas SP Mercado das Le tras 1998 ROBERTS I KATO M Orgs Português brasileiro uma viagem diacrônica Campinas São Paulo EdUNICAMP 1993 ROCHA P G O português de contato com o espanhol no sul do Brasil empréstimos lexicais Dissertação Mestrado em Linguística Univer sidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2008 ROSTSNICHELOTTO C Olha e vê caminhos que se entrecruzam Tese Doutorado em Linguística Universidade Federal de Santa Ca tarina Florianópolis 2009 SARAMAGO João António das Pedras GONÇALVES José Betten court Variação lexical abordagem efectuada aos materiais do Volume I do Atlas linguísticoEtnográfico dos Açores Lisboa Centro de Lin guística da Universidade de Lisboa 20 Disponível em wwwclul ulptequipajsaramagosaramagobettencourtprelopdf Acesso em 01 mar 2010 SAUSSURE F Curso de lingüística geral São Paulo Cultrix 1995 1916 SCHERRE M M P Doase lindos filhotes de poodle variação lingüísti ca mídia e preconceito São Paulo Parábola 2005 SILVA I De quem nósa gente estámos falando afinal uma investi gação sincrônica da variação entre nós e a gente como estratégias de designação referencial Dissertação Mestrado em Linguística Uni Sociolinguística 172 versidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2004 SILVA F de S O processo de monotongação em João Pessoa In HORA D da Org Estudos sociolingüísticos perfil de uma comunidade João Pessoa Pallotti 2004 SILVABRUSTOLIN A K Itinerário do uso e variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da rede públi ca de Florianópolis Dissertação Mestrado em Linguística Universi dade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2009 TARALLO F Tempos linguísticos itinerário histórico da língua portu guesa São Paulo Ática 1990 TARALLO F A pesquisa sociolingüística São Paulo Ática 1985 TAVARES M A A gramaticalização de e aí daí e então estratificação variação e mudança no domínio funcional da seqüenciação retroativo propulsora de informações um estudo sociofuncionalista Tese Dou torado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Flo rianópolis 2003 VALLE C R M Sabe não tem entende itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo Dissertação Mestra do em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianó polis 2001 VANDRESEN P Org Variação mudança e contato lingüístico no português da Região Sul Pelotas Educat 2006 VANDRESEN P Org Variação e mudança no português falado da Região Sul Pelotas Educat 2002 VIANA S de A Por uma interface sociolinguística no livro didático de língua portuguesa análises e contribuições Dissertação Mestrado em Linguística Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 WEINER J LABOV W Constraints on the agentless passive Journal of Linguistcs v19 n1 1983 1977 WEINREICH U LABOV W HERZOG M Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística Trad de Marcos Bagno São Paulo Parábola 2006 1968 ZILLES A M S MAYA L Z SILVA K Q A concordância verbal com a primeira pessoa do plural na fala de Panambi e 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