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mais populares como tais Em ambos os casos a sociedade não modificava as suas idéias e preconceitos não se duvidava que os homossexuais eram criminosos nem que os judeus eram traidores apenas revisavase a atitude em relação ao crime e à traição em geral O que é perturbador no tocante a essa aparente largueza de espírito não está no fato de as pessoas não se horrorizarem diante da rejeição das normas mas que se tornavam indiferentes perante o crime A doença mais bem escamoteada do século XIX o tédio e o cansaço geral da burguesia havia eclodido como abcesso Ora os marginais e os párias a quem a sociedade recorria em busca do exótico fossem quem fossem jamais se deixavam dominar pelo tédio e se dermos crédito à opinião de Proust eram os únicos na sociedade do findesiècle ainda capazes de sentir e externar paixão Proust se encontra no labirinto das conexões e ambições sociais pela capacidade de amar de Charlus A paixão pervertida de monsieur de Charlus por Morel a devastadora lealdade do judeu Swann a sua cortesã o próprio ciúme desesperado do autor por Albertine que é no romance a própria personificação do vício deixam bem claro que Proust considerava os marginalizados e os arrivistas os habitantes de Sodoma e Gomorra não somente mais humanos mas também mais normais A diferença existente entre o Faubourg SaintGermain que havia descoberto a atração exercida pelos judeus e pelos homossexuais e a ralé que gritava morte aos judeus consistia no fato de que os salões ainda não se haviam associado abertamente ao crime Isso significava que por um lado ainda não desejavam participar ativamente na matança e por outro que ainda professavam antipatia pelos judeus e horror pelos sexualmente anormais Naquela situação equívoca os novos membros da sociedade não podiam ainda confessar abertamente a sua identidade mas tampouco podiam escondêla Tais foram as condições que advieram do complicado jogo de exibição e ocultamento de meias confissões e distorções mentirosas da humildade exagerada e da exagerada arrogância consequência do fato de que se a esotérica qualidade de ser judeu ou homossexual havia a ambos aberto as portas dos salões ao mesmo tempo tornava sua posição extremamente insegura Nessa situação equívoca a qualidade de judeu era para o judeu tanto uma mancha física como um misterioso privilégio pessoal ambos inerentes a uma predestinação racial Proust descreve longamente como a sociedade constantemente à espreita do estranho do exótico do perigoso finalmente identifica o refinado com o monstruoso e se prontifica a admitir monstruosidades reais ou imaginárias como a estranha e desconhecida peça russa ou japonesa representada por atores nativos60 A personagem pintada rechonchuda e apertada em seus botões lembra uma caixa de origem exótica e dúbia da qual escapa um curioso aroma de frutos de modo que só o pensamento de proválos já excita o coração67 O homem de gênio supõese transmitirá um senso de sobrenatural e em torno dele a sociedade se reúne como em torno de távola giratória para aprender o segredo do Infinito68 Na atmosfera dessa necromancia um cavalheiro judeu ou uma senhora turca poderiam parecer como se fossem realmente criaturas invocadas pelo esforço de um médium69 Obviamente o papel do exótico do estranho e do monstruoso não podia ser representado por aqueles judeusexceção individuais que durante quase um século haviam sido admitidos e tolerados como arrivistas estrangeiros e de cuja amizade ninguém sonharia orgulharse70 Muito mais adequados eram naturalmente aqueles judeus que ninguém até então havia conhecido e que no estágio inicial de sua assimilação não eram identificados com a comunidade judaica nem eram seus representantes pois a identificação e certo grau de conhecimento teriam limitado severamente a imaginação e as expectativas da sociedade Aqueles que como Swann revelavam uma inata inclinação pela sociedade e pelo bom gosto em geral eram admitidos mais entusiasticamente aceitos porém eram aqueles que como Bloch pertenciam a uma família de pouca reputação e que tinham de suportar como no fundo do oceano a incalculável pressão do que lhes era imposto não apenas pelos cristãos mas por todas as camadas intermediárias de castas judaicas superiores à sua cada uma das quais esmagava com desprezo a que estava imediatamente abaixo A disposição da sociedade em receber o estranho e o viciado o mais estranho e o mais viciado possível pôs fim à ascensão de várias gerações em que os recémchegados tinham de cavar o seu caminho em direção ao ar livre erguendose de uma família judia à outra família judia71 Não foi por acidente que isso aconteceu pouco depois de a comunidade judaica nativa da França ter cedido ante a iniciativa e a falta de escrúpulos de alguns aventureiros judeus alemães demonstradas durante o escândalo do Panamá as exceções individuais com ou sem título nobiliárquico que ainda mais avidamente do que antes buscavam a sociedade de salões já antisemitas e monarquistas onde julgavam poder sonhar com os bons velhos tempos do Segundo Império encontravamse na mesma categoria daqueles judeus que eles próprios jamais convidariam para uma visita em sua casa Se a qualidade de ser judeu como a qualidade de ser exceção constituía a verdadeira razão para a aceitação dos judeus então preferiamse pelo menos aqueles que formavam claramente uma tropa sólida homogênea e completamente diferente das pessoas que a viam passar aqueles que ainda não haviam alcançado o mesmo estágio de assimilação dos seus irmãos arrivistas72 Embora Disraeli fosse um daqueles judeus que foram aceitos na sociedade por serem exceções sua autorepresentação secularizada de eleito prefigurou e esboçou as linhas ao longo das quais iria se dar a autointerpretação judaica Se esta fantástica e crua como era não houvesse sido tão estranhamente semelhante ao que a sociedade esperava dos judeus eles jamais poderiam ter representado seu dúbio papel Não naturalmente que adotassem de maneira conspícua as convicções de Disraeli ou deliberadamente elaborassem aquela autointerpretação ainda tímida de seus predecessores prussianos do começo do século XIX a maioria deles tinha a sorte de ignorar toda a história judaica Mas onde quer que os judeus fossem educados secularizados e assimilados sob as condições ambíguas do Estado e sociedade na Europa central e ocidental perdiam aquela medida de responsabilidade política que sua origem implicava e que os judeus banqueiros ainda haviam sentido embora sob a forma de privilégio e domínio A origem judaica sem conotações religiosas e políticas tornouse por toda parte uma qualidade psicológica transformouse em qualidade de judeus e daí por diante podia ser considerada somente na categoria de virtude ou de vício Se é verdade que a qualidade de judeu não se podia ter pervertido em vício interessante sem um preconceito que a considerasse um crime também é verdade que tal perversão só foi possível graças àqueles judeus que a consideravam uma virtude inata Têmse acusado os judeus assimilados de se alienarem do judaísmo e freqüentemente se pensa no genocídio que os atingiu como um sofrimento tão horrível quanto insensato na medida em que foi desprovido até da antiga qualidade de martírio Esse argumento despreza o fato de que no que concerne aos velhos modos de crença e de vida a alienação era igualmente aparente nos países da Europa oriental Mas a noção costumieria de que os judeus da Europa ocidental eram desjudaizados é enganadora por outra razão O quadro pintado por Proust em contraste com as afirmações obviamente unilaterais do judaísmo oficial mostra que nunca o fato de se ter nascido judeu representou um papel tão decisivo na vida privada e na existência diária como entre os judeus assimilados O reformador judeu que transformou a religião nacional em denominação religiosa sabendo que a religião é um assunto privado o revolucionário judeu que fingia ser um cidadão do mundo para desfazerse da nacionalidade judaica o judeu educado que era um homem na rua e judeu em casa todos eles conseguiram converter uma qualidade nacional em assunto privado O resultado foi que suas vidas particulares suas decisões e sentimentos se tornaram centro de seu judaísmo E quanto mais o fato do nascimento judaico perdia seu significado religioso nacional e econômicosocial mais obcecante se tornava esse judaísmo os judeus se obcecavam por ele como se fosse um defeito ou uma qualidade física e se atinham a ele como há quem se atenha a um vício A disposição inata de Proust nada mais é senão uma obsessão pessoal e particular que era tão amplamente justificada por uma sociedade na qual o sucesso e o fracasso dependiam do fato de se ter nascido judeu Proust viu nela erradamente a predestinação racial porque apenas enxergou e descreveu seu aspecto social e seus efeitos sobre o indivíduo É verdade que para o observador que a registrasse a conduta do grupo judaico mostrava a mesma obsessão que nos padrões de conduta adotavam os homossexuais Ambos sentiamse superiores ou inferiores mas em ambos os casos orgulhosamente diferentes dos outros seres normais ambos acreditavam que a sua diferença era um fato natural adquirido por nascimento ambos estavam constantemente justificando não o que faziam mas o que eram e finalmente ambos hesitavam sempre entre a atitude de quem pede desculpas e a afirmação súbita e provocadora de quem se julga elite Como se a natureza houvesse congelado para sempre suas posições sociais nenhum dos dois podia sair do seu grupo e ingressar no outro Também outros membros da sociedade sentiam a necessidade de pertencer a um grupo a questão não é como era para Hamlet ser ou não ser mas sim pertencer ou não pertencer73 mas essa necessidade não era tão intensa Uma sociedade que já se desintegra em pequenos grupos e não mais tolerava como indivíduos nem estranhos nem judeus nem homossexuais acolhendoos apenas em virtude das circunstâncias peculiares que permitiam essa aceitação parecia corporificar os sentimentos de clã Cada sociedade exige de seus membros uma certa dose de representação a capacidade de apresentar desempenhar interpretar aquilo que se realmente é Quando a sociedade se desintegra em grupos essa exigência não se aplica mais aos homens como indivíduos e sim como membros dos grupos A conduta passa então a ser controlada por exigências silenciosas e não por capacidades individuais exatamente do modo como o desempenho de um ator deve enquadrarse no conjunto de todos os outros papéis da peça Os salões do Faubourg SaintGermain enquadravamse nesse conjunto de grupos cada qual exibindo um padrão extremo de conduta O papel dos anormais sexuais era exibir sua anomalia o dos judeus era representar a magia negra o dos aristocratas era mostrar que não eram como pessoas comuns os burgueses A despeito do sentimento de clã era verdade que como observou Proust exceto em dias de catástrofe geral quando a maioria se agrupa em torno da vítima como os judeus se agruparam em torno de Dreyfus74 todos esses recémchegados evitavam relações com os outros membros de sua espécie Os sinais de distinção são sendo determinados pelo conjunto do grupo os judeus ou homossexuais sentiamse privados de sua distinção numa sociedade de judeus ou de homossexuais onde a condição de judeu ou de homossexual era a mais natural mais desinteressante e mais banal do mundo O mesmo contudo era também verdadeiro com relação àqueles que os acolhiam e que necessitavam de um conjunto de elementos em contraponto diante dos quais eles próprios pudessem ser diferentes os nãoaristocratas que admiravam os aristocratas como estes admiravam os judeus ou os homossexuais Embora esses grupos não tivessem nenhuma consistência própria dissolvendose logo que os membros de outros grupos se afastavam seus membros usavam de uma misteriosa linguagem de sinais como se necessitassem de algo estranho que os identificasse uns aos outros Proust trata com detalhes a importância desses sinais especialmente para os recémchegados Contudo ao con trário dos homossexuais mestres em linguagem de sinais que pelo menos escondiam um segredo verdadeiro os judeus usavam essa linguagem apenas para criar a esperada atmosfera de mistério Seus sinais indicavam de modo misterioso e ridículo algo que todo o mundo sabia que no canto do salão da princesa de tal estava sentado outro judeu que não podia abertamente revelar sua identidade mas que sem essa qualidade no fundo desprovida de sentido nunca teria galgado aquele lugar Vale notar que a nova sociedade mista do fim do século XIX como os primeiros salões judeus de Berlim girava em torno da nobreza A essa altura a aristocracia havia perdido quase toda a sua avidez pela cultura e a curiosidade pelos novos espécimes da humanidade mas conservava ainda o velho desprezo pela sociedade burguesa Ansiava pela distinção social como resposta à igualdade política e à perda de posição e privilégios políticos que advieram com o estabelecimento da Terceira República Após a breve e artificial ascensão durante o Segundo Império a aristocracia francesa mantevese apenas às custas de sentimento de clã e de pálidas tentativas de reservar os mais altos postos do Exército para seus filhos Muito mais forte que a ambição política era o agressivo desdém pelos padrões da classe média que sem dúvida foi um dos principais motivos da aceitação de indivíduos e de grupos inteiros de pessoas que haviam pertencido a classes socialmente rejeitadas O mesmo motivo que havia levado os aristocratas prussianos a se reunirem socialmente com atores e judeus levou na França os invertidos ao prestígio social Por outro lado as classes médias não haviam adquirido a dignidade social embora houvessem entretanto galgado riqueza e poder A ausência de uma hierarquia política no Estadonação e a vitória da igualdade tornou a sociedade secretamente mais hierárquica à medida que se tornava externamente mais democrática75 Como os círculos sociais exclusivos do Faubourg SaintGermain encarnavam o princípio da hierarquia cada sociedade da França reproduzia as características mais ou menos modificadas mais ou menos em caricatura daquela sociedade do Faubourg SaintGermain que ela fingia às vezes desdenhar independentemente do status ou das idéias políticas de seus membros A sociedade aristocrática pertencia ao passado apenas na aparência na verdade permeava todo o corpo social e não apenas o povo e tinha suas ramificações não só na França assim impunha o tom e a letra da vida social elegante76 Quando Proust sentiu a necessidade de uma apologia pro vita sua e reanalisou a sua vida vivida em rodos dos aristocratas analisou a sociedade O aspecto principal do papel dos judeus nessa sociedade findesiècle foi paradoxal foi o antisemitismo do Caso Dreyfus que abriu aos judeus as portas da sociedade e foi o fim do Caso ou melhor a descoberta da inocência de Dreyfus que pôs um fim à sua glória social77 Em outras palavras não importava o que os judeus pensassem de si mesmos ou de Dreyfus só podiam representar o papel que lhes fora ditado pela sociedade enquanto essa mesma sociedade estivesse convencida de que pertenciam a uma raça de traidores Quando se descobriu que o traidor era uma vítima assaz obtusa de uma conspiração ordinária e se provou a inocência dos judeus o interesse social pelos judeus murchou tão rapidamente quanto o antisemitismo político Os judeus passaram novamente a ser vistos como mortais comuns e retornaram à insignificância de onde haviam sido temporariamente guindados pelo suposto crime de um dos seus Imediatamente após a Primeira Grande Guerra os judeus da Alemanha e Áustria gozaram essencialmente do mesmo tipo de glória social embora sob circunstâncias muito mais severas Na época seu suposto crime era serem culpados da guerra crime que por não ser mais identificado como ato único de único indivíduo não podia ser negado de modo que o julgamento da ralé para a qual a condição de judeu já era um crime permaneceu inalterado e a sociedade pôde continuar até o fim a divertirse e sentirse fascinada com os judeus Se existe alguma verdade psicológica na teoria do bode expiatório ela está no efeito da atitude social em relação aos judeus pois quando a legislação antisemita forçou a sociedade a expulsar os judeus foi como se esses filosemitas tivessem de expurgarse de alguma depravação secreta limparse de algum estigma de que misteriosa e perversamente haviam gostado É certo que essa psicologia não chega a explicar por que esses admiradores dos judeus tornaramse finalmente seus verdugos e podese mesmo duvidar que estivessem entre os principais dirigentes das fábricas de morte embora seja espantosa a proporção das chamadas classes educadas entre aqueles que realmente assassinavam os judeus Mas explica a incrível deslealdade exatamente daquelas camadas da sociedade que mais intimamente haviam conhecido os judeus e que mais se haviam deleitado e encantado com seus amigos judeus Para os judeus a transformação do crime do judaísmo no vício elegante da condição de judeu era extremamente perigosa Os judeus haviam podido escapar do judaísmo para a conversão mas era impossível fugir da condição de judeu Além disso se um crime é punido com um castigo um vício só pode ser exterminado A interpretação dada pela sociedade ao fato de se nascer judeu e ao papel dos judeus na estrutura da vida social está intimamente ligada à catastrófica minuciosidade com que os mecanismos antisemitas puderam ser postos a funcionar O antisemitismo tinha suas raízes nessas condições sociais e não só nas circunstâncias políticas E embora o conceito de raça tivesse outros fins e funções mais imediatamente políticos sua aplicação à questão judaica em seu mais sinistro aspecto deveu muito do seu sucesso aos fenômenos e convicções sociais que virtualmente significavam o consentimento da opinião pública tólico contra os judeus mas só conseguiram provar que os sacerdotes não apenas perderam suas influências políticas como também não eram verdadeiramente antisemitas Pelo contrário bispos e sínodos que o governo de Vichy queria mais uma vez transformar em força política protestaram mais enfaticamente contra a perseguição dos judeus do que qualquer outro grupo na França Não é o processo Dreyfus com seus julgamentos mas o Caso Dreyfus em suas implicações que traça a antevisão do século XX Como disse Bernanos em 1931 12 o Caso Dreyfus já pertence àquela era trágica que certamente não terminou com a última guerra D processo revela o mesmo caráter desumano conservando em meio ao tumulto de paixões desenfreadas e chamas de ódio um coração inconcebivelmente frio e empedernido Não foi certamente na França que ocorreu a sequência exata do processo mas ao reler a história do caso não é difícil de encontrar o motivo pelo qual a França foi uma presa tão fácil do nazismo A propaganda de Hitler falava uma língua havia muito conhecida e jamais inteiramente esquecida Se o cesarismo13 da Action Française e o nacionalismo niilista de Barrès e Maurras nunca vingaram em sua forma original isso se deve a uma variedade de causas todas elas negativas Careciam de visão social e não sabiam traduzir em termos populares aquelas fantasmagorias mentais que o seu desdém pelo intelecto havia engendrado Tratamos aqui essencialmente do significado político do Caso Dreyfus e não dos aspectos legais do processo Percebemse nele nitidamente vários traços característicos do século XX Tênues e mal discerníveis durante as primeiras décadas do século vieram finalmente à plena luz do dia e vêse hoje que pertencem às tendências principais dos tempos modernos Após trinta anos de uma forma benigna e puramente social de discriminação antijudaica era um pouco difícil lembrar que o grito Morte aos judeus já havia ecoado uma vez de ponta a ponta de um Estado moderno quando sua política doméstica se cristalizou ao redor da questão do antisemitismo Durante trinta anos quando as velhas lendas de conspiração mundial constituíam apenas o ganbapão dos pasquins e da subliteratura o mundo não se lembrava mais que havia pouco tempo na época em que os Protocolos dos sábios do Sião ainda eram desconhecidos toda uma nação culta quebrava a cabeça querendo descobrir quem tinha nas mãos as rédeas da política mundial se Roma Secreta ou o Reino Secreto de Judá14 Ao mesmo tempo a filosofia veemente e niilista da autoaversão espi ritual15 sofreu certo eclipse quando um mundo temporariamente em paz consigo mesmo não produziu uma safra de criminosos eminentes que justificasse a exaltação da brutalidade e da falta de escrúpulos Ds Jules Guérin tiveram de esperar quase quarenta anos antes que a atmosfera estivesse novamente pronta para a ação de tropas de choque Os declassés produzidos pela economia do século XIX tiveram de crescer numericamente até que formassem sólidas minorias nas nações antes que aquele golpe de Estado que não passara de uma conjura grotesca16 na França pudesse quase sem esforço tornarse realidade na Alemanha D prelúdio ao nazismo abrangeu todo o palco europeu D processo Dreyfus portanto é mais do que um crime17 bizarro e mal resolvido um caso de oficiais de EstadoMaior disfarçados com barbas postiças e óculos escuros espalhando suas estúpidas falsificações à noite nas ruas de Paris Seu herói não é Dreyfus mas sim Clemenceau e o caso começa não com a prisão de um oficial judeu do EstadoMaior mas com o escândalo do Panamá 2 A TERCEIRA REPÚBLICA E OS JUDEUS DA FRANÇA Entre 1880 e 1888 a Companhia do Panamá sob a direção de Lesseps que havia construído o canal de Suez conseguiu muito pouco progresso prático em sua tarefa Não obstante chegou a levantar na França durante esse período nada menos que 1335538454 francos em empréstimos particulares18 Tratase de um êxito tão significativo quanto é sabido que a classe média francesa era cautelosa em questões de dinheiro O segredo do sucesso da companhia jaz no fato de que seus vários empréstimos públicos eram invariavelmente apoiados pelo Parlamento A construção do canal era geralmente considerada como um serviço público e nacional e não uma iniciativa privada Portanto quando a Companhia foi à falência foi a política exterior da república que realmente sofreu o choque Mas muito mais importante foi a ruína de cerca de meio milhão de franceses da classe média Tanto a imprensa como a Comissão Parla mentar de Inquérito chegaram praticamente à mesma conclusão a companhia já estava falida havia muitos anos Afirmaram que Lesseps vivia com esperanças de milagre acalentando o sonho de que novos fundos viriam de alguma forma permitir a continuação da obra Para conseguir a aprovação de novos empréstimos foi levado a subornar a imprensa metade do Parlamento e todas as autoridades superiores Isso contudo tinha exigido o emprego de intermediários que por sua vez haviam pedido comissões exorbitantes Assim o que havia inicialmente inspirado a confiança do público na empresa ou seja o apoio do Parlamento aos empréstimos tornouse no fim o fator que converteu um negócio particular não muito seguro em colossal falcatrua Não havia judeus entre os membros do Parlamento subornados nem na diretoria da companhia Contudo foram Jacques Reinach e Cornélius Herz judeus que disputaram a honra de distribuir propinas entre os membros da Câmara o primeiro atuando sobre a ala direita dos partidos burgueses e o segundo sobre os radicais que compreendiam os partidos anticlericais da pequena burguesia19 Reinach foi conselheiro financeiro do governo durante os anos 80 20 e portanto era encarregado de suas relações com a Companhia do Panamá enquanto o papel de Herz era duplo por um lado servia a Reinach como elemento de ligação com as alas radicais do Parlamento às quais o próprio Reinach não tinha acesso por outro esse oficio lhe dava um conhecimento tão grande do alcance da corrupção que ele podia constantemente chantagear o patrão e envolvêlo cada vez mais21 Naturalmente havia um bom número de negociantes judeus menos importantes trabalhando tanto para Herz como para Reinach Seus nomes contudo podem continuar a repousar no esquecimento em que merecidamente caíram Quanto mais incerta era a situação da companhia mais altas naturalmente eram as comissões até que no fim a própria companhia recebia apenas uma pequena parte dos fundos que lhe eram destinados Um pouco antes da falência Herz recebeu por uma única transação intraparlamentar um adiantamento de nada menos que 600 mil francos Esse adiantamento porém foi prematuro O empréstimo não foi realizado e os acionistas simplesmente haviam perdido 600 mil francos22 Toda a negociata terminou de modo desastroso para Reinach Atormentado pela chantagem de Herz acabou por cometer suicídio23 Um pouco antes de morrer contudo havia tomado uma providência cujas conseqüências para a população judia da França foram das mais infelizes havia fornecido ao Libre Parole diário antisemita de Edouard Drumont uma lista de membros do Parlamento subornados os chamados homens da remessa impondo como única condição que o jornal deveria protegêlo pessoalmente quando publicasse a denúncia O Libre Parole transformouse da noite para o dia passando de pequena publicação politicamente insignificante a um dos mais influentes jornais do país com circulação de 300 mil exemplares A oportunidade proporcionada por Reinach foi usada com habilidade A lista dos culpados foi publicada em pequenas doses de modo que centenas de políticos tinham de viver sob tensão dia após dia O jornal de Drumont e com ele toda a imprensa e movimentos antisemitas emergiu finalmente como força perigosa na Terceira República O escândalo do Panamá que no dizer de Drumont tornava visível o invisível trouxe consigo duas revelações Primeiro divulgou o fato de que membros do Parlamento e os funcionários públicos haviam se tornado negociantes Segundo mostrou que os intermediários entre a iniciativa privada neste caso a Companhia e a máquina do Estado eram quase exclusivamente judeus24 O mais surpreendente era que todos esses judeus que trabalhavam em contato tão íntimo com a máquina do Estado eram recémchegados à França Até o estabelecimento da Terceira República o manuseio das finanças do Estado tinha sido quase um monopólio dos Rothschild A tentativa dos seus competidores irmãos Pereire de arrebatar de suas mãos parte desse monopólio estabelecendo o Crédit Mobilier havia terminado num acordo E em 1882 o grupo Rothschild era ainda bastante poderoso para levar à falência a Union Général banco católico cujo alvo real era causar a ruína dos banqueiros judeus25 Imediatamente após a conclusão do tratado de paz de 1871 cujas cláusulas financeiras haviam sido negociadas no lado francês por Rothschild e no lado alemão por Bleichroeder um antigo agente da mesma casa os Rothschild adotaram uma política sem precedentes declararamse abertamente a favor dos monarquistas e contra a república26 A novidade disso não era a tendência monarquista mas sim o fato de que pela primeira vez uma importante potência financeira judia se opunha ao regime em vigor Até então os Rothschild se acomodavam a qualquer sistema político que estivesse no poder Parecia portanto que a república era a primeira forma de governo que não precisava deles Tanto a influência política dos judeus como a sua condição social resultavam do fato de que eles constituíam um grupo fechado que trabalhava diretamente para o Estado sendo protegidos por ele em virtude de serviços especiais que prestavam A ligação íntima e imediata com a máquina do governo só era possível enquanto o Estado permanecesse distanciado do povo e enquanto as classes dirigentes continuassem indiferentes a administrar o Estado Em tais circunstâncias os judeus eram do ponto de vista do Estado o elemento mais digno de confiança na sociedade exatamente porque não pertenciam realmente a ela O sistema parlamentar permitiu à burguesia liberal ganhar o controle da máquina estatal Contudo os judeus nunca haviam pertencido a essa burguesia e portanto olhavamna com suspeita não de todo injustificada O regime já não precisava dos judeus tanto quanto antes pois agora era possível atingir através do Parlamento uma expansão financeira além dos mais ousados sonhos dos antigos monarcas mais ou menos absolutos ou mesmo constitucionais Assim as principais casas judias desapareceram do cenário da política financeira e transferiramse para os salões antisemitas da aristocracia onde julgaram poder financiar movimentos reacionários destinados a restaurar os velhos bons tempos27 Enquanto isso outros círculos judeus recémchegados começavam a tomar parte crescente na vida comercial da Terceira República O que os Rothschild haviam quase esquecido e isso quase lhes havia custado o poder era o simples fato de que uma vez que cessavam por um momento sequer de ter interesse ativo num determinado regime imediatamente perdiam sua influência não apenas sobre os círculos governamentais mas também sobre os judeus Os imigrantes judeus foram os primeiros a ver essa oportunidade28 Compreenderam demasiado bem que a república tal como se havia desenvolvido não era a seqüência lógica da rebelião de um povo unido Do assassinério de cerca de 20 mil membros da Comuna de Paris em 1870 da derrota militar e do colapso econômico o que de fato emergiu foi um regime cuja capacidade de governar era duvidosa desde a sua implantação E isso era tão verdadeiro que três anos depois a França à beira da ruína clamava por um ditador Quando julgou têlo encontrado na pessoa do presidente general MacMahon cuja única pretensão ao destaque foi sua derrota em Sedan frustrouse pois esse indivíduo demonstruou ser um parlamentar da velha escola renunciando depois de alguns anos de fracassos contínuos 1879 Enquanto isso porém a sociedade paulatinamente demonstrava que a única política que a interessava consistia na defesa dos capitais investidos mesmo que o método certo fosse a corrupção29 Depois de 1881 a trapaça para citar Léon Say tornouse a única lei Já se observou com justiça que nesse período da história francesa todo partido político tinha seu judeu do mesmo modo como antes cada casa real havia tido um judeudacorte30 No entanto a diferença era profunda O investimento de capital judeu no Estado havia contribuído para dar aos judeus um papel produtivo na economia da Europa Sem sua ajuda o desenvolvimento do Estadonação no século XVIII e de seu serviço civil independente teria sido inconcebível Era afinal a esses judeusdacorte que a população judaica da Europa centroocidental devia sua emancipação As duvidosas transações de Reinach e de seus cúmplices nem chegaram a levar à riqueza permanente31 Tudo o que fizeram foi envolver em trevas mais profundas as relações misteriosas e escandalosas existentes entre o negócio e a política Esses parasitas de um corpo corrupto serviam para proporcionar a uma sociedade completamente decadente um álibi extremamente perigoso Como eram judeus tornavase possível transformálos em bodes expiatórios quando fosse mister aplacar a indignação do público Depois as coisas podiam continuar como dantes Os antisemitas podiam imediatamente apontar para os parasitas judeus de uma sociedade corrupta para provar que todos os judeus de toda parte não passavam de uma espécie de cupim que infestava o corpo do povo o qual de outro modo seria sadio A eles não importava que a corrupção do corpo político houvesse começado sem o auxílio dos judeus que a política dos negociantes numa sociedade burguesa à qual os judeus não haviam pertencido e seu ideal de concorrência ilimitada houvessem levado à desintegração do Estado na política partidária que as classes governantes houvessem demonstrado não serem capazes de proteger os seus próprios interesses e muito menos os do país como um todo Os antisemitas que se diziam patriotas introduziram essa nova espécie de sentimento nacional que consiste primordialmente no completo encobramento dos defeitos de um povo e na ampla condenação dos que a ele não pertencem Os judeus podiam permanecer como grupo separado fora da sociedade somente enquanto uma máquina estatal mais ou menos homogênea estável pudesse utilizálos e estivesse interessada em protegêlos A decadência da máquina estatal trouxe a dissolução das cerradas fileiras do povo judeu que havia tanto tempo estava ligado a ela O primeiro sinal disso surgiu nos negócios levados a efeito pelos judeus franceses recémnaturalizados sobre os quais seus irmãos nativos haviam perdido o controle de modo semelhante ao que ocorreu na Alemanha no período inflacionário Os recémchegados preencheram as lacunas entre o mundo comercial e o Estado A ERA DAS REVOLUÇÕES 1789 1848 Eric Hobsbawm Prefácio Este livro traça a transformação do mundo entre 1789 e 1848 na medida em que essa transformação se deveu ao que aqui chamamos de dupla revolução a Revolução Francesa de 1789 e a revolução industrial inglesa contemporânea Portanto não se trata estritamente de um livra de história da Europa nem tampouco do mundo Na medida em que um determinado país tenha sentido as repercussões da dupla revolução nesse período tentei referirme a ele embora frequentemente de maneira superficial Sempre que esse impacto da revolução fosse irrelevante omitio Logo o leitor encontrará aqui alguma coisa sobre o Egito mas não sobre o Japão mais sobre a Irlanda do que sobre a Bulgária mais sobre a América Latina do que sobre a África Naturalmente isto não significa que as histórias dos países e povos omitidas neste livro sejam menos interessantes ou menos importantes do que as que aqui se incluem Se sua perspectiva é primordialmente europeia ou mais precisamente francobritânica é porque nesse período o mundo ou pelo menos uma grande parte dele transformouse a partir de uma base europeia ou melhor francobritânica Contudo certos tópicos que poderiam perfeitamente ter recebido um tratamento mais detalhado foram também deixados de lado não só por razões de espaço mas também como a história dos EUA porque foram analisados extensamente em outros livros desta série Este livro não pretende ser uma narrativa minuciosa mas sim uma interpretação e o que os franceses chamam de haute vulgarisation Seu leitor ideal seria aquele construtor teórico aquele cidadão culto e inteligente que não tem uma simples curiosidade sobre o passado mas que deseja compreender como e por que o mundo veio a ser o que é hoje e para onde se dirige Consequentemente seria pedante e desnecessário sobrecarregar o texto com o pesado aparato académico que exigiria um público mais erudito Portanto minhas notas referemse quase que inteiramente às fontes das citações e dos números que aparecem no texto ou em alguns casos recorrem à autoridade em se tratando de declarações particularmente controvertidas ou surpreendentes Todavia não seria justo deixar de dizer algumas palavras sobre o material em que se baseou um livro tão amplo Todos os historiadores são mais versados ou colocando o fato de outra maneira mais ignorantes em alguns campos do que em outros Fora de uma área razoavelmente estreita eles precisam contar em grande parte com o trabalho de outros historiadores Para o período que vai de 1789 a 1848 esta literatura auxiliar constitui por si só uma massa impressa tão vasta que está além do conhecimento de qualquer indivíduo mesmo daquele que saiba ler em todas as línguas em que se acha escrita De fato é claro todos os historiadores estão confinados a umas poucas línguas Muito do que se encontra neste livro é portanto de segunda ou mesmo de terceiramão e inevitavelmente ele contém erros bem como as inevitáveis simplificações de que se ressentirá o estudioso assim como se ressente o próprio autor Fornecemos uma bibliografia como guia para um estudo mais detalhado Embora a teia da história não possa ser desfeita em linhas separadas sem que seja destruída uma certa subdivisão do assunto é essencial por motivos práticos Procurei muito rudimentarmente dividir o livro em duas partes A primeira trata amplamente dos principais desenvolvimentos históricos do período enquanto a segunda esboça o tipo de sociedade produzida pela dupla revolução Há no entanto superposições deliberadas e a distinção é uma questão não de teoria mas de pura conveniência Devo meus agradecimentos a várias pessoas com as quais discuti aspectos deste livro ou que leram capítulos em rascunho ou em provas tipográficas mas que não são responsáveis pelos meus erros principalmente J D Bernal Douglas Dakin Ernst Fischer Francis Haskell H G Koenigsberger e R F Leslie O capítulo 14 particularmente deve muitas de suas ideias â Ernst Fischer Ajudoume consideravelmente como secretária e assistente de pesquisa a Srta P Ralph O Índice foi compilado pela Srta E Mason E J H Londres dezembro de 1961 Introdução As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos Consideremos algumas palavras que foram inventadas ou ganharam seus significados modernos substancialmente no período de 60 anos de que trata este livro Palavras como indústria industrial fábrica classe média classe trabalhadora capitalismo e socialismo Ou ainda aristocracia e ferrovia liberal e conservador como termos políticos nacionalidade cientista e engenheiro proletariado e crise econômica Utilitário e estatística sociologia e vários outros nomes das ciências modernas jornalismo e ideologia todas elas cunhagens ou adaptações deste período Como também greve e pauperismo Imaginar o mundo moderno sem estas palavras isto é sem as coisas e conceitos a que dão nomes é medir a profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848 e que constitui a maior transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou a agricultura e a metalurgia a escrita a cidade e o Estado Esta revolução transformou e continua a transformar o mundo inteiro Mas ao considerála devemos distinguir cuidadosamente entre os seus resultados de longo alcance que não podem ser limitados a qualquer estrutura social organização política ou distribuição de poder e recursos internacionais e sua fase inicial e decisiva que estava intimamente ligada a uma situação internacional e social específica A grande revolução de 17891848 foi o triunfo não da indústria como tal mas da indústria capitalista não dá liberdade e da igualdade em geral mas da classe média ou da sociedade burguesa liberal não da economia moderna ou do Estado moderno mas das economias e Estados cm uma determinada região geográfica do mundo parte da Europa e alguns trechos da América do Norte cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da GrãBretanha e França A transformação de 17891848 é essencialmente o levante gémeo que se deu naqueles dois países c que dali se propagou por todo o mundo Mas não seria exagerado considerarmos esta dupla revolução a francesa bem mais política e a industrial inglesa não tanto como uma coisa que pertença à história dos dois países que foram seus principais suportes e símbolos mas sim como a cratera gémea de um vulcão regional bem maior O fato de que as erupções simultâneas ocorreram na França e na Inglaterra e de que suas características difiram tão pouco não é nem acidental nem sem importância Mas do ponto de vista do historiador digamos do ano 3 000 assim como do ponto de vista do observador chinês ou africano é mais relevante notar que elas ocorreram em algum ponto do noroeste europeu e em seus prolongamentos de alémmar e que não poderiam sob hipótese alguma ter ocorrido naquela época em qualquer outra parte do mundo É igualmente relevante notar que elas são neste período quase inconcebíveis sob qualquer outra forma que não a do triunfo do capitalismo liberal burguês É evidente que uma transformação tão profunda não pode ser entendida sem retrocedermos na história bem antes de 1789 ou mesmo das décadas que imediatamente a precederam e que refletem claramente pelo menos em retrospectiva a crise dos ancien régimes da parte noroeste do mundo que seriam demolidos pela dupla revolução Quer consideremos ou não a Revolução Americana de 1776 uma erupção de significado igual ao das erupções francobritânicas ou meramente como seu mais importante precursor e estimulador imediato quer atribuamos ou não uma importância fundamental às crises constitucionais e às desordens e agitações econômicas de 176089 elas podem no máximo evidenciar a oportunidade e o ajustamento cronológico da grande ruptura e não explicar suas causas fundamentais Para nossos propósitos é irrelevante o quanto devemos retroceder na história se até a Revolução Inglesa da metade do século XVII se até a Reforma e o princípio da conquista do mundo pelo poderio militar europeu e a exploração colonial do início do século XVI ou mesmo mais para trás já que a análise em profundidade nos levaria muito além das fronteiras cronológicas deste livro Aqui precisamos simplesmente observar que as forças econômicas e sociais as ferramentas políticas e intelectuais desta transformação já estavam preparadas em todo o caso pelo menos em uma parte da Europa suficientemente grande para revolucionar o resto Nosso problema não é traçar o aparecimento de um mercado mundial de uma classe suficientemente ativa de empresários privados ou mesmo de um Estado dedicado na Inglaterra à proposição de que o aumento máximo dos lucros privados era o alicerce da política governamental Tampouco constitui problema nosso traçar a evolução da tecnologia tio conhecimento cientifico ou da ideologia de uma crença no progresso individualista secularista e racionalista Por volta de 1780 podemos considerar a existência destas crenças como certas embora não possamos ainda assumir como certo que elas fossem suficientemente poderosas ou disseminadas Ao contrário devemos quando muito evitar a tentação de desprezar a novidade da dupla revolução ante a familiaridade de suas roupagens externas ante o inegável fato de que as roupas maneiras e prosa de Robespierre e SaintJust não estariam deslocadas num salão do ancien régime de que Jeremy Bentham cujas ideias reformistas expressavam a burguesia britânica por volta de 1830 era exatamente o mesmo homem que propusera as mesmas ideias a Catarina a Grande da Rússia e de que as mais extremadas declarações da economia política da classe média vieram de membros da Câmara dos Lordes inglesa do século XVIII Assim nosso problema é explicar não a existência destes elementos de uma nova economia e sociedade mas o seu triunfo traçar não a evolução do gradual solapamento que foram exercendo em séculos anteriores minando a velha sociedade mas sua decisiva conquista da fortaleza É também problema nosso traçar as profundas mudanças que este súbito triunfo trouxe para os países mais imediatamente afetados por ela e para o resto do mundo que se achava então exposto a todo o impacto explosivo das novas forças o burguês conquistador para citar o título de uma recente história do mundo deste período Inevitavelmente visto que a dupla revolução ocorreu numa parte da Europa e seus efeitos mais imediatos e óbvios foram mais evidentes lá a história de que trata este livro é sobretudo regional Também inevitavelmente visto que a revolução mundial espalhouse para fora da dupla cratera da Inglaterra e da França ela inicialmente tomou a forma de uma expansão europeia e de conquista do resto do mundo De fato sua mais notável consequência para a história mundial foi estabelecer um domínio do globo por uns poucos regimes ocidentais e especialmente pelo regime britânico que não tem paralelo na história Ante os negociantes as máquinas a vapor os navios e os canhões do Ocidente e ante suas ideias as velhas civilizações e impérios do mundo capitularam e ruíram A Índia tornouse uma província administrada pelos procônsules britânicos os Estados islâmicos entraram em crise a África ficou exposta a uma conquista direta Até mesmo o grande império chinês foi forçado a abrir suas fronteiras à exploração ocidental em 183942 Por volta de 1848 nada impedia o avanço da conquista ocidental sobre qualquer território que os governos ou os homens de negócios ocidentais achassem vantajoso ocupar como nada a não ser o tempo se colocava ante o progresso da iniciativa capitalista ocidental E ainda assim a história da dupla revolução não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa É também a história do aparecimento das forças que um século depois de 1848 viriam transformar a expansão em contração E mais ainda por volta de 1848 esta extraordinária mudança de destinos já era até certo ponto visível Naturalmente a revolta mundial contra o Ocidente que domina a metade do século XX era então apenas escassamente discernível Somente no mundo islâmico podemos observar os primeiros estágios do processo pelo qual os que foram conquistados pelo Ocidente adotaram suas ideias e técnicas para se virar contra ele no início da reforma interna de ocidentalização do império turco na década de 1830 c sobretudo na desprezada e significativa carreira de Mohammed Ali no Egito Mas dentro da Europa as forças e ideias que projetavam a substituição da nova sociedade triunfante já estavam aparecendo O espectro do comunismo já assustava a Europa por volta de 1848 E foi exorcizado nesse mesmo ano Depois disso durante muito tempo ficaria impotente como o são de fato os espectros especialmente no mundo ocidental mais imediatamente transformado pela dupla revolução Mas se dermos uma olhada no mundo na década de 1970 não seremos tentados a subestimar a força histórica do socialismo revolucionário e da ideologia comunista nascidos de uma reação contra a dupla revolução e que por volta de 1848 tinham encontrado sua primeira formulação clássica O período histórico que começa com a construção do primeiro sistema fabril do mundo moderno em Lancashire e com a Revolução Francesa de 1789 termina com a construção de sua primeira rede de ferrovias e a publicação do Manifesto Comunista Capítulo Um O Mundo na Década de 1780 Le dixhuitième siècle doit être mis au Pantheón SaintJust I A primeira coisa a observar sobre o mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso Era menor geograficamente porque até mesmo os homens mais instruídos e beminformados da época digamos um homem como o cientista e viajante Alexander von Humboldt 17691859 conheciam somente pedaços do mundo habitado Os mundos conhecidos de comunidades menos evoluídas e expansionistas do que as da Europa Ocidental eram obviamente ainda menores reduzindose a minúsculos segmentos da terra onde os analfabetos camponeses sicilianos ou o agricultor das montanhas de Burma viviam suas vidas e para além dos quais tudo era e sempre seria eternamente desconhecido A maior parte da superfície dos oceanos mas não toda de forma alguma já tinha sido explorada e mapeada graças à notável competência dos navegadores do século XVIII como James Cook embora os conhecimentos humanos sobre o fundo do mar tenham permanecido insignificantes até a metade do século XX Os principais contornos dos continentes e da maioria das ilhas eram conhecidos embora pelos padrões modernos não muito corretamente O tamanho e a altura das cadeias de montanhas da Europa eram conhecidos com alguma precisão as localizadas em partes da América Latina o eram muito grosseiramente as da Ásia quase totalmente desconhecidas e as da África com exceção dos montes Atlas totalmente desconhecidas para fins práticos Com exceção dos da China e da índia o curso dos grandes rios do mundo era um mistério para todos a não ser para alguns poucos caçadores comerciantes ou andarilhos que tinham ou podem ter tido conhecimento dos que corriam por suas regiões Fora de algumas áreas em vários continentes elas não passavam de alguns quilómetros terra a dentro a partir da costa o mapa do mundo consistia de espaços brancos cruzados pelas trilhas demarcadas por negociantes ou exploradores Não fosse pelas informações descuidadas de segunda ou terceiramão colhidas por viajantes ou funcionários em postos remotos estes espaços brancos teriam sido bem mais vastos do que de fato o eram Não só o mundo conhecido era menor mas também o mundo real pelo menos em termos humanos Já que para fins práticos não se dispõe de recenseamentos todas as estimativas demográficas são pura especulação mas é evidente que a terra abrigava somente uma fração da população de hoje provavelmente não muito mais que um terço Se as suposições mais comumente citadas não estiverem muito longe da realidade a Ásia e a África tinham uma proporção um tanto maior da população mundial do que hoje a Europa com cerca de 187 milhões de habitantes em 1800 contra cerca de 600 milhões hoje tinha uma proporção um tanto menor sendo que as Américas tinham obviamente uma proporção muito menor ainda Aproximadamente dois de cada três seres humanos eram asiáticos em 1800 um de cada cinco europeu um de cada dez africano e um de cada 33 americano ou da Oceania É obvio que esta população muito menor era muito mais esparsamente distribuída pela face do globo exceto talvez em algumas pequenas regiões de agricultura intensa ou de alta concentração urbana tais como partes da China Índia e Europa Central e Ocidental onde densidades comparáveis às dos tempos modernos podem ter existido Se a população era menor também era menor a efetiva colonização humana As condições climáticas provavelmente fazia mais frio e havia mais umidade que hoje embora não fosse tão frio nem tão úmido como no pior período da pequena era do gelo de cerca de 13001700 fixaram os limites da colonização na região ártica Doenças endémicas como a malária ainda restringiam a colonização em muitas áreas como o sul da Itália onde as planícies do litoral por muito tempo virtualmente desocupadas só foram gradativamente povoadas durante o século XIX As formas primitivas da economia principalmente a caça e a emigração dos rebanhos na Europa devido às condições climáticas com o seu desperdício territorial mantiveram vastas populações fora de regiões inteiras como as planícies da Apúlia as gravuras turísticas da planície romana do início do século XIX são conhecidas ilustrações destas paisagens a campagna era um espaço vazio infestado de malária com algumas ruínas algumas cabeças de gado e o estranho e pitoresco bandoleiro E naturalmente muitas terras que vieram a ser cultivadas posteriormente ainda eram mesmo na Europa charnecas estéreis pântanos mato cerrado ou florestas A humanidade era menor ainda em um terceiro aspecto os europeus no geral eram nitidamente mais baixos e mais leves do que hoje Para dar uma ilustração da abundante estatística sobre a compleição dos recrutas na qual baseamos esta generalização num pequeno cantão da costa da Ligúria 72 dos recrutas em 17929 tinham menos de 150 metros de altura Isto não significava que os homens do final do século XVIII fossem mais frágeis do que somos Os esqueléticos raquíticos e destreinados soldados da Revolução Francesa eram capazes de um sofrimento físico igualado hoje em dia somente pelos diminutos guerrilheiros das montanhas coloniais Era comum uma marcha picada de uma semana sem descanso com todo o equipamento a uma média de 30 milhas por dia No entanto segundo os nossos padrões a constituição física humana era muito pobre como indica o excepcional valor dado pelos reis e generais aos sujeitos altos formados dentro da elite dos regimentos de guardas couraceiros ou semelhantes Ainda assim se o mundo era em muitos aspectos menor a simples dificuldade ou incerteza das comunicações faziamno praticamente maior do que é hoje Não tenho a intenção de exagerar estas dificuldades O final do século XVIII era pelos padrões medievais ou do século XVI uma era de comunicações rápidas e abundantes e mesmo antes da revolução das ferrovias eram notáveis os aperfeiçoamentos nas estradas nos veículos puxados a cavalo e no serviço postal Entre a década de 1760 e o final do século a viagem de Londres a Glasgow foi reduzida de 10 ou 12 dias para 62 horas O sistema de carruagens postais ou diligências instituído na segunda metade do século XVIII expandiuse consideravelmente entre o final das guerras napoleônicas e o surgimento da ferrovia proporcionando não só uma relativa velocidade o serviço postal de Paris a Strasburgo levava 36 horas em 1833 como também regularidade Porém o fornecimento de transporte de passageiros por terra era pequeno e o transporte de mercadorias também por terra era vagaroso e proibitivamente caro Os encarregados dos negócios governamentais e do comércio não se achavam absolutamente isolados estimase em 20 milhões o número de cartas que passaram pelo correio britânico no início das guerras com Bonaparte no fim do período que nos interessa houve 10 vezes mais movimento mas para a grande maioria dos habitantes do mundo as cartas eram inúteis já que não sabiam ler e o ato de viajar exceto talvez o de ir e vir dos mercados era absolutamente fora do comum Se eles ou suas mercadorias se moviam por terra isso era feito na imensa maioria das vezes a pé ou então nas baixas velocidades das carroças que mesmo no início do século XIX transportavam cinco sextas partes do trânsito de mercadorias na França a um pouco menos de 20 milhas por dia Os mensageiros percorriam longas distâncias com despachos os postilhões conduziam as carruagens postais com mais ou menos uma dúzia de passageiros todos sacolejando os ossos ou caso sentados na nova suspensão de couro sofrendo violentos enjoos Os nobres locomoviamse em carruagens particulares Mas para a maior parte do mundo o que dominava o transporte terrestre era a velocidade do carreteiro caminhando ao lado da mula ou do cavalo Nessas circunstâncias o transporte por água era portanto não só mais fácil e barato mas também geralmente mais rápido exceto quanto às incertezas dos ventos e do tempo Durante sua excursão à Itália viajando de navio entre Nápoles e a Sicília Goethe levou quatro dias para ir e três para voltar Seria espantoso o tempo que levaria para viajar por terra com algum conforto Estar perto de um porto era estar perto do mundo na verdade Londres estava mais perto de Plymouth ou Leith do que dos vilarejos de Norfolk Sevilha era mais perto de Veracruz do que de Valladolid e Hamburgo mais perto da Bahia do que do interior da Pomerânia O principal inconveniente do transporte por água era sua intermitência Mesmo em 1820 os correios de Londres para Hamburgo e a Holanda eram despachados somente duas vezes por semana para a Suécia e Portugal somente uma vez por semana e para a América do Norte uma vez por mês Ainda assim não se pode ter dúvidas de que Boston e Nova York estavam muito mais intimamente ligadas a Paris do que por exemplo o condado de Maramaros nos Cárpatos a Budapeste E assim como era mais fácil transportar homens e mercadorias em grandes quantidades pelas enormes distâncias oceânicas mais fácil por exemplo para 44 mil pessoas zarparem para a América dos portos norteirlandeses em cinco anos 176974 do que transportar cinco mil para Dundee em três gerações era também mais fácil ligar capitais distantes do que o campo às cidades A noticia da queda da Bastilha chegou a Madri em 13 dias mas em Péronne distante apenas 133 quilómetros da capital francesa as novas de Paris só chegaram no final do mês O mundo em 1789 era portanto para a maioria dos seus habitantes incalculavelmente grande A maioria deles a não ser que fossem arrancados da sua terrinha por algum terrível acontecimento como o recrutamento militar viviam e morriam no distrito ou mesmo na paróquia onde nasceram ainda em 1861 mais de nove em cada dez habitantes de 70 dos 90 departamentos franceses moravam no departamento onde nasceram O resto do mundo era assunto dos agentes governamentais e dos boatos Não havia jornais excepto os pouquíssimos periódicos das classes média e alta ainda em 1814 era de apenas 5 mil exemplares a circulação de um jornal francês e de qualquer forma muito pouca gente sabia ler As notícias chegavam à maioria das pessoas através dos viajantes e do setor móvel da população mercadores e mascates artesãos itinerantes trabalhadores de temporada grande e confusa população de andarilhos que ia desde frades ou peregrinos até contrabandistas ladrões e o populacho e é claro através dos soldados que caíam sobre o povo durante as guerras e o aquartelavam nos períodos de paz Naturalmente que as notícias também vinham através dos canais oficiais através do Estado ou da Igreja Mas mesmo a massa de agentes locais destas organizações a ecuménica e a estatal era de gente do próprio lugar ou então de homens destacados para um serviço vitalício entre os de sua categoria Fora das colónias o funcionário nomeado pelo governo central e enviado para uma sucessão de postos nas províncias era algo que apenas começava a existir De todos os agentes subalternos do Estado talvez só o oficial de regimento estivesse habituado a uma vida sem paradeiro amenizada unicamente pela variedade dos vinhos das mulheres e dos cavalos da mãe pátria II O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendêlo sem assimilar este fato fundamental Em países como a Rússia a Escandinávia ou os Bálcãs onde a cidade jamais se desenvolvera de forma acentuada cerca de 90 a 97 da população era rural Mesmo em áreas com uma forte tradição urbana ainda que decadente a porcentagem rural ou agrícola era extraordinariamente alta 85 na Lombardia 7280 na Venécia mais de 90 na Calábria e na Lucânia segundo dados disponíveis De fato fora algumas áreas comerciais e industriais bastante desenvolvidas seria muito difícil encontrar um grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses E até mesmo na própria Inglaterra a população urbana só veio a ultrapassar a população rural pela primeira vez em 1851 A palavra urbano é certamente ambígua Ela inclui as duas cidades europeias que por volta de 1789 podem ser chamadas de genuinamente grandes segundo os nossos padrões Londres com cerca de um milhão de habitantes e Paris com cerca de meio milhão e umas 20 outras com uma população de 100 mil ou mais duas na França duas na Alemanha talvez quatro na Espanha talvez cinco na Itália o Mediterrâneo era tradicionalmente o berço das cidades duas na Rússia e apenas uma em Portugal na Polónia na Holanda na Áustria na Irlanda na Escócia e na Turquia europeia Mas o termo urbano também inclui a multidão de pequenas cidades de província onde se encontrava realmente a maioria dos habitantes urbanos aquelas onde o homem podia a pé e em poucos minutos vencer a distância entre a praça da catedral rodeada pelos edifícios públicos e as casas das celebridades e o campo Dos 19 de austríacos que mesmo ao final do nosso período 1834 viviam em cidades bem mais de trêsquartos viviam em cidades com menos de 20 mil habitantes e cerca da metade em cidades que iam de dois a cinco mil habitantes Eram estas as localidades por onde perambulavam os aprendizes franceses em seus Tour de France e cujos perfis setecentistas preservados como moscas no âmbar pela estagnação dos séculos subsequentes os poetas românticos alemães evocaram como pano de fundo de tranquilas paisagens sobre as quais se erguiam as torres das catedrais espanholas entre cujas paredes os judeus hassídicos veneravam seus milagrosos rabinos ao passo que os ortodoxos discutiam as divinas sutilezas da lei e para onde rumaram o inspetorgeral de Gogol a fim de aterrorizar os ricos e Chichikov decidido à compra de almas isto é os servos mortos como também pode ser traduzido do Russo o título de Gogol Mas foi também destas cidades que saíram os jovens e ardentes ambiciosos para fazer fortuna ou revoluções ou as duas coisas ao mesmo tempo Robespierre veio de Arras Gracchus Babeuf de SaintQuentin Napoleão de Ajaccio Estas cidades de província não eram menos urbanas por serem pequenas Os autênticos homens das cidades desprezavam o campo ao redor com o desprezo que sentem os eruditos e os homens de espírito pelos fortes lentos ignorantes e estúpidos Não que pelos padrões do verdadeiro homem mundano a sonolenta comunidade interiorana tivesse qualquer coisa de que se vangloriar as comédias populares alemãs ridicularizavam a pequena municipalidade Kraehwinkel tão cruelmente como a mais caipira das roças A linha que separava a cidade e o campo ou melhor as atividades urbanas e as atividades rurais era bem marcada Em muitos países a barreira dos impostos ou às vezes mesmo a velha muralha dividiam os dois Em casos extremos como na Prússia o governo ansioso em manter seus possíveis contribuintes sob uma adequada fiscalização operava uma separação quase total entre as atividades rurais e urbanas Mesmo onde não havia uma divisão administrativa tão rígida os habitantes das cidades eram quase sempre fisicamente diferentes dos homens do campo Em uma vasta área da Europa Oriental as pessoas da cidade eram ilhas germânicas judias ou italianas num lago eslavo magiar ou romeno Mesmos os habitantes urbanos que tinham a mesma religião e nacionalidade dos camponeses ao redor tinham uma aparência distinta vestiam roupas diferentes e eram de fato mais altos exceto no caso da população explorada que trabalhava nas fábricas ou dentro de casa embora talvez fossem igualmente mais magros Tinham provavelmente um raciocínio mais rápido e eram mais letrados e certamente se orgulhavam disso Ainda assim em seu modo de vida eram quase tão ignorantes sobre o que se passava fora do seu distrito quase tão embotados quanto os habitantes das aldeias A cidade provinciana ainda pertencia essencialmente à sociedade e à economia do campo Além de se refestelar sobre os camponeses vizinhos ocupavase relativamente com poucas exceções de muito pouco mais exceto de lavar sua própria roupa Suas classes média e profissional eram constituídas pelos negociantes de trigo e de gado os processadores de produtos agrícolas os advogados e tabeliões que manipulavam os assuntos relativos ao património dos nobres ou os intermináveis litígios que são parte integrante da vida em comunidades proprietárias de terras os empresários mercantis que exploravam os empréstimos aos fiandeiros e tecelões dos campos e por fim os mais respeitáveis representantes do governo o nobre e a Igreja Seus artesãos e lojistas asseguravam as provisões aos camponeses e aos citadinos que viviam às custas dos camponeses A cidade provinciana sofrera um triste declínio depois de atingir o auge de desenvolvimento no final da Idade Média Só raramente era uma cidade livre ou uma cidadeEstado só raramente continuara a ser um centro produtor para um mercado mais amplo ou um importante palco no comércio internacional Como havia declinado agarrouse com crescente obstinação ao monopólio do mercado local que defendia contra todos os que chegassem muito do provincianismo ridicularizado pelos jovens radicais e os trapaceiros das grandes cidades derivava deste movimento de autodefesa econômica No sul da Europa os cavalheiros e até mesmo os nobres viviam desse provincianismo alugando suas propriedades Na Alemanha as burocracias de inúmeros pequenos principados que eram pouco mais que grandes propriedades administravam os desejos das sereníssimas altezas com os impostos cobrados de um campesinato silencioso e obediente A cidade provinciana de fins do século XVIII podia sei uma próspera comunidade em expansão como a sua paisagem dominada por construções de pedra em modesto estilo clássico ou rococó ainda hoje testemunha em parte da Europa Ocidental Mas essa prosperidade vinha do campo III O problema agrário era portanto o fundamental no ano de 1789 c é fácil compreender por que a primeira escola sistematizada de economistas do continente os fisiocratas franceses tomara como verdade o fato de que a terra e o aluguel da terra era a única fonte de renda líquida E o ponto crucial do problema agrário era a relação entre os que cultivavam a terra e os que a possuíam os que produziam sua riqueza e os que a acumulavam Do ponto de vista das relações de propriedade agrária podemos dividir a Europa ou melhor o complexo econômico cujo centro ficava na Europa Ocidental em três grandes segmentos A oeste da Europa ficavam as colônias de alémmar Nelas com a notável exceção da parte norte dos Estados Unidos da América e alguns trechos menos significativos de exploração agrícola independente o lavrador típico era o índio que trabalhava à força ou se encontrava virtualmente escravizado ou o negro que trabalhava como escravo um pouco mais raramente um camponês arrendatário um meeiro ou algo semelhante Nas colónias das Índias Orientais onde o cultivo direto por plantadores europeus era mais raro a forma típica de compulsão usada pelos controladores da terra era a entrega obrigatória de cotas da safra como por exemplo especiarias ou café nas ilhas holandesas Em outras palavras o cultivador típico não tinha liberdade ou então trabalhava sob coerção política O proprietário típico era o dono de uma propriedade enorme quase feudal hacienda finca estancia ou de uma plantação com escravos A economia característica da propriedade quase feudal era primitiva e voltada para si mesma ou de qualquer forma ajustada para necessidades puramente regionais a América espanhola exportava produtos de mineração também produzidos pelos índios virtualmente escravizados mas nada exportava em termos de produtos agrícolas A economia característica da zona de plantação escrava cujo centro ficava nas ilhas do Caribe ao longo do litoral norte da América do Sul em especial o norte do Brasil e o litoral sul dos EUA era a produção de algumas culturas de exportação de vital importância açúcar em menos quantidade o café e o tabaco tintas e a partir da revolução industrial sobretudo o algodão Formava portanto uma parte integral da economia europeia e através do tráfico de escravos da economia africana Fundamentalmente a história desta zona no período que nos interessa pode ser escrita em termos da queda do açúcar e da ascensão do algodão A leste da Europa Ocidental mais especificamente a leste de uma linha que passaria mais ou menos ao longo do rio Elba das fronteiras ocidentais do que é hoje a Tchecoslováquia e dali em direção ao sul rumo a Trieste separando a Áustria Ocidental da Oriental ficava a região de servidão agrária Socialmente a Itália ao sul da Toscana e da Úmbria e o sul da Espanha pertenciam a esta região embora não a Escandinávia com a exceção parcial da Dinamarca e do sul da Suécia Esta vasta zona tinha trechos onde viviam camponeses tecnicamente livres colonos alemães espalhados por toda a região da Eslovênia ao Volga clãs virtualmente independentes nos selvagens montes rochosos do interior da Ilíria camponeses guerreiros quase tão selvagens como os panduros e os cossacos no que até recentemente foi a fronteira militar entre os cristãos e os turcos ou tártaros colonos pioneiros e livres para além do alcance do senhor ou do Estado ou os que viviam nas grandes florestas onde a lavoura de larga escala era impossível Entretanto no geral o lavrador típico não era livre e de fato estava quase afogado pela enchente de servidão que foi crescendo praticamente sem cessar desde fins do século XV e princípios do XVI Essa situação era menos evidente na região dos Bálcans que esteve ou ainda estava sob a administração direta dos turcos Embora o sistema agrário original do pré feudalismo turco uma divisão grosseira da terra em que cada unidade sustentava um guerreiro turco não hereditário tivesse há muito se degenerado num sistema de pecúlio hereditário de propriedades sob o controle dos senhores maometanos estes senhores raramente se envolviam com a lavoura Simplesmente eles sugavam o que podiam do seu campesinato Eis aí a razão por que os Bálcans ao sul do Danúbio e do Sava emergiram da dominação turca nos séculos XIX e XX substancialmente como países camponeses embora extremamente pobres e não como países de caráter agrícola concentrado Além disso o camponês dos Bálcans era legalmente servo como cristão e servo de fado como camponês pelo menos enquanto estivesse ao alcance dos senhores No resto dessa área todavia o camponês típico era um servo que dedicava uma enorme parte da semana ao trabalho forçado na terra do senhor ou o equivalente em outras obrigações Sua falta de liberdade era tão grande que mal se poderia distinguila da escravidão como na Rússia e partes da Polónia onde podia ser vendido separadamente da terra um anúncio na Gazette de Moscou em 1801 colocava à venda três cocheiros bemtreinados e bastante apresentáveis duas moças de 18 e 15 anos ambas de boa aparência e hábeis em vários tipos de trabalhos manuais A mesma casa tem à venda duas cabelereiras sendo uma de 21 anos que sabe ler e escrever tocar instrumentos musicais e fazer trabalhos de mensageira e a outra apta a arrumar os cabelos de cavalheiros e damas vendemos também pianos e órgãos Uma grande quantidade de servos trabalhava em serviços domésticos na Rússia em 1851 eram quase 5 do total Na região do Mar Báltico a principal rota de comércio com a Europa Ocidental a agricultura servil produzia basicamente culturas de exportação para os países do Ocidente trigo fibra de linho cânhamo e produtos florestais usados principalmente na fabricação de navios Nas outras áreas funcionava mais para os mercados regionais que possuíam pelo menos uma zona de desenvolvimento urbano e manufatureiro relativamente avançado e de fácil acesso como a Saxônia a Boémia e Viena A maior parte dessa agricultura todavia continuava atrasada A abertura da rota do Mar Negro e a crescente urbanização da Europa Ocidental principalmente da Inglaterra apenas haviam começado a estimular as exportações de trigo do cinturão de terra negra da Rússia que viriam a ser a base do comércio externo russo até a industrialização da URSS A área de servidão oriental pode portanto ser considerada também uma economia dependente produtora de alimentos e matériasprimas para a Europa Ocidental de forma análoga às colónias de alémmar As áreas de servidão na Itália e na Espanha tinham características econômicas semelhantes embora os aspectos legais de estatuto dos camponeses fossem um tanto diferentes De maneira geral eram áreas de enormes propriedades da nobreza É possível que na Sicília e na Andaluzia várias dessas propriedades descendessem diretamente dos latifúndios romanos cujos escravos e colonos tinhamse transformado nos típicos trabalhadores diaristas sem terras dessas regiões A criação de gado a produção de trigo a Sicília é um velho celeiro exportador e a extorsão de tudo o que fosse possível ao miserável campesinato eram as fontes de renda dos duques e barões que os possuíam O senhor de terras característico das áreas de servidão era assim um nobre proprietário e cultivador ou um explorador de enormes fazendas A vastidão desses latifúndios era espantosa Catarina a Grande deu entre 40 e 50 mil servos aos seus favoritos os Radziwill da Polónia tinham fazendas tão grandes quanto metade da Irlanda Potocki possuía três milhões de acres na Ucrânia os Esterhazy húngaros patronos de Haydn possuíam em certa época sete milhões de acres Eram comuns as fazendas de várias centenas de milhares de acres Embora muitas vezes descuidadas primitivas e improdutivas elas forneciam rendimentos principescos O grande nobre espanhol podia conforme observou um visitante francês sobre as desoladas fazendas Medina Sidonia reinar como um leão na selva e espantar com seu urro tudo que dele se aproximasse mas nunca estava sem dinheiro mesmo pelos padrões dos milordes britânicos Abaixo dos magnatas uma classe de cavalheiros rurais de tamanho e recursos econômicos variados explorava os camponeses Em alguns países ela era demasiadamente grande e portanto pobre e descontente distinguindose dos não nobres basicamente pelos seus privilégios políticos e sociais e pela sua falta de inclinação para atividades anticavalheirescas tais como o trabalho Na Hungria e na Polónia essa classe tinha perto de umdécimo da população na Espanha cerca de meio milhão de pessoas no final do século XVIII Em 1827 equivalia só nesses países a 10 de toda a nobreza europeia s nos outros lugares era bem menor IV No resto da Europa a estrutura agrária era socialmente semelhante Isto quer dizer que para um trabalhador ou camponês qualquer pessoa que possuísse uma propriedade era um cavalheiro e membro da classe dominante e viceversa o status de nobre ou de gentilhomem que dava privilégios políticos e sociais e era ainda de fato a única via para os mais altos postos do Estado era inconcebível sem uma propriedade Na maioria dos países da Europa Ocidental a ordem feudal implícita nessa maneira de pensar estava ainda muito viva politicamente embora fosse cada vez mais obsoleta em termos econômicos De fato sua própria obsolescência econômica que fazia com que os rendimentos dos nobres e cavalheiros fossem ficando cada vez mais para trás em relação ao aumento dos preços e dos gastos levava a aristocracia a explorar com intensidade cada vez maior seu único bem econômico inalienável os privilégios de status e de nascimento Em toda a Europa continental os nobres expulsavam seus rivais malnascidos de todos os cargos rendosos no serviço da coroa desde a Suécia onde a proporção de funcionários plebeus caiu de 66 em 1719 42 em 1700 para 23 em 1780 até a França onde esta reação feudal precipitou a Revolução Francesa veja o capítulo 3 Mas mesmo onde estivesse claramente abalado sob certos aspectos como na França onde era relativamente fácil passar à condição de nobre proprietário ou mais ainda na Inglaterra onde esse status era a recompensa para qualquer tipo de riqueza desde que ela fosse suficientemente grande o elo entre a posse de terras e o status de classe dominante continuava de pé e tinha de fato se tornado nos últimos tempos mais forte Economicamente entretanto a sociedade rural ocidental era muito diferente O camponês típico tinha perdido muito da sua condição de servo no final da Idade Média embora ainda frequentemente guardasse muitas marcas amargas da dependência legal A propriedade típica já de há muito deixara de ser uma unidade de iniciativa econômica e tinhase tornado um sistema de cobrança de aluguéis e de outros rendimentos monetários O camponês mais ou menos livre grande médio ou pequeno era o lavrador típico Se de alguma forma arrendatário pagava aluguel ao senhor das terras ou em algumas áreas uma quota da safra Caso fosse tecnicamente um livre proprietário provavelmente ainda devia ao senhor local uma série de obrigações que podiam ou não ser convertidas em dinheiro como por exemplo a obrigação de enviar seu trigo para o moinho do senhor assim como devia impostos ao príncipe dízimos à Igreja e algumas obrigações de trabalho forçado todas elas em contraste com a isenção relativa das camadas sociais mais altas Mas se estes vínculos políticos fossem retirados uma enorme parte da Europa surgiria como uma área de agricultura camponesa uma área na qual geralmente uma minoria de camponeses abastados tendesse a se tornar de fazendeiros comerciais vendendo ao mercado urbano um excedente permanente da safra e uma maioria de pequenos e médios camponeses vivesse de suas propriedades mais ou menos de forma autosuficiente a menos que elas fossem tão pequenas que os obrigassem a trabalhar parte do tempo na agricultura ou na manufatura em troca de salários Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante rumo a uma agricultura puramente capitalista A Inglaterra era a principal delas Lá a propriedade de terras era extremamente concentrada mas o agricultor típico era o arrendatário com um empreendimento comercial médio operado por mãodeobra contratada Uma grande quantidade de pequenos proprietários aldeões etc ainda obscurecia este fato Mas quando tudo se tornou claro aproximadamente entre 1760 e 1830 o que apareceu não foi uma agricultura camponesa mas sim uma classe de empresários agrícolas os fazendeiros e um enorme proletariado rural Algumas áreas da Europa onde o investimento comercial tradicionalmente era feito na exploração agrícola como em partes do norte da Itália e os Países Baixos ou onde se produziam safras comerciais especializadas também demonstravam fortes tendências capitalistas mas isto era um fato excepcional Uma outra exceção era a Irlanda uma ilha infeliz que combinava as desvantagens das áreas atrasadas da Europa com as da proximidade da economia mais adiantada Na Irlanda um pequeno número de latifundiários ausentes da terra semelhantes aos da Andaluzia ou da Sicília explorava uma vasta massa de arrendatários por meio de exorbitantes aluguéis Tecnicamente a agricultura europeia era ainda com exceção de algumas regiões adiantadas duplamente tradicional e assustadoramente ineficiente Seus produtos eram ainda os tradicionais centeio trigo cevada aveia e na Europa Oriental trigo sarraceno alimento básico da população gado de corte cabras e seus laticínios porcos e aves uma certa quantidade de frutas e legumes vinho e algumas matériasprimas industriais como a lã a fibra de linho cânhamo para cordame cevada para a produção de cerveja etc A alimentação da Europa era essencialmente regional Os produtos de outros climas eram ainda raridades próximas do luxo exceto talvez o açúcar o mais importante alimento importado dos trópicos e cuja doçura provocou mais amargura humana do que qualquer outro Na Inglaterra reconhecidamente o país mais adiantado o consumo anual médio per capita na década de 1790 era de 14 libras Mas mesmo na Inglaterra o consumo per capita médio de chá no ano da Revolução Francesa era de menos de 2 onças por mês As novas culturas importadas das Américas ou de outras regiões tropicais tinham feito algum progresso No sul da Europa e nos Bálcans o milho já se achava bastante disseminado esta espécie de milho tinha ajudado a fixar camponeses nómades em seus sítios nos Bálcans e no norte da Itália o arroz tinha experimentado certo avanço O fumo era cultivado em vários principados basicamente como um monopólio governamental para fins fiscais embora seu uso pelos padrões modernos fosse desprezível em 1790 o inglês médio fumava cheirava ou mascava cerca de uma onça e umterço por mês A cultura da seda era comum em partes da Europa meridional A batata a mais importante das novas colheitas estava apenas começando o seu caminho exceto talvez na Irlanda onde sua capacidade de alimentar a nível de subsistência mais gente por acre do que qualquer outro alimento já tinha feito dela o principal produto de cultivo Fora da Inglaterra e dos Países Baixos o cultivo sistemático de raízes e forragem tirando o feno ainda era uma exceção e só as guerras napoleônicas trouxeram a produção em massa da beterraba para a fabricação de açúcar O século XVIII não era logicamente um século de estagnação agrícola Pelo contrário um longo período de expansão demográfica de urbanização crescente de fabricação e comércio encorajava a melhoria da agricultura e de fato a requisitava A segunda metade do século viu o início do surpreendente e ininterrupto aumento da população que é tão característico do mundo moderno entre 1755 e 1784 por exemplo a população rural de Brabant Bélgica aumentou em 44 Mas o que impressionava os inúmeros incentivadores da melhoria agrícola que multiplicavam suas associações em defesa desse objetivo produzindo relatórios governamentais e publicações propagandísticas desde a Espanha até a Rússia era o tamanho dos obstáculos para o avanço agrícola e não o progresso que se verificara V O mundo agrícola era lerdo a não ser talvez em seu setor capitalista Já os mundos do comércio e das manufaturas e as atividades intelectuais e tecnológicas que os acompanhavam eram seguros de si e dinâmicos e as classes que deles se beneficiavam eram ativas determinadas e otimistas O observador contemporâneo seria mais diretamente surpreendido pelo amplo desdobramento do comércio que estava intimamente ligado à exploração colonial Um sistema de vias comerciais marítimas que crescia rapidamente em volume e capacidade circundava a terra trazendo seus lucros às comunidades mercantis europeias do Atlântico Norte Usavam o poderio colonial para roubar dos habitantes das índias Orientais as mercadorias exportadas dali para a Europa e a África onde juntamente com as mercadorias europeias eram usadas na compra de escravos para os sistemas de plantação que cresciam rapidamente nas Américas As plantações americanas por seu turno exportavam açúcar algodão etc em quantidades cada vez mais vastas e baratas para os portos do Atlântico e do Mar do Norte de onde eram redistribuídos para o leste juntamente com as manufaturas e mercadorias tradicionais do comércio da Europa Ocidental com a Oriental têxteis sal vinho e o resto Do Báltico por sua vez vinham os cereais a madeira e a fibra de linho Da Europa Oriental espécie de segunda zona colonial os cereais a madeira a fibra de linho e o linho propriamente dito uma lucrativa exportação para os trópicos o cânhamo e o ferro E entre as economias europeias relativamente desenvolvidas que incluíam economicamente falando as comunidades cada vez mais ativas de colonizadores brancos nas colónias britânicas do norte da América depois de 1783 o norte dos EUA a teia do comércio tornouse cada vez mais densa O nabob ou plantador retornava das colónias com fortunas que estavam além dos sonhos da avareza provinciana Os mercadores e armadores cujos esplêndidos portos Bordeaux Bristol Liverpool haviam sido construídos ou reconstruídos durante o século pareciam ser os verdadeiros campeões econômicos da época comparáveis somente aos grandes funcionários e financistas que tiravam suas fortunas dos lucrativos serviços dos Estados pois esta era a época em que o termo cargos rendosos no serviço da coroa tinha seu significado literal Comparada a eles a classe média de advogados gerentes de fazendas cervejeiros locais comerciantes e outros que acumularam uma pequena fortuna proveniente do mundo agrícola vivia uma vida pacata e modesta e até mesmo o fabricante pareceria pouco mais que um primo pobre Já que embora a mineração e a fabricação estivessemse expandindo rapidamente em todas as partes da Europa o mercador e na Europa Oriental também muitas vezes o senhor feudal é que continuava fundamentalmente a deter o seu controle Isto ocorria porque a principal forma de expandir a produção industrial era o chamado sistema doméstico ou do botafora no qual o mercador comprava os produtos dos artesãos ou do tempo de trabalho não agrícola do campesinato para vendêlos num mercado mais amplo O simples crescimento deste comércio inevitavelmente criou condições rudimentares para um precoce capitalismo industrial O artesão que vendia suas mercadorias poderseia transformar em pouco mais que um trabalhador pago por artigo produzido especialmente quando o mercador lhe fornecia a matériaprima e talvez arrendasse equipamento produtivo O camponês que também tecesse poderia vir a ser o tecelão que também tinha um pequeno lote de terra A especialização dos processos e funções poderia dividir o velho ofício ou criar um complexo de trabalhadores semiqualificados entre os camponeses O velho mestreartesão ou algum grupo especial de ofícios ou mesmo de intermediários locais poderseiam transformar em algo parecido com empregadores ou subcontratadores Mas o controladorchefe destas formas descentralizadas de produção aquele que ligava a mãodeobra de vilarejos perdidos ou de ruelas afastadas com o mercado mundial era uma espécie de mercador E os industriais que estavam aparecendo ou a ponto de aparecer das fileiras dos próprios produtores eram em comparação a ele ínfimos operadores quando não diretamente dependentes dele Havia algumas exceções especialmente na Inglaterra industrial Os proprietários de siderurgias homens como o grande oleiro Josiah Wedgwood eram orgulhosos e respeitados seus estabelecimentos visitados pelos curiosos de toda a Europa Mas o industrial típico a palavra não havia sido inventada ainda era nesta época um pobre gerente e não um capitão de indústria Não obstante qualquer que fosse seu status as atividades comerciais e manufatureiras floresciam de forma exuberante O Estado mais bemsucedido da Europa no século XVIII a Grã Bretanha devia plenamente o seu poderio ao progresso econômico e por volta da década de 1780 todos os governos continentais com qualquer pretensão a uma política racional estavam consequentemente fomentando o crescimento econômico e especialmente o desenvolvimento industrial embora com sucesso muito variável As ciências ainda não divididas pelo academicismo do século XIX em uma ciência pura superior e uma outra aplicada inferior dedicavamse à solução de problemas produtivos sendo que os mais surpreendentes avanços da década de 1780 foram na química que era por tradição muito intimamente ligada à prática de laboratório e às necessidades da indústria A grande Enciclopédia de Diderot e dAlembert não era simplesmente um compêndio do pensamento político e social progressista mas do progresso científico e tecnológico Pois de fato o iluminismo a convicção no progresso do conhecimento humano na racionalidade na riqueza e no controle sobre a natureza de que estava profundamente imbuído o século XVIII derivou sua força primordialmente do evidente progresso da produção do comércio e da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada a ambos E seus maiores campeões eram as classes economicamente mais progressistas as que mais diretamente se envolviam nos avanços tangíveis da época os círculos mercantis e os financistas e proprietários economicamente iluminados os administradores sociais e econômicos de espírito científico a classe média instruída os fabricantes e os empresários Estes homens saudaram Benjamin Franklin impressor e jornalista inventor empresário estadista e negociante astuto como o símbolo do cidadão do futuro o selfmademan racional e ativo Na Inglaterra onde os novos homens não tinham necessidade de encarnações revolucionárias transatlânticas estes homens formavam as sociedades provincianas das quais nasceram tanto o avanço político e social quanto o científico A Sociedade Lunar de Birmingham incluía entre seus membros o oleiro Josiah Wedgwood o inventor da moderna máquina a vapor James Watt e seu sócio Matthew Boulton o químico Priestley o biólogo e gentilhomem Erasmus Darwin pioneiro das teorias da evolução e avô do grande Darwin e o grande impressor Baskerville Estes homens se organizavam por toda parte em lojas de francomaçonaria onde as distinções de classe não importavam e a ideologia do iluminismo era propagada com um desinteressado denodo É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução a França e a Inglaterra embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional mais ampla em suas formulações francesas até mesmo quando fossem simplesmente versões galicistas de formulações britânicas Um individualismo secular racionalista e progressista dominava o pensamento esclarecido Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo do tradicionalismo ignorante da Idade Média que ainda lançava sua sombra pelo mundo da superstição das igrejas distintas da religião racional ou natural da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante A liberdade a igualdade e em seguida a fraternidade de todos os homens eram seus slogans No devido tempo se tornaram os slogans da Revolução Francesa O reinado da liberdade individual não poderia deixar de ter as consequências mais benéficas Os mais extraordinários resultados podiam ser esperados podiam de fato já ser observados como provenientes de um exercício irrestrito do talento individual num mundo de razão A apaixonada crença no progresso que professava o típico pensador do iluminismo refletia os aumentos visíveis no conhecimento e na técnica na riqueza no bemestar e na civilização que podia ver em toda a sua volta e que com certa justiça atribuía ao avanço crescente de suas ideias No começo do século as bruxas ainda eram queimadas no final os governos do iluminismo como o austríaco já tinham abolido não só a tortura judicial mas também a escravidão O que não se poderia esperar se os remanescentes obstáculos ao progresso tais como os interesses estabelecidos do feudalismo e da Igreja fossem eliminados Não é propriamente correto chamarmos o iluminismo de uma ideologia da classe média embora houvesse muitos iluministas e foram eles os politicamente decisivos que assumiram como verdadeira a proposição de que a sociedade livre seria uma sociedade capitalista Em teoria seu objetivo era libertar todos os seres humanos Todas as ideologias humanistas racionalistas e progressistas estão implícitas nele e de fato surgiram dele Embora na prática os líderes da emancipação exigida pelo iluminismo fossem provavelmente membros dos escalões médios da sociedade embora os novos homens racionais o fossem por habilidade e mérito e não por nascimento e embora a ordem social que surgiria de suas atividades tenha sido uma ordem capitalista e burguesa É mais correto chamarmos o iluminismo de ideologia revolucionária apesar da cautela e moderação política de muitos de seus expoentes continentais a maioria dos quais até a década de 1780 depositava sua fé no despotismo esclarecido Pois o iluminismo implicava a abolição da ordem política e social vigente na maior parte da Europa Era demais esperar que os anciens régimes se abolissem voluntariamente Ao contrário como vimos em alguns aspectos eles estavamse fortalecendo contra o avanço das novas forças econômicas e sociais E suas fortalezas fora da GrãBretanha as Províncias Unidas e alguns outros lugares onde já tinham sido derrotados eram as próprias monarquias em que os iluministas moderados depositavam sua fé VI Com exceção da GrãBretanha que fizera sua revolução no século XVII e alguns Estados menores as monarquias absolutas reinavam em todos os Estados em funcionamento no continente europeu aqueles em que elas não governavam ruíram devido à anarquia e foram tragados por seus vizinhos como a Polónia Os monarcas hereditários pela graça de Deus comandavam hierarquias de nobres proprietários apoiados pela organização tradicional e a ortodoxia das igrejas e envolvidos por uma crescente desordem das instituições que nada tinham a recomendá las exceto um longo passado É verdade que a simples necessidade de coesão e eficiência estatais em uma era de aguçada rivalidade internacional tinha de há muito obrigado os monarcas a pôr freio às tendências anárquicas de seus nobres e outros interesses estabelecidos e a preencher seu aparelho estatal tanto quanto possível com pessoal civil não aristocrata Além disso na última parte do século XVIII estas necessidades e o evidente sucesso internacional do poderio capitalista britânico levaram a maioria destes monarcas ou melhor seus conselheiros a tentar programas de modernização intelectual administrativa social e econômica Naquela época os príncipes adotavam o slogan do iluminismo do mesmo modo como os governos de nosso tempo por razões análogas adotam slogans de planejamento e como em nossos dias alguns dos que adotavam slogans em teoria muito pouco fizeram na prática e a maioria dos que fizeram alguma coisa estava menos interessada nas ideias gerais que estavam por trás da sociedade iluminada ou planejada do que na vantagem prática de adotar os métodos mais modernos de multiplicação de seus impostos riqueza e poder Reciprocamente aa classea média e instruída e as empenhadas no progresso quase sempre buscavam o poderoso aparelho central de uma monarquia iluminada para levar a cabo suas esperanças Um príncipe necessitava de uma classe média e de suas ideias para modernizar o seu Estado uma classe média fraca necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao progresso causada por arraigados interesses clericais e aristocráticos Contudo de fato a monarquia absoluta não obstante quão moderna e inovadora achava impossível e pouco se interessava em libertarse da hierarquia dos nobres proprietários à qual afinal de contas pertencia e cujos valores simbolizava e incorporava e de cujo apoio dependia grandemente A monarquia absoluta apesar de teoricamente livre para fazer o que bem entendesse na prática pertencia ao mundo que o iluminismo tinha batizado de féodalité ou feudalismo termo mais tarde popularizado pela Revolução Francesa Uma monarquia deste tipo estava pronta a usar todos os recursos disponíveis para fortalecer sua autoridade aumentar a renda tributável dentro de suas fronteiras e seu poderio fora delas e isto bem poderia levála a fomentar o que de fato eram as forças da sociedade em ascensão Ela se achava preparada para fortalecer seu poderio político lançando uma propriedade uma classe ou uma província contra a outra Contudo seus horizontes eram o de sua história de sua função e de sua classe Ela quase nunca desejou e nunca foi capaz de atingir a total transformação econômica e social que exigiam o progresso da economia e os grupos sociais ascendentes Para tomarmos um exemplo óbvio poucos pensadores racionais mesmo dentre os conselheiros dos príncipes duvidavam seriamente da necessidade de se abolir a servidão e os laços remanescentes da dependência feudal camponesa Tal reforma era reconhecida como um dos principais pontos de qualquer programa esclarecido e não havia nenhum príncipe de Madri a São Petersburgo e de Nápoles a Estocolmo que não tivesse subscrito esse programa durante o quarto de século que precedeu a Revolução Francesa Contudo de fato as únicas libertações camponesas que tiveram lugar antes de 1789 foram em pequenos e atípicos Estados como a Dinamarca e a Savóia e em propriedades pessoais de um ou outro príncipe Uma libertação de grande porte foi tentada por José II da Áustria em 1781 mas fracassou em face da resistência política de interesses estabelecidos e da rebelião camponesa que ultrapassou o que tinha sido programado e teve que ficar incompleta O que de fato aboliu as relações agrárias feudais em toda a Europa Ocidental e Central foi a Revolução Francesa por ação direta reação ou exemplo e a revolução de 1848 Havia assim um conflito latente que logo se tomaria aberto entre as forças da velha e da nova sociedade burguesa que não podia ser resolvido dentro da estrutura dos regimes políticos existentes exceto é claro onde estes regimes já incorporassem o triunfo burguês como na Grã Bretanha O que tornou estes regimes ainda mais vulneráveis foi que eles estavam sujeitos a pressões de três lados das novas forças da arraigada e cada vez mais dura resistência dos interesses estabelecidos mais antigos e dos inimigos estrangeiros Seu ponto mais vulnerável era aquele em que as oposições do velho e do novo tendiam a coincidir nos movimentos autónomos das colónias ou províncias mais remotas ou sob controle menos firme Assim na monarquia dos Habsburgo as reformas de José II na década de 1780 produziram tumulto nos Países Baixos austríacos hoje Bélgica e um movimento revolucionário que em 1789 aliouse naturalmente ao movimento revolucionário francês Mais comumente as comunidades de colonizadores brancos nas colónias europeias de alémmar ressentiramse da política de seus governos centrais que subordinavam os interesses das colónias estritamente aos interesses metropolitanos Em todas as partes das Américas a espanhola a francesa e a inglesa bem como na Irlanda estes movimentos de colonizadores exigiam autonomia nem sempre para a instauração de regimes que representassem forças economicamente mais progressistas do que a metrópole e várias colónias britânicas obtiveramna pacificamente durante algum tempo como a Irlanda ou então por meios revolucionários como os EUA A expansão econômica o desenvolvimento das colónias e as tensões das reformas tentadas pelo despotismo esclarecido multiplicaram as oportunidades para esses conflitos nas décadas de 1770 e 1780 Em si mesma a dissidência colonial ou provinciana não foi fatal As velhas e estabelecidas monarquias podiam sobreviver à perda de uma província ou duas e a principal vítima da autonomia das colónias a GrãBretanha não sofria das fraquezas dos velhos regimes e portanto continuou tão estável e dinâmica como sempre apesar da revolução americana Eram poucas as regiões onde as condições puramente domésticas eram suficientes para uma maior transferência do poder O que tornou a situação explosiva foi a rivalidade internacional Assim mesmo porque a rivalidade internacional ou seja a guerra testava os recursos de um Estado como nenhum outro fator poderia fazêlo Quando não conseguiam passar por esse teste os Estados tremiam rachavam ou caíam Uma grande rivalidade desse tipo dominou a cena internacional europeia durante a maior parte do século XVIII e esteve no centro de seus repetidos períodos de guerra geral 16891713 17408 175663 177683 e chegando até o nosso período 17921815 Foi o conflito entre a GrãBretanha e a França que em certo sentido foi também o conflito entre os velhos e os novos regimes Já que a França embora tivesse despertado a hostilidade britânica com a rápida expansão de seu império e de seu comércio colonial era também a monarquia absoluta aristocrática mais poderosa eminente e influente em uma palavra a mais clássica Em nenhum outro fenómeno estava exemplificada de forma mais viva a superioridade da nova ordem social sobre a velha do que no conflito entre estas duas forças Pois a Inglaterra não só venceu com variados graus de determinação todas as guerras com a exceção de uma como ainda suportou o esforço de organizálas financiálas e desencadeálas com relativa facilidade A monarquia francesa por seu turno embora muito maior mais populosa e em termos de potencial de recursos mais rica que a britânica achou o esforço grande demais Após sua derrota na Guerra dos Sete Anos 175663 a revolta das colónias americanas deulhe a oportunidade de virar a mesa sobre o adversário A França aceitou o desafio E de fato no subseqüente conflito internacional a GrãBretanha saiu duramente derrotada perdendo a parte mais importante do seu império americano e a França aliada dos novos EUA saiu consequentemente vitoriosa Mas o custo foi excessivo e as dificuldades do governo francês levaram o país inevitavelmente a um período de crise política interna da qual seis anos mais tarde surgiria a Revolução VII Devemos ainda completar este levantamento preliminar do mundo às vésperas da dupla revolução com um exame das relações entre a Europa ou mais precisamente o noroeste da Europa e o resto do mundo O completo domínio político e militar do mundo pela Europa e seus prolongamentos ultramarinos as comunidades de colonização branca viria a ser o produto da era da dupla revolução Em fins do século XVIII várias das grandes civilizações e forças não europeias ainda se confrontavam com o colonizador o marujo e o soldado brancos em termos aparentemente iguais O grande império chinês então no auge de seu desenvolvimento sob a dinastia Manchu Ching não era vítima de ninguém Ao contrário o que se passava era que a corrente de influência cultural corria de leste para oeste e os filósofos europeus ponderavam sobre as lições daquela civilização tão diferente embora tão evoluída enquanto artistas e artesãos incorporavam a seus trabalhos os temas e motivos do Extremo Oriente frequentemente mal entendidos e adaptavam seus novos materiais porcelana para fins europeus As potências islâmicas embora como a Turquia periodicamente abaladas pelas forças militares de Estados europeus vizinhos a Áustria e sobretudo a Rússia estavam longe das tristes deformidades em que se transformariam no século XIX A África continuava virtualmente imune à penetração militar europeia Exceto em pequenas áreas próximas ao Cabo da Boa Esperança os brancos estavam confinados aos postos comerciais do litoral Ainda assim a rápida e sempre crescente expansão maciça do comércio e do empreendimento capitalista europeu minava a ordem social dessas civilizações na África com a intensidade sem precedentes do terrível tráfico de escravos em todo o Oceano Indico com a penetração das potências colonizadoras rivais e no Oriente Médio e Próximo através do comércio e do conflito militar Já então a conquista europeia direta começava a avançar de modo significativo para além da área há muito ocupada pela colonização pioneira dos espanhóis e dos portugueses no século XVI e pelos colonizadores brancos norteamericanos no século XVII O avanço decisivo foi feito pelos ingleses que já tinham estabelecido o controle territorial direto sobre parte da índia especialmente Bengala derrubando virtualmente o império Mughal passo que os levaria no período de que trata este livro a se tornarem administradores e governantes de toda a índia Já então a relativa fragilidade das civilizações não europeias quando confrontadas com a superioridade militar e tecnológica do Ocidente era previsível O que se chamou a era de Vasco da Gama ou seja os quatro séculos da história do mundo em que um punhado de Estados europeus e de forças capitalistas europeias estabeleceram um domínio completo embora temporário como é hoje evidente sobre o mundo inteiro estava para atingir seu clímax A dupla revolução estava a ponto de tornar irresistível a expansão europeia embora estivesse também a ponto de dar ao mundo não europeu as condições e o equipamento para seu eventual contraataque Capítulo Dois A Revolução Industrial Tais obras quaisquer que sejam seus funcionamentos causas e consequências têm infinito mérito e dão grande crédito aos talentos deste homem mui engenhoso e útil que terá o mérito de onde quer que vá fazer com que os homens pensem Livrese desta indiferença estúpida sonolenta e preguiçosa desta negligência indolente que prende os homens aos mesmos caminhos de seus antepassados sem indagação sem raciocínio e sem ambição e com certeza você estará fazendo o bem Que sequência de ideias que espírito de aplicação que massa e poder de esforço brotaram em todos os caminhos da vida das obras de homens como Brindley Watt Priestley Arkwright Em que caminho da vida pode estar um homem que não se sinta estimulado ao ver a máquina a vapor de Watt Arthur Young Viagens na Inglaterra e no País de Gales Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo Deste esgoto imundo jorra ouro puro Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade aqui a civilização faz milagres e o homem civilizado tornase quase um selvagem A de Toqueville Manchester 1835 I Comecemos com a revolução industrial isto é com a Inglaterra Este à primeira vista é um ponto de partida caprichoso pois as repercussões desta revolução não se fizeram sentir de uma maneira óbvia e inconfundível pelo menos fora da Inglaterra até bem o final do nosso período certamente não antes de 1830 provavelmente não antes de 1840 ou por essa época Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da sociedade capitalista por um mundo no qual todos os laços sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o papelmoeda no dizer de Carlyle A Comédie Humaine de Balzac o mais extraordinário monumento literário dessa ascensão pertence a esta década Até 1840 a grande corrente de literatura oficial e não oficial sobre os efeitos sociais da revolução industrial ainda não começara a fluir os Bluebooks e as averiguações estatísticas na Inglaterra o Tableau de létat physique et moral des ouvriers de Villermé a obra de Engels A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra o trabalho de Ducpetiaux na Bélgica e dezenas e dezenas de observadores surpresos ou assustados da Alemanha à Espanha e EUA Só a partir da década de 1840 é que o proletariado rebento da revolução industrial e o comunismo que se achava agora ligado aos seus movimentos sociais o espectro do Manifesto Comunista abriram caminho pelo continente O próprio nome de revolução industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa A coisa existia na Inglaterra antes do termo Os socialistas ingleses e franceses eles próprios um grupo sem antecessores só o inventaram por volta da década de 1820 provavelmente por analogia com a revolução política na França Ainda assim seria de bom alvitre considerála primeiro por duas razões Primeiro porque de fato ela explodiu usando a expressão como um axioma antes que a Bastilha fosse assaltada e segundo porque sem ela não podemos entender o vulcão impessoal da história sobre o qual nasceram os homens e acontecimentos mais importantes de nosso período e a complexidade desigual de seu ritmo O que significa a frase a revolução industrial explodiu Significa que a certa altura da década de 1780 e pela primeira vez na história da humanidade foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida constante e até o presente ilimitada de homens mercadorias e serviços Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a partida para o crescimento autosustentável Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que uma estrutura social préindustrial uma tecnologia e uma ciência deficientes e consequentemente o colapso a fome e a morte periódicas impunham à produção A partida não foi logicamente um desses fenómenos que como os terremotos e os cometas assaltam o mundo nãotécnico de surpresa Sua préhistória na Europa pode ser traçada dependendo do gosto do historiador e do seu particular interesse até cerca do ano 1000 de nossa era se não antes e tentativas anteriores de alçar vôo desajeitadas como as primeiras experiências dos patinhos foram exaltadas com o nome de revolução industrial no século XIII no XVI e nas últimas décadas do XVII A partir da metade do século XVIII o processo de acumulação de velocidade para partida é tão nítido que historiadores mais velhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760 Mas uma investigação cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760 pois foi então que até onde se pode distinguir todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina brusca e quase vertical para a partida A economia por assim dizer voava Chamar este processo de revolução industrial é lógico e está em conformidade com uma tradição bem estabelecida embora tenha sido moda entre os historiadores conservadores talvez devido a uma certa timidez face a conceitos incendiários negar sua existência e substituíla por termos banais como evolução acelerada Se a transformação rápida fundamental e qualitativa que se deu por volta da década de 1780 não foi uma revolução então a palavra não tem qualquer significado prático De fato a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim Não tem sentido perguntar quando se completou pois sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma deste então Ela ainda prossegue quando muito podemos perguntar quando as transformações econômicas chegaram longe o bastante para estabelecer uma economia substancialmente industrializada capaz de produzir em termos amplos tudo que desejasse dentro dos limites das técnicas disponíveis uma economia industrial amadurecida para usarmos o termo técnico Na GrãBretanha e portanto no mundo este período de industrialização inicial provavelmente coincide quase que exatamente com o período de que trata este livro pois se ele começou com a partida na década de 1780 podese dizer com certa acuidade que terminou com a construção das ferrovias e da indústria pesada na GrãBretanha na década de 1840 Mas a revolução mesma o ponto de partida pode provavelmente ser situada com a precisão possível em tais assuntos em certa altura dentro dos 20 anos que vão de 1780 a 1800 contemporânea da Revolução Francesa embora um pouco anterior a ela Sob qualquer aspecto este foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo pelo menos desde a invenção da agricultura e das cidades E foi iniciado pela Grã Bretanha É evidente que isto não foi acidental Se tivesse que haver uma disputa pelo pioneirismo da revolução industrial no século XVIII só haveria de fato um concorrente a dar a largada o grande avanço comercial e industrial de Portugal à Rússia fomentado pelos inteligentes e nem um pouco ingénuos ministros e servidores civis de todas as monarquias iluminadas da Europa todos eles tão preocupados com o crescimento econômico quanto os administradores de hoje em dia Alguns pequenos Estados e regiões de fato se industrializaram de maneira bem impressionante como por exemplo a Saxônia e a diocese de Liège embora seus complexos industriais fossem muito pequenos e localizados para exercer a mesma influência revolucionária mundial dos complexos britânicos Mas parece claro que até mesmo antes da revolução a GrãBretanha já estava no comércio e na produção per capita bastante à frente de seu maior competidor em potencial embora ainda comparável a ele em termos de comércio e produção totais Qualquer que tenha sido a razão do avanço britânico ele não se deveu à superioridade tecnológica e científica Nas ciências naturais os franceses estavam seguramente à frente dos ingleses vantagem que a Revolução Francesa veio acentuar de forma marcante pelo menos na matemática e na física pois ela incentivou as ciências na França enquanto que a reação suspeitava delas na Inglaterra Até mesmo nas ciências sociais os britânicos ainda estavam muito longe daquela superioridade que fez e em grande parte ainda faz da economia um assunto eminentemente anglosaxão mas a revolução industrial colocouos em um inquestionável primeiro lugar O economista da década de 1780 lia Adam Smith mas também e talvez com mais proveito os físiocratas e os contabilistas fiscais franceses Quesnay Turgot Dupont de Nemours Lavoisier e talvez um ou dois italianos Os franceses produziram inventos mais originais como o tear de Jacquard 1804 um aparelho mais complexo do que qualquer outro projetado na GrãBretanha e melhores navios Os alemães possuíam instituições de treinamento técnico como a Bergakademie prussiana que não tinham paralelo na GrãBretanha e a Revolução Francesa criou um corpo único e impressionante a Êcole Polytechnique A educação inglesa era uma piada de mau gosto embora suas deficiências fossem um tanto compensadas pelas duras escolas do interior e pelas universidades democráticas turbulentas e austeras da Escócia calvinista que lançavam uma corrente de jovens racionalistas brilhantes e trabalhadores em busca de uma carreira no sul do país James Watt Thomas Telford Loudon McAdam James Mill Oxford e Cambridge as duas únicas universidades inglesas eram intelectualmente nulas como o eram também as sonolentas escolas públicas com a exceção das Academias fundadas pelos Dissidentes Dissenters que foram excluídas do sistema educacional anglicano Até mesmo as famílias aristocráticas que desejavam educação para seus filhos confiavam em tutores e universidades escocesas Não havia qualquer sistema de educação primária antes que o Quaker Lancaster e depois dele seus rivais anglicanos lançasse uma espécie de alfabetização em massa elementar e realizada por voluntários no princípio do século XIX incidentalmente selando para sempre a educação inglesa com controvérsias sectárias Temores sociais desencorajavam a educação dos pobres Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram necessários para se fazer a revolução industrial Suas invenções técnicas foram bastante modestas e sob hipótese alguma estavam além dos limites de artesãos que trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades construtivas de carpinteiros moleiros e serralheiros a lançadeira o tear a fiadeira automática Nem mesmo sua máquina cientificamente mais sofisticada a máquina a vapor rotativa de James Watt 1784 necessitava de mais conhecimentos de física do que os disponíveis então há quase um século a teoria adequada das máquinas a vapor só foi desenvolvida ex post facto pelo francês Carnot na década de 1820 e podia contar com várias gerações de utilização prática de máquinas a vapor principalmente nas minas Dadas as condições adequadas as inovações técnicas da revolução industrial praticamente se fizeram por si mesmas exceto talvez na indústria química Isto não significa que os primeiros industriais não estivessem constantemente interessados na ciência e em busca de seus benefícios práticos Mas as condições adequadas estavam visivelmente presentes na GrãBretanha onde mais de um século se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental A solução britânica do problema agrário singularmente revolucionária já tinha sido encontrada na prática Uma relativa quantidade de proprietários com espírito comercial já quase monopolizava a terra que era cultivada por arrendatários empregando camponeses sem terra ou pequenos agricultores Um bocado de resquícios verdadeiras relíquias da antiga economia coletiva do interior ainda estava para ser removido pelos Decretos das Cercas Enclosure Acts e as transações particulares mas quase praticamente não se podia falar de um campesinato britânico da mesma maneira que um campesinato russo alemão ou francês As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado as manufaturas de há muito tinhamse disseminado por um interior não feudal A agricultura já estava preparada para levar a termo suas três funções fundamentais numa era de industrialização aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido crescimento fornecer um grande e crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias e fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia Duas outras funções eram provavelmente menos importantes na GrãBretanha a criação de um mercado suficientemente grande entre a população agrícola normalmente a grande massa do povo e o fornecimento de um excedente de exportação que contribuísse para garantir as importações de capital Um considerável volume de capital social elevado o caro equipamento geral necessário para toda a economia progredir suavemente já estava sendo criado principalmente na construção de uma frota mercante e de facilidades portuárias e na melhoria das estradas e vias navegáveis A política já estava engatada ao lucro As exigências específicas dos homens de negócios podiam encontrar a resistência de outros interesses estabelecidos e como veremos os proprietários rurais haviam de erguer uma última barreira para impedir o avanço da mentalidade industrial entre 1795 e 1846 No geral todavia o dinheiro não só falava como governava Tudo que os industriais precisavam para serem aceitos entre os governantes da sociedade era bastante dinheiro O homem de negócios estava sem dúvida engajado no processo de conseguir mais dinheiro pois a maior parte do século XVIII foi para grande parte da Europa um período de prosperidade e de cómoda expansão econômica o verdadeiro pano de fundo para o alegre otimismo do Dr Pangloss de Voltaire Podese muito bem argumentar que mais cedo ou mais tarde esta expansão acompanhada de uma pequena inflação teria empurrado algum país através do portal que separa a economia préindustrial da industrial Mas o problema não é tão simples A maior parte da expansão industrial do século XVIII não levou de fato e imediatamente ou dentro de um futuro previsível a uma revolução industrial isto é à criação de um sistema fabril mecanizado que por sua vez produz em quantidades tão grandes e a um custo tão rapidamente decrescente a ponto de não mais depender da demanda existente mas de criar o seu próprio mercado Por exemplo a indústria de construções ou as inúmeras indústrias de pequeno porte produtoras de objetos de metal para uso doméstico alfinetes vasilhas facas tesouras etc na Inglaterra central e na região de Yorkshire expandiramse grandemente neste período mas sempre em função do mercado existente Em 1850 embora tivessem produzido bem mais do que em 1750 o fizeram substancialmente de maneira antiquada O que era necessário não era um tipo qualquer de expansão mas sim o tipo especial de expansão que produziu Manchester ao invés de Birmingham Além disso as revoluções industriais pioneiras ocorreram em uma situação histórica especial em que o crescimento econômico surge de um acúmulo de decisões de incontáveis empresários e investidores particulares cada um deles governado pelo primeiro mandamento da época comprar no mercado mais barato e vender no mais caro Como poderiam eles descobrir que o lucro máximo devia ser detido com a organização da revolução industrial e não com atividades comerciais mais conhecidas e mais lucrativas no passado Como poderiam saber o que ninguém sabia até então que a revolução industrial produziria uma aceleração ímpar na expansão dos seus mercados Dado que as principais bases sociais de uma sociedade industrial tinham sido lançadas como quase certamente já acontecera na Inglaterra de fins do século XVIII duas coisas eram necessárias primeiro uma indústria que já oferecesse recompensas excepcionais para o fabricante que pudesse expandir sua produção rapidamente se necessário através de inovações simples e razoavelmente baratas e segundo um mercado mundial amplamente monopolizado por uma única nação produtora Estas considerações se aplicam em certos aspectos a todos os países nessa época Por exemplo em todos eles a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de consumo de massa principalmente mas não exclusivamente produtos têxteis porque o mercado para tais mercadorias já existia e os homens de negócios podiam ver claramente suas possibilidades de expansão Sob outros aspectos entretanto eles se aplicam somente à GrãBretanha pois os industriais pioneiros enfrentaram os problemas mais difíceis Uma vez iniciada a industrialização na GrãBretanha outros países podiam começar a gozar dos benefícios da rápida expansão econômica que a revolução industrial pioneira estimulava Além do mais o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela a técnica britânica podia ser imitada o capital e a habilidade britânica podiam ser importados A indústria têxtil saxônica incapaz de criar seus próprios inventos copiou os modelos ingleses às vezes com a supervisão de mecânicos ingleses os ingleses que tinham um certo gosto pelo continente como os Cockerill estabeleceramse na Bélgica e em várias partes da Alemanha Entre 1789 e 1848 a Europa e a América foram inundadas por especialistas máquinas a vapor maquinaria para processamento e transformação do algodão e investimentos britânicos A GrãBretanha não gozava dessas vantagens Por outro lado possuía uma economia bastante forte e um Estado suficientemente agressivo para conquistar os mercados de seus competidores De fato as guerras de 17381815 a última e decisiva fase do secular duelo anglofrancês virtualmente eliminaram do mundo não europeu todos os rivais dos britânicos exceto até certo ponto os jovens EUA Além do mais a GrãBretanha possuía uma indústria admiravelmente ajustada à revolução industrial pioneira sob condições capitalistas e uma conjuntura econômica que permitia que se lançasse à indústria algodoeira e à expansão colonial II A indústria algodoeira britânica como todas as outras indústrias algodoeiras tinha originalmente se desenvolvido como um subproduto do comércio ultramarino que produzia sua matériaprima ou melhor uma de suas matériasprimas pois o produto original era o fustão uma mistura de algodão e linho e os tecidos indianos de algodão ou chita que conquistaram os mercados que os fabricantes europeus tentariam ganhar com suas imitações Inicialmente eles não foram muito bem sucedidos embora melhor capacitados a reproduzir competitivamente as mercadorias grosseiras e baratas do que as finas e elaboradas Felizmente entretanto o velho e poderoso interesse estabelecido do comércio lanífero periodicamente assegurava proibições de importação de chitas indianas que o interesse puramente mercantil da Companhia das índias Orientais procurava exportar da índia nas maiores quantidades possíveis dando assim uma chance aos substitutos da indústria algodoeira nativa Mais barato que a lã o algodão e as misturas de algodão conquistaram um mercado doméstico pequeno porém útil Mas suas maiores chances de expansão rápida estavam no ultramar O comércio colonial tinha criado a indústria algodoeira e Continuava a alimentála No século XVIII ela se desenvolvera perto dos maiores portos coloniais Bristol Glasgow e especialmente Liverpool o grande centro do comércio de escravos Cada fase deste comércio desumano mas sempre em rápida expansão a estimulava De fato durante todo o período de que trata este livro a escravidão e o algodão marcharam juntos Os escravos africanos eram comprados pelo menos em parte com produtos de algodão indianos mas quando o fornecimento destas mercadorias era interrompido pela guerra ou uma revolta na índia ou arredores entrava em jogo a região de Lancashire As plantações das índias Ocidentais onde os escravos eram arrebanhados forneciam o grosso do algodão para a indústria britânica c em troca os plantadores compravam tecidos de algodão de Manchester em apreciáveis quantidades Até pouco antes da partida quase o total das exportações de algodão da região de Lancashire ia para os mercados americano e africano Mais tarde a região de Lancashire viria a pagar sua dívida com a escravidão preservandoa pois depois da década de 1790 as plantações escravagistas do sul dos Estados Unidos foram aumentadas e mantidas pelas insaciáveis e vertiginosas demandas das fábricas de Lancashire às quais forneciam o grosso da sua produção de algodão bruto A indústria algodoeira foi assim lançada como um planador pelo empuxo do comércio colonial ao qual estava ligada um comércio que prometia uma expansão não apenas grande mas rápida e sobretudo imprevisível que encorajou o empresário a adotar as técnicas revolucionárias necessárias para lhe fazer face Entre 1750 e 1769 a exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de dez vezes Assim a recompensa para o homem que entrou primeiro no mercado com as maiores quantidades de algodão era astronómica e valia os riscos da aventura tecnológica Mas o mercado ultramarino e especialmente as suas pobres e atrasadas áreas subdesenvolvidas não só se expandia de forma fantástica de tempos em tempos como também o fazia constantemente sem um limite aparente Sem dúvida qualquer pedaço dele considerado isoladamente era pequeno pelos padrões industriais e a competição de diferentes economias adiantadas o fez ainda menor Mas como já vimos supondo que qualquer uma das economias adiantadas conseguisse por um período suficientemente longo monopolizar todos ou quase todos os seus setores então suas perspectivas seriam realmente ilimitadas Foi precisamente o que conseguiu a indústria algodoeira britânica ajudada pelo agressivo apoio do governo nacional Em termos de vendas a revolução industrial pode ser descrita com a exceção dos primeiros anos da década de 1780 como a vitória do mercado exportador sobre o doméstico por volta de 1814 a GrãBretanha exportava cerca de quatro jardas de tecido de algodão para cada três usadas internamente e por volta de 1850 treze para cada oito E dentro deste mercado exportador em expansão por sua vez os mercados colonial e semicolonial por muito tempo os maiores pontos de vazão para os produtos britânicos triunfaram Durante as guerras napoleônicas quando os mercados europeus foram grandemente interrompidos pelas guerras e bloqueios econômicos isto era bastante natural Mas até mesmo depois das guerras eles continuaram a se afirmar Em 1820 a Europa mais uma vez aberta às livres importações da ilha adquiriu 128 milhões de jardas de tecidos de algodão britânicos a América fora os EUA a África e a Ásia adquiriram 80 milhões mas por volta de 1840 a Europa adquiriu 200 milhões de jardas enquanto as áreas subdesenvolvidas adquiriram 529 milhões Pois dentro destas áreas a indústria britânica tinha estabelecido um monopólio por meio de guerras revoluções locais e de seu próprio domínio imperial Duas regiões merecem particular atenção A América Latina veio realmente depender de importações britânicas durante as guerras napoleônicas e depois que se separou de Portugal e Espanha vide capítulos 61 e 131 adiante tornouse quase que totalmente dependente economicamente da GrãBretanha sendo afastada de qualquer interferência política dos seus possíveis competidores europeus Por volta de 1820 as importações de tecidos de algodão ingleses feitas por este empobrecido continente já equivaliam a mais de umquarto das importações europeias do mesmo produto britânico por volta de 1840 adquiriu o equivalente quase à metade do que importou a Europa As índias Orientais haviam sido como vimos o exportador tradicional de tecidos de algodão encorajada pela Companhia das índias Orientais Mas como o interesse industrial estabelecido prevaleceu na GrãBretanha os interesses mercantis da índia Oriental para não mencionar os dos próprios indianos foram empurrados para trás A índia foi sistematicamente desindustrializada e passou de exportador a mercado para os produtos de algodão da região de Lancashire em 1820 o subcontinente adquiriu somente 11 milhões de jardas mas por volta de 1840 já adquiria 145 milhões Isto não era meramente uma extensão gratificante dos mercados de Lancashire Era um grande marco na história mundial Pois desde a aurora dos tempos a Europa tinha sempre importado mais do Oriente do que exportado para lá porque havia pouca coisa que o Oriente necessitava do Ocidente em troca das especiarias sedas chitas jóias etc que lhe enviava Os panos de algodão da revolução industrial inverteram pela primeira vez esta relação que tinha até então se mantido em equilíbrio por uma mistura de exportações de lingotes e roubo Somente os autosuficientes e conservadores chineses ainda se recusavam a comprar o que o Ocidente ou as economias controladas pelo Ocidente oferecia até que entre 1815 e 1842 comerciantes ocidentais auxiliados pelas canhoneiras ocidentais descobrissem uma mercadoria ideal que podia ser exportada em massa da Índia para o Extremo Oriente o ópio O algodão portanto fornecia possibilidades suficientemente astronómicas para tentar os empresários privados a se lançarem na aventura da revolução industrial e também uma expansão suficientemente rápida para tornála uma exigência Felizmente ele também fornecia as outras condições que a tornaram possível Os novos inventos que o revolucionaram a máquina de fiar o tear movido a água a fiadeira automática e um pouco mais tarde o tear a motor eram suficientemente simples e baratos e se pagavam quase que imediatamente em termos de maior produção Podiam ser instalados se necessário peça por peça por homens que começavam com algumas librai emprestadas já que os homens que controlavam as maiores fatias da riqueza do século XVIII não estavam muito inclinados a investir grandes somas na indústria A expansão da indústria podia ser facilmente financiada através dos lucros correntes pois a combinação de suas vastas conquistas de mercado com uma constante inflação dos preços produzia lucros fantásticos Não foram os 5 ou 10 diria mais tarde um político inglês com justiça mas as centenas ou os milhares por cento que fizeram as fortunas de Lancashire Em 1789 um exajudante de um vendedor de tecidos como Robert Owen podia iniciar com um empréstimo de 100 libras em Manchester por volta de 1809 ele comprou a parte de seus sócios nas fábricas de New Lanark por 84 mil libras em dinheiro vivo E seu sucesso nos negócios foi relativamente modesto Deve se lembrar que por volta de 1800 menos de 15 das famílias britânicas tinham uma renda superior a 50 libras por ano e destas somente umquarto ganhava mais de 200 libras por ano Mas a indústria do algodão tinha outras vantagens Toda a sua matériaprima vinha do exterior e seu suprimento podia portanto ser expandido pelos drásticos métodos que se ofereciam aos brancos nas colónias a escravidão e a abertura de novas áreas de cultivo em vez dos métodos mais lentos da agricultura europeia nem era tampouco atrapalhada pelos interesses agrários estabelecidos da Europa A partir da década de 1790 o algodão britânico encontrou seu suprimento ao qual permaneceram ligadas suas fortunas até a década de 1860 nos novos estados sulistas dos EUA De novo em pontos cruciais da indústria notadamente na fiação o algodão sofreu uma escassez de mãodeobra eficiente e barata e foi portanto levado à mecanização Uma indústria como a do linho que inicialmente tinha chances bem melhores de expansão colonial do que o algodão passou a sofrer com o correr do tempo da própria facilidade com que a produção não mecanizada e barata podia ser expandida nas empobrecidas regiões camponesas principalmente na Europa Central mas também na Irlanda onde basicamente havia florescido Pois a maneira óbvia de se expandir a indústria no século XVIII tanto na Saxônia e na Normandia como na Inglaterra não era construir fábricas mas sim o chamado sistema doméstico no qual os trabalhadores em alguns casos antigos artesãos independentes em outros antigos camponeses com tempo de sobra nas estações estéreis do ano trabalhavam a matériaprima em suas próprias casas com ferramentas próprias ou alugadas recebendoa e entregandoa de volta aos mercadores que estavam a caminho de se tornarem patrões De fato tanto na GrãBretanha como no resto do mundo economicamente progressista o grosso da expansão no período inicial da industrialização continuou a ser deste tipo Até mesmo na indústria algodoeira processos do tipo tecelagem eram expandidos pela criação de multidões de teares manuais domésticos para servir aos núcleos de fiações mecanizados sendo que o primitivo tear manual era um dispositivo mais eficiente que a roca Em toda parte a tecelagem foi mecanizada uma geração após a fiação e em toda parte incidentalmente os teares manuais foram morrendo vagarosamente ocasionalmente se rebelando contra seu terrível destino quando a indústria não mais necessitava deles III A perspectiva tradicional que viu a história da revolução industrial britânica primordialmente em termos de algodão é portanto correta A primeira indústria a se revolucionar foi a do algodão e é difícil perceber que outra indústria poderia ter empurrado um grande número de empresários particulares rumo à revolução Até a década de 1830 o algodão era a única indústria britânica em que predominava a fábrica ou o engenho o nome derivouse do mais difundido estabelecimento préindustrial a empregar pesada maquinaria a motor a princípio 17801815 principalmente na fiação na cardação e em algumas operações auxiliares depois de 1815 também cada ver mais na tecelagem As fábricas de que tratavam os novos Decretos Fabris eram até a década de 1860 entendidas exclusivamente em termos de fábricas têxteis e predominantemente em termos de engenhos algodoeiros A produção fabril em outros ramos têxteis teve desenvolvimento lento antes da década de 1840 e em outras manufaturas seu desenvolvimento foi desprezível Nem mesmo a máquina a vapor embora aplicada a numerosas outras indústrias por volta de 1815 era usada fora da mineração que a tinha empregado pioneiramente Em 1830 a indústria e a fábrica no sentido moderno ainda significavam quase que exclusivamente as áreas algodoeiras do Reino Unido Com isto não se pretende subestimar as forças que introduziram a inovação industrial em outras mercadorias de consumo notadamente outros produtos têxteis alimentos e bebidas cerâmica e outros produtos de uso doméstico grandemente estimuladas pelo rápido crescimento das cidades Mas para começar estas indústrias empregavam muito menos pessoal nenhuma se aproximava sequer remotamente do milhão e meio de pessoas empregadas diretamente na indústria algodoeira ou dela dependentes em 1833 Em segundo lugar seu poder de transformação era muito menor a cervejaria que era em muitos aspectos um negócio técnica e cientificamente muito mais avançado e mecanizado e que se revolucionou muito antes da indústria algodoeira pouco afetou a economia à sua volta como pode ser provado pela grande cervejaria Guinness em Dublin que deixou o resto de Dublin e da economia irlandesa embora não o paladar local idênticos ao que eram antes de sua construção As exigências que se derivaram do algodão mais construções e todas as atividades nas novas áreas industriais máquinas inovações químicas eletrificação industrial uma frota mercante e uma série de outras atividades foram bastantes para que se credite a elas uma grande proporção do crescimento econômico da GrãBretanha até a década de 1830 Em terceiro lugar a expansão da indústria algodoeira foi tão vasta e seu peso no comércio exterior da GrãBretanha tão grande que dominou os movimentos de toda a economia A quantidade de algodão em bruto importada pela GrãBretanha subiu de 11 milhões de libraspeso em 1785 para 588 milhões em 1850 a produção de tecidos de 40 milhões para 2025 bilhões de jardas Os produtos de algodão constituíam entre 40 e 50 do valor anual declarado de iodas as exportações britânicas entre 1816 e 1848 Se o algodão florescia a economia florescia se ele caía também caía a economia Suas oscilações de preço determinavam a balança do comércio nacional Só a agricultura tinha um poder comparável e no entanto estava em visível declínio Não obstante embora a expansão da indústria algodoeira e da economia industrial dominada pelo algodão zombasse de tudo o que a mais romântica das imaginações poderia ter anteriormente concebido sob qualquer circunstância seu progresso estava longe de ser tranquilo e por volta da década de 1830 e princípios de 1840 produzia grandes problemas de crescimento para não mencionarmos a agitação revolucionária sem paralelo em qualquer outro período da história britânica recente Esse primeiro tropeço geral da economia capitalista industrial reflete se numa acentuada desaceleração no crescimento talvez até mesmo um declínio da renda nacional britânica nesse período Essa primeira crise geral do capitalismo não foi puramente um fenómeno britânico Suas mais sérias consequências foram sociais a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento os ingredientes da revolução social E de fato a revolução social eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades produzindo as revoluções de 1848 no continente c os amplos movimentos cartistas na GrãBretanha O descontentamento não estava ligado apenas aos trabalhadores pobres Os pequenos comerciantes sem saída a pequena burguesia setores especiais da economia eram também vítimas da revolução industrial e de suas ramificações Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos problemas mas um grande e surpreendente número de homens de negócios e fazendeiros ingleses simpatizava profundamente com estas atividades dos seus trabalhadores luditas porque também eles se viam como vítimas da minoria diabólica de inovadores egoístas A exploração da mão deobra que mantinha sua renda a nível de subsistência possibilitando aos ricos acumularem os lucros que financiavam a industrialização e seus próprios e amplos confortos criava um conflito com o proletariado Entretanto um outro aspecto desta diferença de renda nacional entre pobres e ricos entre o consumo c o investimento também trazia contradições com o pequeno empresário Os grandes financistas a fechada comunidade de capitalistas nacionais e estrangeiros que embolsava o que todos pagavam em impostos cf capítulo sobre a guerra cerca de 8 de toda a renda nacional eram talvez ainda mais impopulares entre os pequenos homens de negócios fazendeiros e outras categorias semelhantes do que entre os trabalhadores pois sabiam o suficiente sobre dinheiro e crédito para sentirem uma ira pessoal por suas desvantagens Tudo corria muito bem para os ricos que podiam levantar todos os créditos de que necessitavam para provocar na economia uma deflação rígida e uma ortodoxia monetária depois das guerras napoleônicas era o pequeno que sofria e que em todos os países e durante todo o século XIX exigia crédito fácil e financiamento flexível Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedade partilhavam portanto dos mesmos descontentamentos Estes descontentamentos por sua vez uniamnos nos movimentos de massa do radicalismo da democracia ou da república cujos exemplares mais formidáveis entre 1815 e 1848 foram os radicais britânicos os republicanos franceses e os democratas jacksonianos americanos Do ponto de vista dos capitalistas entretanto estes problemas sociais só eram relevantes para o progresso da economia se por algum terrível acidente viessem a derrubar a ordem social Por outro lado parecia haver certas falhas inerentes ao processo econômico que ameaçavam seu objetivo fundamental o lucro Se a taxa de retorno do capital se reduzisse a zero uma economia em que os homens produziam apenas para ter lucro diminuiria o passo até um estágio estacionário que os economistas pressentiam e temiam Destas as três falhas mais óbvias eram o ciclo comercial de boom e depressão a tendência de diminuição da taxa de lucro e o que vinha a dar no mesmo a escassez de oportunidades de investimento lucrativo A primeira não era considerada séria exceto pelos críticos do capitalismo como tal que foram os primeiros a investigála e a considerála parte integrante do processo econômico capitalista e como sintoma de suas contradições inerentes As crises periódicas da economia que levavam ao desemprego quedas na produção bancarrotas etc eram bem conhecidas No século XVIII elas geralmente refletiam alguma catástrofe agrária fracassos na colheita etc e já se provou que no continente europeu os distúrbios agrários foram a causa primordial das maiores depressões até o final de nosso período As crises periódicas nos pequenos setores manufatureiros e financeiros da economia eram também conhecidas na Grã Bretanha pelo menos desde 1793 Depois das guerras napoleônicas o drama periódico do boom e da depressão em 18256 em 18367 em 183942 em 18468 dominou claramente a vida econômica da nação em tempos de paz Por volta da década de 1830 uma época crucial no período histórico que estudamos mais ou menos se reconhecia que as crises eram fenómenos periódicos regulares ao menos no comércio e nas finanças Entretanto os homens de negócios comumente consideravam que as crises eram causadas ou por enganos particulares p ex superespeculação nas bolsas americanas ou então por interferência externa nas tranquilas atividades da economia capitalista Não se acreditava que elas refletissem quaisquer dificuldades fundamentais do sistema O mesmo não ocorria com a decrescente margem de lucros que a indústria algodoeira ilustrava de maneira bastante clara Inicialmente esta indústria beneficiouse de imensas vantagens A mecanização aumentou muito a produtividade isto é reduziu o custo por unidade produzida da mãodeobra que de qualquer forma recebia salários abomináveis já que era formada em grande parte por mulheres c crianças Dos 12 mil trabalhadores nas indústrias algodoeiras de Glasgow em 1833 somente 2 mil ganhavam uma média de mais de 11 shillings por semana Em 131 fábricas de Manchester os salários médios eram de menos de 12 shillings e somente em 21 eram mais altos E a construção de fábricas era relativamente barata em 1846 uma fábrica inteira de tecelagem com 410 máquinas incluindo o custo do terreno c dos prédios podia ser construída por aproximadamente 11 mil libras Mas acima de tudo o maior gasto relativo à matériaprima foi drasticamente diminuído pela rápida expansão do cultivo do algodão no sul dos EUA depois da invenção do descaroçador de algodão de Eli Whitney em 1793 Se acrescentarmos que os empresários gozavam do benefício de uma inflação sobre o lucro isto é a tendência geral dos preços de serem mais altos quando vendiam seus produtos do que quando os faziam compreenderemos porque as classes manufatureiras se sentiam animadas Depois de 1815 estas vantagens começaram a diminuir cada vez mais devido à redução da margem de lucros Em primeiro lugar a revolução industrial e a competição provocaram uma queda dramática e constante no preço dos artigos acabados mas não em vários custos de produção Em segundo lugar depois de 1815 a situação geral dos preços era de deflação e não de inflação ou seja os lucros longe de um impulso extra sofriam um leve retrocesso Assim enquanto em 1784 o preço de venda de uma librapeso de fio duplo fora de 10 shillings e 11 pence e o custo da matériaprima 2 shillings margem 8 shillings e 11 pence em 1812 seu preço era de 2 shillings e 6 pence e o custo da matériaprima 1 shilling e 6 pence margem de 1 shilling caindo em 1832 respectivamente para 1114 pence e 7 12 pence reduzindo a 4 pence a margem para outros custos e lucros Claro a situação que era geral em toda a indústria tanto a britânica como as outras não era muito trágica Os lucros ainda são suficientes escreveu em 1835 o historiador e campeão do algodão em mais do que um eufemismo para permitir um grande acúmulo de capital na manufatura Assim como as vendas totais cresceram vertiginosamente também cresceram os lucros totais mesmo em suas taxas decrescentes Tudo o que se precisava era uma expansão astronómica e contínua Não obstante parecia que o encolhimento das margens de lucro tinha que ser contido ou ao menos desacelerado Isto não podia ser feito através do corte nos custos E de todos os custos os salários que McCulloch calculou em três vezes o montante anual da matériaprima eram os mais comprimíveis Eles podiam ser comprimidos pela simples diminuição pela substituição de trabalhadores qualificados mais caros e pela competição da máquina com a mãodeobra que reduziu o salário médio semanal dos tecelões manuais em Bolton de 33 shillings em 1795 e 14 shillings em 1815 para 5 shillings e 6 pence ou mais precisamente uma renda líquida de 4 shillings 1 12 pence em 182934 E de fato os salários caíram brutalmente no período pósnapoleônico Mas havia um limite fisiológico nessas reduções caso contrário os trabalhadores morreriam de fome como de fato aconteceu com 500 mil tecelões manuais Somente se o custo de vida caísse podiam também os salários cair além daquele limite Os fabricantes de algodão partilhavam o ponto de vista de que o custo de vida era mantido artificialmente alto pelo monopólio da propriedade fundiária piorado ainda pelas pesadas tarifas protetoras que um Parlamento de proprietários de terra tinha assegurado às atividades agrícolas britânicas depois das guerras as Leis do Trigo Corn Laws Essa legislação protecionista tinha ainda a desvantagem adicional de ameaçar o crescimento essencial das exportações britânicas Pois se o resto do mundo ainda não industrializado era impedido de vender seus produtos agrícolas como poderia pagar pelas mercadorias manufaturadas que só a GrãBretanha podia e tinha para fornecer O mundo empresarial de Manchester tornouse portanto o centro da oposição cada vez mais desesperada e militante aos proprietários de terras em geral e às Leis do Trigo em particular constituindo a coluna vertebral da Liga Contra as Leis do Trigo de 183846 Mas as Leis só foram abolidas em 1846 e sua abolição não levou imediatamente a uma queda no custo de vida sendo duvidoso que antes da era das ferrovias e dos navios a vapor mesmo importações livres de alimentos o tivessem feito baixar A indústria estava assim sob uma enorme pressão para que se mecanizasse isto é baixasse os custos através da diminuição da mãodeobra racionalizasse e aumentasse a produção e as vendas compensando com uma massa de pequenos lucros por unidade a queda nas margens Seu sucesso foi variável Como vimos o crescimento real da produção e das exportações foi gigantesco bem como depois de 1815 a mecanização das ocupações até então manuais ou parcialmente mecanizadas notadamente a tecelagem Isto tomou a forma principalmente de uma adoção geral da maquinaria já existente ou ligeiramente melhorada ao invés de uma revolução tecnológica adicional Embora a pressão por uma inovação técnica aumentasse significativamente havia 39 patentes novas na fiação e em outros processos da indústria do algodão em 180020 51 na década de 1820 86 na década de 1830 c 156 na de 1840 a indústria algodoeira britânica se achava tecnicamente estabilizada por volta da década de 1830 Por outro lado embora a produção por trabalhador tivesse aumentado no período pósnapoleônico isto não se deu em uma escala revolucionária A aceleração realmente substancial das operações da indústria iria ocorrer na segunda metade do século Havia uma pressão semelhante sobre o índice de rentabilidade do capital que a teoria contemporânea tendeu a identificar com o lucro Mas esta consideração levanos à fase seguinte do desenvolvimento industrial a construção de uma indústria básica de bens de capital IV É evidente que nenhuma economia industrial podese desenvolver além de um certo ponto se não possui uma adequada capacidade de bens de capital Eis por que até mesmo hoje o mais abalizado índice isolado para se avaliar o potencial industrial de qualquer país é a quantidade de sua produção de ferro e aço Mas é também evidente que num sistema de empresa privada o investimento de capital extremamente dispendioso que se faz necessário para a maior parte deste desenvolvimento não é assumido provavelmente pelas mesmas razões que a industrialização do algodão ou outros bens de consumo Para estes já existe um mercado de massa ao menos potencialmente mesmo os homens mais primitivos usam camisas ou equipamentos domésticos e alimentos O problema resumese meramente em como colocar um mercado suficientemente vasto de maneira suficientemente rápida ao alcance dos homens de negócios Mas não existe um mercado desse tipo por exemplo para pesados equipamentos de ferro ou vigas de aço Ele só passa a existir no curso de uma revolução industrial e os que colocaram seu dinheiro nos altíssimos investimentos exigidos até por metalúrgicas bem modestas em comparação com enormes engenhos de algodão são antes especuladores aventureiros e sonhadores do que verdadeiros homens de negócios De fato na França uma seita de aventureiros desse tipo que especulavam em tecnologia os saintsimonianos cf capítulos 9II e 1311 agia como principal propagadora do tipo de industrialização que necessitava de pesados investimentos a longo prazo Estas desvantagens aplicavamse particularmente à metalurgia e especialmente à do ferro Sua capacidade aumentou graças a algumas inovações simples como a pudelagem e a laminação na década de 1780 mas a demanda civil da metalurgia permanecia relativamente modesta e a militar embora compensadoramente vasta graças a uma sucessão de guerras entre 1756 e 1815 diminuiu vertiginosamente depois de Waterloo Certamente não era grande o bastante para fazer da GrãBretanha um enorme produtor de ferro Em 1790 a produção britânica suplantou a da França em somente 40 se tanto e mesmo em 1800 era consideravelmente menor que a metade de toda a produção do continente chegando segundo padrões posteriores apenas à diminuta quantidade de 250 mil toneladas Na verdade a produção britânica de ferro comparada à produção mundial tendeu a afundar nas décadas seguintes Felizmente essas desvantagens afetavam menos a mineração que era principalmente a do carvão pois o carvão tinha a vantagem de ser não somente a principal fonte de energia industrial do século XIX como também um importante combustível doméstico graças em grande parte à relativa escassez de florestas na GrãBretanha O crescimento das cidades especialmente de Londres tinha causado uma rápida expansão da mineração do carvão desde o final do século XVI Por volta de princípios do século XVIII a indústria do carvão era substancialmente uma moderna indústria primitiva mesmo empregando as mais recentes máquinas a vapor projetadas para fins semelhantes na mineração de metais nãoferrosos principalmente na Cornuália nos processos de bombeamento Portanto a mineração do carvão quase não exigiu nem sofreu uma importante revolução tecnológica no período que focalizamos Suas inovações foram antes melhorias do que transformações da produção Mas sua capacidade já era imensa e pelos padrões mundiais astronómica Em 1800 a GrãBretanha deve ter produzido perto de 10 milhões de toneladas de carvão ou cerca de 90 da produção mundial Seu competidor mais próximo a França produziu menos de um milhão Esta imensa indústria embora provavelmente não se expandindo de forma suficientemente rápida rumo a uma industrialização realmente maciça em escala moderna era grande o bastante para estimular a invenção básica que iria transformar as indústrias de bens de capital a ferrovia Pois as minas não só necessitavam de máquinas a vapor em grande quantidade e de grande potência mas também de meios de transporte eficientes para trazer grandes quantidades de carvão do fundo das minas até a superfície e especialmente para leválas da superfície aos pontos de embarque A linha férrea ou os trilhos sobre os quais corriam os carros era uma resposta óbvia acionar estes carros por meio de máquinas era tentador acionálos ainda por meio de máquinas móveis não parecia muito impossível Finalmente os custos do transporte terrestre de grandes quantidades de mercadoria eram tão altos que provavelmente os donos de minas de carvão localizadas no interior perceberam que o uso desse meio de transporte de curta distância podia ser estendido lucrativamente para longos percursos A linha entre o campo de carvão de Durham e o litoral StocktonDarlington 1825 foi a primeira das modernas ferrovias Tecnologicamente a ferrovia é filha das minas e especialmente das minas de carvão do norte da Inglaterra George Stephenson começou a vida como maquinista em Tyneside e durante anos todos os condutores de locomotivas foram recrutados nesse campo de carvão Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular Mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra por volta de 182530 e planos para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental embora sua execução fosse geralmente retardada As primeiras pequenas linhas foram abertas nos EUA em 1827 na França em 1828 e 1835 na Alemanha e na Bélgica em 1835 e até na Rússia em 1837 Indubitavelmente a razão é que nenhuma outra invenção revelava para o leigo de forma tão cabal o poder e a velocidade da nova era a revelação fezse ainda mais surpreendente pela incomparável maturidade técnica mesmo das primeiras ferrovias Velocidades de até 60 milhas 96 quilómetros por hora por exemplo eram perfeitamente praticáveis na década de 1830 e não foram substancialmente melhoradas pelas posteriores ferrovias a vapor A estrada de ferro arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça à velocidade do vento através de países e continentes com suas obras de engenharia estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia De fato sob um ponto de vista econômico seu grande custo era sua principal vantagem Sem dúvida no final das contas sua capacidade para abrir países até então isolados do mercado mundial pelos altos custos de transporte assim como o enorme aumento da velocidade e da massa de comunicação por terra que possibilitou aos homens e às mercadorias vieram a ser de grande importância Antes de 1848 as ferrovias eram economicamente menos importantes fora da GrãBretanha porque as ferrovias eram poucas na GrãBretanha porque devido a razões geográficas os problemas de transporte eram muito mais fáceis de resolver do que em países com enormes territórios Mas na perspectiva dos estudiosos do desenvolvimento econômico a esta altura era mais importante o imenso apetite das ferrovias por ferro e aço carvão maquinaria pesada mãodeobra e investimentos de capital Pois propiciava justamente a demanda maciça que se fazia necessária para as indústrias de bensdecapital se transformarem tão profundamente quanto a indústria algodoeira Nas primeiras duas décadas das ferrovias 183050 a produção de ferro na GrãBretanha subiu de 680 mil para 2250000 toneladas em outras palavras triplicou A produção de carvão entre 1830 e 1850 também triplicou de 15 milhões de toneladas para 49 milhões Este enorme crescimento deveuse prioritariamente à ferrovia pois em média cada milha de linha exigia 300 toneladas de ferro só para os trilhos Os avanços industriais que pela primeira vez tornaram possível a produção em massa de aço decorreriam naturalmente nas décadas seguintes A razão para esta expansão rápida imensa e de fato essencial estava na paixão aparentemente irracional com que os homens de negócios e os investidores atiraramse à construção de ferrovias Em 1830 havia cerca de algumas dezenas de quilómetros de ferrovias em todo o mundo consistindo basicamente na linha LiverpoolManchester Por volta de 1840 havia mais de 7 mil quilómetros por volta de 1850 mais de 37 mil A maioria delas foi projetada numas poucas explosões de loucura especulativa conhecidas como as coqueluches ferroviárias de 18357 e especialmente de 18447 e a maioria foi construída em grande parte com capital ferro máquinas e tecnologia britânicos Estas explosões de investimento parecem irracionais porque de fato poucas ferrovias eram muito mais lucrativas para o investidor do que outras formas de empresa a maioria produzia lucros bem modestos e muitas nem chegavam a dar lucro em 1855 a rentabilidade média do capital aplicado nas ferrovias britânicas era de apenas 37 Sem dúvida os agentes financeiros especuladores e outros se saíram muito bem mas não o investidor comum E ainda assim por volta de 1840 28 milhões de libras foram esperançosamente investidas em ferrovias e por volta de 1850 240 milhões de libras Por quê O fato fundamental na GrãBretanha nas primeiras duas gerações da revolução industrial foi que as classes ricas acumulavam renda tão rapidamente e em tão grandes quantidades que excediam todas as possibilidades disponíveis de gasto e investimento O excedente anual aplicável na década de 1840 foi calculado em cerca de 60 milhões de libras Sem dúvida as sociedades aristocráticas e feudais teriam conseguido gastar uma parte considerável desse excedente em uma vida desregrada prédios luxuosos e outras atividades não econômicas Até mesmo na GrãBretanha o sexto Duque de Devonshire cuja renda normal era realmente principesca conseguiu deixar para seu herdeiro dívidas de 1 milhão de libras em meados do século XIX que ele pagou tomando emprestado mais 1 milhão e 500 mil libras e especulando sobre os valores de terrenos Mas o grosso das classes médias que constituíam o principal público investidor ainda era dos que economizavam e não dos que gastavam embora haja muitos sinais de que por volta de 1840 eles se sentissem suficientemente ricos tanto para gastar como para investir Suas esposas se transformaram em madames instruídas pelos manuais de etiquetas que se multiplicavam neste período suas capelas começaram a ser reconstruídas em estilos grandiosos e caros e começaram mesmo a celebrar sua glória coletiva construindo monstruosidades cívicas como esses horrendos town halls imitando os estilos gótico e renascentista cujo custo exato e napoleônico os historiadores municipais registraram com orgulho Uma moderna sociedade de bemestar social welfare ou socialista teria sem dúvida distribuído alguns destes vastos acúmulos para fins sociais No período que focalizamos nada era menos provável Virtualmente livres de impostos as classes médias continuaram portanto a acumular em meio a um populacho faminto cuja fome era o reverso daquela acumulação E como não eram camponeses satisfeitos em socar suas economias em meias de lã ou convertêlas em braceletes de ouro tinham que encontrar investimentos lucrativos Mas onde As indústrias existentes por exemplo tinhamse tornado demasiadamente baratas para absorver mais que uma fração do excedente disponível para investimento mesmo supondo que o tamanho da indústria algodoeira fosse duplicado o custo do capital absorveria só uma parte dele Era necessário uma esponja bastante grande para absorver tudo O investimento estrangeiro era uma possibilidade óbvia O resto do mundo para começar basicamente velhos governos em busca de uma recuperação das guerras napoleônicas e novos governos tomando emprestado com seus costumeiros ímpetos e liberalidades para fins indeterminados estava muito ansioso por empréstimos ilimitados O investidor inglês emprestava prontamente Mas os empréstimos aos sulamericanos que pareciam tão promissores na década de 1820 e aos norteamericanos que acenavam na década de 1830 transformaramse frequentemente em pedaços de papel sem valor de 25 empréstimos a governos estrangeiros concedidos entre 1818 e 1831 16 correspondendo a cerca da metade dos 42 milhões de libras esterlinas a preços de emissão estavam sem pagamento em 1831 Em teoria estes empréstimos deviam ter rendido aos investidores 7 ou 9 de juros quando na verdade em 1831 rendiam uma média de apenas 31 Quem não se sentiria desencorajado por experiências como a dos empréstimos a 5 feitos aos gregos em 1824 e 1825 e que só começaram a pagar juros na década de 1870 Logo é natural que o capital investido no exterior nos bom especulativos de 1825 e 18357 procurasse uma aplicação aparentemente menos decepcionante John Francis observando a mania de 1851 assim descreveu o homem rico ele via o acúmulo da riqueza com o qual um povo industrializado sempre sobrepuja os métodos comuns de investimento empregado de forma legítima e justa O dinheiro que em sua juventude tinha sido gasto em empréstimos de guerra e em sua maturidade nas minas sulamericanas estava agora construindo estradas empregando mãodeobra e incrementando os negócios A absorção de capital pela ferrovia era no mínimo uma absorção se mal sucedida no país que a efetuava Contrariamente às minas estrangeiras e aos empréstimos estrangeiros não podia ser exaurida ou ficar totalmente sem valor Se uma outra forma de investimento doméstico podia ter sido encontrada por exemplo na construção é uma questão académica para a qual a resposta permanece em dúvida De fato o capital encontrou as ferrovias que não podiam ter sido construídas tão rapidamente e em tão grande escala sem essa torrente de capital especialmente na metade da década de 1840 Era uma conjuntura feliz pois de imediato as ferrovias resolveram virtualmente todos os problemas do crescimento econômico V Traçar o ímpeto da industrialização é somente uma parte da tarefa deste historiador A outra é traçar a mobilização e a transferência de recursos econômicos a adaptação da economia e da sociedade necessárias para manter o novo curso revolucionário O primeiro e talvez mais crucial fator que tinha que ser mobilizado e transferido era o da mãodeobra pois uma economia industrial significa um brusco declínio proporcional da população agrícola isto é rufai e um brusco aumento da população não agrícola isto é crescentemente urbana e quase certamente como no período em apreço um rápido aumento geral da população o que portanto implica em primeira instância um brusco crescimento no fornecimento de alimentos principalmente da agricultura doméstica ou seja uma revolução agrícola O rápido crescimento das cidades e dos agrupamentos não agrícolas na GrãBretanha tinha há muito tempo estimulado naturalmente a agricultura que felizmente é tão ineficiente em suas formas préindustriais que melhorias muito pequenas como uma racional atençãozinha à criação doméstica ao revezamento das safras à fertilização e à disposição dos terrenos de cultivo ou a adoção de novas safras podem produzir resultados desproporcionalmente grandes Essa mudança agrícola tinha precedido a revolução industrial e tornou possível os primeiros estágios de rápidos aumentos populacionais e o ímpeto naturalmente continuou embora as atividades agrícolas britânicas tivessem sofrido pesadamente com a queda que se seguiu aos preços anormalmente altos das guerras napoleônicas Em termos de tecnologia e de investimento de capital as mudanças de nosso período foram provavelmente bastante modestas até a década de 1840 o período em que se pode dizer que a ciência e a engenharia agrícolas atingiram a maturidade O vasto aumento na produção que capacitou as atividades agrícolas britânicas na década de 1830 a fornecer 98 dos cercais consumidos por uma população duas a três vezes maior que a de meados do século XVIII foi obtido pela adoção geral de métodos descobertos no início do século XVIII pela racionalização e pela expansão da área cultivada Tudo isto por sua vez foi obtido pela transformação social e não tecnológica pela liquidação com o Movimento das Cercas do cultivo comunal da Idade Média com seu campo aberto e seu pasto comum da cultura de subsistência e de velhas atitudes não comerciais em relação à terra Graças à evolução preparatória dos séculos XVI a XVIII esta solução radical única do problema agrário que fez da GrãBretanha um país de alguns grandes proprietários um número moderado de arrendatários comerciais e um grande número de trabalhadores contratados foi conseguida com um mínimo de problemas embora intermitentemente sofresse a resistência não só dos infelizes camponeses pobres como também da pequena nobreza tradicionalista do interior O sistema Speenhamland de ajuda aos pobres espontaneamente adotado por juízes cavalheiros em vários condados durante e depois da fome de 1795 foi analisado como a última tentativa sistemática para salvaguardar a velha sociedade rural contra a corrosão do vínculo monetário As Leis do Trigo com as quais o interesse agrário buscava proteger as atividades agrícolas contra a crise posterior a 1815 eram em parte um manifesto contra a tendência de se tratar a agricultura como uma indústria igual a qualquer outra a ser julgada pelos critérios de lucro Mas estas reações contra a introdução final do capitalismo no interior estavam condenadas e foram finalmente derrotadas na onda do avanço radical da classe média depois de 1830 pelo novo Decreto dos Pobres de 1834 e pela abolição das Leis do Trigo em 1846 Em termos de produtividade econômica esta transformação social foi um imenso sucesso em termos de sofrimento humano uma tragédia aprofundada pela depressão agrícola depois de 1815 que reduziu os camponeses pobres a uma massa destituída e desmoralizada Depois de 1800 até mesmo um campeão tão entusiasmado do progresso agrícola e do movimento das cercas como Arthur Young ficou abalado com seus efeitos sociais Mas do ponto de vista da industrialização esses efeitos também eram desejáveis pois uma economia industrial necessita de mãodeobra e de onde mais poderia vir esta mãodeobra senão do antigo setor não industrial A população rural doméstica ou estrangeira esta sob a forma de imigração principalmente irlandesa era a fonte mais óbvia suplementada pela mistura de pequenos produtores e trabalhadores pobres Os homens tinham que ser atraídos para as novas ocupações ou como era mais provável forçados a elas pois inicialmente estiveram imunes a essas atrações ou relutantes em abandonar seu modo de vida tradicional A dificuldade social e econômica era a arma mais eficiente secundada pelos salários mais altos e a liberdade maior que havia nas cidades Por várias razões as forças capazes de desprender os homens de seu passado sóciohistórico eram ainda relativamente fracas em nosso período em comparação com a segunda metade do século XIX Foi necessária uma catástrofe realmente gigantesca como a fome irlandesa para produzir o tipo de emigração em massa um milhão e meio de uma população total de 85 milhões em 183550 que se tornou comum depois de 1850 Não obstante essas forças eram mais fortes na GrãBretanha que em outras partes Se não o fossem o desenvolvimento industrial britânico poderia ter sido tão dificultado como o foi o da França pela estabilidade e relativo conforto de seu campesinato e de sua pequena burguesia que destituíram a indústria da necessária injeção de mãodeobra Conseguir um número suficiente de trabalhadores era uma coisa outra coisa era conseguir um número suficiente de trabalhadores com as necessárias qualificações e habilidades A experiência do século XX tem demonstrado que este problema é tão crucial e mais difícil de resolver do que o outro Em primeiro lugar iodo operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria ou seja num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente A mãodeobra tinha também que aprender a responder aos incentivos monetários Os empregadores britânicos daquela época como os sulafricanos de hoje em dia constantemente reclamavam da preguiça do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganho um salário tradicional de subsistência semanal e então parar A resposta foi encontrada numa draconiana disciplina da mãodeobra multas um código de senhor e escravo que mobilizava as leis em favor do empregador etc mas acima de tudo na prática sempre que possível de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mínima cf capitulo 10111 Nas fábricas onde a disciplina do operariado era mais urgente descobriuse que era mais conveniente empregar as dóceis e mais baratas mulheres e crianças de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 183447 cerca de um quarto eram homens adultos mais da metade era de mulheres e meninas e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos Outra maneira comum de assegurar a disciplina da mãodeobra que refletia o processo fragmentário e em pequena escala da industrialização nesta fase inicial era o subcontrato ou a prática de fazer dos trabalhadores qualificados os verdadeiros empregadores de auxiliares sem experiência Na indústria algodoeira por exemplo cerca de doisterços dos rapazes e umterço das meninas estavam assim sob o emprego direto de trabalhadores e eram portanto mais vigiados e fora das fábricas propriamente ditas tais acordos eram ainda mais comuns O subempregador é claro tinha um incentivo financeiro direto para que seus auxiliares contratados não se distraissem Era bem mais difícil recrutar ou treinar um número suficiente de trabalhadores qualificados ou tecnicamente habilitados pois que poucas habilidades préindustriais tinham alguma utilidade na moderna indústria embora é claro muitas ocupações como a construção continuassem praticamente inalteradas Felizmente a vagarosa semiindustrialização da GrãBretanha nos séculos anteriores a 1789 tinha produzido um reservatório bastante grande de habilidades adequadas tanto na técnica têxtil quanto no manuseio dos metais Assim ê que no continente o serralheiro ou chaveiro um dos poucos artesãos acostumados a um trabalho de precisão com metais tornouse o ancestral do montadorfresador e por vezes deulhe o nome enquanto que na GrãBretanha o construtor de moinhos e o operador de máquinas ou maquinista já comum nas minas e à sua volta foi quem desempenhou este papel Não é um mero acidente que a palavra inglesa engineer descreva tanto o trabalhador qualificado em metal quanto o desenhista ou planejador pois o grosso do pessoal técnico de um nível mais alto podia ser e era recrutado entre estes homens com qualificações mecânicas e autoconfiantes De fato a industrialização britânica apoiavase neste fornecimento não planejado das qualificações mais altas enquanto a indústria continental não podia fazêlo Isto explica a chocante negligência com a educação técnica e geral neste país cujo preço seria pago mais tarde Ao lado desse problema de fornecimento de mãodeobra os de fornecimento de capital eram insignificantes Inversamente à maioria dos outros países europeus não havia escassez de capital aplicável na GrãBretanha A maior dificuldade era que os que controlavam a maior parte desse capital no século XVIII proprietários de terra mercadores armadores financistas etc relutavam em investilo nas novas indústrias que portanto frequentemente tinham que ser iniciadas com pequenas economias ou empréstimos e desenvolvidas pela lavra dos lucros A escassez de capital local fez com que os primeiros industriais especialmente os homens que se fizeram por si mesmos selfmademen fossem mais duros mais parcos e mais ávidos e seus trabalhadores portanto proporcionalmente mais explorados mas isto refletia o fluxo imperfeito do excedente de investimento nacional e não sua inadequação Por outro lado os ricos do século XVIII estavam preparados para investir seu dinheiro em certas empresas que beneficiavam a industrialização mais notadamente nos transportes canais facilidades portuárias estradas e mais tarde também nas ferrovias e nas minas das quais os proprietários de terras tiravam royalties mesmo quando eles próprios não as gerenciavam Nem havia qualquer dificuldade quanto à técnica comercial e financeira pública ou privada Os bancos e o papelmoeda as letras de câmbio apólices e ações as técnicas do comércio ultramarino e atacadista assim como o marketing eram bastante conhecidos e os homens que os controlavam ou facilmente aprendiam a fazêlo eram em número abundante Além do mais por volta do final do século XVIII a política governamental estava firmemente comprometida com a supremacia dos negócios Velhas leis em contrário tais como o código social dos Tudor tinham de há muito caído em desuso e foram finalmente abolidos exceto quando envolviam a agricultura em 181335 Na teoria as leis e as instituições comerciais e financeiras da Grã Bretanha eram ridículas e destinadas antes a obstaculizar do que a ajudar o desenvolvimento econômico por exemplo elas tornavam necessária a promulgação de caros decretos privados do Parlamento toda vez que se desejasse formar uma sociedade anónima A Revolução Francesa forneceu aos franceses e através de sua influência ao resto do continente mecanismos muito mais racionais e eficientes para tais propósitos Na prática os britânicos se saíram perfeitamente bem e de fato consideravelmente melhor que seus rivais Deste modo bastante empírico não planificado e acidental construiuse a primeira economia industrial de vulto Pelos padrões modernos ela era pequena e arcaica e seu arcaísmo ainda marca a GrãBretanha de hoje Pelos padrões de 1848 ela era monumental embora também chocasse bastante pois suas novas cidades eram mais feias e seu proletariado mais pobre do que em outros países A atmosfera envolta em neblina e saturada de fumaça na qual as pálidas massas operárias se movimentavam perturbava o visitante estrangeiro Mas essa economia utilizava a força de um milhão de cavalos em suas máquinas a vapor produzia dois milhões de jardas aproximadamente 1800 mil metros de tecido de algodão por ano em mais de 17 milhões de fusos mecânicos recolhia quase 50 milhões de toneladas de carvão importava e exportava 170 milhões de libras esterlinas em mercadorias em um só ano Seu comércio era duas vezes superior ao de seu mais próximo competidor a França e apenas em 1780 a havia ultrapassado Seu consumo de algodão era duas vezes superior aos dos EUA quatro vezes superior ao da França Produzia mais da metade do total de lingotes de ferro do mundo economicamente desenvolvido e consumia duas vezes mais por habitante do que o segundo país mais industrializado a Bélgica três vezes mais que os EUA e quatro vezes mais que a França Cerca de 200 a 300 milhões de libras de investimento de capital britânico um quarto nos EUA quase umquinto na América Latina traziam dividendos e encomendas de todas as partes do mundo Era de fato a oficina do mundo E tanto a GrãBretanha quanto o mundo sabiam que a revolução industrial lançada nestas ilhas não só pelos comerciantes e empresários como através deles cuja única lei era comprar no mercado mais barato e vender sem restrição no mais caro estava transformando o mundo Nada poderia detêla Os deuses e os reis do passado eram impotentes diante dos homens de negócios e das máquinas a vapor do presente Capítulo Três A Revolução Francesa Um inglês que não se sinta cheio de estima e admiração pela maneira sublime com que está agora se efetuando uma das mais IMPORTANTES REVOLUÇÕES que o mundo jamais viu deve estar morto para todos os sentidos da virtude e da liberdade nenhum de meus patrícios que tenha tido a sorte de presenciar as ocorrências dos últimos três dias nesta grande cidade fará mais que testemunhar que minha linguagem não é hiperbólica The Morning Post 21 de julho de 1789 sobre a queda da Bastilha Brevemente as nações esclarecidas colocarão em julgamento aqueles que têm até aqui governado os seus destinos Os reis fugirão para os desertos para a companhia dos animais selvagens que a eles se assemelham e a Natureza recuperará os seus direitos SaintJust Sur La Constitution de la France Discours prononcé à la Convention 24 de abril de 1793 I Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa A GrãBretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas o explosivo econômico que rompeu com as estruturas sócioeconômicas tradicionais do mundo não europeu mas foi a França que fez suas resoluções e a elas deu suas idéias a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro teremse tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes e a política europeia ou mesmo mundial entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789 ou os ainda mais incendiários de 1793 A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radicaldemocrática para a maior parte do mundo A França deu o primeiro grande exemplo o conceito e o vocabulário do nacionalismo A França forneceu os códigos legais o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido as ideias europeias inicialmente através da influência francesa Esta foi a obra da Revolução Francesa O final do século XVIII como vimos foi uma época de crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos e suas últimas décadas foram cheias de agitações políticas às vezes chegando a ponto da revolta e de movimentos coloniais em busca de autonomia às vezes atingindo o ponto da secessão não só nos EUA 177683 mas também na Irlanda 1782 4 na Bélgica e em Liège 178790 na Holanda 17837 em Genebra e até mesmo conforme já se discutiu na Inglaterra 1779 A quantidade de agitações políticas é tão grande que alguns historiadores mais recentes falaram de uma era da revolução democrática em que a Revolução Francesa foi apenas um exemplo embora o mais dramático e de maior alcance e repercussão Na medida em que a crise do velho regime não foi puramente um fenómeno francês há algum peso nestas observações Igualmente podese argumentar que a Revolução Russa de 1917 que ocupa uma posição de importância análoga em nosso século foi meramente o mais dramático de toda uma série de movimentos semelhantes tais como os que alguns anos antes de 1917 finalmente puseram fim aos antigos impérios turco e chinês Ainda assim há aí um equívoco A Revolução Francesa pode não ter sido um fenómeno isolado mas foi muito mais fundamental do que os outros fenómenos contemporâneos e suas consequências foram portanto mais profundas Em primeiro lugar ela se deu no mais populoso e poderoso Estado da Europa não considerando a Rússia Em 1789 cerca de um em cada cinco europeus era francês Em segundo lugar ela foi diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a seguiram uma revolução social de massa e incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável Não é um fato meramente acidental que os revolucionários americanos e os jacobinos britânicos que emigraram para a Fiança devido a suas simpatias políticas tenham sido vistos como moderados na França Tom Paine era um extremista na GrãBretanha e na América mas em Paris ele estava entre os mais moderados dos girondinos Resultaram das revoluções americanas grosseiramente falando países que continuaram a ser o que eram somente sem o controle político dos britânicos espanhóis e portugueses O resultado da Revolução Francesa foi que a era de Balzac substituiu a era de Mme Dubarry Em terceiro lugar entre todas as revoluções contemporâneas a Revolução Francesa foi a única ecuménica Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo suas ideias de fato o revolucionaram A revolução americana foi um acontecimento crucial na história americana mas exceto nos países diretamente envolvidos nela ou por ela deixou poucos traços relevantes em outras partes A Revolução Francesa é um marco em todos os países Suas repercussões ao contrário daquelas da revolução americana ocasionaram os levantes que levaram à libertação da América Latina depois de 1808 Sua influência direta se espalhou até Bengala onde Ram Mohan Roy foi inspirado por ela a fundar o primeiro movimento de reforma hindu predecessor do moderno nacionalismo indiano Quando visitou a Inglaterra em 1830 ele insistiu em viajar num navio francês para demonstrar o entusiasmo que tinha pelos princípios da Revolução A Revolução Francesa foi como se disse bem o primeiro grande movimento de ideias da cristandade ocidental que teve qualquer efeito real sobre o mundo islâmico e isto quase que de imediato Por volta da metade do século XIX a palavra turca vatan que até então simplesmente descrevia o local de nascimento ou a residência de um homem tinha começado a se transformar sob sua influência em algo parecido com patrie o termo liberdade antes de 1800 sobretudo uma expressão legal que denotava o oposto de escravidão tinha começado a adquirir um novo conteúdo político Sua influência direta é universal pois ela forneceu o padrão para todos os movimentos revolucionários subsequentes suas lições interpretadas segundo o gosto de cada um tendo sido incorporadas ao socialismo e ao comunismo modernos A Revolução Francesa é assim a revolução do seu tempo e não apenas uma embora a mais proeminente do seu tipo E suas origens devem portanto ser procuradas não meramente em condições gerais da Europa mas sim na situação específica da França Sua peculiaridade é talvez melhor ilustrada em termos internacionais Durante todo o século XVIII a França foi o maior rival econômico da GrãBretanha Seu comércio externo que se multiplicou quatro vezes entre 1720 e 1780 causava ansiedade seu sistema colonial foi em certas áreas como nas índias Ocidentais mais dinâmico que o britânico Mesmo assim a França não era uma potência como a GrãBretanha cuja política externa já era substancialmente determinada pelos interesses da expansão capitalista Ela era a mais poderosa e sob vários aspectos a mais típica das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa Em outras palavras o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na franca do que em outras partes As novas forças sabiam muito precisamente o que queriam Turgot o economista fisiocrata lutou por uma exploração eficiente da terra por um comércio c uma empresa livres por uma administração eficiente e padronizada de um único território nacional homogéneo pela abolição de todas as restrições e desigualdades sociais que impediam o desenvolvimento dos recursos nacionais e por uma administração e taxação racionais e imparciais Ainda assim sua tentativa de aplicação desse programa como primeiroministro no período 17746 fracassou lamentavelmente e o fracasso é característico Reformas desse tipo em doses modestas não eram incompatíveis com as monarquias absolutas nem tampouco mal recebidas Pelo contrário uma vez que as fortaleciam tiveram como já vimos uma ampla difusão nessa época entre os chamados déspotas esclarecidos Mas na maioria dos países de despotismo esclarecido essas reformas ou eram inaplicáveis e portanto meros floreios teóricos ou então improváveis de mudar o caráter geral de suas estruturas políticosociais ou ainda fracassaram em face da resistência das aristocracias locais e de outros interesses estabelecidos deixando o país recair em uma versão um pouco mais limpa do seu antigo Estado Na França elas fracassaram mais rapidamente do que em outras partes pois a resistência dos interesses estabelecidos era mais efetiva Mas os resultados deste fracasso foram mais catastróficos para a monarquia e as forças da mudança burguesa eram fortes demais para cair na inatividade Elas simplesmente transferiram suas esperanças de uma monarquia esclarecida para ò povo ou a nação Não obstante uma generalização desta ordem não nos leva muito longe na compreensão de por que a revolução eclodiu quando eclodiu e por que tomou aquele curso notável Para isso é mais útil considerarmos a chamada reação feudal que realmente forneceu a centelha que fez explodir o barril de pólvora da França As 400 mil pessoas aproximadamente que entre os 23 milhões de franceses formavam a nobreza a inquestionável primeira linha da nação embora não tão absolutamente a salvo da intromissão das linhas menores como na Prússia e outros lugares estavam bastante seguras Elas gozavam de consideráveis privilégios inclusive de isenção de vários impostos mas não de tantos quanto o clero mais bem organizado e do direito de receber tributos feudais Politicamente sua situação era menos brilhante A monarquia absoluta conquanto inteiramente aristocrática e até mesmo feudal no seu ethos tinha destituído os nobres de sua independência política e responsabilidade e reduzido ao mínimo suas velhas instituições representativas estados e parlements O fato continuou a se agravar entre a mais alta aristocracia e entre a noblesse de robe mais recente criada pelos reis para vários fins principalmente financeiros e administrativos uma classe média governamental enobrecida que expressava tanto quanto podia o duplo descontentamento dos aristocratas e dos burgueses através das assembleias e cortes de justiça remanescentes Economicamente as preocupações dos nobres não eram absolutamente desprezíveis Guerreiros e não profissionais ou empresários por nascimento c tradição os nobres eram até mesmo formalmente impedidos de exercer um oficio ou profissão eles dependiam da renda de saias propriedades ou se pertencessem à minoria privilegiada de grandes nobres ou cortesãos de casamentos milionários pensões presentes ou sinecuras da corte Mas os gastos que exigia o status de nobre eram grandes e cada vez maiores e suas rendas caíam já que eram raramente administradores inteligentes de suas fortunas se é que de alguma forma as conseguiam administrar A inflação tendia a reduzir o valor de rendas fixas como aluguéis Era portanto natural que os nobres usassem seu bem principal os privilégios reconhecidos Durante todo o século XVIII na França como em tantos outros países eles invadiram decididamente os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira preencher com homens da classe média politicamente inofensivos e tecnicamente competentes Por volta da década de 1780 eram necessários quatro graus de nobreza até para comprar uma patente no exército todos os bispos eram nobres e até mesmo as intendências a pedra angular da administração real tinham sido retomadas por eles Conseqüentemente a nobreza não só exasperava os sentimentos da classe média por sua bemsucedida competição por postos oficiais mas também corroía o próprio Estado através da crescente tendência de assumir a administração centrai e provinciana De maneira semelhante eles e especialmente os cavalheiros provincianos mais pobres que tinham poucos outros recursos tentaram neutralizar o declínio de suas rendas usando ao máximo seus consideráveis direitos feudais para extorquir dinheiro ou mais raramente serviço do campesinato Toda uma profissão a dos feudistas nasceu para reviver os direitos obsoletos desse tipo ou então para aumentar ao máximo o lucro dos existentes Seu mais celebrado membro Gracchus Babcuf viria a se tornar o líder da primeira revolta comunista da história moderna em 1796 Conseqüentemente a nobreza não só exasperava a classe média mas também o campesinato A situação desta classe enorme compreendendo talvez 80 de todos os franceses estava longe de ser brilhante De fato os camponeses eram em geral livres e não raro proprietários de terras Em quantidade Efetiva as propriedades nobres cobriam somente umquinto da terra as propriedades do clero talvez cobrissem outros 6 com variações regionais Assim é que na diocese de Montpellier os camponeses já possuíam de 38 a 40 da terra a burguesia de 18 a 19 os nobres de 15 a 16 e o clero de 3 a 4 enquanto umquinto era de terras comuns Na verdade entretanto a grande maioria não tinha terras ou tinha uma quantidade insuficiente deficiência esta aumentada pelo atraso técnico dominante e a fome geral de terra foi intensificada pelo aumento da população Os tributos feudais os dízimos e as taxas tiravam uma grande e cada vez maior proporção da renda do camponês a inflação reduzia o valor do resto Pois só a minoria dos camponeses que tinha um constante excedente para vendas se beneficiava dos preços crescentes o resto de uma maneira ou de outra sofria especialmente em tempos de má colheita quando dominavam os preços de fome Há pouca dúvida de que nos 20 anos que precederam a Revolução a situação dos camponeses tenha piorado por essas razões Os problemas financeiros da monarquia agravaram o quadro Já a estrutura fiscal e administrativa do reino era tremendamente obsoleta e como vimos a tentativa de remediar a situação através das reformas de 17746 fracassou derrotada pela resistência dos interesses estabelecidos encabeçados pelos parlements Então a França envolveuse na guerra da independência americana A vitória contra a Inglaterra foi obtida ao custo da bancarrota final e assim a revolução americana pôde proclamarse a causa direta da Revolução Francesa Vários expedientes foram tentados com sucesso cada vez menor mas sempre longe de uma reforma fundamental que mobilizando a considerável capacidade tributável do país pudesse enfrentar uma situação em que os gastos excediam a renda em pelo menos 20 e não havia quaisquer possibilidades de economias efetivas Pois embora a extravagância de Versailles tenha sido constantemente culpada pela crise os gastos da corte só significavam 6 dos gastos totais em 1788 A guerra a marinha e a diplomacia constituíam umquarto e metade era consumida pelo serviço da dívida existente A guerra e a divida a guerra americana e sua divida partiram a espinha da monarquia A crise do governo deu à aristocracia e aos parlements a sua chance Eles se recusavam a pagar pela crise se seus privilégios não fossem estendidos A primeira brecha no fronte do absolutismo foi uma assembleia de notáveis escolhidos a dedo mas assim mesmo rebeldes convocada em 1787 para satisfazer as exigências governamentais A segunda e decisiva brecha foi a desesperada decisão de convocar os Estados Gerais a velha assembleia feudal do reino enterrada desde 1614 Assim a Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recapturar o Estado Esta tentativa foi mal calculada por duas razões ela subestimou as intenções independentes do Terceiro Estado a entidade fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero mas de fato dominada pela classe média e desprezou a profunda crise sócioeconômicas no meio da qual lançava suas exigências políticas A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado no sentido moderno nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado Nem mesmo chegou a ter líderes do tipo que as revoluções do século XX nos têm apresentado até o surgimento da figura pósrevolucionária de Napoleão Não obstante um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva O grupo era a burguesia suas ideias eram as do liberalismo clássico conforme formuladas pelos filósofos e economistas e difundidas pela maçonaria e associações informais Até este ponto os filósofos podem ser com justiça considerados responsáveis pela Revolução Ela teria ocorrido sem eles mas eles provavelmente constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo Em sua forma mais geral a ideologia de 1789 era a maçónica expressa com tão sublime inocência na Flauta Mágica de Mozart 1791 uma das primeiras grandes obras de arte propagandísticas de uma época em que as mais altas realizações artísticas pertenceram tantas vezes à propaganda Mais especificamente as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária Os homens nascem c vivem livres e iguais perante as leis dizia seu primeiro artigo mas ela também prevê a existência de distinções sociais ainda que somente no terreno da utilidade comum A propriedade privada era um direito natural sagrado inalienável e inviolável Os homens eram iguais perante a lei e as profissões estavam igualmente abertas ao talento mas se a corrida começasse sem handicaps era igualmente entendido como fato consumado que os corredores não terminariam juntos A declaração afirmava como contrário à hierarquia nobre ou absolutismo que todos os cidadãos têm o direito de colaborar na elaboração das leis mas pessoalmente através de seus representantes E a assembleia representativa que ela vislumbrava como o órgão fundamental de governo não era necessariamente uma assembleia democraticamente eleita nem o regime nela implícito pretendia eliminar os reis Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia possuidora de terras era mais adequada à maioria dos liberais burgueses do que a república democrática que poderia ter parecido uma expressão mais lógica de suas aspirações teóricas embora alguns também advogassem esta causa Mas no geral o burguês liberal clássico de 1789 e o liberal de 17891848 não era um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários Entretanto oficialmente esse regime expressaria não apenas seus interesses de classe mas também a vontade geral do povo que era por sua vez uma significativa identificação a nação francesa O rei não era mais Luís pela Graça de Deus Rei de França e Navarra mas Luís pela Graça de Deus e do direito constitucional do Estado Rei dos franceses A fonte de toda a soberania dizia a Declaração reside essencialmente na nação E a nação conforme disse o Abade Sieyès não reconhecia na terra qualquer direito acima do seu próprio e não aceitava qualquer lei ou autoridade que não a sua nem a da humanidade como um todo nem a de outras nações Sem dúvida a nação francesa como suas subseqüentes imitadoras não concebeu inicialmente que seus interesses pudessem se chocar com os de outros povos mas pelo contrário via a si mesma como inauguradora ou participante de um movimento de libertação geral dos povos contra a tirania Mas de fato a rivalidade nacional por exemplo a dos homens de negócios franceses com os ingleses e a subordinação nacional por exemplo a das nações conquistadas ou libertadas face aos interesses da la grande nation estavam implícitas no nacionalismo ao qual a burguesia de 1789 deu sua primeira expressão oficial O povo identificado com a nação era um conceito revolucionário mais revolucionário do que o programa liberalburguês que pretendia expressálo Mas era também uma faca de dois gumes Visto que os camponeses e os trabalhadores pobres eram analfabetos politicamente simples ou imaturos e o processo de eleição indireto 610 homens a maioria desse tipo foram eleitos para representar o Terceiro Estado A maioria da assembleia era de advogados que desempenhavam um papel econômico importante na França provinciana cerca de 100 representantes eram capitalistas e homens de negócios O Terceiro Estado tinha lutado acirradamente e com sucesso para obter uma representação tão grande quanto a da nobreza e a do clero juntas uma ambição moderada para um grupo que oficialmente representava 95 do povo E agora lutava com igual determinação pelo direito de explorar sua maioria potencial de votos transformando os Estados Gerais numa assembléia de deputados que votariam individualmente ao contrário do corpo feudal tradicional que deliberava e votava por ordens ou estados uma situação em que a nobreza e o clero podiam sempre derrotar o Terceiro Estado Foi aí que se deu a primeiravitória revolucionária Cerca de seis semanas após a abertura dos Estados Gerais os Comuns ansiosos por evitar a ação do rei dos nobres e do clero constituíramse eles mesmo e todos os que estavam preparados para se juntarem a eles nos termos que ditassem em Assembleia Nacional com o direito de reformar a constituição Foi feita uma tentativa contrarevolucionária que os levou a formular suas exigências praticamente nos termos da Câmara dos Comuns inglesa O absolutismo atingia seus extertores conforme Mirabeau um brilhante e desacreditado exnobre disse ao Rei Majestade vós sois um estranho nesta assembleia e não tendes o direito de se pronunciar aqui O Terceiro Estado obteve sucesso contra a resistência unificada do rei e das ordens privilegiadas porque representava não apenas as opiniões de uma minoria militante e instruída mas também as de forças bem mais poderosas dos trabalhadores pobres das cidades e especialmente de Paris e em suma também o campesinato revolucionário O que transformou uma limitada agitação reformista em uma revolução foi o fato de que a conclamação dos Estados Gerais coincidiu com uma profunda crise sócioeconômica Os últimos anos da década de 1780 tínham sido por uma complexidade de razões um período de grandes dificuldades praticamente para todos os ramos da economia francesa Uma má safra em 1788 e 1789 e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise As más safras faziam sofrer o campesinato pois significavam que enquanto os grandes produtores podiam vender cereais a preços de fome a maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços especialmente nos meses imediatamente anteriores à nova safra maiojulho Obviamente as más safras faziam sofrer também os pobres das cidades cujo custo de vida o pão era o principal alimento podia duplicar Faziaos sofrer ainda mais porque o empobrecimento do campo reduzia o mercado de manufaturas e portanto também produzia uma depressão industrial Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e banditismo os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente Em circunstâncias normais teria ocorrido provavelmente pouco mais que agitações cegas Mas em 1788 e 1789 uma convulsão de grandes proporções no reino e uma campanha de propaganda e eleição deram ao desespero do povo uma perspectiva política E lhe apresentaram a tremenda e abaladora ideia de se libertar da pequena nobreza e da opressão Um povo turbulento se colocava por trás dos deputados do Terceiro Estado A contrarevolução transformou um levante de massa em potencial em um levante efetivo Sem dúvida era natural que o velho regime oferecesse resistência se necessário com força armada embora o exército não fosse mais totalmente de confiança Só sonhadores irrealistas suporiam que Luís XVI pudesse ter aceito a derrota e imediatamente se transformado em um monarca constitucional mesmo que ele tivesse sido um homem menos desprezível e estúpido do que era casado com uma mulher menos irresponsável e com menos miolos de galinha e preparado para escutar conselheiros menos desastrosos De fato a contrarevolução mobilizou contra si as massas de Paris já famintas e desconfiadas e militantes O resultado mais sensacional de sua mobilização foi a queda da Bastilha uma prisão estatal que simbolizava a autoridade real e onde os revolucionários esperavam encontrar armas Em tempos de revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos A queda da Bastilha que fez do 14 de julho a festa nacional francesa ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o princípio de libertação Até mesmo o austero filósofo Emanuel Kant de Koenigsberg de quem se diz que os hábitos eram tão regrados que os cidadãos daquela cidade acertavam por ele os seus relógios postergou a hora de seu passeio vespertino ao receber a notícia de modo que convenceu a cidade de Koenigsberg de que um fato que sacudiu o mundo tinha deveras ocorrido O que é mais certo é que a queda da Bastilha levou a revolução para as cidades provincianas e para o campo As revoluções camponesas são movimentos vastos disformes anónimos mas irresistíveis O que transformou uma epidemia de inquietação camponesa em uma convulsão irreversível foi a combinação dos levantes das cidades provincianas com uma onda de pânico de massa que se espalhou de forma obscura mas rapidamente por grandes regiões do país o chamado Grande Medo Grande Peur de fins de julho e princípio de agosto de 1789 Três semanas após o 14 de julho a estrutura social do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real ruiam em pedaços Tudo o que restou do poderio esta tal foi uma dispersão de regimentos pouco confiáveis uma Assembleia Nacional sem força coercitiva e uma multiplicidade de administrações municipais ou provincianas da classe média que logo montaram Guardas Nacionais burguesas segundo o modelo de Paris A classe média e a aristocracia imediatamente aceitaram o inevitável todos os privilégios feudais foram oficialmente abolidos embora quando a situação política se acalmou fosse fixado um preço rígido para sua remissão O feudalismo só foi finalmente abolido em 1793 No final de agosto a revolução tinha também adquirido seu manifesto formal a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Em contrapartida o rei resistiu com sua costumeira estupidez e setores revolucionários da classe média amedrontados com as implicações sociais do levante de massa começaram a pensar que era chegada a hora do conservadorismo Em resumo a principal forma da política revolucionária burguesa francesa e de todas as subsequentes estava agora bem clara Esta dramática dança dialética dominaria as gerações futuras Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe média mobilizando as massas contra a resistência obstinada ou a contrarevolução Veremos as massas indo além dos ohjetivos dos moderados rumo a suas próprias revoluções sociais e os moderados por sua vez dividindose em um grupo conservador dai em diante fazendo causa comum com os reacionários e um grupo de esquerda determinado a perseguir o resto dos objetivos moderados ainda não alcançados com o auxílio das massas mesmo com o risco de perder o controle sobre elas E assim por diante com repetições e variações do modelo resistência mobilização de massa inclinação para a esquerda rompimento entre os moderados inclinação para a direita até que o grosso da classe média passe daí em diante para o campo conservador ou seja derrotado pela revolução social Na maioria das revoluções burguesas subsequentes os liberais moderados viriam a retroceder ou transferirse para a ala conservadora num estágio bastante inicial De fato no século XIX vemos de modo crescente mais notadamente na Alemanha que eles se tornaram absolutamente relutantes em começar uma revolução por medo de suas incalculáveis consequências preferindo um compromisso com o rei e a aristocracia A peculiaridade da Revolução Francesa é que uma facção da classe média liberal estava pronta a continuar revolucionária até o e mesmo além do limiar da revolução antiburguesa eram os jacobinos cujo nome veio a significar revolução radical em toda parte Por quê Em parte é claro porque a burguesia francesa não tinha ainda para temer como os liberais posteriores a terrível memória da Revolução Francesa Depois de 1794 ficaria claro para os moderados que o regime jacobino tinha levado a revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses exatamente como ficaria claro para os revolucionários que o sol de 1793 se fosse nascer de novo teria que brilhar sobre uma sociedade não burguesa Por outro lado os jacobinos podiam sustentar o radicalismo porque em sua época não existia uma classe que pudesse fornecer uma solução social coerente como alternativa à deles Esta classe só surgiu no curso da revolução industrial com o proletariado ou mais precisamente com as ideologias e movimentos baseados nele Na Revolução Francesa a classe operária e mesmo esta é uma designação imprópria para a massa de assalariados contratados mas fundamentalmente não industriais ainda não desempenhava qualquer papel independente Eles tinham fome faziam agitações e talvez sonhassem mas por motivos práticos seguiam os líderes não proletários O campesinato nunca fornece uma alternativa política para ninguém apenas de acordo com a ocasião uma força quase irresistível ou um obstáculo quase irremovível A única alternativa para o radicalismo burguês se excetuarmos pequenos grupos de ideólogos ou militantes impotentes quando destituídos do apoio das massas eram os sanscúlottes um movimento disforme sobretudo urbano de trabalhadores pobres pequenos artesãos lojistas artífices pequenos empresários etc Os sanscúlottes eram organizados principalmente nas seções de Paris e nos clubes políticos locais e forneciam a principal força de choque da revolução eram eles os verdadeiros manifestantes agitadores construtores de barricadas Através de jornalistas como Marat e Hébert através de portavozes locais eles também formularam uma política por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido que combinava o respeito pela pequena propriedade privada com a hostilidade aos ricos trabalho garantido pelo governo salários e segurança social para o homem pobre uma democracia extremada de igualdade e de liberdade localizada e direta Na verdade os sanscúlottes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de pequenos homens que existia entre os pólos do burguês e do proletário freqüentemente talvez mais próximos deste do que daquele porque eram afinal na maioria pobres Esta tendência pode ser observada nos Estados Unidos sob a forma de uma democracia jeffersoniana e jacksoniana ou populismo na GrãBretanha radicalismo na França com os antecessores dos futuros republicanos e radicaissocialistas na Itália com os mazzinianos e os garibaldinos e em toda parte Na maioria das vezes ela costumou se colocar nas épocas pósrevolucionárias como uma ala esquerdista do liberalismo da classe média mas relutante em abandonar o antigo princípio de que não há inimigos na esquerda e pronta em tempos de crise a se rebelar contra a muralha de dinheiro os monarquistas econômicos ou a cruz de ouro que crucifica a humanidade Mas o movimento dos sansculottes também não forneceu nenhuma alternativa real O seu ideal um passado dourado de aldeões e pequenos artesãos ou um futuro dourado de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por banqueiros e milionários era irrealizável A história se movia silenciosamente contra eles O máximo que podiam fazer e isto eles conseguiram em 17934 era erguer obstáculos à sua passagem os quais dificultaram o crescimento econômico francês daquela época até quase a atual De fato o sansculotismo foi um fenómeno tão desamparado que seu próprio nome está praticamente esquecido ou só é lembrado como sinónimo do jacobinismo que lhe deu liderança no Ano II II Entre 1789 e 1791 a vitoriosa burguesia moderada atuando através do que tinha a esta altura se transformado na Assembleia Constituinte tomou providências para a gigantesca recionalização e reforma da França que era seu objetivo A maioria dos empreendimentos institucionais duradouros da revolução datam deste período assim como os seus mais extraordinários resultados internacionais o sistema métrico e a emancipação pioneira dos judeus Economicamente as perspectivas da Assembleia Constituinte eram inteiramente liberais sua política em relação aos camponeses era o cerco das terras comuns e o incentivo aos empresários rurais para a classe trabalhadora a interdição dos sindicatos para os pequenos artesãos a abolição dos grémios e corporações Dava pouca satisfação concreta ao povo comum exceto a partir de 1790 com a secularização e venda dos terrenos da Igreja bem como dos terrenos da nobreza emigrante que tinha a tripla vantagem de enfraquecer o clericalismo fortalecer o empresário rural e provinciano e dar a muitos camponeses uma retribuição mensurável por suas atividades revolucionárias A Constituição de 1791 rechaçou a democracia excessiva através de um sistema de monarquia constitucional baseada num direito de voto censitário dos cidadãos ativos reconhecidamente bastante amplo Esperavase que os passivos honrassem sua denominação Na verdade isto não aconteceu Por um lado a monarquia embora a esta altura fortemente apoiada por uma poderosa facção burguesa exrevolucionária não podia se conformar com o novo regime A corte sonhava e conspirava por uma cruzada de primos reais que banisse a canalha governante de plebeus e restituísse o ungido de Deus o mui católico rei da França a seu lugar de direito A Constituição Civil do Clero 1790 uma má concebida tentativa de destruir não a Igreja mas a lealdade romana absolutista da Igreja levou a maioria do clero e de seus fiéis à oposição e ajudou a levar o rei à desesperada e afinal suicida tentativa de fugir do país Ele foi recapturado em Varennes junho de 1791 e daí em diante o republicanismo tornouse uma força de massa pois os reis tradicionais que abandonam seus povos perdem o direito à lealdade Por outro lado a incontrolada economia de livre empresa dos moderados acentuou as flutuações no nível dos preços dos alimentos e consequentemente a militância dos pobres das cidades especialmente em Paris O preço do pão registrava a temperatura política de Paris com a exatidão de um termómetro e as massas de Paris eram a força revolucionária decisiva não por mero acaso a nova bandeira nacional francesa foi uma combinação do velho branco real com as cores vermelha e azul de Paris A eclosão da guerra agravou a situação isto quer dizer que ela ocasionou uma segunda revolução em 1792 a República Jacobina do Ano II e consequentemente Napoleão Em outras palavras ela transformou a história da Revolução Francesa na história da Europa Duas forças levaram a França a uma guerra geral a extrema direita e a esquerda moderada O rei a nobreza francesa e a crescente emigração aristocrática e eclesiástica acampados em várias cidades da Alemanha Ocidental achavam que só a intervenção estrangeira poderia restaurar o velho regime Esta intervenção não foi muito facilmente organizada dadas as complexidades da situação internacional e a relativa tranquilidade política de outros países Entretanto era cada vez mais evidente para os nobres e os governantes por direito divino de outros países que a restauração do poder de Luís XVI não era meramente um ato de solidariedade de classe mas uma proteção importante contra a difusão de ideias perturbadoras vindas da França Consequentemente as forças para reconquista da França concentraramse no exterior Ao mesmo tempo os próprios liberais moderados e principalmente um grupo de políticos que se aglomerava em torno dos deputados do departamento mercantil de Gironda eram uma força belicosa Isto se devia em parte ao fato de que toda revolução genuína tende a ser ecuménica Para os franceses bem como para seus numerosos simpatizantes no exterior a libertação da França era simplesmente p primeiro passo para o triunfo universal da liberdade uma atitude que levou facilmente à convicção de que era dever da pátria da revolução libertar todos os povos que gemiam debaixo da opressão e da tirania Havia entre os revolucionários moderados e extremistas uma paixão generosa e genuinamente exaltada em difundir a liberdade uma inabilidade genuína para separar a causa da nação francesa daquela de toda a humanidade escravizada O movimento francês assim como todos os outros movimentos revolucionários viriam a aceitar esse ponto de vista ou a adaptálo daí até pelo menos 1848 Todos os planos para a libertação europeia até 1848 giravam em torno de um levante conjunto dos povos sob a liderança dos franceses para derrubar a reação europeia e depois de 1830 outros movimentos de revolta nacional e liberal corno o italiano e o polonês também tenderam a ver suas nações em certo sentido como o Messias destinado por sua própria liberdade a iniciar os planos libertários de todos os outros povos Por outro lado considerada menos idealisticamente a guerra também ajudaria a solucionar numerosos problemas domésticos Era tentador e óbvio atribuir as dificuldades do novo regime às conspirações dos emigrantes e dos tiranos estrangeiros e lançar contra eles os populares descontentes Mais especificamente os homens de negócios argumentavam que as perspectivas econômicas incertas a desvalorização da moeda e outros problemas só podiam ser remediados se a ameaça de intervenção fosse dissipada Eles e seus ideólogos deviam pensar com uma olhadela na experiência britânica que a supremacia econômica era filha da agressividade sistemática O século XVIII não foi um século em que o homem de negócios bemsucedido estivesse absolutamente casado com a paz Além do mais como logo se veria a guerra podia ser feita para dar lucros Por todas estas razões a maioria da nova Assembléia Legislativa exceto uma pequena ala direitista uma pequena ala esquerdista sob o comando de Robespierre pregava a guerra Por estas razões também quando a guerra chegou as conquistas da revolução viriam a combinar a libertação a exploração e a digressão política A guerra foi declarada em abril de 1792 A derrota que o povo bem plausivelmente atribuiu à sabotagem e à traição real trouxe a radicalização Em agostosetembro a monarquia foi derrubada a República estabelecida e uma nova era da história humana proclamada com a instituição do Ano I do calendário revolucionário pela ação armada das massas sansculottes de Paris A heróica idade de ferro da Revolução Francesa começou entre os massacres dos prisioneiros políticos as eleições para a Convenção Nacional provavelmente a mais notável assembleia na história do parlamentarismo e a conclamação para a resistência total aos invasores O rei foi feito prisioneiro é a invasão estrangeira sustada por um nada dramático duelo de artilharia em Valmy As guerras revolucionárias impõem sua própria lógica O partido dominante na nova Convenção era o dos girondinos belicosos no exterior e moderados em casa um corpo de oradores parlamentares com charme e brilho que representava os grandes negócios a burguesia provinciana e muita distinção intelectual Sua política era inteiramente impossível pois somente Estados em campanhas militares limitadas e com forças regulares estabelecidas poderiam ter esperanças de manter a guerra e os problemas domésticos em compartimentos estanques como faziam exatamente neste época as senhoras e cavalheiros britânicos dos romances de Jane Austen A revolução não estava em uma campanha limitada nem tinha forças estabelecidas pois sua guerra oscilava entre a vitória total da revolução mundial e a derrota total que significava a total contrarevolução e seu exército o que sobrou do velho exército francês era incapaz e inseguro Dumouriez o maior general da República logo desertaria para o inimigo Somente métodos revolucionários sem precedentes poderiam vencer uma guerra dessas mesmo que a vitória viesse a significar simplesmente a derrota da intervenção estrangeira De fato tais métodos foram encontrados No decorrer de sua crise a jovem República Francesa descobriu ou inventou a guerra total a total mobilização dos recursos de uma nação através do recrutamento do racionamento e de uma economia de guerra rigidamente controlada e da virtual abolição em casa e no exterior da distinção entre soldados e civis Só foi em nossa própria época histórica que se manifestaram as tremendas implicações desta descoberta Uma vez que a guerra revolucionária de 17924 permaneceu por muito tempo um episódio excepcional a maioria dos observadores do século XIX não conseguiu entendêla mas quando muito observar e mesmo isso foi esquecido até a opulência do fim da era vitoriana que as guerras levam a revoluções e que as revoluções vencem guerras de outro modo invencíveis Somente hoje em dia podemos ver quanto do que se passou na República Jacobina e no Terror de 17934 faz sentido apenas nos termos de um moderno esforço de guerra total Os sansculottes saudaram um governo revolucionário de guerra e não apenas porque corretamente defendiam que só assim a contrarevolução e a intervenção estrangeira podiam ser derrotadas mas também porque seus métodos mobilizavam o povo e traziam a justiça social mais para perto Eles desprezavam o fato de que nenhum esforço efetivo de guerra moderna é compatível com a democracia direta voluntária e descentralizada que acalentavam Os girondinos por outro lado temiam as consequências políticas da combinação de uma revolução de massa com a guerra que eles provocaram Nem estavam preparados para competir com a esquerda Eles não queriam julgar ou executar o rei mas tinham que competir com seus rivais a Montanha os jacobinos por este símbolo de zelo revolucionário a Montanha ganhou prestígio não a Gironda Por outro lado os girondinos queriam realmente expandir a guerra para uma cruzada ideológica geral de libertação e para um desafio direto ao grande rival econômico a GrãBretanha Neste particular tiveram sucesso Por volta de março de 1793 a França estava em guerra contra a maior parte da Europa e tinha dado início a anexações estrangeiras legitimadas pela recéminventada doutrina do direito francês às fronteiras naturais Mas a expansão da guerra principalmente quando ela ia mal só fortaleceu a esquerda a única que poderia vencêla Batendo em retirada e derrotada taticamente a Gironda foi finalmente levada a ataques mal calculados contra a esquerda que logo se transformariam em uma revolta provinciana organizada contra Paris Um rápido golpe dos sansculottes derruboua em 2 de junho de 1793 Tinha chegado a República Jacobina III Quando o leigo instruído pensa na Revolução Francesa são os acontecimentos de 1789 mas especialmente a República Jacobina do Ano II que vêm à sua mente O empertigado Robespierre o gigantesco e dissoluto Danton a gélida elegância revolucionária de SaintJust o gordo Marat o Comité de Salvação Pública o tribunal revolucionário e a guilhotina são as imagens que vemos mais claramente Os próprios nomes dos revolucionários moderados que surgem entre Mirabeau e Lafayette 1789 e os líderes jacobinos 1793 desapareceram da memória de todos exceto dos historiadores Os girondinos são lembrados apenas como um grupo e talvez por causa das mulheres politicamente sem importância mas românticas que estavam ligadas a eles Mme Roland ou Charlotte Corday Quem fora do campo especializado conhece sequer os nomes de Brissot Vergniaud Guadet e do resto Os conservadores criaram uma imagem duradoura do Terror da ditadura e da histérica e desenfreada sanguinolência embora pelos padrões do século XX e mesmo pelos padrões das repressões conservadoras contra as revoluções sociais tais como os massacres que se seguiram à Comuna de Paris de 1871 suas matanças em massa fossem relativamente modestas 17 mil execuções oficiais em 14 meses Os revolucionários especialmente na França viramna como a primeira república do povo inspiração de toda a revolta subsequente Pois esta não era uma época a ser medida pelos critérios humanos cotidianos Isto é verdade Mas para o francês da sólida classe média que estava por trás do Terror ele não era nem patológico nem apocalíptico mas primeiramente e sobretudo o único método efetivo de preservar seu país Isto a República Jacobina conseguiu e seu empreendimento foi sobre humano Em junho de 1793 60 dos 80 departamentos franceses estavam em revolta contra Paris os exércitos dos príncipes alemães estavam invadindo a França pelo norte e pelo leste os britânicos atacavam pelo sul e pelo oeste o país achavase desamparado e falido Quatorze meses mais tarde toda a França estava sob firme controle os invasores tinham sido expulsos os exércitos franceses por sua vez ocupavam a Bélgica e estavam perto de começar um período de 20 anos de quase ininterrupto e fácil triunfo militar Ainda assim por volta de março de 1794 um exército três vezes maior que o anterior era mantido pela metade do custo de março de 1793 e o valor da moeda francesa ou melhor do papelmoeda assignats que a tinha amplamente substituído era mantido razoavelmente estável em contraste marcante com o passado e o futuro Não é de admirar que Jeanbon St André o membro jacobino do Comité de Salvação Pública que embora fosse um firme republicano mais tarde se tornaria um dos mais eficientes prefeitos de Napoleão olhasse para a França imperial com desdém quando ela cambaleava sob as derrotas de 18123 A República do Ano II tinha enfrentado com sucesso crises piores c com menos recursos Para estes homens como de fato para a maioria da Convenção Nacional que no fundo deteve o controle durante todo este período a escolha era simples ou o Terror com todos os seus defeitos do ponto de vista da classe média ou a destruição da Revolução a desintegração do Estado nacional e provavelmente já não havia o exemplo da Polónia o desaparecimento do país Muito provavelmente exceto pela desesperada crise da França muitos deles teriam preferido um regime menos ferrenho e certamente uma economia controlada com menos rigor a queda de Robespierre levou a uma epidemia de descontrole econômico fraudes e corrupção que incidentalmente culminou numa inflação galopante e na bancarrota nacional de 1797 Mas mesmo do ponto de vista mais estreito as perspectivas da classe média francesa dependiam das de um Estado nacional centralizado forte e unificado E de qualquer forma poderia a Revolução que tinha praticamente criado os termos nação e patriotismo em seus sentidos modernos abandonar la grande nation A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis e girondinos provincianos e preservar o já mobilizado apoio da massa dos sansculottes de Paris algumas de cujas exigências por um esforço de guerra revolucionário recrutamento geral o levée en masse terrorismo contra os traidores e controle geral dos preços o maximum coincidiam de qualquer forma com o senso comum jacobino embora suas outras exigências viessem a se mostrar problemáticas Uma nova constituição um tanto radicalizada e até então retardada pela Gironda foi proclamada De acordo com este nobre documento todavia académico davase ao povo o sufrágio universal o direito de insurreição trabalho ou subsistência e o mais significativo a declaração oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo e de que os direitos do povo deveriam ser não somente acessíveis mas também operantes Foi a primeira constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno Mais concretamente os jacobinos aboliram sem indenização todos os direitos feudais remanescentes aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos emigrantes e alguns meses mais tarde aboliram a escravidão nas colónias francesas a fim de estimular os negros de São Domingos a lutarem pela República contra os ingleses Estas medidas obtiveram os mais amplos resultados Na América ajudaram a criar o primeiro grande líder revolucionário independente ToussaintLouverture Na França estabeleceram essa cidadela inexpugnável de pequenos e médios proprietários camponeses pequenos artesãos e lojistas economicamente retrógrados mas apaixonadamente devotados à Revolução e à República que tem dominado a vida do país desde então A transformação capitalista da agricultura e da pequena empresa a condição essencial para um rápido desenvolvimento econômico foi reduzida a um rastejo e com ela a velocidade da urbanização a expansão do mercado doméstico a multiplicação da classe trabalhadora e consequentemente o ulterior avanço da revolução proletária Tanto os grandes negócios quanto os movimentos trabalhistas foram longamente condenados a permanecer fenómenos minoritários na França ilhas cercadas por um oceano de donos de mercearia vendedores de cereais pequenos proprietários camponeses e donos de cafés cf capítulo 9 O centro do novo governo representando uma aliança de jacobinos e sansculottes inclinou se portanto claramente para a esquerda Isto se refletiu no reconstruído Comité de Salvação Pública que rapidamente se transformou no efetivo Ministério da Guerra francês O Comité perdeu Danton um revolucionário poderoso dissoluto e provavelmente corrupto mas imensamente talentoso e mais moderado do que aparentava tinha sido ministro na última administração real e ganhou Maximilien Robespierre que se tornou seu membro mais influente Poucos historiadores têm sido desapaixonados a respeito deste advogado fanático frio e afetado com seu senso um tanto excessivo de monopólio privado da virtude porque ele ainda encarna o terrível e glorioso Ano II a respeito do qual ninguém é neutro Ele não era uma pessoa agradável até mesmo os que acham que ele estava certo tendem hoje em dia a preferir o brilhante rigor matemático daquele arquiteto de paraísos espartanos o jovem SaintJust Não foi também um grande homem e sim muitas vezes limitado Mas é o único indivíduo projetado pela Revolução com a exceção de Napoleão sobre o qual se desenvolveu um culto Isto porque para ele como para a história a República Jacobina não era um instrumento para ganhar guerras mas sim um ideal o terrível e glorioso reino da justiça e da virtude quando todos os bons cidadãos fossem iguais perante a nação e o povo tivesse liquidado com os traidores Jean Jacques Rousseau cf adiante capítulo 13IV e a cristalina convicção de justiça deramlhe sua força Ele não tinha poderes ditatoriais formais nem mesmo um cargo sendo simplesmente um membro do Comité de Salvação Pública que era por sua vez um mero subcomitê da Convenção o mais poderoso embora jamais todopoderoso Seu poder era o do povo as massas parisienses e o terror o delas Quando elas o abandonaram ele caiu A tragédia de Robespierre e da República Jacobina foi que eles mesmos foram obrigados a afastar este apoio O regime era uma aliança entre a classe média e as massas trabalhadoras mas voltado para a classe média As concessões jacobinas e sansculottes eram toleradas só porque e na medida em que ligavam as massas ao regime sem aterrorizar os proprietários e dentro da aliança os jacobinos da classe média eram decisivos Além do mais as próprias necessidades da guerra obrigavam qualquer governo a centralizar e a disciplinar às custas da livre democracia direta e local dos clubes e grémios as milícias ocasionais e as renhidas eleições livres em que floresciam os sansculottes O mesmo processo que durante a Guerra Civil Espanhola de 19369 fortaleceu os comunistas à custa dos anarquistas fortaleceu os jacobinos do tipo de SaintJust à custa dos sansculottes do tipo de Hébert Por volta de 1794 o governo e a política eram monolíticos e dominados ferreamente por agentes diretos do Comité ou da Convenção através de delegados en mission e por um amplo quadro de oficiais e funcionários jacobinos juntamente com organizações locais do partido Por fim as necessidades econômicas da guerra afastaram o apoio popular Nas cidades o controle de preços e o racionamento beneficiaram as massas mas o correspondente congelamento dos salários as prejudicava No campo o confisco sistemático de alimentos que os sansculottes das cidades tinham sido os primeiros a advogar afastou os camponeses As massas portanto recolheramse ao descontentamento ou a uma passividade confusa e ressentida especialmente depois do julgamento e execução dos hébertistas os mais ardentes portavozes dos sansculottes Enquanto isso os defensores mais moderados da Revolução estavam alarmados com o ataque contra a oposição direitista a esta altura encabeçada por Danton Esta facção tinha fornecido refúgio para numerosos escroques especuladores operadores do mercado negro e outros elementos corruptos embora acumuladores de capital e isso tão mais prontamente quanto o próprio Danton incorporava a imagem do livre amante e gastador amoral falstafiano que sempre surge no início das revoluções sociais até que seja suplantado pelo rígido puritanismo que invariavelmente vem dominálo Os Dantons da história são sempre derrotados pelos Robespierres ou por aqueles que fingem se portar como Robespierres porque a dedicação rígida e estreita pode obter sucesso onde a boémia não o consegue Entretanto se Robespierre conquistou o apoio dos moderados por eliminar a corrupção o que se apresentava afinal de contas no interesse do esforço de guerra as ulteriores restrições à liberdade a à ação de ganhar dinheiro foram mais desconcertantes para o homem de negócios Finalmente nenhum grande corpo de opinião gostava das excursões ideológicas um tanto extravagantes do período as sistemáticas campanhas de descristianização devidas ao zelo dos sansculottes e a nova religião cívica de Robespierre a do Ser Supremo cheia de cerimónias que tentava contraporse aos ateus e levar a termo os preceitos do divino Jean Jacques E o constante silvo da guilhotina lembrava a todos os políticos que ninguém estava realmente a salvo Por volta de abril de 1794 tanto a direita quanto a esquerda tinham ido para a guilhotina e os seguidores de Robespierre estavam portanto politicamente isolados Somente a crise da guerra os mantinha no poder Quando no final de junho de 1794 os novos exércitos da República demonstraram sua firmeza derrotando decididamente os austríacos em Fleurus e ocupando a Bélgica o fim estava perto No Nono Termidor pelo calendário revolucionário 27 de julho de 1794 a Convenção derrubou Robespierre No dia seguinte ele SaintJust e Couthon foram executados e o mesmo ocorreu alguns dias depois com 87 membros da revolucionária Comuna de Paris IV O Termidor é o fim da heróica e lembrada fase da Revolução a fase dos esfarrapados sansculottes e dos corretos cidadãos de bonés vermelhos que viamse a si mesmos como Brutus e Cato do período das frases generosas clássicas e grandiloqüentes e também das mortais Lyon nest plus Dez mil soldados precisam de sapatos Pegarás os sapatos de todos os aristocratas de Estrasburgo e os entregarás prontos para o transporte até os quartéis amanhã às dez horas da manhã Não foi uma fase cómoda para se viver pois a maioria dos homens sentia fome e muitos tinham medo mas foi um fenómeno tão terrível e irreversível quanto a primeira explosão nuclear e toda a história tem sido permanentemente transformada por ela E a energia que ela gerou foi suficiente para varrer os exércitos dos velhos regimes da Europa como se fossem feitos de palha O problema com que se defrontava a classe média francesa no restante do que é tecnicamente descrito como o período revolucionário 17949 era como alcançar a estabilidade política e o avanço econômico nas bases do programa liberal de 178991 A classe média jamais conseguiu desde então até hoje solucionar este problema de forma adequada embora a partir de 1870 conseguisse descobrir na república parlamentar uma fórmula exeqüível para a maior parte do tempo As rápidas alternâncias de regime Diretório 17959 Consulado 17991804 Império 180414 a restaurada Monarquia Bourbon 181530 a Monarquia Constitucional 183048 a República 184851 e o Império 185270 foram todas tentativas para se manter uma sociedade burguesa evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da república democrática jacobina e do velho regime A grande fraqueza dos termidorianos era que eles não desfrutavam de nenhum apoio político no máximo tolerância espremidos como estavam entre uma revivida reação aristocrática e os pobres sansculottes jacobinos de Paris que logo se arrependeram da queda de Robespierre Em 1795 projetaram uma elaborada constituição de controles e balanços para se resguardarem de ambos e as periódicas viradas para a direita e a esquerda os mantiveram em precário equilíbrio mas cada vez mais tinham que depender do exército para dispersar a oposição Era uma situação curiosamente semelhante à da Quarta República e o resultado foi semelhante o governo de um general Mas o Diretório dependia do exército para algo mais do que a supressão de golpes e conspirações periódicas várias em 1795 a de Babeuf em 1796 a do Frutidor em 1797 a do Floreai em 1798 e a da Pradaria em 1799 A inatividade era a única garantia segura de poder parajam regime fraco e impopular mas a classe média necessitava de iniciativa e de expansão O exército resolveu este problema aparentemente insolúvel Ele conquistou pagouse a si mesmo e mais do que isto suas pilhagens e conquistas resgataram o governo Teria sido surpreendente que em consequência o mais inteligente e capaz dos líderes do exército Napoleão Bonaparte tivesse decidido que o exército podia prescindir totalmente do débil regime civil Este exército revolucionário foi o mais formidável rebento da República Jacobina De um levée en masse de cidadãos revolucionários ele logo se transformou em uma força de combatentes profissionais pois não houve recrutamento entre 1793 e 1798 e os que não tinham gosto ou talento para o militarismo desertaram em massa Portanto ele reteve as características da Revolução e adquiriu as características do interesse estabelecido a típica mistura bonapartista A Revolução deulhe sua superioridade militar sem precedentes que o soberbo generalato de Napoleão viria a explorar Ele sempre permaneceu uma espécie de leva improvisada de soldados no qual recrutas maltreinados adquiriam treinamento e moral através de velhos e cansativos exercícios em que era desprezível a disciplina formal de caserna em que os soldados eram tratados como homens e a regra absoluta de promoção por méritos que significavam distinção na batalha produziu uma hierarquia simples de coragem Isto e o senso de arrogante missão revolucionária fizeram o exército francês independente dos recursos sobre os quais se apoiavam forças mais ortodoxas Ele jamais construiu um sistema efetivo de suprimento pois se apoiava nos campos Jamais foi amparado por uma indústria de armamentos minimamente adequada a suas necessidades triviais mas ele venceu suas batalhas tão rapidamente que necessitava de poucas armas em 1806 a grande máquina do exército prussiano ruiu perante um exército em que uma unidade militar inteira disparou somente 1400 tiros de canhão Os generais podiam confiar em uma coragem ofensiva ilimitada e em uma quantidade razoável de iniciativa local Reconhecidamente ele também tinha a fraqueza de suas origens Com a exceção de Napoleão e pouquíssimos outros seu generalato e estadomaior eram pobres pois o general revolucionário ou o marechal napoleônico era bem provavelmente um duro primeirosargento ou uma espécie de oficial de companhia promovido antes por bravura e liderança do que por inteligência o Marechal Ney heróico mas totalmente imbecil era o tipo exato Napoleão venceu batalhas seus marechais sozinhos tendiam a perdêlas Seu precário sistema de suprimento bastava nos países ricos e saqueáveis onde tinha sido desenvolvido Bélgica norte da Itália e Alemanha Nos espaços áridos da Polónia e da Rússia como veremos ele ruiu A ausência total de serviços sanitários multiplicava as baixas entre 1800 e 1815 Napoleão perdeu 40 de suas forças embora cerca de umterço pela deserção mas entre 90 e 98 destas perdas eram de homens que morreram não no campo de combate mas sim devido a ferimentos doenças exaustão e frio Em resumo foi um exército que conquistou toda a Europa em curtas e vigorosas rajadas não apenas porque podia fazêlo mas porque tinha que fazêlo Por outro lado o exército era uma carreira como qualquer outra das muitas abertas ao talento pela revolução burguesa e os que nele obtiveram sucesso tinham um interesse investido na estabilidade interna como qualquer outro burguês Foi isto que fez do exército a despeito de seu jacobinismo embutido um pilar do governo póstermidoriano e de seu líder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revolução burguesa e começar o regime burguês O próprio Napoleão Bonaparte embora cavalheiro de nascimento pelos padrões de sua bárbara ilha natal da Córsega era um carreirista típico daquela espécie Nascido em 1769 ambicioso descontente e revolucionário subiu vagarosamente na artilharia um dos poucos ramos do exército real em que a competência técnica era indispensável Durante a Revolução e especialmente sob a ditadura jacobina que ele apoiou firmemente foi reconhecido por um comissário local em um fronte de suma importância por casualidade um patrício da Córsega fato que dificilmente pode ter abalado suas intenções como um soldado de dons esplêndidos e muito promissor O Ano II fez dele um general Sobreviveu à queda de Robespierre e um dom para o cultivo de ligações úteis em Paris ajudouo em sua escalada após este momento difícil Agarrou a sua chance na campanha italiana de 1796 que fez dele o inquestionado primeiro soldado da República que agia virtualmente independente das autoridades civis O poder foi meio atirado sobre seus ombros e meio agarrado por ele quando as invasões estrangeiras de 1799 revelaram a fraqueza do Diretório e a sua própria indispensabilidade Tornouse primeiro cônsul depois cônsul vitalício e Imperador E com sua chegada como que por milagre os insolúveis problemas do Diretório se tornaram solúveis Em poucos anos a França tinha um Código Civil uma concordata com a Igreja e até mesmo o mais significativo símbolo da estabilidade burguesa um Banco Nacional E o mundo tinha o seu primeiro mito secular Os leitores mais velhos ou os de países antiquados conhecem o mito napoleônico tal como ele existiu durante o século em que nenhuma sala da classe média estava completa sem o seu busto e talentos panfletários podiam afirmar mesmo como piada que ele não era um homem mas um deussol O extraordinário poder deste mito não pode ser adequadamente explicado nem pelas vitórias napoleônicas nem pela propaganda napoleônica ou tampouco pelo próprio gênio indubitável de Napoleão Como homem ele era inquestionavelmente muito brilhante versátil inteligente e imaginativo embora o poder o tivesse tornado sórdido Como general não teve igual como governante foi um planejador chefe e executivo soberbamente eficiente e um intelectual suficientemente completo para entender e supervisionar o que seus subordinados faziam Como indivíduo parece ter irradiado um senso de grandeza mas a maioria dos que deram esse testemunho por exemplo Goethe viramno no auge de sua fama quando o mito já o tinha envolvido Foi sem sombra de dúvidas um grande homem e talvez com a exceção de Lênin seu retrato é o que a maioria das pessoas razoavelmente instruídas mesmo hoje reconheceriam mais prontamente numa galeria de personagens da história ainda que somente pela tripla marca registrada do tamanho pequeno do cabelo escovado para a frente sobre a testa e da mão enfiada no colete entreaberto Talvez não tenha sentido fazer uma comparação dele em termos de grandeza com candidatos a esse título no século XX Pois o mito napoleônico baseiase menos nos méritos de Napoleão do que nos fatos então sem paralelo de sua carreira Os homens que se tornaram conhecidos por terem abalado o mundo de forma decisiva no passado tinham começado como reis como Alexandre ou patrícios como Júlio César mas Napoleão foi o pequeno cabo que galgou o comando de um continente pelo seu puro talento pessoal Isto não foi estritamente verdadeiro mas sua ascensão foi suficientemente meteórica e alta para tornar razoável a descrição Todo jovem intelectual que devorasse livros como o jovem Bonaparte o fizera escrevesse maus poemas e romances e adorasse Rousseau poderia a partir daí ver o céu como o limite e seu monograma enfaixado em lauréis Todo homem de negócios daí em diante tinha um nome para sua ambição ser os próprios clichés o denunciam um Napoleão das finanças ou da indústria Todos os homens comuns ficavam excitados pela visão então sem paralelo de um homem comum que se tornou maior do que aqueles que tinham nascido para usar coroas Napoleão deu à ambição um nome pessoal no momento em que a dupla revolução tinha aberto o mundo aos homens de vontade E ele foi mais ainda Foi um homem civilizado do século XVIII racionalista curioso iluminado mas também discípulo de Rousseau o suficiente para ser ainda o homem romântico do século XIX Foi o homem da Revolução e o homem que trouxe estabilidade Em síntese foi a figura com que todo homem que partisse os laços com a tradição podiase identificar em seus sonhos Para os franceses ele foi também algo bem mais simples o mais bemsucedido governante de sua longa história Triunfou gloriosamente no exterior mas em termos nacionais também estabeleceu ou restabeleceu o mecanismo das instituições francesas como existem até hoje Reconhecidamente a maioria de suas ideias talvez todas foram previstas pela Revolução e o Diretório sua contribuição pessoal foi fazêlas um pouco mais conservadoras hierárquicas e autoritárias Mas seus predecessores apenas previram ele realizou Os grandes monumentos de lucidez do direito francês os Códigos que se tornaram modelos para todo o mundo burguês exceto o anglosaxão foram napoleônicos A hierarquia dos funcionários a partir dos prefeitos para baixo das cortes das universidades e escolas foi obra sua As grandes carreiras da vida pública francesa o exército o funcionalismo público a educação e o direito ainda têm formas napoleônicas Ele trouxe estabilidade e prosperidade para todos exceto para os 2S0 mil franceses que não retornaram de suas guerras embora mesmo para os parentes deles tivesse trazido a glória Sem dúvida os britânicos se viam como lutadores pela causa da liberdade contra a tirania mas em 1815a maioria dos ingleses era mais pobre do que o fora em 1800 enquanto que a maioria dos franceses era quase que certamente mais rica e ninguém exceto os trabalhadores assalariados cujo número era insignificante tinha perdido os substanciais benefícios econômicos da Revolução Há pouco mistério quanto à persistência do bonapartismo como uma ideologia de franceses apolíticos especialmente dos camponeses mais ricos depois da queda do ditador Foi necessário um segundo Napoleão menor entre 1851 e 1870 para dissipála Ele destruíra apenas uma coisa a Revolução Jacobina o sonho de igualdade liberdade e fraternidade do povo se erguendo na sua grandiosidade para derrubar a opressão Este foi um mito mais poderoso do que o dele pois após a sua queda foi isto e não a sua memória que inspirou as revoluções do século XIX inclusive em seu próprio país Capítulo Quatro A Guerra Numa época de inovação tudo o que não é novo é pernicioso A arte militar da monarquia não nos serve mais pois somos homens diferentes e temos inimigos diferentes O poder e as conquistas dos povos o esplendor de sua política e de suas guerras sempre dependeram de um único princípio e de uma única instituição poderosa Nossa nação já tem um caráter nacional próprio Seu sistema militar deve ser diferente do de seus inimigos Muito bem Então se a nação francesa e terrível devido ao nosso ardor e capacidade e se nossos inimigos são desastrados lentos e frios então nosso sistema militar deve ser impetuoso SaintJust Rapport présenté à la Convention Nationale au nom du Comité de Salut Public 19 du premier mois de lan II 10 de outubro de 1793 Não é verdade que a guerra seja determinada por princípio divino não é verdade que a terra tenha sede de sangue O próprio Deus amaldiçoa a guerra como o fazem também os homens que a empreendem e que a suportam em secreto horror Alfred de Vigny Servitude et grandeur militaires I De 1792 a 1815 houve guerra quase que ininterrupta na Europa em combinação ou simultaneamente com outras guerras fora do continente nas Antilhas Levante e índia na década de 1790 e princípios de 1800 algumas operações navais depois em várias partes e nos EUA em 181214 As conseqüências da vitória ou da derrota nestas guerras foram consideráveis pois elas transformaram o mapa do mundo Precisamos portanto considerálas primeiro Mas teremos também que considerar um problema menos tangível Quais foram as consequências do processo bélico efetivo da mobilização e das operações militares das medidas políticas e econômicas resultantes delas Dois tipos muito diferentes de beligerantes confrontaramse durante aqueles 20 anos os poderes e os sistemas A França como Estado com seus interesses e aspirações enfrentou ou aliouse a outros Estados do mesmo tipo mas por outro lado a França como Revolução inspirava os outros povos do mundo a derrubarem a tirania e a abraçarem a liberdade sofrendo em consequência a oposição das forças conservadoras e reacionárias Sem dúvida depois dos primeiros anos apocalípticos de guerra revolucionária a diferença entre estas duas linhas de conflito diminuiu Ao final do reinado de Napoleão o elemento conquista e exploração imperial prevalecia sobre o elemento libertação sempre que as tropas francesas derrotavam ocupavam ou anexavam algum país e assim a guerra internacional ficava muito menos mesclada com a guerra civil internacional e em cada caso doméstica Por outro lado os poderes contra revolucionários estavam resignados à irreversibilidade de muitas das conquistas da revolução na França e consequentemente prontos a negociar a paz dentro de certas condições sem se colocar como a luz entre a escuridão mas considerando o interlocutor como um poder normalmente estabelecido Eles estavam até mesmo algumas semanas após a primeira derrota de Napoleão dispostos a readmitir a França como um participante igual no tradicional jogo de aliança contraaliança blefe ameaça e guerra em que a diplomacia regulava as relações entre os grandes Estados Não obstante a natureza binária das guerras como conflito tanto entre Estados como entre sistemas sociais permaneceu Socialmente falando os beligerantes estavam muito desigualmente divididos Excetuando a própria França havia somente um Estado importante cujas origens e simpatias revolucionárias para com a Declaração dos Direitos do Homem poderiam darlhe uma inclinação ideológica para o lado francês os Estados Unidos da América De fato os EUA penderam para o lado francês e em pelo menos uma ocasião 181214 fizeram uma guerra se não em aliança com a França pelo menos contra um inimigo comum os britânicos Entretanto os EUA permaneceram na maioria das vezes neutros e seu conflito com os britânicos não exige qualquer explicação ideológica No resto os aliados ideológicos da França eram partidos e correntes de opinião dentro de outros Estados e não poderes estatais De uma maneira bastante ampla praticamente toda pessoa instruída esclarecida e de talento simpatizava com a Revolução pelo menos até a ditadura jacobina e muitas vezes bem depois dela Beethoven só revogou a dedicatória da Sinfonia Heróica a Napoleão depois que ele se tornou imperador A lista dos gênios e talentos europeus que inicialmente apoiavam a Revolução pode ser comparada com a simpatia semelhante e quase que universal pela República Espanhola na década de 1930 Na GrãBretanha esta lista incluía os poetas Wordsworth Blake Coleridge Robert Burns Southey os cientistas o químico Joseph Priestley e vários membros da distinta Sociedade Lunar de Birmingham tecnólogos e industriais como Wilkinson o capitão do ferro e o engenheiro Thomas Telford e ainda intelectuais membros do partido Whig e dissidentes em geral Na Alemanha incluía os filósofos Kant Herder Fichte Schelling e Hegel os poetas Schiller Hoelderlin Wieland e o idoso Klopstock além do músico Beethoven na Suíça o educador Pestalozzi o psicólogo Lavater e o pintor Fuessli Fuseli na Itália praticamente todas as pessoas de opiniões anticlericais Entretanto embora a Revolução se sentisse cativada por este apoio intelectual e por tão honrados e eminentes simpatizantes estrangeiros e por aqueles que acreditava estarem a favor de seus princípios a ponto de concederlhes a cidadania francesa honorária nem Beethoven ou Robert Burns tinham em si mesmos muita importância política ou militar Um sério sentimento político próFrança ou filojacobino existia em geral em certas áreas contíguas à França onde as condições sociais eram semelhantes ou os contatos culturais permanentes como os Países Baixos a Renânia a Suíça e a Savóia na Itália e por razões um tanto diferentes na Irlanda e na Polónia Na GrãBretanha o jacobinismo teria sido indubitavelmente um fenómeno de importância política maior até mesmo depois do Terror se não tivesse se chocado com o tradicional preconceito antifrancês do nacionalismo popular inglês composto igualmente do robusto desprezo pelos famintos continentais todos os franceses nas charges populares da época eram magros como palitos de fósforos e da hostilidade ao que afinal de contas era o inimigo hereditário da Inglaterra embora também aliado hereditário da Escócia O jacobinismo britânico foi único por ser primordialmente um fenómeno de artesãos ou da classe operária pelo menos depois que tinha passado o primeiro entusiasmo geral As Sociedades Correspondentes Corresponding Societies podem reivindicar o fato de serem as primeiras organizações políticas independentes da classe trabalhadora Mas a classe trabalhadora encontrou uma voz de força sem paralelo nos Direitos do Homem de Tom Paine que talvez tenha vendido um milhão de cópias e algum apoio político de interesses ligados ao partido Whig imunes de perseguições devido a sua riqueza e posição social e que estavam prontos a defender as tradições britânicas de liberdade civil e o desejo de uma paz negociada com a França Não obstante a verdadeira fraqueza do jacobinismo britânico é indicada pelo fato de que a própria esquadra que se amotinou em Spithead num estágio crucial da guerra 1797 clamou por permissão para lutar contra os franceses assim que viu satisfeitas suas exigências econômicas Na Península Ibérica nos domínios dos Habsburgo na Alemanha Central e Oriental na Escandinávia nos Bálcans e na Rússia o filojacobinismo era uma força insignificante Atraía alguns jovens ardentes alguns intelectuais iluministas e mais uns poucos que como Inácio Martinovics na Hungria ou Rhigas na Grécia ocupam os lugares de honra de precursores na história da luta de seus países pela libertação nacional ou social Mas a ausência de qualquer apoio de vulto para suas opiniões entre as classes média e alta para não mencionarmos seu isolamento do fanático campesinato analfabeto fez com que o jacobinismo fosse facilmente suprimível mesmo quando como na Áustria atreveuse a uma conspiração Teria que se passar uma geração até que a forte e militante tradição liberal espanhola emergisse das poucas e diminutas conspirações estudantis ou dos emissários jacobinos de 17925 A verdade é que na maior parte o jacobinismo no exterior exerceu um apelo ideológico direto sobre as classes instruídas e média e portanto sua força política dependia da capacidade ou vontade que essas classes tinham de usálo A França era de há muito o principal poder estrangeiro em quem os poloneses esperavam encontrar apoio contra a cobiça conjunta dos prussianos russos e austríacos que já tinham anexado vastas áreas do país e logo viriam a dividilo inteiramente entre si A França também fornecia um modelo do único tipo de profunda reforma interna que na opinião de todos os poloneses pensantes podia dar ao país condições de resistir aos seus açougueiros Logo não é muito surpreendente que a constituição da Reforma de 1791 tenha sido influenciada profunda e conscientemente pela Revolução Francesa foi a primeira das modernas constituições a mostrar esta influência Mas na Polónia a pequena e a alta nobreza reformadoras tinham as mãos livres Na Hungria onde o conflito endémico entre Viena e os autonomistas locais fornecia um incentivo análogo para que os cavalheiros do interior se interessassem por teorias de resistência o condado de Gõmõr exigia a abolição da censura por ser contrária ao Contrato Social de Rousseau isso não acontecia Consequentemente o jacobinismo era mais fraco e menos eficaz Por outro lado na Irlanda o descontentamento agrário e nacional deu ao jacobinismo uma força política muito além do apoio efetivo de que desfrutava a ideologia maçónica e livrepensadora dos líderes dos Irlandeses Unidos Eram rezadas missas pela vitória dos ímpios franceses num país eminentemente católico e os irlandeses estavam preparados para saudar a invasão de seu país pelas forças francesas não porque simpatizassem com Robespierre mas porque odiavam os ingleses e buscavam aliados contra eles Na Espanha por sua vez onde tanto o catolicismo quanto a pobreza eram proeminentes o jacobinismo fracassou em obter um ponto de apoio pela razão oposta nenhum estrangeiro oprimia os espanhóis e os únicos capazes de fazêlo eram os franceses Nem a Polónia nem a Irlanda eram exemplos típicos do filojacobinismo pois o verdadeiro programa da Revolução pouco lhes atraía O programa só era atraente em países com problemas políticos e sociais semelhantes aos da França Estes se enquadram em dois grupos Estados em que o jacobinismo nativo tinha uma razoável chance de lutar pelo poder político e Estados em que somente a conquista francesa poderia fazêlos avançar Os Países Baixos partes da Suíça e possivelmente um ou dois Estados italianos pertenciam ao primeiro grupo já a maior parte da Alemanha Ocidental e da Itália pertenciam ao segundo A Bélgica a Holanda austríaca já estava rebelada em 1789 frequentemente se esquece que Camille Desmoulins chamou seu jornal de Les Révolutions de La France et de Brabant O grupo prófrancês dos revolucionários os democratas Vonckists era sem dúvida mais fraco que os conservadores Statists mas era suficientemente forte para produzir um autêntico apoio revolucionário para a conquista francesa de seu país que eles favoreceram Nas Províncias Unidas os patriotas buscando uma aliança com a França eram poderosos o bastante para considerar a hipótese de uma revolução embora tivessem dúvidas se ela poderia ser bem sucedida sem auxílio externo Eles representavam a classe média inferior e outros se levantavam contra as oligarquias dominantes dos grandes mercadores aristocratas Na Suíça o elemento esquerdista em certos cantões protestantes fora sempre forte e a atração da França sempre poderosa Aqui também a conquista francesa suplementou e não criou as forças revolucionárias locais Na Alemanha Ocidental e na Itália isso não aconteceu A invasão francesa foi saudada pelos jacobinos alemães notadamente em Mainz e no sudoeste mas ninguém poderia dizer que eles estivessem razoavelmente próximos de por si mesmos poderem ao menos causar grandes problemas a seus governos Na Itália o predomínio do iluminismo e da maçonaria tornou a Revolução imensamente popular entre os cidadãos instruídos mas o jacobinismo local era provavelmente poderoso apenas no reino de Nápoles onde praticamente arrebatou toda a classe média esclarecida ie anticlerical e uma parte da pequena nobreza e estava bem organizado nas lojas maçónicas e sociedades secretas que vicejam tão bem no clima do sul da Itália Mas mesmo aí ressentiase do completo fracasso em estabelecer contato com as massas socialmente revolucionárias Uma república napolitana foi facilmente proclamada quando chegaram as notícias do avanço francês mas foi igualmente derrubada com facilidade por uma revolução social de direita sob os estandartes do Papa e do Rei porque os camponeses e os lazzaroni napolitanos definiam o jacobino com certa justiça como um homem que tem carruagem Em termos amplos portanto o valor militar do filojacobinismo estrangeiro foi principalmente o de um auxílio para a conquista francesa e uma fonte de administradores politicamente confiáveis para os territórios conquistados E de fato a tendência era de que as áreas com uma força jacobina local se transformassem em repúblicas satélites e depois quando conveniente fossem anexadas à França A Bélgica foi anexada em 1795 a Holanda transformou se na República Batava no mesmo ano e eventualmente em reinado da família dos Bonaparte A margem esquerda do Reno foi anexada e no governo de Napoleão os Estados satélites como o GrãoDucado de Berg atualmente a área do Ruhr e o reino da Vestfália e a anexação direta estenderamse mais ainda pelo noroeste da Alemanha A Suíça transformouse na República Helvética em 1789 e foi posteriormente anexada Na Itália ergueuse um cordão de repúblicas a Cisalpina 1797 a Liguriana 1797 a Romana 1798 a Partenopeana 1798 que finalmente se transformaram parcialmente em territórios franceses mas predominantemente em Estados satélites o reino da Itália o reino de Nápoles O jacobinismo estrangeiro tinha alguma importância militar e os jacobinos estrangeiros dentro da França desempenharam um papel significativo na formação da estratégia republicana como notadamente o grupo Saliceti que por acaso não foi pouco responsável pela ascensão do italiano Napoleão Bonaparte dentro do exército francês e por seus sucessos posteriores na Itália Mas poucos diriam que ele ou eles foram decisivos Apenas um movimento estrangeiro pró francês poderia ter sido decisivo se tivesse sido explorado eficazmente o irlandês Uma combinação da revolução irlandesa com a invasão francesa particularmente em 17978 quando a GrãBretanha era temporariamente o único beligerante que restava contra a França bem poderia ter forçado a GrãBretanha a estabelecer a paz Mas os problemas técnicos de uma invasão por uma faixa de mar tão larga eram difíceis os esforços franceses para executála hesitantes e malconcebidos e o levante irlandês de 1798 embora desfrutasse de maciço apoio popular foi mal organizado e facilmente suprimido Especular sobre as possibilidades teóricas de operações francoirlandesas é portanto inútil Mas se os franceses contavam com o apoio das forças revolucionárias no exterior os antifranceses também o desfrutavam Pois não se pode negar aos espontâneos movimentos de resistência popular contra a conquista francesa um componente sóciorevolucionário mesmo quando os camponeses que os desencadeavam o expressassem em termos de um militante conservadorismo baseado na Igreja e no Rei É significativo que a tática militar que em nosso século se tornou mais plenamente identificada com a guerra revolucionária a guerrilha fosse entre 1792 e 1815 um recurso quase exclusivo do lado antifrancês Na própria França a Vendéia e os chouans da Bretanha sustentaram com interrupções uma guerra de guerrilhas monarquista de 1793 até 1802 No exterior os bandoleiros do sul da Itália foram provavelmente em 17989 os pioneiros das ações antifrancesas de guerrilha popular Os tiroleses sob a liderança do coletor de impostos Andreas Hofer em 1809 mas sobretudo os espanhóis a partir de 1808 e até certo ponto os russos em 181213 praticaramna com considerável sucesso Paradoxalmente a importância militar desta tática revolucionária para os antifranceses foi quase certamente maior do que a importância militar do jacobinismo estrangeiro para os franceses Nenhuma área fora das fronteiras da própria França manteve um governo jacobino por um momento sequer após a derrota ou retirada das tropas francesas mas o Tirol a Espanha e até certo ponto o sul da Itália apresentaram um problema militar mais sério do que antes para os franceses após a derrota de seus exércitos e governadores A razão é óbvia nessas áreas os movimentos contra a conquista francesa eram movimentos camponeses Onde o nacionalismo antifrancês não se baseou nos camponeses sua importância militar foi desprezível O patriotismo retrospectivo criou uma guerra de libertação alemã em 181314 mas podemos seguramente dizer que na medida em que se supõe que isso se baseou numa resistência popular aos franceses é pura ficção Na Espanha o povo manteve a resistência aos franceses depois que os exércitos fracassaram na Alemanha os exércitos ortodoxos os derrotaram de uma maneira totalmente ortodoxa Socialmente falando portanto não há grande distorção se falarmos da guerra como uma guerra da França e de seus territórios vizinhos contra o resto Em termos de relações de poder ultrapassadas o alinhamento era mais complexo Aqui o conflito fundamental que dominara as relações internacionais europeias durante quase um século era entre a França e a GrãBretanha Do ponto de vista dos britânicos era um conflito quase que totalmente econômico Eles desejavam eliminar seu principal competidor para alcançar o total predomínio comercial nos mercados europeus e o controle total dos mercados coloniais e ultramarinos que por sua vez implicava o controle dos mares De fato eles alcançaram não muito menos que isso como resultado das guerras Na Europa este objetivo não implicava ambições territoriais exceto pelo controle de certos pontos de importância marítima ou a segurança de que estes não cairiam em mãos de Estados suficientemente fortes para oferecerem perigo Quanto ao resto a GrãBretanha se contentava com qualquer solução continental que mantivesse qualquer rival em potencial em cheque por outros Estados Além mar isto implicava a total destruição dos impérios coloniais de outros povos e consideráveis anexações para os britânicos Esta política era em si mesma suficiente para fornecer aos franceses alguns aliados em potencial pois todos os Estados coloniais comerciais e marítimos viamna com apreensão ou hostilidade Na verdade sua postura normal era de neutralidade pois os benefícios de se comerciar livremente em tempos de guerra são consideráveis mas a tendência britânica de encarar bem realisticamente a neutralidade do transporte marítimo como uma força a favor dos franceses e não deles levouos vez por outra ao conflito até que a política francesa de bloqueio depois de 1806 empurrouos para a direção oposta A maioria das potências marítimas era fraca demais ou se europeias demasiadamente isoladas para causar aos britânicos muitos problemas mas a guerra angloamericana de 181214 foi o resultado desse conflito A hostilidade francesa à GrãBretanha era um pouco mais complexa mas a sua corrente que como os britânicos exigia uma vitória total foi grandemente fortalecida pela Revolução o que trouxe ao poder uma burguesia francesa cujos apetites eram a seu modo tão ilimitados quanto os dos britânicos No mínimo a vitória sobre os britânicos exigia a destruição do comércio britânico do qual se acreditava corretamente que a GrãBretanha dependia e uma salvaguarda contra a futura recuperação britânica sua permanente destruição O paralelo entre o conflito francobritânico e o romanocartaginês estava na mente dos franceses cuja percepção política era em grande parte clássica De uma maneira mais ambiciosa a burguesia francesa podia esperar compensar a evidente superioridade econômica britânica somente através de seus próprios recursos políticos e militares por exemplo criando para si mesma um vasto mercado cativo do qual seus rivais fossem excluídos Ambas estas considerações emprestavam ao conflito francobritânico uma persistência e obstinação diferentes das de quaisquer outros Nenhum dos lados estava realmente coisa rara naqueles dias embora comum nos dias de hoje preparado para se satisfazer com menos do que a vitória total O único breve período de paz entre os dois 18023 chegou a um fim pela relutância de ambos em mantêlo Isto foi tanto mais notável porque a situação puramente militar impunha uma paralisação ficou claro a partir dos últimos anos da década de 1790 que os britânicos não podiam efetivamente chegar até o continente e que os franceses não podiam efetivamente sair dele As outras potências antifrancesas estavam engajadas em uma espécie menos assassina de luta Todas elas esperavam derrubar a Revolução Francesa embora não às custas de suas próprias ambições políticas mas depois de 17925 isto se tornou claramente impraticável A Áustria cujas laços familiares com os Bourbon foram reforçados pela ameaça francesa direta a suas possessões e áreas de influência na Itália e à sua posição de liderança na Alemanha era o país mais consistentemente antifrancês e tomou parte em todas as principais coalizões contra a França A Rússia foi intermitentemente antifrancesa passando à guerra somente em 17951800 18057 e 1812 A Prússia achavase dividida entre uma simpatia a favor do lado contra revolucionário uma desconfiança em relação à Áustria e suas próprias ambições na Polónia e na Alemanha que se beneficiavam da iniciativa francesa De forma que entrou em guerra contra a França apenas ocasionalmente e de uma maneira semiindependente em 17925 18067 quando foi pulverizada e 1813 A política do resto dos Estados que de tempos em tempos entravam em coalizões antifrancesas mostra flutuações comparáveis Eles eram contra a Revolução mas sendo a política o que é tinham também outros problemas a resolver e nada em seus interesses estatais impunha uma permanente e resoluta hostilidade à França especialmente a uma França vitoriosa que determinava as periódicas redistribuições do território europeu Estes permanentes interesses e ambições diplomáticas dos Estados europeus também deram aos franceses um número de aliados em potencial pois em todo sistema permanente de Estados em tensão e rivalidade uns contra os outros a inimizade de A implica a simpatia dos antiA Destes os de maior confiança eram os príncipes germânicos de menor importância cujos interesses eram de há muito normalmente em aliança com a França enfraquecer o poder do Imperador i e da Áustria sobre os principados ou que sofriam com o crescimento do poder prussiano Os Estados do sudoeste alemão Baden Wurtemberg Bavária que se transformaram no núcleo da Confederação Napoleônica do Reno 1806 e o velho rival e vítima da Prússia a Saxônia eram os mais importantes A Saxônia de fato foi o último e mais leal aliado de Napoleão um fato também parcialmente explicável por seus interesses econômicos pois na qualidade de um centro manufatureiro desenvolvido ela se beneficiava do sistema continental napoleônico Ainda assim mesmo levando em conta as divisões do lado antifrancês e o potencial de aliados que os franceses poderiam atrair no papel as coalizões antifrancesas eram invariavelmente muito mais fortes que as francesas pelo menos no início Contudo a história militar das guerras é uma história de quase ininterrupta e sufocante vitória francesa Após a combinação inicial de ataque estrangeiro e contrarevolução doméstica ter sido derrotada 1793 4 houve só um curto período antes do fim em que os exércitos franceses ficaram seriamente na defensiva em 1799 quando a segunda coalizão mobilizou o formidável exército russo sob o comando de Suvorov para suas primeiras operações na Europa Ocidental Para todos os fins práticos a lista de campanhas e batalhas terrestres entre 1794 e 1812 é uma lista de triunfo francês praticamente ininterrupto A razão está na Revolução ocorrida na França Sua radiação política no exterior não foi como vimos decisiva No máximo poderíamos dizer que ela evitou que as populações dos Estados reacionários resistissem aos franceses que lhes trouxeram liberdade mas na verdade a estratégia e a tática militares dos Estados ortodoxos do século XVIII não esperavam nem desejavam a participação civil nas guerras Frederico o Grande disse com firmeza a seus leais berlinenses que se ofereceram para lutar contra os russos para deixar a guerra aos profissionais a quem ela pertencia Mas isto transformou a ação bélica dos franceses e os fez incomensuravelmente superiores aos exércitos do velho regime Tecnicamente os velhos exércitos eram melhor treinados e disciplinados c onde estas qualidades eram decisivas como na guerra naval os franceses foram sensivelmente inferiores Eles eram bons corsários e rápidos incursores mas não podiam compensar a falta de um número suficiente de marujos treinados e sobretudo de oficiais navais competentes classe que havia sido dizimada pela Revolução pois constituíase amplamente de elementos provenientes da pequena nobreza normanda e bretã e que não podia ser rapidamente improvisada Em seis grandes e oito pequenas batalhas navais entre os britânicos e os franceses as baixas francesas foram cerca de dez vezes maiores que as dos ingleses Mas no que tange à organização improvisada mobilidade flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta os franceses não tinham rivais Estas vantagens não dependiam do gênio militar de ninguém pois o saldo militar dos franceses antes que Napoleão tomasse o poder era bastante impressionante e a qualidade média do generalato francês não era excepcional Mas isto deve ter em parte dependido do rejuvenescimento dos quadros militares franceses dentro e fora do país o que é uma das principais consequências de qualquer revolução Em 1806 de 142 generais do poderoso exército prussiano 79 tinham mais de 60 anos de idade bem como umquarto de todos os comandantes de regimentos Mas em 1806 Napoleão que chegou a general aos 24 anos Murat que comandou uma brigada aos 26 Ney que o fez aos 27 e Davout estavam todos entre 26 e 37 anos de idade II A relativa monotonia do sucesso francês torna desnecessário discutir as operações militares de guerra terrestre com grandes detalhes Em 17934 os franceses preservaram a Revolução Em 17945 ocuparam os Países Baixos a Renânia partes da Espanha Suíça e Savóia e Ligúria Em 1796 a celebrada campanha italiana de Napoleão deulhes toda a Itália e quebrou a primeira coalizão contra a França A expedição de Napoleão a Malta Egito e Síria 17979 foi isolada de sua base pelo poderio naval britânico e em sua ausência a segunda coalizão expulsou os franceses da Itália e atirouos de volta à Alemanha A derrota dos exércitos aliados na Suíça batalha de Zurique 1799 salvou a França da invasão e logo depois do retorno de Napoleão e de sua tomada do poder os franceses estavam novamente na ofensiva Em 1801 tinham imposto a paz ao restante dos aliados continentais e em 1802 até mesmo aos britânicos Daí em diante a supremacia francesa nas regiões conquistadas ou controladas em 17948 permaneceu inquestionável Uma nova tentativa de desencadear a guerra contra eles em 18057 simplesmente estendeu a influência francesa à fronteira russa A Áustria foi derrotada em 1805 na batalha de Austerlitz na Morávia e a paz lhe foi imposta A Prússia que declarou guerra tarde e separadamente foi destruída nas batalhas de Iena e Auerstaedt em 1806 e desmembrada A Rússia embora derrotada em Austerlitz espancada em Eylau 1807 e derrotada novamente em Friedland 1807 permaneceu intacta como potência militar O Tratado de Tilsit 1807 tratavaa com justificável respeito embora estabelecendo a hegemonia francesa sobre o resto do continente à exceção da Escandinávia c dos Bálcans turcos Uma tentativa austríaca de obter a liberdade foi derrotada nas batalhas de AspernEssling e Wagram Entretanto a revolta dos espanhóis em 1808 contra a imposição do irmão de Napoleão José como seu rei abriu um campo de operações para os britânicos e manteve uma constante atividade militar na Península não afetada pelas retiradas e derrotas periódicas dos britânicos p ex em 180910 No mar entretanto os franceses estavam por esta época completamente derrotados Após a batalha de Trafalgar 1805 qualquer chance não apenas de invadir a GrãBretanha pelo Canal da Mancha como também de manter contatos ultramarinos desapareceu O único modo que parecia haver para derrotar a GrãBretanha era a pressão econômica e isto Napoleão tentou exercer eficazmente através do Sistema Continental 1806 As dificuldades de impor este bloqueio de maneira eficiente minaram a estabilidade do Tratado de Tilsit e levaram ao rompimento com a Rússia que foi o ponto decisivo da sorte de Napoleão A Rússia foi invadida e Moscou ocupada Se o czar tivesse feito a paz como a maioria dos inimigos de Napoleão tinham feito sob circunstâncias semelhantes o jogo teria terminado Mas o czar não estabeleceu a paz e Napoleão se viu diante da opção entre uma guerra interminável sem perspectiva clara de vitória ou a retirada Ambas eram igualmente desastrosas Os métodos do exército francês como vimos implicavam rápidas campanhas em áreas suficientemente ricas e densamente povoadas para que ele pudesse retirar sua manutenção da terra Mas o que funcionou na Lombardia e na Renânia onde estes processos tinham sido desenvolvidos pela primeira vez e ainda era viável na Europa Central fracassou totalmente nos amplos pobres e vazios espaços da Polónia e da Rússia Napoleão foi derrotado não tanto pelo inverno russo quanto por seu fracasso em manter o Grande Exército com um suprimento adequado A retirada de Moscou destruiu o Exército De 610 mil homens que tinham num ou noutro momento atravessado a fronteira russa 100 mil retornaram aproximadamente Nessas circunstâncias a coalizão final contra os franceses foi formada não só por seus velhos inimigos e vítimas mas também por todos os que se sentiam ansiosos por estar do lado que a esta altura aparecia claramente como o vencedor só o rei da Saxônia abandonou sua adesão à França tarde demais Um novo exército francês largamente imaturo foi derrotado em Leipzig 1813 e os aliados avançaram inexoravelmente sobre a França a despeito das brilhantes manobras de Napoleão enquanto os britânicos avançavam sobre ela a partir da Península Paris foi ocupada e o Imperador renunciou a 6 de abril de 1814 Ele tentou restaurar seu poder em 1815 mas a batalha de Waterloo junho de 1815 o liquidou III No decorrer dessas décadas de guerra as fronteiras políticas da Europa foram redesenhadas várias vezes Precisamos aqui considerar somente aquelas mundanças que de uma maneira ou de outra foram bastante permanentes para sobreviver à derrota de Napoleão A mais importante delas foi uma racionalização geral do mapa político europeu especialmente na Alemanha e na Itália Em termos de geografia política a Revolução Francesa pôs fim à Idade Média O típico Estado moderno que estivera se desenvolvendo por vários séculos é uma área ininterrupta e territorialmente coerente com fronteiras claramente definidas governada por uma só autoridade soberana e de acordo com um só sistema fundamental de administração e de leis Desde a Revolução Francesa temse entendido que o Estado moderno deva representar também uma só nação ou grupo lingüístico mas naquela época um Estado territorial soberano não implicava isto O típico Estado feudal europeu embora pudesse às vezes parecer com esse modelo como por exemplo na Inglaterra medieval não requeria essas condições Ele era padronizado muito mais com base na propriedade Exatamente como a expressão as propriedades do Duque de Bedford não implica que elas devessem constituir um único bloco nem serem todas diretamente administradas por seu dono ou mantidas sob os mesmos arrendamentos ou termos nem que os subarrendamentos devessem estar excluídos o Estado feudal da Europa Ocidental também não excluía uma complexidade que pareceria totalmente intolerável hoje em dia Em 1789 estas complexidades já eram sentidas como problemáticas Enclaves estrangeiros achavamse profundamente enraizados em alguns territórios de certos Estados como a cidade papal de Avignon na França Territórios contidos em um Estado encontravamse também por razões históricas dependentes de outro senhor que a esta altura fazia parte de outro Estado e portanto em termos modernos achavamse sob dupla jurisdição Fronteiras sob a forma de barreiras alfandegárias separavam diferentes províncias do mesmo Estado O império do Sagrado Imperador Romano compreendia seus principados particulares acumulados durante os séculos e jamais adequadamente padronizados ou unificados o chefe da Casa dos Habsburgo nem mesmo tinha um simples título para descrever seu domínio sobre todos os seus territórios até 1804 e a autoridade imperial sobre uma variedade de territórios que iam desde grandes potências por si mesmas como o reino da Prússia ele próprio não totalmente unificado como tal até 1807 passando por principados de todos os tamanhos até repúblicas de cidadesEstados independentes e cavaleiros imperiais livres cujas propriedades freqüentemente apenas alguns acres de terra não tinham senhores mais altos Cada uma dessas áreas por sua vez se bastante grande demonstrava a mesma falta de unidade territorial e de padronização dependendo dos caprichos de uma longa história de aquisições fragmentárias divisões e reunificações da herança de família O complexo de considerações econômicas administrativas ideológicas e de poder que tendem a impor um tamanho mínimo de território e população à moderna unidade de governo e que nos fazem sentir vagamente desconcertados ao pensarmos digamos na filiação do Liechtenstein à ONU ainda não se aplicavam de modo algum Consequentemente em especial na Alemanha e na Itália abundavam os Estados pequenos e anões A Revolução e as consequentes guerras aboliram muitas dessas relíquias em parte devido ao zelo revolucionário pela padronização e unificação territorial e em parte pela exposição dos Estados pequenos e fracos repetidas vezes e por um período excepcionalmente longo à gula de seus vizinhos maiores Sobreviventes formais de uma era anterior tais como o Sagrado Império Romano e a maioria das cidadesEstados e cidadesimpérios desapareceram O império morreu em 1806 as antigas repúblicas de Génova e Veneza desapareceram em 1797 e ao final da guerra as cidades alemãs livres tinham sido reduzidas a quatro Um outro típico sobrevivente medieval o Estado eclesiástico independente foise da mesma maneira como os principados episcopais de Colónia Mainz Treves Salzburgo e o resto somente os Estados papais da Itália central sobreviveram até 1870 A anexação os tratados de paz e os congressos com que a França tentou sistematicamente reorganizar o mapa político alemão em 17978 e 1803 reduziram os 234 territórios do Sagrado Império Romano não contando os cavaleiros imperiais livres e seus semelhantes a 40 na Itália onde gerações de feroz belicismo já tinham simplificado a estrutura política Estados anões existiam apenas nos confins da Itália do norte e central as mudanças foram menos drásticas Visto que a maioria destas mudanças beneficiou Estados monárquicos a derrota de Napoleão simplesmente as perpetuou A Áustria não pensaria em restaurar a República de Veneza porque obtivera seus territórios através da operação dos exércitos revolucionários franceses da mesma forma que não pensaria em abandornar Salzburgo que ela conquistou em 1803 simplesmente porque respeitava a Igreja Católica Fora da Europa é claro as mudanças territoriais das guerras foram consequência da total anexação britânica das colónias de outros povosassim como dos movimentos de libertação colonial inspirados pela Revolução Francesa p ex em São Domingos ou que se tornaram possíveis ou impostos pela separação temporária das colónias de suas metrópoles como na América espanhola e portuguesa O domínio britânico dos mares fel com que a maioria destas mudanças fossem irreversíveis tivessem elas ocorrido às custas dos franceses ou mais frequentemente dos antifranceses Igualmente importantes foram as mudanças institucionais introduzidas direta ou indiretamente pela conquista francesa No auge de seu poderio 1810 os franceses governavam diretamente como parte da França toda a Alemanha à esquerda do Reno a Bélgica a Holanda e o norte da Alemanha na direção leste até Luebeck a Savóia o Piemonte a Ligúria e a Itália a oeste dos Apeninos até as fronteiras de Nápoles e as províncias da Ilíria desde a Caríntia até a Dalmácia inclusive A família francesa e os reinos e ducados satélites cobriam ainda a Espanha o resto da Itália o resto da Renânia Vestfália e uma grande parte da Polónia Em todos estes territórios exceto talvez o GrãoDucado de Varsóvia as instituições da Revolução Francesa e do Império napoleônico foram automaticamente aplicadas ou então funcionavam como modelos óbvios para a administração local o feudalismo foi formalmente abolido os códigos legais franceses foram aplicados e assim por diante Estas mudanças provaram ser bem menos reversíveis do que a mudança de fronteiras Assim o Código Civil de Napoleão continuou sendo ou tornouse novamente a base do direito local na Bélgica na Renânia mesmo depois de sua reintegração à Prússia e na Itália Uma vez oficialmente abolido o feudalismo não mais se restabeleceu em parte alguma Visto que para os adversários inteligentes da França era evidente que tinham sido derrotados pela superioridade de um novo sistema político ou pelo menos por seu próprio fracasso em adotar reformas semelhantes as guerras produziram mudanças não só através da conquista francesa mas também através da reação contra ela em alguns casos como na Espanha por ambos os meios Os colaboradores de Napoleão os afrancesados de um lado e do outro os líderes liberais da junta antifrancesa de Cádiz imaginavam essencialmente o mesmo tipo de Espanha modernizada de acordo com os preceitos das reformas revolucionárias francesas e o que uns deixaram de alcançar os outros tentaram Um caso muito mais claro de reforma através da reação pois os liberais espanhóis foram antes de tudo reformadores e antifranceses apenas por acidente histórico foi o da Prússia onde se instituiu uma forma de libertação camponesa organizouse um exército com elementos do levée en rnasse e levaramse a termo reformas educacionais econômicas e legais inteiramente sob o impacto do colapso do exército e do Estado de Frederico em Iena e Auerstaedt e com o propósito esmagadoramente predominante de inverter aquela derrota De fato podese dizer com um pouco de exagero que nenhum Estado continental a oeste da Rússia e da Turquia e ao sul da Escandinávia emergiu dessas duas décadas de guerra com suas instituições inteiramente inalteradas pela expansão ou imitação da Revolução Francesa Até mesmo o ultrareacionário Reino de Nápoles não restabeleceu efetivamente o feudalismo legal depois que foi abolido pelos franceses Mas as mudanças de fronteiras leis e instituições governamentais não foram nada comparadas com um terceiro efeito destas décadas de guerra revolucionária a profunda transformação da atmosfera política Quando a Revolução Francesa eclodiu os governos da Europa encararamna com relativo sangue frio o simples fato de que as instituições mudassem repentinamente ocorressem insurreições dinastias fossem depostas ou reis assassinados e executados não era algo que em si mesmo chocasse os governantes do século XVIII que estavam acostumados a isso e consideravam estas mudanças em outros países primordialmente do ponto de vista de seu efeito sobre o equilíbrio do poder e sobre suas próprias posições relativas Os rebeldes que expulso de Genebra escreveu Vergennes o famoso ministro francês das Relações Exteriores do velho regime são agentes da Inglaterra enquanto que os insurretos da América mantêm esperanças de uma longa amizade conosco Minha política em relação a cada um é determinada não por seus sistemas políticos mas por sua atitude em relação à França Esta é minha razão de Estado Mas em 18 Í 5 prevalecia uma atitude totalmente diferente em relação à revolução que dominava a política dos Estados Sabiase agora que a revolução num só país podia ser um fenómeno europeu que suas doutrinas podiam atravessar as fronteiras e o que era pior que seus exércitos podiam fazer explodir os sistemas políticos de um continente Sabiase agora que a revolução social era possível que as nações existiam independentemente dos Estados os povos independentemente de seus governantes e até mesmo que os pobres existiam independentemente das classes governantes A Revolução Francesa observava De Bonald em 1796 é um acontecimento único na história A frase é enganadora ela foi um acontecimento universal Nenhum país estava imune a ela Os soldados franceses que guerrearam de Andaluzia a Moscou do Báltico à Síria sobre uma área mais vasta do que qualquer exército de conquistadores desde os mongóis e por certo mais vasta do que qualquer força militar anterior na Europa exceto os normandos estenderam a universalidade de sua revolução mais eficazmente do que qualquer outra coisa E as doutrinas e instituições que levaram consigo mesmo sob o comando de Napoleão desde a Espanha até a Ilíria eram doutrinas universais como os governos sabiam e como também os próprios povos logo viriam a saber Um bandoleiro e patriota grego expressou perfeitamente os sentimento gerais A meu ver disse Kolokotrones a Revolução Francesa e os feitos de Napoleão abriram os olhos do mundo Antes as nações sabiam de nada e as pessoas pensavam que os reis eram deuses sobres a terra e que tinham que dizer tudo que eles faziam era bem feito Devido a esta mudança de agora é mais difícil dominar o povo IV Vimos os efeitos dos vinte e tantos anos de guerra sobre a estrutura política da Europa Mas quais foram as consequências do processo bélico efetivo das mobilizações e operações militares e das medidas econômicas e políticas que delas resultaram Paradoxalmente elas foram maiores onde menos ligadas ao derramamento de sangue exceto na própria França que quase certamente sofreu mais baixas e mais perdas populacionais indiretas do que qualquer outro país Os homens do período revolucionário e napoleônico tiveram muita sorte de viver entre dois períodos de bárbaro militarismo o do século XVII e o nosso que tiveram a capacidade de devastar países de uma maneira realmente fantástica Nenhuma área afetada pelas guerras de 17921815 nem mesmo a Península Ibérica onde as operações foram mais prolongadas do que em qualquer outra parte e a represália e resistência popular fizeramnas ainda mais selvagens foi devastada como o foram partes da Europa Central e Oriental na guerra dos Trinta Anos e do Norte no século XVII ou a Suécia e a Polónia no início do século XVIII ou como grandes partes do mundo em guerras e conflagrações civis do século XX O longo período de melhoria econômica que antecedeu a 1789 fez com que a fome e suas companheiras a peste e a praga não acrescentassem muito às devastações das batalhas e dos saques pelo menos até depois de 1811 O principal período de fome ocorreu depois das guerras em 181617 As campanhas militares tendiam a ser curtas e impetuosas e os armamentos usados de artilharia relativamente leve e móvel não eram muito destrutivos segundo os padrões modernos Os cercos não eram comuns Os incêndios eram provavelmente os maiores perigos para as habitações e os meios de produção e as pequenas casas ou fazendas eram facilmente reconstruídas A única destruição material realmente difícil de reparar rapidamente em uma economia préindustrial é a das florestas ou plantações de azeitonas e frutas que levam muitos anos para crescer e não parece ter havido muita destruição desse tipo na época Consequentemente as perdas puramente humanas devidas a estas duas décadas de guerra não parecem ter sido pelos padrões modernos assustadoramente altas embora na verdade nenhum governo tenha tentado avaliálas e todas as modernas estimativas sejam vagas e não passem de puras conjecturas exceto as que se referem às baixas francesas e a alguns casos especiais Um milhão de mortos nas guerras de todo o período seria um índice favorável se comparado às perdas isoladas de qualquer um dos principais países beligerantes nos quatro anos e meio da Primeira Guerra Mundial ou mesmo aos aproximadamente 600 mil mortos da Guerra Civil Americana de 18615 Até mesmo dois milhões para mais de duas décadas de guerra generalizada não pareceria um índice particularmente assassino quando nos lembramos da extraordinária capacidade mortífera da fome e da epidemia naqueles tempos ainda em 1865 na Espanha uma epidemia de cólera segundo estimativas fez 236744 vítimas De fato nenhum país indica uma desaceleração acentuada do crescimento populacional durante este período com exceção talvez da França Para a maioria dos habitantes da Europa exceto os combatentes a guerra provavelmente não significou mais do que uma interrupção direta ocasional do cotidiano se é que chegou a significar isto As famílias do interior nos romances de Jane Austen seguiam seus afazeres como se a guerra não existisse Os Mecklenburgers de Fritz Reuter recordamse da ocupação estrangeira como anedota e não como um drama o velho Herr Kuegelgen lembrandose de sua infância na Saxônia uma das rinhas da Europa cuja situação política e geográfica atraía exércitos e batalhas como igualmente apenas a Bélgica e a Lombardia o faziam só relembrou das poucas semanas em que os exércitos marcharam sobre Dresden ou ali se aquartelaram Reconhecidamente o número de homens armados envolvidos era muito maior do que tinha sido comum em guerras anteriores embora não fosse extraordinário pelos padrões modernos Até mesmo o recrutamento não implicava a convocação de mais que uma parte dós homens capacitados o departamento francês da Costa do Ouro durante o reinado de Napoleão forneceu somente 11 mil homens de seus 350 mil habitantes ou seja 315 e entre 1800 e 1815 não mais que 7 da população da França foi recrutada contra os 21 durante o período bem mais curto da Primeira Guerra Mundial Ainda assim em números absolutos a quantidade era muito grande O levée en masse de 17934 colocou talvez 630 mil homens em armas de um recrutamento teórico de 770 mil a força militar de Napoleão durante o período de paz de 1805 era de mais ou menos 400 mil homens e no início da campanha contra a Rússia em 1812 o Grande Exército se constituía de 700 mil homens 300 mil dos quais não eram franceses sem contar as tropas francesas no resto do continente principalmente na Espanha As mobilizações permanentes dos adversários da França eram muito menores ainda que somente devido ao fato de que eles estivessem muito menos continuamente no campo de batalha com a exceção da GrãBretanha ou porque os problemas financeiros e de organização tornavam muitas vezes difícil a mobilização total por exemplo para os austríacos que em 1813 foram autorizados pelo tratado de paz de 1809 a manter um exército de 150 mil homens mas que mantinham apenas 60 mil realmente preparados para uma campanha Os britânicos por outro lado mantinham um número surpreendentemente alto de homens mobilizados No seu auge 181314 com bastante dinheiro empenhado num exército regular de 300 mil homens e mais 140 mil marinheiros e fuzileiros navais devem ter tido uma carga proporcionalmente mais pesada com suas forças militares do que os franceses As perdas eram pesadas embora não excessivamente novamente segundo os aniquiladores padrões do nosso século mas curiosamente poucas dessas perdas deveramse realmente ao inimigo Somente 6 ou 7 por cento dos marinheiros britânicos que morreram entre 1793 e 1815 sucumbiram diante dos franceses 80 morreram devido a doenças e acidentes A morte no campo de batalha era um risco pequeno somente 2 das baixas em Austerlitz e talvez 8 ou 9 das de Waterloo corresponderam de fato às mortes em combate Os riscos realmente aterradores da guerra eram a negligência a sujeira a má organização os serviços médicos deficientes e a ignorância em termos higiénicos que massacravam os feridos os prisioneiros e em propícias condições climáticas como nos trópicos praticamente todos As operações militares propriamente ditas matavam pessoas direta ou indiretamente é destruíam equipamento produtivo mas como vimos nada faziam à ponto de interferir seriamente no curso normal da vida e do desenvolvimento de um país As exigências econômicas da guerra e a guerra econômica tinham consequências muito maiores Pelos padrões do século XVIII as guerras revolucionárias e napoleônicas eram excessivamente caras e de fato seus custos chegavam a impressionar os contemporâneos talvez mais do que as perdas humanas que provocavam Certamente a queda no ónus financeiro da guerra na geração pósWaterloo foi muito mais notável do que a queda nas perdas de vidas humanas estimase que enquanto as guerras entre 1821 e 1850 custaram uma média de menos de 10 por ano do valor equivalente em 17901820 a média anual de mortes causadas pela guerra permaneceu a um nível um pouco menor que 25 do período anterior Como se pagaria este custo O método tradicional tinha sido uma combinação de inflação monetária novas emissões para pagar as contas do governo empréstimos e um mínimo de tributação especial pois os impostos criavam descontentamento público e quando tinham que ser concedidos por parlamentos ou cortes problemas políticos Mas as extraordinárias exigências e condições financeiras das guerras transformaram tudo Em primeiro lugar elas familiarizaram o mundo com o papelmoeda não conversível No continente a facilidade com que os pedaços de papel podiam ser impressos para pagar obrigações do governo provou ser irresistível O papelmoeda emitido pelo governo da Revolução Francesa 1789 foi a princípio simples obrigação do Tesouro Nacional francês com juros de 5 planejada para prever o produto da venda eventual de terras da Igreja Em poucos meses essas obrigações tinham sido transformadas em moeda corrente e cada crise Financeira sucessiva fazia com que fossem impressas em maior quantidade e se desvalorizassem mais vertiginosamente ajudadas pela crescente falta de confiança do público Ao eclodir a guerra as obrigações tinhamse desvalorizado em cerca de 40 e em junho de 1793 em cerca de dois terços O regime jacobino manteveas razoavelmente bem mas a orgia do descontrole econômico após o Termidor reduziuas progressivamente até cerca de umtricentésimo de seu valor nominal até que a bancarrota oficial do Estado em 1797 pôs um ponto final a um episódio monetário que tornou os franceses preconceituosos em relação a qualquer espécie de cédula por mais de 50 anos Os papéismoedas de outros países tiveram carreiras menos catastróficas embora por volta de 1810o papelmoeda russo tivesse caído a 20 de seu valor nominal e o austríaco duas vezes desvalorizado em 1810 e 1815 a dez Os britânicos evitavam esta forma de financiar a guerra e estavam bastante familiarizados com as cédulas para não se assustarem com elas mas mesmo assim o Banco da Inglaterra não pôde resistir à dupla pressão da vasta demanda governamental enviada em grande parte ao exterior sob a forma de empréstimos e de subsídios da corrida privada sobre seu ouro em barra e o desgaste especial de um ano de fome Em 1797 os pagamentos em ouro a clientes particulares foram suspensos e a cédula não conversível tornou se a moeda corrente de fato a nota de uma libra foi um dos resultados disso A libra de papel nunca se desvalorizou tão seriamente como as moedas continentais sua marca mais baixa foi 71 do seu valor nominal e por volta de 1817 estava de volta a 98 mas durou muito mais do que se tinha previsto Só a partir de 1821 é que os pagamentos em dinheiro foram reiniciados plenamente A outra alternativa à tributação eram os empréstimos mas o desconcertante aumento da dívida pública produzido pelos gastos de guerra surpreendentemente pesados e longos assustava até mesmo os países mais prósperos ricos e financeiramente sofisticados Após cinco anos financiando a guerra essencialmente através de empréstimos o governo britânico foi forçado a dar um passo espantoso e sem precedentes pagar o esforço bélico com a tributação direta introduzindo um imposto de renda com este propósito 17991816 A crescente riqueza do país tornou isto viável e o custo da guerra desde então foi essencialmente coberto através da renda corrente Se uma tributação adequada tivesse sido imposta desde o começo a dívida nacional não teria subido de 228 milhões de libras em 1793 para 876 milhões de libras em 1816 e a cobrança anual da dívida de 10 milhões de libras em 1792 para 30 milhões em 1815 que foi maior que o gasto total do governo no último ano antes da guerra As consequências sociais deste endividamento foram muito grandes pois de fato ele funcionou como um funil por desviar enormes quantias dos impostos pagos pela população em geral para os bolsos da pequena classe de ricos portadores de fundos contra os quais portavozes dos pobres e dos pequenos comerciantes e fazendeiros como William Cobbett lançaram seus trovões jornalísticos No exterior os empréstimos eram levantados principalmente pelo menos do lado antifrancês junto ao governo britânico que há muito seguia uma política de subsídio aos aliados militares entre 1794 e 1804 foram emprestados 80 milhões de libras com este fim Os principais beneficiários diretos eram as casas financeiras internacionais britânicas ou estrangeiras que operavam cada vez mais através de Londres que se tornou o centro internacional das finanças como a Casa dos Rothschild e dos Baring que funcionavam como intermediárias nestas transações Meyer Amschel Rothschild o fundador mandou seus filho Nathan de Frankfurt para Londres em 1798 A época de ouro destes financistas internacionais veio depois das guerras quando financiaram os maiores empréstimos destinados a ajudar os velhos regimes a se recuperarem da guerra e os novos regimes a se estabilizarem Mas os alicerces da época em que os Baring e os Rothschild dominaram o mundo financeiro como ninguém o fizera desde os grandes bancos alemães do século XVI foram construídos durante as guerras Entretanto os aspectos técnicos das finanças em períodos de guerra são menos importantes do que o efeito econômico geral do grande desvio de recursos dos tempos de paz para usos militares que uma grande guerra requer É evidentemente errado considerar o esforço de guerra como totalmente baseado na economia civil ou feito às suas custas As forças armadas podem até certo ponto mobilizar somente os homens que de outra forma estariam desempregados ou que seriam mesmo não empregáveis dentro dos limites da economia A indústria de guerra embora a curto prazo desviando homens e materiais do mercado civil pode a longo prazo estimular desenvolvimentos que considerações ordinárias de lucro em termos de paz teriam negligenciado Este foi sabidamente o caso das indústrias de ferro e aço que como vimos no capítulo 2 não tinham possibilidades de expansão rápida comparáveis às das indústrias têxteis de algodão e portanto tradicionalmente confiavam no governo e na guerra para seus estímulos Durante o século XVIII escreveu Dionísio Lardner em 1831 a fundição de ferro tornouse quase que identificada com a fabricação de canhões Podemos portanto considerar parte do desvio de recursos de capital dos usos em tempos de paz como um investimento a longo prazo em indústrias de bens de capital e de desenvolvimento técnico Entre as inovações tecnológicas criadas desta forma pelas guerras napoleônicas e revolucionárias estavam a indústria do açúcar de beterrraba no continente como um substituto para o açúcar de cana importado das Antilhas e a indústria de alimentos enlatados que nasceu da busca pela marinha britânica de alimentos que pudessem ser indefinidamente conservados a bordo Não obstante fazendose todas as concessões uma grande guerra de fato significa um grande desvio de recursos e podia mesmo significar em condições de bloqueio mútuo uma competição entre os setores econômicos do tempo de guerra e do tempo de paz pelos mesmos escassos recursos Uma consequência óbvia desta competição é a inflação e sabemos que de fato o período de guerra aumentou vertiginosamente o nível dos preços que durante o século XVIII cresciam vagarosamente embora em alguns casos este fato tenha sido ocasionado pela desvalorização monetária Em si mesmo este fato implica ou reflete uma certa redistribuição de renda que tem conseqüências econômicas por exemplo mais para os homens de negócios e menos para os assalariados visto que os salários ficam sempre atrás dos preços e mais para a agricultura que sabidamente se beneficia com a alta dos preços durante a guerra e menos para as manufaturas Consequentemente o fim da demanda de guerra que libera uma massa de recursos inclusive de homens até então empregada pela guerra para o mercado do tempo de paz trouxe como sempre problemas de reajustamento proporcionalmente mais intensos Para tomarmos um exemplo óbvio entre 1814 e 1818 o poderio do exército britânico foi reduzido em cerca de 150 mil homens ou mais do que a população de Manchester na época e o preço do trigo caiu de 1085 shillings por quarto de peso em 1813 para 642 shillings em 1815 De fato sabemos que o período de ajustamento do pósguerra foi de dificuldades econômicas anormais em toda a Europa intensificadas ainda mais pelas desastrosas colheitas de 181617 Devemos entretanto fazer uma pergunta mais genérica Até que ponto o desvio de recursos devido à guerra impediu ou desacelerou o desenvolvimento econômico dos diferentes países Evidentemente esta pergunta é de particular importância para a França e a GrãBretanha as duas principais potências econômicas e as que carregavam o fardo econômico mais pesado O fardo francês foi devido não tanto à guerra em seus últimos estágios pois esta estava planejada em grande parte para se pagar a si mesma às custas dos estrangeiros cujos territórios os exércitos conquistadores saqueavam ou confiscavam e aos quais impunham o recrutamento de homens dinheiro e material Cerca de metade dos impostos italianos foram para os franceses em 180512 O fardo provavelmente não era eliminado com isso mas ficava evidentemente mais leve tanto em termos monetários como em termos reais do que se isso não tivesse ocorrido A verdadeira quebra da economia francesa deveuse à década da revolução da guerra civil e do caos que por exemplo reduziram o número de transações das manufaturas do Sena Inferior Ruão de 41 para 15 milhões entre 1790 e 1795 é o número de seus trabalhadores de 246 mil para 86 mil A isto devemos acrescentar a perda do comércio ultramarino devido ao controle britânico dos mares O fardo britânico deveuse ao custo de suportar não só o próprio esforço de guerra do país mas também através de seus tradicionais subsídios aos aliados continentais um pouco do de outros Estados Em termos monetários os britânicos carregaram sem dúvida o fardo mais pesado durante a guerra custoulhes entre três e quatro vezes mais do que o fardo francês A resposta à pergunta genérica é mais fácil para a França do que para a GrãBretanha pois há pouca dúvida de que a economia francesa permaneceu relativamente estagnada e a indústria e o comércio franceses teriam quase certamente se expandido mais e com maior rapidez se não fossem as guerras e a Revolução Embora a economia do país tivesse avançado substancialmente sob o governo de Napoleão ela não podia compensar o retrocesso e o ímpeto perdido da década de 1790 Para os britânicos a resposta é menos óbvia pois sua expansão foi meteórica e a única pergunta é se ela teria sido ainda mais rápida não fosse a guerra A resposta geralmente aceita hoje é que sim Para os outros países a pergunta é de menos importância onde o desenvolvimento econômico foi lento ou flutuante como na maior parte do Império dos Habsburgo e onde o impacto quantitativo do esforço de guerra foi relativamente pequeno Mas não se supunha que mesmo as guerras francamente econômicas dos britânicos nos séculos XVII e XVIII impulsionassem o desenvolvimento econômico por si mesmas ou pelo estímulo da economia mas pela vitória pela eliminação dos competidores e a captura de novos mercados Seu custo em quebra de negócios e desvio de recursos etc era medido comparativamente a seu lucro expresso na posição relativa dos competidores beligerantes após a guerra Por esses padrões é mais do que claro que as guerras de 17931815 se pagaram Ao custo de uma suave desaceleração de uma expansão econômica que não obstante permaneceu gigantesca a GrãBretanha decisivamente eliminou o seu mais próximo competidor em potencial e transformouse na oficina do mundo durante duas gerações Em todos os índices comerciais e industriais a GrãBretanha estava agora muito mais à frente de todos os outros Estados com a possível exceção dos EUA do que estivera em 1789 Se acreditarmos que a eliminação temporária de seus rivais e o virtual monopólio dos mercados coloniais e marítimos eram uma condição prévia para a maior industrialização da GrãBretanha seu preço para obtêla foi modesto Se argumentarmos que por volta de 1789 seu início pioneiro já era suficiente para garantir a supremacia econômica britânica sem uma longa guerra podemos ainda sustentar que não foi excessivo o custo de defendêla contra a ameaça francesa de recuperar por meios militares e políticos o terreno perdido na competição econômica Capítulo Cinco A Paz O atual concerto das potências é sua única segurança perfeita contra a brasa revolucionária mais ou menos espalhada por todos os Estados da Europa e A verdadeira sabedoria é reprimir as pequenas disputas corriqueiras e se unir em defesa dos princípios estabelecidos da ordem social Castlereagh Lempereur de Russie est de plus le seul souverain parfaitement en état de se porter dès à présent aux plus vastes entreprises Il est à Ia téte de Ia seule armée vraiment disponible qui soit aujourdhui formée én Europe Gentz 24 de março de 1818 Após mais de 20 anos de guerras e revoluções quase ininterruptas os velhos regimes vitoriosos enfrentaram os problemas do estabelecimento e da preservação da paz que foram particularmente difíceis e perigosos Os escombros das duas décadas tinham que ser varridos e a pilhagem territorial redistribuída E além do mais era evidente para todos os estadistas inteligentes que não se toleraria daí por diante outra guerra de grandes proporções na Europa pois este tipo de guerra quase que certamente significaria uma nova revolução e a consequente destruição dos velhos regimes No atual estado de doença social da Europa disse o rei Leopoldo da Bélgica tio da rainha Vitória sábio embora um tanto enfadonho a propósito de uma crise posterior seria inconcebível declarar uma guerra total Tal guerra certamente traria um conflito de princípios e pelo que sei a respeito da Europa penso que tal conflito mudaria sua forma e jogaria por terra toda a sua estrutura Os reis e os estadistas não eram mais sábios nem tampouco mais pacíficos do que antes Mas inquestionavelmente estavam mais assustados Foram também inusitadamente bem sucedidos De fato não houve nenhuma guerra total na Europa nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências da derrota de Napoleão à Guerra da Criméia em 18546 Na verdade exceto pela Guerra da Criméia não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências entre 1815 e 1914 O cidadão do século XX teria mesmo que apreciar a magnitude desse sucesso que foi ainda mais impressionante porque a cena internacional estava longe de ser tranquila sendo muitas as ocasiões para um conflito Os movimentos revolucionários que consideraremos no capítulo 6 destruíram repetidas vezes a estabilidade internacional duramente obtida na década de 1820 notadamente no sul da Europa nos Bálcans e na América Latina depois de 1830 na Europa Ocidental principalmente na Bélgica e novamente às vésperas da Revolução de 1848 O declínio do Império Turco ameaçado duplamente pela dissolução interna e pelas ambições das grandes potências principalmente a GrãBretanha a Rússia e até certo ponto a França fez da chamada Questão Oriental uma causa permanente de crise na década de 1820 ela brotou na Grécia na década de 1830 no Egito e embora se acalmasse após um conflito particularmente acirrado em 183841 permaneceu potencialmente tão explosiva quanto antes A GrãBretanha e a Rússia mantinham péssimas relações devido ao Oriente Próximo e ao território sem qualquer jurisdição entre os dois impérios na Ásia A França estava longe de se sentir conformada com uma posição muito mais modesta do que a que ocupara antes de 1815 Ainda assim a despeito de todos esses obstáculos e redemoinhos as naus da diplomacia atravessaram sem colisão um oceano de dificuldades Nossa geração que fracassou bem mais espetacularmente na fundamental tarefa da diplomacia internacional qual seja a de evitar guerras generalizadas tendeu portanto a analisar os estadistas e os métodos de 18151848 com um respeito que seus sucessores imediatos nem sempre sentiram Talleyrand que presidiu a política externa francesa de 1814 a 1835 continua sendo o modelo de diplomata francês até os dias de hoje Vistos em retrospecto Castlereagh George Canning e Viscount Palmerston que foram secretários para assuntos estrangeiros da Grã Bretanha respectivamente em 181222 18227 e em todas as administrações não conservadoras de 1830 a 1852 adquiriram uma estatura enganadora de gigantes diplomáticos O príncipe Metternich o principal ministro da Áustria durante todo o período desde a derrota de Napoleão até sua própria queda em 1848 é hoje visto menos frequentemente como um simples inimigo rígido de qualquer mudança e mais como um sábio mantenedor da estabilidade do que acontecia à sua época Entretanto mesmo uma visão de fé tem sido incapaz de detectar ministros do Exterior ideais na Rússia de Alexandre I 180125 e de Nicolau 1 182555 ou na Prússia relativamente insignificante no período que focalizamos Em certo sentido o elogio é justificável A estabilização da Europa após as Guerras Napoleônicas não foi mais justa nem moral do que qualquer outra mas dado o propósito inteiramente antiliberal e antinacional i e antirevolucionário de seus organizadores ela foi realista e sensata Não foi feita qualquer tentativa para se tirar partido da vitória total sobre os franceses que não deviam ser provocados para não sofrerem um novo ataque de jacobinismo As fronteiras do país derrotado ficaram com uma pequena diferença para melhor cm relação ao que tinham sido em 1789 a compensação financeira da vitória não foi excessiva a ocupação pelas tropas estrangeiras teve pouca duração e por volta de 1818 a França era readmitida como membro integrante do concerto da Europa Não fosse o malsucedido retorno de Napoleão em 1815 e estes termos teriam sido ate mesmo mais moderados Os Bourbon foram reconduzidos ao poder mas ficou entendido que eles tinham que fazer concessões ao perigoso espírito de seus súditos As principais mudanças da Revolução foram aceitas e aquele excitante instrumento a constituição lhes foi garantido embora é claro de uma maneira extremamente moderada sob a máscara de uma Carta livremente concedida pelo ressuscitado monarca absoluto Luís XVIII O mapa da Europa foi redelineado sem se levar em conta as aspirações dos povos ou os direitos dos inúmeros príncipes destituídos pelos franceses mas com considerável atenção para o equilíbrio das cinco grandes potências que emergiam das guerras a Rússia a GrãBretanha a França a Áustria e a Prússia Destas somente as três primeiras contavam A GrãBretanha não tinha ambições territoriais no continente embora preferisse manter o controle ou a sua mão protetora sobre assuntos de importância comercial e marítima Ela reteve Malta as Ilhas Jónicas e a Heligolândia manteve a Sicília sob cuidadosa vigilância e se beneficiou mais evidentemente com a transferência da Noruega do domínio dinamarquês para o sueco o que evitou que um único Estado controlasse a entrada do Mar Báltico e com a União da Holanda e da Bélgica anteriormente chamadas de Países Baixos austríacos que colocou a embocadura do Reno e do Scheldt nas mãos de um Estado inofensivo mas bastante forte especialmente quando auxiliado pelas fortalezas do sul para resistir ao conhecido apetite francês pela Bélgica Ambos os arranjos foram profundamente impopulares entre os belgas e os noruegueses e o último deles só durou até a revolução de 1830 quando foi substituído após alguns atritos francobritânicos por um pequeno reino permanentemente neutro governado por um príncipe escolhido pelos ingleses Fora da Europa é claro as ambições territoriais britânicas eram muito maiores embora o controle total de todos os mares pela marinha inglesa tornasse em grande parte irrelevante o fato de que qualquer território estivesse realmente sob a bandeira inglesa ou não exceto nos confins do noroeste da índia onde somente principados caóticos ou regiões fracas separavam os impérios russo e britânico Mas a rivalidade existente entre a GrãBretanha e a Rússia pouco afetou a área que tinha que ser reapaziguada em 181415 Na Europa os interesses britânicos não necessitavam de qualquer poder para serem muito fortes A Rússia a decisiva potência militar terrestre satisfez suas limitadas ambições territoriais através da aquisição da Finlândia às custas tia Suécia da Bessarábia às custas da Turquia e da maior parte da Polónia à qual foi assegurada uma certa autonomia sob o comando da facção local que sempre fora a favor da aliança com os russos Após a insurreição de 18301 esta autonomia foi abolida O resto da Polónia foi distribuída entre a Prússia e a Áustria com exceção da cidaderepública de Cracóvia que por sua vez não sobreviveu à insurreição de 1846 No mais a Rússia sentiase satisfeita em exercer uma hegemonia remota embora longe de ser ineficaz sobre todos os principados absolutos a leste da França sendo que seu principal interesse era evitar a revolução O czar Alexandre patrocinou uma aliança sagrada com este objetivo à qual se juntaram a Polónia e a Áustria ficando a GrãBretanha de fora Do ponto de vista britânico esta virtual hegemonia russa sobre a maior parte da Europa era um acordo menos que ideal embora refletisse as realidades militares e não pudesse ser evitada exceto concedendose à França um poderio bem maior do que qualquer de seus adversários anteriores estava disposto a dar ou ao custo intolerável da guerra O status francês de grande potência era claramente reconhecido mas isso era tudo A Áustria e a Prússia eram realmente grandes potências só por cortesia ou assim se acreditava corretamente em vista da conhecida fraqueza austríaca em tempos de crise internacional e incorretamente em vista do colapso da Prússia em 1806 Sua principal função era a de atuar como estabilizadores europeus A Áustria recebeu de volta suas províncias italianas além dos antigos territórios venezianos na Itália e na Dalmácia e o protetorado sobre os principados menores do norte e do centro da Itália a maioria deles governados por parentes dos Habsburgo exceto o principado de PiemonteSardenha que absorveu a antiga República Genovesa para atuar como um párachoque mais eficiente entre a Áustria e a França Se se tivesse que manter a ordem em qualquer parte da Itália a Áustria era o policial de serviço Visto que seu único interesse era a estabilidade tudo o mais arriscava a sua desintegração nela se podia confiar para uma atuação como salvaguarda permanente contra quaisquer tentativas de desorganizar o continente A Prússia se beneficiou através do desejo britânico de ter um poderio razoavelmente forte na Alemanha Ocidental região em que os principados tinham de há muito tendido a acompanhar a França ou que poderiam ser dominados por ela e recebeu a Renânia cujas imensas potencialidades econômicas os diplomatas aristocráticos deixaram de reconhecer Ela também se beneficiou com o conflito entre a GrãBretanha e a Rússia sobre o que os britânicos consideravam uma excessiva expansão russa na Polónia O resultado líquido das complexas negociações entremeadas de ameaças de guerra foi que a Prússia concedeu parte de seus antigos territórios poloneses à Rússia mas recebeu metade da rica e industrializada Saxônia Em termos econômicos e territoriais a Prússia lucrou relativamente mais com a organização de 1815 do que qualquer outra potência e de fato tornouse pela primeira vez uma grande potência europeia em termos de recursos reais embora este fato não tivesse se tornado evidente para os políticos até a década de 1860 A Áustria a Prússia e o rebanho de Estados alemães menores cuja principal função internacional era fornecer um bom estoque de criação para as casas reais da Europa vigiavamse mutuamente dentro da Confederação Alemã embora a ascendência da Áustria não fosse desafiada A principal função internacional da Confederação era manter os Estados menores fora da órbita francesa na qual eles tradicionalmente tendiam a gravitar Apesar do repúdio nacionalista estavam longe de se sentirem infelizes como satélites napoleônicos Os estadistas de 1815 foram bastante inteligentes para saber que nenhum acordo não obstante quão cuidadosamente elaborado resistiria com o correr do tempo à pressão das rivalidades estatais e das circunstâncias mutáveis Conseqüentemente trataram de elaborar um mecanismo para a manutenção da paz ie resolvendo todos os problemas maiores à medida que eles surgissem por meio de congressos regulares Claro entendiase que as cruciais decisões nesses congressos fossem tomadas pelas grandes potências o próprio termo é uma invenção deste período O concerto da Europa outro termo que surgiu então não correspondia por exemplo a uma ONU mas sim aos membros permanentes do seu Conselho de Segurança Entretanto os congressos regulares só foram mantidos por alguns anos de 1818 quando a França foi oficialmente readmitida no concerto até 1822 O sistema de congressos ruiu porque não pôde sobreviver aos anos imediatamente posteriores às guerras napoleônicas quando a fome de 181617 e depressões nos negócios mantiveram um vivo mas injustificável temor de revolução social em toda parte inclusive na GrãBretanha Após a volta da estabilidade econômica por volta de 1820 todo distúrbio dos acordos de 1815 simplesmente revelava as divergências entre os interesses das potências Frente ao primeiro ataque de intranquilidade e insurreição em 182022 só a Áustria agarrouse ao princípio de que todos estes movimentos deviam ser imediata e automaticamente suprimidos em nome dos interesses da ordem social e da integridade territorial austríaca As três monarquias da Sagrada Aliança e a França entraram em acordo a respeito da Alemanha da Itália e da Espanha embora a França exercendo com prazer a função de policial internacional na Espanha 1823 estivesse menos interessada na estabilidade europeia do que em aumentar o campo de suas atividades militares e diplomáticas particularmente na Espanha Bélgica e Itália onde se encontrava o grosso de seus investimentos estrangeiros A GrãBretanha ficou de fora em parte porque especialmente depois que o flexível Canning substituiu o reacionário e rígido Castlereagh 1822 estava convencida de que as reformas políticas na Europa absolutista eram mais cedo ou mais tarde inevitáveis e porque os políticos britânicos não tinham simpatia pelo absolutismo mas também porque a aplicação do princípio de policiamento teria simplesmente trazido potências rivais principalmente a França para a América Latina que era como vimos uma colónia econômica britânica extremamente vital Logo os ingleses apoiaram a independência dos Estados latinoamericanos como também o fez os EUA na Declaração Monroe de 1823 um manifesto que não tinha nenhum valor prático se alguma coisa protegia a independência latinoamericana era a marinha britânica mas considerável interesse profético As potências estavam ainda mais divididas a respeito da Grécia A Rússia com todo o seu desgosto pelas revoluções só podia se beneficiar com o movimento de um povo ortodoxo que enfraquecia os turcos e devia confiar grandemente na ajuda russa Além do mais ela tinha por tratado o direito de intervir na Turquia em defesa dos cristãos ortodoxos O temor de uma intervenção unilateral russa a pressão filohelênica os interesses econômicos e a convicção geral de que a desintegração da Turquia era inevitável mas podia ser na melhor das hipóteses organizada finalmente levaram os ingleses da hostilidade passando pela neutralidade a uma intervenção informal próhelênica Assim em 1829 a Grécia conquistou sua independência através da ajuda russa e britânica O dano internacional foi minimizado com a transformação do país em um reino que não seria um mero satélite russo sob o comando de um dos muitos pequenos príncipes disponíveis Mas o ajuste de 1815 o sistema de congressos e o princípio de se suprimir todas as revoluções jaziam em ruínas As revoluções de 1830 destruíramnos completamente pois elas afetaram não somente os pequenos Estados mas também uma grande potência a França De fato elas retiraram toda a Europa a oeste do Reno do alcance das operações policiais da Sagrada Aliança Enquanto isso a Questão Oriental o problema do que fazer a respeito da inevitável desintegração da Turquia transformou os Bálcans e o Oriente em um campo de batalha das potências notadamente a Rússia e a GrãBretanha A Questão Oriental perturbou o equilíbrio das forças porque tudo conspirava para fortalecer os russos cujo principal objetivo diplomático naquela época e também mais tarde era conquistar o controle dos estreitos entre a Europa e a Ásia Menor que condicionavam seu acesso ao Mediterrâneo Esta não era uma questão de importância meramente diplomática e militar mas com o crescimento das exportações de cereais ucranianas de urgência econômica também A GrãBretanha preocupada como de costume com as tentativas de aproximação da índia estava profundamente aflita a respeito da marcha para o sul de uma grande potência que poderia ameaçála razoavelmente A política óbvia era escorar a Turquia a todo custo contra a expansão russa Isto tinha a vantagem adicional de beneficiar o comércio britânico no Oriente que aumentou satisfatoriamente neste período Infelizmente esta política era totalmente impraticável O império turco não era absolutamente uma massa disforme ao menos em termos militares mas na melhor das hipóteses só era capaz de sustentar ações retardatárias contra a rebelião interna que ele ainda podia destruir com bastante facilidade e a força conjunta da Rússia e de uma situação internacional desfavorável que não podia enfrentar Nem era ainda capaz de se modernizar nem tampouco demonstrava disposição para fazêlo embora os princípios da modernização tivessem sido lançados no governo de Mahmoud II 180939 na década de 1830 Consequentemente só o apoio direto diplomático e militar da GrãBretanha i e a ameaça de guerra podia evitar o firme aumento da influência russa e o colapso da Turquia sujeita a seus muitos problemas Isto fez da Questão Oriental o mais explosivo problema em assuntos internacionais após as guerras napoleônicas o único capaz de levar a uma guerra generalizada e o único que de fato o fez em 18546 Entretanto a própria situação que fazia com que os dados favorecessem a Rússia e prejudicassem a Grã Bretanha também fez com que a Rússia se inclinasse a uma acomodação Ela podia atingir seus objetivos diplomáticos de duas maneiras ou pela derrota e divisão da Turquia e uma eventual ocupação russa de Constantinopla e dos estreitos ou então por um virtual protetorado sobre a fraca e subserviente Turquia Mas uma ou outra forma estaria sempre aberta Em outras palavras para o czar Constantinopla não valia o esforço de uma grande guerra Assim na década de 1820 a guerra grega encaixavase na política de divisão e de ocupação A Rússia fracassou em tirar p máximo proveito dessa situação o que poderia ter feito mas sentia se relutante em levar sua vantagem muito longe Ao invés disso negociou um tratado extraordinariamente favorável em Unkiar Skelessi em 1833 com uma Turquia pressionada que estava agora profundamente cônscia da necessidade de um protetor poderoso A GrãBretanha sentiuse insultada os anos da década de 1830 viram a génese de uma russofobia em massa que criou a imagem da Rússia como uma espécie de inimigo hereditário da GraBretanha Em face da pressão britânica os russos por sua vez bateram em retirada e na década de 1840 voltaram a propor a partilha da Turquia A rivalidade russobritânica no Oriente era na prática portanto muito menos perigosa do que o choque público de sabres sugeria especialmente na GrãBretanha Além do mais sua importância foi reduzida por um temor britânico muito maior o do ressurgimento da França De fato ela é bem traduzida na expressão o grande jogo que mais tarde veio a identificar as atividades de capa e espada dos aventureiros e agentes secretos de ambas as potências que operavam nas regiões orientais sem jurisdição entre os dois impérios O que tornou a situação realmente perigosa foi o imprevisível curso dos movimentos de libertação dentro da Turquia e a intervenção de outras potências Destas a Áustria teve um considerável interesse passivo no problema sendo ela mesma Um império internacional em ruínas ameaçado pelos movimentos dos mesmíssimos povos que também minavam a estabilidade turca os eslavos balcânicos e notadamente os sérvios Entretanto a ameaça desses movimentos não foi imediata embora mais tarde viessem a proporcionar o estopim para a Primeira Guerra Mundial A França era mais problemática tendo um longo registro de influência econômica e diplomática no Oriente que ela periodicamente tentava restaurar e aumentar Em particular desde a expedição de Napoleão ao Egito a influência francesa foi poderosa naquele país cujo paxá Mohammed Ali um governante virtualmente independente tinha ambições em relação ao império turco De fato as crises da Questão Oriental na década de 183018313 e 183941 foram essencialmente crises nas relações de Mohammed Ali com seu soberano nominal complicadas no último caso pelo apoio francês ao Egito Entretanto se a Rússia se achava relutante em fazer uma guerra contra Constantinopla a França não podia nem queria fazêla Havia crises diplomáticas Mas no final exceto pelo episódio da Criméia não houve guerra pela Turquia durante todo o século XIX Assim fica claro pelo curso das disputas neste período que o material inflamável nas relações internacionais simplesmente não era explosivo o bastante para deflagrar uma guerra de grandes proporções Das grandes potências os austríacos e os prussianos eram muito fracos para contar muito Os ingleses estavam satisfeitos Por volta de 1815 eles tinham obtido uma vitória mais completa do que qualquer outra potência em toda a história mundial tendo emergido dos 20 anos de guerra com a França como a única economia industrializada a única potência naval em 1840 a marinha britânica tinha quase tantos navios quanto todas as outras marinhas reunidas e virtualmente a única potência colonial do mundo Nada parecia atrapalhar o único grande interesse expansionista da política externa britânica a expansão do comércio e do investimento britânicos A Rússia conquanto não tão saciada tinha somente ambições territoriais limitadas e nada havia que pudesse por muito tempo ou pelo menos assim parecia atrapalhar o seu avanço Ao menos nada que justificasse uma guerra generalizada socialmente perigosa Só a França era uma potência insatisfeita e ela tinha a capacidade de romper a estável ordem social Mas só poderia fazêlo sob uma condição de que mais uma vez mobilizasse as energias revolucionárias do jacobinismo dentro do país e do liberalismo e nacionalismo no exterior Pois em termos de rivalidade ortodoxa de grandes potências ela tinha sido fatalmente enfraquecida e nunca mais seria capaz como durante o reinado de Luís XIV ou durante a Revolução de enfrentar uma coalizão de duas ou mais potências em pé de igualdade dependendo somente de seus recursos e população internos Em 1780 havia 25 franceses para cada inglês mas em 1830 a relação era de menos de três para dois Em 1780 existiam quase tantos franceses quanto russos mas em 1830 havia quase uma metade a mais de russos do que de franceses e o compasso da evolução econômica francesa arrastavase fatalmente atrás da inglesa da americana e em pouco tempo da alemã Mas o jacobinismo era um preço muito alto para ser pago por qualquer governo francês por suas ambições internacionais Em 1830 e novamente em 1848 quando a Franca derrubou seu regime e o absolutismo foi abalado ou destruído em outras partes as potências tremeram Elas poderiam ter evitado noites insones Em 18301 os moderados franceses eram incapazes de erguer um dedo que fosse em favor dos rebeldes poloneses com quem toda a opinião francesa bem como toda a opinião liberal europeia simpatizava E a Polónia escreveu o velho mas sempre entusiasmado Lafayette a Palmerston em 1831 O que fareis o que faremos por ela Nada era a resposta A França poderia ter prontamente reforçado seus próprios recursos com os da revolução europeia como de fato todos os revolucionários esperavam que ela fizesse Mas as implicações de um tamanho salto em direção a uma guerra revolucionária assustava os governos franceses liberaismoderados tanto quanto a Metternich Nenhum governo francês entre 1815 e 1848 colocaria em jogo a paz geral em função de seus próprios interesses estatais Fora do alcance do equilíbrio europeu é claro nada impedia a expansão e a agressividade De fato embora extremamente grandes as efetivas aquisições territoriais feitas pelas potências brancas foram limitadas Os britânicos contentavamse em ocupar pontos cruciais para o controle naval do mundo e para seus interesses comerciais externos tais como a extremidade sul da África tomada aos holandeses durante as guerras napoleônicas o Ceilão Singapura que foi fundada neste período e Hong Kong e as exigências da campanha contra o comércio de escravos que satisfazia duplamente as opiniões humanitárias domésticas e os interesses estratégicos da marinha britânica que a usou para reforçar seu monopólio global levaramnos a manter bases ao longo da costa africana Mas no geral com uma exceção crucial o ponto de vista inglês era de que um mundo aberto ao comércio britânico e a uma proteção pela marinha britânica contra intrusos mal recebidos era explorado de forma mais barata sem os custos administrativos de uma ocupação A exceção crucial era a Índia e tudo que dissesse respeito a seu controle A índia tinha que ser mantida a qualquer custo como a maioria dos livres comerciantes anticolonialistas nunca duvidaram Seu mercado era de importância crescente como visto anteriormente cap 2 II e certamente sofreria segundo se argumentava se a Índia fosse deixada a sua própria sorte Ela foi a chave para a abertura do Extremo Oriente para o tráfico de drogas e outras atividades lucrativas semelhantes que os negociantes europeus desejavam empreender Assim a China foi aberta na Guerra do Ópio de 183942 Conseqüentemente entre 1814 e 1849 o tamanho do império britânico na índia cresceu na proporção de doisterços do subcontinente como resultado de uma série de guerras contra os maratas os nepaleses os birmaneses os rajputs os afeganes os sindis e os sikhs e a rede de influência britânica foi estendida mais para perto do Oriente Médio que controlava a rota direta para a índia organizada a partir de 1840 pelos vapores da linha P e O suplementada pela travessia por terra do istmo de Suez Embora a reputação russa de expansionismo fosse grande pelo menos entre os ingleses suas verdadeiras conquistas foram bem modestas Neste período o czar só conseguiu adquirir algumas faixas grandes e vazias da estepe de Kirghiz a leste dos Urais e algumas áreas montanhosas duramente disputadas na região do Cáucaso Por outro lado os EUA virtualmente conquistaram todo o seu lado oeste ao sul da fronteira do Oregon através da insurreição e da guerra contra os desafortunados mexicanos Já os franceses tiveram que limitar suas ambições expansionistas à Argélia que eles invadiram com base em uma desculpa forjada em 1830 e tentaram conquistar nos 17 anos seguintes Em 1847 tinham conseguido liquidar a resistência Uma cláusula do acordo de paz internacional deve entretanto ser mencionada separadamente a abolição do comércio escravagista internacional As razões para isto foram tanto econômicas quanto humanitárias a escravidão era revoltante e extremamente ineficaz Além disso do ponto de vista dos ingleses que foram os principais defensores desse admirável movimento entre as potências a economia de 181548 não mais dependia como no século XVIII da venda de homens e de açúcar mas da venda de produtos de algodão A verdadeira abolição da escravatura veio mais lentamente exceto é claro onde a Revolução Francesa já a tinha exterminado Os britânicos aboliramna em suas colónias principalmente nas Antilhas em 1834 embora viessem logo a substituíla onde a plantação agrícola em larga escala sobreviveu pela importação de trabalhadores contratados da Ásia Os franceses não a aboliram oficialmente até a revolução de 1848 Em 1848 ainda havia uma grande quantidade de escravos e consequentemente de comércio ilegal de escravos no mundo Capítulo Seis As Revoluções A liberdade este rouxinol com voz de gigante desperta os que têm o sono mais pesado Como é possível pensar em alguma coisa hoje que não seja lutar a favor ou contra a liberdade Os que não podem amar a humanidade ainda podem ser grandes tiranos Mas como se pode ficar indiferente Ludwig Boerne 14 de fevereiro de 1831 Os governos tendo perdido seu equilíbrio achamse assustados intimidados e confusos com os gritos da classe intermediária da sociedade que colocada entre os reis e seus súditos quebra o cetro dos monarcas e usurpa o grito do povo Metternich ao czar 1820 I Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós1815 Evitar uma segunda Revolução Francesa ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a primeira até mesmo dos britânicos que não simpatizavam com os absolutismos reacionários que se restabeleceram em toda a Europa e sabiam muito bem que as reformas não podiam nem deviam ser evitadas mas que temiam uma nova expansão francojacobina mais do que qualquer outra contingência internacional E ainda assim nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar o revolucionarismo foi tão endémico tão geral tão capaz de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio espontâneo Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848 A Ásia e a África permaneciam até então imunes as primeiras revoluções em grande escala na Ásia o Motim Indiano e a Rebelião Taiping só ocorreram na década de 1850 A primeira ocorreu em 18204 Na Europa ela ficou limitada principalmente ao Mediterrâneo com a Espanha 1820 Nápoles 1820 e a Grécia 1821 como seus epicentros Fora a grega todas essas insurreições foram sufocadas A Revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina que tinha sido derrotado após um esforço inicial ocasionado pela conquista da Espanha por Napoleão em 1808 e reduzido a alguns refúgios e grupos Os três grandes libertadores da América espanhola Simon Bolívar San Martin e Bernardo OHiggins estabeleceram a independência respectivamente da Grande Colômbia que incluía as atuais repúblicas da Colômbia da Venezuela e do Equador da Argentina exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do Rio da Prata onde os gaúchos da Banda Oriental hoje Uruguai lutaram contra argentinos e brasileiros e do Chile San Martin auxiliado pela frota chilena sob o comando do nobre radical inglês Cochrane em quem C S Forester se baseou para escrever o romance Captain Hornblower Comandante Corneteiro libertou a última fortaleza do poderio espanhol o vicereino do Peru Por volta de 1822 a América espanhola estava livre e San Martin um homem moderado de grande visão e rara abnegação pessoal deixou a tarefa a Bolívar e ao republicanismo e retirouse para a Europa terminando sua nobre vida no que normalmente era um refúgio para ingleses endividados BoulognesurMer com uma pensão dada por OHiggins Enquanto isto Iturbide o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da Revolução Espanhola e em 1821 estabeleceu definitivamente a independência mexicana Em 1822 o Brasil separouse pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela família real portuguesa em seu retorno à Europa após o exílio napoleônico Os EUA reconheceram o mais importante dos novos Estados quase que imediatamente os britânicos reconheceramno logo depois cuidando de concluir tratados comerciais com ele e os franceses o fizeram antes do fim da década A segunda onda revolucionária ocorreu em 182934 e afetou toda a Europa a oeste da Rússia e o continente norteamericano pois a grande época de reformas do presidente Andrew Johnson 182937 embora não diretamente ligada aos levantes europeus deve ser entendida como parte dela Na Europa a derrubada dos Bourbon na França estimulou várias outras insurreições Em 1830 a Bélgica conquistou sua independência da Holanda em 18301 a Polónia foi subjugada somente após consideráveis operações militares várias partes da Itália e da Alemanha estavam agitadas o liberalismo prevalecia na Suíça um país muito menos pacífico naquela época do que hoje enquanto se abria um período de guerras na Espanha e em Portugal Até mesmo a GrãBretanha graças em parte à erupção do seu vulcão local a Irlanda que garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação reformista O Ato de Reforma de 1832 corresponde à Revolução de Julho de 1830 na França e de fato tinha sido poderosamente estimulado pelas novas de Paris Este período é provavelmente o único na história moderna em que acontecimentos políticos na GrãBretanha correram paralelamente aos do continente europeu a ponto de que algo semelhante a uma situação revolucionária poderseia ter desenvolvido em 18312 não fosse a restrição dos partidos Tory conservador e Whig liberal É o único período do século XIX em que a análise da política britânica nesses termos não é totalmente artificial A onda revolucionária de 1830 foi portanto um acontecimento muito mais sério do que a de 1820 De fato ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental A classe governante dos próximos 50 anos seria a grande burguesia de banqueiros grandes industriais e às vezes altos funcionários civis aceita por uma aristocracia que se apagou ou que concordou em promover políticas primordialmente burguesas ainda não ameaçada pelo sufrágio universal embora molestada por agitações externas causadas por negociantes insatisfeitos ou de menor importância pela pequena burguesia e pelos primeiros movimentos trabalhistas Seu sistema político na GrãBretanha na França e na Bélgica era fundamentalmente o mesmo instituições liberais salvaguardadas contra a democracia por qualificações educacionais ou de propriedade para os eleitores havia inicialmente só 168 mil eleitores na França sob uma monarquia constitucional de fato algo muito semelhante à primeira fase burguesa mais moderada da Revolução Francesa a da Constituição de 1791 Nos EUA entretanto a democracia jacksoniana dá um passo além a derrota dos proprietários oligarcas antidemocratas cujo papel correspondia ao que agora estava triunfando na Europa Ocidental pela ilimitada democracia política colocada no poder com os votos dos homens das fronteiras dos pequenos fazendeiros e dos pobres das cidades Foi uma espantosa inovação e os pensadores do liberalismo moderado que eram realistas o suficiente para saber que mais cedo ou mais tarde as ampliações do direito de voto seriam inevitáveis examinaramna de perto e com muita ansiedade notadamente Alexis de Tocqueville cuja obra Democracia na América de 1835 chegou a melancólicas conclusões sobre ela Mas como veremos 1830 determina uma inovação ainda mais radical na política o aparecimento da classe operária como uma força política autoconsciente e independente na GrãBretanha e na França e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa Por trás destas grandes mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvolvimento social e econômico Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos 1830 determina um ponto crítico de todas as datas entre 1789 e 1848 o ano de 1830 é o mais obviamente notável Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos na história das migrações humanas tanto sociais quanto geográficas e ainda na história das artes e da ideologia E na GrãBretanha e na Europa Ocidental em geral este ano determina o início daquelas décadas de crise no desenvolvimento da nova sociedade que se concluem com a derrota das revoluções de 1848 e com o gigantesco salto econômico depois de 1851 A terceira ç maior das ondas revolucionárias a de 1848 foi o produto desta crise Quase que simultaneamente a revolução explodiu e venceu temporariamente na França em toda a Itália nos Estados alemães na maior parte do império dos Habsburgo e na Suíça 1847 De forma menos aguda a intranquilidade também afetou a Espanha a Dinamarca e a Roménia de forma esporádica a Irlanda a Grécia e d GrãBretanha Nunca houve nada tão próximo da revolução mundial com que sonhavam os insurretos do que esta conflagração espontânea e geral que conclui a era analisada neste livro O que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora assim parecia a primavera dos povos de todo um continente II Ao contrário das revoluções do final do século XVIII as do período pósnapoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas Pois o mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo Não queremos dizer com isto que as revoluções de 181548 foram a simples obra de alguns agitadores descontentes como os espiões e policiais do período uma espécie muito utilizada deviam informar a seus superiores Elas ocorreram porque os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais inadequados num período de rápida mudança social para as condições políticas do continente e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis Mas os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para dar ao descontentamento um objetivo específico para transformar a intranquilidade em revolução e acima de tudo para unir toda a Europa em um único movimento ou talvez fosse melhor dizer corrente de subversão Havia vários modelos semelhantes embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797 Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815 o liberal moderado ou em termos sociais o da classe média superior e da aristocracia liberal o democrata radical ou em termos sociais o da classe média inferior parte dos novos industriais intelectuais e pequena nobreza descontente e o socialista ou em termos sociais dos trabalhadores pobres ou das novas classes operárias industriais Etimológica mente a propósito todos eles refletem o internacionalismo do período liberal é de origem franco espanhola radical de origem britânica socialista de origem anglofrancesa Conservador é também de origem parcialmente francesa uma outra prova da correlação singularmente íntima da política britânica e continental no período do Programa da Reforma A inspiração para o primeiro foi a Revolução de 178991 sendo seu ideal político o tipo de monarquia constitucional semibritânica com um sistema parlamentar de qualificação por propriedade e portanto oligárquico que a Constituição de 1791 introduziu e que como vimos tornouse o tipo padrão de constituição na França na GrãBretanha e na Bélgica depois de 183032 A inspiração para o segundo poderia ser descrita como a Revolução de 17923 sendo seu ideal político uma república democrática com uma inclinação para o estado de bemestar social e alguma animosidade em relação aos ricos o que corresponde à constituição jacobina ideal de 1793 Mas assim como os grupos sociais que lutaram a favor da democracia radical eram um conjunto variado e confuso é também difícil dar um rótulo preciso a seu modelo revolucionário francês Elementos do que em 17923 teriam sido chamados de girondismo jacobinismo e até mesmo de sansculotismo achavamse nele combinados embora talvez o jacobinismo da Constituição de 1793 o representasse melhor A inspiração para o terceiro foi a revolução do Ano II e as insurreições póstermidorianas sobretudo a Conspiração dos Iguais de Babeuf significativo levante de jacobinos extremados e de primeiros comunistas que marca o nascimento da moderna tradição comunista na política Era filho do sansculotismo e da ala esquerda do robespierrismo embora herdando pouco do primeiro com exceção do seu violento ódio pelas classes médias e pelos ricos Politicamente o modelo revolucionário babovista seguia a tradição de Robespierre e de Saintjust Do ponto de vista dos governos absolutistas todos estes movimentos eram igualmente subvertedores da estabilidade e da boa ordem embora alguns parecessem mais conscientemente devotados à propagação do caos do que outros e alguns mais perigosos do que outros porque tinham maiores possibilidades de inflamar as massas ignorantes e empobrecidas A polícia secreta de Metternich na década de 1830 prestou por exemplo uma atenção que nos parece desproporcional à circulação do livro de Lamennais Paroles dun Croyant de 1834 porque ao falar a linguagem católica dos apolíticos ele poderia atrair os súditos não afetados por uma propaganda abertamente ateista Na verdade entretanto os movimentos de oposição tinham pouco em comum além do seu ódio pelos regimes de 1815 e a tradicional frente comum de todos os que se opunham por qualquer razão à monarquia absoluta à Igreja e à aristocracia A história do período que vai de 1815 a 1848 é a história da desintegração dessa frente unida III Durante o período da Restauração 181530 o cobertor da reação cobria igualmente a todos os dissidentes e na escuridão debaixo dele as diferenças entre bonapartistas e republicanos moderados e radicais mal podiam ser distinguidas Ainda não havia socialistas ou revolucionários conscientes da classe operária pelo menos na política exceto na GrãBretanha onde uma tendência proletária independente na política e na ideologia surgiu sob a égide do cooperativismo de Robert Owen por volta de 1830 A maior parte do descontentamento de massafort da GrãBretanha ainda não era político ou tinha um sentido ostensivamente legitimista e clerical um protesto mudo contra a nova sociedade que parecia nada trazer exceto o mal e o caos Com algumas exceções portanto a oposição política no continente estava limitada a minúsculos grupos de ricos e de pessoas cultas o que ainda significava em grande parte a mesma coisa pois até mesmo em uma fortaleza de esquerda tão poderosa quanto a Êcole Polytechnique somente umterço dos estudantes um grupo bastante subversivo se originava da pequena burguesia a maioria deles através dos escalões mais baixos do exército e do serviço público e somente 03 vinham das classes populares Os pobres que estavam conscientemente na esquerda aceitavam os slogans revolucionários clássicos da classe média embora mais em sua versão radicaldemocrata do que em sua versão moderada mas ainda sem muito mais que um certo tom de desafio social O programa clássico em torno do qual a classe trabalhadora britânica se levantava repetidamente era o de uma simples reforma parlamentar conforme expressa nos Seis Pontos da Carta do Povo Em substância esse programa não diferia do jacobinismo da geração de Paine e era inteiramente compatível a não ser pela sua ligação com uma classe operária cada vez mais consciente com o radicalismo político dos reformadores da classe média ao estilo de Bentham como expresso por exemplo por James Mill A única diferença no período da Restauração era que os trabalhadores radicais já preferiam ouvir esse programa na boca de homens que lhes falavam em sua própria linguagem fanfarrões retóricos do tipo de Orator Hunt 17731835 ou estilistas enérgicos e brilhantes como William Cobbett 17621835 e naturalmente Tom Paine 17371809 e não na dos próprios reformadores da classe média Conseqüentemente nesse período distinções sociais ou mesmo nacionais ainda dividiam significativamente a oposição europeia em campos mutuamente incompatíveis Tirando a Grã Bretanha e os Estados Unidos onde uma forma regular de política de massaja estava estabelecida embora na GrãBretanha fosse inibida pela histeria antijacobina até o princípio da década de 1820 as perspectivas políticas pareciam muito semelhantes para os oposicionistas de todos os países da Europa e os métodos de alcançar a revolução a frente unida do absolutismo praticamente eliminava a possibilidade de uma reforma pacífica na maior parte da Europa eram quase os mesmos Todos os revolucionários consideravamse com certa justiça pequenas elites de emancipados e progressistas atuando entre e para o eventual benefício de uma vasta e inerte massa do povo ignorante e iludido que sem dúvida receberia com alegria a libertação quando ela chegasse mas da qual não se podia esperar que tomasse parte em sua preparação Todos eles pelo menos a oeste dos Balcãs viamse em luta contra um único inimigo a união dos príncipes absolutistas sob a liderança do czar Todos portanto concebiam a revolução como algo unificado e indivisível um fenómeno europeu único ao invés de um conjunto de libertações nacionais ou locais Todos tendiam a adotar o mesmo tipo de organização revolucionária ou até a mesma organização a secreta irmandade insurrecional Essas irmandades cada uma com um ritual altamente colorido e uma hierarquia derivada ou copiada dos modelos maçónicos floresceram no final do período napoleônico As mais conhecidas por serem as mais internacionais eram os bons primos ou carbonari Parece que descendiam de lojas maçónicas ou similares localizadas no leste da França através de oficiais franceses antibonapartistas em serviço na Itália tomaram forma no sul deste país depois de 1806 e junto com outros grupos semelhantes espalharamse para o norte e pelo Mediterrâneo depois de 1815 Elas ou suas derivadas e paralelas são encontradas até na Rússia onde associações semelhantes reuniam os dezembristas que fizeram a primeira insurreição moderna da história da Rússia em 1825 mas especialmente na Grécia A época dos carbonari atingiu o clímax em 1820 1 com a maioria das irmandades sendo praticamente destruídas por volta de 1823 Entretanto o carbonarismo no sentido genérico persistiu como o principal tipo de organização revolucionária talvez pela tarefa congénita de ajudar a libertação grega filohelenismo E após o fracasso das revoluções de 1830 os exilados políticos da Polónia e da Itália propagaramno para pontos ainda mais distantes Ideologicamente os carbonari e semelhantes eram uma mistura unida somente pelo ódio comum à reação Por razões óbvias os radicais entre eles os jacobinos e babovistas de esquerda revolucionários mais decididos influenciavam cada vez mais as irmandades Filippo Buonarroti velho camarada de armas de Babeuf era o mais hábil e mais infatigável dos conspiradores embora suas doutrinas estivessem provavelmente muito à esquerda para a maioria dos irmãos e primos Se seus esforços jamais foram coordenados para produzir uma revolução internacional simultânea é ainda um assunto para discussão embora tenham sido feitas persistentes tentativas para unir todas as irmandades secretas pelo menos em seus níveis mais altos e mais iniciados em superconspirações internacionais Qualquer que seja a verdade uma onda de insurreições do tipo carbonário ocorreu em 18201 Fracassaram totalmente na França onde não havia de forma alguma condições políticas para uma revolução e os conspiradores não tinham acesso à única alavanca eficaz de insurreição em uma situação além do mais ainda não amadurecida para isso ou seja um exército descontente O exército francês naquela época e durante todo o século XIX era uma parte do funcionalismo público o que quer dizer que ele cumpria as ordens de qualquer que fosse o governo oficial As insurreições obtiveram sucesso completo mas apenas temporariamente em alguns estados italianos e especialmente na Espanha onde a insurreição pura descobriu sua fórmula mais eficiente o pronunciamento militar Coronéis liberais organizados em suas próprias irmandades secretas de oficiais ordenavam que seus regimentos os seguissem na insurreição e eles o faziam Os conspiradores dezembristas na Rússia tentaram fazer o mesmo com seus regimentos de guardas em 1825 mas fracassaram devido ao temor de irem muito longe As irmandades de oficiais frequentemente de tendência liberal visto que os novos exércitos forneciam carreiras para os jovens nãoaristocráticos e o pronunciamento daí em diante se tornaram características regulares das cenas políticas ibérica e latinoamericana e uma das mais duradouras e duvidosas criações políticas do período carbonarista Podese observar de passagem que a sociedade secreta ritualizada e hierárquica como a maçonaria atraía muito fortemente os militares por razões compreensíveis O novo regime liberal espanhol foi deposto por uma invasão francesa apoiada pela reação europeia em 1823 Só urna das revoluções de 18202 mantevese graças em parte ao seu sucesso em desencadear uma genuína insurreição do povo e em parte a uma situação diplomática favorável o levante grego de 1821 A Grécia portanto tornouse a inspiração para o liberalismo internacional e o filohelenismo que incluía o apoio organizado aos gregos e a partida de inúmeros combatentes voluntários desempenhou em relação à esquerda europeia na década de 1820 um papel análogo ao que a República Espanhola viria a desempenhar no fim da década de 1930 As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente Como vimos elas foram os primeiros produtos de um período geral de aguda e disseminada intranquilidade econômica e social e de rápidas transformações Dois principais resultados seguiramse a isto O primeiro foi que a política de massa e a revolução de massa com base no modelo de 1789 mais uma vez tornaramse possíveis e a dependência exclusiva das irmandades secretas portanto menos necessária Os Bourbon foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular devida à depressão econômica Cidade sempre agitada pela atividade de massa Paris em julho de 1830 mostrava as barricadas surgindo em maior número e em mais lugares do que em qualquer época anterior ou posterior De fato 1830 fez da barricada um símbolo da insurreição popular Embora sua história revolucionária em Paris retroceda pelo menos a 1588 a barricada não desempenhou nenhum papel importante em 178994 O segundo resultado foi que com o progresso do capitalismo o povo e os trabalhadores pobres ie os homens que construíram as barricadas podiam ser cada vez mais identificados com o novo proletariado industrial como a classe operária Portanto um movimento revolucionário proletáriosocialista passou a existir As revoluções de 1830 também introduziram outras duas modificações na política de esquerda Elas separaram os moderados dos radicais e criaram uma nova situação internacional Ao fazêlo elas ajudaram a dividir o movimento não só em diferentes segmentos sociais mas também nacionais Internacionalmente as revoluções dividiram a Europa em duas grandes regiões A oeste do Reno elas romperam para sempre o domínio das potências reacionárias unidas O liberalismo moderado triunfou na França na GrãBretanha e na Bélgica O liberalismo de um tipo mais radical não triunfou por inteiro na Suíça nem na Península Ibérica onde os movimentos católicos liberais e antiliberais de bases populares confrontavamse mas a Sagrada Aliança não mais podia intervir nessas regiões como ainda costumava fazer em todas as regiões a leste do Reno Nas guerras civis portuguesa e espanhola da década de 1830 cada uma das potências absolutistas ou liberalmoderadas apoiava o seu lado embora os liberais o fizessem com um pouco mais de energia e com a ajuda de alguns voluntários e simpatizantes radicais estrangeiros que prenunciavam vagamente o filohispanismo da década de 1930 Mas no fundo a questão nestes países ficou para ser decidida pelo equilíbrio local de forças o que quer dizer que ela continuou sem uma decisão flutuando entre pequenos períodos de vitória liberal 18337 1840 3 e recuperação conservadora A leste do Reno a situação permaneceu superficialmente como antes de 1830 pois todas as revoluções foram suprimidas a italiana e a alemã pelos austríacos ou com a ajuda destes e a polonesa de longe a mais séria pelos russos Além disso nessa região o problema nacional continuou a ser mais importante que todos os outros Todos os povos viviam em Estados que eram ou muito pequenos ou muito grandes segundo os critérios nacionais como membros de nações desunidas divididas em pequenos principados ou ainda em coisa nenhuma Alemanha Itália Polónia ou de impérios multinacionais o dos Habsburgo o russo e o turco ou como ambas as coisas Não precisamos nos preocupar com os holandeses e os escandinavos que viviam uma vida relativamente tranquila fora dos dramáticos acontecimentos do resto da Europa embora pertencendo de uma maneira geral à zona não absolutista Havia muita coisa em comum entre os revolucionários das duas regiões como demonstra o fato de que as revoluções de 1848 ocorreram em ambas embora não em todas as suas partes Entretanto dentro de cada uma surgiu uma marcante diferença de ardor revolucionário No oeste a GrãBretanha e a Bélgica pararam de seguir o ritmo revolucionário geral enquanto que a Espanha Portugal e em menor grau a Suíça estavam envolvidas em suas endémicas guerras civis cujas crises não mais coincidiam com as de outras partes a não ser acidentalmente como no caso da guerra civil suíça de 1847 No resto da Europa surgiu uma acentuada diferença entre as nações ativamente revolucionárias e as passivas ou pouco entusiásticas Assim os serviços secretos dos Habsburgo estavam constantemente envolvidos com o problema dos poloneses dos italianos e dos alemães nãoaustríacos bem como pelos sempre citados húngaros enquanto que não encontravam quaisquer perigos nas terras alpinas ou nas eslavas Até então só os poloneses preocupavam os russos enquanto que os turcos ainda podiam confiar na maioria dos eslavos balcânicos para continuarem tranquilos Estas diferenças refletiam as variações no ritmo de evolução e nas condições sociais em diferentes países que se tornaram cada vez mais evidentes nas décadas de 1830 e 1840 e cada vez mais importantes para a política Assim a avançada industrialização da GrãBretanha mudou o ritmo da política britânica enquanto a maior parte do continente passou pelo seu mais agudo período de crises sociais em 18468 a GrãBretanha teve um período equivalente uma depressão puramente industrial em 18412 Ver também o capítulo 9 Ao contrário enquanto na década de 1820 grupos de jovens idealistas podiam esperar que um putsch militar assegurasse a vitória da liberdade na Rússia na Espanha ou na França depois de 1830 o fato de que as condições sociais e políticas na Rússia estavam muito menos maduras para a revolução do que na Espanha dificilmente podia ser dissimulado Todavia os problemas da revolução eram semelhantes a leste e a oeste embora não do mesmo tipo eles provocavam grande tensão entre os moderados e os radicais No oeste os liberalmoderados saíram da frente comum de oposição à Restauração ou de uma grande simpatia por ela para assumirem o governo ou um governo em potencial Além disso alcançado o poder pelos esforços dos radicais pois quem mais lutava nas barricadas eles imediatamente os traíam Não se devia brincar com coisas tão perigosas como a democracia ou a república Não há mais uma causa legítima disse Guizot liberal oposicionista durante a Restauração e primeiroministro durante a Monarquia de Julho nem um pretexto plausível para as máximas e as paixões por tanto tempo colocadas sob a bandeira da democracia O que anteriormente era democracia seria agora anarquia o espírito democrático hoje e por muito tempo não é nem será nada senão o espírito revolucionário Mais do que isto após um pequeno intervalo de tolerância e zelo os liberais tenderam a moderar seu entusiasmo reformista e a suprimir a esquerda radical especialmente os revolucionários da classe operária Na GrãBretanha o Sindicato Geral no estilo cooperativista de Owen de 18345 e os defensores da Carta do Povo enfrentaram a hostilidade tanto dos homens que se opuseram ao Ato de Reforma quanto de muitos que o apoiaram O chefe das forças armadas na luta contra os defensores da Carta do Povo em 1839 simpatizava como radical da classe média com muitas de suas exigências mas ainda assim os encurralou Na França a supressão do levante republicano de 1834 marcou a virada no mesmo ano a sujeição ao terror de seis honestos trabalhadores wesleyanos que tinham tentado formar um sindicato agrícola os Mártires de Tolpuddle iniciava a ofensiva equivalente contra o movimento da classe operária na GrãBretanha Os radicais os republicanos e os novos movimentos proletários saíram portanto da aliança com os liberais os moderados quando ainda na oposição eram perseguidos pelo fantasma assustador da república social e democrática que era agora o slogan da esquerda No resto da Europa nenhuma revolução vencera A divisão entre moderados e radicais e o surgimento de uma nova tendência socialrevolucionária nasceram da análise da derrota e das perspectivas de vitória Os moderados proprietários liberais e outros membros da classe média depositavam suas esperanças no reformismo de governos convenientemente influenciáveis e no apoio diplomático das novas potências liberais Os governos convenientemente influenciáveis eram raros A Savóia na Itália permaneceu simpática ao liberalismo e atraiu cada vez mais o apoio de um grupo moderado que buscava nela a ajuda para uma eventual unificação do país Um grupo de católicos liberais encorajado pelo efémero e curioso fenómeno de um papado liberal no período do novo Papa Pio IX 1846 sonhava infrutiferamente em mobilizar a força da Igreja com o mesmo propósito Na Alemanha nenhum Estado importante era menos que hostil ao liberalismo Isto não evitou que alguns moderados embora menos do que pretendeu a propaganda histórica prussiana olhassem para a Prússia que pelo menos tinha a seu favor a criação de um Sindicato Alfandegário Alemão 1834 em busca de sonhos com príncipes convertidos ao invés de barricadas Na Polónia onde a possibilidade de uma reforma moderada com o apoio do czar não mais encorajava a facção magnata que sempre desopitara nisso as suas esperanças os czartoryskis os moderados podiam pelo menos esperar por uma intervenção diplomática ocidental Nenhuma dessas perspectivas era ao menos realista no pé em que as coisas estavam entre 1830 e 1848 Os radicais estavam igualmente desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de libertadores internacionais que lhes tinham atribuído a Revolução Grega e a teoria revolucionária De fato este desapontamento junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 ver capítulo 7 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país despedaçou o internacionalismo unificado a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração As perspectivas estratégicas permaneciam as mesmas Uma França neojacobina e talvez como pensava Marx uma GrãBretanha radicalmente intervencionista ainda eram quase indispensáveis para a libertação europeia longe da improvável perspectiva de uma revolução russa Todavia uma reação nacionalista contra o internacionalismo centrado na França do período carbonarista ganhou terreno uma emoção que se encaixava bem na nova moda do romantismo ver capítulo 14 que havia pegado em boa parte da esquerda depois de 1830 não há contraste mais marcante que entre o reservado professor de música e racionalista do século XVIII Buonarroti e o confuso e ineficiente sentimentalista Giuseppe Mazzini 180572 que se tornou o apóstolo dessa reação anticarbonária criando várias conspirações nacionais Jovem Itália Jovem Alemanha Jovem Polónia etc reunidas sob o título de Jovem Europa Num sentido esta descentralização do movimento revolucionário foi realista pois em 1848 as nações de fato se sublevaram separadamente de forma espontânea e simultânea Noutro não o foi o estímulo para sua erupção simultânea ainda veio da França e a relutância francesa em desempenhar um papel libertador arruinouas Românticos ou não os radicais rejeitaram a confiança dos moderados em príncipes e potências por razões práticas e também ideológicas Os povos devem estar preparados para alcançar sua liberdade por si mesmos pois ninguém mais faria isso por eles um sentimento também adaptado para uso dos movimentos socialistasproletários da época E devem fazêlo por ação direta Isto ainda era em grande parte concebido à moda carbonária pelo menos enquanto as massas permanecessem passivas Conseqüentemente não era algo muito eficaz embora houvesse um mundo de diferenças entre os ridículos esforços como a invasão da Savóia tentada por Mazzíni e as sérias e contínuas tentativas dos democratas poloneses de manter ou reviver a guerra de guerrilhas em seu país após a derrota de 1831 Mas a própria determinação dos radicais em tomar o poder sem ou contra as forças estabelecidas introduziu ainda uma outra divisão em suas fileiras Estariam eles preparados para fazêlo ao preço da revolução social IV A pergunta era explosiva em toda parte exceto nos Estados Unidos onde ninguém mais podia tomar ou evitar a decisão de mobilizar o povo para a política porque a democracia jacksoniana já o tinha feito Mas a despeito do aparecimento de um Partido dos Trabalhadores Workingmeris Party nos Estados Unidos em 18289 a revolução social nos moldes europeus não era uma questão séria naquele grande país em rápida expansão embora fossem sérios os descontentamentos setoriais A pergunta também não causava excitação na América Latina onde nenhum político exceto talvez no México sonhava em mobilizar os índios ie os camponeses ou os trabalhadores rurais os escravos negros ou mesmo as classes mistas ou seja os pequenos agricultores os artesãos e os pobres das cidades para qualquer fim que fosse Mas na Europa Ocidental onde a revolução social dos pobres das cidades era uma possibilidade real e na vasta zona europeia de revolução agrária a questão sobre se convinha ou não incitar as massas era urgente e inevitável O crescente descontentamento dos pobres especialmente dos pobres das cidades era visível em toda a Europa Ocidental Mesmo na imperial Viena este descontentamento se refletia no espelho fiel das atitudes da pequena burguesia e dos plebeus o teatro suburbano popular Durante o período napoleônico suas peças tinham combinado a Gemuetlichkeit com uma ingénua lealdade aos Habsburgo Seu maior autor durante a década de 1820 Ferdinand Raimund enchia o palco de contos de fadas tristeza e nostalgia pela perdida inocência da comunidade simples tradicional e não capitalista Mas a partir de 1835 esse teatro foi dominado por um astro Johann Nestroy preocupado fundamentalmente com a sátira social e política um homem de inteligência amarga e dialética um destruidor que caracteristicamente se transformou num entusiástico revolucionário em 1848 Mesmo os emigrantes alemães que passavam pelo porto de Havre a caminho dos EUA que em 1830 começou a ser o país dos sonhos do europeu pobre justificavamse dizendo que lá não há um rei O descontentamento urbano era geral no Ocidente Um movimento socialista e proletário era sobretudo visível nos países da revolução dupla a GrãBretanha e a França Ver também capítulo 11 Na GrãBretanha ele surgiu por volta de 1830 e assumiu a forma extremamente madura de um movimento de massa dos trabalhadores pobres que via nos reformadores e liberais seus prováveis traidores e nos capitalistas seus inimigos seguros O vasto movimento em favor da Carta do Povo que atingiu o climax em 183942 mas manteve sua grande influência até depois de 1848 foi sua mais formidável realização O socialismo britânico ou cooperativismo era muito mais fraco Começou de maneira impressionante em 182934 atraindo talvez o grosso dos militantes da classe operária para suas doutrinas que tinham sido difundidas principalmente entre os artesãos e trabalhadores qualificados desde o princípio da década de 1820 e com as ambiciosas tentativas de criar sindicatos gerais nacionais da classe operária que sob a influência das teses de Owen fizeram até mesmo tentativas para estabelecer uma economia geral cooperativista às margens do capitalismo O desapontamento após o Ato de Reforma de 1832 fez com que o grosso do movimento trabalhista buscasse nesses owenitas cooperativistas sindicalistas revolucionários primitivos etc uma liderança mas seu fracasso em desenvolver uma estratégia política e uma liderança eficazes e as ofensivas sistemáticas dos empregadores e do governo destruíram o movimento em 18346 Este fracasso reduziu os socialistas a grupos educacionais e propagandísticos um tanto à margem da principal corrente de agitação trabalhista ou a pioneiros de algo mais modesto a cooperação de consumidores sob a forma da cooperativa de compras iniciada em Rochdale Lancashire em 1844 Dai o paradoxo de que o clímax do movimento de massa revolucionário dos trabalhadores pobres da GrãBretanha a campanha em favor da Carta do Povo tenha sido ideologicamente um pouco mais atrasado embora politicamente mais amadurecido do que o movimento de 182934 Mas isto não o salvou da derrota pela incapacidade política dos seus líderes por suas diferenças locais e setoriais e uma falta de habilidade para a ação nacional exceto na preparação de petiçõesmonstros Na França não existia qualquer movimento de massa dos trabalhadores pobres das indústrias que se comparasse os militantes do movimento da classe operária francesa em 183048 eram fundamentalmente os ultrapassados artesãos e diaristas urbanos a maioria em seus ofícios ou em centros de indústria doméstica tradicional como o da indústria da seda em Lyon Os arqui revolucionários canuís de Lyon não eram nem mesmo assalariados mas sim uma espécie de pequenos mestres Além disso os vários ramos do novo socialismo utópico os seguidores de SaintSimon Fourier Cabet etc não estavam interessados em agitação política embora seus grupos e conventículos principalmente os dos seguidores de Fourier viessem a agir como núcleos de liderança da classe operária e como mobilizadores da ação de massa no princípio da revolução de 1848 Por outro lado a França possuía a poderosa tradição do jacobinismo e do babovismo de esquerda altamente desenvolvida politicamente e que em grande parte se tornaria comunista depois de 1830 Seu líder mais notável foi Auguste Blanqui 18051881 um discípulo de Buonarroti Em termos de análise e teoria social o blanquismo tinha pouco a oferecer ao socialismo exceto a afirmação de sua necessidade e a decisiva observação de que o proletariado seria seu arquiteto e a classe média não mais a superior seu principal inimigo Em termos de estratégia e organização política ele adaptou o órgão tradicional de agitação a secreta irmandade conspiradora às condições proletárias casualmente despojandoo de sua fantasiosa vestimenta ritualística da Restauração e o tradicional método de revolução jacobina a insurreição e a ditadura popular centralizada à causa dos trabalhadores O moderno movimento revolucionário socialista adquiriu dos blanquistas que por sua vez o fizeram de SaintJust Babeuf e Buonarroti a convicção de que seu objetivo tinha que ser a tomada do poder político seguida da ditadura do proletariado o termo é de cunhagem blanquista A fraqueza do blanquismo era em parte a mesma da classe operária francesa Na ausência de um grande movimento de massa ele foi como seus predecessores carbonaristas uma elite que planejava suas insurreições de certa forma no vazio e que portanto frequentemente fracassava como no caso da tentativa de levante de 1839 A classe operária ou o socialismo e a revolução urbana pareciam pois perigos muito reais na Europa Ocidental embora na verdade na maioria dos países industrializados como a Grã Bretanha e a Bélgica o governo e as classes empregadoras os considerassem com relativa e justificada placidez não há provas de que o governo britânico tenha sido seriamente perturbado pela ameaça dos cartistas à ordem pública apesar de vasto o movimento em prol da Carta do Povo era pessimamente conduzido mal organizado e muito dividido Por outro lado a população rural oferecia pouco para incentivar os revolucionários ou assustar os governantes Na GrãBretanha o governo teve um pânico momentâneo quando uma onda de tumultos e quebra de máquinas rapidamente se espalhou entre os esfomeados trabalhadores do campo no bui e no leste da Inglaterra no final de 1830 A influência da Revolução Francesa de julho de 1830 foi detectada nesta última revolta de trabalhadores ampla e espontânea mas que logo se dissipou e que foi punida com muito mais selvageria do que as agitações cartistas como era talvez de se esperar em face da situação política muito mais tensa durante o período do Ato de Reforma Entretanto a intranquilidade nos campos logo regrediu para formas politicamente menos assustadoras No resto das áreas economicamente avançadas exceto até certo ponto na Alemanha Ocidental não se esperava nem se renunciava qualquer agitação rural séria e a perspectiva inteiramente urbana da maioria dos revolucionários tinha poucos atrativos para o campesinato Em toda a Europa Ocidental tirando a Península Ibérica só a Irlanda tinha um grande e endémico movimento de revolução agrária organizado pelas muitas sociedades secretas terroristas tais como os Homens das Filas Ribbonmen e o Rapazes Brancos Whiteboys Mas social e politicamente a Irlanda pertencia a um mundo diferente da sua vizinha Inglaterra A questão da revolução social portanto dividiu os radicais da classe média ie os grupos de homens de negócio intelectuais e outros descontentes que ainda se encontravam em oposição aos governos liberais moderados de 1830 Na GrãBretanha ela dividiu os radicais da classe média entre os que estavam preparados para apoiar o cartismo ou fazer causa comum com ele como em Birmingham ou na União pelo Sufrágio Universal do quaker Joseph Sturge e os que insistiam como os membros da Liga Contra a Lei do Trigo de Manchester em lutar tanto contra a aristocracia como contra o cartismo Os intransigentes prevaleceram confiantes na maior homegeneidade de sua consciência de classe em seu dinheiro que gastavam em enormes quantidades e na eficácia da organização propagandista que montaram Na França a fraqueza da oposição oficial a Luís Felipe e a iniciativa das massas revolucionárias de Paris virou a decisão para o outro lado Logo tornamonos republicanos novamente escreveu o poeta radical Béranger depois da revolução de fevereiro de 1848 Talvez tenha sido um pouco cedo demais e um pouco rápido demais Eu teria preferido um procedimento mais cauteloso mas nós não escolhemos a hora nem reunimos as forças nem determinamos o caminho da marcha O rompimento dos radicais da classe média com a extrema esquerda ocorreria na França somente depois da revolução Para a pequena burguesia descontente de artesãos independentes lojistas fazendeiros etc que junto com uma massa de trabalhadores qualificados provavelmente formavam a principal concentração de radicalismo da Europa Ocidental o problema era menos difícil Por sua origem modesta simpatizavam com os pobres contra os ricos como pequenos proprietários simpatizavam com os ricos contra os pobres Mas a divisão de suas simpatias levouos à hesitação e à dúvida ao invés de a uma grande mudança de compromisso político Mas quando chegou o momento decisivo eles foram embora de maneira débil jacobinos republicanos e democratas Foram um componente hesitante mas invariável de todas as frentes populares até que expropriadores em potencial assumissem verdadeiramente o poder V No resto da Europa revolucionária onde a baixa nobreza rural e os intelectuais descontentes constituíam o centro do radicalismo o problema era bem mais sério Pois as massas eram o campesinato e frequentemente um campesinato que pertencia a uma nação diferente da de seus senhores e concidadãos os eslavos e os romenos na Hungria os ucranianos na Polónia Oriental os eslavos em partes da Áustria E os senhores de terra mais pobres e menos eficazes que eram os que menos podiam se permitir abandonar o status que lhes assegurava seus rendimentos eram frequentemente nacionalistas os mais radicais Reconhecidamente enquanto o grosso do campesinato continuasse afundado na ignorância e na passividade política a questão do seu apoio às revoluções era menos imediata do que poderia ser mas não menos explosiva E na década de 1840 mesmo esta passividade não mais podia ser tomada como garantia A insurreição dos servos na Galícia em 1846 foi a maior revolta camponesa desde a Revolução Francesa de 1789 Inflamada como era a questão era também até certo ponto retórica Economicamente a modernização das áreas do interior tais como as da Europa Oriental exigia uma reforma agrária ou no mínimo a abolição da servidão que ainda persistia nos impérios austríaco russo e turco Politicamente uma vez que o campesinato atingisse o estágio da atividade era mais do que certo que alguma coisa tinha que ser feita para satisfazer suas exigências pelo menos nos países onde os revolucionários lutavam contra o domínio estrangeiro Pois se eles não atraíssem os camponeses para o seu lado os reacionários o fariam de qualquer forma os reis legítimos os imperadores e as igrejas tinham a vantagem tática de que os camponeses tradicionalistas confiavam mais neles do que nos senhores de terra e em princípio ainda se dispunham a esperar que eles fizessem justiça E os monarcas estavam perfeitamente dispostos a jogar os camponeses contra a pequena nobreza se necessário os Bourbon de Nápoles tinham feito isto sem hesitação contra os jacobinos napolitanos em 1799 Longa vida a Radetsky gritariam os camponeses da Lombardia em 1848 saudando o general austríaco que liquidou a insurreição nacionalista morte aos senhores A pergunta a ser feita aos radicais dos países subdesenvolvidos não era se deviam buscar uma aliança com o campesinato mas se a conseguiriam Nestes países portanto os radicais se dividiam em dois grupos os democratas e os de extrema esquerda Os democratas representados na Polónia pela Sociedade Democrática Polonesa na Hungria pelos seguidores de Kossuth na Itália pelos mazzinianos reconheceram a necessidade de se atrair os camponeses para a causa revolucionária quando necessário pela abolição da servidão e a garantia dos direitos de propriedade aos pequenos agricultores mas esperavam alguma espécie de coexistência pacífica entre uma nobreza que renunciasse voluntariamente a seus direitos feudais não sem compensação c um campesinato nacional Entretanto onde o vento da rebelião camponesa não tinha alcançado a força de um vendaval ou o temor de sua exploração pelos príncipes não era grande como na maior parte da Itália os democratas na prática deixaram de providenciar um programa agrário concreto ou mesmo qualquer programa social preferindo pregar as generalidades da democracia política e da libertação nacional A extrema esquerda concebia francamente ajuda revolucionária de massas contra os governantes estrangeiros e os exploradores domésticos Prenunciando os revolucionários nacionalistas e sociais de nosso século ela duvidava da capacidade da nobreza e da fraca classe média com seu frequente interesse na dominação imperial para conduzir a nova nação à independência e à modernização Seu programa era assim poderosamente influenciado pelo socialismo nascente do Ocidente embora de maneira diversa da maioria dos socialistas utópicos prémarxistas fossem também revolucionários políticos além de críticos sociais A República de Cracóvia que teve pouca duração aboliu assim em 1846 todos os encargos dos camponeses e prometeu aos pobres citadinos oficinas nacionais Os carbonários mais avançados do sul da Itália adotaram a plataforma babovistablanquista Exceto talvez na Polónia esta corrente de pensamento era relativamente fraca e sua influência foi ainda mais diminuída pelo fracasso de movimentos compostos substancialmente de jovens escolares estudantes intelectuais desclassificados da pequena nobreza ou de origem plebléia e de alguns idealistas para mobilizar o campesinato que eles tão fervorosamente buscavam recrutar Os radicais da Europa subdesenvolvida portanto nunca resolveram eficazmente o seu problema em parte devido à relutância dos que os apoiavam em fazer adequadas concessões ao campesinato em parte devido à imaturidade política dos camponeses Na Itália as revoluções de 1848 foram conduzidas substancialmente por cima de uma população rural inativa na Polónia onde o levante de 1846 tinha rapidamente se desenvolvido sob a forma de uma rebelião camponesa incentivada pelo governo austríaco contra a pequena nobreza nacional não houve qualquer revolução em 1848 exceto na Posnânia prussiana Mesmo na mais avançada das nações revolucionárias a Hungria as características de uma reforma agrária operada pela pequena nobreza fariam com que fosse totalmente impossível mobilizar o campesinato para a guerra de libertação nacional E na maior parte da Europa Oriental os camponeses eslavos metidos em uniformes de soldados imperiais é que foram os eficientes subjugadores dos revolucionários magiares e alemães VI Todavia embora agora divididos pelas diferenças das condições locais pelas nacionalidades e as classes os movimentos revolucionários de 183048 continuaram tendo muito em comum Em primeiro lugar como vimos eles continuaram sendo em grande parte organizações minoritárias de conspiradores da classe média e intelectuais frequentemente exilados ou limitados ao mundo relativamente pequeno dos letrados Quando as revoluções eclodiam é claro o povo comum vinha à cena por si mesmo Dos 350 mortos da insurreição de Milão em 1848 só cerca de uma dúzia eram estudantes funcionários ou gente de famílias proprietárias de terras Setenta c quatro eram mulheres e crianças e o resto se constituía de artesãos ou trabalhadores Em segundo lugareles mantiveram um padrão comum de procedimento político de ideias estratégicas e táticas etc derivadas da experiência e da herança da Revolução de 1789 e um forte sentido de unidade internacional O primeiro fator é facilmente explicável Não existia uma longa tradição de organização e de agitação de massas como parte de uma vida social normal e não imediatamente pré ou pós revolucionária exceto nos Estados Unidos e na GrãBretanha ou talvez na Suíça na Holanda e na Escandinávia nem as condições para essa tradição estavam presentes fora da GrãBretanha e dos Estados Unidos Era absolutamente impensável que um jornal tivesse em outros países uma circulação semanal de mais de 60 mil exemplares ou um número de leitores muito maior ainda como o Northern Star dos cartistas em abril de 1839 5 mil parece ter sido o maior número de exemplares para um jornal embora os jornais oficiais ou a partir da década de 1830 os almanaques de entretenimento pudessem talvez exceder a 20 mil exemplares em um país como a França Mesmo nos países constitucionais como a Bélgica e a França a agitação legal da extrema esquerda só era permitida intermitentemente e suas organizações eram muitas vezes ilegais Consequentemente enquanto existia um simulacro de política democrática entre as classes restritas que formavam o país legal algumas das quais tinham influência sobre os desprivilegiados os instrumentos fundamentais da política de massa as campanhas públicas para fazer pressão sobre os governos as organizações de massa as petições e a oratória itinerante endereçada ao povo comum eram só raramente possíveis Fora da GrãBretanha ninguém teria seriamente pensado em obter o direito de voto parlamentar universal através de uma campanha de assinaturas em massa e de manifestações públicas ou em abolir uma lei impopular através de propaganda de massa e campanhas de pressão como tentaram respectivamente o cartismo e a Liga Contra a Lei do Trigo As grandes mudanças constitucionais significam um rompimento com a legalidade e assim aconteceu a fortiori com as grandes mudanças sociais As organizações ilegais são naturalmente menores que as legais e sua composição social está longe de ser representativa Reconhecidamente a transformação das sociedades carbonárias secretas em sociedades proletárias revolucionárias como a blanquista provocou um relativo declínio no número de militantes da classe média e um aumento do número de membros da classe operária ou seja do número de artesãos e artífices As organizações blanquistas do final das décadas de 1830 e 1840 eram consideradas fortemente constituídas de membros das classes mais baixas Da mesma maneira se considerava a Liga Alemã de Proscritos que por sua vez transformouse na Liga dos Justos e na Liga Comunista de Marx e Engels cuja espinha dorsal se constituía de artífices alemães expatriados Mas este foi um caso muito excepcional A grande maioria dos conspiradores consistia como antes de homens das classes profissionais ou da baixa nobreza estudantes e escolares jornalistas etc embora talvez com um componente menor fora dos países ibéricos de jovens oficiais do que no apogeu do período carbonário Além disso até certo ponto ioda a esquerda europeia e americana continuava a lutar contra os mesmos inimigos a partilhar aspirações comuns c um programa comum Repudiamos condenamos e renunciamos a todas as desigualdades e distinções hereditárias de casta escreveram os Democratas Fraternos compostos de naturais da GrãBretanha da França da Alemanha da Escandinávia da Polónia da Itália da Suíça da Hungria e de outros países em sua Declaração de Princípios Consequentemente consideramos os reis as aristocracias e as classes que monopolizam os privilégios em virtude de suas posses de terras como usurpadores Os governos eleitos e responsáveis por todo o povo são o nosso credo político Que revolucionário ou radical teria discordado deles Se fosse burguês seria a favor de um Estado no qual a propriedade conquanto não gozasse de privilégio político como tal como nas constituições de 18302 que fizeram o voto depender de uma qualificação de propriedade tivesse um livre espaço econômico se fosse socialista ou comunista seria a favor de que a propriedade fosse socializada Sem dúvida chegaria o momento na GrãBretanha ele já tinha chegado na época do cartismo em que os antigos aliados contra o rei a aristocracia e o privilégio se voltariam uns contra os outros e o conflito fundamental seria entre os burgueses e os trabalhadores Mas antes de 1848 este momento ainda não tinha chegado em nenhum outro lugar Só a grande bourgeoisie de alguns países ainda estava oficialmente do lado do governo Mesmo os mais conscientes comunistas proletários ainda se viam e agiam como a ala da extrema esquerda de um movimento geral radical e democrático e normalmente consideravam o empreendimento da república democráticoburguesa a preliminar indispensável para o avanço ulterior do socialismo O Manifesto Comunista de Marx e Engels é uma declaração de guerra futura contra a burguesia mas ao menos para a Alemanha de aliança presente A classe média alemã mais avançada os industriais da região do Reno não pediu meramente que Marx editasse seu órgão radical o Neue Rheinische Zeitung em 1848 ele aceitou e editouo não simplesmente como um órgão comunista mas como o portavoz e líder do radicalismo alemão Mais do que um mero panorama comum a esquerda europeia partilhava de uma visão comum sobre como seria a revolução baseada em 1789 com retoques de 1830 Haveria uma crise nos negócios políticos do Estado levando à insurreição A ideia carbonária de um putsch ou levante de elite organizado sem referência ao clima econômico e político geral era desacreditada cada vez mais exceto nos países ibéricos principalmente pelo humilhante fracasso de várias tentativas do género na Itália p ex em 18334 18415 e dos putsches como o tentado pelo sobrinho de Napoleão Luís Napoleão em 1836 Na capital levantarseiam barricadas os revolucionários atacariam o palácio o parlamento ou entre os extremistas que se lembravam de 1792 a sede da prefeitura içariam qualquer que fosse sua bandeira tricolor e proclamariam a república e um governo provisório O pais aceitaria então o novo regime A decisiva importância das capitais era universalmente aceita embora só depois de 1848 os governos tivessem começado a replanejálas a fim de facilitar a operação das tropas contra os revolucionários Uma Guarda Nacional de cidadãos armados seria organizada seriam feitas eleições democráticas para uma Assembleia Constituinte o governo provisório se transformaria em um governo definitivo e a nova Constituição entraria em vigor O novo regime então daria auxílio fraterno às outras revoluções que quase certamente também teriam ocorrido O que viria a acontecer dai em diante pertencia à época pósrevolucionária para a qual os acontecimentos da França em 17929 também forneceram modelos razoavelmente concretos do que se fazer e do que se evitar O espírito do revolucionário mais jacobino naturalmente se voltaria com presteza para os problemas de salvaguarda da revolução contra os ataques dos contrarevolucionários domésticos e estrangeiros De um modo geral podese também dizer que quanto mais de esquerda fosse o político mais provável seria que defendesse o princípio jacobino de centralização e de um executivo forte contra os princípios girondinos do federalismo descentralização ou divisão dos poderes Esta perspectiva comum era grandemente reforçada pela forte tradição de internacionalismo que sobrevivia mesmo entre os nacionalistas separatistas que se recusavam a aceitar a liderança automática de qualquer país ie da França ou melhor de Paris A causa de todas as nações era a mesma mesmo sem se levar em conta o fato óbvio de que a libertação da maioria das nações europeias parecia implicar na derrota do czarismo Os preconceitos nacionais dos quais segundo sustentavam os Democratas Fraternos os opressores do povo tiraram partido em todas as épocas desapareceriam em um mundo de fraternidade As tentativas de se organizar associações revolucionárias internacionais nunca cessaram desde a Jovem Europa de Mazzini projetada como uma associação contra as velhas organizações internacionais maçônico carbonárias até a Associação Democrática para a Unificação de Todos os Países 1847 Entre os movimentos nacionalistas este internacionalismo tendeu a decrescer em importância à medida em que os países conquistavam suas independências e as relações entre os povos mostravamse menos fraternas do que se supunha Entre os movimentos sóciorevolucionários que aceitavam cada vez mais a orientação proletária o internacionalismo aumentou a sua força A Internacional como organização e canção viria a se transformar em parte integrante dos movimentos socialistas já para o final do século Um fator acidental que reforçou o internacionalismo de 183048 foi o exílio A maioria dos militantes políticos da esquerda continental foram expatriados durante certo tempo muitos durante décadas reunindose em relativamente poucas zonas de refúgio e asilo a França a Suíça e até certo ponto a GrãBretanha e a Bélgica As Américas eram muito distantes para uma emigração política temporária embora atraíssem alguns O maior contingente de exilados foi o da grande emigração polonesa de cerca de 5 a 6 mil que deixaram o país devido à derrota de 1831 seguiramse os contingentes italianos e alemães ambos reforçados pela importante emigração apolítica que formaria comunidades locais nacionais em outros países Por volta da década de 1840 um pequeno grupo de intelectuais russos abastados também tinha absorvido as ideias revolucionárias ocidentais em viagens de estudos ao exterior ou buscavam uma atmosfera mais agradável do que a combinação de masmorra e pátio de exercícios militares proporcionada por Nicolau I Estudantes e residentes ricos vindos de países pequenos e afastados também eram encontrados em duas cidades que constituíam os sóis culturais da Europa Ocidental da América Latina e do Oriente Médio Paris e bem depois Viena Nos centros de refúgio os emigrantes se organizavam debatiam discutiam frequentavamse e denunciavamse uns aos outros e planejavam a libertação de seus países ou de outros países Os poloneses e até certo ponto os italianos no exílio Garibaldi lutou pela liberdade de vários países latinoamericanos tornaramse de fato corpos internacionais de militância revolucionária Nenhum levante ou guerra de libertação em qualquer parte da Europa entre 1831 e 1871 estaria completo sem o seu contingente de peritos militares ou combatentes poloneses nem mesmo como já se sustentou a única insurreição armada ocorrida na GrãBretanha durante o período cartista em 1839 Entretanto eles não eram os únicos Um típico libertador de povos o expatriado Harro Harring segundo ele da Dinamarca lutou sucessivamente pela Grécia em 1821 e pela Polónia em 18301 como membro da Jovem Alemanha da Jovem Itália e da um tanto obscura Jovem Escandinávia de Mazzini alémmar a favor de um Estados Unidos da América Latina e em Nova Iorque antes de voltar para a Revolução de 1848 publicando nesse meio tempo obras com títulos tais como Os Povos Gotas de Sangue Palavras de um Homem e Poesias de um Escandinavo Um destino e um ideal comum uniam estes expatriados e viajantes A maioria deles enfrentava os mesmos problemas de pobreza c vigilância policial de correspondência ilegal espionagem e do onipresente agente provocador Como o fascismo na década de 1930 o absolutismo nas décadas de 1830 e 1840 unia seus inimigos comuns Então como um século mais tarde o comunismo que pretendia explicar e fornecer soluções para a crise social do mundo atraía o militante e o mero curioso intelectual para a sua capital Paris acrescentando assim uma atração séria aos encantos mais amenos da cidade Não fosse pelas mulheres francesas a vida não valeria a pena Mais tant quily a des grisettes va Nestes centros de refúgios os imigrantes formavam aquela provisória comunidade de exilados embora tantas vezes permanente enquanto planejavam a libertação da humanidade Nem sempre eles se admiravam ou se aprovavam mutuamente mas se conheciam e sabiam que seu destino era o mesmo Juntos prepararamse e esperaram a revolução europeia que veio e fracassou em 1848 Capítulo Sete O Nacionalismo Todo povo tem sua missão especial que ajudará no cumprimento da missão geral da humanidade Esta missão constitui a sua nacionalidade A nacionalidade é sagrada Ato de Fraternidade da Jovem Europa 1834 Chegará o dia Em que a sublime Germânia estará no pedestal de bronze da liberdade e da justiça segurando em uma das mãos a tocha do esclarecimento que lançará a luz da civilização aos mais remotos cantos da terra e na outra a balança da justiça Os povos lhe pedirão que julgue as suas disputas estes mesmos povos que agora nos mostram que o poder é o direito e nos chutam com a botina do escárnio e do desprezo Discurso de Siebenpfeiffer no Festival de Hambach 1832 I Depois de 1830 como vimos o movimento geral em favor da revolução se dividiu Um dos resultados desta divisão merece atenção especial os movimentos nacionalistas conscientes Os movimentos que melhor simbolizam esta evolução são os movimentos jovens fundados ou inspirados por Giuseppe Mazzini logo depois da revolução de 1830 Jovem Itália Jovem Polónia Jovem Suíça Jovem Alemanha Jovem França em 18316 e o análogo Jovem Irlanda da década de 1840 ancestral da única organização revolucionária bemsucedida e duradoura baseada no modelo das irmandades conspiradoras do princípio do século XIX os fenianos ou Fraternidade Republicana Irlandesa melhor conhecia através de seu braço executivo o Exército Republicano Irlandês Em si mesmos estes movimentos não foram de grande importância a simples presença de Mazzini teria sido suficiente para assegurar sua ineficiência Simbolicamente todavia são de extrema importância como indica a adoção pelos movimentos nacionalistas subsequentes de rótulos como Jovens Tchecos ou Jovens Turcos Eles são o marco da desintegração do movimento revolucionário europeu em segmentos nacionais Sem dúvida todos estes segmentos tinham uma tática uma estratégia e um programa político muito semelhantes até mesmo uma bandeira semelhante quase invariavelmente tricolor de algum tipo Seus membros não viam qualquer contradição entre suas próprias exigências e as dos movimentos de outras nações e de fato pretendiam uma fraternidade de todos libertandose simultaneamente Por outro lado cada um deles tendia agora a justificar sua preocupação primordial com sua própria nação através da adoção do papel de Messias de todos Através da Itália segundo Mazzini através da Polónia segundo Mickiewicz os sofridos povos do mundo seriam conduzidos à liberdade uma atitude que era prontamente adaptável às políticas conservadoras ou mesmo imperialistas como testemunham os eslavófilos russos com sua defesa da Sagrada Rússia a Terceira Roma e os alemães que posteriormente iriam proclamar ao mundo dentro de uma relativa distância que ele seria curado pelo espírito alemão Reconhecidamente esta ambiguidade do nacionalismo vinha desde a Revolução Francesa Mas naquela época tinha havido apenas uma grande nação revolucionária e era lógico considerála então como ainda mesmo depois o quartelgeneral e todas as revoluções e o necessário primeiro motor da libertação do mundo Confiar em Paris era racional confiar em uma vaga Itália Polónia ou Alemanha representadas na prática por um punhado de conspiradores e de emigrantes só era lógico para os italianos os poloneses e os alemães Se o novo nacionalismo tivesse se limitado apenas aos membros das fraternidades revolucionárias nacionais não valeria a pena darlhe muita atenção Entretanto ele também refletia forças muito mais poderosas que estavamse tornando politicamente conscientes na década de 1830 como resultado da revolução dupla A mais imediatamente poderosa destas forças era o descontentamento dos proprietários menores ou pequena nobreza inferior e o surgimento de uma classe média e até de uma classe média inferior em inúmeros países sendo seus portavozes em grande parte intelectuais profissionais O papel revolucionário da baixa pequena nobreza talvez seja melhor ilustrado na Polónia é na Hungria Lá de uma maneira geral os grandes magnatas proprietários de terras haviam descoberto há muito tempo que era possível e desejável entrar em acordo com o absolutismo e a dominação estrangeira Os magnatas húngaros eram em geral católicos e de há muito tinham sido aceitos como os pilares da sociedade da corte vienense muito poucos deles iriamse unir à revolução de 1848 A memória da velha Rzeczpospolita fazia com que até mesmo os magnatas poloneses tivessem uma mentalidade nacionalista mas o mais influente dos seus partidos seminacionais a união Czartoryski que agora operava a partir do luxuoso ambiente de emigração do Hotel Lambert em Paris sempre fora a favor da aliança com a Rússia e continuava a preferir a diplomacia à revolta Economicamente eles eram suficientemente abastados para obter o que precisassem sem gastos vultuosíssimos e até mesmo para investir na benfeitoria de suas propriedades o bastante para poder usufruir da expansão econômica da época se assim o quisessem O Conde Széchenyi um dos poucos liberais moderados desta classe e paladino da melhoria econômica deu um ano de seus rendimentos para a nova Academia Húngara de Ciências cerca de 60 mil florins Não há prova de que seu padrão de vida tenha sofrido com esta generosidade desinteressada Por outro lado os muitos cavalheiros que pouco tinham exceto o seu nascimento para distinguilos dos outros fazendeiros pobres umoitavo da população húngara reivindicava o status de cavalheiro não tinham nem o dinheiro para tornar suas propriedades lucrativas nem a inclinação para competir com os alemães e judeus pela riqueza da classe média Se não podiam viver decentemente das suas rendas e uma época degenerada privavaos de suas chances como soldados então poderiam se não fossem muito ignorantes tentar o direito a administração ou alguma posição intelectual mas não uma atividade burguesa que desconsideravam Estes cavalheiros eram de há muito a fortaleza de oposição ao absolutismo e à dominação dos magnatas e estrangeiros protegendose como na Hungria por trás do escudo duplo do calvinismo e da administração dos condados Era natural que sua oposição descontentamento e aspiração a mais empregos para os cavalheiros locais se fundissem agora com o nacionalismo As classes empresariais que surgiram neste período foram paradoxalmente um elemento bem menos nacionalista Reconhecidamente na Alemanha e na Itália desunidas as vantagens de um grande mercado nacional unificado eram lógicas O autor do Deutschland über Alles declarou Presunto e tesouras botas e ligas Lã sabão fios e cerveja porque tinham conseguido coisa que o espírito nacional fora incapaz de fazer um genuíno senso de unidade nacional por meio da União Aduaneira Entretanto há pouca prova de que digamos os armadores de Génova que mais tarde iriam fornecer a maior parte do apoio financeiro a Garibaldi preferissem as possibilidades de um mercado italiano nacional à maior prosperidade de comércio por todo o Mediterrâneo E nos grandes impérios multinacionais os núcleos comerciais e industrias que cresceram em determinadas províncias podiam rosnar contra a discriminação mas no fundo claramente preferiam os grandes mercados abertos a eles agora do que os pequenos mercados de futura independência nacional Os industriais poloneses com toda a Rússia a seus pés ainda tinham pouca participação no nacionalismo polonês Quando Palacky reivindicou a favor dos tchecos que se a Áustria não existisse teria que ser inventada ele não estava só pedindo o apoio da monarquia contra os alemães mas também expressando o perfeito raciocínio econômico do setor economicamente mais avançado do grande e de outra forma atrasado império Os interesses empresariais eram às vezes o carrochefe do nacionalismo como na Bélgica onde uma pioneira comunidade industrial consideravase duvidosamente desafortunada sob o domínio da poderosa comunidade mercantil holandesa à qual tinha sido presa em 1815 Mas este era um caso excepcional Os grandes proponentes do nacionalismo de classe média neste estágio foram as camadas média e inferior das categorias profissionais administrativas e intelectuais ou sejam as classes educadas É claro que estas não são distintas das classes empresariais especialmente em países atrasados onde os administradores das propriedades os tabeliões e os advogados se encontram entre os principais acumuladores da riqueza rural Para sermos precisos a guarda avançada do nacionalismo de classe média fez sua guerra ao longo da linha que demarcava o progresso educacional de um grande número de homens novos em áreas até então ocupadas por uma pequena elite O progresso das escolas e das universidades dava a dimensão do nacionalismo na mesma medida em que as escolas e especialmente as universidades se tornavam seus defensores mais conscientes o conflito entre a Alemanha e a Dinamarca sobre o SchleswigHolstein em 1848 foi previsto pelo conflito entre as universidades de Kiel e Copenhagem sobre o mesmo problema na metade da década de 1840 O progresso foi surpreendente embora o número total de pessoas instruídas continuasse pequeno O número de alunos nos liceus estatais franceses duplicou entre 1809 e 1842 e aumentou com particular rapidez durante a Monarquia de Julho mas ainda assim em 1842 este número era inferior a 19 mil alunos O total de crianças que recebiam educação secundária naquela época era de cerca de 70 mil A Rússia por volta de 1850 tinha perto de 20 mil alunos secundaristas em uma população total de 68 milhões de habitantes O número de estudantes universitários era ainda menor naturalmente embora estivesse subindo É difícil imaginar que a juventude académica prussiana que foi tão inflamada pelo ideal de liberdade depois de 1806 consistisse em 1805 de pouco mais que 1500 jovens e que a Escola Politécnica de Paris a peste que atormentou os Bourbon restaurados em 1815 acolhesse um total de 1581 jovens em todo o período entre 1815 e 1830 ou seja uma admissão anual de cerca de cemalunos A proeminência revolucionária dos estudantes no período de 1848 faznos esquecer que em todo o continente europeu incluindose as antirevolucionárias Ilhas Britânicas não havia mais que 40 mil estudantes universitários ao todo Ainda assim estes números aumentavam Na Rússia subiu de 1700 em 1825 para 4600 em 1848 E mesmo se eles não aumentassem a transformação da sociedade e das universidades ver capítulo 15 davalhes uma nova consciência de si mesmos como um grupo social Ninguém se recorda que em 1789 havia cerca de 6 mil estudantes na Universidade de Paris já que eles não desempenharam qualquer papel independente na Revolução Mas por volta de 1830 ninguém poderia subestimar uma tamanha quantidade de jovens académicos As pequenas elites podem operar com línguas estrangeiras mas a língua nacional se impõe uma vez que o quadro de pessoas instruídas tenhase tornado suficientemente grande como testemunha a luta por um reconhecimento linguistico nos Estados indianos desde a década de 1940 Daí o momento em que livros didácticos e jornais são impressos pela primeira vez na língua nacional ou quando essa língua é usada pela primeira vez para algum fim oficial marca um passo importantíssimo na evolução nacional A década de 1830 viu este passo ser dado em grandes áreas da Europa Assim as primeiras obras tcheques importantes sobre astronomia química antropologia mineralogia e botânica foram escritas ou terminadas nesta década quando também apareceram na Roménia os primeiros livros didácticos escritos em romeno em substituição ao grego habitual O húngaro em vez do latim foi adoptado como a língua oficial da Dieta Húngara em 1840 embora a Universidade de Budapeste controlada por Viena não tivesse abandonado as palestras dadas em latim até o ano de 1844 Entretanto a luta em favor do uso do húngaro como língua oficial já estava sendo travada desde 1790 Em Zagreb Gai publicou a sua Gazeta Croata mais tarde Gazeta Nacional Ilírica a partir de 1835 na primeira versão literária do que até então fora simplesmente um complexo de dialetos Nos países que possuíam há muito tempo uma língua nacional oficial a mudança não pode ser tão facilmente avaliada embora seja interessante notar que depois de 1830 o número de livros em alemão publicados na Alemanha em comparação com os títulos em latim e francês ultrapassou pela primeira vez os 90 sendo que o número de livros escritos em francês caiu depois de 1820 para menos de 4 De maneira mais genérica a expansão editorial nos fornece uma indicação semelhante Assim na Alemanha o número de livros publicados em 1821 foi quase o mesmo que em 1800 cerca de 4 mil títulos por ano mas em 1841 tinha subido para 12 mil títulos É claro que a imensa maioria dos europeus e não europeus continuava sem instrução De fato com exceção dos alemães dos holandeses dos escandinavos dos suíços e dos norte americanos não se pode dizer que qualquer outro povo fosse alfabetizado em 1840 Podese dizer que vários povos eram totalmente analfabetos como os eslavos do sul que contavam menos de 05 de pessoas alfabetizadas em 1827 mesmo muito mais tarde somente 1 dos recrutas dálmatas do exército austríaco sabiam ler e escrever ou os russos que tinham 2 em 1840 e que muitos outros eram quase analfabetos como os espanhóis os portugueses que parece tinham somente cerca de 8 mil crianças ao todo na escola após a Guerra Peninsular e com exceção dos lombardos e piemonteses os italianos Até mesmo a GrãBretanha a França e a Bélgica tinham cerca de 40 a 50 de analfabetos na década de 1840 O analfabetismo não se constitui em um obstáculo à consciência política mas não há de fato qualquer prova de que o nacionalismo do tipo moderno fosse uma poderosa força de massa exceto em países já transformados pela revolução dupla na França na GrãBretanha nos Estados Unidos e por ser um país dependente política e economicamente da GrãBretanha na Irlanda Equacionar o nacionalismo com a alfabetização não significa que a maioria digamos dos russos não se considerasse russa quando confrontada com alguém ou alguma coisa que não o fosse Contudo para as massas em geral o teste de nacionalidade ainda era a religião o espanhol era definido por ser católico o russo por ser ortodoxo Entretanto embora tais confrontações estivessem se tornando bem mais frequentes ainda eram raras e certos tipos de sentimento nacional tal como o italiano ainda eram totalmente estranhos à grande massa do povo que nem mesmo falava a língua literária nacional e sim dialetos quase mutuamente incompreensíveis Mesmo na Alemanha a mitologia patriótica exagerou em muito o grau de sentimento nacional contra Napoleão A França era extremamente popular na Alemanha Ocidental especialmente entre os soldados a quem empregava livremente As populações muito ligadas ao Papa ou ao Imperador podiam expressar ressentimento contra os inimigos da Igreja e da coroa que por acaso eram os franceses mas isto dificilmente implicava qualquer sentimento de consciência nacional quanto mais um desejo em favor de um Estado nacional Além do mais o próprio fato de que o nacionalismo era representado pela classe média e pela pequena nobreza era suficiente para fazer o pobre ficar desconfiado Os revolucionários poloneses radical democratas tentaram arduamente como também o fizeram os mais avançados carbonários do sul da Itália e outros conspiradores mobilizar o campesinato até mesmo a ponto de oferecer uma reforma agrária Seu fracasso foi quase total Os camponeses da Galícia em 1846 se opuseram aos revolucionários poloneses embora estes tenham efetivamente proclamado o fim da servidão preferindo massacrar os cavalheiros e confiar nos agentes do Imperador O desenraizamento dos povos que é talvez o mais importante fenómeno do século XIX destruiria este profundo e antigo tradicionalismo local Ainda assim na maior parte do mundo até a década de 1820 quase ninguém ainda migrava ou emigrava exceto quando forçado pelos exércitos e a fome ou então nos grupos migratórios tradicionais como os camponeses do centro da França que em determinada estação iam trabalhar em construções no norte ou como os artesãos ambulantes alemães O desenraizamento ainda significava não a suave forma de saudade de casa que se tornaria a doença psicológica característica do século XIX refletida em inúmeras canções populares sentimentais mas o agudo e mortal mal de pays ou mal de coeur que foi descrito clinicamente pela primeira vez pelos médicos entre os velhos mercenários suíços em terras estrangeiras O recrutamento para as guerras revolucionárias revelou o mesmo especialmente entre os bretões A atração das remotas florestas do nordeste era tão forte que pôde levar uma empregada estoniana a deixar seus excelentes patrões os Kügelgens na Saxônia onde era livre e voltar para a servidão em casa A migração e a emigração cujo índice mais conveniente é a migração para os EUA aumentou notavelmente a partir da década de 1820 embora não tivesse alcançado maiores proporções até a década de 1840 quando 1750000 pessoas cruzaram o Atlântico Norte quase o triplo da década de 1830 Assim mesmo a única grande nação migratória fora das Ilhas Britânicas ainda era a Alemanha de há muito acostumada a enviar seus filhos como colonos rurais para a Europa Oriental e a América assim como artesãos por todo o continente e mercenários a todas as partes do mundo Na verdade podemos falar apenas de um movimento nacional no Ocidente organizado de forma coerente antes de 1848 que foi genuinamente baseado nas massas e até mesmo este movimento gozava da enorme vantagem da identificação com o mais forte portador da tradição a Igreja Foi o movimento irlandês de revogação sob a liderança de Daniel OConnell 1785 1847 advogado demagogo e eloquente de origem camponesa e o primeiro até 1848 o único dos líderes populares carismáticos que marcam o despertar da consciência política das massas até então atrasadas As únicas figuras comparáveis antes de 1848 foram Feargus OConnor 17941855 outro irlandês que simbolizou o cartismo na GrãBretanha e talvez Luís Kossuth 18021894 que deve ter adquirido um pouco do seu posterior prestígio entre as massas antes da revolução de 1848 embora sua reputação na década de 1840 fosse na verdade a de um paladino da pequena nobreza o fato de ter sido canonizado mais tarde pelos historiadores nacionalistas torna difícil entender com clareza sua carreira inicial A Associação Católica de OConnell que adquiriu o apoio das massas e a confiança não totalmente justificada do clero na vitoriosa luta pela Emancipação Católica 1829 não estava absolutamente ligada à pequena nobreza que era de qualquer forma protestante e anglo irlandesa Foi um movimento de camponeses e da classe média baixa irlandesa ou melhor dos elementos dessas camadas que podiam existir na empobrecida ilha O Libertador foi levado à liderança por sucessivas ondas de um movimento de massa de revolta agrária a principal força motivadora da política irlandesa nesse século espantoso Foi organizado em sociedades secretas terroristas que ajudaram a destruir o paroquianismo da vida irlandesa Entretanto o objetivo de OConnell não era nem a revolução nem a independência nacional mas sim uma moderada autonomia para a classe média irlandesa através de acordo ou negociação com os liberais britânicos Efetivamente ele não foi um nacionalista e menos ainda um revolucionário camponês mas sim um autonomista moderado da classe média E de fato a principal crítica que foi feita não injustificadamente contra ele pelos nacionalistas irlandeses posteriores semelhante à dos nacionalistas radicais indianos em relação a Gandhi que ocupou uma posição análoga na história de seu país foi a de que poderia ter incitado toda a Irlanda contra os britânicos mas deliberadamente recusouse a fazêlo Isto não altera o fato de que o movimento que ele liderou foi genuinamente apoiado pela massa da nação irlandesa II Fora do moderno mundo burguês houve entretanto movimentos de revolta popular contra o domínio estrangeiro ie normalmente entendido como significando o domínio de uma religião diferente em vez de uma nacionalidade diferente que às vezes parecem antecipar os movimentos nacionais posteriores Assim foram as rebeliões contra o Império Turco contra os russos no Cáucaso e a luta contra o usurpador domínio britânico nos confins da índia Seria insensato interpretar esses movimentos como tendo muito a ver com o nacionalismo moderno embora em áreas atrasadas habitadas por camponeses e pastores armados combativos organizados em clãs e inspirados por chefes tribais heróis bandoleiros e profetas a resistência ao governante ou infiel estrangeiro pudesse tomar a forma de autênticas guerras do povo bem diferentes dos movimentos nacionalistas de elite em países menos homéricos Na verdade entretanto a resistência dos maratas um grupo militar feudal hindu e dos sikhs uma seita religiosa militante aos britânicos respectivamente em 180318 e 184549 tem pouca ligação com o nacionalismo indiano posterior nem produziu algum que lhe fosse peculiar As tribos caucasianas selvagens heróicas e feudais encontraram na puritana seita islâmica do muridismo um laço temporário de união contra os invasores russos e em Shamyl 17971871 um líder de grande estatura mas não existe até a presente data uma nação caucasiana mas sim meramente um agregado de pequenos povos montanheses em pequenas repúblicas soviéticas Os georgianos e os arménios que formaram nações no sentido moderno não estavam envolvidos no movimento de Shamyl Os beduínos varridos pelas seitas religiosas puritanas como a wahhabita na Arábia e a sanusi no que é hoje a Líbia lutaram pela simples fé em Alá e a vida simples do pastor e do assaltante contra a corrupção dos impostos os paxás e as cidades mas ò que hoje conhecemos como nacionalismo árabe um produto do século XX nasceu das cidades e não dos acampamentos nómades Até mesmo as rebeliões contra os turcos nos Bálcans especialmente entre os povos montanheses raramente subjugados do sul e do oeste não devem ser muito prontamente interpretadas em lermos nacionalistas modernos embora os bardos e os bravos os dois eram frequentemente os mesmos como no caso dos bisposguerreirospoetas de Montenegro relembrassem as glórias de heróis seminacionais como o albanês Skanderbeg e as tragédias como a derrota dos sérvios em Kossovo nas remotas batalhas contra os turcos Nada era mais natural do que se revoltar onde fosse necessário e desejável contra uma administração local ou um enfraquecido Império Turco Entretanto pouco mais do que um subdesenvolvimento econômico unia o que hoje conhecemos como iugoslavos mesmo os do Império Turco e a própria concepção de Iugoslávia foi produto de intelectuais na AustroHungria e não dos que realmente lutaram pela liberdade Os montenegrinos ortodoxos jamais subjugados lutaram contra os turcos mas com igual vontade contra os infiéis albaneses católicos e os infiéis porém solidamente eslavos bósnios muçulmanos Os bósnios revoltaramse contra os turcos de cuja religião muitos deles partilhavam com tanta presteza quanto os ortodoxos sérvios da planície coberta de bosques do Danúbio e com mais vontade do que os velhos sérvios ortodoxos da fronteira com a Albânia Os primeiros dos povos balcânicos a se insurgirem no século XIX foram os sérvios sob o comando do heróico bandoleiro e comerciante de porcos Jorge o Negro 17601817 mas a fase inicial de sua revolta 18047 não era sequer contra o domínio turco e sim pelo contrário justamente a favor do sultão contra os abusos dos governantes locais Pouco há na história inicial das rebeliões montanhesas dos Bálcans ocidentais que sugira que os sérvios os albaneses os gregos e outros não teriam no século XIX ficado satisfeitos com um tipo de principado autónomo não nacional como o que o poderoso sátrapa Ali Paxá o Leão de Janina 17411822 estabeleceu por certo tempo no Épiro Num e somente num caso a perene luta dos pastores de ovelhas e dos heróisbandoleiros contra qualquer governo efetivo se fundiu com as ideias do nacionalismo da classe média e da Revolução Francesa na lula grega pela independência 182130 Portanto não foi por acaso que a Grécia se tornou o mito inspirador dos nacionalistas e liberais de todo o mundo Pois somente na Grécia todo um povo se insurgiu contra o opressor de uma maneira que poderia ser identificada de forma plausível com a causa da esquerda europeia e por sua vez o apoio da esquerda europeia encabeçada pelo poeta Byron que lá morreu foi uma considerável ajuda para a conquista da independência grega A maioria dos gregos era muito semelhante aos outros esquecidos camponesesguerreiros e clãs da península balcânica Entretanto uma parte formava uma classe administrativa e mercantil internacional também estabelecida em colónias ou em comunidades de minoria espalhadas por todo o Império Turco e fora dele e a língua e os mais altos escalões da Igreja Ortodoxa à qual pertencia a maioria dos povos balcânicos eram gregos a começar pelo Patriarca Grego de Constantinopla Funcionários públicos gregos transformados em príncipes vassalos governavam os principados do Danúbio a atual Roménia Em certo sentido todas as classes mercantis e instruídas dos Bálcans da região do Mar Negro e do Levante quaisquer que fossem suas origens nacionais foram helenizadas pela própria natureza de suas atividades Durante o século XVIII essa helenização ocorreu mais poderosamente do que antes em grande parte devido à marcante expansão econômica que também estendeu o alcance e os contatos da diáspora grega O novo e próspero comércio de cereais do Mar Negro levoua até os centros de negócios italianos franceses e britânicos e fortaleceu seus laços com a Rússia a expansão do comércio balcânico trouxe os comerciantes gregos ou helenizados para a Europa Central Os primeiros jornais em língua grega foram publicados em Viena 17841812 A emigração e os deslocamentos periódicos dos camponeses rebeldes reforçaram ainda mais as comunidades de exilados Foi entre esta diáspora cosmopolitana que as ideias da Revolução Francesa o liberalismo o nacionalismo e os métodos de organização política através das sociedades secretas maçónicas lançaram raízes Rhigas 17608 o líder de um primeiro e obscuro movimento revolucionário possivelmente panbalcânico falava francês e adaptou a Marselhesa às situações helénicas A Philiké Hetairía a sociedade secreta patriótica que foi a principal responsável pela revolta de 1821 foi fundada em Odessa grande e novo porto russo exportador de cereais em 1814 O nacionalismo grego foi até certo ponto comparável aos movimentos de elite ocidentais É o que explica o projeto de se fazer uma rebelião pela independência grega nos principados do Danúbio sob a liderança de magnatas gregos locais pois as únicas pessoas que podiam ser consideradas gregas nestas miseráveis terras de servos eram lordes bispos comerciantes e intelectuais É claro que o levante fracassou miseravelmente 1821 Por sorte entretanto a Hetairía se pusera também a arregimentar nas montanhas o anárquico mundo de heróis bandoleiros proscritos e chefes de clãs especialmente no Peloponeso e com um sucesso consideravelmente maior pelo menos depois de 1818 do que os cavalheiros carbonários do sul da Itália que tentaram um proselitismo semelhante com seus bandoleiros locais os banditi É duvidoso que algo parecido com o nacionalismo moderno tenha significado grande coisa para esses bandoleiros gregos embora muitos tivessem os seus escreventes o respeito e o interesse pelo estuco de livros era uma relíquia sobrevivente do antigo helenismo que compunham manifestos na terminologia jacobina Se havia alguma coisa pela qual eles lutavam esta coisa era o antigo gênio da península em que o papel do homem era o de tornarse um herói e o proscrito que fugia para as montanhas para resistir a qualquer governo e para consertar os erros dos camponeses era o ideal político geral Os nacionalistas do tipo ocidental deram liderança e um alcance panhelênico em vez de meramente local às rebeliões de homens como Kolokotrones bandoleiro e comerciante de gado Por seu turno os bandoleiros produziram esta coisa única e terrível a insurreição em massa de um povo armado O novo nacionalismo grego foi suficiente para conquistar a independência embora a combinação da liderança de classe média com a desorganização dos bandoleiros e com a intervenção de uma grande potência produzisse uma destas pobres caricaturas do ideal ocidental de liberdade que viriam a se tornar tão familiares em áreas como a América Latina Mas teve também o resultado paradoxal de confinar o helenismo à Hellas criando ou intensificando assim o nacionalismo latente de outros povos balcânicos Enquanto o fato de ser grego fora apenas pouco mais do que a habilitação profissional do cristão ortodoxo balcânico alfabetizado a helenização progrediu Quando passou a significar o apoio político à Hellas ela retrocedeu mesmo entre as classes alfabetizadas balcânicas assimiladas Neste sentido a independência grega foi a condição preliminar essencial para a evolução de outros nacionalismos balcânicos Fora da Europa é difícil falar de nacionalismo As muitas repúblicas latinoamericanas que substituíram os velhos impérios espanhol e português para sermos exatos o Brasil se tornou uma monarquia independente e assim permaneceu de 1816a 1889 com suas fronteiras frequentemente refletindo pouco mais do que a distribuição das propriedades dos nobres que tinham apoiado essa ou aquela rebelião local começaram a adquirir interesses políticos estáveis e aspirações territoriais O ideal panamericano original de Simon Bolívar 17831830 na Venezuela e San Martin 17781850 na Argentina foi impossível de realizar embora persistisse como uma poderosa corrente revolucionária em todas as regiões unidas pela língua espanhola exatamente como o panbalcanismo o herdeiro da unidade ortodoxa contra a islâmica persistiu e pode ainda persistir hoje em dia A grande extensão e variedade do continente a existência de focos de rebelião independentes no México que deram origem à América Central na Venezuela e em Buenos Aires e o especial problema do centro do colonialismo espanhol no Peru que foi libertado a partir de fora impunham uma fragmentação automática Mas as revoluções latino americanas foram obra de pequenos grupos de aristocratas soldados e elites afrancesadas evoluídas deixando a massa da passiva população branca católica e pobre e dos índios indiferente ou hostil Só no México a independência foi conquistada pela iniciativa de um movimento de massa agrário isto é indígena que marchou sob a bandeira da Virgem de Guadalupe e por isso o México trilhou desde então um caminho diferente e politicamente mais avançado que o resto da América Latina continental Entretanto mesmo entre a minúscula camada dos latinoamericanos politicamente decisivos seria anacrónico falarmos nesse período de algo mais que o embrião da consciência naciona colombiana venezuelana equatoriana etc Mas algo parecido com um protonacionalismo existia em vários países da Europa Oriental embora paradoxalmente tenha tomado o rumo do conservadorismo ao invés da rebelião nacional Os eslavos se achavam oprimidos em toda parte exceto na Rússia e em algumas fortalezas selvagens dos Bálcans mas na sua perspectiva imediata os opressores eram como vimos não os monarcas absolutos mas os proprietários de terras alemães e magiares e os exploradores urbanos E o seu nacionalismo não dava nenhuma margem para a existência nacional eslava mesmo um programa tão radical como o dos Estados Unidos Alemães proposto pelos republicanos e democratas de Baden sudoeste da Alemanha previa a inclusão de uma república ilíria ie croata e eslovena com capital na italiana Trieste uma república morávia com capital em Olomuc e uma república boémia com sede em Praga Logo a esperança imediata dos nacionalistas eslavos estava nos imperadores da Áustria e da Rússia Várias versões da solidariedade eslava expressavam a orientação russa e atraíam os rebeldes eslavos até mesmo os poloneses antirussos especialmente em tempos de derrota e de desesperança como depois do fracasso dos levantes em 1846 O ilirianismo na Croácia e um nacionalismo tcheco moderado expressavam a tendência austríaca e ambos recebiam apoio deliberado dos Habsburgo de quem dois dos mais importantes ministros Kolowrat e o chefe do sistema policial Sedlnitzky eram tchecos As aspirações culturais croatas foram protegidas na década de 1830 e em 1840 Kolowrat chegou a propor o que mais tarde viria a ser tão útil na revolução de 1848 a designação de um interventor militar croata ban como chefe da Croácia e com controle sobre a fronteira militar com a Hungria como um contrapeso aos exaltados magiares Portanto ser um revolucionário em 1848 equivalia virtualmente a se opor às aspirações nacionais eslavas e o tácito conflito entre as nações progressistas e reacionárias contribuiu em muito para condenar as revoluções de 1848 ao fracasso Nada que se pareça com nacionalismo pode ser descoberto em outras regiões pois não existiam as condições sociais para isto De fato quando muito as forças que mais tarde viriam a produzir o nacionalismo estavam neste estágio em oposição à aliança da tradição da religião e da pobreza das massas que produziu a mais poderosa resistência ao abuso dos conquistadores e exploradores ocidentais Os elementos de uma burguesia local que surgiram em países asiáticos o fizeram à sombra dos exploradores estrangeiros de quem dependiam e eram em grande parte agentes ou intermediários a comunidade parse de Bombaim é um exemplo Mesmo que o asiático instruído e esclarecido não fosse um comprador ou um funcionário de menor importância de algum governo ou firma estrangeira uma situação não diferente daquela da diáspora grega na Turquia sua primeira tarefa política era a de se ocidentalizar ie introduzir as ideias da revolução francesa e da modernização técnica e científica contra a resistência unida de governantes e governados tradicionais situação não diferente daquela dos cavalheiros jacobinos do sul da Itália Portanto ele estava duplamente afastado de seu povo A mitologia nacionalista tem frequentemente obscurecido este divórcio em parte pela supressão do elo entre o colonialismo e as primeiras classes médias nativas e em parte por atribuir às mais antigas resistências contra o estrangeiro as cores de um movimento nacionalista posterior Mas na Ásia nos países islâmicos e mais ainda na África a união entre as elites evoluídas e o nacionalismo e entre ambos e as massas só viria a ocorrer no século XX O nacionalismo no Oriente foi portanto um produto enfim da influência e da conquista ocidental Este elo é talvez mais evidente no país plenamente oriental em que foram implantados os princípios do que viria a se tornar o primeiro movimento nacionalista moderno das colónias o Egito A conquista de Napoleão introduziu as ideias os métodos e as técnicas ocidentais cujos valores foram logo reconhecidos por um hábil e ambicioso soldado local Mohammed Ali Mehemet Ali Tendo conseguido o poder e a virtual independência da Turquia no confuso período que se seguiu à retirada dos franceses e com o apoio francês Mohammed Ali partiu para estabelecer um despotismo eficiente e ocidentalizante com ajuda técnica estrangeira principalmente francesa Nas décadas de 1820e 1830 os esquerdistas europeus exaltaram esse autocrata esclarecido e colocaram seus serviços à sua disposição quando a reação em seus próprios países parecia por demais desanimadora A extraordinária seita dos saintsimonianos oscilando entre a defesa do socialismo e do desenvolvimento industrial promovido por engenheiros e investimentos bancários deulhe temporariamente um auxílio coletivo e elaborou os seus planos de desenvolvimento econômico sobre esses planos ver cap 1311 Assim foram eles também que lançaram a dotação para o Canal de Suez construído pelo saintsimonianó Lesseps iniciando a dependência fatal dos governantes egípcios de grandes empréstimos negociados por grupos competidores de trapaceiros europeus que transformaram o Egito em um centro de rivalidade imperialista e mais tarde de rebelião antimperialista Mas Mohammed Ali não era mais nacionalista do que qualquer outro déspota oriental Sua ocidentalização não as suas aspirações ou as de seu povo foi que lançou as bases para o nacionalismo posterior Se o Egito teve o primeiro movimento nacionalista do mundo islâmico e Marrocos um dos últimos foi porque Mohammed Ali por razões geopolíticas perfeitamente compreensíveis estava enquadrado nos principais caminhos da ocidentalização enquanto o isolado império muçulmano do leste da África um xerifado como se autointitulava não estava nem fez qualquer tentativa para estar O nacionalismo como tantas outras características do mundo moderno é filho da revolução dupla Capítulo Oito A Terra Eu sou vosso senhor e meu senhor é o Czar O Czar tem o direito de me dar ordens e devo obedecerlhe mas não de dálas a vós Em minha propriedade sou eu o Czar sou vosso deus na terra e terei que ser responsável por vós perante Deus no céu Primeiramente um cavalo deve ser escovado dez vezes com a almofaça de ferro e somente então podeis vós limpálo com a escova macia Terei que escovarvos com violência e quem sabe se chegarei jamais à escova macia Deus limpa o ar com trovões e relâmpagos e em minha aldeia eu limparei com trovões e fogo sempre que assim o julgue necessário De um proprietário russo a seus servos A posse de uma ou duas vacas um capado e alguns gansos naturalmente coloca o camponês segundo sua concepção acima de seus irmãos do mesmo escalão social Ao cuidar do gado ele adquire o hábito da indolência O trabalho diário se torna enfadonho a aversão cresce com a indulgência e com o correr do tempo a venda de um bezerro mal alimentado ou de um capado permite adicionar intemperança à preguiça A venda da vaca ê frequentemente bem sucedida e seu desgraçado e desapontado dono relutante em retomar o curso regular e diário do trabalho do qual retirou sua subsistência anterior extrai do padrão dos pobres o alívio que lhe é absolutamente paradoxal Pesquisa do Conselho de Agricultura de Somerset 1789 I O que acontecia à terra determinava a vida e a morte da maioria dos seres humanos entre 1789 e 1848 Consequentemente o impacto da revolução dupla sobre a propriedade e o aluguel da terra e sobre a agricultura foi o mais catastrófico fenómeno do período Pois nem a revolução política nem a econômica podiam desprezar a terra que a primeira escola de economistas a dos fisiocratas considerava a única fonte de riqueza e cuja transformação revolucionária todos concordavam ser a précondição e consequência necessárias da sociedade burguesa se não de todo desenvolvimento econômico rápido A grande camada de gelo dos sistemas agrários tradicionais e das relações sociais do campo em todo o mundo cobria o fértil solo do crescimento econômico Ela tinha que ser derretida a qualquer custo de maneira que o solo pudesse ser arado pelas forças da empresa privada em busca de lucro Isto implicava três tipos de mudanças Em primeiro lugar a terra tinha que ser transformada em uma mercadoria possuída por proprietários privados e livremente negociável por eles Em segundo lugar ela tinha que passar a ser propriedade de uma classe de homens desejosos de desenvolver seus recursos produtivos para o mercado e estimulados pela razão ie pelos seus próprios interesses e pelo lucro estes dois objetivos esclarecidos Em terceiro lugar a grande massa da população rural tinha que ser transformada de alguma forma pelo menos em parte em trabalhadores assalariados com liberdade de movimento para o crescente setor não agrícola da economia Alguns dos economistas mais radicais e cuidadosos também estavam conscientes de uma quarta mudança desejável embora difícil senão impossível de atingir Pois numa economia que tomava como premissa a perfeita mobilidade de todos os fatores de produção a terra como monopólio natural não se encaixava muito bem Visto que o tamanho da terra era limitado e suas várias partes diferiam em fertilidade e facilidade de acesso era inevitável que os donos das partes mais férteis gozassem de vantagem especial e arrecadassem aluguéis sobre os demais Como abolir ou mitigar essa opressão p ex através de uma tributação adequada por meio de leis contra a concentração da propriedade ou mesmo através da nacionalização era assunto de discussões acaloradas especialmente na Inglaterra industrial Estas discussões também afetavam outros monopólios naturais como as ferrovias cuja nacionalização por esta razão nunca foi considerada incompatível com uma economia de empresa privada sendo praticada amplamente Entretanto estes eram problemas de terra em uma sociedade burguesa A tarefa imediata era ainda a de instaurar essa sociedade pôla em funcionamento Havia dois grandes obstáculos para isso e ambos exigiam uma combinação de ação política e econômica os proprietários de terra précapitalistas e o campesinato tradicional Por outro lado a tarefa podia ser cumprida de vários modos Os mais radicais foram os britânicos e os americanos pois ambos eliminaram o campesinato e um deles eliminou também o proprietário A clássica solução britânica produziu um país em que talvez 4 mil proprietários possuíam cerca de quatrosétimos da terra cultivada tomo aqui por base estatísticas de 1851 por 250 mil fazendeiros trêsquartos da área sendo constituída de fazendas que iam de 50 a 500 acres que empregavam cerca de 1250000 serviçais e trabalhadores contratados Persistiam ainda bolsões de pequenos proprietários mas excetuando as montanhas escocesas e partes do País de Gales só um pedante poderia falar de um campesinato britânico no sentido continental A clássica solução americana foi a da fazenda comercial cujo ocupante era o próprio proprietário que compensava com mecanização intensiva a escassez de mãodeobra contratada As ceifadeiras mecânicas de Obed Hussey 1833 e de Cyrus McCormick 1834 foram o complemento para os fazendeiros de espírito puramente comercial ou para os especuladores de terras que saindo da Nova Inglaterra levaram para o oeste o american way of life apropriandose das terras ou mais tarde comprandoas do governo a preços mais do que vantajosos A clássica solução prussiana foi socialmente a menos revolucionária Consistiu em transformar os próprios proprietários feudais em fazendeiros capitalistas e os servos em trabalhadores contratados Os junkers mantiveram o controle de suas magras propriedades que tinham por muito tempo cultivado para o mercado de exportação com mãodeobra servil mas agora trabalhavam com camponeses libertos da servidão e da terra O exemplo pomeraniano é sem dúvida extremo posteriomente neste século cerca de 2 mil grandes propriedades cobriam 61 da terra cerca de 60 mil pequenas e médias cobriam o resto e o restante da população não possuía terras mas o fato é que enquanto em 1773 a Enciclopédia de Economia Doméstica e Agrícola de Kriiniz sequer mencionava a palavra trabalhador o que mostra a insignificância de uma classe trabalhadora rural em 1849 o número de pessoas sem terras ou de trabalhadores rurais substancialmente assalariados na Prússia era estimado em quase 2 milhões A única outra solução sistemática do problema agrário num sentido capitalista foi a dinamarquesa que também criou uma vasta camada de pequenos e médios fazendeiros comerciais Entretanto ela se deveu no fundamental às reformas do período de despotismo esclarecido da década de 1780 e portanto foge um pouco dos limites deste livro A solução norteamericana foi determinada por esse fato único o de dispor de um suprimento virtualmente ilimitado de terra desocupada e da ausência de todas as velharias ligadas às relações feudais e ao coletivismo camponês tradicional Praticamente o único obstáculo à propagação da atividade agrícola 100 individualista foram as tribos de peles vermelhas cujas terras normalmente garantidas por tratados assinados com os britânicos franceses e americanos eram possuídas coletivamente em geral como campo de caça O conflito total entre uma visão da sociedade que considerava a propriedade individual perfeitamente alienável não somente como a única disposição racional mas também natural e a visão que assim não pensava é talvez mais evidente na confrontação entre os ianques e os índios Dentre as causas mais perniciosas e fatais que impediram os índios de aprender os benefícios da civilização segundo o Comissário para Assuntos Indígenas estavam a sua posse coletiva de extensões demasiadamente grandes de terra e o direito a vastas anuidades em dinheiro a primeira delas dandolhes um grande campo para sua indulgência em seus hábitos nómades e errantes e impedindo que adquirissem um conhecimento da individualidade na propriedade e da vantagem de lares fixos e a segunda estimulando a preguiça e o espírito aproveitador e dandolhes os meios para gratificarem seus gostos e apetites depravados Portanto priválos de suas terras por meio de fraudes roubos e quaisquer outros tipos de pressão era tão moral quanto lucrativo Os índios primitivos e nómades não eram as únicas pessoas que não entendiam e não desejavam o racionalismo burguêsindividualista a respeito da terra De fato com exceção de minorias de camponeses iluminados informados ou fortes e sóbrios a grande maioria da população rural desde o maior proprietário feudal até o mais pobre dos pastores de ovelhas estava unida em abominálo Somente uma revolução políticolegal dirigida contra os proprietários e os camponeses tradicionais poderia criar as condições para que a minoria racional se transformasse na maioria racional A história das relações agrárias na maior parte da Europa Ocidental e de suas colónias em nosso período é a história dessa revolução embora suas consequências totais não fossem sentidas até a segunda metade do século Como vimos seu primeiro objetivo foi transformar a terra em uma mercadoria Os vínculos e outras proibições de venda ou dispersão que se aplicavam às propriedades nobres tinham que ser quebrados e portanto o proprietário tinha que estar sujeito à penalidade salutar da bancarrota em caso de incompetência econômica o que permitiria a compradores economicamente mais competentes assumir o controle da situação Acima de tudo nos países católicos e muçulmanos os países protestantes já o tinham feito há muito tempo o grande bloco de terras eclesiásticas tinha que ser tomado do reino gótico de superstição não econômica e aberto ao mercado e â exploração racional A secularização e a venda as aguardavam As terras coletivas igualmente vastas e por serem coletivas mal utilizadas das comunidades municipais e das aldeias os campos e os pastos comuns as florestas etc tinham que se tornar acessíveis à empresa individual A divisão em lotes individuais e cercos as aguardava Não poderia haver dúvidas de que os novos compradores seriam os empresários fortes e sóbrios e assim seria atingido o segundo objetivo da revolução agrária Mas somente sob a condição de que os camponeses de cujos escalões muitos deles sem dúvida viriam se transformassem em uma classe com livre capacidade para dispor de seus recursos um passo que automaticamente também atingiria o terceiro objetivo a criação de uma grande força de trabalho livre constituída dos que não conseguissem se tornar burgueses A libertação do camponês dos laços e obrigações não econômicas servidão pagamentos aos proprietários trabalhos forçados escravidão etc também era portanto essencial Isto traria uma vantagem adicional e crucial Pois se acreditava que o assalariado livre com o incentivo de recompensas mais altas ou o fazendeiro livre se mostrariam mais eficientes do que o trabalhador forçado tanto o servo como o criado ou o escravo Somente uma outra condição linha que ser preenchida O enorme número dos que agora vegetavam na terra a que toda a história humana os prendia mas que se ela fosse produtivamente explorada seriam um mero excedente populacional linha que ser arrancado de suas raízes para se mover livremente Somente assim migrariam para as cidades e as fábricas onde seus músculos eram cada vez mais necessários Em outras palavras os camponeses tinham que perder suas terras juntamente com seus outros vínculos Na maior parte da Europa isto significava que o complexo de regras políticas e legais tradicionais comumente conhecido como feudalismo tinha que ser abolido onde já não estivesse ausente Em termos amplos no período que vai de 1789 a 1848 isto foi alcançado na maior parte através da intervenção direta ou indirecta da Revolução Francesa de Gilbraltar à Prússia Oriental e do Báltico à Sicília As mudanças equivalentes na Europa Central somente tiveram lugar em 1848 e na Rússia e na Roménia na década de 1860 Fora da Europa algo nominalmente parecido foi alcançado nas Américas com as grandes exceções do Brasil de Cuba e do sul dos Estados Unidos onde a escravidão persistiu até 186288 Em algumas áreas coloniais diretamente administradas por Estados europeus notadamente em partes da índia e da Argélia também foram introduzidas revoluções legais semelhantes Assim aconteceu na Turquia e durante um breve período no Egito Com exceção da GrãBretanha e de alguns outros países onde o feudalismo neste sentido já tinha sido abolido ou nunca tinha realmente existido embora tivessem existido as tradicionais coletividades camponesas os métodos efetivos para se alcançar esta revolução foram muito semelhantes Na GrãBretanha não era necessária nem politicamente praticável qualquer legislação para expropriar as grandes herdades pois os grandes proprietários ou seus fazendeiros já estavam afinados com a sociedade burguesa Sua resistência ao triunfo final das relações burguesas no interior entre 1795 e 1846 foi mais árdua Entretanto embora ela contivesse de uma maneira desarticulada uma espécie de protesto tradicionalista contra o destrutivo princípio do lucro puramente individualista a causa de seus mais óbvios descontentamentos foi muito mais simples o desejo de manter num período de depressão de pós guerra os altos preços e os altos aluguéis das terras que vigoraram durante as guerras revolucionárias e napoleônicas Era antes um grupo de pressão agrária do que uma reação feudal O principal gume da lei voltouse portanto contra os aspectos retrógrados do campesinato dos agricultores e dos trabalhadores Uns 5 mil cercados estabelecidos por decretos gerais e particulares ocuparam cerca de 6 milhões de acres de campos e terras comuns a partir de 1760 transformandoos em propriedades privadas e foram reforçados por numerosas regulamentações menos formais A Lei dos Pobres de 1834 foi projetada para tornar a vida tão intolerável para os pobres do campo que eles se vissem forçados a abandonar a terra em busca de qualquer emprego que lhes fosse oferecido E de fato logo começaram a fazêlo Na década de 1840 vários condados já estavam à beira de uma perda absoluta de população e a partir de 1850 a fuga do campo se tornou generalizada As reformas da década de 1780 aboliram o feudalismo na Dinamarca embora seus principais beneficiários não tenham sido os senhores de terra mas os camponeses arrendatários e pequenos proprietários que se sentiram encorajados após a abolição dos campos abertos a consolidar suas faixas de terra como propriedades individuais um processo análogo ao do encerramento que tinha praticamente se completado por volta de 1800 As propriedades tendiam a ser divididas em parcelas e vendidas a seus antigos arrendatários embora a depressão pós napoleônica à qual os pequenos proprietários tiveram mais dificuldade de sobreviver do que os arrendatários tenha desacelerado este processo entre 1816 e cerca de 1830 Por volta de 1865 a Dinamarca era primordialmente um país de proprietários camponeses independentes Na Suécia reformas semelhantes porém menos drásticas tiveram os mesmos efeitos de modo que por volta da segunda metade do século XIX o tradicional cultivo comunal o sistema de faixas de terra tinha virtualmente desaparecido As antigas áreas feudais foram assimiladas ao resto do país no qual o campesinato livre sempre fora predominante do mesmo modo que na Noruega após 1815 parte da Suécia e antes da Dinamarca Uma tendência a subdividir as fazendas maiores compensada por uma outra a consolidar a posse fezse sentir em algumas regiões O resultado disso foi que aumentou rapidamente a produtividade da agricultura na Dinamarca o número de cabeças de gado duplicou no último quarto do século XVIII mas com o rápido crescimento da população um número cada vez maior de camponeses pobres não encontrava emprego Na segunda metade do século XIX sua miséria levou ao que foi proporcionalmente o maior movimento de emigração do século principalmente para o meio oeste americano da infértil Noruega e um pouco mais tarde da Suécia embora menos da Dinamarca II Como vimos na França a abolição do feudalismo foi obra da Revolução A pressão camponesa e o jacobinismo levaram a reforma agrária além do ponto em que os baluartes do desenvolvimento capitalista teriam desejado que ela parasse ver cap 2 V 3 III A França como um todo portanto não se tornou nem um país de senhores de terras e trabalhadores agrícolas nem de fazendeiros comerciais mas em grande parte de vários tipos de proprietários camponeses que se tornaram o principal amparo de todos os regimes políticos subsequentes que não ameaçaram tomar suas terras A suposição de que o número de proprietários camponeses aumentou em mais de 50 de 4 para 65 milhões é velha e plausível mas não prontamente verificável Tudo o que sabemos com certeza é que o número destes proprietários não diminuiu e que em algumas áreas aumentou mais do que em outras mas se o departamento da Mosela onde aumentou em 40 entre 1789 e 1801 é mais típico do que o departamento normando de Eure onde permaneceu imutável é algo que requer um estudo mais detalhado As condições nos campos eram em geral boas Mesmo em 18478 não houve nenhuma privação real exceto entre um setor de assalariados O fluxo de mãodeobra excedente da aldeia para a cidade foi portanto pequeno um fato que ajudou a retardar o desenvolvimento industrial francês Na maior parte da Europa latina nos Países Baixos na Suíça e na Alemanha Ocidental a abolição do feudalismo foi obra dos exércitos conquistadores franceses determinados a proclamar imediatamente em nome da nação francesa a abolição dos dízimos do feudalismo e dos direitos senhoriais ou então de liberais nativos que cooperaram com eles ou neles se inspiraram Por volta de 1799 a revolução legal tinha assim vencido nos países adjacentes ao leste da França e no norte e centro da Itália frequentemente apenas completando uma evolução já bastante avançada A volta dos Bourbon depois da abortada revolução napolitana de 17989 adioua no sul da Itália continental até 1808 a ocupação britânica mantevea fora da Sicília embora o feudalismo fosse formalmente abolido naquela ilha entre 1812 e 1843 Na Espanha as cortes liberais antifrancesas de Cádiz aboliram o feudalismo em 1811 e certos vínculos em 1813 embora como era costume fora das áreas profundamente transformadas por uma longa incorporação à França o retorno dos velhos regimes retardasse a aplicação prática destes princípios As reformas francesas portanto começaram ou continuaram em vez de terem completado a revolução legal em áreas como o noroeste da Alemanha a leste do Reno e nas Províncias Ilírias Istria Dalmácia Ragusa mais tarde também a Eslovênia e parte da Croácia que só vieram a cair sob administração ou dominação francesa depois de 1805 Entretanto a Revolução Francesa não foi a única força que impulsionava por uma revolução total das relações agrárias O puro argumento econômico em favor de uma utilização racional da terra tinha impressionado grandemente os déspostas esclarecidos do período prérevolucionário e produzira respostas muito semelhantes No Império Habsburgo José II tinha de fato abolido a servidão e secularizado muitas das terras da Igreja na década de 1780 Por razões semelhantes e devido a suas persistentes rebeliões os servos da Livônia russa foram formalmente reconduzidos ao status de proprietários camponeses de que tinham desfrutado um pouco antes sob administração sueca Isso não os ajudou em nada pois a ganância dos todopoderosos proprietários de terras logo transformou a emancipação em um mero instrumento de expropriação camponesa Depois das guerras napoleônicas as poucas garantias legais dos camponeses foram eliminadas e entre 1819 e 1850 eles perderam no mínimo umquinto de suas terras enquanto os domínios senhoriais cresciam entre 60 e 180 Elas agora eram cultivadas por uma classe de trabalhadores sem terras Estes três fatores a influência da Revolução Francesa o argumento econômico racional dos servidores civis e a ganância da nobreza determinaram a emancipação dos camponeses na Prússia entre 1807 e 1816 A influência da Revolução foi claramente decisiva pois seus exércitos tinham acabado de pulverizar a Prússia e assim demonstrado com força dramática o abandono dos velhos regimes que não adotaram métodos modernos ie aqueles padronizados pela França Como na Livônia a emancipação combinouse com a abolição da modesta proteção legal de que o campesinato tinha anteriormente desfrutado Em troca da abolição do trabalho forçado e das obrigações feudais e por seus novos direitos de propriedade o camponês se viu obrigado entre outras perdas a dar a seu antigo senhor umterço ou a metade de seu antigo pedaço de terra ou um vultoso equivalente em dinheiro O longo e complexo processo legal de transição estava longe de ser completado por volta de 1848 mas já era evidente que enquanto os proprietários de herdades tinhamse beneficiado grandemente e que um número menor de camponeses bemsucedidos tinhamse beneficiado um pouco graças a seus novos direitos de propriedade o grosso do campesinato estava nitidamente em piores condições e o número de trabalhadores sem terras crescia rapidamente Economicamente o resultado foi benéfico a longo prazo embora as perdas tenham sido sérias a curto prazo como era frequente nas grandes mudanças agrárias Por volta de 183031 a Prússia voltou a ter o número de cabeças de gado bovino e ovino do início do século com os proprietários de terras agora possuindo uma porção maior e os camponeses uma porção menor Por outro lado aproximadamente durante a primeira metade do século a área cultivada cresceu em bem mais de umterço e a produtividade em 50 A população rural excedente cresceu rapidamente e já que as condições rurais eram bem ruins a fome de 18468 foi provavelmente pior na Alemanha do que em qualquer outra parte exceto na Irlanda e na Bélgica esse excedente teve bastante incentivo para emigrar E de fato antes da Fome Irlandesa os alemães foram o povo que deu a maior quantidade de emigrantes Os passos legais efetivos para os sistemas burgueses de propriedade da terra foram dados assim na maior parte como vimos entre 1789 e 1812 Suas consequências fora da França e de algumas áreas adjacentes fizeramse sentir muito mais vagarosamente principalmente devido à força da reação econômica e social após a derrota de Napoleão Em geral cada novo avanço do liberalismo fazia as revoluções legais darem mais um passo da teoria à prática e cada recuperação dos velhos regimes as retardava principalmente nos países católicos onde a secularização e a venda das terras da Igreja era uma das mais urgentes exigências dos liberais Na Espanha assim ó triunfo temporário de uma revolução liberal em 1820 trouxe uma nova lei de desvinculação que permitiu aos nobre vender suas terras livremente a restauração do absolutismo anuloua em 1823 a nova vitória do liberalismo reafirmoua em 1836 e assim por diante Portanto o volume efetivo de transferências de terras no período que focalizamos foi ainda modesto até onde podemos medilo exceto em áreas onde um ativo grupo de compradores e especuladores de terras da classe média estava pronto para lançar mão das oportunidades que se lhe apresentavam na planície de Bolonha norte da Itália as terras nobres caíram de 78 do valor total das terras em 1789 para 66 em 1804 e 51 em 1835 Por outro lado na Sicília 90 de todas as terras continuaram nas mãos dos nobres até muito mais tarde Havia uma exceção as terras da Igreja Estas enormes propriedades quase invariavelmente mal utilizadas e em ruínas já se disse que doisterços das terras do Reino de Nápoles por volta de 1760 eram eclesiásticos tinham poucos defensores e muitos lobos rondando à sua volta Mesmo durante a reação absolutista na Áustria católica depois do colapso do despotismo esclarecido de José II ninguém sugeriu a volta das secularizadas e dissipadas terras monásticas Assim em uma comuna na Romagna italiana as terras da Igreja caíram de 425 da área em 1783 para 115 em 1812 mas as terras perdidas pela Igreja passaram não apenas para proprietários burgueses que aumentaram de 24 para 47 mas também aos nobres que aumentaram de 34 para 41 Conseqüentemente não constitui surpresa que mesmo na católica Espanha os governos liberais intermitentes tenham conseguido por volta de 1845 vender mais da metade das terras da Igreja principalmente nas províncias em que a propriedade eclesiástica estava mais concentrada ou em que o desenvolvimento econômico era maior em 15 províncias mais de trêsquartos de todas as propriedades da Igreja foram vendidos Infelizmente para a teoria econômica liberal esta redistribuição de terra em larga escala não produziu aquela classe de senhores ou fazendeiros empreendedores e progressistas que confiantemente se esperara Por que deveria até mesmo um comprador da classe média um advogado comerciante ou especulador da cidade em áreas economicamente não desenvolvidas e inacessíveis envolverse com os problemas e o investimento necessário para a transformação da terra em uma empresa comercial sólida ao invés de meramente ocupar o lugar que até então lhe fora vedado do antigo proprietário nobre ou eclesiástico cujos poderes ele podia agora exercer preocupado mais com o dinheiro vivo do que com a tradição e os costumes Em enormes áreas do sul da Europa somouse assim ao velho um novo e mais duro grupo de barões As grandes concentrações latifundiárias foram ligeiramente diminuídas como no sul da Itália continental ou não se alteraram como na Sicília ou foram mesmo reforçadas como na Espanha Em tais regimes a revolução legal reforçou dessa forma o velho feudalismo com um novo ainda mais que o pequeno comprador e especialmente o camponês pouco se beneficiou das vendas de terras Entretanto na maior parte do sul da Europa a velha estrutura social permaneceu forte o bastante para tornar até mesmo o pensamento de uma emigração em massa impossível Os homens e as mulheres viviam onde tinham vivido seus antepassados e se fossem obrigados ali morreriam de fome O êxodo em massa do sul da Itália por exemplo só se daria meio século depois Mas mesmo onde os camponeses realmente receberam a terra ou tiveram confirmada a sua posse como na França em partes da Alemanha ou na Escandinávia eles não se transformaram automaticamente como se esperava na classe empreendedora de pequenos fazendeiros E isto pelo simples fato de que conquanto quisessem a terra os camponeses raramente queriam uma economia agrária burguesa III Pois o velho sistema tradicional embora ineficaz e opressor era também um sistema de considerável certeza social e num nível bastante miserável de alguma segurança econômica para não mencionarmos que era consagrado pelo costume e a tradição As fomos periódicas o peso do trabalho que faziam os homens se tornarem velhos aos 40 anos de idade e as mulheres aos 30 eram atos de Deus só se transformaram em atos pelos quais os homens eram considerados responsáveis em tempos de miséria anormal ou de revolução A revolução legal do ponto de vista do camponês não lhe deu nada exceto alguns direitos legais mas lhe tomou bastante Por exemplo na Prússia a emancipação deulhe doisterços ou a metade da terra que eleja cultivava e a libertação do trabalho forçado e de outras obrigações mas formalmente lhe tomou sua possibilidade de reivindicar a assistência do senhor feudal em tempos de colheita ruim ou de praga do gado seu direito de retirar ou comprar combustível barato das florestas do senhor seu direito à assistência do senhor para reparos ou reconstrução de sua casa seu direito no caso de extrema pobreza de pedir ajuda ao senhor para pagar os impostos e seu direito de dar de pastar aos animais nos campos do senhor Para o camponês pobre parecia uma troca nitidamente desfavorável As propriedades da Igreja podiam ser improdutivas mas exatamente isto é que as recomendava aos camponeses pois nelas seus costumes tendiam a se transformar em direito consuetudinário A divisão do campo comum do pasto e da floresta com a colocação de cercas simplesmente retirou do camponês pobre ou do aldeão os recursos e reservas a que ele ou melhor ele como parte da comunidade sentia ter direito O mercado de terras livres significava que ele provavelmente teria que vender sua terra e a criação de uma classe rural de empresários que os mais empedernidos e duros o explorariam em lugar dos antigos senhores ou junto com eles Além disso a introdução do liberalismo na terra foi uma espécie de bombardeio silencioso que destruiu a estrutura social em que sempre habitaram os camponeses não deixando nada intacto exceto os ricos uma solidão chamada liberdade Nada mais natural que o camponês pobre ou toda a população rural resistisse da melhor maneira que pudesse e nada mais natural também que resistisse em nome do velho ideal consuetudinário de uma sociedade justa e estável ie em nome da Igreja e do rei legítimo Se excetuarmos a revolução camponesa da França e nem mesmo ela foi em 1789 generalizadamente anticlerical ou antimonárquica virtualmente todos os movimentos camponeses importantes em nosso período que não foram dirigidos contra um rei ou igreja estrangeiros o foram ostensivamente a favor do sacerdote e do governante Os camponeses do sul da Itália juntaramse ao subproletariado urbano para fazer uma contrarevolução social contra os jacobinos napolitanos e os franceses em 1799 em nome da Sagrada Fé e dos Bourbon e estes também foram os slogans das guerrilhas dos bandoleiros da Apúlia e da Calábria contra a ocupação francesa como mais tarde contra a unidade italiana Foram os padres e os heróis bandoleiros que lideraram os camponeses espanhóis em sua guerra de guerrilha contra Napoleão A Igreja o rei e um tradicionalismo tão extremado a ponto de estar deslocado até mesmo no início do século XIX é que inspiraram as guerrilhas carlistas do País Bascp de Navarra de Castela de Leão e de Aragão em sua luta implacável contra os liberais espanhóis nas décadas de 1830 e 1840 A Virgem de Guadalupe liderou os camponeses mexicanos em 1810 A Igreja e o Imperador é que combateram no Tirol os bávaros e os franceses sob o comando do coletor de impostos Andreas Hofer em 1809 Foram o czar e a Sagrada Ortodoxia que os russos defenderam em 181213 Os revolucionários poloneses na Galícia sabiam que sua única chance de levantar os camponeses ucranianos era através dos padres da Igreja ortodoxa grega eles fracassaram pois os camponeses preferiram o Imperador ao cavalheiro Fora da França onde o republicanismo ou o bonapartismo haviam conquistado uma importante fração do campesinato entre 1791 e 1815 e onde a Igreja tinha em muitas regiões definhado mesmo antes da Revolução havia umas poucas áreas talvez mais claramente aquelas em que a Igreja era um governante estrangeiro de há muito odiado como na Romagna Papal e na Emília em que existia o que nós hoje chamaríamos de agitação camponesa de esquerda E até mesmo na França a Bretanha e a Vendéia permaneceram fortalezas do bourbonismo popular O fato de os camponeses europeus não se insurgirem juntos com os jacobinos e os liberais quer dizer com os advogados os lojistas os administradores de fazendas os funcionários civis e os proprietários de terras condenou ao fracasso as revoluções de 1848 nos países em que a Revolução Francesa não lhes tinha dado a terra e onde ela lhes dera seu medo conservador de perdêla ou o seu contentamento mantiveramnos igualmente inativos É claro que os camponeses não se levantaram em defesa do rei verdadeiro a quem eles mal conheciam mas do ideal do rei justo que bastaria ser informado das transgressões de seus lordes e súditos para imediatamente punilos mas frequentemente tinhamse levantado em defesa da verdadeira Igreja pois o padre da aldeia era um deles os santos certamente eram deles e de ninguém mais e até mesmo as dilapidadas propriedades eclesiásticas eram às vezes senhores mais toleráveis do que o leigo ávido Onde o campesinato tinha terras e era livre como no Tirol em Navarra ou com a ausência de um rei nos cantões católicos da Suíça original ou seja a de Guilherme Tell seu tradicionalismo foi uma defesa da sua relativa liberdade contra a usurpação do liberalismo Onde ele não tinha terras era mais revolucionário Qualquer apelo para resistir à conquista estrangeira e burguesa fosse feito por um rei um padre ou qualquer outra pessoa tinha possibilidade de produzir não somente a pilhagem das casas dos gentilhomens e dos advogados nas cidades como também a marcha cerimonial com tambores e insígnias dos santos para ocupar e dividir a terra o assassinato de senhores feudais o estupro de suas mulheres e a queima de documentos legais Pois certamente era contra o verdadeiro desejo de Cristo e do rei que o camponês fosse pobre e sem terras Foi esta sólida base de intranquilidade sóciorevolucionária que fez dos movimentos camponeses nas áreas de servidão e de grandes fazendas ou nas áreas de propriedades extremamente pequenas e subdivididas um aliado tão incerto da reação Tudo o que eles necessitavam para passar de uma agitação formalmente legalista para uma formalmente esquerdista era a consciência de que o rei e a Igreja tinhamse passado para o lado dos ricos locais além de um movimento revolucionário de homens como eles que falassem sua própria linguagem O radicalismo populista de Garibaldi foi talvez o primeiro destes movimentos e os bandoleiros napolitanos saudaramno com entusiasmo ao mesmo tempo que continuavam saudando a Sagrada Igreja e os Bourbon O marxismo e o bakuninismo seriam ainda mais eficazes Mas a passagem política da rebelião camponesa da direita para a esquerda mal começara antes de 1848 pois o grande impacto da economia burguesa sobre a terra que transformaria a endémica rebeldia camponesa em uma rebeldia epidêmica realmente só começou a se fazer sentir após a metade do século e especialmente durante e depois da grande depressão agrária de 1880 IV Em grandes partes da Europa como vimos a revolução legal veio como algo imposto de fora e de cima uma espécie de terremoto artificial em vez de deslizamento de terra há muito solta Isto foi mais óbvio ainda nos lugares onde ela foi imposta a uma economia totalmente não burguesa conquistada por uma economia burguesa como na África e na Ásia Assim na Argélia os conquistadores franceses encontraram uma sociedade caracteristicamente medieval com um sistema razoavelmente florescente e firmemente estabelecido de escolas religiosas já se disse que os soldados camponeses franceses eram menos alfabetizados que os povos que eles conquistavam financiadas pelas numerosas fundações religiosas As escolas foram consideradas meramente como creches de superstição e foram fechadas permitiuse que as terras religiosas fossem compradas por europeus que não entendiam seu propósito nem sua inalienabilidade legal e os professores normalmente membros das poderosas irmandades religiosas emigraram para as áreas não conquistadas onde fortaleceram as forças da revolta sob a liderança de AbdelKader Começou então a sistemática passagem da terra à simples propriedade privada alienável embora seus efeitos totais somente viessem a ser sentidos muito mais tarde De fato como poderia o liberal europeu entender a complexa teia de direito coletivo e privado que evitava que a terra em uma região como Kabília sucumbisse em uma anarquia de diminutas faixas e fragmentos com figueiras possuídas individualmente Por volta de 1848 a Argélia mal tinha sido conquistada Vastas áreas da Índia já eram então diretamente administradas pelos britânicos há mais de uma geração Visto que nenhum grupo de colonos europeus desejava adquirir terra indiana não surgiu qualquer problema de expropriação pura e simples O impacto do liberalismo sobre a vida agrária indiana foi em primeira instância uma consequência da busca dos governantes britânicos de um método eficaz e conveniente de tributação sobre a terra Foi sua combinação de ganância e individualismo legal que produziu a catástrofe Os direitos de posse territorial da Índia prébritânica eram tão complexos como em qualquer sociedade tradicional mas não estagnada que fosse periodicamente invadida por conquistadores estrangeiros mas repousavam de maneira genérica em dois firmes pilares a terra pertencia de jure ou de facto a coletividades autogovernadas tribos clãs comunas de aldeias irmandades etc e o governo recebia uma percentagem de sua produção Embora algumas terras fossem de certa forma alienáveis e algumas relações agrárias pudessem ser interpretadas como arrendamentos e alguns pagamentos rurais como renda não havia de fato nem senhores feudais nem arrendatários nem propriedade individual da terra ou arrendamento no sentido inglês Era uma situação totalmente desagradável e incompreensível para os governantes e administradores britânicos que então trataram de inventar a organização rural com que estavam familiarizados Em Bengala a primeira grande área sob domínio direto britânico o imposto territorial era cobrado por uma espécie de arrecadador fiscal ou agente comissionado o zemindar Teria sido este com certeza o equivalente do senhor de terras britânico que pagava impostos avaliados como no contemporâneo imposto territorial inglês sobre o total de suas propriedades a classe através da qual a cobrança de impostos devia ser organizada cujo interesse econômico sobre a terra deveria introduzir melhoramentos em sua exploração e cuja estabilidade derivava do apoio de um regime estrangeiro Escreveu Lorde Teignmouth na Minuta de 18 de junho de 1789 que delineou o Ajuste Permanente da tributação da terra em Bengala Considero os zemindares como proprietários do solo a cuja posse têm direito por herança O privilégio de dispor da terra pela venda ou hipoteca decorre deste direito fundamental Algumas variedades do chamado sistema zemindar foram aplicadas a cerca de 19 da área da Índia posteriormente conquistada pelos britânicos A ganância e não a conveniência ditou o segundo tipo de sistema de tributos que finalmente foi aplicado a uma região que correspondia a pouco mais da metade da índia britânica o Ryotwari Aqui os governantes britânicos considerandose os sucessores de um despotismo oriental que em sua visão não totalmente ingénua foi o supremo senhor de toda a terra tentaram a hercúlea tarefa de fazer uma avaliação individual de impostos para cada camponês considerandoo como um pequeno proprietário ou antes um arrendatário O princípio que norteava esse método expresso com a habitual clareza do funcionário hábil era o liberalismo agrário em sua forma mais pura Ele exigia nas palavras de Goldsmid e Wingate a limitação da responsabilidade conjunta a alguns casos em que os campos são possuídos em comum ou tenham sido subdivididos por coherdeiros a identificação da propriedade no terreno total liberdade do proprietário para subarrendar ou vender suas terras e facilidades para efetuar vendas ou transferências de terra pela avaliação separada dos campos A comunidade de aldeia era inteiramente ignorada a despeito das fortes objeções da Câmara Fiscal de Madras 180818 que corretamente considerava bem mais realistas os ajustes coletivos de impostos com as comunidades de aldeia enquanto também e muito caracteristicamente as defendia como a melhor garantia da propriedade privada O doutrinarismo e a ganância venceram e a bênção da propriedade privada foi concedida ao campesinato indiano Suas desvantagens eram tão óbvias que os ajustes de terras das partes subsequentemente conquistadas ou ocupadas do norte da Índia que cobriam cerca de 30 da área posterior da Índia britânica voltaram ao sistema zemindar modificado mas com algumas tentativas de reconhecimento das coletividades existentes mais notadamente no Punjab A doutrina liberal juntouse a uma imparcial rapacidade para dar mais uma volta no parafuso que apertava os camponeses aumentouse violentamente o peso dos tributos O imposto territorial de Bombaim foi mais do que duplicado nos primeiros quatro anos após a conquista da província em 181718 A doutrina do arrendamento de Malthus e Ricardo tornouse a base da teoria de tributos indianos através da influência do líder utilitarista James Mill Esta doutrina considerava o imposto sobre a propriedade territorial como um simples excedente que nada tinha a ver com o valor e surgiu simplesmente porque algumas terras eram mais férteis do que outras sendo encampada com resultados cada vez mais perniciosos para toda a economia pelos grandes proprietários de terras Portanto confiscar toda a terra não tinha qualquer efeito sobre a riqueza de um país exceto talvez evitar o crescimento de uma aristocracia proprietária de terras capaz de manter prósperos homens de negócio como reféns Num país como a GrãBretanha a força política dos interesses agrários teria impossibilitado uma solução tão radical que equivalia a uma virtual nacionalização da terra mas na índia o poder despótico de um conquistador ideológico podia impôla É consenso geral que neste particular confrontavamse duas linhas de pensamento liberais Os administradores do partido Whig no século XVIII e os interesses comerciais mais antigos partilhavam o ponto de vista do senso comum segundo o qual os pequenos proprietários ignorantes e operando quase ao nível da subsistência jamais acumulariam capital agrário para impulsionar a economia Portanto defenderam Ajustes Permanentes do tipo do de Bengala que estimulou uma classe de grandes proprietários de terras fixou níveis de impostos para sempre ie a uma taxa decrescente encorajando assim a poupança e o investimento Os administradores utilitaristas encabeçados pelo temível Mill preferiam a nacionalização da terra e uma massa de pequenos unenJatários ao perigo de uma outra aristocracia de proprietários de terras Se a índia tivesse uma semelhança mínima com a GrãBretanha a fórmula liberal certamente teria sido irresistivelmente mais persuasiva depois do motim indiano de 1857 ela se impôs por razões políticas Mas como não tinha ambas as visões eram igualmente irrelevantes para a agricultura indiana Além do mais com o desenvolvimento da revolução industrial na metrópole os interesses setoriais da velha Companhia das índias Orientais que entre outras coisas viriam a ser uma colónia razoavelmente florescente para alimentar estavam cada vez mais subordinados aos interesses gerais da indústria britânica que eram acima de tudo manter a índia como mercado uma fonte de renda não como um competidor Conseqüentemente teve preferência a política militarista que assegurava o estrito controle britânico e uma colheita de impostos sensivelmente mais alta O limite prébritânico tradicional de tributação era de umterço da renda a base padrão da avaliação britânica era da metade Só depois que o utilitarismo doutrinário levou ao óbvio empobrecimento e ã Revolta de 1857 é que a tributação foi reduzida a um nível menos extorsivo A aplicação do liberalismo econômico à terra indiana não criou nem um grupo de grandes proprietários esclarecidos nem um campesinato forte Simplesmente introduziu um outro elemento de incerteza uma outra teia complexa de parasitas e exploradores da aldeia pex os novos funcionários britânicos uma considerável mudança e concentração da propriedade e um crescimento da dívida e da pobreza camponesas No distrito de Cawnpore Uttar Pradesh mais de 84 das propriedades eram de proprietários hereditários na época em que a Companhia das índias Orientais assumiu o controle da situação Por volta de 1840 40 de todas as propriedades tinham sido compradas por seus donos e por volta de 1872 626 Além disso das mais de 3 mil propriedades ou aldeias aproximadamente trêsquintos do total transformadas pelos donos originais em três distritos das províncias do noroeste lttar Pradesh por volta de 18467 mais de 750 tinham sido transferidas para agiotas Há muito o que dizer em favor do sistemático despotismo esclarecido dos burocratas utilitaristas que construíram o domínio britânico neste período Eles trouxeram a paz um grande desenvolvimento para os serviços públicos eficiência administrativa uma legislação de confiança e um governo sem corrupção nos altos escalões Mas economicamente fracassaram da maneira mais sensacional De todos os territórios sob administração de governos europeus ou de governos do tipo europeu inclusive a Rússia czarista a índia era o que se via perseguido pelas epidemias de fome mais gigantescas e mortíferas talvez embora as estatísticas sejam falhas em relação ao período inicial cada vez piores à medida em que o século passava A única outra grande área colonial ou excolonial onde foram feitas tentativas de aplicação da lei liberal sobre a terra foi a América Latina onde a velha colonização feudal dos espanhóis jamais demonstrou qualquer preconceito contra a posse indígena fundamentalmente coletiva e comunal da terra desde que os colonizadores brancos pudessem abocanhar a terra que quisessem Os governos independentes entretanto procederam à liberalização nos moldes das doutrinas de Bentham e da Revolução Francesa que os inspiraram Assim Bolívar decretou a individualização da terra comunitária no Peru 1824 e a maioria das repúblicas aboliram os vínculos à maneira dos liberais espanhóis A liberação das terras dos nobres pode ter levado a alguma redistribuição e dispersão das propriedades embora a grande hacienda estancia finca fundo continuasse sendo a unidade dominante da propriedade de terra na maioria das repúblicas O ataque contra a propriedade comunal continuou muito ineficiente De fato ele não foi realmente desfechado com seriedade antes de 1850 e a liberalização da economia política continuou tão artificial quanto a liberalização do sistema político Em substância os parlamentos as eleições as leis territoriais etc pouco mudaram o continente V A revolução da propriedade de terras foi o aspecto político do rompimento da tradicional sociedade agrária sua invasão pela nova economia rural e pelo mercado mundial o aspecto econômico No período de 1787 a 1848 essa transformação econômica foi ainda imperfeita como se pode medir pelas modestíssimas taxas de emigração As ferrovias e os navios a vapor mal tinham começado a criar um único mercado mundial agrícola quando da grande depressão agrária do final do século XIX A agricultura local era portanto grandemente protegida da competição internacional ou até mesmo interprovincial A competição industrial pouco efeito produzia sobre os inúmeros ofícios de aldeia ou manufaturas domésticas exceto talvez o de direcionálos para a produção para mercados maiores Os novos métodos agrícolas fora das áreas de agricultura capitalista bem sucedida eram lentos para penetrar na aldeia embora as novas culturas industriais notadamente o açúcar de beterraba que se difundiu em consequência da discriminação napoleônica contra a canadeaçúcar britânica e as novas culturas de alimentos também britânicos principalmente o milho e a batata fizessem surpreendentes avanços Era preciso uma extraordinária conjuntura econômica tal como a proximidade imediata de uma economia altamente industrial e a inibição do desenvolvimento normal para produzir um verdadeiro cataclismo em uma sociedade agrária por meios puramente econômicos Esta conjuntura de fato existia e este cataclismo de fato ocorreu na Irlanda e até certo ponto na Índia O que aconteceu na índia foi simplesmente a virtual destruição em algumas décadas do que tinha sido urna florescente indústria doméstica e de aldeia que suplementava os rendimentos rurais em outras palavras a desindustrialização da índia Entre 1815 e 1832 o valor das exportações de produtos de algodão da índia caiu de 13 milhões de libras para menos de 100 mil libras enquanto a importação de produtos de algodão britânicos aumentou 16 vezes Em 1840 um observador já protestava contra os desastrosos efeitos da transformação da índia na fazenda agrícola da Inglaterra ela é um país manufatureiro suas manufaturas de várias espécies existem há anos e nunca qualquer outra nação pôde competir com elas quando o jogo era limpo Reduzila agora a um país agrícola seria uma injustiça para com a índia A descrição era enganadora pois um certo fermento manufatureiro constituía na Índia como em muitos outros países parte integrante da economia agrícola em muitas regiões Consequentemente a desindustrialização fez a própria aldeia camponesa mais dependente da sorte exclusiva e flutuante da colheita A situação na Irlanda era mais dramática Aqui uma população de pequenos arrendatárias economicamente atrasados extremamente inseguros e praticando uma agricultura de subsistência pagava rendas altíssimas a um pequeno grupo de proprietários de terras estrangeiros geralmente ausentes e que não cultivavam a terra Exceto no nordeste Ulster o país tinha de há muito sido desindustrializado pela política mercantilista do governo britânico colonialista e mais tarde pela competição da indústria britânica Uma simples inovação técnica a substituição pela batata dos tipos anteriormente prevalecentes de agricultura tornara possível um grande aumento da população pois um acre de terra plantado com batatas pode alimentar muito mais gente do que um acre dedicado a pasto ou outros tipos de cultura A demanda dos proprietários de terra por um número máximo de rendeiros que lhes proporcionassem dividendos e também mais tarde por uma força de trabalho para cultivar as novas fazendas que exportavam alimentos para o crescente mercado britânico encorajou a multiplicação de minúsculas propriedades em 1841 em Connacht 64 de todas as propriedades maiores tinham menos de cinco acres sem contar o número desconhecido de propriedades anãs com menos de um acre Assim durante o século XVIII e princípios do século XIX a população se multiplicou nestas faixas de terra vivendo à base de 1012 libras peso de batata por dia para cada pessoa e pelo menos até a década de 1820 à base de leite e de um pedaço ocasional de peixe uma população cuja pobreza não tinha paralelo na Europa Ocidental Visto que não havia emprego alternativo pois a industrialização estava excluída o resultado dessa evolução era matematicamente previsível Quando a população tivesse crescido até os limites do último pedacinho de terra plantado de batatas haveria uma catástrofe Logo após o fim das guerras francesas os sinais de avanço dessa catástrofe apareceram A escassez de alimentos e as enfermidades epidêmicas começaram uma vez mais a dizimar um povo cujo descontentamento agrário em massa é muito facilmente explicável As más colheitas e as doenças das plantações na metade da década de 1840 forneceram apenas o pelotão de fuzilamento para um povo já condenado Ninguém sabe ou jamais saberá precisamente o custo humano da Grande Fome Irlandesa de 1847 que foi de longe a maior catástrofe humana da história europeia no período que focalizamos Estimativas grosseiras permitem supor que perto de um milhão de pessoas morreu de fome e que outro tanto emigrou da ilha entre 1846 e 1851 Em 1820 a Irlanda tinha pouco menos de 7 milhões de habitantes Em 1846 talvez tivesse 85 milhões Em 1851 estava reduzida a 65 milhões de habitantes e desde então sua população tem decrescido constantemente com a emigração Heu dirafames Heu saeva hujus memorabilis anni pestilentia escreveu um pregador de paróquia empregando o tom dos cronistas da era das trevas naqueles meses em que nenhuma criança foi batizada nas paróquias de Galway e Mayo simplesmente porque não nasceram crianças A índia e a Irlanda eram talvez os piores países para um camponês viver entre 1789 e 1848 mas ninguém que pudesse fazer uma escolha tampouco teria desejado ser trabalhador de fazenda na Inglaterra Há um consenso geral de que a situação desta classe infeliz se deteriorou marcadamente depois da metade da década de 1790 em parte devido às forças econômicas em parte com o pauperizante Sistema de Speenhamland 1795 uma tentativa bem intencionada mas errada de garantir ao trabalhador um salário mínimo Seu principal efeito foi o de desmoralizar os trabalhadores e encorajar os fazendeiros a baixar os salários As débeis e ignorantes manifestações de revolta dos trabalhadores podem ser medidas pelo aumento das infrações contra as leis do jogo na década de 1820 por incêndios culposos e violações da propriedade nas décadas de 1830 e 1840 mas acima de tudo pelo desesperado levante dos últimos trabalhadores uma epidemia de rebelião que se difundiu espontaneamente a partir de Kent por inúmeros condados no fim de 1830 e que foi selvagemente reprimida O liberalismo econômico se propôs a solucionar o problema dos trabalhadores de sua maneira usual brusca e impiedosa forçandoos a encontrar trabalho a um salário vil ou a emigrar A Nova Lei dos Pobres de 1834 um estatuto de insensibilidade incomum deu aos trabalhadores o auxílio pobreza somente dentro das novas workhouses onde tinham que se separar da mulher e dos filhos para desestimular o hábito sentimental e não malthusiano de procriação impensada e retirou a garantia paroquial de uma manutenção mínima O custo da lei dos pobres decresceu drasticamente embora no mínimo um milhão de britânicos permanecessem pobres até o fim de nosso período e os trabalhadores começaram lentamente a se mover Visto que a agricultura estava em depressão sua situação continuou sendo muito miserável e não melhorou substancialmente até a década de 1850 Os trabalhadores de fazenda eram de fato muito pobres em toda parte embora talvez nas áreas mais retrógradas e isoladas não estivessem em situação pior que a de costume A infeliz descoberta da batata tornou fácil enfraquecer seu padrão de vida em grandes partes do norte da Europa e uma melhoria substancial em sua situação só veio a ocorrer pex na Prússia nas décadas de 1850 e 1860 A situação do camponês autosuficiente era provavelmente bem melhor embora a do pequeno proprietário fosse bastante desesperadora em tempos de fome Um país camponês como a França foi provavelmente menos afetado que qualquer outro pela depressão geral da agricultura que se seguiu ao boom das guerras napoleônicas De fato um camponês francês que olhasse para o outro lado do Canal da Mancha em 1840 e comparasse sua situação e a do trabalhador inglês com o que era em 1788 dificilmente poderia ter dúvidas sobre qual dos dois tinha feito o melhor negócio Enquanto isso do outro lado do Atlântico os fazendeiros americanos observavam os camponeses do Velho Mundo e se congratulavam por sua sorte em não pertencer ao grupo Capítulo Nove Rumo a um Mundo Industrial De fato estes são tempos gloriosos para os engenheiros James Nasmyth inventor do martelo a vapor Devant de leis témoins o secte progressive Vanteznous le pouvoir de La locomotive Vanteznous le vapeur et les chemins de fer A Pommier I Em 1848 somente uma economia estava efetivamente industrializada a inglesa e Conseqüentemente dominava o mundo Provavelmente na década de 1840 os Estados Unidos e uma boa parte da Europa Ocidental e Central já tinham ultrapassado ou se encontravam na soleira da revolução industrial Já era razoavelmente certo que os EUA seriam finalmente considerados dentro de 20 anos pensava Richard Cobden na metade da década de 1830 um sério competidor dos ingleses e em torno da década de 1840 os alemães embora talvez ninguém mais já apontavam para o rápido avanço industrial Mas perspectivas não são realizações e por volta da década de 1840 as efetivas transformações industriais do mundo que não falava a língua inglesa ainda eram modestas Havia por exemplo em 1850 um total de pouco menos que 100 milhas de ferrovias em toda a Espanha Portugal Escandinávia Suíça e toda a península balcânica e tirando os Estados Unidos menos do que isto em todo os continentes não europeus juntos Se excluirmos a GrãBretanha e algumas outras partes o mundo social e econômico da década de 1840 pode facilmente ser visto de uma maneira não muito diferente daquele de 1788 A maioria da população do mundo então como anteriormente era de camponeses Em 1830 havia afinal de contas somente uma cidade ocidental de mais de um milhão de habitantes Londres uma de mais de meio milhão Paris e tirando a GrãBretanha somente 19 cidades europeias de mais de 100 mil habitantes Esta lentidão de mudança no mundo não britânico significava que seus movimentos econômicos continuaram até o fim de nosso período a serem controlados pelo antiquado ritmo de boas e más colheitas ao invés de pelo novo ritmo de booms e recessões industriais que se alternavam A crise de 1857 foi provavelmente a primeira de alcance mundial causada por acontecimentos diferentes da catástrofe agrária Este fato por acaso teve as mais extensas consequências políticas O ritmo de mudança nas áreas industriais e não industriais foi muito variado entre 1780 e 1848 A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 18468 foi uma depressão do velho estilo predominantemente agrária Foi de certa forma a última e talvez a pior catástrofe econômica do ancien regime Tal não se deu na GrãBretanha onde a pior recessão do período inicial do industrialismo ocorreu entre 1839 e 1842 por razões puramente modernas coincidindo de fato com baixíssimos preços do trigo O ponto de combustão social espontânea na GrãBretanha foi alcançado na não planejada greve geral dos cartistas no verão de 1842 os chamados plugriots Quando esse ponto foi alcançado no continente em 1848 a GrãBretanha estava simplesmente sofrendo a primeira depressão cíclica da longa era de expansão vitoriana como também a Bélgica a outra economia mais ou menos industrial da Europa Uma revolução continental sem um correspondente movimento britânico como previu Marx estava condenada O que ele não tinha previsto foi que a disparidade entre o desenvolvimento britânico e o continental tornasse inevitável que o continente se insurgisse sozinho Contudo o que é importante sobre o período que vai de 1789 a 1848 não é que por padrões posteriores suas mudanças econômicas fossem pequenas mas sim que as mudanças fundamentais estavam claramente acontecendo A primeira destas mudanças foi demográfica A população mundial e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla tinha iniciado uma explosão sem precedentes que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos Visto que poucos países antes do século XIX tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo sendo os existentes de pouca confiança não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período mas foi certamente um aumento sem precedentes e maior exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados como a Rússia nas áreas economicamente mais avançadas A população dos EUA aumentada pela imigração encorajada pelos ilimitados recursos e espaços de um continente aumentou quase seis vezes de 1790 a 1850 ou seja de quatro para 23 milhões de habitantes A população do Reino Unido quase duplicou entre 1800 e 1850 quase triplicou entre 1750 e 1850 A população da Prússia considerando as fronteiras de 1846 quase duplicou entre 1800 e 1846 o mesmo acontecendo na Rússia europeia sem a Finlândia As populações da Noruega da Dinamarca da Suécia da Holanda e grandes partes da Itália quase duplicaram entre 1750 e 1850 mas cresceram a uma taxa menos extraordinária durante nosso período as da Espanha e Portugal aumentaram em um terço Fora da Europa estamos menos bem informados embora pareça que a população da China aumentou a uma rápida taxa nos séculos XVIII e início do XIX até que a intervenção europeia e o tradicional movimento cíclico da história política chinesa produzisse a derrocada da florescente administração da dinastia Manchu que se achava no auge da eficiência neste período Na América Latina a população provavelmente cresceu a uma taxa comparável à da Espanha Não há nenhum sinal de qualquer explosão populacional em outras partes da Ásia A população da África provavelmente permaneceu estável Somente certos espaços vazios habitados por colonizadores brancos aumentaram a uma taxa realmente extraordinária como a Austrália que em 1790 virtualmente não tinha habitantes brancos mas por volta de 1851 tinha meio milhão O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia embora devêssemos considerála antes como uma consequência do que uma causa exterior da revolução econômica pois sem ela um crescimento populacional tão rápido não poderia ter sido mantido durante mais do que um limitado período De fato na Irlanda onde não foi suplementado por uma revolução econômica constante esse crescimento não foi mantido Ele produziu mais trabalho sobretudo mais trabalho jovem e mais consumidores O mundo desse período foi bem mais jovem do que qualquer outro anterior cheio de crianças com jovens casais ou pessoas no auge da juventude A segunda maior mudança foi nas comunicações Segundo consenso geral as ferrovias estavam apenas na infância em 1848 embora já fossem de considerável importância prática na GrãBretanha nos Estados Unidos na Bélgica na França e na Alemanha Mas mesmo antes da ferrovia o desenvolvimento das comunicações foi pelos padrões anteriores empolgante O império austríaco por exemplo excluindo a Hungria acrescentou mais de 30 mil milhas de estradas entre 1830 e 1847 multiplicando assim sua rede de estradas quase duas vezes e meia A Bélgica quase duplicou sua rede de estradas entre 1830 e 1850 e até mesmo a Espanha graças em grande parte à ocupação francesa quase duplicou sua diminuta teia viária Os Estados Unidos como de costume mais gigantescos em seus empreendimentos do que qualquer outro país multiplicou seu sistema viário para carruagens em mais de oito vezes de 21 mil milhas em 1800 para 170 mil em 1850 Enquanto a GrãBretanha adquiria seu sistema de canais a França construía 2 mil milhas deles entre 1800 e 1847 e os Estados Unidos abriam rotas fluviais tão importantes como as do Lago Erie do Chesapeake e do Ohio O total da tonelagem mercante do mundo ocidental mais do que duplicou entre 1800 e o início da década de 1840 e já os navios a vapor uniam a GrãBretanha e a França 1822e subiam e desciam o Danúbio Em 1840 havia cerca de 370 mil toneladas de navios a vapor comparadas a nove milhões de toneladas de navios a vela embora isto já representasse na verdade cerca de umsexto da capacidade de carga Novamente aqui os americanos ultrapassaram o mundo competindo até mesmo com os britânicos quanto à posse da maior frota mercante Também não devemos subestimar a melhoria da velocidade e da capacidade de carga assim alcançadas Sem dúvida que o serviço de carruagens que conduziu o czar de todas as Rússias de São Petersburgo a Berlim em quatro dias 1834 não estava à disposição de pessoas menos importantes mas já era disponível o novo e rápido correio copiado dos franceses e dos ingleses que depois de 1824 ia de Berlim a Magdeburgo em 15 horas ao invés de dois dias e meio A ferrovia e a brilhante invenção de Rowland Hill da cobrança padronizada para a matéria postal em 1839 suplementada pela invenção do selo adesivo em 1841 multiplicaram os correios mas mesmo antes de ambas as invenções e em países menos adiantados que a Grã Bretanha ele cresceu rapidamente entre 1830 e 1840 o número de cartas anualmente despachadas na França subiu de 64 para 94 milhões Os navios a vela não eram simplesmente mais rápidos e mais seguros eram em média maiores também Tecnicamente sem dúvida estas melhorias não foram tão inspiradoras quanto as ferrovias embora as arrebatadoras pontes que se curvavam sobre os rios as grandes vias aquáticas artificiais e as docas os esplêndidos veleiros deslizando como cisnes a toda vela e as novas e elegantes carruagens do serviço postal fossem e continuem a ser alguns dos mais belos produtos do desenho industrial Mas como meio para facilitar as viagens e os transportes para unir a cidade ao campo as regiões pobres às ricas as ferrovias foram admiravelmente eficientes O crescimento da população deveu muito a elas pois o que em tempos préindustriais o retardava não era tanto a alta taxa de mortalidade mas sim as catástrofes periódicas frequentemente muito localizadas de fome e escassez de alimentos Se a fome se tornou menos ameaçadora no mundo ocidental neste período exceto em anos de fracasso quase universal nas colheitas como em 18167 e 18468 foi primordialmente devido a essas melhorias no transporte bem como é claro à melhoria geral na eficiência de governo e administração cf capítulo 10 A terceira grande mudança foi naturalmente no volume do comércio e da emigração Não em toda a parte sem dúvida Não há por exemplo qualquer sinal de que os camponeses da Calábria e da Apúlia já estivessem preparados para emigrar nem que o montante de mercadorias trazido para a grande feira de Nijniy Novgorod tivesse aumentado de forma surpreendente Mas tomandose o mundo da revolução dupla como um todo o movimento de homens e mercadorias já tinha o ímpeto de um deslizamento de terra Entre 1816 e 1850 perto de cinco milhões de europeus deixaram seus países nativos quase quatroquintos deles para as Américas e dentro dos países as correntes de migração interna eram bem maiores Entre 1780 e 1840 o comércio internacional em todo o mundo ocidental mais do que triplicou entre 1780 e 1850 ele se multiplicou em mais de quatro vezes Por padrões posteriores tudo isto foi sem dúvida muito modesto mas por padrões anteriores e afinal de contas estes eram os padrões utilizados pelos contemporâneos para estabelecer comparações com sua época eles estavam além dos sonhos mais loucos II O que foi mais relevante depois de 1830 o pontochave que o historiador de nosso período não pode perder qualquer que seja seu campo de interesse particular é que o ritmo de mudança social e econômica acelerouse visível e rapidamente Fora da GrãBretanha o período da Revolução Francesa e de suas guerras trouxe relativamente pouco avanço imediato exceto nos Estados Unidos que saltaram à frente depois de sua guerra de independência duplicando a área cultivada por volta de 1810 multiplicando a frota mercante em sete vezes e demonstrando suas capacidades futuras de uma maneira geral Não só o descaroçador de algodão mas também o navio a vapor o desenvolvimento inicial da produção em série o moinho de farinha sobre uma correia de transmissão de Oliver Evans são avanços americanos deste período As bases de uma boa parte da indústria posterior especialmente da indústria de equipamento pesado foram lançadas na Europa napoleônica mas muito pouco sobreviveu ao fim das guerras que trouxe a crise para toda a parte No todo o período que vai de 1815 a 1830 foi um período de reveses ou na melhor das hipóteses de recuperação lenta Os Estados colocaram suas finanças em ordem normalmente por meio de uma rigorosa deflação os russos foram os últimos a fazêlo em 1841 As indústrias cambalearam sob os golpes da crise e da competição estrangeira a indústria algodoeira americana foi severamente atingida a urbanização era lenta até 1828 a população rural francesa cresceu tão rapidamente quanto a das cidades A agricultura definhava especialmente na Alemanha Ninguém que se pusesse a observar o crescimento econômico do período mesmo fora do âmbito da formidável expansão econômica britânica se sentiria inclinado ao pessimismo mas poucos julgariam que qualquer outro país a não ser a Grã Bretanha e talvez os EUA estivesse no portal imediato da revolução industrial Para tomarmos um índice óbvio da nova indústria fora da GrãBretanha dos EUA e da França o número de máquinas a vapor e a quantidade de energia a vapor no resto do mundo eram na década de 1820 de chamar muito pouco a atenção do estatístico Depois de 1830 ou por esta época a situação mudou rápida e drasticamente a ponto de por volta de 1840 os problemas sociais característicos do industrialismo o novo proletariado os horrores da incontrolável urbanização se transformarem no lugarcomum de sérias discussões na Europa Ocidental e no pesadelo dos políticos e administradores O número de máquinas a vapor na Bélgica duplicou sua potência em cavalosforça também triplicou entre 1830 e 1838 de 354 com 11 mil hp para 712 com 30 mil hp Por volta de 1850 o pequeno país agora maciçamente industrializado tinha quase 2300 máquinas de 66 mil hp e quase 6 milhões de toneladas de produção de carvão aproximadamente três vezes mais que em 1830 Em 1830 não havia qualquer companhia de capital social na mineração belga por volta de 1841 quase metade da produção de carvão vinha destas companhias Seria monótono citarmos dados análogos para a França para os Estados alemães a Áustria e outros países e áreas em que os princípios da moderna indústria foram lançados nestes 20 anos os Krupp na Alemanha por exemplo instalaram sua primeira máquina a vapor em 1835 as primeiras minas do grande campo de carvão do Ruhr foram abertas em 1837 o primeiro forno movido a coque foi instalado no grande centro siderúrgico tcheco de Vítkovice em 1836 e o primeiro moinho de rolo de Falck na Lombardia em 183940 Tanto mais monótono porque a industrialização realmente maciça com exceção da Bélgica e talvez a França só ocorreu depois de 1848 Os anos que vão de 1830 a 1848 marcam o nascimento de áreas industriais de famosos centros e firmas industriais cujos nomes se tornaram conhecidos até nossos dias mas não determinam nem mesmo sua adolescência quanto mais sua maturidade Observandose a década de 1830 sabemos o que significou aquela atmosfera de excitada experimentação técnica de empreendimento inovador e insatisfeito Significou a abertura do meiooeste americano Mas a primeira ceifeira mecânica de Cyrus McCormick 1834 e os primeiros 78 alqueires de trigo enviados de Chicago para o leste em 1838 somente têm lugar na história por causa do que provocaram depois de 1850 Em 1846 a fábrica que arriscasse a produção de uma centena de ceifeiras ainda deveria ser parabenizada por sua ousadia era de fato difícil achar grupos com suficiente coragem e energia para enfrentar a arriscada empresa de fabricar ceifeiras e quase tão difícil persuadir os fazendeiros a usarem essas máquinas para cortar os cereais ou encarar favoravelmente essa inovação Significou a construção sistemática de ferrovias e de indústrias pesadas na Europa e consequentemente uma revolução nas técnicas de investimento Mas se os irmãos Pereire não se tivessem transformado nos grandes aventureiros das finanças industriais depois de 1851 deveríamos prestar pouca atenção ao projeto que eles apresentaram em vão ao novo governo francês em 1830 o de um escritório de empréstimos onde a indústria poderá pedir emprestado a todos os capitalistas nos termos mais favoráveis através do intermédio dos banqueiros mais ricos atuando como fiadores Como na GrãBretanha os bens de consumo geralmente têxteis mas às vezes também produtos alimentícios lideraram estas explosões de industrialização mas os bens de capital ferro aço carvão etc já eram mais importantes do que na primeira revolução industrial inglesa em 1846 17 dos empregos industriais belgas eram em indústrias de bens de capital contrastando com os 8 ou 9 da GrãBretanha Por volta de 1850 trêsquartos de toda a potênciavapor belga estava na mineração e metalurgia Como na GrãBretanha o novo estabelecimento industrial médio a fábrica a forja ou a mina era pequeno e cercado por uma grande quantidade de mãodeobra barata doméstica subcontratada e tecnicamente retrógrada que cresceu com as exigências das fábricas e do mercado e seria finalmente destruída pelos posteriores avanços de ambos Em 1846 na Bélgica o número médio de empregados em um estabelecimento fabril de lã de fibra de linho e de algodão era de apenas 30 35 e 43 trabalhadores na Suécia em 1838 a média por fábrica têxtil era meramente de 6 a 7 trabalhadores Por outro lado há indícios de uma concentração bem mais maciça do que na Grã Bretanha como era mesmo de se esperar onde a indústria se desenvolveu mais tarde às vezes como um enclave em ambientes agrícolas usando a experiência dos primeiros pioneiros baseada em uma tecnologia bem mais desenvolvida e frequentemente gozando de um maior apoio planificado por parte do governo Em 1841 na Boémia trêsquartos de todas as fiandeiras automáticas de algodão eram empregadas em fábricas com mais de 100 trabalhadores cada uma e quase a metade em 15 fábricas com mais de 200 trabalhadores cada Por outro lado virtualmente toda a tecelagem até a década de 1850 era feita em teares manuais Naturalmente isto era ainda mais acentuado nas indústrias pesadas que agora assumiam a vanguarda a fundição belga média tinha em 1838 80 trabalhadores a mina belga média tinha em 1846 perto de 150 para não mencionarmos os gigantes industriais como a Cockerills de Seraing que empregava 2 mil trabalhadores O panorama industrial era assim muito semelhante a uma série de lagos cobertos de ilhas Se tomarmos o campo em geral como o lago as ilhas representam as cidades industriais os complexos rurais tais como as redes de aldeias manufatureiras tão comuns nas montanhas da Alemanha Central e da Boémia ou as áreas industriais cidades têxteis como Mulhouse Lille ou Rouen na França ElberfeldBarmen terra natal da religiosa família de mestres algodoeiros de Frederick Engels ou Krefeld na Prússia o sul da Bélgica ou a Saxônia Se tomarmos como o lago a massa de artesãos independentes os camponeses produzindo mercadorias para vendêlas durante o inverno e os trabalhadores domésticos as ilhas representam os engenhos as fábricas as minas e as fundições de variado tamanho O grosso da paisagem ainda era de muita água ou para adaptarmos a metáfora um pouco mais à realidade de juncais de produção em pequena escala ou dependente que se formavam ao redor dos centros industriais e comerciais As indústrias domésticas e outras fundadas anteriormente como apêndices do feudalismo também existiam A maioria delas p ex a indústria silesiana do linho se achava em rápido e trágico declínio As grandes cidades quase não eram industrializadas embora mantivessem uma vasta população de trabalhadores e artesãos para servirem às necessidades de consumo transporte e serviços Das cidades do mundo com mais de 100 mil habitantes fora Lyon só as inglesas e americanas tinham centros nitidamente industriais Milão por exemplo em 1841 tinha somente duas pequenas máquinas a vapor De fato o típico centro industrial tanto na Grã Bretanha quanto no continente europeu era uma cidade provinciana pequena ou de tamanho médio ou ainda um complexo de aldeias Sob um importante aspecto entretanto a industrialização continental e até certo ponto a americana diferia da inglesa As précondições para seu desenvolvimento espontâneo através da empresa privada foram menos favoráveis Como vimos na GrãBretanha após uma lenta preparação de cerca de 200 anos não houve escassez real de quaisquer dos fatores de produção e nenhum obstáculo institucional para o pleno desenvolvimento capitalista O mesmo não aconteceu em outros países Na Alemanha por exemplo houve uma nítida escassez de capital a própria modéstia do padrão de vida das classes médias alemãs maravilhosamente transformado embora dentro da encantadora austeridade da decoração de interiores de Biedemeier o demonstra Frequentemente se esquece que pelos padrões alemães contemporâneos Goethe cuja casa em Weimar apresenta um pouco mais de conforto embora não muito mais do que o padrão dos modestos banqueiros da seita britânica de Clapham era deveras um homem muito rico Na década de 1820 as senhoras da corte e até mesmo as princesas em Berlim usavam simples vestidos de percal durante todo o ano se possuíam um vestido de seda guardavamno para ocasiões especiais Os tradicionais sistemas de grémios ou guildas de mestres artífices e aprendizes ainda se constituía em um obstáculo para o empreendimento capitalista para a mobilidade da mãodeobra qualificada e mesmo para qualquer mudança econômica a obrigação de que um artesão pertencesse a uma guilda foi abolida na Prússia em 1811 embora não o fossem as próprias guildas cujos membros eram além disso fortalecidos politicamente pela legislação municipal do período A produção dos grémios permaneceu quase intacta até as décadas de 1830 e 1840 Em outros países a introdução plena da Gewerbefreiheit teve que esperar até a década de 1850 A multiplicidade de Estados diminutos cada um com seus controles e interesses estabelecidos ainda inibia o desenvolvimento racional A simples construção de uma União Aduaneira Geral como o que a Prússia conseguiu realizar em seu próprio interesse e pela pressão de sua posição estratégica entre 1818 e 1834 era com a exceção da Áustria um triunfo Todo governo mercantilista ou paternal baixava seus regulamentos e disposições administrativas sobre o assunto para benefício da estabilidade social porém para a irritação do empresário privado O Estado prussiano controlava a qualidade e o justo preço da produção artesanal as atividades da indústria doméstica silesiana de tecelagem de linho e as operações dos proprietários de minas na margem direita do Reno Era necessária uma permissão governamental para se abrir uma mina e ela podia ser retirada já depois de iniciado o negócio Obviamente em tais circunstâncias que têm paralelo em inúmeros outros Estados o desenvolvimento industrial tinha que funcionar de um modo bastante diferente do modelo britânico Assim em todo o continente europeu o governo tinha um controle muito maior sobre a indústria não apenas porque já estivesse acostumado a isto mas porque tinha que fazêlo Guilherme I Rei dos Países Baixos Unidos fundou em 1822 a Société Générale pour favoriser LIndustrie Nationale des Pays Bas dotada de terras do Estado com mais ou menos 40 de suas ações subscritas pelo rei e 5 garantidas a todos os outros subscritores O Estado prussiano continuou a controlar a operação de uma grande proporção das minas do país Sem exceção todos os novos sistemas ferroviários foram planejados pelos governos e se não foram efetivamente construídos por eles foram incentivados pela subvenção de concessões favoráveis e pela garantia de investimentos De fato até hoje a GrãBretanha é o único país cujo sistema ferroviário foi totalmente construído por empresas particulares assumindo os riscos na sua busca de lucros sem o incentivo de bónus e garantias aos investidores e empresários A primeira e mais bemplanejada destas redes foi a belga projetada em princípios da década de 1830 com o intuito de separar o país recémindependente do sistema de comunicações primordialmente fluvial baseado na Holanda As dificuldades políticas e a relutância da grande burguesia conservadora em trocar investimentos seguros por especulativos adiaram a construção estruturada da rede francesa que a Câmara tinha decidido executar em 1833 a pobreza de recursos adiou a construção da rede austríaca que o Estado decidiu construir em 1842 e da prussiana Por razões semelhantes a empresa do continente europeu dependia muito mais do que a britânica de um aparato financeiro e de uma moderna legislação bancária comercial e de negócios De fato a Revolução Francesa forneceu os dois os códigos legais de Napoleão com sua ênfase na liberdade contratual garantida legalmente seu reconhecimento das letras de câmbio c outros papéis comerciais e suas disposições em prol das empresas de capital social como a société anonyme e a commandite sociedade em que um dos sócios entra com o capital e o outro com o trabalho adotadas em toda a Europa exceto na GrãBretanha e na Escandinávia tornaramse por esta razão os modelos gerais para o mundo Além do mais os instrumentos para o financiamento da indústria que nasceram do cérebro fértil daqueles jovens revolucionários saintsimonianos os irmãos Pereire foram bem recebidos no exterior Sua maior vitoria ainda teve que esperar a era do boom mundial da década de 1850 mas já na década de 1830 a Société Générale belga começou a praticar o investimento bancário do tipo que os irmãos Pereire tinham imaginado e na Holanda os financistas embora ainda não ouvidos pela massa de negociantes adotaram as ideias saintsimonianàs Em essência estas ideias almejavam mobilizar através de bancos e empresas de investimento uma variedade de recursos de capital nacional que não teria espontaneamente entrado no desenvolvimento industrial e cujos donos não teriam sabido onde investir se assim o tivessem desejado Depois de 1850 deuse o fenómeno continental característico especialmente alemão do grande banco atuando também como investidor e dessa forma dominando a indústria e facilitando sua concentração precoce III Entretanto o desenvolvimento econômico deste período contem um gigantesco paradoxo a França Teoricamente nenhum país deveria ter avançado mais rapidamente Ela possuía como já vimos instituições ajustadas de forma ideal ao desenvolvimento capitalista O talento e a capacidade inventiva de seus empresários não tinha paralelo na Europa Os franceses inventaram ou foram os primeiros a desenvolver as grandes lojas de departamentos a propaganda e guiados pela supremacia da ciência francesa todos os tipos de inovações e realizações técnicas a fotografia com Nicephore Nièpce e Daguerre o processo de soda de Leblanc o descolorante à base de cloro de Berthollet a galvanoplastia e a galvanização Os financistas franceses foram os mais inventivos do mundo O país possuía grandes reservas de capital que exportava auxiliado por sua capacidade técnica para todo o continente europeu e até mesmo depois de 1850 para coisas tais como a Companhia Geral de Coletivos de Londres para a GrãBretanha Por volta de 1847 cerca de 225 bilhões de francos tinham saído para o exterior valor este só superado pelas astronómicas cifras britânicas maiores do que as de qualquer outro país Paris era um centro internacional de finanças que seguia Londres bem de perto na verdade em tempos de crise como em 1847 Paris chegou a superar Londres nesse campo O empreendimento francês na década de 1840 fundou as companhias de gás da Europa em Florença Veneza Pádua e Verona e obteve privilégios para fundálas em toda a Espanha na Argélia no Cairo e em Alexandria E estava para financiar as ferrovias do continente europeu exceto as da Alemanha e da Escandinávia Ainda assim basicamente o desenvolvimento econômico francês era na verdade mais lento do que o de outros países Sua população crescia silenciosamente porém sem dar grandes saltos Suas cidades com a exceção de Paris expandiamse modestamente de fato no princípio da década de 1830 algumas delas diminuíram Seu poderio industrial no final da década de 1840 era sem dúvida maior do que o dos outros países europeus possuía tanta energia a vapor quanto todo o resto do continente junto mas tinha perdido terreno para a GrãBretanha e estava a ponto de perdêlo também para a Alemanha De fato a despeito de suas vantagens e do início pioneiro a França nunca se tornou uma potência industrial de maior importância em comparação com a GrãBretanha a Alemanha e os Estados Unidos A explicação para este paradoxo é como já vimos cf cap 3III a própria Revolução Francesa que tomou com Robespierre muito daquilo que havia dado com a Assembleia Constituinte A parte capitalista da economia francesa era uma superestrutura erguida sobre a base imóvel do campesinato e da pequena burguesia Os trabalhadores livres destituídos de terras simplesmente vinham pouco a pouco para as cidades as mercadorias baratas e padronizadas que fizeram as fortunas dos industriais progressistas em outros países ressentiamse da falta de um mercado suficientemente grande e em expansão Economizavase muito capital mas por que deveria este capital ser investido na indústria doméstica O empresário francês inteligente fabricava mercadorias de luxo e não mercadorias para o consumo de massa o financista inteligente promovia as indústrias estrangeiras em vez das domésticas Á empresa privada e o crescimento econômico caminham juntos somente quanto este último propicia lucros mais altos para a primeira do que para outras formas de negócio Na França ele não o fez embora através da França tenha fertilizado o crescimento econômico de outros países No extremo oposto da França estavam os Estados Unidos da América O país sofria de uma escassez de capital mas estava pronto a importálo em quaisquer quantidades e a GrãBretanha estava pronta a exportálo Sofria de uma aguda escassez de mãodeobra mas as Ilhas Britânicas e a Alemanha exportavam aos milhões seus excedentes populacionais após a grande fome da metade da década de 1840 Ressentiase da falta de homens com qualificações técnicas mas até mesmo estes os trabalhadores de algodão de Lancashire os mineiros do País de Gales e os trabalhadores siderúrgicos podiam ser importados dos setores já industrializados do mundo e a típica aptidão americana para criar uma economia de mãodeobra e acima de tudo para a criação de máquinas simplificadoras da necessidade de mãodeobra já se achava totalmente desenvolvida Os Estados Unidos ressentiamse da falta pura e simples de uma colonização e de meios de transporte para explorar seu imenso território e seus recursos aparentemente ilimitados O mero processo de expansão interna foi bastante para manter sua economia em um crescimento quase ilimitado embora os colonizadores governos missionários e comerciantes americanos já estivessem se expandindo em direção à costa do Pacífico ou levando o seu comércio apoiado pela segunda maior frota mercante do mundo através dos oceanos de Zanzibar ao Havaí O Pacífico e o Caribe já eram os campos escolhidos do império americano Toda instituição da nova república incitava a acumulação a engenhosidade e a iniciativa privada Uma vasta população nova estabelecida nas cidades litorâneas e nos novos estados interioranos recentemente ocupados exigia os mesmos bens e equipamentos agrícolas domésticos e pessoais padronizados e fornecia um mercado de homogeneidade ideal As necessidades de invenção e iniciativa eram grandes e sucessivamente vieram atendêlas os inventores do navio a vapor 180713 da humilde tachinha 1807 da máquina de fazer parafusos 1809 da dentadura postiça 1822 do fio encapado 182731 do revólver 1835 da ideia da máquina de escrever e da máquina de costura 18436 da prensa rotativa 1846 de uma série de máquinas agrícolas Nenhuma economia se expandiu mais rapidamente neste período do que a americana embora sua arrancada realmente decisiva só viesse a ocorrer depois de 1860 Só um grande obstáculo atrapalhava a conversão dos Estados Unidos na potência econômica mundial em que logo se tornaria o conflito entre o norte agrícola e industrial e o sul semicolonial Enquanto o norte se beneficiava do capital da mãodeobra e das habilidades da Europa e notadamente da GrãBretanha como uma economia independente o sul que importava poucos destes recursos era uma economia tipicamente dependente da GrãBretanha O próprio sucesso em suprir as fábricas em expansão de Lancashire com quase todo o seu algodão perpetuava a dependência comparável àquela em que a Austrália estava prestes a cair com a lã e a Argentina com a carne O sul era favorável ao livre comércio que lhe possibilitava vender à GrãBretanha e em troca comprar as baratas mercadorias britânicas o norte quase desde o princípio 1816 protegia firmemente o industrial nativo contra qualquer estrangeiro i e britânico que pudesse competir naquela época com ele a preços inferiores O norte e o sul competiam pelos territórios do oeste o sul para as plantações escravas e os posseiros retrógrados com suas culturas de subsistência em terras devolutas das montanhas e o norte para as segadoras mecânicas e os matadouros de grande porte e até a era da ferrovia transcontinental o sul que controlava o delta do Mississippi onde o meiooeste encontrou seu principal escoamento tinha alguns fortes trunfos econômicos O futuro da economia americana só seria decidido na Guerra Civil de 18615 que foi de fato a unificação da América através do capitalismo do norte O outro futuro gigante do mundo econômico a Rússia era até então economicamente desprezível embora observadores de larga visão já previssem que seus vastos recursos sua população e seu tamanho iriam mais cedo ou mais tarde projetála mundialmente As minas e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII tendo senhores ou mercadores feudais como empregadores e os servos como operários estavam declinando lentamente As novas indústrias fábricas têxteis domésticas de pequeno porte somente começaram a apresentar uma expansão realmente digna de nota na década de 1860 Mesmo a exportação para o Ocidente do trigo extraído no fértil cinturão de terra preta da Ucrânia fazia um progresso apenas moderado A Polónia russa era bem mais adiantada mas como no resto da Europa Oriental da Escandinávia no norte à península balcânica no sul ainda não se podia divisar a era da grande transformação econômica Nem mesmo na Espanha ou no sul da Itália com exceção de pequenos trechos da Catalunha e do país basco E mesmo no norte da Itália onde as mudanças econômicas foram muito maiores elas eram até então bem mais óbvias na agricultura sempre nesta região uma importante saída para o investimento de capital e a atividade de negócios no comércio e na frota mercante do que nas manufaturas Mas o desenvolvimento destas mudanças foi prejudicado em todo o sul da Europa pela grande escassez do que era então ainda a única fonte importante de poderio industrial o carvão Assim uma parte do mundo saltou na dianteira do poderio industrial enquanto que a outra ficava para trás Mas estes dois fenómenos não são desligados um do outro A estagnação econômica a lentidão ou mesmo a regressão foram produtos do avanço econômico pois como poderiam as economias relativamente atrasadas resistir à força ou em certos casos à atração dos novos centros de riqueza indústria e comércio Os ingleses e algumas outras áreas da Europa podiam claramente vender a seus competidores a preços mais baixos Convinhalhes ser a oficina do mundo Nada parecia mais natural do que os menos evoluídos produzirem alimentos e talvez minérios trocando estas mercadorias não competitivas por manufaturas britânicas ou de outros países da Europa Ocidental O sol disse Ricardo Cobden aos italianos é o vosso carvão Onde o poder local estava nas mãos de grandes proprietários de terra ou mesmo de fazendeiros ou rancheiros progressistas essa troca servia a ambos os lados Os plantadores cubanos estavam muito felizes em fazer dinheiro com o açúcar e importar as mercadorias que permitiam aos estrangeiros comprar o açúcar Onde os donos de manufaturas podiam se fazer ouvir ou onde os governos locais apreciavam as vantagens do desenvolvimento econômico equilibrado ou meramente consideravam as desvantagens da dependência a disposição de ânimo era menor Friedrich List o economista alemão como de hábito fazendo uso do costume congénito da abstração filosófica rejeitou uma economia internacional que na verdade fez da Grã Bretanha a principal ou única potência industrial e exigiu protecionismo assim como o fizeram também conforme já vimos embora sem filosofia os americanos Tudo isto supondo que uma economia fosse politicamente independente e forte o bastante para aceitar ou rejeitar o papel para o qual a industrialização pioneira de um pequeno setor do mundo a tinha destinado Onde não fosse independente como nas colónias não tinha escolha A índia como já vimos estava no processo de desindustrialização e o Egito era uma ilustração ainda mais viva do processo pois o governante local Mohammed Ali tinha de fato e sistematicamente começado a transformar o país numa economia moderna ie entre outras coisas numa economia industrial Ele não só incentivou o cultivo do algodão para suprir o mercado mundial a partir de 1821 mas também tinha investido por volta de 1838 a considerável quantia de 12 milhões de libras na indústria que empregava talvez 30 ou 40 mil trabalhadores O que teria acontecido se o Egito tivesse sido deixado ao sabor de sua própria sorte não sabemos pois o que de fato se deu foi que a Convenção AngloTurca de 1838 impôs comerciantes estrangeiros ao país minando assim o monopólio do comércio externo através do qual Mohammed Ali tinha operado c a derrota do Egito frente ao Ocidente em 183941 forçouo a reduzir seu exército e portanto retirou a maior parte do incentivo que o tinha levado à industrialização Esta não foi a primeira nem a última vez que as canhoneiras do Ocidente abriram um país ao comércio ie à competição superior do setor industrializado do mundo Quem ao observar o Egito na época do protetorado britânico no final do século teria reconhecido o país que fora 50 anos antes e para o desgosto de Richard Cobden p primeiro Estado não pertencente à raça branca a procurar a maneira moderna de sair do atraso econômico De todas as consequências econômicas da época da revolução dupla esta divisão entre os países adiantados e os subdesenvolvidos provou ser a mais profunda e a mais duradoura Falando a grosso modo por volta de 1848 estava claro que os países deviam seguir o exemplo do primeiro grupo ie da Europa Ociental exceto a Península Ibérica da Alemanha do norte da Itália e partes da Europa Central da Escandinávia dos Estados Unidos e talvez das colónias controladas pelos imigrantes de língua inglesa Mas também era claro que o resto do mundo estava com exceção de alguns pedaços muito atrasado ou se transformando sob a pressão informal das exportações e importações ocidentais ou sob a pressão militar das canhoneiras e das expedições militares ocidentais em dependências econômicas do Ocidente Até que os russos tivessem desenvolvido na década de 1930 meios de transpor este fosso entre atrasado e adiantado ele permaneceria imóvel intransponível e mesmo crescendo entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo Nenhum outro fato determinou a história do século XX de maneira mais firme Capítulo Dez A Carreira Aberta ao Talento Um dia andei por Manchester com um destes cavalheiros da classe média Faleilhe das desgraçadas favelas insalubres e chameilhe a atenção para a repulsiva condição daquela pane da cidade em que moravam os trabalhadores fabris Declarei nunca ter visto uma cidade tão mal construída em minha vida Ele ouviume pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou E ainda assim ganhamse fortunas aqui Bom dia senhor F Engels As Condições da Classe Trabalhadora na Inglaterra Lhabitude prévalut parmi les nouveaux financiers de faire publier dans les journaux le menu des diners et les noms des convives M Capefigue I As instituições formais derrubadas ou criadas por uma revolução são fáceis de distinguir mas não dão a medida de seus efeitos O principal resultado da Revolução na França foi o de pôr fim à sociedade aristocrática Não à aristocracia no sentido da hierarquia de status social distinguido por títulos ou outras marcas visíveis de exclusividade e que muitas vezes se moldava no protótipo dessas hierarquias a nobreza de sangue As sociedades construídas sobre o carreirismo individual saúdam estas marcas de sucesso visíveis e estabelecidas Napoleão chegou a recriar uma nobreza formal de categorias que se juntou depois de 1815 aos velhos aristocratas remanescentes O fim da sociedade aristocrática também não significou o fim da influência aristocrática As classes em ascensão naturalmente tendem a ver os símbolos de sua riqueza e poder em termos daquilo que seus antigos grupos superiores tinham estabelecido como os padrões de conforto luxo e pompa As esposas dos ricos comerciantes de tecidos de Cheshire tornarseiam senhoras educadas pelos inúmeros livros de etiqueta e de vida elegante que se multiplicaram para este fim a partir da década de 1840 pela mesma razão que os que lucravam com as guerras napoleônicas apreciavam um título de barão ou que os salões burgueses se enchiam de veludo ouro espelhos algumas más imitações de cadeiras e outras peças de mobília do estilo Luís XV com estilos ingleses para os criados e os cavalos mas sem o espírito aristocrático O que poderia ser mais orgulhoso do que o vangloriarse de algum banqueiro saído Deus sabe de onde de que quando apareço em meu camarote no teatro todos os binóculos se voltam para mim e recebo quase que uma ovação real Além do mais uma cultura tão profundamente formada pela corte e pela aristocracia como a francesa não perderia a estampa Assim a preocupação marcante da prosa literária francesa com análises psicológicas sutis das relações pessoais que podem ser observadas até mesmo nos escritores aristocráticos do século XVII ou o padrão formalizado do século XVIII de exaltação sexual e decantação dos amantes e concubinas tornouse uma parte integrante da civilização burguesa parisiense Anteriormente os reis tinham suas amantes oficiais agora os bemsucedidos investidores da bolsa de valores os acompanhavam As cortesãs garantiam seus bem remunerados favores propagandeando o sucesso de banqueiros que podiam pagar por elas assim como o de jovens de sangue azul que levavam suas propriedades à ruína por causa delas De fato a Revolução preservou de muitas maneiras as características aristocráticas da cultura francesa de forma excepcionalmente pura pela mesma razão que a Revolução Russa preservou com excepcional fidelidade o bale clássico e a típica mentalidade burguesa do século XIX em relação à boa literatura Estas características foram tomadas e assimiladas como uma herança desejável do passado e daí em diante protegidas contra a erosão evolutiva normal E ainda assim o velho regime estava morto embora os pescadores de Brest em 1832 considerassem a cólera como um castigo de Deus pela deposição do legítimo rei O republicanismo formal entre os camponeses demorou a se difundir para além do Midi jacobino e de algumas áreas de há muito descristianizadas mas na primeira eleição universal genuína a de maio de 1848 o legitimismo já se achava confinado à região oeste e aos departamentos mais pobres do centro do país A geografia política da França rural moderna já era substancialmente discernível Subindo na escala social a Restauração dos Bourbon não restaurou o velho regime ou melhor quando Carlos X tentou fazêlo foi deposto A sociedade do período da restauração foi a dos capitalistas e carreiristas de Balzac do Julien Sorel de Stendhal e não a dos duques emigrantes que retornaram Uma era geológica separaa da doçura da vida da década de 1780 analisada por Talleyrand O Rastignac de Balzac está bem mais próximo do BelAmi de Maupas sant a figura típica da década de 1880 ou mesmo de Sammy Glick a figura típica de Hollywood na década de 1940 do que de Fígaro o sucesso não aristocrático da década de 1780 Em uma palavra a sociedade da França pósrevolucionária era burguesa em sua estrutura e em seus valores Era a sociedade do parvenu ie do homem que se fez por si mesmo o self mademan embora isto não fosse completamente óbvio antes que o próprio país fosse governado pelos parvenus ie antes que se tornasse republicano ou bonapartista Pode não parecer excessivamente revolucionário a nós que metade da nobreza francesa em 1840 pertencesse a famílias da velha nobreza mas para os burgueses franceses contemporâneos o fato de que a metade tinha sido gente do povo em 1789 era muito mais surpreendente especialmente quando eles olhavam para as exclusivistas hierarquias sociais do resto da Europa continental A frase quando os bons americanos morrem eles vão para Paris expressa aquilo em que Paris se transformou no século XIX embora só tenha se tornado plenamente o paraíso dos parvenus no Segundo Império Londres ou mais ainda Viena São Petersburgo ou Berlim eram capitais em que o dinheiro ainda não podia comprar tudo ao menos na primeira geração Em Paris havia pouca coisa que valesse a pena comprar que não estivesse a seu alcance Este domínio da nova sociedade não era peculiar à França mas se excetuarmos a democracia dos Estados Unidos era em certos aspectos superficiais mais óbvio e mais oficial na França embora não fosse de fato mais profundo do que na GrãBretanha ou nos Países Baixos Na Grã Bretanha os grandes chefs da culinária ainda eram os que trabalhavam para os nobres como Carême para o Duque de Wellington tinha anteriormente servido a Talleyrand ou para os clubes oligárquicos como Alexis Soyer do Clube da Reforma Na França o caro restaurante público inaugurado por cozinheiros da nobreza que perderam seus empregos durante a Revolução já estava estabelecido Uma transformação do mundo está implícita na páginatítulo do manual da culinária francesa clássica onde se lê Par A Beanvilliers ancien officier de MONSIEUR Comte de Provence et actuellement Restaurateur rue de Richelieu n 26 Ia Grande Taverne de Londres O gastrônomo uma espécie inventada durante a Restauração e difundida pelo Almanaque dos Gastrônomos de autoria de BrillatSavarin a partir de 1817 já ia ao café Anglais ou ao Café de Paris para jantares não presididos por anfitriãs Na GrãBretanha a imprensa ainda era um veículo de instrução de invectiva e de pressão política Foi na França que Emile Girardin em 1836 fundou o jornal moderno La Presse político e barato objetivando a acumulação de renda com anúncios e escrito de maneira atraente para seus leitores através da fofoca das novelas seriadas e várias outras proezas O pioneirismo francês nestes duvidosos campos ainda é lembrado pelas próprias palavras jornalismo e publicidade reclame e anúncio A moda as grandes lojas a vitrine louvada por Balzac foram invenções francesas o produto da década de 1820 A Revolução trouxe o teatro essa óbvia carreira aberta aos talentos para dentro da boa sociedade numa época em que seu status social na Grã Bretanha permanecia análogo ao dos boxeadores e jóqueis nas MaisonsLafitte nome tirado de um banqueiro que transformou os subúrbios em coisa da moda Lablache Talma e outras pessoas de teatro estabeleceramse ao lado da esplêndida casa do Príncipe de Ia Moskowa O efeito da revolução industrial sobre a estrutura da sociedade burguesa foi superficialmente menos drástico mas na verdade bem mais profundo pois criou novos xxx burgueses que coexistiam com a sociedade oficial muito grandes para serem absorvidos por ela exceto por uma pequena assimilação no topo e muito autoconfiantes e dinâmicos para desejar uma absorção exceto em seus próprios termos Em 1820 estes grandes exércitos de sólidos homens de negócios ainda eram pouco visíveis de Westminster onde os pares e seus parentes ainda dominavam o Parlamento não reformado ou do Hyde Park onde senhoras totalmente não puritanas como Harriete Wilson não puritana até mesmo em sua recusa em fingir de flor arrancada dirigiam seus faetontes cercadas de ousados admiradores das forças armadas da diplomacia e da nobreza sem excluirmos o próprio Duque de Wellington Os mercadores os banqueiros e até mesmo os industriais do século XVIII eram poucos e foram assim assimilados pela sociedade oficial de fato a primeira geração de milionários do algodão encabeçada por Sir Robert Peei o velho cujo filho estava sendo treinado para o cargo de primeiroministro era solidamente formada de tories embora de um tipo moderado Entretanto o arado de ferro da industrialização multiplicou as carrancudas safras de homens de negócio sob as pesadas nuvens do norte Manchester não estava mais de acordo com Londres Com o grito de guerra o que Manchester pensa hoje Londres pensará amanhã a cidade do norte se preparou para impor termos à capital para impor termos a capital Os novos homens das províncias eram um formidável exército tanto mais que se tornavam cada vez mais conscientes de ser uma classe e não um escalão mediano entre os setores mais altos e mais baixos O termo classe média aparece pela primeira vez por volta de 1812 Já em 1834 John Stuart Mill podia queixarse de que os comentaristas sociais giraram em seu eterno círculo de proprietários de terras capitalistas e trabalhadores até que pareceram aceitar a divisão da sociedade nestas três classes como se fosse um dos mandamentos de Deus Além do mais eles não se constituíam simplesmente em uma classe mas em uma classe militar de combate organizada a princípio em combinação com os trabalhadores pobres que deviam pensavam eles seguir sua liderança contra a sociedade aristocrática e mais tarde contra o proletariado e os proprietários de terras principalmente naquela associação com grande consciência de classe denominada Liga Contra a Lei do Trigo Eles eram homens que se fizeram por si mesmos ou pelo menos sendo de origem modesta deviam pouca coisa ao nascimento à família ou a uma educação formal superior Como o Sr Bounderby do romance Ásperos Tempos de Charles Dickens não esqueciam de propagandear esse fato Eram ricos e a cada ano ficavam mais ricos Acima de tudo estavam imbuídos da dinâmica e feroz autoconfiança daqueles cujas carreiras lhes provavam que a divina providência a ciência e a história se combinaram para servirlhes a terra numa bandeja A economia política traduzida para algumas proposições dogmáticas simples por editores jornalistas independentes que louvavam as virtudes do capitalismo Edward Baines do Leeds Mercury 17741848 John Edward Taylor do Manchester Guardian 17911844 Archibald Prentice do Manchester Times 17921857 Samuel Smiles 18121904 deulhes a certeza intelectual A dissidência protestante do género independente unitário batista e quaker e não do género metodista emotivo deulhes a certeza espiritual e um desprezo pelos inúteis aristocratas Nem o medo nem a raiva nem mesmo a pena emocionavam o empregador que dizia a seus trabalhadores O Deus da Natureza estabeleceu uma lei justa e imparcial que o homem não tem o direito de contesta quando se arrisca a fazêlo é sempre certo que mais cedo ou mais tarde encontra o castigo merecido Assim quando os patrões audaciosamente combinam que por uma união de poder eles podem oprimir seus empregados de modo mais eficaz insultam dessa forma a Majestade Divina e trazem para si a maldição de Deus enquanto que por outro lado quando os empregados se unem para extorquir de se empregadores aquela parte do lucro que por direito pertence ao patrão eles igualmente violam a lei da equidade Havia uma ordem no universo mas já não era a ordem do passado Havia somente um Deus cujo nome era vapor e que falava com a voz de Malthus McCulloch e de qualquer um que usasse máquinas O punhado de intelectuais escritores e eruditos agnósticos do século XVIII que falavam por eles não deve obscurecer o fato de que a maioria deles estava muito ocupada em ganhar dinheiro para se aborrecer com qualquer coisa que não estivesse ligada a este fim Eles apreciavam seus intelectuais até mesmo quando como no caso de Richard Cobden 18041865 não eram homens de negócio particularmente bemsucedidos desde que evitassem ideias pouco práticas e excessivamente sofisticadas pois eles eram homens práticos cuja própria falta de instrução faziaos suspeitar de qualquer coisa que fosse muito além do empirismo O cientista Charles Babbage 17921871 propôslhes seus métodos científicos em vão Sir Henry Cole o pioneiro do desenho industrial da educação técnica e da racionalização do transporte deulhes com a inestimável ajuda do Príncipe Consorte alemão o mais brilhante monumento a seus esforços a Grande Exposição de 1851 Mas foi forçado a se retirar da vida pública em virtude de ser um intrometido com certo gosto pela burocracia o que como toda interferência governamental eles detestavam quando não se associasse diretamente com seus lucros George Stephenson mecânico de minas que se fez por si mesmo dominou as novas ferrovias impondo lhes a medida do velho cavalo e da carroça nunca pensou em outra coisa ao contrário do sofisticado criativo e ousado engenheiro Isambard Kingdom Brunel que não possui monumento no panteon de engenheiros construído por Samuel Smiles exceto a frase condenatória em termos de resultados práticos e lucrativos os Stephenson foram inquestionavelmente os homens mais seguros para se seguir Os filósofos radicais fizeram todo o possível para construir uma rede de Institutos de Mecânicos expurgados dos desastrosos erros políticos que os operadores insistiam contra a natureza em ouvir nesses lugares a fim de treinar os técnicos das novas indústrias de bases científicas Já em 1848 a maioria deles se encontrava moribunda por falta de qualquer reconhecimento geral de que tal instrução tecnológica poderia ensinar aos ingleses em comparação com os alemães e os franceses qualquer coisa de útil Havia muitos industriais inteligentes de espírito experimentador e até mesmo cultos que lotavam as reuniões da Associação Britânica para o Progresso da Ciência mas seria um erro supor que eles representavam o conjunto de sua classe Uma geração destes homens cresceu nos anos entre Trafalgar e a Grande Exposição Seus antecessores criados dentro de um quadro social de comerciantes provincianos racionalistas e cultos e de ministros protestantes dissidentes e apoiados no quadro intelectual do século liberal foram talvez um grupo menos bárbaro o oleiro Josiah Wedgwood 17301795 era membro da Real Sociedade sócio da Sociedade de Antiquários e da Sociedade Lunar juntamente com Matthew Boulton seu sócio James Watt e o químico e revolucionário Priestley Seu filho Thomas fez experiências com a fotografia publicou trabalhos científicos e ajudou o poeta Coleridge O fabricante do século XVIII naturalmente construía suas fábricas segundo o estilo de desenho constante nos livros de construtores georgianos Seus sucessores senão mais cultos foram ao menos mais pródigos pois já na década de 1840 tinham ganho dinheiro suficiente para gastar com liberalidade em residências pseudonobres em prefeituras pseudogóticas ou pseudo renascentistas e para reconstruir suas capelas modestas e utilitárias ou clássicas no estilo perpendicular Mas entre a era georgiana e a vitoriana aconteceu o que foi corretamente chamado de a gélida era da burguesia bem como das classes trabalhadoras cujos contornos ficaram para sempre perpetuados por Charles Dickens em Ásperos Tempos Um protestantismo beato rígido farisaico sem intelectualismo obcecado com a moralidade puritana a ponto de tornar a hipocrisia sua companheira automática dominou essa desolada época A virtude dizia G M Young avançou numa frente ampla e invencível e foi pisando os que não tinham virtude os fracos os pecadores ie aqueles que nem ganhavam dinheiro nem controlavam seus gastos emocionais ou financeiros levandoos para a lama a que eles tão claramente pertenciam merecendo na melhor das hipóteses a caridade dos mais bondosos Havia nisto algum sentido econômico capitalista Os pequenos empresários tinham que empregar muito dos seus lucros nos negócios se quisessem se transformar em grandes empresários As massas de novos proletários tinham que se adaptar ao ritmo industrial de trabalho por meio da mais cruel disciplina ou então eram largadas para apodrecerem caso não a aceitassem E ainda assim até hoje o coração se contrai ante a visão do panorama construído por aquela geração Esta sombria devoção ao utilitarismo burguês que os evangelistas e puritanos partilhavam com os agnósticos filósofos radicais do século XVIII que a verbalizaram em termos lógicos para eles produziu sua própria beleza funcional nas estradas de ferropontes e armazéns e seu horror romântico nas infindáveis fileiras de casinhas cinzentas ou avermelhadas envoltas em fumaça e dominadas pelas fortalezas das fábricas A nova burguesia vivia fora dessa paisagem se tivesse acumulado dinheiro suficiente para se mudar ministrando autoridade educação moral e assistência ao esforço missionário entre os pagãos negros no exterior Seus homens personificavam o dinheiro que provava seu direito de dominar o mundo suas mulheres que o dinheiro dos maridos privava até da satisfação de realmente executar o trabalho doméstico personificavam a virtude da classe ignorantes seja boa doce donzela e deixe quem quiser ser inteligente sem instrução pouco práticas teoricamente assexuadas sem património e protegidas tias foram o único luxo a que se permitiu a era da frugalidade e do cada um por si A burguesia manufatureira britânica foi o mais extremado exemplo da classe mas em todo o continente havia grupos menores da mesma espécie católicos nos distritos têxteis do norte da França ou na Catalunha calvinistas na Alsácia beatos luteranos na Renânia judeus em toda a Europa Central e Oriental Raramente eram tão rígidos quanto na GrãBretanha pois raramente estavam tão divorciados das mais velhas tradições da vida urbana e do paternalismo Léon Faucher sentiuse dolorosamente surpreso a despeito de seu liberalismo doutrinário ante a visão de Manchester na década de 1840 e que observador da Europa continental não se sentiu da mesma forma Mas eles partilhavam com os ingleses a confiança que vinha do enriquecimento constante entre 1830 e 1856 os dotes para casamentos da família Dansette em Lille aumentaram de 15 mil para 50 mil francos da fé absoluta no liberalismo econômico e da repulsa pelas atividades não econômicas As dinastias de fiandeiros de Lille mantiveram seu total desprezo pela carreira das armas até a Primeira Guerra Mundial Os Dollfus de Mulhouse dissuadiram o jovem F Engels da ideia de entrar na Escola Politécnica porque temiam que ela pudesse leválo a uma carreira militar ao invés de uma carreira nos negócios A aristocracia e seus pedigrees para começar não os tentava excessivamente como os marechais de Napoleão eles próprios eram ancestrais II A realização crucial das duas revoluções foi assim o fato de que elas abriram carreiras para o talento ou pelo menos para a energia a sagacidade o trabalho duro e a ganância Não para todas as carreiras nem até os últimos degraus superiores do escalão exceto talvez nos Estados Unidos E ainda assim como eram extraordinárias as oportunidades como estava afastado do século XIX o estático ideal hierárquico do passado O conselheiro de Estado von Schele do Reino de Hanover que recusou o pedido de um jovem e pobre advogado para um cargo no governo com base no fato de que seu pai era um encadernador de livros e que assim sendo ele deveria se ater àquele oficio pareceria agora odioso e ridículo Ainda assim ele nada mais estava fazendo senão repetir a ultrapassada sabedoria proverbial da estável sociedade pré capitalista e em 1750 o filho de um encadernador de livros teria com toda probabilidade se agarrado ao oficio do pai Agora não era mais obrigado a fazêlo Havia quatro caminhos para as estrelas diante dele os negócios a educação que por sua vez levava a três metas o funcionalismo público a política e as profissões liberais as artes e a guerra O último destes caminhos bastante importante na França durante o período revolucionário e napoleônico deixou de sêlo durante as longas gerações de paz que se sucederam e talvez por esta razão também deixou de ser muito atraente O terceiro caminho era novo somente na medida em que as recompensas públicas de uma excepcional capacidade para entreter e emocionar os auditórios eram agora muito maiores do que jamais tinham sido anteriormente conforme demonstrado pelo crescente status social do palco que finalmente produziria na GrãBretanha eduardiana fenómenos como o do ator enobrecido e do nobre casado com a corista Até mesmo no período pósnapoleônico eles já tinham produzido o fenómeno característico da idolatria ao cantor p ex Jenny Lind o Rouxinol Sueco ou à dançarina p ex Fanny Elssler e do endeusado concertista p ex Paganini e Franz Liszt Nem os negócios nem a educação eram grandes estradas abertas para todos até mesmo entre os suficientemente emancipados dos grilhões dos costumes e da tradição para acreditarem que gente como nós seria aí admitida para saber como agir numa sociedade individualista ou para aceitar o desejo de progredir Os que desejavam viajar nestes caminhos tinham de pagar um pedágio sem alguns recursos iniciais ainda que mínimos era difícil entrar na autoestrada do sucesso Esse pedágio era inquestionavelmente maior para os que buscassem a estrada da educação do que para os que quisessem escolher a dos negócios pois até mesmo nos países que adquiriram um sistema público de ensino a educação primária era muito negligenciada e mesmo onde ela existisse estava confinada por razões políticas a um mínimo de alfabetização obediência moral e conhecimentos de aritmética Entretanto à primeira vista e paradoxalmente o caminho educacional parecia mais atraente do que o caminho dos negócios Sem dúvida isto se devia ao fato de que a educação exigia uma revolução muito menor nos hábitos e modos de vida dos homens O ensino ainda que somente sob a forma do ensino eclesiástico tinha o seu lugar socialmente valorizado e aceito na sociedade tradicional de fato tinha um lugar mais eminente do que na sociedade totalmente burguesa Ter um padre um ministro ou um rabino na família era talvez a maior honra a que os pobres poderiam aspirar e valiam a pena os sacrifícios titânicos para obtêla Esta admiração social podia ser prontamente transferida uma vez abertas estas carreiras ao intelectual secular ao funcionário público ao professor ou nos casos mais maravilhosos ao advogado e ao médico Além do mais os estudos não eram tão antisociais como pareciam ser tão claramente os negócios O homem instruído não se voltaria automaticamente para dilacerar seu semelhante da mesma forma desavergonhada e egoísta com que o faria o comerciante ou o empregador Frequentemente de fato especialmente no caso de um professor ele ajudava seus concidadãos a saírem da ignorância e da escuridão que pareciam ser responsáveis por suas misérias Uma sede geral de educação era muito mais fácil de ser criada do que uma sede geral de sucesso individual nos negócios e a escolaridade era mais facilmente adquirida do que a estranha arte de ganhar dinheiro As comunidades quase que totalmente compostas de pequenos camponeses pequenos comerciantes e proletários como o País de Gales podiam simultaneamente desenvolver uma fome que empurrasse seus filhos para o ensino e o sacerdócio e criar também um amargo ressentimento contra a riqueza e os negócios Contudo em certo sentido a educação representava tão eficazmente quanto os negócios a competição individualista a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e os parentescos através do instrumento do exame competitivo Como de costume a Revolução Francesa criou a expressão mais lógica dessa competição as hierarquias paralelas de exames que ainda selecionam progressivamente dentre o quadro nacional de ganhadores de bolsas de estudos a elite intelectual que administra e instrui o povo francês A bolsa de estudo e o exame competitivo eram também o ideal da escola burguesa de pensadores britânicos com maior consciência de classe os filósofos radicais benthamitas que conseqüentemente mas não antes do final de nosso período os impôs de uma forma extremamente pura para os mais altos cargos do serviço civil britânico e indiano contra a dura resistência da aristocracia A seleção de acordo com os méritos conforme determinada em exame ou outros testes educacionais tornouse o ideal geralmente aceito por todos exceto pelos serviços públicos europeus mais arcaicos tais como o do Papado e do Ministério do Exterior britânico ou pelos mais democráticos que tendiam como nos Estados Unidos a preferir a eleição em vez do exame como um critério de aptidão para os cargos públicos Pois como outras formas de competição individualista prestar exame era um recurso liberal mas não democrático ou igualitário O principal resultado social da abertura da instrução ao talento foi assim paradoxal Ele criou não a sociedade aberta da livre competição comercial mas sim a sociedade fechada da burocracia mas ambas em suas várias formas eram instituições características da era liberal burguesa O ethos dos cargos mais altos do serviço civil do século XIX foi fundamentalmente o do iluminismo do século XVIII maçónico e josefiniano na Europa Central e Oriental napoleônico na França liberal e anticlerical nos outros países latinos e benthamista na Grã Bretanha A competição era transformada em promoção automática uma vez que o homem de mérito tivesse efetivamente conquistado seu lugar no serviço embora a rapidez e a importância com que um homem fosse promovido ainda dependessem na teoria de seus méritos a menos que o igualitarismo da corporação impusesse uma promoção pura em função da idade À primeira vista portanto a burocracia parecia muito dessemelhante do ideal da sociedade liberal E ainda assim os homens que exerciam os serviços públicos estavam unidos na consciência de terem sido selecionados por mérito numa atmosfera predominante de integridade eficiência prática e educação e nas origens não aristocráticas Até mesmo a rígida insistência na promoção automática que chegou a ter um alcance absurdo na marinha britânica que era uma organização bem da classe média teve ao menos a vantagem de excluir o hábito tipicamente aristocrático e monárquico do favoritismo Nas sociedades em que o desenvolvimento econômico se arrastava o serviço público portanto fornecia uma alternativa para a ascensão das classes médias Não é por mero acidente que em 1848 no Parlamento de Frankfurt 68 de todos os deputados fossem funcionários civis contra somente 12 de profissionais liberais e 25 de homens de negócios Assim foi uma sorte para quem pensava em fazer carreira o fato de que o período pós napoleônico tenha sido em quase toda parte um período de crescimento marcante do aparelho e das atividades dos governos embora fosse pouco extenso para absorver o número cada vez maior de cidadãos alfabetizados Entre 1830 e 1850 os gastos públicos per capita aumentaram em 25 na Espanha em 40 na França em 44 na Rússia em 50 na Bélgica em 70 na Áustria em 75 nos Estados Unidos e em mais de 90 na Holanda Só na GrãBretanha nas colónias britânicas na Escandinávia e em alguns Estados atrasados é que os gastos governamentais per capita permaneceram estáveis ou caíram durante este período o do apogeu do liberalismo econômico Isto não se deveu somente a esse consumidor óbvio de impostos as forças armadas que continuaram depois das guerras napoleônicas muito maiores do que antes apesar da inexistência de guerras internacionais de maior importância dos principais Estados só a GrãBretanha e a França em 1851 tinham um exército muito menor do que no auge do poderio de Napoleão em 1810 e em vários Estados pex a Rússia a Espanha e diversos Estados italianos e alemães os exércitos eram de fato maiores O aumento dos gastos públicos deveu se também ao desenvolvimento das velhas funções e à aquisição de novas por parte dos Estados Pois é um erro elementar não compartilhado por esses protagonistas lógicos do capitalismo os filósofos radicais partidários de Bentham acreditar que o liberalismo era hostil à burocracia Ele era somente hostil à burocracia ineficaz à interferência pública em assuntos que ficariam melhor se deixados para a empresa privada e à tributação excessiva O slogan liberal vulgar de um Estado reduzido às atrofiadas funções de um vigia noturno obscurece o fato de que o Estado destituído de suas funções ineficazes e inadequadas era um Estado muito mais poderoso e ambicioso do que antes Por exemplo já em 1848 era um Estado que tinha adquirido forças policiais modernas e frequentemente nacionais na França desde 1798 na Irlanda a partir de 1823 na Inglaterra desde 1829 na Espanha a Guarda Civil a partir de 1844 Fora da Grã Bretanha era normalmente um Estado que tinha um sistema educacional público fora da Grã Bretanha e dos Estados Unidos era um Estado que tinha ou estava a ponto de ter um serviço público de ferrovias em toda parte era um Estado que tinha um serviço postal cada vez maior para suprir as crescentes necessidades dos negócios e das comunicações privadas O crescimento da população obrigouo a manter um sistema judicial maior o crescimento das cidades e dos problemas sociais urbanos um maior sistema de administração municipal Novas ou velhas as funções governamentais eram desempenhadas cada vez mais por um único serviço nacional civil constituído de funcionários de carreira em regime de tempo integral cujos últimos escalões eram promovidos e transferidos livremente pela autoridade central de cada país Entretanto enquanto um serviço eficiente deste tipo poderia reduzir o número de funcionários e o custo da administração através da eliminação da corrupção e do serviço em regime de meio expediente ele criava uma máquina governamental muito mais formidável As funções mais elementares do estado liberal como a eficiência da avaliação e da coleta de tributos por um corpo de funcionários assalariados ou a manutenção de uma força policial rural organizada regularmente em termos nacionais teria parecido estar além dos sonhos mais loucos da maioria dos absolutismos prérevolucionários Da mesma forma o nível de tributação que realmente já era por vezes um imposto de renda gradativo que era tolerado pelo cidadão do estado liberal em 1840 os gastos governamentais na GrãBretanha liberal foram quatro vezes tão grandes quanto na Rússia autocrática Poucos destes novos postos burocráticos equivaliam realmente à dragona do oficial que o proverbial soldado de Napoleão carregava em sua mochila como o primeiro passo para a obtenção do posto de general Dos 130 mil servidores civis calculados para a França em 1839 a grande maioria era de carteiros professores funcionários que recolhiam os impostos oficiais de justiça e outros até mesmo os 450 funcionários do Ministério do Interior e os 350 do Ministério das Relações Exteriores eram quase todos escriturários um tipo de gente que conforme se vê claramente na literatura desde Dickens até Gogol não podia ser invejada exceto talvez devido a seu privilégio de servidor público à segurança que lhes dava a certeza de não morrer de fome e de sustentar um nível de vida inalterável Os funcionários que alcançavam um nível social equivalente a uma boa carreira de classe média financeiramente nenhum funcionário honesto poderia aspirar mais do que o conforto decente eram poucos Mesmo hoje em dia a classe administrativa de todo o funcionalismo civil britânico que foi planejado pelos reformadores da metade do século XIX como o equivalente da classe média na hierarquia burocrática não chega a mais de 3500 ao todo Ainda assim embora a situação do subfuncionário do comerciário ou do escriturário fosse modesta ela se achava muito acima da dos trabalhadores pobres Seu trabalho não exigia esforço físico Suas mãos limpas e seus colarinhos brancos os colocavam embora simbolicamente ao lado dos ricos Normalmente eles carregavam consigo a magia da autoridade pública Perante eles os homens e as mulheres tinham que formar filas para a obtenção dos documentos que registravam suas vidas eles os liberavam ou os retinham diziamlhes o que podiam e o que não podiam fazer Nos países mais atrasados assim como nos Estados Unidos com sua democracia através deles seus primos e sobrinhos podiam achar bons empregos em muitos países não tão atrasados eles tinham que ser subornados Para inúmeras famílias camponesas e trabalhadoras para as quais todos os demais caminhos de ascensão social estavam fechados a burocracia o ensino e o sacerdócio eram ao menos teoricamente himalaias que seus filhos podiam tentar alcançar As profissões liberais não estavam tão a seu alcance pois para se tornar um médico um advogado um professor que na Europa continental significava tanto professor secundário quanto universitário ou uma outra categoria qualquer de pessoa de instrução de diversas atividades eram necessários longos anos de estudo ou excepcionais talento e oportunidade Em 1851 a Grã Bretanha tinha cerca de 16 mil advogadossem contarmos os juizes e só 1700 estudantes de direito cerca de 17 mil médicos e cirurgiões e 3500 estudantes de medicina menos que 3 ryiil arquitetos cerca de 1300 editores e escritores O termo francês journalist ainda não fazia parte do conhecimento oficial O direito e a medicina eram as duas das grandes profissões tradicionais A terceira o sacerdócio oferecia menos oportunidades do que se poderia esperar ainda que somente devido ao fato de estarse expandindo bem mais lentamente do que a população com exceção dos pregadores das seitas protestantes De fato graças ao zelo anticlerical dos governos José II suprimiu 359 abadias e conventos os espanhóis em seus intervalos liberais fizeram todo o possível para suprimir todos eles certas partes da profissão estavam em estado de regressão e não de expansão Só havia uma verdadeira saída o ensino escolar elementar feito por leigos e religiosos O número de professores geralmente recrutados entre os filhos de camponeses artesãos e de outras famílias modestas não era absolutamente desprezível nos Estados Ocidentais na GrãBretanha em 1851 cerca de 76 mil homens e mulheres consideravamse mestres ou mestras de escola ou professores privados para não mencionarmos as 20 mil e tantas governantas o único recurso bem conhecido de moças instruídas e sem dinheiro incapazes ou relutantes em ganhar a vida em uma atividade menos respeitável Além do mais o ensino era não só uma profissão ampla mas em expansão Era mal remunerada mas fora dos países mais positivistas como a GrãBretanha e os Estados Unidos o professor primário era com razão uma figura popular pois se alguém representava o ideal de uma era em que pela primeira vez os homens e as mulheres do povo olhavam por cima de suas cabeças e viam que a ignorância podia ser dissipada esse alguém era certamente o homem ou a mulher cuja vida e vocação era dar às crianças as oportunidades que seus pais nunca haviam tido abrirlhes o mundo infundirlhes a verdade e a moralidade Claro está que a carreira mais francamente aberta ao talento era a dos negócios E em uma economia que se expandia rapidamente as oportunidades de negócios eram cada vez maiores A pequena escala de muitas empresas a predominância dos subcontratos das vendas e compras modestas tornavamno relativamente fáceis Ainda assim nem as condições materiais sociais ou culturais eram propícias para os pobres Em primeiro lugar um fato constantemente desprezado pelos bemsucedidos a evolução da economia industrial dependia de se criar mais depressa trabalhadores assalariados do que empregadores ou empregados autónomos Para cada homem que ascendia no mundo dos negócios um grande número necessariamente descia Em segundo lugar a independência econômica exigia qualificações técnicas atitudes de espírito ou recursos financeiros mesmo que modestos que a maioria dos homens e mulheres não possuía Os que tinham a sorte de possuílos por exemplo os membros de certas minorias religiosas ou seitas cuja aptidão para tais atividades é bem conhecida dos sociólogos poderiam sairse bem a maioria dos servos de Ivanovo a Manchester russa que se tornaram fabricantes têxteis pertenciam à seita dos Velhos Crentes Mas estaria inteiramente fora da realidade esperar que os que não possuíam estas condições por exemplo a maioria dos camponeses russos fizessem o mesmo ou pensassem sequer em competir com aqueles III Nenhuma parcela da população saudou com maior efusão a abertura da carreira a qualquer espécie de talento do que as minorias que tinham até então sido excluídas da eminência não somente por não serem bemnascidas mas também por sofrerem uma discriminação coletiva e oficial O entusiasmo com que os protestantes franceses se atiraram à vida pública durante e depois da Revolução só foi superado pela vulcânica erupção de talento entre os judeus ocidentais Antes da emancipação preparada pelo racionalismo do século XVIII e trazida pela Revolução Francesa só havia dois caminhos de ascensão para os judeus o comércio ou as finanças e a interpretação da sagrada lei e ambos confinavamnos em suas fechadas comunidades os guetos das quais só um punhado de judeus da corte ou outros homens ricos semiemergiram evitando até mesmo na GrãBretanha e na Holanda se expor demasiadamente à perigosa e impopular luz da celebridade Este emergir não era impopular somente entre incrédulos brutais e bêbados que em conjunto se opunham a aceitar a emancipação judaica Séculos de opressão social tinham enclausurado a comunidade judaica em si mesma rechaçando qualquer passo fora de suas rígidas ortodoxias como descrença e traição Os pioneiros da liberalização dos judeus durante o século XVIII na Alemanha e na Áustria notadamente Moisés Mendelssohn 17291786 foram qualificados de desertores e ateus A grande massa judia que habitava os crescentes guetos da parte oriental do antigo Reino da Polónia e Lituânia continuava a levar suas autocontidas e receosas vidas entre os hostis camponeses dividida somente em sua fidelidade entre os eruditos rabinos intelectuais da ortodoxia lituana e os estáticos e pobres Chassidim É característico que de 46 revolucionários galicianos presos pelas autoridades austríacas em 1834 somente um fosse judeu Mas nas comunidades menores do Ocidente os judeus agarravam suas novas oportunidades com ambas as mãos até mesmo quando o preço que tinham que pagar por elas era um batismo nominal como ainda era o caso nos países semiemancipados ao menos para os postos oficiais Os homens de negócios não necessitavam nem mesmo disto Os Rothschild reis do judaísmo internacional não foram apenas ricos Isto eles poderiam têlo sido até mesmo antes embora as transformações militares e políticas do período criassem oportunidades sem precedentes para as finanças internacionais Agora eles também poderiam ser vistos como ricos ocupando uma posição social grosseiramente proporcional à sua riqueza e até mesmo podendo aspirar à nobreza que os príncipes europeus de fato começaram a concederlhes em 1816 Em 1823 seriam promovidos a barões hereditários pelos Habsburgo Mais surpreendente que a riqueza dos judeus foi o florescimento do seu talento nas artes seculares nas ciêneias e nas profissões Pelos padrões do século XX este talento ainda era modesto embora já em 1848 houvesse alcançado a maturidade a maior inteligência judia e o mais bemsucedido político judeu do século XIX Karl Marx 18181883 e Benjamin Disraeli 18041881 Não havia grandes cientistas judeus e somente alguns matemáticos de alta reputação embora não chegassem à eminência total Tampouco Meyerbeer 17911864 e MendelsonBartholdy 18091847 eram compositores da mais alta estirpe contemporânea embora entre os poetas Heinrich Heine 17971856 possa figurar entre os melhores de seu tempo Até então não havia qualquer pintor judeu de importância nem tampouco grandes músicos ou maestros judeus e somente uma artista de teatro de renome a atriz Rachel 18211858 Mas de fato a produção de gênios não é o critério para se avaliar a emancipação de um povo que melhor se mede pela repentina abundância de judeus menos eminentes participantes da vida pública e cultural da Europa Ocidental especialmente na França e acima de tudo nos estados alemães que forneceram a linguagem e a ideologia que pouco a pouco fechavam o vão existente entre ô medievalismo e o século XIX abrindo caminho para os imigrantes judeus provenientes do interior A dupla revolução proporcionou aos judeus a sensação mais próxima à igualdade que os judeus jamais tinham gozado em uma sociedade cristã Os que agarraram a oportunidade nada mais desejavam senão ser assimilados pela nova sociedade e suas afinidades eram por razões óbvias esmagadoramente liberais Ainda assim a situação dos judeus era incerta e incómoda ainda que o antisemitismo endémico das massas exploradas que agora frequentemente identificava de imediato o judeu e o burguês não fosse seriamente explorado pelos políticos demagogos Na França e na Alemanha Ocidental mas não em outras partes alguns judeus jovens sonhavam com uma sociedade ainda mais perfeita havia um marcante elemento judeu no saintsimonismo francês Olinde Rodrigues os irmãos Pereire Léon Halévy dEichthal e com menor intensidade no comunismo alemão Moisés Hess o poeta Heine e obviamente Marx que entretanto demonstrava uma total indiferença por suas origens e parentescos judaicos A situação dos judeus tornavaos excepcionalmente preparados para serem assimilados pela sociedade burguesa Eles eram uma minoria Eram esmagadoramente urbanos a ponto de estarem altamente imunizados contra as doenças da urbanização Nas cidades sua morbidez e mortalidade mais baixas já eram notadas pelos estatísticos Eram homens cultos e à margem da agricultura Uma enorme proporção deles já estava envolvida nas profissões livres ou nas atividades comerciais Sua própria posição os obrigava constantemente a considerar as novas situações e ideias ainda que só para detectar a ameaça latente que podiam trazer de maneira implícita A grande massa dos povos do mundo por outro lado achava muito mais difícil ajustar se à nova sociedade Isto se dava em parte porque a sólida armadura do costume impossibilitavalhes entender o que se esperava deles como os jovens cavalheiros argelianos levados a Paris para adquirir uma educação europeia na década de 1840 que se sentiram chocados ao descobrir que tinham sido convidados para irem à capital do reino para algo que não era o contato social com o rei e a nobreza que eles sabiam ser seu dever Além do mais a nova sociedade não facilitava o ajustamento Os que aceitavam as evidentes bênçãos da civilização da classe média e das maneiras da classe média podiam gozar de seus benefícios livremente os que as recusavam ou não eram capazes de obtêlas simplesmente não contavam Havia mais do que um mero preconceito político na insistência sobre a livre propriedade que caracterizava os governos liberais moderados de 1830 o homem que não tivesse demonstrado a habilidade de chegar a proprietário não era um homem completo e portanto dificilmente poderia ser um cidadão completo Os extremos desta atitude ocorriam nos lugares onde a classe média europeia se punha em contato com o pagão incrédulo tentando convertêlo através de missionários sem sofisticação intelectual às verdades do cristianismo ao comércio e ao uso de trajes civilizados entre tais objetivos não havia uma distinção aguda ou impondolhe as verdades da legislação liberal Se ele as aceitasse o liberalismo em se tratando de revolucionários franceses estava perfeitamente preparado para concederlhe a plena cidadania com todos os seus direitos ou em se tratando de um britânico a esperança de chegar a ser um dia tão bom quanto um inglês A atitude refletese perfeitamente no senatusconsulte de Napoleão III que alguns anos depois do final de nosso período mas ainda dentro de seu espírito abria as portas da cidadania francesa ao argelino Ele pode a seu pedido usufruir dos direitos de cidadão francês e neste caso ele é regido pelas leis civis e políticas da França Na verdade tudo o que ele tinha a fazer era renunciar ao islamismo se ele assim não o quisesse e poucos quiseram então ele continuaria a ser um súdito e não um cidadão O absoluto desprezo dos civilizados pelos bárbaros que incluía a massa dos trabalhadores pobres do próprio país baseavase neste sentimento de superioridade declarada O mundo da classe média estava livremente aberto a todos Portanto os que não conseguiam cruzar seus umbrais demonstravam uma falta de inteligência pessoal de força moral ou de energia que automaticamente os condenava ou na melhor das hipóteses uma herança racial ou histórica que deveria invalidálos eternamente como seja tivessem feito uso para sempre de suas oportunidades O período que culminou por volta da metade do século foi portanto uma época de insensibilidade sem igual não só porque a pobreza que rodeava a respeitabilidade da classe média era tão chocante que o homem rico preferia não vêla deixando que seus horrores provocassem impacto apenas sobre os visitantes estrangeiros como é o caso hoje em dia das favelas da índia mas também porque os pobres como os bárbaros do exterior eram tratados como se não fossem seres humanos Se seu destino era o de se tornarem trabalhadores industriais eles eram simplesmente massa que deveria ser modelada pela disciplina através da pura coerção sendo a draconiana disciplina fabril suplementada com a ajuda do Estado É bastante característico que a opinião da classe média contemporânea não percebesse qualquer incompatibilidade entre o princípio de igualdade perante a lei e os códigos trabalhistas deliberadamente discriminatórios que como no caso do Código Britânico de Patrões e Empregados de 1823 puniam os trabalhadores com a prisão por quebra de contrato e os empregadores com modestas multas se tanto Eles deveriam estar constantemente à beira da indigência porque caso contrário não trabalhariam sendo inacessíveis às motivações humanas É no próprio interesse do trabalhador disseram os empregadores a Villermé no final da década de 1830 que ele deve estar sempre fustigado pela necessidade pois assim ele não dará a seus filhos um mau exemplo e sua pobreza será uma garantia de sua boa conduta Contudo havia pobres em demasia para seu próprio bem mas era de se esperar que os efeitos da lei de Malthus matassem de fome um número suficiente deles para que se estabelecesse um máximo viável a menos que naturalmente per absurdwn os pobres estabelecessem seus próprios limites racionais no crescimento da população refreando uma complacência excessiva na procriação Era pequeno o passo a ser dado desta atitude para o reconhecimento formal da desigualdade que como afirmou Henri Baudrillart em sua conferência inaugural no Collège de France em 1835 era um dos três pilares da sociedade humana sendo que os outros dois eram a propriedade e a herança A sociedade hierárquica era assim reconstruída sobre os princípios da igualdade formal Mas havia perdido o que a fazia tolerável no passado a convicção social geral de que os homens tinham deveres e direitos de que a virtude não era simplesmente equivalente ao dinheiro e de que as classes mais baixas embora baixas tinham direito a suas modestas vidas na condição social a que Deus os havia chamado Capítulo Onze Os Trabalhadores Pobres Todo fabricante vive em sua fábrica como os plantadores coloniais no meio de seus escravos um contra uma centena e a subversão de Lyon é uma espécie de insurreição de São Domingos Os bárbaros que ameaçam a sociedade não estão nem no Cáucaso nem nas estepes tártaras estão nos subúrbios de nossas cidades industriais A classe média deve reconhecer claramente a natureza da situação e saber onde está pisando SaintMarc Girardin em Journal des Debata 8 de dezembro de 1931 Pour gouverner il faut avoir Manteaux ou rubans en sautoir bis Nous en tissons pour vous granas de Ia terre Et nous pauvres canuts sans drap on nous enterre Cest nous les canuts Nous sommes tout nus bis Mais notre règne arrivera Quand votre règne finira Alors nous tisserons le linceul du vieux monde Car on entend déjà Ia revolte qui gronde Cest nous les canuts Nous nirons plus nus Canção dos tecelões de Lyon I Eram três as possibilidades abertas aos pobres que se encontravam à margem da sociedade burguesa e não mais efetivamente protegidos nas regiões ainda inacessíveis da sociedade tradicional Eles podiam lutar para se tornarem burgueses poderiam permitir que fossem oprimidos ou então poderiam se rebelar A primeira possibilidade como já vimos não só era tecnicamente difícil para quem carecia de um mínimo de bens ou de instrução como era também profundamente desagradável A introdução de um sistema individualista puramente utilitário de comportamento social a selvagem anarquia da sociedade burguesa teoricamente justificada por seu lema cada um por si e Deus por todos parecia aos homens criados nas sociedades tradicionais pouco melhor do que a maldade desenfreada Em nossa época disse um dos desesperados tecelões da Silésia que se revoltaram em vão contra o próprio destino em 1844 os homens inventaram excelentes maneiras de enfraquecer e minar suas próprias existências Mas meu Deus ninguém mais pensa no Sétimo Mandamento que determina e proíbe o seguinte Não roubarás Nem têm em mente as palavras de Lutero quando ele diz Amaremps e temeremos o Senhor assim como não roubaremos a propriedade de nosso vizinho nem o seu dinheiro nem os obteremos por meios falsos e sim pelo contrário devemos ajudálo a conservar e melhorar sua existência e sua propriedade Este homem falava por todos aqueles que se viam arrastados para um abismo pelos que representavam as forças do inferno Eles não pediam muito Os ricos costumavam tratar os pobres com benevolência e os pobres viviam de maneira simples pois naquela época as classes mais baixas necessitavam de muito menos para comprar roupas e fazer outras despesas do que hoje em dia Mas até mesmo este modesto lugar na ordem social estava agora ao que parecia para lhes ser tomado Daí sua resistência até mesmo às propostas mais racionais da sociedade burguesa que estavam de braços dados com a desumanidade Os nobres rurais apresentaram o sistema Speenhamland ao qual os trabalhadores se agarraram embora os argumentos econômicos contra ele fossem contundentes Como meio de minorar a pobreza a caridade cristã era tão má como inútil como se podia ver nos Estados papais que a tinham em grande abundância Mas era popular não só entre os ricos tradicionalistas que a fomentavam como salvaguarda contra o perigo dos direitos iguais propostos por aqueles sonhadores que sustentam que a natureza criou os homens com direitos iguais e que as distinções sociais devem ser fundamentadas puramente na utilidade comum mas também entre os pobres tradicionalistas que estavam profundamente convencidos de que tinham um direito às migalhas que caíam da mesa dos ricos Na Grã Bretanha um abismo dividia os expoentes das sociedades amistosas da classe média que viam nelas uma forma de autoajuda individual e os pobres que as tratavam também e primordialmente como sociedades com reuniões sociais cerimónias rituais e festividades em detrimento de sua integridade militante Esta resistência foi reforçada pela oposição até mesmo de burgueses a alguns aspectos da pura e livre competição individual que não os beneficiavam Ninguém era mais devoto do individualismo do que o bronco fazendeiro ou fabricante americano e nenhuma Constituição mais oposta do que a deles ou assim acreditavam seus advogados até o século XX a tais interferências na liberdade como a legislação federal sobre o trabalhador menor de idade Mas ninguém estava mais firmemente empenhado como já vimos na proteção artificial de seus negócios Um dos principais benefícios que eram esperados da empresa privada e da livre iniciativa era a nova maquinaria Mas não apenas operários destruidores de máquinas se ergueram contra ela os negociantes e fazendeiros de menor porte simpatizavam com eles porque também consideravam os inovadores como destruidores da existência dos homens De fato às vezes os fazendeiros deixavam suas máquinas ao alcance dos revoltosos para que fossem destruídas e o governo foi obrigado a enviar uma circular redigida com palavras ásperas em 1830 para enfatizar que as máquinas têm tanto direito à proteção da lei quanto quaisquer outros itens patrimoniais A própria hesitação e a dúvida com que fora das fortalezas da confiança liberalburguesa o novo empresário desempenhava sua histórica tarefa de destruir a ordem moral e social fortaleciam a convicção do homem pobre Logicamente havia trabalhadores que davam o melhor de si para se unir às classes médias ou ao menos para seguir os preceitos de poupança de autoajuda e automelhoria A literatura moral e didática da classe média radical os movimentos de moderação e o esforço protestante estão cheios deste tipo de homem cujo Homero era Samuel Smiles De fato estas associações atraíam e talvez encorajavam o jovem ambicioso O Seminário Royton de Moderação fundado em 1843 limitado a meninos a maioria deles trabalhadores de algodão que tinham feito voto de abstinência se recusavam a participar de jogos a dinheiro e viviam com uma estrita moralidade havia criado em 20 anos de existência cinco mestres tecedores de algodão um sacerdote dois gerentes de fábricas de algodão na Rússia e muitos outros tinham alcançado posições de respeito como gerentes inspetores mecânicos mestre de escola diplomados ou tinhamse tornado respeitáveis donos de lojas Claramente estes fenómenos eram menos comuns fora do mundo anglosaxônico onde o caminho para fora da classe trabalhadora a não ser através da emigração era muito mais estreito nem mesmo na GrãBretanha se podia dizer que fosse amplo e a influênciamoral e intelectual da classe média radical sobre o trabalhador qualificado era menor Por outro lado havia muito mais pobres que diante da catástrofe social que não conseguiam compreender empobrecidos explorados jogados em cortiços onde se misturavam o frio e a imundície ou nos extensos complexos ue aldeias industriais de pequena escala mergulhavam na total desmoralização Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento e em que o álcool era a maneira mais rápida para se sair de Manchester ou de Lille ou de Borinage O alcoolismo em massa companheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização bruscas e incontroláveis disseminou uma peste de embriaguez em toda a Europa Talvez os inúmeros contemporâneos que deploravam o crescimento da embriaguez como o da prostituição e de outras formas de promiscuidade sexual estivessem exagerando Contudo a repentina aparição até 1840 de sistemáticas campanhas de agitação em prol da moderação entre as classes médias e trabalhadoras na Inglaterra Irlanda c Alemanha mostra que a preocupação com a desmoralização não era nem académica nem tampouco limitada a uma única classe Seu sucesso imediato teve pouca duração mas durante o restante do século a hostilidade à embriaguez permaneceu como algo que tanto patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum Mas naturalmente os contemporâneos que deploravam a desmoralização dos novos pobres industrializados e urbanos não estavam exagerando Tudo concorria para aumentar esta desmoralização As cidades e as área industriais cresciam rapidamente sem planejamento ou supervisão e os serviços mais elementares da vida da cidade fracassavam na tentativa de manter o mesmo passo a limpeza das ruas o fornecimento de água os serviços sanitários para não mencionarmos as condições habitacionais da classe trabalhadora A consequência mais patente desta deterioração urbana foi o reaparecimento das grandes epidemias de doenças contagiosas principalmente transmitidas pela água notadamente a cólera que reconquistou a Europa a partir de 1831 e varreu o continente de Marselha a São Petersburgo em 1832 e novamente mais tarde Para darmos um só exemplo em Glasgow o tifo não chamou a atenção até 1818 Dai em diante ele cresceu Houve duas grandes epidemias o tifo e a cólera na cidade na década de 1830 três o tifo a cólera e a febre recurrente na década de 1840 duas na primeira metade da década de 1850 até que o aperfeiçoamento urbano acabou com uma geração de desleixo Os terríveis efeitos deste descuido foram tremendos mas as classes média e alta não o sentiram Em nosso período o desenvolvimento urbano foi um gigantesco processo de segregação de classes que empurrava os novos trabalhadores pobres para as grandes concentrações de miséria alijadas dos centros de governo e dos negócios e das novas áreas residenciais da burguesia A divisão das grandes cidades europeias de caráter quase universal em zonas ricas localizadas a oeste e zonas pobres localizadas a leste se desenvolveu neste período E que instituições sociais exceto a taverna e talvez a capela foram criadas nestas novas aglomerações de trabalhadores a náo ser pela própria iniciativa dos trabalhadores Só depois de 1848 quando as novas epidemias nascidas nos cortiços começaram a matar também os ricos e as massas desesperadas que aí cresciam tinham assustado os poderosos com a revolução social foram tomadas providências para um aperfeiçoamento e uma reconstrução urbana sistemática A bebida não era o único sinal desta desmoralização O infanticídio a prostituição o suicídio e a demência têm sido relacionados com este cataclismo econômico e social graças em grande parte ao trabalho pioneiro na época daquilo que hoje em dia seria chamado de medicina social O mesmo se deu em relação ao aumento da criminalidade e da violência crescente e frequentemente despropositada que era uma espécie de ação pessoal cega contra as forças que ameaçavam engolir os elementos passivos A difusão de seitas e cultos de caráter místico e apocalítico durante este período cf capítulo 12 indica uma incapacidade semelhante em lidar com os terremotos da sociedade que destroçavam vidas humanas As epidemias de cólera por exemplo provocaram renascimentos religiosos na católica cidade de Marselha bem como no País de Gales de maioria protestante Todas estas formas de distorções do comportamento social tinham algo comum entre si e incidentalmente com a autoajuda Eram tentativas de escapar dò destino de ser um trabalhador pobre ou na melhor das hipóteses de aceitar ou de esquecer a pobreza e a humilhação Os que acreditavam na ressurreição os bêbados os criminosos os lunáticos os vagabundos ou os pequenos negociantes ambiciosos desviavam os olhos das condições da coletividade e com a exceção dos últimos se sentiam apáticos em relação à possibilidade de uma ação coletiva Na história de nosso período esta apatia da massa desempenha um papel muito mais importante do que se supõe Não é um mero acidente o fato de que os menos qualificados os menos instruídos os menos organizados e portanto os menos esperançosos dentre os pobres naquela época como mais tarde fossem os mais apáticos nas eleições de 1848 na cidade prussiana de Halle 81 dos artesãos independentes e 71 dos pedreiros carpinteiros e outros trabalhadores qualificados de construção votaram mas somente 46 dos trabalhadores das fábricas e ferrovias dos lavradores dos serviçais domésticos etc o fizeram II A alternativa da fuga ou da derrota era a rebelião A situação dos trabalhadores pobres e especialmente do proletariado industrial que formava seu núcleo era tal que a rebelião era não somente possível mas virtualmente compulsória Nada foi mais inevitável na primeira metade do século XIX do que o aparecimento dos movimentos trabalhista e socialista assim como a intranquilidade revolucionária das massas A revolução de 1848 foi sua consequência direta Entre 1815 e 1848 nenhum observador consciente podia negar que a situação dos trabalhadores pobres era assustadora E já em 1840 esses observadores eram muitos e advertiam que tal situação piorava cada vez mais Na GrãBretanha a teoria populacional de Malthus que sustentava que o crescimento da população superaria inevitavelmente o crescimento dos meios de subsistência baseavase nesta observação e era reforçada pelos argumentos dos economistas ricardianos Os que tinham um ponto de vista mais auspicioso a respeito das perspectivas da classe trabalhadora eram menos numerosos e tinham menos talento do que os que tinham uma visão pessimista Na década de 1830 na Alemanha a crescente pauperização do povo foi o tema específico de pelo menos 14 publicações diferentes e o debate relativo a se as reclamações sobre o crescente empobrecimento e a escassez de alimentos eram justificadas serviu de base para um concurso de ensaios académicos sendo que o melhor deles receberia um prémio Dez dos dezesseis competidores pensavam que tais reclamações eram justas e somente dois deles achavam que não A predominância destas opiniões é em si mesma uma prova da miséria universal e aparentemente sem esperanças dos pobres Sem dúvida a verdadeira pobreza era pior no campo e especialmente entre os trabalhadores assalariados que não possuíam propriedades os trabalhadores rurais domésticos e é claro entre os camponeses pobres ou entre os que viviam da terra infértil Uma má colheita como as de 1789 1795 1817 1832 e 1847 ainda trazia a verdadeira fome até mesmo sem a intervenção de outras catástrofes adicionais como a competição das mercadorias britânicas de algodão que destruiu a base da indústria silesiana de fibras de linho Depois da arruinada safra de 1813 na Lombardia muitas pessoas se mantiveram vivas somente graças à alimentação baseada em adubo e feno pão feito de folhas de feijão e de frutas silvestres Um mau ano como o de 1817 mesmo na tranquila Suíça pôde produzir um excesso real de mortes sobre os nascimentos A fome europeia de 18468 se torna pálida diante do cataclismo da fome irlandesa cf capítulo 8V mas nem por isso foi menos real Na Prússia Oriental e Ocidental em 1847 umterço da população deixara de comer pão e se alimentava somente de batatas Nas austeras respeitáveis e empobrecidas aldeias manufatureiras das montanhas da Alemanha Central onde homens e mulheres se sentavam em compridos troncos possuíam poucas roupa de cama e usavam canecas de barro ou de latão por falta de vidro a população tinhase tornado tão acostumada à dieta de batatas e de café ralo que durante os tempos de fome os componentes dos serviços de socorro tinham que ensinarlhes a comer feijão e mingau A fome e o tifo devastavam os campos de Flanders e da Silésia onde os tecelões de linho da aldeia travavam uma batalha desesperada contra a moderna indústria Mas de fato a miséria a miséria crescente como pensavam muitos que chamava tanto a atenção tão próxima da catástrofe total como a miséria irlandesa era a das cidades e zonas industriais onde os pobres morriam de fome de uma maneira menos passiva e menos oculta Se suas verdadeiras rendas estavam caindo é ainda um assunto de debate histórico embora como já vimos não possa haver dúvida de que a situação geral dos pobres nas cidades se deteriorava As variações entre uma e outra região entre os diversos tipos de trabalhadores e entre os diferentes períodos econômicos bem como a deficiência das estatísticas tornam difícil que as questões sejam respondidas de uma maneira decisiva embora qualquer significativa melhora geral possa ser excluída antes de 1848 ou talvez antes de 1844 na GrãBretanha e o hiato entre os ricos e os pobres certamente estivesse crescendo de uma maneira bastante clara A época em que a Baronesa de Rothschild usou um milhão e meio de francos em jóias no baile de máscaras do Duque de Orleans em 1842 era a mesma em que John Bright assim descreveu as mulheres de Rochdale 2 mil mulheres e moças passaram pelas ruas cantando hinos um espetáculo surpreendente e singular chegando às raias do sublime Assustadoramente famintas devoravam uma bisnaga de pão com indescritível sofreguidão e se o pedaço de pão estivesse totalmente coberto de lama seria igualmente devorado com avidez De fato é provável que houvesse alguma deterioração generalizada em grandes partes da Europa pois não só as instituições urbanas como já vimos e os serviços sociais não conseguiam acompanhar o ritmo da impetuosa e inesperada expansão como também os salários começaram a diminuir a partir de 1815 e a produção e o transporte de alimentos provavelmente decresceu em muitas das grandes cidades até a era da estrada de ferro Os malthusianos baseavam seu pessimismo em agravamentos desta ordem Mas fora as circunstâncias agravantes a simples mudança da dieta alimentar tradicional do homem préindustrial pela mais austera do industrial e urbanizado era capaz de levar a uma alimentação pior na mesma medida em que o trabalho e a vida urbana eram capazes de levar a condições de saúde também piores A extraordinária diferença na aptidão física e saúde entre a população agrícola e industrial e claro está entre as classes alta média e trabalhadora na qual os estatísticos franceses e ingleses fixaram sua atenção se devia claramente a este fato A expectativa média de vida na década de 1840 era duas vezes maior entre os trabalhadores rurais de Wiltshire e Rutiand do que entre os trabalhadores de Manchester ou de Liverpool Mas para citarmos somente um exemplo até que o vapor fosse introduzido no trabalho já no final do último sécuio a doença dos pulmões causada pelas partículas de aço e pó em suspensão no ar era conhecida apenas nas cutelarias de Sheffield Já em 1841 50 de todos os polidores de metais com a idade de 30 anos 79 de todos eles com a idade de 40 anos e 100 deles com mais de 50 anos tiveram seus pulmões dilacerados por esta doença Além do mais a troca na economia transferiu e deslocou grandes núcleos de trabalhadores às vezes para seu próprio benefício mas quase sempre para sua desgraça Grandes massas da população continuavam até então sem ser absorvidas pelas novas indústrias e cidades como um substrato permanente de pobreza e desespero e também as grandes massas eram periodicamente atiradas ao desemprego pelas crises que até então mal eram reconhecidas como temporárias e repetitivas Doisterços dos trabalhadores na indústria têxtil de Bolton 1842 e de Roubaix 1847 seriam despedidos de seus empregos devido a estes colapsos Vinte por cento dos de Nottingham e umterço dos de Paisley seriam também despedidos Um movimento como o cartismo na GrãBretanha fracassaria repetidas vezes sob sua fraqueza política Em diversas ocasiões a fome pura e simples o intolerável fardo que pesava sobre milhões de trabalhadores pobres o faria renascer Em acréscimo a estas tempestades generalizadas catástrofes específicas explodiam sobre as cabeças dos diversos tipos de trabalhadores pobres A fase inicial da revolução industrial como já vimos não levou todos os trabalhadores para as fábricas mecanizadas Pelo contrário em torno dos poucos setores mecanizados da produção em grande escala ela multiplicou o número de artesãos préindustriais de certos tipos de trabalhadores qualificados e do exército de mão deobra doméstica frequentemente melhorando suas condições especialmente durante os longos anos de escassez de mãodeobra no período das guerras Nas décadas de 1820 e 1830 o avanço impessoal e poderoso da máquina e do mercado começou a deixálos de lado Na melhor das hipóteses este fato fazia com que homens independentes se transformassem em dependentes e que pessoas se transformassem em mãos Na pior das hipóteses e a mais frequente criava multidões de desclassificados empobrecidos e famintos tecelões manuais tecelões mecânicos e ete cuja miséria gelava o sangue do economista mais insensível Não se tratava de uma ralé ignorante e desqualificada Comunidades semelhantes às dos tecelões de Dunfermline e Norwich que se desfizeram e se dispersaram na década de 1830 os fabricantes de móveis de Londres cujas antiquadas listas de preços se tornaram papéis molhados à medida em que eles se afundavam no pantanal das úmidas oficinas os artífices do continente que se transformaram em proletários itinerantes os artesãos que perderam sua independência haviam sido estes os mais habilitados os mais instruídos os mais autoconfiantes em suma a flor da classe trabalhadora Eles não entendiam o que lhes ocorria e era natural que tratassem de descobrilo e mais natural ainda que protestassem Materialmente é provável que o novo proletariado fabril tivesse condições algo melhores Por outro lado não era livre encontravase sob o rígido controle e a disciplina ainda mais rígida imposta pelo patrão ou por seus supervisores contra quem realmente não tinha quaisquer recursos legais e só alguns rudimentos de proteção pública Eles tinham que trabalhar por horas ou turnos aceitar os castigos e multas com as quais os patrões impunham suas ordens ou aumentavam seus lucros Em áreas isoladas ou nas indústrias tinham que fazer compras na loja do patrão frequentemente recebendo seus pagamentos em mercadorias miúdas permitindo assim que os empregadores inescrupulosos aumentassem ainda mais os seus lucros ou eram obrigados a morar em casas fornecidas pelo patrão Sem dúvida o jovem da cidade achava que sua vida era tão dependente e depauperada quanto a de seus pais e nas indústrias do continente europeu com uma forte tradição paternalista o despotismo do patrão era ao menos em parte contrabalançado pela segurança instrução e serviços de bemestar social que por vezes o patrão fornecia Mas para o homem livre entrar em uma fábrica na qualidade de uma simples mão era entrar em algo um pouco melhor que a escravidão e todos exceto os mais famintos tratavam de evitálo e quando não tinham mais remédio tendiam a resistir contra a disciplina cruel de uma maneira muito mais consistente do que as mulheres e as crianças a quem os proprietários de fábricas davam por isso preferência Na década de 1830 e em parte na década de 1840 podese afirmar que até mesmo a situação material do proletariado fabril apresentou uma tendência a se deteriorar Qualquer que fosse a verdadeira situação dos trabalhadores pobres não pode haver nenhuma dúvida de que todos aqueles que pensavam um pouco sobre a sua situação ie que aceitavam as aflições dos pobres como parte do destino e do eterno rumo das coisas consideravam que o trabalhador era explorado pelo rico que cada vez mais enriquecia ao passo que os pobres ficavam ainda mais pobres E que os pobres sofriam porque os ricos se beneficiavam O mecanismo social da sociedade burguesa era profundamente cruel injusto e desumano Não pode haver riqueza sem trabalho escreveu o jornal Lancashire Cooperator O trabalhador é a fonte de toda a riqueza Quem tem produzido todos os alimentos O pobre e mal alimentado lavrador Quem construiu todas as casas e armazéns e os palácios que pertencem aos ricos que jamais trabalham ou produzem qualquer coisa O trabalhador Quem tece todos os fios e faz o tecido As tecedoras e os tecelões Ainda assim o operário continua pobre ao passo que ós que não trabalham são ricos e possuem abundância em excesso E o desesperado trabalhador rural cujos ecos literários ainda se ouvem hoje em dia nas canções evangélicas dos negros americanos se expressava com menos clareza mas talvez de maneira mais profunda Se a vida fosse coisa que o dinheiro pudesse obter Os ricos viveriam e os pobres deveriam morrer III O movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre Ela não deve ser confundida com a mera reação coletiva contra o sofrimento intolerável que ocorreu em outros momentos da história nem sequer com a prática da greve e outras formas de militâncra que se tornaram características da classe trabalhadora Estes acontecimentos também têm sua própria história que começa muito antes da revolução industrial O verdadeiramente novo no movimento operário do princípio do século XIX era a consciência de classe e a ambição de classe Os pobres não mais se defrontavam com os ricos Uma classe específica a classe operária trabalhadores ou proletariado enfrentava a dos patrões ou capitalistas A Revolução Francesa deu confiança a esta nova classe a revolução industrial provocou nela uma necessidade de mobilização permanente Uma existência decente não podia ser obtida simplesmente por meio de um protesto ocasional que servisse para restabelecer a estabilidade da sociedade perturbada temporariamente Era necessária uma eterna vigilância organização e atividade do movimento o sindicato a sociedade cooperativa ou mútua instituições trabalhistas jornais agitação Mas a própria novidade e a rapidez da mudança social que os envolvia encorajava os trabalhadores a pensar em termos de uma sociedade totalmente diversa baseada na sua experiência e em suas ideias em oposição às de seus opressores Seria cooperativa e não competitiva coletivista e não individualista Seria socialista e representaria não o eterno sonho da sociedade livre que os pobres sempre levam no recôndito de suas mentes mas na qual só pensam em raras ocasiões de revolução social generalizada e sim uma alternativa praticável e permanente para o sistema em vigor Neste sentido a consciência de classe dos trabalhadores ainda não existia em 1789 ou mesmo durante a Revolução Francesa Fora da GrãBretanha e da França ela era quase que totalmente inexistente mesmo em 1848 Mas nos dois países que personificam a revolução dupla ela certamente passou a existir entre 1815 e 1848 mais especificamente por volta de 1830 A própria expressão classe trabalhadora distinta da menos específica as classes trabalhadoras aparece nos escritos trabalhistas ingleses logo após a batalha de Waterloo e talvez até mesmo um pouco antes e nos escritos trabalhistas franceses a expressão equivalente se torna frequente depois de 1830 Na GrãBretanha as tentativas para unir todos os operários em sindicatos gerais ie em entidades que superassem o isolamento local eregional dos grupos particulares de trabalhadores levandolhes a uma solidariedade nacional e até universal da classe trabalhadora começaram em 1818 e foram perseguidas com intensidade febril entre 1829 e 1834 O complemento do sindicato geral era a greve geral formulada como um conceito e uma tática sistemática da classe trabalhadora deste período notadamente na obra de William Benbow O Grande Feriado Nacional e o Congresso das Classes Produtivas 1832 sendo seriamente discutida como um método político pelos cartistas Enquanto isso tanto na Grã Bretanha quanto na França a discussão intelectual deu lugar ao conceito e à palavra socialismo na década de 1820 imediatamente adotados pelos trabalhadores em pequena escala na França como pelos grémios parisienses de 1832 e em escala bem maior pelos britânicos que logo teriam Robert Owen como líder de um vasto movimento de massas para o qual ele estava singularmente despreparado Em poucas palavras por volta do início da década de 1830 já existiam a consciência de classe proletária e as aspirações sociais Quase certamente eram mais débeis e menos efetivas do que a consciência da classe média que seus patrões adquiriram ou puseram em prática ao mesmo tempo Mas elas estavam presentes A consciência proletária estava poderosamente conjugada e reforçada pelo que pode ser melhor descrito como consciência jacobina ou seja o conjunto de aspirações experiências métodos e atitudes morais com que a Revolução Francesa e antes a Americana tinha imbuído os pobres que pensavam e confiavam em si mesmos Exatamente como a expressão prática da situação da nova classe trabalhadora era o movimento trabalhista e sua ideologia a comunidade cooperativa o movimento democrático era a expressão prática do povo comum proletário ou não a quem a Revolução Francesa tinha colocado no palco da história como atores e não como simples vítimas Os cidadãos de aparência externa pobre e que em outras épocas não teriam ousado se apresentar nestes locais reservados para pessoas elegantes saíam a passeio junto com os ricos de cabeça erguida Eles queriam respeito reconhecimento e igualdade Sabiam que podiam obter tudo isso pois já o tinham feito em 17934 Nem todos estes cidadãos eram trabalhadores mas todos os trabalhadores conscientes pertenciam a esta fileira As consciências jacobina e proletária se suplementavam A experiência da classe operária dava aos trabalhadores pobres as maiores instituições para sua autodefesa diária o sindicato e a sociedade de auxílio mútuo e as melhores armas para a luta coletiva a solidariedade e a greve que por sua vez implicava em organização e disciplina Entretanto mesmo onde estas instituições e armas não eram tão débeis instáveis e localizadas como no caso do continente europeu seu alcance era estritamente limitado A tentativa de usar um modelo puramente unionista ou mutualista não somente para receber maiores salários para grupos organizados de trabalhadores mas também para derrotar toda a sociedade existente e estabelecer uma nova sociedade foi feita na GrãBretanha entre 1829 e 1834 e depois outra vez durante o cartismo A tentativa fracassou e este fracasso destroçou um movimento socialista e proletário precoce mas impressionantemente maduro durante 50 anos A tentativa para transformar as sociedades operárias em sindicatos nacionais de produtores cooperativos como no Sindicato dos Construtores Práticos com seu parlamento de construtores e seu grémio de construtores 18314 fracassou igualmente assim como também fracassou a tentativa para criar uma cooperativa nacional de produção e intercâmbios de mãodeobra eqOitativa Os grandes sindicatos gerais que reuniam todos os trabalhadores longe de provarem ser mais fortes do que as sociedades regionais e locais demonstraram que de fato eram débeis e de controle difícil embora isto se devesse menos às dificuldades inerentes a um sindicato geral do que à falta de disciplina organização e experiência de suas lideranças A greve geral demonstrou ser inaplicável durante o cartismo exceto em 1842 na ocasião de uma revolta espontânea causada pela fome De modo inverso os métodos de agitação política próprios ao jacobinismo e ao radicalismo em geral mas não especificamente à classe trabalhadora demonstraram tanto sua eficácia quanto sua flexibilidade campanhas políticas através de jornais e panfletos reuniões e manifestações públicas e onde necessário motins e insurreições E verdade que nos locais onde estas campanhas tinham objetivos muito ambiciosos ou onde assustavam em demasia as classes governantes elas também fracassaram Na histérica década de 1810 a tendência era recorrer às forças armadas contra qualquer demonstração séria como em Spa Fields Londres em 1816 ou em Peterloo Manchester em 1819 quando 10 revoltosos foram mortos e várias centenas feridos Em 183848 os milhões de assinaturas que subscreviam petições não se aproximaram muito mais da Carta do Povo Contudo a campanha política em uma frente mais limitada era efetiva Sem ela não teria havido uma Emancipação Católica em 1829 um Decreto Reformista em 1832 e certamente não teria havido um controle legislativo modesto mas eficiente das condições fabris e das horas de trabalho Assim repetidas vezes encontramos uma classe trabalhadora debilmente organizada que compensava sua fraqueza com os métodos de agitação do radicalismo político A agitação das fábricas da década de 1830 no norte da Inglaterra compensou a fraqueza dos sindicatos locais na mesma medida que a campanha de protesto em massa contra o exílio dos mártires de Tolpuddle cf capítulo 6III tentou salvar alguma coisa da destruição dos sindicatos gerais que entraram em colapso depois de 1834 Por sua vez a tradição jacobina ganhou solidez e continuidade sem precedentes e penetração nas massas a partir da coesiva solidariedade e da lealdade que eram características do novo proletariado Os proletários não se mantinham unidos pelo simples fato de serem pobres e estarem num mesmo lugar mas pelo fato de que trabalhar junto e em grande número colaborando uns com os outros numa mesma tarefa e apoiandose mutuamente constituía sua própria vida A solidariedade inquebrantável era sua única arma pois somente assim eles poderiam demonstrar seu modesto mas decisivo ser coletivo Não ser furador de greve ou palavras de efeito semelhante era e continuou sendo o primeiro mandamento de seu código moral aquele que deixasse de ser solidário tornavase o Judas de sua comunidade Uma vez que adquiriram uma fagulha mínima de consciência política suas demonstrações deixaram de ser meras eupções ocasionais de uma turba exasperada que se extinguiam rapidamente e se converteram no rebulir de um exército Assim em uma cidade como Sheffield uma vez que a luta entre a classe média e a trabalhadora se tornou o principal assunto da política local no princípio da década de 1840 imediatamente surgiu uma forte e estável coligação proletária Já no final de 1847 havia oito cartistas no conselho municipal e o colapso nacional do cartismo em 1848 pouco o afetou em uma cidade onde cerca de 10 ou 12 mil habitantes saudaram a Revolução de Paris daquele ano já em 1849 os cartistas tinham quase a metade das cadeiras do conselho municipal Abaixo da classe trabalhadora e da tradição jacobina havia um substrato de tradição ainda mais antiga que reforçava a ambos a do motim ou protesto público ocasional de homens desesperados A ação direta dos amotinados a destruição de máquinas lojas ou de casas de gente rica tinham uma longa história Em geral essa história expressava a fome ou os sentimentos de homens esgotados como nas ondas de destruição de máquinas que periodicamente envolviam as indústrias manuais em declínio ameaçadas pelas máquinas como no caso das indústrias têxteis britânicas em 181011 e novamente em 1826 e no caso das indústrias têxteis do continente europeu na metade da década de 1830 e também na metade da década de 1840 Por vezes como na Inglaterra era uma forma reconhecida de pressão coletiva de trabalhadores organizados e não implicava qualquer hostilidade às máquinas como entre os mineiros certos tipos de operários têxteis qualificados ou de cuteleiros que conciliavam uma moderação política com um terrorismo sistemático contra seus colegas não sindicalizados Outras vezes expressava o descontentamento dos trabalhadores desempregados ou esgotados fisicamente Em uma época de revolução em estado de amadurecimento esta ação direta criada por homens e mulheres politicamente imaturos podiase transformar em uma força decisiva especialmente se ela ocorresse nas grandes cidades ou em locais politicamente sensíveis Tanto em 1830 quanto em 1848 tais movimentos pesaram de maneira extraordinária nos sucessos políticos ao converteremse de expressões de descontentamento em franca insurreição IV O movimento trabalhista deste período portanto não foi estritamenum movimento proletário nem em sua composição nem em sua ideologia e programa ie não foi apenas um movimento de trabalhadores fabris e industriais ou nem mesmo limitado a trabalhadores assalariados Foi antes uma frente comum de todas as forças e tendências que representavam o trabalhador pobre principalmente urbano Esta frente comum existia há muito tempo mas até mesmo desde a Revolução Francesa sua liderança e inspiração vinha da classe média liberal e radical Como já vimos o jacobinismo e não o sansculotismo e muito menos as aspirações dos proletários imaturos foi o que deu unidade à tradição popular parisiense A novidade da situação depois de 1815 era o fato de que a frente comum era de maneira crescente e direta contrária à classe média liberal e aos reis e aristocratas e que o que lhe dava unidade eram o programa e a ideologia do proletariado ainda que por essa época a classe trabalhadora fabril e industrial mal existisse e no seu todo fosse politicamente muito menos madura do que outros grupos de trabalhadores pobres Tanto os pobres quanto os ricos tinham tendência a assimilar politicamente toda a massa urbana existente abaixo do nível médio da sociedade ao proletariado ou à classe trabalhadora Todos os que se sentiam perturbados pelo crescente sentimento geral e vivo de que há uma desarmonia interna no atual estado de coisas e que tal situação não pode durar se inclinavam para o socialismo como a única crítica alternativa intelectualmente válida A liderança do novo movimento refletia uma situação semelhante de coisas Os trabalhadores pobres mais ativos militantes e politicamente conscientes não eram os novos proletários fabris mas os artífices qualificados os artesãos independentes os empregados domésticos de pouca importância e outros que viviam e trabalhavam substancialmente da mesma forma que antes da revolução industrial mas sob pressão bem maior Os primeiros sindicatos eram quase invariavelmente de impressores chapeleiros alfaiates etc O núcleo da liderança do cartismo em uma cidade como Leeds e este fato é típico era constituído de um marceneiro que se transformara em tecelão manual um par de artífices impressores um vendedor de livros e um cardador de lã Os homens que adotaram as doutrinas cooperativas de Owen eram em sua maioria estes artesãos mecânicos e trabalhadores manuais Os primeiros comunistas alemães da classe trabalhadora foram artesãos ambulantes alfaiates marceneiros e impressores Os homens que se rebelaram contra a burguesia parisiense em 1848 foram os habitantes da velha comunidade artesã Faubourg SaintAntoine e não como na Comuna de 1871 os habitantes proletários de Belleville Na mesma medida em que o avanço da indústria destruía estas mesmas fortalezas da consciência de classe trabalhadora fatalmente minava a força destes primeiros movimentos trabalhistas Entre 1820 e 1850 por exemplo o movimento britânico criou uma densa rede de instituições para a educação social e política da classe trabalhadora os institutos dos mecânicos os Salões de Ciências owenistas e outros Já em 1850 havia sem contarmos com os puramente políticos 700 destes tipos de instituições na GrãBretanha 151 deles só no condado de Yorkshire Mas já haviam entrado em declínio e em poucas décadas a maioria deles estaria morta ou em letargia Havia apenas uma exceção Somente na GrãBretanha os novos proletários já tinham começado a se organizar e até mesmo a criar seus próprios líderes John Doherty o fiandeiro de algodão owenista de nacionalidade irlandesa Tommy Hepburn e Martin Jude ambos mineiros Não só os artesãos e os deprimidos empregados domésticos formavam os batalhões do cartismo também os trabalhadores fabris lutavam com eles e às vezes os lideravam Mas fora da GrãBretanha os operários fabris e os mineiros ainda eram em grande parte mais vítimas que agentes Só depois da segunda metade do século eles começaram a participar efetivamente da formação de seus destinos O movimento trabalhista foi uma organização de autodefesa de protesto e de revolução Mas para os trabalhadores pobres era mais do que um instrumento de luta era também um modo de vida A burguesia liberal nada lhes oferecia a história arrancouos da vida tradicional que os conservadores em vão se ofereciam para manter ou restaurar Nada podiam esperar do tipo de vida para o qual eles eram crescentemente arrastados Mas o movimento tinha a ver com este tipo de vida ou melhor a vida que eles mesmos criaram para si e que era coletiva comunal combativa idealista e isolada implicava o movimento pois a luta era a sua própria essência E em troca o movimento lhe dava coerência e propósito O mito liberal supunha que os sindicatos eram compostos de trabalhadores imprestáveis instigados por agitadores sem consciência mas na realidade os imprestáveis eram os menos sindicalizados enquanto que os mais inteligentes e competentes eram os mais firmes em seu apoio aos sindicatos Os exemplos mais claros destes mundos de trabalho neste período eram provavelmente as velhas indústrias domésticas Havia a comunidade dos empregados na indústria da seda de Lyon os sempre rebeldes canuts que se insurgiram em 1831 e 1834 e que segundo Michelet porque este mundo não os satisfazia criaram um outro mundo na úmida obscuridade de seus becos um paraíso distante de doces sonhos e visões Havia comunidades como a dos tecelões de linho da Escócia com seu puritanismo jacobino e republicano suas heresias baseadas na filosofia do sueco Emanuel Swedenberg sua biblioteca de artesãos caixas de poupança instituto de mecânica biblioteca e clube científicos sua academia de desenho reuniões missionárias ligas de moderação escolas infantis sua sociedade de floricultores e sua revista literária Gasometer de Dunfermline e é claro o seu cartismo A consciência de classe a militância o ódio e o desprezo ao opressor pertenciam a esta vida tanto quanto os teares em que trabalhavam Nada deviam aos ricos exceto seus salários Tudo o mais que possuíam era sua própria criação coletiva Mas este silencioso processo de autoorganização não estava limitado aos trabalhadores desta espécie mais antiga Este processo também se refletiu no sindicato frequentemente baseado na primitiva comunidade metodista local nas minas de Northumberland e de Durham Refletiuse na densa concentração de sociedades amistosas e mútuas de trabalhadores nas novas áreas industriais especialmente em Lancashire Acima de tudo ele se refletia nos milhares de homens mulheres e crianças que carregando tochas nas mãos faziam demonstrações em favor do cartismo vindos das pequenas cidades industriais de Lancashire e na rapidez com que as novas lojas cooperativas se espalhavam no final da década de 1840 t ainda assim ao observarmos este período sentimos uma grande e evidente discrepância entre a força dos trabalhadores pobres temidos pelos ricos o espectro do comunismo que os aterrorizava e sua verdadeira força organizada para não mencionarmos a do novo proletariado industrial A expressão pública de seu protesto era no sentido literal um movimento mais do que uma organização O que unia inclusive suas manifestações políticas mais sólidas e amplas o cartismo era pouco mais do que um punhado de slogans radicais e tradicionais alguns oradores e jornalistas poderosos que se tornaram portavozes dos pobres como Feargus 0Conner 17941855 alguns jornais como o Northern Star Era o destino comum de combater os ricos e os poderosos que levava os velhos militantes a se recordarem Tínhamos um cachorro chamado Rodney Minha avó não gostava desse nome porque ela tinha a curiosa noção de que o Almirante Rodney tendo sido elevado à condição de nobre fora hostil para com o povo A velha também procurava explicarme que Cobbett e Cobden eram duas pessoas diferentes que Cobbett era o herói e que Cobden era um simpjes advogado da classe média Um dos quadros de que mais me recordo ficava ao lado de desenhos estampados e junto de uma estatueta em porcelana de George Washington era um retrato de John Frost Uma linha no alto do quadro indicava que ele pertencia a uma série chamada de Galeria de Personagens dos Amigos do Povo Acima da cabeça havia uma grinalda de laurel enquanto que embaixo havia uma representação do Sr Frost implorando à Justiça em prol dos esfarrapados proscritos O mais assíduo de nossos visitantes era um sapateiro aleijado que aparecia todas as manhãs de domingo com um exemplar do Northern Star ainda úmido das prensas rotativas com o intuito de ouvir algum membro de nossa família ler para ele em voz alta a carta de Feargus Primeiro tínhamos que secar o jornal junto ao fogo cuidadosamente para que nenhuma linha daquela sagrada produção fosse danificada Feito isto Larry sentavase para ouvir com todo o reconhecimento de um devoto em um tabernáculo a mensagem do grande Feargus enquanto fumava placidamente um cachimbo que ocasionalmente ele aproximava do fogo Havia pouca liderança ou coordenação A tentativa mais ambiciosa de transformar o movimento em uma organização o sindicato geral de 18345 fracassou rápida e miseravelmente No máximo tanto na GrãBretanha quanto no continente europeu havia uma solidariedade espontânea da comunidade trabalhadora local homens que como os empregados na indústria de seda de Lyon morriam tão miseravelmente como tinham vivido O que mantinha este movimento unido era a fome a miséria o ódio e a esperança e o que o derrotou na Grã Bretanha cartista e no revolucionário continente europeu de 1848 foi que os pobres famintos bastante numerosos e suficientemente desesperados para se insurgirem careciam da organização e maturidade capazes de fazer de sua rebelião mais do que um perigo momentâneo para a ordem social Já em 1848 o movimento dos trabalhadores pobres ainda teria que desenvolver o seu equivalente ao jacobinismo da classe média revolucionária de 178994 Capítulo Doze A Ideologia Religiosa Dêemme um povo em que as paixões em ebulição e a ganância terrena sejam acalmadas pela fé a esperança e a caridade um povo que veja esta terra como uma peregrinação e a outra vida como sua verdadeira pátria um povo ensinado a admirar e a acatar no heroísmo cristão sua própria pobreza e seu próprio sofrimento um povo que ame e adore em Jesus Cristo o primogénito de todos os oprimidos e em sua cruz adore o instrumento da salvação universal Dêemme digo eu um povo assim moldado e o socialismo não será somente derrotado com facilidade mas será impossível mesmo que se pense nele Cilviltà Cattolica Mas quando Napoleão começou seu avanço eles os heréticos camponeses acreditavam que era o leão do vale de Josafá que como diziam seus velhos hinos estava destinado a destronar o falso Czar e a restaurar o trono do verdadeiro Czar Branco E assim os camponeses da província de Tambov escolheram uma delegação entre eles que deveria ir ao encontro de Napoleão e saudálo vestidos de branco Haxthausen Studien ueber Russland I O que os homens pensam a respeito do mundo é uma coisa e outra muito distinta são os termos em que o fazem Durante grande parte da história e na maior parte do mundo sendo a China talvez a principal exceção os termos em que todos os homens exceto um punhado de pessoas emancipadas e instruídas pensavam o mundo eram os termos da religião tradicional e tanto isto é verdade que há países nos quais a palavra cristão é simplesmente sinónimo de camponês ou mesmo de homem Em alguma época anterior a 1848 isto deixou de ser verdade em certas partes da Europa mas ainda dentro da área transformada pelas duas revoluções A religião uma coisa semelhante ao céu da qual ninguém escapa e que abarca tudo o que está sobre a terra tornouse algo parecido com um acúmulo de nuvens uma grande característica do firmamento humano embora limitado e variável De todas as mudanças ideológicas esta é de longe a mais profunda embora suas consequências práticas não fossem mais ambíguas e indeterminadas do que então se supunha Em todo caso é a transformação mais inaudita e sem precedentes Naturalmente o que não tinha precedentes era a secularização das massas A indiferença religiosa dos senhores combinada com o escrupuloso cumprimento dos deveres rituais para dar um exemplo às classes mais baixas era de há muito tempo familiar entre os nobres emancipados embora as damas como é freqüente neste sexo continuassem a ser muito devotas Os homens polidos e instruídos poderiam tecnicamente acreditar no ser supremo embora esse ser não tivesse qualquer função exceto a de existir e certamente sem interferir nas atividades humanas nem exigir outra forma de veneração do que o reconhecimento benevolente Mas seus pontos de vista em relação à religião tradicional eram de desprezo e frequentemente hostis quase o mesmo que se estivessem prontos a se declararem francamente ateus Senhor teria dito a Napoleão o grande matemático Laplace quando lhe foi perguntado em que parte de sua mecânica celeste se encaixava Deus não tenho necessidade de tal hipótese O ateísmo declarado ainda era relativamente raro mas entre os eruditos escritores e cavalheiros que ditavam as modas intelectuais do final do século XVIII o cristianismo franco era ainda mais raro Se havia uma religião florescente entre a elite do final do século XVIII esta era a maçonaria racionalista iluminista e anticlerical Esta difundida descristianização dos homens nas classes instruídas data do final do século XVII ou do princípio do século XVIII e seus efeitos públicos tinham sido surpreendentes e benéficos O simples fato de que aos julgamentos por bruxaria que tinham sido a praga da Europa Central e Ocidental durante vários séculos agora se seguiam processos por heresia e autosdafé no limbo seria suficiente para justificálo Entretanto no princípio do século XVIII esta mudançamal afetava os escalões mais baixos ou mesmo os escalões médios O campesinato permanecia totalmente fora do alcance de qualquer linguagem ideológica que não se expressasse em termos da Virgem dos Santos e da Sagrada Escritura para não mencionarmos os deuses e os espíritos mais antigos que ainda se escondiam debaixo de uma fachada levemente cristã Havia agitações de pensamento nãoreligioso entre os artesãos que anteriormente haviam sido levados à heresia Os sapateirosremendões os mais persistentes dos intelectuais da classe trabalhadora que haviam criado mitos como Jacó Boehme pareciam ter começado a duvidar de qualquer divindade Em todo caso em Viena eram o único grupo de artesãos a simpatizar com os jacobinos pois se dizia que antes não acreditavam em Deus Entretanto não passavam ue ligeiras agitações A grande massa da pobreza desqualificada das cidades continuava com exceção talvez de algumas cidades do norte da Europa como Paris e Londres profundamente devota e supersticiosa Mas mesmo entre os escalões médios a aberta hostilidade à religião não era popular embora a ideologia de um iluminismo antitradicional progressista e racionalista se encaixasse perfeitamente no esquema da ascendente classe média Suas associações eram feitas com a aristocracia e a imoralidade que pertenciam à sociedade dos nobres E de fato os primeiros pensadores realmente livres os libertins da metade do século XVII viviam de acordo com a conotação popular deste nome o Dom Juan de Molière retrata não somente sua combinação de ateísmo e liberdade sexual mas também o respeitável horror burguês em relação a ela Havia boas razões para o paradoxo particularmente óbvio no século XVII de que os pensadores intelectualmente mais ousados que anteciparam muito do que seria mais tarde a ideologia da classe média por exemplo Bacon e Hobbes estiveram associados como indivíduos à velha e corrupta sociedade Os exércitos da classe média ascendente necessitavam da disciplina e da organização de uma moralidade forte e ingénua para suas batalhas Teoricamente o agnosticismo ou o ateísmo são perfeitamente compatíveis com ambas e certamente o cristianismo era desnecessário e os filósofos do século XVIII não se cansavam de demonstrar que uma moralidade natural da qual eles encontravam ilustrações entre os nobres selvagens e os altos padrões pessoais do livre pensador individual eram melhores do que o cristianismo Mas na prática as comprovadas vantagens do velho tipo de religião e os terríveis riscos de abandonar qualquer sanção sobrenatural da moralidade eram imensos não só para os trabalhadores pobres que eram geralmente tidos como muito ignorantes e tolos para passarem sem algum tipo de superstição socialmente útil mas também para a própria classe média Na França as gerações pósrevolucionárias estão cheias de tentativas para criar uma moralidade burguesa anticristã equivalente à cristã o culto do ser supremo inspirado em Rousseau Robespierre em 1794 as várias pseudoreligiões construídas sobre bases racionalistas nãocristãs embora mantendo o mecanismo do ritual e do culto 05 saint simonianos e a religião da humanidade de Comte Finalmente a tentativa de manter as aparências dos velhos cultos religiosos foi abandonada mas não a de estabelecer uma moralidade leiga oficial baseada em vários conceitos morais tais como a solidariedade e acima de tudo uma leiga contrapartida do sacerdócio os professores O instiíuteur francês pobre abnegado ensinando a seus alunos em cada aldeia a moralidade romana da Revolução e da República antagonista oficial do vigário da aldeia não triunfou até a Terceira República que também resolveria os problemas políticos de instaurar uma estabilidade burguesa sobre os princípios da revolução social pelo menos durante 70 anos Mas eleja estava prefigurado na lei de Condorcet de 1792 que estabelecia que as pessoas encarregadas da instrução nas classes primárias serão chamadas de instituteurs fazendo eco com Cícero e Salústio que falavam na instituição do Estado finstituere civitatem e na instituição da moralidade do Estado instituere civitatum mores A burguesia permanecia assim dividida ideologicamente entre uma minoria cada vez maior de livres pensadores e uma maioria de católicos protestantes e judeus devotos Entretanto o novo fato histórico era de que dos dois setores o de livres pensadores era imensuravelmente mais dinâmico e efetivo Embora em termos puramente quantitativos a religião continuasse muito forte e como veremos ficaria ainda mais forte ela não mais era dominante para usarmos uma analogia biológica mas recessiva e assim permaneceria até os dias atuais dentro do mundo transformado pela revolução dupla Não há dúvida de que a grande massa de cidadãos dos novos Estados Unidos acreditava em alguma forma de religião principalmente na protestante mas a Constituição da República foi e continuou sendo agnóstica apesar de todos os esforços para mudála Também não há qualquer dúvida de que entre as classes médias britânicas de nosso período os devotos protestantes superavam numericamente a minoria de radicais agnósticos Mas um Bentham moldou as verdadeiras instituições de sua época bem mais do que um Wilberforce A prova mais evidente desta decisiva vitória da ideologia secular sobre a religiosa é também seu mais importante resultado Com as revoluções americana e francesa as principais transformações políticas e sociais foram secularizadas Os problemas das revoluções holandesa e inglesa dos séculos XVI e XVII ainda foram discutidos na linguagem tradicional do cristianismo ortodoxa cismática e herege Nas ideologias dos americanos e franceses peia primeira vez na história da Europa o cristianismo foi deixado de lado A linguagem o simbolismo e o costume de 1789 são puramente não cristãos se deixarmos de considerar alguns esforços arcaicopopulares para a criação de cultos a santos e mártires análogos aos antigo cultos em honra dos heróis sansculottes mortos Isto era de fato romano Ao mesmo tempo este secularismo da revolução demonstra a impressionante hegemonia política da classe média liberal que impunha suas formas ideológicas particulares a um movimento de massas bem vasto Mesmo admitindo que a liderança intelectual da Revolução Francesa tenha surgido apenas levemente das massas que na realidade a fizeram não se pode explicar de outra maneira porque sua ideologia mostrou tão poucos sinais de tradicionalismo como fez Assim o triunfo burguês imbuiu a Revolução Francesa da ideologia moralsecular ou agnóstica do iluminismo do século XVIII e desde que o idioma daquela revolução se transformou na linguagem geral de todos os movimentos sociais revolucionários subsequentes também lhes transmitiu este secularismo Com algumas exceções sem importância notadamente entre intelectuais como os saintsimonianos e entre alguns sectários comunistascristãos como o alfaiate Weitling 18081871 a ideologia da nova classe trabalhadora e dos movimentos socialistas do século XIX foi secular desde o princípio Thomas Paine cujas ideias expressavam as aspirações radicaldemocratas dos pequenos artesãos e artífices empobrecidos é tão popular por ter escrito o primeiro livro para provar através de uma linguagem popular que a Bíblia não é a palavra de Deus A Idade da Razão 1794 quanto por sua obra Os Direitos do Homem 1791 Os mecânicos da década de 1820 seguiam RoBert Owen não só por sua análise do capitalismo mas por sua descrença e muito depois do fracasso do owenismo por sua obra Corredores da Ciência que continuou a disseminar a propaganda racionalista através das cidades Havia e há socialistas religiosos e um grande número de homens que enquanto religiosos são também socialistas Mas a ideologia predominante dos modernos movimentos socialista e trabalhista se baseia no racionalismo do século XVIII Isto é ainda mais supreendente pelo fato como já vimos de que as massas permaneceram predominantemente religiosas e de que natural idioma revolucionário das massas criadas em uma tradicional sociedade cristã é um idioma de rebelião heresia social milenarismo etc sendo a Bíblia um documento altamente incendiário Entretanto o secularismo dos novos movimentos socialista e trabalhista se baseava no fato igualmente novo e mais fundamental da indiferença religiosa do novo proletariado Pelos padrões modernos as classes trabalhadoras e as massas urbanas que aumentavam no período da revolução industrial estavam sem dúvida muito influenciadas pela religião mas pelos padrões da primeira metade do século XIX não havia precedente para seu distanciamento ignorância e indiferença em reíação à religião organizada Os observadores de todas as tendências políticas concordam com isto O Censo Religioso Britânico de 1851 o demonstrou para horror dos contemporâneos Grande parte deste alijamento se devia ao absoluto fracasso das tradicionais igrejas estabelecidas em lutar com as aglomerações as grandes cidades e òs novos estabelecimentos industriais e com as classes sociais o proletariado estranhos a seus costumes e experiência Por volta de 1851 havia lugares nas igrejas para somente 34 dos habitantes de Sheffield somente 312 para os de Liverpool e Manchester somente 29 para os de Birmingham Os problemas do pregador de uma aldeia agrícola não serviam como guia para a cura das almas em uma cidade industrial ou em um cortiço urbano As igrejas estabelecidas portanto negligenciavam estas novas comunidades e classes abandonandoas especialmente nos países católicos e luteranos quase que inteiramente à fé secular dos novos movimentos trabalhistas que mais tarde iria capturálos já no final do século XIX Como em 1848 não fizeram muito para conserválas o esforço para reconquistálas também não foi muito grande As seitas protestantes obtiveram maior sucesso pelo menos em países como a GrãBretanha em que tais religiões eram um fenómeno políticoreligioso bem estabelecido Contudo há provas de qje estas seitas obtiveram maior sucesso em locais onde o meio ambiente social se aproximava mais do tradicionalismo das comunidades aldeãs e pequenas cidades como por exemplo entre os trabalhadores agrícolas os mineiros e os pescadores Além disso entre as classes trabalhadoras industriais estas seitas nunca eram mais do que uma minoria A classe trabalhadora como grupo era indubitavelmente menos atingida pela religião organizada do que qualquer outro núcleo de pobres na história mundial A tendência geral do período desde 1789 até 1848 foi portanto de uma enfática secularização A ciência se achava em crescente conflito com as Escrituras à medida em que se aventurava pelos caminhos da evolução cf capítulo 15 A erudição histórica aplicada à Bíblia em doses sem precedentes em particular a partir da década de 1830 pelos professores de Tuebingen dissolvia o único texto inspirado senão escrito pelo Senhor em uma coleção de documentos históricos de vários períodos com todos os defeitos da documentação humana O Novum Testamenium 18421852 de Lachmann negava que os Evangelhos fossem relatos de testemunhas oculares e duvidava que Jesus Cristo tivesse tido a intenção de fundar uma nova religião A controvertida obra de David Strauss A Vida de Jesus 1835 eliminava o elemento sobrenatural de seu biografado Por volta de 1848 a Europa instruída estava quase madura para o choque de Charles Darwin A tendência foi reforçada pelo ataque direto de numerosos regimes políticos contra a propriedade e os privilégios legais das igrejas estabelecidas e de seu clero e pela crescente tendência dos governos ou de outras agências seculares para assumir as funções até então atribuídas em grande parte às ordens religiosas especialmente nos países católicos romanos a educação e a beneficência social Entre 1789 e 1848 muitos monastérios foram dissolvidos e suas propriedades vendidas de Nápoles â Nicarágua Fora da Europa é claro os conquistadores brancos lançavam ataques diretos contra a religião de seus súditos e vítimas ou como paladinos do iluminismo contra a superstição como foi o caso dos administradores britânicos da índia ao proibir que as viúvas se lançassem à fogueira onde eram queimados os corpos de seus esposos e ao abolir a seita ritualista assassina do Thugs hindus na década de 1830 ou porque mal sabiam que efeitos suas medidas teriam sobre suas vítimas II Em termos puramente numéricos é evidente que todas as religiões a menos que estivessem em decadência tinham a possibilidade de se expandir com o aumento da população Ainda assim duas delas demonstraram uma particular aptidão para o expansionismo em nosso período o islamismo e as seitas protestantes Este expansionismo foi ainda mais surpreendente se contrastado com o marcante fracasso de outras religiões cristãs a católica e algumas modalidades protestantes para se expandirem a despeito do violento aumento das atividades missionárias fora da Europa crescentemente respaldadas pela força econômica política e militar da penetração europeia De fato as décadas napoleônicas e revolucionárias viram o início da sistemática atividade missionária protestante executada em sua maior parte pelos anglo saxônicos A Sociedade Missionária Batista 1792 a Sociedade Missionária de Londres 1795 a evangélica Sociedade Missionária das Igrejas 1799 e a Sociedade Bíblica Estrangeira e Britânica 1804 foram seguidas pela Associação Americana de Encarregados para Missões Estrangeiras 1810 pelos Batistas Americanos 1814 pelos Wesleyans 181318 pela Sociedade Bíblica Americana 1816 pela Igreja Escocesa 1824 pelos Presbiterianos Unidos 1835 pelos Metodistas Americanos 1819 e por outros tipos de organizações Na Europa Continental apesar de um certo pioneirismo iniciado pela Sociedade Missionária dos Países Baixos 1797 e pelos Missionários da Basileia 1815 a atividade dos protestantes se desenvolveu um pouco mais tarde as sociedades de Berlim c da região do Reno na década de 1820 as sociedades suecas de Leipzig e de Bremen na década de 1830 e a norueguesa em 1842 As missões do catolicismo cujas atividades estavam estagnadas e desprezadas renasceram mais tarde ainda As razões para esta enxurrada de bíblias e de comércio com os pagãos pertence tanto à história religiosa como social e econômica da Europa e da América Aqui basta simplesmente notarmos que por volta de 1848 o resultado destes movimentos ainda era desprezível exceto em algumas ilhas do Pacífico como o Havaí Algumas fortalezas tinham sido conquistadas na costa em Serra Leoa para onde a agitação antiescravagista atraía a atenção durante a década de 1790 e na Libéria constituída em Estado independente pelos escravos americanos libertados na década de 1820 Em torno das áreas de colonização europeia na África do Sul os missionários estrangeiros mas não a estabelecida Igreja da Inglaterra local ou a Igreja Holandesa Reformada tinham começado a converter os africanos Mas quando David Livingstone o famoso missionário e explorador navegou para a África em 1840 os habitantes nativos daquele continente ainda se achavam totalmente inatingidos por qualquer espécie de cristianismo Em contrapartida o islamismo continuava sua expansão silenciosa gradativa e irreversível sem o apoio do esforço missionário organizado ou da conversão forçada o que é uma cara Cerística desta religião Ele se expandiu tanto para o Oriente na Indonésia e no noroeste da China quanto para o Ocidente do Sudão ao Senegal e em menor proporção das costas do oceano Índico para o interior do continente Quando sociedades tradicionais mudam algo tão fundamental como sua religião é claro que elas devem estar enfrentando novos e maiores problemas Sem dúvida os comerciantes muçulmanos que realmente monopolizavam o comércio do interior da África com o mundo e com isto se multiplicavam ajudaram a chamar a atenção dos novos povos para o islamismo O comércio de escravos que arruinava a vida comunitária tornavao atraente pois o islamismo é um poderoso meio de reintegração das estruturas sociais Ao mesmo tempo a religião maometana atraía as sociedades militares e semifeudais do Sudão e seu sentido de independência militância e superioridade supunha um útil contrapeso para a escravidão Os negros muçulmanos eram maus escravos os haussas e outros sudaneses que foram importados para a Bahia se rebelaram nove vezes entre 1807 e o grande levante de 1835 até que de fato foram mortos em sua maioria ou deportados de volta para a África Os comerciantes de escravos aprenderam a evitar importações destas regiões que tinham sido abertas ao comércio muito recentemente Enquanto o elemento de resistência aos brancos era muito pequeno no islamismo africano onde ainda quase não existia nenhuma resistência era por tradição muito forte no sudoeste da Ásia onde o islamismo também precedido pelos comerciantes tinha de há muito avançado sobre os cultos locais e o declinante hinduísmo em grande parte como um meio de resistência mais efetiva contra os portugueses e os holandeses e como uma espécie de pré nacionalismo embora também como um contrapeso popular frente aos príncipes que se tinham convertido ao hinduísmo À medida em que estes príncipes se tornavam cada vez mais dependentes dos holandeses o islamismo fincava suas raízes mais profundamente na população Por seu turno os holandeses aprenderam que os príncipes indonésios podiam aliandose aos professores religiosos provocar um levante popular geral como na Guerra de Java do Príncipe de Djogjakarta 18251830 Consequentemente eles foram repetidas vezes conduzidos de volta à política de íntima aliança com os governantes locais governando indiretamente através deles Enquanto isso o crescimento do comércio e da navegação que forjava elos mais estreitos entre os muçulmanos do sudoeste da Ásia e de Meca servia para aumentar o número de peregrinos para tornar mais ortodoxo o islamismo indonésio e até mesmo para abrilo à influência militante e restauradora do wahabismo árabe Dentro do islamismo os movimentos de reforma e de renovação que neste período deram à religião muito de seu poder de penetração também podem ser visto como um reflexo do impacto da expansão europeia e da crise das antigas sociedades maometanas notadamente dos impérios turco e persa e talvez também da crescente crise do império chinês Os puritanos wahabistas tinham surgido na Arábia na metade do século XVIII Por volta de 1814 tinham conquistado a Arábia e estavam dispostos a conquistar a Síria até que foram detidos pelas forças combinadas do ocidentalizador Mohammed Ali do Egito e das armas ocidentais mas seus ensinamentos já se estendiam para o leste invadindo a Pérsia o Afeganistão e a índia Inspirado pelo wahabismo o santo argelino Sidi Mohammed ben Ali el Senussi desenvolveu um movimento semelhante que a partir da década de 1840 se espalhou desde Trípoli até o deserto do Saara Na Argélia AbdelKader e Shamyl no Cáucaso desenvolveram movimentos políticoreligiosos de resistência aos franceses e russos respectivamente vide capítulo 7 c anteciparam um panislamismo que buscava não só um retorno à pureza original do Profeta mas também buscava absorver as inovações ocidentais Na Pérsia uma heterodoxia ainda mais obviamente revolucionária e nacionalista o movimento bab de Ali Mohammed surgiu na década de 1840 Tendia entre outras coisas a retornar a certas práticas antigas do zoroastrismo persa e exigia que as mulheres retirassem os seus véus O fermento e a expansão do islamismo eram tais que em lermos de história puramente religiosa podemos talvez melhor descrever o período que vai de 1789 a 1848 como o período de renascimento do islamismo mundial Nenhum outro movimento de massa equivalente se desenvolveu em qualquer outra religião não cristã embora no final do período estivéssemos à beira da grande rebelião Taipmg que possuía munas características de um movimento semelhante Pequenos movimentos de reforma religiosa foram fundados na índia britânica notadamente o movimento Brahmo Samuj de Ram Mohan Roy 17721833 Nos Fstadcn Unidos as derrotadas nbos indígenas começaram a desenvolver movimentos proféticos religiosos e sociais de resistência aos brancos como o movimento que inspiraria a guerra da maior confederação jamais conhecida dos índios das planícies sob a liderança de Tecumseh na primeira década do século e a religião do Lago Simpático 1799 projetada para preservar o modo dej vida dos índios iroqueses contra a destruição causada pela sociedade branca americana Thomas Jefferson homem de rara erudição foi quem deu sua bênção oficial a este profeta que adolou alguns elementos cristãos e especialmente quakers Entretanto o contato direto entre uma civilização capitalista adiantada e povos animistas ainda era muito raro para produzir muitos dos movimentos proféticos e milenares tão típicos do século XX O movimento expansionista do sectarismo protestante difere dos islamistas na medida em que era quase que inteiramente limitado ai países de civilização capitalista desenvolvida Seu alcance não pode sei medido pois alguns movimentos deste tipo por exemplo o beatismo alemão ou o evangelismo inglês permaneceram dentro da estrutura de suas respectivas igrejas estatais estabelecidas Entretanto não se tem dúvida quanto ao seu alcance Em 1851 aproximadamente metade dos devotos protestantes na Inglaterra e no País de Gales frequentava outros serviços religiosos diversos da Igreja estabelecida Este extraordinário triunfo das seitas foi o principal resultado do desenvolvimento religioso desde 1790 ou mais precisamente desde os últimos anos das guerras napoleônicas Assim em 1790 os metodistas wesleyanos tinham somente 59 mil membros comungantes no Reino Unido em 1850 suas várias ramificações tinham cerca de dez vezes mais este número Nos Estados Unidos um processo muito semelhante de conversão em massa multiplicou o número de batistas metodistas e presbiterianos estes últimos um pouco menos sob as relativas expensas das antigas igrejas dominantes por volta de 1850 quase trêsquartos de todas as igrejas nos Estados Unidos pertenciam a estas três denominações O rompimento das igrejas estabelecidas a secessão e a ascensão das seitas também marcam a história religiosa deste período na Escócia o Grande Rompimento de 1843 na Holanda na Noruega e em outros países As razões para os limites sociais e geográficos do sectarismo protestante são evidentes Os países católicos romanos não aceitavam o estabelecimento público de seitas Neles o equivalente rompimento com a igreja estabelecida ou com a religião dominante tomava melhor a forma de uma descristianização em massa especialmente entre os homens do que um cisma Reciprocamente o anticlericalismo protestante dos países anglosaxônicos era constantemente a contrapartida do anticlericalismo ateu dos países do continente europeu O renascimento religioso tendia a tomar a forma de algum novo culto emocional de algum santo milagreiro ou de uma peregrinação dentro da estrutura aceita pela religião católica romana Um ou dois destes santos de nosso período chegaram a ter maior importância como o Cure dArs 17861859 na França O cristianismo ortodoxo da Europa Oriental se prestava com mais facilidade ao sectarismo e na Rússia o crescente rompimento da sociedade retrógrada vinha desde o final do século XVII produzindo uma safra de seitas Várias delas em particular a autocastradora seita dos Skoptsi a dos Doukhobors da Ucrânia e a dos Molokanos foram produtos do final do século XVIII e do período napoleônico a seita dos Velhos Crentes data do século XVII Entretanto geralmente as classes às quais este sectarismo fazia o maior apelo pequenos artesãos comerciantes fazendeiros e outros precursores da burguesia ou conscientes revolucionários camponeses ainda não eram numerosas o bastante para produzir um movimento de seitas de grandes proporções Nos países protestantes a situação era diferente Neles o impacto da sociedade individualista e comercial era mais forte pelo menos na GrãBretanha e nos Estados Unidos e a tradição sectarista já estava bem estabelecida Sua exclusividade e insistência na comunicação individual entre o homem e Deus bem como sua austeridade moral tornavamna atraente para os empresários e pequenos comerciantes em ascensão Sua sombria e implacável teologia do inferno e da maldição e de uma austera salvação pessoal tornavamna atraente também para homens que levavam vidas difíceis em um meio ambiente muito duro para o homem das fronteiras e o pescador para os pequenos cultivadores e os mineiros e para os explorados artesãos A seita podia facilmente se transformar em uma assembleia igualitária e democrática de fiéis sem hierarquia religiosa ou social e assim atraía o homem comum Sua hostilidade ao elaborado ritual e à doutrinação erudita encorajava a profecia e a pregação de caráter amadorista A persistente tradição do milenarismo se prestava a uma expressão primitiva de rebeldia social Finalmente sua associação com a emocionante e subjugadora conversão pessoal abriu caminho para uma restauração religiosa massiva de intensidade histórica na qual os homens e as mulheres poderiam encontrar um bemvindo relaxamento das tensões de uma sociedade que não proporcionava outras saídas equivalentes para as emoções das massas e destruía as que tinham existido no passado O despertar religioso fez muito em prol da propagação das seitas Assim o salvacionismo pessoal de John Wesley 17031791 e de seus metodistas intensamente irracionalista e emotivo deu ímpeto para o renascimento e a expansão da dissidência protestante pelo menos na Grã Bretanha Por esta razão as novas seitas e tendências foram inicialmente apolíticas ou até mesmo como no caso das seitas wesleyanas metodistas fortemente conservadoras pois se afastavam do maléfico mundo exterior em busca da salvação pessoal ou da existência de grupos autocontidos que constantemente significava que rejeitavam a possibilidade de qualquer alteração coletiva de suas condições seculares Suas energias políticas em geral eram dirigidas para as campanhas morais e religiosas como as que multiplicaram as missões estrangeiras o antiescravagismo e as agitações em prol da moderação dos costumes Os seguidores de seitas politicamente ativas e radicais no período das revoluções francesa e americana pertenciam antes às mais antigas rígidas e tranquilas comunidades puritanas que tinham sobrevivido desde o século XVII estagnadas ou até mesmo evoluindo em direção a um deísmo intelectualista sob a influência do racionalismo do século XVIII os presbiterianos os congregacionistas os unitaristas e os quakers O novo tipo metodista de seita era anti revolucionário e a imunidade da GrãBretanha à revolução em nosso período tem sido mesmo atribuída erroneamente a sua crescente influência Entretanto o caráter social das novas seitas combatia sua retirada teológica do mundo Elas se disseminavam mais prontamente entre os que ficavam entre os ricos e os poderosos de um lado e as massas da tradicional sociedade do outro isto é entre os que estavam a ponto de galgar os escalões da classe média ou de cair em um novo proletariado e entre a massa indiscriminada de homens independentes e modestos A orientação política fundamental de todas estas seitas inclinavase cm direção ao radicalismo jeffersoniano ou jacobino ou pelo menos cm direção a um liberalismo moderado de classe media O nãoconformismo na GrãBretanha as igrejas protestantes que predominavam nos Estados Unidos tendiam portanto a ocupar um lugar entre as forçar políticas de esquerda embora entre os metodistas britânicos o torysmo de seu fundador só fosse ultrapassado no curso de 50 anos de secessões e crises internas que terminaria em 1848 Somente entre os muito pobres ou entre os muito abalados é que a rejeição original ao mundo existente continuou Mas era muitas vezes uma primitiva rejeição revolucionária que tomava a forma de uma predição milenar do fim do mundo e que as aflições do período pós napoleônico pareciam em linha com o Apocalipse antecipar William Miller fundador dos adventistas do sétimo dia nos Estados Unidos predisseo para 1843 e 1844 época em que já contava com 50 mil seguidores e com o respaldo de 3 mil pregadores Nas áreas em que o pequeno comércio e o pequeno trabalho camponês individual se achavam sob o impacto imediato do crescimento de uma dinâmica economia capitalista como no estado de Nova Iorque este fermento milenar era particularmente poderoso Seu mais dramático produto foi a seita dos santos dos últimos dias os mormons fundada pelo profeta Joseph Smith que recebeu sua revelação próxima a Palmyra Nova Iorque na década de 1820 e conduziu seu povo em êxodo para algum Sião remoto e que eventualmente o levou aos desertos de Utah Também havia grupos entre os quais a histeria coletiva das massas nas reuniões de despertar religioso fazia o maior apelo tanto porque aliviava a dureza e monotonia de suas vidas quando não se oferece nenhuma outra diversão o despertar religioso por vezes assumirá este papel observou uma senhora a respeito das moças nas fábricas de Essex como porque sua união religiosa coletiva criava uma comunidade temporária de indivíduos desesperados Em sua forma moderna esse despertar religioso foi o produto da fronteira americana O Grande Alvorecer começou em torno de 1800 nas montanhas Apalaches com gigantescas reuniões campais a de Kane Ridge Kentucky 1801 reuniu cerca de 10 ou 20 mil pessoas sob o comando de 40 pregadores e um grau de histeria orgiástica difícil de ser concebida homens e mulheres sacudiamse dançavam até a exaustão milhares entravam em transess falavam com espíritos ou então latiam como cães Um local remoto um ambiente social e natural áspero ou uma combinação de tudo isso encorajavam aquele despertar que pregadores ambulantes importaram para a Europa produzindo assim uma secessão democráticaproletária nos wesleyanos os chamados metodistas primitivos depois de 1808 que se estendeu e se disseminou particularmente entre os mineiros do norte da Inglaterra e entre os pequenos fazendeiros das montanhas entre os pescadores do Mar do Norte os empregados agrícolas e os oprimidos trabalhadores domésticos das suarentas indústrias da Inglaterra central Estes ataques de histeria religiosa ocorreram periodicamente durante todo o nosso período no sul do País de Gales eclodiram em 18079 182830 183942 1849 e 1859 e representaram o maior aumento nas forças numéricas das seitas Eles não podem ser atribuídos a qualquer simples causa precipitadora Alguns coincidiram com períodos de violenta tensão e intranquilidade todas as épocas de ultrarápida expansão wesleyana em nosso período coincidiram com estas violentas tensões c agitações exceto uma outros com a rápida recuperação que se seguia a uma depressão e ocasionalmente foram precipitados por calamidades sociais como a epidemia de cólera que ocasionou fenómenos religiosos análogos em outros países cristãos III Em termos puramente religiosos portanto nosso período foi de uma crescente secularização e de indiferença religiosa na Europa combatidas pelo despertar da religião em suas formas mais intransigentes irracionais e emocional mente compulsivas Se Tom Paine está em um dos extremos no outro se encontra o adventista William Miller O materialismo mecânico francamente ateu do filósofo alemão Feuerbach 18041872 na década de 1830 se confrontava com os jovens antiintelectualistas do Movimento de Oxford que defendiam a literal exatidão das vidas dos santos medievais Mas este retorno à religião militante literal e ultrapassada tinha três aspectos Para as massas era principalmente um método de luta contra a sociedade cada vez mais fria desumana e tirânica do liberalismo da classe média segundo Marx mas ele não foi o único a usar tais palavras era o coração de um mundo sem coração como é o espírito de um mundo sem espírito o ópio do povo Mais do que isto era uma tentativa de criar instituições políticas sociais e educacionais em um ambiente que não proporcionava nenhuma delas e um meio de dar às pessoas pouco desenvolvidas politicamente uma expressão primitiva de seus descontentamentos e aspirações Seu literalismo emocionalismo e superstição tanto protestavam contra toda uma sociedade em que dominava o cálculo racional como contra as classes superiores que deformavam a religião em sua própria imagem Para as classes médias vindas das massas a religião podia ser um amparo moral poderoso uma justificativa para sua existência social contra o desprezo e o ódio da sociedade tradicional e um mecanismo de sua expansão Quando sectaristas a religião os libertava dos grilhões daquela sociedade Dava a seus lucros um titulo moral maior do que o do mero interesse próprio racional legitimava sua aspereza em relação aos oprimidos uniaos ao comércio que proporcionava civilização aos pagãos e vendas a seus produtos A religião fornecia estabilidade social para as monarquias e aristocracias e de fato para todos os que se encontravam no alto da pirâmide Tinham aprendido com a Revolução Francesa que a Igreja era o mais forte amparo do trono Os povos analfabetos e devotos como os do sul da Itália os espanhóis os tiroleses e os russos tinhamse lançado às armas para defender sua igreja e seu governante contra os estrangeiros os infiéis e os revolucionários abençoados e em alguns casos liderados por seus sacerdotes Os povos analfabetos e religiosos viveriam contentes na pobreza para a qual Deus os havia conclamado sob a liderança de governantes que lhes foram dados pela Divina Providência de maneira simples digna e ordenadamente e imunes aos efeitos subversivos da razão Para os governos conservadores depois de 1815 e que governos da Europa continental não o eram o encorajamento dos sentimentos religiosos e das igrejas era uma parte tão indispensável da política quanto a organização da política e da censura o sacerdote o policial e o censor eram agora os três principais apoios da reação contra a revolução Para a maioria dos governos estabelecidos bastava que o jacobinismo ameaçasse os tronos e as igrejas os preservassem Entretanto para um grupo de intelectuais e ideólogos românticos a aliança entre o trono e o altar tinha um significado mais profundo o de preservar uma velha sociedade viva e orgânica contra a corrosão da razão e o liberalismo o indivíduo encontrava nesta aliança uma expressão mais adequada de sua trágica condição do que em qualquer solução formulada pelos racionalistas Na França e na Inglaterra estas justificativas da aliança entre o trono e o altar não tiveram grande importância política nem tampouco a busca romântica de uma religião pessoal e trágica O mais importante explorador destas profundezas do coração humano o dinamarquês Sõren Kierkegaard 18131855 era oriundo de um pequeno país e atraiu muito pouca atenção de seus contemporâneos sua fama é totalmente póstuma Entretanto nos estados alemães e na Rússia os intelectuais românticoreacionários bastiões da reação monarquista tiveram seu papel na política como servidores civis redatores de manifestos e de programas e inclusive como conselheiros pessoais onde os monarcas tendiam ao desequilíbrio mental como Alexandre I da Rússia e Frederico Guilherme IV da Prússia Em conjunto entretanto os Friedrich Gentz e os Adam Mueller eram figuras de menor vulto e seu medievalismo religioso do qual o próprio Metternich desconfiava era simplesmente uma fachada tradicionalista para dissimular os policiais e os censores em quem os reis confiavam A força da Santa Aliança da Rússia Áustria e Prússia destinada a manter a ordem na Europa depois de 1815 baseavase não em sua aparência de cruzada mística mas na sua decisão de abolir todo e qualquer movimento subversivo pelas armas russas prussianas e austríacas Além do mais os governos genuinamente conservadores se inclinavam a desconfiar de todos os intelectuais e ideólogos até dos que eram reacionários pois uma vez aceito o princípio do raciocínio em vez da obediência o fim estaria próximo Conforme escreveu Friedrich Gentz secretário de Metternich a Adam Mueller em 1819 Continuo a defender esta proposição A fim de que a imprensa não possa abusar nada será impresso nos próximos anos Se este princípio viesse a ser aplicado como uma regra obrigatória sendo as raríssimas exceções autorizadas por um Tribunal claramente superior dentro em breve estaríamos voltando a Deus e à Verdade E ainda assim se os ideólogos antiliberais tiveram pequena importância política sua fuga dos horrores do liberalismo em direção a um passado orgânico e verdadeiramente religioso teve considerável interesse para a religião já que produziu um marcante despertar do catolicismo romano entre os jovens sensíveis das classes superiores Pois não havia sido o próprio protestantismo o precursor direto do individualismo do racionalismo e do liberalismo Se uma sociedade verdadeiramente religiosa viesse curar sozinha a doença do século XIX não seria ela a única sociedade verdadeiramente cristã da Idade Média católica Como de costume Gentz expressou a atração do catolicismo com uma clareza inadequada ao assunto O protestantismo é a primeira a verdadeira e a única fonte de todos os grandes males que nos fazem gemer hoje em dia Se tivesse simplesmente se limitado ao raciocínio poderíamos ter sido capazes e obrigados a tolerálo pois há na natureza humana uma tendência enraizada à discussão Entretanto já que os governos concordam em aceitar o protestantismo como uma forma permitida de religião como uma expressão do cristianismo como um direito do homem já que eles garantiramlhe um lugar ao lado do Estado ou mesmo sobre suas ruínas a única igreja verdadeira a ordem política moral e religiosa do mundo foi imediatamente dissolvida Toda a Revolução Francesa e a ainda pior revolução que está para eclodir na Alemanha nasceram desta mesma fonte Assim grupos de jovens exaltados fugiam dos horrores do intelecto em direção aos hospitaleiros braços de Roma e abraçavam o celibato as torturas do ascetismo os escritos dos padres ou simplesmente o ritual caloroso e esteticamente satisfatório da Igreja foi uma apaixonada entrega Em sua maioria eram provenientes como era de se esperar de países protestantes os românticos alemães eram em geral prussianos O Movimento de Oxford da década de 1830 é o fenómeno mais conhecido deste tipo para o leitor anglosaxônico embora seja caracteristicamente britânico visto que só alguns dos jovens fanáticos que assim expressavam o espírito da mais obscurantista e reacionária das universidades de fato se uniram à Igreja Romana notadamente o talentoso JH Newman 18011890 Os demais encontraram uma posição intermediária na qualidade de ritualistasdentro da Igreja Anglicana que eles diziam ser a verdadeira Igreja Católica e tentaram para o horror dos eclesiásticos adornála com paramentos incenso c outras abominações papais Os convertidos eram um enigma para as famílias nobres tradicionalmente católicas que encaravam sua religião como um distintivo familiar e para a massa de trabalhadores irlandeses imigrantes que formavam o grosso do catolicismo britânico o nobre zelo destes convertidos também não era totalmente apreciado pelos funcionários eclesiásticos do Vaticano realistas e cautelosos Mas já que eram de excelentes famílias e a conversão das classes superiores bem poderia anunciar a conversão das classes inferiores foram bem recebidos como um sinal estimulante do poder de conquista da Igreja Ainda assim mesmo dentro da religião organizada ao menos dentro da católica romana da protestante e da judaica agiam os sapadores e minadores do liberalismo Na Igreja Romana seu principal campo de ação era a França e sua figura mais importante HuguesFelicitéRobert de Lamennais 17821854 que caminhou sucessivamente desde o conservadorismo romântico até uma idealização revolucionária do povo o que o conduziu para perto do socialismo Sua obra Paroles dun Croyant 1834 criou tumulto no seio dos governos que não esperavam uma punhalada pelas costas com uma arma tão digna de confiança para a preservação do status quo quanto o catolicismo Seu autor não demorou a ser condenado por Roma O catolicismo liberal entretanto sobreviveu na França um país sempre receptivo às tendências eclesiásticas que estivessem em pequeno desacordo com a Igreja de Roma Também na Itália a poderosa corrente revolucionária das décadas de 1830 e 1840 arrebanhou para suas fileiras alguns pensadores católicos como Rosmini e Gioberti 180152 paladino de uma Itália liberal unificada pelo papa Entretanto o corpo principal da Igreja era cada vez mais militantemente antiliberal As minorias e seitas protestantes estavam naturalmente mais próximas do liberalismo sobretudo em termos políticos ser huguenot francês equivalia a ser um liberal moderno Guizot o primeiroministro de Luís Felipe foi um deles As igrejas estatais protestantes como a anglicana e a luterana eram politicamente mais conservadoras mas suas teologias eram talvez menos resistentes à corrosão da erudição bíblica e da investigação racionalista Os judeus naturalmente estavam expostos a toda a força da corrente liberal Afinal de contas eles deviam sua emancipação política e social inteiramente a ela A assimilação cultural era o objetivo de todos os judeus emancipados Os mais extremistas dentre os emancipados abandonaram sua antiga religião em favor do cristianismo ou do agnosticismo como o pai de Karl Marx ou o poeta Heinrich Heine que entretanto descobriu que os judeus nunca deixam de ser judeus ao menos para o mundo exterior embora deixem de frequentar a sinagoga Os menos extremistas desenvolveram uma atenuada forma liberal de judaísmo Somente nos obscuros guetos orientais o Tora e o Talmude continuaram dominando a vida virtualmente inalterada das pequenas cidades Capítulo Treze A Ideologia Secular O Sr Bentham fabrica utensílios de madeira em um torno por diversão e fantasia que pode transformar os homens da mesma maneira Mas não tem grandes dotes para a poesia e mal sabe extrair a moral de uma obra de Shakespeare Sua casa é aquecida e iluminada a vapor Ele é um destes que preferem as coisas artificiais em detrimento das naturais e pensa que a mente humana é onipolente Ele sente grande desprezo pelas possibilidades da vida ao ar livre pelos verdes campos e pelas árvores e sempre reduz tudo aos termos da Utilidade W Hazlitt O Espírito do Século 1825 Os comunistas pouco se importam em esconder seus pontos de vista e objetivos Declaram abertamente que seus fins podem ser obtidos somente pela destruição pela força de todas as condições existentes Deixem as classes governantes tremerem ante a revolução comunista Os pnletários nada têm a perder a não ser seus grilhões Têm um mundo a conquistar Trabalhadores de todos os países univos K Marx e F Engels Manifesto do Partido Comunista 1848 I A quantidade deve ainda fazernosdar uma posição de destaque à ideologia religiosa no mundo de 17891848 a qualidade dá esta posição de destaque à ideologia leiga ou secular Com pouquíssimas exceções todos os pensadores de importância em nosso período falavam o idioma secular quaisquer que fossem suas crenças religiosas particulares Muito do que eles pensavam e do que as pessoas comuns tinham como certo sem uma reflexão maior será discutido nos termos mais específicos das ciências e das artes uma outra parte deste pensamento Já foi discutida Neste capitulo nos concentraremos no que foi afinal O principal tema que nasceu da revolução dupla a natureza da sociedade e a direção para a qual ela estava se encaminhando ou deveria se encaminhar Sobre este problema básico havia duas principais divisões de opinião a dos que aceitavam a maneira pela qual o mundo estavase conduzindo e a dos que não a aceitavam em outras palavras s que acreditavam no progresso e os outros Em certo sentido havia só uma Welianschauung de grande significação e uma serie de outros pontos de vista que quaisquer que fossem seus méritos eram no fundo basicamente críticas negativas ao iluminismo humanista racionalista e triunfante do século XVIII Seus expoentes acreditavam firmemente e com razão que a história humana era um avanço mais que um retrocesso ou um movimento oscilante ao redor de certo nível Podiam observar que o conhecimento científico e o controle técnico do homem sobre a natureza aumentavam diariamente Acreditavam que a sociedade humana e o homem individualmente podiam ser aperfeiçoados pela mesma aplicação da razão e que estavam destinados a seu aperfeiçoamento na história Com isto concordavam os liberais burgueses e os revolucionários socialistas proletários Até 1789 a formulação mais poderosa e adiantada desta ideologia de progresso tinha sido o clássico liberalismo burguês De fato se sistema fundamental fora elaborado de maneira tão firme nos séculos XVII e XVIII que seu estudo mal pertence a este livro Era uma filosofia estreita lúcida e cortante que encontrou seus mais puros expoentes como poderíamos esperar na GrãBretanha e na França Ela era rigorosamente racionalista e secular isto é convencida da capacidade dos homens em princípio para compreender tudo e solucionar todos os problemas pelo uso da razão e convencida também da tendência obscurantista das instituições entre as quais incluíam o tradicionalismo e todas as religiões outras que o racional e do comportamento irracionais Filosoficamente inclinavamse ao materialismo ou ao empiricismo que condiziam com uma ideologia que devia suas forças e métodos à ciência neste caso principalmente à matemática e à física da revolução científica do século XVII Suas hipóteses gerais sobre o mundo e o homem estavam marcadas por um penetrante individualismo que se devia mais á introspecção dos indivíduos da classe média ou à observação de seu comportamento do que aos princípios a priori nos quais declarava estar fundamentada e que se expressava em uma psicologia embora a palavra ainda não existisse em 1789 que fazia eco com a mecânica do século XVII a chamada escola associacionista Em poucas palavras para o liberalismo clássico o mundo humano estava constituído de átomos individuais com certas paixões e necessidades cada um procurando acima de tudo aumentar ao máximo suas satisfações e diminuir seus desprazeres nisto igual a todos os outros e naturalmente não reconhecendo limites ou direitos de interferência em suas pretensões Em outras palavras cada homem era naturalmente possuído de vida liberdade e busca da felicidade como afirmava a Declaração de Independência dos Estados Unidos embora pensadores liberais mais lógicos preferissem não colocar isto na linguagem dos direitos naturais No curso da busca desta vantagem pessoal cada indivíduo nesta anarquia de competidores iguais achava vantajoso ou inevitável entrar em certos tipos de relações com outros indivíduos e este complexo de acordos úteis constantemente expressos na terminologia francamente comercial do contrato constituía a sociedade e os grupos políticos ou sociais É claro que tais acordos e associações implicavam alguma diminuição da naturalmente ilimitada liberdade do homem para fazer aquilo que quisesse sendo uma das tarefas da política reduzir tal interferência a um mínimo praticável Exceto talvez para certos grupos sexuais irredutíveis como pais e filhos o homem do liberalismo clássico cujo símbolo literário foi Robinson Crusoe era um animal social somente na medida em que ele coexistia em grande número Os objetivos sociais eram portanto a soma aritmética dos objetivos individuais A felicidade um termo que deu a seus definidores quase tantos problemas quanto a seus perseguidores era o supremo objetivo de cada indivíduo a maior felicidade do maior número de pessoas era claramente o objetivo da sociedade De fato o utilitarismo puro que reduzia todas as relações humanas inteiramente ao padrão que acabamos de esboçar esteve limitado no século XVII a filósofos sem modos como o grande Thomas Hobbes ou a paladinos muito seguros de si da classe média como a escola de pensadores e propagandistas britânicos associada com os nomes de Jeremy Bentham 1748 1832 James Mill 17731836 e acima de tudo os economistas políticos clássicos Havia duas razões para tanto Em primeiro lugar uma ideologia que reduzia tudo exceto o cálculo racional do interesse próprio à insensatez com pernas de pau para usarmos a expressão de Bentham entrava em conflito com alguns poderosos instintos do comportamento da classe média empenhada em melhorar Assim poderia ser demonstrado que o próprio interesse racional bem poderia justificar uma interferência consideravelmente maior na liberdade natural do indivíduo para fazer aquilo que ele desejasse e para guardar o que ganhasse do que seria esperado Thomas Hobbes cujas obras os utilitaristas britânicos colecionavam e publicavam com devoção na verdade demonstrara que o interesse próprio impedia quaisquer limites a priori sobre o poder estatal e os próprios benthamitas foram paladinos da administração burocrática estatal quando pensaram que podia proporcionar a maior felicidade ao maior número de pessoas tão prontamente quanto o laissezfaire Consequentemente os que procuravam salvaguardar a propriedade privada a liberdade individual e de empresa preferiam constantemente darlhes a sanção metafísica de um direito natural em vez do vulnerável direito de utilidade Além do mais uma filosofia que eliminava a moralidade e o dever tão completamente através de sua redução ao cálculo racional bem poderia enfraquecer o sentido da disposição eterna das coisas entre os pobres ignorantes sobre quem a estabilidade social se assentava O utilitarismo por razões como estas nunca monopolizou portanto a ideologia da classe média liberal Mas proporcionou o mais cortante dos machados radicais com que se poderia derrubar as instituições tradicionais que não sabiam responder às triunfantes perguntas É racional É útil Contribui para a maior felicidade do maior número de pessoas Contudo não era forte o suficiente nem para inspirar uma revolução nem para evitála O filosoficamente débil John Locke mais que o soberbo Thomas Hobbes continuou sendo o pensador favorito do liberalismo vulgar pois ao menos ele colocava a propriedade privada além do alcance da interferência e do ataque como o mais fundamental dos direitos naturais E os revolucionários franceses acharam magnífica esta declaração para colocar suas exigências de liberdade de iniciativa todo cidadão é livre para usar seus braços sua indústria e seu capital como julgar adequado e útil a si mesmo Ele pode fabricar o que lhe aprouver da maneira que lhe aprouver sob a forma de um direito natural geral à liberdade O exercício dos direitos naturais de cada homem não é mais limitado que aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Em seu pensamento político o liberalismo clássico separavase assim do rigor e da audácia que fizeram dele uma força revolucionária tão poderosa Em seu pensamento econômico entretanto estava menos inibido em parte porque a confiança da classe média no triunfo do capitalismo era muito maior do que sua confiança na supremacia política da burguesia sobre o absolutismo ou a turba ignorante em parte porque as conjecturas clássicas sobre a natureza e o estado natural do homem encaixavamse sem dúvida na situação especial do mercado de uma forma bem melhor do que à situação da humanidade em geral Consequentemente as clássicas formas da economia política constituem com Thomas Hobbes o mais impressionante monumento intelectual à ideologia liberal Sua época de apogeu é um pouco anterior ao período estudado neste livro A publicação da obra de Adam Smith 172390 A Riqueza das Nações 1776 marca o seu início a de David Ricardo 17921823 Princípios de Economia Política de 1817 determina seu apogeu e o ano de 1830 assinala o início de seu declínio ou transformação Entretanto sua versão vulgarizada continuava a conquistar adeptos entre os homens de negócio durante todo o nosso período O argumento social da economia política de Adam Smith era tanto elegante quanto confortador É verdade que a humanidade consistia essencialmente de indivíduos soberanos de certa constituição psicológica que buscavam seus próprios interesses através da competição entre uns e outros Mas poderia ser demonstrado que estas atividades quando deixadas tanto quanto possível fora de controle produziam não só uma ordem social natural distinta da artificial imposta pelos interesses estabelecidos o obscurantismo a tradição ou a intromissão ignorante da aristocracia mas também o mais rápido aumento possível da riqueza das nações quer dizer do conforto e do bemestar e portanto da felicidade de todos homens A base desta ordem natural era a divisão social do trabalho Podia ser cientificamente provado que a existência de uma classe de capitalistas donos dos meios de produção beneficiava a todos inclusive aos trabalhadores que se alugavam a seus membros exatamente como poderia ser cientificamente comprovado que os interesses da GrãBretanha e da Jamaica estariam melhor servidos se aquela produzisse mercadorias manufaturadas e esta produzisse açúcar natural O aumento da riqueza das nações continuava com as operações das empresas privadas e a acumulação de capital e poderia ser demonstrado que qualquer outro método de assegurálo iria desacelerálo ou mesmo estancálo Além do mais a sociedade economicamente muito desigual que resultava inevitavelmente das operações de natureza humana não era incompatível com a igualdade natural de todos os homens nem com a justiça pois além de assegurar inclusive aos mais pobres condições de vida melhores ela se baseava na mais equitativa de todas as relações o intercâmbio de valores equivalentes no mercado Como disse um moderno erudito nada dependia da benevolência dos outros pois para tudo que se obtinha era devolvido em troca um equivalente Além disso o livre jogo das forças naturais destruiria todas as posições que não fossem construídas com base em contribuições ao bem comum O progresso era portanto tão natural quanto o capitalismo Se fossem removidos os obstáculos artificiais que no passado lhe haviam colocado se produziria de modo inevitável e era evidente que o progresso da produção estava de braços dados com o progresso das artes das ciências e da civilização em geral Que não se pense que os homens que tinham tais opiniões eram meros advogados dos consumados interesses dos homens de negócios Eram homens que acreditavam com considerável justificativa histórica neste período que o caminho para o avanço da humanidade passava pelo capitalismo A força desta visão panglossiana apoiavase não apenas naquilo que se acreditava ser a irrefutável habilidade de demonstrar seus teoremas econômicos através de um raciocínio dedutivo mas também no evidente progresso da civilização e do capitalismo do século XVIII Reciprocamente começou a tropeçar não só porque Ricardo descobrira contradições dentro do sistema que Smith preconizara mas porque os verdadeiros resultados sociais e econômicos do capitalismo provaram ser menos felizes do que tinham sido previstos A economia política na primeira metade do século XIX tornouse uma ciência lúgubre mais do que corderosa Naturalmente ainda se poderia sustentar que a miséria dos pobres que como argumentou Malthus em seu famoso Ensaio sobre a População de 1798 estava condenada a se prolongar até a beira da extenuação ou como argumentava Ricardo a padecer com a introdução das máquinas ainda se constituía na maior felicidade do maior número de pessoas número que simplesmente resultou ser muito menor do que se poderia esperar Mas tais fatos bem como as marcantes dificuldades para a expansão capitalista no período entre 1810 e a década de 1840 refrearam o otimismo e estimularam a investigação crítica especialmente sobre a distribuição em contraste com a produção que havia sido a preocupação maior da geração de Smith A economia política de David Ricardo uma obiaprima de rigor dedutivo introduziu assim consideráveis elementos de discórdia na natural harmonia em que os primeiros economistas tinham apostado E até mesmo enfatizou bem mais do que o tinha feito Smith certos fatores que se poderia esperar que detivessem a máquina do progresso econômico atenuando o suprimento de seu combustível essencial tal como uma tendência para o declínio da taxa de lucros E mais ainda David Ricardo criou a teoria geral do valor como trabalho que só dependia de um leve toque para ser transformada em um argumento potente contra o capitalismo Contudo seu domínio técnico como pensador e seu apaixonado apoio aos objetivos práticos que a maioria dos homens de negócios britânicos advogavam o livre comércio e a hostilidade aos proprietários de terras ajudaram a dar à economia política clássica um lugar ainda mais firme que antes na ideologia liberal Para efeitos práticos as tropas de choque da reforma da classe média britânica no período pósnapoleônico foram armadas com uma combinação de utilitarismo benthamita e economia ricardiana Por sua vez as maciças realizações de Smith e Ricardo respaldadas pelas do comércio e da indústria britânica fizeram da economia política uma ciência em grande parte britânica reduzindo os economistas franceses que tinham no mínimo compartilhado da liderança no século XVIII a um papel menos importante de simples predecessores ou auxiliares e os economistas não clássicos a um amontoado de francoatiradores Além do mais transformaramna em um símbolo essencial dos avanços liberais O Brasil instituiu uma cátedra de economia política em 1808 bem antes da França ocupada por um propagador de Adam Smith J B Say o principal economista francês e o anarquista utilitário William Godwin A Argentina mal tinha ficado independente quando em 1823 a nova universidade de Buenos Aires começou a ensinar economia política com base nas obras já traduzidas de Ricardo e James Mill mas não o fez antes de Cuba que teve sua primeira cátedra já em 1818 O fato de que o verdadeiro comportamento econômico dos governantes latinoamericanos arrepiava os cabelos dos financistas e economistas europeus nao faz qualquer diferença para a sua ligação com a ortodoxia econômica Na política como vimos a ideologia liberal não era nem tão coerente nem tão consistente Teoricamente continuava dividida entre o utilitarismo e as adaptações das antiquadas doutrinas do direito natural e da lei natural com predominância do primeiro Em seu programa prático a divisão estava entre a crença em um governo popular quer dizer governo de maiorias que tinha a lógica a seu lado e refletia o fato de que realmente fazer revoluções e pressionar politicamente para conseguir reformas eficazes não era coisa de classe média mas uma mobilização de massas e a crença mais generalizada no governo de uma elite de proprietários quer dizer entre o radicalismo e o whiggismo para usarmos os termos britânicos Pois se o governo fosse realmente popular e se a maioria realmente governasse isto é se os interesses da minoria fossem sacrificados àquela como era logicamente inevitável seria possível acreditar que a verdadeira maioria as classes mais numerosas e pobres iria salvaguardar a liberdade e cumprir os ditames da razão que coincidiam como é óbvio com o programa da classe média liberal Antes da Revolução Francesa a principal causa de alarme neste aspecto era a ignorância e a superstição dos trabalhadores pobres que estavam constantemente sob o controle do sacerdote ou do rei A própria revolução introduziu o risco adicional de uma ala à esquerda com um programa anticapitalista implícito e alguns sustentam que era explícito em certos aspectos da ditadura jacobina Os moderados whigs logo se deram conta deste perigo Edmund Burke cuja ideologia econômica era a de um puro seguidor de Adam Smith retrocedia em sua política em direção a uma crença francamente irracionalista nas virtudes da tradição da continuidade e do lento crescimento orgânico que sempre haviam fornecido o principal suporte teórico do conservadorismo No continente europeu os liberais práticos se assustavam com a democracia política preferindo uma monarquia constitucional com sufrágio adequado ou em caso de emergência qualquer absolutismo ultrapassado que garantisse seus interesses Depois de 17934 só uma burguesia extremamente descontente ou então extremamente autoconfiante como a da GrãBretanha estava preparada com James MUI para confiar em sua própria capacidade de conservar o apoio dos trabalhadores pobres permanentemente mesmo em uma república democrática Os descontentamentos sociais os movimentos revolucionários e as ideologias socialistas do período pósnapoleônico intensificaram este dilema e a revolução de 1830 tornouo mais agudo O liberalismo e a democracia pareciam mais adversários que aliados o tríplice slogan da Revolução Francesa liberdade igualdade e fraternidade expressava melhor uma contradição que uma combinação Naturalmente isto parecia mais óbvio na pátria da revolução a França Alexis de Tocqueville 180559 que dedicou sua impressionante inteligência à análise das tendências inerentes à democracia americana 1835 e mais tarde à Revolução Francesa sobreviveu como o melhor dos críticos liberais moderados da democracia deste período poderíamos também dizer que tornouse particularmente apropriado aos liberais moderados do mundo ocidental depois de 1945 Talvez não estranhamente em virtude de sua máxima Do século XVIII como nascidos de uma fonte comum correm dois rios Um ddes carrega os homens para as instituições livres o outro para o poder absoluto Na GrãBretanha também a vigorosa confiança de James Mill em uma democracia liderada pela burguesia contrasta de forma marcante com a ansiedade de seu filho James Stuart Mill 180673 em salvaguardar os direitos das minorias contra as maiorias que predomina em sua obra A Respeito da Liberdade 1859 II Enquanto a ideologia liberal perdia assim sua confiança original mesmo a inevitabilidade ou a desejabilidade do progresso começava a ser colocada em dúvida por alguns liberais uma nova ideologia o socialismo voltava a formular os velhos axiomas do século XVIII A razão a ciência e o progresso eram suas bases firmes O que distinguia os socialistas de nosso período dos paladinos de uma sociedade perfeita de propriedade comum que periodicamente aparecem na literatura ao longo da história era a aceitação incondicional da revolução industrial que criava a verdadeira possibilidade do socialismo moderno O Conde Claude de SaintSimon 17601825 que é por tradição reconhecido como o primeiro socialista utópico embora seu pensamento na realidade ocupe uma posição bem mais ambígua foi antes de tudo o apóstolo do industrialismo e dos industrialistas duas palavras criadas por ele Seus discípulos se tornaram socialistas audazes técnicos financistas e industriais ou tudo isso em sequência O saintsimonismo ocupa assim um lugar especial na história do desenvolvimento capitalista e anticapitalista Na GrãBretanha Robert Owen 17711858 foi um pioneiro muito bem sucedido da indústria algodoeira e extraiu sua confiança na possibilidade de uma sociedade melhor não só de sua firme crença no aperfeiçoamento humano através da sociedade mas também da visível criação de uma sociedade de potencial abundância através da revolução industrial Embora de maneira relutante Frederick Engels também se envolveu com os negócios algodoeiros Nenhum dos novos socialistas desejavam retardar a hora da evolução social embora muitos de seus seguidores o desejassem Até mesmo Charles Fourier 17721837 o menos entusiasta do ins trialismo entre os fundadores do socialismo sustentava que a solução estava além e não atrás dele Além disso os próprios argumentos do liberalismo clássico podiam e foram prontamente transformados contra a sociedade capitalista que eles tinham ajudado a construir De fato a felicidade como dizia SaintJust era uma ideia nova na Europa mas nada era mais fácil de observar que a maior felicidade do maior número de pessoas que claramente não estava sendo atingida era a felicidade do trabalhador pobre Nem era difícil como William Godwin Robert Owen Thomas Hodgskin e outros admiradores de Bentham o fizeram separar a busca da felicidade das conjecturas de um individualismo egoísta O objetivo primordial e necessário de toda a existência deve ser a felicidade escreveu Owen mas a felicidade não pode ser obtida individualmente é inútil esperarse pela felicidade isolada todos devem compartilhar dela ou então a minoria nunca será capaz de gozála Mais ainda a economia política clássica em sua forma ricardiana podia virarse contra o capitalismo fato este que levou os economistas da classe média posteriores a 1830 a ver Ricardo com alarme e até mesmo a considerálo como o fez o americano Carey 17931879 como fonte de inspiração de agitadores e destruidores da sociedade Se como argumentava a economia política o trabalho representava a fonte de todo o valor então por que a maior parte de seus produtores viviam à beira da privação Porque como demonstrava Ricardo embora ele se sentisse constrangido em relação às conclusões de sua teoria o capitalista se apropriava em forma de lucro do excedente que o trabalhador produzia além daquilo que ele recebia de volta sob a forma de salário O fato de que os proprietários de terras também se apropriassem de uma parte deste excedente não afetou fundamentalmente o assunto De fato o capitalista explorava o trabalhador Era necessário eliminar os capitalistas para que fosse abolida a exploração Um grupo de economistas do trabalho ricardianos logo surgiu na Grã Bretanha para fazer a análise e concluir a moral da história Se o capitalismo tivesse realmente alcançado aquilo que dele se esperava nos dias otimistas da economia política tais críticas não teriam tido ressonância Ao contrário do que frequentemente se supõe entre os pobres há poucas revoluções de melhora do nível de vida Mas no período de formação do socialismo isto é entre a publicação da Nova Visão da Sociedade de Robert Owen lançado a público em 181314 e o Manifesto Comunista de 1848 a depressão os salários decrescentes o pesado desemprego tecnológico e as dúvidas sobre as futuras possibilidades de expansão da economia eram simplesmente muito inoportunas Portanto os críticos podiamse apegar não só à injustiça da economia mas também aos defeitos de seu funcionamento a suas contradições internas Olhos aguçados pela antipatia detectavam assim as flutuações ou crises do capitalismo Sismondi Wade Engels que seus partidários dissimulavam e cuja possibilidade de fato negava uma lei associada ao nome de J B Say 17671832 Dificilmente poderia deixar de advertir que a distribuição crescentemente desigual das rendas nacionais neste período os ricos ficando mais ricos e os pobres mais pobres não era um acidente mas o produto das operações do sistema Em poucas palavras podiam demonstrar não só que o capitalismo era injusto mas que parecia funcionar mal e na medida em que funcionava produzia resultados opostos aos que tinham sido preditos por seus defensores Deste modo os novos socialistas simplesmente it defendiam empurrando os argumentos do liberalismo clássico francobritânico para além do ponto até onde os liberais burgueses estavam preparados para ir A nova sociedade por eles defendida também não necessitava abandonar o terreno tradicional do humanismo clássico e do ideal liberal Um mundo no qual todos fossem felizes e no qual todo indivíduo realizasse livre e plenamente suas potencialidades no qual reinasse a liberdade e do qual desaparecesse o governo coercitivo era o objetivo máximo de liberais e socialistas O que distinguia os vários membros da família ideológica descendente do humanismo e do iluminismo liberais socialistas comunistas ou anarquistas não era a amável anarquia mais ou menos utópica de todos eles mas sim os métodos para alcançála Neste ponto entretanto o socialismo se separava da tradição clássica liberal Em primeiro lugar rompia radicalmente com a suposição liberal de que a sociedade era um mero agregado ou combinação de seus átomos individuais e que sua força motriz estava no interesse próprio e na competição Ao fazer isto os socialistas voltaram à mais antiga de todas as tradições ideológicas humanas a crença de que o homem é naturalmente um ser comunitário Os homens naturalmente vivem juntos e se ajudam mutuamente A sociedade não era uma redução necessária embora lamentável do natural e ilimitado direito do homem de fazer o que lhe agradasse mas o cenário de sua vida felicidade e individualidade A ideia smithiana de que o intercâmbio de mercadorias equivalentes no mercado garantia de alguma forma a justiça social lhes chocava como algo incompreensível ou imoral A maior parte do povo comum compartilhava este ponto de vista mesmo quando não podia expressálo Muitos críticos do capitalismo reagiram contra a óbvia desumanizaçãp da sociedade burguesa o termo técnico alienação que os seguidores de Hegel e o próprio Marx no princípio de sua carreira usavam refktia o velho conceito de sociedade mais como o lar do homem do que como o simples local das atividades do indivíduo independente culpando todo o curso da civilização do racionalismo da ciência e da tecnologia Os novos socialistas ao contrário dos revolucionários do tipo dos velhos artesãos como o poeta William Blake e Jean Jacques Rousseau tiveram o cuidado de não agir desta forma Mas partilhavam não só do tradicional ideal da sociedade como o lar do homem mas também do conceito de que antes da instituição da sociedade de classes e da propriedade os homens tinham de uma forma ou de outra vivido em harmonia conceito este expresso por Rousseau através da idealização do homem primitivo e também pelos panfletistas radicias menos sofisticados através do mito da antiga liberdade e irmandade dos povos conquistados por governanantes estrangeiros os saxônicos pelos normandos os gauleses pelos alemães O gênio disse Fourier deve redescobrir os caminhos daquela primitiva felicidade e adaptála às condições da indústria moderna O comunismo primitivo buscava através dos séculos e dos oceanos um modelo a propor ao comunismo do futuro Em segundo lugar o socialismo adotou uma forma de argumentação que se não estava fora do alcance da clássica tradição liberal tampouco estava muito dentro dela a argumentação histórica e evolutiva Para os liberais clássicos e de fato para os primeiros socialistas modernos tais propostas eram naturais e racionais distintas da sociedade irracional e artificial que a ignorância e a tirania tinham até então imposto ao mundo Agora que o progresso e o iluminismo tinham mostrado ao mundo o que era racional tudo o que restava a ser feito era retirar os obstáculos que evitavam que o senso comum seguisse seu caminho De fato os socialistas utópicos seguidores de SaintSimon Owen Fourier e outros tratavam de mostrarse tão firmemente convencidos de que a verdade bastava ser proclamada para ser instantaneamente adotada por todos os homens sensatos e de instrução que inicialmente limitaram seus esforços para realizar o socialismo a uma propaganda endereçada em primeiro lugar às classes influentes os trabalhadores embora indubitavelmente viessem a se beneficiar com ele eram infelizmente um grupo retrógrado e ignorante e por assim dizer à construção de plantaspiloto do socialismo colónias comunistas e empresas cooperativas a maioria delas situada nos espaços abertos da América onde não havia tradições de atraso histórico que se opusessem ao avanço dos homens A Nova Harmonia de Owen se instalou em Indiana e nos Estados Unidos havia cerca de 34 falanges seguidoras de Fourier criadas em termos nacionais ou importadas e numerosas colónias inspiradas pelo comunistacristão Cabet e outros Os seguidores de SaintSimon menos afeitos a experimentos comunitários nunca deixaram de buscar um déspota erudito que pudesse levar a cabo suas propostas e durante certo tempo acreditaram que tinhamno encontrado na inverossímil figura de Mohammed Ali o governante do Egito Havia um elemento de evolução histórica nesta clássica causa racionalista em prol da boa sociedade já que uma ideologia de progresso implica uma ideologia evolutiva possivelmente de inevitável evolução através dos estágios do desenvolvimento histórico Mas só depois que Karl Marx1l8l883 transferiu o centro de gravidade da argumentação socialista de sua racionalidade ou desejabilidade para sua inevitabilidade histórica o socialismo adquiriu sua mais formidável arma intelectual contra a qual ainda se erguem defesas polémicas Marx extraiu esta linha de argumentação de uma combinação das tradições ideológicas alemães e francobritânicas da economia política inglesa do socialismo francês e da filosofia alemã Para Marx a sociedade humana havia inevitavelmente dividido o comunismo primitivo em classes inevitavelmente se desenvolvia através de uma série de sociedades classistas cada uma delas progressista em seu tempo a despeito de suas injustiças cada uma delas contendo as contradições internas que a certa altura se constituem em obstáculo para o progresso futuro e geram as forças para sua superação O capitalismo era a última delas e Marx longe de limitarse a atacálo usou toda a sua eloquência ábaladora para proclamar seus empreendimentos históricos Mas era possível demonstrar por meio da economia política que o capitalismo apresentava contradições internas que inevitavelmente o convertiam até certo ponto em uma barreira para o progresso e que haviam de mergulhálo em uma crise da qual não poderia sair Além do mais o capitalismo como também se poderia demonstrar através da economiapolítica inevitavelmente criava seu próprio coveiro o proletariado cujo número e descontentamento crescia à medida que a concentração do poder econômico em mãos cada vez menos numerosas tornavamno mais vulnerável mais fácil de ser derrubado A revolução proletária devia portanto inevitavelmente derrubálo Mas também podiase demonstrar que o sistema social que correspondia aos interesses da classe trabalhadora era o socialismo ou o comunismo Como o capitalismo predominara não só porque era mais racional do que o feudalismo mas também devido à força social da burguesia também o socialismo predominaria pela inevitável vitória dos trabalhadores Seria tolice supor que este era um ideal eterno o qual os homens poderiam ter realizado se tivessem sido suficientemente inteligentes na época de Luís XIV O socialismo era o filho do capitalismo Nem mesmo poderia ter sido formulado de uma maneira adequada antes da transformação da sociedade que criou as condições para seu advento Mas uma vez que essas condições existiam a vitória era certa pois a humanidade sempre se propõe apenas as tarefas que pode solucionar III Comparadas com estas relativamente coerentes ideologias do progresso as de resistência ao progresso mal merecem o nome de sistemas de pensamento Eram antes atitudes carentes de um método intelectual comum e que confiavam na precisão de sua compreensão das fraquezas da sociedade burguesa e na inabalável convicção de que havia algo mais na vida do que o liberalismo supunha Consequentemente exigem pouca atenção A carga principal de sua crítica era que o liberalismo destruía a ordem social ou a comunidade que o homem tinha em outros tempos considerado como essencial à vida substituindoa pela intolerável anarquia da competição de todos contra todos cada um por si e Deus por todos e pela desumanização do mercado Neste ponto os antiprogressistas revolucionários e conservadores ou seja os representantes dos pobres e dos ricos tendiam a concordar até mesmo com os socialistas convergência esta que foi muito marcante entre os românticos vide capítulo 14 e produziu fenómenos tão estranhos quanto a Democracia Conservadora ou o Socialismo Feudal Os conservadores tendiam a identificar a ordem social ideal ou tão próxima da ideal o quanto fosse possível pois as ambições sociais dos bem acomodados são sempre mais modestas do que as dos pobres com qualquer regime ameaçado pela revolução dupla ou com alguma específica situação do passado como por exemplo o feudalismo medieval Também naturalmente enfatizavam o elemento de ordem que era o que protegia os que se encontravam nos degraus superiores da hierarquia social contra os que se achavam nos degraus inferiores Como já vimos os revolucionários pensavam antes em alguma remota época dourada quando as coisas iam bem para o povo pois nenhuma sociedade atual era realmente satisfatória para os pobres Também enfatizavam a ajuda mútua e o sentimento comunitário de tais épocas em vez da sua ordem Contudo ambos concordavam que em alguns importantes aspectos o velho regime tinha sido ou era melhor do que o novo Nele Deus os classificara em superiores e inferiores e ordenara sua condição o que agradava aos conservadores mas também impunha deveres embora leves e mal cumpridos aos superiores Os homens eram desigualmente humanos mas não mercadorias valoradas de acordo com o mercado Acima de tudo viviam juntos em estreitas redes de relações pessoais e sociais guiados pelo claro mapa do costume das instituições sociais e da obrigação Sem dúvida Gentz o secretário de Metternich o demagogo e radical jornalista britânico William Cobbett 17621835 tinham em mente um ideal medieval muito diferente mas ambos igualmente atacavam a Reforma que segundo eles tinha introduzido os princípios da sociedade burguesa E até mesmo Frederick Engels o mais firme dos que acreditavam no progresso pintou ufn quadro ternamente idílico da velha sociedade do século XVIII que a revolução industrial tinha destruído Não possuindo uma teoria coerente da evolução os pensadores antiprogressistas achavam difícil decidir sobre o que tinha acontecido de errado Seu réu favorito era a razão ou mais especificamente o racionalismo do século XVIII que procurava de maneira tola e ímpia intrometerse em assuntos muito complexos para a organização e a compreensão humanas as sociedades não podiam ser projetadas como máquinas Seria melhor esquecer de uma vez por todas escreveu Burke a Enciclopédia e todo o conjunto de economistas e retornar àquelas velhas regras e princípios que fizeram uma vez dos príncipes grandes personagens e felizes as nações O instinto a tradição a fé religiosa a natureza humana a verdade em contraste com a falsa razão foram alinhados dependendo da inclinação intelectual do pensador contra o racionalismo sistemático Mas acima de tudo o conquistador deste racionalismo viria a ser a história Se os pensadores conservadores não tinham o sentido do progresso histórico tinham em troca um sentido muito preciso da diferença j entre as sociedades formadas e estabilizadas natural e gradualmente pela história e aquelas repentinamente estabelecidas por artifício Se nâo sabiam explicar como se talhavam os trajes históricos e de fato eles negavam que fossem talhados sabiam explicar admiravelmente como o prolongado uso lhes tornava mais cómodos O mais sério esforço intelectual da ideologia antiprogressista foi o da análise histórij ca e reabilitação do passado a investigação da continuidade contra a revolução Seus expoentes mais importantes foram portanto não os excêntricos franceses emigrados como De Bonald 17531840 e Joseph De Maistre 17531821 que procuraram reabilitar um passado morto constantemente através de argumentações racionalistas quej chegavam à beira da loucura até mesmo quando seus objetivos foram í estabelecer as virtudes do irracionalismo mas homens como Edmund Burke na Inglaterra ea escola histórica alemã de juristas que legitimou um antigo regime ainda existente em termos de sua continuidade histórica IV Resta considerar um grupo de ideologias singularmente equilibradas entre a progressiva e a antiprogressiva ou em termos sociais entre a burguesia industrial e o proletariado de um lado e as classes aristocráticas e mercantis e as massas feudais do outro Seus defensores mais importantes foram os radicais homens pequenos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos e os homens da modesta classe média da Europa Central e Meridional abrigados confortavelmente mas não de maneira totalmente satisfatória na estrutura de uma sociedade monárquica e aristocrática Todos acreditavam de alguma forma no progresso Nenhum deles estava preparado para seguilo até suas lógicas conclusões liberais ou socialistas os primeiros pelo fato de que estas conclusões teriam condenado os pequenos artesãos os lojistas os fazendeiros e os pequenos negociantes a serem transformados ou em capitalistas ou em trabalhadores os últimos porque eram muito fracos e depois da experiência da ditadura jacobina muito aterrorizados para desafiar o poderio de seus príncipes de quem eram em muitos casos funcionários As opiniões destes dois grupos portanto combinam os componentes liberais e no primeiro caso implicitamente socialistas com componentes antiliberais e componentes progressistas com antiprogressistas Além disso esta complexidade essencial e contraditória lhes permitia ver mais profundamente a natureza da sociedade do que os liberais progressivos ou antiprogressivos Forçavaos no sentido da dialética O mais importante pensador ou melhor gênio intuitivo deste primeiro grupo de radicais pequenoburgueses já estava morto em 1789 Jean Jacques Rousseau Indeciso entre o individualismo puro e a convicção de que o homem só é ele mesmo em comunidade entre o ideal de um Estado baseado na razão e no receio da razão frente ao sentimento entre o reconhecimento de que o progresso era inevitável e a certeza de que destruiria a harmonia do primitivo homem natural ele expressava seu próprio dilema pessoal tanto quanto o das classes que não podiam aceitar as promessas liberais dos donos de fábricas nem as certezas socialistas dos proletários As opiniões daquele homem neurótico e desagradável mas também grandioso não nos devem preocupar detalhadamente pois não houve uma escola de pensamento especificamente rousseauniana nem de políticos tais exceto por Robespierre e os jacobinos do Ano II Sua influência intelectual foi penetrante e forte especialmente na Alemanha e entre os românticos mas não foi tanto uma influência de um sistema mas uma influência de atitudes e paixões Sua influência entre os plebeus e os radicais pequenoburgueses foi também imensa mas talvez só entre os de espírito mais confuso tais como Mazzini e nacionalistas de sua espécie é que foi predominante Em geral ela se fundiu com adaptações muito mais ortodoxas do racionalismo do século XVIII tais como as de Thomas Jefferson 17431826 e de Thomas Paine 17371809 As recentes modas académicas apresentam uma tendência para interpretálo profundamente mal Têm ridicularizado a tradição que o agrupa junto a Voltaire e aos enciclopedistas como um pioneiro do iluminismo e da Revolução já que foi seu crítico Mas os que foram influenciados por ele então consideravamno como parte do iluminismo e os que reimprimiram suas obras em pequenas oficinas radicias no Princípio do século XIX automaticamente o colocaram ao lado de Voltaire dHolbach e outros Os críticos liberais recentes lhe têm atacado como o precursor do totalitarismo de esquerda Mas de fato ele não exerceu nenhuma influência sobre a principal tradição do comunismo moderno e do marxismo Seus seguidores típicos foram durante todo o nosso período e desde então os radicais pequenoburgueses do tipo jacobino jeffersoniano ou mazziniano fanáticos da democracia do nacionalismo e de um Estado de pequenos homens independentes com igual distribuição de propriedade e algumas atividades de beneficência Em nosso período ele era considerado acima de tudo o paladino da igualdade da liberdade contra a tirania e a exploração o homem nasce livre mas em todas as partes do mundo se acha acorrentado da democracia contra a oligarquia do homem natural simples não estragado pelas falsificações do dinheiro e da educação e do sentimento contra o cálculo frio O segundo grupo que talvez possa ser chamado mais adequadamente o da filosofia alemã era bem mais complexo Além disso visto que seus membros não tinham nem poder para derrubar suas sociedades nem os recursos econômicos para fazer uma revolução industrial tendiam a se concentrar na construção de elaborados sistemas gerais de pensamento Havia poucos liberais clássicos na Alemanha Wilhelm von Humboldt 17671835 irmão do grande cientista foi o mais notável Entre os intelectuais das classes média e superior a atitude mais comum bem adequada a uma classe em que figuravam tantos servidores civis e professores a serviço do Estado era talvez a crença na inevitabilidade do progresso e nos benefícios do avanço econômico e científico combinada à crença nas virtudes de uma administração burocrática de ilustrado paternalismo e um senso de responsabilidade entre as hierarquias superiores O grande Goethe ele mesmo ministro e conselheiro privado de um pequeno Estado ilustra esta atitude muito bem As exigências da classe média constantemente for I muladas filosoficamente como consequência inevitável das tendências da história levadas a termo por um estado erudito tal representa melhor o liberalismo alemão moderado O fato de que os Estados alemães em seu apogeu tinham sempre tomado uma iniciativa eficiente e viva na organização do progresso econômico e educacional c que um completo laissezfaire não fora uma política particularmente vantajosa para os homens de negócios alemães não diminuiu a importância desta atitude Entretanto embora assim possamos assimilar a perspectiva prática dos pensadores da classe média alemã permitida pelas peculiaridades de sua posição histórica àquela de seus oponentes em outros países não é certo que possamos desta maneira explicar a frieza muito marcante em relação ao liberalismo clássico em sua forma pura que atravessa a maior parte do pensamento alemão Os lugarescomuns liberais materialismo ou empirismo filosófico Newton a análise cartesiana e o resto desagradavam muito a maioria dos pensadores alemães em troca o misticismo o simbolismo e as vastas generalizações sobre conjuntos orgânicos os atraíam visivelmente Possivelmente uma reação nacionalista contra a cultura francesa predominante no início do século XVIII intensificava este teutonismo do pensamento alemão Mais provavelmente a persistência da atmosfera intelectual da última época em que a Alemanha tinha sido econômica intelectual e até certo ponto politicamente predominante era responsável por isto pois o declínio do período entre a Reforma e o final do século XVIII tinha preservado o arcaísmo da tradição intelectual alemã exatamente da mesma forma que mantido inalterada a aparência das pequenas cidades alemães do século XVI Em todo caso a atmosfera fundamental do pensamento alemão fosse na filosofia nas ciências ou nas artes diferia marcantemente da principal tradição do século XVIII na Europa Ocidental Em uma época em que a clássica visão do século XVIII estavase aproximando de seus limites isto deu ao pensamento alemão alguma vantagem e ajuda a explicar sua crescente influência intelectual no século XIX Sua expressão mais monumental foi a filosofia clássica alemã um corpo de pensamento criado entre 1760 e 1830 juntamente com a literatura clássica alemã e em íntima ligação com ela Não se deve esquecer que o poeta Goethe era um cientista e um filósofo natural de distinção e o poeta Schiller não só era professor de história mas autor de inestimáveis tratados filosóficos Emanuel Kant 17241804 e Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 são seus dois grandes luminares Depois de 1830 o processo de desintegração que já vimos em ação ao mesmo tempo dentro da economia política clássica a flor intelectual do racionalismo do século XVIII também ocorreu dentro da filosofia alemã Suas consequências foram os jovens hegelianos e finalmente o marxismo A filosofia clássica alemã foi devemos sempre nos lembrar disto um fenómeno verdadeiramente burguês Todas as suas principais figuras Kant Hegel Fichte Schelling saudaram com entusiasmo a Revolução Francesa e de fato permaneceram fiéis a ela durante um considerável tempo Hegel defendeu Napoleão até a batalha de Iena em 1806 O iluminismo foi a estrutura do pensamento típico do século XVIII de Kant e o ponto de partida de Hegel A filosofia de ambos era profundamente impregnada da ideia de progresso o primeiro grande empreendimento de Kant foi sugerir uma hipótese da origem e desenvolvimento do sistema solar enquanto toda a filosofia de Hegel é a da evolução ou a historicidade em termos sociais e do progresso necessário Assim enquanto Hegel desde o início sentiu aversão pela ala de extrema esquerda da Revolução Francesa e finalmente se tornou extremamente conservador ele nunca e em nenhum momento duvidou da necessidade histórica daquela revolução como base e fundamento da sociedade burguesa Além disso ao contrário da maioria dos filósofos académicos posteriores Kant Fichte e notadamente Hegel estudaram alguns economistas os fisiocratas no caso de Fichte os britânicos no caso de Kant e Hegel e é razoável acreditarse que Kant e o jovem Hegel teriamse considerado persuadidos por Adam Smith Esta tendência burguesa da filosofia alemã é em um aspecto mais óbvia em Kant que permaneceu durante toda a sua vida sendo um homem da esquerda liberal entre seus últimos escritos 1795 se encontra um nobre apelo em favor da paz universal mediante uma federação mundial de repúblicas que renunciariam à guerra mas em outro aspecto é mais obscura do que em Hegel No pensamento de Kant confinado na modesta e simples residência de um professor na remota região prussiana de Koenigsberg o conteúdo social tão específico nos pensadores ingleses e franceses é reduzido a uma abstração austera embora sublime particularmente a abstração moral da vontade O pensamento de Hegel é como sabem todos os seus leitores por penosa experiência bastante abstrato Ainda assim ao menos inicialmente é evidente que suas abstrações são tentativas de buscar um acordo com a sociedade a sociedade burguesa e de fato em sua análise do trabalho como o fator fundamental da humanidade o homem faz as ferramentas porque é um ser dotado de razão e esta é a primeira expressão de sua Vontade como diza ele em suas conferências de 18056 Hegel empunhou de uma maneira abstrata as mesmas ferramentas que os economistas clássicos liberais e incidentalmente forneceu um de seus princípios a Marx Contudo desde o princípio a filosofia alemã diferia do liberalismo clássico em importantes aspectos mais notadamente em Hegel do que em Kant Em primeiro lugar era deliberadamente idealista e rejeitava o materialismo ou o empirismo da tradição clássica Em segundo lugar enquanto a unidade básica da filosofia de Kant é o indivíduo embora sob a forma de consciência individual o ponto de partida de Hegel é o coletivo isto é a comunidade que ele vê se desintegrando em indivíduos sob o impacto do desenvolvimento histórico E de fato a famosa dialética hegeliana a teoria do progresso em qualquer campo através da interminável resolução de contradições bem pode ter recebido seu estímulo inicial deste profundo conhecimento da contradição entre o individual e o coletivo Além do mais desde o início sua posição à margem da área do impetuoso avanço liberalburguês e talvez sua completa inabilidade de participar dele fez com que os pensadores alemães se sentissem mais conscientes de seus limites e contradições Sem dúvida era inevitável mas não foi ela que trouxe grandes perdas e grandes ganhos Não deveria por seu turno ser substituída Portano concluímos que a filosofia clássica especialmente a hegeliana corre paralelamente à visão de mundo impregnada de dilemas de Rousseau embora contrariamente a ele os filósofos fizessem esforços titânicos para incluir suas contradições em sistemas únicos abrangentes e intelectualmente coerentes Rousseau incidentalmente teve uma enorme influência emocional sobre Emanuel Kant que segundo se diz interrompeu seu invariável hábito de dar um costumeiro passeio vespertino somente duas vezes uma pela queda da Bastilha e outra durante vários dias para a leitura de Émile Na prática os desapontados filósofos revolucionários enfrentavam o problema da reconciliação com a realidade que no caso de Hegel tomou a forma após anos de hesitação permaneceu indeciso a respeito da Prússia até depois da queda de Napoleão e como Goethe não teve interesse nas guerras de libertação de uma idealização do Estado prussiano Na teoria a transitoriedade da sociedade historicamente condenada foi construída dentro de sua filosofia Não havia verdade absoluta Nem sequer o mesmo desenvolvimento do processo histórico que teria lugar através da dialética da contradição e era entendido por um método dialético ou pelo menos assim o acreditavam os jovens hegelianos da décadade 1830 prontos a seguir a lógica da filosofia clássica alemã além do ponto em que seu grande professor desejou parar pois estava ansioso um tanto ilogicamente para terminar a história com a noção da Ideia Absoluta como depois de 1830 estiveram dispostos a retomar a estrada da revolução que seus predecessores haviam abandonado ou como Goethe nunca tinham escolhido para trilhar Mas o resultado da revolução em 183048 não foi tão somente a conquista do poder pela classe média liberal E o intelectual revolucionário que surgiu da desintegração da filosofia clássica alemã não foi um girondino ou um filósofo radical mas sim Karl Marx Assim o período da revolução dupla viu o triunfo e a mais elaborada expressão das radicais ideologias da classe média liberal e da pequena burguesia e sua desintegração sob o impacto dos Estados e das sociedades que haviam contribuído para criar ou pelo menos recebido de braços abertos O ano de 1830 que marca o renascimento do maior movimento revolucionário da Europa Ocidental depois da quietude que se seguiu à vitória de Waterloo também marca o início de sua crise Tais ideologias ainda sobreviveriam embora bastante diminuídas nenhum economista liberal clássico do último período tinha a estatura de Smith ou de Ricardo nem sequer J S Mil que se tornou o típico filósofoeconomista liberai britânico da década de 1840 nenhum filósofo clássico alemão viria a ter o alcance ou o poder de Kant e Hegel e os girondinos e jacobinos da França de 1830 1848 e depois disso seriam pigmeus comparados a seus ancestrais de 178994 Os Mazzinis da metade do século XIX não podiamse comparar de forma alguma com os Jean Jacqucs Rousseau do século XVIII Mas a grande tradição a principal corrente de desenvolvimento intelectual desde a Renascença não morreu foi transformada em seu oposto Marx foi em estatura e enfoque o herdeiro dos economistas e filósofos clássicos Mas a sociedade da qual ele esperava se tornar profeta e arquiteto era muito diferente da deles Capítulo Catorze As Artes Sempre há um gosto da moda um gosto para escrever as cartas um gosto para representar Hamlet um gosto pelas leituras filosóficas um gosto pelo simples um gosto pelo tétrico um gosto pelo terno um gosto pelo feio um gosto pelos bandidos um gosto pelos fantasmas um gosto pelo diabo um gosto pelas dançarinas francesas e as cantoras italianas pelas suíças e tragédias alemãs um gosto por gozar os prazeres do campo em novembro e os do inverno em Londres até o fim da canícula um gosto pela fabricação de sapatos um gosto por viagens pitorescas um gosto pelo próprio gosto ou por fazer ensaios sobre o gosto A Querida Sra Pinmoney em T L Peacock Melincourt 1816 Em proporção à riqueza do país quão poucos são os belos prédios na GrãBretanha que escasso o emprego de capital em museus quadros pérolas objetos raros palácios teatros e outros objetos improdutivos Isto que é o principal fundamento da grandeza do país é constantemente verificado pelos viajantes estrangeiros e por alguns de nossos próprios jornalistas como uma prova de nossa inferioridade S Laing Notas de um Viajante sobre as Condições Políticas e Sociais da França Prússia Suíça Itália e outras partes da Europa 1842 I A primeira coisa que surpreende a qualquer um que tente analisar o desenvolvimento das artes neste período de revolução dupla é seu extraordinário florescimento Meio século que inclui Beethoven e Schubert o maduro e velho Goethe osjovens Dickens Dostoievsky Verdi e Wagner o último de Mozart e toda ou a maior parte de Goya Pushkin e Balzac para não mencionarmos um batalhão de homens que seriam gigantes em qualquer outra companhia pode servir de comparação com qualquer outro período de mesma duração na história do mundo Grande parte desta extraordinária abundância se deveu à ressurreição e expansão das artes que atraíram um público erudito em praticamente todos os países europeus Ao invés de saturar o leitor com um longo catálogo de nomes é melhor ilustrarmos a amplitude e profundidade deste renascimento cultural fazendose ocasionais cortes transversais em nosso período Assim em 17891801 o cidadão que sentisse prazer com as inovações artísticas podiase deleitar com as Baladas Líricas de Wordsworth e Coleridge em inglês várias obras de Goethe Schiller Jean Paul e No valis em alemão ao mesmo tempo em que ouvia a Criação e as Estações de Haydn e a Primeira Sinfonia e os Primeiros Quartetos de Cordas de Beethoven Nestes anos J L David terminou seu Retraio de Madame Recamier e Goya o seu Retraio da Família do Rei Carlos IV Em 18246 este cidadão poderia ter lido vários novos romances de Walter Scott em inglês os poemas de Leopardi e as Promessi Sposi de Manzoni em italiano os poemas de Victor Hugo e Alfred de Vigny em francês e se fosse capaz as primeiras partes de Eugene Onegin de Pushkin em russo e as recémeditadas sagas nórdicas A Nona Sinfonia de Beethoven A Morte e a Donzela de Schubert a primeira obra de Chopin e o Oberon de Weber datam destes anos assim como os quadros O Massacre de Chios de Delacroix e a Carreta de Feno de Constable Dez anos mais tarde 18346 a literatura produziu na Rússia O Inspetor Geral de Gogol e A Dama de Espadas de Pushkin na França o Pai Goriot de Balzac e obras de Musset Hugo Théophile Gautier Vigny Lamartine e Alexandre Dumas pai na Alemanha as obras de Blichner Grabbe e Heine na Áustria as de Grillparzer e Nestroy na Dinamarca as de Hans Andersen na Polónia o Pan Tadeusz de Mie Ikiewicz na Finlândia a edição fundamental da epopeia nacional Kale Ivala na GrãBretanha a poesia de Browning e Wordsworth A música icriou óperas de Bellini e Donizetti na Itália as obras de Chopin na Polónia de Glinka na Rússia Constable pintava na Inglaterra Caspar David Friedrich na Alemanha Um ou dois anos antes e depois deste triénio nos trazem as Anotações de Pickwick de Dickens A Revolução Francesa de Carlyle a segunda parte do Fausto de Goethe ospoemas de Platen Eichendorff e Mòerike na Alemanha as importan I tes contribuições à literatura húngara e flamenga bem como novas Ipublicações dos mais importantes escritores franceses poloneses e russos e na música o Davidsbuendlertaenze de Schumann e o Réquiem de Berlioz Destas amostras casuais duas coisas ficam patentes A primeira delas é a difusão extraordinariamente grande dos acontecimentos artísticos entre as nações Isto era novo Na primeira metade do século XIX a literatura e a música russas surgiram repentinamente como uma força mundial assim como de maneira bem mais modesta aconteceu com a literatura americana com Fenimore Cooper 17871851 Edgar Allan Poe 180949 e Herman Melville 1819 1891 O mesmo se deu em relação à música e literatura polonesas e húngaras e pelo menos sob a forma de publicação de canções folclóricas contos de fadas e épicos em relação à literatura nórdica e dos Bálcans Além disso em várias destas recémcriadas culturas literárias o êxito foi imediato e insuperável Pushkin 17991837 por exemplo continua sendo o poeta russo clássico Mickiewicz 17981855 o maior dos poloneses Petoefi 182349 o poeta nacional húngaro O segundo fato evidente é o excepcional desenvolvimento de certas artes e géneros A literatura por exemplo e dentro dela o romance Provavelmente nenhum meio século contém uma maior concentração de romancistas imortais Stendhal e Balzac na França Jane Austen Dickens Thackeray e as irmãs Brontê na Inglaterra Gogol o jovem Dostoievsky e Turgenev na Rússia O primeiro trabalho de Tolstoi apareceu na década de 1850 A música talvez seja algo ainda mais surpreendente O repertório padrão de concertos ainda se baseia grandemente nos compositores ativos neste período Mozart e Haydn embora realmente pertençam a uma época anterior Beethoven e Schubert Mendelssohn Schumann Chopin e Liszt O período clássico da música instrumental foi principlamente o das grandes obras alemãs e austríacas mas um género a ópera floresceu mais amplamente e talvez com mais sucesso do que qualquer outro com Rossini Donizetti Bellini e o jovem Verdi na Itália com Weber e o jovem Wagner para não mencionarmos as duas últimas óperas de Mozart na Alemanha Glinka na Rússia e várias figuras de menor importância na França A lista das artes plásticas por outro lado é menos brilhante com a exceção parcial da pintura A Espanha produziu com Francisco Goya y Lucientes 1746 1828 um de seus intermitentes grandes artistas e um dos maiores pintores de todos os tempos Podese dizer que a pintura britânica com J M W Turner 17751851 e John Constable 1776 1837 alcançou um nível de maestria e de originalidade um pouco mais alto do que o do século XVIII e foi certamente mais influente em termos internacionais do que em qualquer época anterior ou posterior podese também sustentar que a pintura francesa com J L David 1748 1825 J L Géricault 17911824 J D Ingres 17801867 F E Delacroix 17901863 Honoré Daumier 180879 e o jovem Gustave Courbet 181977 foi tão eminente quanto havia sido em outras épocas de sua história Por outro lado a pintura italiana chegou virtualmente ao fim de seus séculos de glória e esplendor e a pintura alemã não chegou nem perto dos extraordinários triunfos da literatura e da música ou os que lhe foram próprios no século XVI A escultura em todos os países foi marcantemente menos brilhante do que no século XVIII e o mesmo se deu com a arquitetura apesar de algumas obras notáveis na Alemanha e na Rússia De fato os maiores empreendimentos arquitetônicos do período foram sem dúvida obra dos engenheiros O que determina o florescimento ou o esgotamento das artes em qualquer período ainda é muito obscuro Entretanto não há dúvida de que entre 1789 e 1848 a resposta deve ser buscada em primeiro lugar no impacto da revolução dupla Se fôssemos resumir as relações entre o artista e a sociedade nesta época em uma só frase poderíamos dizer que a Revolução Francesa inspiravao com seu exemplo que a revolução industrial com seu horror enquanto a sociedade burguesa que surgiu de ambas transformava sua própria experiência e estilos de criação Neste período sem dúvida os artistas eram diretamente inspirados e envolvidos pelos assuntos públicos Mozart escreveu uma ópera propagandística para a altamente política maçonaria A Flauta Mágica em 1790 Beethoven dedicou a Eroica a Napoleão como o herdeiro da Revolução Francesa Goethe foi pelo menos um homem de Estado e laborioso funcionário Dickens escreveu romances para atacar os abusos sociais Dostoievsky foi condenado à morte em 1849 por atividades revolucionárias Wagner e Goya foram para o exílio político Pushkin foi punido por se envolver com os dezembristas e toda a Comédia Humana de Balzac é um monumento de consciência social Nunca foi menos verdadeiro definir os artistas criativos como não comprometidos Os que assim o faziam os gentis decoradores de palácios rococó e vestiários de senhoras ou os fornecedores de peças às coleções dos milordes ingleses visitantes foram precisamente aqueles cuja arte definhou Quantos de nós se recorda de que Fragonard sobreviveu à Revolução por 17 anos Mesmo a arte aparentemente menos política a música teve as mais fortes vinculações políticas Este talvez tenha sido o único período na história em que as óperas eram escritas ou consideradas como manifestos políticos e armas revolucio nárias O elo entre os assuntos públicos e as artes é particularmente forte nos países onde a consciência nacional e os movimentos de libertação ou de unificação nacional estavamse desenvolvendo cf capítulo 7 Não foi por acaso que o despertar ou ressurreição das culturas literárias nacionais na Alemanha na Rússia na Polónia na Hungria nos países escandinavos e em outras partes coincidisse com e de fato fossem sua primeira manifestação a afirmação da supremacia cultural da língua vernácula e do povo nativo frente a uma cultura aristocrática e cosmopolita que constantemente empregava línguas estrangeiras E bastante natural que este nacionalismo encontrasse sua expressão cultural mais óbvia na literatura e na música ambas artes públicas que podiam além disso contar com a poderosa herança criadora do povo comum a linguagem e as canções folclóricas E igualmente compreensível que as artes tradicionalmente dependentes de comissões das classes dirigentes cortes governo nobreza a arquitetura e a escultura e até certo ponto a pintura refletissem menos estes renascimentos nacionais A ópera italiana floresceu como nunca mais como uma arte popular que cortesã enquanto a pintura italiana e sua arquitetura morriam E claro que não se deve esquecer que estas novas culturas nacionais estavam limitadas a uma minoria de letrados e às classes superiores e médias Com a provável exceção da ópera italiana das reproduções gráficas da arte plástica e de alguns pequenos poemas e canções nenhuma das grandes realizações artísticas deste período estava ao alcance dos analfabetos ou dos pobres A maioria dos habitantes da Europa as desconheciam por completo até que o nacionalismo de massa ou os movimentos políticos as convertessem em símbolos coletivos A literatura é claro teria a maior circulação embora principalmente entre as crescentes e novas classes médias que proporcionavam um mercado particularmente vasto especialmente entre as mulheres desocupadas para romances e longas narrativas poéticas Os autores bem sucedidos raramente gozaram de uma maior prosperidade relativa Byron recebeu 2600 libras pelos três primeiros cantos de Childe Harold O palco embora socialmente muito mais restrito também alcançava um público de milhares de pessoas A música instrumental não marchava tão bem exceto em países burgueses como a Inglaterra e a França e países com sede de cultura como as Américas onde grandes concertos públicos eram executados com frequência Logo vários compositores e virtuosos do continente europeu tinham sua atenção voltada para o lucrativo mercado anglosaxão Em outros países os concertos eram patrocinados pela aristocracia local ou pela iniciativa privada dos aficcionados A pintura se destinava desde sempre ao comprador individual e desaparecia da vista do público após sua primeira apresentação nas salas de exposição ou nas galerias dos marchandes embora as exibições públicas fossem agora bem estabelecidas Os museus e as galerias de arte que foram fundados ou abertos ao público neste período como o Louvre e a National Gallery de Londres fundados em 1826 apresentavam mais a arte do passado que a do presente A estampa a gravação e a litografia por outro lado estavam rriuito generalizadas porque eram baratas e começavam a invadir os jornais A arquitetura com exceção de um certo número de construções arriscadas de habitações particulares continuava a trabalhar principalmente para encargos públicos ou privados II Mas mesmo as artes de uma pequena minoria social ainda podem fazer ecoar o trovão dos terremotos que abalam toda a humanidade Assim ocorreu com a literatura e as artes de nosso período e o resultado foi o romantismo Como um estilo uma escola uma época artística nada é mais difícil de definir ou mesmo de descrever em termos de análise formal nem mesmo o classiscismo contra o qual o romantismo assegurava erguer a bandeira da revolta Os próprios românticos pouco nos ajudam pois embora suas próprias descrições sobre o que buscavam fossem firmes e decididas também careciam frequentemente de um conteúdo racional Para Victor Hugo o romantismo surgiu para fazer o que a natureza faz fundirse com as criações da natureza mas ao mesmo tempo não misturálas sombra e luz o grotesco e o sublime em outras palavras o corpo e a alma o animal com o espiritual Para Charles Nodier este último refúgio do coração humano cansado dos sentimentos comuns é o que se chama de género romântico uma poesia estranha bastante apropriada à condição moral da sociedade às necessidades de gerações saciadas que gritam por sensações a qualquer custo Novalis achava que o romantismo buscara dar um maior sentido ao que é costumeiro um infinito esplendor ao finito Hegel sustentava que a essência da arte romântica está na existência livre e concreta do objeto artístico e na ideia espiritual em sua verdadeira essência tudo isto revelado a partir do interior mais do que pelos sentidos Pouco se pode inferir destas afirmativas o que era de se esperar pois os românticos preferiam as luzes bruxuleantes e difusas à claridade E ainda assim embora escape a uma classificação já que suas origens e conclusão se dissolvem à medida em que se tenta datálas e que o critério mais agudo se perca em generalidades tão logo tenta definilo ninguém duvida seriamente da existência do romantismo ou de nossa capacidade em reconhecêlo Em um sentido estrito o romantismo surgiu como uma tendência militante e consciente das artes na GrãBretanha França e Alemanha por volta de 1800 no final da década da Revolução Francesa e em uma área bem mais ampla da Europa e da América do Norte depois da batalha de Waterloo Foi precedido antes da Revolução principalmente na Alemanha e na França pelo que tem sido chamado de préromantismo d Jean Jacques Rousseau e a tempestade e violência dos jovens poetas alemães Provavelmente a era revolucionária de 183048 assistiu a maior voga europeia do romantismo No sentido mais amplo ele dominou várias das artes criadoras da Europa desde o começo da Revolução Francesa Neste sentido os elementos românticos em um compositor como Beethoven um pintor como Goya um poeta como Goethe e um romancista como Balzac são fatores cruciais de sua grandeza assim como não o são digamos em Haydn ou Mozart Fragonard ou Reynolds Mathias Claudius ou Choderlos de Laclos todos os quais alcançaram o nosso período embora nenhum daqueles homens pudesse ser inteiramente tachado de romântico nem considerasse a si mesmo como tal Em um sentido ainda mais amplo o enfoque da arte e dos artistas característicos do romantismo se tornou o enfoque padrão da classe média do século XIX e ainda conserva muito de sua influência Entretanto embora não seja absolutamente claro quais eram os propósitos do romantismo é bastante evidente o que o romantismo combatia o termo médio Qualquer que seja o seu conteúdo era um credo extremista Os artistas e pensadores românticos no sentido mais estrito são encontrados na extrema esquerda como o poeta Shelley ou na extrema direita como Chateaubriand e Novalis saltando da esquerda para a direita como Wordsworth Coleridge e numerosos defensores desapontados da Revolução Francesa saltando do monarquismo para a extrema esquerda como Victor Hugo mas quase nunca entre os moderados ou liberais ingleses do centro racionalista que de fato eram os fiéis mantenedores do classicismo Não tenho qualquer respeito pelos whigh disse o velho tory Wordsworth mas tenho muito do cartismo dentro de mim Seria demasiado chamálo de um credo antiburguês pois o elemento conquistador e revolucionário das classes jovens ainda capaz de provocar tempestades fascinava também os românticos Napoleão se tornou um de seus heróis míticos como Satã Shakespeare o judeu errante e outros pecadores que se colocavam mais além dos limites comuns da vida O elemento demoníaco na acumulação capitalista a busca ininterrupta e ilimitada de mais além dos cálculos da racionalidade ou do propósito a necessidade ou os extremos do luxo tudo isso os encantava Alguns de seus heróis mais característicos Fausto e Don Juan compartilhavam esta insaciável ganância com os bucaneiros do mundo dos negócios dos romances de Balzac E ainda assim o elemento romântico permaneceu subordinado mesmo na fase da revolução burguesa Rosseau forneceu alguns dos acessórios da Revolução Francesa mas dominoua somente na época em que ultrapassou o liberalismo burguês o período de Robespierre E mesmo assim seu hábito básico era romano racionalista e neoclássico David foi seu pintor a Razão seu Ser Supremo O romantismo não é portanto simplesmente classificável como um movimento antiburguês De fato no préromantismo das décadas anteriores à Revolução Francesa muitos de seus slogans característicos tinham sido usados para a glorificação da classe média cujos sentimentos verdadeiros e simples para não dizermos insípidos haviam sido favoravelmente contrastados com a firme camada superior de uma sociedade corrupta e cuja confiança espontânea na natureza estava destinada segundo se acreditava a varrer o artifício da corte e do clericalismo Entretanto já que a sociedade burguesa triunfara de fato nas Revoluções Francesa e industrial o romantismo inquestionavelmente se transformou em seu inimigo instintivo e pode muito justamente ser considerado como tal Sem dúvida sua apaixonada confusa porém profunda revolta contra a sociedade burguesa se devia aos interesses egoístas dos dois grupos que lhe forneciam suas tropas de choque os jovens socialmente deslocados e os artistas profissionais Nunca houve um período para jovens artistas vivos ou mortos como o período romântico as Baladas Líricas 1789 foram obra de homens íoiti 70 e poucos anos de idade Byron tornouse famoso da noite para o aia aos 24 anos idade em que Shelley já era famoso e em que Keats já estava quase em sua cova A carreira poética de Victor Hugo começou quando tinha 20 anos a de Musset aos 23 Schubert escreveu Erlkoenig aos 18 anos morrendo aos 31 Delacroix pintou o Massacre de Chios aos 25 anos e Petoefi publicou seus Poemas aos 21 Uma reputação não obtida ou uma obraprima não produzida até os 30 anos é uma raridade entre os românticos A juventude especialmente a estudantil ou intelectual era o seu habitat natural foi durante este período que o Quartier Latin de Paris voltou a ser pela primeira vez desde a Idade Média não só o lugar onde se encontrava a Sorbonne mas um conceito cultural e político O contraste entre um mundo na teoria totalmente aberto ao talento e na prática com cósmica injustiça monopolizado pelos burocratas sem alma e barrigudos filisteus clamava aos céus As sombras da prisão o casamento a carreira respeitável a absorção pelo filisteísmo envolviaos e os pássaros da noite na forma de seus antecessores lhes agouravam com frequente precisão sua inevitável sentença como o registrador Heerbrand na obra de T A Hoffmann Goldener Topf predisse sorrindo maliciosamente e misteriosamente o pavoroso futuro de um conselheiro da corte para o poético estudante Anselmo Byron tinha o espírito bastante iluminado para prever que só uma morte extemporânea tinha a possibilidade de salválo de uma respeitável velhice e A W Schlegel demonstrou que ele estava certo Claro que nada havia de universal nesta revolta dos jovens contra os mais velhos Não era senão um reflexo da sociedade criada pela revolução dupla Ainda assim a forma histórica específica desta alienação certamente coloriu uma grande parte do romantismo Assim e inclusive com maior alcance a alienação do artista que reagia contra ela transformandose em o gênio foi uma das invenções mais características da era romântica Aonde a função social do artista é clara sua relação direta com o público a pergunta do que deve dizer e como dizêlo respondida pela tradição a moralidade a razão e algum outro padrão aceito um artista pode ser um gêniomas raramente se comporta como tal Os poucos que se adiantaram ao padrão do século XIX um Michelangelo um Caravaggio ou um Salvator Rosa se destacam do exército de homens do tipo artesãos profissionais e entretenedores os Johann Sebastian Bach os Handel os Haydn e Mozart os Fragonard e Gainsborough da era pré revolucionária Aonde se conservou algo semelhante à antiga situação social depois da revolução dupla o artista continuou sem considerarse um gênio embora não lhe faltasse futilidade Os arquitetos e engenheiros que trabalhavam por encomendas específicas continuavam a produzir estruturas de uso óbvio que se lhes impunham formas claramente compreensíveis É significativo que a grande maioria de construções características e famosas do período entre 1789 e 1848 sejam neoclássicas como a Madeleine o Museu Britânico a catedral de S Isaac em Leningrado a Londres de Nash a Berlim de Schinkel ou funcionais como as maravilhosas pontes canais construções ferroviárias fábricas e estufas daquela época de beleza técnica Entretanto à parte seus estilos os arquitetos e engenheiros daquela época se comportavam como profissionais e não como gênios Também nas formas genuinamente populares de arte como a ópera na Itália ou em um nível socialmente mais alto o romance na Inglaterra compositores e escritores continuavam a trabalhar para divertir os demais e consideravam a supremacia da bilheteria como uma condição natural de sua arte e não como uma conspiração contra sua musa Rossini não gostaria de produzir uma ópera não comercial da mesma forma como o jovem Dickens escrever um romance que não pudesse ser apresentado em seriados ou hoje em dia o libretista de um musical moderno um texto que fosse representado na forma em que foi rascunhado Isto também pode ajudar a explicar por que a ópera italiana desta época era tão a romântica apesar de seu natural prazer vulgar pelo sangue o trovão e situações fortes O problema real era o do artista apartado de uma função reconhecida patrono ou público e deixado para lançar sua alma como uma mercadoria em um mercado cego que seria comprada ou não ou para trabalhar dentro de um sistema de patronagem que teria sido em geral economicamente insustentável mesmo se a Revolução Francesa não tivesse estabelecido sua indignidade humana O artista portanto estava só gritando dentro da noite sem nem mesmo a certeza de um eco Era simplesmente natural que se considerasse um gênio que criasse somente aquilo que levava dentro de si sem consideração pelo mundo e como desafio a um público cujo único direito em relação a ele era aceitálo em seus próprios termos ou rejeitálo de todo Na melhor das hipóteses esperava ser entendido como Stendhal por uns tantos eleitos ou por uma posteridade indefinida na pior das hipóteses escrevia dramas impossíveis de serem representados como Grabbe ou mesmo a segunda parte do Fausto de Goethe ou composições para orquestras irrealisticamente gigantescas como Berlioz alguns enlouqueciam pomo Hõlderlin Grabbe de Nerval e vários outros De fato o gênio incompreendido era às vezes amplamente recompensado por príncipes acostumados às excentricidades de amantes ou aos gastos que davam prestígio ou por uma burguesia enriquecida ansiosa em manter contato com as coisas mais altas da vida Franz Liszt 181186 jamais passou fome no proverbial sótão romântico Poucos jamais tiveram sucesso em realizar suas fantasias megalomaniacas como Richard Wagner Entretanto entre 1789 e 1848 os príncipes de revoluções frequentemente suspeitavam das artes não líricas e a burguesia estava mais engajada em acumular dinheiro do que em gastálo Os gênios eram portanto em geral não só incompreendidos mas também pobres E a maioria deles revolucionários A juventude e os gênios mal compreendidos produziam a reação romântica contra os filisteus a moda de atormentar e chocar os burgueses a ligação com o submundo e a boémia termos estes que adquiriram sua atual conotação durante o período romântico o gosto pela loucura ou por coisas normalmente censuradas pelos respeitáveis padrões e instituições Mas isto era só uma pequena parte do romantismo A enciclopédia de extremismos eróticos de Mário Praz não é mais representativa da agonia romântica do que uma discussão a respeito de esqueletos e espectros no simbolismo elizabeteano é uma crítica de Hamlet Por trás do descontentamento dos românticos como jovens e ocasionalmente também como mulheres jovens já que foi este o primeiro período em que as mulheres do continente europeu apareceram como artistas em posse de seus plenos direitos e em considerável número e como artistas havia um descontentamento mais genérico em relação ao tipo de sociedade que surgia a partir da revolução dupla A análise social precisa nunca foi o forte dos românticos e de fato desconfiavam do resoluto raciocínio mecânico e materialista do século XVIII simbolizado por Nevvton o bicho papão de William Blake e Goethe que corretamente viam como o século das principais ferramentas com que a sociedade burguesa fora construída Consequentemente não podemos esperar que fizessem uma crítica arrazoada da sociedade burguesa embora algo parecido a uma crítica se envolvesse no místico manto da filosofia da natureza e se movesse por entre as agitadas nuvens metafísicas formadas dentro de uma ampla estrutura romântica que contribuiu entre outras coisas para a filosofia de Hegel vide cap 1311 Uma crítica semelhante também se desenvolveu em relâmpagos visionários muito próximos da excentricidade ou mesmo da loucura entre os primeiros socialistas utópicos da França Os primeiros seguidores de SaintSimon embora não o seu líder e especialmente Fourier dificilmente podem ser considerados outra coisa que românticos O resultado mais duradouro desta crítica romântica foi o conceito de alienação humana que iria desempenhar um papel crucial em Marx e a insinuação da perfeita sociedade do futuro Entretanto a crítica mais eficaz e poderosa da sociedade burguesa viria não daqueles que a rejeitavam e com ela as tradições dos clássicos ciência e racionalismo do século XVII no todo e a priori mas sim daqueles que levaram as tradições do pensamento clássico burguês a suas conclusões antiburguesas O socialismo de Robert Owen não tinha sequer o mínimo elemento de romantismo em si mesmo seus componentes eram inteiramente os do racionalismo do século XVIII e da mais burguesa das ciências a economia política O próprio SaintSimon seria melhor descrito como uma prolongação do iluminismo É significativo que o jovem Marx formado na tradição alemã isto é primordialmente romântica se tenha transformado no criador do marxismo só quando combinou seu pensamento com a crítica socialista francesa e a teoria totalmente aromântica da economia política inglesa E foi a economia política que forneceu a essência de seu pensamento amadurecido III Nunca é prudente negligenciar as razões do coração que a própria razão desconhece Como pensadores dentro dos limites de referência ditados pelos economistas e físicos os poetas se encontravam sobrepujados mas não só viam mais profundamente que aqueles como também às vezes com mais clareza Poucos homens compreenderam o terremoto social causado pela máquina e pela fábrica antes de William Blake na década de 1790 quando em Londres havia ainda pouco mais que algumas oficinas e olarias Com algumas exceções os melhores comentários sobre os problemas da urbanização na Inglaterra se deveram aos escritores criativos cujas observações frequentemente de aparência irrealista demonstraram ser um indicador utilíssimo da grande evolução urbana de ParisCarlyle foi um guia mais confuso porém mais profundo para a Inglaterra em 1840 do que o cuidadoso estatístico e compilador JR McCulloch e se JS Mill é melhor do que outros utilitaristas é porque uma crise pessoal fez com que ele sozinho percebesse o valor dos críticos alemães românticos da sociedade Goethe e Coleridge A crítica romântica do mundo embora mal definida não era portanto desprezível A ansiedade que se convertia em obsessão nos românticos era a recuperação da unidade perdida entre o homem e a natureza O mundo burguês era profunda e deliberadamente anti social Ele impiedosamente quebrou os fortes laços feudais que uniam o homem a seus superiores naturais e não deixou nenhum outro vínculo entre os homens a não ser o puro interesse pessoal e o insensível pagamento em espécie Ele afogou os mais divinos êxtases de fervor religioso de entusiasmo nobre de sentimentalismo filisteu na congelada água do cálculo egoísta Transformou o valor pessoal em valor de troca e em lugar das inumeráveis e inquebrantáveis liberdades ergueu uma simples e inescrupulosa liberdade a liberdade de Comércio Esta é a voz do Manifesto Comunista mas ela fala também por todos os românticos Um mundo deste tipo podia dar conforto e riqueza aos homens embora na verdade parecesse evidente que este mundo também tornava os outros em número infinitamente maior famintos e miseráveis mas deixou suas almas desnudas e solitárias Deixouos sem pátria e sem lar perdidos no universo como se fossem seres alienados Uma fenda revolucionária na história do mundo impediuos de evitar esta alienação com a decisão de nunca deixar o velho lar Os poetas do romantismo alemão sabiam melhor que ninguém que a salvação consistia somente na simples e modesta vida de trabalho que se desenrolava naquelas idílicas cidadezinhas pré industriais que salpicavam as paisagens de sonho por eles descritas da maneira mais irresistível E ainda assim seus jovens deviam partir para fazer por definição a infindável busca da flor azul ou simplesmente para vagar para sempre cheios de melancolia cantando as líricas de Eichendorff ou as canções de Schubert A canção dos andarilhos é sua toada e a nostalgia sua companheira constante Novalis chegou mesmo a definir a filosofia nestes termos Três fontes abrandaram a sede da perdida harmonia entre o homem e o mundo a Idade Média o homem primitivo ou o que dá no mesmo o exotismo e o povo folk e a Revolução Francesa A primeira atraiu principalmente os românticos da reação A estável ordem social da idade feudal o lento produto orgânico das eras colorido de heráldica envolto pelos sombrios mistérios das florestas de contos de fada e coberto pelo dossel do inquestionável céu cristão era o evidente paraíso perdido dos oponentes conservadores da sociedade burguesa cujo gosto pela devoção a lealdade e um mínimo de cultura entre os mais modestos a Revolução Francesa tinha simplesmente aguçado Com as naturais variações locais esse era o ideal que Burke atirava contra o rosto dos enfurecidos racionalistas da Bastilha em sua obra Reflexões sobre a Revolução Francesa 1790 Entretanto onde este sentimento encontrou sua expressão clássica foi na Alemanha um pais que neste período adquiriu algo assim como o monopólio do sonho medieval talvez porque a organizada Gemuetlichkeit que parecia reinar sob os castelos do Reno e da Floresta Negra prestavase mais prontamente à idealização do que a imundície e a crueldade de países mais genuinamente medievais Em todo caso o medievalismo foi um componente bem mais forte do romantismo alemão do que qualquer outro e se irradiou para fora da Alemanha sob a forma de óperas ou do bale romântico Freischuetz ou Giselle de Weber dos Contos de Fadas de Grimm ou de teorias históricas que inspiraram escritores como Coleridge ou Carlyle Entretanto na forma mais genérica de um renascimento gótico o medievalismo foi o escudo dos conservadores e especialmente dos religiosos antiburgueses em toda a parte Chateaubriand exaltou o gótico em sua obra Espírito do Cristianismo 1802 contra a Revolução os defensores da Igreja da Inglaterra o favoreciam contra os racionalistas e não conformistas cujos prédios permaneceram clássicos o arquiteto Pugin e o Movimento de Oxford ultrareacionário e de tendência católica da década de 1830 eram góticos até a raiz dos cabelos Enquanto isto da nevoenta Escócia remota há muito um país capaz de todos os sonhos arcaicos como os poemas forjados e atribuídos ao bardo Ossian o conservador Walter Scott supria a Europa com mais um conjunto de imagens medievais em seus romances históricos O fato de que o melhor de seus romances tratasse de períodos bastante recentes da história escapou da atenção do público Ao lado desta preponderância do medievalismo conservador que os governos reacionários surgidos depois de 1815 procuraram traduzir em periclicantes justificativas do absolutismo cf cap 12111 o medievalismo de esquerda carecia de importância Na Inglaterra existia principalmente como uma corrente no movimento radical popular que tendia a ver o período anterior à Reforma como uma idade de ouro do trabalhador e a Reforma como o primeiro grande passo em direção ao capitalismo Na França foi muito mais importante pois ali sua ênfase não era colocada sobre a hierarquia feudal e a ordem católica mas sim sobre o povo eternamente sofredor turbulento e criativo a nação francesa sempre reafirmando sua identidade e sua missão Jules Michelet poeta e historiador foi o maior destes medievalistas democrático revolucionários Victor Hugo criou com o Corcunda de Notre Dame o mais conhecido produto daquela preocupação Intimamente aliada ao medievalismo especialmente através de sua preocupação com as tradições da religiosidade mística estava a busca dos mais antigos mistérios e fontes da sabedoria irracional do Oriente os reinos românticos mas também conservadores de Kublai Khan ou dos brâmanes Desde sempre o descobridor do sânscrito Sir Wiiliam Jones foi um sincero whig radical que saudou as revoluções francesa e americana como um cavalheiro erudito mas o resto dos entusiastas do Oriente e os escritores de poemas pseudopersas de cujo entusiasmo nasceu uma grande parte do moderno orientalismo pertenciam à tendência antijacobina É característico que a índia dos brâmanes fosse sua meta espiritual ao invés do racional e irreligioso império chinês que havia preocupado as imaginações exóticas do iluminismo do século XVIII IV O sonho da perdida harmonia do homem primitivo tem uma história bem mais longa e complexa Sempre havia sido um sonho avassaladoramente revolucionário tanto sob a forma da idade de ouro do comunismo como na da igualdade quando Adão cavava e Eva fiava quando o livre povo anglosaxônico ainda não havia sido escravizado pela conquista normanda ou então sob a forma do nobre selvagem que apontava as deficiências de uma sociedade corrompida Consequentemente o primitivismo romântico prestavase mais prontamente à rebelião esquerdista exceto quando servia simplesmente como uma fuga da sociedade burguesa como no exotismo de um Gautier ou Mérimée que encontraram no nobre selvagem uma atração turística na Espanha da década de 1830 ou quando a continuidade histórica fazia do primitivismo algo exemplarmente conservador Este foi sobretudo o caso do povo Entre os românticos de todas as tendências se admitia sem discussão que o povo o camponês ou o artesão préindustrial exemplificavam todas as virtudes incontaminadas e que sua língua canções lendas e costumes se constituíam no verdadeiro repositório da alma do povo Retornar àquela simplicidade e virtude era o objetivo de Wordsworth das Baladas Líricas ser aceito no conjunto de canções folclóricas e de contos de fadas a ambição alcançada por vários artistas de muitos poetas e compositores alemães O vasto movimento para coletar as canções folclóricas publicar as antigas narrativas épicas lexicografar a linguagem viva estava intimamente ligado ao romantismo a própria palavra folclore 1846 foi uma invenção do período As Baladas da Fronteira Escocesa de Walter Scott datadas de 1803 a obra de Arnin e Brentano Des Knaben Wunderhorn 1806 os Cornos de Fadas 1812 de Grimm as Melodias Irlandesas 180734 de Moore a História da Língua Boémia 1818 de Dobrovsky o Dicionário Servo de Vuk Karajic datado de 1818 e também sua obra Canções Folclóricas da Sérvia 182333 a obra de Tegnér Frithjofssaga 1825 na Suécia a edição do Kalevala de Lõnnrot na Finlândia em 1835 a Mitologia Alemã 1835 de Grimm e os Contos Folclóricos Noruegueses 184271 de Asbjõrnson e Moe são alguns dos monumentos daquela tendência O povo podia ser um conceito revolucionário especialmente entre os povos oprimidos que estavam a ponto de descobrir ou reafirmar sua identidade nacional e particularmente entre os que não possuíam uma classe média ou uma aristocracia locais Para eles um dicionário uma gramática ou uma coletânea de canções folclóricas era um acontecimento de vital importância política uma primeira declaração de independência Por outro lado para aqueles que se sentiam mais atraídos pelas virtudes simples do conformismo ignorância e devoção pela sabedoria profunda de sua confiança no papa no rei ou no czar o culto nacional do primitivo prestavase a uma interpretação conservadora Representavam a unidade da inocência do mito e da antiga tradição que a sociedade burguesa destruía dia a dia O capitalista e o racionalista eram os inimigos contra quem o rei o senhor e o camponês tinham que manter uma sagrada união O primitivo existia em cada aldeia mas existia como um conceito ainda mais revolucionário na hipotética idade de ouro do comunismo do passado e como o imaginado nobre selvagem do exterior especialmente o índio americano De Rousseau que a sustentava como o ideal do homem social livre até os socialistas a sociedade primitiva era uma espécie de modelo para todas as utopias A tríplice divisão da história feita por Marx o comunismo primitivo a sociedade de ciasse e o comunismo a nível mais elevado confirma embora também transforme aquela tradição O ideal do primitivismo não foi exclusivamente romântico De fato alguns de seus defensores mais ardentes pertenciam à tradição iluminista do século XVIII A busca romântica levou seus exploradores até os grandes desertos da Arábia e do norte da África entre os guerreiros e as odaliscas de Delacroix e Fromentin a Byron através do mundo mediterrâneo ou Lermontov até o Cáucaso onde o homem natural na figura do cossaco lutava contra o homem natural na figura do membro de uma tribo entre precipícios e cataratas ao invés de leválos à inocente utopia erótica e social do Taiti Mas também os levou à América onde o homem primitivo lutava condenado uma situação que o trazia mais para perto do sentimento dos românticos Os poemas indígenas do austrohúngaro Lenau se rebelam contra a expulsão dos pelevermelhas se o moicano não tivesse sido o último de sua tribo teria ele se transformado em um símbolo tão poderoso na cultura europeia Naturalmente o nobre selvagem desempenhou um papel imensuravelmente mais importante no romantismo americano do que no europeu Moby Dick 1815 de Herman Melville é seu maior monumento mas nos romances de Fenimore Cooper ele captou o velho mundo como o conservador Natchez de Chateaubriand nunca fora capaz de fazêlo A Idade Média o povo e a nobreza do selvagem eram ideais firmemente ancorados ao passado Só a revolução a primavera dos povos apontava exclusivamente para o futuro e assim mesmo os mais utópicos ainda achavam cómodo recorrer a um precedente em favor do sem precedente Isto não foi possível até que uma segunda geração romântica tivesse produzido uma safra de jovens para quem a Revolução Francesa e Napoleão eram fatos da história e não um doloroso capítulo autobiográficoO ano de 1789 havia sido saudado por praticamente todo artista e intelectual da Europa mas embora alguns tivessem conservado seu entusiasmo durante a guerra o terror a corrupção burguesa e o império seus sonhos não eram facilmente comunicáveis Mesmo na GrãBretanha onde a primeira geração do romantismo de Blake Wordsworth Coleridge Southey Campbell e Hazlitt fora totalmente jacobina os desiludidos e os neoconservadores ainda prevaleciam em 1805 Na França e na Alemanha de fato a palavra romântico fora realmente inventada como um slogan antirevolucionário pelos conservadores antiburgueses do final da década de 1790 frequentemente antigos esquerdistas desiludidos o que esclarece o fato de que um certo número de pensadores e artistas nestes países que pelos padrões modernos deveriam ser considerados românticos estejam tradicionalmente excluídos desta classificação Entretanto nos últimos anos das guerras napoleônicas começaram a surgir novas gerações de jovens para os quais só a grande chama libertadora da Revolução era visível através dos anos as cinzas de seus excessos e corrupções tendo desaparecido do alcance da vista depois do exílio de Napoleão mesmo aquele insensível personagem pôde se transformar em um fénix ou libertador quase mítico E à medida em que a Europa avançava ano após ano mais profundamente em direção às baixas e inexpressivas planícies da reação da censura e mediocridade e dos pestilentos pântanos da pobreza da infelicidade e da opressão a imagem da revolução libertadora tornavase ainda mais luminosa A segunda geração de românticos britânicos a de Byron 17881824 a do apolítico mas simpatizante Keats 17951821 e acima de tudo a geração de Shelley 17921822 foi assim a primeira a combinar o romantismo e o revolucionarismo ativo os desapontamentos da Revolução Francesa inesquecidos pela maioria de seus antepassados empalideciam ao lado dos visíveis horrores da transformação capitalista em seu próprio país No continente europeu a ligação entre a arte romântica e a revolução antecipada na década de 1820 só se tornou realidade durante e depois da Revolução Francesa de 1830 Isto também é verdade a propósito do que talvez possa ser chamado de visão romântica da revolução e estilo romântico de ser revolucionário cuja expressão mais conhecida é o quadro de Delacroix Liberdade nas Barricadas 1831 Aqui melancólicos jovens com barba e chapéus altos trabalhadores em mangas de camisa tribunos do povo com esvoaçantes cabeleiras sob sombreros rodeados por bandeiras tricolores e bonés frígios recriam a Revolução de 1793 não a moderada revolução de 1789 mas a glória do Ano 11 erguendo suas barricadas em cada cidade do continente Desde o início o revolucionário romântico não foi inteiramente uma novidade Seu precussor imediato foi o membro das sociedades secretas e das seitas maçónicas revolucionárias carbonaro ou filoheleno cuja inspiração vinha diretamente de velhos jacobinos ou babovistas sobreviventes como Buonarroti Foi a típica luta revolucionária do período da Restauração cheia de ousados jovens armados ou vestidos com uniformes hussardos saindo de óperas soirées e compromissos com duquesas ou de reuniões ritualistas maçónicas para dar um golpe militar ou se colocar à frente de uma nação revoltosa de fato seguiam o padrão de Byron Entretanto esta moda revolucionária não só estava muito mais diretamente inspirada pelos estilos de pensamento do século XVIII como talvez fosse socialmente mais exclusiva do que aqueles Ela também se ressentia de um elemento crucial da visão revolucionária romântica de 183048 as barricadas as massas o novo e desesperado proletariado aquele elemento que a gravura de Daumier sobre o Massacre na Rue Transnonain 1834 com seu trabalhador assassinado acrescentou à imaginação romântica A mais surpreendente consequência desta união do romantismo com a visão de uma nova e mais elevada Revolução Francesa foi a avassaladora vitória da arte política entre 1830 e 1848 Raramente houve um período em que mesmo os artistas menos ideológicos tenham sido mais universalmente partidários frequentemente considerando o serviço à política como seu dever primordial O romantismo proclamava Victor Hugo no prefácio de Hernani esse manifesto de rebelião 1830 é o liberalismo na literatura Os escritores escrevia o poeta Alfred de Musset 181057 cujo talento natural como o do compositor Chopin 181049 ou do introspectivo poeta austrohúgaro Lenau 180250 se inclinava mais para o pronunciamento privado que público tinham uma predileção para falar em seus prefácios a respeito do futuro do progresso social da humanidade e da civilização Vários artistas se tornaram figuras políticas e não só em países com angústias de libertação nacional onde todos os artistas tendiam a ser profetas ou símbolos nacionais Chopin Liszt e até mesmo o jovem Verdi entre os músicos Mickiewcz que acreditava representar um papel messiânico Petõfi e Manzoni entre os poetas da Polónia Hungria e Itália respectivamente O pintor Daumier trabalhava basicamente como um caricaturista político O poeta Uhland e os irmãos Grimm eram políticos liberais o vulcânico gênio juvenil Georg Biichner 181037 um ativo revolucionário Heinrich Heine 17971856 um íntimo amigo pessoal de Karl Marx uma voz ambígua porém poderosa da extrema esquerda A literatura e o jornalismo se fundiram sobretudo na França Alemanha e Itália Em outra época um Lamennais ou um Jules Michelet na França um Carlyle ou um Ruskin na GrãBretanha poderiam ter sido poetas ou romancistas com algumas opiniões a cerca de assuntos públicos na sua época foram propagandistas profetas filósofos ou historiadores levados por um ímpeto poético Desta forma a lava da imaginação poética acompanhou a erupção do jovem intelecto de Marx com uma amplitude inusitada entre filósofos ou economistas Mesmo o delicado Tennyson e seus amigos de Cambridge colocaram seus corações à disposição da brigada internacional que foi apoiar os liberais contra os clericais na Espanha As características teorias estéticas surgidas e desenvolvidas durante este período ratificaram esta unidade da arte e do compromisso social Os seguidores de SaintSimon na França por um lado os brilhantes intelectuais revolucionários russos por outro desenvolveram as ideias que mais tarde formariam parte dos movimentos marxistas sob nomes tais como realismo socialista um nobre ideal porém não totalmente bemsucedido derivado da austera virtude do jacobinismo e da fé romântica no poder do espírito que fez com que Shelley chamasse os poetas de legisladores não reconhecidos do mundo A arte pelo prazer da arte embora já formulada principalmente pelos conservadores e diletantes ainda não podia competir com a arte para o bem da humanidade ou para o bem das nações e do proletariado Só depois que as revoluções de 1848 tinham destruído as esperanças românticas do grande renascimento do homem foi que o esteticismo autocontido de alguns artistas aflorou A evolução de algumas figuras de 1848 como Baudelaire e Flaubert ilustra esta mudança política e estética e á Educação Sentimental de Flaubert permanece sendo seu maior êxito literário Somente em países como a Rússia onde a desilusão de 1848 não ocorreu talvez porque na Rússia 1848 não houve as artes continuaram a ser socialmente comprometidas ou preocupadas como anteriormente V O romantismo é a moda mais característica na arte e na vida do período da revolução dupla mas não é absolutamente a única De fato visto que não dominava nem a cultura da aristocracia nem a da classe média e menos ainda a da classe trabalhadora pobre sua verdadeira importância quantitativa na época foi pequena As artes que dependiam do patrocínio ou do apoio maciço das classes abastadas toleravam melhor o romantismo onde suas características ideológicas eram menos óbvias como na música As artes que dependiam do apoio dos pobres quase não tinham nenhum interesse pára o artista romântico embora de fato a diversão dos pobres revistas de contos sentimentalóides circos pequenas exibições com uma atração principais teatros mambembes e coisas semelhantes foram uma fonte de muita inspiração para os românticos e em troca os artistas populares reforçaram o repertório de emoções oferecidas ao público cenas de transmutação fadas últimas palavras de assassinos bandoleiros etc com adequadas mercadorias adquiridas nos armazéns românticos O estilo fundamental da vida e da arte aristocrática permanecia enraizado no século XVIII embora consideravelmente vulgarizado pela adesão de novos ricos enobrecidos conforme ocorreu no estilo do império napoleônico que foi de impressionante feiura e pretensão e no estilo da Regência Britânica Uma comparação entre os uniformes do século XVIII e pós napoleônicos a forma de arte que mais diretamente expressava os instintos dos funcionários e cavalheiros responsáveis por seu corte torna clara esta afirmação A triunfante supremacia da GrãBretanha fez do nobre inglês o padrão da cultura ou melhor da incultura aristocrática internacional pois os interesses do dandy bem barbeado impassível e refulgente deviam ser limitados a cavalos cães carruagens pugilistas profissionais caça jogo diversões de cavalheiros e sua própria pessoa Tal extremismo heróico incendiou até mesmo os românticos que também apreciavam o dandismo mas provavelmente excitou as jovens senhoras de origem modesta ainda mais fazendoas sonhar nas palavras de Gautier Sir Edward era exatamente o inglês de seus sonhos O inglês bem barbeado corado brilhante arrumado e polido que enfrentava os primeiros raios do sol da manhã com um cachecol branco perfeito o inglês de impermeável e galochas Não era ele a própria coroa da civilização Terei pratarias inglesas pensava ela e porcelana de Wedgwood Haverá tapetes por toda a casa e serviçais empoados e respirarei o ar ao lado de meu marido dirigindo uma parelha de quatro cavalos através do Hyde Park Corças malhadas e dóceis brincarão na grama verde do jardim de minha casa de campo e talvez também algumas crianças coradas e louras As crianças ficam muito bem no assento dianteiro de um Barouche ao lado de um cachorro spaniel com pedigree Esta era talvez uma visão inspirada mas não romântica assim como o quadro das majestades reais ou imperiais graciosamente assistindo uma ópera ou um baile cobertas de jóias galanteria e beleza A cultura das classes média e baixa não era mais romântica Sua tónica fundamental era a sobriedade e a modéstia Somente entre os grandes banqueiros e especuladores ou entre a primeiríssima geração de milionários industriais que jamais ou não mais necessitavam reinvestir uma grande parte de seus lucros nos negócios é que o pseudobarroco opulento do final do século XIX apareceu e só nos poucos países em que as velhas monarquias e aristocracias não mais dominavam a sociedade inteiramente Os Rothschild monarcas por direito próprio já se exibiam como príncipes A burguesia comum não o fazia O puritanismo a religiosidade católica ou evangélica encorajavam a moderação a poupança uma sobriedade espartana e um orgulho moral sem precedentes na GrãBretanha nos Estados Unidos na Alemanha e na França huguenote a tradição moral do iluminismo do século XVIII e da maçonaria fazia o mesmo no setor mais emancipado e antireligioso Exceto na busca do lucro e na lógica a vida da classe média era uma vida de emoção controlada e de perspectivas limitadas deliberadamente A enorme parcela da classe média que no continente europeu não estava envolvida em negócios mas em funções governamentais como funcionários professores ou em alguns casos como pastores estava ausente até mesmo da fronteira expansionista da acumulação de capital e o mesmo acontecia com o modesto burguês de província que consciente de que a riqueza da cidade pequena era o limite de suas possibilidades não se deixava impressionar pelos padrões de riqueza e poderio de sua época De fato a vida da classe média era aromântica e seus padrões ainda eram em grande parte dominados pelas modas do século XVIII Isto é perfeitamente evidente no lar da classe média que era afinal de contas o centro da sua cultura mesocrática O estilo da casa e da rua burguesa pósnapoleônica derivase diretamente e quase sempre continua o classicismo ou o rococó do século XVIII As construções no estilo georgiano continuaram na GrãBretanha até a década de 1840 e em outras partes o rompimento arquitetônico introduzido principalmente por uma redescoberta artisticamente desastrosa da renascença chegou mais tarde ainda O estilo predominante da decoração de interiores e da vida doméstica melhor chamado de Biedermeier depois de alcançar sua mais perfeita expressão na Alemanha foi uma espécie de classicismo doméstico acalentado pela intimidade da emoção e pelos sonhos virginais Innerlichkeii Gemuetlichkeit que devia alguma coisa ao romantismo ou melhor ao préromantismo do final do século XVIII mas que reduziu até mesmo esta dívida às dimensões da modesta interpretação burguesa de quartetos nas tardes de domingo na sala de estar O Biedermeier produziu um dos mais belos estilos de decoração jamais criado cortinas brancas lisas contra paredes foscas assoalhos vazios cadeiras e escrivaninhas sólidas mas elegantíssimas pianos gabinetes de trabalho e jarrões cheios de flores Foi essencialmente um estilo clássico tardio Talvez seu mais nobre exemplo seja a casa de Goethe em Weimar Assim ou algo muito semelhante era o cenário em que viviam as heroínas dos romances de Jane Austen 17751817 para os rigores evangélicos e deleites da seita de Clapham para a alta burguesia de Boston ou para os leitores provincianos franceses do Jornal de Debates O romantismo entrou na cultura da classe média talvez principalmente através do aumento dos devaneios entre as mulheres da família burguesa Exibir a capacidade do homem em prover o sustento da família para mantêlas numa ociosidade insuportável foi uma de suas principais funções sociais uma tíbia escravidão era seu destino ideal Hm todo caso as moças burguesas como as não burguesas as odaliscas e as ninfas que os pintores antiromânticos como Ingres 17801867 levaram do contexto romântico para o ambiente burguês adaptaramse rapidamente ao mesmo tipo frágil pálido de cabelos macios a suave flor vestida com um xale e um gorro tão característicos da moda de 1840 Havia sido percorrido um longo caminho desde aquela leoa humilhada a Duquesa de Alba de Goya ou as jovens neogregas emancipadas vestidas com musseline branca que a Revolução Francesa havia espalhado pelos salões ou as altivas damas e cortesãs da Regência como Lady Lieven ou Harriete Wilson tão antiromânticas quanto antiburguesas As moças burguesas podiam tocar em suas casas a música romântica civilizada de Chopin ou de Schumann 181056 O estilo Biedermeier podia encorajar um tipo de lirismo romântico como o de Eichendorff 17881857 ou de Eduard Mõrike 180475no qual a paixão cósmica era transfigurada em nostalgia ou ansiedade passiva O empresário ativo podia até mesmo enquanto estivesse em uma viagem de negócios desfrutar numa estância montanhosa a visão mais romântica que jamais vi descansar em casa fazendo esboços do Castelo de Udolfo ou mesmo como John Cragg de Liverpool sendo um homem de gosto artístico bem como um dono de metalúrgica introduzir o ferro fundido na arquitetura gótica Mas em seu conjunto a cultura burguesa não era romântica O próprio alvoroço do progresso técnico obstruía o romantismo ortodoxo pelos menos nos centros industriais avançados Um homem como James Nasmyth inventor do martelo a vapor 180890 era tudo menos um bárbaro ainda que só pelo fato de ser filho de um pintor jacobino o pai da pintura paisagística na Escócia criado entre artistas e intelectuais amante do pitoresco e do antigo e com toda a grande e sólida instrução de um bom escocês Ainda assim o que seria mais natural do que o filho de um pintor se tornar um mecânico ou de que durante uma excursão feita em sua juventude com seu pai o que mais lhe interessou tenha sido a Metalúrgica de Devon Para ele bem como para os educados cidadãos de Edinburgo do século XVIII entre os quais cresceu as coisas eram sublimes mas não irracionais Rouen continha simplesmente uma maravilhosa catedral e a Igreja de S Ouen tão exótica em sua beleza juntamente com os refinados restos de arquitetura gótica espalhados por aquela cidade interessante e pitoresca O pitoresco era esplêndido ainda assim ele não pôde deixar de notar em suas entusiasmadas férias que era um produto desdenhável A beleza era esplêndida mas certamente o que andava errado com a arquitetura moderna era o fato de que o propósito da construção é encarado como uma coisa secundária Relutei em sair de Pisa escreveu ele mas o que mais me interessou na Catedral foram as duas lâmpadas de bronze suspensas no final da nave que sugeriram a Galileu a invenção do pêndulo Tais homens não eram nem bárbaros nem filisteus mas seu mundo estava bem mais próximo do de Voltaire e Josias Wedgwood do que do de John Ruskin Sem dúvida o grande inventor de ferramentas Henry Maudslay se sentia muito mais à vontade em Berlim com seus amigos Humboldt o rei dos cientistas liberais e o arquiteto neoclássico Schinkel do que teria se sentido em companhia do grande mas nebuloso Hegel Em qualquer caso nos centros da sociedade burguesa avançada as artes como um todo vinham em segundo lugar em relação às ciências O culto engenheiro ou fabricante americano ou britânico poderia apreciálas especialmente em momentos de descanso ou férias em família mas seus verdadeiros esforços culturais se dirigiam para a difusão e o avanço do conhecimento do seu próprio em instituições tais como a Associação Britânica para o Progresso da Ciência ou do povo através da Sociedade para a Difusão de Conhecimentos Úteis e outras organizações semelhantes É característico que o produto típico do iluminismo dó século XVIII a Enciclopédia tenha florescido como nunca retendo ainda como no famoso Léxico de Conversação dos alemães de Meyer um produto da década de 1830 muito de seu liberalismo político militante Byron ganhou muito dinheiro com seus poemas mas o editor Constable em 1812 pagou a Dugald Stewart mil libras por um prefácio sobre o progresso da filosofia para o suplemento da Enciclopédia Britânica E mesmo quando a burguesia era romântica seus sonhos eram os da tecnologia os jovens inspirados por SaintSimon se tornaram os planejadores do canal de Suez das gigantescas redes de ferrovias que uniam todas as partes do globo das finanças faustuosas muito além do tipo natural de interesse dos calmos e racionalistas Rothschild que sabiam que se podia ganhar muito dinheiro por meios conservadores com um mínimo de arrojo especulativo A ciência e a técnica foram as musas da burguesia e celebraram seu triunfo a estrada de ferro no grande pórtico neoclássico hoje em dia destruído da estação de Euston VI Enquanto isto fora do raio de ação da literatura a cultura do povo comum seguia seu caminho Nas partes não urbanas e não industriais do mundo pouco mudou As canções e festas da década de 1840 os costumes motivos e cores das artes decorativas do povo o padrão de seus hábitos continuavam a ser quase os mesmos de 1789 A indústria e o desenvolvimento das cidades começaram a destruílos Ninguém poderia viver em uma cidade industrial da mesma maneira que o havia feito em uma aldeia e todo o complexo da cultura necessariamente teria que se esfacelar com o colapso da armação social que o mantinha unido e lhe dava forma Quando uma canção tem por tema o cultivo da terra não pode ser cantada por homens que não a cultivam e se ainda assim o fosse deixava de ser uma canção folclórica e se transformava em uma outra coisa qualquer A nostalgia do emigrante mantinha os velhos costumes e canções no exílio da cidade e talvez mesmo tenha intensificado sua atração pois tais costumes e canções aliviavam a dor da erradicação Mas fora das cidades e das fábricas a revolução dupla transformara ou mais precisamente devastara somente alguns aspectos da antiga vida rural notadamente em algumas partes da Irlanda e da GrãBretanha até o momento em que as velhas formas de vida se tornaram impossíveis De fato mesmo na indústria a transformação social não tinha ido longe o suficiente antes da década de 1840 para destruir completamente a cultura antiga pelo menos nas zonas da Europa Ocidental onde as manufaturas e os artífices tinham tido muitos séculos para desenvolver por assim dizer um padrão semiindustrial de cultura No interior os mineiros e os tecelões expressavam sua esperança e seu protesto através de canções folclóricas tradicionais e a revolução industrial não fez mais que aumentar seu número e tornálas mais intensas A fábrica não tinha necessidade de canções de trabalho mas outras atividades relacionadas com o desenvolvimento econômico tinham esta necessidade e as desenvolveram à moda antiga a canção do cabrestante dos marujos empregados em grandes veleiros pertence a esta época de ouro da canção folclórica industrial na primeira metade do século XIX como as baladas dos caçadores de baleia da Groenlândia a balada do dono da mina e da mulher do mineiro e o lamento do tecelão Nas cidades préindustriais os grémios de artesãos e empregados domésticos desenvolviam uma intensa cultura na qual as seitas protestantes colaboravam ou competiam com o radicalismo jacobino para estimular a educação unindo os nomes de Bunyan e João Calvino aos de Tom Paine e Robert Owen Bibliotecas capelas e institutos jardins e viveiros onde o artesão mais extravagante produzia suas flores artificialmente exageradas pombos e cães enchiam estas autoconfiantes e militantes comunidades de homens habilidosos Norwich na Inglaterra era famosa não só por seu espírito republicano e ateu mas também por seus canários Mas a adaptação de antigas canções folclóricas à vida industrial não sobreviveria exceto nos Estados Unidos da América ao impacto da era das ferrovias e do ferro e as comunidades de velhos homens qualificados como a dos antigos tecelões de linho de Dunfermline tampouco sobreviveriam ao avanço da fábrica e da máquina Depois de 1840 cairiam em ruínas Até então nada substituía a antiga cultura Na GrãBretanha por exemplo o novo padrão de uma vida totalmente industrial não surgiria em sua plenitude até as décadas de 1870 e 1880 O período que vai desde os antigos modos tradicionais de vida até então foi portanto de muitas maneiras a parte mais negra daquilo que já era em si uma terrível época negra para o trabalhador pobre Em nosso período nem as grandes cidades conseguiram desenvolver um padrão de cultura popular necessariamente comercial mais do que de criação própria como nas comunidades menores Ê verdade que a grande cidade especialmente a grande cidade capital já possuía importantes instituições que supriam as necessidades culturais dos pobres ou da raça miúda embora frequentemente coisa curiosa também as da aristocracia Entretanto muitas delas procediam do século XVIII cuja contribuição para a evolução das artes populares tem sido tão constantemente negligenciada O teatro popular dos subúrbios de Viena o teatro dialetal nas cidades italianas a ópera popular distinta da ópera da corte a commedia deWarte e as pantomimas ambulantes as lutas de boxe e as corridas de cavalo ou a versão democratizada das touradas espanholas eram produtos do século XVIII a literatura de cordel e os livretos de baladas eram produtos de um período ainda mais antigo As formas genuinamente novas de diversão urbana na grande cidade eram subprodutos da taberna ou loja de bebidas que se converteu em uma crescente fonte de consolo secular para o trabalhador pobre em sua desorganização social e a última trincheira urbana do costume e do cerimonial tradicional preservada e intensificada por grémios de artífices sindicatos e as ritualísticas sociedades de amigos O musichall e o salão de bailes surgiram da taberna mas por volta de 1848 esta espécie de diversão ainda não tinhase desenvolvido totalmente mesmo na GrãBretanha embora seu aparecimento já tivesse sido notado na década de 1830 As outras novas formas de divertimento urbano das grandes cidades nasceram do conveniente sempre acompanhadas por seu séquito de artistas mambembes Na grande cidade fixaramse permanentemente e mesmo na década de 1840 a mistura de exibições variadas com uma atração principal de teatros mascates batedores de carteiras e mendigos em bulevares proporcionavam diversão ao populacho e inspiração aos intelectuais românticos de Paris O gosto popular também determinou a forma e a decoração das relativamente poucas mercadorias que a indústria produzia primordialmente para o mercado dos pobres as canecas comemorativas do triunfo da Lei da Reforma a grande ponte de ferro sobre o rio Wear ou ainda os magníficos veleiros que cruzavam o Atlântico a literatura de cordel em que se imortalizavam os sentimentos revolucionários ou patrióticos e os crimes famosos e alguns poucos artigos de mobília e de lar teriam que esperar a segunda metade do século XIX Capítulo Quinze A Ciência Jamais nos esqueçamos que muito antes de nós as ciências e a filosofia combateram os tiranos Seus constantes esforços fizeram a revolução Como homens livres e gratos devemos estabelecêlas entre nós e para sempre cuidar delas com devoção pois as ciências e a filosofia manterão a liberdade que conquistamos De um membro da Convenção Os problemas da ciência comentava Goethe são com grande frequência problemas de carreira Uma única descoberta pode tornar um homem famoso e lançar o princípio de sua fortuna como cidadão Todo fenómeno observado pela primeira vez é uma descoberta e toda descoberta é uma propriedade Mexase na propriedade de um homem e logo suas paixões vêm à tona Diálogos com Eckermann 21 de dezembro de 1823 I Traçar um paralelo entre as artes e as ciências é sempre perigoso pois as relações entre cada uma delas e a sociedade em que vicejam são muito diferentes Mas as ciências também refletiram na sua marcha a revolução dupla em parte porque esta lhes colocou novas e específicas exigências em parte porque lhes abriu novas possibilidades e confrontouas com novos problemas e em parte porque sua própria exigência sugeria novos padrões de pensamento Não desejo deduzir disto que a evolução das ciências entre 1789 e 1848 possa ser analisada exclusivamente em termos dos movimentos da sociedade que as rodeavam A maior parte das atividades humanas têm sua lógica interna que determina ao menos uma parte de seu movimento O planeta Netuno foi descoberto em 1846 não porque algo alheio à astronomia encorajasse seu descobrimento mas porque as tabelas de Bouvard em 1821 demonstraram que a órbita do planeta Urano descoberto em 1781 apresentava inesperados desvios dos cálculos porque por volta do final da década de 1830 estes desvios tinhamse tornado maiores e foram experimentalmente atribuídos a distúrbios produzidos por algum corpo celeste desconhecido e porque vários astrónomos começaram a calcular a posição deste corpo Contudo mesmo o mais apaixonado crente na imaculada pureza da ciência pura é consciente de que o pensamento científico pode ao menos ser influenciado por questões alheias ao campo específico de uma disciplina ainda que só porque os cientistas até mesmo o mais antimundano dos matemáticos vivem em um mundo mais vasto que o de suas especulações O progresso da ciência não é um simples avanço linear cada estágio determinando a solução de problemas anteriormente implícitos ou explícitos nele e por sua vez colocando novos problemas Este avanço também prossegue pela descoberta de novos problemas de novas maneiras de enfocar os antigos de novas maneiras de enfrentar ou solucionar velhos problemas de campos de investigação inteiramente novos de novos instrumentos práticos e teóricos de investigação Em todo ele há um grande espaço para o estímulo ou a formação do pensamento através de fatores externos Se de fato a maioria das ciências em nosso período tivessem avançado de uma simples forma linear como foi o caso da astronomia que permaneceu substancialmente dentro da sua estrutura newtoniana tais considerações poderiam não ser muito importantes Mas como veremos nosso período foi de novos pontos de partida radicais em alguns campos do pensamento como na matemática do despertar de ciências até então adormecidas como a química da virtual criação de novas ciências como a geologia e da injeção de novas ideias revolucionárias em outras ciências como as ciências sociais e biológicas Da forma como aconteceu com todas as demais forças as exigências diretas feitas aos cientistas pelo governo ou a indústria estavam entre as menos importantes A Revolução Francesa mobilizouos colocando o geômetra e engenheiro Lazare Carnot a frente do esforço de guerra jacobino o matemático e físico Monge ministro da Marinha em 17923 e uma equipe de matemáticos e químicos a frente da produção bélica como antes havia encarregado o químico e economista Lavoisier do preparo de uma estimativa da renda nacional Aquela foi talvez a primeira ocasião na história em que o cientista enquanto tal fez parte do governo embora isto tenha sido de maior importância para o governo do que para a ciência Na GrãBretanha as principais indústrias de nosso período foram as têxteis de algodão as do carvão do ferro das ferrovias e da construção de navios mercantes Os conhecimentos que revolucionaram estas indústrias foram os de homens empíricos talvez demasiadamente empíricos O herói da revolução da ferrovia britânica foi George Stephenson que não era culto do ponto de vista científico mas um intuitivo que adivinhava as possibilidades de uma máquina um superartesão mais que um técnico As tentativas de cientistas como Babbage para se tornarem úteis às ferrovias ou de engenheiros como Brunel para estabelecêlas sobre bases racionais e não simplesmente empíricas não deram resultado Por outro lado a ciência se beneficiou tremendamente com o surpreendente estímulo dado à educação científica e técnica e com o menos surpreendente apoio dado à investigação durante nosso período Aqui a influência da revolução dupla é bastante clara A Revolução Francesa transformou a educação técnica e científica de seu país principalmente devido à criação da Escola Politécnica 1795 que pretendia ser uma escola para técnicos de todas as especialidades e do primeiro esboço da Escola Normal Superior 1794 que seria firmemente estabelecida como parte de uma reforma geral da educação secundária e superior por Napoleão Também fez renascer a definhante Academia Real 1795 e criou no Museu Nacional de História Natural 1794 o primeiro centro genuíno de pesquisa fora das ciências físicas A supremacia mundial da ciência francesa durante a maior parte de nosso período se deveu quase certamente a estas importantes fundações notadamente à Politécnica um turbulento centro do jacobinismo e liberalismo que atravessou todo o período pósnapoleônico e um incomparável criador de grandes matemáticos e físicos A Escola Politécnica teve imitadores em Praga Viena e Estocolmo em S Petersburgo e Copenhagen em toda a Alemanha e Bélgica em Zurique e Massachussets mas não na Inglaterra O choque da Revolução Francesa também sacudiu a letargia educacional da Prússia e a nova Universidade de Berlim 180610 fundada como parte do despertar prussiano tornouse o modelo da maioria das universidades alemães que por sua vez viriam criar o padrão das instituições académicas em todo o mundo Uma vez mais nenhuma reforma deste tipo se deu na GrãBretanha onde a revolução política nada ganhou nem conquistou Mas a imensa riqueza do país que tornava possível a criação de laboratórios particulares como o de Henry Cavendish e o de James Joule e a pressão geral das pessoas inteligentes da classe média por uma educação técnica e científica obteve bons resultados O Conde de Rumford um peripatético aventureiro ilustrado fundou a Instituição Real em 1799 Sua fama entre os leigos baseavase principalmente em suas famosas conferências públicas mas sua verdadeira importância reside nas facilidades únicas para a ciência experimental que concedeu a Humphry Davy e Michael Faraday Foi de fato um primeiro exemplo do laboratório de pesquisa Associações para o progresso da ciência como a Sociedade Lunar de Birmingham e a Sociedade Filosófica e Literária de Manchester mobilizaram a ajuda dos industriais nas províncias John Dalton fundador da teoria atómica saiu desta última sociedade Em Londres os radicais benthamitas fundaram ou melhor assumiram o controle e modificaram o Instituto dos Mecânicos de Londres atualmente Birkbeck College como uma escola para técnicos a Universidade de Londres como uma alternativa para a sonolência de Oxford e Cambridge e a Associação Britânica para o Progresso da Ciência 1831 como uma alternativa para o torpor aristocrático da degenerada Sociedade Real Não eram fundações destinadas a acalentar a busca do conhecimento puro por si mesmo já que este tipo de instituição demorou mais a surgir Mesmo na Alemanha o primeiro laboratório universitário de pesquisa química o de Liebig em Gíessen não foi instalado até 1825 Seria desnecessário dizer que sua inspiração foi francesa Havia instituições para formar técnicos como na França e na GrãBretanha professores como na França e na Alemanha ou para criar na juventude um espírito de serviço a seu país A era revolucionária portanto fez crescer o número de cientistas e eruditos e estendeu a ciência em todos os seus aspectos E ainda mais viu o universo geográfico das ciências se alargar em duas direções Em primeiro lugar o progresso do comércio e o processo de exploração abriram novos horizontes do mundo ao estudo científico e estimularam o pensamento sobre eles Um dos maiores gênios científicos de nosso período Alexandre von Humboldt 1769 1859 contribuiu primordialmente desta forma para o progresso da ciência como um incansável viajante observador e teórico nos campos da geografia etnografia e história natural embora sua nobre síntese de todo o conhecimento a obra Cosmos 184559 não possa ser definida dentro dos limites de disciplinas particulares Em segundo lugar o universo das ciências se ampliou para abraçar países e povos que até então só tinham dado contribuições insignificantes A lista de grandes cientistas de digamos 1750 contém muih poucos que não sejam franceses britânicos alemães italianos e suí ços Mas a lista menor dos grandes matemáticos da primeira metade do século XIX contém o nome de Henrik Abel da Noruega de Janos Bolyai da Hungria e de Nikolai Lobachevsky da remota cidade de Kazan Aqui mais uma vez a ciência parece refletir a ascensão das culturas nacionais fora da Europa Ocidental o que é também um surpreendente produto da era revolucionária Este elemento nacional na expansão das ciências se refletiu por seu turno no declínio do cosmopolitismo que havia sido tão característico das pequenas comunidades científicas dos séculos XVII e XVIII A era da itinerante celebridade internacional que como Euler viajou da Basileia a S Petersburgo e daí para Berlim voltando à corte de Catarina a Grande passou com os velhos regimes Daí em diante o cientista permaneceria dentro de sua área lingilística exceto para pequenas visitas comunicandose com seus colegas através dos jornais especializados tão típicos produtos deste período as Atas da Real Sociedade 1831 as Comptes Rendues de lAcademie des Sciences 1837 as Aias da Sociedade Filosófica Americana 1838 ou as novas revistas especializadas tais como a Journal fúr Reine und Angewandte Mathematick de Crelle ou os Anais de Química e Física 1797 II Antes que possamos julgar a natureza do impacto da revolução dupla sobre as ciências seria conveniente analisar brevemente o que aconteceu com elas No todo as clássicas ciências físicas não foram revolucionadas isto é permaneceram substancialmente dentro dos termos de referência estabelecidos por Newton ou continuando as linhas de pesquisa já seguidas no século XVIII ou expandindo as antigas descobertas fragmentárias e coordenandoas em sistemas teóricos mais amplos Assim o mais importante dos novos campos abertos e o único que teve imediatas consequências tecnológicas foi o da eletricidade ou melhor o do eletromagnetismo Cinco datas importantes quatro delas em nosso período marcam seu progresso decisivo 1786 quando Galvani descobriu a corrente elétrica 1799 quando Volta construiu sua bateria 1800 quando a eletrólise foi descoberta 1820 quando Oersted descobriu a conexão entre eletricidade e magnetismo 1831 quando Faraday estabeleceu as relações entre todas estas forças e por acaso se viu como o pioneiro de um enfoque da física em termos de campos em vez de impulsos mecânicos que se antecipava à era moderna A mais importante das novas sínteses teóricas foi a descoberta das leis da termodinâmica isto é das relações entre calor e energia A revolução que transformou a astronomia e a física em ciências modernas ocorrera no século XVII a que criou a química estava em pleno desenvolvimento no início de nosso período De todas as ciências esta foi a mais íntima e imediatamente ligada à prática industrial especialmente aos processos de tingimento e branqueamento da indústria têxtil Além do mais seus criadores foram não só homens práticos ligados a outros homens práticos como Dalton na Sociedade Filosófica e Literária de Manchester e Priestley na Sociedade Lunar de Birmingham como também algumas vezes revolucionários políticos embora moderados Dois deles foram vítimas da Revolução Francesa Priestley nas mãos da turba conservadora do partido Tory por simpatizar excessivamente com ela e o grande Lavoisier na guilhotina por não simpatizar o suficiente ou melhor por ser um grande homem de negócios A química como a física foi proeminentemente uma ciência francesa Seu verdadeiro fundador Lavoisier 174394 publicou o seu fundamental Tratado Elementar de Química no próprio ano da revolução e a inspiração para os avanços químicos e especialmente a organização da pesquisa química em outros países mesmo naqueles que viriam a ser mais tarde os principais centros da pesquisa química como a Alemanha foi primeiramente francesa Os principais avanços antes de 1789 consistiram em estabelecer uma ordem elementar no emaranhado de experiências empíricas através da elucidação de certos processos químicos fundamentais tais como a combustão e de alguns elementos fundamentais como o oxigênio Também trouxeram uma medição quantitativa precisa e um programa de ulteriores investigações O conceito crucial de uma teoria atómica fundada por Dalton 180310 tornou possível a invenção da fórmula química c com isto a abertura do estudo da estrutura química ao que se seguiu uma abundância de novos resultados experimentais No século XIX a química viria a ser uma das mais vigorosas de todas as ciências e consequentemente foi uma ciência que atraiu como acontece com todo assunto dinâmico uma massa de homens capazes Entretanto a atmosfera e os métodos da química continuaram em grande parte a ser os mesmos do século XVIII A química teve entretanto uma implicação revolucionária a descoberta de que a vida podia ser analisada em termos das ciências inorgânicas Lavoisier descobriu que a respiração é uma forma de combustão do oxigênio Woehler descobriu em 1828 que um composto até então só encontrado em coisas vivas a ureia podia ser sintetizado no laboratório abrindo assim o vasto e novo campo da química orgânica Ainda assim apesar de haver sido superado o grande obstáculo para o progresso a crença de que a matéria viva obedecia a leis naturais fundamentalmente diferentes da matéria inerte nem o estudo da mecânica nem o da química permitiram ao biólogo avançar muito O avanço mais fundamental da biologia neste perído a descoberta feita por Schleiden e Schwann de que todas as coisas vivas eram compostas de multiplicidades de células 18939 estabeleceu uma espécie de equivalente da teoria atómica para a biologia mas uma biofísica e uma bioquímica maduras ainda estavam muito longe Uma revolução ainda mais profunda mas pela própria natureza do assunto menos óbvia do que a ocorrida na química se deu em relação à matemática Contrariamente à física que continuou dentro dos termos de referência do século XVII e à química que respirava forte através da porta aberta no século XVIII a matemática em nosso período entrou em um universo inteiramente novo muito além do universo dos gregos que ainda dominava a aritmética e a geometria plana e daquele do século XVII que dominava a análise Poucos exceto os matemáticos apreciarão a profundidade da inovação trazida para a ciência pela teoria das funções de complexos variáveis Gauss Cauchy Abel Jacobi da teoria dos grupos Cauchy Galois ou dos vetores Hamilton Mas até mesmo o leigo é capaz de compreender o alcance da revolução pela qual o russo Lobachevsky 18269 e o húngaro Bolyai 1831 derrubaram a mais permanente das certezas intelectuais a geometria euclidiana Toda a majestosa e inabalável estrutura da lógica euclidiana se apoiava em certas suposições uma das quais o axioma de que as paralelas nunca se encontram não é nem evidente nem comprovável Hoje em dia pode parecer elementar construir uma geometria igualmente lógica com base em alguma outra suposição por exemplo Lobachevsky Bolyai de que uma infinidade de paralelas a qualquer linha L pode passar pelo ponto P ou Riemann de que nenhuma linha paralela à linha L passa pelo ponto P tanto mais quanto podemos construir superfícies reais às quais estas regras se aplicam Assim a terra na medida em que é um globo se adapta às suposições riemannianas e não às euclidianas Mas chegar a estas suposições no princípio do século XIX era um ato de audácia intelectual comparável a colocar o Sol e não a Terra no centro do sistema planetário III A revolução matemática passou desapercebida exceto para alguns especialistas em assuntos notórios por sua distância da vida cotidiana A revolução nas ciências sociais por outro lado não podia deixar de abalar o leigo já que lhe afetava visivelmente em geral segundo se acreditava para o pior Os eruditos e amantes das ciências nos romances de Thomas Love Peacock estão geralmente banhados de simpatia ou de um ridículo afetuoso não acontecendo o mesmo com os economistas e propagandistas da Steam Intellect Society Para sermos precisos houve duas revoluções cujos cursos convergem para produzir o marxismo como a mais abrangente síntese das ciências sociais A primeira delas que dava continuidade ao brilhante pioneirismo dos racionalistas dos séculos XVII e XVIII estabelecia o equivalente das leis físicas para as populações humanas Seu primeiro triunfo foi a construção de uma sistemática teoria dedutiva de economia política que já estava bastante avançada por volta de 1789 A segunda delas que em substância pertence a nosso período e está intimamente ligada ao romantismo foi a descoberta da evolução histórica cf também cap13 I e II A ousada inovação dos racionalistas clássicos havia sido demonstrar que algo como leis logicamente compulsórias era aplicável à consciência e ao livre arbítrio humano As leis da economia política eram deste tipo A convicção de que eram tão distantes do gostar e do desgostar quanto as leis da gravidade com as quais eram constantemente comparadas emprestava uma impiedosa certeza aos capitalistas do início do século XIX e tendia a imbuir seus oponentes românticos de um antiracionalismo igualmente selvagem Em princípio os economistas é claro estavam certos embora exagerassem muito a universalidade dos postulados sobre os quais baseavam suas deduções a capacidade de outras coisas permanecerem iguais e também às vezes suas próprias capacidades intelectuais Se a população de uma cidade se duplica e o número de habitações não cresce então permanecendo as outras coisas iguais os aluguéis devem subir queiram ou não Proposições deste tipo constituíam a força dos sistemas de raciocínio dedutivo criados pela economia política principalmente na GrãBretanha embora também em menor grau de intensidade nos velhos centros de ciências do século XVIII a França a Itália e a Suíça Como vimos o período que vai de 1776 a 1830 assistiu o triunfo desta economia política vide cap 131 Ela foi suplementada peja primeira apresentação sistemática de uma teoria demográfica que pretendia estabelecer uma relação mecânica e virtualmente inevitável entre as proporções matemáticas dos aumentos de população e os meios de subsistência O Ensaio sobre a População de T R Malthus 1798 não era nem tão original nem tão indiscutível quanto seus defensores reivindicavam no entusiasmo da descoberta de que alguém provara que os pobres deviam permanecer sempre pobres e que a generosidade e a benevolência podiam fazêlos ainda mais pobres Sua importância não está em seus méritos intelectuais que foram moderados mas nos direitos que ele fazia valer para um tratamento científico de um conjunto de decisões tão individuais e caprichosas quanto as decisões sexuais consideradas como um fenómeno social A aplicação de métodos matemáticos à sociedade deu mais um passo importante neste período Também aqui os cientistas de língua francesa lideravam a marcha assistidos sem dúvida pela soberba atmosfera matemática da educação francesa Assim Adolphe Quételet da Bélgica em sua marcante obra Sobre o Homem 1835 demonstrou que a distribuição estatística das características humanas obedecia a leis matemáticas conhecidas do que deduziu com uma confiança considerada então excessiva a possibilidade de assimilar as ciências sociais às ciências físicas A possibilidade de uma generalização estatística sobre as populações humanas e o estabelecimento de firmes prognósticos sobre essa generalização haviam sido antecipados pelos teóricos da probabilidade o ponto de partida de Quételet nas ciências sociais e por homens práticos que eram obrigados a confiar nela como no caso das companhias de seguro Mas Quételet e o grupo de florescentes estatísticos contemporâneos antropometristas e pesquisadores sociais aplicaram estes métodos a campos bem mais amplos e criaram o que ainda é a principal ferramenta matemática para a investigação de fenómenos sociais Estes desenvolvimentos nas ciências sociais foram revolucionários da mesma maneira que a química seguindo os avanços já realizados teoricamente Mas as ciências sociais também tiveram algo inteiramente novoe original a seu crédito que por sua vez fertilizou as ciências biológicas e até mesmo as físicas como no caso da geologia Foi a descoberta da história como um processo de evolução lógica e não simplesmente como uma sucessão cronológica de acontecimentos Os elos desta inovação com a revolução dupla são tão óbvios que não precisam ser explicados Assim o que veio a se chamar sociologia a palavra foi inventada por Augusto Comte por volta de 1830 nasceu diretamente da crítica ao capitalismo O próprio Comte que normalmente é considerado fundador daquela disciplina começou sua carreira como secretário particular do pioneiro socialista utópico o Conde de SaintSimon e o mais formidável teórico contemporâneo em matéria sociológica Karl Marx considerava sua teoria primordialmente como um instrumento para a mudança do mundo A criação da história como uma matéria académica talvez seja o aspecto menos importante desta historiografia das ciências sociais É verdade que uma epidemia de historiadores tomou conta da Europa na primeira metade do século XIX Raramente tantos homens se propuseram a interpretar seu mundo escrevendo relatos de muitos volumes a respeito do passado dos vários países às vezes pela primeira vez Karamzin na Rússia 181824 Geijer na Suécia 18326 Palacky na Boémia 183667 são os fundadores da historiografia de seus países Na França o ímpeto para entender o presente através do passado era particularmente forte e a própria Revolução logo se tornou assunto de intensos e partidários estudos de Thiers 1823 1843 Mignet 1824 Buonarroti 1828 Lamartine 1847 e do grande Jules Michelet 184753 Foi o período heróico da historiografia mas sobreviveu muito pouco da obra de Guizot Augustin Thierry e Michelet na França do dinamarquês Niebuhr e do suíço Sismondi de Hallam Lingard e Carlyle na GrãBretanha e de inúmeros professores alemães exceto como documento histórico como literatura ou ocasionalmente como registro de um gênio Os resultados mais duradouros deste despertar histórico se deram no campo da documentação e da técnica histórica Colecionar relíquias do passado escritas ou não se transformou em uma paixão universal Talvez em parte fosse uma tentativa de salvaguardálas contra os ataques do presente embora o nacionalismo provavelmente fosse seu mais importante estímulo em nações até então adormecidas os historiadores os lexicógrafos e os colecionadores de canções folclóricas foram muitas vezes os verdadeiros fundadores da consciência nacional E foi assim que os franceses criaram sua École des Charles em 1821 os ingleses o Departamento de Registros Públicos em 1838 eos alemães começaram a publicar a Monumental História Alemã em 1826 enquanto a doutrina de que a história deviase basear na escrupulosa avaliação dos documentos originais era lançada pelo prolífico Leopold von Ranke 17951886 Enquanto isso como vimos no capítulo 14 os linguistas e os folcloristas produziam os dicionários fundamentais de seus idiomas e as coletâneas de tradições orais de seus povos A inserção da história nas ciências sociais teve seus efeitos mais imediatos no direito onde Friedrich Karl von Savigny fundou a escola histórica de jurisprudência em 1815 no estudo da teologia onde a aplicação de critérios históricos notadamente no Leben Jesu 1835 de D F Strauss horrorizava os fundamentalistas mas especialmente em uma ciência totalmente nova a filologia Esta ciência também se desenvolveu primeiramente na Alemanha que era de longe o mais vigoroso centro de difusão de estudos históricos O fato de que Karl Marx fosse alemão nãoé meramente casual O ostensivo estímulo para a filologia era a conquista de sociedades não europeias pela Europa As investigações pioneiras de Sir William Jones em relação ao sânscrito em 1786 foram o resultado da conquista de Bengala pelos britânicos a decifração dos hieróglifos por Champollion seu principal trabalho sobre o assunto foi publicado em 1824 foi o resultado da expedição de Napoleão ao Egito a elucidação de Rawlinson da escrita cuneiforme 1835 refletiu a ubiquidade dos oficiais colónias britânicos Mas de fato a filologia não se limitava à descoberta descrição e classificação Nas mãos de grandes eruditos alemães principalmente como Franz Bopp 17911867 e os irmãos Grimm tornouse a segunda ciência social propriamente dita isto é a segunda a descobrir leis genéricas aplicáveis a um campo aparentemente tão caprichoso como o da comunicação humana A primeira foi a economia política Porém contrariamente às leis da economia política as da filologia eram fundamentalmente históricas ou melhor evolutivas Seu fundamento foi a descoberta de que uma vasta série de idiomas os indoeuropeus se relacionavam uns com os outros ao que se acrescentou o fato evidente de que toda língua europeia escrita tinha sido completamente transformada com o decorrer dos séculos e presumivelmente ainda estava sofrendo modificações O problema não se constituía simplesmente em provar e classificar estas relações mediante comparação científica tarefa que estava então sendo empreendida a fundo por exemplo na anatomia comparada por Cuvier Era também e principalmente elucidar sua evolução histórica a partir do que deveria ter sido um ancestral comum A filologia foi a primeira ciência que considerou a evolução como sua verdadeira essência Desde logo teve sorte porque a Bíblia é relativamente silenciosa quanto à história das línguas ao passo que como sabem os biólogos e os geólogos é muito explícita em relação à criação e à história primitiva do mundo Consequentemente o filólogo estava menos propenso a ser afogado pelas águas do Dilúvio ou derrubado pelos obstáculos do Génesis I do que seus infelizes colegas Pelo menos a afirmação bíblica de que toda a terra usava a mesma língua e a mesma fala estava do seu lado Mas a filologia também teve a sorte de que de todas as ciências sociais era a única que não lidava diretamente com seres humanos que sempre se ressentem com a sugestão de que suas ações são determinadas por algo que não seja seu livre arbítrio mas que se ocupava de palavras que não se ofendem por isto Consequentemente estava livre para enfrentar o que ainda é o problema fundamental das ciências históricas qual seja como investigar e descobrir a origem da imensa variedade frequentemente caprichosa de indivíduos existentes na vida real a partir do funcionamento de leis genéricas invariáveis Os filólogos pioneiros na verdade não avançaram muito quanto à explicação das mudanças linguísticas embora o próprio Bopp já tivesse proposto uma teoria sobre a origem das inflexões gramaticais Mas de fato estabeleceram uma espécie de árvore genealógica para as línguas indoeuropéias Fizeram uma série de generalizações indutivas a respeito das proporções relativas de mudança nos diferentes elementos linguísticos e algumas generalizações históricas de grande alcance como a Lei de Grimm que demonstrou que todas as línguas teutônicas sofreram certas alterações consonantais e vários séculos mais tarde um grupo de dialetos teutônicos sofreram uma outra mudança semelhante Entretanto durante aquelas explorações pioneiras nunca duvidaram de que a evolução das línguas não era simplesmente uma questão de estabelecer uma sequência cronológica ou registrar mudanças mas que esta evolução devia ser explicada por leis gerais da linguística análogas às leis científicas IV Os biólogos e os geólogos tiveram menos sorte Também para eles a história se constituía no principal problema embora o estudo da terra estivesse através da mineração intimamente ligado à química e o estudo da vida através da medicina intimamente relacionado à fisiologia e através da crucial descoberta de que os elementos químicos existentes nas coisas vivas eram os mesmos existentes na natureza inorgânica à química Porém para o geólogo os problemas mais óbvios envolviam a história por exemplo a explicação da distribuição de terra e água de montanhas e acima de tudo a formação das camadas terrestres Se o problema histórico da geologia era o de como explicar a evolução da terra o do biólogo era duplo como explicar a formação da vida desde o ovo a semente ou o esporo e como explicar a evolução das espécies Ambos estavam unidos pela prova evidente dos fosseis dos quais uma seleção particular podia ser encontrada em determinada camada terrestre e não em outra Um engenheiro inglês William Smith descobriu na década de 1790 que a sucessão histórica das camadas podia mais convenientemente ser datada pelos seus fósseis característicos lançando luz assim sobre ambas as ciências por meio das operações de escavação da revolução industrial O problema fora tão óbvio que já se haviam feito tentativas para criar teorias de evolução notadamente para o mundo animal pelo elegante zoólogo embora às vezes precipitado Comte de Buffon Les Êpoques de La Nature 1778 Na década da Revolução Francesa estas teorias ganharam terreno Tapidamente O reflexivo James Hutton de Edinburgo Teoria da Terra 1795 e o excêntrico Erasmus Darwin que brilhava na Sociedade Lunar de Birmingham e escrevia parte de sua obra científica em versos Zoonomia 1794 publicaram teorias evolutivas bastante completas sobre a terra as plantas e a espécie animal Laplace em 1796 antecipado pelo filósofo Emanuel Kant desenvolveu também uma teoria evolucionista do sistema solar e Pierre Cabanis mais ou menos na mesma época considerou as próprias faculdades mentais do homem como produto de sua história evolutiva Em 1809 Lamarck da França propôs a primeira teoria moderna e sistemática da evolução baseada na herança de caracteres adquiridos Nenhuma destas teorias obteve triunfo Na verdade logo enfrentaram a apaixonada resistência dos tories da Quarterly Review cuja adesão à causa da revelação é tão decisiva O que aconteceria ao Dilúvio e à Arca de Noé O que aconteceria com a distinta criação das espécies para não mencionar o homem Que iria acontecer sobretudo com a estabilidade social Não só os simples sacerdotes e os menos simples políticos se preocupavam com estas perguntas O grande Cuvier fundador do estudo sistemático dos fósseis Recherches sur les ossemenls fossiles 1812 rejeitava a evolução em nome da Providência Divina Seria melhor até mesmo imaginar uma série de catástrofes na história geológica seguida por uma série de recriações divinas era difícil considerar a mudança geológica como distinta da mudança biológica do que intrometerse com a rigidez da Sagrada Escritura e de Aristóteles O infeliz Dr Lawrence que respondeu a Lamarck propondo uma teoria quase darwiniana da evolução pela seleção natural foi forçado pelo protesto dos conservadores a retirar sua obra História Natural do Homem 1819 de circulação Ele havia sido suficientemente imaturo para não só discutir a evolução do homem mas também para enfatizar as consequências de suas ideias para a sociedade contemporânea Sua retratação preservou seu emprego assegurou sua carreira futura e perturbou para sempre sua consciência que tranquilizava adulando os corajosos impressores radicais que de tempos em tempos publicavam ilegalmente sua obra incendiária Só na década de 1830 quando a política dera outra guinada para a esquerda foi que as amadurecidas teorias da evolução irromperam na geologia com a publicação da famosa obra de Lyell Princípios de Geologia 183033 que pôs fim à resistência dos netunistas que sustentavam com a Bíblia que todos os minerais haviam surgido das soluções aquosas que em certa época cobriram a terra cf Génesis l 79 e dos catastrofistas que seguiam a desesperada linha de argumentação de Cuvier Na mesma década Schmerling pesquisando na Bélgica e Boucher de Perthes que felizmente preferia seu hobby de arqueologia a seu cargo de diretor da alfândega de Abbeville previram algo ainda mais alarmante a descoberta dos fósseis do homem préhistórico cuja possibilidade havia sido acaloradamente negada Mas o conservadorismo científico ainda foi capaz de rejeitar aquela terrível possibilidade alegando a falta de provas definitivas até a descoberta do homem de Neanderthal em 1856 Não havia mais remédio do que aceitar que a as causas agora em movimento tinham no transcurso do tempo transformado a terra de seu estado primitivo para o presente estado b que isto levara um tempo muito maior do que se podia deduzir das Escrituras c que a sucessão de camadas geológicas revelava uma sucessão de formas animais que implicava uma evolução biológica Bastante significativamente os que aceitaram esta ideia prontamente e na verdade demonstraram o maior interesse no problema da evolução foram os autoconfiantes leigos radicais das classes médias britânicas sempre com exceção do egrégio Dr Andrew Ure mais conhecido por seus hinos de louvor ao sistema fabril Os cientistas foram lentos na aceitação da ciência Este fato é menos surpreendente se nos lembrarmos de que a geologia era a única ciência deste período suficientemente cavalheiresca talvez porque era praticada ao ar livre de preferência em dispendiosas viagens geológicas para ser seriamente estudada nas Universidades de Oxford e Cambridge A evolução biológica entretanto ainda engatinhava Só bem depois da derrota das revoluções de 1848 foi que este explosivo assunto voltou a ser examinado Mesmo então Charles Darwin teve muito cuidado e ambiguidade ao manejálo Até mesmo a investigação paralela da evolução através da embriologia diminuiu temporariamente Aqui também os primeiros filósofos especuladores alemães como Johann Meckel de Halle 17811833 tinham sugerido que durante o seu crescimento o embrião de um organismo recapitulava a evolução de sua espécie Porém esta lei biogenética embora a principio apoiada por homens como Rathke que descobriu que os embriões de pássaros atravessam um estágio no qual têm guelras 1829 foi rejeitada pelo notável Von Baer de Koenigsberg e São Petersburgo a fisiologia experimental parece ter exercido uma grande atração sobre os investigadores das áreas eslavônias e bálticas e esta linha de pensamento não foi revivida até o advento do darwinismo Enquanto isso as teorias da evolução tinham feito supreendentes progressos no estudo da sociedade Ainda assim não devemos exagerar este progresso O período da revolução dupla pertence à préhistória de todas as ciências sociais com exceção da economia política da linguística e talvez da estatística Até mesmo o seu mais formidável empreendimento a coerente teoria da evolução social de Marx e Engels era nesta época pouco mais que uma brilhante suposição publicada em um soberbo panfleto ou usada como base para o relato histórico A firme construção de bases científicas para o estudo da sociedade humana não teria lugar até a segunda metade do século O mesmo ocorreria nos campos da antropologia ou etnografia social da préhistória da sociologia e da psicologia É importante o fato de que estes campos de estudo foram batizados em nosso período ou de que reivindicações para considerar cada um deles como uma ciência peculiar com suas características próprias foram então formuladas John Stuart Mill em 1843 foi talvez o primeiro a reivindicar este staíus para a psicologia O fato de que sociedades etnológicas especiais foram fundadas na França e na Inglaterra 1839 1843 para estudar as raças do homem é igualmente significativo como o é a multiplicação de investigações sociais através de meios estatísticos e de sociedades estatísticas entre 1830 e 1848 Porém as instruções gerais aos viajantes da Sociedade Etnológica Francesa que os compelia a descobrir o que as memórias dos povos têm preservado de suas origens o que as revoluções têm significado em seu idioma ou costumes em sua arte ciência e riqueza seu poder ou governo através de causas internas ou de invasão estrangeira não passam de um programa embora profundamente histórico De fato o que importa a respeito das ciências sociais em nosso período são menos os seus resultados embora se acumulasse um considerável material descritivo do que sua firme predisposição materialista expressa em uma determinação de explicar as diferenças sociais humanas em termos do meio ambiente e seu comprometimento igualmente firme em relação à evolução Em 1787 não havia Chavannes definido a nascente etnologia como a história do progresso dos povos em direção à civilização Um obscuro subproduto deste desenvolvimento inicial das ciências sociais deve contudo ser mencionado rapidamente as teorias da raça A existência de diferentes raças ou melhor cores de homens tinha sido muita discutida no século XVIII quando o problema de uma criação única ou múltipla do homem preocupava também aos espíritos de reflexão A fronteira entre monogenistas e poligenistas não era simples O primeiro grupo reunia defensores da evolução e da igualdade humana com homens que consideravam que sobre este ponto a ciência não era conflitante com a Escritura os prédarwinianos Prichard e Lawrence ao lado de Cuvier O segundo grupo incluía não só cientistas de boa fé mas também racistas e escravagistas provenientes do sul dos Estados Unidos Estas discussões a respeito das raças produziram uma viva explosão de antropometria principalmente baseada na coleção classificação e medida de crâneos prática também encorajada pelo estranho hobby contemporâneo da frenologia que tentava determinar o caráter a partir da configuração do crâneo Na GrãBretanha e na França as sociedades frenológicas foram fundadas em 1823 e 1832 respectivamente embora o assunto logo tenha sido abandonado pela ciência Ao mesmo tempo uma mistura de nacionalismo radicalismo história e observação de campo introduziram o igualmente perigoso tópico das permanentes características raciais ou nacionais na sociedade Na década de 1820 os irmãos Thierry historiadores e revolucionários franceses tinhamse lançado ao estudo da Conquista Normanda e dos gauleses que ainda hoje se reflete na proverbial frase dos manuais escolares franceses Nos ancêtres les Gaulois e nos maços azuis de cigarros Gauloise Como bons radicais mantinham o ponto de vista de que o povo francês descendia dos gauleses os aristocratas dos teutões que os conquistaram argumentação que mais tarde seria usada com fins conservadores por etnógrafos da classe alta como o Conde de Gobineau A crença de que uma linhagem racial específica sobrevivia ideia defendida com compreensível zelo por um naturalista galês W Edwards em favor dos celtas se encaixava admiravelmente em uma época em que os homens pretendiam descobrir a romântica e misteriosa individualidade de suas nações para reivindicar missões messiânicas para elas se fossem revolucionários ou para atribuir sua riqueza e poderio a uma superioridade inata Em troca não demonstravam qualquer tendência a atribuir a probreza e a opressão a uma inferioridade inata Porém para atenuar a responsabilidade destes homens devese dizer que os piores abusos das teorias racistas ocorreram após o final de nosso período V Como podemos explicar estes desenvolvimentos científicos Como particularmente relacionálos com as outras mudanças históricas da revolução dupla É evidente que há correlações óbvias Os problemas teóricos da máquina a vapor levaram o brilhante Sadi Carnot em 1824 à mais fundamental percepção física do século XIX as duas leis da termodinâmica Reflexions sur Ia puissance motrice dufeu embora não fossem as únicas aproximações do problema O grande avanço da geologia e da paleontologia deviase em grande parte ao zelo com que os engenheiros e construtores industriais retalhavam a terra e à grande importância da mineração Não foi por acaso que a GrãBretanha se transformou no país geológico por excelência instituindo um órgão nacional para a Pesquisa Geológica em 1836 A análise dos recursos minerais deu aos químicos inúmeros compostos inorgânicos para seu estudo a mineração a cerâmica a metalurgia as artes têxteis as novas indústrias de iluminação a gás e de produtos químicos assim como a agricultura estimularam seus trabalhos E o entusiasmo da sólida burguesia radical britânica e da aristocracia whig não só em relação à pesquisa aplicada mas também em relação aos ousados avanços no campo do conhecimento que assustavam a própria ciência oficial é prova suficiente de que o progresso científico de nosso período não pode ser separado dos estímulos da revolução industrial Do mesmo modo as implicações científicas da Revolução Francesa são evidentes na aberta ou dissimulada hostilidade à ciência com que os políticos conservadores ou moderados encontravam o que consideravam as consequências naturais da subversão racionalista e materialista do século XVIII A derrota de Napoleão trouxe uma onda de obscurantismo A matemática era a algema do pensamento humano dizia Lamartine respiro e ela se rompe A luta entre uma combativa esquerda anticlerical e prócientífica que em seus raros momentos de vitória havia erigido a maioria das instituições que permitiam áos cientistas franceses funcionar e uma direita anticientífica que tudo fez para eliminálas continua desde então Com isto não queremos dizer que na França ou em outros países os cientistas fossem particularmente revolucionários Alguns deles o eram como o jovem Evariste Galois que se lançou às barricadas em 1830 sendo perseguido como rebelde e morto em um duelo provocado por fanfarrões políticos com a idade de 21 anos em 1832 Gerações de matemáticos se têm alimentado das profundas ideias que ele escreveu febrilmente durante aquela que sabia ser sua última noite de vida Por outro lado alguns foram francamente reacionários como o legitimista Cauchy embora por razões óbvias a tradição da Escola Politécnica de que era o orgulho fosse militantemente antimonarquista Provavelmente a maioria dos cientistas pertenciam à esquerda moderada durante o período pósnapoleônico e alguns especialmente nas novas nações ou nas comunidades até então apolíticas foram forçados a aceitar importantes cargos políticos notadamente os historiadores os linguistas e outros cientistas com óbvias ligações com movimentos nacionais Palacky se tornou o principal portavoz dos tchecos em 1848 os sete professores universitários de Gõttingen que assinaram uma carta de protesto em 1837 se transformaram em figuras nacionais e o Parlamento de Frankfurt durante a Revolução Alemã de 1848 era notoriamente uma assembleia de professores universitários e de altos servidores civis Por outro lado em comparação com os artistas e filósofos os cientistas especialmente os cientistas naturais demonstravam um grau muito baixo de consciência política a menos que seus estudos ou experiências exigissem outra coisa Fora dos países católicos por exemplo demonstravam uma capacidade notável para combinar a ciência com uma tranquila ortodoxia religiosa que surpreende o estudioso da era pósdarwiniana Tais derivações diretas explicam algumas coisas sobre o desenvolvimento científico entre 1789 e 1848 mas não muito Os efeitos indiretos de acontecimentos contemporâneos foram claramente mais importantes Ninguém podia deixar de notar que o mundo estava se transformando mais radicalmente nesta era do que em qualquer outra anterior Nenhuma pessoa que usasse o raciocínio poderia deixar de estar atemorizada abalada e mentalmente estimulada por estas convulsões e transformações Quase não surpreende que os padrões de pensamento derivados das rápidas mudanças sociais das profundas revoluções da substituição sistemática de instituições tradicionais e costumeiras por inovações racionalistas radicais resultaram aceitáveis É possível ligar este visível aparecimento da revolução com a presteza dos matemáticos antimundanos em romper com as eficientes barreiras do pensamento até então existentes Não podemos assegurálo embora saibamos que a adoção de novas linhas revolucionárias de pensamento é normalmente evitada não por sua dificuldade intrínseca mas por seu conflito com tácitas suposições sobre o que é ou não natural Os próprios termos número irracional para números como V ou número imaginário para números como V indicam a natureza da dificuldade Uma vez que decidimos que não são nem mais nem menos racionais ou reais do que quaisquer outros tudo fica claro Porém pode ser necessária toda uma era de profunda transformação para encorajar os pensadores a tomar tais decisões e assim as variáveis complexas ou imaginárias em matemática tratadas com confusa precaução no século XVIII só alcançaram sua plenitude depois da revolução Deixando a matemática de lado era de se esperar que os padrões retirados das transformações da sociedade tentariam os cientistas em campos aos quais tais analogias pareciam aplicáveis por exemplo para introduzir os dinâmicos conceitos de evolução em conceitos até então estáticos Isto poderia ocorrer diretamente ou por intermédio de alguma outra ciência Assim o conceito da revolução industrial fundamental para a história e para a maior parte da economia moderna foi introduzido na década de 1820 como algo análogo ao de Revolução Francesa Charles Darwin deduziu o mecanismo da seleção natural por analogia com o modelo da competição capitalista que tomou de Malthus a luta pela existência A voga de teorias catastróficas em geologia 17901830 também pôde deverse em parte à familiaridade daquela geração com as violentas convulsões da sociedade Contudo fora das ciências mais claramente sociais não há porque dar muito peso a estas influências externas O mundo do pensamento é até certo ponto autónomo seus movimentos por assim dizer se produzem dentro da mesma longitude de onda histórica que os movimentos de fora mas não são simples ecos destes Assim por exemplo as catastróficas teorias da geologia também se deveram em parte à insistência protestante e especialmente calvinista na onipotência arbitrária do Senhor Tais teorias foram em grande parte monopólio dos trabalhadores protestantes tão distintos dos católicos ou agnósticos Se no campo das ciências se produzem movimentos paralelos aos de outros campos não é porque cada uma delas possa conectarse de maneira simples a um aspecto correspondente da política ou da economia Ainda assim as ligações são difíceis de serem negadas As principais correntes do pensamento geral em nosso período têm sua correspondência no especializado campo da ciência o que nos habilita a estabelecer um paralelismo entre as ciências e as artes ou entre ambas e as atitudes políticosociais Assim o classicismo e o romantismo existiram também nas ciências e como já vimos cada um se ajustava a um enfoque particular da sociedade humana A adequação do classicismo ou em termos intelectuais o universo newtoniano racionalista e mecanicista doiluminismo com o ambiente do liberalismo burguês e do romantismo ou em termos intelectuais a chamada filosofia natural com seus oponentes é obviamente uma supersimplificação e se rompe por completo depois de 1830 Ainda assim representa um certo aspecto da verdade Até que a ascensão de teorias como o socialismo moderno tivessem firmemente ancorado o pensamento revolucionário ao passado racionalista cf capítulo 13 ciências tais como a física a química e a astronomia marcharam com o liberalismo burguês francobritânico Por exemplo os revolucionários plebeus do Ano 11 estavam inspirados por Rousseau e não por Voltaire e suspeitavam de Lavoisier a quem executaram e de Lapíace não só devido a suas ligações como o velho regime mas por razões semelhantes àquelas que levaram o poeta William Blake a denunciar Newton Reciprocamente a história natural era adequada pois representava a estrada para a espontaneidade da verdadeira e incorruptível natureza A ditadura jacobina que dissolveu a Academia Francesa fundou nada menos que 12 cadeiras de pesquisa no Jardin des Plantes Da mesma forma ocorreu na Alemanha onde o liberalismo clássico era fraco cf capítulo 13 uma ideologia científica rival à clássica a filosofia natuial foi mais popular É fácil subestimar a filosofia natural porque ela entra em conflito com o que viemos acertadamente considerando como ciência A filosofia natural era especulativa e intuitiva Buscava expressar o espírito do mundo ou da vida da misteriosa união orgânica de todas as coisas com as demais e de muitas outras coisas que resistiam a uma precisa aferição quantitativa ou a uma clareza cartesiana De fato estava em aberta revolta contra o materialismo mecânico contra Newton e às vezes contra a própria razão O grande Goethe gastou uma considerável quantidade de seu precioso tempo tentando desmentir a ótica de Newton pela simples razão de que não se sentia feliz com uma teoria que deixava de explicar as cores pela interação dos princípios da luz e da escuridão Uma aberração de tal ordem nada causaria senão dolorosa surpresa na Escola Politécnica onde a persistente preferência dos alemães pelo confuso Kepler com sua carga de misticismo em detrimento da lúcida perfeição dos Principia era incompreensível O que se poderia compreender desta passagem de Lorenz Oken A ação ou a vida de Deus consiste em manisfestarse e contemplarse eternamente na unidade e na dualidade dividindose externamente e ainda assim permanecendo uno A polarização é a primeira força que aparece no mundo A lei da causalidade é uma lei de polarização A causalidade é um ato de geração O sexo está enraizado no primeiro movimento do mundo Em tudo portanto há dois processos um individualizados vitalizante e outro universalizador destrutivo O que fazer com tal filosofia A total incompreensão de Bertrand Russel em relação a Hegel que operava nestes termos é um bom exemplo da resposta do racionalista do século XVIII a esta pergunta retórica Por outro lado o débito que Marx e Engels reconheceram ter francamente com a filosofia natural nos adverte que não se pode considerála como simples verborragia A verdade é que exercia certa influência E produziu não só um esforço científico Lorenz Oken fundou a liberal Deutsche Naturforscherversammlung e inspirou a Associação Britânica para o Progresso da Ciência mas também resultados frutíferos A teoria celular em biologia muito da morfologia embriologia filologia e muito do elemento histórico e evolutivo em todas as ciências foram primordialmente de inspiração romântica Mas até mesmo em seu campo predileto a biologia o romantismo teve finalmente que ser substituído pele frio classicismo de Claude Bernard 181378 fundador da fisiologia moderna Por outro lado mesmo nas ciências físico químicas que continuaram a ser a fortaleza do classicismo as especulações dos filósofos naturais sobre assuntos tão misteriosos como a eletricidade e o magnetismo trouxeram importantes avanços Em Copenhagen Hans Christian Oersted discípulo do nebuloso Schelling buscou e encontrou a ligação entre ambas as forças quando demonstrou o efeito magnético das correntes elétricas em 1820 Ambas as tentativas de aproximação às ciências de fato se misturavam mas quase nunca se fundiam nem mesmo em Marx que conhecia perfeitamente as origens intelectuais de seu pensamento No todo o caminho romântico serviu como um estímulo para novas ideias e pontos de partida que foram posteriormente e mais uma vez abandonados pela ciência Mas em nosso período não pode ser desprezado Se não pode ser menosprezado como um estímulo puramente científico menos ainda pode sê lo pelo historiador de ideias e opiniões na medida em que até mesmo as ideias falsas e absurdas são fatos e forças históricas Não podemos subestimar um movimento que captou ou influenciou homens do mais alto calibre intelectual como Goethe Hegel e o jovem Marx Podemos simplesmente buscar compreender a profunda insatisfação com o clássico ponto de vista francobritânico do século XVIII a respeito do mundo cujos grandes empreendimentos na ciência e na sociedade foram inegáveis mas cuja estreiteza e limitações foram também terrivelmente evidentes no período das duas revoluções Estar consciente destes limites e buscar frequentemente através da intuição e não da análise os termos com que se poderia construir um quadro mais satisfatório do mundo não era realmente construílo Nem as visões de um universo evolutivo interligado e dialético que os filósofos naturais expressavam eram provas ou mesmo formulações adequadas Porém refletiam problemas reais até mesmo problemas reais nas ciências físicas e antecipavam as transformações e ampliações do mundo das ciências que vieram a produzir nosso moderno universo científico A seu modo refletiam também o impacto da revolução dupla que não deixou qualquer aspecto da vida humana inalterado Capítulo Dezesseis Conclusão Rumo a 1848 A pobreza e o proletariado são as úlceras que supuraratn no organismo dos Estados modernos Elas podem ser curadas Os médicos comunistas propõem a completa destruição e aniquilação do organismo existente Uma coisa é certa se estes homens receberem o poder para agir haverá não uma revolução política mas social uma guerra contra toda propriedade uma completa anarquia Por sua vez isto daria lugar a novos Estados nacionais e em que bases morais e sociais Quem erguerá o véu do futuro E que papel desempenhará a Rússia Sentome na praia e espero o vento diz um velho provérbio russo Haxthausen Studien ueber Russland 1847 I Começamos analisando a situação do mundo em 1789 Concluiremos examinandoo cerca de 50 anos mais tarde ao final do meioséculo mais revolucionário da história até hoje registrado Foi uma era de superlativos Os novos e numerosos compêndios de estatística nos quais esta era de contagens e cálculos buscava registrar todos os aspectos do mundo conhecido chegariam com justiça à conclusão de que realmente cada quantidade mensurável era maior ou menor do que em qualquer época anterior A área do mundo conhecida mapeada e em intercomunicação era maior do que em qualquer época anterior e suas comunicações eram incrivelmente mais rápidas A população do mundo era também maior do que nunca em vários casos além de toda expectativa e probabilidade As cidades de grande tamanho se multiplicavam mais depressa do que em qualquer época anterior A produção industrial atingia cifras astronómicas na década de 1840 cerca de 640 milhões de toneladas de carvão foram arrancadas do interior da terra Estas cifras só foram suplantadas pelas ainda mais extraordinárias do comércio internacional que se multiplicara quatro vezes desde 1780 até atingir cerca de 800 milhões de libras esterlinas e muito mais em outras moedas menos sólidas e estáveis A ciência nunca fora tão vitoriosa o conhecimento nunca fora tão difundido Mais de quatro mil jornais informavam os cidadãos do mundo e o número de livros publicados anualmente na GrãBretanha França Alemanha e Estados Unidos chegava à casa das centenas de milhares A inventiva humana dava a cada ano voos cada vez mais ousados A lâmpada de Argand 17824 acabava de revolucionar a iluminação artificial foi o primeiro avanço de importância desde a lâmpada a óleo quando os gigantescos laboratórios conhecidos como fábricas de gás enviando seus produtos ao longo de intermináveis tubos subterrâneos começaram a iluminar as fábricas e logo depois as cidades da Europa Londres a partir de 1807 Dublin a partir de 1818 Paris a partir de 1819 e até mesmo a remota Sydney em 1841 E o arco voltaico já era conhecido O professor Wheastone de Londres já estava planejando ligar a Inglaterra e a França por meio de um telégrafo elétrico submarino Quarenta e oito milhões de passageiros utilizaram as ferrovias do Reino Unido em um único ano 1845 Homens e mulheres já podiam ser transportados ao longo de três mil milhas de via férrea na GrãBretanha 1846 e antes de 1850 mais de seis mil e ao longo de nove mil milhas nos Estados Unidos Serviços regulares de navio a vapor já ligavam a Europa com a América e com as índias Sem dúvida todos estes triunfos tinham o seu lado obscuro embora este não figurasse nos quadros estatísticos Como se poderia encontrar uma expressão quantitativa para o fato que hoje em dia poucos poderiam negar de que a revolução industrial criou o mundo mais feio no qual o homem jamais vivera como testemunhavam as lúgubres fétidas e enevoadas vielas dos bairros baixos de Manchester Ou para os homens e mulheres desarraigados em quantidades sem precedentes e privados de toda segurança que constituíam provavelmente o mais infeliz dos mundos Contudo podemos perdoar os baluartes do progresso na década de 1840 por sua confiança e determinação de que o comércio pode evoluir livremente levando a civilização com uma das maõs e a paz com a outra para tornar a humanidade mais feliz inteligente e melhor Senhor disse Lord Palmerston prosseguindo esta rósea afirmação no pior dos anos 1842 este é o desígnio da Providência Ninguém podia negar que havia uma pobreza espantosa Muitos sustentavam que estava mesmo aumentando e se aprofundando E ainda assim pelos eternos critérios que medem os triunfos da indústria e da ciência poderia até mesmo o mais lúgubre dos observadores racionalistas sustentar que em termos materiais o mundo estava em condições piores do que em qualquer época anterior ou mesmo do que em países não industrializados do presente Não poderia Já era suficientemente amarga a acusação de que a prosperidade material do trabalhador pobre frequentemente não era maior do que no passado e às vezes pior do que em períodos guardados na memória Os baluartes do progresso tentavam rechaçála com o argumento de que isto não se devia às operações da nova sociedade burguesa mas pelo contrário aos obstáculos que o velho feudalismo á monarquia e a aristocracia ainda colocavam no caminho da perfeita iniciativa livre Os novos socialistas pelo contrário sustentavam que isto se devia às próprias operações daquele sistema Porém ambos concordavam que a situação era cada vez mais penosa Uns sustentavam que seria superada dentro da estrutura do capitalismo enquanto outros discordavam deste ponto de vista mas ambos corretamente acreditavam que a vida humana enfrentava uma possibilidade de melhoria material que traria o controle do homem sobre as forças da natureza Quando analisamos a estrutura política e social da década de 1840 entretanto deixamos o mundo dos superlativos para entrarmos no mundo das afirmações modestas A maioria dos habitantes da terra continuava sendo de camponeses como antes embora houvesse poucas áreas principalmente na GrãBretanha onde a agricultura já era a ocupação de uma pequena minoria e a população urbana já estava a ponto de ultrapassar a rural como aconteceu pela primeira vez no censo de 1851 Havia proporcionalmente menos escravos pois seu comércio internacional fora oficialmente abolido em 1815 e a escravidão nas colónias britânicas fora abolida em 1834 e nas colónias francesas e espanholas durante e depois da Revolução Francesa Entretanto enquanto as Antilhas eram agora com algumas exceções não britânicas uma área agrícola legalmente livre numericamente a escravidão continuava a se expandir nos dois grandes bastiões do continente americano o Brasil e o sul dos Estados Unidos estimulada pelo próprio progresso da indústria e do comércio que se opunham a todas as restrições de mercadorias e pessoas e a proibição oficial fazia com que o comércio de escravos fosse mais lucrativo O preço aproximado de um operário do campo no sul dos Estados Unidos que era de 300 dólares em 1795 variava entre 1200 e 1800 dólares em 1860 o número de escravos nos Estados Unidos aumentou de 700 mil em 1790 para 2500000 em 1840 e 32OOOOO em 1850 Ainda vinham da África mas eram criados cada vez mais para a venda dentro da área escravista por exemplo nos Estados fronteiriços dos Estados Unidos para a venda ao cinturão algodoeiro em expansão Além disso já estavamse desenvolvendo sistemas de semiescravidão como a exportação de mãodeobra contratada da Índia para as ilhas açucareiras do Oceano Índico e as Antilhas A servidão ou vínculo legal dos camponeses à gleba fora abolida na maior parte da Europa sem que fosse muito modificada a situação real do trabalhador rural pobre em áreas de tradicional cultivo latifundiário como a Sicília ou a Andaluzia Entretanto a servidão persistia em suas principais fortalezas da Europa embora depois de uma grande expansão inicial seus números permanecessem estáveis na Rússia entre 10 e 11 milhões de homens depois de 1811 o que quer dizer houve queda em termos relativos Contudo a agricultura servil ao contrário da agricultura escravista estava claramente declinando sendo suas desvantagens econômicas crescentemente evidentes e especialmente a partir da década de 1840 a rebeldia dos camponeses sendo cada vez mais marcante O maior insurgimento de servos foi provavelmente o da Galícia austríaca em 1846 prelúdio da total emancipação através da revolução de 1848 Mas mesmo na Rússia houve 148 movimentos de agitação camponesa em 182634 216 em 183544 348 em 184454 culminando nos 474 movimentos dos últimos anos anteriores à emancipação de 1861 No outro extremo da pirâmide social a posição do aristocrata proprietário de terras também mudou menos do que se poderia pensar exceto em países de revolução camponesa direta como a França Sem dúvida agora havia países por exemplo França e Estados Unidos onde os homens ricos já não eram os proprietários dê terras exceto na medida em que também compravam terras como um símbolo de seu ingresso na mais alta classe social como os Rothschild Entretanto mesmo na GrãBretanha na década de 1840 as maiores concentrações de riqueza ainda eram certamente as dos nobres e no sul dos Estados Unidos os plantadores de algodão até mesmo criaram para si uma caricatura provinciana da sociedade aristocrática inspirada em Walter Scott cavalheiro romance e outros conceitos que tinham pouco significado para os escravos negros à expensa dos quais se refestelavam e nem tampouco para os corados fazendeiros puritanos que se alimentavam de mingau de milho e de carne gorda de porco Claro está que esta firmeza aristocrática ocultava uma mudança os rendimentos dos nobres dependiam cada vez mais da indústria dos valores e das ações e do desenvolvimento das fortunas da desprezada burguesia Também as classes médias tinham aumentado rapidamente mas seu número ainda assim não era avassaladoramente grande Em 1801 havia cerca de 100 mil contribuintes que ganhavam acima de 150 libras esterlinas por ano na GrãBretanha ao fim de nosso período havia cerca de 340 mil em outras palavras contando com suas grandes famílias chegavam a um milhão e meio de pessoas de uma população total de 21 milhões 1851 Naturalmente o número daqueles que procuravam seguir os padrões e os modos de vida da classe média era bem maior Nem todos eram muito ricos uma boa estimativa é que o número de pessoas que ganhava mais de 5 mil libras por ano era de aproximadamente 4 mil incluindo a aristocracia número este não muito incompatível com o dos presumíveis patrões dos 7579 cocheiros domésticos que enfeitavam as ruas britânicas Podemos admitir que a proporção das classes médias em outros países não era maior do que isto e que de fato era em geral bem mais baixa A classe trabalhadora incluindo o novo proletariado da fábrica da mina da ferrovia etc naturalmente crescia de uma forma vertiginosa Contudo exceto na GrãBretanha na melhor das hipóteses podia ser contada em centenas de milhares mas não em milhões Comparada com o total da população do mundo ainda era numericamente desprezível e em todo caso uma vez mais com a exceção da GrãBretanha e alguns pequenos núcleos em outros países era uma classe desorganizada Ainda assim como já vimos sua importância política já era imensa e muito desproporcional a seu tamanho e realizações A estrutura política do mundo também foi grandemente transformada na década de 1840 e ainda assim mas não tanto quanto o observador confiante ou pessimista poderia ter previsto em 1800 A monarquia ainda continuava sendo avassaladoramente o modo mais comum de governo com exceção do continente americano e mesmo neste continente um dos maiores países o Brasil era um Império e um outro o México tinha ao menos feito experiências imperiais sob o governo do General Iturbide Agostinho I de 1822 a 1833 E verdade que vários reinos europeus inclusive a França podiam agora ser descritos como monarquias constitucionais mas com a exceção de um grupo destes regimes ao longo da margem oriental do Atlântico a monarquia absoluta continuava a prevalecer em toda parte E verdade que por volta de 1840 havia vários Estados novos produtos da revolução a Bélgica a Sérvia a Grécia e alguns estados latinoamericanos Ainda assim eYnbora a Bélgica fosse uma força industrial de importância até certo ponto porque moviase na órbita de sua vizinha a França o mais importante dos estados revolucionários eram os Estados Unidos que já existia em 1789 Os Estados Unidos gozavam de duas enormes vantagens ausência de quaisquer vizinhos poderosos ou de potências rivais que pudessem ou que de fato quisessem evitar sua expansão através do imenso continente até a costa do Pacífico os franceses ti nham na realidade vendido aos Estados Unidos uma área tão grande quanto o próprio país na época como contrato de compra da Luísiana assinado em 1803 e uma taxa extraordinariamente rápida de expansão econômica A primeira vantagem também era partilhada pelo Brasil que ao se separar pacificamente de Portugal evitou a fragmentação trazida para a maioria da América espanhola por uma série de guerras revolucionárias porém sua riqueza de recursos permanecia quase inexplorada Ainda assim tinha havido grandes mudanças Além do mais desde cerca de 1830 tais mudanças cresciam visivelmente A revolução de 1830 introduziu constituições moderadamente liberais antidemocráticas mas também claramente antiaristocráticas nos principais Estados da Europa Ocidental Sem dúvida havia acordos impostos pelo temor de uma revolução de massa que iria além das moderadas aspirações da classe média Estes acordos deixaram as classes proprietárias de terras superrepresentadas no governo como na GrãBretanha e grandes parcelas das novas classes médias e especialmente das industriais mais dinâmicas sem representação como na França Ainda assim foram acordos que decisivamente inclinaram a balança política para o lado das classes médias Em todos os assuntos de importância os industriais britânicos conseguiram o que queriam depois de 1832 a capacidade de abolir as Leis do Trigo valia o sacrifício de sua separação das propostas republicanas e anticlericais mais extremadas dos utilitaristas Não pode haver dúvida de que na classe média da Europa Ocidental o liberalismo embora não o radicalismo democrático estivesse em ascensão Seus principais oponentes os conservadores na GrãBretanha coligações partidárias que em geral se alinhavam com a Igreja Católica em outros países estavam na defensiva e sabiam disso Entretanto até mesmo a democracia radical tinha feito avanços importantes Após 50 anos de hesitação e hostilidade a pressão dos homens de fronteira e dos fazendeiros acabou por impôla aos Estados Unidos durante o governo do presidente Andrew Jackson 182937 aproximadamente na mesma época em que a revolução europeia reconquistava seu elemento essencial Ao fim de nosso período 1847 instalouse uma guerravcivil entre radicais e católicos na Suíça Porém poucos liberais da moderada classe média já pensavam que esta forma de governo defendida principalmente por revolucionários de esquerda adaptada ao que parecia para os rudes e pequenos produtores e negociantes das montanhas ou das pradarias poderia se converter um dia na conjuntura política característica do capitalismo defendido como tal contra os violentos ataques do próprio povo que na década de 1840 a proclamava Só na política internacional é que tinha havido uma revolução na aparência e virtualmente total O mundo da década de 1840 era completamente dominado pelas potências europeias política e economicamente às quais se somavam os Estados Unidos A Guerra do Ópio de 1839 42 demonstrara que a única grande potência não europeia sobrevivente o Império da China estava inerte em face de uma agressão econômica e militar do Ocidente Nada ao que parecia poderia obstar a invasão de canhoneiras ou de regimentos ocidentais que lhe traziam o comércio e as bíblias E dentro deste domínio ocidental a GrãBretanha era a maior potência graças a seu maior número de canhoneiras comércio e bíblias A supremacia britânica era tão absoluta que mal necessitava de um controle político para funcionar Não restavam quaisquer outras potências coloniais exceto com a conivência britânica e consequentemente não havia rivais O império francês estava reduzido a umas poucas ilhas espalhadas e a algumas feitorias comerciais embora estivesse no processo de se reabilitar no Mediterrâneo e na Argélia Os holandeses recuperados na Indonésia sob o olhar vigilante da nova feitoria britânica de Singapura mal eram competidores os espanhóis retinham Cuba as Filipinas e algumas vagas pretensões na África as colónias portuguesas estavam esquecidas O comércio britânico dominava a Argentina o Brasil e o sul dos Estados Unidos tanto quanto a colónia espanhola de Cuba ou as colónias britânicas na índia Os investimentos britânicos tinham os seus mais fortes interesses no norte dos Estados Unidos ou em qualquer local que fosse economicamente desenvolvido Nunca em toda a história do mundo uma única potência havia exercido uma hegemonia mundial como a dos britânicos na metade do século XIX pois mesmo os maiores impérios ou hegemonias do passado tinham sido meramente regionais como no caso dos chineses dos maometanos e dos romanos Desde então nenhuma outra potência jamais conseguiu estabelecer uma hegemonia Comparável e nem há possibilidades de que isto venha a acontecer no futuro já que nenhuma potência pôde nem poderá reivindicar para si o título de oficina do mundo Contudo o futuro declínio da GrãBretanha já era visível Observadores inteligentes mesmo nas décadas de 1830 e 1840 como Tocqueville e Haxthausen já previam que o tamanho e os recursos potenciais dos Estados Unidos e da Rússia viriam a transformálos nos gémeos gigantes dos mundo dentro da Europa a Alemanha como previu Frederick Engels em 1844 logo viria também entrar na competição em termos iguais Só a França havia decisivamente se retirado da competição pela hegemonia internacional embora isto ainda não fosse evidente a ponto de dar garantias aos estadistas britânicos ou de outros países Em poucas palavras o mundo da década de 1840 se achava fora de equilíbrio As forças de mudança econômica técnica e social desencadeadas nos últimos 50 anos não tinham paralelo eram irresistíveis mesmo para o mais superficial dos observadores Por exemplo era inevitável que mais cedo ou mais tarde a escravidão ou a servidão exceto nas remotas regiões ainda não atingidas pela nova economia onde permaneciam como relíquias teria de ser abolida como era inevitável que a GrãBretanha não poderia para sempre permanecer o único país industrializado Era inevitável que as aristocracias proprietárias de terras e as monarquias absolutas perderiam força em todos os países em que uma forte burguesia estavase desenvolvendo quaisquer que fossem as fórmulas ou acordos políticos que encontrassem para conservar sua situação econômica sua influência e sua força política Além do mais era inevitável que a injeção de consciência política e de permanente atividade política entre as massas que foi o grande legado da Revolução Francesa significaria mais cedo ou mais tarde um importante papel dessas mesmas massas na política E dada a notável aceleração da mudança social desde 1830 e o despertar do movimento revolucionário mundial era claramente inevitável que as mudanças quaisquer que fossem seus motivos institucionais não poderiam mais ser adiadas Tudo isto teria sido o bastante para dar aos homens da década de 1840 a consciência de uma mudança pendente Mas não o bastante para explicar o que se sentia concretamente em toda a Europa a consciência de uma revolução social iminente Era bastante significativo que essa consciência não se limitasse aos revolucionários que a preparavam meticulosamente nem às classes governantes cujo temor das massas pobres é patente em tempos de mudança social Os próprios pobres sentiamna e as suas camadas mais cultas a expressavam como escreveu o cônsul americano em Amsterdã durante a fome de 1847 relatando os sentimentos dos emigrarftes alemães que passavam pela Holanda Todas as pessoas bem informadas expressam a crença de que a atual crise está tão profundamente entrelaçada com os acontecimentos do atual período que ela não é senão o começo da grande Revolução que eles consideram que mais cedo ou mais tarde venha a dissolver o atual estado de coisas A razão era que a crise do que restava da antiga sociedade parecia coincidir com uma crise da nova sociedade Analisando a década de 1840 é fácil pensar que os socialistas que previram a iminente crise final do capitalismo eram sonhadores que confundiam suas esperanças com suas possibilidades reais De fato o que se seguiu não foi a falência do capitalismo mas sim seu mais rápido período de expansão e vitória Ainda assim nas décadas de 1830 e 1840 era pouco evidente que a nova economia poderia ou buscaria superar suas dificuldades que pareciam aumentar com seu poder para produzir quantidades cada vez maiores de mercadorias através de métodos cada vez mais revolucionários Seus próprios teóricos eram perseguidos pela possibilidade do estado estacionário do estancamento da força motriz que levava a economia adiante e que ao contrário dos teóricos do século XVIII e os do período subsequente acreditavam ser algo iminente Seus próprios defensores tinham duas opiniões a respeito de seu futuro Na Krança os homens que viriam a ser os capitães das altas finanças e da indústria pesada os saintsimonianos ainda estavam indecisos na década de 1830 em relação a qual seria o melhor caminho para obter o triunfo da sociedade industrial se o socialismo ou o capitalismo Nos Estados Unidos homens como Horace Greeley que se tornaram imortais como os profetas da expansão individualista Siga para o oeste jovem era seu lema aderiram na década de 1840 ao socialismo utópico fundando e explicando os méritos das falanges fourieristas comunas semelhantes ao kibutz que tão mal se adaptam ao que hoje se considera o americanismo Os próprios empresários estavam desesperados Retrospectivamente pode parecer incompreensível que alguns negociantes quakers como John Bright e bemsucedidos fabricantes de algodão de Lancashire em pleno período de sua mais dinâmica expansão estivessem dispostos a levar seu país ao caos à fome e à revolta através de um lockout político geral com o único intuito de abolir as tarifas Ainda assim no terrível ano de 1841 bem poderia parecer ao capitalista previdente que a indústria enfrentava não só perdas e situações inconvenientes mas também uma estrangulação geral a menos que os obstáculos à sua expansão futura fossem imediatamente removidos Para a massa do povo comum o problema era mais simples Como já vimos sua condição nas grandes cidades e nos distritos fabris da Europa Ocidental e Central empurravaos inevitavelmente em direção a uma revolução social Seu ódio aos ricos e aos nobres daquele mundo amargo em que viviam e seus sonhos com um mundo novo e melhor deram a seu desespero um propósito embora somente alguns deles principalmente na GrãBretanha e na França tivessem consciência deste significado Sua organização ou facilidade para uma ação coletiva lhes dava força O grande despertar da Revolução Francesa lhes ensinara que os homens comuns não necessitavam sofrer injustiças e se calar anteriormente as nações de nada sabiam e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que tinham o direito de dizer que qualquer coisa que fizessem estava bem feita Através desta atual mudança é mais difícil governar o povo Este era o espectro do comunismo que aterrorizava a Europa o temor do proletariado que não só afetava os industriais de Lancashire ou do norte da França mas também os funcionários públicos da Alemanha rural os padres de Roma e os professores em todas as partes do mundo E com justiça pois a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e mobilizou todas as classes Foi no sentido literal o insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades especialmente nas capitais da Europa Ocidental e Central Foi unicamente a sua força que fez cair os antigos regimes desde Palermo até as fronteiras da Rússia Quando a poeira se assentou sobre suas ruínas os trabalhadores na França de fato trabalhadores socialistas eram vistos de pé sobre elas exigindo não só pão e emprego mas também uma nova sociedade e um novo Estado Enquanto os trabalhadores pobres se agitavam a crescente fraqueza e obsolescência dos antigos regimes da Europa multiplicavam crises dentro do mundo dos ricos e dos influentes Em si mesmas estas crises não tiveram grande importância Se tivessem ocorrido em uma época diferente ou em sistemas que permitissem às diferentes parcelas das classes governantes ajustar suas rivalidades pacificamente não teriam levado à revolução mais do que as perenes brigas de parcelas da corte na Rússia do século XVIII levaram à queda do czarismo Na GrãBretanha e na Bélgica por exemplo houve muitos conflitos entre agrários e industriais e entre diferentes parcelas de cada um deles Mas estava claro que as transformações de 183032 tinham decidido o problema do poder em favor dos industriais que contudo o status quo político só poderia ser vencido com o risco de uma revolução e que isto devia ser evitado a todo custo Consequentemente a árdua luta entre os industriais britânicos defensores do livre comércio e os protecionistas agrícolas em relação às Leis do Trigo podia ser travada e vencida 1846 em meio da agitação cartista sem nem por um momento expor a unidade de todas as classes governantes contra a ameaça do sufrágio universal Na Bélgica a vitória dos liberais sobre os católicos nas eleições de 1847 desligou os industriais dos escalões dos revolucionários potenciais e em 1848 uma reforma eleitoral cuidadosamente elaborada que duplicou o número de eleitores atenuou os descontentamentos de parcelas cruciais da classe média inferior Não houve revolução de 1848 embora em termos de sofrimento real a Bélgica ou melhor a região de Flanders estava provavelmente em muito piores condições do que qualquer outra parte da Europa Ocidental com exceção da Irlanda Porém na Europa absolutista a rigidez dos regimes políticos de 1815 que foram projetados para rechaçar toda mudança de teor nacional ou liberal não deixou qualquer escolha até mesmo para o mais moderado dos oposicionistas a não ser a do status quo ou da revolução Pode ser que não estivessem prontos a se revoltar mas a menos que houvesse uma revolução social irreversível nada ganhariam Os regimes de 1815 tinham que ser banidos mais cedo ou mais tarde Eles próprios o sabiam A consciência de que a história estava contra eles minava sua vontade de resistir Em 1848 o primeiro sopro de revolução dentro ou fora iria atirálos longe Porém a menos que houvesse um sopro desta ordem eles não cairiam Mas ao contrário dos países liberais as fricções relativamente menores dentro dos regimes absolutistas os choques dos governantes com as assembleias legislativas da Hungria e da Prússia a eleição de um papa liberal em 1846 isto é uma eleição ansiosa para trazer o papado um pouco mais para perto das ideias do século XIX as mágoas em relação a uma amante na Baviera etc se transformaram em vibrações políticas de importância Teoricamente a França de Luís Felipe devia ter partilhado da flexibilidade política da Grã Bretanha da Bélgica da Holanda e dos países escandinavos Na prática isto não aconteceu pois embora fosse claro que a classe governante da França os banqueiros financistas e um ou dois grandes industriais representava somente uma parcela dos interesses da classe média e além disso uma parcela cuja política econômica não era apreciada pelos elementos industriais mais dinâmicos bem como pelos diversos velhos resíduos feudais a lembrança da Revolução de 1789 se constituía em um obstáculo para a reforma A oposição consistia não só de uma burguesia descontente mas também de uma classe média inferior politicamente decisiva especialmente em Paris que votou contra o governo a despeito do restrito sufrágio em 1846 Aumentar o direito de voto poderia dar uma abertura aos jacobinos em potencial os radicais que ao menos para o veto oficial eram revolucionários O primeiroministro de Luís Felipe o historiador Guizot 184048 preferiu assim deixar o alargamento da base social do regime ao desenvolvimento econômico que automaticamente aumentaria o número de cidadãos com qualificação de proprietário para entrar na política De fato isto aconteceu O eleitorado subiu de 176 mil em 1831 para 241 mil em 1846 Porém isto não era o suficiente O medo da república jacobina manteve rígida a estrutura política francesa e a situação política se tornou cada vez mais tensa Nas condições da Inglaterra uma campanha política pública através de discursos de banquetes como a campanha lançada pela oposição francesa em 1847 teria sido perfeitamente inofensiva Sob as condições francesas ela foi o prelúdio da revolução Como as outras crises na política da classe governante europeia coincidiu com uma catástrofe social a grande depressão que varreu o continente a partir da metade da década de 1840 As colheitas e em especial a safra de batatas fracassaram Populações inteiras como as da Irlanda e até certo ponto também as da Silésia e Flanders morriam de fome Os preços dos géneros alimentícios subiam A depressão industrial multiplicava o desemprego e as massas urbanas de trabalhadores pobres eram privadas de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida atingia proporções gigantescas A situação variava de um país para outro e dentro de cada um deles e felizmente para os regimes existentes as populações mais miseráveis como as da Irlanda e de Flanders ou alguns dos trabalhadores de fábricas nas províncias encontravamse entre as pessoas politicamente menos maduras os empregados da indústria algodoeira dos departamentos do norte da França por exemplo vingavamse de seu desespero nos igualmente desesperados imigrantes belgas que invadiam aquelas regiões em vez de se vingarem contra o governo ou mesmo contra os empregadores Além do mais no mais industrializado dos países a pior situação de descontentamento fora embotada pelo grande avanço na construção ferroviária e industrial da metade da dé não tão maus como os de 18412 e o mais importante é que foram apenas uma pequena depressão no que era agora visivelmente uma inclinação ascendente de prosperidade econômica Porém tomandose a Europa Ocidental e Central como um todo a catástrofe de 18468 foi universal e o estado de ânimo das massas sempre dependente do nível de vida era tenso e apaixonado Assim pois um cataclismo econômico europeu coincidiu com a visível corrosão dos antigos regimes Um camponês que se insurgia na Galícia a eleição de um papa liberal no mesmo ano uma guerra civil entre radicais e católicos na Suíça no fim de 1847 vencida pelos radicais uma das perenes insurreições autónomas da Sicília em Palermo no início de 1848 foram não só uma indicação prévia do que estava para acontecer mas se constituíam em verdadeiras comoções prévias do grande tufão Todos sabiam disso Raras vezes a revolução foi prevista com tamanha certeza embora não fosse prevista em relação aos países certos ou às datas certas Todo um continente esperava já agora pronto a espalhar a notícia da revolução através do telégrafo elétrico Em 1831 Victor Hugo escrevera que já ouvia o ronco sonoro da revolução ainda profundamente encravado nas entranhas da terra estendendo por baixo de cada reino da Europa suas galerias subterrâneas a partir do eixo central da mina que é Paris Em 1847 o barulho se fazia claro e próximo Em 1848 a explosão eclodiu

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mais populares como tais Em ambos os casos a sociedade não modificava as suas idéias e preconceitos não se duvidava que os homossexuais eram criminosos nem que os judeus eram traidores apenas revisavase a atitude em relação ao crime e à traição em geral O que é perturbador no tocante a essa aparente largueza de espírito não está no fato de as pessoas não se horrorizarem diante da rejeição das normas mas que se tornavam indiferentes perante o crime A doença mais bem escamoteada do século XIX o tédio e o cansaço geral da burguesia havia eclodido como abcesso Ora os marginais e os párias a quem a sociedade recorria em busca do exótico fossem quem fossem jamais se deixavam dominar pelo tédio e se dermos crédito à opinião de Proust eram os únicos na sociedade do findesiècle ainda capazes de sentir e externar paixão Proust se encontra no labirinto das conexões e ambições sociais pela capacidade de amar de Charlus A paixão pervertida de monsieur de Charlus por Morel a devastadora lealdade do judeu Swann a sua cortesã o próprio ciúme desesperado do autor por Albertine que é no romance a própria personificação do vício deixam bem claro que Proust considerava os marginalizados e os arrivistas os habitantes de Sodoma e Gomorra não somente mais humanos mas também mais normais A diferença existente entre o Faubourg SaintGermain que havia descoberto a atração exercida pelos judeus e pelos homossexuais e a ralé que gritava morte aos judeus consistia no fato de que os salões ainda não se haviam associado abertamente ao crime Isso significava que por um lado ainda não desejavam participar ativamente na matança e por outro que ainda professavam antipatia pelos judeus e horror pelos sexualmente anormais Naquela situação equívoca os novos membros da sociedade não podiam ainda confessar abertamente a sua identidade mas tampouco podiam escondêla Tais foram as condições que advieram do complicado jogo de exibição e ocultamento de meias confissões e distorções mentirosas da humildade exagerada e da exagerada arrogância consequência do fato de que se a esotérica qualidade de ser judeu ou homossexual havia a ambos aberto as portas dos salões ao mesmo tempo tornava sua posição extremamente insegura Nessa situação equívoca a qualidade de judeu era para o judeu tanto uma mancha física como um misterioso privilégio pessoal ambos inerentes a uma predestinação racial Proust descreve longamente como a sociedade constantemente à espreita do estranho do exótico do perigoso finalmente identifica o refinado com o monstruoso e se prontifica a admitir monstruosidades reais ou imaginárias como a estranha e desconhecida peça russa ou japonesa representada por atores nativos60 A personagem pintada rechonchuda e apertada em seus botões lembra uma caixa de origem exótica e dúbia da qual escapa um curioso aroma de frutos de modo que só o pensamento de proválos já excita o coração67 O homem de gênio supõese transmitirá um senso de sobrenatural e em torno dele a sociedade se reúne como em torno de távola giratória para aprender o segredo do Infinito68 Na atmosfera dessa necromancia um cavalheiro judeu ou uma senhora turca poderiam parecer como se fossem realmente criaturas invocadas pelo esforço de um médium69 Obviamente o papel do exótico do estranho e do monstruoso não podia ser representado por aqueles judeusexceção individuais que durante quase um século haviam sido admitidos e tolerados como arrivistas estrangeiros e de cuja amizade ninguém sonharia orgulharse70 Muito mais adequados eram naturalmente aqueles judeus que ninguém até então havia conhecido e que no estágio inicial de sua assimilação não eram identificados com a comunidade judaica nem eram seus representantes pois a identificação e certo grau de conhecimento teriam limitado severamente a imaginação e as expectativas da sociedade Aqueles que como Swann revelavam uma inata inclinação pela sociedade e pelo bom gosto em geral eram admitidos mais entusiasticamente aceitos porém eram aqueles que como Bloch pertenciam a uma família de pouca reputação e que tinham de suportar como no fundo do oceano a incalculável pressão do que lhes era imposto não apenas pelos cristãos mas por todas as camadas intermediárias de castas judaicas superiores à sua cada uma das quais esmagava com desprezo a que estava imediatamente abaixo A disposição da sociedade em receber o estranho e o viciado o mais estranho e o mais viciado possível pôs fim à ascensão de várias gerações em que os recémchegados tinham de cavar o seu caminho em direção ao ar livre erguendose de uma família judia à outra família judia71 Não foi por acidente que isso aconteceu pouco depois de a comunidade judaica nativa da França ter cedido ante a iniciativa e a falta de escrúpulos de alguns aventureiros judeus alemães demonstradas durante o escândalo do Panamá as exceções individuais com ou sem título nobiliárquico que ainda mais avidamente do que antes buscavam a sociedade de salões já antisemitas e monarquistas onde julgavam poder sonhar com os bons velhos tempos do Segundo Império encontravamse na mesma categoria daqueles judeus que eles próprios jamais convidariam para uma visita em sua casa Se a qualidade de ser judeu como a qualidade de ser exceção constituía a verdadeira razão para a aceitação dos judeus então preferiamse pelo menos aqueles que formavam claramente uma tropa sólida homogênea e completamente diferente das pessoas que a viam passar aqueles que ainda não haviam alcançado o mesmo estágio de assimilação dos seus irmãos arrivistas72 Embora Disraeli fosse um daqueles judeus que foram aceitos na sociedade por serem exceções sua autorepresentação secularizada de eleito prefigurou e esboçou as linhas ao longo das quais iria se dar a autointerpretação judaica Se esta fantástica e crua como era não houvesse sido tão estranhamente semelhante ao que a sociedade esperava dos judeus eles jamais poderiam ter representado seu dúbio papel Não naturalmente que adotassem de maneira conspícua as convicções de Disraeli ou deliberadamente elaborassem aquela autointerpretação ainda tímida de seus predecessores prussianos do começo do século XIX a maioria deles tinha a sorte de ignorar toda a história judaica Mas onde quer que os judeus fossem educados secularizados e assimilados sob as condições ambíguas do Estado e sociedade na Europa central e ocidental perdiam aquela medida de responsabilidade política que sua origem implicava e que os judeus banqueiros ainda haviam sentido embora sob a forma de privilégio e domínio A origem judaica sem conotações religiosas e políticas tornouse por toda parte uma qualidade psicológica transformouse em qualidade de judeus e daí por diante podia ser considerada somente na categoria de virtude ou de vício Se é verdade que a qualidade de judeu não se podia ter pervertido em vício interessante sem um preconceito que a considerasse um crime também é verdade que tal perversão só foi possível graças àqueles judeus que a consideravam uma virtude inata Têmse acusado os judeus assimilados de se alienarem do judaísmo e freqüentemente se pensa no genocídio que os atingiu como um sofrimento tão horrível quanto insensato na medida em que foi desprovido até da antiga qualidade de martírio Esse argumento despreza o fato de que no que concerne aos velhos modos de crença e de vida a alienação era igualmente aparente nos países da Europa oriental Mas a noção costumieria de que os judeus da Europa ocidental eram desjudaizados é enganadora por outra razão O quadro pintado por Proust em contraste com as afirmações obviamente unilaterais do judaísmo oficial mostra que nunca o fato de se ter nascido judeu representou um papel tão decisivo na vida privada e na existência diária como entre os judeus assimilados O reformador judeu que transformou a religião nacional em denominação religiosa sabendo que a religião é um assunto privado o revolucionário judeu que fingia ser um cidadão do mundo para desfazerse da nacionalidade judaica o judeu educado que era um homem na rua e judeu em casa todos eles conseguiram converter uma qualidade nacional em assunto privado O resultado foi que suas vidas particulares suas decisões e sentimentos se tornaram centro de seu judaísmo E quanto mais o fato do nascimento judaico perdia seu significado religioso nacional e econômicosocial mais obcecante se tornava esse judaísmo os judeus se obcecavam por ele como se fosse um defeito ou uma qualidade física e se atinham a ele como há quem se atenha a um vício A disposição inata de Proust nada mais é senão uma obsessão pessoal e particular que era tão amplamente justificada por uma sociedade na qual o sucesso e o fracasso dependiam do fato de se ter nascido judeu Proust viu nela erradamente a predestinação racial porque apenas enxergou e descreveu seu aspecto social e seus efeitos sobre o indivíduo É verdade que para o observador que a registrasse a conduta do grupo judaico mostrava a mesma obsessão que nos padrões de conduta adotavam os homossexuais Ambos sentiamse superiores ou inferiores mas em ambos os casos orgulhosamente diferentes dos outros seres normais ambos acreditavam que a sua diferença era um fato natural adquirido por nascimento ambos estavam constantemente justificando não o que faziam mas o que eram e finalmente ambos hesitavam sempre entre a atitude de quem pede desculpas e a afirmação súbita e provocadora de quem se julga elite Como se a natureza houvesse congelado para sempre suas posições sociais nenhum dos dois podia sair do seu grupo e ingressar no outro Também outros membros da sociedade sentiam a necessidade de pertencer a um grupo a questão não é como era para Hamlet ser ou não ser mas sim pertencer ou não pertencer73 mas essa necessidade não era tão intensa Uma sociedade que já se desintegra em pequenos grupos e não mais tolerava como indivíduos nem estranhos nem judeus nem homossexuais acolhendoos apenas em virtude das circunstâncias peculiares que permitiam essa aceitação parecia corporificar os sentimentos de clã Cada sociedade exige de seus membros uma certa dose de representação a capacidade de apresentar desempenhar interpretar aquilo que se realmente é Quando a sociedade se desintegra em grupos essa exigência não se aplica mais aos homens como indivíduos e sim como membros dos grupos A conduta passa então a ser controlada por exigências silenciosas e não por capacidades individuais exatamente do modo como o desempenho de um ator deve enquadrarse no conjunto de todos os outros papéis da peça Os salões do Faubourg SaintGermain enquadravamse nesse conjunto de grupos cada qual exibindo um padrão extremo de conduta O papel dos anormais sexuais era exibir sua anomalia o dos judeus era representar a magia negra o dos aristocratas era mostrar que não eram como pessoas comuns os burgueses A despeito do sentimento de clã era verdade que como observou Proust exceto em dias de catástrofe geral quando a maioria se agrupa em torno da vítima como os judeus se agruparam em torno de Dreyfus74 todos esses recémchegados evitavam relações com os outros membros de sua espécie Os sinais de distinção são sendo determinados pelo conjunto do grupo os judeus ou homossexuais sentiamse privados de sua distinção numa sociedade de judeus ou de homossexuais onde a condição de judeu ou de homossexual era a mais natural mais desinteressante e mais banal do mundo O mesmo contudo era também verdadeiro com relação àqueles que os acolhiam e que necessitavam de um conjunto de elementos em contraponto diante dos quais eles próprios pudessem ser diferentes os nãoaristocratas que admiravam os aristocratas como estes admiravam os judeus ou os homossexuais Embora esses grupos não tivessem nenhuma consistência própria dissolvendose logo que os membros de outros grupos se afastavam seus membros usavam de uma misteriosa linguagem de sinais como se necessitassem de algo estranho que os identificasse uns aos outros Proust trata com detalhes a importância desses sinais especialmente para os recémchegados Contudo ao con trário dos homossexuais mestres em linguagem de sinais que pelo menos escondiam um segredo verdadeiro os judeus usavam essa linguagem apenas para criar a esperada atmosfera de mistério Seus sinais indicavam de modo misterioso e ridículo algo que todo o mundo sabia que no canto do salão da princesa de tal estava sentado outro judeu que não podia abertamente revelar sua identidade mas que sem essa qualidade no fundo desprovida de sentido nunca teria galgado aquele lugar Vale notar que a nova sociedade mista do fim do século XIX como os primeiros salões judeus de Berlim girava em torno da nobreza A essa altura a aristocracia havia perdido quase toda a sua avidez pela cultura e a curiosidade pelos novos espécimes da humanidade mas conservava ainda o velho desprezo pela sociedade burguesa Ansiava pela distinção social como resposta à igualdade política e à perda de posição e privilégios políticos que advieram com o estabelecimento da Terceira República Após a breve e artificial ascensão durante o Segundo Império a aristocracia francesa mantevese apenas às custas de sentimento de clã e de pálidas tentativas de reservar os mais altos postos do Exército para seus filhos Muito mais forte que a ambição política era o agressivo desdém pelos padrões da classe média que sem dúvida foi um dos principais motivos da aceitação de indivíduos e de grupos inteiros de pessoas que haviam pertencido a classes socialmente rejeitadas O mesmo motivo que havia levado os aristocratas prussianos a se reunirem socialmente com atores e judeus levou na França os invertidos ao prestígio social Por outro lado as classes médias não haviam adquirido a dignidade social embora houvessem entretanto galgado riqueza e poder A ausência de uma hierarquia política no Estadonação e a vitória da igualdade tornou a sociedade secretamente mais hierárquica à medida que se tornava externamente mais democrática75 Como os círculos sociais exclusivos do Faubourg SaintGermain encarnavam o princípio da hierarquia cada sociedade da França reproduzia as características mais ou menos modificadas mais ou menos em caricatura daquela sociedade do Faubourg SaintGermain que ela fingia às vezes desdenhar independentemente do status ou das idéias políticas de seus membros A sociedade aristocrática pertencia ao passado apenas na aparência na verdade permeava todo o corpo social e não apenas o povo e tinha suas ramificações não só na França assim impunha o tom e a letra da vida social elegante76 Quando Proust sentiu a necessidade de uma apologia pro vita sua e reanalisou a sua vida vivida em rodos dos aristocratas analisou a sociedade O aspecto principal do papel dos judeus nessa sociedade findesiècle foi paradoxal foi o antisemitismo do Caso Dreyfus que abriu aos judeus as portas da sociedade e foi o fim do Caso ou melhor a descoberta da inocência de Dreyfus que pôs um fim à sua glória social77 Em outras palavras não importava o que os judeus pensassem de si mesmos ou de Dreyfus só podiam representar o papel que lhes fora ditado pela sociedade enquanto essa mesma sociedade estivesse convencida de que pertenciam a uma raça de traidores Quando se descobriu que o traidor era uma vítima assaz obtusa de uma conspiração ordinária e se provou a inocência dos judeus o interesse social pelos judeus murchou tão rapidamente quanto o antisemitismo político Os judeus passaram novamente a ser vistos como mortais comuns e retornaram à insignificância de onde haviam sido temporariamente guindados pelo suposto crime de um dos seus Imediatamente após a Primeira Grande Guerra os judeus da Alemanha e Áustria gozaram essencialmente do mesmo tipo de glória social embora sob circunstâncias muito mais severas Na época seu suposto crime era serem culpados da guerra crime que por não ser mais identificado como ato único de único indivíduo não podia ser negado de modo que o julgamento da ralé para a qual a condição de judeu já era um crime permaneceu inalterado e a sociedade pôde continuar até o fim a divertirse e sentirse fascinada com os judeus Se existe alguma verdade psicológica na teoria do bode expiatório ela está no efeito da atitude social em relação aos judeus pois quando a legislação antisemita forçou a sociedade a expulsar os judeus foi como se esses filosemitas tivessem de expurgarse de alguma depravação secreta limparse de algum estigma de que misteriosa e perversamente haviam gostado É certo que essa psicologia não chega a explicar por que esses admiradores dos judeus tornaramse finalmente seus verdugos e podese mesmo duvidar que estivessem entre os principais dirigentes das fábricas de morte embora seja espantosa a proporção das chamadas classes educadas entre aqueles que realmente assassinavam os judeus Mas explica a incrível deslealdade exatamente daquelas camadas da sociedade que mais intimamente haviam conhecido os judeus e que mais se haviam deleitado e encantado com seus amigos judeus Para os judeus a transformação do crime do judaísmo no vício elegante da condição de judeu era extremamente perigosa Os judeus haviam podido escapar do judaísmo para a conversão mas era impossível fugir da condição de judeu Além disso se um crime é punido com um castigo um vício só pode ser exterminado A interpretação dada pela sociedade ao fato de se nascer judeu e ao papel dos judeus na estrutura da vida social está intimamente ligada à catastrófica minuciosidade com que os mecanismos antisemitas puderam ser postos a funcionar O antisemitismo tinha suas raízes nessas condições sociais e não só nas circunstâncias políticas E embora o conceito de raça tivesse outros fins e funções mais imediatamente políticos sua aplicação à questão judaica em seu mais sinistro aspecto deveu muito do seu sucesso aos fenômenos e convicções sociais que virtualmente significavam o consentimento da opinião pública tólico contra os judeus mas só conseguiram provar que os sacerdotes não apenas perderam suas influências políticas como também não eram verdadeiramente antisemitas Pelo contrário bispos e sínodos que o governo de Vichy queria mais uma vez transformar em força política protestaram mais enfaticamente contra a perseguição dos judeus do que qualquer outro grupo na França Não é o processo Dreyfus com seus julgamentos mas o Caso Dreyfus em suas implicações que traça a antevisão do século XX Como disse Bernanos em 1931 12 o Caso Dreyfus já pertence àquela era trágica que certamente não terminou com a última guerra D processo revela o mesmo caráter desumano conservando em meio ao tumulto de paixões desenfreadas e chamas de ódio um coração inconcebivelmente frio e empedernido Não foi certamente na França que ocorreu a sequência exata do processo mas ao reler a história do caso não é difícil de encontrar o motivo pelo qual a França foi uma presa tão fácil do nazismo A propaganda de Hitler falava uma língua havia muito conhecida e jamais inteiramente esquecida Se o cesarismo13 da Action Française e o nacionalismo niilista de Barrès e Maurras nunca vingaram em sua forma original isso se deve a uma variedade de causas todas elas negativas Careciam de visão social e não sabiam traduzir em termos populares aquelas fantasmagorias mentais que o seu desdém pelo intelecto havia engendrado Tratamos aqui essencialmente do significado político do Caso Dreyfus e não dos aspectos legais do processo Percebemse nele nitidamente vários traços característicos do século XX Tênues e mal discerníveis durante as primeiras décadas do século vieram finalmente à plena luz do dia e vêse hoje que pertencem às tendências principais dos tempos modernos Após trinta anos de uma forma benigna e puramente social de discriminação antijudaica era um pouco difícil lembrar que o grito Morte aos judeus já havia ecoado uma vez de ponta a ponta de um Estado moderno quando sua política doméstica se cristalizou ao redor da questão do antisemitismo Durante trinta anos quando as velhas lendas de conspiração mundial constituíam apenas o ganbapão dos pasquins e da subliteratura o mundo não se lembrava mais que havia pouco tempo na época em que os Protocolos dos sábios do Sião ainda eram desconhecidos toda uma nação culta quebrava a cabeça querendo descobrir quem tinha nas mãos as rédeas da política mundial se Roma Secreta ou o Reino Secreto de Judá14 Ao mesmo tempo a filosofia veemente e niilista da autoaversão espi ritual15 sofreu certo eclipse quando um mundo temporariamente em paz consigo mesmo não produziu uma safra de criminosos eminentes que justificasse a exaltação da brutalidade e da falta de escrúpulos Ds Jules Guérin tiveram de esperar quase quarenta anos antes que a atmosfera estivesse novamente pronta para a ação de tropas de choque Os declassés produzidos pela economia do século XIX tiveram de crescer numericamente até que formassem sólidas minorias nas nações antes que aquele golpe de Estado que não passara de uma conjura grotesca16 na França pudesse quase sem esforço tornarse realidade na Alemanha D prelúdio ao nazismo abrangeu todo o palco europeu D processo Dreyfus portanto é mais do que um crime17 bizarro e mal resolvido um caso de oficiais de EstadoMaior disfarçados com barbas postiças e óculos escuros espalhando suas estúpidas falsificações à noite nas ruas de Paris Seu herói não é Dreyfus mas sim Clemenceau e o caso começa não com a prisão de um oficial judeu do EstadoMaior mas com o escândalo do Panamá 2 A TERCEIRA REPÚBLICA E OS JUDEUS DA FRANÇA Entre 1880 e 1888 a Companhia do Panamá sob a direção de Lesseps que havia construído o canal de Suez conseguiu muito pouco progresso prático em sua tarefa Não obstante chegou a levantar na França durante esse período nada menos que 1335538454 francos em empréstimos particulares18 Tratase de um êxito tão significativo quanto é sabido que a classe média francesa era cautelosa em questões de dinheiro O segredo do sucesso da companhia jaz no fato de que seus vários empréstimos públicos eram invariavelmente apoiados pelo Parlamento A construção do canal era geralmente considerada como um serviço público e nacional e não uma iniciativa privada Portanto quando a Companhia foi à falência foi a política exterior da república que realmente sofreu o choque Mas muito mais importante foi a ruína de cerca de meio milhão de franceses da classe média Tanto a imprensa como a Comissão Parla mentar de Inquérito chegaram praticamente à mesma conclusão a companhia já estava falida havia muitos anos Afirmaram que Lesseps vivia com esperanças de milagre acalentando o sonho de que novos fundos viriam de alguma forma permitir a continuação da obra Para conseguir a aprovação de novos empréstimos foi levado a subornar a imprensa metade do Parlamento e todas as autoridades superiores Isso contudo tinha exigido o emprego de intermediários que por sua vez haviam pedido comissões exorbitantes Assim o que havia inicialmente inspirado a confiança do público na empresa ou seja o apoio do Parlamento aos empréstimos tornouse no fim o fator que converteu um negócio particular não muito seguro em colossal falcatrua Não havia judeus entre os membros do Parlamento subornados nem na diretoria da companhia Contudo foram Jacques Reinach e Cornélius Herz judeus que disputaram a honra de distribuir propinas entre os membros da Câmara o primeiro atuando sobre a ala direita dos partidos burgueses e o segundo sobre os radicais que compreendiam os partidos anticlericais da pequena burguesia19 Reinach foi conselheiro financeiro do governo durante os anos 80 20 e portanto era encarregado de suas relações com a Companhia do Panamá enquanto o papel de Herz era duplo por um lado servia a Reinach como elemento de ligação com as alas radicais do Parlamento às quais o próprio Reinach não tinha acesso por outro esse oficio lhe dava um conhecimento tão grande do alcance da corrupção que ele podia constantemente chantagear o patrão e envolvêlo cada vez mais21 Naturalmente havia um bom número de negociantes judeus menos importantes trabalhando tanto para Herz como para Reinach Seus nomes contudo podem continuar a repousar no esquecimento em que merecidamente caíram Quanto mais incerta era a situação da companhia mais altas naturalmente eram as comissões até que no fim a própria companhia recebia apenas uma pequena parte dos fundos que lhe eram destinados Um pouco antes da falência Herz recebeu por uma única transação intraparlamentar um adiantamento de nada menos que 600 mil francos Esse adiantamento porém foi prematuro O empréstimo não foi realizado e os acionistas simplesmente haviam perdido 600 mil francos22 Toda a negociata terminou de modo desastroso para Reinach Atormentado pela chantagem de Herz acabou por cometer suicídio23 Um pouco antes de morrer contudo havia tomado uma providência cujas conseqüências para a população judia da França foram das mais infelizes havia fornecido ao Libre Parole diário antisemita de Edouard Drumont uma lista de membros do Parlamento subornados os chamados homens da remessa impondo como única condição que o jornal deveria protegêlo pessoalmente quando publicasse a denúncia O Libre Parole transformouse da noite para o dia passando de pequena publicação politicamente insignificante a um dos mais influentes jornais do país com circulação de 300 mil exemplares A oportunidade proporcionada por Reinach foi usada com habilidade A lista dos culpados foi publicada em pequenas doses de modo que centenas de políticos tinham de viver sob tensão dia após dia O jornal de Drumont e com ele toda a imprensa e movimentos antisemitas emergiu finalmente como força perigosa na Terceira República O escândalo do Panamá que no dizer de Drumont tornava visível o invisível trouxe consigo duas revelações Primeiro divulgou o fato de que membros do Parlamento e os funcionários públicos haviam se tornado negociantes Segundo mostrou que os intermediários entre a iniciativa privada neste caso a Companhia e a máquina do Estado eram quase exclusivamente judeus24 O mais surpreendente era que todos esses judeus que trabalhavam em contato tão íntimo com a máquina do Estado eram recémchegados à França Até o estabelecimento da Terceira República o manuseio das finanças do Estado tinha sido quase um monopólio dos Rothschild A tentativa dos seus competidores irmãos Pereire de arrebatar de suas mãos parte desse monopólio estabelecendo o Crédit Mobilier havia terminado num acordo E em 1882 o grupo Rothschild era ainda bastante poderoso para levar à falência a Union Général banco católico cujo alvo real era causar a ruína dos banqueiros judeus25 Imediatamente após a conclusão do tratado de paz de 1871 cujas cláusulas financeiras haviam sido negociadas no lado francês por Rothschild e no lado alemão por Bleichroeder um antigo agente da mesma casa os Rothschild adotaram uma política sem precedentes declararamse abertamente a favor dos monarquistas e contra a república26 A novidade disso não era a tendência monarquista mas sim o fato de que pela primeira vez uma importante potência financeira judia se opunha ao regime em vigor Até então os Rothschild se acomodavam a qualquer sistema político que estivesse no poder Parecia portanto que a república era a primeira forma de governo que não precisava deles Tanto a influência política dos judeus como a sua condição social resultavam do fato de que eles constituíam um grupo fechado que trabalhava diretamente para o Estado sendo protegidos por ele em virtude de serviços especiais que prestavam A ligação íntima e imediata com a máquina do governo só era possível enquanto o Estado permanecesse distanciado do povo e enquanto as classes dirigentes continuassem indiferentes a administrar o Estado Em tais circunstâncias os judeus eram do ponto de vista do Estado o elemento mais digno de confiança na sociedade exatamente porque não pertenciam realmente a ela O sistema parlamentar permitiu à burguesia liberal ganhar o controle da máquina estatal Contudo os judeus nunca haviam pertencido a essa burguesia e portanto olhavamna com suspeita não de todo injustificada O regime já não precisava dos judeus tanto quanto antes pois agora era possível atingir através do Parlamento uma expansão financeira além dos mais ousados sonhos dos antigos monarcas mais ou menos absolutos ou mesmo constitucionais Assim as principais casas judias desapareceram do cenário da política financeira e transferiramse para os salões antisemitas da aristocracia onde julgaram poder financiar movimentos reacionários destinados a restaurar os velhos bons tempos27 Enquanto isso outros círculos judeus recémchegados começavam a tomar parte crescente na vida comercial da Terceira República O que os Rothschild haviam quase esquecido e isso quase lhes havia custado o poder era o simples fato de que uma vez que cessavam por um momento sequer de ter interesse ativo num determinado regime imediatamente perdiam sua influência não apenas sobre os círculos governamentais mas também sobre os judeus Os imigrantes judeus foram os primeiros a ver essa oportunidade28 Compreenderam demasiado bem que a república tal como se havia desenvolvido não era a seqüência lógica da rebelião de um povo unido Do assassinério de cerca de 20 mil membros da Comuna de Paris em 1870 da derrota militar e do colapso econômico o que de fato emergiu foi um regime cuja capacidade de governar era duvidosa desde a sua implantação E isso era tão verdadeiro que três anos depois a França à beira da ruína clamava por um ditador Quando julgou têlo encontrado na pessoa do presidente general MacMahon cuja única pretensão ao destaque foi sua derrota em Sedan frustrouse pois esse indivíduo demonstruou ser um parlamentar da velha escola renunciando depois de alguns anos de fracassos contínuos 1879 Enquanto isso porém a sociedade paulatinamente demonstrava que a única política que a interessava consistia na defesa dos capitais investidos mesmo que o método certo fosse a corrupção29 Depois de 1881 a trapaça para citar Léon Say tornouse a única lei Já se observou com justiça que nesse período da história francesa todo partido político tinha seu judeu do mesmo modo como antes cada casa real havia tido um judeudacorte30 No entanto a diferença era profunda O investimento de capital judeu no Estado havia contribuído para dar aos judeus um papel produtivo na economia da Europa Sem sua ajuda o desenvolvimento do Estadonação no século XVIII e de seu serviço civil independente teria sido inconcebível Era afinal a esses judeusdacorte que a população judaica da Europa centroocidental devia sua emancipação As duvidosas transações de Reinach e de seus cúmplices nem chegaram a levar à riqueza permanente31 Tudo o que fizeram foi envolver em trevas mais profundas as relações misteriosas e escandalosas existentes entre o negócio e a política Esses parasitas de um corpo corrupto serviam para proporcionar a uma sociedade completamente decadente um álibi extremamente perigoso Como eram judeus tornavase possível transformálos em bodes expiatórios quando fosse mister aplacar a indignação do público Depois as coisas podiam continuar como dantes Os antisemitas podiam imediatamente apontar para os parasitas judeus de uma sociedade corrupta para provar que todos os judeus de toda parte não passavam de uma espécie de cupim que infestava o corpo do povo o qual de outro modo seria sadio A eles não importava que a corrupção do corpo político houvesse começado sem o auxílio dos judeus que a política dos negociantes numa sociedade burguesa à qual os judeus não haviam pertencido e seu ideal de concorrência ilimitada houvessem levado à desintegração do Estado na política partidária que as classes governantes houvessem demonstrado não serem capazes de proteger os seus próprios interesses e muito menos os do país como um todo Os antisemitas que se diziam patriotas introduziram essa nova espécie de sentimento nacional que consiste primordialmente no completo encobramento dos defeitos de um povo e na ampla condenação dos que a ele não pertencem Os judeus podiam permanecer como grupo separado fora da sociedade somente enquanto uma máquina estatal mais ou menos homogênea estável pudesse utilizálos e estivesse interessada em protegêlos A decadência da máquina estatal trouxe a dissolução das cerradas fileiras do povo judeu que havia tanto tempo estava ligado a ela O primeiro sinal disso surgiu nos negócios levados a efeito pelos judeus franceses recémnaturalizados sobre os quais seus irmãos nativos haviam perdido o controle de modo semelhante ao que ocorreu na Alemanha no período inflacionário Os recémchegados preencheram as lacunas entre o mundo comercial e o Estado A ERA DAS REVOLUÇÕES 1789 1848 Eric Hobsbawm Prefácio Este livro traça a transformação do mundo entre 1789 e 1848 na medida em que essa transformação se deveu ao que aqui chamamos de dupla revolução a Revolução Francesa de 1789 e a revolução industrial inglesa contemporânea Portanto não se trata estritamente de um livra de história da Europa nem tampouco do mundo Na medida em que um determinado país tenha sentido as repercussões da dupla revolução nesse período tentei referirme a ele embora frequentemente de maneira superficial Sempre que esse impacto da revolução fosse irrelevante omitio Logo o leitor encontrará aqui alguma coisa sobre o Egito mas não sobre o Japão mais sobre a Irlanda do que sobre a Bulgária mais sobre a América Latina do que sobre a África Naturalmente isto não significa que as histórias dos países e povos omitidas neste livro sejam menos interessantes ou menos importantes do que as que aqui se incluem Se sua perspectiva é primordialmente europeia ou mais precisamente francobritânica é porque nesse período o mundo ou pelo menos uma grande parte dele transformouse a partir de uma base europeia ou melhor francobritânica Contudo certos tópicos que poderiam perfeitamente ter recebido um tratamento mais detalhado foram também deixados de lado não só por razões de espaço mas também como a história dos EUA porque foram analisados extensamente em outros livros desta série Este livro não pretende ser uma narrativa minuciosa mas sim uma interpretação e o que os franceses chamam de haute vulgarisation Seu leitor ideal seria aquele construtor teórico aquele cidadão culto e inteligente que não tem uma simples curiosidade sobre o passado mas que deseja compreender como e por que o mundo veio a ser o que é hoje e para onde se dirige Consequentemente seria pedante e desnecessário sobrecarregar o texto com o pesado aparato académico que exigiria um público mais erudito Portanto minhas notas referemse quase que inteiramente às fontes das citações e dos números que aparecem no texto ou em alguns casos recorrem à autoridade em se tratando de declarações particularmente controvertidas ou surpreendentes Todavia não seria justo deixar de dizer algumas palavras sobre o material em que se baseou um livro tão amplo Todos os historiadores são mais versados ou colocando o fato de outra maneira mais ignorantes em alguns campos do que em outros Fora de uma área razoavelmente estreita eles precisam contar em grande parte com o trabalho de outros historiadores Para o período que vai de 1789 a 1848 esta literatura auxiliar constitui por si só uma massa impressa tão vasta que está além do conhecimento de qualquer indivíduo mesmo daquele que saiba ler em todas as línguas em que se acha escrita De fato é claro todos os historiadores estão confinados a umas poucas línguas Muito do que se encontra neste livro é portanto de segunda ou mesmo de terceiramão e inevitavelmente ele contém erros bem como as inevitáveis simplificações de que se ressentirá o estudioso assim como se ressente o próprio autor Fornecemos uma bibliografia como guia para um estudo mais detalhado Embora a teia da história não possa ser desfeita em linhas separadas sem que seja destruída uma certa subdivisão do assunto é essencial por motivos práticos Procurei muito rudimentarmente dividir o livro em duas partes A primeira trata amplamente dos principais desenvolvimentos históricos do período enquanto a segunda esboça o tipo de sociedade produzida pela dupla revolução Há no entanto superposições deliberadas e a distinção é uma questão não de teoria mas de pura conveniência Devo meus agradecimentos a várias pessoas com as quais discuti aspectos deste livro ou que leram capítulos em rascunho ou em provas tipográficas mas que não são responsáveis pelos meus erros principalmente J D Bernal Douglas Dakin Ernst Fischer Francis Haskell H G Koenigsberger e R F Leslie O capítulo 14 particularmente deve muitas de suas ideias â Ernst Fischer Ajudoume consideravelmente como secretária e assistente de pesquisa a Srta P Ralph O Índice foi compilado pela Srta E Mason E J H Londres dezembro de 1961 Introdução As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos Consideremos algumas palavras que foram inventadas ou ganharam seus significados modernos substancialmente no período de 60 anos de que trata este livro Palavras como indústria industrial fábrica classe média classe trabalhadora capitalismo e socialismo Ou ainda aristocracia e ferrovia liberal e conservador como termos políticos nacionalidade cientista e engenheiro proletariado e crise econômica Utilitário e estatística sociologia e vários outros nomes das ciências modernas jornalismo e ideologia todas elas cunhagens ou adaptações deste período Como também greve e pauperismo Imaginar o mundo moderno sem estas palavras isto é sem as coisas e conceitos a que dão nomes é medir a profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848 e que constitui a maior transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou a agricultura e a metalurgia a escrita a cidade e o Estado Esta revolução transformou e continua a transformar o mundo inteiro Mas ao considerála devemos distinguir cuidadosamente entre os seus resultados de longo alcance que não podem ser limitados a qualquer estrutura social organização política ou distribuição de poder e recursos internacionais e sua fase inicial e decisiva que estava intimamente ligada a uma situação internacional e social específica A grande revolução de 17891848 foi o triunfo não da indústria como tal mas da indústria capitalista não dá liberdade e da igualdade em geral mas da classe média ou da sociedade burguesa liberal não da economia moderna ou do Estado moderno mas das economias e Estados cm uma determinada região geográfica do mundo parte da Europa e alguns trechos da América do Norte cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da GrãBretanha e França A transformação de 17891848 é essencialmente o levante gémeo que se deu naqueles dois países c que dali se propagou por todo o mundo Mas não seria exagerado considerarmos esta dupla revolução a francesa bem mais política e a industrial inglesa não tanto como uma coisa que pertença à história dos dois países que foram seus principais suportes e símbolos mas sim como a cratera gémea de um vulcão regional bem maior O fato de que as erupções simultâneas ocorreram na França e na Inglaterra e de que suas características difiram tão pouco não é nem acidental nem sem importância Mas do ponto de vista do historiador digamos do ano 3 000 assim como do ponto de vista do observador chinês ou africano é mais relevante notar que elas ocorreram em algum ponto do noroeste europeu e em seus prolongamentos de alémmar e que não poderiam sob hipótese alguma ter ocorrido naquela época em qualquer outra parte do mundo É igualmente relevante notar que elas são neste período quase inconcebíveis sob qualquer outra forma que não a do triunfo do capitalismo liberal burguês É evidente que uma transformação tão profunda não pode ser entendida sem retrocedermos na história bem antes de 1789 ou mesmo das décadas que imediatamente a precederam e que refletem claramente pelo menos em retrospectiva a crise dos ancien régimes da parte noroeste do mundo que seriam demolidos pela dupla revolução Quer consideremos ou não a Revolução Americana de 1776 uma erupção de significado igual ao das erupções francobritânicas ou meramente como seu mais importante precursor e estimulador imediato quer atribuamos ou não uma importância fundamental às crises constitucionais e às desordens e agitações econômicas de 176089 elas podem no máximo evidenciar a oportunidade e o ajustamento cronológico da grande ruptura e não explicar suas causas fundamentais Para nossos propósitos é irrelevante o quanto devemos retroceder na história se até a Revolução Inglesa da metade do século XVII se até a Reforma e o princípio da conquista do mundo pelo poderio militar europeu e a exploração colonial do início do século XVI ou mesmo mais para trás já que a análise em profundidade nos levaria muito além das fronteiras cronológicas deste livro Aqui precisamos simplesmente observar que as forças econômicas e sociais as ferramentas políticas e intelectuais desta transformação já estavam preparadas em todo o caso pelo menos em uma parte da Europa suficientemente grande para revolucionar o resto Nosso problema não é traçar o aparecimento de um mercado mundial de uma classe suficientemente ativa de empresários privados ou mesmo de um Estado dedicado na Inglaterra à proposição de que o aumento máximo dos lucros privados era o alicerce da política governamental Tampouco constitui problema nosso traçar a evolução da tecnologia tio conhecimento cientifico ou da ideologia de uma crença no progresso individualista secularista e racionalista Por volta de 1780 podemos considerar a existência destas crenças como certas embora não possamos ainda assumir como certo que elas fossem suficientemente poderosas ou disseminadas Ao contrário devemos quando muito evitar a tentação de desprezar a novidade da dupla revolução ante a familiaridade de suas roupagens externas ante o inegável fato de que as roupas maneiras e prosa de Robespierre e SaintJust não estariam deslocadas num salão do ancien régime de que Jeremy Bentham cujas ideias reformistas expressavam a burguesia britânica por volta de 1830 era exatamente o mesmo homem que propusera as mesmas ideias a Catarina a Grande da Rússia e de que as mais extremadas declarações da economia política da classe média vieram de membros da Câmara dos Lordes inglesa do século XVIII Assim nosso problema é explicar não a existência destes elementos de uma nova economia e sociedade mas o seu triunfo traçar não a evolução do gradual solapamento que foram exercendo em séculos anteriores minando a velha sociedade mas sua decisiva conquista da fortaleza É também problema nosso traçar as profundas mudanças que este súbito triunfo trouxe para os países mais imediatamente afetados por ela e para o resto do mundo que se achava então exposto a todo o impacto explosivo das novas forças o burguês conquistador para citar o título de uma recente história do mundo deste período Inevitavelmente visto que a dupla revolução ocorreu numa parte da Europa e seus efeitos mais imediatos e óbvios foram mais evidentes lá a história de que trata este livro é sobretudo regional Também inevitavelmente visto que a revolução mundial espalhouse para fora da dupla cratera da Inglaterra e da França ela inicialmente tomou a forma de uma expansão europeia e de conquista do resto do mundo De fato sua mais notável consequência para a história mundial foi estabelecer um domínio do globo por uns poucos regimes ocidentais e especialmente pelo regime britânico que não tem paralelo na história Ante os negociantes as máquinas a vapor os navios e os canhões do Ocidente e ante suas ideias as velhas civilizações e impérios do mundo capitularam e ruíram A Índia tornouse uma província administrada pelos procônsules britânicos os Estados islâmicos entraram em crise a África ficou exposta a uma conquista direta Até mesmo o grande império chinês foi forçado a abrir suas fronteiras à exploração ocidental em 183942 Por volta de 1848 nada impedia o avanço da conquista ocidental sobre qualquer território que os governos ou os homens de negócios ocidentais achassem vantajoso ocupar como nada a não ser o tempo se colocava ante o progresso da iniciativa capitalista ocidental E ainda assim a história da dupla revolução não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa É também a história do aparecimento das forças que um século depois de 1848 viriam transformar a expansão em contração E mais ainda por volta de 1848 esta extraordinária mudança de destinos já era até certo ponto visível Naturalmente a revolta mundial contra o Ocidente que domina a metade do século XX era então apenas escassamente discernível Somente no mundo islâmico podemos observar os primeiros estágios do processo pelo qual os que foram conquistados pelo Ocidente adotaram suas ideias e técnicas para se virar contra ele no início da reforma interna de ocidentalização do império turco na década de 1830 c sobretudo na desprezada e significativa carreira de Mohammed Ali no Egito Mas dentro da Europa as forças e ideias que projetavam a substituição da nova sociedade triunfante já estavam aparecendo O espectro do comunismo já assustava a Europa por volta de 1848 E foi exorcizado nesse mesmo ano Depois disso durante muito tempo ficaria impotente como o são de fato os espectros especialmente no mundo ocidental mais imediatamente transformado pela dupla revolução Mas se dermos uma olhada no mundo na década de 1970 não seremos tentados a subestimar a força histórica do socialismo revolucionário e da ideologia comunista nascidos de uma reação contra a dupla revolução e que por volta de 1848 tinham encontrado sua primeira formulação clássica O período histórico que começa com a construção do primeiro sistema fabril do mundo moderno em Lancashire e com a Revolução Francesa de 1789 termina com a construção de sua primeira rede de ferrovias e a publicação do Manifesto Comunista Capítulo Um O Mundo na Década de 1780 Le dixhuitième siècle doit être mis au Pantheón SaintJust I A primeira coisa a observar sobre o mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso Era menor geograficamente porque até mesmo os homens mais instruídos e beminformados da época digamos um homem como o cientista e viajante Alexander von Humboldt 17691859 conheciam somente pedaços do mundo habitado Os mundos conhecidos de comunidades menos evoluídas e expansionistas do que as da Europa Ocidental eram obviamente ainda menores reduzindose a minúsculos segmentos da terra onde os analfabetos camponeses sicilianos ou o agricultor das montanhas de Burma viviam suas vidas e para além dos quais tudo era e sempre seria eternamente desconhecido A maior parte da superfície dos oceanos mas não toda de forma alguma já tinha sido explorada e mapeada graças à notável competência dos navegadores do século XVIII como James Cook embora os conhecimentos humanos sobre o fundo do mar tenham permanecido insignificantes até a metade do século XX Os principais contornos dos continentes e da maioria das ilhas eram conhecidos embora pelos padrões modernos não muito corretamente O tamanho e a altura das cadeias de montanhas da Europa eram conhecidos com alguma precisão as localizadas em partes da América Latina o eram muito grosseiramente as da Ásia quase totalmente desconhecidas e as da África com exceção dos montes Atlas totalmente desconhecidas para fins práticos Com exceção dos da China e da índia o curso dos grandes rios do mundo era um mistério para todos a não ser para alguns poucos caçadores comerciantes ou andarilhos que tinham ou podem ter tido conhecimento dos que corriam por suas regiões Fora de algumas áreas em vários continentes elas não passavam de alguns quilómetros terra a dentro a partir da costa o mapa do mundo consistia de espaços brancos cruzados pelas trilhas demarcadas por negociantes ou exploradores Não fosse pelas informações descuidadas de segunda ou terceiramão colhidas por viajantes ou funcionários em postos remotos estes espaços brancos teriam sido bem mais vastos do que de fato o eram Não só o mundo conhecido era menor mas também o mundo real pelo menos em termos humanos Já que para fins práticos não se dispõe de recenseamentos todas as estimativas demográficas são pura especulação mas é evidente que a terra abrigava somente uma fração da população de hoje provavelmente não muito mais que um terço Se as suposições mais comumente citadas não estiverem muito longe da realidade a Ásia e a África tinham uma proporção um tanto maior da população mundial do que hoje a Europa com cerca de 187 milhões de habitantes em 1800 contra cerca de 600 milhões hoje tinha uma proporção um tanto menor sendo que as Américas tinham obviamente uma proporção muito menor ainda Aproximadamente dois de cada três seres humanos eram asiáticos em 1800 um de cada cinco europeu um de cada dez africano e um de cada 33 americano ou da Oceania É obvio que esta população muito menor era muito mais esparsamente distribuída pela face do globo exceto talvez em algumas pequenas regiões de agricultura intensa ou de alta concentração urbana tais como partes da China Índia e Europa Central e Ocidental onde densidades comparáveis às dos tempos modernos podem ter existido Se a população era menor também era menor a efetiva colonização humana As condições climáticas provavelmente fazia mais frio e havia mais umidade que hoje embora não fosse tão frio nem tão úmido como no pior período da pequena era do gelo de cerca de 13001700 fixaram os limites da colonização na região ártica Doenças endémicas como a malária ainda restringiam a colonização em muitas áreas como o sul da Itália onde as planícies do litoral por muito tempo virtualmente desocupadas só foram gradativamente povoadas durante o século XIX As formas primitivas da economia principalmente a caça e a emigração dos rebanhos na Europa devido às condições climáticas com o seu desperdício territorial mantiveram vastas populações fora de regiões inteiras como as planícies da Apúlia as gravuras turísticas da planície romana do início do século XIX são conhecidas ilustrações destas paisagens a campagna era um espaço vazio infestado de malária com algumas ruínas algumas cabeças de gado e o estranho e pitoresco bandoleiro E naturalmente muitas terras que vieram a ser cultivadas posteriormente ainda eram mesmo na Europa charnecas estéreis pântanos mato cerrado ou florestas A humanidade era menor ainda em um terceiro aspecto os europeus no geral eram nitidamente mais baixos e mais leves do que hoje Para dar uma ilustração da abundante estatística sobre a compleição dos recrutas na qual baseamos esta generalização num pequeno cantão da costa da Ligúria 72 dos recrutas em 17929 tinham menos de 150 metros de altura Isto não significava que os homens do final do século XVIII fossem mais frágeis do que somos Os esqueléticos raquíticos e destreinados soldados da Revolução Francesa eram capazes de um sofrimento físico igualado hoje em dia somente pelos diminutos guerrilheiros das montanhas coloniais Era comum uma marcha picada de uma semana sem descanso com todo o equipamento a uma média de 30 milhas por dia No entanto segundo os nossos padrões a constituição física humana era muito pobre como indica o excepcional valor dado pelos reis e generais aos sujeitos altos formados dentro da elite dos regimentos de guardas couraceiros ou semelhantes Ainda assim se o mundo era em muitos aspectos menor a simples dificuldade ou incerteza das comunicações faziamno praticamente maior do que é hoje Não tenho a intenção de exagerar estas dificuldades O final do século XVIII era pelos padrões medievais ou do século XVI uma era de comunicações rápidas e abundantes e mesmo antes da revolução das ferrovias eram notáveis os aperfeiçoamentos nas estradas nos veículos puxados a cavalo e no serviço postal Entre a década de 1760 e o final do século a viagem de Londres a Glasgow foi reduzida de 10 ou 12 dias para 62 horas O sistema de carruagens postais ou diligências instituído na segunda metade do século XVIII expandiuse consideravelmente entre o final das guerras napoleônicas e o surgimento da ferrovia proporcionando não só uma relativa velocidade o serviço postal de Paris a Strasburgo levava 36 horas em 1833 como também regularidade Porém o fornecimento de transporte de passageiros por terra era pequeno e o transporte de mercadorias também por terra era vagaroso e proibitivamente caro Os encarregados dos negócios governamentais e do comércio não se achavam absolutamente isolados estimase em 20 milhões o número de cartas que passaram pelo correio britânico no início das guerras com Bonaparte no fim do período que nos interessa houve 10 vezes mais movimento mas para a grande maioria dos habitantes do mundo as cartas eram inúteis já que não sabiam ler e o ato de viajar exceto talvez o de ir e vir dos mercados era absolutamente fora do comum Se eles ou suas mercadorias se moviam por terra isso era feito na imensa maioria das vezes a pé ou então nas baixas velocidades das carroças que mesmo no início do século XIX transportavam cinco sextas partes do trânsito de mercadorias na França a um pouco menos de 20 milhas por dia Os mensageiros percorriam longas distâncias com despachos os postilhões conduziam as carruagens postais com mais ou menos uma dúzia de passageiros todos sacolejando os ossos ou caso sentados na nova suspensão de couro sofrendo violentos enjoos Os nobres locomoviamse em carruagens particulares Mas para a maior parte do mundo o que dominava o transporte terrestre era a velocidade do carreteiro caminhando ao lado da mula ou do cavalo Nessas circunstâncias o transporte por água era portanto não só mais fácil e barato mas também geralmente mais rápido exceto quanto às incertezas dos ventos e do tempo Durante sua excursão à Itália viajando de navio entre Nápoles e a Sicília Goethe levou quatro dias para ir e três para voltar Seria espantoso o tempo que levaria para viajar por terra com algum conforto Estar perto de um porto era estar perto do mundo na verdade Londres estava mais perto de Plymouth ou Leith do que dos vilarejos de Norfolk Sevilha era mais perto de Veracruz do que de Valladolid e Hamburgo mais perto da Bahia do que do interior da Pomerânia O principal inconveniente do transporte por água era sua intermitência Mesmo em 1820 os correios de Londres para Hamburgo e a Holanda eram despachados somente duas vezes por semana para a Suécia e Portugal somente uma vez por semana e para a América do Norte uma vez por mês Ainda assim não se pode ter dúvidas de que Boston e Nova York estavam muito mais intimamente ligadas a Paris do que por exemplo o condado de Maramaros nos Cárpatos a Budapeste E assim como era mais fácil transportar homens e mercadorias em grandes quantidades pelas enormes distâncias oceânicas mais fácil por exemplo para 44 mil pessoas zarparem para a América dos portos norteirlandeses em cinco anos 176974 do que transportar cinco mil para Dundee em três gerações era também mais fácil ligar capitais distantes do que o campo às cidades A noticia da queda da Bastilha chegou a Madri em 13 dias mas em Péronne distante apenas 133 quilómetros da capital francesa as novas de Paris só chegaram no final do mês O mundo em 1789 era portanto para a maioria dos seus habitantes incalculavelmente grande A maioria deles a não ser que fossem arrancados da sua terrinha por algum terrível acontecimento como o recrutamento militar viviam e morriam no distrito ou mesmo na paróquia onde nasceram ainda em 1861 mais de nove em cada dez habitantes de 70 dos 90 departamentos franceses moravam no departamento onde nasceram O resto do mundo era assunto dos agentes governamentais e dos boatos Não havia jornais excepto os pouquíssimos periódicos das classes média e alta ainda em 1814 era de apenas 5 mil exemplares a circulação de um jornal francês e de qualquer forma muito pouca gente sabia ler As notícias chegavam à maioria das pessoas através dos viajantes e do setor móvel da população mercadores e mascates artesãos itinerantes trabalhadores de temporada grande e confusa população de andarilhos que ia desde frades ou peregrinos até contrabandistas ladrões e o populacho e é claro através dos soldados que caíam sobre o povo durante as guerras e o aquartelavam nos períodos de paz Naturalmente que as notícias também vinham através dos canais oficiais através do Estado ou da Igreja Mas mesmo a massa de agentes locais destas organizações a ecuménica e a estatal era de gente do próprio lugar ou então de homens destacados para um serviço vitalício entre os de sua categoria Fora das colónias o funcionário nomeado pelo governo central e enviado para uma sucessão de postos nas províncias era algo que apenas começava a existir De todos os agentes subalternos do Estado talvez só o oficial de regimento estivesse habituado a uma vida sem paradeiro amenizada unicamente pela variedade dos vinhos das mulheres e dos cavalos da mãe pátria II O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendêlo sem assimilar este fato fundamental Em países como a Rússia a Escandinávia ou os Bálcãs onde a cidade jamais se desenvolvera de forma acentuada cerca de 90 a 97 da população era rural Mesmo em áreas com uma forte tradição urbana ainda que decadente a porcentagem rural ou agrícola era extraordinariamente alta 85 na Lombardia 7280 na Venécia mais de 90 na Calábria e na Lucânia segundo dados disponíveis De fato fora algumas áreas comerciais e industriais bastante desenvolvidas seria muito difícil encontrar um grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses E até mesmo na própria Inglaterra a população urbana só veio a ultrapassar a população rural pela primeira vez em 1851 A palavra urbano é certamente ambígua Ela inclui as duas cidades europeias que por volta de 1789 podem ser chamadas de genuinamente grandes segundo os nossos padrões Londres com cerca de um milhão de habitantes e Paris com cerca de meio milhão e umas 20 outras com uma população de 100 mil ou mais duas na França duas na Alemanha talvez quatro na Espanha talvez cinco na Itália o Mediterrâneo era tradicionalmente o berço das cidades duas na Rússia e apenas uma em Portugal na Polónia na Holanda na Áustria na Irlanda na Escócia e na Turquia europeia Mas o termo urbano também inclui a multidão de pequenas cidades de província onde se encontrava realmente a maioria dos habitantes urbanos aquelas onde o homem podia a pé e em poucos minutos vencer a distância entre a praça da catedral rodeada pelos edifícios públicos e as casas das celebridades e o campo Dos 19 de austríacos que mesmo ao final do nosso período 1834 viviam em cidades bem mais de trêsquartos viviam em cidades com menos de 20 mil habitantes e cerca da metade em cidades que iam de dois a cinco mil habitantes Eram estas as localidades por onde perambulavam os aprendizes franceses em seus Tour de France e cujos perfis setecentistas preservados como moscas no âmbar pela estagnação dos séculos subsequentes os poetas românticos alemães evocaram como pano de fundo de tranquilas paisagens sobre as quais se erguiam as torres das catedrais espanholas entre cujas paredes os judeus hassídicos veneravam seus milagrosos rabinos ao passo que os ortodoxos discutiam as divinas sutilezas da lei e para onde rumaram o inspetorgeral de Gogol a fim de aterrorizar os ricos e Chichikov decidido à compra de almas isto é os servos mortos como também pode ser traduzido do Russo o título de Gogol Mas foi também destas cidades que saíram os jovens e ardentes ambiciosos para fazer fortuna ou revoluções ou as duas coisas ao mesmo tempo Robespierre veio de Arras Gracchus Babeuf de SaintQuentin Napoleão de Ajaccio Estas cidades de província não eram menos urbanas por serem pequenas Os autênticos homens das cidades desprezavam o campo ao redor com o desprezo que sentem os eruditos e os homens de espírito pelos fortes lentos ignorantes e estúpidos Não que pelos padrões do verdadeiro homem mundano a sonolenta comunidade interiorana tivesse qualquer coisa de que se vangloriar as comédias populares alemãs ridicularizavam a pequena municipalidade Kraehwinkel tão cruelmente como a mais caipira das roças A linha que separava a cidade e o campo ou melhor as atividades urbanas e as atividades rurais era bem marcada Em muitos países a barreira dos impostos ou às vezes mesmo a velha muralha dividiam os dois Em casos extremos como na Prússia o governo ansioso em manter seus possíveis contribuintes sob uma adequada fiscalização operava uma separação quase total entre as atividades rurais e urbanas Mesmo onde não havia uma divisão administrativa tão rígida os habitantes das cidades eram quase sempre fisicamente diferentes dos homens do campo Em uma vasta área da Europa Oriental as pessoas da cidade eram ilhas germânicas judias ou italianas num lago eslavo magiar ou romeno Mesmos os habitantes urbanos que tinham a mesma religião e nacionalidade dos camponeses ao redor tinham uma aparência distinta vestiam roupas diferentes e eram de fato mais altos exceto no caso da população explorada que trabalhava nas fábricas ou dentro de casa embora talvez fossem igualmente mais magros Tinham provavelmente um raciocínio mais rápido e eram mais letrados e certamente se orgulhavam disso Ainda assim em seu modo de vida eram quase tão ignorantes sobre o que se passava fora do seu distrito quase tão embotados quanto os habitantes das aldeias A cidade provinciana ainda pertencia essencialmente à sociedade e à economia do campo Além de se refestelar sobre os camponeses vizinhos ocupavase relativamente com poucas exceções de muito pouco mais exceto de lavar sua própria roupa Suas classes média e profissional eram constituídas pelos negociantes de trigo e de gado os processadores de produtos agrícolas os advogados e tabeliões que manipulavam os assuntos relativos ao património dos nobres ou os intermináveis litígios que são parte integrante da vida em comunidades proprietárias de terras os empresários mercantis que exploravam os empréstimos aos fiandeiros e tecelões dos campos e por fim os mais respeitáveis representantes do governo o nobre e a Igreja Seus artesãos e lojistas asseguravam as provisões aos camponeses e aos citadinos que viviam às custas dos camponeses A cidade provinciana sofrera um triste declínio depois de atingir o auge de desenvolvimento no final da Idade Média Só raramente era uma cidade livre ou uma cidadeEstado só raramente continuara a ser um centro produtor para um mercado mais amplo ou um importante palco no comércio internacional Como havia declinado agarrouse com crescente obstinação ao monopólio do mercado local que defendia contra todos os que chegassem muito do provincianismo ridicularizado pelos jovens radicais e os trapaceiros das grandes cidades derivava deste movimento de autodefesa econômica No sul da Europa os cavalheiros e até mesmo os nobres viviam desse provincianismo alugando suas propriedades Na Alemanha as burocracias de inúmeros pequenos principados que eram pouco mais que grandes propriedades administravam os desejos das sereníssimas altezas com os impostos cobrados de um campesinato silencioso e obediente A cidade provinciana de fins do século XVIII podia sei uma próspera comunidade em expansão como a sua paisagem dominada por construções de pedra em modesto estilo clássico ou rococó ainda hoje testemunha em parte da Europa Ocidental Mas essa prosperidade vinha do campo III O problema agrário era portanto o fundamental no ano de 1789 c é fácil compreender por que a primeira escola sistematizada de economistas do continente os fisiocratas franceses tomara como verdade o fato de que a terra e o aluguel da terra era a única fonte de renda líquida E o ponto crucial do problema agrário era a relação entre os que cultivavam a terra e os que a possuíam os que produziam sua riqueza e os que a acumulavam Do ponto de vista das relações de propriedade agrária podemos dividir a Europa ou melhor o complexo econômico cujo centro ficava na Europa Ocidental em três grandes segmentos A oeste da Europa ficavam as colônias de alémmar Nelas com a notável exceção da parte norte dos Estados Unidos da América e alguns trechos menos significativos de exploração agrícola independente o lavrador típico era o índio que trabalhava à força ou se encontrava virtualmente escravizado ou o negro que trabalhava como escravo um pouco mais raramente um camponês arrendatário um meeiro ou algo semelhante Nas colónias das Índias Orientais onde o cultivo direto por plantadores europeus era mais raro a forma típica de compulsão usada pelos controladores da terra era a entrega obrigatória de cotas da safra como por exemplo especiarias ou café nas ilhas holandesas Em outras palavras o cultivador típico não tinha liberdade ou então trabalhava sob coerção política O proprietário típico era o dono de uma propriedade enorme quase feudal hacienda finca estancia ou de uma plantação com escravos A economia característica da propriedade quase feudal era primitiva e voltada para si mesma ou de qualquer forma ajustada para necessidades puramente regionais a América espanhola exportava produtos de mineração também produzidos pelos índios virtualmente escravizados mas nada exportava em termos de produtos agrícolas A economia característica da zona de plantação escrava cujo centro ficava nas ilhas do Caribe ao longo do litoral norte da América do Sul em especial o norte do Brasil e o litoral sul dos EUA era a produção de algumas culturas de exportação de vital importância açúcar em menos quantidade o café e o tabaco tintas e a partir da revolução industrial sobretudo o algodão Formava portanto uma parte integral da economia europeia e através do tráfico de escravos da economia africana Fundamentalmente a história desta zona no período que nos interessa pode ser escrita em termos da queda do açúcar e da ascensão do algodão A leste da Europa Ocidental mais especificamente a leste de uma linha que passaria mais ou menos ao longo do rio Elba das fronteiras ocidentais do que é hoje a Tchecoslováquia e dali em direção ao sul rumo a Trieste separando a Áustria Ocidental da Oriental ficava a região de servidão agrária Socialmente a Itália ao sul da Toscana e da Úmbria e o sul da Espanha pertenciam a esta região embora não a Escandinávia com a exceção parcial da Dinamarca e do sul da Suécia Esta vasta zona tinha trechos onde viviam camponeses tecnicamente livres colonos alemães espalhados por toda a região da Eslovênia ao Volga clãs virtualmente independentes nos selvagens montes rochosos do interior da Ilíria camponeses guerreiros quase tão selvagens como os panduros e os cossacos no que até recentemente foi a fronteira militar entre os cristãos e os turcos ou tártaros colonos pioneiros e livres para além do alcance do senhor ou do Estado ou os que viviam nas grandes florestas onde a lavoura de larga escala era impossível Entretanto no geral o lavrador típico não era livre e de fato estava quase afogado pela enchente de servidão que foi crescendo praticamente sem cessar desde fins do século XV e princípios do XVI Essa situação era menos evidente na região dos Bálcans que esteve ou ainda estava sob a administração direta dos turcos Embora o sistema agrário original do pré feudalismo turco uma divisão grosseira da terra em que cada unidade sustentava um guerreiro turco não hereditário tivesse há muito se degenerado num sistema de pecúlio hereditário de propriedades sob o controle dos senhores maometanos estes senhores raramente se envolviam com a lavoura Simplesmente eles sugavam o que podiam do seu campesinato Eis aí a razão por que os Bálcans ao sul do Danúbio e do Sava emergiram da dominação turca nos séculos XIX e XX substancialmente como países camponeses embora extremamente pobres e não como países de caráter agrícola concentrado Além disso o camponês dos Bálcans era legalmente servo como cristão e servo de fado como camponês pelo menos enquanto estivesse ao alcance dos senhores No resto dessa área todavia o camponês típico era um servo que dedicava uma enorme parte da semana ao trabalho forçado na terra do senhor ou o equivalente em outras obrigações Sua falta de liberdade era tão grande que mal se poderia distinguila da escravidão como na Rússia e partes da Polónia onde podia ser vendido separadamente da terra um anúncio na Gazette de Moscou em 1801 colocava à venda três cocheiros bemtreinados e bastante apresentáveis duas moças de 18 e 15 anos ambas de boa aparência e hábeis em vários tipos de trabalhos manuais A mesma casa tem à venda duas cabelereiras sendo uma de 21 anos que sabe ler e escrever tocar instrumentos musicais e fazer trabalhos de mensageira e a outra apta a arrumar os cabelos de cavalheiros e damas vendemos também pianos e órgãos Uma grande quantidade de servos trabalhava em serviços domésticos na Rússia em 1851 eram quase 5 do total Na região do Mar Báltico a principal rota de comércio com a Europa Ocidental a agricultura servil produzia basicamente culturas de exportação para os países do Ocidente trigo fibra de linho cânhamo e produtos florestais usados principalmente na fabricação de navios Nas outras áreas funcionava mais para os mercados regionais que possuíam pelo menos uma zona de desenvolvimento urbano e manufatureiro relativamente avançado e de fácil acesso como a Saxônia a Boémia e Viena A maior parte dessa agricultura todavia continuava atrasada A abertura da rota do Mar Negro e a crescente urbanização da Europa Ocidental principalmente da Inglaterra apenas haviam começado a estimular as exportações de trigo do cinturão de terra negra da Rússia que viriam a ser a base do comércio externo russo até a industrialização da URSS A área de servidão oriental pode portanto ser considerada também uma economia dependente produtora de alimentos e matériasprimas para a Europa Ocidental de forma análoga às colónias de alémmar As áreas de servidão na Itália e na Espanha tinham características econômicas semelhantes embora os aspectos legais de estatuto dos camponeses fossem um tanto diferentes De maneira geral eram áreas de enormes propriedades da nobreza É possível que na Sicília e na Andaluzia várias dessas propriedades descendessem diretamente dos latifúndios romanos cujos escravos e colonos tinhamse transformado nos típicos trabalhadores diaristas sem terras dessas regiões A criação de gado a produção de trigo a Sicília é um velho celeiro exportador e a extorsão de tudo o que fosse possível ao miserável campesinato eram as fontes de renda dos duques e barões que os possuíam O senhor de terras característico das áreas de servidão era assim um nobre proprietário e cultivador ou um explorador de enormes fazendas A vastidão desses latifúndios era espantosa Catarina a Grande deu entre 40 e 50 mil servos aos seus favoritos os Radziwill da Polónia tinham fazendas tão grandes quanto metade da Irlanda Potocki possuía três milhões de acres na Ucrânia os Esterhazy húngaros patronos de Haydn possuíam em certa época sete milhões de acres Eram comuns as fazendas de várias centenas de milhares de acres Embora muitas vezes descuidadas primitivas e improdutivas elas forneciam rendimentos principescos O grande nobre espanhol podia conforme observou um visitante francês sobre as desoladas fazendas Medina Sidonia reinar como um leão na selva e espantar com seu urro tudo que dele se aproximasse mas nunca estava sem dinheiro mesmo pelos padrões dos milordes britânicos Abaixo dos magnatas uma classe de cavalheiros rurais de tamanho e recursos econômicos variados explorava os camponeses Em alguns países ela era demasiadamente grande e portanto pobre e descontente distinguindose dos não nobres basicamente pelos seus privilégios políticos e sociais e pela sua falta de inclinação para atividades anticavalheirescas tais como o trabalho Na Hungria e na Polónia essa classe tinha perto de umdécimo da população na Espanha cerca de meio milhão de pessoas no final do século XVIII Em 1827 equivalia só nesses países a 10 de toda a nobreza europeia s nos outros lugares era bem menor IV No resto da Europa a estrutura agrária era socialmente semelhante Isto quer dizer que para um trabalhador ou camponês qualquer pessoa que possuísse uma propriedade era um cavalheiro e membro da classe dominante e viceversa o status de nobre ou de gentilhomem que dava privilégios políticos e sociais e era ainda de fato a única via para os mais altos postos do Estado era inconcebível sem uma propriedade Na maioria dos países da Europa Ocidental a ordem feudal implícita nessa maneira de pensar estava ainda muito viva politicamente embora fosse cada vez mais obsoleta em termos econômicos De fato sua própria obsolescência econômica que fazia com que os rendimentos dos nobres e cavalheiros fossem ficando cada vez mais para trás em relação ao aumento dos preços e dos gastos levava a aristocracia a explorar com intensidade cada vez maior seu único bem econômico inalienável os privilégios de status e de nascimento Em toda a Europa continental os nobres expulsavam seus rivais malnascidos de todos os cargos rendosos no serviço da coroa desde a Suécia onde a proporção de funcionários plebeus caiu de 66 em 1719 42 em 1700 para 23 em 1780 até a França onde esta reação feudal precipitou a Revolução Francesa veja o capítulo 3 Mas mesmo onde estivesse claramente abalado sob certos aspectos como na França onde era relativamente fácil passar à condição de nobre proprietário ou mais ainda na Inglaterra onde esse status era a recompensa para qualquer tipo de riqueza desde que ela fosse suficientemente grande o elo entre a posse de terras e o status de classe dominante continuava de pé e tinha de fato se tornado nos últimos tempos mais forte Economicamente entretanto a sociedade rural ocidental era muito diferente O camponês típico tinha perdido muito da sua condição de servo no final da Idade Média embora ainda frequentemente guardasse muitas marcas amargas da dependência legal A propriedade típica já de há muito deixara de ser uma unidade de iniciativa econômica e tinhase tornado um sistema de cobrança de aluguéis e de outros rendimentos monetários O camponês mais ou menos livre grande médio ou pequeno era o lavrador típico Se de alguma forma arrendatário pagava aluguel ao senhor das terras ou em algumas áreas uma quota da safra Caso fosse tecnicamente um livre proprietário provavelmente ainda devia ao senhor local uma série de obrigações que podiam ou não ser convertidas em dinheiro como por exemplo a obrigação de enviar seu trigo para o moinho do senhor assim como devia impostos ao príncipe dízimos à Igreja e algumas obrigações de trabalho forçado todas elas em contraste com a isenção relativa das camadas sociais mais altas Mas se estes vínculos políticos fossem retirados uma enorme parte da Europa surgiria como uma área de agricultura camponesa uma área na qual geralmente uma minoria de camponeses abastados tendesse a se tornar de fazendeiros comerciais vendendo ao mercado urbano um excedente permanente da safra e uma maioria de pequenos e médios camponeses vivesse de suas propriedades mais ou menos de forma autosuficiente a menos que elas fossem tão pequenas que os obrigassem a trabalhar parte do tempo na agricultura ou na manufatura em troca de salários Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante rumo a uma agricultura puramente capitalista A Inglaterra era a principal delas Lá a propriedade de terras era extremamente concentrada mas o agricultor típico era o arrendatário com um empreendimento comercial médio operado por mãodeobra contratada Uma grande quantidade de pequenos proprietários aldeões etc ainda obscurecia este fato Mas quando tudo se tornou claro aproximadamente entre 1760 e 1830 o que apareceu não foi uma agricultura camponesa mas sim uma classe de empresários agrícolas os fazendeiros e um enorme proletariado rural Algumas áreas da Europa onde o investimento comercial tradicionalmente era feito na exploração agrícola como em partes do norte da Itália e os Países Baixos ou onde se produziam safras comerciais especializadas também demonstravam fortes tendências capitalistas mas isto era um fato excepcional Uma outra exceção era a Irlanda uma ilha infeliz que combinava as desvantagens das áreas atrasadas da Europa com as da proximidade da economia mais adiantada Na Irlanda um pequeno número de latifundiários ausentes da terra semelhantes aos da Andaluzia ou da Sicília explorava uma vasta massa de arrendatários por meio de exorbitantes aluguéis Tecnicamente a agricultura europeia era ainda com exceção de algumas regiões adiantadas duplamente tradicional e assustadoramente ineficiente Seus produtos eram ainda os tradicionais centeio trigo cevada aveia e na Europa Oriental trigo sarraceno alimento básico da população gado de corte cabras e seus laticínios porcos e aves uma certa quantidade de frutas e legumes vinho e algumas matériasprimas industriais como a lã a fibra de linho cânhamo para cordame cevada para a produção de cerveja etc A alimentação da Europa era essencialmente regional Os produtos de outros climas eram ainda raridades próximas do luxo exceto talvez o açúcar o mais importante alimento importado dos trópicos e cuja doçura provocou mais amargura humana do que qualquer outro Na Inglaterra reconhecidamente o país mais adiantado o consumo anual médio per capita na década de 1790 era de 14 libras Mas mesmo na Inglaterra o consumo per capita médio de chá no ano da Revolução Francesa era de menos de 2 onças por mês As novas culturas importadas das Américas ou de outras regiões tropicais tinham feito algum progresso No sul da Europa e nos Bálcans o milho já se achava bastante disseminado esta espécie de milho tinha ajudado a fixar camponeses nómades em seus sítios nos Bálcans e no norte da Itália o arroz tinha experimentado certo avanço O fumo era cultivado em vários principados basicamente como um monopólio governamental para fins fiscais embora seu uso pelos padrões modernos fosse desprezível em 1790 o inglês médio fumava cheirava ou mascava cerca de uma onça e umterço por mês A cultura da seda era comum em partes da Europa meridional A batata a mais importante das novas colheitas estava apenas começando o seu caminho exceto talvez na Irlanda onde sua capacidade de alimentar a nível de subsistência mais gente por acre do que qualquer outro alimento já tinha feito dela o principal produto de cultivo Fora da Inglaterra e dos Países Baixos o cultivo sistemático de raízes e forragem tirando o feno ainda era uma exceção e só as guerras napoleônicas trouxeram a produção em massa da beterraba para a fabricação de açúcar O século XVIII não era logicamente um século de estagnação agrícola Pelo contrário um longo período de expansão demográfica de urbanização crescente de fabricação e comércio encorajava a melhoria da agricultura e de fato a requisitava A segunda metade do século viu o início do surpreendente e ininterrupto aumento da população que é tão característico do mundo moderno entre 1755 e 1784 por exemplo a população rural de Brabant Bélgica aumentou em 44 Mas o que impressionava os inúmeros incentivadores da melhoria agrícola que multiplicavam suas associações em defesa desse objetivo produzindo relatórios governamentais e publicações propagandísticas desde a Espanha até a Rússia era o tamanho dos obstáculos para o avanço agrícola e não o progresso que se verificara V O mundo agrícola era lerdo a não ser talvez em seu setor capitalista Já os mundos do comércio e das manufaturas e as atividades intelectuais e tecnológicas que os acompanhavam eram seguros de si e dinâmicos e as classes que deles se beneficiavam eram ativas determinadas e otimistas O observador contemporâneo seria mais diretamente surpreendido pelo amplo desdobramento do comércio que estava intimamente ligado à exploração colonial Um sistema de vias comerciais marítimas que crescia rapidamente em volume e capacidade circundava a terra trazendo seus lucros às comunidades mercantis europeias do Atlântico Norte Usavam o poderio colonial para roubar dos habitantes das índias Orientais as mercadorias exportadas dali para a Europa e a África onde juntamente com as mercadorias europeias eram usadas na compra de escravos para os sistemas de plantação que cresciam rapidamente nas Américas As plantações americanas por seu turno exportavam açúcar algodão etc em quantidades cada vez mais vastas e baratas para os portos do Atlântico e do Mar do Norte de onde eram redistribuídos para o leste juntamente com as manufaturas e mercadorias tradicionais do comércio da Europa Ocidental com a Oriental têxteis sal vinho e o resto Do Báltico por sua vez vinham os cereais a madeira e a fibra de linho Da Europa Oriental espécie de segunda zona colonial os cereais a madeira a fibra de linho e o linho propriamente dito uma lucrativa exportação para os trópicos o cânhamo e o ferro E entre as economias europeias relativamente desenvolvidas que incluíam economicamente falando as comunidades cada vez mais ativas de colonizadores brancos nas colónias britânicas do norte da América depois de 1783 o norte dos EUA a teia do comércio tornouse cada vez mais densa O nabob ou plantador retornava das colónias com fortunas que estavam além dos sonhos da avareza provinciana Os mercadores e armadores cujos esplêndidos portos Bordeaux Bristol Liverpool haviam sido construídos ou reconstruídos durante o século pareciam ser os verdadeiros campeões econômicos da época comparáveis somente aos grandes funcionários e financistas que tiravam suas fortunas dos lucrativos serviços dos Estados pois esta era a época em que o termo cargos rendosos no serviço da coroa tinha seu significado literal Comparada a eles a classe média de advogados gerentes de fazendas cervejeiros locais comerciantes e outros que acumularam uma pequena fortuna proveniente do mundo agrícola vivia uma vida pacata e modesta e até mesmo o fabricante pareceria pouco mais que um primo pobre Já que embora a mineração e a fabricação estivessemse expandindo rapidamente em todas as partes da Europa o mercador e na Europa Oriental também muitas vezes o senhor feudal é que continuava fundamentalmente a deter o seu controle Isto ocorria porque a principal forma de expandir a produção industrial era o chamado sistema doméstico ou do botafora no qual o mercador comprava os produtos dos artesãos ou do tempo de trabalho não agrícola do campesinato para vendêlos num mercado mais amplo O simples crescimento deste comércio inevitavelmente criou condições rudimentares para um precoce capitalismo industrial O artesão que vendia suas mercadorias poderseia transformar em pouco mais que um trabalhador pago por artigo produzido especialmente quando o mercador lhe fornecia a matériaprima e talvez arrendasse equipamento produtivo O camponês que também tecesse poderia vir a ser o tecelão que também tinha um pequeno lote de terra A especialização dos processos e funções poderia dividir o velho ofício ou criar um complexo de trabalhadores semiqualificados entre os camponeses O velho mestreartesão ou algum grupo especial de ofícios ou mesmo de intermediários locais poderseiam transformar em algo parecido com empregadores ou subcontratadores Mas o controladorchefe destas formas descentralizadas de produção aquele que ligava a mãodeobra de vilarejos perdidos ou de ruelas afastadas com o mercado mundial era uma espécie de mercador E os industriais que estavam aparecendo ou a ponto de aparecer das fileiras dos próprios produtores eram em comparação a ele ínfimos operadores quando não diretamente dependentes dele Havia algumas exceções especialmente na Inglaterra industrial Os proprietários de siderurgias homens como o grande oleiro Josiah Wedgwood eram orgulhosos e respeitados seus estabelecimentos visitados pelos curiosos de toda a Europa Mas o industrial típico a palavra não havia sido inventada ainda era nesta época um pobre gerente e não um capitão de indústria Não obstante qualquer que fosse seu status as atividades comerciais e manufatureiras floresciam de forma exuberante O Estado mais bemsucedido da Europa no século XVIII a Grã Bretanha devia plenamente o seu poderio ao progresso econômico e por volta da década de 1780 todos os governos continentais com qualquer pretensão a uma política racional estavam consequentemente fomentando o crescimento econômico e especialmente o desenvolvimento industrial embora com sucesso muito variável As ciências ainda não divididas pelo academicismo do século XIX em uma ciência pura superior e uma outra aplicada inferior dedicavamse à solução de problemas produtivos sendo que os mais surpreendentes avanços da década de 1780 foram na química que era por tradição muito intimamente ligada à prática de laboratório e às necessidades da indústria A grande Enciclopédia de Diderot e dAlembert não era simplesmente um compêndio do pensamento político e social progressista mas do progresso científico e tecnológico Pois de fato o iluminismo a convicção no progresso do conhecimento humano na racionalidade na riqueza e no controle sobre a natureza de que estava profundamente imbuído o século XVIII derivou sua força primordialmente do evidente progresso da produção do comércio e da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada a ambos E seus maiores campeões eram as classes economicamente mais progressistas as que mais diretamente se envolviam nos avanços tangíveis da época os círculos mercantis e os financistas e proprietários economicamente iluminados os administradores sociais e econômicos de espírito científico a classe média instruída os fabricantes e os empresários Estes homens saudaram Benjamin Franklin impressor e jornalista inventor empresário estadista e negociante astuto como o símbolo do cidadão do futuro o selfmademan racional e ativo Na Inglaterra onde os novos homens não tinham necessidade de encarnações revolucionárias transatlânticas estes homens formavam as sociedades provincianas das quais nasceram tanto o avanço político e social quanto o científico A Sociedade Lunar de Birmingham incluía entre seus membros o oleiro Josiah Wedgwood o inventor da moderna máquina a vapor James Watt e seu sócio Matthew Boulton o químico Priestley o biólogo e gentilhomem Erasmus Darwin pioneiro das teorias da evolução e avô do grande Darwin e o grande impressor Baskerville Estes homens se organizavam por toda parte em lojas de francomaçonaria onde as distinções de classe não importavam e a ideologia do iluminismo era propagada com um desinteressado denodo É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução a França e a Inglaterra embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional mais ampla em suas formulações francesas até mesmo quando fossem simplesmente versões galicistas de formulações britânicas Um individualismo secular racionalista e progressista dominava o pensamento esclarecido Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo do tradicionalismo ignorante da Idade Média que ainda lançava sua sombra pelo mundo da superstição das igrejas distintas da religião racional ou natural da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante A liberdade a igualdade e em seguida a fraternidade de todos os homens eram seus slogans No devido tempo se tornaram os slogans da Revolução Francesa O reinado da liberdade individual não poderia deixar de ter as consequências mais benéficas Os mais extraordinários resultados podiam ser esperados podiam de fato já ser observados como provenientes de um exercício irrestrito do talento individual num mundo de razão A apaixonada crença no progresso que professava o típico pensador do iluminismo refletia os aumentos visíveis no conhecimento e na técnica na riqueza no bemestar e na civilização que podia ver em toda a sua volta e que com certa justiça atribuía ao avanço crescente de suas ideias No começo do século as bruxas ainda eram queimadas no final os governos do iluminismo como o austríaco já tinham abolido não só a tortura judicial mas também a escravidão O que não se poderia esperar se os remanescentes obstáculos ao progresso tais como os interesses estabelecidos do feudalismo e da Igreja fossem eliminados Não é propriamente correto chamarmos o iluminismo de uma ideologia da classe média embora houvesse muitos iluministas e foram eles os politicamente decisivos que assumiram como verdadeira a proposição de que a sociedade livre seria uma sociedade capitalista Em teoria seu objetivo era libertar todos os seres humanos Todas as ideologias humanistas racionalistas e progressistas estão implícitas nele e de fato surgiram dele Embora na prática os líderes da emancipação exigida pelo iluminismo fossem provavelmente membros dos escalões médios da sociedade embora os novos homens racionais o fossem por habilidade e mérito e não por nascimento e embora a ordem social que surgiria de suas atividades tenha sido uma ordem capitalista e burguesa É mais correto chamarmos o iluminismo de ideologia revolucionária apesar da cautela e moderação política de muitos de seus expoentes continentais a maioria dos quais até a década de 1780 depositava sua fé no despotismo esclarecido Pois o iluminismo implicava a abolição da ordem política e social vigente na maior parte da Europa Era demais esperar que os anciens régimes se abolissem voluntariamente Ao contrário como vimos em alguns aspectos eles estavamse fortalecendo contra o avanço das novas forças econômicas e sociais E suas fortalezas fora da GrãBretanha as Províncias Unidas e alguns outros lugares onde já tinham sido derrotados eram as próprias monarquias em que os iluministas moderados depositavam sua fé VI Com exceção da GrãBretanha que fizera sua revolução no século XVII e alguns Estados menores as monarquias absolutas reinavam em todos os Estados em funcionamento no continente europeu aqueles em que elas não governavam ruíram devido à anarquia e foram tragados por seus vizinhos como a Polónia Os monarcas hereditários pela graça de Deus comandavam hierarquias de nobres proprietários apoiados pela organização tradicional e a ortodoxia das igrejas e envolvidos por uma crescente desordem das instituições que nada tinham a recomendá las exceto um longo passado É verdade que a simples necessidade de coesão e eficiência estatais em uma era de aguçada rivalidade internacional tinha de há muito obrigado os monarcas a pôr freio às tendências anárquicas de seus nobres e outros interesses estabelecidos e a preencher seu aparelho estatal tanto quanto possível com pessoal civil não aristocrata Além disso na última parte do século XVIII estas necessidades e o evidente sucesso internacional do poderio capitalista britânico levaram a maioria destes monarcas ou melhor seus conselheiros a tentar programas de modernização intelectual administrativa social e econômica Naquela época os príncipes adotavam o slogan do iluminismo do mesmo modo como os governos de nosso tempo por razões análogas adotam slogans de planejamento e como em nossos dias alguns dos que adotavam slogans em teoria muito pouco fizeram na prática e a maioria dos que fizeram alguma coisa estava menos interessada nas ideias gerais que estavam por trás da sociedade iluminada ou planejada do que na vantagem prática de adotar os métodos mais modernos de multiplicação de seus impostos riqueza e poder Reciprocamente aa classea média e instruída e as empenhadas no progresso quase sempre buscavam o poderoso aparelho central de uma monarquia iluminada para levar a cabo suas esperanças Um príncipe necessitava de uma classe média e de suas ideias para modernizar o seu Estado uma classe média fraca necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao progresso causada por arraigados interesses clericais e aristocráticos Contudo de fato a monarquia absoluta não obstante quão moderna e inovadora achava impossível e pouco se interessava em libertarse da hierarquia dos nobres proprietários à qual afinal de contas pertencia e cujos valores simbolizava e incorporava e de cujo apoio dependia grandemente A monarquia absoluta apesar de teoricamente livre para fazer o que bem entendesse na prática pertencia ao mundo que o iluminismo tinha batizado de féodalité ou feudalismo termo mais tarde popularizado pela Revolução Francesa Uma monarquia deste tipo estava pronta a usar todos os recursos disponíveis para fortalecer sua autoridade aumentar a renda tributável dentro de suas fronteiras e seu poderio fora delas e isto bem poderia levála a fomentar o que de fato eram as forças da sociedade em ascensão Ela se achava preparada para fortalecer seu poderio político lançando uma propriedade uma classe ou uma província contra a outra Contudo seus horizontes eram o de sua história de sua função e de sua classe Ela quase nunca desejou e nunca foi capaz de atingir a total transformação econômica e social que exigiam o progresso da economia e os grupos sociais ascendentes Para tomarmos um exemplo óbvio poucos pensadores racionais mesmo dentre os conselheiros dos príncipes duvidavam seriamente da necessidade de se abolir a servidão e os laços remanescentes da dependência feudal camponesa Tal reforma era reconhecida como um dos principais pontos de qualquer programa esclarecido e não havia nenhum príncipe de Madri a São Petersburgo e de Nápoles a Estocolmo que não tivesse subscrito esse programa durante o quarto de século que precedeu a Revolução Francesa Contudo de fato as únicas libertações camponesas que tiveram lugar antes de 1789 foram em pequenos e atípicos Estados como a Dinamarca e a Savóia e em propriedades pessoais de um ou outro príncipe Uma libertação de grande porte foi tentada por José II da Áustria em 1781 mas fracassou em face da resistência política de interesses estabelecidos e da rebelião camponesa que ultrapassou o que tinha sido programado e teve que ficar incompleta O que de fato aboliu as relações agrárias feudais em toda a Europa Ocidental e Central foi a Revolução Francesa por ação direta reação ou exemplo e a revolução de 1848 Havia assim um conflito latente que logo se tomaria aberto entre as forças da velha e da nova sociedade burguesa que não podia ser resolvido dentro da estrutura dos regimes políticos existentes exceto é claro onde estes regimes já incorporassem o triunfo burguês como na Grã Bretanha O que tornou estes regimes ainda mais vulneráveis foi que eles estavam sujeitos a pressões de três lados das novas forças da arraigada e cada vez mais dura resistência dos interesses estabelecidos mais antigos e dos inimigos estrangeiros Seu ponto mais vulnerável era aquele em que as oposições do velho e do novo tendiam a coincidir nos movimentos autónomos das colónias ou províncias mais remotas ou sob controle menos firme Assim na monarquia dos Habsburgo as reformas de José II na década de 1780 produziram tumulto nos Países Baixos austríacos hoje Bélgica e um movimento revolucionário que em 1789 aliouse naturalmente ao movimento revolucionário francês Mais comumente as comunidades de colonizadores brancos nas colónias europeias de alémmar ressentiramse da política de seus governos centrais que subordinavam os interesses das colónias estritamente aos interesses metropolitanos Em todas as partes das Américas a espanhola a francesa e a inglesa bem como na Irlanda estes movimentos de colonizadores exigiam autonomia nem sempre para a instauração de regimes que representassem forças economicamente mais progressistas do que a metrópole e várias colónias britânicas obtiveramna pacificamente durante algum tempo como a Irlanda ou então por meios revolucionários como os EUA A expansão econômica o desenvolvimento das colónias e as tensões das reformas tentadas pelo despotismo esclarecido multiplicaram as oportunidades para esses conflitos nas décadas de 1770 e 1780 Em si mesma a dissidência colonial ou provinciana não foi fatal As velhas e estabelecidas monarquias podiam sobreviver à perda de uma província ou duas e a principal vítima da autonomia das colónias a GrãBretanha não sofria das fraquezas dos velhos regimes e portanto continuou tão estável e dinâmica como sempre apesar da revolução americana Eram poucas as regiões onde as condições puramente domésticas eram suficientes para uma maior transferência do poder O que tornou a situação explosiva foi a rivalidade internacional Assim mesmo porque a rivalidade internacional ou seja a guerra testava os recursos de um Estado como nenhum outro fator poderia fazêlo Quando não conseguiam passar por esse teste os Estados tremiam rachavam ou caíam Uma grande rivalidade desse tipo dominou a cena internacional europeia durante a maior parte do século XVIII e esteve no centro de seus repetidos períodos de guerra geral 16891713 17408 175663 177683 e chegando até o nosso período 17921815 Foi o conflito entre a GrãBretanha e a França que em certo sentido foi também o conflito entre os velhos e os novos regimes Já que a França embora tivesse despertado a hostilidade britânica com a rápida expansão de seu império e de seu comércio colonial era também a monarquia absoluta aristocrática mais poderosa eminente e influente em uma palavra a mais clássica Em nenhum outro fenómeno estava exemplificada de forma mais viva a superioridade da nova ordem social sobre a velha do que no conflito entre estas duas forças Pois a Inglaterra não só venceu com variados graus de determinação todas as guerras com a exceção de uma como ainda suportou o esforço de organizálas financiálas e desencadeálas com relativa facilidade A monarquia francesa por seu turno embora muito maior mais populosa e em termos de potencial de recursos mais rica que a britânica achou o esforço grande demais Após sua derrota na Guerra dos Sete Anos 175663 a revolta das colónias americanas deulhe a oportunidade de virar a mesa sobre o adversário A França aceitou o desafio E de fato no subseqüente conflito internacional a GrãBretanha saiu duramente derrotada perdendo a parte mais importante do seu império americano e a França aliada dos novos EUA saiu consequentemente vitoriosa Mas o custo foi excessivo e as dificuldades do governo francês levaram o país inevitavelmente a um período de crise política interna da qual seis anos mais tarde surgiria a Revolução VII Devemos ainda completar este levantamento preliminar do mundo às vésperas da dupla revolução com um exame das relações entre a Europa ou mais precisamente o noroeste da Europa e o resto do mundo O completo domínio político e militar do mundo pela Europa e seus prolongamentos ultramarinos as comunidades de colonização branca viria a ser o produto da era da dupla revolução Em fins do século XVIII várias das grandes civilizações e forças não europeias ainda se confrontavam com o colonizador o marujo e o soldado brancos em termos aparentemente iguais O grande império chinês então no auge de seu desenvolvimento sob a dinastia Manchu Ching não era vítima de ninguém Ao contrário o que se passava era que a corrente de influência cultural corria de leste para oeste e os filósofos europeus ponderavam sobre as lições daquela civilização tão diferente embora tão evoluída enquanto artistas e artesãos incorporavam a seus trabalhos os temas e motivos do Extremo Oriente frequentemente mal entendidos e adaptavam seus novos materiais porcelana para fins europeus As potências islâmicas embora como a Turquia periodicamente abaladas pelas forças militares de Estados europeus vizinhos a Áustria e sobretudo a Rússia estavam longe das tristes deformidades em que se transformariam no século XIX A África continuava virtualmente imune à penetração militar europeia Exceto em pequenas áreas próximas ao Cabo da Boa Esperança os brancos estavam confinados aos postos comerciais do litoral Ainda assim a rápida e sempre crescente expansão maciça do comércio e do empreendimento capitalista europeu minava a ordem social dessas civilizações na África com a intensidade sem precedentes do terrível tráfico de escravos em todo o Oceano Indico com a penetração das potências colonizadoras rivais e no Oriente Médio e Próximo através do comércio e do conflito militar Já então a conquista europeia direta começava a avançar de modo significativo para além da área há muito ocupada pela colonização pioneira dos espanhóis e dos portugueses no século XVI e pelos colonizadores brancos norteamericanos no século XVII O avanço decisivo foi feito pelos ingleses que já tinham estabelecido o controle territorial direto sobre parte da índia especialmente Bengala derrubando virtualmente o império Mughal passo que os levaria no período de que trata este livro a se tornarem administradores e governantes de toda a índia Já então a relativa fragilidade das civilizações não europeias quando confrontadas com a superioridade militar e tecnológica do Ocidente era previsível O que se chamou a era de Vasco da Gama ou seja os quatro séculos da história do mundo em que um punhado de Estados europeus e de forças capitalistas europeias estabeleceram um domínio completo embora temporário como é hoje evidente sobre o mundo inteiro estava para atingir seu clímax A dupla revolução estava a ponto de tornar irresistível a expansão europeia embora estivesse também a ponto de dar ao mundo não europeu as condições e o equipamento para seu eventual contraataque Capítulo Dois A Revolução Industrial Tais obras quaisquer que sejam seus funcionamentos causas e consequências têm infinito mérito e dão grande crédito aos talentos deste homem mui engenhoso e útil que terá o mérito de onde quer que vá fazer com que os homens pensem Livrese desta indiferença estúpida sonolenta e preguiçosa desta negligência indolente que prende os homens aos mesmos caminhos de seus antepassados sem indagação sem raciocínio e sem ambição e com certeza você estará fazendo o bem Que sequência de ideias que espírito de aplicação que massa e poder de esforço brotaram em todos os caminhos da vida das obras de homens como Brindley Watt Priestley Arkwright Em que caminho da vida pode estar um homem que não se sinta estimulado ao ver a máquina a vapor de Watt Arthur Young Viagens na Inglaterra e no País de Gales Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo Deste esgoto imundo jorra ouro puro Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade aqui a civilização faz milagres e o homem civilizado tornase quase um selvagem A de Toqueville Manchester 1835 I Comecemos com a revolução industrial isto é com a Inglaterra Este à primeira vista é um ponto de partida caprichoso pois as repercussões desta revolução não se fizeram sentir de uma maneira óbvia e inconfundível pelo menos fora da Inglaterra até bem o final do nosso período certamente não antes de 1830 provavelmente não antes de 1840 ou por essa época Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da sociedade capitalista por um mundo no qual todos os laços sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o papelmoeda no dizer de Carlyle A Comédie Humaine de Balzac o mais extraordinário monumento literário dessa ascensão pertence a esta década Até 1840 a grande corrente de literatura oficial e não oficial sobre os efeitos sociais da revolução industrial ainda não começara a fluir os Bluebooks e as averiguações estatísticas na Inglaterra o Tableau de létat physique et moral des ouvriers de Villermé a obra de Engels A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra o trabalho de Ducpetiaux na Bélgica e dezenas e dezenas de observadores surpresos ou assustados da Alemanha à Espanha e EUA Só a partir da década de 1840 é que o proletariado rebento da revolução industrial e o comunismo que se achava agora ligado aos seus movimentos sociais o espectro do Manifesto Comunista abriram caminho pelo continente O próprio nome de revolução industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa A coisa existia na Inglaterra antes do termo Os socialistas ingleses e franceses eles próprios um grupo sem antecessores só o inventaram por volta da década de 1820 provavelmente por analogia com a revolução política na França Ainda assim seria de bom alvitre considerála primeiro por duas razões Primeiro porque de fato ela explodiu usando a expressão como um axioma antes que a Bastilha fosse assaltada e segundo porque sem ela não podemos entender o vulcão impessoal da história sobre o qual nasceram os homens e acontecimentos mais importantes de nosso período e a complexidade desigual de seu ritmo O que significa a frase a revolução industrial explodiu Significa que a certa altura da década de 1780 e pela primeira vez na história da humanidade foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida constante e até o presente ilimitada de homens mercadorias e serviços Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a partida para o crescimento autosustentável Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que uma estrutura social préindustrial uma tecnologia e uma ciência deficientes e consequentemente o colapso a fome e a morte periódicas impunham à produção A partida não foi logicamente um desses fenómenos que como os terremotos e os cometas assaltam o mundo nãotécnico de surpresa Sua préhistória na Europa pode ser traçada dependendo do gosto do historiador e do seu particular interesse até cerca do ano 1000 de nossa era se não antes e tentativas anteriores de alçar vôo desajeitadas como as primeiras experiências dos patinhos foram exaltadas com o nome de revolução industrial no século XIII no XVI e nas últimas décadas do XVII A partir da metade do século XVIII o processo de acumulação de velocidade para partida é tão nítido que historiadores mais velhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760 Mas uma investigação cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760 pois foi então que até onde se pode distinguir todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina brusca e quase vertical para a partida A economia por assim dizer voava Chamar este processo de revolução industrial é lógico e está em conformidade com uma tradição bem estabelecida embora tenha sido moda entre os historiadores conservadores talvez devido a uma certa timidez face a conceitos incendiários negar sua existência e substituíla por termos banais como evolução acelerada Se a transformação rápida fundamental e qualitativa que se deu por volta da década de 1780 não foi uma revolução então a palavra não tem qualquer significado prático De fato a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim Não tem sentido perguntar quando se completou pois sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma deste então Ela ainda prossegue quando muito podemos perguntar quando as transformações econômicas chegaram longe o bastante para estabelecer uma economia substancialmente industrializada capaz de produzir em termos amplos tudo que desejasse dentro dos limites das técnicas disponíveis uma economia industrial amadurecida para usarmos o termo técnico Na GrãBretanha e portanto no mundo este período de industrialização inicial provavelmente coincide quase que exatamente com o período de que trata este livro pois se ele começou com a partida na década de 1780 podese dizer com certa acuidade que terminou com a construção das ferrovias e da indústria pesada na GrãBretanha na década de 1840 Mas a revolução mesma o ponto de partida pode provavelmente ser situada com a precisão possível em tais assuntos em certa altura dentro dos 20 anos que vão de 1780 a 1800 contemporânea da Revolução Francesa embora um pouco anterior a ela Sob qualquer aspecto este foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo pelo menos desde a invenção da agricultura e das cidades E foi iniciado pela Grã Bretanha É evidente que isto não foi acidental Se tivesse que haver uma disputa pelo pioneirismo da revolução industrial no século XVIII só haveria de fato um concorrente a dar a largada o grande avanço comercial e industrial de Portugal à Rússia fomentado pelos inteligentes e nem um pouco ingénuos ministros e servidores civis de todas as monarquias iluminadas da Europa todos eles tão preocupados com o crescimento econômico quanto os administradores de hoje em dia Alguns pequenos Estados e regiões de fato se industrializaram de maneira bem impressionante como por exemplo a Saxônia e a diocese de Liège embora seus complexos industriais fossem muito pequenos e localizados para exercer a mesma influência revolucionária mundial dos complexos britânicos Mas parece claro que até mesmo antes da revolução a GrãBretanha já estava no comércio e na produção per capita bastante à frente de seu maior competidor em potencial embora ainda comparável a ele em termos de comércio e produção totais Qualquer que tenha sido a razão do avanço britânico ele não se deveu à superioridade tecnológica e científica Nas ciências naturais os franceses estavam seguramente à frente dos ingleses vantagem que a Revolução Francesa veio acentuar de forma marcante pelo menos na matemática e na física pois ela incentivou as ciências na França enquanto que a reação suspeitava delas na Inglaterra Até mesmo nas ciências sociais os britânicos ainda estavam muito longe daquela superioridade que fez e em grande parte ainda faz da economia um assunto eminentemente anglosaxão mas a revolução industrial colocouos em um inquestionável primeiro lugar O economista da década de 1780 lia Adam Smith mas também e talvez com mais proveito os físiocratas e os contabilistas fiscais franceses Quesnay Turgot Dupont de Nemours Lavoisier e talvez um ou dois italianos Os franceses produziram inventos mais originais como o tear de Jacquard 1804 um aparelho mais complexo do que qualquer outro projetado na GrãBretanha e melhores navios Os alemães possuíam instituições de treinamento técnico como a Bergakademie prussiana que não tinham paralelo na GrãBretanha e a Revolução Francesa criou um corpo único e impressionante a Êcole Polytechnique A educação inglesa era uma piada de mau gosto embora suas deficiências fossem um tanto compensadas pelas duras escolas do interior e pelas universidades democráticas turbulentas e austeras da Escócia calvinista que lançavam uma corrente de jovens racionalistas brilhantes e trabalhadores em busca de uma carreira no sul do país James Watt Thomas Telford Loudon McAdam James Mill Oxford e Cambridge as duas únicas universidades inglesas eram intelectualmente nulas como o eram também as sonolentas escolas públicas com a exceção das Academias fundadas pelos Dissidentes Dissenters que foram excluídas do sistema educacional anglicano Até mesmo as famílias aristocráticas que desejavam educação para seus filhos confiavam em tutores e universidades escocesas Não havia qualquer sistema de educação primária antes que o Quaker Lancaster e depois dele seus rivais anglicanos lançasse uma espécie de alfabetização em massa elementar e realizada por voluntários no princípio do século XIX incidentalmente selando para sempre a educação inglesa com controvérsias sectárias Temores sociais desencorajavam a educação dos pobres Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram necessários para se fazer a revolução industrial Suas invenções técnicas foram bastante modestas e sob hipótese alguma estavam além dos limites de artesãos que trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades construtivas de carpinteiros moleiros e serralheiros a lançadeira o tear a fiadeira automática Nem mesmo sua máquina cientificamente mais sofisticada a máquina a vapor rotativa de James Watt 1784 necessitava de mais conhecimentos de física do que os disponíveis então há quase um século a teoria adequada das máquinas a vapor só foi desenvolvida ex post facto pelo francês Carnot na década de 1820 e podia contar com várias gerações de utilização prática de máquinas a vapor principalmente nas minas Dadas as condições adequadas as inovações técnicas da revolução industrial praticamente se fizeram por si mesmas exceto talvez na indústria química Isto não significa que os primeiros industriais não estivessem constantemente interessados na ciência e em busca de seus benefícios práticos Mas as condições adequadas estavam visivelmente presentes na GrãBretanha onde mais de um século se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental A solução britânica do problema agrário singularmente revolucionária já tinha sido encontrada na prática Uma relativa quantidade de proprietários com espírito comercial já quase monopolizava a terra que era cultivada por arrendatários empregando camponeses sem terra ou pequenos agricultores Um bocado de resquícios verdadeiras relíquias da antiga economia coletiva do interior ainda estava para ser removido pelos Decretos das Cercas Enclosure Acts e as transações particulares mas quase praticamente não se podia falar de um campesinato britânico da mesma maneira que um campesinato russo alemão ou francês As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado as manufaturas de há muito tinhamse disseminado por um interior não feudal A agricultura já estava preparada para levar a termo suas três funções fundamentais numa era de industrialização aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido crescimento fornecer um grande e crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias e fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia Duas outras funções eram provavelmente menos importantes na GrãBretanha a criação de um mercado suficientemente grande entre a população agrícola normalmente a grande massa do povo e o fornecimento de um excedente de exportação que contribuísse para garantir as importações de capital Um considerável volume de capital social elevado o caro equipamento geral necessário para toda a economia progredir suavemente já estava sendo criado principalmente na construção de uma frota mercante e de facilidades portuárias e na melhoria das estradas e vias navegáveis A política já estava engatada ao lucro As exigências específicas dos homens de negócios podiam encontrar a resistência de outros interesses estabelecidos e como veremos os proprietários rurais haviam de erguer uma última barreira para impedir o avanço da mentalidade industrial entre 1795 e 1846 No geral todavia o dinheiro não só falava como governava Tudo que os industriais precisavam para serem aceitos entre os governantes da sociedade era bastante dinheiro O homem de negócios estava sem dúvida engajado no processo de conseguir mais dinheiro pois a maior parte do século XVIII foi para grande parte da Europa um período de prosperidade e de cómoda expansão econômica o verdadeiro pano de fundo para o alegre otimismo do Dr Pangloss de Voltaire Podese muito bem argumentar que mais cedo ou mais tarde esta expansão acompanhada de uma pequena inflação teria empurrado algum país através do portal que separa a economia préindustrial da industrial Mas o problema não é tão simples A maior parte da expansão industrial do século XVIII não levou de fato e imediatamente ou dentro de um futuro previsível a uma revolução industrial isto é à criação de um sistema fabril mecanizado que por sua vez produz em quantidades tão grandes e a um custo tão rapidamente decrescente a ponto de não mais depender da demanda existente mas de criar o seu próprio mercado Por exemplo a indústria de construções ou as inúmeras indústrias de pequeno porte produtoras de objetos de metal para uso doméstico alfinetes vasilhas facas tesouras etc na Inglaterra central e na região de Yorkshire expandiramse grandemente neste período mas sempre em função do mercado existente Em 1850 embora tivessem produzido bem mais do que em 1750 o fizeram substancialmente de maneira antiquada O que era necessário não era um tipo qualquer de expansão mas sim o tipo especial de expansão que produziu Manchester ao invés de Birmingham Além disso as revoluções industriais pioneiras ocorreram em uma situação histórica especial em que o crescimento econômico surge de um acúmulo de decisões de incontáveis empresários e investidores particulares cada um deles governado pelo primeiro mandamento da época comprar no mercado mais barato e vender no mais caro Como poderiam eles descobrir que o lucro máximo devia ser detido com a organização da revolução industrial e não com atividades comerciais mais conhecidas e mais lucrativas no passado Como poderiam saber o que ninguém sabia até então que a revolução industrial produziria uma aceleração ímpar na expansão dos seus mercados Dado que as principais bases sociais de uma sociedade industrial tinham sido lançadas como quase certamente já acontecera na Inglaterra de fins do século XVIII duas coisas eram necessárias primeiro uma indústria que já oferecesse recompensas excepcionais para o fabricante que pudesse expandir sua produção rapidamente se necessário através de inovações simples e razoavelmente baratas e segundo um mercado mundial amplamente monopolizado por uma única nação produtora Estas considerações se aplicam em certos aspectos a todos os países nessa época Por exemplo em todos eles a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de consumo de massa principalmente mas não exclusivamente produtos têxteis porque o mercado para tais mercadorias já existia e os homens de negócios podiam ver claramente suas possibilidades de expansão Sob outros aspectos entretanto eles se aplicam somente à GrãBretanha pois os industriais pioneiros enfrentaram os problemas mais difíceis Uma vez iniciada a industrialização na GrãBretanha outros países podiam começar a gozar dos benefícios da rápida expansão econômica que a revolução industrial pioneira estimulava Além do mais o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela a técnica britânica podia ser imitada o capital e a habilidade britânica podiam ser importados A indústria têxtil saxônica incapaz de criar seus próprios inventos copiou os modelos ingleses às vezes com a supervisão de mecânicos ingleses os ingleses que tinham um certo gosto pelo continente como os Cockerill estabeleceramse na Bélgica e em várias partes da Alemanha Entre 1789 e 1848 a Europa e a América foram inundadas por especialistas máquinas a vapor maquinaria para processamento e transformação do algodão e investimentos britânicos A GrãBretanha não gozava dessas vantagens Por outro lado possuía uma economia bastante forte e um Estado suficientemente agressivo para conquistar os mercados de seus competidores De fato as guerras de 17381815 a última e decisiva fase do secular duelo anglofrancês virtualmente eliminaram do mundo não europeu todos os rivais dos britânicos exceto até certo ponto os jovens EUA Além do mais a GrãBretanha possuía uma indústria admiravelmente ajustada à revolução industrial pioneira sob condições capitalistas e uma conjuntura econômica que permitia que se lançasse à indústria algodoeira e à expansão colonial II A indústria algodoeira britânica como todas as outras indústrias algodoeiras tinha originalmente se desenvolvido como um subproduto do comércio ultramarino que produzia sua matériaprima ou melhor uma de suas matériasprimas pois o produto original era o fustão uma mistura de algodão e linho e os tecidos indianos de algodão ou chita que conquistaram os mercados que os fabricantes europeus tentariam ganhar com suas imitações Inicialmente eles não foram muito bem sucedidos embora melhor capacitados a reproduzir competitivamente as mercadorias grosseiras e baratas do que as finas e elaboradas Felizmente entretanto o velho e poderoso interesse estabelecido do comércio lanífero periodicamente assegurava proibições de importação de chitas indianas que o interesse puramente mercantil da Companhia das índias Orientais procurava exportar da índia nas maiores quantidades possíveis dando assim uma chance aos substitutos da indústria algodoeira nativa Mais barato que a lã o algodão e as misturas de algodão conquistaram um mercado doméstico pequeno porém útil Mas suas maiores chances de expansão rápida estavam no ultramar O comércio colonial tinha criado a indústria algodoeira e Continuava a alimentála No século XVIII ela se desenvolvera perto dos maiores portos coloniais Bristol Glasgow e especialmente Liverpool o grande centro do comércio de escravos Cada fase deste comércio desumano mas sempre em rápida expansão a estimulava De fato durante todo o período de que trata este livro a escravidão e o algodão marcharam juntos Os escravos africanos eram comprados pelo menos em parte com produtos de algodão indianos mas quando o fornecimento destas mercadorias era interrompido pela guerra ou uma revolta na índia ou arredores entrava em jogo a região de Lancashire As plantações das índias Ocidentais onde os escravos eram arrebanhados forneciam o grosso do algodão para a indústria britânica c em troca os plantadores compravam tecidos de algodão de Manchester em apreciáveis quantidades Até pouco antes da partida quase o total das exportações de algodão da região de Lancashire ia para os mercados americano e africano Mais tarde a região de Lancashire viria a pagar sua dívida com a escravidão preservandoa pois depois da década de 1790 as plantações escravagistas do sul dos Estados Unidos foram aumentadas e mantidas pelas insaciáveis e vertiginosas demandas das fábricas de Lancashire às quais forneciam o grosso da sua produção de algodão bruto A indústria algodoeira foi assim lançada como um planador pelo empuxo do comércio colonial ao qual estava ligada um comércio que prometia uma expansão não apenas grande mas rápida e sobretudo imprevisível que encorajou o empresário a adotar as técnicas revolucionárias necessárias para lhe fazer face Entre 1750 e 1769 a exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de dez vezes Assim a recompensa para o homem que entrou primeiro no mercado com as maiores quantidades de algodão era astronómica e valia os riscos da aventura tecnológica Mas o mercado ultramarino e especialmente as suas pobres e atrasadas áreas subdesenvolvidas não só se expandia de forma fantástica de tempos em tempos como também o fazia constantemente sem um limite aparente Sem dúvida qualquer pedaço dele considerado isoladamente era pequeno pelos padrões industriais e a competição de diferentes economias adiantadas o fez ainda menor Mas como já vimos supondo que qualquer uma das economias adiantadas conseguisse por um período suficientemente longo monopolizar todos ou quase todos os seus setores então suas perspectivas seriam realmente ilimitadas Foi precisamente o que conseguiu a indústria algodoeira britânica ajudada pelo agressivo apoio do governo nacional Em termos de vendas a revolução industrial pode ser descrita com a exceção dos primeiros anos da década de 1780 como a vitória do mercado exportador sobre o doméstico por volta de 1814 a GrãBretanha exportava cerca de quatro jardas de tecido de algodão para cada três usadas internamente e por volta de 1850 treze para cada oito E dentro deste mercado exportador em expansão por sua vez os mercados colonial e semicolonial por muito tempo os maiores pontos de vazão para os produtos britânicos triunfaram Durante as guerras napoleônicas quando os mercados europeus foram grandemente interrompidos pelas guerras e bloqueios econômicos isto era bastante natural Mas até mesmo depois das guerras eles continuaram a se afirmar Em 1820 a Europa mais uma vez aberta às livres importações da ilha adquiriu 128 milhões de jardas de tecidos de algodão britânicos a América fora os EUA a África e a Ásia adquiriram 80 milhões mas por volta de 1840 a Europa adquiriu 200 milhões de jardas enquanto as áreas subdesenvolvidas adquiriram 529 milhões Pois dentro destas áreas a indústria britânica tinha estabelecido um monopólio por meio de guerras revoluções locais e de seu próprio domínio imperial Duas regiões merecem particular atenção A América Latina veio realmente depender de importações britânicas durante as guerras napoleônicas e depois que se separou de Portugal e Espanha vide capítulos 61 e 131 adiante tornouse quase que totalmente dependente economicamente da GrãBretanha sendo afastada de qualquer interferência política dos seus possíveis competidores europeus Por volta de 1820 as importações de tecidos de algodão ingleses feitas por este empobrecido continente já equivaliam a mais de umquarto das importações europeias do mesmo produto britânico por volta de 1840 adquiriu o equivalente quase à metade do que importou a Europa As índias Orientais haviam sido como vimos o exportador tradicional de tecidos de algodão encorajada pela Companhia das índias Orientais Mas como o interesse industrial estabelecido prevaleceu na GrãBretanha os interesses mercantis da índia Oriental para não mencionar os dos próprios indianos foram empurrados para trás A índia foi sistematicamente desindustrializada e passou de exportador a mercado para os produtos de algodão da região de Lancashire em 1820 o subcontinente adquiriu somente 11 milhões de jardas mas por volta de 1840 já adquiria 145 milhões Isto não era meramente uma extensão gratificante dos mercados de Lancashire Era um grande marco na história mundial Pois desde a aurora dos tempos a Europa tinha sempre importado mais do Oriente do que exportado para lá porque havia pouca coisa que o Oriente necessitava do Ocidente em troca das especiarias sedas chitas jóias etc que lhe enviava Os panos de algodão da revolução industrial inverteram pela primeira vez esta relação que tinha até então se mantido em equilíbrio por uma mistura de exportações de lingotes e roubo Somente os autosuficientes e conservadores chineses ainda se recusavam a comprar o que o Ocidente ou as economias controladas pelo Ocidente oferecia até que entre 1815 e 1842 comerciantes ocidentais auxiliados pelas canhoneiras ocidentais descobrissem uma mercadoria ideal que podia ser exportada em massa da Índia para o Extremo Oriente o ópio O algodão portanto fornecia possibilidades suficientemente astronómicas para tentar os empresários privados a se lançarem na aventura da revolução industrial e também uma expansão suficientemente rápida para tornála uma exigência Felizmente ele também fornecia as outras condições que a tornaram possível Os novos inventos que o revolucionaram a máquina de fiar o tear movido a água a fiadeira automática e um pouco mais tarde o tear a motor eram suficientemente simples e baratos e se pagavam quase que imediatamente em termos de maior produção Podiam ser instalados se necessário peça por peça por homens que começavam com algumas librai emprestadas já que os homens que controlavam as maiores fatias da riqueza do século XVIII não estavam muito inclinados a investir grandes somas na indústria A expansão da indústria podia ser facilmente financiada através dos lucros correntes pois a combinação de suas vastas conquistas de mercado com uma constante inflação dos preços produzia lucros fantásticos Não foram os 5 ou 10 diria mais tarde um político inglês com justiça mas as centenas ou os milhares por cento que fizeram as fortunas de Lancashire Em 1789 um exajudante de um vendedor de tecidos como Robert Owen podia iniciar com um empréstimo de 100 libras em Manchester por volta de 1809 ele comprou a parte de seus sócios nas fábricas de New Lanark por 84 mil libras em dinheiro vivo E seu sucesso nos negócios foi relativamente modesto Deve se lembrar que por volta de 1800 menos de 15 das famílias britânicas tinham uma renda superior a 50 libras por ano e destas somente umquarto ganhava mais de 200 libras por ano Mas a indústria do algodão tinha outras vantagens Toda a sua matériaprima vinha do exterior e seu suprimento podia portanto ser expandido pelos drásticos métodos que se ofereciam aos brancos nas colónias a escravidão e a abertura de novas áreas de cultivo em vez dos métodos mais lentos da agricultura europeia nem era tampouco atrapalhada pelos interesses agrários estabelecidos da Europa A partir da década de 1790 o algodão britânico encontrou seu suprimento ao qual permaneceram ligadas suas fortunas até a década de 1860 nos novos estados sulistas dos EUA De novo em pontos cruciais da indústria notadamente na fiação o algodão sofreu uma escassez de mãodeobra eficiente e barata e foi portanto levado à mecanização Uma indústria como a do linho que inicialmente tinha chances bem melhores de expansão colonial do que o algodão passou a sofrer com o correr do tempo da própria facilidade com que a produção não mecanizada e barata podia ser expandida nas empobrecidas regiões camponesas principalmente na Europa Central mas também na Irlanda onde basicamente havia florescido Pois a maneira óbvia de se expandir a indústria no século XVIII tanto na Saxônia e na Normandia como na Inglaterra não era construir fábricas mas sim o chamado sistema doméstico no qual os trabalhadores em alguns casos antigos artesãos independentes em outros antigos camponeses com tempo de sobra nas estações estéreis do ano trabalhavam a matériaprima em suas próprias casas com ferramentas próprias ou alugadas recebendoa e entregandoa de volta aos mercadores que estavam a caminho de se tornarem patrões De fato tanto na GrãBretanha como no resto do mundo economicamente progressista o grosso da expansão no período inicial da industrialização continuou a ser deste tipo Até mesmo na indústria algodoeira processos do tipo tecelagem eram expandidos pela criação de multidões de teares manuais domésticos para servir aos núcleos de fiações mecanizados sendo que o primitivo tear manual era um dispositivo mais eficiente que a roca Em toda parte a tecelagem foi mecanizada uma geração após a fiação e em toda parte incidentalmente os teares manuais foram morrendo vagarosamente ocasionalmente se rebelando contra seu terrível destino quando a indústria não mais necessitava deles III A perspectiva tradicional que viu a história da revolução industrial britânica primordialmente em termos de algodão é portanto correta A primeira indústria a se revolucionar foi a do algodão e é difícil perceber que outra indústria poderia ter empurrado um grande número de empresários particulares rumo à revolução Até a década de 1830 o algodão era a única indústria britânica em que predominava a fábrica ou o engenho o nome derivouse do mais difundido estabelecimento préindustrial a empregar pesada maquinaria a motor a princípio 17801815 principalmente na fiação na cardação e em algumas operações auxiliares depois de 1815 também cada ver mais na tecelagem As fábricas de que tratavam os novos Decretos Fabris eram até a década de 1860 entendidas exclusivamente em termos de fábricas têxteis e predominantemente em termos de engenhos algodoeiros A produção fabril em outros ramos têxteis teve desenvolvimento lento antes da década de 1840 e em outras manufaturas seu desenvolvimento foi desprezível Nem mesmo a máquina a vapor embora aplicada a numerosas outras indústrias por volta de 1815 era usada fora da mineração que a tinha empregado pioneiramente Em 1830 a indústria e a fábrica no sentido moderno ainda significavam quase que exclusivamente as áreas algodoeiras do Reino Unido Com isto não se pretende subestimar as forças que introduziram a inovação industrial em outras mercadorias de consumo notadamente outros produtos têxteis alimentos e bebidas cerâmica e outros produtos de uso doméstico grandemente estimuladas pelo rápido crescimento das cidades Mas para começar estas indústrias empregavam muito menos pessoal nenhuma se aproximava sequer remotamente do milhão e meio de pessoas empregadas diretamente na indústria algodoeira ou dela dependentes em 1833 Em segundo lugar seu poder de transformação era muito menor a cervejaria que era em muitos aspectos um negócio técnica e cientificamente muito mais avançado e mecanizado e que se revolucionou muito antes da indústria algodoeira pouco afetou a economia à sua volta como pode ser provado pela grande cervejaria Guinness em Dublin que deixou o resto de Dublin e da economia irlandesa embora não o paladar local idênticos ao que eram antes de sua construção As exigências que se derivaram do algodão mais construções e todas as atividades nas novas áreas industriais máquinas inovações químicas eletrificação industrial uma frota mercante e uma série de outras atividades foram bastantes para que se credite a elas uma grande proporção do crescimento econômico da GrãBretanha até a década de 1830 Em terceiro lugar a expansão da indústria algodoeira foi tão vasta e seu peso no comércio exterior da GrãBretanha tão grande que dominou os movimentos de toda a economia A quantidade de algodão em bruto importada pela GrãBretanha subiu de 11 milhões de libraspeso em 1785 para 588 milhões em 1850 a produção de tecidos de 40 milhões para 2025 bilhões de jardas Os produtos de algodão constituíam entre 40 e 50 do valor anual declarado de iodas as exportações britânicas entre 1816 e 1848 Se o algodão florescia a economia florescia se ele caía também caía a economia Suas oscilações de preço determinavam a balança do comércio nacional Só a agricultura tinha um poder comparável e no entanto estava em visível declínio Não obstante embora a expansão da indústria algodoeira e da economia industrial dominada pelo algodão zombasse de tudo o que a mais romântica das imaginações poderia ter anteriormente concebido sob qualquer circunstância seu progresso estava longe de ser tranquilo e por volta da década de 1830 e princípios de 1840 produzia grandes problemas de crescimento para não mencionarmos a agitação revolucionária sem paralelo em qualquer outro período da história britânica recente Esse primeiro tropeço geral da economia capitalista industrial reflete se numa acentuada desaceleração no crescimento talvez até mesmo um declínio da renda nacional britânica nesse período Essa primeira crise geral do capitalismo não foi puramente um fenómeno britânico Suas mais sérias consequências foram sociais a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento os ingredientes da revolução social E de fato a revolução social eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades produzindo as revoluções de 1848 no continente c os amplos movimentos cartistas na GrãBretanha O descontentamento não estava ligado apenas aos trabalhadores pobres Os pequenos comerciantes sem saída a pequena burguesia setores especiais da economia eram também vítimas da revolução industrial e de suas ramificações Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos problemas mas um grande e surpreendente número de homens de negócios e fazendeiros ingleses simpatizava profundamente com estas atividades dos seus trabalhadores luditas porque também eles se viam como vítimas da minoria diabólica de inovadores egoístas A exploração da mão deobra que mantinha sua renda a nível de subsistência possibilitando aos ricos acumularem os lucros que financiavam a industrialização e seus próprios e amplos confortos criava um conflito com o proletariado Entretanto um outro aspecto desta diferença de renda nacional entre pobres e ricos entre o consumo c o investimento também trazia contradições com o pequeno empresário Os grandes financistas a fechada comunidade de capitalistas nacionais e estrangeiros que embolsava o que todos pagavam em impostos cf capítulo sobre a guerra cerca de 8 de toda a renda nacional eram talvez ainda mais impopulares entre os pequenos homens de negócios fazendeiros e outras categorias semelhantes do que entre os trabalhadores pois sabiam o suficiente sobre dinheiro e crédito para sentirem uma ira pessoal por suas desvantagens Tudo corria muito bem para os ricos que podiam levantar todos os créditos de que necessitavam para provocar na economia uma deflação rígida e uma ortodoxia monetária depois das guerras napoleônicas era o pequeno que sofria e que em todos os países e durante todo o século XIX exigia crédito fácil e financiamento flexível Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedade partilhavam portanto dos mesmos descontentamentos Estes descontentamentos por sua vez uniamnos nos movimentos de massa do radicalismo da democracia ou da república cujos exemplares mais formidáveis entre 1815 e 1848 foram os radicais britânicos os republicanos franceses e os democratas jacksonianos americanos Do ponto de vista dos capitalistas entretanto estes problemas sociais só eram relevantes para o progresso da economia se por algum terrível acidente viessem a derrubar a ordem social Por outro lado parecia haver certas falhas inerentes ao processo econômico que ameaçavam seu objetivo fundamental o lucro Se a taxa de retorno do capital se reduzisse a zero uma economia em que os homens produziam apenas para ter lucro diminuiria o passo até um estágio estacionário que os economistas pressentiam e temiam Destas as três falhas mais óbvias eram o ciclo comercial de boom e depressão a tendência de diminuição da taxa de lucro e o que vinha a dar no mesmo a escassez de oportunidades de investimento lucrativo A primeira não era considerada séria exceto pelos críticos do capitalismo como tal que foram os primeiros a investigála e a considerála parte integrante do processo econômico capitalista e como sintoma de suas contradições inerentes As crises periódicas da economia que levavam ao desemprego quedas na produção bancarrotas etc eram bem conhecidas No século XVIII elas geralmente refletiam alguma catástrofe agrária fracassos na colheita etc e já se provou que no continente europeu os distúrbios agrários foram a causa primordial das maiores depressões até o final de nosso período As crises periódicas nos pequenos setores manufatureiros e financeiros da economia eram também conhecidas na Grã Bretanha pelo menos desde 1793 Depois das guerras napoleônicas o drama periódico do boom e da depressão em 18256 em 18367 em 183942 em 18468 dominou claramente a vida econômica da nação em tempos de paz Por volta da década de 1830 uma época crucial no período histórico que estudamos mais ou menos se reconhecia que as crises eram fenómenos periódicos regulares ao menos no comércio e nas finanças Entretanto os homens de negócios comumente consideravam que as crises eram causadas ou por enganos particulares p ex superespeculação nas bolsas americanas ou então por interferência externa nas tranquilas atividades da economia capitalista Não se acreditava que elas refletissem quaisquer dificuldades fundamentais do sistema O mesmo não ocorria com a decrescente margem de lucros que a indústria algodoeira ilustrava de maneira bastante clara Inicialmente esta indústria beneficiouse de imensas vantagens A mecanização aumentou muito a produtividade isto é reduziu o custo por unidade produzida da mãodeobra que de qualquer forma recebia salários abomináveis já que era formada em grande parte por mulheres c crianças Dos 12 mil trabalhadores nas indústrias algodoeiras de Glasgow em 1833 somente 2 mil ganhavam uma média de mais de 11 shillings por semana Em 131 fábricas de Manchester os salários médios eram de menos de 12 shillings e somente em 21 eram mais altos E a construção de fábricas era relativamente barata em 1846 uma fábrica inteira de tecelagem com 410 máquinas incluindo o custo do terreno c dos prédios podia ser construída por aproximadamente 11 mil libras Mas acima de tudo o maior gasto relativo à matériaprima foi drasticamente diminuído pela rápida expansão do cultivo do algodão no sul dos EUA depois da invenção do descaroçador de algodão de Eli Whitney em 1793 Se acrescentarmos que os empresários gozavam do benefício de uma inflação sobre o lucro isto é a tendência geral dos preços de serem mais altos quando vendiam seus produtos do que quando os faziam compreenderemos porque as classes manufatureiras se sentiam animadas Depois de 1815 estas vantagens começaram a diminuir cada vez mais devido à redução da margem de lucros Em primeiro lugar a revolução industrial e a competição provocaram uma queda dramática e constante no preço dos artigos acabados mas não em vários custos de produção Em segundo lugar depois de 1815 a situação geral dos preços era de deflação e não de inflação ou seja os lucros longe de um impulso extra sofriam um leve retrocesso Assim enquanto em 1784 o preço de venda de uma librapeso de fio duplo fora de 10 shillings e 11 pence e o custo da matériaprima 2 shillings margem 8 shillings e 11 pence em 1812 seu preço era de 2 shillings e 6 pence e o custo da matériaprima 1 shilling e 6 pence margem de 1 shilling caindo em 1832 respectivamente para 1114 pence e 7 12 pence reduzindo a 4 pence a margem para outros custos e lucros Claro a situação que era geral em toda a indústria tanto a britânica como as outras não era muito trágica Os lucros ainda são suficientes escreveu em 1835 o historiador e campeão do algodão em mais do que um eufemismo para permitir um grande acúmulo de capital na manufatura Assim como as vendas totais cresceram vertiginosamente também cresceram os lucros totais mesmo em suas taxas decrescentes Tudo o que se precisava era uma expansão astronómica e contínua Não obstante parecia que o encolhimento das margens de lucro tinha que ser contido ou ao menos desacelerado Isto não podia ser feito através do corte nos custos E de todos os custos os salários que McCulloch calculou em três vezes o montante anual da matériaprima eram os mais comprimíveis Eles podiam ser comprimidos pela simples diminuição pela substituição de trabalhadores qualificados mais caros e pela competição da máquina com a mãodeobra que reduziu o salário médio semanal dos tecelões manuais em Bolton de 33 shillings em 1795 e 14 shillings em 1815 para 5 shillings e 6 pence ou mais precisamente uma renda líquida de 4 shillings 1 12 pence em 182934 E de fato os salários caíram brutalmente no período pósnapoleônico Mas havia um limite fisiológico nessas reduções caso contrário os trabalhadores morreriam de fome como de fato aconteceu com 500 mil tecelões manuais Somente se o custo de vida caísse podiam também os salários cair além daquele limite Os fabricantes de algodão partilhavam o ponto de vista de que o custo de vida era mantido artificialmente alto pelo monopólio da propriedade fundiária piorado ainda pelas pesadas tarifas protetoras que um Parlamento de proprietários de terra tinha assegurado às atividades agrícolas britânicas depois das guerras as Leis do Trigo Corn Laws Essa legislação protecionista tinha ainda a desvantagem adicional de ameaçar o crescimento essencial das exportações britânicas Pois se o resto do mundo ainda não industrializado era impedido de vender seus produtos agrícolas como poderia pagar pelas mercadorias manufaturadas que só a GrãBretanha podia e tinha para fornecer O mundo empresarial de Manchester tornouse portanto o centro da oposição cada vez mais desesperada e militante aos proprietários de terras em geral e às Leis do Trigo em particular constituindo a coluna vertebral da Liga Contra as Leis do Trigo de 183846 Mas as Leis só foram abolidas em 1846 e sua abolição não levou imediatamente a uma queda no custo de vida sendo duvidoso que antes da era das ferrovias e dos navios a vapor mesmo importações livres de alimentos o tivessem feito baixar A indústria estava assim sob uma enorme pressão para que se mecanizasse isto é baixasse os custos através da diminuição da mãodeobra racionalizasse e aumentasse a produção e as vendas compensando com uma massa de pequenos lucros por unidade a queda nas margens Seu sucesso foi variável Como vimos o crescimento real da produção e das exportações foi gigantesco bem como depois de 1815 a mecanização das ocupações até então manuais ou parcialmente mecanizadas notadamente a tecelagem Isto tomou a forma principalmente de uma adoção geral da maquinaria já existente ou ligeiramente melhorada ao invés de uma revolução tecnológica adicional Embora a pressão por uma inovação técnica aumentasse significativamente havia 39 patentes novas na fiação e em outros processos da indústria do algodão em 180020 51 na década de 1820 86 na década de 1830 c 156 na de 1840 a indústria algodoeira britânica se achava tecnicamente estabilizada por volta da década de 1830 Por outro lado embora a produção por trabalhador tivesse aumentado no período pósnapoleônico isto não se deu em uma escala revolucionária A aceleração realmente substancial das operações da indústria iria ocorrer na segunda metade do século Havia uma pressão semelhante sobre o índice de rentabilidade do capital que a teoria contemporânea tendeu a identificar com o lucro Mas esta consideração levanos à fase seguinte do desenvolvimento industrial a construção de uma indústria básica de bens de capital IV É evidente que nenhuma economia industrial podese desenvolver além de um certo ponto se não possui uma adequada capacidade de bens de capital Eis por que até mesmo hoje o mais abalizado índice isolado para se avaliar o potencial industrial de qualquer país é a quantidade de sua produção de ferro e aço Mas é também evidente que num sistema de empresa privada o investimento de capital extremamente dispendioso que se faz necessário para a maior parte deste desenvolvimento não é assumido provavelmente pelas mesmas razões que a industrialização do algodão ou outros bens de consumo Para estes já existe um mercado de massa ao menos potencialmente mesmo os homens mais primitivos usam camisas ou equipamentos domésticos e alimentos O problema resumese meramente em como colocar um mercado suficientemente vasto de maneira suficientemente rápida ao alcance dos homens de negócios Mas não existe um mercado desse tipo por exemplo para pesados equipamentos de ferro ou vigas de aço Ele só passa a existir no curso de uma revolução industrial e os que colocaram seu dinheiro nos altíssimos investimentos exigidos até por metalúrgicas bem modestas em comparação com enormes engenhos de algodão são antes especuladores aventureiros e sonhadores do que verdadeiros homens de negócios De fato na França uma seita de aventureiros desse tipo que especulavam em tecnologia os saintsimonianos cf capítulos 9II e 1311 agia como principal propagadora do tipo de industrialização que necessitava de pesados investimentos a longo prazo Estas desvantagens aplicavamse particularmente à metalurgia e especialmente à do ferro Sua capacidade aumentou graças a algumas inovações simples como a pudelagem e a laminação na década de 1780 mas a demanda civil da metalurgia permanecia relativamente modesta e a militar embora compensadoramente vasta graças a uma sucessão de guerras entre 1756 e 1815 diminuiu vertiginosamente depois de Waterloo Certamente não era grande o bastante para fazer da GrãBretanha um enorme produtor de ferro Em 1790 a produção britânica suplantou a da França em somente 40 se tanto e mesmo em 1800 era consideravelmente menor que a metade de toda a produção do continente chegando segundo padrões posteriores apenas à diminuta quantidade de 250 mil toneladas Na verdade a produção britânica de ferro comparada à produção mundial tendeu a afundar nas décadas seguintes Felizmente essas desvantagens afetavam menos a mineração que era principalmente a do carvão pois o carvão tinha a vantagem de ser não somente a principal fonte de energia industrial do século XIX como também um importante combustível doméstico graças em grande parte à relativa escassez de florestas na GrãBretanha O crescimento das cidades especialmente de Londres tinha causado uma rápida expansão da mineração do carvão desde o final do século XVI Por volta de princípios do século XVIII a indústria do carvão era substancialmente uma moderna indústria primitiva mesmo empregando as mais recentes máquinas a vapor projetadas para fins semelhantes na mineração de metais nãoferrosos principalmente na Cornuália nos processos de bombeamento Portanto a mineração do carvão quase não exigiu nem sofreu uma importante revolução tecnológica no período que focalizamos Suas inovações foram antes melhorias do que transformações da produção Mas sua capacidade já era imensa e pelos padrões mundiais astronómica Em 1800 a GrãBretanha deve ter produzido perto de 10 milhões de toneladas de carvão ou cerca de 90 da produção mundial Seu competidor mais próximo a França produziu menos de um milhão Esta imensa indústria embora provavelmente não se expandindo de forma suficientemente rápida rumo a uma industrialização realmente maciça em escala moderna era grande o bastante para estimular a invenção básica que iria transformar as indústrias de bens de capital a ferrovia Pois as minas não só necessitavam de máquinas a vapor em grande quantidade e de grande potência mas também de meios de transporte eficientes para trazer grandes quantidades de carvão do fundo das minas até a superfície e especialmente para leválas da superfície aos pontos de embarque A linha férrea ou os trilhos sobre os quais corriam os carros era uma resposta óbvia acionar estes carros por meio de máquinas era tentador acionálos ainda por meio de máquinas móveis não parecia muito impossível Finalmente os custos do transporte terrestre de grandes quantidades de mercadoria eram tão altos que provavelmente os donos de minas de carvão localizadas no interior perceberam que o uso desse meio de transporte de curta distância podia ser estendido lucrativamente para longos percursos A linha entre o campo de carvão de Durham e o litoral StocktonDarlington 1825 foi a primeira das modernas ferrovias Tecnologicamente a ferrovia é filha das minas e especialmente das minas de carvão do norte da Inglaterra George Stephenson começou a vida como maquinista em Tyneside e durante anos todos os condutores de locomotivas foram recrutados nesse campo de carvão Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular Mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra por volta de 182530 e planos para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental embora sua execução fosse geralmente retardada As primeiras pequenas linhas foram abertas nos EUA em 1827 na França em 1828 e 1835 na Alemanha e na Bélgica em 1835 e até na Rússia em 1837 Indubitavelmente a razão é que nenhuma outra invenção revelava para o leigo de forma tão cabal o poder e a velocidade da nova era a revelação fezse ainda mais surpreendente pela incomparável maturidade técnica mesmo das primeiras ferrovias Velocidades de até 60 milhas 96 quilómetros por hora por exemplo eram perfeitamente praticáveis na década de 1830 e não foram substancialmente melhoradas pelas posteriores ferrovias a vapor A estrada de ferro arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça à velocidade do vento através de países e continentes com suas obras de engenharia estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia De fato sob um ponto de vista econômico seu grande custo era sua principal vantagem Sem dúvida no final das contas sua capacidade para abrir países até então isolados do mercado mundial pelos altos custos de transporte assim como o enorme aumento da velocidade e da massa de comunicação por terra que possibilitou aos homens e às mercadorias vieram a ser de grande importância Antes de 1848 as ferrovias eram economicamente menos importantes fora da GrãBretanha porque as ferrovias eram poucas na GrãBretanha porque devido a razões geográficas os problemas de transporte eram muito mais fáceis de resolver do que em países com enormes territórios Mas na perspectiva dos estudiosos do desenvolvimento econômico a esta altura era mais importante o imenso apetite das ferrovias por ferro e aço carvão maquinaria pesada mãodeobra e investimentos de capital Pois propiciava justamente a demanda maciça que se fazia necessária para as indústrias de bensdecapital se transformarem tão profundamente quanto a indústria algodoeira Nas primeiras duas décadas das ferrovias 183050 a produção de ferro na GrãBretanha subiu de 680 mil para 2250000 toneladas em outras palavras triplicou A produção de carvão entre 1830 e 1850 também triplicou de 15 milhões de toneladas para 49 milhões Este enorme crescimento deveuse prioritariamente à ferrovia pois em média cada milha de linha exigia 300 toneladas de ferro só para os trilhos Os avanços industriais que pela primeira vez tornaram possível a produção em massa de aço decorreriam naturalmente nas décadas seguintes A razão para esta expansão rápida imensa e de fato essencial estava na paixão aparentemente irracional com que os homens de negócios e os investidores atiraramse à construção de ferrovias Em 1830 havia cerca de algumas dezenas de quilómetros de ferrovias em todo o mundo consistindo basicamente na linha LiverpoolManchester Por volta de 1840 havia mais de 7 mil quilómetros por volta de 1850 mais de 37 mil A maioria delas foi projetada numas poucas explosões de loucura especulativa conhecidas como as coqueluches ferroviárias de 18357 e especialmente de 18447 e a maioria foi construída em grande parte com capital ferro máquinas e tecnologia britânicos Estas explosões de investimento parecem irracionais porque de fato poucas ferrovias eram muito mais lucrativas para o investidor do que outras formas de empresa a maioria produzia lucros bem modestos e muitas nem chegavam a dar lucro em 1855 a rentabilidade média do capital aplicado nas ferrovias britânicas era de apenas 37 Sem dúvida os agentes financeiros especuladores e outros se saíram muito bem mas não o investidor comum E ainda assim por volta de 1840 28 milhões de libras foram esperançosamente investidas em ferrovias e por volta de 1850 240 milhões de libras Por quê O fato fundamental na GrãBretanha nas primeiras duas gerações da revolução industrial foi que as classes ricas acumulavam renda tão rapidamente e em tão grandes quantidades que excediam todas as possibilidades disponíveis de gasto e investimento O excedente anual aplicável na década de 1840 foi calculado em cerca de 60 milhões de libras Sem dúvida as sociedades aristocráticas e feudais teriam conseguido gastar uma parte considerável desse excedente em uma vida desregrada prédios luxuosos e outras atividades não econômicas Até mesmo na GrãBretanha o sexto Duque de Devonshire cuja renda normal era realmente principesca conseguiu deixar para seu herdeiro dívidas de 1 milhão de libras em meados do século XIX que ele pagou tomando emprestado mais 1 milhão e 500 mil libras e especulando sobre os valores de terrenos Mas o grosso das classes médias que constituíam o principal público investidor ainda era dos que economizavam e não dos que gastavam embora haja muitos sinais de que por volta de 1840 eles se sentissem suficientemente ricos tanto para gastar como para investir Suas esposas se transformaram em madames instruídas pelos manuais de etiquetas que se multiplicavam neste período suas capelas começaram a ser reconstruídas em estilos grandiosos e caros e começaram mesmo a celebrar sua glória coletiva construindo monstruosidades cívicas como esses horrendos town halls imitando os estilos gótico e renascentista cujo custo exato e napoleônico os historiadores municipais registraram com orgulho Uma moderna sociedade de bemestar social welfare ou socialista teria sem dúvida distribuído alguns destes vastos acúmulos para fins sociais No período que focalizamos nada era menos provável Virtualmente livres de impostos as classes médias continuaram portanto a acumular em meio a um populacho faminto cuja fome era o reverso daquela acumulação E como não eram camponeses satisfeitos em socar suas economias em meias de lã ou convertêlas em braceletes de ouro tinham que encontrar investimentos lucrativos Mas onde As indústrias existentes por exemplo tinhamse tornado demasiadamente baratas para absorver mais que uma fração do excedente disponível para investimento mesmo supondo que o tamanho da indústria algodoeira fosse duplicado o custo do capital absorveria só uma parte dele Era necessário uma esponja bastante grande para absorver tudo O investimento estrangeiro era uma possibilidade óbvia O resto do mundo para começar basicamente velhos governos em busca de uma recuperação das guerras napoleônicas e novos governos tomando emprestado com seus costumeiros ímpetos e liberalidades para fins indeterminados estava muito ansioso por empréstimos ilimitados O investidor inglês emprestava prontamente Mas os empréstimos aos sulamericanos que pareciam tão promissores na década de 1820 e aos norteamericanos que acenavam na década de 1830 transformaramse frequentemente em pedaços de papel sem valor de 25 empréstimos a governos estrangeiros concedidos entre 1818 e 1831 16 correspondendo a cerca da metade dos 42 milhões de libras esterlinas a preços de emissão estavam sem pagamento em 1831 Em teoria estes empréstimos deviam ter rendido aos investidores 7 ou 9 de juros quando na verdade em 1831 rendiam uma média de apenas 31 Quem não se sentiria desencorajado por experiências como a dos empréstimos a 5 feitos aos gregos em 1824 e 1825 e que só começaram a pagar juros na década de 1870 Logo é natural que o capital investido no exterior nos bom especulativos de 1825 e 18357 procurasse uma aplicação aparentemente menos decepcionante John Francis observando a mania de 1851 assim descreveu o homem rico ele via o acúmulo da riqueza com o qual um povo industrializado sempre sobrepuja os métodos comuns de investimento empregado de forma legítima e justa O dinheiro que em sua juventude tinha sido gasto em empréstimos de guerra e em sua maturidade nas minas sulamericanas estava agora construindo estradas empregando mãodeobra e incrementando os negócios A absorção de capital pela ferrovia era no mínimo uma absorção se mal sucedida no país que a efetuava Contrariamente às minas estrangeiras e aos empréstimos estrangeiros não podia ser exaurida ou ficar totalmente sem valor Se uma outra forma de investimento doméstico podia ter sido encontrada por exemplo na construção é uma questão académica para a qual a resposta permanece em dúvida De fato o capital encontrou as ferrovias que não podiam ter sido construídas tão rapidamente e em tão grande escala sem essa torrente de capital especialmente na metade da década de 1840 Era uma conjuntura feliz pois de imediato as ferrovias resolveram virtualmente todos os problemas do crescimento econômico V Traçar o ímpeto da industrialização é somente uma parte da tarefa deste historiador A outra é traçar a mobilização e a transferência de recursos econômicos a adaptação da economia e da sociedade necessárias para manter o novo curso revolucionário O primeiro e talvez mais crucial fator que tinha que ser mobilizado e transferido era o da mãodeobra pois uma economia industrial significa um brusco declínio proporcional da população agrícola isto é rufai e um brusco aumento da população não agrícola isto é crescentemente urbana e quase certamente como no período em apreço um rápido aumento geral da população o que portanto implica em primeira instância um brusco crescimento no fornecimento de alimentos principalmente da agricultura doméstica ou seja uma revolução agrícola O rápido crescimento das cidades e dos agrupamentos não agrícolas na GrãBretanha tinha há muito tempo estimulado naturalmente a agricultura que felizmente é tão ineficiente em suas formas préindustriais que melhorias muito pequenas como uma racional atençãozinha à criação doméstica ao revezamento das safras à fertilização e à disposição dos terrenos de cultivo ou a adoção de novas safras podem produzir resultados desproporcionalmente grandes Essa mudança agrícola tinha precedido a revolução industrial e tornou possível os primeiros estágios de rápidos aumentos populacionais e o ímpeto naturalmente continuou embora as atividades agrícolas britânicas tivessem sofrido pesadamente com a queda que se seguiu aos preços anormalmente altos das guerras napoleônicas Em termos de tecnologia e de investimento de capital as mudanças de nosso período foram provavelmente bastante modestas até a década de 1840 o período em que se pode dizer que a ciência e a engenharia agrícolas atingiram a maturidade O vasto aumento na produção que capacitou as atividades agrícolas britânicas na década de 1830 a fornecer 98 dos cercais consumidos por uma população duas a três vezes maior que a de meados do século XVIII foi obtido pela adoção geral de métodos descobertos no início do século XVIII pela racionalização e pela expansão da área cultivada Tudo isto por sua vez foi obtido pela transformação social e não tecnológica pela liquidação com o Movimento das Cercas do cultivo comunal da Idade Média com seu campo aberto e seu pasto comum da cultura de subsistência e de velhas atitudes não comerciais em relação à terra Graças à evolução preparatória dos séculos XVI a XVIII esta solução radical única do problema agrário que fez da GrãBretanha um país de alguns grandes proprietários um número moderado de arrendatários comerciais e um grande número de trabalhadores contratados foi conseguida com um mínimo de problemas embora intermitentemente sofresse a resistência não só dos infelizes camponeses pobres como também da pequena nobreza tradicionalista do interior O sistema Speenhamland de ajuda aos pobres espontaneamente adotado por juízes cavalheiros em vários condados durante e depois da fome de 1795 foi analisado como a última tentativa sistemática para salvaguardar a velha sociedade rural contra a corrosão do vínculo monetário As Leis do Trigo com as quais o interesse agrário buscava proteger as atividades agrícolas contra a crise posterior a 1815 eram em parte um manifesto contra a tendência de se tratar a agricultura como uma indústria igual a qualquer outra a ser julgada pelos critérios de lucro Mas estas reações contra a introdução final do capitalismo no interior estavam condenadas e foram finalmente derrotadas na onda do avanço radical da classe média depois de 1830 pelo novo Decreto dos Pobres de 1834 e pela abolição das Leis do Trigo em 1846 Em termos de produtividade econômica esta transformação social foi um imenso sucesso em termos de sofrimento humano uma tragédia aprofundada pela depressão agrícola depois de 1815 que reduziu os camponeses pobres a uma massa destituída e desmoralizada Depois de 1800 até mesmo um campeão tão entusiasmado do progresso agrícola e do movimento das cercas como Arthur Young ficou abalado com seus efeitos sociais Mas do ponto de vista da industrialização esses efeitos também eram desejáveis pois uma economia industrial necessita de mãodeobra e de onde mais poderia vir esta mãodeobra senão do antigo setor não industrial A população rural doméstica ou estrangeira esta sob a forma de imigração principalmente irlandesa era a fonte mais óbvia suplementada pela mistura de pequenos produtores e trabalhadores pobres Os homens tinham que ser atraídos para as novas ocupações ou como era mais provável forçados a elas pois inicialmente estiveram imunes a essas atrações ou relutantes em abandonar seu modo de vida tradicional A dificuldade social e econômica era a arma mais eficiente secundada pelos salários mais altos e a liberdade maior que havia nas cidades Por várias razões as forças capazes de desprender os homens de seu passado sóciohistórico eram ainda relativamente fracas em nosso período em comparação com a segunda metade do século XIX Foi necessária uma catástrofe realmente gigantesca como a fome irlandesa para produzir o tipo de emigração em massa um milhão e meio de uma população total de 85 milhões em 183550 que se tornou comum depois de 1850 Não obstante essas forças eram mais fortes na GrãBretanha que em outras partes Se não o fossem o desenvolvimento industrial britânico poderia ter sido tão dificultado como o foi o da França pela estabilidade e relativo conforto de seu campesinato e de sua pequena burguesia que destituíram a indústria da necessária injeção de mãodeobra Conseguir um número suficiente de trabalhadores era uma coisa outra coisa era conseguir um número suficiente de trabalhadores com as necessárias qualificações e habilidades A experiência do século XX tem demonstrado que este problema é tão crucial e mais difícil de resolver do que o outro Em primeiro lugar iodo operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria ou seja num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente A mãodeobra tinha também que aprender a responder aos incentivos monetários Os empregadores britânicos daquela época como os sulafricanos de hoje em dia constantemente reclamavam da preguiça do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganho um salário tradicional de subsistência semanal e então parar A resposta foi encontrada numa draconiana disciplina da mãodeobra multas um código de senhor e escravo que mobilizava as leis em favor do empregador etc mas acima de tudo na prática sempre que possível de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mínima cf capitulo 10111 Nas fábricas onde a disciplina do operariado era mais urgente descobriuse que era mais conveniente empregar as dóceis e mais baratas mulheres e crianças de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 183447 cerca de um quarto eram homens adultos mais da metade era de mulheres e meninas e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos Outra maneira comum de assegurar a disciplina da mãodeobra que refletia o processo fragmentário e em pequena escala da industrialização nesta fase inicial era o subcontrato ou a prática de fazer dos trabalhadores qualificados os verdadeiros empregadores de auxiliares sem experiência Na indústria algodoeira por exemplo cerca de doisterços dos rapazes e umterço das meninas estavam assim sob o emprego direto de trabalhadores e eram portanto mais vigiados e fora das fábricas propriamente ditas tais acordos eram ainda mais comuns O subempregador é claro tinha um incentivo financeiro direto para que seus auxiliares contratados não se distraissem Era bem mais difícil recrutar ou treinar um número suficiente de trabalhadores qualificados ou tecnicamente habilitados pois que poucas habilidades préindustriais tinham alguma utilidade na moderna indústria embora é claro muitas ocupações como a construção continuassem praticamente inalteradas Felizmente a vagarosa semiindustrialização da GrãBretanha nos séculos anteriores a 1789 tinha produzido um reservatório bastante grande de habilidades adequadas tanto na técnica têxtil quanto no manuseio dos metais Assim ê que no continente o serralheiro ou chaveiro um dos poucos artesãos acostumados a um trabalho de precisão com metais tornouse o ancestral do montadorfresador e por vezes deulhe o nome enquanto que na GrãBretanha o construtor de moinhos e o operador de máquinas ou maquinista já comum nas minas e à sua volta foi quem desempenhou este papel Não é um mero acidente que a palavra inglesa engineer descreva tanto o trabalhador qualificado em metal quanto o desenhista ou planejador pois o grosso do pessoal técnico de um nível mais alto podia ser e era recrutado entre estes homens com qualificações mecânicas e autoconfiantes De fato a industrialização britânica apoiavase neste fornecimento não planejado das qualificações mais altas enquanto a indústria continental não podia fazêlo Isto explica a chocante negligência com a educação técnica e geral neste país cujo preço seria pago mais tarde Ao lado desse problema de fornecimento de mãodeobra os de fornecimento de capital eram insignificantes Inversamente à maioria dos outros países europeus não havia escassez de capital aplicável na GrãBretanha A maior dificuldade era que os que controlavam a maior parte desse capital no século XVIII proprietários de terra mercadores armadores financistas etc relutavam em investilo nas novas indústrias que portanto frequentemente tinham que ser iniciadas com pequenas economias ou empréstimos e desenvolvidas pela lavra dos lucros A escassez de capital local fez com que os primeiros industriais especialmente os homens que se fizeram por si mesmos selfmademen fossem mais duros mais parcos e mais ávidos e seus trabalhadores portanto proporcionalmente mais explorados mas isto refletia o fluxo imperfeito do excedente de investimento nacional e não sua inadequação Por outro lado os ricos do século XVIII estavam preparados para investir seu dinheiro em certas empresas que beneficiavam a industrialização mais notadamente nos transportes canais facilidades portuárias estradas e mais tarde também nas ferrovias e nas minas das quais os proprietários de terras tiravam royalties mesmo quando eles próprios não as gerenciavam Nem havia qualquer dificuldade quanto à técnica comercial e financeira pública ou privada Os bancos e o papelmoeda as letras de câmbio apólices e ações as técnicas do comércio ultramarino e atacadista assim como o marketing eram bastante conhecidos e os homens que os controlavam ou facilmente aprendiam a fazêlo eram em número abundante Além do mais por volta do final do século XVIII a política governamental estava firmemente comprometida com a supremacia dos negócios Velhas leis em contrário tais como o código social dos Tudor tinham de há muito caído em desuso e foram finalmente abolidos exceto quando envolviam a agricultura em 181335 Na teoria as leis e as instituições comerciais e financeiras da Grã Bretanha eram ridículas e destinadas antes a obstaculizar do que a ajudar o desenvolvimento econômico por exemplo elas tornavam necessária a promulgação de caros decretos privados do Parlamento toda vez que se desejasse formar uma sociedade anónima A Revolução Francesa forneceu aos franceses e através de sua influência ao resto do continente mecanismos muito mais racionais e eficientes para tais propósitos Na prática os britânicos se saíram perfeitamente bem e de fato consideravelmente melhor que seus rivais Deste modo bastante empírico não planificado e acidental construiuse a primeira economia industrial de vulto Pelos padrões modernos ela era pequena e arcaica e seu arcaísmo ainda marca a GrãBretanha de hoje Pelos padrões de 1848 ela era monumental embora também chocasse bastante pois suas novas cidades eram mais feias e seu proletariado mais pobre do que em outros países A atmosfera envolta em neblina e saturada de fumaça na qual as pálidas massas operárias se movimentavam perturbava o visitante estrangeiro Mas essa economia utilizava a força de um milhão de cavalos em suas máquinas a vapor produzia dois milhões de jardas aproximadamente 1800 mil metros de tecido de algodão por ano em mais de 17 milhões de fusos mecânicos recolhia quase 50 milhões de toneladas de carvão importava e exportava 170 milhões de libras esterlinas em mercadorias em um só ano Seu comércio era duas vezes superior ao de seu mais próximo competidor a França e apenas em 1780 a havia ultrapassado Seu consumo de algodão era duas vezes superior aos dos EUA quatro vezes superior ao da França Produzia mais da metade do total de lingotes de ferro do mundo economicamente desenvolvido e consumia duas vezes mais por habitante do que o segundo país mais industrializado a Bélgica três vezes mais que os EUA e quatro vezes mais que a França Cerca de 200 a 300 milhões de libras de investimento de capital britânico um quarto nos EUA quase umquinto na América Latina traziam dividendos e encomendas de todas as partes do mundo Era de fato a oficina do mundo E tanto a GrãBretanha quanto o mundo sabiam que a revolução industrial lançada nestas ilhas não só pelos comerciantes e empresários como através deles cuja única lei era comprar no mercado mais barato e vender sem restrição no mais caro estava transformando o mundo Nada poderia detêla Os deuses e os reis do passado eram impotentes diante dos homens de negócios e das máquinas a vapor do presente Capítulo Três A Revolução Francesa Um inglês que não se sinta cheio de estima e admiração pela maneira sublime com que está agora se efetuando uma das mais IMPORTANTES REVOLUÇÕES que o mundo jamais viu deve estar morto para todos os sentidos da virtude e da liberdade nenhum de meus patrícios que tenha tido a sorte de presenciar as ocorrências dos últimos três dias nesta grande cidade fará mais que testemunhar que minha linguagem não é hiperbólica The Morning Post 21 de julho de 1789 sobre a queda da Bastilha Brevemente as nações esclarecidas colocarão em julgamento aqueles que têm até aqui governado os seus destinos Os reis fugirão para os desertos para a companhia dos animais selvagens que a eles se assemelham e a Natureza recuperará os seus direitos SaintJust Sur La Constitution de la France Discours prononcé à la Convention 24 de abril de 1793 I Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa A GrãBretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas o explosivo econômico que rompeu com as estruturas sócioeconômicas tradicionais do mundo não europeu mas foi a França que fez suas resoluções e a elas deu suas idéias a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro teremse tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes e a política europeia ou mesmo mundial entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789 ou os ainda mais incendiários de 1793 A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radicaldemocrática para a maior parte do mundo A França deu o primeiro grande exemplo o conceito e o vocabulário do nacionalismo A França forneceu os códigos legais o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido as ideias europeias inicialmente através da influência francesa Esta foi a obra da Revolução Francesa O final do século XVIII como vimos foi uma época de crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos e suas últimas décadas foram cheias de agitações políticas às vezes chegando a ponto da revolta e de movimentos coloniais em busca de autonomia às vezes atingindo o ponto da secessão não só nos EUA 177683 mas também na Irlanda 1782 4 na Bélgica e em Liège 178790 na Holanda 17837 em Genebra e até mesmo conforme já se discutiu na Inglaterra 1779 A quantidade de agitações políticas é tão grande que alguns historiadores mais recentes falaram de uma era da revolução democrática em que a Revolução Francesa foi apenas um exemplo embora o mais dramático e de maior alcance e repercussão Na medida em que a crise do velho regime não foi puramente um fenómeno francês há algum peso nestas observações Igualmente podese argumentar que a Revolução Russa de 1917 que ocupa uma posição de importância análoga em nosso século foi meramente o mais dramático de toda uma série de movimentos semelhantes tais como os que alguns anos antes de 1917 finalmente puseram fim aos antigos impérios turco e chinês Ainda assim há aí um equívoco A Revolução Francesa pode não ter sido um fenómeno isolado mas foi muito mais fundamental do que os outros fenómenos contemporâneos e suas consequências foram portanto mais profundas Em primeiro lugar ela se deu no mais populoso e poderoso Estado da Europa não considerando a Rússia Em 1789 cerca de um em cada cinco europeus era francês Em segundo lugar ela foi diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a seguiram uma revolução social de massa e incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável Não é um fato meramente acidental que os revolucionários americanos e os jacobinos britânicos que emigraram para a Fiança devido a suas simpatias políticas tenham sido vistos como moderados na França Tom Paine era um extremista na GrãBretanha e na América mas em Paris ele estava entre os mais moderados dos girondinos Resultaram das revoluções americanas grosseiramente falando países que continuaram a ser o que eram somente sem o controle político dos britânicos espanhóis e portugueses O resultado da Revolução Francesa foi que a era de Balzac substituiu a era de Mme Dubarry Em terceiro lugar entre todas as revoluções contemporâneas a Revolução Francesa foi a única ecuménica Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo suas ideias de fato o revolucionaram A revolução americana foi um acontecimento crucial na história americana mas exceto nos países diretamente envolvidos nela ou por ela deixou poucos traços relevantes em outras partes A Revolução Francesa é um marco em todos os países Suas repercussões ao contrário daquelas da revolução americana ocasionaram os levantes que levaram à libertação da América Latina depois de 1808 Sua influência direta se espalhou até Bengala onde Ram Mohan Roy foi inspirado por ela a fundar o primeiro movimento de reforma hindu predecessor do moderno nacionalismo indiano Quando visitou a Inglaterra em 1830 ele insistiu em viajar num navio francês para demonstrar o entusiasmo que tinha pelos princípios da Revolução A Revolução Francesa foi como se disse bem o primeiro grande movimento de ideias da cristandade ocidental que teve qualquer efeito real sobre o mundo islâmico e isto quase que de imediato Por volta da metade do século XIX a palavra turca vatan que até então simplesmente descrevia o local de nascimento ou a residência de um homem tinha começado a se transformar sob sua influência em algo parecido com patrie o termo liberdade antes de 1800 sobretudo uma expressão legal que denotava o oposto de escravidão tinha começado a adquirir um novo conteúdo político Sua influência direta é universal pois ela forneceu o padrão para todos os movimentos revolucionários subsequentes suas lições interpretadas segundo o gosto de cada um tendo sido incorporadas ao socialismo e ao comunismo modernos A Revolução Francesa é assim a revolução do seu tempo e não apenas uma embora a mais proeminente do seu tipo E suas origens devem portanto ser procuradas não meramente em condições gerais da Europa mas sim na situação específica da França Sua peculiaridade é talvez melhor ilustrada em termos internacionais Durante todo o século XVIII a França foi o maior rival econômico da GrãBretanha Seu comércio externo que se multiplicou quatro vezes entre 1720 e 1780 causava ansiedade seu sistema colonial foi em certas áreas como nas índias Ocidentais mais dinâmico que o britânico Mesmo assim a França não era uma potência como a GrãBretanha cuja política externa já era substancialmente determinada pelos interesses da expansão capitalista Ela era a mais poderosa e sob vários aspectos a mais típica das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa Em outras palavras o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na franca do que em outras partes As novas forças sabiam muito precisamente o que queriam Turgot o economista fisiocrata lutou por uma exploração eficiente da terra por um comércio c uma empresa livres por uma administração eficiente e padronizada de um único território nacional homogéneo pela abolição de todas as restrições e desigualdades sociais que impediam o desenvolvimento dos recursos nacionais e por uma administração e taxação racionais e imparciais Ainda assim sua tentativa de aplicação desse programa como primeiroministro no período 17746 fracassou lamentavelmente e o fracasso é característico Reformas desse tipo em doses modestas não eram incompatíveis com as monarquias absolutas nem tampouco mal recebidas Pelo contrário uma vez que as fortaleciam tiveram como já vimos uma ampla difusão nessa época entre os chamados déspotas esclarecidos Mas na maioria dos países de despotismo esclarecido essas reformas ou eram inaplicáveis e portanto meros floreios teóricos ou então improváveis de mudar o caráter geral de suas estruturas políticosociais ou ainda fracassaram em face da resistência das aristocracias locais e de outros interesses estabelecidos deixando o país recair em uma versão um pouco mais limpa do seu antigo Estado Na França elas fracassaram mais rapidamente do que em outras partes pois a resistência dos interesses estabelecidos era mais efetiva Mas os resultados deste fracasso foram mais catastróficos para a monarquia e as forças da mudança burguesa eram fortes demais para cair na inatividade Elas simplesmente transferiram suas esperanças de uma monarquia esclarecida para ò povo ou a nação Não obstante uma generalização desta ordem não nos leva muito longe na compreensão de por que a revolução eclodiu quando eclodiu e por que tomou aquele curso notável Para isso é mais útil considerarmos a chamada reação feudal que realmente forneceu a centelha que fez explodir o barril de pólvora da França As 400 mil pessoas aproximadamente que entre os 23 milhões de franceses formavam a nobreza a inquestionável primeira linha da nação embora não tão absolutamente a salvo da intromissão das linhas menores como na Prússia e outros lugares estavam bastante seguras Elas gozavam de consideráveis privilégios inclusive de isenção de vários impostos mas não de tantos quanto o clero mais bem organizado e do direito de receber tributos feudais Politicamente sua situação era menos brilhante A monarquia absoluta conquanto inteiramente aristocrática e até mesmo feudal no seu ethos tinha destituído os nobres de sua independência política e responsabilidade e reduzido ao mínimo suas velhas instituições representativas estados e parlements O fato continuou a se agravar entre a mais alta aristocracia e entre a noblesse de robe mais recente criada pelos reis para vários fins principalmente financeiros e administrativos uma classe média governamental enobrecida que expressava tanto quanto podia o duplo descontentamento dos aristocratas e dos burgueses através das assembleias e cortes de justiça remanescentes Economicamente as preocupações dos nobres não eram absolutamente desprezíveis Guerreiros e não profissionais ou empresários por nascimento c tradição os nobres eram até mesmo formalmente impedidos de exercer um oficio ou profissão eles dependiam da renda de saias propriedades ou se pertencessem à minoria privilegiada de grandes nobres ou cortesãos de casamentos milionários pensões presentes ou sinecuras da corte Mas os gastos que exigia o status de nobre eram grandes e cada vez maiores e suas rendas caíam já que eram raramente administradores inteligentes de suas fortunas se é que de alguma forma as conseguiam administrar A inflação tendia a reduzir o valor de rendas fixas como aluguéis Era portanto natural que os nobres usassem seu bem principal os privilégios reconhecidos Durante todo o século XVIII na França como em tantos outros países eles invadiram decididamente os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira preencher com homens da classe média politicamente inofensivos e tecnicamente competentes Por volta da década de 1780 eram necessários quatro graus de nobreza até para comprar uma patente no exército todos os bispos eram nobres e até mesmo as intendências a pedra angular da administração real tinham sido retomadas por eles Conseqüentemente a nobreza não só exasperava os sentimentos da classe média por sua bemsucedida competição por postos oficiais mas também corroía o próprio Estado através da crescente tendência de assumir a administração centrai e provinciana De maneira semelhante eles e especialmente os cavalheiros provincianos mais pobres que tinham poucos outros recursos tentaram neutralizar o declínio de suas rendas usando ao máximo seus consideráveis direitos feudais para extorquir dinheiro ou mais raramente serviço do campesinato Toda uma profissão a dos feudistas nasceu para reviver os direitos obsoletos desse tipo ou então para aumentar ao máximo o lucro dos existentes Seu mais celebrado membro Gracchus Babcuf viria a se tornar o líder da primeira revolta comunista da história moderna em 1796 Conseqüentemente a nobreza não só exasperava a classe média mas também o campesinato A situação desta classe enorme compreendendo talvez 80 de todos os franceses estava longe de ser brilhante De fato os camponeses eram em geral livres e não raro proprietários de terras Em quantidade Efetiva as propriedades nobres cobriam somente umquinto da terra as propriedades do clero talvez cobrissem outros 6 com variações regionais Assim é que na diocese de Montpellier os camponeses já possuíam de 38 a 40 da terra a burguesia de 18 a 19 os nobres de 15 a 16 e o clero de 3 a 4 enquanto umquinto era de terras comuns Na verdade entretanto a grande maioria não tinha terras ou tinha uma quantidade insuficiente deficiência esta aumentada pelo atraso técnico dominante e a fome geral de terra foi intensificada pelo aumento da população Os tributos feudais os dízimos e as taxas tiravam uma grande e cada vez maior proporção da renda do camponês a inflação reduzia o valor do resto Pois só a minoria dos camponeses que tinha um constante excedente para vendas se beneficiava dos preços crescentes o resto de uma maneira ou de outra sofria especialmente em tempos de má colheita quando dominavam os preços de fome Há pouca dúvida de que nos 20 anos que precederam a Revolução a situação dos camponeses tenha piorado por essas razões Os problemas financeiros da monarquia agravaram o quadro Já a estrutura fiscal e administrativa do reino era tremendamente obsoleta e como vimos a tentativa de remediar a situação através das reformas de 17746 fracassou derrotada pela resistência dos interesses estabelecidos encabeçados pelos parlements Então a França envolveuse na guerra da independência americana A vitória contra a Inglaterra foi obtida ao custo da bancarrota final e assim a revolução americana pôde proclamarse a causa direta da Revolução Francesa Vários expedientes foram tentados com sucesso cada vez menor mas sempre longe de uma reforma fundamental que mobilizando a considerável capacidade tributável do país pudesse enfrentar uma situação em que os gastos excediam a renda em pelo menos 20 e não havia quaisquer possibilidades de economias efetivas Pois embora a extravagância de Versailles tenha sido constantemente culpada pela crise os gastos da corte só significavam 6 dos gastos totais em 1788 A guerra a marinha e a diplomacia constituíam umquarto e metade era consumida pelo serviço da dívida existente A guerra e a divida a guerra americana e sua divida partiram a espinha da monarquia A crise do governo deu à aristocracia e aos parlements a sua chance Eles se recusavam a pagar pela crise se seus privilégios não fossem estendidos A primeira brecha no fronte do absolutismo foi uma assembleia de notáveis escolhidos a dedo mas assim mesmo rebeldes convocada em 1787 para satisfazer as exigências governamentais A segunda e decisiva brecha foi a desesperada decisão de convocar os Estados Gerais a velha assembleia feudal do reino enterrada desde 1614 Assim a Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recapturar o Estado Esta tentativa foi mal calculada por duas razões ela subestimou as intenções independentes do Terceiro Estado a entidade fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero mas de fato dominada pela classe média e desprezou a profunda crise sócioeconômicas no meio da qual lançava suas exigências políticas A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado no sentido moderno nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado Nem mesmo chegou a ter líderes do tipo que as revoluções do século XX nos têm apresentado até o surgimento da figura pósrevolucionária de Napoleão Não obstante um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva O grupo era a burguesia suas ideias eram as do liberalismo clássico conforme formuladas pelos filósofos e economistas e difundidas pela maçonaria e associações informais Até este ponto os filósofos podem ser com justiça considerados responsáveis pela Revolução Ela teria ocorrido sem eles mas eles provavelmente constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo Em sua forma mais geral a ideologia de 1789 era a maçónica expressa com tão sublime inocência na Flauta Mágica de Mozart 1791 uma das primeiras grandes obras de arte propagandísticas de uma época em que as mais altas realizações artísticas pertenceram tantas vezes à propaganda Mais especificamente as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária Os homens nascem c vivem livres e iguais perante as leis dizia seu primeiro artigo mas ela também prevê a existência de distinções sociais ainda que somente no terreno da utilidade comum A propriedade privada era um direito natural sagrado inalienável e inviolável Os homens eram iguais perante a lei e as profissões estavam igualmente abertas ao talento mas se a corrida começasse sem handicaps era igualmente entendido como fato consumado que os corredores não terminariam juntos A declaração afirmava como contrário à hierarquia nobre ou absolutismo que todos os cidadãos têm o direito de colaborar na elaboração das leis mas pessoalmente através de seus representantes E a assembleia representativa que ela vislumbrava como o órgão fundamental de governo não era necessariamente uma assembleia democraticamente eleita nem o regime nela implícito pretendia eliminar os reis Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia possuidora de terras era mais adequada à maioria dos liberais burgueses do que a república democrática que poderia ter parecido uma expressão mais lógica de suas aspirações teóricas embora alguns também advogassem esta causa Mas no geral o burguês liberal clássico de 1789 e o liberal de 17891848 não era um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários Entretanto oficialmente esse regime expressaria não apenas seus interesses de classe mas também a vontade geral do povo que era por sua vez uma significativa identificação a nação francesa O rei não era mais Luís pela Graça de Deus Rei de França e Navarra mas Luís pela Graça de Deus e do direito constitucional do Estado Rei dos franceses A fonte de toda a soberania dizia a Declaração reside essencialmente na nação E a nação conforme disse o Abade Sieyès não reconhecia na terra qualquer direito acima do seu próprio e não aceitava qualquer lei ou autoridade que não a sua nem a da humanidade como um todo nem a de outras nações Sem dúvida a nação francesa como suas subseqüentes imitadoras não concebeu inicialmente que seus interesses pudessem se chocar com os de outros povos mas pelo contrário via a si mesma como inauguradora ou participante de um movimento de libertação geral dos povos contra a tirania Mas de fato a rivalidade nacional por exemplo a dos homens de negócios franceses com os ingleses e a subordinação nacional por exemplo a das nações conquistadas ou libertadas face aos interesses da la grande nation estavam implícitas no nacionalismo ao qual a burguesia de 1789 deu sua primeira expressão oficial O povo identificado com a nação era um conceito revolucionário mais revolucionário do que o programa liberalburguês que pretendia expressálo Mas era também uma faca de dois gumes Visto que os camponeses e os trabalhadores pobres eram analfabetos politicamente simples ou imaturos e o processo de eleição indireto 610 homens a maioria desse tipo foram eleitos para representar o Terceiro Estado A maioria da assembleia era de advogados que desempenhavam um papel econômico importante na França provinciana cerca de 100 representantes eram capitalistas e homens de negócios O Terceiro Estado tinha lutado acirradamente e com sucesso para obter uma representação tão grande quanto a da nobreza e a do clero juntas uma ambição moderada para um grupo que oficialmente representava 95 do povo E agora lutava com igual determinação pelo direito de explorar sua maioria potencial de votos transformando os Estados Gerais numa assembléia de deputados que votariam individualmente ao contrário do corpo feudal tradicional que deliberava e votava por ordens ou estados uma situação em que a nobreza e o clero podiam sempre derrotar o Terceiro Estado Foi aí que se deu a primeiravitória revolucionária Cerca de seis semanas após a abertura dos Estados Gerais os Comuns ansiosos por evitar a ação do rei dos nobres e do clero constituíramse eles mesmo e todos os que estavam preparados para se juntarem a eles nos termos que ditassem em Assembleia Nacional com o direito de reformar a constituição Foi feita uma tentativa contrarevolucionária que os levou a formular suas exigências praticamente nos termos da Câmara dos Comuns inglesa O absolutismo atingia seus extertores conforme Mirabeau um brilhante e desacreditado exnobre disse ao Rei Majestade vós sois um estranho nesta assembleia e não tendes o direito de se pronunciar aqui O Terceiro Estado obteve sucesso contra a resistência unificada do rei e das ordens privilegiadas porque representava não apenas as opiniões de uma minoria militante e instruída mas também as de forças bem mais poderosas dos trabalhadores pobres das cidades e especialmente de Paris e em suma também o campesinato revolucionário O que transformou uma limitada agitação reformista em uma revolução foi o fato de que a conclamação dos Estados Gerais coincidiu com uma profunda crise sócioeconômica Os últimos anos da década de 1780 tínham sido por uma complexidade de razões um período de grandes dificuldades praticamente para todos os ramos da economia francesa Uma má safra em 1788 e 1789 e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise As más safras faziam sofrer o campesinato pois significavam que enquanto os grandes produtores podiam vender cereais a preços de fome a maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços especialmente nos meses imediatamente anteriores à nova safra maiojulho Obviamente as más safras faziam sofrer também os pobres das cidades cujo custo de vida o pão era o principal alimento podia duplicar Faziaos sofrer ainda mais porque o empobrecimento do campo reduzia o mercado de manufaturas e portanto também produzia uma depressão industrial Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e banditismo os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente Em circunstâncias normais teria ocorrido provavelmente pouco mais que agitações cegas Mas em 1788 e 1789 uma convulsão de grandes proporções no reino e uma campanha de propaganda e eleição deram ao desespero do povo uma perspectiva política E lhe apresentaram a tremenda e abaladora ideia de se libertar da pequena nobreza e da opressão Um povo turbulento se colocava por trás dos deputados do Terceiro Estado A contrarevolução transformou um levante de massa em potencial em um levante efetivo Sem dúvida era natural que o velho regime oferecesse resistência se necessário com força armada embora o exército não fosse mais totalmente de confiança Só sonhadores irrealistas suporiam que Luís XVI pudesse ter aceito a derrota e imediatamente se transformado em um monarca constitucional mesmo que ele tivesse sido um homem menos desprezível e estúpido do que era casado com uma mulher menos irresponsável e com menos miolos de galinha e preparado para escutar conselheiros menos desastrosos De fato a contrarevolução mobilizou contra si as massas de Paris já famintas e desconfiadas e militantes O resultado mais sensacional de sua mobilização foi a queda da Bastilha uma prisão estatal que simbolizava a autoridade real e onde os revolucionários esperavam encontrar armas Em tempos de revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos A queda da Bastilha que fez do 14 de julho a festa nacional francesa ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o princípio de libertação Até mesmo o austero filósofo Emanuel Kant de Koenigsberg de quem se diz que os hábitos eram tão regrados que os cidadãos daquela cidade acertavam por ele os seus relógios postergou a hora de seu passeio vespertino ao receber a notícia de modo que convenceu a cidade de Koenigsberg de que um fato que sacudiu o mundo tinha deveras ocorrido O que é mais certo é que a queda da Bastilha levou a revolução para as cidades provincianas e para o campo As revoluções camponesas são movimentos vastos disformes anónimos mas irresistíveis O que transformou uma epidemia de inquietação camponesa em uma convulsão irreversível foi a combinação dos levantes das cidades provincianas com uma onda de pânico de massa que se espalhou de forma obscura mas rapidamente por grandes regiões do país o chamado Grande Medo Grande Peur de fins de julho e princípio de agosto de 1789 Três semanas após o 14 de julho a estrutura social do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real ruiam em pedaços Tudo o que restou do poderio esta tal foi uma dispersão de regimentos pouco confiáveis uma Assembleia Nacional sem força coercitiva e uma multiplicidade de administrações municipais ou provincianas da classe média que logo montaram Guardas Nacionais burguesas segundo o modelo de Paris A classe média e a aristocracia imediatamente aceitaram o inevitável todos os privilégios feudais foram oficialmente abolidos embora quando a situação política se acalmou fosse fixado um preço rígido para sua remissão O feudalismo só foi finalmente abolido em 1793 No final de agosto a revolução tinha também adquirido seu manifesto formal a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Em contrapartida o rei resistiu com sua costumeira estupidez e setores revolucionários da classe média amedrontados com as implicações sociais do levante de massa começaram a pensar que era chegada a hora do conservadorismo Em resumo a principal forma da política revolucionária burguesa francesa e de todas as subsequentes estava agora bem clara Esta dramática dança dialética dominaria as gerações futuras Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe média mobilizando as massas contra a resistência obstinada ou a contrarevolução Veremos as massas indo além dos ohjetivos dos moderados rumo a suas próprias revoluções sociais e os moderados por sua vez dividindose em um grupo conservador dai em diante fazendo causa comum com os reacionários e um grupo de esquerda determinado a perseguir o resto dos objetivos moderados ainda não alcançados com o auxílio das massas mesmo com o risco de perder o controle sobre elas E assim por diante com repetições e variações do modelo resistência mobilização de massa inclinação para a esquerda rompimento entre os moderados inclinação para a direita até que o grosso da classe média passe daí em diante para o campo conservador ou seja derrotado pela revolução social Na maioria das revoluções burguesas subsequentes os liberais moderados viriam a retroceder ou transferirse para a ala conservadora num estágio bastante inicial De fato no século XIX vemos de modo crescente mais notadamente na Alemanha que eles se tornaram absolutamente relutantes em começar uma revolução por medo de suas incalculáveis consequências preferindo um compromisso com o rei e a aristocracia A peculiaridade da Revolução Francesa é que uma facção da classe média liberal estava pronta a continuar revolucionária até o e mesmo além do limiar da revolução antiburguesa eram os jacobinos cujo nome veio a significar revolução radical em toda parte Por quê Em parte é claro porque a burguesia francesa não tinha ainda para temer como os liberais posteriores a terrível memória da Revolução Francesa Depois de 1794 ficaria claro para os moderados que o regime jacobino tinha levado a revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses exatamente como ficaria claro para os revolucionários que o sol de 1793 se fosse nascer de novo teria que brilhar sobre uma sociedade não burguesa Por outro lado os jacobinos podiam sustentar o radicalismo porque em sua época não existia uma classe que pudesse fornecer uma solução social coerente como alternativa à deles Esta classe só surgiu no curso da revolução industrial com o proletariado ou mais precisamente com as ideologias e movimentos baseados nele Na Revolução Francesa a classe operária e mesmo esta é uma designação imprópria para a massa de assalariados contratados mas fundamentalmente não industriais ainda não desempenhava qualquer papel independente Eles tinham fome faziam agitações e talvez sonhassem mas por motivos práticos seguiam os líderes não proletários O campesinato nunca fornece uma alternativa política para ninguém apenas de acordo com a ocasião uma força quase irresistível ou um obstáculo quase irremovível A única alternativa para o radicalismo burguês se excetuarmos pequenos grupos de ideólogos ou militantes impotentes quando destituídos do apoio das massas eram os sanscúlottes um movimento disforme sobretudo urbano de trabalhadores pobres pequenos artesãos lojistas artífices pequenos empresários etc Os sanscúlottes eram organizados principalmente nas seções de Paris e nos clubes políticos locais e forneciam a principal força de choque da revolução eram eles os verdadeiros manifestantes agitadores construtores de barricadas Através de jornalistas como Marat e Hébert através de portavozes locais eles também formularam uma política por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido que combinava o respeito pela pequena propriedade privada com a hostilidade aos ricos trabalho garantido pelo governo salários e segurança social para o homem pobre uma democracia extremada de igualdade e de liberdade localizada e direta Na verdade os sanscúlottes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de pequenos homens que existia entre os pólos do burguês e do proletário freqüentemente talvez mais próximos deste do que daquele porque eram afinal na maioria pobres Esta tendência pode ser observada nos Estados Unidos sob a forma de uma democracia jeffersoniana e jacksoniana ou populismo na GrãBretanha radicalismo na França com os antecessores dos futuros republicanos e radicaissocialistas na Itália com os mazzinianos e os garibaldinos e em toda parte Na maioria das vezes ela costumou se colocar nas épocas pósrevolucionárias como uma ala esquerdista do liberalismo da classe média mas relutante em abandonar o antigo princípio de que não há inimigos na esquerda e pronta em tempos de crise a se rebelar contra a muralha de dinheiro os monarquistas econômicos ou a cruz de ouro que crucifica a humanidade Mas o movimento dos sansculottes também não forneceu nenhuma alternativa real O seu ideal um passado dourado de aldeões e pequenos artesãos ou um futuro dourado de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por banqueiros e milionários era irrealizável A história se movia silenciosamente contra eles O máximo que podiam fazer e isto eles conseguiram em 17934 era erguer obstáculos à sua passagem os quais dificultaram o crescimento econômico francês daquela época até quase a atual De fato o sansculotismo foi um fenómeno tão desamparado que seu próprio nome está praticamente esquecido ou só é lembrado como sinónimo do jacobinismo que lhe deu liderança no Ano II II Entre 1789 e 1791 a vitoriosa burguesia moderada atuando através do que tinha a esta altura se transformado na Assembleia Constituinte tomou providências para a gigantesca recionalização e reforma da França que era seu objetivo A maioria dos empreendimentos institucionais duradouros da revolução datam deste período assim como os seus mais extraordinários resultados internacionais o sistema métrico e a emancipação pioneira dos judeus Economicamente as perspectivas da Assembleia Constituinte eram inteiramente liberais sua política em relação aos camponeses era o cerco das terras comuns e o incentivo aos empresários rurais para a classe trabalhadora a interdição dos sindicatos para os pequenos artesãos a abolição dos grémios e corporações Dava pouca satisfação concreta ao povo comum exceto a partir de 1790 com a secularização e venda dos terrenos da Igreja bem como dos terrenos da nobreza emigrante que tinha a tripla vantagem de enfraquecer o clericalismo fortalecer o empresário rural e provinciano e dar a muitos camponeses uma retribuição mensurável por suas atividades revolucionárias A Constituição de 1791 rechaçou a democracia excessiva através de um sistema de monarquia constitucional baseada num direito de voto censitário dos cidadãos ativos reconhecidamente bastante amplo Esperavase que os passivos honrassem sua denominação Na verdade isto não aconteceu Por um lado a monarquia embora a esta altura fortemente apoiada por uma poderosa facção burguesa exrevolucionária não podia se conformar com o novo regime A corte sonhava e conspirava por uma cruzada de primos reais que banisse a canalha governante de plebeus e restituísse o ungido de Deus o mui católico rei da França a seu lugar de direito A Constituição Civil do Clero 1790 uma má concebida tentativa de destruir não a Igreja mas a lealdade romana absolutista da Igreja levou a maioria do clero e de seus fiéis à oposição e ajudou a levar o rei à desesperada e afinal suicida tentativa de fugir do país Ele foi recapturado em Varennes junho de 1791 e daí em diante o republicanismo tornouse uma força de massa pois os reis tradicionais que abandonam seus povos perdem o direito à lealdade Por outro lado a incontrolada economia de livre empresa dos moderados acentuou as flutuações no nível dos preços dos alimentos e consequentemente a militância dos pobres das cidades especialmente em Paris O preço do pão registrava a temperatura política de Paris com a exatidão de um termómetro e as massas de Paris eram a força revolucionária decisiva não por mero acaso a nova bandeira nacional francesa foi uma combinação do velho branco real com as cores vermelha e azul de Paris A eclosão da guerra agravou a situação isto quer dizer que ela ocasionou uma segunda revolução em 1792 a República Jacobina do Ano II e consequentemente Napoleão Em outras palavras ela transformou a história da Revolução Francesa na história da Europa Duas forças levaram a França a uma guerra geral a extrema direita e a esquerda moderada O rei a nobreza francesa e a crescente emigração aristocrática e eclesiástica acampados em várias cidades da Alemanha Ocidental achavam que só a intervenção estrangeira poderia restaurar o velho regime Esta intervenção não foi muito facilmente organizada dadas as complexidades da situação internacional e a relativa tranquilidade política de outros países Entretanto era cada vez mais evidente para os nobres e os governantes por direito divino de outros países que a restauração do poder de Luís XVI não era meramente um ato de solidariedade de classe mas uma proteção importante contra a difusão de ideias perturbadoras vindas da França Consequentemente as forças para reconquista da França concentraramse no exterior Ao mesmo tempo os próprios liberais moderados e principalmente um grupo de políticos que se aglomerava em torno dos deputados do departamento mercantil de Gironda eram uma força belicosa Isto se devia em parte ao fato de que toda revolução genuína tende a ser ecuménica Para os franceses bem como para seus numerosos simpatizantes no exterior a libertação da França era simplesmente p primeiro passo para o triunfo universal da liberdade uma atitude que levou facilmente à convicção de que era dever da pátria da revolução libertar todos os povos que gemiam debaixo da opressão e da tirania Havia entre os revolucionários moderados e extremistas uma paixão generosa e genuinamente exaltada em difundir a liberdade uma inabilidade genuína para separar a causa da nação francesa daquela de toda a humanidade escravizada O movimento francês assim como todos os outros movimentos revolucionários viriam a aceitar esse ponto de vista ou a adaptálo daí até pelo menos 1848 Todos os planos para a libertação europeia até 1848 giravam em torno de um levante conjunto dos povos sob a liderança dos franceses para derrubar a reação europeia e depois de 1830 outros movimentos de revolta nacional e liberal corno o italiano e o polonês também tenderam a ver suas nações em certo sentido como o Messias destinado por sua própria liberdade a iniciar os planos libertários de todos os outros povos Por outro lado considerada menos idealisticamente a guerra também ajudaria a solucionar numerosos problemas domésticos Era tentador e óbvio atribuir as dificuldades do novo regime às conspirações dos emigrantes e dos tiranos estrangeiros e lançar contra eles os populares descontentes Mais especificamente os homens de negócios argumentavam que as perspectivas econômicas incertas a desvalorização da moeda e outros problemas só podiam ser remediados se a ameaça de intervenção fosse dissipada Eles e seus ideólogos deviam pensar com uma olhadela na experiência britânica que a supremacia econômica era filha da agressividade sistemática O século XVIII não foi um século em que o homem de negócios bemsucedido estivesse absolutamente casado com a paz Além do mais como logo se veria a guerra podia ser feita para dar lucros Por todas estas razões a maioria da nova Assembléia Legislativa exceto uma pequena ala direitista uma pequena ala esquerdista sob o comando de Robespierre pregava a guerra Por estas razões também quando a guerra chegou as conquistas da revolução viriam a combinar a libertação a exploração e a digressão política A guerra foi declarada em abril de 1792 A derrota que o povo bem plausivelmente atribuiu à sabotagem e à traição real trouxe a radicalização Em agostosetembro a monarquia foi derrubada a República estabelecida e uma nova era da história humana proclamada com a instituição do Ano I do calendário revolucionário pela ação armada das massas sansculottes de Paris A heróica idade de ferro da Revolução Francesa começou entre os massacres dos prisioneiros políticos as eleições para a Convenção Nacional provavelmente a mais notável assembleia na história do parlamentarismo e a conclamação para a resistência total aos invasores O rei foi feito prisioneiro é a invasão estrangeira sustada por um nada dramático duelo de artilharia em Valmy As guerras revolucionárias impõem sua própria lógica O partido dominante na nova Convenção era o dos girondinos belicosos no exterior e moderados em casa um corpo de oradores parlamentares com charme e brilho que representava os grandes negócios a burguesia provinciana e muita distinção intelectual Sua política era inteiramente impossível pois somente Estados em campanhas militares limitadas e com forças regulares estabelecidas poderiam ter esperanças de manter a guerra e os problemas domésticos em compartimentos estanques como faziam exatamente neste época as senhoras e cavalheiros britânicos dos romances de Jane Austen A revolução não estava em uma campanha limitada nem tinha forças estabelecidas pois sua guerra oscilava entre a vitória total da revolução mundial e a derrota total que significava a total contrarevolução e seu exército o que sobrou do velho exército francês era incapaz e inseguro Dumouriez o maior general da República logo desertaria para o inimigo Somente métodos revolucionários sem precedentes poderiam vencer uma guerra dessas mesmo que a vitória viesse a significar simplesmente a derrota da intervenção estrangeira De fato tais métodos foram encontrados No decorrer de sua crise a jovem República Francesa descobriu ou inventou a guerra total a total mobilização dos recursos de uma nação através do recrutamento do racionamento e de uma economia de guerra rigidamente controlada e da virtual abolição em casa e no exterior da distinção entre soldados e civis Só foi em nossa própria época histórica que se manifestaram as tremendas implicações desta descoberta Uma vez que a guerra revolucionária de 17924 permaneceu por muito tempo um episódio excepcional a maioria dos observadores do século XIX não conseguiu entendêla mas quando muito observar e mesmo isso foi esquecido até a opulência do fim da era vitoriana que as guerras levam a revoluções e que as revoluções vencem guerras de outro modo invencíveis Somente hoje em dia podemos ver quanto do que se passou na República Jacobina e no Terror de 17934 faz sentido apenas nos termos de um moderno esforço de guerra total Os sansculottes saudaram um governo revolucionário de guerra e não apenas porque corretamente defendiam que só assim a contrarevolução e a intervenção estrangeira podiam ser derrotadas mas também porque seus métodos mobilizavam o povo e traziam a justiça social mais para perto Eles desprezavam o fato de que nenhum esforço efetivo de guerra moderna é compatível com a democracia direta voluntária e descentralizada que acalentavam Os girondinos por outro lado temiam as consequências políticas da combinação de uma revolução de massa com a guerra que eles provocaram Nem estavam preparados para competir com a esquerda Eles não queriam julgar ou executar o rei mas tinham que competir com seus rivais a Montanha os jacobinos por este símbolo de zelo revolucionário a Montanha ganhou prestígio não a Gironda Por outro lado os girondinos queriam realmente expandir a guerra para uma cruzada ideológica geral de libertação e para um desafio direto ao grande rival econômico a GrãBretanha Neste particular tiveram sucesso Por volta de março de 1793 a França estava em guerra contra a maior parte da Europa e tinha dado início a anexações estrangeiras legitimadas pela recéminventada doutrina do direito francês às fronteiras naturais Mas a expansão da guerra principalmente quando ela ia mal só fortaleceu a esquerda a única que poderia vencêla Batendo em retirada e derrotada taticamente a Gironda foi finalmente levada a ataques mal calculados contra a esquerda que logo se transformariam em uma revolta provinciana organizada contra Paris Um rápido golpe dos sansculottes derruboua em 2 de junho de 1793 Tinha chegado a República Jacobina III Quando o leigo instruído pensa na Revolução Francesa são os acontecimentos de 1789 mas especialmente a República Jacobina do Ano II que vêm à sua mente O empertigado Robespierre o gigantesco e dissoluto Danton a gélida elegância revolucionária de SaintJust o gordo Marat o Comité de Salvação Pública o tribunal revolucionário e a guilhotina são as imagens que vemos mais claramente Os próprios nomes dos revolucionários moderados que surgem entre Mirabeau e Lafayette 1789 e os líderes jacobinos 1793 desapareceram da memória de todos exceto dos historiadores Os girondinos são lembrados apenas como um grupo e talvez por causa das mulheres politicamente sem importância mas românticas que estavam ligadas a eles Mme Roland ou Charlotte Corday Quem fora do campo especializado conhece sequer os nomes de Brissot Vergniaud Guadet e do resto Os conservadores criaram uma imagem duradoura do Terror da ditadura e da histérica e desenfreada sanguinolência embora pelos padrões do século XX e mesmo pelos padrões das repressões conservadoras contra as revoluções sociais tais como os massacres que se seguiram à Comuna de Paris de 1871 suas matanças em massa fossem relativamente modestas 17 mil execuções oficiais em 14 meses Os revolucionários especialmente na França viramna como a primeira república do povo inspiração de toda a revolta subsequente Pois esta não era uma época a ser medida pelos critérios humanos cotidianos Isto é verdade Mas para o francês da sólida classe média que estava por trás do Terror ele não era nem patológico nem apocalíptico mas primeiramente e sobretudo o único método efetivo de preservar seu país Isto a República Jacobina conseguiu e seu empreendimento foi sobre humano Em junho de 1793 60 dos 80 departamentos franceses estavam em revolta contra Paris os exércitos dos príncipes alemães estavam invadindo a França pelo norte e pelo leste os britânicos atacavam pelo sul e pelo oeste o país achavase desamparado e falido Quatorze meses mais tarde toda a França estava sob firme controle os invasores tinham sido expulsos os exércitos franceses por sua vez ocupavam a Bélgica e estavam perto de começar um período de 20 anos de quase ininterrupto e fácil triunfo militar Ainda assim por volta de março de 1794 um exército três vezes maior que o anterior era mantido pela metade do custo de março de 1793 e o valor da moeda francesa ou melhor do papelmoeda assignats que a tinha amplamente substituído era mantido razoavelmente estável em contraste marcante com o passado e o futuro Não é de admirar que Jeanbon St André o membro jacobino do Comité de Salvação Pública que embora fosse um firme republicano mais tarde se tornaria um dos mais eficientes prefeitos de Napoleão olhasse para a França imperial com desdém quando ela cambaleava sob as derrotas de 18123 A República do Ano II tinha enfrentado com sucesso crises piores c com menos recursos Para estes homens como de fato para a maioria da Convenção Nacional que no fundo deteve o controle durante todo este período a escolha era simples ou o Terror com todos os seus defeitos do ponto de vista da classe média ou a destruição da Revolução a desintegração do Estado nacional e provavelmente já não havia o exemplo da Polónia o desaparecimento do país Muito provavelmente exceto pela desesperada crise da França muitos deles teriam preferido um regime menos ferrenho e certamente uma economia controlada com menos rigor a queda de Robespierre levou a uma epidemia de descontrole econômico fraudes e corrupção que incidentalmente culminou numa inflação galopante e na bancarrota nacional de 1797 Mas mesmo do ponto de vista mais estreito as perspectivas da classe média francesa dependiam das de um Estado nacional centralizado forte e unificado E de qualquer forma poderia a Revolução que tinha praticamente criado os termos nação e patriotismo em seus sentidos modernos abandonar la grande nation A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis e girondinos provincianos e preservar o já mobilizado apoio da massa dos sansculottes de Paris algumas de cujas exigências por um esforço de guerra revolucionário recrutamento geral o levée en masse terrorismo contra os traidores e controle geral dos preços o maximum coincidiam de qualquer forma com o senso comum jacobino embora suas outras exigências viessem a se mostrar problemáticas Uma nova constituição um tanto radicalizada e até então retardada pela Gironda foi proclamada De acordo com este nobre documento todavia académico davase ao povo o sufrágio universal o direito de insurreição trabalho ou subsistência e o mais significativo a declaração oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo e de que os direitos do povo deveriam ser não somente acessíveis mas também operantes Foi a primeira constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno Mais concretamente os jacobinos aboliram sem indenização todos os direitos feudais remanescentes aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos emigrantes e alguns meses mais tarde aboliram a escravidão nas colónias francesas a fim de estimular os negros de São Domingos a lutarem pela República contra os ingleses Estas medidas obtiveram os mais amplos resultados Na América ajudaram a criar o primeiro grande líder revolucionário independente ToussaintLouverture Na França estabeleceram essa cidadela inexpugnável de pequenos e médios proprietários camponeses pequenos artesãos e lojistas economicamente retrógrados mas apaixonadamente devotados à Revolução e à República que tem dominado a vida do país desde então A transformação capitalista da agricultura e da pequena empresa a condição essencial para um rápido desenvolvimento econômico foi reduzida a um rastejo e com ela a velocidade da urbanização a expansão do mercado doméstico a multiplicação da classe trabalhadora e consequentemente o ulterior avanço da revolução proletária Tanto os grandes negócios quanto os movimentos trabalhistas foram longamente condenados a permanecer fenómenos minoritários na França ilhas cercadas por um oceano de donos de mercearia vendedores de cereais pequenos proprietários camponeses e donos de cafés cf capítulo 9 O centro do novo governo representando uma aliança de jacobinos e sansculottes inclinou se portanto claramente para a esquerda Isto se refletiu no reconstruído Comité de Salvação Pública que rapidamente se transformou no efetivo Ministério da Guerra francês O Comité perdeu Danton um revolucionário poderoso dissoluto e provavelmente corrupto mas imensamente talentoso e mais moderado do que aparentava tinha sido ministro na última administração real e ganhou Maximilien Robespierre que se tornou seu membro mais influente Poucos historiadores têm sido desapaixonados a respeito deste advogado fanático frio e afetado com seu senso um tanto excessivo de monopólio privado da virtude porque ele ainda encarna o terrível e glorioso Ano II a respeito do qual ninguém é neutro Ele não era uma pessoa agradável até mesmo os que acham que ele estava certo tendem hoje em dia a preferir o brilhante rigor matemático daquele arquiteto de paraísos espartanos o jovem SaintJust Não foi também um grande homem e sim muitas vezes limitado Mas é o único indivíduo projetado pela Revolução com a exceção de Napoleão sobre o qual se desenvolveu um culto Isto porque para ele como para a história a República Jacobina não era um instrumento para ganhar guerras mas sim um ideal o terrível e glorioso reino da justiça e da virtude quando todos os bons cidadãos fossem iguais perante a nação e o povo tivesse liquidado com os traidores Jean Jacques Rousseau cf adiante capítulo 13IV e a cristalina convicção de justiça deramlhe sua força Ele não tinha poderes ditatoriais formais nem mesmo um cargo sendo simplesmente um membro do Comité de Salvação Pública que era por sua vez um mero subcomitê da Convenção o mais poderoso embora jamais todopoderoso Seu poder era o do povo as massas parisienses e o terror o delas Quando elas o abandonaram ele caiu A tragédia de Robespierre e da República Jacobina foi que eles mesmos foram obrigados a afastar este apoio O regime era uma aliança entre a classe média e as massas trabalhadoras mas voltado para a classe média As concessões jacobinas e sansculottes eram toleradas só porque e na medida em que ligavam as massas ao regime sem aterrorizar os proprietários e dentro da aliança os jacobinos da classe média eram decisivos Além do mais as próprias necessidades da guerra obrigavam qualquer governo a centralizar e a disciplinar às custas da livre democracia direta e local dos clubes e grémios as milícias ocasionais e as renhidas eleições livres em que floresciam os sansculottes O mesmo processo que durante a Guerra Civil Espanhola de 19369 fortaleceu os comunistas à custa dos anarquistas fortaleceu os jacobinos do tipo de SaintJust à custa dos sansculottes do tipo de Hébert Por volta de 1794 o governo e a política eram monolíticos e dominados ferreamente por agentes diretos do Comité ou da Convenção através de delegados en mission e por um amplo quadro de oficiais e funcionários jacobinos juntamente com organizações locais do partido Por fim as necessidades econômicas da guerra afastaram o apoio popular Nas cidades o controle de preços e o racionamento beneficiaram as massas mas o correspondente congelamento dos salários as prejudicava No campo o confisco sistemático de alimentos que os sansculottes das cidades tinham sido os primeiros a advogar afastou os camponeses As massas portanto recolheramse ao descontentamento ou a uma passividade confusa e ressentida especialmente depois do julgamento e execução dos hébertistas os mais ardentes portavozes dos sansculottes Enquanto isso os defensores mais moderados da Revolução estavam alarmados com o ataque contra a oposição direitista a esta altura encabeçada por Danton Esta facção tinha fornecido refúgio para numerosos escroques especuladores operadores do mercado negro e outros elementos corruptos embora acumuladores de capital e isso tão mais prontamente quanto o próprio Danton incorporava a imagem do livre amante e gastador amoral falstafiano que sempre surge no início das revoluções sociais até que seja suplantado pelo rígido puritanismo que invariavelmente vem dominálo Os Dantons da história são sempre derrotados pelos Robespierres ou por aqueles que fingem se portar como Robespierres porque a dedicação rígida e estreita pode obter sucesso onde a boémia não o consegue Entretanto se Robespierre conquistou o apoio dos moderados por eliminar a corrupção o que se apresentava afinal de contas no interesse do esforço de guerra as ulteriores restrições à liberdade a à ação de ganhar dinheiro foram mais desconcertantes para o homem de negócios Finalmente nenhum grande corpo de opinião gostava das excursões ideológicas um tanto extravagantes do período as sistemáticas campanhas de descristianização devidas ao zelo dos sansculottes e a nova religião cívica de Robespierre a do Ser Supremo cheia de cerimónias que tentava contraporse aos ateus e levar a termo os preceitos do divino Jean Jacques E o constante silvo da guilhotina lembrava a todos os políticos que ninguém estava realmente a salvo Por volta de abril de 1794 tanto a direita quanto a esquerda tinham ido para a guilhotina e os seguidores de Robespierre estavam portanto politicamente isolados Somente a crise da guerra os mantinha no poder Quando no final de junho de 1794 os novos exércitos da República demonstraram sua firmeza derrotando decididamente os austríacos em Fleurus e ocupando a Bélgica o fim estava perto No Nono Termidor pelo calendário revolucionário 27 de julho de 1794 a Convenção derrubou Robespierre No dia seguinte ele SaintJust e Couthon foram executados e o mesmo ocorreu alguns dias depois com 87 membros da revolucionária Comuna de Paris IV O Termidor é o fim da heróica e lembrada fase da Revolução a fase dos esfarrapados sansculottes e dos corretos cidadãos de bonés vermelhos que viamse a si mesmos como Brutus e Cato do período das frases generosas clássicas e grandiloqüentes e também das mortais Lyon nest plus Dez mil soldados precisam de sapatos Pegarás os sapatos de todos os aristocratas de Estrasburgo e os entregarás prontos para o transporte até os quartéis amanhã às dez horas da manhã Não foi uma fase cómoda para se viver pois a maioria dos homens sentia fome e muitos tinham medo mas foi um fenómeno tão terrível e irreversível quanto a primeira explosão nuclear e toda a história tem sido permanentemente transformada por ela E a energia que ela gerou foi suficiente para varrer os exércitos dos velhos regimes da Europa como se fossem feitos de palha O problema com que se defrontava a classe média francesa no restante do que é tecnicamente descrito como o período revolucionário 17949 era como alcançar a estabilidade política e o avanço econômico nas bases do programa liberal de 178991 A classe média jamais conseguiu desde então até hoje solucionar este problema de forma adequada embora a partir de 1870 conseguisse descobrir na república parlamentar uma fórmula exeqüível para a maior parte do tempo As rápidas alternâncias de regime Diretório 17959 Consulado 17991804 Império 180414 a restaurada Monarquia Bourbon 181530 a Monarquia Constitucional 183048 a República 184851 e o Império 185270 foram todas tentativas para se manter uma sociedade burguesa evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da república democrática jacobina e do velho regime A grande fraqueza dos termidorianos era que eles não desfrutavam de nenhum apoio político no máximo tolerância espremidos como estavam entre uma revivida reação aristocrática e os pobres sansculottes jacobinos de Paris que logo se arrependeram da queda de Robespierre Em 1795 projetaram uma elaborada constituição de controles e balanços para se resguardarem de ambos e as periódicas viradas para a direita e a esquerda os mantiveram em precário equilíbrio mas cada vez mais tinham que depender do exército para dispersar a oposição Era uma situação curiosamente semelhante à da Quarta República e o resultado foi semelhante o governo de um general Mas o Diretório dependia do exército para algo mais do que a supressão de golpes e conspirações periódicas várias em 1795 a de Babeuf em 1796 a do Frutidor em 1797 a do Floreai em 1798 e a da Pradaria em 1799 A inatividade era a única garantia segura de poder parajam regime fraco e impopular mas a classe média necessitava de iniciativa e de expansão O exército resolveu este problema aparentemente insolúvel Ele conquistou pagouse a si mesmo e mais do que isto suas pilhagens e conquistas resgataram o governo Teria sido surpreendente que em consequência o mais inteligente e capaz dos líderes do exército Napoleão Bonaparte tivesse decidido que o exército podia prescindir totalmente do débil regime civil Este exército revolucionário foi o mais formidável rebento da República Jacobina De um levée en masse de cidadãos revolucionários ele logo se transformou em uma força de combatentes profissionais pois não houve recrutamento entre 1793 e 1798 e os que não tinham gosto ou talento para o militarismo desertaram em massa Portanto ele reteve as características da Revolução e adquiriu as características do interesse estabelecido a típica mistura bonapartista A Revolução deulhe sua superioridade militar sem precedentes que o soberbo generalato de Napoleão viria a explorar Ele sempre permaneceu uma espécie de leva improvisada de soldados no qual recrutas maltreinados adquiriam treinamento e moral através de velhos e cansativos exercícios em que era desprezível a disciplina formal de caserna em que os soldados eram tratados como homens e a regra absoluta de promoção por méritos que significavam distinção na batalha produziu uma hierarquia simples de coragem Isto e o senso de arrogante missão revolucionária fizeram o exército francês independente dos recursos sobre os quais se apoiavam forças mais ortodoxas Ele jamais construiu um sistema efetivo de suprimento pois se apoiava nos campos Jamais foi amparado por uma indústria de armamentos minimamente adequada a suas necessidades triviais mas ele venceu suas batalhas tão rapidamente que necessitava de poucas armas em 1806 a grande máquina do exército prussiano ruiu perante um exército em que uma unidade militar inteira disparou somente 1400 tiros de canhão Os generais podiam confiar em uma coragem ofensiva ilimitada e em uma quantidade razoável de iniciativa local Reconhecidamente ele também tinha a fraqueza de suas origens Com a exceção de Napoleão e pouquíssimos outros seu generalato e estadomaior eram pobres pois o general revolucionário ou o marechal napoleônico era bem provavelmente um duro primeirosargento ou uma espécie de oficial de companhia promovido antes por bravura e liderança do que por inteligência o Marechal Ney heróico mas totalmente imbecil era o tipo exato Napoleão venceu batalhas seus marechais sozinhos tendiam a perdêlas Seu precário sistema de suprimento bastava nos países ricos e saqueáveis onde tinha sido desenvolvido Bélgica norte da Itália e Alemanha Nos espaços áridos da Polónia e da Rússia como veremos ele ruiu A ausência total de serviços sanitários multiplicava as baixas entre 1800 e 1815 Napoleão perdeu 40 de suas forças embora cerca de umterço pela deserção mas entre 90 e 98 destas perdas eram de homens que morreram não no campo de combate mas sim devido a ferimentos doenças exaustão e frio Em resumo foi um exército que conquistou toda a Europa em curtas e vigorosas rajadas não apenas porque podia fazêlo mas porque tinha que fazêlo Por outro lado o exército era uma carreira como qualquer outra das muitas abertas ao talento pela revolução burguesa e os que nele obtiveram sucesso tinham um interesse investido na estabilidade interna como qualquer outro burguês Foi isto que fez do exército a despeito de seu jacobinismo embutido um pilar do governo póstermidoriano e de seu líder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revolução burguesa e começar o regime burguês O próprio Napoleão Bonaparte embora cavalheiro de nascimento pelos padrões de sua bárbara ilha natal da Córsega era um carreirista típico daquela espécie Nascido em 1769 ambicioso descontente e revolucionário subiu vagarosamente na artilharia um dos poucos ramos do exército real em que a competência técnica era indispensável Durante a Revolução e especialmente sob a ditadura jacobina que ele apoiou firmemente foi reconhecido por um comissário local em um fronte de suma importância por casualidade um patrício da Córsega fato que dificilmente pode ter abalado suas intenções como um soldado de dons esplêndidos e muito promissor O Ano II fez dele um general Sobreviveu à queda de Robespierre e um dom para o cultivo de ligações úteis em Paris ajudouo em sua escalada após este momento difícil Agarrou a sua chance na campanha italiana de 1796 que fez dele o inquestionado primeiro soldado da República que agia virtualmente independente das autoridades civis O poder foi meio atirado sobre seus ombros e meio agarrado por ele quando as invasões estrangeiras de 1799 revelaram a fraqueza do Diretório e a sua própria indispensabilidade Tornouse primeiro cônsul depois cônsul vitalício e Imperador E com sua chegada como que por milagre os insolúveis problemas do Diretório se tornaram solúveis Em poucos anos a França tinha um Código Civil uma concordata com a Igreja e até mesmo o mais significativo símbolo da estabilidade burguesa um Banco Nacional E o mundo tinha o seu primeiro mito secular Os leitores mais velhos ou os de países antiquados conhecem o mito napoleônico tal como ele existiu durante o século em que nenhuma sala da classe média estava completa sem o seu busto e talentos panfletários podiam afirmar mesmo como piada que ele não era um homem mas um deussol O extraordinário poder deste mito não pode ser adequadamente explicado nem pelas vitórias napoleônicas nem pela propaganda napoleônica ou tampouco pelo próprio gênio indubitável de Napoleão Como homem ele era inquestionavelmente muito brilhante versátil inteligente e imaginativo embora o poder o tivesse tornado sórdido Como general não teve igual como governante foi um planejador chefe e executivo soberbamente eficiente e um intelectual suficientemente completo para entender e supervisionar o que seus subordinados faziam Como indivíduo parece ter irradiado um senso de grandeza mas a maioria dos que deram esse testemunho por exemplo Goethe viramno no auge de sua fama quando o mito já o tinha envolvido Foi sem sombra de dúvidas um grande homem e talvez com a exceção de Lênin seu retrato é o que a maioria das pessoas razoavelmente instruídas mesmo hoje reconheceriam mais prontamente numa galeria de personagens da história ainda que somente pela tripla marca registrada do tamanho pequeno do cabelo escovado para a frente sobre a testa e da mão enfiada no colete entreaberto Talvez não tenha sentido fazer uma comparação dele em termos de grandeza com candidatos a esse título no século XX Pois o mito napoleônico baseiase menos nos méritos de Napoleão do que nos fatos então sem paralelo de sua carreira Os homens que se tornaram conhecidos por terem abalado o mundo de forma decisiva no passado tinham começado como reis como Alexandre ou patrícios como Júlio César mas Napoleão foi o pequeno cabo que galgou o comando de um continente pelo seu puro talento pessoal Isto não foi estritamente verdadeiro mas sua ascensão foi suficientemente meteórica e alta para tornar razoável a descrição Todo jovem intelectual que devorasse livros como o jovem Bonaparte o fizera escrevesse maus poemas e romances e adorasse Rousseau poderia a partir daí ver o céu como o limite e seu monograma enfaixado em lauréis Todo homem de negócios daí em diante tinha um nome para sua ambição ser os próprios clichés o denunciam um Napoleão das finanças ou da indústria Todos os homens comuns ficavam excitados pela visão então sem paralelo de um homem comum que se tornou maior do que aqueles que tinham nascido para usar coroas Napoleão deu à ambição um nome pessoal no momento em que a dupla revolução tinha aberto o mundo aos homens de vontade E ele foi mais ainda Foi um homem civilizado do século XVIII racionalista curioso iluminado mas também discípulo de Rousseau o suficiente para ser ainda o homem romântico do século XIX Foi o homem da Revolução e o homem que trouxe estabilidade Em síntese foi a figura com que todo homem que partisse os laços com a tradição podiase identificar em seus sonhos Para os franceses ele foi também algo bem mais simples o mais bemsucedido governante de sua longa história Triunfou gloriosamente no exterior mas em termos nacionais também estabeleceu ou restabeleceu o mecanismo das instituições francesas como existem até hoje Reconhecidamente a maioria de suas ideias talvez todas foram previstas pela Revolução e o Diretório sua contribuição pessoal foi fazêlas um pouco mais conservadoras hierárquicas e autoritárias Mas seus predecessores apenas previram ele realizou Os grandes monumentos de lucidez do direito francês os Códigos que se tornaram modelos para todo o mundo burguês exceto o anglosaxão foram napoleônicos A hierarquia dos funcionários a partir dos prefeitos para baixo das cortes das universidades e escolas foi obra sua As grandes carreiras da vida pública francesa o exército o funcionalismo público a educação e o direito ainda têm formas napoleônicas Ele trouxe estabilidade e prosperidade para todos exceto para os 2S0 mil franceses que não retornaram de suas guerras embora mesmo para os parentes deles tivesse trazido a glória Sem dúvida os britânicos se viam como lutadores pela causa da liberdade contra a tirania mas em 1815a maioria dos ingleses era mais pobre do que o fora em 1800 enquanto que a maioria dos franceses era quase que certamente mais rica e ninguém exceto os trabalhadores assalariados cujo número era insignificante tinha perdido os substanciais benefícios econômicos da Revolução Há pouco mistério quanto à persistência do bonapartismo como uma ideologia de franceses apolíticos especialmente dos camponeses mais ricos depois da queda do ditador Foi necessário um segundo Napoleão menor entre 1851 e 1870 para dissipála Ele destruíra apenas uma coisa a Revolução Jacobina o sonho de igualdade liberdade e fraternidade do povo se erguendo na sua grandiosidade para derrubar a opressão Este foi um mito mais poderoso do que o dele pois após a sua queda foi isto e não a sua memória que inspirou as revoluções do século XIX inclusive em seu próprio país Capítulo Quatro A Guerra Numa época de inovação tudo o que não é novo é pernicioso A arte militar da monarquia não nos serve mais pois somos homens diferentes e temos inimigos diferentes O poder e as conquistas dos povos o esplendor de sua política e de suas guerras sempre dependeram de um único princípio e de uma única instituição poderosa Nossa nação já tem um caráter nacional próprio Seu sistema militar deve ser diferente do de seus inimigos Muito bem Então se a nação francesa e terrível devido ao nosso ardor e capacidade e se nossos inimigos são desastrados lentos e frios então nosso sistema militar deve ser impetuoso SaintJust Rapport présenté à la Convention Nationale au nom du Comité de Salut Public 19 du premier mois de lan II 10 de outubro de 1793 Não é verdade que a guerra seja determinada por princípio divino não é verdade que a terra tenha sede de sangue O próprio Deus amaldiçoa a guerra como o fazem também os homens que a empreendem e que a suportam em secreto horror Alfred de Vigny Servitude et grandeur militaires I De 1792 a 1815 houve guerra quase que ininterrupta na Europa em combinação ou simultaneamente com outras guerras fora do continente nas Antilhas Levante e índia na década de 1790 e princípios de 1800 algumas operações navais depois em várias partes e nos EUA em 181214 As conseqüências da vitória ou da derrota nestas guerras foram consideráveis pois elas transformaram o mapa do mundo Precisamos portanto considerálas primeiro Mas teremos também que considerar um problema menos tangível Quais foram as consequências do processo bélico efetivo da mobilização e das operações militares das medidas políticas e econômicas resultantes delas Dois tipos muito diferentes de beligerantes confrontaramse durante aqueles 20 anos os poderes e os sistemas A França como Estado com seus interesses e aspirações enfrentou ou aliouse a outros Estados do mesmo tipo mas por outro lado a França como Revolução inspirava os outros povos do mundo a derrubarem a tirania e a abraçarem a liberdade sofrendo em consequência a oposição das forças conservadoras e reacionárias Sem dúvida depois dos primeiros anos apocalípticos de guerra revolucionária a diferença entre estas duas linhas de conflito diminuiu Ao final do reinado de Napoleão o elemento conquista e exploração imperial prevalecia sobre o elemento libertação sempre que as tropas francesas derrotavam ocupavam ou anexavam algum país e assim a guerra internacional ficava muito menos mesclada com a guerra civil internacional e em cada caso doméstica Por outro lado os poderes contra revolucionários estavam resignados à irreversibilidade de muitas das conquistas da revolução na França e consequentemente prontos a negociar a paz dentro de certas condições sem se colocar como a luz entre a escuridão mas considerando o interlocutor como um poder normalmente estabelecido Eles estavam até mesmo algumas semanas após a primeira derrota de Napoleão dispostos a readmitir a França como um participante igual no tradicional jogo de aliança contraaliança blefe ameaça e guerra em que a diplomacia regulava as relações entre os grandes Estados Não obstante a natureza binária das guerras como conflito tanto entre Estados como entre sistemas sociais permaneceu Socialmente falando os beligerantes estavam muito desigualmente divididos Excetuando a própria França havia somente um Estado importante cujas origens e simpatias revolucionárias para com a Declaração dos Direitos do Homem poderiam darlhe uma inclinação ideológica para o lado francês os Estados Unidos da América De fato os EUA penderam para o lado francês e em pelo menos uma ocasião 181214 fizeram uma guerra se não em aliança com a França pelo menos contra um inimigo comum os britânicos Entretanto os EUA permaneceram na maioria das vezes neutros e seu conflito com os britânicos não exige qualquer explicação ideológica No resto os aliados ideológicos da França eram partidos e correntes de opinião dentro de outros Estados e não poderes estatais De uma maneira bastante ampla praticamente toda pessoa instruída esclarecida e de talento simpatizava com a Revolução pelo menos até a ditadura jacobina e muitas vezes bem depois dela Beethoven só revogou a dedicatória da Sinfonia Heróica a Napoleão depois que ele se tornou imperador A lista dos gênios e talentos europeus que inicialmente apoiavam a Revolução pode ser comparada com a simpatia semelhante e quase que universal pela República Espanhola na década de 1930 Na GrãBretanha esta lista incluía os poetas Wordsworth Blake Coleridge Robert Burns Southey os cientistas o químico Joseph Priestley e vários membros da distinta Sociedade Lunar de Birmingham tecnólogos e industriais como Wilkinson o capitão do ferro e o engenheiro Thomas Telford e ainda intelectuais membros do partido Whig e dissidentes em geral Na Alemanha incluía os filósofos Kant Herder Fichte Schelling e Hegel os poetas Schiller Hoelderlin Wieland e o idoso Klopstock além do músico Beethoven na Suíça o educador Pestalozzi o psicólogo Lavater e o pintor Fuessli Fuseli na Itália praticamente todas as pessoas de opiniões anticlericais Entretanto embora a Revolução se sentisse cativada por este apoio intelectual e por tão honrados e eminentes simpatizantes estrangeiros e por aqueles que acreditava estarem a favor de seus princípios a ponto de concederlhes a cidadania francesa honorária nem Beethoven ou Robert Burns tinham em si mesmos muita importância política ou militar Um sério sentimento político próFrança ou filojacobino existia em geral em certas áreas contíguas à França onde as condições sociais eram semelhantes ou os contatos culturais permanentes como os Países Baixos a Renânia a Suíça e a Savóia na Itália e por razões um tanto diferentes na Irlanda e na Polónia Na GrãBretanha o jacobinismo teria sido indubitavelmente um fenómeno de importância política maior até mesmo depois do Terror se não tivesse se chocado com o tradicional preconceito antifrancês do nacionalismo popular inglês composto igualmente do robusto desprezo pelos famintos continentais todos os franceses nas charges populares da época eram magros como palitos de fósforos e da hostilidade ao que afinal de contas era o inimigo hereditário da Inglaterra embora também aliado hereditário da Escócia O jacobinismo britânico foi único por ser primordialmente um fenómeno de artesãos ou da classe operária pelo menos depois que tinha passado o primeiro entusiasmo geral As Sociedades Correspondentes Corresponding Societies podem reivindicar o fato de serem as primeiras organizações políticas independentes da classe trabalhadora Mas a classe trabalhadora encontrou uma voz de força sem paralelo nos Direitos do Homem de Tom Paine que talvez tenha vendido um milhão de cópias e algum apoio político de interesses ligados ao partido Whig imunes de perseguições devido a sua riqueza e posição social e que estavam prontos a defender as tradições britânicas de liberdade civil e o desejo de uma paz negociada com a França Não obstante a verdadeira fraqueza do jacobinismo britânico é indicada pelo fato de que a própria esquadra que se amotinou em Spithead num estágio crucial da guerra 1797 clamou por permissão para lutar contra os franceses assim que viu satisfeitas suas exigências econômicas Na Península Ibérica nos domínios dos Habsburgo na Alemanha Central e Oriental na Escandinávia nos Bálcans e na Rússia o filojacobinismo era uma força insignificante Atraía alguns jovens ardentes alguns intelectuais iluministas e mais uns poucos que como Inácio Martinovics na Hungria ou Rhigas na Grécia ocupam os lugares de honra de precursores na história da luta de seus países pela libertação nacional ou social Mas a ausência de qualquer apoio de vulto para suas opiniões entre as classes média e alta para não mencionarmos seu isolamento do fanático campesinato analfabeto fez com que o jacobinismo fosse facilmente suprimível mesmo quando como na Áustria atreveuse a uma conspiração Teria que se passar uma geração até que a forte e militante tradição liberal espanhola emergisse das poucas e diminutas conspirações estudantis ou dos emissários jacobinos de 17925 A verdade é que na maior parte o jacobinismo no exterior exerceu um apelo ideológico direto sobre as classes instruídas e média e portanto sua força política dependia da capacidade ou vontade que essas classes tinham de usálo A França era de há muito o principal poder estrangeiro em quem os poloneses esperavam encontrar apoio contra a cobiça conjunta dos prussianos russos e austríacos que já tinham anexado vastas áreas do país e logo viriam a dividilo inteiramente entre si A França também fornecia um modelo do único tipo de profunda reforma interna que na opinião de todos os poloneses pensantes podia dar ao país condições de resistir aos seus açougueiros Logo não é muito surpreendente que a constituição da Reforma de 1791 tenha sido influenciada profunda e conscientemente pela Revolução Francesa foi a primeira das modernas constituições a mostrar esta influência Mas na Polónia a pequena e a alta nobreza reformadoras tinham as mãos livres Na Hungria onde o conflito endémico entre Viena e os autonomistas locais fornecia um incentivo análogo para que os cavalheiros do interior se interessassem por teorias de resistência o condado de Gõmõr exigia a abolição da censura por ser contrária ao Contrato Social de Rousseau isso não acontecia Consequentemente o jacobinismo era mais fraco e menos eficaz Por outro lado na Irlanda o descontentamento agrário e nacional deu ao jacobinismo uma força política muito além do apoio efetivo de que desfrutava a ideologia maçónica e livrepensadora dos líderes dos Irlandeses Unidos Eram rezadas missas pela vitória dos ímpios franceses num país eminentemente católico e os irlandeses estavam preparados para saudar a invasão de seu país pelas forças francesas não porque simpatizassem com Robespierre mas porque odiavam os ingleses e buscavam aliados contra eles Na Espanha por sua vez onde tanto o catolicismo quanto a pobreza eram proeminentes o jacobinismo fracassou em obter um ponto de apoio pela razão oposta nenhum estrangeiro oprimia os espanhóis e os únicos capazes de fazêlo eram os franceses Nem a Polónia nem a Irlanda eram exemplos típicos do filojacobinismo pois o verdadeiro programa da Revolução pouco lhes atraía O programa só era atraente em países com problemas políticos e sociais semelhantes aos da França Estes se enquadram em dois grupos Estados em que o jacobinismo nativo tinha uma razoável chance de lutar pelo poder político e Estados em que somente a conquista francesa poderia fazêlos avançar Os Países Baixos partes da Suíça e possivelmente um ou dois Estados italianos pertenciam ao primeiro grupo já a maior parte da Alemanha Ocidental e da Itália pertenciam ao segundo A Bélgica a Holanda austríaca já estava rebelada em 1789 frequentemente se esquece que Camille Desmoulins chamou seu jornal de Les Révolutions de La France et de Brabant O grupo prófrancês dos revolucionários os democratas Vonckists era sem dúvida mais fraco que os conservadores Statists mas era suficientemente forte para produzir um autêntico apoio revolucionário para a conquista francesa de seu país que eles favoreceram Nas Províncias Unidas os patriotas buscando uma aliança com a França eram poderosos o bastante para considerar a hipótese de uma revolução embora tivessem dúvidas se ela poderia ser bem sucedida sem auxílio externo Eles representavam a classe média inferior e outros se levantavam contra as oligarquias dominantes dos grandes mercadores aristocratas Na Suíça o elemento esquerdista em certos cantões protestantes fora sempre forte e a atração da França sempre poderosa Aqui também a conquista francesa suplementou e não criou as forças revolucionárias locais Na Alemanha Ocidental e na Itália isso não aconteceu A invasão francesa foi saudada pelos jacobinos alemães notadamente em Mainz e no sudoeste mas ninguém poderia dizer que eles estivessem razoavelmente próximos de por si mesmos poderem ao menos causar grandes problemas a seus governos Na Itália o predomínio do iluminismo e da maçonaria tornou a Revolução imensamente popular entre os cidadãos instruídos mas o jacobinismo local era provavelmente poderoso apenas no reino de Nápoles onde praticamente arrebatou toda a classe média esclarecida ie anticlerical e uma parte da pequena nobreza e estava bem organizado nas lojas maçónicas e sociedades secretas que vicejam tão bem no clima do sul da Itália Mas mesmo aí ressentiase do completo fracasso em estabelecer contato com as massas socialmente revolucionárias Uma república napolitana foi facilmente proclamada quando chegaram as notícias do avanço francês mas foi igualmente derrubada com facilidade por uma revolução social de direita sob os estandartes do Papa e do Rei porque os camponeses e os lazzaroni napolitanos definiam o jacobino com certa justiça como um homem que tem carruagem Em termos amplos portanto o valor militar do filojacobinismo estrangeiro foi principalmente o de um auxílio para a conquista francesa e uma fonte de administradores politicamente confiáveis para os territórios conquistados E de fato a tendência era de que as áreas com uma força jacobina local se transformassem em repúblicas satélites e depois quando conveniente fossem anexadas à França A Bélgica foi anexada em 1795 a Holanda transformou se na República Batava no mesmo ano e eventualmente em reinado da família dos Bonaparte A margem esquerda do Reno foi anexada e no governo de Napoleão os Estados satélites como o GrãoDucado de Berg atualmente a área do Ruhr e o reino da Vestfália e a anexação direta estenderamse mais ainda pelo noroeste da Alemanha A Suíça transformouse na República Helvética em 1789 e foi posteriormente anexada Na Itália ergueuse um cordão de repúblicas a Cisalpina 1797 a Liguriana 1797 a Romana 1798 a Partenopeana 1798 que finalmente se transformaram parcialmente em territórios franceses mas predominantemente em Estados satélites o reino da Itália o reino de Nápoles O jacobinismo estrangeiro tinha alguma importância militar e os jacobinos estrangeiros dentro da França desempenharam um papel significativo na formação da estratégia republicana como notadamente o grupo Saliceti que por acaso não foi pouco responsável pela ascensão do italiano Napoleão Bonaparte dentro do exército francês e por seus sucessos posteriores na Itália Mas poucos diriam que ele ou eles foram decisivos Apenas um movimento estrangeiro pró francês poderia ter sido decisivo se tivesse sido explorado eficazmente o irlandês Uma combinação da revolução irlandesa com a invasão francesa particularmente em 17978 quando a GrãBretanha era temporariamente o único beligerante que restava contra a França bem poderia ter forçado a GrãBretanha a estabelecer a paz Mas os problemas técnicos de uma invasão por uma faixa de mar tão larga eram difíceis os esforços franceses para executála hesitantes e malconcebidos e o levante irlandês de 1798 embora desfrutasse de maciço apoio popular foi mal organizado e facilmente suprimido Especular sobre as possibilidades teóricas de operações francoirlandesas é portanto inútil Mas se os franceses contavam com o apoio das forças revolucionárias no exterior os antifranceses também o desfrutavam Pois não se pode negar aos espontâneos movimentos de resistência popular contra a conquista francesa um componente sóciorevolucionário mesmo quando os camponeses que os desencadeavam o expressassem em termos de um militante conservadorismo baseado na Igreja e no Rei É significativo que a tática militar que em nosso século se tornou mais plenamente identificada com a guerra revolucionária a guerrilha fosse entre 1792 e 1815 um recurso quase exclusivo do lado antifrancês Na própria França a Vendéia e os chouans da Bretanha sustentaram com interrupções uma guerra de guerrilhas monarquista de 1793 até 1802 No exterior os bandoleiros do sul da Itália foram provavelmente em 17989 os pioneiros das ações antifrancesas de guerrilha popular Os tiroleses sob a liderança do coletor de impostos Andreas Hofer em 1809 mas sobretudo os espanhóis a partir de 1808 e até certo ponto os russos em 181213 praticaramna com considerável sucesso Paradoxalmente a importância militar desta tática revolucionária para os antifranceses foi quase certamente maior do que a importância militar do jacobinismo estrangeiro para os franceses Nenhuma área fora das fronteiras da própria França manteve um governo jacobino por um momento sequer após a derrota ou retirada das tropas francesas mas o Tirol a Espanha e até certo ponto o sul da Itália apresentaram um problema militar mais sério do que antes para os franceses após a derrota de seus exércitos e governadores A razão é óbvia nessas áreas os movimentos contra a conquista francesa eram movimentos camponeses Onde o nacionalismo antifrancês não se baseou nos camponeses sua importância militar foi desprezível O patriotismo retrospectivo criou uma guerra de libertação alemã em 181314 mas podemos seguramente dizer que na medida em que se supõe que isso se baseou numa resistência popular aos franceses é pura ficção Na Espanha o povo manteve a resistência aos franceses depois que os exércitos fracassaram na Alemanha os exércitos ortodoxos os derrotaram de uma maneira totalmente ortodoxa Socialmente falando portanto não há grande distorção se falarmos da guerra como uma guerra da França e de seus territórios vizinhos contra o resto Em termos de relações de poder ultrapassadas o alinhamento era mais complexo Aqui o conflito fundamental que dominara as relações internacionais europeias durante quase um século era entre a França e a GrãBretanha Do ponto de vista dos britânicos era um conflito quase que totalmente econômico Eles desejavam eliminar seu principal competidor para alcançar o total predomínio comercial nos mercados europeus e o controle total dos mercados coloniais e ultramarinos que por sua vez implicava o controle dos mares De fato eles alcançaram não muito menos que isso como resultado das guerras Na Europa este objetivo não implicava ambições territoriais exceto pelo controle de certos pontos de importância marítima ou a segurança de que estes não cairiam em mãos de Estados suficientemente fortes para oferecerem perigo Quanto ao resto a GrãBretanha se contentava com qualquer solução continental que mantivesse qualquer rival em potencial em cheque por outros Estados Além mar isto implicava a total destruição dos impérios coloniais de outros povos e consideráveis anexações para os britânicos Esta política era em si mesma suficiente para fornecer aos franceses alguns aliados em potencial pois todos os Estados coloniais comerciais e marítimos viamna com apreensão ou hostilidade Na verdade sua postura normal era de neutralidade pois os benefícios de se comerciar livremente em tempos de guerra são consideráveis mas a tendência britânica de encarar bem realisticamente a neutralidade do transporte marítimo como uma força a favor dos franceses e não deles levouos vez por outra ao conflito até que a política francesa de bloqueio depois de 1806 empurrouos para a direção oposta A maioria das potências marítimas era fraca demais ou se europeias demasiadamente isoladas para causar aos britânicos muitos problemas mas a guerra angloamericana de 181214 foi o resultado desse conflito A hostilidade francesa à GrãBretanha era um pouco mais complexa mas a sua corrente que como os britânicos exigia uma vitória total foi grandemente fortalecida pela Revolução o que trouxe ao poder uma burguesia francesa cujos apetites eram a seu modo tão ilimitados quanto os dos britânicos No mínimo a vitória sobre os britânicos exigia a destruição do comércio britânico do qual se acreditava corretamente que a GrãBretanha dependia e uma salvaguarda contra a futura recuperação britânica sua permanente destruição O paralelo entre o conflito francobritânico e o romanocartaginês estava na mente dos franceses cuja percepção política era em grande parte clássica De uma maneira mais ambiciosa a burguesia francesa podia esperar compensar a evidente superioridade econômica britânica somente através de seus próprios recursos políticos e militares por exemplo criando para si mesma um vasto mercado cativo do qual seus rivais fossem excluídos Ambas estas considerações emprestavam ao conflito francobritânico uma persistência e obstinação diferentes das de quaisquer outros Nenhum dos lados estava realmente coisa rara naqueles dias embora comum nos dias de hoje preparado para se satisfazer com menos do que a vitória total O único breve período de paz entre os dois 18023 chegou a um fim pela relutância de ambos em mantêlo Isto foi tanto mais notável porque a situação puramente militar impunha uma paralisação ficou claro a partir dos últimos anos da década de 1790 que os britânicos não podiam efetivamente chegar até o continente e que os franceses não podiam efetivamente sair dele As outras potências antifrancesas estavam engajadas em uma espécie menos assassina de luta Todas elas esperavam derrubar a Revolução Francesa embora não às custas de suas próprias ambições políticas mas depois de 17925 isto se tornou claramente impraticável A Áustria cujas laços familiares com os Bourbon foram reforçados pela ameaça francesa direta a suas possessões e áreas de influência na Itália e à sua posição de liderança na Alemanha era o país mais consistentemente antifrancês e tomou parte em todas as principais coalizões contra a França A Rússia foi intermitentemente antifrancesa passando à guerra somente em 17951800 18057 e 1812 A Prússia achavase dividida entre uma simpatia a favor do lado contra revolucionário uma desconfiança em relação à Áustria e suas próprias ambições na Polónia e na Alemanha que se beneficiavam da iniciativa francesa De forma que entrou em guerra contra a França apenas ocasionalmente e de uma maneira semiindependente em 17925 18067 quando foi pulverizada e 1813 A política do resto dos Estados que de tempos em tempos entravam em coalizões antifrancesas mostra flutuações comparáveis Eles eram contra a Revolução mas sendo a política o que é tinham também outros problemas a resolver e nada em seus interesses estatais impunha uma permanente e resoluta hostilidade à França especialmente a uma França vitoriosa que determinava as periódicas redistribuições do território europeu Estes permanentes interesses e ambições diplomáticas dos Estados europeus também deram aos franceses um número de aliados em potencial pois em todo sistema permanente de Estados em tensão e rivalidade uns contra os outros a inimizade de A implica a simpatia dos antiA Destes os de maior confiança eram os príncipes germânicos de menor importância cujos interesses eram de há muito normalmente em aliança com a França enfraquecer o poder do Imperador i e da Áustria sobre os principados ou que sofriam com o crescimento do poder prussiano Os Estados do sudoeste alemão Baden Wurtemberg Bavária que se transformaram no núcleo da Confederação Napoleônica do Reno 1806 e o velho rival e vítima da Prússia a Saxônia eram os mais importantes A Saxônia de fato foi o último e mais leal aliado de Napoleão um fato também parcialmente explicável por seus interesses econômicos pois na qualidade de um centro manufatureiro desenvolvido ela se beneficiava do sistema continental napoleônico Ainda assim mesmo levando em conta as divisões do lado antifrancês e o potencial de aliados que os franceses poderiam atrair no papel as coalizões antifrancesas eram invariavelmente muito mais fortes que as francesas pelo menos no início Contudo a história militar das guerras é uma história de quase ininterrupta e sufocante vitória francesa Após a combinação inicial de ataque estrangeiro e contrarevolução doméstica ter sido derrotada 1793 4 houve só um curto período antes do fim em que os exércitos franceses ficaram seriamente na defensiva em 1799 quando a segunda coalizão mobilizou o formidável exército russo sob o comando de Suvorov para suas primeiras operações na Europa Ocidental Para todos os fins práticos a lista de campanhas e batalhas terrestres entre 1794 e 1812 é uma lista de triunfo francês praticamente ininterrupto A razão está na Revolução ocorrida na França Sua radiação política no exterior não foi como vimos decisiva No máximo poderíamos dizer que ela evitou que as populações dos Estados reacionários resistissem aos franceses que lhes trouxeram liberdade mas na verdade a estratégia e a tática militares dos Estados ortodoxos do século XVIII não esperavam nem desejavam a participação civil nas guerras Frederico o Grande disse com firmeza a seus leais berlinenses que se ofereceram para lutar contra os russos para deixar a guerra aos profissionais a quem ela pertencia Mas isto transformou a ação bélica dos franceses e os fez incomensuravelmente superiores aos exércitos do velho regime Tecnicamente os velhos exércitos eram melhor treinados e disciplinados c onde estas qualidades eram decisivas como na guerra naval os franceses foram sensivelmente inferiores Eles eram bons corsários e rápidos incursores mas não podiam compensar a falta de um número suficiente de marujos treinados e sobretudo de oficiais navais competentes classe que havia sido dizimada pela Revolução pois constituíase amplamente de elementos provenientes da pequena nobreza normanda e bretã e que não podia ser rapidamente improvisada Em seis grandes e oito pequenas batalhas navais entre os britânicos e os franceses as baixas francesas foram cerca de dez vezes maiores que as dos ingleses Mas no que tange à organização improvisada mobilidade flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta os franceses não tinham rivais Estas vantagens não dependiam do gênio militar de ninguém pois o saldo militar dos franceses antes que Napoleão tomasse o poder era bastante impressionante e a qualidade média do generalato francês não era excepcional Mas isto deve ter em parte dependido do rejuvenescimento dos quadros militares franceses dentro e fora do país o que é uma das principais consequências de qualquer revolução Em 1806 de 142 generais do poderoso exército prussiano 79 tinham mais de 60 anos de idade bem como umquarto de todos os comandantes de regimentos Mas em 1806 Napoleão que chegou a general aos 24 anos Murat que comandou uma brigada aos 26 Ney que o fez aos 27 e Davout estavam todos entre 26 e 37 anos de idade II A relativa monotonia do sucesso francês torna desnecessário discutir as operações militares de guerra terrestre com grandes detalhes Em 17934 os franceses preservaram a Revolução Em 17945 ocuparam os Países Baixos a Renânia partes da Espanha Suíça e Savóia e Ligúria Em 1796 a celebrada campanha italiana de Napoleão deulhes toda a Itália e quebrou a primeira coalizão contra a França A expedição de Napoleão a Malta Egito e Síria 17979 foi isolada de sua base pelo poderio naval britânico e em sua ausência a segunda coalizão expulsou os franceses da Itália e atirouos de volta à Alemanha A derrota dos exércitos aliados na Suíça batalha de Zurique 1799 salvou a França da invasão e logo depois do retorno de Napoleão e de sua tomada do poder os franceses estavam novamente na ofensiva Em 1801 tinham imposto a paz ao restante dos aliados continentais e em 1802 até mesmo aos britânicos Daí em diante a supremacia francesa nas regiões conquistadas ou controladas em 17948 permaneceu inquestionável Uma nova tentativa de desencadear a guerra contra eles em 18057 simplesmente estendeu a influência francesa à fronteira russa A Áustria foi derrotada em 1805 na batalha de Austerlitz na Morávia e a paz lhe foi imposta A Prússia que declarou guerra tarde e separadamente foi destruída nas batalhas de Iena e Auerstaedt em 1806 e desmembrada A Rússia embora derrotada em Austerlitz espancada em Eylau 1807 e derrotada novamente em Friedland 1807 permaneceu intacta como potência militar O Tratado de Tilsit 1807 tratavaa com justificável respeito embora estabelecendo a hegemonia francesa sobre o resto do continente à exceção da Escandinávia c dos Bálcans turcos Uma tentativa austríaca de obter a liberdade foi derrotada nas batalhas de AspernEssling e Wagram Entretanto a revolta dos espanhóis em 1808 contra a imposição do irmão de Napoleão José como seu rei abriu um campo de operações para os britânicos e manteve uma constante atividade militar na Península não afetada pelas retiradas e derrotas periódicas dos britânicos p ex em 180910 No mar entretanto os franceses estavam por esta época completamente derrotados Após a batalha de Trafalgar 1805 qualquer chance não apenas de invadir a GrãBretanha pelo Canal da Mancha como também de manter contatos ultramarinos desapareceu O único modo que parecia haver para derrotar a GrãBretanha era a pressão econômica e isto Napoleão tentou exercer eficazmente através do Sistema Continental 1806 As dificuldades de impor este bloqueio de maneira eficiente minaram a estabilidade do Tratado de Tilsit e levaram ao rompimento com a Rússia que foi o ponto decisivo da sorte de Napoleão A Rússia foi invadida e Moscou ocupada Se o czar tivesse feito a paz como a maioria dos inimigos de Napoleão tinham feito sob circunstâncias semelhantes o jogo teria terminado Mas o czar não estabeleceu a paz e Napoleão se viu diante da opção entre uma guerra interminável sem perspectiva clara de vitória ou a retirada Ambas eram igualmente desastrosas Os métodos do exército francês como vimos implicavam rápidas campanhas em áreas suficientemente ricas e densamente povoadas para que ele pudesse retirar sua manutenção da terra Mas o que funcionou na Lombardia e na Renânia onde estes processos tinham sido desenvolvidos pela primeira vez e ainda era viável na Europa Central fracassou totalmente nos amplos pobres e vazios espaços da Polónia e da Rússia Napoleão foi derrotado não tanto pelo inverno russo quanto por seu fracasso em manter o Grande Exército com um suprimento adequado A retirada de Moscou destruiu o Exército De 610 mil homens que tinham num ou noutro momento atravessado a fronteira russa 100 mil retornaram aproximadamente Nessas circunstâncias a coalizão final contra os franceses foi formada não só por seus velhos inimigos e vítimas mas também por todos os que se sentiam ansiosos por estar do lado que a esta altura aparecia claramente como o vencedor só o rei da Saxônia abandonou sua adesão à França tarde demais Um novo exército francês largamente imaturo foi derrotado em Leipzig 1813 e os aliados avançaram inexoravelmente sobre a França a despeito das brilhantes manobras de Napoleão enquanto os britânicos avançavam sobre ela a partir da Península Paris foi ocupada e o Imperador renunciou a 6 de abril de 1814 Ele tentou restaurar seu poder em 1815 mas a batalha de Waterloo junho de 1815 o liquidou III No decorrer dessas décadas de guerra as fronteiras políticas da Europa foram redesenhadas várias vezes Precisamos aqui considerar somente aquelas mundanças que de uma maneira ou de outra foram bastante permanentes para sobreviver à derrota de Napoleão A mais importante delas foi uma racionalização geral do mapa político europeu especialmente na Alemanha e na Itália Em termos de geografia política a Revolução Francesa pôs fim à Idade Média O típico Estado moderno que estivera se desenvolvendo por vários séculos é uma área ininterrupta e territorialmente coerente com fronteiras claramente definidas governada por uma só autoridade soberana e de acordo com um só sistema fundamental de administração e de leis Desde a Revolução Francesa temse entendido que o Estado moderno deva representar também uma só nação ou grupo lingüístico mas naquela época um Estado territorial soberano não implicava isto O típico Estado feudal europeu embora pudesse às vezes parecer com esse modelo como por exemplo na Inglaterra medieval não requeria essas condições Ele era padronizado muito mais com base na propriedade Exatamente como a expressão as propriedades do Duque de Bedford não implica que elas devessem constituir um único bloco nem serem todas diretamente administradas por seu dono ou mantidas sob os mesmos arrendamentos ou termos nem que os subarrendamentos devessem estar excluídos o Estado feudal da Europa Ocidental também não excluía uma complexidade que pareceria totalmente intolerável hoje em dia Em 1789 estas complexidades já eram sentidas como problemáticas Enclaves estrangeiros achavamse profundamente enraizados em alguns territórios de certos Estados como a cidade papal de Avignon na França Territórios contidos em um Estado encontravamse também por razões históricas dependentes de outro senhor que a esta altura fazia parte de outro Estado e portanto em termos modernos achavamse sob dupla jurisdição Fronteiras sob a forma de barreiras alfandegárias separavam diferentes províncias do mesmo Estado O império do Sagrado Imperador Romano compreendia seus principados particulares acumulados durante os séculos e jamais adequadamente padronizados ou unificados o chefe da Casa dos Habsburgo nem mesmo tinha um simples título para descrever seu domínio sobre todos os seus territórios até 1804 e a autoridade imperial sobre uma variedade de territórios que iam desde grandes potências por si mesmas como o reino da Prússia ele próprio não totalmente unificado como tal até 1807 passando por principados de todos os tamanhos até repúblicas de cidadesEstados independentes e cavaleiros imperiais livres cujas propriedades freqüentemente apenas alguns acres de terra não tinham senhores mais altos Cada uma dessas áreas por sua vez se bastante grande demonstrava a mesma falta de unidade territorial e de padronização dependendo dos caprichos de uma longa história de aquisições fragmentárias divisões e reunificações da herança de família O complexo de considerações econômicas administrativas ideológicas e de poder que tendem a impor um tamanho mínimo de território e população à moderna unidade de governo e que nos fazem sentir vagamente desconcertados ao pensarmos digamos na filiação do Liechtenstein à ONU ainda não se aplicavam de modo algum Consequentemente em especial na Alemanha e na Itália abundavam os Estados pequenos e anões A Revolução e as consequentes guerras aboliram muitas dessas relíquias em parte devido ao zelo revolucionário pela padronização e unificação territorial e em parte pela exposição dos Estados pequenos e fracos repetidas vezes e por um período excepcionalmente longo à gula de seus vizinhos maiores Sobreviventes formais de uma era anterior tais como o Sagrado Império Romano e a maioria das cidadesEstados e cidadesimpérios desapareceram O império morreu em 1806 as antigas repúblicas de Génova e Veneza desapareceram em 1797 e ao final da guerra as cidades alemãs livres tinham sido reduzidas a quatro Um outro típico sobrevivente medieval o Estado eclesiástico independente foise da mesma maneira como os principados episcopais de Colónia Mainz Treves Salzburgo e o resto somente os Estados papais da Itália central sobreviveram até 1870 A anexação os tratados de paz e os congressos com que a França tentou sistematicamente reorganizar o mapa político alemão em 17978 e 1803 reduziram os 234 territórios do Sagrado Império Romano não contando os cavaleiros imperiais livres e seus semelhantes a 40 na Itália onde gerações de feroz belicismo já tinham simplificado a estrutura política Estados anões existiam apenas nos confins da Itália do norte e central as mudanças foram menos drásticas Visto que a maioria destas mudanças beneficiou Estados monárquicos a derrota de Napoleão simplesmente as perpetuou A Áustria não pensaria em restaurar a República de Veneza porque obtivera seus territórios através da operação dos exércitos revolucionários franceses da mesma forma que não pensaria em abandornar Salzburgo que ela conquistou em 1803 simplesmente porque respeitava a Igreja Católica Fora da Europa é claro as mudanças territoriais das guerras foram consequência da total anexação britânica das colónias de outros povosassim como dos movimentos de libertação colonial inspirados pela Revolução Francesa p ex em São Domingos ou que se tornaram possíveis ou impostos pela separação temporária das colónias de suas metrópoles como na América espanhola e portuguesa O domínio britânico dos mares fel com que a maioria destas mudanças fossem irreversíveis tivessem elas ocorrido às custas dos franceses ou mais frequentemente dos antifranceses Igualmente importantes foram as mudanças institucionais introduzidas direta ou indiretamente pela conquista francesa No auge de seu poderio 1810 os franceses governavam diretamente como parte da França toda a Alemanha à esquerda do Reno a Bélgica a Holanda e o norte da Alemanha na direção leste até Luebeck a Savóia o Piemonte a Ligúria e a Itália a oeste dos Apeninos até as fronteiras de Nápoles e as províncias da Ilíria desde a Caríntia até a Dalmácia inclusive A família francesa e os reinos e ducados satélites cobriam ainda a Espanha o resto da Itália o resto da Renânia Vestfália e uma grande parte da Polónia Em todos estes territórios exceto talvez o GrãoDucado de Varsóvia as instituições da Revolução Francesa e do Império napoleônico foram automaticamente aplicadas ou então funcionavam como modelos óbvios para a administração local o feudalismo foi formalmente abolido os códigos legais franceses foram aplicados e assim por diante Estas mudanças provaram ser bem menos reversíveis do que a mudança de fronteiras Assim o Código Civil de Napoleão continuou sendo ou tornouse novamente a base do direito local na Bélgica na Renânia mesmo depois de sua reintegração à Prússia e na Itália Uma vez oficialmente abolido o feudalismo não mais se restabeleceu em parte alguma Visto que para os adversários inteligentes da França era evidente que tinham sido derrotados pela superioridade de um novo sistema político ou pelo menos por seu próprio fracasso em adotar reformas semelhantes as guerras produziram mudanças não só através da conquista francesa mas também através da reação contra ela em alguns casos como na Espanha por ambos os meios Os colaboradores de Napoleão os afrancesados de um lado e do outro os líderes liberais da junta antifrancesa de Cádiz imaginavam essencialmente o mesmo tipo de Espanha modernizada de acordo com os preceitos das reformas revolucionárias francesas e o que uns deixaram de alcançar os outros tentaram Um caso muito mais claro de reforma através da reação pois os liberais espanhóis foram antes de tudo reformadores e antifranceses apenas por acidente histórico foi o da Prússia onde se instituiu uma forma de libertação camponesa organizouse um exército com elementos do levée en rnasse e levaramse a termo reformas educacionais econômicas e legais inteiramente sob o impacto do colapso do exército e do Estado de Frederico em Iena e Auerstaedt e com o propósito esmagadoramente predominante de inverter aquela derrota De fato podese dizer com um pouco de exagero que nenhum Estado continental a oeste da Rússia e da Turquia e ao sul da Escandinávia emergiu dessas duas décadas de guerra com suas instituições inteiramente inalteradas pela expansão ou imitação da Revolução Francesa Até mesmo o ultrareacionário Reino de Nápoles não restabeleceu efetivamente o feudalismo legal depois que foi abolido pelos franceses Mas as mudanças de fronteiras leis e instituições governamentais não foram nada comparadas com um terceiro efeito destas décadas de guerra revolucionária a profunda transformação da atmosfera política Quando a Revolução Francesa eclodiu os governos da Europa encararamna com relativo sangue frio o simples fato de que as instituições mudassem repentinamente ocorressem insurreições dinastias fossem depostas ou reis assassinados e executados não era algo que em si mesmo chocasse os governantes do século XVIII que estavam acostumados a isso e consideravam estas mudanças em outros países primordialmente do ponto de vista de seu efeito sobre o equilíbrio do poder e sobre suas próprias posições relativas Os rebeldes que expulso de Genebra escreveu Vergennes o famoso ministro francês das Relações Exteriores do velho regime são agentes da Inglaterra enquanto que os insurretos da América mantêm esperanças de uma longa amizade conosco Minha política em relação a cada um é determinada não por seus sistemas políticos mas por sua atitude em relação à França Esta é minha razão de Estado Mas em 18 Í 5 prevalecia uma atitude totalmente diferente em relação à revolução que dominava a política dos Estados Sabiase agora que a revolução num só país podia ser um fenómeno europeu que suas doutrinas podiam atravessar as fronteiras e o que era pior que seus exércitos podiam fazer explodir os sistemas políticos de um continente Sabiase agora que a revolução social era possível que as nações existiam independentemente dos Estados os povos independentemente de seus governantes e até mesmo que os pobres existiam independentemente das classes governantes A Revolução Francesa observava De Bonald em 1796 é um acontecimento único na história A frase é enganadora ela foi um acontecimento universal Nenhum país estava imune a ela Os soldados franceses que guerrearam de Andaluzia a Moscou do Báltico à Síria sobre uma área mais vasta do que qualquer exército de conquistadores desde os mongóis e por certo mais vasta do que qualquer força militar anterior na Europa exceto os normandos estenderam a universalidade de sua revolução mais eficazmente do que qualquer outra coisa E as doutrinas e instituições que levaram consigo mesmo sob o comando de Napoleão desde a Espanha até a Ilíria eram doutrinas universais como os governos sabiam e como também os próprios povos logo viriam a saber Um bandoleiro e patriota grego expressou perfeitamente os sentimento gerais A meu ver disse Kolokotrones a Revolução Francesa e os feitos de Napoleão abriram os olhos do mundo Antes as nações sabiam de nada e as pessoas pensavam que os reis eram deuses sobres a terra e que tinham que dizer tudo que eles faziam era bem feito Devido a esta mudança de agora é mais difícil dominar o povo IV Vimos os efeitos dos vinte e tantos anos de guerra sobre a estrutura política da Europa Mas quais foram as consequências do processo bélico efetivo das mobilizações e operações militares e das medidas econômicas e políticas que delas resultaram Paradoxalmente elas foram maiores onde menos ligadas ao derramamento de sangue exceto na própria França que quase certamente sofreu mais baixas e mais perdas populacionais indiretas do que qualquer outro país Os homens do período revolucionário e napoleônico tiveram muita sorte de viver entre dois períodos de bárbaro militarismo o do século XVII e o nosso que tiveram a capacidade de devastar países de uma maneira realmente fantástica Nenhuma área afetada pelas guerras de 17921815 nem mesmo a Península Ibérica onde as operações foram mais prolongadas do que em qualquer outra parte e a represália e resistência popular fizeramnas ainda mais selvagens foi devastada como o foram partes da Europa Central e Oriental na guerra dos Trinta Anos e do Norte no século XVII ou a Suécia e a Polónia no início do século XVIII ou como grandes partes do mundo em guerras e conflagrações civis do século XX O longo período de melhoria econômica que antecedeu a 1789 fez com que a fome e suas companheiras a peste e a praga não acrescentassem muito às devastações das batalhas e dos saques pelo menos até depois de 1811 O principal período de fome ocorreu depois das guerras em 181617 As campanhas militares tendiam a ser curtas e impetuosas e os armamentos usados de artilharia relativamente leve e móvel não eram muito destrutivos segundo os padrões modernos Os cercos não eram comuns Os incêndios eram provavelmente os maiores perigos para as habitações e os meios de produção e as pequenas casas ou fazendas eram facilmente reconstruídas A única destruição material realmente difícil de reparar rapidamente em uma economia préindustrial é a das florestas ou plantações de azeitonas e frutas que levam muitos anos para crescer e não parece ter havido muita destruição desse tipo na época Consequentemente as perdas puramente humanas devidas a estas duas décadas de guerra não parecem ter sido pelos padrões modernos assustadoramente altas embora na verdade nenhum governo tenha tentado avaliálas e todas as modernas estimativas sejam vagas e não passem de puras conjecturas exceto as que se referem às baixas francesas e a alguns casos especiais Um milhão de mortos nas guerras de todo o período seria um índice favorável se comparado às perdas isoladas de qualquer um dos principais países beligerantes nos quatro anos e meio da Primeira Guerra Mundial ou mesmo aos aproximadamente 600 mil mortos da Guerra Civil Americana de 18615 Até mesmo dois milhões para mais de duas décadas de guerra generalizada não pareceria um índice particularmente assassino quando nos lembramos da extraordinária capacidade mortífera da fome e da epidemia naqueles tempos ainda em 1865 na Espanha uma epidemia de cólera segundo estimativas fez 236744 vítimas De fato nenhum país indica uma desaceleração acentuada do crescimento populacional durante este período com exceção talvez da França Para a maioria dos habitantes da Europa exceto os combatentes a guerra provavelmente não significou mais do que uma interrupção direta ocasional do cotidiano se é que chegou a significar isto As famílias do interior nos romances de Jane Austen seguiam seus afazeres como se a guerra não existisse Os Mecklenburgers de Fritz Reuter recordamse da ocupação estrangeira como anedota e não como um drama o velho Herr Kuegelgen lembrandose de sua infância na Saxônia uma das rinhas da Europa cuja situação política e geográfica atraía exércitos e batalhas como igualmente apenas a Bélgica e a Lombardia o faziam só relembrou das poucas semanas em que os exércitos marcharam sobre Dresden ou ali se aquartelaram Reconhecidamente o número de homens armados envolvidos era muito maior do que tinha sido comum em guerras anteriores embora não fosse extraordinário pelos padrões modernos Até mesmo o recrutamento não implicava a convocação de mais que uma parte dós homens capacitados o departamento francês da Costa do Ouro durante o reinado de Napoleão forneceu somente 11 mil homens de seus 350 mil habitantes ou seja 315 e entre 1800 e 1815 não mais que 7 da população da França foi recrutada contra os 21 durante o período bem mais curto da Primeira Guerra Mundial Ainda assim em números absolutos a quantidade era muito grande O levée en masse de 17934 colocou talvez 630 mil homens em armas de um recrutamento teórico de 770 mil a força militar de Napoleão durante o período de paz de 1805 era de mais ou menos 400 mil homens e no início da campanha contra a Rússia em 1812 o Grande Exército se constituía de 700 mil homens 300 mil dos quais não eram franceses sem contar as tropas francesas no resto do continente principalmente na Espanha As mobilizações permanentes dos adversários da França eram muito menores ainda que somente devido ao fato de que eles estivessem muito menos continuamente no campo de batalha com a exceção da GrãBretanha ou porque os problemas financeiros e de organização tornavam muitas vezes difícil a mobilização total por exemplo para os austríacos que em 1813 foram autorizados pelo tratado de paz de 1809 a manter um exército de 150 mil homens mas que mantinham apenas 60 mil realmente preparados para uma campanha Os britânicos por outro lado mantinham um número surpreendentemente alto de homens mobilizados No seu auge 181314 com bastante dinheiro empenhado num exército regular de 300 mil homens e mais 140 mil marinheiros e fuzileiros navais devem ter tido uma carga proporcionalmente mais pesada com suas forças militares do que os franceses As perdas eram pesadas embora não excessivamente novamente segundo os aniquiladores padrões do nosso século mas curiosamente poucas dessas perdas deveramse realmente ao inimigo Somente 6 ou 7 por cento dos marinheiros britânicos que morreram entre 1793 e 1815 sucumbiram diante dos franceses 80 morreram devido a doenças e acidentes A morte no campo de batalha era um risco pequeno somente 2 das baixas em Austerlitz e talvez 8 ou 9 das de Waterloo corresponderam de fato às mortes em combate Os riscos realmente aterradores da guerra eram a negligência a sujeira a má organização os serviços médicos deficientes e a ignorância em termos higiénicos que massacravam os feridos os prisioneiros e em propícias condições climáticas como nos trópicos praticamente todos As operações militares propriamente ditas matavam pessoas direta ou indiretamente é destruíam equipamento produtivo mas como vimos nada faziam à ponto de interferir seriamente no curso normal da vida e do desenvolvimento de um país As exigências econômicas da guerra e a guerra econômica tinham consequências muito maiores Pelos padrões do século XVIII as guerras revolucionárias e napoleônicas eram excessivamente caras e de fato seus custos chegavam a impressionar os contemporâneos talvez mais do que as perdas humanas que provocavam Certamente a queda no ónus financeiro da guerra na geração pósWaterloo foi muito mais notável do que a queda nas perdas de vidas humanas estimase que enquanto as guerras entre 1821 e 1850 custaram uma média de menos de 10 por ano do valor equivalente em 17901820 a média anual de mortes causadas pela guerra permaneceu a um nível um pouco menor que 25 do período anterior Como se pagaria este custo O método tradicional tinha sido uma combinação de inflação monetária novas emissões para pagar as contas do governo empréstimos e um mínimo de tributação especial pois os impostos criavam descontentamento público e quando tinham que ser concedidos por parlamentos ou cortes problemas políticos Mas as extraordinárias exigências e condições financeiras das guerras transformaram tudo Em primeiro lugar elas familiarizaram o mundo com o papelmoeda não conversível No continente a facilidade com que os pedaços de papel podiam ser impressos para pagar obrigações do governo provou ser irresistível O papelmoeda emitido pelo governo da Revolução Francesa 1789 foi a princípio simples obrigação do Tesouro Nacional francês com juros de 5 planejada para prever o produto da venda eventual de terras da Igreja Em poucos meses essas obrigações tinham sido transformadas em moeda corrente e cada crise Financeira sucessiva fazia com que fossem impressas em maior quantidade e se desvalorizassem mais vertiginosamente ajudadas pela crescente falta de confiança do público Ao eclodir a guerra as obrigações tinhamse desvalorizado em cerca de 40 e em junho de 1793 em cerca de dois terços O regime jacobino manteveas razoavelmente bem mas a orgia do descontrole econômico após o Termidor reduziuas progressivamente até cerca de umtricentésimo de seu valor nominal até que a bancarrota oficial do Estado em 1797 pôs um ponto final a um episódio monetário que tornou os franceses preconceituosos em relação a qualquer espécie de cédula por mais de 50 anos Os papéismoedas de outros países tiveram carreiras menos catastróficas embora por volta de 1810o papelmoeda russo tivesse caído a 20 de seu valor nominal e o austríaco duas vezes desvalorizado em 1810 e 1815 a dez Os britânicos evitavam esta forma de financiar a guerra e estavam bastante familiarizados com as cédulas para não se assustarem com elas mas mesmo assim o Banco da Inglaterra não pôde resistir à dupla pressão da vasta demanda governamental enviada em grande parte ao exterior sob a forma de empréstimos e de subsídios da corrida privada sobre seu ouro em barra e o desgaste especial de um ano de fome Em 1797 os pagamentos em ouro a clientes particulares foram suspensos e a cédula não conversível tornou se a moeda corrente de fato a nota de uma libra foi um dos resultados disso A libra de papel nunca se desvalorizou tão seriamente como as moedas continentais sua marca mais baixa foi 71 do seu valor nominal e por volta de 1817 estava de volta a 98 mas durou muito mais do que se tinha previsto Só a partir de 1821 é que os pagamentos em dinheiro foram reiniciados plenamente A outra alternativa à tributação eram os empréstimos mas o desconcertante aumento da dívida pública produzido pelos gastos de guerra surpreendentemente pesados e longos assustava até mesmo os países mais prósperos ricos e financeiramente sofisticados Após cinco anos financiando a guerra essencialmente através de empréstimos o governo britânico foi forçado a dar um passo espantoso e sem precedentes pagar o esforço bélico com a tributação direta introduzindo um imposto de renda com este propósito 17991816 A crescente riqueza do país tornou isto viável e o custo da guerra desde então foi essencialmente coberto através da renda corrente Se uma tributação adequada tivesse sido imposta desde o começo a dívida nacional não teria subido de 228 milhões de libras em 1793 para 876 milhões de libras em 1816 e a cobrança anual da dívida de 10 milhões de libras em 1792 para 30 milhões em 1815 que foi maior que o gasto total do governo no último ano antes da guerra As consequências sociais deste endividamento foram muito grandes pois de fato ele funcionou como um funil por desviar enormes quantias dos impostos pagos pela população em geral para os bolsos da pequena classe de ricos portadores de fundos contra os quais portavozes dos pobres e dos pequenos comerciantes e fazendeiros como William Cobbett lançaram seus trovões jornalísticos No exterior os empréstimos eram levantados principalmente pelo menos do lado antifrancês junto ao governo britânico que há muito seguia uma política de subsídio aos aliados militares entre 1794 e 1804 foram emprestados 80 milhões de libras com este fim Os principais beneficiários diretos eram as casas financeiras internacionais britânicas ou estrangeiras que operavam cada vez mais através de Londres que se tornou o centro internacional das finanças como a Casa dos Rothschild e dos Baring que funcionavam como intermediárias nestas transações Meyer Amschel Rothschild o fundador mandou seus filho Nathan de Frankfurt para Londres em 1798 A época de ouro destes financistas internacionais veio depois das guerras quando financiaram os maiores empréstimos destinados a ajudar os velhos regimes a se recuperarem da guerra e os novos regimes a se estabilizarem Mas os alicerces da época em que os Baring e os Rothschild dominaram o mundo financeiro como ninguém o fizera desde os grandes bancos alemães do século XVI foram construídos durante as guerras Entretanto os aspectos técnicos das finanças em períodos de guerra são menos importantes do que o efeito econômico geral do grande desvio de recursos dos tempos de paz para usos militares que uma grande guerra requer É evidentemente errado considerar o esforço de guerra como totalmente baseado na economia civil ou feito às suas custas As forças armadas podem até certo ponto mobilizar somente os homens que de outra forma estariam desempregados ou que seriam mesmo não empregáveis dentro dos limites da economia A indústria de guerra embora a curto prazo desviando homens e materiais do mercado civil pode a longo prazo estimular desenvolvimentos que considerações ordinárias de lucro em termos de paz teriam negligenciado Este foi sabidamente o caso das indústrias de ferro e aço que como vimos no capítulo 2 não tinham possibilidades de expansão rápida comparáveis às das indústrias têxteis de algodão e portanto tradicionalmente confiavam no governo e na guerra para seus estímulos Durante o século XVIII escreveu Dionísio Lardner em 1831 a fundição de ferro tornouse quase que identificada com a fabricação de canhões Podemos portanto considerar parte do desvio de recursos de capital dos usos em tempos de paz como um investimento a longo prazo em indústrias de bens de capital e de desenvolvimento técnico Entre as inovações tecnológicas criadas desta forma pelas guerras napoleônicas e revolucionárias estavam a indústria do açúcar de beterrraba no continente como um substituto para o açúcar de cana importado das Antilhas e a indústria de alimentos enlatados que nasceu da busca pela marinha britânica de alimentos que pudessem ser indefinidamente conservados a bordo Não obstante fazendose todas as concessões uma grande guerra de fato significa um grande desvio de recursos e podia mesmo significar em condições de bloqueio mútuo uma competição entre os setores econômicos do tempo de guerra e do tempo de paz pelos mesmos escassos recursos Uma consequência óbvia desta competição é a inflação e sabemos que de fato o período de guerra aumentou vertiginosamente o nível dos preços que durante o século XVIII cresciam vagarosamente embora em alguns casos este fato tenha sido ocasionado pela desvalorização monetária Em si mesmo este fato implica ou reflete uma certa redistribuição de renda que tem conseqüências econômicas por exemplo mais para os homens de negócios e menos para os assalariados visto que os salários ficam sempre atrás dos preços e mais para a agricultura que sabidamente se beneficia com a alta dos preços durante a guerra e menos para as manufaturas Consequentemente o fim da demanda de guerra que libera uma massa de recursos inclusive de homens até então empregada pela guerra para o mercado do tempo de paz trouxe como sempre problemas de reajustamento proporcionalmente mais intensos Para tomarmos um exemplo óbvio entre 1814 e 1818 o poderio do exército britânico foi reduzido em cerca de 150 mil homens ou mais do que a população de Manchester na época e o preço do trigo caiu de 1085 shillings por quarto de peso em 1813 para 642 shillings em 1815 De fato sabemos que o período de ajustamento do pósguerra foi de dificuldades econômicas anormais em toda a Europa intensificadas ainda mais pelas desastrosas colheitas de 181617 Devemos entretanto fazer uma pergunta mais genérica Até que ponto o desvio de recursos devido à guerra impediu ou desacelerou o desenvolvimento econômico dos diferentes países Evidentemente esta pergunta é de particular importância para a França e a GrãBretanha as duas principais potências econômicas e as que carregavam o fardo econômico mais pesado O fardo francês foi devido não tanto à guerra em seus últimos estágios pois esta estava planejada em grande parte para se pagar a si mesma às custas dos estrangeiros cujos territórios os exércitos conquistadores saqueavam ou confiscavam e aos quais impunham o recrutamento de homens dinheiro e material Cerca de metade dos impostos italianos foram para os franceses em 180512 O fardo provavelmente não era eliminado com isso mas ficava evidentemente mais leve tanto em termos monetários como em termos reais do que se isso não tivesse ocorrido A verdadeira quebra da economia francesa deveuse à década da revolução da guerra civil e do caos que por exemplo reduziram o número de transações das manufaturas do Sena Inferior Ruão de 41 para 15 milhões entre 1790 e 1795 é o número de seus trabalhadores de 246 mil para 86 mil A isto devemos acrescentar a perda do comércio ultramarino devido ao controle britânico dos mares O fardo britânico deveuse ao custo de suportar não só o próprio esforço de guerra do país mas também através de seus tradicionais subsídios aos aliados continentais um pouco do de outros Estados Em termos monetários os britânicos carregaram sem dúvida o fardo mais pesado durante a guerra custoulhes entre três e quatro vezes mais do que o fardo francês A resposta à pergunta genérica é mais fácil para a França do que para a GrãBretanha pois há pouca dúvida de que a economia francesa permaneceu relativamente estagnada e a indústria e o comércio franceses teriam quase certamente se expandido mais e com maior rapidez se não fossem as guerras e a Revolução Embora a economia do país tivesse avançado substancialmente sob o governo de Napoleão ela não podia compensar o retrocesso e o ímpeto perdido da década de 1790 Para os britânicos a resposta é menos óbvia pois sua expansão foi meteórica e a única pergunta é se ela teria sido ainda mais rápida não fosse a guerra A resposta geralmente aceita hoje é que sim Para os outros países a pergunta é de menos importância onde o desenvolvimento econômico foi lento ou flutuante como na maior parte do Império dos Habsburgo e onde o impacto quantitativo do esforço de guerra foi relativamente pequeno Mas não se supunha que mesmo as guerras francamente econômicas dos britânicos nos séculos XVII e XVIII impulsionassem o desenvolvimento econômico por si mesmas ou pelo estímulo da economia mas pela vitória pela eliminação dos competidores e a captura de novos mercados Seu custo em quebra de negócios e desvio de recursos etc era medido comparativamente a seu lucro expresso na posição relativa dos competidores beligerantes após a guerra Por esses padrões é mais do que claro que as guerras de 17931815 se pagaram Ao custo de uma suave desaceleração de uma expansão econômica que não obstante permaneceu gigantesca a GrãBretanha decisivamente eliminou o seu mais próximo competidor em potencial e transformouse na oficina do mundo durante duas gerações Em todos os índices comerciais e industriais a GrãBretanha estava agora muito mais à frente de todos os outros Estados com a possível exceção dos EUA do que estivera em 1789 Se acreditarmos que a eliminação temporária de seus rivais e o virtual monopólio dos mercados coloniais e marítimos eram uma condição prévia para a maior industrialização da GrãBretanha seu preço para obtêla foi modesto Se argumentarmos que por volta de 1789 seu início pioneiro já era suficiente para garantir a supremacia econômica britânica sem uma longa guerra podemos ainda sustentar que não foi excessivo o custo de defendêla contra a ameaça francesa de recuperar por meios militares e políticos o terreno perdido na competição econômica Capítulo Cinco A Paz O atual concerto das potências é sua única segurança perfeita contra a brasa revolucionária mais ou menos espalhada por todos os Estados da Europa e A verdadeira sabedoria é reprimir as pequenas disputas corriqueiras e se unir em defesa dos princípios estabelecidos da ordem social Castlereagh Lempereur de Russie est de plus le seul souverain parfaitement en état de se porter dès à présent aux plus vastes entreprises Il est à Ia téte de Ia seule armée vraiment disponible qui soit aujourdhui formée én Europe Gentz 24 de março de 1818 Após mais de 20 anos de guerras e revoluções quase ininterruptas os velhos regimes vitoriosos enfrentaram os problemas do estabelecimento e da preservação da paz que foram particularmente difíceis e perigosos Os escombros das duas décadas tinham que ser varridos e a pilhagem territorial redistribuída E além do mais era evidente para todos os estadistas inteligentes que não se toleraria daí por diante outra guerra de grandes proporções na Europa pois este tipo de guerra quase que certamente significaria uma nova revolução e a consequente destruição dos velhos regimes No atual estado de doença social da Europa disse o rei Leopoldo da Bélgica tio da rainha Vitória sábio embora um tanto enfadonho a propósito de uma crise posterior seria inconcebível declarar uma guerra total Tal guerra certamente traria um conflito de princípios e pelo que sei a respeito da Europa penso que tal conflito mudaria sua forma e jogaria por terra toda a sua estrutura Os reis e os estadistas não eram mais sábios nem tampouco mais pacíficos do que antes Mas inquestionavelmente estavam mais assustados Foram também inusitadamente bem sucedidos De fato não houve nenhuma guerra total na Europa nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências da derrota de Napoleão à Guerra da Criméia em 18546 Na verdade exceto pela Guerra da Criméia não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências entre 1815 e 1914 O cidadão do século XX teria mesmo que apreciar a magnitude desse sucesso que foi ainda mais impressionante porque a cena internacional estava longe de ser tranquila sendo muitas as ocasiões para um conflito Os movimentos revolucionários que consideraremos no capítulo 6 destruíram repetidas vezes a estabilidade internacional duramente obtida na década de 1820 notadamente no sul da Europa nos Bálcans e na América Latina depois de 1830 na Europa Ocidental principalmente na Bélgica e novamente às vésperas da Revolução de 1848 O declínio do Império Turco ameaçado duplamente pela dissolução interna e pelas ambições das grandes potências principalmente a GrãBretanha a Rússia e até certo ponto a França fez da chamada Questão Oriental uma causa permanente de crise na década de 1820 ela brotou na Grécia na década de 1830 no Egito e embora se acalmasse após um conflito particularmente acirrado em 183841 permaneceu potencialmente tão explosiva quanto antes A GrãBretanha e a Rússia mantinham péssimas relações devido ao Oriente Próximo e ao território sem qualquer jurisdição entre os dois impérios na Ásia A França estava longe de se sentir conformada com uma posição muito mais modesta do que a que ocupara antes de 1815 Ainda assim a despeito de todos esses obstáculos e redemoinhos as naus da diplomacia atravessaram sem colisão um oceano de dificuldades Nossa geração que fracassou bem mais espetacularmente na fundamental tarefa da diplomacia internacional qual seja a de evitar guerras generalizadas tendeu portanto a analisar os estadistas e os métodos de 18151848 com um respeito que seus sucessores imediatos nem sempre sentiram Talleyrand que presidiu a política externa francesa de 1814 a 1835 continua sendo o modelo de diplomata francês até os dias de hoje Vistos em retrospecto Castlereagh George Canning e Viscount Palmerston que foram secretários para assuntos estrangeiros da Grã Bretanha respectivamente em 181222 18227 e em todas as administrações não conservadoras de 1830 a 1852 adquiriram uma estatura enganadora de gigantes diplomáticos O príncipe Metternich o principal ministro da Áustria durante todo o período desde a derrota de Napoleão até sua própria queda em 1848 é hoje visto menos frequentemente como um simples inimigo rígido de qualquer mudança e mais como um sábio mantenedor da estabilidade do que acontecia à sua época Entretanto mesmo uma visão de fé tem sido incapaz de detectar ministros do Exterior ideais na Rússia de Alexandre I 180125 e de Nicolau 1 182555 ou na Prússia relativamente insignificante no período que focalizamos Em certo sentido o elogio é justificável A estabilização da Europa após as Guerras Napoleônicas não foi mais justa nem moral do que qualquer outra mas dado o propósito inteiramente antiliberal e antinacional i e antirevolucionário de seus organizadores ela foi realista e sensata Não foi feita qualquer tentativa para se tirar partido da vitória total sobre os franceses que não deviam ser provocados para não sofrerem um novo ataque de jacobinismo As fronteiras do país derrotado ficaram com uma pequena diferença para melhor cm relação ao que tinham sido em 1789 a compensação financeira da vitória não foi excessiva a ocupação pelas tropas estrangeiras teve pouca duração e por volta de 1818 a França era readmitida como membro integrante do concerto da Europa Não fosse o malsucedido retorno de Napoleão em 1815 e estes termos teriam sido ate mesmo mais moderados Os Bourbon foram reconduzidos ao poder mas ficou entendido que eles tinham que fazer concessões ao perigoso espírito de seus súditos As principais mudanças da Revolução foram aceitas e aquele excitante instrumento a constituição lhes foi garantido embora é claro de uma maneira extremamente moderada sob a máscara de uma Carta livremente concedida pelo ressuscitado monarca absoluto Luís XVIII O mapa da Europa foi redelineado sem se levar em conta as aspirações dos povos ou os direitos dos inúmeros príncipes destituídos pelos franceses mas com considerável atenção para o equilíbrio das cinco grandes potências que emergiam das guerras a Rússia a GrãBretanha a França a Áustria e a Prússia Destas somente as três primeiras contavam A GrãBretanha não tinha ambições territoriais no continente embora preferisse manter o controle ou a sua mão protetora sobre assuntos de importância comercial e marítima Ela reteve Malta as Ilhas Jónicas e a Heligolândia manteve a Sicília sob cuidadosa vigilância e se beneficiou mais evidentemente com a transferência da Noruega do domínio dinamarquês para o sueco o que evitou que um único Estado controlasse a entrada do Mar Báltico e com a União da Holanda e da Bélgica anteriormente chamadas de Países Baixos austríacos que colocou a embocadura do Reno e do Scheldt nas mãos de um Estado inofensivo mas bastante forte especialmente quando auxiliado pelas fortalezas do sul para resistir ao conhecido apetite francês pela Bélgica Ambos os arranjos foram profundamente impopulares entre os belgas e os noruegueses e o último deles só durou até a revolução de 1830 quando foi substituído após alguns atritos francobritânicos por um pequeno reino permanentemente neutro governado por um príncipe escolhido pelos ingleses Fora da Europa é claro as ambições territoriais britânicas eram muito maiores embora o controle total de todos os mares pela marinha inglesa tornasse em grande parte irrelevante o fato de que qualquer território estivesse realmente sob a bandeira inglesa ou não exceto nos confins do noroeste da índia onde somente principados caóticos ou regiões fracas separavam os impérios russo e britânico Mas a rivalidade existente entre a GrãBretanha e a Rússia pouco afetou a área que tinha que ser reapaziguada em 181415 Na Europa os interesses britânicos não necessitavam de qualquer poder para serem muito fortes A Rússia a decisiva potência militar terrestre satisfez suas limitadas ambições territoriais através da aquisição da Finlândia às custas tia Suécia da Bessarábia às custas da Turquia e da maior parte da Polónia à qual foi assegurada uma certa autonomia sob o comando da facção local que sempre fora a favor da aliança com os russos Após a insurreição de 18301 esta autonomia foi abolida O resto da Polónia foi distribuída entre a Prússia e a Áustria com exceção da cidaderepública de Cracóvia que por sua vez não sobreviveu à insurreição de 1846 No mais a Rússia sentiase satisfeita em exercer uma hegemonia remota embora longe de ser ineficaz sobre todos os principados absolutos a leste da França sendo que seu principal interesse era evitar a revolução O czar Alexandre patrocinou uma aliança sagrada com este objetivo à qual se juntaram a Polónia e a Áustria ficando a GrãBretanha de fora Do ponto de vista britânico esta virtual hegemonia russa sobre a maior parte da Europa era um acordo menos que ideal embora refletisse as realidades militares e não pudesse ser evitada exceto concedendose à França um poderio bem maior do que qualquer de seus adversários anteriores estava disposto a dar ou ao custo intolerável da guerra O status francês de grande potência era claramente reconhecido mas isso era tudo A Áustria e a Prússia eram realmente grandes potências só por cortesia ou assim se acreditava corretamente em vista da conhecida fraqueza austríaca em tempos de crise internacional e incorretamente em vista do colapso da Prússia em 1806 Sua principal função era a de atuar como estabilizadores europeus A Áustria recebeu de volta suas províncias italianas além dos antigos territórios venezianos na Itália e na Dalmácia e o protetorado sobre os principados menores do norte e do centro da Itália a maioria deles governados por parentes dos Habsburgo exceto o principado de PiemonteSardenha que absorveu a antiga República Genovesa para atuar como um párachoque mais eficiente entre a Áustria e a França Se se tivesse que manter a ordem em qualquer parte da Itália a Áustria era o policial de serviço Visto que seu único interesse era a estabilidade tudo o mais arriscava a sua desintegração nela se podia confiar para uma atuação como salvaguarda permanente contra quaisquer tentativas de desorganizar o continente A Prússia se beneficiou através do desejo britânico de ter um poderio razoavelmente forte na Alemanha Ocidental região em que os principados tinham de há muito tendido a acompanhar a França ou que poderiam ser dominados por ela e recebeu a Renânia cujas imensas potencialidades econômicas os diplomatas aristocráticos deixaram de reconhecer Ela também se beneficiou com o conflito entre a GrãBretanha e a Rússia sobre o que os britânicos consideravam uma excessiva expansão russa na Polónia O resultado líquido das complexas negociações entremeadas de ameaças de guerra foi que a Prússia concedeu parte de seus antigos territórios poloneses à Rússia mas recebeu metade da rica e industrializada Saxônia Em termos econômicos e territoriais a Prússia lucrou relativamente mais com a organização de 1815 do que qualquer outra potência e de fato tornouse pela primeira vez uma grande potência europeia em termos de recursos reais embora este fato não tivesse se tornado evidente para os políticos até a década de 1860 A Áustria a Prússia e o rebanho de Estados alemães menores cuja principal função internacional era fornecer um bom estoque de criação para as casas reais da Europa vigiavamse mutuamente dentro da Confederação Alemã embora a ascendência da Áustria não fosse desafiada A principal função internacional da Confederação era manter os Estados menores fora da órbita francesa na qual eles tradicionalmente tendiam a gravitar Apesar do repúdio nacionalista estavam longe de se sentirem infelizes como satélites napoleônicos Os estadistas de 1815 foram bastante inteligentes para saber que nenhum acordo não obstante quão cuidadosamente elaborado resistiria com o correr do tempo à pressão das rivalidades estatais e das circunstâncias mutáveis Conseqüentemente trataram de elaborar um mecanismo para a manutenção da paz ie resolvendo todos os problemas maiores à medida que eles surgissem por meio de congressos regulares Claro entendiase que as cruciais decisões nesses congressos fossem tomadas pelas grandes potências o próprio termo é uma invenção deste período O concerto da Europa outro termo que surgiu então não correspondia por exemplo a uma ONU mas sim aos membros permanentes do seu Conselho de Segurança Entretanto os congressos regulares só foram mantidos por alguns anos de 1818 quando a França foi oficialmente readmitida no concerto até 1822 O sistema de congressos ruiu porque não pôde sobreviver aos anos imediatamente posteriores às guerras napoleônicas quando a fome de 181617 e depressões nos negócios mantiveram um vivo mas injustificável temor de revolução social em toda parte inclusive na GrãBretanha Após a volta da estabilidade econômica por volta de 1820 todo distúrbio dos acordos de 1815 simplesmente revelava as divergências entre os interesses das potências Frente ao primeiro ataque de intranquilidade e insurreição em 182022 só a Áustria agarrouse ao princípio de que todos estes movimentos deviam ser imediata e automaticamente suprimidos em nome dos interesses da ordem social e da integridade territorial austríaca As três monarquias da Sagrada Aliança e a França entraram em acordo a respeito da Alemanha da Itália e da Espanha embora a França exercendo com prazer a função de policial internacional na Espanha 1823 estivesse menos interessada na estabilidade europeia do que em aumentar o campo de suas atividades militares e diplomáticas particularmente na Espanha Bélgica e Itália onde se encontrava o grosso de seus investimentos estrangeiros A GrãBretanha ficou de fora em parte porque especialmente depois que o flexível Canning substituiu o reacionário e rígido Castlereagh 1822 estava convencida de que as reformas políticas na Europa absolutista eram mais cedo ou mais tarde inevitáveis e porque os políticos britânicos não tinham simpatia pelo absolutismo mas também porque a aplicação do princípio de policiamento teria simplesmente trazido potências rivais principalmente a França para a América Latina que era como vimos uma colónia econômica britânica extremamente vital Logo os ingleses apoiaram a independência dos Estados latinoamericanos como também o fez os EUA na Declaração Monroe de 1823 um manifesto que não tinha nenhum valor prático se alguma coisa protegia a independência latinoamericana era a marinha britânica mas considerável interesse profético As potências estavam ainda mais divididas a respeito da Grécia A Rússia com todo o seu desgosto pelas revoluções só podia se beneficiar com o movimento de um povo ortodoxo que enfraquecia os turcos e devia confiar grandemente na ajuda russa Além do mais ela tinha por tratado o direito de intervir na Turquia em defesa dos cristãos ortodoxos O temor de uma intervenção unilateral russa a pressão filohelênica os interesses econômicos e a convicção geral de que a desintegração da Turquia era inevitável mas podia ser na melhor das hipóteses organizada finalmente levaram os ingleses da hostilidade passando pela neutralidade a uma intervenção informal próhelênica Assim em 1829 a Grécia conquistou sua independência através da ajuda russa e britânica O dano internacional foi minimizado com a transformação do país em um reino que não seria um mero satélite russo sob o comando de um dos muitos pequenos príncipes disponíveis Mas o ajuste de 1815 o sistema de congressos e o princípio de se suprimir todas as revoluções jaziam em ruínas As revoluções de 1830 destruíramnos completamente pois elas afetaram não somente os pequenos Estados mas também uma grande potência a França De fato elas retiraram toda a Europa a oeste do Reno do alcance das operações policiais da Sagrada Aliança Enquanto isso a Questão Oriental o problema do que fazer a respeito da inevitável desintegração da Turquia transformou os Bálcans e o Oriente em um campo de batalha das potências notadamente a Rússia e a GrãBretanha A Questão Oriental perturbou o equilíbrio das forças porque tudo conspirava para fortalecer os russos cujo principal objetivo diplomático naquela época e também mais tarde era conquistar o controle dos estreitos entre a Europa e a Ásia Menor que condicionavam seu acesso ao Mediterrâneo Esta não era uma questão de importância meramente diplomática e militar mas com o crescimento das exportações de cereais ucranianas de urgência econômica também A GrãBretanha preocupada como de costume com as tentativas de aproximação da índia estava profundamente aflita a respeito da marcha para o sul de uma grande potência que poderia ameaçála razoavelmente A política óbvia era escorar a Turquia a todo custo contra a expansão russa Isto tinha a vantagem adicional de beneficiar o comércio britânico no Oriente que aumentou satisfatoriamente neste período Infelizmente esta política era totalmente impraticável O império turco não era absolutamente uma massa disforme ao menos em termos militares mas na melhor das hipóteses só era capaz de sustentar ações retardatárias contra a rebelião interna que ele ainda podia destruir com bastante facilidade e a força conjunta da Rússia e de uma situação internacional desfavorável que não podia enfrentar Nem era ainda capaz de se modernizar nem tampouco demonstrava disposição para fazêlo embora os princípios da modernização tivessem sido lançados no governo de Mahmoud II 180939 na década de 1830 Consequentemente só o apoio direto diplomático e militar da GrãBretanha i e a ameaça de guerra podia evitar o firme aumento da influência russa e o colapso da Turquia sujeita a seus muitos problemas Isto fez da Questão Oriental o mais explosivo problema em assuntos internacionais após as guerras napoleônicas o único capaz de levar a uma guerra generalizada e o único que de fato o fez em 18546 Entretanto a própria situação que fazia com que os dados favorecessem a Rússia e prejudicassem a Grã Bretanha também fez com que a Rússia se inclinasse a uma acomodação Ela podia atingir seus objetivos diplomáticos de duas maneiras ou pela derrota e divisão da Turquia e uma eventual ocupação russa de Constantinopla e dos estreitos ou então por um virtual protetorado sobre a fraca e subserviente Turquia Mas uma ou outra forma estaria sempre aberta Em outras palavras para o czar Constantinopla não valia o esforço de uma grande guerra Assim na década de 1820 a guerra grega encaixavase na política de divisão e de ocupação A Rússia fracassou em tirar p máximo proveito dessa situação o que poderia ter feito mas sentia se relutante em levar sua vantagem muito longe Ao invés disso negociou um tratado extraordinariamente favorável em Unkiar Skelessi em 1833 com uma Turquia pressionada que estava agora profundamente cônscia da necessidade de um protetor poderoso A GrãBretanha sentiuse insultada os anos da década de 1830 viram a génese de uma russofobia em massa que criou a imagem da Rússia como uma espécie de inimigo hereditário da GraBretanha Em face da pressão britânica os russos por sua vez bateram em retirada e na década de 1840 voltaram a propor a partilha da Turquia A rivalidade russobritânica no Oriente era na prática portanto muito menos perigosa do que o choque público de sabres sugeria especialmente na GrãBretanha Além do mais sua importância foi reduzida por um temor britânico muito maior o do ressurgimento da França De fato ela é bem traduzida na expressão o grande jogo que mais tarde veio a identificar as atividades de capa e espada dos aventureiros e agentes secretos de ambas as potências que operavam nas regiões orientais sem jurisdição entre os dois impérios O que tornou a situação realmente perigosa foi o imprevisível curso dos movimentos de libertação dentro da Turquia e a intervenção de outras potências Destas a Áustria teve um considerável interesse passivo no problema sendo ela mesma Um império internacional em ruínas ameaçado pelos movimentos dos mesmíssimos povos que também minavam a estabilidade turca os eslavos balcânicos e notadamente os sérvios Entretanto a ameaça desses movimentos não foi imediata embora mais tarde viessem a proporcionar o estopim para a Primeira Guerra Mundial A França era mais problemática tendo um longo registro de influência econômica e diplomática no Oriente que ela periodicamente tentava restaurar e aumentar Em particular desde a expedição de Napoleão ao Egito a influência francesa foi poderosa naquele país cujo paxá Mohammed Ali um governante virtualmente independente tinha ambições em relação ao império turco De fato as crises da Questão Oriental na década de 183018313 e 183941 foram essencialmente crises nas relações de Mohammed Ali com seu soberano nominal complicadas no último caso pelo apoio francês ao Egito Entretanto se a Rússia se achava relutante em fazer uma guerra contra Constantinopla a França não podia nem queria fazêla Havia crises diplomáticas Mas no final exceto pelo episódio da Criméia não houve guerra pela Turquia durante todo o século XIX Assim fica claro pelo curso das disputas neste período que o material inflamável nas relações internacionais simplesmente não era explosivo o bastante para deflagrar uma guerra de grandes proporções Das grandes potências os austríacos e os prussianos eram muito fracos para contar muito Os ingleses estavam satisfeitos Por volta de 1815 eles tinham obtido uma vitória mais completa do que qualquer outra potência em toda a história mundial tendo emergido dos 20 anos de guerra com a França como a única economia industrializada a única potência naval em 1840 a marinha britânica tinha quase tantos navios quanto todas as outras marinhas reunidas e virtualmente a única potência colonial do mundo Nada parecia atrapalhar o único grande interesse expansionista da política externa britânica a expansão do comércio e do investimento britânicos A Rússia conquanto não tão saciada tinha somente ambições territoriais limitadas e nada havia que pudesse por muito tempo ou pelo menos assim parecia atrapalhar o seu avanço Ao menos nada que justificasse uma guerra generalizada socialmente perigosa Só a França era uma potência insatisfeita e ela tinha a capacidade de romper a estável ordem social Mas só poderia fazêlo sob uma condição de que mais uma vez mobilizasse as energias revolucionárias do jacobinismo dentro do país e do liberalismo e nacionalismo no exterior Pois em termos de rivalidade ortodoxa de grandes potências ela tinha sido fatalmente enfraquecida e nunca mais seria capaz como durante o reinado de Luís XIV ou durante a Revolução de enfrentar uma coalizão de duas ou mais potências em pé de igualdade dependendo somente de seus recursos e população internos Em 1780 havia 25 franceses para cada inglês mas em 1830 a relação era de menos de três para dois Em 1780 existiam quase tantos franceses quanto russos mas em 1830 havia quase uma metade a mais de russos do que de franceses e o compasso da evolução econômica francesa arrastavase fatalmente atrás da inglesa da americana e em pouco tempo da alemã Mas o jacobinismo era um preço muito alto para ser pago por qualquer governo francês por suas ambições internacionais Em 1830 e novamente em 1848 quando a Franca derrubou seu regime e o absolutismo foi abalado ou destruído em outras partes as potências tremeram Elas poderiam ter evitado noites insones Em 18301 os moderados franceses eram incapazes de erguer um dedo que fosse em favor dos rebeldes poloneses com quem toda a opinião francesa bem como toda a opinião liberal europeia simpatizava E a Polónia escreveu o velho mas sempre entusiasmado Lafayette a Palmerston em 1831 O que fareis o que faremos por ela Nada era a resposta A França poderia ter prontamente reforçado seus próprios recursos com os da revolução europeia como de fato todos os revolucionários esperavam que ela fizesse Mas as implicações de um tamanho salto em direção a uma guerra revolucionária assustava os governos franceses liberaismoderados tanto quanto a Metternich Nenhum governo francês entre 1815 e 1848 colocaria em jogo a paz geral em função de seus próprios interesses estatais Fora do alcance do equilíbrio europeu é claro nada impedia a expansão e a agressividade De fato embora extremamente grandes as efetivas aquisições territoriais feitas pelas potências brancas foram limitadas Os britânicos contentavamse em ocupar pontos cruciais para o controle naval do mundo e para seus interesses comerciais externos tais como a extremidade sul da África tomada aos holandeses durante as guerras napoleônicas o Ceilão Singapura que foi fundada neste período e Hong Kong e as exigências da campanha contra o comércio de escravos que satisfazia duplamente as opiniões humanitárias domésticas e os interesses estratégicos da marinha britânica que a usou para reforçar seu monopólio global levaramnos a manter bases ao longo da costa africana Mas no geral com uma exceção crucial o ponto de vista inglês era de que um mundo aberto ao comércio britânico e a uma proteção pela marinha britânica contra intrusos mal recebidos era explorado de forma mais barata sem os custos administrativos de uma ocupação A exceção crucial era a Índia e tudo que dissesse respeito a seu controle A índia tinha que ser mantida a qualquer custo como a maioria dos livres comerciantes anticolonialistas nunca duvidaram Seu mercado era de importância crescente como visto anteriormente cap 2 II e certamente sofreria segundo se argumentava se a Índia fosse deixada a sua própria sorte Ela foi a chave para a abertura do Extremo Oriente para o tráfico de drogas e outras atividades lucrativas semelhantes que os negociantes europeus desejavam empreender Assim a China foi aberta na Guerra do Ópio de 183942 Conseqüentemente entre 1814 e 1849 o tamanho do império britânico na índia cresceu na proporção de doisterços do subcontinente como resultado de uma série de guerras contra os maratas os nepaleses os birmaneses os rajputs os afeganes os sindis e os sikhs e a rede de influência britânica foi estendida mais para perto do Oriente Médio que controlava a rota direta para a índia organizada a partir de 1840 pelos vapores da linha P e O suplementada pela travessia por terra do istmo de Suez Embora a reputação russa de expansionismo fosse grande pelo menos entre os ingleses suas verdadeiras conquistas foram bem modestas Neste período o czar só conseguiu adquirir algumas faixas grandes e vazias da estepe de Kirghiz a leste dos Urais e algumas áreas montanhosas duramente disputadas na região do Cáucaso Por outro lado os EUA virtualmente conquistaram todo o seu lado oeste ao sul da fronteira do Oregon através da insurreição e da guerra contra os desafortunados mexicanos Já os franceses tiveram que limitar suas ambições expansionistas à Argélia que eles invadiram com base em uma desculpa forjada em 1830 e tentaram conquistar nos 17 anos seguintes Em 1847 tinham conseguido liquidar a resistência Uma cláusula do acordo de paz internacional deve entretanto ser mencionada separadamente a abolição do comércio escravagista internacional As razões para isto foram tanto econômicas quanto humanitárias a escravidão era revoltante e extremamente ineficaz Além disso do ponto de vista dos ingleses que foram os principais defensores desse admirável movimento entre as potências a economia de 181548 não mais dependia como no século XVIII da venda de homens e de açúcar mas da venda de produtos de algodão A verdadeira abolição da escravatura veio mais lentamente exceto é claro onde a Revolução Francesa já a tinha exterminado Os britânicos aboliramna em suas colónias principalmente nas Antilhas em 1834 embora viessem logo a substituíla onde a plantação agrícola em larga escala sobreviveu pela importação de trabalhadores contratados da Ásia Os franceses não a aboliram oficialmente até a revolução de 1848 Em 1848 ainda havia uma grande quantidade de escravos e consequentemente de comércio ilegal de escravos no mundo Capítulo Seis As Revoluções A liberdade este rouxinol com voz de gigante desperta os que têm o sono mais pesado Como é possível pensar em alguma coisa hoje que não seja lutar a favor ou contra a liberdade Os que não podem amar a humanidade ainda podem ser grandes tiranos Mas como se pode ficar indiferente Ludwig Boerne 14 de fevereiro de 1831 Os governos tendo perdido seu equilíbrio achamse assustados intimidados e confusos com os gritos da classe intermediária da sociedade que colocada entre os reis e seus súditos quebra o cetro dos monarcas e usurpa o grito do povo Metternich ao czar 1820 I Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós1815 Evitar uma segunda Revolução Francesa ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a primeira até mesmo dos britânicos que não simpatizavam com os absolutismos reacionários que se restabeleceram em toda a Europa e sabiam muito bem que as reformas não podiam nem deviam ser evitadas mas que temiam uma nova expansão francojacobina mais do que qualquer outra contingência internacional E ainda assim nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar o revolucionarismo foi tão endémico tão geral tão capaz de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio espontâneo Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848 A Ásia e a África permaneciam até então imunes as primeiras revoluções em grande escala na Ásia o Motim Indiano e a Rebelião Taiping só ocorreram na década de 1850 A primeira ocorreu em 18204 Na Europa ela ficou limitada principalmente ao Mediterrâneo com a Espanha 1820 Nápoles 1820 e a Grécia 1821 como seus epicentros Fora a grega todas essas insurreições foram sufocadas A Revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina que tinha sido derrotado após um esforço inicial ocasionado pela conquista da Espanha por Napoleão em 1808 e reduzido a alguns refúgios e grupos Os três grandes libertadores da América espanhola Simon Bolívar San Martin e Bernardo OHiggins estabeleceram a independência respectivamente da Grande Colômbia que incluía as atuais repúblicas da Colômbia da Venezuela e do Equador da Argentina exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do Rio da Prata onde os gaúchos da Banda Oriental hoje Uruguai lutaram contra argentinos e brasileiros e do Chile San Martin auxiliado pela frota chilena sob o comando do nobre radical inglês Cochrane em quem C S Forester se baseou para escrever o romance Captain Hornblower Comandante Corneteiro libertou a última fortaleza do poderio espanhol o vicereino do Peru Por volta de 1822 a América espanhola estava livre e San Martin um homem moderado de grande visão e rara abnegação pessoal deixou a tarefa a Bolívar e ao republicanismo e retirouse para a Europa terminando sua nobre vida no que normalmente era um refúgio para ingleses endividados BoulognesurMer com uma pensão dada por OHiggins Enquanto isto Iturbide o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da Revolução Espanhola e em 1821 estabeleceu definitivamente a independência mexicana Em 1822 o Brasil separouse pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela família real portuguesa em seu retorno à Europa após o exílio napoleônico Os EUA reconheceram o mais importante dos novos Estados quase que imediatamente os britânicos reconheceramno logo depois cuidando de concluir tratados comerciais com ele e os franceses o fizeram antes do fim da década A segunda onda revolucionária ocorreu em 182934 e afetou toda a Europa a oeste da Rússia e o continente norteamericano pois a grande época de reformas do presidente Andrew Johnson 182937 embora não diretamente ligada aos levantes europeus deve ser entendida como parte dela Na Europa a derrubada dos Bourbon na França estimulou várias outras insurreições Em 1830 a Bélgica conquistou sua independência da Holanda em 18301 a Polónia foi subjugada somente após consideráveis operações militares várias partes da Itália e da Alemanha estavam agitadas o liberalismo prevalecia na Suíça um país muito menos pacífico naquela época do que hoje enquanto se abria um período de guerras na Espanha e em Portugal Até mesmo a GrãBretanha graças em parte à erupção do seu vulcão local a Irlanda que garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação reformista O Ato de Reforma de 1832 corresponde à Revolução de Julho de 1830 na França e de fato tinha sido poderosamente estimulado pelas novas de Paris Este período é provavelmente o único na história moderna em que acontecimentos políticos na GrãBretanha correram paralelamente aos do continente europeu a ponto de que algo semelhante a uma situação revolucionária poderseia ter desenvolvido em 18312 não fosse a restrição dos partidos Tory conservador e Whig liberal É o único período do século XIX em que a análise da política britânica nesses termos não é totalmente artificial A onda revolucionária de 1830 foi portanto um acontecimento muito mais sério do que a de 1820 De fato ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental A classe governante dos próximos 50 anos seria a grande burguesia de banqueiros grandes industriais e às vezes altos funcionários civis aceita por uma aristocracia que se apagou ou que concordou em promover políticas primordialmente burguesas ainda não ameaçada pelo sufrágio universal embora molestada por agitações externas causadas por negociantes insatisfeitos ou de menor importância pela pequena burguesia e pelos primeiros movimentos trabalhistas Seu sistema político na GrãBretanha na França e na Bélgica era fundamentalmente o mesmo instituições liberais salvaguardadas contra a democracia por qualificações educacionais ou de propriedade para os eleitores havia inicialmente só 168 mil eleitores na França sob uma monarquia constitucional de fato algo muito semelhante à primeira fase burguesa mais moderada da Revolução Francesa a da Constituição de 1791 Nos EUA entretanto a democracia jacksoniana dá um passo além a derrota dos proprietários oligarcas antidemocratas cujo papel correspondia ao que agora estava triunfando na Europa Ocidental pela ilimitada democracia política colocada no poder com os votos dos homens das fronteiras dos pequenos fazendeiros e dos pobres das cidades Foi uma espantosa inovação e os pensadores do liberalismo moderado que eram realistas o suficiente para saber que mais cedo ou mais tarde as ampliações do direito de voto seriam inevitáveis examinaramna de perto e com muita ansiedade notadamente Alexis de Tocqueville cuja obra Democracia na América de 1835 chegou a melancólicas conclusões sobre ela Mas como veremos 1830 determina uma inovação ainda mais radical na política o aparecimento da classe operária como uma força política autoconsciente e independente na GrãBretanha e na França e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa Por trás destas grandes mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvolvimento social e econômico Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos 1830 determina um ponto crítico de todas as datas entre 1789 e 1848 o ano de 1830 é o mais obviamente notável Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos na história das migrações humanas tanto sociais quanto geográficas e ainda na história das artes e da ideologia E na GrãBretanha e na Europa Ocidental em geral este ano determina o início daquelas décadas de crise no desenvolvimento da nova sociedade que se concluem com a derrota das revoluções de 1848 e com o gigantesco salto econômico depois de 1851 A terceira ç maior das ondas revolucionárias a de 1848 foi o produto desta crise Quase que simultaneamente a revolução explodiu e venceu temporariamente na França em toda a Itália nos Estados alemães na maior parte do império dos Habsburgo e na Suíça 1847 De forma menos aguda a intranquilidade também afetou a Espanha a Dinamarca e a Roménia de forma esporádica a Irlanda a Grécia e d GrãBretanha Nunca houve nada tão próximo da revolução mundial com que sonhavam os insurretos do que esta conflagração espontânea e geral que conclui a era analisada neste livro O que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora assim parecia a primavera dos povos de todo um continente II Ao contrário das revoluções do final do século XVIII as do período pósnapoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas Pois o mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo Não queremos dizer com isto que as revoluções de 181548 foram a simples obra de alguns agitadores descontentes como os espiões e policiais do período uma espécie muito utilizada deviam informar a seus superiores Elas ocorreram porque os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais inadequados num período de rápida mudança social para as condições políticas do continente e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis Mas os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para dar ao descontentamento um objetivo específico para transformar a intranquilidade em revolução e acima de tudo para unir toda a Europa em um único movimento ou talvez fosse melhor dizer corrente de subversão Havia vários modelos semelhantes embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797 Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815 o liberal moderado ou em termos sociais o da classe média superior e da aristocracia liberal o democrata radical ou em termos sociais o da classe média inferior parte dos novos industriais intelectuais e pequena nobreza descontente e o socialista ou em termos sociais dos trabalhadores pobres ou das novas classes operárias industriais Etimológica mente a propósito todos eles refletem o internacionalismo do período liberal é de origem franco espanhola radical de origem britânica socialista de origem anglofrancesa Conservador é também de origem parcialmente francesa uma outra prova da correlação singularmente íntima da política britânica e continental no período do Programa da Reforma A inspiração para o primeiro foi a Revolução de 178991 sendo seu ideal político o tipo de monarquia constitucional semibritânica com um sistema parlamentar de qualificação por propriedade e portanto oligárquico que a Constituição de 1791 introduziu e que como vimos tornouse o tipo padrão de constituição na França na GrãBretanha e na Bélgica depois de 183032 A inspiração para o segundo poderia ser descrita como a Revolução de 17923 sendo seu ideal político uma república democrática com uma inclinação para o estado de bemestar social e alguma animosidade em relação aos ricos o que corresponde à constituição jacobina ideal de 1793 Mas assim como os grupos sociais que lutaram a favor da democracia radical eram um conjunto variado e confuso é também difícil dar um rótulo preciso a seu modelo revolucionário francês Elementos do que em 17923 teriam sido chamados de girondismo jacobinismo e até mesmo de sansculotismo achavamse nele combinados embora talvez o jacobinismo da Constituição de 1793 o representasse melhor A inspiração para o terceiro foi a revolução do Ano II e as insurreições póstermidorianas sobretudo a Conspiração dos Iguais de Babeuf significativo levante de jacobinos extremados e de primeiros comunistas que marca o nascimento da moderna tradição comunista na política Era filho do sansculotismo e da ala esquerda do robespierrismo embora herdando pouco do primeiro com exceção do seu violento ódio pelas classes médias e pelos ricos Politicamente o modelo revolucionário babovista seguia a tradição de Robespierre e de Saintjust Do ponto de vista dos governos absolutistas todos estes movimentos eram igualmente subvertedores da estabilidade e da boa ordem embora alguns parecessem mais conscientemente devotados à propagação do caos do que outros e alguns mais perigosos do que outros porque tinham maiores possibilidades de inflamar as massas ignorantes e empobrecidas A polícia secreta de Metternich na década de 1830 prestou por exemplo uma atenção que nos parece desproporcional à circulação do livro de Lamennais Paroles dun Croyant de 1834 porque ao falar a linguagem católica dos apolíticos ele poderia atrair os súditos não afetados por uma propaganda abertamente ateista Na verdade entretanto os movimentos de oposição tinham pouco em comum além do seu ódio pelos regimes de 1815 e a tradicional frente comum de todos os que se opunham por qualquer razão à monarquia absoluta à Igreja e à aristocracia A história do período que vai de 1815 a 1848 é a história da desintegração dessa frente unida III Durante o período da Restauração 181530 o cobertor da reação cobria igualmente a todos os dissidentes e na escuridão debaixo dele as diferenças entre bonapartistas e republicanos moderados e radicais mal podiam ser distinguidas Ainda não havia socialistas ou revolucionários conscientes da classe operária pelo menos na política exceto na GrãBretanha onde uma tendência proletária independente na política e na ideologia surgiu sob a égide do cooperativismo de Robert Owen por volta de 1830 A maior parte do descontentamento de massafort da GrãBretanha ainda não era político ou tinha um sentido ostensivamente legitimista e clerical um protesto mudo contra a nova sociedade que parecia nada trazer exceto o mal e o caos Com algumas exceções portanto a oposição política no continente estava limitada a minúsculos grupos de ricos e de pessoas cultas o que ainda significava em grande parte a mesma coisa pois até mesmo em uma fortaleza de esquerda tão poderosa quanto a Êcole Polytechnique somente umterço dos estudantes um grupo bastante subversivo se originava da pequena burguesia a maioria deles através dos escalões mais baixos do exército e do serviço público e somente 03 vinham das classes populares Os pobres que estavam conscientemente na esquerda aceitavam os slogans revolucionários clássicos da classe média embora mais em sua versão radicaldemocrata do que em sua versão moderada mas ainda sem muito mais que um certo tom de desafio social O programa clássico em torno do qual a classe trabalhadora britânica se levantava repetidamente era o de uma simples reforma parlamentar conforme expressa nos Seis Pontos da Carta do Povo Em substância esse programa não diferia do jacobinismo da geração de Paine e era inteiramente compatível a não ser pela sua ligação com uma classe operária cada vez mais consciente com o radicalismo político dos reformadores da classe média ao estilo de Bentham como expresso por exemplo por James Mill A única diferença no período da Restauração era que os trabalhadores radicais já preferiam ouvir esse programa na boca de homens que lhes falavam em sua própria linguagem fanfarrões retóricos do tipo de Orator Hunt 17731835 ou estilistas enérgicos e brilhantes como William Cobbett 17621835 e naturalmente Tom Paine 17371809 e não na dos próprios reformadores da classe média Conseqüentemente nesse período distinções sociais ou mesmo nacionais ainda dividiam significativamente a oposição europeia em campos mutuamente incompatíveis Tirando a Grã Bretanha e os Estados Unidos onde uma forma regular de política de massaja estava estabelecida embora na GrãBretanha fosse inibida pela histeria antijacobina até o princípio da década de 1820 as perspectivas políticas pareciam muito semelhantes para os oposicionistas de todos os países da Europa e os métodos de alcançar a revolução a frente unida do absolutismo praticamente eliminava a possibilidade de uma reforma pacífica na maior parte da Europa eram quase os mesmos Todos os revolucionários consideravamse com certa justiça pequenas elites de emancipados e progressistas atuando entre e para o eventual benefício de uma vasta e inerte massa do povo ignorante e iludido que sem dúvida receberia com alegria a libertação quando ela chegasse mas da qual não se podia esperar que tomasse parte em sua preparação Todos eles pelo menos a oeste dos Balcãs viamse em luta contra um único inimigo a união dos príncipes absolutistas sob a liderança do czar Todos portanto concebiam a revolução como algo unificado e indivisível um fenómeno europeu único ao invés de um conjunto de libertações nacionais ou locais Todos tendiam a adotar o mesmo tipo de organização revolucionária ou até a mesma organização a secreta irmandade insurrecional Essas irmandades cada uma com um ritual altamente colorido e uma hierarquia derivada ou copiada dos modelos maçónicos floresceram no final do período napoleônico As mais conhecidas por serem as mais internacionais eram os bons primos ou carbonari Parece que descendiam de lojas maçónicas ou similares localizadas no leste da França através de oficiais franceses antibonapartistas em serviço na Itália tomaram forma no sul deste país depois de 1806 e junto com outros grupos semelhantes espalharamse para o norte e pelo Mediterrâneo depois de 1815 Elas ou suas derivadas e paralelas são encontradas até na Rússia onde associações semelhantes reuniam os dezembristas que fizeram a primeira insurreição moderna da história da Rússia em 1825 mas especialmente na Grécia A época dos carbonari atingiu o clímax em 1820 1 com a maioria das irmandades sendo praticamente destruídas por volta de 1823 Entretanto o carbonarismo no sentido genérico persistiu como o principal tipo de organização revolucionária talvez pela tarefa congénita de ajudar a libertação grega filohelenismo E após o fracasso das revoluções de 1830 os exilados políticos da Polónia e da Itália propagaramno para pontos ainda mais distantes Ideologicamente os carbonari e semelhantes eram uma mistura unida somente pelo ódio comum à reação Por razões óbvias os radicais entre eles os jacobinos e babovistas de esquerda revolucionários mais decididos influenciavam cada vez mais as irmandades Filippo Buonarroti velho camarada de armas de Babeuf era o mais hábil e mais infatigável dos conspiradores embora suas doutrinas estivessem provavelmente muito à esquerda para a maioria dos irmãos e primos Se seus esforços jamais foram coordenados para produzir uma revolução internacional simultânea é ainda um assunto para discussão embora tenham sido feitas persistentes tentativas para unir todas as irmandades secretas pelo menos em seus níveis mais altos e mais iniciados em superconspirações internacionais Qualquer que seja a verdade uma onda de insurreições do tipo carbonário ocorreu em 18201 Fracassaram totalmente na França onde não havia de forma alguma condições políticas para uma revolução e os conspiradores não tinham acesso à única alavanca eficaz de insurreição em uma situação além do mais ainda não amadurecida para isso ou seja um exército descontente O exército francês naquela época e durante todo o século XIX era uma parte do funcionalismo público o que quer dizer que ele cumpria as ordens de qualquer que fosse o governo oficial As insurreições obtiveram sucesso completo mas apenas temporariamente em alguns estados italianos e especialmente na Espanha onde a insurreição pura descobriu sua fórmula mais eficiente o pronunciamento militar Coronéis liberais organizados em suas próprias irmandades secretas de oficiais ordenavam que seus regimentos os seguissem na insurreição e eles o faziam Os conspiradores dezembristas na Rússia tentaram fazer o mesmo com seus regimentos de guardas em 1825 mas fracassaram devido ao temor de irem muito longe As irmandades de oficiais frequentemente de tendência liberal visto que os novos exércitos forneciam carreiras para os jovens nãoaristocráticos e o pronunciamento daí em diante se tornaram características regulares das cenas políticas ibérica e latinoamericana e uma das mais duradouras e duvidosas criações políticas do período carbonarista Podese observar de passagem que a sociedade secreta ritualizada e hierárquica como a maçonaria atraía muito fortemente os militares por razões compreensíveis O novo regime liberal espanhol foi deposto por uma invasão francesa apoiada pela reação europeia em 1823 Só urna das revoluções de 18202 mantevese graças em parte ao seu sucesso em desencadear uma genuína insurreição do povo e em parte a uma situação diplomática favorável o levante grego de 1821 A Grécia portanto tornouse a inspiração para o liberalismo internacional e o filohelenismo que incluía o apoio organizado aos gregos e a partida de inúmeros combatentes voluntários desempenhou em relação à esquerda europeia na década de 1820 um papel análogo ao que a República Espanhola viria a desempenhar no fim da década de 1930 As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente Como vimos elas foram os primeiros produtos de um período geral de aguda e disseminada intranquilidade econômica e social e de rápidas transformações Dois principais resultados seguiramse a isto O primeiro foi que a política de massa e a revolução de massa com base no modelo de 1789 mais uma vez tornaramse possíveis e a dependência exclusiva das irmandades secretas portanto menos necessária Os Bourbon foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular devida à depressão econômica Cidade sempre agitada pela atividade de massa Paris em julho de 1830 mostrava as barricadas surgindo em maior número e em mais lugares do que em qualquer época anterior ou posterior De fato 1830 fez da barricada um símbolo da insurreição popular Embora sua história revolucionária em Paris retroceda pelo menos a 1588 a barricada não desempenhou nenhum papel importante em 178994 O segundo resultado foi que com o progresso do capitalismo o povo e os trabalhadores pobres ie os homens que construíram as barricadas podiam ser cada vez mais identificados com o novo proletariado industrial como a classe operária Portanto um movimento revolucionário proletáriosocialista passou a existir As revoluções de 1830 também introduziram outras duas modificações na política de esquerda Elas separaram os moderados dos radicais e criaram uma nova situação internacional Ao fazêlo elas ajudaram a dividir o movimento não só em diferentes segmentos sociais mas também nacionais Internacionalmente as revoluções dividiram a Europa em duas grandes regiões A oeste do Reno elas romperam para sempre o domínio das potências reacionárias unidas O liberalismo moderado triunfou na França na GrãBretanha e na Bélgica O liberalismo de um tipo mais radical não triunfou por inteiro na Suíça nem na Península Ibérica onde os movimentos católicos liberais e antiliberais de bases populares confrontavamse mas a Sagrada Aliança não mais podia intervir nessas regiões como ainda costumava fazer em todas as regiões a leste do Reno Nas guerras civis portuguesa e espanhola da década de 1830 cada uma das potências absolutistas ou liberalmoderadas apoiava o seu lado embora os liberais o fizessem com um pouco mais de energia e com a ajuda de alguns voluntários e simpatizantes radicais estrangeiros que prenunciavam vagamente o filohispanismo da década de 1930 Mas no fundo a questão nestes países ficou para ser decidida pelo equilíbrio local de forças o que quer dizer que ela continuou sem uma decisão flutuando entre pequenos períodos de vitória liberal 18337 1840 3 e recuperação conservadora A leste do Reno a situação permaneceu superficialmente como antes de 1830 pois todas as revoluções foram suprimidas a italiana e a alemã pelos austríacos ou com a ajuda destes e a polonesa de longe a mais séria pelos russos Além disso nessa região o problema nacional continuou a ser mais importante que todos os outros Todos os povos viviam em Estados que eram ou muito pequenos ou muito grandes segundo os critérios nacionais como membros de nações desunidas divididas em pequenos principados ou ainda em coisa nenhuma Alemanha Itália Polónia ou de impérios multinacionais o dos Habsburgo o russo e o turco ou como ambas as coisas Não precisamos nos preocupar com os holandeses e os escandinavos que viviam uma vida relativamente tranquila fora dos dramáticos acontecimentos do resto da Europa embora pertencendo de uma maneira geral à zona não absolutista Havia muita coisa em comum entre os revolucionários das duas regiões como demonstra o fato de que as revoluções de 1848 ocorreram em ambas embora não em todas as suas partes Entretanto dentro de cada uma surgiu uma marcante diferença de ardor revolucionário No oeste a GrãBretanha e a Bélgica pararam de seguir o ritmo revolucionário geral enquanto que a Espanha Portugal e em menor grau a Suíça estavam envolvidas em suas endémicas guerras civis cujas crises não mais coincidiam com as de outras partes a não ser acidentalmente como no caso da guerra civil suíça de 1847 No resto da Europa surgiu uma acentuada diferença entre as nações ativamente revolucionárias e as passivas ou pouco entusiásticas Assim os serviços secretos dos Habsburgo estavam constantemente envolvidos com o problema dos poloneses dos italianos e dos alemães nãoaustríacos bem como pelos sempre citados húngaros enquanto que não encontravam quaisquer perigos nas terras alpinas ou nas eslavas Até então só os poloneses preocupavam os russos enquanto que os turcos ainda podiam confiar na maioria dos eslavos balcânicos para continuarem tranquilos Estas diferenças refletiam as variações no ritmo de evolução e nas condições sociais em diferentes países que se tornaram cada vez mais evidentes nas décadas de 1830 e 1840 e cada vez mais importantes para a política Assim a avançada industrialização da GrãBretanha mudou o ritmo da política britânica enquanto a maior parte do continente passou pelo seu mais agudo período de crises sociais em 18468 a GrãBretanha teve um período equivalente uma depressão puramente industrial em 18412 Ver também o capítulo 9 Ao contrário enquanto na década de 1820 grupos de jovens idealistas podiam esperar que um putsch militar assegurasse a vitória da liberdade na Rússia na Espanha ou na França depois de 1830 o fato de que as condições sociais e políticas na Rússia estavam muito menos maduras para a revolução do que na Espanha dificilmente podia ser dissimulado Todavia os problemas da revolução eram semelhantes a leste e a oeste embora não do mesmo tipo eles provocavam grande tensão entre os moderados e os radicais No oeste os liberalmoderados saíram da frente comum de oposição à Restauração ou de uma grande simpatia por ela para assumirem o governo ou um governo em potencial Além disso alcançado o poder pelos esforços dos radicais pois quem mais lutava nas barricadas eles imediatamente os traíam Não se devia brincar com coisas tão perigosas como a democracia ou a república Não há mais uma causa legítima disse Guizot liberal oposicionista durante a Restauração e primeiroministro durante a Monarquia de Julho nem um pretexto plausível para as máximas e as paixões por tanto tempo colocadas sob a bandeira da democracia O que anteriormente era democracia seria agora anarquia o espírito democrático hoje e por muito tempo não é nem será nada senão o espírito revolucionário Mais do que isto após um pequeno intervalo de tolerância e zelo os liberais tenderam a moderar seu entusiasmo reformista e a suprimir a esquerda radical especialmente os revolucionários da classe operária Na GrãBretanha o Sindicato Geral no estilo cooperativista de Owen de 18345 e os defensores da Carta do Povo enfrentaram a hostilidade tanto dos homens que se opuseram ao Ato de Reforma quanto de muitos que o apoiaram O chefe das forças armadas na luta contra os defensores da Carta do Povo em 1839 simpatizava como radical da classe média com muitas de suas exigências mas ainda assim os encurralou Na França a supressão do levante republicano de 1834 marcou a virada no mesmo ano a sujeição ao terror de seis honestos trabalhadores wesleyanos que tinham tentado formar um sindicato agrícola os Mártires de Tolpuddle iniciava a ofensiva equivalente contra o movimento da classe operária na GrãBretanha Os radicais os republicanos e os novos movimentos proletários saíram portanto da aliança com os liberais os moderados quando ainda na oposição eram perseguidos pelo fantasma assustador da república social e democrática que era agora o slogan da esquerda No resto da Europa nenhuma revolução vencera A divisão entre moderados e radicais e o surgimento de uma nova tendência socialrevolucionária nasceram da análise da derrota e das perspectivas de vitória Os moderados proprietários liberais e outros membros da classe média depositavam suas esperanças no reformismo de governos convenientemente influenciáveis e no apoio diplomático das novas potências liberais Os governos convenientemente influenciáveis eram raros A Savóia na Itália permaneceu simpática ao liberalismo e atraiu cada vez mais o apoio de um grupo moderado que buscava nela a ajuda para uma eventual unificação do país Um grupo de católicos liberais encorajado pelo efémero e curioso fenómeno de um papado liberal no período do novo Papa Pio IX 1846 sonhava infrutiferamente em mobilizar a força da Igreja com o mesmo propósito Na Alemanha nenhum Estado importante era menos que hostil ao liberalismo Isto não evitou que alguns moderados embora menos do que pretendeu a propaganda histórica prussiana olhassem para a Prússia que pelo menos tinha a seu favor a criação de um Sindicato Alfandegário Alemão 1834 em busca de sonhos com príncipes convertidos ao invés de barricadas Na Polónia onde a possibilidade de uma reforma moderada com o apoio do czar não mais encorajava a facção magnata que sempre desopitara nisso as suas esperanças os czartoryskis os moderados podiam pelo menos esperar por uma intervenção diplomática ocidental Nenhuma dessas perspectivas era ao menos realista no pé em que as coisas estavam entre 1830 e 1848 Os radicais estavam igualmente desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de libertadores internacionais que lhes tinham atribuído a Revolução Grega e a teoria revolucionária De fato este desapontamento junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 ver capítulo 7 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país despedaçou o internacionalismo unificado a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração As perspectivas estratégicas permaneciam as mesmas Uma França neojacobina e talvez como pensava Marx uma GrãBretanha radicalmente intervencionista ainda eram quase indispensáveis para a libertação europeia longe da improvável perspectiva de uma revolução russa Todavia uma reação nacionalista contra o internacionalismo centrado na França do período carbonarista ganhou terreno uma emoção que se encaixava bem na nova moda do romantismo ver capítulo 14 que havia pegado em boa parte da esquerda depois de 1830 não há contraste mais marcante que entre o reservado professor de música e racionalista do século XVIII Buonarroti e o confuso e ineficiente sentimentalista Giuseppe Mazzini 180572 que se tornou o apóstolo dessa reação anticarbonária criando várias conspirações nacionais Jovem Itália Jovem Alemanha Jovem Polónia etc reunidas sob o título de Jovem Europa Num sentido esta descentralização do movimento revolucionário foi realista pois em 1848 as nações de fato se sublevaram separadamente de forma espontânea e simultânea Noutro não o foi o estímulo para sua erupção simultânea ainda veio da França e a relutância francesa em desempenhar um papel libertador arruinouas Românticos ou não os radicais rejeitaram a confiança dos moderados em príncipes e potências por razões práticas e também ideológicas Os povos devem estar preparados para alcançar sua liberdade por si mesmos pois ninguém mais faria isso por eles um sentimento também adaptado para uso dos movimentos socialistasproletários da época E devem fazêlo por ação direta Isto ainda era em grande parte concebido à moda carbonária pelo menos enquanto as massas permanecessem passivas Conseqüentemente não era algo muito eficaz embora houvesse um mundo de diferenças entre os ridículos esforços como a invasão da Savóia tentada por Mazzíni e as sérias e contínuas tentativas dos democratas poloneses de manter ou reviver a guerra de guerrilhas em seu país após a derrota de 1831 Mas a própria determinação dos radicais em tomar o poder sem ou contra as forças estabelecidas introduziu ainda uma outra divisão em suas fileiras Estariam eles preparados para fazêlo ao preço da revolução social IV A pergunta era explosiva em toda parte exceto nos Estados Unidos onde ninguém mais podia tomar ou evitar a decisão de mobilizar o povo para a política porque a democracia jacksoniana já o tinha feito Mas a despeito do aparecimento de um Partido dos Trabalhadores Workingmeris Party nos Estados Unidos em 18289 a revolução social nos moldes europeus não era uma questão séria naquele grande país em rápida expansão embora fossem sérios os descontentamentos setoriais A pergunta também não causava excitação na América Latina onde nenhum político exceto talvez no México sonhava em mobilizar os índios ie os camponeses ou os trabalhadores rurais os escravos negros ou mesmo as classes mistas ou seja os pequenos agricultores os artesãos e os pobres das cidades para qualquer fim que fosse Mas na Europa Ocidental onde a revolução social dos pobres das cidades era uma possibilidade real e na vasta zona europeia de revolução agrária a questão sobre se convinha ou não incitar as massas era urgente e inevitável O crescente descontentamento dos pobres especialmente dos pobres das cidades era visível em toda a Europa Ocidental Mesmo na imperial Viena este descontentamento se refletia no espelho fiel das atitudes da pequena burguesia e dos plebeus o teatro suburbano popular Durante o período napoleônico suas peças tinham combinado a Gemuetlichkeit com uma ingénua lealdade aos Habsburgo Seu maior autor durante a década de 1820 Ferdinand Raimund enchia o palco de contos de fadas tristeza e nostalgia pela perdida inocência da comunidade simples tradicional e não capitalista Mas a partir de 1835 esse teatro foi dominado por um astro Johann Nestroy preocupado fundamentalmente com a sátira social e política um homem de inteligência amarga e dialética um destruidor que caracteristicamente se transformou num entusiástico revolucionário em 1848 Mesmo os emigrantes alemães que passavam pelo porto de Havre a caminho dos EUA que em 1830 começou a ser o país dos sonhos do europeu pobre justificavamse dizendo que lá não há um rei O descontentamento urbano era geral no Ocidente Um movimento socialista e proletário era sobretudo visível nos países da revolução dupla a GrãBretanha e a França Ver também capítulo 11 Na GrãBretanha ele surgiu por volta de 1830 e assumiu a forma extremamente madura de um movimento de massa dos trabalhadores pobres que via nos reformadores e liberais seus prováveis traidores e nos capitalistas seus inimigos seguros O vasto movimento em favor da Carta do Povo que atingiu o climax em 183942 mas manteve sua grande influência até depois de 1848 foi sua mais formidável realização O socialismo britânico ou cooperativismo era muito mais fraco Começou de maneira impressionante em 182934 atraindo talvez o grosso dos militantes da classe operária para suas doutrinas que tinham sido difundidas principalmente entre os artesãos e trabalhadores qualificados desde o princípio da década de 1820 e com as ambiciosas tentativas de criar sindicatos gerais nacionais da classe operária que sob a influência das teses de Owen fizeram até mesmo tentativas para estabelecer uma economia geral cooperativista às margens do capitalismo O desapontamento após o Ato de Reforma de 1832 fez com que o grosso do movimento trabalhista buscasse nesses owenitas cooperativistas sindicalistas revolucionários primitivos etc uma liderança mas seu fracasso em desenvolver uma estratégia política e uma liderança eficazes e as ofensivas sistemáticas dos empregadores e do governo destruíram o movimento em 18346 Este fracasso reduziu os socialistas a grupos educacionais e propagandísticos um tanto à margem da principal corrente de agitação trabalhista ou a pioneiros de algo mais modesto a cooperação de consumidores sob a forma da cooperativa de compras iniciada em Rochdale Lancashire em 1844 Dai o paradoxo de que o clímax do movimento de massa revolucionário dos trabalhadores pobres da GrãBretanha a campanha em favor da Carta do Povo tenha sido ideologicamente um pouco mais atrasado embora politicamente mais amadurecido do que o movimento de 182934 Mas isto não o salvou da derrota pela incapacidade política dos seus líderes por suas diferenças locais e setoriais e uma falta de habilidade para a ação nacional exceto na preparação de petiçõesmonstros Na França não existia qualquer movimento de massa dos trabalhadores pobres das indústrias que se comparasse os militantes do movimento da classe operária francesa em 183048 eram fundamentalmente os ultrapassados artesãos e diaristas urbanos a maioria em seus ofícios ou em centros de indústria doméstica tradicional como o da indústria da seda em Lyon Os arqui revolucionários canuís de Lyon não eram nem mesmo assalariados mas sim uma espécie de pequenos mestres Além disso os vários ramos do novo socialismo utópico os seguidores de SaintSimon Fourier Cabet etc não estavam interessados em agitação política embora seus grupos e conventículos principalmente os dos seguidores de Fourier viessem a agir como núcleos de liderança da classe operária e como mobilizadores da ação de massa no princípio da revolução de 1848 Por outro lado a França possuía a poderosa tradição do jacobinismo e do babovismo de esquerda altamente desenvolvida politicamente e que em grande parte se tornaria comunista depois de 1830 Seu líder mais notável foi Auguste Blanqui 18051881 um discípulo de Buonarroti Em termos de análise e teoria social o blanquismo tinha pouco a oferecer ao socialismo exceto a afirmação de sua necessidade e a decisiva observação de que o proletariado seria seu arquiteto e a classe média não mais a superior seu principal inimigo Em termos de estratégia e organização política ele adaptou o órgão tradicional de agitação a secreta irmandade conspiradora às condições proletárias casualmente despojandoo de sua fantasiosa vestimenta ritualística da Restauração e o tradicional método de revolução jacobina a insurreição e a ditadura popular centralizada à causa dos trabalhadores O moderno movimento revolucionário socialista adquiriu dos blanquistas que por sua vez o fizeram de SaintJust Babeuf e Buonarroti a convicção de que seu objetivo tinha que ser a tomada do poder político seguida da ditadura do proletariado o termo é de cunhagem blanquista A fraqueza do blanquismo era em parte a mesma da classe operária francesa Na ausência de um grande movimento de massa ele foi como seus predecessores carbonaristas uma elite que planejava suas insurreições de certa forma no vazio e que portanto frequentemente fracassava como no caso da tentativa de levante de 1839 A classe operária ou o socialismo e a revolução urbana pareciam pois perigos muito reais na Europa Ocidental embora na verdade na maioria dos países industrializados como a Grã Bretanha e a Bélgica o governo e as classes empregadoras os considerassem com relativa e justificada placidez não há provas de que o governo britânico tenha sido seriamente perturbado pela ameaça dos cartistas à ordem pública apesar de vasto o movimento em prol da Carta do Povo era pessimamente conduzido mal organizado e muito dividido Por outro lado a população rural oferecia pouco para incentivar os revolucionários ou assustar os governantes Na GrãBretanha o governo teve um pânico momentâneo quando uma onda de tumultos e quebra de máquinas rapidamente se espalhou entre os esfomeados trabalhadores do campo no bui e no leste da Inglaterra no final de 1830 A influência da Revolução Francesa de julho de 1830 foi detectada nesta última revolta de trabalhadores ampla e espontânea mas que logo se dissipou e que foi punida com muito mais selvageria do que as agitações cartistas como era talvez de se esperar em face da situação política muito mais tensa durante o período do Ato de Reforma Entretanto a intranquilidade nos campos logo regrediu para formas politicamente menos assustadoras No resto das áreas economicamente avançadas exceto até certo ponto na Alemanha Ocidental não se esperava nem se renunciava qualquer agitação rural séria e a perspectiva inteiramente urbana da maioria dos revolucionários tinha poucos atrativos para o campesinato Em toda a Europa Ocidental tirando a Península Ibérica só a Irlanda tinha um grande e endémico movimento de revolução agrária organizado pelas muitas sociedades secretas terroristas tais como os Homens das Filas Ribbonmen e o Rapazes Brancos Whiteboys Mas social e politicamente a Irlanda pertencia a um mundo diferente da sua vizinha Inglaterra A questão da revolução social portanto dividiu os radicais da classe média ie os grupos de homens de negócio intelectuais e outros descontentes que ainda se encontravam em oposição aos governos liberais moderados de 1830 Na GrãBretanha ela dividiu os radicais da classe média entre os que estavam preparados para apoiar o cartismo ou fazer causa comum com ele como em Birmingham ou na União pelo Sufrágio Universal do quaker Joseph Sturge e os que insistiam como os membros da Liga Contra a Lei do Trigo de Manchester em lutar tanto contra a aristocracia como contra o cartismo Os intransigentes prevaleceram confiantes na maior homegeneidade de sua consciência de classe em seu dinheiro que gastavam em enormes quantidades e na eficácia da organização propagandista que montaram Na França a fraqueza da oposição oficial a Luís Felipe e a iniciativa das massas revolucionárias de Paris virou a decisão para o outro lado Logo tornamonos republicanos novamente escreveu o poeta radical Béranger depois da revolução de fevereiro de 1848 Talvez tenha sido um pouco cedo demais e um pouco rápido demais Eu teria preferido um procedimento mais cauteloso mas nós não escolhemos a hora nem reunimos as forças nem determinamos o caminho da marcha O rompimento dos radicais da classe média com a extrema esquerda ocorreria na França somente depois da revolução Para a pequena burguesia descontente de artesãos independentes lojistas fazendeiros etc que junto com uma massa de trabalhadores qualificados provavelmente formavam a principal concentração de radicalismo da Europa Ocidental o problema era menos difícil Por sua origem modesta simpatizavam com os pobres contra os ricos como pequenos proprietários simpatizavam com os ricos contra os pobres Mas a divisão de suas simpatias levouos à hesitação e à dúvida ao invés de a uma grande mudança de compromisso político Mas quando chegou o momento decisivo eles foram embora de maneira débil jacobinos republicanos e democratas Foram um componente hesitante mas invariável de todas as frentes populares até que expropriadores em potencial assumissem verdadeiramente o poder V No resto da Europa revolucionária onde a baixa nobreza rural e os intelectuais descontentes constituíam o centro do radicalismo o problema era bem mais sério Pois as massas eram o campesinato e frequentemente um campesinato que pertencia a uma nação diferente da de seus senhores e concidadãos os eslavos e os romenos na Hungria os ucranianos na Polónia Oriental os eslavos em partes da Áustria E os senhores de terra mais pobres e menos eficazes que eram os que menos podiam se permitir abandonar o status que lhes assegurava seus rendimentos eram frequentemente nacionalistas os mais radicais Reconhecidamente enquanto o grosso do campesinato continuasse afundado na ignorância e na passividade política a questão do seu apoio às revoluções era menos imediata do que poderia ser mas não menos explosiva E na década de 1840 mesmo esta passividade não mais podia ser tomada como garantia A insurreição dos servos na Galícia em 1846 foi a maior revolta camponesa desde a Revolução Francesa de 1789 Inflamada como era a questão era também até certo ponto retórica Economicamente a modernização das áreas do interior tais como as da Europa Oriental exigia uma reforma agrária ou no mínimo a abolição da servidão que ainda persistia nos impérios austríaco russo e turco Politicamente uma vez que o campesinato atingisse o estágio da atividade era mais do que certo que alguma coisa tinha que ser feita para satisfazer suas exigências pelo menos nos países onde os revolucionários lutavam contra o domínio estrangeiro Pois se eles não atraíssem os camponeses para o seu lado os reacionários o fariam de qualquer forma os reis legítimos os imperadores e as igrejas tinham a vantagem tática de que os camponeses tradicionalistas confiavam mais neles do que nos senhores de terra e em princípio ainda se dispunham a esperar que eles fizessem justiça E os monarcas estavam perfeitamente dispostos a jogar os camponeses contra a pequena nobreza se necessário os Bourbon de Nápoles tinham feito isto sem hesitação contra os jacobinos napolitanos em 1799 Longa vida a Radetsky gritariam os camponeses da Lombardia em 1848 saudando o general austríaco que liquidou a insurreição nacionalista morte aos senhores A pergunta a ser feita aos radicais dos países subdesenvolvidos não era se deviam buscar uma aliança com o campesinato mas se a conseguiriam Nestes países portanto os radicais se dividiam em dois grupos os democratas e os de extrema esquerda Os democratas representados na Polónia pela Sociedade Democrática Polonesa na Hungria pelos seguidores de Kossuth na Itália pelos mazzinianos reconheceram a necessidade de se atrair os camponeses para a causa revolucionária quando necessário pela abolição da servidão e a garantia dos direitos de propriedade aos pequenos agricultores mas esperavam alguma espécie de coexistência pacífica entre uma nobreza que renunciasse voluntariamente a seus direitos feudais não sem compensação c um campesinato nacional Entretanto onde o vento da rebelião camponesa não tinha alcançado a força de um vendaval ou o temor de sua exploração pelos príncipes não era grande como na maior parte da Itália os democratas na prática deixaram de providenciar um programa agrário concreto ou mesmo qualquer programa social preferindo pregar as generalidades da democracia política e da libertação nacional A extrema esquerda concebia francamente ajuda revolucionária de massas contra os governantes estrangeiros e os exploradores domésticos Prenunciando os revolucionários nacionalistas e sociais de nosso século ela duvidava da capacidade da nobreza e da fraca classe média com seu frequente interesse na dominação imperial para conduzir a nova nação à independência e à modernização Seu programa era assim poderosamente influenciado pelo socialismo nascente do Ocidente embora de maneira diversa da maioria dos socialistas utópicos prémarxistas fossem também revolucionários políticos além de críticos sociais A República de Cracóvia que teve pouca duração aboliu assim em 1846 todos os encargos dos camponeses e prometeu aos pobres citadinos oficinas nacionais Os carbonários mais avançados do sul da Itália adotaram a plataforma babovistablanquista Exceto talvez na Polónia esta corrente de pensamento era relativamente fraca e sua influência foi ainda mais diminuída pelo fracasso de movimentos compostos substancialmente de jovens escolares estudantes intelectuais desclassificados da pequena nobreza ou de origem plebléia e de alguns idealistas para mobilizar o campesinato que eles tão fervorosamente buscavam recrutar Os radicais da Europa subdesenvolvida portanto nunca resolveram eficazmente o seu problema em parte devido à relutância dos que os apoiavam em fazer adequadas concessões ao campesinato em parte devido à imaturidade política dos camponeses Na Itália as revoluções de 1848 foram conduzidas substancialmente por cima de uma população rural inativa na Polónia onde o levante de 1846 tinha rapidamente se desenvolvido sob a forma de uma rebelião camponesa incentivada pelo governo austríaco contra a pequena nobreza nacional não houve qualquer revolução em 1848 exceto na Posnânia prussiana Mesmo na mais avançada das nações revolucionárias a Hungria as características de uma reforma agrária operada pela pequena nobreza fariam com que fosse totalmente impossível mobilizar o campesinato para a guerra de libertação nacional E na maior parte da Europa Oriental os camponeses eslavos metidos em uniformes de soldados imperiais é que foram os eficientes subjugadores dos revolucionários magiares e alemães VI Todavia embora agora divididos pelas diferenças das condições locais pelas nacionalidades e as classes os movimentos revolucionários de 183048 continuaram tendo muito em comum Em primeiro lugar como vimos eles continuaram sendo em grande parte organizações minoritárias de conspiradores da classe média e intelectuais frequentemente exilados ou limitados ao mundo relativamente pequeno dos letrados Quando as revoluções eclodiam é claro o povo comum vinha à cena por si mesmo Dos 350 mortos da insurreição de Milão em 1848 só cerca de uma dúzia eram estudantes funcionários ou gente de famílias proprietárias de terras Setenta c quatro eram mulheres e crianças e o resto se constituía de artesãos ou trabalhadores Em segundo lugareles mantiveram um padrão comum de procedimento político de ideias estratégicas e táticas etc derivadas da experiência e da herança da Revolução de 1789 e um forte sentido de unidade internacional O primeiro fator é facilmente explicável Não existia uma longa tradição de organização e de agitação de massas como parte de uma vida social normal e não imediatamente pré ou pós revolucionária exceto nos Estados Unidos e na GrãBretanha ou talvez na Suíça na Holanda e na Escandinávia nem as condições para essa tradição estavam presentes fora da GrãBretanha e dos Estados Unidos Era absolutamente impensável que um jornal tivesse em outros países uma circulação semanal de mais de 60 mil exemplares ou um número de leitores muito maior ainda como o Northern Star dos cartistas em abril de 1839 5 mil parece ter sido o maior número de exemplares para um jornal embora os jornais oficiais ou a partir da década de 1830 os almanaques de entretenimento pudessem talvez exceder a 20 mil exemplares em um país como a França Mesmo nos países constitucionais como a Bélgica e a França a agitação legal da extrema esquerda só era permitida intermitentemente e suas organizações eram muitas vezes ilegais Consequentemente enquanto existia um simulacro de política democrática entre as classes restritas que formavam o país legal algumas das quais tinham influência sobre os desprivilegiados os instrumentos fundamentais da política de massa as campanhas públicas para fazer pressão sobre os governos as organizações de massa as petições e a oratória itinerante endereçada ao povo comum eram só raramente possíveis Fora da GrãBretanha ninguém teria seriamente pensado em obter o direito de voto parlamentar universal através de uma campanha de assinaturas em massa e de manifestações públicas ou em abolir uma lei impopular através de propaganda de massa e campanhas de pressão como tentaram respectivamente o cartismo e a Liga Contra a Lei do Trigo As grandes mudanças constitucionais significam um rompimento com a legalidade e assim aconteceu a fortiori com as grandes mudanças sociais As organizações ilegais são naturalmente menores que as legais e sua composição social está longe de ser representativa Reconhecidamente a transformação das sociedades carbonárias secretas em sociedades proletárias revolucionárias como a blanquista provocou um relativo declínio no número de militantes da classe média e um aumento do número de membros da classe operária ou seja do número de artesãos e artífices As organizações blanquistas do final das décadas de 1830 e 1840 eram consideradas fortemente constituídas de membros das classes mais baixas Da mesma maneira se considerava a Liga Alemã de Proscritos que por sua vez transformouse na Liga dos Justos e na Liga Comunista de Marx e Engels cuja espinha dorsal se constituía de artífices alemães expatriados Mas este foi um caso muito excepcional A grande maioria dos conspiradores consistia como antes de homens das classes profissionais ou da baixa nobreza estudantes e escolares jornalistas etc embora talvez com um componente menor fora dos países ibéricos de jovens oficiais do que no apogeu do período carbonário Além disso até certo ponto ioda a esquerda europeia e americana continuava a lutar contra os mesmos inimigos a partilhar aspirações comuns c um programa comum Repudiamos condenamos e renunciamos a todas as desigualdades e distinções hereditárias de casta escreveram os Democratas Fraternos compostos de naturais da GrãBretanha da França da Alemanha da Escandinávia da Polónia da Itália da Suíça da Hungria e de outros países em sua Declaração de Princípios Consequentemente consideramos os reis as aristocracias e as classes que monopolizam os privilégios em virtude de suas posses de terras como usurpadores Os governos eleitos e responsáveis por todo o povo são o nosso credo político Que revolucionário ou radical teria discordado deles Se fosse burguês seria a favor de um Estado no qual a propriedade conquanto não gozasse de privilégio político como tal como nas constituições de 18302 que fizeram o voto depender de uma qualificação de propriedade tivesse um livre espaço econômico se fosse socialista ou comunista seria a favor de que a propriedade fosse socializada Sem dúvida chegaria o momento na GrãBretanha ele já tinha chegado na época do cartismo em que os antigos aliados contra o rei a aristocracia e o privilégio se voltariam uns contra os outros e o conflito fundamental seria entre os burgueses e os trabalhadores Mas antes de 1848 este momento ainda não tinha chegado em nenhum outro lugar Só a grande bourgeoisie de alguns países ainda estava oficialmente do lado do governo Mesmo os mais conscientes comunistas proletários ainda se viam e agiam como a ala da extrema esquerda de um movimento geral radical e democrático e normalmente consideravam o empreendimento da república democráticoburguesa a preliminar indispensável para o avanço ulterior do socialismo O Manifesto Comunista de Marx e Engels é uma declaração de guerra futura contra a burguesia mas ao menos para a Alemanha de aliança presente A classe média alemã mais avançada os industriais da região do Reno não pediu meramente que Marx editasse seu órgão radical o Neue Rheinische Zeitung em 1848 ele aceitou e editouo não simplesmente como um órgão comunista mas como o portavoz e líder do radicalismo alemão Mais do que um mero panorama comum a esquerda europeia partilhava de uma visão comum sobre como seria a revolução baseada em 1789 com retoques de 1830 Haveria uma crise nos negócios políticos do Estado levando à insurreição A ideia carbonária de um putsch ou levante de elite organizado sem referência ao clima econômico e político geral era desacreditada cada vez mais exceto nos países ibéricos principalmente pelo humilhante fracasso de várias tentativas do género na Itália p ex em 18334 18415 e dos putsches como o tentado pelo sobrinho de Napoleão Luís Napoleão em 1836 Na capital levantarseiam barricadas os revolucionários atacariam o palácio o parlamento ou entre os extremistas que se lembravam de 1792 a sede da prefeitura içariam qualquer que fosse sua bandeira tricolor e proclamariam a república e um governo provisório O pais aceitaria então o novo regime A decisiva importância das capitais era universalmente aceita embora só depois de 1848 os governos tivessem começado a replanejálas a fim de facilitar a operação das tropas contra os revolucionários Uma Guarda Nacional de cidadãos armados seria organizada seriam feitas eleições democráticas para uma Assembleia Constituinte o governo provisório se transformaria em um governo definitivo e a nova Constituição entraria em vigor O novo regime então daria auxílio fraterno às outras revoluções que quase certamente também teriam ocorrido O que viria a acontecer dai em diante pertencia à época pósrevolucionária para a qual os acontecimentos da França em 17929 também forneceram modelos razoavelmente concretos do que se fazer e do que se evitar O espírito do revolucionário mais jacobino naturalmente se voltaria com presteza para os problemas de salvaguarda da revolução contra os ataques dos contrarevolucionários domésticos e estrangeiros De um modo geral podese também dizer que quanto mais de esquerda fosse o político mais provável seria que defendesse o princípio jacobino de centralização e de um executivo forte contra os princípios girondinos do federalismo descentralização ou divisão dos poderes Esta perspectiva comum era grandemente reforçada pela forte tradição de internacionalismo que sobrevivia mesmo entre os nacionalistas separatistas que se recusavam a aceitar a liderança automática de qualquer país ie da França ou melhor de Paris A causa de todas as nações era a mesma mesmo sem se levar em conta o fato óbvio de que a libertação da maioria das nações europeias parecia implicar na derrota do czarismo Os preconceitos nacionais dos quais segundo sustentavam os Democratas Fraternos os opressores do povo tiraram partido em todas as épocas desapareceriam em um mundo de fraternidade As tentativas de se organizar associações revolucionárias internacionais nunca cessaram desde a Jovem Europa de Mazzini projetada como uma associação contra as velhas organizações internacionais maçônico carbonárias até a Associação Democrática para a Unificação de Todos os Países 1847 Entre os movimentos nacionalistas este internacionalismo tendeu a decrescer em importância à medida em que os países conquistavam suas independências e as relações entre os povos mostravamse menos fraternas do que se supunha Entre os movimentos sóciorevolucionários que aceitavam cada vez mais a orientação proletária o internacionalismo aumentou a sua força A Internacional como organização e canção viria a se transformar em parte integrante dos movimentos socialistas já para o final do século Um fator acidental que reforçou o internacionalismo de 183048 foi o exílio A maioria dos militantes políticos da esquerda continental foram expatriados durante certo tempo muitos durante décadas reunindose em relativamente poucas zonas de refúgio e asilo a França a Suíça e até certo ponto a GrãBretanha e a Bélgica As Américas eram muito distantes para uma emigração política temporária embora atraíssem alguns O maior contingente de exilados foi o da grande emigração polonesa de cerca de 5 a 6 mil que deixaram o país devido à derrota de 1831 seguiramse os contingentes italianos e alemães ambos reforçados pela importante emigração apolítica que formaria comunidades locais nacionais em outros países Por volta da década de 1840 um pequeno grupo de intelectuais russos abastados também tinha absorvido as ideias revolucionárias ocidentais em viagens de estudos ao exterior ou buscavam uma atmosfera mais agradável do que a combinação de masmorra e pátio de exercícios militares proporcionada por Nicolau I Estudantes e residentes ricos vindos de países pequenos e afastados também eram encontrados em duas cidades que constituíam os sóis culturais da Europa Ocidental da América Latina e do Oriente Médio Paris e bem depois Viena Nos centros de refúgio os emigrantes se organizavam debatiam discutiam frequentavamse e denunciavamse uns aos outros e planejavam a libertação de seus países ou de outros países Os poloneses e até certo ponto os italianos no exílio Garibaldi lutou pela liberdade de vários países latinoamericanos tornaramse de fato corpos internacionais de militância revolucionária Nenhum levante ou guerra de libertação em qualquer parte da Europa entre 1831 e 1871 estaria completo sem o seu contingente de peritos militares ou combatentes poloneses nem mesmo como já se sustentou a única insurreição armada ocorrida na GrãBretanha durante o período cartista em 1839 Entretanto eles não eram os únicos Um típico libertador de povos o expatriado Harro Harring segundo ele da Dinamarca lutou sucessivamente pela Grécia em 1821 e pela Polónia em 18301 como membro da Jovem Alemanha da Jovem Itália e da um tanto obscura Jovem Escandinávia de Mazzini alémmar a favor de um Estados Unidos da América Latina e em Nova Iorque antes de voltar para a Revolução de 1848 publicando nesse meio tempo obras com títulos tais como Os Povos Gotas de Sangue Palavras de um Homem e Poesias de um Escandinavo Um destino e um ideal comum uniam estes expatriados e viajantes A maioria deles enfrentava os mesmos problemas de pobreza c vigilância policial de correspondência ilegal espionagem e do onipresente agente provocador Como o fascismo na década de 1930 o absolutismo nas décadas de 1830 e 1840 unia seus inimigos comuns Então como um século mais tarde o comunismo que pretendia explicar e fornecer soluções para a crise social do mundo atraía o militante e o mero curioso intelectual para a sua capital Paris acrescentando assim uma atração séria aos encantos mais amenos da cidade Não fosse pelas mulheres francesas a vida não valeria a pena Mais tant quily a des grisettes va Nestes centros de refúgios os imigrantes formavam aquela provisória comunidade de exilados embora tantas vezes permanente enquanto planejavam a libertação da humanidade Nem sempre eles se admiravam ou se aprovavam mutuamente mas se conheciam e sabiam que seu destino era o mesmo Juntos prepararamse e esperaram a revolução europeia que veio e fracassou em 1848 Capítulo Sete O Nacionalismo Todo povo tem sua missão especial que ajudará no cumprimento da missão geral da humanidade Esta missão constitui a sua nacionalidade A nacionalidade é sagrada Ato de Fraternidade da Jovem Europa 1834 Chegará o dia Em que a sublime Germânia estará no pedestal de bronze da liberdade e da justiça segurando em uma das mãos a tocha do esclarecimento que lançará a luz da civilização aos mais remotos cantos da terra e na outra a balança da justiça Os povos lhe pedirão que julgue as suas disputas estes mesmos povos que agora nos mostram que o poder é o direito e nos chutam com a botina do escárnio e do desprezo Discurso de Siebenpfeiffer no Festival de Hambach 1832 I Depois de 1830 como vimos o movimento geral em favor da revolução se dividiu Um dos resultados desta divisão merece atenção especial os movimentos nacionalistas conscientes Os movimentos que melhor simbolizam esta evolução são os movimentos jovens fundados ou inspirados por Giuseppe Mazzini logo depois da revolução de 1830 Jovem Itália Jovem Polónia Jovem Suíça Jovem Alemanha Jovem França em 18316 e o análogo Jovem Irlanda da década de 1840 ancestral da única organização revolucionária bemsucedida e duradoura baseada no modelo das irmandades conspiradoras do princípio do século XIX os fenianos ou Fraternidade Republicana Irlandesa melhor conhecia através de seu braço executivo o Exército Republicano Irlandês Em si mesmos estes movimentos não foram de grande importância a simples presença de Mazzini teria sido suficiente para assegurar sua ineficiência Simbolicamente todavia são de extrema importância como indica a adoção pelos movimentos nacionalistas subsequentes de rótulos como Jovens Tchecos ou Jovens Turcos Eles são o marco da desintegração do movimento revolucionário europeu em segmentos nacionais Sem dúvida todos estes segmentos tinham uma tática uma estratégia e um programa político muito semelhantes até mesmo uma bandeira semelhante quase invariavelmente tricolor de algum tipo Seus membros não viam qualquer contradição entre suas próprias exigências e as dos movimentos de outras nações e de fato pretendiam uma fraternidade de todos libertandose simultaneamente Por outro lado cada um deles tendia agora a justificar sua preocupação primordial com sua própria nação através da adoção do papel de Messias de todos Através da Itália segundo Mazzini através da Polónia segundo Mickiewicz os sofridos povos do mundo seriam conduzidos à liberdade uma atitude que era prontamente adaptável às políticas conservadoras ou mesmo imperialistas como testemunham os eslavófilos russos com sua defesa da Sagrada Rússia a Terceira Roma e os alemães que posteriormente iriam proclamar ao mundo dentro de uma relativa distância que ele seria curado pelo espírito alemão Reconhecidamente esta ambiguidade do nacionalismo vinha desde a Revolução Francesa Mas naquela época tinha havido apenas uma grande nação revolucionária e era lógico considerála então como ainda mesmo depois o quartelgeneral e todas as revoluções e o necessário primeiro motor da libertação do mundo Confiar em Paris era racional confiar em uma vaga Itália Polónia ou Alemanha representadas na prática por um punhado de conspiradores e de emigrantes só era lógico para os italianos os poloneses e os alemães Se o novo nacionalismo tivesse se limitado apenas aos membros das fraternidades revolucionárias nacionais não valeria a pena darlhe muita atenção Entretanto ele também refletia forças muito mais poderosas que estavamse tornando politicamente conscientes na década de 1830 como resultado da revolução dupla A mais imediatamente poderosa destas forças era o descontentamento dos proprietários menores ou pequena nobreza inferior e o surgimento de uma classe média e até de uma classe média inferior em inúmeros países sendo seus portavozes em grande parte intelectuais profissionais O papel revolucionário da baixa pequena nobreza talvez seja melhor ilustrado na Polónia é na Hungria Lá de uma maneira geral os grandes magnatas proprietários de terras haviam descoberto há muito tempo que era possível e desejável entrar em acordo com o absolutismo e a dominação estrangeira Os magnatas húngaros eram em geral católicos e de há muito tinham sido aceitos como os pilares da sociedade da corte vienense muito poucos deles iriamse unir à revolução de 1848 A memória da velha Rzeczpospolita fazia com que até mesmo os magnatas poloneses tivessem uma mentalidade nacionalista mas o mais influente dos seus partidos seminacionais a união Czartoryski que agora operava a partir do luxuoso ambiente de emigração do Hotel Lambert em Paris sempre fora a favor da aliança com a Rússia e continuava a preferir a diplomacia à revolta Economicamente eles eram suficientemente abastados para obter o que precisassem sem gastos vultuosíssimos e até mesmo para investir na benfeitoria de suas propriedades o bastante para poder usufruir da expansão econômica da época se assim o quisessem O Conde Széchenyi um dos poucos liberais moderados desta classe e paladino da melhoria econômica deu um ano de seus rendimentos para a nova Academia Húngara de Ciências cerca de 60 mil florins Não há prova de que seu padrão de vida tenha sofrido com esta generosidade desinteressada Por outro lado os muitos cavalheiros que pouco tinham exceto o seu nascimento para distinguilos dos outros fazendeiros pobres umoitavo da população húngara reivindicava o status de cavalheiro não tinham nem o dinheiro para tornar suas propriedades lucrativas nem a inclinação para competir com os alemães e judeus pela riqueza da classe média Se não podiam viver decentemente das suas rendas e uma época degenerada privavaos de suas chances como soldados então poderiam se não fossem muito ignorantes tentar o direito a administração ou alguma posição intelectual mas não uma atividade burguesa que desconsideravam Estes cavalheiros eram de há muito a fortaleza de oposição ao absolutismo e à dominação dos magnatas e estrangeiros protegendose como na Hungria por trás do escudo duplo do calvinismo e da administração dos condados Era natural que sua oposição descontentamento e aspiração a mais empregos para os cavalheiros locais se fundissem agora com o nacionalismo As classes empresariais que surgiram neste período foram paradoxalmente um elemento bem menos nacionalista Reconhecidamente na Alemanha e na Itália desunidas as vantagens de um grande mercado nacional unificado eram lógicas O autor do Deutschland über Alles declarou Presunto e tesouras botas e ligas Lã sabão fios e cerveja porque tinham conseguido coisa que o espírito nacional fora incapaz de fazer um genuíno senso de unidade nacional por meio da União Aduaneira Entretanto há pouca prova de que digamos os armadores de Génova que mais tarde iriam fornecer a maior parte do apoio financeiro a Garibaldi preferissem as possibilidades de um mercado italiano nacional à maior prosperidade de comércio por todo o Mediterrâneo E nos grandes impérios multinacionais os núcleos comerciais e industrias que cresceram em determinadas províncias podiam rosnar contra a discriminação mas no fundo claramente preferiam os grandes mercados abertos a eles agora do que os pequenos mercados de futura independência nacional Os industriais poloneses com toda a Rússia a seus pés ainda tinham pouca participação no nacionalismo polonês Quando Palacky reivindicou a favor dos tchecos que se a Áustria não existisse teria que ser inventada ele não estava só pedindo o apoio da monarquia contra os alemães mas também expressando o perfeito raciocínio econômico do setor economicamente mais avançado do grande e de outra forma atrasado império Os interesses empresariais eram às vezes o carrochefe do nacionalismo como na Bélgica onde uma pioneira comunidade industrial consideravase duvidosamente desafortunada sob o domínio da poderosa comunidade mercantil holandesa à qual tinha sido presa em 1815 Mas este era um caso excepcional Os grandes proponentes do nacionalismo de classe média neste estágio foram as camadas média e inferior das categorias profissionais administrativas e intelectuais ou sejam as classes educadas É claro que estas não são distintas das classes empresariais especialmente em países atrasados onde os administradores das propriedades os tabeliões e os advogados se encontram entre os principais acumuladores da riqueza rural Para sermos precisos a guarda avançada do nacionalismo de classe média fez sua guerra ao longo da linha que demarcava o progresso educacional de um grande número de homens novos em áreas até então ocupadas por uma pequena elite O progresso das escolas e das universidades dava a dimensão do nacionalismo na mesma medida em que as escolas e especialmente as universidades se tornavam seus defensores mais conscientes o conflito entre a Alemanha e a Dinamarca sobre o SchleswigHolstein em 1848 foi previsto pelo conflito entre as universidades de Kiel e Copenhagem sobre o mesmo problema na metade da década de 1840 O progresso foi surpreendente embora o número total de pessoas instruídas continuasse pequeno O número de alunos nos liceus estatais franceses duplicou entre 1809 e 1842 e aumentou com particular rapidez durante a Monarquia de Julho mas ainda assim em 1842 este número era inferior a 19 mil alunos O total de crianças que recebiam educação secundária naquela época era de cerca de 70 mil A Rússia por volta de 1850 tinha perto de 20 mil alunos secundaristas em uma população total de 68 milhões de habitantes O número de estudantes universitários era ainda menor naturalmente embora estivesse subindo É difícil imaginar que a juventude académica prussiana que foi tão inflamada pelo ideal de liberdade depois de 1806 consistisse em 1805 de pouco mais que 1500 jovens e que a Escola Politécnica de Paris a peste que atormentou os Bourbon restaurados em 1815 acolhesse um total de 1581 jovens em todo o período entre 1815 e 1830 ou seja uma admissão anual de cerca de cemalunos A proeminência revolucionária dos estudantes no período de 1848 faznos esquecer que em todo o continente europeu incluindose as antirevolucionárias Ilhas Britânicas não havia mais que 40 mil estudantes universitários ao todo Ainda assim estes números aumentavam Na Rússia subiu de 1700 em 1825 para 4600 em 1848 E mesmo se eles não aumentassem a transformação da sociedade e das universidades ver capítulo 15 davalhes uma nova consciência de si mesmos como um grupo social Ninguém se recorda que em 1789 havia cerca de 6 mil estudantes na Universidade de Paris já que eles não desempenharam qualquer papel independente na Revolução Mas por volta de 1830 ninguém poderia subestimar uma tamanha quantidade de jovens académicos As pequenas elites podem operar com línguas estrangeiras mas a língua nacional se impõe uma vez que o quadro de pessoas instruídas tenhase tornado suficientemente grande como testemunha a luta por um reconhecimento linguistico nos Estados indianos desde a década de 1940 Daí o momento em que livros didácticos e jornais são impressos pela primeira vez na língua nacional ou quando essa língua é usada pela primeira vez para algum fim oficial marca um passo importantíssimo na evolução nacional A década de 1830 viu este passo ser dado em grandes áreas da Europa Assim as primeiras obras tcheques importantes sobre astronomia química antropologia mineralogia e botânica foram escritas ou terminadas nesta década quando também apareceram na Roménia os primeiros livros didácticos escritos em romeno em substituição ao grego habitual O húngaro em vez do latim foi adoptado como a língua oficial da Dieta Húngara em 1840 embora a Universidade de Budapeste controlada por Viena não tivesse abandonado as palestras dadas em latim até o ano de 1844 Entretanto a luta em favor do uso do húngaro como língua oficial já estava sendo travada desde 1790 Em Zagreb Gai publicou a sua Gazeta Croata mais tarde Gazeta Nacional Ilírica a partir de 1835 na primeira versão literária do que até então fora simplesmente um complexo de dialetos Nos países que possuíam há muito tempo uma língua nacional oficial a mudança não pode ser tão facilmente avaliada embora seja interessante notar que depois de 1830 o número de livros em alemão publicados na Alemanha em comparação com os títulos em latim e francês ultrapassou pela primeira vez os 90 sendo que o número de livros escritos em francês caiu depois de 1820 para menos de 4 De maneira mais genérica a expansão editorial nos fornece uma indicação semelhante Assim na Alemanha o número de livros publicados em 1821 foi quase o mesmo que em 1800 cerca de 4 mil títulos por ano mas em 1841 tinha subido para 12 mil títulos É claro que a imensa maioria dos europeus e não europeus continuava sem instrução De fato com exceção dos alemães dos holandeses dos escandinavos dos suíços e dos norte americanos não se pode dizer que qualquer outro povo fosse alfabetizado em 1840 Podese dizer que vários povos eram totalmente analfabetos como os eslavos do sul que contavam menos de 05 de pessoas alfabetizadas em 1827 mesmo muito mais tarde somente 1 dos recrutas dálmatas do exército austríaco sabiam ler e escrever ou os russos que tinham 2 em 1840 e que muitos outros eram quase analfabetos como os espanhóis os portugueses que parece tinham somente cerca de 8 mil crianças ao todo na escola após a Guerra Peninsular e com exceção dos lombardos e piemonteses os italianos Até mesmo a GrãBretanha a França e a Bélgica tinham cerca de 40 a 50 de analfabetos na década de 1840 O analfabetismo não se constitui em um obstáculo à consciência política mas não há de fato qualquer prova de que o nacionalismo do tipo moderno fosse uma poderosa força de massa exceto em países já transformados pela revolução dupla na França na GrãBretanha nos Estados Unidos e por ser um país dependente política e economicamente da GrãBretanha na Irlanda Equacionar o nacionalismo com a alfabetização não significa que a maioria digamos dos russos não se considerasse russa quando confrontada com alguém ou alguma coisa que não o fosse Contudo para as massas em geral o teste de nacionalidade ainda era a religião o espanhol era definido por ser católico o russo por ser ortodoxo Entretanto embora tais confrontações estivessem se tornando bem mais frequentes ainda eram raras e certos tipos de sentimento nacional tal como o italiano ainda eram totalmente estranhos à grande massa do povo que nem mesmo falava a língua literária nacional e sim dialetos quase mutuamente incompreensíveis Mesmo na Alemanha a mitologia patriótica exagerou em muito o grau de sentimento nacional contra Napoleão A França era extremamente popular na Alemanha Ocidental especialmente entre os soldados a quem empregava livremente As populações muito ligadas ao Papa ou ao Imperador podiam expressar ressentimento contra os inimigos da Igreja e da coroa que por acaso eram os franceses mas isto dificilmente implicava qualquer sentimento de consciência nacional quanto mais um desejo em favor de um Estado nacional Além do mais o próprio fato de que o nacionalismo era representado pela classe média e pela pequena nobreza era suficiente para fazer o pobre ficar desconfiado Os revolucionários poloneses radical democratas tentaram arduamente como também o fizeram os mais avançados carbonários do sul da Itália e outros conspiradores mobilizar o campesinato até mesmo a ponto de oferecer uma reforma agrária Seu fracasso foi quase total Os camponeses da Galícia em 1846 se opuseram aos revolucionários poloneses embora estes tenham efetivamente proclamado o fim da servidão preferindo massacrar os cavalheiros e confiar nos agentes do Imperador O desenraizamento dos povos que é talvez o mais importante fenómeno do século XIX destruiria este profundo e antigo tradicionalismo local Ainda assim na maior parte do mundo até a década de 1820 quase ninguém ainda migrava ou emigrava exceto quando forçado pelos exércitos e a fome ou então nos grupos migratórios tradicionais como os camponeses do centro da França que em determinada estação iam trabalhar em construções no norte ou como os artesãos ambulantes alemães O desenraizamento ainda significava não a suave forma de saudade de casa que se tornaria a doença psicológica característica do século XIX refletida em inúmeras canções populares sentimentais mas o agudo e mortal mal de pays ou mal de coeur que foi descrito clinicamente pela primeira vez pelos médicos entre os velhos mercenários suíços em terras estrangeiras O recrutamento para as guerras revolucionárias revelou o mesmo especialmente entre os bretões A atração das remotas florestas do nordeste era tão forte que pôde levar uma empregada estoniana a deixar seus excelentes patrões os Kügelgens na Saxônia onde era livre e voltar para a servidão em casa A migração e a emigração cujo índice mais conveniente é a migração para os EUA aumentou notavelmente a partir da década de 1820 embora não tivesse alcançado maiores proporções até a década de 1840 quando 1750000 pessoas cruzaram o Atlântico Norte quase o triplo da década de 1830 Assim mesmo a única grande nação migratória fora das Ilhas Britânicas ainda era a Alemanha de há muito acostumada a enviar seus filhos como colonos rurais para a Europa Oriental e a América assim como artesãos por todo o continente e mercenários a todas as partes do mundo Na verdade podemos falar apenas de um movimento nacional no Ocidente organizado de forma coerente antes de 1848 que foi genuinamente baseado nas massas e até mesmo este movimento gozava da enorme vantagem da identificação com o mais forte portador da tradição a Igreja Foi o movimento irlandês de revogação sob a liderança de Daniel OConnell 1785 1847 advogado demagogo e eloquente de origem camponesa e o primeiro até 1848 o único dos líderes populares carismáticos que marcam o despertar da consciência política das massas até então atrasadas As únicas figuras comparáveis antes de 1848 foram Feargus OConnor 17941855 outro irlandês que simbolizou o cartismo na GrãBretanha e talvez Luís Kossuth 18021894 que deve ter adquirido um pouco do seu posterior prestígio entre as massas antes da revolução de 1848 embora sua reputação na década de 1840 fosse na verdade a de um paladino da pequena nobreza o fato de ter sido canonizado mais tarde pelos historiadores nacionalistas torna difícil entender com clareza sua carreira inicial A Associação Católica de OConnell que adquiriu o apoio das massas e a confiança não totalmente justificada do clero na vitoriosa luta pela Emancipação Católica 1829 não estava absolutamente ligada à pequena nobreza que era de qualquer forma protestante e anglo irlandesa Foi um movimento de camponeses e da classe média baixa irlandesa ou melhor dos elementos dessas camadas que podiam existir na empobrecida ilha O Libertador foi levado à liderança por sucessivas ondas de um movimento de massa de revolta agrária a principal força motivadora da política irlandesa nesse século espantoso Foi organizado em sociedades secretas terroristas que ajudaram a destruir o paroquianismo da vida irlandesa Entretanto o objetivo de OConnell não era nem a revolução nem a independência nacional mas sim uma moderada autonomia para a classe média irlandesa através de acordo ou negociação com os liberais britânicos Efetivamente ele não foi um nacionalista e menos ainda um revolucionário camponês mas sim um autonomista moderado da classe média E de fato a principal crítica que foi feita não injustificadamente contra ele pelos nacionalistas irlandeses posteriores semelhante à dos nacionalistas radicais indianos em relação a Gandhi que ocupou uma posição análoga na história de seu país foi a de que poderia ter incitado toda a Irlanda contra os britânicos mas deliberadamente recusouse a fazêlo Isto não altera o fato de que o movimento que ele liderou foi genuinamente apoiado pela massa da nação irlandesa II Fora do moderno mundo burguês houve entretanto movimentos de revolta popular contra o domínio estrangeiro ie normalmente entendido como significando o domínio de uma religião diferente em vez de uma nacionalidade diferente que às vezes parecem antecipar os movimentos nacionais posteriores Assim foram as rebeliões contra o Império Turco contra os russos no Cáucaso e a luta contra o usurpador domínio britânico nos confins da índia Seria insensato interpretar esses movimentos como tendo muito a ver com o nacionalismo moderno embora em áreas atrasadas habitadas por camponeses e pastores armados combativos organizados em clãs e inspirados por chefes tribais heróis bandoleiros e profetas a resistência ao governante ou infiel estrangeiro pudesse tomar a forma de autênticas guerras do povo bem diferentes dos movimentos nacionalistas de elite em países menos homéricos Na verdade entretanto a resistência dos maratas um grupo militar feudal hindu e dos sikhs uma seita religiosa militante aos britânicos respectivamente em 180318 e 184549 tem pouca ligação com o nacionalismo indiano posterior nem produziu algum que lhe fosse peculiar As tribos caucasianas selvagens heróicas e feudais encontraram na puritana seita islâmica do muridismo um laço temporário de união contra os invasores russos e em Shamyl 17971871 um líder de grande estatura mas não existe até a presente data uma nação caucasiana mas sim meramente um agregado de pequenos povos montanheses em pequenas repúblicas soviéticas Os georgianos e os arménios que formaram nações no sentido moderno não estavam envolvidos no movimento de Shamyl Os beduínos varridos pelas seitas religiosas puritanas como a wahhabita na Arábia e a sanusi no que é hoje a Líbia lutaram pela simples fé em Alá e a vida simples do pastor e do assaltante contra a corrupção dos impostos os paxás e as cidades mas ò que hoje conhecemos como nacionalismo árabe um produto do século XX nasceu das cidades e não dos acampamentos nómades Até mesmo as rebeliões contra os turcos nos Bálcans especialmente entre os povos montanheses raramente subjugados do sul e do oeste não devem ser muito prontamente interpretadas em lermos nacionalistas modernos embora os bardos e os bravos os dois eram frequentemente os mesmos como no caso dos bisposguerreirospoetas de Montenegro relembrassem as glórias de heróis seminacionais como o albanês Skanderbeg e as tragédias como a derrota dos sérvios em Kossovo nas remotas batalhas contra os turcos Nada era mais natural do que se revoltar onde fosse necessário e desejável contra uma administração local ou um enfraquecido Império Turco Entretanto pouco mais do que um subdesenvolvimento econômico unia o que hoje conhecemos como iugoslavos mesmo os do Império Turco e a própria concepção de Iugoslávia foi produto de intelectuais na AustroHungria e não dos que realmente lutaram pela liberdade Os montenegrinos ortodoxos jamais subjugados lutaram contra os turcos mas com igual vontade contra os infiéis albaneses católicos e os infiéis porém solidamente eslavos bósnios muçulmanos Os bósnios revoltaramse contra os turcos de cuja religião muitos deles partilhavam com tanta presteza quanto os ortodoxos sérvios da planície coberta de bosques do Danúbio e com mais vontade do que os velhos sérvios ortodoxos da fronteira com a Albânia Os primeiros dos povos balcânicos a se insurgirem no século XIX foram os sérvios sob o comando do heróico bandoleiro e comerciante de porcos Jorge o Negro 17601817 mas a fase inicial de sua revolta 18047 não era sequer contra o domínio turco e sim pelo contrário justamente a favor do sultão contra os abusos dos governantes locais Pouco há na história inicial das rebeliões montanhesas dos Bálcans ocidentais que sugira que os sérvios os albaneses os gregos e outros não teriam no século XIX ficado satisfeitos com um tipo de principado autónomo não nacional como o que o poderoso sátrapa Ali Paxá o Leão de Janina 17411822 estabeleceu por certo tempo no Épiro Num e somente num caso a perene luta dos pastores de ovelhas e dos heróisbandoleiros contra qualquer governo efetivo se fundiu com as ideias do nacionalismo da classe média e da Revolução Francesa na lula grega pela independência 182130 Portanto não foi por acaso que a Grécia se tornou o mito inspirador dos nacionalistas e liberais de todo o mundo Pois somente na Grécia todo um povo se insurgiu contra o opressor de uma maneira que poderia ser identificada de forma plausível com a causa da esquerda europeia e por sua vez o apoio da esquerda europeia encabeçada pelo poeta Byron que lá morreu foi uma considerável ajuda para a conquista da independência grega A maioria dos gregos era muito semelhante aos outros esquecidos camponesesguerreiros e clãs da península balcânica Entretanto uma parte formava uma classe administrativa e mercantil internacional também estabelecida em colónias ou em comunidades de minoria espalhadas por todo o Império Turco e fora dele e a língua e os mais altos escalões da Igreja Ortodoxa à qual pertencia a maioria dos povos balcânicos eram gregos a começar pelo Patriarca Grego de Constantinopla Funcionários públicos gregos transformados em príncipes vassalos governavam os principados do Danúbio a atual Roménia Em certo sentido todas as classes mercantis e instruídas dos Bálcans da região do Mar Negro e do Levante quaisquer que fossem suas origens nacionais foram helenizadas pela própria natureza de suas atividades Durante o século XVIII essa helenização ocorreu mais poderosamente do que antes em grande parte devido à marcante expansão econômica que também estendeu o alcance e os contatos da diáspora grega O novo e próspero comércio de cereais do Mar Negro levoua até os centros de negócios italianos franceses e britânicos e fortaleceu seus laços com a Rússia a expansão do comércio balcânico trouxe os comerciantes gregos ou helenizados para a Europa Central Os primeiros jornais em língua grega foram publicados em Viena 17841812 A emigração e os deslocamentos periódicos dos camponeses rebeldes reforçaram ainda mais as comunidades de exilados Foi entre esta diáspora cosmopolitana que as ideias da Revolução Francesa o liberalismo o nacionalismo e os métodos de organização política através das sociedades secretas maçónicas lançaram raízes Rhigas 17608 o líder de um primeiro e obscuro movimento revolucionário possivelmente panbalcânico falava francês e adaptou a Marselhesa às situações helénicas A Philiké Hetairía a sociedade secreta patriótica que foi a principal responsável pela revolta de 1821 foi fundada em Odessa grande e novo porto russo exportador de cereais em 1814 O nacionalismo grego foi até certo ponto comparável aos movimentos de elite ocidentais É o que explica o projeto de se fazer uma rebelião pela independência grega nos principados do Danúbio sob a liderança de magnatas gregos locais pois as únicas pessoas que podiam ser consideradas gregas nestas miseráveis terras de servos eram lordes bispos comerciantes e intelectuais É claro que o levante fracassou miseravelmente 1821 Por sorte entretanto a Hetairía se pusera também a arregimentar nas montanhas o anárquico mundo de heróis bandoleiros proscritos e chefes de clãs especialmente no Peloponeso e com um sucesso consideravelmente maior pelo menos depois de 1818 do que os cavalheiros carbonários do sul da Itália que tentaram um proselitismo semelhante com seus bandoleiros locais os banditi É duvidoso que algo parecido com o nacionalismo moderno tenha significado grande coisa para esses bandoleiros gregos embora muitos tivessem os seus escreventes o respeito e o interesse pelo estuco de livros era uma relíquia sobrevivente do antigo helenismo que compunham manifestos na terminologia jacobina Se havia alguma coisa pela qual eles lutavam esta coisa era o antigo gênio da península em que o papel do homem era o de tornarse um herói e o proscrito que fugia para as montanhas para resistir a qualquer governo e para consertar os erros dos camponeses era o ideal político geral Os nacionalistas do tipo ocidental deram liderança e um alcance panhelênico em vez de meramente local às rebeliões de homens como Kolokotrones bandoleiro e comerciante de gado Por seu turno os bandoleiros produziram esta coisa única e terrível a insurreição em massa de um povo armado O novo nacionalismo grego foi suficiente para conquistar a independência embora a combinação da liderança de classe média com a desorganização dos bandoleiros e com a intervenção de uma grande potência produzisse uma destas pobres caricaturas do ideal ocidental de liberdade que viriam a se tornar tão familiares em áreas como a América Latina Mas teve também o resultado paradoxal de confinar o helenismo à Hellas criando ou intensificando assim o nacionalismo latente de outros povos balcânicos Enquanto o fato de ser grego fora apenas pouco mais do que a habilitação profissional do cristão ortodoxo balcânico alfabetizado a helenização progrediu Quando passou a significar o apoio político à Hellas ela retrocedeu mesmo entre as classes alfabetizadas balcânicas assimiladas Neste sentido a independência grega foi a condição preliminar essencial para a evolução de outros nacionalismos balcânicos Fora da Europa é difícil falar de nacionalismo As muitas repúblicas latinoamericanas que substituíram os velhos impérios espanhol e português para sermos exatos o Brasil se tornou uma monarquia independente e assim permaneceu de 1816a 1889 com suas fronteiras frequentemente refletindo pouco mais do que a distribuição das propriedades dos nobres que tinham apoiado essa ou aquela rebelião local começaram a adquirir interesses políticos estáveis e aspirações territoriais O ideal panamericano original de Simon Bolívar 17831830 na Venezuela e San Martin 17781850 na Argentina foi impossível de realizar embora persistisse como uma poderosa corrente revolucionária em todas as regiões unidas pela língua espanhola exatamente como o panbalcanismo o herdeiro da unidade ortodoxa contra a islâmica persistiu e pode ainda persistir hoje em dia A grande extensão e variedade do continente a existência de focos de rebelião independentes no México que deram origem à América Central na Venezuela e em Buenos Aires e o especial problema do centro do colonialismo espanhol no Peru que foi libertado a partir de fora impunham uma fragmentação automática Mas as revoluções latino americanas foram obra de pequenos grupos de aristocratas soldados e elites afrancesadas evoluídas deixando a massa da passiva população branca católica e pobre e dos índios indiferente ou hostil Só no México a independência foi conquistada pela iniciativa de um movimento de massa agrário isto é indígena que marchou sob a bandeira da Virgem de Guadalupe e por isso o México trilhou desde então um caminho diferente e politicamente mais avançado que o resto da América Latina continental Entretanto mesmo entre a minúscula camada dos latinoamericanos politicamente decisivos seria anacrónico falarmos nesse período de algo mais que o embrião da consciência naciona colombiana venezuelana equatoriana etc Mas algo parecido com um protonacionalismo existia em vários países da Europa Oriental embora paradoxalmente tenha tomado o rumo do conservadorismo ao invés da rebelião nacional Os eslavos se achavam oprimidos em toda parte exceto na Rússia e em algumas fortalezas selvagens dos Bálcans mas na sua perspectiva imediata os opressores eram como vimos não os monarcas absolutos mas os proprietários de terras alemães e magiares e os exploradores urbanos E o seu nacionalismo não dava nenhuma margem para a existência nacional eslava mesmo um programa tão radical como o dos Estados Unidos Alemães proposto pelos republicanos e democratas de Baden sudoeste da Alemanha previa a inclusão de uma república ilíria ie croata e eslovena com capital na italiana Trieste uma república morávia com capital em Olomuc e uma república boémia com sede em Praga Logo a esperança imediata dos nacionalistas eslavos estava nos imperadores da Áustria e da Rússia Várias versões da solidariedade eslava expressavam a orientação russa e atraíam os rebeldes eslavos até mesmo os poloneses antirussos especialmente em tempos de derrota e de desesperança como depois do fracasso dos levantes em 1846 O ilirianismo na Croácia e um nacionalismo tcheco moderado expressavam a tendência austríaca e ambos recebiam apoio deliberado dos Habsburgo de quem dois dos mais importantes ministros Kolowrat e o chefe do sistema policial Sedlnitzky eram tchecos As aspirações culturais croatas foram protegidas na década de 1830 e em 1840 Kolowrat chegou a propor o que mais tarde viria a ser tão útil na revolução de 1848 a designação de um interventor militar croata ban como chefe da Croácia e com controle sobre a fronteira militar com a Hungria como um contrapeso aos exaltados magiares Portanto ser um revolucionário em 1848 equivalia virtualmente a se opor às aspirações nacionais eslavas e o tácito conflito entre as nações progressistas e reacionárias contribuiu em muito para condenar as revoluções de 1848 ao fracasso Nada que se pareça com nacionalismo pode ser descoberto em outras regiões pois não existiam as condições sociais para isto De fato quando muito as forças que mais tarde viriam a produzir o nacionalismo estavam neste estágio em oposição à aliança da tradição da religião e da pobreza das massas que produziu a mais poderosa resistência ao abuso dos conquistadores e exploradores ocidentais Os elementos de uma burguesia local que surgiram em países asiáticos o fizeram à sombra dos exploradores estrangeiros de quem dependiam e eram em grande parte agentes ou intermediários a comunidade parse de Bombaim é um exemplo Mesmo que o asiático instruído e esclarecido não fosse um comprador ou um funcionário de menor importância de algum governo ou firma estrangeira uma situação não diferente daquela da diáspora grega na Turquia sua primeira tarefa política era a de se ocidentalizar ie introduzir as ideias da revolução francesa e da modernização técnica e científica contra a resistência unida de governantes e governados tradicionais situação não diferente daquela dos cavalheiros jacobinos do sul da Itália Portanto ele estava duplamente afastado de seu povo A mitologia nacionalista tem frequentemente obscurecido este divórcio em parte pela supressão do elo entre o colonialismo e as primeiras classes médias nativas e em parte por atribuir às mais antigas resistências contra o estrangeiro as cores de um movimento nacionalista posterior Mas na Ásia nos países islâmicos e mais ainda na África a união entre as elites evoluídas e o nacionalismo e entre ambos e as massas só viria a ocorrer no século XX O nacionalismo no Oriente foi portanto um produto enfim da influência e da conquista ocidental Este elo é talvez mais evidente no país plenamente oriental em que foram implantados os princípios do que viria a se tornar o primeiro movimento nacionalista moderno das colónias o Egito A conquista de Napoleão introduziu as ideias os métodos e as técnicas ocidentais cujos valores foram logo reconhecidos por um hábil e ambicioso soldado local Mohammed Ali Mehemet Ali Tendo conseguido o poder e a virtual independência da Turquia no confuso período que se seguiu à retirada dos franceses e com o apoio francês Mohammed Ali partiu para estabelecer um despotismo eficiente e ocidentalizante com ajuda técnica estrangeira principalmente francesa Nas décadas de 1820e 1830 os esquerdistas europeus exaltaram esse autocrata esclarecido e colocaram seus serviços à sua disposição quando a reação em seus próprios países parecia por demais desanimadora A extraordinária seita dos saintsimonianos oscilando entre a defesa do socialismo e do desenvolvimento industrial promovido por engenheiros e investimentos bancários deulhe temporariamente um auxílio coletivo e elaborou os seus planos de desenvolvimento econômico sobre esses planos ver cap 1311 Assim foram eles também que lançaram a dotação para o Canal de Suez construído pelo saintsimonianó Lesseps iniciando a dependência fatal dos governantes egípcios de grandes empréstimos negociados por grupos competidores de trapaceiros europeus que transformaram o Egito em um centro de rivalidade imperialista e mais tarde de rebelião antimperialista Mas Mohammed Ali não era mais nacionalista do que qualquer outro déspota oriental Sua ocidentalização não as suas aspirações ou as de seu povo foi que lançou as bases para o nacionalismo posterior Se o Egito teve o primeiro movimento nacionalista do mundo islâmico e Marrocos um dos últimos foi porque Mohammed Ali por razões geopolíticas perfeitamente compreensíveis estava enquadrado nos principais caminhos da ocidentalização enquanto o isolado império muçulmano do leste da África um xerifado como se autointitulava não estava nem fez qualquer tentativa para estar O nacionalismo como tantas outras características do mundo moderno é filho da revolução dupla Capítulo Oito A Terra Eu sou vosso senhor e meu senhor é o Czar O Czar tem o direito de me dar ordens e devo obedecerlhe mas não de dálas a vós Em minha propriedade sou eu o Czar sou vosso deus na terra e terei que ser responsável por vós perante Deus no céu Primeiramente um cavalo deve ser escovado dez vezes com a almofaça de ferro e somente então podeis vós limpálo com a escova macia Terei que escovarvos com violência e quem sabe se chegarei jamais à escova macia Deus limpa o ar com trovões e relâmpagos e em minha aldeia eu limparei com trovões e fogo sempre que assim o julgue necessário De um proprietário russo a seus servos A posse de uma ou duas vacas um capado e alguns gansos naturalmente coloca o camponês segundo sua concepção acima de seus irmãos do mesmo escalão social Ao cuidar do gado ele adquire o hábito da indolência O trabalho diário se torna enfadonho a aversão cresce com a indulgência e com o correr do tempo a venda de um bezerro mal alimentado ou de um capado permite adicionar intemperança à preguiça A venda da vaca ê frequentemente bem sucedida e seu desgraçado e desapontado dono relutante em retomar o curso regular e diário do trabalho do qual retirou sua subsistência anterior extrai do padrão dos pobres o alívio que lhe é absolutamente paradoxal Pesquisa do Conselho de Agricultura de Somerset 1789 I O que acontecia à terra determinava a vida e a morte da maioria dos seres humanos entre 1789 e 1848 Consequentemente o impacto da revolução dupla sobre a propriedade e o aluguel da terra e sobre a agricultura foi o mais catastrófico fenómeno do período Pois nem a revolução política nem a econômica podiam desprezar a terra que a primeira escola de economistas a dos fisiocratas considerava a única fonte de riqueza e cuja transformação revolucionária todos concordavam ser a précondição e consequência necessárias da sociedade burguesa se não de todo desenvolvimento econômico rápido A grande camada de gelo dos sistemas agrários tradicionais e das relações sociais do campo em todo o mundo cobria o fértil solo do crescimento econômico Ela tinha que ser derretida a qualquer custo de maneira que o solo pudesse ser arado pelas forças da empresa privada em busca de lucro Isto implicava três tipos de mudanças Em primeiro lugar a terra tinha que ser transformada em uma mercadoria possuída por proprietários privados e livremente negociável por eles Em segundo lugar ela tinha que passar a ser propriedade de uma classe de homens desejosos de desenvolver seus recursos produtivos para o mercado e estimulados pela razão ie pelos seus próprios interesses e pelo lucro estes dois objetivos esclarecidos Em terceiro lugar a grande massa da população rural tinha que ser transformada de alguma forma pelo menos em parte em trabalhadores assalariados com liberdade de movimento para o crescente setor não agrícola da economia Alguns dos economistas mais radicais e cuidadosos também estavam conscientes de uma quarta mudança desejável embora difícil senão impossível de atingir Pois numa economia que tomava como premissa a perfeita mobilidade de todos os fatores de produção a terra como monopólio natural não se encaixava muito bem Visto que o tamanho da terra era limitado e suas várias partes diferiam em fertilidade e facilidade de acesso era inevitável que os donos das partes mais férteis gozassem de vantagem especial e arrecadassem aluguéis sobre os demais Como abolir ou mitigar essa opressão p ex através de uma tributação adequada por meio de leis contra a concentração da propriedade ou mesmo através da nacionalização era assunto de discussões acaloradas especialmente na Inglaterra industrial Estas discussões também afetavam outros monopólios naturais como as ferrovias cuja nacionalização por esta razão nunca foi considerada incompatível com uma economia de empresa privada sendo praticada amplamente Entretanto estes eram problemas de terra em uma sociedade burguesa A tarefa imediata era ainda a de instaurar essa sociedade pôla em funcionamento Havia dois grandes obstáculos para isso e ambos exigiam uma combinação de ação política e econômica os proprietários de terra précapitalistas e o campesinato tradicional Por outro lado a tarefa podia ser cumprida de vários modos Os mais radicais foram os britânicos e os americanos pois ambos eliminaram o campesinato e um deles eliminou também o proprietário A clássica solução britânica produziu um país em que talvez 4 mil proprietários possuíam cerca de quatrosétimos da terra cultivada tomo aqui por base estatísticas de 1851 por 250 mil fazendeiros trêsquartos da área sendo constituída de fazendas que iam de 50 a 500 acres que empregavam cerca de 1250000 serviçais e trabalhadores contratados Persistiam ainda bolsões de pequenos proprietários mas excetuando as montanhas escocesas e partes do País de Gales só um pedante poderia falar de um campesinato britânico no sentido continental A clássica solução americana foi a da fazenda comercial cujo ocupante era o próprio proprietário que compensava com mecanização intensiva a escassez de mãodeobra contratada As ceifadeiras mecânicas de Obed Hussey 1833 e de Cyrus McCormick 1834 foram o complemento para os fazendeiros de espírito puramente comercial ou para os especuladores de terras que saindo da Nova Inglaterra levaram para o oeste o american way of life apropriandose das terras ou mais tarde comprandoas do governo a preços mais do que vantajosos A clássica solução prussiana foi socialmente a menos revolucionária Consistiu em transformar os próprios proprietários feudais em fazendeiros capitalistas e os servos em trabalhadores contratados Os junkers mantiveram o controle de suas magras propriedades que tinham por muito tempo cultivado para o mercado de exportação com mãodeobra servil mas agora trabalhavam com camponeses libertos da servidão e da terra O exemplo pomeraniano é sem dúvida extremo posteriomente neste século cerca de 2 mil grandes propriedades cobriam 61 da terra cerca de 60 mil pequenas e médias cobriam o resto e o restante da população não possuía terras mas o fato é que enquanto em 1773 a Enciclopédia de Economia Doméstica e Agrícola de Kriiniz sequer mencionava a palavra trabalhador o que mostra a insignificância de uma classe trabalhadora rural em 1849 o número de pessoas sem terras ou de trabalhadores rurais substancialmente assalariados na Prússia era estimado em quase 2 milhões A única outra solução sistemática do problema agrário num sentido capitalista foi a dinamarquesa que também criou uma vasta camada de pequenos e médios fazendeiros comerciais Entretanto ela se deveu no fundamental às reformas do período de despotismo esclarecido da década de 1780 e portanto foge um pouco dos limites deste livro A solução norteamericana foi determinada por esse fato único o de dispor de um suprimento virtualmente ilimitado de terra desocupada e da ausência de todas as velharias ligadas às relações feudais e ao coletivismo camponês tradicional Praticamente o único obstáculo à propagação da atividade agrícola 100 individualista foram as tribos de peles vermelhas cujas terras normalmente garantidas por tratados assinados com os britânicos franceses e americanos eram possuídas coletivamente em geral como campo de caça O conflito total entre uma visão da sociedade que considerava a propriedade individual perfeitamente alienável não somente como a única disposição racional mas também natural e a visão que assim não pensava é talvez mais evidente na confrontação entre os ianques e os índios Dentre as causas mais perniciosas e fatais que impediram os índios de aprender os benefícios da civilização segundo o Comissário para Assuntos Indígenas estavam a sua posse coletiva de extensões demasiadamente grandes de terra e o direito a vastas anuidades em dinheiro a primeira delas dandolhes um grande campo para sua indulgência em seus hábitos nómades e errantes e impedindo que adquirissem um conhecimento da individualidade na propriedade e da vantagem de lares fixos e a segunda estimulando a preguiça e o espírito aproveitador e dandolhes os meios para gratificarem seus gostos e apetites depravados Portanto priválos de suas terras por meio de fraudes roubos e quaisquer outros tipos de pressão era tão moral quanto lucrativo Os índios primitivos e nómades não eram as únicas pessoas que não entendiam e não desejavam o racionalismo burguêsindividualista a respeito da terra De fato com exceção de minorias de camponeses iluminados informados ou fortes e sóbrios a grande maioria da população rural desde o maior proprietário feudal até o mais pobre dos pastores de ovelhas estava unida em abominálo Somente uma revolução políticolegal dirigida contra os proprietários e os camponeses tradicionais poderia criar as condições para que a minoria racional se transformasse na maioria racional A história das relações agrárias na maior parte da Europa Ocidental e de suas colónias em nosso período é a história dessa revolução embora suas consequências totais não fossem sentidas até a segunda metade do século Como vimos seu primeiro objetivo foi transformar a terra em uma mercadoria Os vínculos e outras proibições de venda ou dispersão que se aplicavam às propriedades nobres tinham que ser quebrados e portanto o proprietário tinha que estar sujeito à penalidade salutar da bancarrota em caso de incompetência econômica o que permitiria a compradores economicamente mais competentes assumir o controle da situação Acima de tudo nos países católicos e muçulmanos os países protestantes já o tinham feito há muito tempo o grande bloco de terras eclesiásticas tinha que ser tomado do reino gótico de superstição não econômica e aberto ao mercado e â exploração racional A secularização e a venda as aguardavam As terras coletivas igualmente vastas e por serem coletivas mal utilizadas das comunidades municipais e das aldeias os campos e os pastos comuns as florestas etc tinham que se tornar acessíveis à empresa individual A divisão em lotes individuais e cercos as aguardava Não poderia haver dúvidas de que os novos compradores seriam os empresários fortes e sóbrios e assim seria atingido o segundo objetivo da revolução agrária Mas somente sob a condição de que os camponeses de cujos escalões muitos deles sem dúvida viriam se transformassem em uma classe com livre capacidade para dispor de seus recursos um passo que automaticamente também atingiria o terceiro objetivo a criação de uma grande força de trabalho livre constituída dos que não conseguissem se tornar burgueses A libertação do camponês dos laços e obrigações não econômicas servidão pagamentos aos proprietários trabalhos forçados escravidão etc também era portanto essencial Isto traria uma vantagem adicional e crucial Pois se acreditava que o assalariado livre com o incentivo de recompensas mais altas ou o fazendeiro livre se mostrariam mais eficientes do que o trabalhador forçado tanto o servo como o criado ou o escravo Somente uma outra condição linha que ser preenchida O enorme número dos que agora vegetavam na terra a que toda a história humana os prendia mas que se ela fosse produtivamente explorada seriam um mero excedente populacional linha que ser arrancado de suas raízes para se mover livremente Somente assim migrariam para as cidades e as fábricas onde seus músculos eram cada vez mais necessários Em outras palavras os camponeses tinham que perder suas terras juntamente com seus outros vínculos Na maior parte da Europa isto significava que o complexo de regras políticas e legais tradicionais comumente conhecido como feudalismo tinha que ser abolido onde já não estivesse ausente Em termos amplos no período que vai de 1789 a 1848 isto foi alcançado na maior parte através da intervenção direta ou indirecta da Revolução Francesa de Gilbraltar à Prússia Oriental e do Báltico à Sicília As mudanças equivalentes na Europa Central somente tiveram lugar em 1848 e na Rússia e na Roménia na década de 1860 Fora da Europa algo nominalmente parecido foi alcançado nas Américas com as grandes exceções do Brasil de Cuba e do sul dos Estados Unidos onde a escravidão persistiu até 186288 Em algumas áreas coloniais diretamente administradas por Estados europeus notadamente em partes da índia e da Argélia também foram introduzidas revoluções legais semelhantes Assim aconteceu na Turquia e durante um breve período no Egito Com exceção da GrãBretanha e de alguns outros países onde o feudalismo neste sentido já tinha sido abolido ou nunca tinha realmente existido embora tivessem existido as tradicionais coletividades camponesas os métodos efetivos para se alcançar esta revolução foram muito semelhantes Na GrãBretanha não era necessária nem politicamente praticável qualquer legislação para expropriar as grandes herdades pois os grandes proprietários ou seus fazendeiros já estavam afinados com a sociedade burguesa Sua resistência ao triunfo final das relações burguesas no interior entre 1795 e 1846 foi mais árdua Entretanto embora ela contivesse de uma maneira desarticulada uma espécie de protesto tradicionalista contra o destrutivo princípio do lucro puramente individualista a causa de seus mais óbvios descontentamentos foi muito mais simples o desejo de manter num período de depressão de pós guerra os altos preços e os altos aluguéis das terras que vigoraram durante as guerras revolucionárias e napoleônicas Era antes um grupo de pressão agrária do que uma reação feudal O principal gume da lei voltouse portanto contra os aspectos retrógrados do campesinato dos agricultores e dos trabalhadores Uns 5 mil cercados estabelecidos por decretos gerais e particulares ocuparam cerca de 6 milhões de acres de campos e terras comuns a partir de 1760 transformandoos em propriedades privadas e foram reforçados por numerosas regulamentações menos formais A Lei dos Pobres de 1834 foi projetada para tornar a vida tão intolerável para os pobres do campo que eles se vissem forçados a abandonar a terra em busca de qualquer emprego que lhes fosse oferecido E de fato logo começaram a fazêlo Na década de 1840 vários condados já estavam à beira de uma perda absoluta de população e a partir de 1850 a fuga do campo se tornou generalizada As reformas da década de 1780 aboliram o feudalismo na Dinamarca embora seus principais beneficiários não tenham sido os senhores de terra mas os camponeses arrendatários e pequenos proprietários que se sentiram encorajados após a abolição dos campos abertos a consolidar suas faixas de terra como propriedades individuais um processo análogo ao do encerramento que tinha praticamente se completado por volta de 1800 As propriedades tendiam a ser divididas em parcelas e vendidas a seus antigos arrendatários embora a depressão pós napoleônica à qual os pequenos proprietários tiveram mais dificuldade de sobreviver do que os arrendatários tenha desacelerado este processo entre 1816 e cerca de 1830 Por volta de 1865 a Dinamarca era primordialmente um país de proprietários camponeses independentes Na Suécia reformas semelhantes porém menos drásticas tiveram os mesmos efeitos de modo que por volta da segunda metade do século XIX o tradicional cultivo comunal o sistema de faixas de terra tinha virtualmente desaparecido As antigas áreas feudais foram assimiladas ao resto do país no qual o campesinato livre sempre fora predominante do mesmo modo que na Noruega após 1815 parte da Suécia e antes da Dinamarca Uma tendência a subdividir as fazendas maiores compensada por uma outra a consolidar a posse fezse sentir em algumas regiões O resultado disso foi que aumentou rapidamente a produtividade da agricultura na Dinamarca o número de cabeças de gado duplicou no último quarto do século XVIII mas com o rápido crescimento da população um número cada vez maior de camponeses pobres não encontrava emprego Na segunda metade do século XIX sua miséria levou ao que foi proporcionalmente o maior movimento de emigração do século principalmente para o meio oeste americano da infértil Noruega e um pouco mais tarde da Suécia embora menos da Dinamarca II Como vimos na França a abolição do feudalismo foi obra da Revolução A pressão camponesa e o jacobinismo levaram a reforma agrária além do ponto em que os baluartes do desenvolvimento capitalista teriam desejado que ela parasse ver cap 2 V 3 III A França como um todo portanto não se tornou nem um país de senhores de terras e trabalhadores agrícolas nem de fazendeiros comerciais mas em grande parte de vários tipos de proprietários camponeses que se tornaram o principal amparo de todos os regimes políticos subsequentes que não ameaçaram tomar suas terras A suposição de que o número de proprietários camponeses aumentou em mais de 50 de 4 para 65 milhões é velha e plausível mas não prontamente verificável Tudo o que sabemos com certeza é que o número destes proprietários não diminuiu e que em algumas áreas aumentou mais do que em outras mas se o departamento da Mosela onde aumentou em 40 entre 1789 e 1801 é mais típico do que o departamento normando de Eure onde permaneceu imutável é algo que requer um estudo mais detalhado As condições nos campos eram em geral boas Mesmo em 18478 não houve nenhuma privação real exceto entre um setor de assalariados O fluxo de mãodeobra excedente da aldeia para a cidade foi portanto pequeno um fato que ajudou a retardar o desenvolvimento industrial francês Na maior parte da Europa latina nos Países Baixos na Suíça e na Alemanha Ocidental a abolição do feudalismo foi obra dos exércitos conquistadores franceses determinados a proclamar imediatamente em nome da nação francesa a abolição dos dízimos do feudalismo e dos direitos senhoriais ou então de liberais nativos que cooperaram com eles ou neles se inspiraram Por volta de 1799 a revolução legal tinha assim vencido nos países adjacentes ao leste da França e no norte e centro da Itália frequentemente apenas completando uma evolução já bastante avançada A volta dos Bourbon depois da abortada revolução napolitana de 17989 adioua no sul da Itália continental até 1808 a ocupação britânica mantevea fora da Sicília embora o feudalismo fosse formalmente abolido naquela ilha entre 1812 e 1843 Na Espanha as cortes liberais antifrancesas de Cádiz aboliram o feudalismo em 1811 e certos vínculos em 1813 embora como era costume fora das áreas profundamente transformadas por uma longa incorporação à França o retorno dos velhos regimes retardasse a aplicação prática destes princípios As reformas francesas portanto começaram ou continuaram em vez de terem completado a revolução legal em áreas como o noroeste da Alemanha a leste do Reno e nas Províncias Ilírias Istria Dalmácia Ragusa mais tarde também a Eslovênia e parte da Croácia que só vieram a cair sob administração ou dominação francesa depois de 1805 Entretanto a Revolução Francesa não foi a única força que impulsionava por uma revolução total das relações agrárias O puro argumento econômico em favor de uma utilização racional da terra tinha impressionado grandemente os déspostas esclarecidos do período prérevolucionário e produzira respostas muito semelhantes No Império Habsburgo José II tinha de fato abolido a servidão e secularizado muitas das terras da Igreja na década de 1780 Por razões semelhantes e devido a suas persistentes rebeliões os servos da Livônia russa foram formalmente reconduzidos ao status de proprietários camponeses de que tinham desfrutado um pouco antes sob administração sueca Isso não os ajudou em nada pois a ganância dos todopoderosos proprietários de terras logo transformou a emancipação em um mero instrumento de expropriação camponesa Depois das guerras napoleônicas as poucas garantias legais dos camponeses foram eliminadas e entre 1819 e 1850 eles perderam no mínimo umquinto de suas terras enquanto os domínios senhoriais cresciam entre 60 e 180 Elas agora eram cultivadas por uma classe de trabalhadores sem terras Estes três fatores a influência da Revolução Francesa o argumento econômico racional dos servidores civis e a ganância da nobreza determinaram a emancipação dos camponeses na Prússia entre 1807 e 1816 A influência da Revolução foi claramente decisiva pois seus exércitos tinham acabado de pulverizar a Prússia e assim demonstrado com força dramática o abandono dos velhos regimes que não adotaram métodos modernos ie aqueles padronizados pela França Como na Livônia a emancipação combinouse com a abolição da modesta proteção legal de que o campesinato tinha anteriormente desfrutado Em troca da abolição do trabalho forçado e das obrigações feudais e por seus novos direitos de propriedade o camponês se viu obrigado entre outras perdas a dar a seu antigo senhor umterço ou a metade de seu antigo pedaço de terra ou um vultoso equivalente em dinheiro O longo e complexo processo legal de transição estava longe de ser completado por volta de 1848 mas já era evidente que enquanto os proprietários de herdades tinhamse beneficiado grandemente e que um número menor de camponeses bemsucedidos tinhamse beneficiado um pouco graças a seus novos direitos de propriedade o grosso do campesinato estava nitidamente em piores condições e o número de trabalhadores sem terras crescia rapidamente Economicamente o resultado foi benéfico a longo prazo embora as perdas tenham sido sérias a curto prazo como era frequente nas grandes mudanças agrárias Por volta de 183031 a Prússia voltou a ter o número de cabeças de gado bovino e ovino do início do século com os proprietários de terras agora possuindo uma porção maior e os camponeses uma porção menor Por outro lado aproximadamente durante a primeira metade do século a área cultivada cresceu em bem mais de umterço e a produtividade em 50 A população rural excedente cresceu rapidamente e já que as condições rurais eram bem ruins a fome de 18468 foi provavelmente pior na Alemanha do que em qualquer outra parte exceto na Irlanda e na Bélgica esse excedente teve bastante incentivo para emigrar E de fato antes da Fome Irlandesa os alemães foram o povo que deu a maior quantidade de emigrantes Os passos legais efetivos para os sistemas burgueses de propriedade da terra foram dados assim na maior parte como vimos entre 1789 e 1812 Suas consequências fora da França e de algumas áreas adjacentes fizeramse sentir muito mais vagarosamente principalmente devido à força da reação econômica e social após a derrota de Napoleão Em geral cada novo avanço do liberalismo fazia as revoluções legais darem mais um passo da teoria à prática e cada recuperação dos velhos regimes as retardava principalmente nos países católicos onde a secularização e a venda das terras da Igreja era uma das mais urgentes exigências dos liberais Na Espanha assim ó triunfo temporário de uma revolução liberal em 1820 trouxe uma nova lei de desvinculação que permitiu aos nobre vender suas terras livremente a restauração do absolutismo anuloua em 1823 a nova vitória do liberalismo reafirmoua em 1836 e assim por diante Portanto o volume efetivo de transferências de terras no período que focalizamos foi ainda modesto até onde podemos medilo exceto em áreas onde um ativo grupo de compradores e especuladores de terras da classe média estava pronto para lançar mão das oportunidades que se lhe apresentavam na planície de Bolonha norte da Itália as terras nobres caíram de 78 do valor total das terras em 1789 para 66 em 1804 e 51 em 1835 Por outro lado na Sicília 90 de todas as terras continuaram nas mãos dos nobres até muito mais tarde Havia uma exceção as terras da Igreja Estas enormes propriedades quase invariavelmente mal utilizadas e em ruínas já se disse que doisterços das terras do Reino de Nápoles por volta de 1760 eram eclesiásticos tinham poucos defensores e muitos lobos rondando à sua volta Mesmo durante a reação absolutista na Áustria católica depois do colapso do despotismo esclarecido de José II ninguém sugeriu a volta das secularizadas e dissipadas terras monásticas Assim em uma comuna na Romagna italiana as terras da Igreja caíram de 425 da área em 1783 para 115 em 1812 mas as terras perdidas pela Igreja passaram não apenas para proprietários burgueses que aumentaram de 24 para 47 mas também aos nobres que aumentaram de 34 para 41 Conseqüentemente não constitui surpresa que mesmo na católica Espanha os governos liberais intermitentes tenham conseguido por volta de 1845 vender mais da metade das terras da Igreja principalmente nas províncias em que a propriedade eclesiástica estava mais concentrada ou em que o desenvolvimento econômico era maior em 15 províncias mais de trêsquartos de todas as propriedades da Igreja foram vendidos Infelizmente para a teoria econômica liberal esta redistribuição de terra em larga escala não produziu aquela classe de senhores ou fazendeiros empreendedores e progressistas que confiantemente se esperara Por que deveria até mesmo um comprador da classe média um advogado comerciante ou especulador da cidade em áreas economicamente não desenvolvidas e inacessíveis envolverse com os problemas e o investimento necessário para a transformação da terra em uma empresa comercial sólida ao invés de meramente ocupar o lugar que até então lhe fora vedado do antigo proprietário nobre ou eclesiástico cujos poderes ele podia agora exercer preocupado mais com o dinheiro vivo do que com a tradição e os costumes Em enormes áreas do sul da Europa somouse assim ao velho um novo e mais duro grupo de barões As grandes concentrações latifundiárias foram ligeiramente diminuídas como no sul da Itália continental ou não se alteraram como na Sicília ou foram mesmo reforçadas como na Espanha Em tais regimes a revolução legal reforçou dessa forma o velho feudalismo com um novo ainda mais que o pequeno comprador e especialmente o camponês pouco se beneficiou das vendas de terras Entretanto na maior parte do sul da Europa a velha estrutura social permaneceu forte o bastante para tornar até mesmo o pensamento de uma emigração em massa impossível Os homens e as mulheres viviam onde tinham vivido seus antepassados e se fossem obrigados ali morreriam de fome O êxodo em massa do sul da Itália por exemplo só se daria meio século depois Mas mesmo onde os camponeses realmente receberam a terra ou tiveram confirmada a sua posse como na França em partes da Alemanha ou na Escandinávia eles não se transformaram automaticamente como se esperava na classe empreendedora de pequenos fazendeiros E isto pelo simples fato de que conquanto quisessem a terra os camponeses raramente queriam uma economia agrária burguesa III Pois o velho sistema tradicional embora ineficaz e opressor era também um sistema de considerável certeza social e num nível bastante miserável de alguma segurança econômica para não mencionarmos que era consagrado pelo costume e a tradição As fomos periódicas o peso do trabalho que faziam os homens se tornarem velhos aos 40 anos de idade e as mulheres aos 30 eram atos de Deus só se transformaram em atos pelos quais os homens eram considerados responsáveis em tempos de miséria anormal ou de revolução A revolução legal do ponto de vista do camponês não lhe deu nada exceto alguns direitos legais mas lhe tomou bastante Por exemplo na Prússia a emancipação deulhe doisterços ou a metade da terra que eleja cultivava e a libertação do trabalho forçado e de outras obrigações mas formalmente lhe tomou sua possibilidade de reivindicar a assistência do senhor feudal em tempos de colheita ruim ou de praga do gado seu direito de retirar ou comprar combustível barato das florestas do senhor seu direito à assistência do senhor para reparos ou reconstrução de sua casa seu direito no caso de extrema pobreza de pedir ajuda ao senhor para pagar os impostos e seu direito de dar de pastar aos animais nos campos do senhor Para o camponês pobre parecia uma troca nitidamente desfavorável As propriedades da Igreja podiam ser improdutivas mas exatamente isto é que as recomendava aos camponeses pois nelas seus costumes tendiam a se transformar em direito consuetudinário A divisão do campo comum do pasto e da floresta com a colocação de cercas simplesmente retirou do camponês pobre ou do aldeão os recursos e reservas a que ele ou melhor ele como parte da comunidade sentia ter direito O mercado de terras livres significava que ele provavelmente teria que vender sua terra e a criação de uma classe rural de empresários que os mais empedernidos e duros o explorariam em lugar dos antigos senhores ou junto com eles Além disso a introdução do liberalismo na terra foi uma espécie de bombardeio silencioso que destruiu a estrutura social em que sempre habitaram os camponeses não deixando nada intacto exceto os ricos uma solidão chamada liberdade Nada mais natural que o camponês pobre ou toda a população rural resistisse da melhor maneira que pudesse e nada mais natural também que resistisse em nome do velho ideal consuetudinário de uma sociedade justa e estável ie em nome da Igreja e do rei legítimo Se excetuarmos a revolução camponesa da França e nem mesmo ela foi em 1789 generalizadamente anticlerical ou antimonárquica virtualmente todos os movimentos camponeses importantes em nosso período que não foram dirigidos contra um rei ou igreja estrangeiros o foram ostensivamente a favor do sacerdote e do governante Os camponeses do sul da Itália juntaramse ao subproletariado urbano para fazer uma contrarevolução social contra os jacobinos napolitanos e os franceses em 1799 em nome da Sagrada Fé e dos Bourbon e estes também foram os slogans das guerrilhas dos bandoleiros da Apúlia e da Calábria contra a ocupação francesa como mais tarde contra a unidade italiana Foram os padres e os heróis bandoleiros que lideraram os camponeses espanhóis em sua guerra de guerrilha contra Napoleão A Igreja o rei e um tradicionalismo tão extremado a ponto de estar deslocado até mesmo no início do século XIX é que inspiraram as guerrilhas carlistas do País Bascp de Navarra de Castela de Leão e de Aragão em sua luta implacável contra os liberais espanhóis nas décadas de 1830 e 1840 A Virgem de Guadalupe liderou os camponeses mexicanos em 1810 A Igreja e o Imperador é que combateram no Tirol os bávaros e os franceses sob o comando do coletor de impostos Andreas Hofer em 1809 Foram o czar e a Sagrada Ortodoxia que os russos defenderam em 181213 Os revolucionários poloneses na Galícia sabiam que sua única chance de levantar os camponeses ucranianos era através dos padres da Igreja ortodoxa grega eles fracassaram pois os camponeses preferiram o Imperador ao cavalheiro Fora da França onde o republicanismo ou o bonapartismo haviam conquistado uma importante fração do campesinato entre 1791 e 1815 e onde a Igreja tinha em muitas regiões definhado mesmo antes da Revolução havia umas poucas áreas talvez mais claramente aquelas em que a Igreja era um governante estrangeiro de há muito odiado como na Romagna Papal e na Emília em que existia o que nós hoje chamaríamos de agitação camponesa de esquerda E até mesmo na França a Bretanha e a Vendéia permaneceram fortalezas do bourbonismo popular O fato de os camponeses europeus não se insurgirem juntos com os jacobinos e os liberais quer dizer com os advogados os lojistas os administradores de fazendas os funcionários civis e os proprietários de terras condenou ao fracasso as revoluções de 1848 nos países em que a Revolução Francesa não lhes tinha dado a terra e onde ela lhes dera seu medo conservador de perdêla ou o seu contentamento mantiveramnos igualmente inativos É claro que os camponeses não se levantaram em defesa do rei verdadeiro a quem eles mal conheciam mas do ideal do rei justo que bastaria ser informado das transgressões de seus lordes e súditos para imediatamente punilos mas frequentemente tinhamse levantado em defesa da verdadeira Igreja pois o padre da aldeia era um deles os santos certamente eram deles e de ninguém mais e até mesmo as dilapidadas propriedades eclesiásticas eram às vezes senhores mais toleráveis do que o leigo ávido Onde o campesinato tinha terras e era livre como no Tirol em Navarra ou com a ausência de um rei nos cantões católicos da Suíça original ou seja a de Guilherme Tell seu tradicionalismo foi uma defesa da sua relativa liberdade contra a usurpação do liberalismo Onde ele não tinha terras era mais revolucionário Qualquer apelo para resistir à conquista estrangeira e burguesa fosse feito por um rei um padre ou qualquer outra pessoa tinha possibilidade de produzir não somente a pilhagem das casas dos gentilhomens e dos advogados nas cidades como também a marcha cerimonial com tambores e insígnias dos santos para ocupar e dividir a terra o assassinato de senhores feudais o estupro de suas mulheres e a queima de documentos legais Pois certamente era contra o verdadeiro desejo de Cristo e do rei que o camponês fosse pobre e sem terras Foi esta sólida base de intranquilidade sóciorevolucionária que fez dos movimentos camponeses nas áreas de servidão e de grandes fazendas ou nas áreas de propriedades extremamente pequenas e subdivididas um aliado tão incerto da reação Tudo o que eles necessitavam para passar de uma agitação formalmente legalista para uma formalmente esquerdista era a consciência de que o rei e a Igreja tinhamse passado para o lado dos ricos locais além de um movimento revolucionário de homens como eles que falassem sua própria linguagem O radicalismo populista de Garibaldi foi talvez o primeiro destes movimentos e os bandoleiros napolitanos saudaramno com entusiasmo ao mesmo tempo que continuavam saudando a Sagrada Igreja e os Bourbon O marxismo e o bakuninismo seriam ainda mais eficazes Mas a passagem política da rebelião camponesa da direita para a esquerda mal começara antes de 1848 pois o grande impacto da economia burguesa sobre a terra que transformaria a endémica rebeldia camponesa em uma rebeldia epidêmica realmente só começou a se fazer sentir após a metade do século e especialmente durante e depois da grande depressão agrária de 1880 IV Em grandes partes da Europa como vimos a revolução legal veio como algo imposto de fora e de cima uma espécie de terremoto artificial em vez de deslizamento de terra há muito solta Isto foi mais óbvio ainda nos lugares onde ela foi imposta a uma economia totalmente não burguesa conquistada por uma economia burguesa como na África e na Ásia Assim na Argélia os conquistadores franceses encontraram uma sociedade caracteristicamente medieval com um sistema razoavelmente florescente e firmemente estabelecido de escolas religiosas já se disse que os soldados camponeses franceses eram menos alfabetizados que os povos que eles conquistavam financiadas pelas numerosas fundações religiosas As escolas foram consideradas meramente como creches de superstição e foram fechadas permitiuse que as terras religiosas fossem compradas por europeus que não entendiam seu propósito nem sua inalienabilidade legal e os professores normalmente membros das poderosas irmandades religiosas emigraram para as áreas não conquistadas onde fortaleceram as forças da revolta sob a liderança de AbdelKader Começou então a sistemática passagem da terra à simples propriedade privada alienável embora seus efeitos totais somente viessem a ser sentidos muito mais tarde De fato como poderia o liberal europeu entender a complexa teia de direito coletivo e privado que evitava que a terra em uma região como Kabília sucumbisse em uma anarquia de diminutas faixas e fragmentos com figueiras possuídas individualmente Por volta de 1848 a Argélia mal tinha sido conquistada Vastas áreas da Índia já eram então diretamente administradas pelos britânicos há mais de uma geração Visto que nenhum grupo de colonos europeus desejava adquirir terra indiana não surgiu qualquer problema de expropriação pura e simples O impacto do liberalismo sobre a vida agrária indiana foi em primeira instância uma consequência da busca dos governantes britânicos de um método eficaz e conveniente de tributação sobre a terra Foi sua combinação de ganância e individualismo legal que produziu a catástrofe Os direitos de posse territorial da Índia prébritânica eram tão complexos como em qualquer sociedade tradicional mas não estagnada que fosse periodicamente invadida por conquistadores estrangeiros mas repousavam de maneira genérica em dois firmes pilares a terra pertencia de jure ou de facto a coletividades autogovernadas tribos clãs comunas de aldeias irmandades etc e o governo recebia uma percentagem de sua produção Embora algumas terras fossem de certa forma alienáveis e algumas relações agrárias pudessem ser interpretadas como arrendamentos e alguns pagamentos rurais como renda não havia de fato nem senhores feudais nem arrendatários nem propriedade individual da terra ou arrendamento no sentido inglês Era uma situação totalmente desagradável e incompreensível para os governantes e administradores britânicos que então trataram de inventar a organização rural com que estavam familiarizados Em Bengala a primeira grande área sob domínio direto britânico o imposto territorial era cobrado por uma espécie de arrecadador fiscal ou agente comissionado o zemindar Teria sido este com certeza o equivalente do senhor de terras britânico que pagava impostos avaliados como no contemporâneo imposto territorial inglês sobre o total de suas propriedades a classe através da qual a cobrança de impostos devia ser organizada cujo interesse econômico sobre a terra deveria introduzir melhoramentos em sua exploração e cuja estabilidade derivava do apoio de um regime estrangeiro Escreveu Lorde Teignmouth na Minuta de 18 de junho de 1789 que delineou o Ajuste Permanente da tributação da terra em Bengala Considero os zemindares como proprietários do solo a cuja posse têm direito por herança O privilégio de dispor da terra pela venda ou hipoteca decorre deste direito fundamental Algumas variedades do chamado sistema zemindar foram aplicadas a cerca de 19 da área da Índia posteriormente conquistada pelos britânicos A ganância e não a conveniência ditou o segundo tipo de sistema de tributos que finalmente foi aplicado a uma região que correspondia a pouco mais da metade da índia britânica o Ryotwari Aqui os governantes britânicos considerandose os sucessores de um despotismo oriental que em sua visão não totalmente ingénua foi o supremo senhor de toda a terra tentaram a hercúlea tarefa de fazer uma avaliação individual de impostos para cada camponês considerandoo como um pequeno proprietário ou antes um arrendatário O princípio que norteava esse método expresso com a habitual clareza do funcionário hábil era o liberalismo agrário em sua forma mais pura Ele exigia nas palavras de Goldsmid e Wingate a limitação da responsabilidade conjunta a alguns casos em que os campos são possuídos em comum ou tenham sido subdivididos por coherdeiros a identificação da propriedade no terreno total liberdade do proprietário para subarrendar ou vender suas terras e facilidades para efetuar vendas ou transferências de terra pela avaliação separada dos campos A comunidade de aldeia era inteiramente ignorada a despeito das fortes objeções da Câmara Fiscal de Madras 180818 que corretamente considerava bem mais realistas os ajustes coletivos de impostos com as comunidades de aldeia enquanto também e muito caracteristicamente as defendia como a melhor garantia da propriedade privada O doutrinarismo e a ganância venceram e a bênção da propriedade privada foi concedida ao campesinato indiano Suas desvantagens eram tão óbvias que os ajustes de terras das partes subsequentemente conquistadas ou ocupadas do norte da Índia que cobriam cerca de 30 da área posterior da Índia britânica voltaram ao sistema zemindar modificado mas com algumas tentativas de reconhecimento das coletividades existentes mais notadamente no Punjab A doutrina liberal juntouse a uma imparcial rapacidade para dar mais uma volta no parafuso que apertava os camponeses aumentouse violentamente o peso dos tributos O imposto territorial de Bombaim foi mais do que duplicado nos primeiros quatro anos após a conquista da província em 181718 A doutrina do arrendamento de Malthus e Ricardo tornouse a base da teoria de tributos indianos através da influência do líder utilitarista James Mill Esta doutrina considerava o imposto sobre a propriedade territorial como um simples excedente que nada tinha a ver com o valor e surgiu simplesmente porque algumas terras eram mais férteis do que outras sendo encampada com resultados cada vez mais perniciosos para toda a economia pelos grandes proprietários de terras Portanto confiscar toda a terra não tinha qualquer efeito sobre a riqueza de um país exceto talvez evitar o crescimento de uma aristocracia proprietária de terras capaz de manter prósperos homens de negócio como reféns Num país como a GrãBretanha a força política dos interesses agrários teria impossibilitado uma solução tão radical que equivalia a uma virtual nacionalização da terra mas na índia o poder despótico de um conquistador ideológico podia impôla É consenso geral que neste particular confrontavamse duas linhas de pensamento liberais Os administradores do partido Whig no século XVIII e os interesses comerciais mais antigos partilhavam o ponto de vista do senso comum segundo o qual os pequenos proprietários ignorantes e operando quase ao nível da subsistência jamais acumulariam capital agrário para impulsionar a economia Portanto defenderam Ajustes Permanentes do tipo do de Bengala que estimulou uma classe de grandes proprietários de terras fixou níveis de impostos para sempre ie a uma taxa decrescente encorajando assim a poupança e o investimento Os administradores utilitaristas encabeçados pelo temível Mill preferiam a nacionalização da terra e uma massa de pequenos unenJatários ao perigo de uma outra aristocracia de proprietários de terras Se a índia tivesse uma semelhança mínima com a GrãBretanha a fórmula liberal certamente teria sido irresistivelmente mais persuasiva depois do motim indiano de 1857 ela se impôs por razões políticas Mas como não tinha ambas as visões eram igualmente irrelevantes para a agricultura indiana Além do mais com o desenvolvimento da revolução industrial na metrópole os interesses setoriais da velha Companhia das índias Orientais que entre outras coisas viriam a ser uma colónia razoavelmente florescente para alimentar estavam cada vez mais subordinados aos interesses gerais da indústria britânica que eram acima de tudo manter a índia como mercado uma fonte de renda não como um competidor Conseqüentemente teve preferência a política militarista que assegurava o estrito controle britânico e uma colheita de impostos sensivelmente mais alta O limite prébritânico tradicional de tributação era de umterço da renda a base padrão da avaliação britânica era da metade Só depois que o utilitarismo doutrinário levou ao óbvio empobrecimento e ã Revolta de 1857 é que a tributação foi reduzida a um nível menos extorsivo A aplicação do liberalismo econômico à terra indiana não criou nem um grupo de grandes proprietários esclarecidos nem um campesinato forte Simplesmente introduziu um outro elemento de incerteza uma outra teia complexa de parasitas e exploradores da aldeia pex os novos funcionários britânicos uma considerável mudança e concentração da propriedade e um crescimento da dívida e da pobreza camponesas No distrito de Cawnpore Uttar Pradesh mais de 84 das propriedades eram de proprietários hereditários na época em que a Companhia das índias Orientais assumiu o controle da situação Por volta de 1840 40 de todas as propriedades tinham sido compradas por seus donos e por volta de 1872 626 Além disso das mais de 3 mil propriedades ou aldeias aproximadamente trêsquintos do total transformadas pelos donos originais em três distritos das províncias do noroeste lttar Pradesh por volta de 18467 mais de 750 tinham sido transferidas para agiotas Há muito o que dizer em favor do sistemático despotismo esclarecido dos burocratas utilitaristas que construíram o domínio britânico neste período Eles trouxeram a paz um grande desenvolvimento para os serviços públicos eficiência administrativa uma legislação de confiança e um governo sem corrupção nos altos escalões Mas economicamente fracassaram da maneira mais sensacional De todos os territórios sob administração de governos europeus ou de governos do tipo europeu inclusive a Rússia czarista a índia era o que se via perseguido pelas epidemias de fome mais gigantescas e mortíferas talvez embora as estatísticas sejam falhas em relação ao período inicial cada vez piores à medida em que o século passava A única outra grande área colonial ou excolonial onde foram feitas tentativas de aplicação da lei liberal sobre a terra foi a América Latina onde a velha colonização feudal dos espanhóis jamais demonstrou qualquer preconceito contra a posse indígena fundamentalmente coletiva e comunal da terra desde que os colonizadores brancos pudessem abocanhar a terra que quisessem Os governos independentes entretanto procederam à liberalização nos moldes das doutrinas de Bentham e da Revolução Francesa que os inspiraram Assim Bolívar decretou a individualização da terra comunitária no Peru 1824 e a maioria das repúblicas aboliram os vínculos à maneira dos liberais espanhóis A liberação das terras dos nobres pode ter levado a alguma redistribuição e dispersão das propriedades embora a grande hacienda estancia finca fundo continuasse sendo a unidade dominante da propriedade de terra na maioria das repúblicas O ataque contra a propriedade comunal continuou muito ineficiente De fato ele não foi realmente desfechado com seriedade antes de 1850 e a liberalização da economia política continuou tão artificial quanto a liberalização do sistema político Em substância os parlamentos as eleições as leis territoriais etc pouco mudaram o continente V A revolução da propriedade de terras foi o aspecto político do rompimento da tradicional sociedade agrária sua invasão pela nova economia rural e pelo mercado mundial o aspecto econômico No período de 1787 a 1848 essa transformação econômica foi ainda imperfeita como se pode medir pelas modestíssimas taxas de emigração As ferrovias e os navios a vapor mal tinham começado a criar um único mercado mundial agrícola quando da grande depressão agrária do final do século XIX A agricultura local era portanto grandemente protegida da competição internacional ou até mesmo interprovincial A competição industrial pouco efeito produzia sobre os inúmeros ofícios de aldeia ou manufaturas domésticas exceto talvez o de direcionálos para a produção para mercados maiores Os novos métodos agrícolas fora das áreas de agricultura capitalista bem sucedida eram lentos para penetrar na aldeia embora as novas culturas industriais notadamente o açúcar de beterraba que se difundiu em consequência da discriminação napoleônica contra a canadeaçúcar britânica e as novas culturas de alimentos também britânicos principalmente o milho e a batata fizessem surpreendentes avanços Era preciso uma extraordinária conjuntura econômica tal como a proximidade imediata de uma economia altamente industrial e a inibição do desenvolvimento normal para produzir um verdadeiro cataclismo em uma sociedade agrária por meios puramente econômicos Esta conjuntura de fato existia e este cataclismo de fato ocorreu na Irlanda e até certo ponto na Índia O que aconteceu na índia foi simplesmente a virtual destruição em algumas décadas do que tinha sido urna florescente indústria doméstica e de aldeia que suplementava os rendimentos rurais em outras palavras a desindustrialização da índia Entre 1815 e 1832 o valor das exportações de produtos de algodão da índia caiu de 13 milhões de libras para menos de 100 mil libras enquanto a importação de produtos de algodão britânicos aumentou 16 vezes Em 1840 um observador já protestava contra os desastrosos efeitos da transformação da índia na fazenda agrícola da Inglaterra ela é um país manufatureiro suas manufaturas de várias espécies existem há anos e nunca qualquer outra nação pôde competir com elas quando o jogo era limpo Reduzila agora a um país agrícola seria uma injustiça para com a índia A descrição era enganadora pois um certo fermento manufatureiro constituía na Índia como em muitos outros países parte integrante da economia agrícola em muitas regiões Consequentemente a desindustrialização fez a própria aldeia camponesa mais dependente da sorte exclusiva e flutuante da colheita A situação na Irlanda era mais dramática Aqui uma população de pequenos arrendatárias economicamente atrasados extremamente inseguros e praticando uma agricultura de subsistência pagava rendas altíssimas a um pequeno grupo de proprietários de terras estrangeiros geralmente ausentes e que não cultivavam a terra Exceto no nordeste Ulster o país tinha de há muito sido desindustrializado pela política mercantilista do governo britânico colonialista e mais tarde pela competição da indústria britânica Uma simples inovação técnica a substituição pela batata dos tipos anteriormente prevalecentes de agricultura tornara possível um grande aumento da população pois um acre de terra plantado com batatas pode alimentar muito mais gente do que um acre dedicado a pasto ou outros tipos de cultura A demanda dos proprietários de terra por um número máximo de rendeiros que lhes proporcionassem dividendos e também mais tarde por uma força de trabalho para cultivar as novas fazendas que exportavam alimentos para o crescente mercado britânico encorajou a multiplicação de minúsculas propriedades em 1841 em Connacht 64 de todas as propriedades maiores tinham menos de cinco acres sem contar o número desconhecido de propriedades anãs com menos de um acre Assim durante o século XVIII e princípios do século XIX a população se multiplicou nestas faixas de terra vivendo à base de 1012 libras peso de batata por dia para cada pessoa e pelo menos até a década de 1820 à base de leite e de um pedaço ocasional de peixe uma população cuja pobreza não tinha paralelo na Europa Ocidental Visto que não havia emprego alternativo pois a industrialização estava excluída o resultado dessa evolução era matematicamente previsível Quando a população tivesse crescido até os limites do último pedacinho de terra plantado de batatas haveria uma catástrofe Logo após o fim das guerras francesas os sinais de avanço dessa catástrofe apareceram A escassez de alimentos e as enfermidades epidêmicas começaram uma vez mais a dizimar um povo cujo descontentamento agrário em massa é muito facilmente explicável As más colheitas e as doenças das plantações na metade da década de 1840 forneceram apenas o pelotão de fuzilamento para um povo já condenado Ninguém sabe ou jamais saberá precisamente o custo humano da Grande Fome Irlandesa de 1847 que foi de longe a maior catástrofe humana da história europeia no período que focalizamos Estimativas grosseiras permitem supor que perto de um milhão de pessoas morreu de fome e que outro tanto emigrou da ilha entre 1846 e 1851 Em 1820 a Irlanda tinha pouco menos de 7 milhões de habitantes Em 1846 talvez tivesse 85 milhões Em 1851 estava reduzida a 65 milhões de habitantes e desde então sua população tem decrescido constantemente com a emigração Heu dirafames Heu saeva hujus memorabilis anni pestilentia escreveu um pregador de paróquia empregando o tom dos cronistas da era das trevas naqueles meses em que nenhuma criança foi batizada nas paróquias de Galway e Mayo simplesmente porque não nasceram crianças A índia e a Irlanda eram talvez os piores países para um camponês viver entre 1789 e 1848 mas ninguém que pudesse fazer uma escolha tampouco teria desejado ser trabalhador de fazenda na Inglaterra Há um consenso geral de que a situação desta classe infeliz se deteriorou marcadamente depois da metade da década de 1790 em parte devido às forças econômicas em parte com o pauperizante Sistema de Speenhamland 1795 uma tentativa bem intencionada mas errada de garantir ao trabalhador um salário mínimo Seu principal efeito foi o de desmoralizar os trabalhadores e encorajar os fazendeiros a baixar os salários As débeis e ignorantes manifestações de revolta dos trabalhadores podem ser medidas pelo aumento das infrações contra as leis do jogo na década de 1820 por incêndios culposos e violações da propriedade nas décadas de 1830 e 1840 mas acima de tudo pelo desesperado levante dos últimos trabalhadores uma epidemia de rebelião que se difundiu espontaneamente a partir de Kent por inúmeros condados no fim de 1830 e que foi selvagemente reprimida O liberalismo econômico se propôs a solucionar o problema dos trabalhadores de sua maneira usual brusca e impiedosa forçandoos a encontrar trabalho a um salário vil ou a emigrar A Nova Lei dos Pobres de 1834 um estatuto de insensibilidade incomum deu aos trabalhadores o auxílio pobreza somente dentro das novas workhouses onde tinham que se separar da mulher e dos filhos para desestimular o hábito sentimental e não malthusiano de procriação impensada e retirou a garantia paroquial de uma manutenção mínima O custo da lei dos pobres decresceu drasticamente embora no mínimo um milhão de britânicos permanecessem pobres até o fim de nosso período e os trabalhadores começaram lentamente a se mover Visto que a agricultura estava em depressão sua situação continuou sendo muito miserável e não melhorou substancialmente até a década de 1850 Os trabalhadores de fazenda eram de fato muito pobres em toda parte embora talvez nas áreas mais retrógradas e isoladas não estivessem em situação pior que a de costume A infeliz descoberta da batata tornou fácil enfraquecer seu padrão de vida em grandes partes do norte da Europa e uma melhoria substancial em sua situação só veio a ocorrer pex na Prússia nas décadas de 1850 e 1860 A situação do camponês autosuficiente era provavelmente bem melhor embora a do pequeno proprietário fosse bastante desesperadora em tempos de fome Um país camponês como a França foi provavelmente menos afetado que qualquer outro pela depressão geral da agricultura que se seguiu ao boom das guerras napoleônicas De fato um camponês francês que olhasse para o outro lado do Canal da Mancha em 1840 e comparasse sua situação e a do trabalhador inglês com o que era em 1788 dificilmente poderia ter dúvidas sobre qual dos dois tinha feito o melhor negócio Enquanto isso do outro lado do Atlântico os fazendeiros americanos observavam os camponeses do Velho Mundo e se congratulavam por sua sorte em não pertencer ao grupo Capítulo Nove Rumo a um Mundo Industrial De fato estes são tempos gloriosos para os engenheiros James Nasmyth inventor do martelo a vapor Devant de leis témoins o secte progressive Vanteznous le pouvoir de La locomotive Vanteznous le vapeur et les chemins de fer A Pommier I Em 1848 somente uma economia estava efetivamente industrializada a inglesa e Conseqüentemente dominava o mundo Provavelmente na década de 1840 os Estados Unidos e uma boa parte da Europa Ocidental e Central já tinham ultrapassado ou se encontravam na soleira da revolução industrial Já era razoavelmente certo que os EUA seriam finalmente considerados dentro de 20 anos pensava Richard Cobden na metade da década de 1830 um sério competidor dos ingleses e em torno da década de 1840 os alemães embora talvez ninguém mais já apontavam para o rápido avanço industrial Mas perspectivas não são realizações e por volta da década de 1840 as efetivas transformações industriais do mundo que não falava a língua inglesa ainda eram modestas Havia por exemplo em 1850 um total de pouco menos que 100 milhas de ferrovias em toda a Espanha Portugal Escandinávia Suíça e toda a península balcânica e tirando os Estados Unidos menos do que isto em todo os continentes não europeus juntos Se excluirmos a GrãBretanha e algumas outras partes o mundo social e econômico da década de 1840 pode facilmente ser visto de uma maneira não muito diferente daquele de 1788 A maioria da população do mundo então como anteriormente era de camponeses Em 1830 havia afinal de contas somente uma cidade ocidental de mais de um milhão de habitantes Londres uma de mais de meio milhão Paris e tirando a GrãBretanha somente 19 cidades europeias de mais de 100 mil habitantes Esta lentidão de mudança no mundo não britânico significava que seus movimentos econômicos continuaram até o fim de nosso período a serem controlados pelo antiquado ritmo de boas e más colheitas ao invés de pelo novo ritmo de booms e recessões industriais que se alternavam A crise de 1857 foi provavelmente a primeira de alcance mundial causada por acontecimentos diferentes da catástrofe agrária Este fato por acaso teve as mais extensas consequências políticas O ritmo de mudança nas áreas industriais e não industriais foi muito variado entre 1780 e 1848 A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 18468 foi uma depressão do velho estilo predominantemente agrária Foi de certa forma a última e talvez a pior catástrofe econômica do ancien regime Tal não se deu na GrãBretanha onde a pior recessão do período inicial do industrialismo ocorreu entre 1839 e 1842 por razões puramente modernas coincidindo de fato com baixíssimos preços do trigo O ponto de combustão social espontânea na GrãBretanha foi alcançado na não planejada greve geral dos cartistas no verão de 1842 os chamados plugriots Quando esse ponto foi alcançado no continente em 1848 a GrãBretanha estava simplesmente sofrendo a primeira depressão cíclica da longa era de expansão vitoriana como também a Bélgica a outra economia mais ou menos industrial da Europa Uma revolução continental sem um correspondente movimento britânico como previu Marx estava condenada O que ele não tinha previsto foi que a disparidade entre o desenvolvimento britânico e o continental tornasse inevitável que o continente se insurgisse sozinho Contudo o que é importante sobre o período que vai de 1789 a 1848 não é que por padrões posteriores suas mudanças econômicas fossem pequenas mas sim que as mudanças fundamentais estavam claramente acontecendo A primeira destas mudanças foi demográfica A população mundial e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla tinha iniciado uma explosão sem precedentes que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos Visto que poucos países antes do século XIX tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo sendo os existentes de pouca confiança não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período mas foi certamente um aumento sem precedentes e maior exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados como a Rússia nas áreas economicamente mais avançadas A população dos EUA aumentada pela imigração encorajada pelos ilimitados recursos e espaços de um continente aumentou quase seis vezes de 1790 a 1850 ou seja de quatro para 23 milhões de habitantes A população do Reino Unido quase duplicou entre 1800 e 1850 quase triplicou entre 1750 e 1850 A população da Prússia considerando as fronteiras de 1846 quase duplicou entre 1800 e 1846 o mesmo acontecendo na Rússia europeia sem a Finlândia As populações da Noruega da Dinamarca da Suécia da Holanda e grandes partes da Itália quase duplicaram entre 1750 e 1850 mas cresceram a uma taxa menos extraordinária durante nosso período as da Espanha e Portugal aumentaram em um terço Fora da Europa estamos menos bem informados embora pareça que a população da China aumentou a uma rápida taxa nos séculos XVIII e início do XIX até que a intervenção europeia e o tradicional movimento cíclico da história política chinesa produzisse a derrocada da florescente administração da dinastia Manchu que se achava no auge da eficiência neste período Na América Latina a população provavelmente cresceu a uma taxa comparável à da Espanha Não há nenhum sinal de qualquer explosão populacional em outras partes da Ásia A população da África provavelmente permaneceu estável Somente certos espaços vazios habitados por colonizadores brancos aumentaram a uma taxa realmente extraordinária como a Austrália que em 1790 virtualmente não tinha habitantes brancos mas por volta de 1851 tinha meio milhão O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia embora devêssemos considerála antes como uma consequência do que uma causa exterior da revolução econômica pois sem ela um crescimento populacional tão rápido não poderia ter sido mantido durante mais do que um limitado período De fato na Irlanda onde não foi suplementado por uma revolução econômica constante esse crescimento não foi mantido Ele produziu mais trabalho sobretudo mais trabalho jovem e mais consumidores O mundo desse período foi bem mais jovem do que qualquer outro anterior cheio de crianças com jovens casais ou pessoas no auge da juventude A segunda maior mudança foi nas comunicações Segundo consenso geral as ferrovias estavam apenas na infância em 1848 embora já fossem de considerável importância prática na GrãBretanha nos Estados Unidos na Bélgica na França e na Alemanha Mas mesmo antes da ferrovia o desenvolvimento das comunicações foi pelos padrões anteriores empolgante O império austríaco por exemplo excluindo a Hungria acrescentou mais de 30 mil milhas de estradas entre 1830 e 1847 multiplicando assim sua rede de estradas quase duas vezes e meia A Bélgica quase duplicou sua rede de estradas entre 1830 e 1850 e até mesmo a Espanha graças em grande parte à ocupação francesa quase duplicou sua diminuta teia viária Os Estados Unidos como de costume mais gigantescos em seus empreendimentos do que qualquer outro país multiplicou seu sistema viário para carruagens em mais de oito vezes de 21 mil milhas em 1800 para 170 mil em 1850 Enquanto a GrãBretanha adquiria seu sistema de canais a França construía 2 mil milhas deles entre 1800 e 1847 e os Estados Unidos abriam rotas fluviais tão importantes como as do Lago Erie do Chesapeake e do Ohio O total da tonelagem mercante do mundo ocidental mais do que duplicou entre 1800 e o início da década de 1840 e já os navios a vapor uniam a GrãBretanha e a França 1822e subiam e desciam o Danúbio Em 1840 havia cerca de 370 mil toneladas de navios a vapor comparadas a nove milhões de toneladas de navios a vela embora isto já representasse na verdade cerca de umsexto da capacidade de carga Novamente aqui os americanos ultrapassaram o mundo competindo até mesmo com os britânicos quanto à posse da maior frota mercante Também não devemos subestimar a melhoria da velocidade e da capacidade de carga assim alcançadas Sem dúvida que o serviço de carruagens que conduziu o czar de todas as Rússias de São Petersburgo a Berlim em quatro dias 1834 não estava à disposição de pessoas menos importantes mas já era disponível o novo e rápido correio copiado dos franceses e dos ingleses que depois de 1824 ia de Berlim a Magdeburgo em 15 horas ao invés de dois dias e meio A ferrovia e a brilhante invenção de Rowland Hill da cobrança padronizada para a matéria postal em 1839 suplementada pela invenção do selo adesivo em 1841 multiplicaram os correios mas mesmo antes de ambas as invenções e em países menos adiantados que a Grã Bretanha ele cresceu rapidamente entre 1830 e 1840 o número de cartas anualmente despachadas na França subiu de 64 para 94 milhões Os navios a vela não eram simplesmente mais rápidos e mais seguros eram em média maiores também Tecnicamente sem dúvida estas melhorias não foram tão inspiradoras quanto as ferrovias embora as arrebatadoras pontes que se curvavam sobre os rios as grandes vias aquáticas artificiais e as docas os esplêndidos veleiros deslizando como cisnes a toda vela e as novas e elegantes carruagens do serviço postal fossem e continuem a ser alguns dos mais belos produtos do desenho industrial Mas como meio para facilitar as viagens e os transportes para unir a cidade ao campo as regiões pobres às ricas as ferrovias foram admiravelmente eficientes O crescimento da população deveu muito a elas pois o que em tempos préindustriais o retardava não era tanto a alta taxa de mortalidade mas sim as catástrofes periódicas frequentemente muito localizadas de fome e escassez de alimentos Se a fome se tornou menos ameaçadora no mundo ocidental neste período exceto em anos de fracasso quase universal nas colheitas como em 18167 e 18468 foi primordialmente devido a essas melhorias no transporte bem como é claro à melhoria geral na eficiência de governo e administração cf capítulo 10 A terceira grande mudança foi naturalmente no volume do comércio e da emigração Não em toda a parte sem dúvida Não há por exemplo qualquer sinal de que os camponeses da Calábria e da Apúlia já estivessem preparados para emigrar nem que o montante de mercadorias trazido para a grande feira de Nijniy Novgorod tivesse aumentado de forma surpreendente Mas tomandose o mundo da revolução dupla como um todo o movimento de homens e mercadorias já tinha o ímpeto de um deslizamento de terra Entre 1816 e 1850 perto de cinco milhões de europeus deixaram seus países nativos quase quatroquintos deles para as Américas e dentro dos países as correntes de migração interna eram bem maiores Entre 1780 e 1840 o comércio internacional em todo o mundo ocidental mais do que triplicou entre 1780 e 1850 ele se multiplicou em mais de quatro vezes Por padrões posteriores tudo isto foi sem dúvida muito modesto mas por padrões anteriores e afinal de contas estes eram os padrões utilizados pelos contemporâneos para estabelecer comparações com sua época eles estavam além dos sonhos mais loucos II O que foi mais relevante depois de 1830 o pontochave que o historiador de nosso período não pode perder qualquer que seja seu campo de interesse particular é que o ritmo de mudança social e econômica acelerouse visível e rapidamente Fora da GrãBretanha o período da Revolução Francesa e de suas guerras trouxe relativamente pouco avanço imediato exceto nos Estados Unidos que saltaram à frente depois de sua guerra de independência duplicando a área cultivada por volta de 1810 multiplicando a frota mercante em sete vezes e demonstrando suas capacidades futuras de uma maneira geral Não só o descaroçador de algodão mas também o navio a vapor o desenvolvimento inicial da produção em série o moinho de farinha sobre uma correia de transmissão de Oliver Evans são avanços americanos deste período As bases de uma boa parte da indústria posterior especialmente da indústria de equipamento pesado foram lançadas na Europa napoleônica mas muito pouco sobreviveu ao fim das guerras que trouxe a crise para toda a parte No todo o período que vai de 1815 a 1830 foi um período de reveses ou na melhor das hipóteses de recuperação lenta Os Estados colocaram suas finanças em ordem normalmente por meio de uma rigorosa deflação os russos foram os últimos a fazêlo em 1841 As indústrias cambalearam sob os golpes da crise e da competição estrangeira a indústria algodoeira americana foi severamente atingida a urbanização era lenta até 1828 a população rural francesa cresceu tão rapidamente quanto a das cidades A agricultura definhava especialmente na Alemanha Ninguém que se pusesse a observar o crescimento econômico do período mesmo fora do âmbito da formidável expansão econômica britânica se sentiria inclinado ao pessimismo mas poucos julgariam que qualquer outro país a não ser a Grã Bretanha e talvez os EUA estivesse no portal imediato da revolução industrial Para tomarmos um índice óbvio da nova indústria fora da GrãBretanha dos EUA e da França o número de máquinas a vapor e a quantidade de energia a vapor no resto do mundo eram na década de 1820 de chamar muito pouco a atenção do estatístico Depois de 1830 ou por esta época a situação mudou rápida e drasticamente a ponto de por volta de 1840 os problemas sociais característicos do industrialismo o novo proletariado os horrores da incontrolável urbanização se transformarem no lugarcomum de sérias discussões na Europa Ocidental e no pesadelo dos políticos e administradores O número de máquinas a vapor na Bélgica duplicou sua potência em cavalosforça também triplicou entre 1830 e 1838 de 354 com 11 mil hp para 712 com 30 mil hp Por volta de 1850 o pequeno país agora maciçamente industrializado tinha quase 2300 máquinas de 66 mil hp e quase 6 milhões de toneladas de produção de carvão aproximadamente três vezes mais que em 1830 Em 1830 não havia qualquer companhia de capital social na mineração belga por volta de 1841 quase metade da produção de carvão vinha destas companhias Seria monótono citarmos dados análogos para a França para os Estados alemães a Áustria e outros países e áreas em que os princípios da moderna indústria foram lançados nestes 20 anos os Krupp na Alemanha por exemplo instalaram sua primeira máquina a vapor em 1835 as primeiras minas do grande campo de carvão do Ruhr foram abertas em 1837 o primeiro forno movido a coque foi instalado no grande centro siderúrgico tcheco de Vítkovice em 1836 e o primeiro moinho de rolo de Falck na Lombardia em 183940 Tanto mais monótono porque a industrialização realmente maciça com exceção da Bélgica e talvez a França só ocorreu depois de 1848 Os anos que vão de 1830 a 1848 marcam o nascimento de áreas industriais de famosos centros e firmas industriais cujos nomes se tornaram conhecidos até nossos dias mas não determinam nem mesmo sua adolescência quanto mais sua maturidade Observandose a década de 1830 sabemos o que significou aquela atmosfera de excitada experimentação técnica de empreendimento inovador e insatisfeito Significou a abertura do meiooeste americano Mas a primeira ceifeira mecânica de Cyrus McCormick 1834 e os primeiros 78 alqueires de trigo enviados de Chicago para o leste em 1838 somente têm lugar na história por causa do que provocaram depois de 1850 Em 1846 a fábrica que arriscasse a produção de uma centena de ceifeiras ainda deveria ser parabenizada por sua ousadia era de fato difícil achar grupos com suficiente coragem e energia para enfrentar a arriscada empresa de fabricar ceifeiras e quase tão difícil persuadir os fazendeiros a usarem essas máquinas para cortar os cereais ou encarar favoravelmente essa inovação Significou a construção sistemática de ferrovias e de indústrias pesadas na Europa e consequentemente uma revolução nas técnicas de investimento Mas se os irmãos Pereire não se tivessem transformado nos grandes aventureiros das finanças industriais depois de 1851 deveríamos prestar pouca atenção ao projeto que eles apresentaram em vão ao novo governo francês em 1830 o de um escritório de empréstimos onde a indústria poderá pedir emprestado a todos os capitalistas nos termos mais favoráveis através do intermédio dos banqueiros mais ricos atuando como fiadores Como na GrãBretanha os bens de consumo geralmente têxteis mas às vezes também produtos alimentícios lideraram estas explosões de industrialização mas os bens de capital ferro aço carvão etc já eram mais importantes do que na primeira revolução industrial inglesa em 1846 17 dos empregos industriais belgas eram em indústrias de bens de capital contrastando com os 8 ou 9 da GrãBretanha Por volta de 1850 trêsquartos de toda a potênciavapor belga estava na mineração e metalurgia Como na GrãBretanha o novo estabelecimento industrial médio a fábrica a forja ou a mina era pequeno e cercado por uma grande quantidade de mãodeobra barata doméstica subcontratada e tecnicamente retrógrada que cresceu com as exigências das fábricas e do mercado e seria finalmente destruída pelos posteriores avanços de ambos Em 1846 na Bélgica o número médio de empregados em um estabelecimento fabril de lã de fibra de linho e de algodão era de apenas 30 35 e 43 trabalhadores na Suécia em 1838 a média por fábrica têxtil era meramente de 6 a 7 trabalhadores Por outro lado há indícios de uma concentração bem mais maciça do que na Grã Bretanha como era mesmo de se esperar onde a indústria se desenvolveu mais tarde às vezes como um enclave em ambientes agrícolas usando a experiência dos primeiros pioneiros baseada em uma tecnologia bem mais desenvolvida e frequentemente gozando de um maior apoio planificado por parte do governo Em 1841 na Boémia trêsquartos de todas as fiandeiras automáticas de algodão eram empregadas em fábricas com mais de 100 trabalhadores cada uma e quase a metade em 15 fábricas com mais de 200 trabalhadores cada Por outro lado virtualmente toda a tecelagem até a década de 1850 era feita em teares manuais Naturalmente isto era ainda mais acentuado nas indústrias pesadas que agora assumiam a vanguarda a fundição belga média tinha em 1838 80 trabalhadores a mina belga média tinha em 1846 perto de 150 para não mencionarmos os gigantes industriais como a Cockerills de Seraing que empregava 2 mil trabalhadores O panorama industrial era assim muito semelhante a uma série de lagos cobertos de ilhas Se tomarmos o campo em geral como o lago as ilhas representam as cidades industriais os complexos rurais tais como as redes de aldeias manufatureiras tão comuns nas montanhas da Alemanha Central e da Boémia ou as áreas industriais cidades têxteis como Mulhouse Lille ou Rouen na França ElberfeldBarmen terra natal da religiosa família de mestres algodoeiros de Frederick Engels ou Krefeld na Prússia o sul da Bélgica ou a Saxônia Se tomarmos como o lago a massa de artesãos independentes os camponeses produzindo mercadorias para vendêlas durante o inverno e os trabalhadores domésticos as ilhas representam os engenhos as fábricas as minas e as fundições de variado tamanho O grosso da paisagem ainda era de muita água ou para adaptarmos a metáfora um pouco mais à realidade de juncais de produção em pequena escala ou dependente que se formavam ao redor dos centros industriais e comerciais As indústrias domésticas e outras fundadas anteriormente como apêndices do feudalismo também existiam A maioria delas p ex a indústria silesiana do linho se achava em rápido e trágico declínio As grandes cidades quase não eram industrializadas embora mantivessem uma vasta população de trabalhadores e artesãos para servirem às necessidades de consumo transporte e serviços Das cidades do mundo com mais de 100 mil habitantes fora Lyon só as inglesas e americanas tinham centros nitidamente industriais Milão por exemplo em 1841 tinha somente duas pequenas máquinas a vapor De fato o típico centro industrial tanto na Grã Bretanha quanto no continente europeu era uma cidade provinciana pequena ou de tamanho médio ou ainda um complexo de aldeias Sob um importante aspecto entretanto a industrialização continental e até certo ponto a americana diferia da inglesa As précondições para seu desenvolvimento espontâneo através da empresa privada foram menos favoráveis Como vimos na GrãBretanha após uma lenta preparação de cerca de 200 anos não houve escassez real de quaisquer dos fatores de produção e nenhum obstáculo institucional para o pleno desenvolvimento capitalista O mesmo não aconteceu em outros países Na Alemanha por exemplo houve uma nítida escassez de capital a própria modéstia do padrão de vida das classes médias alemãs maravilhosamente transformado embora dentro da encantadora austeridade da decoração de interiores de Biedemeier o demonstra Frequentemente se esquece que pelos padrões alemães contemporâneos Goethe cuja casa em Weimar apresenta um pouco mais de conforto embora não muito mais do que o padrão dos modestos banqueiros da seita britânica de Clapham era deveras um homem muito rico Na década de 1820 as senhoras da corte e até mesmo as princesas em Berlim usavam simples vestidos de percal durante todo o ano se possuíam um vestido de seda guardavamno para ocasiões especiais Os tradicionais sistemas de grémios ou guildas de mestres artífices e aprendizes ainda se constituía em um obstáculo para o empreendimento capitalista para a mobilidade da mãodeobra qualificada e mesmo para qualquer mudança econômica a obrigação de que um artesão pertencesse a uma guilda foi abolida na Prússia em 1811 embora não o fossem as próprias guildas cujos membros eram além disso fortalecidos politicamente pela legislação municipal do período A produção dos grémios permaneceu quase intacta até as décadas de 1830 e 1840 Em outros países a introdução plena da Gewerbefreiheit teve que esperar até a década de 1850 A multiplicidade de Estados diminutos cada um com seus controles e interesses estabelecidos ainda inibia o desenvolvimento racional A simples construção de uma União Aduaneira Geral como o que a Prússia conseguiu realizar em seu próprio interesse e pela pressão de sua posição estratégica entre 1818 e 1834 era com a exceção da Áustria um triunfo Todo governo mercantilista ou paternal baixava seus regulamentos e disposições administrativas sobre o assunto para benefício da estabilidade social porém para a irritação do empresário privado O Estado prussiano controlava a qualidade e o justo preço da produção artesanal as atividades da indústria doméstica silesiana de tecelagem de linho e as operações dos proprietários de minas na margem direita do Reno Era necessária uma permissão governamental para se abrir uma mina e ela podia ser retirada já depois de iniciado o negócio Obviamente em tais circunstâncias que têm paralelo em inúmeros outros Estados o desenvolvimento industrial tinha que funcionar de um modo bastante diferente do modelo britânico Assim em todo o continente europeu o governo tinha um controle muito maior sobre a indústria não apenas porque já estivesse acostumado a isto mas porque tinha que fazêlo Guilherme I Rei dos Países Baixos Unidos fundou em 1822 a Société Générale pour favoriser LIndustrie Nationale des Pays Bas dotada de terras do Estado com mais ou menos 40 de suas ações subscritas pelo rei e 5 garantidas a todos os outros subscritores O Estado prussiano continuou a controlar a operação de uma grande proporção das minas do país Sem exceção todos os novos sistemas ferroviários foram planejados pelos governos e se não foram efetivamente construídos por eles foram incentivados pela subvenção de concessões favoráveis e pela garantia de investimentos De fato até hoje a GrãBretanha é o único país cujo sistema ferroviário foi totalmente construído por empresas particulares assumindo os riscos na sua busca de lucros sem o incentivo de bónus e garantias aos investidores e empresários A primeira e mais bemplanejada destas redes foi a belga projetada em princípios da década de 1830 com o intuito de separar o país recémindependente do sistema de comunicações primordialmente fluvial baseado na Holanda As dificuldades políticas e a relutância da grande burguesia conservadora em trocar investimentos seguros por especulativos adiaram a construção estruturada da rede francesa que a Câmara tinha decidido executar em 1833 a pobreza de recursos adiou a construção da rede austríaca que o Estado decidiu construir em 1842 e da prussiana Por razões semelhantes a empresa do continente europeu dependia muito mais do que a britânica de um aparato financeiro e de uma moderna legislação bancária comercial e de negócios De fato a Revolução Francesa forneceu os dois os códigos legais de Napoleão com sua ênfase na liberdade contratual garantida legalmente seu reconhecimento das letras de câmbio c outros papéis comerciais e suas disposições em prol das empresas de capital social como a société anonyme e a commandite sociedade em que um dos sócios entra com o capital e o outro com o trabalho adotadas em toda a Europa exceto na GrãBretanha e na Escandinávia tornaramse por esta razão os modelos gerais para o mundo Além do mais os instrumentos para o financiamento da indústria que nasceram do cérebro fértil daqueles jovens revolucionários saintsimonianos os irmãos Pereire foram bem recebidos no exterior Sua maior vitoria ainda teve que esperar a era do boom mundial da década de 1850 mas já na década de 1830 a Société Générale belga começou a praticar o investimento bancário do tipo que os irmãos Pereire tinham imaginado e na Holanda os financistas embora ainda não ouvidos pela massa de negociantes adotaram as ideias saintsimonianàs Em essência estas ideias almejavam mobilizar através de bancos e empresas de investimento uma variedade de recursos de capital nacional que não teria espontaneamente entrado no desenvolvimento industrial e cujos donos não teriam sabido onde investir se assim o tivessem desejado Depois de 1850 deuse o fenómeno continental característico especialmente alemão do grande banco atuando também como investidor e dessa forma dominando a indústria e facilitando sua concentração precoce III Entretanto o desenvolvimento econômico deste período contem um gigantesco paradoxo a França Teoricamente nenhum país deveria ter avançado mais rapidamente Ela possuía como já vimos instituições ajustadas de forma ideal ao desenvolvimento capitalista O talento e a capacidade inventiva de seus empresários não tinha paralelo na Europa Os franceses inventaram ou foram os primeiros a desenvolver as grandes lojas de departamentos a propaganda e guiados pela supremacia da ciência francesa todos os tipos de inovações e realizações técnicas a fotografia com Nicephore Nièpce e Daguerre o processo de soda de Leblanc o descolorante à base de cloro de Berthollet a galvanoplastia e a galvanização Os financistas franceses foram os mais inventivos do mundo O país possuía grandes reservas de capital que exportava auxiliado por sua capacidade técnica para todo o continente europeu e até mesmo depois de 1850 para coisas tais como a Companhia Geral de Coletivos de Londres para a GrãBretanha Por volta de 1847 cerca de 225 bilhões de francos tinham saído para o exterior valor este só superado pelas astronómicas cifras britânicas maiores do que as de qualquer outro país Paris era um centro internacional de finanças que seguia Londres bem de perto na verdade em tempos de crise como em 1847 Paris chegou a superar Londres nesse campo O empreendimento francês na década de 1840 fundou as companhias de gás da Europa em Florença Veneza Pádua e Verona e obteve privilégios para fundálas em toda a Espanha na Argélia no Cairo e em Alexandria E estava para financiar as ferrovias do continente europeu exceto as da Alemanha e da Escandinávia Ainda assim basicamente o desenvolvimento econômico francês era na verdade mais lento do que o de outros países Sua população crescia silenciosamente porém sem dar grandes saltos Suas cidades com a exceção de Paris expandiamse modestamente de fato no princípio da década de 1830 algumas delas diminuíram Seu poderio industrial no final da década de 1840 era sem dúvida maior do que o dos outros países europeus possuía tanta energia a vapor quanto todo o resto do continente junto mas tinha perdido terreno para a GrãBretanha e estava a ponto de perdêlo também para a Alemanha De fato a despeito de suas vantagens e do início pioneiro a França nunca se tornou uma potência industrial de maior importância em comparação com a GrãBretanha a Alemanha e os Estados Unidos A explicação para este paradoxo é como já vimos cf cap 3III a própria Revolução Francesa que tomou com Robespierre muito daquilo que havia dado com a Assembleia Constituinte A parte capitalista da economia francesa era uma superestrutura erguida sobre a base imóvel do campesinato e da pequena burguesia Os trabalhadores livres destituídos de terras simplesmente vinham pouco a pouco para as cidades as mercadorias baratas e padronizadas que fizeram as fortunas dos industriais progressistas em outros países ressentiamse da falta de um mercado suficientemente grande e em expansão Economizavase muito capital mas por que deveria este capital ser investido na indústria doméstica O empresário francês inteligente fabricava mercadorias de luxo e não mercadorias para o consumo de massa o financista inteligente promovia as indústrias estrangeiras em vez das domésticas Á empresa privada e o crescimento econômico caminham juntos somente quanto este último propicia lucros mais altos para a primeira do que para outras formas de negócio Na França ele não o fez embora através da França tenha fertilizado o crescimento econômico de outros países No extremo oposto da França estavam os Estados Unidos da América O país sofria de uma escassez de capital mas estava pronto a importálo em quaisquer quantidades e a GrãBretanha estava pronta a exportálo Sofria de uma aguda escassez de mãodeobra mas as Ilhas Britânicas e a Alemanha exportavam aos milhões seus excedentes populacionais após a grande fome da metade da década de 1840 Ressentiase da falta de homens com qualificações técnicas mas até mesmo estes os trabalhadores de algodão de Lancashire os mineiros do País de Gales e os trabalhadores siderúrgicos podiam ser importados dos setores já industrializados do mundo e a típica aptidão americana para criar uma economia de mãodeobra e acima de tudo para a criação de máquinas simplificadoras da necessidade de mãodeobra já se achava totalmente desenvolvida Os Estados Unidos ressentiamse da falta pura e simples de uma colonização e de meios de transporte para explorar seu imenso território e seus recursos aparentemente ilimitados O mero processo de expansão interna foi bastante para manter sua economia em um crescimento quase ilimitado embora os colonizadores governos missionários e comerciantes americanos já estivessem se expandindo em direção à costa do Pacífico ou levando o seu comércio apoiado pela segunda maior frota mercante do mundo através dos oceanos de Zanzibar ao Havaí O Pacífico e o Caribe já eram os campos escolhidos do império americano Toda instituição da nova república incitava a acumulação a engenhosidade e a iniciativa privada Uma vasta população nova estabelecida nas cidades litorâneas e nos novos estados interioranos recentemente ocupados exigia os mesmos bens e equipamentos agrícolas domésticos e pessoais padronizados e fornecia um mercado de homogeneidade ideal As necessidades de invenção e iniciativa eram grandes e sucessivamente vieram atendêlas os inventores do navio a vapor 180713 da humilde tachinha 1807 da máquina de fazer parafusos 1809 da dentadura postiça 1822 do fio encapado 182731 do revólver 1835 da ideia da máquina de escrever e da máquina de costura 18436 da prensa rotativa 1846 de uma série de máquinas agrícolas Nenhuma economia se expandiu mais rapidamente neste período do que a americana embora sua arrancada realmente decisiva só viesse a ocorrer depois de 1860 Só um grande obstáculo atrapalhava a conversão dos Estados Unidos na potência econômica mundial em que logo se tornaria o conflito entre o norte agrícola e industrial e o sul semicolonial Enquanto o norte se beneficiava do capital da mãodeobra e das habilidades da Europa e notadamente da GrãBretanha como uma economia independente o sul que importava poucos destes recursos era uma economia tipicamente dependente da GrãBretanha O próprio sucesso em suprir as fábricas em expansão de Lancashire com quase todo o seu algodão perpetuava a dependência comparável àquela em que a Austrália estava prestes a cair com a lã e a Argentina com a carne O sul era favorável ao livre comércio que lhe possibilitava vender à GrãBretanha e em troca comprar as baratas mercadorias britânicas o norte quase desde o princípio 1816 protegia firmemente o industrial nativo contra qualquer estrangeiro i e britânico que pudesse competir naquela época com ele a preços inferiores O norte e o sul competiam pelos territórios do oeste o sul para as plantações escravas e os posseiros retrógrados com suas culturas de subsistência em terras devolutas das montanhas e o norte para as segadoras mecânicas e os matadouros de grande porte e até a era da ferrovia transcontinental o sul que controlava o delta do Mississippi onde o meiooeste encontrou seu principal escoamento tinha alguns fortes trunfos econômicos O futuro da economia americana só seria decidido na Guerra Civil de 18615 que foi de fato a unificação da América através do capitalismo do norte O outro futuro gigante do mundo econômico a Rússia era até então economicamente desprezível embora observadores de larga visão já previssem que seus vastos recursos sua população e seu tamanho iriam mais cedo ou mais tarde projetála mundialmente As minas e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII tendo senhores ou mercadores feudais como empregadores e os servos como operários estavam declinando lentamente As novas indústrias fábricas têxteis domésticas de pequeno porte somente começaram a apresentar uma expansão realmente digna de nota na década de 1860 Mesmo a exportação para o Ocidente do trigo extraído no fértil cinturão de terra preta da Ucrânia fazia um progresso apenas moderado A Polónia russa era bem mais adiantada mas como no resto da Europa Oriental da Escandinávia no norte à península balcânica no sul ainda não se podia divisar a era da grande transformação econômica Nem mesmo na Espanha ou no sul da Itália com exceção de pequenos trechos da Catalunha e do país basco E mesmo no norte da Itália onde as mudanças econômicas foram muito maiores elas eram até então bem mais óbvias na agricultura sempre nesta região uma importante saída para o investimento de capital e a atividade de negócios no comércio e na frota mercante do que nas manufaturas Mas o desenvolvimento destas mudanças foi prejudicado em todo o sul da Europa pela grande escassez do que era então ainda a única fonte importante de poderio industrial o carvão Assim uma parte do mundo saltou na dianteira do poderio industrial enquanto que a outra ficava para trás Mas estes dois fenómenos não são desligados um do outro A estagnação econômica a lentidão ou mesmo a regressão foram produtos do avanço econômico pois como poderiam as economias relativamente atrasadas resistir à força ou em certos casos à atração dos novos centros de riqueza indústria e comércio Os ingleses e algumas outras áreas da Europa podiam claramente vender a seus competidores a preços mais baixos Convinhalhes ser a oficina do mundo Nada parecia mais natural do que os menos evoluídos produzirem alimentos e talvez minérios trocando estas mercadorias não competitivas por manufaturas britânicas ou de outros países da Europa Ocidental O sol disse Ricardo Cobden aos italianos é o vosso carvão Onde o poder local estava nas mãos de grandes proprietários de terra ou mesmo de fazendeiros ou rancheiros progressistas essa troca servia a ambos os lados Os plantadores cubanos estavam muito felizes em fazer dinheiro com o açúcar e importar as mercadorias que permitiam aos estrangeiros comprar o açúcar Onde os donos de manufaturas podiam se fazer ouvir ou onde os governos locais apreciavam as vantagens do desenvolvimento econômico equilibrado ou meramente consideravam as desvantagens da dependência a disposição de ânimo era menor Friedrich List o economista alemão como de hábito fazendo uso do costume congénito da abstração filosófica rejeitou uma economia internacional que na verdade fez da Grã Bretanha a principal ou única potência industrial e exigiu protecionismo assim como o fizeram também conforme já vimos embora sem filosofia os americanos Tudo isto supondo que uma economia fosse politicamente independente e forte o bastante para aceitar ou rejeitar o papel para o qual a industrialização pioneira de um pequeno setor do mundo a tinha destinado Onde não fosse independente como nas colónias não tinha escolha A índia como já vimos estava no processo de desindustrialização e o Egito era uma ilustração ainda mais viva do processo pois o governante local Mohammed Ali tinha de fato e sistematicamente começado a transformar o país numa economia moderna ie entre outras coisas numa economia industrial Ele não só incentivou o cultivo do algodão para suprir o mercado mundial a partir de 1821 mas também tinha investido por volta de 1838 a considerável quantia de 12 milhões de libras na indústria que empregava talvez 30 ou 40 mil trabalhadores O que teria acontecido se o Egito tivesse sido deixado ao sabor de sua própria sorte não sabemos pois o que de fato se deu foi que a Convenção AngloTurca de 1838 impôs comerciantes estrangeiros ao país minando assim o monopólio do comércio externo através do qual Mohammed Ali tinha operado c a derrota do Egito frente ao Ocidente em 183941 forçouo a reduzir seu exército e portanto retirou a maior parte do incentivo que o tinha levado à industrialização Esta não foi a primeira nem a última vez que as canhoneiras do Ocidente abriram um país ao comércio ie à competição superior do setor industrializado do mundo Quem ao observar o Egito na época do protetorado britânico no final do século teria reconhecido o país que fora 50 anos antes e para o desgosto de Richard Cobden p primeiro Estado não pertencente à raça branca a procurar a maneira moderna de sair do atraso econômico De todas as consequências econômicas da época da revolução dupla esta divisão entre os países adiantados e os subdesenvolvidos provou ser a mais profunda e a mais duradoura Falando a grosso modo por volta de 1848 estava claro que os países deviam seguir o exemplo do primeiro grupo ie da Europa Ociental exceto a Península Ibérica da Alemanha do norte da Itália e partes da Europa Central da Escandinávia dos Estados Unidos e talvez das colónias controladas pelos imigrantes de língua inglesa Mas também era claro que o resto do mundo estava com exceção de alguns pedaços muito atrasado ou se transformando sob a pressão informal das exportações e importações ocidentais ou sob a pressão militar das canhoneiras e das expedições militares ocidentais em dependências econômicas do Ocidente Até que os russos tivessem desenvolvido na década de 1930 meios de transpor este fosso entre atrasado e adiantado ele permaneceria imóvel intransponível e mesmo crescendo entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo Nenhum outro fato determinou a história do século XX de maneira mais firme Capítulo Dez A Carreira Aberta ao Talento Um dia andei por Manchester com um destes cavalheiros da classe média Faleilhe das desgraçadas favelas insalubres e chameilhe a atenção para a repulsiva condição daquela pane da cidade em que moravam os trabalhadores fabris Declarei nunca ter visto uma cidade tão mal construída em minha vida Ele ouviume pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou E ainda assim ganhamse fortunas aqui Bom dia senhor F Engels As Condições da Classe Trabalhadora na Inglaterra Lhabitude prévalut parmi les nouveaux financiers de faire publier dans les journaux le menu des diners et les noms des convives M Capefigue I As instituições formais derrubadas ou criadas por uma revolução são fáceis de distinguir mas não dão a medida de seus efeitos O principal resultado da Revolução na França foi o de pôr fim à sociedade aristocrática Não à aristocracia no sentido da hierarquia de status social distinguido por títulos ou outras marcas visíveis de exclusividade e que muitas vezes se moldava no protótipo dessas hierarquias a nobreza de sangue As sociedades construídas sobre o carreirismo individual saúdam estas marcas de sucesso visíveis e estabelecidas Napoleão chegou a recriar uma nobreza formal de categorias que se juntou depois de 1815 aos velhos aristocratas remanescentes O fim da sociedade aristocrática também não significou o fim da influência aristocrática As classes em ascensão naturalmente tendem a ver os símbolos de sua riqueza e poder em termos daquilo que seus antigos grupos superiores tinham estabelecido como os padrões de conforto luxo e pompa As esposas dos ricos comerciantes de tecidos de Cheshire tornarseiam senhoras educadas pelos inúmeros livros de etiqueta e de vida elegante que se multiplicaram para este fim a partir da década de 1840 pela mesma razão que os que lucravam com as guerras napoleônicas apreciavam um título de barão ou que os salões burgueses se enchiam de veludo ouro espelhos algumas más imitações de cadeiras e outras peças de mobília do estilo Luís XV com estilos ingleses para os criados e os cavalos mas sem o espírito aristocrático O que poderia ser mais orgulhoso do que o vangloriarse de algum banqueiro saído Deus sabe de onde de que quando apareço em meu camarote no teatro todos os binóculos se voltam para mim e recebo quase que uma ovação real Além do mais uma cultura tão profundamente formada pela corte e pela aristocracia como a francesa não perderia a estampa Assim a preocupação marcante da prosa literária francesa com análises psicológicas sutis das relações pessoais que podem ser observadas até mesmo nos escritores aristocráticos do século XVII ou o padrão formalizado do século XVIII de exaltação sexual e decantação dos amantes e concubinas tornouse uma parte integrante da civilização burguesa parisiense Anteriormente os reis tinham suas amantes oficiais agora os bemsucedidos investidores da bolsa de valores os acompanhavam As cortesãs garantiam seus bem remunerados favores propagandeando o sucesso de banqueiros que podiam pagar por elas assim como o de jovens de sangue azul que levavam suas propriedades à ruína por causa delas De fato a Revolução preservou de muitas maneiras as características aristocráticas da cultura francesa de forma excepcionalmente pura pela mesma razão que a Revolução Russa preservou com excepcional fidelidade o bale clássico e a típica mentalidade burguesa do século XIX em relação à boa literatura Estas características foram tomadas e assimiladas como uma herança desejável do passado e daí em diante protegidas contra a erosão evolutiva normal E ainda assim o velho regime estava morto embora os pescadores de Brest em 1832 considerassem a cólera como um castigo de Deus pela deposição do legítimo rei O republicanismo formal entre os camponeses demorou a se difundir para além do Midi jacobino e de algumas áreas de há muito descristianizadas mas na primeira eleição universal genuína a de maio de 1848 o legitimismo já se achava confinado à região oeste e aos departamentos mais pobres do centro do país A geografia política da França rural moderna já era substancialmente discernível Subindo na escala social a Restauração dos Bourbon não restaurou o velho regime ou melhor quando Carlos X tentou fazêlo foi deposto A sociedade do período da restauração foi a dos capitalistas e carreiristas de Balzac do Julien Sorel de Stendhal e não a dos duques emigrantes que retornaram Uma era geológica separaa da doçura da vida da década de 1780 analisada por Talleyrand O Rastignac de Balzac está bem mais próximo do BelAmi de Maupas sant a figura típica da década de 1880 ou mesmo de Sammy Glick a figura típica de Hollywood na década de 1940 do que de Fígaro o sucesso não aristocrático da década de 1780 Em uma palavra a sociedade da França pósrevolucionária era burguesa em sua estrutura e em seus valores Era a sociedade do parvenu ie do homem que se fez por si mesmo o self mademan embora isto não fosse completamente óbvio antes que o próprio país fosse governado pelos parvenus ie antes que se tornasse republicano ou bonapartista Pode não parecer excessivamente revolucionário a nós que metade da nobreza francesa em 1840 pertencesse a famílias da velha nobreza mas para os burgueses franceses contemporâneos o fato de que a metade tinha sido gente do povo em 1789 era muito mais surpreendente especialmente quando eles olhavam para as exclusivistas hierarquias sociais do resto da Europa continental A frase quando os bons americanos morrem eles vão para Paris expressa aquilo em que Paris se transformou no século XIX embora só tenha se tornado plenamente o paraíso dos parvenus no Segundo Império Londres ou mais ainda Viena São Petersburgo ou Berlim eram capitais em que o dinheiro ainda não podia comprar tudo ao menos na primeira geração Em Paris havia pouca coisa que valesse a pena comprar que não estivesse a seu alcance Este domínio da nova sociedade não era peculiar à França mas se excetuarmos a democracia dos Estados Unidos era em certos aspectos superficiais mais óbvio e mais oficial na França embora não fosse de fato mais profundo do que na GrãBretanha ou nos Países Baixos Na Grã Bretanha os grandes chefs da culinária ainda eram os que trabalhavam para os nobres como Carême para o Duque de Wellington tinha anteriormente servido a Talleyrand ou para os clubes oligárquicos como Alexis Soyer do Clube da Reforma Na França o caro restaurante público inaugurado por cozinheiros da nobreza que perderam seus empregos durante a Revolução já estava estabelecido Uma transformação do mundo está implícita na páginatítulo do manual da culinária francesa clássica onde se lê Par A Beanvilliers ancien officier de MONSIEUR Comte de Provence et actuellement Restaurateur rue de Richelieu n 26 Ia Grande Taverne de Londres O gastrônomo uma espécie inventada durante a Restauração e difundida pelo Almanaque dos Gastrônomos de autoria de BrillatSavarin a partir de 1817 já ia ao café Anglais ou ao Café de Paris para jantares não presididos por anfitriãs Na GrãBretanha a imprensa ainda era um veículo de instrução de invectiva e de pressão política Foi na França que Emile Girardin em 1836 fundou o jornal moderno La Presse político e barato objetivando a acumulação de renda com anúncios e escrito de maneira atraente para seus leitores através da fofoca das novelas seriadas e várias outras proezas O pioneirismo francês nestes duvidosos campos ainda é lembrado pelas próprias palavras jornalismo e publicidade reclame e anúncio A moda as grandes lojas a vitrine louvada por Balzac foram invenções francesas o produto da década de 1820 A Revolução trouxe o teatro essa óbvia carreira aberta aos talentos para dentro da boa sociedade numa época em que seu status social na Grã Bretanha permanecia análogo ao dos boxeadores e jóqueis nas MaisonsLafitte nome tirado de um banqueiro que transformou os subúrbios em coisa da moda Lablache Talma e outras pessoas de teatro estabeleceramse ao lado da esplêndida casa do Príncipe de Ia Moskowa O efeito da revolução industrial sobre a estrutura da sociedade burguesa foi superficialmente menos drástico mas na verdade bem mais profundo pois criou novos xxx burgueses que coexistiam com a sociedade oficial muito grandes para serem absorvidos por ela exceto por uma pequena assimilação no topo e muito autoconfiantes e dinâmicos para desejar uma absorção exceto em seus próprios termos Em 1820 estes grandes exércitos de sólidos homens de negócios ainda eram pouco visíveis de Westminster onde os pares e seus parentes ainda dominavam o Parlamento não reformado ou do Hyde Park onde senhoras totalmente não puritanas como Harriete Wilson não puritana até mesmo em sua recusa em fingir de flor arrancada dirigiam seus faetontes cercadas de ousados admiradores das forças armadas da diplomacia e da nobreza sem excluirmos o próprio Duque de Wellington Os mercadores os banqueiros e até mesmo os industriais do século XVIII eram poucos e foram assim assimilados pela sociedade oficial de fato a primeira geração de milionários do algodão encabeçada por Sir Robert Peei o velho cujo filho estava sendo treinado para o cargo de primeiroministro era solidamente formada de tories embora de um tipo moderado Entretanto o arado de ferro da industrialização multiplicou as carrancudas safras de homens de negócio sob as pesadas nuvens do norte Manchester não estava mais de acordo com Londres Com o grito de guerra o que Manchester pensa hoje Londres pensará amanhã a cidade do norte se preparou para impor termos à capital para impor termos a capital Os novos homens das províncias eram um formidável exército tanto mais que se tornavam cada vez mais conscientes de ser uma classe e não um escalão mediano entre os setores mais altos e mais baixos O termo classe média aparece pela primeira vez por volta de 1812 Já em 1834 John Stuart Mill podia queixarse de que os comentaristas sociais giraram em seu eterno círculo de proprietários de terras capitalistas e trabalhadores até que pareceram aceitar a divisão da sociedade nestas três classes como se fosse um dos mandamentos de Deus Além do mais eles não se constituíam simplesmente em uma classe mas em uma classe militar de combate organizada a princípio em combinação com os trabalhadores pobres que deviam pensavam eles seguir sua liderança contra a sociedade aristocrática e mais tarde contra o proletariado e os proprietários de terras principalmente naquela associação com grande consciência de classe denominada Liga Contra a Lei do Trigo Eles eram homens que se fizeram por si mesmos ou pelo menos sendo de origem modesta deviam pouca coisa ao nascimento à família ou a uma educação formal superior Como o Sr Bounderby do romance Ásperos Tempos de Charles Dickens não esqueciam de propagandear esse fato Eram ricos e a cada ano ficavam mais ricos Acima de tudo estavam imbuídos da dinâmica e feroz autoconfiança daqueles cujas carreiras lhes provavam que a divina providência a ciência e a história se combinaram para servirlhes a terra numa bandeja A economia política traduzida para algumas proposições dogmáticas simples por editores jornalistas independentes que louvavam as virtudes do capitalismo Edward Baines do Leeds Mercury 17741848 John Edward Taylor do Manchester Guardian 17911844 Archibald Prentice do Manchester Times 17921857 Samuel Smiles 18121904 deulhes a certeza intelectual A dissidência protestante do género independente unitário batista e quaker e não do género metodista emotivo deulhes a certeza espiritual e um desprezo pelos inúteis aristocratas Nem o medo nem a raiva nem mesmo a pena emocionavam o empregador que dizia a seus trabalhadores O Deus da Natureza estabeleceu uma lei justa e imparcial que o homem não tem o direito de contesta quando se arrisca a fazêlo é sempre certo que mais cedo ou mais tarde encontra o castigo merecido Assim quando os patrões audaciosamente combinam que por uma união de poder eles podem oprimir seus empregados de modo mais eficaz insultam dessa forma a Majestade Divina e trazem para si a maldição de Deus enquanto que por outro lado quando os empregados se unem para extorquir de se empregadores aquela parte do lucro que por direito pertence ao patrão eles igualmente violam a lei da equidade Havia uma ordem no universo mas já não era a ordem do passado Havia somente um Deus cujo nome era vapor e que falava com a voz de Malthus McCulloch e de qualquer um que usasse máquinas O punhado de intelectuais escritores e eruditos agnósticos do século XVIII que falavam por eles não deve obscurecer o fato de que a maioria deles estava muito ocupada em ganhar dinheiro para se aborrecer com qualquer coisa que não estivesse ligada a este fim Eles apreciavam seus intelectuais até mesmo quando como no caso de Richard Cobden 18041865 não eram homens de negócio particularmente bemsucedidos desde que evitassem ideias pouco práticas e excessivamente sofisticadas pois eles eram homens práticos cuja própria falta de instrução faziaos suspeitar de qualquer coisa que fosse muito além do empirismo O cientista Charles Babbage 17921871 propôslhes seus métodos científicos em vão Sir Henry Cole o pioneiro do desenho industrial da educação técnica e da racionalização do transporte deulhes com a inestimável ajuda do Príncipe Consorte alemão o mais brilhante monumento a seus esforços a Grande Exposição de 1851 Mas foi forçado a se retirar da vida pública em virtude de ser um intrometido com certo gosto pela burocracia o que como toda interferência governamental eles detestavam quando não se associasse diretamente com seus lucros George Stephenson mecânico de minas que se fez por si mesmo dominou as novas ferrovias impondo lhes a medida do velho cavalo e da carroça nunca pensou em outra coisa ao contrário do sofisticado criativo e ousado engenheiro Isambard Kingdom Brunel que não possui monumento no panteon de engenheiros construído por Samuel Smiles exceto a frase condenatória em termos de resultados práticos e lucrativos os Stephenson foram inquestionavelmente os homens mais seguros para se seguir Os filósofos radicais fizeram todo o possível para construir uma rede de Institutos de Mecânicos expurgados dos desastrosos erros políticos que os operadores insistiam contra a natureza em ouvir nesses lugares a fim de treinar os técnicos das novas indústrias de bases científicas Já em 1848 a maioria deles se encontrava moribunda por falta de qualquer reconhecimento geral de que tal instrução tecnológica poderia ensinar aos ingleses em comparação com os alemães e os franceses qualquer coisa de útil Havia muitos industriais inteligentes de espírito experimentador e até mesmo cultos que lotavam as reuniões da Associação Britânica para o Progresso da Ciência mas seria um erro supor que eles representavam o conjunto de sua classe Uma geração destes homens cresceu nos anos entre Trafalgar e a Grande Exposição Seus antecessores criados dentro de um quadro social de comerciantes provincianos racionalistas e cultos e de ministros protestantes dissidentes e apoiados no quadro intelectual do século liberal foram talvez um grupo menos bárbaro o oleiro Josiah Wedgwood 17301795 era membro da Real Sociedade sócio da Sociedade de Antiquários e da Sociedade Lunar juntamente com Matthew Boulton seu sócio James Watt e o químico e revolucionário Priestley Seu filho Thomas fez experiências com a fotografia publicou trabalhos científicos e ajudou o poeta Coleridge O fabricante do século XVIII naturalmente construía suas fábricas segundo o estilo de desenho constante nos livros de construtores georgianos Seus sucessores senão mais cultos foram ao menos mais pródigos pois já na década de 1840 tinham ganho dinheiro suficiente para gastar com liberalidade em residências pseudonobres em prefeituras pseudogóticas ou pseudo renascentistas e para reconstruir suas capelas modestas e utilitárias ou clássicas no estilo perpendicular Mas entre a era georgiana e a vitoriana aconteceu o que foi corretamente chamado de a gélida era da burguesia bem como das classes trabalhadoras cujos contornos ficaram para sempre perpetuados por Charles Dickens em Ásperos Tempos Um protestantismo beato rígido farisaico sem intelectualismo obcecado com a moralidade puritana a ponto de tornar a hipocrisia sua companheira automática dominou essa desolada época A virtude dizia G M Young avançou numa frente ampla e invencível e foi pisando os que não tinham virtude os fracos os pecadores ie aqueles que nem ganhavam dinheiro nem controlavam seus gastos emocionais ou financeiros levandoos para a lama a que eles tão claramente pertenciam merecendo na melhor das hipóteses a caridade dos mais bondosos Havia nisto algum sentido econômico capitalista Os pequenos empresários tinham que empregar muito dos seus lucros nos negócios se quisessem se transformar em grandes empresários As massas de novos proletários tinham que se adaptar ao ritmo industrial de trabalho por meio da mais cruel disciplina ou então eram largadas para apodrecerem caso não a aceitassem E ainda assim até hoje o coração se contrai ante a visão do panorama construído por aquela geração Esta sombria devoção ao utilitarismo burguês que os evangelistas e puritanos partilhavam com os agnósticos filósofos radicais do século XVIII que a verbalizaram em termos lógicos para eles produziu sua própria beleza funcional nas estradas de ferropontes e armazéns e seu horror romântico nas infindáveis fileiras de casinhas cinzentas ou avermelhadas envoltas em fumaça e dominadas pelas fortalezas das fábricas A nova burguesia vivia fora dessa paisagem se tivesse acumulado dinheiro suficiente para se mudar ministrando autoridade educação moral e assistência ao esforço missionário entre os pagãos negros no exterior Seus homens personificavam o dinheiro que provava seu direito de dominar o mundo suas mulheres que o dinheiro dos maridos privava até da satisfação de realmente executar o trabalho doméstico personificavam a virtude da classe ignorantes seja boa doce donzela e deixe quem quiser ser inteligente sem instrução pouco práticas teoricamente assexuadas sem património e protegidas tias foram o único luxo a que se permitiu a era da frugalidade e do cada um por si A burguesia manufatureira britânica foi o mais extremado exemplo da classe mas em todo o continente havia grupos menores da mesma espécie católicos nos distritos têxteis do norte da França ou na Catalunha calvinistas na Alsácia beatos luteranos na Renânia judeus em toda a Europa Central e Oriental Raramente eram tão rígidos quanto na GrãBretanha pois raramente estavam tão divorciados das mais velhas tradições da vida urbana e do paternalismo Léon Faucher sentiuse dolorosamente surpreso a despeito de seu liberalismo doutrinário ante a visão de Manchester na década de 1840 e que observador da Europa continental não se sentiu da mesma forma Mas eles partilhavam com os ingleses a confiança que vinha do enriquecimento constante entre 1830 e 1856 os dotes para casamentos da família Dansette em Lille aumentaram de 15 mil para 50 mil francos da fé absoluta no liberalismo econômico e da repulsa pelas atividades não econômicas As dinastias de fiandeiros de Lille mantiveram seu total desprezo pela carreira das armas até a Primeira Guerra Mundial Os Dollfus de Mulhouse dissuadiram o jovem F Engels da ideia de entrar na Escola Politécnica porque temiam que ela pudesse leválo a uma carreira militar ao invés de uma carreira nos negócios A aristocracia e seus pedigrees para começar não os tentava excessivamente como os marechais de Napoleão eles próprios eram ancestrais II A realização crucial das duas revoluções foi assim o fato de que elas abriram carreiras para o talento ou pelo menos para a energia a sagacidade o trabalho duro e a ganância Não para todas as carreiras nem até os últimos degraus superiores do escalão exceto talvez nos Estados Unidos E ainda assim como eram extraordinárias as oportunidades como estava afastado do século XIX o estático ideal hierárquico do passado O conselheiro de Estado von Schele do Reino de Hanover que recusou o pedido de um jovem e pobre advogado para um cargo no governo com base no fato de que seu pai era um encadernador de livros e que assim sendo ele deveria se ater àquele oficio pareceria agora odioso e ridículo Ainda assim ele nada mais estava fazendo senão repetir a ultrapassada sabedoria proverbial da estável sociedade pré capitalista e em 1750 o filho de um encadernador de livros teria com toda probabilidade se agarrado ao oficio do pai Agora não era mais obrigado a fazêlo Havia quatro caminhos para as estrelas diante dele os negócios a educação que por sua vez levava a três metas o funcionalismo público a política e as profissões liberais as artes e a guerra O último destes caminhos bastante importante na França durante o período revolucionário e napoleônico deixou de sêlo durante as longas gerações de paz que se sucederam e talvez por esta razão também deixou de ser muito atraente O terceiro caminho era novo somente na medida em que as recompensas públicas de uma excepcional capacidade para entreter e emocionar os auditórios eram agora muito maiores do que jamais tinham sido anteriormente conforme demonstrado pelo crescente status social do palco que finalmente produziria na GrãBretanha eduardiana fenómenos como o do ator enobrecido e do nobre casado com a corista Até mesmo no período pósnapoleônico eles já tinham produzido o fenómeno característico da idolatria ao cantor p ex Jenny Lind o Rouxinol Sueco ou à dançarina p ex Fanny Elssler e do endeusado concertista p ex Paganini e Franz Liszt Nem os negócios nem a educação eram grandes estradas abertas para todos até mesmo entre os suficientemente emancipados dos grilhões dos costumes e da tradição para acreditarem que gente como nós seria aí admitida para saber como agir numa sociedade individualista ou para aceitar o desejo de progredir Os que desejavam viajar nestes caminhos tinham de pagar um pedágio sem alguns recursos iniciais ainda que mínimos era difícil entrar na autoestrada do sucesso Esse pedágio era inquestionavelmente maior para os que buscassem a estrada da educação do que para os que quisessem escolher a dos negócios pois até mesmo nos países que adquiriram um sistema público de ensino a educação primária era muito negligenciada e mesmo onde ela existisse estava confinada por razões políticas a um mínimo de alfabetização obediência moral e conhecimentos de aritmética Entretanto à primeira vista e paradoxalmente o caminho educacional parecia mais atraente do que o caminho dos negócios Sem dúvida isto se devia ao fato de que a educação exigia uma revolução muito menor nos hábitos e modos de vida dos homens O ensino ainda que somente sob a forma do ensino eclesiástico tinha o seu lugar socialmente valorizado e aceito na sociedade tradicional de fato tinha um lugar mais eminente do que na sociedade totalmente burguesa Ter um padre um ministro ou um rabino na família era talvez a maior honra a que os pobres poderiam aspirar e valiam a pena os sacrifícios titânicos para obtêla Esta admiração social podia ser prontamente transferida uma vez abertas estas carreiras ao intelectual secular ao funcionário público ao professor ou nos casos mais maravilhosos ao advogado e ao médico Além do mais os estudos não eram tão antisociais como pareciam ser tão claramente os negócios O homem instruído não se voltaria automaticamente para dilacerar seu semelhante da mesma forma desavergonhada e egoísta com que o faria o comerciante ou o empregador Frequentemente de fato especialmente no caso de um professor ele ajudava seus concidadãos a saírem da ignorância e da escuridão que pareciam ser responsáveis por suas misérias Uma sede geral de educação era muito mais fácil de ser criada do que uma sede geral de sucesso individual nos negócios e a escolaridade era mais facilmente adquirida do que a estranha arte de ganhar dinheiro As comunidades quase que totalmente compostas de pequenos camponeses pequenos comerciantes e proletários como o País de Gales podiam simultaneamente desenvolver uma fome que empurrasse seus filhos para o ensino e o sacerdócio e criar também um amargo ressentimento contra a riqueza e os negócios Contudo em certo sentido a educação representava tão eficazmente quanto os negócios a competição individualista a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e os parentescos através do instrumento do exame competitivo Como de costume a Revolução Francesa criou a expressão mais lógica dessa competição as hierarquias paralelas de exames que ainda selecionam progressivamente dentre o quadro nacional de ganhadores de bolsas de estudos a elite intelectual que administra e instrui o povo francês A bolsa de estudo e o exame competitivo eram também o ideal da escola burguesa de pensadores britânicos com maior consciência de classe os filósofos radicais benthamitas que conseqüentemente mas não antes do final de nosso período os impôs de uma forma extremamente pura para os mais altos cargos do serviço civil britânico e indiano contra a dura resistência da aristocracia A seleção de acordo com os méritos conforme determinada em exame ou outros testes educacionais tornouse o ideal geralmente aceito por todos exceto pelos serviços públicos europeus mais arcaicos tais como o do Papado e do Ministério do Exterior britânico ou pelos mais democráticos que tendiam como nos Estados Unidos a preferir a eleição em vez do exame como um critério de aptidão para os cargos públicos Pois como outras formas de competição individualista prestar exame era um recurso liberal mas não democrático ou igualitário O principal resultado social da abertura da instrução ao talento foi assim paradoxal Ele criou não a sociedade aberta da livre competição comercial mas sim a sociedade fechada da burocracia mas ambas em suas várias formas eram instituições características da era liberal burguesa O ethos dos cargos mais altos do serviço civil do século XIX foi fundamentalmente o do iluminismo do século XVIII maçónico e josefiniano na Europa Central e Oriental napoleônico na França liberal e anticlerical nos outros países latinos e benthamista na Grã Bretanha A competição era transformada em promoção automática uma vez que o homem de mérito tivesse efetivamente conquistado seu lugar no serviço embora a rapidez e a importância com que um homem fosse promovido ainda dependessem na teoria de seus méritos a menos que o igualitarismo da corporação impusesse uma promoção pura em função da idade À primeira vista portanto a burocracia parecia muito dessemelhante do ideal da sociedade liberal E ainda assim os homens que exerciam os serviços públicos estavam unidos na consciência de terem sido selecionados por mérito numa atmosfera predominante de integridade eficiência prática e educação e nas origens não aristocráticas Até mesmo a rígida insistência na promoção automática que chegou a ter um alcance absurdo na marinha britânica que era uma organização bem da classe média teve ao menos a vantagem de excluir o hábito tipicamente aristocrático e monárquico do favoritismo Nas sociedades em que o desenvolvimento econômico se arrastava o serviço público portanto fornecia uma alternativa para a ascensão das classes médias Não é por mero acidente que em 1848 no Parlamento de Frankfurt 68 de todos os deputados fossem funcionários civis contra somente 12 de profissionais liberais e 25 de homens de negócios Assim foi uma sorte para quem pensava em fazer carreira o fato de que o período pós napoleônico tenha sido em quase toda parte um período de crescimento marcante do aparelho e das atividades dos governos embora fosse pouco extenso para absorver o número cada vez maior de cidadãos alfabetizados Entre 1830 e 1850 os gastos públicos per capita aumentaram em 25 na Espanha em 40 na França em 44 na Rússia em 50 na Bélgica em 70 na Áustria em 75 nos Estados Unidos e em mais de 90 na Holanda Só na GrãBretanha nas colónias britânicas na Escandinávia e em alguns Estados atrasados é que os gastos governamentais per capita permaneceram estáveis ou caíram durante este período o do apogeu do liberalismo econômico Isto não se deveu somente a esse consumidor óbvio de impostos as forças armadas que continuaram depois das guerras napoleônicas muito maiores do que antes apesar da inexistência de guerras internacionais de maior importância dos principais Estados só a GrãBretanha e a França em 1851 tinham um exército muito menor do que no auge do poderio de Napoleão em 1810 e em vários Estados pex a Rússia a Espanha e diversos Estados italianos e alemães os exércitos eram de fato maiores O aumento dos gastos públicos deveu se também ao desenvolvimento das velhas funções e à aquisição de novas por parte dos Estados Pois é um erro elementar não compartilhado por esses protagonistas lógicos do capitalismo os filósofos radicais partidários de Bentham acreditar que o liberalismo era hostil à burocracia Ele era somente hostil à burocracia ineficaz à interferência pública em assuntos que ficariam melhor se deixados para a empresa privada e à tributação excessiva O slogan liberal vulgar de um Estado reduzido às atrofiadas funções de um vigia noturno obscurece o fato de que o Estado destituído de suas funções ineficazes e inadequadas era um Estado muito mais poderoso e ambicioso do que antes Por exemplo já em 1848 era um Estado que tinha adquirido forças policiais modernas e frequentemente nacionais na França desde 1798 na Irlanda a partir de 1823 na Inglaterra desde 1829 na Espanha a Guarda Civil a partir de 1844 Fora da Grã Bretanha era normalmente um Estado que tinha um sistema educacional público fora da Grã Bretanha e dos Estados Unidos era um Estado que tinha ou estava a ponto de ter um serviço público de ferrovias em toda parte era um Estado que tinha um serviço postal cada vez maior para suprir as crescentes necessidades dos negócios e das comunicações privadas O crescimento da população obrigouo a manter um sistema judicial maior o crescimento das cidades e dos problemas sociais urbanos um maior sistema de administração municipal Novas ou velhas as funções governamentais eram desempenhadas cada vez mais por um único serviço nacional civil constituído de funcionários de carreira em regime de tempo integral cujos últimos escalões eram promovidos e transferidos livremente pela autoridade central de cada país Entretanto enquanto um serviço eficiente deste tipo poderia reduzir o número de funcionários e o custo da administração através da eliminação da corrupção e do serviço em regime de meio expediente ele criava uma máquina governamental muito mais formidável As funções mais elementares do estado liberal como a eficiência da avaliação e da coleta de tributos por um corpo de funcionários assalariados ou a manutenção de uma força policial rural organizada regularmente em termos nacionais teria parecido estar além dos sonhos mais loucos da maioria dos absolutismos prérevolucionários Da mesma forma o nível de tributação que realmente já era por vezes um imposto de renda gradativo que era tolerado pelo cidadão do estado liberal em 1840 os gastos governamentais na GrãBretanha liberal foram quatro vezes tão grandes quanto na Rússia autocrática Poucos destes novos postos burocráticos equivaliam realmente à dragona do oficial que o proverbial soldado de Napoleão carregava em sua mochila como o primeiro passo para a obtenção do posto de general Dos 130 mil servidores civis calculados para a França em 1839 a grande maioria era de carteiros professores funcionários que recolhiam os impostos oficiais de justiça e outros até mesmo os 450 funcionários do Ministério do Interior e os 350 do Ministério das Relações Exteriores eram quase todos escriturários um tipo de gente que conforme se vê claramente na literatura desde Dickens até Gogol não podia ser invejada exceto talvez devido a seu privilégio de servidor público à segurança que lhes dava a certeza de não morrer de fome e de sustentar um nível de vida inalterável Os funcionários que alcançavam um nível social equivalente a uma boa carreira de classe média financeiramente nenhum funcionário honesto poderia aspirar mais do que o conforto decente eram poucos Mesmo hoje em dia a classe administrativa de todo o funcionalismo civil britânico que foi planejado pelos reformadores da metade do século XIX como o equivalente da classe média na hierarquia burocrática não chega a mais de 3500 ao todo Ainda assim embora a situação do subfuncionário do comerciário ou do escriturário fosse modesta ela se achava muito acima da dos trabalhadores pobres Seu trabalho não exigia esforço físico Suas mãos limpas e seus colarinhos brancos os colocavam embora simbolicamente ao lado dos ricos Normalmente eles carregavam consigo a magia da autoridade pública Perante eles os homens e as mulheres tinham que formar filas para a obtenção dos documentos que registravam suas vidas eles os liberavam ou os retinham diziamlhes o que podiam e o que não podiam fazer Nos países mais atrasados assim como nos Estados Unidos com sua democracia através deles seus primos e sobrinhos podiam achar bons empregos em muitos países não tão atrasados eles tinham que ser subornados Para inúmeras famílias camponesas e trabalhadoras para as quais todos os demais caminhos de ascensão social estavam fechados a burocracia o ensino e o sacerdócio eram ao menos teoricamente himalaias que seus filhos podiam tentar alcançar As profissões liberais não estavam tão a seu alcance pois para se tornar um médico um advogado um professor que na Europa continental significava tanto professor secundário quanto universitário ou uma outra categoria qualquer de pessoa de instrução de diversas atividades eram necessários longos anos de estudo ou excepcionais talento e oportunidade Em 1851 a Grã Bretanha tinha cerca de 16 mil advogadossem contarmos os juizes e só 1700 estudantes de direito cerca de 17 mil médicos e cirurgiões e 3500 estudantes de medicina menos que 3 ryiil arquitetos cerca de 1300 editores e escritores O termo francês journalist ainda não fazia parte do conhecimento oficial O direito e a medicina eram as duas das grandes profissões tradicionais A terceira o sacerdócio oferecia menos oportunidades do que se poderia esperar ainda que somente devido ao fato de estarse expandindo bem mais lentamente do que a população com exceção dos pregadores das seitas protestantes De fato graças ao zelo anticlerical dos governos José II suprimiu 359 abadias e conventos os espanhóis em seus intervalos liberais fizeram todo o possível para suprimir todos eles certas partes da profissão estavam em estado de regressão e não de expansão Só havia uma verdadeira saída o ensino escolar elementar feito por leigos e religiosos O número de professores geralmente recrutados entre os filhos de camponeses artesãos e de outras famílias modestas não era absolutamente desprezível nos Estados Ocidentais na GrãBretanha em 1851 cerca de 76 mil homens e mulheres consideravamse mestres ou mestras de escola ou professores privados para não mencionarmos as 20 mil e tantas governantas o único recurso bem conhecido de moças instruídas e sem dinheiro incapazes ou relutantes em ganhar a vida em uma atividade menos respeitável Além do mais o ensino era não só uma profissão ampla mas em expansão Era mal remunerada mas fora dos países mais positivistas como a GrãBretanha e os Estados Unidos o professor primário era com razão uma figura popular pois se alguém representava o ideal de uma era em que pela primeira vez os homens e as mulheres do povo olhavam por cima de suas cabeças e viam que a ignorância podia ser dissipada esse alguém era certamente o homem ou a mulher cuja vida e vocação era dar às crianças as oportunidades que seus pais nunca haviam tido abrirlhes o mundo infundirlhes a verdade e a moralidade Claro está que a carreira mais francamente aberta ao talento era a dos negócios E em uma economia que se expandia rapidamente as oportunidades de negócios eram cada vez maiores A pequena escala de muitas empresas a predominância dos subcontratos das vendas e compras modestas tornavamno relativamente fáceis Ainda assim nem as condições materiais sociais ou culturais eram propícias para os pobres Em primeiro lugar um fato constantemente desprezado pelos bemsucedidos a evolução da economia industrial dependia de se criar mais depressa trabalhadores assalariados do que empregadores ou empregados autónomos Para cada homem que ascendia no mundo dos negócios um grande número necessariamente descia Em segundo lugar a independência econômica exigia qualificações técnicas atitudes de espírito ou recursos financeiros mesmo que modestos que a maioria dos homens e mulheres não possuía Os que tinham a sorte de possuílos por exemplo os membros de certas minorias religiosas ou seitas cuja aptidão para tais atividades é bem conhecida dos sociólogos poderiam sairse bem a maioria dos servos de Ivanovo a Manchester russa que se tornaram fabricantes têxteis pertenciam à seita dos Velhos Crentes Mas estaria inteiramente fora da realidade esperar que os que não possuíam estas condições por exemplo a maioria dos camponeses russos fizessem o mesmo ou pensassem sequer em competir com aqueles III Nenhuma parcela da população saudou com maior efusão a abertura da carreira a qualquer espécie de talento do que as minorias que tinham até então sido excluídas da eminência não somente por não serem bemnascidas mas também por sofrerem uma discriminação coletiva e oficial O entusiasmo com que os protestantes franceses se atiraram à vida pública durante e depois da Revolução só foi superado pela vulcânica erupção de talento entre os judeus ocidentais Antes da emancipação preparada pelo racionalismo do século XVIII e trazida pela Revolução Francesa só havia dois caminhos de ascensão para os judeus o comércio ou as finanças e a interpretação da sagrada lei e ambos confinavamnos em suas fechadas comunidades os guetos das quais só um punhado de judeus da corte ou outros homens ricos semiemergiram evitando até mesmo na GrãBretanha e na Holanda se expor demasiadamente à perigosa e impopular luz da celebridade Este emergir não era impopular somente entre incrédulos brutais e bêbados que em conjunto se opunham a aceitar a emancipação judaica Séculos de opressão social tinham enclausurado a comunidade judaica em si mesma rechaçando qualquer passo fora de suas rígidas ortodoxias como descrença e traição Os pioneiros da liberalização dos judeus durante o século XVIII na Alemanha e na Áustria notadamente Moisés Mendelssohn 17291786 foram qualificados de desertores e ateus A grande massa judia que habitava os crescentes guetos da parte oriental do antigo Reino da Polónia e Lituânia continuava a levar suas autocontidas e receosas vidas entre os hostis camponeses dividida somente em sua fidelidade entre os eruditos rabinos intelectuais da ortodoxia lituana e os estáticos e pobres Chassidim É característico que de 46 revolucionários galicianos presos pelas autoridades austríacas em 1834 somente um fosse judeu Mas nas comunidades menores do Ocidente os judeus agarravam suas novas oportunidades com ambas as mãos até mesmo quando o preço que tinham que pagar por elas era um batismo nominal como ainda era o caso nos países semiemancipados ao menos para os postos oficiais Os homens de negócios não necessitavam nem mesmo disto Os Rothschild reis do judaísmo internacional não foram apenas ricos Isto eles poderiam têlo sido até mesmo antes embora as transformações militares e políticas do período criassem oportunidades sem precedentes para as finanças internacionais Agora eles também poderiam ser vistos como ricos ocupando uma posição social grosseiramente proporcional à sua riqueza e até mesmo podendo aspirar à nobreza que os príncipes europeus de fato começaram a concederlhes em 1816 Em 1823 seriam promovidos a barões hereditários pelos Habsburgo Mais surpreendente que a riqueza dos judeus foi o florescimento do seu talento nas artes seculares nas ciêneias e nas profissões Pelos padrões do século XX este talento ainda era modesto embora já em 1848 houvesse alcançado a maturidade a maior inteligência judia e o mais bemsucedido político judeu do século XIX Karl Marx 18181883 e Benjamin Disraeli 18041881 Não havia grandes cientistas judeus e somente alguns matemáticos de alta reputação embora não chegassem à eminência total Tampouco Meyerbeer 17911864 e MendelsonBartholdy 18091847 eram compositores da mais alta estirpe contemporânea embora entre os poetas Heinrich Heine 17971856 possa figurar entre os melhores de seu tempo Até então não havia qualquer pintor judeu de importância nem tampouco grandes músicos ou maestros judeus e somente uma artista de teatro de renome a atriz Rachel 18211858 Mas de fato a produção de gênios não é o critério para se avaliar a emancipação de um povo que melhor se mede pela repentina abundância de judeus menos eminentes participantes da vida pública e cultural da Europa Ocidental especialmente na França e acima de tudo nos estados alemães que forneceram a linguagem e a ideologia que pouco a pouco fechavam o vão existente entre ô medievalismo e o século XIX abrindo caminho para os imigrantes judeus provenientes do interior A dupla revolução proporcionou aos judeus a sensação mais próxima à igualdade que os judeus jamais tinham gozado em uma sociedade cristã Os que agarraram a oportunidade nada mais desejavam senão ser assimilados pela nova sociedade e suas afinidades eram por razões óbvias esmagadoramente liberais Ainda assim a situação dos judeus era incerta e incómoda ainda que o antisemitismo endémico das massas exploradas que agora frequentemente identificava de imediato o judeu e o burguês não fosse seriamente explorado pelos políticos demagogos Na França e na Alemanha Ocidental mas não em outras partes alguns judeus jovens sonhavam com uma sociedade ainda mais perfeita havia um marcante elemento judeu no saintsimonismo francês Olinde Rodrigues os irmãos Pereire Léon Halévy dEichthal e com menor intensidade no comunismo alemão Moisés Hess o poeta Heine e obviamente Marx que entretanto demonstrava uma total indiferença por suas origens e parentescos judaicos A situação dos judeus tornavaos excepcionalmente preparados para serem assimilados pela sociedade burguesa Eles eram uma minoria Eram esmagadoramente urbanos a ponto de estarem altamente imunizados contra as doenças da urbanização Nas cidades sua morbidez e mortalidade mais baixas já eram notadas pelos estatísticos Eram homens cultos e à margem da agricultura Uma enorme proporção deles já estava envolvida nas profissões livres ou nas atividades comerciais Sua própria posição os obrigava constantemente a considerar as novas situações e ideias ainda que só para detectar a ameaça latente que podiam trazer de maneira implícita A grande massa dos povos do mundo por outro lado achava muito mais difícil ajustar se à nova sociedade Isto se dava em parte porque a sólida armadura do costume impossibilitavalhes entender o que se esperava deles como os jovens cavalheiros argelianos levados a Paris para adquirir uma educação europeia na década de 1840 que se sentiram chocados ao descobrir que tinham sido convidados para irem à capital do reino para algo que não era o contato social com o rei e a nobreza que eles sabiam ser seu dever Além do mais a nova sociedade não facilitava o ajustamento Os que aceitavam as evidentes bênçãos da civilização da classe média e das maneiras da classe média podiam gozar de seus benefícios livremente os que as recusavam ou não eram capazes de obtêlas simplesmente não contavam Havia mais do que um mero preconceito político na insistência sobre a livre propriedade que caracterizava os governos liberais moderados de 1830 o homem que não tivesse demonstrado a habilidade de chegar a proprietário não era um homem completo e portanto dificilmente poderia ser um cidadão completo Os extremos desta atitude ocorriam nos lugares onde a classe média europeia se punha em contato com o pagão incrédulo tentando convertêlo através de missionários sem sofisticação intelectual às verdades do cristianismo ao comércio e ao uso de trajes civilizados entre tais objetivos não havia uma distinção aguda ou impondolhe as verdades da legislação liberal Se ele as aceitasse o liberalismo em se tratando de revolucionários franceses estava perfeitamente preparado para concederlhe a plena cidadania com todos os seus direitos ou em se tratando de um britânico a esperança de chegar a ser um dia tão bom quanto um inglês A atitude refletese perfeitamente no senatusconsulte de Napoleão III que alguns anos depois do final de nosso período mas ainda dentro de seu espírito abria as portas da cidadania francesa ao argelino Ele pode a seu pedido usufruir dos direitos de cidadão francês e neste caso ele é regido pelas leis civis e políticas da França Na verdade tudo o que ele tinha a fazer era renunciar ao islamismo se ele assim não o quisesse e poucos quiseram então ele continuaria a ser um súdito e não um cidadão O absoluto desprezo dos civilizados pelos bárbaros que incluía a massa dos trabalhadores pobres do próprio país baseavase neste sentimento de superioridade declarada O mundo da classe média estava livremente aberto a todos Portanto os que não conseguiam cruzar seus umbrais demonstravam uma falta de inteligência pessoal de força moral ou de energia que automaticamente os condenava ou na melhor das hipóteses uma herança racial ou histórica que deveria invalidálos eternamente como seja tivessem feito uso para sempre de suas oportunidades O período que culminou por volta da metade do século foi portanto uma época de insensibilidade sem igual não só porque a pobreza que rodeava a respeitabilidade da classe média era tão chocante que o homem rico preferia não vêla deixando que seus horrores provocassem impacto apenas sobre os visitantes estrangeiros como é o caso hoje em dia das favelas da índia mas também porque os pobres como os bárbaros do exterior eram tratados como se não fossem seres humanos Se seu destino era o de se tornarem trabalhadores industriais eles eram simplesmente massa que deveria ser modelada pela disciplina através da pura coerção sendo a draconiana disciplina fabril suplementada com a ajuda do Estado É bastante característico que a opinião da classe média contemporânea não percebesse qualquer incompatibilidade entre o princípio de igualdade perante a lei e os códigos trabalhistas deliberadamente discriminatórios que como no caso do Código Britânico de Patrões e Empregados de 1823 puniam os trabalhadores com a prisão por quebra de contrato e os empregadores com modestas multas se tanto Eles deveriam estar constantemente à beira da indigência porque caso contrário não trabalhariam sendo inacessíveis às motivações humanas É no próprio interesse do trabalhador disseram os empregadores a Villermé no final da década de 1830 que ele deve estar sempre fustigado pela necessidade pois assim ele não dará a seus filhos um mau exemplo e sua pobreza será uma garantia de sua boa conduta Contudo havia pobres em demasia para seu próprio bem mas era de se esperar que os efeitos da lei de Malthus matassem de fome um número suficiente deles para que se estabelecesse um máximo viável a menos que naturalmente per absurdwn os pobres estabelecessem seus próprios limites racionais no crescimento da população refreando uma complacência excessiva na procriação Era pequeno o passo a ser dado desta atitude para o reconhecimento formal da desigualdade que como afirmou Henri Baudrillart em sua conferência inaugural no Collège de France em 1835 era um dos três pilares da sociedade humana sendo que os outros dois eram a propriedade e a herança A sociedade hierárquica era assim reconstruída sobre os princípios da igualdade formal Mas havia perdido o que a fazia tolerável no passado a convicção social geral de que os homens tinham deveres e direitos de que a virtude não era simplesmente equivalente ao dinheiro e de que as classes mais baixas embora baixas tinham direito a suas modestas vidas na condição social a que Deus os havia chamado Capítulo Onze Os Trabalhadores Pobres Todo fabricante vive em sua fábrica como os plantadores coloniais no meio de seus escravos um contra uma centena e a subversão de Lyon é uma espécie de insurreição de São Domingos Os bárbaros que ameaçam a sociedade não estão nem no Cáucaso nem nas estepes tártaras estão nos subúrbios de nossas cidades industriais A classe média deve reconhecer claramente a natureza da situação e saber onde está pisando SaintMarc Girardin em Journal des Debata 8 de dezembro de 1931 Pour gouverner il faut avoir Manteaux ou rubans en sautoir bis Nous en tissons pour vous granas de Ia terre Et nous pauvres canuts sans drap on nous enterre Cest nous les canuts Nous sommes tout nus bis Mais notre règne arrivera Quand votre règne finira Alors nous tisserons le linceul du vieux monde Car on entend déjà Ia revolte qui gronde Cest nous les canuts Nous nirons plus nus Canção dos tecelões de Lyon I Eram três as possibilidades abertas aos pobres que se encontravam à margem da sociedade burguesa e não mais efetivamente protegidos nas regiões ainda inacessíveis da sociedade tradicional Eles podiam lutar para se tornarem burgueses poderiam permitir que fossem oprimidos ou então poderiam se rebelar A primeira possibilidade como já vimos não só era tecnicamente difícil para quem carecia de um mínimo de bens ou de instrução como era também profundamente desagradável A introdução de um sistema individualista puramente utilitário de comportamento social a selvagem anarquia da sociedade burguesa teoricamente justificada por seu lema cada um por si e Deus por todos parecia aos homens criados nas sociedades tradicionais pouco melhor do que a maldade desenfreada Em nossa época disse um dos desesperados tecelões da Silésia que se revoltaram em vão contra o próprio destino em 1844 os homens inventaram excelentes maneiras de enfraquecer e minar suas próprias existências Mas meu Deus ninguém mais pensa no Sétimo Mandamento que determina e proíbe o seguinte Não roubarás Nem têm em mente as palavras de Lutero quando ele diz Amaremps e temeremos o Senhor assim como não roubaremos a propriedade de nosso vizinho nem o seu dinheiro nem os obteremos por meios falsos e sim pelo contrário devemos ajudálo a conservar e melhorar sua existência e sua propriedade Este homem falava por todos aqueles que se viam arrastados para um abismo pelos que representavam as forças do inferno Eles não pediam muito Os ricos costumavam tratar os pobres com benevolência e os pobres viviam de maneira simples pois naquela época as classes mais baixas necessitavam de muito menos para comprar roupas e fazer outras despesas do que hoje em dia Mas até mesmo este modesto lugar na ordem social estava agora ao que parecia para lhes ser tomado Daí sua resistência até mesmo às propostas mais racionais da sociedade burguesa que estavam de braços dados com a desumanidade Os nobres rurais apresentaram o sistema Speenhamland ao qual os trabalhadores se agarraram embora os argumentos econômicos contra ele fossem contundentes Como meio de minorar a pobreza a caridade cristã era tão má como inútil como se podia ver nos Estados papais que a tinham em grande abundância Mas era popular não só entre os ricos tradicionalistas que a fomentavam como salvaguarda contra o perigo dos direitos iguais propostos por aqueles sonhadores que sustentam que a natureza criou os homens com direitos iguais e que as distinções sociais devem ser fundamentadas puramente na utilidade comum mas também entre os pobres tradicionalistas que estavam profundamente convencidos de que tinham um direito às migalhas que caíam da mesa dos ricos Na Grã Bretanha um abismo dividia os expoentes das sociedades amistosas da classe média que viam nelas uma forma de autoajuda individual e os pobres que as tratavam também e primordialmente como sociedades com reuniões sociais cerimónias rituais e festividades em detrimento de sua integridade militante Esta resistência foi reforçada pela oposição até mesmo de burgueses a alguns aspectos da pura e livre competição individual que não os beneficiavam Ninguém era mais devoto do individualismo do que o bronco fazendeiro ou fabricante americano e nenhuma Constituição mais oposta do que a deles ou assim acreditavam seus advogados até o século XX a tais interferências na liberdade como a legislação federal sobre o trabalhador menor de idade Mas ninguém estava mais firmemente empenhado como já vimos na proteção artificial de seus negócios Um dos principais benefícios que eram esperados da empresa privada e da livre iniciativa era a nova maquinaria Mas não apenas operários destruidores de máquinas se ergueram contra ela os negociantes e fazendeiros de menor porte simpatizavam com eles porque também consideravam os inovadores como destruidores da existência dos homens De fato às vezes os fazendeiros deixavam suas máquinas ao alcance dos revoltosos para que fossem destruídas e o governo foi obrigado a enviar uma circular redigida com palavras ásperas em 1830 para enfatizar que as máquinas têm tanto direito à proteção da lei quanto quaisquer outros itens patrimoniais A própria hesitação e a dúvida com que fora das fortalezas da confiança liberalburguesa o novo empresário desempenhava sua histórica tarefa de destruir a ordem moral e social fortaleciam a convicção do homem pobre Logicamente havia trabalhadores que davam o melhor de si para se unir às classes médias ou ao menos para seguir os preceitos de poupança de autoajuda e automelhoria A literatura moral e didática da classe média radical os movimentos de moderação e o esforço protestante estão cheios deste tipo de homem cujo Homero era Samuel Smiles De fato estas associações atraíam e talvez encorajavam o jovem ambicioso O Seminário Royton de Moderação fundado em 1843 limitado a meninos a maioria deles trabalhadores de algodão que tinham feito voto de abstinência se recusavam a participar de jogos a dinheiro e viviam com uma estrita moralidade havia criado em 20 anos de existência cinco mestres tecedores de algodão um sacerdote dois gerentes de fábricas de algodão na Rússia e muitos outros tinham alcançado posições de respeito como gerentes inspetores mecânicos mestre de escola diplomados ou tinhamse tornado respeitáveis donos de lojas Claramente estes fenómenos eram menos comuns fora do mundo anglosaxônico onde o caminho para fora da classe trabalhadora a não ser através da emigração era muito mais estreito nem mesmo na GrãBretanha se podia dizer que fosse amplo e a influênciamoral e intelectual da classe média radical sobre o trabalhador qualificado era menor Por outro lado havia muito mais pobres que diante da catástrofe social que não conseguiam compreender empobrecidos explorados jogados em cortiços onde se misturavam o frio e a imundície ou nos extensos complexos ue aldeias industriais de pequena escala mergulhavam na total desmoralização Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento e em que o álcool era a maneira mais rápida para se sair de Manchester ou de Lille ou de Borinage O alcoolismo em massa companheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização bruscas e incontroláveis disseminou uma peste de embriaguez em toda a Europa Talvez os inúmeros contemporâneos que deploravam o crescimento da embriaguez como o da prostituição e de outras formas de promiscuidade sexual estivessem exagerando Contudo a repentina aparição até 1840 de sistemáticas campanhas de agitação em prol da moderação entre as classes médias e trabalhadoras na Inglaterra Irlanda c Alemanha mostra que a preocupação com a desmoralização não era nem académica nem tampouco limitada a uma única classe Seu sucesso imediato teve pouca duração mas durante o restante do século a hostilidade à embriaguez permaneceu como algo que tanto patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum Mas naturalmente os contemporâneos que deploravam a desmoralização dos novos pobres industrializados e urbanos não estavam exagerando Tudo concorria para aumentar esta desmoralização As cidades e as área industriais cresciam rapidamente sem planejamento ou supervisão e os serviços mais elementares da vida da cidade fracassavam na tentativa de manter o mesmo passo a limpeza das ruas o fornecimento de água os serviços sanitários para não mencionarmos as condições habitacionais da classe trabalhadora A consequência mais patente desta deterioração urbana foi o reaparecimento das grandes epidemias de doenças contagiosas principalmente transmitidas pela água notadamente a cólera que reconquistou a Europa a partir de 1831 e varreu o continente de Marselha a São Petersburgo em 1832 e novamente mais tarde Para darmos um só exemplo em Glasgow o tifo não chamou a atenção até 1818 Dai em diante ele cresceu Houve duas grandes epidemias o tifo e a cólera na cidade na década de 1830 três o tifo a cólera e a febre recurrente na década de 1840 duas na primeira metade da década de 1850 até que o aperfeiçoamento urbano acabou com uma geração de desleixo Os terríveis efeitos deste descuido foram tremendos mas as classes média e alta não o sentiram Em nosso período o desenvolvimento urbano foi um gigantesco processo de segregação de classes que empurrava os novos trabalhadores pobres para as grandes concentrações de miséria alijadas dos centros de governo e dos negócios e das novas áreas residenciais da burguesia A divisão das grandes cidades europeias de caráter quase universal em zonas ricas localizadas a oeste e zonas pobres localizadas a leste se desenvolveu neste período E que instituições sociais exceto a taverna e talvez a capela foram criadas nestas novas aglomerações de trabalhadores a náo ser pela própria iniciativa dos trabalhadores Só depois de 1848 quando as novas epidemias nascidas nos cortiços começaram a matar também os ricos e as massas desesperadas que aí cresciam tinham assustado os poderosos com a revolução social foram tomadas providências para um aperfeiçoamento e uma reconstrução urbana sistemática A bebida não era o único sinal desta desmoralização O infanticídio a prostituição o suicídio e a demência têm sido relacionados com este cataclismo econômico e social graças em grande parte ao trabalho pioneiro na época daquilo que hoje em dia seria chamado de medicina social O mesmo se deu em relação ao aumento da criminalidade e da violência crescente e frequentemente despropositada que era uma espécie de ação pessoal cega contra as forças que ameaçavam engolir os elementos passivos A difusão de seitas e cultos de caráter místico e apocalítico durante este período cf capítulo 12 indica uma incapacidade semelhante em lidar com os terremotos da sociedade que destroçavam vidas humanas As epidemias de cólera por exemplo provocaram renascimentos religiosos na católica cidade de Marselha bem como no País de Gales de maioria protestante Todas estas formas de distorções do comportamento social tinham algo comum entre si e incidentalmente com a autoajuda Eram tentativas de escapar dò destino de ser um trabalhador pobre ou na melhor das hipóteses de aceitar ou de esquecer a pobreza e a humilhação Os que acreditavam na ressurreição os bêbados os criminosos os lunáticos os vagabundos ou os pequenos negociantes ambiciosos desviavam os olhos das condições da coletividade e com a exceção dos últimos se sentiam apáticos em relação à possibilidade de uma ação coletiva Na história de nosso período esta apatia da massa desempenha um papel muito mais importante do que se supõe Não é um mero acidente o fato de que os menos qualificados os menos instruídos os menos organizados e portanto os menos esperançosos dentre os pobres naquela época como mais tarde fossem os mais apáticos nas eleições de 1848 na cidade prussiana de Halle 81 dos artesãos independentes e 71 dos pedreiros carpinteiros e outros trabalhadores qualificados de construção votaram mas somente 46 dos trabalhadores das fábricas e ferrovias dos lavradores dos serviçais domésticos etc o fizeram II A alternativa da fuga ou da derrota era a rebelião A situação dos trabalhadores pobres e especialmente do proletariado industrial que formava seu núcleo era tal que a rebelião era não somente possível mas virtualmente compulsória Nada foi mais inevitável na primeira metade do século XIX do que o aparecimento dos movimentos trabalhista e socialista assim como a intranquilidade revolucionária das massas A revolução de 1848 foi sua consequência direta Entre 1815 e 1848 nenhum observador consciente podia negar que a situação dos trabalhadores pobres era assustadora E já em 1840 esses observadores eram muitos e advertiam que tal situação piorava cada vez mais Na GrãBretanha a teoria populacional de Malthus que sustentava que o crescimento da população superaria inevitavelmente o crescimento dos meios de subsistência baseavase nesta observação e era reforçada pelos argumentos dos economistas ricardianos Os que tinham um ponto de vista mais auspicioso a respeito das perspectivas da classe trabalhadora eram menos numerosos e tinham menos talento do que os que tinham uma visão pessimista Na década de 1830 na Alemanha a crescente pauperização do povo foi o tema específico de pelo menos 14 publicações diferentes e o debate relativo a se as reclamações sobre o crescente empobrecimento e a escassez de alimentos eram justificadas serviu de base para um concurso de ensaios académicos sendo que o melhor deles receberia um prémio Dez dos dezesseis competidores pensavam que tais reclamações eram justas e somente dois deles achavam que não A predominância destas opiniões é em si mesma uma prova da miséria universal e aparentemente sem esperanças dos pobres Sem dúvida a verdadeira pobreza era pior no campo e especialmente entre os trabalhadores assalariados que não possuíam propriedades os trabalhadores rurais domésticos e é claro entre os camponeses pobres ou entre os que viviam da terra infértil Uma má colheita como as de 1789 1795 1817 1832 e 1847 ainda trazia a verdadeira fome até mesmo sem a intervenção de outras catástrofes adicionais como a competição das mercadorias britânicas de algodão que destruiu a base da indústria silesiana de fibras de linho Depois da arruinada safra de 1813 na Lombardia muitas pessoas se mantiveram vivas somente graças à alimentação baseada em adubo e feno pão feito de folhas de feijão e de frutas silvestres Um mau ano como o de 1817 mesmo na tranquila Suíça pôde produzir um excesso real de mortes sobre os nascimentos A fome europeia de 18468 se torna pálida diante do cataclismo da fome irlandesa cf capítulo 8V mas nem por isso foi menos real Na Prússia Oriental e Ocidental em 1847 umterço da população deixara de comer pão e se alimentava somente de batatas Nas austeras respeitáveis e empobrecidas aldeias manufatureiras das montanhas da Alemanha Central onde homens e mulheres se sentavam em compridos troncos possuíam poucas roupa de cama e usavam canecas de barro ou de latão por falta de vidro a população tinhase tornado tão acostumada à dieta de batatas e de café ralo que durante os tempos de fome os componentes dos serviços de socorro tinham que ensinarlhes a comer feijão e mingau A fome e o tifo devastavam os campos de Flanders e da Silésia onde os tecelões de linho da aldeia travavam uma batalha desesperada contra a moderna indústria Mas de fato a miséria a miséria crescente como pensavam muitos que chamava tanto a atenção tão próxima da catástrofe total como a miséria irlandesa era a das cidades e zonas industriais onde os pobres morriam de fome de uma maneira menos passiva e menos oculta Se suas verdadeiras rendas estavam caindo é ainda um assunto de debate histórico embora como já vimos não possa haver dúvida de que a situação geral dos pobres nas cidades se deteriorava As variações entre uma e outra região entre os diversos tipos de trabalhadores e entre os diferentes períodos econômicos bem como a deficiência das estatísticas tornam difícil que as questões sejam respondidas de uma maneira decisiva embora qualquer significativa melhora geral possa ser excluída antes de 1848 ou talvez antes de 1844 na GrãBretanha e o hiato entre os ricos e os pobres certamente estivesse crescendo de uma maneira bastante clara A época em que a Baronesa de Rothschild usou um milhão e meio de francos em jóias no baile de máscaras do Duque de Orleans em 1842 era a mesma em que John Bright assim descreveu as mulheres de Rochdale 2 mil mulheres e moças passaram pelas ruas cantando hinos um espetáculo surpreendente e singular chegando às raias do sublime Assustadoramente famintas devoravam uma bisnaga de pão com indescritível sofreguidão e se o pedaço de pão estivesse totalmente coberto de lama seria igualmente devorado com avidez De fato é provável que houvesse alguma deterioração generalizada em grandes partes da Europa pois não só as instituições urbanas como já vimos e os serviços sociais não conseguiam acompanhar o ritmo da impetuosa e inesperada expansão como também os salários começaram a diminuir a partir de 1815 e a produção e o transporte de alimentos provavelmente decresceu em muitas das grandes cidades até a era da estrada de ferro Os malthusianos baseavam seu pessimismo em agravamentos desta ordem Mas fora as circunstâncias agravantes a simples mudança da dieta alimentar tradicional do homem préindustrial pela mais austera do industrial e urbanizado era capaz de levar a uma alimentação pior na mesma medida em que o trabalho e a vida urbana eram capazes de levar a condições de saúde também piores A extraordinária diferença na aptidão física e saúde entre a população agrícola e industrial e claro está entre as classes alta média e trabalhadora na qual os estatísticos franceses e ingleses fixaram sua atenção se devia claramente a este fato A expectativa média de vida na década de 1840 era duas vezes maior entre os trabalhadores rurais de Wiltshire e Rutiand do que entre os trabalhadores de Manchester ou de Liverpool Mas para citarmos somente um exemplo até que o vapor fosse introduzido no trabalho já no final do último sécuio a doença dos pulmões causada pelas partículas de aço e pó em suspensão no ar era conhecida apenas nas cutelarias de Sheffield Já em 1841 50 de todos os polidores de metais com a idade de 30 anos 79 de todos eles com a idade de 40 anos e 100 deles com mais de 50 anos tiveram seus pulmões dilacerados por esta doença Além do mais a troca na economia transferiu e deslocou grandes núcleos de trabalhadores às vezes para seu próprio benefício mas quase sempre para sua desgraça Grandes massas da população continuavam até então sem ser absorvidas pelas novas indústrias e cidades como um substrato permanente de pobreza e desespero e também as grandes massas eram periodicamente atiradas ao desemprego pelas crises que até então mal eram reconhecidas como temporárias e repetitivas Doisterços dos trabalhadores na indústria têxtil de Bolton 1842 e de Roubaix 1847 seriam despedidos de seus empregos devido a estes colapsos Vinte por cento dos de Nottingham e umterço dos de Paisley seriam também despedidos Um movimento como o cartismo na GrãBretanha fracassaria repetidas vezes sob sua fraqueza política Em diversas ocasiões a fome pura e simples o intolerável fardo que pesava sobre milhões de trabalhadores pobres o faria renascer Em acréscimo a estas tempestades generalizadas catástrofes específicas explodiam sobre as cabeças dos diversos tipos de trabalhadores pobres A fase inicial da revolução industrial como já vimos não levou todos os trabalhadores para as fábricas mecanizadas Pelo contrário em torno dos poucos setores mecanizados da produção em grande escala ela multiplicou o número de artesãos préindustriais de certos tipos de trabalhadores qualificados e do exército de mão deobra doméstica frequentemente melhorando suas condições especialmente durante os longos anos de escassez de mãodeobra no período das guerras Nas décadas de 1820 e 1830 o avanço impessoal e poderoso da máquina e do mercado começou a deixálos de lado Na melhor das hipóteses este fato fazia com que homens independentes se transformassem em dependentes e que pessoas se transformassem em mãos Na pior das hipóteses e a mais frequente criava multidões de desclassificados empobrecidos e famintos tecelões manuais tecelões mecânicos e ete cuja miséria gelava o sangue do economista mais insensível Não se tratava de uma ralé ignorante e desqualificada Comunidades semelhantes às dos tecelões de Dunfermline e Norwich que se desfizeram e se dispersaram na década de 1830 os fabricantes de móveis de Londres cujas antiquadas listas de preços se tornaram papéis molhados à medida em que eles se afundavam no pantanal das úmidas oficinas os artífices do continente que se transformaram em proletários itinerantes os artesãos que perderam sua independência haviam sido estes os mais habilitados os mais instruídos os mais autoconfiantes em suma a flor da classe trabalhadora Eles não entendiam o que lhes ocorria e era natural que tratassem de descobrilo e mais natural ainda que protestassem Materialmente é provável que o novo proletariado fabril tivesse condições algo melhores Por outro lado não era livre encontravase sob o rígido controle e a disciplina ainda mais rígida imposta pelo patrão ou por seus supervisores contra quem realmente não tinha quaisquer recursos legais e só alguns rudimentos de proteção pública Eles tinham que trabalhar por horas ou turnos aceitar os castigos e multas com as quais os patrões impunham suas ordens ou aumentavam seus lucros Em áreas isoladas ou nas indústrias tinham que fazer compras na loja do patrão frequentemente recebendo seus pagamentos em mercadorias miúdas permitindo assim que os empregadores inescrupulosos aumentassem ainda mais os seus lucros ou eram obrigados a morar em casas fornecidas pelo patrão Sem dúvida o jovem da cidade achava que sua vida era tão dependente e depauperada quanto a de seus pais e nas indústrias do continente europeu com uma forte tradição paternalista o despotismo do patrão era ao menos em parte contrabalançado pela segurança instrução e serviços de bemestar social que por vezes o patrão fornecia Mas para o homem livre entrar em uma fábrica na qualidade de uma simples mão era entrar em algo um pouco melhor que a escravidão e todos exceto os mais famintos tratavam de evitálo e quando não tinham mais remédio tendiam a resistir contra a disciplina cruel de uma maneira muito mais consistente do que as mulheres e as crianças a quem os proprietários de fábricas davam por isso preferência Na década de 1830 e em parte na década de 1840 podese afirmar que até mesmo a situação material do proletariado fabril apresentou uma tendência a se deteriorar Qualquer que fosse a verdadeira situação dos trabalhadores pobres não pode haver nenhuma dúvida de que todos aqueles que pensavam um pouco sobre a sua situação ie que aceitavam as aflições dos pobres como parte do destino e do eterno rumo das coisas consideravam que o trabalhador era explorado pelo rico que cada vez mais enriquecia ao passo que os pobres ficavam ainda mais pobres E que os pobres sofriam porque os ricos se beneficiavam O mecanismo social da sociedade burguesa era profundamente cruel injusto e desumano Não pode haver riqueza sem trabalho escreveu o jornal Lancashire Cooperator O trabalhador é a fonte de toda a riqueza Quem tem produzido todos os alimentos O pobre e mal alimentado lavrador Quem construiu todas as casas e armazéns e os palácios que pertencem aos ricos que jamais trabalham ou produzem qualquer coisa O trabalhador Quem tece todos os fios e faz o tecido As tecedoras e os tecelões Ainda assim o operário continua pobre ao passo que ós que não trabalham são ricos e possuem abundância em excesso E o desesperado trabalhador rural cujos ecos literários ainda se ouvem hoje em dia nas canções evangélicas dos negros americanos se expressava com menos clareza mas talvez de maneira mais profunda Se a vida fosse coisa que o dinheiro pudesse obter Os ricos viveriam e os pobres deveriam morrer III O movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre Ela não deve ser confundida com a mera reação coletiva contra o sofrimento intolerável que ocorreu em outros momentos da história nem sequer com a prática da greve e outras formas de militâncra que se tornaram características da classe trabalhadora Estes acontecimentos também têm sua própria história que começa muito antes da revolução industrial O verdadeiramente novo no movimento operário do princípio do século XIX era a consciência de classe e a ambição de classe Os pobres não mais se defrontavam com os ricos Uma classe específica a classe operária trabalhadores ou proletariado enfrentava a dos patrões ou capitalistas A Revolução Francesa deu confiança a esta nova classe a revolução industrial provocou nela uma necessidade de mobilização permanente Uma existência decente não podia ser obtida simplesmente por meio de um protesto ocasional que servisse para restabelecer a estabilidade da sociedade perturbada temporariamente Era necessária uma eterna vigilância organização e atividade do movimento o sindicato a sociedade cooperativa ou mútua instituições trabalhistas jornais agitação Mas a própria novidade e a rapidez da mudança social que os envolvia encorajava os trabalhadores a pensar em termos de uma sociedade totalmente diversa baseada na sua experiência e em suas ideias em oposição às de seus opressores Seria cooperativa e não competitiva coletivista e não individualista Seria socialista e representaria não o eterno sonho da sociedade livre que os pobres sempre levam no recôndito de suas mentes mas na qual só pensam em raras ocasiões de revolução social generalizada e sim uma alternativa praticável e permanente para o sistema em vigor Neste sentido a consciência de classe dos trabalhadores ainda não existia em 1789 ou mesmo durante a Revolução Francesa Fora da GrãBretanha e da França ela era quase que totalmente inexistente mesmo em 1848 Mas nos dois países que personificam a revolução dupla ela certamente passou a existir entre 1815 e 1848 mais especificamente por volta de 1830 A própria expressão classe trabalhadora distinta da menos específica as classes trabalhadoras aparece nos escritos trabalhistas ingleses logo após a batalha de Waterloo e talvez até mesmo um pouco antes e nos escritos trabalhistas franceses a expressão equivalente se torna frequente depois de 1830 Na GrãBretanha as tentativas para unir todos os operários em sindicatos gerais ie em entidades que superassem o isolamento local eregional dos grupos particulares de trabalhadores levandolhes a uma solidariedade nacional e até universal da classe trabalhadora começaram em 1818 e foram perseguidas com intensidade febril entre 1829 e 1834 O complemento do sindicato geral era a greve geral formulada como um conceito e uma tática sistemática da classe trabalhadora deste período notadamente na obra de William Benbow O Grande Feriado Nacional e o Congresso das Classes Produtivas 1832 sendo seriamente discutida como um método político pelos cartistas Enquanto isso tanto na Grã Bretanha quanto na França a discussão intelectual deu lugar ao conceito e à palavra socialismo na década de 1820 imediatamente adotados pelos trabalhadores em pequena escala na França como pelos grémios parisienses de 1832 e em escala bem maior pelos britânicos que logo teriam Robert Owen como líder de um vasto movimento de massas para o qual ele estava singularmente despreparado Em poucas palavras por volta do início da década de 1830 já existiam a consciência de classe proletária e as aspirações sociais Quase certamente eram mais débeis e menos efetivas do que a consciência da classe média que seus patrões adquiriram ou puseram em prática ao mesmo tempo Mas elas estavam presentes A consciência proletária estava poderosamente conjugada e reforçada pelo que pode ser melhor descrito como consciência jacobina ou seja o conjunto de aspirações experiências métodos e atitudes morais com que a Revolução Francesa e antes a Americana tinha imbuído os pobres que pensavam e confiavam em si mesmos Exatamente como a expressão prática da situação da nova classe trabalhadora era o movimento trabalhista e sua ideologia a comunidade cooperativa o movimento democrático era a expressão prática do povo comum proletário ou não a quem a Revolução Francesa tinha colocado no palco da história como atores e não como simples vítimas Os cidadãos de aparência externa pobre e que em outras épocas não teriam ousado se apresentar nestes locais reservados para pessoas elegantes saíam a passeio junto com os ricos de cabeça erguida Eles queriam respeito reconhecimento e igualdade Sabiam que podiam obter tudo isso pois já o tinham feito em 17934 Nem todos estes cidadãos eram trabalhadores mas todos os trabalhadores conscientes pertenciam a esta fileira As consciências jacobina e proletária se suplementavam A experiência da classe operária dava aos trabalhadores pobres as maiores instituições para sua autodefesa diária o sindicato e a sociedade de auxílio mútuo e as melhores armas para a luta coletiva a solidariedade e a greve que por sua vez implicava em organização e disciplina Entretanto mesmo onde estas instituições e armas não eram tão débeis instáveis e localizadas como no caso do continente europeu seu alcance era estritamente limitado A tentativa de usar um modelo puramente unionista ou mutualista não somente para receber maiores salários para grupos organizados de trabalhadores mas também para derrotar toda a sociedade existente e estabelecer uma nova sociedade foi feita na GrãBretanha entre 1829 e 1834 e depois outra vez durante o cartismo A tentativa fracassou e este fracasso destroçou um movimento socialista e proletário precoce mas impressionantemente maduro durante 50 anos A tentativa para transformar as sociedades operárias em sindicatos nacionais de produtores cooperativos como no Sindicato dos Construtores Práticos com seu parlamento de construtores e seu grémio de construtores 18314 fracassou igualmente assim como também fracassou a tentativa para criar uma cooperativa nacional de produção e intercâmbios de mãodeobra eqOitativa Os grandes sindicatos gerais que reuniam todos os trabalhadores longe de provarem ser mais fortes do que as sociedades regionais e locais demonstraram que de fato eram débeis e de controle difícil embora isto se devesse menos às dificuldades inerentes a um sindicato geral do que à falta de disciplina organização e experiência de suas lideranças A greve geral demonstrou ser inaplicável durante o cartismo exceto em 1842 na ocasião de uma revolta espontânea causada pela fome De modo inverso os métodos de agitação política próprios ao jacobinismo e ao radicalismo em geral mas não especificamente à classe trabalhadora demonstraram tanto sua eficácia quanto sua flexibilidade campanhas políticas através de jornais e panfletos reuniões e manifestações públicas e onde necessário motins e insurreições E verdade que nos locais onde estas campanhas tinham objetivos muito ambiciosos ou onde assustavam em demasia as classes governantes elas também fracassaram Na histérica década de 1810 a tendência era recorrer às forças armadas contra qualquer demonstração séria como em Spa Fields Londres em 1816 ou em Peterloo Manchester em 1819 quando 10 revoltosos foram mortos e várias centenas feridos Em 183848 os milhões de assinaturas que subscreviam petições não se aproximaram muito mais da Carta do Povo Contudo a campanha política em uma frente mais limitada era efetiva Sem ela não teria havido uma Emancipação Católica em 1829 um Decreto Reformista em 1832 e certamente não teria havido um controle legislativo modesto mas eficiente das condições fabris e das horas de trabalho Assim repetidas vezes encontramos uma classe trabalhadora debilmente organizada que compensava sua fraqueza com os métodos de agitação do radicalismo político A agitação das fábricas da década de 1830 no norte da Inglaterra compensou a fraqueza dos sindicatos locais na mesma medida que a campanha de protesto em massa contra o exílio dos mártires de Tolpuddle cf capítulo 6III tentou salvar alguma coisa da destruição dos sindicatos gerais que entraram em colapso depois de 1834 Por sua vez a tradição jacobina ganhou solidez e continuidade sem precedentes e penetração nas massas a partir da coesiva solidariedade e da lealdade que eram características do novo proletariado Os proletários não se mantinham unidos pelo simples fato de serem pobres e estarem num mesmo lugar mas pelo fato de que trabalhar junto e em grande número colaborando uns com os outros numa mesma tarefa e apoiandose mutuamente constituía sua própria vida A solidariedade inquebrantável era sua única arma pois somente assim eles poderiam demonstrar seu modesto mas decisivo ser coletivo Não ser furador de greve ou palavras de efeito semelhante era e continuou sendo o primeiro mandamento de seu código moral aquele que deixasse de ser solidário tornavase o Judas de sua comunidade Uma vez que adquiriram uma fagulha mínima de consciência política suas demonstrações deixaram de ser meras eupções ocasionais de uma turba exasperada que se extinguiam rapidamente e se converteram no rebulir de um exército Assim em uma cidade como Sheffield uma vez que a luta entre a classe média e a trabalhadora se tornou o principal assunto da política local no princípio da década de 1840 imediatamente surgiu uma forte e estável coligação proletária Já no final de 1847 havia oito cartistas no conselho municipal e o colapso nacional do cartismo em 1848 pouco o afetou em uma cidade onde cerca de 10 ou 12 mil habitantes saudaram a Revolução de Paris daquele ano já em 1849 os cartistas tinham quase a metade das cadeiras do conselho municipal Abaixo da classe trabalhadora e da tradição jacobina havia um substrato de tradição ainda mais antiga que reforçava a ambos a do motim ou protesto público ocasional de homens desesperados A ação direta dos amotinados a destruição de máquinas lojas ou de casas de gente rica tinham uma longa história Em geral essa história expressava a fome ou os sentimentos de homens esgotados como nas ondas de destruição de máquinas que periodicamente envolviam as indústrias manuais em declínio ameaçadas pelas máquinas como no caso das indústrias têxteis britânicas em 181011 e novamente em 1826 e no caso das indústrias têxteis do continente europeu na metade da década de 1830 e também na metade da década de 1840 Por vezes como na Inglaterra era uma forma reconhecida de pressão coletiva de trabalhadores organizados e não implicava qualquer hostilidade às máquinas como entre os mineiros certos tipos de operários têxteis qualificados ou de cuteleiros que conciliavam uma moderação política com um terrorismo sistemático contra seus colegas não sindicalizados Outras vezes expressava o descontentamento dos trabalhadores desempregados ou esgotados fisicamente Em uma época de revolução em estado de amadurecimento esta ação direta criada por homens e mulheres politicamente imaturos podiase transformar em uma força decisiva especialmente se ela ocorresse nas grandes cidades ou em locais politicamente sensíveis Tanto em 1830 quanto em 1848 tais movimentos pesaram de maneira extraordinária nos sucessos políticos ao converteremse de expressões de descontentamento em franca insurreição IV O movimento trabalhista deste período portanto não foi estritamenum movimento proletário nem em sua composição nem em sua ideologia e programa ie não foi apenas um movimento de trabalhadores fabris e industriais ou nem mesmo limitado a trabalhadores assalariados Foi antes uma frente comum de todas as forças e tendências que representavam o trabalhador pobre principalmente urbano Esta frente comum existia há muito tempo mas até mesmo desde a Revolução Francesa sua liderança e inspiração vinha da classe média liberal e radical Como já vimos o jacobinismo e não o sansculotismo e muito menos as aspirações dos proletários imaturos foi o que deu unidade à tradição popular parisiense A novidade da situação depois de 1815 era o fato de que a frente comum era de maneira crescente e direta contrária à classe média liberal e aos reis e aristocratas e que o que lhe dava unidade eram o programa e a ideologia do proletariado ainda que por essa época a classe trabalhadora fabril e industrial mal existisse e no seu todo fosse politicamente muito menos madura do que outros grupos de trabalhadores pobres Tanto os pobres quanto os ricos tinham tendência a assimilar politicamente toda a massa urbana existente abaixo do nível médio da sociedade ao proletariado ou à classe trabalhadora Todos os que se sentiam perturbados pelo crescente sentimento geral e vivo de que há uma desarmonia interna no atual estado de coisas e que tal situação não pode durar se inclinavam para o socialismo como a única crítica alternativa intelectualmente válida A liderança do novo movimento refletia uma situação semelhante de coisas Os trabalhadores pobres mais ativos militantes e politicamente conscientes não eram os novos proletários fabris mas os artífices qualificados os artesãos independentes os empregados domésticos de pouca importância e outros que viviam e trabalhavam substancialmente da mesma forma que antes da revolução industrial mas sob pressão bem maior Os primeiros sindicatos eram quase invariavelmente de impressores chapeleiros alfaiates etc O núcleo da liderança do cartismo em uma cidade como Leeds e este fato é típico era constituído de um marceneiro que se transformara em tecelão manual um par de artífices impressores um vendedor de livros e um cardador de lã Os homens que adotaram as doutrinas cooperativas de Owen eram em sua maioria estes artesãos mecânicos e trabalhadores manuais Os primeiros comunistas alemães da classe trabalhadora foram artesãos ambulantes alfaiates marceneiros e impressores Os homens que se rebelaram contra a burguesia parisiense em 1848 foram os habitantes da velha comunidade artesã Faubourg SaintAntoine e não como na Comuna de 1871 os habitantes proletários de Belleville Na mesma medida em que o avanço da indústria destruía estas mesmas fortalezas da consciência de classe trabalhadora fatalmente minava a força destes primeiros movimentos trabalhistas Entre 1820 e 1850 por exemplo o movimento britânico criou uma densa rede de instituições para a educação social e política da classe trabalhadora os institutos dos mecânicos os Salões de Ciências owenistas e outros Já em 1850 havia sem contarmos com os puramente políticos 700 destes tipos de instituições na GrãBretanha 151 deles só no condado de Yorkshire Mas já haviam entrado em declínio e em poucas décadas a maioria deles estaria morta ou em letargia Havia apenas uma exceção Somente na GrãBretanha os novos proletários já tinham começado a se organizar e até mesmo a criar seus próprios líderes John Doherty o fiandeiro de algodão owenista de nacionalidade irlandesa Tommy Hepburn e Martin Jude ambos mineiros Não só os artesãos e os deprimidos empregados domésticos formavam os batalhões do cartismo também os trabalhadores fabris lutavam com eles e às vezes os lideravam Mas fora da GrãBretanha os operários fabris e os mineiros ainda eram em grande parte mais vítimas que agentes Só depois da segunda metade do século eles começaram a participar efetivamente da formação de seus destinos O movimento trabalhista foi uma organização de autodefesa de protesto e de revolução Mas para os trabalhadores pobres era mais do que um instrumento de luta era também um modo de vida A burguesia liberal nada lhes oferecia a história arrancouos da vida tradicional que os conservadores em vão se ofereciam para manter ou restaurar Nada podiam esperar do tipo de vida para o qual eles eram crescentemente arrastados Mas o movimento tinha a ver com este tipo de vida ou melhor a vida que eles mesmos criaram para si e que era coletiva comunal combativa idealista e isolada implicava o movimento pois a luta era a sua própria essência E em troca o movimento lhe dava coerência e propósito O mito liberal supunha que os sindicatos eram compostos de trabalhadores imprestáveis instigados por agitadores sem consciência mas na realidade os imprestáveis eram os menos sindicalizados enquanto que os mais inteligentes e competentes eram os mais firmes em seu apoio aos sindicatos Os exemplos mais claros destes mundos de trabalho neste período eram provavelmente as velhas indústrias domésticas Havia a comunidade dos empregados na indústria da seda de Lyon os sempre rebeldes canuts que se insurgiram em 1831 e 1834 e que segundo Michelet porque este mundo não os satisfazia criaram um outro mundo na úmida obscuridade de seus becos um paraíso distante de doces sonhos e visões Havia comunidades como a dos tecelões de linho da Escócia com seu puritanismo jacobino e republicano suas heresias baseadas na filosofia do sueco Emanuel Swedenberg sua biblioteca de artesãos caixas de poupança instituto de mecânica biblioteca e clube científicos sua academia de desenho reuniões missionárias ligas de moderação escolas infantis sua sociedade de floricultores e sua revista literária Gasometer de Dunfermline e é claro o seu cartismo A consciência de classe a militância o ódio e o desprezo ao opressor pertenciam a esta vida tanto quanto os teares em que trabalhavam Nada deviam aos ricos exceto seus salários Tudo o mais que possuíam era sua própria criação coletiva Mas este silencioso processo de autoorganização não estava limitado aos trabalhadores desta espécie mais antiga Este processo também se refletiu no sindicato frequentemente baseado na primitiva comunidade metodista local nas minas de Northumberland e de Durham Refletiuse na densa concentração de sociedades amistosas e mútuas de trabalhadores nas novas áreas industriais especialmente em Lancashire Acima de tudo ele se refletia nos milhares de homens mulheres e crianças que carregando tochas nas mãos faziam demonstrações em favor do cartismo vindos das pequenas cidades industriais de Lancashire e na rapidez com que as novas lojas cooperativas se espalhavam no final da década de 1840 t ainda assim ao observarmos este período sentimos uma grande e evidente discrepância entre a força dos trabalhadores pobres temidos pelos ricos o espectro do comunismo que os aterrorizava e sua verdadeira força organizada para não mencionarmos a do novo proletariado industrial A expressão pública de seu protesto era no sentido literal um movimento mais do que uma organização O que unia inclusive suas manifestações políticas mais sólidas e amplas o cartismo era pouco mais do que um punhado de slogans radicais e tradicionais alguns oradores e jornalistas poderosos que se tornaram portavozes dos pobres como Feargus 0Conner 17941855 alguns jornais como o Northern Star Era o destino comum de combater os ricos e os poderosos que levava os velhos militantes a se recordarem Tínhamos um cachorro chamado Rodney Minha avó não gostava desse nome porque ela tinha a curiosa noção de que o Almirante Rodney tendo sido elevado à condição de nobre fora hostil para com o povo A velha também procurava explicarme que Cobbett e Cobden eram duas pessoas diferentes que Cobbett era o herói e que Cobden era um simpjes advogado da classe média Um dos quadros de que mais me recordo ficava ao lado de desenhos estampados e junto de uma estatueta em porcelana de George Washington era um retrato de John Frost Uma linha no alto do quadro indicava que ele pertencia a uma série chamada de Galeria de Personagens dos Amigos do Povo Acima da cabeça havia uma grinalda de laurel enquanto que embaixo havia uma representação do Sr Frost implorando à Justiça em prol dos esfarrapados proscritos O mais assíduo de nossos visitantes era um sapateiro aleijado que aparecia todas as manhãs de domingo com um exemplar do Northern Star ainda úmido das prensas rotativas com o intuito de ouvir algum membro de nossa família ler para ele em voz alta a carta de Feargus Primeiro tínhamos que secar o jornal junto ao fogo cuidadosamente para que nenhuma linha daquela sagrada produção fosse danificada Feito isto Larry sentavase para ouvir com todo o reconhecimento de um devoto em um tabernáculo a mensagem do grande Feargus enquanto fumava placidamente um cachimbo que ocasionalmente ele aproximava do fogo Havia pouca liderança ou coordenação A tentativa mais ambiciosa de transformar o movimento em uma organização o sindicato geral de 18345 fracassou rápida e miseravelmente No máximo tanto na GrãBretanha quanto no continente europeu havia uma solidariedade espontânea da comunidade trabalhadora local homens que como os empregados na indústria de seda de Lyon morriam tão miseravelmente como tinham vivido O que mantinha este movimento unido era a fome a miséria o ódio e a esperança e o que o derrotou na Grã Bretanha cartista e no revolucionário continente europeu de 1848 foi que os pobres famintos bastante numerosos e suficientemente desesperados para se insurgirem careciam da organização e maturidade capazes de fazer de sua rebelião mais do que um perigo momentâneo para a ordem social Já em 1848 o movimento dos trabalhadores pobres ainda teria que desenvolver o seu equivalente ao jacobinismo da classe média revolucionária de 178994 Capítulo Doze A Ideologia Religiosa Dêemme um povo em que as paixões em ebulição e a ganância terrena sejam acalmadas pela fé a esperança e a caridade um povo que veja esta terra como uma peregrinação e a outra vida como sua verdadeira pátria um povo ensinado a admirar e a acatar no heroísmo cristão sua própria pobreza e seu próprio sofrimento um povo que ame e adore em Jesus Cristo o primogénito de todos os oprimidos e em sua cruz adore o instrumento da salvação universal Dêemme digo eu um povo assim moldado e o socialismo não será somente derrotado com facilidade mas será impossível mesmo que se pense nele Cilviltà Cattolica Mas quando Napoleão começou seu avanço eles os heréticos camponeses acreditavam que era o leão do vale de Josafá que como diziam seus velhos hinos estava destinado a destronar o falso Czar e a restaurar o trono do verdadeiro Czar Branco E assim os camponeses da província de Tambov escolheram uma delegação entre eles que deveria ir ao encontro de Napoleão e saudálo vestidos de branco Haxthausen Studien ueber Russland I O que os homens pensam a respeito do mundo é uma coisa e outra muito distinta são os termos em que o fazem Durante grande parte da história e na maior parte do mundo sendo a China talvez a principal exceção os termos em que todos os homens exceto um punhado de pessoas emancipadas e instruídas pensavam o mundo eram os termos da religião tradicional e tanto isto é verdade que há países nos quais a palavra cristão é simplesmente sinónimo de camponês ou mesmo de homem Em alguma época anterior a 1848 isto deixou de ser verdade em certas partes da Europa mas ainda dentro da área transformada pelas duas revoluções A religião uma coisa semelhante ao céu da qual ninguém escapa e que abarca tudo o que está sobre a terra tornouse algo parecido com um acúmulo de nuvens uma grande característica do firmamento humano embora limitado e variável De todas as mudanças ideológicas esta é de longe a mais profunda embora suas consequências práticas não fossem mais ambíguas e indeterminadas do que então se supunha Em todo caso é a transformação mais inaudita e sem precedentes Naturalmente o que não tinha precedentes era a secularização das massas A indiferença religiosa dos senhores combinada com o escrupuloso cumprimento dos deveres rituais para dar um exemplo às classes mais baixas era de há muito tempo familiar entre os nobres emancipados embora as damas como é freqüente neste sexo continuassem a ser muito devotas Os homens polidos e instruídos poderiam tecnicamente acreditar no ser supremo embora esse ser não tivesse qualquer função exceto a de existir e certamente sem interferir nas atividades humanas nem exigir outra forma de veneração do que o reconhecimento benevolente Mas seus pontos de vista em relação à religião tradicional eram de desprezo e frequentemente hostis quase o mesmo que se estivessem prontos a se declararem francamente ateus Senhor teria dito a Napoleão o grande matemático Laplace quando lhe foi perguntado em que parte de sua mecânica celeste se encaixava Deus não tenho necessidade de tal hipótese O ateísmo declarado ainda era relativamente raro mas entre os eruditos escritores e cavalheiros que ditavam as modas intelectuais do final do século XVIII o cristianismo franco era ainda mais raro Se havia uma religião florescente entre a elite do final do século XVIII esta era a maçonaria racionalista iluminista e anticlerical Esta difundida descristianização dos homens nas classes instruídas data do final do século XVII ou do princípio do século XVIII e seus efeitos públicos tinham sido surpreendentes e benéficos O simples fato de que aos julgamentos por bruxaria que tinham sido a praga da Europa Central e Ocidental durante vários séculos agora se seguiam processos por heresia e autosdafé no limbo seria suficiente para justificálo Entretanto no princípio do século XVIII esta mudançamal afetava os escalões mais baixos ou mesmo os escalões médios O campesinato permanecia totalmente fora do alcance de qualquer linguagem ideológica que não se expressasse em termos da Virgem dos Santos e da Sagrada Escritura para não mencionarmos os deuses e os espíritos mais antigos que ainda se escondiam debaixo de uma fachada levemente cristã Havia agitações de pensamento nãoreligioso entre os artesãos que anteriormente haviam sido levados à heresia Os sapateirosremendões os mais persistentes dos intelectuais da classe trabalhadora que haviam criado mitos como Jacó Boehme pareciam ter começado a duvidar de qualquer divindade Em todo caso em Viena eram o único grupo de artesãos a simpatizar com os jacobinos pois se dizia que antes não acreditavam em Deus Entretanto não passavam ue ligeiras agitações A grande massa da pobreza desqualificada das cidades continuava com exceção talvez de algumas cidades do norte da Europa como Paris e Londres profundamente devota e supersticiosa Mas mesmo entre os escalões médios a aberta hostilidade à religião não era popular embora a ideologia de um iluminismo antitradicional progressista e racionalista se encaixasse perfeitamente no esquema da ascendente classe média Suas associações eram feitas com a aristocracia e a imoralidade que pertenciam à sociedade dos nobres E de fato os primeiros pensadores realmente livres os libertins da metade do século XVII viviam de acordo com a conotação popular deste nome o Dom Juan de Molière retrata não somente sua combinação de ateísmo e liberdade sexual mas também o respeitável horror burguês em relação a ela Havia boas razões para o paradoxo particularmente óbvio no século XVII de que os pensadores intelectualmente mais ousados que anteciparam muito do que seria mais tarde a ideologia da classe média por exemplo Bacon e Hobbes estiveram associados como indivíduos à velha e corrupta sociedade Os exércitos da classe média ascendente necessitavam da disciplina e da organização de uma moralidade forte e ingénua para suas batalhas Teoricamente o agnosticismo ou o ateísmo são perfeitamente compatíveis com ambas e certamente o cristianismo era desnecessário e os filósofos do século XVIII não se cansavam de demonstrar que uma moralidade natural da qual eles encontravam ilustrações entre os nobres selvagens e os altos padrões pessoais do livre pensador individual eram melhores do que o cristianismo Mas na prática as comprovadas vantagens do velho tipo de religião e os terríveis riscos de abandonar qualquer sanção sobrenatural da moralidade eram imensos não só para os trabalhadores pobres que eram geralmente tidos como muito ignorantes e tolos para passarem sem algum tipo de superstição socialmente útil mas também para a própria classe média Na França as gerações pósrevolucionárias estão cheias de tentativas para criar uma moralidade burguesa anticristã equivalente à cristã o culto do ser supremo inspirado em Rousseau Robespierre em 1794 as várias pseudoreligiões construídas sobre bases racionalistas nãocristãs embora mantendo o mecanismo do ritual e do culto 05 saint simonianos e a religião da humanidade de Comte Finalmente a tentativa de manter as aparências dos velhos cultos religiosos foi abandonada mas não a de estabelecer uma moralidade leiga oficial baseada em vários conceitos morais tais como a solidariedade e acima de tudo uma leiga contrapartida do sacerdócio os professores O instiíuteur francês pobre abnegado ensinando a seus alunos em cada aldeia a moralidade romana da Revolução e da República antagonista oficial do vigário da aldeia não triunfou até a Terceira República que também resolveria os problemas políticos de instaurar uma estabilidade burguesa sobre os princípios da revolução social pelo menos durante 70 anos Mas eleja estava prefigurado na lei de Condorcet de 1792 que estabelecia que as pessoas encarregadas da instrução nas classes primárias serão chamadas de instituteurs fazendo eco com Cícero e Salústio que falavam na instituição do Estado finstituere civitatem e na instituição da moralidade do Estado instituere civitatum mores A burguesia permanecia assim dividida ideologicamente entre uma minoria cada vez maior de livres pensadores e uma maioria de católicos protestantes e judeus devotos Entretanto o novo fato histórico era de que dos dois setores o de livres pensadores era imensuravelmente mais dinâmico e efetivo Embora em termos puramente quantitativos a religião continuasse muito forte e como veremos ficaria ainda mais forte ela não mais era dominante para usarmos uma analogia biológica mas recessiva e assim permaneceria até os dias atuais dentro do mundo transformado pela revolução dupla Não há dúvida de que a grande massa de cidadãos dos novos Estados Unidos acreditava em alguma forma de religião principalmente na protestante mas a Constituição da República foi e continuou sendo agnóstica apesar de todos os esforços para mudála Também não há qualquer dúvida de que entre as classes médias britânicas de nosso período os devotos protestantes superavam numericamente a minoria de radicais agnósticos Mas um Bentham moldou as verdadeiras instituições de sua época bem mais do que um Wilberforce A prova mais evidente desta decisiva vitória da ideologia secular sobre a religiosa é também seu mais importante resultado Com as revoluções americana e francesa as principais transformações políticas e sociais foram secularizadas Os problemas das revoluções holandesa e inglesa dos séculos XVI e XVII ainda foram discutidos na linguagem tradicional do cristianismo ortodoxa cismática e herege Nas ideologias dos americanos e franceses peia primeira vez na história da Europa o cristianismo foi deixado de lado A linguagem o simbolismo e o costume de 1789 são puramente não cristãos se deixarmos de considerar alguns esforços arcaicopopulares para a criação de cultos a santos e mártires análogos aos antigo cultos em honra dos heróis sansculottes mortos Isto era de fato romano Ao mesmo tempo este secularismo da revolução demonstra a impressionante hegemonia política da classe média liberal que impunha suas formas ideológicas particulares a um movimento de massas bem vasto Mesmo admitindo que a liderança intelectual da Revolução Francesa tenha surgido apenas levemente das massas que na realidade a fizeram não se pode explicar de outra maneira porque sua ideologia mostrou tão poucos sinais de tradicionalismo como fez Assim o triunfo burguês imbuiu a Revolução Francesa da ideologia moralsecular ou agnóstica do iluminismo do século XVIII e desde que o idioma daquela revolução se transformou na linguagem geral de todos os movimentos sociais revolucionários subsequentes também lhes transmitiu este secularismo Com algumas exceções sem importância notadamente entre intelectuais como os saintsimonianos e entre alguns sectários comunistascristãos como o alfaiate Weitling 18081871 a ideologia da nova classe trabalhadora e dos movimentos socialistas do século XIX foi secular desde o princípio Thomas Paine cujas ideias expressavam as aspirações radicaldemocratas dos pequenos artesãos e artífices empobrecidos é tão popular por ter escrito o primeiro livro para provar através de uma linguagem popular que a Bíblia não é a palavra de Deus A Idade da Razão 1794 quanto por sua obra Os Direitos do Homem 1791 Os mecânicos da década de 1820 seguiam RoBert Owen não só por sua análise do capitalismo mas por sua descrença e muito depois do fracasso do owenismo por sua obra Corredores da Ciência que continuou a disseminar a propaganda racionalista através das cidades Havia e há socialistas religiosos e um grande número de homens que enquanto religiosos são também socialistas Mas a ideologia predominante dos modernos movimentos socialista e trabalhista se baseia no racionalismo do século XVIII Isto é ainda mais supreendente pelo fato como já vimos de que as massas permaneceram predominantemente religiosas e de que natural idioma revolucionário das massas criadas em uma tradicional sociedade cristã é um idioma de rebelião heresia social milenarismo etc sendo a Bíblia um documento altamente incendiário Entretanto o secularismo dos novos movimentos socialista e trabalhista se baseava no fato igualmente novo e mais fundamental da indiferença religiosa do novo proletariado Pelos padrões modernos as classes trabalhadoras e as massas urbanas que aumentavam no período da revolução industrial estavam sem dúvida muito influenciadas pela religião mas pelos padrões da primeira metade do século XIX não havia precedente para seu distanciamento ignorância e indiferença em reíação à religião organizada Os observadores de todas as tendências políticas concordam com isto O Censo Religioso Britânico de 1851 o demonstrou para horror dos contemporâneos Grande parte deste alijamento se devia ao absoluto fracasso das tradicionais igrejas estabelecidas em lutar com as aglomerações as grandes cidades e òs novos estabelecimentos industriais e com as classes sociais o proletariado estranhos a seus costumes e experiência Por volta de 1851 havia lugares nas igrejas para somente 34 dos habitantes de Sheffield somente 312 para os de Liverpool e Manchester somente 29 para os de Birmingham Os problemas do pregador de uma aldeia agrícola não serviam como guia para a cura das almas em uma cidade industrial ou em um cortiço urbano As igrejas estabelecidas portanto negligenciavam estas novas comunidades e classes abandonandoas especialmente nos países católicos e luteranos quase que inteiramente à fé secular dos novos movimentos trabalhistas que mais tarde iria capturálos já no final do século XIX Como em 1848 não fizeram muito para conserválas o esforço para reconquistálas também não foi muito grande As seitas protestantes obtiveram maior sucesso pelo menos em países como a GrãBretanha em que tais religiões eram um fenómeno políticoreligioso bem estabelecido Contudo há provas de qje estas seitas obtiveram maior sucesso em locais onde o meio ambiente social se aproximava mais do tradicionalismo das comunidades aldeãs e pequenas cidades como por exemplo entre os trabalhadores agrícolas os mineiros e os pescadores Além disso entre as classes trabalhadoras industriais estas seitas nunca eram mais do que uma minoria A classe trabalhadora como grupo era indubitavelmente menos atingida pela religião organizada do que qualquer outro núcleo de pobres na história mundial A tendência geral do período desde 1789 até 1848 foi portanto de uma enfática secularização A ciência se achava em crescente conflito com as Escrituras à medida em que se aventurava pelos caminhos da evolução cf capítulo 15 A erudição histórica aplicada à Bíblia em doses sem precedentes em particular a partir da década de 1830 pelos professores de Tuebingen dissolvia o único texto inspirado senão escrito pelo Senhor em uma coleção de documentos históricos de vários períodos com todos os defeitos da documentação humana O Novum Testamenium 18421852 de Lachmann negava que os Evangelhos fossem relatos de testemunhas oculares e duvidava que Jesus Cristo tivesse tido a intenção de fundar uma nova religião A controvertida obra de David Strauss A Vida de Jesus 1835 eliminava o elemento sobrenatural de seu biografado Por volta de 1848 a Europa instruída estava quase madura para o choque de Charles Darwin A tendência foi reforçada pelo ataque direto de numerosos regimes políticos contra a propriedade e os privilégios legais das igrejas estabelecidas e de seu clero e pela crescente tendência dos governos ou de outras agências seculares para assumir as funções até então atribuídas em grande parte às ordens religiosas especialmente nos países católicos romanos a educação e a beneficência social Entre 1789 e 1848 muitos monastérios foram dissolvidos e suas propriedades vendidas de Nápoles â Nicarágua Fora da Europa é claro os conquistadores brancos lançavam ataques diretos contra a religião de seus súditos e vítimas ou como paladinos do iluminismo contra a superstição como foi o caso dos administradores britânicos da índia ao proibir que as viúvas se lançassem à fogueira onde eram queimados os corpos de seus esposos e ao abolir a seita ritualista assassina do Thugs hindus na década de 1830 ou porque mal sabiam que efeitos suas medidas teriam sobre suas vítimas II Em termos puramente numéricos é evidente que todas as religiões a menos que estivessem em decadência tinham a possibilidade de se expandir com o aumento da população Ainda assim duas delas demonstraram uma particular aptidão para o expansionismo em nosso período o islamismo e as seitas protestantes Este expansionismo foi ainda mais surpreendente se contrastado com o marcante fracasso de outras religiões cristãs a católica e algumas modalidades protestantes para se expandirem a despeito do violento aumento das atividades missionárias fora da Europa crescentemente respaldadas pela força econômica política e militar da penetração europeia De fato as décadas napoleônicas e revolucionárias viram o início da sistemática atividade missionária protestante executada em sua maior parte pelos anglo saxônicos A Sociedade Missionária Batista 1792 a Sociedade Missionária de Londres 1795 a evangélica Sociedade Missionária das Igrejas 1799 e a Sociedade Bíblica Estrangeira e Britânica 1804 foram seguidas pela Associação Americana de Encarregados para Missões Estrangeiras 1810 pelos Batistas Americanos 1814 pelos Wesleyans 181318 pela Sociedade Bíblica Americana 1816 pela Igreja Escocesa 1824 pelos Presbiterianos Unidos 1835 pelos Metodistas Americanos 1819 e por outros tipos de organizações Na Europa Continental apesar de um certo pioneirismo iniciado pela Sociedade Missionária dos Países Baixos 1797 e pelos Missionários da Basileia 1815 a atividade dos protestantes se desenvolveu um pouco mais tarde as sociedades de Berlim c da região do Reno na década de 1820 as sociedades suecas de Leipzig e de Bremen na década de 1830 e a norueguesa em 1842 As missões do catolicismo cujas atividades estavam estagnadas e desprezadas renasceram mais tarde ainda As razões para esta enxurrada de bíblias e de comércio com os pagãos pertence tanto à história religiosa como social e econômica da Europa e da América Aqui basta simplesmente notarmos que por volta de 1848 o resultado destes movimentos ainda era desprezível exceto em algumas ilhas do Pacífico como o Havaí Algumas fortalezas tinham sido conquistadas na costa em Serra Leoa para onde a agitação antiescravagista atraía a atenção durante a década de 1790 e na Libéria constituída em Estado independente pelos escravos americanos libertados na década de 1820 Em torno das áreas de colonização europeia na África do Sul os missionários estrangeiros mas não a estabelecida Igreja da Inglaterra local ou a Igreja Holandesa Reformada tinham começado a converter os africanos Mas quando David Livingstone o famoso missionário e explorador navegou para a África em 1840 os habitantes nativos daquele continente ainda se achavam totalmente inatingidos por qualquer espécie de cristianismo Em contrapartida o islamismo continuava sua expansão silenciosa gradativa e irreversível sem o apoio do esforço missionário organizado ou da conversão forçada o que é uma cara Cerística desta religião Ele se expandiu tanto para o Oriente na Indonésia e no noroeste da China quanto para o Ocidente do Sudão ao Senegal e em menor proporção das costas do oceano Índico para o interior do continente Quando sociedades tradicionais mudam algo tão fundamental como sua religião é claro que elas devem estar enfrentando novos e maiores problemas Sem dúvida os comerciantes muçulmanos que realmente monopolizavam o comércio do interior da África com o mundo e com isto se multiplicavam ajudaram a chamar a atenção dos novos povos para o islamismo O comércio de escravos que arruinava a vida comunitária tornavao atraente pois o islamismo é um poderoso meio de reintegração das estruturas sociais Ao mesmo tempo a religião maometana atraía as sociedades militares e semifeudais do Sudão e seu sentido de independência militância e superioridade supunha um útil contrapeso para a escravidão Os negros muçulmanos eram maus escravos os haussas e outros sudaneses que foram importados para a Bahia se rebelaram nove vezes entre 1807 e o grande levante de 1835 até que de fato foram mortos em sua maioria ou deportados de volta para a África Os comerciantes de escravos aprenderam a evitar importações destas regiões que tinham sido abertas ao comércio muito recentemente Enquanto o elemento de resistência aos brancos era muito pequeno no islamismo africano onde ainda quase não existia nenhuma resistência era por tradição muito forte no sudoeste da Ásia onde o islamismo também precedido pelos comerciantes tinha de há muito avançado sobre os cultos locais e o declinante hinduísmo em grande parte como um meio de resistência mais efetiva contra os portugueses e os holandeses e como uma espécie de pré nacionalismo embora também como um contrapeso popular frente aos príncipes que se tinham convertido ao hinduísmo À medida em que estes príncipes se tornavam cada vez mais dependentes dos holandeses o islamismo fincava suas raízes mais profundamente na população Por seu turno os holandeses aprenderam que os príncipes indonésios podiam aliandose aos professores religiosos provocar um levante popular geral como na Guerra de Java do Príncipe de Djogjakarta 18251830 Consequentemente eles foram repetidas vezes conduzidos de volta à política de íntima aliança com os governantes locais governando indiretamente através deles Enquanto isso o crescimento do comércio e da navegação que forjava elos mais estreitos entre os muçulmanos do sudoeste da Ásia e de Meca servia para aumentar o número de peregrinos para tornar mais ortodoxo o islamismo indonésio e até mesmo para abrilo à influência militante e restauradora do wahabismo árabe Dentro do islamismo os movimentos de reforma e de renovação que neste período deram à religião muito de seu poder de penetração também podem ser visto como um reflexo do impacto da expansão europeia e da crise das antigas sociedades maometanas notadamente dos impérios turco e persa e talvez também da crescente crise do império chinês Os puritanos wahabistas tinham surgido na Arábia na metade do século XVIII Por volta de 1814 tinham conquistado a Arábia e estavam dispostos a conquistar a Síria até que foram detidos pelas forças combinadas do ocidentalizador Mohammed Ali do Egito e das armas ocidentais mas seus ensinamentos já se estendiam para o leste invadindo a Pérsia o Afeganistão e a índia Inspirado pelo wahabismo o santo argelino Sidi Mohammed ben Ali el Senussi desenvolveu um movimento semelhante que a partir da década de 1840 se espalhou desde Trípoli até o deserto do Saara Na Argélia AbdelKader e Shamyl no Cáucaso desenvolveram movimentos políticoreligiosos de resistência aos franceses e russos respectivamente vide capítulo 7 c anteciparam um panislamismo que buscava não só um retorno à pureza original do Profeta mas também buscava absorver as inovações ocidentais Na Pérsia uma heterodoxia ainda mais obviamente revolucionária e nacionalista o movimento bab de Ali Mohammed surgiu na década de 1840 Tendia entre outras coisas a retornar a certas práticas antigas do zoroastrismo persa e exigia que as mulheres retirassem os seus véus O fermento e a expansão do islamismo eram tais que em lermos de história puramente religiosa podemos talvez melhor descrever o período que vai de 1789 a 1848 como o período de renascimento do islamismo mundial Nenhum outro movimento de massa equivalente se desenvolveu em qualquer outra religião não cristã embora no final do período estivéssemos à beira da grande rebelião Taipmg que possuía munas características de um movimento semelhante Pequenos movimentos de reforma religiosa foram fundados na índia britânica notadamente o movimento Brahmo Samuj de Ram Mohan Roy 17721833 Nos Fstadcn Unidos as derrotadas nbos indígenas começaram a desenvolver movimentos proféticos religiosos e sociais de resistência aos brancos como o movimento que inspiraria a guerra da maior confederação jamais conhecida dos índios das planícies sob a liderança de Tecumseh na primeira década do século e a religião do Lago Simpático 1799 projetada para preservar o modo dej vida dos índios iroqueses contra a destruição causada pela sociedade branca americana Thomas Jefferson homem de rara erudição foi quem deu sua bênção oficial a este profeta que adolou alguns elementos cristãos e especialmente quakers Entretanto o contato direto entre uma civilização capitalista adiantada e povos animistas ainda era muito raro para produzir muitos dos movimentos proféticos e milenares tão típicos do século XX O movimento expansionista do sectarismo protestante difere dos islamistas na medida em que era quase que inteiramente limitado ai países de civilização capitalista desenvolvida Seu alcance não pode sei medido pois alguns movimentos deste tipo por exemplo o beatismo alemão ou o evangelismo inglês permaneceram dentro da estrutura de suas respectivas igrejas estatais estabelecidas Entretanto não se tem dúvida quanto ao seu alcance Em 1851 aproximadamente metade dos devotos protestantes na Inglaterra e no País de Gales frequentava outros serviços religiosos diversos da Igreja estabelecida Este extraordinário triunfo das seitas foi o principal resultado do desenvolvimento religioso desde 1790 ou mais precisamente desde os últimos anos das guerras napoleônicas Assim em 1790 os metodistas wesleyanos tinham somente 59 mil membros comungantes no Reino Unido em 1850 suas várias ramificações tinham cerca de dez vezes mais este número Nos Estados Unidos um processo muito semelhante de conversão em massa multiplicou o número de batistas metodistas e presbiterianos estes últimos um pouco menos sob as relativas expensas das antigas igrejas dominantes por volta de 1850 quase trêsquartos de todas as igrejas nos Estados Unidos pertenciam a estas três denominações O rompimento das igrejas estabelecidas a secessão e a ascensão das seitas também marcam a história religiosa deste período na Escócia o Grande Rompimento de 1843 na Holanda na Noruega e em outros países As razões para os limites sociais e geográficos do sectarismo protestante são evidentes Os países católicos romanos não aceitavam o estabelecimento público de seitas Neles o equivalente rompimento com a igreja estabelecida ou com a religião dominante tomava melhor a forma de uma descristianização em massa especialmente entre os homens do que um cisma Reciprocamente o anticlericalismo protestante dos países anglosaxônicos era constantemente a contrapartida do anticlericalismo ateu dos países do continente europeu O renascimento religioso tendia a tomar a forma de algum novo culto emocional de algum santo milagreiro ou de uma peregrinação dentro da estrutura aceita pela religião católica romana Um ou dois destes santos de nosso período chegaram a ter maior importância como o Cure dArs 17861859 na França O cristianismo ortodoxo da Europa Oriental se prestava com mais facilidade ao sectarismo e na Rússia o crescente rompimento da sociedade retrógrada vinha desde o final do século XVII produzindo uma safra de seitas Várias delas em particular a autocastradora seita dos Skoptsi a dos Doukhobors da Ucrânia e a dos Molokanos foram produtos do final do século XVIII e do período napoleônico a seita dos Velhos Crentes data do século XVII Entretanto geralmente as classes às quais este sectarismo fazia o maior apelo pequenos artesãos comerciantes fazendeiros e outros precursores da burguesia ou conscientes revolucionários camponeses ainda não eram numerosas o bastante para produzir um movimento de seitas de grandes proporções Nos países protestantes a situação era diferente Neles o impacto da sociedade individualista e comercial era mais forte pelo menos na GrãBretanha e nos Estados Unidos e a tradição sectarista já estava bem estabelecida Sua exclusividade e insistência na comunicação individual entre o homem e Deus bem como sua austeridade moral tornavamna atraente para os empresários e pequenos comerciantes em ascensão Sua sombria e implacável teologia do inferno e da maldição e de uma austera salvação pessoal tornavamna atraente também para homens que levavam vidas difíceis em um meio ambiente muito duro para o homem das fronteiras e o pescador para os pequenos cultivadores e os mineiros e para os explorados artesãos A seita podia facilmente se transformar em uma assembleia igualitária e democrática de fiéis sem hierarquia religiosa ou social e assim atraía o homem comum Sua hostilidade ao elaborado ritual e à doutrinação erudita encorajava a profecia e a pregação de caráter amadorista A persistente tradição do milenarismo se prestava a uma expressão primitiva de rebeldia social Finalmente sua associação com a emocionante e subjugadora conversão pessoal abriu caminho para uma restauração religiosa massiva de intensidade histórica na qual os homens e as mulheres poderiam encontrar um bemvindo relaxamento das tensões de uma sociedade que não proporcionava outras saídas equivalentes para as emoções das massas e destruía as que tinham existido no passado O despertar religioso fez muito em prol da propagação das seitas Assim o salvacionismo pessoal de John Wesley 17031791 e de seus metodistas intensamente irracionalista e emotivo deu ímpeto para o renascimento e a expansão da dissidência protestante pelo menos na Grã Bretanha Por esta razão as novas seitas e tendências foram inicialmente apolíticas ou até mesmo como no caso das seitas wesleyanas metodistas fortemente conservadoras pois se afastavam do maléfico mundo exterior em busca da salvação pessoal ou da existência de grupos autocontidos que constantemente significava que rejeitavam a possibilidade de qualquer alteração coletiva de suas condições seculares Suas energias políticas em geral eram dirigidas para as campanhas morais e religiosas como as que multiplicaram as missões estrangeiras o antiescravagismo e as agitações em prol da moderação dos costumes Os seguidores de seitas politicamente ativas e radicais no período das revoluções francesa e americana pertenciam antes às mais antigas rígidas e tranquilas comunidades puritanas que tinham sobrevivido desde o século XVII estagnadas ou até mesmo evoluindo em direção a um deísmo intelectualista sob a influência do racionalismo do século XVIII os presbiterianos os congregacionistas os unitaristas e os quakers O novo tipo metodista de seita era anti revolucionário e a imunidade da GrãBretanha à revolução em nosso período tem sido mesmo atribuída erroneamente a sua crescente influência Entretanto o caráter social das novas seitas combatia sua retirada teológica do mundo Elas se disseminavam mais prontamente entre os que ficavam entre os ricos e os poderosos de um lado e as massas da tradicional sociedade do outro isto é entre os que estavam a ponto de galgar os escalões da classe média ou de cair em um novo proletariado e entre a massa indiscriminada de homens independentes e modestos A orientação política fundamental de todas estas seitas inclinavase cm direção ao radicalismo jeffersoniano ou jacobino ou pelo menos cm direção a um liberalismo moderado de classe media O nãoconformismo na GrãBretanha as igrejas protestantes que predominavam nos Estados Unidos tendiam portanto a ocupar um lugar entre as forçar políticas de esquerda embora entre os metodistas britânicos o torysmo de seu fundador só fosse ultrapassado no curso de 50 anos de secessões e crises internas que terminaria em 1848 Somente entre os muito pobres ou entre os muito abalados é que a rejeição original ao mundo existente continuou Mas era muitas vezes uma primitiva rejeição revolucionária que tomava a forma de uma predição milenar do fim do mundo e que as aflições do período pós napoleônico pareciam em linha com o Apocalipse antecipar William Miller fundador dos adventistas do sétimo dia nos Estados Unidos predisseo para 1843 e 1844 época em que já contava com 50 mil seguidores e com o respaldo de 3 mil pregadores Nas áreas em que o pequeno comércio e o pequeno trabalho camponês individual se achavam sob o impacto imediato do crescimento de uma dinâmica economia capitalista como no estado de Nova Iorque este fermento milenar era particularmente poderoso Seu mais dramático produto foi a seita dos santos dos últimos dias os mormons fundada pelo profeta Joseph Smith que recebeu sua revelação próxima a Palmyra Nova Iorque na década de 1820 e conduziu seu povo em êxodo para algum Sião remoto e que eventualmente o levou aos desertos de Utah Também havia grupos entre os quais a histeria coletiva das massas nas reuniões de despertar religioso fazia o maior apelo tanto porque aliviava a dureza e monotonia de suas vidas quando não se oferece nenhuma outra diversão o despertar religioso por vezes assumirá este papel observou uma senhora a respeito das moças nas fábricas de Essex como porque sua união religiosa coletiva criava uma comunidade temporária de indivíduos desesperados Em sua forma moderna esse despertar religioso foi o produto da fronteira americana O Grande Alvorecer começou em torno de 1800 nas montanhas Apalaches com gigantescas reuniões campais a de Kane Ridge Kentucky 1801 reuniu cerca de 10 ou 20 mil pessoas sob o comando de 40 pregadores e um grau de histeria orgiástica difícil de ser concebida homens e mulheres sacudiamse dançavam até a exaustão milhares entravam em transess falavam com espíritos ou então latiam como cães Um local remoto um ambiente social e natural áspero ou uma combinação de tudo isso encorajavam aquele despertar que pregadores ambulantes importaram para a Europa produzindo assim uma secessão democráticaproletária nos wesleyanos os chamados metodistas primitivos depois de 1808 que se estendeu e se disseminou particularmente entre os mineiros do norte da Inglaterra e entre os pequenos fazendeiros das montanhas entre os pescadores do Mar do Norte os empregados agrícolas e os oprimidos trabalhadores domésticos das suarentas indústrias da Inglaterra central Estes ataques de histeria religiosa ocorreram periodicamente durante todo o nosso período no sul do País de Gales eclodiram em 18079 182830 183942 1849 e 1859 e representaram o maior aumento nas forças numéricas das seitas Eles não podem ser atribuídos a qualquer simples causa precipitadora Alguns coincidiram com períodos de violenta tensão e intranquilidade todas as épocas de ultrarápida expansão wesleyana em nosso período coincidiram com estas violentas tensões c agitações exceto uma outros com a rápida recuperação que se seguia a uma depressão e ocasionalmente foram precipitados por calamidades sociais como a epidemia de cólera que ocasionou fenómenos religiosos análogos em outros países cristãos III Em termos puramente religiosos portanto nosso período foi de uma crescente secularização e de indiferença religiosa na Europa combatidas pelo despertar da religião em suas formas mais intransigentes irracionais e emocional mente compulsivas Se Tom Paine está em um dos extremos no outro se encontra o adventista William Miller O materialismo mecânico francamente ateu do filósofo alemão Feuerbach 18041872 na década de 1830 se confrontava com os jovens antiintelectualistas do Movimento de Oxford que defendiam a literal exatidão das vidas dos santos medievais Mas este retorno à religião militante literal e ultrapassada tinha três aspectos Para as massas era principalmente um método de luta contra a sociedade cada vez mais fria desumana e tirânica do liberalismo da classe média segundo Marx mas ele não foi o único a usar tais palavras era o coração de um mundo sem coração como é o espírito de um mundo sem espírito o ópio do povo Mais do que isto era uma tentativa de criar instituições políticas sociais e educacionais em um ambiente que não proporcionava nenhuma delas e um meio de dar às pessoas pouco desenvolvidas politicamente uma expressão primitiva de seus descontentamentos e aspirações Seu literalismo emocionalismo e superstição tanto protestavam contra toda uma sociedade em que dominava o cálculo racional como contra as classes superiores que deformavam a religião em sua própria imagem Para as classes médias vindas das massas a religião podia ser um amparo moral poderoso uma justificativa para sua existência social contra o desprezo e o ódio da sociedade tradicional e um mecanismo de sua expansão Quando sectaristas a religião os libertava dos grilhões daquela sociedade Dava a seus lucros um titulo moral maior do que o do mero interesse próprio racional legitimava sua aspereza em relação aos oprimidos uniaos ao comércio que proporcionava civilização aos pagãos e vendas a seus produtos A religião fornecia estabilidade social para as monarquias e aristocracias e de fato para todos os que se encontravam no alto da pirâmide Tinham aprendido com a Revolução Francesa que a Igreja era o mais forte amparo do trono Os povos analfabetos e devotos como os do sul da Itália os espanhóis os tiroleses e os russos tinhamse lançado às armas para defender sua igreja e seu governante contra os estrangeiros os infiéis e os revolucionários abençoados e em alguns casos liderados por seus sacerdotes Os povos analfabetos e religiosos viveriam contentes na pobreza para a qual Deus os havia conclamado sob a liderança de governantes que lhes foram dados pela Divina Providência de maneira simples digna e ordenadamente e imunes aos efeitos subversivos da razão Para os governos conservadores depois de 1815 e que governos da Europa continental não o eram o encorajamento dos sentimentos religiosos e das igrejas era uma parte tão indispensável da política quanto a organização da política e da censura o sacerdote o policial e o censor eram agora os três principais apoios da reação contra a revolução Para a maioria dos governos estabelecidos bastava que o jacobinismo ameaçasse os tronos e as igrejas os preservassem Entretanto para um grupo de intelectuais e ideólogos românticos a aliança entre o trono e o altar tinha um significado mais profundo o de preservar uma velha sociedade viva e orgânica contra a corrosão da razão e o liberalismo o indivíduo encontrava nesta aliança uma expressão mais adequada de sua trágica condição do que em qualquer solução formulada pelos racionalistas Na França e na Inglaterra estas justificativas da aliança entre o trono e o altar não tiveram grande importância política nem tampouco a busca romântica de uma religião pessoal e trágica O mais importante explorador destas profundezas do coração humano o dinamarquês Sõren Kierkegaard 18131855 era oriundo de um pequeno país e atraiu muito pouca atenção de seus contemporâneos sua fama é totalmente póstuma Entretanto nos estados alemães e na Rússia os intelectuais românticoreacionários bastiões da reação monarquista tiveram seu papel na política como servidores civis redatores de manifestos e de programas e inclusive como conselheiros pessoais onde os monarcas tendiam ao desequilíbrio mental como Alexandre I da Rússia e Frederico Guilherme IV da Prússia Em conjunto entretanto os Friedrich Gentz e os Adam Mueller eram figuras de menor vulto e seu medievalismo religioso do qual o próprio Metternich desconfiava era simplesmente uma fachada tradicionalista para dissimular os policiais e os censores em quem os reis confiavam A força da Santa Aliança da Rússia Áustria e Prússia destinada a manter a ordem na Europa depois de 1815 baseavase não em sua aparência de cruzada mística mas na sua decisão de abolir todo e qualquer movimento subversivo pelas armas russas prussianas e austríacas Além do mais os governos genuinamente conservadores se inclinavam a desconfiar de todos os intelectuais e ideólogos até dos que eram reacionários pois uma vez aceito o princípio do raciocínio em vez da obediência o fim estaria próximo Conforme escreveu Friedrich Gentz secretário de Metternich a Adam Mueller em 1819 Continuo a defender esta proposição A fim de que a imprensa não possa abusar nada será impresso nos próximos anos Se este princípio viesse a ser aplicado como uma regra obrigatória sendo as raríssimas exceções autorizadas por um Tribunal claramente superior dentro em breve estaríamos voltando a Deus e à Verdade E ainda assim se os ideólogos antiliberais tiveram pequena importância política sua fuga dos horrores do liberalismo em direção a um passado orgânico e verdadeiramente religioso teve considerável interesse para a religião já que produziu um marcante despertar do catolicismo romano entre os jovens sensíveis das classes superiores Pois não havia sido o próprio protestantismo o precursor direto do individualismo do racionalismo e do liberalismo Se uma sociedade verdadeiramente religiosa viesse curar sozinha a doença do século XIX não seria ela a única sociedade verdadeiramente cristã da Idade Média católica Como de costume Gentz expressou a atração do catolicismo com uma clareza inadequada ao assunto O protestantismo é a primeira a verdadeira e a única fonte de todos os grandes males que nos fazem gemer hoje em dia Se tivesse simplesmente se limitado ao raciocínio poderíamos ter sido capazes e obrigados a tolerálo pois há na natureza humana uma tendência enraizada à discussão Entretanto já que os governos concordam em aceitar o protestantismo como uma forma permitida de religião como uma expressão do cristianismo como um direito do homem já que eles garantiramlhe um lugar ao lado do Estado ou mesmo sobre suas ruínas a única igreja verdadeira a ordem política moral e religiosa do mundo foi imediatamente dissolvida Toda a Revolução Francesa e a ainda pior revolução que está para eclodir na Alemanha nasceram desta mesma fonte Assim grupos de jovens exaltados fugiam dos horrores do intelecto em direção aos hospitaleiros braços de Roma e abraçavam o celibato as torturas do ascetismo os escritos dos padres ou simplesmente o ritual caloroso e esteticamente satisfatório da Igreja foi uma apaixonada entrega Em sua maioria eram provenientes como era de se esperar de países protestantes os românticos alemães eram em geral prussianos O Movimento de Oxford da década de 1830 é o fenómeno mais conhecido deste tipo para o leitor anglosaxônico embora seja caracteristicamente britânico visto que só alguns dos jovens fanáticos que assim expressavam o espírito da mais obscurantista e reacionária das universidades de fato se uniram à Igreja Romana notadamente o talentoso JH Newman 18011890 Os demais encontraram uma posição intermediária na qualidade de ritualistasdentro da Igreja Anglicana que eles diziam ser a verdadeira Igreja Católica e tentaram para o horror dos eclesiásticos adornála com paramentos incenso c outras abominações papais Os convertidos eram um enigma para as famílias nobres tradicionalmente católicas que encaravam sua religião como um distintivo familiar e para a massa de trabalhadores irlandeses imigrantes que formavam o grosso do catolicismo britânico o nobre zelo destes convertidos também não era totalmente apreciado pelos funcionários eclesiásticos do Vaticano realistas e cautelosos Mas já que eram de excelentes famílias e a conversão das classes superiores bem poderia anunciar a conversão das classes inferiores foram bem recebidos como um sinal estimulante do poder de conquista da Igreja Ainda assim mesmo dentro da religião organizada ao menos dentro da católica romana da protestante e da judaica agiam os sapadores e minadores do liberalismo Na Igreja Romana seu principal campo de ação era a França e sua figura mais importante HuguesFelicitéRobert de Lamennais 17821854 que caminhou sucessivamente desde o conservadorismo romântico até uma idealização revolucionária do povo o que o conduziu para perto do socialismo Sua obra Paroles dun Croyant 1834 criou tumulto no seio dos governos que não esperavam uma punhalada pelas costas com uma arma tão digna de confiança para a preservação do status quo quanto o catolicismo Seu autor não demorou a ser condenado por Roma O catolicismo liberal entretanto sobreviveu na França um país sempre receptivo às tendências eclesiásticas que estivessem em pequeno desacordo com a Igreja de Roma Também na Itália a poderosa corrente revolucionária das décadas de 1830 e 1840 arrebanhou para suas fileiras alguns pensadores católicos como Rosmini e Gioberti 180152 paladino de uma Itália liberal unificada pelo papa Entretanto o corpo principal da Igreja era cada vez mais militantemente antiliberal As minorias e seitas protestantes estavam naturalmente mais próximas do liberalismo sobretudo em termos políticos ser huguenot francês equivalia a ser um liberal moderno Guizot o primeiroministro de Luís Felipe foi um deles As igrejas estatais protestantes como a anglicana e a luterana eram politicamente mais conservadoras mas suas teologias eram talvez menos resistentes à corrosão da erudição bíblica e da investigação racionalista Os judeus naturalmente estavam expostos a toda a força da corrente liberal Afinal de contas eles deviam sua emancipação política e social inteiramente a ela A assimilação cultural era o objetivo de todos os judeus emancipados Os mais extremistas dentre os emancipados abandonaram sua antiga religião em favor do cristianismo ou do agnosticismo como o pai de Karl Marx ou o poeta Heinrich Heine que entretanto descobriu que os judeus nunca deixam de ser judeus ao menos para o mundo exterior embora deixem de frequentar a sinagoga Os menos extremistas desenvolveram uma atenuada forma liberal de judaísmo Somente nos obscuros guetos orientais o Tora e o Talmude continuaram dominando a vida virtualmente inalterada das pequenas cidades Capítulo Treze A Ideologia Secular O Sr Bentham fabrica utensílios de madeira em um torno por diversão e fantasia que pode transformar os homens da mesma maneira Mas não tem grandes dotes para a poesia e mal sabe extrair a moral de uma obra de Shakespeare Sua casa é aquecida e iluminada a vapor Ele é um destes que preferem as coisas artificiais em detrimento das naturais e pensa que a mente humana é onipolente Ele sente grande desprezo pelas possibilidades da vida ao ar livre pelos verdes campos e pelas árvores e sempre reduz tudo aos termos da Utilidade W Hazlitt O Espírito do Século 1825 Os comunistas pouco se importam em esconder seus pontos de vista e objetivos Declaram abertamente que seus fins podem ser obtidos somente pela destruição pela força de todas as condições existentes Deixem as classes governantes tremerem ante a revolução comunista Os pnletários nada têm a perder a não ser seus grilhões Têm um mundo a conquistar Trabalhadores de todos os países univos K Marx e F Engels Manifesto do Partido Comunista 1848 I A quantidade deve ainda fazernosdar uma posição de destaque à ideologia religiosa no mundo de 17891848 a qualidade dá esta posição de destaque à ideologia leiga ou secular Com pouquíssimas exceções todos os pensadores de importância em nosso período falavam o idioma secular quaisquer que fossem suas crenças religiosas particulares Muito do que eles pensavam e do que as pessoas comuns tinham como certo sem uma reflexão maior será discutido nos termos mais específicos das ciências e das artes uma outra parte deste pensamento Já foi discutida Neste capitulo nos concentraremos no que foi afinal O principal tema que nasceu da revolução dupla a natureza da sociedade e a direção para a qual ela estava se encaminhando ou deveria se encaminhar Sobre este problema básico havia duas principais divisões de opinião a dos que aceitavam a maneira pela qual o mundo estavase conduzindo e a dos que não a aceitavam em outras palavras s que acreditavam no progresso e os outros Em certo sentido havia só uma Welianschauung de grande significação e uma serie de outros pontos de vista que quaisquer que fossem seus méritos eram no fundo basicamente críticas negativas ao iluminismo humanista racionalista e triunfante do século XVIII Seus expoentes acreditavam firmemente e com razão que a história humana era um avanço mais que um retrocesso ou um movimento oscilante ao redor de certo nível Podiam observar que o conhecimento científico e o controle técnico do homem sobre a natureza aumentavam diariamente Acreditavam que a sociedade humana e o homem individualmente podiam ser aperfeiçoados pela mesma aplicação da razão e que estavam destinados a seu aperfeiçoamento na história Com isto concordavam os liberais burgueses e os revolucionários socialistas proletários Até 1789 a formulação mais poderosa e adiantada desta ideologia de progresso tinha sido o clássico liberalismo burguês De fato se sistema fundamental fora elaborado de maneira tão firme nos séculos XVII e XVIII que seu estudo mal pertence a este livro Era uma filosofia estreita lúcida e cortante que encontrou seus mais puros expoentes como poderíamos esperar na GrãBretanha e na França Ela era rigorosamente racionalista e secular isto é convencida da capacidade dos homens em princípio para compreender tudo e solucionar todos os problemas pelo uso da razão e convencida também da tendência obscurantista das instituições entre as quais incluíam o tradicionalismo e todas as religiões outras que o racional e do comportamento irracionais Filosoficamente inclinavamse ao materialismo ou ao empiricismo que condiziam com uma ideologia que devia suas forças e métodos à ciência neste caso principalmente à matemática e à física da revolução científica do século XVII Suas hipóteses gerais sobre o mundo e o homem estavam marcadas por um penetrante individualismo que se devia mais á introspecção dos indivíduos da classe média ou à observação de seu comportamento do que aos princípios a priori nos quais declarava estar fundamentada e que se expressava em uma psicologia embora a palavra ainda não existisse em 1789 que fazia eco com a mecânica do século XVII a chamada escola associacionista Em poucas palavras para o liberalismo clássico o mundo humano estava constituído de átomos individuais com certas paixões e necessidades cada um procurando acima de tudo aumentar ao máximo suas satisfações e diminuir seus desprazeres nisto igual a todos os outros e naturalmente não reconhecendo limites ou direitos de interferência em suas pretensões Em outras palavras cada homem era naturalmente possuído de vida liberdade e busca da felicidade como afirmava a Declaração de Independência dos Estados Unidos embora pensadores liberais mais lógicos preferissem não colocar isto na linguagem dos direitos naturais No curso da busca desta vantagem pessoal cada indivíduo nesta anarquia de competidores iguais achava vantajoso ou inevitável entrar em certos tipos de relações com outros indivíduos e este complexo de acordos úteis constantemente expressos na terminologia francamente comercial do contrato constituía a sociedade e os grupos políticos ou sociais É claro que tais acordos e associações implicavam alguma diminuição da naturalmente ilimitada liberdade do homem para fazer aquilo que quisesse sendo uma das tarefas da política reduzir tal interferência a um mínimo praticável Exceto talvez para certos grupos sexuais irredutíveis como pais e filhos o homem do liberalismo clássico cujo símbolo literário foi Robinson Crusoe era um animal social somente na medida em que ele coexistia em grande número Os objetivos sociais eram portanto a soma aritmética dos objetivos individuais A felicidade um termo que deu a seus definidores quase tantos problemas quanto a seus perseguidores era o supremo objetivo de cada indivíduo a maior felicidade do maior número de pessoas era claramente o objetivo da sociedade De fato o utilitarismo puro que reduzia todas as relações humanas inteiramente ao padrão que acabamos de esboçar esteve limitado no século XVII a filósofos sem modos como o grande Thomas Hobbes ou a paladinos muito seguros de si da classe média como a escola de pensadores e propagandistas britânicos associada com os nomes de Jeremy Bentham 1748 1832 James Mill 17731836 e acima de tudo os economistas políticos clássicos Havia duas razões para tanto Em primeiro lugar uma ideologia que reduzia tudo exceto o cálculo racional do interesse próprio à insensatez com pernas de pau para usarmos a expressão de Bentham entrava em conflito com alguns poderosos instintos do comportamento da classe média empenhada em melhorar Assim poderia ser demonstrado que o próprio interesse racional bem poderia justificar uma interferência consideravelmente maior na liberdade natural do indivíduo para fazer aquilo que ele desejasse e para guardar o que ganhasse do que seria esperado Thomas Hobbes cujas obras os utilitaristas britânicos colecionavam e publicavam com devoção na verdade demonstrara que o interesse próprio impedia quaisquer limites a priori sobre o poder estatal e os próprios benthamitas foram paladinos da administração burocrática estatal quando pensaram que podia proporcionar a maior felicidade ao maior número de pessoas tão prontamente quanto o laissezfaire Consequentemente os que procuravam salvaguardar a propriedade privada a liberdade individual e de empresa preferiam constantemente darlhes a sanção metafísica de um direito natural em vez do vulnerável direito de utilidade Além do mais uma filosofia que eliminava a moralidade e o dever tão completamente através de sua redução ao cálculo racional bem poderia enfraquecer o sentido da disposição eterna das coisas entre os pobres ignorantes sobre quem a estabilidade social se assentava O utilitarismo por razões como estas nunca monopolizou portanto a ideologia da classe média liberal Mas proporcionou o mais cortante dos machados radicais com que se poderia derrubar as instituições tradicionais que não sabiam responder às triunfantes perguntas É racional É útil Contribui para a maior felicidade do maior número de pessoas Contudo não era forte o suficiente nem para inspirar uma revolução nem para evitála O filosoficamente débil John Locke mais que o soberbo Thomas Hobbes continuou sendo o pensador favorito do liberalismo vulgar pois ao menos ele colocava a propriedade privada além do alcance da interferência e do ataque como o mais fundamental dos direitos naturais E os revolucionários franceses acharam magnífica esta declaração para colocar suas exigências de liberdade de iniciativa todo cidadão é livre para usar seus braços sua indústria e seu capital como julgar adequado e útil a si mesmo Ele pode fabricar o que lhe aprouver da maneira que lhe aprouver sob a forma de um direito natural geral à liberdade O exercício dos direitos naturais de cada homem não é mais limitado que aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Em seu pensamento político o liberalismo clássico separavase assim do rigor e da audácia que fizeram dele uma força revolucionária tão poderosa Em seu pensamento econômico entretanto estava menos inibido em parte porque a confiança da classe média no triunfo do capitalismo era muito maior do que sua confiança na supremacia política da burguesia sobre o absolutismo ou a turba ignorante em parte porque as conjecturas clássicas sobre a natureza e o estado natural do homem encaixavamse sem dúvida na situação especial do mercado de uma forma bem melhor do que à situação da humanidade em geral Consequentemente as clássicas formas da economia política constituem com Thomas Hobbes o mais impressionante monumento intelectual à ideologia liberal Sua época de apogeu é um pouco anterior ao período estudado neste livro A publicação da obra de Adam Smith 172390 A Riqueza das Nações 1776 marca o seu início a de David Ricardo 17921823 Princípios de Economia Política de 1817 determina seu apogeu e o ano de 1830 assinala o início de seu declínio ou transformação Entretanto sua versão vulgarizada continuava a conquistar adeptos entre os homens de negócio durante todo o nosso período O argumento social da economia política de Adam Smith era tanto elegante quanto confortador É verdade que a humanidade consistia essencialmente de indivíduos soberanos de certa constituição psicológica que buscavam seus próprios interesses através da competição entre uns e outros Mas poderia ser demonstrado que estas atividades quando deixadas tanto quanto possível fora de controle produziam não só uma ordem social natural distinta da artificial imposta pelos interesses estabelecidos o obscurantismo a tradição ou a intromissão ignorante da aristocracia mas também o mais rápido aumento possível da riqueza das nações quer dizer do conforto e do bemestar e portanto da felicidade de todos homens A base desta ordem natural era a divisão social do trabalho Podia ser cientificamente provado que a existência de uma classe de capitalistas donos dos meios de produção beneficiava a todos inclusive aos trabalhadores que se alugavam a seus membros exatamente como poderia ser cientificamente comprovado que os interesses da GrãBretanha e da Jamaica estariam melhor servidos se aquela produzisse mercadorias manufaturadas e esta produzisse açúcar natural O aumento da riqueza das nações continuava com as operações das empresas privadas e a acumulação de capital e poderia ser demonstrado que qualquer outro método de assegurálo iria desacelerálo ou mesmo estancálo Além do mais a sociedade economicamente muito desigual que resultava inevitavelmente das operações de natureza humana não era incompatível com a igualdade natural de todos os homens nem com a justiça pois além de assegurar inclusive aos mais pobres condições de vida melhores ela se baseava na mais equitativa de todas as relações o intercâmbio de valores equivalentes no mercado Como disse um moderno erudito nada dependia da benevolência dos outros pois para tudo que se obtinha era devolvido em troca um equivalente Além disso o livre jogo das forças naturais destruiria todas as posições que não fossem construídas com base em contribuições ao bem comum O progresso era portanto tão natural quanto o capitalismo Se fossem removidos os obstáculos artificiais que no passado lhe haviam colocado se produziria de modo inevitável e era evidente que o progresso da produção estava de braços dados com o progresso das artes das ciências e da civilização em geral Que não se pense que os homens que tinham tais opiniões eram meros advogados dos consumados interesses dos homens de negócios Eram homens que acreditavam com considerável justificativa histórica neste período que o caminho para o avanço da humanidade passava pelo capitalismo A força desta visão panglossiana apoiavase não apenas naquilo que se acreditava ser a irrefutável habilidade de demonstrar seus teoremas econômicos através de um raciocínio dedutivo mas também no evidente progresso da civilização e do capitalismo do século XVIII Reciprocamente começou a tropeçar não só porque Ricardo descobrira contradições dentro do sistema que Smith preconizara mas porque os verdadeiros resultados sociais e econômicos do capitalismo provaram ser menos felizes do que tinham sido previstos A economia política na primeira metade do século XIX tornouse uma ciência lúgubre mais do que corderosa Naturalmente ainda se poderia sustentar que a miséria dos pobres que como argumentou Malthus em seu famoso Ensaio sobre a População de 1798 estava condenada a se prolongar até a beira da extenuação ou como argumentava Ricardo a padecer com a introdução das máquinas ainda se constituía na maior felicidade do maior número de pessoas número que simplesmente resultou ser muito menor do que se poderia esperar Mas tais fatos bem como as marcantes dificuldades para a expansão capitalista no período entre 1810 e a década de 1840 refrearam o otimismo e estimularam a investigação crítica especialmente sobre a distribuição em contraste com a produção que havia sido a preocupação maior da geração de Smith A economia política de David Ricardo uma obiaprima de rigor dedutivo introduziu assim consideráveis elementos de discórdia na natural harmonia em que os primeiros economistas tinham apostado E até mesmo enfatizou bem mais do que o tinha feito Smith certos fatores que se poderia esperar que detivessem a máquina do progresso econômico atenuando o suprimento de seu combustível essencial tal como uma tendência para o declínio da taxa de lucros E mais ainda David Ricardo criou a teoria geral do valor como trabalho que só dependia de um leve toque para ser transformada em um argumento potente contra o capitalismo Contudo seu domínio técnico como pensador e seu apaixonado apoio aos objetivos práticos que a maioria dos homens de negócios britânicos advogavam o livre comércio e a hostilidade aos proprietários de terras ajudaram a dar à economia política clássica um lugar ainda mais firme que antes na ideologia liberal Para efeitos práticos as tropas de choque da reforma da classe média britânica no período pósnapoleônico foram armadas com uma combinação de utilitarismo benthamita e economia ricardiana Por sua vez as maciças realizações de Smith e Ricardo respaldadas pelas do comércio e da indústria britânica fizeram da economia política uma ciência em grande parte britânica reduzindo os economistas franceses que tinham no mínimo compartilhado da liderança no século XVIII a um papel menos importante de simples predecessores ou auxiliares e os economistas não clássicos a um amontoado de francoatiradores Além do mais transformaramna em um símbolo essencial dos avanços liberais O Brasil instituiu uma cátedra de economia política em 1808 bem antes da França ocupada por um propagador de Adam Smith J B Say o principal economista francês e o anarquista utilitário William Godwin A Argentina mal tinha ficado independente quando em 1823 a nova universidade de Buenos Aires começou a ensinar economia política com base nas obras já traduzidas de Ricardo e James Mill mas não o fez antes de Cuba que teve sua primeira cátedra já em 1818 O fato de que o verdadeiro comportamento econômico dos governantes latinoamericanos arrepiava os cabelos dos financistas e economistas europeus nao faz qualquer diferença para a sua ligação com a ortodoxia econômica Na política como vimos a ideologia liberal não era nem tão coerente nem tão consistente Teoricamente continuava dividida entre o utilitarismo e as adaptações das antiquadas doutrinas do direito natural e da lei natural com predominância do primeiro Em seu programa prático a divisão estava entre a crença em um governo popular quer dizer governo de maiorias que tinha a lógica a seu lado e refletia o fato de que realmente fazer revoluções e pressionar politicamente para conseguir reformas eficazes não era coisa de classe média mas uma mobilização de massas e a crença mais generalizada no governo de uma elite de proprietários quer dizer entre o radicalismo e o whiggismo para usarmos os termos britânicos Pois se o governo fosse realmente popular e se a maioria realmente governasse isto é se os interesses da minoria fossem sacrificados àquela como era logicamente inevitável seria possível acreditar que a verdadeira maioria as classes mais numerosas e pobres iria salvaguardar a liberdade e cumprir os ditames da razão que coincidiam como é óbvio com o programa da classe média liberal Antes da Revolução Francesa a principal causa de alarme neste aspecto era a ignorância e a superstição dos trabalhadores pobres que estavam constantemente sob o controle do sacerdote ou do rei A própria revolução introduziu o risco adicional de uma ala à esquerda com um programa anticapitalista implícito e alguns sustentam que era explícito em certos aspectos da ditadura jacobina Os moderados whigs logo se deram conta deste perigo Edmund Burke cuja ideologia econômica era a de um puro seguidor de Adam Smith retrocedia em sua política em direção a uma crença francamente irracionalista nas virtudes da tradição da continuidade e do lento crescimento orgânico que sempre haviam fornecido o principal suporte teórico do conservadorismo No continente europeu os liberais práticos se assustavam com a democracia política preferindo uma monarquia constitucional com sufrágio adequado ou em caso de emergência qualquer absolutismo ultrapassado que garantisse seus interesses Depois de 17934 só uma burguesia extremamente descontente ou então extremamente autoconfiante como a da GrãBretanha estava preparada com James MUI para confiar em sua própria capacidade de conservar o apoio dos trabalhadores pobres permanentemente mesmo em uma república democrática Os descontentamentos sociais os movimentos revolucionários e as ideologias socialistas do período pósnapoleônico intensificaram este dilema e a revolução de 1830 tornouo mais agudo O liberalismo e a democracia pareciam mais adversários que aliados o tríplice slogan da Revolução Francesa liberdade igualdade e fraternidade expressava melhor uma contradição que uma combinação Naturalmente isto parecia mais óbvio na pátria da revolução a França Alexis de Tocqueville 180559 que dedicou sua impressionante inteligência à análise das tendências inerentes à democracia americana 1835 e mais tarde à Revolução Francesa sobreviveu como o melhor dos críticos liberais moderados da democracia deste período poderíamos também dizer que tornouse particularmente apropriado aos liberais moderados do mundo ocidental depois de 1945 Talvez não estranhamente em virtude de sua máxima Do século XVIII como nascidos de uma fonte comum correm dois rios Um ddes carrega os homens para as instituições livres o outro para o poder absoluto Na GrãBretanha também a vigorosa confiança de James Mill em uma democracia liderada pela burguesia contrasta de forma marcante com a ansiedade de seu filho James Stuart Mill 180673 em salvaguardar os direitos das minorias contra as maiorias que predomina em sua obra A Respeito da Liberdade 1859 II Enquanto a ideologia liberal perdia assim sua confiança original mesmo a inevitabilidade ou a desejabilidade do progresso começava a ser colocada em dúvida por alguns liberais uma nova ideologia o socialismo voltava a formular os velhos axiomas do século XVIII A razão a ciência e o progresso eram suas bases firmes O que distinguia os socialistas de nosso período dos paladinos de uma sociedade perfeita de propriedade comum que periodicamente aparecem na literatura ao longo da história era a aceitação incondicional da revolução industrial que criava a verdadeira possibilidade do socialismo moderno O Conde Claude de SaintSimon 17601825 que é por tradição reconhecido como o primeiro socialista utópico embora seu pensamento na realidade ocupe uma posição bem mais ambígua foi antes de tudo o apóstolo do industrialismo e dos industrialistas duas palavras criadas por ele Seus discípulos se tornaram socialistas audazes técnicos financistas e industriais ou tudo isso em sequência O saintsimonismo ocupa assim um lugar especial na história do desenvolvimento capitalista e anticapitalista Na GrãBretanha Robert Owen 17711858 foi um pioneiro muito bem sucedido da indústria algodoeira e extraiu sua confiança na possibilidade de uma sociedade melhor não só de sua firme crença no aperfeiçoamento humano através da sociedade mas também da visível criação de uma sociedade de potencial abundância através da revolução industrial Embora de maneira relutante Frederick Engels também se envolveu com os negócios algodoeiros Nenhum dos novos socialistas desejavam retardar a hora da evolução social embora muitos de seus seguidores o desejassem Até mesmo Charles Fourier 17721837 o menos entusiasta do ins trialismo entre os fundadores do socialismo sustentava que a solução estava além e não atrás dele Além disso os próprios argumentos do liberalismo clássico podiam e foram prontamente transformados contra a sociedade capitalista que eles tinham ajudado a construir De fato a felicidade como dizia SaintJust era uma ideia nova na Europa mas nada era mais fácil de observar que a maior felicidade do maior número de pessoas que claramente não estava sendo atingida era a felicidade do trabalhador pobre Nem era difícil como William Godwin Robert Owen Thomas Hodgskin e outros admiradores de Bentham o fizeram separar a busca da felicidade das conjecturas de um individualismo egoísta O objetivo primordial e necessário de toda a existência deve ser a felicidade escreveu Owen mas a felicidade não pode ser obtida individualmente é inútil esperarse pela felicidade isolada todos devem compartilhar dela ou então a minoria nunca será capaz de gozála Mais ainda a economia política clássica em sua forma ricardiana podia virarse contra o capitalismo fato este que levou os economistas da classe média posteriores a 1830 a ver Ricardo com alarme e até mesmo a considerálo como o fez o americano Carey 17931879 como fonte de inspiração de agitadores e destruidores da sociedade Se como argumentava a economia política o trabalho representava a fonte de todo o valor então por que a maior parte de seus produtores viviam à beira da privação Porque como demonstrava Ricardo embora ele se sentisse constrangido em relação às conclusões de sua teoria o capitalista se apropriava em forma de lucro do excedente que o trabalhador produzia além daquilo que ele recebia de volta sob a forma de salário O fato de que os proprietários de terras também se apropriassem de uma parte deste excedente não afetou fundamentalmente o assunto De fato o capitalista explorava o trabalhador Era necessário eliminar os capitalistas para que fosse abolida a exploração Um grupo de economistas do trabalho ricardianos logo surgiu na Grã Bretanha para fazer a análise e concluir a moral da história Se o capitalismo tivesse realmente alcançado aquilo que dele se esperava nos dias otimistas da economia política tais críticas não teriam tido ressonância Ao contrário do que frequentemente se supõe entre os pobres há poucas revoluções de melhora do nível de vida Mas no período de formação do socialismo isto é entre a publicação da Nova Visão da Sociedade de Robert Owen lançado a público em 181314 e o Manifesto Comunista de 1848 a depressão os salários decrescentes o pesado desemprego tecnológico e as dúvidas sobre as futuras possibilidades de expansão da economia eram simplesmente muito inoportunas Portanto os críticos podiamse apegar não só à injustiça da economia mas também aos defeitos de seu funcionamento a suas contradições internas Olhos aguçados pela antipatia detectavam assim as flutuações ou crises do capitalismo Sismondi Wade Engels que seus partidários dissimulavam e cuja possibilidade de fato negava uma lei associada ao nome de J B Say 17671832 Dificilmente poderia deixar de advertir que a distribuição crescentemente desigual das rendas nacionais neste período os ricos ficando mais ricos e os pobres mais pobres não era um acidente mas o produto das operações do sistema Em poucas palavras podiam demonstrar não só que o capitalismo era injusto mas que parecia funcionar mal e na medida em que funcionava produzia resultados opostos aos que tinham sido preditos por seus defensores Deste modo os novos socialistas simplesmente it defendiam empurrando os argumentos do liberalismo clássico francobritânico para além do ponto até onde os liberais burgueses estavam preparados para ir A nova sociedade por eles defendida também não necessitava abandonar o terreno tradicional do humanismo clássico e do ideal liberal Um mundo no qual todos fossem felizes e no qual todo indivíduo realizasse livre e plenamente suas potencialidades no qual reinasse a liberdade e do qual desaparecesse o governo coercitivo era o objetivo máximo de liberais e socialistas O que distinguia os vários membros da família ideológica descendente do humanismo e do iluminismo liberais socialistas comunistas ou anarquistas não era a amável anarquia mais ou menos utópica de todos eles mas sim os métodos para alcançála Neste ponto entretanto o socialismo se separava da tradição clássica liberal Em primeiro lugar rompia radicalmente com a suposição liberal de que a sociedade era um mero agregado ou combinação de seus átomos individuais e que sua força motriz estava no interesse próprio e na competição Ao fazer isto os socialistas voltaram à mais antiga de todas as tradições ideológicas humanas a crença de que o homem é naturalmente um ser comunitário Os homens naturalmente vivem juntos e se ajudam mutuamente A sociedade não era uma redução necessária embora lamentável do natural e ilimitado direito do homem de fazer o que lhe agradasse mas o cenário de sua vida felicidade e individualidade A ideia smithiana de que o intercâmbio de mercadorias equivalentes no mercado garantia de alguma forma a justiça social lhes chocava como algo incompreensível ou imoral A maior parte do povo comum compartilhava este ponto de vista mesmo quando não podia expressálo Muitos críticos do capitalismo reagiram contra a óbvia desumanizaçãp da sociedade burguesa o termo técnico alienação que os seguidores de Hegel e o próprio Marx no princípio de sua carreira usavam refktia o velho conceito de sociedade mais como o lar do homem do que como o simples local das atividades do indivíduo independente culpando todo o curso da civilização do racionalismo da ciência e da tecnologia Os novos socialistas ao contrário dos revolucionários do tipo dos velhos artesãos como o poeta William Blake e Jean Jacques Rousseau tiveram o cuidado de não agir desta forma Mas partilhavam não só do tradicional ideal da sociedade como o lar do homem mas também do conceito de que antes da instituição da sociedade de classes e da propriedade os homens tinham de uma forma ou de outra vivido em harmonia conceito este expresso por Rousseau através da idealização do homem primitivo e também pelos panfletistas radicias menos sofisticados através do mito da antiga liberdade e irmandade dos povos conquistados por governanantes estrangeiros os saxônicos pelos normandos os gauleses pelos alemães O gênio disse Fourier deve redescobrir os caminhos daquela primitiva felicidade e adaptála às condições da indústria moderna O comunismo primitivo buscava através dos séculos e dos oceanos um modelo a propor ao comunismo do futuro Em segundo lugar o socialismo adotou uma forma de argumentação que se não estava fora do alcance da clássica tradição liberal tampouco estava muito dentro dela a argumentação histórica e evolutiva Para os liberais clássicos e de fato para os primeiros socialistas modernos tais propostas eram naturais e racionais distintas da sociedade irracional e artificial que a ignorância e a tirania tinham até então imposto ao mundo Agora que o progresso e o iluminismo tinham mostrado ao mundo o que era racional tudo o que restava a ser feito era retirar os obstáculos que evitavam que o senso comum seguisse seu caminho De fato os socialistas utópicos seguidores de SaintSimon Owen Fourier e outros tratavam de mostrarse tão firmemente convencidos de que a verdade bastava ser proclamada para ser instantaneamente adotada por todos os homens sensatos e de instrução que inicialmente limitaram seus esforços para realizar o socialismo a uma propaganda endereçada em primeiro lugar às classes influentes os trabalhadores embora indubitavelmente viessem a se beneficiar com ele eram infelizmente um grupo retrógrado e ignorante e por assim dizer à construção de plantaspiloto do socialismo colónias comunistas e empresas cooperativas a maioria delas situada nos espaços abertos da América onde não havia tradições de atraso histórico que se opusessem ao avanço dos homens A Nova Harmonia de Owen se instalou em Indiana e nos Estados Unidos havia cerca de 34 falanges seguidoras de Fourier criadas em termos nacionais ou importadas e numerosas colónias inspiradas pelo comunistacristão Cabet e outros Os seguidores de SaintSimon menos afeitos a experimentos comunitários nunca deixaram de buscar um déspota erudito que pudesse levar a cabo suas propostas e durante certo tempo acreditaram que tinhamno encontrado na inverossímil figura de Mohammed Ali o governante do Egito Havia um elemento de evolução histórica nesta clássica causa racionalista em prol da boa sociedade já que uma ideologia de progresso implica uma ideologia evolutiva possivelmente de inevitável evolução através dos estágios do desenvolvimento histórico Mas só depois que Karl Marx1l8l883 transferiu o centro de gravidade da argumentação socialista de sua racionalidade ou desejabilidade para sua inevitabilidade histórica o socialismo adquiriu sua mais formidável arma intelectual contra a qual ainda se erguem defesas polémicas Marx extraiu esta linha de argumentação de uma combinação das tradições ideológicas alemães e francobritânicas da economia política inglesa do socialismo francês e da filosofia alemã Para Marx a sociedade humana havia inevitavelmente dividido o comunismo primitivo em classes inevitavelmente se desenvolvia através de uma série de sociedades classistas cada uma delas progressista em seu tempo a despeito de suas injustiças cada uma delas contendo as contradições internas que a certa altura se constituem em obstáculo para o progresso futuro e geram as forças para sua superação O capitalismo era a última delas e Marx longe de limitarse a atacálo usou toda a sua eloquência ábaladora para proclamar seus empreendimentos históricos Mas era possível demonstrar por meio da economia política que o capitalismo apresentava contradições internas que inevitavelmente o convertiam até certo ponto em uma barreira para o progresso e que haviam de mergulhálo em uma crise da qual não poderia sair Além do mais o capitalismo como também se poderia demonstrar através da economiapolítica inevitavelmente criava seu próprio coveiro o proletariado cujo número e descontentamento crescia à medida que a concentração do poder econômico em mãos cada vez menos numerosas tornavamno mais vulnerável mais fácil de ser derrubado A revolução proletária devia portanto inevitavelmente derrubálo Mas também podiase demonstrar que o sistema social que correspondia aos interesses da classe trabalhadora era o socialismo ou o comunismo Como o capitalismo predominara não só porque era mais racional do que o feudalismo mas também devido à força social da burguesia também o socialismo predominaria pela inevitável vitória dos trabalhadores Seria tolice supor que este era um ideal eterno o qual os homens poderiam ter realizado se tivessem sido suficientemente inteligentes na época de Luís XIV O socialismo era o filho do capitalismo Nem mesmo poderia ter sido formulado de uma maneira adequada antes da transformação da sociedade que criou as condições para seu advento Mas uma vez que essas condições existiam a vitória era certa pois a humanidade sempre se propõe apenas as tarefas que pode solucionar III Comparadas com estas relativamente coerentes ideologias do progresso as de resistência ao progresso mal merecem o nome de sistemas de pensamento Eram antes atitudes carentes de um método intelectual comum e que confiavam na precisão de sua compreensão das fraquezas da sociedade burguesa e na inabalável convicção de que havia algo mais na vida do que o liberalismo supunha Consequentemente exigem pouca atenção A carga principal de sua crítica era que o liberalismo destruía a ordem social ou a comunidade que o homem tinha em outros tempos considerado como essencial à vida substituindoa pela intolerável anarquia da competição de todos contra todos cada um por si e Deus por todos e pela desumanização do mercado Neste ponto os antiprogressistas revolucionários e conservadores ou seja os representantes dos pobres e dos ricos tendiam a concordar até mesmo com os socialistas convergência esta que foi muito marcante entre os românticos vide capítulo 14 e produziu fenómenos tão estranhos quanto a Democracia Conservadora ou o Socialismo Feudal Os conservadores tendiam a identificar a ordem social ideal ou tão próxima da ideal o quanto fosse possível pois as ambições sociais dos bem acomodados são sempre mais modestas do que as dos pobres com qualquer regime ameaçado pela revolução dupla ou com alguma específica situação do passado como por exemplo o feudalismo medieval Também naturalmente enfatizavam o elemento de ordem que era o que protegia os que se encontravam nos degraus superiores da hierarquia social contra os que se achavam nos degraus inferiores Como já vimos os revolucionários pensavam antes em alguma remota época dourada quando as coisas iam bem para o povo pois nenhuma sociedade atual era realmente satisfatória para os pobres Também enfatizavam a ajuda mútua e o sentimento comunitário de tais épocas em vez da sua ordem Contudo ambos concordavam que em alguns importantes aspectos o velho regime tinha sido ou era melhor do que o novo Nele Deus os classificara em superiores e inferiores e ordenara sua condição o que agradava aos conservadores mas também impunha deveres embora leves e mal cumpridos aos superiores Os homens eram desigualmente humanos mas não mercadorias valoradas de acordo com o mercado Acima de tudo viviam juntos em estreitas redes de relações pessoais e sociais guiados pelo claro mapa do costume das instituições sociais e da obrigação Sem dúvida Gentz o secretário de Metternich o demagogo e radical jornalista britânico William Cobbett 17621835 tinham em mente um ideal medieval muito diferente mas ambos igualmente atacavam a Reforma que segundo eles tinha introduzido os princípios da sociedade burguesa E até mesmo Frederick Engels o mais firme dos que acreditavam no progresso pintou ufn quadro ternamente idílico da velha sociedade do século XVIII que a revolução industrial tinha destruído Não possuindo uma teoria coerente da evolução os pensadores antiprogressistas achavam difícil decidir sobre o que tinha acontecido de errado Seu réu favorito era a razão ou mais especificamente o racionalismo do século XVIII que procurava de maneira tola e ímpia intrometerse em assuntos muito complexos para a organização e a compreensão humanas as sociedades não podiam ser projetadas como máquinas Seria melhor esquecer de uma vez por todas escreveu Burke a Enciclopédia e todo o conjunto de economistas e retornar àquelas velhas regras e princípios que fizeram uma vez dos príncipes grandes personagens e felizes as nações O instinto a tradição a fé religiosa a natureza humana a verdade em contraste com a falsa razão foram alinhados dependendo da inclinação intelectual do pensador contra o racionalismo sistemático Mas acima de tudo o conquistador deste racionalismo viria a ser a história Se os pensadores conservadores não tinham o sentido do progresso histórico tinham em troca um sentido muito preciso da diferença j entre as sociedades formadas e estabilizadas natural e gradualmente pela história e aquelas repentinamente estabelecidas por artifício Se nâo sabiam explicar como se talhavam os trajes históricos e de fato eles negavam que fossem talhados sabiam explicar admiravelmente como o prolongado uso lhes tornava mais cómodos O mais sério esforço intelectual da ideologia antiprogressista foi o da análise histórij ca e reabilitação do passado a investigação da continuidade contra a revolução Seus expoentes mais importantes foram portanto não os excêntricos franceses emigrados como De Bonald 17531840 e Joseph De Maistre 17531821 que procuraram reabilitar um passado morto constantemente através de argumentações racionalistas quej chegavam à beira da loucura até mesmo quando seus objetivos foram í estabelecer as virtudes do irracionalismo mas homens como Edmund Burke na Inglaterra ea escola histórica alemã de juristas que legitimou um antigo regime ainda existente em termos de sua continuidade histórica IV Resta considerar um grupo de ideologias singularmente equilibradas entre a progressiva e a antiprogressiva ou em termos sociais entre a burguesia industrial e o proletariado de um lado e as classes aristocráticas e mercantis e as massas feudais do outro Seus defensores mais importantes foram os radicais homens pequenos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos e os homens da modesta classe média da Europa Central e Meridional abrigados confortavelmente mas não de maneira totalmente satisfatória na estrutura de uma sociedade monárquica e aristocrática Todos acreditavam de alguma forma no progresso Nenhum deles estava preparado para seguilo até suas lógicas conclusões liberais ou socialistas os primeiros pelo fato de que estas conclusões teriam condenado os pequenos artesãos os lojistas os fazendeiros e os pequenos negociantes a serem transformados ou em capitalistas ou em trabalhadores os últimos porque eram muito fracos e depois da experiência da ditadura jacobina muito aterrorizados para desafiar o poderio de seus príncipes de quem eram em muitos casos funcionários As opiniões destes dois grupos portanto combinam os componentes liberais e no primeiro caso implicitamente socialistas com componentes antiliberais e componentes progressistas com antiprogressistas Além disso esta complexidade essencial e contraditória lhes permitia ver mais profundamente a natureza da sociedade do que os liberais progressivos ou antiprogressivos Forçavaos no sentido da dialética O mais importante pensador ou melhor gênio intuitivo deste primeiro grupo de radicais pequenoburgueses já estava morto em 1789 Jean Jacques Rousseau Indeciso entre o individualismo puro e a convicção de que o homem só é ele mesmo em comunidade entre o ideal de um Estado baseado na razão e no receio da razão frente ao sentimento entre o reconhecimento de que o progresso era inevitável e a certeza de que destruiria a harmonia do primitivo homem natural ele expressava seu próprio dilema pessoal tanto quanto o das classes que não podiam aceitar as promessas liberais dos donos de fábricas nem as certezas socialistas dos proletários As opiniões daquele homem neurótico e desagradável mas também grandioso não nos devem preocupar detalhadamente pois não houve uma escola de pensamento especificamente rousseauniana nem de políticos tais exceto por Robespierre e os jacobinos do Ano II Sua influência intelectual foi penetrante e forte especialmente na Alemanha e entre os românticos mas não foi tanto uma influência de um sistema mas uma influência de atitudes e paixões Sua influência entre os plebeus e os radicais pequenoburgueses foi também imensa mas talvez só entre os de espírito mais confuso tais como Mazzini e nacionalistas de sua espécie é que foi predominante Em geral ela se fundiu com adaptações muito mais ortodoxas do racionalismo do século XVIII tais como as de Thomas Jefferson 17431826 e de Thomas Paine 17371809 As recentes modas académicas apresentam uma tendência para interpretálo profundamente mal Têm ridicularizado a tradição que o agrupa junto a Voltaire e aos enciclopedistas como um pioneiro do iluminismo e da Revolução já que foi seu crítico Mas os que foram influenciados por ele então consideravamno como parte do iluminismo e os que reimprimiram suas obras em pequenas oficinas radicias no Princípio do século XIX automaticamente o colocaram ao lado de Voltaire dHolbach e outros Os críticos liberais recentes lhe têm atacado como o precursor do totalitarismo de esquerda Mas de fato ele não exerceu nenhuma influência sobre a principal tradição do comunismo moderno e do marxismo Seus seguidores típicos foram durante todo o nosso período e desde então os radicais pequenoburgueses do tipo jacobino jeffersoniano ou mazziniano fanáticos da democracia do nacionalismo e de um Estado de pequenos homens independentes com igual distribuição de propriedade e algumas atividades de beneficência Em nosso período ele era considerado acima de tudo o paladino da igualdade da liberdade contra a tirania e a exploração o homem nasce livre mas em todas as partes do mundo se acha acorrentado da democracia contra a oligarquia do homem natural simples não estragado pelas falsificações do dinheiro e da educação e do sentimento contra o cálculo frio O segundo grupo que talvez possa ser chamado mais adequadamente o da filosofia alemã era bem mais complexo Além disso visto que seus membros não tinham nem poder para derrubar suas sociedades nem os recursos econômicos para fazer uma revolução industrial tendiam a se concentrar na construção de elaborados sistemas gerais de pensamento Havia poucos liberais clássicos na Alemanha Wilhelm von Humboldt 17671835 irmão do grande cientista foi o mais notável Entre os intelectuais das classes média e superior a atitude mais comum bem adequada a uma classe em que figuravam tantos servidores civis e professores a serviço do Estado era talvez a crença na inevitabilidade do progresso e nos benefícios do avanço econômico e científico combinada à crença nas virtudes de uma administração burocrática de ilustrado paternalismo e um senso de responsabilidade entre as hierarquias superiores O grande Goethe ele mesmo ministro e conselheiro privado de um pequeno Estado ilustra esta atitude muito bem As exigências da classe média constantemente for I muladas filosoficamente como consequência inevitável das tendências da história levadas a termo por um estado erudito tal representa melhor o liberalismo alemão moderado O fato de que os Estados alemães em seu apogeu tinham sempre tomado uma iniciativa eficiente e viva na organização do progresso econômico e educacional c que um completo laissezfaire não fora uma política particularmente vantajosa para os homens de negócios alemães não diminuiu a importância desta atitude Entretanto embora assim possamos assimilar a perspectiva prática dos pensadores da classe média alemã permitida pelas peculiaridades de sua posição histórica àquela de seus oponentes em outros países não é certo que possamos desta maneira explicar a frieza muito marcante em relação ao liberalismo clássico em sua forma pura que atravessa a maior parte do pensamento alemão Os lugarescomuns liberais materialismo ou empirismo filosófico Newton a análise cartesiana e o resto desagradavam muito a maioria dos pensadores alemães em troca o misticismo o simbolismo e as vastas generalizações sobre conjuntos orgânicos os atraíam visivelmente Possivelmente uma reação nacionalista contra a cultura francesa predominante no início do século XVIII intensificava este teutonismo do pensamento alemão Mais provavelmente a persistência da atmosfera intelectual da última época em que a Alemanha tinha sido econômica intelectual e até certo ponto politicamente predominante era responsável por isto pois o declínio do período entre a Reforma e o final do século XVIII tinha preservado o arcaísmo da tradição intelectual alemã exatamente da mesma forma que mantido inalterada a aparência das pequenas cidades alemães do século XVI Em todo caso a atmosfera fundamental do pensamento alemão fosse na filosofia nas ciências ou nas artes diferia marcantemente da principal tradição do século XVIII na Europa Ocidental Em uma época em que a clássica visão do século XVIII estavase aproximando de seus limites isto deu ao pensamento alemão alguma vantagem e ajuda a explicar sua crescente influência intelectual no século XIX Sua expressão mais monumental foi a filosofia clássica alemã um corpo de pensamento criado entre 1760 e 1830 juntamente com a literatura clássica alemã e em íntima ligação com ela Não se deve esquecer que o poeta Goethe era um cientista e um filósofo natural de distinção e o poeta Schiller não só era professor de história mas autor de inestimáveis tratados filosóficos Emanuel Kant 17241804 e Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 são seus dois grandes luminares Depois de 1830 o processo de desintegração que já vimos em ação ao mesmo tempo dentro da economia política clássica a flor intelectual do racionalismo do século XVIII também ocorreu dentro da filosofia alemã Suas consequências foram os jovens hegelianos e finalmente o marxismo A filosofia clássica alemã foi devemos sempre nos lembrar disto um fenómeno verdadeiramente burguês Todas as suas principais figuras Kant Hegel Fichte Schelling saudaram com entusiasmo a Revolução Francesa e de fato permaneceram fiéis a ela durante um considerável tempo Hegel defendeu Napoleão até a batalha de Iena em 1806 O iluminismo foi a estrutura do pensamento típico do século XVIII de Kant e o ponto de partida de Hegel A filosofia de ambos era profundamente impregnada da ideia de progresso o primeiro grande empreendimento de Kant foi sugerir uma hipótese da origem e desenvolvimento do sistema solar enquanto toda a filosofia de Hegel é a da evolução ou a historicidade em termos sociais e do progresso necessário Assim enquanto Hegel desde o início sentiu aversão pela ala de extrema esquerda da Revolução Francesa e finalmente se tornou extremamente conservador ele nunca e em nenhum momento duvidou da necessidade histórica daquela revolução como base e fundamento da sociedade burguesa Além disso ao contrário da maioria dos filósofos académicos posteriores Kant Fichte e notadamente Hegel estudaram alguns economistas os fisiocratas no caso de Fichte os britânicos no caso de Kant e Hegel e é razoável acreditarse que Kant e o jovem Hegel teriamse considerado persuadidos por Adam Smith Esta tendência burguesa da filosofia alemã é em um aspecto mais óbvia em Kant que permaneceu durante toda a sua vida sendo um homem da esquerda liberal entre seus últimos escritos 1795 se encontra um nobre apelo em favor da paz universal mediante uma federação mundial de repúblicas que renunciariam à guerra mas em outro aspecto é mais obscura do que em Hegel No pensamento de Kant confinado na modesta e simples residência de um professor na remota região prussiana de Koenigsberg o conteúdo social tão específico nos pensadores ingleses e franceses é reduzido a uma abstração austera embora sublime particularmente a abstração moral da vontade O pensamento de Hegel é como sabem todos os seus leitores por penosa experiência bastante abstrato Ainda assim ao menos inicialmente é evidente que suas abstrações são tentativas de buscar um acordo com a sociedade a sociedade burguesa e de fato em sua análise do trabalho como o fator fundamental da humanidade o homem faz as ferramentas porque é um ser dotado de razão e esta é a primeira expressão de sua Vontade como diza ele em suas conferências de 18056 Hegel empunhou de uma maneira abstrata as mesmas ferramentas que os economistas clássicos liberais e incidentalmente forneceu um de seus princípios a Marx Contudo desde o princípio a filosofia alemã diferia do liberalismo clássico em importantes aspectos mais notadamente em Hegel do que em Kant Em primeiro lugar era deliberadamente idealista e rejeitava o materialismo ou o empirismo da tradição clássica Em segundo lugar enquanto a unidade básica da filosofia de Kant é o indivíduo embora sob a forma de consciência individual o ponto de partida de Hegel é o coletivo isto é a comunidade que ele vê se desintegrando em indivíduos sob o impacto do desenvolvimento histórico E de fato a famosa dialética hegeliana a teoria do progresso em qualquer campo através da interminável resolução de contradições bem pode ter recebido seu estímulo inicial deste profundo conhecimento da contradição entre o individual e o coletivo Além do mais desde o início sua posição à margem da área do impetuoso avanço liberalburguês e talvez sua completa inabilidade de participar dele fez com que os pensadores alemães se sentissem mais conscientes de seus limites e contradições Sem dúvida era inevitável mas não foi ela que trouxe grandes perdas e grandes ganhos Não deveria por seu turno ser substituída Portano concluímos que a filosofia clássica especialmente a hegeliana corre paralelamente à visão de mundo impregnada de dilemas de Rousseau embora contrariamente a ele os filósofos fizessem esforços titânicos para incluir suas contradições em sistemas únicos abrangentes e intelectualmente coerentes Rousseau incidentalmente teve uma enorme influência emocional sobre Emanuel Kant que segundo se diz interrompeu seu invariável hábito de dar um costumeiro passeio vespertino somente duas vezes uma pela queda da Bastilha e outra durante vários dias para a leitura de Émile Na prática os desapontados filósofos revolucionários enfrentavam o problema da reconciliação com a realidade que no caso de Hegel tomou a forma após anos de hesitação permaneceu indeciso a respeito da Prússia até depois da queda de Napoleão e como Goethe não teve interesse nas guerras de libertação de uma idealização do Estado prussiano Na teoria a transitoriedade da sociedade historicamente condenada foi construída dentro de sua filosofia Não havia verdade absoluta Nem sequer o mesmo desenvolvimento do processo histórico que teria lugar através da dialética da contradição e era entendido por um método dialético ou pelo menos assim o acreditavam os jovens hegelianos da décadade 1830 prontos a seguir a lógica da filosofia clássica alemã além do ponto em que seu grande professor desejou parar pois estava ansioso um tanto ilogicamente para terminar a história com a noção da Ideia Absoluta como depois de 1830 estiveram dispostos a retomar a estrada da revolução que seus predecessores haviam abandonado ou como Goethe nunca tinham escolhido para trilhar Mas o resultado da revolução em 183048 não foi tão somente a conquista do poder pela classe média liberal E o intelectual revolucionário que surgiu da desintegração da filosofia clássica alemã não foi um girondino ou um filósofo radical mas sim Karl Marx Assim o período da revolução dupla viu o triunfo e a mais elaborada expressão das radicais ideologias da classe média liberal e da pequena burguesia e sua desintegração sob o impacto dos Estados e das sociedades que haviam contribuído para criar ou pelo menos recebido de braços abertos O ano de 1830 que marca o renascimento do maior movimento revolucionário da Europa Ocidental depois da quietude que se seguiu à vitória de Waterloo também marca o início de sua crise Tais ideologias ainda sobreviveriam embora bastante diminuídas nenhum economista liberal clássico do último período tinha a estatura de Smith ou de Ricardo nem sequer J S Mil que se tornou o típico filósofoeconomista liberai britânico da década de 1840 nenhum filósofo clássico alemão viria a ter o alcance ou o poder de Kant e Hegel e os girondinos e jacobinos da França de 1830 1848 e depois disso seriam pigmeus comparados a seus ancestrais de 178994 Os Mazzinis da metade do século XIX não podiamse comparar de forma alguma com os Jean Jacqucs Rousseau do século XVIII Mas a grande tradição a principal corrente de desenvolvimento intelectual desde a Renascença não morreu foi transformada em seu oposto Marx foi em estatura e enfoque o herdeiro dos economistas e filósofos clássicos Mas a sociedade da qual ele esperava se tornar profeta e arquiteto era muito diferente da deles Capítulo Catorze As Artes Sempre há um gosto da moda um gosto para escrever as cartas um gosto para representar Hamlet um gosto pelas leituras filosóficas um gosto pelo simples um gosto pelo tétrico um gosto pelo terno um gosto pelo feio um gosto pelos bandidos um gosto pelos fantasmas um gosto pelo diabo um gosto pelas dançarinas francesas e as cantoras italianas pelas suíças e tragédias alemãs um gosto por gozar os prazeres do campo em novembro e os do inverno em Londres até o fim da canícula um gosto pela fabricação de sapatos um gosto por viagens pitorescas um gosto pelo próprio gosto ou por fazer ensaios sobre o gosto A Querida Sra Pinmoney em T L Peacock Melincourt 1816 Em proporção à riqueza do país quão poucos são os belos prédios na GrãBretanha que escasso o emprego de capital em museus quadros pérolas objetos raros palácios teatros e outros objetos improdutivos Isto que é o principal fundamento da grandeza do país é constantemente verificado pelos viajantes estrangeiros e por alguns de nossos próprios jornalistas como uma prova de nossa inferioridade S Laing Notas de um Viajante sobre as Condições Políticas e Sociais da França Prússia Suíça Itália e outras partes da Europa 1842 I A primeira coisa que surpreende a qualquer um que tente analisar o desenvolvimento das artes neste período de revolução dupla é seu extraordinário florescimento Meio século que inclui Beethoven e Schubert o maduro e velho Goethe osjovens Dickens Dostoievsky Verdi e Wagner o último de Mozart e toda ou a maior parte de Goya Pushkin e Balzac para não mencionarmos um batalhão de homens que seriam gigantes em qualquer outra companhia pode servir de comparação com qualquer outro período de mesma duração na história do mundo Grande parte desta extraordinária abundância se deveu à ressurreição e expansão das artes que atraíram um público erudito em praticamente todos os países europeus Ao invés de saturar o leitor com um longo catálogo de nomes é melhor ilustrarmos a amplitude e profundidade deste renascimento cultural fazendose ocasionais cortes transversais em nosso período Assim em 17891801 o cidadão que sentisse prazer com as inovações artísticas podiase deleitar com as Baladas Líricas de Wordsworth e Coleridge em inglês várias obras de Goethe Schiller Jean Paul e No valis em alemão ao mesmo tempo em que ouvia a Criação e as Estações de Haydn e a Primeira Sinfonia e os Primeiros Quartetos de Cordas de Beethoven Nestes anos J L David terminou seu Retraio de Madame Recamier e Goya o seu Retraio da Família do Rei Carlos IV Em 18246 este cidadão poderia ter lido vários novos romances de Walter Scott em inglês os poemas de Leopardi e as Promessi Sposi de Manzoni em italiano os poemas de Victor Hugo e Alfred de Vigny em francês e se fosse capaz as primeiras partes de Eugene Onegin de Pushkin em russo e as recémeditadas sagas nórdicas A Nona Sinfonia de Beethoven A Morte e a Donzela de Schubert a primeira obra de Chopin e o Oberon de Weber datam destes anos assim como os quadros O Massacre de Chios de Delacroix e a Carreta de Feno de Constable Dez anos mais tarde 18346 a literatura produziu na Rússia O Inspetor Geral de Gogol e A Dama de Espadas de Pushkin na França o Pai Goriot de Balzac e obras de Musset Hugo Théophile Gautier Vigny Lamartine e Alexandre Dumas pai na Alemanha as obras de Blichner Grabbe e Heine na Áustria as de Grillparzer e Nestroy na Dinamarca as de Hans Andersen na Polónia o Pan Tadeusz de Mie Ikiewicz na Finlândia a edição fundamental da epopeia nacional Kale Ivala na GrãBretanha a poesia de Browning e Wordsworth A música icriou óperas de Bellini e Donizetti na Itália as obras de Chopin na Polónia de Glinka na Rússia Constable pintava na Inglaterra Caspar David Friedrich na Alemanha Um ou dois anos antes e depois deste triénio nos trazem as Anotações de Pickwick de Dickens A Revolução Francesa de Carlyle a segunda parte do Fausto de Goethe ospoemas de Platen Eichendorff e Mòerike na Alemanha as importan I tes contribuições à literatura húngara e flamenga bem como novas Ipublicações dos mais importantes escritores franceses poloneses e russos e na música o Davidsbuendlertaenze de Schumann e o Réquiem de Berlioz Destas amostras casuais duas coisas ficam patentes A primeira delas é a difusão extraordinariamente grande dos acontecimentos artísticos entre as nações Isto era novo Na primeira metade do século XIX a literatura e a música russas surgiram repentinamente como uma força mundial assim como de maneira bem mais modesta aconteceu com a literatura americana com Fenimore Cooper 17871851 Edgar Allan Poe 180949 e Herman Melville 1819 1891 O mesmo se deu em relação à música e literatura polonesas e húngaras e pelo menos sob a forma de publicação de canções folclóricas contos de fadas e épicos em relação à literatura nórdica e dos Bálcans Além disso em várias destas recémcriadas culturas literárias o êxito foi imediato e insuperável Pushkin 17991837 por exemplo continua sendo o poeta russo clássico Mickiewicz 17981855 o maior dos poloneses Petoefi 182349 o poeta nacional húngaro O segundo fato evidente é o excepcional desenvolvimento de certas artes e géneros A literatura por exemplo e dentro dela o romance Provavelmente nenhum meio século contém uma maior concentração de romancistas imortais Stendhal e Balzac na França Jane Austen Dickens Thackeray e as irmãs Brontê na Inglaterra Gogol o jovem Dostoievsky e Turgenev na Rússia O primeiro trabalho de Tolstoi apareceu na década de 1850 A música talvez seja algo ainda mais surpreendente O repertório padrão de concertos ainda se baseia grandemente nos compositores ativos neste período Mozart e Haydn embora realmente pertençam a uma época anterior Beethoven e Schubert Mendelssohn Schumann Chopin e Liszt O período clássico da música instrumental foi principlamente o das grandes obras alemãs e austríacas mas um género a ópera floresceu mais amplamente e talvez com mais sucesso do que qualquer outro com Rossini Donizetti Bellini e o jovem Verdi na Itália com Weber e o jovem Wagner para não mencionarmos as duas últimas óperas de Mozart na Alemanha Glinka na Rússia e várias figuras de menor importância na França A lista das artes plásticas por outro lado é menos brilhante com a exceção parcial da pintura A Espanha produziu com Francisco Goya y Lucientes 1746 1828 um de seus intermitentes grandes artistas e um dos maiores pintores de todos os tempos Podese dizer que a pintura britânica com J M W Turner 17751851 e John Constable 1776 1837 alcançou um nível de maestria e de originalidade um pouco mais alto do que o do século XVIII e foi certamente mais influente em termos internacionais do que em qualquer época anterior ou posterior podese também sustentar que a pintura francesa com J L David 1748 1825 J L Géricault 17911824 J D Ingres 17801867 F E Delacroix 17901863 Honoré Daumier 180879 e o jovem Gustave Courbet 181977 foi tão eminente quanto havia sido em outras épocas de sua história Por outro lado a pintura italiana chegou virtualmente ao fim de seus séculos de glória e esplendor e a pintura alemã não chegou nem perto dos extraordinários triunfos da literatura e da música ou os que lhe foram próprios no século XVI A escultura em todos os países foi marcantemente menos brilhante do que no século XVIII e o mesmo se deu com a arquitetura apesar de algumas obras notáveis na Alemanha e na Rússia De fato os maiores empreendimentos arquitetônicos do período foram sem dúvida obra dos engenheiros O que determina o florescimento ou o esgotamento das artes em qualquer período ainda é muito obscuro Entretanto não há dúvida de que entre 1789 e 1848 a resposta deve ser buscada em primeiro lugar no impacto da revolução dupla Se fôssemos resumir as relações entre o artista e a sociedade nesta época em uma só frase poderíamos dizer que a Revolução Francesa inspiravao com seu exemplo que a revolução industrial com seu horror enquanto a sociedade burguesa que surgiu de ambas transformava sua própria experiência e estilos de criação Neste período sem dúvida os artistas eram diretamente inspirados e envolvidos pelos assuntos públicos Mozart escreveu uma ópera propagandística para a altamente política maçonaria A Flauta Mágica em 1790 Beethoven dedicou a Eroica a Napoleão como o herdeiro da Revolução Francesa Goethe foi pelo menos um homem de Estado e laborioso funcionário Dickens escreveu romances para atacar os abusos sociais Dostoievsky foi condenado à morte em 1849 por atividades revolucionárias Wagner e Goya foram para o exílio político Pushkin foi punido por se envolver com os dezembristas e toda a Comédia Humana de Balzac é um monumento de consciência social Nunca foi menos verdadeiro definir os artistas criativos como não comprometidos Os que assim o faziam os gentis decoradores de palácios rococó e vestiários de senhoras ou os fornecedores de peças às coleções dos milordes ingleses visitantes foram precisamente aqueles cuja arte definhou Quantos de nós se recorda de que Fragonard sobreviveu à Revolução por 17 anos Mesmo a arte aparentemente menos política a música teve as mais fortes vinculações políticas Este talvez tenha sido o único período na história em que as óperas eram escritas ou consideradas como manifestos políticos e armas revolucio nárias O elo entre os assuntos públicos e as artes é particularmente forte nos países onde a consciência nacional e os movimentos de libertação ou de unificação nacional estavamse desenvolvendo cf capítulo 7 Não foi por acaso que o despertar ou ressurreição das culturas literárias nacionais na Alemanha na Rússia na Polónia na Hungria nos países escandinavos e em outras partes coincidisse com e de fato fossem sua primeira manifestação a afirmação da supremacia cultural da língua vernácula e do povo nativo frente a uma cultura aristocrática e cosmopolita que constantemente empregava línguas estrangeiras E bastante natural que este nacionalismo encontrasse sua expressão cultural mais óbvia na literatura e na música ambas artes públicas que podiam além disso contar com a poderosa herança criadora do povo comum a linguagem e as canções folclóricas E igualmente compreensível que as artes tradicionalmente dependentes de comissões das classes dirigentes cortes governo nobreza a arquitetura e a escultura e até certo ponto a pintura refletissem menos estes renascimentos nacionais A ópera italiana floresceu como nunca mais como uma arte popular que cortesã enquanto a pintura italiana e sua arquitetura morriam E claro que não se deve esquecer que estas novas culturas nacionais estavam limitadas a uma minoria de letrados e às classes superiores e médias Com a provável exceção da ópera italiana das reproduções gráficas da arte plástica e de alguns pequenos poemas e canções nenhuma das grandes realizações artísticas deste período estava ao alcance dos analfabetos ou dos pobres A maioria dos habitantes da Europa as desconheciam por completo até que o nacionalismo de massa ou os movimentos políticos as convertessem em símbolos coletivos A literatura é claro teria a maior circulação embora principalmente entre as crescentes e novas classes médias que proporcionavam um mercado particularmente vasto especialmente entre as mulheres desocupadas para romances e longas narrativas poéticas Os autores bem sucedidos raramente gozaram de uma maior prosperidade relativa Byron recebeu 2600 libras pelos três primeiros cantos de Childe Harold O palco embora socialmente muito mais restrito também alcançava um público de milhares de pessoas A música instrumental não marchava tão bem exceto em países burgueses como a Inglaterra e a França e países com sede de cultura como as Américas onde grandes concertos públicos eram executados com frequência Logo vários compositores e virtuosos do continente europeu tinham sua atenção voltada para o lucrativo mercado anglosaxão Em outros países os concertos eram patrocinados pela aristocracia local ou pela iniciativa privada dos aficcionados A pintura se destinava desde sempre ao comprador individual e desaparecia da vista do público após sua primeira apresentação nas salas de exposição ou nas galerias dos marchandes embora as exibições públicas fossem agora bem estabelecidas Os museus e as galerias de arte que foram fundados ou abertos ao público neste período como o Louvre e a National Gallery de Londres fundados em 1826 apresentavam mais a arte do passado que a do presente A estampa a gravação e a litografia por outro lado estavam rriuito generalizadas porque eram baratas e começavam a invadir os jornais A arquitetura com exceção de um certo número de construções arriscadas de habitações particulares continuava a trabalhar principalmente para encargos públicos ou privados II Mas mesmo as artes de uma pequena minoria social ainda podem fazer ecoar o trovão dos terremotos que abalam toda a humanidade Assim ocorreu com a literatura e as artes de nosso período e o resultado foi o romantismo Como um estilo uma escola uma época artística nada é mais difícil de definir ou mesmo de descrever em termos de análise formal nem mesmo o classiscismo contra o qual o romantismo assegurava erguer a bandeira da revolta Os próprios românticos pouco nos ajudam pois embora suas próprias descrições sobre o que buscavam fossem firmes e decididas também careciam frequentemente de um conteúdo racional Para Victor Hugo o romantismo surgiu para fazer o que a natureza faz fundirse com as criações da natureza mas ao mesmo tempo não misturálas sombra e luz o grotesco e o sublime em outras palavras o corpo e a alma o animal com o espiritual Para Charles Nodier este último refúgio do coração humano cansado dos sentimentos comuns é o que se chama de género romântico uma poesia estranha bastante apropriada à condição moral da sociedade às necessidades de gerações saciadas que gritam por sensações a qualquer custo Novalis achava que o romantismo buscara dar um maior sentido ao que é costumeiro um infinito esplendor ao finito Hegel sustentava que a essência da arte romântica está na existência livre e concreta do objeto artístico e na ideia espiritual em sua verdadeira essência tudo isto revelado a partir do interior mais do que pelos sentidos Pouco se pode inferir destas afirmativas o que era de se esperar pois os românticos preferiam as luzes bruxuleantes e difusas à claridade E ainda assim embora escape a uma classificação já que suas origens e conclusão se dissolvem à medida em que se tenta datálas e que o critério mais agudo se perca em generalidades tão logo tenta definilo ninguém duvida seriamente da existência do romantismo ou de nossa capacidade em reconhecêlo Em um sentido estrito o romantismo surgiu como uma tendência militante e consciente das artes na GrãBretanha França e Alemanha por volta de 1800 no final da década da Revolução Francesa e em uma área bem mais ampla da Europa e da América do Norte depois da batalha de Waterloo Foi precedido antes da Revolução principalmente na Alemanha e na França pelo que tem sido chamado de préromantismo d Jean Jacques Rousseau e a tempestade e violência dos jovens poetas alemães Provavelmente a era revolucionária de 183048 assistiu a maior voga europeia do romantismo No sentido mais amplo ele dominou várias das artes criadoras da Europa desde o começo da Revolução Francesa Neste sentido os elementos românticos em um compositor como Beethoven um pintor como Goya um poeta como Goethe e um romancista como Balzac são fatores cruciais de sua grandeza assim como não o são digamos em Haydn ou Mozart Fragonard ou Reynolds Mathias Claudius ou Choderlos de Laclos todos os quais alcançaram o nosso período embora nenhum daqueles homens pudesse ser inteiramente tachado de romântico nem considerasse a si mesmo como tal Em um sentido ainda mais amplo o enfoque da arte e dos artistas característicos do romantismo se tornou o enfoque padrão da classe média do século XIX e ainda conserva muito de sua influência Entretanto embora não seja absolutamente claro quais eram os propósitos do romantismo é bastante evidente o que o romantismo combatia o termo médio Qualquer que seja o seu conteúdo era um credo extremista Os artistas e pensadores românticos no sentido mais estrito são encontrados na extrema esquerda como o poeta Shelley ou na extrema direita como Chateaubriand e Novalis saltando da esquerda para a direita como Wordsworth Coleridge e numerosos defensores desapontados da Revolução Francesa saltando do monarquismo para a extrema esquerda como Victor Hugo mas quase nunca entre os moderados ou liberais ingleses do centro racionalista que de fato eram os fiéis mantenedores do classicismo Não tenho qualquer respeito pelos whigh disse o velho tory Wordsworth mas tenho muito do cartismo dentro de mim Seria demasiado chamálo de um credo antiburguês pois o elemento conquistador e revolucionário das classes jovens ainda capaz de provocar tempestades fascinava também os românticos Napoleão se tornou um de seus heróis míticos como Satã Shakespeare o judeu errante e outros pecadores que se colocavam mais além dos limites comuns da vida O elemento demoníaco na acumulação capitalista a busca ininterrupta e ilimitada de mais além dos cálculos da racionalidade ou do propósito a necessidade ou os extremos do luxo tudo isso os encantava Alguns de seus heróis mais característicos Fausto e Don Juan compartilhavam esta insaciável ganância com os bucaneiros do mundo dos negócios dos romances de Balzac E ainda assim o elemento romântico permaneceu subordinado mesmo na fase da revolução burguesa Rosseau forneceu alguns dos acessórios da Revolução Francesa mas dominoua somente na época em que ultrapassou o liberalismo burguês o período de Robespierre E mesmo assim seu hábito básico era romano racionalista e neoclássico David foi seu pintor a Razão seu Ser Supremo O romantismo não é portanto simplesmente classificável como um movimento antiburguês De fato no préromantismo das décadas anteriores à Revolução Francesa muitos de seus slogans característicos tinham sido usados para a glorificação da classe média cujos sentimentos verdadeiros e simples para não dizermos insípidos haviam sido favoravelmente contrastados com a firme camada superior de uma sociedade corrupta e cuja confiança espontânea na natureza estava destinada segundo se acreditava a varrer o artifício da corte e do clericalismo Entretanto já que a sociedade burguesa triunfara de fato nas Revoluções Francesa e industrial o romantismo inquestionavelmente se transformou em seu inimigo instintivo e pode muito justamente ser considerado como tal Sem dúvida sua apaixonada confusa porém profunda revolta contra a sociedade burguesa se devia aos interesses egoístas dos dois grupos que lhe forneciam suas tropas de choque os jovens socialmente deslocados e os artistas profissionais Nunca houve um período para jovens artistas vivos ou mortos como o período romântico as Baladas Líricas 1789 foram obra de homens íoiti 70 e poucos anos de idade Byron tornouse famoso da noite para o aia aos 24 anos idade em que Shelley já era famoso e em que Keats já estava quase em sua cova A carreira poética de Victor Hugo começou quando tinha 20 anos a de Musset aos 23 Schubert escreveu Erlkoenig aos 18 anos morrendo aos 31 Delacroix pintou o Massacre de Chios aos 25 anos e Petoefi publicou seus Poemas aos 21 Uma reputação não obtida ou uma obraprima não produzida até os 30 anos é uma raridade entre os românticos A juventude especialmente a estudantil ou intelectual era o seu habitat natural foi durante este período que o Quartier Latin de Paris voltou a ser pela primeira vez desde a Idade Média não só o lugar onde se encontrava a Sorbonne mas um conceito cultural e político O contraste entre um mundo na teoria totalmente aberto ao talento e na prática com cósmica injustiça monopolizado pelos burocratas sem alma e barrigudos filisteus clamava aos céus As sombras da prisão o casamento a carreira respeitável a absorção pelo filisteísmo envolviaos e os pássaros da noite na forma de seus antecessores lhes agouravam com frequente precisão sua inevitável sentença como o registrador Heerbrand na obra de T A Hoffmann Goldener Topf predisse sorrindo maliciosamente e misteriosamente o pavoroso futuro de um conselheiro da corte para o poético estudante Anselmo Byron tinha o espírito bastante iluminado para prever que só uma morte extemporânea tinha a possibilidade de salválo de uma respeitável velhice e A W Schlegel demonstrou que ele estava certo Claro que nada havia de universal nesta revolta dos jovens contra os mais velhos Não era senão um reflexo da sociedade criada pela revolução dupla Ainda assim a forma histórica específica desta alienação certamente coloriu uma grande parte do romantismo Assim e inclusive com maior alcance a alienação do artista que reagia contra ela transformandose em o gênio foi uma das invenções mais características da era romântica Aonde a função social do artista é clara sua relação direta com o público a pergunta do que deve dizer e como dizêlo respondida pela tradição a moralidade a razão e algum outro padrão aceito um artista pode ser um gêniomas raramente se comporta como tal Os poucos que se adiantaram ao padrão do século XIX um Michelangelo um Caravaggio ou um Salvator Rosa se destacam do exército de homens do tipo artesãos profissionais e entretenedores os Johann Sebastian Bach os Handel os Haydn e Mozart os Fragonard e Gainsborough da era pré revolucionária Aonde se conservou algo semelhante à antiga situação social depois da revolução dupla o artista continuou sem considerarse um gênio embora não lhe faltasse futilidade Os arquitetos e engenheiros que trabalhavam por encomendas específicas continuavam a produzir estruturas de uso óbvio que se lhes impunham formas claramente compreensíveis É significativo que a grande maioria de construções características e famosas do período entre 1789 e 1848 sejam neoclássicas como a Madeleine o Museu Britânico a catedral de S Isaac em Leningrado a Londres de Nash a Berlim de Schinkel ou funcionais como as maravilhosas pontes canais construções ferroviárias fábricas e estufas daquela época de beleza técnica Entretanto à parte seus estilos os arquitetos e engenheiros daquela época se comportavam como profissionais e não como gênios Também nas formas genuinamente populares de arte como a ópera na Itália ou em um nível socialmente mais alto o romance na Inglaterra compositores e escritores continuavam a trabalhar para divertir os demais e consideravam a supremacia da bilheteria como uma condição natural de sua arte e não como uma conspiração contra sua musa Rossini não gostaria de produzir uma ópera não comercial da mesma forma como o jovem Dickens escrever um romance que não pudesse ser apresentado em seriados ou hoje em dia o libretista de um musical moderno um texto que fosse representado na forma em que foi rascunhado Isto também pode ajudar a explicar por que a ópera italiana desta época era tão a romântica apesar de seu natural prazer vulgar pelo sangue o trovão e situações fortes O problema real era o do artista apartado de uma função reconhecida patrono ou público e deixado para lançar sua alma como uma mercadoria em um mercado cego que seria comprada ou não ou para trabalhar dentro de um sistema de patronagem que teria sido em geral economicamente insustentável mesmo se a Revolução Francesa não tivesse estabelecido sua indignidade humana O artista portanto estava só gritando dentro da noite sem nem mesmo a certeza de um eco Era simplesmente natural que se considerasse um gênio que criasse somente aquilo que levava dentro de si sem consideração pelo mundo e como desafio a um público cujo único direito em relação a ele era aceitálo em seus próprios termos ou rejeitálo de todo Na melhor das hipóteses esperava ser entendido como Stendhal por uns tantos eleitos ou por uma posteridade indefinida na pior das hipóteses escrevia dramas impossíveis de serem representados como Grabbe ou mesmo a segunda parte do Fausto de Goethe ou composições para orquestras irrealisticamente gigantescas como Berlioz alguns enlouqueciam pomo Hõlderlin Grabbe de Nerval e vários outros De fato o gênio incompreendido era às vezes amplamente recompensado por príncipes acostumados às excentricidades de amantes ou aos gastos que davam prestígio ou por uma burguesia enriquecida ansiosa em manter contato com as coisas mais altas da vida Franz Liszt 181186 jamais passou fome no proverbial sótão romântico Poucos jamais tiveram sucesso em realizar suas fantasias megalomaniacas como Richard Wagner Entretanto entre 1789 e 1848 os príncipes de revoluções frequentemente suspeitavam das artes não líricas e a burguesia estava mais engajada em acumular dinheiro do que em gastálo Os gênios eram portanto em geral não só incompreendidos mas também pobres E a maioria deles revolucionários A juventude e os gênios mal compreendidos produziam a reação romântica contra os filisteus a moda de atormentar e chocar os burgueses a ligação com o submundo e a boémia termos estes que adquiriram sua atual conotação durante o período romântico o gosto pela loucura ou por coisas normalmente censuradas pelos respeitáveis padrões e instituições Mas isto era só uma pequena parte do romantismo A enciclopédia de extremismos eróticos de Mário Praz não é mais representativa da agonia romântica do que uma discussão a respeito de esqueletos e espectros no simbolismo elizabeteano é uma crítica de Hamlet Por trás do descontentamento dos românticos como jovens e ocasionalmente também como mulheres jovens já que foi este o primeiro período em que as mulheres do continente europeu apareceram como artistas em posse de seus plenos direitos e em considerável número e como artistas havia um descontentamento mais genérico em relação ao tipo de sociedade que surgia a partir da revolução dupla A análise social precisa nunca foi o forte dos românticos e de fato desconfiavam do resoluto raciocínio mecânico e materialista do século XVIII simbolizado por Nevvton o bicho papão de William Blake e Goethe que corretamente viam como o século das principais ferramentas com que a sociedade burguesa fora construída Consequentemente não podemos esperar que fizessem uma crítica arrazoada da sociedade burguesa embora algo parecido a uma crítica se envolvesse no místico manto da filosofia da natureza e se movesse por entre as agitadas nuvens metafísicas formadas dentro de uma ampla estrutura romântica que contribuiu entre outras coisas para a filosofia de Hegel vide cap 1311 Uma crítica semelhante também se desenvolveu em relâmpagos visionários muito próximos da excentricidade ou mesmo da loucura entre os primeiros socialistas utópicos da França Os primeiros seguidores de SaintSimon embora não o seu líder e especialmente Fourier dificilmente podem ser considerados outra coisa que românticos O resultado mais duradouro desta crítica romântica foi o conceito de alienação humana que iria desempenhar um papel crucial em Marx e a insinuação da perfeita sociedade do futuro Entretanto a crítica mais eficaz e poderosa da sociedade burguesa viria não daqueles que a rejeitavam e com ela as tradições dos clássicos ciência e racionalismo do século XVII no todo e a priori mas sim daqueles que levaram as tradições do pensamento clássico burguês a suas conclusões antiburguesas O socialismo de Robert Owen não tinha sequer o mínimo elemento de romantismo em si mesmo seus componentes eram inteiramente os do racionalismo do século XVIII e da mais burguesa das ciências a economia política O próprio SaintSimon seria melhor descrito como uma prolongação do iluminismo É significativo que o jovem Marx formado na tradição alemã isto é primordialmente romântica se tenha transformado no criador do marxismo só quando combinou seu pensamento com a crítica socialista francesa e a teoria totalmente aromântica da economia política inglesa E foi a economia política que forneceu a essência de seu pensamento amadurecido III Nunca é prudente negligenciar as razões do coração que a própria razão desconhece Como pensadores dentro dos limites de referência ditados pelos economistas e físicos os poetas se encontravam sobrepujados mas não só viam mais profundamente que aqueles como também às vezes com mais clareza Poucos homens compreenderam o terremoto social causado pela máquina e pela fábrica antes de William Blake na década de 1790 quando em Londres havia ainda pouco mais que algumas oficinas e olarias Com algumas exceções os melhores comentários sobre os problemas da urbanização na Inglaterra se deveram aos escritores criativos cujas observações frequentemente de aparência irrealista demonstraram ser um indicador utilíssimo da grande evolução urbana de ParisCarlyle foi um guia mais confuso porém mais profundo para a Inglaterra em 1840 do que o cuidadoso estatístico e compilador JR McCulloch e se JS Mill é melhor do que outros utilitaristas é porque uma crise pessoal fez com que ele sozinho percebesse o valor dos críticos alemães românticos da sociedade Goethe e Coleridge A crítica romântica do mundo embora mal definida não era portanto desprezível A ansiedade que se convertia em obsessão nos românticos era a recuperação da unidade perdida entre o homem e a natureza O mundo burguês era profunda e deliberadamente anti social Ele impiedosamente quebrou os fortes laços feudais que uniam o homem a seus superiores naturais e não deixou nenhum outro vínculo entre os homens a não ser o puro interesse pessoal e o insensível pagamento em espécie Ele afogou os mais divinos êxtases de fervor religioso de entusiasmo nobre de sentimentalismo filisteu na congelada água do cálculo egoísta Transformou o valor pessoal em valor de troca e em lugar das inumeráveis e inquebrantáveis liberdades ergueu uma simples e inescrupulosa liberdade a liberdade de Comércio Esta é a voz do Manifesto Comunista mas ela fala também por todos os românticos Um mundo deste tipo podia dar conforto e riqueza aos homens embora na verdade parecesse evidente que este mundo também tornava os outros em número infinitamente maior famintos e miseráveis mas deixou suas almas desnudas e solitárias Deixouos sem pátria e sem lar perdidos no universo como se fossem seres alienados Uma fenda revolucionária na história do mundo impediuos de evitar esta alienação com a decisão de nunca deixar o velho lar Os poetas do romantismo alemão sabiam melhor que ninguém que a salvação consistia somente na simples e modesta vida de trabalho que se desenrolava naquelas idílicas cidadezinhas pré industriais que salpicavam as paisagens de sonho por eles descritas da maneira mais irresistível E ainda assim seus jovens deviam partir para fazer por definição a infindável busca da flor azul ou simplesmente para vagar para sempre cheios de melancolia cantando as líricas de Eichendorff ou as canções de Schubert A canção dos andarilhos é sua toada e a nostalgia sua companheira constante Novalis chegou mesmo a definir a filosofia nestes termos Três fontes abrandaram a sede da perdida harmonia entre o homem e o mundo a Idade Média o homem primitivo ou o que dá no mesmo o exotismo e o povo folk e a Revolução Francesa A primeira atraiu principalmente os românticos da reação A estável ordem social da idade feudal o lento produto orgânico das eras colorido de heráldica envolto pelos sombrios mistérios das florestas de contos de fada e coberto pelo dossel do inquestionável céu cristão era o evidente paraíso perdido dos oponentes conservadores da sociedade burguesa cujo gosto pela devoção a lealdade e um mínimo de cultura entre os mais modestos a Revolução Francesa tinha simplesmente aguçado Com as naturais variações locais esse era o ideal que Burke atirava contra o rosto dos enfurecidos racionalistas da Bastilha em sua obra Reflexões sobre a Revolução Francesa 1790 Entretanto onde este sentimento encontrou sua expressão clássica foi na Alemanha um pais que neste período adquiriu algo assim como o monopólio do sonho medieval talvez porque a organizada Gemuetlichkeit que parecia reinar sob os castelos do Reno e da Floresta Negra prestavase mais prontamente à idealização do que a imundície e a crueldade de países mais genuinamente medievais Em todo caso o medievalismo foi um componente bem mais forte do romantismo alemão do que qualquer outro e se irradiou para fora da Alemanha sob a forma de óperas ou do bale romântico Freischuetz ou Giselle de Weber dos Contos de Fadas de Grimm ou de teorias históricas que inspiraram escritores como Coleridge ou Carlyle Entretanto na forma mais genérica de um renascimento gótico o medievalismo foi o escudo dos conservadores e especialmente dos religiosos antiburgueses em toda a parte Chateaubriand exaltou o gótico em sua obra Espírito do Cristianismo 1802 contra a Revolução os defensores da Igreja da Inglaterra o favoreciam contra os racionalistas e não conformistas cujos prédios permaneceram clássicos o arquiteto Pugin e o Movimento de Oxford ultrareacionário e de tendência católica da década de 1830 eram góticos até a raiz dos cabelos Enquanto isto da nevoenta Escócia remota há muito um país capaz de todos os sonhos arcaicos como os poemas forjados e atribuídos ao bardo Ossian o conservador Walter Scott supria a Europa com mais um conjunto de imagens medievais em seus romances históricos O fato de que o melhor de seus romances tratasse de períodos bastante recentes da história escapou da atenção do público Ao lado desta preponderância do medievalismo conservador que os governos reacionários surgidos depois de 1815 procuraram traduzir em periclicantes justificativas do absolutismo cf cap 12111 o medievalismo de esquerda carecia de importância Na Inglaterra existia principalmente como uma corrente no movimento radical popular que tendia a ver o período anterior à Reforma como uma idade de ouro do trabalhador e a Reforma como o primeiro grande passo em direção ao capitalismo Na França foi muito mais importante pois ali sua ênfase não era colocada sobre a hierarquia feudal e a ordem católica mas sim sobre o povo eternamente sofredor turbulento e criativo a nação francesa sempre reafirmando sua identidade e sua missão Jules Michelet poeta e historiador foi o maior destes medievalistas democrático revolucionários Victor Hugo criou com o Corcunda de Notre Dame o mais conhecido produto daquela preocupação Intimamente aliada ao medievalismo especialmente através de sua preocupação com as tradições da religiosidade mística estava a busca dos mais antigos mistérios e fontes da sabedoria irracional do Oriente os reinos românticos mas também conservadores de Kublai Khan ou dos brâmanes Desde sempre o descobridor do sânscrito Sir Wiiliam Jones foi um sincero whig radical que saudou as revoluções francesa e americana como um cavalheiro erudito mas o resto dos entusiastas do Oriente e os escritores de poemas pseudopersas de cujo entusiasmo nasceu uma grande parte do moderno orientalismo pertenciam à tendência antijacobina É característico que a índia dos brâmanes fosse sua meta espiritual ao invés do racional e irreligioso império chinês que havia preocupado as imaginações exóticas do iluminismo do século XVIII IV O sonho da perdida harmonia do homem primitivo tem uma história bem mais longa e complexa Sempre havia sido um sonho avassaladoramente revolucionário tanto sob a forma da idade de ouro do comunismo como na da igualdade quando Adão cavava e Eva fiava quando o livre povo anglosaxônico ainda não havia sido escravizado pela conquista normanda ou então sob a forma do nobre selvagem que apontava as deficiências de uma sociedade corrompida Consequentemente o primitivismo romântico prestavase mais prontamente à rebelião esquerdista exceto quando servia simplesmente como uma fuga da sociedade burguesa como no exotismo de um Gautier ou Mérimée que encontraram no nobre selvagem uma atração turística na Espanha da década de 1830 ou quando a continuidade histórica fazia do primitivismo algo exemplarmente conservador Este foi sobretudo o caso do povo Entre os românticos de todas as tendências se admitia sem discussão que o povo o camponês ou o artesão préindustrial exemplificavam todas as virtudes incontaminadas e que sua língua canções lendas e costumes se constituíam no verdadeiro repositório da alma do povo Retornar àquela simplicidade e virtude era o objetivo de Wordsworth das Baladas Líricas ser aceito no conjunto de canções folclóricas e de contos de fadas a ambição alcançada por vários artistas de muitos poetas e compositores alemães O vasto movimento para coletar as canções folclóricas publicar as antigas narrativas épicas lexicografar a linguagem viva estava intimamente ligado ao romantismo a própria palavra folclore 1846 foi uma invenção do período As Baladas da Fronteira Escocesa de Walter Scott datadas de 1803 a obra de Arnin e Brentano Des Knaben Wunderhorn 1806 os Cornos de Fadas 1812 de Grimm as Melodias Irlandesas 180734 de Moore a História da Língua Boémia 1818 de Dobrovsky o Dicionário Servo de Vuk Karajic datado de 1818 e também sua obra Canções Folclóricas da Sérvia 182333 a obra de Tegnér Frithjofssaga 1825 na Suécia a edição do Kalevala de Lõnnrot na Finlândia em 1835 a Mitologia Alemã 1835 de Grimm e os Contos Folclóricos Noruegueses 184271 de Asbjõrnson e Moe são alguns dos monumentos daquela tendência O povo podia ser um conceito revolucionário especialmente entre os povos oprimidos que estavam a ponto de descobrir ou reafirmar sua identidade nacional e particularmente entre os que não possuíam uma classe média ou uma aristocracia locais Para eles um dicionário uma gramática ou uma coletânea de canções folclóricas era um acontecimento de vital importância política uma primeira declaração de independência Por outro lado para aqueles que se sentiam mais atraídos pelas virtudes simples do conformismo ignorância e devoção pela sabedoria profunda de sua confiança no papa no rei ou no czar o culto nacional do primitivo prestavase a uma interpretação conservadora Representavam a unidade da inocência do mito e da antiga tradição que a sociedade burguesa destruía dia a dia O capitalista e o racionalista eram os inimigos contra quem o rei o senhor e o camponês tinham que manter uma sagrada união O primitivo existia em cada aldeia mas existia como um conceito ainda mais revolucionário na hipotética idade de ouro do comunismo do passado e como o imaginado nobre selvagem do exterior especialmente o índio americano De Rousseau que a sustentava como o ideal do homem social livre até os socialistas a sociedade primitiva era uma espécie de modelo para todas as utopias A tríplice divisão da história feita por Marx o comunismo primitivo a sociedade de ciasse e o comunismo a nível mais elevado confirma embora também transforme aquela tradição O ideal do primitivismo não foi exclusivamente romântico De fato alguns de seus defensores mais ardentes pertenciam à tradição iluminista do século XVIII A busca romântica levou seus exploradores até os grandes desertos da Arábia e do norte da África entre os guerreiros e as odaliscas de Delacroix e Fromentin a Byron através do mundo mediterrâneo ou Lermontov até o Cáucaso onde o homem natural na figura do cossaco lutava contra o homem natural na figura do membro de uma tribo entre precipícios e cataratas ao invés de leválos à inocente utopia erótica e social do Taiti Mas também os levou à América onde o homem primitivo lutava condenado uma situação que o trazia mais para perto do sentimento dos românticos Os poemas indígenas do austrohúngaro Lenau se rebelam contra a expulsão dos pelevermelhas se o moicano não tivesse sido o último de sua tribo teria ele se transformado em um símbolo tão poderoso na cultura europeia Naturalmente o nobre selvagem desempenhou um papel imensuravelmente mais importante no romantismo americano do que no europeu Moby Dick 1815 de Herman Melville é seu maior monumento mas nos romances de Fenimore Cooper ele captou o velho mundo como o conservador Natchez de Chateaubriand nunca fora capaz de fazêlo A Idade Média o povo e a nobreza do selvagem eram ideais firmemente ancorados ao passado Só a revolução a primavera dos povos apontava exclusivamente para o futuro e assim mesmo os mais utópicos ainda achavam cómodo recorrer a um precedente em favor do sem precedente Isto não foi possível até que uma segunda geração romântica tivesse produzido uma safra de jovens para quem a Revolução Francesa e Napoleão eram fatos da história e não um doloroso capítulo autobiográficoO ano de 1789 havia sido saudado por praticamente todo artista e intelectual da Europa mas embora alguns tivessem conservado seu entusiasmo durante a guerra o terror a corrupção burguesa e o império seus sonhos não eram facilmente comunicáveis Mesmo na GrãBretanha onde a primeira geração do romantismo de Blake Wordsworth Coleridge Southey Campbell e Hazlitt fora totalmente jacobina os desiludidos e os neoconservadores ainda prevaleciam em 1805 Na França e na Alemanha de fato a palavra romântico fora realmente inventada como um slogan antirevolucionário pelos conservadores antiburgueses do final da década de 1790 frequentemente antigos esquerdistas desiludidos o que esclarece o fato de que um certo número de pensadores e artistas nestes países que pelos padrões modernos deveriam ser considerados românticos estejam tradicionalmente excluídos desta classificação Entretanto nos últimos anos das guerras napoleônicas começaram a surgir novas gerações de jovens para os quais só a grande chama libertadora da Revolução era visível através dos anos as cinzas de seus excessos e corrupções tendo desaparecido do alcance da vista depois do exílio de Napoleão mesmo aquele insensível personagem pôde se transformar em um fénix ou libertador quase mítico E à medida em que a Europa avançava ano após ano mais profundamente em direção às baixas e inexpressivas planícies da reação da censura e mediocridade e dos pestilentos pântanos da pobreza da infelicidade e da opressão a imagem da revolução libertadora tornavase ainda mais luminosa A segunda geração de românticos britânicos a de Byron 17881824 a do apolítico mas simpatizante Keats 17951821 e acima de tudo a geração de Shelley 17921822 foi assim a primeira a combinar o romantismo e o revolucionarismo ativo os desapontamentos da Revolução Francesa inesquecidos pela maioria de seus antepassados empalideciam ao lado dos visíveis horrores da transformação capitalista em seu próprio país No continente europeu a ligação entre a arte romântica e a revolução antecipada na década de 1820 só se tornou realidade durante e depois da Revolução Francesa de 1830 Isto também é verdade a propósito do que talvez possa ser chamado de visão romântica da revolução e estilo romântico de ser revolucionário cuja expressão mais conhecida é o quadro de Delacroix Liberdade nas Barricadas 1831 Aqui melancólicos jovens com barba e chapéus altos trabalhadores em mangas de camisa tribunos do povo com esvoaçantes cabeleiras sob sombreros rodeados por bandeiras tricolores e bonés frígios recriam a Revolução de 1793 não a moderada revolução de 1789 mas a glória do Ano 11 erguendo suas barricadas em cada cidade do continente Desde o início o revolucionário romântico não foi inteiramente uma novidade Seu precussor imediato foi o membro das sociedades secretas e das seitas maçónicas revolucionárias carbonaro ou filoheleno cuja inspiração vinha diretamente de velhos jacobinos ou babovistas sobreviventes como Buonarroti Foi a típica luta revolucionária do período da Restauração cheia de ousados jovens armados ou vestidos com uniformes hussardos saindo de óperas soirées e compromissos com duquesas ou de reuniões ritualistas maçónicas para dar um golpe militar ou se colocar à frente de uma nação revoltosa de fato seguiam o padrão de Byron Entretanto esta moda revolucionária não só estava muito mais diretamente inspirada pelos estilos de pensamento do século XVIII como talvez fosse socialmente mais exclusiva do que aqueles Ela também se ressentia de um elemento crucial da visão revolucionária romântica de 183048 as barricadas as massas o novo e desesperado proletariado aquele elemento que a gravura de Daumier sobre o Massacre na Rue Transnonain 1834 com seu trabalhador assassinado acrescentou à imaginação romântica A mais surpreendente consequência desta união do romantismo com a visão de uma nova e mais elevada Revolução Francesa foi a avassaladora vitória da arte política entre 1830 e 1848 Raramente houve um período em que mesmo os artistas menos ideológicos tenham sido mais universalmente partidários frequentemente considerando o serviço à política como seu dever primordial O romantismo proclamava Victor Hugo no prefácio de Hernani esse manifesto de rebelião 1830 é o liberalismo na literatura Os escritores escrevia o poeta Alfred de Musset 181057 cujo talento natural como o do compositor Chopin 181049 ou do introspectivo poeta austrohúgaro Lenau 180250 se inclinava mais para o pronunciamento privado que público tinham uma predileção para falar em seus prefácios a respeito do futuro do progresso social da humanidade e da civilização Vários artistas se tornaram figuras políticas e não só em países com angústias de libertação nacional onde todos os artistas tendiam a ser profetas ou símbolos nacionais Chopin Liszt e até mesmo o jovem Verdi entre os músicos Mickiewcz que acreditava representar um papel messiânico Petõfi e Manzoni entre os poetas da Polónia Hungria e Itália respectivamente O pintor Daumier trabalhava basicamente como um caricaturista político O poeta Uhland e os irmãos Grimm eram políticos liberais o vulcânico gênio juvenil Georg Biichner 181037 um ativo revolucionário Heinrich Heine 17971856 um íntimo amigo pessoal de Karl Marx uma voz ambígua porém poderosa da extrema esquerda A literatura e o jornalismo se fundiram sobretudo na França Alemanha e Itália Em outra época um Lamennais ou um Jules Michelet na França um Carlyle ou um Ruskin na GrãBretanha poderiam ter sido poetas ou romancistas com algumas opiniões a cerca de assuntos públicos na sua época foram propagandistas profetas filósofos ou historiadores levados por um ímpeto poético Desta forma a lava da imaginação poética acompanhou a erupção do jovem intelecto de Marx com uma amplitude inusitada entre filósofos ou economistas Mesmo o delicado Tennyson e seus amigos de Cambridge colocaram seus corações à disposição da brigada internacional que foi apoiar os liberais contra os clericais na Espanha As características teorias estéticas surgidas e desenvolvidas durante este período ratificaram esta unidade da arte e do compromisso social Os seguidores de SaintSimon na França por um lado os brilhantes intelectuais revolucionários russos por outro desenvolveram as ideias que mais tarde formariam parte dos movimentos marxistas sob nomes tais como realismo socialista um nobre ideal porém não totalmente bemsucedido derivado da austera virtude do jacobinismo e da fé romântica no poder do espírito que fez com que Shelley chamasse os poetas de legisladores não reconhecidos do mundo A arte pelo prazer da arte embora já formulada principalmente pelos conservadores e diletantes ainda não podia competir com a arte para o bem da humanidade ou para o bem das nações e do proletariado Só depois que as revoluções de 1848 tinham destruído as esperanças românticas do grande renascimento do homem foi que o esteticismo autocontido de alguns artistas aflorou A evolução de algumas figuras de 1848 como Baudelaire e Flaubert ilustra esta mudança política e estética e á Educação Sentimental de Flaubert permanece sendo seu maior êxito literário Somente em países como a Rússia onde a desilusão de 1848 não ocorreu talvez porque na Rússia 1848 não houve as artes continuaram a ser socialmente comprometidas ou preocupadas como anteriormente V O romantismo é a moda mais característica na arte e na vida do período da revolução dupla mas não é absolutamente a única De fato visto que não dominava nem a cultura da aristocracia nem a da classe média e menos ainda a da classe trabalhadora pobre sua verdadeira importância quantitativa na época foi pequena As artes que dependiam do patrocínio ou do apoio maciço das classes abastadas toleravam melhor o romantismo onde suas características ideológicas eram menos óbvias como na música As artes que dependiam do apoio dos pobres quase não tinham nenhum interesse pára o artista romântico embora de fato a diversão dos pobres revistas de contos sentimentalóides circos pequenas exibições com uma atração principais teatros mambembes e coisas semelhantes foram uma fonte de muita inspiração para os românticos e em troca os artistas populares reforçaram o repertório de emoções oferecidas ao público cenas de transmutação fadas últimas palavras de assassinos bandoleiros etc com adequadas mercadorias adquiridas nos armazéns românticos O estilo fundamental da vida e da arte aristocrática permanecia enraizado no século XVIII embora consideravelmente vulgarizado pela adesão de novos ricos enobrecidos conforme ocorreu no estilo do império napoleônico que foi de impressionante feiura e pretensão e no estilo da Regência Britânica Uma comparação entre os uniformes do século XVIII e pós napoleônicos a forma de arte que mais diretamente expressava os instintos dos funcionários e cavalheiros responsáveis por seu corte torna clara esta afirmação A triunfante supremacia da GrãBretanha fez do nobre inglês o padrão da cultura ou melhor da incultura aristocrática internacional pois os interesses do dandy bem barbeado impassível e refulgente deviam ser limitados a cavalos cães carruagens pugilistas profissionais caça jogo diversões de cavalheiros e sua própria pessoa Tal extremismo heróico incendiou até mesmo os românticos que também apreciavam o dandismo mas provavelmente excitou as jovens senhoras de origem modesta ainda mais fazendoas sonhar nas palavras de Gautier Sir Edward era exatamente o inglês de seus sonhos O inglês bem barbeado corado brilhante arrumado e polido que enfrentava os primeiros raios do sol da manhã com um cachecol branco perfeito o inglês de impermeável e galochas Não era ele a própria coroa da civilização Terei pratarias inglesas pensava ela e porcelana de Wedgwood Haverá tapetes por toda a casa e serviçais empoados e respirarei o ar ao lado de meu marido dirigindo uma parelha de quatro cavalos através do Hyde Park Corças malhadas e dóceis brincarão na grama verde do jardim de minha casa de campo e talvez também algumas crianças coradas e louras As crianças ficam muito bem no assento dianteiro de um Barouche ao lado de um cachorro spaniel com pedigree Esta era talvez uma visão inspirada mas não romântica assim como o quadro das majestades reais ou imperiais graciosamente assistindo uma ópera ou um baile cobertas de jóias galanteria e beleza A cultura das classes média e baixa não era mais romântica Sua tónica fundamental era a sobriedade e a modéstia Somente entre os grandes banqueiros e especuladores ou entre a primeiríssima geração de milionários industriais que jamais ou não mais necessitavam reinvestir uma grande parte de seus lucros nos negócios é que o pseudobarroco opulento do final do século XIX apareceu e só nos poucos países em que as velhas monarquias e aristocracias não mais dominavam a sociedade inteiramente Os Rothschild monarcas por direito próprio já se exibiam como príncipes A burguesia comum não o fazia O puritanismo a religiosidade católica ou evangélica encorajavam a moderação a poupança uma sobriedade espartana e um orgulho moral sem precedentes na GrãBretanha nos Estados Unidos na Alemanha e na França huguenote a tradição moral do iluminismo do século XVIII e da maçonaria fazia o mesmo no setor mais emancipado e antireligioso Exceto na busca do lucro e na lógica a vida da classe média era uma vida de emoção controlada e de perspectivas limitadas deliberadamente A enorme parcela da classe média que no continente europeu não estava envolvida em negócios mas em funções governamentais como funcionários professores ou em alguns casos como pastores estava ausente até mesmo da fronteira expansionista da acumulação de capital e o mesmo acontecia com o modesto burguês de província que consciente de que a riqueza da cidade pequena era o limite de suas possibilidades não se deixava impressionar pelos padrões de riqueza e poderio de sua época De fato a vida da classe média era aromântica e seus padrões ainda eram em grande parte dominados pelas modas do século XVIII Isto é perfeitamente evidente no lar da classe média que era afinal de contas o centro da sua cultura mesocrática O estilo da casa e da rua burguesa pósnapoleônica derivase diretamente e quase sempre continua o classicismo ou o rococó do século XVIII As construções no estilo georgiano continuaram na GrãBretanha até a década de 1840 e em outras partes o rompimento arquitetônico introduzido principalmente por uma redescoberta artisticamente desastrosa da renascença chegou mais tarde ainda O estilo predominante da decoração de interiores e da vida doméstica melhor chamado de Biedermeier depois de alcançar sua mais perfeita expressão na Alemanha foi uma espécie de classicismo doméstico acalentado pela intimidade da emoção e pelos sonhos virginais Innerlichkeii Gemuetlichkeit que devia alguma coisa ao romantismo ou melhor ao préromantismo do final do século XVIII mas que reduziu até mesmo esta dívida às dimensões da modesta interpretação burguesa de quartetos nas tardes de domingo na sala de estar O Biedermeier produziu um dos mais belos estilos de decoração jamais criado cortinas brancas lisas contra paredes foscas assoalhos vazios cadeiras e escrivaninhas sólidas mas elegantíssimas pianos gabinetes de trabalho e jarrões cheios de flores Foi essencialmente um estilo clássico tardio Talvez seu mais nobre exemplo seja a casa de Goethe em Weimar Assim ou algo muito semelhante era o cenário em que viviam as heroínas dos romances de Jane Austen 17751817 para os rigores evangélicos e deleites da seita de Clapham para a alta burguesia de Boston ou para os leitores provincianos franceses do Jornal de Debates O romantismo entrou na cultura da classe média talvez principalmente através do aumento dos devaneios entre as mulheres da família burguesa Exibir a capacidade do homem em prover o sustento da família para mantêlas numa ociosidade insuportável foi uma de suas principais funções sociais uma tíbia escravidão era seu destino ideal Hm todo caso as moças burguesas como as não burguesas as odaliscas e as ninfas que os pintores antiromânticos como Ingres 17801867 levaram do contexto romântico para o ambiente burguês adaptaramse rapidamente ao mesmo tipo frágil pálido de cabelos macios a suave flor vestida com um xale e um gorro tão característicos da moda de 1840 Havia sido percorrido um longo caminho desde aquela leoa humilhada a Duquesa de Alba de Goya ou as jovens neogregas emancipadas vestidas com musseline branca que a Revolução Francesa havia espalhado pelos salões ou as altivas damas e cortesãs da Regência como Lady Lieven ou Harriete Wilson tão antiromânticas quanto antiburguesas As moças burguesas podiam tocar em suas casas a música romântica civilizada de Chopin ou de Schumann 181056 O estilo Biedermeier podia encorajar um tipo de lirismo romântico como o de Eichendorff 17881857 ou de Eduard Mõrike 180475no qual a paixão cósmica era transfigurada em nostalgia ou ansiedade passiva O empresário ativo podia até mesmo enquanto estivesse em uma viagem de negócios desfrutar numa estância montanhosa a visão mais romântica que jamais vi descansar em casa fazendo esboços do Castelo de Udolfo ou mesmo como John Cragg de Liverpool sendo um homem de gosto artístico bem como um dono de metalúrgica introduzir o ferro fundido na arquitetura gótica Mas em seu conjunto a cultura burguesa não era romântica O próprio alvoroço do progresso técnico obstruía o romantismo ortodoxo pelos menos nos centros industriais avançados Um homem como James Nasmyth inventor do martelo a vapor 180890 era tudo menos um bárbaro ainda que só pelo fato de ser filho de um pintor jacobino o pai da pintura paisagística na Escócia criado entre artistas e intelectuais amante do pitoresco e do antigo e com toda a grande e sólida instrução de um bom escocês Ainda assim o que seria mais natural do que o filho de um pintor se tornar um mecânico ou de que durante uma excursão feita em sua juventude com seu pai o que mais lhe interessou tenha sido a Metalúrgica de Devon Para ele bem como para os educados cidadãos de Edinburgo do século XVIII entre os quais cresceu as coisas eram sublimes mas não irracionais Rouen continha simplesmente uma maravilhosa catedral e a Igreja de S Ouen tão exótica em sua beleza juntamente com os refinados restos de arquitetura gótica espalhados por aquela cidade interessante e pitoresca O pitoresco era esplêndido ainda assim ele não pôde deixar de notar em suas entusiasmadas férias que era um produto desdenhável A beleza era esplêndida mas certamente o que andava errado com a arquitetura moderna era o fato de que o propósito da construção é encarado como uma coisa secundária Relutei em sair de Pisa escreveu ele mas o que mais me interessou na Catedral foram as duas lâmpadas de bronze suspensas no final da nave que sugeriram a Galileu a invenção do pêndulo Tais homens não eram nem bárbaros nem filisteus mas seu mundo estava bem mais próximo do de Voltaire e Josias Wedgwood do que do de John Ruskin Sem dúvida o grande inventor de ferramentas Henry Maudslay se sentia muito mais à vontade em Berlim com seus amigos Humboldt o rei dos cientistas liberais e o arquiteto neoclássico Schinkel do que teria se sentido em companhia do grande mas nebuloso Hegel Em qualquer caso nos centros da sociedade burguesa avançada as artes como um todo vinham em segundo lugar em relação às ciências O culto engenheiro ou fabricante americano ou britânico poderia apreciálas especialmente em momentos de descanso ou férias em família mas seus verdadeiros esforços culturais se dirigiam para a difusão e o avanço do conhecimento do seu próprio em instituições tais como a Associação Britânica para o Progresso da Ciência ou do povo através da Sociedade para a Difusão de Conhecimentos Úteis e outras organizações semelhantes É característico que o produto típico do iluminismo dó século XVIII a Enciclopédia tenha florescido como nunca retendo ainda como no famoso Léxico de Conversação dos alemães de Meyer um produto da década de 1830 muito de seu liberalismo político militante Byron ganhou muito dinheiro com seus poemas mas o editor Constable em 1812 pagou a Dugald Stewart mil libras por um prefácio sobre o progresso da filosofia para o suplemento da Enciclopédia Britânica E mesmo quando a burguesia era romântica seus sonhos eram os da tecnologia os jovens inspirados por SaintSimon se tornaram os planejadores do canal de Suez das gigantescas redes de ferrovias que uniam todas as partes do globo das finanças faustuosas muito além do tipo natural de interesse dos calmos e racionalistas Rothschild que sabiam que se podia ganhar muito dinheiro por meios conservadores com um mínimo de arrojo especulativo A ciência e a técnica foram as musas da burguesia e celebraram seu triunfo a estrada de ferro no grande pórtico neoclássico hoje em dia destruído da estação de Euston VI Enquanto isto fora do raio de ação da literatura a cultura do povo comum seguia seu caminho Nas partes não urbanas e não industriais do mundo pouco mudou As canções e festas da década de 1840 os costumes motivos e cores das artes decorativas do povo o padrão de seus hábitos continuavam a ser quase os mesmos de 1789 A indústria e o desenvolvimento das cidades começaram a destruílos Ninguém poderia viver em uma cidade industrial da mesma maneira que o havia feito em uma aldeia e todo o complexo da cultura necessariamente teria que se esfacelar com o colapso da armação social que o mantinha unido e lhe dava forma Quando uma canção tem por tema o cultivo da terra não pode ser cantada por homens que não a cultivam e se ainda assim o fosse deixava de ser uma canção folclórica e se transformava em uma outra coisa qualquer A nostalgia do emigrante mantinha os velhos costumes e canções no exílio da cidade e talvez mesmo tenha intensificado sua atração pois tais costumes e canções aliviavam a dor da erradicação Mas fora das cidades e das fábricas a revolução dupla transformara ou mais precisamente devastara somente alguns aspectos da antiga vida rural notadamente em algumas partes da Irlanda e da GrãBretanha até o momento em que as velhas formas de vida se tornaram impossíveis De fato mesmo na indústria a transformação social não tinha ido longe o suficiente antes da década de 1840 para destruir completamente a cultura antiga pelo menos nas zonas da Europa Ocidental onde as manufaturas e os artífices tinham tido muitos séculos para desenvolver por assim dizer um padrão semiindustrial de cultura No interior os mineiros e os tecelões expressavam sua esperança e seu protesto através de canções folclóricas tradicionais e a revolução industrial não fez mais que aumentar seu número e tornálas mais intensas A fábrica não tinha necessidade de canções de trabalho mas outras atividades relacionadas com o desenvolvimento econômico tinham esta necessidade e as desenvolveram à moda antiga a canção do cabrestante dos marujos empregados em grandes veleiros pertence a esta época de ouro da canção folclórica industrial na primeira metade do século XIX como as baladas dos caçadores de baleia da Groenlândia a balada do dono da mina e da mulher do mineiro e o lamento do tecelão Nas cidades préindustriais os grémios de artesãos e empregados domésticos desenvolviam uma intensa cultura na qual as seitas protestantes colaboravam ou competiam com o radicalismo jacobino para estimular a educação unindo os nomes de Bunyan e João Calvino aos de Tom Paine e Robert Owen Bibliotecas capelas e institutos jardins e viveiros onde o artesão mais extravagante produzia suas flores artificialmente exageradas pombos e cães enchiam estas autoconfiantes e militantes comunidades de homens habilidosos Norwich na Inglaterra era famosa não só por seu espírito republicano e ateu mas também por seus canários Mas a adaptação de antigas canções folclóricas à vida industrial não sobreviveria exceto nos Estados Unidos da América ao impacto da era das ferrovias e do ferro e as comunidades de velhos homens qualificados como a dos antigos tecelões de linho de Dunfermline tampouco sobreviveriam ao avanço da fábrica e da máquina Depois de 1840 cairiam em ruínas Até então nada substituía a antiga cultura Na GrãBretanha por exemplo o novo padrão de uma vida totalmente industrial não surgiria em sua plenitude até as décadas de 1870 e 1880 O período que vai desde os antigos modos tradicionais de vida até então foi portanto de muitas maneiras a parte mais negra daquilo que já era em si uma terrível época negra para o trabalhador pobre Em nosso período nem as grandes cidades conseguiram desenvolver um padrão de cultura popular necessariamente comercial mais do que de criação própria como nas comunidades menores Ê verdade que a grande cidade especialmente a grande cidade capital já possuía importantes instituições que supriam as necessidades culturais dos pobres ou da raça miúda embora frequentemente coisa curiosa também as da aristocracia Entretanto muitas delas procediam do século XVIII cuja contribuição para a evolução das artes populares tem sido tão constantemente negligenciada O teatro popular dos subúrbios de Viena o teatro dialetal nas cidades italianas a ópera popular distinta da ópera da corte a commedia deWarte e as pantomimas ambulantes as lutas de boxe e as corridas de cavalo ou a versão democratizada das touradas espanholas eram produtos do século XVIII a literatura de cordel e os livretos de baladas eram produtos de um período ainda mais antigo As formas genuinamente novas de diversão urbana na grande cidade eram subprodutos da taberna ou loja de bebidas que se converteu em uma crescente fonte de consolo secular para o trabalhador pobre em sua desorganização social e a última trincheira urbana do costume e do cerimonial tradicional preservada e intensificada por grémios de artífices sindicatos e as ritualísticas sociedades de amigos O musichall e o salão de bailes surgiram da taberna mas por volta de 1848 esta espécie de diversão ainda não tinhase desenvolvido totalmente mesmo na GrãBretanha embora seu aparecimento já tivesse sido notado na década de 1830 As outras novas formas de divertimento urbano das grandes cidades nasceram do conveniente sempre acompanhadas por seu séquito de artistas mambembes Na grande cidade fixaramse permanentemente e mesmo na década de 1840 a mistura de exibições variadas com uma atração principal de teatros mascates batedores de carteiras e mendigos em bulevares proporcionavam diversão ao populacho e inspiração aos intelectuais românticos de Paris O gosto popular também determinou a forma e a decoração das relativamente poucas mercadorias que a indústria produzia primordialmente para o mercado dos pobres as canecas comemorativas do triunfo da Lei da Reforma a grande ponte de ferro sobre o rio Wear ou ainda os magníficos veleiros que cruzavam o Atlântico a literatura de cordel em que se imortalizavam os sentimentos revolucionários ou patrióticos e os crimes famosos e alguns poucos artigos de mobília e de lar teriam que esperar a segunda metade do século XIX Capítulo Quinze A Ciência Jamais nos esqueçamos que muito antes de nós as ciências e a filosofia combateram os tiranos Seus constantes esforços fizeram a revolução Como homens livres e gratos devemos estabelecêlas entre nós e para sempre cuidar delas com devoção pois as ciências e a filosofia manterão a liberdade que conquistamos De um membro da Convenção Os problemas da ciência comentava Goethe são com grande frequência problemas de carreira Uma única descoberta pode tornar um homem famoso e lançar o princípio de sua fortuna como cidadão Todo fenómeno observado pela primeira vez é uma descoberta e toda descoberta é uma propriedade Mexase na propriedade de um homem e logo suas paixões vêm à tona Diálogos com Eckermann 21 de dezembro de 1823 I Traçar um paralelo entre as artes e as ciências é sempre perigoso pois as relações entre cada uma delas e a sociedade em que vicejam são muito diferentes Mas as ciências também refletiram na sua marcha a revolução dupla em parte porque esta lhes colocou novas e específicas exigências em parte porque lhes abriu novas possibilidades e confrontouas com novos problemas e em parte porque sua própria exigência sugeria novos padrões de pensamento Não desejo deduzir disto que a evolução das ciências entre 1789 e 1848 possa ser analisada exclusivamente em termos dos movimentos da sociedade que as rodeavam A maior parte das atividades humanas têm sua lógica interna que determina ao menos uma parte de seu movimento O planeta Netuno foi descoberto em 1846 não porque algo alheio à astronomia encorajasse seu descobrimento mas porque as tabelas de Bouvard em 1821 demonstraram que a órbita do planeta Urano descoberto em 1781 apresentava inesperados desvios dos cálculos porque por volta do final da década de 1830 estes desvios tinhamse tornado maiores e foram experimentalmente atribuídos a distúrbios produzidos por algum corpo celeste desconhecido e porque vários astrónomos começaram a calcular a posição deste corpo Contudo mesmo o mais apaixonado crente na imaculada pureza da ciência pura é consciente de que o pensamento científico pode ao menos ser influenciado por questões alheias ao campo específico de uma disciplina ainda que só porque os cientistas até mesmo o mais antimundano dos matemáticos vivem em um mundo mais vasto que o de suas especulações O progresso da ciência não é um simples avanço linear cada estágio determinando a solução de problemas anteriormente implícitos ou explícitos nele e por sua vez colocando novos problemas Este avanço também prossegue pela descoberta de novos problemas de novas maneiras de enfocar os antigos de novas maneiras de enfrentar ou solucionar velhos problemas de campos de investigação inteiramente novos de novos instrumentos práticos e teóricos de investigação Em todo ele há um grande espaço para o estímulo ou a formação do pensamento através de fatores externos Se de fato a maioria das ciências em nosso período tivessem avançado de uma simples forma linear como foi o caso da astronomia que permaneceu substancialmente dentro da sua estrutura newtoniana tais considerações poderiam não ser muito importantes Mas como veremos nosso período foi de novos pontos de partida radicais em alguns campos do pensamento como na matemática do despertar de ciências até então adormecidas como a química da virtual criação de novas ciências como a geologia e da injeção de novas ideias revolucionárias em outras ciências como as ciências sociais e biológicas Da forma como aconteceu com todas as demais forças as exigências diretas feitas aos cientistas pelo governo ou a indústria estavam entre as menos importantes A Revolução Francesa mobilizouos colocando o geômetra e engenheiro Lazare Carnot a frente do esforço de guerra jacobino o matemático e físico Monge ministro da Marinha em 17923 e uma equipe de matemáticos e químicos a frente da produção bélica como antes havia encarregado o químico e economista Lavoisier do preparo de uma estimativa da renda nacional Aquela foi talvez a primeira ocasião na história em que o cientista enquanto tal fez parte do governo embora isto tenha sido de maior importância para o governo do que para a ciência Na GrãBretanha as principais indústrias de nosso período foram as têxteis de algodão as do carvão do ferro das ferrovias e da construção de navios mercantes Os conhecimentos que revolucionaram estas indústrias foram os de homens empíricos talvez demasiadamente empíricos O herói da revolução da ferrovia britânica foi George Stephenson que não era culto do ponto de vista científico mas um intuitivo que adivinhava as possibilidades de uma máquina um superartesão mais que um técnico As tentativas de cientistas como Babbage para se tornarem úteis às ferrovias ou de engenheiros como Brunel para estabelecêlas sobre bases racionais e não simplesmente empíricas não deram resultado Por outro lado a ciência se beneficiou tremendamente com o surpreendente estímulo dado à educação científica e técnica e com o menos surpreendente apoio dado à investigação durante nosso período Aqui a influência da revolução dupla é bastante clara A Revolução Francesa transformou a educação técnica e científica de seu país principalmente devido à criação da Escola Politécnica 1795 que pretendia ser uma escola para técnicos de todas as especialidades e do primeiro esboço da Escola Normal Superior 1794 que seria firmemente estabelecida como parte de uma reforma geral da educação secundária e superior por Napoleão Também fez renascer a definhante Academia Real 1795 e criou no Museu Nacional de História Natural 1794 o primeiro centro genuíno de pesquisa fora das ciências físicas A supremacia mundial da ciência francesa durante a maior parte de nosso período se deveu quase certamente a estas importantes fundações notadamente à Politécnica um turbulento centro do jacobinismo e liberalismo que atravessou todo o período pósnapoleônico e um incomparável criador de grandes matemáticos e físicos A Escola Politécnica teve imitadores em Praga Viena e Estocolmo em S Petersburgo e Copenhagen em toda a Alemanha e Bélgica em Zurique e Massachussets mas não na Inglaterra O choque da Revolução Francesa também sacudiu a letargia educacional da Prússia e a nova Universidade de Berlim 180610 fundada como parte do despertar prussiano tornouse o modelo da maioria das universidades alemães que por sua vez viriam criar o padrão das instituições académicas em todo o mundo Uma vez mais nenhuma reforma deste tipo se deu na GrãBretanha onde a revolução política nada ganhou nem conquistou Mas a imensa riqueza do país que tornava possível a criação de laboratórios particulares como o de Henry Cavendish e o de James Joule e a pressão geral das pessoas inteligentes da classe média por uma educação técnica e científica obteve bons resultados O Conde de Rumford um peripatético aventureiro ilustrado fundou a Instituição Real em 1799 Sua fama entre os leigos baseavase principalmente em suas famosas conferências públicas mas sua verdadeira importância reside nas facilidades únicas para a ciência experimental que concedeu a Humphry Davy e Michael Faraday Foi de fato um primeiro exemplo do laboratório de pesquisa Associações para o progresso da ciência como a Sociedade Lunar de Birmingham e a Sociedade Filosófica e Literária de Manchester mobilizaram a ajuda dos industriais nas províncias John Dalton fundador da teoria atómica saiu desta última sociedade Em Londres os radicais benthamitas fundaram ou melhor assumiram o controle e modificaram o Instituto dos Mecânicos de Londres atualmente Birkbeck College como uma escola para técnicos a Universidade de Londres como uma alternativa para a sonolência de Oxford e Cambridge e a Associação Britânica para o Progresso da Ciência 1831 como uma alternativa para o torpor aristocrático da degenerada Sociedade Real Não eram fundações destinadas a acalentar a busca do conhecimento puro por si mesmo já que este tipo de instituição demorou mais a surgir Mesmo na Alemanha o primeiro laboratório universitário de pesquisa química o de Liebig em Gíessen não foi instalado até 1825 Seria desnecessário dizer que sua inspiração foi francesa Havia instituições para formar técnicos como na França e na GrãBretanha professores como na França e na Alemanha ou para criar na juventude um espírito de serviço a seu país A era revolucionária portanto fez crescer o número de cientistas e eruditos e estendeu a ciência em todos os seus aspectos E ainda mais viu o universo geográfico das ciências se alargar em duas direções Em primeiro lugar o progresso do comércio e o processo de exploração abriram novos horizontes do mundo ao estudo científico e estimularam o pensamento sobre eles Um dos maiores gênios científicos de nosso período Alexandre von Humboldt 1769 1859 contribuiu primordialmente desta forma para o progresso da ciência como um incansável viajante observador e teórico nos campos da geografia etnografia e história natural embora sua nobre síntese de todo o conhecimento a obra Cosmos 184559 não possa ser definida dentro dos limites de disciplinas particulares Em segundo lugar o universo das ciências se ampliou para abraçar países e povos que até então só tinham dado contribuições insignificantes A lista de grandes cientistas de digamos 1750 contém muih poucos que não sejam franceses britânicos alemães italianos e suí ços Mas a lista menor dos grandes matemáticos da primeira metade do século XIX contém o nome de Henrik Abel da Noruega de Janos Bolyai da Hungria e de Nikolai Lobachevsky da remota cidade de Kazan Aqui mais uma vez a ciência parece refletir a ascensão das culturas nacionais fora da Europa Ocidental o que é também um surpreendente produto da era revolucionária Este elemento nacional na expansão das ciências se refletiu por seu turno no declínio do cosmopolitismo que havia sido tão característico das pequenas comunidades científicas dos séculos XVII e XVIII A era da itinerante celebridade internacional que como Euler viajou da Basileia a S Petersburgo e daí para Berlim voltando à corte de Catarina a Grande passou com os velhos regimes Daí em diante o cientista permaneceria dentro de sua área lingilística exceto para pequenas visitas comunicandose com seus colegas através dos jornais especializados tão típicos produtos deste período as Atas da Real Sociedade 1831 as Comptes Rendues de lAcademie des Sciences 1837 as Aias da Sociedade Filosófica Americana 1838 ou as novas revistas especializadas tais como a Journal fúr Reine und Angewandte Mathematick de Crelle ou os Anais de Química e Física 1797 II Antes que possamos julgar a natureza do impacto da revolução dupla sobre as ciências seria conveniente analisar brevemente o que aconteceu com elas No todo as clássicas ciências físicas não foram revolucionadas isto é permaneceram substancialmente dentro dos termos de referência estabelecidos por Newton ou continuando as linhas de pesquisa já seguidas no século XVIII ou expandindo as antigas descobertas fragmentárias e coordenandoas em sistemas teóricos mais amplos Assim o mais importante dos novos campos abertos e o único que teve imediatas consequências tecnológicas foi o da eletricidade ou melhor o do eletromagnetismo Cinco datas importantes quatro delas em nosso período marcam seu progresso decisivo 1786 quando Galvani descobriu a corrente elétrica 1799 quando Volta construiu sua bateria 1800 quando a eletrólise foi descoberta 1820 quando Oersted descobriu a conexão entre eletricidade e magnetismo 1831 quando Faraday estabeleceu as relações entre todas estas forças e por acaso se viu como o pioneiro de um enfoque da física em termos de campos em vez de impulsos mecânicos que se antecipava à era moderna A mais importante das novas sínteses teóricas foi a descoberta das leis da termodinâmica isto é das relações entre calor e energia A revolução que transformou a astronomia e a física em ciências modernas ocorrera no século XVII a que criou a química estava em pleno desenvolvimento no início de nosso período De todas as ciências esta foi a mais íntima e imediatamente ligada à prática industrial especialmente aos processos de tingimento e branqueamento da indústria têxtil Além do mais seus criadores foram não só homens práticos ligados a outros homens práticos como Dalton na Sociedade Filosófica e Literária de Manchester e Priestley na Sociedade Lunar de Birmingham como também algumas vezes revolucionários políticos embora moderados Dois deles foram vítimas da Revolução Francesa Priestley nas mãos da turba conservadora do partido Tory por simpatizar excessivamente com ela e o grande Lavoisier na guilhotina por não simpatizar o suficiente ou melhor por ser um grande homem de negócios A química como a física foi proeminentemente uma ciência francesa Seu verdadeiro fundador Lavoisier 174394 publicou o seu fundamental Tratado Elementar de Química no próprio ano da revolução e a inspiração para os avanços químicos e especialmente a organização da pesquisa química em outros países mesmo naqueles que viriam a ser mais tarde os principais centros da pesquisa química como a Alemanha foi primeiramente francesa Os principais avanços antes de 1789 consistiram em estabelecer uma ordem elementar no emaranhado de experiências empíricas através da elucidação de certos processos químicos fundamentais tais como a combustão e de alguns elementos fundamentais como o oxigênio Também trouxeram uma medição quantitativa precisa e um programa de ulteriores investigações O conceito crucial de uma teoria atómica fundada por Dalton 180310 tornou possível a invenção da fórmula química c com isto a abertura do estudo da estrutura química ao que se seguiu uma abundância de novos resultados experimentais No século XIX a química viria a ser uma das mais vigorosas de todas as ciências e consequentemente foi uma ciência que atraiu como acontece com todo assunto dinâmico uma massa de homens capazes Entretanto a atmosfera e os métodos da química continuaram em grande parte a ser os mesmos do século XVIII A química teve entretanto uma implicação revolucionária a descoberta de que a vida podia ser analisada em termos das ciências inorgânicas Lavoisier descobriu que a respiração é uma forma de combustão do oxigênio Woehler descobriu em 1828 que um composto até então só encontrado em coisas vivas a ureia podia ser sintetizado no laboratório abrindo assim o vasto e novo campo da química orgânica Ainda assim apesar de haver sido superado o grande obstáculo para o progresso a crença de que a matéria viva obedecia a leis naturais fundamentalmente diferentes da matéria inerte nem o estudo da mecânica nem o da química permitiram ao biólogo avançar muito O avanço mais fundamental da biologia neste perído a descoberta feita por Schleiden e Schwann de que todas as coisas vivas eram compostas de multiplicidades de células 18939 estabeleceu uma espécie de equivalente da teoria atómica para a biologia mas uma biofísica e uma bioquímica maduras ainda estavam muito longe Uma revolução ainda mais profunda mas pela própria natureza do assunto menos óbvia do que a ocorrida na química se deu em relação à matemática Contrariamente à física que continuou dentro dos termos de referência do século XVII e à química que respirava forte através da porta aberta no século XVIII a matemática em nosso período entrou em um universo inteiramente novo muito além do universo dos gregos que ainda dominava a aritmética e a geometria plana e daquele do século XVII que dominava a análise Poucos exceto os matemáticos apreciarão a profundidade da inovação trazida para a ciência pela teoria das funções de complexos variáveis Gauss Cauchy Abel Jacobi da teoria dos grupos Cauchy Galois ou dos vetores Hamilton Mas até mesmo o leigo é capaz de compreender o alcance da revolução pela qual o russo Lobachevsky 18269 e o húngaro Bolyai 1831 derrubaram a mais permanente das certezas intelectuais a geometria euclidiana Toda a majestosa e inabalável estrutura da lógica euclidiana se apoiava em certas suposições uma das quais o axioma de que as paralelas nunca se encontram não é nem evidente nem comprovável Hoje em dia pode parecer elementar construir uma geometria igualmente lógica com base em alguma outra suposição por exemplo Lobachevsky Bolyai de que uma infinidade de paralelas a qualquer linha L pode passar pelo ponto P ou Riemann de que nenhuma linha paralela à linha L passa pelo ponto P tanto mais quanto podemos construir superfícies reais às quais estas regras se aplicam Assim a terra na medida em que é um globo se adapta às suposições riemannianas e não às euclidianas Mas chegar a estas suposições no princípio do século XIX era um ato de audácia intelectual comparável a colocar o Sol e não a Terra no centro do sistema planetário III A revolução matemática passou desapercebida exceto para alguns especialistas em assuntos notórios por sua distância da vida cotidiana A revolução nas ciências sociais por outro lado não podia deixar de abalar o leigo já que lhe afetava visivelmente em geral segundo se acreditava para o pior Os eruditos e amantes das ciências nos romances de Thomas Love Peacock estão geralmente banhados de simpatia ou de um ridículo afetuoso não acontecendo o mesmo com os economistas e propagandistas da Steam Intellect Society Para sermos precisos houve duas revoluções cujos cursos convergem para produzir o marxismo como a mais abrangente síntese das ciências sociais A primeira delas que dava continuidade ao brilhante pioneirismo dos racionalistas dos séculos XVII e XVIII estabelecia o equivalente das leis físicas para as populações humanas Seu primeiro triunfo foi a construção de uma sistemática teoria dedutiva de economia política que já estava bastante avançada por volta de 1789 A segunda delas que em substância pertence a nosso período e está intimamente ligada ao romantismo foi a descoberta da evolução histórica cf também cap13 I e II A ousada inovação dos racionalistas clássicos havia sido demonstrar que algo como leis logicamente compulsórias era aplicável à consciência e ao livre arbítrio humano As leis da economia política eram deste tipo A convicção de que eram tão distantes do gostar e do desgostar quanto as leis da gravidade com as quais eram constantemente comparadas emprestava uma impiedosa certeza aos capitalistas do início do século XIX e tendia a imbuir seus oponentes românticos de um antiracionalismo igualmente selvagem Em princípio os economistas é claro estavam certos embora exagerassem muito a universalidade dos postulados sobre os quais baseavam suas deduções a capacidade de outras coisas permanecerem iguais e também às vezes suas próprias capacidades intelectuais Se a população de uma cidade se duplica e o número de habitações não cresce então permanecendo as outras coisas iguais os aluguéis devem subir queiram ou não Proposições deste tipo constituíam a força dos sistemas de raciocínio dedutivo criados pela economia política principalmente na GrãBretanha embora também em menor grau de intensidade nos velhos centros de ciências do século XVIII a França a Itália e a Suíça Como vimos o período que vai de 1776 a 1830 assistiu o triunfo desta economia política vide cap 131 Ela foi suplementada peja primeira apresentação sistemática de uma teoria demográfica que pretendia estabelecer uma relação mecânica e virtualmente inevitável entre as proporções matemáticas dos aumentos de população e os meios de subsistência O Ensaio sobre a População de T R Malthus 1798 não era nem tão original nem tão indiscutível quanto seus defensores reivindicavam no entusiasmo da descoberta de que alguém provara que os pobres deviam permanecer sempre pobres e que a generosidade e a benevolência podiam fazêlos ainda mais pobres Sua importância não está em seus méritos intelectuais que foram moderados mas nos direitos que ele fazia valer para um tratamento científico de um conjunto de decisões tão individuais e caprichosas quanto as decisões sexuais consideradas como um fenómeno social A aplicação de métodos matemáticos à sociedade deu mais um passo importante neste período Também aqui os cientistas de língua francesa lideravam a marcha assistidos sem dúvida pela soberba atmosfera matemática da educação francesa Assim Adolphe Quételet da Bélgica em sua marcante obra Sobre o Homem 1835 demonstrou que a distribuição estatística das características humanas obedecia a leis matemáticas conhecidas do que deduziu com uma confiança considerada então excessiva a possibilidade de assimilar as ciências sociais às ciências físicas A possibilidade de uma generalização estatística sobre as populações humanas e o estabelecimento de firmes prognósticos sobre essa generalização haviam sido antecipados pelos teóricos da probabilidade o ponto de partida de Quételet nas ciências sociais e por homens práticos que eram obrigados a confiar nela como no caso das companhias de seguro Mas Quételet e o grupo de florescentes estatísticos contemporâneos antropometristas e pesquisadores sociais aplicaram estes métodos a campos bem mais amplos e criaram o que ainda é a principal ferramenta matemática para a investigação de fenómenos sociais Estes desenvolvimentos nas ciências sociais foram revolucionários da mesma maneira que a química seguindo os avanços já realizados teoricamente Mas as ciências sociais também tiveram algo inteiramente novoe original a seu crédito que por sua vez fertilizou as ciências biológicas e até mesmo as físicas como no caso da geologia Foi a descoberta da história como um processo de evolução lógica e não simplesmente como uma sucessão cronológica de acontecimentos Os elos desta inovação com a revolução dupla são tão óbvios que não precisam ser explicados Assim o que veio a se chamar sociologia a palavra foi inventada por Augusto Comte por volta de 1830 nasceu diretamente da crítica ao capitalismo O próprio Comte que normalmente é considerado fundador daquela disciplina começou sua carreira como secretário particular do pioneiro socialista utópico o Conde de SaintSimon e o mais formidável teórico contemporâneo em matéria sociológica Karl Marx considerava sua teoria primordialmente como um instrumento para a mudança do mundo A criação da história como uma matéria académica talvez seja o aspecto menos importante desta historiografia das ciências sociais É verdade que uma epidemia de historiadores tomou conta da Europa na primeira metade do século XIX Raramente tantos homens se propuseram a interpretar seu mundo escrevendo relatos de muitos volumes a respeito do passado dos vários países às vezes pela primeira vez Karamzin na Rússia 181824 Geijer na Suécia 18326 Palacky na Boémia 183667 são os fundadores da historiografia de seus países Na França o ímpeto para entender o presente através do passado era particularmente forte e a própria Revolução logo se tornou assunto de intensos e partidários estudos de Thiers 1823 1843 Mignet 1824 Buonarroti 1828 Lamartine 1847 e do grande Jules Michelet 184753 Foi o período heróico da historiografia mas sobreviveu muito pouco da obra de Guizot Augustin Thierry e Michelet na França do dinamarquês Niebuhr e do suíço Sismondi de Hallam Lingard e Carlyle na GrãBretanha e de inúmeros professores alemães exceto como documento histórico como literatura ou ocasionalmente como registro de um gênio Os resultados mais duradouros deste despertar histórico se deram no campo da documentação e da técnica histórica Colecionar relíquias do passado escritas ou não se transformou em uma paixão universal Talvez em parte fosse uma tentativa de salvaguardálas contra os ataques do presente embora o nacionalismo provavelmente fosse seu mais importante estímulo em nações até então adormecidas os historiadores os lexicógrafos e os colecionadores de canções folclóricas foram muitas vezes os verdadeiros fundadores da consciência nacional E foi assim que os franceses criaram sua École des Charles em 1821 os ingleses o Departamento de Registros Públicos em 1838 eos alemães começaram a publicar a Monumental História Alemã em 1826 enquanto a doutrina de que a história deviase basear na escrupulosa avaliação dos documentos originais era lançada pelo prolífico Leopold von Ranke 17951886 Enquanto isso como vimos no capítulo 14 os linguistas e os folcloristas produziam os dicionários fundamentais de seus idiomas e as coletâneas de tradições orais de seus povos A inserção da história nas ciências sociais teve seus efeitos mais imediatos no direito onde Friedrich Karl von Savigny fundou a escola histórica de jurisprudência em 1815 no estudo da teologia onde a aplicação de critérios históricos notadamente no Leben Jesu 1835 de D F Strauss horrorizava os fundamentalistas mas especialmente em uma ciência totalmente nova a filologia Esta ciência também se desenvolveu primeiramente na Alemanha que era de longe o mais vigoroso centro de difusão de estudos históricos O fato de que Karl Marx fosse alemão nãoé meramente casual O ostensivo estímulo para a filologia era a conquista de sociedades não europeias pela Europa As investigações pioneiras de Sir William Jones em relação ao sânscrito em 1786 foram o resultado da conquista de Bengala pelos britânicos a decifração dos hieróglifos por Champollion seu principal trabalho sobre o assunto foi publicado em 1824 foi o resultado da expedição de Napoleão ao Egito a elucidação de Rawlinson da escrita cuneiforme 1835 refletiu a ubiquidade dos oficiais colónias britânicos Mas de fato a filologia não se limitava à descoberta descrição e classificação Nas mãos de grandes eruditos alemães principalmente como Franz Bopp 17911867 e os irmãos Grimm tornouse a segunda ciência social propriamente dita isto é a segunda a descobrir leis genéricas aplicáveis a um campo aparentemente tão caprichoso como o da comunicação humana A primeira foi a economia política Porém contrariamente às leis da economia política as da filologia eram fundamentalmente históricas ou melhor evolutivas Seu fundamento foi a descoberta de que uma vasta série de idiomas os indoeuropeus se relacionavam uns com os outros ao que se acrescentou o fato evidente de que toda língua europeia escrita tinha sido completamente transformada com o decorrer dos séculos e presumivelmente ainda estava sofrendo modificações O problema não se constituía simplesmente em provar e classificar estas relações mediante comparação científica tarefa que estava então sendo empreendida a fundo por exemplo na anatomia comparada por Cuvier Era também e principalmente elucidar sua evolução histórica a partir do que deveria ter sido um ancestral comum A filologia foi a primeira ciência que considerou a evolução como sua verdadeira essência Desde logo teve sorte porque a Bíblia é relativamente silenciosa quanto à história das línguas ao passo que como sabem os biólogos e os geólogos é muito explícita em relação à criação e à história primitiva do mundo Consequentemente o filólogo estava menos propenso a ser afogado pelas águas do Dilúvio ou derrubado pelos obstáculos do Génesis I do que seus infelizes colegas Pelo menos a afirmação bíblica de que toda a terra usava a mesma língua e a mesma fala estava do seu lado Mas a filologia também teve a sorte de que de todas as ciências sociais era a única que não lidava diretamente com seres humanos que sempre se ressentem com a sugestão de que suas ações são determinadas por algo que não seja seu livre arbítrio mas que se ocupava de palavras que não se ofendem por isto Consequentemente estava livre para enfrentar o que ainda é o problema fundamental das ciências históricas qual seja como investigar e descobrir a origem da imensa variedade frequentemente caprichosa de indivíduos existentes na vida real a partir do funcionamento de leis genéricas invariáveis Os filólogos pioneiros na verdade não avançaram muito quanto à explicação das mudanças linguísticas embora o próprio Bopp já tivesse proposto uma teoria sobre a origem das inflexões gramaticais Mas de fato estabeleceram uma espécie de árvore genealógica para as línguas indoeuropéias Fizeram uma série de generalizações indutivas a respeito das proporções relativas de mudança nos diferentes elementos linguísticos e algumas generalizações históricas de grande alcance como a Lei de Grimm que demonstrou que todas as línguas teutônicas sofreram certas alterações consonantais e vários séculos mais tarde um grupo de dialetos teutônicos sofreram uma outra mudança semelhante Entretanto durante aquelas explorações pioneiras nunca duvidaram de que a evolução das línguas não era simplesmente uma questão de estabelecer uma sequência cronológica ou registrar mudanças mas que esta evolução devia ser explicada por leis gerais da linguística análogas às leis científicas IV Os biólogos e os geólogos tiveram menos sorte Também para eles a história se constituía no principal problema embora o estudo da terra estivesse através da mineração intimamente ligado à química e o estudo da vida através da medicina intimamente relacionado à fisiologia e através da crucial descoberta de que os elementos químicos existentes nas coisas vivas eram os mesmos existentes na natureza inorgânica à química Porém para o geólogo os problemas mais óbvios envolviam a história por exemplo a explicação da distribuição de terra e água de montanhas e acima de tudo a formação das camadas terrestres Se o problema histórico da geologia era o de como explicar a evolução da terra o do biólogo era duplo como explicar a formação da vida desde o ovo a semente ou o esporo e como explicar a evolução das espécies Ambos estavam unidos pela prova evidente dos fosseis dos quais uma seleção particular podia ser encontrada em determinada camada terrestre e não em outra Um engenheiro inglês William Smith descobriu na década de 1790 que a sucessão histórica das camadas podia mais convenientemente ser datada pelos seus fósseis característicos lançando luz assim sobre ambas as ciências por meio das operações de escavação da revolução industrial O problema fora tão óbvio que já se haviam feito tentativas para criar teorias de evolução notadamente para o mundo animal pelo elegante zoólogo embora às vezes precipitado Comte de Buffon Les Êpoques de La Nature 1778 Na década da Revolução Francesa estas teorias ganharam terreno Tapidamente O reflexivo James Hutton de Edinburgo Teoria da Terra 1795 e o excêntrico Erasmus Darwin que brilhava na Sociedade Lunar de Birmingham e escrevia parte de sua obra científica em versos Zoonomia 1794 publicaram teorias evolutivas bastante completas sobre a terra as plantas e a espécie animal Laplace em 1796 antecipado pelo filósofo Emanuel Kant desenvolveu também uma teoria evolucionista do sistema solar e Pierre Cabanis mais ou menos na mesma época considerou as próprias faculdades mentais do homem como produto de sua história evolutiva Em 1809 Lamarck da França propôs a primeira teoria moderna e sistemática da evolução baseada na herança de caracteres adquiridos Nenhuma destas teorias obteve triunfo Na verdade logo enfrentaram a apaixonada resistência dos tories da Quarterly Review cuja adesão à causa da revelação é tão decisiva O que aconteceria ao Dilúvio e à Arca de Noé O que aconteceria com a distinta criação das espécies para não mencionar o homem Que iria acontecer sobretudo com a estabilidade social Não só os simples sacerdotes e os menos simples políticos se preocupavam com estas perguntas O grande Cuvier fundador do estudo sistemático dos fósseis Recherches sur les ossemenls fossiles 1812 rejeitava a evolução em nome da Providência Divina Seria melhor até mesmo imaginar uma série de catástrofes na história geológica seguida por uma série de recriações divinas era difícil considerar a mudança geológica como distinta da mudança biológica do que intrometerse com a rigidez da Sagrada Escritura e de Aristóteles O infeliz Dr Lawrence que respondeu a Lamarck propondo uma teoria quase darwiniana da evolução pela seleção natural foi forçado pelo protesto dos conservadores a retirar sua obra História Natural do Homem 1819 de circulação Ele havia sido suficientemente imaturo para não só discutir a evolução do homem mas também para enfatizar as consequências de suas ideias para a sociedade contemporânea Sua retratação preservou seu emprego assegurou sua carreira futura e perturbou para sempre sua consciência que tranquilizava adulando os corajosos impressores radicais que de tempos em tempos publicavam ilegalmente sua obra incendiária Só na década de 1830 quando a política dera outra guinada para a esquerda foi que as amadurecidas teorias da evolução irromperam na geologia com a publicação da famosa obra de Lyell Princípios de Geologia 183033 que pôs fim à resistência dos netunistas que sustentavam com a Bíblia que todos os minerais haviam surgido das soluções aquosas que em certa época cobriram a terra cf Génesis l 79 e dos catastrofistas que seguiam a desesperada linha de argumentação de Cuvier Na mesma década Schmerling pesquisando na Bélgica e Boucher de Perthes que felizmente preferia seu hobby de arqueologia a seu cargo de diretor da alfândega de Abbeville previram algo ainda mais alarmante a descoberta dos fósseis do homem préhistórico cuja possibilidade havia sido acaloradamente negada Mas o conservadorismo científico ainda foi capaz de rejeitar aquela terrível possibilidade alegando a falta de provas definitivas até a descoberta do homem de Neanderthal em 1856 Não havia mais remédio do que aceitar que a as causas agora em movimento tinham no transcurso do tempo transformado a terra de seu estado primitivo para o presente estado b que isto levara um tempo muito maior do que se podia deduzir das Escrituras c que a sucessão de camadas geológicas revelava uma sucessão de formas animais que implicava uma evolução biológica Bastante significativamente os que aceitaram esta ideia prontamente e na verdade demonstraram o maior interesse no problema da evolução foram os autoconfiantes leigos radicais das classes médias britânicas sempre com exceção do egrégio Dr Andrew Ure mais conhecido por seus hinos de louvor ao sistema fabril Os cientistas foram lentos na aceitação da ciência Este fato é menos surpreendente se nos lembrarmos de que a geologia era a única ciência deste período suficientemente cavalheiresca talvez porque era praticada ao ar livre de preferência em dispendiosas viagens geológicas para ser seriamente estudada nas Universidades de Oxford e Cambridge A evolução biológica entretanto ainda engatinhava Só bem depois da derrota das revoluções de 1848 foi que este explosivo assunto voltou a ser examinado Mesmo então Charles Darwin teve muito cuidado e ambiguidade ao manejálo Até mesmo a investigação paralela da evolução através da embriologia diminuiu temporariamente Aqui também os primeiros filósofos especuladores alemães como Johann Meckel de Halle 17811833 tinham sugerido que durante o seu crescimento o embrião de um organismo recapitulava a evolução de sua espécie Porém esta lei biogenética embora a principio apoiada por homens como Rathke que descobriu que os embriões de pássaros atravessam um estágio no qual têm guelras 1829 foi rejeitada pelo notável Von Baer de Koenigsberg e São Petersburgo a fisiologia experimental parece ter exercido uma grande atração sobre os investigadores das áreas eslavônias e bálticas e esta linha de pensamento não foi revivida até o advento do darwinismo Enquanto isso as teorias da evolução tinham feito supreendentes progressos no estudo da sociedade Ainda assim não devemos exagerar este progresso O período da revolução dupla pertence à préhistória de todas as ciências sociais com exceção da economia política da linguística e talvez da estatística Até mesmo o seu mais formidável empreendimento a coerente teoria da evolução social de Marx e Engels era nesta época pouco mais que uma brilhante suposição publicada em um soberbo panfleto ou usada como base para o relato histórico A firme construção de bases científicas para o estudo da sociedade humana não teria lugar até a segunda metade do século O mesmo ocorreria nos campos da antropologia ou etnografia social da préhistória da sociologia e da psicologia É importante o fato de que estes campos de estudo foram batizados em nosso período ou de que reivindicações para considerar cada um deles como uma ciência peculiar com suas características próprias foram então formuladas John Stuart Mill em 1843 foi talvez o primeiro a reivindicar este staíus para a psicologia O fato de que sociedades etnológicas especiais foram fundadas na França e na Inglaterra 1839 1843 para estudar as raças do homem é igualmente significativo como o é a multiplicação de investigações sociais através de meios estatísticos e de sociedades estatísticas entre 1830 e 1848 Porém as instruções gerais aos viajantes da Sociedade Etnológica Francesa que os compelia a descobrir o que as memórias dos povos têm preservado de suas origens o que as revoluções têm significado em seu idioma ou costumes em sua arte ciência e riqueza seu poder ou governo através de causas internas ou de invasão estrangeira não passam de um programa embora profundamente histórico De fato o que importa a respeito das ciências sociais em nosso período são menos os seus resultados embora se acumulasse um considerável material descritivo do que sua firme predisposição materialista expressa em uma determinação de explicar as diferenças sociais humanas em termos do meio ambiente e seu comprometimento igualmente firme em relação à evolução Em 1787 não havia Chavannes definido a nascente etnologia como a história do progresso dos povos em direção à civilização Um obscuro subproduto deste desenvolvimento inicial das ciências sociais deve contudo ser mencionado rapidamente as teorias da raça A existência de diferentes raças ou melhor cores de homens tinha sido muita discutida no século XVIII quando o problema de uma criação única ou múltipla do homem preocupava também aos espíritos de reflexão A fronteira entre monogenistas e poligenistas não era simples O primeiro grupo reunia defensores da evolução e da igualdade humana com homens que consideravam que sobre este ponto a ciência não era conflitante com a Escritura os prédarwinianos Prichard e Lawrence ao lado de Cuvier O segundo grupo incluía não só cientistas de boa fé mas também racistas e escravagistas provenientes do sul dos Estados Unidos Estas discussões a respeito das raças produziram uma viva explosão de antropometria principalmente baseada na coleção classificação e medida de crâneos prática também encorajada pelo estranho hobby contemporâneo da frenologia que tentava determinar o caráter a partir da configuração do crâneo Na GrãBretanha e na França as sociedades frenológicas foram fundadas em 1823 e 1832 respectivamente embora o assunto logo tenha sido abandonado pela ciência Ao mesmo tempo uma mistura de nacionalismo radicalismo história e observação de campo introduziram o igualmente perigoso tópico das permanentes características raciais ou nacionais na sociedade Na década de 1820 os irmãos Thierry historiadores e revolucionários franceses tinhamse lançado ao estudo da Conquista Normanda e dos gauleses que ainda hoje se reflete na proverbial frase dos manuais escolares franceses Nos ancêtres les Gaulois e nos maços azuis de cigarros Gauloise Como bons radicais mantinham o ponto de vista de que o povo francês descendia dos gauleses os aristocratas dos teutões que os conquistaram argumentação que mais tarde seria usada com fins conservadores por etnógrafos da classe alta como o Conde de Gobineau A crença de que uma linhagem racial específica sobrevivia ideia defendida com compreensível zelo por um naturalista galês W Edwards em favor dos celtas se encaixava admiravelmente em uma época em que os homens pretendiam descobrir a romântica e misteriosa individualidade de suas nações para reivindicar missões messiânicas para elas se fossem revolucionários ou para atribuir sua riqueza e poderio a uma superioridade inata Em troca não demonstravam qualquer tendência a atribuir a probreza e a opressão a uma inferioridade inata Porém para atenuar a responsabilidade destes homens devese dizer que os piores abusos das teorias racistas ocorreram após o final de nosso período V Como podemos explicar estes desenvolvimentos científicos Como particularmente relacionálos com as outras mudanças históricas da revolução dupla É evidente que há correlações óbvias Os problemas teóricos da máquina a vapor levaram o brilhante Sadi Carnot em 1824 à mais fundamental percepção física do século XIX as duas leis da termodinâmica Reflexions sur Ia puissance motrice dufeu embora não fossem as únicas aproximações do problema O grande avanço da geologia e da paleontologia deviase em grande parte ao zelo com que os engenheiros e construtores industriais retalhavam a terra e à grande importância da mineração Não foi por acaso que a GrãBretanha se transformou no país geológico por excelência instituindo um órgão nacional para a Pesquisa Geológica em 1836 A análise dos recursos minerais deu aos químicos inúmeros compostos inorgânicos para seu estudo a mineração a cerâmica a metalurgia as artes têxteis as novas indústrias de iluminação a gás e de produtos químicos assim como a agricultura estimularam seus trabalhos E o entusiasmo da sólida burguesia radical britânica e da aristocracia whig não só em relação à pesquisa aplicada mas também em relação aos ousados avanços no campo do conhecimento que assustavam a própria ciência oficial é prova suficiente de que o progresso científico de nosso período não pode ser separado dos estímulos da revolução industrial Do mesmo modo as implicações científicas da Revolução Francesa são evidentes na aberta ou dissimulada hostilidade à ciência com que os políticos conservadores ou moderados encontravam o que consideravam as consequências naturais da subversão racionalista e materialista do século XVIII A derrota de Napoleão trouxe uma onda de obscurantismo A matemática era a algema do pensamento humano dizia Lamartine respiro e ela se rompe A luta entre uma combativa esquerda anticlerical e prócientífica que em seus raros momentos de vitória havia erigido a maioria das instituições que permitiam áos cientistas franceses funcionar e uma direita anticientífica que tudo fez para eliminálas continua desde então Com isto não queremos dizer que na França ou em outros países os cientistas fossem particularmente revolucionários Alguns deles o eram como o jovem Evariste Galois que se lançou às barricadas em 1830 sendo perseguido como rebelde e morto em um duelo provocado por fanfarrões políticos com a idade de 21 anos em 1832 Gerações de matemáticos se têm alimentado das profundas ideias que ele escreveu febrilmente durante aquela que sabia ser sua última noite de vida Por outro lado alguns foram francamente reacionários como o legitimista Cauchy embora por razões óbvias a tradição da Escola Politécnica de que era o orgulho fosse militantemente antimonarquista Provavelmente a maioria dos cientistas pertenciam à esquerda moderada durante o período pósnapoleônico e alguns especialmente nas novas nações ou nas comunidades até então apolíticas foram forçados a aceitar importantes cargos políticos notadamente os historiadores os linguistas e outros cientistas com óbvias ligações com movimentos nacionais Palacky se tornou o principal portavoz dos tchecos em 1848 os sete professores universitários de Gõttingen que assinaram uma carta de protesto em 1837 se transformaram em figuras nacionais e o Parlamento de Frankfurt durante a Revolução Alemã de 1848 era notoriamente uma assembleia de professores universitários e de altos servidores civis Por outro lado em comparação com os artistas e filósofos os cientistas especialmente os cientistas naturais demonstravam um grau muito baixo de consciência política a menos que seus estudos ou experiências exigissem outra coisa Fora dos países católicos por exemplo demonstravam uma capacidade notável para combinar a ciência com uma tranquila ortodoxia religiosa que surpreende o estudioso da era pósdarwiniana Tais derivações diretas explicam algumas coisas sobre o desenvolvimento científico entre 1789 e 1848 mas não muito Os efeitos indiretos de acontecimentos contemporâneos foram claramente mais importantes Ninguém podia deixar de notar que o mundo estava se transformando mais radicalmente nesta era do que em qualquer outra anterior Nenhuma pessoa que usasse o raciocínio poderia deixar de estar atemorizada abalada e mentalmente estimulada por estas convulsões e transformações Quase não surpreende que os padrões de pensamento derivados das rápidas mudanças sociais das profundas revoluções da substituição sistemática de instituições tradicionais e costumeiras por inovações racionalistas radicais resultaram aceitáveis É possível ligar este visível aparecimento da revolução com a presteza dos matemáticos antimundanos em romper com as eficientes barreiras do pensamento até então existentes Não podemos assegurálo embora saibamos que a adoção de novas linhas revolucionárias de pensamento é normalmente evitada não por sua dificuldade intrínseca mas por seu conflito com tácitas suposições sobre o que é ou não natural Os próprios termos número irracional para números como V ou número imaginário para números como V indicam a natureza da dificuldade Uma vez que decidimos que não são nem mais nem menos racionais ou reais do que quaisquer outros tudo fica claro Porém pode ser necessária toda uma era de profunda transformação para encorajar os pensadores a tomar tais decisões e assim as variáveis complexas ou imaginárias em matemática tratadas com confusa precaução no século XVIII só alcançaram sua plenitude depois da revolução Deixando a matemática de lado era de se esperar que os padrões retirados das transformações da sociedade tentariam os cientistas em campos aos quais tais analogias pareciam aplicáveis por exemplo para introduzir os dinâmicos conceitos de evolução em conceitos até então estáticos Isto poderia ocorrer diretamente ou por intermédio de alguma outra ciência Assim o conceito da revolução industrial fundamental para a história e para a maior parte da economia moderna foi introduzido na década de 1820 como algo análogo ao de Revolução Francesa Charles Darwin deduziu o mecanismo da seleção natural por analogia com o modelo da competição capitalista que tomou de Malthus a luta pela existência A voga de teorias catastróficas em geologia 17901830 também pôde deverse em parte à familiaridade daquela geração com as violentas convulsões da sociedade Contudo fora das ciências mais claramente sociais não há porque dar muito peso a estas influências externas O mundo do pensamento é até certo ponto autónomo seus movimentos por assim dizer se produzem dentro da mesma longitude de onda histórica que os movimentos de fora mas não são simples ecos destes Assim por exemplo as catastróficas teorias da geologia também se deveram em parte à insistência protestante e especialmente calvinista na onipotência arbitrária do Senhor Tais teorias foram em grande parte monopólio dos trabalhadores protestantes tão distintos dos católicos ou agnósticos Se no campo das ciências se produzem movimentos paralelos aos de outros campos não é porque cada uma delas possa conectarse de maneira simples a um aspecto correspondente da política ou da economia Ainda assim as ligações são difíceis de serem negadas As principais correntes do pensamento geral em nosso período têm sua correspondência no especializado campo da ciência o que nos habilita a estabelecer um paralelismo entre as ciências e as artes ou entre ambas e as atitudes políticosociais Assim o classicismo e o romantismo existiram também nas ciências e como já vimos cada um se ajustava a um enfoque particular da sociedade humana A adequação do classicismo ou em termos intelectuais o universo newtoniano racionalista e mecanicista doiluminismo com o ambiente do liberalismo burguês e do romantismo ou em termos intelectuais a chamada filosofia natural com seus oponentes é obviamente uma supersimplificação e se rompe por completo depois de 1830 Ainda assim representa um certo aspecto da verdade Até que a ascensão de teorias como o socialismo moderno tivessem firmemente ancorado o pensamento revolucionário ao passado racionalista cf capítulo 13 ciências tais como a física a química e a astronomia marcharam com o liberalismo burguês francobritânico Por exemplo os revolucionários plebeus do Ano 11 estavam inspirados por Rousseau e não por Voltaire e suspeitavam de Lavoisier a quem executaram e de Lapíace não só devido a suas ligações como o velho regime mas por razões semelhantes àquelas que levaram o poeta William Blake a denunciar Newton Reciprocamente a história natural era adequada pois representava a estrada para a espontaneidade da verdadeira e incorruptível natureza A ditadura jacobina que dissolveu a Academia Francesa fundou nada menos que 12 cadeiras de pesquisa no Jardin des Plantes Da mesma forma ocorreu na Alemanha onde o liberalismo clássico era fraco cf capítulo 13 uma ideologia científica rival à clássica a filosofia natuial foi mais popular É fácil subestimar a filosofia natural porque ela entra em conflito com o que viemos acertadamente considerando como ciência A filosofia natural era especulativa e intuitiva Buscava expressar o espírito do mundo ou da vida da misteriosa união orgânica de todas as coisas com as demais e de muitas outras coisas que resistiam a uma precisa aferição quantitativa ou a uma clareza cartesiana De fato estava em aberta revolta contra o materialismo mecânico contra Newton e às vezes contra a própria razão O grande Goethe gastou uma considerável quantidade de seu precioso tempo tentando desmentir a ótica de Newton pela simples razão de que não se sentia feliz com uma teoria que deixava de explicar as cores pela interação dos princípios da luz e da escuridão Uma aberração de tal ordem nada causaria senão dolorosa surpresa na Escola Politécnica onde a persistente preferência dos alemães pelo confuso Kepler com sua carga de misticismo em detrimento da lúcida perfeição dos Principia era incompreensível O que se poderia compreender desta passagem de Lorenz Oken A ação ou a vida de Deus consiste em manisfestarse e contemplarse eternamente na unidade e na dualidade dividindose externamente e ainda assim permanecendo uno A polarização é a primeira força que aparece no mundo A lei da causalidade é uma lei de polarização A causalidade é um ato de geração O sexo está enraizado no primeiro movimento do mundo Em tudo portanto há dois processos um individualizados vitalizante e outro universalizador destrutivo O que fazer com tal filosofia A total incompreensão de Bertrand Russel em relação a Hegel que operava nestes termos é um bom exemplo da resposta do racionalista do século XVIII a esta pergunta retórica Por outro lado o débito que Marx e Engels reconheceram ter francamente com a filosofia natural nos adverte que não se pode considerála como simples verborragia A verdade é que exercia certa influência E produziu não só um esforço científico Lorenz Oken fundou a liberal Deutsche Naturforscherversammlung e inspirou a Associação Britânica para o Progresso da Ciência mas também resultados frutíferos A teoria celular em biologia muito da morfologia embriologia filologia e muito do elemento histórico e evolutivo em todas as ciências foram primordialmente de inspiração romântica Mas até mesmo em seu campo predileto a biologia o romantismo teve finalmente que ser substituído pele frio classicismo de Claude Bernard 181378 fundador da fisiologia moderna Por outro lado mesmo nas ciências físico químicas que continuaram a ser a fortaleza do classicismo as especulações dos filósofos naturais sobre assuntos tão misteriosos como a eletricidade e o magnetismo trouxeram importantes avanços Em Copenhagen Hans Christian Oersted discípulo do nebuloso Schelling buscou e encontrou a ligação entre ambas as forças quando demonstrou o efeito magnético das correntes elétricas em 1820 Ambas as tentativas de aproximação às ciências de fato se misturavam mas quase nunca se fundiam nem mesmo em Marx que conhecia perfeitamente as origens intelectuais de seu pensamento No todo o caminho romântico serviu como um estímulo para novas ideias e pontos de partida que foram posteriormente e mais uma vez abandonados pela ciência Mas em nosso período não pode ser desprezado Se não pode ser menosprezado como um estímulo puramente científico menos ainda pode sê lo pelo historiador de ideias e opiniões na medida em que até mesmo as ideias falsas e absurdas são fatos e forças históricas Não podemos subestimar um movimento que captou ou influenciou homens do mais alto calibre intelectual como Goethe Hegel e o jovem Marx Podemos simplesmente buscar compreender a profunda insatisfação com o clássico ponto de vista francobritânico do século XVIII a respeito do mundo cujos grandes empreendimentos na ciência e na sociedade foram inegáveis mas cuja estreiteza e limitações foram também terrivelmente evidentes no período das duas revoluções Estar consciente destes limites e buscar frequentemente através da intuição e não da análise os termos com que se poderia construir um quadro mais satisfatório do mundo não era realmente construílo Nem as visões de um universo evolutivo interligado e dialético que os filósofos naturais expressavam eram provas ou mesmo formulações adequadas Porém refletiam problemas reais até mesmo problemas reais nas ciências físicas e antecipavam as transformações e ampliações do mundo das ciências que vieram a produzir nosso moderno universo científico A seu modo refletiam também o impacto da revolução dupla que não deixou qualquer aspecto da vida humana inalterado Capítulo Dezesseis Conclusão Rumo a 1848 A pobreza e o proletariado são as úlceras que supuraratn no organismo dos Estados modernos Elas podem ser curadas Os médicos comunistas propõem a completa destruição e aniquilação do organismo existente Uma coisa é certa se estes homens receberem o poder para agir haverá não uma revolução política mas social uma guerra contra toda propriedade uma completa anarquia Por sua vez isto daria lugar a novos Estados nacionais e em que bases morais e sociais Quem erguerá o véu do futuro E que papel desempenhará a Rússia Sentome na praia e espero o vento diz um velho provérbio russo Haxthausen Studien ueber Russland 1847 I Começamos analisando a situação do mundo em 1789 Concluiremos examinandoo cerca de 50 anos mais tarde ao final do meioséculo mais revolucionário da história até hoje registrado Foi uma era de superlativos Os novos e numerosos compêndios de estatística nos quais esta era de contagens e cálculos buscava registrar todos os aspectos do mundo conhecido chegariam com justiça à conclusão de que realmente cada quantidade mensurável era maior ou menor do que em qualquer época anterior A área do mundo conhecida mapeada e em intercomunicação era maior do que em qualquer época anterior e suas comunicações eram incrivelmente mais rápidas A população do mundo era também maior do que nunca em vários casos além de toda expectativa e probabilidade As cidades de grande tamanho se multiplicavam mais depressa do que em qualquer época anterior A produção industrial atingia cifras astronómicas na década de 1840 cerca de 640 milhões de toneladas de carvão foram arrancadas do interior da terra Estas cifras só foram suplantadas pelas ainda mais extraordinárias do comércio internacional que se multiplicara quatro vezes desde 1780 até atingir cerca de 800 milhões de libras esterlinas e muito mais em outras moedas menos sólidas e estáveis A ciência nunca fora tão vitoriosa o conhecimento nunca fora tão difundido Mais de quatro mil jornais informavam os cidadãos do mundo e o número de livros publicados anualmente na GrãBretanha França Alemanha e Estados Unidos chegava à casa das centenas de milhares A inventiva humana dava a cada ano voos cada vez mais ousados A lâmpada de Argand 17824 acabava de revolucionar a iluminação artificial foi o primeiro avanço de importância desde a lâmpada a óleo quando os gigantescos laboratórios conhecidos como fábricas de gás enviando seus produtos ao longo de intermináveis tubos subterrâneos começaram a iluminar as fábricas e logo depois as cidades da Europa Londres a partir de 1807 Dublin a partir de 1818 Paris a partir de 1819 e até mesmo a remota Sydney em 1841 E o arco voltaico já era conhecido O professor Wheastone de Londres já estava planejando ligar a Inglaterra e a França por meio de um telégrafo elétrico submarino Quarenta e oito milhões de passageiros utilizaram as ferrovias do Reino Unido em um único ano 1845 Homens e mulheres já podiam ser transportados ao longo de três mil milhas de via férrea na GrãBretanha 1846 e antes de 1850 mais de seis mil e ao longo de nove mil milhas nos Estados Unidos Serviços regulares de navio a vapor já ligavam a Europa com a América e com as índias Sem dúvida todos estes triunfos tinham o seu lado obscuro embora este não figurasse nos quadros estatísticos Como se poderia encontrar uma expressão quantitativa para o fato que hoje em dia poucos poderiam negar de que a revolução industrial criou o mundo mais feio no qual o homem jamais vivera como testemunhavam as lúgubres fétidas e enevoadas vielas dos bairros baixos de Manchester Ou para os homens e mulheres desarraigados em quantidades sem precedentes e privados de toda segurança que constituíam provavelmente o mais infeliz dos mundos Contudo podemos perdoar os baluartes do progresso na década de 1840 por sua confiança e determinação de que o comércio pode evoluir livremente levando a civilização com uma das maõs e a paz com a outra para tornar a humanidade mais feliz inteligente e melhor Senhor disse Lord Palmerston prosseguindo esta rósea afirmação no pior dos anos 1842 este é o desígnio da Providência Ninguém podia negar que havia uma pobreza espantosa Muitos sustentavam que estava mesmo aumentando e se aprofundando E ainda assim pelos eternos critérios que medem os triunfos da indústria e da ciência poderia até mesmo o mais lúgubre dos observadores racionalistas sustentar que em termos materiais o mundo estava em condições piores do que em qualquer época anterior ou mesmo do que em países não industrializados do presente Não poderia Já era suficientemente amarga a acusação de que a prosperidade material do trabalhador pobre frequentemente não era maior do que no passado e às vezes pior do que em períodos guardados na memória Os baluartes do progresso tentavam rechaçála com o argumento de que isto não se devia às operações da nova sociedade burguesa mas pelo contrário aos obstáculos que o velho feudalismo á monarquia e a aristocracia ainda colocavam no caminho da perfeita iniciativa livre Os novos socialistas pelo contrário sustentavam que isto se devia às próprias operações daquele sistema Porém ambos concordavam que a situação era cada vez mais penosa Uns sustentavam que seria superada dentro da estrutura do capitalismo enquanto outros discordavam deste ponto de vista mas ambos corretamente acreditavam que a vida humana enfrentava uma possibilidade de melhoria material que traria o controle do homem sobre as forças da natureza Quando analisamos a estrutura política e social da década de 1840 entretanto deixamos o mundo dos superlativos para entrarmos no mundo das afirmações modestas A maioria dos habitantes da terra continuava sendo de camponeses como antes embora houvesse poucas áreas principalmente na GrãBretanha onde a agricultura já era a ocupação de uma pequena minoria e a população urbana já estava a ponto de ultrapassar a rural como aconteceu pela primeira vez no censo de 1851 Havia proporcionalmente menos escravos pois seu comércio internacional fora oficialmente abolido em 1815 e a escravidão nas colónias britânicas fora abolida em 1834 e nas colónias francesas e espanholas durante e depois da Revolução Francesa Entretanto enquanto as Antilhas eram agora com algumas exceções não britânicas uma área agrícola legalmente livre numericamente a escravidão continuava a se expandir nos dois grandes bastiões do continente americano o Brasil e o sul dos Estados Unidos estimulada pelo próprio progresso da indústria e do comércio que se opunham a todas as restrições de mercadorias e pessoas e a proibição oficial fazia com que o comércio de escravos fosse mais lucrativo O preço aproximado de um operário do campo no sul dos Estados Unidos que era de 300 dólares em 1795 variava entre 1200 e 1800 dólares em 1860 o número de escravos nos Estados Unidos aumentou de 700 mil em 1790 para 2500000 em 1840 e 32OOOOO em 1850 Ainda vinham da África mas eram criados cada vez mais para a venda dentro da área escravista por exemplo nos Estados fronteiriços dos Estados Unidos para a venda ao cinturão algodoeiro em expansão Além disso já estavamse desenvolvendo sistemas de semiescravidão como a exportação de mãodeobra contratada da Índia para as ilhas açucareiras do Oceano Índico e as Antilhas A servidão ou vínculo legal dos camponeses à gleba fora abolida na maior parte da Europa sem que fosse muito modificada a situação real do trabalhador rural pobre em áreas de tradicional cultivo latifundiário como a Sicília ou a Andaluzia Entretanto a servidão persistia em suas principais fortalezas da Europa embora depois de uma grande expansão inicial seus números permanecessem estáveis na Rússia entre 10 e 11 milhões de homens depois de 1811 o que quer dizer houve queda em termos relativos Contudo a agricultura servil ao contrário da agricultura escravista estava claramente declinando sendo suas desvantagens econômicas crescentemente evidentes e especialmente a partir da década de 1840 a rebeldia dos camponeses sendo cada vez mais marcante O maior insurgimento de servos foi provavelmente o da Galícia austríaca em 1846 prelúdio da total emancipação através da revolução de 1848 Mas mesmo na Rússia houve 148 movimentos de agitação camponesa em 182634 216 em 183544 348 em 184454 culminando nos 474 movimentos dos últimos anos anteriores à emancipação de 1861 No outro extremo da pirâmide social a posição do aristocrata proprietário de terras também mudou menos do que se poderia pensar exceto em países de revolução camponesa direta como a França Sem dúvida agora havia países por exemplo França e Estados Unidos onde os homens ricos já não eram os proprietários dê terras exceto na medida em que também compravam terras como um símbolo de seu ingresso na mais alta classe social como os Rothschild Entretanto mesmo na GrãBretanha na década de 1840 as maiores concentrações de riqueza ainda eram certamente as dos nobres e no sul dos Estados Unidos os plantadores de algodão até mesmo criaram para si uma caricatura provinciana da sociedade aristocrática inspirada em Walter Scott cavalheiro romance e outros conceitos que tinham pouco significado para os escravos negros à expensa dos quais se refestelavam e nem tampouco para os corados fazendeiros puritanos que se alimentavam de mingau de milho e de carne gorda de porco Claro está que esta firmeza aristocrática ocultava uma mudança os rendimentos dos nobres dependiam cada vez mais da indústria dos valores e das ações e do desenvolvimento das fortunas da desprezada burguesia Também as classes médias tinham aumentado rapidamente mas seu número ainda assim não era avassaladoramente grande Em 1801 havia cerca de 100 mil contribuintes que ganhavam acima de 150 libras esterlinas por ano na GrãBretanha ao fim de nosso período havia cerca de 340 mil em outras palavras contando com suas grandes famílias chegavam a um milhão e meio de pessoas de uma população total de 21 milhões 1851 Naturalmente o número daqueles que procuravam seguir os padrões e os modos de vida da classe média era bem maior Nem todos eram muito ricos uma boa estimativa é que o número de pessoas que ganhava mais de 5 mil libras por ano era de aproximadamente 4 mil incluindo a aristocracia número este não muito incompatível com o dos presumíveis patrões dos 7579 cocheiros domésticos que enfeitavam as ruas britânicas Podemos admitir que a proporção das classes médias em outros países não era maior do que isto e que de fato era em geral bem mais baixa A classe trabalhadora incluindo o novo proletariado da fábrica da mina da ferrovia etc naturalmente crescia de uma forma vertiginosa Contudo exceto na GrãBretanha na melhor das hipóteses podia ser contada em centenas de milhares mas não em milhões Comparada com o total da população do mundo ainda era numericamente desprezível e em todo caso uma vez mais com a exceção da GrãBretanha e alguns pequenos núcleos em outros países era uma classe desorganizada Ainda assim como já vimos sua importância política já era imensa e muito desproporcional a seu tamanho e realizações A estrutura política do mundo também foi grandemente transformada na década de 1840 e ainda assim mas não tanto quanto o observador confiante ou pessimista poderia ter previsto em 1800 A monarquia ainda continuava sendo avassaladoramente o modo mais comum de governo com exceção do continente americano e mesmo neste continente um dos maiores países o Brasil era um Império e um outro o México tinha ao menos feito experiências imperiais sob o governo do General Iturbide Agostinho I de 1822 a 1833 E verdade que vários reinos europeus inclusive a França podiam agora ser descritos como monarquias constitucionais mas com a exceção de um grupo destes regimes ao longo da margem oriental do Atlântico a monarquia absoluta continuava a prevalecer em toda parte E verdade que por volta de 1840 havia vários Estados novos produtos da revolução a Bélgica a Sérvia a Grécia e alguns estados latinoamericanos Ainda assim eYnbora a Bélgica fosse uma força industrial de importância até certo ponto porque moviase na órbita de sua vizinha a França o mais importante dos estados revolucionários eram os Estados Unidos que já existia em 1789 Os Estados Unidos gozavam de duas enormes vantagens ausência de quaisquer vizinhos poderosos ou de potências rivais que pudessem ou que de fato quisessem evitar sua expansão através do imenso continente até a costa do Pacífico os franceses ti nham na realidade vendido aos Estados Unidos uma área tão grande quanto o próprio país na época como contrato de compra da Luísiana assinado em 1803 e uma taxa extraordinariamente rápida de expansão econômica A primeira vantagem também era partilhada pelo Brasil que ao se separar pacificamente de Portugal evitou a fragmentação trazida para a maioria da América espanhola por uma série de guerras revolucionárias porém sua riqueza de recursos permanecia quase inexplorada Ainda assim tinha havido grandes mudanças Além do mais desde cerca de 1830 tais mudanças cresciam visivelmente A revolução de 1830 introduziu constituições moderadamente liberais antidemocráticas mas também claramente antiaristocráticas nos principais Estados da Europa Ocidental Sem dúvida havia acordos impostos pelo temor de uma revolução de massa que iria além das moderadas aspirações da classe média Estes acordos deixaram as classes proprietárias de terras superrepresentadas no governo como na GrãBretanha e grandes parcelas das novas classes médias e especialmente das industriais mais dinâmicas sem representação como na França Ainda assim foram acordos que decisivamente inclinaram a balança política para o lado das classes médias Em todos os assuntos de importância os industriais britânicos conseguiram o que queriam depois de 1832 a capacidade de abolir as Leis do Trigo valia o sacrifício de sua separação das propostas republicanas e anticlericais mais extremadas dos utilitaristas Não pode haver dúvida de que na classe média da Europa Ocidental o liberalismo embora não o radicalismo democrático estivesse em ascensão Seus principais oponentes os conservadores na GrãBretanha coligações partidárias que em geral se alinhavam com a Igreja Católica em outros países estavam na defensiva e sabiam disso Entretanto até mesmo a democracia radical tinha feito avanços importantes Após 50 anos de hesitação e hostilidade a pressão dos homens de fronteira e dos fazendeiros acabou por impôla aos Estados Unidos durante o governo do presidente Andrew Jackson 182937 aproximadamente na mesma época em que a revolução europeia reconquistava seu elemento essencial Ao fim de nosso período 1847 instalouse uma guerravcivil entre radicais e católicos na Suíça Porém poucos liberais da moderada classe média já pensavam que esta forma de governo defendida principalmente por revolucionários de esquerda adaptada ao que parecia para os rudes e pequenos produtores e negociantes das montanhas ou das pradarias poderia se converter um dia na conjuntura política característica do capitalismo defendido como tal contra os violentos ataques do próprio povo que na década de 1840 a proclamava Só na política internacional é que tinha havido uma revolução na aparência e virtualmente total O mundo da década de 1840 era completamente dominado pelas potências europeias política e economicamente às quais se somavam os Estados Unidos A Guerra do Ópio de 1839 42 demonstrara que a única grande potência não europeia sobrevivente o Império da China estava inerte em face de uma agressão econômica e militar do Ocidente Nada ao que parecia poderia obstar a invasão de canhoneiras ou de regimentos ocidentais que lhe traziam o comércio e as bíblias E dentro deste domínio ocidental a GrãBretanha era a maior potência graças a seu maior número de canhoneiras comércio e bíblias A supremacia britânica era tão absoluta que mal necessitava de um controle político para funcionar Não restavam quaisquer outras potências coloniais exceto com a conivência britânica e consequentemente não havia rivais O império francês estava reduzido a umas poucas ilhas espalhadas e a algumas feitorias comerciais embora estivesse no processo de se reabilitar no Mediterrâneo e na Argélia Os holandeses recuperados na Indonésia sob o olhar vigilante da nova feitoria britânica de Singapura mal eram competidores os espanhóis retinham Cuba as Filipinas e algumas vagas pretensões na África as colónias portuguesas estavam esquecidas O comércio britânico dominava a Argentina o Brasil e o sul dos Estados Unidos tanto quanto a colónia espanhola de Cuba ou as colónias britânicas na índia Os investimentos britânicos tinham os seus mais fortes interesses no norte dos Estados Unidos ou em qualquer local que fosse economicamente desenvolvido Nunca em toda a história do mundo uma única potência havia exercido uma hegemonia mundial como a dos britânicos na metade do século XIX pois mesmo os maiores impérios ou hegemonias do passado tinham sido meramente regionais como no caso dos chineses dos maometanos e dos romanos Desde então nenhuma outra potência jamais conseguiu estabelecer uma hegemonia Comparável e nem há possibilidades de que isto venha a acontecer no futuro já que nenhuma potência pôde nem poderá reivindicar para si o título de oficina do mundo Contudo o futuro declínio da GrãBretanha já era visível Observadores inteligentes mesmo nas décadas de 1830 e 1840 como Tocqueville e Haxthausen já previam que o tamanho e os recursos potenciais dos Estados Unidos e da Rússia viriam a transformálos nos gémeos gigantes dos mundo dentro da Europa a Alemanha como previu Frederick Engels em 1844 logo viria também entrar na competição em termos iguais Só a França havia decisivamente se retirado da competição pela hegemonia internacional embora isto ainda não fosse evidente a ponto de dar garantias aos estadistas britânicos ou de outros países Em poucas palavras o mundo da década de 1840 se achava fora de equilíbrio As forças de mudança econômica técnica e social desencadeadas nos últimos 50 anos não tinham paralelo eram irresistíveis mesmo para o mais superficial dos observadores Por exemplo era inevitável que mais cedo ou mais tarde a escravidão ou a servidão exceto nas remotas regiões ainda não atingidas pela nova economia onde permaneciam como relíquias teria de ser abolida como era inevitável que a GrãBretanha não poderia para sempre permanecer o único país industrializado Era inevitável que as aristocracias proprietárias de terras e as monarquias absolutas perderiam força em todos os países em que uma forte burguesia estavase desenvolvendo quaisquer que fossem as fórmulas ou acordos políticos que encontrassem para conservar sua situação econômica sua influência e sua força política Além do mais era inevitável que a injeção de consciência política e de permanente atividade política entre as massas que foi o grande legado da Revolução Francesa significaria mais cedo ou mais tarde um importante papel dessas mesmas massas na política E dada a notável aceleração da mudança social desde 1830 e o despertar do movimento revolucionário mundial era claramente inevitável que as mudanças quaisquer que fossem seus motivos institucionais não poderiam mais ser adiadas Tudo isto teria sido o bastante para dar aos homens da década de 1840 a consciência de uma mudança pendente Mas não o bastante para explicar o que se sentia concretamente em toda a Europa a consciência de uma revolução social iminente Era bastante significativo que essa consciência não se limitasse aos revolucionários que a preparavam meticulosamente nem às classes governantes cujo temor das massas pobres é patente em tempos de mudança social Os próprios pobres sentiamna e as suas camadas mais cultas a expressavam como escreveu o cônsul americano em Amsterdã durante a fome de 1847 relatando os sentimentos dos emigrarftes alemães que passavam pela Holanda Todas as pessoas bem informadas expressam a crença de que a atual crise está tão profundamente entrelaçada com os acontecimentos do atual período que ela não é senão o começo da grande Revolução que eles consideram que mais cedo ou mais tarde venha a dissolver o atual estado de coisas A razão era que a crise do que restava da antiga sociedade parecia coincidir com uma crise da nova sociedade Analisando a década de 1840 é fácil pensar que os socialistas que previram a iminente crise final do capitalismo eram sonhadores que confundiam suas esperanças com suas possibilidades reais De fato o que se seguiu não foi a falência do capitalismo mas sim seu mais rápido período de expansão e vitória Ainda assim nas décadas de 1830 e 1840 era pouco evidente que a nova economia poderia ou buscaria superar suas dificuldades que pareciam aumentar com seu poder para produzir quantidades cada vez maiores de mercadorias através de métodos cada vez mais revolucionários Seus próprios teóricos eram perseguidos pela possibilidade do estado estacionário do estancamento da força motriz que levava a economia adiante e que ao contrário dos teóricos do século XVIII e os do período subsequente acreditavam ser algo iminente Seus próprios defensores tinham duas opiniões a respeito de seu futuro Na Krança os homens que viriam a ser os capitães das altas finanças e da indústria pesada os saintsimonianos ainda estavam indecisos na década de 1830 em relação a qual seria o melhor caminho para obter o triunfo da sociedade industrial se o socialismo ou o capitalismo Nos Estados Unidos homens como Horace Greeley que se tornaram imortais como os profetas da expansão individualista Siga para o oeste jovem era seu lema aderiram na década de 1840 ao socialismo utópico fundando e explicando os méritos das falanges fourieristas comunas semelhantes ao kibutz que tão mal se adaptam ao que hoje se considera o americanismo Os próprios empresários estavam desesperados Retrospectivamente pode parecer incompreensível que alguns negociantes quakers como John Bright e bemsucedidos fabricantes de algodão de Lancashire em pleno período de sua mais dinâmica expansão estivessem dispostos a levar seu país ao caos à fome e à revolta através de um lockout político geral com o único intuito de abolir as tarifas Ainda assim no terrível ano de 1841 bem poderia parecer ao capitalista previdente que a indústria enfrentava não só perdas e situações inconvenientes mas também uma estrangulação geral a menos que os obstáculos à sua expansão futura fossem imediatamente removidos Para a massa do povo comum o problema era mais simples Como já vimos sua condição nas grandes cidades e nos distritos fabris da Europa Ocidental e Central empurravaos inevitavelmente em direção a uma revolução social Seu ódio aos ricos e aos nobres daquele mundo amargo em que viviam e seus sonhos com um mundo novo e melhor deram a seu desespero um propósito embora somente alguns deles principalmente na GrãBretanha e na França tivessem consciência deste significado Sua organização ou facilidade para uma ação coletiva lhes dava força O grande despertar da Revolução Francesa lhes ensinara que os homens comuns não necessitavam sofrer injustiças e se calar anteriormente as nações de nada sabiam e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que tinham o direito de dizer que qualquer coisa que fizessem estava bem feita Através desta atual mudança é mais difícil governar o povo Este era o espectro do comunismo que aterrorizava a Europa o temor do proletariado que não só afetava os industriais de Lancashire ou do norte da França mas também os funcionários públicos da Alemanha rural os padres de Roma e os professores em todas as partes do mundo E com justiça pois a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e mobilizou todas as classes Foi no sentido literal o insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades especialmente nas capitais da Europa Ocidental e Central Foi unicamente a sua força que fez cair os antigos regimes desde Palermo até as fronteiras da Rússia Quando a poeira se assentou sobre suas ruínas os trabalhadores na França de fato trabalhadores socialistas eram vistos de pé sobre elas exigindo não só pão e emprego mas também uma nova sociedade e um novo Estado Enquanto os trabalhadores pobres se agitavam a crescente fraqueza e obsolescência dos antigos regimes da Europa multiplicavam crises dentro do mundo dos ricos e dos influentes Em si mesmas estas crises não tiveram grande importância Se tivessem ocorrido em uma época diferente ou em sistemas que permitissem às diferentes parcelas das classes governantes ajustar suas rivalidades pacificamente não teriam levado à revolução mais do que as perenes brigas de parcelas da corte na Rússia do século XVIII levaram à queda do czarismo Na GrãBretanha e na Bélgica por exemplo houve muitos conflitos entre agrários e industriais e entre diferentes parcelas de cada um deles Mas estava claro que as transformações de 183032 tinham decidido o problema do poder em favor dos industriais que contudo o status quo político só poderia ser vencido com o risco de uma revolução e que isto devia ser evitado a todo custo Consequentemente a árdua luta entre os industriais britânicos defensores do livre comércio e os protecionistas agrícolas em relação às Leis do Trigo podia ser travada e vencida 1846 em meio da agitação cartista sem nem por um momento expor a unidade de todas as classes governantes contra a ameaça do sufrágio universal Na Bélgica a vitória dos liberais sobre os católicos nas eleições de 1847 desligou os industriais dos escalões dos revolucionários potenciais e em 1848 uma reforma eleitoral cuidadosamente elaborada que duplicou o número de eleitores atenuou os descontentamentos de parcelas cruciais da classe média inferior Não houve revolução de 1848 embora em termos de sofrimento real a Bélgica ou melhor a região de Flanders estava provavelmente em muito piores condições do que qualquer outra parte da Europa Ocidental com exceção da Irlanda Porém na Europa absolutista a rigidez dos regimes políticos de 1815 que foram projetados para rechaçar toda mudança de teor nacional ou liberal não deixou qualquer escolha até mesmo para o mais moderado dos oposicionistas a não ser a do status quo ou da revolução Pode ser que não estivessem prontos a se revoltar mas a menos que houvesse uma revolução social irreversível nada ganhariam Os regimes de 1815 tinham que ser banidos mais cedo ou mais tarde Eles próprios o sabiam A consciência de que a história estava contra eles minava sua vontade de resistir Em 1848 o primeiro sopro de revolução dentro ou fora iria atirálos longe Porém a menos que houvesse um sopro desta ordem eles não cairiam Mas ao contrário dos países liberais as fricções relativamente menores dentro dos regimes absolutistas os choques dos governantes com as assembleias legislativas da Hungria e da Prússia a eleição de um papa liberal em 1846 isto é uma eleição ansiosa para trazer o papado um pouco mais para perto das ideias do século XIX as mágoas em relação a uma amante na Baviera etc se transformaram em vibrações políticas de importância Teoricamente a França de Luís Felipe devia ter partilhado da flexibilidade política da Grã Bretanha da Bélgica da Holanda e dos países escandinavos Na prática isto não aconteceu pois embora fosse claro que a classe governante da França os banqueiros financistas e um ou dois grandes industriais representava somente uma parcela dos interesses da classe média e além disso uma parcela cuja política econômica não era apreciada pelos elementos industriais mais dinâmicos bem como pelos diversos velhos resíduos feudais a lembrança da Revolução de 1789 se constituía em um obstáculo para a reforma A oposição consistia não só de uma burguesia descontente mas também de uma classe média inferior politicamente decisiva especialmente em Paris que votou contra o governo a despeito do restrito sufrágio em 1846 Aumentar o direito de voto poderia dar uma abertura aos jacobinos em potencial os radicais que ao menos para o veto oficial eram revolucionários O primeiroministro de Luís Felipe o historiador Guizot 184048 preferiu assim deixar o alargamento da base social do regime ao desenvolvimento econômico que automaticamente aumentaria o número de cidadãos com qualificação de proprietário para entrar na política De fato isto aconteceu O eleitorado subiu de 176 mil em 1831 para 241 mil em 1846 Porém isto não era o suficiente O medo da república jacobina manteve rígida a estrutura política francesa e a situação política se tornou cada vez mais tensa Nas condições da Inglaterra uma campanha política pública através de discursos de banquetes como a campanha lançada pela oposição francesa em 1847 teria sido perfeitamente inofensiva Sob as condições francesas ela foi o prelúdio da revolução Como as outras crises na política da classe governante europeia coincidiu com uma catástrofe social a grande depressão que varreu o continente a partir da metade da década de 1840 As colheitas e em especial a safra de batatas fracassaram Populações inteiras como as da Irlanda e até certo ponto também as da Silésia e Flanders morriam de fome Os preços dos géneros alimentícios subiam A depressão industrial multiplicava o desemprego e as massas urbanas de trabalhadores pobres eram privadas de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida atingia proporções gigantescas A situação variava de um país para outro e dentro de cada um deles e felizmente para os regimes existentes as populações mais miseráveis como as da Irlanda e de Flanders ou alguns dos trabalhadores de fábricas nas províncias encontravamse entre as pessoas politicamente menos maduras os empregados da indústria algodoeira dos departamentos do norte da França por exemplo vingavamse de seu desespero nos igualmente desesperados imigrantes belgas que invadiam aquelas regiões em vez de se vingarem contra o governo ou mesmo contra os empregadores Além do mais no mais industrializado dos países a pior situação de descontentamento fora embotada pelo grande avanço na construção ferroviária e industrial da metade da dé não tão maus como os de 18412 e o mais importante é que foram apenas uma pequena depressão no que era agora visivelmente uma inclinação ascendente de prosperidade econômica Porém tomandose a Europa Ocidental e Central como um todo a catástrofe de 18468 foi universal e o estado de ânimo das massas sempre dependente do nível de vida era tenso e apaixonado Assim pois um cataclismo econômico europeu coincidiu com a visível corrosão dos antigos regimes Um camponês que se insurgia na Galícia a eleição de um papa liberal no mesmo ano uma guerra civil entre radicais e católicos na Suíça no fim de 1847 vencida pelos radicais uma das perenes insurreições autónomas da Sicília em Palermo no início de 1848 foram não só uma indicação prévia do que estava para acontecer mas se constituíam em verdadeiras comoções prévias do grande tufão Todos sabiam disso Raras vezes a revolução foi prevista com tamanha certeza embora não fosse prevista em relação aos países certos ou às datas certas Todo um continente esperava já agora pronto a espalhar a notícia da revolução através do telégrafo elétrico Em 1831 Victor Hugo escrevera que já ouvia o ronco sonoro da revolução ainda profundamente encravado nas entranhas da terra estendendo por baixo de cada reino da Europa suas galerias subterrâneas a partir do eixo central da mina que é Paris Em 1847 o barulho se fazia claro e próximo Em 1848 a explosão eclodiu

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