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O LETRAMENTO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA TEÓRICA ORIGEM DO TERMO CONCEITUAÇÃO E RELAÇÕES COM A ESCOLARIZAÇÃO Katlen Böhm Grando1 PUCRS Projeto Observatório da EducaçãoCAPES2 Resumo O tema letramento ainda recente no contexto brasileiro nem sempre vem sendo compreendido com clareza pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental responsáveis por auxiliar as crianças ao longo do caminho da aprendizagem da leitura e da escrita Sabemos porém que para que se possa pensar em uma proposta de letramento é necessário primeiramente compreender sua conceituação Em função disso consideramos urgente esclarecer e aprofundar a temática Este artigo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica a partir das teorias de autores latinoamericanos dentre eles Ferreiro Tfouni Kleiman e Soares Utilizamonos de estudos relacionados à temática para pensar sobre diferentes aspectos ligados ao tema letramento dentre eles a origem do termo e as relações entre letramento e escolarização Por fim nos aventuramos a esboçar um conceito único de letramento a partir do pensamento dos diferentes autores que apresentamos no decorrer do texto Palavraschave Letramento Escolarização Práticas sociais de leitura e escrita Introdução A recente incorporação do termo letramento no campo da educação brasileira associada com a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos gerou uma série de dúvidas entre os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental especialmente os que se dedicam ao trabalho com turmas de primeiro ano Muitas dessas dúvidas se referem ao conceito e à proposta de letramento Alguns professores pensam que o letramento é um método didático que veio substituir a alfabetização outros consideram que alfabetização e letramento são processos iguais outros ainda possuem dúvidas sobre como promover uma proposta voltada para o letramento Essas dúvidas nos parecem decorrentes da falta de esclarecimento teórico sobre a temática 1 Mestre em Educação pela PUCRS 2 Este artigo é decorrente de uma pesquisa bibliográfica que compõe a dissertação de mestrado da autora a qual recebeu financiamento da Capes 2 Tornase fundamental implementar uma proposta voltada para os usos sociais da escrita e da leitura considerando a necessidade de ampliar a prática docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental para além do ensino e da aprendizagem da tecnologia do ler e do escrever Para isso porém é necessário compreender as bases teóricas do conceito de letramento Assim realizaremos uma retomada de aportes teóricos de autores latino americanos com o intuito de sistematizar suas principais contribuições em relação à temática Não temos como objetivo apresentar uma proposta prática de letramento mas sim realizar reflexões de cunho teórico sobre a origem do termo conceituação e as possíveis relações entre letramento e escolarização ORIGEM DO TERMO LETRAMENTO O termo letramento pode ser considerado bastante atual no campo da educação brasileira Conforme Soares 2009 p 33 esse termo parece ter sido usado pela primeira vez no país no ano de 1986 por Mary Kato no livro No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguística Como parte de título de livro o termo apareceu no ano de 1995 nos livros Os significados do letramento organizado por Angela Kleiman e Alfabetização e Letramento de Leda V Tfouni autoras das quais nos utilizamos para embasar este trabalho Mas quais seriam os motivos pelo qual foi incorporado mais esse termo no campo educativo O surgimento de uma nova palavra sempre está ligado à falta de uma palavra que possa explicar o sentido de algum fenômeno E foi nesse contexto que surgiu o termo letramento Durante a década de 80 emergiram discussões sobre as altas taxas de repetência e analfabetismo no Brasil Ao proporem uma nova perspectiva sobre o processo que a criança percorre para aprender a ler e a escrever Ferreiro e Teberosky 1979 contribuíram muito para a reflexão sobre a problemática da alfabetização Diante de toda a reflexão que ocorreu na época sobre o analfabetismo foi necessário encontrar uma palavra que se referisse à condição ou ao estado contrário daquele expresso pela palavra analfabetismo ou seja uma palavra que representasse o estado ou condição de quem está alfabetizado de quem domina o uso da leitura e da escrita Se até aquele momento só se falava em analfabetismo pois era essa a condição em que grande parte da população brasileira se encontrava no momento em que essa realidade começou a se modificar foi preciso incorporar uma nova palavra para nomear a nova 3 condição que o povo passou a ocupar Essa nova condição para além do saber ler e escrever compreendia a incorporação desses saberes no viver de cada indivíduo ou seja compreendia uma demanda social Curiosamente a palavra analfabetismo possui o prefixo de negação a assim seria lógico pensar que a palavra mais correta para preencher essa demanda seria alfabetismo O termo alfabetismo chegou a ser utilizado na literatura especializada como podemos verificar neste trecho escrito por Soares no ano de 1995 e que permanece na edição mais atual do livro Alfabetização e Letramento O surgimento do termo literacy cujo significado é o mesmo de alfabetismo nessa época representou certamente uma mudança histórica nas práticas sociais novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designálas Ou seja uma nova realidade social trouxe a necessidade de uma nova palavra SOARES 2011 p 29 grifos da autora Podemos encontrar nesse mesmo livro uma explicação da autora que nos esclarece que a palavra alfabetismo não criou raízes na literatura da área e foi progressivamente sendo substituída pelo termo letramento Conforme a nota da autora Após a publicação deste texto em 1995 foise progressivamente revelando na bibliografia preferência pela palavra letramento em relação à palavra alfabetismo SOARES 2011 p 29 grifos da autora Assim o termo letramento vem gradativamente substituindo o termo alfabetismo no entanto ainda podemos encontrar o termo alfabetismo na literatura especializada No decorrer do livro Letramento e Alfabetização Tfouni explicita que A necessidade de se começar a falar em letramento surgiu creio eu da tomada de consciência que se deu principalmente entre os linguistas de que havia alguma coisa além da alfabetização que era mais ampla e até determinante desta 2010 p 32 Refletindo sobre o surgimento do termo letramento a autora Kleiman 2008 argumenta que o conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetização cujas conotações destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita 2008 p 15 grifo da autora Em relação à etimologia do termo podemos fazer referência à Soares 2009 que expressa o senso comum do meio quando afirma que a palavra letramento é uma tradução do 4 termo inglês literacy que por sua vez tem origem do latin littera que se refere à letra A palavra literacy poderia ser decomposta da seguinte forma littera letra cy condição ou estado de Soares interpreta esta definição da seguinte forma literacy é a condição de ser letrado dando à palavra letrado sentido diferente daquele que vem tendo em português 2009 p 35 grifo da autora Qual seria então o sentido da palavra letrado a que Soares se refere na citação anterior O sentido comumente dado à palavra letrado no Brasil está ligado à ideia de pessoa erudita pessoa versada em letras e o seu antônimo iletrado seria a pessoa que não é erudita não possui conhecimentos literários Porém ao nos referirmos ao termo letramento não estamos invocando os significados anteriormente apresentados dos termos letrado e iletrado Estamos sim nos referindo ao mesmo termo porém ao significado atribuído a ele na língua inglesa literate que se refere à pessoa educada e que especificamente tem habilidade de ler e escrever LETRAMENTO CONCEITOS E DEFINIÇÕES A busca por uma definição única para o termo letramento parece ser algo difícil uma vez que se trata de um conceito amplo e complexo Conforme Soares 2009 p 65 as dificuldades e impossibilidades devemse ao fato de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos habilidades capacidades valores usos e funções sociais o conceito de letramento envolve portanto sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição Já Mortatti afirma que até por ser uma palavra recente nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos assim como os objetivos com que é utilizada a palavra letramento 2004 p 11 grifo nosso Traremos a seguir definições que alguns autores utilizam para esse conceito Refletindo sobre os significados de letramento Tfouni 2010 sugere que não pode haver a redução do seu significado ao significado de alfabetização e ao ensino formal Para ela letramento é um processo mais amplo que a alfabetização e que deve ser compreendido como um processo sóciohistórico Tfouni 2010 p 23 relaciona assim letramento com o desenvolvimento das sociedades Nesse sentido a autora explica que Em termos sociais mais amplos o letramento é apontado como sendo produto do desenvolvimento do comércio da diversificação dos meios de produção e da complexidade crescente da agricultura Ao mesmo tempo dentro de uma visão dialética tornase uma causa de transformações históricas profundas como o 5 aparecimento da máquina a vapor da imprensa do telescópio e da sociedade industrial como um todo Letramento seria portanto causa e consequência do desenvolvimento Assim o significado atribuído pela autora ao termo letramento extrapola a escola e o processo de alfabetização referindose a processos sociais mais amplos O letramento focaliza os aspectos sóciohistóricos da aquisição da escrita tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado mas também quem não é alfabetizado e nesse sentido desligase de verificar o individual e centralizase no social mais amplo TFOUNI 1988 apud MORTATTI 2004 p 89 O letramento também é compreendido como um fenômeno mais amplo e que ultrapassa os domínios da escola por Kleiman 2008 p 18 Segundo ela podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e como tecnologia em contextos específicos para objetivos específicos O conceito da autora enfatiza os aspectos social e utilitário do letramento As práticas específicas da escola que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou nãoalfabetizado passam a ser em função dessa definição apenas um tipo de prática de fato dominante que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita KLEIMAN 2008 p 19 Na citação anterior a autora se refere ao fato de que a escola diante da perspectiva do letramento enfatiza apenas algumas práticas ligadas à escrita e ao uso da escrita Assim sendo fora do ambiente escolar outros usos e práticas ligados à escrita são vivenciados Nesse sentido Kleiman 2008 p 20 afirma que o fenômeno do letramento então extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita Desta forma e de acordo com o que já foi explicitado anteriormente por esta autora letramento seria um conjunto de práticas com objetivos específicos e em contextos específicos que envolvem a escrita A escola por sua vez seria apenas uma agência de letramento dentre várias outras e realizaria apenas algumas práticas de letramento Para Mortatti 2004 p 98 o conceito de letramento se liga às funções da língua escrita em sociedades letradas Segundo esta autora 6 Letramento está diretamente relacionado com a língua escrita e seu lugar suas funções e seus usos nas sociedades letradas ou mais especificamente grafocêntricas isto é sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita e em que esta sobretudo por meio do texto escrito e impresso assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem Assim para a autora em sociedades grafocêntricas a escrita possui uma importância de proporção muito grande uma vez que tudo se organiza em torno dela Diante desse fato o letramento estaria relacionado aos usos da escrita nessa sociedade grafocêntrica O letramento também influenciaria a relação não somente dos sujeitos com a sociedade mas também com outros sujeitos Soares 2009 mesmo apontando a dificuldade de abranger toda a complexidade do significado de letramento em um único conceito também expressa uma definição para o termo Segundo ela letramento pode ser definido como Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de terse apropriado da escrita e de suas práticas sociais SOARES 2009 p 39 Assim letramento está ligado aos usos às práticas de leitura e de escrita Além disso tornase letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não somente de ler e de escrever mas sim de utilizar leitura e escrita na sociedade ou seja para Soares somente alfabetizar não garante a formação de sujeitos letrados Para a promoção do letramento é necessário que esses sujeitos tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em um mundo letrado Conforme Soares 2009 p 58 em realidades de países como o nosso o contato com livros revistas e jornais não é ainda algo natural e acessível portanto a realidade de alguns contextos de nosso país não contribui para a formação de sujeitos letrados Em se tratando do uso do termo letramento é importante ressaltar que atualmente existem duas posições teóricas Nossa intenção não é realizar qualquer tipo de juízo de valor sobre as diferentes posições mas sim apresentálas Por um lado os autores que exploramos até o momento Soares Mortatti Kleiman e Tfouni assumem um posicionamento no qual diferenciam os processos de alfabetização e letramento e os consideram separadamente Por outro lado existe um posicionamento liderado por Ferreiro que questiona o uso do termo letramento uma vez que pressupõe que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento ou o contrário em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização 7 Gostaríamos de apresentar a posição de Ferreiro uma vez que até então estamos explorando somente a posição que defende o uso do termo letramento Poderíamos pensar que a ideia de letramento entendido como um processo mais amplo que a alfabetização surgiu no Brasil por volta da década de 80 a partir dos estudos de Ferreiro e Teberosky3 Sem utilizar o termo letramento as autoras já defendiam a alfabetização como um processo indissociável do contexto do aluno e criticavam práticas mecânicas repetitivas e sem sentido As autoras também questionavam a utilização de textos artificiais no processo de alfabetização defendendo o uso de textos reais que fizessem parte do contexto das crianças e pudessem desta forma propiciar aprendizagens significativas Ao expressarem no que a psicolinguística contemporânea se diferencia do modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem Ferreiro e Teberosky 1999 p 24 afirmam que no lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio Ao se referirem à informação que lhe provê o meio as autoras expressam que as informações que a criança possui antes de ingressar na escola e que lhe são providas pelo meio são em grande parte informações ligadas à escrita Escrita que está contextualizada está sendo utilizada na sociedade para um fim específico Diante das situações de interação da criança com a escrita a criança não age passivamente mas sim reflete sobre as situações e sobre a própria escrita construindo e reconstruindo hipóteses e conhecimentos Assim acriança que está inserida no meio letrado é uma criança que possui conhecimentos sobre a língua e sobre as funções da língua na sociedade As autoras continuam é bem difícil imaginar que uma criança de 4 ou 5 anos que cresce num ambiente urbano no qual vai reencontrar necessariamente textos escritos em qualquer lugar em seus brinquedos nos cartazes publicitários ou nas placas informativas na sua roupa na TV etc não faça nenhuma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural até ter 6 anos e uma professora à sua frente FERREIRO TEBEROSKY 1999 p 29 Desta forma Ferreiro e Teberosky 1999 problematizam a visão de que a criança é uma tábula rasa no que diz respeito à escrita e à leitura ao iniciar o processo de 3 O livro Psicogênese da Língua Escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky foi lançado em 1979 originalmente na língua espanhola sob o título de Los sistemas de escritura em el desarrollo del niño e ainda hoje pode ser considerado uma referência no que diz respeito aos estudos ligados à aquisição da leitura e da escrita 8 escolarização Pelo contrário as autoras afirmam que a criança possui experiências com a língua e com os usos dessa língua no diaadia ou seja que aos poucos através de suas experiências percebe as funções da escrita e da leitura Esse movimento faz com que construa conhecimentos que devem ser considerados ao iniciar o processo de alfabetização propriamente dito A ideia de que a criança reconhece os usos da leitura e escrita em seus contextos reais antes mesmo de estar alfabetizada e que por isso deve ser alfabetizada com textos reais pode ser identificada como uma ideia ligada ao letramento No entanto Ferreiro 2002 problematiza o uso dos dois conceitos alfabetização e letramento Em entrevista concedida a uma revista educacional brasileira Ferreiro respondeu o que significa estar alfabetizado hoje Poderemos perceber através do seu conceito de alfabetização que a ideia de letramento está implícita Segundo Ferreiro 20064 estar alfabetizado nos dias de hoje é poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita Ou seja tratase de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também não se pode esquecer apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária Poderíamos afirmar que seu conceito de sujeito alfabetizado é um conceito bastante amplo e que abrange o que vem sendo identificado como letramento nos meios acadêmicos usos sociais da leitura e da escrita Assim Ferreiro rejeita a coexistência dos dois termos com o argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento ou viceversa em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização SOARES 2004 p 15 A problemática levantada por Ferreiro porém vai além do simples reconhecimento ou não do termo letramento Para a autora a questão do letramento está ligada a um aspecto social mais amplo Diante dos números brasileiros que totalizam 14 milhões de analfabetos Ferreiro 2002 discute a pertinência de uma excessiva preocupação com o letramento Assim o questionamento da autora é como podemos falar em letramento e cultura letrada se não damos conta da alfabetização É importante salientar que Ferreiro não nega a preocupação 4 Por se tratar de um artigo de meio eletrônico não dispomos de paginação 9 com o letramento mas sim aponta para a necessidade dos países pobres se preocuparem prioritariamente com o analfabetismo Os países pobres não superaram o analfabetismo os ricos descobriram o iletrismo Iletrismo é o novo nome dado a uma realidade muito simples a escolaridade básica universal não assegura a prática cotidiana da leitura nem o gosto de ler muito menos o prazer da leitura Ou seja há países que têm analfabetos porque não asseguram um mínimo de escolaridade básica a todos seus habitantes e países que tem iletrados porque apesar de terem assegurado esse mínimo de escolaridade básica não produziram leitores em sentido pleno FERREIRO 2002 p 16 grifos da autora Desta forma a autora afirma que a maior necessidade no contexto de escolas latino americanas seria de dar oportunidades de uma escolarização mínima para a população a fim de sanar os altos índices de analfabetismo Para Ferreiro a preocupação com letramento é pertinente em realidades onde a alfabetização não se constitui como um problema pois a população de modo geral já está alfabetizada ou seja em países ricos conforme a autora os denomina RELAÇÕES ENTRE LETRAMENTO E ESCOLARIZAÇÃO Um aspecto importante apontado em grande parte das bibliografias sobre a temática do letramento diz respeito à relação entre o letramento e a escolarização Ao contrário do que se poderia pensar essa relação não é óbvia ou direta sendo que alguns autores vêm afirmando inclusive que existe uma ausência de relação direta entre escolarização e letramento TFOUNI 2010 p 41 uma vez que pessoas com alto nível de escolarização nem sempre demonstram habilidade em colocarse como autor do próprio discurso TFOUNI 2010 p42 grifos da autora A tabela 1 nos apresenta importantes informações para pensarmos sobre a relação entre escolaridade e níveis de alfabetismoletramento Conforme os dados do INAF Indicador Nacional de Alfabetismo5 Funcional 2009 percebemos que quanto maior o nível de escolaridade também maior é o nível de alfabetismo O contrário também é evidenciado quanto menor o nível de escolaridade menor o nível de alfabetismo Diante dessa informação poderíamos afirmar que existe uma direta relação entre escolaridade e alfabetismo porém 5 Essa pesquisa utiliza a palavra alfabetismo no lugar da palavra letramento porém com o mesmo significado 10 estaríamos nos precipitando uma vez que os dados também nos indicam outras informações relevantes Tabela 1 Níveis de alfabetismo segundo a escolaridade INAF 2009 INAFBrasil Nível de alfabetismo segundo escolaridade População de 15 à 64 anos Nenhuma 1ª à 4ª série 5ª à 8ª série Ensino Médio Ensino Superior Analfabeto 66 9 0 0 0 Rudimentar 29 43 24 5 1 Básico 4 42 60 54 29 Pleno 1 6 17 41 71 Total de Analfabetos Funcionais 95 52 24 5 1 Total de Alfabetizados funcionalmente 5 48 76 95 99 Diferenças decorrentes de arredondamento Fonte INAF 20096 Podemos verificar que após cursarem entre 1 e 4 anos metade dos participantes da pesquisa se mantiveram analfabetos funcionalmente e a outra metade pode ser classificada como alfabetizados funcionalmente No entanto somente 6 da amostragem daqueles que cursaram entre 1 e 4 anos atingiu o nível pleno de alfabetismo enquanto que 9 dessa amostragem permaneceu analfabeto mesmo tendo frequentado a escola Em relação àqueles que tiveram entre 5 e 8 anos de escolaridade o nível de alfabetismo funcional aumenta passando para 76 Entre os que estudaram de 5 à 8 anos não se identifica analfabetos porém o percentual de alfabetizados plenos chega a 17 somente Os dados que mais nos chamam atenção no entanto se referem aos extremos ou seja àqueles que nunca frequentaram a escola e àqueles com alto nível de escolaridade Dentre as 6 Disponível em httpwwwipmorgbripmbpaginaphpmpg402020000verpor 11 pessoas que não cursaram nenhuma série aquelas que não frequentaram a escola 5 são classificadas como alfabetizadas funcionalmente Como isso seria possível se essas pessoas sequer ingressaram na escola E como explicar o fato de que após terem cursado o Ensino Médio eou Ensino Superior 6 da amostragem da pesquisa pode ser considerada analfabetos funcionais Como após mais de 11 anos de frequência escolar essas pessoas não adquiriram as habilidades de uso da escrita e leitura Poderíamos continuar pensando que existe relação direta entre escolarização e alfabetismoletramento Para refletirmos sobre essas questões fazemos referência ao texto de Soares 2004 que compõe o livro Letramento no Brasil7 organizado por Vera Masagão Ribeiro O referido livro foi escrito com o intuito de analisar os dados do primeiro INAF realizado em 2001 No livro diversos autores abordam assuntos relacionados com a temática do letramento apoiandose nos dados da pesquisa Soares no texto Letramento e Escolarização que compõe o livro citado realiza importantes reflexões sobre o tema as quais abordaremos a seguir Ao analisar os dados da pesquisa8 a primeira colocação da autora em relação ao letramento e à escolarização é de que existe uma evidente correlação entre eles e que a escolarização é fator decisivo na promoção do letramento SOARES 2004 p 99 Soares chega a essa conclusão ao afirmar que conforme aumentam os anos de escolarização aumenta também o nível de letramento em que os sujeitos são classificados A autora no entanto analisa alguns números que poderiam evidenciar a não relação entre letramento e escolarização Nos dados no INAF 2001 foi utilizada uma escala de níveis de letramento diferente da escala utilizada nos outros anos da pesquisa ou seja diferente daquela que apresentamos na tabela 1 O INAF 2001 considerou três níveis de alfabetismo o nível 1 representava a ultrapassagem do analfabetismo o nível 2 representava um domínio mínimo das habilidades de uso da leitura e escrita e o nível 3 correspondia ao domínio pleno de competências letradas Verificouse que 42 daqueles que tinham entre 11 e 14 anos de 7 É curioso verificar que a base de dados na qual se baseiam os textos do livro INAF possui a palavra alfabetismo na sua denominação Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional porém os autores do livro em sua maioria optaram por utilizar o termo letramento que inclusive faz parte do título do livro Letramento no Brasil Assim no contexto dessa pesquisa os termos alfabetismo e letramento são utilizados como sinônimos 8 Lembramos que a autora analisou os dados do INAF 2001 12 escolaridade não atingiram o nível 3 de letramento e que 22 dos que possuíam curso superior completo foram classificados nos níveis 1 e 2 de letramento SOARES 2004 p 99 Frente a esses dados as relações entre letramento e escolarização poderiam ser questionadas Assim embora os dados permitam concluir que a escolarização cumpre um papel fundamental na promoção de habilidades associadas ao letramento indicam também que em um número não desprezível de casos é negada a relação entre escolarização e tais habilidades Para explicar essa discrepância entre grau de instrução e nível de letramento a atitude mais freqüente é a de responsabilizar a escola explicação que deve ser posta sob suspeita SOARES 2004 p 99 Dando continuidade Soares 2004 apresenta duas hipóteses que não atribuem à escola a responsabilidade pela falta de relação entre escolarização e letramento Na primeira atenta para uma possível redução das habilidades dos usos da escrita e da leitura em função da falta de prática ou seja sugere que alguns sujeitos poderiam ter apresentado dificuldades nos testes em função do não exercício no diaadia dessas habilidades por falta de oportunidade ou por falta de interesse Sua segunda hipótese é a de que em alguns casos existe um grande afastamento temporal entre o momento de formação escolar do sujeito e o momento do teste Diante disso o sujeito poderia já não estar mais familiarizado com uma situação de teste bem como as habilidades desenvolvidas pela escola no período em que obteve sua escolarização poderiam diferir das habilidades avaliadas pelo teste A autora apresenta também uma terceira hipótese e essa indica uma relativa responsabilidade da escola na baixa classificação no teste por parte de sujeitos que tiveram vários anos de escolarização Sua ideia é de que as práticas de letramento realizadas na escola diferemse muito das práticas de letramento da vida real ou que a escola tentar recriar práticas de letramento porém essas não se aproximam das práticas sociais de letramento Soares 2004 p 106 afirma na vida cotidiana eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da vida social ou profissional respondem a necessidades ou interesses pessoais ou grupais são vividos e interpretados de forma natural até mesmo espontânea na escola eventos e práticas de letramento são planejados e instituídos selecionados por critérios pedagógicos com objetivos predeterminados visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividades de avaliação Diante disso a autora afirma que existe o letramento escolar e o letramento social Para ela letramento escolar se refere às habilidades de leitura e de escrita desenvolvidas na e para a escola Já o letramento social se refere às habilidades demandadas pelas práticas sociais 13 SOARES 2004 p 100 Assim nem sempre a escola conseguiria desenvolver as habilidades demandadas pela sociedade uma vez que as práticas escolarizadas de letramento ou seja aquelas que a escola incorpora em seu currículo não são idênticas àquelas vivenciadas no meio social Sendo assim não seria espantosa a falta de correspondência entre escolarização e letramento já que as habilidades desenvolvidas pela escola se distinguem das que são exigidas no contexto social Considerando que as práticas de letramento escolar se diferem das práticas de letramento sociais Soares questiona como poderia ser explicada a existência de uma forte relação entre letramento e escolaridade como a autora pode observar nos dados no INAF 2001 Para esse questionamento Soares sugere a seguinte hipótese A hipótese aqui é então que letramento escolar e letramento social embora situados em diferentes espaços e em diferentes tempos são parte dos mesmos processos sociais mais amplos o que explicaria por que experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita proporcionadas pelo processo de escolarização acabam por habilitar os indivíduos à participação em experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita no contexto social extraescolar SOARES 2004 p 111 grifo da autora Assim sendo Soares acredita que mesmo se tratando de práticas e eventos de letramento com características distintas o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo Em decorrência disso pensa que o sujeito que vivencia práticas de letramento escolar via de regra acaba por habilitarse para a vivência de práticas que exijam o letramento fora do contexto escolar Assim interpretando os dados da pesquisa referida INAF 2001 Soares 2004 p 111 conclui que os dados mostram que de maneira significativa embora não absoluta quanto mais longo o processo de escolarização quanto mais os indivíduos participam de eventos e práticas escolares de letramento mais bemsucedidos são nos eventos e práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita Diante dessa análise percebemos que a autora considera a existência de importante relação entre letramento e escolarização Ainda sobre possíveis relações entre letramento e escolarização Tfouni 2010 reflete sobre questões de autoria do discurso e defende a ideia de que o nível de escolarização não está diretamente relacionado ao nível de letramento dos sujeitos A autora realiza essa afirmação utilizando exemplos práticos Esses exemplos se referem a textos de dois sujeitos identificados como altamente escolarizados Os textos a que Tfouni 2010 se refere foram 14 realizados em contexto de estudo e trabalho para fins específicos um deles para a realização de um convite e o outro para apresentar um reajuste salarial A autora expõe que ambos os sujeitos apresentam dificuldades em chegar ao objetivo de seus textos sendo que o primeiro deles na busca por formalidade utiliza um vocabulário rebuscado que gera um eruditismo desgastado Já o sujeito do segundo texto parece não conseguir planejar sua escrita e nem mesmo voltar ao texto após seu término para realizar possíveis correções Para contrapor os exemplos anteriores que tratam de sujeitos altamente escolarizados mas que apresentam dificuldades em formular seus discursos e com o objetivo de sustentar o argumento de que a escolarização não está diretamente ligada ao letramento Tfouni 2010 apresenta uma poesia elaborada por um exdetento que foi alfabetizado enquanto estava na cadeia A poesia que esse sujeito elaborou foi baseada em uma crônica que possivelmente ouviu quando ainda não dominava a escrita e a leitura Seu texto apresenta coesão e o uso de artifícios típicos de um discurso marcado pela autoria Assim a autora explica isso demonstra que o sujeito era MUITO letrado antes de aprender a ler e a escrever porque conhecia textos literários sem nunca têlos lido Ou seja apesar do seu baixo grau de escolaridade e de seu analfabetismo ele tinha um conhecimento letrado sofisticado TFOUNI 2010 p 45 grifo da autora Diante disso afirma não haver necessária relação entre letramento e escolarização e entre letramento e alfabetização Mortatti 2004 afirma que a alfabetização e a escolarização não garantem o letramento porém identifica esses fatores como necessários para que os sujeitos possam se tornar letrados Para ela a alfabetização e a escolarização bem como a disponibilidade de uma diversidade de material escrito e impresso em nosso contexto atual são condições necessárias mas não suficientes para o letramento 2004 p 108 Ao utilizar a expressão condições necessárias mas não suficientes a autora expressa que a alfabetização e a escolarização não pressupõem necessariamente o letramento O contrário no entanto parece ser assumido como verdadeiro ou seja o letramento implica a alfabetização e a escolarização Desta forma a escola não produziria obrigatoriamente sujeitos letrados mas os sujeitos letrados vivenciariam via de regra situações escolares como a alfabetização Ainda se tratando de relações entre alfabetização e escolarização Mortatti 2004 p 107 afirma que somente o fato de ser alfabetizada não garante que a pessoa seja letrada Sua ideia que desassocia a aquisição da leitura e da escrita com o letramento vai ao 15 encontro de outros autores que estamos analisando tais como Soares 2009 p 24 Kleiman 2008 p18 e Tfouni 2010 p 42 Para essas pesquisadoras nem sempre a pessoa alfabetizada pode ser considerada letrada CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestas considerações finais gostaríamos de retomar os principais aspectos apresentados no texto e por fim tentaremos expressar um conceito único de letramento que considere os autores aqui explorados e suas principais ideias em relação à temática Com relação à origem o termo letramento surgiu no Brasil na década de 80 e se originou do inglês literacy Surgiu a partir da necessidade de denominar o estado ou condição daqueles que não mais pertenciam ao grupo dos analfabetos e que utilizavam a escrita e a leitura em seus contextos Na literatura educacional percebemos que o termo letramento possui maior aderência do que o termo alfabetismo porém este último ainda é encontrado na bibliografia da área Os dois termos costumam ser utilizados com o mesmo sentido Sobre a pertinência do uso do termo letramento existem dois posicionamentos teóricos O posicionamento de Ferreiro 2002 e 2006 discute a validade de sociedades pobres conforme as denominou se preocuparem com o letramento uma vez que ainda não deram conta do processo de alfabetização Além disso a autora costuma utilizar somente o termo alfabetização pois o significado de letramento está contido em seu conceito de alfabetização uma vez que este último é bastante amplo O outro posicionamento assumido por autoras como Mortatti 2004 Tfouni 2010 Kleiman 2008 e Soares 2004 e 2009 considera a necessidade de promover o letramento em contextos como o brasileiro Reconhece alfabetização e letramento como dois processos distintos considerando a alfabetização como um processo individual de aquisição da leitura e escrita e o letramento como um processo mais amplo relacionado aos usos da leitura e da escrita por um indivíduo ou um grupo de indivíduos Sobre as possíveis relações entre escolarização e letramento percebemos diferentes posições Soares 2004 considera que via de regra quanto mais longa for a escolarização mais bem sucedidos serão os sujeitos em eventos que envolvam os usos da leitura e da escrita 16 uma vez que o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo Tfouni 2010 acredita que a escolarização não garante sujeitos que assumam a autoria em seus discursos Já Mortatti 2004 considera a escolarização como um fator necessário para a formação de sujeitos letrados Para finalizar letramento é um conceito amplo e complexo de difícil definição Mesmo assim nos aventuramos a apresentar um conceito único de letramento a partir dos autores que utilizamos Não tivemos a pretensão de esgotar a temática mas sim de realizar uma síntese de aspectos teóricos importantes a todos aqueles que se interessam pelo tema e especialmente aos professores da educação básica Poderíamos dizer considerando os autores explorados neste texto que letramento é o produto da aprendizagem dos usos da escrita e da leitura e não está necessariamente atrelado à alfabetização A escola é uma agência de letramento que promove o letramento escolar que se diferencia do letramento social Para alguém tornarse letrado é necessário que viva em um contexto rico em situações que exijam e estimulem a leitura e a escrita REFERÊNCIAS FERREIRO Emília Passado e presente dos verbos ler e escrever São Paulo Cortez 2002 92 p O momento atual é interessante porque põe a escola em crise Entrevista concedida à Revista Nova Escola São Paulo Abril Out 2006 Disponível em httprevistaescolaabrilcombrlinguaportuguesaalfabetizacaoinicialmomentoatual 423395shtml Acesso em 30 out 2011 TEBEROSKY Ana Psicogênese da língua escrita Porto Alegre Artmed 1999 300 p INSTITUTO PAULO MONTENEGRO Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional Disponível em httpwwwipmorgbripmbpaginaphpmpg402000000verpor Acesso em 23 out 2011 KATO Mary A No mundo da escrita Uma perspectiva psicolinguística 7 ed São Paulo Ática 2009 144 p KLEIMAN Angela B Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola In KLEIMAN Angela B Org Os significados do letramento uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita Campinas Mercado das Letras 2008 294 p 17 MORTATTI Maria do Rosário Longo Educação e Letramento São Paulo UNESP 2004 136 p SOARES Magda Letramento e Escolarização In RIBEIRO Vera Masagão Org Letramento no Brasil São Paulo Global 2004 287 p Letramento um tema em três gêneros 3 ed Belo Horizonte Autêntica 2009 124 p Alfabetização e letramento 6 ed São Paulo Contexto 2011 123 p TFOUNI Leda Verdiani Letramento e Alfabetização 9 ed São Paulo Cortez 2010 103 p 96 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL Alfabetização e Letramento caminhos e descaminhos Magda Soares Doutora e livredocente em Educação e professora titular emérita da Universidade Federal de Minas Gerais Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de suces sivas mudanças conceituais e consequentemente metodológicas Atualmente parece que de novo estamos enfrentando um desses momentos de mudança é o que prenuncia o questio namento a que vêm sendo submetidos os quadros conceituais e as práticas deles decorrentes que prevaleceram na área da alfabetização nas últimas três décadas pesquisas que têm identi ficado problemas nos processos e resultados da alfabetização de crianças no contexto escolar insatisfações e inseguranças entre alfabetizadores perplexidade do poder público e da popu lação diante da persistência do fracasso da escola em alfabetizar evidenciada por avaliações nacionais e estaduais vêm provocando críticas e motivando propostas de reexame das teorias e práticas atuais de alfabetização Um momento como este é sem dúvida desafiador porque estimula a revisão dos caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos mas é também ameaçador porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propos tas de solução que representem desvios para indesejáveis descaminhos Este artigo pretende discutir esses caminhos e descaminhos de que se falará mais explicitamente no tópico final a esse tópico final se chegará por dois outros que o fundamentam e justificam um primeiro que busca esclarecer e relacionar os conceitos de alfabetização e letramento e um segundo que pretende encontrar nas relações entre esses dois processos explicações para os caminhos e descaminhos que vimos percorrendo nas últimas décadas na área da alfabetização Alfabetização letramento conceitos Letramento é palavra e conceito recentes introduzidos na linguagem da educação e das ciências linguísticas há pouco mais de duas décadas Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico nível de aprendizagem da língua escrita perseguido tradicionalmente pelo processo de alfa betização Esses comportamentos e práticas sociais de leitura e de escrita foram adquirindo 97 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL visibilidade e importância à medida que a vida social e as atividades profissionais tornaram se cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita revelando a insuficiência de apenas alfabetizar no sentido tradicional a criança ou o adulto Em um primeiro momento essa visibilidade traduziuse ou em uma adjetivação da palavra alfabetização alfabetiza ção funcional tornouse expressão bastante difundida ou em tentativas de ampliação do significado de alfabetizaçãoalfabetizar por meio de afirmações como alfabetização não é apenas aprender a ler e escrever alfabetizar é muito mais que apenas ensinar a codificar e decodificar e outras semelhantes A insuficiência desses recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendizagem que efetivamente ampliassem o significado de alfabetização alfabetizar alfabetizado é que pode justificar o surgimento da palavra letra mento consequência da necessidade de destacar e claramente configurar nomeandoos com portamentos e práticas de uso do sistema de escrita em situações sociais em que a leitura e ou a escrita estejam envolvidas Entretanto provavelmente devido ao fato de o conceito de le tramento ter sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização esses dois processos têm sido frequentemente confundidos e até mesmo fundidos Podese admitir que no plano conceitual talvez a distinção entre alfabetização e letramento não fosse necessária bastando que se ressignificasse o conceito de alfabetização como sugeriu Emilia Ferreiro em recente entrevista concedida à revista Nova Escola n 162 maio 2003 no plano pedagógico porém a distinção tornase conveniente embora também seja imperativamente conveniente que ainda que distintos os dois processos sejam reconhecidos como indissociáveis e interdependentes Assim por um lado é necessário reconhecer que alfabetização entendida como a aqui sição do sistema convencional de escrita distinguese de letramento entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais distinguemse tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e portanto também de en sino desses diferentes objetos Tal fato explica por que é conveniente a distinção entre os dois processos Por outro lado também é necessário reconhecer que embora distintos alfabetiza ção e letramento são interdependentes e indissociáveis a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas ou seja em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento este por sua vez só pode desenvolverse na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita Distinção mas indissociabilidade e interdependência quais as consequências disso para a aprendizagem da língua escrita na escola Aprendizagem da língua escrita alfabetização eou letramento Uma análise das mudanças conceituais e metodológicas ocorridas ao longo da história do ensino da língua escrita no início da escolarização revela que até os anos 80 o objetivo 98 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL maior era a alfabetização tal como acima definida isto é enfatizavase fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional da escrita Em torno desse objetivo principal mé todos de alfabetização alternaramse em um movimento pendular ora a opção pelo princípio da síntese segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades menores da língua os fonemas as sílabas em direção às unidades maiores a palavra a frase o texto método fônico método silábico ora a opção pelo princípio da análise segundo o qual a alfabetização deve ao contrário partir das unidades maiores e portadoras de sentido a palavra a frase o texto em direção às unidades menores método da palavração método da sentenciação método global Em ambas as opções porém a meta sempre foi a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita embora se possa identificar na segunda opção uma preo cupação também com o sentido veiculado pelo código seja no nível do texto método global seja no nível da palavra ou da sentença método da palavração método da sentenciação estes textos palavras sentenças são postos a serviço da aprendizagem do sistema de es crita palavras são intencionalmente selecionadas para servir à sua decomposição em sílabas e fonemas sentenças e textos são artificialmente construídos com rígido controle léxico e morfossintático para servir à sua decomposição em palavras sílabas fonemas Assim podese dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil caracterizouse por uma alternância entre métodos sintéticos e métodos analíticos mas sempre com o mesmo pressuposto o de que a criança para aprender o sistema de escrita dependeria de estímu los externos cuidadosamente selecionados ou artificialmente construídos e sempre com o mesmo objetivo o domínio desse sistema considerado condição e prérequisito para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da leitura e da escrita isto é primeiro aprender a ler e a escrever verbos nesta etapa considerados intransitivos para só depois de vencida essa etapa atribuir complementos a esses verbos ler textos livros escrever histórias cartas etc Nos anos 80 a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita divulgada en tre nós sobretudo pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro sob a denominação de construtivismo trouxe uma significativa mudança de pressupostos e objetivos na área da alfabetização porque alterou fundamentalmente a concepção do processo de aprendizagem e apagou a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita Essa mudança paradigmática permitiu identificar e explicar o processo através do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos ou seja o processo através do qual a criança tornase alfabética por outro lado e como consequência disso sugeriu as condições em que mais adequadamente se desenvolve esse processo revelando o papel fundamental de uma interação intensa e diver sificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e escrita a fim de que ocorra o processo de conceitualização da língua escrita No entanto o foco no processo de conceitualização da língua escrita pela criança e a ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para provocar e motivar esse processo têm subestimado na prática escolar da aprendizagem inicial 99 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL da língua escrita o ensino sistemático das relações entre a fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização tal como anteriormente definida Como consequência de o construtivismo ter evidenciado processos espontâneos de compreensão da escrita pela criança ter condenado os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito do sistema de escrita e sendo funda mentalmente uma teoria psicológica e não pedagógica não ter proposto uma metodologia de ensino os professores foram levados a supor que apesar de sua natureza convencional e com frequência arbitrária as relações entre a fala e a escrita seriam construídas pela criança de forma incidental e assistemática como decorrência natural de sua interação com inúmeras e variadas práticas de leitura e de escrita ou seja através de atividades de letramento prevale cendo pois estas sobre as atividades de alfabetização É sobretudo essa ausência de ensino direto explícito e sistemático da transferência da cadeia sonora da fala para a forma gráfica da escrita que tem motivado as críticas que atualmente vêm sendo feitas ao construtivismo Além disso é ela que explica por que vêm surgindo surpreendentemente propostas de retorno a um método fônico como solução para os problemas que estamos enfrentando na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crianças Cabe salientar porém que não é retornando a um passado já superado e negando avanços teóricos incontestáveis que esses problemas serão esclarecidos e resolvidos Por outro lado ignorar ou recusar a crítica aos atuais pressupostos teóricos e a insuficiência das práticas que deles têm decorrido resultará certamente em mantêlos inalterados e persistentes Em outras palavras o momento é de procurar caminhos e recusar descaminhos Caminhos e descaminhos A aprendizagem da língua escrita tem sido objeto de pesquisa e estudo de várias ciên cias nas últimas décadas cada uma delas privilegiando uma das facetas dessa aprendizagem Para citar as mais salientes a faceta fônica que envolve o desenvolvimento da consciência fonológica imprescindível para que a criança tome consciência da fala como um sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons e a aprendizagem das relações fonemagrafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita a faceta da leitura fluente que exige o reco nhecimento holístico de palavras e sentenças a faceta da leitura compreensiva que supõe ampliação de vocabulário e desenvolvimento de habilidades como interpretação avaliação inferência entre outras a faceta da identificação e do uso adequado das diferentes funções da escrita dos diferentes portadores de texto dos diferentes tipos e gêneros de texto etc Cada uma dessas facetas é fundamentada por teorias de aprendizagem princípios fonéticos e fonológicos princípios linguísticos psicolinguísticos e sociolinguísticos teorias da leitura teorias da produção textual teorias do texto e do discurso entre outras Consequentemente cada uma dessas facetas exige metodologia de ensino específica de acordo com sua natureza algumas dessas metodologias caracterizadas por ensino direto e explícito como é o caso da faceta para a qual se volta a alfabetização outras caracterizadas por ensino muitas vezes inci dental e indireto porque dependente das possibilidades e motivações das crianças bem como 100 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL das circunstâncias e do contexto em que se realize a aprendizagem como é caso das facetas que se caracterizam como de letramento A tendência porém tem sido privilegiar na aprendizagem inicial da língua escrita apenas uma de suas várias facetas e por conseguinte apenas uma metodologia assim fazem os méto dos hoje considerados como tradicionais que como já foi dito voltamse predominantemen te para a faceta fônica isto é para o ensino e a aprendizagem do sistema de escrita por outro lado assim também tem feito o chamado construtivismo que se volta predominantemente para as facetas referentes ao letramento privilegiando o envolvimento da criança com a escrita em suas diferentes funções seus diferentes portadores com os muitos tipos e gêneros de texto No entanto os conhecimentos que atualmente esclarecem tanto os processos de aprendiza gem quanto os objetos da aprendizagem da língua escrita e as relações entre aqueles e estes evidenciam que privilegiar uma ou algumas facetas subestimando ou ignorando outras é um equívoco um descaminho no ensino e na aprendizagem da língua escrita mesmo em sua etapa inicial Talvez por isso temos sempre fracassado nesse ensino e aprendizagem o caminho para esse ensino e aprendizagem é a articulação de conhecimentos e metodologias fundamentados em diferentes ciências e sua tradução em uma prática docente que integre as várias facetas articulando a aquisição do sistema de escrita que é favorecida por ensino direto explícito e or denado aqui compreendido como sendo o processo de alfabetização com o desenvolvimento de habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais de leitura e de escrita aqui compreendido como sendo o processo de letramento O emprego dos verbos integrar e articular retoma a afirmação anterior de que os dois pro cessos alfabetização e letramento são no estado atual do conhecimento sobre a apren dizagem inicial da língua escrita indissociáveis simultâneos e interdependentes a criança alfabetizase constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita em situações de letramento isto é no contexto de e por meio de interação com material escrito real e não artificialmente construído e de sua participação em práticas sociais de leitura e de escrita por outro lado a criança desenvolve habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais que a envolvem no contexto do por meio do e em depen dência do processo de aquisição do sistema alfabético e ortográfico da escrita Esse alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando pela integração e pela articulação das várias facetas do pro cesso de aprendizagem inicial da língua escrita é sem dúvida o caminho para a superação dos problemas que vimos enfrentando nesta etapa da escolarização descaminhos serão ten tativas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta como se fez no passado como se faz hoje sempre resultando em fracasso esse reiterado fracasso da escola brasileira em dar às crianças acesso efetivo e competente ao mundo da escrita Artigo publicado pela revista Pátio Revista Pedagógica de 29 de fevereiro de 2004 pela Artmed Editora Nossos agradecimentos à Editora por permitir a presente publicação Análise concluída 06042025 Resultado da Análise Provavelmente Escrito por Humano 0 Provavelmente Escrito por Humano 00 Conteúdo gerado por IA detectado Alfabetização e Letramento conceitos O surgimento de uma palavra geralmente é atribuído a necessi determinado fenômeno Grando 2012Assim a alfabetização e o letramento são conceitos essenciais muitas vezes serem considerados sinônimos eles têm significados diferentes dependendo do context processo em que aprendemos a usar o sistema alfabético de escrita ou seja como relacionar letras e s alfabetizar é ensinar a ler e a escrever no sentido de decifrar e codificar o sistema da língua escritaJ leitura e escritaÉ sobre como usamos a língua escrita de forma prática em diferentes situações do dia a letramento é o estado ou a condição que um grupo social ou um indivíduo alcança ao se apropriar da e sentido alfabetizar seria a técnica de ensinar a ler e escrever enquanto letrar é a inserção do indivídu escritura permitindo uma compreensão mais crítica e relevante desses instrumentos educacionaisO proce Q Pesquisar 2 Alfabetização e Letramento conceitos O surgimento de uma palavra geralmente é atribuído a necessidade em explicar ou atribuir um significado a determinado fenômeno Grando 2012 Assim a alfabetização e o letramento são conceitos essenciais para entender a língua escrita E apesar de muitas vezes serem considerados sinônimos eles têm significados diferentes dependendo do contexto em que são usados A alfabetização é o processo em que aprendemos a usar o sistema alfabético de escrita ou seja como relacionar letras e sons De acordo com Soares 2004 p 17 alfabetizar é ensinar a ler e a escrever no sentido de decifrar e codificar o sistema da língua escrita Já o letramento se refere às práticas sociais de leitura e escrita É sobre como usamos a língua escrita de forma prática em diferentes situações do dia a dia Como explica Kleiman 1995 p 15 letramento é o estado ou a condição que um grupo social ou um indivíduo alcança ao se apropriar da escrita e de suas práticas sociais Nesse sentido alfabetizar seria a técnica de ensinar a ler e escrever enquanto letrar é a inserção do indivíduo nas práticas sociais de uso da leitura e da escrita permitindo uma compreensão mais crítica e relevante desses instrumentos educacionais O processo de construção da alfabetização e do letramento não é sequencial e envolve fatores cognitivos afetivos e sociais É importante que a criança ou adulto ao aprender a ler e escrever esteja sincronicamente inserido em práticas que deem sentido à linguagem escrita Ferreiro e Teberosky 1986 p 17 defendem que a aquisição da escrita é um processo ativo de construção de hipóteses e não simples memorização de correspondências entre letras e sons Essa perspectiva indica que a alfabetização deve ser trabalhada de forma integrada ao letramento proporcionando situações reais de leitura e escrita desde o início do processo escolar Assim como reforça Soares 2004 p 24 não basta apenas alfabetizar é preciso alfabetizar letrando Referências FERREIRO Emilia TEBEROSKY Ana Psicogênese da língua escrita Porto Alegre Artmed 1986 KLEIMAN Ângela B Os significados do letramento uma perspectiva sociolinguística Campinas Mercado de Letras 1995 SOARES Magda Letramento um tema em três gêneros Belo Horizonte Autêntica 2004
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O LETRAMENTO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA TEÓRICA ORIGEM DO TERMO CONCEITUAÇÃO E RELAÇÕES COM A ESCOLARIZAÇÃO Katlen Böhm Grando1 PUCRS Projeto Observatório da EducaçãoCAPES2 Resumo O tema letramento ainda recente no contexto brasileiro nem sempre vem sendo compreendido com clareza pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental responsáveis por auxiliar as crianças ao longo do caminho da aprendizagem da leitura e da escrita Sabemos porém que para que se possa pensar em uma proposta de letramento é necessário primeiramente compreender sua conceituação Em função disso consideramos urgente esclarecer e aprofundar a temática Este artigo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica a partir das teorias de autores latinoamericanos dentre eles Ferreiro Tfouni Kleiman e Soares Utilizamonos de estudos relacionados à temática para pensar sobre diferentes aspectos ligados ao tema letramento dentre eles a origem do termo e as relações entre letramento e escolarização Por fim nos aventuramos a esboçar um conceito único de letramento a partir do pensamento dos diferentes autores que apresentamos no decorrer do texto Palavraschave Letramento Escolarização Práticas sociais de leitura e escrita Introdução A recente incorporação do termo letramento no campo da educação brasileira associada com a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos gerou uma série de dúvidas entre os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental especialmente os que se dedicam ao trabalho com turmas de primeiro ano Muitas dessas dúvidas se referem ao conceito e à proposta de letramento Alguns professores pensam que o letramento é um método didático que veio substituir a alfabetização outros consideram que alfabetização e letramento são processos iguais outros ainda possuem dúvidas sobre como promover uma proposta voltada para o letramento Essas dúvidas nos parecem decorrentes da falta de esclarecimento teórico sobre a temática 1 Mestre em Educação pela PUCRS 2 Este artigo é decorrente de uma pesquisa bibliográfica que compõe a dissertação de mestrado da autora a qual recebeu financiamento da Capes 2 Tornase fundamental implementar uma proposta voltada para os usos sociais da escrita e da leitura considerando a necessidade de ampliar a prática docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental para além do ensino e da aprendizagem da tecnologia do ler e do escrever Para isso porém é necessário compreender as bases teóricas do conceito de letramento Assim realizaremos uma retomada de aportes teóricos de autores latino americanos com o intuito de sistematizar suas principais contribuições em relação à temática Não temos como objetivo apresentar uma proposta prática de letramento mas sim realizar reflexões de cunho teórico sobre a origem do termo conceituação e as possíveis relações entre letramento e escolarização ORIGEM DO TERMO LETRAMENTO O termo letramento pode ser considerado bastante atual no campo da educação brasileira Conforme Soares 2009 p 33 esse termo parece ter sido usado pela primeira vez no país no ano de 1986 por Mary Kato no livro No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguística Como parte de título de livro o termo apareceu no ano de 1995 nos livros Os significados do letramento organizado por Angela Kleiman e Alfabetização e Letramento de Leda V Tfouni autoras das quais nos utilizamos para embasar este trabalho Mas quais seriam os motivos pelo qual foi incorporado mais esse termo no campo educativo O surgimento de uma nova palavra sempre está ligado à falta de uma palavra que possa explicar o sentido de algum fenômeno E foi nesse contexto que surgiu o termo letramento Durante a década de 80 emergiram discussões sobre as altas taxas de repetência e analfabetismo no Brasil Ao proporem uma nova perspectiva sobre o processo que a criança percorre para aprender a ler e a escrever Ferreiro e Teberosky 1979 contribuíram muito para a reflexão sobre a problemática da alfabetização Diante de toda a reflexão que ocorreu na época sobre o analfabetismo foi necessário encontrar uma palavra que se referisse à condição ou ao estado contrário daquele expresso pela palavra analfabetismo ou seja uma palavra que representasse o estado ou condição de quem está alfabetizado de quem domina o uso da leitura e da escrita Se até aquele momento só se falava em analfabetismo pois era essa a condição em que grande parte da população brasileira se encontrava no momento em que essa realidade começou a se modificar foi preciso incorporar uma nova palavra para nomear a nova 3 condição que o povo passou a ocupar Essa nova condição para além do saber ler e escrever compreendia a incorporação desses saberes no viver de cada indivíduo ou seja compreendia uma demanda social Curiosamente a palavra analfabetismo possui o prefixo de negação a assim seria lógico pensar que a palavra mais correta para preencher essa demanda seria alfabetismo O termo alfabetismo chegou a ser utilizado na literatura especializada como podemos verificar neste trecho escrito por Soares no ano de 1995 e que permanece na edição mais atual do livro Alfabetização e Letramento O surgimento do termo literacy cujo significado é o mesmo de alfabetismo nessa época representou certamente uma mudança histórica nas práticas sociais novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designálas Ou seja uma nova realidade social trouxe a necessidade de uma nova palavra SOARES 2011 p 29 grifos da autora Podemos encontrar nesse mesmo livro uma explicação da autora que nos esclarece que a palavra alfabetismo não criou raízes na literatura da área e foi progressivamente sendo substituída pelo termo letramento Conforme a nota da autora Após a publicação deste texto em 1995 foise progressivamente revelando na bibliografia preferência pela palavra letramento em relação à palavra alfabetismo SOARES 2011 p 29 grifos da autora Assim o termo letramento vem gradativamente substituindo o termo alfabetismo no entanto ainda podemos encontrar o termo alfabetismo na literatura especializada No decorrer do livro Letramento e Alfabetização Tfouni explicita que A necessidade de se começar a falar em letramento surgiu creio eu da tomada de consciência que se deu principalmente entre os linguistas de que havia alguma coisa além da alfabetização que era mais ampla e até determinante desta 2010 p 32 Refletindo sobre o surgimento do termo letramento a autora Kleiman 2008 argumenta que o conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetização cujas conotações destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita 2008 p 15 grifo da autora Em relação à etimologia do termo podemos fazer referência à Soares 2009 que expressa o senso comum do meio quando afirma que a palavra letramento é uma tradução do 4 termo inglês literacy que por sua vez tem origem do latin littera que se refere à letra A palavra literacy poderia ser decomposta da seguinte forma littera letra cy condição ou estado de Soares interpreta esta definição da seguinte forma literacy é a condição de ser letrado dando à palavra letrado sentido diferente daquele que vem tendo em português 2009 p 35 grifo da autora Qual seria então o sentido da palavra letrado a que Soares se refere na citação anterior O sentido comumente dado à palavra letrado no Brasil está ligado à ideia de pessoa erudita pessoa versada em letras e o seu antônimo iletrado seria a pessoa que não é erudita não possui conhecimentos literários Porém ao nos referirmos ao termo letramento não estamos invocando os significados anteriormente apresentados dos termos letrado e iletrado Estamos sim nos referindo ao mesmo termo porém ao significado atribuído a ele na língua inglesa literate que se refere à pessoa educada e que especificamente tem habilidade de ler e escrever LETRAMENTO CONCEITOS E DEFINIÇÕES A busca por uma definição única para o termo letramento parece ser algo difícil uma vez que se trata de um conceito amplo e complexo Conforme Soares 2009 p 65 as dificuldades e impossibilidades devemse ao fato de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos habilidades capacidades valores usos e funções sociais o conceito de letramento envolve portanto sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição Já Mortatti afirma que até por ser uma palavra recente nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos assim como os objetivos com que é utilizada a palavra letramento 2004 p 11 grifo nosso Traremos a seguir definições que alguns autores utilizam para esse conceito Refletindo sobre os significados de letramento Tfouni 2010 sugere que não pode haver a redução do seu significado ao significado de alfabetização e ao ensino formal Para ela letramento é um processo mais amplo que a alfabetização e que deve ser compreendido como um processo sóciohistórico Tfouni 2010 p 23 relaciona assim letramento com o desenvolvimento das sociedades Nesse sentido a autora explica que Em termos sociais mais amplos o letramento é apontado como sendo produto do desenvolvimento do comércio da diversificação dos meios de produção e da complexidade crescente da agricultura Ao mesmo tempo dentro de uma visão dialética tornase uma causa de transformações históricas profundas como o 5 aparecimento da máquina a vapor da imprensa do telescópio e da sociedade industrial como um todo Letramento seria portanto causa e consequência do desenvolvimento Assim o significado atribuído pela autora ao termo letramento extrapola a escola e o processo de alfabetização referindose a processos sociais mais amplos O letramento focaliza os aspectos sóciohistóricos da aquisição da escrita tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado mas também quem não é alfabetizado e nesse sentido desligase de verificar o individual e centralizase no social mais amplo TFOUNI 1988 apud MORTATTI 2004 p 89 O letramento também é compreendido como um fenômeno mais amplo e que ultrapassa os domínios da escola por Kleiman 2008 p 18 Segundo ela podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e como tecnologia em contextos específicos para objetivos específicos O conceito da autora enfatiza os aspectos social e utilitário do letramento As práticas específicas da escola que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou nãoalfabetizado passam a ser em função dessa definição apenas um tipo de prática de fato dominante que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita KLEIMAN 2008 p 19 Na citação anterior a autora se refere ao fato de que a escola diante da perspectiva do letramento enfatiza apenas algumas práticas ligadas à escrita e ao uso da escrita Assim sendo fora do ambiente escolar outros usos e práticas ligados à escrita são vivenciados Nesse sentido Kleiman 2008 p 20 afirma que o fenômeno do letramento então extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita Desta forma e de acordo com o que já foi explicitado anteriormente por esta autora letramento seria um conjunto de práticas com objetivos específicos e em contextos específicos que envolvem a escrita A escola por sua vez seria apenas uma agência de letramento dentre várias outras e realizaria apenas algumas práticas de letramento Para Mortatti 2004 p 98 o conceito de letramento se liga às funções da língua escrita em sociedades letradas Segundo esta autora 6 Letramento está diretamente relacionado com a língua escrita e seu lugar suas funções e seus usos nas sociedades letradas ou mais especificamente grafocêntricas isto é sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita e em que esta sobretudo por meio do texto escrito e impresso assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem Assim para a autora em sociedades grafocêntricas a escrita possui uma importância de proporção muito grande uma vez que tudo se organiza em torno dela Diante desse fato o letramento estaria relacionado aos usos da escrita nessa sociedade grafocêntrica O letramento também influenciaria a relação não somente dos sujeitos com a sociedade mas também com outros sujeitos Soares 2009 mesmo apontando a dificuldade de abranger toda a complexidade do significado de letramento em um único conceito também expressa uma definição para o termo Segundo ela letramento pode ser definido como Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de terse apropriado da escrita e de suas práticas sociais SOARES 2009 p 39 Assim letramento está ligado aos usos às práticas de leitura e de escrita Além disso tornase letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não somente de ler e de escrever mas sim de utilizar leitura e escrita na sociedade ou seja para Soares somente alfabetizar não garante a formação de sujeitos letrados Para a promoção do letramento é necessário que esses sujeitos tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em um mundo letrado Conforme Soares 2009 p 58 em realidades de países como o nosso o contato com livros revistas e jornais não é ainda algo natural e acessível portanto a realidade de alguns contextos de nosso país não contribui para a formação de sujeitos letrados Em se tratando do uso do termo letramento é importante ressaltar que atualmente existem duas posições teóricas Nossa intenção não é realizar qualquer tipo de juízo de valor sobre as diferentes posições mas sim apresentálas Por um lado os autores que exploramos até o momento Soares Mortatti Kleiman e Tfouni assumem um posicionamento no qual diferenciam os processos de alfabetização e letramento e os consideram separadamente Por outro lado existe um posicionamento liderado por Ferreiro que questiona o uso do termo letramento uma vez que pressupõe que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento ou o contrário em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização 7 Gostaríamos de apresentar a posição de Ferreiro uma vez que até então estamos explorando somente a posição que defende o uso do termo letramento Poderíamos pensar que a ideia de letramento entendido como um processo mais amplo que a alfabetização surgiu no Brasil por volta da década de 80 a partir dos estudos de Ferreiro e Teberosky3 Sem utilizar o termo letramento as autoras já defendiam a alfabetização como um processo indissociável do contexto do aluno e criticavam práticas mecânicas repetitivas e sem sentido As autoras também questionavam a utilização de textos artificiais no processo de alfabetização defendendo o uso de textos reais que fizessem parte do contexto das crianças e pudessem desta forma propiciar aprendizagens significativas Ao expressarem no que a psicolinguística contemporânea se diferencia do modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem Ferreiro e Teberosky 1999 p 24 afirmam que no lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio Ao se referirem à informação que lhe provê o meio as autoras expressam que as informações que a criança possui antes de ingressar na escola e que lhe são providas pelo meio são em grande parte informações ligadas à escrita Escrita que está contextualizada está sendo utilizada na sociedade para um fim específico Diante das situações de interação da criança com a escrita a criança não age passivamente mas sim reflete sobre as situações e sobre a própria escrita construindo e reconstruindo hipóteses e conhecimentos Assim acriança que está inserida no meio letrado é uma criança que possui conhecimentos sobre a língua e sobre as funções da língua na sociedade As autoras continuam é bem difícil imaginar que uma criança de 4 ou 5 anos que cresce num ambiente urbano no qual vai reencontrar necessariamente textos escritos em qualquer lugar em seus brinquedos nos cartazes publicitários ou nas placas informativas na sua roupa na TV etc não faça nenhuma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural até ter 6 anos e uma professora à sua frente FERREIRO TEBEROSKY 1999 p 29 Desta forma Ferreiro e Teberosky 1999 problematizam a visão de que a criança é uma tábula rasa no que diz respeito à escrita e à leitura ao iniciar o processo de 3 O livro Psicogênese da Língua Escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky foi lançado em 1979 originalmente na língua espanhola sob o título de Los sistemas de escritura em el desarrollo del niño e ainda hoje pode ser considerado uma referência no que diz respeito aos estudos ligados à aquisição da leitura e da escrita 8 escolarização Pelo contrário as autoras afirmam que a criança possui experiências com a língua e com os usos dessa língua no diaadia ou seja que aos poucos através de suas experiências percebe as funções da escrita e da leitura Esse movimento faz com que construa conhecimentos que devem ser considerados ao iniciar o processo de alfabetização propriamente dito A ideia de que a criança reconhece os usos da leitura e escrita em seus contextos reais antes mesmo de estar alfabetizada e que por isso deve ser alfabetizada com textos reais pode ser identificada como uma ideia ligada ao letramento No entanto Ferreiro 2002 problematiza o uso dos dois conceitos alfabetização e letramento Em entrevista concedida a uma revista educacional brasileira Ferreiro respondeu o que significa estar alfabetizado hoje Poderemos perceber através do seu conceito de alfabetização que a ideia de letramento está implícita Segundo Ferreiro 20064 estar alfabetizado nos dias de hoje é poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita Ou seja tratase de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também não se pode esquecer apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária Poderíamos afirmar que seu conceito de sujeito alfabetizado é um conceito bastante amplo e que abrange o que vem sendo identificado como letramento nos meios acadêmicos usos sociais da leitura e da escrita Assim Ferreiro rejeita a coexistência dos dois termos com o argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento ou viceversa em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização SOARES 2004 p 15 A problemática levantada por Ferreiro porém vai além do simples reconhecimento ou não do termo letramento Para a autora a questão do letramento está ligada a um aspecto social mais amplo Diante dos números brasileiros que totalizam 14 milhões de analfabetos Ferreiro 2002 discute a pertinência de uma excessiva preocupação com o letramento Assim o questionamento da autora é como podemos falar em letramento e cultura letrada se não damos conta da alfabetização É importante salientar que Ferreiro não nega a preocupação 4 Por se tratar de um artigo de meio eletrônico não dispomos de paginação 9 com o letramento mas sim aponta para a necessidade dos países pobres se preocuparem prioritariamente com o analfabetismo Os países pobres não superaram o analfabetismo os ricos descobriram o iletrismo Iletrismo é o novo nome dado a uma realidade muito simples a escolaridade básica universal não assegura a prática cotidiana da leitura nem o gosto de ler muito menos o prazer da leitura Ou seja há países que têm analfabetos porque não asseguram um mínimo de escolaridade básica a todos seus habitantes e países que tem iletrados porque apesar de terem assegurado esse mínimo de escolaridade básica não produziram leitores em sentido pleno FERREIRO 2002 p 16 grifos da autora Desta forma a autora afirma que a maior necessidade no contexto de escolas latino americanas seria de dar oportunidades de uma escolarização mínima para a população a fim de sanar os altos índices de analfabetismo Para Ferreiro a preocupação com letramento é pertinente em realidades onde a alfabetização não se constitui como um problema pois a população de modo geral já está alfabetizada ou seja em países ricos conforme a autora os denomina RELAÇÕES ENTRE LETRAMENTO E ESCOLARIZAÇÃO Um aspecto importante apontado em grande parte das bibliografias sobre a temática do letramento diz respeito à relação entre o letramento e a escolarização Ao contrário do que se poderia pensar essa relação não é óbvia ou direta sendo que alguns autores vêm afirmando inclusive que existe uma ausência de relação direta entre escolarização e letramento TFOUNI 2010 p 41 uma vez que pessoas com alto nível de escolarização nem sempre demonstram habilidade em colocarse como autor do próprio discurso TFOUNI 2010 p42 grifos da autora A tabela 1 nos apresenta importantes informações para pensarmos sobre a relação entre escolaridade e níveis de alfabetismoletramento Conforme os dados do INAF Indicador Nacional de Alfabetismo5 Funcional 2009 percebemos que quanto maior o nível de escolaridade também maior é o nível de alfabetismo O contrário também é evidenciado quanto menor o nível de escolaridade menor o nível de alfabetismo Diante dessa informação poderíamos afirmar que existe uma direta relação entre escolaridade e alfabetismo porém 5 Essa pesquisa utiliza a palavra alfabetismo no lugar da palavra letramento porém com o mesmo significado 10 estaríamos nos precipitando uma vez que os dados também nos indicam outras informações relevantes Tabela 1 Níveis de alfabetismo segundo a escolaridade INAF 2009 INAFBrasil Nível de alfabetismo segundo escolaridade População de 15 à 64 anos Nenhuma 1ª à 4ª série 5ª à 8ª série Ensino Médio Ensino Superior Analfabeto 66 9 0 0 0 Rudimentar 29 43 24 5 1 Básico 4 42 60 54 29 Pleno 1 6 17 41 71 Total de Analfabetos Funcionais 95 52 24 5 1 Total de Alfabetizados funcionalmente 5 48 76 95 99 Diferenças decorrentes de arredondamento Fonte INAF 20096 Podemos verificar que após cursarem entre 1 e 4 anos metade dos participantes da pesquisa se mantiveram analfabetos funcionalmente e a outra metade pode ser classificada como alfabetizados funcionalmente No entanto somente 6 da amostragem daqueles que cursaram entre 1 e 4 anos atingiu o nível pleno de alfabetismo enquanto que 9 dessa amostragem permaneceu analfabeto mesmo tendo frequentado a escola Em relação àqueles que tiveram entre 5 e 8 anos de escolaridade o nível de alfabetismo funcional aumenta passando para 76 Entre os que estudaram de 5 à 8 anos não se identifica analfabetos porém o percentual de alfabetizados plenos chega a 17 somente Os dados que mais nos chamam atenção no entanto se referem aos extremos ou seja àqueles que nunca frequentaram a escola e àqueles com alto nível de escolaridade Dentre as 6 Disponível em httpwwwipmorgbripmbpaginaphpmpg402020000verpor 11 pessoas que não cursaram nenhuma série aquelas que não frequentaram a escola 5 são classificadas como alfabetizadas funcionalmente Como isso seria possível se essas pessoas sequer ingressaram na escola E como explicar o fato de que após terem cursado o Ensino Médio eou Ensino Superior 6 da amostragem da pesquisa pode ser considerada analfabetos funcionais Como após mais de 11 anos de frequência escolar essas pessoas não adquiriram as habilidades de uso da escrita e leitura Poderíamos continuar pensando que existe relação direta entre escolarização e alfabetismoletramento Para refletirmos sobre essas questões fazemos referência ao texto de Soares 2004 que compõe o livro Letramento no Brasil7 organizado por Vera Masagão Ribeiro O referido livro foi escrito com o intuito de analisar os dados do primeiro INAF realizado em 2001 No livro diversos autores abordam assuntos relacionados com a temática do letramento apoiandose nos dados da pesquisa Soares no texto Letramento e Escolarização que compõe o livro citado realiza importantes reflexões sobre o tema as quais abordaremos a seguir Ao analisar os dados da pesquisa8 a primeira colocação da autora em relação ao letramento e à escolarização é de que existe uma evidente correlação entre eles e que a escolarização é fator decisivo na promoção do letramento SOARES 2004 p 99 Soares chega a essa conclusão ao afirmar que conforme aumentam os anos de escolarização aumenta também o nível de letramento em que os sujeitos são classificados A autora no entanto analisa alguns números que poderiam evidenciar a não relação entre letramento e escolarização Nos dados no INAF 2001 foi utilizada uma escala de níveis de letramento diferente da escala utilizada nos outros anos da pesquisa ou seja diferente daquela que apresentamos na tabela 1 O INAF 2001 considerou três níveis de alfabetismo o nível 1 representava a ultrapassagem do analfabetismo o nível 2 representava um domínio mínimo das habilidades de uso da leitura e escrita e o nível 3 correspondia ao domínio pleno de competências letradas Verificouse que 42 daqueles que tinham entre 11 e 14 anos de 7 É curioso verificar que a base de dados na qual se baseiam os textos do livro INAF possui a palavra alfabetismo na sua denominação Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional porém os autores do livro em sua maioria optaram por utilizar o termo letramento que inclusive faz parte do título do livro Letramento no Brasil Assim no contexto dessa pesquisa os termos alfabetismo e letramento são utilizados como sinônimos 8 Lembramos que a autora analisou os dados do INAF 2001 12 escolaridade não atingiram o nível 3 de letramento e que 22 dos que possuíam curso superior completo foram classificados nos níveis 1 e 2 de letramento SOARES 2004 p 99 Frente a esses dados as relações entre letramento e escolarização poderiam ser questionadas Assim embora os dados permitam concluir que a escolarização cumpre um papel fundamental na promoção de habilidades associadas ao letramento indicam também que em um número não desprezível de casos é negada a relação entre escolarização e tais habilidades Para explicar essa discrepância entre grau de instrução e nível de letramento a atitude mais freqüente é a de responsabilizar a escola explicação que deve ser posta sob suspeita SOARES 2004 p 99 Dando continuidade Soares 2004 apresenta duas hipóteses que não atribuem à escola a responsabilidade pela falta de relação entre escolarização e letramento Na primeira atenta para uma possível redução das habilidades dos usos da escrita e da leitura em função da falta de prática ou seja sugere que alguns sujeitos poderiam ter apresentado dificuldades nos testes em função do não exercício no diaadia dessas habilidades por falta de oportunidade ou por falta de interesse Sua segunda hipótese é a de que em alguns casos existe um grande afastamento temporal entre o momento de formação escolar do sujeito e o momento do teste Diante disso o sujeito poderia já não estar mais familiarizado com uma situação de teste bem como as habilidades desenvolvidas pela escola no período em que obteve sua escolarização poderiam diferir das habilidades avaliadas pelo teste A autora apresenta também uma terceira hipótese e essa indica uma relativa responsabilidade da escola na baixa classificação no teste por parte de sujeitos que tiveram vários anos de escolarização Sua ideia é de que as práticas de letramento realizadas na escola diferemse muito das práticas de letramento da vida real ou que a escola tentar recriar práticas de letramento porém essas não se aproximam das práticas sociais de letramento Soares 2004 p 106 afirma na vida cotidiana eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da vida social ou profissional respondem a necessidades ou interesses pessoais ou grupais são vividos e interpretados de forma natural até mesmo espontânea na escola eventos e práticas de letramento são planejados e instituídos selecionados por critérios pedagógicos com objetivos predeterminados visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividades de avaliação Diante disso a autora afirma que existe o letramento escolar e o letramento social Para ela letramento escolar se refere às habilidades de leitura e de escrita desenvolvidas na e para a escola Já o letramento social se refere às habilidades demandadas pelas práticas sociais 13 SOARES 2004 p 100 Assim nem sempre a escola conseguiria desenvolver as habilidades demandadas pela sociedade uma vez que as práticas escolarizadas de letramento ou seja aquelas que a escola incorpora em seu currículo não são idênticas àquelas vivenciadas no meio social Sendo assim não seria espantosa a falta de correspondência entre escolarização e letramento já que as habilidades desenvolvidas pela escola se distinguem das que são exigidas no contexto social Considerando que as práticas de letramento escolar se diferem das práticas de letramento sociais Soares questiona como poderia ser explicada a existência de uma forte relação entre letramento e escolaridade como a autora pode observar nos dados no INAF 2001 Para esse questionamento Soares sugere a seguinte hipótese A hipótese aqui é então que letramento escolar e letramento social embora situados em diferentes espaços e em diferentes tempos são parte dos mesmos processos sociais mais amplos o que explicaria por que experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita proporcionadas pelo processo de escolarização acabam por habilitar os indivíduos à participação em experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita no contexto social extraescolar SOARES 2004 p 111 grifo da autora Assim sendo Soares acredita que mesmo se tratando de práticas e eventos de letramento com características distintas o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo Em decorrência disso pensa que o sujeito que vivencia práticas de letramento escolar via de regra acaba por habilitarse para a vivência de práticas que exijam o letramento fora do contexto escolar Assim interpretando os dados da pesquisa referida INAF 2001 Soares 2004 p 111 conclui que os dados mostram que de maneira significativa embora não absoluta quanto mais longo o processo de escolarização quanto mais os indivíduos participam de eventos e práticas escolares de letramento mais bemsucedidos são nos eventos e práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita Diante dessa análise percebemos que a autora considera a existência de importante relação entre letramento e escolarização Ainda sobre possíveis relações entre letramento e escolarização Tfouni 2010 reflete sobre questões de autoria do discurso e defende a ideia de que o nível de escolarização não está diretamente relacionado ao nível de letramento dos sujeitos A autora realiza essa afirmação utilizando exemplos práticos Esses exemplos se referem a textos de dois sujeitos identificados como altamente escolarizados Os textos a que Tfouni 2010 se refere foram 14 realizados em contexto de estudo e trabalho para fins específicos um deles para a realização de um convite e o outro para apresentar um reajuste salarial A autora expõe que ambos os sujeitos apresentam dificuldades em chegar ao objetivo de seus textos sendo que o primeiro deles na busca por formalidade utiliza um vocabulário rebuscado que gera um eruditismo desgastado Já o sujeito do segundo texto parece não conseguir planejar sua escrita e nem mesmo voltar ao texto após seu término para realizar possíveis correções Para contrapor os exemplos anteriores que tratam de sujeitos altamente escolarizados mas que apresentam dificuldades em formular seus discursos e com o objetivo de sustentar o argumento de que a escolarização não está diretamente ligada ao letramento Tfouni 2010 apresenta uma poesia elaborada por um exdetento que foi alfabetizado enquanto estava na cadeia A poesia que esse sujeito elaborou foi baseada em uma crônica que possivelmente ouviu quando ainda não dominava a escrita e a leitura Seu texto apresenta coesão e o uso de artifícios típicos de um discurso marcado pela autoria Assim a autora explica isso demonstra que o sujeito era MUITO letrado antes de aprender a ler e a escrever porque conhecia textos literários sem nunca têlos lido Ou seja apesar do seu baixo grau de escolaridade e de seu analfabetismo ele tinha um conhecimento letrado sofisticado TFOUNI 2010 p 45 grifo da autora Diante disso afirma não haver necessária relação entre letramento e escolarização e entre letramento e alfabetização Mortatti 2004 afirma que a alfabetização e a escolarização não garantem o letramento porém identifica esses fatores como necessários para que os sujeitos possam se tornar letrados Para ela a alfabetização e a escolarização bem como a disponibilidade de uma diversidade de material escrito e impresso em nosso contexto atual são condições necessárias mas não suficientes para o letramento 2004 p 108 Ao utilizar a expressão condições necessárias mas não suficientes a autora expressa que a alfabetização e a escolarização não pressupõem necessariamente o letramento O contrário no entanto parece ser assumido como verdadeiro ou seja o letramento implica a alfabetização e a escolarização Desta forma a escola não produziria obrigatoriamente sujeitos letrados mas os sujeitos letrados vivenciariam via de regra situações escolares como a alfabetização Ainda se tratando de relações entre alfabetização e escolarização Mortatti 2004 p 107 afirma que somente o fato de ser alfabetizada não garante que a pessoa seja letrada Sua ideia que desassocia a aquisição da leitura e da escrita com o letramento vai ao 15 encontro de outros autores que estamos analisando tais como Soares 2009 p 24 Kleiman 2008 p18 e Tfouni 2010 p 42 Para essas pesquisadoras nem sempre a pessoa alfabetizada pode ser considerada letrada CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestas considerações finais gostaríamos de retomar os principais aspectos apresentados no texto e por fim tentaremos expressar um conceito único de letramento que considere os autores aqui explorados e suas principais ideias em relação à temática Com relação à origem o termo letramento surgiu no Brasil na década de 80 e se originou do inglês literacy Surgiu a partir da necessidade de denominar o estado ou condição daqueles que não mais pertenciam ao grupo dos analfabetos e que utilizavam a escrita e a leitura em seus contextos Na literatura educacional percebemos que o termo letramento possui maior aderência do que o termo alfabetismo porém este último ainda é encontrado na bibliografia da área Os dois termos costumam ser utilizados com o mesmo sentido Sobre a pertinência do uso do termo letramento existem dois posicionamentos teóricos O posicionamento de Ferreiro 2002 e 2006 discute a validade de sociedades pobres conforme as denominou se preocuparem com o letramento uma vez que ainda não deram conta do processo de alfabetização Além disso a autora costuma utilizar somente o termo alfabetização pois o significado de letramento está contido em seu conceito de alfabetização uma vez que este último é bastante amplo O outro posicionamento assumido por autoras como Mortatti 2004 Tfouni 2010 Kleiman 2008 e Soares 2004 e 2009 considera a necessidade de promover o letramento em contextos como o brasileiro Reconhece alfabetização e letramento como dois processos distintos considerando a alfabetização como um processo individual de aquisição da leitura e escrita e o letramento como um processo mais amplo relacionado aos usos da leitura e da escrita por um indivíduo ou um grupo de indivíduos Sobre as possíveis relações entre escolarização e letramento percebemos diferentes posições Soares 2004 considera que via de regra quanto mais longa for a escolarização mais bem sucedidos serão os sujeitos em eventos que envolvam os usos da leitura e da escrita 16 uma vez que o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo Tfouni 2010 acredita que a escolarização não garante sujeitos que assumam a autoria em seus discursos Já Mortatti 2004 considera a escolarização como um fator necessário para a formação de sujeitos letrados Para finalizar letramento é um conceito amplo e complexo de difícil definição Mesmo assim nos aventuramos a apresentar um conceito único de letramento a partir dos autores que utilizamos Não tivemos a pretensão de esgotar a temática mas sim de realizar uma síntese de aspectos teóricos importantes a todos aqueles que se interessam pelo tema e especialmente aos professores da educação básica Poderíamos dizer considerando os autores explorados neste texto que letramento é o produto da aprendizagem dos usos da escrita e da leitura e não está necessariamente atrelado à alfabetização A escola é uma agência de letramento que promove o letramento escolar que se diferencia do letramento social Para alguém tornarse letrado é necessário que viva em um contexto rico em situações que exijam e estimulem a leitura e a escrita REFERÊNCIAS FERREIRO Emília Passado e presente dos verbos ler e escrever São Paulo Cortez 2002 92 p O momento atual é interessante porque põe a escola em crise Entrevista concedida à Revista Nova Escola São Paulo Abril Out 2006 Disponível em httprevistaescolaabrilcombrlinguaportuguesaalfabetizacaoinicialmomentoatual 423395shtml Acesso em 30 out 2011 TEBEROSKY Ana Psicogênese da língua escrita Porto Alegre Artmed 1999 300 p INSTITUTO PAULO MONTENEGRO Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional Disponível em httpwwwipmorgbripmbpaginaphpmpg402000000verpor Acesso em 23 out 2011 KATO Mary A No mundo da escrita Uma perspectiva psicolinguística 7 ed São Paulo Ática 2009 144 p KLEIMAN Angela B Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola In KLEIMAN Angela B Org Os significados do letramento uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita Campinas Mercado das Letras 2008 294 p 17 MORTATTI Maria do Rosário Longo Educação e Letramento São Paulo UNESP 2004 136 p SOARES Magda Letramento e Escolarização In RIBEIRO Vera Masagão Org Letramento no Brasil São Paulo Global 2004 287 p Letramento um tema em três gêneros 3 ed Belo Horizonte Autêntica 2009 124 p Alfabetização e letramento 6 ed São Paulo Contexto 2011 123 p TFOUNI Leda Verdiani Letramento e Alfabetização 9 ed São Paulo Cortez 2010 103 p 96 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL Alfabetização e Letramento caminhos e descaminhos Magda Soares Doutora e livredocente em Educação e professora titular emérita da Universidade Federal de Minas Gerais Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de suces sivas mudanças conceituais e consequentemente metodológicas Atualmente parece que de novo estamos enfrentando um desses momentos de mudança é o que prenuncia o questio namento a que vêm sendo submetidos os quadros conceituais e as práticas deles decorrentes que prevaleceram na área da alfabetização nas últimas três décadas pesquisas que têm identi ficado problemas nos processos e resultados da alfabetização de crianças no contexto escolar insatisfações e inseguranças entre alfabetizadores perplexidade do poder público e da popu lação diante da persistência do fracasso da escola em alfabetizar evidenciada por avaliações nacionais e estaduais vêm provocando críticas e motivando propostas de reexame das teorias e práticas atuais de alfabetização Um momento como este é sem dúvida desafiador porque estimula a revisão dos caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos mas é também ameaçador porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propos tas de solução que representem desvios para indesejáveis descaminhos Este artigo pretende discutir esses caminhos e descaminhos de que se falará mais explicitamente no tópico final a esse tópico final se chegará por dois outros que o fundamentam e justificam um primeiro que busca esclarecer e relacionar os conceitos de alfabetização e letramento e um segundo que pretende encontrar nas relações entre esses dois processos explicações para os caminhos e descaminhos que vimos percorrendo nas últimas décadas na área da alfabetização Alfabetização letramento conceitos Letramento é palavra e conceito recentes introduzidos na linguagem da educação e das ciências linguísticas há pouco mais de duas décadas Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico nível de aprendizagem da língua escrita perseguido tradicionalmente pelo processo de alfa betização Esses comportamentos e práticas sociais de leitura e de escrita foram adquirindo 97 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL visibilidade e importância à medida que a vida social e as atividades profissionais tornaram se cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita revelando a insuficiência de apenas alfabetizar no sentido tradicional a criança ou o adulto Em um primeiro momento essa visibilidade traduziuse ou em uma adjetivação da palavra alfabetização alfabetiza ção funcional tornouse expressão bastante difundida ou em tentativas de ampliação do significado de alfabetizaçãoalfabetizar por meio de afirmações como alfabetização não é apenas aprender a ler e escrever alfabetizar é muito mais que apenas ensinar a codificar e decodificar e outras semelhantes A insuficiência desses recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendizagem que efetivamente ampliassem o significado de alfabetização alfabetizar alfabetizado é que pode justificar o surgimento da palavra letra mento consequência da necessidade de destacar e claramente configurar nomeandoos com portamentos e práticas de uso do sistema de escrita em situações sociais em que a leitura e ou a escrita estejam envolvidas Entretanto provavelmente devido ao fato de o conceito de le tramento ter sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização esses dois processos têm sido frequentemente confundidos e até mesmo fundidos Podese admitir que no plano conceitual talvez a distinção entre alfabetização e letramento não fosse necessária bastando que se ressignificasse o conceito de alfabetização como sugeriu Emilia Ferreiro em recente entrevista concedida à revista Nova Escola n 162 maio 2003 no plano pedagógico porém a distinção tornase conveniente embora também seja imperativamente conveniente que ainda que distintos os dois processos sejam reconhecidos como indissociáveis e interdependentes Assim por um lado é necessário reconhecer que alfabetização entendida como a aqui sição do sistema convencional de escrita distinguese de letramento entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais distinguemse tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e portanto também de en sino desses diferentes objetos Tal fato explica por que é conveniente a distinção entre os dois processos Por outro lado também é necessário reconhecer que embora distintos alfabetiza ção e letramento são interdependentes e indissociáveis a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas ou seja em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento este por sua vez só pode desenvolverse na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita Distinção mas indissociabilidade e interdependência quais as consequências disso para a aprendizagem da língua escrita na escola Aprendizagem da língua escrita alfabetização eou letramento Uma análise das mudanças conceituais e metodológicas ocorridas ao longo da história do ensino da língua escrita no início da escolarização revela que até os anos 80 o objetivo 98 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL maior era a alfabetização tal como acima definida isto é enfatizavase fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional da escrita Em torno desse objetivo principal mé todos de alfabetização alternaramse em um movimento pendular ora a opção pelo princípio da síntese segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades menores da língua os fonemas as sílabas em direção às unidades maiores a palavra a frase o texto método fônico método silábico ora a opção pelo princípio da análise segundo o qual a alfabetização deve ao contrário partir das unidades maiores e portadoras de sentido a palavra a frase o texto em direção às unidades menores método da palavração método da sentenciação método global Em ambas as opções porém a meta sempre foi a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita embora se possa identificar na segunda opção uma preo cupação também com o sentido veiculado pelo código seja no nível do texto método global seja no nível da palavra ou da sentença método da palavração método da sentenciação estes textos palavras sentenças são postos a serviço da aprendizagem do sistema de es crita palavras são intencionalmente selecionadas para servir à sua decomposição em sílabas e fonemas sentenças e textos são artificialmente construídos com rígido controle léxico e morfossintático para servir à sua decomposição em palavras sílabas fonemas Assim podese dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil caracterizouse por uma alternância entre métodos sintéticos e métodos analíticos mas sempre com o mesmo pressuposto o de que a criança para aprender o sistema de escrita dependeria de estímu los externos cuidadosamente selecionados ou artificialmente construídos e sempre com o mesmo objetivo o domínio desse sistema considerado condição e prérequisito para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da leitura e da escrita isto é primeiro aprender a ler e a escrever verbos nesta etapa considerados intransitivos para só depois de vencida essa etapa atribuir complementos a esses verbos ler textos livros escrever histórias cartas etc Nos anos 80 a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita divulgada en tre nós sobretudo pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro sob a denominação de construtivismo trouxe uma significativa mudança de pressupostos e objetivos na área da alfabetização porque alterou fundamentalmente a concepção do processo de aprendizagem e apagou a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita Essa mudança paradigmática permitiu identificar e explicar o processo através do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos ou seja o processo através do qual a criança tornase alfabética por outro lado e como consequência disso sugeriu as condições em que mais adequadamente se desenvolve esse processo revelando o papel fundamental de uma interação intensa e diver sificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e escrita a fim de que ocorra o processo de conceitualização da língua escrita No entanto o foco no processo de conceitualização da língua escrita pela criança e a ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para provocar e motivar esse processo têm subestimado na prática escolar da aprendizagem inicial 99 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL da língua escrita o ensino sistemático das relações entre a fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização tal como anteriormente definida Como consequência de o construtivismo ter evidenciado processos espontâneos de compreensão da escrita pela criança ter condenado os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito do sistema de escrita e sendo funda mentalmente uma teoria psicológica e não pedagógica não ter proposto uma metodologia de ensino os professores foram levados a supor que apesar de sua natureza convencional e com frequência arbitrária as relações entre a fala e a escrita seriam construídas pela criança de forma incidental e assistemática como decorrência natural de sua interação com inúmeras e variadas práticas de leitura e de escrita ou seja através de atividades de letramento prevale cendo pois estas sobre as atividades de alfabetização É sobretudo essa ausência de ensino direto explícito e sistemático da transferência da cadeia sonora da fala para a forma gráfica da escrita que tem motivado as críticas que atualmente vêm sendo feitas ao construtivismo Além disso é ela que explica por que vêm surgindo surpreendentemente propostas de retorno a um método fônico como solução para os problemas que estamos enfrentando na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crianças Cabe salientar porém que não é retornando a um passado já superado e negando avanços teóricos incontestáveis que esses problemas serão esclarecidos e resolvidos Por outro lado ignorar ou recusar a crítica aos atuais pressupostos teóricos e a insuficiência das práticas que deles têm decorrido resultará certamente em mantêlos inalterados e persistentes Em outras palavras o momento é de procurar caminhos e recusar descaminhos Caminhos e descaminhos A aprendizagem da língua escrita tem sido objeto de pesquisa e estudo de várias ciên cias nas últimas décadas cada uma delas privilegiando uma das facetas dessa aprendizagem Para citar as mais salientes a faceta fônica que envolve o desenvolvimento da consciência fonológica imprescindível para que a criança tome consciência da fala como um sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons e a aprendizagem das relações fonemagrafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita a faceta da leitura fluente que exige o reco nhecimento holístico de palavras e sentenças a faceta da leitura compreensiva que supõe ampliação de vocabulário e desenvolvimento de habilidades como interpretação avaliação inferência entre outras a faceta da identificação e do uso adequado das diferentes funções da escrita dos diferentes portadores de texto dos diferentes tipos e gêneros de texto etc Cada uma dessas facetas é fundamentada por teorias de aprendizagem princípios fonéticos e fonológicos princípios linguísticos psicolinguísticos e sociolinguísticos teorias da leitura teorias da produção textual teorias do texto e do discurso entre outras Consequentemente cada uma dessas facetas exige metodologia de ensino específica de acordo com sua natureza algumas dessas metodologias caracterizadas por ensino direto e explícito como é o caso da faceta para a qual se volta a alfabetização outras caracterizadas por ensino muitas vezes inci dental e indireto porque dependente das possibilidades e motivações das crianças bem como 100 CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL das circunstâncias e do contexto em que se realize a aprendizagem como é caso das facetas que se caracterizam como de letramento A tendência porém tem sido privilegiar na aprendizagem inicial da língua escrita apenas uma de suas várias facetas e por conseguinte apenas uma metodologia assim fazem os méto dos hoje considerados como tradicionais que como já foi dito voltamse predominantemen te para a faceta fônica isto é para o ensino e a aprendizagem do sistema de escrita por outro lado assim também tem feito o chamado construtivismo que se volta predominantemente para as facetas referentes ao letramento privilegiando o envolvimento da criança com a escrita em suas diferentes funções seus diferentes portadores com os muitos tipos e gêneros de texto No entanto os conhecimentos que atualmente esclarecem tanto os processos de aprendiza gem quanto os objetos da aprendizagem da língua escrita e as relações entre aqueles e estes evidenciam que privilegiar uma ou algumas facetas subestimando ou ignorando outras é um equívoco um descaminho no ensino e na aprendizagem da língua escrita mesmo em sua etapa inicial Talvez por isso temos sempre fracassado nesse ensino e aprendizagem o caminho para esse ensino e aprendizagem é a articulação de conhecimentos e metodologias fundamentados em diferentes ciências e sua tradução em uma prática docente que integre as várias facetas articulando a aquisição do sistema de escrita que é favorecida por ensino direto explícito e or denado aqui compreendido como sendo o processo de alfabetização com o desenvolvimento de habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais de leitura e de escrita aqui compreendido como sendo o processo de letramento O emprego dos verbos integrar e articular retoma a afirmação anterior de que os dois pro cessos alfabetização e letramento são no estado atual do conhecimento sobre a apren dizagem inicial da língua escrita indissociáveis simultâneos e interdependentes a criança alfabetizase constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita em situações de letramento isto é no contexto de e por meio de interação com material escrito real e não artificialmente construído e de sua participação em práticas sociais de leitura e de escrita por outro lado a criança desenvolve habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais que a envolvem no contexto do por meio do e em depen dência do processo de aquisição do sistema alfabético e ortográfico da escrita Esse alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando pela integração e pela articulação das várias facetas do pro cesso de aprendizagem inicial da língua escrita é sem dúvida o caminho para a superação dos problemas que vimos enfrentando nesta etapa da escolarização descaminhos serão ten tativas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta como se fez no passado como se faz hoje sempre resultando em fracasso esse reiterado fracasso da escola brasileira em dar às crianças acesso efetivo e competente ao mundo da escrita Artigo publicado pela revista Pátio Revista Pedagógica de 29 de fevereiro de 2004 pela Artmed Editora Nossos agradecimentos à Editora por permitir a presente publicação Análise concluída 06042025 Resultado da Análise Provavelmente Escrito por Humano 0 Provavelmente Escrito por Humano 00 Conteúdo gerado por IA detectado Alfabetização e Letramento conceitos O surgimento de uma palavra geralmente é atribuído a necessi determinado fenômeno Grando 2012Assim a alfabetização e o letramento são conceitos essenciais muitas vezes serem considerados sinônimos eles têm significados diferentes dependendo do context processo em que aprendemos a usar o sistema alfabético de escrita ou seja como relacionar letras e s alfabetizar é ensinar a ler e a escrever no sentido de decifrar e codificar o sistema da língua escritaJ leitura e escritaÉ sobre como usamos a língua escrita de forma prática em diferentes situações do dia a letramento é o estado ou a condição que um grupo social ou um indivíduo alcança ao se apropriar da e sentido alfabetizar seria a técnica de ensinar a ler e escrever enquanto letrar é a inserção do indivídu escritura permitindo uma compreensão mais crítica e relevante desses instrumentos educacionaisO proce Q Pesquisar 2 Alfabetização e Letramento conceitos O surgimento de uma palavra geralmente é atribuído a necessidade em explicar ou atribuir um significado a determinado fenômeno Grando 2012 Assim a alfabetização e o letramento são conceitos essenciais para entender a língua escrita E apesar de muitas vezes serem considerados sinônimos eles têm significados diferentes dependendo do contexto em que são usados A alfabetização é o processo em que aprendemos a usar o sistema alfabético de escrita ou seja como relacionar letras e sons De acordo com Soares 2004 p 17 alfabetizar é ensinar a ler e a escrever no sentido de decifrar e codificar o sistema da língua escrita Já o letramento se refere às práticas sociais de leitura e escrita É sobre como usamos a língua escrita de forma prática em diferentes situações do dia a dia Como explica Kleiman 1995 p 15 letramento é o estado ou a condição que um grupo social ou um indivíduo alcança ao se apropriar da escrita e de suas práticas sociais Nesse sentido alfabetizar seria a técnica de ensinar a ler e escrever enquanto letrar é a inserção do indivíduo nas práticas sociais de uso da leitura e da escrita permitindo uma compreensão mais crítica e relevante desses instrumentos educacionais O processo de construção da alfabetização e do letramento não é sequencial e envolve fatores cognitivos afetivos e sociais É importante que a criança ou adulto ao aprender a ler e escrever esteja sincronicamente inserido em práticas que deem sentido à linguagem escrita Ferreiro e Teberosky 1986 p 17 defendem que a aquisição da escrita é um processo ativo de construção de hipóteses e não simples memorização de correspondências entre letras e sons Essa perspectiva indica que a alfabetização deve ser trabalhada de forma integrada ao letramento proporcionando situações reais de leitura e escrita desde o início do processo escolar Assim como reforça Soares 2004 p 24 não basta apenas alfabetizar é preciso alfabetizar letrando Referências FERREIRO Emilia TEBEROSKY Ana Psicogênese da língua escrita Porto Alegre Artmed 1986 KLEIMAN Ângela B Os significados do letramento uma perspectiva sociolinguística Campinas Mercado de Letras 1995 SOARES Magda Letramento um tema em três gêneros Belo Horizonte Autêntica 2004