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O SABER HISTÓRICO NA SALA DE AULA Circe Bittencourt org Adriana Mortara Almeida Antonia Terra Camilo de Mello Vasconcellos Carlos Alberto Vesentini Elias Thomé Saliba Kátia Abud Marcos Napolitano Maria Auxiliadora Schmidt Maria de Lourdes Monaco Janotti Ricardo Oriá EDITORA CONTEXTO LIVROS DIDÁTICOS ENTRE TEXTOS E IMAGENS Circe Bittencourt Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos são também produtos de grupos sociais que procuram por intermédio deles perpetuar suas identidades seus valores suas tradições suas culturas Alain Choppin Gravuras fotos filmes mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados há algum tempo como recurso pedagógico no ensino de História Os livros didáticos de História já em meados do século XIX possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos além de mapas históricos Nas primeiras décadas do século XX os filmes foram apontados pelo professor Jonathas Serrano do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro como instrumento didático importante considerandoo material fundamental do método intuitivo em substituição ao método mnemônico Graças ao cinematógrafo as ressurreições históricas não são mais uma utopia escreveu Serrano que acreditava também que os alunos poderiam aprender História pelos olhos e não mais enfadonhamente só pelos ouvidos em massudas monótonas e indigestas preleções SERRANO p 11 grifo nosso Atualmente as obras didáticas estão repletas de ilustrações que parecem concorrer em busca de espaço com os textos escritos Ao lado Professora doutora do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da USP 69 dos acervos iconográficos reproduzidos nos livros têm sido ampliadas a produção e a utilização de imagens tecnológicas em vídeos e mais recentemente as informáticas dos softwares e dos CDROMs As mais famosas editoras de livros escolares fazem produções de multimídia educativas e novos títulos de CDROM de História têm sido lançados no Brasil nos últimos anos Embora a introdução de gravuras e mapas no ensino de História há cerca de um século e a multiplicação de imagens apresentadas atualmente como material didático demonstrem a importância desse recurso na cultura histórica escolar a reflexão sobre o papel que efetivamente desempenham no processo de ensino e aprendizagem é escassa As imagens são meros recursos para motivar e ilustrar o curso de História Na afirmação de Serrano são utilizadas para concretizar noções abstratas tais como a de tempo histórico proporcionando aos alunos formas de presenciar outras experiências não vivenciadas por eles E como os alunos provenientes de uma geração formada pela saturação de imagens se relacionam com a iconografia escolar ou a apresentada pela escola como estudo As imagens tecnológicas dos computadores trazem mudanças substantivas para a aprendizagem de História e substituirão livros didáticos Questões como essas precisam ser levantadas considerando que pouco se conhece sobre as formas de leitura de imagens utilizadas em sala de aula independentemente do suporte didático em que elas são apresentadas No sentido de refletir sobre parte dessas questões este texto apresenta algumas considerações sobre o conjunto de imagens mais comuns no cotidiano escolar e as de mais fácil acesso por alunos e professores as ilustrações dos livros didáticos A reflexão sobre as diversas ilustrações dos livros didáticos impõese como uma questão importante no ensino das disciplinas escolares pelo papel que elas têm desempenhado no processo pedagógico surgindo indagações constantes quando se aprofundam as análises educacionais Como são realizadas as leituras de imagens nos livros didáticos As imagens complementam os textos dos livros ou servem apenas como ilustrações que visam tornar as páginas mais atrativas para os jovens leitores Mas buscar respostas para tais indagações exige inicialmente uma abordagem sobre a natureza do livro didático e o papel que este objeto cultural desempenha no cotidiano escolar CONCEPÇÕES E CARACTERIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO O livro didático tem sido objeto de avaliações contraditórias nos últimos tempos Existem professores que abominam os livros escolares culpandoos pelo estado precário da educação escolar Outros docentes calamse ou se posicionam de forma positiva pelo auxílio que os livros prestam ao seu diaadia complicado O livro didático no entanto continua sendo o material didático referencial de professores pais e alunos que apesar do preço consideramno referencial básico para o estudo e em todo o início do ano letivo as editoras continuam colocando no mercado uma infinidade de obras diferenciadas em tamanho e qualidade As avaliações de pesquisadores sobre a produção didática também chegam a conclusões diversas sendo ainda um objeto cujo enfoque e abordagem variam conforme o campo de investigação seja ele da história das ciências políticas e econômicas da área pedagógica sociológica ou linguística entre outras O interesse que o livro didático tem despertado e as celeumas que provoca em encontros e debates demonstra que ele é um objeto de múltiplas facetas e possui uma natureza complexa O livro didático é antes de tudo uma mercadoria um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes à lógica do mercado Como mercadoria ele sofre interferências variadas em seu processo de fabricação e comercialização Em sua construção interferem vários personagens iniciando pela figura do editor passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos gráficos como programadores visuais ilustradores É importante destacar que o livro didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor Façam o que fizerem os autores não escrevem livros os livros não são de modo 70 71 algum escritos São manufaturados por escribas e outros artesãos por mecânicos outros engenheiros e por impressores e outras máquinas CHARTIER p126 Mas o livro didático é também um depositário dos conteúdos escolares suporte básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas curriculares é por seu intermédio que são passados os conhecimentos e técnicas considerados fundamentais de uma sociedade em determinada época O livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular Nesse processo ele cria padrões linguísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário próprio ordenando capítulos e conceitos selecionando ilustrações fazendo resumos etc Além disso o livro didático é um instrumento pedagógico inscrito em uma longa tradição inseparável tanto na sua elaboração como na sua utilização das estruturas dos métodos e das condições do ensino de seu tempo CHOPPIN p19 O livro didático nesse aspecto elabora as estruturas e as condições do ensino para o professor sendo inclusive comum existirem os livros do professor ou do mestre Ao lado dos textos o livro didático produz uma série de técnicas de aprendizagem exercícios questionários sugestões de trabalho enfim as tarefas que os alunos devem desempenhar para a apreensão ou na maior parte das vezes para a retenção dos conteúdos Assim os manuais escolares apresentam não apenas os conteúdos das disciplinas mas como esse conteúdo deve ser ensinado E finalmente o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores de uma ideologia de uma cultura Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes generalizando temas como família criança etnia de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa A complexidade da natureza desse produto cultural explica com maior precisão o predomínio que exerce como material didático no processo de ensino e na aprendizagem da disciplina qualquer que seja ela O livro didático tem sido desde o século XIX o principal instrumento de trabalho de professores e alunos sendo utilizado nas mais variadas salas de aulas e condições pedagógicas servindo como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor Mas para entender o papel que o livro didático desempenha na vida escolar não basta analisar a ideologia e as defasagens dos conteúdos em relação à produção acadêmica ou descobrir se o material é fiel ou não às propostas curriculares Para entender um livro didático é preciso analisálo em todos os seus aspectos e contradições Ele é portador de textos que auxiliam ou podem auxiliar o domínio da leitura escrita em todos os níveis de escolarização serve para ampliar informações veiculando e divulgando com uma linguagem mais acessível o saber científico Possibilita igualmente a articulação em suas páginas de outras linguagens além da escrita que podem fornecer ao estudante uma maior autonomia frente ao conhecimento Por seu intermédio o conteúdo programático da disciplina tornase explícito e dessa forma tem condições de auxiliar a aquisição de conceitos básicos do saber acumulado pelos métodos e pelo rigor científico Entretanto o livro didático é limitado e condicionado por razões econômicas ideológicas e técnicas A linguagem que produz deve ser acessível ao público infantil ou juvenil e isso tem conduzido a simplificações que limitam sua ação na formação intelectual mais autônoma dos alunos Autores e editores ao simplificarem questões complexas impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis discordâncias por parte dos leitores Sua tendência é de ser um objeto padronizado com pouco espaço para textos originais condicionando formatos e linguagens com interferências múltiplas em seu processo de elaboração associadas à lógica da mercantilização e das formas de consumo Assim o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado É necessário enfatizar que o livro didático possui vários sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela intervenção de professores e alunos que realizam práticas diferentes de leitura e de trabalho escolar Os usos que professores e alunos fazem do livro didático são variados e podem transformar esse veículo ideológico e fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino autônomo As práticas de leitura do livro didático não são idênticas e não obe 72 73 decem necessariamente às regras impostas por autores e editores ou por instituições governamentais Assim mesmo considerando que o livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e diretivo acompanhado de exercícios prescritivos existem e existiram formas diversas de uso nas quais a atuação do professor é fundamental Ao se considerar a dimensão das formas de consumo do livro didático não se pode omitir o poder do professor Cabe a este na maioria das vezes a escolha do livro e sua leitura na sala de aula é determinada também pelo professor Os capítulos selecionados os métodos de leitura em grupo ou individual assim como as tarefas decorrentes da leitura são opções exclusivas do professor mesmo quando inseridas e limitadas por projeto pedagógico estipulado pela escola Dentro dessa concepção de livro didático que envolve considerar os diferentes agentes de seu processo de fabricação e de consumo é que analisamos seu acervo iconográfico e apresentamos algumas propostas para uma leitura crítica dessa produção ILUSTRAÇÕES DOS LIVROS DIDÁTICOS Dentre os pesquisadores que mais têm se preocupado com as ilustrações em livros didáticos de História destacamse os franceses Algumas de suas pesquisas abordam dois aspectos que nos parecem relevantes Existem trabalhos que recuperam a partir dos manuais escolares do século XIX e início do século XX o acervo iconográfico que se constituiu no período e o papel que desempenhou na configuração de uma memória histórica incorporada por amplos setores escolares na medida em que a escolarização atingia a maior parte da população São pesquisas que enfatizam os aspectos ideológicos das ilustrações como o caso de Amalvi que estuda a galeria de heróis representada nas obras didáticas de história Um outro aspecto que tem sido abordado referese à evolução das técnicas gráficas e ao acompanhamento das transformações e da caracterização dos tipos de imagens na composição dos livros de História analisando seus aspectos quantitativos que parecem concorrer cada vez mais com os textos escritos GAULUPEAU No Brasil embora não se possa encontrar pesquisa especialmente dedicada à produção iconográfica na área de História existem trabalhos que buscam analisar como determinados segmentos sociais têm sido representados especialmente os indígenas e a população negra nos diversos livros escolares SILVA GRUPIONI A importância das imagens como recurso pedagógico tem sido destacada há mais de um século por editores e autores de livros escolares de História Ernest Lavisse historiador francês e autor de várias obras didáticas que marcaram a produção francesa e a nossa tendo em vista que a França tem sido o referencial para a elaboração desse produto cultural assim prefaciou uma de suas obras As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender a história É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão repletos de imagens Desejamos forçar os alunos a fixarem as imagens Sem diminuir o número de gravuras que existiam no texto compusemos novas séries delas correspondendo a uma série para cada livro Cada série é acompanhada de questões que os alunos responderão por escrito após terem olhado o desenho e feito uma pequena reflexão sobre ele É o que denominamos de revisão pelas imagens e acreditamos que este trabalho possa desenvolver a inteligência das crianças ao mesmo tempo que sua memória LAVISSE grifo nosso Ver as cenas históricas era o objetivo fundamental que justificava ou ainda justifica a inclusão de imagens nos livros didáticos em maior número possível significando que as ilustrações concretizam a noção altamente abstrata de tempo histórico Para Lavisse as gravuras dos livros serviriam ainda para facilitar a memorização dos conteúdos sendo que o autor tinha cuidados especiais em apresentar no corpo da página o texto escrito mesclado a cenas que reforçavam as explicações escritas do autor Nesse sentido as vinhetas ou legendas explicativas colocadas abaixo de cada ilustração indicavam o que o aluno deveria observar e reforçava a idéia contida no texto Considerando a opinião de Lavisse cabe indagar se os objetivos pedagógicos das gravuras permanecem e explicam sua proliferação nos livros de História Em estudos sobre a história do livro didático brasileiro acompanhei a trajetória de livros de História da escola elementar e secundária a partir do século XIX foi interessante observar o percurso das ilustrações em tais obras a partir da fase inicial da escolarização pública até a atualidade BITTENCOURT 1993 Considerando esse conjunto de ima 74 75 gens utilizadas no cotidiano escolar é possível destacar algumas características peculiares do material pedagógico A primeira delas é a marca francesa nas ilustrações dos livros escolares de História Para o caso dos livros de História Geral ou Universal as reproduções são tiradas de obras francesas em sua maioria A presença francesa na produção dos livros brasileiros ocorreu por termos nos baseado durante muitos anos nas propostas curriculares da França mas também pela relação das casas editoriais brasileiras com este país sendo que a maior parte dos livros nacionais eram impressos em Paris até os anos 30 deste século O caráter mercadológico e as questões técnicas de fabricação da obra didática interferem no processo de seleção e organização das imagens e delimitam os critérios de escolha na maioria das vezes das ilustrações Há condicionamentos e limitações impostas pela técnica e pelos custos que devem se associar às necessidades pedagógicas Os livros didáticos não podem ser caros mas necessitam de gravuras como pressuposto pedagógico da aprendizagem principalmente para os alunos do ensino elementar Atualmente é fácil constatar que os livros até as 8as séries possuem mais ilustrações e coloridas do que os destinados ao 2o grau em que predominam imagens em pretoebranco Os estudos do acervo iconográfico de pesquisadores sobre a literatura infantil demonstram a importância dos lucros das ilustrações para algumas casas editoriais francesas que passaram a vender os direitos de reprodução de desenhos de ilustradores especialmente produzidos para determinadas obras como as de Julio Verne do editor PierreJules Hetzel LE MEN GLENISSON Os editores de livros brasileiros têm sido compradores de fotolitos e ilustrações das editoras francesas principalmente para as obras didáticas de História Para diminuir gastos e proporcionar preços mais acessíveis aos alunos as editoras brasileiras usam desenhistas para reproduzir quadros ou gravuras de livros estrangeiros ou mesmo de edições anteriores com reproduções mais cuidadosas Sem ampliar as questões de dependência da indústria editorial brasileira em relação à França cabe apontar para o significado da permanência de gravuras e reproduções diversas nas obras nacionais como as das civilizações antigas Egito e Mesopotâmia geralmente re produções do acervo do Louvre e as do período feudal cujo referente tem sido o espaço francês A questão da ilustração dos livros está relacionada assim aos aspectos mercadológicos e técnicos que demonstram os limites do autor do texto quando observamos os livros também como objeto fabricado A diagramação e a paginação do livro são estabelecidas por um profissional especializado e dessa forma os caracteres a dimensão as cores das ilustrações enfim são decisões de técnicos de programadores visuais sendo que o autor pouco ou nada interfere na maior parte das vezes na composição final do livro A história do livro didático possibilita verificar como os autores foram perdendo o poder sobre as ilustrações de suas obras Hoje existem especialistas em pesquisa iconográfica contratados pelas editoras para desenvolverem essa parte específica da produção do livro Se para o caso do livro de História Geral era e é mais fácil recorrer às ilustrações estrangeiras o mesmo não ocorreu com a produção de História do Brasil Para o caso dessa produção foi preciso desde o início que autores e editores organizassem um acervo próprio de ilustrações e gravuras pela impossibilidade de recorrer aos manuais estrangeiros As ilustrações mais comuns sobre o passado da nação foram reproduzidas por desenhistas ou por fotógrafos de quadros históricos produzidos no final do século XIX Dessa galeria de arte que os livros didáticos foram os principais divulgadores dois quadros têm sido os mais reproduzidos desde o início do século o 7 de setembro de 1822 de Pedro Américo e a A Primeira Missa no Brasil de Vitor Meirelles de Lima A Guerra do Paraguai apresentada nos livros escolares dificilmente não mostra algumas das batalhas criadas por esses dois pintores em especial o Combate Naval do Riachuelo Tais pinturas têm se prestado à constituição de uma memória histórica há várias gerações A História Política que predominou no ensino de História até recentemente foi responsável pela configuração de uma galeria de personagens da vida administrativa do país Houve o cuidado de se pesquisar os possíveis retratos de personagens que ficaram famosos posteriormente para serem apresentados aos jovens estudantes É o caso por exemplo de Tomé de Souza e de Pedro Álvares Cabral O descobridor e o primeiro chefe político ou governadorgeral do 76 77 Brasil precisaram constar da galeria dos principais personagens históricos demandando a criação de representações do momento da descoberta da nova terra A chegada de Tomé de Souza à Bahia pôde ser vista e gravada na memória dos jovens estudantes desde 1844 em um dos primeiros manuais didáticos de História do Brasil do general Abreu e Lima adaptado pelos editores da casa Laemmert O descobridor Pedro Álvares Cabral colocando o pé nas terras brasileiras já aparecia em capas de livros nos anos de 1880 e muitas dessas mesmas reproduções ainda podem ser observadas pelos alunos em obras recentes dos anos 90 figs 1 e 2 Figura 1 Chegada de Thomé de Souza à Bahia Figura 2 Facsímile da capa do livro de Mattoso Maia Como a História Política ensinada optou até os anos 60 por biografar os feitos dos chefes políticos reis e presidentes republicanos seus retratos constituíramse em uma espécie de galeria de pessoas ilustres com características aristocráticas Essa sequência de personagens era exposta em uma cadeia cronológica que longe de explicar o período inicial da República brasileira acabava servindo para os alunos exercitarem a arte da caricatura acrescentando bigodes cavanhaques ou outros adereços aos sisudos figurantes colocados no meio de textos que exaltavam suas realizações administrativas Até recentemente a Primeira República ou República Velha dos livros limitavase a essa exposição de fatos e fotos Das figuras políticas é interessante destacar como têm sido representados os dois imperadores do Brasil D Pedro I sempre jovem porque afinal morreu com 34 anos seu filho D Pedro II sempre velho apesar dos textos escolares darem destaque ao episódio da Maioridade que tornou D Pedro II chefe de Estado com apenas 15 anos A ilustração do pai jovem e do filho velho tem causado uma certa perplexidade aos jovens leitores e falta a explicação do aparente paradoxo A imagem de um D Pedro II velho foi construída no período pósmonárquico e demonstra a intenção dos republicanos em explicar a queda de uma monarquia envelhecida que não teria continuidade É interessante destacar a permanência dessas ilustrações na produção atual dos manuais reforçando uma interpretação utilizada pelos republicanos no início do século XX mesmo depois de variadas pesquisas e publicações historiográficas sobre os conflitos e tensões do período Dos presidentes a figura retratada invariavelmente em todos os manuais é a de Getúlio Vargas especialmente nos capítulos referentes à Revolução de 1930 Em levantamento realizado em 1995 com cerca de 300 alunos de cinco diferentes escolas de São Paulo constatouse que a maioria 87 reconhecia e nomeava Getúlio Vargas e desconhecia os presidentes posteriores inclusive Juscelino Kubitschek Quanto à apresentação de chefes políticos as inovações estão nas fotografias os líderes políticos aparecem em atos públicos substituindo os retratos em pretoebranco e em alguns manuais mais recentes surgem as charges extraídas de jornais ou revistas de época ou até criadas por cartunistas Embora a população brasileira tenha demorado para aparecer nas ilustrações didáticas ainda considerando que a história social só recentemente se constituiu em objeto de estudos históricos na escola os ancestrais dos brasileiros sempre foram destacados nos livros Ilustrações de índios têm sido uma característica marcante dos livros de História do Brasil a partir de 1860 Assim como no caso dos chefes políticos muitas das reproduções do século passado continuam a povoar as páginas das atuais obras A taba fig 3 por exemplo apareceu pela primeira vez no livro de História destinado ao ensino elemen tar em 1882 e até hoje representa a forma de moradia de todos os índios do Brasil LACERDA LEITURAS CRÍTICAS SOBRE POPULAÇÕES INDÍGENAS A recorrência de representações das populações indígenas nos livros de História fomentou uma série de questionamentos não apenas sobre as possíveis interpretações das populações indígenas ao longo da história ensinada mas também sobre os métodos para a proposição de estudos que articulem texto e imagem e possibilitem a utilização de uma leitura crítica do acervo de ilustrações selecionado e produzido para fins didáticos Observando a representação das populações indígenas em diversos livros de História podese perceber uma variação significativa entre autores e as mudanças e permanências ao longo da história escolar da ação histórica desses grupos Os dois mais conhecidos livros didáticos de História destinados ao ensino primário com primeiras edições nos anos 70 e 80 do século XIX foram escritos por autores religiosos o Cônego Fernandes e o já citado Joaquim Maria de Lacerda Este último viveu a maior parte de sua vida na França e organizou o primeiro grande acervo de populações indígenas baseado em obras de viajantes franceses Em seu livro Pequena história do Brasil cuja primeira edição é provavelmente do final de 1870 existem reproduções copiadas da obra de Jean de Léry Viagem à terra do Brasil provavelmente da edição de 1878 de Gaffarel e de Jean Baptiste Debret Viagem pitoresca e histórica ao Brasil da edição francesa publicada entre 1834 a 1839 A partir de gravuras das obras assinaladas foram feitos desenhos alguns deles assinados por Navellière para os livros de Joaquim Maria de Lacerda desenhos que se constituíram em veículos de divulgação da documentação iconográfica para jovens brasileiros desde o final do século XIX cujos originais só foram publicados no Brasil entre 1930 e 1940 Os grupos indígenas dessas primeiras obras didáticas eram representados como selvagens e as cenas escolhidas eram predominantemente de guerra e rituais antropofágicos figs 4 5 e 6 É perceptível o destaque dado aos religiosos no sentido de ressaltar a importância histórica da obra missionária e civilizatória do trabalho de catequese Os religiosos católicos eram apresentados como heróis muitas vezes mártires No processo de constituição histórica escolar são exemplares as várias representações da morte do primeiro bispo do Brasil em cenas de martírio antes de ser devorado por índios antropófagos em rituais de antropofagia Em versão diferente e produzida em 1900 mas contemporânea dos consumidores escolares e concorrente em vendagem das obras citadas o livro História do Brasil das escolas primárias de João Ribeiro oferece outras imagens dos índios Este autor estudioso de antropologia e ligado ao grupo da Escola de Recife com influências de intelectuais alemães não omitiu os conflitos originados pela população branca Destacou a importância de se entender as culturas indígenas em suas singularidades e evitar considerações genéricas tais como povos selvagens Dentro dessa perspectiva as ilustrações apresentadas em seu livro didático divulgam uma versão diferente das anteriores destacando as características culturais específicas dos índios como a figura do Índio Uapê do Amazonas fig 7 Para exprimir as formas de dominação e morte impostas às populações indígenas João Ribeiro também se valendo de Figura 3 Taba ou aldeia índia Figura 4 Combate entre dois Aymorés Figura 5 A morte do 1º Bispo do Brasil quadros históricos optou por reproduzir a tela de Rodolfo Amoedo de 1883 O último tamoio RIBEIRO Posteriormente em plena fase de difusão do ideal racista uma obra de Afrânio Peixoto seguidor das idéias de Nina Rodrigues expôs no livro Minha terra e minha gente em 1916 a importância de embranquecer a população brasileira para que ela pudesse chegar ao desenvolvimento e ao estágio civilizatório das demais nações européias O índio prossegue como selvagem e ainda responsável pela mestiçagem preguiça e aversão ao trabalho produtivo da maior parte da população brasileira Interessante observar que além desses conteúdos veiculados nessa fase havia ainda uma maior intervenção do autor na articulação entre texto escrito e imagem criando uma sintonia e complementação na composição da página Independentemente do caráter ideológico é possível perceber a relação entre texto e imagem cuidadosamente introduzida e diagramada na página integrando as duas linguagens como o caso das obras de Rocha Pombo fig 8 Acompanhando a literatura didática podese perceber e analisar várias versões sobre as populações indígenas e considerando as publicações mais recentes destacar as mudanças e permanências das ilustrações e seu contexto As ilustrações ampliam as informações dos textos O que informam as legendas Elas auxiliam a leitura do texto A permanência nas obras atuais de ilustrações escolhidas ainda no século XIX indicam igualmente a continuidade das interpretações Mais recentemente existem livros nos quais são fornecidas as indicações do período da produção da gravura quadro ou fotografia além do nome dos autores e onde se encontra preservada Não parece que essas informações importantes tiveram origem por necessidades pedagógicas mas simplesmente para garantir direitos de reprodução Ora elas não poderiam possibilitar ou subsidiar leituras diferentes das imagens que podem libertálas do texto ou ainda complementar e concretizar conceitos expostos pela linguagem escrita Esta apresentação das imagens nos livros didáticos de História embora sucinta pretendeu simplesmente provocar algumas questões Primeiramente procurou situar o professor como um leitor crítico da obra didática apontando para a necessidade de uma reflexão mais atenta sobre o acervo iconográfico dos livros que ele seleciona para os alunos Os cuidados das editoras em relação à qualidade da impressão nem sempre são 84 satisfatórios e se escudam na alegação dos preços Dessa forma existem ilustrações em tamanho minúsculo ou ilegíveis pela máqualidade de impressão e de papel ou ainda pela profusão delas em uma única página que pouco auxiliam como material de apoio ao próprio texto escrito Outra questão diz respeito às alternativas de uso dessas imagens considerando que existe sempre falta de material iconográfico na maior parte das precárias escolas públicas onde projetores de slides ou aparelhos de vídeos sem falar nos modernos computadores que hoje compõem os laboratórios de várias escolas da rede particular nem sempre existem ou estão à disposição dos professores Nesse sentido a utilização mais cuidadosa do livro didático pode facilitar a introdução de leituras de linguagens iconográficas junto aos alunos Quando se propõe aos alunos uma observação das ilustrações dos livros essa atividade pode se constituir em um dos meios de se despertar a curiosidade sobre aspectos pouco destacados no ensino e na forma de leitura do livro Os próprios exercícios e questionários dos livros propostos para a execução de tarefas pedagógicas dificilmente incluem atividades sobre as imagens neles contidas No caso de uma análise das populações e culturas indígenas por exemplo um estudo das ilustrações das diferentes épocas proporcionadas por livros didáticos produzidos em diferentes períodos pode se constituir em rico material didático de apoio transformando o livro em documento de época e possibilitando por intermédio do método do historiador uma leitura crítica de imagens Ao se considerar o livro como um documento ele passa a ser analisado dentro de pressupostos da investigação histórica e portanto objeto produzido em um determinado momento e sujeito de uma história da vida escolar ou da editora Nesse sentido cabe ao professor a tarefa de utilizar uma metodologia que possibilite leitura e interpretação que despertem o sentido histórico nas relações triviais da sala de aula Como sugestão propomos alguns caminhos baseados nas análises de historiadores que se dedicam a pesquisas sobre estas linguagens especialmente Miriam Moreira Leite Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy entre outros e da pesquisa na área de ensino de História realizada por Dominique Margairaz do INRP de Paris Dessa forma para introduzir o aluno na leitura de imagens dos livros didáticos é importante inicialmente buscar separar a ilustração Figura 6 Matança do 1º Bispo da Bahia e seus companheiros Figura 7 Índio Uapê do Amazonas 85 porque como nos informa Miriam M Leite a imagem fixa gera na seqüência da observação descrições e narrações criando textos intermediários orais e verbais pelos observadores e o aluno ao descrever o que está vendo estabelece articulações com outras experiências porque a imagem finita simultânea é percebida pelo olho mas transmitida pela palavra LEITE Partindo dessa leitura inicial e interna da própria ilustração tornase possível especificar seu conteúdo tema personagens representados espaço posturas vestimentas que indicam o retrato de uma determinada época Assim é necessário estar identificando no diálogo com os alunos qual conhecimento está sendo obtido por intermédio das imagens Na seqüência passase para uma leitura externa buscando voltar a observação do aluno para outros referenciais para o significado do documento como objeto como afirma Adalberto Marson Nesse processo de leitura da ilustração como objeto os alunos deverão responder a perguntas Como e por quem foi produzido Para que e para quem se fez esta produção Quando foi realizada Caso não haja indicações suficientes no próprio livro as respostas dos alunos deverão ser obtidas com o professor ou ainda através da consulta em outras obras Na continuidade da leitura externa podese então realizar uma leitura do documento como sujeito quando se articula a leitura da ilustração com a do livro didático como um todo Como a ilustração está contida no livro didático Possui legendas Como está diagramada na página Qual a relação entre o texto e a ilustração Em seguida tornase importante referenciar o livro em seu contexto histórico quem é o autor do livro E o editor As ilustrações foram selecionadas pelo autor ou pelo editor Quando foi publicado e daí as leituras externas ao livro tornamse importantes com dados sobre o período de produção do livro especialmente se recorre a livros antigos condição ideal quando se quer fazer comparações como o caso das populações indígenas As comparações de ilustrações reproduzidas em momentos diferentes são necessárias para que os alunos possam estabelecer relações históricas entre as permanências e mudanças e para relativizar o papel que determinados personagens tendem a desempenhar na História Assim por exemplo é significativo o aluno identificar em que momentos da História brasileira o índio é representado ou se constitui objeto de estudo nos diversos capítulos do livro Os grupos indígenas são mencionados apenas no início da colonização na fase da conquista e como justificativa para explicar a introdução de escravos africanos depois na atualidade nas questões de demarcação de reservas Por que não há referências sobre as populações indígenas no período da Independência quando se estabelecem os princípios de cidadania oriundos do pensamento liberal europeu Não existiram conflitos e disputas com indígenas nas ocupações de terra para a plantação de café no interior paulista e paranaense no decorrer dos séculos XIX e XX São possíveis ainda estudos comparativos com as ilustrações de outras obras didáticas produzidas e consumidas na mesma época isso para fazer o aluno perceber diferentes interpretações sobre a mesma temática como no caso das reproduções dos índios selecionadas por João Ribeiro e as de Joaquim Maria de Lacerda A transformação das ilustrações dos livros didáticos em materiais didáticos específicos e do livro didático em documento passível de ser utilizado dentro das propostas de leitura crítica da pesquisa historiográfica transporta para uma situação de aprendizagem pode facilitar a difícil tarefa do professor na constituição de um leitor de textos históricos autônomo e crítico O livro pode ser transformado nas mãos do professor e passar por mutações consideráveis Os textos dos livros muitas vezes considerados áridos e pouco motivadores para alunos que cada vez mais se informam por imagens da mídia podem referenciar uma outra relação entre texto e imagem Fazer os alunos refletirem sobre as imagens que lhes são postas diante dos olhos é uma das tarefas urgentes da escola e cabe ao professor criar as oportunidades em todas as circunstâncias sem esperar a socialização de suportes tecnológicos mais sofisticados para as diferentes escolas e condições de trabalho que enfrenta considerando a manutenção das enormes diferenças sociais culturais e econômicas pela política vigente BIBLIOGRAFIA AMALVI Christian De lart et de la manière daccommoder les héros de lhistoire de France De Vercingentorix à la Révolution Paris Albert Michel 1988 BITTENCOURT Circe M Fernandes Livro didático e conhecimento histórico uma história do saber escolar Tese de doutorado São Paulo FFLCHUSP 1993 88 89 Práticas de leitura em livros didáticos Revista da Faculdade de Educação São Paulo v 22 n 1 janjun1996 pp 89110 CARNEIRO M Luiza Tucci KOSSOY Boris O olhar europeu o negro na iconografia brasileira do século XIX São Paulo EDUSP 1994 CHARTIER Roger A história cultural entre práticas e representações Lisboa DifelRio de Janeiro Bertrand do Brasil 1990 CHOPPIN Alain Manuels scolaires Etats et sociétés XIXemeXX eme siècles Histoire de léducation Paris INRP n 58 mai1993 p 19Manuels scolaires histoire et actualité Paris Hachette 1992 GAULUPEAU Yves Les manuels scolaires par limage une approche sérielle des contenus Histoire de lEducation Paris INRP n 58 mai1993 pp 103135 GLENISSON Jean org Le livre denfance et de la jeunesse en France Bordeaux Conseil Régional dAquitaine 1994 KOSSOY Boris Fotografia e História São Paulo Ática 1989 LACERDA Dr Joaquim Maria de Pequena história do Brasil por perguntas e respostas para uso da infância brasileira Rio de Janeiro Garnier 1887 p 11 13 31 Biblioteca Nacional de Paris LAVISSE Ernest Histoire de France cours élémentaire Paris A Colin 1887 p iii LEMEN Segolène Les Abécédéraires français ilustrés du XIXeme siècle Paris Promodis 1984 LEITE Miriam Moreira A Imagem através da palavra In Leite Miriam M Retratos de família leitura da fotografia histórica São Paulo EDUSP 1993 MARSON Adalberto Reflexões sobre o procedimento histórico In SILVA M org Repensando a História Rio de Janeiro Marco ZeroANPUH 1984 PINHEIRO J C Fernandes Episódios da história Pátria contados à infância pelo cônego Dr Pinheiro 3ed Rio de Janeiro Garnier 1864 POIRIER Brigitte SULTAN org Faire voir et savoir Connaissance de limageimage et connaissance Images technologiques en arts et histoire Rencontre Pédagogique Paris INRP 1987 POMBO Rocha Nossa Pátria São Paulo Melhoramentos 1924 RIBEIRO João História do Brasil para as escolas primárias Rio de Janeiro Francisco Alves 1900 SERRANO Jonathas Epítome da História Universal 2ed Rio de Janeiro Francisco Alves 1912 SILVA Aracy Lopes GRUPIONI Luis Donisete org A temática indígena na escola Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus Brasília MECMARIUNESCO 1995 VIEIRA Menezes Quadros de História do Brasil 1885 Biblioteca Paulo Bourrould Feusp MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA Ricardo Oriá A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado mas também a incerteza se o passado é de fato passado morto e enterrado ou se persiste mesmo que talvez sob outras formas Edward Said A preocupação com a preservação da memória histórica e por extensão do patrimônio cultural é fenômeno que vem caracterizando neste final de século e milênio um número considerável de instituições sejam elas públicas ou privadas organizações nãogovernamentais segmentos sociais os mais diversos e figuras destacadas das elites políticas nacionais A cada dia tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à criação de centros de memória projetos de revitalização de sítios históricos urbanos instalação de núcleos de documentação e pesquisa memoriais museus programas de história oral elaboração de vídeos e documentários etc No Brasil onde a máxima de ser um país sem memória constitui uma ideia já cristalizada essas iniciativas devem ser louvadas e apoiadas não sem uma reflexão mais crítica A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80 assistimos à emergência dos movimentos sociais populares protagonizados pela mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc que até hoje reivindicam para si o alcance e o exercício dos direitos de cidadania e a participação política no processo decisório nacional Esses movimentos colocam na ordem do dia o interesse pelo resgate de sua memória como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e cultural Nesse sentido as palavras do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses são bastante esclarecedoras O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Falase da memória da mulher do negro do oprimido das greves do ABC memória da Constituinte e do partido memória da cidade do bairro da empresa da família Talvez apenas a memória nacional tantas vezes acuada e tantas vezes acuadora esteja retraída Multiplicamse as casas de memória centros arquivos bibliotecas museus coleções publicações especializadas até mesmo periódicos Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias específicas já contam com força política e têm reconhecimento público Se o antiquariato a moda retrô os revivals mergulham na sociedade de consumo a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie MENESES p9 Por outro lado a temática da memória e de sua materialização através dos bens consubstanciados no patrimônio histórico é recente no âmbito da historiografia brasileira bem como na produção acadêmica oriunda dos cursos de pósgraduação em História existentes no país e praticamente ausente no processo ensinoaprendizagem em diferentes níveis escolares Isso se explica em grande parte pelo fato de que os órgãos e agências de preservação histórica foram sistematicamente ocupados por profissionais da arquitetura o que levou também ao privilégio do patrimônio edificado Até bem pouco tempo o patrimônio histórico era seara acadêmica exclusiva dos arquitetos ou quando muito de antropólogos e cientistas sociais O presente texto objetiva pois discutir questões relacionadas com a possibilidade de se trabalhar com os bens culturais do patrimônio his tórico no processo ensinoaprendizagem de História a fim de estimular nos alunos o senso de preservação da memória social coletiva como condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural Consideramos que a escola e em particular o ensino de História tem um papel fundamental nesse processo É ela em última instância o locus privilegiado para o exercício e formação da cidadania que se traduz também no conhecimento e na valorização dos elementos que compõem o nosso patrimônio cultural Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos conhecimentos a escola está cumprindo seu papel social No entanto como bem assinala a educadora Regina Leite Garcia a escola deve assumir também um outro compromisso qual seja o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes ou pertencem ao patrimônio cultural da humanidade A poesia chinesa clássica as pinturas rupestres de Altamira e de Lascaux a concepção arquitetônica das malocas dos índios brasileiros as esculturas africanas contemporâneas são tão importantes quanto um concerto de Xenakis uma pintura de Picasso um poema de Drummond de Andrade um filme de Ingmar Bergman um vídeo de Bill Viola um balé de Martha Graham ou uma fotografia de Sebastião Salgado GARCIA p 46 Tratar dessa questão levanos inicialmente a trabalhar com a elucidação de alguns conceitos que julgamos de fundamental importância para só então discutirmos como viabilizar uma proposta de ensino de História centrada no estudo de nosso patrimônio cultural O PATRIMÔNIO HISTÓRICO REVISITADO O passado não é o antecedente do presente é a sua fonte Ecléa Bosi À primeira vista quando se fala em patrimônio histórico há uma imediata associação da palavra a monumentos e edifícios antigos Assim o senso comum relaciona a expressão patrimônio histórico a prédios monumentos e outras edificações de notável valor históricoarquitetônico que pelo seu caráter de excepcionalidade devem ser preservados Isto se deve em grande medida à primeira legislação patrimonial do país o Decretolei nº 2537 ainda em vigor que em seu art 1º explicita o conceito de patrimônio histórico e artístico Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico grifo nosso Esse conceito norteou na prática a política de preservação do patrimônio histórico no país e em diversos estados e municípios da federação brasileira por força da estrutura de poder centralizadora imposto pelo Estado Novo 19371945 Priorizouse assim o patrimônio edificado e arquitetônico a chamada pedra e cal em detrimento de outros bens culturais significativos mas que por não serem representativos de uma determinada época ou ligados a algum fato histórico notável ou pertencentes a um estilo arquitetônico relevante deixaram de ser preservados e foram relegados ao esquecimento e até destruídos por não terem no contexto dessa concepção valor que justificasse a sua preservação O mais sério é que essa política preservacionista levada a cabo pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN desde sua criação em 1937 deixou um saldo de bens imóveis tombados referentes aos setores dominantes da sociedade Preservaramse as igrejas barrocas os fortes militares as casasgrandes e os sobrados coloniais Esqueceramse no entanto as senzalas os quilombos as vilas operárias e os cortiços Essa política de preservação que norteou a prática do SPHAN e seus similares nos estados e municípios objetivava passar aos habitantes do país a idéia de uma memória unívoca e de um passado homogêneo e de uma História sem conflitos e contradições sociais A concepção predominante era a de se forjar uma identidade nacional única para o país excluindo as diferenças e a pluralidade étnicocultural de nossa formação histórica Hoje com o avanço teóricometodológico das Ciências Sociais que mais têmse dedicado ao estudo das manifestações culturais a expressão patrimônio histórico e artístico vem sendo substituída por patrimônio cultural Assim saise do limite estreito da terminologia tradicional para falarse em patrimônio cultural em vez de patrimônio histórico artístico e paisagístico pois há outros valores culturais que não se enquadram na terminologia antiga O próprio conceito de patrimônio histórico e artístico restringiase aos bens materiais especialmente aos bens imóveis dissociados de seu ambiente original Além do que os critérios de seleção desses bens obedeciam aos padrões estabelecidos pelas chamadas autoridades de tutela dos órgãos oficiais que muitas vezes não levavam em consideração outros critérios de preservação bem como a participação da sociedade na seleção e preservação desses mesmos bens Atualmente vem crescendo o interesse pela ampliação do conceito de patrimônio cultural bem como a participação da sociedade civil organizada através das mais variadas entidades e associações de classe tais como o Instituto de Arquitetos Brasileiros IAB a Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB a Associação Nacional de História ANPUH frente à seleção e preservação dos bens culturais e mais ainda exigindo uma nova postura da administração pública com relação ao assunto O patrimônio cultural terminologia substitutiva à de patrimônio histórico e artístico é constituído de unidades designadas bens culturais Por sua vez podemos definir bem cultural como sendo toda produção humana de ordem emocional intelectual e material independente de sua origem época ou aspecto formal bem como a natureza que propiciem o conhecimento e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia GODOY p 72 A conceituação esboçada acima pretendese a mais aberta e abrangente possível pois a produção cultural humana como sabemos constitui um processo em curso e em constante e permanente transformação cuja diversidade e riqueza ultrapassam sempre os limites de qualquer modelo técnico previamente estabelecido Quem primeiro se preocupou em encarar a problemática do patrimônio cultural de modo bastante abrangente e de forma interdisciplinar foi o professor francês e atualmente assessor técnico internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO Hugues de VarineBoham LEMOS pp 810 Segundo ele o patrimônio cultural pode ser dividido em três grandes categorias de elementos Em primeiro lugar arrola os elementos pertencentes à natureza ao meio ambiente Nesta categoria podemos citar os rios os peixes desses rios os vales e montanhas que circundam tais rios etc enfim são os recursos naturais o chamado hábitat natural A segunda categoria de bens culturais referese ao conhecimento às técnicas ao saber e ao saberfazer compreendendo pois toda capacidade de sobrevivência do homem em seu meio ambiente Esta categoria inclui os elementos não tangíveis do patrimônio cultural Já o terceiro grupo de elementos é considerado o mais importante de todos pelo fato de reunir os bens culturais propriamente ditos que englobam toda sorte de coisas objetos artefatos obras e construções obtidas a partir do próprio meio ambiente e do saberfazer humano Podemos pois concluir que o chamado patrimônio cultural engloba tanto o histórico como o ecológico o artístico e o científico O patrimônio cultural de uma dada sociedade é formado por um tripé indissociável em que se contemplam as seguintes dimensões a dimensão natural ou ecológica a dimensão históricoartística e a dimensão documental Neste sentido o próprio meio ambiente os conjuntos urbanos e os sítios de valor histórico paisagístico artístico arqueológico paleontológico ecológico e científico as obras os objetos os documentos as edificações as criações científicas artísticas e tecnológicas as formas de expressão e até mesmo os modos de criar fazer e viver são bens culturais de uma sociedade e por isso devem ser preservados Por sua vez o conceito de patrimônio histórico não está mais restrito ao dito patrimônio edificado a chamada dimensão pedra e cal constituído de bens imóveis representados pelos edifícios e monumentos Ao falarmos em patrimônio histórico entendase não apenas o patrimônio arquitetônico mas também o patrimônio documental e arquivístico bibliográfico hemerográfico iconográfico oral visual museológico enfim o conjunto de bens que atestam a História de uma dada sociedade Vale ressaltar que o patrimônio históricocultural não constitui apenas um acervo de obras raras ou da cultura de um passado remoto e distante nem serve tãosó para relembrarmos nostalgicamente os tempos idos A valorização e o conhecimento de um bem cultural que testemunha a História ou a vida do país pode ajudarnos a compreender quem somos para onde vamos o que fazemos mesmo que muitas vezes pessoalmente não nos identifiquemos com o que esse mesmo bem evoca ou até não apreciemos sua forma arquitetônica ou o seu valor histórico O importante é que ele faz parte de um acervo cultural que deve ser preservado por toda a comunidade pois é revelador e referencial para a construção de nossa identidade históricocultural Os bens culturais de uma dada sociedade não são apenas aqueles tradicionalmente considerados dignos de preservação produzidos e definidos pelos vencedores de cada época Ao contrário são os frutos de todos os saberes todas as memórias de experiências humanas Não apenas monumentos bens isolados e descontextualizados mas testemunhos materiais portadores de significação passíveis de muitas leituras FENELON p 34 Seguindo essa moderna terminologia a atual Constituição brasileira pela primeira vez adota a denominação patrimônio Cultural e no seu artigo 216 Seção II DA CULTURA conceitua o que se entende por essa expressão ao dizer in verbis Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem I as formas de expressão II os modos de criar fazer e viver III as criações científicas artísticas e tecnológicas IV as obras objetos documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico artístico arqueológico paleontológico ecológico e científico Como podemos constatar o legislador constituinte aceitou integralmente a moderna conceituação de patrimônio cultural deixando de lado as expressões até então consagradas nos textos constitucionais anteriores tais como patrimônio histórico artístico arquitetônico arqueológico e paisagístico Não se discute mais se o patrimônio cultural do país constituise apenas dos bens de valor excepcional ou também daqueles de valor cotidiano se inclui monumentos individualizados ou em conjunto se apenas a arte erudita merece proteção ou também as manifestações populares se contém apenas os bens produzidos pelo homem ou se engloba também os bens naturais se esses bens da natureza envolvem somente os dotados de excepcional valor paisagístico ou inclusive o simples ecossistema Enfim todos esses bens sejam naturais ou culturais materiais ou imateriais tangíveis ou intangíveis estão incluídos no patrimônio cultural do país desde que os mesmos sejam portadores de referência à identidade à ação e à memória dos diferentes elementos étnicoculturais formadores da nação brasileira POR UMA NOVA POLÍTICA DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO NO BRASIL A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA PLURAL há que se reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir Mário de Andrade Com a ampliação do conceito de patrimônio cultural expresso em nossa atual Constituição abremse perspectivas para a adoção de uma nova política de proteção ao nosso acervo histórico que possibilite a construção de uma memória plural A historiografia brasileira tradicional pautada na concepção positivista que privilegiou a ação dos heróis nacionais em detrimento de outros sujeitos históricos teve respaldo na política de preservação patrimonial em nosso país Elegemos no decorrer da História os bens culturais representativos dos segmentos dominantes sobretudo os ligados ao elemento de origem européia e relegamos ao esquecimento a contribuição de outros segmentos étnicos na formação da cultura brasileira SANTOS p 136 Basta uma breve constatação nos nomes das ruas e avenidas nos monumentos históricos dos heróis nacionais que povoam as praças de nossas cidades Como qualquer experiência humana a memória histórica constitui uma das formas mais fortes e sutis da dominação e da legitimação do poder Neste sentido os grupos dominantes vencedores na História tentam impor a sua visão e a perpetuação de uma memória da dominação Aos vencidos restam apenas o esquecimento e a exclusão da História e da política preservacionista Salve o navegante negro que tem por monumento as pedras pisadas nos cais Assim diz o trecho da canção Mestresala dos mares de João Bosco e Aldir Blanc que evoca à memória um dos movimentos populares encetados pelos marinheiros contra os maustratos a que eram submetidos pela Marinha e que passou à História como Revolta da Chibata ocorrida em 1910 Aos inúmeros heróis e líderes de movimentos organizados pelos setores subalternos da sociedade brasileira quase não se vê referência monumental no patrimônio histórico nacional Somente a partir da década de 80 em parte pela renovação da historiografia brasileira que passou a resgatar em suas pesquisas a participação dos excluídos da história oficial é que a ação preservacionista em nosso país passou a dar atenção a bens e valores culturais de outros segmentos sociais e minorias étnicoculturais Exemplos disso foram o tombamento no nível federal da Serra da Barriga local onde se desenvolveu o maior quilombo da História do Brasil Palmares situado no atual estado de Alagoas e no nível estadual pelo governo da Bahia o tombamento da região onde se desenvolveu o Arraial de Canudos numa tentativa de recuperar a memória de um dos mais importantes movimentos populares da História nacional liderado por Antônio Conselheiro A atual Constituição tenta pois corrigir mais essa distorção da política de preservação ao estabelecer em vários dispositivos a importância de outros elementos formadores da sociedade brasileira admitindo portanto a realidade histórica de que somos uma nação multirracial Em seu artigo 215 parágrafos 1º e 2º por exemplo determina que o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional além de prever a elaboração de leis que venham dispor sobre a fixação de datas comemorativas de alta signifcação para os diferentes segmentos étnicos nacionais Em relação ao segmento étnico afrobrasileiro o legislador constituinte teve mais uma vez a sensibilidade histórica de reconhecer a importância dos quilombos e quilombolas na formação de nossa identidade cultural ao estabelecer o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos art 216 5º E mais ainda é reconhecido aos remanescentes dessas comunidades que estejam ocupando suas terras o direito de propriedade devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos art 68 do ADCT Pela atual Constituição brasileira as comunidades indígenas também têm seu lugar na construção da memória nacional O legislador em vários dispositivos mostra a necessidade de se preservar essa cultura milenar através da possibilidade de uma educação bilíngüe e diferenciada art 210 2º e art 231 da CF Assim a análise do texto constitucional permitenos concluir que há uma tentativa de busca na construção de uma memória plural que venha subsidiar uma nova política de preservação de nosso patrimônio histórico Adotase portanto uma noção mais abrangente de patrimônio cultural e ao incorporar os diferentes grupos étnicos na formação da sociedade brasileira rompese a visão elitista de considerar apenas objeto de preservação as manifestações bens e valores da classe historicamente dominante PATRIMÔNIO HISTÓRICO CIDADANIA E IDENTIDADE CULTURAL O DIREITO À MEMÓRIA A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade individual ou coletiva cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje na febre e na angústia Jacques Le Goff A preservação do patrimônio histórico é vista hoje prioritariamente como uma questão de cidadania e como tal interessa a todos por se constituir em direito fundamental do cidadão e esteio para a construção da identidade cultural Destruídos os lugares da memória da cidade4 resta apenas o que o poder econômico dos setores dominantes construiu e resolveu manter como símbolo de uma memória elitista e excludente a memória do poder a memória oficial contrapondose à idéia de uma memória cidadã plural e possibilitadora da construção de uma identidade cultural para todos Contra a destruição da memória que ainda é uma realidade presente em muitos lugares desse enorme Brasil e o conseqüente sentimento de perda e desalento que nos abate diante dessa situação as palavras de Ecléa Bosi são bastante elucidativas Podem arrasar as casas mudar o curso das ruas as pedras mudam de lugar mas como destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas À resistência muda das coisas à teimosia das pedras unese a rebeldia da memória que as repõe em seu lugar antigo BOSI p 452 Considerar a preservação do patrimônio histórico como uma questão de cidadania implica reconhecer que como cidadãos temos o direito à memória mas também o dever de contribuir para a manutenção desse rico e valioso acervo cultural de nosso país Ademais por admitirmos o papel fundamental da instituição escolar no exercício e formação da cidadania de nossas crianças jovens e adolescentes é que defendemos a necessidade de que a temática do patrimônio histórico seja apropriada como objeto de estudo no processo ensinoaprendizagem EDUCAÇÃO AMBIENTAL OU EDUCAÇÃO PATRIMONIAL A DIMENSÃO HISTÓRICOCULTURAL NO CURRÍCULO ESCOLAR Esquecer o passado é negar toda efetiva experiência de vida negar o futuro é abolir a possibilidade do novo a cada instante Adauto Novaes Nos últimos anos face à nova consciência de preservação do meio ambiente em todo o planeta como condição indispensável para a garantia de sobrevivência humana e dos demais seres vivos advogase a necessidade da educação ambiental na escola PENTEADO v 38 A própria Constituição brasileira estabelece no capítulo referente ao meio ambiente que compete ao poder público a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a sua preservação art 225 inciso VI No entanto a grande maioria dos programas de educação ambiental têm sido omissos no tocante à dimensão cultural do meio ambiente no qual se inclui necessariamente a discussão relativa à preservação do patrimônio histórico A questão é como inserir essa temática no currículo escolar O escritor modernista Mário de Andrade5 em seus estudos etnográficos e antropológicos já atestava o valor do nosso patrimônio histórico como forma de se construir uma identidade nacional assentada na pluralidade de nossas raízes e matrizes étnicas Somente o conhecimento da cultura em suas múltiplas dimensões daria condições de o Brasil inserirse no concerto das nações e esse trabalho deveria iniciarse juntamente ao processo de escolarização O ensino primário é imprescindível Não basta ensinar o analfabeto a ler É preciso darlhe contemporaneamente o elemento em que possa exercer a faculdade que adquiriu Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetizaçãoANDRADE p 23 Hoje alguns historiadores e profissionais que lidam com a dimensão da memória vêm propondo no âmbito de suas instituições culturais a elaboração de programas de educação patrimonial6 Por educação patrimonial entendese a utilização de museus monumentos históricos arquivos bibliotecas os lugares e suportes da memória no processo educativo a fim de desenvolver a sensibilidade e a consciência dos educandos e futuros cidadãos da importância da preservação desses bens culturais A educação patrimonial nada mais é do que a educação voltada para questões referentes ao patrimônio cultural que compreende desde a inclusão nos currículos escolares de todos os níveis de ensino de temáticas ou conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em ge140 141 No passado a ação preservacionista recaía tãosomente sobre bens materiais de notável valor arquitetônico evocador de um fato histórico também notável que fosse realmente digno de preservação Como bem assinala a historiadora Déa Fenelon vencia outra vez a perspectiva de consagrar como obras de arte e da cultura os símbolos do poder constituído Desprovida assim de memória coletiva que lhe permitisse a consciência histórica a maioria da população continuou sem se reconhecer nestes símbolos Com isso foi expropriada também de sua memória e da sua história Isso explica em grande parte as constantes depredações e violações ao patrimônio histórico por parte da própria população Ela não se vê nos ícones símbolos e monumentos que foram preservados por uma ação estatal não se identifica com um passado remoto e com uma memória que não lhe diz respeito Em outras palavras ela não se sente coresponsável pela preservação de seus bens culturais na medida em que ela mesma não foi consultada acerca do que deve ser preservado ou não Atualmente se preserva um bem cultural não só pelo seu valor estético arquitetônico ou histórico Ele é preservado se tem significação para a comunidade em que está inserido e se essa preservação possibilita a melhoria da qualidade de vida de seus moradores e contribui para a construção de sua identidade cultural e o exercício da cidadania A preservação do patrimônio histórico deve pautarse no binômio indissociável identidade cultural e qualidade de vida MAGALDI p 23 A identidade cultural de um país estado cidade ou comunidade se faz com memória individual e coletiva Somente a partir do momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar os seus bens culturais é que se inicia o processo de construção de seu ethos cultural e de sua cidadania Nessa perspectiva o patrimônio históricocultural se reveste de grande importância para o país por lidar com o substrato da memória que por sua vez constitui elemento essencial para a construção da cidadania cultural No contexto da cidadania cultural3 se inscreve o direito à memória histórica O direito à memória como direito de cidadania indica que todos devem ter acesso aos bens materiais e imateriais que representem o seu passado a sua tradição enfim a sua história Foi o próprio exsecretário de cultura da presidência da República Sérgio Paulo Rouanet quem melhor definiu com precisão a importância do direito à memória histórica como direito de cidadania O indivíduo privado do uso desse direito é um indivíduo condenado à amnésia social e à anomia e esse direito é ignorado quando igrejas barrocas caem por causa de uma chuvarada em Ouro Preto ou quando monumentos importantes em Olinda ou na Bahia estão ameaçados de desabamento ROUANET p 83 E por que a memória é importante na construção da identidade e da cidadania cultural Ora é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam na fisionomia da cidade sua própria história de vida suas experiências sociais e lutas cotidianas A memória é pois imprescindível na medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha Sem isso a população urbana não tem condições de compreender a história de sua cidade como seu espaço urbano foi produzido pelos homens através dos tempos nem a origem do processo que a caracterizou Enfim sem a memória não se pode situar na própria cidade pois perdese o elo afetivo que propicia a relação habitantecidade impossibilitando ao morador de se reconhecer enquanto cidadão de direitos e deveres e sujeito da história Essa perda de referenciais históricos pautados na memória da cidade nos dá a estranha sensação de que somos estrangeiros em nossa própria casa Sem a memória não encontraremos mais os ícones símbolos e lembranças que nos unem à cidade e assim nos sentiremos deslocados e confusos No entanto em muitos centros urbanos de nosso país vivemos o jogo dialético entre a memória e o esquecimento E nesse jogo muitas vezes o esquecimento vem ganhando a partida Qualquer cidadão comum que vagar pelas ruas de sua cidade sobretudo os mais velhos terá com certeza uma sensação de perda poucos referenciais históricos resistiram à ação do tempo Outros foram destruídos em nome de uma concepção desenvolvimentista do progresso e do lucro fácil e imediato respaldados na especulação imobiliária na lógica do capitalismo selvagem e como diz o poeta Caetano Veloso da força da grana que ergue e destrói coisas belas que sempre desprezaram a defesa de nossa memória histórica 138 139 ral a fim de lhes propiciar informações acerca do acervo cultural de forma a habilitálos a despertar nos educandos e na sociedade o senso de preservação da memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema A necessidade da educação patrimonial ou da utilização do acervo cultural brasileiro enquanto objeto de estudo nos currículos e programas escolares reside na falta de esclarecimento popular sobre a importância da preservação de nosso patrimônio para não dizermos deseducação coletiva Esse é um dado brasileiro e daí a formulação de mais uma regra a preservação aqui entre nós depende fundamentalmente da elucidação popular um caminho já percorrido por outros países como o México que dedica atenção toda especial a essa questão de educação de massa no que diz respeito à memória LEMOS p 84 No tocante a essa questão em congresso internacional realizado no Brasil sobre essa temática foi aprovada a seguinte resolução o que bem demonstra a preocupação com o assunto Compreender o Direito à Memória como dimensão fundamental da cidadania implica reformular as relações entre a preservação e a educação formal cabe ao ensino de 1º e 2º graus integrar em seus currículos e programas escolares formas de incentivar ações concretas nesta área incorporando atividades no campo da história oral do contato com acervos arquivísticos ou museológicos e com a paisagem urbana de modo a vivenciar uma relação democrática com as diferenças do passado e do presente MAGALDI p 230 O Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB aprovado na Câmara dos Deputados previa no seu art 35 parágrafo único que A preservação do patrimônio cultural nacional e regional bem como as diferentes formas de manifestações artísticoculturais originárias do Brasil terá tratamento preferencial A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 939496 suprimii esse dispositivo mas enfatizou no seu art 26 que a parte diversificada dos currículos do ensino fundamental e médio deve observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura o que abre espaço para a construção de uma proposta de ensino de História Local voltada para a divulgação do acervo cultural dos municípios e estados Essa nova legislação educacional também tornou o ensino da arte componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica com o objetivo de promover o desenvolvimento cultural dos alunos e determinou que o ensino da História do Brasil leve em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a f or mação do povo brasileiro especialmente das matrizes indígena africana e européia art 26 parágrafos 2º e 4º Como se vê a lei aponta para a necessidade de valorização da diversidade cultural de nossa formação histórica como condição indispensável à construção de uma escola plural e cidadã Para concluir optamos por relatar uma experiência educacional iniciada nas aulas de Prática de Ensino em História da Universidade Federal do Ceará UFC e posteriormente inserida em livro didático de nossa autoria intitulado Fortaleza a criança e a cidade A experiência mostra assim a viabilidade de contemplar no processo ensinoaprendizagem de História o estudo do patrimônio cultural CONHECER PARA PRESERVAR PRESERVAR PARA CONHECER UM ENCONTRO COM A MEMÓRIA QUASE PERDIDA DE FORTALEZA construir não implica necessariamente fazer progresso não pressupõe sempre mudar mas muitas vezes apenas conscientizar e conservar Aloísio Magalhães Nos últimos anos assistimos em Fortaleza CE a um processo de intensa modificação do espaço urbano consubstanciada na construção de novas avenidas praças e viadutos sem a devida atenção às questões relativas à preservação do patrimônio histórico da cidade O discurso predominante é o do ingresso na modernidade A quinta cidade do país necessita de novas vias para o seu crescimento econômico Esquecese de que a construção da modernidade pretendida pelos discursos governistas não deve excluir a memória plural de seus habitantes Ainda hoje corremos o risco de que determinados espaços de significação históricocultural da população fortalezense por falta de 142 143 uma política preservacionista sejam destruídos ou desfigurados em nome do discurso da modernidade e do progresso Como historiadores temos o compromisso social de mostrar que o moderno não se faz pela destruição ou pela negação daquilo que é passado e que não nos serve uma concepção de modernidade que se erija sobre os despojos de perdedores silenciados e ocultos FENELON p 34 A constatação dessa triste realidade na cidade de Fortaleza levounos a desenvolver no âmbito da disciplina Prática de Ensino em História do Departamento de História da UFC um projeto de pesquisa denominado Conhecer para Preservar Preservar para Conhecer Fortaleza os lugares da memória envolvendo os estagiários da referida disciplina e escolas da rede pública estadual e municipal Os alunos foram levados a pesquisar e mapear os bens históricoculturais da cidade especialmente os imóveis destacando os seguintes aspectos em que estado físico se encontravam sua condição jurídica bem tombado ou não integra ou não área de preservação ambiental possui legislação específica de proteção etc e o atual uso social dado ao mesmo A partir disso foram elaborados roteiros destinados às escolas para que pudessem viabilizar visitas monitoradas aos bens culturais da cidade Os roteiros intitulados Fortaleza os caminhos da memória são os seguintes Centro Histórico da Cidade I Forte de Nossa Senhora de Assunção Passeio Público Palácio do Bispo Santa Casa de Misericórdia Estação Ferroviária e Cemitério São João Batista Centro Histórico da Cidade II Praça do Ferreira Excelsior Hotel Igreja do Rosário Palácio da Luz Praça dos Leões Museu do Ceará e Mercado Central Bairros Históricos da Cidade I Praia de Iracema bairro tradicional da cidade que possui ruas com nomes de comunidades indígenas existentes no território cearense à época da conquista e colonização rua dos tabajaras dos aimorés etc residências antigas Ponte dos Ingleses Ponte Metálica e Estoril Bairros Históricos da Cidade II Jacarecanga e Benfica e seus casarões residenciais que atestam a vida fortalezense nas décadas do início do século e a influência da belle époque Posteriormente sentimos a necessidade de incorporar esses roteiros à prática efetiva da sala de aula através da introdução de um capítulo específico sobre a História de Fortaleza e seus lugares da memória durante elaboração do livro já citado Fortaleza a criança e a cidade destinado às séries iniciais do ensino fundamental O objetivo desse capítulo foi mostrar às crianças o processo de evolução urbana de Fortaleza bem como a necessidade de desenvolver a consciência preservacionista de nossos bens culturais ao mesmo tempo que reforçamos em contraposição ao discurso hegemônico predominante que nossa cidade tem passado memória e história que devem ser preservados para as atuais e futuras gerações CONSIDERAÇÕES FINAIS Eric Hobsbawn no seu mais recente livro A Era dos extremos o breve século XX em que realiza uma lúcida síntese histórica deste século nos faz um alerta acerca da ameaça de destruição do passado e a perda de referenciais históricos por parte da população jovem salientando a importância social do historiador neste final de milênio A destruição do passado ou melhor dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às gerações passadas é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem Por isso os historiadores cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem tornamse mais importantes que nunca no fim do segundo milênio Em meio ao processo de globalização da economia e a mundialização do capital apesar dos arautos do neoliberalismo e da pósmodernidade que apregoam o fim da História tornase cada vez mais importante a busca por parte dos países da afirmação de sua identidade nacional Ao contrário do que se previa houve até um revigoramento e uma valorização das culturas regionais e o despertar de identidades étnicoculturais latentes que nessa nova aldeia global encontram espaço para a defesa de seu direito à diferença e ao passado Nesse processo de construção de uma nova identidade cultural que diferencia um país de outro é que a questão da preservação do patrimônio histórico ganha força e nitidez Mais um motivo portanto para que a escola e mais especificamente o ensino de História assumam o compromisso de serem instâncias de afirmação de uma identidade nacional plural assentada no reconhecimento da memória como princípio fundante para a construção de uma sociedade mais democrática por que todos almejamos NOTAS 1 Conforme SIMÕES 1994 e as seguintes matérias publicadas na imprensa nacional Canteiro de Obras graças a prefeituras a empresas e até ao cidadão comum nunca se investiu tanto na memória brasileira Revista Veja São Paulo Editora Abril 30 ago 1995 Novo Recife Velho uma faxina devolve a beleza arquitetônica ao bairro onde nasceu a capital pernambucana Revista Veja São Paulo Editora Abril 29 jan 1997 2 Este ano essa legislação está completando 60 anos e com ela instituiuse a política de preservação do Patrimônio Histórico no Brasil complementada com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN em 1937 3 Consultar CHAUI Marilena Cultura Política e Política Cultural In Revista de Estudos Avançados da USP v 09 n 23 janabr 1995 4 Segundo o historiador francês Pierre Nora Os lugares da memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea que é preciso criar arquivos que é preciso manter aniversários organizar celebrações pronunciar elogios fúnebres notariar atas por que essas operações não são naturais Os lugares da memória são antes de tudo restos 5 Mário de Andrade foi encarregado pelo ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema de elaborar um anteprojeto objetivando a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Com o Estado Novo parte considerável do mesmo foi encampado pelo DecretoLei nº 2537 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional ainda em vigor e que institui o instrumento de preservação conhecido como tombamento 6 Devemos fazer menção especial ao projeto História e Memória da Fundação para o Desenvolvimento da Educação FDE do estado de São Paulo Consultar LUCENA n 12 BIBLIOGRAFIA ANDRADE Mário de Apud SILVA Álvaro Costa Um Breve Histórico do Patrimônio In INSTITUTO BRASILEIRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IBPC Memória e Educação Rio de Janeiro IBPCDepartamento de PromoçãoPaço Imperial 1992 p 23 ARANTES Antonio Augusto org Cidadania Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN n 24 1996 BOSI Ecléa Memória e sociedade lembranças de velhos 3 ed São Paulo Cia das Letras 1994 CITRON Suzana Ensinar História hoje a memória perdida e reencontrada Lisboa Livros Horizonte 1990 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil 1988 COSTA e SILVA Álvaro Um Breve Histórico do Patrimônio In INSTITUTO BRASILEIRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IBPC Memória e Educação Rio de Janeiro IBPCDepartamento de PromoçãoPaço Imperial 1992 DECRETOLEI nº 2537 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional FENELON Déa Políticas Culturais e Patrimônio Histórico In Ciclo de debates sobre cultura e memória perspectivas da administração pública brasileira hoje Brasília ENAP 1993 FERNANDES J Ricardo Oriá O direito à memória a proteção jurídica ao patrimônio históricocultural brasileiro Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pósgraduação em direito público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará Fortaleza 1995 Educação patrimonial e cidadania uma proposta alternativa para o ensino de História In Revista Brasileira de História São Paulo v 13 n 2526 set 1992ago 1993 Um lugar na escola para a História Local In Ensino em ReVista v 4 n 1 jandez 1995 publicação anual do Departamento de Princípios e Organização da Prática Pedagógica da Universidade Federal de Uberlândia GARCIA Regina Leite Cartas Londrinas e de outros lugares sobre o lugar da educação Rio de Janeiro RelumeDumará 1995 GODOY Maria do Carmo Patrimônio Cultural conceituação e subsídios para uma política In ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA 4 Belo Horizonte 1985 Anais História e Historiografia em Minas Gerais Belo Horizonte ANPUHMG 1985 HOBSBAWN Eric Era dos Extremos o breve século XX 19141991 São Paulo Cia das Letras 1995 LE GOFF Jacques História e memória Campinas Editora da Unicamp 1990 LEI nº 939496 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Texto integral MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA Ricardo Oriá A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado mas também a incerteza se o passado é de fato passado morto e enterrado ou se persiste mesmo que talvez sob outras formas Edward Said A preocupação com a preservação da memória histórica e por extensão do patrimônio cultural é fenômeno que vem caracterizando neste final de século e milênio um número considerável de instituições sejam elas públicas ou privadas organizações nãogovernamentais segmentos sociais os mais diversos e figuras destacadas das elites políticas nacionais A cada dia tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à cria ção de centros de memória projetos de revitalização de sítios históricos urbanos instalação de núcleos de documentação e pesquisa memoriais museus programas de história oral elaboração de vídeos e documentários etc No Brasil onde a máxima de ser um país sem memória constitui Assessor legislativo da Câmara dos Deputados na área de Educação Cultura e Desporto e doutorando do Programa de Pósgradução em His tória Social e das Idéias pela UnB 128 uma idéia já cristalizada essas iniciativas devem ser louvadas e apoia das não sem uma reflexão mais crítica A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80 assisti mos à emergência dos movimentos sociais populares protagonizados pela mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc que até hoje reivindicam para si o alcance e o exercício dos direitos de cidadania e a participação política no processo decisório na cional Esses movimentos colocam na ordem do dia o interesse pelo resgate de sua memória como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e cultural Nesse sentido as palavras do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses são bastante esclarecedoras O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Falase da memória da mulher do negro do oprimido das greves do ABC memória da Constituinte e do partido memória da cidade do bairro da empresa da família Talvez apenas a memória nacional tantas vezes acuada e tantas vezes acuadora esteja retraída Multiplicamse as casas de memória centros arquivos bibliotecas museus coleções publicações especializadas até mesmo periódicos Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias específicas já contam com força política e têm reconhecimento público Se o antiquariato a moda retrô os revivals mergulham na sociedade de consumo a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie MENESES p 9 Por outro lado a temática da memória e de sua materialização através dos bens consubstanciados no patrimônio histórico é recente no âmbito da historiografia brasileira bem como na produção acadêmica oriunda dos cursos de pósgraduação em História existentes no país e praticamente ausente no processo ensinoaprendizagem em diferentes níveis escolares Isso se explica em grande parte pelo fato de que os órgãos e agências de preservação histórica foram sistematicamente ocupados por profissionais da arquitetura o que levou também ao privilégio do patrimônio edificado Até bem pouco tempo o patrimônio histórico era seara acadêmica exclusiva dos arquitetos ou quando muito de antropólogos e cientistas sociais O presente texto objetivo pois discutir questões relacionadas com a possibilidade de se trabalhar com os bens culturais do patrimônio histórico no processo ensinoaprendizagem de História a fim de estimular nos alunos o senso de preservação da memória social coletiva como condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural Consideramos que a escola e em particular o ensino de História tem um papel fundamental nesse processo É ela em última instância o locus privilegiado para o exercício e formação da cidadania que se traduz também no conhecimento e na valorização dos elementos que com põem o nosso patrimônio cultural Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos conhecimentos a escola está cumprindo seu papel social No entanto como bem assinala a educadora Regina Leite Garcia a escola deve assumir também um outro compromisso qual seja o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes ou pertencem ao patrimônio cultural da humanidade A poesia chinesa clássica as pinturas rupestres de Altamira e de Lascaux a concepção arquitetônica das malocas dos índios brasileiros as esculturas africanas contemporâneas são tão importantes quanto um concerto de Xenakis uma pintura de Picasso um poema de Drummond de Andrade um filme de Ingmar Bergman um vídeo de Bill Viola um balé de Martha Graham ou uma fotografia de Sebastião Salgado GARCIA p 46 Tratar dessa questão levanos inicialmente a trabalhar com a elucidação de alguns conceitos que julgamos de fundamental importância para só então discutirmos como viabilizar uma proposta de ensino de História centrada no estudo de nosso patrimônio cultural ROTEIRO DE APRESENTAÇÃO Slide 1 Título e Apresentação Apresentarse e introduzir o título da apresentação a importância da memória e do ensino de história Mencionar o autor do texto Ricardo Oriá Slide 2 Citação de Abertura Ler a citação de Edward Said Explicar o significado e relevância dessa citação no contexto da apresentação destacando como a invocação do passado ajuda a interpretar o presente Slide 3 Introdução Discutir a crescente preocupação com a preservação da memória histórica e do patrimônio cultural Mencionar diferentes iniciativas como centros de memória museus programas de história oral Ressaltar a importância de uma reflexão crítica sobre essas iniciativas e sua relevância A crescente preocupação com a preservação da memória histórica e do patrimônio cultural tem se manifestado através de diversas iniciativas ao redor do mundo como a criação de centros de memória museus e programas de história oral Esses esforços visam conservar e divulgar as narrativas e os legados de diferentes comunidades proporcionando um espaço para a reflexão sobre o passado e sua influência no presente A importância dessas iniciativas reside não apenas na preservação de artefatos e documentos mas também na promoção de um diálogo crítico sobre a forma como a história é contada e quem tem o direito de narrála Assim é crucial avaliar continuamente essas iniciativas para garantir que sejam inclusivas representativas e relevantes fortalecendo a conexão das novas gerações com seu patrimônio cultural e histórico Slide 4 Movimentos Sociais e Memória A partir das décadas de 1970 e 1980 emergiram diversos movimentos sociais que mobilizaram trabalhadores mulheres negros indígenas e homossexuais em uma luta por direitos e reconhecimento Esses movimentos foram marcados por uma intensa organização e ativismo refletindo a insatisfação com as estruturas sociais e políticas vigentes Utilizando a memória histórica como uma poderosa ferramenta esses grupos resgataram narrativas esquecidas ou marginalizadas afirmando suas identidades e reivindicando justiça e igualdade Ao revisitar e reinterpretar o passado esses movimentos não apenas fortaleceram suas bases de apoio mas também trouxeram à tona questões cruciais de representatividade e inclusão moldando de maneira significativa o panorama social contemporâneo Slide 5 A Voga da Memória Ler a citação de Ulpiano Bezerra de Meneses A citação de Ulpiano Bezerra de Meneses ressalta a importância da memória como um elemento central na construção da identidade e na compreensão do passado Na atualidade o tema da memória tem ganhado uma popularidade crescente refletida na proliferação de instituições e publicações dedicadas à memória e ao patrimônio cultural Museus arquivos centros de pesquisa e programas de história oral se multiplicam oferecendo espaços para a preservação e reflexão sobre diversas narrativas históricas Este fenômeno destaca a relevância da memória como um campo de estudo e ação essencial para a valorização das culturas e histórias individuais e coletivas e para a promoção de uma sociedade mais consciente e inclusiva Slide 6 Patrimônio Histórico e Historiografia A temática da memória tem sido recentemente introduzida na historiografia brasileira refletindo um interesse renovado em compreender como as sociedades lembram e reinterpretam o passado Historicamente o campo da preservação histórica no Brasil tem sido dominado por arquitetos cujas abordagens frequentemente enfatizam a conservação física dos edifícios e monumentos Embora esse enfoque seja fundamental ele pode não abarcar plenamente as dimensões sociais e culturais do patrimônio histórico Portanto é crucial integrar o estudo do patrimônio histórico ao ensino de História promovendo uma compreensão mais abrangente e crítica Esta integração permite que os historiadores contribuam com perspectivas sobre o significado e as narrativas associadas aos bens culturais enriquecendo a preservação com contextos históricos mais profundos e promovendo uma valorização mais completa e inclusiva da memória coletiva Slide 7 Objetivo do Texto O texto de Ricardo Oriá tem como objetivo destacar a importância de incorporar o trabalho com bens culturais no ensino de História Utilizar bens culturais como ferramentas pedagógicas não só enriquece o aprendizado mas também estimula o senso de preservação da memória social coletiva entre os estudantes Ao envolver os alunos com artefatos monumentos e documentos históricos eles desenvolvem uma apreciação mais profunda e pessoal pela história e pelo patrimônio cultural Esse processo educacional é crucial para a construção de uma nova cidadania promovendo uma identidade nacional plural e inclusiva Ao reconhecer e valorizar a diversidade de narrativas e experiências que compõem a história do país formamos cidadãos mais conscientes e engajados na preservação de sua herança cultural Slide 8 Papel da Escola no Ensino de História A escola desempenha um papel fundamental na formação da cidadania sendo um espaço onde os alunos não apenas adquirem conhecimento acadêmico mas também desenvolvem valores cívicos e éticos Através do ensino de História a escola pode valorizar o patrimônio cultural mostrando aos alunos a importância de preservar e respeitar as diversas heranças culturais que compõem a sociedade Incorporando o estudo de bens culturais como artefatos monumentos e documentos históricos o ensino de História se torna mais tangível e relevante permitindo que os alunos entendam melhor a sua própria identidade e a complexidade do mundo ao seu redor Além disso a escola prepara as novas gerações para a construção de novos conhecimentos incentivando o pensamento crítico a curiosidade e a capacidade de questionar e interpretar o passado Desta forma os alunos se tornam mais conscientes de seu papel na sociedade e mais preparados para contribuir para a construção de um futuro inclusivo e respeitoso com a memória coletiva Slide 9 Compromisso da Escola Ler a citação de Regina Leite Garcia A citação de Regina Leite Garcia sublinha a necessidade de a escola assumir um compromisso em ensinar sobre formas e conteúdos culturais variados Este compromisso envolve expor os alunos a uma ampla gama de patrimônios culturais desde os mais antigos até os contemporâneos para garantir uma educação completa e inclusiva A importância de ensinar sobre diferentes patrimônios culturais reside na capacidade de ampliar a compreensão dos alunos sobre a diversidade humana e as múltiplas formas de expressão e organização social Ao explorar tanto o legado das civilizações passadas quanto as manifestações culturais atuais a escola não só preserva a memória histórica mas também valoriza e legitima as culturas contemporâneas Isso fomenta uma apreciação mais profunda e crítica do mundo promovendo o respeito e a valorização das diferenças culturais essenciais para a formação de cidadãos conscientes e engajados na construção de uma sociedade plural e democrática Slide 10 Conceitos Fundamentais Antes de implementar uma proposta de ensino voltada para a valorização do patrimônio cultural é crucial elucidar conceitos fundamentais sobre o tema Compreender o que se entende por patrimônio cultural suas diferentes manifestações e sua importância para a identidade coletiva é essencial para garantir que tanto educadores quanto alunos possam abordar o assunto de maneira informada e crítica Discutir esses conceitos preliminarmente permite uma base sólida para o desenvolvimento de atividades pedagógicas eficazes Por exemplo no currículo de História esses conceitos podem ser integrados através de módulos específicos que abordem a definição e classificação do patrimônio cultural incluindo patrimônios material e imaterial Atividades práticas como visitas a museus locais projetos de pesquisa sobre monumentos históricos da comunidade e debates sobre a preservação de tradições culturais podem concretizar o aprendizado Além disso a análise de casos históricos de perda e recuperação de patrimônios culturais pode ilustrar a relevância de sua preservação Integrar esses conceitos ao currículo não só enriquece o ensino de História mas também promove uma consciência crítica e um senso de responsabilidade entre os alunos em relação à memória cultural e histórica Slide 11 Conclusão A memória histórica desempenha um papel crucial na construção da identidade nacional pois é por meio dela que uma sociedade compreende e interpreta seu passado coletivo É na memória que encontramos as narrativas os eventos e os símbolos que moldaram a história de um povo influenciando sua cultura valores e visão de mundo Portanto integrar a preservação da memória no ensino de História é essencial para garantir que as gerações futuras compreendam e valorizem sua herança cultural e histórica A escola desempenha um papel central nesse processo pois é o espaço onde os alunos têm a oportunidade de aprender sobre o passado de sua sociedade refletir sobre suas origens e identidade e desenvolver um senso de pertencimento e responsabilidade em relação à sua comunidade e país Ao promover uma educação que valoriza a memória histórica e a preservação do patrimônio cultural a escola se torna um agente fundamental na formação de uma cidadania consciente informada e comprometida com a preservação da memória coletiva Assim ela contribui não apenas para o enriquecimento intelectual dos alunos mas também para a construção de uma sociedade mais justa inclusiva e democrática Slide 13 Referências Aqui trago as referências utilizadas para a apresentação Slide 14 Finalização Abrir espaço para comentários e perguntas Agradecer a atenção dispensada na apresentação Finalizar 1 Memória e Ensino de História A Importância da Preservação da Memória Histórica Autor Ricardo Oriá Páginas 128 129 e 130 2 A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente Edward Said 3 Introdução Crescente preocupação com a preservação da memória histórica Iniciativas de criação de centros de memória museus e programas de história oral Importância da reflexão crítica sobre essas iniciativas 4 Movimentos Sociais e Memória Emergência de movimentos sociais populares desde os anos 70 Mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc Resgate da memória como instrumento de luta e afirmação de identidade cultural e étnica 5 A Voga da Memória O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Ulpiano Bezerra de Meneses 6 Patrimônio Histórico e Historiografia A temática da memória é recente na historiografia brasileira Predominância de arquitetos nos órgãos de preservação histórica Necessidade de integrar o patrimônio histórico ao ensino de História 7 Objetivo do Texto Discutir o uso de bens culturais do patrimônio histórico no ensino de História Estimular o senso de preservação da memória social coletiva Construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural 8 Papel da Escola no Ensino de História A escola como locus privilegiado para a formação da cidadania Valorização do patrimônio cultural no processo ensino aprendizagem Preparação de gerações para a construção de novos conhecimentos 9 Compromisso da Escola o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes Regina Leite Garcia 10 Conceitos Fundamentais Elucidação de conceitos fundamentais sobre patrimônio cultural Proposta de ensino de História centrada no estudo do patrimônio cultural 11 Conclusão Importância da memória histórica na construção da identidade nacional Necessidade de integrar a preservação da memória no ensino de História Escola como agente central na formação de uma cidadania consciente 12 Referências Bibliográficas GARCIA Regina Leite MOREIRA Antonio Barbosa Flávio Começando uma conversa sobre currículo In GARCIA Regina Leite MOREIRA Antonio Barbosa Flávio Org Currículo na contemporaneidade incertezas e desafios São Paulo Cortez 2003b GARCIA Regina Leite SAMPAIO Carmen Sanches TAVARES Maria Tereza Org Conversas sobre o lugar da escola Rio de Janeiro H P Comunicações 2006 GARCIA Regina Leite ZACCUR Edwiges Org Cotidiano e diferentes saberes Rio de Janeiro DPA 2006 GARCIA Regina Leite ZACCUR Edwiges GIAMBIAGI Org Cotidiano diálogos MENESES Ulpiano Bezerra de Memória e Sociedade São Paulo Contexto 2008 MOREIRA Antonio Flávio Barbosa SOARES Magda FOLLARI GARCIA Regina Leite Org Para quem pesquisamos para quem escrevemos o impasse dos intelectuais São Paulo Cortez 2001 SAID Edward Orientalismo O Oriente como invenção do Ocidente Companhia de Bolso 2007
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Texto de pré-visualização
O SABER HISTÓRICO NA SALA DE AULA Circe Bittencourt org Adriana Mortara Almeida Antonia Terra Camilo de Mello Vasconcellos Carlos Alberto Vesentini Elias Thomé Saliba Kátia Abud Marcos Napolitano Maria Auxiliadora Schmidt Maria de Lourdes Monaco Janotti Ricardo Oriá EDITORA CONTEXTO LIVROS DIDÁTICOS ENTRE TEXTOS E IMAGENS Circe Bittencourt Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos são também produtos de grupos sociais que procuram por intermédio deles perpetuar suas identidades seus valores suas tradições suas culturas Alain Choppin Gravuras fotos filmes mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados há algum tempo como recurso pedagógico no ensino de História Os livros didáticos de História já em meados do século XIX possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos além de mapas históricos Nas primeiras décadas do século XX os filmes foram apontados pelo professor Jonathas Serrano do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro como instrumento didático importante considerandoo material fundamental do método intuitivo em substituição ao método mnemônico Graças ao cinematógrafo as ressurreições históricas não são mais uma utopia escreveu Serrano que acreditava também que os alunos poderiam aprender História pelos olhos e não mais enfadonhamente só pelos ouvidos em massudas monótonas e indigestas preleções SERRANO p 11 grifo nosso Atualmente as obras didáticas estão repletas de ilustrações que parecem concorrer em busca de espaço com os textos escritos Ao lado Professora doutora do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da USP 69 dos acervos iconográficos reproduzidos nos livros têm sido ampliadas a produção e a utilização de imagens tecnológicas em vídeos e mais recentemente as informáticas dos softwares e dos CDROMs As mais famosas editoras de livros escolares fazem produções de multimídia educativas e novos títulos de CDROM de História têm sido lançados no Brasil nos últimos anos Embora a introdução de gravuras e mapas no ensino de História há cerca de um século e a multiplicação de imagens apresentadas atualmente como material didático demonstrem a importância desse recurso na cultura histórica escolar a reflexão sobre o papel que efetivamente desempenham no processo de ensino e aprendizagem é escassa As imagens são meros recursos para motivar e ilustrar o curso de História Na afirmação de Serrano são utilizadas para concretizar noções abstratas tais como a de tempo histórico proporcionando aos alunos formas de presenciar outras experiências não vivenciadas por eles E como os alunos provenientes de uma geração formada pela saturação de imagens se relacionam com a iconografia escolar ou a apresentada pela escola como estudo As imagens tecnológicas dos computadores trazem mudanças substantivas para a aprendizagem de História e substituirão livros didáticos Questões como essas precisam ser levantadas considerando que pouco se conhece sobre as formas de leitura de imagens utilizadas em sala de aula independentemente do suporte didático em que elas são apresentadas No sentido de refletir sobre parte dessas questões este texto apresenta algumas considerações sobre o conjunto de imagens mais comuns no cotidiano escolar e as de mais fácil acesso por alunos e professores as ilustrações dos livros didáticos A reflexão sobre as diversas ilustrações dos livros didáticos impõese como uma questão importante no ensino das disciplinas escolares pelo papel que elas têm desempenhado no processo pedagógico surgindo indagações constantes quando se aprofundam as análises educacionais Como são realizadas as leituras de imagens nos livros didáticos As imagens complementam os textos dos livros ou servem apenas como ilustrações que visam tornar as páginas mais atrativas para os jovens leitores Mas buscar respostas para tais indagações exige inicialmente uma abordagem sobre a natureza do livro didático e o papel que este objeto cultural desempenha no cotidiano escolar CONCEPÇÕES E CARACTERIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO O livro didático tem sido objeto de avaliações contraditórias nos últimos tempos Existem professores que abominam os livros escolares culpandoos pelo estado precário da educação escolar Outros docentes calamse ou se posicionam de forma positiva pelo auxílio que os livros prestam ao seu diaadia complicado O livro didático no entanto continua sendo o material didático referencial de professores pais e alunos que apesar do preço consideramno referencial básico para o estudo e em todo o início do ano letivo as editoras continuam colocando no mercado uma infinidade de obras diferenciadas em tamanho e qualidade As avaliações de pesquisadores sobre a produção didática também chegam a conclusões diversas sendo ainda um objeto cujo enfoque e abordagem variam conforme o campo de investigação seja ele da história das ciências políticas e econômicas da área pedagógica sociológica ou linguística entre outras O interesse que o livro didático tem despertado e as celeumas que provoca em encontros e debates demonstra que ele é um objeto de múltiplas facetas e possui uma natureza complexa O livro didático é antes de tudo uma mercadoria um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes à lógica do mercado Como mercadoria ele sofre interferências variadas em seu processo de fabricação e comercialização Em sua construção interferem vários personagens iniciando pela figura do editor passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos gráficos como programadores visuais ilustradores É importante destacar que o livro didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor Façam o que fizerem os autores não escrevem livros os livros não são de modo 70 71 algum escritos São manufaturados por escribas e outros artesãos por mecânicos outros engenheiros e por impressores e outras máquinas CHARTIER p126 Mas o livro didático é também um depositário dos conteúdos escolares suporte básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas curriculares é por seu intermédio que são passados os conhecimentos e técnicas considerados fundamentais de uma sociedade em determinada época O livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular Nesse processo ele cria padrões linguísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário próprio ordenando capítulos e conceitos selecionando ilustrações fazendo resumos etc Além disso o livro didático é um instrumento pedagógico inscrito em uma longa tradição inseparável tanto na sua elaboração como na sua utilização das estruturas dos métodos e das condições do ensino de seu tempo CHOPPIN p19 O livro didático nesse aspecto elabora as estruturas e as condições do ensino para o professor sendo inclusive comum existirem os livros do professor ou do mestre Ao lado dos textos o livro didático produz uma série de técnicas de aprendizagem exercícios questionários sugestões de trabalho enfim as tarefas que os alunos devem desempenhar para a apreensão ou na maior parte das vezes para a retenção dos conteúdos Assim os manuais escolares apresentam não apenas os conteúdos das disciplinas mas como esse conteúdo deve ser ensinado E finalmente o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores de uma ideologia de uma cultura Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes generalizando temas como família criança etnia de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa A complexidade da natureza desse produto cultural explica com maior precisão o predomínio que exerce como material didático no processo de ensino e na aprendizagem da disciplina qualquer que seja ela O livro didático tem sido desde o século XIX o principal instrumento de trabalho de professores e alunos sendo utilizado nas mais variadas salas de aulas e condições pedagógicas servindo como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor Mas para entender o papel que o livro didático desempenha na vida escolar não basta analisar a ideologia e as defasagens dos conteúdos em relação à produção acadêmica ou descobrir se o material é fiel ou não às propostas curriculares Para entender um livro didático é preciso analisálo em todos os seus aspectos e contradições Ele é portador de textos que auxiliam ou podem auxiliar o domínio da leitura escrita em todos os níveis de escolarização serve para ampliar informações veiculando e divulgando com uma linguagem mais acessível o saber científico Possibilita igualmente a articulação em suas páginas de outras linguagens além da escrita que podem fornecer ao estudante uma maior autonomia frente ao conhecimento Por seu intermédio o conteúdo programático da disciplina tornase explícito e dessa forma tem condições de auxiliar a aquisição de conceitos básicos do saber acumulado pelos métodos e pelo rigor científico Entretanto o livro didático é limitado e condicionado por razões econômicas ideológicas e técnicas A linguagem que produz deve ser acessível ao público infantil ou juvenil e isso tem conduzido a simplificações que limitam sua ação na formação intelectual mais autônoma dos alunos Autores e editores ao simplificarem questões complexas impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis discordâncias por parte dos leitores Sua tendência é de ser um objeto padronizado com pouco espaço para textos originais condicionando formatos e linguagens com interferências múltiplas em seu processo de elaboração associadas à lógica da mercantilização e das formas de consumo Assim o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado É necessário enfatizar que o livro didático possui vários sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela intervenção de professores e alunos que realizam práticas diferentes de leitura e de trabalho escolar Os usos que professores e alunos fazem do livro didático são variados e podem transformar esse veículo ideológico e fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino autônomo As práticas de leitura do livro didático não são idênticas e não obe 72 73 decem necessariamente às regras impostas por autores e editores ou por instituições governamentais Assim mesmo considerando que o livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e diretivo acompanhado de exercícios prescritivos existem e existiram formas diversas de uso nas quais a atuação do professor é fundamental Ao se considerar a dimensão das formas de consumo do livro didático não se pode omitir o poder do professor Cabe a este na maioria das vezes a escolha do livro e sua leitura na sala de aula é determinada também pelo professor Os capítulos selecionados os métodos de leitura em grupo ou individual assim como as tarefas decorrentes da leitura são opções exclusivas do professor mesmo quando inseridas e limitadas por projeto pedagógico estipulado pela escola Dentro dessa concepção de livro didático que envolve considerar os diferentes agentes de seu processo de fabricação e de consumo é que analisamos seu acervo iconográfico e apresentamos algumas propostas para uma leitura crítica dessa produção ILUSTRAÇÕES DOS LIVROS DIDÁTICOS Dentre os pesquisadores que mais têm se preocupado com as ilustrações em livros didáticos de História destacamse os franceses Algumas de suas pesquisas abordam dois aspectos que nos parecem relevantes Existem trabalhos que recuperam a partir dos manuais escolares do século XIX e início do século XX o acervo iconográfico que se constituiu no período e o papel que desempenhou na configuração de uma memória histórica incorporada por amplos setores escolares na medida em que a escolarização atingia a maior parte da população São pesquisas que enfatizam os aspectos ideológicos das ilustrações como o caso de Amalvi que estuda a galeria de heróis representada nas obras didáticas de história Um outro aspecto que tem sido abordado referese à evolução das técnicas gráficas e ao acompanhamento das transformações e da caracterização dos tipos de imagens na composição dos livros de História analisando seus aspectos quantitativos que parecem concorrer cada vez mais com os textos escritos GAULUPEAU No Brasil embora não se possa encontrar pesquisa especialmente dedicada à produção iconográfica na área de História existem trabalhos que buscam analisar como determinados segmentos sociais têm sido representados especialmente os indígenas e a população negra nos diversos livros escolares SILVA GRUPIONI A importância das imagens como recurso pedagógico tem sido destacada há mais de um século por editores e autores de livros escolares de História Ernest Lavisse historiador francês e autor de várias obras didáticas que marcaram a produção francesa e a nossa tendo em vista que a França tem sido o referencial para a elaboração desse produto cultural assim prefaciou uma de suas obras As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender a história É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão repletos de imagens Desejamos forçar os alunos a fixarem as imagens Sem diminuir o número de gravuras que existiam no texto compusemos novas séries delas correspondendo a uma série para cada livro Cada série é acompanhada de questões que os alunos responderão por escrito após terem olhado o desenho e feito uma pequena reflexão sobre ele É o que denominamos de revisão pelas imagens e acreditamos que este trabalho possa desenvolver a inteligência das crianças ao mesmo tempo que sua memória LAVISSE grifo nosso Ver as cenas históricas era o objetivo fundamental que justificava ou ainda justifica a inclusão de imagens nos livros didáticos em maior número possível significando que as ilustrações concretizam a noção altamente abstrata de tempo histórico Para Lavisse as gravuras dos livros serviriam ainda para facilitar a memorização dos conteúdos sendo que o autor tinha cuidados especiais em apresentar no corpo da página o texto escrito mesclado a cenas que reforçavam as explicações escritas do autor Nesse sentido as vinhetas ou legendas explicativas colocadas abaixo de cada ilustração indicavam o que o aluno deveria observar e reforçava a idéia contida no texto Considerando a opinião de Lavisse cabe indagar se os objetivos pedagógicos das gravuras permanecem e explicam sua proliferação nos livros de História Em estudos sobre a história do livro didático brasileiro acompanhei a trajetória de livros de História da escola elementar e secundária a partir do século XIX foi interessante observar o percurso das ilustrações em tais obras a partir da fase inicial da escolarização pública até a atualidade BITTENCOURT 1993 Considerando esse conjunto de ima 74 75 gens utilizadas no cotidiano escolar é possível destacar algumas características peculiares do material pedagógico A primeira delas é a marca francesa nas ilustrações dos livros escolares de História Para o caso dos livros de História Geral ou Universal as reproduções são tiradas de obras francesas em sua maioria A presença francesa na produção dos livros brasileiros ocorreu por termos nos baseado durante muitos anos nas propostas curriculares da França mas também pela relação das casas editoriais brasileiras com este país sendo que a maior parte dos livros nacionais eram impressos em Paris até os anos 30 deste século O caráter mercadológico e as questões técnicas de fabricação da obra didática interferem no processo de seleção e organização das imagens e delimitam os critérios de escolha na maioria das vezes das ilustrações Há condicionamentos e limitações impostas pela técnica e pelos custos que devem se associar às necessidades pedagógicas Os livros didáticos não podem ser caros mas necessitam de gravuras como pressuposto pedagógico da aprendizagem principalmente para os alunos do ensino elementar Atualmente é fácil constatar que os livros até as 8as séries possuem mais ilustrações e coloridas do que os destinados ao 2o grau em que predominam imagens em pretoebranco Os estudos do acervo iconográfico de pesquisadores sobre a literatura infantil demonstram a importância dos lucros das ilustrações para algumas casas editoriais francesas que passaram a vender os direitos de reprodução de desenhos de ilustradores especialmente produzidos para determinadas obras como as de Julio Verne do editor PierreJules Hetzel LE MEN GLENISSON Os editores de livros brasileiros têm sido compradores de fotolitos e ilustrações das editoras francesas principalmente para as obras didáticas de História Para diminuir gastos e proporcionar preços mais acessíveis aos alunos as editoras brasileiras usam desenhistas para reproduzir quadros ou gravuras de livros estrangeiros ou mesmo de edições anteriores com reproduções mais cuidadosas Sem ampliar as questões de dependência da indústria editorial brasileira em relação à França cabe apontar para o significado da permanência de gravuras e reproduções diversas nas obras nacionais como as das civilizações antigas Egito e Mesopotâmia geralmente re produções do acervo do Louvre e as do período feudal cujo referente tem sido o espaço francês A questão da ilustração dos livros está relacionada assim aos aspectos mercadológicos e técnicos que demonstram os limites do autor do texto quando observamos os livros também como objeto fabricado A diagramação e a paginação do livro são estabelecidas por um profissional especializado e dessa forma os caracteres a dimensão as cores das ilustrações enfim são decisões de técnicos de programadores visuais sendo que o autor pouco ou nada interfere na maior parte das vezes na composição final do livro A história do livro didático possibilita verificar como os autores foram perdendo o poder sobre as ilustrações de suas obras Hoje existem especialistas em pesquisa iconográfica contratados pelas editoras para desenvolverem essa parte específica da produção do livro Se para o caso do livro de História Geral era e é mais fácil recorrer às ilustrações estrangeiras o mesmo não ocorreu com a produção de História do Brasil Para o caso dessa produção foi preciso desde o início que autores e editores organizassem um acervo próprio de ilustrações e gravuras pela impossibilidade de recorrer aos manuais estrangeiros As ilustrações mais comuns sobre o passado da nação foram reproduzidas por desenhistas ou por fotógrafos de quadros históricos produzidos no final do século XIX Dessa galeria de arte que os livros didáticos foram os principais divulgadores dois quadros têm sido os mais reproduzidos desde o início do século o 7 de setembro de 1822 de Pedro Américo e a A Primeira Missa no Brasil de Vitor Meirelles de Lima A Guerra do Paraguai apresentada nos livros escolares dificilmente não mostra algumas das batalhas criadas por esses dois pintores em especial o Combate Naval do Riachuelo Tais pinturas têm se prestado à constituição de uma memória histórica há várias gerações A História Política que predominou no ensino de História até recentemente foi responsável pela configuração de uma galeria de personagens da vida administrativa do país Houve o cuidado de se pesquisar os possíveis retratos de personagens que ficaram famosos posteriormente para serem apresentados aos jovens estudantes É o caso por exemplo de Tomé de Souza e de Pedro Álvares Cabral O descobridor e o primeiro chefe político ou governadorgeral do 76 77 Brasil precisaram constar da galeria dos principais personagens históricos demandando a criação de representações do momento da descoberta da nova terra A chegada de Tomé de Souza à Bahia pôde ser vista e gravada na memória dos jovens estudantes desde 1844 em um dos primeiros manuais didáticos de História do Brasil do general Abreu e Lima adaptado pelos editores da casa Laemmert O descobridor Pedro Álvares Cabral colocando o pé nas terras brasileiras já aparecia em capas de livros nos anos de 1880 e muitas dessas mesmas reproduções ainda podem ser observadas pelos alunos em obras recentes dos anos 90 figs 1 e 2 Figura 1 Chegada de Thomé de Souza à Bahia Figura 2 Facsímile da capa do livro de Mattoso Maia Como a História Política ensinada optou até os anos 60 por biografar os feitos dos chefes políticos reis e presidentes republicanos seus retratos constituíramse em uma espécie de galeria de pessoas ilustres com características aristocráticas Essa sequência de personagens era exposta em uma cadeia cronológica que longe de explicar o período inicial da República brasileira acabava servindo para os alunos exercitarem a arte da caricatura acrescentando bigodes cavanhaques ou outros adereços aos sisudos figurantes colocados no meio de textos que exaltavam suas realizações administrativas Até recentemente a Primeira República ou República Velha dos livros limitavase a essa exposição de fatos e fotos Das figuras políticas é interessante destacar como têm sido representados os dois imperadores do Brasil D Pedro I sempre jovem porque afinal morreu com 34 anos seu filho D Pedro II sempre velho apesar dos textos escolares darem destaque ao episódio da Maioridade que tornou D Pedro II chefe de Estado com apenas 15 anos A ilustração do pai jovem e do filho velho tem causado uma certa perplexidade aos jovens leitores e falta a explicação do aparente paradoxo A imagem de um D Pedro II velho foi construída no período pósmonárquico e demonstra a intenção dos republicanos em explicar a queda de uma monarquia envelhecida que não teria continuidade É interessante destacar a permanência dessas ilustrações na produção atual dos manuais reforçando uma interpretação utilizada pelos republicanos no início do século XX mesmo depois de variadas pesquisas e publicações historiográficas sobre os conflitos e tensões do período Dos presidentes a figura retratada invariavelmente em todos os manuais é a de Getúlio Vargas especialmente nos capítulos referentes à Revolução de 1930 Em levantamento realizado em 1995 com cerca de 300 alunos de cinco diferentes escolas de São Paulo constatouse que a maioria 87 reconhecia e nomeava Getúlio Vargas e desconhecia os presidentes posteriores inclusive Juscelino Kubitschek Quanto à apresentação de chefes políticos as inovações estão nas fotografias os líderes políticos aparecem em atos públicos substituindo os retratos em pretoebranco e em alguns manuais mais recentes surgem as charges extraídas de jornais ou revistas de época ou até criadas por cartunistas Embora a população brasileira tenha demorado para aparecer nas ilustrações didáticas ainda considerando que a história social só recentemente se constituiu em objeto de estudos históricos na escola os ancestrais dos brasileiros sempre foram destacados nos livros Ilustrações de índios têm sido uma característica marcante dos livros de História do Brasil a partir de 1860 Assim como no caso dos chefes políticos muitas das reproduções do século passado continuam a povoar as páginas das atuais obras A taba fig 3 por exemplo apareceu pela primeira vez no livro de História destinado ao ensino elemen tar em 1882 e até hoje representa a forma de moradia de todos os índios do Brasil LACERDA LEITURAS CRÍTICAS SOBRE POPULAÇÕES INDÍGENAS A recorrência de representações das populações indígenas nos livros de História fomentou uma série de questionamentos não apenas sobre as possíveis interpretações das populações indígenas ao longo da história ensinada mas também sobre os métodos para a proposição de estudos que articulem texto e imagem e possibilitem a utilização de uma leitura crítica do acervo de ilustrações selecionado e produzido para fins didáticos Observando a representação das populações indígenas em diversos livros de História podese perceber uma variação significativa entre autores e as mudanças e permanências ao longo da história escolar da ação histórica desses grupos Os dois mais conhecidos livros didáticos de História destinados ao ensino primário com primeiras edições nos anos 70 e 80 do século XIX foram escritos por autores religiosos o Cônego Fernandes e o já citado Joaquim Maria de Lacerda Este último viveu a maior parte de sua vida na França e organizou o primeiro grande acervo de populações indígenas baseado em obras de viajantes franceses Em seu livro Pequena história do Brasil cuja primeira edição é provavelmente do final de 1870 existem reproduções copiadas da obra de Jean de Léry Viagem à terra do Brasil provavelmente da edição de 1878 de Gaffarel e de Jean Baptiste Debret Viagem pitoresca e histórica ao Brasil da edição francesa publicada entre 1834 a 1839 A partir de gravuras das obras assinaladas foram feitos desenhos alguns deles assinados por Navellière para os livros de Joaquim Maria de Lacerda desenhos que se constituíram em veículos de divulgação da documentação iconográfica para jovens brasileiros desde o final do século XIX cujos originais só foram publicados no Brasil entre 1930 e 1940 Os grupos indígenas dessas primeiras obras didáticas eram representados como selvagens e as cenas escolhidas eram predominantemente de guerra e rituais antropofágicos figs 4 5 e 6 É perceptível o destaque dado aos religiosos no sentido de ressaltar a importância histórica da obra missionária e civilizatória do trabalho de catequese Os religiosos católicos eram apresentados como heróis muitas vezes mártires No processo de constituição histórica escolar são exemplares as várias representações da morte do primeiro bispo do Brasil em cenas de martírio antes de ser devorado por índios antropófagos em rituais de antropofagia Em versão diferente e produzida em 1900 mas contemporânea dos consumidores escolares e concorrente em vendagem das obras citadas o livro História do Brasil das escolas primárias de João Ribeiro oferece outras imagens dos índios Este autor estudioso de antropologia e ligado ao grupo da Escola de Recife com influências de intelectuais alemães não omitiu os conflitos originados pela população branca Destacou a importância de se entender as culturas indígenas em suas singularidades e evitar considerações genéricas tais como povos selvagens Dentro dessa perspectiva as ilustrações apresentadas em seu livro didático divulgam uma versão diferente das anteriores destacando as características culturais específicas dos índios como a figura do Índio Uapê do Amazonas fig 7 Para exprimir as formas de dominação e morte impostas às populações indígenas João Ribeiro também se valendo de Figura 3 Taba ou aldeia índia Figura 4 Combate entre dois Aymorés Figura 5 A morte do 1º Bispo do Brasil quadros históricos optou por reproduzir a tela de Rodolfo Amoedo de 1883 O último tamoio RIBEIRO Posteriormente em plena fase de difusão do ideal racista uma obra de Afrânio Peixoto seguidor das idéias de Nina Rodrigues expôs no livro Minha terra e minha gente em 1916 a importância de embranquecer a população brasileira para que ela pudesse chegar ao desenvolvimento e ao estágio civilizatório das demais nações européias O índio prossegue como selvagem e ainda responsável pela mestiçagem preguiça e aversão ao trabalho produtivo da maior parte da população brasileira Interessante observar que além desses conteúdos veiculados nessa fase havia ainda uma maior intervenção do autor na articulação entre texto escrito e imagem criando uma sintonia e complementação na composição da página Independentemente do caráter ideológico é possível perceber a relação entre texto e imagem cuidadosamente introduzida e diagramada na página integrando as duas linguagens como o caso das obras de Rocha Pombo fig 8 Acompanhando a literatura didática podese perceber e analisar várias versões sobre as populações indígenas e considerando as publicações mais recentes destacar as mudanças e permanências das ilustrações e seu contexto As ilustrações ampliam as informações dos textos O que informam as legendas Elas auxiliam a leitura do texto A permanência nas obras atuais de ilustrações escolhidas ainda no século XIX indicam igualmente a continuidade das interpretações Mais recentemente existem livros nos quais são fornecidas as indicações do período da produção da gravura quadro ou fotografia além do nome dos autores e onde se encontra preservada Não parece que essas informações importantes tiveram origem por necessidades pedagógicas mas simplesmente para garantir direitos de reprodução Ora elas não poderiam possibilitar ou subsidiar leituras diferentes das imagens que podem libertálas do texto ou ainda complementar e concretizar conceitos expostos pela linguagem escrita Esta apresentação das imagens nos livros didáticos de História embora sucinta pretendeu simplesmente provocar algumas questões Primeiramente procurou situar o professor como um leitor crítico da obra didática apontando para a necessidade de uma reflexão mais atenta sobre o acervo iconográfico dos livros que ele seleciona para os alunos Os cuidados das editoras em relação à qualidade da impressão nem sempre são 84 satisfatórios e se escudam na alegação dos preços Dessa forma existem ilustrações em tamanho minúsculo ou ilegíveis pela máqualidade de impressão e de papel ou ainda pela profusão delas em uma única página que pouco auxiliam como material de apoio ao próprio texto escrito Outra questão diz respeito às alternativas de uso dessas imagens considerando que existe sempre falta de material iconográfico na maior parte das precárias escolas públicas onde projetores de slides ou aparelhos de vídeos sem falar nos modernos computadores que hoje compõem os laboratórios de várias escolas da rede particular nem sempre existem ou estão à disposição dos professores Nesse sentido a utilização mais cuidadosa do livro didático pode facilitar a introdução de leituras de linguagens iconográficas junto aos alunos Quando se propõe aos alunos uma observação das ilustrações dos livros essa atividade pode se constituir em um dos meios de se despertar a curiosidade sobre aspectos pouco destacados no ensino e na forma de leitura do livro Os próprios exercícios e questionários dos livros propostos para a execução de tarefas pedagógicas dificilmente incluem atividades sobre as imagens neles contidas No caso de uma análise das populações e culturas indígenas por exemplo um estudo das ilustrações das diferentes épocas proporcionadas por livros didáticos produzidos em diferentes períodos pode se constituir em rico material didático de apoio transformando o livro em documento de época e possibilitando por intermédio do método do historiador uma leitura crítica de imagens Ao se considerar o livro como um documento ele passa a ser analisado dentro de pressupostos da investigação histórica e portanto objeto produzido em um determinado momento e sujeito de uma história da vida escolar ou da editora Nesse sentido cabe ao professor a tarefa de utilizar uma metodologia que possibilite leitura e interpretação que despertem o sentido histórico nas relações triviais da sala de aula Como sugestão propomos alguns caminhos baseados nas análises de historiadores que se dedicam a pesquisas sobre estas linguagens especialmente Miriam Moreira Leite Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy entre outros e da pesquisa na área de ensino de História realizada por Dominique Margairaz do INRP de Paris Dessa forma para introduzir o aluno na leitura de imagens dos livros didáticos é importante inicialmente buscar separar a ilustração Figura 6 Matança do 1º Bispo da Bahia e seus companheiros Figura 7 Índio Uapê do Amazonas 85 porque como nos informa Miriam M Leite a imagem fixa gera na seqüência da observação descrições e narrações criando textos intermediários orais e verbais pelos observadores e o aluno ao descrever o que está vendo estabelece articulações com outras experiências porque a imagem finita simultânea é percebida pelo olho mas transmitida pela palavra LEITE Partindo dessa leitura inicial e interna da própria ilustração tornase possível especificar seu conteúdo tema personagens representados espaço posturas vestimentas que indicam o retrato de uma determinada época Assim é necessário estar identificando no diálogo com os alunos qual conhecimento está sendo obtido por intermédio das imagens Na seqüência passase para uma leitura externa buscando voltar a observação do aluno para outros referenciais para o significado do documento como objeto como afirma Adalberto Marson Nesse processo de leitura da ilustração como objeto os alunos deverão responder a perguntas Como e por quem foi produzido Para que e para quem se fez esta produção Quando foi realizada Caso não haja indicações suficientes no próprio livro as respostas dos alunos deverão ser obtidas com o professor ou ainda através da consulta em outras obras Na continuidade da leitura externa podese então realizar uma leitura do documento como sujeito quando se articula a leitura da ilustração com a do livro didático como um todo Como a ilustração está contida no livro didático Possui legendas Como está diagramada na página Qual a relação entre o texto e a ilustração Em seguida tornase importante referenciar o livro em seu contexto histórico quem é o autor do livro E o editor As ilustrações foram selecionadas pelo autor ou pelo editor Quando foi publicado e daí as leituras externas ao livro tornamse importantes com dados sobre o período de produção do livro especialmente se recorre a livros antigos condição ideal quando se quer fazer comparações como o caso das populações indígenas As comparações de ilustrações reproduzidas em momentos diferentes são necessárias para que os alunos possam estabelecer relações históricas entre as permanências e mudanças e para relativizar o papel que determinados personagens tendem a desempenhar na História Assim por exemplo é significativo o aluno identificar em que momentos da História brasileira o índio é representado ou se constitui objeto de estudo nos diversos capítulos do livro Os grupos indígenas são mencionados apenas no início da colonização na fase da conquista e como justificativa para explicar a introdução de escravos africanos depois na atualidade nas questões de demarcação de reservas Por que não há referências sobre as populações indígenas no período da Independência quando se estabelecem os princípios de cidadania oriundos do pensamento liberal europeu Não existiram conflitos e disputas com indígenas nas ocupações de terra para a plantação de café no interior paulista e paranaense no decorrer dos séculos XIX e XX São possíveis ainda estudos comparativos com as ilustrações de outras obras didáticas produzidas e consumidas na mesma época isso para fazer o aluno perceber diferentes interpretações sobre a mesma temática como no caso das reproduções dos índios selecionadas por João Ribeiro e as de Joaquim Maria de Lacerda A transformação das ilustrações dos livros didáticos em materiais didáticos específicos e do livro didático em documento passível de ser utilizado dentro das propostas de leitura crítica da pesquisa historiográfica transporta para uma situação de aprendizagem pode facilitar a difícil tarefa do professor na constituição de um leitor de textos históricos autônomo e crítico O livro pode ser transformado nas mãos do professor e passar por mutações consideráveis Os textos dos livros muitas vezes considerados áridos e pouco motivadores para alunos que cada vez mais se informam por imagens da mídia podem referenciar uma outra relação entre texto e imagem Fazer os alunos refletirem sobre as imagens que lhes são postas diante dos olhos é uma das tarefas urgentes da escola e cabe ao professor criar as oportunidades em todas as circunstâncias sem esperar a socialização de suportes tecnológicos mais sofisticados para as diferentes escolas e condições de trabalho que enfrenta considerando a manutenção das enormes diferenças sociais culturais e econômicas pela política vigente BIBLIOGRAFIA AMALVI Christian De lart et de la manière daccommoder les héros de lhistoire de France De Vercingentorix à la Révolution Paris Albert Michel 1988 BITTENCOURT Circe M Fernandes Livro didático e conhecimento histórico uma história do saber escolar Tese de doutorado São Paulo FFLCHUSP 1993 88 89 Práticas de leitura em livros didáticos Revista da Faculdade de Educação São Paulo v 22 n 1 janjun1996 pp 89110 CARNEIRO M Luiza Tucci KOSSOY Boris O olhar europeu o negro na iconografia brasileira do século XIX São Paulo EDUSP 1994 CHARTIER Roger A história cultural entre práticas e representações Lisboa DifelRio de Janeiro Bertrand do Brasil 1990 CHOPPIN Alain Manuels scolaires Etats et sociétés XIXemeXX eme siècles Histoire de léducation Paris INRP n 58 mai1993 p 19Manuels scolaires histoire et actualité Paris Hachette 1992 GAULUPEAU Yves Les manuels scolaires par limage une approche sérielle des contenus Histoire de lEducation Paris INRP n 58 mai1993 pp 103135 GLENISSON Jean org Le livre denfance et de la jeunesse en France Bordeaux Conseil Régional dAquitaine 1994 KOSSOY Boris Fotografia e História São Paulo Ática 1989 LACERDA Dr Joaquim Maria de Pequena história do Brasil por perguntas e respostas para uso da infância brasileira Rio de Janeiro Garnier 1887 p 11 13 31 Biblioteca Nacional de Paris LAVISSE Ernest Histoire de France cours élémentaire Paris A Colin 1887 p iii LEMEN Segolène Les Abécédéraires français ilustrés du XIXeme siècle Paris Promodis 1984 LEITE Miriam Moreira A Imagem através da palavra In Leite Miriam M Retratos de família leitura da fotografia histórica São Paulo EDUSP 1993 MARSON Adalberto Reflexões sobre o procedimento histórico In SILVA M org Repensando a História Rio de Janeiro Marco ZeroANPUH 1984 PINHEIRO J C Fernandes Episódios da história Pátria contados à infância pelo cônego Dr Pinheiro 3ed Rio de Janeiro Garnier 1864 POIRIER Brigitte SULTAN org Faire voir et savoir Connaissance de limageimage et connaissance Images technologiques en arts et histoire Rencontre Pédagogique Paris INRP 1987 POMBO Rocha Nossa Pátria São Paulo Melhoramentos 1924 RIBEIRO João História do Brasil para as escolas primárias Rio de Janeiro Francisco Alves 1900 SERRANO Jonathas Epítome da História Universal 2ed Rio de Janeiro Francisco Alves 1912 SILVA Aracy Lopes GRUPIONI Luis Donisete org A temática indígena na escola Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus Brasília MECMARIUNESCO 1995 VIEIRA Menezes Quadros de História do Brasil 1885 Biblioteca Paulo Bourrould Feusp MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA Ricardo Oriá A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado mas também a incerteza se o passado é de fato passado morto e enterrado ou se persiste mesmo que talvez sob outras formas Edward Said A preocupação com a preservação da memória histórica e por extensão do patrimônio cultural é fenômeno que vem caracterizando neste final de século e milênio um número considerável de instituições sejam elas públicas ou privadas organizações nãogovernamentais segmentos sociais os mais diversos e figuras destacadas das elites políticas nacionais A cada dia tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à criação de centros de memória projetos de revitalização de sítios históricos urbanos instalação de núcleos de documentação e pesquisa memoriais museus programas de história oral elaboração de vídeos e documentários etc No Brasil onde a máxima de ser um país sem memória constitui uma ideia já cristalizada essas iniciativas devem ser louvadas e apoiadas não sem uma reflexão mais crítica A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80 assistimos à emergência dos movimentos sociais populares protagonizados pela mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc que até hoje reivindicam para si o alcance e o exercício dos direitos de cidadania e a participação política no processo decisório nacional Esses movimentos colocam na ordem do dia o interesse pelo resgate de sua memória como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e cultural Nesse sentido as palavras do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses são bastante esclarecedoras O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Falase da memória da mulher do negro do oprimido das greves do ABC memória da Constituinte e do partido memória da cidade do bairro da empresa da família Talvez apenas a memória nacional tantas vezes acuada e tantas vezes acuadora esteja retraída Multiplicamse as casas de memória centros arquivos bibliotecas museus coleções publicações especializadas até mesmo periódicos Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias específicas já contam com força política e têm reconhecimento público Se o antiquariato a moda retrô os revivals mergulham na sociedade de consumo a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie MENESES p9 Por outro lado a temática da memória e de sua materialização através dos bens consubstanciados no patrimônio histórico é recente no âmbito da historiografia brasileira bem como na produção acadêmica oriunda dos cursos de pósgraduação em História existentes no país e praticamente ausente no processo ensinoaprendizagem em diferentes níveis escolares Isso se explica em grande parte pelo fato de que os órgãos e agências de preservação histórica foram sistematicamente ocupados por profissionais da arquitetura o que levou também ao privilégio do patrimônio edificado Até bem pouco tempo o patrimônio histórico era seara acadêmica exclusiva dos arquitetos ou quando muito de antropólogos e cientistas sociais O presente texto objetiva pois discutir questões relacionadas com a possibilidade de se trabalhar com os bens culturais do patrimônio his tórico no processo ensinoaprendizagem de História a fim de estimular nos alunos o senso de preservação da memória social coletiva como condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural Consideramos que a escola e em particular o ensino de História tem um papel fundamental nesse processo É ela em última instância o locus privilegiado para o exercício e formação da cidadania que se traduz também no conhecimento e na valorização dos elementos que compõem o nosso patrimônio cultural Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos conhecimentos a escola está cumprindo seu papel social No entanto como bem assinala a educadora Regina Leite Garcia a escola deve assumir também um outro compromisso qual seja o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes ou pertencem ao patrimônio cultural da humanidade A poesia chinesa clássica as pinturas rupestres de Altamira e de Lascaux a concepção arquitetônica das malocas dos índios brasileiros as esculturas africanas contemporâneas são tão importantes quanto um concerto de Xenakis uma pintura de Picasso um poema de Drummond de Andrade um filme de Ingmar Bergman um vídeo de Bill Viola um balé de Martha Graham ou uma fotografia de Sebastião Salgado GARCIA p 46 Tratar dessa questão levanos inicialmente a trabalhar com a elucidação de alguns conceitos que julgamos de fundamental importância para só então discutirmos como viabilizar uma proposta de ensino de História centrada no estudo de nosso patrimônio cultural O PATRIMÔNIO HISTÓRICO REVISITADO O passado não é o antecedente do presente é a sua fonte Ecléa Bosi À primeira vista quando se fala em patrimônio histórico há uma imediata associação da palavra a monumentos e edifícios antigos Assim o senso comum relaciona a expressão patrimônio histórico a prédios monumentos e outras edificações de notável valor históricoarquitetônico que pelo seu caráter de excepcionalidade devem ser preservados Isto se deve em grande medida à primeira legislação patrimonial do país o Decretolei nº 2537 ainda em vigor que em seu art 1º explicita o conceito de patrimônio histórico e artístico Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico grifo nosso Esse conceito norteou na prática a política de preservação do patrimônio histórico no país e em diversos estados e municípios da federação brasileira por força da estrutura de poder centralizadora imposto pelo Estado Novo 19371945 Priorizouse assim o patrimônio edificado e arquitetônico a chamada pedra e cal em detrimento de outros bens culturais significativos mas que por não serem representativos de uma determinada época ou ligados a algum fato histórico notável ou pertencentes a um estilo arquitetônico relevante deixaram de ser preservados e foram relegados ao esquecimento e até destruídos por não terem no contexto dessa concepção valor que justificasse a sua preservação O mais sério é que essa política preservacionista levada a cabo pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN desde sua criação em 1937 deixou um saldo de bens imóveis tombados referentes aos setores dominantes da sociedade Preservaramse as igrejas barrocas os fortes militares as casasgrandes e os sobrados coloniais Esqueceramse no entanto as senzalas os quilombos as vilas operárias e os cortiços Essa política de preservação que norteou a prática do SPHAN e seus similares nos estados e municípios objetivava passar aos habitantes do país a idéia de uma memória unívoca e de um passado homogêneo e de uma História sem conflitos e contradições sociais A concepção predominante era a de se forjar uma identidade nacional única para o país excluindo as diferenças e a pluralidade étnicocultural de nossa formação histórica Hoje com o avanço teóricometodológico das Ciências Sociais que mais têmse dedicado ao estudo das manifestações culturais a expressão patrimônio histórico e artístico vem sendo substituída por patrimônio cultural Assim saise do limite estreito da terminologia tradicional para falarse em patrimônio cultural em vez de patrimônio histórico artístico e paisagístico pois há outros valores culturais que não se enquadram na terminologia antiga O próprio conceito de patrimônio histórico e artístico restringiase aos bens materiais especialmente aos bens imóveis dissociados de seu ambiente original Além do que os critérios de seleção desses bens obedeciam aos padrões estabelecidos pelas chamadas autoridades de tutela dos órgãos oficiais que muitas vezes não levavam em consideração outros critérios de preservação bem como a participação da sociedade na seleção e preservação desses mesmos bens Atualmente vem crescendo o interesse pela ampliação do conceito de patrimônio cultural bem como a participação da sociedade civil organizada através das mais variadas entidades e associações de classe tais como o Instituto de Arquitetos Brasileiros IAB a Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB a Associação Nacional de História ANPUH frente à seleção e preservação dos bens culturais e mais ainda exigindo uma nova postura da administração pública com relação ao assunto O patrimônio cultural terminologia substitutiva à de patrimônio histórico e artístico é constituído de unidades designadas bens culturais Por sua vez podemos definir bem cultural como sendo toda produção humana de ordem emocional intelectual e material independente de sua origem época ou aspecto formal bem como a natureza que propiciem o conhecimento e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia GODOY p 72 A conceituação esboçada acima pretendese a mais aberta e abrangente possível pois a produção cultural humana como sabemos constitui um processo em curso e em constante e permanente transformação cuja diversidade e riqueza ultrapassam sempre os limites de qualquer modelo técnico previamente estabelecido Quem primeiro se preocupou em encarar a problemática do patrimônio cultural de modo bastante abrangente e de forma interdisciplinar foi o professor francês e atualmente assessor técnico internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO Hugues de VarineBoham LEMOS pp 810 Segundo ele o patrimônio cultural pode ser dividido em três grandes categorias de elementos Em primeiro lugar arrola os elementos pertencentes à natureza ao meio ambiente Nesta categoria podemos citar os rios os peixes desses rios os vales e montanhas que circundam tais rios etc enfim são os recursos naturais o chamado hábitat natural A segunda categoria de bens culturais referese ao conhecimento às técnicas ao saber e ao saberfazer compreendendo pois toda capacidade de sobrevivência do homem em seu meio ambiente Esta categoria inclui os elementos não tangíveis do patrimônio cultural Já o terceiro grupo de elementos é considerado o mais importante de todos pelo fato de reunir os bens culturais propriamente ditos que englobam toda sorte de coisas objetos artefatos obras e construções obtidas a partir do próprio meio ambiente e do saberfazer humano Podemos pois concluir que o chamado patrimônio cultural engloba tanto o histórico como o ecológico o artístico e o científico O patrimônio cultural de uma dada sociedade é formado por um tripé indissociável em que se contemplam as seguintes dimensões a dimensão natural ou ecológica a dimensão históricoartística e a dimensão documental Neste sentido o próprio meio ambiente os conjuntos urbanos e os sítios de valor histórico paisagístico artístico arqueológico paleontológico ecológico e científico as obras os objetos os documentos as edificações as criações científicas artísticas e tecnológicas as formas de expressão e até mesmo os modos de criar fazer e viver são bens culturais de uma sociedade e por isso devem ser preservados Por sua vez o conceito de patrimônio histórico não está mais restrito ao dito patrimônio edificado a chamada dimensão pedra e cal constituído de bens imóveis representados pelos edifícios e monumentos Ao falarmos em patrimônio histórico entendase não apenas o patrimônio arquitetônico mas também o patrimônio documental e arquivístico bibliográfico hemerográfico iconográfico oral visual museológico enfim o conjunto de bens que atestam a História de uma dada sociedade Vale ressaltar que o patrimônio históricocultural não constitui apenas um acervo de obras raras ou da cultura de um passado remoto e distante nem serve tãosó para relembrarmos nostalgicamente os tempos idos A valorização e o conhecimento de um bem cultural que testemunha a História ou a vida do país pode ajudarnos a compreender quem somos para onde vamos o que fazemos mesmo que muitas vezes pessoalmente não nos identifiquemos com o que esse mesmo bem evoca ou até não apreciemos sua forma arquitetônica ou o seu valor histórico O importante é que ele faz parte de um acervo cultural que deve ser preservado por toda a comunidade pois é revelador e referencial para a construção de nossa identidade históricocultural Os bens culturais de uma dada sociedade não são apenas aqueles tradicionalmente considerados dignos de preservação produzidos e definidos pelos vencedores de cada época Ao contrário são os frutos de todos os saberes todas as memórias de experiências humanas Não apenas monumentos bens isolados e descontextualizados mas testemunhos materiais portadores de significação passíveis de muitas leituras FENELON p 34 Seguindo essa moderna terminologia a atual Constituição brasileira pela primeira vez adota a denominação patrimônio Cultural e no seu artigo 216 Seção II DA CULTURA conceitua o que se entende por essa expressão ao dizer in verbis Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem I as formas de expressão II os modos de criar fazer e viver III as criações científicas artísticas e tecnológicas IV as obras objetos documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico artístico arqueológico paleontológico ecológico e científico Como podemos constatar o legislador constituinte aceitou integralmente a moderna conceituação de patrimônio cultural deixando de lado as expressões até então consagradas nos textos constitucionais anteriores tais como patrimônio histórico artístico arquitetônico arqueológico e paisagístico Não se discute mais se o patrimônio cultural do país constituise apenas dos bens de valor excepcional ou também daqueles de valor cotidiano se inclui monumentos individualizados ou em conjunto se apenas a arte erudita merece proteção ou também as manifestações populares se contém apenas os bens produzidos pelo homem ou se engloba também os bens naturais se esses bens da natureza envolvem somente os dotados de excepcional valor paisagístico ou inclusive o simples ecossistema Enfim todos esses bens sejam naturais ou culturais materiais ou imateriais tangíveis ou intangíveis estão incluídos no patrimônio cultural do país desde que os mesmos sejam portadores de referência à identidade à ação e à memória dos diferentes elementos étnicoculturais formadores da nação brasileira POR UMA NOVA POLÍTICA DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO NO BRASIL A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA PLURAL há que se reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir Mário de Andrade Com a ampliação do conceito de patrimônio cultural expresso em nossa atual Constituição abremse perspectivas para a adoção de uma nova política de proteção ao nosso acervo histórico que possibilite a construção de uma memória plural A historiografia brasileira tradicional pautada na concepção positivista que privilegiou a ação dos heróis nacionais em detrimento de outros sujeitos históricos teve respaldo na política de preservação patrimonial em nosso país Elegemos no decorrer da História os bens culturais representativos dos segmentos dominantes sobretudo os ligados ao elemento de origem européia e relegamos ao esquecimento a contribuição de outros segmentos étnicos na formação da cultura brasileira SANTOS p 136 Basta uma breve constatação nos nomes das ruas e avenidas nos monumentos históricos dos heróis nacionais que povoam as praças de nossas cidades Como qualquer experiência humana a memória histórica constitui uma das formas mais fortes e sutis da dominação e da legitimação do poder Neste sentido os grupos dominantes vencedores na História tentam impor a sua visão e a perpetuação de uma memória da dominação Aos vencidos restam apenas o esquecimento e a exclusão da História e da política preservacionista Salve o navegante negro que tem por monumento as pedras pisadas nos cais Assim diz o trecho da canção Mestresala dos mares de João Bosco e Aldir Blanc que evoca à memória um dos movimentos populares encetados pelos marinheiros contra os maustratos a que eram submetidos pela Marinha e que passou à História como Revolta da Chibata ocorrida em 1910 Aos inúmeros heróis e líderes de movimentos organizados pelos setores subalternos da sociedade brasileira quase não se vê referência monumental no patrimônio histórico nacional Somente a partir da década de 80 em parte pela renovação da historiografia brasileira que passou a resgatar em suas pesquisas a participação dos excluídos da história oficial é que a ação preservacionista em nosso país passou a dar atenção a bens e valores culturais de outros segmentos sociais e minorias étnicoculturais Exemplos disso foram o tombamento no nível federal da Serra da Barriga local onde se desenvolveu o maior quilombo da História do Brasil Palmares situado no atual estado de Alagoas e no nível estadual pelo governo da Bahia o tombamento da região onde se desenvolveu o Arraial de Canudos numa tentativa de recuperar a memória de um dos mais importantes movimentos populares da História nacional liderado por Antônio Conselheiro A atual Constituição tenta pois corrigir mais essa distorção da política de preservação ao estabelecer em vários dispositivos a importância de outros elementos formadores da sociedade brasileira admitindo portanto a realidade histórica de que somos uma nação multirracial Em seu artigo 215 parágrafos 1º e 2º por exemplo determina que o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional além de prever a elaboração de leis que venham dispor sobre a fixação de datas comemorativas de alta signifcação para os diferentes segmentos étnicos nacionais Em relação ao segmento étnico afrobrasileiro o legislador constituinte teve mais uma vez a sensibilidade histórica de reconhecer a importância dos quilombos e quilombolas na formação de nossa identidade cultural ao estabelecer o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos art 216 5º E mais ainda é reconhecido aos remanescentes dessas comunidades que estejam ocupando suas terras o direito de propriedade devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos art 68 do ADCT Pela atual Constituição brasileira as comunidades indígenas também têm seu lugar na construção da memória nacional O legislador em vários dispositivos mostra a necessidade de se preservar essa cultura milenar através da possibilidade de uma educação bilíngüe e diferenciada art 210 2º e art 231 da CF Assim a análise do texto constitucional permitenos concluir que há uma tentativa de busca na construção de uma memória plural que venha subsidiar uma nova política de preservação de nosso patrimônio histórico Adotase portanto uma noção mais abrangente de patrimônio cultural e ao incorporar os diferentes grupos étnicos na formação da sociedade brasileira rompese a visão elitista de considerar apenas objeto de preservação as manifestações bens e valores da classe historicamente dominante PATRIMÔNIO HISTÓRICO CIDADANIA E IDENTIDADE CULTURAL O DIREITO À MEMÓRIA A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade individual ou coletiva cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje na febre e na angústia Jacques Le Goff A preservação do patrimônio histórico é vista hoje prioritariamente como uma questão de cidadania e como tal interessa a todos por se constituir em direito fundamental do cidadão e esteio para a construção da identidade cultural Destruídos os lugares da memória da cidade4 resta apenas o que o poder econômico dos setores dominantes construiu e resolveu manter como símbolo de uma memória elitista e excludente a memória do poder a memória oficial contrapondose à idéia de uma memória cidadã plural e possibilitadora da construção de uma identidade cultural para todos Contra a destruição da memória que ainda é uma realidade presente em muitos lugares desse enorme Brasil e o conseqüente sentimento de perda e desalento que nos abate diante dessa situação as palavras de Ecléa Bosi são bastante elucidativas Podem arrasar as casas mudar o curso das ruas as pedras mudam de lugar mas como destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas À resistência muda das coisas à teimosia das pedras unese a rebeldia da memória que as repõe em seu lugar antigo BOSI p 452 Considerar a preservação do patrimônio histórico como uma questão de cidadania implica reconhecer que como cidadãos temos o direito à memória mas também o dever de contribuir para a manutenção desse rico e valioso acervo cultural de nosso país Ademais por admitirmos o papel fundamental da instituição escolar no exercício e formação da cidadania de nossas crianças jovens e adolescentes é que defendemos a necessidade de que a temática do patrimônio histórico seja apropriada como objeto de estudo no processo ensinoaprendizagem EDUCAÇÃO AMBIENTAL OU EDUCAÇÃO PATRIMONIAL A DIMENSÃO HISTÓRICOCULTURAL NO CURRÍCULO ESCOLAR Esquecer o passado é negar toda efetiva experiência de vida negar o futuro é abolir a possibilidade do novo a cada instante Adauto Novaes Nos últimos anos face à nova consciência de preservação do meio ambiente em todo o planeta como condição indispensável para a garantia de sobrevivência humana e dos demais seres vivos advogase a necessidade da educação ambiental na escola PENTEADO v 38 A própria Constituição brasileira estabelece no capítulo referente ao meio ambiente que compete ao poder público a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a sua preservação art 225 inciso VI No entanto a grande maioria dos programas de educação ambiental têm sido omissos no tocante à dimensão cultural do meio ambiente no qual se inclui necessariamente a discussão relativa à preservação do patrimônio histórico A questão é como inserir essa temática no currículo escolar O escritor modernista Mário de Andrade5 em seus estudos etnográficos e antropológicos já atestava o valor do nosso patrimônio histórico como forma de se construir uma identidade nacional assentada na pluralidade de nossas raízes e matrizes étnicas Somente o conhecimento da cultura em suas múltiplas dimensões daria condições de o Brasil inserirse no concerto das nações e esse trabalho deveria iniciarse juntamente ao processo de escolarização O ensino primário é imprescindível Não basta ensinar o analfabeto a ler É preciso darlhe contemporaneamente o elemento em que possa exercer a faculdade que adquiriu Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetizaçãoANDRADE p 23 Hoje alguns historiadores e profissionais que lidam com a dimensão da memória vêm propondo no âmbito de suas instituições culturais a elaboração de programas de educação patrimonial6 Por educação patrimonial entendese a utilização de museus monumentos históricos arquivos bibliotecas os lugares e suportes da memória no processo educativo a fim de desenvolver a sensibilidade e a consciência dos educandos e futuros cidadãos da importância da preservação desses bens culturais A educação patrimonial nada mais é do que a educação voltada para questões referentes ao patrimônio cultural que compreende desde a inclusão nos currículos escolares de todos os níveis de ensino de temáticas ou conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em ge140 141 No passado a ação preservacionista recaía tãosomente sobre bens materiais de notável valor arquitetônico evocador de um fato histórico também notável que fosse realmente digno de preservação Como bem assinala a historiadora Déa Fenelon vencia outra vez a perspectiva de consagrar como obras de arte e da cultura os símbolos do poder constituído Desprovida assim de memória coletiva que lhe permitisse a consciência histórica a maioria da população continuou sem se reconhecer nestes símbolos Com isso foi expropriada também de sua memória e da sua história Isso explica em grande parte as constantes depredações e violações ao patrimônio histórico por parte da própria população Ela não se vê nos ícones símbolos e monumentos que foram preservados por uma ação estatal não se identifica com um passado remoto e com uma memória que não lhe diz respeito Em outras palavras ela não se sente coresponsável pela preservação de seus bens culturais na medida em que ela mesma não foi consultada acerca do que deve ser preservado ou não Atualmente se preserva um bem cultural não só pelo seu valor estético arquitetônico ou histórico Ele é preservado se tem significação para a comunidade em que está inserido e se essa preservação possibilita a melhoria da qualidade de vida de seus moradores e contribui para a construção de sua identidade cultural e o exercício da cidadania A preservação do patrimônio histórico deve pautarse no binômio indissociável identidade cultural e qualidade de vida MAGALDI p 23 A identidade cultural de um país estado cidade ou comunidade se faz com memória individual e coletiva Somente a partir do momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar os seus bens culturais é que se inicia o processo de construção de seu ethos cultural e de sua cidadania Nessa perspectiva o patrimônio históricocultural se reveste de grande importância para o país por lidar com o substrato da memória que por sua vez constitui elemento essencial para a construção da cidadania cultural No contexto da cidadania cultural3 se inscreve o direito à memória histórica O direito à memória como direito de cidadania indica que todos devem ter acesso aos bens materiais e imateriais que representem o seu passado a sua tradição enfim a sua história Foi o próprio exsecretário de cultura da presidência da República Sérgio Paulo Rouanet quem melhor definiu com precisão a importância do direito à memória histórica como direito de cidadania O indivíduo privado do uso desse direito é um indivíduo condenado à amnésia social e à anomia e esse direito é ignorado quando igrejas barrocas caem por causa de uma chuvarada em Ouro Preto ou quando monumentos importantes em Olinda ou na Bahia estão ameaçados de desabamento ROUANET p 83 E por que a memória é importante na construção da identidade e da cidadania cultural Ora é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam na fisionomia da cidade sua própria história de vida suas experiências sociais e lutas cotidianas A memória é pois imprescindível na medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha Sem isso a população urbana não tem condições de compreender a história de sua cidade como seu espaço urbano foi produzido pelos homens através dos tempos nem a origem do processo que a caracterizou Enfim sem a memória não se pode situar na própria cidade pois perdese o elo afetivo que propicia a relação habitantecidade impossibilitando ao morador de se reconhecer enquanto cidadão de direitos e deveres e sujeito da história Essa perda de referenciais históricos pautados na memória da cidade nos dá a estranha sensação de que somos estrangeiros em nossa própria casa Sem a memória não encontraremos mais os ícones símbolos e lembranças que nos unem à cidade e assim nos sentiremos deslocados e confusos No entanto em muitos centros urbanos de nosso país vivemos o jogo dialético entre a memória e o esquecimento E nesse jogo muitas vezes o esquecimento vem ganhando a partida Qualquer cidadão comum que vagar pelas ruas de sua cidade sobretudo os mais velhos terá com certeza uma sensação de perda poucos referenciais históricos resistiram à ação do tempo Outros foram destruídos em nome de uma concepção desenvolvimentista do progresso e do lucro fácil e imediato respaldados na especulação imobiliária na lógica do capitalismo selvagem e como diz o poeta Caetano Veloso da força da grana que ergue e destrói coisas belas que sempre desprezaram a defesa de nossa memória histórica 138 139 ral a fim de lhes propiciar informações acerca do acervo cultural de forma a habilitálos a despertar nos educandos e na sociedade o senso de preservação da memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema A necessidade da educação patrimonial ou da utilização do acervo cultural brasileiro enquanto objeto de estudo nos currículos e programas escolares reside na falta de esclarecimento popular sobre a importância da preservação de nosso patrimônio para não dizermos deseducação coletiva Esse é um dado brasileiro e daí a formulação de mais uma regra a preservação aqui entre nós depende fundamentalmente da elucidação popular um caminho já percorrido por outros países como o México que dedica atenção toda especial a essa questão de educação de massa no que diz respeito à memória LEMOS p 84 No tocante a essa questão em congresso internacional realizado no Brasil sobre essa temática foi aprovada a seguinte resolução o que bem demonstra a preocupação com o assunto Compreender o Direito à Memória como dimensão fundamental da cidadania implica reformular as relações entre a preservação e a educação formal cabe ao ensino de 1º e 2º graus integrar em seus currículos e programas escolares formas de incentivar ações concretas nesta área incorporando atividades no campo da história oral do contato com acervos arquivísticos ou museológicos e com a paisagem urbana de modo a vivenciar uma relação democrática com as diferenças do passado e do presente MAGALDI p 230 O Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB aprovado na Câmara dos Deputados previa no seu art 35 parágrafo único que A preservação do patrimônio cultural nacional e regional bem como as diferentes formas de manifestações artísticoculturais originárias do Brasil terá tratamento preferencial A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 939496 suprimii esse dispositivo mas enfatizou no seu art 26 que a parte diversificada dos currículos do ensino fundamental e médio deve observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura o que abre espaço para a construção de uma proposta de ensino de História Local voltada para a divulgação do acervo cultural dos municípios e estados Essa nova legislação educacional também tornou o ensino da arte componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica com o objetivo de promover o desenvolvimento cultural dos alunos e determinou que o ensino da História do Brasil leve em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a f or mação do povo brasileiro especialmente das matrizes indígena africana e européia art 26 parágrafos 2º e 4º Como se vê a lei aponta para a necessidade de valorização da diversidade cultural de nossa formação histórica como condição indispensável à construção de uma escola plural e cidadã Para concluir optamos por relatar uma experiência educacional iniciada nas aulas de Prática de Ensino em História da Universidade Federal do Ceará UFC e posteriormente inserida em livro didático de nossa autoria intitulado Fortaleza a criança e a cidade A experiência mostra assim a viabilidade de contemplar no processo ensinoaprendizagem de História o estudo do patrimônio cultural CONHECER PARA PRESERVAR PRESERVAR PARA CONHECER UM ENCONTRO COM A MEMÓRIA QUASE PERDIDA DE FORTALEZA construir não implica necessariamente fazer progresso não pressupõe sempre mudar mas muitas vezes apenas conscientizar e conservar Aloísio Magalhães Nos últimos anos assistimos em Fortaleza CE a um processo de intensa modificação do espaço urbano consubstanciada na construção de novas avenidas praças e viadutos sem a devida atenção às questões relativas à preservação do patrimônio histórico da cidade O discurso predominante é o do ingresso na modernidade A quinta cidade do país necessita de novas vias para o seu crescimento econômico Esquecese de que a construção da modernidade pretendida pelos discursos governistas não deve excluir a memória plural de seus habitantes Ainda hoje corremos o risco de que determinados espaços de significação históricocultural da população fortalezense por falta de 142 143 uma política preservacionista sejam destruídos ou desfigurados em nome do discurso da modernidade e do progresso Como historiadores temos o compromisso social de mostrar que o moderno não se faz pela destruição ou pela negação daquilo que é passado e que não nos serve uma concepção de modernidade que se erija sobre os despojos de perdedores silenciados e ocultos FENELON p 34 A constatação dessa triste realidade na cidade de Fortaleza levounos a desenvolver no âmbito da disciplina Prática de Ensino em História do Departamento de História da UFC um projeto de pesquisa denominado Conhecer para Preservar Preservar para Conhecer Fortaleza os lugares da memória envolvendo os estagiários da referida disciplina e escolas da rede pública estadual e municipal Os alunos foram levados a pesquisar e mapear os bens históricoculturais da cidade especialmente os imóveis destacando os seguintes aspectos em que estado físico se encontravam sua condição jurídica bem tombado ou não integra ou não área de preservação ambiental possui legislação específica de proteção etc e o atual uso social dado ao mesmo A partir disso foram elaborados roteiros destinados às escolas para que pudessem viabilizar visitas monitoradas aos bens culturais da cidade Os roteiros intitulados Fortaleza os caminhos da memória são os seguintes Centro Histórico da Cidade I Forte de Nossa Senhora de Assunção Passeio Público Palácio do Bispo Santa Casa de Misericórdia Estação Ferroviária e Cemitério São João Batista Centro Histórico da Cidade II Praça do Ferreira Excelsior Hotel Igreja do Rosário Palácio da Luz Praça dos Leões Museu do Ceará e Mercado Central Bairros Históricos da Cidade I Praia de Iracema bairro tradicional da cidade que possui ruas com nomes de comunidades indígenas existentes no território cearense à época da conquista e colonização rua dos tabajaras dos aimorés etc residências antigas Ponte dos Ingleses Ponte Metálica e Estoril Bairros Históricos da Cidade II Jacarecanga e Benfica e seus casarões residenciais que atestam a vida fortalezense nas décadas do início do século e a influência da belle époque Posteriormente sentimos a necessidade de incorporar esses roteiros à prática efetiva da sala de aula através da introdução de um capítulo específico sobre a História de Fortaleza e seus lugares da memória durante elaboração do livro já citado Fortaleza a criança e a cidade destinado às séries iniciais do ensino fundamental O objetivo desse capítulo foi mostrar às crianças o processo de evolução urbana de Fortaleza bem como a necessidade de desenvolver a consciência preservacionista de nossos bens culturais ao mesmo tempo que reforçamos em contraposição ao discurso hegemônico predominante que nossa cidade tem passado memória e história que devem ser preservados para as atuais e futuras gerações CONSIDERAÇÕES FINAIS Eric Hobsbawn no seu mais recente livro A Era dos extremos o breve século XX em que realiza uma lúcida síntese histórica deste século nos faz um alerta acerca da ameaça de destruição do passado e a perda de referenciais históricos por parte da população jovem salientando a importância social do historiador neste final de milênio A destruição do passado ou melhor dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às gerações passadas é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem Por isso os historiadores cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem tornamse mais importantes que nunca no fim do segundo milênio Em meio ao processo de globalização da economia e a mundialização do capital apesar dos arautos do neoliberalismo e da pósmodernidade que apregoam o fim da História tornase cada vez mais importante a busca por parte dos países da afirmação de sua identidade nacional Ao contrário do que se previa houve até um revigoramento e uma valorização das culturas regionais e o despertar de identidades étnicoculturais latentes que nessa nova aldeia global encontram espaço para a defesa de seu direito à diferença e ao passado Nesse processo de construção de uma nova identidade cultural que diferencia um país de outro é que a questão da preservação do patrimônio histórico ganha força e nitidez Mais um motivo portanto para que a escola e mais especificamente o ensino de História assumam o compromisso de serem instâncias de afirmação de uma identidade nacional plural assentada no reconhecimento da memória como princípio fundante para a construção de uma sociedade mais democrática por que todos almejamos NOTAS 1 Conforme SIMÕES 1994 e as seguintes matérias publicadas na imprensa nacional Canteiro de Obras graças a prefeituras a empresas e até ao cidadão comum nunca se investiu tanto na memória brasileira Revista Veja São Paulo Editora Abril 30 ago 1995 Novo Recife Velho uma faxina devolve a beleza arquitetônica ao bairro onde nasceu a capital pernambucana Revista Veja São Paulo Editora Abril 29 jan 1997 2 Este ano essa legislação está completando 60 anos e com ela instituiuse a política de preservação do Patrimônio Histórico no Brasil complementada com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN em 1937 3 Consultar CHAUI Marilena Cultura Política e Política Cultural In Revista de Estudos Avançados da USP v 09 n 23 janabr 1995 4 Segundo o historiador francês Pierre Nora Os lugares da memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea que é preciso criar arquivos que é preciso manter aniversários organizar celebrações pronunciar elogios fúnebres notariar atas por que essas operações não são naturais Os lugares da memória são antes de tudo restos 5 Mário de Andrade foi encarregado pelo ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema de elaborar um anteprojeto objetivando a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Com o Estado Novo parte considerável do mesmo foi encampado pelo DecretoLei nº 2537 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional ainda em vigor e que institui o instrumento de preservação conhecido como tombamento 6 Devemos fazer menção especial ao projeto História e Memória da Fundação para o Desenvolvimento da Educação FDE do estado de São Paulo Consultar LUCENA n 12 BIBLIOGRAFIA ANDRADE Mário de Apud SILVA Álvaro Costa Um Breve Histórico do Patrimônio In INSTITUTO BRASILEIRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IBPC Memória e Educação Rio de Janeiro IBPCDepartamento de PromoçãoPaço Imperial 1992 p 23 ARANTES Antonio Augusto org Cidadania Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN n 24 1996 BOSI Ecléa Memória e sociedade lembranças de velhos 3 ed São Paulo Cia das Letras 1994 CITRON Suzana Ensinar História hoje a memória perdida e reencontrada Lisboa Livros Horizonte 1990 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil 1988 COSTA e SILVA Álvaro Um Breve Histórico do Patrimônio In INSTITUTO BRASILEIRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IBPC Memória e Educação Rio de Janeiro IBPCDepartamento de PromoçãoPaço Imperial 1992 DECRETOLEI nº 2537 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional FENELON Déa Políticas Culturais e Patrimônio Histórico In Ciclo de debates sobre cultura e memória perspectivas da administração pública brasileira hoje Brasília ENAP 1993 FERNANDES J Ricardo Oriá O direito à memória a proteção jurídica ao patrimônio históricocultural brasileiro Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pósgraduação em direito público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará Fortaleza 1995 Educação patrimonial e cidadania uma proposta alternativa para o ensino de História In Revista Brasileira de História São Paulo v 13 n 2526 set 1992ago 1993 Um lugar na escola para a História Local In Ensino em ReVista v 4 n 1 jandez 1995 publicação anual do Departamento de Princípios e Organização da Prática Pedagógica da Universidade Federal de Uberlândia GARCIA Regina Leite Cartas Londrinas e de outros lugares sobre o lugar da educação Rio de Janeiro RelumeDumará 1995 GODOY Maria do Carmo Patrimônio Cultural conceituação e subsídios para uma política In ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA 4 Belo Horizonte 1985 Anais História e Historiografia em Minas Gerais Belo Horizonte ANPUHMG 1985 HOBSBAWN Eric Era dos Extremos o breve século XX 19141991 São Paulo Cia das Letras 1995 LE GOFF Jacques História e memória Campinas Editora da Unicamp 1990 LEI nº 939496 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Texto integral MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA Ricardo Oriá A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado mas também a incerteza se o passado é de fato passado morto e enterrado ou se persiste mesmo que talvez sob outras formas Edward Said A preocupação com a preservação da memória histórica e por extensão do patrimônio cultural é fenômeno que vem caracterizando neste final de século e milênio um número considerável de instituições sejam elas públicas ou privadas organizações nãogovernamentais segmentos sociais os mais diversos e figuras destacadas das elites políticas nacionais A cada dia tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à cria ção de centros de memória projetos de revitalização de sítios históricos urbanos instalação de núcleos de documentação e pesquisa memoriais museus programas de história oral elaboração de vídeos e documentários etc No Brasil onde a máxima de ser um país sem memória constitui Assessor legislativo da Câmara dos Deputados na área de Educação Cultura e Desporto e doutorando do Programa de Pósgradução em His tória Social e das Idéias pela UnB 128 uma idéia já cristalizada essas iniciativas devem ser louvadas e apoia das não sem uma reflexão mais crítica A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80 assisti mos à emergência dos movimentos sociais populares protagonizados pela mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc que até hoje reivindicam para si o alcance e o exercício dos direitos de cidadania e a participação política no processo decisório na cional Esses movimentos colocam na ordem do dia o interesse pelo resgate de sua memória como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e cultural Nesse sentido as palavras do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses são bastante esclarecedoras O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Falase da memória da mulher do negro do oprimido das greves do ABC memória da Constituinte e do partido memória da cidade do bairro da empresa da família Talvez apenas a memória nacional tantas vezes acuada e tantas vezes acuadora esteja retraída Multiplicamse as casas de memória centros arquivos bibliotecas museus coleções publicações especializadas até mesmo periódicos Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias específicas já contam com força política e têm reconhecimento público Se o antiquariato a moda retrô os revivals mergulham na sociedade de consumo a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie MENESES p 9 Por outro lado a temática da memória e de sua materialização através dos bens consubstanciados no patrimônio histórico é recente no âmbito da historiografia brasileira bem como na produção acadêmica oriunda dos cursos de pósgraduação em História existentes no país e praticamente ausente no processo ensinoaprendizagem em diferentes níveis escolares Isso se explica em grande parte pelo fato de que os órgãos e agências de preservação histórica foram sistematicamente ocupados por profissionais da arquitetura o que levou também ao privilégio do patrimônio edificado Até bem pouco tempo o patrimônio histórico era seara acadêmica exclusiva dos arquitetos ou quando muito de antropólogos e cientistas sociais O presente texto objetivo pois discutir questões relacionadas com a possibilidade de se trabalhar com os bens culturais do patrimônio histórico no processo ensinoaprendizagem de História a fim de estimular nos alunos o senso de preservação da memória social coletiva como condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural Consideramos que a escola e em particular o ensino de História tem um papel fundamental nesse processo É ela em última instância o locus privilegiado para o exercício e formação da cidadania que se traduz também no conhecimento e na valorização dos elementos que com põem o nosso patrimônio cultural Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos conhecimentos a escola está cumprindo seu papel social No entanto como bem assinala a educadora Regina Leite Garcia a escola deve assumir também um outro compromisso qual seja o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes ou pertencem ao patrimônio cultural da humanidade A poesia chinesa clássica as pinturas rupestres de Altamira e de Lascaux a concepção arquitetônica das malocas dos índios brasileiros as esculturas africanas contemporâneas são tão importantes quanto um concerto de Xenakis uma pintura de Picasso um poema de Drummond de Andrade um filme de Ingmar Bergman um vídeo de Bill Viola um balé de Martha Graham ou uma fotografia de Sebastião Salgado GARCIA p 46 Tratar dessa questão levanos inicialmente a trabalhar com a elucidação de alguns conceitos que julgamos de fundamental importância para só então discutirmos como viabilizar uma proposta de ensino de História centrada no estudo de nosso patrimônio cultural ROTEIRO DE APRESENTAÇÃO Slide 1 Título e Apresentação Apresentarse e introduzir o título da apresentação a importância da memória e do ensino de história Mencionar o autor do texto Ricardo Oriá Slide 2 Citação de Abertura Ler a citação de Edward Said Explicar o significado e relevância dessa citação no contexto da apresentação destacando como a invocação do passado ajuda a interpretar o presente Slide 3 Introdução Discutir a crescente preocupação com a preservação da memória histórica e do patrimônio cultural Mencionar diferentes iniciativas como centros de memória museus programas de história oral Ressaltar a importância de uma reflexão crítica sobre essas iniciativas e sua relevância A crescente preocupação com a preservação da memória histórica e do patrimônio cultural tem se manifestado através de diversas iniciativas ao redor do mundo como a criação de centros de memória museus e programas de história oral Esses esforços visam conservar e divulgar as narrativas e os legados de diferentes comunidades proporcionando um espaço para a reflexão sobre o passado e sua influência no presente A importância dessas iniciativas reside não apenas na preservação de artefatos e documentos mas também na promoção de um diálogo crítico sobre a forma como a história é contada e quem tem o direito de narrála Assim é crucial avaliar continuamente essas iniciativas para garantir que sejam inclusivas representativas e relevantes fortalecendo a conexão das novas gerações com seu patrimônio cultural e histórico Slide 4 Movimentos Sociais e Memória A partir das décadas de 1970 e 1980 emergiram diversos movimentos sociais que mobilizaram trabalhadores mulheres negros indígenas e homossexuais em uma luta por direitos e reconhecimento Esses movimentos foram marcados por uma intensa organização e ativismo refletindo a insatisfação com as estruturas sociais e políticas vigentes Utilizando a memória histórica como uma poderosa ferramenta esses grupos resgataram narrativas esquecidas ou marginalizadas afirmando suas identidades e reivindicando justiça e igualdade Ao revisitar e reinterpretar o passado esses movimentos não apenas fortaleceram suas bases de apoio mas também trouxeram à tona questões cruciais de representatividade e inclusão moldando de maneira significativa o panorama social contemporâneo Slide 5 A Voga da Memória Ler a citação de Ulpiano Bezerra de Meneses A citação de Ulpiano Bezerra de Meneses ressalta a importância da memória como um elemento central na construção da identidade e na compreensão do passado Na atualidade o tema da memória tem ganhado uma popularidade crescente refletida na proliferação de instituições e publicações dedicadas à memória e ao patrimônio cultural Museus arquivos centros de pesquisa e programas de história oral se multiplicam oferecendo espaços para a preservação e reflexão sobre diversas narrativas históricas Este fenômeno destaca a relevância da memória como um campo de estudo e ação essencial para a valorização das culturas e histórias individuais e coletivas e para a promoção de uma sociedade mais consciente e inclusiva Slide 6 Patrimônio Histórico e Historiografia A temática da memória tem sido recentemente introduzida na historiografia brasileira refletindo um interesse renovado em compreender como as sociedades lembram e reinterpretam o passado Historicamente o campo da preservação histórica no Brasil tem sido dominado por arquitetos cujas abordagens frequentemente enfatizam a conservação física dos edifícios e monumentos Embora esse enfoque seja fundamental ele pode não abarcar plenamente as dimensões sociais e culturais do patrimônio histórico Portanto é crucial integrar o estudo do patrimônio histórico ao ensino de História promovendo uma compreensão mais abrangente e crítica Esta integração permite que os historiadores contribuam com perspectivas sobre o significado e as narrativas associadas aos bens culturais enriquecendo a preservação com contextos históricos mais profundos e promovendo uma valorização mais completa e inclusiva da memória coletiva Slide 7 Objetivo do Texto O texto de Ricardo Oriá tem como objetivo destacar a importância de incorporar o trabalho com bens culturais no ensino de História Utilizar bens culturais como ferramentas pedagógicas não só enriquece o aprendizado mas também estimula o senso de preservação da memória social coletiva entre os estudantes Ao envolver os alunos com artefatos monumentos e documentos históricos eles desenvolvem uma apreciação mais profunda e pessoal pela história e pelo patrimônio cultural Esse processo educacional é crucial para a construção de uma nova cidadania promovendo uma identidade nacional plural e inclusiva Ao reconhecer e valorizar a diversidade de narrativas e experiências que compõem a história do país formamos cidadãos mais conscientes e engajados na preservação de sua herança cultural Slide 8 Papel da Escola no Ensino de História A escola desempenha um papel fundamental na formação da cidadania sendo um espaço onde os alunos não apenas adquirem conhecimento acadêmico mas também desenvolvem valores cívicos e éticos Através do ensino de História a escola pode valorizar o patrimônio cultural mostrando aos alunos a importância de preservar e respeitar as diversas heranças culturais que compõem a sociedade Incorporando o estudo de bens culturais como artefatos monumentos e documentos históricos o ensino de História se torna mais tangível e relevante permitindo que os alunos entendam melhor a sua própria identidade e a complexidade do mundo ao seu redor Além disso a escola prepara as novas gerações para a construção de novos conhecimentos incentivando o pensamento crítico a curiosidade e a capacidade de questionar e interpretar o passado Desta forma os alunos se tornam mais conscientes de seu papel na sociedade e mais preparados para contribuir para a construção de um futuro inclusivo e respeitoso com a memória coletiva Slide 9 Compromisso da Escola Ler a citação de Regina Leite Garcia A citação de Regina Leite Garcia sublinha a necessidade de a escola assumir um compromisso em ensinar sobre formas e conteúdos culturais variados Este compromisso envolve expor os alunos a uma ampla gama de patrimônios culturais desde os mais antigos até os contemporâneos para garantir uma educação completa e inclusiva A importância de ensinar sobre diferentes patrimônios culturais reside na capacidade de ampliar a compreensão dos alunos sobre a diversidade humana e as múltiplas formas de expressão e organização social Ao explorar tanto o legado das civilizações passadas quanto as manifestações culturais atuais a escola não só preserva a memória histórica mas também valoriza e legitima as culturas contemporâneas Isso fomenta uma apreciação mais profunda e crítica do mundo promovendo o respeito e a valorização das diferenças culturais essenciais para a formação de cidadãos conscientes e engajados na construção de uma sociedade plural e democrática Slide 10 Conceitos Fundamentais Antes de implementar uma proposta de ensino voltada para a valorização do patrimônio cultural é crucial elucidar conceitos fundamentais sobre o tema Compreender o que se entende por patrimônio cultural suas diferentes manifestações e sua importância para a identidade coletiva é essencial para garantir que tanto educadores quanto alunos possam abordar o assunto de maneira informada e crítica Discutir esses conceitos preliminarmente permite uma base sólida para o desenvolvimento de atividades pedagógicas eficazes Por exemplo no currículo de História esses conceitos podem ser integrados através de módulos específicos que abordem a definição e classificação do patrimônio cultural incluindo patrimônios material e imaterial Atividades práticas como visitas a museus locais projetos de pesquisa sobre monumentos históricos da comunidade e debates sobre a preservação de tradições culturais podem concretizar o aprendizado Além disso a análise de casos históricos de perda e recuperação de patrimônios culturais pode ilustrar a relevância de sua preservação Integrar esses conceitos ao currículo não só enriquece o ensino de História mas também promove uma consciência crítica e um senso de responsabilidade entre os alunos em relação à memória cultural e histórica Slide 11 Conclusão A memória histórica desempenha um papel crucial na construção da identidade nacional pois é por meio dela que uma sociedade compreende e interpreta seu passado coletivo É na memória que encontramos as narrativas os eventos e os símbolos que moldaram a história de um povo influenciando sua cultura valores e visão de mundo Portanto integrar a preservação da memória no ensino de História é essencial para garantir que as gerações futuras compreendam e valorizem sua herança cultural e histórica A escola desempenha um papel central nesse processo pois é o espaço onde os alunos têm a oportunidade de aprender sobre o passado de sua sociedade refletir sobre suas origens e identidade e desenvolver um senso de pertencimento e responsabilidade em relação à sua comunidade e país Ao promover uma educação que valoriza a memória histórica e a preservação do patrimônio cultural a escola se torna um agente fundamental na formação de uma cidadania consciente informada e comprometida com a preservação da memória coletiva Assim ela contribui não apenas para o enriquecimento intelectual dos alunos mas também para a construção de uma sociedade mais justa inclusiva e democrática Slide 13 Referências Aqui trago as referências utilizadas para a apresentação Slide 14 Finalização Abrir espaço para comentários e perguntas Agradecer a atenção dispensada na apresentação Finalizar 1 Memória e Ensino de História A Importância da Preservação da Memória Histórica Autor Ricardo Oriá Páginas 128 129 e 130 2 A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente Edward Said 3 Introdução Crescente preocupação com a preservação da memória histórica Iniciativas de criação de centros de memória museus e programas de história oral Importância da reflexão crítica sobre essas iniciativas 4 Movimentos Sociais e Memória Emergência de movimentos sociais populares desde os anos 70 Mobilização de trabalhadores mulheres negros índios homossexuais etc Resgate da memória como instrumento de luta e afirmação de identidade cultural e étnica 5 A Voga da Memória O tema da memória está em voga hoje mais do que nunca Ulpiano Bezerra de Meneses 6 Patrimônio Histórico e Historiografia A temática da memória é recente na historiografia brasileira Predominância de arquitetos nos órgãos de preservação histórica Necessidade de integrar o patrimônio histórico ao ensino de História 7 Objetivo do Texto Discutir o uso de bens culturais do patrimônio histórico no ensino de História Estimular o senso de preservação da memória social coletiva Construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural 8 Papel da Escola no Ensino de História A escola como locus privilegiado para a formação da cidadania Valorização do patrimônio cultural no processo ensino aprendizagem Preparação de gerações para a construção de novos conhecimentos 9 Compromisso da Escola o papel da escola é também ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados mas que fazem parte das nossas raízes Regina Leite Garcia 10 Conceitos Fundamentais Elucidação de conceitos fundamentais sobre patrimônio cultural Proposta de ensino de História centrada no estudo do patrimônio cultural 11 Conclusão Importância da memória histórica na construção da identidade nacional Necessidade de integrar a preservação da memória no ensino de História Escola como agente central na formação de uma cidadania consciente 12 Referências Bibliográficas GARCIA Regina Leite MOREIRA Antonio Barbosa Flávio Começando uma conversa sobre currículo In GARCIA Regina Leite MOREIRA Antonio Barbosa Flávio Org Currículo na contemporaneidade incertezas e desafios São Paulo Cortez 2003b GARCIA Regina Leite SAMPAIO Carmen Sanches TAVARES Maria Tereza Org Conversas sobre o lugar da escola Rio de Janeiro H P Comunicações 2006 GARCIA Regina Leite ZACCUR Edwiges Org Cotidiano e diferentes saberes Rio de Janeiro DPA 2006 GARCIA Regina Leite ZACCUR Edwiges GIAMBIAGI Org Cotidiano diálogos MENESES Ulpiano Bezerra de Memória e Sociedade São Paulo Contexto 2008 MOREIRA Antonio Flávio Barbosa SOARES Magda FOLLARI GARCIA Regina Leite Org Para quem pesquisamos para quem escrevemos o impasse dos intelectuais São Paulo Cortez 2001 SAID Edward Orientalismo O Oriente como invenção do Ocidente Companhia de Bolso 2007