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MACROECONOMIA 20 Conjuntura Econômica Setembro 2021 O processo orçamentário e a ges tão das finanças do governo federal apresentaram muitos avanços ao longo das últimas quatro décadas Desde a criação da Secretaria do Tesouro Nacional até a disponibili zação de dados detalhados e de qua lidade passando pela formação de equipes qualificadas no Executivo e no Legislativo o Brasil criou ferra mentas suficientes para uma gestão fiscal transparente Em dezembro de 2016 a apro vação da Emenda Constitucional 95 que criou o chamado teto de gastos impôs uma restrição orça mentária forte sustando um proces so de crescimento da despesa cujas origens remontam a meados da dé cada de 1980 Dada essa restrição instituiuse a necessidade de se fazer escolhas e definir prioridades na alo cação dos recursos para gastar mais com a rubrica A é preciso gastar menos com a rubrica B São ganhos institucionais rele vantes Um processo orçamentário em que a sociedade se veja clara mente representada respeitada e informada é um fator de fortaleci mento da democracia Não obstante em paralelo a esses avanços desde meados da década passada vêm ocorrendo retrocessos que é importante apontar Eles se in serem dentro do problema já muito conhecido da literatura sobre finan ças públicas de captura do Orça mento no qual há muito tempo registramse práticas diversas com essa finalidade Elas vão desde os pri vilégios de algumas corporações até algumas renúncias tributárias de es cassa fundamentação técnica O que será descrito neste artigo é mais um desses fatores que leva à apropriação crescente de pedaços do Orçamen to por mecanismos pouco transpa rentes eou pouco defensáveis Nesse processo ganharam espaço as prioridades eleitorais e paroquiais dos congressistas em detrimento das políticas de interesse coletivo pulve rizandose os recursos O que será descrito a seguir é uma apropriação crescente de montantes orçamen tários O mérito de cada momento desse processo é variado Inicialmen te porém sem entrar pormenoriza damente na análise de cada um cabe explicar quais foram as etapas des de o seu começo em 2015 As emendas parlamentares como novo mecanismo de captura do Orçamento Paulo Hartung Economista e exgovernador senador e deputado do ES Marcos Mendes Pesquisador associado do Insper Fabio Giambiagi Pesquisador associado do FGV IBRE CONJUNTURA MACROECONOMIA Setembro 2021 Conjuntura Econômica 21 em março de 2015 foi aprovada i a Emenda Constitucional EC 86 que fixou uma cota mínima obrigatória de emendas individu ais Desde então um valor cor respondente a 12 da receita corrente líquida RCL da União passou a ser destinado a uma cota de emendas a ser distribu ída entre os parlamentares A efetiva execução dessas despesas que antes dependia de disponibi lidade de recursos passou a ser obrigatória Ainda que a Emenda 95 do teto de gastos aprovada posteriormente tenha abrandado a indexação dessas emendas mu dando de percentual da receita para correção pelo IPCA a obri gatoriedade permaneceu em junho de 2019 a Emenda ii Constitucional 100 aumentou a dose de emendas obrigatórias ao conferir esse status às emendas de bancadas estaduais Agora mais uma parcela correspondente a 1 da RCL se tornaria obriga toriamente gasta nessas emendas A indexação proposta será man tida até 2022 ano em que o rea juste anual do valor passará a ser feito pelo IPCA em dezembro de 2019 a Emenda iii Constitucional 105 permitiu o uso de emendas individuais para transferir dinheiro diretamente para estados ou municípios sem vinculação a projeto ou ativida de alguma a LDO que ditou as regras para iv o Orçamento de 2020 agravou substancialmente a captura do Orçamento por interesses priva dosparoquiais ao ressuscitar a emenda de relator usada na época dos tristemente famosos anões do Orçamento objeto de um rumoroso escândalo no já longínquo ano de 1993 O relator voltou a ter poder para alterar parcela grande das dota ções o que é um enorme retro cesso e finalmente a LDO que fixou as regras para v o Orçamento de 2021 veio a am pliar a prática da transferência di reta Pela Emenda Constitucional 100 somente as emendas indivi duais poderiam ser alocadas para transferências diretas Agora também as de bancada poderão dar origem a tais transferências Foram criadas dotações genéricas que são distribuídas de forma pouco transparente entre os parlamentares da coalizão política dos dirigentes do Congresso Tornase então mui to difícil acompanhar quem indicou qual despesa O procedimento foi apelidado pela imprensa de orça mento secreto A tramitação do Orçamento de 2021 foi especialmente traumática pois inacreditavelmente o relator cortou dotações de despesas obri gatórias para compensatoriamente ampliar as suas emendas Dado que as despesas obrigatórias teriam de ser pagas instaurouse um impasse na negociação as emendas de relator ainda saíram com um valor elevado de R 169 bilhões É natural que no presidencialis mo o Parlamento tenha poder na elaboração orçamentária o que faz parte do processo de negociação po lítica em qualquer democracia Ideal mente porém elas deveriam atender a três requisitos 1 não compro meter a qualidade do Orçamento 2 atender a uma lógica coletiva e 3 ser objeto de escrutínio público Nenhuma das condições está sendo obedecida atualmente Em relação ao primeiro aspecto as emendas já estão tomando par te relevante do Orçamento Elas já representam 15 de toda a despe sa de livre alocação do Orçamen to discricionárias mais emendas Em relação ao segundo aspecto os gastos financiados pelas emendas passam longe do atendimento do interesse difuso Finalmente já foi apontada an teriormente a distorção completa que resulta do fato dos recursos das emendas poderem ser aplicados em transferências diretas na prática impossíveis de fiscalizar O gráfico mostra a composição dos quase R 34 bilhões das emen das previstas no Orçamento de 2021 e sua distribuição entre os três diferentes tipos de emendas indivi duais das bancadas estaduais e do relator Estas últimas representam metade desse total Isso configura um enorme poder discricionário na mão de um grupo muito reduzido Além de já termos um nível muito baixo de investimento público mais da metade das emendas é aplicada de forma pulverizada CONJUNTURA MACROECONOMIA 22 Conjuntura Econômica Setembro 2021 de parlamentares representando uma certa casta que se cristaliza com esse expediente o que não é do interesse público e nem da totalida de dos parlamentares Para que se tenha uma ideia da distorção alocativa e da importância desse valor de R 34 bilhões vale lembrar que uma política pública muito relevante o Censo Demográ fico não foi incluída no Orçamento de 2021 devido à alegação de falta de recursos quando seu custo seria de R 2 bilhões apenas 6 do valor alocado para emendas Quando analisamos o peso das emendas no total das despesas pri márias alocadas para investimentos a distorção mostrase ainda mais salien te Como se pode ver na tabela nada menos que 51 de todo o investimen to federal é decorrente de emendas Além de já termos um nível muito baixo de investimento público mais da metade das emendas é aplicada de forma pulverizada Esse expediente diminui ainda mais o já exíguo es paço para obras de infraestrutura e programas de ciência e tecnologia por exemplo que seriam importan tes para uma maior produtividade e crescimento econômico O mesmo processo que vigorou na elaboração do Orçamento de 2021 está se repetindo na LDO para o Orçamento de 2022 Para comple tar o enredo agora acrescentouse mais um item de captura de recur sos a elevação das verbas destinadas ao financiamento eleitoral previstas em R 57 bilhões Ainda que parte desses recursos venha da realocação de emendas de bancada fica mais uma vez caracterizado um sistema de prioridades que revela a prima zia dos interesses dos legisladores em relação ao interesse da sociedade Revisar essa lógica é uma exigên cia que será demandada a quem for eleito em 2022 a começar por uma PEC que derrube esses dispositivos incluindo as emendas impositivas Estas não fazem parte da tradição da estrutura do presidencialismo brasi leiro O país evitaria assim as dis torções apontadas na LDO de 2021 e de 2022 na caminhada do fortale cimento da democracia A sabedoria da mudança nesse sentido consistirá em separar o joio do trigo distinguindo entre o que são os interesses legítimos de cada parlamentar individualmente por um lado e o que é um poder abusi vo concedido a um pequeno grupo de parlamentares da cúpula legislati va e em particular à figura do rela tor do Orçamento por outro Esses são temas de uma necessá ria Agenda de Transparência já contratada para o debate público de 2023 Fonte Siga Brasil Despesas com emendas parlamentares por categoria R bilhões e participação no total R bilhões do total Não emendas A 181 49 Emendas B 189 54 Individuais 49 13 De bancada estadual 43 12 De relator 97 26 Total C A B 37 100 Total de investimentos no Orçamento Geral da União de 2021 alocados ou não por emendas parlamentares Fonte Siga Brasil R 97 29 R 73 21 R 169 50 Individuais De bancadas estaduais De relator