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Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 37 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade de conservação da natureza uma reflexão sobre a perspectiva da etnoconservação Indigenous Knowledge as a Possibility of Nature Conservation a Reflection on the Perspective of Ethno Conservation Bárbara Elisa PEREIRA Antonio Carlos DIEGUES RESUMO O quadro ambiental mundial tem sido motivo de preocupação de diversos segmentos da sociedade Diante deste cenário novas concepções vêm sendo adotadas com o intuito de alcançar uma proteção efetiva da natureza as quais geram amplas discussões em diferentes esferas políticas presentes do nível local ao global Estas questões passaram a abranger as populações tradicionais e seus respectivos conhecimentos por meio de uma nova perspectiva chamada de etnoconservação a qual procura associar a conservação da natureza com os conhecimentos tradicionais e manejo dos recursos naturais que proporcionam A etnoconservação é uma das especialidades da etnociência que desenvolve trabalhos que abrangem desde elementos da linguística até aspectos culturais e biológicos visando compreender a classificação e sig nificação dos recursos e fenômenos naturais Entretanto o fato de a etnoconservação estar densamente associada com as populações e conhecimentos tradicionais remete à necessidade de aprofundarse nestes aspectos a fim de entender os subsídios desta nova abordagem para a conservação dos recursos naturais Palavraschave população tradicional conhecimento tradicional etnoconservação ABSTRACT The global environmental situation has been a concern of several segments of society Within this scenario new conceptions have been adopted in order to reach an effective environmental protection resulting in wide discussions in different political spheres from local to global levels These issues include indigenous people and their respective knowledge discussed through a new approach called ethno conservation which aims at associating environmental conservation with indigenous knowledge and management of Pedagoga Mestranda do Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações em Áreas Úmidas Brasileiras NUPAUB Email baeuspbr Doutor em Ciências Sociais Professor do Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo e Diretor Científico do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações em Áreas Úmidas Brasileiras NUPAUB Email adieguesuspbr Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 38 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade natural resources Ethno conservation is an area of expertise from ethno science based in elements of language culture and biology in order to understand the meaning and classification of natural resources As ethno conservation is strongly related with indigenous people and their knowledge there is a need to take these aspects into consideration in order to understand the contribution of this new approach to environmental conservation Keywords indigenous people indigenous knowledge ethno conservation Introdução Como o mundo é governado das cidades onde os homens se acham desligados de qualquer forma de vida que não a humana o sentimento de pertencer a um ecossistema não é revivido Isso resulta em um tratamento implacável e imprevidente de coisas das quais em última análise de pendemos tais como a água e as árvores BERTHRAND DE JUVENEL in RIBEIRO 1987 p 11 Devido à demanda global a favor da proteção da natureza juntamente com o crescimento de correntes ambientalistas detentoras de perspectivas diferentes da preservacionista1 as populações tradicionais passaram a ser consideradas importantes como atores responsáveis pela proteção do ambiente natural no qual estão inseridas Neste sentido a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Rio 92 enfatizou a necessidade de se proteger essas populações assim como os conhecimentos dos quais são detentoras Porém a abordagem de assuntos relacionados com conhecimentos tradicionais implica em uma série de discus sões desenvolvidas em diversas esferas científicas e políti cas geradoras de embates no âmbito local e internacional visto que estes conhecimentos são alvos de diversos interes ses Tais embates envolvem desde a definição de população e conhecimento tradicional até as questões relacionadas com o direito de propriedade repercutindo na necessidade de uma reflexão sobre quem são os responsáveis pela pro dução transmissão e continuidade desses conhecimentos2 Neste cenário conflituoso adicionamse as discussões que pontuam a possibilidade do manejo dos recursos natu rais associado aos conhecimentos tradicionais proporcionar a conservação da natureza in situ Estas discussões inserem novos direcionamentos para o conservacionismo princi palmente nos países em desenvolvimento configurando um novo enfoque chamado de etnoconservação a qual pode ser considerada como uma das soluções capazes de interromper ou ao menos diminuir a intensa destruição da natureza ocasionada pelo modelo econômico capitalista de desenvolvimento adotado por diversos países A discussão acerca da etnoconservação remete ao ano de 1952 e foi iniciada por um estudo desenvolvido por Balick e Cox sobre o uso de plantas por populações indígenas a partir do qual diversas pesquisas passaram a procurar vínculos entre a conservação e o manejo dos recursos naturais por populações tradicionais Na busca pelos aspectos conceituais da etnoconservação este tra balho procurou inicialmente caracterizar as populações tradicionais para então compreender a difusão dos seus conhecimentos presentes nos estudos que envolvem a et nociência da qual a etnoconservação é originada A partir deste ponto a etnociência passa a ser o foco do trabalho por meio de um breve levantamento da evolução dos estu dos assim como de alguns aspectos metodológicos Este levantamento permite finalmente que a discussão sobre a etnoconservação seja desenvolvida por meio dos aspectos históricos e conceituais que permeiam estes estudos pos sibilitando a compreensão desta nova perspectiva para a conservação da natureza 1 É importante pontuar que a perspectiva preservacionista se difere da conservacionista Para a primeira a natureza remete à noção de wilderness vida natural selvagem havendo a dissociação entre homem e natureza de modo que a mesma deve ser protegida para que permaneça intacta pois a interferência humana é considerada sempre negativa O conservacionismo também aponta para a necessidade da proteção dos recursos naturais mas ultrapassa a perspectiva preservacio nista ao associar as populações humanas à natureza pois afirma que manejos sustentáveis possibilitam a interferência humana nos ecossistemas sem a geração de impactos drásticos DIEGUES 2008 p 25 2 Buscouse aqui o desenvolvimento de uma revisão acerca de aspectos conceituais referentes à etnoconservação Ainda que as discussões sobre o tema no contexto político gerem reflexões e críticas importantes e necessárias optouse por não incluílas neste trabalho pois se considera que diversos aspectos desta discussão provocam a elaboração de trabalhos direcionados para estas questões É possível verificar a dimensão política que permeia os assuntos relacionados às populações e conhecimentos tradicionais em alguns trabalhos recentes Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 39 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade Populações tradicionais conteúdos e processos O termo população tradicional está no cerne de diversas discussões e sua implicação ultrapassa a procura pela teorização envolvendo uma série de problemáticas relacionadas às políticas ambientais territoriais e tecnoló gicas uma vez que os diversos organismos multilaterais que trabalham em torno deste assunto apresentam dificuldades e discordâncias na tentativa de indicar uma definição aceita universalmente o que facilitaria a proteção dos conheci mentos tradicionais difundidos pela tradição oral destas populações3 No Brasil o decreto nº 6040 de 7 de fevereiro de 2007 referese ao termo populações tradicionais como povos ou comunidades tradicionais4 os quais são definidos pelo Artigo 3 como I Povos e Comunidades Tradicionais grupos cultu ralmente diferenciados e que se reconhecem como tais que possuem formas próprias de organização social que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural social religiosa ancestral e econômica utilizando conhecimentos ino vações e práticas gerados e transmitidos pela tradição BRASIL 20075 Apesar da existência da definição legal para po pulações tradicionais é preciso considerar que segundo Almeida e Cunha 1999 p 3 este termo é permeado por aspectos semânticos e está sujeito a modificações Partindo deste pressuposto procurarseá assinalar algumas de suas características a fim de possibilitar uma melhor compre ensão das questões inseridas no cenário que envolve as populações tradicionais e respectivos conhecimentos COL CHESTER 2000 p 230 MACAULY MAXWELL 2006 p 1 entre as quais são evidenciadas a transmissão oral a existência de uma ampla ligação com o território habitado os sistemas de produção voltados para a subsistência e o caráter econômico précapitalista ARRUDA 2000 p 274 CUNHA 1989 p 3 IBAMA 2008 Dentre estas a utilização dos recursos naturais ocupa um lugar de destaque uma vez que tem relação direta com a ocupação dos territórios assim como a fixação nos mes mos esteve diretamente acoplada aos ecossistemas locais devido ao desenvolvimento das atividades culturais e de subsistência dessas populações Na concepção mítica das sociedades primitivas e tradicionais existe uma simbiose entre o homem e a natureza tanto no campo das atividades do fazer das técnicas e da produção quanto no campo simbólico Essa unidade é muito mais evidente nas sociedades indígenas brasileiras por exemplo onde o tempo para pescar caçar e plantar é marcado por mitos ancestrais pelo aparecimento de constelações estelares no céu por proibições e interdições Mas ela também aparece em culturas como a caiçara do litoral sul e ribeirinhos amazonenses de forma menos clara talvez mas nem por isso menos importante DIEGUES 2008 p 63 Nesta perspectiva o manejo desses recursos está dire tamente ligado com mitos regras valores e conhecimentos que definem a maneira e período como tais recursos serão utilizados podendo ser considerados elementos culturais regulatórios pois determinam as atitudes das pessoas pe rante o meio ambiente CULTIMAR 2008 Nesse sentido LéviStrauss analisa alguns sistemas de classificação dos recursos naturais por populações indígenas e sua relação com seus conhecimentos e manifestações sociais 3 Uma das dificuldades da utilização do termo populações tradicionais se encontra na diversidade étnica mundial a qual contempla muitos povos e populações que não se autoidentificam dentro da generalização que se refere aos mesmos como indígenas ou tradicionais e nas traduções do termo em inglês indigenous people que apresenta múltiplos significados de acordo com o idioma e o contexto no qual é traduzido DIEGUES 2008 p 82 4 Utilizarseá neste trabalho população tradicional devido à sua maior abrangência em relação a outros termos mais específicos como sociedades culturas ou comunidades tradicionais Diegues 2008 p 77 aponta a importância em definir cada um destes termos para que se evite o uso equivocado dos mesmos Porém visto que essa definição depende das diversas vertentes antropológicas fazse necessário um estudo com maior aprofundamento sobre o assunto 5 Este decreto contribui muito para as discussões ao não atribuir a mesma definição para populações tradicionais e povos indígenas visto que tanto a legislação que discorre sobre estes grupos quanto as várias pesquisas científicas deixam claro que estes dois grupos apresentam diferenças No caso brasileiro Almeida e Cunha 1999 p 4 pontuam as questões territoriais como um dos principais divergentes entre estes grupos visto que os povos indígenas têm a propriedade das terras habitadas reconhecida por meio da historicidade de sua ocupação já as populações tradicionais exceto quilombolas ainda estão em processo de busca por este reconhecimento É importante ressaltar também que os povos indígenas possuem línguas específicas que diferem do idioma oficial do país enquanto alguns grupos de populações tradicionais difundem dialetos próprios mas que não são adotados como oficiais pelos mesmos Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 40 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade De fato descobrese mais a cada dia que para inter pretar corretamente os mitos e os ritos e ainda para interpretálos sob o ponto de vista estrutural que seria errado confundir com uma simples análise formal a identificação precisa das plantas e dos animais que se mencionam ou que são utilizados diretamente sob a forma de fragmentos ou de despojos é indispensável LÉVISTRAUSS 1989 p 68 Concomitantemente Marques 2001 p 162 demons tra que são a partir destes elementos que a população age com o meio natural e desenvolve seus sistemas tradicionais de manejo Existe uma relação de respeito gratidão medo e cumplicidade com a natureza o que se apresenta como causa direta da preservação ambiental das localidades nas quais as populações tradicionais habitam Cunha 1992 p 77 assinala a existência da indissociabilidade entre o ho mem e a natureza já que o meio ambiente significa o meio essencial de sua sobrevivência social fonte de sua vida e de sua identidade cultural e por conseguinte significa a possibilidade de continuarem vivendo na história O fato de o modo de produção não se enquadrar completamente aos padrões da sociedade urbanoindustrial e ser caracterizado em parte como de subsistência remete ao sistema de manejo de recursos naturais que estas populações utilizam Ainda segundo Diegues 2008 p 84 este manejo é diferenciado uma vez que fundamentalmente não visa ao lucro mas está interligado com a reprodução social e cultural adicionado de percepções acerca da natureza e seus ciclos Por meio de uma perspectiva marxista é possível associar a dependência parcial das populações tradicionais do mercado com a definição do modo de vida das mesmas como précapitalista Dentro de uma perspectiva marxista as culturas tradi cionais estão associadas a modos de produção précapi talistas próprios de sociedades em que o trabalho ainda não se tornou mercadoria onde há grande dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza em que a dependência do mercado existe mas não é total Essas culturas distinguemse daquelas próprias ao modo de produção capitalista em que não só a força de trabalho como a própria natureza se transformam em objeto de compra e venda mercadoria DIEGUES 2008 p 84 O caráter précapitalista das populações tradicionais está igualmente relacionado com as questões territoriais o que pode ser exemplificado pelo caso brasileiro da fixação destas populações as quais de acordo com Diegues 2008 p 19 são descendentes dos grupos que durante o período da colonização do território se estabeleceram em regiões isoladas de centros econômicos e de desenvolvimento Estes grupos constituíram um modelo de cultura diferenciado baseado na relação intensa com o território habitado na qual a exploração equilibrada dos recursos naturais possibilitou a sobrevivência dessas populações através da observação e experimentação de um extenso e minucioso conhecimento dos processos naturais até hoje as únicas práticas de mane jo adaptadas às florestas tropicais ARRUDA 1999 p 83 Partindo desses pressupostos Castro 2000 p 169 apresenta a relação entre os diversos elementos que com põem a cultura das populações tradicionais com o território habitado pelas mesmas Colchester 2000 p 239 corrobora com a autora ao pontuar que a forte ligação desses grupos com os seus territórios pode ser expressa pelo sistema simbólico e pelo conhecimento detalhado dos recursos naturais os quais são decorrentes da ocupação perpetuada pelas gerações anteriores Transversal às demais características intrínsecas às populações tradicionais expostas anteriormente encontra se a transmissão oral como mecanismo de difusão a qual estabelece uma relação contínua com os conteúdos disseminados Oralidade é simultaneamente conteúdo e processo Ela impõe maior atenção aos movimentos de audição percepção e memória coerência de pensamento e criatividade como desenvolvimento do enredo narrado6 REVEL 2005 p 6 tradução da autora Sendo assim é possível afirmar que a transmissão oral dos conhecimen tos dessas populações remete diretamente ao modo como se perpetuam as demais características uma vez que de acordo com Lenclude 1994 p 31 é a partir da oralidade que os conhecimentos valores linguagens representa ções visões de mundo e práticas são transmitidos entre os sujeitos permitindo a continuidade do tempo passado no tempo presente 6 Orality is simultaneously context and process It sets into motion attentive hearing perception and memory coherence of thought and creativity as the plot unfolds in the sung uttered Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 41 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade Para Becquelin 1992 p 34 a transmissão oral en volve outros processos durante seu desenvolvimento tais como a interpretação e a construção de ações constantes o que garante a transformação do conteúdo propagado Além disso Mello 2008 p 44 enfatiza as questões existentes entre a transmissão oral e o contexto no qual ocorre visto que se observa a influência deste sobre aquele o que está as sociado com a composição dos conteúdos e suas alterações as quais no entanto não interferem na sua legitimidade pois a identidade fundamental do mesmo é preservada Enquanto está sujeito à constantes variações estas histórias parecem ser sustentadas por vários padrões subjacentes de narração o que J Goody 1977 1987 tem chamado de enredos da tradição oral que adqui rem uma certa estabilidade através do tempo e assim preservam a identidade geral de uma tradição Muitos antropólogos têm descrito as performances rituais nas quais certo equilíbrio é estabelecido entre o que é sujeito a variações e alguns pontos cruciais o que seria denominado como o foco das performances ri tuais onde a improvisação desempenha um papel menos importante7 SEVERI 2002 p 23 tradução da autora Goody e Watt 2006 p 17 conectam a transformação do conteúdo transmitido com os aspectos mnemônicos de modo que esta ocorre por meio do esquecimento de alguns aspectos e adição de outros havendo a contribuição das experiências individuais para a formação da tradição oral de uma sociedade e da linguagem como a principal ferramenta utilizada nesse processo Os autores denominam este pro cesso de memória e esquecimento como organização ho meostática da tradição cultural em sociedades não letradas Para Menget e Molinié 1992 p 12 são estes os aspectos que permitem a recriação de certos pontos do conteúdo e caracterizam a historicidade própria que a tradição possui A tradição de acordo com Vansina 1985 é composta pelo produto resultante da memória e do esquecimento mas também pelo processo que produz este conteúdo e por isso antes analisar o conteúdo de uma tradição é necessário ponderar as formas pelas quais tais conteúdos foram transmitidos A expressão tradição oral é aplicada tanto ao processo quanto aos produtos Os produtos são mensagens orais baseadas em mensagens orais prévias pelo menos uma geração mais velha O processo é a transmissão dessas mensagens por boca a boca até o desaparecimento da mensagem8 VANSINA 1985 p 3 tradução da autora Lenclud 1994 p 28 por outro lado apresenta algumas reflexões na tentativa de encontrar uma definição para tradição nas quais o autor aborda diversas maneiras da utilização desta palavra Estas reflexões porém conduzem ao fato de que a definição de tradição ainda é uma discussão não finalizada nas diversas áreas do conhecimento o que conduz aos múltiplos conflitos existentes ao redor deste assunto e coloca limitações nas tentativas de definir o co nhecimento gerado pela tradição destas populações Porém apesar das limitações existentes fazse necessário articular tais conhecimentos com as características das populações tradicionais descritas acima uma vez que ambos coexistem e são dependentes entre si Conhecimentos tradicionais e a etnociência A associação das características das populações tra dicionais principalmente no que se refere à utilização dos recursos naturais e ao processo oral de transmissão são partes constituintes do conhecimento destas populações que segundo Arruda e Diegues 2001 p 31 é composto pelo conjunto de saberes e saberfazer a respeito do mundo natural e sobrenatural transmitido oralmente de geração em geração Schmidt 2001 p 73 acrescenta que a construção dos conhecimentos tem vasta relação com o ambiente físico e social habitado por estas populações e Allut 2001 p 113 exemplifica esta relação ao expor alguns elementos prove nientes dos conhecimentos que pescadores detêm sobre o meio marítimo com o intuito de demonstrar que o conheci 7 While being subjected to constant variations these stories appear to be sustained by a number of underlying patterns of narration what J Goody 1977 1987 has called the plots of oral tradition that acquire a certain stability through time and thus preserve the general identity of a tradition Many anthropologists have describes ritual performances where a certain equilibrium is established between what is subjected to variation and a certain number of crucial points that we could call the foci of ritual performances where improvisation plays a much less important role 8 The expression oral tradition applies both to a process and to its products The products are oral messages based on previous oral messages at least a generation old The process is the transmission of synch messages by word of mouth over time until disappearance of the message Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 42 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade mento tradicional depende da junção entre os saberes dos antigos com o cotidiano dos mesmos exigindo uma série de percepções e práticas necessárias para o sucesso da pesca e mesmo para a sobrevivência do pescador Desse modo o conhecimento além de estar ligado a um savoirfaire como um ter jeito relacionase com uma rede conceitual de conhecimentos espaciais e ambientais tão ou mais essenciais que na cultura manual e técnica Tudo isso surge de um processo que pressupõe um su jeito cognitivo em constante interação entre o trabalho mental e manual e entre este e seu entorno ALLUT 2001 p 113 Para Cunha 1999 p 156 a interdependência entre os saberes dos antigos e o cotidiano das populações conduz à compreensão dos conhecimentos tradicionais como produtos históricos constituídos pela continuida de e transformação dos seus conteúdos A inserção destes elementos na composição dos conhecimentos tradicionais coloca a transmissão oral como um dos pontos imprescindí veis para o processo de produção dos mesmos e demonstra a intensa conexão que existe entre as características das populações tradicionais e seus respectivos conhecimentos com o mecanismo de difusão utilizado Este aspecto per mite considerar que os conhecimentos tradicionais não se limitam ao conteúdo bem como o processo de transmissão não pode ser entendido como um transporte de informa ções pois ambos são dependentes do contexto no qual se propagam BECQUELIN 1992 p 34 ELLEN 1997 sp MELLO 2008 p 44 TOLEDO 2001 p 458 Neste sentido Cunha 1999 p 156 adiciona aos conhecimentos tradicionais uma combinação de pressupostos formas de aprendizado de pesquisas e de experimentação De acordo com LéviStrauss 1989 estes conheci mentos compõem a Ciência do Concreto a qual se dis tingue da ciência ocidental moderna ainda que se encontre no mesmo padrão conceitual e metodológico Enquanto esta última possui um objeto para investigação definido que tem como finalidade a satisfação das necessidades humanas a ciência do concreto busca o conhecer pelo conhecer e tal como a ciência ocidental fundamentase em constatações empíricas Como na linguagem profissional a proliferação concep tual corresponde a uma atenção mais firme em relação às propriedades do real a um interesse mais desperto para as distinções que aí podem ser introduzidas Este apetite de conhecimento objetivo constitui um dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que nós chamamos de primitivos Se é raramente dirigido para realidades do mesmo nível que aquelas às quais se liga a ciência moderna implica diligências intelectuais e métodos de observação semelhantes Nos dois casos o universo é objeto de pensamento ao menos tanto quanto meio de satisfazer necessidades LÉVI STRAUSS 1989 p 21 Por outro lado admitese que uma das diferenças pri mordiais entre o conhecimento produzido pelas sociedades orais e pelas sociedades letradas se refere principalmente ao modo de transmissão empregado uma vez que enquanto a primeira baseiase na oralidade a segunda utiliza a es crita como ferramenta para a transmissão e continuidade dos conhecimentos LENCLUDE 1994 p 39 Inseridos nesta reflexão fazse necessário que os conhecimentos tradicionais sejam interpretados a partir do contexto no qual foram produzidos para que não sejam padronizados e frag mentados como aqueles originados pela ciência moderna ELLEN 1997 sp TOLEDO 2000 p 2 Ainda abordando as questões relacionadas ao caráter científico dos conhecimentos tradicionais LéviStrauss apresentou as taxonomias de folk como a descrição de di versos sistemas de significação e classificação de recursos naturais desenvolvidos por comunidades indígenas O autor enfoca a lógica incutida nestes sistemas visto que os conhecimentos acerca do meio natural não têm a utilidade singular de identificação mas contemplam inúmeros signi ficados entrelaçados com aspectos culturais 1989 p 76 Arruda e Diegues 2001 p 36 indicam LéviStrauss como um dos precursores da etnociência devido ao seu estudo analítico dos sistemas indígenas de classificação de recursos naturais o qual proporcionou a percepção acerca da lógica e complexidade existentes nestes sistemas clas sificatórios de modo que direcionou a algumas reflexões que possibilitaram estudos mais aprofundados sobre estes conhecimentos9 9 Apesar de a sua visibilidade ter sido ampliada a partir de LéviStrauss o início dos estudos dos conhecimentos tradicionais como pressupostos da ciência moderna ocorreu por volta do ano de 1954 com a tese de Harold Conklin intitulada The Relations of Hanunoo Culture to the Plant World que procurou analisar o conhe cimento tradicional desta população indígena das Filipinas por meio da semântica NAKASHIMA ROUÉ 2002 p 3 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 43 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade De acordo com Moran 1990 p 70 e Schmidt 2001 p 75 estes estudos promoveram um novo padrão de aná lise científica baseado no levantamento do conhecimento humano sobre o ambiente natural chamado de etnociência10 para a qual segundo Roué fundamental é explicar com uma visão externa as categorias semânticas os conhecimentos e a visão do mundo indígena no âmbito de uma dada sociedade e por conseguinte de uma certa organização social a única que permite compreender com uma visão interna como natureza e cultura se articulam ROUÉ 2000 p 70 A etnociência exige a articulação entre o natural e o social utilizando como metodologia a investigação das no menclaturas designadas pelas populações tradicionais para os elementos e fenômenos naturais assim como os valores culturais que transportam Posey 1987 p 15 indica que a partir desta percepção se desenvolve a hierarquização destes elementos e fenômenos na tentativa da organização de um sistema taxonômico contemplado por categorias cognitivas relacionadas à percepção da natureza por meio da cosmo logia influência mítica sobre a visão da natureza recursos e fenômenos naturais dos conhecimentos dinâmicas relações e utilidades dos recursos naturais transmitidos por meio da tradição e das práticas a práxis entre o conhe cimento e sua utilização como garantia da sobrevivência O autor enfatiza que a etnociência envolve um volumoso intercâmbio entre culturas distintas e que a análise dos dados coletados carece de uma perspicácia capaz de envolver as limitações que os conhecimentos tradicionais carregam A interação das populações tradicionais com o exten so ambiente natural pelo qual se reproduzem culturalmente reflete na necessidade de estudos que priorizem determi nadas especialidades o que consequentemente ramifica a etnociência de acordo com o objeto de pesquisa originando diversos campos como a etnobotânica etnofarmacologia etnoecologia entre outras11 Os estudos que a etnociência desenvolve proporcio nam o levantamento de conhecimentos sobre a natureza acumulados no decorrer de longas gerações e raramente registrados por meios escritos mas que mesmo assim mui tas vezes ultrapassam os conhecimentos alcançados pelas sofisticadas metodologias da ciência ocidental Diante do panorama ambiental decorrente das ações da sociedade humana que segue o modelo econômico capitalista e da ausência de alternativas eficazes para a proteção da natu reza a valorização dos conhecimentos tradicionais surge como uma alternativa capaz de auxiliar na conservação de áreas naturais remanescentes Porém para que isto aconteça fazse necessário que estes conhecimentos sejam compreendidos e analisados como uma probabilidade para a conservação da natureza o que determina uma nova especificidade para a área da etnociência designada por etnoconservação difundida recentemente e por isso ainda em processo de definição e consolidação de alguns dos seus aspectos Conhecimentos tradicionais e conservação da natureza etnoconservação Ao articular as características das populações tra dicionais e a produção dos seus conhecimentos tornam se perceptíveis a relação de dependência entre ambos e a dependência dos mesmos com os recursos naturais A partir de 1990 as questões ambientais contemporâneas influenciaram o desenvolvimento da análise dessa relação por meio de uma perspectiva mais abrangente gerando a possibilidade da associação entre a conservação de alguns recursos naturais com os conhecimentos e práticas dessas populações BERKES 1999 p 17 A constatação dessa possibilidade surge de uma análise do sistema econômico capitalista difundido na maioria dos países do mundo e que além de gerar diversas desigualdades sociais resulta em fatores como a pobreza para grande parte da população e passou a ser considerado como um dos responsáveis pela crise ecológica sem pre cedentes que vem sendo fortalecida desde o final do século XIX MARTÍNEZALIER 2007 p 9 A crise ecológica está relacionada com a escassez e a finidade de grande parte dos recursos naturais e consequente ameaça à sobrevivência da espécie humana que apesar de aparente evidência e 10 Roué 2000 p 71 discorre sobre a diferença entre a etnociência e a etnologia Em etnobiologia ou etnociências eles reconhecem efetivamente etnos o povo e biologia ou ciências Mas os pesquisadores fazem mais ou menos biologia ou ciências em meio a um povo Já os etnólogos interessamse pelo que LéviStrauss denominou de o pensamento selvagem ou a ciência do concreto isto é para exemplificar a ciência de um povo 11 A Suma Etnológica Brasileira 1987 dividida em sete volumes traz alguns trabalhos desenvolvidos pela etnociência de diferentes especialidades e autores Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 44 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade diversas confirmações científicas tem sua existência negada por parte de muitas autoridades A natureza se converteu em um problema ético tão degradada está por ações humanas que nossa relação com ela transformouse em questão decisiva que afeta as condições de vida social e a possibilidade de sobrevivência futura da espécie e clama por uma nova ética de responsabilidade informada por um saber que ilumine as consequências deliberadas da ação humana DUPAS 2008 p 23 MartínezAlier 2007 p 41 afirma que a expansão econômica e a conservação do meio ambiente se enfrentam constantemente e propõe que analisar a crise ambiental a partir da perspectiva econômica conduz à tentativa de compreender a relação entre a sociedade capitalista e os recursos naturais Leff 2001 corrobora com Martínez Alier ao considerar que A problemática ecológica questiona os custos socio ambientais derivados de uma racionalidade produtiva fundada no cálculo econômico na eficácia dos sistemas de controle e previsão na uniformização dos comporta mentos sociais e na eficiência de seus meios tecnológicos LEFF 2001 p 133 Neste sentido Dupas 2008 p 45 coloca algumas ponderações acerca do modelo econômico vigente e seus impactos sobre a natureza juntamente com as amplas consequências destes sobre os seres humanos De acordo com o autor o conceito de progresso sustentado pela lógica de produção e tecnologia está intimamente ligado com esses impactos e suas consequências sendo que visa ao lucro privado e não prioriza os interesses e necessidades da população em geral e nem a correta manutenção dos recursos naturais Como o meio ambiente não pode mais sustentar este modelo predatório fazse necessária a busca por soluções mais concretas capazes de direcionar o sistema para práticas sustentáveis A crise ambiental gerou novas orientações para o pro cesso de desenvolvimento e novas demandas para os movimentos sociais ecologismoambientalismo Seus objetivos mostram a necessidade de incorporar uma dimensão ambiental no campo do planejamento eco nômico científico tecnológico e educativo induzindo novos valores no comportamento dos agentes sociais LEFF 2001 p 100 Inseridas nesta procura por soluções que conciliem a sociedade humana e os recursos naturais estão as verten tes dos movimentos ambientalistas que se diferem pelas perspectivas particulares sobre as relações existentes entre os seres humanos e a natureza sendo designadas como ecologia profunda ecoeficiência e ecologia social DUPAS 2008 p 24 Na ecologia profunda estão aqueles que defendem a natureza intocada e a sacralidade da mesma na tentativa de preservar o que resta de ambientes naturais livres da interferência humana preocupados com o crescimento de mográfico e desfavoráveis ao crescimento econômico fun damentados cientificamente pela biologia conservacionista DIEGUES 2008 p 32 MARTÍNEZALIER 2007 p 23 A outra corrente ambientalista a ecoeficiência tam bém denominada por MartínezAlier como evangelho da ecoeficiência caracterizase por tentar estabelecer uma relação compatível entre os recursos naturais e o sistema econômico capitalista enfatizando o manejo sustentável desses recursos através de teorias desenvolvidas pela eco logia industrial e pela economia ecológica Inseridos nesta vertente os economistas ecológicos vêm se firmando desde a década de 1980 buscando associar o sistema econômico predominante com o meio ambiente ou seja a relação entre produção de bens de consumo e a demanda de recursos naturais para tal por meio de análises e soluções capazes de beneficiar os dois lados ainda que isso não aconteça na mesma proporção DUPAS 2008 p 56 uma vez que a proteção do meio ambiente ainda é considerada como um custo a ser agregado no processo produtivo E por último difundida mais recentemente a ecologia social ou ecologismo dos pobres está diretamente conectada com o conceito de justiça ambiental e as relações existentes entre as populações dos países em desenvolvi mento com o manejo e a preservação dos recursos naturais Esta corrente ambientalista foi originada em consequência dos conflitos ambientais em níveis local regional nacio nal e global gerados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social MARTÍNEZALIER 2007 p 38 Apesar de essas correntes apresentarem pontos di vergentes em suas concepções de natureza e mecanismos para a proteção da mesma é possível afirmar que existe certa concordância em relação ao objetivo principal de Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 45 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade suas ações ou seja todas pretendem proteger a natureza de ações humanas destrutivas No entanto Arruda 1999 p 85 afirma que os mecanismos de proteção da natureza que as duas primeiras correntes difundiram não se mostraram eficientes no cumprimento dos seus objetivos de modo que a ecologia social trouxe novas reflexões na tentativa de preencher as lacunas que estabeleceram uma dicotomia entre homem e natureza Influenciada por alguns dos pressupostos da ecologia social e posicionandose contrária à ecologia profunda a etnoconservação da natureza direciona seu foco para as questões relacionadas às áreas naturais protegidas e às populações tradicionais de modo que possibilita a inserção de uma nova perspectiva sensível à percepção de que o manejo sustentado dos recursos naturais desenvolvidos por essas populações contribui para a conservação dos mesmos ARRUDA DIEGUES 2001 p 30 DIEGUES 2000 p 40 Acrescentase também a intensa ligação que a etnocon servação apresenta com os conhecimentos da etnobiologia e etnobotânica pois a relação sustentável que as populações tradicionais mantêm com o meio no qual estão inseridas depende do amplo conhecimento que possuem acerca dos diversos elementos naturais com os quais constantemente interagem ELLEN 1997 sp12 Entretanto como os estudos da pesquisa científica moderna se baseiam em análises fragmentadas a etnocon servação encontra diversas barreiras para sua difusão no meio acadêmico e nos vários segmentos que este influencia Romper com os padrões clássicos dessa ciência reducio nista não é tarefa fácil pois nossas próprias instituições de pesquisa e ensino são em geral unidisciplinares discriminadoras dos saberes tradicionais marcadas por correias de transmissão que nos ligam aos grandes centros dentro e fora do país onde são gerados modelos científicos reducionistas que transformados em práticas ou ideologias levam a uma conservação hegemônica autoritária e pouco eficaz DIEGUES 2008 p 184 A busca por esta ruptura foi iniciada pela etnociência e no caso específico da etnoconservação proporcionada por percepções geradas a partir da etnobotânica em um estudo de Balick e Cox Plants People and Culture desen volvido em 1952 sobre os usos de plantas por populações indígenas e tradicionais Uma nova e muito importante ramificação da etnobotânica pode ser denominada como etnoconservação biológica a incorporação do modelo de conservação indígena no manejo de áreas naturais13 BALICK COX 1996 p 199 tradução da autora Estas constatações permitiram a constituição da etnoconservação a partir da associação da conservação da natureza in situ com os conhecimentos tradicionais e o manejo dos recursos naturais que estes proporcionam posicionandose como uma alternativa para a conservação de áreas naturais baseada entre outros pontos na importância das comunidades tradicionais indígenas e não indígenas na conservação das matas e outros ecossistemas presentes nos territórios em que habitam A valorização do co nhecimento e das práticas de manejo dessas populações deveria constituir uma das pilastras de um novo conser vacionismo nos países do Sul Para tanto deve ser criada uma nova aliança entre os cientistas e os construtores e portadores do conhecimento local partindo de que os dois conhecimentos o científico e o local são igual mente importantes DIEGUES 2000 p 42 Berkes e Folke 1998 p 3 afirmam que ao levantar informações dos aspectos culturais e biológicos compo nentes do entorno das populações tradicionais os estudos desenvolvidos pela etnoconservação procuram analisar como determinado grupo social utiliza o conhecimento tradicional dos recursos naturais locais para o desenvolvi mento das práticas de manejo sobre os mesmos e quais os mecanismos sociais presentes em todo o processo É importante ressaltar que a existência do manejo sustentável dos recursos naturais proporcionada por meio dos conhecimentos tradicionais destas populações não está vinculada a uma visão romântica da realidade TOLEDO 2001 p 461 A idealização de que a relação das populações tradicionais com a natureza é harmoniosa e equitativa está vinculada ao mito do bom selvagem DIEGUES 2008 12 A etnoconservação assim como outras ramificações da etnociência foi difundida principalmente por antropólogos e biólogos que procuraram articular os conhecimentos gerados por estas duas áreas da ciência a fim de compreender as relações existentes entre homem e natureza com maior consistência teórica Entre estes pesquisadores podemse citar entre outros Willian Balée antropólogo Michael Balick biólogo Darrel Posey antropólogo e biólogo Antonio Carlos Diegues antropólogo 13 A new and very important branch of ethnobotany might be termed ethno conservation biology the incorporation of indigenous conservation models into wildlands management Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 46 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade p 99 HOROWITZ 1998 p 372 também denominado por Almeida e Cunha 1999 p 1 como mito do ecologi camente bom selvagem Contudo apesar da relação entre população tradi cional e natureza não se radicar nesta visão romântica do bom selvagem ela também não pode ser colocada no outro extremo como um agente determinante na destruição de áreas naturais pois a contextualização entre população tradicional e natureza remete à necessidade de uma reflexão acerca da coexistência de ambas e os efeitos gerados o que recentemente tem se transformado em objeto de estudos de várias pesquisas Toledo 2001 expõe alguns dados que procuram articular a presença de populações tradicionais em áreas naturais protegidas acrescendo informações sobre a existência de espécies endêmicas nas regiões apontadas e o elevado nível da diversidade biológica14 Por meio desses dados o autor consegue indicar a coexistência desses elementos como benéfica para a natureza visto que o manejo dos recursos naturais desenvolvidos pelas populações tradicionais e proporcionado pela acumulação dos conhecimentos transmitidos ao longo do tempo entre as gerações contribui para o fortalecimento e aumento da biodiversidade Colchester 1995 p 27 também afirma que existem poderosas razões para acreditar que muitos sistemas indígenas de emprego dos recursos são relativa mente benignos15 Devese considerar ainda que embora tais práticas proporcionem a conservação dos recursos naturais o con servacionismo fortemente difundido na sociedade urbana não está presente nas concepções intrínsecas às populações tradicionais GADGIL et al 1993 p 154 sendo que uma interpretação generalizada das relações entre populações tradicionais e natureza pode ocasionar percepções equivo cadas acerca da maneira como tal relação procede e insere a ideologia conservacionista na percepção êmica16 das populações Podese ter práticas culturais conservacionistas sem uma ideologia conservacionista Neste caso temos populações que sem ter uma ideologia explicitamente conservacionista e que não obstante seguem regras culturais para o uso dos seus recursos naturais de maneira sustentável ALMEIDA CUNHA 1999 p 1 O que existe porém é a noção de que homem e natureza não são independentes visto que o vínculo entre eles constitui uma relação simbiótica na qual ambos de sempenham funções para a manutenção do meio sendo as ações humanas desenvolvidas neste contexto permeadas por diversos valores e regras próprios da cultura pela qual são difundidos DIEGUES 2008 p 63 ELLEN 1997 sp Inseridos nesta perspectiva os estudos da etnocon servação se direcionam para a classificação dos elementos naturais segundo os mitos valores e visões de mundo das populações tradicionais Ao cogitar este sistema de classi ficação por meio da abordagem cognoscitiva procurase a compreensão do modo como estes elementos culturais influenciam ou até mesmo determinam o manejo dos re cursos naturais ao mesmo tempo em que proporcionam a conservação dos mesmos O livro Global Biodiversity Assessment reconhece que onde populações indígenas mantêm dependência com o meio ambiente local para a provisão dos recursos por longos períodos eles têm frequentemente desenvol vido um interesse na conservação da biodiversidade HEYWOOD 1995 p 1017 Baseandose em Gadgil et al 1993 o volume inclui exemplos de práticas tra dicionais que conservam a biodiversidade manutenção de áreas sagradas e outros refúgios ecológicos proteção de determinadas espécies através de tabus e outros me canismos protegendo estágios críticos de vida e usando a sabedoria local para conduzir o emprego do meio ambiente17 BERKES 1999 p 32 tradução da autora 14 De acordo com o Artigo 2º da Convenção sobre a Diversidade Biológica diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens compreendendo dentre outros os ecossistemas terrestres marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies entre espécies e de ecossistema MMA 2000 p 9 15 Existen poderosas razones para creer que muchos sistemas indígenas de empleo de los recursos son relativamente benignos 16 Segundo Ribeiro 1987 p 11 êmico referese às percepções e expressões próprias das populações tradicionais perante seus conhecimentos O pesquisador ao observar essas percepções e expressões desenvolve uma análise ética das mesmas a partir de suas próprias percepções 17 The book Global Biodiversity Assessment recognizes that where indigenous people have depended on local environments for the provision of resources over long periods of time they have often developed a stake in conserving biodiversity HEYWOOD 1995 p 1017 Borrowing from Gadgil et al 1993 the volume includes examples of traditional practices that conserve biodiversity maintaining sacred areas and other ecological refuge protecting selected species through taboos and others social mechanisms protecting critical life history stages and using the guidance of local experts as environmental stewards Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 47 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade A função normativa que determinados elementos culturais apresentam no manejo dos recursos naturais tem relação com o sucesso da adaptação das populações tradicio nais em seus territórios pois se percebe que a constituição física e biológica dessas áreas é determinada pelo modo de vida propagado Toledo 2001 p 455 afirma que devido à sua inserção em áreas naturais as populações tradicionais procuram adaptar o meio às suas necessidades ao mesmo tempo em que se adaptam às condições oferecidas O sucesso da adaptação humana em meio ambiente florestal depende das suas habilidades para manter as relações terrapopulação a um nível que permitirá ex trações sustentáveis que depende da sua capacidade de organizar e aplicar o conhecimento sobre a estrutura e composição da floresta18 ELLEN 1997 sp tradução da autora As ações que modificam o ambiente natural habitado procuram favorecer a disseminação de algumas espécies da fauna em detrimento de outras de acordo com a utilidade que apresentam na dieta alimentar por exemplo Ou ainda podese citar o sistema itinerante de agricultura que utiliza a queima e a diversidade de cultivos originando mosaicos florestais os quais podem ser considerados colaboradores ativos para o aumento do nível da diversidade biológica local Cabe ressaltar que ações como estas são permeadas pelos conhecimentos tradicionais acumulados sobre o meio que permitem que a resiliência19 necessária para a continui dade do equilíbrio local não seja interrompida Sob múltiplas estratégias de uso produtores indígenas manipulam as paisagens naturais de maneira que duas características principais são mantidas e favorecidas habitat e heterogeneidade variação biológica e genética Este mosaico representa o campo no qual os produ tores indígenas bem como suas múltiplas estratégias de uso atuam no jogo da subsistência através da manipula ção de componentes e processos ecológicos incluindo sucessão florestal ciclos de vida e movimento de ma teriais20 TOLEDO 2001 p 460 tradução da autora Diante da constatação do intenso manejo que as populações tradicionais desempenham nos lugares em que estão presentes recusase a possibilidade da existência de áreas naturais intactas pois se percebe que tais áreas são produtos de ações desenvolvidas por estas populações durante longos períodos COLCHESTER 1995 p 13 o que remete a estudos que seguem a mesma linha daquele desenvolvido por Toledo 2001 já citado anteriormente neste trabalho Simultaneamente colocase a ideia de que o manejo dos recursos naturais típico do modo de vida das popu lações tradicionais é permeado pela necessidade do uso racional desses recursos ALMEIDA CUNHA 1999 p 1 mas transcende a existência desta noção pelo simples existir pois alcança a práxis sendo uma das poucas práticas humanas atuais que consegue se caracterizar como sustentá vel21 É possível considerar ainda que a necessidade do uso racional dos recursos naturais configurase também como um requisito para a perpetuação das populações tradicionais nos ambientes nos quais estão inseridas ao mesmo tempo em que a diversidade biológica das áreas nas quais estas populações estão presentes depende da continuidade do manejo tradicional dos recursos Considerações finais A etnoconservação da natureza mais que uma área do conhecimento cientifico é uma possibilidade em potencial para a proteção dos recursos naturais principalmente para os países em desenvolvimento Enquanto ciência os estudos no campo da etnocon servação são capazes de levantar dados importantes que além de propiciar conhecimentos científicos relevantes 18 The successful adaptation of humans to rainforest environments depends on their ability to maintain populationland ratios at a level which will permit sustainable extraction which in turn depends on their capacity to organize and apply knowledge of rainforest structure and composition 19 Berkes e Folke definem resiliência como capacity or the ability of a system to absorb perturbations the magnitude of disturbance that can be absorbed before a system changes its structure by changing the variables and processes that control behavior 1998 p 6 20 Under the multiuse strategy indigenous producers manipulate the natural landscape in such a way that two main characteristics are maintained and favored habitat patchiness and heterogeneity and biological as well as generic variation This mosaic represents the field upon which indigenous producers as multiuse strategists play the game of subsistence through the manipulation of ecological components and processes including forest succession life cycles and movement of materials 21 Neste trabalho sustentável referese ao conceito de sustentabilidade utilizado por Sachs 2005 p 286 o qual está baseado em Costanza e Patten 1995 the basic idea of sustainability is quite straightforward a sustainable system is one which survives or persists Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 48 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade auxiliam na proteção de áreas naturais Os conhecimentos difundidos pelas populações tradicionais se referem ao meio no qual foram produzidos no geral ecossistemas tropicais com elevado grau de biodiversidade Apesar das muitas pesquisas realizadas estes ecossistemas ainda pos suem muitos detalhes desconhecidos pela ciência ocidental moderna mas que são contemplados pelo cotidiano das populações humanas que sobrevivem por meio da interação que desenvolveram com estes locais Neste sentido estes conhecimentos trazem importantes contribuições para a compreensão do funcionamento destes sistemas comple xos e por conseguinte para melhorias na administração e proteção dessas áreas É importante ressaltar as populações tradicionais como importantes agentes para a proteção de áreas naturais e a necessidade que existe em protegêlos visto que apresentam um dos modos de vida humana capaz de coexistir dentro de certo equilíbrio com a natureza A articulação entre meio natural e social propor cionada pela etnociência com enfoque na relação entre conhecimentos tradicionais e conservação dos recursos naturais por meio de subsídios da etnoconservação con duz a uma reflexão sobre a ideia de natureza como uma construção cultural de algumas sociedades humanas que ao desenvolverem esta noção como algo externo longínquo digno de observação e contemplação não consideram que também são uma das partes desta natureza e que apresen tam intensa dependência de todo o ciclo que é perpetuado constantemente Referências ALLUT A G O conhecimento dos especialistas e seu papel no desenho de novas políticas pesqueiras In DIEGUES A C Org Etnoconservação novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos 2 ed São Paulo Hucitec e NUPAUB p 101123 2001 ALMEIDA M CUNHA M C Populações tradicionais e conservação In Programa Nacional da Diversidade Bioló gica Seminário de Consulta Avaliação e identificação de ações prioritárias para a conservação utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade da Amazônia Brasileira Macapá 1999 ARRUDA R S V Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais Ambiente Sociedade v 2 n 5 p 7993 1999 Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais em Unidades de Conservação In DIEGUES A C Org Etnoconservação novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos 2 ed São Paulo Hucitec e NUPAUB p 273290 2000 DIEGUES A C Saberes tradicionais e biodiver sidade no Brasil BrasíliaSão Paulo Ministério do Meio AmbienteUSP 2001 BALICK M COX P Plants People and Culture the Science of Ethno botany New York Scientific American Library 1996 BECQUELIN A Temps du récit temps de loubli In La mémoire de la tradition Paris Société dEthnologie p 21 50 1992 BERKES F Sacred Ecology Traditional Ecological Knowl edge and Resource Management Taylor Francis 1999 FOLKE C Linking Social and ecological systems management practices and social mechanisms Cambridge University Press 1998 BRASIL Decreto N 6040 de 7 de Fevereiro de 2007 Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável 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São Paulo 1989 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 22 p 3750 juldez 2010 Editora UFPR 49 PEREIRA B E DIEGUES A C Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade Reserva extrativista para regiões de mangue uma proposta preliminar para o estuário de Mamanguape Paraíba São Paulo Programa de Pesquisa e Conservação de Áreas Úmidas no Brasil PróReitoriaUSP 1992 CUNHA M C Populações tradicionais e a Convenção da Diversidade Biológica Revista de Estudos Avançados n 13 p 147163 1999 DIEGUES A C A etnoconservação da natureza In Org Etnoconservação novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos 2 ed São Paulo Hucitec e NUPAUB p 146 2000 O mito moderno da natureza intocada São Paulo NUPAUB Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras USPHucitec 2008 DUPAS G Meio ambiente e crescimento econômico tensões estruturais São Paulo Editora UNESP 2008 ELLEN R Indigenous Knowledge of Rainforest Perception Extraction and Conservation University of Kent at Canterbury 1997 sp GADGIL M BERKES F FOLKE C Indigenous Knowl edge for Biodiversity Conservation AMBIO v 22 n 23 p 151156 1993 GOODY J WATT I As consequências do letramento São Paulo Ed Paulistana 2006 HOROWITZ L S Integrating Indigenous Resource Manage ment with Wildlife Conservation A Case Study of Batang Ai National Park Sarawak Malaysia Human Ecology v 26 n 3 p 371403 1998 IBAMA Populações Tradicionais Disponível em http wwwibamagovbr resexpophtm Acesso em 07 Abr 2008 LEFF E Saber ambiental sustentabilidade racionalidade complexidade poder Petrópolis Vozes 2001 LENCLUD G Quest ce que la tradition In DETIENNE M Transcrire les mythologies Paris AlbinMiche p 2543 1994 LÉVISTRAUSS C O pensamento selvagem Campinas Papirus 1989 MACAULAY C MAXWELL D Oral culture A useful concept relevant to information seeking in context In THE INTERNATIONAL CONFERENCE ON MULTIDISCIPLI NARY INFORMATION SCIENCES AND TECHNOLOGIES InSciT2006 Proceedings Spain p 15 2006 MARQUES J G Pescando pescadores ciência 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subsídios ao manejo de recursos florestais Dissertação Mestrado Universidade de São Carlos São Carlos 2001 TOLEDO V M Indigenous Knowledge on Soils An Ethno ecological Conceptualization In BARRERABASSOS N ZINCK J A Ethno ecology in a worldwide perspective an annotated bibliography Enschede International Institute for Aerospace Survey and Earth Sciences p 19 2000 Indigenous people and Biodiversity Encyclopedia of Biodiversity v 3 Academic Press p 451463 2001 VANSINA J Oral Tradition as History Madison Wisconsin University of Wisconsin Press 1985 Recebido em dezembro de 2009 Aceito em junho de 2010 Publicado em dezembro de 2010