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Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Introdução às teorias do desenvolvimento Paulo André Niederle Guilherme Francisco W Radomsky orgs Reitor Rui Vicente Oppermann ViceReitor e PróReitora de Coordenação Acadêmica Jane Fraga Tutikian EDITORA DA UFRGS Diretor Alex Niche Teixeira Conselho Editorial Carlos Pérez Bergmann Claudia Lima Marques Jane Fraga Tutikian José Vicente Tavares dos Santos Marcelo Antonio Conterato Maria Helena Weber Maria Stephanou Regina Zilberman Temístocles Cezar Valquiria Linck Bassani Alex Niche Teixeira presidente Copyright dos autores 1ª edição 2016 Direitos da edição Universidade Federal do Rio Grande do Sul Capa Ely Petry Revisão Ignacio Antonio Neis Jaques Ximendes Beck e Sabrina Pereira de Abreu Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Coordenação Lovois de Andrade Miguel Gabriela Trindade Perry e Marcello Ferreira Curso de Graduação Bacharelado em Desenvolvimento Rural PLAGEDER Coordenação Pedagógica Marcelo Antonio Conterato Coordenação de Tutoria Laura Wunsch Coordenação Núcleo EAD Tânia Rodrigues da Cruz Secretário Jorge Luis Aguiar Silveira Projeto gráfico Evangraf Introdução às teorias do desenvolvimento organizadores Paulo André Nieder le e Guilherme Francisco Waterloo Radomsky coordenado pelo SEAD UFRGS Porto Alegre Editora da UFRGS 2016 118 p il 175x25cm Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Inclui referências 1 Economia 2 Teorias do desenvolvimento 3 Rostow Estágios De senvolvimento 4 Schumpeter Teoria do desenvolvimento econômico 5 Celso Furtado Economia política Desenvolvimento latinoamericano 6 Hirschman Economia do desenvolvimento 7 Sen Desenvolvimento Li berdade 8 Desenvolvimento Teoria evolucionária Mudança institucional 9 Estado Desenvolvimentismo Neodesenvolvimentismo 10 Pósdesen volvimento 11 Desenvolvimento sustentável 12 Desenvolvimento rural I Niederle Paulo André II Radomsky Guilherme Francisco Waterloo III Universidade Federal do Rio Grande do Sul Secretaria de Educação a Dis tância IV Série CDU 33034 I61 CIPBrasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Jaqueline Trombin Bibliotecária responsável CRB10979 ISBN 9788538603269 Paulo André Niederle Guilherme Francisco Waterloo Radomsky Organizadores INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO Sumário PREFÁCIO 7 Capítulo 1 ROSTOW E OS ESTÁGIOS PARA O DESENVOLVIMENTO 11 Ariane Fernandes da Conceição Cíntia Gonçalves de Oliveira e Dércio Bernardes de Souza Capítulo 2 SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 17 Dieisson Pivoto Cíntia de Oliveira Caruso e Paulo André Niederle Capítulo 3 CELSO FURTADO E A ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO LATINOAMERICANO 29 Abel Cassol e Paulo André Niederle Capítulo 4 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO 39 Paulo André Niederle Juan Camilo de los Ríos Cardona e Tanise Dias Freitas Capítulo 5 SEN E O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE 51 Tanise Dias Freitas Abel Cassol Ariane Fernandes da Conceição e Paulo André Niederle Capítulo 6 DESENVOLVIMENTO TEORIA EVOLUCIONÁRIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL 65 Paulo André Niederle Dieisson Pivoto e Dércio Bernardes de Souza Capítulo 7 ESTADO DESENVOLVIMENTO E NEODESENVOLVIMENTISMO 77 Paulo André Niederle Guilherme F W Radomsky Rafaela Vendruscolo Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda e Gabriella Rocha de Freitas Capítulo 8 PÓSDESENVOLVIMENTO A DESCONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 95 Gabriella Rocha de Freitas Mailane Junkes Raizer da Cruz e Guilherme F W Radomsky Capítulo 9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INTRODUÇÃO HISTÓRICA E PERSPECTIVAS TEÓRICAS 103 Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda e Guilherme F W Radomsky Capítulo 10 DESENVOLVIMENTO RURAL DO AGRÍCOLA AO TERRITORIAL 113 Juan Camilo de los Ríos Cardona Mailane Junkes Raizer da Cruz Rafaela Vendruscolo Guilherme F W Radomsky DADOS SOBRE OS AUTORES 123 EAD 7 PREFÁCIO As teorias do desenvolvimento ganharam grande importância política e social após a Segunda Guerra Mundial As negociações que objetivavam o estabelecimento de or ganismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas ONU visando a con solidação de uma governança global para o novo contexto geopolítico do pósguerra a formulação de acordos internacionais para o crescimento do comércio internacional sobretudo no âmbito da Organização Mundial do Comércio OMC e a fundação do Banco Mundial com vistas à reconstrução dos países devastados pelo conflito revelam que o cenário se havia tornado propício a uma espécie de compromisso global em nome da estabilidade econômica prócrescimento Para países como os Estados Unidos que tomaram a dianteira dessas negociações era fundamental buscar aliados para o capitalismo respondendo aos desafios impostos pela Guerra Fria pela expansão territorial da União Soviética e pelo avanço do ideário socialista que conquistava forte apelo em certos segmentos sociais Por outro lado os países latinoamericanos encontravam na reconfiguração das relações econômicas e políticas internacionais uma oportunidade para romper com os constrangimentos que historicamente determinavam seu baixo dinamismo econômico Na América Latina o sonho da superação do subdesenvolvimento alimentava ex pectativas e utopias com o progresso industrial Mas as escolhas processadas logo se revelaram mais conservadoras do que muitos esperavam Sob a retórica do combate às ideologias socialistas utilizada para desencadear as reformas estruturais propostas por alguns governos e setores sociais principalmente a Reforma Agrária a alternativa da expansão capitalista conjugou desenvolvimento industrial tecnológico e financeiro com um Estado intervencionista e conservador que em inúmeros países e por longos períodos também se tornou nacionalista e ditatorial Durante os chamados trinta anos gloriosos 19451975 um pacto entre capital e trabalho foi responsável por sustentar o padrão desenvolvimentista e industrializante Nesse período as teorias do desenvolvimento foram fundamentalmente modernizan tes Simplistas e baseadas em diagnósticos comprometidos com a ideologia do progres so sustentavam que os países subdesenvolvidos precisavam passar de um estágio tradi cional a um estágio moderno através de inúmeras etapas intermediárias A repercussão desse ideário foi significativa produzindo resultados expressivos tanto na agropecuária quanto na indústria brasileira A partir dele constituíramse políticas e programas den tro de um espírito que equalizava crescimento econômico e desenvolvimento EAD 8 No final dos anos 70 do século XX e sobretudo na década seguinte esse quadro foi problematizado por outras abordagens teóricas As críticas eram oriundas das teorias da dependência e do referencial heterodoxo proposto pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL A economia e a sociologia do de senvolvimento ganharam assim novas e importantes vertentes analíticas que causaram impactos profundos no pensamento latinoamericano Após décadas de predomínio do padrão modernizadordesenvolvimentista com forte intervenção do Estado o esgota mento deste modelo abriu uma janela histórica para que fossem formuladas teorias ino vadoras O reconhecimento de novos problemas globais muitos dos quais decorrentes do modelo de industrialização implantado passou a exigir novas respostas Questões relacionadas às mudanças demográficas ao colapso urbano à preservação ambiental à participação social e ao fortalecimento das instituições democráticas impulsionaram teorias alternativas Ao mesmo tempo os tradicionais indicadores econômicos Produto Interno Bruto Renda per Capita começaram a ceder espaço a novas métricas cuja equação incorporava aspectos relacionados à expectativa de vida à sustentabilidade à saúde e à educação até que a própria ONU assumisse um Índice de Desenvolvimento Humano IDH como parâmetro de avaliação O presente livro propõese a introduzir algumas dessas formulações teóricas a res peito do desenvolvimento A meta é apontar elementos que possam orientar o estudo da história complexa e cheia de vicissitudes que perpassa tais teorias que tiveram efeitos práticos em políticas programas e projetos em inúmeras nações Não se busca explorar de forma minuciosa cada uma das abordagens pois sequer haveria razões para fazêlo em vista do escopo desta obra Os textos foram redigidos pelos professores e tutores da disciplina de Teorias do Desenvolvimento para uso didático por parte dos estudantes do Bacharelado em Desenvolvimento Rural PLAGEDER da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Este é o público prioritário da publicação Por isso e tendo em vista as necessidades específicas que se apresentam no decorrer do curso os textos procuram sempre que possível contextualizar a discussão a partir de exemplos e situações relacionadas ao mundo rural e à agricultura Obviamente o material será útil a estudantes de outras áreas do conhecimento que se aproximem dos debates em torno de um tema tão multifacetado quanto é o do desenvolvimento Os capítulos abordam as teorias do desenvolvimento pelo viés de um exame históri co O percurso temporal é fundamental para se perceber quanto as teorias e políticas de desenvolvimento contemporâneas se diferenciam daquelas que as precederam Como se afirmou acima foi em meados do século XX que se construiu na América Latina a ide ologia desenvolvimentista Uma parte relevante deste livro é dedicada a examinar como o desenvolvimentismo se constituiu e como em determinado momento ele passou a enfrentar problemas de legitimação política com a perda da capacidade do Estado para EAD 9 conduzir as políticas de modo centralizador e planejado Isso ocorreu especialmente nas décadas de 1980 e 1990 e derivou em parte da pressão da dívida externa do choque do petróleo aumento abrupto dos preços internacionais em dois momentos 1973 e 1979 e da dificuldade dos países do capitalismo avançado em absorver mão de obra e produção o que se costuma denominar de crise do modelo fordista de acumulação De forma um tanto dispersa o livro também esboça um panorama sobre o resul tado dos esforços e das iniciativas para o desenvolvimento tais como a modernização da agropecuária a urbanização e a industrialização com vistas à substituição de im portações Mas esses temas terão que ser aprofundados com a leitura de outras obras citadas ao longo dos capítulos No caso específico dos efeitos dos diferentes modelos de desenvolvimento sobre o meio rural sugerese que a leitura do presente livro seja complementada com os demais materiais didáticos produzidos pela série Educação A Distância do PLAGEDER em especial o manual publicado pelos Professores Marcelo Antonio Conterato e Eduardo Ernesto Fillipi1 Preparado para a mesma disciplina de Teorias do Desenvolvimento essa publicação aborda de modo mais preciso e detalhado aspectos da trajetória da agricultura e do meio rural brasileiro Nos últimos capítulos são tratados assuntos da atualidade tais como desenvol vimento sustentável desenvolvimento territorial multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento local mostrandose especialmente como tais temas estão sendo discu tidos no Brasil Um dos objetivos centrais dessas discussões com os novos e diferentes qualificativos do desenvolvimento rural sustentável participativo territorial consiste em indagar em que medida os modelos contemporâneos representam algo inovador em relação àqueles que prevaleceram após a Segunda Guerra Mundial De modo geral do conjunto do livro ressaltam dois pontos de vista bastante abran gentes que se manifestam no debate sobre o desenvolvimento como dois polos opostos Por um lado dentro de uma gama variada de perspectivas encontramse pesquisadores e estudiosos que confiam nos resultados do desenvolvimento ao longo da história Algu mas das posições mais radicais dentro deste grupo provêm de entusiastas do desenvol vimento a qualquer preço não importando os efeitos ambientais tampouco os resul tados sociais no curto prazo Por outro lado identificase um grupo de estudiosos mais céticos em relação às promessas do desenvolvimento Vários deles argumentam que as tentativas de desenvolvimento representam um grande fracasso se for levada em conta a persistência das relações de poder e dominação da pobreza da desigualdade e do receio de que os países periféricos não logrem jamais deixar de ser parte do Terceiro Mundo 1 CONTERATO Marcelo Antonio FILLIPI Eduardo Ernesto Teorias do desenvolvimento Porto Alegre Ed da UFRGS 2009 Edu cação A Distância 3 EAD 10 No meio termo entre essas duas interpretações opostas despontam vozes propon do outras possibilidades de análise e avaliação Umas sustentam ser impossível comparar o desenvolvimento com o planejamento estatal centralizador e nacionaldesenvolvimen tista dos anos 60 e 70 justamente porque se aprendeu com os erros do passado e por que hoje se projetam processos democráticos e inclusivos que não levam a prescrever uma única via mas que contemplam por consequência elementos da diversidade so cial Outras menos confiantes procuram demonstrar que é preciso construir opções de desenvolvimento com resultados democráticos embora reconheçam que parte dessas estratégias persiste presa ao desenvolvimentismo enquanto ideologia No que diz respeito à organização do livro os cinco primeiros capítulos focalizam o pensamento de autores clássicos abordando sucessivamente a perspectiva moderni zante de Walt Rostow a teoria evolucionária de Joseph Schumpeter a economia política do subdesenvolvimento latinoamericano de Celso Furtado a economia do desenvol vimento de Albert Hirschman e a proposta mais contemporânea centrada na noção de liberdade construída por Amartya Sen O objetivo desta primeira parte é apresentar diferentes visões sobre o processo do desenvolvimento porém sem a pretensão de dar conta exaustivamente do amplo leque de autores que avançam relevantes perspectivas para o debate desse tema Tão importante quanto disponibilizar para o leitor o conte údo sumarizado em cada um dos cinco capítulos iniciais é despertar o seu olhar para as diferentes facetas que cada autor destaca neste poliedro conceitual que se desenha em torno do desenvolvimento Os capítulos subsequentes voltamse para abordagens mais recentes que não vêm necessariamente orientadas por um autor central Aqui se desenrolam exposições sobre o papel da inovação os modelos de ação do Estado inclusive comparando o velho e o novo desenvolvimentismo as críticas e perspectivas que se levantam a partir das dis cussões sobre o pósdesenvolvimento a noção de desenvolvimento sustentável e para concluir o debate sobre desenvolvimento territorial o qual tem implicações relevantes sobretudo mas não exclusivamente para os estudiosos do meio rural Com esse leque de temas e autores esperamos que o livro venha contribuir para desencadear a problematização das inúmeras questões presentes em décadas de discus são teórica e política elucidar aspectos e eventos históricos que marcam as transfor mações sociais discutir o papel do Estado e das políticas públicas examinar questões contemporâneas a partir de temáticas recentes e apresentar elementos conceituais e referências que possam auxiliar os estudantes na organização de seus estudos sobre o desenvolvimento Os Organizadores EAD 11 Capítulo 1 ROSTOW E OS ESTÁGIOS PARA O DESENVOLVIMENTO Ariane Fernandes da Conceição Cíntia Gonçalves de Oliveira Dércio Bernardes de Souza INTRODUÇÃO O objetivo deste primeiro capítulo é apresentar as contribuições de Walt Whitman Rostow que permitem apontar elementos introdutórios para os debates sobre moder nização e desenvolvimento Este autor representa um marco nos estudos de economia do desenvolvimento pois apresenta uma alternativa à teoria marxista sobre os rumos da história considerando o desenvolvimento de cada economia em etapas Rostow propõe uma teoria dinâmica da produção baseada na observação de so ciedades realmente existentes e não em modelos teóricos que consideram o desenvol vimento econômico como um processo de desdobramentos logicamente encadeados em etapas que se articulam Suas ideias foram influenciadas pela sucessão de diferentes momentos históricos que caracterizaram o desenvolvimento europeu tais como a Revo lução Industrial a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução no período do pósguerra O conceito de desenvolvimento segundo Rostow é vinculado ao crescimento eco nômico o qual se daria com a industrialização significando portanto modernização Nesse sentido sua perspectiva vai ao encontro da de outros autores clássicos que como Ragnar Nurse e Gunnar Myrdal construíram no mesmo período teorias sobre o sub desenvolvimento nitidamente marcadas pelas lentes políticas dos países capitalistas cen trais Inserido nas discussões de sua época e reproduzindo um referencial amplamente aceito entre os economistas mais ortodoxos Rostow acreditava que o desenvolvimento econômico teria suas bases consolidadas através da intervenção setorial na economia de modo que o crescimento industrial se traduziria em modernização Após a Segunda EAD 12 Guerra os países procuraram acelerar o crescimento econômico aumentar a renda e diminuir a pobreza por meio de medidas de industrialização compulsória Analisando esse processo o autor confronta sociedades diversas por meio de perspectivas econômi cas mostrando quais seriam as condições necessárias para se alcançar tal modernização VIDA E OBRA DE ROSTOW Walt Whitman Rostow nascido na Prússia em 1916 e radicado posteriormente nos Estados Unidos foi antes de tudo um historiador econômico Graduouse em Economia e História na Universidade de Yale onde também fez seu doutoramento em Economia Economista e professor renomado lecionou nas Universidades de Colum bia Oxford Cambridge MIT e Texas e exerceu a função de assessor para assuntos de segurança nacional dos Estados Unidos durante os governos de John Kennedy e Lyndon Johnson Durante este último período também trabalhou como representante estadu nidense no Comitê Internacional da Aliança para o Progresso Impulsionado por sua formação Rostow buscava aplicar a teoria econômica à história econômica e apresentar uma alternativa à teoria marxista sobre os rumos do capitalismo Ribeiro 2008 p 94 assinala que Rostow se opôs ao determinismo eco nômico por meio do qual reconhecia a produção teórica de Marx e do marxismo Em sua análise das etapas do crescimento Rostow 1960 p 14 oferece uma explicação que poderia substituir a teoria marxista da história moderna a qual conquistava pe rigosamente adeptos em muitos países periféricos em particular na América Latina devido à precariedade das condições de vida de grande parte da população em meio a um processo de plena ascensão capitalista no pósguerra Nessa perspectiva o autor postula que na análise da sociedade em geral bem como do crescimento econômico em particular fazse necessário incluir os fatores não econômicos como parte efetiva e essencial da determinação dos fenômenos sociais Para resolver o problema do determinismo econômico Ribeiro 2008 avalia que Rostow substitui o determinismo por interação visualizando a sociedade como um todo e as sinalando o relacionamento entre os seus componentes econômicos e não econômicos em processos de interação AS ETAPAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO Em sua obra The Stages of Economic Growth A NonCommunist Manifesto As eta pas do crescimento econômico um manifesto não comunista publicada em 1960 Rostow estabelece a possibilidade de desenvolvimento econômico em cinco etapas Tratase de EAD 13 fases que um país deveria atravessar para atingir o desenvolvimento o que permitiria classificar as sociedades de acordo com seus estágios econômicos específicos A passa gem de um estágio para outro envolveria alterações nos padrões de produção a partir do manejo de três fatores principais poupança investimento e consumo demanda Ao mesmo tempo Rostow parte do pressuposto de que para se obter uma nova ordem capitalista em nível internacional o desenvolvimento deve ser visto ideologica mente de forma que os países considerados desenvolvidos tivessem nele seu principal foco Assim a teoria rostowiana aponta que ao se impulsionar o desenvolvimento para os demais países as economias consideradas desenvolvidas além de expandir ideais capitalistas poderiam auxiliar as demais com empréstimos e auxílio técnico SANTOS SILVA 2004 As cinco etapas do desenvolvimento de Rostow são 1 Sociedade tradicional traditional society 2 As precondições para o arranco ou a decolagem transitional stage 3 O arranco takeoff 4 A marcha para a maturidade drive to maturity 5 A era do consumo em massa high mass consumption No que tange à primeira etapa esta se refere à sociedade tradicional a qual é definida em relação à sociedade moderna e se identifica liminarmente pela insuficiência de recursos Nesse sentido Rostow entende tratarse de uma economia baseada na produção rudimentar e tradicional que busca a subsistência e prioriza o trabalho cujos principais recursos provêm da agricultura e que não obtém senão limitada quantidade de capital De acordo com esta visão economicista a sociedade tradicional traduzse em incapacidade de produção de excedentes e consequentemente de acumulação sendo fadada a viver com limites bem precisos sem perspectivas de ascensão ao crescimento econômico Contudo acreditava Rostow que as mudanças sociais na sociedade tradi cional estariam condicionadas a fatores internos ao passo que as sociedades que não sofressem tais evoluções e mudanças sociais as experimentariam graças à interferência de fatores externos como efeito dos processos de colonização por exemplo Na segunda etapa encontrase uma sociedade em processo de transição na qual surgem os primeiros sintomas do que o autor considera o princípio do arranco ou decolagem Diferentemente da primeira fase onde a produtividade é limitada nes ta etapa buscase romper com os fatores que determinam rendimentos decrescentes sobretudo mediante o aumento da especialização do trabalho e a modernização tecno lógica Ao mesmo tempo sugeremse mudanças relevantes nos itens relativos ao conhe cimento na política e nos sistemas de valores os quais alavancariam a produtividade e consequentemente o desenvolvimento econômico EAD 14 Salientese que esta é considerada a etapa mais importante entre as descritas por Rostow pois ela sinaliza um marco para todas as demais as quais passam a ter suas ca racterísticas balizadas pelas configurações definidas nesse processo de transição No en tanto como esta sociedade em transição ainda mantém características da sociedade tra dicional a economia continua bastante limitada Apenas de forma incipiente começam a emergir os primeiros empreendimentos fator primordial para o desenvolvimento juntamente com a expansão dos comércios interno e externo em um Estado operativo capaz de incrementar as mudanças tecnológicas e socioculturais que a modernização exigiria Na terceira fase que o autor chama de arranco o desenvolvimento sobrepõe se às resistências e bloqueios que limitavam as mudanças econômicas e sociais já ocor ridas na segunda fase Já não há amarras tecnológicas políticas institucionais morais etc que impeçam o desenvolvimento o qual é definido como uma revolução indus trial Nesta etapa fomentase a industrialização e ocorre a migração de mão de obra predominantemente rural para o setor industrial Constroemse as bases da sociedade moderna não apenas do ponto de vista econômico mas também como alavanca para o surgimento de um novo sistema político institucional e social SARMENTO 2012 Da mesma forma também a quarta etapa que o autor chama de marcha para a maturidade agrega o aumento da tecnologia moderna o incentivo à produção e a busca pela diversificação de produtos A mão de obra reduzse ainda mais no campo em contraponto ao aumento da mão de obra especializada nos centros urbanos Assim graças a vários incentivos sobretudo por parte do Estado alguns bens anteriormente importados passam a ser produzidos internamente Consolidase aqui a ideia de que por meio da inovação técnica podese produzir tudo ou quase tudo e isso redunda no afloramento de novas áreas produtivas bem como na possibilidade de importação de novos produtos para o mercado SANTOS SILVA 2004 Na quinta e última etapa compreendida como era do consumo em massa Rostow completa seu modelo focando o consumo de uma sociedade industrial massi ficada que a partir do aumento da renda per capita estimula um sistema econômico centrado no consumo intensivo tanto de alimentos e vestuário quanto de bens duráveis Verificase por consequência além disso um aumento na busca por uma melhor distri buição de renda SANTOS SILVA 2004 Vale ressaltar que essas etapas não são separadas por demarcações nítidas no tem po As sobreposições são decorrência do modo como se processa a interação comercial e tecnológica entre as nações EAD 15 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS A teoria rostowiana foi alvo de inúmeras críticas sobretudo por ter caracteriza do as circunstâncias do processo de modernização da economia dos países hoje vistos como desenvolvidos que teriam cumprido essa trajetória no período posterior à Segun da Guerra Mundial O problema é que Rostow sugere que os países subdesenvolvidos chegariam ao desenvolvimento seguindo idêntica trajetória de modernização uma vez que o subdesenvolvimento seria apenas uma etapa atrasada do mesmo processo históri co de crescimento econômico e progresso industrial Por outro lado segundo Ribeiro 2008 a teoria de Rostow tornase frágil na medida em que ela se revela muito mais ideológica do que científica Mais do que para apontar evidências de um processo universal o modelo rostowiano serviu para sustentar a ideologia do progresso a qual foi amplamente invocada como fundamento político das decisões tomadas por inúmeros países que passaram a se espelhar no padrão dos países considerados desenvolvidos Por ter sido utilizada a mesma fórmula para os demais pa íses embora ela possa ter produzido algum resultado positivo fundamentalmente no que se refere ao crescimento econômico os reflexos negativos foram o aumento do endividamento externo e o agravamento das disparidades sociais além de intervenções fortes do Estado com o objetivo de promover compulsoriamente a modernização in clusive com a instauração de ditaduras militares a exemplo do que ocorreu na América Latina Ainda hoje a ideologia de Rostow permeia pertinazmente as discussões sobre de senvolvimento No caso da agricultura ela encontrou sua expressão maior nas políticas de modernização levadas a cabo desde os anos 60 as quais têm como pressuposto a ideia de que os sistemas tradicionais de produção tidos de antemão por atrasados necessitam ser substituídos pela moderna agricultura tecnificada com vistas a sustentar um elevado padrão de desenvolvimento industrial Isso se deu com a vigorosa interven ção do Estado nas áreas de crédito pesquisa extensão rural etc visando a promover mudanças técnicas políticas e mesmo socioculturais com o intuito de incutir um novo espírito capitalista em um meio rural até então qualificado como sendo sinônimo de atraso lembrese a imagem do Jeca Tatu imortalizada por Monteiro Lobato Como se verá adiante independentemente das consequências sociais e ambientais que o modelo rostowiano suscitou sua fragilidade se encontra na própria acepção de que existe um modelo único a ser replicado em toda parte o que se repercutiu na desastrosa ideia de que existem países regiões e agricultores atrasados cuja única opção é adotar o pacote técnico e ideológico da modernização EAD 16 REFERÊNCIAS RIBEIRO Flávio Diniz Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento ideologia política e ciência na Guerra Fria Tese Doutorado em História Social Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Huma nas Universidade de São Paulo São Paulo 2008 ROSTOW Walt Whitman The Stages of Economic Growth A NonCommunist Manifesto Cambridge Cam bridge University Press 1960 SANTOS SILVA Jorge Antonio Turismo crescimento e desenvolvimento uma análise urbanoregional baseada em cluster Tese Doutorado em Relações Públicas Propaganda e Turismo Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2004 SARMENTO Alexandre Dallamura Notas sobre o takeoff a teoria rostowiana revisada Teoria e Evidência Econômica Passo Fundo v 18 n 38 p 144167 janjun 2012 EAD 17 Capítulo 2 SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Dieisson Pivoto Cíntia de Oliveira Caruso Paulo André Niederle JOSEPH SCHUMPETER E SUA OBRA Ele figura no rol dos grandes pensadores do século XX Joseph Alois Schumpe ter economista austríaco nasceu em 8 de fevereiro de 1883 em Triesch na Morávia província austríaca hoje pertencente à República Tcheca filho único de um fabricante de tecidos Seu percurso acadêmico foi dedicado ao estudo de Direito e Economia na Universidade de Viena onde desde cedo teve contato com a chamada escola austríaca uma das principais signatárias do pensamento econômico neoclássico Aluno brilhante Schumpeter publicou sua primeira obra Theorie der wirtschaftlichen Entwicklung Teoria do desenvolvimento econômico em 1911 quando tinha apenas 28 anos de idade Seu currículo inclui funções como professor nas Universidades de Czernovitz Ucrânia e Graz Áustria onde permaneceu até o final da Primeira Guerra Mundial A seguir tornouse Ministro austríaco das Finanças Após essas atividades devido à ascen são do nazismo de Hitler ao poder viajou pelo Japão e logo em seguida emigrou para os Estados Unidos onde assumiu uma cátedra na Universidade de Harvard e mais tarde a presidência da Associação Americana de Economistas Schumpeter 1982 Schumpeter trouxe inúmeras contribuições à teoria econômica e à discussão sobre o desenvolvimento distribuídas em um vasto conjunto de artigos e livros Assim sendo sumariar uma perspectiva schumpeteriana tornase um desafio considerável Isso porque ao longo do tempo ela esteve sujeita a processos de inovação não somente cumulativos como também radicais e abruptos Da mesma forma que as inovações estudadas por Schumpeter suas teorias também devem ser compreendidas em seu caráter evolucioná EAD 18 rio Isso é válido não apenas em relação aos desdobramentos que elas tiveram em dife rentes vertentes neoschumpeterianas algumas das quais muito próximas da moderna Teoria dos Jogos e que provavelmente causariam inquietações no próprio Schumpeter mas também em relação à evolução da trajetória acadêmica e política deste pensador Três obras são particularmente recorrentes nas tentativas de decifrar a evolução de suas formulações Teoria do Desenvolvimento Econômico publicada em 1911 quando o autor ainda residia na Áustria e traduzido para o inglês apenas em 1934 Business Cycles uma das obras de maior densidade teórica publicada em 1939 quando Schumpeter já residia nos Estados Unidos e finalmente Capitalismo Socialismo e Democracia lançada em 1942 ou seja três décadas após a primeira Enquanto a primeira obra apresenta conceitos fundamentais que guiarão toda a construção de uma teoria schumpeteriana evolucionária focando a inovação e o pro gresso técnico o papel do empresárioinovador e a função do crédito a segunda representa uma densa contribuição teórica ao estudo dos fenômenos cíclicos da eco nomia mas foi menos difundida em virtude sobretudo do lançamento simultâneo da Teoria Geral de John Maynard Keynes a qual em face dos eventos do pósguerra passou a ser a principal novidade teórica da época Por sua vez o terceiro livro absorve a evolução que se verificou nos trinta anos decorridos desde a primeira publicação e consequentemente traz algumas inovações teóricas entre estas a mudança de foco que passa do empresárioinovador para as or ganizações corporativas que se encontram à frente dos processos de inovação os quais também se alteram qualitativamente Ademais nesse livro Schumpeter discute o modo como ele entendia a configuração de um estado estacionário do capitalismo que le varia à emergência do socialismo analisando essa mudança mais como um processo evolucionário do que revolucionário tal qual previra Karl Marx Alguns autores que revisaram a teoria schumpeteriana tendem a salientar os aspec tos de descontinuidade e ruptura que existem entre as três obras De nossa parte pre ferimos interpretálas como expressões de uma evolução teórica ocorrida concomitan temente com as mudanças nada desprezíveis que a sociedade experimentou entre 1911 e 1942 De fato aqueles que prospectam em Schumpeter um modelo único passível de ser replicado em todas as circunstâncias encontrarão dificuldades em compreender essa evolução teórica A rigor contudo poderíamos afirmar que a unidade de sua obra é mais consistente do que a de outros grandes economistas clássicos e contemporâneos entre os quais o próprio Marx por quem Schumpeter sempre nutriu grande admiração Por outro lado tratase seguramente de uma trajetória mais heterogênea do que aquela seguida por economistas que excluindo de suas análises o tempo e o espaço preferiram abraçar modelos de equilíbrio geral a exemplo de Léon Walras que também mereceu o reconhecimento de Schumpeter EAD 19 O DESENVOLVIMENTO NA TEORIA SCHUMPETERIANA Na sequência será exposta a configuração de uma teoria do desenvolvimento se gundo a formulação schumpeteriana Impõemse duas considerações preliminares para situar adequadamente essa análise Em primeiro lugar está claro que para Schumpeter o aspecto fundamental do desenvolvimento econômico diz respeito ao processo de ino vação e às suas consequências na organização dos sistemas produtivos SOUZA 2012 Assim enquanto novos produtos e processos forem gerados a economia estará em cres cimento Os investimentos em inovação dinamizam o crescimento gerando efeitos em cadeia sobre a produção o emprego a renda e os salários Em segundo lugar cumpre estabelecer uma distinção entre crescimento e de senvolvimento embora ela tenha para Schumpeter 1982 um efeito mais didático do que teórico Embora o autor defina crescimento como o resultado de incrementos cumulativos e quantitativos que ocorrem em determinado sistema econômico ele vê no desenvolvimento um processo de outra natureza a saber uma mudança qualitativa mais ou menos radical na forma de organização desse sistema gerada em decorrência de uma inovação suficientemente original para romper com o seu movimento regular e ordenado Para se compreender essa distinção e o efeito da inovação sobre o processo de desenvolvimento importa analisar o modelo que Schumpeter cria para explicar uma economia sem desenvolvimento É a partir desse modelo que o autor destaca os impactos das inovações revelando por que elas podem ser consideradas promotoras de desenvol vimento O modelo schumpeteriano de economia estacionária sem desenvolvimento mas com crescimento organizase em fluxo circular o que constitui uma espécie de sistema de equilíbrio geral tal qual preconizado por Walras onde as relações entre as variáveis produtivas se encontram em condições de crescimento equilibrado determi nadas pelo ritmo do crescimento demográfico ou por mudanças políticas Isso significa que nessas condições há um ajuste equilibrado entre oferta e demanda assim como entre poupança e investimento de modo que o crescimento da economia acompanha o ritmo de acumulação do capital mas sem criar diferenças expressivas nos níveis de distribuição havendo uma expansão da renda determinada por pequenas variações na força de trabalho engajada no processo produtivo Por seu turno as receitas provenien tes do processo de produção reingressam no sistema fechado para financiar novas etapas de produção de modo que aqui o crédito não tem nenhum papel As mudanças que ocorrem no sistema são marginais e não alteram substancialmente o equilíbrio geral há apenas processos de adaptação SOUZA 2012 EAD 20 Nesse sistema fechado todas as atividades e relações se processam de forma circu lar As alterações internas são mais quantitativas do que qualitativas e costumam ocorrer de forma lenta contínua e cumulativa Tratase fundamentalmente de um esquema de reprodução onde os fenômenos e processos podem ser compreendidos por meio de uma análise estática Esse sistema hipotético criado por Schumpeter explica uma situa ção de economia sem desenvolvimento Inversamente segundo o autor a existência do desenvolvimento envolve uma mudança que gera perturbação desse estado de equilíbrio Notase assim de antemão que ao contrário do que ocorre na economia neoclássica em que o agente econômico busca o equilíbrio como condição para o desenvolvimento econômico o agente schumpeteriano o empresário inovador está sempre tentando romper esse equilíbrio introduzindo inovações que geram concentração oligopolística permitem aferir lucro puro monopolístico e produzem imperfeições no mercado É assim que Schumpeter 1982 p 74 expõe seu pensamento Entenderemos por desenvolvimento portanto apenas as mudanças da vida econômica que não lhe forem impostas de fora mas que surjam de dentro por sua própria iniciativa Se se concluir que não há tais mudanças emergindo na pró pria esfera econômica e que o fenômeno que chamamos de desenvolvimento econômico é na prática baseado no fato de que os dados mudam e que a economia se adapta continua mente a eles então diríamos que não há nenhum desenvol vimento econômico Pretenderíamos com isso dizer que o desenvolvimento econômico não é um fenômeno a ser ex plicado economicamente mas que a economia em si mesma sem desenvolvimento é arrastada pelas mudanças do mundo à sua volta e que as causas e portanto a explicação do desen volvimento devem ser procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria econômica De acordo com Schumpeter essas mudanças surgem no âmbito da produção e não do consumo Assim como os demais autores clássicos ele privilegia em seu modelo de desenvolvimento a oferta Não há porém preocupação fundamental com o trabalho produtivo Adam Smith com a acumulação capitalista Karl Marx ou com a renda o salário e a demanda efetiva John Keynes O fundamental aqui é o papel que tem a ino vação ao introduzir descontinuidades que produzem desequilíbrios no sistema levando a uma nova configuração qualitativamente distinta da anterior A demanda por sua vez é compreendida basicamente na perspectiva da criação de novos mercados um tipo de inovação que incentiva os produtores a alterar suas estru EAD 21 turas de produção e que gera lucros Para Schumpeter os consumidores são induzidos a consumir novos produtos principalmente por meio de campanhas publicitárias De certo modo o autor acredita que por constituírem novidade os novos produtos sem pre provocam sua demanda o que lembra neste caso a chamada Lei de Say segundo a qual a oferta cria sua própria demanda Esse tipo de leitura irá receber críticas e aprimoramentos por parte de autores neoschumpeterianos Por outro lado diferentemente dos autores clássicos que acentuaram a neces sidade de poupança como condição imprescindível para a promoção do crescimento econômico Schumpeter 1982 confere maior relevância ao crédito como mecanismo de financiamento dos processos de inovação Os problemas de poupança acumulação capitalista segundo o autor não são tão graves na medida em que as inovações são fi nanciadas pelo crédito conferido pelos capitalistas interessados na apropriação do lucro que será gerado Schumpeter sustenta além disso que a concessão do crédito revela uma ordem emitida pelo sistema econômico com claros impactos sobre as expectativas sociais criadas em relação ao futuro da economia e ao comportamento dos empresá rios Desse modo além do capital material ressaltado pela economia clássica valorizase o papel ativo do dinheiro no estímulo ao crescimento econômico Essas formulações schumpeterianas contribuíram para a posterior criação dos bancos de fomento do de senvolvimento em diversos países BNDES no Brasil e no mundo BID Como se verá adiante no último capítulo no caso da agricultura brasileira o sistema de crédito tornouse o grande motor dos processos de modernização tecnológica principalmente nas décadas de 1960 e 1970 Como Schumpeter tinha em mente uma situação de pleno emprego a conse quência do aumento do crédito seria a elevação dos preços dos fatores de produção deslocando as combinações antigas de equilíbrio para novas combinações O processo inflacionário exigiria das empresas inovações para competirem no novo cenário Con sequentemente as empresas menos eficientes desapareceriam ou cresceriam em ritmo mais lento Instaurase assim um processo de destruição criativa sobrevivem as em presas com maior capacidade de inovação inclusive no que se refere à formação de con glomerados competitivos Tais empresas assumem posições oligopolistas no mercado oferecendo novos produtos capazes de competir nas novas estruturas de custo Ademais elas fixam preços mais elevados para os produtos recémlançados e conseguem auferir lucros monopólicos durante determinado tempo até que surjam novos concorrentes que produzam bens similares A produção de lucros em função das inovações acaba elevando a capacidade de au tofinanciamento das empresas de modo que a demanda por crédito bancário se reduz e assim se verifica uma deflação do crédito a partir do momento em que os empresários começam a pagar seus empréstimos Como consequência observase um processo de EAD 22 contração da oferta monetária e a economia pode entrar em um período de retração caso não ocorra um novo surto de inovação Como se pode notar o mercado monetário é na perspectiva de Schumpeter 1982 o quartelgeneral do sistema capitalista a partir do qual partem as ordens para as decisões individuais dos empresários e portanto para as inovações São essas inova ções financiadas pelo crédito as principais responsáveis pelo crescimento econômico São elas que propiciam novas combinações de forças produtivas que alteram o equi líbrio inicial acarretando uma arrancada para o desenvolvimento Entre essas forças produtivas figuram os meios de produção o trabalho os recursos naturais as inovações tecnológicas e as instituições SOUZA 2012 INOVAÇÃO E DESTRUIÇÃO CRIATIVA Retomando o tema do modelo de fluxo circular cumpre assinalar que o desloca mento no equilíbrio original causado pelas inovações ocorre segundo Schumpeter de modo irreversível e descontínuo As novas combinações de fatores produtivos levam à destruição da condição anterior e à criação de novas condições de produção que o autor chama de destruição criativa novas firmas inovadoras ocupam novos espaços no mercado podendo conduzir ao fechamento daquelas menos preparadas Assim há um processo evolucionário de seleção em favor das atividades mais lucrativas e eficien tes Como exemplo de inovações que catalisam esse processo Schumpeter cita a a introdução de novos produtos b novos métodos de produção c a abertura de novos mercados inclusive externos d novas fontes de matériasprimas e e novas estruturas organizacionais na indústria com oligopólios competitivos A geração de lucro monopólico proporcionada por essas inovações é o motor do desenvolvimento econômico Nessa perspectiva fazse necessário destacar o papel da concorrência o qual tem sido compreendido de formas diversas No modelo schum peteriano a concorrência não ocorre basicamente devido à redução das margens entre preços e custos mas graças à competição entre as firmas para o lançamento de nova mercadoria ou tecnologia Esse tipo de concorrência por meio da inovação seria se gundo o autor muito mais eficiente que a outra e a única capaz de efetivamente causar transformações significativas no processo de desenvolvimento econômico A controvérsia nessa discussão envolve algumas afirmações de Schumpeter cons tantes no livro Capitalismo Socialismo e Democracia 1961 Ao ver de alguns autores Schumpeter teria sustentado nessa obra o princípio de que quanto maior a empresa mais fácil o processo de inovação Em outras palavras a crescente oligopolização e inclusive a formação de monopólios seriam benéficos ao processo de inovação e por conseguinte ao desenvolvimento Essa afirmação obviamente vai de encontro ao pres EAD 23 suposto das virtudes da concorrência para o processo de inovação especialmente se ar razoarmos em termos evolucionistas segundo os quais a variedade é requisito essencial para os processos de seleção e adaptação Na abordagem desta questão será necessário retroceder previamente ao primeiro livro do autor em foco e ao papel do empresário inovador e só em seguida discutir qualquer mudança importante na compreensão dos agentes de inovação Para que as inovações aconteçam Schumpeter destaca inicialmente o papel do em presário inovador agente capaz de realizar novas combinações de recursos produtivos que reúnam as condições e os agentes necessários para que isso aconteça O empresário com características psicossociais particulares mas não claramente identificadas pelo autor seria o responsável pela adoção de novas combinações capazes de produzir uma perturbação no fluxo contínuo que caracteriza o equilíbrio geral Ele é um líder um agente de inovação É definido por sua função a de colocar em prática inovações podendo enquanto indivíduo assumir outras funções econômicas A racionalidade do empresário schumpeteriano não é contudo a mesma do homo oeconomicus neoclássico Este é um agente racional que toma decisões econômicas racionais em face de determi nado modelo universal De outro modo Schumpeter insere esse agente em um contex to sociocultural que leva em conta o papel das instituições assim como as condições psicossociais do empresário A rigor o empresário schumpeteriano é dotado de uma racionalidade limitada e procedural como define Herbert Simon Ademais conforme Schumpeter o empresário não assume os riscos da inovação porque não é ele que concede crédito Para tanto entram em cena os banqueiros e capitalistas que detêm o capital e concedem empréstimos para viabilizar a ação do empresário Nesta perspectiva como se disse acima o capitalista não se identifica ne cessariamente com o empresário Enquanto este é o agente de inovação aquele detém os fundos a serem emprestados Passados trinta anos entre a publicação do primeiro livro Teoria do desenvolvimento econômico e a de Capitalismo Socialismo e Democracia Schumpeter 1961 revela uma séria inquietação em relação às mudanças nos processos de inovação ocorridas nas socie dades capitalistas avançadas Por um lado cabe notar que ele estabeleceu inicialmente uma diferenciação muito precisa entre a geração da inovação e sua difusão as quais se dariam por agentes distintos As mudanças econômicas da primeira metade do século XIX mostraram no entanto que o empresárioinovador ficaria mais preso à estrutura das empresas Schumpeter vai então constatar que o local da inovação passara a ser a grande empresa com seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento criando novos produtos em processos mais ou menos rotinizados e padronizados Ademais deixara de existir aqui uma diferenciação nítida entre produção e difusão das inovações uma vez que esses processos ocorrem de forma integrada no interior das organizações EAD 24 Neste último livro escrito em um período de turbulências do capitalismo nos Es tados Unidos Schumpeter 1961 apresenta sua leitura das consequências nefastas do processo de interiorização das atividades de pesquisa e desenvolvimento PD nas orga nizações privadas Segundo ele os empresários de outrora estavam sendo substituídos por burocratas profissionais das grandes empresas oligopolizadas Face às condições econômi cas da época não surpreende o ceticismo que esse processo gerou no autor o qual passa a considerar esta como a principal razão da crise do capitalismo que levaria ao socialismo Quanto aos elementos centrais de sua teoria do desenvolvimento no que tange especificamente ao papel das instituições Schumpeter adverte que instituições arcaicas não apenas impedem o desenvolvimento como promovem o subdesenvolvimento ao obstarem a que o empresário aja para promover inovações falta de um sistema bancá rio instabilidade monetária lei de propriedade privada lei de patentes etc Condições econômicas desfavoráveis riscos e incertezas podem inibir a ação empresarial e reduzir a demanda de crédito e o ritmo das inovações Aqui cabe salientar o papel do Estado na construção das condições institucionais para a promoção das inovações através da educação da tecnologia da regulação dos mercados Schumpeter porém não valorizou muito o papel do Estado como agente de ino vação ou mesmo como financiador que seriam atribuições respectivamente do em presário e do capitalista Este tema estará mais frequentemente presente em artigos publicados já no final da carreira do autor quando ele cita por exemplo o papel que tem a Secretaria da Agricultura nos Estados Unidos no desenvolvimento e na difusão de inovações De qualquer modo esta faceta da análise será objeto de maior atenção quando se abordarem abaixo alguns desdobramentos de sua teoria ONDAS DE DESENVOLVIMENTO Outro componente básico do modelo schumpeteriano é sua compreensão da exis tência de ondas de desenvolvimento A seu ver e contrariamente à concepção dos modelos de equilíbrio geral o desenvolvimento não se produz de maneira uniforme no tempo mas através de ondas ou surtos de inovação associados à introdução de no vos produtos e processos ou à criação de novos mercados Assim sendo a economia schumpeteriana movese de forma cíclica em quatro fases ascensão recessão depressão e recuperação Nada há aqui de regularidade na perspectiva de um modelo passível de ser aplicado a diferentes momentos históricos O que é particularmente interessante na ideia de ondas longas uma derivação da teoria do economista russo Kondratieff é a explicação sobre as origens dessa concepção em diversas épocas diferentes agrupa mentos tecnológicos e institucionais estabeleceram um novo formato para o desenvolvi mento do sistema econômico SOUZA 2012 EAD 25 Na fase de ascensão surgem inovações radicais que levam à formação de verda deiros enxames de empresários que as adotam visando apropriarse dos lucros que podem ser gerados ou simplesmente manterse no mercado A adoção das inovações cria novas situações ótimas de produção causando prejuízos às empresas que utilizam processos mais antigos Os novos produtos chegam ao mercado retirando espaço dos antigos Ao longo do tempo a concorrência acaba provocando a queda dos preços dos bens de consumo e a elevação do custo dos bens de capital e das matérias primas o que dá fim ao surto de expansão e desencadeia a crise e a fase de recessão a qual somente será superada por uma nova onda de inovações De acordo com Schumpeter dois fatores podem acelerar a recessão a crises especulativas nas bolsas de valores e de mercadorias e b a rigidez dos salários que não se reduzem com a queda dos preços dos produtos durante a recessão SOUZA 2012 Nesse período de recessão as empresas são obrigadas a cortar custos o que pressiona por estruturas produtivas mais eficientes Mas não há muita margem para cortar salários em virtude das reações que isso geraria entre os trabalhadores Verificase a expulsão sis temática das empresas que não acompanharam o processo de inovação e uma nova onda de concentração na indústria Essa concentração em favor de empresas potencialmente inovadoras propiciaria maior potencial para a retomada do desenvolvimento Notese que o autor não considerava a fase recessiva como totalmente negativa pois a recessão cumpre o papel de promover os ajustes necessários para um novo ciclo o qual tende a otimizar a competitividade e a eficiência conduzindo a economia a um ní vel superior àquele em que ela se encontrava antes da crise Ao longo desse processo de ruptura do fluxo circular dáse a passagem da fase concorrencial para a fase oligopolista Schumpeter acreditava que esse processo de crises sucessivas ao longo do tempo reduziria as possibilidades de investimento e que se observaria uma redução da rentabi lidade de novos projetos ou inovações Destarte com a redução gradativa de novas opor tunidades a sobrevivência do capitalismo no longo prazo ficaria comprometida e abriria a porta para o surgimento do socialismo que na visão de Schumpeter seria um estado de bemestar próximo à compreensão de John Stuart Mill em que a busca por bens materiais cederia espaço à evolução cultural das sociedades desenvolvidas Ou seja o estado estacionário schumpeteriano não tem correlação com a visão mais catastrófica de Adam Smith David Ricardo e Karl Marx ALGUNS DESDOBRAMENTOS DA TEORIA SCHUMPETERIANA Em face do modelo apresentado podese afirmar que de modo geral a teoria de Schumpeter é mais adequada para países que contam com elevado número de em presários potenciais com capacidade de financiamento e com possibilidades de criar EAD 26 tecnologias além de quadros institucionais eficientes Ademais esse modelo parece su por serem indispensáveis um contexto sociopolítico favorável às mudanças um espírito empreendedor e a busca do lucro como objetivo legítimo Nem sempre porém essas condições se observam nos países subdesenvolvidos ou mesmo naqueles ditos desen volvidos Em determinadas circunstâncias o empresário schumpeteriano não é a força propulsora das inovações a inovação não é o processo mais característico e a busca do lucro nem sempre constitui o objetivo exclusivo ou predominante dos agentes Neste caso seria necessário introduzir alterações na equação do desenvolvimento a saber na força motivadora no sentido do processo e nos seus objetivos SOUZA 2012 Ao mesmo tempo as teorias neoschumpeterianas alimentam o debate com uma compreensão diferenciada do modo como ocorre a maioria dos processos de inovação Dosi et al 1988 ponderam que a inovação não é um fenômeno aleatório e impremedi tado mas antes o resultado de processos rotinizados de busca experimentação e imita ção O caráter de excepcionalidade do empresárioinovador por sua vez dá espaço para redes de pesquisa e sistemas locais regionais ou nacionais de inovação LUNDVALL 1992 O desenvolvimento implica um processo coletivo de aprendizagem e cooperação em redes organizacionais através das quais são trocadas informações e conhecimentos essenciais para a emergência e a difusão das inovações O processo tornase ainda mais institucionalizado envolvendo também o Estado como agente central das transforma ções econômicas sobretudo no âmbito das economias periféricas NELSON WIN TER 1982 No caso da América Latina por exemplo a ação governamental passou a ser mui to importante não apenas na criação das condições institucionais mas também no fi nanciamento e na ação empreendedora Estadoinovador Uma das expressões mais evidentes dessa mudança é o próprio processo de modernização conservadora da agri cultura brasileira em que o Estado atuou como banqueiro e inovador por um lado assegurando crédito rural altamente subsidiado e por outro produzindo modernas tec nologias agrícolas haja vista a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA e da própria Companhia Brasileira de Tratores CBT e disseminando essas tecnologias entre os agricultores principalmente através da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATER Os efeitos desse processo por sua vez também são amplamente conhecidos e colocam sob suspeição a ideia de que a ação inovadora constitua parâmetro suficiente para mensurar o desenvolvimento pelo menos nos termos acima expostos Na verdade assim como ocorre com outros estudos clássicos o interesse de Schumpeter por um modelo de crescimento econômico fundado na mudança técnica e institucional parece ter desviado sua atenção de uma discussão mais apurada sobre as medidas do desenvol vimento A diferenciação por ele estabelecida entre crescimento e desenvolvimento não EAD 27 faz senão apresentar momentos distintos de um mesmo processo de mudança que não deixa contudo de ser essencialmente de ordem produtiva Até aqui portanto ainda estamos tratando de desenvolvimento econômico REFERÊNCIAS DOSI Giovanni FREEMAN Christopher NELSON Richard R SILVERBERG Gerald SOETE Luc Eds Technical Change and Economic Theory London Pinter 1988 LUNDVALL BenktÅke Ed National Systems of Innovation towards a theory of innovation and interac tive learning London Pinter 1992 NELSON Richard R WINTER Sidney Graham An Evolutionary Theory of Economic Change Cambridge Massachusetts Harvard University Press 1982 SCHUMPETER Joseph Alois Teoria do Desenvolvimento Econômico uma investigação sobre lucros capital crédito juro e o ciclo econômico São Paulo Abril Cultural 1982 Capitalismo Socialismo e Democracia Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 Business Cycles A Theoretical Historical and Statistical Analysis of the Capitalist Process New York McGrawHill 1939 SOUZA Nali de Jesus de Desenvolvimento econômico 6 ed São Paulo Atlas 2012 EAD 28 Capítulo 3 CELSO FURTADO E A ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO LATINO AMERICANO Abel Cassol Paulo André Niederle INTRODUÇÃO O ponto de partida para se analisar a contribuição de Celso Furtado e de seu corpo teórico que poderia ser definido como a economia política do desenvolvimento latino americano passa necessariamente pela identificação dos fatores que o distinguem das demais teorias constituídas no pósguerra quando o desenvolvimento ganha significa ção e adentra o debate políticoinstitucional Nesse sentido é fundamental perceber os pontos de inflexão da formulação latinoamericana visàvis a perspectiva predominante na economia do desenvolvimento que se ergueu sobre as bases teóricas da ortodoxia eco nômica notadamente a dos teóricos da modernização como Rostow vide supra cap 1 As diferenças e divergências em relação à vertente dominante que permeou o de bate políticoinstitucional do desenvolvimento têm como ponto inicial a recusa do que Hirschman 1996 chama de monoeconomics isto é a pretensão universalista da existên cia de um único modelo explicativo capaz de abarcar a diversidade das situações histó ricas vide infra cap 4 Como afirma Celso Furtado 1992 p 5 era necessária uma nova formulação capaz de descer ao estudo de situações concretas e reconhecer que os processos de desenvolvimento não se davam fora da história no caso o contexto peculiar do desenvolvimento periférico latinoamericano Desta forma Celso Furtado e outros intelectuais vinculados à Comissão Econô mica para a América Latina e o Caribe CEPAL passaram a destacar a necessidade de construção de um corpo teórico distinto para a interpretação e a análise dos processos EAD 29 econômicos dos países não centrais periféricos que levasse em consideração as pe culiaridades históricas de formação social dessas economias Para tanto esses autores apropriamse de modo original de distintas matrizes teóricas marxismo keynesia nismo estruturalismo para constituir um método estruturalismo histórico e um conjunto de conceitos e categorias analíticas relações centroperiferia subdesenvol vimento heterogeneidade estrutural padrões de desenvolvimento desigual que sir vam de base a uma consistente construção analítica Esse conjunto permite analisar as economias periféricas a partir de suas diferenças e de suas distintas formas de inserção no sistema capitalista global O objetivo do presente capítulo é revisitar alguns dos principais elementos teó ricometodológicos desta proposição peculiar do desenvolvimento latinoamericano e destacar a importância central dos estudos de Celso Furtado na interpretação do caso brasileiro e nas análises do subdesenvolvimento Na sequência serão apontadas algumas fragilidades da matriz teórica cepalina e as críticas que lhe foram endereçadas por auto res reunidos em torno das chamadas teorias da dependência VIDA E OBRA DE CELSO FURTADO Celso Furtado nasceu em 1920 na cidade de Pombal no sertão da Paraíba De família aristocrática é filho de pai advogado mais tarde juiz e desembargador e de mãe de família tradicional proprietária de terras Em 1940 então com 20 anos transfere se para o Rio de Janeiro onde vai cursar a Faculdade Nacional de Direito Em 1945 embarca para a Itália como aspirante a oficial da Força Expedicionária Brasileira Ao retornar decide não seguir a carreira de advogado mas tornarse economista Viaja para Paris em 1946 a fim de cursar doutorado na Faculdade de Direito e Ciências Econômi cas na Sorbonne onde também irá atuar posteriormente como docente na condição de exilado no período da ditadura militar Já formado doutor em Economia e de volta ao Brasil é integrado na recémcriada Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL sendo nomeado Dire tor da Divisão de Desenvolvimento e encarregado de missões no Equador na Argentina na Venezuela no Peru e na Costa Rica Em 1954 publica seu primeiro livro A economia brasileira Em 1957 realiza estudos de pósgraduação no Kings College na Inglaterra período durante o qual vai escrever sua mais difundida e conhecida obra Formação eco nômica do Brasil Um ano depois desligase da CEPAL e assume a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento BNDES iniciando uma notável vida pública na política É nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitschek interventor no Grupo de Trabalho do Desenvol EAD 30 vimento do Nordeste que mais tarde dará origem à Superintendência de Desenvolvi mento do Nordeste SUDENE órgão responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de combate à seca e à fome naquela região e do qual Furtado se torna superin tendente Em 1961 viaja para os Estados Unidos a fim de se reunir com o Presidente John Kennedy depois encontrase com Ernesto Che Guevara em evento da Aliança para o Progresso em Punta del Este no Uruguai No mesmo ano publica Desenvol vimento e subdesenvolvimento Em 1962 durante o governo de João Goulart tornase o primeiro titular do Ministério do Planejamento sendo o responsável pela elaboração do Plano Trienal Em 1963 deixa o Ministério e retorna à SUDENE da qual é forçado a sair por ocasião do Golpe Militar de 1964 que cassa seus direitos políticos por dez anos Trans ferese então para os Estados Unidos e ingressa como pesquisador no Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale onde redige Dialética do desenvolvimento Em 1965 assume a cátedra de Professor de Desenvolvimento Econômico na Fa culdade de Direito e Economia da Sorbonne sendo o primeiro estrangeiro nomeado para uma universidade francesa Furtado manterá sua atividade de professor por vinte anos concentrando nesse período suas pesquisas em três temas o fenômeno da ex pansão da economia capitalista o estudo teórico das estruturas subdesenvolvidas e as análises da economia latinoamericana O que frutificou duas obras Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina e Teoria e política do desenvolvimento econômico Entre os anos de 1968 e de 1978 Celso Furtado concilia suas atividades docentes com missões das Nações Unidas em inúmeros países No mesmo período atua como Professor visitante em diversas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra Em 1974 publica O mito do desenvolvimento econômico e em 1976 lança seu livro mais difun dido no exterior A economia latinoamericana Em 1979 após o processo de anistia retorna ao Brasil e reinserese na vida po lítica Em 1984 integra a Comissão de Notáveis que elabora um Plano de Ação para o futuro governo de Tancredo Neves que veio a falecer na véspera de sua posse É nomea do Embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia Em 1986 tornase Ministro da Cultura do governo José Sarney e passa a ser o responsável pela elaboração da primeira legislação brasileira de incentivo à cultura Em 1993 é nomeado membro da Comissão Mundial para a Cultura e o Desen volvimento da ONUUNESCO Em 1997 é eleito para a Academia Brasileira de Letras e dois anos depois publica aquela que é considerada sua última grande obra O longo amanhecer reflexões sobre a formação do Brasil Faleceu em sua residência no Rio de Janeiro em 2004 aos 84 anos de idade EAD 31 O PAPEL DO ESTADO E A INDUSTRIALIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO Assim como para os demais intelectuais ligados à CEPAL também para Celso Fur tado as formulações teóricas acerca do subdesenvolvimento são indissociáveis de uma preocupação com a própria superação do fenômeno de onde emerge simultaneamente a industrialização como paradigma de desenvolvimento e a ação estatal como o modo mais efetivo para se levar adiante esse processo segundo uma perspectiva ainda próxima à dos teóricos da modernização Como alude Bielschowsky 2000 p 35 a ação estatal em apoio ao processo de desenvolvimento aparece no pensamento cepalino como coro lário natural do diagnóstico de problemas estruturais de produção emprego e distribui ção de renda nas condições específicas da periferia subdesenvolvida Esta centralidade do Estado fundase em razões sociais e históricas estreitamente vinculadas à própria ascensão da teoria do desenvolvimento A crise de 1929 e o estrangulamento externo responsáveis por reduzir drastica mente as possibilidades de importação serviram como propulsores do desenvolvimento da indústria interna1 Por outro lado tanto a intervenção desenvolvimentista para a reconstrução europeia no pósguerra através do Plano Marshall quanto a proeminência do regime planificado soviético constituíram um terreno ideológico que legitimava a intervenção estatal ainda que com diferenças essenciais quanto ao seu formato No caso das proposições cepalinas a influência decisiva proveio das ideias keyne sianas em ascensão no mundo anglosaxão as quais não presumiam estatização tal qual a matriz soviética mas uma participação ativa do Estado não somente no aumento da demanda como também no investimento direto naqueles segmentos indispensáveis ao desenvolvimento bens intermediários que não interessavam a iniciativa privada ou não poderiam ser atendidos por ela O capital privado por sua vez se concentraria em atividades mais eficientes em termos de progresso técnico sobretudo na produção de bens de consumo duráveis controlando assim o setor mais dinâmico da economia e concentrando a riqueza que com frequência era enviada para fora do país FURTADO 1981 No caso do Brasil essa modalidade de intervenção em favor da industrialização deuse majoritariamente via substituição de importações e do apoio à produção nacional Esse processo iniciouse pelas indústrias mais simples pouco exigentes em tecnologia e capital para em seguida alcançar as indústrias de bens de capital e de matériasprimas intermediárias Na formulação cepalina todavia esse processo tende 1 Contudo o desenvolvimento posterior dessa indústria ficou basicamente condicionado ao tamanho do mercado interno no que sobressaíram países como o Brasil a Argentina e o Chile EAD 32 ria à estagnação uma vez que quanto mais ele evoluía para bens exigentes em tecnologia e capital mais difícil se tornava sustentálo Obter os recursos necessários para manter o ritmo de industrialização foi possível mediante o endividamento externo e o aumento da pressão inflacionária problemas que explodiram na recessão econômica dos anos 80 Ademais a industrialização recriou uma estrutura produtiva pouco diversificada e pouco heterogênea que acentuava o subdesenvolvimento e a dependência Ao con firmar a tendência à concentração de renda e ao subemprego o efeito indisfarçável da industrialização foi aumentar o dualismo social conforme constata Furtado 1992 p 10 Daí que a industrialização nas condições de subdesenvolvimento mesmo ali onde ela permitiu um forte e prolongado aumento de produtividade nada ou quase nada haja contribuído para reduzir a heterogeneidade social A heterogeneidade estrutural demonstrouse ainda mais evidente revelando que o sistema produtivo das economias subdesenvolvidas apresentava segmentos que operavam com níveis tecnológicos dife rentes como se nela coexistissem épocas distintas p 192 Com base nestas constatações acerca da ineficiência do processo de industrializa ção via substituição de importações levado a cabo pelo Estado para promover as mu danças sociais esperadas Furtado propõe o aprimoramento das análises cepalinas por meio da construção de uma teoria do subdesenvolvimento Ao se dar conta de que o subdesenvolvimento era parte indissociável do processo de desenvolvimento o autor passou a problematizar a questão a fim de entender por que os países latinoamericanos e especialmente o Brasil eram subdesenvolvidos e qual era a dinâmica desse processo Para tanto porém era necessário engendrar uma nova abordagem que interpretasse o não desenvolvimento de forma distinta daquela que propunham as teorias da moder nização em especial a ideia de etapas concebida por Rostow vide supra cap 1 UMA TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO Contrariando a teoriapadrão que embasou a economia do desenvolvimento a qual advogava a existência de benefícios mútuos para países envolvidos em relações co merciais conjuntas o constructo econômicopolítico formulado na década de 1940 pelo então diretor da CEPAL Raúl Prebisch acerca das relações centroperiferia marca o princípio de uma teoria original para explicar o subdesenvolvimento latinoamericano Prebisch 1982 demonstra a inconsistência da formulação ortodoxa atacando um dos preceitos fundamentais da economia clássica a lei das vantagens comparativas de David Ricardo a qual buscava dar sustentação teórica à argumentação em favor da 2 Associada a esta emergiu nas décadas de 1960 e 1970 outra discussão que marcou a economia política do desenvolvimento latinoamericano no tocante aos diferentes estilos ou padrões de desenvolvimento resultando no reconhecimento das diferentes modalidades de crescimento possíveis embora nem sempre desejáveis EAD 33 liberalização comercial Essa formulação segundo Prebisch desconsiderava o fenômeno da deterioração dos termos de intercâmbio que alicerçava as relações desiguais entre países centrais e periféricos desigualdade essa proveniente da natureza dos bens que compunham a pauta de importações e exportações Os países periféricos haviamse tornado produtores de bens primários produtos agrícolas e minerais que detinham demanda internacional pouco dinâmica e importadores de bens manufaturados com demanda doméstica em rápida expansão A consequência disso era um desequilíbrio estrutural na balança de pagamentos a diferença entre o total de dinheiro que entra e que sai de um país A saída dessa condição passava necessariamente pela capacidade de industrialização dos países periféricos invertendo a pauta de importações e exportações BIELSCHOWSKY 2000 2008 Assim na formulação cepalina original a industriali zação nasce como sinônimo de desenvolvimento Com essa formulação Prebisch deu o primeiro passo na proposta de uma reflexão acerca da experiência latinoamericana a qual como ele defenderá exigia uma teori zação própria Não obstante o avanço mais significativo nesse sentido irá acontecer a partir da formulação da teoria do subdesenvolvimento notadamente com a contribui ção de Celso Furtado Além de apontar elementos que complicam a análise da condição periférica destacando fatores socioculturais internos que sustentam o modo de inser ção dependente no comércio internacional Furtado acrescenta ao estruturalismo uma perspectiva histórica de longo prazo e um viés metodológico mais indutivo Além disso Furtado adiciona em suas análises a dimensão do poder enquanto elemento central para explicar a reprodução estrutural do subdesenvolvimento Diferentemente de Rostow 1961 que aponta a existência de diferentes etapas de desenvolvimento Furtado caracteriza o subdesenvolvimento como uma variante do processo de desenvolvimento decorrente da trajetória desigual entre os países Tratase portanto de um processo autônomo e não de uma etapa pela qual tenham necessa riamente passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento FURTADO 1961 p 180 É um processo histórico peculiar em que a difusão do pro gresso técnico a inovação não conduz à homogeneização social mas à concentração de renda e ao aumento da desigualdade social Ou seja de acordo com Furtado o subdesenvolvimento é uma condição estrutural dos países pouco industrializados os latinoamericanos pelo fato de que nesses países as inovações nos padrões de consumo e a adoção de um estilo de vida nos moldes dos países centrais não suscitaram como contrapartida a adoção de métodos produtivos eficazes Em suma o processo de modernização não pode ser completado nos países periféricos na medida em que há um descompasso entre os padrões de consumo e os métodos produtivos É esse descompasso o responsável pela manutenção da heteroge neidade social já que a dinamização da demanda o consumo esteve em contradição EAD 34 com o relativo imobilismo social gerado pelo lento desenvolvimento das forças produti vas processo que resultou no subdesenvolvimento Assim como fenômeno específico que é o subdesenvolvimento requer um esfor ço de teorização autônomo pondera Furtado 1961 p 193 O autor sustenta porém que é o próprio processo capitalista que cria o subdesenvolvimento na medida em que ele o capitalismo não necessita integrar todos os indivíduos na divisão social do tra balho E conclui que o fenômeno do subdesenvolvimento é estruturalmente funcional para o próprio desenvolvimento Parte da explicação para a reprodução do subdesenvolvimento pode ser encon trada nas relações desiguais entre o centro e a periferia Cabe notar todavia que as estruturas sociais híbridas que se reproduziram internamente também desemprenham papel determinante nessas relações A noção de dualismo estrutural ou economia dual ajuda a compreender essa associação Foi baseado nela que Furtado resumiu uma contradição marcada pela coexistência entre setores modernos e atrasados Em Formação econômica do Brasil 1991 1959 o autor demonstra que ao longo da história de diver sos ciclos econômicos o Brasil se caracterizou pela formação de um modo de produção capaz de ser competitivo nos mercados internacionais agricultura comercial anco rado em uma estrutura social interna arcaica modelo de economia de subsistência cujas principais características eram a precariedade das relações de trabalho a excessiva concentração da propriedade da terra e da riqueza e o atraso das condições tecnológicas Em outras palavras constituiuse no País um tipo de capitalismo que se reproduzia asso ciado a relações sociais que não poderiam ser qualificadas como tipicamente capitalistas Em O mito do desenvolvimento econômico 1981 1974 Furtado demonstra que se por um lado a apropriação desigual da riqueza que estava na base do subdesenvol vimento era diretamente associada ao modo de produção estabelecido por outro a natureza dessa condição era igualmente resultante do destino conferido ao excedente produzido modo de circulação Enquanto nos países desenvolvidos o excedente era em sua maior parte utilizado para financiar o investimento produtivo nos países subde senvolvidos ele serviu para manter um nível de consumo supérfluo e um estilo de vida de uma pequena elite econômica similares aos encontrados nos países desenvolvidos Dessa forma o autor demonstra que na base das estruturas sociais que mantinham o subde senvolvimento se encontrava uma dependência cultural que condicionava a utilização do excedente para consumo improdutivo Assim sendo percebese em Furtado mais um componente diferencial na inter pretação do subdesenvolvimento a dimensão cultural Embora reconheça a necessida de de crescimento econômico para gerar desenvolvimento o autor atribui importância central à dimensão cultural como fator decisivo na mudança social ou seja no processo de desenvolvimento Dessa forma crescimento econômico por si só não é capaz de EAD 35 gerar desenvolvimento se este não vier acompanhado de uma mudança no âmbito dos valores e da cultura Outra mudança de monta devese ao fato de que com a industrialização a depen dência assumiu uma conotação diferente notadamente tecnológica e financeira e maior complexidade o que tornou remota a possibilidade de explicála exclusivamente com base na deterioração dos termos de troca A busca por explicações mais abrangentes para o novo momento histórico trouxe como consequência a proliferação de distintas vertentes da chamada teoria da dependência De modo geral as formulações daí oriun das caminharam para um entendimento sobre a necessidade de se integrarem os fatores econômicos sociais e políticos reconhecendo a debilidade das formulações excessiva mente centradas nas estruturas produtivas na dimensão econômica e nos processos tec nológicos a inovação Este é o caso da teorização proposta por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto 1981 que discutem como a disputa entre diferentes grupos sociais envolvendo interesses e poderes heterogêneos foi um dos condicionantes básicos da situação de subdesenvolvimento especialmente ao focarem as alianças políticas e o modo como as elites dos países subdesenvolvidos voltam seus interesses para o exterior Ao mesmo tempo reconheceuse que não apenas o padrão de desenvolvimento periférico reproduzia a desigualdade como a própria ação do Estado atuava nesse sen tido O fato de o Estado se apropriar de interesses privados evidenciava que a saída da dependência implicaria uma contenda política acerca das prioridades de investimento estatal O essencial aqui foi a proposta de uma teorização sobre o Estado algo remoto nas teses cepalinas onde este era visto por um viés quase instrumental como regente das mudanças externo e sobranceiro à sociedade Segundo Bielschowsky 2008 a teorização dependentista demonstrou que a in dustrialização não eliminava a heterogeneidade tecnológica e a dependência apenas alte rava a forma como essas características passam a se expressar Na perspectiva do autor o subdesenvolvimento revelase um processo de crescimento com estruturas heterogêneas onde os segmentos modernos são comandados por capitais externos e por seus associa dos internos Formamse então conglomerados multinacionais que passam a ser atores líderes de uma nova modalidade de dependência a qual questiona as fronteiras dos Estados Nacionais e gradativamente se torna muito mais financeira do que industrial Cabe lembrar também que foi neste contexto nos anos 60 e 70 que emergiu uma agenda de reformas sociais cuja execução era considerada imprescindível para se enfrentarem os obstáculos estruturais do desenvolvimento BIELSCHOWSKY 2000 Temas como desigualdade distribuição de renda e reforma agrária vieram à tona com relativa força e passaram a demandar um novo padrão de desenvolvimento uma vez que aquele até então perseguido apenas tornava mais crítica a já assombrosa heterogeneida de social EAD 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS A década de 1980 marca o declínio da economia política do desenvolvimento latinoamericano acompanhando o próprio arrefecimento da discussão sobre desen volvimento Um período de instabilidade mundial e de perda de força do Estado desen volvimentista pôs em xeque o paradigma keynesiano e abriu caminho para a expansão da ortodoxia neoliberal A palavra de ordem passou a ser desenvolvimento via ajuste com crescimento mediante o qual se visava a enfrentar basicamente os problemas do endividamento externo e da crise inflacionária heranças do modelo de substituição de importações Pelo mesmo caminho vão os anos 90 quando cabe ao neoestruturalismo cepa lino a defesa de temas como equidade social e democracia pluralista como condições básicas e necessárias do desenvolvimento BIELSCHOWSKY 2006 demonstrando a importância do pensamento de Celso Furtado e de seu legado para interpretações con temporâneas acerca dos processos de desenvolvimento vide infra cap 8 Na era atual a crescente preocupação com a desregulamentação dos mercados e todas as consequências nefastas que semelhante opção engendra submetem à prova a vitalidade do paradigma neoliberal Temse aberto assim a possibilidade de retorno e atualização de muitos dos elementos que foram rápida e parcialmente analisados neste capítulo e que estiveram na base da formulação da economia política do desenvolvimen to latinoamericano REFERÊNCIAS BIELSCHOWSKY Ricardo Cinquenta anos de pensamento na CEPAL uma resenha In Org Cinquenta anos de pensamento na CEPAL Rio de Janeiro Record 2000 p 1368 Vigencia de los aportes de Celso Furtado al estructuralismo Revista de la CEPAL Santiago de Chile n 88 p 715 abr 2006 Celso Furtado o estruturalismo latinoamericano e o desenvolvimento brasileiro Texto apre sentado na Apresentação no Ciclo de Conferências O pensamento de Celso Furtado Rio de Janeiro abr 2008 CARDOSO Fernando Henrique FALETTO Enzo Dependência e desenvolvimento na América Latina ensaio de interpretação sociológica 6 ed Rio de Janeiro Zahar 1981 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 O mito do desenvolvimento econômico 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1981 Formação econômica do Brasil 24 ed São Paulo Nacional 1991 O subdesenvolvimento revisitado Economia e Sociedade UNICAMP v 1 n 1 p 519 ago 1992 EAD 37 HIRSCHMAN Albert Otto Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento In A economia como ciência moral e política São Paulo Brasiliense 1986 p 4980 PREBISCH Raúl El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas 1949 In GURRIERI Adolfo Org La obra de Prebisch en la CEPAL México Fondo de Cultura Econó mica 1982 v 1 ROSTOW Walt Whitman Etapas do desenvolvimento econômico um manifesto não comunista Rio de Janei ro Zahar 1961 EAD 38 Capítulo 4 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO Paulo André Niederle Juan Camilo de los Ríos Cardona Tanise Dias Freitas INTRODUÇÃO Neste capítulo serão analisadas as principais contribuições de Albert Hirschman Este economista alemão radicado nos Estados Unidos talvez tenha sido o principal de fensor da chamada economia do desenvolvimento desde seu surgimento na década de 1940 mas também se tornou um dos seus maiores críticos Sua obra extensa e diversa expõe o pensamento de um entusiasta do progresso e da modernização otimista com as possibilidades abertas pelas sociedades de mercado pluralistas e por outro lado o de um questionador veemente das decisões políticas que implicavam crescente desi gualdade Tratase de um autor avesso à ideia de caminho único e melhor bem como às prescrições abstratas aos princípios gerais e à crença de que existem soluções últimas integrais e definitivas o que geralmente vai dar na imposição das boas instituições criadas nos países ditos desenvolvidos para o restante do mundo Com efeito quan do atacado por Paul Krugman economista americano Prêmio Nobel de Economia de 2008 em razão de uma pretensa falta de rigor analítico decorrente do uso de inúmeras metáforas em substituição aos tradicionais modelos econométricos Hirschman 1996 p 89 sustentou que é preferível abarcar a complexidade do que ter predizibilidade Assim afirma o autor com esta conclusão posso alegar a existência de pelo menos um elemento de continuidade em meu pensamento a recusa em definir o melhor jeito Ou seja distintos contextos sociais definem diferentes trajetórias de desenvolvimento EAD 39 A título de exemplo lembrese que vários autores condenaram alguns países devi do a um processo de especialização produtiva com efeitos particularmente danosos ao desenvolvimento em virtude da abundância de recursos naturais disponíveis Arezki e Ploeg 2007 chegam a falar em maldição uma vez que a disponibilidade desses re cursos resultaria em desindustrialização precoce e em excessiva dependência da econo mia em relação ao comportamento de poucas commodities nos mercados internacionais Isso constituiria um efeito direto e negativo sobre o crescimento econômico e um efei to indireto sobre as instituições em consequência da voracidade econômica que ocasio na a rapinagem dos recursos dos riscos de expropriação do incentivo à corrupção e às guerras e da expansão de um Estado clientelista e assistencialista sustentado pelas divisas produzidas pela comercialização dos bens naturais Hirschman por seu turno sustenta que a questão está menos associada à disponibilidade de recursos do que às escolhas sociais processadas em relação à sua governança O desenvolvimento passaria portanto a ser objeto de opções políticas e não de determinações naturais A retomada do pensamento de Hirschman nas discussões sobre desenvolvimento também está associada à sua preocupação com a questão da equidade social Enquanto uma parcela expressiva da economia do desenvolvimento insistia na necessidade da ma nutenção de taxas elevadas de crescimento econômico a qualquer custo no Brasil Del fim Neto Ministro do Governo Geisel afirmava a necessidade de fazer o bolo crescer para depois dividilo e os teóricos da dependência apenas revelavam seu pessimismo com as virtudes da industrialização em contextos de subdesenvolvimento Hirschman mostravase particularmente otimista com os rumos da modernidade mas atribuía ao Estado a função de coordenar o desenvolvimento visando a garantir que a busca pela equidade se constituísse em um componente indissociável desse processo Levandose em conta que segundo Hirschman o crescimento econômico é inexoravelmente cria dor de desigualdades é mister que alguém o Estado execute escolhas que favoreçam os desfavorecidos Isso demanda soluções antagônicas Mas é papel do Estado gerir uma cadeia de desequilíbrios tratando desigualmente os desiguais UMA ABORDAGEM POSSIBILISTA Hirschman nasceu em Berlim em 1915 Começou a estudar em 1932 na Friedri chWilhelmsUniversität Alemanha a seguir fez estudos na Sorbonne França na Lon don School of Economics Inglaterra e na Universidade de Trieste Itália onde recebeu seu título de doutorado em 1938 Lutou na Guerra Civil Espanhola e durante a Segunda Guerra Mundial na França haja vista sua origem judaica ajudou intelectuais artistas e escritores europeus a fugirem para os Estados Unidos Ele mesmo para fugir da per seguição nazifascista transferiuse em 1941 para os Estados Unidos BIANCHI 2007 EAD 40 De 1943 e 1946 Hirschman atuou nos serviços estratégicos do Exército Norte Americano Finda a Segunda Guerra atuou entre 1952 e 1954 como assessor fi nanceiro do Conselho Nacional de Planejamento da Colômbia No que diz respeito às suas atividades de ensino e pesquisa ocupou cátedras nas Universidades de Yale 1956 1958 Columbia 19581964 e Harvard 19641974 e no Instituto de Estudos Avançados em Princeton 1974 a 2012 Faleceu em dezembro de 2012 aos 97 anos de idade LEPENIES 2009 Outros eventos marcantes na trajetória intelectual e política de Hirschman foram suas participações durante as décadas de 1950 e 1960 na avaliação e diagnóstico de diferentes projetos de desenvolvimento financiados na maioria dos casos pelo Banco Mundial em diferentes países pobres da Ásia da África e especialmente da América Lati na Em virtude deste tipo de atividades Hirschman teve grande influência nas discussões sobre o desenvolvimento econômico na América Latina Seu interesse pelos problemas do crescimento econômico nos países da periferia e sua visão heterodoxa permitiulhe aproximarse da realidade das economias subdesenvolvidas sem os preconceitos recor rentes entre os economistas da sua época tentando ver como realmente eram essas eco nomias e não como deveriam ser em relação às economias industrializadas Hirschman não pode ser considerado propriamente um revolucionário porque ele acredita fielmente na possibilidade de avançar no desenvolvimento sem a necessidade de mudanças radicais na ordem estabelecida PINTO 1964 O que é necessário diria o economista são bons governos cercados por boas pressões sociais e um ambiente democrático propício ao diálogo e à concertação Nesse sentido podese afirmar que ele não era totalmente avesso a determinadas posições da ortodoxia econômica Sua preocupação se traduzia muito mais em um questionamento do excessivo estruturalis mo das teorias marxistas sobre a dependência periférica as quais dominavam as discus sões latinoamericanas Tais teorias na sua perspectiva não davam margem a ações que sem pretender uma transformação total da estrutura socioeconômica poderiam contri buir para reduzir o hiato entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos principalmente no que tange ao enfrentamento da pobreza absoluta de grande parte da população des ses países Segundo Hirschman 1996 p 178 essa relutância em louvar ou mesmo reconhecer o progresso enquanto ele acontece bem debaixo do nosso nariz o que faz com que os louvores coincidam com a lamentação por seu final foi particularmente marcante na América Latina Como o próprio Hirschman define sua abordagem possibilista otimista di riam alguns elege como mais importante identificar possibilidades do que prever pro babilidades ou tendências Mas mais do que isso no caso da América Latina ela expres sa uma profunda crítica do que o economista considerava ser o resultado do excessivo pessimismo dos teóricos da CEPAL e dos dependentistas o qual estaria produzindo EAD 41 efeitos nefastos no que diz respeito à capacidade de mobilização social pela construção de uma nova estratégia de desenvolvimento Nas palavras de Hirschman 1996 p 217 a estratégia de enfatizar o negativo há muito tempo produz retornos decrescentes e mesmo contrários Com efeito o autor dedicou boa parte de seus escritos e de sua militância a contraporse às visões ideologizadas que negam os elementos positivos da experiência histórica e passam facilmente à proposição de soluções últimas e integrais para os problemas do desenvolvimento Ampliando sua crítica Hirschman sugeria que na América Latina a negação das experiências passadas criava uma cultura de imprevisibilidade e descontinuidade de modo que com frequência novos governantes passavam a procurar alternativas origi nais geralmente por meio de projetos mirabolantes que trariam soluções salvadoras e definitivas Desconsideravamse assim as evidências do progresso econômico e social para creditar a única possibilidade de mudança a soluções integrais que deveriam derru bar a velha estrutura social para erguer em seu lugar outra totalmente diversa Em opo sição a isso o autor dizia ser imprescindível evitar tanto a ilusão do reformismo apenas soluções incrementais quanto a ideia de que para qualquer mudança se necessita de uma nova revolução Por outro lado Hirschman 1996 também refuta a ideia de que todas as coisas boas andam juntas Para ele inexistem razões ou fatos que façam disso uma regra Como revelou a própria experiência latinoamericana é possível realizar um progresso econômico considerável sem um concomitante avanço democrático e viceversa Do mesmo modo também não é possível afirmar o imperativo de soluções sequenciais do tipo uma coisa por vez primeiro crescimento depois distribuição Tais propostas podem estar associadas a posturas antirreformistas que pretextando a ameaça a per versidade ou a futilidade de uma reforma procuram manter a situação inalterada1 O fato é que progresso econômico e progresso político não estão ligados de modo fácil direto e funcional HIRSCHMAN 1996 p 257 Como sugere o autor devese antes pensar numa relação intermitente de interdependência e autonomia algo semelhante a uma conexão ligadesliga2 1 A tese da perversidade explorada pelo autor advoga que determinada política se implantada desencadeará um efeito que piorará a situação A tese da futilidade alega que a política é vã e que portanto não produzirá efeito algum Já segundo a tese da ameaça a adoção de uma nova reforma coloca em risco realizações anteriores 2 Esta formulação deriva de uma discussão anterior sobre o efeito catraca que revela a inexistência de uma cor relação automática perfeita e mecânica entre indicadores econômicos e sociais A ideia de catraca ilustra a maneira como alguns indicadores sociais avançam em períodos de crescimento econômico sem retroceder novamente em face de um retrocesso EAD 42 A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO Diferentemente do modelo neoclássico onde tudo se resume a uma questão de melhor alocação de recursos tidos de antemão como escassos ao ver de Hirsch man o desenvolvimento referese antes de mais nada à mobilização de habilidades e recursos ocultos Em seu dizer o desenvolvimento não depende tanto de encontrar ótima confluência de certos recursos e fatores de produção quanto de provocar e mobi lizar com propósito desenvolvimentista os recursos e as aptidões que se acham ocultos dispersos ou mal empregados HIRSCHMAN 1961 p 19 Esses recursos ocultos também denominados por ele de racionalidades ocultas estão sempre em processo de crescimento e mudança e são definitivos para lutar contra o que ele mesmo chamava ao analisar os projetos de desenvolvimento de síndrome do economista visitante e de fracassomania nativa BLANCO 2013 Hirschman considera que há uma arte de promover o desenvolvimento a qual pressupõe que os atores não possuem plena compreensão de como devem agir Os projetos são construídos em um mundo repleto de incertezas e acasos onde na ver dade distintos eventos convergem numa conspiração multidimensional em favor do desenvolvimento numa conjunção de circunstâncias extraordinárias completamente inesperadas HIRSCHMAN 2000 O desenvolvimento não consiste simplesmente no resultado final alcançado por um esquema de planejamento racional ou no saldo global das ações individuais em busca da satisfação de preferências fixas e exógenas mas em uma aventura épica onde nada é certo claro ou absoluto HIRSCHMAN 1996 É um processo individual e coletivo em que os indivíduos e as instituições são ao mes mo tempo os agentes developer e os principais beneficiários developed do desenvolvi mento SANTISO 2000 Foi essa incerteza com que Hirschman se deparou ao avaliar diferentes projetos de desenvolvimento que o levou a propor o princípio da mãooculta em oposição à clássica noção de mão invisível que Adam Smith utilizou para caracterizar o mercado De acordo com Hirschman a mãooculta atua principalmente através do descobrimen to da ignorância das incertezas e das dificuldades agindo por meio das técnicas da pseudoimitação e do programa global A pseudoimitação é aquela que apresenta os pro jetos como menos difíceis do que são enquanto o programa global dá aos planejadores a ilusão de serem mais perspicazes em relação às dificuldades do projeto do que real mente são Com efeito Hirschman acreditava que essa mãooculta embora necessária teria cada vez menos influência na medida em que se aprimorasse a arte de promover o desenvolvimento Este passa a ser o resultado dos projetos dos atores sociais o fruto da ação visível dos indivíduos e organizações incluindo o Estado como mecanismo re gulamentador e promotor EAD 43 Assim como Celso Furtado Hirschman também foi categórico em afirmar a ine xistência de benefícios mútuos mecânicos e abstratos dados de antemão pelas leis do mercado No entanto contrariamente à matriz cepalina de Furtado Hirschman 1986 1996 tem uma postura mais otimista com relação à construção desses benefícios mútu os os problemas do subdesenvolvimento podem ser superados notadamente através da intervenção estatal Como se afirmou acima o crescimento segundo Hirschman é quase inexoravel mente criador de desigualdades porquanto é decorrente de escolhas que beneficiam alguns em detrimento de outros Isso desqualifica a falácia conservadora de que é pre ciso fazer o bolo crescer para depois dividilo Por outro lado também não é possível imaginar que uma sociedade deva antes acabar com a iniquidade social para só então se desenvolver ideia associada de acordo com Hirschman 1961 ao ponto de vista derrotista de que o desenvolvimento deve ser equilibrado de início ou então não se dará Na percepção do autor enfrentar a iniquidade é mais fácil com crescimento mas essa tarefa exige soluções antagônicas opções que favoreçam aqueles que não são naturalmente beneficiados pelo crescimento É nesta perspectiva que o economista sugere uma estratégia de crescimento desequilibrado Tratase de uma notável discordância com o pensamento da época o qual se assentava na ideia de crescimento equilibrado expressa por exemplo pelo Modelo HarrodDomar Esse modelo de crescimento de longo prazo de inspiração key nesiana sugere que o desenvolvimento é um processo gradual e equilibrado cuja equa ção é composta por três variáveis fundamentais taxa de investimento taxa de poupança e relação produtocapital O modelo apresenta ademais como condição básica para o crescimento equilibrado uma relação produtocapital constante conhecida como o equilíbrio no fio da navalha Outro tipo de aplicação desse modelo é encontrado nas formulações de Rosens teinRodan 1969 e de Nurkse 1957 Este último cunhou a conhecida expressão do círculo vicioso da pobreza segundo a qual forças circulares mantêm as economias em um estado de equilíbrio de subdesenvolvimento Notese que neste caso a dis cussão se volta para a reprodução do não desenvolvimento Segundo Nurkse o baixo rendimento per capita nas economias subdesenvolvidas define dois tipos de bloqueio à formação de capital a o baixo poder de compra nível de consumo e b a reduzida capacidade de poupança potencial de investimento Assim a indução do investimento é limitada pela dimensão do mercado A fragilidade do mercado condiciona a existência de custos altos e de baixas taxas de lucro o que reduz o investimento ocasionando me nor crescimento econômico O resultado final é a reprodução do subdesenvolvimento e da pobreza Nos termos do autor NURKSE 1957 p7 EAD 44 um homem pobre não tem o bastante para comer sendo subalimentado sua saúde é fraca sendo fisicamente fraco sua capacidade de trabalho é baixa o que significa que ele é pobre o que por sua vez quer dizer que não tem o bastante para comer e assim por diante Tal situação transposta para o plano mais largo de um país pode ser resumida nesta pro posição simplória um país é pobre porque é pobre A questão passa portanto a ser como superar esse bloqueio Em uma estratégia de crescimento equilibrado cogitase a aplicação simultânea e sincronizada de capital em diferentes segmentos com vistas a promover a expansão generalizada do mercado Assim sugerese às economias subdesenvolvidas que ataquem o problema da insuficiên cia de demanda por meio de um grande impulso no conjunto da economia a fim de expandir emprego e renda supondose que a demanda cresça com a expansão da oferta generalizada e que se conforme a chamada Lei de Say Algo similar foi realizado com a aplicação do Plano Marshall para a reconstrução da Europa no pósguerra Mas este era um contexto particular De outro modo os países subdesenvolvidos que se empenharam para obter vultosos empréstimos internacionais logo se deram conta de que a arrancada para o crescimento não dependia apenas de recursos mas de um arranjo institucional e político propício ao desenvolvimento Nestes casos os resultados foram níveis crescen tes de endividamento com retornos contestáveis Quais seriam as principais restrições de Hirschman frente a esse tipo de estratégia nos países subdesenvolvidos Primo a insuficiência de recursos desses países para pro moverem esse grande impulso simultaneamente em todas as áreas Secundo a necessida de de coordenação global do processo o que implicaria governos centralizados e com capacidade operacional Tertio o fato de que os Estados não possuiriam estrutura para agir ao que se somaria a falta de conhecimentos tecnologias e habilidades sociais O autor destaca em particular que no contexto das economias ditas subdesenvolvidas os obstáculos ao crescimento estariam relacionados sobretudo com a escassez de conheci mentos e competências organizacionais e de gestão fatores essenciais para uma estraté gia de crescimento equilibrado Conclui Hirschman 1961 p 8889 dizendo que se um país estivesse em condições de aplicar a doutrina do desenvolvimento equilibrado então preliminarmente não seria um país subdesenvolvido Fortemente influenciado pelas ideias de Schumpeter vide supra cap 2 segundo as quais os desequilíbrios poderiam ser forças motrizes do desenvolvimento Hirschman 1961 passou a propor a realização de investimentos em setoreschave fundamen talmente naqueles que dispõem de maior potencial de encadeamento a montante e a jusante Ao invés das soluções simultâneas propôs soluções sequenciais com foco nos pontos de desequilíbrio Os planos desenvolvimentistas deveriam mobilizar recursos e EAD 45 habilidades ocultos dispersos ou mal aproveitados e incentivar inovações que permitis sem produzir e gerir novos desequilíbrios Obviamente Hirschman 1983 estava ciente de que uma vez iniciado o processo as interdependências entre os inúmeros setores econômicos acentuariam os desequilíbrios efeito do maior desenvolvimento de deter minado setor Isso colocaria em movimento as forças de mercado mudanças de preços e as políticas governamentais em resposta a clamores sociais contra a escassez gerada controlando o desequilíbrio A rigor na espinha dorsal dessa estratégia de desenvolvimento segundo Bianchi 2007 estão os encadeamentos do setor industrial principalmente para trás como quando se enviam estímulos para setores que fornecem os insumos requeridos Na visão hirschmaniana sobretudo os investimentos públicos com vistas à modernização deve riam priorizar áreas tecnologicamente mais avançadas com maior efeito de arrasto isto é que induzam com mais força à criação de outras empresas Ao mesmo tempo este autor defendia o investimento em grandes projetos ferrovias hidroelétricas etc seja pelo potencial de encadeamento seja pelo efeitodemonstração ou ainda pela maior facilidade de controle público do uso dos recursos Seja como for o principal mecanismo indutor desses encadeamentos seria a indução da decisão visto que segundo Hirschman a chave do desenvolvimento se encontra primordialmente nos in centivos da ação humana canalizar energias na direção desejada e na mediação do espírito cooperativo e criador Como nota Bianchi p 137 um aspecto importante da originalidade da abordagem de Hirschman é o fato de ter sido capaz de realizar a dimensão psicológica da estratégia desenvolvimentista Não obstante Hirschman considera que certo grau de iniquidade é tolerado no início do processo A constatação de que os outros estão melhorando sua condição de vida leva à presunção de que a minha também poderá melhorar A isso o autor denomi na de efeito túnel metáfora que remete à experiência das filas de automóveis engar rafados dentro de um túnel Todavia a demora para ver a luz no fim do túnel pode fazer com que a expectativa do motorista se transforme em indignação resultando em um acirramento de conflitos que perturba a continuidade do processo e provoca alterações sucessivas e incertas com os motoristas procurando mudar constantemente de pista e piorando ainda mais o fluxo geral Como a propósito de tantas outras incertezas não há como se saber de antemão o limite de tolerância necessária A arte do desenvolvimento está justamente em gerir esta cadeia de desequilíbrios e os conflitos a ela inerentes sem a pretensão de caminhar rumo a qualquer forma de equilíbrio preestabelecido3 3 Notese que na visão de Hirschman 1996 os conflitos não são necessariamente negativos Eles podem atuar como cola ou solvente das relações sociais coerindo ou dilacerando os laços sociais Ademais os conflitos são indivisíveis do tipo ouou onde só uma das partes pode sair vencedora como no caso de disputas étnicas e religiosas de difícil resolução ou divisíveis do tipo mais ou menos como no caso de disputas entre classes grupos e regiões que se prestam a soluções conciliatórias EAD 46 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO UMA SÍNTESE Bonente e Almeida Filho 2008 destacam a importância dos trabalhos de Hirsch man na consolidação de uma disciplina designada como Economia do Desenvolvimento ED a qual serviu de base à formulação de políticas nacionais de desenvolvimento até a década de 1970 Em que pese sua diversidade interna encontrase na origem dessa disciplina uma crítica contundente à simplificação e esquematização da realidade pelas ortodoxias tanto liberais quanto marxistas Em Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento Hirschman 1986 analisa as especificidades que justificam a instituição da disciplina Um primeiro ponto desta cado pelo autor é o fato de que a disciplina traduz sua rejeição ao monoeconomismo e nesse sentido o débito que ela tem para com a Teoria geral de Keynes a qual constituiria o primeiro corpo analítico coerente capaz de evidenciar o equívoco da economia con vencional que desconsidera a existência de realidades sociais diversas e a necessidade de instrumentos distintos para analisálas Notese que este argumento também serviu de base para uma teorização sobre o fenômeno do subdesenvolvimento A segunda característica distintiva da ED apontada por Hirschman seria a sua posição peculiar em relação ao princípio da reciprocidade das vantagens nas relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos Contrariamente aos liberais que susten tavam a existência dessa relação recíproca a ED afirmava a inexistência de benefícios mútuos mecânicos e abstratos gerados de antemão pelas leis do mercado Nesse sen tido a disciplina se aproximaria da tese cepalina referente à deterioração dos termos de troca nas relações desiguais entre centro e periferia Hirschman 1986 acreditava todavia que esses benefícios poderiam ser construídos com medidas adequadas de polí ticas públicas Não é em vão que grande parte da ED se volta de modo particularmente assíduo à análise e à formulação de instrumentos de intervenção do Estado Cabia à ED instituída enquanto disciplina teorizar sobre sua principal tarefa en contrar formas de superar os elementos que obstam o desenvolvimento e descobrir os recursos e capacidades ocultos Para tanto havia certo consenso na avaliação de que qualquer política desse tipo reservaria um papel relevante à industrialização HIRS CHMAN 1986 Faltava porém discernir qual estratégia seria capaz de impulsionar a industrialização e a modernização dos países subdesenvolvidos O economista con tribuiu para este debate com sua teorização sobre encadeamentos e desenvolvimento desequilibrado A partir dos anos 70 a tranquila segurança que até então animava a ED foi abalada O principal motivo do abalo advinha do fato de que a modernização trouxera consigo tensões e problemas não previstos inicialmente em especial o autoritarismo Isso abriu caminho para que economistas neoclássicos e marxistas responsabilizassem a disciplina EAD 47 pelas consequências da industrialização A direita liberal acusoua de esquecer os fun damentos universais da economia Os marxistas encontraram brecha para demonstrar que as mudanças finalmente só se dariam a partir de uma transformação total das es truturas sociais HIRSCHMAN 1986 Em Ascensão e declínio da economia do desenvolvimento Hirschman 1982 pondera que a emergência da ED ocorreu como resultado da conjunção de distintas correntes ideológicas as quais mesmo tendo apresentado resultados produtivos trouxeram sérios problemas para o futuro Primeiro em razão de sua feição ideológica heterogênea a nova ciência estava submetida a tensões que se mostrariam explosivas na primeira oportunidade Segundo em razão das circunstâncias sob as quais surgiu a Economia do Desenvol vimento se sobrecarregou de esperanças e ambições irrealis tas que logo teriam que ser afastadas p 6 A rigor mais do que defensor da ED Hirschman foi acima de tudo defensor de um pensamento heterodoxo e híbrido que evitou que se caísse nas armadilhas que am bos os lados engendravam De forma positiva seus trabalhos originamse geralmente de uma reação crítica às teorias e ideologias dominantes as quais vendo suas fragilida des colocadas à tona costumam formular teorias completamente novas Foi o posicio namento antagônico das escolas de pensamento econômico que fez com que Hirschman recusasse filiarse a uma ou outra corrente teórica o que lhe permitiu adaptar com muita maleabilidade sua teoria para explicar as diferentes realidades observadas A obra de Hirschman destacase não apenas em virtude dos seus aportes à econo mia mas e talvez principalmente graças à sua propensão a ultrapassar as fronteiras com outras ciências sociais entre as quais as ciências morais e políticas OCAMPO 2008 SANTISO 2000 Essa tendência levouo a ser pouco apreciado por seus pares Ele pró prio declarouse não apenas um subversivo mas um autossubversivo questionando recorrentemente suas próprias formulações Mas como ele faz questão de ressaltar seu principal desafeto era a ortodoxia é verdade o inimigo principal é a ortodoxia Repetir sempre a mesma receita a mesma terapia para curar tipos diferentes de doença não admitir a complexidade querer reduzila a todo custo ao passo que as coisas reais são sempre um pouco mais complexas HIRSCHMAN 2000 p 96 EAD 48 A preocupação em afastarse das soluções familiares unifica sua abordagem Mais do que isso esse modo peculiar de olhar a realidade que insiste em ultrapassar tres passing as barreiras disciplinares e a procura incansável pelos fatores que impulsio nam e aprestam o desenvolvimento estão presentes ao longo de toda a sua trajetória É justamente isso que dá um sentido de continuidade à sua obra apesar das recorrentes autossubversões De acordo com Bianchi 2007 p 132 podese afirmar que o autor dedicou sua obra a questões que o fazem voltar sempre aos mesmos assuntos de tal modo que é como se ele tivesse escrito um único livro durante sua vida Em uma de suas últimas obras escritas já no contexto da crise da ED e da consolidação do neolibe ralismo Hirschman 1996 p 105 afirma A nova dinâmica que percebemos nos temas da dependência encadeamentos saídavoz etc no fim das contas não can cela nem refuta as descobertas anteriores em vez disso ela define esferas do mundo social onde as relações originalmen te postuladas não têm validade De qualquer forma não há dúvida de que seus escritos impactaram profundamen te as discussões sobre desenvolvimento nas décadas que se seguiram à crise da ED Os modelos econômicos de crescimento endógeno incorporaram em suas funções variá veis como capital humano e social o neoestruturalismo da CEPAL começou a enfatizar as questões de equidade conjugando uma defesa de novos padrões de transformação produtiva com equidade social a nova economia institucional privilegiou o papel das instituições bem como preceitos de incerteza e racionalidade limitada e por fim a abordagem seniana vide infra cap 5 deu atenção às capacidades individuais na cons trução de novas trajetórias de desenvolvimento REFERÊNCIAS AREZKI Rabah PLOEG Frederick van der Can the natural resource curse be turned into a blessing The role of trade policies and institutions IMF Working Paper International Monetary Fund n 7 March 2007 Disponível em httpwwwimforgexternalpubsftwp2007wp0755pdf Acesso em 2 fev 2015 BIANCHI Ana Maria Albert Hirschman na América Latina e sua trilogia sobre desenvolvimento econô mico Economia e Sociedade Campinas v 16 n 2 p 131150 ago 2007 BLANCO Luis Armando Hirschman un gran científico social Revista de Economía Institucional Universi dad Externado de Colombia v 15 n 28 p 4764 1 sem 2013 BONENTE Bianca Imbiriba ALMEIDA FILHO Niemeyer Há uma nova Economia do Desenvolvimen to Revista de Economia Ed da UFPR v 34 n 1 p 77100 janabr 2008 EAD 49 HIRSCHMAN Albert Otto Estratégia do desenvolvimento econômico Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 Ascensão e declínio da economia do desenvolvimento Revista de Ciências Sociais Universidade Federal do Ceará v 25 n 1 1982 Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento In A economia como ciência moral e política São Paulo Brasiliense 1986 p 4980 Autosubversão teorias consagradas em xeque São Paulo Companhia das Letras 1996 A moral secreta do economista São Paulo Ed da UNESP 2000 LEPENIES Philipp H Possibilismo vida e obra de Albert Otto Hirschman Traduzido do inglês por Ota cílio Nunes Jr Novos Estudos CEBRAP São Paulo n 83 p 6588 mar 2009 NURKSE Ragnar Problemas da formação de capital em países subdesenvolvidos Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1957 OCAMPO José Antonio Hirschman la industrialización y la teoría del desarrollo Desarrollo y Sociedad Bogotá n 62 p 4161 juldic 2008 PINTO Aníbal Albert Otto Hirschman Journeys toward progress Studies of economic policy making in Latin America El Trimestre Económico México v 31 n 1 p 166168 1964 ROSENSTEINRODAN Paul Problemas de industrialização da Europa Oriental e SulOriental In AGARWALA Amar Narain SINGH Sampat Pal Eds A economia do subdesenvolvimento Rio de Janeiro Forense 1969 1943 SANTISO Javier Hirschmans view of development or the art of trespassing and selfsubvertion CEPAL Review Santiago de Chile n 70 p 93109 Apr 2000 EAD 50 Capítulo 5 SEN E O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE Tanise Dias Freitas Abel Cassol Ariane Fernandes da Conceição Paulo André Niederle INTRODUÇÃO As mudanças globais do pósguerra mostraram faces do desenvolvimento que extra polavam as medidas convencionais relacionadas ao crescimento econômico tais como os indicadores de renda e o Produto Interno Bruto PIB Neste contexto emergem diver sas abordagens que buscam compreender de modo mais amplo e integrado as transfor mações sociais e econômicas sem cair nas armadilhas do economicismo que geralmente recorre a uma ideia de etapas de desenvolvimento com os países ditos subdesenvolvi dos tendo que se adequar aos modelos das economias avançadas vide supra cap 1 Ao mesmo tempo sobretudo nas décadas de 1980 e 1990 não apenas se per cebeu que os modelos estritamente fundados nos critérios econômicos convencionais não eram suficientes para explicar a mudança social como também se passou a advogar a necessidade de dar maior atenção aos sujeitos sociais e às suas capacidades de alte rar os padrões institucionalizados Muitas das novas abordagens do desenvolvimento voltaramse à compreensão do modo como as pessoas veem seu lugar no mundo e procuram construir alternativas para viabilizar a vida que elas mesmas julgam adequada Assim na esteira de debates sociológicos em torno da capacidade de agência humana vários autores procuraram resituar os indivíduos no centro das novas abordagens do desenvolvimento Os atores sociais passaram a merecer a atenção que antes era dada prioritariamente ao Estado ou ao Mercado enquanto forças externas promotoras do desenvolvimento EAD 51 Do ponto de vista dos resultados do desenvolvimento o que até então se sabia e estava posto era que os ganhos da modernidade industrial não foram igualmente repar tidos entre as sociedades e os indivíduos Os teóricos da dependência e os economistas cepalinos como Celso Furtado deixaram isso muito claro vide supra cap 3 A desi gualdade evoluía paralelamente ao crescimento econômico as promessas de diminuição da pobreza e da miséria material não encontravam respostas frente à crescente vulnera bilidade social e aos riscos aos quais os indivíduos estavam expostos Precisavase então esclarecer novos conceitos e abordagens que analisassem privações bemestar quali dade de vida e capacidades para entender o que estava acontecendo em determinados contextos e como estes poderiam ser melhorados É neste momento que os trabalhos do economista indiano Amartya Sen ganham visibilidade nos estudos sobre o desenvolvimento Na visão de Sen para pensar a equidade social é necessário inserir nos debates a questão da diversidade humana além de reconhecer os valores e as concepções de vida daqueles que seriam alvos dos projéteis de desenvolvimento O autor questiona as concepções de desenvolvimento restritas ao crescimento do Produto Interno Bruto e ao aumento das rendas pessoais ou de qualquer outra avaliação que tenha como critério único indicadores monetários A vida das pessoas é a finalidade última sendo a produção e a prosperidade meros meios para atingila O objetivo é a liberdade a fim de que os indivíduos não sofram privação de capacidades e estejam livres para viver do modo que preferirem ou seja a fim de que os indivíduos possam agir para ir ao encontro das mudanças a eles propiciadas de acordo com seus valores e objetivos Tal discurso está atrelado às oportunidades às capacidades de escolha e à liberdade de ação A situação hipotética que segue elucida as críticas elaboradas por Sen Imagine uma família A composta por três membros que possui renda per capita mensal de R 50000 reside no meio rural onde produz para o autoconsumo e dispõe de precário saneamento básico A família B é constituída de quatro membros possui ren da per capita mensal de R 50000 reside no meio urbano satisfaz suas necessidades alimentares unicamente mediante a compra dos alimentos e conta com excelente saneamento básico Já a família C é formada por quatro pessoas duas das quais apresentam graves problemas de saúde reside em imóvel alu gado e tem renda per capita mensal de R 90000 reais EAD 52 Por fim a família D é formada por cinco membros que gozam todos de excelente saúde reside em casa própria e tem renda per capita mensal de R 65000 reais Quem são os pobres Qual das famílias é a mais pobre Como avaliar tal hetero geneidade Estas são perguntas com as quais estudiosos dedicados à temática da pobre za desigualdade social qualidade de vida e bemestar vêm se defrontando a partir da Abordagem das Capacitações proposta por Amartya Sen VIDA E OBRA DE AMARTYA SEM Amartya Sen nasceu em 1933 na cidade de Santiniketan em Bengala Índia Filho de uma família de intelectuais e políticos Sen formouse em Economia no ano de 1953 na Universidade de Calcutá Aos 23 anos de idade foi indicado para fazer doutorado na Universidade de Cambridge e obteve o título em 1959 com um trabalho inédito sobre A escolha de técnicas sob a orientação do brilhante mas vigorosamente intolerante Joan Robinson um economista herdeiro da tradição keynesiana1 Além disso Sen estudou Filosofia durante quatro anos com foco na teoria da escolha social pela lógica matemá tica na filosofia moral e no estudo da desigualdade e privação Tendo ingressado na vida profissional Sen lecionou na Delhi School of Economics na London School of Economics na Universidade de Oxford e na Universidade de Har vard Em 2011 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra Também foi membro coordenador e presidente de diversas associações e grupos Asso ciação de Estudos do Desenvolvimento Sociedade Econométrica International Economic Association e Associação Indiana de Economia Foi Reitor da Universidade de Cambrid ge é também um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento Universidade da ONU Atualmente atua como Diretor Honorário do Centro de Estudos de Desenvolvimento Humano e Econômico da Universidade de Pequim e é membro da diretoria do Conselho do PrimeiroMinistro da Índia Sua bibliografia é bastante extensa cabendo destacar aqui apenas algumas de suas principais obras Choice of Techniques Escolha de técnicas tese de doutoramento 1960 On Economic Inequality Sobre a desigualdade econômica 1976 1 Sen era considerado um membro da sociedade secreta dos Apóstolos de Cambridge pois não concordava nem com economistas neoclássicos nem com os keynesianos mas transitava como poucos pelas duas vertentes EAD 53 Poverty and Famines An Essay on Entitlement and Deprivation Po breza e fomes um ensaio sobre direito e privação 1982 Inequality reexamined Desigualdade reexaminada 1982 Choice Welfare and Measurement Escolha bemestar e medição 1983 On Ethics and Economics Sobre Ética e Economia 1987 The Quality of Life A Qualidade de Vida com Martha Nussbaum 1993 Development as Freedom Desenvolvimento como Liberdade 1999 Freedom Rationality and Social Choice Liberdade racionalidade e escolha social 2000 The Idea of Justice A ideia de Justiça 2010 Peace and Democratic Society Paz e sociedade democrática 2011 No que tange às principais implicações do seu trabalho cumpre mencionar que em 1993 juntamente com Mahbudul Haq economista paquistanês Sen propôs o Ín dice de Desenvolvimento Humano IDH o qual vem sendo aplicado desde então pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD em seu relatório anual e se tornou uma das principais medidas comparativas de desenvolvimento utilizadas por inúmeras organizações em todo o mundo O IDH é composto de dados relativos à expectativa de vida ao nascer à educação e ao PIB per capita Ele possibilita comparar a situação de diferentes países regiões estados e municípios em dado momento ou em séries históricas com vistas a analisar os avanços ao longo do tempo A ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES Como se afirmou acima na Introdução a abordagem seniana deita um olhar novo sobre o desenvolvimento que não o estritamente econômico A noção de desenvolvi mento proposta por Amartya Sen sustenta que este somente pode ser alcançado quando os indivíduos dispõem dos meios pelos quais podem realizar os fins que almejam ultrapassando obstáculos preexistentes que condicionem ou restrinjam a liberdade de escolha Segundo o autor os benefícios do crescimento ampliam as capacidades huma nas o conjunto das coisas que as pessoas podem ser ou fazer na vida Quando se dá a expansão dessas capacidades as pessoas têm as condições necessárias para fazer suas escolhas e alcançar a vida que realmente desejam Sen 2000 p 10 define EAD 54 o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição enquanto agentes de sua própria mudança Em outras palavras a partir do momento em que as pessoas deixam de estar sub metidas à privação de suas capacidades podese estimular o desenvolvimento Nessa perspectiva a construção de capacidades busca melhorar a condição humana focalizan do a liberdade de ser e de fazer dos indivíduos ou seja de exercer ponderadamente suas condições enquanto agentes do processo de desenvolvimento Os saldos do desenvolvimento melhoram não somente a qualidade de vida como também as habilidades produtivas das pessoas e o crescimento econômico de base com partilhada Assim desviase o foco das ações voltado para os fins ou resultados materia lizados em variáveis como renda posse de bens ou capitais para privilegiar o aprimora mento dos meios e modos de que os indivíduos dispõem para lidar com as adversidades dos contextos em que vivem com os riscos sociais e as incertezas Para melhor elucidar tais ideias um dos pontos de partida da análise de Amartya Sen é a investigação da razão das fomes coletivas do porquê de as pessoas morrerem de fome Em suas conclusões o autor atribui esse fenômeno não à perspectiva malthusiana da escassez de alimentos mas às falhas nos intitulamentos ativos ou recursos compre endidos como pacotes de mercadorias sobre as quais uma pessoa pode ter controle é capaz de escolher consumir SEN 2001 p 235 Segundo o autor as pessoas passam fome quando não obtêm seu intitulamento sobre uma quantia adequada de alimentos o que não resulta necessariamente do declínio da disponibilidade de alimentos Algumas das piores fomes ocorreram sem declínio significativo da disponibilidade de alimentos por pessoa Argumenta Sen 1999 p 21 Se uma de cada oito pessoas tem regularmente carências ali mentares no mundo isso é considerado como resultado de sua incapacidade de adquirir direito a alimentos suficientes a questão da disponibilidade física dos alimentos não está di retamente envolvida O intitulamento do indivíduo ou da família de acordo com Sen 2000 depende de três fatores dotação possibilidades de produção e condições de troca A dotação referese à propriedade de recursos produtivos e de riqueza que a família possui e que têm preço no mercado Tratase geralmente da força de trabalho e da posse da terra As possibilidades de produção referemse à tecnologia ao conhecimento disponível e à capaci dade das pessoas para organizarem seus conhecimentos e desfrutarem deles EAD 55 As condições de troca por sua vez concernem ao potencial para vender e comprar bens e à determinação dos preços relativos de diferentes produtos Esses ativos ou re cursos também dependem da proteção de governos e organizações Assim ao invés de focar o declínio da disponibilidade de alimentos a abordagem dos intitulamentos con centrase na capacidade dos indivíduos para disporem dos alimentos através dos meios legais que lhes fornece a sociedade incluindo o recurso a possibilidades de produção a oportunidades comerciais e a direitos em relação ao Estado SEN 1999 2000 Há por conseguinte um aspecto central relacionado aos mecanismos redistributivos os quais se fundamentam nas discussões senianas sobre equidade social Na evolução do pensamento de Sen esta análise da fome centrada nos intitula mentos que também pode ser aplicada à pobreza será instrumental e dará origem à abordagem das capacitações Para conceituar a abordagem será necessário apresentar previamente outro conceito relevante o de funcionamentos Estes refletem o conjunto de coisas que uma pessoa pode considerar indispensável fazer ou ter Podem ser desde as coisas mais elementares como estar adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis até as mais complexas como participar da vida comunitária e ter respeito próprio As sim de acordo com Sen 2000 p 95 capacidade diz respeito às várias combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela Em outras palavras A quantidade ou grau de cada funcionamento usufruído por uma pessoa pode ser representada por um número real e quando isso é feito a realização efetiva da pessoa pode ser vista como um vetor de funcionamento O conjunto capacitá rio consistiria nos vetores de funcionamentos alternativos dentre os quais a pessoa pode escolher Enquanto a combi nação de funcionamento de uma pessoa reflete suas realizações efetivas o conjunto capacitário representa a liberdade para re alizar as combinações alternativas de funcionamentos dentre as quais a pessoa pode escolher p 95 Grifos do autor Sen 2010 destaca ainda a importância das liberdades instrumentais para o desen volvimento como liberdade e as categoriza em cinco tipos SEN 1999 p 5657 a liberdades políticas dizem respeito às decisões de escolha de representantes políticos em consonância com seus princípios pessoais e de acordo com seus direitos democráticos b facilidades econômicas são oportunidades de se utilizarem os recursos econômicos para consumo produção ou troca c oportunidades sociais são as possibilidades que a sociedade oferece aos indivíduos para que estes possam viver melhor d garantia de transparência está atrelada à confiança entre as pessoas e e segurança protetora oferece a segurança social impedindo que a população afetada seja reduzida a miséria abjeta EAD 56 PRINCIPAIS CONCEITOS APRESENTADOS POR AMARTYA SEN INTITULAMENTOS MEIOS são os condicionantes ou ativos que carac terizam recursos que os indivíduos possuem Liberdades políticas direitos civis liberdade de expressão de voto direito de escolha informativa etc Facilidades econômicas consumo condições de troca renda riqueza Oportunidades sociais educação saúde emprego com foco na vida pri vada Garantias de transparência relações de confiança institucional ou indi vidual Segurança protetora rede de segurança social habitação saneamento aposentadoria transporte etc FUNCIONAMENTOS FINS realizações são os resultados das várias combinações de intitulamentos repercutindo então na liberdade que uma pessoa tem para levar a vida da forma que deseja Exemplos estar bem nutrido livre de doenças ter boa saúde ter um bom emprego etc ou conquistas mais complexas como ter respeito próprio ser feliz fazer parte da vida da comunidade etc São consecutivos ao estado being de uma pessoa e uma avaliação do bem estar tem de assumir a forma de uma apreciação desses elementos constituintes Elaborado pelos autores Nessa perspectiva desenvolvimento humano passa a ser concebido como expansão das capacidades e sua avaliação tem como foco a liberdade uma vez que a capacidade reflete a liberdade pessoal de escolher entre vários modos de viver SEN 1993 p 318 Logo o desenvolvimento pode ser alcançado à medida que diante de um leque de oportunidades os indivíduos têm a liberdade e a capacidade de escolha para alcançarem os fins que almejam A liberdade que era acima de tudo na obra de Sen um critério de avaliação passa a ser posteriormente uma definição e o desenvolvimento é compreendido como liber dade mais precisamente liberdade de escolha SEN 2000 Liberdade constitui então um valor intrínseco e instrumental intrínseco na medida em que é tido como objetivo primordial do desenvolvimento como fim e como direito instrumental uma vez que se EAD 57 relaciona ao modo como diferentes tipos de liberdade se ligam entre si contribuindo para promover outros tipos de liberdades e a liberdade humana em geral Neste ponto os indivíduos são agentes de mudança e não receptores passivos de benefícios Dependem das oportunidades sociais políticas e econômicas e a liberdade individual é considerada como um comprometimento social O motor do desenvolvi mento é essa condição de agente que contribui para fortalecer outros tipos de condi ções O que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômi cas liberdades políticas poderes sociais e condições habilitadoras tais como boa saúde educação básica e incentivo ao aperfeiçoamento de iniciativas DIVERSIDADE HUMANA EQUIDADE E DESIGUALDADE Um debate importante na abordagem de Sen com consequências de monta para a avaliação do desenvolvimento e da pobreza diz respeito à diversidade humana Existem segundo o autor 2000 cinco tipos de fontes de diversidade entre os seres humanos que interferem na conversão de recursos em capacitações quais sejam a heteroge neidades pessoais sexo idade limitações físicas etc b diversidades ambientais c variações no clima social saúde pública educação violência etc d diferenças de perspectivas relativas convenções e costumes entre comunidades e e distribuição dentro da família entre os sexos as idades ou as necessidades percebidas Como nesta diversidade considerar a igualdade Equidade em termos de uma variável renda por exemplo pode conduzir à desigualdade em outro espaço potencial para realizar fun cionamentos ou obter o bemestar De acordo com Sen 2001 p 30 as exigências de igualdade substantivas podem ser especialmente rigorosas e complexas quando existe uma boa dose anterior de desigualdade a ser enfrentada Faz sentido então falar de igualdade levandose em conta a diversidade humana Sim desde que as demandas de equidade se ajustem à existência de uma diversidade humana generalizada A avaliação e a medição da desigualdade são inteiramente dependentes da variável focal A diversidade acima apontada é difícil de ser ajustada à avaliação da desigualdade e por essa razão as variáveis usuais se concentram na renda e na riqueza Contudo a desigualdade real de oportunidades com que as pessoas se defrontam não pode ser re duzida à desigualdade de rendas pois o que podemos ou não fazer podemos ou não realizar não depende somente das rendas mas também da variedade de características físicas e sociais que afetam nossas vidas e fazem de nós o que somos SEN 2001 p 60 Portanto a escolha do espaço liberdades direitos utilidades rendas bens pri mários etc é crucial para a avaliação da desigualdade Como então considerar a igualdade Igualdade de quê EAD 58 A equidade segundo Sen deve ser buscada no espaço da liberdade Assim se ex pressa o autor 2001 p 34 a capacidade de uma pessoa para realizar funcionamen tos que ela tem razão para valorizar fornece uma abordagem geral à avaliação de ordenamentos sociais e isto produz uma maneira singular de ver a avaliação da igualdade e da desi gualdade O sentido da igualdade é a equidade de liberdade que as pessoas têm e é nesta que a desigualdade deve ser analisada Assim sendo o desenvolvimento e a possibilidade de igualdade em termos de equidade de liberdade estão estreitamente relacionados às liberdades sociais civis e políticas que os indivíduos usufruem em suas vidas Ou seja o desenvolvimento e a igualdade também dependem do respeito aos direitos humanos e políticos Ao mesmo tempo a existência de iniquidades requer que se tratem de maneira dis tinta os desiguais Expor por exemplo diferentes agricultores às mesmas condições de mercado e políticas públicas significaria reproduzir elementos da desigualdade acesso à terra ao crédito e aos canais de comercialização por exemplo que comprometem a reprodução de inúmeros grupos e unidades de produção no meio rural O desafio consiste pelo contrário em garantir o acesso aos meios a fim de que esses agricultores tenham condições de constituir o tipo de vida que julguem relevantes mantendo os aspectos essenciais materiais e simbólicos que definem sua identidade social a qual é necessariamente diversa da de outros grupos O risco das abordagens economicistas é reduzir essa diversidade e a desigualda de a uma questão meramente produtiva com foco na mensuração da produção e da renda Ao longo do tempo tal tendência levou as práticas políticas de modernização da agricultura a uma tentativa de homogeneização não apenas dos sistemas de cultivo e criação mas do conjunto das características que definem o mundo rural sempre tomando por base um ideal modernoindustrial frequentemente inadequado às ex pectativas de vida de inúmeros agricultores e grupos sociais sobretudo das chamadas comunidades tradicionais A ANÁLISE DA POBREZA Na análise de Amartya Sen a pobreza deve ser compreendida como privação de capacidades básicas e não como baixo nível de renda tido como critério tradicional de avaliação O autor 2000 aponta três argumentos em favor desta compreensão EAD 59 a tal abordagem concentrase em privações que são intrin secamente importantes ao passo que a renda é apenas instru mentalmente relevante b há outras influências sobre a privação de capacidades e portanto sobre a pobreza além da insuficiência de renda c a relação instrumental entre renda e capacidade é variável entre comunidades famílias e indivíduos em decorrência da diversidade humana ou seja o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional Sen 1999 também estima ser relevante entender a pobreza como privação relativa ou absoluta A pobreza relativa envolve condições de privações e sentimentos de privações Priva ção relativa é uma expressão da desigualdade todavia nem pobreza nem desigualdade podem realmente ser incluídas no império uma da outra p 32 Por exemplo uma transferência de rendimento de um indivíduo do topo para outro do estrato interme diário da pirâmide social deve reduzir a desigualdade mas pode deixar pouco afetada a percepção da pobreza Por outro lado um declínio geral do rendimento pode manter a desigualdade inalterada mas acentua sensivelmente a pobreza a carência alimentar e a desnutrição No que concerne às condições de privações a pobreza relativa diz respeito a situações em que indivíduos possuem um atributo desejado rendimento condições ou capaci dades de emprego favoráveis etc a menos do que outros No entanto as condições de privações não podem estar desvinculadas de sentimentos de privações conforme argumenta Sen 1999 p 33 os objetos materiais não podem ser vistos neste conexto sem referência à maneira como as pessoas os veem e mesmo que os sentimentos não sejam explicitamente introduzidos eles devem ter um papel implícito na seleção de atributos Grifos do autor Devese observar o estilo de vida que é valorizado e partilhado em determinada sociedade e identificar um limite abaixo do qual os indivíduos ou as famílias avaliem ser cada vez mais difícil participar nos costumes e atividades que esse estilo de vida compre ende Sen 1999 exemplifica este ponto referindose à observação de Adam Smith de que um trabalhador na Europa ficaria envergonhado de aparecer em público sem vestir uma camisa de linho ao passo que os gregos e romanos não sentiriam tal desconforto A falta de camisa de linho e de sapatos denotaria a condição de pobreza acentuada do indivíduo EAD 60 Mas a pobreza relativa não deve ser a única a ser considerada no conceito de po breza Ela é complementar à privação absoluta que se relaciona com padrões mínimos de existência humana tais como as necessidades básicas Estas sofrem variações de acordo com as características físicas climáticas hábitos de trabalho etc o que determina ne cessidades nutricionais distintas para diferentes grupos Há diversos fatores que pesam neste tipo de determinação A tradução de necessidades nutricionais mínimas em ne cessidades mínimas de alimentos de custo mínimo pode não levar em conta os hábitos alimentares Geralmente assumese que será gasto em alimentação uma parte específica do rendimento esta proporção no entanto varia de acordo com os hábitos de consu mo a cultura e os preços relativos e não é fácil especificar as necessidades mínimas para produtos não alimentares Mesmo assim como aponta Sen 1999 embora vaga e necessitando de reformulações a noção de necessidades básicas continua relevante Uma fome por exemplo será prontamente aceite como um caso de pobreza aguda independentemente do que for o pa drão relativo dentro da sociedade Na verdade há um núcleo irredutível de privação absoluta na nossa ideia de pobreza que traduz informações de carência alimentar desnutrição e dificuldades visíveis num diagnóstico de pobreza sem ter de verificar primeiro a imagem relativa p 34 Segundo essa abordagem a superação ou minimização da pobreza está relacionada à expansão das capacidades básicas de um indivíduo ou seja das liberdades substantivas para que ele possa levar o tipo de vida que tem motivo para valorizar Destarte a pobreza não é vista apenas como uma mensuração negativa a falta de de um indicador obje tivo como a renda mas como uma situação que também envolve critérios subjetivos e sentimentais relacionados à cultura e aos hábitos das sociedades nas quais os indivíduos se encontram inseridos e dos quais se valem para determinar os modos de vida que consideram mais apropriados CONSIDERAÇÕES FINAIS As principais contribuições de Amartya Sen estão relacionadas não somente à introdução do tema da diversidade humana no debate concernente à equidade social e ao desenvolvimento mas também e sobretudo à mudança de foco no estudo do desen volvimento e na avaliação da pobreza concentrandose nos fins e não apenas nos meios Resultados importantes sobre a compreensão do desenvolvimento da desigualda de e da pobreza foram colhidos com base na obra de Amartya Sen O mais significativo é o Índice de Desenvolvimento Humano IDH No Brasil muitos autores entre os EAD 61 quais Kageyama e Hoffmann 2006 Mattos 2006 Garcia 2003 Comim e Bagolin 2002 entre outros enveredaram por esta discussão buscando por exemplo men surar a pobreza com base nas capacidades Tratase de uma abordagem que tem con quistado crescente adesão em diferentes campos acadêmicos e políticoinstitucionais em todo o mundo não obstante suas dificuldades de operacionalização e as críticas de que possa ser alvo Levando em conta a definição de pobreza sugerida por Sen e o fato de que a avaliação das capacidades também incide sobre os fins sugerese operacionalizar essa abordagem através de estudos participativos que permitam aos pesquisadores avaliar a pobreza de acordo com a percepção dos próprios pobres Tal opção porém tem topado com resistências e a crítica mais recorrente endereçada a esses estudos aponta as limita ções que têm os pobres para reconhecerem que a falta de capacitações entre as quais a falta de capacitação para entender a própria pobreza é parte constituinte do ser pobre É por isso que alguns autores entendem que a abordagem de Sen é mais adequa da para estratos que vão da linha da pobreza para cima porque abaixo dessa linha se encontram as necessidades básicas determinantes das capacidades Neste caso o pleno exercício das capacidades pode estar comprometido pelo insuficiente atendimento das necessidades básicas Por outro lado a réplica deste debate está sujeita a um questiona mento não menos convincente sobre a efetiva possibilidade de colocarse o pesquisador na situação de pobreza com vistas a definir ele mesmo os aspectos relevantes que com põem as condições de vida das pessoas Infelizmente não há uma solução conciliatória simples nesta discussão Por fim outra crítica relevante dirigida à abordagem seniana diz respeito à indi vidualização das trajetórias sociais o foco nos indivíduos o que dificulta a análise das assimetrias de poder que estão na base da não liberdade dos sujeitos OLIVEIRA 2007 Como um dos signatários dessa crítica Evans 2002 propõe focalizar as capaci dades coletivas Estas teriam melhores condições para enfrentar as restrições de poder que limitam as liberdades dos indivíduos Segundo este autor as possibilidades de o indiví duo agir de acordo com as razões que ele tem para valorizar algo aumentam à medida que ele se vincula a coletividades movimentos sociais por exemplo que têm razões para valorizar coisas similares Superar as restrições à liberdade e por conseguinte ao desenvolvimento não constituiria portanto uma ação individual EAD 62 REFERÊNCIAS COMIM Flávio Vasconcellos BAGOLIN Izete Pengo Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande do Sul Ensaios FEE Porto Alegre v 23 Número Especial p 467490 2002 EVANS Peter Collective capabilities culture and Amartya Sens development as freedom Studies in Com parative International Development Cham v 37 n 2 p 5460 Summer 2002 GARCIA Ronaldo Coutinho Iniquidade social no Brasil uma aproximação e uma tentativa de dimensio namento Texto para Discussão n 971 Brasília IPEA ago 2003 KAGEYAMA Angela HOFFMANN Rodolfo Pobreza no Brasil uma perspectiva multidimensional Eco nomia e Sociedade Campinas v 15 n 1 p 79112 janjun 2006 MATTOS Ely José de Pobreza rural no Brasil um enfoque comparativo entre a abordagem monetária e a abordagem das capacitações Dissertação Mestrado em Desenvolvimento Rural Faculdade de Econo mia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2006 OLIVEIRA Valter Lúcio de Liberdade e Poder em Amartya Sen uma leitura crítica Desenvolvimento em Questão Ed UNIJUÍ v 5 n 9 p 931 janjun 2007 SEN Amartya O desenvolvimento como expansão das capacidades Lua Nova São Paulo n 2829 p 313333 abr 1993 Pobreza e fomes um ensaio sobre direitos e privações Lisboa Terramar 1999 Desenvolvimento como Liberdade São Paulo Companhia das Letras 2000 Desigualdade reexaminada Rio de Janeiro Record 2001 EAD 63 Capítulo 6 DESENVOLVIMENTO TEORIA EVOLUCIONÁRIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL Paulo André Niederle Dieisson Pivoto Dércio Bernardes de Souza INTRODUÇÃO O objetivo deste capítulo é analisar a conformação do evolucionismo enquan to corrente teórica que empresta um conjunto específico de conceitos e métodos de análise à economia do desenvolvimento Ao mesmo tempo focaliza as interfaces es tabelecidas entre essa corrente e o institucionalismo apontando alguns elementos de convergência no que tange ao papel das instituições no processo de desenvolvimento Inicialmente o texto apresenta as origens teóricas do evolucionismo destacando as principais divergências dessa corrente com a economia neoclássica Em seguida discute alguns conceitoschave tais como trajetórias rotinas dependência de caminho apren dizagem coletiva e paradigma tecnológico A última seção destaca as contribuições do evolucionismo para uma teoria do desenvolvimento Antes de apresentar as origens da teoria evolucionária é necessário contudo aler tar para as dificuldades de uma caracterização rígida dessa corrente em razão da ampla variedade de formulações teóricas que podem ser identificadas como tais e que segundo Hodgson 2001 tornam impossível encontrar uma proposição única e coerente Ou seja não existe consenso sobre qual deve ser o significado do termo economia evolucionista ou evolucionária O que pode ser constatado no entanto é o reconhecimento de uma profusão de abordagens alternativas para a economiapadrão as quais buscam analisar os fenômenos econômicos enquanto sistemas abertos que evoluem com uma tempora lidade histórica e irreversível EAD 64 A unidade da economia evolucionária situase portanto na análise das mudanças econômicas principalmente de longo prazo associadas a dois mecanismos interre lacionados a geração e a seleção de variedade institucional De acordo com Dosi et al 1988 o que define essa abordagem é o foco nas propriedades dinâmicas dos sistemas econômicos guiados por processos de aprendizagem A teoria evolucionária segundo os autores abarca três elementos principais a microfundamentos de um agente com ra cionalidade limitada b a suposição de que as interações econômicas ocorram fora do equilíbrio e c a noção de que as instituições incluindo os mercados atuam como mecanismos de seleção entre agentes e tecnologias heterogêneas Como se verá adiante esses elementos põem em xeque pressupostos básicos da economiapadrão racionali dade equilíbrio e homogeneidade AS ORIGENS DA TEORIA EVOLUCIONÁRIA O evolucionismo tem diferentes origens e desdobramentos analíticos Hodgson 2001 identifica seis grupos ou vertentes quais sejam 1 os institucionalistas que se firmaram a partir da tradição de Thorstein Ve blen e John Commons e que atualmente podem ser reunidos na Association for Evolutionary Economics 2 os autores neoschumpeterianos que analisam a transformação capitalista como um processo evolutivo e que estão articulados em torno do Jour nal of Evolutionary Economics 3 os seguidores da escola austríaca que enfatizam a natureza mutável e im previsível dos processos de mercado Friedrich Hayek 4 os escritos de autores clássicos como Adam Smith Karl Marx e Alfred Marshall que podem ser qualificados como sendo de índole evolucio nista 5 as teorias heterodoxas do comportamento do agente econômico como aquelas desenvolvidas por Herbert Simon acerca da racionalidade limi tada e procedural além de elementos da teoria organizacional de Ronald Coase e 6 as formulações associadas à moderna física quântica e às teorias da com plexidade e dos sistemas Luc Bertalanffy Em virtude do caráter introdutório do presente livro nossa preocupação funda mental na sequência recai sobre um conjunto preciso de autores que pioneiramente reivindicaram a economia evolucionária como disciplina específica das ciências sociais EAD 65 Foi a partir de 1982 com a publicação de Uma teoria evolucionária da mudança econômica de Richard Nelson e Sidney Winter que o termo se difundiu e começou a constituir uma nova vertente analítica embora longe de se enquadrar em um corpo teórico unificado Tais estudos se intensificaram rapidamente na década seguinte relacionados sobretudo a questões de inovação e transformação tecnológica com uma interface muito próxima das formulações de Schumpeter vide supra cap 2 A rigor a afinidade entre as análises contemporâneas e aquelas originalmente desenvolvidas por Schumpeter foi tão marcan te que Nelson e Winter chegaram até a se autoproclamar autores neoschumpeterianos Antes de tratar deste vínculo com a economia schumpeteriana o qual na verdade não é tão inequívoco quanto aparenta cabe destacar alguns elementos da biologia que para fazer justiça a essa disciplina inspiram a maior parte das reflexões da economia evolucionista Contrariamente à abordagem convencional da economia cujo modelo de equilíbrio se edifica sobre os alicerces rígidos da física e da mecânica clássicas a teoria evolucionista constrói parte considerável da sua abordagem sobre metáforas biológi cas Com efeito são a teoria da evolução das espécies e o comportamento dinâmico dos sistemas biológicos que vivificam a imagem sobre a qual se assenta essa corrente HODGSON 2001 Dentre os clássicos Veblen 1965 talvez tenha sido o primeiro a incorporar ideias darwinianas tais como variedade herança e seleção no estudo da evolução econômi ca No entanto ele mesmo ressalta que são impróprias as explicações que se esteiam unicamente na biologia O comportamento humano no dizer do autor não pode ser explicado estritamente com base na herança genética O uso desse tipo de metáfora biológica revelouse porém particularmente útil para demarcar as diferenças entre o evolucionismo e a economia neoclássica sobretudo por realçar aspectos como a irrever sibilidade e as mudanças qualitativas nos sistemas econômicos a exemplo do que ocorre nos sistemas orgânicos No que tange à teoria da evolução das espécies esta foi utilizada para demonstrar e justificar as trajetórias históricas de desenvolvimento que envolvem processos de seleção e adaptação mas também a herança e a irreversibilidade que se manifestam nos fenôme nos sociais Aqui apontam contudo algumas diferenças de monta entre os fenômenos biológicos e os fenômenos sociais ratificando o alerta de Veblen Na perspectiva da eco nomia evolucionista a seleção é realizada pela concorrência no âmbito dos mercados e a sobrevivência das empresas e dos países está condicionada à sua capacidade de ino var mediante a alteração de padrões tecnológicos e institucionais preestabelecidos a fim de se adequarem melhor às condições do ambiente concorrencial Diferentemente do que ocorre na biologia onde esse processo é aleatório na economia os agentes podem antecipar as mudanças dos contextos de modo que frequentemente as transformações econômicas são o resultado de processos intencionais Cabe à aprendizagem um papel EAD 66 de destaque na evolução econômica Por isso a economia atribui uma responsabilidade particular às capacidades dos indivíduos e organizações para criarem condições que per mitam romper com as tendências hereditárias dos fenômenos sociais Além disso na visão do evolucionismo os fenômenos econômicos devem ser es tudados a partir da ideia de sistemas abertos e complexos onde os elementos internos às firmas interagem necessariamente com um contexto mais amplo que compreende outros agentes e organizações A ideia de sistema aberto extraída de autores como Ber talanffy 1973 leva em conta o fato de que o estudo de tais fenômenos não pode ser realizado partindo do simples somatório das partes isoladas como faz a economia con vencional mas deve considerar as interações entre essas partes Assim sendo a econo mia evolucionista recusase a reconhecer a um indivíduo isolado hiperracional e maxi mizador a capacidade de definir o curso dos processos sociais Ao contrário embora os primeiros estudos busquem manter um vínculo com o individualismo metodológico o foco no agente econômico é na interação com sistemas abertos que se apoia se gundo essa corrente a construção do mundo social Aqui é evidente a proximidade em que se encontra a economia evolucionista tanto da Teoria da Complexidade de Fritjof Capra quanto da moderna física quântica de Ilya Prigogine as quais também superam os preceitos ontológicos dos modelos de equilíbrio que fundamentaram essas disciplinas no passado e que ainda hoje sustentam a economiapadrão UMA VIRADA INSTITUCIONALISTA Ao se distanciar de uma abordagem totalmente centrada no indivíduo a econo mia evolucionária gerou um problema metodológico particularmente grave Uma das virtudes da teoriapadrão é que seu modelo permite atribuir tudo ao comportamento do agente econômico maximizador de modo que toda e qualquer explicação tem um fundamento microssociológico que está associado à sobrevalorização das preferências individuais embora essas preferências não tenham fundamento algum A economia evo lucionária ao contrário precisa definir outro tipo de unidade básica de análise a qual logre dar conta dos elementos de conexão entre os indivíduos Em outras palavras está no ar uma discussão a respeito do que afinal constitui a sociedade pois não são os indivíduos isolados mas as diferentes maneiras como eles interagem que conformam as empresas os países e a sociedade como um todo coeso Assim superando posturas individualistas e holistas que dão preferência às partes ou ao todo a economia evolu cionária procura construir um arcabouço que lhes permita analisar como os indivíduos se constituem e se condicionam mutuamente sem conceder prioridade a nenhum deles Para tanto a unidade de análise privilegiada da economia evolucionária passam a ser as instituições enquanto detentoras de recursos discursivos e normativos que EAD 67 permitem aos indivíduos organizar a vida social e econômica São as instituições que definem o formato a fronteira e o comportamento das empresas das nações e de qual quer outro agrupamento humano É nesse sentido que a economia evolucionária assume também uma perspectiva institucionalista e acolhe a contribuição fundamental do insti tucionalismo histórico de Thorstein Veblen e John Commons bem como determinados conceitos de vertentes mais contemporâneas da nova economia institucional de Oliver Williamson 2012 e de Douglas North 1991 e do neoinstitucionalismo histórico de Geoffrey Hodgson 2001 No entanto esta virada institucionalista representa ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza da economia evolucionária Uma força na medida em que consegue encon trar uma unidade de análise específica que possibilita superar o individualismo metodo lógico e uma fraqueza na medida em que tudo o que esta unidade de análise não tem é unidade Em outras palavras a profusão de abordagens evolucionistas e institucio nalistas redundou em uma enorme dificuldade para se caracterizarem com precisão as instituições Admitese geralmente que as instituições abarcam desde quadros normativos mais formalizados leis regulamentos regras padrões até aqueles mais informais que se perpetuam pelo conhecimento tático hábitos convenções formas de conduta mas afora isso ainda existe uma dificuldade manifesta para se compreender como exata mente as diferentes instituições contribuem à formatação dos processos sociais Isso reduz consideravelmente as possibilidades de modelização e quantificação que tornam a economia convencional tão atrativa A economia evolucionária por seu turno desenvolve teorias apreciativas que nor malmente expressas de forma discursiva buscam dar conta da complexidade qualitativa das situações empíricas estudadas Assim ao invés de modelos únicos universalmen te adotados prefere formulações adequadas à variedade dos contextos institucionais e tecnológicos Não é em vão que ela está na origem de formulações recentes que se constituem em torno da ideia de variedades de capitalismo HALL SOSKICE 2001 Em face dessa dificuldade metodológica muitos teóricos evolucionários reconhe cem o papel primeiro das instituições mas concentram suas análises em outros aspec tos em particular na discussão sobre padrões tecnológicos e inovação As pesquisas em píricas passam a enfocar sobretudo as mudanças tecnológicas devidas ao enraizamento institucional dos fenômenos econômicos Como se afirmou acima de acordo com os autores mencionados uma concepção adequada da evolução econômica precisa analisar o papel da inovação Para tanto é mis ter atentar para a transformação das estruturas socioeconômicas e para o surgimento e a disseminação de inovações e teorizar focalizando um sistema aberto com múltiplas interações Isso significa endogeneizar o progresso tecnológico no modelo econômico EAD 68 uma dificuldade premente da economia neoclássica No modelo evolucionário os pa drões tecnológicos com as rotinas e as irreversibilidades que eles apresentam são equiparados às instituições pelo menos no que diz respeito à capacidade desses padrões para condicionarem as relações sociais Em outras palavras a economia evolucionária desenvolveu a compreensão de que o papel das rotinas e trajetórias tecnológicas se aproxima daquele atribuído por algumas vertentes institucionalistas às normas regras e leis qual seja criar mundos estáveis FLIGSTEIN 2001 onde os agentes possam estabelecer mecanismos de cooperação e competição Os fatores tecnológicos e institucionais introduzem elementos de co erência e ordem nas condutas dos agentes Como afirma a teoria dos sistemas estes não se movem em direção a nenhum equilíbrio mas a estados estacionários ou estáveis BERTALANFFY 1973 A economia evolucionária entende que para um paradig ma tecnológico estabelecido e para o arranjo institucional a ele associado não existe apenas um ponto de equilíbrio mas uma variedade ainda que limitada de sequências de equilíbrios evolucionários estáveis As empresas por sua vez não operam com a função única de produção mas em um contexto específico que as coloca frente a um conjunto de possíveis combinações tecnológicas e institucionais Cabe destacar uma sutil diferença entre o evolucionismo e a teoria schumpeteriana original Schumpeter 1997 enfatiza reiteradamente que as fontes da mudança provêm do interior do sistema O desenvolvimento decorreria da introdução de inovações pelos empresários inovadores ou seja de novas formas de combinar os meios de produção disponíveis para induzir um processo de destruição criadora no interior do próprio sistema vide supra cap 2 Já o evolucionismo mesmo reconhecendo as mudanças fun damentais que ocorrem no seio dos sistemas econômicos prefere lidar com sistemas abertos destacando igualmente os condicionantes externos políticos sociais tecnoló gicos que interagem com os fatores econômicos e determinam sua mudança Nesse sentido podese afirmar que a exemplo de uma nova geração de pesquisas sobre o comportamento das firmas e organizações derivada de Herbet Simon e Ronald Coase a economia evolucionária revela uma preocupação evidente com a compreensão do ambiente externo em que atuam as organizações Mas além disso professa uma compreensão diferenciada da própria natureza da firma a qual não é um ente indivisível nem se comporta de maneira a maximizar seu lucro como quer a economia conven cional mas busca cumprir objetivos ou metas Detenhamonos um pouco neste ponto Apesar de manter o foco no sistema e nas interações dinâmicas entre seus compo nentes a economia evolucionaria não retira da análise a firma mas lhe confere um novo conteúdo rompendo com a posição ultraindividualista da economia neoclássica A firma é concebida como o centro do processo de acumulação tecnológica no interior do qual se criam rotinas e estruturas de comportamento que conduzem a esquemas repeti EAD 69 tivos institucionalizados de atividades ou seja trajetórias Isso institui uma memória organizacional que orienta os processos de decisão os quais por conseguinte não se desenvolvem visando à maximização mas partindo do leque de mudanças possíveis face à força das normas e rotinas que provocam algum grau de inércia no comportamento econômico o que é chamado de dependência de caminho path dependence Por outro lado as firmas desenvolvem processos de aprendizagem cumulativa que requerem códigos comuns e procedimentos coordenados os quais via de regra são reproduzidos como conhecimentos tácitos As firmas convertemse em organizações complexas subsistemas que se movem em busca de soluções e dentro das quais exis tem instituições que garantem coesão interna FLIGSTEIN 2001 Cabe salientar que tais organizações comportam conflitos em seu interior de modo que a institucionaliza ção de regras padrões e rotinas serve também para lhes assegurar estabilidade interna A inovação pode ocorrer também em decorrência de mudanças políticas no interior das firmas com reflexos observáveis através de seu posicionamento no mercado Para a firma que poderia ser equiparada a uma unidade de produção se adaptar e sobreviver aos processos de seleção do mercado ela precisa evoluir de acordo com as características do contexto institucional e tecnológico em que está inserida Cumpre lembrar que nem sempre isso significa a adoção de tecnologias de ponta uma vez que o paradigma tecnológico vigente pode condicionála a adotar outro tipo de inovação O mercado enquanto meio de seleção pode produzir ineficiências na medida em que estabelece trajetórias dependentes que coagem as unidades de produção a seguirem determinados padrões menos produtivos e eficientes O caso clássico é o do padrão QWERTY dos teclados reconhecidamente menos eficientes que outros formatos que não foram adotados em razão do alto grau de irreversibilidade dos processos envolvidos Ademais face à pluralidade de contextos institucionais fazse mister levar em conta o papel central do Estado e das políticas públicas enquanto dispositivos que servem tanto para consolidar quanto para alterar os padrões tecnológicos e institucionais A sobrevivência da unidade de produção está portanto relacionada à sua habilida de em aprender como alterar suas rotinas de ação em vista de dado contexto institucio nal A unidade optará por aquelas praxes e regras de decisão que lhe propiciarem atingir suas metas tais como por exemplo obter certa taxa de lucro assegurar certa parcela de mercado manter a família nas atividades de gestão A partir do momento em que isso deixar de ocorrer as rotinas e regras terão que ser mudadas o que depende da capacida de de assimilar novos comportamentos A unidade não pode se limitar a processar infor mações já disponíveis em seu ambiente mas deve também produzir conhecimentos que podem ser tácitos ou explícitos Ao agir assim estará recriando o seu próprio ambiente Neste processo ao contrário do que postula a teoria econômica padrão as escolhas feitas pelas unidades de produção podem envolver erros sistemáticos decorrentes do EAD 70 fato de tais escolhas serem feitas em um contexto de incerteza Por um lado a incerteza pode ser devida à ausência de parte das informações necessárias para a tomada de deci são Por outro a insegurança pode provir da capacidade cognitiva limitada dos agentes sociais isto é dos limites de sua capacidade de reconhecer e interpretar corretamente as informações disponíveis É exatamente em resposta a esta incerteza que os agentes são levados a adotar rotinas e regras de decisão estáveis para orientar suas ações o que alguns autores traduziram como aversão ao risco Tornase manifesto o papel do erro humano na geração de mudanças e nas trajetórias de inovação TEORIA EVOLUCIONÁRIA E DESENVOLVIMENTO Nos termos em que opera o debate já está evidente a importância que o evolu cionismo confere à mudança tecnológica e institucional para o processo de desen volvimento De acordo com Saviotti e Metcalfe 1991 para essa vertente teórica o desenvolvimento econômico consiste na adição ao sistema de elementos institucionais e tecnológicos qualitativamente diferentes daqueles que o compunham anteriormente o que explica o forte vínculo com Schumpeter Há neste ponto uma analogia biológica com a emergência de novas espécies e com a extinção de espécies mais antigas Assim sendo explanarseá na sequência como a economia evolucionista concebe a mudança tecnológica sempre conectada ao contexto institucional e qual é seu papel na dinâ mica do desenvolvimento capitalista Ao contrário do que se verifica na economia neoclássica onde a informação é ex plícita articulada imitável codificável e perfeitamente transmissível para a economia evolucionista a mudança tecnológica envolve assimetrias informacionais apropriabili dade de conhecimentos indivisibilidade e reprodutibilidade Ademais de modo geral os autores evolucionistas sublinham uma diferença importante entre informação e conhe cimento este incluindo categorias cognoscitivas códigos de interpretação e habilidades técnicas e heurísticas de resolução dos problemas Observase aqui uma divergência apreciável em relação à Nova Economia Institu cional NEI de Williamson 2012 enquanto esta focaliza as assimetrias de informação que geram falhas de mercado a economia evolucionária destaca que não obstante as assimetrias informacionais a mesma informação pode ser diferentemente percebida pelos agentes em função de distintos contextos institucionais e habilidades cognitivas valores representações visões de mundo A rigor isso faz com que no caso do co nhecimento as falhas de mercado sejam a regra e não a exceção ou seja não se trata de falhas Outro aspecto de diferenciação tanto em relação à economia neoclássica quanto em relação à NEI é o peso que as abordagens evolucionistas atribuem ao conhecimento EAD 71 tácito não codificável reproduzido por meio de processos de aprendizagem coletiva e cumulativa Inferese daí que o processo inovador se configura altamente dependente de trajetórias constituídas que o tornam na maioria das vezes cumulativo localizado e não formalizado via aprender fazendo Isso não significa contudo que os resultados do processo de inovação sejam plenamente conhecidos haja vista a quantidade de eventos não previstos as incertezas que conferem ao processo alto grau de imprevisibilidade Por fim uma discrepância em relação ao próprio Schumpeter diz respeito à dis tinção que este propõe entre invenção inovação e difusão Opondose a tal distinção a teoria evolucionista trata os três atos como inseparáveis encarando o progresso tecnoló gico como um processo contínuo em que revoluções ou mudanças abruptas constituem uma possibilidade mas não necessariamente a regra Isto posto fazse mister abordar a noção de paradigma tecnológico Este con ceito busca dar conta da existência em cada sociedade e situação histórica de um re gime sociotécnico dominante que modela e restringe o ritmo e a direção das mudanças tecnológicas estabelecendo um caminho com alto grau de irreversibilidade a exemplo do que ocorreu com o paradigma da Revolução Verde para a agricultura na década de 1970 Assim como Thomas Kuhn 1975 a teoria evolucionária interpreta o possível despontar de novos paradigmas como decorrente da crise do antigo paradigma o qual encontra dificuldades crescentes de se reproduzir face ao surgimento de novas institui ções e tecnologias Os paradigmas tecnológicos definem ciclos de crescimento de longo prazo que Schumpeter analisou em termos de ondas longas seguindo o postulado inicial de Kondratieff A ideia básica é de que a mudança de um paradigma procede de mudanças tecnológicas articuladas à reestruturação institucional as quais estendem seus efeitos para além de produtos ou setores específicos atingindo o conjunto da economia e modificando as estruturas de custo e as condições de produção e distribuição em todo o sistema SOUZA 2012 A existência de um paradigma tecnológico define os rumos das transformações socioeconômicas Nesse sentido cabe ressaltar que uma tecnologia não é escolhida por ser mais eficiente mas tornase eficiente por ter sido escolhida graças às condições es tabelecidas pelo paradigma vigente Isso depende não somente das trajetórias de apren dizado e inovação priorizadas pelo paradigma tecnológico hegemônico como também do uso crescente que essa tecnologia possa registrar em função das externalidades de rede das complementaridades tecnológicas que ela possa suscitar além de uma série de fatores de ordem institucional como pressões políticas interesses setoriais ju ízos profissionais os quais determinam as tendências tecnológicas As tecnologias portanto não são escolhidas por sua eficiência técnica mas por fatores econômicos institucionais e sociais Mudança tecnológica e estrutura institucional coevoluem de modo articulado EAD 72 Finalmente a economia evolucionária salienta o caráter interativo e social dos pro cessos de inovação e desenvolvimento os quais ocorrem em redes formais e informais que envolvem produtores consumidores técnicos pesquisadores etc O exemplo pa radigmático nesse sentido é o do Vale do Silício nos Estados Unidos mas inúmeros outros poderiam ser aduzidos ao se tratar de redes localizadas que favorecem a circula ção de conhecimentos e catalisam os processos de inovação com implicações diretas no desenvolvimento econômico das regiões A criação de interdependências entre firmas setores e tecnologias estimula a geração de tecnologias inovações e desenvolvimento Os estudos sobre redes de inovação incentivaram muitos autores evolucionistas a dedicar especial atenção aos impactos que a constituição de redes globais de produção tem provocado nos regimes de inovação Neste ponto existem posições diferenciadas no que tange ao tipo de leitura que é feita das transformações em curso na sociedade Há por um lado quem esboce uma visão um tanto pessimista quanto às possibilidades das regiões e dos países para manterem uma trajetória específica de desenvolvimento em face da crescente globalização econômica a qual seria responsável por fenômenos de homogeneização institucional De fato a criação de uma série de regulamentações no âmbito da Organização Mundial do Comércio OMC sobretudo aquelas relacionadas aos direitos de propriedade intelectual revela uma tentativa de equalização dos qua dros institucionais facilitando a deslocalização dos processos tecnológicos e dos capitais Por outro lado porém autores evolucionistas destacam que o processo de glo balização mais do que superar as fronteiras nacionais e mesmo as regionais esteve alicerçado nelas Em última análise foram os Estados Nacionais que implementaram as regulamentações necessárias ao processo de globalização e que garantiram sua efeti vidade Com um foco voltado para as organizações e instituições dedicadas a atividades de ciência e tecnologia Lundvall 1992 propõe um conceito de Sistemas Nacionais de Inovação justamente para avançar em uma análise que revele como as especificidades nacionais continuam sendo relevantes para analisar os processos de desenvolvimento Segundo Lundvall 1992 as diferenças históricas culturais linguísticas entre outras refletemse nos diferentes formatos de organização das empresas nas relações entre elas no papel do setor público na regulamentação dos mercados na organização das atividades de pesquisa e em outros fatores Essas especificidades não podem ser lite ralmente copiadas ou transferidas para outros países de modo que os processos de ino vação e desenvolvimento continuam sendo extremamente dependentes dos contextos sociais não apenas em termos de EstadosNações mas também em termos de regiões e de territórios Abrese aqui uma ampla discussão acerca das interfaces entre a economia evolucionária e abordagens contemporâneas de desenvolvimento regional e territorial que não há como abordar neste momento EAD 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a teoriapadrão sobre o crescimento econômico as instituições estão ausentes do modelo e a mudança tecnológica é tratada como um fator exógeno O pensamento evolucionista por sua vez define o desenvolvimento como um processo multifacetado no qual as mudanças tecnológicas as características e os comportamen tos das unidades de produção e as instituições são vistos como fatores que modelam padrões de desenvolvimento específicos Portanto não há uma concepção universal do desenvolvimento passível de ser formulada em termos de modelo mecanicista Não há sequer uma causalidade unidirecional entre mudança tecnológica e acumulação de ca pitalcrescimento econômico Pelo contrário as assimetrias tecnológicas e institucionais são essenciais para se conceberem diferentes trajetórias de desenvolvimento inclusive aquelas que alguns economistas tomam equivocadamente por falta de desenvolvimen to caracterizandoas então como subdesenvolvidas vide supra cap 1 e 3 Face a esse tipo de considerações as recomendações de intervenção do Estado assumem geralmente um caráter mais evasivo uma vez que não podem ser definidas po líticas únicas para diferentes contextos nacionais ou regionais Neste ponto onde eco nomistas ortodoxos tendem a ver uma fragilidade da economia evolucionária percebe se uma de suas maiores virtudes qual seja sair dos modelos abstratos para uma análise das situações empíricas reais levando em conta a especificidade de seus processos de aprendizagem e de mudanças tecnológicas Como afirma Mark Blaug 1997 pode se vislumbrar neste caso um novo tipo de economia com potencial para substituir a economia doente dos modelos matemáticos que se tornaram jogos intelectuais cujo objetivo precípuo é sua própria reprodução sem preocupação aparente com as conse quências práticas para a apreensão do mundo real REFERÊNCIAS BERTALANFFY Ludwig von Teoria geral dos sistemas Petrópolis Vozes 1973 BLAUG Mark Ugly Currents in Modern Economics Options Politiques Montréal v 18 n 17 p 38 Sept 1997 DOSI Giovanni FREEMAN Christopher NELSON Richard R SILVERBERG Gerald SOETE Luc Eds Technical Change and Economic Theory London Pinter 1988 FLIGSTEIN Neil The architecture of markets an economic sociology of twentyfirstcentury capitalist so cieties Princeton Princeton University Press 2001 HALL Peter A SOSKICE David Eds Varieties of capitalism the institutional foundations of comparative advantage Oxford Oxford University Press 2001 EAD 74 HODGSON Geoffrey Martin El enfoque de la economía institucional Análisis Económico v 16 n 1 p 341 2001 KUHN Thomas Samuel A estrutura das revoluções científicas São Paulo Perspectiva 1975 LUNDVALL BenktÅke Ed National Systems of Innovation towards a theory of innovation and interac tive learning London Pinter 1992 NELSON Richard R WINTER Sidney Graham An Evolutionary Theory of Economic Change Cambridge Massachusetts Harvard University Press 1982 NORTH Douglass Cecil Institutions Journal of Economic Perspectives v 5 n 1 p 97112 Winter 1991 SAVIOTTI PierPaolo METCALFE John Stanley Eds Evolutionary theories of economic and technological change present status and future prospects Harwood Reading 1991 SCHUMPETER Joseph Alois Teoria do Desenvolvimento Econômico uma investigação sobre lucros capital crédito juro e o ciclo econômico São Paulo Abril Cultural 1982 SOUZA Nali de Jesus de Desenvolvimento econômico 6 ed São Paulo Atlas 2012 VEBLEN Thorstein Bunde A teoria da classe ociosa São Paulo Pioneira 1965 1899 WILLIAMSON Oliver Eaton As instituições econômicas do capitalismo São Paulo Pezco 2012 EAD 75 Capítulo 7 ESTADO DESENVOLVIMENTO E NEODESENVOLVIMENTISMO Paulo André Niederle Guilherme F W Radomsky Rafaela Vendruscolo Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda Gabriella Rocha de Freitas INTRODUÇÃO Neste capítulo será discutida a relação entre o aparato estatal e as políticas econômicas que atravessaram a segunda metade do século XX especialmente a partir da década de 1960 e que nos colocam atualmente diante de alguns dilemas no cenário político econômico e social O foco da discussão será o papel que o Estado desempenha nas mudanças sociais na perspectiva desenvolvimentista 19301970 e neodesenvolvimentista a partir de 2000 A ideia de Estado desenvolvimentista Developmental State fundamentase na construção de processos de desenvolvimento alicerçados em políticas setoriais progra mas macroeconômicos e projetos de infraestrutura com a participação ativa do Estado Como demonstra Chang 2010 a definição de desenvolvimentismo está associada à legitimidade social conferida ao Estado para interferir nas trajetórias de desenvolvi mento por meio de instrumentos vários de política pública Ao longo da história ou no mesmo momento em distintos contextos sociais diversas modalidades de Estado desenvolvimentista já foram testadas Elas emergem em diferentes condições políticas e se adéquam às instituições e aos valores que cada sociedade estima serem legítimos no respectivo contexto histórico EAD 76 No Brasil esse modelo foi adotado em diferentes momentos e com distintas características e atuou inicialmente como propulsor do crescimento econômico in dustrial sobretudo por meio da intervenção do Estado com vistas a promover a substituição das importações industriais pela produção doméstica Nos anos de 1930 a 1970 e principalmente nas duas últimas décadas desse período os impactos do modelo desenvolvimentista na agricultura e no mundo rural foram particularmente relevantes O processo de modernização agrícola foi desencadeado sob os auspícios do Estado com uma vigorosa intervenção capitaneada pelo Sistema Nacional de Cré dito Rural e complementado com políticas de garantia de preços e comercialização seguro agrícola extensão rural e pesquisa agropecuária Entre os componentes do modelo contavase a tentativa de tornar a agricultura funcional no desenvolvimento urbanoindustrial habilitandoa a absorver tecnologia da indústria nascente a pro duzir alimentos e matérias primas de baixo custo a enviar mão de obra para as cida des e a gerar divisas para financiar a industrialização LEITE 2005 CONTERATO FILIPPI 2009 Atualmente a retomada desse modelo alimenta sobretudo as discussões em torno do chamado novo ou neodesenvolvimentismo BRESSERPERREIRA 2010 SICSÚ PAULA MICHEL 2005 Após o choque liberal dos anos 8090 na década de 2000 a 2010 uma série de mudanças políticoeconômicas mobilizou esforços para a recons trução sobre novas bases teóricas de projetos de desenvolvimento que recuperam um papel central para o Estado O novo desenvolvimentismo surge portanto após o fracas so da ortodoxia econômica De modo geral essa retomada do estado desenvolvimentista de acordo com Chang 2004 e Stiglitz 1989 pode ser associada a um conjunto de fatores entre os quais sobressaem a a deslegitimação do modelo neoliberal em razão da sua incapacidade para pro duzir crescimento sustentado das economias e para reduzir a desigualdade social b o desencantamento com a fórmula do livre mercado que apresentou resul tados calamitosos particularmente no caso da América Latina haja vista as crises que atingiram economias como a argentina e a brasileira c as recentes crises das economias avançadas e a necessidade premente de me didas regulatórias sobretudo no mercado financeiro e de estabilização econômica d o sucesso econômico de países que mantiveram algum nível de planejamento estatal políticas industriais comerciais e tecnológicas ativas assim como o controle dos fluxos financeiros e do balanço de pagamentos e EAD 77 e a emergência de novas abordagens teóricas que revalorizam o papel do Estado sem incorrer nos totalismos1 que outrora acarrearam um conflito entre planejamento centralizado e livre mercado enquanto polos opostos de uma guerra de surdos O objetivo deste capítulo é rever as principais proposições sobre o papel do Estado que vieram à luz nesses diferentes contextos Para tanto iniciarseá com a retomada histórica das ações políticas de alguns Estados Nacionais em especial na Ásia nas Amé ricas e na Europa alicerçados sobre a insígnia do desenvolvimentismo A seguir serão destacados alguns fatores que levaram à adoção do desenvolvimentismo e à consequente crise no Brasil abrindo as portas para a consolidação do neoliberalismo e a supremacia da Economia Neoclássica a partir dos anos 80 Por fim abordarseá a eclosão do novo desenvolvimentismo no contexto brasileiro contemporâneo apontando as principais ideias que o definem e seus contrastes com o paradigma anterior Neste ponto caberá arguir sobre o lugar da agricultura e do meio rural face a um paradigma neodesenvol vimentista Estariam ainda sendo atribuídas à agricultura aquelas funções tradicionais concebidas pelo modelo da modernização conservadora da década de 1960 O PAPEL DO ESTADO NO VELHO DESENVOLVIMENTISMO O desenvolvimentismo é constituído de uma combinação de diferentes mecanis mos que conjugam em maior ou menor grau setorialismo intervencionismo e he terodoxia econômica Geralmente a caracterização de um Estado desenvolvimentista compreende segundo BresserPereira 2010 a um certo nível de nacionalismo econômico b a proteção ou a sustentação da indústria doméstica c o fortalecimento da burocracia estatal d o corporativismo fundado em uma aliança entre Estado trabalho e setor pri vado d o incentivo à inovação e à transferência de tecnologia e e a prioridade do crescimento econômico sobre a estabilidade monetária Em distintos contextos porém cada uma dessas características se revela mais ou menos evidente 1 Totalismo é um termo da língua espanhola que no presente contexto designa um sistema de governo em que os poderes políticos e econômicos do país ficam em torno de apenas um líder EAD 78 Embora os casos da América Latina e do Brasil sejam úteis para se analisarem as vá rias configurações do desenvolvimentismo ao longo do tempo o caso clássico que serviu de inspiração para grande parte das formulações sobre esse modelo é o da experiência asiática no período posterior à Segunda Guerra Mundial Isso se deve a uma série de fatores tais como inicialmente o milagre japonês e em um segundo momento o crescimento expressivo de países como Taiwan Coreia do Sul e Cingapura Em todos os casos o cenário apresentava um ritmo acelerado de desenvolvimento associado a políticas industriais comerciais e tecnológicas as quais viabilizaram elevados níveis de crescimento mesmo em períodos em que a maior parte das economias se ressentia dos efeitos de diversas crises sobretudo em decorrência da desregulação dos mercados financeiros e do fluxo de capitais No entanto uma das críticas que se levantam com certa frequência a esse modelo argumenta que a obtenção de altos níveis de crescimento com a mão pesada do Estado passou a ocorrer em detrimento de um avanço significativo das liberdades democráti cas2 Em outras palavras esse nível de crescimento somente seria foi possível em virtude da supressão das boas instituições que garantem liberdade aos indivíduos para defini rem e exercerem suas preferências inclusive no mercado Essa crítica encontrou forte eco na América Latina De fato grande parte dos países latinos que buscaram assimilar e redefinir o modelo clássico de desenvolvimentismo obtiveram resultados expressivos em pleno contexto de ditaduras militares Mas esta não é necessariamente a regra e o período anterior ao Golpe Militar no Brasil serviria facilmente para demonstrar que o intervencionismo econômico do Estado não é incompatível com reformas democráti cas Nesse sentido todavia outras experiências como as dos países escandinavos talvez sejam mais ilustrativas Algumas outras modalidades de Estado menos intervencionistas do que as do modelo asiático também podem ser incluídas em uma leitura do desenvolvimentismo As trajetórias seguidas nos países escandinavos Finlândia Dinamarca Noruega e Su écia por exemplo apontam uma ação menos centrada em políticas industriais e mais voltadas à promoção do emprego e do bemestar social sem que isso significasse defen der um papel menor do Estado na definição dos rumos do desenvolvimento CHANG 2010 Nesses países o modelo clássico de desenvolvimentismo eminentemente cen trado em medidas de proteção à indústria doméstica marcou menor presença pelo menos em comparação com os países asiáticos Contudo durante algum tempo a forte presença da esquerda e da socialdemocracia foi fundamental não apenas para con solidar um modelo de welfare state estado de bemestar social como também para criar condições para o desenvolvimento de uma variedade de capitalismo totalmente 2 Outra crítica está associada aos efeitos socioambientais desencadeados pelo tipo de industrialização levado a cabo em muitos desses países Neste sentido sugerese a leitura do capítulo 9 da presente publicação EAD 79 integrada ao Estado Se aqui as políticas protecionistas e comerciais foram menos rele vantes o peso das políticas associadas à geração de inovações e de progresso tecnológico revelouse fundamental sendo elas as grandes responsáveis por colocar países dotados de economias relativamente pequenas na fronteira dos mercados globais de tecnologia Do outro lado do Atlântico até mesmo os Estados Unidos podem ser tomados como exemplo de Estado desenvolvimentista Developmental State De acordo com Chang 2004 os Estados Unidos foram na realidade os criadores da teoria desenvol vimentista particularmente no que tange ao seu núcleo central a proteção da indústria nascente proposta pelo PrimeiroMinistro das Finanças americano Alexander Hamil ton No entanto como argumenta Fred Block 2008 a história deste país desvenda a formação de um forte Estado desenvolvimentista em rede ao invés de um Estado desenvolvimentista burocrático e centralizador como foi o caso na América Latina Isso não significa uma redução na capacidade performativa do Estado sobre a economia mas antes um modo mais difuso de ação por meio de intervenções rápidas e pontuais Assim embora o governo norteamericano jamais tenha adotado um organismo centra lizado de planejamento a exemplo do que fizeram países como Coreia Japão e China ele sempre manteve uma forte intervenção comercial e monetária a fim de garantir o funcionamento dos mercados3 No Brasil e na América Latina o modelo desenvolvimentista passou a se consti tuir lentamente a partir da década de 1930 No caso brasileiro o chamado nacional desenvolvimentismo pode ser definido como um processo de industrialização dirigido pelo Estado por meio do modelo de substituição de importações o qual tinha por su porte a proteção do mercado interno e a vigorosa intervenção governamental no setor de infraestrutura e na produção de insumos básicos BRESSERPEREIRA 2010 Esse modelo teve seu início no governo Getúlio Vargas prosseguiu com Juscelino Kubitschek JK e João Goulart e não foi alterado em sua essência econômica com as mudanças que se seguiram ao Golpe de 1964 Martins 1991 p 3 sumariza Fazendo uma simplificação extrema é possível dizer que o que prevaleceu no Brasil dos anos 30 até o início da déca da de 80 foi a ideia de construção da nação baseada na industrialização via substituições de importações tendo o Estado como demiurgo vários matizes de nacionalismo como ideologia e o populismo sob suas diferentes formas como sustentação política Foi a isso que se convencionou 3 Quando a ideologia do livre mercado ascendeu a partir dos anos 70 essas ações tornaramse cada vez mais escon didas sob a alegação de que o Estado interviria apenas em áreas prioritárias que envolvessem a defesa e segurança nacionais A máscara obviamente começou a cair após a recente crise financeira que demandou inúmeras reformas regulatórias em diferentes setores desde os mercados financeiros até a saúde EAD 80 chamar nacionaldesenvolvimentismo que não chega a ser um conceito mas descreve e sintetiza um projeto político e um estilo de ação Foi porém nas décadas de 1960 e 1970 que o desenvolvimentismo teve seu auge com a centralidade do papel do Estado comandada por elites políticas e econômicas RADOMSKY 2009 Como se viu acima no capítulo 3 alguns dos principais formula dores do antigo desenvolvimentismo brasileiro estavam sediados na Comissão Econômi ca para a América Latina e o Caribe CEPAL outros no Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB O estruturalismo cepalino de orientação keynesiana foi o principal sustentáculo teórico de uma estratégia nacionalista que se arquitetou com base em uma crítica à desigualdade das relações centroperiferia O elemento central dessa formula ção assentavase na crítica à lei das vantagens comparativas no comércio internacional em virtude da deterioração dos termos de troca PREBISCH 1950 Por essa razão advogavase que a América Latina deveria superar seu viés agrárioexportador para pas sar a uma etapa de industrialização mas esta face aos limites do processo de acumula ção primitiva somente seria possível com a decisiva ação do Estado O nacionaldesenvolvimentismo como estratégia de desenvolvimento foi respon sável por fazer com que vários países latinoamericanos entre os quais o Brasil cres cessem expressivamente entre as décadas de 1930 e de 1970 Contudo o desenvolvi mentismo é mais que uma política econômica além de representar uma ideologia que alimentou o sonho do desenvolvimento fundamentase em diagnósticos realizados nos países ditos atrasados nos quais os resquícios de uma sociedade arcaica poderiam ser eliminados por meio da modernização social a ser liderada por elites sociais Neste período o desenvolvimentismo apelava para um tom nacionalista criando alianças entre classes grupos sociais e partidos políticos a fim de promover mudanças sociais profun das que pudessem repercutir em toda a nação Esse modelo propunha entre outras metas estabelecer uma poupança forçada para a realização de investimentos em indústrias de base cujos riscos e necessidades de capital eram grandes demais para serem assumidas pelo setor privado Além de obter emprés timos internacionais a agricultura exportadora serviu de sustentáculo para a geração de divisas O Estado atuou vigorosamente para introduzir um padrão agrícola centrado em poucas commodities soja café e canadeaçúcar em poucas regiões Sul e Sudeste e em poucos produtores grandes e tecnificados O modelo parece ter funcionado pelo me nos para o que ele se propunha os cinquenta anos em cinco apregoados pelo Plano de Metas de JK fizeram com que entre 1955 e 1961 a produção do setor industrial crescesse 80 destacandose as indústrias de aço mecânicas elétricas de comunica ções e de equipamentos de transportes Entre 1957 e 1961 a taxa de crescimento real da economia brasileira foi de 7 ao ano comparável ao padrão chinês contemporâneo EAD 81 No final da década de 1960 e nos anos 70 o nacionaldesenvolvimentismo dis putou a hegemonia com o modelo dependenteassociado4 Enquanto o primeiro mo delo era defendido por produtores e industriais com interesses no desenvolvimento do mercado interno o segundo tinha como representantes os setores ligados à agricul tura exportadora desde grandes produtores até grupos ligados ao comércio exterior O nacionaldesenvolvimentismo buscava maior autonomia para o Brasil defendendo o crescimento e a modernização da indústria do comércio e da agricultura para o merca do interno assim como o investimento em obras de infraestrutura que possibilitassem a comunicação entre as diversas regiões Já o modelo dependenteassociado defendia uma economia voltada para o mercado externo no que tange tanto à exportação quanto à importação de produtos com um tratamento igualitário ao capital estrangeiro e ao capital nacional Os efeitos sociais ambientais políticos e mesmo econômicos desses modelos so mente se tornaram objeto de ampla preocupação alguns anos mais tarde sobretudo quando começaram a apresentar sinais de esgotamento vide infra cap 9 sobre desen volvimento sustentável BresserPereira 2010 aponta cinco fatores como responsáveis pela crise do desenvolvimentismo a o esgotamento das estratégias de substituição de importações b o predomínio na América Latina da interpretação da dependência como perspectiva analítica c a grande crise da dívida externa durante a década de 1980 que enfraqueceu os países latinoamericanos d o fortalecimento do neolibe ralismo como nova ideologia econômica e política e e o êxito da política norteame ricana no treinamento de economistas latinoamericanos muitos dos quais assumiram postoschave nos governos nacionais a partir dos anos 1990 A CRISE DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA E A EMERGÊNCIA DO NEOLIBERALISMO A ideologia do livre mercado que ascendeu mundialmente a partir dos anos 70 pas sou a defender a diminuição do papel do Estado Em grande medida o neoliberalismo emergiu assente sobre a crise do antigo desenvolvimentismo em decorrência de razões internas e externas ao modelo Segundo BresserPereira 2010 o antigo desenvolvi mentismo brasileiro baseado na industrialização por meio da substituição das importa ções continha as sementes da sua própria destruição Por quê A primeira razão remete ao fato de que embora a substituição de importações tenha sido importante para a indústria nascente a partir de determinado momento a 4 O modelo dependenteassociado teve como um de seus principais teóricos o sociólogo e expresidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso EAD 82 concentração de renda não somente levou à expansão do consumo de bens de luxo por parte da burguesia industrial em detrimento do investimento produtivo FURTADO 1961 como também reduziu a demanda de bens de consumo básico e de bens de ca pital por parte do segmento de mercado interno A substituição das importações falhou por não ter sido acompanhada de absorção tecnológica e por ter incutido no empre sariado doméstico uma mentalidade excessivamente protecionista com o consequente fechamento de diversos mercados Assim a baixa incorporação do progresso técnico determinou uma reduzida produtividade industrial em vários setores A segunda razão diz respeito aos altos índices de endividamento do Estado ao qual se soma certa complacência com os déficits orçamentários e com a inflação As crises do petróleo nos anos 70 e a crise da dívida externa na década de 1980 comprometeram seriamente a capacidade de investimento do Estado A crise da dívida abriu caminho para uma inflação galopante a qual foi enfrentada com políticas populistas de aumento de gastos que ao fim e ao cabo selaram a falência do Estado desenvolvimentista O processo de industrialização teve que ser freado e face ao endividamento do Estado so mente seria retomado na década de 1990 já com a abertura para o capital internacional a desregulação dos mercados e a privatização de setores estratégicos A terceira razão está relacionada ao rompimento da aliança capitaltrabalho cons truída por Getúlio Vargas e responsável pela sustentação política e ideológica do nacio naldesenvolvimentismo Contribuiu para esse rompimento a própria crítica dirigida à estratégia nacionaldesenvolvimentista por alguns setores da esquerda formuladores da Teoria da Dependência CARDOSO FALETTO 1970 sobretudo a vertente que rejeitava a possibilidade de existência de uma burguesia nacional na América Latina Propondo uma mudança radical que recusava a ideia de uma revolução burguesa inter na no Brasil essas formulações acabaram servindo paradoxalmente a partir dos anos 1990 para justificar alianças com o centro capitalista em prol de uma agenda focada na expansão dos mercados aliada à abertura democrática A quarta e última razão devese ao desgaste político de uma estratégia nacionalde senvolvimentista que se vinculou aos governos militares e às ditaduras que se instalaram em toda a América Latina Suprimindo amplamente os direitos individuais e alegando evitar o fantasma comunista a ditadura acabou definitivamente com o pacto social cria do por Vargas Os movimentos de reconstrução democrática seguramente não tinham entre as suas bandeiras fundamentais a sustentação de um Estado forte e muito menos planejamento centralizado Assim à medida que os governos militares caíam geravam se as condições para uma onda neoliberal no Brasil e na América Latina a exemplo do que já se desenhara alhures Nesse sentido cabe ressaltar os efeitos do regresso de economistas brasileiros que haviam sido formados em programas de doutorado norte americanos e ingleses já sob a forte influência do pensamento neoclássico A queda dos EAD 83 regimes militares inspirou um discurso que rejeitava o retorno das políticas sociais nacionalistas em prol de um conjunto de políticas macroeconômicas ortodoxas associa das a reformas institucionais sob os auspícios do Consenso de Washington Para substituir o desenvolvimentismo foi estabelecido um conjunto de políticas macroeconômicas ortodoxas associadas a reformas institucionais orientadas para o mer cado Face à crise inflacionária que havia saído de controle a receita neoliberal foi a manutenção de altas taxas de juros e apreciáveis taxas de câmbio Por outro lado frente à crise do investimento público a solução passou pela valorização da moeda estrangeira com vistas a obter a entrada de capitais mecanismo utilizado para financiar os déficits e promover investimentos privados O resultado dessas políticas foi a falência do Estado o qual viu esvairse comple tamente sua capacidade de investimento e regulação A crise do balanço de pagamentos total de dinheiro que entra e sai de um país consubstanciada em baixos índices de crescimento conduziu a economia à estagnação Enquanto o investimento produtivo dos setores público e privado se reduzia a concentração de renda prosseguia em ritmo mais e mais acelerado sobretudo em decorrência das altas taxas de juros que incenti vavam os movimentos especulativos O caminho escolhido possibilitou a estabilização da economia através da adoção de uma política de juros extremamente elevados A ar madilha dos juros levou a um equilíbrio perverso e tornou toda a política econômica refém da política monetária revelandose por consequência incapaz de estimular a retomada do desenvolvimento Do ponto de vista social o neoliberalismo excluiu a possibilidade de retomar um modelo de crescimento com distribuição de renda e bemestar social A privatização dos bens públicos reduziu consideravelmente o acesso a serviços pela população mais pobre Por sua vez as altas taxas de juros promoveram uma brutal transferência monetária para os setores rentistas impediram políticas de pleno emprego e a retomada do desenvol vimento Já a pronunciada estabilidade econômica sempre comprovou ser uma situação precária em que a cada choque externo a situação do país se deteriorava ainda mais A receita monetarista não deixava nenhuma margem à retomada da saúde do Estado apenas aumentava a dose do remédio a cada recaída mais grave O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A RETOMADA DO PAPEL DO ESTADO Na década de 2000 a 2010 a retomada do Estado não se deu por meio da simples replicação das proposições do velho desenvolvimentismo mas pela construção de uma visão do desenvolvimento que não concebe Estado e Mercado como oponentes de um jogo de soma zero EAD 84 Na década de 1990 um grupo de países entre os quais China Índia e Indonésia impressionaram o mundo com altas taxas de crescimento melhoria relativa das condi ções de vida da população e notórios progressos em termos de infraestrutura e inovação tecnológica Tudo isso foi obtido graças à vigorosa intervenção do Estado sem no en tanto criar déficits orçamentários ou endividamento público Esses países simplesmente negaramse a aceitar as boas instituições promovidas pelos países desenvolvidos e continuaram com políticas industriais comerciais e tecnológicas fortemente protecio nistas Na prática como demonstra Chang 2004 o que esses países fizeram foi adotar o mesmo conjunto de políticas que em diferentes momentos históricos tornaram ricos os países hoje desenvolvidos depois passaram a condenar tais políticas em uma clara estratégia de chutar a escada que lhes propiciou ascender economicamente Serão analisadas a seguir as características essenciais de que se reveste o novo de senvolvimentismo na concepção dos principais signatários deste modelo Para Bresser Pereira 2010 o novo desenvolvimentismo é um terceiro discurso entre o velho discurso desenvolvimentista e a ortodoxia convencional Não se trata exatamente de uma teoria mas de uma estratégia de desenvolvimento com foco na ação dos Estados Nacionais em contextos de globalização As teorias que fundamentam o novo desenvol vimentismo encontramse em formulações da macroeconomia keynesiana na economia do desenvolvimento e no neoinstitucionalismo histórico vide capítulos anteriores Vale lembrar que quando o programa neoliberal se viu parcialmente esgotado a ideologia desenvolvimentista renasceu tendo que se situar em dois campos problemáti cos o incremento das políticas sociais com a consequente elevação do gasto governa mental que redundou em uma diminuição da desigualdade social e o investimento em desenvolvimento tecnológico associado ao incentivo a empresários Assim parece não restarem dúvidas de que o desenvolvimentismo ingressa em uma nova fase em que deixa de mobilizar de maneira anacrônica elementos ideológicos nacionalistas ou populares mas se mantém aberto à economia global e com grande expectativa quanto à capacidade dos atores da sociedade civil e das empresas para gerarem desenvolvimento de modo relativamente endógeno Em primeiro lugar buscase superar a oposição entre Estado forte e mercado livre mas a construção de um aparato institucional consistente passa a ser uma pre condição para o desenvolvimento dos mercados Segundo Sicsú Paula e Michel 2005 o novo desenvolvimentismo pode ser sintetizado em quatro teses a não há mercado forte sem Estado forte b não haverá crescimento sustentado sem o fortalecimento do Estado e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas EAD 85 c mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento com equidade social e d não é possível reduzir a desigualdade sem crescimento econômico a taxas ele vadas e continuadas Em segundo lugar há nesta formulação um claro componente político5 Como sustenta BresserPereira 2010 não haverá novo desenvolvimentismo sem um novo acordo entre classes sociais em torno de uma estratégia nacional de desenvolvimento A dimensão política do processo de desenvolvimento reemerge na medida em que se coloca como condição necessária para tal processo a existência de um projeto nacional que expresse o sentimento de nação De fato a construção de tal projeto tem estado cada vez mais presente na agenda não apenas do governo brasileiro mas e sobretu do em um conjunto de países latinoamericanos que têm experimentado governos com viés nacionalista Os resultados desse esforço são porém objeto de discordância e contestação No que toca às estratégias definidas pelos adeptos do novo desenvolvimentismo também se observa um relativo consenso em relação a certo número de itens que se en tende serem imprescindíveis BRESSERPEREIRA 2010 SICSÚ PAULA MICHEL 2005 a a retomada da capacidade de poupança e de investimento do Estado b o incentivo à inovação e ao progresso técnico c a superação da barreira criada pelo baixo nível de desenvolvimento de capital humano d o aumento da coesão social em torno de uma estratégia de desenvolvimento nacional e a manutenção de políticas macroeconômicas que garantam estabilidade fiscal ao Estado o que inclui índices moderados de endividamento f a redução gradativa das taxas de juros visando estimular investimento produ tivo g a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva que abra os mercados exter nos às empresas nacionais h tolerância nula com a inflação e insubordinação de toda a economia a qualquer regime de metas de inflação e finalmente 5 O que não significa que este esteja ausente das demais formulações Mas no modelo neoclássico o componente político e ideológico foi travestido sob a alegação de uma falsa neutralidade das modelizações econométricas EAD 86 i uma política ativa de salários que acompanhe os ganhos de produtividade man tendo assim uma demanda interna aquecida e redistribuindo renda Deste modo contrariamente ao seu primogênito o novo desenvolvimentismo não é essencialmente protecionista e tem um foco menos evidente nas políticas de proteção à indústria nascente uma vez que nos países em desenvolvimento o setor industrial já estaria consolidado Ao mesmo tempo e em razão do novo contexto de integração internacional abrese uma perspectiva para reconhecer maior importância ao merca do externo O crescimento com poupança externa e o fortalecimento das atividades exportadoras foco do modelo neoliberal não seriam incompatíveis com o novo desenvolvimentismo No entanto acentuase a necessidade de manutenção de um mercado interno forte o que entre outros fatores reduz a vulnerabilidade da economia nacional face à volatilidade das crises internacionais e a imprescindibilidade de uma taxa de câmbio competitiva no intuito de apoiar sobretudo indústrias com alto índice de conhecimen to tecnologia e valor agregado Nesse sentido alertase até sobre os riscos de primariza ção da economia ou ao menos da pauta de exportação quando esta se volta para um modelo centrado em poucas commodities agrícolas Outra diferença diz respeito ao papel atribuído pelo novo desenvolvimentismo ao Estado que deixa de ser tão centrado na realização de investimentos diretos na produ ção Estadoempresário para assumir um papel predominantemente regulador e incen tivador das atividades econômicas Tratase de garantir o funcionamento dos mercados de acordo com as necessidades do desenvolvimento nacional na tentativa de propiciar a geração de lucros e o aumento do emprego Segundo BresserPereira 2010 o novo desenvolvimentismo compreende que em todos os setores em que exista uma razoável competição o Estado não deve ser um investidor ao contrário deve se concentrar em defender e garantir a concorrência Esta posição permitiria ao Estado alocar recursos para investimentos em setores estratégicos de modo a manter uma estabilidade orçamentária consistente evitando os déficits que comprometeram o processo de industrialização por substituição de impor tações Caberia ao Estado por exemplo atuar com vigor na produção de tecnologia incentivando a inovação via novos nichos de mercado No antigo nacionaldesenvolvi mentismo o Estado assumia as tarefas de planejamento financiamento e produção de insumos básicos e infraestrutura energia transportes e comunicações que deman davam uma enorme quantidade de capital Isso durou até a situação de deterioração financeira nos anos 80 quando eclodiu a crise da dívida externa Para o novo desenvolvi mentismo no atual estágio produtivo não faz mais sentido a existência de um Estado empresário já que o setor privado agora conta com recursos e capacidade para inves EAD 87 tir O Estado segue desempenhando um papelchave mas com uma função normativa de facilitação e encorajamento e não necessariamente de investidor MATTEI 2013 Neste estágio um primeiro instrumento do novo desenvolvimentismo mais im portante do que uma política industrial forte é uma política macroeconômica consis tente baseada em equilíbrio fiscal taxas de juros moderadas e taxas de câmbio compe titivas É mister que o Estado apoie setores industriais e agrícolas de modo estratégico mas não permanente Impõese de certo modo a defesa de um protecionismo seletivo e temporário diferentemente do que ocorreu no período do nacionaldesenvolvimen tismo quando o protecionismo generalizado contribuiu para incutir no empresariado industrial brasileiro uma mentalidade conservadora no que diz respeito ao investimento em inovação A preocupação estatal deve estar voltada para a criação de condições que permitam às empresas adquirirem competitividade desonerando o Estado de pesados investimentos que acarretem déficit fiscal Ao contrário do que muitos imaginam em uma estratégia de desenvolvimento econômico um segundo instrumento do novo desenvolvimentismo consiste em confe rir um lugar de destaque aos mercados embora reconheça suas limitações Enquanto a teoria neoclássica pressupõe que os mercados podem coordenar tudo de maneira ideal se estiverem livres de interferências de outra ordem políticas por exemplo e a nova economia institucional acredita que bastam algumas boas instituições para corrigir as falhas de mercado e tudo estará resolvido o novo desenvolvimentismo concebe os mercados como o mecanismo principal mas insuficiente de coordenação econômi ca Isso se evidencia particularmente nos países em desenvolvimento onde se verifica uma tendência de sobrevalorização da taxa de câmbio e onde os salários aumentam em ritmo mais lento do que a produtividade Assim sendo os mercados constituem meca nismos claramente insatisfatórios porque não distribuem renda e favorecem os partici pantes mais fortes BRESSERPEREIRA 2010 Caberia pois ao Estado por exemplo adotar um sistema tributário progressivo visando reduzir as desigualdades de renda Um terceiro instrumento são os programas sociais universais Todavia nesta pers pectiva os programas de transferência de renda são vistos como ações temporárias e complementares as quais deixariam de ser relevantes na medida em que o desenvolvi mento trouxesse consigo geração de empregos e qualificação de mão de obra Enquan to o nacionaldesenvolvimentismo admitiu certa complacência com a inflação e optou pelo crescimento com déficits públicos o novo desenvolvimentismo defende tanto o equilíbrio fiscal quanto o controle rigoroso da inflação porém de acordo com Bresser Pereira 2010 p 24 EAD 88 não em nome da ortodoxia mas porque entende que o Estado é o instrumento de ação coletiva da nação por exce lência E se o Estado é tão estratégico seu aparelho precisa ser forte sólido e grande e por essa mesma razão suas fi nanças precisam estar equilibradas Ao mesmo tempo as contribuições derivadas de uma nova economia política ins titucionalista levam o novo desenvolvimentismo a conferir um papel saliente a institui ções que não apenas regulam o funcionamento dos mercados mas potencializam sua ação Assim ao mesmo tempo em que incorpora um aspecto pouco evidente no antigo desenvolvimentismo face às próprias condições daquele momento histórico o novo desenvolvimentismo busca superar concepções correntes da nova economia institucio nal que oferecem respostas simplórias e universalistas para o bom funcionamento dos mercados tais como a garantia dos direitos de propriedade e dos contratos e propõe outra visão considerando as instituições como objeto de ajustes mais ou menos contí nuos de acordo com diferentes estratégias de desenvolvimento Um aspecto particularmente relevante nesse sentido diz respeito à compreensão diferenciada que as duas vertentes desenvolveram em relação ao papel do Banco Cen tral Enquanto a ortodoxia neoliberal defende a autonomia do Banco Central cujo objetivo fundamental é controlar as taxas de juros a fim de evitar o aparecimento de bolhas inflacionárias o novo desenvolvimentismo condiciona a ação do Banco Central a uma estratégia de desenvolvimento equilibrada na qual além do controle da inflação se exige o equilíbrio do balanço de pagamentos por meio de dois instrumentos a taxa de juros e a taxa cambial Isso legitima tanto a regulamentação do ingresso de capitais quanto a inserção do Estado no mercado monetário através da compra e venda de mo eda visando a garantir uma taxa de câmbio que assegure competitividade às empresas nacionais e equilíbrio das contas públicas Cabe lembrar que a globalização é vista como uma oportunidade mas que a desregulamentação do fluxo de capitais se revela um risco que os países em desenvolvimento não precisam correr Mas nem tudo parece ser tão contraditório assim entre o novo desenvolvimentis mo e o modelo neoliberal Esta é a conclusão a que chegam Morais e SaadFilho 2011 ao analisarem a agenda desenvolvimentista face à política macroeconômica da década de 2000 a 2010 Segundo os autores o primeiro governo Lula não diferiu substan cialmente do de seu antecessor no que diz respeito às políticas macroeconômicas No entanto o segundo governo lulista embora tenha preservado o núcleo das políticas ma croeconômicas introduzidas pelas reformas neoliberais operou uma institucionalização parcial das propostas novodesenvolvimentistas O resultado foi uma política econômica de natureza híbrida e confusa aumentouse a geração e a distribuição de renda mas a proporção dos ganhos seguiu respeitando relações de poder radicalmente assimétricas EAD 89 Já em período mais recente sobretudo após o inicio do governo Dilma Rousseff o agravamento da crise internacional e os resultados exíguos de crescimento econômico têm revelado exatamente os limites dessa política híbrida e da manutenção de um mo delo dependente dos regimes inflacionários e de poupança externa Apesar da crescente incorporação do ideário desenvolvimentista no discurso e nas ações do Estado o cres cimento econômico persiste bloqueado Os principais obstáculos continuam sendo as armadilhas das elevadas taxas de juros e do câmbio sobrevalorizado que outorgam um poder considerável aos rentistas e ao mercado financeiro obstruindo os investimentos necessários à retomada do crescimento econômico CONSIDERAÇÕES FINAIS No dizer de Chang 2010 não há fórmula para criar um Estado desenvolvimentis ta em termos organizacionais diferentes países adotam diferentes fórmulas de acordo com seu próprio contexto político ideológico e econômico Existe por isso um grande ceticismo quanto à possibilidade de se sustentar uma teoria única que dê conta de toda a variedade de contextos históricos e de dinâmicas sociais Nesse sentido uma das prin cipais contribuições que despontam nessas discussões diz respeito aos limites do univer salismo ahistórico da teoria ortodoxa do desenvolvimento incapaz de abdicar dos seus modelos uniformizados aplicados indistintamente em todos os países inclusive nas suas vertentes mais modernas que buscam incorporar em toda parte as mesmas instituições econômicas sobretudo a garantia dos direitos de propriedade como fundamento básico do desenvolvimento A comparação sumária entre o novo desenvolvimentismo e os dois modelos im plantados no passado recente permite depreender que não se trata de oposições simplis tas entre diferentes estratégias de desenvolvimento Na verdade o novo desenvolvimen tismo destacase por ser uma estratégia que não prescinde do Estado e de um mercado forte Por isso não busca nem a redução do Estado nem a retomada do protecionismo do mercado interno nos moldes do passado MATTEI 2013 Conforme seus proposi tores a alternativa novodesenvolvimentista visa a reconstrução do Estado tornandoo mais forte e mais capaz no plano político regulatório e administrativo além de finan ceiramente sólido SICSÚ PAULA MICHEL 2007 p 515 Um dos problemas do novodesenvolvimentismo referese ao tema ambiental e outro à crítica às promessas desenvolvimentistas pelo pósdesenvolvimento vide infra cap 9 Mas os dois problemas parecem não exercer efeitos consideráveis haja vista o quanto o desenvolvimentismo está arraigado em nossas vidas Neste caso o novodesen volvimentismo retoma firmemente a aliança para o crescimento econômico priorizan do grandes obras no caso brasileiro hidrelétricas portos aeroportos e tantas outras EAD 90 incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento setores prioritários de investi mento indústria do petróleo extrativismo mineral tecnologias de ponta e geração de energia Frente a essas iniciativas o meio ambiente tem sido um aspecto francamente desconsiderado em favor de alianças que incentivem crescimento econômico A despeito das críticas ao novodesenvolvimentismo o crescimento das econo mias latinoamericanas juntamente com a redução da desigualdade social tem colocado esta estratégia desenvolvimentista como uma alternativa viável e bemaceita por diversos segmentos sociais Cabe advertir entretanto que a queda dos índices de desigualdade significativo dilema para a maior parte das nações latinoamericanas é lenta Outra mu dança fundamental no quadro analítico diz respeito à conceituação de Estado Nacional proposta pelos adeptos do novodesenvolvimentismo Diferentemente de outrora o Estado não é mais visto como um ente único e indivisível Isso não significa negar sua constituição enquanto organização segundo regras e princípios institucionais particula res É necessário porém reconhecer a pluralidade institucional que existe no seio desta organização o que lhe permite conjugar diferentes interesses e formas de ação Seme lhante compreensão possibilita analisar com mais cuidado situações contemporâneas em que a constituição de um Estado mínimo intervencionista ou regulador não faz mais sentido em si mas tão somente na análise de processos sociais específicos É isso que tem permitido proclamar o novodesenvolvimentismo antes mesmo de termos assistido à morte do neoliberalismo Nos últimos anos bem pelo contrário em várias partes do mundo a receita liberal até tem sido fortalecida REFERÊNCIAS BLOCK Fred Swimming against the current the rise of a hidden developmental state in the United States Politics Society v 36 n 2 p 169206 June 2008 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Do antigo ao novo desenvolvimentismo na América Latina Texto para Discussão n 274 São Paulo FGV nov 2010 CARDOSO Fernando Henrique FALETTO Enzo Dependência e desenvolvimento na América Latina ensaio de interpretação sociológica 7 ed Rio de Janeiro LTC 1970 CHANG HaJoon Chutando a escada a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica São Paulo Ed da UNESP 2004 How to do a developmental state political organisational and human resource requirements for the developmental state In EDIGHEJI Omano Ed Constructing a democratic developmental state in South Africa potentials and challenges Pretoria Human Sciences Research Council Press 2010 cap 4 p 82 96 CONTERATO Marcelo Antonio FILLIPI Eduardo Ernesto Teorias do desenvolvimento Porto Alegre Ed da UFRGS 2009 Educação A Distância 3 EAD 91 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 LEITE Sérgio Pereira Estado padrão de desenvolvimento e agricultura o caso brasileiro Estudos Socieda de e Agricultura Rio de Janeiro v 13 n 2 p 280332 2005 MARTINS Luciano A crise do nacionaldesenvolvimentismo Folha de S Paulo São Paulo p 13 29 dez 1991 MATTEI Lauro Gênese e agenda do novo desenvolvimentismo brasileiro Revista de Economia Política São Paulo v 33 n 1 p 4159 janmar 2013 MORAIS Lecio SAADFILHO Alfredo Da economia política à política econômica o novodesenvolvi mentismo e o governo Lula Revista de Economia Política São Paulo v 31 n 4 p 507527 outdez 2011 PREBISCH Raúl Crecimiento desequilibrio y disparidades interpretación del proceso de desarrollo econó mico Santiago de Chile CEPAL 1950 RADOMSKY Guilherme Francisco Walterloo O pósguerra e as teorias do desenvolvimento In ULBRA Org Desenvolvimento e Sustentabilidade Curitiba Ibpex 2009 p 3355 SICSÚ João PAULA Luiz Fernando de MICHEL Renaut Novodesenvolvimentismo um projeto nacional de crescimento com equidade social Barueri Manole Rio de Janeiro Fundação Konrad Adenauer 2005 Por que novodesenvolvimentismo Revista de Economia Política São Paulo v 27 n 4 p 507 524 outdez 2007 STIGLITZ Joseph E The economic role of the state In HEERTJE Arnold Ed The economic role of the state Oxford Basil Blackwell 1989 p 1285 EAD 92 Capítulo 8 PÓSDESENVOLVIMENTO A DESCONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO Gabriella Rocha de Freitas Mailane Junkes Raizer da Cruz Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO A discussão teórica sobre o desenvolvimento e as políticas e programas implemen tados pelos Estados e governos parte geralmente da premissa da naturalidade do desen volvimento tratandoo como um processo inquestionável Para essa visão progressista simplória o desenvolvimento é um processo com o qual a humanidade convive há muito tempo ou pelo menos desde a Revolução Industrial Um exercício reflexivo válido con siste em aventar outras possibilidades explorar modos distintos de conceber a mudança social e o desenvolvimento Será possível pensar a vida em sociedade fora do eixo balizador do desenvolvi mento Uma sociedade em que não exista o conceito de desenvolvimento Será razo ável dizer que poderíamos viver em uma sociedade que não se represente em termos classificatórios tais como desenvolvido versus subdesenvolvido Este capítulo tem por finalidade realizar um balanço teórico sobre o pósdesenvolvimento perspectiva recentemente surgida nas ciências sociais examinando suas características principais apresentando alguns de seus principais propositores e analisando em que medida esta possibilidade interpretativa pode ser instrutiva para os estudos sobre o desenvolvimento O que se denomina pósdesenvolvimento não é um programa homogêneo tam pouco uma teoria precisa e delimitada é antes um ponto de vista que lança um olhar crítico sobre a história do desenvolvimento e seus efeitos sociais Tal como apresentado EAD 93 na Introdução deste livro podese afirmar que o pósdesenvolvimento se insere no âm bito das vertentes céticas quanto aos benefícios dos processos de desenvolvimento Com essa perspectiva visase analisar e visibilizar diferentes modos de viver coletivamente práticas sociais que não se vinculam aos valores culturais oriundos da modernidade europeia e da ideologia desenvolvimentista Ademais o pósdesenvolvimento alcançou algum destaque entre os pesquisadores ao demonstrar os impactos negativos das políti cas de desenvolvimento focando as resistências alternativas levantadas por movimentos sociais ou atores locais ao se depararem com projetos de intervenção A CRIAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO O discurso em favor do desenvolvimento apesar das controvérsias que tem susci tado encerra uma grande capacidade de renovação e de continuidade A diversidade de caminhos tomados pelo desenvolvimento como desenvolvimento sustentável local ou territorial etc contribuiu para a crença de que cada nova ideia equivale a uma con cepção original e diferente das anteriores Esta renovação periódica garante novos meios de lidar com problemas sociais concorrendo portanto para que o desenvolvimento adquira novos significados e se torne duradouro Atualmente o discurso do desenvolvimento pode ser compreendido como uma crença social uma vez que aparece como uma certeza coletiva que não é colocada à prova RIST 2008 A maior parte das pessoas acredita que o desenvolvimento é algo bom e necessário sem fazer um exame minucioso sobre as consequências das políticas e práticas a ele relacionadas O mesmo se diga a respeito da noção de progresso tão disseminada e tão pouco questionada quanto à sua validade histórica para explicar a mu dança social DUPAS 2007 A despeito dos fracassos sucessivos associados ao desen volvimento suas promessas e experiências continuam sendo repetidas e reproduzidas A crença pode facilmente tolerar contradições já que não pode ser refutada os erros são sempre atribuídos a falhas humanas ou de interpretação Apesar da hegemonia exercida desde o fim da Segunda Guerra Mundial pelas po líticas e programas de desenvolvimento muitos pesquisadores RIST 2008 ESCOBAR 2007 CRUSH 1995 ESTEVA 1992 passaram a partir dos anos 80 a produzir estu dos críticos sobre os processos de desenvolvimento Ainda que apresentem orientações teóricas distintas esses autores têm em comum o mérito de demonstrarem como o de senvolvimento é um discurso historicamente construído que sob pretexto de melhorar a vida de comunidades pobres tem causado intervenções com impactos negativos para as populações O conjunto de práticas e projetos sistemáticos que visavam o desenvolvimento teve origem no pósguerra e mais especificamente conforme apontam Esteva 1992 EAD 94 e Escobar 2007 no discurso de posse do presidente norteamericano Harry Truman em 19491 Nesse discurso o adjetivo subdesenvolvido em referência a áreas econo micamente atrasadas foi utilizado pela primeira vez em um texto de grande circulação O evento marcou uma mudança fundamental na concepção de desenvolvimento que foi transformado em assunto global e o subdesenvolvimento foi visto como condição a ser superada através da ajuda e da cooperação internacional que o Primeiro Mundo deveria oferecer ao Terceiro Mundo Naquele momento os Estados Unidos passavam a ser a nação no Ocidente mais importante em termos econômicos e militares em um contexto de disputa de modelos de vida e de economia entre capitalismo e socialismo que envolvia inúmeros países A importância do país norteamericano pode ser associada ao seu papel na reconstrução da Europa arrasada pela guerra e na construção de uma aliança desenvolvimentista para apoiar os países considerados subdesenvolvidos Agora sim estes poderiam tornarse desenvolvidos desde que seguissem os preceitos norteamericanos uma vez que o sub desenvolvimento não era mais o oposto de desenvolvimento mas apenas a sua forma incompleta ou seja uma etapa anterior a esse processo vide supra cap 1 Segundo os autores vinculados à perspectiva do pósdesenvolvimento a dicotomia desenvolvimentosubdesenvolvimento foi inventada e legitimada para classificar países e populações com o objetivo de justificar intervenções desenvolvimentistas naqueles países tidos por atrasados vide supra cap 3 O desenvolvimento seria algo arbitrário não passando de uma convenção moderna que estipularia quais países se situam em patamares supostamente avançados em confronto com os demais COMO PODE SER ENTENDIDO O PÓSDESENVOLVIMENTO O pósdesenvolvimento inserese no debate acadêmico opondose a duas teorias que se tornaram balizadoras da discussão sobre o desenvolvimento entre os anos 50 e 70 a teoria da modernização e o marxismo2 O pósdesenvolvimento surgiu como uma tentativa de superação das teorias anteriores ESCOBAR 2005 porém sem o 1 O quarto ponto abordado pelo discurso de Harry Truman estabeleceu que a assistência técnica já concedida a par tes da América Latina fosse estendida aos países mais pobres do mundo lembra Rist 2008 Neste discurso segundo o mesmo autor a realidade social dos países com problemas de pobreza e desigualdade estava sendo reelaborada em torno da noção de subdesenvolvido momento em que a diversidade dos povos do mundo recebeu este singelo e sintético rótulo 2 Entendese por marxismo o conjunto de ideias filosóficas econômicas políticas e sociais elaboradas inicialmente por Karl Marx 18181883 e seu colaborador Friedrich Engels 18201895 e desenvolvidas posteriormente pelos intelectuais que seguiram suas teorias denominados marxistas São temas relevantes para a perspectiva marxista o trabalho e a luta de classes o trabalho entendido como o meio pelo qual o homem transforma a natureza para pro duzir seus meios de vida e a luta de classes como consequência das contradições do capitalismo materializada no embate entre os donos dos meios de produção burgueses capitalistas e trabalhadores assalariados proletariado EAD 95 propósito de atingir um conceito definitivo para o desenvolvimento Isto significa que no pósdesenvolvimento não se procura mais o bom desenvolvimento ou o melhor conceito que possa definilo a preposição pós sugere que se avance que se supere o ideário do desenvolvimento ou seja que se viva em um mundo onde subdesenvolvido e desenvolvido não sejam rótulos utilizados para classificar países Vejamos como o pósdesenvolvimento se diferencia das teorias anteriores Amparadas pela dicotomia tradicionalmoderno as teorias da modernização destacavam os elementos empíricos que marcariam a passagem de um estado tradicional para outro moderno Essa passagem demandaria que se incrementassem gradualmente as rendas monetárias e o Produto Interno Bruto PIB das nações a diminuição da po pulação pobre considerada marginal ao sistema de produção e de consumo do mercado capitalista e os ganhos contínuos em produtividade Essa perspectiva dispunha de recei tuários simples e homogêneos a respeito de como os países subdesenvolvidos deveriam se desenvolver A teoria da modernização sofreu seus primeiros ataques a partir das publicações articuladas à teoria da dependência de influência marxista e também weberiana A teo ria da dependência enfatizava os efeitos contraditórios do desenvolvimento mostrando que o conflito de classes no capitalismo criava desigualdades Neste sentido as políticas e programas de desenvolvimento seriam problemáticos porque resultariam do próprio capitalismo ou seja o desenvolvimento sempre beneficiaria as classes sociais dominan tes O desenvolvimento na abordagem marxista somente seria positivo ao evidenciar as contradições do capitalismo com o objetivo de superar este estágio e de contribuir para a implantação de uma sociedade comunista Assim sendo as teorias da modernização mostraram suas fragilidades analíticas uma vez que jamais ofereceram qualquer resposta ao problema das relações de poder em sociedade Por outro lado autores da perspectiva da dependência particularmente os da vertente marxista não formularam críticas aos valores que orientavam a busca do desenvolvimento a confiança na mudança social e no progresso mas somente aos resultados contraditórios que o desenvolvimento do capitalismo gerava Vale ressaltar portanto que progresso e desenvolvimento são ele mentos importantes para a vertente teórica da dependência em suas diferentes linha gens interpretativas O pósdesenvolvimento diferenciase das duas correntes anteriores ao mostrar que o problema não está na ineficácia da modernização e tampouco como sugere a orientação marxista naquilo que o desenvolvimento não faz a saber os benefícios pro metidos e não cumpridos De acordo com os pesquisadores do pósdesenvolvimento não há a pretensão de se criar um modelo de desenvolvimento não capitalista porque o socialismo também é problemático ao ser industrialista produtivista e evolucionista Para esses pesquisadores um desenvolvimento socialista não resolveria os problemas EAD 96 sociais pois o ponto crucial reside nos valores acima mencionados que orientam o de senvolvimento Ou seja neste caso continuaríamos presos à armadilha do progresso a qualquer custo e dependentes do crescimento econômico para transformar a vida das pessoas Assim a questão central do pósdesenvolvimento consiste em apontar o que as políticas e os programas de desenvolvimento executam ou seja seus efeitos seu sucesso e seus resultados concretos RADOMSKY 2014 Ainda segundo os autores dessa perspectiva o que o desenvolvimento faz é instru mentalizar e mercantilizar as pessoas intervir em suas vidas planejar modificar e co lonizar os modos de vida tradicionais quantificar resultados e construir realidades por meio de diagnósticos e relatórios A violência presente nos projetos de desenvolvimento é uma consequência direta desse processo que transforma a vida humana em um objeto que precisa ser modernizado e desenvolvido A perspectiva do pósdesenvolvimento desenvolveuse a partir de um conjunto de publicações sobre os dilemas e as críticas relativas aos projetos intervencionistas e de planejamento topdown de cima para baixo Entre os principais propositores ligados a essa corrente de pensamento encontramse Arturo Escobar Gilbert Rist Gustavo Esteva Jonathan Crush e Wolfgang Sachs Ao ver desses estudiosos retomando o que antes foi mencionado não estava mais em questão encontrar um bom conceito para o desenvolvimento tampouco buscar boas práticas que venham a renovar o conceito Encontrar um modo mais eficaz de se pensar e de se perseguir o desenvolvimento é algo muito diferente de imaginar uma era pósdesenvolvimento ESCOBAR 2007 na qual estaríamos livres dos fantasmas e das ideologias desenvolvimentistas O que esta visão de mundo pretende é portanto livrarnos do desenvolvimento enquanto narrativa que alimenta o planejamento social governa populações por meio de programas de crescimento econômico e nutre utopias de progresso geralmente frustradas ao longo de décadas RIST 2008 WALSH 2010 A maior parte dos pesquisadores que propuseram projetos de pesquisa em torno do pósdesenvolvimento sofre influências parciais do pósmodernismo e do pósestru turalismo temas que não serão abordados neste capítulo3 Num eixo de investigação fundamental para explicar as intenções dessa perspectiva os pesquisadores que se orien tam pelo pósdesenvolvimento sustentam que as teorias da modernização e as teorias marxistas fizeram perguntas equivocadas a respeito da relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento A questão não é saber quais fatores capital trabalho inovação técnica instituições ou conhecimentos podem auxiliar na superação do subdesenvol vimento tampouco importa saber como o capitalismo é responsável pelos problemas 3 Ao leitor que deseja entender os aspectos epistemológicos oriundos do pósestruturalismo presentes na perspectiva do pósdesenvolvimento sugerese consultar Escobar 2005 Para uma abordagem propositiva sobre o pósdesen volvimento em estudos rurais ver Radomsky 2014 EAD 97 sociais do desenvolvimento A questão determinante é problematizar as relações de po der que definem quais países são representados como desenvolvidos ou como subde senvolvidos A pergunta se formula da seguinte maneira como compreender o processo histórico graças ao qual Ásia África e América Latina foram definidas como continentes subdesenvolvidos que portanto necessitam de desenvolvimento ESCOBAR 2005 Para tal abordagem o desenvolvimento pode ser compreendido com base em três ele mentos as formas de conhecimento implícitas no discurso do desenvolvimento os sis temas de poder que regulam as práticas e as formas de subjetividade mantidas por esse discurso que determinam a diferença entre desenvolvidos e subdesenvolvidos Apesar de trazer novos aspectos à discussão do desenvolvimento o pósdesen volvimento tem sido alvo de diversas críticas A perspectiva pósdesenvolvimentista é acusada de romantizar as tradições locais e os movimentos sociais como se estes fossem sempre dotados de relações democráticas e antiautoritárias ignorando o fato de que eles também são configurados por relações de poder Ademais parece que as capacidades de resistência das populações que são alvos de projetos de desenvolvimento são subes timadas De Vries 2007 destaca que o pósdesenvolvimento ao focar as experiências localizadas às margens da modernidade não problematiza a aspiração das populações locais por desenvolvimento embora estas conheçam em parte seus impactos negativos especialmente aqueles relacionados a grandes obras e a tudo o que delas pode advir reassentamentos remoções residenciais expectativas e decepções quanto à geração de empregos entre outros Em resposta os pesquisadores que seguem realizando investigações orientadas pelas ideias do pósdesenvolvimento refutam a tese de que o desenvolvimento seja o único meio para se atingir uma melhora nas condições de vida e não pretendem subs tituir esse discurso desenvolvimentista por outra versão que se legitime como verdade universal Antes buscam dar visibilidade a outras realidades experimentadas por povos tradicionais e por movimentos sociais para os quais o desenvolvimento sempre foi algo estranho e construídas fora dos preceitos do desenvolvimento comprovando que seria e é possível viver de outro modo Deste ponto de vista incluemse no debate sobre desenvolvimento elementos até então pouco discutidos por pesquisadores da área a preservação ambiental e a diversidade cultural dos povos bem como o desejo das pes soas de viverem sem demasiada preocupação com o aumento da produtividade e com o crescimento econômico CONSIDERAÇÕES FINAIS O pósdesenvolvimento não poder ser confundido com outras importantes críticas endereçadas ao modelo convencional de desenvolvimento tais como o desenvolvimento EAD 98 sustentável a abordagem multidimensional que se diversificou a partir do Índice de De senvolvimento Humano IDH da ONU e a abordagem das capacitações proposta por Amartya Sen Os autores do pósdesenvolvimento rejeitam a manutenção de qualquer noção de desenvolvimento Eles não estão em busca de desenvolvimentos alternativos mas de alternativas ao desenvolvimento REFERÊNCIAS CRUSH Jonathan Ed Power of development London Routledge 1995 DE VRIES Pieter Dont compromise your desire for development A lacaniandeleuzian rethinking of the antipolitics machine Third World Quarterly Routledge London v 28 n 1 p 2543 Jan 2007 DUPAS Gilberto O mito do progresso Novos Estudos CEBRAP São Paulo n 77 p 7389 mar 2007 ESCOBAR Arturo El postdesarrollo como concepto y práctica social In MATO Daniel Org Polí ticas de economía ambiente y sociedad en tiempos de globalización Caracas Facultad de Ciencias Económicas y Sociales Universidad Central de Venezuela 2005 p 1731 La invención del Tercer Mundo construcción y deconstrucción del desarrollo Caracas Fundación Editorial El Perro y La Rana 2007 ESTEVA Gustavo Development In SACHS Wolfgang Ed The development dictionary a guide to knowl edge as power London Zed Books 1992 p 625 RADOMSKY Guilherme Francisco Waterloo Pósdesenvolvimento e estudos rurais notas sobre o de bate e agenda de pesquisa In CONTERATO Marcelo Antonio et al Orgs Pesquisa em desenvolvimento rural aportes teóricos e proposições metodológicas Porto Alegre Ed da UFRGS 2014 v 1 p 167182 RIST Gilbert The history of development from western origins to global faith 3 ed London Zed Books 2008 WALSH Catherine Development as buen vivir institutional arrangements and decolonial entangle ments Development v 53 n 1 p 1521 March 2010 EAD 99 Capítulo 9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INTRODUÇÃO HISTÓRICA E PERSPECTIVAS TEÓRICAS Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO A partir do fim da década de 1980 a noção de desenvolvimento sustentável co meça a circular como uma possibilidade de revisar e ajustar desgastadas concepções de desenvolvimento Tendo surgido com o propósito inicial de estreitar a relação entre o crescimento econômico e a temática ambiental a noção de desenvolvimento susten tável é atualmente mobilizada sobretudo por setores governamentais empresariais e acadêmicos para distintas prioridades e objetivos Um olhar atento sobre essa temática desvenda uma variedade enorme de sentidos que são por vezes divergentes O pontapé inicial da discussão é a percepção da finitude dos recursos naturais e das injustiças sociais provocadas pelo modelo de desenvolvimento vigente na maioria dos países ALMEIDA 1997 p 42 E tal constatação coloca em questão os rumos e as consequências da industrialização e do crescimento econômico de determinadas na ções Diante desse impasse surge a necessidade de qualificar o desenvolvimento o que impõe como efeito imediato pensar e debater o futuro da humanidade Uma estratégia para entender como a noção de desenvolvimento sustentável se consolidou nas diferen tes esferas da vida econômica estatal jurídica científica e social é acompanhar o processo histórico de institucionalização do debate ambiental Para tanto este capítulo está dividido em dois tópicos O primeiro tem como obje tivo apresentar brevemente alguns antecedentes e contextos da emergência da noção de EAD 100 desenvolvimento sustentável O segundo mostra como alguns discursos têm modificado os sentidos de sustentabilidade explorando a perspectiva de três autores que se desta cam no campo do desenvolvimento sustentável Ignacy Sachs Serge Latouche e Michael Redclift SUSTENTABILIDADE COMO PROBLEMA PARA O DESENVOLVIMENTO ANTECEDENTES E CONTEXTOS No período pósSegunda Guerra Mundial entra em curso um amplo processo de desenvolvimento econômico e social no grupo das nações mais abastadas Tratase de um ciclo com altas taxas de crescimento e expansão econômica comandado pelos Esta dos Unidos que dura até meados da década de anos 1970 provocando o ressurgimento ou a reanimação de nações europeias abaladas pela guerra às quais se junta alguns anos depois o Japão ALMEIDA 2005 No bojo desse processo sob o impulso da preocu pação com os limites dos recursos naturais a hipótese de crescimento contínuo seus objetivos e limites passam a ser questionados e a noção de sustentabilidade começa a ser forjada Diante de tal conjuntura é necessário conhecer o debate internacional que se ins taura para primeiro se compreender como aos poucos a noção de sustentabilidade se foi afirmando enquanto questão e segundo se observarem as situações em que se começa a exigir a introdução de variáveis que levem em conta as limitações de recursos não renováveis e as consequências dos empreendimentos humanos nas teorias desen volvimentistas até então vigentes Nesse sentido serão apresentados a seguir alguns momentos emblemáticos em que o debate se torna público e se busca institucionalizar O Clube de Roma 1972 Em 1972 na reunião do Clube de Roma em Estocolmo veio a público o estudo Limites do crescimento também conhecido como Relatório Meadows redigido por Meadows e sua equipe do Massachussets Institute of Technology MIT O documento apresenta um ponto de vista global e sistêmico sobre os problemas que se estendem por todo o planeta e interagem uns com os outros distribuição de renda êxo do rural exploração abusiva de recursos naturais etc e sustenta que desenvolvimento e meio ambiente devem absolutamente ser tratados como um só e mesmo problema MEADOWS et al 1972 p 295 apud URTEAGA 2008 p 128 Ancorado em cinco parâmetros população produção de alimentos industriali zação contaminação e utilização de recursos naturais não renováveis o estudo infere que a dinâmica desse ecossistema mundial conduz a um círculo vicioso um núme ro cada vez maior de indivíduos consomem e contaminam de maneira crescente um mundo de recursos limitados E conclui que seja qual for o cenário escolhido para as próximas décadas este crescimento exponencial conduz finalmente ao fim do sistema EAD 101 URTEAGA 2008 Este tema passa a atrelarse a outros tais como o controle do cres cimento demográfico especialmente nos países do Terceiro Mundo e o patamar zero de crescimento econômico Podese dizer que com isso o debate abre a questão sobre a capacidade de carga da biosfera e a necessidade de um sistema mundial sustentável DIEGUES 1992 p 25 A Conferência de Estocolmo ONU 1972 Três meses depois da publicação do Re latório do Clube de Roma realizase em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente onde pela primeira vez se debatem temas centrais relativos ao crescimento econômico desenvolvimento e proteção ambiental O lema oficial do evento é Uma só Terra Não obstante esse apelo a Guerra no Vietnã coloca naquele momento em oposição os blocos dos países do Norte e do Sul de Leste a Oeste Ainda assim a Conferência mantém seu objetivo a saber definir modelos de comportamento coletivo que permitam às civilizações coexistir Os países industrializados presentes à Conferência estavam mais interessados em controlar o aspecto negativo da industrialização a degradação ambiental ao passo que os países subdesenvolvidos entre os quais o Brasil temiam que a proposta de controle dos efeitos do crescimento econômico significasse uma arma contra o chamado desen volvimento dos países mais pobres DIEGUES 1992 p 25 Ao fim do encontro são aprovadas algumas resoluções Decidese criar no seio da ONU um órgão específico encarregado das questões ambientais o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUE com sede em Nairóbi e encabeçado por Maurice Strong Secretário Geral da Conferência É no cerne desse processo que o Secretário Geral introduz a noção de ecodesenvolvimento como uma alternativa para a dicotomia economiaecologia definindoo como uma estratégia de desen volvimento que rejeita um crescimento econômico que implique degradação ambiental Seria um paradigma de terceira via que não vê a humanidade frente a um panorama fatalista e tampouco crê cegamente no desenvolvimento da tecnologia como solução para os problemas Aos poucos no entanto a noção de ecodesenvolvimento vai sendo colocada de lado dando lugar à noção de desenvolvimento sustentável DIEGUES 1992 URTEAGA 2008 O Relatório Brundtland 1987 Efetivamente enquanto ideia a noção de desen volvimento sustentável começou a circular apenas no final da década de 1980 quando o Relatório Nosso Futuro Comum também denominado de Relatório Brundtland elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CMED da ONU foi entregue à Assembleia Geral em 31 de dezembro de 1987 O Relatório é fruto de cinco anos de trabalho da CMED e apresenta muitas propostas As questões de desenvolvi mento e meio ambiente aparecem intimamente relacionadas entre si alguns modos de desenvolvimento prejudicariam o meio ambiente e isso poderia obstar o próprio desen EAD 102 volvimento Reconhecese pois a possibilidade de haver crises já que diferentes âmbi tos são considerados população segurança alimentar biodiversidade contaminação vinculados uns com os outros URTEAGA 2008 O Relatório conclui que não existe outra solução a não ser a instauração de um desenvolvimento sustentado caracterizado como aquele capaz de garantir as necessidades das gerações futuras nos seguintes termos O atendimento das necessidades básicas requer não só uma nova era de crescimento econômico para as nações cuja maioria da população é pobre como a garantia de que esses pobres receberão uma parcela justa dos recursos necessários para manter esse crescimento Para que haja um desen volvimento global sustentável é necessário que os mais ricos adotem estilos de vida compatíveis com os recursos ecológi cos do planeta quanto ao consumo de energia por exemplo Relatório Brundtland apud ALMEIDA 1997 p 42 A definição geral de desenvolvimento sustentável é a noção dominante do Relatório Bruntland a mais amplamente utilizada e por outro lado a mais passível de críticas Como assinala Almeida 1997 o adjetivo sustentável é empregado para qualificar aquilo que está em equilíbrio que se conserva sem desgaste e se mantém no tempo Ao tentar transferir tais qualidades ao desenvolvimento criase a falsa expectativa de uma sociedade sustentável em harmonia com a natureza com exclusão da dimensão confli tuosa ou das tensões sociais Outro aspecto exposto a severas críticas é a ideia de que o crescimento econômico presente é compatível com a preservação da natureza Segundo a avaliação de Ribeiro 1992 o desenvolvimento sustentável supõe que agentes econômicos articulem ações de planejamento que compatibilizem interesses muito heterogêneos como a busca de lucro por parte de empresários a lógica do mercado a preservação da natureza e até a justiça social sem problematizar por exemplo a exploração de um grupo social por outro De fato na contramão do que fora proposto pelo Relatório Meadows de reduzir a zero o patamar do crescimento econômico o Relatório Brundtland silencia sobre o tema A Rio92 1992 Vinte anos separam a ECORio da Conferência de Estocolmo Proposta pelos redatores do Relatório Brundtland a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CNUMAD ocorre no Rio de Janeiro em junho de 1992 Pela sua dimensão 40000 participantes 108 chefes de Estado e governo 172 países representados é até então a conferência mais importante já promovida pela ONU EAD 103 Tamanha mobilização expressa a crescente influência que tem na cena institucio nal o ambientalismo num campo de lutas econômicas ideológicas e políticas em torno do desenvolvimento RIBEIRO 1992 Ao término de dez dias de discussões vários textos são aprovados Na ocasião foi estabelecido um plano de ação batizado de Agenda 21 compromisso assinado por um conjunto de mecanismos internacionais que busca envolver governos empresas e organizações sociais com o objetivo de tratar dos proble mas ambientais de maneira mais eficiente Conforme Redclift 2002 dois pressupostos orientaram as propostas da Rio92 a os problemas ambientais internacionais tais como a mudança climática e a perda de biodiversidade seriam anomalias das relações entre política ciência e a capacidade de lidar com os problemas ecológicos e b os países do Norte e os do Sul têm interesse comum em assegurar um desenvolvimento econômico que não seja prejudicial ao meio ambiente No entanto em termos de aplicabilidade a noção de sustentabilidade se vê sujeita a um alto grau de diluição De fato como assinala Veiga 2010 basta consultar a Agenda 21 Brasileira para verificar que o desenvolvimento sustentável é apresentado como um conceito em construção o que quer dizer que seus princípios e premissas são experimentais e que sua implementação depende de um processo social no qual os atores devem pactuar novos consensos rumo a um futuro sustentável A Rio 10 2002 No ano de 2002 a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento é organizada em Johannesburgo A palavra de ordem do encontro é rever os compromissos firmados dez anos antes durante a Con ferência do Rio Além disso é preciso insistir sobre o aspecto social da sustentabilidade e colocar mais ênfase na pobreza No entanto um contexto de crise financeira e os problemas de segurança decorrentes do pós11 de setembro o ataque às torres gê meas do World Trade Center em Nova Iorque ofuscam o encontro Os observadores concordam que os resultados desse evento são frágeis e que a declaração final apresenta compromissos assumidos vagamente URTEAGA 2008 NOVAS TEMÁTICAS E PERSPECTIVAS TEÓRICAS Viuse até aqui que a sustentabilidade se apresenta historicamente atrelada às preocupações com o ambiente Inicialmente entendido como objetomeio ou seja dito de maneira sumária como o conjunto de recursos por intermédio dos quais a humanidade satisfaz suas mais variadas necessidades o ambiente é reconceituado como um fim Em outros termos os efeitos de esgotamento deste objeto a serviço da econo mia bifurcam as discussões em dois focos distintos a a urgência em reduzir ou mode lar o crescimento econômico mediante a diminuição da exploração de matériasprimas ou a busca de alternativas menos impactantes e b a importância de conceder ao am EAD 104 biente o estatuto de domínio em si mesmo que precisa ser pensado enquanto esfera substancialmente distinta mas não isolada dos demais domínios o econômico o jurídico o político o social etc Podese asseverar que esses dois eixos se cruzam dando espaço para duas discussões de suma importância os efeitos da degradação ambiental e as forças políticas e sociais a serem mobilizadas para responder a esse problema GOLDBLATT 1998 Nesse ínterim três autores merecem especial atenção Ignacy Sachs é considerado um dos maiores pensadores dentro do campo do desenvolvimento sustentável Economista seus escritos inseremse no grande tema do ecodesenvolvimento SACHS 1981 ou seja na ideia de que é possível conciliar desen volvimento e proteção ambiental Na história do surgimento do desenvolvimento sustentável como plataforma de ação institucional as ideias de Sachs foram cruciais visto que o autor buscou conjugar o que ele próprio chamou as cinco dimensões da sustentabilidade a economia do crescimento o social distributivo o cultural como pertença local o ambiental para preservação e a especialidade do local Com isso o ecodesenvolvimento é definido por Sachs 1981 p 23 de maneira bastante pontual como desenvolvimento endógeno e dependente de suas pró prias forças tendo por objetivo responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desen volvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio Fique bem claro o que o autor pretende dizer com isso Para tanto é indispensável situar a definição dentro de uma época em que eclodem a preocupação com o meio ambiente e contestações significativas ao sistema capitalista e à economia de mercado Muitas críticas de movimentos sociais nos Estados Unidos na Europa e na América Latina voltamse contra a civilização do consumo pregando um retorno a economias de baixa energia A tentativa de conciliação de Sachs passa portanto a articular o caminho da expansão industrial e da movimentação da economia com uma espécie de pedagogia ambiental ou seja com a criação de uma consciência do uso adequado dos recursos em prol do bemestar humano que se traduz em preservar agora para as futuras gerações poderem usufruir depois Sachs apresentase assim como o autor que pretende criar ao mesmo tempo um espaço teórico e um espaço institucional para alavancar as discussões acerca das estra tégias de ocupação uso e geração de riqueza e distribuição de bens Em Caminhos para o desenvolvimento sustentável 2008 p 32 é este o problema a que ele busca responder Como desenhar uma estratégia diversificada de ocupação da Terra na qual as reservas EAD 105 restritas e as reservas da biosfera tenham seu lugar nas normas estabelecidas para o ter ritório a ser utilizado para usos produtivos Nesse sentido no final das contas a escala do problema à qual o autor se reporta se situa em nível global e a escala das respostas em nível local O segundo responde ao primeiro e o desenvolvimento sustentável prevê por conseguinte diversos modelos que permitam aos países dentro de seus contextos pensar estratégias de entrada no sistema da economia mundial Em posição distinta situase Serge Latouche Este autor justapõe as noções de desenvolvimento e de sustentável como oxímoros ou seja como um jogo de palavras retó rico contraditório que na prática não resulta em nenhuma transformação eficaz Assim sendo antes de significar uma transformação real dos modos de produção capitalistas e de nosso sistema de vida consumista essa expressão reforça a prática oposta a de que é preciso sustentar o desenvolvimento com base na expansão industrial e no aumento da força de consumo via concessão de créditos ao mercado financeiro e obsolescência programada Segundo Latouche 2007 2009 a noção de crise ambiental é portanto sintoma incontestável da ineficácia do sistema capitalista cuja premissa máxima é o crescimento pelo crescimento ou seja a acumulação ilimitada de capital O autor posicionase na contramão desse sistema propondo um decrescimento que se inspiraria em um tripé de divisão e redistribuição dos recursos a partir de uma ética formulada em um projeto político concreto reavaliar reconceituar reestruturar redistribuir relocalizar reduzir reutilizar e reciclar LATOUCHE 2007 Tal projeto de substituição do desenvolvi mento sustentável por um decrescimento convivial está obviamente baseado em ações expressas por alguns dos verbos acima mencionados reduzir nossa pegada ecológica redistribuir nos custos dos bens e serviços os danos ambientais causados pelas atividades que os produziram reestruturar a agricultura familiarcamponesa e reclocalizar essas atividades em sua própria escala reduzir o desperdício energético reconceituar os bens relacionais tais como a amizade por exemplo entre outros Destarte o economista francês propõe direcionar o campo de ação prático a ao fortalecimento de intercâmbios diretos de saberes locais e b à construção de Uni versidades Populares a exemplo do que ocorre no Haiti em Cabo Verde e na América Latina É necessário portanto fundar outra lógica cujo efeito primeiro seria criar valores de uso não quantitativo nem quantificáveis pelos profissionais de necessidades LATOUCHE 2009 p 167 Michael Redclift sociólogo britânico segue por sua vez seu próprio percurso Assim como Latouche ele critica a noção de desenvolvimento sustentável cunhada nas décadas de 1970 e 1980 Contudo sua principal preocupação está centrada na forma ção dos discursos acerca do tema EAD 106 Redclift 1984 repõe o oxímoro acima mencionado nos limites de suas condições de possibilidade ou seja aliandoo aos discursos que trazem consigo agentes e reivindicações as mais variadas como por exemplo os direitos àda natureza os direitos de equidade global ou até mesmo a legitimidade das intervenções científicas as demandas das megacorporações e assim por diante Em suma uma vasta gama de agentes tem arrastado a noção de desenvolvimento sustentável para sua própria arena de argumentação a fim de fazer valer a legitimidade de seus discursos e de suas agendas políticas O autor assume de várias formas estar preocupado em articular os domínios am biental do sistema econômico global e das estruturas políticas todos a partir do con ceito de sustentabilidade Mas para tanto é preciso fugir da ideia capitalista da produção limpa e da apropriação política do termo como praticada pelo neoliberalismo Nesse sentido devese reconhecer com o autor que o desenvolvimento sustentável está em disputa tanto conceitualmente quanto na construção da agenda política mais geral Essa disputa porém não é analisada por Redclift de maneira simples Segundo ele o desenvolvimento sustentável está conectado de forma que outros discursos vêm a reboque tais como energia limpa combustível biodegradável economia verde etc o que torna mais difícil fazer escolhas e firmar compromissos políticos REDCLIFT 2002 O desafio passa a ser explorar as novas ações concretas que são viabilizadas a partir deste confronto depurandoas das obscuridades que historicamente envolvem o desenvolvimento sustentável CONCLUSÃO SUSTENTABILIDADE COMO ALTERNATIVA As páginas deste breve capítulo perseguiram um duplo objetivo a retraçar uma série de eventos globais concretos que contribuíram para o surgimento do conceito de sustentabilidade e b delinear os contornos gerais dos referenciais mais relevantes para as ciências sociais dentro desta temática Ao encerrar deparamonos com as seguintes questões a a sustentabilidade lo grou apresentarse como alternativa ao crescimento econômico ao qual fazia contrapon to ao surgir b o conceito engendra práticas alternativas ao desenvolvimento Res ponder a tais questionamentos está obviamente fora do alcance do presente trabalho Mas eles continuam sendo relevantes no atual cenário graças à ampliação do horizonte de realidades dentro de cujos limites pensamos nossos conceitos e nossas ações EAD 107 REFERÊNCIAS ALMEIDA Jalcione Da ideologia do progresso à ideia de desenvolvimento rural sustentável In AL MEIDA Jalcione NAVARRO Zander Orgs Reconstruindo a agricultura ideias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável Porto Alegre Ed da UFRGS 1997 p 3355 Sustentabilidade ética e cidadania novos desafios da agricultura Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável v 1 n 4 p 1320 2005 DIEGUES Antonio Carlos S Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis da crítica dos modelos aos novos paradigmas São Paulo em Perspectiva São Paulo SEADE v 6 n 12 p 2229 jan jun 1992 GOLDBLATT David Teoria social e ambiente Lisboa Instituto Piaget 1998 LATOUCHE Serge Petit traité de la décroissance sereine Paris Mille et Une Nuits 2007 Decrecimiento o barbarie Entrevista a Serge Latouche Papeles de Relaciones Ecosociales y Cambio Global Madrid n 107 p 159170 jun 2009 REDCLIFT Michael R Sustainable development exploring the contradictions London Routledge 1987 The meaning of sustainable development Geoforum v 23 n 3 p 395403 1992 Póssustentabilidade e os novos discursos da sustentabilidade Raízes Campina Grande v 21 n 1 p 124136 janjun 2002 Sustainable development 19872005 an oxymoron comes of age Horizontes Antropológicos Porto Alegre v 12 n 25 p 6584 janjun 2006 RIBEIRO Gustavo Lins Ambientalismo e desenvolvimento sustentado ideologia e utopia no final do século XX Ciência da Informação Brasília v 21 n 1 p 2331 janabr 1992 SACHS Ignacy Ecodesenvolvimento crescer sem destruir São Paulo Vértice 1981 Caminhos para o desenvolvimento sustentável 3 ed Rio de Janeiro Garamond 2008 URTEAGA Eguzki El debate internacional sobre el desarrollo sostenible Investigaciones Geográficas Uni versidad de Alicante n 46 p 127137 mayoagosto 2008 VEIGA José Eli da Sustentabilidade a legitimação de um novo valor São Paulo SENAC 2010 EAD 108 Capítulo 10 DESENVOLVIMENTO RURAL DO AGRÍCOLA AO TERRITORIAL Juan Camilo de los Ríos Cardona Mailane Junkes Raizer da Cruz Rafaela Vendruscolo Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO Este capítulo apresenta as principais discussões sobre o desenvolvimento com ên fase nas questões do rural bem como nos principais aportes das políticas públicas que convergem para os modelos de desenvolvimento Iniciase com a problemática referente ao desenvolvimento agrícola e agrário que marcou as décadas de 1950 a 1980 passan do pelos debates sobre desenvolvimento rural e desenvolvimento rural sustentável que se instauraram na década de 1980 impulsionados pelas consequências do modelo de desenvolvimento das décadas anteriores Em seguida serão tratadas as concepções de desenvolvimento local e desenvolvimento territorial que surgem nas décadas de 1990 e de 2000 como decorrência entre outros fatores da crise do Estado desenvolvimentista e de seu projeto de modernização da agricultura e do meio rural DIFERENTES VISÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO RURAL As diferentes definições dadas ao conceito de desenvolvimento rural desde a dé cada de 1950 têm sido influenciadas pelo espírito de cada época NAVARRO 2001 embora como assinalam Ellis e Biggs 2005 qualquer tentativa de interpretar o de senvolvimento rural desde meados do século passado arrisque incorrer em uma pe rigosa simplificação Parece indispensável não obstante apresentar alguns conceitos associados ao desenvolvimento rural Detenhamonos inicialmente na concepção de EAD 109 desenvolvimento agrícola para abordar na sequência os conceitos de desenvolvimento agrário desenvolvimento rural e desenvolvimento local e terminar com a atual concei tuação de desenvolvimento territorial DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA A visão do desenvolvimento rural especificada como desenvolvimento agrícola está vinculada principalmente à base material de produção agropecuária área plantada produtividade formatos tecnológicos mão de obra etc Segundo Navarro 2001 foi esta a visão que predominou na década de 1950 mas que teve maior força na década de 1970 período marcado por intensificação tecnológica como parte de uma estratégia que visava o aumento da produtividade e a elevação da renda dos produtores Nesta perspectiva rural era sinônimo de agrícola e desenvolvimento rural de modernização agrícola produzindo transformações socioeconômicas no meio rural que trouxeram resultados bastante penosos para os trabalhadores rurais e muito favoráveis às elites agrárias agrí colas e agroindustriais DELGADO 2009 p 4 Navarro 2001 assinala ainda que entre 1950 e 1975 a noção de desenvolvimen to rural visava o bemestar econômico das populações rurais isso porém se dava graças ao ímpeto modernizante com expressiva intervenção do Estado para induzir à adoção de tecnologias no intuito de otimizar a produção e a produtividade no setor agrícola Em outras palavras o Estado promovia o desenvolvimento agrícola ou agropecuário por meio da modernização calcada nos preceitos da chamada Revolução Verde1 que constituiu uma nova compreensão de agricultura baseada no modelo capitalista ociden tal que gradualmente foi se universalizando Entende o autor que ao disseminar um novo padrão de produção a Revolução Verde representou uma ruptura com o passado que ocasionou perda da relativa autonomia que a agricultura experimentara até então além da mercantilização gradativa da vida social Como foi exposto nos capítulos anteriores no caso brasileiro nas décadas de 1960 e 1970 a economia era dominada pela ideia força da industrialização considerada como o melhor instrumento para eliminar a grande defasagem que separava o País das econo mias capitalistas industrializadas com participação expressiva do Estado na economia e no planejamento do desenvolvimento DELGADO 2009 É importante lembrar que nesse período o Brasil vivia sob a ditadura militar e que quaisquer críticas às ações do Estado corriam risco de sofrer violenta repressão 1 Denominase Revolução Verde o modelo de produção difundido após o término da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade da agricultura mediante o uso intensivo do solo via mecaniza ção irrigação aplicação de agroquímicos fertilizantes e agrotóxicos e sementes geneticamente melhoradas de alto rendimento EAD 110 Embora essas políticas tenham privilegiado principalmente os grandes produtores e os produtos destinados à exportação também é certo que essa noção de desenvolvi mento agrícola estava associada no cenário internacional ao crescimento agrícola base ado na eficiência da pequena produção Na época consideravase que nos países de baixa renda a camada de agricultores tradicionais ou agricultores de subsistência poderia formar a base dos processos econômicos conduzidos pela agricultura ELLIS BIGGS 2005 p 64 Tal visão encontrou grande expressão no trabalho de Theodo re Schultz 1981 1967 que considerava o potencial da pequena agricultura como um motor do desenvolvimento e crescimento econômicos desde que dispusesse das condições técnicas adequadas Estimava o autor que caso dispusessem de máquinas e insumos modernos os agricultores saberiam obter entre seus custos e resultados eco nômicos uma razão tal que esta por seu comportamento maximizador se traduziria em substancial aumento de produção e produtividade Nesta fase da modernização agrícola foi implementada a política de crédito ru ral subsidiado iniciada em 1965 com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural SNCR que foi o principal instrumento de política econômica voltado para a moder nização da agropecuária DELGADO 2009 Também merecem destaque a criação no começo dos anos 70 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATER que coor denavam respectivamente a pesquisa e a difusão de tecnologias com vistas ao aumento da produção e da produtividade e a reformulação da Política de Garantia de Preços Mínimos PGPM que assegurava uma renda mínima ao produtor rural mediante a diminuição da flutuação dos preços pagos pelos produtos agrícolas DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO Se na concepção corrente até quase o fim do século XX o rural é o espaço onde ocorrem atividades agrícolas uma possibilidade de mudança social para que o rural acompanhe o desenvolvimento urbanoindustrial é modernizar a agricultura com ins trumentos para incrementar a produção e a produtividade Esta é uma visão que revela significativa confiança nos fatores técnicos associados ao progresso Outra possibilidade de mudança está em aprofundar ou modificar as relações capitalistas no campo ou alte rar a estrutura agrária e o padrão de distribuição dos fatores de produção em especial a terra A noção de desenvolvimento agrário está vinculada a essa transformação mais geral das relações sociais de trabalho e propriedade no espaço rural A expressão desenvolvimento agrário referese às interpretações acerca do mundo rural em suas relações com a sociedade em todas as suas dimensões Tal perspectiva assentase na análise da vida social rural e na sua evolução histórica associada às de EAD 111 mais mudanças na sociedade envolvente Tratase de uma visão vinculada à interpretação marxista do desenvolvimento do capitalismo no campo que enfatiza os processos histó ricos de transformações da vida social rural para a qual a estrutura agrícola produ ção e produtividade é apenas um entre vários aspectos Segundo Ellis e Biggs 2005 a ênfase recaiu e ainda recai no exame da dinâmica das classes sociais das relações de poder da desigualdade e da diferenciação social e na articulação desses aspectos com processos socioeconômicos mais amplos ligados à transformação do capitalismo No Brasil alguns acontecimentos tais como a organização das ligas camponesas antes de 1964 e a luta pela democratização durante a década de 1970 e no início dos anos 80 permitiram que a questão agrária assumisse uma importância política central principalmente no período de redemocratização do País durante a Assembleia Nacional Constituinte 19871988 Delgado 2009 assinala que se ergueram novas reivindi cações por políticas de preços e crédito rural para pequenos agricultores revelando assim esta nova faceta do desenvolvimento que ia além da simples visão de agrícola Essas reivindicações redundaram em políticas públicas voltadas principalmente à pro moção da reforma agrária as quais visavam justamente alterar o padrão de ocupação da propriedade da terra no meio rural transformando igualmente as relações de trabalho e produção DESENVOLVIMENTO RURAL Outra conceituação do desenvolvimento rural ganha evidência nas décadas de 1980 e 1990 como fruto do transcorrer histórico das discussões sobre o desenvolvimento agrícola e agrário De acordo com Navarro 2001 o desenvolvimento rural propriamente dito precisa ser diferenciado do desenvolvimento agrícola e do desenvolvimento agrário pois se trata de um conjunto de ações sistemáticas e interrelacionadas empenhadas em pro duzir mudanças sociais O autor define desenvolvimento rural como ação previamente articulada que induz ou pretende induzir mudanças em um determinado ambiente rural p 88 Esta ação está associada ao fato de que desde o final da década de 1970 come çouse a perceber que as políticas modernizantes para o desenvolvimento agrícola não haviam sido efetivas em assuntos específicos como a redução da pobreza Tal situação gerou um desencanto geral que sem dúvida se intensificou com o estancamento da fase econômica expansionista do pósguerra Além disso a partir dos anos 80 com o adven to das novas estratégias políticas inspiradas no enfoque conhecido como neoliberalismo o papel do Estado na condução eficaz das suas políticas foi enfraquecido e consequen temente o debate sobre o desenvolvimento foi retirado da agenda pública EAD 112 A partir da década de 1990 o desenvolvimento rural foi revitalizado pela emer gência de novas abordagens fortemente influenciadas pelas transformações de ordem social política e econômica que ocorreram na sociedade como um todo desdobrando se em políticas governamentais direcionadas para a reforma agrária o crédito para a agricultura familiar o apoio aos territórios rurais o estímulo a ações afirmativas para mulheres jovens aposentados e negros SCHNEIDER 2010 p 512 Essas novas dimensões surgiram como resposta ao projeto modernizante da agricultura que gerou resultados voltados quase que exclusivamente para as elites agrárias agrícolas e agroin dustriais em detrimento dos trabalhadores rurais DELGADO 2009 além do grave impacto ambiental causado pela aplicação de técnicas de produção agrícola com uso ex cessivo e intensivo de insumos industriais e em muitos casos com técnicas inadequadas para as condições biofísicas dos ecossistemas locais LEFF 2000 Tais constatações conduziram a que fossem incorporadas ao desenvolvimento ru ral outras dimensões não propriamente agrícolas entre as quais questões relaciona das à sustentabilidade e ao meio ambiente dando origem às noções de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento rural sustentável vide supra cap 9 O componente sustentá vel da expressão referese exclusivamente ao plano ambiental indicando ser necessário que as estratégias de desenvolvimento rural incorporem uma compreensão adequada das chamadas dimensões ambientais Já o desenvolvimento rural sustentável significa ria uma integração da nova dimensão ambiental com as outras dimensões produtivas sociais culturais e econômicas do desenvolvimento rural DO DESENVOLVIMENTO LOCAL À ABORDAGEM TERRITORIAL A crise do Estado desenvolvimentista e centralizador e as transformações do rural nas últimas décadas acarretaram mudanças nas concepções de desenvolvimento De um Estado desenvolvimentista e planejador do desenvolvimento passase à descentralização políticoadministrativa na gestão com a crescente influência da sociedade civil em esfe ras de poder RÜCKERT 2005 Isso propicia o surgimento de iniciativas de desenvol vimento da sociedade civil ou desta em articulação com entes estatais através de ações de desenvolvimento local eou territorial A concepção de desenvolvimento local nasce da problematização entre desenvolvi mento exógeno e endógeno Os processos de desenvolvimento exógenos acusavam in coerências com as diversas realidades brasileiras gerando consequências de um modelo imposto uniformemente o que levou diversos segmentos da sociedade a tecerem crí ticas a um modelo de desenvolvimento intervencionista Por outro lado também os projetos localistas deixaram à mostra fragilidades pois depositaram excessiva confiança em atores locais muitas vezes desprovidos de recursos para implementarem projetos EAD 113 de desenvolvimento As limitações da ação do Estado com a crise econômica e os pro blemas advindos da ação centralizadora intervencionista criaram outros dilemas uma vez que como estratégia de reforma das ações para o desenvolvimento o processo foi descentralizado para ser protagonizado por organizações não governamentais ONGs e outras entidades da sociedade Segundo Navarro 2001 o surgimento da noção de desenvolvimento local é re sultado de duas transformações importantes A primeira está ligada à emergência e à multiplicação das organizações da sociedade civil e de ONGs que se dedicaram a exe cutar ações em espaços locais A segunda está vinculada ao processo mais amplo de des centralização das decisões nas quais o Estado atribui responsabilidade aos atores locais para promoverem e recriarem formas de gestão de recursos públicos Desenvolvimento local é na definição de Buarque 1999 p 9 um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamis mo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população Frente às concepções de desenvolvimento essencialmente exógenas adotadas até então o desenvolvimento local representa uma inovação ao atentar à necessidade de olhar para a diversidade local e construir projetos de desenvolvimento que partam das necessidades reais de cada localidade Esta perspectiva busca valorizar a cultura os sabe res e fazeres os recursos naturais bem como a participação das pessoas nas decisões e no desenho dos projetos de desenvolvimento Com efeito nos anos 90 as políticas localistas no Brasil multiplicaramse no vácuo deixado pela crise do Estado A crise de financiamento do desenvolvimento ofereceu uma oportunidade para iniciativas locais mobilizadas pelas ONGs e demais organiza ções da sociedade A ampliação da pluralidade de atores que passaram a elaborar e a executar projetos de desenvolvimento reverteuse na pulverização de recursos e na des centralização do Estado Quando o Estado face a tais dificuldades retoma os projetos de desenvolvimento observase que as experiências locais deram espaço a ações articuladas entre o rural e o urbano e entre municípios gerando novas compreensões do desenvolvimento fundadas na concepção de território Essa concepção busca superar tanto a dicotomia entre ru ral e urbano quanto as ações meramente localistas para afirmar um tipo de estratégia calcado nas relações espaciais porém estimulando redes e iniciativas que articulem territórios mais abrangentes que os locais Estas passaram a ser denominadas iniciativas de desenvolvimento territorial Na noção de desenvolvimento territorial o território constitui a unidade sobre a qual se assenta a ação de desenvolvimento O surgimento do território enquanto lugar de execução das políticas públicas e ação dos atores sociais implica no entanto diversas consequências Como salienta Schneider 2004 os espaços não são meros suportes EAD 114 das relações sociais econômicas culturais e políticas as instituições as organizações e as relações que configuram o tecido social nos territórios são os recursos efetivamente habilitados para se traduzirem em projetos de desenvolvimento Nas universidades disciplinas como Geografia Antropologia Economia e Sociolo gia debruçaramse sobre a noção de território compreendendoo de diferentes formas de acordo com o olhar e o contexto político e social Bonnal et al 2008 p 190191 dividem os estudos sobre território e desenvolvimento territorial em quatro grandes concepções apoiadas em bases disciplinares a território como unidade de atuação do Estado para controlar a produção de externalidades pela agricultura se jam elas positivas ou negativas essa abordagem responde es sencialmente a uma preocupação da economia política b território como unidade de construção de recursos especí ficos para o desenvolvimento econômico essa preocupação corresponde ao ponto de vista da economia territorial c território como produto de uma ação coletiva concepção relacionada à socioeconomia das organizações d território como componente fundamental das sociedades tradicionais no sentido de sociedades arcaicas que se inscreve na pers pectiva da antropologia e da antropologia econômica As territorialidades construídas a partir das relações e similaridades socioculturais e naturais de determinado espaço despertaram o interesse das Ciências Sociais para os estudos sobre território até então objeto restrito da Geografia que passaram a focar as interações sociais e a apropriação simbólica do espaço ABRAMOVAY 2003 2007 Inúmeras pesquisas apontam a construção de novas territorialidades como promotoras do desenvolvimento as quais constituem estratégias ancoradas na valorização cultural e natural dos lugares Esses processos de valorização de regiões rurais por sua cultura e pela natureza pautamse pela instauração de uma identidade territorial como propulsora e mobilizadora do desenvolvimento FROEHLICH 2002 Assim os territórios são estabelecidos a partir das características materiais e imateriais ou seja com base em seus recursos biofísicos e humanos suas relações sociais e seus modos de produção e cultura Veiga 2003 e Abramovay 2003 apontam algumas condições para a abordagem territorial do desenvolvimento entre eles a necessidade de superação da dicotomia ru ralurbano bem como dos limites municipais em busca de mecanismos organizacionais que facilitem as relações a exemplo dos consórcios acima mencionados Veiga destaca ainda como principal desafio a proposição de uma estratégia que viabilize ir além das EAD 115 ações setoriais e promover uma real articulação horizontal nos territórios rurais ou seja sair dos limites municipais associarse com vistas a valorizar o território e compartilhar projetos e recursos necessários ao desencadeamento do desenvolvimento territorial No Brasil a abordagem territorial vem ganhando espaço tanto nos centros de pes quisa quanto entre os formuladores de políticas públicas sendo a Secretaria de De senvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário o exemplo mais patente de ação pública voltada a esse fim Projetos de desenvolvimento descentraliza dos elaborados pelos atores reunidos em territórios são estratégicos no século XXI As Políticas de Desenvolvimento Territorial Territórios da Cidadania Territórios Rurais são uma prova cabal de que o Estado passou a considerar os territórios como lócus para as suas ações CONSIDERAÇÕES FINAIS A história das políticas e programas de desenvolvimento de 1950 até nossos dias mostra que neste curto período mudanças nas concepções de espaço rural de polí ticas públicas e de lócus privilegiado para ação estatal resultaram em transformações relevantes nas definições de desenvolvimento De uma orientação que visava aumentar a produção e a produtividade agrícola expressivas de 1950 até fins dos anos 70 passa se a considerar o desenvolvimento rural um conjunto abrangente e complexo de ações previamente articuladas que objetivam mudanças gerais em um ambiente social Até meados dos anos 80 o Estado era o entechave para iniciar propor e conduzir tais processos de desenvolvimento No entanto o final do século XX testemunha a difi culdade desse Estado em organizar o desenvolvimento de modo intervencionista sem a participação dos atores sociais locais A sociedade civil organizada põese a estabelecer parcerias e redes com a participação crucial do Estado que não sai de cena visan do promover processos locais ou territoriais de desenvolvimento Neste panorama uma das mudanças mais relevantes a destacar é aquela que articula o necessário protagonismo dos atores locais e territoriais com uma concepção de rural enquanto espaço não iden tificado exclusivamente com a atividade agrícola que comporta diversidade econômica social e cultural REFERÊNCIAS ABRAMOVAY Ricardo O futuro das regiões rurais Porto Alegre Ed da UFRGS 2003 Para uma teoria dos estudos territoriais In ORTEGA Antônio César ALMEIDA FILHO Nie meyer Orgs Desenvolvimento territorial segurança alimentar e economia solidária Campinas Alínea 2007 p 1938 EAD 116 BONNAL Philippe CAZELLA Ademir Antônio MALUF Renato Sérgio Jamil Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento territorial avanços e desafios para a conjunção de enfoques Estudos Socie dade e Agricultura Rio de Janeiro v 16 n 2 p 185227 out 2008 BUARQUE Sérgio C Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal material para orien tação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal Brasília INCRAIICA 1999 DELGADO Nelson Giordano Papel e lugar do rural no desenvolvimento nacional Brasília IICA MDA 2009 ELLIS Frank BIGGS Stephen La evolución de los temas relacionados al desarrollo rural desde la dé cada de los años 50 al 2000 Organizações Rurais e Agroindustriais Universidade Federal de Lavras v 7 n 1 p 6069 janabr 2005 FROEHLICH José Marcos Rural e Natureza a construção social do rural contemporâneo na região cen tral do Rio Grande do Sul Tese Doutorado em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade Instituto de Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2002 LEFF Enrique Ecologia capital e cultura racionalidade ambiental democracia participativa e desenvolvi mento sustentável Blumenau Ed da FURB 2000 NAVARRO Zander Desenvolvimento rural no Brasil os limites do passado e os caminhos do futuro Estudos Avançados São Paulo USP v 15 n 43 p 83100 setdez 2001 RÜCKERT Aldomar Arnaldo Reforma do Estado reestruturações territoriais desenvolvimento e novas territorialidades GEOUSP Espaço e Tempo USP São Paulo n 17 p 7994 2005 SCHNEIDER Sérgio A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações externas Sociologias Porto Alegre v 6 n 11 p 88125 janjun 2004 Situando o desenvolvimento rural no Brasil o contexto e as questões em debate Revista de Eco nomia Política São Paulo v 30 n 3 p 511531 julset 2010 SCHULTZ Theodore William Modernización de la agricultura Cuadernos de Desarrollo Rural Bogotá n 7 p 93121 sept 1981 VEIGA José Eli da Cidades imaginárias o Brasil é menos urbano do que se calcula Campinas Autores Associados 2003 EAD 117 DADOS SOBRE OS AUTORES Abel Cassol Mestre e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa sociologia econômica sociologia da alimentação e sociologia do desenvolvimento Email abelcassolhotmailcom Ariane Fernandes da Conceição Doutoranda em Desenvolvimento Rural na Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria PPGExRUFSM Temas de pesquisa Co municação e Extensão Rural Administração e Planejamento Estratégico Associativismo e Cooperativismo Email arianeeuzinhayahoocombr Cíntia de Oliveira Caruso Doutoranda em Qualidade Ambiental pela Universidade FEEVALERS Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas Temas de pesquisa Economia Agrícola e Agricultura Familiar Sociologia e Meio Ambiente Qualidade Ambiental e Desenvolvimento Email cintiacarusoigcombr Dércio Bernardes de Souza Doutorando em Agronegócios na Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul CEPANUFRGS Mestre em Administração pela Universi dade Federal de Rondônia PPGAUNIR Temas de pesquisa Gestão do Agronegócio inovação e sustentabilidade Email derciosouzayahoocombr Dieisson Pivoto Mestre e Doutorando em Agronegócios na Universidade Federal do Rio Grande do Sul CEPANUFRGS Temas de pesquisa Gestão de organizações do agronegócio mercados agroindustriais e cooperativismo agropecuário Email dieis sonpivotogmailcom Felipe Vargas Mestre e Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa o problema do conhecimento ques tão ambiental antropologia da ciência sociologia rural Email fvargas85gmailcom Gabriella Rocha de Freitas Mestre e Doutoranda em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa estudos sobre desenvolvimento estudos póscoloniais Nova Sociologia Econômica Email gabriellaf rochagmailcom EAD 118 Guilherme Francisco Waterloo Radomsky Professor do Programa de PósGra duação em Desenvolvimento Rural e do Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Doutor em Antropologia Social PPGAS UFRGS Temas de pesquisa certificações propriedade intelectual e estudos sobre de senvolvimento Email guilhermeradomskyufrgsbr Juan Camilo de los Ríos Cardona Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Ru ral pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Temas de pesqui sa Mudanças ambientais e desenvolvimento rural políticas públicas para a agricultura Email camidelosriosyahoocom Mailane Junkes Raizer da Cruz Mestranda em Desenvolvimento Rural na Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Engenheira Florestal pela Universidade Federal do Paraná UFPR Temas de pesquisa relações de trabalho no campo desenvolvimento rural Email mailanejrcgmailcom Paulo André Niederle Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro CPDAUFRRJ Temas de pesquisa desenvolvimento rural dinâmica da agricultura familiar e mercados agroalimentares Email paulonie derlegmailcom Rafaela Vendruscolo Doutoranda em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Mestre em Extensão Rural pela Uni versidade Federal de Santa Maria PPGExRUFSM Professora no Instituto Federal Farroupilha Campus de São Vicente do Sul Temas de pesquisa desenvolvimento ru ral mudanças institucionais desenvolvimento territorial Email rafaelavendruscolo iffarroupilhaedubr Tanise Dias Freitas Mestre e Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa Sociologia do Desenvolvi mento Sociologia Rural Qualidade de Vida Desenvolvimento Humano Meios de Vida Email tanise1208yahoocombr Yara Paulina Cerpa Aranda Doutoranda em Sociologia pela Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Mestre em Sociologia pelo PPGSUFRGS Integrante do Grupo de Pesquisa Tecnologia Meio Ambiente e Sociedade TEMAS UFRGS Tem experiência na área de Sociologia com ênfase em Sociologia Ambiental Email yaracerpayahoocombr
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Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Introdução às teorias do desenvolvimento Paulo André Niederle Guilherme Francisco W Radomsky orgs Reitor Rui Vicente Oppermann ViceReitor e PróReitora de Coordenação Acadêmica Jane Fraga Tutikian EDITORA DA UFRGS Diretor Alex Niche Teixeira Conselho Editorial Carlos Pérez Bergmann Claudia Lima Marques Jane Fraga Tutikian José Vicente Tavares dos Santos Marcelo Antonio Conterato Maria Helena Weber Maria Stephanou Regina Zilberman Temístocles Cezar Valquiria Linck Bassani Alex Niche Teixeira presidente Copyright dos autores 1ª edição 2016 Direitos da edição Universidade Federal do Rio Grande do Sul Capa Ely Petry Revisão Ignacio Antonio Neis Jaques Ximendes Beck e Sabrina Pereira de Abreu Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Coordenação Lovois de Andrade Miguel Gabriela Trindade Perry e Marcello Ferreira Curso de Graduação Bacharelado em Desenvolvimento Rural PLAGEDER Coordenação Pedagógica Marcelo Antonio Conterato Coordenação de Tutoria Laura Wunsch Coordenação Núcleo EAD Tânia Rodrigues da Cruz Secretário Jorge Luis Aguiar Silveira Projeto gráfico Evangraf Introdução às teorias do desenvolvimento organizadores Paulo André Nieder le e Guilherme Francisco Waterloo Radomsky coordenado pelo SEAD UFRGS Porto Alegre Editora da UFRGS 2016 118 p il 175x25cm Série Ensino Aprendizagem e Tecnologias Inclui referências 1 Economia 2 Teorias do desenvolvimento 3 Rostow Estágios De senvolvimento 4 Schumpeter Teoria do desenvolvimento econômico 5 Celso Furtado Economia política Desenvolvimento latinoamericano 6 Hirschman Economia do desenvolvimento 7 Sen Desenvolvimento Li berdade 8 Desenvolvimento Teoria evolucionária Mudança institucional 9 Estado Desenvolvimentismo Neodesenvolvimentismo 10 Pósdesen volvimento 11 Desenvolvimento sustentável 12 Desenvolvimento rural I Niederle Paulo André II Radomsky Guilherme Francisco Waterloo III Universidade Federal do Rio Grande do Sul Secretaria de Educação a Dis tância IV Série CDU 33034 I61 CIPBrasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Jaqueline Trombin Bibliotecária responsável CRB10979 ISBN 9788538603269 Paulo André Niederle Guilherme Francisco Waterloo Radomsky Organizadores INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO Sumário PREFÁCIO 7 Capítulo 1 ROSTOW E OS ESTÁGIOS PARA O DESENVOLVIMENTO 11 Ariane Fernandes da Conceição Cíntia Gonçalves de Oliveira e Dércio Bernardes de Souza Capítulo 2 SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 17 Dieisson Pivoto Cíntia de Oliveira Caruso e Paulo André Niederle Capítulo 3 CELSO FURTADO E A ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO LATINOAMERICANO 29 Abel Cassol e Paulo André Niederle Capítulo 4 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO 39 Paulo André Niederle Juan Camilo de los Ríos Cardona e Tanise Dias Freitas Capítulo 5 SEN E O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE 51 Tanise Dias Freitas Abel Cassol Ariane Fernandes da Conceição e Paulo André Niederle Capítulo 6 DESENVOLVIMENTO TEORIA EVOLUCIONÁRIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL 65 Paulo André Niederle Dieisson Pivoto e Dércio Bernardes de Souza Capítulo 7 ESTADO DESENVOLVIMENTO E NEODESENVOLVIMENTISMO 77 Paulo André Niederle Guilherme F W Radomsky Rafaela Vendruscolo Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda e Gabriella Rocha de Freitas Capítulo 8 PÓSDESENVOLVIMENTO A DESCONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 95 Gabriella Rocha de Freitas Mailane Junkes Raizer da Cruz e Guilherme F W Radomsky Capítulo 9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INTRODUÇÃO HISTÓRICA E PERSPECTIVAS TEÓRICAS 103 Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda e Guilherme F W Radomsky Capítulo 10 DESENVOLVIMENTO RURAL DO AGRÍCOLA AO TERRITORIAL 113 Juan Camilo de los Ríos Cardona Mailane Junkes Raizer da Cruz Rafaela Vendruscolo Guilherme F W Radomsky DADOS SOBRE OS AUTORES 123 EAD 7 PREFÁCIO As teorias do desenvolvimento ganharam grande importância política e social após a Segunda Guerra Mundial As negociações que objetivavam o estabelecimento de or ganismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas ONU visando a con solidação de uma governança global para o novo contexto geopolítico do pósguerra a formulação de acordos internacionais para o crescimento do comércio internacional sobretudo no âmbito da Organização Mundial do Comércio OMC e a fundação do Banco Mundial com vistas à reconstrução dos países devastados pelo conflito revelam que o cenário se havia tornado propício a uma espécie de compromisso global em nome da estabilidade econômica prócrescimento Para países como os Estados Unidos que tomaram a dianteira dessas negociações era fundamental buscar aliados para o capitalismo respondendo aos desafios impostos pela Guerra Fria pela expansão territorial da União Soviética e pelo avanço do ideário socialista que conquistava forte apelo em certos segmentos sociais Por outro lado os países latinoamericanos encontravam na reconfiguração das relações econômicas e políticas internacionais uma oportunidade para romper com os constrangimentos que historicamente determinavam seu baixo dinamismo econômico Na América Latina o sonho da superação do subdesenvolvimento alimentava ex pectativas e utopias com o progresso industrial Mas as escolhas processadas logo se revelaram mais conservadoras do que muitos esperavam Sob a retórica do combate às ideologias socialistas utilizada para desencadear as reformas estruturais propostas por alguns governos e setores sociais principalmente a Reforma Agrária a alternativa da expansão capitalista conjugou desenvolvimento industrial tecnológico e financeiro com um Estado intervencionista e conservador que em inúmeros países e por longos períodos também se tornou nacionalista e ditatorial Durante os chamados trinta anos gloriosos 19451975 um pacto entre capital e trabalho foi responsável por sustentar o padrão desenvolvimentista e industrializante Nesse período as teorias do desenvolvimento foram fundamentalmente modernizan tes Simplistas e baseadas em diagnósticos comprometidos com a ideologia do progres so sustentavam que os países subdesenvolvidos precisavam passar de um estágio tradi cional a um estágio moderno através de inúmeras etapas intermediárias A repercussão desse ideário foi significativa produzindo resultados expressivos tanto na agropecuária quanto na indústria brasileira A partir dele constituíramse políticas e programas den tro de um espírito que equalizava crescimento econômico e desenvolvimento EAD 8 No final dos anos 70 do século XX e sobretudo na década seguinte esse quadro foi problematizado por outras abordagens teóricas As críticas eram oriundas das teorias da dependência e do referencial heterodoxo proposto pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL A economia e a sociologia do de senvolvimento ganharam assim novas e importantes vertentes analíticas que causaram impactos profundos no pensamento latinoamericano Após décadas de predomínio do padrão modernizadordesenvolvimentista com forte intervenção do Estado o esgota mento deste modelo abriu uma janela histórica para que fossem formuladas teorias ino vadoras O reconhecimento de novos problemas globais muitos dos quais decorrentes do modelo de industrialização implantado passou a exigir novas respostas Questões relacionadas às mudanças demográficas ao colapso urbano à preservação ambiental à participação social e ao fortalecimento das instituições democráticas impulsionaram teorias alternativas Ao mesmo tempo os tradicionais indicadores econômicos Produto Interno Bruto Renda per Capita começaram a ceder espaço a novas métricas cuja equação incorporava aspectos relacionados à expectativa de vida à sustentabilidade à saúde e à educação até que a própria ONU assumisse um Índice de Desenvolvimento Humano IDH como parâmetro de avaliação O presente livro propõese a introduzir algumas dessas formulações teóricas a res peito do desenvolvimento A meta é apontar elementos que possam orientar o estudo da história complexa e cheia de vicissitudes que perpassa tais teorias que tiveram efeitos práticos em políticas programas e projetos em inúmeras nações Não se busca explorar de forma minuciosa cada uma das abordagens pois sequer haveria razões para fazêlo em vista do escopo desta obra Os textos foram redigidos pelos professores e tutores da disciplina de Teorias do Desenvolvimento para uso didático por parte dos estudantes do Bacharelado em Desenvolvimento Rural PLAGEDER da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Este é o público prioritário da publicação Por isso e tendo em vista as necessidades específicas que se apresentam no decorrer do curso os textos procuram sempre que possível contextualizar a discussão a partir de exemplos e situações relacionadas ao mundo rural e à agricultura Obviamente o material será útil a estudantes de outras áreas do conhecimento que se aproximem dos debates em torno de um tema tão multifacetado quanto é o do desenvolvimento Os capítulos abordam as teorias do desenvolvimento pelo viés de um exame históri co O percurso temporal é fundamental para se perceber quanto as teorias e políticas de desenvolvimento contemporâneas se diferenciam daquelas que as precederam Como se afirmou acima foi em meados do século XX que se construiu na América Latina a ide ologia desenvolvimentista Uma parte relevante deste livro é dedicada a examinar como o desenvolvimentismo se constituiu e como em determinado momento ele passou a enfrentar problemas de legitimação política com a perda da capacidade do Estado para EAD 9 conduzir as políticas de modo centralizador e planejado Isso ocorreu especialmente nas décadas de 1980 e 1990 e derivou em parte da pressão da dívida externa do choque do petróleo aumento abrupto dos preços internacionais em dois momentos 1973 e 1979 e da dificuldade dos países do capitalismo avançado em absorver mão de obra e produção o que se costuma denominar de crise do modelo fordista de acumulação De forma um tanto dispersa o livro também esboça um panorama sobre o resul tado dos esforços e das iniciativas para o desenvolvimento tais como a modernização da agropecuária a urbanização e a industrialização com vistas à substituição de im portações Mas esses temas terão que ser aprofundados com a leitura de outras obras citadas ao longo dos capítulos No caso específico dos efeitos dos diferentes modelos de desenvolvimento sobre o meio rural sugerese que a leitura do presente livro seja complementada com os demais materiais didáticos produzidos pela série Educação A Distância do PLAGEDER em especial o manual publicado pelos Professores Marcelo Antonio Conterato e Eduardo Ernesto Fillipi1 Preparado para a mesma disciplina de Teorias do Desenvolvimento essa publicação aborda de modo mais preciso e detalhado aspectos da trajetória da agricultura e do meio rural brasileiro Nos últimos capítulos são tratados assuntos da atualidade tais como desenvol vimento sustentável desenvolvimento territorial multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento local mostrandose especialmente como tais temas estão sendo discu tidos no Brasil Um dos objetivos centrais dessas discussões com os novos e diferentes qualificativos do desenvolvimento rural sustentável participativo territorial consiste em indagar em que medida os modelos contemporâneos representam algo inovador em relação àqueles que prevaleceram após a Segunda Guerra Mundial De modo geral do conjunto do livro ressaltam dois pontos de vista bastante abran gentes que se manifestam no debate sobre o desenvolvimento como dois polos opostos Por um lado dentro de uma gama variada de perspectivas encontramse pesquisadores e estudiosos que confiam nos resultados do desenvolvimento ao longo da história Algu mas das posições mais radicais dentro deste grupo provêm de entusiastas do desenvol vimento a qualquer preço não importando os efeitos ambientais tampouco os resul tados sociais no curto prazo Por outro lado identificase um grupo de estudiosos mais céticos em relação às promessas do desenvolvimento Vários deles argumentam que as tentativas de desenvolvimento representam um grande fracasso se for levada em conta a persistência das relações de poder e dominação da pobreza da desigualdade e do receio de que os países periféricos não logrem jamais deixar de ser parte do Terceiro Mundo 1 CONTERATO Marcelo Antonio FILLIPI Eduardo Ernesto Teorias do desenvolvimento Porto Alegre Ed da UFRGS 2009 Edu cação A Distância 3 EAD 10 No meio termo entre essas duas interpretações opostas despontam vozes propon do outras possibilidades de análise e avaliação Umas sustentam ser impossível comparar o desenvolvimento com o planejamento estatal centralizador e nacionaldesenvolvimen tista dos anos 60 e 70 justamente porque se aprendeu com os erros do passado e por que hoje se projetam processos democráticos e inclusivos que não levam a prescrever uma única via mas que contemplam por consequência elementos da diversidade so cial Outras menos confiantes procuram demonstrar que é preciso construir opções de desenvolvimento com resultados democráticos embora reconheçam que parte dessas estratégias persiste presa ao desenvolvimentismo enquanto ideologia No que diz respeito à organização do livro os cinco primeiros capítulos focalizam o pensamento de autores clássicos abordando sucessivamente a perspectiva moderni zante de Walt Rostow a teoria evolucionária de Joseph Schumpeter a economia política do subdesenvolvimento latinoamericano de Celso Furtado a economia do desenvol vimento de Albert Hirschman e a proposta mais contemporânea centrada na noção de liberdade construída por Amartya Sen O objetivo desta primeira parte é apresentar diferentes visões sobre o processo do desenvolvimento porém sem a pretensão de dar conta exaustivamente do amplo leque de autores que avançam relevantes perspectivas para o debate desse tema Tão importante quanto disponibilizar para o leitor o conte údo sumarizado em cada um dos cinco capítulos iniciais é despertar o seu olhar para as diferentes facetas que cada autor destaca neste poliedro conceitual que se desenha em torno do desenvolvimento Os capítulos subsequentes voltamse para abordagens mais recentes que não vêm necessariamente orientadas por um autor central Aqui se desenrolam exposições sobre o papel da inovação os modelos de ação do Estado inclusive comparando o velho e o novo desenvolvimentismo as críticas e perspectivas que se levantam a partir das dis cussões sobre o pósdesenvolvimento a noção de desenvolvimento sustentável e para concluir o debate sobre desenvolvimento territorial o qual tem implicações relevantes sobretudo mas não exclusivamente para os estudiosos do meio rural Com esse leque de temas e autores esperamos que o livro venha contribuir para desencadear a problematização das inúmeras questões presentes em décadas de discus são teórica e política elucidar aspectos e eventos históricos que marcam as transfor mações sociais discutir o papel do Estado e das políticas públicas examinar questões contemporâneas a partir de temáticas recentes e apresentar elementos conceituais e referências que possam auxiliar os estudantes na organização de seus estudos sobre o desenvolvimento Os Organizadores EAD 11 Capítulo 1 ROSTOW E OS ESTÁGIOS PARA O DESENVOLVIMENTO Ariane Fernandes da Conceição Cíntia Gonçalves de Oliveira Dércio Bernardes de Souza INTRODUÇÃO O objetivo deste primeiro capítulo é apresentar as contribuições de Walt Whitman Rostow que permitem apontar elementos introdutórios para os debates sobre moder nização e desenvolvimento Este autor representa um marco nos estudos de economia do desenvolvimento pois apresenta uma alternativa à teoria marxista sobre os rumos da história considerando o desenvolvimento de cada economia em etapas Rostow propõe uma teoria dinâmica da produção baseada na observação de so ciedades realmente existentes e não em modelos teóricos que consideram o desenvol vimento econômico como um processo de desdobramentos logicamente encadeados em etapas que se articulam Suas ideias foram influenciadas pela sucessão de diferentes momentos históricos que caracterizaram o desenvolvimento europeu tais como a Revo lução Industrial a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução no período do pósguerra O conceito de desenvolvimento segundo Rostow é vinculado ao crescimento eco nômico o qual se daria com a industrialização significando portanto modernização Nesse sentido sua perspectiva vai ao encontro da de outros autores clássicos que como Ragnar Nurse e Gunnar Myrdal construíram no mesmo período teorias sobre o sub desenvolvimento nitidamente marcadas pelas lentes políticas dos países capitalistas cen trais Inserido nas discussões de sua época e reproduzindo um referencial amplamente aceito entre os economistas mais ortodoxos Rostow acreditava que o desenvolvimento econômico teria suas bases consolidadas através da intervenção setorial na economia de modo que o crescimento industrial se traduziria em modernização Após a Segunda EAD 12 Guerra os países procuraram acelerar o crescimento econômico aumentar a renda e diminuir a pobreza por meio de medidas de industrialização compulsória Analisando esse processo o autor confronta sociedades diversas por meio de perspectivas econômi cas mostrando quais seriam as condições necessárias para se alcançar tal modernização VIDA E OBRA DE ROSTOW Walt Whitman Rostow nascido na Prússia em 1916 e radicado posteriormente nos Estados Unidos foi antes de tudo um historiador econômico Graduouse em Economia e História na Universidade de Yale onde também fez seu doutoramento em Economia Economista e professor renomado lecionou nas Universidades de Colum bia Oxford Cambridge MIT e Texas e exerceu a função de assessor para assuntos de segurança nacional dos Estados Unidos durante os governos de John Kennedy e Lyndon Johnson Durante este último período também trabalhou como representante estadu nidense no Comitê Internacional da Aliança para o Progresso Impulsionado por sua formação Rostow buscava aplicar a teoria econômica à história econômica e apresentar uma alternativa à teoria marxista sobre os rumos do capitalismo Ribeiro 2008 p 94 assinala que Rostow se opôs ao determinismo eco nômico por meio do qual reconhecia a produção teórica de Marx e do marxismo Em sua análise das etapas do crescimento Rostow 1960 p 14 oferece uma explicação que poderia substituir a teoria marxista da história moderna a qual conquistava pe rigosamente adeptos em muitos países periféricos em particular na América Latina devido à precariedade das condições de vida de grande parte da população em meio a um processo de plena ascensão capitalista no pósguerra Nessa perspectiva o autor postula que na análise da sociedade em geral bem como do crescimento econômico em particular fazse necessário incluir os fatores não econômicos como parte efetiva e essencial da determinação dos fenômenos sociais Para resolver o problema do determinismo econômico Ribeiro 2008 avalia que Rostow substitui o determinismo por interação visualizando a sociedade como um todo e as sinalando o relacionamento entre os seus componentes econômicos e não econômicos em processos de interação AS ETAPAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO Em sua obra The Stages of Economic Growth A NonCommunist Manifesto As eta pas do crescimento econômico um manifesto não comunista publicada em 1960 Rostow estabelece a possibilidade de desenvolvimento econômico em cinco etapas Tratase de EAD 13 fases que um país deveria atravessar para atingir o desenvolvimento o que permitiria classificar as sociedades de acordo com seus estágios econômicos específicos A passa gem de um estágio para outro envolveria alterações nos padrões de produção a partir do manejo de três fatores principais poupança investimento e consumo demanda Ao mesmo tempo Rostow parte do pressuposto de que para se obter uma nova ordem capitalista em nível internacional o desenvolvimento deve ser visto ideologica mente de forma que os países considerados desenvolvidos tivessem nele seu principal foco Assim a teoria rostowiana aponta que ao se impulsionar o desenvolvimento para os demais países as economias consideradas desenvolvidas além de expandir ideais capitalistas poderiam auxiliar as demais com empréstimos e auxílio técnico SANTOS SILVA 2004 As cinco etapas do desenvolvimento de Rostow são 1 Sociedade tradicional traditional society 2 As precondições para o arranco ou a decolagem transitional stage 3 O arranco takeoff 4 A marcha para a maturidade drive to maturity 5 A era do consumo em massa high mass consumption No que tange à primeira etapa esta se refere à sociedade tradicional a qual é definida em relação à sociedade moderna e se identifica liminarmente pela insuficiência de recursos Nesse sentido Rostow entende tratarse de uma economia baseada na produção rudimentar e tradicional que busca a subsistência e prioriza o trabalho cujos principais recursos provêm da agricultura e que não obtém senão limitada quantidade de capital De acordo com esta visão economicista a sociedade tradicional traduzse em incapacidade de produção de excedentes e consequentemente de acumulação sendo fadada a viver com limites bem precisos sem perspectivas de ascensão ao crescimento econômico Contudo acreditava Rostow que as mudanças sociais na sociedade tradi cional estariam condicionadas a fatores internos ao passo que as sociedades que não sofressem tais evoluções e mudanças sociais as experimentariam graças à interferência de fatores externos como efeito dos processos de colonização por exemplo Na segunda etapa encontrase uma sociedade em processo de transição na qual surgem os primeiros sintomas do que o autor considera o princípio do arranco ou decolagem Diferentemente da primeira fase onde a produtividade é limitada nes ta etapa buscase romper com os fatores que determinam rendimentos decrescentes sobretudo mediante o aumento da especialização do trabalho e a modernização tecno lógica Ao mesmo tempo sugeremse mudanças relevantes nos itens relativos ao conhe cimento na política e nos sistemas de valores os quais alavancariam a produtividade e consequentemente o desenvolvimento econômico EAD 14 Salientese que esta é considerada a etapa mais importante entre as descritas por Rostow pois ela sinaliza um marco para todas as demais as quais passam a ter suas ca racterísticas balizadas pelas configurações definidas nesse processo de transição No en tanto como esta sociedade em transição ainda mantém características da sociedade tra dicional a economia continua bastante limitada Apenas de forma incipiente começam a emergir os primeiros empreendimentos fator primordial para o desenvolvimento juntamente com a expansão dos comércios interno e externo em um Estado operativo capaz de incrementar as mudanças tecnológicas e socioculturais que a modernização exigiria Na terceira fase que o autor chama de arranco o desenvolvimento sobrepõe se às resistências e bloqueios que limitavam as mudanças econômicas e sociais já ocor ridas na segunda fase Já não há amarras tecnológicas políticas institucionais morais etc que impeçam o desenvolvimento o qual é definido como uma revolução indus trial Nesta etapa fomentase a industrialização e ocorre a migração de mão de obra predominantemente rural para o setor industrial Constroemse as bases da sociedade moderna não apenas do ponto de vista econômico mas também como alavanca para o surgimento de um novo sistema político institucional e social SARMENTO 2012 Da mesma forma também a quarta etapa que o autor chama de marcha para a maturidade agrega o aumento da tecnologia moderna o incentivo à produção e a busca pela diversificação de produtos A mão de obra reduzse ainda mais no campo em contraponto ao aumento da mão de obra especializada nos centros urbanos Assim graças a vários incentivos sobretudo por parte do Estado alguns bens anteriormente importados passam a ser produzidos internamente Consolidase aqui a ideia de que por meio da inovação técnica podese produzir tudo ou quase tudo e isso redunda no afloramento de novas áreas produtivas bem como na possibilidade de importação de novos produtos para o mercado SANTOS SILVA 2004 Na quinta e última etapa compreendida como era do consumo em massa Rostow completa seu modelo focando o consumo de uma sociedade industrial massi ficada que a partir do aumento da renda per capita estimula um sistema econômico centrado no consumo intensivo tanto de alimentos e vestuário quanto de bens duráveis Verificase por consequência além disso um aumento na busca por uma melhor distri buição de renda SANTOS SILVA 2004 Vale ressaltar que essas etapas não são separadas por demarcações nítidas no tem po As sobreposições são decorrência do modo como se processa a interação comercial e tecnológica entre as nações EAD 15 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS A teoria rostowiana foi alvo de inúmeras críticas sobretudo por ter caracteriza do as circunstâncias do processo de modernização da economia dos países hoje vistos como desenvolvidos que teriam cumprido essa trajetória no período posterior à Segun da Guerra Mundial O problema é que Rostow sugere que os países subdesenvolvidos chegariam ao desenvolvimento seguindo idêntica trajetória de modernização uma vez que o subdesenvolvimento seria apenas uma etapa atrasada do mesmo processo históri co de crescimento econômico e progresso industrial Por outro lado segundo Ribeiro 2008 a teoria de Rostow tornase frágil na medida em que ela se revela muito mais ideológica do que científica Mais do que para apontar evidências de um processo universal o modelo rostowiano serviu para sustentar a ideologia do progresso a qual foi amplamente invocada como fundamento político das decisões tomadas por inúmeros países que passaram a se espelhar no padrão dos países considerados desenvolvidos Por ter sido utilizada a mesma fórmula para os demais pa íses embora ela possa ter produzido algum resultado positivo fundamentalmente no que se refere ao crescimento econômico os reflexos negativos foram o aumento do endividamento externo e o agravamento das disparidades sociais além de intervenções fortes do Estado com o objetivo de promover compulsoriamente a modernização in clusive com a instauração de ditaduras militares a exemplo do que ocorreu na América Latina Ainda hoje a ideologia de Rostow permeia pertinazmente as discussões sobre de senvolvimento No caso da agricultura ela encontrou sua expressão maior nas políticas de modernização levadas a cabo desde os anos 60 as quais têm como pressuposto a ideia de que os sistemas tradicionais de produção tidos de antemão por atrasados necessitam ser substituídos pela moderna agricultura tecnificada com vistas a sustentar um elevado padrão de desenvolvimento industrial Isso se deu com a vigorosa interven ção do Estado nas áreas de crédito pesquisa extensão rural etc visando a promover mudanças técnicas políticas e mesmo socioculturais com o intuito de incutir um novo espírito capitalista em um meio rural até então qualificado como sendo sinônimo de atraso lembrese a imagem do Jeca Tatu imortalizada por Monteiro Lobato Como se verá adiante independentemente das consequências sociais e ambientais que o modelo rostowiano suscitou sua fragilidade se encontra na própria acepção de que existe um modelo único a ser replicado em toda parte o que se repercutiu na desastrosa ideia de que existem países regiões e agricultores atrasados cuja única opção é adotar o pacote técnico e ideológico da modernização EAD 16 REFERÊNCIAS RIBEIRO Flávio Diniz Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento ideologia política e ciência na Guerra Fria Tese Doutorado em História Social Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Huma nas Universidade de São Paulo São Paulo 2008 ROSTOW Walt Whitman The Stages of Economic Growth A NonCommunist Manifesto Cambridge Cam bridge University Press 1960 SANTOS SILVA Jorge Antonio Turismo crescimento e desenvolvimento uma análise urbanoregional baseada em cluster Tese Doutorado em Relações Públicas Propaganda e Turismo Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2004 SARMENTO Alexandre Dallamura Notas sobre o takeoff a teoria rostowiana revisada Teoria e Evidência Econômica Passo Fundo v 18 n 38 p 144167 janjun 2012 EAD 17 Capítulo 2 SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Dieisson Pivoto Cíntia de Oliveira Caruso Paulo André Niederle JOSEPH SCHUMPETER E SUA OBRA Ele figura no rol dos grandes pensadores do século XX Joseph Alois Schumpe ter economista austríaco nasceu em 8 de fevereiro de 1883 em Triesch na Morávia província austríaca hoje pertencente à República Tcheca filho único de um fabricante de tecidos Seu percurso acadêmico foi dedicado ao estudo de Direito e Economia na Universidade de Viena onde desde cedo teve contato com a chamada escola austríaca uma das principais signatárias do pensamento econômico neoclássico Aluno brilhante Schumpeter publicou sua primeira obra Theorie der wirtschaftlichen Entwicklung Teoria do desenvolvimento econômico em 1911 quando tinha apenas 28 anos de idade Seu currículo inclui funções como professor nas Universidades de Czernovitz Ucrânia e Graz Áustria onde permaneceu até o final da Primeira Guerra Mundial A seguir tornouse Ministro austríaco das Finanças Após essas atividades devido à ascen são do nazismo de Hitler ao poder viajou pelo Japão e logo em seguida emigrou para os Estados Unidos onde assumiu uma cátedra na Universidade de Harvard e mais tarde a presidência da Associação Americana de Economistas Schumpeter 1982 Schumpeter trouxe inúmeras contribuições à teoria econômica e à discussão sobre o desenvolvimento distribuídas em um vasto conjunto de artigos e livros Assim sendo sumariar uma perspectiva schumpeteriana tornase um desafio considerável Isso porque ao longo do tempo ela esteve sujeita a processos de inovação não somente cumulativos como também radicais e abruptos Da mesma forma que as inovações estudadas por Schumpeter suas teorias também devem ser compreendidas em seu caráter evolucioná EAD 18 rio Isso é válido não apenas em relação aos desdobramentos que elas tiveram em dife rentes vertentes neoschumpeterianas algumas das quais muito próximas da moderna Teoria dos Jogos e que provavelmente causariam inquietações no próprio Schumpeter mas também em relação à evolução da trajetória acadêmica e política deste pensador Três obras são particularmente recorrentes nas tentativas de decifrar a evolução de suas formulações Teoria do Desenvolvimento Econômico publicada em 1911 quando o autor ainda residia na Áustria e traduzido para o inglês apenas em 1934 Business Cycles uma das obras de maior densidade teórica publicada em 1939 quando Schumpeter já residia nos Estados Unidos e finalmente Capitalismo Socialismo e Democracia lançada em 1942 ou seja três décadas após a primeira Enquanto a primeira obra apresenta conceitos fundamentais que guiarão toda a construção de uma teoria schumpeteriana evolucionária focando a inovação e o pro gresso técnico o papel do empresárioinovador e a função do crédito a segunda representa uma densa contribuição teórica ao estudo dos fenômenos cíclicos da eco nomia mas foi menos difundida em virtude sobretudo do lançamento simultâneo da Teoria Geral de John Maynard Keynes a qual em face dos eventos do pósguerra passou a ser a principal novidade teórica da época Por sua vez o terceiro livro absorve a evolução que se verificou nos trinta anos decorridos desde a primeira publicação e consequentemente traz algumas inovações teóricas entre estas a mudança de foco que passa do empresárioinovador para as or ganizações corporativas que se encontram à frente dos processos de inovação os quais também se alteram qualitativamente Ademais nesse livro Schumpeter discute o modo como ele entendia a configuração de um estado estacionário do capitalismo que le varia à emergência do socialismo analisando essa mudança mais como um processo evolucionário do que revolucionário tal qual previra Karl Marx Alguns autores que revisaram a teoria schumpeteriana tendem a salientar os aspec tos de descontinuidade e ruptura que existem entre as três obras De nossa parte pre ferimos interpretálas como expressões de uma evolução teórica ocorrida concomitan temente com as mudanças nada desprezíveis que a sociedade experimentou entre 1911 e 1942 De fato aqueles que prospectam em Schumpeter um modelo único passível de ser replicado em todas as circunstâncias encontrarão dificuldades em compreender essa evolução teórica A rigor contudo poderíamos afirmar que a unidade de sua obra é mais consistente do que a de outros grandes economistas clássicos e contemporâneos entre os quais o próprio Marx por quem Schumpeter sempre nutriu grande admiração Por outro lado tratase seguramente de uma trajetória mais heterogênea do que aquela seguida por economistas que excluindo de suas análises o tempo e o espaço preferiram abraçar modelos de equilíbrio geral a exemplo de Léon Walras que também mereceu o reconhecimento de Schumpeter EAD 19 O DESENVOLVIMENTO NA TEORIA SCHUMPETERIANA Na sequência será exposta a configuração de uma teoria do desenvolvimento se gundo a formulação schumpeteriana Impõemse duas considerações preliminares para situar adequadamente essa análise Em primeiro lugar está claro que para Schumpeter o aspecto fundamental do desenvolvimento econômico diz respeito ao processo de ino vação e às suas consequências na organização dos sistemas produtivos SOUZA 2012 Assim enquanto novos produtos e processos forem gerados a economia estará em cres cimento Os investimentos em inovação dinamizam o crescimento gerando efeitos em cadeia sobre a produção o emprego a renda e os salários Em segundo lugar cumpre estabelecer uma distinção entre crescimento e de senvolvimento embora ela tenha para Schumpeter 1982 um efeito mais didático do que teórico Embora o autor defina crescimento como o resultado de incrementos cumulativos e quantitativos que ocorrem em determinado sistema econômico ele vê no desenvolvimento um processo de outra natureza a saber uma mudança qualitativa mais ou menos radical na forma de organização desse sistema gerada em decorrência de uma inovação suficientemente original para romper com o seu movimento regular e ordenado Para se compreender essa distinção e o efeito da inovação sobre o processo de desenvolvimento importa analisar o modelo que Schumpeter cria para explicar uma economia sem desenvolvimento É a partir desse modelo que o autor destaca os impactos das inovações revelando por que elas podem ser consideradas promotoras de desenvol vimento O modelo schumpeteriano de economia estacionária sem desenvolvimento mas com crescimento organizase em fluxo circular o que constitui uma espécie de sistema de equilíbrio geral tal qual preconizado por Walras onde as relações entre as variáveis produtivas se encontram em condições de crescimento equilibrado determi nadas pelo ritmo do crescimento demográfico ou por mudanças políticas Isso significa que nessas condições há um ajuste equilibrado entre oferta e demanda assim como entre poupança e investimento de modo que o crescimento da economia acompanha o ritmo de acumulação do capital mas sem criar diferenças expressivas nos níveis de distribuição havendo uma expansão da renda determinada por pequenas variações na força de trabalho engajada no processo produtivo Por seu turno as receitas provenien tes do processo de produção reingressam no sistema fechado para financiar novas etapas de produção de modo que aqui o crédito não tem nenhum papel As mudanças que ocorrem no sistema são marginais e não alteram substancialmente o equilíbrio geral há apenas processos de adaptação SOUZA 2012 EAD 20 Nesse sistema fechado todas as atividades e relações se processam de forma circu lar As alterações internas são mais quantitativas do que qualitativas e costumam ocorrer de forma lenta contínua e cumulativa Tratase fundamentalmente de um esquema de reprodução onde os fenômenos e processos podem ser compreendidos por meio de uma análise estática Esse sistema hipotético criado por Schumpeter explica uma situa ção de economia sem desenvolvimento Inversamente segundo o autor a existência do desenvolvimento envolve uma mudança que gera perturbação desse estado de equilíbrio Notase assim de antemão que ao contrário do que ocorre na economia neoclássica em que o agente econômico busca o equilíbrio como condição para o desenvolvimento econômico o agente schumpeteriano o empresário inovador está sempre tentando romper esse equilíbrio introduzindo inovações que geram concentração oligopolística permitem aferir lucro puro monopolístico e produzem imperfeições no mercado É assim que Schumpeter 1982 p 74 expõe seu pensamento Entenderemos por desenvolvimento portanto apenas as mudanças da vida econômica que não lhe forem impostas de fora mas que surjam de dentro por sua própria iniciativa Se se concluir que não há tais mudanças emergindo na pró pria esfera econômica e que o fenômeno que chamamos de desenvolvimento econômico é na prática baseado no fato de que os dados mudam e que a economia se adapta continua mente a eles então diríamos que não há nenhum desenvol vimento econômico Pretenderíamos com isso dizer que o desenvolvimento econômico não é um fenômeno a ser ex plicado economicamente mas que a economia em si mesma sem desenvolvimento é arrastada pelas mudanças do mundo à sua volta e que as causas e portanto a explicação do desen volvimento devem ser procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria econômica De acordo com Schumpeter essas mudanças surgem no âmbito da produção e não do consumo Assim como os demais autores clássicos ele privilegia em seu modelo de desenvolvimento a oferta Não há porém preocupação fundamental com o trabalho produtivo Adam Smith com a acumulação capitalista Karl Marx ou com a renda o salário e a demanda efetiva John Keynes O fundamental aqui é o papel que tem a ino vação ao introduzir descontinuidades que produzem desequilíbrios no sistema levando a uma nova configuração qualitativamente distinta da anterior A demanda por sua vez é compreendida basicamente na perspectiva da criação de novos mercados um tipo de inovação que incentiva os produtores a alterar suas estru EAD 21 turas de produção e que gera lucros Para Schumpeter os consumidores são induzidos a consumir novos produtos principalmente por meio de campanhas publicitárias De certo modo o autor acredita que por constituírem novidade os novos produtos sem pre provocam sua demanda o que lembra neste caso a chamada Lei de Say segundo a qual a oferta cria sua própria demanda Esse tipo de leitura irá receber críticas e aprimoramentos por parte de autores neoschumpeterianos Por outro lado diferentemente dos autores clássicos que acentuaram a neces sidade de poupança como condição imprescindível para a promoção do crescimento econômico Schumpeter 1982 confere maior relevância ao crédito como mecanismo de financiamento dos processos de inovação Os problemas de poupança acumulação capitalista segundo o autor não são tão graves na medida em que as inovações são fi nanciadas pelo crédito conferido pelos capitalistas interessados na apropriação do lucro que será gerado Schumpeter sustenta além disso que a concessão do crédito revela uma ordem emitida pelo sistema econômico com claros impactos sobre as expectativas sociais criadas em relação ao futuro da economia e ao comportamento dos empresá rios Desse modo além do capital material ressaltado pela economia clássica valorizase o papel ativo do dinheiro no estímulo ao crescimento econômico Essas formulações schumpeterianas contribuíram para a posterior criação dos bancos de fomento do de senvolvimento em diversos países BNDES no Brasil e no mundo BID Como se verá adiante no último capítulo no caso da agricultura brasileira o sistema de crédito tornouse o grande motor dos processos de modernização tecnológica principalmente nas décadas de 1960 e 1970 Como Schumpeter tinha em mente uma situação de pleno emprego a conse quência do aumento do crédito seria a elevação dos preços dos fatores de produção deslocando as combinações antigas de equilíbrio para novas combinações O processo inflacionário exigiria das empresas inovações para competirem no novo cenário Con sequentemente as empresas menos eficientes desapareceriam ou cresceriam em ritmo mais lento Instaurase assim um processo de destruição criativa sobrevivem as em presas com maior capacidade de inovação inclusive no que se refere à formação de con glomerados competitivos Tais empresas assumem posições oligopolistas no mercado oferecendo novos produtos capazes de competir nas novas estruturas de custo Ademais elas fixam preços mais elevados para os produtos recémlançados e conseguem auferir lucros monopólicos durante determinado tempo até que surjam novos concorrentes que produzam bens similares A produção de lucros em função das inovações acaba elevando a capacidade de au tofinanciamento das empresas de modo que a demanda por crédito bancário se reduz e assim se verifica uma deflação do crédito a partir do momento em que os empresários começam a pagar seus empréstimos Como consequência observase um processo de EAD 22 contração da oferta monetária e a economia pode entrar em um período de retração caso não ocorra um novo surto de inovação Como se pode notar o mercado monetário é na perspectiva de Schumpeter 1982 o quartelgeneral do sistema capitalista a partir do qual partem as ordens para as decisões individuais dos empresários e portanto para as inovações São essas inova ções financiadas pelo crédito as principais responsáveis pelo crescimento econômico São elas que propiciam novas combinações de forças produtivas que alteram o equi líbrio inicial acarretando uma arrancada para o desenvolvimento Entre essas forças produtivas figuram os meios de produção o trabalho os recursos naturais as inovações tecnológicas e as instituições SOUZA 2012 INOVAÇÃO E DESTRUIÇÃO CRIATIVA Retomando o tema do modelo de fluxo circular cumpre assinalar que o desloca mento no equilíbrio original causado pelas inovações ocorre segundo Schumpeter de modo irreversível e descontínuo As novas combinações de fatores produtivos levam à destruição da condição anterior e à criação de novas condições de produção que o autor chama de destruição criativa novas firmas inovadoras ocupam novos espaços no mercado podendo conduzir ao fechamento daquelas menos preparadas Assim há um processo evolucionário de seleção em favor das atividades mais lucrativas e eficien tes Como exemplo de inovações que catalisam esse processo Schumpeter cita a a introdução de novos produtos b novos métodos de produção c a abertura de novos mercados inclusive externos d novas fontes de matériasprimas e e novas estruturas organizacionais na indústria com oligopólios competitivos A geração de lucro monopólico proporcionada por essas inovações é o motor do desenvolvimento econômico Nessa perspectiva fazse necessário destacar o papel da concorrência o qual tem sido compreendido de formas diversas No modelo schum peteriano a concorrência não ocorre basicamente devido à redução das margens entre preços e custos mas graças à competição entre as firmas para o lançamento de nova mercadoria ou tecnologia Esse tipo de concorrência por meio da inovação seria se gundo o autor muito mais eficiente que a outra e a única capaz de efetivamente causar transformações significativas no processo de desenvolvimento econômico A controvérsia nessa discussão envolve algumas afirmações de Schumpeter cons tantes no livro Capitalismo Socialismo e Democracia 1961 Ao ver de alguns autores Schumpeter teria sustentado nessa obra o princípio de que quanto maior a empresa mais fácil o processo de inovação Em outras palavras a crescente oligopolização e inclusive a formação de monopólios seriam benéficos ao processo de inovação e por conseguinte ao desenvolvimento Essa afirmação obviamente vai de encontro ao pres EAD 23 suposto das virtudes da concorrência para o processo de inovação especialmente se ar razoarmos em termos evolucionistas segundo os quais a variedade é requisito essencial para os processos de seleção e adaptação Na abordagem desta questão será necessário retroceder previamente ao primeiro livro do autor em foco e ao papel do empresário inovador e só em seguida discutir qualquer mudança importante na compreensão dos agentes de inovação Para que as inovações aconteçam Schumpeter destaca inicialmente o papel do em presário inovador agente capaz de realizar novas combinações de recursos produtivos que reúnam as condições e os agentes necessários para que isso aconteça O empresário com características psicossociais particulares mas não claramente identificadas pelo autor seria o responsável pela adoção de novas combinações capazes de produzir uma perturbação no fluxo contínuo que caracteriza o equilíbrio geral Ele é um líder um agente de inovação É definido por sua função a de colocar em prática inovações podendo enquanto indivíduo assumir outras funções econômicas A racionalidade do empresário schumpeteriano não é contudo a mesma do homo oeconomicus neoclássico Este é um agente racional que toma decisões econômicas racionais em face de determi nado modelo universal De outro modo Schumpeter insere esse agente em um contex to sociocultural que leva em conta o papel das instituições assim como as condições psicossociais do empresário A rigor o empresário schumpeteriano é dotado de uma racionalidade limitada e procedural como define Herbert Simon Ademais conforme Schumpeter o empresário não assume os riscos da inovação porque não é ele que concede crédito Para tanto entram em cena os banqueiros e capitalistas que detêm o capital e concedem empréstimos para viabilizar a ação do empresário Nesta perspectiva como se disse acima o capitalista não se identifica ne cessariamente com o empresário Enquanto este é o agente de inovação aquele detém os fundos a serem emprestados Passados trinta anos entre a publicação do primeiro livro Teoria do desenvolvimento econômico e a de Capitalismo Socialismo e Democracia Schumpeter 1961 revela uma séria inquietação em relação às mudanças nos processos de inovação ocorridas nas socie dades capitalistas avançadas Por um lado cabe notar que ele estabeleceu inicialmente uma diferenciação muito precisa entre a geração da inovação e sua difusão as quais se dariam por agentes distintos As mudanças econômicas da primeira metade do século XIX mostraram no entanto que o empresárioinovador ficaria mais preso à estrutura das empresas Schumpeter vai então constatar que o local da inovação passara a ser a grande empresa com seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento criando novos produtos em processos mais ou menos rotinizados e padronizados Ademais deixara de existir aqui uma diferenciação nítida entre produção e difusão das inovações uma vez que esses processos ocorrem de forma integrada no interior das organizações EAD 24 Neste último livro escrito em um período de turbulências do capitalismo nos Es tados Unidos Schumpeter 1961 apresenta sua leitura das consequências nefastas do processo de interiorização das atividades de pesquisa e desenvolvimento PD nas orga nizações privadas Segundo ele os empresários de outrora estavam sendo substituídos por burocratas profissionais das grandes empresas oligopolizadas Face às condições econômi cas da época não surpreende o ceticismo que esse processo gerou no autor o qual passa a considerar esta como a principal razão da crise do capitalismo que levaria ao socialismo Quanto aos elementos centrais de sua teoria do desenvolvimento no que tange especificamente ao papel das instituições Schumpeter adverte que instituições arcaicas não apenas impedem o desenvolvimento como promovem o subdesenvolvimento ao obstarem a que o empresário aja para promover inovações falta de um sistema bancá rio instabilidade monetária lei de propriedade privada lei de patentes etc Condições econômicas desfavoráveis riscos e incertezas podem inibir a ação empresarial e reduzir a demanda de crédito e o ritmo das inovações Aqui cabe salientar o papel do Estado na construção das condições institucionais para a promoção das inovações através da educação da tecnologia da regulação dos mercados Schumpeter porém não valorizou muito o papel do Estado como agente de ino vação ou mesmo como financiador que seriam atribuições respectivamente do em presário e do capitalista Este tema estará mais frequentemente presente em artigos publicados já no final da carreira do autor quando ele cita por exemplo o papel que tem a Secretaria da Agricultura nos Estados Unidos no desenvolvimento e na difusão de inovações De qualquer modo esta faceta da análise será objeto de maior atenção quando se abordarem abaixo alguns desdobramentos de sua teoria ONDAS DE DESENVOLVIMENTO Outro componente básico do modelo schumpeteriano é sua compreensão da exis tência de ondas de desenvolvimento A seu ver e contrariamente à concepção dos modelos de equilíbrio geral o desenvolvimento não se produz de maneira uniforme no tempo mas através de ondas ou surtos de inovação associados à introdução de no vos produtos e processos ou à criação de novos mercados Assim sendo a economia schumpeteriana movese de forma cíclica em quatro fases ascensão recessão depressão e recuperação Nada há aqui de regularidade na perspectiva de um modelo passível de ser aplicado a diferentes momentos históricos O que é particularmente interessante na ideia de ondas longas uma derivação da teoria do economista russo Kondratieff é a explicação sobre as origens dessa concepção em diversas épocas diferentes agrupa mentos tecnológicos e institucionais estabeleceram um novo formato para o desenvolvi mento do sistema econômico SOUZA 2012 EAD 25 Na fase de ascensão surgem inovações radicais que levam à formação de verda deiros enxames de empresários que as adotam visando apropriarse dos lucros que podem ser gerados ou simplesmente manterse no mercado A adoção das inovações cria novas situações ótimas de produção causando prejuízos às empresas que utilizam processos mais antigos Os novos produtos chegam ao mercado retirando espaço dos antigos Ao longo do tempo a concorrência acaba provocando a queda dos preços dos bens de consumo e a elevação do custo dos bens de capital e das matérias primas o que dá fim ao surto de expansão e desencadeia a crise e a fase de recessão a qual somente será superada por uma nova onda de inovações De acordo com Schumpeter dois fatores podem acelerar a recessão a crises especulativas nas bolsas de valores e de mercadorias e b a rigidez dos salários que não se reduzem com a queda dos preços dos produtos durante a recessão SOUZA 2012 Nesse período de recessão as empresas são obrigadas a cortar custos o que pressiona por estruturas produtivas mais eficientes Mas não há muita margem para cortar salários em virtude das reações que isso geraria entre os trabalhadores Verificase a expulsão sis temática das empresas que não acompanharam o processo de inovação e uma nova onda de concentração na indústria Essa concentração em favor de empresas potencialmente inovadoras propiciaria maior potencial para a retomada do desenvolvimento Notese que o autor não considerava a fase recessiva como totalmente negativa pois a recessão cumpre o papel de promover os ajustes necessários para um novo ciclo o qual tende a otimizar a competitividade e a eficiência conduzindo a economia a um ní vel superior àquele em que ela se encontrava antes da crise Ao longo desse processo de ruptura do fluxo circular dáse a passagem da fase concorrencial para a fase oligopolista Schumpeter acreditava que esse processo de crises sucessivas ao longo do tempo reduziria as possibilidades de investimento e que se observaria uma redução da rentabi lidade de novos projetos ou inovações Destarte com a redução gradativa de novas opor tunidades a sobrevivência do capitalismo no longo prazo ficaria comprometida e abriria a porta para o surgimento do socialismo que na visão de Schumpeter seria um estado de bemestar próximo à compreensão de John Stuart Mill em que a busca por bens materiais cederia espaço à evolução cultural das sociedades desenvolvidas Ou seja o estado estacionário schumpeteriano não tem correlação com a visão mais catastrófica de Adam Smith David Ricardo e Karl Marx ALGUNS DESDOBRAMENTOS DA TEORIA SCHUMPETERIANA Em face do modelo apresentado podese afirmar que de modo geral a teoria de Schumpeter é mais adequada para países que contam com elevado número de em presários potenciais com capacidade de financiamento e com possibilidades de criar EAD 26 tecnologias além de quadros institucionais eficientes Ademais esse modelo parece su por serem indispensáveis um contexto sociopolítico favorável às mudanças um espírito empreendedor e a busca do lucro como objetivo legítimo Nem sempre porém essas condições se observam nos países subdesenvolvidos ou mesmo naqueles ditos desen volvidos Em determinadas circunstâncias o empresário schumpeteriano não é a força propulsora das inovações a inovação não é o processo mais característico e a busca do lucro nem sempre constitui o objetivo exclusivo ou predominante dos agentes Neste caso seria necessário introduzir alterações na equação do desenvolvimento a saber na força motivadora no sentido do processo e nos seus objetivos SOUZA 2012 Ao mesmo tempo as teorias neoschumpeterianas alimentam o debate com uma compreensão diferenciada do modo como ocorre a maioria dos processos de inovação Dosi et al 1988 ponderam que a inovação não é um fenômeno aleatório e impremedi tado mas antes o resultado de processos rotinizados de busca experimentação e imita ção O caráter de excepcionalidade do empresárioinovador por sua vez dá espaço para redes de pesquisa e sistemas locais regionais ou nacionais de inovação LUNDVALL 1992 O desenvolvimento implica um processo coletivo de aprendizagem e cooperação em redes organizacionais através das quais são trocadas informações e conhecimentos essenciais para a emergência e a difusão das inovações O processo tornase ainda mais institucionalizado envolvendo também o Estado como agente central das transforma ções econômicas sobretudo no âmbito das economias periféricas NELSON WIN TER 1982 No caso da América Latina por exemplo a ação governamental passou a ser mui to importante não apenas na criação das condições institucionais mas também no fi nanciamento e na ação empreendedora Estadoinovador Uma das expressões mais evidentes dessa mudança é o próprio processo de modernização conservadora da agri cultura brasileira em que o Estado atuou como banqueiro e inovador por um lado assegurando crédito rural altamente subsidiado e por outro produzindo modernas tec nologias agrícolas haja vista a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA e da própria Companhia Brasileira de Tratores CBT e disseminando essas tecnologias entre os agricultores principalmente através da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATER Os efeitos desse processo por sua vez também são amplamente conhecidos e colocam sob suspeição a ideia de que a ação inovadora constitua parâmetro suficiente para mensurar o desenvolvimento pelo menos nos termos acima expostos Na verdade assim como ocorre com outros estudos clássicos o interesse de Schumpeter por um modelo de crescimento econômico fundado na mudança técnica e institucional parece ter desviado sua atenção de uma discussão mais apurada sobre as medidas do desenvol vimento A diferenciação por ele estabelecida entre crescimento e desenvolvimento não EAD 27 faz senão apresentar momentos distintos de um mesmo processo de mudança que não deixa contudo de ser essencialmente de ordem produtiva Até aqui portanto ainda estamos tratando de desenvolvimento econômico REFERÊNCIAS DOSI Giovanni FREEMAN Christopher NELSON Richard R SILVERBERG Gerald SOETE Luc Eds Technical Change and Economic Theory London Pinter 1988 LUNDVALL BenktÅke Ed National Systems of Innovation towards a theory of innovation and interac tive learning London Pinter 1992 NELSON Richard R WINTER Sidney Graham An Evolutionary Theory of Economic Change Cambridge Massachusetts Harvard University Press 1982 SCHUMPETER Joseph Alois Teoria do Desenvolvimento Econômico uma investigação sobre lucros capital crédito juro e o ciclo econômico São Paulo Abril Cultural 1982 Capitalismo Socialismo e Democracia Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 Business Cycles A Theoretical Historical and Statistical Analysis of the Capitalist Process New York McGrawHill 1939 SOUZA Nali de Jesus de Desenvolvimento econômico 6 ed São Paulo Atlas 2012 EAD 28 Capítulo 3 CELSO FURTADO E A ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO LATINO AMERICANO Abel Cassol Paulo André Niederle INTRODUÇÃO O ponto de partida para se analisar a contribuição de Celso Furtado e de seu corpo teórico que poderia ser definido como a economia política do desenvolvimento latino americano passa necessariamente pela identificação dos fatores que o distinguem das demais teorias constituídas no pósguerra quando o desenvolvimento ganha significa ção e adentra o debate políticoinstitucional Nesse sentido é fundamental perceber os pontos de inflexão da formulação latinoamericana visàvis a perspectiva predominante na economia do desenvolvimento que se ergueu sobre as bases teóricas da ortodoxia eco nômica notadamente a dos teóricos da modernização como Rostow vide supra cap 1 As diferenças e divergências em relação à vertente dominante que permeou o de bate políticoinstitucional do desenvolvimento têm como ponto inicial a recusa do que Hirschman 1996 chama de monoeconomics isto é a pretensão universalista da existên cia de um único modelo explicativo capaz de abarcar a diversidade das situações histó ricas vide infra cap 4 Como afirma Celso Furtado 1992 p 5 era necessária uma nova formulação capaz de descer ao estudo de situações concretas e reconhecer que os processos de desenvolvimento não se davam fora da história no caso o contexto peculiar do desenvolvimento periférico latinoamericano Desta forma Celso Furtado e outros intelectuais vinculados à Comissão Econô mica para a América Latina e o Caribe CEPAL passaram a destacar a necessidade de construção de um corpo teórico distinto para a interpretação e a análise dos processos EAD 29 econômicos dos países não centrais periféricos que levasse em consideração as pe culiaridades históricas de formação social dessas economias Para tanto esses autores apropriamse de modo original de distintas matrizes teóricas marxismo keynesia nismo estruturalismo para constituir um método estruturalismo histórico e um conjunto de conceitos e categorias analíticas relações centroperiferia subdesenvol vimento heterogeneidade estrutural padrões de desenvolvimento desigual que sir vam de base a uma consistente construção analítica Esse conjunto permite analisar as economias periféricas a partir de suas diferenças e de suas distintas formas de inserção no sistema capitalista global O objetivo do presente capítulo é revisitar alguns dos principais elementos teó ricometodológicos desta proposição peculiar do desenvolvimento latinoamericano e destacar a importância central dos estudos de Celso Furtado na interpretação do caso brasileiro e nas análises do subdesenvolvimento Na sequência serão apontadas algumas fragilidades da matriz teórica cepalina e as críticas que lhe foram endereçadas por auto res reunidos em torno das chamadas teorias da dependência VIDA E OBRA DE CELSO FURTADO Celso Furtado nasceu em 1920 na cidade de Pombal no sertão da Paraíba De família aristocrática é filho de pai advogado mais tarde juiz e desembargador e de mãe de família tradicional proprietária de terras Em 1940 então com 20 anos transfere se para o Rio de Janeiro onde vai cursar a Faculdade Nacional de Direito Em 1945 embarca para a Itália como aspirante a oficial da Força Expedicionária Brasileira Ao retornar decide não seguir a carreira de advogado mas tornarse economista Viaja para Paris em 1946 a fim de cursar doutorado na Faculdade de Direito e Ciências Econômi cas na Sorbonne onde também irá atuar posteriormente como docente na condição de exilado no período da ditadura militar Já formado doutor em Economia e de volta ao Brasil é integrado na recémcriada Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL sendo nomeado Dire tor da Divisão de Desenvolvimento e encarregado de missões no Equador na Argentina na Venezuela no Peru e na Costa Rica Em 1954 publica seu primeiro livro A economia brasileira Em 1957 realiza estudos de pósgraduação no Kings College na Inglaterra período durante o qual vai escrever sua mais difundida e conhecida obra Formação eco nômica do Brasil Um ano depois desligase da CEPAL e assume a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento BNDES iniciando uma notável vida pública na política É nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitschek interventor no Grupo de Trabalho do Desenvol EAD 30 vimento do Nordeste que mais tarde dará origem à Superintendência de Desenvolvi mento do Nordeste SUDENE órgão responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de combate à seca e à fome naquela região e do qual Furtado se torna superin tendente Em 1961 viaja para os Estados Unidos a fim de se reunir com o Presidente John Kennedy depois encontrase com Ernesto Che Guevara em evento da Aliança para o Progresso em Punta del Este no Uruguai No mesmo ano publica Desenvol vimento e subdesenvolvimento Em 1962 durante o governo de João Goulart tornase o primeiro titular do Ministério do Planejamento sendo o responsável pela elaboração do Plano Trienal Em 1963 deixa o Ministério e retorna à SUDENE da qual é forçado a sair por ocasião do Golpe Militar de 1964 que cassa seus direitos políticos por dez anos Trans ferese então para os Estados Unidos e ingressa como pesquisador no Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale onde redige Dialética do desenvolvimento Em 1965 assume a cátedra de Professor de Desenvolvimento Econômico na Fa culdade de Direito e Economia da Sorbonne sendo o primeiro estrangeiro nomeado para uma universidade francesa Furtado manterá sua atividade de professor por vinte anos concentrando nesse período suas pesquisas em três temas o fenômeno da ex pansão da economia capitalista o estudo teórico das estruturas subdesenvolvidas e as análises da economia latinoamericana O que frutificou duas obras Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina e Teoria e política do desenvolvimento econômico Entre os anos de 1968 e de 1978 Celso Furtado concilia suas atividades docentes com missões das Nações Unidas em inúmeros países No mesmo período atua como Professor visitante em diversas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra Em 1974 publica O mito do desenvolvimento econômico e em 1976 lança seu livro mais difun dido no exterior A economia latinoamericana Em 1979 após o processo de anistia retorna ao Brasil e reinserese na vida po lítica Em 1984 integra a Comissão de Notáveis que elabora um Plano de Ação para o futuro governo de Tancredo Neves que veio a falecer na véspera de sua posse É nomea do Embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia Em 1986 tornase Ministro da Cultura do governo José Sarney e passa a ser o responsável pela elaboração da primeira legislação brasileira de incentivo à cultura Em 1993 é nomeado membro da Comissão Mundial para a Cultura e o Desen volvimento da ONUUNESCO Em 1997 é eleito para a Academia Brasileira de Letras e dois anos depois publica aquela que é considerada sua última grande obra O longo amanhecer reflexões sobre a formação do Brasil Faleceu em sua residência no Rio de Janeiro em 2004 aos 84 anos de idade EAD 31 O PAPEL DO ESTADO E A INDUSTRIALIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO Assim como para os demais intelectuais ligados à CEPAL também para Celso Fur tado as formulações teóricas acerca do subdesenvolvimento são indissociáveis de uma preocupação com a própria superação do fenômeno de onde emerge simultaneamente a industrialização como paradigma de desenvolvimento e a ação estatal como o modo mais efetivo para se levar adiante esse processo segundo uma perspectiva ainda próxima à dos teóricos da modernização Como alude Bielschowsky 2000 p 35 a ação estatal em apoio ao processo de desenvolvimento aparece no pensamento cepalino como coro lário natural do diagnóstico de problemas estruturais de produção emprego e distribui ção de renda nas condições específicas da periferia subdesenvolvida Esta centralidade do Estado fundase em razões sociais e históricas estreitamente vinculadas à própria ascensão da teoria do desenvolvimento A crise de 1929 e o estrangulamento externo responsáveis por reduzir drastica mente as possibilidades de importação serviram como propulsores do desenvolvimento da indústria interna1 Por outro lado tanto a intervenção desenvolvimentista para a reconstrução europeia no pósguerra através do Plano Marshall quanto a proeminência do regime planificado soviético constituíram um terreno ideológico que legitimava a intervenção estatal ainda que com diferenças essenciais quanto ao seu formato No caso das proposições cepalinas a influência decisiva proveio das ideias keyne sianas em ascensão no mundo anglosaxão as quais não presumiam estatização tal qual a matriz soviética mas uma participação ativa do Estado não somente no aumento da demanda como também no investimento direto naqueles segmentos indispensáveis ao desenvolvimento bens intermediários que não interessavam a iniciativa privada ou não poderiam ser atendidos por ela O capital privado por sua vez se concentraria em atividades mais eficientes em termos de progresso técnico sobretudo na produção de bens de consumo duráveis controlando assim o setor mais dinâmico da economia e concentrando a riqueza que com frequência era enviada para fora do país FURTADO 1981 No caso do Brasil essa modalidade de intervenção em favor da industrialização deuse majoritariamente via substituição de importações e do apoio à produção nacional Esse processo iniciouse pelas indústrias mais simples pouco exigentes em tecnologia e capital para em seguida alcançar as indústrias de bens de capital e de matériasprimas intermediárias Na formulação cepalina todavia esse processo tende 1 Contudo o desenvolvimento posterior dessa indústria ficou basicamente condicionado ao tamanho do mercado interno no que sobressaíram países como o Brasil a Argentina e o Chile EAD 32 ria à estagnação uma vez que quanto mais ele evoluía para bens exigentes em tecnologia e capital mais difícil se tornava sustentálo Obter os recursos necessários para manter o ritmo de industrialização foi possível mediante o endividamento externo e o aumento da pressão inflacionária problemas que explodiram na recessão econômica dos anos 80 Ademais a industrialização recriou uma estrutura produtiva pouco diversificada e pouco heterogênea que acentuava o subdesenvolvimento e a dependência Ao con firmar a tendência à concentração de renda e ao subemprego o efeito indisfarçável da industrialização foi aumentar o dualismo social conforme constata Furtado 1992 p 10 Daí que a industrialização nas condições de subdesenvolvimento mesmo ali onde ela permitiu um forte e prolongado aumento de produtividade nada ou quase nada haja contribuído para reduzir a heterogeneidade social A heterogeneidade estrutural demonstrouse ainda mais evidente revelando que o sistema produtivo das economias subdesenvolvidas apresentava segmentos que operavam com níveis tecnológicos dife rentes como se nela coexistissem épocas distintas p 192 Com base nestas constatações acerca da ineficiência do processo de industrializa ção via substituição de importações levado a cabo pelo Estado para promover as mu danças sociais esperadas Furtado propõe o aprimoramento das análises cepalinas por meio da construção de uma teoria do subdesenvolvimento Ao se dar conta de que o subdesenvolvimento era parte indissociável do processo de desenvolvimento o autor passou a problematizar a questão a fim de entender por que os países latinoamericanos e especialmente o Brasil eram subdesenvolvidos e qual era a dinâmica desse processo Para tanto porém era necessário engendrar uma nova abordagem que interpretasse o não desenvolvimento de forma distinta daquela que propunham as teorias da moder nização em especial a ideia de etapas concebida por Rostow vide supra cap 1 UMA TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO Contrariando a teoriapadrão que embasou a economia do desenvolvimento a qual advogava a existência de benefícios mútuos para países envolvidos em relações co merciais conjuntas o constructo econômicopolítico formulado na década de 1940 pelo então diretor da CEPAL Raúl Prebisch acerca das relações centroperiferia marca o princípio de uma teoria original para explicar o subdesenvolvimento latinoamericano Prebisch 1982 demonstra a inconsistência da formulação ortodoxa atacando um dos preceitos fundamentais da economia clássica a lei das vantagens comparativas de David Ricardo a qual buscava dar sustentação teórica à argumentação em favor da 2 Associada a esta emergiu nas décadas de 1960 e 1970 outra discussão que marcou a economia política do desenvolvimento latinoamericano no tocante aos diferentes estilos ou padrões de desenvolvimento resultando no reconhecimento das diferentes modalidades de crescimento possíveis embora nem sempre desejáveis EAD 33 liberalização comercial Essa formulação segundo Prebisch desconsiderava o fenômeno da deterioração dos termos de intercâmbio que alicerçava as relações desiguais entre países centrais e periféricos desigualdade essa proveniente da natureza dos bens que compunham a pauta de importações e exportações Os países periféricos haviamse tornado produtores de bens primários produtos agrícolas e minerais que detinham demanda internacional pouco dinâmica e importadores de bens manufaturados com demanda doméstica em rápida expansão A consequência disso era um desequilíbrio estrutural na balança de pagamentos a diferença entre o total de dinheiro que entra e que sai de um país A saída dessa condição passava necessariamente pela capacidade de industrialização dos países periféricos invertendo a pauta de importações e exportações BIELSCHOWSKY 2000 2008 Assim na formulação cepalina original a industriali zação nasce como sinônimo de desenvolvimento Com essa formulação Prebisch deu o primeiro passo na proposta de uma reflexão acerca da experiência latinoamericana a qual como ele defenderá exigia uma teori zação própria Não obstante o avanço mais significativo nesse sentido irá acontecer a partir da formulação da teoria do subdesenvolvimento notadamente com a contribui ção de Celso Furtado Além de apontar elementos que complicam a análise da condição periférica destacando fatores socioculturais internos que sustentam o modo de inser ção dependente no comércio internacional Furtado acrescenta ao estruturalismo uma perspectiva histórica de longo prazo e um viés metodológico mais indutivo Além disso Furtado adiciona em suas análises a dimensão do poder enquanto elemento central para explicar a reprodução estrutural do subdesenvolvimento Diferentemente de Rostow 1961 que aponta a existência de diferentes etapas de desenvolvimento Furtado caracteriza o subdesenvolvimento como uma variante do processo de desenvolvimento decorrente da trajetória desigual entre os países Tratase portanto de um processo autônomo e não de uma etapa pela qual tenham necessa riamente passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento FURTADO 1961 p 180 É um processo histórico peculiar em que a difusão do pro gresso técnico a inovação não conduz à homogeneização social mas à concentração de renda e ao aumento da desigualdade social Ou seja de acordo com Furtado o subdesenvolvimento é uma condição estrutural dos países pouco industrializados os latinoamericanos pelo fato de que nesses países as inovações nos padrões de consumo e a adoção de um estilo de vida nos moldes dos países centrais não suscitaram como contrapartida a adoção de métodos produtivos eficazes Em suma o processo de modernização não pode ser completado nos países periféricos na medida em que há um descompasso entre os padrões de consumo e os métodos produtivos É esse descompasso o responsável pela manutenção da heteroge neidade social já que a dinamização da demanda o consumo esteve em contradição EAD 34 com o relativo imobilismo social gerado pelo lento desenvolvimento das forças produti vas processo que resultou no subdesenvolvimento Assim como fenômeno específico que é o subdesenvolvimento requer um esfor ço de teorização autônomo pondera Furtado 1961 p 193 O autor sustenta porém que é o próprio processo capitalista que cria o subdesenvolvimento na medida em que ele o capitalismo não necessita integrar todos os indivíduos na divisão social do tra balho E conclui que o fenômeno do subdesenvolvimento é estruturalmente funcional para o próprio desenvolvimento Parte da explicação para a reprodução do subdesenvolvimento pode ser encon trada nas relações desiguais entre o centro e a periferia Cabe notar todavia que as estruturas sociais híbridas que se reproduziram internamente também desemprenham papel determinante nessas relações A noção de dualismo estrutural ou economia dual ajuda a compreender essa associação Foi baseado nela que Furtado resumiu uma contradição marcada pela coexistência entre setores modernos e atrasados Em Formação econômica do Brasil 1991 1959 o autor demonstra que ao longo da história de diver sos ciclos econômicos o Brasil se caracterizou pela formação de um modo de produção capaz de ser competitivo nos mercados internacionais agricultura comercial anco rado em uma estrutura social interna arcaica modelo de economia de subsistência cujas principais características eram a precariedade das relações de trabalho a excessiva concentração da propriedade da terra e da riqueza e o atraso das condições tecnológicas Em outras palavras constituiuse no País um tipo de capitalismo que se reproduzia asso ciado a relações sociais que não poderiam ser qualificadas como tipicamente capitalistas Em O mito do desenvolvimento econômico 1981 1974 Furtado demonstra que se por um lado a apropriação desigual da riqueza que estava na base do subdesenvol vimento era diretamente associada ao modo de produção estabelecido por outro a natureza dessa condição era igualmente resultante do destino conferido ao excedente produzido modo de circulação Enquanto nos países desenvolvidos o excedente era em sua maior parte utilizado para financiar o investimento produtivo nos países subde senvolvidos ele serviu para manter um nível de consumo supérfluo e um estilo de vida de uma pequena elite econômica similares aos encontrados nos países desenvolvidos Dessa forma o autor demonstra que na base das estruturas sociais que mantinham o subde senvolvimento se encontrava uma dependência cultural que condicionava a utilização do excedente para consumo improdutivo Assim sendo percebese em Furtado mais um componente diferencial na inter pretação do subdesenvolvimento a dimensão cultural Embora reconheça a necessida de de crescimento econômico para gerar desenvolvimento o autor atribui importância central à dimensão cultural como fator decisivo na mudança social ou seja no processo de desenvolvimento Dessa forma crescimento econômico por si só não é capaz de EAD 35 gerar desenvolvimento se este não vier acompanhado de uma mudança no âmbito dos valores e da cultura Outra mudança de monta devese ao fato de que com a industrialização a depen dência assumiu uma conotação diferente notadamente tecnológica e financeira e maior complexidade o que tornou remota a possibilidade de explicála exclusivamente com base na deterioração dos termos de troca A busca por explicações mais abrangentes para o novo momento histórico trouxe como consequência a proliferação de distintas vertentes da chamada teoria da dependência De modo geral as formulações daí oriun das caminharam para um entendimento sobre a necessidade de se integrarem os fatores econômicos sociais e políticos reconhecendo a debilidade das formulações excessiva mente centradas nas estruturas produtivas na dimensão econômica e nos processos tec nológicos a inovação Este é o caso da teorização proposta por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto 1981 que discutem como a disputa entre diferentes grupos sociais envolvendo interesses e poderes heterogêneos foi um dos condicionantes básicos da situação de subdesenvolvimento especialmente ao focarem as alianças políticas e o modo como as elites dos países subdesenvolvidos voltam seus interesses para o exterior Ao mesmo tempo reconheceuse que não apenas o padrão de desenvolvimento periférico reproduzia a desigualdade como a própria ação do Estado atuava nesse sen tido O fato de o Estado se apropriar de interesses privados evidenciava que a saída da dependência implicaria uma contenda política acerca das prioridades de investimento estatal O essencial aqui foi a proposta de uma teorização sobre o Estado algo remoto nas teses cepalinas onde este era visto por um viés quase instrumental como regente das mudanças externo e sobranceiro à sociedade Segundo Bielschowsky 2008 a teorização dependentista demonstrou que a in dustrialização não eliminava a heterogeneidade tecnológica e a dependência apenas alte rava a forma como essas características passam a se expressar Na perspectiva do autor o subdesenvolvimento revelase um processo de crescimento com estruturas heterogêneas onde os segmentos modernos são comandados por capitais externos e por seus associa dos internos Formamse então conglomerados multinacionais que passam a ser atores líderes de uma nova modalidade de dependência a qual questiona as fronteiras dos Estados Nacionais e gradativamente se torna muito mais financeira do que industrial Cabe lembrar também que foi neste contexto nos anos 60 e 70 que emergiu uma agenda de reformas sociais cuja execução era considerada imprescindível para se enfrentarem os obstáculos estruturais do desenvolvimento BIELSCHOWSKY 2000 Temas como desigualdade distribuição de renda e reforma agrária vieram à tona com relativa força e passaram a demandar um novo padrão de desenvolvimento uma vez que aquele até então perseguido apenas tornava mais crítica a já assombrosa heterogeneida de social EAD 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS A década de 1980 marca o declínio da economia política do desenvolvimento latinoamericano acompanhando o próprio arrefecimento da discussão sobre desen volvimento Um período de instabilidade mundial e de perda de força do Estado desen volvimentista pôs em xeque o paradigma keynesiano e abriu caminho para a expansão da ortodoxia neoliberal A palavra de ordem passou a ser desenvolvimento via ajuste com crescimento mediante o qual se visava a enfrentar basicamente os problemas do endividamento externo e da crise inflacionária heranças do modelo de substituição de importações Pelo mesmo caminho vão os anos 90 quando cabe ao neoestruturalismo cepa lino a defesa de temas como equidade social e democracia pluralista como condições básicas e necessárias do desenvolvimento BIELSCHOWSKY 2006 demonstrando a importância do pensamento de Celso Furtado e de seu legado para interpretações con temporâneas acerca dos processos de desenvolvimento vide infra cap 8 Na era atual a crescente preocupação com a desregulamentação dos mercados e todas as consequências nefastas que semelhante opção engendra submetem à prova a vitalidade do paradigma neoliberal Temse aberto assim a possibilidade de retorno e atualização de muitos dos elementos que foram rápida e parcialmente analisados neste capítulo e que estiveram na base da formulação da economia política do desenvolvimen to latinoamericano REFERÊNCIAS BIELSCHOWSKY Ricardo Cinquenta anos de pensamento na CEPAL uma resenha In Org Cinquenta anos de pensamento na CEPAL Rio de Janeiro Record 2000 p 1368 Vigencia de los aportes de Celso Furtado al estructuralismo Revista de la CEPAL Santiago de Chile n 88 p 715 abr 2006 Celso Furtado o estruturalismo latinoamericano e o desenvolvimento brasileiro Texto apre sentado na Apresentação no Ciclo de Conferências O pensamento de Celso Furtado Rio de Janeiro abr 2008 CARDOSO Fernando Henrique FALETTO Enzo Dependência e desenvolvimento na América Latina ensaio de interpretação sociológica 6 ed Rio de Janeiro Zahar 1981 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 O mito do desenvolvimento econômico 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1981 Formação econômica do Brasil 24 ed São Paulo Nacional 1991 O subdesenvolvimento revisitado Economia e Sociedade UNICAMP v 1 n 1 p 519 ago 1992 EAD 37 HIRSCHMAN Albert Otto Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento In A economia como ciência moral e política São Paulo Brasiliense 1986 p 4980 PREBISCH Raúl El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas 1949 In GURRIERI Adolfo Org La obra de Prebisch en la CEPAL México Fondo de Cultura Econó mica 1982 v 1 ROSTOW Walt Whitman Etapas do desenvolvimento econômico um manifesto não comunista Rio de Janei ro Zahar 1961 EAD 38 Capítulo 4 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO Paulo André Niederle Juan Camilo de los Ríos Cardona Tanise Dias Freitas INTRODUÇÃO Neste capítulo serão analisadas as principais contribuições de Albert Hirschman Este economista alemão radicado nos Estados Unidos talvez tenha sido o principal de fensor da chamada economia do desenvolvimento desde seu surgimento na década de 1940 mas também se tornou um dos seus maiores críticos Sua obra extensa e diversa expõe o pensamento de um entusiasta do progresso e da modernização otimista com as possibilidades abertas pelas sociedades de mercado pluralistas e por outro lado o de um questionador veemente das decisões políticas que implicavam crescente desi gualdade Tratase de um autor avesso à ideia de caminho único e melhor bem como às prescrições abstratas aos princípios gerais e à crença de que existem soluções últimas integrais e definitivas o que geralmente vai dar na imposição das boas instituições criadas nos países ditos desenvolvidos para o restante do mundo Com efeito quan do atacado por Paul Krugman economista americano Prêmio Nobel de Economia de 2008 em razão de uma pretensa falta de rigor analítico decorrente do uso de inúmeras metáforas em substituição aos tradicionais modelos econométricos Hirschman 1996 p 89 sustentou que é preferível abarcar a complexidade do que ter predizibilidade Assim afirma o autor com esta conclusão posso alegar a existência de pelo menos um elemento de continuidade em meu pensamento a recusa em definir o melhor jeito Ou seja distintos contextos sociais definem diferentes trajetórias de desenvolvimento EAD 39 A título de exemplo lembrese que vários autores condenaram alguns países devi do a um processo de especialização produtiva com efeitos particularmente danosos ao desenvolvimento em virtude da abundância de recursos naturais disponíveis Arezki e Ploeg 2007 chegam a falar em maldição uma vez que a disponibilidade desses re cursos resultaria em desindustrialização precoce e em excessiva dependência da econo mia em relação ao comportamento de poucas commodities nos mercados internacionais Isso constituiria um efeito direto e negativo sobre o crescimento econômico e um efei to indireto sobre as instituições em consequência da voracidade econômica que ocasio na a rapinagem dos recursos dos riscos de expropriação do incentivo à corrupção e às guerras e da expansão de um Estado clientelista e assistencialista sustentado pelas divisas produzidas pela comercialização dos bens naturais Hirschman por seu turno sustenta que a questão está menos associada à disponibilidade de recursos do que às escolhas sociais processadas em relação à sua governança O desenvolvimento passaria portanto a ser objeto de opções políticas e não de determinações naturais A retomada do pensamento de Hirschman nas discussões sobre desenvolvimento também está associada à sua preocupação com a questão da equidade social Enquanto uma parcela expressiva da economia do desenvolvimento insistia na necessidade da ma nutenção de taxas elevadas de crescimento econômico a qualquer custo no Brasil Del fim Neto Ministro do Governo Geisel afirmava a necessidade de fazer o bolo crescer para depois dividilo e os teóricos da dependência apenas revelavam seu pessimismo com as virtudes da industrialização em contextos de subdesenvolvimento Hirschman mostravase particularmente otimista com os rumos da modernidade mas atribuía ao Estado a função de coordenar o desenvolvimento visando a garantir que a busca pela equidade se constituísse em um componente indissociável desse processo Levandose em conta que segundo Hirschman o crescimento econômico é inexoravelmente cria dor de desigualdades é mister que alguém o Estado execute escolhas que favoreçam os desfavorecidos Isso demanda soluções antagônicas Mas é papel do Estado gerir uma cadeia de desequilíbrios tratando desigualmente os desiguais UMA ABORDAGEM POSSIBILISTA Hirschman nasceu em Berlim em 1915 Começou a estudar em 1932 na Friedri chWilhelmsUniversität Alemanha a seguir fez estudos na Sorbonne França na Lon don School of Economics Inglaterra e na Universidade de Trieste Itália onde recebeu seu título de doutorado em 1938 Lutou na Guerra Civil Espanhola e durante a Segunda Guerra Mundial na França haja vista sua origem judaica ajudou intelectuais artistas e escritores europeus a fugirem para os Estados Unidos Ele mesmo para fugir da per seguição nazifascista transferiuse em 1941 para os Estados Unidos BIANCHI 2007 EAD 40 De 1943 e 1946 Hirschman atuou nos serviços estratégicos do Exército Norte Americano Finda a Segunda Guerra atuou entre 1952 e 1954 como assessor fi nanceiro do Conselho Nacional de Planejamento da Colômbia No que diz respeito às suas atividades de ensino e pesquisa ocupou cátedras nas Universidades de Yale 1956 1958 Columbia 19581964 e Harvard 19641974 e no Instituto de Estudos Avançados em Princeton 1974 a 2012 Faleceu em dezembro de 2012 aos 97 anos de idade LEPENIES 2009 Outros eventos marcantes na trajetória intelectual e política de Hirschman foram suas participações durante as décadas de 1950 e 1960 na avaliação e diagnóstico de diferentes projetos de desenvolvimento financiados na maioria dos casos pelo Banco Mundial em diferentes países pobres da Ásia da África e especialmente da América Lati na Em virtude deste tipo de atividades Hirschman teve grande influência nas discussões sobre o desenvolvimento econômico na América Latina Seu interesse pelos problemas do crescimento econômico nos países da periferia e sua visão heterodoxa permitiulhe aproximarse da realidade das economias subdesenvolvidas sem os preconceitos recor rentes entre os economistas da sua época tentando ver como realmente eram essas eco nomias e não como deveriam ser em relação às economias industrializadas Hirschman não pode ser considerado propriamente um revolucionário porque ele acredita fielmente na possibilidade de avançar no desenvolvimento sem a necessidade de mudanças radicais na ordem estabelecida PINTO 1964 O que é necessário diria o economista são bons governos cercados por boas pressões sociais e um ambiente democrático propício ao diálogo e à concertação Nesse sentido podese afirmar que ele não era totalmente avesso a determinadas posições da ortodoxia econômica Sua preocupação se traduzia muito mais em um questionamento do excessivo estruturalis mo das teorias marxistas sobre a dependência periférica as quais dominavam as discus sões latinoamericanas Tais teorias na sua perspectiva não davam margem a ações que sem pretender uma transformação total da estrutura socioeconômica poderiam contri buir para reduzir o hiato entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos principalmente no que tange ao enfrentamento da pobreza absoluta de grande parte da população des ses países Segundo Hirschman 1996 p 178 essa relutância em louvar ou mesmo reconhecer o progresso enquanto ele acontece bem debaixo do nosso nariz o que faz com que os louvores coincidam com a lamentação por seu final foi particularmente marcante na América Latina Como o próprio Hirschman define sua abordagem possibilista otimista di riam alguns elege como mais importante identificar possibilidades do que prever pro babilidades ou tendências Mas mais do que isso no caso da América Latina ela expres sa uma profunda crítica do que o economista considerava ser o resultado do excessivo pessimismo dos teóricos da CEPAL e dos dependentistas o qual estaria produzindo EAD 41 efeitos nefastos no que diz respeito à capacidade de mobilização social pela construção de uma nova estratégia de desenvolvimento Nas palavras de Hirschman 1996 p 217 a estratégia de enfatizar o negativo há muito tempo produz retornos decrescentes e mesmo contrários Com efeito o autor dedicou boa parte de seus escritos e de sua militância a contraporse às visões ideologizadas que negam os elementos positivos da experiência histórica e passam facilmente à proposição de soluções últimas e integrais para os problemas do desenvolvimento Ampliando sua crítica Hirschman sugeria que na América Latina a negação das experiências passadas criava uma cultura de imprevisibilidade e descontinuidade de modo que com frequência novos governantes passavam a procurar alternativas origi nais geralmente por meio de projetos mirabolantes que trariam soluções salvadoras e definitivas Desconsideravamse assim as evidências do progresso econômico e social para creditar a única possibilidade de mudança a soluções integrais que deveriam derru bar a velha estrutura social para erguer em seu lugar outra totalmente diversa Em opo sição a isso o autor dizia ser imprescindível evitar tanto a ilusão do reformismo apenas soluções incrementais quanto a ideia de que para qualquer mudança se necessita de uma nova revolução Por outro lado Hirschman 1996 também refuta a ideia de que todas as coisas boas andam juntas Para ele inexistem razões ou fatos que façam disso uma regra Como revelou a própria experiência latinoamericana é possível realizar um progresso econômico considerável sem um concomitante avanço democrático e viceversa Do mesmo modo também não é possível afirmar o imperativo de soluções sequenciais do tipo uma coisa por vez primeiro crescimento depois distribuição Tais propostas podem estar associadas a posturas antirreformistas que pretextando a ameaça a per versidade ou a futilidade de uma reforma procuram manter a situação inalterada1 O fato é que progresso econômico e progresso político não estão ligados de modo fácil direto e funcional HIRSCHMAN 1996 p 257 Como sugere o autor devese antes pensar numa relação intermitente de interdependência e autonomia algo semelhante a uma conexão ligadesliga2 1 A tese da perversidade explorada pelo autor advoga que determinada política se implantada desencadeará um efeito que piorará a situação A tese da futilidade alega que a política é vã e que portanto não produzirá efeito algum Já segundo a tese da ameaça a adoção de uma nova reforma coloca em risco realizações anteriores 2 Esta formulação deriva de uma discussão anterior sobre o efeito catraca que revela a inexistência de uma cor relação automática perfeita e mecânica entre indicadores econômicos e sociais A ideia de catraca ilustra a maneira como alguns indicadores sociais avançam em períodos de crescimento econômico sem retroceder novamente em face de um retrocesso EAD 42 A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO Diferentemente do modelo neoclássico onde tudo se resume a uma questão de melhor alocação de recursos tidos de antemão como escassos ao ver de Hirsch man o desenvolvimento referese antes de mais nada à mobilização de habilidades e recursos ocultos Em seu dizer o desenvolvimento não depende tanto de encontrar ótima confluência de certos recursos e fatores de produção quanto de provocar e mobi lizar com propósito desenvolvimentista os recursos e as aptidões que se acham ocultos dispersos ou mal empregados HIRSCHMAN 1961 p 19 Esses recursos ocultos também denominados por ele de racionalidades ocultas estão sempre em processo de crescimento e mudança e são definitivos para lutar contra o que ele mesmo chamava ao analisar os projetos de desenvolvimento de síndrome do economista visitante e de fracassomania nativa BLANCO 2013 Hirschman considera que há uma arte de promover o desenvolvimento a qual pressupõe que os atores não possuem plena compreensão de como devem agir Os projetos são construídos em um mundo repleto de incertezas e acasos onde na ver dade distintos eventos convergem numa conspiração multidimensional em favor do desenvolvimento numa conjunção de circunstâncias extraordinárias completamente inesperadas HIRSCHMAN 2000 O desenvolvimento não consiste simplesmente no resultado final alcançado por um esquema de planejamento racional ou no saldo global das ações individuais em busca da satisfação de preferências fixas e exógenas mas em uma aventura épica onde nada é certo claro ou absoluto HIRSCHMAN 1996 É um processo individual e coletivo em que os indivíduos e as instituições são ao mes mo tempo os agentes developer e os principais beneficiários developed do desenvolvi mento SANTISO 2000 Foi essa incerteza com que Hirschman se deparou ao avaliar diferentes projetos de desenvolvimento que o levou a propor o princípio da mãooculta em oposição à clássica noção de mão invisível que Adam Smith utilizou para caracterizar o mercado De acordo com Hirschman a mãooculta atua principalmente através do descobrimen to da ignorância das incertezas e das dificuldades agindo por meio das técnicas da pseudoimitação e do programa global A pseudoimitação é aquela que apresenta os pro jetos como menos difíceis do que são enquanto o programa global dá aos planejadores a ilusão de serem mais perspicazes em relação às dificuldades do projeto do que real mente são Com efeito Hirschman acreditava que essa mãooculta embora necessária teria cada vez menos influência na medida em que se aprimorasse a arte de promover o desenvolvimento Este passa a ser o resultado dos projetos dos atores sociais o fruto da ação visível dos indivíduos e organizações incluindo o Estado como mecanismo re gulamentador e promotor EAD 43 Assim como Celso Furtado Hirschman também foi categórico em afirmar a ine xistência de benefícios mútuos mecânicos e abstratos dados de antemão pelas leis do mercado No entanto contrariamente à matriz cepalina de Furtado Hirschman 1986 1996 tem uma postura mais otimista com relação à construção desses benefícios mútu os os problemas do subdesenvolvimento podem ser superados notadamente através da intervenção estatal Como se afirmou acima o crescimento segundo Hirschman é quase inexoravel mente criador de desigualdades porquanto é decorrente de escolhas que beneficiam alguns em detrimento de outros Isso desqualifica a falácia conservadora de que é pre ciso fazer o bolo crescer para depois dividilo Por outro lado também não é possível imaginar que uma sociedade deva antes acabar com a iniquidade social para só então se desenvolver ideia associada de acordo com Hirschman 1961 ao ponto de vista derrotista de que o desenvolvimento deve ser equilibrado de início ou então não se dará Na percepção do autor enfrentar a iniquidade é mais fácil com crescimento mas essa tarefa exige soluções antagônicas opções que favoreçam aqueles que não são naturalmente beneficiados pelo crescimento É nesta perspectiva que o economista sugere uma estratégia de crescimento desequilibrado Tratase de uma notável discordância com o pensamento da época o qual se assentava na ideia de crescimento equilibrado expressa por exemplo pelo Modelo HarrodDomar Esse modelo de crescimento de longo prazo de inspiração key nesiana sugere que o desenvolvimento é um processo gradual e equilibrado cuja equa ção é composta por três variáveis fundamentais taxa de investimento taxa de poupança e relação produtocapital O modelo apresenta ademais como condição básica para o crescimento equilibrado uma relação produtocapital constante conhecida como o equilíbrio no fio da navalha Outro tipo de aplicação desse modelo é encontrado nas formulações de Rosens teinRodan 1969 e de Nurkse 1957 Este último cunhou a conhecida expressão do círculo vicioso da pobreza segundo a qual forças circulares mantêm as economias em um estado de equilíbrio de subdesenvolvimento Notese que neste caso a dis cussão se volta para a reprodução do não desenvolvimento Segundo Nurkse o baixo rendimento per capita nas economias subdesenvolvidas define dois tipos de bloqueio à formação de capital a o baixo poder de compra nível de consumo e b a reduzida capacidade de poupança potencial de investimento Assim a indução do investimento é limitada pela dimensão do mercado A fragilidade do mercado condiciona a existência de custos altos e de baixas taxas de lucro o que reduz o investimento ocasionando me nor crescimento econômico O resultado final é a reprodução do subdesenvolvimento e da pobreza Nos termos do autor NURKSE 1957 p7 EAD 44 um homem pobre não tem o bastante para comer sendo subalimentado sua saúde é fraca sendo fisicamente fraco sua capacidade de trabalho é baixa o que significa que ele é pobre o que por sua vez quer dizer que não tem o bastante para comer e assim por diante Tal situação transposta para o plano mais largo de um país pode ser resumida nesta pro posição simplória um país é pobre porque é pobre A questão passa portanto a ser como superar esse bloqueio Em uma estratégia de crescimento equilibrado cogitase a aplicação simultânea e sincronizada de capital em diferentes segmentos com vistas a promover a expansão generalizada do mercado Assim sugerese às economias subdesenvolvidas que ataquem o problema da insuficiên cia de demanda por meio de um grande impulso no conjunto da economia a fim de expandir emprego e renda supondose que a demanda cresça com a expansão da oferta generalizada e que se conforme a chamada Lei de Say Algo similar foi realizado com a aplicação do Plano Marshall para a reconstrução da Europa no pósguerra Mas este era um contexto particular De outro modo os países subdesenvolvidos que se empenharam para obter vultosos empréstimos internacionais logo se deram conta de que a arrancada para o crescimento não dependia apenas de recursos mas de um arranjo institucional e político propício ao desenvolvimento Nestes casos os resultados foram níveis crescen tes de endividamento com retornos contestáveis Quais seriam as principais restrições de Hirschman frente a esse tipo de estratégia nos países subdesenvolvidos Primo a insuficiência de recursos desses países para pro moverem esse grande impulso simultaneamente em todas as áreas Secundo a necessida de de coordenação global do processo o que implicaria governos centralizados e com capacidade operacional Tertio o fato de que os Estados não possuiriam estrutura para agir ao que se somaria a falta de conhecimentos tecnologias e habilidades sociais O autor destaca em particular que no contexto das economias ditas subdesenvolvidas os obstáculos ao crescimento estariam relacionados sobretudo com a escassez de conheci mentos e competências organizacionais e de gestão fatores essenciais para uma estraté gia de crescimento equilibrado Conclui Hirschman 1961 p 8889 dizendo que se um país estivesse em condições de aplicar a doutrina do desenvolvimento equilibrado então preliminarmente não seria um país subdesenvolvido Fortemente influenciado pelas ideias de Schumpeter vide supra cap 2 segundo as quais os desequilíbrios poderiam ser forças motrizes do desenvolvimento Hirschman 1961 passou a propor a realização de investimentos em setoreschave fundamen talmente naqueles que dispõem de maior potencial de encadeamento a montante e a jusante Ao invés das soluções simultâneas propôs soluções sequenciais com foco nos pontos de desequilíbrio Os planos desenvolvimentistas deveriam mobilizar recursos e EAD 45 habilidades ocultos dispersos ou mal aproveitados e incentivar inovações que permitis sem produzir e gerir novos desequilíbrios Obviamente Hirschman 1983 estava ciente de que uma vez iniciado o processo as interdependências entre os inúmeros setores econômicos acentuariam os desequilíbrios efeito do maior desenvolvimento de deter minado setor Isso colocaria em movimento as forças de mercado mudanças de preços e as políticas governamentais em resposta a clamores sociais contra a escassez gerada controlando o desequilíbrio A rigor na espinha dorsal dessa estratégia de desenvolvimento segundo Bianchi 2007 estão os encadeamentos do setor industrial principalmente para trás como quando se enviam estímulos para setores que fornecem os insumos requeridos Na visão hirschmaniana sobretudo os investimentos públicos com vistas à modernização deve riam priorizar áreas tecnologicamente mais avançadas com maior efeito de arrasto isto é que induzam com mais força à criação de outras empresas Ao mesmo tempo este autor defendia o investimento em grandes projetos ferrovias hidroelétricas etc seja pelo potencial de encadeamento seja pelo efeitodemonstração ou ainda pela maior facilidade de controle público do uso dos recursos Seja como for o principal mecanismo indutor desses encadeamentos seria a indução da decisão visto que segundo Hirschman a chave do desenvolvimento se encontra primordialmente nos in centivos da ação humana canalizar energias na direção desejada e na mediação do espírito cooperativo e criador Como nota Bianchi p 137 um aspecto importante da originalidade da abordagem de Hirschman é o fato de ter sido capaz de realizar a dimensão psicológica da estratégia desenvolvimentista Não obstante Hirschman considera que certo grau de iniquidade é tolerado no início do processo A constatação de que os outros estão melhorando sua condição de vida leva à presunção de que a minha também poderá melhorar A isso o autor denomi na de efeito túnel metáfora que remete à experiência das filas de automóveis engar rafados dentro de um túnel Todavia a demora para ver a luz no fim do túnel pode fazer com que a expectativa do motorista se transforme em indignação resultando em um acirramento de conflitos que perturba a continuidade do processo e provoca alterações sucessivas e incertas com os motoristas procurando mudar constantemente de pista e piorando ainda mais o fluxo geral Como a propósito de tantas outras incertezas não há como se saber de antemão o limite de tolerância necessária A arte do desenvolvimento está justamente em gerir esta cadeia de desequilíbrios e os conflitos a ela inerentes sem a pretensão de caminhar rumo a qualquer forma de equilíbrio preestabelecido3 3 Notese que na visão de Hirschman 1996 os conflitos não são necessariamente negativos Eles podem atuar como cola ou solvente das relações sociais coerindo ou dilacerando os laços sociais Ademais os conflitos são indivisíveis do tipo ouou onde só uma das partes pode sair vencedora como no caso de disputas étnicas e religiosas de difícil resolução ou divisíveis do tipo mais ou menos como no caso de disputas entre classes grupos e regiões que se prestam a soluções conciliatórias EAD 46 HIRSCHMAN E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO UMA SÍNTESE Bonente e Almeida Filho 2008 destacam a importância dos trabalhos de Hirsch man na consolidação de uma disciplina designada como Economia do Desenvolvimento ED a qual serviu de base à formulação de políticas nacionais de desenvolvimento até a década de 1970 Em que pese sua diversidade interna encontrase na origem dessa disciplina uma crítica contundente à simplificação e esquematização da realidade pelas ortodoxias tanto liberais quanto marxistas Em Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento Hirschman 1986 analisa as especificidades que justificam a instituição da disciplina Um primeiro ponto desta cado pelo autor é o fato de que a disciplina traduz sua rejeição ao monoeconomismo e nesse sentido o débito que ela tem para com a Teoria geral de Keynes a qual constituiria o primeiro corpo analítico coerente capaz de evidenciar o equívoco da economia con vencional que desconsidera a existência de realidades sociais diversas e a necessidade de instrumentos distintos para analisálas Notese que este argumento também serviu de base para uma teorização sobre o fenômeno do subdesenvolvimento A segunda característica distintiva da ED apontada por Hirschman seria a sua posição peculiar em relação ao princípio da reciprocidade das vantagens nas relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos Contrariamente aos liberais que susten tavam a existência dessa relação recíproca a ED afirmava a inexistência de benefícios mútuos mecânicos e abstratos gerados de antemão pelas leis do mercado Nesse sen tido a disciplina se aproximaria da tese cepalina referente à deterioração dos termos de troca nas relações desiguais entre centro e periferia Hirschman 1986 acreditava todavia que esses benefícios poderiam ser construídos com medidas adequadas de polí ticas públicas Não é em vão que grande parte da ED se volta de modo particularmente assíduo à análise e à formulação de instrumentos de intervenção do Estado Cabia à ED instituída enquanto disciplina teorizar sobre sua principal tarefa en contrar formas de superar os elementos que obstam o desenvolvimento e descobrir os recursos e capacidades ocultos Para tanto havia certo consenso na avaliação de que qualquer política desse tipo reservaria um papel relevante à industrialização HIRS CHMAN 1986 Faltava porém discernir qual estratégia seria capaz de impulsionar a industrialização e a modernização dos países subdesenvolvidos O economista con tribuiu para este debate com sua teorização sobre encadeamentos e desenvolvimento desequilibrado A partir dos anos 70 a tranquila segurança que até então animava a ED foi abalada O principal motivo do abalo advinha do fato de que a modernização trouxera consigo tensões e problemas não previstos inicialmente em especial o autoritarismo Isso abriu caminho para que economistas neoclássicos e marxistas responsabilizassem a disciplina EAD 47 pelas consequências da industrialização A direita liberal acusoua de esquecer os fun damentos universais da economia Os marxistas encontraram brecha para demonstrar que as mudanças finalmente só se dariam a partir de uma transformação total das es truturas sociais HIRSCHMAN 1986 Em Ascensão e declínio da economia do desenvolvimento Hirschman 1982 pondera que a emergência da ED ocorreu como resultado da conjunção de distintas correntes ideológicas as quais mesmo tendo apresentado resultados produtivos trouxeram sérios problemas para o futuro Primeiro em razão de sua feição ideológica heterogênea a nova ciência estava submetida a tensões que se mostrariam explosivas na primeira oportunidade Segundo em razão das circunstâncias sob as quais surgiu a Economia do Desenvol vimento se sobrecarregou de esperanças e ambições irrealis tas que logo teriam que ser afastadas p 6 A rigor mais do que defensor da ED Hirschman foi acima de tudo defensor de um pensamento heterodoxo e híbrido que evitou que se caísse nas armadilhas que am bos os lados engendravam De forma positiva seus trabalhos originamse geralmente de uma reação crítica às teorias e ideologias dominantes as quais vendo suas fragilida des colocadas à tona costumam formular teorias completamente novas Foi o posicio namento antagônico das escolas de pensamento econômico que fez com que Hirschman recusasse filiarse a uma ou outra corrente teórica o que lhe permitiu adaptar com muita maleabilidade sua teoria para explicar as diferentes realidades observadas A obra de Hirschman destacase não apenas em virtude dos seus aportes à econo mia mas e talvez principalmente graças à sua propensão a ultrapassar as fronteiras com outras ciências sociais entre as quais as ciências morais e políticas OCAMPO 2008 SANTISO 2000 Essa tendência levouo a ser pouco apreciado por seus pares Ele pró prio declarouse não apenas um subversivo mas um autossubversivo questionando recorrentemente suas próprias formulações Mas como ele faz questão de ressaltar seu principal desafeto era a ortodoxia é verdade o inimigo principal é a ortodoxia Repetir sempre a mesma receita a mesma terapia para curar tipos diferentes de doença não admitir a complexidade querer reduzila a todo custo ao passo que as coisas reais são sempre um pouco mais complexas HIRSCHMAN 2000 p 96 EAD 48 A preocupação em afastarse das soluções familiares unifica sua abordagem Mais do que isso esse modo peculiar de olhar a realidade que insiste em ultrapassar tres passing as barreiras disciplinares e a procura incansável pelos fatores que impulsio nam e aprestam o desenvolvimento estão presentes ao longo de toda a sua trajetória É justamente isso que dá um sentido de continuidade à sua obra apesar das recorrentes autossubversões De acordo com Bianchi 2007 p 132 podese afirmar que o autor dedicou sua obra a questões que o fazem voltar sempre aos mesmos assuntos de tal modo que é como se ele tivesse escrito um único livro durante sua vida Em uma de suas últimas obras escritas já no contexto da crise da ED e da consolidação do neolibe ralismo Hirschman 1996 p 105 afirma A nova dinâmica que percebemos nos temas da dependência encadeamentos saídavoz etc no fim das contas não can cela nem refuta as descobertas anteriores em vez disso ela define esferas do mundo social onde as relações originalmen te postuladas não têm validade De qualquer forma não há dúvida de que seus escritos impactaram profundamen te as discussões sobre desenvolvimento nas décadas que se seguiram à crise da ED Os modelos econômicos de crescimento endógeno incorporaram em suas funções variá veis como capital humano e social o neoestruturalismo da CEPAL começou a enfatizar as questões de equidade conjugando uma defesa de novos padrões de transformação produtiva com equidade social a nova economia institucional privilegiou o papel das instituições bem como preceitos de incerteza e racionalidade limitada e por fim a abordagem seniana vide infra cap 5 deu atenção às capacidades individuais na cons trução de novas trajetórias de desenvolvimento REFERÊNCIAS AREZKI Rabah PLOEG Frederick van der Can the natural resource curse be turned into a blessing The role of trade policies and institutions IMF Working Paper International Monetary Fund n 7 March 2007 Disponível em httpwwwimforgexternalpubsftwp2007wp0755pdf Acesso em 2 fev 2015 BIANCHI Ana Maria Albert Hirschman na América Latina e sua trilogia sobre desenvolvimento econô mico Economia e Sociedade Campinas v 16 n 2 p 131150 ago 2007 BLANCO Luis Armando Hirschman un gran científico social Revista de Economía Institucional Universi dad Externado de Colombia v 15 n 28 p 4764 1 sem 2013 BONENTE Bianca Imbiriba ALMEIDA FILHO Niemeyer Há uma nova Economia do Desenvolvimen to Revista de Economia Ed da UFPR v 34 n 1 p 77100 janabr 2008 EAD 49 HIRSCHMAN Albert Otto Estratégia do desenvolvimento econômico Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 Ascensão e declínio da economia do desenvolvimento Revista de Ciências Sociais Universidade Federal do Ceará v 25 n 1 1982 Grandeza e decadência da economia do desenvolvimento In A economia como ciência moral e política São Paulo Brasiliense 1986 p 4980 Autosubversão teorias consagradas em xeque São Paulo Companhia das Letras 1996 A moral secreta do economista São Paulo Ed da UNESP 2000 LEPENIES Philipp H Possibilismo vida e obra de Albert Otto Hirschman Traduzido do inglês por Ota cílio Nunes Jr Novos Estudos CEBRAP São Paulo n 83 p 6588 mar 2009 NURKSE Ragnar Problemas da formação de capital em países subdesenvolvidos Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1957 OCAMPO José Antonio Hirschman la industrialización y la teoría del desarrollo Desarrollo y Sociedad Bogotá n 62 p 4161 juldic 2008 PINTO Aníbal Albert Otto Hirschman Journeys toward progress Studies of economic policy making in Latin America El Trimestre Económico México v 31 n 1 p 166168 1964 ROSENSTEINRODAN Paul Problemas de industrialização da Europa Oriental e SulOriental In AGARWALA Amar Narain SINGH Sampat Pal Eds A economia do subdesenvolvimento Rio de Janeiro Forense 1969 1943 SANTISO Javier Hirschmans view of development or the art of trespassing and selfsubvertion CEPAL Review Santiago de Chile n 70 p 93109 Apr 2000 EAD 50 Capítulo 5 SEN E O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE Tanise Dias Freitas Abel Cassol Ariane Fernandes da Conceição Paulo André Niederle INTRODUÇÃO As mudanças globais do pósguerra mostraram faces do desenvolvimento que extra polavam as medidas convencionais relacionadas ao crescimento econômico tais como os indicadores de renda e o Produto Interno Bruto PIB Neste contexto emergem diver sas abordagens que buscam compreender de modo mais amplo e integrado as transfor mações sociais e econômicas sem cair nas armadilhas do economicismo que geralmente recorre a uma ideia de etapas de desenvolvimento com os países ditos subdesenvolvi dos tendo que se adequar aos modelos das economias avançadas vide supra cap 1 Ao mesmo tempo sobretudo nas décadas de 1980 e 1990 não apenas se per cebeu que os modelos estritamente fundados nos critérios econômicos convencionais não eram suficientes para explicar a mudança social como também se passou a advogar a necessidade de dar maior atenção aos sujeitos sociais e às suas capacidades de alte rar os padrões institucionalizados Muitas das novas abordagens do desenvolvimento voltaramse à compreensão do modo como as pessoas veem seu lugar no mundo e procuram construir alternativas para viabilizar a vida que elas mesmas julgam adequada Assim na esteira de debates sociológicos em torno da capacidade de agência humana vários autores procuraram resituar os indivíduos no centro das novas abordagens do desenvolvimento Os atores sociais passaram a merecer a atenção que antes era dada prioritariamente ao Estado ou ao Mercado enquanto forças externas promotoras do desenvolvimento EAD 51 Do ponto de vista dos resultados do desenvolvimento o que até então se sabia e estava posto era que os ganhos da modernidade industrial não foram igualmente repar tidos entre as sociedades e os indivíduos Os teóricos da dependência e os economistas cepalinos como Celso Furtado deixaram isso muito claro vide supra cap 3 A desi gualdade evoluía paralelamente ao crescimento econômico as promessas de diminuição da pobreza e da miséria material não encontravam respostas frente à crescente vulnera bilidade social e aos riscos aos quais os indivíduos estavam expostos Precisavase então esclarecer novos conceitos e abordagens que analisassem privações bemestar quali dade de vida e capacidades para entender o que estava acontecendo em determinados contextos e como estes poderiam ser melhorados É neste momento que os trabalhos do economista indiano Amartya Sen ganham visibilidade nos estudos sobre o desenvolvimento Na visão de Sen para pensar a equidade social é necessário inserir nos debates a questão da diversidade humana além de reconhecer os valores e as concepções de vida daqueles que seriam alvos dos projéteis de desenvolvimento O autor questiona as concepções de desenvolvimento restritas ao crescimento do Produto Interno Bruto e ao aumento das rendas pessoais ou de qualquer outra avaliação que tenha como critério único indicadores monetários A vida das pessoas é a finalidade última sendo a produção e a prosperidade meros meios para atingila O objetivo é a liberdade a fim de que os indivíduos não sofram privação de capacidades e estejam livres para viver do modo que preferirem ou seja a fim de que os indivíduos possam agir para ir ao encontro das mudanças a eles propiciadas de acordo com seus valores e objetivos Tal discurso está atrelado às oportunidades às capacidades de escolha e à liberdade de ação A situação hipotética que segue elucida as críticas elaboradas por Sen Imagine uma família A composta por três membros que possui renda per capita mensal de R 50000 reside no meio rural onde produz para o autoconsumo e dispõe de precário saneamento básico A família B é constituída de quatro membros possui ren da per capita mensal de R 50000 reside no meio urbano satisfaz suas necessidades alimentares unicamente mediante a compra dos alimentos e conta com excelente saneamento básico Já a família C é formada por quatro pessoas duas das quais apresentam graves problemas de saúde reside em imóvel alu gado e tem renda per capita mensal de R 90000 reais EAD 52 Por fim a família D é formada por cinco membros que gozam todos de excelente saúde reside em casa própria e tem renda per capita mensal de R 65000 reais Quem são os pobres Qual das famílias é a mais pobre Como avaliar tal hetero geneidade Estas são perguntas com as quais estudiosos dedicados à temática da pobre za desigualdade social qualidade de vida e bemestar vêm se defrontando a partir da Abordagem das Capacitações proposta por Amartya Sen VIDA E OBRA DE AMARTYA SEM Amartya Sen nasceu em 1933 na cidade de Santiniketan em Bengala Índia Filho de uma família de intelectuais e políticos Sen formouse em Economia no ano de 1953 na Universidade de Calcutá Aos 23 anos de idade foi indicado para fazer doutorado na Universidade de Cambridge e obteve o título em 1959 com um trabalho inédito sobre A escolha de técnicas sob a orientação do brilhante mas vigorosamente intolerante Joan Robinson um economista herdeiro da tradição keynesiana1 Além disso Sen estudou Filosofia durante quatro anos com foco na teoria da escolha social pela lógica matemá tica na filosofia moral e no estudo da desigualdade e privação Tendo ingressado na vida profissional Sen lecionou na Delhi School of Economics na London School of Economics na Universidade de Oxford e na Universidade de Har vard Em 2011 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra Também foi membro coordenador e presidente de diversas associações e grupos Asso ciação de Estudos do Desenvolvimento Sociedade Econométrica International Economic Association e Associação Indiana de Economia Foi Reitor da Universidade de Cambrid ge é também um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento Universidade da ONU Atualmente atua como Diretor Honorário do Centro de Estudos de Desenvolvimento Humano e Econômico da Universidade de Pequim e é membro da diretoria do Conselho do PrimeiroMinistro da Índia Sua bibliografia é bastante extensa cabendo destacar aqui apenas algumas de suas principais obras Choice of Techniques Escolha de técnicas tese de doutoramento 1960 On Economic Inequality Sobre a desigualdade econômica 1976 1 Sen era considerado um membro da sociedade secreta dos Apóstolos de Cambridge pois não concordava nem com economistas neoclássicos nem com os keynesianos mas transitava como poucos pelas duas vertentes EAD 53 Poverty and Famines An Essay on Entitlement and Deprivation Po breza e fomes um ensaio sobre direito e privação 1982 Inequality reexamined Desigualdade reexaminada 1982 Choice Welfare and Measurement Escolha bemestar e medição 1983 On Ethics and Economics Sobre Ética e Economia 1987 The Quality of Life A Qualidade de Vida com Martha Nussbaum 1993 Development as Freedom Desenvolvimento como Liberdade 1999 Freedom Rationality and Social Choice Liberdade racionalidade e escolha social 2000 The Idea of Justice A ideia de Justiça 2010 Peace and Democratic Society Paz e sociedade democrática 2011 No que tange às principais implicações do seu trabalho cumpre mencionar que em 1993 juntamente com Mahbudul Haq economista paquistanês Sen propôs o Ín dice de Desenvolvimento Humano IDH o qual vem sendo aplicado desde então pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD em seu relatório anual e se tornou uma das principais medidas comparativas de desenvolvimento utilizadas por inúmeras organizações em todo o mundo O IDH é composto de dados relativos à expectativa de vida ao nascer à educação e ao PIB per capita Ele possibilita comparar a situação de diferentes países regiões estados e municípios em dado momento ou em séries históricas com vistas a analisar os avanços ao longo do tempo A ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES Como se afirmou acima na Introdução a abordagem seniana deita um olhar novo sobre o desenvolvimento que não o estritamente econômico A noção de desenvolvi mento proposta por Amartya Sen sustenta que este somente pode ser alcançado quando os indivíduos dispõem dos meios pelos quais podem realizar os fins que almejam ultrapassando obstáculos preexistentes que condicionem ou restrinjam a liberdade de escolha Segundo o autor os benefícios do crescimento ampliam as capacidades huma nas o conjunto das coisas que as pessoas podem ser ou fazer na vida Quando se dá a expansão dessas capacidades as pessoas têm as condições necessárias para fazer suas escolhas e alcançar a vida que realmente desejam Sen 2000 p 10 define EAD 54 o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição enquanto agentes de sua própria mudança Em outras palavras a partir do momento em que as pessoas deixam de estar sub metidas à privação de suas capacidades podese estimular o desenvolvimento Nessa perspectiva a construção de capacidades busca melhorar a condição humana focalizan do a liberdade de ser e de fazer dos indivíduos ou seja de exercer ponderadamente suas condições enquanto agentes do processo de desenvolvimento Os saldos do desenvolvimento melhoram não somente a qualidade de vida como também as habilidades produtivas das pessoas e o crescimento econômico de base com partilhada Assim desviase o foco das ações voltado para os fins ou resultados materia lizados em variáveis como renda posse de bens ou capitais para privilegiar o aprimora mento dos meios e modos de que os indivíduos dispõem para lidar com as adversidades dos contextos em que vivem com os riscos sociais e as incertezas Para melhor elucidar tais ideias um dos pontos de partida da análise de Amartya Sen é a investigação da razão das fomes coletivas do porquê de as pessoas morrerem de fome Em suas conclusões o autor atribui esse fenômeno não à perspectiva malthusiana da escassez de alimentos mas às falhas nos intitulamentos ativos ou recursos compre endidos como pacotes de mercadorias sobre as quais uma pessoa pode ter controle é capaz de escolher consumir SEN 2001 p 235 Segundo o autor as pessoas passam fome quando não obtêm seu intitulamento sobre uma quantia adequada de alimentos o que não resulta necessariamente do declínio da disponibilidade de alimentos Algumas das piores fomes ocorreram sem declínio significativo da disponibilidade de alimentos por pessoa Argumenta Sen 1999 p 21 Se uma de cada oito pessoas tem regularmente carências ali mentares no mundo isso é considerado como resultado de sua incapacidade de adquirir direito a alimentos suficientes a questão da disponibilidade física dos alimentos não está di retamente envolvida O intitulamento do indivíduo ou da família de acordo com Sen 2000 depende de três fatores dotação possibilidades de produção e condições de troca A dotação referese à propriedade de recursos produtivos e de riqueza que a família possui e que têm preço no mercado Tratase geralmente da força de trabalho e da posse da terra As possibilidades de produção referemse à tecnologia ao conhecimento disponível e à capaci dade das pessoas para organizarem seus conhecimentos e desfrutarem deles EAD 55 As condições de troca por sua vez concernem ao potencial para vender e comprar bens e à determinação dos preços relativos de diferentes produtos Esses ativos ou re cursos também dependem da proteção de governos e organizações Assim ao invés de focar o declínio da disponibilidade de alimentos a abordagem dos intitulamentos con centrase na capacidade dos indivíduos para disporem dos alimentos através dos meios legais que lhes fornece a sociedade incluindo o recurso a possibilidades de produção a oportunidades comerciais e a direitos em relação ao Estado SEN 1999 2000 Há por conseguinte um aspecto central relacionado aos mecanismos redistributivos os quais se fundamentam nas discussões senianas sobre equidade social Na evolução do pensamento de Sen esta análise da fome centrada nos intitula mentos que também pode ser aplicada à pobreza será instrumental e dará origem à abordagem das capacitações Para conceituar a abordagem será necessário apresentar previamente outro conceito relevante o de funcionamentos Estes refletem o conjunto de coisas que uma pessoa pode considerar indispensável fazer ou ter Podem ser desde as coisas mais elementares como estar adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis até as mais complexas como participar da vida comunitária e ter respeito próprio As sim de acordo com Sen 2000 p 95 capacidade diz respeito às várias combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela Em outras palavras A quantidade ou grau de cada funcionamento usufruído por uma pessoa pode ser representada por um número real e quando isso é feito a realização efetiva da pessoa pode ser vista como um vetor de funcionamento O conjunto capacitá rio consistiria nos vetores de funcionamentos alternativos dentre os quais a pessoa pode escolher Enquanto a combi nação de funcionamento de uma pessoa reflete suas realizações efetivas o conjunto capacitário representa a liberdade para re alizar as combinações alternativas de funcionamentos dentre as quais a pessoa pode escolher p 95 Grifos do autor Sen 2010 destaca ainda a importância das liberdades instrumentais para o desen volvimento como liberdade e as categoriza em cinco tipos SEN 1999 p 5657 a liberdades políticas dizem respeito às decisões de escolha de representantes políticos em consonância com seus princípios pessoais e de acordo com seus direitos democráticos b facilidades econômicas são oportunidades de se utilizarem os recursos econômicos para consumo produção ou troca c oportunidades sociais são as possibilidades que a sociedade oferece aos indivíduos para que estes possam viver melhor d garantia de transparência está atrelada à confiança entre as pessoas e e segurança protetora oferece a segurança social impedindo que a população afetada seja reduzida a miséria abjeta EAD 56 PRINCIPAIS CONCEITOS APRESENTADOS POR AMARTYA SEN INTITULAMENTOS MEIOS são os condicionantes ou ativos que carac terizam recursos que os indivíduos possuem Liberdades políticas direitos civis liberdade de expressão de voto direito de escolha informativa etc Facilidades econômicas consumo condições de troca renda riqueza Oportunidades sociais educação saúde emprego com foco na vida pri vada Garantias de transparência relações de confiança institucional ou indi vidual Segurança protetora rede de segurança social habitação saneamento aposentadoria transporte etc FUNCIONAMENTOS FINS realizações são os resultados das várias combinações de intitulamentos repercutindo então na liberdade que uma pessoa tem para levar a vida da forma que deseja Exemplos estar bem nutrido livre de doenças ter boa saúde ter um bom emprego etc ou conquistas mais complexas como ter respeito próprio ser feliz fazer parte da vida da comunidade etc São consecutivos ao estado being de uma pessoa e uma avaliação do bem estar tem de assumir a forma de uma apreciação desses elementos constituintes Elaborado pelos autores Nessa perspectiva desenvolvimento humano passa a ser concebido como expansão das capacidades e sua avaliação tem como foco a liberdade uma vez que a capacidade reflete a liberdade pessoal de escolher entre vários modos de viver SEN 1993 p 318 Logo o desenvolvimento pode ser alcançado à medida que diante de um leque de oportunidades os indivíduos têm a liberdade e a capacidade de escolha para alcançarem os fins que almejam A liberdade que era acima de tudo na obra de Sen um critério de avaliação passa a ser posteriormente uma definição e o desenvolvimento é compreendido como liber dade mais precisamente liberdade de escolha SEN 2000 Liberdade constitui então um valor intrínseco e instrumental intrínseco na medida em que é tido como objetivo primordial do desenvolvimento como fim e como direito instrumental uma vez que se EAD 57 relaciona ao modo como diferentes tipos de liberdade se ligam entre si contribuindo para promover outros tipos de liberdades e a liberdade humana em geral Neste ponto os indivíduos são agentes de mudança e não receptores passivos de benefícios Dependem das oportunidades sociais políticas e econômicas e a liberdade individual é considerada como um comprometimento social O motor do desenvolvi mento é essa condição de agente que contribui para fortalecer outros tipos de condi ções O que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômi cas liberdades políticas poderes sociais e condições habilitadoras tais como boa saúde educação básica e incentivo ao aperfeiçoamento de iniciativas DIVERSIDADE HUMANA EQUIDADE E DESIGUALDADE Um debate importante na abordagem de Sen com consequências de monta para a avaliação do desenvolvimento e da pobreza diz respeito à diversidade humana Existem segundo o autor 2000 cinco tipos de fontes de diversidade entre os seres humanos que interferem na conversão de recursos em capacitações quais sejam a heteroge neidades pessoais sexo idade limitações físicas etc b diversidades ambientais c variações no clima social saúde pública educação violência etc d diferenças de perspectivas relativas convenções e costumes entre comunidades e e distribuição dentro da família entre os sexos as idades ou as necessidades percebidas Como nesta diversidade considerar a igualdade Equidade em termos de uma variável renda por exemplo pode conduzir à desigualdade em outro espaço potencial para realizar fun cionamentos ou obter o bemestar De acordo com Sen 2001 p 30 as exigências de igualdade substantivas podem ser especialmente rigorosas e complexas quando existe uma boa dose anterior de desigualdade a ser enfrentada Faz sentido então falar de igualdade levandose em conta a diversidade humana Sim desde que as demandas de equidade se ajustem à existência de uma diversidade humana generalizada A avaliação e a medição da desigualdade são inteiramente dependentes da variável focal A diversidade acima apontada é difícil de ser ajustada à avaliação da desigualdade e por essa razão as variáveis usuais se concentram na renda e na riqueza Contudo a desigualdade real de oportunidades com que as pessoas se defrontam não pode ser re duzida à desigualdade de rendas pois o que podemos ou não fazer podemos ou não realizar não depende somente das rendas mas também da variedade de características físicas e sociais que afetam nossas vidas e fazem de nós o que somos SEN 2001 p 60 Portanto a escolha do espaço liberdades direitos utilidades rendas bens pri mários etc é crucial para a avaliação da desigualdade Como então considerar a igualdade Igualdade de quê EAD 58 A equidade segundo Sen deve ser buscada no espaço da liberdade Assim se ex pressa o autor 2001 p 34 a capacidade de uma pessoa para realizar funcionamen tos que ela tem razão para valorizar fornece uma abordagem geral à avaliação de ordenamentos sociais e isto produz uma maneira singular de ver a avaliação da igualdade e da desi gualdade O sentido da igualdade é a equidade de liberdade que as pessoas têm e é nesta que a desigualdade deve ser analisada Assim sendo o desenvolvimento e a possibilidade de igualdade em termos de equidade de liberdade estão estreitamente relacionados às liberdades sociais civis e políticas que os indivíduos usufruem em suas vidas Ou seja o desenvolvimento e a igualdade também dependem do respeito aos direitos humanos e políticos Ao mesmo tempo a existência de iniquidades requer que se tratem de maneira dis tinta os desiguais Expor por exemplo diferentes agricultores às mesmas condições de mercado e políticas públicas significaria reproduzir elementos da desigualdade acesso à terra ao crédito e aos canais de comercialização por exemplo que comprometem a reprodução de inúmeros grupos e unidades de produção no meio rural O desafio consiste pelo contrário em garantir o acesso aos meios a fim de que esses agricultores tenham condições de constituir o tipo de vida que julguem relevantes mantendo os aspectos essenciais materiais e simbólicos que definem sua identidade social a qual é necessariamente diversa da de outros grupos O risco das abordagens economicistas é reduzir essa diversidade e a desigualda de a uma questão meramente produtiva com foco na mensuração da produção e da renda Ao longo do tempo tal tendência levou as práticas políticas de modernização da agricultura a uma tentativa de homogeneização não apenas dos sistemas de cultivo e criação mas do conjunto das características que definem o mundo rural sempre tomando por base um ideal modernoindustrial frequentemente inadequado às ex pectativas de vida de inúmeros agricultores e grupos sociais sobretudo das chamadas comunidades tradicionais A ANÁLISE DA POBREZA Na análise de Amartya Sen a pobreza deve ser compreendida como privação de capacidades básicas e não como baixo nível de renda tido como critério tradicional de avaliação O autor 2000 aponta três argumentos em favor desta compreensão EAD 59 a tal abordagem concentrase em privações que são intrin secamente importantes ao passo que a renda é apenas instru mentalmente relevante b há outras influências sobre a privação de capacidades e portanto sobre a pobreza além da insuficiência de renda c a relação instrumental entre renda e capacidade é variável entre comunidades famílias e indivíduos em decorrência da diversidade humana ou seja o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional Sen 1999 também estima ser relevante entender a pobreza como privação relativa ou absoluta A pobreza relativa envolve condições de privações e sentimentos de privações Priva ção relativa é uma expressão da desigualdade todavia nem pobreza nem desigualdade podem realmente ser incluídas no império uma da outra p 32 Por exemplo uma transferência de rendimento de um indivíduo do topo para outro do estrato interme diário da pirâmide social deve reduzir a desigualdade mas pode deixar pouco afetada a percepção da pobreza Por outro lado um declínio geral do rendimento pode manter a desigualdade inalterada mas acentua sensivelmente a pobreza a carência alimentar e a desnutrição No que concerne às condições de privações a pobreza relativa diz respeito a situações em que indivíduos possuem um atributo desejado rendimento condições ou capaci dades de emprego favoráveis etc a menos do que outros No entanto as condições de privações não podem estar desvinculadas de sentimentos de privações conforme argumenta Sen 1999 p 33 os objetos materiais não podem ser vistos neste conexto sem referência à maneira como as pessoas os veem e mesmo que os sentimentos não sejam explicitamente introduzidos eles devem ter um papel implícito na seleção de atributos Grifos do autor Devese observar o estilo de vida que é valorizado e partilhado em determinada sociedade e identificar um limite abaixo do qual os indivíduos ou as famílias avaliem ser cada vez mais difícil participar nos costumes e atividades que esse estilo de vida compre ende Sen 1999 exemplifica este ponto referindose à observação de Adam Smith de que um trabalhador na Europa ficaria envergonhado de aparecer em público sem vestir uma camisa de linho ao passo que os gregos e romanos não sentiriam tal desconforto A falta de camisa de linho e de sapatos denotaria a condição de pobreza acentuada do indivíduo EAD 60 Mas a pobreza relativa não deve ser a única a ser considerada no conceito de po breza Ela é complementar à privação absoluta que se relaciona com padrões mínimos de existência humana tais como as necessidades básicas Estas sofrem variações de acordo com as características físicas climáticas hábitos de trabalho etc o que determina ne cessidades nutricionais distintas para diferentes grupos Há diversos fatores que pesam neste tipo de determinação A tradução de necessidades nutricionais mínimas em ne cessidades mínimas de alimentos de custo mínimo pode não levar em conta os hábitos alimentares Geralmente assumese que será gasto em alimentação uma parte específica do rendimento esta proporção no entanto varia de acordo com os hábitos de consu mo a cultura e os preços relativos e não é fácil especificar as necessidades mínimas para produtos não alimentares Mesmo assim como aponta Sen 1999 embora vaga e necessitando de reformulações a noção de necessidades básicas continua relevante Uma fome por exemplo será prontamente aceite como um caso de pobreza aguda independentemente do que for o pa drão relativo dentro da sociedade Na verdade há um núcleo irredutível de privação absoluta na nossa ideia de pobreza que traduz informações de carência alimentar desnutrição e dificuldades visíveis num diagnóstico de pobreza sem ter de verificar primeiro a imagem relativa p 34 Segundo essa abordagem a superação ou minimização da pobreza está relacionada à expansão das capacidades básicas de um indivíduo ou seja das liberdades substantivas para que ele possa levar o tipo de vida que tem motivo para valorizar Destarte a pobreza não é vista apenas como uma mensuração negativa a falta de de um indicador obje tivo como a renda mas como uma situação que também envolve critérios subjetivos e sentimentais relacionados à cultura e aos hábitos das sociedades nas quais os indivíduos se encontram inseridos e dos quais se valem para determinar os modos de vida que consideram mais apropriados CONSIDERAÇÕES FINAIS As principais contribuições de Amartya Sen estão relacionadas não somente à introdução do tema da diversidade humana no debate concernente à equidade social e ao desenvolvimento mas também e sobretudo à mudança de foco no estudo do desen volvimento e na avaliação da pobreza concentrandose nos fins e não apenas nos meios Resultados importantes sobre a compreensão do desenvolvimento da desigualda de e da pobreza foram colhidos com base na obra de Amartya Sen O mais significativo é o Índice de Desenvolvimento Humano IDH No Brasil muitos autores entre os EAD 61 quais Kageyama e Hoffmann 2006 Mattos 2006 Garcia 2003 Comim e Bagolin 2002 entre outros enveredaram por esta discussão buscando por exemplo men surar a pobreza com base nas capacidades Tratase de uma abordagem que tem con quistado crescente adesão em diferentes campos acadêmicos e políticoinstitucionais em todo o mundo não obstante suas dificuldades de operacionalização e as críticas de que possa ser alvo Levando em conta a definição de pobreza sugerida por Sen e o fato de que a avaliação das capacidades também incide sobre os fins sugerese operacionalizar essa abordagem através de estudos participativos que permitam aos pesquisadores avaliar a pobreza de acordo com a percepção dos próprios pobres Tal opção porém tem topado com resistências e a crítica mais recorrente endereçada a esses estudos aponta as limita ções que têm os pobres para reconhecerem que a falta de capacitações entre as quais a falta de capacitação para entender a própria pobreza é parte constituinte do ser pobre É por isso que alguns autores entendem que a abordagem de Sen é mais adequa da para estratos que vão da linha da pobreza para cima porque abaixo dessa linha se encontram as necessidades básicas determinantes das capacidades Neste caso o pleno exercício das capacidades pode estar comprometido pelo insuficiente atendimento das necessidades básicas Por outro lado a réplica deste debate está sujeita a um questiona mento não menos convincente sobre a efetiva possibilidade de colocarse o pesquisador na situação de pobreza com vistas a definir ele mesmo os aspectos relevantes que com põem as condições de vida das pessoas Infelizmente não há uma solução conciliatória simples nesta discussão Por fim outra crítica relevante dirigida à abordagem seniana diz respeito à indi vidualização das trajetórias sociais o foco nos indivíduos o que dificulta a análise das assimetrias de poder que estão na base da não liberdade dos sujeitos OLIVEIRA 2007 Como um dos signatários dessa crítica Evans 2002 propõe focalizar as capaci dades coletivas Estas teriam melhores condições para enfrentar as restrições de poder que limitam as liberdades dos indivíduos Segundo este autor as possibilidades de o indiví duo agir de acordo com as razões que ele tem para valorizar algo aumentam à medida que ele se vincula a coletividades movimentos sociais por exemplo que têm razões para valorizar coisas similares Superar as restrições à liberdade e por conseguinte ao desenvolvimento não constituiria portanto uma ação individual EAD 62 REFERÊNCIAS COMIM Flávio Vasconcellos BAGOLIN Izete Pengo Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande do Sul Ensaios FEE Porto Alegre v 23 Número Especial p 467490 2002 EVANS Peter Collective capabilities culture and Amartya Sens development as freedom Studies in Com parative International Development Cham v 37 n 2 p 5460 Summer 2002 GARCIA Ronaldo Coutinho Iniquidade social no Brasil uma aproximação e uma tentativa de dimensio namento Texto para Discussão n 971 Brasília IPEA ago 2003 KAGEYAMA Angela HOFFMANN Rodolfo Pobreza no Brasil uma perspectiva multidimensional Eco nomia e Sociedade Campinas v 15 n 1 p 79112 janjun 2006 MATTOS Ely José de Pobreza rural no Brasil um enfoque comparativo entre a abordagem monetária e a abordagem das capacitações Dissertação Mestrado em Desenvolvimento Rural Faculdade de Econo mia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2006 OLIVEIRA Valter Lúcio de Liberdade e Poder em Amartya Sen uma leitura crítica Desenvolvimento em Questão Ed UNIJUÍ v 5 n 9 p 931 janjun 2007 SEN Amartya O desenvolvimento como expansão das capacidades Lua Nova São Paulo n 2829 p 313333 abr 1993 Pobreza e fomes um ensaio sobre direitos e privações Lisboa Terramar 1999 Desenvolvimento como Liberdade São Paulo Companhia das Letras 2000 Desigualdade reexaminada Rio de Janeiro Record 2001 EAD 63 Capítulo 6 DESENVOLVIMENTO TEORIA EVOLUCIONÁRIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL Paulo André Niederle Dieisson Pivoto Dércio Bernardes de Souza INTRODUÇÃO O objetivo deste capítulo é analisar a conformação do evolucionismo enquan to corrente teórica que empresta um conjunto específico de conceitos e métodos de análise à economia do desenvolvimento Ao mesmo tempo focaliza as interfaces es tabelecidas entre essa corrente e o institucionalismo apontando alguns elementos de convergência no que tange ao papel das instituições no processo de desenvolvimento Inicialmente o texto apresenta as origens teóricas do evolucionismo destacando as principais divergências dessa corrente com a economia neoclássica Em seguida discute alguns conceitoschave tais como trajetórias rotinas dependência de caminho apren dizagem coletiva e paradigma tecnológico A última seção destaca as contribuições do evolucionismo para uma teoria do desenvolvimento Antes de apresentar as origens da teoria evolucionária é necessário contudo aler tar para as dificuldades de uma caracterização rígida dessa corrente em razão da ampla variedade de formulações teóricas que podem ser identificadas como tais e que segundo Hodgson 2001 tornam impossível encontrar uma proposição única e coerente Ou seja não existe consenso sobre qual deve ser o significado do termo economia evolucionista ou evolucionária O que pode ser constatado no entanto é o reconhecimento de uma profusão de abordagens alternativas para a economiapadrão as quais buscam analisar os fenômenos econômicos enquanto sistemas abertos que evoluem com uma tempora lidade histórica e irreversível EAD 64 A unidade da economia evolucionária situase portanto na análise das mudanças econômicas principalmente de longo prazo associadas a dois mecanismos interre lacionados a geração e a seleção de variedade institucional De acordo com Dosi et al 1988 o que define essa abordagem é o foco nas propriedades dinâmicas dos sistemas econômicos guiados por processos de aprendizagem A teoria evolucionária segundo os autores abarca três elementos principais a microfundamentos de um agente com ra cionalidade limitada b a suposição de que as interações econômicas ocorram fora do equilíbrio e c a noção de que as instituições incluindo os mercados atuam como mecanismos de seleção entre agentes e tecnologias heterogêneas Como se verá adiante esses elementos põem em xeque pressupostos básicos da economiapadrão racionali dade equilíbrio e homogeneidade AS ORIGENS DA TEORIA EVOLUCIONÁRIA O evolucionismo tem diferentes origens e desdobramentos analíticos Hodgson 2001 identifica seis grupos ou vertentes quais sejam 1 os institucionalistas que se firmaram a partir da tradição de Thorstein Ve blen e John Commons e que atualmente podem ser reunidos na Association for Evolutionary Economics 2 os autores neoschumpeterianos que analisam a transformação capitalista como um processo evolutivo e que estão articulados em torno do Jour nal of Evolutionary Economics 3 os seguidores da escola austríaca que enfatizam a natureza mutável e im previsível dos processos de mercado Friedrich Hayek 4 os escritos de autores clássicos como Adam Smith Karl Marx e Alfred Marshall que podem ser qualificados como sendo de índole evolucio nista 5 as teorias heterodoxas do comportamento do agente econômico como aquelas desenvolvidas por Herbert Simon acerca da racionalidade limi tada e procedural além de elementos da teoria organizacional de Ronald Coase e 6 as formulações associadas à moderna física quântica e às teorias da com plexidade e dos sistemas Luc Bertalanffy Em virtude do caráter introdutório do presente livro nossa preocupação funda mental na sequência recai sobre um conjunto preciso de autores que pioneiramente reivindicaram a economia evolucionária como disciplina específica das ciências sociais EAD 65 Foi a partir de 1982 com a publicação de Uma teoria evolucionária da mudança econômica de Richard Nelson e Sidney Winter que o termo se difundiu e começou a constituir uma nova vertente analítica embora longe de se enquadrar em um corpo teórico unificado Tais estudos se intensificaram rapidamente na década seguinte relacionados sobretudo a questões de inovação e transformação tecnológica com uma interface muito próxima das formulações de Schumpeter vide supra cap 2 A rigor a afinidade entre as análises contemporâneas e aquelas originalmente desenvolvidas por Schumpeter foi tão marcan te que Nelson e Winter chegaram até a se autoproclamar autores neoschumpeterianos Antes de tratar deste vínculo com a economia schumpeteriana o qual na verdade não é tão inequívoco quanto aparenta cabe destacar alguns elementos da biologia que para fazer justiça a essa disciplina inspiram a maior parte das reflexões da economia evolucionista Contrariamente à abordagem convencional da economia cujo modelo de equilíbrio se edifica sobre os alicerces rígidos da física e da mecânica clássicas a teoria evolucionista constrói parte considerável da sua abordagem sobre metáforas biológi cas Com efeito são a teoria da evolução das espécies e o comportamento dinâmico dos sistemas biológicos que vivificam a imagem sobre a qual se assenta essa corrente HODGSON 2001 Dentre os clássicos Veblen 1965 talvez tenha sido o primeiro a incorporar ideias darwinianas tais como variedade herança e seleção no estudo da evolução econômi ca No entanto ele mesmo ressalta que são impróprias as explicações que se esteiam unicamente na biologia O comportamento humano no dizer do autor não pode ser explicado estritamente com base na herança genética O uso desse tipo de metáfora biológica revelouse porém particularmente útil para demarcar as diferenças entre o evolucionismo e a economia neoclássica sobretudo por realçar aspectos como a irrever sibilidade e as mudanças qualitativas nos sistemas econômicos a exemplo do que ocorre nos sistemas orgânicos No que tange à teoria da evolução das espécies esta foi utilizada para demonstrar e justificar as trajetórias históricas de desenvolvimento que envolvem processos de seleção e adaptação mas também a herança e a irreversibilidade que se manifestam nos fenôme nos sociais Aqui apontam contudo algumas diferenças de monta entre os fenômenos biológicos e os fenômenos sociais ratificando o alerta de Veblen Na perspectiva da eco nomia evolucionista a seleção é realizada pela concorrência no âmbito dos mercados e a sobrevivência das empresas e dos países está condicionada à sua capacidade de ino var mediante a alteração de padrões tecnológicos e institucionais preestabelecidos a fim de se adequarem melhor às condições do ambiente concorrencial Diferentemente do que ocorre na biologia onde esse processo é aleatório na economia os agentes podem antecipar as mudanças dos contextos de modo que frequentemente as transformações econômicas são o resultado de processos intencionais Cabe à aprendizagem um papel EAD 66 de destaque na evolução econômica Por isso a economia atribui uma responsabilidade particular às capacidades dos indivíduos e organizações para criarem condições que per mitam romper com as tendências hereditárias dos fenômenos sociais Além disso na visão do evolucionismo os fenômenos econômicos devem ser es tudados a partir da ideia de sistemas abertos e complexos onde os elementos internos às firmas interagem necessariamente com um contexto mais amplo que compreende outros agentes e organizações A ideia de sistema aberto extraída de autores como Ber talanffy 1973 leva em conta o fato de que o estudo de tais fenômenos não pode ser realizado partindo do simples somatório das partes isoladas como faz a economia con vencional mas deve considerar as interações entre essas partes Assim sendo a econo mia evolucionista recusase a reconhecer a um indivíduo isolado hiperracional e maxi mizador a capacidade de definir o curso dos processos sociais Ao contrário embora os primeiros estudos busquem manter um vínculo com o individualismo metodológico o foco no agente econômico é na interação com sistemas abertos que se apoia se gundo essa corrente a construção do mundo social Aqui é evidente a proximidade em que se encontra a economia evolucionista tanto da Teoria da Complexidade de Fritjof Capra quanto da moderna física quântica de Ilya Prigogine as quais também superam os preceitos ontológicos dos modelos de equilíbrio que fundamentaram essas disciplinas no passado e que ainda hoje sustentam a economiapadrão UMA VIRADA INSTITUCIONALISTA Ao se distanciar de uma abordagem totalmente centrada no indivíduo a econo mia evolucionária gerou um problema metodológico particularmente grave Uma das virtudes da teoriapadrão é que seu modelo permite atribuir tudo ao comportamento do agente econômico maximizador de modo que toda e qualquer explicação tem um fundamento microssociológico que está associado à sobrevalorização das preferências individuais embora essas preferências não tenham fundamento algum A economia evo lucionária ao contrário precisa definir outro tipo de unidade básica de análise a qual logre dar conta dos elementos de conexão entre os indivíduos Em outras palavras está no ar uma discussão a respeito do que afinal constitui a sociedade pois não são os indivíduos isolados mas as diferentes maneiras como eles interagem que conformam as empresas os países e a sociedade como um todo coeso Assim superando posturas individualistas e holistas que dão preferência às partes ou ao todo a economia evolu cionária procura construir um arcabouço que lhes permita analisar como os indivíduos se constituem e se condicionam mutuamente sem conceder prioridade a nenhum deles Para tanto a unidade de análise privilegiada da economia evolucionária passam a ser as instituições enquanto detentoras de recursos discursivos e normativos que EAD 67 permitem aos indivíduos organizar a vida social e econômica São as instituições que definem o formato a fronteira e o comportamento das empresas das nações e de qual quer outro agrupamento humano É nesse sentido que a economia evolucionária assume também uma perspectiva institucionalista e acolhe a contribuição fundamental do insti tucionalismo histórico de Thorstein Veblen e John Commons bem como determinados conceitos de vertentes mais contemporâneas da nova economia institucional de Oliver Williamson 2012 e de Douglas North 1991 e do neoinstitucionalismo histórico de Geoffrey Hodgson 2001 No entanto esta virada institucionalista representa ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza da economia evolucionária Uma força na medida em que consegue encon trar uma unidade de análise específica que possibilita superar o individualismo metodo lógico e uma fraqueza na medida em que tudo o que esta unidade de análise não tem é unidade Em outras palavras a profusão de abordagens evolucionistas e institucio nalistas redundou em uma enorme dificuldade para se caracterizarem com precisão as instituições Admitese geralmente que as instituições abarcam desde quadros normativos mais formalizados leis regulamentos regras padrões até aqueles mais informais que se perpetuam pelo conhecimento tático hábitos convenções formas de conduta mas afora isso ainda existe uma dificuldade manifesta para se compreender como exata mente as diferentes instituições contribuem à formatação dos processos sociais Isso reduz consideravelmente as possibilidades de modelização e quantificação que tornam a economia convencional tão atrativa A economia evolucionária por seu turno desenvolve teorias apreciativas que nor malmente expressas de forma discursiva buscam dar conta da complexidade qualitativa das situações empíricas estudadas Assim ao invés de modelos únicos universalmen te adotados prefere formulações adequadas à variedade dos contextos institucionais e tecnológicos Não é em vão que ela está na origem de formulações recentes que se constituem em torno da ideia de variedades de capitalismo HALL SOSKICE 2001 Em face dessa dificuldade metodológica muitos teóricos evolucionários reconhe cem o papel primeiro das instituições mas concentram suas análises em outros aspec tos em particular na discussão sobre padrões tecnológicos e inovação As pesquisas em píricas passam a enfocar sobretudo as mudanças tecnológicas devidas ao enraizamento institucional dos fenômenos econômicos Como se afirmou acima de acordo com os autores mencionados uma concepção adequada da evolução econômica precisa analisar o papel da inovação Para tanto é mis ter atentar para a transformação das estruturas socioeconômicas e para o surgimento e a disseminação de inovações e teorizar focalizando um sistema aberto com múltiplas interações Isso significa endogeneizar o progresso tecnológico no modelo econômico EAD 68 uma dificuldade premente da economia neoclássica No modelo evolucionário os pa drões tecnológicos com as rotinas e as irreversibilidades que eles apresentam são equiparados às instituições pelo menos no que diz respeito à capacidade desses padrões para condicionarem as relações sociais Em outras palavras a economia evolucionária desenvolveu a compreensão de que o papel das rotinas e trajetórias tecnológicas se aproxima daquele atribuído por algumas vertentes institucionalistas às normas regras e leis qual seja criar mundos estáveis FLIGSTEIN 2001 onde os agentes possam estabelecer mecanismos de cooperação e competição Os fatores tecnológicos e institucionais introduzem elementos de co erência e ordem nas condutas dos agentes Como afirma a teoria dos sistemas estes não se movem em direção a nenhum equilíbrio mas a estados estacionários ou estáveis BERTALANFFY 1973 A economia evolucionária entende que para um paradig ma tecnológico estabelecido e para o arranjo institucional a ele associado não existe apenas um ponto de equilíbrio mas uma variedade ainda que limitada de sequências de equilíbrios evolucionários estáveis As empresas por sua vez não operam com a função única de produção mas em um contexto específico que as coloca frente a um conjunto de possíveis combinações tecnológicas e institucionais Cabe destacar uma sutil diferença entre o evolucionismo e a teoria schumpeteriana original Schumpeter 1997 enfatiza reiteradamente que as fontes da mudança provêm do interior do sistema O desenvolvimento decorreria da introdução de inovações pelos empresários inovadores ou seja de novas formas de combinar os meios de produção disponíveis para induzir um processo de destruição criadora no interior do próprio sistema vide supra cap 2 Já o evolucionismo mesmo reconhecendo as mudanças fun damentais que ocorrem no seio dos sistemas econômicos prefere lidar com sistemas abertos destacando igualmente os condicionantes externos políticos sociais tecnoló gicos que interagem com os fatores econômicos e determinam sua mudança Nesse sentido podese afirmar que a exemplo de uma nova geração de pesquisas sobre o comportamento das firmas e organizações derivada de Herbet Simon e Ronald Coase a economia evolucionária revela uma preocupação evidente com a compreensão do ambiente externo em que atuam as organizações Mas além disso professa uma compreensão diferenciada da própria natureza da firma a qual não é um ente indivisível nem se comporta de maneira a maximizar seu lucro como quer a economia conven cional mas busca cumprir objetivos ou metas Detenhamonos um pouco neste ponto Apesar de manter o foco no sistema e nas interações dinâmicas entre seus compo nentes a economia evolucionaria não retira da análise a firma mas lhe confere um novo conteúdo rompendo com a posição ultraindividualista da economia neoclássica A firma é concebida como o centro do processo de acumulação tecnológica no interior do qual se criam rotinas e estruturas de comportamento que conduzem a esquemas repeti EAD 69 tivos institucionalizados de atividades ou seja trajetórias Isso institui uma memória organizacional que orienta os processos de decisão os quais por conseguinte não se desenvolvem visando à maximização mas partindo do leque de mudanças possíveis face à força das normas e rotinas que provocam algum grau de inércia no comportamento econômico o que é chamado de dependência de caminho path dependence Por outro lado as firmas desenvolvem processos de aprendizagem cumulativa que requerem códigos comuns e procedimentos coordenados os quais via de regra são reproduzidos como conhecimentos tácitos As firmas convertemse em organizações complexas subsistemas que se movem em busca de soluções e dentro das quais exis tem instituições que garantem coesão interna FLIGSTEIN 2001 Cabe salientar que tais organizações comportam conflitos em seu interior de modo que a institucionaliza ção de regras padrões e rotinas serve também para lhes assegurar estabilidade interna A inovação pode ocorrer também em decorrência de mudanças políticas no interior das firmas com reflexos observáveis através de seu posicionamento no mercado Para a firma que poderia ser equiparada a uma unidade de produção se adaptar e sobreviver aos processos de seleção do mercado ela precisa evoluir de acordo com as características do contexto institucional e tecnológico em que está inserida Cumpre lembrar que nem sempre isso significa a adoção de tecnologias de ponta uma vez que o paradigma tecnológico vigente pode condicionála a adotar outro tipo de inovação O mercado enquanto meio de seleção pode produzir ineficiências na medida em que estabelece trajetórias dependentes que coagem as unidades de produção a seguirem determinados padrões menos produtivos e eficientes O caso clássico é o do padrão QWERTY dos teclados reconhecidamente menos eficientes que outros formatos que não foram adotados em razão do alto grau de irreversibilidade dos processos envolvidos Ademais face à pluralidade de contextos institucionais fazse mister levar em conta o papel central do Estado e das políticas públicas enquanto dispositivos que servem tanto para consolidar quanto para alterar os padrões tecnológicos e institucionais A sobrevivência da unidade de produção está portanto relacionada à sua habilida de em aprender como alterar suas rotinas de ação em vista de dado contexto institucio nal A unidade optará por aquelas praxes e regras de decisão que lhe propiciarem atingir suas metas tais como por exemplo obter certa taxa de lucro assegurar certa parcela de mercado manter a família nas atividades de gestão A partir do momento em que isso deixar de ocorrer as rotinas e regras terão que ser mudadas o que depende da capacida de de assimilar novos comportamentos A unidade não pode se limitar a processar infor mações já disponíveis em seu ambiente mas deve também produzir conhecimentos que podem ser tácitos ou explícitos Ao agir assim estará recriando o seu próprio ambiente Neste processo ao contrário do que postula a teoria econômica padrão as escolhas feitas pelas unidades de produção podem envolver erros sistemáticos decorrentes do EAD 70 fato de tais escolhas serem feitas em um contexto de incerteza Por um lado a incerteza pode ser devida à ausência de parte das informações necessárias para a tomada de deci são Por outro a insegurança pode provir da capacidade cognitiva limitada dos agentes sociais isto é dos limites de sua capacidade de reconhecer e interpretar corretamente as informações disponíveis É exatamente em resposta a esta incerteza que os agentes são levados a adotar rotinas e regras de decisão estáveis para orientar suas ações o que alguns autores traduziram como aversão ao risco Tornase manifesto o papel do erro humano na geração de mudanças e nas trajetórias de inovação TEORIA EVOLUCIONÁRIA E DESENVOLVIMENTO Nos termos em que opera o debate já está evidente a importância que o evolu cionismo confere à mudança tecnológica e institucional para o processo de desen volvimento De acordo com Saviotti e Metcalfe 1991 para essa vertente teórica o desenvolvimento econômico consiste na adição ao sistema de elementos institucionais e tecnológicos qualitativamente diferentes daqueles que o compunham anteriormente o que explica o forte vínculo com Schumpeter Há neste ponto uma analogia biológica com a emergência de novas espécies e com a extinção de espécies mais antigas Assim sendo explanarseá na sequência como a economia evolucionista concebe a mudança tecnológica sempre conectada ao contexto institucional e qual é seu papel na dinâ mica do desenvolvimento capitalista Ao contrário do que se verifica na economia neoclássica onde a informação é ex plícita articulada imitável codificável e perfeitamente transmissível para a economia evolucionista a mudança tecnológica envolve assimetrias informacionais apropriabili dade de conhecimentos indivisibilidade e reprodutibilidade Ademais de modo geral os autores evolucionistas sublinham uma diferença importante entre informação e conhe cimento este incluindo categorias cognoscitivas códigos de interpretação e habilidades técnicas e heurísticas de resolução dos problemas Observase aqui uma divergência apreciável em relação à Nova Economia Institu cional NEI de Williamson 2012 enquanto esta focaliza as assimetrias de informação que geram falhas de mercado a economia evolucionária destaca que não obstante as assimetrias informacionais a mesma informação pode ser diferentemente percebida pelos agentes em função de distintos contextos institucionais e habilidades cognitivas valores representações visões de mundo A rigor isso faz com que no caso do co nhecimento as falhas de mercado sejam a regra e não a exceção ou seja não se trata de falhas Outro aspecto de diferenciação tanto em relação à economia neoclássica quanto em relação à NEI é o peso que as abordagens evolucionistas atribuem ao conhecimento EAD 71 tácito não codificável reproduzido por meio de processos de aprendizagem coletiva e cumulativa Inferese daí que o processo inovador se configura altamente dependente de trajetórias constituídas que o tornam na maioria das vezes cumulativo localizado e não formalizado via aprender fazendo Isso não significa contudo que os resultados do processo de inovação sejam plenamente conhecidos haja vista a quantidade de eventos não previstos as incertezas que conferem ao processo alto grau de imprevisibilidade Por fim uma discrepância em relação ao próprio Schumpeter diz respeito à dis tinção que este propõe entre invenção inovação e difusão Opondose a tal distinção a teoria evolucionista trata os três atos como inseparáveis encarando o progresso tecnoló gico como um processo contínuo em que revoluções ou mudanças abruptas constituem uma possibilidade mas não necessariamente a regra Isto posto fazse mister abordar a noção de paradigma tecnológico Este con ceito busca dar conta da existência em cada sociedade e situação histórica de um re gime sociotécnico dominante que modela e restringe o ritmo e a direção das mudanças tecnológicas estabelecendo um caminho com alto grau de irreversibilidade a exemplo do que ocorreu com o paradigma da Revolução Verde para a agricultura na década de 1970 Assim como Thomas Kuhn 1975 a teoria evolucionária interpreta o possível despontar de novos paradigmas como decorrente da crise do antigo paradigma o qual encontra dificuldades crescentes de se reproduzir face ao surgimento de novas institui ções e tecnologias Os paradigmas tecnológicos definem ciclos de crescimento de longo prazo que Schumpeter analisou em termos de ondas longas seguindo o postulado inicial de Kondratieff A ideia básica é de que a mudança de um paradigma procede de mudanças tecnológicas articuladas à reestruturação institucional as quais estendem seus efeitos para além de produtos ou setores específicos atingindo o conjunto da economia e modificando as estruturas de custo e as condições de produção e distribuição em todo o sistema SOUZA 2012 A existência de um paradigma tecnológico define os rumos das transformações socioeconômicas Nesse sentido cabe ressaltar que uma tecnologia não é escolhida por ser mais eficiente mas tornase eficiente por ter sido escolhida graças às condições es tabelecidas pelo paradigma vigente Isso depende não somente das trajetórias de apren dizado e inovação priorizadas pelo paradigma tecnológico hegemônico como também do uso crescente que essa tecnologia possa registrar em função das externalidades de rede das complementaridades tecnológicas que ela possa suscitar além de uma série de fatores de ordem institucional como pressões políticas interesses setoriais ju ízos profissionais os quais determinam as tendências tecnológicas As tecnologias portanto não são escolhidas por sua eficiência técnica mas por fatores econômicos institucionais e sociais Mudança tecnológica e estrutura institucional coevoluem de modo articulado EAD 72 Finalmente a economia evolucionária salienta o caráter interativo e social dos pro cessos de inovação e desenvolvimento os quais ocorrem em redes formais e informais que envolvem produtores consumidores técnicos pesquisadores etc O exemplo pa radigmático nesse sentido é o do Vale do Silício nos Estados Unidos mas inúmeros outros poderiam ser aduzidos ao se tratar de redes localizadas que favorecem a circula ção de conhecimentos e catalisam os processos de inovação com implicações diretas no desenvolvimento econômico das regiões A criação de interdependências entre firmas setores e tecnologias estimula a geração de tecnologias inovações e desenvolvimento Os estudos sobre redes de inovação incentivaram muitos autores evolucionistas a dedicar especial atenção aos impactos que a constituição de redes globais de produção tem provocado nos regimes de inovação Neste ponto existem posições diferenciadas no que tange ao tipo de leitura que é feita das transformações em curso na sociedade Há por um lado quem esboce uma visão um tanto pessimista quanto às possibilidades das regiões e dos países para manterem uma trajetória específica de desenvolvimento em face da crescente globalização econômica a qual seria responsável por fenômenos de homogeneização institucional De fato a criação de uma série de regulamentações no âmbito da Organização Mundial do Comércio OMC sobretudo aquelas relacionadas aos direitos de propriedade intelectual revela uma tentativa de equalização dos qua dros institucionais facilitando a deslocalização dos processos tecnológicos e dos capitais Por outro lado porém autores evolucionistas destacam que o processo de glo balização mais do que superar as fronteiras nacionais e mesmo as regionais esteve alicerçado nelas Em última análise foram os Estados Nacionais que implementaram as regulamentações necessárias ao processo de globalização e que garantiram sua efeti vidade Com um foco voltado para as organizações e instituições dedicadas a atividades de ciência e tecnologia Lundvall 1992 propõe um conceito de Sistemas Nacionais de Inovação justamente para avançar em uma análise que revele como as especificidades nacionais continuam sendo relevantes para analisar os processos de desenvolvimento Segundo Lundvall 1992 as diferenças históricas culturais linguísticas entre outras refletemse nos diferentes formatos de organização das empresas nas relações entre elas no papel do setor público na regulamentação dos mercados na organização das atividades de pesquisa e em outros fatores Essas especificidades não podem ser lite ralmente copiadas ou transferidas para outros países de modo que os processos de ino vação e desenvolvimento continuam sendo extremamente dependentes dos contextos sociais não apenas em termos de EstadosNações mas também em termos de regiões e de territórios Abrese aqui uma ampla discussão acerca das interfaces entre a economia evolucionária e abordagens contemporâneas de desenvolvimento regional e territorial que não há como abordar neste momento EAD 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a teoriapadrão sobre o crescimento econômico as instituições estão ausentes do modelo e a mudança tecnológica é tratada como um fator exógeno O pensamento evolucionista por sua vez define o desenvolvimento como um processo multifacetado no qual as mudanças tecnológicas as características e os comportamen tos das unidades de produção e as instituições são vistos como fatores que modelam padrões de desenvolvimento específicos Portanto não há uma concepção universal do desenvolvimento passível de ser formulada em termos de modelo mecanicista Não há sequer uma causalidade unidirecional entre mudança tecnológica e acumulação de ca pitalcrescimento econômico Pelo contrário as assimetrias tecnológicas e institucionais são essenciais para se conceberem diferentes trajetórias de desenvolvimento inclusive aquelas que alguns economistas tomam equivocadamente por falta de desenvolvimen to caracterizandoas então como subdesenvolvidas vide supra cap 1 e 3 Face a esse tipo de considerações as recomendações de intervenção do Estado assumem geralmente um caráter mais evasivo uma vez que não podem ser definidas po líticas únicas para diferentes contextos nacionais ou regionais Neste ponto onde eco nomistas ortodoxos tendem a ver uma fragilidade da economia evolucionária percebe se uma de suas maiores virtudes qual seja sair dos modelos abstratos para uma análise das situações empíricas reais levando em conta a especificidade de seus processos de aprendizagem e de mudanças tecnológicas Como afirma Mark Blaug 1997 pode se vislumbrar neste caso um novo tipo de economia com potencial para substituir a economia doente dos modelos matemáticos que se tornaram jogos intelectuais cujo objetivo precípuo é sua própria reprodução sem preocupação aparente com as conse quências práticas para a apreensão do mundo real REFERÊNCIAS BERTALANFFY Ludwig von Teoria geral dos sistemas Petrópolis Vozes 1973 BLAUG Mark Ugly Currents in Modern Economics Options Politiques Montréal v 18 n 17 p 38 Sept 1997 DOSI Giovanni FREEMAN Christopher NELSON Richard R SILVERBERG Gerald SOETE Luc Eds Technical Change and Economic Theory London Pinter 1988 FLIGSTEIN Neil The architecture of markets an economic sociology of twentyfirstcentury capitalist so cieties Princeton Princeton University Press 2001 HALL Peter A SOSKICE David Eds Varieties of capitalism the institutional foundations of comparative advantage Oxford Oxford University Press 2001 EAD 74 HODGSON Geoffrey Martin El enfoque de la economía institucional Análisis Económico v 16 n 1 p 341 2001 KUHN Thomas Samuel A estrutura das revoluções científicas São Paulo Perspectiva 1975 LUNDVALL BenktÅke Ed National Systems of Innovation towards a theory of innovation and interac tive learning London Pinter 1992 NELSON Richard R WINTER Sidney Graham An Evolutionary Theory of Economic Change Cambridge Massachusetts Harvard University Press 1982 NORTH Douglass Cecil Institutions Journal of Economic Perspectives v 5 n 1 p 97112 Winter 1991 SAVIOTTI PierPaolo METCALFE John Stanley Eds Evolutionary theories of economic and technological change present status and future prospects Harwood Reading 1991 SCHUMPETER Joseph Alois Teoria do Desenvolvimento Econômico uma investigação sobre lucros capital crédito juro e o ciclo econômico São Paulo Abril Cultural 1982 SOUZA Nali de Jesus de Desenvolvimento econômico 6 ed São Paulo Atlas 2012 VEBLEN Thorstein Bunde A teoria da classe ociosa São Paulo Pioneira 1965 1899 WILLIAMSON Oliver Eaton As instituições econômicas do capitalismo São Paulo Pezco 2012 EAD 75 Capítulo 7 ESTADO DESENVOLVIMENTO E NEODESENVOLVIMENTISMO Paulo André Niederle Guilherme F W Radomsky Rafaela Vendruscolo Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda Gabriella Rocha de Freitas INTRODUÇÃO Neste capítulo será discutida a relação entre o aparato estatal e as políticas econômicas que atravessaram a segunda metade do século XX especialmente a partir da década de 1960 e que nos colocam atualmente diante de alguns dilemas no cenário político econômico e social O foco da discussão será o papel que o Estado desempenha nas mudanças sociais na perspectiva desenvolvimentista 19301970 e neodesenvolvimentista a partir de 2000 A ideia de Estado desenvolvimentista Developmental State fundamentase na construção de processos de desenvolvimento alicerçados em políticas setoriais progra mas macroeconômicos e projetos de infraestrutura com a participação ativa do Estado Como demonstra Chang 2010 a definição de desenvolvimentismo está associada à legitimidade social conferida ao Estado para interferir nas trajetórias de desenvolvi mento por meio de instrumentos vários de política pública Ao longo da história ou no mesmo momento em distintos contextos sociais diversas modalidades de Estado desenvolvimentista já foram testadas Elas emergem em diferentes condições políticas e se adéquam às instituições e aos valores que cada sociedade estima serem legítimos no respectivo contexto histórico EAD 76 No Brasil esse modelo foi adotado em diferentes momentos e com distintas características e atuou inicialmente como propulsor do crescimento econômico in dustrial sobretudo por meio da intervenção do Estado com vistas a promover a substituição das importações industriais pela produção doméstica Nos anos de 1930 a 1970 e principalmente nas duas últimas décadas desse período os impactos do modelo desenvolvimentista na agricultura e no mundo rural foram particularmente relevantes O processo de modernização agrícola foi desencadeado sob os auspícios do Estado com uma vigorosa intervenção capitaneada pelo Sistema Nacional de Cré dito Rural e complementado com políticas de garantia de preços e comercialização seguro agrícola extensão rural e pesquisa agropecuária Entre os componentes do modelo contavase a tentativa de tornar a agricultura funcional no desenvolvimento urbanoindustrial habilitandoa a absorver tecnologia da indústria nascente a pro duzir alimentos e matérias primas de baixo custo a enviar mão de obra para as cida des e a gerar divisas para financiar a industrialização LEITE 2005 CONTERATO FILIPPI 2009 Atualmente a retomada desse modelo alimenta sobretudo as discussões em torno do chamado novo ou neodesenvolvimentismo BRESSERPERREIRA 2010 SICSÚ PAULA MICHEL 2005 Após o choque liberal dos anos 8090 na década de 2000 a 2010 uma série de mudanças políticoeconômicas mobilizou esforços para a recons trução sobre novas bases teóricas de projetos de desenvolvimento que recuperam um papel central para o Estado O novo desenvolvimentismo surge portanto após o fracas so da ortodoxia econômica De modo geral essa retomada do estado desenvolvimentista de acordo com Chang 2004 e Stiglitz 1989 pode ser associada a um conjunto de fatores entre os quais sobressaem a a deslegitimação do modelo neoliberal em razão da sua incapacidade para pro duzir crescimento sustentado das economias e para reduzir a desigualdade social b o desencantamento com a fórmula do livre mercado que apresentou resul tados calamitosos particularmente no caso da América Latina haja vista as crises que atingiram economias como a argentina e a brasileira c as recentes crises das economias avançadas e a necessidade premente de me didas regulatórias sobretudo no mercado financeiro e de estabilização econômica d o sucesso econômico de países que mantiveram algum nível de planejamento estatal políticas industriais comerciais e tecnológicas ativas assim como o controle dos fluxos financeiros e do balanço de pagamentos e EAD 77 e a emergência de novas abordagens teóricas que revalorizam o papel do Estado sem incorrer nos totalismos1 que outrora acarrearam um conflito entre planejamento centralizado e livre mercado enquanto polos opostos de uma guerra de surdos O objetivo deste capítulo é rever as principais proposições sobre o papel do Estado que vieram à luz nesses diferentes contextos Para tanto iniciarseá com a retomada histórica das ações políticas de alguns Estados Nacionais em especial na Ásia nas Amé ricas e na Europa alicerçados sobre a insígnia do desenvolvimentismo A seguir serão destacados alguns fatores que levaram à adoção do desenvolvimentismo e à consequente crise no Brasil abrindo as portas para a consolidação do neoliberalismo e a supremacia da Economia Neoclássica a partir dos anos 80 Por fim abordarseá a eclosão do novo desenvolvimentismo no contexto brasileiro contemporâneo apontando as principais ideias que o definem e seus contrastes com o paradigma anterior Neste ponto caberá arguir sobre o lugar da agricultura e do meio rural face a um paradigma neodesenvol vimentista Estariam ainda sendo atribuídas à agricultura aquelas funções tradicionais concebidas pelo modelo da modernização conservadora da década de 1960 O PAPEL DO ESTADO NO VELHO DESENVOLVIMENTISMO O desenvolvimentismo é constituído de uma combinação de diferentes mecanis mos que conjugam em maior ou menor grau setorialismo intervencionismo e he terodoxia econômica Geralmente a caracterização de um Estado desenvolvimentista compreende segundo BresserPereira 2010 a um certo nível de nacionalismo econômico b a proteção ou a sustentação da indústria doméstica c o fortalecimento da burocracia estatal d o corporativismo fundado em uma aliança entre Estado trabalho e setor pri vado d o incentivo à inovação e à transferência de tecnologia e e a prioridade do crescimento econômico sobre a estabilidade monetária Em distintos contextos porém cada uma dessas características se revela mais ou menos evidente 1 Totalismo é um termo da língua espanhola que no presente contexto designa um sistema de governo em que os poderes políticos e econômicos do país ficam em torno de apenas um líder EAD 78 Embora os casos da América Latina e do Brasil sejam úteis para se analisarem as vá rias configurações do desenvolvimentismo ao longo do tempo o caso clássico que serviu de inspiração para grande parte das formulações sobre esse modelo é o da experiência asiática no período posterior à Segunda Guerra Mundial Isso se deve a uma série de fatores tais como inicialmente o milagre japonês e em um segundo momento o crescimento expressivo de países como Taiwan Coreia do Sul e Cingapura Em todos os casos o cenário apresentava um ritmo acelerado de desenvolvimento associado a políticas industriais comerciais e tecnológicas as quais viabilizaram elevados níveis de crescimento mesmo em períodos em que a maior parte das economias se ressentia dos efeitos de diversas crises sobretudo em decorrência da desregulação dos mercados financeiros e do fluxo de capitais No entanto uma das críticas que se levantam com certa frequência a esse modelo argumenta que a obtenção de altos níveis de crescimento com a mão pesada do Estado passou a ocorrer em detrimento de um avanço significativo das liberdades democráti cas2 Em outras palavras esse nível de crescimento somente seria foi possível em virtude da supressão das boas instituições que garantem liberdade aos indivíduos para defini rem e exercerem suas preferências inclusive no mercado Essa crítica encontrou forte eco na América Latina De fato grande parte dos países latinos que buscaram assimilar e redefinir o modelo clássico de desenvolvimentismo obtiveram resultados expressivos em pleno contexto de ditaduras militares Mas esta não é necessariamente a regra e o período anterior ao Golpe Militar no Brasil serviria facilmente para demonstrar que o intervencionismo econômico do Estado não é incompatível com reformas democráti cas Nesse sentido todavia outras experiências como as dos países escandinavos talvez sejam mais ilustrativas Algumas outras modalidades de Estado menos intervencionistas do que as do modelo asiático também podem ser incluídas em uma leitura do desenvolvimentismo As trajetórias seguidas nos países escandinavos Finlândia Dinamarca Noruega e Su écia por exemplo apontam uma ação menos centrada em políticas industriais e mais voltadas à promoção do emprego e do bemestar social sem que isso significasse defen der um papel menor do Estado na definição dos rumos do desenvolvimento CHANG 2010 Nesses países o modelo clássico de desenvolvimentismo eminentemente cen trado em medidas de proteção à indústria doméstica marcou menor presença pelo menos em comparação com os países asiáticos Contudo durante algum tempo a forte presença da esquerda e da socialdemocracia foi fundamental não apenas para con solidar um modelo de welfare state estado de bemestar social como também para criar condições para o desenvolvimento de uma variedade de capitalismo totalmente 2 Outra crítica está associada aos efeitos socioambientais desencadeados pelo tipo de industrialização levado a cabo em muitos desses países Neste sentido sugerese a leitura do capítulo 9 da presente publicação EAD 79 integrada ao Estado Se aqui as políticas protecionistas e comerciais foram menos rele vantes o peso das políticas associadas à geração de inovações e de progresso tecnológico revelouse fundamental sendo elas as grandes responsáveis por colocar países dotados de economias relativamente pequenas na fronteira dos mercados globais de tecnologia Do outro lado do Atlântico até mesmo os Estados Unidos podem ser tomados como exemplo de Estado desenvolvimentista Developmental State De acordo com Chang 2004 os Estados Unidos foram na realidade os criadores da teoria desenvol vimentista particularmente no que tange ao seu núcleo central a proteção da indústria nascente proposta pelo PrimeiroMinistro das Finanças americano Alexander Hamil ton No entanto como argumenta Fred Block 2008 a história deste país desvenda a formação de um forte Estado desenvolvimentista em rede ao invés de um Estado desenvolvimentista burocrático e centralizador como foi o caso na América Latina Isso não significa uma redução na capacidade performativa do Estado sobre a economia mas antes um modo mais difuso de ação por meio de intervenções rápidas e pontuais Assim embora o governo norteamericano jamais tenha adotado um organismo centra lizado de planejamento a exemplo do que fizeram países como Coreia Japão e China ele sempre manteve uma forte intervenção comercial e monetária a fim de garantir o funcionamento dos mercados3 No Brasil e na América Latina o modelo desenvolvimentista passou a se consti tuir lentamente a partir da década de 1930 No caso brasileiro o chamado nacional desenvolvimentismo pode ser definido como um processo de industrialização dirigido pelo Estado por meio do modelo de substituição de importações o qual tinha por su porte a proteção do mercado interno e a vigorosa intervenção governamental no setor de infraestrutura e na produção de insumos básicos BRESSERPEREIRA 2010 Esse modelo teve seu início no governo Getúlio Vargas prosseguiu com Juscelino Kubitschek JK e João Goulart e não foi alterado em sua essência econômica com as mudanças que se seguiram ao Golpe de 1964 Martins 1991 p 3 sumariza Fazendo uma simplificação extrema é possível dizer que o que prevaleceu no Brasil dos anos 30 até o início da déca da de 80 foi a ideia de construção da nação baseada na industrialização via substituições de importações tendo o Estado como demiurgo vários matizes de nacionalismo como ideologia e o populismo sob suas diferentes formas como sustentação política Foi a isso que se convencionou 3 Quando a ideologia do livre mercado ascendeu a partir dos anos 70 essas ações tornaramse cada vez mais escon didas sob a alegação de que o Estado interviria apenas em áreas prioritárias que envolvessem a defesa e segurança nacionais A máscara obviamente começou a cair após a recente crise financeira que demandou inúmeras reformas regulatórias em diferentes setores desde os mercados financeiros até a saúde EAD 80 chamar nacionaldesenvolvimentismo que não chega a ser um conceito mas descreve e sintetiza um projeto político e um estilo de ação Foi porém nas décadas de 1960 e 1970 que o desenvolvimentismo teve seu auge com a centralidade do papel do Estado comandada por elites políticas e econômicas RADOMSKY 2009 Como se viu acima no capítulo 3 alguns dos principais formula dores do antigo desenvolvimentismo brasileiro estavam sediados na Comissão Econômi ca para a América Latina e o Caribe CEPAL outros no Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB O estruturalismo cepalino de orientação keynesiana foi o principal sustentáculo teórico de uma estratégia nacionalista que se arquitetou com base em uma crítica à desigualdade das relações centroperiferia O elemento central dessa formula ção assentavase na crítica à lei das vantagens comparativas no comércio internacional em virtude da deterioração dos termos de troca PREBISCH 1950 Por essa razão advogavase que a América Latina deveria superar seu viés agrárioexportador para pas sar a uma etapa de industrialização mas esta face aos limites do processo de acumula ção primitiva somente seria possível com a decisiva ação do Estado O nacionaldesenvolvimentismo como estratégia de desenvolvimento foi respon sável por fazer com que vários países latinoamericanos entre os quais o Brasil cres cessem expressivamente entre as décadas de 1930 e de 1970 Contudo o desenvolvi mentismo é mais que uma política econômica além de representar uma ideologia que alimentou o sonho do desenvolvimento fundamentase em diagnósticos realizados nos países ditos atrasados nos quais os resquícios de uma sociedade arcaica poderiam ser eliminados por meio da modernização social a ser liderada por elites sociais Neste período o desenvolvimentismo apelava para um tom nacionalista criando alianças entre classes grupos sociais e partidos políticos a fim de promover mudanças sociais profun das que pudessem repercutir em toda a nação Esse modelo propunha entre outras metas estabelecer uma poupança forçada para a realização de investimentos em indústrias de base cujos riscos e necessidades de capital eram grandes demais para serem assumidas pelo setor privado Além de obter emprés timos internacionais a agricultura exportadora serviu de sustentáculo para a geração de divisas O Estado atuou vigorosamente para introduzir um padrão agrícola centrado em poucas commodities soja café e canadeaçúcar em poucas regiões Sul e Sudeste e em poucos produtores grandes e tecnificados O modelo parece ter funcionado pelo me nos para o que ele se propunha os cinquenta anos em cinco apregoados pelo Plano de Metas de JK fizeram com que entre 1955 e 1961 a produção do setor industrial crescesse 80 destacandose as indústrias de aço mecânicas elétricas de comunica ções e de equipamentos de transportes Entre 1957 e 1961 a taxa de crescimento real da economia brasileira foi de 7 ao ano comparável ao padrão chinês contemporâneo EAD 81 No final da década de 1960 e nos anos 70 o nacionaldesenvolvimentismo dis putou a hegemonia com o modelo dependenteassociado4 Enquanto o primeiro mo delo era defendido por produtores e industriais com interesses no desenvolvimento do mercado interno o segundo tinha como representantes os setores ligados à agricul tura exportadora desde grandes produtores até grupos ligados ao comércio exterior O nacionaldesenvolvimentismo buscava maior autonomia para o Brasil defendendo o crescimento e a modernização da indústria do comércio e da agricultura para o merca do interno assim como o investimento em obras de infraestrutura que possibilitassem a comunicação entre as diversas regiões Já o modelo dependenteassociado defendia uma economia voltada para o mercado externo no que tange tanto à exportação quanto à importação de produtos com um tratamento igualitário ao capital estrangeiro e ao capital nacional Os efeitos sociais ambientais políticos e mesmo econômicos desses modelos so mente se tornaram objeto de ampla preocupação alguns anos mais tarde sobretudo quando começaram a apresentar sinais de esgotamento vide infra cap 9 sobre desen volvimento sustentável BresserPereira 2010 aponta cinco fatores como responsáveis pela crise do desenvolvimentismo a o esgotamento das estratégias de substituição de importações b o predomínio na América Latina da interpretação da dependência como perspectiva analítica c a grande crise da dívida externa durante a década de 1980 que enfraqueceu os países latinoamericanos d o fortalecimento do neolibe ralismo como nova ideologia econômica e política e e o êxito da política norteame ricana no treinamento de economistas latinoamericanos muitos dos quais assumiram postoschave nos governos nacionais a partir dos anos 1990 A CRISE DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA E A EMERGÊNCIA DO NEOLIBERALISMO A ideologia do livre mercado que ascendeu mundialmente a partir dos anos 70 pas sou a defender a diminuição do papel do Estado Em grande medida o neoliberalismo emergiu assente sobre a crise do antigo desenvolvimentismo em decorrência de razões internas e externas ao modelo Segundo BresserPereira 2010 o antigo desenvolvi mentismo brasileiro baseado na industrialização por meio da substituição das importa ções continha as sementes da sua própria destruição Por quê A primeira razão remete ao fato de que embora a substituição de importações tenha sido importante para a indústria nascente a partir de determinado momento a 4 O modelo dependenteassociado teve como um de seus principais teóricos o sociólogo e expresidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso EAD 82 concentração de renda não somente levou à expansão do consumo de bens de luxo por parte da burguesia industrial em detrimento do investimento produtivo FURTADO 1961 como também reduziu a demanda de bens de consumo básico e de bens de ca pital por parte do segmento de mercado interno A substituição das importações falhou por não ter sido acompanhada de absorção tecnológica e por ter incutido no empre sariado doméstico uma mentalidade excessivamente protecionista com o consequente fechamento de diversos mercados Assim a baixa incorporação do progresso técnico determinou uma reduzida produtividade industrial em vários setores A segunda razão diz respeito aos altos índices de endividamento do Estado ao qual se soma certa complacência com os déficits orçamentários e com a inflação As crises do petróleo nos anos 70 e a crise da dívida externa na década de 1980 comprometeram seriamente a capacidade de investimento do Estado A crise da dívida abriu caminho para uma inflação galopante a qual foi enfrentada com políticas populistas de aumento de gastos que ao fim e ao cabo selaram a falência do Estado desenvolvimentista O processo de industrialização teve que ser freado e face ao endividamento do Estado so mente seria retomado na década de 1990 já com a abertura para o capital internacional a desregulação dos mercados e a privatização de setores estratégicos A terceira razão está relacionada ao rompimento da aliança capitaltrabalho cons truída por Getúlio Vargas e responsável pela sustentação política e ideológica do nacio naldesenvolvimentismo Contribuiu para esse rompimento a própria crítica dirigida à estratégia nacionaldesenvolvimentista por alguns setores da esquerda formuladores da Teoria da Dependência CARDOSO FALETTO 1970 sobretudo a vertente que rejeitava a possibilidade de existência de uma burguesia nacional na América Latina Propondo uma mudança radical que recusava a ideia de uma revolução burguesa inter na no Brasil essas formulações acabaram servindo paradoxalmente a partir dos anos 1990 para justificar alianças com o centro capitalista em prol de uma agenda focada na expansão dos mercados aliada à abertura democrática A quarta e última razão devese ao desgaste político de uma estratégia nacionalde senvolvimentista que se vinculou aos governos militares e às ditaduras que se instalaram em toda a América Latina Suprimindo amplamente os direitos individuais e alegando evitar o fantasma comunista a ditadura acabou definitivamente com o pacto social cria do por Vargas Os movimentos de reconstrução democrática seguramente não tinham entre as suas bandeiras fundamentais a sustentação de um Estado forte e muito menos planejamento centralizado Assim à medida que os governos militares caíam geravam se as condições para uma onda neoliberal no Brasil e na América Latina a exemplo do que já se desenhara alhures Nesse sentido cabe ressaltar os efeitos do regresso de economistas brasileiros que haviam sido formados em programas de doutorado norte americanos e ingleses já sob a forte influência do pensamento neoclássico A queda dos EAD 83 regimes militares inspirou um discurso que rejeitava o retorno das políticas sociais nacionalistas em prol de um conjunto de políticas macroeconômicas ortodoxas associa das a reformas institucionais sob os auspícios do Consenso de Washington Para substituir o desenvolvimentismo foi estabelecido um conjunto de políticas macroeconômicas ortodoxas associadas a reformas institucionais orientadas para o mer cado Face à crise inflacionária que havia saído de controle a receita neoliberal foi a manutenção de altas taxas de juros e apreciáveis taxas de câmbio Por outro lado frente à crise do investimento público a solução passou pela valorização da moeda estrangeira com vistas a obter a entrada de capitais mecanismo utilizado para financiar os déficits e promover investimentos privados O resultado dessas políticas foi a falência do Estado o qual viu esvairse comple tamente sua capacidade de investimento e regulação A crise do balanço de pagamentos total de dinheiro que entra e sai de um país consubstanciada em baixos índices de crescimento conduziu a economia à estagnação Enquanto o investimento produtivo dos setores público e privado se reduzia a concentração de renda prosseguia em ritmo mais e mais acelerado sobretudo em decorrência das altas taxas de juros que incenti vavam os movimentos especulativos O caminho escolhido possibilitou a estabilização da economia através da adoção de uma política de juros extremamente elevados A ar madilha dos juros levou a um equilíbrio perverso e tornou toda a política econômica refém da política monetária revelandose por consequência incapaz de estimular a retomada do desenvolvimento Do ponto de vista social o neoliberalismo excluiu a possibilidade de retomar um modelo de crescimento com distribuição de renda e bemestar social A privatização dos bens públicos reduziu consideravelmente o acesso a serviços pela população mais pobre Por sua vez as altas taxas de juros promoveram uma brutal transferência monetária para os setores rentistas impediram políticas de pleno emprego e a retomada do desenvol vimento Já a pronunciada estabilidade econômica sempre comprovou ser uma situação precária em que a cada choque externo a situação do país se deteriorava ainda mais A receita monetarista não deixava nenhuma margem à retomada da saúde do Estado apenas aumentava a dose do remédio a cada recaída mais grave O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A RETOMADA DO PAPEL DO ESTADO Na década de 2000 a 2010 a retomada do Estado não se deu por meio da simples replicação das proposições do velho desenvolvimentismo mas pela construção de uma visão do desenvolvimento que não concebe Estado e Mercado como oponentes de um jogo de soma zero EAD 84 Na década de 1990 um grupo de países entre os quais China Índia e Indonésia impressionaram o mundo com altas taxas de crescimento melhoria relativa das condi ções de vida da população e notórios progressos em termos de infraestrutura e inovação tecnológica Tudo isso foi obtido graças à vigorosa intervenção do Estado sem no en tanto criar déficits orçamentários ou endividamento público Esses países simplesmente negaramse a aceitar as boas instituições promovidas pelos países desenvolvidos e continuaram com políticas industriais comerciais e tecnológicas fortemente protecio nistas Na prática como demonstra Chang 2004 o que esses países fizeram foi adotar o mesmo conjunto de políticas que em diferentes momentos históricos tornaram ricos os países hoje desenvolvidos depois passaram a condenar tais políticas em uma clara estratégia de chutar a escada que lhes propiciou ascender economicamente Serão analisadas a seguir as características essenciais de que se reveste o novo de senvolvimentismo na concepção dos principais signatários deste modelo Para Bresser Pereira 2010 o novo desenvolvimentismo é um terceiro discurso entre o velho discurso desenvolvimentista e a ortodoxia convencional Não se trata exatamente de uma teoria mas de uma estratégia de desenvolvimento com foco na ação dos Estados Nacionais em contextos de globalização As teorias que fundamentam o novo desenvol vimentismo encontramse em formulações da macroeconomia keynesiana na economia do desenvolvimento e no neoinstitucionalismo histórico vide capítulos anteriores Vale lembrar que quando o programa neoliberal se viu parcialmente esgotado a ideologia desenvolvimentista renasceu tendo que se situar em dois campos problemáti cos o incremento das políticas sociais com a consequente elevação do gasto governa mental que redundou em uma diminuição da desigualdade social e o investimento em desenvolvimento tecnológico associado ao incentivo a empresários Assim parece não restarem dúvidas de que o desenvolvimentismo ingressa em uma nova fase em que deixa de mobilizar de maneira anacrônica elementos ideológicos nacionalistas ou populares mas se mantém aberto à economia global e com grande expectativa quanto à capacidade dos atores da sociedade civil e das empresas para gerarem desenvolvimento de modo relativamente endógeno Em primeiro lugar buscase superar a oposição entre Estado forte e mercado livre mas a construção de um aparato institucional consistente passa a ser uma pre condição para o desenvolvimento dos mercados Segundo Sicsú Paula e Michel 2005 o novo desenvolvimentismo pode ser sintetizado em quatro teses a não há mercado forte sem Estado forte b não haverá crescimento sustentado sem o fortalecimento do Estado e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas EAD 85 c mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento com equidade social e d não é possível reduzir a desigualdade sem crescimento econômico a taxas ele vadas e continuadas Em segundo lugar há nesta formulação um claro componente político5 Como sustenta BresserPereira 2010 não haverá novo desenvolvimentismo sem um novo acordo entre classes sociais em torno de uma estratégia nacional de desenvolvimento A dimensão política do processo de desenvolvimento reemerge na medida em que se coloca como condição necessária para tal processo a existência de um projeto nacional que expresse o sentimento de nação De fato a construção de tal projeto tem estado cada vez mais presente na agenda não apenas do governo brasileiro mas e sobretu do em um conjunto de países latinoamericanos que têm experimentado governos com viés nacionalista Os resultados desse esforço são porém objeto de discordância e contestação No que toca às estratégias definidas pelos adeptos do novo desenvolvimentismo também se observa um relativo consenso em relação a certo número de itens que se en tende serem imprescindíveis BRESSERPEREIRA 2010 SICSÚ PAULA MICHEL 2005 a a retomada da capacidade de poupança e de investimento do Estado b o incentivo à inovação e ao progresso técnico c a superação da barreira criada pelo baixo nível de desenvolvimento de capital humano d o aumento da coesão social em torno de uma estratégia de desenvolvimento nacional e a manutenção de políticas macroeconômicas que garantam estabilidade fiscal ao Estado o que inclui índices moderados de endividamento f a redução gradativa das taxas de juros visando estimular investimento produ tivo g a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva que abra os mercados exter nos às empresas nacionais h tolerância nula com a inflação e insubordinação de toda a economia a qualquer regime de metas de inflação e finalmente 5 O que não significa que este esteja ausente das demais formulações Mas no modelo neoclássico o componente político e ideológico foi travestido sob a alegação de uma falsa neutralidade das modelizações econométricas EAD 86 i uma política ativa de salários que acompanhe os ganhos de produtividade man tendo assim uma demanda interna aquecida e redistribuindo renda Deste modo contrariamente ao seu primogênito o novo desenvolvimentismo não é essencialmente protecionista e tem um foco menos evidente nas políticas de proteção à indústria nascente uma vez que nos países em desenvolvimento o setor industrial já estaria consolidado Ao mesmo tempo e em razão do novo contexto de integração internacional abrese uma perspectiva para reconhecer maior importância ao merca do externo O crescimento com poupança externa e o fortalecimento das atividades exportadoras foco do modelo neoliberal não seriam incompatíveis com o novo desenvolvimentismo No entanto acentuase a necessidade de manutenção de um mercado interno forte o que entre outros fatores reduz a vulnerabilidade da economia nacional face à volatilidade das crises internacionais e a imprescindibilidade de uma taxa de câmbio competitiva no intuito de apoiar sobretudo indústrias com alto índice de conhecimen to tecnologia e valor agregado Nesse sentido alertase até sobre os riscos de primariza ção da economia ou ao menos da pauta de exportação quando esta se volta para um modelo centrado em poucas commodities agrícolas Outra diferença diz respeito ao papel atribuído pelo novo desenvolvimentismo ao Estado que deixa de ser tão centrado na realização de investimentos diretos na produ ção Estadoempresário para assumir um papel predominantemente regulador e incen tivador das atividades econômicas Tratase de garantir o funcionamento dos mercados de acordo com as necessidades do desenvolvimento nacional na tentativa de propiciar a geração de lucros e o aumento do emprego Segundo BresserPereira 2010 o novo desenvolvimentismo compreende que em todos os setores em que exista uma razoável competição o Estado não deve ser um investidor ao contrário deve se concentrar em defender e garantir a concorrência Esta posição permitiria ao Estado alocar recursos para investimentos em setores estratégicos de modo a manter uma estabilidade orçamentária consistente evitando os déficits que comprometeram o processo de industrialização por substituição de impor tações Caberia ao Estado por exemplo atuar com vigor na produção de tecnologia incentivando a inovação via novos nichos de mercado No antigo nacionaldesenvolvi mentismo o Estado assumia as tarefas de planejamento financiamento e produção de insumos básicos e infraestrutura energia transportes e comunicações que deman davam uma enorme quantidade de capital Isso durou até a situação de deterioração financeira nos anos 80 quando eclodiu a crise da dívida externa Para o novo desenvolvi mentismo no atual estágio produtivo não faz mais sentido a existência de um Estado empresário já que o setor privado agora conta com recursos e capacidade para inves EAD 87 tir O Estado segue desempenhando um papelchave mas com uma função normativa de facilitação e encorajamento e não necessariamente de investidor MATTEI 2013 Neste estágio um primeiro instrumento do novo desenvolvimentismo mais im portante do que uma política industrial forte é uma política macroeconômica consis tente baseada em equilíbrio fiscal taxas de juros moderadas e taxas de câmbio compe titivas É mister que o Estado apoie setores industriais e agrícolas de modo estratégico mas não permanente Impõese de certo modo a defesa de um protecionismo seletivo e temporário diferentemente do que ocorreu no período do nacionaldesenvolvimen tismo quando o protecionismo generalizado contribuiu para incutir no empresariado industrial brasileiro uma mentalidade conservadora no que diz respeito ao investimento em inovação A preocupação estatal deve estar voltada para a criação de condições que permitam às empresas adquirirem competitividade desonerando o Estado de pesados investimentos que acarretem déficit fiscal Ao contrário do que muitos imaginam em uma estratégia de desenvolvimento econômico um segundo instrumento do novo desenvolvimentismo consiste em confe rir um lugar de destaque aos mercados embora reconheça suas limitações Enquanto a teoria neoclássica pressupõe que os mercados podem coordenar tudo de maneira ideal se estiverem livres de interferências de outra ordem políticas por exemplo e a nova economia institucional acredita que bastam algumas boas instituições para corrigir as falhas de mercado e tudo estará resolvido o novo desenvolvimentismo concebe os mercados como o mecanismo principal mas insuficiente de coordenação econômi ca Isso se evidencia particularmente nos países em desenvolvimento onde se verifica uma tendência de sobrevalorização da taxa de câmbio e onde os salários aumentam em ritmo mais lento do que a produtividade Assim sendo os mercados constituem meca nismos claramente insatisfatórios porque não distribuem renda e favorecem os partici pantes mais fortes BRESSERPEREIRA 2010 Caberia pois ao Estado por exemplo adotar um sistema tributário progressivo visando reduzir as desigualdades de renda Um terceiro instrumento são os programas sociais universais Todavia nesta pers pectiva os programas de transferência de renda são vistos como ações temporárias e complementares as quais deixariam de ser relevantes na medida em que o desenvolvi mento trouxesse consigo geração de empregos e qualificação de mão de obra Enquan to o nacionaldesenvolvimentismo admitiu certa complacência com a inflação e optou pelo crescimento com déficits públicos o novo desenvolvimentismo defende tanto o equilíbrio fiscal quanto o controle rigoroso da inflação porém de acordo com Bresser Pereira 2010 p 24 EAD 88 não em nome da ortodoxia mas porque entende que o Estado é o instrumento de ação coletiva da nação por exce lência E se o Estado é tão estratégico seu aparelho precisa ser forte sólido e grande e por essa mesma razão suas fi nanças precisam estar equilibradas Ao mesmo tempo as contribuições derivadas de uma nova economia política ins titucionalista levam o novo desenvolvimentismo a conferir um papel saliente a institui ções que não apenas regulam o funcionamento dos mercados mas potencializam sua ação Assim ao mesmo tempo em que incorpora um aspecto pouco evidente no antigo desenvolvimentismo face às próprias condições daquele momento histórico o novo desenvolvimentismo busca superar concepções correntes da nova economia institucio nal que oferecem respostas simplórias e universalistas para o bom funcionamento dos mercados tais como a garantia dos direitos de propriedade e dos contratos e propõe outra visão considerando as instituições como objeto de ajustes mais ou menos contí nuos de acordo com diferentes estratégias de desenvolvimento Um aspecto particularmente relevante nesse sentido diz respeito à compreensão diferenciada que as duas vertentes desenvolveram em relação ao papel do Banco Cen tral Enquanto a ortodoxia neoliberal defende a autonomia do Banco Central cujo objetivo fundamental é controlar as taxas de juros a fim de evitar o aparecimento de bolhas inflacionárias o novo desenvolvimentismo condiciona a ação do Banco Central a uma estratégia de desenvolvimento equilibrada na qual além do controle da inflação se exige o equilíbrio do balanço de pagamentos por meio de dois instrumentos a taxa de juros e a taxa cambial Isso legitima tanto a regulamentação do ingresso de capitais quanto a inserção do Estado no mercado monetário através da compra e venda de mo eda visando a garantir uma taxa de câmbio que assegure competitividade às empresas nacionais e equilíbrio das contas públicas Cabe lembrar que a globalização é vista como uma oportunidade mas que a desregulamentação do fluxo de capitais se revela um risco que os países em desenvolvimento não precisam correr Mas nem tudo parece ser tão contraditório assim entre o novo desenvolvimentis mo e o modelo neoliberal Esta é a conclusão a que chegam Morais e SaadFilho 2011 ao analisarem a agenda desenvolvimentista face à política macroeconômica da década de 2000 a 2010 Segundo os autores o primeiro governo Lula não diferiu substan cialmente do de seu antecessor no que diz respeito às políticas macroeconômicas No entanto o segundo governo lulista embora tenha preservado o núcleo das políticas ma croeconômicas introduzidas pelas reformas neoliberais operou uma institucionalização parcial das propostas novodesenvolvimentistas O resultado foi uma política econômica de natureza híbrida e confusa aumentouse a geração e a distribuição de renda mas a proporção dos ganhos seguiu respeitando relações de poder radicalmente assimétricas EAD 89 Já em período mais recente sobretudo após o inicio do governo Dilma Rousseff o agravamento da crise internacional e os resultados exíguos de crescimento econômico têm revelado exatamente os limites dessa política híbrida e da manutenção de um mo delo dependente dos regimes inflacionários e de poupança externa Apesar da crescente incorporação do ideário desenvolvimentista no discurso e nas ações do Estado o cres cimento econômico persiste bloqueado Os principais obstáculos continuam sendo as armadilhas das elevadas taxas de juros e do câmbio sobrevalorizado que outorgam um poder considerável aos rentistas e ao mercado financeiro obstruindo os investimentos necessários à retomada do crescimento econômico CONSIDERAÇÕES FINAIS No dizer de Chang 2010 não há fórmula para criar um Estado desenvolvimentis ta em termos organizacionais diferentes países adotam diferentes fórmulas de acordo com seu próprio contexto político ideológico e econômico Existe por isso um grande ceticismo quanto à possibilidade de se sustentar uma teoria única que dê conta de toda a variedade de contextos históricos e de dinâmicas sociais Nesse sentido uma das prin cipais contribuições que despontam nessas discussões diz respeito aos limites do univer salismo ahistórico da teoria ortodoxa do desenvolvimento incapaz de abdicar dos seus modelos uniformizados aplicados indistintamente em todos os países inclusive nas suas vertentes mais modernas que buscam incorporar em toda parte as mesmas instituições econômicas sobretudo a garantia dos direitos de propriedade como fundamento básico do desenvolvimento A comparação sumária entre o novo desenvolvimentismo e os dois modelos im plantados no passado recente permite depreender que não se trata de oposições simplis tas entre diferentes estratégias de desenvolvimento Na verdade o novo desenvolvimen tismo destacase por ser uma estratégia que não prescinde do Estado e de um mercado forte Por isso não busca nem a redução do Estado nem a retomada do protecionismo do mercado interno nos moldes do passado MATTEI 2013 Conforme seus proposi tores a alternativa novodesenvolvimentista visa a reconstrução do Estado tornandoo mais forte e mais capaz no plano político regulatório e administrativo além de finan ceiramente sólido SICSÚ PAULA MICHEL 2007 p 515 Um dos problemas do novodesenvolvimentismo referese ao tema ambiental e outro à crítica às promessas desenvolvimentistas pelo pósdesenvolvimento vide infra cap 9 Mas os dois problemas parecem não exercer efeitos consideráveis haja vista o quanto o desenvolvimentismo está arraigado em nossas vidas Neste caso o novodesen volvimentismo retoma firmemente a aliança para o crescimento econômico priorizan do grandes obras no caso brasileiro hidrelétricas portos aeroportos e tantas outras EAD 90 incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento setores prioritários de investi mento indústria do petróleo extrativismo mineral tecnologias de ponta e geração de energia Frente a essas iniciativas o meio ambiente tem sido um aspecto francamente desconsiderado em favor de alianças que incentivem crescimento econômico A despeito das críticas ao novodesenvolvimentismo o crescimento das econo mias latinoamericanas juntamente com a redução da desigualdade social tem colocado esta estratégia desenvolvimentista como uma alternativa viável e bemaceita por diversos segmentos sociais Cabe advertir entretanto que a queda dos índices de desigualdade significativo dilema para a maior parte das nações latinoamericanas é lenta Outra mu dança fundamental no quadro analítico diz respeito à conceituação de Estado Nacional proposta pelos adeptos do novodesenvolvimentismo Diferentemente de outrora o Estado não é mais visto como um ente único e indivisível Isso não significa negar sua constituição enquanto organização segundo regras e princípios institucionais particula res É necessário porém reconhecer a pluralidade institucional que existe no seio desta organização o que lhe permite conjugar diferentes interesses e formas de ação Seme lhante compreensão possibilita analisar com mais cuidado situações contemporâneas em que a constituição de um Estado mínimo intervencionista ou regulador não faz mais sentido em si mas tão somente na análise de processos sociais específicos É isso que tem permitido proclamar o novodesenvolvimentismo antes mesmo de termos assistido à morte do neoliberalismo Nos últimos anos bem pelo contrário em várias partes do mundo a receita liberal até tem sido fortalecida REFERÊNCIAS BLOCK Fred Swimming against the current the rise of a hidden developmental state in the United States Politics Society v 36 n 2 p 169206 June 2008 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Do antigo ao novo desenvolvimentismo na América Latina Texto para Discussão n 274 São Paulo FGV nov 2010 CARDOSO Fernando Henrique FALETTO Enzo Dependência e desenvolvimento na América Latina ensaio de interpretação sociológica 7 ed Rio de Janeiro LTC 1970 CHANG HaJoon Chutando a escada a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica São Paulo Ed da UNESP 2004 How to do a developmental state political organisational and human resource requirements for the developmental state In EDIGHEJI Omano Ed Constructing a democratic developmental state in South Africa potentials and challenges Pretoria Human Sciences Research Council Press 2010 cap 4 p 82 96 CONTERATO Marcelo Antonio FILLIPI Eduardo Ernesto Teorias do desenvolvimento Porto Alegre Ed da UFRGS 2009 Educação A Distância 3 EAD 91 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 LEITE Sérgio Pereira Estado padrão de desenvolvimento e agricultura o caso brasileiro Estudos Socieda de e Agricultura Rio de Janeiro v 13 n 2 p 280332 2005 MARTINS Luciano A crise do nacionaldesenvolvimentismo Folha de S Paulo São Paulo p 13 29 dez 1991 MATTEI Lauro Gênese e agenda do novo desenvolvimentismo brasileiro Revista de Economia Política São Paulo v 33 n 1 p 4159 janmar 2013 MORAIS Lecio SAADFILHO Alfredo Da economia política à política econômica o novodesenvolvi mentismo e o governo Lula Revista de Economia Política São Paulo v 31 n 4 p 507527 outdez 2011 PREBISCH Raúl Crecimiento desequilibrio y disparidades interpretación del proceso de desarrollo econó mico Santiago de Chile CEPAL 1950 RADOMSKY Guilherme Francisco Walterloo O pósguerra e as teorias do desenvolvimento In ULBRA Org Desenvolvimento e Sustentabilidade Curitiba Ibpex 2009 p 3355 SICSÚ João PAULA Luiz Fernando de MICHEL Renaut Novodesenvolvimentismo um projeto nacional de crescimento com equidade social Barueri Manole Rio de Janeiro Fundação Konrad Adenauer 2005 Por que novodesenvolvimentismo Revista de Economia Política São Paulo v 27 n 4 p 507 524 outdez 2007 STIGLITZ Joseph E The economic role of the state In HEERTJE Arnold Ed The economic role of the state Oxford Basil Blackwell 1989 p 1285 EAD 92 Capítulo 8 PÓSDESENVOLVIMENTO A DESCONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO Gabriella Rocha de Freitas Mailane Junkes Raizer da Cruz Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO A discussão teórica sobre o desenvolvimento e as políticas e programas implemen tados pelos Estados e governos parte geralmente da premissa da naturalidade do desen volvimento tratandoo como um processo inquestionável Para essa visão progressista simplória o desenvolvimento é um processo com o qual a humanidade convive há muito tempo ou pelo menos desde a Revolução Industrial Um exercício reflexivo válido con siste em aventar outras possibilidades explorar modos distintos de conceber a mudança social e o desenvolvimento Será possível pensar a vida em sociedade fora do eixo balizador do desenvolvi mento Uma sociedade em que não exista o conceito de desenvolvimento Será razo ável dizer que poderíamos viver em uma sociedade que não se represente em termos classificatórios tais como desenvolvido versus subdesenvolvido Este capítulo tem por finalidade realizar um balanço teórico sobre o pósdesenvolvimento perspectiva recentemente surgida nas ciências sociais examinando suas características principais apresentando alguns de seus principais propositores e analisando em que medida esta possibilidade interpretativa pode ser instrutiva para os estudos sobre o desenvolvimento O que se denomina pósdesenvolvimento não é um programa homogêneo tam pouco uma teoria precisa e delimitada é antes um ponto de vista que lança um olhar crítico sobre a história do desenvolvimento e seus efeitos sociais Tal como apresentado EAD 93 na Introdução deste livro podese afirmar que o pósdesenvolvimento se insere no âm bito das vertentes céticas quanto aos benefícios dos processos de desenvolvimento Com essa perspectiva visase analisar e visibilizar diferentes modos de viver coletivamente práticas sociais que não se vinculam aos valores culturais oriundos da modernidade europeia e da ideologia desenvolvimentista Ademais o pósdesenvolvimento alcançou algum destaque entre os pesquisadores ao demonstrar os impactos negativos das políti cas de desenvolvimento focando as resistências alternativas levantadas por movimentos sociais ou atores locais ao se depararem com projetos de intervenção A CRIAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO O discurso em favor do desenvolvimento apesar das controvérsias que tem susci tado encerra uma grande capacidade de renovação e de continuidade A diversidade de caminhos tomados pelo desenvolvimento como desenvolvimento sustentável local ou territorial etc contribuiu para a crença de que cada nova ideia equivale a uma con cepção original e diferente das anteriores Esta renovação periódica garante novos meios de lidar com problemas sociais concorrendo portanto para que o desenvolvimento adquira novos significados e se torne duradouro Atualmente o discurso do desenvolvimento pode ser compreendido como uma crença social uma vez que aparece como uma certeza coletiva que não é colocada à prova RIST 2008 A maior parte das pessoas acredita que o desenvolvimento é algo bom e necessário sem fazer um exame minucioso sobre as consequências das políticas e práticas a ele relacionadas O mesmo se diga a respeito da noção de progresso tão disseminada e tão pouco questionada quanto à sua validade histórica para explicar a mu dança social DUPAS 2007 A despeito dos fracassos sucessivos associados ao desen volvimento suas promessas e experiências continuam sendo repetidas e reproduzidas A crença pode facilmente tolerar contradições já que não pode ser refutada os erros são sempre atribuídos a falhas humanas ou de interpretação Apesar da hegemonia exercida desde o fim da Segunda Guerra Mundial pelas po líticas e programas de desenvolvimento muitos pesquisadores RIST 2008 ESCOBAR 2007 CRUSH 1995 ESTEVA 1992 passaram a partir dos anos 80 a produzir estu dos críticos sobre os processos de desenvolvimento Ainda que apresentem orientações teóricas distintas esses autores têm em comum o mérito de demonstrarem como o de senvolvimento é um discurso historicamente construído que sob pretexto de melhorar a vida de comunidades pobres tem causado intervenções com impactos negativos para as populações O conjunto de práticas e projetos sistemáticos que visavam o desenvolvimento teve origem no pósguerra e mais especificamente conforme apontam Esteva 1992 EAD 94 e Escobar 2007 no discurso de posse do presidente norteamericano Harry Truman em 19491 Nesse discurso o adjetivo subdesenvolvido em referência a áreas econo micamente atrasadas foi utilizado pela primeira vez em um texto de grande circulação O evento marcou uma mudança fundamental na concepção de desenvolvimento que foi transformado em assunto global e o subdesenvolvimento foi visto como condição a ser superada através da ajuda e da cooperação internacional que o Primeiro Mundo deveria oferecer ao Terceiro Mundo Naquele momento os Estados Unidos passavam a ser a nação no Ocidente mais importante em termos econômicos e militares em um contexto de disputa de modelos de vida e de economia entre capitalismo e socialismo que envolvia inúmeros países A importância do país norteamericano pode ser associada ao seu papel na reconstrução da Europa arrasada pela guerra e na construção de uma aliança desenvolvimentista para apoiar os países considerados subdesenvolvidos Agora sim estes poderiam tornarse desenvolvidos desde que seguissem os preceitos norteamericanos uma vez que o sub desenvolvimento não era mais o oposto de desenvolvimento mas apenas a sua forma incompleta ou seja uma etapa anterior a esse processo vide supra cap 1 Segundo os autores vinculados à perspectiva do pósdesenvolvimento a dicotomia desenvolvimentosubdesenvolvimento foi inventada e legitimada para classificar países e populações com o objetivo de justificar intervenções desenvolvimentistas naqueles países tidos por atrasados vide supra cap 3 O desenvolvimento seria algo arbitrário não passando de uma convenção moderna que estipularia quais países se situam em patamares supostamente avançados em confronto com os demais COMO PODE SER ENTENDIDO O PÓSDESENVOLVIMENTO O pósdesenvolvimento inserese no debate acadêmico opondose a duas teorias que se tornaram balizadoras da discussão sobre o desenvolvimento entre os anos 50 e 70 a teoria da modernização e o marxismo2 O pósdesenvolvimento surgiu como uma tentativa de superação das teorias anteriores ESCOBAR 2005 porém sem o 1 O quarto ponto abordado pelo discurso de Harry Truman estabeleceu que a assistência técnica já concedida a par tes da América Latina fosse estendida aos países mais pobres do mundo lembra Rist 2008 Neste discurso segundo o mesmo autor a realidade social dos países com problemas de pobreza e desigualdade estava sendo reelaborada em torno da noção de subdesenvolvido momento em que a diversidade dos povos do mundo recebeu este singelo e sintético rótulo 2 Entendese por marxismo o conjunto de ideias filosóficas econômicas políticas e sociais elaboradas inicialmente por Karl Marx 18181883 e seu colaborador Friedrich Engels 18201895 e desenvolvidas posteriormente pelos intelectuais que seguiram suas teorias denominados marxistas São temas relevantes para a perspectiva marxista o trabalho e a luta de classes o trabalho entendido como o meio pelo qual o homem transforma a natureza para pro duzir seus meios de vida e a luta de classes como consequência das contradições do capitalismo materializada no embate entre os donos dos meios de produção burgueses capitalistas e trabalhadores assalariados proletariado EAD 95 propósito de atingir um conceito definitivo para o desenvolvimento Isto significa que no pósdesenvolvimento não se procura mais o bom desenvolvimento ou o melhor conceito que possa definilo a preposição pós sugere que se avance que se supere o ideário do desenvolvimento ou seja que se viva em um mundo onde subdesenvolvido e desenvolvido não sejam rótulos utilizados para classificar países Vejamos como o pósdesenvolvimento se diferencia das teorias anteriores Amparadas pela dicotomia tradicionalmoderno as teorias da modernização destacavam os elementos empíricos que marcariam a passagem de um estado tradicional para outro moderno Essa passagem demandaria que se incrementassem gradualmente as rendas monetárias e o Produto Interno Bruto PIB das nações a diminuição da po pulação pobre considerada marginal ao sistema de produção e de consumo do mercado capitalista e os ganhos contínuos em produtividade Essa perspectiva dispunha de recei tuários simples e homogêneos a respeito de como os países subdesenvolvidos deveriam se desenvolver A teoria da modernização sofreu seus primeiros ataques a partir das publicações articuladas à teoria da dependência de influência marxista e também weberiana A teo ria da dependência enfatizava os efeitos contraditórios do desenvolvimento mostrando que o conflito de classes no capitalismo criava desigualdades Neste sentido as políticas e programas de desenvolvimento seriam problemáticos porque resultariam do próprio capitalismo ou seja o desenvolvimento sempre beneficiaria as classes sociais dominan tes O desenvolvimento na abordagem marxista somente seria positivo ao evidenciar as contradições do capitalismo com o objetivo de superar este estágio e de contribuir para a implantação de uma sociedade comunista Assim sendo as teorias da modernização mostraram suas fragilidades analíticas uma vez que jamais ofereceram qualquer resposta ao problema das relações de poder em sociedade Por outro lado autores da perspectiva da dependência particularmente os da vertente marxista não formularam críticas aos valores que orientavam a busca do desenvolvimento a confiança na mudança social e no progresso mas somente aos resultados contraditórios que o desenvolvimento do capitalismo gerava Vale ressaltar portanto que progresso e desenvolvimento são ele mentos importantes para a vertente teórica da dependência em suas diferentes linha gens interpretativas O pósdesenvolvimento diferenciase das duas correntes anteriores ao mostrar que o problema não está na ineficácia da modernização e tampouco como sugere a orientação marxista naquilo que o desenvolvimento não faz a saber os benefícios pro metidos e não cumpridos De acordo com os pesquisadores do pósdesenvolvimento não há a pretensão de se criar um modelo de desenvolvimento não capitalista porque o socialismo também é problemático ao ser industrialista produtivista e evolucionista Para esses pesquisadores um desenvolvimento socialista não resolveria os problemas EAD 96 sociais pois o ponto crucial reside nos valores acima mencionados que orientam o de senvolvimento Ou seja neste caso continuaríamos presos à armadilha do progresso a qualquer custo e dependentes do crescimento econômico para transformar a vida das pessoas Assim a questão central do pósdesenvolvimento consiste em apontar o que as políticas e os programas de desenvolvimento executam ou seja seus efeitos seu sucesso e seus resultados concretos RADOMSKY 2014 Ainda segundo os autores dessa perspectiva o que o desenvolvimento faz é instru mentalizar e mercantilizar as pessoas intervir em suas vidas planejar modificar e co lonizar os modos de vida tradicionais quantificar resultados e construir realidades por meio de diagnósticos e relatórios A violência presente nos projetos de desenvolvimento é uma consequência direta desse processo que transforma a vida humana em um objeto que precisa ser modernizado e desenvolvido A perspectiva do pósdesenvolvimento desenvolveuse a partir de um conjunto de publicações sobre os dilemas e as críticas relativas aos projetos intervencionistas e de planejamento topdown de cima para baixo Entre os principais propositores ligados a essa corrente de pensamento encontramse Arturo Escobar Gilbert Rist Gustavo Esteva Jonathan Crush e Wolfgang Sachs Ao ver desses estudiosos retomando o que antes foi mencionado não estava mais em questão encontrar um bom conceito para o desenvolvimento tampouco buscar boas práticas que venham a renovar o conceito Encontrar um modo mais eficaz de se pensar e de se perseguir o desenvolvimento é algo muito diferente de imaginar uma era pósdesenvolvimento ESCOBAR 2007 na qual estaríamos livres dos fantasmas e das ideologias desenvolvimentistas O que esta visão de mundo pretende é portanto livrarnos do desenvolvimento enquanto narrativa que alimenta o planejamento social governa populações por meio de programas de crescimento econômico e nutre utopias de progresso geralmente frustradas ao longo de décadas RIST 2008 WALSH 2010 A maior parte dos pesquisadores que propuseram projetos de pesquisa em torno do pósdesenvolvimento sofre influências parciais do pósmodernismo e do pósestru turalismo temas que não serão abordados neste capítulo3 Num eixo de investigação fundamental para explicar as intenções dessa perspectiva os pesquisadores que se orien tam pelo pósdesenvolvimento sustentam que as teorias da modernização e as teorias marxistas fizeram perguntas equivocadas a respeito da relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento A questão não é saber quais fatores capital trabalho inovação técnica instituições ou conhecimentos podem auxiliar na superação do subdesenvol vimento tampouco importa saber como o capitalismo é responsável pelos problemas 3 Ao leitor que deseja entender os aspectos epistemológicos oriundos do pósestruturalismo presentes na perspectiva do pósdesenvolvimento sugerese consultar Escobar 2005 Para uma abordagem propositiva sobre o pósdesen volvimento em estudos rurais ver Radomsky 2014 EAD 97 sociais do desenvolvimento A questão determinante é problematizar as relações de po der que definem quais países são representados como desenvolvidos ou como subde senvolvidos A pergunta se formula da seguinte maneira como compreender o processo histórico graças ao qual Ásia África e América Latina foram definidas como continentes subdesenvolvidos que portanto necessitam de desenvolvimento ESCOBAR 2005 Para tal abordagem o desenvolvimento pode ser compreendido com base em três ele mentos as formas de conhecimento implícitas no discurso do desenvolvimento os sis temas de poder que regulam as práticas e as formas de subjetividade mantidas por esse discurso que determinam a diferença entre desenvolvidos e subdesenvolvidos Apesar de trazer novos aspectos à discussão do desenvolvimento o pósdesen volvimento tem sido alvo de diversas críticas A perspectiva pósdesenvolvimentista é acusada de romantizar as tradições locais e os movimentos sociais como se estes fossem sempre dotados de relações democráticas e antiautoritárias ignorando o fato de que eles também são configurados por relações de poder Ademais parece que as capacidades de resistência das populações que são alvos de projetos de desenvolvimento são subes timadas De Vries 2007 destaca que o pósdesenvolvimento ao focar as experiências localizadas às margens da modernidade não problematiza a aspiração das populações locais por desenvolvimento embora estas conheçam em parte seus impactos negativos especialmente aqueles relacionados a grandes obras e a tudo o que delas pode advir reassentamentos remoções residenciais expectativas e decepções quanto à geração de empregos entre outros Em resposta os pesquisadores que seguem realizando investigações orientadas pelas ideias do pósdesenvolvimento refutam a tese de que o desenvolvimento seja o único meio para se atingir uma melhora nas condições de vida e não pretendem subs tituir esse discurso desenvolvimentista por outra versão que se legitime como verdade universal Antes buscam dar visibilidade a outras realidades experimentadas por povos tradicionais e por movimentos sociais para os quais o desenvolvimento sempre foi algo estranho e construídas fora dos preceitos do desenvolvimento comprovando que seria e é possível viver de outro modo Deste ponto de vista incluemse no debate sobre desenvolvimento elementos até então pouco discutidos por pesquisadores da área a preservação ambiental e a diversidade cultural dos povos bem como o desejo das pes soas de viverem sem demasiada preocupação com o aumento da produtividade e com o crescimento econômico CONSIDERAÇÕES FINAIS O pósdesenvolvimento não poder ser confundido com outras importantes críticas endereçadas ao modelo convencional de desenvolvimento tais como o desenvolvimento EAD 98 sustentável a abordagem multidimensional que se diversificou a partir do Índice de De senvolvimento Humano IDH da ONU e a abordagem das capacitações proposta por Amartya Sen Os autores do pósdesenvolvimento rejeitam a manutenção de qualquer noção de desenvolvimento Eles não estão em busca de desenvolvimentos alternativos mas de alternativas ao desenvolvimento REFERÊNCIAS CRUSH Jonathan Ed Power of development London Routledge 1995 DE VRIES Pieter Dont compromise your desire for development A lacaniandeleuzian rethinking of the antipolitics machine Third World Quarterly Routledge London v 28 n 1 p 2543 Jan 2007 DUPAS Gilberto O mito do progresso Novos Estudos CEBRAP São Paulo n 77 p 7389 mar 2007 ESCOBAR Arturo El postdesarrollo como concepto y práctica social In MATO Daniel Org Polí ticas de economía ambiente y sociedad en tiempos de globalización Caracas Facultad de Ciencias Económicas y Sociales Universidad Central de Venezuela 2005 p 1731 La invención del Tercer Mundo construcción y deconstrucción del desarrollo Caracas Fundación Editorial El Perro y La Rana 2007 ESTEVA Gustavo Development In SACHS Wolfgang Ed The development dictionary a guide to knowl edge as power London Zed Books 1992 p 625 RADOMSKY Guilherme Francisco Waterloo Pósdesenvolvimento e estudos rurais notas sobre o de bate e agenda de pesquisa In CONTERATO Marcelo Antonio et al Orgs Pesquisa em desenvolvimento rural aportes teóricos e proposições metodológicas Porto Alegre Ed da UFRGS 2014 v 1 p 167182 RIST Gilbert The history of development from western origins to global faith 3 ed London Zed Books 2008 WALSH Catherine Development as buen vivir institutional arrangements and decolonial entangle ments Development v 53 n 1 p 1521 March 2010 EAD 99 Capítulo 9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INTRODUÇÃO HISTÓRICA E PERSPECTIVAS TEÓRICAS Felipe Vargas Yara Paulina Cerpa Aranda Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO A partir do fim da década de 1980 a noção de desenvolvimento sustentável co meça a circular como uma possibilidade de revisar e ajustar desgastadas concepções de desenvolvimento Tendo surgido com o propósito inicial de estreitar a relação entre o crescimento econômico e a temática ambiental a noção de desenvolvimento susten tável é atualmente mobilizada sobretudo por setores governamentais empresariais e acadêmicos para distintas prioridades e objetivos Um olhar atento sobre essa temática desvenda uma variedade enorme de sentidos que são por vezes divergentes O pontapé inicial da discussão é a percepção da finitude dos recursos naturais e das injustiças sociais provocadas pelo modelo de desenvolvimento vigente na maioria dos países ALMEIDA 1997 p 42 E tal constatação coloca em questão os rumos e as consequências da industrialização e do crescimento econômico de determinadas na ções Diante desse impasse surge a necessidade de qualificar o desenvolvimento o que impõe como efeito imediato pensar e debater o futuro da humanidade Uma estratégia para entender como a noção de desenvolvimento sustentável se consolidou nas diferen tes esferas da vida econômica estatal jurídica científica e social é acompanhar o processo histórico de institucionalização do debate ambiental Para tanto este capítulo está dividido em dois tópicos O primeiro tem como obje tivo apresentar brevemente alguns antecedentes e contextos da emergência da noção de EAD 100 desenvolvimento sustentável O segundo mostra como alguns discursos têm modificado os sentidos de sustentabilidade explorando a perspectiva de três autores que se desta cam no campo do desenvolvimento sustentável Ignacy Sachs Serge Latouche e Michael Redclift SUSTENTABILIDADE COMO PROBLEMA PARA O DESENVOLVIMENTO ANTECEDENTES E CONTEXTOS No período pósSegunda Guerra Mundial entra em curso um amplo processo de desenvolvimento econômico e social no grupo das nações mais abastadas Tratase de um ciclo com altas taxas de crescimento e expansão econômica comandado pelos Esta dos Unidos que dura até meados da década de anos 1970 provocando o ressurgimento ou a reanimação de nações europeias abaladas pela guerra às quais se junta alguns anos depois o Japão ALMEIDA 2005 No bojo desse processo sob o impulso da preocu pação com os limites dos recursos naturais a hipótese de crescimento contínuo seus objetivos e limites passam a ser questionados e a noção de sustentabilidade começa a ser forjada Diante de tal conjuntura é necessário conhecer o debate internacional que se ins taura para primeiro se compreender como aos poucos a noção de sustentabilidade se foi afirmando enquanto questão e segundo se observarem as situações em que se começa a exigir a introdução de variáveis que levem em conta as limitações de recursos não renováveis e as consequências dos empreendimentos humanos nas teorias desen volvimentistas até então vigentes Nesse sentido serão apresentados a seguir alguns momentos emblemáticos em que o debate se torna público e se busca institucionalizar O Clube de Roma 1972 Em 1972 na reunião do Clube de Roma em Estocolmo veio a público o estudo Limites do crescimento também conhecido como Relatório Meadows redigido por Meadows e sua equipe do Massachussets Institute of Technology MIT O documento apresenta um ponto de vista global e sistêmico sobre os problemas que se estendem por todo o planeta e interagem uns com os outros distribuição de renda êxo do rural exploração abusiva de recursos naturais etc e sustenta que desenvolvimento e meio ambiente devem absolutamente ser tratados como um só e mesmo problema MEADOWS et al 1972 p 295 apud URTEAGA 2008 p 128 Ancorado em cinco parâmetros população produção de alimentos industriali zação contaminação e utilização de recursos naturais não renováveis o estudo infere que a dinâmica desse ecossistema mundial conduz a um círculo vicioso um núme ro cada vez maior de indivíduos consomem e contaminam de maneira crescente um mundo de recursos limitados E conclui que seja qual for o cenário escolhido para as próximas décadas este crescimento exponencial conduz finalmente ao fim do sistema EAD 101 URTEAGA 2008 Este tema passa a atrelarse a outros tais como o controle do cres cimento demográfico especialmente nos países do Terceiro Mundo e o patamar zero de crescimento econômico Podese dizer que com isso o debate abre a questão sobre a capacidade de carga da biosfera e a necessidade de um sistema mundial sustentável DIEGUES 1992 p 25 A Conferência de Estocolmo ONU 1972 Três meses depois da publicação do Re latório do Clube de Roma realizase em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente onde pela primeira vez se debatem temas centrais relativos ao crescimento econômico desenvolvimento e proteção ambiental O lema oficial do evento é Uma só Terra Não obstante esse apelo a Guerra no Vietnã coloca naquele momento em oposição os blocos dos países do Norte e do Sul de Leste a Oeste Ainda assim a Conferência mantém seu objetivo a saber definir modelos de comportamento coletivo que permitam às civilizações coexistir Os países industrializados presentes à Conferência estavam mais interessados em controlar o aspecto negativo da industrialização a degradação ambiental ao passo que os países subdesenvolvidos entre os quais o Brasil temiam que a proposta de controle dos efeitos do crescimento econômico significasse uma arma contra o chamado desen volvimento dos países mais pobres DIEGUES 1992 p 25 Ao fim do encontro são aprovadas algumas resoluções Decidese criar no seio da ONU um órgão específico encarregado das questões ambientais o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUE com sede em Nairóbi e encabeçado por Maurice Strong Secretário Geral da Conferência É no cerne desse processo que o Secretário Geral introduz a noção de ecodesenvolvimento como uma alternativa para a dicotomia economiaecologia definindoo como uma estratégia de desen volvimento que rejeita um crescimento econômico que implique degradação ambiental Seria um paradigma de terceira via que não vê a humanidade frente a um panorama fatalista e tampouco crê cegamente no desenvolvimento da tecnologia como solução para os problemas Aos poucos no entanto a noção de ecodesenvolvimento vai sendo colocada de lado dando lugar à noção de desenvolvimento sustentável DIEGUES 1992 URTEAGA 2008 O Relatório Brundtland 1987 Efetivamente enquanto ideia a noção de desen volvimento sustentável começou a circular apenas no final da década de 1980 quando o Relatório Nosso Futuro Comum também denominado de Relatório Brundtland elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CMED da ONU foi entregue à Assembleia Geral em 31 de dezembro de 1987 O Relatório é fruto de cinco anos de trabalho da CMED e apresenta muitas propostas As questões de desenvolvi mento e meio ambiente aparecem intimamente relacionadas entre si alguns modos de desenvolvimento prejudicariam o meio ambiente e isso poderia obstar o próprio desen EAD 102 volvimento Reconhecese pois a possibilidade de haver crises já que diferentes âmbi tos são considerados população segurança alimentar biodiversidade contaminação vinculados uns com os outros URTEAGA 2008 O Relatório conclui que não existe outra solução a não ser a instauração de um desenvolvimento sustentado caracterizado como aquele capaz de garantir as necessidades das gerações futuras nos seguintes termos O atendimento das necessidades básicas requer não só uma nova era de crescimento econômico para as nações cuja maioria da população é pobre como a garantia de que esses pobres receberão uma parcela justa dos recursos necessários para manter esse crescimento Para que haja um desen volvimento global sustentável é necessário que os mais ricos adotem estilos de vida compatíveis com os recursos ecológi cos do planeta quanto ao consumo de energia por exemplo Relatório Brundtland apud ALMEIDA 1997 p 42 A definição geral de desenvolvimento sustentável é a noção dominante do Relatório Bruntland a mais amplamente utilizada e por outro lado a mais passível de críticas Como assinala Almeida 1997 o adjetivo sustentável é empregado para qualificar aquilo que está em equilíbrio que se conserva sem desgaste e se mantém no tempo Ao tentar transferir tais qualidades ao desenvolvimento criase a falsa expectativa de uma sociedade sustentável em harmonia com a natureza com exclusão da dimensão confli tuosa ou das tensões sociais Outro aspecto exposto a severas críticas é a ideia de que o crescimento econômico presente é compatível com a preservação da natureza Segundo a avaliação de Ribeiro 1992 o desenvolvimento sustentável supõe que agentes econômicos articulem ações de planejamento que compatibilizem interesses muito heterogêneos como a busca de lucro por parte de empresários a lógica do mercado a preservação da natureza e até a justiça social sem problematizar por exemplo a exploração de um grupo social por outro De fato na contramão do que fora proposto pelo Relatório Meadows de reduzir a zero o patamar do crescimento econômico o Relatório Brundtland silencia sobre o tema A Rio92 1992 Vinte anos separam a ECORio da Conferência de Estocolmo Proposta pelos redatores do Relatório Brundtland a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CNUMAD ocorre no Rio de Janeiro em junho de 1992 Pela sua dimensão 40000 participantes 108 chefes de Estado e governo 172 países representados é até então a conferência mais importante já promovida pela ONU EAD 103 Tamanha mobilização expressa a crescente influência que tem na cena institucio nal o ambientalismo num campo de lutas econômicas ideológicas e políticas em torno do desenvolvimento RIBEIRO 1992 Ao término de dez dias de discussões vários textos são aprovados Na ocasião foi estabelecido um plano de ação batizado de Agenda 21 compromisso assinado por um conjunto de mecanismos internacionais que busca envolver governos empresas e organizações sociais com o objetivo de tratar dos proble mas ambientais de maneira mais eficiente Conforme Redclift 2002 dois pressupostos orientaram as propostas da Rio92 a os problemas ambientais internacionais tais como a mudança climática e a perda de biodiversidade seriam anomalias das relações entre política ciência e a capacidade de lidar com os problemas ecológicos e b os países do Norte e os do Sul têm interesse comum em assegurar um desenvolvimento econômico que não seja prejudicial ao meio ambiente No entanto em termos de aplicabilidade a noção de sustentabilidade se vê sujeita a um alto grau de diluição De fato como assinala Veiga 2010 basta consultar a Agenda 21 Brasileira para verificar que o desenvolvimento sustentável é apresentado como um conceito em construção o que quer dizer que seus princípios e premissas são experimentais e que sua implementação depende de um processo social no qual os atores devem pactuar novos consensos rumo a um futuro sustentável A Rio 10 2002 No ano de 2002 a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento é organizada em Johannesburgo A palavra de ordem do encontro é rever os compromissos firmados dez anos antes durante a Con ferência do Rio Além disso é preciso insistir sobre o aspecto social da sustentabilidade e colocar mais ênfase na pobreza No entanto um contexto de crise financeira e os problemas de segurança decorrentes do pós11 de setembro o ataque às torres gê meas do World Trade Center em Nova Iorque ofuscam o encontro Os observadores concordam que os resultados desse evento são frágeis e que a declaração final apresenta compromissos assumidos vagamente URTEAGA 2008 NOVAS TEMÁTICAS E PERSPECTIVAS TEÓRICAS Viuse até aqui que a sustentabilidade se apresenta historicamente atrelada às preocupações com o ambiente Inicialmente entendido como objetomeio ou seja dito de maneira sumária como o conjunto de recursos por intermédio dos quais a humanidade satisfaz suas mais variadas necessidades o ambiente é reconceituado como um fim Em outros termos os efeitos de esgotamento deste objeto a serviço da econo mia bifurcam as discussões em dois focos distintos a a urgência em reduzir ou mode lar o crescimento econômico mediante a diminuição da exploração de matériasprimas ou a busca de alternativas menos impactantes e b a importância de conceder ao am EAD 104 biente o estatuto de domínio em si mesmo que precisa ser pensado enquanto esfera substancialmente distinta mas não isolada dos demais domínios o econômico o jurídico o político o social etc Podese asseverar que esses dois eixos se cruzam dando espaço para duas discussões de suma importância os efeitos da degradação ambiental e as forças políticas e sociais a serem mobilizadas para responder a esse problema GOLDBLATT 1998 Nesse ínterim três autores merecem especial atenção Ignacy Sachs é considerado um dos maiores pensadores dentro do campo do desenvolvimento sustentável Economista seus escritos inseremse no grande tema do ecodesenvolvimento SACHS 1981 ou seja na ideia de que é possível conciliar desen volvimento e proteção ambiental Na história do surgimento do desenvolvimento sustentável como plataforma de ação institucional as ideias de Sachs foram cruciais visto que o autor buscou conjugar o que ele próprio chamou as cinco dimensões da sustentabilidade a economia do crescimento o social distributivo o cultural como pertença local o ambiental para preservação e a especialidade do local Com isso o ecodesenvolvimento é definido por Sachs 1981 p 23 de maneira bastante pontual como desenvolvimento endógeno e dependente de suas pró prias forças tendo por objetivo responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desen volvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio Fique bem claro o que o autor pretende dizer com isso Para tanto é indispensável situar a definição dentro de uma época em que eclodem a preocupação com o meio ambiente e contestações significativas ao sistema capitalista e à economia de mercado Muitas críticas de movimentos sociais nos Estados Unidos na Europa e na América Latina voltamse contra a civilização do consumo pregando um retorno a economias de baixa energia A tentativa de conciliação de Sachs passa portanto a articular o caminho da expansão industrial e da movimentação da economia com uma espécie de pedagogia ambiental ou seja com a criação de uma consciência do uso adequado dos recursos em prol do bemestar humano que se traduz em preservar agora para as futuras gerações poderem usufruir depois Sachs apresentase assim como o autor que pretende criar ao mesmo tempo um espaço teórico e um espaço institucional para alavancar as discussões acerca das estra tégias de ocupação uso e geração de riqueza e distribuição de bens Em Caminhos para o desenvolvimento sustentável 2008 p 32 é este o problema a que ele busca responder Como desenhar uma estratégia diversificada de ocupação da Terra na qual as reservas EAD 105 restritas e as reservas da biosfera tenham seu lugar nas normas estabelecidas para o ter ritório a ser utilizado para usos produtivos Nesse sentido no final das contas a escala do problema à qual o autor se reporta se situa em nível global e a escala das respostas em nível local O segundo responde ao primeiro e o desenvolvimento sustentável prevê por conseguinte diversos modelos que permitam aos países dentro de seus contextos pensar estratégias de entrada no sistema da economia mundial Em posição distinta situase Serge Latouche Este autor justapõe as noções de desenvolvimento e de sustentável como oxímoros ou seja como um jogo de palavras retó rico contraditório que na prática não resulta em nenhuma transformação eficaz Assim sendo antes de significar uma transformação real dos modos de produção capitalistas e de nosso sistema de vida consumista essa expressão reforça a prática oposta a de que é preciso sustentar o desenvolvimento com base na expansão industrial e no aumento da força de consumo via concessão de créditos ao mercado financeiro e obsolescência programada Segundo Latouche 2007 2009 a noção de crise ambiental é portanto sintoma incontestável da ineficácia do sistema capitalista cuja premissa máxima é o crescimento pelo crescimento ou seja a acumulação ilimitada de capital O autor posicionase na contramão desse sistema propondo um decrescimento que se inspiraria em um tripé de divisão e redistribuição dos recursos a partir de uma ética formulada em um projeto político concreto reavaliar reconceituar reestruturar redistribuir relocalizar reduzir reutilizar e reciclar LATOUCHE 2007 Tal projeto de substituição do desenvolvi mento sustentável por um decrescimento convivial está obviamente baseado em ações expressas por alguns dos verbos acima mencionados reduzir nossa pegada ecológica redistribuir nos custos dos bens e serviços os danos ambientais causados pelas atividades que os produziram reestruturar a agricultura familiarcamponesa e reclocalizar essas atividades em sua própria escala reduzir o desperdício energético reconceituar os bens relacionais tais como a amizade por exemplo entre outros Destarte o economista francês propõe direcionar o campo de ação prático a ao fortalecimento de intercâmbios diretos de saberes locais e b à construção de Uni versidades Populares a exemplo do que ocorre no Haiti em Cabo Verde e na América Latina É necessário portanto fundar outra lógica cujo efeito primeiro seria criar valores de uso não quantitativo nem quantificáveis pelos profissionais de necessidades LATOUCHE 2009 p 167 Michael Redclift sociólogo britânico segue por sua vez seu próprio percurso Assim como Latouche ele critica a noção de desenvolvimento sustentável cunhada nas décadas de 1970 e 1980 Contudo sua principal preocupação está centrada na forma ção dos discursos acerca do tema EAD 106 Redclift 1984 repõe o oxímoro acima mencionado nos limites de suas condições de possibilidade ou seja aliandoo aos discursos que trazem consigo agentes e reivindicações as mais variadas como por exemplo os direitos àda natureza os direitos de equidade global ou até mesmo a legitimidade das intervenções científicas as demandas das megacorporações e assim por diante Em suma uma vasta gama de agentes tem arrastado a noção de desenvolvimento sustentável para sua própria arena de argumentação a fim de fazer valer a legitimidade de seus discursos e de suas agendas políticas O autor assume de várias formas estar preocupado em articular os domínios am biental do sistema econômico global e das estruturas políticas todos a partir do con ceito de sustentabilidade Mas para tanto é preciso fugir da ideia capitalista da produção limpa e da apropriação política do termo como praticada pelo neoliberalismo Nesse sentido devese reconhecer com o autor que o desenvolvimento sustentável está em disputa tanto conceitualmente quanto na construção da agenda política mais geral Essa disputa porém não é analisada por Redclift de maneira simples Segundo ele o desenvolvimento sustentável está conectado de forma que outros discursos vêm a reboque tais como energia limpa combustível biodegradável economia verde etc o que torna mais difícil fazer escolhas e firmar compromissos políticos REDCLIFT 2002 O desafio passa a ser explorar as novas ações concretas que são viabilizadas a partir deste confronto depurandoas das obscuridades que historicamente envolvem o desenvolvimento sustentável CONCLUSÃO SUSTENTABILIDADE COMO ALTERNATIVA As páginas deste breve capítulo perseguiram um duplo objetivo a retraçar uma série de eventos globais concretos que contribuíram para o surgimento do conceito de sustentabilidade e b delinear os contornos gerais dos referenciais mais relevantes para as ciências sociais dentro desta temática Ao encerrar deparamonos com as seguintes questões a a sustentabilidade lo grou apresentarse como alternativa ao crescimento econômico ao qual fazia contrapon to ao surgir b o conceito engendra práticas alternativas ao desenvolvimento Res ponder a tais questionamentos está obviamente fora do alcance do presente trabalho Mas eles continuam sendo relevantes no atual cenário graças à ampliação do horizonte de realidades dentro de cujos limites pensamos nossos conceitos e nossas ações EAD 107 REFERÊNCIAS ALMEIDA Jalcione Da ideologia do progresso à ideia de desenvolvimento rural sustentável In AL MEIDA Jalcione NAVARRO Zander Orgs Reconstruindo a agricultura ideias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável Porto Alegre Ed da UFRGS 1997 p 3355 Sustentabilidade ética e cidadania novos desafios da agricultura Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável v 1 n 4 p 1320 2005 DIEGUES Antonio Carlos S Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis da crítica dos modelos aos novos paradigmas São Paulo em Perspectiva São Paulo SEADE v 6 n 12 p 2229 jan jun 1992 GOLDBLATT David Teoria social e ambiente Lisboa Instituto Piaget 1998 LATOUCHE Serge Petit traité de la décroissance sereine Paris Mille et Une Nuits 2007 Decrecimiento o barbarie Entrevista a Serge Latouche Papeles de Relaciones Ecosociales y Cambio Global Madrid n 107 p 159170 jun 2009 REDCLIFT Michael R Sustainable development exploring the contradictions London Routledge 1987 The meaning of sustainable development Geoforum v 23 n 3 p 395403 1992 Póssustentabilidade e os novos discursos da sustentabilidade Raízes Campina Grande v 21 n 1 p 124136 janjun 2002 Sustainable development 19872005 an oxymoron comes of age Horizontes Antropológicos Porto Alegre v 12 n 25 p 6584 janjun 2006 RIBEIRO Gustavo Lins Ambientalismo e desenvolvimento sustentado ideologia e utopia no final do século XX Ciência da Informação Brasília v 21 n 1 p 2331 janabr 1992 SACHS Ignacy Ecodesenvolvimento crescer sem destruir São Paulo Vértice 1981 Caminhos para o desenvolvimento sustentável 3 ed Rio de Janeiro Garamond 2008 URTEAGA Eguzki El debate internacional sobre el desarrollo sostenible Investigaciones Geográficas Uni versidad de Alicante n 46 p 127137 mayoagosto 2008 VEIGA José Eli da Sustentabilidade a legitimação de um novo valor São Paulo SENAC 2010 EAD 108 Capítulo 10 DESENVOLVIMENTO RURAL DO AGRÍCOLA AO TERRITORIAL Juan Camilo de los Ríos Cardona Mailane Junkes Raizer da Cruz Rafaela Vendruscolo Guilherme F W Radomsky INTRODUÇÃO Este capítulo apresenta as principais discussões sobre o desenvolvimento com ên fase nas questões do rural bem como nos principais aportes das políticas públicas que convergem para os modelos de desenvolvimento Iniciase com a problemática referente ao desenvolvimento agrícola e agrário que marcou as décadas de 1950 a 1980 passan do pelos debates sobre desenvolvimento rural e desenvolvimento rural sustentável que se instauraram na década de 1980 impulsionados pelas consequências do modelo de desenvolvimento das décadas anteriores Em seguida serão tratadas as concepções de desenvolvimento local e desenvolvimento territorial que surgem nas décadas de 1990 e de 2000 como decorrência entre outros fatores da crise do Estado desenvolvimentista e de seu projeto de modernização da agricultura e do meio rural DIFERENTES VISÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO RURAL As diferentes definições dadas ao conceito de desenvolvimento rural desde a dé cada de 1950 têm sido influenciadas pelo espírito de cada época NAVARRO 2001 embora como assinalam Ellis e Biggs 2005 qualquer tentativa de interpretar o de senvolvimento rural desde meados do século passado arrisque incorrer em uma pe rigosa simplificação Parece indispensável não obstante apresentar alguns conceitos associados ao desenvolvimento rural Detenhamonos inicialmente na concepção de EAD 109 desenvolvimento agrícola para abordar na sequência os conceitos de desenvolvimento agrário desenvolvimento rural e desenvolvimento local e terminar com a atual concei tuação de desenvolvimento territorial DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA A visão do desenvolvimento rural especificada como desenvolvimento agrícola está vinculada principalmente à base material de produção agropecuária área plantada produtividade formatos tecnológicos mão de obra etc Segundo Navarro 2001 foi esta a visão que predominou na década de 1950 mas que teve maior força na década de 1970 período marcado por intensificação tecnológica como parte de uma estratégia que visava o aumento da produtividade e a elevação da renda dos produtores Nesta perspectiva rural era sinônimo de agrícola e desenvolvimento rural de modernização agrícola produzindo transformações socioeconômicas no meio rural que trouxeram resultados bastante penosos para os trabalhadores rurais e muito favoráveis às elites agrárias agrí colas e agroindustriais DELGADO 2009 p 4 Navarro 2001 assinala ainda que entre 1950 e 1975 a noção de desenvolvimen to rural visava o bemestar econômico das populações rurais isso porém se dava graças ao ímpeto modernizante com expressiva intervenção do Estado para induzir à adoção de tecnologias no intuito de otimizar a produção e a produtividade no setor agrícola Em outras palavras o Estado promovia o desenvolvimento agrícola ou agropecuário por meio da modernização calcada nos preceitos da chamada Revolução Verde1 que constituiu uma nova compreensão de agricultura baseada no modelo capitalista ociden tal que gradualmente foi se universalizando Entende o autor que ao disseminar um novo padrão de produção a Revolução Verde representou uma ruptura com o passado que ocasionou perda da relativa autonomia que a agricultura experimentara até então além da mercantilização gradativa da vida social Como foi exposto nos capítulos anteriores no caso brasileiro nas décadas de 1960 e 1970 a economia era dominada pela ideia força da industrialização considerada como o melhor instrumento para eliminar a grande defasagem que separava o País das econo mias capitalistas industrializadas com participação expressiva do Estado na economia e no planejamento do desenvolvimento DELGADO 2009 É importante lembrar que nesse período o Brasil vivia sob a ditadura militar e que quaisquer críticas às ações do Estado corriam risco de sofrer violenta repressão 1 Denominase Revolução Verde o modelo de produção difundido após o término da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade da agricultura mediante o uso intensivo do solo via mecaniza ção irrigação aplicação de agroquímicos fertilizantes e agrotóxicos e sementes geneticamente melhoradas de alto rendimento EAD 110 Embora essas políticas tenham privilegiado principalmente os grandes produtores e os produtos destinados à exportação também é certo que essa noção de desenvolvi mento agrícola estava associada no cenário internacional ao crescimento agrícola base ado na eficiência da pequena produção Na época consideravase que nos países de baixa renda a camada de agricultores tradicionais ou agricultores de subsistência poderia formar a base dos processos econômicos conduzidos pela agricultura ELLIS BIGGS 2005 p 64 Tal visão encontrou grande expressão no trabalho de Theodo re Schultz 1981 1967 que considerava o potencial da pequena agricultura como um motor do desenvolvimento e crescimento econômicos desde que dispusesse das condições técnicas adequadas Estimava o autor que caso dispusessem de máquinas e insumos modernos os agricultores saberiam obter entre seus custos e resultados eco nômicos uma razão tal que esta por seu comportamento maximizador se traduziria em substancial aumento de produção e produtividade Nesta fase da modernização agrícola foi implementada a política de crédito ru ral subsidiado iniciada em 1965 com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural SNCR que foi o principal instrumento de política econômica voltado para a moder nização da agropecuária DELGADO 2009 Também merecem destaque a criação no começo dos anos 70 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATER que coor denavam respectivamente a pesquisa e a difusão de tecnologias com vistas ao aumento da produção e da produtividade e a reformulação da Política de Garantia de Preços Mínimos PGPM que assegurava uma renda mínima ao produtor rural mediante a diminuição da flutuação dos preços pagos pelos produtos agrícolas DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO Se na concepção corrente até quase o fim do século XX o rural é o espaço onde ocorrem atividades agrícolas uma possibilidade de mudança social para que o rural acompanhe o desenvolvimento urbanoindustrial é modernizar a agricultura com ins trumentos para incrementar a produção e a produtividade Esta é uma visão que revela significativa confiança nos fatores técnicos associados ao progresso Outra possibilidade de mudança está em aprofundar ou modificar as relações capitalistas no campo ou alte rar a estrutura agrária e o padrão de distribuição dos fatores de produção em especial a terra A noção de desenvolvimento agrário está vinculada a essa transformação mais geral das relações sociais de trabalho e propriedade no espaço rural A expressão desenvolvimento agrário referese às interpretações acerca do mundo rural em suas relações com a sociedade em todas as suas dimensões Tal perspectiva assentase na análise da vida social rural e na sua evolução histórica associada às de EAD 111 mais mudanças na sociedade envolvente Tratase de uma visão vinculada à interpretação marxista do desenvolvimento do capitalismo no campo que enfatiza os processos histó ricos de transformações da vida social rural para a qual a estrutura agrícola produ ção e produtividade é apenas um entre vários aspectos Segundo Ellis e Biggs 2005 a ênfase recaiu e ainda recai no exame da dinâmica das classes sociais das relações de poder da desigualdade e da diferenciação social e na articulação desses aspectos com processos socioeconômicos mais amplos ligados à transformação do capitalismo No Brasil alguns acontecimentos tais como a organização das ligas camponesas antes de 1964 e a luta pela democratização durante a década de 1970 e no início dos anos 80 permitiram que a questão agrária assumisse uma importância política central principalmente no período de redemocratização do País durante a Assembleia Nacional Constituinte 19871988 Delgado 2009 assinala que se ergueram novas reivindi cações por políticas de preços e crédito rural para pequenos agricultores revelando assim esta nova faceta do desenvolvimento que ia além da simples visão de agrícola Essas reivindicações redundaram em políticas públicas voltadas principalmente à pro moção da reforma agrária as quais visavam justamente alterar o padrão de ocupação da propriedade da terra no meio rural transformando igualmente as relações de trabalho e produção DESENVOLVIMENTO RURAL Outra conceituação do desenvolvimento rural ganha evidência nas décadas de 1980 e 1990 como fruto do transcorrer histórico das discussões sobre o desenvolvimento agrícola e agrário De acordo com Navarro 2001 o desenvolvimento rural propriamente dito precisa ser diferenciado do desenvolvimento agrícola e do desenvolvimento agrário pois se trata de um conjunto de ações sistemáticas e interrelacionadas empenhadas em pro duzir mudanças sociais O autor define desenvolvimento rural como ação previamente articulada que induz ou pretende induzir mudanças em um determinado ambiente rural p 88 Esta ação está associada ao fato de que desde o final da década de 1970 come çouse a perceber que as políticas modernizantes para o desenvolvimento agrícola não haviam sido efetivas em assuntos específicos como a redução da pobreza Tal situação gerou um desencanto geral que sem dúvida se intensificou com o estancamento da fase econômica expansionista do pósguerra Além disso a partir dos anos 80 com o adven to das novas estratégias políticas inspiradas no enfoque conhecido como neoliberalismo o papel do Estado na condução eficaz das suas políticas foi enfraquecido e consequen temente o debate sobre o desenvolvimento foi retirado da agenda pública EAD 112 A partir da década de 1990 o desenvolvimento rural foi revitalizado pela emer gência de novas abordagens fortemente influenciadas pelas transformações de ordem social política e econômica que ocorreram na sociedade como um todo desdobrando se em políticas governamentais direcionadas para a reforma agrária o crédito para a agricultura familiar o apoio aos territórios rurais o estímulo a ações afirmativas para mulheres jovens aposentados e negros SCHNEIDER 2010 p 512 Essas novas dimensões surgiram como resposta ao projeto modernizante da agricultura que gerou resultados voltados quase que exclusivamente para as elites agrárias agrícolas e agroin dustriais em detrimento dos trabalhadores rurais DELGADO 2009 além do grave impacto ambiental causado pela aplicação de técnicas de produção agrícola com uso ex cessivo e intensivo de insumos industriais e em muitos casos com técnicas inadequadas para as condições biofísicas dos ecossistemas locais LEFF 2000 Tais constatações conduziram a que fossem incorporadas ao desenvolvimento ru ral outras dimensões não propriamente agrícolas entre as quais questões relaciona das à sustentabilidade e ao meio ambiente dando origem às noções de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento rural sustentável vide supra cap 9 O componente sustentá vel da expressão referese exclusivamente ao plano ambiental indicando ser necessário que as estratégias de desenvolvimento rural incorporem uma compreensão adequada das chamadas dimensões ambientais Já o desenvolvimento rural sustentável significa ria uma integração da nova dimensão ambiental com as outras dimensões produtivas sociais culturais e econômicas do desenvolvimento rural DO DESENVOLVIMENTO LOCAL À ABORDAGEM TERRITORIAL A crise do Estado desenvolvimentista e centralizador e as transformações do rural nas últimas décadas acarretaram mudanças nas concepções de desenvolvimento De um Estado desenvolvimentista e planejador do desenvolvimento passase à descentralização políticoadministrativa na gestão com a crescente influência da sociedade civil em esfe ras de poder RÜCKERT 2005 Isso propicia o surgimento de iniciativas de desenvol vimento da sociedade civil ou desta em articulação com entes estatais através de ações de desenvolvimento local eou territorial A concepção de desenvolvimento local nasce da problematização entre desenvolvi mento exógeno e endógeno Os processos de desenvolvimento exógenos acusavam in coerências com as diversas realidades brasileiras gerando consequências de um modelo imposto uniformemente o que levou diversos segmentos da sociedade a tecerem crí ticas a um modelo de desenvolvimento intervencionista Por outro lado também os projetos localistas deixaram à mostra fragilidades pois depositaram excessiva confiança em atores locais muitas vezes desprovidos de recursos para implementarem projetos EAD 113 de desenvolvimento As limitações da ação do Estado com a crise econômica e os pro blemas advindos da ação centralizadora intervencionista criaram outros dilemas uma vez que como estratégia de reforma das ações para o desenvolvimento o processo foi descentralizado para ser protagonizado por organizações não governamentais ONGs e outras entidades da sociedade Segundo Navarro 2001 o surgimento da noção de desenvolvimento local é re sultado de duas transformações importantes A primeira está ligada à emergência e à multiplicação das organizações da sociedade civil e de ONGs que se dedicaram a exe cutar ações em espaços locais A segunda está vinculada ao processo mais amplo de des centralização das decisões nas quais o Estado atribui responsabilidade aos atores locais para promoverem e recriarem formas de gestão de recursos públicos Desenvolvimento local é na definição de Buarque 1999 p 9 um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamis mo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população Frente às concepções de desenvolvimento essencialmente exógenas adotadas até então o desenvolvimento local representa uma inovação ao atentar à necessidade de olhar para a diversidade local e construir projetos de desenvolvimento que partam das necessidades reais de cada localidade Esta perspectiva busca valorizar a cultura os sabe res e fazeres os recursos naturais bem como a participação das pessoas nas decisões e no desenho dos projetos de desenvolvimento Com efeito nos anos 90 as políticas localistas no Brasil multiplicaramse no vácuo deixado pela crise do Estado A crise de financiamento do desenvolvimento ofereceu uma oportunidade para iniciativas locais mobilizadas pelas ONGs e demais organiza ções da sociedade A ampliação da pluralidade de atores que passaram a elaborar e a executar projetos de desenvolvimento reverteuse na pulverização de recursos e na des centralização do Estado Quando o Estado face a tais dificuldades retoma os projetos de desenvolvimento observase que as experiências locais deram espaço a ações articuladas entre o rural e o urbano e entre municípios gerando novas compreensões do desenvolvimento fundadas na concepção de território Essa concepção busca superar tanto a dicotomia entre ru ral e urbano quanto as ações meramente localistas para afirmar um tipo de estratégia calcado nas relações espaciais porém estimulando redes e iniciativas que articulem territórios mais abrangentes que os locais Estas passaram a ser denominadas iniciativas de desenvolvimento territorial Na noção de desenvolvimento territorial o território constitui a unidade sobre a qual se assenta a ação de desenvolvimento O surgimento do território enquanto lugar de execução das políticas públicas e ação dos atores sociais implica no entanto diversas consequências Como salienta Schneider 2004 os espaços não são meros suportes EAD 114 das relações sociais econômicas culturais e políticas as instituições as organizações e as relações que configuram o tecido social nos territórios são os recursos efetivamente habilitados para se traduzirem em projetos de desenvolvimento Nas universidades disciplinas como Geografia Antropologia Economia e Sociolo gia debruçaramse sobre a noção de território compreendendoo de diferentes formas de acordo com o olhar e o contexto político e social Bonnal et al 2008 p 190191 dividem os estudos sobre território e desenvolvimento territorial em quatro grandes concepções apoiadas em bases disciplinares a território como unidade de atuação do Estado para controlar a produção de externalidades pela agricultura se jam elas positivas ou negativas essa abordagem responde es sencialmente a uma preocupação da economia política b território como unidade de construção de recursos especí ficos para o desenvolvimento econômico essa preocupação corresponde ao ponto de vista da economia territorial c território como produto de uma ação coletiva concepção relacionada à socioeconomia das organizações d território como componente fundamental das sociedades tradicionais no sentido de sociedades arcaicas que se inscreve na pers pectiva da antropologia e da antropologia econômica As territorialidades construídas a partir das relações e similaridades socioculturais e naturais de determinado espaço despertaram o interesse das Ciências Sociais para os estudos sobre território até então objeto restrito da Geografia que passaram a focar as interações sociais e a apropriação simbólica do espaço ABRAMOVAY 2003 2007 Inúmeras pesquisas apontam a construção de novas territorialidades como promotoras do desenvolvimento as quais constituem estratégias ancoradas na valorização cultural e natural dos lugares Esses processos de valorização de regiões rurais por sua cultura e pela natureza pautamse pela instauração de uma identidade territorial como propulsora e mobilizadora do desenvolvimento FROEHLICH 2002 Assim os territórios são estabelecidos a partir das características materiais e imateriais ou seja com base em seus recursos biofísicos e humanos suas relações sociais e seus modos de produção e cultura Veiga 2003 e Abramovay 2003 apontam algumas condições para a abordagem territorial do desenvolvimento entre eles a necessidade de superação da dicotomia ru ralurbano bem como dos limites municipais em busca de mecanismos organizacionais que facilitem as relações a exemplo dos consórcios acima mencionados Veiga destaca ainda como principal desafio a proposição de uma estratégia que viabilize ir além das EAD 115 ações setoriais e promover uma real articulação horizontal nos territórios rurais ou seja sair dos limites municipais associarse com vistas a valorizar o território e compartilhar projetos e recursos necessários ao desencadeamento do desenvolvimento territorial No Brasil a abordagem territorial vem ganhando espaço tanto nos centros de pes quisa quanto entre os formuladores de políticas públicas sendo a Secretaria de De senvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário o exemplo mais patente de ação pública voltada a esse fim Projetos de desenvolvimento descentraliza dos elaborados pelos atores reunidos em territórios são estratégicos no século XXI As Políticas de Desenvolvimento Territorial Territórios da Cidadania Territórios Rurais são uma prova cabal de que o Estado passou a considerar os territórios como lócus para as suas ações CONSIDERAÇÕES FINAIS A história das políticas e programas de desenvolvimento de 1950 até nossos dias mostra que neste curto período mudanças nas concepções de espaço rural de polí ticas públicas e de lócus privilegiado para ação estatal resultaram em transformações relevantes nas definições de desenvolvimento De uma orientação que visava aumentar a produção e a produtividade agrícola expressivas de 1950 até fins dos anos 70 passa se a considerar o desenvolvimento rural um conjunto abrangente e complexo de ações previamente articuladas que objetivam mudanças gerais em um ambiente social Até meados dos anos 80 o Estado era o entechave para iniciar propor e conduzir tais processos de desenvolvimento No entanto o final do século XX testemunha a difi culdade desse Estado em organizar o desenvolvimento de modo intervencionista sem a participação dos atores sociais locais A sociedade civil organizada põese a estabelecer parcerias e redes com a participação crucial do Estado que não sai de cena visan do promover processos locais ou territoriais de desenvolvimento Neste panorama uma das mudanças mais relevantes a destacar é aquela que articula o necessário protagonismo dos atores locais e territoriais com uma concepção de rural enquanto espaço não iden tificado exclusivamente com a atividade agrícola que comporta diversidade econômica social e cultural REFERÊNCIAS ABRAMOVAY Ricardo O futuro das regiões rurais Porto Alegre Ed da UFRGS 2003 Para uma teoria dos estudos territoriais In ORTEGA Antônio César ALMEIDA FILHO Nie meyer Orgs Desenvolvimento territorial segurança alimentar e economia solidária Campinas Alínea 2007 p 1938 EAD 116 BONNAL Philippe CAZELLA Ademir Antônio MALUF Renato Sérgio Jamil Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento territorial avanços e desafios para a conjunção de enfoques Estudos Socie dade e Agricultura Rio de Janeiro v 16 n 2 p 185227 out 2008 BUARQUE Sérgio C Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal material para orien tação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal Brasília INCRAIICA 1999 DELGADO Nelson Giordano Papel e lugar do rural no desenvolvimento nacional Brasília IICA MDA 2009 ELLIS Frank BIGGS Stephen La evolución de los temas relacionados al desarrollo rural desde la dé cada de los años 50 al 2000 Organizações Rurais e Agroindustriais Universidade Federal de Lavras v 7 n 1 p 6069 janabr 2005 FROEHLICH José Marcos Rural e Natureza a construção social do rural contemporâneo na região cen tral do Rio Grande do Sul Tese Doutorado em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade Instituto de Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2002 LEFF Enrique Ecologia capital e cultura racionalidade ambiental democracia participativa e desenvolvi mento sustentável Blumenau Ed da FURB 2000 NAVARRO Zander Desenvolvimento rural no Brasil os limites do passado e os caminhos do futuro Estudos Avançados São Paulo USP v 15 n 43 p 83100 setdez 2001 RÜCKERT Aldomar Arnaldo Reforma do Estado reestruturações territoriais desenvolvimento e novas territorialidades GEOUSP Espaço e Tempo USP São Paulo n 17 p 7994 2005 SCHNEIDER Sérgio A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações externas Sociologias Porto Alegre v 6 n 11 p 88125 janjun 2004 Situando o desenvolvimento rural no Brasil o contexto e as questões em debate Revista de Eco nomia Política São Paulo v 30 n 3 p 511531 julset 2010 SCHULTZ Theodore William Modernización de la agricultura Cuadernos de Desarrollo Rural Bogotá n 7 p 93121 sept 1981 VEIGA José Eli da Cidades imaginárias o Brasil é menos urbano do que se calcula Campinas Autores Associados 2003 EAD 117 DADOS SOBRE OS AUTORES Abel Cassol Mestre e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa sociologia econômica sociologia da alimentação e sociologia do desenvolvimento Email abelcassolhotmailcom Ariane Fernandes da Conceição Doutoranda em Desenvolvimento Rural na Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria PPGExRUFSM Temas de pesquisa Co municação e Extensão Rural Administração e Planejamento Estratégico Associativismo e Cooperativismo Email arianeeuzinhayahoocombr Cíntia de Oliveira Caruso Doutoranda em Qualidade Ambiental pela Universidade FEEVALERS Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas Temas de pesquisa Economia Agrícola e Agricultura Familiar Sociologia e Meio Ambiente Qualidade Ambiental e Desenvolvimento Email cintiacarusoigcombr Dércio Bernardes de Souza Doutorando em Agronegócios na Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul CEPANUFRGS Mestre em Administração pela Universi dade Federal de Rondônia PPGAUNIR Temas de pesquisa Gestão do Agronegócio inovação e sustentabilidade Email derciosouzayahoocombr Dieisson Pivoto Mestre e Doutorando em Agronegócios na Universidade Federal do Rio Grande do Sul CEPANUFRGS Temas de pesquisa Gestão de organizações do agronegócio mercados agroindustriais e cooperativismo agropecuário Email dieis sonpivotogmailcom Felipe Vargas Mestre e Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa o problema do conhecimento ques tão ambiental antropologia da ciência sociologia rural Email fvargas85gmailcom Gabriella Rocha de Freitas Mestre e Doutoranda em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa estudos sobre desenvolvimento estudos póscoloniais Nova Sociologia Econômica Email gabriellaf rochagmailcom EAD 118 Guilherme Francisco Waterloo Radomsky Professor do Programa de PósGra duação em Desenvolvimento Rural e do Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Doutor em Antropologia Social PPGAS UFRGS Temas de pesquisa certificações propriedade intelectual e estudos sobre de senvolvimento Email guilhermeradomskyufrgsbr Juan Camilo de los Ríos Cardona Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Ru ral pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Temas de pesqui sa Mudanças ambientais e desenvolvimento rural políticas públicas para a agricultura Email camidelosriosyahoocom Mailane Junkes Raizer da Cruz Mestranda em Desenvolvimento Rural na Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Engenheira Florestal pela Universidade Federal do Paraná UFPR Temas de pesquisa relações de trabalho no campo desenvolvimento rural Email mailanejrcgmailcom Paulo André Niederle Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro CPDAUFRRJ Temas de pesquisa desenvolvimento rural dinâmica da agricultura familiar e mercados agroalimentares Email paulonie derlegmailcom Rafaela Vendruscolo Doutoranda em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PGDRUFRGS Mestre em Extensão Rural pela Uni versidade Federal de Santa Maria PPGExRUFSM Professora no Instituto Federal Farroupilha Campus de São Vicente do Sul Temas de pesquisa desenvolvimento ru ral mudanças institucionais desenvolvimento territorial Email rafaelavendruscolo iffarroupilhaedubr Tanise Dias Freitas Mestre e Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Temas de pesquisa Sociologia do Desenvolvi mento Sociologia Rural Qualidade de Vida Desenvolvimento Humano Meios de Vida Email tanise1208yahoocombr Yara Paulina Cerpa Aranda Doutoranda em Sociologia pela Universidade Fede ral do Rio Grande do Sul PPGSUFRGS Mestre em Sociologia pelo PPGSUFRGS Integrante do Grupo de Pesquisa Tecnologia Meio Ambiente e Sociedade TEMAS UFRGS Tem experiência na área de Sociologia com ênfase em Sociologia Ambiental Email yaracerpayahoocombr