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Organizadores Liliana Porto Jefferson de Oliveira Salles e Sônia Maria dos Santos Marques Data movement between external storage and Host DRAM is a significant bottleneck in large dataset analytics frameworks such as Apache Spark We propose a zerocopy method of sharing datasets between Apache Spark and GPU applications that eliminates needless redundant movement of data MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL The dataset is used by a distributed GPU indexing library that d Serializes data stored within each executors JVM heap memory d Pushes data serialization to GPUs vis ZeroCopyRDD ZeroCopyBatchSerialier and BatchColumnVector APIs d Allows multiple Spark executors to be attached to the same GPUs d Supports zerocopy dataset sharing between Spark and GPUs without transposing data Carries UUID dependency and broadcasted hash map metadata with dataset d Integrates with embracer device manager d Incorporates support for multiple Spark executors sharing GPU memory Organizadores Liliana Porto Jefferson de Oliveira Salles e Sônia Maria dos Santos Marques MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 1ª edição Curitiba Instituto de Terras Cartografi a e Geociências ITCG 2013 Presidência da República Dilma Rousseff Ministério da Cultura Marta Suplicy Governo do Estado do Paraná Carlos Alberto Richa Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Luiz Eduardo Cheida Instituto de Terras Cartografi a e Geociências Amílcar Cavalcante Cabral Técnica Responsável pelo Convênio no ITCGPR Patrícia Moreira Marques Capa e projeto gráfi co Adalberto Camargo Adalbacom Revisão Liliana Porto Colaboradores Ana Flávia da Silva Estagiária ITCGPR Stephani dos Santos Cavalcanti Estagiária ITCGPR Tainara do Carmo França Estagiária ITCGPR Reinoldo Mascarenhas Heimbecher Setor de Transportes ITCGPR Dados catalográfi cos na fonte Vera Lúcia Fritze Moreira CRB9783PR MEMÓRIAS dos povos do campo no Paraná centro sul Liliana Porto Org Jefferson de Oliveira Salles Org Sônia Maria dos Santos Marques Org Curitiba ITCG 2013 400p il 23cm ISBN 9788564176041 1 Comunidades Tradicionais Paraná 2 Confl itos de Terra Paraná 3 Memória Povos Tradicionais I Porto Liliana II Salles Jefferson de Oliveira III Marques Sônia Maria dos Santos IV Título CDD 30778162 Impresso no Brasil Sumário Introdução Cartografi as invisíveis José Antônio Peres Gediel 07 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 13 1 Paraná terra fl oresta e gentes Claudia Sonda e Raul Cezar Bergold 15 2 Comunidades quilombolas e direitos sociais modos de fazer criar e viver Sônia Maria dos Santos Marques 41 3 Uma refl exão sobre os faxinais meioambiente sistema produtivo identidades políticas formas tradicionais de ser e viver Liliana Porto 59 Parte II A questão quilombola Palmas 81 4 Memórias de dependência e liberdade em comunidades quilombolas Cassius Marcelus Cruz 83 5 Reconfi gurações identitárias e direitos sociais o caso da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista em PalmasPR Sônia Maria dos Santos Marques 117 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 135 6 Contextualização breve histórico sobre PinhãoPR Liliana Porto e Dibe Ayoub 137 7 Os posseiros do Pinhão confl itos e resistências frente à indústria madeireira Dibe Ayoub 151 8 Memórias de um mundo rústico narrativas e silêncios sobre o passado em PinhãoPR Liliana Porto 173 9 João José Zattar SA disputas sociais legitimidade legalidade Jefferson de Oliveira Salles 249 10 Desenvolvimento capitalismo e comunidades tradicionais refl exões em torno da Zattar e dos faxinalenses Paulo Renato Araújo Dias 295 Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 329 11 Refl exões sobre vida política e religião Maria Izabel da Silva 331 12 Faxinal dos Ribeiros Equipe da ERM Norberto Serápio 335 13 Agenda João Oliverto de Campos 345 Structured object data model 7 Introdução Cartografi as invisíveis José Antônio Peres Gediel1 O s textos que compõem este livro retiram da invisibilidade a memória o cotidiano os modos de vida de comunidades tradicionais quilombolas posseiros e faxinalenses no Estado do Paraná Dos escritos acadêmicos e dos relatos de membros dessas comunidades evidenciase uma identidade em torno do uso e ocupação da terra Os confl itos e lutas pela manutenção da terra se mesclam com a memória familiar da comunidade e suas relações com os poderes econômicos e políticos das regiões Dessas narrativas entrecortadas por lapsos temporais silêncios confl itos e labutas emerge uma cartografi a intolerável e irreconciliável com as Tordesilhas e títulos imobiliários que demarcam esses espaços de vida A constante expansão das atividades capitalistas sobre essas terras não dispensa inclusive a violência das armas e tem no direito um artefato poderoso de legitimação dessa violência A apropriação e regulação jurídica da terra no Brasil remonta ao Tratado de Tordesilhas fi rmado entre os reinos de Portugal e Castela em 1494 para resolver a disputa entre esses reinos a respeito do domínio político e da titularidade jurídica das terras no recém descoberto Continente Americano Notese que o reino de Portugal considerou vagas todas as terras deste território chamado de Vera Cruz Santa Cruz e depois Brasil pois excluiu a aplicabilidade do direito do reino às populações indígenas A elas não era reconhecido qualquer direito sobre as terras iniciandose assim o processo de espoliação e de invisibilização desses povos 1 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná e professor titular de Direito Civil da UFPR 8 O Estado colonial português utilizou instrumentos jurídicos já existentes no Reino para regular a concessão de terras a seus súditos residentes no Brasil O instrumento mais importante para a concessão de terras foi o das Sesmarias que pode ser defi nida como uma parcela ou porção de terra cuja concessão de titularidade a um súdito dependia de ato simbólico da tomada de posse da terra por esse súdito seguido de ato de concessão do soberano e posterior registro em um tabelionato No regime jurídico das Sesmarias caso o concessionário não a ocupasse tornandoa efetivamente produtiva pelo cultivo em um prazo de até 5 cinco anos deveria devolvêla à Coroa Essa condição resolutiva do direito do concessionário não foi aplicada no Brasil e os benefi ciários das Sesmarias não sofreram qualquer sanção por não terem cultivado a terra até porque o empreendimento colonial do Brasil visava à extração de recursos naturais que independiam do cultivo Há quem aponte nesta característica da ocupação territorial e na ausência de fi scalização pela Coroa a origem mais remota dos latifúndios improdutivos no Brasil O Sistema Sesmarial no Brasil foi a fórmula aplicada até o ano de 1822 Destaquese ainda que as Sesmarias que já tivessem sido medidas lavradas demarcadas ou confi rmadas continuaram válidas e foram reconhecidas após 1822 pois os benefi ciários destas concessões ocupavam posições de destaque no aparato administrativo do Estado nacional agora independente Os títulos constituídos com base nas concessões de Sesmarias concentraramse sobretudo na região abrangida pelo domínio português segundo o Tratado de Tordesilhas cerca de trezentas e sessenta léguas a oeste da Ilha dos Açores Com a independência do Brasil a Constituição do Império de 1824 acolheu em parte as idéias liberais sobre propriedade privada e garantiu a continuidade dos concessionários sobre as terras embora tenha rompido com o sistema político e jurídico até então vigente Os latifúndios se consolidaram nas mãos de quem detinha o poder político e os homens livres sem cargos na administração ou pobres que trabalhavam a terra continuaram como posseiros sem títulos que lhes garantissem juridicamente a ocupação da terra O território do Estado do Paraná fazia parte inicialmente da Capitania de São Vicente São Paulo e posteriormente da Província de São Paulo até o ano de 1853 quando foi criada a Província do Paraná Assim o processo de formação territorial e da propriedade privada no atual Estado do Paraná seguiu os mesmos passos das demais regiões brasileiras na parte abrangida pelo Tratado de Tordesilhas o que em termos atuais signifi ca uma grande região de aproximadamente duzentos quilômetros a 9 partir da costa composta pela região litorânea Serra do Mar e Primeiro Planalto demarcada ao norte pelo Rio Ribeira na divisa com o Estado de São Paulo e ao sul seguindo o curso do Rio Iguaçu até a fronteira do atual Estado de Santa Catarina Segundo levantamentos imprecisos a partir do século XVII em Lisboa em São Vicente São Paulo e no Rio de Janeiro foram expedidas sessenta e nove Sesmarias concedendo terras no Paraná No restante do território do atual Estado do Paraná por não estar claramente sob o domínio português a expedição de títulos foi iniciada somente no fi nal do século XIX e perdura até os dias de hoje Após 1822 o regime jurídico original das Sesmarias foi abolido mas o Império brasileiro continuou a conceder títulos a particulares por meio de cartas régias que em tudo se assemelhavam às Sesmarias e tinham seu registro efetuado junto às paróquias da Igreja Católica religião ofi cial do Império Até 1850 não havia uma legislação detalhada regulando a concessão de títulos imobiliários embora a Constituição de 1824 reconhecesse o direito à propriedade privada Ao lado das áreas tituladas por meio de Sesmarias ou de cartas régias apareciam áreas ocupadas cujos detentores buscavam a titulação junto à administração imperial uma vez que todas as terras não tituladas continuavam sob o domínio jurídico da Coroa imperial brasileira herdeira da Coroa portuguesa No Paraná a ocupação era escassa e além dos títulos concedidos as posses eram irrelevantes em termos numéricos e econômicos pois a economia era extrativista ouro ou pecuarista criação de gado A lei 601 de 1850 conhecida como lei de terras veio alterar os requisitos para se obter títulos de terras ou revalidálos É nesse período que algumas famílias de escravos alforriados ou não vão ocupar áreas que hoje constituem a maior parte dos territórios quilombolas do Paraná Entre eles também se encontram famílias que receberam doações de seus senhores como é o caso dos quilombolas do Paiol de Telhas em Guarapuava Essas famílias jamais terão o direito de propriedade de suas terras pois sua condição de escravos libertos e a exigência de pagamento de tributos para obtenção do título são obstáculos intransponíveis O Código Civil brasileiros de 1916 vai completar o processo de privatização da terra no Brasil iniciado em 1850 tornandoa defi nitivamente uma mercadoria que poderá circular abstratamente representada no título do registro imobiliário Esse mesmo Código irá colocar os indígenas entre os sujeitos relativamente incapazes sob a tutela do Serviço de Proteção ao Índio SPI e irá transformar a posse em uma das manifestações da propriedade 10 O século XX irá transcorrer sem grandes alterações para esses sujeitos em relação à terra e à sua invisibilidade que somente começou a ser quebrada com a emergência de novos movimentos sociais a partir da década de 1960 Nas décadas seguintes esses movimentos participaram do processo de redemocratização do Estado brasileiro e lutaram pelo reconhecimento de direitos durante a Constituinte A Constituição de 1988 contém apenas parcialmente o resultado de tais demandas mas mesmo assim abre espaço para a discussão sobre a reforma agrária a demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas Entretanto esses necessários e signifi cativos avanços políticos e jurídicos nem sempre garantem os direitos constitucionalmente assegurados a esses povos O fato é que a terra por eles ocupada passa a ser ainda mais importante para a expansão da economia capitalista e sua cultura orientada por valores próprios como obstáculos a essa expansão econômica Assim os processos de reconhecimento de direitos territoriais e culturais trazem consigo a visibilidade dessas comunidades mas também discursos e práticas jurídicas de negação desses direitos O tratamento jurídico desses direitos vem mediado por um complexo sistema de categoria conceitos e práticas jurídicas e também por divisões de competências e atribuições de órgãos estatais o que acaba por difi cultar ou até esvaziar as demandas dessas comunidades No que se refere aos sujeitos detentores desses direitos por exemplo eles são enquadrados por classifi cações jurídicas amplas e imprecisas tais como povos e comunidades tradicionais que apontam para uma identidade marcada pela escassa ou nenhuma inserção dessas gentes nas atividades de ponta do sistema capitalista Decorre daí que indígenas quilombolas faxinalenses cipozeiros caiçaras pescadores artesanais entre outros sejam todos vistos de maneira uniforme pelo direito e os indígenas por exemplo por vezes são tratados como povos e outras vezes como comunidades tradicionais Além dessa generalização e imprecisão conceitual outros obstáculos se levantam contra a efetivação de direitos territoriais desses povos ou comunidades porque os direitos reivindicados se referem a interesses ou bens utilizados por todos coletivamente o que se opõe frontalmente à noção de propriedade que regula por inteiro o acesso e uso dos bens nas sociedades modernas não tradicionais A ocupação e o uso tradicionais da terra por esses povos e comunidades não se volta para obtenção do valor de troca terra por sua circulação mercado circulação essa que é tornada possível por meio de um título que representa o direito de propriedade sobre a terra 11 Na perspectiva do direito vigente a ocupação e uso da terra são compreendidos como posse civil que ganha relevância e proteção jurídicas por ser a expressão da vontade livre de um indivíduo em se tornar ou agir como proprietário A posse civil é expressão material da propriedade e um dos caminhos para se chegar até ela Não bastasse a comunhão de interesses dessas comunidades a respeito dos bens outros aspectos jurídicos difi cultam impedem o exercício de seus direitos ou promovem a desagregação de seu modo de vida como é o caso dos instrumentos de representação em juízo ou fora dele Com efeito o instrumento jurídico da representação civil decorrente de negócio jurídico baseado na vontade individual ou na lei é totalmente estranho aos modos de constituição da autoridade nessas comunidades Assim por exemplo os indígenas são representados ou assistidos por força de lei pela Fundação Nacional do Índio FUNAI órgão da União Federal No caso dos quilombolas para que possam ocupar e usar suas terras devem contar com a mediação de uma pessoa jurídica organizada e dirigida segundo os cânones do direito liberal individualista sobrepondose às formas e práticas de escolha das autoridades da comunidade Em todos esses casos há um lento e quase imperceptível desencantamento do mundo tradicional pois a dimensão e as práticas jurídicas estranhas ao cotidiano desses povos e comunidades contribuem para enfraquecer e afetam crenças práticas ancestrais redes de parentesco sua memória e identidade A violência física provocada pelo avanço do agronegócio sobre essas terras é potencializada e legitimada pela técnica jurídica A demora em reconhecer e assegurar a ocupação tradicional da terra se inscreve em um amplo processo de desvalorização desses sujeitos e seus modos de vida Esses povos e comunidades estão sujeitos à ordem jurídica do Estado nacional seus direitos são reconhecidos pela Constituição Federal mas seu exercício traduz a violência e a negação das diferenças culturais e o desrespeito pelo outro Apesar disso tudo novas estratégias de resistência são engendradas no cotidiano e no espaço público Algumas delas estão presentes neste livro que reaviva a memória e reafi rma a identidade dessas comunidades Agrária em Municípios da Região Centro Sul do Estado do Paraná Instituto de Terras Cartografia e Geociências INFORMAÇÕES CARTOGRÁFICAS Sistema de Projeção UTM Datum Horizontal SAD 69 Meridiano Central 51 W MAPA DE SITUAÇÃO CONVENÇÕES CARTOGRÁFICAS Divisas Municipais Comunidades Quilombolas Certificadas Faxinais Áreas Indígenas Demarcadas Áreas da Reforma Agrária Acampamentos Áreas Estratégicas para Conservação Áreas Estratégicas para Restauração FONTES Áreas Estratégicas IAP 2004 Resolução Conjunta SEMAIAP 0052009 Divisas Municipais ITCG 2012 Comunidades Negras Tradicionais e Remanescentes de Quilombos ITCG e Grupo Clóvis Moura 2009 Presença Indígena Assessoria para Assuntos IndígenasSEAE 2009 Secretaria Especial de Relações com a Comunidade 2011 Faxinais Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais 2010 Assentamentos INCRA 2008 Acampamentos ITCG 2008 Obs Áreas Prioritárias do Paraná definidas no Decreto Estadual nº 3320 de 12 de julho de 2004 SISLEG Reserva Legal wwwitcgprgovbr 2013 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 1 Paraná terra fl oresta e gentes Claudia Sonda e Raul Cezar Bergold 2 Comunidades quilombolas e direitos sociais modos de fazer criar e viver Sônia Maria dos Santos Marques 3 Uma refl exão sobre os faxinais meioambiente sistema produtivo identidades políticas formas tradicionais de ser e viver Liliana Porto No text extracted as image is blank or contains no transcribable text 15 Capítulo 1 Paraná terra fl oresta e gentes1 Claudia Sonda2 Raul Cezar Bergold3 Introdução O foco central deste trabalho é ilustrar a pluralidade dos povos do campo e das fl orestas no estado do Paraná que de algum modo resistiram em seus territórios e ainda os disputam relacionandoos com a conservação dos recursos naturais Nesse sentido serão abordados sem o devido aprofundamento teórico mas mesmo assim à luz da questão agrária os confl itos sociais e ambientais decorrentes do processo de apropriação da terra e das fl orestas durante as fases históricas de reocupação e de colonização desse estado O que se quer discutir é que apesar da fase atual em que praticamente se consolidou o modo de produção capitalista no campo cuja expressão atual é o agronegócio da soja canadeaçúcar pecuária refl orestamentos fi nanciado e apadrinhado pelo Estado ainda existem e resistem outros modos de vida no campo e nas poucas fl orestas remanescentes do Paraná que deveriam ser reconhecidos pautados e fortalecidos por normas jurídicas e políticas públicas de verdade e no tempo certo Para tanto será apresentado um breve panorama da evolução da exploração agrícola empresarial no Paraná mencionando os seus diferentes 1 Agradecemos especialmente aos engenheiros agrônomos Francisco Adyr Gubert Filho e Patrícia Moreira Marques o primeiro lotado no Instituto Ambiental do Paraná IAP e a segunda no Instituto de Terras Cartografi a e Geociências ITCG pelas valiosas contribuições que deram para a realização desse trabalho 2 Graduada em Engenharia Florestal mestre em Economia Agrária e Sociologia Rural doutora em Engenharia Florestal Conservação da Natureza É servidora pública do Instituto Ambiental do Paraná onde atua no Departamento de Licenciamento de Recursos Naturais especifi camente com o licenciamento ambiental dos assentamentos rurais de reforma agrária 3 Graduado em Direito especialista em Direito Ambiental e mestrando em Direito Socioambiental É Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do INCRA no Paraná onde atuou de 2006 a 2010 no Serviço de Meio Ambiente e Recursos Naturais É o atual Ouvidor Agrário Regional no Paraná MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 16 ciclos e a sua relação com as fl orestas Isso implica na necessidade de pensar o processo de colonização verdadeira reocupação do território do estado Desses processos resultaram inegáveis confl itos com os povos tradicionais que possuem outras formas de relação com o território ameaçadas pelo modelo hegemônico do agronegócio Diante disso houve uma ampliação das lutas desses povos por reconhecimento que se manifestou em diferentes instrumentos legais nacionais e internacionais já que a expansão desse modelo agrícola padrão além de outras formas de ameaça aos territórios tradicionais não são exclusividade do Paraná ou do Brasil A legislação correlata então será abordada ainda que de uma forma bastante breve mas que deverá servir para uma compreensão sobre o direito desses povos A modifi cação da realidade produzida por essa legislação é o que demanda igual tratamento As abordagens que serão feitas são aplicáveis aos povos tradicionais como um todo sendo que no texto serão tratados com maior detalhe os indígenas os quilombolas os faxinalenses e os camponeses o que não signifi ca que no Paraná não existam outros grupos e comunidades que se organizam de modo diferenciado e que precisam de um tratamento que considere suas diferenças Questão agrária meio ambiente território e povos tradicionais Tradicionalmente os contornos da questão agrária gravitam em torno dos problemas fundiários relacionados à expansão do capitalismo no campo desdobrandose em aspectos concretos como a formação de um mercado interno através da industrialização da agricultura o processo de diferenciação camponesa o questionamento das relações de trabalho e das estruturas de poder no campo a organização dos trabalhadores na luta pela terra ou a produção agropecuária e o abastecimento de alimentos e outros insumos Delgado Fernandes Oliveira Stédile Tavares citados por Montenegro 2010 Ainda de acordo com Veiga 2000 o processo de modernização da agricultura levou um grande número de agricultores à decadência forçou grande parte da força de trabalho rural a se favelizar nas periferias urbanas fez aumentar o número de pobres rurais elevando a níveis insuportáveis a violência a destruição ambiental e a criminalidade As abordagens de literaturas mais recentes além de confi rmarem os inúmeros confl itos gerados pela expansão do capital no campo reforçam a relação dos confl itos socioambientais com a questão agrária Muito sinteticamente podese dizer que os autores Altieri 2004 Porto Gonçalves 2006 Maciel 2005 Norder 2006 Sevilla Guzmán 2006 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 17 citados por Montenegro 2010 consolidam uma visão crítica dos impactos ambientais negativos produzidos pela agricultura moderna4 ou Revolução Verde Esses impactos ainda se expressam fortemente nos dias atuais associandose à expansão dos agronegócios soja canadeaçúcar pecuária refl orestamentos sempre na forma de monoculturas na ampliação dos plantios fl orestais pinus e eucaliptos formando os designados desertos verdes na liberação e estímulo à utilização das sementes transgênicas na intensifi cação do uso de agrotóxicos e de fertilizantes De outro lado ressurgem reivindicações socioambientais de uma série de sujeitos sociais que se pretendia que estivessem extintos gentes da terra das fl orestas do mar e ribeirinhos os quais teceram suas racionalidades nesses ambientes Essas gentes ou povos tradicionais5 não são hegemônicos como poderiam ser mas têm resistido ao longo do tempo e do que restou de seus territórios Montenegro 2010 analisou sete documentos6 os quais resultaram de inúmeras reuniões de diferentes grupos sociais da América Latina nos últimos anos Essa análise ilustrou uma visão sistemática e plural das principais pautas e denúncias que marcam as lutas e resistências desses grupos em relação aos seus territórios de vida 4 Inúmeros autores estudaramestudam Martine G Graziano da Silva Gonçalves Neto W entre outros o fenômeno da modernização da agricultura Balsan 2006 a partir de uma revisão desses autores sintetiza a concepção de agricultura moderna como o modelo agrícola adotado na década de 196070 voltado ao consumo de capital e tecnologia externa em que grupos especializados passavam a fornecer insumos desde máquinas sementes adubos agrotóxicos e fertilizantes Essa opção de aquisição era facilitada pelo acesso ao crédito rural determinando o endividamento e a dependência dos agricultores 5 A defi nição de povos e comunidades tradicionais adotada nesse artigo é a estabelecida pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais Em seu artigo 3º inciso I defi ne Povos e Comunidades Tradicionais como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais que possuem formas próprias de organização social que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural social religiosa ancestral e econômica utilizando conhecimentos inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição Decreto Federal 60402007 Conforme Little 2002 o conceito de povos tradicionais procura encontrar semelhanças importantes dentro da diversidade fundiária do país ao mesmo tempo em que se insere no campo das lutas territoriais atuais presentes em todo Brasil 6 Os documentos analisados foram os seguintes 1 Declaração Final da IV Cúpula dos Povos e Nacionalidades Indígenas de Abya Yala PunoPerú 31052009 2 Resolução de Povos Indígenas sobre a IIRSA La PazBolívia 19012008 3 Proposta da Via Campesina de Declaração dos Direitos das Camponesas e dos Camponeses SeulCoreia do Sul 08032009 4 Declaração dos Conselhos Comunitários e Organizações ÉtnicoTerritoriais AfroColombianas e Indígenas do Litoral Pacífi co TumacoColômbia 18062007 5 Declaração Política do Fórum Nacional Tecendo Resistências pela Defesa de Nossos Territórios OaxacaMéxico 18042009 6 Acordo e Conclusões do 10º Encontro da União de Assembléias Cidadãs UAC Contra o Saqueio dos Bens Naturais e a Poluição pela Soberania Alimentar e a Vida Jujuy Argentina 26072009 7 Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais do Semiárido Paulo AfonsoBrasil 12122008 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 18 Destacase do conjunto de documentos analisados a concepção da relação homemnatureza provinda fundamentalmente dos grupos indígenas e povos tradicionais os quais consolidam suas críticas contundentes contra a extração intensiva dos recursos naturais e a construção de megainfraestruturas e levanta uma dura alegação contra o produtivismo tóxico seja da grande propriedade empresarial ou da agricultura familiar empresarial Nesse sentido o estado do Paraná é um exemplo concreto da pertinência dessas análises seu repovoamento7 e formação foram impulsionados pelos grandes ciclos econômicos do Brasil sob a forte infl uência dos contextos do comércio internacional Serra 2010 afi rma que a história agrária do Paraná é marcada pela forte relação entre os processos de apropriação da terra agrícola e da sua exploração econômica ocasionando confl itos rurais que se estabeleceram ao longo do espaço e do tempo Com o início do processo da modernização da agricultura brasileira a partir de 1960 e que no Paraná ocorrerá a partir dos anos 1970 Germer 2003 afi rma que as estruturas agrárias e agrícolas paranaenses foram profundamente modifi cadas em menos de 10 anos Essa alteração não ocorreu somente do ponto de vista das tecnologias e dos tipos de produtos mas também e especialmente em termos das fi guras humanas da redivisão em classes dando origem a um proletariado rural8 com muita rapidez e ao mesmo tempo a formação de uma burguesia moderna agrária9 O processo de modernização da agricultura particularmente no Paraná está praticamente consolidado com a burguesia moderna agrária esparramada e ainda esparramandose nos territórios remanescentes da agricultura camponesa povos indígenas quilombolas e faxinalenses Ou seja ainda há luta e disputa por terra e território nesse estado O processo de disputa territorial é uma das dimensões da questão agrária que refl ete os embates entre o modelo hegemônico da agricultura empresarial a dos agronegócios e os outros modelos nada hegemônicos mas plurais e resistentes das agriculturas camponesas dos povos indígenas dos 7 Utilizouse o termo repovoamento do Paraná corroborandose com o conceito de Motta citado por Ribeiro 2005 que diz o seguinte A representação de um espaço geográfi co desocupado ou vazio é tributária das metas de expansão do capitalismo que incorpora uma nova área ao seu sistema produtivo desmistifi cando a noção de um processo harmonioso e pacífi co elaborado pela ótica colonialista Diante desta concepção possessões indígenas são qualifi cadas como espaços ideais a serem inseridos no âmbito da economia nacional e subsequentemente capitalista Os responsáveis pela projeção do imaginário das terras virgens bem como pelo surgimento do mito do pioneiro colonizador são agentes determinados da sociedade nacional dentre os quais se incluem as companhias colonizadoras representantes governamentais os geógrafos dos anos de 1930 a 1950 e historiadores desta mesma época 8 O proletariado rural é representado pela agricultura camponesa ou campesinato cujo conceito associase ao de povos tradicionais 9 A classe da burguesia moderna agrária é representada pelas agriculturas empresarial de grande dimensão e também pelas familiares tecnifi cadas e intensivas no uso de capital Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 19 quilombolas dos faxinalenses e também dos trabalhadores rurais sem terra assentados pela reforma agrária Os interesses confl itantes sobre o uso e ocupação de um mesmo território geram disputas territoriais grilagens titulações ilegais ou que dão a terra como um privilégio genocídio de populações tradicionais ocupações de terra praticadas pelos movimentos sociais de luta pela terra reintegrações de posse ações de usucapião processos de regularização fundiária ações judiciais envolvendo demarcação de territórios indígenas e quilombolas entre outras Os confl itos por terra são também confl itos pela imposição dos modelos de desenvolvimento territorial rural e nestes se desdobram Fernandes 2004 2 Ainda de acordo com Fernandes Pensar o território nesta conjuntura devese considerar a confl itualidade existente entre o campesinato e o agronegócio que disputam territórios Esses compõem diferentes modelos de desenvolvimento portanto formam territórios divergentes com organizações espaciais diferentes paisagens geográfi cas distintas Nesta condição temos três tipos de paisagens a do território do agronegócio que se distingue pela grande escala de homogeneidade da paisagem caracterizado pela desertifi cação populacional pela monocultura e pelo produtivismo para a exportação o território camponês que se diferencia pela pequena escala e heterogeneidade da paisagem geográfi ca caracterizado pelo frequente povoamento pela policultura e produção diversifi cada de alimento principalmente para o desenvolvimento local regional e nacional o território camponês monopolizado pelo agronegócio que se distingue pela escala e homogeneidade da paisagem geográfi ca e é caracterizado pelo trabalho subalternizado e controle tecnológico das commodities que se utilizam dos territórios camponeses 2008 296 Para Fernandes citado por Cleps Junior a confl itualidade é inerente ao processo de formação do capitalismo e do campesinato Acrescentase que a questão agrária gera continuamente confl itualidade porque é movimento de destruição e recriação de relações sociais de territorialização desterritorialização e reterritorialização do capital e do campesinato 2010 37 Nesse sentido para compreender a organização de cada território específi co é preciso considerálo em sua totalidade e em sua multidimensionalidade cultural religiosa étnica econômica social ambiental entre outras organizado em diferentes escalas a partir de suas diferentes paisagens MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 20 Fernandes citado por Cleps Junior 2010 diz ainda que as políticas públicas de desenvolvimento favorecem as relações capitalistas em detrimento das relações não capitalistas ou familiares e comunitárias O que historicamente contribuiu e ainda contribui para a expropriação do conjunto de agricultores camponeses quilombolas trabalhadores sem terra faxinalenses indígenas entre outros que perdem continuamente seus territórios para a livre e incentivada expansão do capital no campo No item a seguir explicitase o processo histórico e econômico de eliminação da cobertura fl orestal do estado do Paraná tendo como pano de fundo os velhos e novos confl itos ou impactos socioambientais negativos Distribuição das fl orestas no Paraná quem tem e quem não tem fl oresta e por quê Até meados do século XIX a cobertura fl orestal do Paraná em suas diferentes formações fl orísticas ocupava 83 da sua superfície Ao longo do processo histórico de ocupação e consequentemente de disputas por terra e territórios desse estado assistiuse a uma rápida eliminação de sua vegetação natural Tal eliminação foi produto dos ciclos econômicos a que o Paraná foi submetido particularmente o da exploração da madeira o do café e principalmente pela modernização da agricultura inicialmente com a monocultura da soja Estes ciclos impulsionaram a reocupação do território paranaense que ocorreu de forma diferenciada no espaço e no tempo É possível constatar que num primeiro momento entre 1880 a 1930 com início na região do Paraná Tradicional e mais tarde estendendose à região OesteSudoeste quando a economia centravase primeiramente na exploração da ervamate e posteriormente na extração da madeira ambas orientadas à exportação que grande parte da fl oresta foi explorada e eliminada para este propósito Há que salientar o fato da exploração madeireira ter sido bastante seletiva e exclusivamente assente na prática extrativista O caráter seletivo dessa exploração refl etese nos dias atuais na eliminação quase total de biodiversidade sobretudo das fl orestas estacional semidecidual distribuída ao norte do Paranà e fl oresta ombrófi la mista distribuída no centrosul do estado Na Figura 1 destacamse mapas que ilustram nitidamente o processo de eliminação da cobertura fl orestal do Paraná no período de 1890 a 1980 elaborados por Gubert Filho 1988 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 21 Figura 1 Involução da cobertura fl orestal no estado do Paraná 1890 a 1980 Fonte Gubert Filho 1988 No mesmo patamar de importância da perda de biodiversidade destacam se também os confl itos sociais advindos desse modelo de reocupação e de colonização da região OesteSudoeste10 estimulado pelo então governador do estado e conduzido pelas companhias colonizadoras de terras envolvendo posseiros caboclos e colonos que ocupavam as terras com fl oresta nesse período histórico e que foram expulsos de seus territórios Num segundo momento a partir de 1930 até 1960 cujo contexto econômico favorecia a exportação do café outra grande parte da fl oresta foi eliminada para dar lugar às lavouras de café Este fato foi constatado para a região do Grande Norte Porém nesta região a fl oresta nem sequer 10 Ver Gomes Iria Zanoni 1957 a revolta dos posseiros Curitiba Criar Edições 2005 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 22 foi economicamente aproveitada Grandes extensões de fl oresta estacional semidecidual e seus ecossistemas associados foram queimados restando apenas alguns escassos remanescentes fl orestais e obviamente extinguindo a biodiversidade regional Figura 1 Os confl itos sociais também permeiam este momento histórico da reocupação e colonização dessa região Prova disso foi a revolta dos posseiros de Porecatu onde camponeses e posseiros lutaram para permanecerem em suas terras contra jagunços fazendeiros e grileiros apoiados pelas forças policiais do Paraná e também de São Paulo que apoiavam o modelo de colonização e de implantação da monocultura do café11 A partir de 1960 com início do processo de modernização da agricultura no Brasil e que chegará ao Paraná na década de 1970 se implanta uma nova maneira de fazer agricultura marcada pela monocultura orientada à exportação Nesse momento assistese então a eliminação quase que total dos últimos remanescentes fl orestais do estado situados sobretudo em terras mecanizáveis pertencentes a grandes fazendeiros ou latifundiários agricultores empresariais burguesia agrária moderna que por sua vez as desmataram para implantar monoculturas de soja canadeaçúcar com vistas à exportação Figura 1 Os confl itos sociais no campo se intensifi cam De um lado agricultores camponeses posseiros caboclos quilombolas faxinalenses povos tradicionais resistem para manterse em suas terras e territórios via de regra com remanescentes de cobertura fl orestal mas sem acesso a políticas públicas agrárias agrícolas socioambientais culturais que os reconheçam e os legitimem De outro os agricultores empresariais ainda mais fortalecidos pelas políticas públicas que estimulam os agronegócios sobretudo da soja da canadeaçúcar da pecuária e do refl orestamento Vale destacar que essa classe de agricultores infl uenciou decisivamente a revogação do Código Florestal Lei 47711965 o que lhes assegurou ampliar ainda mais seus territórios de agronegócios Com a aprovação do novo Código Florestal Lei 12651 de 25 de maio 2012 Lei de Proteção da Vegetação Nativa eles foram perdoados de crimes ambientais notadamente os desmatamentos realizados até 22 de julho de 2008 Deste processo histórico e econômico resulta a atual cobertura fl orestal do estado não mais do que 10 No mapa Uso do Solo 20012002 Estado do Paraná produzido pelo ITCGPR ver Mapa 1 ilustramse os principais usos do solo no Paraná em 20012002 fi cando evidente o uso da terra com agricultura intensiva No mapa Uso do Solo 20012002 e povos tradicionais também 11 Ver Oikawa Marcelo Eiji Porecatu a guerrilha que os comunistas esqueceram São Paulo Expressão Popular 2011 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 23 produzido pelo ITCGPR ver Mapa 2 ilustrase o mesmo contexto porém com a sobreposição da informação de localização de povos tradicionais no estado do Paraná Fica evidente ainda que os remanescentes fl orestais estão mais presentes nos territórios desses povos A distribuição do que sobrou de fl oresta nas regiões paranaenses é a seguinte a Na região Extremo Oeste território da agricultura empresarial onde predomina o agronegócio da soja restou apenas a fl oresta do Parque Nacional do Iguaçu12 que é uma ilha de vegetação em meio às lavouras mecanizadas de soja convencional e mais recentemente da soja transgênica Mapa 1 b Na região Leste marcada por um mosaico de territórios em disputa unidades de conservação chácaras de lazer comunidades quilombolas povos tradicionais e empresas fl orestais restou a cadeia montanhosa da Serra do Mar Nesse mosaico predominam as unidades de conservação de proteção integral e de desenvolvimento sustentável de domínio público e privado as chácaras de lazer com fi nalidade para o ecoturismo13 agronegócio do turismo ecológico e as empresas fl orestais cujo objetivo é ampliar suas áreas para implantar plantios fl orestais pinus e eucaliptos há também a presença não hegemônica de comunidades quilombolas situadas próximas ou mesmo no interior do Parque Estadual das Lauráceas e de povos tradicionais desalojados de seus territórios quer pela expansão do capitalismo no campo quer pelo modelo americano14 de conservação da natureza adotado pelos órgãos ambientais federal e estadual Esse modelo transformou o espaço de vida e de produção camponesa em unidades de conservação de proteção integral as quais não permitem a presença humana Mapa 2 12 O Parque Nacional do Iguaçu é uma unidade de conservação de âmbito federal pertencente à categoria de manejo de áreas de proteção integral cujo domínio é público 13 Podese afi rmar que essas chácaras pertenciam a pequenos posseiros também designados de caiçaras enquadrandose como povos tradicionais os quais não tiveram acesso a políticas publicas socioambientais adequadas o que também contribuiu para a perda de suas terras para empresários urbanos que ali implantaram seus negócios de turismo ecológico 14 A criação de áreas naturais protegidas nos Estados Unidos a partir de meados do século XIX se constituiu numa das políticas conservacionistas mais utilizadas pelos países em desenvolvimento a exemplo do Brasil Os conservacionistas americanos a partir do seu processo de desenvolvimento de rápida expansão urbanoindustrial propunham ilhas de conservação ambiental de grande beleza cênica onde o homem urbano pudesse apreciar a natureza selvagem Esse modelo conservacionista ao ser adotado em países com realidades econômicas sociais culturais distintas dos Estados Unidos conduziu a uma série confl itos entre populações residentes em espaços naturais que foram transformados em Parques os quais não mais permitiam a presença humana desalojandoas de seu lugar Ver Diegues Antonio Carlos SantAna O mito moderno da natureza intocada São Paulo NUPAUBUSP 1994 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 24 Mapa 1 Uso do solo 20012002 Estado do Paraná Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 25 Mapa 2 Uso do solo 20012002 e povos tradicionais MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 26 c Na região CentroSul território das agriculturas familiares empresariais e povos tradicionais faxinalenses onde restam fragmentos de fl oresta natural Floresta com Araucária cuja distribuição concentrase principalmente nas terras faxinalenses Mapa 2 d Nas demais regiões do estado predominam os territórios das agriculturas empresariais agronegócios da canadeaçúcar e pecuária empresas fl orestais em expansão mas também em disputa principalmente com os territórios da reforma agrária os assentamentos rurais do INCRA Nessas regiões restam poucas e esparsas árvores isoladas ou pequenos fragmentos de fl oresta natural Vale destacar que nos territórios da reforma agrária encontrase em desenvolvimento um processo de recuperação ambiental15 que vem se constituindo como uma possibilidade real de ampliação de áreas ambientalmente protegidas Muito bem feita esta breve e sintética análise da distribuição do que sobrou das fl orestas naturais nos distintos espaços geográfi cos paranaenses conceituados como territórios resta mencionar também de forma breve e sintética o processo de apropriação da terra e das fl orestas nesse estado No início da reocupação do espaço paranaense por volta de 1650 a terra era distribuída segundo o regime de sesmarias isto é grandes extensões de terras cedidas a particulares que deveriam promover a sua ocupação produtiva O regime de sesmaria salienta a infl uência dominialista acobertada pela concessão estatal em benefício de alguns poucos privilegiados que muitas vezes não estavam interessados em explorar economicamente a terra Costa apud Serra 2010134 O regime de sesmarias foi extinto no Brasil em 1822 O estado do Paraná conquistou sua emancipação políticoadministrativa em 1853 três anos após a edição da Lei de Terras Lei 601 de 1850 que estabeleceu o mecanismo da compra como segunda forma jurídica de acesso à terra Serra 2010 No período de 18221850 as posses se constituíram no Paraná em mecanismo amplamente utilizado marcado por um vazio jurídico em termos de legislação agrária no Brasil Esse vazio jurídico propiciou a algumas categorias aproveitarem para se apropriar de extensas áreas na expectativa de conseguir a sua regularização por meio de alguma brecha criada da nova Lei o que realmente aconteceu A 15 Destaquese que o INCRA tem declarado e pautado como princípio na execução da reforma agrária a produção agroecológica nos assentamentos rurais com políticas públicas e programas de fi nanciamento para tal Uma vez que esse princípio seja fortalecido nas políticas públicas de reforma agrária poderá então haver uma contribuição decisiva para a recuperação e conservação da biodiversidade nesses territórios Além disso a criação e o desenvolvimento dos projetos de assentamentos rurais estão submetidos ao licenciamento ambiental o qual impõe a recuperação ambiental sob pena de o INCRA não poder criar assentamentos Vale dizer que nenhuma implantação de monocultura é submetida ao licenciamento ambiental embora haja previsão legal para isso Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 27 Lei 6011850 num primeiro momento estabeleceu a mercantilização da terra como forma jurídica para em seguida garantir o pleno domínio sobre as sesmarias conquistadas até 1822 e sobre as posses mansas e pacífi cas apropriadas nos 28 anos que vão de 1822 a 1850 O Paraná diante disso começa sua história agrária já convivendo com as bases do latifúndio construídas pelas sesmarias e pelas grandes posses consolidadas pela Lei 6011850 Serra 2010 132 O Estado então promove a colonização das terras vendendo títulos a particulares destacandose aí o papel de grandes companhias colonizadoras nomeadamente estrangeiras no processo de instalação neste espaço natural econômico e social Do ponto de vista social o legado do regime de concessão de terras bem como do processo de colonização das mesmas conduzido pelo Estado foram os violentos confl itos e revoltas sociais já mencionados e localizados no tempo e nos espaços geográfi cos paranaenses Sonda 1996 afi rma que do ponto de vista ambiental e particularmente no que se refere às fl orestas naturais verifi couse que o regime de distribuição de terras seja através da concessão das sesmarias ou da aquisição em ambos os casos tratandose de particulares distribuiu também obviamente as fl orestas Estas foram eliminadas pelos seus legítimos proprietários que procuravam em cada contexto econômico dar o uso mais rentável às suas terras Desta forma podese dizer que no Paraná a fl oresta foi eliminada proporcionalmente à quantidade de terra recebida ou comprada Isto ocorreu em contextos econômicos determinados em ritmo e formas diferenciadas para cada uma das grandes regiões que compõem o Estado Via de regra quem concentra a terra concentra ainda mais as fl orestas Os dados do Censo Agropecuário de 1985 analisados por Sonda 1996 relativos ao município de Guaraqueçaba expressam bem essa relação 36 das explorações agrícolas 29 em número absoluto detêm 806 da terra e 908 das fl orestas Signifi ca dizer que a biodiversidade fl orestal desse município está concentrada em 29 estabelecimentos agropecuários os quais poderiam ser fi scalizados pelos órgãos ambientais em um único mês Ao contrário representando os grupos sociais de agricultores camponeses temse no mesmo município o seguinte 467 380 detêm 44 da terra e 28 das fl orestas Ou seja muito pouca terra e muito pouca fl oresta o que ensejaria políticas públicas de ampliação de terras ou territórios para a manutenção desses grupos sociais no campo respeitando suas racionalidades próprias e seus vínculos com a terraterritório A seguir será relacionado de forma sucinta o tratamento jurídico nacional e internacional do qual se pode vislumbrar o reconhecimento e a proteção dos territórios dos povos tradicionais As normas indicadas são fruto de disputas acirradas e representam ainda que com as suas defi ciências conquistas dessas minorias Mas apesar disso as políticas públicas que necessariamente devem MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 28 decorrer dessa legislação têm um longo caminho a avançar para que sejam promovidas melhorias efetivas para esses grupos na defesa e reconquista dos espaços necessários à manutenção de seu modo de ser Normas jurídicas e políticas públicas para povos tradicionais A análise do contexto abordado a partir do viés jurídico possibilita averiguar os fundamentos legais que ensejam essa expansão do agronegócio sobre territórios tradicionais aparentemente de modo inexorável Essa possível irresistibilidade é reforçada pela omissão do Estado ou pior pela sua atuação como coordenador e fi nanciador de projetos que violam os direitos dos povos tradicionais relegandoos a uma condição de marginalidade ou de obstáculo ante os projetos de desenvolvimento nacional Com a ampliação dos debates acerca da democracia e com a recorrente e cada vez maior pressão sobre os seus modos de produção indígenas quilombolas camponeses faxinalenses e outras populações tradicionais passaram a demandar uma proteção jurídica que contemplasse seus interesses exigindo que fossem considerados como integrantes da sociedade brasileira em sua diversidade O antropólogo Paul Little 2002 explica o processo de avanço sobre os territórios dessas gentes quando aborda as migrações estimuladas pelo Estado com pesados investimentos em infraestrutura a partir da década de 1930 Da perspectiva dos distintos povos tradicionais esses múltiplos movimentos mudaram radicalmente sua situação de invisibilidade social e marginalidade econômica Agora essas invasões a suas terras foram acompanhadas por novas tecnologias industriais de produção transporte e comunicação que alteraram as relações ecológicas de forma inédita devido à sua intensidade e poder de destruição ambiental A partir da década de 1980 o fortalecimento da ideologia neoliberal e a incorporação à economia mundial de grupos antes afastados dela ou como indicado antes reinseridos nela depois de uma época de afastamento agravaram ainda mais as pressões sobre os diversos territórios dos povos tradicionais particularmente no que se refere ao acesso e à utilização de seus recursos naturais Frente a essas novas pressões os povos tradicionais se sentiram obrigados a elaborar novas estratégias territoriais para defender suas áreas Isto por sua vez deu lugar à atual onda de territorializações em curso O alvo central dessa onda consiste em forçar o Estado brasileiro a admitir a existência de distintas formas de expressão Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 29 territorial incluindo distintos regimes de propriedade dentro do marco legal único do Estado atendendo às necessidades desses grupos As novas condutas territoriais por parte dos povos tradicionais criaram um espaço político próprio na qual a luta por novas categorias territoriais virou um dos campos privilegiados de disputa Um dos principais resultados dessa onda tem sido a criação ou consolidação de categorias fundiárias do Estado Devido à grande diversidade de formas territoriais desses povos houve a necessidade de ajustar as categorias às realidades empíricas e históricas do campo em vez enquadrálas nas normas existentes da lei brasileira Little 2002 1213 Nesse aspecto a Constituição de 1988 foi um marco no reconhecimento e proteção da pluralidade cultural nacional que pode afastar a aceitação passiva de argumentos relacionados ao desenvolvimento e ao crescimento econômico ainda que se prestem ao atendimento direto ou indireto de um dito interesse social com a fi nalidade de justifi car intervenções em territórios tradicionais Afi nal essa Constituição ainda que possa ter privilegiado um sistema econômico não deixou de amparar outras formas de organização que escapam ao modelo hegemônico Ao comentar a ordem econômica na Constituição o ex Ministro do Supremo Federal Eros Roberto Grau 2008 manifesta a importância do reconhecimento dessa pluralidade Não obstante e por isso mesmo de resto ela a Constituição e sobretudo sua ordem econômica retratam fi dedignamente a realidade nacional a heterogeneidade da sociedade brasileira e seus múltiplos interesses estruturados sobre a coexistência de inúmeros modos de reprodução social É a Constituição do Brasil do Estado e do povo brasileiros a Constituição de 1988 Na sua ordem econômica em especial apesar disso não contraditória mas coerente encontramse projetadas todas as contradições do nosso Estado da nossa sociedade do nosso povo Eis aí podemos dizer quase solenemente ao apresentála nesta Constituição o fundamento do direito brasileiro Grau 2008 345 A proteção das diferentes sociedades que integram a nação se expressa na concepção unitária do meio ambiente que compreende tanto os bens naturais quando os bens culturais de acordo com Juliana Santilli 2005 Existe portanto uma assimilação constitucional do multiculturalismo com o que os povos tradicionais têm resguardado o seu direito de manter sua identidade cultural diferenciada para o que lhes devem ser asseguradas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 30 as condições de sobrevivência física e cultural Santilli 2005 como decorrência da interpretação principalmente dos artigos 215 216 e 216A dos quais se destacam os seguintes dispositivos sem ignorar a relevância do texto omitido Art 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional Art 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem I as formas de expressão II os modos de criar fazer e viver III as criações científi cas artísticas e tecnológicas IV as obras objetos documentos edifi cações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico artístico arqueológico paleontológico ecológico e científi co 1º O Poder Público com a colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação Art 216A O Sistema Nacional de Cultura organizado em regime de colaboração de forma descentralizada e participativa institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura democráticas e permanentes pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamentase na política nacional de cultura e nas suas diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Cultura e regese pelos seguintes princípios I diversidade das expressões culturais II universalização do acesso aos bens e serviços culturais Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 31 X democratização dos processos decisórios com participação e controle social Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Em 1989 a Organização Internacional do Trabalho OIT adotou a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes que representa no plano internacional o documento de maior relevância para a proteção dos direitos dos povos tradicionais tendo como seu objetivo primordial promover a realização dos direitos sociais econômicos e culturais dos povos indígenas e tribais bem como proporcionarlhes um mecanismo de participação no processo de desenvolvimento nacional Garzón 2009 Essa convenção foi ratifi cada pelo Brasil em 2002 de forma que o país está obrigado a apresentar relatórios anuais sobre a sua implementação16 A Convenção nº 169 da OIT faz previsão ao direito de propriedade e posse dos territórios tradicionais e tem como principal instrumento para a sua proteção a consulta prévia que deve existir antes de que os governos estatais empreendam ou autorizem qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas terras destes povos Garzón 2009 A falta de regulamentação da consulta entretanto impede a defi nição do seu alcance sendo que essa ferramenta deveria servir efetivamente para infl uenciar o resultado decisório relacionado à pretensão de intervenção nos territórios ao contrário de ser mera formalidade a ser observada e superada Garzón 2009 Outro documento internacional central para o tema é a Convenção para a Diversidade Biológica CDB de 1992 cujo texto foi promulgado pelo Brasil em 1998 O artigo 10c estabelece que os EstadosParte devem proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável enquanto o artigo 8j fala no dever de respeitar preservar e manter o conhecimento inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica Juliana Santilli 2005 destaca que Os processos práticas e atividades tradicionais dos povos indígenas quilombolas e populações tradicionais que geram a produção de conhecimentos e inovações relacionados a espécies e ecossistemas dependem de um modo de vida estreitamente relacionado com a 16 De acordo com o artigo 22 da Constituição da OIT Os EstadosMembros signatários comprometemse a apresentar à Repartição Internacional do Trabalho um relatório anual sobre as medidas por eles tomadas para execução das convenções a que aderiram MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 32 fl oresta A continuidade da produção desses conhecimentos depende de condições que assegurem a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas quilombolas e populações tradicionais Santilli 2005 195 Santilli prossegue para explicar que esses conhecimentos se prestam ao uso e à atribuição de signifi cados aos elementos da natureza que conferem a própria identidade dos grupos Existem interesses estritamente econômicos sobre os recursos genéticos das comunidades tradicionais tanto porque estas mantêm espaços de grande diversidade como porque possuem conhecimentos associados às possibilidades de uso desses recursos E nesse aspecto a biopirataria representa mais um fator de ameaça ao território desses povos Retornando ao direito brasileiro a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PNPCT instituída pelo Decreto nº 60402007 foi bastante minuciosa procurando detalhar princípios e objetivos relacionados à proteção das populações tradicionais Essa política reconhece valoriza e respeita a diversidade socioambiental e cultural desses povos compreendendo as suas formas próprias de integração com o ambiente sendo que a sua invisibilidade histórica deverá ser superada com o pleno exercício da cidadania Dos objetivos elencados nos artigos 2º e 3º fi ca evidente a importância da proteção do território para a existência das comunidades Apesar do tratamento legal existente que se estende por outras normas a realidade denuncia uma grave defi ciência na execução das políticas públicas voltadas ao atendimento dos povos tradicionais De acordo com informações do ISA Instituto Socioambiental 2013 existem 26 Terras Indígenas no Paraná Destas somente 15 se encontram demarcadas sendo que a maioria das demais está na fase de identifi cação que corresponde à primeira etapa dos trabalhos para reconhecimento dos direitos territoriais indígenas Olhando imagens de satélite com a delimitação das áreas demarcadas ISA 2013 ver Imagem 1 é possível observar que essas Terras Indígenas possuem os remanescentes fl orestais signifi cativos das regiões em que estão distribuídas Na região Oeste do estado a mão de obra indígena foi utilizada para a derrubada da fl oresta cuja comercialização ampliava os rendimentos das companhias colonizadoras Silva 2007 A retribuição concedida aos índios Guarani foi a destruição e a espoliação de seu território Espremido às margens do rio Paraná esse povo foi ignorado na construção da hidrelétrica de Itaipu cujo lago inundou suas terras remanescentes Os Guarani também sofrem com o modelo conservacionista da natureza As três terras indígenas da região somam cerca de 22 mil hectares17 17 Reserva Indígena Santa Rosa do Ocoy em São Miguel do Iguaçu com área de 25100 hectares Terra Indígena Tekohá Añetete em Diamante dOeste com área de 174400 hectares e Tekohá Itamarã também em Diamante dOeste com área de 24200 hectares Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 33 conquistadas a duras penas o que contrasta com mais de 300 mil hectares de áreas destinadas à conservação ambiental no Parque Nacional do Iguaçu no Parque Nacional da Ilha Grande e nas áreas de preservação permanente do lago de Itaipu espaços em que há evidências de ocupação tradicional indígena Além da perda do território a modifi cação do ambiente por si só condenou os indígenas à impossibilidade de alcançar o seu eko porã o viver bem O modo Guarani de ser foi inviabilizado Albernaz 2008 O estabelecimento de fronteiras nacionais a apropriação privada das terras a criação de grandes espaços de conservação e o lago de Itaipu criaram obstáculos à mobilidade típica desses indígenas E a eliminação das fl orestas e o uso de veneno suprimiram as condições de extrativismo Os animais outrora abundantes são apenas memórias entalhadas no artesanato Guarani Como contraponto a essa situação de desamparo existe um movimento de resistência e reconquista do território indígena na região Diferentemente do que se tem noticiado FAEP 2013 esse movimento não busca a demarcação de 100 mil hectares englobando áreas urbanas e de produção agrícola intensiva mas reivindica o reconhecimento do espaço necessário à existência em conformidade com o seu modo guarani de se organizar Aproximadamente mil indígenas encontramse concentrados nos municípios de Guaíra e Terra Roxa onde existem 13 aldeias instaladas em áreas rurais e urbanas Uma delas a Tekohá Marangatu situada na área de preservação permanente do lago de Itaipu foi declarada como Terra Indígena pela Justiça Federal em ação de reintegração de posse movida pela Itaipu Binacional que pretendia retirar os indígenas do local18 18 Ação de reintegração de posse nº 200570040017643PR da 1ª Vara Federal de UmuaramaPR Terra Indígena Ivaí Municípios Pitanga e Manoel Ribas Área da TI 730600 hectares Terra Indígena Mangueirinha Município Mangueirinha Área da TI 740000 hectares Terra Indígena TibagyMococa Município Ortigueira Área da TI 85900 hectares Imagem 1 Terras indígenas e conservação ambiental MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 34 A situação dos Guarani parece se relacionar com uma época já superada de colonização que considerava os territórios indígenas como espaços vazios a serem ocupados Ou no caso da hidrelétrica de Itaipu com a truculência da ditadura militar e o mote de desenvolvimento a qualquer custo O tempo passou não se fala mais de colonização no Paraná e a democracia vigora formalmente Mas as ameaças e violações aos direitos dos indígenas persistem Como exemplo a construção da usina hidrelétrica de Mauá no rio Tibagi entre os municípios de Telêmaco Borba e Ortigueira não considerou em sua fase de licenciamento ambiental os impactos do empreendimento sobre as comunidades indígenas da região Diante disso e de uma série de irregularidades o Ministério Público Federal ingressou com uma Ação Civil Pública19 no âmbito da qual a Justiça Federal em primeira instância declarou a bacia do rio Tibagi como território indígena Kaingang e Guarani para que outros eventuais empreendimentos hidrelétricos contemplem essa territorialidade na defi nição da área de infl uência para meio sócioeconômico e cultural Alecrim Moimas Pinheiro 2009 Além disso a empresa responsável pela elaboração dos estudos ambientais exigidos para o empreendimento foi condenada ao pagamento de multa no valor de R 40 milhões por danos morais causados às comunidades indígenas da bacia do rio Tibagi Entre os quilombolas a questão territorial é ainda mais delicada Das 34 comunidades certifi cadas no estado pela Fundação Cultural Palmares nenhuma delas foi efetivamente titulada em conformidade com a Constituição de 1988 e o Decreto nº 48872003 Essas comunidades também se veem ameaçadas pela expansão do agronegócio que desestabiliza as relações comunitárias no campo e exerce pressão sobre os recursos naturais indispensáveis à permanência dos quilombolas organizados em conformidade com os seus costumes No Vale do Ribeira há a maior concentração de comunidades quilombolas no Paraná Essa região foi historicamente abandonada pelo Poder Público e todos os seus municípios possuíam em 2007 um Índice de Desenvolvimento Humano IDH abaixo das médias estadual e nacional IPARDES 2007 O avanço dos refl orestamentos de pinus no Vale do Ribeira tem tornado as terras economicamente atrativas aos investimentos privados20 que põem em risco as comunidades quilombolas sujeitas a ações de reintegração de posse porque não detêm via de regra o título de domínio das áreas que ocupam No caso dos faxinalenses que têm 227 comunidades identifi cadas concentradas especialmente na região CentroSul do estado Souza 2008 as ameaças são as mesmas que recaem sobre indígenas e quilombolas mas 19 Ação Civil Pública nº 200670010040369PR da 1ª Vara Federal de LondrinaPR 20 A título de exemplo no fi nal de 2011 foi amplamente noticiada a aquisição por uma holding das empresas Klabin e Arauco de uma área de 107 mil hectares no Vale do Ribeira pelo valor de R 840 milhões Fadel 2011 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 35 não têm uma proteção específi ca expressa na Constituição o que apesar da legislação estadual difi culta a defi nição e implementação de políticas públicas próprias No Paraná uma forma de proteção dessas comunidades tem se dado especialmente através da criação de Áreas Especiais de Uso Regulamentado ARESUR21 que é uma modalidade de unidade de conservação estadual de uso sustentável a qual porém não prevê a proteção do território de forma diferenciada Com a ARESUR os municípios em que se localizam os faxinais reconhecidos sob essa modalidade de unidade de conservação recebem repasses do ICMS Ecológico que muitas vezes investem nas comunidades sem observar as suas práticas tradicionais mas buscando convertêlas em espaços de agricultura convencional Souza 2008 No que diz respeito aos camponeses considerando a prevalência do aspecto da proteção territorial nesta abordagem haverá uma delimitação para tratar apenas do público da reforma agrária sem que isso signifi que a inexistência de outras comunidades camponesas É oportuno fazer nova referência a Paul Little que observa que as ações relacionadas à demarcação e homologação das terras indígenas ao reconhecimento e titulação dos remanescentes de comunidades de quilombos e ao estabelecimento das reservas extrativistas constituem uma outra reforma agrária cf Little 2002 23 Feita essa menção cabe registrar que de acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA 2013 existem 297 assentamentos no Paraná que ocupam 390 mil hectares 195 da área total do estado e que benefi ciam diretamente 18614 famílias Apesar disso mais de 5 mil famílias permanecem acampadas no estado demandando a continuidade da obtenção de terras para a realização dessa política Esses espaços da reforma agrária têm potencial para proteger em suas áreas de preservação permanente e de reserva legal o equivalente às unidades de conservação estaduais de proteção integral que somam aproximadamente 84 mil hectares Sonda 2010 É importante destacar que diferentemente do que ocorre com os extensos monocultivos do agronegócio voltados para a exportação a implantação de assentamentos está condicionada ao licenciamento ambiental desses empreendimentos o que exige rigor em relação ao planejamento do uso dos recursos naturais de forma sustentada nessas áreas Além disso a produção desenvolvida nos assentamentos tem como preferência tecnológica a agroecologia que não sujeita a natureza a um modelo previamente estipulado de produção mas aproveita as potencialidades do ambiente para uma produção orientada pela sua vocação Com isso a produção da reforma agrária pode integrar a preservação ambiental ao fornecimento de alimentos saudáveis 21 Decreto Estadual nº 34461997 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 36 Mas também os assentamentos da reforma agrária estão sujeitos à conformação a um padrão hegemônico de produção com apoio inclusive do Poder Público Nesse caso nos lotes dos assentamentos são implantados monocultivos de grãos ou de espécies fl orestais exóticas eliminando o modo de produção camponês do que resulta o endividamento em razão da impossibilidade de ganho em escala exigido pelo modelo adotado acompanhado de uma desestruturação que inviabiliza a permanência no local fazendo retornar as terras ao mercado de maneira indevida Aliás esse é um aspecto contraditório da reforma agrária inerente à forma como essa política tem sido concebida É que o seu coroamento se dá com a titulação do domínio dos lotes dos assentamentos para os benefi ciários dessa política INCRA 2011 Assim as áreas retiradas do domínio privado por serem de interesse social retornam à condição de propriedade privada sujeitandose exclusivamente às condições do mercado Ainda que não haja concordância com essa interpretação podese concluir que a instituição de territórios camponeses tem um caráter provisório vigorando até que haja uma integração ao modelo hegemônico E é essa forma de tratamento dos povos tradicionais que se busca superar com os instrumentos legais atuais que não têm como fi nalidade essa integração mas que objetivam uma proteção diferenciada para a manutenção da sociodiversidade O fator determinante para a alteração desse cenário é a efetiva preservação do território dessas gentes Pois é a terra que dá condições de manutenção e reprodução social e cultural dos povos tradicionais sendo que a relação com o território é que permite essa classifi cação como grupo diferenciado O fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social implica que qualquer território é um produto histórico de processos sociais e políticos A cosmografi a de um grupo inclui seu regime de propriedade os vínculos afetivos que mantém com seu território específi co a história da sua ocupação guardada na memória coletiva o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele Parajuli 1998 elaborou o conceito de etnicidades ecológicas na tentativa de mostrar a importância desses regimes na própria constituição identitária os grupos Little 2002 348 O reconhecimento e a proteção desses espaços considerando as peculiaridades da relação dos povos tradicionais com o ambiente é um importante instrumento de preservação dos recursos naturais Por essa razão Juliana Santilli 2005 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 37 aponta que as políticas de conservação da diversidade biológica não podem excluir as terras indígenas e os territórios quilombolas Destacase também a importância das unidades de conservação sobretudo as reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável não para a conservação dos recursos naturais como fi nalidade precípua mas como uma consequência da proteção do território de populações tradicionais que se desenvolvem numa relação de dependência mais estreita das condições do ambiente No caso paranaense as Áreas Especiais de Uso Regulamentado estão adaptadas à realidade dos faxinalenses mas poderiam ser incrementadas para assegurar de uma forma mais evidente a proteção territorial Para completar a criação de assentamentos da reforma agrária precisa ser igualmente considerada na implementação de políticas ambientais e dos povos tradicionais A agricultura familiar é rica em variedade e representa uma alternativa produtiva ao agronegócio integrando a geração de renda à manutenção da diversidade de sistemas agrícolas voltados à produção de alimentos Na leitura de Juliana Santilli 2009 a agricultura familiar é fundamental para a segurança alimentar a geração de emprego e renda e o desenvolvimento local em bases sustentáveis e equitativas além de alcançar esses resultados empregando diferentes técnicas que integram o uso dos diversos elementos naturais disponíveis constituindo uma agrobiodiversidade Os povos tradicionais têm um conhecimento único expresso na forma de se relacionar com o meio o que representa uma diversidade por si só interessante Cunha 1999 Essa diversidade traz riqueza à sociedade brasileira e para que se mantenha manifestese e se reproduza precisa de espaço de território e estímulos para o que existe forte amparo no ordenamento jurídico vigente e que deve portanto ganhar plena aplicação Considerações fi nais O que se pode concluir senão o óbvio Os diferentes povos tradicionais do Paraná integram a sua sociedade e contribuíram e contribuem de diversas formas para a sua conformação A riqueza cultural e ambiental do estado se devem à existência dessa população que deve portanto ser destinatária de políticas públicas próprias sobretudo para proteção de seus territórios E além disso as políticas de desenvolvimento social e econômico não podem ignorálas mas devem sempre considerálas como benefi ciárias da atuação do Poder Público O Estado deveria elaborar normas jurídicas e formular e executar políticas públicas plurais e singulares de verdade e no tempo certo para todas as gentes que vivem e produzem na terra e que têm relações e vínculos não somente econômicos com seus territórios MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 38 A diversidade de formas de relação com o ambiente tem se mostrado interessante à preservação ambiental e à diversidade cultural que por si só deve ser valorizada Por outro lado a expansão de um modelo baseado na monocultura voltada à exportação poderá ampliar os resultados negativos para a natureza e contraditoriamente para a própria economia Referências bibliográfi cas ALBERNAZ Adriana Cristina Repelevicz de O Provisório em Defi nitivo a organização social dos AváGuarani da área indígena de Ocoy PR Tellus Campo GrandeMS ano 8 n 14 p 115144 abr 2008 ALECRIM Aguinaldo da Silva MOIMAS Denis PINHEIRO Ana Claudia Duarte A usina hidrelétrica de Mauá interesse do estado antagônico à proteção dos direitos difusos e fatores sociais Revista de Direito Público Londrina v 4 n 2 p 4358 maio ago 2009 BALSAN Rosane Impactos decorrentes da modernização da agricultura brasileira CAMPOTERRITÓRIO revista de geografi a agrária v 1 n 2 p 123151 ago 2006 Disponível em httpwwwseerufubrindexphpcampoterritorioarticle viewFile117878293 Acesso em 2 abr 2013 BRASIL Constituição 1988 CLEPS JUNIOR JOÃO Questão agrária estado e territórios em disputa os enfoques sobre agronegócio e a natureza dos confl itos no campo brasileiro In SAQUET Aurelio SANTOS Roselí Alves orgs Geografi a agrária território e desenvolvimento São Paulo Expressão Popular 2010 p3554 CUNHA Manuela Carneiro da Populações tradicionais e a Convenção da Diversidade Biológica Estud av São Paulo v 13 n 36 Aug 1999 Disponível em http wwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS010340141999000200008lng ennrmiso Acesso em 18 abr 2013 FADEL Evandro Klabin e Arauco pagam R 840 mi por empresa de refl orestamento no PR O Estado de S Paulo São Paulo 04 nov 2011 Disponível em httpeconomia estadaocombrnoticiasnegociosindustriaklabinearaucopagamr840mipor empresaderefl orestamentonopr911340htm Acesso em 18 abr 2013 FAEP FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA NO ESTADO DO PARANÁ Boletim informativo Ano 27 n 1205 1824022013 FERNANDES Bernardo Manzano Questão Agrária confl itualidade e desenvolvimento territorial 2004 Disponivel em httpwwwgeografi affl chuspbrgraduacao apoioApoioApoioValeriaPdfBernardoQApdf Acesso em 2 abr 2013 Entrando nos territórios do território In Campesinato e territórios em disputa São Paulo Expressão Popular 2008 p273301 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 39 GARZÓN Biviany Rojas Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais oportunidades e desafi os para a sua implementação no Brasil São Paulo Instituto Socioambiental 2009 GERMER Claus Magno Paraná rural Simpósio de cultura paranaense terra cultura e poder a arqueologia de um estado 1 a 5 de dezembro de 2003 Curitiba Secretaria de Estado da Cultura 2003 v4 Cadernos Paraná de Gente GRAU Eros Roberto A ordem econômica na Constituição de 1988 13 ed São Paulo Malheiros 2008 GUBERT FILHO Francisco Adyr Levantamento de Áreas de Relevante Interesse Ecológico no Estado do Paraná Anais do II Congresso Florestal do Paraná Instituto Florestal do Paraná 136 160 Curitiba 1988 INCRA INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA 2011 Titulação de assentamentos Disponível em httpwww incragovbrportalindex phpoptioncomcontentviewcategorylayoutblog id286Itemid299 Acesso em 21 nov 2011 Sistema de Informações de Projetos da Reforma Agrária SIPRA Consulta em 18 abr 2013 IPARDES INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL Diagnóstico socioeconômico do Território Ribeira 1ª fase caracterização global Curitiba Ipardes 2007 ISA Instituto Socioambiental De olho nas Terras Indígenas Disponível em httptisocioambientalorgptbrptbrterrasindigenaspesquisaufPR Acesso em 17 abr 2013 LITTLE Paul Elliott Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil por uma antropologia da territorialidade Série Antropologia v 322 Brasília Universidade de Brasília Departamento de Antropologia 2002 MONTENEGRO Jorge Confl itos pela terra e pelo território ampliando o debate sobre a questão agrária na América Latina In SAQUET Aurelio SANTOS Roselí Alves orgs Geografi a agrária território e desenvolvimento São Paulo Expressão Popular 2010 p1334 RIBEIRO Sarah Iurkiv Gomes Tibes Os guarani no oeste do paraná espacialidade e resistência Espaço Plural Ano VI Nº 13 2º Semestre de 2005 Disponível em erevistaunioestebrindexphpespacopluralarticledownload476390 Acesso em 26 mar 2013 SANTILLI Juliana Socioambientalismo e novos direitos São Paulo Peirópolis 2005 Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores São Paulo Peirópolis 2009 SILVA Evaldo Mendes da Folhas ao vento A micromobilidade dos Mbyá e Nhandéva Guarani na Tríplice Fronteira Tese Doutorado em Antropologia Social PPGAS MN UFRJ Rio de Janeiro 2007 p 39 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 40 SERRA Elpídio A posse da terra e os confl itos rurais no Paraná In SAQUET Aurelio SANTOS Roselí Alves orgs Geografi a agrária território e desenvolvimento São Paulo Expressão Popular 2010 p131154 SONDA Cláudia Reforma agrária desmatamento e conservação da biodiversidade no Estado do Paraná In SONDA Claudia org TRAUCZYNSKI Silvia Cristina org Reforma agrária e meio ambiente teoria e prática no Estado do Paraná 1 ed Curitiba ITCG 2010 A fl oresta no estado do Paraná condicionantes naturais econômicos e sociais Dissertação Mestrado em Economia Agrária e Sociologia Rural Instituto Superior de Agronomia Universidade Técnica de Lisboa Lisboa 1996 VEIGA J E da Diretrizes para uma nova política agrária In BRASIL Ministério do Desenvolvimento Agrário Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável Brasília 2000 p1935 ZEN Eduardo Luiz Movimentos sociais e a questão de classe um olhar sobre o Movimento dos Atingidos por Barragens 2007 Dissertação Mestrado em Sociologia Universidade de Brasília UNB BrasíliaDF Disponível em http bdtdbceunbbrtedesimplificadotdebuscaarquivophpcodArquivo2415 Acesso em 26 mar 2013 41 Capítulo 2 Comunidades quilombolas e direitos sociais modos de fazer criar e viver Sônia Maria dos Santos Marques1 Porque a gente aqui é como essa árvore a gente tem raízes profundas a gente é dessa terra Nos diferenciamos mas fi camos como os galhos da árvore ligados a ela mas todos diferentes Dona Maria Arlete 2005 Se por um lado o quilombo tornase um pleito legítimo adquire um espaço nas políticas governamentais na mídia e em outros setores da sociedade por outro lado a identifi cação desses sujeitos referidos no texto constitucional passa a depender de um arcabouço conceitual teórico de pesquisas históricas e etnográfi cas destinadas a atestar certifi car sobre a sua existência na atualidade Leite 2004 O s dois textos usados como epígrafe chamam atenção ao processo de invenção de identidades No primeiro a moradora da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista2 expressa por meio de uma metáfora a forma como se veem A mulher3 alude a diferença como constitutiva do grupo e da mesma forma reconhece que há algo profundo que os une e faz com que se mantenham como coletividade No segundo constitui se uma interrrelação entre políticas públicas e processos de identifi cação O objetivo do artigo é estabelecer intersecção entre processos de invenção de 1 Professora no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Francisco Beltrão 2 Palmas Paraná 3 D Maria Arlete é considerada pelos moradores da comunidade narradora privilegiada pela memória Conhece as histórias do lugar e partilha tal conhecimento com os demais moradores com pesquisadores em processos investigativos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 42 identidades exigidos pela legislação e o movimento dos sujeitos no sentido de continuar a inventarse e inventariar sua trajetória histórica que permita a garantia de direitos sociais Assim há relação direta entre as formas de viver os modos de fazer e criar em comunidades quilombolas e as reivindicações dos direitos sociais dos agrupamentos étnicos 1 Quilombolas conceituações e reivindicação de direitos A preocupação com a ocupação territorial do Sul do país com população europeizada impôs uma reorganização da posse da terra mesmo para sujeitos que já se encontravam na região caboclos negros índios Sobre esta questão é importante considerar que a consolidação da nação teve como suporte ideológico um projeto de orientação liberal que não procurou compatibilizar as diversas culturas e as desigualdades sociais existentes Leite 1995 112 Nesse sentido os grupos negros que já viviam no Sul do Brasil foram submetidos a variados processos de expropriação e discriminação étnicoracial Assim há comunidades negras rurais e urbanas nas mais variadas situações grupos que se mantêm mas que não têm mais terras terras doadas mas com diferentes termos de doação situações em que o grupo pagou pela terra mas esta não foi legalizada situações em que parte das terras foi vivenciada criando diferentes interesses mesmo entre as pessoas do grupo grupos que moram em terras por empréstimo aluguel ou permuta herança dentre outras A partir das formas de organização é possível perceber que a maioria das comunidades não provém de antigos quilombos em que se agrupavam escravos fugitivos Se de um lado temos como característica as diferentes formas de convívio e organização de outro existem traços que podem ser considerados comuns e que se mantiveram e demarcaram imposição da precariedade social difi culdades de acesso às políticas públicas situações de discriminação educação em descompasso com a identidade social e expropriação da terra Assim muitas vezes predominaram situações de trânsito que marcam a falta de lugar não apenas geográfi co territorial mas social Leite 1995 118 Neste contexto a compreensão das construções identitárias se faz por meio do reconhecimento das práticas culturais que garantam as formas de reprodução da vida cotidiana Para Certeau o cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia ou que nos cabe em partilha Aquilo que assumimos ao despertar com esta fadiga com este desejo 1996 31 Na escritura do texto adentramos em processo que se produz por meio de uma dupla fascinação tangenciar os conceitos e a forma como o termo quilombo foi ressignifi cado e as intercorrências das ações dos sujeitos que se produzem nesse processo Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 43 As discussões a respeito das comunidades quilombolas se intensifi caram desde 1996 quando saiu o primeiro laudo antropológico sobre comunidades rurais Quilombo do Rio das Rãs Desde então muito se escreveu sobre a temática Vemos que o conceito de comunidade remanescente se ampliou no sentido de englobar as diferentes experiências históricas presentes na sociedade brasileira No entanto ainda hoje quando nos referimos a quilombo as pessoas associam a esse grupo negro uma imagem de África recriada no Brasil com exercício de atividades econômicas de sobrevivência e produção semelhantes Contudo a experiência de pesquisa acumulada faz que se afi rme a compreensão que O termo quilombo tem assumido novos signifi cados na leitura especializada e também para grupos indivíduos e organizações Ainda que tenha um conceito histórico o mesmo vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos do Brasil Contemporaneamente portanto o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos da ocupação temporal ou de comprovação biológica Também não se trata de grupos isolados ou de população estritamente homogênea A identidade desses grupos também não se defi ne pelo tamanho e número de membros mas pelas experiências vividas e as versões compartilhadas de sua trajetória comum e de continuidade enquanto grupo ODwyer 1995 1 Historicamente aos negros foi negada a terra seja pela falta de movimentos de distribuição ou possibilidades de acesso a terra para escravos exescravos ou negros libertos seja pela ocupação de terras que tradicionalmente pertenciam ou estavam sendo ocupadas por comunidades negras descendentes de escravos Nesse sentido o Artigo 68 do ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trata da possibilidade de concessão de títulos de propriedade para as comunidades constituídas circunscrevendo o direito a terra para aqueles constitucionalmente protegidos A legislação abre possibilidades para reconhecimento das populações bem como identifi ca as diferenças entre os grupos No entanto reconhecemos que existe uma lacuna entre a existência da lei e a sua aplicação e efetivação para as comunidades envolvidas No Brasil vemos emergir as reivindicações das comunidades remanescentes de quilombos Tal temática aparece na mídia na intensifi cação dos trabalhos acadêmicos nas mais variadas áreas de pesquisa nas discussões educativas no crescimento da violência localizada contra os grupos quilombolas no questionamento dos direitos conquistados dentre outras Dessa constatação MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 44 advêm questionamentos quem são estes sujeitos sociais Como se mobilizam para reivindicação de direitos ODwyer 2005 lembra que a reivindicação de direitos sociais das comunidades remanescentes de quilombo é associada a autoidentifi cação A Convenção 169 aprovada na Conferência Internacional do Trabalho em 1989 estabeleceu o direito dos povos indígenas e tribais de se autodefi nirem Afi rma que a autoidentifi cação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a defi nição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção Em 2003 a Convenção 169 da OIT passou a vigorar no Brasil o documento fora ratifi cado no ano anterior Na mesma direção o Decreto 488703 é expressivo nessa defi nição e no Artigo 2º assinala que Consideramse remanescentes das comunidades dos quilombos para os fi ns deste Decreto os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específi cas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida A aprovação e posterior manutenção do Decreto 488703 evidenciou confl itos com setores conservadores que contestam a legislação vigente Em 2012 foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo DEM4 que questionava a autoidentifi cação Naquele momento houve manifestações da sociedade civil e movimentos sociais contra a ação do partido que tinham por objetivo retroceder conquistas históricas As manifestações de dois setores foram selecionadas para dar a conhecer o contexto a ABA Associação Brasileira de Antropologia em razão do histórico de ações e discussões relacionadas ao processo de ressemantização do termo quilombo e a CONAQ Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas como representante dos atores sociais e pelo lugar histórico que ocupa5 Nesse sentido é importante assinalar a Nota Pública6 divulgada pela Associação Brasileira de Antropologia na qual demarca sua posição e salienta o signifi cado do Decreto 488703 para que as comunidades remanescentes de quilombo tenham acesso aos direitos territoriais Assim se manifesta 4 Partido Democratas refundado em 2007 Congrega membros do antigo Partido da Frente Liberal 5 Poderíamos citar manifestações do Movimento Negro do Ministério Público Federal de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento que desenvolvem estudos sobre a temática dos Movimentos Sociais das federações quilombolas regionais dentre outros 6 O documento foi tornado público em 17 de abril de 2012 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 45 Em sua argumentação contrária ao decreto 4887 o DEM sustenta a inconstitucionalidade do emprego do critério de autoatribuição estabelecido no art 2º caput e 1º do citado decreto para identifi cação dos remanescentes de quilombos bem como questiona a caracterização das terras quilombolas como aquelas utilizadas para reprodução física social econômica e cultural do grupo étnico art 2º 2º do Decreto 488703 conceito considerado excessivamente amplo assim como o emprego de critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades de quilombos para medição e demarcação destas terras art 2º 3º pois isto sujeitaria o procedimento administrativo aos indicativos fornecidos pelos próprios interessados ABA 2012 1 No documento a ABA contraargumenta ao que fora estame da Ação Direta de Inconstitucionalidade e elucida que o processo de identifi cação e titulação que se faz ao abrigo do decreto 4887 prevê a elaboração de um detalhado relatório antropológico que deve contemplar mais de trinta itens incluindo fundamentação teórica e metodológica histórico de ocupação das terras análise documental com levantamento da situação fundiária e cadeia dominial histórico regional e sua relação com a comunidade Inclui ainda a identifi cação de modos de organização social e econômica que demonstrem ser imprescindível a demarcação das terras para a manutenção e reprodução social física e cultural do grupo Além disso o processo prevê a contestação administrativa por parte de quem se sentir lesado sem prejuízo de recursos judiciais cabíveis ABA 2012 1 Como é possível perceber no documento a ABA reitera a complexidade dos processos para o reconhecimento e titulação e assinala o compromisso ético dos profi ssionais envolvidos no processo no qual o envolvimento com os grupos é fator que imprime densidade e qualidade técnica aos relatórios exigidos pela legislação Em relação à temática também a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas lançou um manifesto em defesa dos seus direitos sociais A ideia era se coligar com a sociedade para encaminhar correspondências7 aos Ministros 7 Sabemos que esta foi uma das tantas ações em rede mobilizadas pela CONAQ no sentido de difundir o debate para além dos setores especializados dos sujeitos quilombolas e dos parceiros atuantes nos movimentos sociais Com a ação política da CONAQ ampliaramse os espaços de interlocução com a sociedade MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 46 do Supremo Tribunal FederalSTF dando a conhecer suas dinâmicas de vida e o signifi cado da autoidentifi cação para as comunidades Neste documento é possível ler As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana que se autodefi nem a partir das relações com a terra o parentesco o território a ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida as tradições e práticas culturais próprias Manifesto CONAQ 2012 1 A apresentação de dois exemplos demonstra que a garantia das formas de reprodução da vida cotidiana não estão associadas à ideia de pensar o território como área ocupada mas a multidimensionalidade que a percepção do acesso ao direito social envolve Sobre esta questão é expressiva a ideia de Projeto Quilombola tal como sugere Leite Quando o quilombo passa paulatinamente a condensar a integrar diversas noções de direito que abrangem não só o direito a terra mas todos os demais quando esse vai do território às manifestações artísticas quando o direito quilombola quer dizer educação água luz saneamento saúde todos os direitos sociais até então negados a essas populações quando o direito vai do campo à cidade do individual ao coletivo e principalmente quando o quilombo como direito confronta projetos e modelos de desenvolvimento questiona certas formas de ser e viver certos usos dos recursos naturais seus usufrutos o parentesco a herança as representações políticas e muito mais quando o quilombo deixa de ser exclusivamente o direito a terra para ser a expressão de uma pauta de mudanças que para serem instauradas precisam de um procedimento de desnaturalização dos direitos anteriores de propriedade dos saberes supostos sobre a história dos direitos baseados nas concepções de público e privado entre tantos outros 2008 975 A autora chama atenção para a complexidade da ideia de direito social e da mesma forma indica que o quilombo como direito vem alterando a própria ordem da Nação dos discursos que sustentam ou sustentaram as mais diversas concepções de nação Leite 2008 975 Em tal perspectiva a instituição do quilombola como sujeito de direito põe em circulação formas de resistência dos grupos às vezes associadas aos fl uxos da vida cotidiana e à capacidade Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 47 inventiva da existência diária às vezes associadas à formação de redes políticas que se retroalimentam nas ações empreendidas No relatório do Programa Brasil Quilombola publicado em julho de 20128 encontramos informações que ajudam a compreender o panorama atual das comunidades quilombolas Os números apresentados referem Estimativa de 214 mil famílias em todo o Brasil e 117 milhão de quilombolas Socioeconômico 72 mil famílias quilombolas cadastradas no CadÚnico9 562 mil famílias 78 do total benefi ciárias do Programa Bolsa Família 756 das famílias quilombolas estão em situação de extrema pobreza 92 autodeclaramse pretos ou pardos 235 não sabem Relatório do Programa Brasil Quilombola 2012 17 A discussão sobre quilombolas se amplia e da mesma forma assistimos ao crescimento do número de grupos que se organizam para solicitar a certifi cação junto à Fundação Cultural Palmares No parecer do Grupo de Trabalho Quilombos da ABA2012 encontramos os seguintes números Quadro 1 Comunidades quilombolas certifi cadas pela Fundação Cultural Palmares Estado Número de Comunidades Quilombolas Alagoas 64 Amazonas 1 Amapá 27 Bahia 438 Ceará 36 Espírito Santo 29 Goiás 22 Maranhão 408 Minas Gerais 148 8 De acordo com o relatório o Programa se articula nos eixos Acesso a terra Infraestrutura e qualidade de vida Desenvolvimento local e inclusão produtiva Direitos e cidadania O conjunto de informações permite ver as políticas públicas implementadas na sociedade e da mesma forma indica a situação de precariedade social e econômica a que foram submetidos A totalidade das informações pode ser encontrada em httpwwwseppirgovbrdestaquesdiagnosticopbq agosto 9 O Cadastro Único para Programas Sociais CadÚnico regulamentado pelo Decreto n 6135 de 26 de junho de 2007 Tem a fi nalidade de identifi car e caracterizar as famílias de baixa renda que usam programas sociais governamentais MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 48 Estado Número de Comunidades Quilombolas Mato Grosso do Sul 20 Mato Grosso 66 Pará 103 Paraíba 34 Pernambuco 108 Piauí 43 Paraná 34 Rio de Janeiro 26 Rio Grande do Norte 21 Rio Grande do Sul 86 Santa Catarina 11 Sergipe 22 São Paulo 45 Tocantins 27 TOTAL 1818 Fonte Parecer do Grupo de Trabalho Quilombos da ABA2012 O crescimento nacional das comunidades quilombolas certifi cadas também pode ser observado no Paraná As comunidades negras rurais ou urbanas ocupavam um lugar de opacidade nas narrativas históricas na ideia de identidade regional nas políticas públicas dentre outras Nesse sentido cabe assinalar a contribuição do Grupo de Trabalho Clóvis Moura para o conhecimento das comunidades quilombolas do estado Tinha como função proceder Levantamento Básico das Comunidades Remanescentes de Quilombos e Terras de Preto do Estado do Paraná O grupo foi constituído pelo governo do Estado do Paraná pela Resolução Conjunta 012005SEED10SEEC11SEAE12SEMA13SECS14 Na sequência novas Resoluções intersecretarias 012006 e 012007 permitem a continuação das atividades O Trabalho empreendido pelo grupo15 foi determinante para identifi cação das comunidades certifi cadas pela Fundação Cultural Palmares conforme tabelas a seguir 10 Secretaria de Estado da Educação 11 Secretária de Cultura 12 Secretaria para Assuntos Estratégicos 13 Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos 14 Secretaria da Comunicação Social 15 O relatório pode ser encontrado em httpwwwitcgprgovbrarquivosFileTerrae Cidadaniav3pdf Acesso em 10022013 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 49 Quadro 2 Comunidades remanescentes de quilombo Município Adrianópolis Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4100202 João Surá 19082005 4100202 Comunidade Negra Rural de Sete Barras 07062006 4100202 Porto Velho 07062006 4100202 Bairro Córrego do Franco 13122006 4100202 Bairro Três Canais 13122006 4100202 Estreitinho 13122006 4100202 Praia do Peixe 13122006 4100202 São João 13122006 41002023542602 Comunidade Negra Rural de Córrego das Moças 07062006 Total 9 Fonte Fundação Cultural Palmares16 Quadro 3 Comunidades remanescentes de quilombo Município Bocaiúva do Sul Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4103107 Areia Branca 13122006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 4 Comunidades remanescentes de quilombo Município Palmital dos Pretos Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4104204 Palmital dos Pretos 07062006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 5 Comunidades remanescentes de quilombo Município Candoi Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4104428 Cavernoso 1 13122006 4104428 Despraiado 13122006 4104428 Vila São Tomé 13122006 Total 3 Fonte Fundação Cultural Palmares 16 As informações foram coletada no site da Fundação Cultural Palmares httpwwwpalmares govbrquilombola Acesso 10032013 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 50 Quadro 6 Comunidades remanescentes de quilombo Município Castro Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4104907 Comunidade Negra Rural de Castro Limitão Serra do Apon Mamans 12092005 4104907 Tronco 13122006 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 7 Comunidades remanescentes de quilombo Município Curiúva Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4107009 Água Morna 19082005 4107009 Guajuvira 19082005 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 8 Comunidades remanescentes de quilombo Município Doutor Ulysses Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4128633 Varzeão 07062006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 9 Comunidades remanescentes de quilombo Município Guaira Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4108809 Manoel Ciriáco dos Santos 13122006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 10 Comunidades remanescentes de quilombo Municípios de GuarapuavaPinhãoReserva do Iguaçu Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4109401 4119301 4121752 Invernada Paiol de Telha 25042006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 11 Comunidades remanescentes de quilombo Município Guaraqueçaba Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4109500 Batuva 13122006 4111407 São Roque 16042007 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 51 Quadro 12 Comunidades remanescentes de quilombo Município Ivaí Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4111407 Rio do Meio 16042007 4111407 São Roque 16042007 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 13 Comunidades remanescentes de quilombo Município Lapa Código do IBGE Comunidade Data de publicação 113205 Feixo 13122006 4113205 Restinga 13122006 4113205 Vila Esperança 13122006 Total 3 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 14 Comunidades remanescentes de quilombo Município Palmas Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4117602 Adelaide Maria Trindade Batista 16042007 4117602 Castorina Maria da Conceição 16042007 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 15 Comunidades remanescentes de quilombo Município Ponta Grossa Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4119905 Comunidade Negra Rural de Sutil 19082005 4119905 Santa Cruz 19082005 Total 2 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 16 Comunidades remanescentes de quilombo Município São Miguel do Iguaçu Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4125704 Apepú 13122006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares Quadro 16 Comunidades remanescentes de quilombo Município Turvo Código do IBGE Comunidade Data de publicação 4127965 Campina dos Morenos 13122006 Total 1 Fonte Fundação Cultural Palmares MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 52 Como é possível perceber temos 34 comunidades remanescentes de quilombo certifi cadas pela Fundação Cultural Palmares Convém lembrar que muitas outras estão em processo de organização para solicitar a certifi cação Ao olharmos as datas de publicação da certifi cação perceberemos que todas são posteriores à resolução que instituiu o Grupo de Trabalho Clóvis Moura o que demarca o signifi cado das ações empreendidas Também a criação da Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná FECOQUE que atua no sentido de proposição de políticas públicas avaliação das ações e dos procedimentos para o processo titulação das terras No relatório encontramos uma imagem multiétnica do Paraná que suscitou novos estudos e atividades de investigação tais como Camargo 2012 Hoffmann 2012 Grokorriski 2012 Soares 2012 que usaram como temática a vida cotidiana as formas educativas a resistência diária as formas de organização política dentre outras 2 Quilombolas e territorialidade modos de fazer criar e viver As reivindicações dos direitos territoriais dos grupos étnicos implica a vivência do confl ito social em uma sociedade patrimonialista na qual a terra é mercadoria regulada na esfera das relações econômicas de compra e venda Essa sociedade oblitera direitos associados às formas de viver e interagir que envolvem outras dinâmicas de organização É importante dizer que há difi culdade de operar uma tradução entre o vivido por determinados grupos e a nossa possibilidade de apreensão de seus códigos dos ditos dos nãoditos das palavras entrecortadas das gestualidades No entanto sabemos que nos processos de tradução operamos também por semelhança Há sempre o que escapa que fl ui e que estamos a perseguir para alcançar compreensão em meio à confl uência de signifi cados dos modos de fazer criar e viver É nesse movimento que compreendemos as possibilidades de acesso às socialidades que impregnam as tecituras do viver em comunidades quilombolas e ao pathos que atravessa ser quilombola inventarse17 quilombola e se inscrever como sujeito de direitos Nesse sentido ODwyer afi rma que contemporaneamente portanto o termo quilombo não se refere a resíduos de resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de 17 É importante compreender a acepção de inventar nesse texto Entendemos um duplo movimento de reconhecimento social de sujeitos que sempre estiveram a falar de si mas que não encontravam eco na história ofi cial reconhecimento de direitos que garante o exercício da cidadania e acesso a bens materiais culturais simbólicos negados em nome de uma pseudo igualdade Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 53 comprovação biológica Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados mas sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território próprio A identidade desses grupos também não se defi ne pelo tamanho e número de seus membros mas pelas experiências vividas e as versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade enquanto grupo 1995 2 A apresentação das falas de lideranças das comunidades quilombolas do Paraná18 coletadas em um evento proposto pela Secretaria de Estado de EducaçãoSEEDPR pode auxiliar na compreensão do grupo Para iniciar as atividades os sujeitos se apresentavam e indicavam características do seu local de vida Esse foi um momento interessante porque ao expor o que faziam descreviam a localidade em que moravam ou trabalhavam Nesse movimento delineavam o espaço de vida e estabeleciam conexões do tipo na minha comunidade também tem isso nós trabalhamos assim também vivemos algo semelhante está sendo muito difícil lutar pelo reconhecimento do nosso direito a terra entre outras De alguma forma se estabelecia um vínculo gregário Ressaltamos que não procuramos estabelecer um conceito monolítico do que seja ser quilombola e inscreverse como tal Estamos sim estabelecendo pontos de intersecção que possibilitam perceber as formas do estar junto em diferentes comunidades e certo reconhecimento de uma proximidade existencial de uma vivência histórica com grandes similaridades e de elementos internos de coesão que potencializam um conceito ou ideia de nós Ainda nesse momento de apresentação foi voz corrente eu ainda me lembro disso meus avós sempre contavam que no tempo dos antigos antes de tomar qualquer decisão nós consultamos o senhor que é dos antigos eu disse para eles não assinem nada Ao apresentar as falas recortadas de alguma forma esmaece a intensidade entretanto ao apresentá las chama a atenção à signifi cação da memória e suas relações com os processos de identifi cação Para Pollak 18 Em 2011 ministramos uma ofi cina Comunidades quilombolas saberes e fazeres cotidianos para as lideranças quilombolas do estado e docentes atuantes nas escolas localizadas nas comunidades ou no seu entorno no VIII Encontro de Educadores Negros organizado pela SEED PR em Pontal do Paraná MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 54 a memória é um fenômeno construído social e individualmente quando se trata da memória herdada podemos dizer há uma ligação fenomenológica muito estreita entre memória e o sentimento de identidade Aqui o sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais superfi cial mas que nos basta no momento que é o sentido da imagem de si para si e para os outros 1992 5 Conforme indica o autor os sujeitos constroem imagens de si da mesma forma que investem para que os outros os reconheçam como tal procurando legitimar as representações que têm de si e de alguma forma estabelecerem indicativos do que desejam ver reconhecido nos seus grupos de referência A memória opera de maneira que o retorno ao passado é um voltar ao que já não está lá Essas questões tornam possível pensar que a memória é sempre negociada e que os movimentos de evocação e criação se articulam de diferentes formas compondo variados desenhos e signifi cados Nesse sentido as alocuções remetem para a composição étnica inicial dos locais onde vivem afi rmam a relação vital entre as jovens lideranças das comunidades e os antigos aqueles que sabem da história do grupo Assim a apresentação estabelece uma diadelfi a entre identidade e memória É nessa interseção que os membros de um grupo percorrem os espaços de vida e constroem imagens de si e dos outros em um determinado tempo e espaço Um tempo que para eles muitas vezes unifi ca origem e destino de cada um e de todos em relação ao território em que vivem e onde viveram os seus Anjos afi rma que Esse trabalho da memória é aqui fundamentalmente um processo de iconifi cação dos eventos históricos de modo a se transformarem em marcadores de tempo e espaço Não deixa a memória coletiva de trabalhar com fatos históricos mas eles são submetidos a um processo que não é o da comprovação mas sim do tornar exemplar com um sentido gerado pelos esquemas prévios e que através de transformações sutis gera novos esquemas de interpretação e ação 2004 65 Parece que expressam a marcação de tempo tempo vivido com quando afi rmam uma relação de recriação com o passado quando assumem uma identifi cação quilombola quando traçam elementos de continuidade na relação com a terra onde vivem e viveram os ancestrais e na qual projetam o futuro expressa na preocupação com o conhecimento das crianças sobre suas formas de viver e se relacionar no grupo no desejo de criar escolas quilombolas na preocupação com a ação política que garanta direitos sociais Neste sentido parece que o substrato cotidiano que entrecruza o ser quilombola e o instituir Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 55 se como sujeitos de direitos19 é marcado por uma inscrição espaçotemporal Não fazemos afi rmação essencialista20 como se houvesse algo inscrito na natureza e que vinculasse de forma indelével aqueles seres entre si Quando referimos à ideia ser quilombola estamos fazendo alusão às disposições experienciais identifi cadas e reconhecidas por aqueles que as vivem como parte de um grupo que guarda profundas diferenças entre si da mesma forma que mantém relações de contiguidade laços de vizinhança e familiaridade próprios de quem vive nas mesmas cercanias e que conduzem a uma proximidade existencial Sobre esta questão talvez fosse possível justapor ao que Guatarri chama de Agenciamentos Territorializados de Enunciação Afi rma que Através de diversos modos de semiotização de sistemas de representação e de práticas multirreferenciadas tais agenciamentos conseguiam fazer cristalizar segmentos complementares de subjetividade extrair uma alteridade social pela conjugação da fi liação e da aliança induzir uma ontogênese pessoal pelo jogo das faixas etárias e das iniciações de modo que cada indivíduo se encontrasse envolto por várias identidades transversais coletivas ou se preferirem no cruzamento de inúmeros vetores de subjetivação parcial Nestas condições o psiquismo de um indivíduo não está organizado em faculdades interiorizadas mas dirigido para uma gama de registros expressivos e práticos diretamente conectados à vida social e ao mundo externo 1992 127 No desenvolvimento do trabalho chamaram a atenção afi rmações como estas eu falei para eles não assinar nada21 eu não sei ler mas não assino nada Já referimos que ao retirar uma frase do contexto que ela se apresenta e fragmentála temos o risco da perda de vigor e da emoção que compunha o discurso do sujeito Mas a alocução expressa uma força vital e um político transfi gurado Maffesoli afi rma que Precisase de energia para resistir às diversas imposições sociais O mesmo vale para o que diz respeito ao desvio do político Talvez se deva ler aí o duplo do político e do poder que é a sua expressão A ironia a abstenção o distanciamento o exílio interior poderiam ser 19 Terra educação políticas sociais 20 Woodward afi rma que uma explicação essencialista da identidade sugeriria que existe um conjunto cristalino autêntico de características que todos partilham e que não se altera ao longo do tempo 2000 12 21 A narradora contou que foram à comunidade e pediram que assinassem documentos que tinham por função expropriálos das terras em que vivem e na qual viveram seus ancestrais MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 56 compreendidos como passividade no fi nal das contas propícia aos poderes do que como força de inércia com o qual é preciso contar 1997 117 Não há uma ação direta contra aqueles que impuseram suas normas suas leis suas determinações A fala da mulher expressa uma derrisão não há um enfrentamento direto por meio de um risinho a pessoa fecha a frase eu não assinei Parece indicar certo riso zombeteiro ao poder e um desviarse que em última instância signifi ca contornar o poder e afi rmar estratégias de sobrevivência como sujeito Mais que isso a continuidade como grupo que ao desdenhar resiste ao resistir instituise quilombola ao instituir se quilombola assegura direitos Aqui o direito a terra Quando a mulher quilombola ainda que em um gesto solitário diz não assino e falei para os meus não assinem ela de alguma forma estende sua ação que deixa de ter uma conotação individual e passa a ser assumida por um conjunto social Temos a hipótese que há neste caso uma transfi guração do político O que a princípio pode ser pensado como algo individual e individualizante tornase um gesto de resistência e mais que isto há uma astúcia isto porque o poder identifi ca tal ação como alheamento teimosia individual No gesto há claro desdém em relação ao poder que diz assine Ainda que referindose a outra situação Maffesoli entende que tal atitude exprime antes de tudo o amor pela vida vida que se deve proteger a longo prazo vida da qual se é devedor diante das gerações futuras garantia de uma eternidade vivida diaadia 1997 116 É importante não ler aqui uma relação causa e efeito mas um movimento de fazer refazer e negociar com o poder Nesse movimento produzse um impulso para o estar junto algo que liga e aproxima pessoas que partilham uma mesma espacialidade que pode ser imaginada simbólica ou real ou muito provavelmente essas diferentes instâncias entrecruzadas A participação na vida política para a conquista dos direitos sociais é aventura atual empreendida pelas lideranças das comunidades quilombolas neste processo conhecem e atuam em novos cenários se articulam em diferentes instâncias de poder descobrem novos aliados identifi cam opositores As novas dinâmicas de participação estão associadas à vida cotidiana e aos modos de fazer criar e viver dos grupos Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 57 Referências bibliográfi cas ANJOS José Carlos Gomes SILVA Sérgio Baptista São Miguel e Rincão dos Martimianos ancestralidade negra e direitos territoriais Porto Alegre Editora da UFRGS 2004 ARRUTI José Maurício Andion Agenciamentos Políticos da Mistura Identifi cação Étnica e Segmentação NegroIndígena entre os Pankararú e os Xocó Estud Afro asiáticos 2001 vol23 no2 p0000 ISSN 0101546X CALHEIROS Felipe Peres e STADTLER Hulda Helena Coraciara Identidade étnica e poder os quilombos nas políticas públicas brasileiras Rev katálysis online 2010 vol13 n1 pp 133139 ISSN 14144980 CAMARGO Mábia Atlântico negro paiol como estão sendo conduzidas as questões de raça e etnia nas aulas de Língua Inglesa Orientadora Aparecida de Jesus Ferreira Dissertação de Mestrado em Linguagem Identidade e Subjetividade Ponta Grossa 2012 FERREIRA Haroldo da Silva et al Nutrição e saúde das crianças das comunidades remanescentes dos quilombos no Estado de Alagoas Brasil Rev Panam Salud Publica Jul 2011 vol30 no1 p5158 ISS 10204989 FREITAS Daniel Antunes et al Saúde e comunidades quilombolas uma revisão da literatura Rev CEFAC 2011 SetOut 135937943 GROKOSSIKE Carlos Ricardo Sutilezas entre ciência política e vida prática alfabetização vem uma comunidade remanescente de quilombo Dissertação de Mestrado Em Educação Universidade Estadual de Ponta Grossa Orientador Fernando Cerri Ponta Grossa 2012 GUATARRI Felix Caosmose um novo paradigma estético São Paulo Editora 34 1992 HOFFMANN Claudia Cristina Fronteiras de um quilombo em construção um estudo sobre o processo de demarcação das terras da Comunidade Negra Manoel Círiaco dos Santos Programa de Pós Graduação em Sociedade Cultura e Fronteiras Orientador Valdir Gregory Universidade Estadual do Oeste do ParanáFoz de Iguaçu 2012 LEITE Ilka Boaventura O projeto político quilombola desafi os conquistas e impasses atuais Rev Estud Fem Dez 2008 vol16 nº 3 p965977 ISSN 0104 026X LEITE Ilka Boaventura O legado do Testamento a comunidede de Casca em perícia Porto Alegre Editora da UFRGS Florianópolis NUERUFSC 2004 LEITE Ilka Boaventura Classifi cações étnicas e as terras de negros no sul doBrasilIn ODWYER Eliane Cantarino Org Terra de quilombos ABAAssociação Brasileira de AntropologiaRio de Janeiro DECANIA CFCHUFRJ julho de 1995 MAFFESOLI Michel Elogio da razão sensível Petrópolis Vozes1998 MAFFESOLI Michel A transfi guração do político a tribalização do mundo Porto Alegre Sulina 1997 ODWYER Eliane Cantarino Org Terra de quilombos ABA Decânia CFCHUFRJ Rio de Janeiro 1995 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 58 ODWYER Eliane Cantarino Os quilombos e as fronteiras da antropologia Antropolítica UFF v 19 p 91111 2005 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Antropologia e a crise dos modelos explicativos Estud av online 1995 vol9 n25 pp 213228 ISSN 01034014 POLLAK Michael Memória e identidade social Estudos Históricos Rio de Janeiro vol 5 n 10 1992 p 200212 SOARES Edimara Gonçalves Educação escolar quilombola quando a diferença é indiferente Tese Doutorado em Educação Setor de Educação Orientadora Tânia Maria Baibich Universidade Federal do Paraná 2012 WOODWARD Kathryn Identidade e diferença uma introdução teórica e conceitual In SILVA Tomas Tadeu da Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Rio de Janeiro Vozes 2000 Documentos Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à ação da OIT Organização Internacional do Trabalho Brasília OIT 2011 Decreto nº 4887 de 20 de novembro de 2003 Regulamenta o procedimento para identifi cação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Disponível em ttpwww planaltogovbrccivil03decreto2003d4887htmAcesso 2032013 Manifesto da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas CONAQ 2012 Disponível em httpwwwpetitiononlinecomconaq123petitionhtml Acesso 5042013 Nota Pública da Associação Brasileira de Antropologia de 17 de abril de 2012 Disponível em httpwwwabantorgbrnewsshowid238 Acesso 5042013 Parecer Grupo de Trabalho Quilombos da ABA 2012 Disponível em httpwww abantorgbrnewsshowid238 Acesso 5042013 Relatório do Programa Brasil Quilombola Diagnóstico de Ações Realizadas Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Brasília 2012 Terra e cidadania terras e territórios quilombolas Grupo de Trabalho Clóvis Moura relatório 20052008 59 Capítulo 3 Uma refl exão sobre os faxinais meioambiente sistema produtivo identidades políticas formas tradicionais de ser e viver Liliana Porto1 A proposta deste texto é refl etir sobre um contexto ambiental social econômico e político de fundamental importância para a compreensão da presença e organização de populações tradicionais no CentroSul do Paraná que se explicita através dos vários usos da noção de faxinal Para tanto terá como base uma revisão bibliográfi ca sobre o tema bem como a experiência de pesquisa de campo em PinhãoPR município caracterizado por grandes áreas cobertas por matas mistas de araucária contingente signifi cativo de população tradicional bem como práticas passadas e presentes de organização produtiva que se estruturam de acordo com a lógica do que a literatura denomina sistema faxinal Ao analisarmos a maneira como a noção é mobilizada tanto na bibliografi a quanto nos contextos contemporâneos por historiadores acadêmicos moradores locais agentes estatais ou militantes na luta pela terra observamos perspectivas distintas sobre os faxinais Destacamse três 1 faxinal como descrição de um determinado meioambiente que em alguns momentos se aproxima da noção de faxinal como criadouro comum 2 faxinal como sistema produtivo 3 faxinal como identidade e proposta política de construção de direitos e usos do território Apesar de distintas contudo tais perspectivas não são desarticuladas dialogam e se contrapõem resultando tais contatos em uma dinâmica de deslocamentos e resignifi cações Além disso a ordem acima apresentada é também cronológica sendo a utilização do termo para defi nir um contexto ambiental geralmente vinculado a um uso específi co 1 Doutora em Antropologia pela UnB e professora do Departamento de Antropologia da UFPR Realizando pósdoutorado no PPGASMuseu Nacional Autora dos livros A ameaça do outro e Curitiba entra na roda MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 60 como criadouro comum anterior àquela que o defi ne como sistema produtivo e esta por sua vez antecede sua defi nição como identidade na luta política E ainda todas elas trazem consigo embora muitas vezes de maneira não explícita referência a certa forma de ser e viver que implica em valores que defi nem as relações com o meio natural com os demais membros dos grupos sociais e com o mundo sobrenatural Valores estes que se relacionam com regras de convivência grupal pautadas em respeito reciprocidade e responsabilidade ambiental e social2 Defi nido como um regionalismo do sul do país a noção de faxinal como meioambiente pode ser encontrada em textos sobre a região desde o século XIX Assim por exemplo ao descrever sua viagem pelos sertões de Guarapuava José Francisco Nascimento afi rma que A 13 de Maio entramos no Chagú ao rumo de 78 gráos noroeste e depois de 26 dias de tempo chuvoso e frio conseguimos com diffi culdade abrir 9 leguas de picada por onde passavam 6 cargueiros carregados No lugar onde fazia as 9 leguas de picada tivemos de invernar 11 dias por causa das chuvas e ribeiros cheios dalli pretendíamos seguir quando o tempo melhorasse visto que o terreno parecia ser menos montanhoso e menos diffi cultoso para os trabalhos porque já se avistavam faxinaes e vestígios de campos Nascimento 1886 269 Neste contexto ela se aproxima muito das defi nições do dicionário Houaiss sobre o termo campo que avança pelo interior de uma fl oresta ou cercado por altas árvores ou do dicionário Michaelis campo coberto de mato curto Distanciase no entanto daquela utilizada dos depoimentos de moradores de Pinhão3 em que faxinal remete às matas de araucária comuns no local Nestas além da presença do pinheiro destacamse a existência de madeira de lei como a imbuia bem como de ervais nativos Aqui embora a ênfase ambiental seja clara há uma relação entre o ambiente e as atividades econômicas nele realizadas e os faxinais são pensados a partir de sua oposição às capoeiras Vistos como adequados tanto para atividades extrativistas de ervamate pinhão e madeira esta última restrita devido à atual legislação ambiental quanto de 2 É necessário contudo não construir uma visão romântica idealizada sobre os grupos tradicionais que se vinculam de formas diversas aos faxinais Embora as características citadas sejam efetivas também se observa a presença de confl itos e tensões signifi cativos na estruturação de tais grupos inclusive vinculados à questão do compáscuo 3 Área em que concentro minhas pesquisas sobre o tema e que é reconhecida como um dos principais municípios do Paraná quando se considera a relevância da presença de faxinais É também o município de origem de um dos principais líderes do movimento faxinalense na atualidade Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 61 criação de gado cavalos e animais de pequeno porte4 seriam inapropriados devido à excessiva acidez do solo para a produção agrícola Tal atividade portanto precisaria ocorrer em uma área específi ca as capoeiras pensadas como terras de cultura em geral situadas em terrenos mais dobrados sem a presença da fl oresta e mais próximas dos rios Trecho de entrevista com Renato Passos memorialista de Pinhão exemplifi ca tal perspectiva R O faxinal é aquele mato mais alto que vamos distinguir tem a capoeira é um mato fi no quase sempre formado por bracatinga Hoje quase não tem mais E o faxinal é aquele que era pinheiro imbuia e ervamate e canela um mato mais alto E embaixo é pasto Que o pessoal costumava criar também gado ali e porco solto que comia o pinhão e criava muito cabrito que o cabrito se dá bem no faxinal E muito cavalo também que era criado no faxinal Entrevista com Renato Passos realizada em 090612 Acrescentese ainda serem os faxinais o espaço onde se construíam as moradias no passado o que leva a que vários dos grupos rurais de Pinhão sejam conhecidos a partir desta denominação como exemplo Faxinal dos Taquaras Faxinal dos Ribeiros Faxinal dos Silvérios Faxinal dos Coutos entre outros As terras de cultura a fi m de terem a produção protegida da eventual destruição pelos animais criados à solta nos faxinais eram ou distantes dos mesmos ou deles separadas por algum acidente natural ou mesmo por cercas construídas pelos habitantes regionais Nestas terras se localizavam os paióis utilizados tanto para armazenamento dos produtos agrícolas quanto para abrigo e morada durante períodos em que há intensifi cação do trabalho na lavoura É o uso das áreas de faxinal como compáscuo por grupos rurais tradicionais5 que leva a que o termo passe a designar não apenas o ambiente mas também um sistema produtivo complexo marcado pela conjugação da policultura de subsistência criação à solta e extração de ervamate também de pinhão madeira frutos e ervas medicinais Tal sistema conjugará uso familiar e comum do território produções diversifi cadas destinadas tanto para o autoconsumo quanto para o mercado ciclos produtivos de duração diferenciada vários deles ultrapassando o mínimo de dois anos como é o caso da extração de erva mate e madeira ou criação de alguns animais 4 Porcos cabras ovelhas galinhas e outros animais 5 O dicionário Houaiss apresenta outra defi nição de faxinal como campo de pastagem com presença de arvoredo esguio que aponta na identifi cação entre faxinal e criação de gado Não há contudo nenhuma referência ao caráter de pastagem coletiva dos faxinais em qualquer dos dicionários consultados MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 62 A nova defi nição por sua vez será desenvolvida em um contexto bastante específi co a produção de pesquisadores vinculados ao IAPAR Instituto Agronômico do Paraná e com inserção acadêmica ocorrida na década de 1980 O primeiro texto resultante do grupo interdisciplinar de pesquisa constituído pelo IAPAR é o de Horácio Martins 1984 não publicado Nele o autor relata ter partido de uma inquietude pessoal quanto à existência de criadouros comunitários na organização da produção da pequena burguesia agrária do Estado do Paraná e de Santa Catarina 04 e da ausência de textos acadêmicos sobre o tema Criadouros estes conhecidos como faxinais6 Aproveita então a possibilidade de pesquisa aberta pelo IAPAR para fazer registros sobre o tema mas não redige um relatório sendo o texto apresentado uma refl exão que ocorre fora do ambiente institucional e tem como base estudo de caso realizado no Faxinal Rio do Couro em IratiPR A ênfase dada pelo autor no criadouro comunitário marcará como veremos todas as discussões estatais e acadêmicas posteriores sobre os faxinais Ele assim os defi ne O criadouro comunitário é uma forma de organização consuetudinária que se estabelece entre proprietários de terra para sua utilização comunal tendo em vista a criação de animais A área de um criador comunitário é constituída por várias parcelas de terras de distintos proprietários formando umas ao lado das outras um espaço contínuo 1984 12 O criador comunitário é um resultado histórico da criatividade do trabalhador direto na condição de pequena burguesia agrária sob determinadas condições de trabalho e a necessidade objetiva de equacionar seus problemas de produção determinaram suas inventivas dandolhe a força da descoberta nas práticas do seu viver com a natureza e com os outros homens 1984 07 6 No entanto Carvalho afi rma que embora se possa estabelecer esta relação criador comunitário e faxinal não são sinônimos retoma a noção de faxinal como descrição de um tipo de meioambiente como se percebe no seguinte trecho O criador comunitário é também denominado de faxinal Entretanto ainda que aceito vulgarmente esta sinonímia faxinal e criador comunitário apresentam substanciais distinçõesOriginalmente o faxinal se referia ao mato denso ou grosso ou seja a área de vegetação mais cerrada se comparadas com outras áreas às quais se denominava mato ralo No faxinal ocorria a presença das espécies fl orestais pinheiro araucária e erva mate além de apresentar razoáveis condições de pastagem natural O faxinal era preservado para práticas extrativistas da madeira pinho e da erva mate além de servir de espaço para a criação extensiva e semiextensiva de animais As derrubadas de mato para a formação de lavouras eram realizadas em áreas onde se observava a presença de mato ralo Nesse sentido posso afi rmar que a expressão faxinal possui um signifi cado mais amplo do que a de criador comunitário Este é uma forma de organização da criação de animais em terras de uso comunal que se dá em áreas de faxinal Assim num faxinal podese encontrar área que é destinada a criador comunitário e outras para uso privado 1984 1415 Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 63 Abordando o modelo do criador comunitário fechado em seu perímetro e estabelecendo relações não muito claras entre sua existência e os interesses dos capitalistas explicita a relação entre os faxinais como compáscuo e o interesse dos proprietários na extração de madeira e ervamate Constrói portanto o modelo do tripé econômico fundado no extrativismo lavoura e criação animal posteriormente desenvolvido como sistema faxinal por Man Yu Chang 1988 mas não explora de maneira sistemática este tripé Com foco permanente no criador defi ne como motivo central para sua criação a economia de material na construção de cercas que separassem as áreas de pastagem das de lavoura No entanto a partir do momento em que ele se estabelece marca a sociabilidade local e instaura relações de amizade vizinhança e compadrio entre os participantes do sistema Também defi ne padrões mais amplos de trabalho uso da terra compra e venda herança Menos preocupado com a elaboração de um modelo geral e voltado à análise do contexto de pesquisa no Faxinal Rio do Couro o autor aponta as várias etapas históricas de constituição consolidação e desarticulação do criadouro comunitário Ressalta as mudanças ocorridas ao longo do período entre 1910 e 1981 sendo relevantes aspectos como a alteração dos principais produtos comerciais batata trigo ervamate suínos madeira fumo substituição de mão de obra familiar e processos de trabalho coletivo mutirão localmente denominado puxirão pelo trabalho assalariado emigração de mão de obra local conjugação de produtos para o autoconsumo e produtos para o mercado havendo duplo destino em alguns casos ocorrência de crises econômicas ao longo do período Através desta análise se esclarece a defi nição dada pelo autor dos participantes do criador comunitário como pequena burguesia agrária pois que proprietários de terras produtores para o mercado e após um período contratantes de mão de obra assalariada A análise de um caso particular se por um lado não permite elaborar um modelo geral na medida em que por exemplo questões como a propriedade das terras não se aplicam a situações como a de Pinhão em que predomina o direito pela posse não documentada por outro possibilita perceber dinâmicas sociais mais detalhadas e que não ocorrem em um sentido único Assim o criadouro comunitário coexiste com produções distintas bem como com distintos usos da mão de obra Além disso não há um caminho predeterminado no sentido de sua desagregação ou seja é mais fácil reconhecer a historicidade própria do sistema apesar da crise identifi cada pelo autor na década de 1970 ele é retomado posteriormente encontrandose em posição mais sólida na década seguinte Conjugamse o uso comum e o uso individualfamiliar da terra a produção para o autoconsumo e para o mercado a exploração própria e por grandes empresas pex madeireiras das áreas de faxinais os arrendamentos a diferenciação econômica entre as famílias locais ao longo do tempo Além MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 64 disso apesar de o foco se dar na produção há indícios da infl uência do criador comunitário nas relações sociais locais No entanto ao fi nal apesar de afi rmar a organização sólida do criadouro comunitário em Rio do Couro no momento da pesquisa Carvalho aponta forças que indicariam no sentido da futura dissolução do criador entre as quais as tendências de emigração e assalariamento das famílias locais a ação de empresas madeireiras a modernização da pecuária discursos higienistas E termina por afi rmar a necessidade de resgate desta forma de organização produtiva abrindo espaço para se pensar o modelo de criador comunitário como proposta política de organização de pequenos produtores rurais O criador comunitário como forma de organização dos produtores rurais no uso comum da terra para a criação de animais se constituiu e se constitui em parte da história da agricultura do Paraná e de Santa Catarina em particular de algumas de suas regiões e para determinadas classes sociais Resgatála recuperar seus traços mais relevantes mobilizar os próprios autores da sua geração e consolidação para a reconstruírem e dela tecerem novas ou renovadas alternativas para a organização da criação de animais é tarefa que não se deveria relegar para tempos futuros As memórias como as saudades necessitam de contínuo alento para se tornarem imorredouras 1984 78 Mas se no texto de Carvalho há uma perspectiva do faxinal como um sistema produtivo mais complexo e articulando aspectos de economia familiar para o autoconsumo e economia de mercado é no de Man Yu Chang 1988 publicado como boletim técnico n 22 do IAPAR que ocorre a sistematização de referência desta perspectiva marcando a ação posterior do Estado principalmente através da publicação do Decreto Estadual 344697 que defi ne a criação de Áreas Especiais de Uso Regulamentado ARESUR em regiões caracterizadas pelo sistema faxinal e da realização de levantamentos dos faxinais existentes no Paraná bem como a discussão do movimento social sobre a caracterização dos faxinais a construção de uma identidade faxinalense e a elaboração de um mapeamento concorrente àqueles dos órgãos estatais Já na primeira página da Introdução a autora traz uma síntese de sua abordagem ao afi rmar que O sistema faxinal objeto central deste estudo é uma forma de organização camponesa característica da região CentroSul do Paraná que ainda se apresenta de forma marcante Sua formação está associada a um quadro de condicionamentos físiconaturais da Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 65 região e a um conjunto de fatores econômicos políticos e sociais que remonta de forma indireta aos tempos da atividade pecuária nos Campos Gerais no século XVIII e mais diretamente à atividade ervateira na região das matas mistas no século XIX A semelhança dos demais sistemas de produção familiares o sistema faxinal apresenta também os seguintes componentes produção animal criação de animais domésticos para tração e consumo com destaque às espécies equina suína bovina caprina e aves produção agrícola policultura alimentar de subsistência para abastecimento familiar e comercialização da parcela excedente destacando as culturas de milho feijão arroz batata e cebola coleta de erva mate ervais nativos desenvolvidos dentro do criadouro e coletados durante a entressafra das culturas desempenhando papel de renda complementar O que torna o sistema faxinal atípico é sua forma de organização Ele se distingue das demais formas camponesas de produção no Brasil pelo seu caráter coletivo no uso da terra para a produção animal A instância do comunal é consubstanciada nesse sistema em forma de criadouro comum espaço no qual os animais são criados à solta Chang 1988 13147 Este trecho já indica a complexidade da análise da autora bem como a diversidade de características que mobiliza para construir a defi nição de sistema faxinal Um primeiro aspecto signifi cativo é o caráter histórico do sistema ele se constitui a partir de um contexto específi co de relação entre a economia local e a comercialização da ervamate que no fi nal do século XIX e início do XX se torna o principal produto de exportação do Paraná chegando a ser o terceiro do país E aqui é importante lembrar a afi rmação de Magnus Pereira 1996 sobre a relevância da burguesia do mate no estabelecimento de uma indústria em moldes capitalistas no Paraná embora a sua produção fosse realizada por populações rurais localizadas em áreas de ervais nativos O comércio do mate entre o Paraná e a região platina desde a sua legalização em 1722 esteve nas mãos de um pequeno grupo de comerciantes que controlava esse mercado Já a produção estava a cargo de uma infi nidade de produtores artesanais autônomos 7 É interessante observar que em nota ao longo deste trecho Chang reconhece a referência local a faxinal como um tipo de vegetação bem como o uso do termo para se referir exclusivamente ao criadouro comum além deste uso em que a referência é a todo um sistema produtivo que se estende além dos faxinais ambientalmente defi nidos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 66 Em princípio qualquer pessoa adulta estava habilitada a produzir mate As técnicas artesanais de benefi ciamento eram de domínio público e não exigiam instrumentos ou edifi cações dispendiosos Os arbustos do mate eram nativos e disseminados nas matas que cobriam boa parte da região Portanto em relação à ervamate ou às populações que dela faziam uso não havia nada que prenunciasse o ulterior desenvolvimento de técnicas industriais de benefi ciamento A produção do mate não exigia necessariamente nenhuma concentração de capital Pereira 1996 42 Chang aponta portanto para um sistema que se em uma ponta desenvolve um processo de industrialização responsável pela implantação de processos produtivos em moldes capitalistas no Paraná bem como redefi ne grupos de poder estaduais e altera a confi guração de sua região leste principalmente Curitiba na outra ponta se baseia no trabalho dos produtores artesanais que a fi m de conservar os ervais lidar com um ciclo produtivo de no mínimo dois anos aproveitar com outras atividades as áreas onde se encontram e mesmo facilitar o corte do mate instauram um modelo de uso comum da terra Em outras palavras em que ao desenvolvimento capitalista estão relacionadas formas de trabalho e territorialidades não capitalistas O uso comum contudo se dá através do modelo de compáscuo e não se estende a todas as possibilidades produtivas relacionadas à área abrangida pelo criadouro coletivo aberto ou fechado8 Com efeito se a criação de animais à solta se dá com base no uso comum as atividades extrativas são realizadas pelas famílias que reconhecidamente detêm a propriedade ou posse de certas parcelas do território defi nido como compáscuo Conjugase portanto o uso familiar e comum de certas regiões Acrescentese a isto um segundo aspecto apontado pela autora a separação entre áreas de criaçãoextrativismo e de lavoura Esta pode se dar tanto pelo sistema de cercas descrito por Carvalho quanto por acidentes naturais ou ainda a distância estabelecida entre as terras destinadas a cada uma destas atividades O que indica uma organização territorial em que há descontinuidade entre as parcelas controladas por um único grupo doméstico Assim se as moradias são construídas nos faxinais elas se encontram muitas vezes distantes alguns quilômetros ou separadas por rios ou outras barreiras naturais das terras de lavoura da família Tal fato defi ne ainda a importância 8 Os dois modelos se relacionam com a disponibilidade de terras na região enquanto o criador aberto em geral ou não apresenta cercas quando há outras formas de separação dos animais das terras de cultura ou não as apresenta em toda sua extensão não havendo divisas em algumas extremidades o criador fechado é todo ele cercado sendo a responsabilidade na manutenção das cercas distribuídas entre seus participantes Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 67 dos paióis que não só permitem o armazenamento da produção alimentar mas também são utilizados como moradia temporária por parte do grupo doméstico durante alguns períodos do ciclo agrícola O sistema faxinal também se caracteriza pela conjugação da produção para o autoconsumo e para o mercado Quase todos seus produtos inclusive a erva mate e os produtos agrícolas são tanto comercializados quando consumidos localmente Aqui é importante lembrar a defi nição de Afrânio Garcia Jr de lavoura de subsistência ao abordar regiões vinculadas à plantation nordestina Usamos aqui a expressão lavoura de subsistência num sentido bem particular tratase de lavouras que se destinam tanto ao autoconsumo quanto à venda eventual Têm por conseguinte a marca da alternatividade ou uso comercial ou uso doméstico Identifi cálas a cultivos não mercantis à economia natural é cair no erro 1989 8788 No caso dos faxinais é importante ressaltar que esta perspectiva da alternatividade por sua vez não se aplica apenas à lavoura mas também ao extrativismo e à criação animal E não é adequado em tal contexto dar destaque especial às atividades agrícolas como ocorre nas abordagens clássicas sobre o campesinato ao contrário o tripé produtivo que envolve agricultura extrativismo e criação pode ter como ênfase mais as duas últimas atividades que a primeira Mais um aspecto relevante do sistema se refere à diversidade daqueles que fazem parte da formação do compáscuo Como apontamos anteriormente estes podem ser tanto proprietários ofi ciais de suas parcelas quanto terem seus direitos a elas defi nidos por posse não documentada Além disso Chang ressalta que o criadouro englobava terras de grupos distintos a população tradicional da região das matas mistas os caboclos imigrantes europeus vindos para esta região entre meados do século XIX e as primeiras décadas do século XX grandes proprietários rurais os fazendeiros agregados destas fazendas que não tinham controle direto sobre o território Assim movimentos de política externa de povoamento das áreas do interior do Paraná e a necessidade de readequação de grandes proprietários regionais após a retração da atividade do tropeirismo levaram a que os novos habitantes se adequassem ao contexto social e ambiental no qual se inseriam bem como que os grandes proprietários respondessem de novas maneiras a um contexto econômico diferenciado No que se refere especifi camente aos imigrantes europeus a autora ressalta os confl itos existentes entre a forma de produção agrícola que tentam implantar e a prática de criação a solta dos moradores regionais e como o compáscuo se torna uma solução interessante para conciliar os confl itos surgidos entre MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 68 estes dois grupos com distintas formas de produção camponesa Novamente portanto podese inferir a inadequação de um modelo dicotômico que tenha por base noções como tradicional x moderno ou antagonismos como população tradicional x expansão do capitalismo para pensar as dinâmicas e a historicidade do sistema faxinal Apesar disto contudo algumas das pressuposições de Chang impedem com que ela reconheça e desenvolva tal complexidade ao se referir ao presente A historicidade reconhecida no processo de constituição e consolidação do sistema é negada quando a partir do momento em que este atinge confi guração semelhante à do modelo desenvolvido qualquer mudança passa a ser interpretada como desagregação transformação se apresenta como sinônimo de desestruturação cf 1988 77 Desagregação esta inevitável pois a autora já no início do texto afi rma que a racionalidade da produção capitalista que é pensada como dada e de expansão óbvia defi niria a propriedade e uso privado dos meios de produção como suposição básica E se é o uso comum que determina a inadequação do sistema à expansão do capitalismo o criadouro comum que é apenas uma de suas características passa a ser o aspecto fundamental e portanto restrições ao criadouro comum se tornam sinônimo de fi m do sistema Acrescentese que a ênfase excessiva nos ciclos econômicos a partir da crise da economia do mate reforça ainda mais o argumento anterior na medida em que uma das bases de constituição e manutenção do sistema é vista como perdendo força para o ciclo madeireiro este com tendência de destruição das matas mistas e não de sua conservação São portanto quatro os elementos identifi cados como responsáveis por esta desintegração apresentada em certa medida como inevitável intensifi cação e tecnifi cação da produção pecuária valorização da terra redução das matas nativas principalmente pela ação de madeireiras políticas desenvolvimentistas estatais Assim nas palavras de Chang Finalmente cremos que podemos sugerir que se mantido esse ritmo de transformação analisado e desenvolvido nesse trabalho cremos que dentro de 10 ou 12 anos o sistema faxinal não mais fará parte do setor produtivo rural do Paraná e sim será lembrado talvez como parte da história da agricultura desse Estado 1988 109 Entretanto não é desta maneira que a autora termina seu texto mas com o que chama de Constatações PósPesquisa em que relata o impacto das atividades do IAPAR na organização dos moradores de faxinais que passam a se mobilizar no sentido de constituir um movimento de defesa dos criadouros também como resposta a determinadas políticas para o associativismo de pequenos produtores implementadas pelo governo estadual Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 69 Embora esta possibilidade se abra a autora ao analisar as complexidades envolvidas na manutenção do criadouro comum não coloca em xeque sua perspectiva anterior de limitação do sistema faxinal a este aspecto nem da aparente inevitabilidade da desagregação do sistema através da redução ou desaparecimento do criadouro Por fi m reforça a importância da manutenção do mesmo não devido à estrutura do sistema faxinal mas à experiência do coletivismo que instaura e que aparece como alternativa política que pode ser extrapolada para outras esferas de produção e organização 1988 112 Há ainda duas outras referências bibliográfi cas da produção de autores vinculados a órgãos públicos do Paraná que têm em Carvalho e Chang referências privilegiadas Gubert Filho 1987 e Gevaerd Filho 1986 Apesar da publicação anterior do texto de Geaverd este cita tanto Gubert como Carvalho e Chang em versões não publicadas de seus trabalhos Aqui as formações específi cas dos autores marcam sua perspectiva da temática Assim Gubert engenheiro agrônomo preocupase em defi nir ambientalmente as áreas de faxinais marcadas pela predominância de matas de araucária degradadas pelo pastoreio extensivo realizado em criadores comuns 1987 32 Concentrando suas refl exões no contexto de Irati considera apenas os criadouros cercados e destaca a fertilidade natural do solo no período de ocupação regional como um dos elementos defi nidores da separação entre áreas de lavoura e áreas de criaçãoextrativismo sendo estas signifi cativamente menos férteis Seu texto também traz uma questão relevante como o deslocamento de colonos gaúchos9 para a região provocou confl itos e uma desarticulação dos criadouros comuns pois outra concepção de produção e a ênfase na agricultura colocaram em xeque os modos tradicionais de organização social e produtiva dos faxinalenses10 Confl itos que também estimularam os fazendeiros locais a fecharem seus pastos O autor portanto destaca elementos muito concretos de inviabilização do compáscuo mas termina por reforçar a relação entre este e a defi nição de faxinal bem como a perspectiva de sua desagregação Já no caso de Geaverd 1986 com formação em Direito a grande questão é a presença da fi gura do compáscuo na legislação brasileira e a refl exão sobre como lidar com pedidos de usucapião especial por parte de trabalhadores rurais principalmente no que se refere a confl itos relativos a cercamento de pastos comunais Aqui a sinonímia entre faxinais e compáscuo é dada bem como a afi rmação de sua extinção próxima apesar de ser este um modelo político pensado como interessante como se percebe no seguinte trecho 9 Neste caso assim como em Pinhão os gaúchos são provenientes do oeste do Paraná sendo descendentes de famílias migrantes do Rio Grande do Sul 10 Aqui cabe ressaltar que o confl ito se dá entre dois grupos camponeses tradicionais mas com distintas dinâmicas produtivas um deles com foco na agricultura enquanto outro na criação animal a solta no sistema de compáscuo MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 70 É óbvio que os faxinais ou compáscuos encontramse em fase de extinção devido entre outras coisas a brutalidade inerente às formas odiosas e distorcidas de concentração e exploração de terra vigentes em nosso país Essa constatação todavia não ilide nem tem o condão de desaconselhar uma análise cuidadosa e crítica do fenômeno mormente num momento em que a atenção nacional voltase para a questão da reforma agrária e da proteção ao meio ambiente O desprezo com que o historiador e o jurista pátrio contemplaram o instituto não pode ser imitado por aqueles que sentemse compromissados com a pesquisa de formas alternativas comunais e justas de exploração do solo 1986 46 Os quatro autores aqui considerados permitem perceber que se constrói a partir de meados da década de 1980 no interior dos órgãos estatais de refl exão sobre a terra e a questão ambiental no Paraná o faxinal como uma temática relevante de pesquisa refl exão e ação política E se podemos ver principalmente nos textos de Carvalho 1984 e Gevaerd Filho 1986 estímulos importantes para a percepção do faxinal pensado como criadouro comum como proposta política de organização de grupos rurais embora também aqui haja a previsão de sua dissolução inevitável o trabalho de Chang será a grande referência para as ações estatais posteriores sobre esta temática No entanto não por sua descrição refi nada e historicizada do sistema mas principalmente a partir da tese de sua desagregação tendo como referência o criador comum Com efeito em todos os textos do período este passa a ser sinônimo de faxinal invisibilizando os outros aspectos do sistema retirando sua dinamicidade e desconsiderando as estratégias e a agência dos sujeitos que vivem na região das matas mistas e estruturam suas relações com o território e suas formas de produção de maneiras específi cas É a partir do debate provocado pela produção acima esboçada que em 1997 o então governador do estado do Paraná Jaime Lerner lança o Decreto Estadual 488797 criando as Áreas Especiais de Uso Regulamentado ARESUR assim defi nidas Art 1º Ficam criadas no Estado do Paraná as Áreas Especiais de Uso Regulamentado ARESUR abrangendo porções territoriais do Estado caracterizados pela existência do modo de produção denominado Sistema Faxinal com os objetivos de criar condições para a melhoria da qualidade de vida das comunidades residentes e a manutenção do seu patrimônio cultural conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental incluindo a proteção da Araucaria angustifolia pinheirodoparaná Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 71 Alguns aspectos do decreto já se explicitam no caput do primeiro artigo e nos parágrafos que o seguem Em primeiro lugar embora se faça referência à qualidade de vida e patrimônio cultural das populações residentes nas ARESUR a ênfase se dá na defi nição a partir da produção e na questão ambiental Assim as ARESUR são assemelhadas às APA Área de Proteção Ambiental e é um ato administrativo da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos que as estabelece Além disso é a defi nição do sistema de Chang a referência para o registro de um faxinal específi co como ARESUR no Cadastro Estadual de Unidades de Conservação CEUC em outras palavras a adequação a todo o modelo com destaque dado ao criadouro comum Acrescentese a necessidade de avaliação anual dos faxinais registrados que embora não explicitamente parece trazer a ideia da desagregação e dos riscos provocados pelas mudanças a um sistema pensado como tradicional11 Tal perspectiva portanto coloca duas questões fundamentais para a legislação de 1997 1 a ênfase quase exclusiva nos aspectos de preservação ambiental dos faxinais provocando uma restrição signifi cativa na compreensão de um sistema que além de se caracterizar como modo de produção e de relações com o meio ambiente também aponta para formas particulares de ser viver e pensar o mundo envolvendo aspectos sociais culturais religiosos políticos e identitários específi cos 2 o reforço de um modelo produtivo muito bem defi nido e caracterizado pela produção animal coletiva policultura alimentar de subsistência e extrativismo fl orestal de baixo impacto cf Decreto 344697 Art 1º 1º que tende a engessar os grupos quanto a dinâmicas específi cas do processo histórico que possam provocar mudanças em algum desses aspectos Acrescentese ainda que se a previsão de Chang do fi m dos faxinais não se concretizou ela continua aparecendo como discurso ofi cial de agentes estatais o que pode ser percebido no levantamento realizado por Cláudio Marques 2004 para o Instituto Ambiental do Paraná É contra o horizonte de inevitável desagregação dos faxinais que já neste século se desenvolve uma nova produção sobre o tema relacionada diretamente à organização da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses inicialmente Articulação Puxirão dos Povos dos Faxinais bem como ao Projeto Nova Cartografi a Social coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Almeida Do ponto de vista político a atuação da Articulação Puxirão tem desdobramentos signifi cativos no contexto de luta por direitos específi cos no Paraná é um dos pilares para a formação da Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais que reúne entre seus membros indígenas de várias 11 Uma das difi culdades trazidas pelo uso da noção de tradição no caso de políticas públicas é a tendência a negar historicidade ao tradicional Ou seja qualquer mudança decorrente do processo histórico nesses casos é vista como ameaça ao sistema Para a refl exão sobre o conceito ver Porto 1998 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 72 etnias quilombolas benzedeiras cipozeiros ilhéus pescadores artesanais caiçaras e religiosos de matriz africana além dos faxinalenses bem como para a formação do Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais Além disso a organização política dos faxinalenses resultou na Lei Estadual 1567307 que reconhece os faxinais e sua territorialidade específi ca apresentando suas características próprias não como fechadas mas usando a expressão tais como e afi rmando a identidade faxinalense como critério para defi nição dos povos tradicionais que integram essa territorialidade específi ca embora a questão do uso comum também se coloque Acrescentese que o reconhecimento da identidade por autodefi nição vinculase à esfera do órgão estadual de assuntos fundiários retirando a questão faxinalense do âmbito apenas ambiental A lei estipula ainda que as práticas e acordos estabelecidos pelos grupos faxinalenses devem ser preservados como patrimônio cultural imaterial do estado Além dos impactos políticos a Articulação Puxirão tem infl uência signifi cativa nas refl exões acadêmicas sobre o tema Roberto Martins de Souza 2010 in Almeida Souza 2009 um dos principais expoentes desta refl exão parte do questionamento das concepções vigentes de faxinal por seu caráter evolucionista anulador da agência dos sujeitos envolvidos baseado exclusivamente nas questões produtivas com a consequente desconsideração dos aspectos culturais políticos e identitários Escrevendo no contexto acadêmico mas a partir de uma relação direta com a Articulação Puxirão o autor aponta a necessidade de uma abordagem que ao considerar tais aspectos possibilite ao movimento se fortalecer nos processos de luta pela garantia não apenas do acesso ao território mas também do direito à manutenção de sua diversidade sociocultural e de um sistema de organização produtiva baseado no uso comum A ênfase no uso comum por sua vez defi ne estratégias políticas próprias não a proposta de regularização fundiária de lotes familiares mas a defi nição de Áreas Especiais de Uso Regulamentado ARESUR tendo por base o Decreto 344697 do Estado do Paraná que faz referência específi ca ao sistema faxinal O acesso a direitos a partir da defi nição de determinadas áreas como ARESUR e dos grupos consequentemente como faxinalenses coloca então duas questões cruciais para o movimento e para intelectuais a ele vinculados em primeiro lugar a necessidade de redefi nir faxinal depois a de mapear a presença de faxinais no Paraná tendo como parâmetro a nova defi nição A fi m de enfrentar a primeira delas Souza 2010 estabelece uma contraposição entre uma perspectiva científi ca de faxinais e outra dos próprios faxinalenses Questiona fortemente a primeira ressalta a difi culdade dos estudos sobre campesinato em lidar com a diversidade dos povos do campo no Brasil bem como a ausência de dados quantitativos sobre os vários grupos Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 73 que compõem a população rural brasileira Tendo como objetivo sustentar a força política de seu discurso afi rma a relação direta do que defi ne como científi co com uma declaração do desenvolvimento como valor inquestionável Questiona então o que identifi ca como um sistema interpretativo sobre a história do Paraná que apresenta como eixo os grandes ciclos econômicos excluindo todas as demais formas de ocupação territorial invisibilizando os vários agentes que compõem o rural paranaense ou os visibilizando apenas no momento em que não se encaixam nos novos ciclos e correm o risco da desagregação e desaparecimento E a partir de tal debate estabelece sua própria defi nição de faxinal Deste modo quando faço uso da expressão faxinal ou terras de faxinais me refi ro ao seguinte signifi cado terras tradicionalmente ocupadas que designam situações onde a produção familiar de acordo com suas possibilidades variavelmente combinam apropriação privada e comum dos recursos naturais tendo o controle e uso dos recursos considerados comuns à existência física e social especialmente pastagens naturais cursos dágua e recursos fl orestais e exercido de maneira livre e aberta de acordo com normas específi cas consensualmente defi nidas por grupos de pequenos criadores e agricultores que circunstancialmente denominam suas áreas de uso comum por expressões locais a saber criador comum aberto criador comum cercado criador criação alta e mangueirão presentes no Sul do Brasil Souza 2010 1516 É a partir desta defi nição que o autor contribuirá para a realização de novo mapeamento em contraposição a levantamentos anteriores realizados pelo Estado como o de Marques 2004 Assim enquanto Marques falava em no mínimo 44 faxinais em 2004 em sua tese de doutorado de 2010 Souza afi rma o mapeamento de 227 faxinais em 32 municípios do Paraná12 45 deles se situando em apenas 3 municípios da microrregião de Guarapuava Pinhão Inácio Martins e Turvo cf Souza in Almeida e Souza 2009 63 A nova defi nição proposta por Souza traz questões relevantes para a refl exão Em primeiro lugar fl exibiliza a noção de sistema faxinal presente no Decreto 344697 que ao tomar o modelo ideal de Chang como referência exige a presença tanto da criação animal à solta em criadouros coletivos quanto da policultura de subsistência e do extrativismo fl orestal de baixo impacto para o estabelecimento de uma determinada área como adequada à aplicação da lei 12 O autor afi rma ainda que estes são números parciais pois houve indícios da presença de faxinais em outros municípios que a equipe de pesquisa não conseguiu visitar MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 74 Na concepção de Souza os limites são menos restritivos havendo referência a uma produção familiar que tem por base tanto a apropriação privada quanto comum dos recursos naturais de acordo com normas defi nidas pela tradição Vemos portanto um embate político por defi nições da lei semelhante àquele ocorrido com relação ao Decreto Federal 488703 que normatiza o acesso a direitos de remanescentes de comunidades de quilombos Por outro lado contudo ao fi nal Souza restringe sua perspectiva de faxinal à existência de alguma forma de criadouro à solta e com caráter mesmo que relativo de uso comum Assim embora afi rme a importância de aspectos identitários e socioculturais para uma perspectiva mais ampla dos povos dos faxinais termina refém de limitações colocadas pelos trabalhos anteriores pois é apenas um elemento do sistema produtivo o criadouro tomado como sinônimo das possibilidades de construção da identidade faxinalense Acrescentese ainda que as categorias selecionadas e que orientam o processo de mapeamento na medida em que os faxinais são registrados a partir de sua classifi cação em uma das formas de criadouro citadas trazem consigo uma perspectiva que remete ao evolucionismo e à desagregação do sistema questionados pelo autor Em outras palavras o criador comum aberto é tomado como o modelo original que sofre modifi cações a partir de confl itos e pressões com seus antagonistas e a partir de então se transforma nas demais confi gurações de criador Em outras palavras mesmo não sendo cada um dos tipos visto como uma etapa pois é possível passar diretamente do tipo 1 ao tipo 3 ou 4 existe um modelo original o criador comum aberto Há ainda outro aspecto relevante da refl exão de Souza que é necessário considerar uma perspectiva dicotômica que opõe os faxinalenses a seus antagonistas e que consequentemente provoca uma simplifi cação de ambos os grupos além de uma valoração também simplifi cada de cada um deles Embora se possa relacionar tal posicionamento ao vínculo muito direto com o movimento social faxinalense não há como não apontar o risco de redução da multiplicidade de contextos e de confl itos a um modelo opositivo O que a princípio poderia ser uma importante estratégia de afi rmação da identidade coletiva pode trazer problemas em sua constituição ao operar com um modelo idealizado que desloca os confl itos para fora e que não reconhece as difi culdades e tensões envolvidas em processos identitários e nas negociações internas aos grupos Desta forma toda a complexidade do sistema faxinal apresentada no trabalho de Chang passa a ser desconsiderada tanto por ela quanto pelos autores posteriores Além disso a diversidade de visões de mundo organização social formas de ser e de viver acaba subsumida na noção restrita de criador comum A potencialidade de um modelo ideal pensado como uma matriz a partir da qual as ações dos sujeitos frente a novos contextos sempre complexos produzem Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 75 novas confi gurações em que alguns elementos são mantidos enquanto outros transformados ou descartados não se realiza E também não se desenvolve uma refl exão mais sofi sticada sobre a construção de identidades e seu vínculo com o jogo político de luta por direitos A objetividade do criador leva a crer que seu fi m implica no fi m de uma forma mais ampla de pensar o mundo e ser no mundo A pesquisa entre grupos rurais tradicionais de PinhãoPR no entanto aponta em sentido distinto daquele indicado pela simplifi cação resultante do estabelecimento de uma sinonímia entre criadouro comum e faxinal Aqui gostaria apenas de destacar alguns aspectos como ilustração das possibilidades de refl exão que os faxinais colocam não apenas para a antropologia mas também para os debates em torno das relações entre populações tradicionais e meioambiente Dentre tais aspectos ressalto 1 a estruturação de um sistema produtivo que conjuga a criação a solta o extrativismo e a policultura de subsistência em áreas ambientalmente diversas e muitas vezes descontínuas permite um aproveitamento das possibilidades produtivas do meio em um processo de manejo bem sucedido 2 tal modelo assegura autonomia dos grupos sociais pois estes garantem boa parte das matériasprimas necessárias à vida e à reprodução física e social do grupo e de suas tradições tendo por base seu próprio ambiente 3 a agência dos sujeitos em processos de confl itos e pressões externas e internas no sentido de modifi cação do sistema pode levar a opções que limitem ou acabem com o criadouro coletivo mas isto não implica na desagregação de uma forma de vida concepção de mundo e relação com o ambiente 4 os contextos de faxinais em suas várias concepções apontam para a complexidade das relações entre capitalismo e comunidades tradicionais que não devem ser pensadas apenas como antagonismo simples 5 a tradicionalidade dos grupos rurais não deve ser tomada como sua não historicidade Para concluir afi rmo a importância de um estudo mais aprofundado de grupos rurais que se autodenominam faxinais sua religiosidade sociabilidade relação com o território e o meioambiente estratégias políticas de luta pela terra bases da construção de sua identidade Reconhecendo que a autodenominação de um grupo como faxinal ou de seus membros como faxinalenses abrange questões mais amplas que apenas um uso comum do território para criação animal ou um sistema produtivo Seu Dominguinhos 81 anos morador do Faxinal dos Taquaras fala de um jeito antiguinho de ser que remete a uma religiosidade própria a leitura de sinais do ambiente e dos animais o domínio de técnicas de cura a realização de rituais coletivos e de deveres religiosos a uma forma particular de relação com a vizinhança em que o trabalho e o apoio mútuo em caso de necessidade são como obrigações à valorização da família ao domínio de técnicas tradicionais de cultivo tanto MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 76 nos aspectos técnicos quanto religiosos à importância do trabalho na roça e do produto deste trabalho bem como da saúde que vem do mato e dos alimentos tradicionalmente cultivados Esta perspectiva mais abrangente dos grupos tradicionais faxinalenses amplia tanto as possibilidades econômicas quanto de acesso a direitos políticos de tais grupos que falam de um jeito de ser e viver específi co Referências bibliográfi cas ALMEIDA Alfredo W B SOUZA Roberto M org 2009 Terras de Faxinais Manaus Edições da Universidade Estadual do Amazonas BALHANA Altiva MACHADO Brasil WESTPHALEN Cecília 1969 História do Paraná vol I Curitiba GRAFIPAR CARDOSO Jayme A WESTPHALEN Cecília 1986 Atlas Histórico do Paraná Curitiba Livraria do Chain Editora CARVALHO Horácio M 1984 Da Aventura à Esperança A Experiência Auto Gestionária no Uso Comum da Terra mimeo CHANG Man Yu 1988 Sistema Faxinal Uma Forma de Organização Camponesa em Desagregação no CentroSul do Paraná Londrina IAPAR COSTA Samuel G 1995 A ErvaMate Curitiba Coleção Farol do Saber Decreto 60402007 da Presidência da República do Brasil Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200720102007 decretod6040htm acessado em 14052012 GARCIA JR Afrânio 1990 O Sul Caminho do Roçado BrasíliaSão Paulo Editora UnBMarco Zero GEVAERD FILHO Jair L 1986 Perfi l HistóricoJurídico dos Faxinais ou Compáscuos in Revista de Direito Agrário e MeioAmbiente vol 1 Curitiba Instituto de Terras Cartografi a e Florestas GODÓI Emília P et alli org 2009 Diversidade do Campesinato Expressões e Categorias vol 2 São PauloBrasília UNESPNEAD GUBERT FILHO Francisco A 1987 O Faxinal Estudo Preliminar in Revista de Direito Agrário e MeioAmbiente vol 2 Curitiba Instituto de Terras Cartografi a e Florestas HEREDIA Beatriz Maria A 1979 A Morada da Vida Trabalho Familiar de Pequenos Produtores do Nordeste do Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra LINHARES Temístocles 1969 História Econômica do Mate Rio de Janeiro José Olympio MARQUES Cláudio L G 2004 Levantamento Preliminar sobre o Sistema Faxinal no Estado do Paraná Relatório de Consultoria Técnica do IAPPR Parte I Meio ambiente e organização social no CentroSul do Paraná 77 PEREIRA Magnus R M 1996 Semeando Iras Rumo ao Progresso Ordenamento Jurídico e Econômico da Sociedade Paranaense Curitiba UFPR PORTO Liliana KAISS Carolina COFRÉ Ingeborg 2009 Relatório Antropológico Comunidade Quilombola de Água Morna CuriúvaPR Documento resultante do Convênio UFPRINCRA com base no projeto Direito à Terra e Comunidades Quilombolas no Paraná Curitiba PORTO Liliana 1998 Reapropriação da Tradição Um Estudo sobre a Festa de Nossa Senhora do Rosário de Chapada do NorteMG Versão modifi cada de dissertação de mestrado premiada em 2º lugar no Concurso Sílvio Romero 1998 FUNARTE Povos dos Faxinais Paraná 2007 Projeto Nova Cartografi a Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil Fascículo 1 SOUZA Roberto M 2010 Na Luta pela Terra Nascemos Faxinalenses Uma Reinterpretação do Campo Intelectual de Debates sobre os Faxinais Tese de doutorado apresentada ao PPGSUFPR TCHAYANOV A V 1976 Teoria dos Sistemas Económicos NãoCapitalistas in Análise Social ano XII n 46 Lisboa Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa WACHOWICZ Ruy C 1987 Paraná Sudoeste Ocupação e Colonização Curitiba Vicentina WELCH Clifford A et alli org 2009 Camponeses Brasileiros Leituras e Interpretações Clássicas São PauloBrasília UNESPNEAD WOORTMANN Klass 1990 Com Parente não se Neguceia O Campesinato como Ordem Moral in Anuário Antropológico 87 BrasíliaRio de Janeiro Editora UnBTempo Brasileiro Área Indígena Marrecas Área Indígena Mangueirinha Área Indígena Palmas Campina dos Morenos Cavernoso 1 Invernada Paiol de Telha Castorina Maria da Conceição Adelaide M Trindade Batista Vila Tomé Despraiado Turvo Inácio M Cruz Machado General Carneiro Palmas Clevelândia Coronel Domingos Soares Pinhão Mangueirinha Reserva do Iguaçu Foz do Jordão Candói Guarapuava Cantagalo Goioxim Campina do Simão Bituruna 52W 52W 53W 25S 26S Terras e Territórios Tradicionais Áreas Indígenas e Assentamentos de Reforma Convênio MinC ITCG No text extracted as image is blank or contains no transcribable text Geo Flow Parte II A questão quilombola Palmas 4 Memórias de dependência e liberdade em comunidades quilombolas Cassius Marcelus Cruz 5 Reconfi gurações identitárias e direitos sociais o caso da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista em PalmasPR Sônia Maria dos Santos Marques Geo Flow For Excel 2013 83 Capítulo 4 Memórias de dependência e liberdade em comunidades quilombolas Cassius Marcelus Cruz1 Eu e o meu fi lho estávamos voltando de uma das primeiras atividades dos quilombolas e vínhamos conversando com o seu A quando ele disse o meu pai veio lá de Palmas eu tenho umas tias que fi caram por lá A tia Maria Izabel e a Tia Maria Matheus vocês conhecem Eu disse Maria Izabel era irmã de minha vó Ela sempre contava dos irmãos dela que haviam sido dados para o dono da fazenda O seu A fi cou emocionado com os olhos marejados Dona Maria Arlete Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Ferreira F oi da maneira acima exposta que Dona Maria Arlete da comunidade Adelaide Maria Trindade Batista município de Palmas descobriu que o Seu Amazonas liderança da comunidade de Santa Cruz município de Ponta Grossa era seu parente Relatos como esses além de indicarem a existência de redes de parentesco entre alguns quilombos nos remetem à possibilidade delas partilharem experiências e lembranças que componham uma memória coletiva quilombola Partindo de entrevistas que abordaram a experiência histórica de migração tutelamento trajetórias de trabalho e memórias sobre a escravidão esse artigo 1 Graduado em História pela UFRGS com especialização em História e Cultura Africana e Afro brasileira Educação e Ações Afi rmativas pela Universidade Tuiuti do Paraná e IPAD mestre em educação pelo PPGEUFPR e doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP Foi componente do Grupo de Trabalho Clóvis MouraPR e gestor de políticas de educação e diversidade na SEEDPR MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 84 procura expor em que medida a recordação2 e o manejo de elementos comuns entre o que é falado ou silenciado nos relatos orais dessas comunidades estão marcados pela dicotomia entre as relações de dependência e as estratégias de liberdade Os contextos de produção dos relatos orais ocorreram em entrevistas individuais e coletivas sendo algumas delas recuperadas de pesquisas anteriores ou arquivadas pelos próprios quilombolas Antes de adentrar nesses temas entretanto fazse necessário apresentar o conjunto de comunidades abrangidas pela investigação e quais as motivações que delinearam a escolha dessas comunidades A rede de parentesco quilombola e o Caminho das Tropas A escolha das localidades e quilombos para serem focos desse artigo além de se adequar à conformação regional defi nida durante a elaboração do Projeto Memória dos Povos do Campo decorreu também da observação do processo de levantamento das comunidades quilombolas no Paraná e de interpretações sobre o processo histórico de formação de algumas delas O delineamento do espaço dessa investigação que a princípio abrangeria alguns dos quilombos situados na região Sul especifi camente as Comunidades Adelaide Maria Trindade Batista Castorina Maria Conceição e Tobias Ferreira município de Palmas se estendeu a uma comunidade situada nos Campos Gerais devido a relatos de quilombolas de Palmas sobre existência de laços de parentesco com a Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz Ponta Grossa Dessa forma optouse inicialmente por construir uma rede3 de indicação de parentesco para a partir daí escolher aquelas que seriam foco de investigação As primeiras indicações de parentesco entre algumas das comunidades aqui abordadas foram concedidas pela professora Clemilda Santiago Neto coordenadora de ação de campo do Grupo de Trabalho Clóvis Moura GTCM durante o levantamento das comunidades quilombolas paranaenses4 Segundo 2 Recordar aqui é utilizado em sua signifi cação etmológica do latim Recordis tornar a passar pelo coração Sob essa perspectiva recordar envolve para além de uma narrativa sobre o vivido um conjunto expressivo de sentimentos em relação ao narrado que deve ser considerado na análise do conteúdo da memória 3 A utilização do termo rede aqui não está vinculada especifi camente à análise de parentesco tal como se destaca na Antropologia Social nas obras de EvansPritchard 1937 no contexto rural e de Bott 1976 no contexto urbano O termo aqui é utilizado como ferramenta metodológica para identifi car grupos que possam mais estreitamente rememorar trajetórias e processos comuns entre grupos quilombolas 4 O levantamento das Comunidades Quilombolas do Paraná foi realizado durante o período de 2005 a 2010 pelo Grupo de Trabalho Interdepartamental Clóvis Moura GTCM a partir de Parte II A questão quilombola Palmas 85 ela uma das estratégias5 do levantamento foi localizar parentes de outras localidades indicados pelos primeiros grupos contatados A leitura dos históricos e relatos que compõem o relatório 20052010 do GTCM permite identifi car as seguintes indicações de parentesco entre comunidades quilombolas e comunidades negras tradicionais6 que em certa medida articulamse com alguns dos quilombos da região sul7 1 Comunidade de Palmital dos Pretos Campo Largo onde as famílias dos senhores Brasílio e Librano José de Deus são oriundas da Comunidade Remanescente de Quilombo do Sutil Ponta Grossa e a família Ferreira Pinto da Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz Ponta Grossa e as demais famílias das comunidades de Pugas e Bolo Grande Palmeira 2 Comunidade Negra Tradicional Sete Saltos Campo Largo também formada por famílias oriundas das Comunidades Quilombolas de Santa Cruz e Sutil Ponta Grossa e das comunidades Pugas e Bolo Grande Palmeira e 3 Comunidades Remanescentes de Quilombo Sutil e Santa Cruz Ponta Grossa além de relações de parentesco entre si possuem vínculos de parentesco com as demais comunidades anteriormente citadas Acrescentase nessa rede o grupo de famílias negras situados na Vila dos Papagaios Novos Palmeira e a Comunidade Remanescente de Quilombo Paiol de Telha ambas reconhecidas por um quilombola de Santa Cruz como comunidades que possuem parentesco com a sua A partir desses dados é possível inferir ainda preliminarmente um processo de intensifi cação da identifi cação de parentesco entre as comunidades negras das regiões sul em direção aos Campos Gerais conforme é possível visualizar no diagrama 1 onde as comunidades da Região CentroSul que compõem a rede são identifi cadas pelos quadrados vazados e as dos Campos Gerais pelos quadrados cheios Devido à quantidade de comunidades envolvidas optouse por demandas do Movimento Social Negro O GTCM presidido por Glauco Souza Lobo além de promover a visibilidade dessas comunidades contribuiu para sua inserção na pauta das políticas públicas estaduais bem como na alteração das relações estabelecidas entre esses grupos e o poder público Ver PARANÁ 2008 Lewandowisk 2010 5 Outra estratégia foi a coleta de informações da existência de comunidades negras a partir de indicações dos Núcleos Regionais de Educação e de educadores reunidos no Encontro de Educadores Negros e Negras do Paraná realizado pelo Movimento Social Negro e pela Secretaria de Estado da Educação SEED no ano de 2005 Ver PARANÁ 2008 Cruz 2012 6 Defi nição atribuída pelo GTCM às comunidades de famílias negras que não se autodeclararam quilombolas 7 A seguinte listagem apresenta apenas aquelas comunidades onde verifi camse alguns indicativos de parentesco retirados do Relatório do Grupo de Trabalho Clóvis Moura 20052010 que permitem formar uma rede preliminar de parentesco que se estende de Sul Palmas ao Centro do Estado Guarapuava Reserva do Iguaçu e Pinhão Nesse sentido estão excluídas desse esboço tanto aquelas comunidades da Região Centro Turvo e Candói nas quais não foi possível no contexto dessa pesquisa verifi car ligações de parentesco quanto aquelas redes existentes em municípios de outras regiões do Estado ex Castro Serro Azul Dr Ulysses Adrianópolis Lapa Contenda Guaraqueçaba etc ainda que se tenha conhecimento da existência dessas ligações MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 86 focar a pesquisa nas comunidades cujos nodos do diagrama concentram maiores indicativos de laços de parentesco entre a Região Sul e os Campos Gerais ou seja nas comunidades de Santa Cruz e Adelaide Maria Trindade Batista8 Diagrama 1 Rede preliminar de ligações de parentesco entre comunidades quilombolas das regiões CentroSul Campos Gerais O desvendamento desses elos entretanto não pretende revestir sob o manto da homogeneidade as diferenças existentes entre essas comunidades Dentre elas podemos destacar por exemplo os diferentes contextos de composição das famílias de escravizados Enquanto no caso da Fazenda Santa Cruz que deu origem à comunidade quilombola que recebeu seu nome Hartung 2007 identifi ca que já em meados do século XIX existiam sete subgrupos familiares de escravos constituídos por casamentos legitimados perante a autoridade civil e que estabeleciam alianças entre si Em Palmas em contraposição havia um predomínio de casamentos ilegítimos conforme verifi case no estudo de Weigert 2010 Por meio das análises dos assentos de batismo onde 16 dos fi lhos de escravos eram registrados por uniões legítimas 80 por relações ilegítimas e 3 de adultos africanos a historiadora indica que a população escrava em Palmas era formada por solteiros9 8 Salientase que em ambas além de serem revisitadas entrevistas realizadas durante o ano de 2007 com pessoas já falecidas das referidas comunidades foram realizadas novas entrevistas com pessoas que identifi caram parentesco entre si durante o processo de reconhecimento quilombola no Estado do Paraná Além dessas entrevistas foram contatadas e visitadas pessoas das comunidades de Paiol de Telha Vila dos Papagaios e Castorina Maria da Conceição com o intuito de complementar dados fornecidos em entrevistas 9 O que não impossibilitava entretanto a existência de uniões estáveis ilegítimas devido Parte II A questão quilombola Palmas 87 Destacase nos relatos de quilombolas de Palmas que as mulheres antigas da comunidade não se casavam mas tinham vários fi lhos A partir da análise dos registros de batismo Lago 1987 afi rma que o número de mães solteiras nos campos de Palmas era relativamente alto e que devido à forma como foram preenchidos os registros é possível supor que eram em sua maioria negras e indígenas Esse apresentase talvez como um dos motivos pelos quais é possível interpretar a ênfase discursiva no parentesco matrilateral10 presente nas comunidades de Palmas Entretanto mesmo com essas diferenças que distinguem as duas comunidades em determinado momento as trajetórias de alguns de seus membros se conectaram A partir do cruzamento de fontes escritas e orais a hipótese aqui utilizada é que uma possível rede de parentesco começou a articularse a partir da complexidade das relações sociais estabelecidas durante o século XIX onde para além dos quadros de opressão e violência característicos das sociedades escravistas tornouse possível tanto o surgimento de comunidades quilombolas a partir de doações de terras para escravizados11 como foram os casos das comunidades da Invernada Paiol de Telhas Sutil e Santa Cruz e da ocupação de terras de uso comum comunidades Adelaide Maria Trindade Batista Castorina Maria da Conceição e Tobias Ferreira como os espaços de relativa mobilidade social e geográfi ca constituídos pelo alforriamento12 pelas relações de compadrio apadrinhamento tutela fi lhos de criação Outro fator que possivelmente contribuiu para estabelecer a comunicação entre algumas dessas comunidades foi a atividade tropeira na região pois como veremos adiante é recorrente na memória de alguns quilombolas a participação de seus ancestrais na condução de tropas de mulas e gado o que lhes possibilitava uma mobilidade geográfi ca extensa Além disso ressaltase a importância que os ramais do Caminho das Tropas13 desempenharam para a aos custos necessários para a legitimação Essa opção pela união consensual não se restringe à população negra Segundo Lago 1987 ao analisar os Arquivos da Cúria de Palmas havia grande número de uniões não realizadas na Igreja vivendo os cônjuges maritalmente e tendo às vezes vários fi lhos antes de buscarem a ofi cialização da união 143 10 Eu costumo dizer em referência ao pai que um fez outro registrou e outro criou MAF Comunidade Remanescente de Quilombo de Palmas 2012 11 A utilização do termo escravizado decorre de um posicionamento político assumido por segmentos do movimento negro de não reduzir o sujeito submetido à situação de escravidão à condição de objeto escravo Reconhecese entretanto a operacionalidade historiográfi ca e jurídica do termo escravo que possui distinções com o termo escravizado e a capilaridade do termo na linguagem utilizada pelos quilombolas Nesse sentido o termo escravizado é utilizado na construção textual mas mantido nas citações de historiadores e quilombolas durante o texto 12 A trajetória do casal de escravos Ignácio e Ana analisados em Siqueira 2010 54 que após tornaremse libertos em Palmas adquirem terras e escravos e uma ampla gama de relação social caracterizada pelo apadrinhamento de 33 crianças de diversas condições sociais demonstra as possibilidades ainda que restritas de mobilidade social da condição escrava à senhorial 13 É importante destacar que no Estado do Paraná dos quinze municípios onde localizam MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 88 dinâmica das trocas regionais No que se refere à região sul paranaense e aos Campos Gerais foi a estrada aberta em 1842 que ligava Palmeira a Palmas passando por União da Vitória por onde realizavase o trânsito de gado queijo e charque vindos de Palmas para Curitiba e por onde se abastecia de sal e outras mercadorias os habitantes de Palmas Wachowicz 1987 51 Mapa 1 Municípios com comunidades quilombolas e o Caminho da Tropas no Paraná Fonte Salles Cordeiro Savali 2012 Um dos indícios documentais da relação entre as comunidades de Palmas e Palmeira referese ao próprio processo de abertura da estrada que ligava as duas freguesias Segundo uma carta de Francisco de Paula Guimarães14 remetida se as comunidades quilombolas nove deles estão em áreas que eram cruzadas pelo Caminho de Viamão Por conseguinte muitas delas foram afetadas pela dinâmica de mobilidade e comunicação próprias da atividade tropeira 14 Carta de Francisco de Paula Guimarães testamenteiro de Maria Clara do Nascimento Guimarães Departamento Estadual de Arquivo Público DEAP PR Código de Referência BR APPR PB CO 007 Destacase nesse caso a utilização da mão de obra de libertos que compunham diversos subgrupos familiares e estavam inseridos em uma rede de relações sociais formada a partir de apadrinhamentocompadrio e elos parentais que remontavam à primeira metade do século XIX Hartung 2005 168169 e que entretanto foram obrigados a trabalhar na referida obra Esse caso explicita os limites impostos à mobilidade social dos exescravizados pois mesmo tendo sido alforriados e ganhado terras e gado por herança ascendendo assim á condição de Parte II A questão quilombola Palmas 89 Caminho das Tropas Palmas Palmeiras 14 dias de viagem em Tropas de Bois 07 dias de volta escoteira ao Presidente da Província do Paraná em 1856 os exescravizavos que haviam herdado de Maria Clara do Nascimento Guimarães parte da Fazenda Santa Cruz situada na freguesia de Ponta Grossa foram forçados pelo subdelegado de Palmeira a trabalhar como jornaleiros15 na abertura da estrada Croqui 1 Caminho das Tropas Trecho PalmasPalmeira e principais fazendas Fonte Bach 2010 Considerando os dados coletados no relatório do GTCM e o trabalho de campo realizado durante a execução do Projeto Memória dos Povos do Campo Sutil e Santa Cruz não são as únicas comunidades negras da região abrangida pela estrada de Palmeira a Palmas Devem ser considerados nesse contexto também os grupos familiares localizados em Papagaios Novos e Pugas que possuem relações de parentesco com as comunidades anteriormente citadas fazendeiros como defende o testamenteiro os mesmos foram forçados a trabalhar na abertura da estrada 15 Trabalhadores que ganham por dia MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 90 Croqui da Região Palmeira Ponta Grossa Croqui 2 Localização de comunidades negras na região de Palmeira e Ponta Grossa Adaptado de Bach 2010 Esse indicativo de comunicação e migração entre as comunidades de PalmeiraPonta Grossa e Palmas apresentase entretanto de forma mais explicita nos relatos quilombolas Memórias da migração Os relatos das migrações de pessoas identifi cadas como quilombolas que foram localizados nas duas direções Palmeira Palmas Palmas Palmeira referemse à mobilidade conquistada por exescravizados e seus descendentes no pósabolição e na busca de melhores condições sociais O meu sogro nasceu lá em Palmeira e veio pequeno com a mãe dele para Palmas Berbirina Batista que era prima da minha avó O pai dele o Seu Germano Batista eu não sei de onde era mas com certeza veio de Palmeira pois o meu sogro nasceu lá E eles eram escravos a Berbirina e o Germano Batista Vieram de Palmeira e trabalhavam nas fazendas aqui em Palmas MAF Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Batista 2013 Parte II A questão quilombola Palmas 91 Seu Amazonas Meu pai é nascido em São Joaquim de São Joaquim que quando o pai deles faleceu a família de Palmas pegou os três irmãos para criar era uma irmã e dois irmãos O pai não contava muito né que ele contava do sofrimento que tinha lá com essa família lá e ele começava a chorar e fi cava muito nervoso né daí de piazão ele pegou o irmão dele e essa irmã e vieram embora para Palmeira Pegaram carona e fugiram de lá para Palmeira Daí se criaram em Palmeira Se eu não me engano parece que a família Capraro de Palmeira acabaram de criar eles Eles fugiram de lá na base de uns quatorze quinze anos Eles fugiram de lá porque essa família maltratava muito eles Porque lá eles maltratavam muito no trabalho né A alimentação era pouca e mais era serviço né Cedo da noite abaixo de chuva eles falavam que era muito C Qual o trabalho que eles faziam SA Lidavam de tudo cortar lenha lidar com criação carpir roça de tudo Serviço braçal mesmo Seu Amazonas Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Cruz 2012 No campo historiográfi co a partir aproximadamente da década de 1990 a migração e mobilidade de descendentes de exescravizados passou a fazer parte dos temas abordados pelas pesquisas do pósabolição Destacamse nesse contexto a produção de Azevedo 1987 Foner 1988 Mattos 1995 Faria 1998 Ao analisar a movimentação da população negra após a Guerra de Secessão Foner 1988 indica que além da busca por alternativas econômicas o usufruto do direito de ir e vir constituíase em umas das principais fontes de orgulho e liberdade dos exescravizados norteamericanos e seus descendentes Mattos e Rios 2004 apontam entretanto que a decisão de permanecer ou partir exigia um cálculo estratégico pois O exercício da recém adquirida liberdade de movimentação teria que levar em conta as possibilidades de conseguir condições de sobrevivência que permitissem realizar outros aspectos tão ou mais importantes da visão de liberdade dos últimos cativos como as possibilidades de vida em família moradia e produção doméstica de maior controle sobre o tempo e ritmos de trabalho e de modo geral sobre as condições dos contratos a serem obtidos de parceria empreitada ou trabalho a jornada tendo em vista as difi culdades então colocadas para o acesso direto ao uso da terra 179180 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 92 Dependiam dessa forma de um nível de informação sobre onde poderiam ir e como seriam recebidos Mattos e Rios 2007 63 que só era possível de ser acessado a partir das relações sociais que estabeleciam O mesmo é possível identifi car em relação aos três irmãos que saíram de Palmas em direção a Palmeira Seu Amazonas Eles pegaram carona saíram sem rumo No começo foram se juntando né eles sabiam o nome dos parente que moravam em Palmeira né que eles sabiam e vieram vindo para se juntar Parentes deles ali na Vila dos Papagaio os Mathias ali de Palmeira mesmo tinha a família Mathias que eles são parente também Eles vieram para se juntar com eles Daí que acabaram de se criar aqui em Palmeira C Então ele veio de lá de Palmas fugido fugido né o senhor falou SA Escapou dos fazendeiros C Escapou mas ele sabia como chegar SA Sabia para vir para o lado dos parentes C E ele já tinha vindo SA Como eu falo para você comunicava Os parentes já sabiam eles escutavam os fazendeiros falar dos parentes deles onde moravam né Eles escutavam o nome da cidade e aí pegavam carona até tal cidade e vieram parar em Palmeira Seu Amazonas Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz No contexto do Paraná Marques 2009 analisando a trajetória de libertos no pósabolição nos municípios de Campo Largo e Curitiba destaca que o agenciamento das relações sociais estabelecidas por libertos diante de um projeto camponês gestado durante a escravidão determinaram a escolha entre permanecer e migrar Dessa forma a escolha por migrar ou permanecer está ligada à força das relações pessoais Os migrantes como aqueles que permaneceram possuíam vínculos que podem ter facilitado seu estabelecimento nas novas áreas para as quais se dirigiram 2009 140 Notase comparando os dois depoimentos de Seu Amazonas anteriormente citados que apesar de saírem de Palmas em virtude dos maus tratos que recebiam na fazenda após encontraremse com os parentes em Palmeira os três irmãos colocamse novamente em uma relação de dependência com uma família da região os Capraro se não me engano Os limites entre a liberdade e o restabelecimento de vínculos de dependência eram calculados pelos tratos Parte II A questão quilombola Palmas 93 que recebiam e não pelo rompimento total com a condição a que estavam submetidos ou seja a de fi lhos de criação Memórias dos fi lhos de criação uma escravidão disfarçada O relato de Seu Amazonas é elucidativo quanto à condição que os três irmãos ocupavam na fazenda de Palmas sobretudo no que se refere no trecho citado a seguir ao ocorrido após a morte do fazendeiro Seu Amazonas Quando um fazendeiro desses Camargo faleceu lá em Palmas eles vieram procurar veio um ofi cial de justiça atrás do pai procurando em Palmeira daí informaram que o pai morava em Santa Cruz Isso nós éramos pequenos eu tinha a base de uns seis sete anos mais ou menos e meu pai depois sempre falava que daí eles queriam dar a parte da herança em dinheiro e eu não me lembro bem se era quatro ou cinco mil pinheiros para o meu pai Uma parte da herança do véio e o pai não quis porque ele disse que fi cava esse dinheiro essa conta fi cava pelo sofrimento dele e dos irmãos dele Ele não quis pegar Eu lembro o pai sempre contava que pelo sofrimento dele ele não iria aceitar O meu pai era teimoso Cassius Mesmo ele fugindo SA Eles vieram atrás eles sabiam que ele veio embora e depois ele se comunicava com o pessoal de lá Depois quando era mais rapaz né C Ah tá daí então ele mantinha relação com esse fazendeiro SA Sempre tinha só que ele não quis parte da herança porque ele tinha sofrido muito Ele com os irmão C O Senhor sabe se ele voltou a fazer trabalho com esse Camargo depois SA Não nunca mais C E como que ele tinha contato SA Parece que ele tinha contato com os outros irmãos de criação fi lho do fazendeiro uma coisa assim parece C Com os fi lhos do fazendeiro que se criaram junto SA Que se criaram junto Aí eu não sei nem o nome deles C Era comum essa coisa de ser criado pelo fazendeiro SA Antigamente isso era muitos fazendeiros pegavam para criar para o negro fi car trabalhando para eles né eles criavam como diz como fi lho né mas para fi car longo silêncio C Como fi lho e trabalhando de graça MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 94 SA Trabalhando meio que pela comida pela roupa fi cava meio como fi lho Muitos reconheciam né depois queriam dar uma parte da herança mas era difícil né Seu Amazonas Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz O que sobressai no relato acima é a negativa do pai de Seu Amazonas ao negar a herança que havia lhe destinado o fazendeiro Esse apesar de todo o sofrimento que lhes tinha causado era reconhecido na condição de pai de criação e seus fi lhos consanguíneos irmãos de criação das três crianças que haviam fugido O fato de terem direito à herança apesar de negála afi rma o vínculo que haviam adquirido As tutelas assim como as relações de compadrio doações de terras heranças e alforrias16 devem ser compreendidas a partir do quadro das estratégias de produção de dependentes para manutenção do domínio sobre mão de obra em um contexto em que as relações de trabalho predominantes na lida campeira passaram a ser afetadas pelo processo de abolição Em Palmas além de estarem presentes nos relatos da comunidade quilombola essas relações de tutela estão registradas na historiografi a local e na memória das tradicionais famílias de fazendeiros que as vinculam às mudanças ocorridas na esfera do trabalho após a abolição da escravidão Baseandose nas entrevistas com o Sr José Ferreira Santos homônimo e neto do chefe da bandeira exploradora dos campos de Palmas Lago afi rma que Muito frequentemente ocorriam adoções por parte de fazendeiros e proprietários da região tendo esses os mesmos direitos que os fi lhos legítimos A escassez de mãodeobra com a abolição da escravatura e mesmo antes motivou a adoção procurando assim suprir a falta com elementos ligados à família Lago 1987 144 Em sua análise dos processos de tutela abertos em Palmas durante o período de 1881 a 1899 Siqueira 2010 indica que um total de 79 crianças foram tuteladas no referido período sendo que os anos de maior quantidade de registro foram os imediatamente posteriores à abolição Isso fortaleceria o argumento de que a escassez de mão de obra foi um dos fatores determinantes para essas práticas de tutela não apenas pelos fazendeiros 16 Como destaca Chalhoub 1990 a concentração do poder de alforrias exclusivamente nas mãos dos senhores fazia parte de uma ampla estratégia de produção de dependentes de transformação de exescravos em negros libertos ainda fi éis e submissos a seus antigos proprietários 100 Parte II A questão quilombola Palmas 95 Para os tutores o indivíduo tutelado poderia ser utilizado como mão de obra principalmente num momento em que o preço dos escravos estava demasiadamente alto Assim os tutelados serviriam como trabalhadores para os senhores escravistas que tinham difi culdades em aumentar o tamanho da sua escravaria bem como para aqueles tutores pobres sem nenhuma posse escrava A prática de se ter fi lhos de criação era comum entre as populações menos abastadas como uma tentativa de suprir a falta de braços escravos Assim a tutela foi uma estratégia utilizada tanto por ricos quanto por famílias pobres que desejavam sobreviver sem poder contar com a mão de obra escrava ou assalariada 2010 78 Por outro lado o tutelamento assim como as relações de compadrio estabelecia também uma série de compromissos mútuos entre senhor e escravizados que possibilitavam a agência de estratégias para melhorar as condições de vida dos exescravizados e de seus descendentes No que se refere às relações de compadrio em Curitiba Schwartz 2001 afi rma que para os escravos esses padrões indicam a aceitação das circunstâncias e a tentativa de usar a instituição do compadrio para melhorar a própria situação ou fortalecer laços de família 285 Haimester 2006 ao analisar as referidas relações destaca que o vínculo de parentesco espiritual estabelecido no compadrio além de sacralizar vínculos de parentesco estabelecia reciprocidades funcionais entre os compadres com vínculos que sobrepunhamse às relações de afeto pois como argumenta Negavase a amizade mas não o compadrio Negavase o que decorria da carne mas não se negava a relação superior entre espíritos Tanto isso era importante que para além da amizade rompida há a afi rmativa de uma outra relação de compadrio completa sem a quebra da solidariedade e da reciprocidade funcionais entre os compadres Haimester 2006 209 O caso do pai de Seu Amazonas entretanto explicita exemplarmente um contexto de ruptura com a lógica anteriormente explicitada pois ao negar a herança ele recusa também o possível vínculo espiritual que o atrelava a seu pai de criação Os apontamentos de Marques 2007 acerca dos relatos sobre a vida de fi lhos de criação descrevem precisamente as ambiguidades entre a dinâmica de produção de dependências e a estratégia de liberdade que se inscrevem sub o tutelado A partir das diferentes impressões que identifi cou nas entrevistas realizadas nas comunidades quilombolas de Palmas a autora destaca as seguintes características do que era ser fi lho de criação na região a o laço afetivo do fi lho de criação com o fazendeiro era reconhecido fora da MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 96 fazenda entretanto no interior da fazenda essas relações eram imprecisas sobretudo no que se refere à afetividade à participação nos espaços familiares alimentavamse com os demais empregados e à divisão da utilização de seu tempo nas atividades diárias17 Apesar disso quando alguns fi lhos de criação cresciam procuravam estender a relação de tutela a seus descendentes b distanciamento da relação com os familiares consanguíneos18e c referência familiar indefi nida19 Marques 2008 72 É possível a partir de relatos de uma quilombola da comunidade Castorina Maria da Conceição perceber uma continuidade das relações e dos efeitos da condição de tutela em sua trajetória no trabalho doméstico sobretudo no que diz respeito à indefi nição do pertencimento familiar pois é fi lha quando convém divisão da utilização de seu tempo nas atividades diárias visto que a escolaridade não se concretizou e aos efeitos psicológicos da condição à qual esteve submetida durante a sua vida Dircéia A gente teve que sair para trabalhar A minha irmã veio trabalhar de babá e eu também vim trabalhar de babá Trabalhei lá em Palmas um pouco depois vim para Curitiba Eu vim para Curitiba eu acho que com nove anos nove anos eu tinha C Veio para Curitiba com nove anos D Com nove anos para trabalhar em Curitiba C Mas com quem tu veio Veio para trabalhar 17 A criança ou adolescente era reconhecida como fi lho ou fi lha de criação do fazendeiro tal Esse reconhecimento se fazia tanto na cidade quanto no bairro No exterior da fazenda se admitia o fi lho de criação como alguém que mantinha laço afetivo com os fazendeiros na época a criação de gado era fonte de riqueza na região e ser fi lho de criação dos poderosos conferia certa familiaridade com o poder que estes dispunham No interior das fazendas essas relações eram tomadas de imprecisão Primeiro em relação à afetividade Não há nos relatos momentos em que os meninos tivessem sentido por parte dos pais patrões atos que denotassem um afeto relativo aos sentimentos paternos ou maternos Geralmente essas crianças se apegavam a outros funcionários da fazenda As refeições eram feitas na cozinha ou galpão junto com outros empregados Poucos relataram ter tempo de ir à escola os que fi zeram diziam que iam à aula na própria fazenda Dessa forma muitas vezes no período de aula eram solicitados a executar suas atividades o que acabava por afastálos da frequência na escola até que com o passar do tempo a abandonavam Nos momentos de festa familiar eles tinham como função desenvolver alguma atividade necessária para o andamento do evento À medida que as crianças cresciam sua posição de exterior à casa também avançava Quando adultos casavam e muitas vezes os pais de criação eram padrinhos do casamento e depois dos primeiros fi lhos Muitos relataram situações em que seus fi lhos foram fi lhos de criação da mesma família por muitas gerações Marques 2008 72 18 Muitos estavam dispersos em várias fazendas da região o que acabava por difi cultar o convívio e com passar do tempo cessava a relação familiar Marques 2008 72 19 A difi culdade vivida pelo fi lho de criação que muitas vezes se sentia sem referência familiar porque não era reconhecido pelos fazendeiros como fi lho e às vezes vivia o estranhamento em relação à própria família moradora no bairro Sentiase forasteiro nas duas moradas Marques 2008 72 Parte II A questão quilombola Palmas 97 D Daí eu vim com uma família mas eu já trabalhava com cinco anos Com cinco anos eu já lavava roupa para fora Risos C Caracas D Com cinco anos eu lavava roupa Já tirava um dimdim lá Daí eu fi quei com uma família que também era de Palmas uma moça que se casou lá e eu vim trabalhar com ela mas com a promessa de estudar né mas isso nunca se concretizou até hoje né Eu estudava um pouco lá em Palmas a escola lá era uma maravilha Tinha uma escola ali no salão O salão era um pouco mais para cima Então ali eles davam aula para o pessoal no que eles chamavam de escolas isoladas C Ali em Palmas D Ali no Rocio ali perto da igreja Então eu acho que era o avô da Arlete e a mulher dele que cuidavam então os professores tomavam café ali pois não tinha onde tomar lanche não tinha banheiro então iam ali Então eu estudei ali um pouco e depois fui estudar na cidade Eu fui começar a trabalhar com essa família que eu ia vir para Curitiba comecei a estudar seis de fevereiro até maio no grupo no grupo escolar lá de Palmas e aí depois disso eu vim para Curitiba e só voltei a estudar quando eu já tinha dezesseis anos É depois eu estudei no Mobral eu estudei cinco meses no Mobral daí não deu certo daí eu fui estudar quando eu tinha vinte e três anos Eu vim fazer um supletivo fi z um ano e toda a minha história de estudo foi essa E daí então eu fi quei trabalhando com essa família assim muitos anos e na verdade me desvencilhar mesmo deles eu nunca me desvencilhei eu fui mudando de casa mudando depois eu acabei uma época indo para uma outra família e saí dessa outra família e fui para o garimpo Que eu não fui direto para o garimpo né eu fui trabalhar com uma moça que trabalhava na secretaria da fazenda lá em Porto Velho mas na primeira semana estava bom na segunda também na terceira já estava ruim daí apareceu um rapaz que era amigo dela que era veterinário e acabou indo para o garimpo e me fez uma proposta Tu não quer ir trabalhar com a gente lá no garimpo E eu disse Deus me livre Não tinha nem idéia do que era Aí ele disse vai lá ver e conhece Eu disse não daí chegou o cunhado dele que era gaúcho me convenceu vamos lá Daí eu fi quei três anos no garimpo Mas a história de Curitiba foi assim meio sem graça se não fosse eu ir para o garimpo eu não sei o que seria hoje porque a gente fi cava muito sem expressão trabalhando na casa dos outros não tem uma vida tu não é você Tu não se conhece Passa a ser a fi lha da patroa Tu não tem uma identidade E foi lá no garimpo que eu Essa sou eu Essa sou eu MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 98 C Tu era tratada como fi lha da patroa D A fi lha assim quando convém quando passa do horário do trabalho você é da família quando tem que levantar tu é empregada Então é aquela confusão E a gente não tinha uma era a cultura da época que a gente vivia C E tu não recebia salário D Ah sim recebia ironicamente Era roupa calçado tipo roupa usada sapato usado também era uma escravidão disfarçada Para dizer bem a verdade era isso uma escravidão disfarçada Percebese no relato acima além das continuidades de aspectos da vida dos fi lhos de criação uma série de mecanismos de produção de dependência que perpassa dimensões materiais salário era roupa usada sociais a escolarização que nunca se concretizou e psicológicas a confusão de ser e não ser da família não ter identidade e tu não ser você da reprodução da vida que de fato remete à continuidade de traços da escravidão no trabalho doméstico ao qual um número signifi cativo de mulheres quilombolas permanece vinculada De tropeiro a patroleiro de lavadeira a professora Outro elemento comum nas memórias de nossos narradores é a participação dos homens nas atividades das tropas e das mulheres enquanto lavadeiras de roupa no município de Palmas Essas atividades ainda que mantivessem certos aspectos das relações de dependência pois fazenda só dá lucro para o fazendeiro ampliavam as possibilidades de mobilidade geográfi ca e em certa medida de trânsito social na medida em que as lavadeiras tinham acesso ao mundo do patrão Em um dos relatos que é composto de imagens incompletas20 e fragmentos de lembranças da narrativa de vida de seu ancestral uma quilombola apresenta pistas que possibilitam situar o contexto espaçotemporal da experiência do qual emerge a narrativa ancestral Ao indicar a participação de tropas oriundas da rota que vinha da Argentina possivelmente Corrientes em um contexto de predomínio da escravidão21 visto que a mãe era indicada 20 Entretanto é possível acessar a completude de uma memória Memórias imagens identidades construídas são sempre incompletas porque correspondem a uma multiplicidade de experiências vividas por indivíduos e grupos sociais que não se encontram parados no tempo mas em contínua transformação Além disso há tensões e disputas que resultam em lembranças e esquecimentos diferenciados de acontecimentos vivenciados Santos 1998 9 21 A presença de escravos tropeiros em Palmas é atestada em Siqueira 2010 na história do cativo Bento encontrada nos inventários de seus senhores onde explicitase que o mesmo Parte II A questão quilombola Palmas 99 como escrava e o personagem da narrativa escondiase no mato para não ser confundido com fugitivo e com a posterior participação na guarda de Perón ou seria outro caudilho e na guerra de São Paulo seria a Guerra Paulista ou Revolução Constitucionalista de 1932 o relato possibilita indicar o trânsito e a participação quilombola em fatos políticos22 ocorridos entre meados da segunda metade do século XIX e meados do século XX Ainda nesse relato um tema que transparece é o da mestiçagem O dilema daquele que enquanto negro era branco e enquanto branco era negro ou seja do sujeito que pejorativamente é denominado de mulato23 Segundo Barros 2009 apesar de haverem casos em que esses sujeitos viviam de fato à margem e não eram aceitos pela elite colonial de forma geral na sociedade daquele contexto eles conseguiram encontrar um lugar especial como nova categoria ou como nova diferença a ser considerada 1056 ocupando um posicionamento mais confortável no espectro das desigualdades 10224 Entretanto se relacionarmos a situação do mestiço com a do fi lho de criação anteriormente exposta é possível que ocorresse tal como explicitou Marques 2008 72 um estranhamento em relação ao duplo pertencimento familiar de forma que o personagem da história não sentiase nem pertencente à família da fazenda branca nem à do quilombo negra De qualquer maneira dentro do contexto da sociedade campeira e tropeira esse posicionamento só reforça a possibilidade de vincularse à atividade do tropeirismo Nesse sentido o tropeirismo emerge dentre outros fatos como memória de uma história de vida para ser contada e portanto digna de ser lembrada25 enquanto evento signifi cativo para a comunidade da qual é oriunda Em outra entrevista que tematiza a participação de Seu Rui na atividade tropeira encontramse em contraposição ao relato anteriormente comentado se diferenciava pela profi ssão de tropeiro que desempenhava pela liberdade de ir e vir que possuía e pela chance de acumular bens Siqueira 2010 53 22 A referência à participação em confl itos políticomilitares ocorridos ao longo do século XIX aparecem em outros relatos como veremos adiante 23 Ressaltase o caráter pejorativo em virtude da origem etimológica do termo onde mulus referese a mula ou seja ao cruzamento das espécies de cavalo com burro e de jumento com égua 24 Via de regra a população mestiça era preponderantemente derivada de pai branco com mãe escrava ou suas descendentes no pósabolição Em Palmas alguns casos indicam uma relativa manutenção de relações entre as famílias de fazendeiros com fi lhosas derivadas de relações com suas domésticas negras Entretanto apesar da manutenção de laços de afetividade seu reconhecimento jurídico e material através da partilha de testamentos por exemplo não são frequentes 25 Dada a multiplicidade de identidades sociais e a coexistência de memórias sociais de memórias alternativas memória de família memórias locais memórias de classe memórias nacionais etc é certamente mais produtivo pensar em termos pluralísticos sobre os usos que a recordação pode ter para diferentes grupos sociais que podem ter diferentes pontos de vista quanto ao que é signifi cativo ou digno de memória Burke 2009 6 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 100 descrições detalhadas das funções da condução de gado de Palmas para União da Vitória em um período em que o ciclo de comércio de muares até Sorocaba já havia se exaurido A composição étnica da tropa segundo o entrevistado é predominantemente negra sendo que por vezes são defi nidos como negada negro ou quilombola Destacase nesse relato que ele foi produzido em entrevista coletiva onde a esposa e os fi lhos auxiliavam fazendo perguntas orientadoras da rememoração do entrevistado Dircéia Segundo a história que o meu avô contou ele o meu bisavô nasceu na fazenda do Pitanga fi lho de uma escrava com o dono da Fazenda Só que daí tinha uma confusão né porque ele era mal visto como branco ele era negro e como negro ele era branco E ele acabou fugindo meio piazote ainda foi embora assim sem eira nem beira fi cou andando de um lado para o outro e chegou a passar fome e andava escondido nos matos porque afi nal de contas ele não era fugitivo e não era branco não era considerado branco não é É uma aventura essa história dele é bem complexa do jeito que o meu avô contou Eu fui conhecer o meu avô ele já era bem de idade e eu já era adulta mas ele amanheceu me contando a história da família dele D João Daniel dos Santos e o nome do meu pai Benjamin Brasil dos Santos E daí esse meu bisavô né Ele viajou para um monte de lugares assim andando andando e encontrou uma família que trabalhava o homem e a mulher bem isolado assim e aí diz que o homem judiava muito da mulher e diz que um dia bateu na mulher e ele fugiu do homem daí e encontrou um pessoal que era tropeiro e esses tropeiros ele foi viajar com eles Acabou fazendo a vida dele com aquele pessoal Era menino nunca teve ninguém e ninguém sabia nada dele E ele acabou fi cando junto com fazendo o trabalho de tropeiro E foi até para fora do Brasil levar tropa né E foi quando ele se casou com a minha bisavó que era Leôncia e que era nascida no Uruguai aí não sei como que eles voltaram para o Brasil como é que ele fi cou em Santa Catarina porque o meu avô era natural de Santa Catarina e lá meu pai acho nasceu lá e não sei como se deu esse envolvimento de novo com Palmas é que eu não sei Então a Dalvina que era minha vó que era casada com esse meu avô é que era de Palmas Não sei Porque eu sei que o meu avô era natural de Santa Catarina e o meu pai nasceu em Santa Catarina Depois o meu avô acabou voltando morar no Paraná depois de viajar segundo tem até uma história que ele foi cavalarista do Perón Tem umas histórias bem interessantes O meu vô então teve aquela Guerra em Parte II A questão quilombola Palmas 101 São Paulo que teve uma Guerra que ele também lutou foi para o Mato Grosso Rio de Janeiro tudo isso antes de casar Daí ele tava meio adoentado porque esse meu avô morreu com cento e nove anos E a história da minha família é o que eu escutei do meu avô da parte do que eu conheço do meu pai só que daí ele foi contando toda a história como que o meu avô voltou o que que foi como é que foi só que eu não consegui gravar tudo Comprei um gravador para ir lá gravar a história do meu avô e não consegui quando eu consegui o meu avô morreu Digo Eu não acredito Nunca gravei mais nada o gravador está lá até hoje porque é a história que eu queria ter gravado porque era quase um fi lme Era uma coisa assim toda fundamentada não era nada sem cabimento o que ele estava falando então era uma história de vida para ser contada do tempo do exército então não tinha como ser mentira as coisas que ele estava falando E eu disse puxa vida eu tinha que gravar isso Mas não deu Ficou perdido Dircéia Comunidade Remanescente de Quilombo Castorina Maria da Conceição Cassius E nos tempos das tropas como é que era Seu Rui A tropeada do seu nós saia da fazenda com duzentas e cinquenta cabeça de boi para ir para Porto União da Vitória para designar a tropa dele lá para Joinvile Levava cinco dias para levar daqui para Porto União da Vitória E eu tocando a segurando o gado né e tocando a tropa de animal na frente que era os cargueiros e comida trem de cama e tudo né Então quando chegava perto fi cava mais ou menos uns três quilômetros do acampamento quando a gente chegava para almoçar eu já tocava a tropa de boi lá na frente né com os cargueiros no lugar do almoço quando chegava lá já estava com o charque assado a pinga dentro dágua para eles fazerem o aperitivo depois do almoço né aí meu pai chegava com as tropas lá daí passava outro no mesmo lugar na frente para ir segurando o gado na frente para não estourar o gado né Daí chegava lá o almoço já estava pronto daí botava o gado para um canto para ir sestiar daí uns fi cavam cuidando o gado no sesteio e outros iam almoçar depois os que almoçava voltam iam para o sesteio e os que estavam no sesteio iam almoçar Daí umas duas horas da tarde nós rompíamos com as tropas de novo a noitezinha nós comia um cozinhava nós virava por a galinha ou jangada qualquer banca que anoitecesse Então pegava pouso daí chegava e pousava Dona Maria Arlete Tinha os berrantes os madrinheiros SR Que berrante naquela época não tinha berrante muié era o turu MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 102 C Turu SR Era enterrada a guampa da vaca e tava pronto o turu só falam de turu pra tocar a tropa e acordar a negada de manhã cedo para dar tempo de fazer o café né DMA E os madrinheiros faziam o quê SR Madrinheiro Madrinheiro era eu pois eu alevantava cedo para fazer o café para a negada né A negada levantava cedo C E o senhor falou que era só negro que tinha na SR Só negro só preto C Que tocava DMA Só quilombola SR Só preto só quilombola DMA Só os escravos né SRDaí acordava aquela negrada toda aquele charque todo que cozinhava feijão a noite né O virado fazia o virado de manhã cedo com o charque e o café tropeiro que era um chaleirão velho com uma escumadeira desse tamanho dentro de uma lata enchia de água e botava cima da trena DMA E como fazia SR Já te conto daí quando fervia aquela água pegava umas cinco colher de pó de café e botava ali dentro só que daí não tinha coador Quando fervia o café que queria crescer a gente assoprava e já deixava o tissão ajeitado né quando ele crescia umas três vez pegava aquele tissão de fogo e botava dentro DMA Baixava todo o pó SR Baixava toda a poeira abaixo e daí tirava ele do fogo e estava pronto o café e deixava de um lado DMA E é gostoso Cassius SR Daí chegava cada lá cada um com uma chocolateira tinha uma chocolateira né enfi ava e tinha galinha e aquele outro ali o dia inteiro quando terminava já enchia de novo e ia fervendo e o resto de café que sobrava a gente jogava fora daí passava uma água ali botava os cargueiro e tocava a tropa para frente DMA E os porcos SR E aí nós ia indo DMA Tinha tropa de porco SR A tropa de porco vem depois C E quais as funções que o senhor tinha lá O que que o senhor fazia SR Na tropeada Era madrinheiro C Ãh hã Parte II A questão quilombola Palmas 103 SR Então eu ia na frente do gado e tocava a comitiva na minha frente que eram os cargueiros que eram de comida C E o seu pai Também foi madrinheiro SR O velho gritando na tropa como daqui ali na casa do Alcione cerca de 400 m DMA Ralava o relho né SR É para a tropa não estourar Alcione Segurava a tropa DMA Ê lá vem a boiada SR Ê boi boi boi Eu via que ele vinha de longe e com medo que o gado estourasse ele vinha segurando o gado DMA E quantas cabeças SR Às vezes a gente vinha dois três DMA De gado SR Duzentos e cinquenta DMA É SR Daí vinha dois três Um me ajudando né Para segurar o gado pois se a tropa estourava deus o livre e o resto vinha na culatra E o falecido meu pai com açoitera segura assim no cavalo E vinha vindo o caminhão às vezes vinha uns quatro cinco caminhão e ele ia arredando os gados dum lado e os caminhões de atrás dele chegava lá onde eu estava lá no Alcione mais ou menos cerca de 400 m ia lá os caminhões tudo atrás e ele ia na frente encostando o gado e aquela fi la de caminhão atrás Iam lá onde eu estava né e o pai chegava lá e dizia vem vindo a caminhonada a pé vão segurando mais o gado vai devagar segurando mais o gado e ia segurando o gado assim né Se parava o animal atravessava o animal vai retendo passagem e o outro vai empurrando pros outros passarem né aí passava pelos caminhões de novo né aí o velho voltava encostando o gado de novo e ía lá no começo da tropa de novo e o velho fi cava tocando o gado atrás Ia em quinze nego quinze nego Seu Rui Dona Maria Arlete e Alcione Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Batista julho de 2007 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 104 Foto de Epaminondas Silva dos Santos fi lho de exescravizados e pai do Seu Rui Nascido em Palmeira migrou com os pais quando criança para Palmas onde trabalhou como tropeiro A participação no tropeirismo emerge também dos relatos que Seu Amazonas concedeu na Comunidade Quilombola de Santa Cruz Neles entretanto outro elemento é agregado a mudança de trabalho para o Departamento de Estradas e Rodagens DER Essa mesma transição do tropeirismo para atividades de manutenção apresentase nas comunidades de Palmas onde novamente são fornecidas por Seu Rui informações sobre sua participação nessa ocupação Possivelmente paralelos à própria decadência do tropeirismo e à intenção de distanciarse das relações de dependência no caso de Seu Rui ao indicar o lucro do fazendeiro como fruto de distribuição desigual do produto do trabalho os argumentos técnicos e topológicos acumulados na atividade tropeira presentes no relato de Dircéia apresentamse como uma chave interpretativa válida visto que era eles os tropeiro que conheciam os trechos de passagem Seu Amazonas O meu pai era tropeiro lidava com tropa né tropeiro Depois foi indo quando foi acabando essa veio o transporte de caminhão e acabou o transporte a cavalo Ele levava tropas de mula touro para São Paulo para Ourinhos Jacarezinho Parte II A questão quilombola Palmas 105 C Isso quando ele era mais velho SA Quando ele era rapaz antes de ele casar Quando ele era rapaz depois quando ele casou ele foi trabalhar no DER foi trabalhar trabalhava na rodovia né Limpando as estradas no DER C Onde eles levavam as tropas SA São Paulo vendiam em Ourinho né Na região ali em Cambará tinha uns tropeiros que vinham ele se juntava com os tropeiros tocando tropa né Esqueci o nome do tropeiro Eles compravam e faziam a manada e levavam para C Mas essa manada não saía daqui da região SA Não vinham lá do Rio Grande vinham desse Caminho das Tropas que falam né E levavam E ele trabalhava de peão C Faziam esse trecho de SA Rio Grande do Sul até São Paulo a passo de mula levavam ali de seis oito meses um ano fazendo a viagem Daí que ele conheceu a minha mãe nas passagens parou de tropear e trabalhava na DER Seu Amazonas Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz Ponta Grossa Seu Rui Desde os 10 anos já comecei a vida artística com tropa até os dezessete anos depois eu resolvi quer saber de uma coisa fazenda só dá lucro para o dono eu vou cair fora Eu peguei saí da fazenda vim na prefeitura no outro dia fui lá pedi um serviço para mim e já deram serviço para mim Eu fui trabalhar de manhã cedo sete horas fui ver e entrei em uma valeta ali dentro dágua ali é o riacho que passa ali dentro da cidade Eu fi quei com uma vergonha da turma né bota de borracha mas fazer o que tem que ganhar o pão não é Nisso chegou um cara da prefeitura e chegou e disse assim E então daí beleza nego Tá bom e tal Disse Tu quer ir pro mato ajudando pra colher Eu disse Quero eu prefi ro ir para o mato mesmo Ele disse Então passa na prefeitura pode sair daí da água e põe as tuas ferramentas lá no banco de soja que era um porão alto que tinha aqui e vai para casa e arruma tua roupa umas três mudas de roupa para você porque tu vai fi car no mato um colchão e umas cobertas para ti dormir e uma hora nós vamos te pegar lá Cheguei e falei com a falecida minha mãe e ela me conseguiu um colchão aqueles de crina serpentina que era Me arrumou um colchão daqueles um lençol um acolchoado um cobertor e um travesseirinho eu enfi ei e amarrei com uma corda para o primeiro dia né Chegaram a negrada cheinho o caminhão e viajamos O primeiro acampamento foi na fazenda do Adorval Marcondes fazenda MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 106 Guarida acampemos lá né Deu dois dias eu fazendo comida lá ele chegou e disse assim R vamos hoje que eu vou te fazer trabalhar um pouco vou te ensinar Eu subi em cima da máquina ele já me deu a máquina para eu ir cortando foi ensinando um pouco dali uma hora eu já estava cortando mais ou menos terra Daí no outro dia pegou e fez hora daí no outro dia de manhã cedo eu fui com ele de novo e peguei a máquina de esteira quando foi meiodia antes do meiodia ele já veio para a casa fazer almoço ele já veio fazer almoço ele já veio daí veio ele e eu já fi quei sozinho Seu Rui Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Batista julho de 2007 Dircéia Eles foram passando das tropas para o DER porque eles conheciam os trechos de passagem né o gado passava com mais facilidade Porque naquele tempo as máquinas não eram tão evoluídas como é hoje que tem mais o meio de construção é mais evoluído né E naquele tempo eles iam abrindo piquete para poder chegar então acho que foi por aí Dircéia Comunidade Remanescente de Quilombo Castorina Maria da Conceição março de 2013 Se por um lado o trabalho na atividade tropeira possibilitou durante certo período uma mobilidade geográfi ca e política dos homens quilombolas e posteriormente lhes forneceu conhecimentos e condições para se inserirem nas atividades do Departamento de Estradas e Rodagens por outro o trabalho de lavadeira de roupa ainda que ocupando uma posição precarizada possibilitou às mulheres uma ampliação de suas relações sociais e um trânsito ainda que limitado no espaço dos patrões Segundo uma quilombola a associação da fi gura da lavadeira com a fofoca relacionase à circulação de informações do mundo dos patrões entre os escravizados e seus descendentes Dircéia É como a tal da história que falava a mulher que faz fofoca ah a fulana é lavadeira e eu me perguntava mas porque é lavadeira Aí eu imaginei mas é claro quem é que trazia as notícias que estavam acontecendo no mundo para os escravos Ninguém né Eram as lavadeiras Iam lavar a roupa no rio e com certeza tinham contato com os outros lá no que fi cava no meio do mato e acho que elas contavam as histórias que aconteciam na casa dos patrões Então eu comecei a imaginar acho que é por isso Porque não tinha outro jeito como é que eles iam saber o que se passava no mundo não tinha E as que trabalhavam dentro da casa conheciam as histórias e elas eram lavadeiras Daí que saiu a história da lavadeira Parte II A questão quilombola Palmas 107 Dircéia Comunidade Remanescente de Quilombo Castorina Maria Conceição março de 2013 Segundo Marques 2008 a circulação das lavadeiras quilombolas de Palmas durante seu processo do trabalho envolvia diferentes territorializações no bairro no centro no itinerário e no rio onde lavavam e formas de intercâmbio entre si entre elas e as patroas entre elas e pessoas com outras atividades urbanas A circulação dessas mulheres possibilitou por exemplo que algumas famílias tivessem acesso à escolarização em espaços historicamente direcionados às famílias brancas Dona Maria Arlete Quando eu tinha sete anos que tinha que ir para a aula ela a mãe me trouxe para minha vó Daí eu vim para estudar com a minha vó fi car com minha vó e a minha mãe morando na fazenda e a minha vó lavava roupa para o bispo o primeiro bispo que chegou para Palmas o Dom Carlos e eu sempre acompanhando ela Daí lavava roupa torrava café para os colégios Tinha o colégio dos padres e o colégio das freiras foi aonde porque ela trabalhava no colégio das freiras que eles deram para eu estudar no colégio das freiras tudo de uniforme tudo bonitinho assim Eu estudei em colégio de freira e o meu irmão no colégio dos padres e depois ele fi cou trabalhando no colégio dos padres Antes disso os negros não estudavam com os brancos Eu lavei roupa e depois na década de setenta eu fi z a faculdade para mostrar que eu podia ser igual a qualquer um e depois comecei a trabalhar na escola Dona Maria Arlete Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Batista janeiro de 2012 O acesso à escolarização dessa forma contribuiu para que algumas mulheres das comunidades de Palmas sobretudo a partir da década de 1970 investissem na carreira no magistério ultrapassando os limites das atividades profi ssionais a que estiveram historicamente limitadas É importante destacar que nos dois contextos abordados os relatos referenciavamse a partir da memória familiar numa tentativa de reconstrução da trajetória de seus ancestrais Como ocorre entretanto a construção dessa memória familiar dentro de um contexto de trocas matrimoniais e migrações entre comunidades quilombolas Apesar de dar maior relevo aos quadros sociais na constituição da memória coletiva Maurice Halbwachs 2004 fornece elementos para compreender em que medida as interações entre grupos familiares podem afetar suas tradições MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 108 e memórias Exemplo disso é a afi rmativa de que quando ocorrem trocas matrimoniais que operam separações de uma pessoa de seu grupo doméstico originário há uma tendência desse grupo não esquecêla à medida em que por outro lado o membro que se afasta ao ser exposto a fi guras e acontecimentos novos que passam ao primeiro plano de sua consciência tende a pensar muito menos em seus parentes Dessa forma diante dos indícios de migração das possibilidades de parentesco e de elementos comuns nas trajetórias de algumas famílias das comunidades quilombolas procurase investigar a seguir suas memórias sobre a escravidão não como um dado fi xo mas variante de acordo com seus contextos e interações sociais Memórias da escravidão nos contextos de Palmas e Palmeira Um dos primeiros elementos identifi cados no que se refere à maneira como a memória coletiva sobre a escravidão é elaborada nos casos aqui abordados relacionase à forma como as dinâmicas de transmissão das lembranças sobre a experiência foram tecidas no contexto das comunidades investigadas Nesse sentido percebese que o jeito como ocorreu a produção do texto oral tradicional26 pode diferir em decorrência das formas como o acesso ao passado histórico é possibilitado por meio dos relatos dos ancestrais ou utilizandose do conceito de Ricoeur27 da entrada no mundo dos predecessores Como aponta Peter Burke 2009 as recordações são afetadas pela organização social da transmissão e pelos diferentes meios utilizados 3 Haveria então na comparação de alguns relatos contextos em que as recordações eram organizadas sistematicamente para serem transmitidas e outros em que a transmissão das lembranças era deliberadamente interrompida para que fossem esquecidas ou silenciadas28 Destacase nessa comparação que enquanto em uma das comunidades evitavase falar nos sofrimentos da escravidão em outra ocorre um caso de identifi cação de parentesco e nomeação de uma exescravizada que havia sido submetida a violências corporais durante 26 Cabe salientar assim como o faz Godoy que o termo tradicional é aqui utilizado em seu sentido etimológico Derivado do latim traditio O verbo é tradire e signifi ca precipuamente entregar Certos estudiosos referemse à relação do verbo tradire com o conhecimento oral e escrito Assim através do elemento dito ou escrito algo é entregue passado de geração em geração Godoy 110 27 Segundo esse fi lósofo Uma ponte é assim lançada entre passado histórico e memória pela narrativa ancestral que opera como um intermediário da memória em direção do passado histórico concebido como tempo dos mortos e tempo anterior a meu nascimento Ricoeur apud Silva 2002 28 Para aprofundamento da relação entre memória esquecimento e silêncio ver Pollack 1989 Parte II A questão quilombola Palmas 109 a escravidão O caso mencionado difere até mesmo do que identifi caram Rios e Mattos 2005 no acervo de entrevistas Memórias do Cativeiro onde as narrativas de tortura e maus tratos se fazem em geral como histórias genéricas com personagens não identifi cados aos ascendentes do narrador 53 Em contraposição na mesma comunidade na qual a violência histórica é silenciada ocorrem identifi cações de ancestralidade quando o fato em questão distingue positivamente o exescravizado Cassius Como é que a sua vó contava as histórias Dona Maria Arlete Juntava todos os netos em volta do fogo das brasas e às vezes ela assava o pinhão no borralho ela dizia o borraio Ela assava os pinhão ela abria as brasa assim colocava os pinhão e depois cobria e juntava todos os netos em volta E ai de quem risse Juntava todos os netos em volta do fogo porque os netos paravam com ela para estudar E daí ela contava todas as histórias quando o meu avô chegou aqui Quando ela veio de Guarapuava porque ela era de Guarapuava E a minha avó falava de toda a história de quando eles vieram para Palmas da escravidão da irmã dela que sofreu muito em uma fazenda tinha o corpo marcado pela escravidão porque quando marcavam as pessoas com a marca da fazenda mandavam a irmã dela pegar brasa para acender o cigarro do fazendeiro Pregava a orelha dela na parede Ela era toda marcada O nome dela era tia Salomé Dona Maria Arlete Comunidade Adelaide Maria Trindade Batista 2013 Dona Ana Eles não nos contavam Eles faziam as crianças dormir e depois se reuniam e lembravam daquelas histórias da escravidão E a gente fazia que estava dormindo e fi cava escutando Assim que a gente sabe porque eles não queriam nos falar daquele sofrimento Dona Ana Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz 2007 Seu Amazonas O meu avô foi o primeiro professor negro do Paraná Amazonas Gonçalves dos Santos Ele quando ele veio o que eles me falam é que ele veio pequeno da África o pai dele foi escravo e ele foi criado por um fazendeiro que queria muito bem ele então eles deram estudo para esse meu avô e os pais do meu avô trabalhavam como escravo O pai desse meu avô era reprodutor risos era como reprodutor Eles escolhiam o negro melhor bom para reproduzir com as outras negras para trabalho tinha os fi lhos para trabalho né O meu avô quando compraram eles que ele veio junto com a família dele quando compraram ele já pegaram ele e o pai dele para MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 110 trabalhar e tinham ele né E deram estudo para ele porque ele era dos melhores porque era reprodutor daí deram ensino para o fi lho E esse era o meu avô Seu Amazonas Comunidade Remanescente de Quilombo Santa Cruz janeiro de 2012 Enquanto em uma das comunidades as referências à escravidão eram evitadas por remeterem ao sofrimento e àquilo que não se deveria ser escutado e portanto esquecido em outra procurase explicitar a presença e a participação negra na formação da cidade com o objetivo declarado de contraporse aos discursos predominantes na região onde a escravidão é negada e amenizada Nesse sentido durante a pesquisa uma das quilombolas entrevistadas problematizando a forma como a presença de escravizados é tratada na região forneceu a gravação de um programa veiculado em emissora local que contém entrevistas de descendentes dos primeiros fazendeiros da região com o seguinte teor Entrevista 1 Adair Kill Existiam escravos aqui em Palmas Inácio M de Loureiro Aqui pouco escravo essa é uma fase muito explorada e muito enfeitada porque escravo mesmo aconteceu isso lá para a Bahia Pernambuco lá para aqueles lugares mas aqui já quando vieram para cá era um povo já muito esclarecido como até o bisavô tataravô dessa apontando para a esposa comandava uma bandeira que se estabeleceu mais lá em cima o Ferreira dos Santos mas então esse negócio de escravo como o meu avô tinha bas meu bisavô tataravô mas não tinham vida de escravo não senhor eles tinham uma vida de serviço normal natural descansavam como qualquer um outro dormiam como qualquer um outro e comiam muito bem Não aparecia aqui não existiu senzala não existia nada disso AK Eles não eram maltratados IML Não em absoluto e aqueles que queriam ser desligados da fazenda saíam na maior boa vontade e a hora que queriam AK Eu achei importante aqui na sua propriedade na Fazenda Cruzeiro a taipa de pedras que nós temos aqui na entrada dessa fazenda esta taipa então foi feita pelos empregados os chamados escravos da época IML Chamados escravos mas que não eram com o dedo em riste Parte II A questão quilombola Palmas 111 Entrevista 2 Adair Kill Por aqui passaram escravos Paulo B Araújo Passaram eu ainda conheci dois escravos AK Como é que era o trato com os escravos na época PBA Segundo o que o meu pai conta contava os escravos era muito bem tratados Os escravos no sul do país de modo geral ele participava como patrão das lutas de campo e havia uma certa camaradagem que não havia lá para cima nos outros estados Lá segundo consta a escravidão foi mais rigorosa Entrevista 3 Adair Kill Os escravos existiram por aqui Diogo F Ribas Existiram AK E como é que era o tratamento dado aos escravos DFR Em parte era bom e em parte era mal AK Que história o senhor conhece com referência ao tratamento que era dado aos escravos O senhor me contou alguma coisa antes o senhor pode repetir agora DFR Posso AK O que que aconteceu DFR Que tinha certos fazendeiros que pregavam a orelha do índio na parede e chamavam AK Do índio ou do escravo DFR Do escravo AK Mas outros eram bem tratados DFR Bem tratados Contrapondose a esses discursos a narradora quilombola procura explicitar a participação positiva dos exescravizados no processo de abertura dos Campos de Palmas explicitando que eles vieram abrindo o mato enquanto os cabeças das expedições vinham atrás Destacase reforçando o relato da quilombola que o próprio estatuto de uma das sociedade de povoadores determinava que seus integrantes deveriam munir pelo menos com dois escravos ou mercenários que serviriam como mão de obra primeiro nos trabalhos que surgiriam durante a expedição como o pique dos matos a construção de canoas e em um segundo momento na introdução do gado Weigert 2010 43 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 112 Dona Maria Arlete Ãh hã A minha vô me dizia que eles vinham com as bandeiras O José Ferreira que era marido da minha avó o meu avô E a minha vó me conta que ele vinha na frente da bandeira como cozinheiro E daí ele vinha meio fugido lá da Guerra dos Farrapos e ingressou nas expedições que vieram descobrir os Campos de Palmas As duas expedições e ele veio junto E ele era o cozinheiro E usava esse panelão Ele fazia o arroz como o charque para toda a turma da expedição É isso que a minha vó contava Esse panelão ele passa de geração em geração já está na quinta geração porque daí foi em 1936 que era do meu avô depois o meu avô morreu passou para a minha avô depois passou para a minha tia até chegar a minha mãe e agora está comigo Nós já usamos ele para ferver a roupa na época que lavávamos roupa para fora para fazer sabão e hoje ele está aí para bonito Para bonito não a hora que eu queira fazer sabão eu faço risos Cassius Quando vieram as bandeiras os escravos vieram juntos então DMA Foram os negros que vieram juntos A minha vó dizia bem assim nossa era perigoso o teu avô vinha na frente das bandeiras e uma turma de negros bastante negros que vinham fazendo as picada diz que eles que roçavam assim as estradas fazendo as picadas E eles vinham bem longe das expedições Os cabeças das expedições os portugueses lá Então diz que às vezes lá na frente um tigre já pulava em um negro já comia o negro já matava Os índios que eram muitos índios que a minha vó falava os índios brabos Daí matavam também Enfrentavam tudo que é perigo cobras todos os animais ferozes a minha vó contava C Eles vinham na frente DMA Vinham na frente os negros Igual bucha de canhão Dona Maria Arlete Comunidade Adelaide Maria Trindade Batista março de 2013 Ressaltase ainda nessa última narrativa que a quilombola a tece a partir da referência a um caldeirão panelão que foi usado para cozinhar durante as expedições que abriram os Campos de Palmas Esses objetos como outros tantos imagens de santos esteiras artesanatos armas utilizadas em guerras etc além de constituírem patrimônio cultural material geralmente não reconhecido pelas políticas de patrimônio são também reservatórios da memória viva da população camponesa no Paraná O caldeirão é ao mesmo tempo objeto que leva a rememoração dos locais que cada sujeito social ocupa quem vai na frente quem fi ca atrás quanto repositório de interação pois dali Parte II A questão quilombola Palmas 113 saía a refeição que alimentava as expedições e a fervura e o sabão utilizados para lavar a roupa suja de todos da cidade O caldeirão portanto nos serve como metáfora para tirar lições das memórias de manutenção de dependência e busca da liberdade no Brasil pósabolição Imagem do caldeirão usado por escravizados que cozinharam nas expedições que abriram os Campos de Palmas Considerações fi nais As memórias das famílias quilombolas apresentam elementos para perceber uma experiência que se constrói no limiar das estratégias de produção de dependência pelas elites locais e de busca de conquista da liberdade por parte dos exescravizados Como é possível perceber ao longo do texto essa dinâmica envolve dimensões econômicas étnicoraciais29 e de gênero Econômicas porque vinculadas à reestruturação das relações de trabalho no período pósabolição étnicoraciais porque os mecanismos de atualização da dominação de classe mantêm e em certa medida aprofundam as desigualdades que constroem se também a partir das relações raciais construídas durante os séculos de predomínio da escravidão e de gênero porque afetam diferentemente homens e mulheres 29 O termo racial aqui é utilizado para agregar tanto os aspectos referentes às fronteiras dos grupos étnicos que são objetos da antropologia quanto a construção sociológica da categoria raça que aqui portanto não é usada em sua variante biológica MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 114 Entretanto apesar do engenhoso mecanismo de produção de dependência que articula desde as doações de terras compadrio e tutela os exescravizados e seus descendentes movimentaramse fazendo cálculos para ampliar sua liberdade ainda que não rompessem diretamente com as relações de dominação É assim que pode ser lida por exemplo a fuga dos três fi lhos de criação de um fazendeiro de Palmas que mesmo encontrando parentes em Palmeira colocamse novamente na situação de tutela indicando que não era exatamente uma fuga dessa condição mas dos maus tratos aos quais eram submetidos Talvez aí também esteja a chave para compreender a recusa em aceitar a herança visto que retomaram o vínculo de criação com os Capraro Um cálculo é levado em conta mesmo quando a menina de nove anos sai de Palmas estudando e vai para Curitiba com o acordo de manterse estudando na capital paranaense proposta essa que nunca se concretizou Marques 2008 destaca que a relação entre as lavadeiras de Palmas e as famílias da cidade era caracterizada por uma interdependência assimétrica na qual as quilombolas apesar de submetidas a um ritmo de trabalho duro através de sua rede de informações fofoca disseminavam notícias daquelas senhoras que as maltratavam difi cultando dessa forma que encontrassem alguém disposto a lavar suas roupas Há aí um novo exercício do cálculo de até onde elas podiam se submeter As mudanças de funções de tropeiro para patroleiro e a transição de lavadeira para professora estão inscritas no cálculo de que a fazenda só dá lucro para o dono e da exlavadeira que diante do racismo voltou a estudar para mostrar que era capaz de ser alguém tal como registrado no seguinte relato presente em Marques A gente nota racismo e por causa das pessoas racistas que eu fi z de tudo para me destacar na sociedade Para mostrar que a gente tem a mesma capacidade que qualquer pessoa branca então nós temos que nos valorizar e mostrar que nós as pessoas fi ngem que não são racistas mas são Dona Maria Arlete apud Marques 2008 171 A valorização da quilombola passa também pelo uso político de sua memória quando contrasta os sofrimentos e torturas passados por sua tiaavó com a participação positiva de seu avô e demais exescravizados na abertura dos Campos de Palmas Ao misturar esses dados de dependência e liberdade no caldeirão de memória e retirar de lá uma deliciosa narrativa de interação onde a fi gura do escravizado é redimida de sua histórica invisibilização no Paraná a quilombola nos leva a refl etir sobre como os relatos e as refl exões aqui presentes podem interferir no padrão das relações étnicoraciais e de gênero que predominam nesse estado e no país Parte II A questão quilombola Palmas 115 Referências bibliográfi cas AZEVEDO Célia Marinho Onda negra medo branco o negro no imaginário das elites Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 BACH Arnoldo Monteiro Tropeiros 2010 BARCELLOS D M Família Negra no Rio Grande do Sul contribuições para seu estudo In LEITE I B Org Negros no Sul do Brasil Ilha de Santa Catarina 1996 BARROS José D Assunção A Construção Social da Cor Petrópolis Vozes 2009 BOTT E Família e Rede Social Rio de Janeiro Francisco Alves1976 BURKE Peter A História como Memória Social In O Mundo Como Teatro Estudos de Antropologia Histórica Lisboa Difel 2009 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade Uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Companhia das letras 1990 CRUZ Cassius M Trajetórias Lugares e Encruzilhadas na Construção da Política de Educação Escolar Quilombola Dissertação Mestrado em Educação Universidade Federal do Paraná Curitiba 2012 FARIA Sheila de Castro A colônia em movimento fortuna e família no cotidiano colonial Rio de Janeiro Nova Fronteira 1998 FONER Eric Nada além da liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 GODOI Emília P O Trabalho da Memória cotidiano e história no sertão do Piauí Campinas Editora da Unicamp 1999 EVANSPRITTCHARD EE Witchcraft oracles and magic Among the Azande OxforDAB Claredon Pressa 1937 HAMEISTER Martha Daisson Para Dar Calor à Nova Povoação estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros batismais da Vila do Rio Grande 17381763 Rio de Janeiro Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro 2006 Tese de Doutoramento HALBWACHS Maurice Los marcos socieales de la memoria Rubí Barcelona Antropos Editorial Concepción Universidad de la Concepción caracas Universidade Central de Venezuela 2004 HARTUNG Miriam Muito além do céu Escravidão e estratégias de liberdade no Paraná do século XIX TOPOI v 6 n 10 janjun 2005 PARANÁ Instituto de Terras Cartografi a e Geociências do Paraná Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Terras e territórios Quilombolas Grupo de Trabalho Clóvis Moura Relatório 20052008 Curitiba ITCG 2008 LAGO Lourdes Stefanello Origem e evolução da população de Palmas 18401899 Dissertação de Mestrado em História Florianópolis UFSC1987 LEWANDOWSKI A Agentes e Agências O processo de construção do Paraná Negro Dissertação Mestrado em Antropologia Curitiba 2009 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 116 MARQUES S dos S Pedagogia do estar junto éticas e estéticas no bairro de São Sebastião do Rocio Tese Doutorado em Educação Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2008 MARQUES Leonardo Por aí e por muito longe dívidas migrações e os libertos de 1988 Rio de Janeiro Apicuri 2009 MATTOS de Castro Hebe Maria Das cores do silêncio Signifi cados da liberdade no sudeste escravista Rio de Janeiro Arquivo Nacional 1995 MATTOS Hebe Maria Ana Maria Rios O pós abolição como problema histórico balanços e perspectivas Topoi volume 5 no 8 JanuaryJune 2004 pp 170198 Memórias do cativeiro família trabalho e cidadania no pós abolição Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2005 POLLAK Michael Memória esquecimento silêncio Estudos Históricos Rio de Janeiro vol2 n3 1989 p315 SILVA Helenice Rodrigues da Rememoraçãocomemoração as utilizações sociais da memória In Rev Bras Hist vol22 no44 São Paulo 2002 SANTOS Myrian Sepúlveda dos Sobre a Autonomia das Novas Identidades Coletivas alguns problemas teóricos In Revista Brasileira de Ciências Sociais V 13 n 38 São Paulo Outubro 1998 disponível em httpscielobrscielophpScriptsci arttexpidS010269091998000300010Ingptnrmissotlngpt SIQUEIRA Ana Paula Pruner de Cativeiro e Dependência na Fronteira de Ocupação Palmas PR18501888 Dissertação Mestrado em História Universidade Federal de Santa Catarina UFSC 2010 SCHWARTZ Stuart B Escravos Roceiros e Rebeldes Bauru EDUSC 2001 WACHOWICZ Ruy Christovam Paraná Sudoeste ocupação e colonização Curitiba Literotécnica 1987 WEIGERT Daniele Compadrio e Família Escrava em Palmas Província do Paraná 18431888 Dissertação Mestrado em História Universidade Federal do Paraná UFPR 2010 117 Capítulo 5 Reconfi gurações identitárias e direitos sociais o caso da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista em Palmas Paraná Sônia Maria dos Santos Marques1 Não é o Eu colonialista nem o Outro colonizado mas a perturbadora distância entre os dois que constitui a fi gura da alteridade colonial o artifício do homem branco inscrito no corpo do homem negro É em relação a este objeto impossível que emerge o problema liminar da identidade colonial e suas vicissitudes Bhabha 2005 76 Como se houvesse uma forma delimitada de ser quilombola Como se ao afi rmar a denominação quilombola junto fosse acionado um conjunto fi xo de processos culturais e uma identidade autêntica que deveria ser resgatada depois de um tempo em suspensão Marques 2008 175 E screver é processo no qual mobilizamos os sentidos à procura de alguma forma de interlocução Nesta ação emergem questionamentos como estabelecer diálogo entre o material empírico e as perguntas que povoam o universo de quem pesquisa Como reler questionamentos que nos fi zemos em outro tempo e atualizálos em novo contexto Se escrever é um ato de produção de sentido como apreender e traduzir o que o outro manifesta em seu processo de vida Em momento em que os sujeitos são chamados a identifi caremse como grupo social quais vozes serão ouvidas quais serão silenciadas O que está implicado no processo de fabricação de identidades Esboçamos questionamentos nos quais se entrecruzam três sujeitos primeiro o pesquisador a negociar com o material coletado e com o processo 1 Professora do Programa de PósGraduação Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Francisco Beltrão MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 118 de escrita segundo o grupo estudado e as relações entre identidade e reconhecimento terceiro o Outro2 espectro que assombra os sujeitos anteriores No ato de escrita3 de acordo com Calvino 2006 há sempre negociação entre a palavra escrita e não escrita Também Certeau coliga os processos de escrita e história quando afi rma o signifi cado de entendêla como a relação entre um lugar um recrutamento um meio uma profi ssão etc procedimentos de análise uma disciplina e a construção de um texto uma literatura 2005 66 Dessa forma a escrita é associada a uma prática que articula um conjunto de disposições que produzem discursos sobre o que se estuda Em um processo de escrita é importante demarcar as formas de construção da pesquisa e por consequência os discursos assumidos na construção do texto O objetivo central da investigação foi compreender como os moradores da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista estabelecem reconfi gurações identitárias ao assumiremse como sujeitos de direito A metodologia adotada usou como instrumentos de coleta de informações as entrevistas narrativas Jovchelovitch e Bauer 2002 análise documental registro fotográfi co A relação com os moradores do lugar vem de longa data desde 2005 quando começamos atividades necessárias para a produção da tese4 de doutorado Desde então desenvolvemos várias ações na localidade Convém elucidar os processos associados à produção da investigação No ano de 2009 foi organizado o projeto Memórias dos povos do campo no Paraná cultura e confl itos sociais encaminhado pelo Instituto de Terras Cartografi a e Geociências ao Ministério da Cultura5 Na ocasião foram reunidos profi ssionais que atuavam em diferentes instituições de pesquisa ensino e extensão para discutir e planejar as atividades para a execução da investigação6 O objetivo 2 Para Certeau 2000 14 O outro é o fantasma da historiografi a O objeto que ela busca que ela honra e que ela sepulta 3 Calvino 2006 146 no texto A palavra escrita e não escrita afi rma que fi xar a nossa atenção em um objeto qualquer objeto o mais trivial e familiar é descrevêlo minuciosamente como se fosse a coisa mais nova do mundo 4 Marques Sônia Maria dos Santos Pedagogia do estar junto éticas e estéticas no Bairro de São Sebastião do Rocio Tese de Doutorado Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2008 5 O projeto contou com fi nanciamento do Ministério da Cultura e mediação do Instituto de Terras Cartografi a e Geociências aos quais agradecemos e destacamos o signifi cado do reconhecimento dos processos de constituição reivindicações e lutas sociais para a História do Paraná 6 Sobre esse processo é importante destacar a participação ativa e entusiástica de Jefferson de Oliveira Salles no sentido de tornar possível o projeto facilitar a comunicação entre os profi ssionais das diferentes universidades e estabelecer a interlocução entre o grupo e o Instituto de Terras Cartografi a e Geociências Suas ações foram essenciais para a pesquisa e tornaram possível a realização da apresentação do resultado da investigação Dessa forma é importante expressar gratidão pelo convite para constituir a equipe e participar da iniciativa de investigação e no mesmo movimento destacar seu compromisso com os grupos sociais pesquisados Parte II A questão quilombola Palmas 119 geral do projeto era analisar dimensões do processo de ocupação territorial do Estado do Paraná tendo em vista os diferentes grupos sociais do campo As refl exões que ora apresentamos são resultado das ações empreendidas durante a realização do projeto Considerando as atividades de pesquisa anteriores assumimos a responsabilidade de indagar sobre a Comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade Batista Município de Palmas Paraná e seus processos de identifi cação Sobre esta questão Woodward 2000 destaca que convém dar atenção às conceituações de identidade atentar às formas como essas reivindicações se manifestam Isso porque muitas vezes se mostram essencializadas A autora reitera que a identidade é na verdade relacional e a diferença é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades Woodward 2000 14 Dessa forma relacionase às condições materiais da existência e pode permitir ou erigir barreiras ao acesso aos bens materiais e simbólicos De fato esses processos exigem observar os sistemas classifi catórios nos quais as identifi cações se emolduram indicando quais são assumidas e quais são contestadas Assim parentesco e território juntos constituem identidade na medida em que os indivíduos estão estruturalmente localizados a partir de sua pertença a grupos familiares que se relacionam a lugares dentro de um território maior Se por um lado temos território constituindo identidade de uma forma bastante estrutural apoiandose em estruturas de parentesco podemos ver que território também constitui identidade de uma forma bastante fl uida levando em conta a concepção de FBarth 1976 de fl exibilidade dos grupos étnicos e sobretudo a ideia de que um grupo confrontado por uma situação histórica peculiar realça determinados traços culturais que julga relevantes em tal ocasião É o caso da identidade quilombola construída a partir da necessidade de lutar pela terra ao longo das últimas duas décadas Schmitt Turatti e Carvalho 2002 4 Ao estudar grupos sociais percebemos a importância de coligir identidade e reconhecimento Desta constatação novos questionamentos se insinuam como fugir da fi xação do sujeito em uma identidade Como perceber a plasticidade do conceito Como ao reivindicar direitos tomando por base a territorialidade e o parentesco não assumir percepções essencialistas O perigo das reivindicações essencialistas é desviarse dos aspectos relacionais dos processos de construção da identidade e reduzir o outro a um conjunto fi xo de características e dessa forma negar o jogo da alteridade Em relação aos quilombolas vemos que em muitos trabalhos são tomados como grupo no qual não há opacidades nas construções identitárias MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 120 Comunidade remanescente de quilombola Adelaide Maria Trindade Batista identidade e reconhecimento social A comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista em Palmas possui 180 famílias cadastradas na Associação da Comunidade Negra Rural Adelaide Maria Trindade Batista No Regimento interno da Associação estão estabelecidos os seguintes objetivos Estimular a união e organização doas Remanescentes de Quilombos trabalhadoresas em geral e particularmente doas rurais das comunidades Negras da cidade de Palmas e regiões vizinhas Lutar pelos direitos estabelecidos na constituição Federal e Estadual legislação vigente e específi ca às Comunidades Remanescentes de Quilombos inerentes ao cidadão brasileiro e aoàs Remanescentes de Quilombos promovendo incentivando ou patrocinando medidas que oas auxiliem e oas benefi ciem aprovando e representando os interesses doas associadoas perante os órgãos públicos e privados judicial e extrajudicialmente Estatuto Social da Associação da Comunidade Negra Rural Adelaide Maria Trindade Batista 19032007 No regimento encontramos mais onze objetivos que versam sobre a cultura negra apoio a projetos de colocação no mercado dos produtos resultantes do trabalho dos associados difusão de atividades educativas culturais e científi cas associadas ao grupo sobre a constituição de parcerias com fi nalidade cultural ambiental e trabalho comunitário sobre processos educativos associados à educação formal e informal e aos aspectos sóciohistóricos do grupo Ao indicarmos brevemente os objetivos constantes no documento cabe destacar que à medida que os sujeitos se organizam para reivindicar direitos ampliam a percepção da ação do grupo e apontam o desejo de articulação com diferentes setores sociais Tal constatação a princípio parece uma obviedade considerando que os grupos organizados em sociedade democrática precisam de dinâmicas dialógicas de interação sóciopolítica No entanto o que se estabelece na municipalidade é o movimento inverso como podemos ver no fragmento das entrevistas Ser quilombola em Palmas é um grande desafi o A gente não tem grande aceitação Eles sem entender já julgam errado Muitos dizem que não teve escravos aqui Tem racismo tem racismo contra o quilombola Dizem que vamos sair e tomar a terra Tomar a terra dos outros Tem difi culdade aqui é um bairro afastado tem vandalismo Não é Parte II A questão quilombola Palmas 121 porque somos quilombolas que não vai ter problemas Dos fragmentos podemos depreender três ideias centrais primeiro a questão da legitimidade Ainda que o grupo tenha a certifi cação desde 2007 parece que a identidade étnica ainda é questionada Para alguns moradores do município os indicativos históricos as narrativas dos moradores não são sufi cientes para dirimir a imagem fractal dominante na cidade segundo a fi xação do racismo que determina até onde o grupo pode ir Neste contexto a ideia de reivindicação de direito lembra o que afi rmou Fanon ainda que se referindo a outra espacialidade O problema não é mais conhecer o mundo mas transformálo Este é um problema terrível em nossa vida Falar é estar em condições de empregar uma certa sintaxe possuir a morfologia de tal ou qual língua mas é sobretudo assumir uma cultura suportar o peso de uma civilização 2008 33 Vemos que de alguma forma a entrevistada expressa pela repetição da sentença tem racismo tem racismo essa dupla inscrição negro negro quilombola As afi rmações indicam que ao negar que houve escravos na localidade alguns moradores da cidade decidem não ver as marcas objetivas dessa presença narrativas dos sujeitos imagens construções arquitetônicas Assim as rasuras que estabelecem em relação ao negro escravizado no município ampliamse quando se referem à nova identidade quilombola nova para os sujeitos de direito e nova para os moradores da localidade Na construção dessa argumentação a reivindicação de terras por parte dos quilombolas aparece no discurso local como o excesso uma vez que se nega o transcurso histórico de constituição do grupo No terceiro trecho citado por sua vez parece que a partir deste fragmento a entrevistada negocia com uma noção em circulação na localidade quilombo como lugar do idílico sem problemas Quando afi rma que a identidade quilombola não os isenta das divergências internas Ao olharmos o conjunto dos fragmentos percebese nas falas da entrevistada processo de reconfi guração do discurso identitário relacionado à inscrição como sujeito de direitos Sobre esta questão Hall estabelece questionamentos que julgamos oportunos Onde está pois a necessidade de mais uma discussão sobre identidade Quem precisa dela 2000 103 O autor encaminha a discussão pontuando duas ideias principais Primeira postula a exploração de um pensamento que opera entre inversão e emergência O que signifi ca dizer que não é possível pensar o conceito de forma vicária tampouco abandonar noções centrais que eram usadas para discutir a temática No entanto é na exploração do segundo indicativo de resposta oferecido pelo autor que repousa a potencialidade para a discussão em relação ao grupo pesquisado Ao afi rmar que a identidade tem centralidade para a questão da agência e da política MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 122 Hall 2000 104 Nesse contexto apresenta discussão central para grupos que estejam associando processo de identifi cação aos direitos sociais Com efeito a política de identidades tenta captar os aspectos mutáveis e mutantes nos quais o conceito é tensionado O autor chama atenção para o signifi cado da identifi cação entendendo que é Um processo de articulação uma suturação uma sobredeterminação e não uma subsunção Há sempre demasiado ou muito pouco uma sobredeterminação ou uma falta mas nunca um ajuste completo uma totalidade Como todas as práticas de signifi cação ela está sujeita ao jogo da diference Ela obedece à lógica do maisqueum E uma vez que como num processo a identifi cação opera por meio da diference ela envolve um trabalho discursivo o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas a produção de efeitos fronteira Para consolidar o processo ela requer aquilo que é deixado de fora o exterior que a constitui Hall 2000 106 Ao considerarmos a identifi cação trazemos à cena o jogo de ambiguidade que parece cingir os movimentos vividos no grupo estudado Sobre essa questão uma entrevistada assim se manifesta Quando falava aqui vai ser um quilombo a gente não sabia o que era A gente pensava que não queria que voltasse o tempo da escravidão A gente demorou para entender mas a gente procura estudar em outras comunidades de quilombos como funciona Entrevista 2012 A entrevista indica que o processo de identifi cação se constitui por meio de uma ambiguidade de um lado sustenta a falta de intimidade com a denominação quilombola e a necessidade de substanciar o termo encontrando proximidade com suas vivências cotidianas de outro lado indica que a reconfi guração se estabelece em relação com os de fora sejam outros grupos quilombolas sejam outros grupos étnicos que ocupam espaços contíguos A questão que se apresenta é como é o espaço em que essa população circula Encontramos a seguinte descrição da parte central da localidade A estradinha rua Arnaldo Busato é coberta de paralelepípedos irregulares Ladeando o percurso temos casas algumas de alvenaria a maioria de madeira a Igreja Evangélica a Escola Tia Dalva7 7 No Bairro existem duas escolas públicas municipais Escola Municipal Tia Dalva Educação Infantil e Ensino Fundamental e Escola Municipal de Ensino Fundamental São Sebastião Parte II A questão quilombola Palmas 123 Ao percorrer a rua se andarmos trezentos metros vemos o Posto de Saúde8 e trinta metros à frente a Igreja de São Sebastião e o pavilhão do Centro Comunitário no qual são realizadas as tradicionais festas no mês de janeiro9 Passando a Escola Municipal São Sebastião a rua tornase íngreme Caminhandose mais uns trezentos metros há novamente uma grande aglomeração de casas Da rua central em direção à direita partem pequenas vias de formato irregular cobertas com pedregulhos que como artérias fendemse em múltiplas direções de forma inextricável Identifi camos três áreas a primeira de povoamento recente ocupado por famílias de operários que compraram terrenos em zona de baixo valor imobiliário a segunda área central do bairro ocupado por famílias negras hoje tradicionais moradores espaço no qual está situada a Igreja de São Sebastião a terceira zona recentemente habitada como resultado de uma política pública municipal que deslocou moradores de outras áreas empobrecidas da cidade fi xandoas no Bairro Marques 2008 49 A descrição sucinta da parte central do bairro foi escrita antes que o bairro de São Sebastião fosse identifi cado como comunidade quilombola No entanto a distribuição da população e a ocupação dos espaços urbanos permanecem10 No ano de 2007 os moradores da comunidade remanescente quilombola Trindade Batista receberam da Fundação Cultural Palmares a certidão de autorreconhecimento O documento CERTIFICA que a Comunidade Adelaide Maria Trindade Batista localizada no Município de Palmas Estado do Paraná registrada no Livro de Cadastro Geral n 10 registro n 954 fl 19 nos termos do Decreto supramencionado e da Portaria interna da FCP n 6 de 01 de março de 2004 publicada no Diário Ofi cial da União n 43 de 04 de março de 2004 Seção 1 f 07 é REMANESCENTE DAS COMUNIDADES DE QUILOMBO Certidão de autorreconhecimento da comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista 8 Posto de Saúde Pedro Mendes atendido por um médico e duas auxiliares de enfermagem 9 São Sebastião é considerado o protetor do bairro O dia do santo é 20 de janeiro A festa tem o objetivo de prestar homenagens agradecer e pedir ajuda ao santo padroeiro 10 Convém salientar que neste período a comunidade quilombola teve a produção de dois laudos antropológicos O primeiro não foi aceito pela comunidade justamente porque não considerava as narrativas dos moradores e indicava de forma equivocada a área que deveria ser delimitada para a comunidade O segundo laudo aceito e aprovado pelo grupo em reunião em dezembro de 2012 não está disponível para consulta MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 124 A certifi cação foi recebida na comunidade com regozijo e um sentimento de positividade em relação ao pertencimento étnico associado às possibilidades de acesso à garantia de direitos sociais e territoriais Para compreender o novo lugar ocupado trazemos como exemplo uma situação de pesquisa anterior No ano de 2005 orientamos um trabalho monográfi co11 que tinha como objetivo compreender as representações sobre a localidade Foram realizadas entrevistas com os moradores e não moradores do bairro Naquele momento solicitou se que as pessoas defi nissem o bairro em uma palavra Entre os moradores do bairro as palavras escolhidas foram maravilhoso lindo bom vida luta sofrido lutador pobre trabalhador educado humilde unidos alegre bom de morar limpo afastado bonito seguro Os não moradores selecionaram palavras como carente habitável pobreza sujeira marginal sofrido fé pobre miséria violência isolado mal estruturado esquecido mal localizado Evidentemente que um conjunto de palavras não é sufi ciente para determinar a forma como o grupo era visto na municipalidade No entanto há fortes indicativos de que dominava a representação de que o grupo ocupava um lugar de precariedade econômica política e cultural Tais questões fazem ver o signifi cado simbólico da certifi cação para o imaginário do grupo e dos demais moradores da cidade pois revolve as diferentes representações da comunidade em circulação no município e reapresenta o grupo em outro lugar social sujeitos que podem reivindicar direitos Dessa forma percebese que o processo de produção de representações implica uma relação ambígua entre ausência e presença é a presentifi cação de um ausente que é dado a ver segundo uma imagem mental ou material com uma atribuição de sentido Pesavento 1995 298 Assim o processo de certifi cação de acordo com as entrevistas coletadas é parte de uma política de identidade que auxilia na compreensão de si situandoo como sujeito que partilha com outros grupos remanescentes de quilombo um lugar social que permite reconfi gurações identitárias e reivindicação de direitos sociais Em entrevistas percebese a tentativa dos sujeitos de atribuir signifi cados ao termo quilombola uma vez que a identifi cação com esta denominação é recente Em relação a este processo ouvimos quando eu me descobri como quilombola a gente teve o reconhecimento da Fundação Palmares a gente entrou de cabeça Ser quilombola é valioso posso trazer através dessa auto afi rmação o meu reconhecimento Entrevista agosto de 2012 Como podemos ver a entrevistada estabelece relação direta entre reconhecimento e direitos sociais Foi a partir da inscrição na Fundação Cultural Palmares e das dinâmicas 11 Choaste Adriana As representações sobre o negro no Município de Palmas o caso do Bairro São Sebastião ou Rocio dos Pretos TCC do curso de especialização em Movimentos Sociais e Desenvolvimento Sustentável Universidade Estadual do Oeste do Paraná Francisco Beltrão 2005 Parte II A questão quilombola Palmas 125 de organização para este processo que a nova identidade começa a ser assumida Também Schmitt Turatti e Carvalho chamam atenção ao processo quando afi rmam que a identidade quilombola até então um corpo estranho para estas comunidades rurais negras passa a signifi car uma complexa arma nesta batalha desigual pela sobrevivência material e simbólica 2002 5 Assim ainda que possamos demarcar a exterioridade do conceito recente entre o grupo estudado há que assinalar a interioridade das vivências históricas e práticas culturais Dessa forma ainda que os sujeitos estejam em processo de construção da intimidade com a denominação percebem que nas práticas cotidianas que mobilizam e nas suas respectivas narrativas as formas de conferir sentido aos novos contextos se desenham Outra entrevista corrobora a anterior quando afi rma ser quilombola em Palmas é um grande desafi o A gente não tem muita aceitação uma pela questão territorial todos acham que vamos tomar terras de outras pessoas Ser quilombola é desafi ador Entrevista em junho de 2012 Na fala podemos perceber que a possibilidade de acesso a terra intensifi ca a tensão no município de outro lado amplia a participação política do grupo como podemos perceber na notícia12 No mês de abril Silva e Maria Arlete Ferreira da Silva da comunidade Adelaide Maria Trindade Batista estiveram em Brasília onde aproximadamente 500 quilombolas travaram quatro dias de luta participando de reuniões e defi nindo correções nas mudanças que a AGU tinha feito Quinze advogados favoráveis às causas quilombolas acompanharam a consulta que se fez necessária ser aberta as comunidades devido a pressão das entidades representativas Silva relata que foram separados por grupos regionais como o Sul englobando quilombolas do Paraná Rio Grande do Sul e Santa Catarina As discussões com a presença de dois advogados em cada grupo trataram de detalhes como termos utilizados por exemplo a substituição de terras por territórios Mazaloti 2008 A publicação de alguma forma indica que a reconfi guração de identidade dos quilombolas em Palmas produz certa movimentação regional O Sudoeste do Paraná que se via como constituído dominantemente por eurodescentes é desestabilizado por outras narrativas de constituição e história regional Sobre esta temática ainda que se referindo a outro grupo étnico Langer afi rma 12 Publicado em 5052008 no blog Cotidiano popular que discute notícias regionais http cotidianopopularblogspotcombr Acesso em dez de 2012 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 126 No Sudoeste do Paraná o pioneiro cumpriu essa missão contra a natureza sobretudo a fl oresta de araucárias hoje praticamente extinta e os grupos que nela se escondem para gerar a riqueza premissa tida como inevitável e universal Axiomas como fertilidade do solo produtividade lucro e progresso legitimam qualquer forma de aniquilamento ecológico e antropológico ecossistemas e alteridades étnicas Outro axioma é a terra enquanto propriedade privada como mais um objeto entre tantos outros da economia de mercado Os índios e caboclos sempre ocuparam terras de ninguém pois não possuíam títulos de propriedade particular A partir dessa máxima é negada a possibilidade do direito à terra a quem não a explora de acordo com o padrão mercadológico 2010 35 O texto referese às representações sobre o índio e o caboclo na região Sudoeste do Paraná No entanto podemos afi rmar que há similaridade com o lugar ocupado por populações negras ou grupos de origem afrobrasileira Isso porque ao buscarmos referências sobre a história de Palmas Nazaro 1999 Marcondes 1977 Bauer 2002 encontramos poucas informações sobre o Bairro de São Sebastião ainda que este fosse o mais antigo do município Não há dúvidas de que quando o grupo assume a identidade quilombola e quebra a barreira da invisibilidade a cidade é forçada a tomar conhecimento de sua existência mesmo que seja para questionar suas reivindicações de direitos Sobre essa questão é expressivo o que apresenta Hoffman 2012 quando discute sobre confl itos vividos pela comunidade Monoel Círiaco dos Santos de um lado o grupo experimentou ameaças constantes a sua integridade física e psicológica De outro no momento de produção do laudo antropológico o grupo viveu a intensifi cação das tensões e a expectativa da produção de um documento que legitimasse as reivindicações étnicas e territoriais No entanto o relatório de forma equivocada13 descaracteriza os movimentos empreendidos pelos quilombolas e aponta negativamente em relação aos seus direitos territoriais De acordo com Hoffmann Ocorre que em dezembro de 2010 convênio com a Unioeste foi interrompido em razão do laudo antropológico feito pelos antropólogos da universidade pois segundo o INCRA não atendeu às solicitações sendo este laudo negativo a demarcação e a titulação da comunidade como remanescente de quilombo 2012 77 13 O relatório foi produzido pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná sob a coordenação do antropólogo Antonio Pontes Filho Parte II A questão quilombola Palmas 127 Em sentido prático as indicações constantes no documento potencializaram os confl itos que já se desenhavam e promoveram manifestações de descontentamento entre setores públicos como INCRA Fundação Cultural Palmares associações científi cas etc Apresentamos o debate sobre a comunidade Manoel Círiaco dos Santos de um modo puramente ilustrativo uma vez que a mesma dinâmica aconteceu em relação ao laudo antropológico da comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista em Palmas14 Também este grupo foi impactado pelo resultado negativo do trabalho No entanto são interessantes as ações empreendidas pela comunidade que recusa o relatório Sobre esta questão é interessante a manifestação de Eliane Cantarino ODwyer que em entrevista15 afi rma que O INCRA fez um convênio com uma universidade do Paraná que foi fazer um relatório e o relatório virou contra laudo Disse que ali não havia território quilombola Que ali não havia quilombolas por que era igual aos seus vizinhos Achando que há uma diferença cultural que faz toda a diferença que possibilita chamar alguém de quilombola por causa dessa diferença eles impuseram uma tradução etnográfi ca sobre o grupo e o próprio INCRA não quis receber o trabalho Transcrição da entrevista de Eliane Cantarino ODwyer encontrada em CGA wwwcgantropologiaorgar O depoimento da pesquisadora mostra que o profi ssional não pode no ato de produção de seu trabalho impedir acesso aos direitos sociais dos grupos estudados16 afi rma que a interação com os grupos pesquisados é condição para o bom desenvolvimento do trabalho etnográfi co A experiência mostrou também o grau de organização do grupo que imediatamente mobiliza um conjunto de ações com vista a garantir os direitos sociais discute as bases científi cas do trabalho Uma entrevistada assim se manifesta eles não nos entrevistaram não conversavam com a gente A gente sabia que eles estavam aí pelos outros Não queriam saber o que a gente pensava Maria Arlete Ferreira líder tradicional na comunidade Também se mobilizam no sentido de provocar ações do Ministério Público que garantam o que está estabelecido na legislação Acionam órgãos públicos federais e estaduais no sentido de garantir a 14 A equipe que realizou o laudo antropológico foi a mesma da comunidade Manoel Círiaco dos Santos 15 A íntegra da entrevista está disponível em CGA wwwcgantropologiaorgar Acesso em 10032013 16 De acordo com a entrevistada o Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia diz como o antropólogo deve atuar MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 128 produção de novo laudo antropológico que foi entregue à comunidade em dezembro de 2012 Outra tensão vivida pelo grupo foi provocada pela transferência da comunidade indígena Ângelo Cretã retirada do Parque Ambiental de Palmas e alocada na área quilombola Tal movimento pode ser percebido quando lemos a Ata da reunião que aconteceu no Ministério Público Federal em 22 de junho de 2011 Na reunião o prefeito municipal de Palmas Hilário Hadrasko pontuou que foi buscar uma área para alocar os indígenas a pedido do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção às comunidades Indígenas17 Sobre o processo de transferência dos indígenas O prefeito alegou que a escolha da área foi precedida de uma conversa com o Sr Antonio P Pontes Filho antropólogo da Unioeste18 responsável pela coordenação do Laudo Antropológico em decorrência do convênio com o INCRA Relatou que na ocasião o professor lhe mostrou no mapa da Comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista que a área indicada pela prefeitura estava fora da área quilombola Ata da reunião realizada em 22062011 no Ministério Público do Estado do Paraná no auditório Ary Florêncio Guimarães Curitiba Como é possível perceber o laudo antropológico que não fora aceito pela comunidade ação que era conhecida da prefeitura municipal foi determinante para a escolha do lugar em que seria alocado o grupo indígena A partir das narrativas emergem questionamentos por que os quilombolas não tinham sido ouvidos Por que tomar um documento não aceito pela comunidade como ponto de partida para as discussões Por que a fala do antropólogo foi determinante Essa coincidência de alocação dos indígenas em território requerido pelos quilombolas foi contestada na reunião Cláudio Marques do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas da Superintendência do INCRA no Paraná contestou a fala do Senhor Prefeito afi rmando que a competência para se manifestar sobre o processo de titulação da comunidade é do INCRA que é o órgão federal competente para a titulação dos territórios quilombolas e não o antropólogo Citou a instrução normativa 17 Ata da reunião realizada em 22062011 no Ministério Público do Estado do Paraná no auditório Ary Florêncio Guimarães 18 Universidade Estadual do Oeste do Paraná Parte II A questão quilombola Palmas 129 572009 que regulamenta os procedimentos de titulação das terras quilombolas com base no mandamento constitucional Artigo 68 dos ADCT Lembrou a realização de uma reunião pública realizada no Município de Palmas sobre o início do trabalho do INCRA na comunidade em maio de 2009 ocasião em que as autoridades não compareceram O Senhor prefeito reafi rmou não haver conversado em momento algum com os quilombolas a respeito da localização da área apenas com o antropólogo Disse estar preocupado com o fato de existirem três comunidades quilombolas no município que passarão a ter autonomia sobre as suas terras ocupando grande porção do território municipal Dra Dora Lúcia Procuradora Geral da Fundação Palmares pontuou a necessidade de garantir a presunção de direito ao território de toda a área quilombola tendo sido um grave equívoco a doação postura que deverá ser revista Posicionouse pela equiparação dos direitos quilombolas e indígenas e afi rmou que a comunidade quilombola não poderá ser onerada Ata da reunião realizada em 22062011 no Ministério Público do Estado do Paraná no auditório Ary Florêncio Guimarães Curitiba As narrativas indicam que o confl ito entre dois grupos tradicionais se estruturam em cenário complexo que justapõe direitos sociais de indígenas e quilombolas e da mesma forma amplia as dissensões entre os grupos abrindo nova frente de embate entre atores sociais que historicamente não colidiam No primeiro fragmento já se desenha certa distância entre a administração municipal e o grupo quilombola quando no momento das primeiras reuniões relacionadas ao processo de regularização das terras quilombolas não contam com a presença dos representantes municipais Do segundo fragmento podemos depreender que a preocupação da municipalidade está associada à presença no local de três comunidades remanescentes de quilombo e a possibilidade de acesso a terra desses grupos como um problema que se desenha para a administração municipal É interessante que os direitos sociais dos grupos não causam a mesma preocupação visto que não são chamados em processos sobre a ocupação das terras que reivindicam O terceiro fragmento chama atenção para a importância de que se considerem as necessidades dos dois grupos sem onerar direitos dos coletivos constituídos Tal discussão ganha espaço na imprensa local e regional como vemos na sequência MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 130 Eu estou vendo como um desrespeito com a nossa comunidade com a nossa gente Por que toda a vida desde 1839 quando chegaram nossos antepassados eles já habitavam ali a comunidade do rocio como dizem Toda a vida nós vivemos e preservamos até hoje Mas como agora os índios da Aldeia Cretã eles colocaram em dois jornais que eles ganharam do executivo municipal aquele terreno ali Agora é a nossa palavra contra a do prefeito Fizemos uma reunião com o prefeito e ele falou que colocou os índios naquela área porque não tinha onde colocar E que o antropólogo falou para ele que aquela área não pertencia à comunidade então pertence a quem Se é dentro da comunidade pertence a quem Maria Arlete Ferreira Entrevista19 ao Portal RBJ 24052011 Eu analiso que nós somos uma comunidade reconhecida desde os primeiros chegaram aqui em 1835 1836 1839 então a gente conhece cada árvore cada canto cada carreiro ali então a gente conhece de tudo Alcione Ferreira presidente da associação quilombola em entrevista20 ao Portal RBJ 24052011 A gente é cidadão como qualquer um a gente vem contestar o debate que tem na cidade A gente não invadiu terreno nenhum A gente levou dois dias para fazer nossa mudança O terreno foi doado pelo prefeito no dia 2 de maio 2011 Se nós estamos ocupando o terreno palmense é porque somos de Palmas Entrevista de João dos Santos Cacique Aldeia Angelo Cretã ao Portal RBJ 25052011 Existe uma indisposição um mal estar ter duas etnias num espaço só com culturas diferentes fi ca meio complicado Mas não temos nada de guerra até jogamos futebol com os índios Mas o que a gente espera é justiça Alcione Ferreira Presidente da associação quilombola em entrevista ao Portal RBJ 20062012 As entrevistas indicam que quilombolas e indígenas desde 2011 até o momento vivem situação que coloca sob rasura os direitos sociais dos dois grupos Percebese que de alguma forma o poder público municipal foi ativo no processo de produção de uma conjuntura que manifesta um confl ito a partir do qual novas confi gurações identitárias são assumidas pelos dois grupos para 19 A entrevista pode ser acompanhada na íntegra no Portal RBJ no site httpportalrbjcombr noticia Acesso em 20022013 20 A entrevista pode ser acompanhada na íntegra no Portal RBJ no site httpportalrbjcombr noticia Acesso em 20022013 Parte II A questão quilombola Palmas 131 comprovar a legitimidade do lugar que ocupam A festa de São Sebastião também é mobilizada nos momentos de afi rmação étnica e da identidade quilombola como na fala na festa de São Sebastião toda a família participava a gente fazia isso com a família organizavam o que precisava para a festa quando tinha alguma coisa eles conversavam era como ia se formando as ideias Na fala da entrevistada percebemos a insistência em sedimentar a ideia de que tudo era decidido no conjunto que as deliberações sobre as dinâmicas da festa eram decisões coletivas que determinavam o êxito do que fora planejado Ao rememorarmos os momentos da festa percebemos que são muitas as cenas que se repetem ao longo dos anos Assim novas narrativas das formas de sociação são assumidas transfi gurando se em narrativas de identidade associadas à representação e à voz Narrativas revelam o alinhamento dos narradores com certos indivíduos grupos ideias e símbolos através dos quais eles externalizam seus maiores valores qualidades positivas e de orgulho para si mesmos Esta articulação de identidade de voz sobretudo tornouse compreensível como um lócus da dignidade humana tal como a razão era o lócus da dignidade para o iluminismo nós podemos agora defi nir uma pessoa como alguém que narra Consequentemente negar a uma pessoa a possibilidade de narrar sua própria experiência é como negar sua dignidade humana Errante 2000 142 Dessa forma quando são chamados a identifi caremse os sujeitos geram narrativas sobre seu transcurso histórico e práticas culturais Ao dar assento às formas como se organizavam para a organização da festa a entrevistada demonstra a preocupação com a continuidade e reafi rma a ideia da festa de São Sebastião como ação coletiva que auxilia a manter o vínculo societal Assim descrevemos em texto anterior o que acontecia No momento da festa parece que reproduz um processo de engolição da música alta que invade os ouvidos da emanação volátil do aroma de alimentos que estão à venda da quantidade de bebidas em oferta num viver a festa para os sentidos Depois do almoço começa o baile No pequeno salão os corpos em movimento sorvem o espírito festivo corpos próximos suados em ritmo ditado pelo triângulo e pela gaita O clima é sufocante o salão é pequeno e as poucas janelas localizadas no alto não ajudam a resfriar o local Assim há uma densidade olfativa Tudo é viscoso os movimentos a música os corpos Parase o baile anunciase quem ganhou a rifa de um bolo Os aplausos quebram o silêncio que fora feito para ouvir o nome do MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 132 vitorioso A música recomeça O som estrepitoso domina o ambiente O ritmo da música é frenético os corpos balançam quase sem querer parece que as mãos e os pés adquirem autonomia e querem se deixar levar pelo movimento Para conversar é preciso estar muito próximo só essa posição garante a audição do que está sendo dito tudo é proximidade À volta do salão formamse camadas de assistentes aqueles que não têm par e observam os que se movimentam no ritmo da música e insinuam desejo de serem convidados para se entregarem ao som som que convida o corpo a esquecerse de sua própria densidade e tornase movimento entrega Entre os corpos que dançam não há regulação de movimentos marcados Há sim um deixarse levar anárquico e sedutor São três horas da tarde o calor é intenso e aqueles corpos bailam se aproximam afastam vivem a festa são a festa A festa enseja redobramento de um lado a exaltação de viver o presente que se oferece como intensidade de outro há uma lembrança depositada no corpo de que aquele estado de excitação não pode ser permanente ele constituise como do domínio do extraordinário mas há sempre a margem do ordinário tangenciando esse sentimento Marques 2008 160 O fragmento faz alusão à festa de São Sebastião realizada todos os anos no dia 20 de janeiro A realização da festa é marcada por dois momentos primeiro um ato regioso no qual o padre reza a missa também é realizada uma procissão na qual moradores da comunidade e demais moradores do município participam No segundo momento vêm os festejos que associados ao usufruir do alimento aproveitar a música dançar e colocar em movimento um conjunto de disposições fazem da festa um lugar de encontro marcado no calendário da vida coletiva do lugar Se a festa necessita ser reencenada é porque o tempo senhor do esquecimento não para de passar Então mais do que trazer imagens do passado é importante construir o presente Ao presentifi car as ações relacionadas à festa de São Sebastião se garante a continuidade e de alguma forma se adia o esquecimento Neste contexto é o presente que chama o passado as narrativas atualizam as memórias mas a reencenação da vida comunitária promovida anualmente pela festa vitaliza a identidade local porque coliga as narrativas e desse modo fecunda as lembranças Sobre esta questão é interessante a afi rmação na festa de São Sebastião toda a família participava organizavam a festa em família mas a gente sabe que as antigas faziam isso Elas se reuniam conversavam Eles se reuniam e organizavam A gente continua forte a gente conseguiu o quilombola e os que são na diretoria são tudo parente Maria Arlete Ferreira 2012 A entrevistada busca na nova forma de identifi cação Parte II A questão quilombola Palmas 133 ser quilombola as maneiras organizativas que mobilizaram em outros tempos para a sistematização do trabalho associado à festa A festa de São Sebastião reúne práticas e ações cotidianas que formam um conjunto de disposições que permitem ao sujeito e ao grupo afi rmarse como um coletivo O que se observa em relação à festa na comunidade é o que afi rma Perez quando diz que como forma lúdica de sociação e como um fenômeno gerador de imagens multiformes da vida coletiva buscando mostrar como o vínculo social pode ser gerado a partir da poetização e da estetização da experiência humana em sociedade 2003 2 Assim festa e cotidiano identifi cação e reivindicações sociais e territoriais são ativos no processo de reconfi guração da identidade para a garantia de direitos Referências bibliográfi cas BAUER José de Araújo Reminiscências história de Palmas Palmas Kaigang 2002 BAUER Martim W GASKEL tradução de Pedrinho A Guareschi Pesquisa qualitativa com Texto imagem e som um manual prático Petrópolis Vozes 2002 BHABHA Homi K O local da cultura Belo Horizonte Ed UFMG 1998 CALVINO Italo A palavra escrita e a nãoescrita In AMADO Janaina FERREIRAMarieta de Moraes Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro Editora FGV 2006 CERTEAU Michel de GIARD Luce MAYOL Pierre A invenção do cotidiano 2 morar e cozinhar Petrópolis RJ Vozes 1996 CERTEAU Michel de A escrita da história Rio de Janeiro Forense Universitária 2000 CERTEAU Michel de A invenção do cotidiano artes de fazer Petrópolis RJ Vozes 1994 CHOASTE Adriana As representações sobre o negro no Município de Palmas o caso do Bairro São Sebastião ou Rocio dos Pretos TCC do Curso de especialização em Movimentos sociais e Desenvolvimento sustentável Universidade Estadual do Oeste do Paraná Francisco Beltrão 2005 Entrevista de Eliane Cantarino ODwyer encontrada em CGA wwwcgantropologiaorg ar Acesso 10032013 ERRANTE Antoinette Mas Afi nal A Memória é de Quem Histórias Orais e Modos de Lembrar e Contar In História da educação Pelotas 8141174 set FANON Frantz Pele negra máscaras brancas tradução de Renato da Silveira Salvador EDUFBA 2008 HALL Stuart Identidade cultural na pósmodernidade Tradução Tomaz Tadeu da Silva Rio de Janeiro DPA 2000 JOVCHELOVITCH Sandra BAUER Martim W Entrevista Narrativa In BAUER Martim W GASKEL tradução de Pedrinho A Guareschi Pesquisa qualitativa com texto imagem e som um manual prático Petrópolis Vozes 2002 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 134 LANGER Paulo Protásio Símbolos e discursos acadêmicos na construção de uma identidade eurocêntrica o encobrimento dos indígenas e caboclos In LANGER Paulo Protásio et al Sudoeste do Paraná diversidade e ocupação territorial Dourados Editora da UFGD 2010 MARCONDES Herverzita Fortes Educação Hoje Vol 3 p 195 1977 MARQUES Sônia Maria dos Santos Pedagogia do estar junto Éticas e estéticas no Bairro de São Sebastião do Rocio Dorneles Tese Doutorado Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Educação Programa de PósGraduação em Educação Porto Alegre 2008 MOURA Glória A força dos tambores a festa nos quilombos contemporâneos In SCHWARCZ Lilia Moritz REIS Letícia Vidor de Souza Org São Paulo Editora Universidade de São Paulo 1996 NAZARO Lucy Salete Bortolini Palmas Uma história de fé luta e garra de um povo Palmas Kaigang 1999 PEREZ Lea Freitas Dionísio nos trópicos festa religiosa e barroquização do mundo por uma antropologia das efervescências coletivas In Mauro Passos Org A festa na vida signifi cados e imagens Petrópolis Vozes 2002 PESAVENTO Jatahy Sandra Muito além do espaço por uma história cultural do urbano In Estudos históricos Rio de Janeiro vol 8 n 16 1995 P 279290 Portal RBJ no site httpportalrbjcombrnoticia Acesso 20022013 SCHMITT Alessandra TURATTI Maria Cecília Manzoli CARVALHO Maria Celina Pereira de A atualização do conceito de quilombo In Ambiente Sociedade Ano V Nº 10 1º Semestre de 2002 SCHMITT Alessandra TURATTI Maria Cecília Manzoli CARVALHO Maria Celina Pereira de A atualização do conceito de quilombo identidade e território nas defi nições teóricas Ambiente Sociedade Ano V No 10 1º Semestre de 2002 WOODWARD Kathryn Identidade e diferença uma introdução teórica e conceitual In SILVA Tomas Tadeu da Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Rio de Janeiro Vozes 2000 Documentos Ata da reunião realizada em 22062011 no Ministério público do Estado do Paraná no auditório Ary Florêncio Guimarães Curitiba Certidão de autorreconhecimento da Comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista Estatuto Social da Associação da Comunidade Negra Rural Adelaide Maria Trindade Batista 19032007 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 6 Contextualização breve histórico sobre PinhãoPR Liliana Porto e Dibe Ayoub 7 Os posseiros do Pinhão confl itos e resistências frente à indústria madeireira Dibe Ayoub 8 Memórias de um mundo rústico narrativas e silêncios sobre o passado em PinhãoPR Liliana Porto 9 João José Zattar SA disputas sociais legitimidade legalidade Jefferson de Oliveira Salles 10 Desenvolvimento capitalismo e comunidades tradicionais refl exões em torno da Zattar e dos faxinalenses Paulo Renato Araújo Dias Add intr 2 in Excel 2013 to download Microsoft Geo Flow Preview for Excel 2013 free and get a powerful threedimensional data visualization addin Learn more about Geo Flow here Microsoft Geo Flow preview for Excel 2013 Download the Microsoft Geo Flow Preview for Microsoft Excel 2013 Geo Flow enables you to explore your data in new ways using its unique 3D interactive experience mapping data on top of Bing Maps and visualizing it as interactive 3D charts and animations Check out the Geo Flow video demonstration Download Geo Flow preview for Excel 2013 Note Geo Flow currently scope to US and UK coming soon to other regions Have questions We are here to help you with the installation to enable you to learn and enjoy using Microsoft Geo Flow in Excel 2013 The Excel 2013 Geo Flow Preview is available as a free addin with the Excel 2013 software You need to have Excel 2013 installed first in order to install the free addin Once installed you will see a new tab called Geo Flow on the Excel 2013 ribbon System requirements Geo Flow for Excel 2013 requires the following hardware and software Microsoft Excel 2013 32bit version or 64bit version Internet connectivity Minimum video card equivalent to DirectX 10 Support Not supported on Surface RT Limited support on Windows RT requires touchscreen capable device For questions or help visit Support Page Installation instructions Download GeoFlowPreviewForExcelmsi from this page Double click on the installation file to start installing Geo Flow After successful installation restart Excel 2013 You will now find a new tab called Geo Flow on the Excel ribbon To verify your installation click on the Geo Flow tab then the Launch Geo Flow button If you encounter a security warning click on Enable To uninstall Geo Flow go to Control Panel Programs and Features then uninstall Geo Flow Preview for Excel 2013 For more information read the Microsoft Office support page Privacy Statement Geo Flow uses Bing Maps as a data service Your data stays on your machine and is only sent to Bing Maps for encryption during map rendering No data is stored or used by Microsoft FAQs Q Can I use Geo Flow on Excel 2010 A No Geo Flow requires Excel 2013 Q What kind of data sets work best with Geo Flow A Geo Flow works best with data containing geographic fields like country state city zip code or latitude and longitude coordinates and time or date fields Q Can I share my Geo Flow visualizations A Yes Visualizations can be saved as video files or shared via PowerPoint presentations For more help feedback or to report an issue visit the Microsoft Geo Flow support page Geo Flow is now part of Power Map in Excel 2013 and Office 365 Visit the Power Map page for more details Released Geo Flow is a preview addin It supports 3D data visualization on a globe or flat map It includes features such as multilayer tours animated visualizations and filtering of data This preview is available for free download Check out the demonstration and download the Geo Flow preview addin for Excel 2013 For questions visit the Microsoft support site 137 Capítulo 6 Contextualização breve histórico sobre PinhãoPR Liliana Porto1 Dibe Ayoub2 O município de Pinhão possui um conjunto de características especialmente signifi cativo para se pensar os processos de ocupação territorial no Paraná pois articula vários dos movimentos de expansão do povoamento ofi cial do interior do estado com a presença de uma população tradicional signifi cativa Situado na divisa dos Campos de Guarapuava com as regiões de fl oresta mista de araucária que ocupam o CentroSul do estado os denominados faxinais no sentido ambiental teve as primeiras ações ofi ciais de ocupação portuguesa ainda no período colonial em fi ns do século XVIII Foi em área de fronteira dos atuais municípios de Pinhão Guarapuava e Foz do Jordão o Porto do Pinhão no Rio Jordão que Affonso Botelho de Sampaio em 1771 escreveu Descoberta dos Campos de Guarapuava sendo também aí rezada a primeira missa na região A partir de então os Campos de Guarapuava se constituíram como rota alternativa em relação aos Campos Gerais articulandose ao processo mais amplo do tropeirismo no sul do país Também se estabeleceram na região várias fazendas que inicialmente se dedicavam à pecuária e mais recentemente à produção em larga escala de grãos segundo o modelo do agronegócio Posteriormente a presença de ervais nativos levou a que a região se inserisse no ciclo da ervamate e em seguida no ciclo madeireiro através da extração principalmente de pinheiros e imbuias de suas matas até que a atividade fosse ofi cialmente limitada por leis ambientais sendo ambas as 1 Doutora em Antropologia Social pela UnB e professora do Departamento de Antropologia da UFPR Realizando pósdoutorado no PPGASMuseu NacionalUFRJ Autora dos livros A ameaça do outro e Curitiba entra na roda 2 Graduada em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná Cursa atualmente doutorado em Antropologia Social no Museu NacionalUFRJ MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 138 espécies incluídas na lista ofi cial de plantas brasileiras ameaçadas de extinção em 1992 pelo IBAMA No entanto a relação com vários dos ciclos econômicos signifi cativos no processo de expansão e consolidação do povoamento ofi cial no Paraná não resultou em uma modernização e imposição de formas produtivas capitalistas a uma parte do atual município de Pinhão especifi camente a área das matas Parcela signifi cativa do território municipal nos dias de hoje é ocupada por uma população tradicional3 que se constituiu ao longo principalmente dos séculos XIX e XX As quatro sesmarias que iniciaram o processo de regulamentação pública do território segundo Passos 1992 e Camargo sd foram distribuídas nas décadas iniciais do século XIX e abrangiam a região dos campos4 Neste mesmo período ao abordar o processo de cristianização dos índios regionais Pe Francisco das Chagas Lima 1842 conta serem vários os grupos indígenas na região sendo os Votorões5 dentre os índios aldeados aqueles com maior resistência ao processo de catequização e mais ariscos Após o relato de uma série de confl itos faz uma afi rmação que aponta a existência de índios na região de Pinhão e das relações confl ituosas entre estes e os colonizadores No anno de 1823 a horda inteira dos Votorões de 100 individuos mais ou menos se apartou espontaneamente da aldêa para os sertões da parte do Campo do Pinhão á distância de 12 leguas levando comsigo duas famílias dos Cames já baptizados aonde estiveram incommunicaveis até 1827 em o qual voltaram Neste tempo todos os solteiros e casados tomaram novas esposas a torto e a direito continuando na vida irada apezar de não ignorarem as instrucções que havia recebido do Missionario que tanto os havia exhortado As suas occupações eram a dança e a pesca A presença indígena surge assim em relatos ofi ciais sobre a história local como fonte de ameaças ao processo de colonização não somente no que se refere ao atual município de Pinhão mas a toda a área dos Campos de Guarapuava A resistência dos índios regionais à invasão e conquista de seus 3 A ideia de populações tradicionais é complexa e reúne sob si diversidade signifi cativa de grupos sociais Seu uso aqui visa apontar dinâmicas específi cas da população da zona rural de Pinhão que implicam em formas particulares de pensar o mundo e ser no mundo como se explicitará nos capítulos seguintes Acrescentese que o uso da noção não traz consigo uma concepção romântica de tais grupos cuja sociabilidade é confl ituosa e marcada por uma agonística própria Além disso é importante ressaltar a necessidade de reconhecer sua historicidade rompendo com uma perspectiva que tende a perceber a tradição a partir da referência a uma origem interpretando mudanças com relação a esse modelo original sempre como perdas 4 Segundo os mesmos autores com o advento do Império teria havido nova distribuição de sesmarias que passam a ser em número de nove 5 Subgrupo dos Kaingang Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 139 territórios pelos colonizadores brancos com um saldo de ataques e mortes signifi cativo adiou a ocupação ofi cial dos campos em quatro décadas sendo as primeiras expedições do início da década de 1770 e só retornando os colonizadores de forma mais sistemática em 1809 com a expedição de Diogo Pinto de Azevedo Portugal cf Macedo 1995 A ameaça contudo não se desfez e ao abordar a vida dos moradores da Fortaleza Nossa Senhora do Carmo descendentes de um dos primeiros sesmeiros de Pinhão já no século XIX Camargo sd ressalta o risco constante de ataques indígenas seu número signifi cativo e a convivência tensa entre índios e colonizadores Ao mesmo tempo abordando a árvore genealógica dessa família ressalta a presença de sangue indígena em sua composição tanto devido ao estupro de uma fi lha do cacique Guairacá por um colonizador quanto de casamento de outro colonizador com a irmã dela Neste primeiro momento podemse identifi car as áreas de campos como o foco da colonização e as matas como o lugar do domínio indígena Após o período inicial de colonização entretanto os índios passam a ser desconsiderados nos relatos sobre o atual município de Pinhão Teriam sido totalmente expropriados desaparecido do território Os índios que hoje se veem provêm de municípios vizinhos Estratégia importante para tal desaparecimento é a mobilização da categoria de caboclo6 Com esta categoria há um esvaziamento das características socioculturais dos grupos nativos da região e sua diluição em um universo mestiço bastante indefi nido Embora alguns autores como Pocai Filho in Bonamigo et al 2011 identifi quemnos como o resultado da mestiçagem provocada pela violência sexual de homens brancos contra mulheres índias não há clareza com relação ao termo que aparece em vários autores como autoevidente A defi nição de Wachowicz aponta tal imprecisão O caboclo no sudoeste não precisava ser necessariamente descendente do índio Para ser classifi cado como caboclo precisava ter sido apenas criado no sertão ter hábitos e comportamentos de sertanejo 6 Do ponto de vista estatístico esta diluição se dá a partir da categoria pardo e sua indefi nição no contexto nacional ou mesmo da categoria branco pois algumas características indígenas como cabelo liso e pele mais clara permitem a autodefi nição como branco em alguns contextos e circunstâncias Assim segundo o Censo Demográfi co 2010 3848 dos 30208 moradores se defi niam como pardos enquanto apenas 357 como pretos 024 como indígenas e 5667 como brancos A mobilidade local entre a autodefi nição como brancos e como pardos se explicita na comparação dos dados populacionais do município entre 1991 e 2010 Assim segundo o Censo Demográfi co 1991 8191 da população se defi niam como brancos e apenas 1599 como pardos percentuais que se alteram signifi cativamente vinte anos depois sem que tenha havido qualquer movimento migratório signifi cativo para justifi car tal alteração o desmembramento de Reserva do Iguaçu não pode ser visto como causa dessas diferenças pois a população do município desmembrado se declara como menos branca que Pinhão Em outras palavras os habitantes de Pinhão passam a se perceber mais como não brancos ao longo das últimas duas décadas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 140 É como a gente diz foi criado perto do sertão chama de caboclo Porém o caboclo não podia ter pele clara a ele se atribuía uma cor mais ou menos escura 1987b 85 O silêncio em torno da presença indígena bem como sua diluição na categoria de caboclo vinculase a um aspecto importante da história ofi cial de Pinhão a ênfase nas áreas de campos e uma invisibilização das regiões das matas e de seus habitantes Mesmo porque como distrito de Guarapuava até o ano de 1964 Pinhão tem a história de sua colonização vinculada à do município vizinho Durante o século XIX os Campos de Guarapuava consolidaramse como importante ponto de passagem de tropeiros que se utilizavam das fazendas para a invernagem do gado que levavam até Sorocaba SP O tropeirismo foi a atividade mais importante para a economia local até o fi nal daquele século quando entrou em crise A ele se conjugavam as atividades de criação de gado No século XX parte considerável dessas áreas passou a ser utilizada para a produção de grãos permanecendo confi gurada como o espaço das grandes fazendas da elite regional Uma parcela dos campos também foi ocupada por imigrantes alemães que formaram as colônias do distrito guarapuavano de Entre Rios situado entre Guarapuava e Pinhão Em 1951 esses colonos fundaram a Cooperativa Agrária Mista Entre Rios uma das maiores do Paraná que trabalha com o plantio de soja milho e cevada e com outras atividades agroindustriais Em Pinhão atualmente o milho e a soja representam a maior parte da produção realizada nos campos Enquanto essas áreas caracterizaramse por um povoamento mais planejado por sua inserção reconhecida na economia regional e como um espaço de propriedade da elite os territórios de fl orestas passaram por movimentos de colonização menos sistemáticos levados adiante pela conjugação da população nativa com aquela oriunda principalmente de diversos lugares do Paraná e dos estados do sul do país mas também de outras regiões da nação e do exterior Tal população se dispersou entre os faxinais a partir do sistema de terras livres característico da ocupação das matas mistas de araucária que consistia na possibilidade do estabelecimento de controle sobre uma área do território a partir da construção da moradia do estabelecimento de uma frente a partir dela e da participação no criadouro comum com a defi nição simultânea de uma área de lavoura específi ca Em outras palavras até meados do século XX em área signifi cativa do atual município de Pinhão era a posse consolidada através do trabalho o grande legitimador do direito à terra7 Embora não haja registros ofi ciais sobre este processo as histórias que 7 Algumas famílias no entanto possuíam os títulos de suas propriedades Mas por um lado sucessivos processos de herança não registrados com a consequente fragmentação do território aliados à ocupação por membros não pertencentes à família geraram um contingente relevante Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 141 circulam pelo município em especial aquelas vinculadas às genealogias de tradicionais famílias dessas comunidades indicam que os faxinais pinhãoenses tiveram o início do seu povoamento por nãoíndios também no século XIX Podese afi rmar portanto que o povoamento disperso conjugado à baixa densidade demográfi ca fez com que na primeira metade do século XX essas áreas permanecessem como fronteiras abertas a novos habitantes Há famílias que narram histórias de imigrantes europeus isolados que lá chegaram e se casaram com gente da terra Por outro lado além dos sujeitos que vieram dos estados do sul e de outras partes do Paraná em busca de um novo lugar para se estabelecerem há relatos de moradores cujos antepassados são remanescentes de inúmeras guerras tanto específi cas quanto genéricas como por exemplo a Guerra do Contestado ou a Revolução Federalista 18931895 Um caso de destaque é o de uma das famílias mais antigas de uma comunidade local que teria fugido da Guerra do Contestado seguindo de trem até Curitiba e posteriormente de cargueiro até Pinhão Nos relatos dos membros desse grupo de parentes descendentes de pessoas cuja trajetória de participação em guerras iniciase no período de proclamação da República e se prolonga até a Revolução de 1930 as guerras se confundem não sendo compreendidas em suas particularidades Nesse sentido a vinda da família para o município e sua consolidação na área onde até hoje permanecem como posseiros é vinculada a um passado de confl itos e de busca por um território onde pudessem se estabelecer e viver em paz Há ainda vários exemplos de pessoas que possuem objetos vinculados às guerras ocorridas na região entre fi ns do século XIX e início do XX Seus descendentes permanecem com espadas uniformes e outras peças acionadas como memória desses eventos bélicos marcados na memória pelo sofrimento Mas se a dinâmica de povoamento das matas provoca um silêncio da história ofi cial é esta a região do município responsável por uma segunda atividade produtiva vinculada ao contexto mais amplo dos ciclos econômicos paranaenses a extração da ervamate coletada nos ervais nativos pela população os faxinalenses também caracterizados como população cabocla através de método não depredatório8 Atividade que permite aos moradores locais uma importante inserção no mercado exportador do estado mas simultaneamente a manutenção de um estilo de vida próprio tradicional que se baseia também na produção para o autoconsumo de produtos agrícolas de posseiros na região ou seja sujeitos que se estabelecem em terras ainda não aproveitadas quer de proprietários quer do governo e que estão sujeitos à expulsão quando surgem proprietários com títulos verdadeiros ou falsos Queiroz 2009 63 8 Um sistema muito distinto daquele das obrages que conjugava a exploração depredatória de ervamate à de madeira tendo por base grandes empreendimentos e trabalho escravo desenvolvida no oeste paranaense cf Wachowicz 1987a MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 142 e animais Além disso na medida em que a produção é coletada no local por intermediários a ocupação pode se dar mantendo o relativo isolamento dos moradores da zona rural descrito por vários autores como típico da região até meados do século XX cf Passos 1992 Camargo sd A cultura e sociabilidade das matas portanto se desenvolveu de maneira muito diversa daquela das áreas de campos Estas últimas construíramse com sua face voltada para Guarapuava para uma sociedade mais desigual marcada pela presença de uma elite proprietária e produtora e um contingente populacional dependente dessa elite É nesta região que hoje reside parte da comunidade quilombola Paiol de Telha cujas terras foram expropriadas e se encontram sob o controle da Cooperativa Agrária Mista Entre Rios Em que grandes fazendas se conjugam ao agronegócio Já a população das matas organizava sua produção de acordo com o sistema faxinal reunião de compáscuo e atividade extrativista nas fl orestas mistas de araucária com produção agrícola de subsistência em áreas cercadas ou distantes de lavoura Sua religiosidade católica9 é marcada por elementos do catolicismo popular paranaense com a celebração de festas de santo romarias de São Gonçalo mesadas de anjo Uma dessas festas inclusive dedicada ao Divino Espírito Santo seria uma devoção instaurada como agradecimento à possibilidade de fi xação ao território da família proveniente da Guerra do Contestado cuja trajetória foi narrada acima Acrescentese a presença da devoção a São João Maria santo não canônico muito popular por todo o interior do Paraná A crença no monge é expressa na própria geografi a local Espalhadas pela região estão nascentes que são tidas como lugares onde o monge repousava em suas andanças pelo sul do país Acreditase que essas águas são fonte de poderes curativos e de bênçãos e existe o costume de nelas batizar crianças para livrálas de doenças como a tosse comprida Outro ponto geográfi co que homenageia a passagem do monge pelo município é o Cerro da Cruz na localidade de Poço Grande morro onde foi erguida uma cruz e uma estátua em homenagem a São João Maria As pessoas que vivem em torno desses locais sagrados contam histórias sobre a época em que o homem santo passou por eles de modo que suas narrativas constroem visões sobre as difi culdades do passado e as profecias do monge para o tempo presente Há também sujeitos que afi rmam ter conhecido o monge e conversado com ele 9 Embora o número de evangélicos seja relevante no município 1306 da população segundo o Censo Demográfi co 2010 e os espaços urbano e rural sejam também marcados pela presença de inúmeros templos de várias denominações evangélicas a predominância católica é inquestionável totalizando 8525 da população enquanto o Brasil apresenta 6463 de católicos e o Paraná 6960 Acrescentese que enquanto tanto no país quanto no estado o número de católicos caiu em 912 e 700 pontos percentuais respectivamente na última década em Pinhão o percentual de população católica permaneceu praticamente inalterado no período subiu de 8516 para 8525 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 143 Outro aspecto desta sociabilidade é a presença da valentia que muitas vezes se expressa através de atos de violência Neste sentido a distinção entre uma valentia positiva que representa bravura e coragem e outra negativa destruidora não justifi cável segundo a moralidade local não é clara Ambas compõem a imagem do passado que se constrói no presente Uma delas está presente no texto Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava 1842 de Padre Francisco das Chagas Lima Nele o autor escreve que os Campos de Guarapuava se localizavam no interior de um território antigamente chamado Guairá Os primeiros sertanistas que por lá passaram caçaram uma arara e amarraramna pela perna com uma corrente Em seus esforços por libertarse a ave tenta em vão bicar a correntinha para cortála O animal então bica a própria perna até arrancála fora e consegue enfi m voar para longe Foi assim que os viajantes deram ao lugar o nome de Guarapuava que signifi ca ave voadora veloz Lima 1842 43 Disposta a arrancar um pedaço de si mesma em nome de sua liberdade a arara que inspirou o nome da localidade numa espécie de mito fundador traz à tona alguns valores que permeiam os ideais dos sujeitos que então colonizaram a região guarapuavana Também mobilizadas na afi rmação desta valentiaviolência são as memórias de práticas passadas de porte de arma pelos homens tanto armas brancas quanto de fogo E de seu efetivo uso em situações confl ito Motivo pelo qual encontros mais vultosos representavam e ainda representam risco efetivo de integridade física e mesmo vida para os presentes Mas se as ações de agressão física são muitas vezes motivadas por razões consideradas legítimas como desrespeito à honra desafi o vingança em certos casos são interpretadas como abuso de poder tentativa de controle de recursos comuns assaltos maldade Como as enumerações acima indicam o julgamento depende de quem o faz seu lugar de fala e posição em relação aos envolvidos É interessante observar que esta característica e as demais vinculadas às matas marcam o perfi l da sede do município na atualidade apesar de todas as mudanças que teriam ocorrido na vila e no território de Pinhão a partir de meados do século XX Ao escrever suas memórias Passos 1992 relata que no início da década de 1940 a atual cidade de Pinhão contava com apenas 17 casas no entroncamento de duas estradas No entanto possuía duas casas de negócio açougue sapataria selaria igreja onde também funcionava a escola correio Também descreve o movimento da cidade nos dias de festas ou quando havia um grande acontecimento momentos que reuniam bom número de pessoas vindas do interior Mesmo o delegado local autoridade máxima não residia na cidade mas no Faxinal dos Ribeiros Acrescentemse os relatos e fotos dos carroções responsáveis pelas transações comerciais na primeira metade do século XX traziam sal açúcar produtos industrializados e levavam erva mate crina de cavalo peles de animais nativos Esses aspectos indicam a MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 144 presença signifi cativa de população na zona rural frente à pequenez da vila e a importância da produção das matas para o comércio local A realidade de Pinhão se modifi cou substancialmente a partir do fi nal da década de 1940 com a instalação da indústria madeireira na região Principalmente a empresa João José Zattar SA que investiu na construção de serrarias e povoados10 em seu entorno posteriormente suas atividades se diversifi caram com a exploração de ervamate e negociação de lotes de terras Sua atuação teve segundo os habitantes de Pinhão consequências diversas por um lado provocou o crescimento populacional do atual município o aquecimento da economia com a compra de pinheiros que em vários casos se transmutou em compra de terras e a criação de número signifi cativo de empregos em suas serrarias o aumento da população urbana11 por outro intensifi cou processos de expropriação territorial de moradores rurais bem como os confl itos e a violência no campo São inúmeras as memórias da atuação dos jagunços e guardas da madeireira na intimidação dos membros das comunidades tradicionais12 Os agenciamento e acionamento desses homens de armas por sua vez remetem a outros processos de colonização e ocupação de terras no estado de modo que a presença de jagunços e posseiros em diferentes contextos de confl ito fundiário é recorrente na história do Paraná Entre o contexto descrito a Revolta de Porecatu13 entre a década de 1940 e 1951 norte do estado e a Revolta dos Posseiros14 1957 sudoeste paranaense não só é possível localizar esses elementos comuns mas também processos sócio históricos mais amplos referentes a projetos de desenvolvimento no meio rural e à expansão do capitalismo agrário pelo sul do Brasil Assim embora tenha tido seu auge no início da década de 1990 o confl ito em Pinhão participa de uma dinâmica regional mais ampla que diz respeito não só aos avanços das madeireiras pelo estado como também às políticas de ocupação 10 Próximas às serrarias são construídos povoados O principal deles denominado Zattarlândia é descrito por moradores locais como um lugar de pujança na época áurea da madeireira com infraestrutura melhor que a da cidade e um movimento de festas e diversões intenso 11 Embora o crescimento urbano não se deva exclusivamente à atuação da Zattar os números das últimas décadas são expressivos segundo os dados censitários a população urbana em Pinhão cresce de 1569 em 1970 para 3836 em 1980 3047 em 1991 4835 em 2000 e 5071 em 2010 12 Esta é temática central na dissertação de mestrado de Dibe Ayoub 2011 O uso de grupos armados é explicitado ainda na biografi a autorizada de Miguel Zattar embora de maneira indireta O pedaço do mundo entre Guarapuava e Pinhão era um mapa da violência no Paraná Dalmo Pinto Portugal casado com Gilda sobrinha de Osires e que viveu por um bom tempo em Pinhão conta que mandava consertar as armas dos jagunços ou vigias das fazendas dos Zattar Ele lembra que não cobrava nada pela munição pelos consertos das espingardas revólveres Winchester entre outras Monteiro 2008 61 13 Conferir Priori 2000 Silva 2006 Silva 2007 14 Conferir Colnaghi 1984 Wachowicz 1985 Gomes 1986 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 145 e de aproveitamento de terras no Paraná A indústria madeireira também esteve envolvida na emancipação do município de Pinhão desmembrado de Guarapuava em 196415 O primeiro prefeito do município Osíris Roriz era gerente das Indústrias João José Zattar e foi candidato único a partir de acordo estabelecido entre deputados responsáveis pelo processo de emancipação de Pinhão dentre os quais João Mansur político e madeireiro de Irati Este por sua vez foi o autor do projeto de lei pela emancipação do município e segundo Passos tinha interesses por aqui uma vez que era sócio da indústria madeireira denominada Produtora de Madeiras Irati Ltda aqui localizada 1992 50 No entanto após o evento em que tomou posse do cargo Osíris Roriz se retirou para a Zattarlândia onde permaneceu Após noventa dias foi deposto de seu cargo assumido então pelo viceprefeito eleito Juvenal Stefanes A década de 1970 é relembrada como o momento de exacerbação dos confl itos por vários dos moradores rurais relacionado à intimidação da madeireira no sentido do controle do território através da obrigatoriedade de assinatura por aqueles que não possuíam a documentação de suas terras de contratos de arrendamento16 atuação dos jagunços neste sentido e inviabilização das atividades econômicas tradicionais dos grupos Intensifi caramse as ações de funcionários da madeireira no confi sco da produção agrícola e extrativista dos habitantes locais e morte de animais de criação sua presença ostensiva e intimidatória no entorno das moradias e nos casos extremos o incêndio de casas e paióis e as ameaças de morte Também neste momento a empresa passou a vender terras para descendentes de gaúchos do Paraná em geral fi lhos não herdeiros de camponeses que têm uma dinâmica produtiva distinta o que traz difi culdades na convivência principalmente com relação ao sistema de criação de animais soltos Estes contudo também se tornam posseiros pois processos anteriores de hipoteca de terras pela empresa impediram a regularização da venda das terras Os embates com a madeireira se agravaram ao longo dos anos posteriores o que resultou na organização local da AFATRUP Associação das Famílias de Trabalhadores Rurais de Pinhão em 1987 seguida da consolidação do movimento dos posseiros contando com o apoio da Comissão Pastoral da Terra através da ação de párocos locais Nesse contexto a construção e adoção da identidade de posseiro para defi nir uma coletividade que tem em comum o 15 Em 1995 por sua vez o município de Reserva do Iguaçu é desmembrado de Pinhão Passos 1992 participou pessoalmente do processo de desmembramento de Pinhão do município de Guarapuava e em seu livro traz um relato detalhado sobre o mesmo além da transcrição de vários documentos 16 Alguns moradores locais falam em contratos de comodato No entanto a descrição da entrega de parte da produção para os funcionários da empresa muito recorrente na memória leva a pensar que o modelo dos contratos era de arrendamento não de comodato MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 146 fato de se considerar de algum modo lesada pela empresa se vincula a um ideal segundo o qual é a posse da terra que defi ne seus verdadeiros donos e não necessariamente a documentação Posseiro então é um termo que em Pinhão abriga uma série de sujeitos em diferentes situações de confl ito com a madeireira Assim identifi caramse como posseiros sujeitos que viviam na zona rural do município e que foram expropriados de suas terras pelas Indústrias Zattar Também são posseiros sujeitos vindos de fora de Pinhão que compraram terras da madeireira mas não conseguiram obter suas escrituras devido a pendências jurídicas da própria empresa Além destes pessoas que se engajaram em um processo de reocupação das áreas tomadas pela fi rma também se uniram ao Movimento de Posseiros E fi nalmente indivíduos que pertenciam aos quadros da empresa madeireira também se tornaram posseiros quando a Zattar entrou em decadência nos anos 1990 O Movimento chegou a contar com cerca de 800 famílias algo em torno de 3000 indivíduos17 marcados por suas inserções distintas nessa organização social O confl ito e as situações de violência nele engendradas chegaram a tal ponto que a Assembleia Legislativa do Paraná instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito concluída em 1991 para apurar os casos ocorridos no município No ano seguinte a AFATRUP organizou um grande movimento de reocupação das áreas expropriadas realizado por posseiros e fi lhos de posseiros que reconfi gurou o quadro de uso das terras locais tendo como uma de suas consequências a ocupação do território em lotes individuais cercados o que inviabilizou o sistema de compáscuo E em 1994 dada a visibilidade que os confl itos locais adquiriram no estado a Comissão Pastoral da Terra realizou a 9ª Romaria da Terra em Pinhão Nas últimas duas décadas o contexto se tornou ainda mais complexo18 A madeireira enfrenta uma situação de endividamento e difi culdades fi nanceiras que reduziram muito suas atividades no município mas continua movendo processos de reintegração de posse contra os posseiros Suas vilas foram praticamente desativadas como exemplo a principal delas Zattarlândia que possuía 690 moradores segundo o Censo Demográfi co em 1991 teve sua população reduzida para 281 moradores em 2000 e 80 moradores em 2010 Atualmente foi praticamente desativada com desmanche da maior parte de suas casas A empresa tentou negociar um vasto território com o INCRA mas a negociação encontra entraves de difícil solução Por outro lado a mobilização política local se diversifi cou e tornou mais intrincada com a presença de outros grupos políticos de luta pela terra o MST Movimento SemTerra 17 Dados da Associação das Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão 18 Cabe ressaltar aqui outro empreendimento de grande impacto para o município a construção pela COPEL da Usina Hidrelétrica de Foz do Areia e vinculada a ela de Faxinal do Céu No entanto não vamos nos aprofundar nesse processo e em seus impactos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 147 o MPA Movimento dos Pequenos Agricultores e a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses Os vários movimentos têm propostas políticas distintas com relação ao uso e aos processos de regularização do território Acrescentese que a redução de possibilidades de emprego no município aliada à pressão provocada pelo crescimento demográfi co das famílias da zona rural e à inviabilidade de acesso à terra devido aos confl itos fundiários e ao fi m do sistema de terras livres19 provocou a intensifi cação de processos migratórios sendo os destinos mais mencionados ao longo da pesquisa Santa Catarina o centrooeste e norte do país Este contexto estimula uma mudança nas estratégias de atuação do movimento principalmente da AFATRUP que além da luta pela regularização fundiária cria a CooperAFATRUP cooperativa independente da associação mas que carrega no nome a marca de sua origem Segundo seu presidente João Wilson ela é uma estratégia importante para que aqueles que nas décadas anteriores resistiram e permaneceram no território possam ter uma alternativa de renda que garanta a sobrevivência no local sem a necessidade da migração20 A cooperativa apresenta crescimento exponencial tanto no número de associados quanto na quantidade de produtos comercializada ao longo de seus primeiros anos de funcionamento Além disso contribui para visibilizar a produção dos moradores das matas que por estar fora do mercado era muitas vezes desconsiderada ao se falar da produção municipal Esta breve exposição indica em síntese como o estudo da organização social padrões de sociabilidade cultura e memória dos moradores de Pinhão representa a possibilidade de compreensão da complexidade da constituição do perfi l atual do mundo rural paranaense na medida em que permite relacionar 1 ciclos importantes da economia regional tropeirismo ervamate madeira com a articulação de povos tradicionais para responder a eles 2 sistemas de uso comum e familiar da terra com a pressão de empreendimentos em moldes capitalistas 3 processos de violência no campo e mecanismos de resistência e insurgência dos moradores locais 4 confl itos entre povos tradicionais com dinâmicas produtivas distintas faxinalenses x gaúchos 5 diversidade de identidades e estratégias políticas que podem ser mobilizadas pelos grupos tradicionais nos processos de luta pela terra 19 As reocupações promovidas pela AFATRUP no início da década de 1990 e as ocupações recentes do MST vão em sentido contrário a esta tendência pois parte signifi cativa dos ocupantes é de fi lhos de moradores da zona rural local que através desses processos garante seu acesso à terra 20 É importante considerar ainda que é a agricultura familiar a grande responsável pela incorporação da mão de obra ao processo produtivo rural Assim segundo o Censo Agropecuário 2006 das 7758 pessoas ocupadas em estabelecimento agropecuários no município 5850 7541 o faziam em estabelecimentos de agricultura familiar Acrescentese que 7233 9323 tinham relações de parentesco com o responsável pelo estabelecimento Assim a possibilidade de permanência na terra através do escoamento da produção dos pequenos produtores tem um impacto signifi cativo no sentido de fi xação da população rural no território não somente em relação aos responsáveis pelos estabelecimentos mas também a outros membros de sua família MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 148 Referências bibliográfi cas AVÉLALLEMANT Robert 1995 1858 Viagem pelo Paraná Coleção Farol do Saber Curitiba Fundação Cultural BALHANA Altiva MACHADO Brasil 1963 Contribuição ao Estudo da História Agrária do Paraná Boletim da Universidade do Paraná Curitiba Departamento de História BALHANA Altiva MACHADO Brasil et al 1968 Campos Gerais Estruturas agrárias Curitiba UFPRDepartamento de História BALHANA Altiva MACHADO Brasil WESTPHALEN Cecília 1969 História do Paraná vol I Curitiba GRAFIPAR BONAMIGO Carlos A et al org 2011 História Tradições e memórias Francisco Beltrão Jornal de Beltrão CAMARGO José S sd Por Que Nosso Município Chamase Pinhão Pinhão Edição do Autor COLNAGHI Maria Cristina 1984 Colonos e Poder a luta pela terra no sudoeste do Paraná Dissertação de Mestrado em História Universidade Federal do Paraná GOMES Iria Zanoni 2005 1957 A Revolta dos Posseiros Curitiba Criar Edições Legislação Relativa à Flora IBAMA Disponível em httpwwwbiodiversitasorg brfloraBrlegislacaodafloraPDF acessado em 12112012 LANGER Protasio MARQUES Sônia MARSCHNER Walter org 2010 Sudoeste do Paraná Diversidade e ocupação territorial Dourados Ed UFGD LIMA Pe Francisco das Chagas 1842 1809 Memoria sobre o descobrimento e colonia de Guarapuava in Revista Trimensal de Historia e Geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro Tomo IV n 13 p 4364 Rio de Janeiro Typographia de João Ignacio da Silva LUCAS Karin A H 2009 A Formação dos Educadores como Eixo do Desenvolvimento Curricular O Projeto de Educação dos Posseiros do Paraná PEPO Tese de doutorado apresentada ao PPGEPUCSP MACEDO F R Azevedo 1995 Conquista Pacífi ca de Guarapuava Coleção Farol do Saber Curitiba Fundação Cultural MARTINS Romário 1995 Terra e Gente do Paraná Coleção Farol do Saber Curitiba Fundação Cultural MICHAELE Faris et al 1969 História do Paraná vol 3 Curitiba GRAFIPAR MONTEIRO Nilson 2008 Madeira de Lei Uma Crônica da Vida e Obra de Miguel Zattar Curitiba Edição do Autor NASCIMENTO José Francisco T 1886 Viagem feita por José Francisco Thomaz do Nascimento pelos desconhecidos sertões de Guarapuava Provincia do Paraná e relações que teve com os indios coroados mais bravios daquelles lugares Revista Trimensal do Instituto Historico Geographico e Ethnographico do Brazil tomo XLIX 267281 Rio de Janeiro Typographia Lithographia e Encadernação a vapor de Laemmert C Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 149 PASSOS Renato Ferreira 1992 O Pinhão que Eu Conheci Pinhão Edição do autor PIN André E 2011 Moysés Lupion e as Transformações na Cultura Faxinalense em PinhãoPR in BONAMIGO Carlos A et al org História Tradições e memórias Francisco Beltrão Jornal de Beltrão PRIORI Ângelo Aparecido 2000 A Revolta Camponesa de Porecatu A luta pela defesa da terra camponesa e a atuação do Partido Comunista Brasileiro PCB no campo 19421952 Tese de Doutorado UNESP Assis QUEIROZ Maria Isaura Pereira de 2009 1963 Uma categoria rural esquecida In WELCH Clifford A et alli org Camponeses Brasileiros Leituras e Interpretações clássicas São PauloBrasíliaUNESPNEAD RAMOS Rene W 2011 A Resistência Camponesa e a Igreja Católica no Município de PinhãoPR in Anais do V Congresso Internacional de História realizado em Maringá entre 21 e 23 de setembro de 2011 SILVA Joaquim C 2007 Terra Roxa de Sangue A guerra de Porecatu Londrina EDUEL SILVA Osvaldo H 2006 A Foice e a Cruz Comunistas e católicos na história do sindicalismo dos trabalhadores rurais do Paraná Curitiba Rosa de Bassi VILLAÇA Antônio C 1998 Diário de Faxinal do Céu Rio de Janeiro Lacerda Editores WACHOWICZ Ruy C 1987a Obrageros Mensus e Colonos História do Oeste Paranaense Curitiba Vicentina WACHOWICZ Ruy C 1987b Paraná Sudoeste Ocupação e Colonização Curitiba Vicentina 294 151 Capítulo 7 Os posseiros do Pinhão confl itos e resistências frente à indústria madeireira Dibe Ayoub1 O município de Pinhão foi profundamente marcado pela exploração madeireira que fundamental para a economia paranaense ao longo do século XX avançou sobre as fl orestas da região centrosul do estado na década de 1940 As serrarias trouxeram transformações ao território ao meioambiente e à vida das populações faxinalenses do município em questão Junto ao aumento dos lucros madeireiros ao seu regime de expansão territorial e à diversifi cação de suas atividades houve também um processo de expropriação do campesinato local Este era constituído até então por uma maioria de sujeitos cujos vínculos com a terra se davam por meio da posse de terrenos descontínuos tendo em vista as características do sistema faxinal Chang 1988 nessa região do Paraná A exploração madeireira em Pinhão da qual as Indústrias João José Zattar SA foram o grande expoente teve como uma de suas facetas o confl ito de terras entre os empresários interessados nas matas de araucárias e em outras atividades agrárias tais como a pecuária e a extração de ervamate e os moradores que viviam nas áreas visadas por esses empreendedores O confl ito com as Indústrias Zattar se caracteriza pela heterogeneidade de situações de luta e de resistência engendradas dentro dele e por seu avanço ao longo de várias décadas sendo o início dos anos 1990 o seu auge Dentre essas situações destacamse eventos de violência física contra os posseiros faxinalenses ameaças de expropriação queima de residências confi sco da produção agrícola matança de criações acusações de roubo de madeira e de ervamate proibição do desenvolvimento normal das atividades de produção 1 Graduada em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná Cursa atualmente doutorado em Antropologia Social no Museu NacionalUFRJ MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 152 agrícola destruição de cercas e outras provocações e atitudes relembradas pela população que as viveu como desaforos Essas ações ofensivas eram realizadas por homens armados que trabalhavam para a empresa os quais são reconhecidos como guardas ou jagunços Eles formavam uma espécie de corpo de segurança da fi rma e eram responsáveis por grande parcela da aplicação dos projetos de domínio territorial São bastante enfatizados quando os sujeitos rememoram suas experiências ao longo do confl ito com a empresa já que os jagunços eram o braço da rede madeireira mais próximo a eles nas comunidades Tendo em vista essa proximidade e as particularidades da atuação dos jagunços eles são representativos da instituição de diversos modos de confl ito dentro do confl ito mais amplo Ao rememorarem as interações com esses funcionários da indústria os posseiros destacam as diferenças desses homens de armas entre si mesmos as maneiras com que agiam e suas próprias visões sobre a elaboração de estratégias de resistência que passavam inclusive pela avaliação das condutas dos jagunços mais próximos segundo critérios da sociabilidade local A discussão proposta neste artigo resulta de trabalho de campo realizado no contexto do Projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná no ano de 2012 e somase a um processo de pesquisa iniciado em 2009 que resultou na produção de minha dissertação de mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal do Paraná2 O trabalho de campo caracterizouse pela observação da atual confi guração social e dos modos de ser e de viver dos posseiros de distintas comunidades rurais pinhãoenses sobretudo localizadas em áreas de faxinais Por outro lado as narrativas sobre o confl ito tornaramse ponto fundamental de análise já que é a partir delas e da pesquisa bibliográfi ca sobre as madeireiras e outros confl itos agrários no Paraná que a discussão proposta se fundamenta Alguns dados da biografi a de um dos principais administradores das Indústrias João José Zattar SA intitulada Madeira de Lei Uma crônica da vida e obra de Miguel Zattar Monteiro 2008 também foram analisados e contrapostos às narrativas dos posseiros e à bibliografi a estudada O presente texto tem como objetivo compreender algumas estratégias de resistência dos posseiros de Pinhão em suas terras nessa situação de confl ito com uma grande empresa Para tanto propõese primeiro a discutir a presença madeireira em Pinhão levando em conta o modo com que as Indústrias Zattar lá se estabeleceram os principais aspectos sociais e territoriais de seu empreendimento e a abrangência de sua rede de relações a nível local A seguir analisase a construção social da fi gura do jagunço e do guarda ao 2 Ayoub Dibe Salua Madeira sem lei jagunços posseiros e madeireiros em um confl ito fundiário no interior do Paraná Dissertação Mestrado em Antropologia Social Universidade Federal do Paraná UFPR 2011 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 153 longo do confl ito considerando especialmente quem são esses homens de armas e como atuam como suas reputações são construídas pelos posseiros e qual sua posição dentro da estrutura madeireira E por fi m problematizase três diferentes possibilidades de resistência ressaltadas pelos posseiros em suas narrativas e percepções sobre o confl ito fundiário I A exploração madeireira em Pinhão A história do confl ito de terras em Pinhão remete a práticas típicas da indústria madeireira no Paraná e tem como ponto de partida fi ns da década de 1940 período em que se inicia a exploração das matas de araucárias nessa região do estado Quando o empresário João José Zattar iniciou suas atividades naquela localidade Pinhão era distrito de Guarapuava e caracterizavase pela presença de uma pequena vila composta por mais ou menos vinte casas exatamente na linha onde a fl oresta encontra os campos3 Em seus primórdios o empreendimento de Zattar tinha como principal meio de obtenção de matériaprima a compra de pinheiros e de outras madeiras de lei de pessoas que possuíam suas próprias terras fossem essas escrituradas ou não Para realizar essas transações utilizavase de intermediários os quais também viviam no município Eram pessoas que geralmente dispunham de certo prestígio no interior da hierarquia social da localidade como pequenos fazendeiros inspetores de quarteirão4 comerciantes e coletores de impostos Por essa prestação de serviço o intermediário recebia da empresa uma porcentagem do valor da compra de cada árvore Essas negociações eram seladas por contratos de compra e venda onde o dono das terras em que estavam os pinheiros comprometiase a entregálos As árvores selecionadas eram marcadas e o prazo para sua retirada poderia chegar a trinta anos Esse tipo de negociação que tinha por central a compra de árvores era comum no universo madeireiro paranaense que a princípio parecia não ter interesse nas terras em que estavam as araucárias mas somente na madeira em pé Machado 1968 43 Em sua análise das condições de compra e venda de pinheiros pelos madeireiros dos municípios de Tibagi e Imbituva entre 1947 e 1964 Lavalle 1974 135 afi rma que O ponto de partida para compreender essas transações está em que a terra raramente era pretendida pelo comprador O objetivo do 3 Passos Renato Ferreira O Pinhão que eu conheci PinhãoPR Edição do autor 1992 p 15 4 Os inspetores chamados pelos posseiros de delegados eram responsáveis pela fi scalização da ordem nas comunidades rurais resolvendo questões referentes ao respeito das divisas territoriais nos faxinais assim como casos de brigas mortes e roubos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 154 contrato era a aquisição de pinheiros e madeiras de lei pois a terra não possuía valor para os madeireiros após haverem sido extraídas as madeiras No entanto os contratos de compra de árvores envolviam mecanismos de obtenção de direitos sobre as áreas em que estavam os pinhais em espaços de tempo que variavam de dois até trinta anos após a assinatura do contrato Além de ser obrigado a ceder ao comprador o terreno onde estavam as árvores a fi m de que o empreendedor pudesse construir estradas o vendedor de pinheiros sujeitavase à instalação de unidades de produção e de benefi ciamento de madeiras em sua propriedade sem direito a qualquer pagamento referente ao uso dela por esses terceiros Lavalle 1974 137 Se a compra de árvores era uma prática comum entre os estabelecimentos madeireiros no Paraná a biografi a de Miguel Zattar Monteiro 2008 ressalta que enquanto comprava árvores João José Zattar também adquiria terras Ao falecer em 1957 João José deixou um extenso patrimônio fundiário para seus herdeiros Ao longo dos anos seguintes a indústria madeireira chegaria a ser dona de uma porção territorial considerável do município João José ao longo de muitos anos não comprara terras mas árvores Quando faleceu suas árvores cobriam milhares de alqueires parte signifi cativa dos municípios limítrofes a Pinhão Comprava só a madeira em pé com contratos de exploração que iam de trinta a sessenta anos Ao morrer deixou para seus fi lhos um mar de escrituras de compras entre árvores e retalhos imensos de terra Monteiro 2008 58 Se por um lado o interesse dos madeireiros parecia estar somente nas árvores em pé por outro a obtenção de terras revelouse fundamental para o desenvolvimento dessas empresas tendo em vista a construção de estabelecimentos de serragem de toras em meio aos pinhais O trabalho de campo realizado no município de Pinhão indica que a ênfase que os historiadores que se voltaram à questão da exploração fl orestal no Paraná dão ao desinteresse pelas terras oculta na verdade procedimentos de expropriação e de angariamento de territórios se os dados apontam apenas para a confecção de contratos de vendas de árvores na prática o modo com que esses acordos eram acionados e selados envolvia muitas vezes a inviabilização da permanência dos supostos vendedores de madeira em seus terrenos Esse processo por sua vez é destacado nas memórias dos habitantes de Pinhão que de alguma forma tiveram impasses com as Indústrias João José Zattar SA Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 155 Em alguns lugares do município a empresa estabeleceu serrarias ao redor das quais viviam seus trabalhadores dentro do terreno da madeireira O principal desses redutos Zattarlândia era fechado por diversos portões Continha as casas de seus funcionários e administradores igreja escola farmácia bar salão de baile raias para corrida de cavalos e armazéns que comercializavam produtos para a população de operários que ali morava Muitos desses produtos eram oriundos das roças e hortas dos moradores do entorno da Zattarlândia não necessariamente empregados da fi rma Além disso esse reduto possuía uma moeda própria de circulação chamada boró com a qual a madeireira pagava seus funcionários Estes por conseguinte gastavam seus salários dentro dos estabelecimentos comerciais da Zattarlândia Essas características não eram peculiares às Indústrias Zattar mas comuns a outros estabelecimentos madeireiros no Paraná Estes núcleos residenciais com armazéns clubes farmácia etc tudo pertencente à empresa são abastecidos em geral diretamente pelos mercados atacadistas metropolitanos onde a empresa tem a sua sede à inteira revelia do comércio das pequenas cidades regionais A serraria não se integra na vida da região permanece nela como um corpo estranho até o dia em que pelo esgotamento dos recursos fl orestais locais é transferida para um novo sítio levando consigo as realizações complementares Barthelmess apud Machado 1969 44 Situações como esta se aproximam de outras realidades industriais ao redor do mundo e no Brasil como aquelas descritas por Powdermaker 1962 nas minas de cobre na Rodésia Nash 1958 em uma empresa têxtil na Guatemala e Leite Lopes 1978 sobre as usinas de cana de açúcar em Pernambuco Esses estabelecimentos exercem uma espécie de atratividade sobre os funcionários na medida em que propiciam uma série de serviços sociais moradia acesso à saúde e à educação redes de lazer e sociabilidade comércio à população de trabalhadores Constituemse assim em unidades industriais residenciais e administrativas afetando os que nelas vivem em vários sentidos Segundo Leite Lopes 1978 12 ao unir os domínios de trabalho e de residência dos operários esses redutos industriais introduzem o trabalho na esfera doméstica fazendo com que as condições de vida e de moradia do trabalhador sejam defi nidas pela inserção do mesmo no processo de produção da empresa Ademais essa espécie de organização promove uma intersecção entre elementos de dominação burocrática marcados pela impessoalidade e porções de comportamento tradicional tal como nos termos observados por Lopes 1967 em relação ao desenvolvimento de indústrias têxteis na Zona da Mata MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 156 mineira5 As relações de autoridade e de subordinação constróemse a partir de regras administrativas comuns a todos e simultaneamente da prestação de favores e de bens que criam laços de tipo pessoal entre patrões e empregados No caso madeireiro essas prestações de favores e concessões irradiamse especialmente através dos gerentes dos redutos Identifi cados como parte da empresa que nas falas dos posseiros é tratada como o Zattar esses funcionários de maior posição hierárquica tem o sobrenome Zattar adicionado aos seus nomes próprios nas narrativas dos pinhãoenses São portanto reconhecidos como parentes de uma empresa que por sua vez é percebida como uma pessoa representante de uma família Ressaltase que a madeireira dispunha de um amplo quadro de funcionários e gestores em Pinhão e desde a morte de João José foi administrada pelos fi lhos deste e por outros de seus acionistas Destacase também que a família Zattar era oriunda de Curitiba e passava poucos meses do ano em Pinhão A partir da década de 1960 a madeireira começa a adquirir terrenos para além de suas serrarias chegando a escriturar em seu nome algo em torno de trinta mil alqueires de terras6 Esse processo girava em torno da compra de terras de herdeiros e do registro em nome da empresa de imóveis que não estavam juridicamente regularizados por aqueles que neles viviam A ausência de registro de fato era muito comum nesse período já que o principal modo de apropriação do território era a posse e que diversas terras eram de uso coletivo Desse modo à falta de documentação somase outra particularidade local a territorialidade dos habitantes da região praticantes do sistema faxinal Chang 1988 Souza 2010 Em Pinhão o faxinal é concebido como o terreno das matas de araucárias onde praticase o extrativismo de ervamate e de pinhão Até a década de 1970 o faxinal era também o ambiente das terras de uso comum para a criação de gado majoritariamente bovino e suíno à solta É assim que ele se contrapõe às terras de cultura ou de planta localizadas em ambientes de vegetação baixa muitas vezes próximos a rios e a encostas de morros reservados exclusivamente para as lavouras familiares O binômio faxinalterra de cultura também envolvia particularidades residenciais enquanto no faxinal fi cavam as principais residências das famílias nas áreas de lavoura construía se um paiol habitado nos períodos de plantio e de colheita e que servia como repositório da produção agrícola Essa dinâmica territorial particular sofreu diversas modifi cações ao longo dos anos sobretudo no que tange ao 5 LOPES Juarez Brandão Crise do Brasil Arcaico São Paulo Difusão Européia do Livro 1967 6 Se esse número é ofi cialmente aceito no município como o total de terras das Indústrias Zattar há relatos que afi rmam que a madeireira chegou a controlar metade das terras de Pinhão ou seja cerca de 45 mil alqueires de terras Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 157 uso comum dos faxinais e à sazonalidade da residência nos paióis No entanto as distinções ambientais do terreno e as práticas econômicas características da oposição faxinalterra de cultura permanecem vigentes O projeto da madeireira em Pinhão fundamentouse não só na derrubada de árvores mas teve como base toda uma diversifi cação das atividades da empresa Se nas áreas de faxinal ela passou a trabalhar com o extrativismo de ervamate nas terras de cultura soltou cabeças de gado No que diz respeito às pessoas que moravam nessas áreas que havia documentado em seu nome a política da empresa foi estabelecer contratos de arrendamento segundo os quais os sujeitos não poderiam retirar nenhum material vegetal das terras e pagariam um terço da produção em troca do direito de continuarem morando lá Junto a esse movimento madeireiro de obtenção de novas áreas surgem novos tipos de relações entre a fi rma e a população rural local Nesse percurso é organizado um corpo particular de homens armados que deveriam zelar pelo patrimônio da empresa e garantir através da vigilância e do uso de força que os termos da madeireira fossem cumpridos Esses profi ssionais intermediários e parte da estrutura de dominação sócioeconômica da fi rma são conhecidos pelas pessoas que relembram o confl ito como guardas e jagunços II A luta por terras da construção social do jagunço Nas narrativas dos posseiros acerca do confl ito os jagunços emergem como elemento chave na construção das visões sobre a empresa assim como da percepção das transformações que esta gerou ao longo de sua relação com o território e com os moradores de Pinhão Eles também são acionados para se falar da luta e da resistência dos posseiros em suas terras Representam as ações violentas da dominação territorial madeireira através das queimas de casas e expulsões de moradores assassinatos de lavradores ameaças e tocaias Por outro lado nas narrativas individuais um universo de trânsitos e fl uxos entre a empresa e as comunidades aparece como contexto de surgimento e de atuação dos homens armados da indústria Estes são julgados avaliados e classifi cados a partir da posição social do posseiro que rememora o confl ito e do modo com que este percebe suas interações com os jagunços Assim as memórias sobre esses homens de armas trazem consigo a amplitude dos arranjos e laços de sociabilidade engendrados na relação com a empresa Considerando dominação no sentido weberiano do termo ou seja enquanto a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo Weber 2004 33 buscase a seguir discutir como os próprios posseiros concebem os jagunços e a partir deles seu ponto de vista sobre a presença madeireira Ademais tendo em vista a proximidade entre jagunços e MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 158 posseiros e percebendo a presença madeireira como algo que afeta as relações sociais como um todo nesse ambiente7 tratase de compreender esse esquema de dominação a partir das formas de vinculação e da interdependência entre os grupos em confl ito Elias 2000 Além das características sociais de construção da pessoa e das experiências dos jagunços no âmbito do trabalho as memórias dos posseiros trazem aspectos referentes a um nível mais individualizado sobretudo no que se refere à relevância da ocupação para a reputação e para o self desses homens de armas Sendo o trabalho de um sujeito uma das coisas pelas quais ele se julga e é socialmente julgado Hughes 1971 338 fazse necessário compreender como os posseiros percebem as inserções dos jagunços dentro da empresa assim como avaliam as maneiras com que estes desempenham a sua função Tanto quanto os outros operários da madeireira esses homens de armas também possuem seus próprios dramas pessoais e sociais de trabalho construindo relações com aqueles que compartilham o cotidiano com eles O jagunço é caracterizado pelos posseiros como um homem que anda a cavalo armado com revólver e facão portando um chapéu e cuja principal atribuição é fi scalizar as terras adquiridas pela empresa Nos primórdios da expansão da madeireira para além dos territórios de suas serrarias o jagunço cumpria a função de informar os posseiros de que as áreas onde viviam estavam agora sob domínio do Zattar Essa informação entretanto era seguida pela proposta de um contrato de arrendo segundo o qual o posseiro reconhecia viver em terras da madeireira comprometendose a entregar à mesma um terço de sua produção Esses contratos também proibiam esses trabalhadores rurais de retirarem madeira e ervamate dos terrenos Outra de suas características era a imposição de uma série de interdições e de regulações às práticas produtivas costumeiras Os posseiros relatam nesse sentido que uma das principais atividades dos jagunços era liberar ou proibir os dias e períodos do ano em que poderiam lavrar a terra O não cumprimento das regras desses contratos impostos a uma população então marcada por um grande índice de analfabetismo é considerado pelos sujeitos que viveram o confl ito como o principal estopim das ações violentas dos jagunços8 Por outro lado o ato de recusa à assinatura poderia ter como 7 Essa compreensão da agroindústria como algo que infl uencia amplamente as relações dos locais onde se estabelece foi elaborada por Heredia 1988 em seu estudo sobre o processo de estabelecimento e desenvolvimentos das usinas de cana de açúcar em Alagoas entre as décadas de 1950 e 1970 A autora observa como as usinas mobilizam confl itos em torno da estrutura fundiária das benfeitorias e do modo de produção local assim como provocam deslocamentos na própria hierarquia tradicional dos engenhos e nas relações entre os grandes e pequenos produtores 8 O analfabetismo é constantemente destacado pelos posseiros como um dos motivos que levaram tantas pessoas a equivocadamente assinarem os contratos de cujas cláusulas não Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 159 conseqüência o despejo seguido da queima da residência ou a queima sem qualquer chance de recuperação dos bens existentes dentro da moradia Outras situações de recusa de contrato eram seguidas por uma vigilância intensa por parte dos jagunços que impediam o trabalho da terra e ameaçavam de morte os homens das famílias que não haviam deixado os terrenos em que viviam Esses processos de resistência se caracterizavam por momentos de extrema tensão em que era preciso negociar com os jagunços demonstrandolhes um certo respeito e ao mesmo tempo como que convencêlos a partir do diálogo a permitirem a permanência do posseiro na terra Nessas situações nem todos os jagunços atuavam da mesma maneira Se alguns eram valentes brabos outros eram amigos dos posseiros É assim que reputações e trajetórias de relações pessoais encadeiamse nas experiências do confl ito com a madeireira Ao analisar confl itos entre indivíduos e coletividades em localidades marcadas por vinganças de família no interior de Pernambuco Marques 2002 182 afi rma que as reputações são constituídas junto com as interações e ao mesmo tempo em que são negociadas nas relações sociais condicionam os termos das mesmas Essas questões aproximamse do modo com que os jagunços são constituídos e considerados ao longo do confl ito fundiário em Pinhão Quando comentam as histórias dos homens de armas com quem conviveram ou de quem ouviram falar os posseiros lançam mão de um conhecimento comum que foi socialmente construído acerca desses homens ao longo dos anos a partir da circulação de histórias no município Tanto quanto fazem referências a aspectos mais públicos e conhecidos da vida desses funcionários da madeireira os sujeitos apresentam a sua visão particular da pessoa de que falam segundo suas experiências de interação com a mesma ou sua própria visão e avaliação das histórias que ouviram sobre determinado jagunço Através das especifi cidades do ato de lembrar e de contar os jagunços mostramse com várias faces as quais são representativas de contextos de relações particulares a esses homens e revelam a efemeridade de sua condição social Dessa maneira é bastante difícil ouvir falar de um jagunço que segue essa carreira a vida toda A grande maioria deles foi fadada a viver como tal por pouco tempo devido a motivos variados encontro de outra ocupação ida para outros lugares confl ito com o chefe morte em serviço No entanto há casos de sujeitos que se consolidaram como grandes jagunços e como tal puderam atingir posições mais altas na hierarquia desses funcionários chefi andoos e trabalhando para a empresa até poderem se aposentar tinham verdadeiro conhecimento O fato de que mais de 90 da população não sabia ler estimulou o Movimento de Posseiros e a Associação das Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão AFATRUP a organizarem um grande projeto de alfabetização em Pinhão o PEPO Projeto de Educação dos Posseiros do Paraná durante a década de 1990 Acerca desse tema ver Lucas 2009 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 160 Ao serem perguntados sobre quem eram e de onde vieram os jagunços que ganham corpo em suas narrativas dos embates fundiários os posseiros abrem mais uma vez a possibilidade de refl exão sobre as continuidades e novidades de relações que foram forjadas com o estabelecimento da madeireira em Pinhão Alguns desses homens de armas vieram de fora do município e muitos deles foram inicialmente empregados como trabalhadores que exerciam funções relacionadas ao corte de madeiras e a atividades nas serrarias Recebiam após alguns anos de trabalho e segundo as avaliações do gerente da fi rma a proposta de trabalharem na fi scalização das terras da empresa Outros jagunços são relembrados como sujeitos que foram propositalmente trazidos pela própria indústria para ocuparem esses postos São tidos como homens que já possuíam um passado de atuação como capangas em outros latifúndios e confl itos fundiários no Paraná e demais estados da região sul às vezes tendo sido retirados de presídios especialmente para exercer essa função em Pinhão Há também o jagunço que vem de dentro do município Vários desses homens possuíam a reputação de valentes por conta de suas trajetórias em brigas e vinganças familiares no interior do território de Pinhão Existe nesse sentido uma visão de que determinados lugares marcados por essas vinganças eram especialmente férteis para a produção desses homens de armas devido justamente a sociabilidades e tramas entre famílias que passavam por disputas envolvendo mortes e suas subseqüentes retaliações Alguns jagunços de Pinhão sobretudo os mais brabos são tidos como oriundos desses contextos de embates violentos entre grupos de parentes ou mesmo entre indivíduos que por algum motivo entraram em confl ito Através da pesquisa de campo no município tornouse claro que essas disputas violentas podem ser desencadeadas das mais diversas maneiras uma cerca mal colocada a destruição da cerca do vizinho a briga por terras o sumiço de criações um jogo de baralho no bar a embriaguez é considerada uma das grandes impulsoras da valentia uma palavra mal dita numa festa a disputa por uma moça enfi m motivos que são tomados como ofensas pelos sujeitos que se engajam nessas tramas É nesse tipo de situação que se revela um homem valente marcado pela reputação de pessoa que briga com facilidade criando muitos inimigos Muitos deles são tidos como ruins por natureza como se tivessem nascido com a capacidade de fazer mal ao outro Esses justamente são considerados os piores jagunços de dentro de Pinhão Todavia há uma outra categoria de jagunço de dentro que não é tida como valente mas sim como amiga dos posseiros São sujeitos que possuíam alguma relação prévia de parentesco compadrio ou mesmo de amizade com aqueles que deveriam vigiar Essa categoria também é nomeada como guarda termo que é mais utilizado para referirse aos capangas mais próximos dos posseiros e menos ruins Por conseguinte guarda é uma categoria que quando acionada Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 161 para referirse a alguém revela um certo abrandamento da violência e do abuso característico das ações dos jagunços Ademais a preferência por utilizar o nome guarda para referirse a um funcionário com quem se tinha uma relação de compromissos e reciprocidades indica respeito revelando que jagunço é um termo pejorativo e de certo modo um estigma O guarda é caracterizado como o indivíduo que entrava nessa carreira por necessidade e não pelos desígnios de uma natureza má Era o homem que estava naquele ofício pelo salário porque precisava garantir sua própria sobrevivência e a de sua família Ele possui portanto uma maior aceitação entre os posseiros O guarda é reconhecido como aquele que por ser amigo permitia que os sujeitos cujas vidas fi scalizava fi zessem coisas à revelia do contrato São relembrados como pessoas que não só autorizavam mas inclusive não se importavam que as pessoas extraíssem dos terrenos a erva mate e outros materiais vegetais Estabeleciam redes de reciprocidades com os posseiros como a troca de alimentos as visitas e os laços de compadrio Eram considerados homens que não incomodavam mas que exerciam sua função de um modo que não chegava a ofender diretamente os posseiros como era o caso de jagunços que avançavam sobre os terreiros9 das famílias lançando tiros para o alto e praguejando contra as criações ações localmente concebidas como provocações Assim como ocorria com os operários da serraria guardas e jagunços também tinham a esfera doméstica de suas vidas invadida pelo mundo do trabalho de um modo particular à sua categoria Eles viviam com suas próprias famílias em terrenos e casas concedidos pela empresa nas áreas que deviam vigiar Assim diferenciavamse dos moradores da Zattarlândia que não possuíam terras para plantio ou para a criação de gado Integrados no circuito de vizinhança das comunidades rurais esses homens de armas também inseriamse no sistema de produção local e nas redes de trocas de trabalho Há exemplos de posseiros que chegaram a ser empregados por jagunços nos períodos de plantio das lavouras e viceversa Além disso os guardas e jagunços participavam das redes de lazer estabelecidas nas comunidades como as festas bailes e bares Também participavam da igreja e acessavam as mesmas benzedeiras que os posseiros Suas esposas estabeleciam amizades com as esposas dos posseiros assim como seus fi lhos Há por conseguinte diversos casos de matrimônios entre famílias de posseiros e de jagunços cuja condição social era por diversas vezes muito parecida Enquanto moradores da comunidade onde executavam seus ofícios para a madeireira jagunços e guardas ocupavam uma posição particular frente aos 9 Terreiro é o nome que se dá ao espaço imediatamente à frente e ao redor da casa utilizado para o plantio de fl ores e de árvores onde se alimentam as galinhas e fi cam os animais domésticos cães gatos das famílias de posseiros MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 162 funcionários que viviam nas serrarias possuindo inclusive uma maior margem de autonomia e de liberdade Eles não se sujeitavam à vigilância de um gerente da fi rma do mesmo modo que os empregados que trabalhavam no interior do estabelecimento madeireiro Ainda assim recebiam ordens e se podiam permitir que alguns de seus conhecidos tivessem atitudes que contrariavam os contratos de arrendo e ter boas relações com eles isso se dava somente em ocasiões específi cas Na prática grande parte dos posseiros era submetida a uma vigilância contínua de suas atividades ao cerceamento de seu modo de vida e ao sofrimento de ameaças Por fi m outra fi gura de ameaça que permeia as narrativas sobre o confl ito com a madeireira é a do pistoleiro Homem bastante temido o pistoleiro é o matador que vive na sombra que só age com o intuito de matar armando tocaias e seus botes às escondidas Também é o nome empregado para se falar dos jagunços mais perigosos quando se busca enfatizar a ruindade dos mesmos Mas geralmente o pistoleiro trabalha de empreito ou seja é contratado para prestar serviços específi cos Os diferentes modos com que os posseiros caracterizam os homens de armas que trabalharam para a madeireira assim como sua ênfase nas proximidades e distâncias engendradas nas relações com eles indicam que o embate fundiário em Pinhão é marcado pelo constante fazer e refazer de novos vínculos e consequentemente confl itos dentro da confi guração de antagonismos mais ampla Assim se a luta por terras tem dois lados contrários madeireira e posseiros os sujeitos de pesquisa a partir de suas próprias experiências de vida demonstram o quanto as adesões e laços que são costurados ao longo desse processo formam um tecido de muitas tramas que se sobrepõem Suas histórias demonstram que viver o confl ito não é simplesmente tomar um partido mas sim saber lidar com as diversas possibilidades de ação e de tomada de posição existentes e assim poder favorecer a continuidade de sua permanência na terra como será discutido na última sessão desse texto Considerando essas questões é possível compreender outro movimento que esteve presente nesse processo de embate o de posseiros que se tornaram jagunços e o de jagunços que se tornaram posseiros No primeiro caso os sujeitos eram impulsionados pela necessidade de obterem uma melhor renda para suas famílias o que os aproxima da classifi cação de guarda Não eram considerados como perigosos mas muitas vezes são lembrados como pessoas que eram amigas e que até mesmo ajudavam os posseiros adiantandolhes ações que sabiam que a empresa iria levar adiante O segundo caso por sua vez ocorre majoritariamente no início dos anos 1990 período em que a empresa entra em um complicado cenário econômico e em que o Movimento de Posseiros inicia uma política de ocupação e de retomada de áreas da indústria Esse contexto é marcado por um grande Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 163 aumento de processos trabalhistas contra a madeireira e de inseguranças diversas entre seus funcionários Foi assim que vários deles ingressaram na luta dos posseiros contrapondose à política da empresa e participando dessas ocupações a fi m de garantirem para si um pedaço de terra Através desses exemplos de mudanças de posição ao longo do processo de confl ito e das diferentes maneiras com que os posseiros caracterizam e percebem suas relações com jagunços e guardas temse que esse embate é marcado por várias possibilidades de arranjos e de construção de relações São as características da sociabilidade local das interações entre diferentes sujeitos em diferentes posições frente à empresa e do contexto de dominação que defi nem os modos com que os posseiros compreendem e vivem a intervenção madeireira Aqui várias facetas da relação entre autoridade e subordinados aparecem sejam elas referentes a jagunços e à administração da empresa ou à díade jagunços e posseiros Por outro lado essa proximidade e as características mais pessoais da dominação da madeireira tem efeitos notáveis nas relações sociais A ação da empresa na confi guração do município é marcante não só porque modifi ca a estrutura fundiária e o modo de vida dos moradores da região mas também porque é capaz de transformar deslocar abalar certas redes de relações através das novas opções de alianças e laços que engendra ao longo de sua rede de atuação estendida no tempo e no espaço III Modos de resistência dos posseiros Ao longo do processo de consolidação da madeireira em Pinhão os posseiros elaboraram uma série de formas de resistência aos avanços da empresa a fi m de manterem sua autonomia e de permanecerem em suas terras A resistência tal como pretendo discutir a seguir aproximase dos termos de Scott 2002 na medida em que ocorre no cotidiano manifestandose com pouco planejamento evitando confrontações mais diretas com a autoridade e exercendose como uma forma de autoajuda individual Com isso não quero retirar a relevância da resistência política coletivamente organizada pelo Movimento de Posseiros Evidentemente o confl ito de terras foi caracterizado pelo surgimento dessa identidade de luta fundiária e por modos coletivos e institucionalizados de contraposição e enfrentamento da empresa Porém grande parte das narrativas dos posseiros sobre os jagunços e consequentemente sobre as interferências da madeireira na vida dos sujeitos passa justamente por maneiras cotidianas de antagonismo para fi ns de permanência na terra Esses modos de resistência dizem respeito às formas com que os jagunços estavam inseridos na sociabilidade dos posseiros sendo percebidos e julgados a partir dos termos da pequena política do cotidiano a qual diz respeito a MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 164 reputações Bailey 1971 Na medida em que a vida em comunidade é marcada pelo conhecimento que seus membros têm uns dos outros o qual se elabora na vida ordinária e através de circuitos de informações guardas e jagunços também são constituídos e avaliados como parte dessas redes Esses julgamentos defi nem como discutido anteriormente tanto o estatuto que os posseiros dão a esses funcionários da empresa quanto os modos de se portar perante eles e de elaborar projetos de permanência na terra As narrativas sobre o confl ito constroem assim diversas formas de compreender e de lidar com a dominação Ainda que a grande maioria dos posseiros tenha assinado os contratos de arrendo com a empresa sua motivação era fi car na terra Mas uma vez assinado o contrato era preciso lidar com as imposições feitas pelos guardas e jagunços que levavam adiante uma política de inviabilização da vida das populações rurais locais Seus períodos de plantio e de colheita passavam a ser comandados pela empresa e em alguns casos eram impossibilitados porque a fi rma também criava gado em certos terrenos que tomara para si A extração de ervamate atividade fundamental para a economia dessas comunidades também foi proibida Além disso a madeireira inicia entre fi ns dos anos 1970 e início de 1980 a venda de terras para sitiantes de fora do município Impedidos de obter a documentação dos seus terrenos os quais haviam sido previamente penhorados pela empresa esses novos vizinhos tornaramse agentes com os quais os antigos moradores tiveram de negociar divisas e usos do território Muitos deles identifi caramse com a causa dos posseiros já que também se viram prejudicados pela indústria e acabaram por integrar o movimento político contra ela Nesse contexto de transformação da confi guração sócioterritorial das comunidades de faxinais resistência consiste em uma ampla gama de ações Descreverei três exemplos os quais têm como fundamento olhares para a presença madeireira maneiras de se relacionar com essa presença e modos de construção do ser posseiro no interior do confl ito O primeiro exemplo tem a ver com demonstrações de respeito e com uma estratégia de invisibilidade O segundo se constitui na mescla entre a contraposição e a construção de relações com os jagunços e guardas o que permite que o posseiro em questão permaneça em sua terra O terceiro é o enfrentamento direto realizado em situações de fortes ameaças a famílias de posseiros no momento em que o movimento social contrário à madeireira já está constituído Nas narrativas de sujeitos cuja postura sobre o confl ito foi afastarse da possibilidade de embate direto há um ditado que sintetiza a compreensão que possuem de suas ações se você não é visto não é lembrado Essa idéia por sua vez também orienta atitudes perante outras formas de confl ito interpessoal como as brigas em bares e bailes Signifi ca que em caso de enfrentamentos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 165 em espaços públicos é melhor se afastar pois como testemunha ocular do evento o sujeito se envolve diretamente naquela situação Por isso pode ser chamado a depor sobre os fatos vistos ou até mesmo correr o risco de sofrer ameaças e represálias mais severas Num contexto em que os jagunços eram os responsáveis pela afi rmação da autoridade da madeireira perante as comunidades rurais alguns dos posseiros tratavam de demonstrar publicamente o reconhecimento da legitimidade desses homens e da nova ordem fundiária para manteremse livres de possíveis desavenças Um dos casos que refl ete esse tipo de atitude é o do Sr João que assinou o contrato e optou por calarse perante os desaforos dos jagunços Morador de sua terra desde antes da entrada da madeireira naquela região do município ele teve de conviver com as proibições acerca do plantio e do extrativismo atividades que são consideradas pela população rural como trabalho ou seja como aquilo que permite o sustento e a autonomia de suas famílias Paralelamente porém João continuava a trabalhar escondido Por não ter jagunços morando muito perto de sua casa ele não vivia uma vigilância tão intensa do seu cotidiano Mesmo assim realizar atividades interditas era sempre algo muito arriscado Caso fosse pego o posseiro corria o risco de ser levado até a delegacia ou mesmo de ser morto Considerando isso o Sr João permanecia calado todas as vezes em que o jagunço responsável por aquela área tido como um homem terrível entrava em seu terreiro dando tiros para o alto e atropelando as criações Frente a essa atitude considerada uma ofensa injustifi cada João afi rma que tinha de se segurar para não revidar Esse tipo de atuação compreendida pelos posseiros como uma provocação sem aparente motivo realizada justamente para gerar uma reação na parte ofendida e por conseguinte um motivo real para que o jagunço partisse para cima do posseiro aparece em várias das formulações nativas sobre situações de embate no interior dessa confi guração É assim que os posseiros compreendem certas possibilidades de embate dentro do confl ito mais amplo a partir de uma lógica parecida com a dialética dos desafi os e das respostas descrita por Bourdieu 2002 em sua análise sobre a sociedade Cabila Ainda que o confl ito em Pinhão não envolva sujeitos em igual posição social há expectativas acerca de como os jagunços atuariam perante determinadas reações dos posseiros O ditado anteriormente citado então pode simbolizar modos de resistência em que a invisibilidade o não chamar a atenção para si mesmo é o centro da estratégia de permanência na terra Essas expectativas porém são formuladas em um ambiente de imprevisibilidades e de relações ambíguas com esses homens de armas Desse modo os resultados dessas interações não são mecânicos mas muitas vezes produzem resultados inesperados MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 166 Convivendo em silêncio com a presença dos jagunços e com as ofensas recebidas Sr João foi construindo benfeitorias ao redor de sua residência Plantou árvores as quais para ele serviriam posteriormente como emblema do tempo de sua presença naquele lugar Fez seu cadastro para pagar os impostos sobre a terra o que para ele comprova que aquele espaço é seu Além disso quando o Movimento de Posseiros iniciou a organização da retomada de terras apropriadas pela madeireira a região onde João vive foi um dos lugares para os quais os posseiros se deslocaram Com o crescimento da população contrária à empresa organizouse naquela área um projeto mais coletivo de resistência e de enfrentamento Foi assim que ocorreu um evento que fi cou conhecido como a expulsão dos jagunços daquela comunidade quando os camponeses armados conseguiram ferir Carlão um dos mais valentes homens da madeireira Pouco tempo depois ele foi morto pelo jovem fi lho de um homem que havia matado por conta da desobediência frente às ordens referentes aos períodos de plantio e de colheita Outro exemplo de resistência foi narrado pelos fi lhos do Sr Sebastião cuja trajetória pessoal ao longo do confl ito foi construída a partir do convívio com os jagunços que habitavam uma casa muito próxima à sua Nos anos em que teve de conviver com os homens de armas da madeireira a família de Sebastião conta que cerca de trinta jagunços passaram por aquela residência Por ter se recusado a assinar o contrato esse senhor passou por intensas ameaças de expulsão de suas terras onde a madeireira soltou gado impedindoo de plantar sua lavoura livremente Ele então teve de procurar trabalho nas terras de outras pessoas fora do município de Pinhão Sua experiência é particular justamente pela proximidade com os jagunços o que permitiu que ele vivesse tanto grandes desaforos e provocações como que construísse boas relações com alguns dos homens de armas que passaram por sua comunidade Para os fi lhos de Sebastião os desaforos geralmente correspondiam a atitudes de invasão do espaço de seu pai e de limitação de sua autonomia Falam de jagunços que amarravam seus cavalos na cruz de cedro símbolo da religiosidade do posseiro colocada em frente à sua casa Relembram também que esses homens de armas costumavam matar as galinhas de Sebastião dentro de seu próprio terreiro Impediam o posseiro de trabalhar e de alimentar suas criações Frente a isso o senhor mesmo ameaçado tomou atitudes inusitadas A ocorrência mais enfatizada por seus fi lhos diz respeito a um dia em que eles estavam na lavoura ajudando seu pai quando os jagunços chegaram armados intimidandoo para que parasse com suas atividades Frente a isso Sebastião abriu a camisa deixando seu peito à mostra Disselhes que se queriam matá lo que o fi zessem de uma vez mas que enquanto vivesse ele não poderia deixar de sustentar sua família As crianças então abraçaram o pai e chorando clamaram a ele e aos jagunços que parassem com aquilo Segundo elas hoje Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 167 adultas foi sua presença que fez com que os agentes da empresa recuassem impedindo que algo de grave ocorresse com Sebastião As histórias acerca das experiências desse posseiro também invocam uma amizade inesperada entre ele e o anteriormente citado Carlão um dos mais terríveis jagunços que passou por Pinhão cuja reputação de homem ruim reverbera sobre as narrativas a seu respeito No entanto a família de Sebastião conseguiu através de trocas de alimentos e das relações cotidianas com o jagunço e seus familiares construir uma relação de amizade com o mesmo rememorado como alguém que nunca incomodou o posseiro Outro exemplo da postura de Sebastião que sustentou sua resistência na terra remete a um evento em que ele salvou um jagunço cujo pé enroscara no estribo do burro em que estava montado e que estava sendo arrastado pelo animal Essa situação imprevista fez com que o jagunço contraísse uma dívida impagável com o posseiro desistindo de ofender o homem que havia defendido sua vida A compreensão que os fi lhos de Sebastião possuem da luta de seu pai por permanecer no território passa por narrativas que acionam condições de aproximação e de respeitabilidade que sustentam ações e reações por parte dos jagunços Aqui o discurso da família do posseiro se constrói sobre a idéia de que se reagisse às provocações Sebastião seria morto pelos capangas da empresa A lógica dos desafi os e das respostas baseada em expectativas que tem a ver com a avaliação do comportamento dos jagunços e com a atuação madeireira no município é também conjugada a uma certa imprevisibilidade dos laços sociais que se formam através das interações entre esses agentes idealmente antagônicos Não só as atitudes cordiais cotidianas de Sebastião constituem no como senhor de respeito perante alguns dos homens de armas mas também o ato extraordinário de salvar a vida de um deles É assim que dentro de uma situação de vigilância intensa ele consegue permanecer em seu território O terceiro modo de resistência que ganhou corpo nas narrativas dos posseiros diz respeito ao enfrentamento direto relatado sempre como uma experiência limite como ataques que são realizados em situações de iminente expulsão dos posseiros de suas áreas e de temor de uma ação mais violenta por parte dos jagunços Como já ressaltado o confl ito de terras foi marcado por diversas situações de queima de casas uma das quais acarretou inclusive na morte de um bebê Tiroteios realizados no meio da noite com a intenção de assustar ou até mesmo de matar os membros de uma família também são ações rememoradas por diversos posseiros E por fi m há os casos de assassinatos perseguições e ameaças diretas de morte as quais eram publicizadas pelos jagunços nas comunidades Tudo isso contribuía para a instauração de um clima pesado de medo sobretudo entre as famílias mais ameaçadas Várias são as histórias de posseiros que faziam rondas noturnas ao redor de suas casas para vigiar as terras quando sabiam que era possível que os MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 168 jagunços estivessem planejando queimar a residência ou atirar em sua direção Esses temores fundamentavamse em ações anteriores desses agentes da madeireira e em boatos e notícias que circulavam pelas comunidades Nessas vigílias dos posseiros as mulheres também participavam ativamente cuidando dos terrenos para os maridos poderem descansar ou permanecendo em casa com armas em punho Alguns dos enfrentamentos realizados pelos posseiros eram executados por uma rede de vizinhos e parentes e espelhavamse em ações típicas dos próprios jagunços como é o caso das tocaias ataques realizados de surpresa por homens que estavam escondidos no mato Esse tipo de ação ganha corpo na década de 1990 quando o confl ito atinge seu auge e o movimento social em prol da defesa dos territórios dos posseiros é organizado Se bem sucedidas elas acarretavam na retirada dos jagunços de certas áreas do município e no fortalecimento da própria coletividade envolvida em torno desses projetos de resistência Outras ações individuais envolvem o ataque direto a homens da madeireira que já haviam ameaçado ou ofendido determinado sujeito de alguma forma Como exemplo há o caso de Carlão morto por um menino que vinga o pai assassinado pelo jagunço Outra história nesse sentido é a de uma senhora que mata outro dos homens mais terríveis da madeireira após grandes ameaças e ofensas cometidas por ele contra a sua família Esses casos que envolvem combates entre pessoas em posição muito desigual especialmente mulheres e crianças das quais não se espera esse tipo de reação são percebidos sob a ótica de que o mais prevalecido morre pela mão do mais fraco É como se o castigo ideal a esses grandes jagunços de má índole fosse justamente uma morte inesperada vinda das mãos daqueles de que não tinham medo Em suma os exemplos de resistência aqui analisados envolvem estratégias pessoais e pouco planejadas de luta cotidiana que nos casos de João e de Sebastião buscam evitar o confronto direto com os jagunços enquanto que no último caso giram em torno de enfrentamentos em que são agenciados alguns membros de uma mesma comunidade ou que são realizados individualmente A dominação é percebida sobretudo a partir da limitação da autonomia dos posseiros através da inviabilização de seu trabalho sendo regulada a partir do contrato de arrendo e da vigilância dos jagunços Entretanto a partir das distintas experiências vividas pelos posseiros percebese que as ações tomadas por eles nem sempre eram as mesmas mas tinham a ver com suas redes particulares de relações e com as interações que constituíam com os jagunços É assim que as reputações e expectativas de atitudes são consideradas nessas narrativas Ainda que a idéia de uma previsibilidade de comportamentos seja acionada nas narrativas temse que as surpresas e imprevistos são características dessa Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 169 confi guração Ela pode ser vista como um sistema emergente gerado através de novas e ambíguas interações entre sujeitos todos lutando para interpretar as novas circunstâncias e os atos uns dos outros e forjando experimental e constantemente noções e relações provisórias Barth 2000 182 Desse modo o confl ito também envolve a construção de novas possibilidades de relação permitindo que um jagunço muito ruim desenvolva uma amizade com um posseiro como o caso de Sebastião e que jagunços possam ser posteriormente incorporados à luta do movimento social conforme as dívidas que a madeireira contrai com eles Outra das características desses embates é o desenrolar de ações de violência que não fazem parte da gramática local das brigas em bares e bailes como os incêndios as tocaias e a desigualdade dos sujeitos em disputa Entram em jogo portanto novas possibilidades de ação e consequentemente de considerações a serem feitas sobre certas atitudes as quais ultrapassam uma lógica conhecida nos termos da sociabilidade local de procedimento de ofensas e contraofensas IV Considerações fi nais de resistências cotidianas ao movimento social Ao longo da década de 1980 a infl uência e presença de padres ligados à Comissão Pastoral da Terra CPT em Pinhão trouxe novas perspectivas de organização dos posseiros por seus direitos territoriais Com o apoio dos religiosos em 1987 é fundada a Associação das Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão AFATRUP relembrada pelos sujeitos envolvidos no confl ito com a madeireira como o primeiro passo na construção de um movimento de luta pela terra A Associação buscou realizar reuniões nas comunidades rurais e estabelecer vínculos e contatos com partidos políticos e advogados a fi m de buscar novos caminhos de resolução dos impasses fundiários Em 1991 ofi cializouse o Movimento de Posseiros com o apoio da CPT do Frei Domingos Hellmann da Central Única dos Trabalhadores CUT e da Fundação Rureco A AFATRUP chegou a ter oitocentas famílias cadastradas mantendo atualmente cerca de seiscentas Em 1992 o Movimento de Posseiros inicia a reocupação de áreas da madeireira Esse é um momento bastante tenso para os posseiros relembrado como muito perigoso devido ao aumento das perseguições ameaças e assassinatos Além dos seus tradicionais capangas a empresa organiza uma equipe de seguranças armados e uniformizados que faziam rondas em veículos automotores e fi scalizavam as atividades dos membros dos movimentos sociais Além das reocupações realizadas por posseiros e seus descendentes esse contexto também é marcado por desequilíbrios na administração nas relações MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 170 entre os sócios e nas fi nanças da indústria proliferandose suas dívidas Em 1994 o parque fabril que a empresa possuía em Guarapuava é fechado e a madeireira passa a concentrarse em Pinhão Nessa época são acionados cerca de quinhentos processos trabalhistas contra a Zattar Monteiro 2008 163 A partir desse período o Movimento de Posseiros e a AFATRUP passam a envolverse com instâncias jurídicas e governamentais com o objetivo de resolver os impasses sobre as terras Investem em processos de usucapião barrados por processos de reintegração de posse feitos pela empresa e na demarcação de lotes individuais para as famílias em confl ito com a madeireira tendo como horizonte processos de regularização fundiária nos moldes da reforma agrária Ainda nos anos 1990 conseguem regularizar a área conhecida como Quinhão 1G no Faxinal do Ribeiros onde vivem oitenta e sete famílias Desde 2006 as Indústrias Zattar e os posseiros buscam resolver as questões de terras através do INCRA com o qual a empresa vem desde então tentando negociar a venda de 21 mil hectares de terras em Pinhão Em dezembro de 2012 porém a situação ainda não havia sido solucionada Naquele mês ocorreu uma audiência pública no município onde o órgão federal propôs aos interessados o processo de desapropriação por interesse social que deverá ser levado adiante Enquanto isso os posseiros que resistiram à expropriação permanecem em seus territórios atualmente divididos em lotes individuais sem terem os documentos das terras Se a situação está mais calma já que não há mais jagunços e nem o peso dos contratos sobre suas costas os posseiros convivem agora com a angústia de não terem os títulos de suas propriedades À angústia somase o medo sempre presente de que a própria empresa ou outro agente de fora possa colocálos novamente numa situação de riscos e limitações como a que viveram por tantos anos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 171 Referências bibliográfi cas AYOUB Dibe Salua Madeira sem lei jagunços posseiros e madeireiros em um confl ito fundiário no interior do Paraná Dissertação Mestrado em Antropologia Social Universidade Federal do Paraná UFPR 2011 BAILEY FG Gifts and Poison In Gifts and Poison Oxford Basil Blackwell 1971 pp125 BARTH Fredrik Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades In O guru o iniciador e outras variações antropológicas Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 167186 BOURDIEU Pierre Esboço de uma teoria da prática Precedido de três estudos de etnologia Cabila Oeiras Celta 2002 1972 CHANG Man Yu Sistema Faxinal Uma forma de organização camponesa em desagregação no Centrosul do Paraná Londrina IAPAR 1988 ELIAS Norbert SCOTSON John L Os estabelecidos e os outsiders sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 HEREDIA Beatriz Formas de Dominação e Espaço Social São Paulo Marco Zero 1989 HUGUES Everett The sociological eye selected papers Chicago AldineAtherton 1971 LAVALLE Aida Mansani A madeira na economia paranaense Dissertação Mestrado em História Universidade Federal do Paraná UFPR 1974 LEITE LOPES José Sérgio O Vapor do Diabo o trabalho dos operários do açúcar Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 LOPES Juarez Brandão Crise do Brasil Arcaico São Paulo DifusãoEuropéia do Livro 1967 LUCAS Karin Adriane Hugo A formação dos educadores como eixo do desenvolvimento curricular o Projeto de Educação dos Posseiros do Paraná PEPO Tese Doutorado em Educação Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP 2009 LUZ Cirlei Francisca Carneiro A madeira na economia de Ponta Grossa e Guarapuava 19151974 Dissertação Mestrado em História Universidade Federal do Paraná UFPR 1980 MACHADO Brasil Pinheiro Formação Histórica In BALHANA Altiva Pilatti et alli org Campos Gerais Estruturas Agrárias Curitiba Edição do Departamento de História da Faculdade de Filosofi a da Universidade Federal do Paraná 1968 MARQUES Ana Cláudia Intrigas e Questões Rio de Janeiro Relume Dumará 2002 MONTEIRO Nilson Madeira de Lei Uma crônica da vida e obra de Miguel Zattar Curitiba Edição do autor 2008 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 172 NASH Manning Machine age maya The industrialization of a Guatemalan community The American Anthropological Association Memoir n 87 1958 PASSOS Renato Ferreira O Pinhão que eu conheci PinhãoPR Edição do autor 1992 POWDERMAKER Hortense Copper town changing Africa The human situation on the Rhodesian Copperbelt New York Harper Colophon Books Harper Row Publishers 1962 SCOTT James C Formas Cotidianas da Resistência Camponesa In Raízes vol 21 nº01 Campina Grande janjun 2002 p 1031 SOUZA Roberto Martins de Mapeamento Social dos Faxinais no Paraná In ALMEIDA Alfredo Wagner B SOUZA Roberto M de 2009 Terra de Faxinais Manaus UEA 2009 Na luta pela terra nascemos faxinalenses uma reinterpretação do campo intelectual de debates sobre os faxinais Tese Doutorado em Sociologia Universidade Federal do Paraná UFPR 2010 WEBER Max Economia e Sociedade fundamentos da sociologia compreensiva vol1 Brasília Editora Universidade de Brasília 2004 173 Capítulo 8 Memórias de um mundo rústico narrativas e silêncios sobre o passado em PinhãoPR Liliana Porto1 A proposta deste capítulo é elaborar uma refl exão em torno de como os moradores de PinhãoPR principalmente aqueles residentes nas áreas de matas constroem suas memórias sobre o passado local Pretende discutir quais as temáticas mais recorrentes em seus discursos bem como os períodos selecionados para elaborar narrativas sobre sua história Para tanto tem como base de sua análise três tipos de materiais distintos 1 quatro textos escritos por moradores do município sobre sua história tendo sido dois deles publicados O Pinhão que eu conheci de Renato Passos sd2 e Por que nosso município chamase Pinhão de José Silvério de Camargo sd3 e os outros dois Faxinal dos Ribeiros elaborado pela equipe da Escola Rural Municipal Norberto Serápio e a Agenda de João Oliverto de Campos vindo a público pela primeira vez neste livro 2 141 redações de alunos do 6º ao 8º ano da Escola Estadual Rural Izaltino Bastos produzidas em atividade da disciplina de História em outubro de 20124 3 entrevista realizada com 1 Doutora em Antropologia pela UnB e professora do Departamento de Antropologia da UFPR Realizando pósdoutorado no PPGASMuseu Nacional Autora dos livros A ameaça do outro e Curitiba entra na roda 2 A primeira versão do livro foi publicada em 1992 em edição do autor e se encontra disponível na Biblioteca Pública do Paraná apenas para consulta A segunda versão não foi publicada Agradeço a Eliana Rocha Passos fi lha do autor que fez a gentileza de me enviar sua versão digital via internet 3 Este livro foi publicado postumamente pela neta do autor Neusa Maria Amaral Camargo Almeida que também contribuiu com pesquisas suplementares e com a coautoria do texto Foi através dela que conseguimos ter acesso a um exemplar Embora não conste a data de publicação o então prefeito era Osvaldo Lupepsa que esteve no cargo entre 1997 e 2004 4 Agradeço à Profa Alecxandra Portella e ao diretor da E E Izaltino Bastos Prof Vandir Orzechowski não somente pela possibilidade de desenvolver esta atividade mas também pelo apoio dado à pesquisa de forma mais ampla E através deles a toda a equipe das Escolas Rurais Norberto Serápio e Izaltino Bastos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 174 D Joana5 antiga moradora da zona rural de Pinhão e hoje residente em área periférica da cidade É importante ressaltar que a interpretação que se propõe do material analisado signifi cativamente diverso não busca preencher lacunas de uma história ofi cial do município ou dar voz aos excluídos do discurso ofi cial ou ainda tentar descobrir a verdade oculta sobre os confl itos fundiários que marcaram e ainda marcam o cotidiano de Pinhão Tendo por base as refl exões de Pollak 1989 1992 e Portelli 1981 1991 1996 2010 compreende que os discursos sobre o passado apontam a maneira como no presente se lida com este passado Neste sentido silêncios deslocamentos imprecisões a opção por determinadas temáticas e ênfases narrativas são muitas vezes mais signifi cativos que um discurso que coincide com registros documentais e que comprova sua precisão frente aos fatos A representação do passado em outras palavras é necessariamente uma seleção de aspectos e eventos de outro tempo para a construção de uma perspectiva tanto do tempo antigo quanto do atual Além disso a ausência de alguns temas aspectos ou períodos nas narrativas sobre o passado não apontam sua irrelevância ao contrário podem mesmo indicar a força da memória e uma avaliação das consequências dos relatos no presente e no futuro Silêncio não é sinônimo de esquecimento embora também possa ser e é o conhecimento do contexto de vida dos narradores bem como de enunciação das narrativas que permite interpretar tanto o dito quanto o não dito A análise seguinte portanto permite perceber como a população local não somente refl ete sobre seu passado mas a partir de suas narrativas e silêncios constrói possibilidades de presente e de futuro Com efeito os raros trabalhos acadêmicos sobre Pinhão referemse às últimas décadas de sua história com destaque para a presença da madeireira João José Zattar SA na região os confl itos a ela vinculados e projetos de resistência e organização dos moradores locais para se defender do processo de expropriação e expulsão do território cf Ayoub 2010 Pin 2011 Gonçalver sd Lucas 2009 Francesconi sd Já os relatos locais tendem a enfatizar período mais remoto caracterizado pela rusticidade mas também pela autonomia apresentando relativo silêncio em torno das últimas décadas e dos confl itos e eventos vividos como humilhações que marcaram o cotidiano dos moradores locais As histórias familiares por sua vez ocupam lugar de destaque no conjunto de narrativas analisadas e a várias delas se vinculam relatos de guerras tanto específi cas quanto indefi nidas em geral como pano de fundo da trajetória de um ancestral remoto antes de sua chegada a Pinhão A compreensão das estratégias de 5 Devido às tensões relativas aos temas tratados na entrevista optouse pela adoção de um nome fi ctício para a entrevistada Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 175 referência ao passado traz para a discussão ainda a presença da valentia violência6 tanto nos relatos sobre a história local quanto no cotidiano e indica as difi culdades presentes nos processos de negociação de confl itos Evidencia se assim que o silenciamento sobre o passado recente não é o resultado de seu esquecimento Ao contrário parte de uma avaliação das consequências da memória na manutenção de tensões graves e em sua possível perpetuação no futuro7 Principalmente na medida em que os sujeitos envolvidos em tais processos ou seus descendentes convivem em espaços comuns no dia a dia Assim para compreender os processos de construção dos discursos sobre o passado é necessário ter em mente alguns aspectos básicos da dinâmica social local ontem e hoje Não com a pretensão de contrastar uma objetividade academicamente construída à subjetividade dos narradores mas apenas de fornecer um quadro de referência também este construído através de seleção e a partir de pesquisa de campo e das próprias narrativas para que as diferentes valorizações de aspectos do passado adquiram sentidos próprios e as interpretações se tornem mais fundamentadas Embora esta empreitada tenha sido enfrentada em capítulo anterior retomarei a seguir pontos que me parecem essenciais A compreensão do contexto de Pinhão na atualidade precisa levar em conta uma divisão básica das áreas do município entre os campos e as matas Tal divisão se estabelece a partir das características ambientais do território que defi niram por sua vez processos diferenciados de povoamento atividades produtivas diversifi cadas e a formação de contextos socioculturais particulares Além disso ela estabelece proximidades específi cas com outras áreas do estado assim a região de campos do município se vincula tanto histórica quanto atualmente a Guarapuava estando inclusive voltada em termos de 6 A avaliação do caráter positivo ou negativo de situações de enfrentamento de perigos e demonstração de força não é simples e os dois termos o primeiro apontando uma positividade e o segundo uma condenação moral são signifi cativamente próximos 7 Uma notícia publicada no Jornal Fatos do Iguaçu em 05042013 exemplifi ca como a memória de um passado confl ituoso pode ter consequências graves no local Segundo o jornal Homem que matou pinhãoense com cinco tiros e o degolou está preso Em janeiro dentro de um bar da avenida Trifon Hanysz principal avenida de Pinhão Rosemar de Jesus Pereira de 25 anos assassinou com cinco tiros o antigo desafeto Claudinei Martins Depois levou o corpo para a calçada do estabelecimento e com uma faca fez um profundo corte no pescoço da vítima Ainda em janeiro ele se apresentou à delegacia disse que o motivo seria uma vingança planejada há muito tempo Ele disse que o Claudinei teria atirado no seu abdômen há mais ou menos cinco anos Ele não se esqueceu e fi cou com essa amargura até agora O autor confessou o crime em detalhes afi rmou o delegado da Polícia Civil Luiz Alberto Vicente de Castro O autor afi rmou ainda que tinha perdido a arma do crime durante a fuga Como não foi caracterizado o fl agrante o homicida aguardava a decisão da Justiça em liberdade Mesmo assim o delegado pediu a prisão preventiva e desde o dia 26 de março ele se encontra preso na Delegacia de Pinhão à disposição do Poder Judiciário disponível em http wwwjornalfatoscombrmodulesnewsarticlephpstoryid3573 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 176 contatos e transações comerciais para o município vizinho já a das matas tem um processo de povoamento e uma sociabilidade que remetem ao sudoeste do Paraná inclusive no que se refere às principais atividades econômicas e aos confl itos territoriais e ambientais delas decorrentes Acrescentese que apesar de haver um discurso de que a região dos campos é a grande representante do progresso local com suas fazendas e atualmente o agronegócio através de grandes cooperativas de produção de grãos o perfi l da sede do município é muito mais marcado pela presença da população da sociabilidade e inclusive das tensões e confl itos característicos da região das matas Pensando nesta divisão e em suas consequências cabe ressaltar que o povoamento ofi cial do território ocorreu a partir da ocupação colonizadora dos Campos de Pinhão que compõem o conjunto dos Campos de Guarapuava Devido às atividades do tropeirismo e à criação de gado bovino equino e muar foi este o foco das expedições dos séculos XVIII e XIX dentre as quais se destaca a de Diogo Pinto de Azevedo Portugal responsável por uma fi xação mais efetiva de colonizadores no lugar Ao povoamento ofi cial acompanhou ainda a ação dos representantes da igreja católica que instauraram a catequização dos povos indígenas como um dos objetivos da expansão do domínio portuguêsnacional Bem como a formalização do direito à terra para um grupo específi co dos colonizadores que se tornam sesmeiros a partir de ato da administração central da colônia e posteriormente do império Da perspectiva desse grupo então a área das matas será simultaneamente um local de atração do gentio a fi m de que se converta ao catolicismo e também que possa servir de mão de obra para o projeto colonizador e principalmente um espaço de perigos tanto sociais quanto naturais pois que local de feras selvagens mas também dos indígenas cujo ataque às fazendas e povoados instaurados pelos colonizadores representa um risco constante Já a área das matas que compreende não somente as fl orestas mistas de araucária mas também os espaços de matos menos densos e região das beiras dos rios denominadas localmente capoeiras possui muito menos registros da formação de sua população e não se inclui na história ofi cial até meados do século XX Isto porque o adensamento populacional aqui se deu de maneira muito menos sistemática e controlada pelo Estado na medida em que se baseava na ocupação pela posse de parcelas de terras livres Embora a ausência de registros implique em uma precisão menor é possível levantar alguns aspectos que a caracterizam uma população formada por descendentes dos indígenas regionais normalmente não nomeados mas que podem ser identifi cados com aqueles ditos do lugar mesmo em contextos com profundidade temporal de mais de um século descendentes dos colonizadores dos campos e migrantes nacionais e internacionais que chegaram a Pinhão Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 177 através de trajetórias muito diversas Organizavamse produtivamente segundo a lógica do sistema faxinal o estabelecimento de grandes áreas abertas no interior das fl orestas de araucária em que construíam suas moradias criavam animais de grande e pequeno porte e faziam extração de madeira pinhão ervamate e outros produtos e áreas de lavouras familiarmente controladas e separadas do criadouro comum por cercas acidentes naturais ou signifi cativa distância das áreas de residência criação e extrativismo Nestas áreas em geral eram construídos paióis para o armazenamento da produção agrícola abrigo dos trabalhadores e em alguns casos moradia durante alguns períodos do ano de intensifi cação do trabalho na roça Nas matas as madeireiras concentraram a partir da década de 1950 suas atividades Com destaque para a madeireira João José Zattar SA que durante um período chegou a tentar controlar mais da metade do atual território do município de Pinhão Esta segundo a biografi a autorizada de um de seus donos iniciou suas atividades comprando as árvores que lhe interessavam principalmente pinheiros Da compra eram lavradas escrituras assinadas pelos proprietários dos terrenos em que elas se encontravam Na memória há registros de compras em que os donos pensando assinar a escritura das árvores teriam assinado documentos de venda de suas terras sendo expulsos das mesmas Posteriormente as posses passaram a ser ameaçadas quando a empresa iniciou um processo de reivindicação de propriedade de terras há muito ocupadas mas cuja ocupação não era formalizada tendo em vista ter ocorrido no sistema de terras livres a que se fez referência A madeireira implantou uma grande estrutura no município a fi m de realizar suas atividades extrativas com a edifi cação de vilas em torno de suas principais serrarias uma delas com o nome de Zattarlândia Nesta última uma formação de cidade igreja escola comércio descrito por moradores locais como mais consolidado que o do povoado de Pinhão transporte um conjunto signifi cativo de casas organizadas segundo a hierarquia de seus ocupantes quase 600 habitantes no início da década de 1990 segundo Censo Demográfi co Suas chegada e saída eram controladas por cancelas ao longo da estrada Também criou uma moeda própria aceita no comércio das vilas com a qual pagava parte do salário de seus funcionários E ainda um corpo de funcionários armados ofi ciais e não ofi ciais os guardas e os jagunços responsável por impor as normas da empresa controlar as atividades dos moradores das regiões em ela que atuava e em vários contextos tentar expulsálos de suas terras Embora inicialmente voltada para a extração de madeira a empresa personifi cada no vocabulário local por ser tratada como o Zattar decide expandir suas atividades após um período passando também a explorar a ervamate e a comercializar terras Para tanto instaura um sistema de controle MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 178 e expropriação que segundo Hamilton José da Silva líder faxinalense local pode ser sintetizado no tripé jagunço contrato e cerca Consiste em linhas gerais na afi rmação de propriedade sobre vastas áreas territoriais controladas há décadas pela população local embora sem documentação ofi cial através da inviabilização dos modos de produção tradicionais a não ser que os ocupantes assinassem contratos de arrendamento com um representante da madeireira Este em geral armado e caracterizado como jagunço pelos moradores locais conseguia a assinatura dos contratos através da força Caso houvesse recusa em tal assinatura o resultado da produção do morador era confi scado seja agrícola ou de extrativismo Criações eram mortas ou machucadas Em caso de enfrentamentos maiores a vida dos moradores era colocada em risco casas e paióis incendiados Acrescentese a esse sistema o fi m das terras livres e o surgimento das cercas que representaram o término dos espaços coletivamente explorados e administrados A tal quadro se conjugou a venda de terrenos para fazendeiros e pequenos proprietários vindos de fora No caso de fazendeiros a venda foi normalmente marcada pela intensifi cação dos confl itos no sentido de expulsar os moradores tradicionais de suas terras Já no dos pequenos proprietários muitos deles não herdeiros de famílias de camponeses do oeste do estado descendentes de gaúchos as terras vendidas estavam previamente hipotecadas pela empresa trazendo a impossibilidade de ter acesso ao documento das terras apesar da compra A chegada dos vindouros estabeleceu por um lado nova tensão com os moradores locais devido às diferentes concepções de produção dos dois grupos o primeiro tendo como base de seu sistema a agricultura e a criação fechada e o segundo a lavoura protegida e a criação aberta de animais Gerou também uma nova categoria de posseiros não mais aqueles que não possuíam documentos de propriedade por terem ocupado o território no sistema de terras livres mas também aqueles que embora comprando suas terras não tiveram acesso aos documentos devido às irregularidades no processo de venda As tensões se intensifi caram a partir da década de 1970 com a organização da Associação das Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão na década de 1980 e a consolidação do Movimento dos Posseiros de Pinhão na década de 1990 Para tanto a atuação da igreja católica através de seus representantes na cidade foi fundamental Bem como a abertura política do Brasil O movimento por sua vez iniciou no princípio da década de 1990 um processo de reocupação de áreas cujos moradores haviam sido expulsos pela ação da madeireira Os confl itos se tornaram mais violentos o que provocou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa do Paraná a fi m de apurar a violência em Pinhão e levou a que a Romaria da Terra fosse realizada em 1994 na cidade Já a madeireira moveu uma série de Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 179 processos de reintegração de posse contra os ocupantes vários deles ainda em andamento com a ameaça constante aos moradores de precisarem a qualquer momento sair do território onde vivem O movimento de posseiros como resposta buscou apoio em outros movimentos nacionalmente constituídos que se instalaram no município o Movimento Sem Terra MST e o Movimento dos Pequenos Agricultores MPA Além disso já no século XXI Pinhão se torna um dos primeiros articuladores do movimento faxinalense organizado através da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses e que dá origem à Rede Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais O contato entre os representantes dos vários movimentos e os projetos políticos de cada um deles compõem um quadro complexo Um último aspecto relevante a AFATRUP nos últimos anos tem suas atividades reduzidas e dá origem à CooperAFATRUP cooperativa que comercializa os produtos dos moradores da região das matas e que teve crescimento exponencial desde sua fundação Por outro lado nas últimas décadas a madeireira vive um período de decadência e desativação local A Zattarlândia que já se encontrava esvaziada e parcialmente em ruínas há alguns anos em 2012 foi praticamente desmontada Suas casas de madeira foram ou entregues para funcionários como parte do acerto fi nal ou vendidas para terceiros O escritório em escombros permite ver uma enorme quantidade de papéis em decomposição sujeitos à ação do tempo A maioria dos funcionários foi demitida as atividades reduzidas a um mínimo o grupo armado que a empresa mantinha parou de atuar e os processos de interferência direta na vida dos moradores locais praticamente cessou Permanecem as ameaças de reintegração de posse e a tentativa do movimento dos posseiros de que o INCRA adquira os territórios ocupados e formalize o direito dos moradores locais a eles E um aspecto importante várias famílias anteriormente ligadas à Zattar continuam vivendo na cidade em atividades e relações diversas com os demais moradores colegas de trabalho alunos das mesmas turmas vizinhos professores comerciantes etc Mas a região das matas é marcada por outra atividade relevante e que afeta o perfi l do município a construção da Usina Hidrelétrica de Foz do Areia pela COPEL inaugurada em 1980 e a maior do Paraná ainda hoje 2013 Esta também provocou expulsão de população tradicional de suas áreas de origem e a inundação de vários hectares de terra Por outro lado fez com que parte dos habitantes do município empregados nas obras passasse a ter uma inserção no mercado de construção de hidrelétricas deslocandose pelo país em trabalhos do gênero E levou à construção de Faxinal do Céu uma vila bem estruturada que no governo Jaime Lerner a partir de um convênio com a COPEL se tornou o local de funcionamento da Universidade do Professor responsável por cursos de capacitação de professores da rede pública estadual de ensino de cursos para indígenas do Paraná e de outras atividades de formação Embora MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 180 muito conhecida no estado principalmente pelos profi ssionais da educação a Universidade do Professor não fez com que se soubesse mais sobre o município de Pinhão ou que houvesse uma maior interação entre os frequentadores de Faxinal do Céu e os habitantes locais Foi fechada no início do mandato Beto Richa em 2011 com consequências danosas signifi cativas principalmente para proprietários comerciais e funcionários locais que trabalhavam para as empresas prestadoras de serviços para a Secretaria de Educação do Paraná Já os impactos mais amplos das hidrelétricas não foram bem explorados pela equipe do projeto Memórias dos Povos do Campo O esboço acima embora simplifi cado permite perceber a complexidade do contexto de Pinhão oferecendo um quadro a partir do qual orientar as interpretações do material que será analisado a seguir Aponta dinâmicas que resultam em mudanças expressivas ao longo do último século com agentes diversifi cados e confl itos múltiplos e de alto grau de intensidade O investimento de moradores locais no sentido de narrar sua história permite ver a complexidade sob outra perspectiva da agência dos sujeitos na construção de seu passado a partir de seu presente e de sua projeção de futuro construção esta que por sua vez é também um elemento chave na elaboração do presente e do futuro A análise a seguir propõe trazer para o leitor um pouco desse processo tendo por base a consideração de relatos múltiplos e variados sobre o Pinhão de outros tempos 1 O que se escreve sobre o próprio passado Pinhão conta entre seus moradores com autores que se dedicaram a escrever sobre a história do município bem como sobre suas memórias e refl exões acerca do passado e do presente Ao longo dos quatro anos de pesquisa do projeto Memórias dos Povos do Campo foi possível entrar em contato com algumas destas produções Duas delas Por que nosso município chamase Pinhão de José Silvério de Camargo e O Pinhão que eu conheci de Renato Passos publicadas em edições locais e acessíveis através das famílias dos autores Uma terceira coletivamente produzida pela equipe da Escola Rural Municipal Norberto Serápio disponível em cópia de versão datilografada na secretaria da Escola Rural Estadual Izaltino Bastos E ainda a Agenda de João Oliverto de Campos manuscrita de posse do autor e que é um texto em constante elaboração As duas últimas obras com o reconhecimento de que a Agenda é uma versão não concluída são levadas a público pela primeira vez neste livro Acrescentese terem sido todas elas elaboradas ou fi nalizadas nas últimas duas décadas Este conjunto de textos é um material de refl exão bastante rico Os autores não somente têm perfi s muito distintos mas também se colocam objetivos diversos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 181 e apresentam posturas e recortes diferenciados Embora não tenha sido possível avaliar seus impactos no contexto mais amplo seus escritores são reconhecidos como referências importantes no município e foi este reconhecimento que nos levou a alguns deles Pensar portanto nas temáticas presentes em cada obra na forma em que se estruturam e como abordam questões relevantes ajuda a compreender a maneira de registrar o passado dos autores locais Por que nosso município chamase Pinhão José Silvério de Camargo Nascido em 1911 em SantAna Pinhão pertencente à família de dois dos primeiros sesmeiros da região José Silvério de Camargo foi fotógrafo e professor primário estadual Neste livro fi nalizado e preparado para edição por sua neta Neusa Maria Amaral Camargo de Almeida traz um misto de pesquisa e conhecimento por sua própria trajetória complementado por inúmeras imagens a que sua profi ssão de fotógrafo permitiu ter acesso e produzir Já na Introdução o autor assim apresenta seu texto No seguimento das notas deste livro meu objetivo é fazer um levantamento histórico do passado de nosso torrão bendito de nossa gente tanto dos parentes como daqueles que imigraram para cá atraídos pela fertilidade do solo de nossa querida terra Irei à medida do possível sujeitarme a um merecido sacrifício mental e intelectual para produzir uma redação histórica de forma a provar o PORQUÊ DO NOSSO MUNICÍPIO CHAMARSE PINHÃO e também a difi culdade que nossos predecessores enfrentaram para conseguirem apropriarse dos campos faxinais e densas matas daquela época sd 8 A fi m de realizar seu projeto o autor faz uma retomada histórica que vai desde o descobrimento das Américas até a chegada em terras pertencentes ao atual município de Pinhão dos primeiros colonizadores o que segundo ele teria acontecido já desde o século XVII com a Bandeira de Raposo Tavares Mas é a partir da segunda metade do século seguinte que se inicia efetivamente o povoamento reconhecido dos Campos de Guarapuava através segundo Camargo dos Campos de Pinhão É portanto a partir da presença ofi cial dos colonizadores nas áreas de campos principalmente após a caravana de Diogo Pinto de Azevedo Portugal no início do século XIX que se pode contar a história do município Esta tem como momento fundamental a distribuição das primeiras quatro sesmarias ainda no período colonial e a fi xação do marco MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 182 régio defi nidor do ponto de divisa comum às sesmarias A identifi cação dos donatários e de sua descendência bem como da árvore genealógica das famílias que contam8 para a história municipal ocupa parte signifi cativa do livro o intervalo entre as páginas 48 e 130 de um total de 159 páginas é dedicado exclusivamente a isto mas a nomeação de moradores é o eixo de toda a obra É também o período do estabelecimento das sesmarias nas áreas de campos de Pinhão que fornece o nome ao município nome de um dos primeiros quatro imóveis distribuídos pela coroa embora o autor reconheça a presença signifi cativa de pinheiros e de seus frutos no local na região das matas O fi nal do sec XIX passa a ser o momento a partir do qual o autor inicia um relato mais detalhado sobre o local São citadas como datas relevantes 1892 em que se implanta o Distrito Judiciário de Pinhão e Reserva e 1893 quando toma posse o primeiro tabelião do cartório do distrito Neste período a precariedade de infraestrutura se destaca como a grande característica ausência de estradas de comércio farmácia necessidade de grandes viagens para adquirir bens de consumo básicos como sal açúcar e tecido Até que no início do sec XX surge a casa de comércio daqueles que seriam os doadores do terreno para a construção da cidade Em 1909 surgiu aqui a 1ª casa de comércio Casa de Comércio Luís Dellê Filho Sr Luís Dellê ao chegar aqui comprou uma área de terras e iniciou o ramo de comércio onde havia o boteco do Job que por ter assassinado cruelmente seu padrasto teve de deixar o lugar indo embora para um lugar ignorado Mais tarde quando Francisco Dellê estava administrando o comércio doou uma área de terras para a construção da cidade 40 O trecho acima transcrito é signifi cativo em termos das informações que traz frente àquelas que omite Assim embora faça referência a um comércio prévio um boteco de alguém a que se refere pelo primeiro nome Job é com a chegada dos Dellê que são tratados por nome e sobrenome que surge a 1ª casa de comércio Além disso há uma referência ao assassinato do padrasto sem maiores detalhes9 Por outro lado não há também um silenciamento sobre 8 O uso do termo remete ao debate realizado por Comerford 2003 em que o autor analisando um contexto em Minas Gerais mostra como nas histórias locais há famílias que contam e outras que não contam 9 Em um contexto de conversa com um morador local a história é narrada em detalhes Job teria ido até a fazenda de seu padrinho para roubálo Matouo e feriu gravemente sua madrinha que morreu pouco tempo depois Não viu contudo que uma menina criada pelo casal havia se escondido debaixo da cama Ela não apenas reconheceu a voz do agressor mas também foi em busca de socorro logo que Job abandonou o local Socorro que chegou a tempo de ouvir a Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 183 o crime que aparece mas não esclarecido e que não é um crime comum afi nal apresentado como assassinato de um padrasto Assim embora não explorada a violência se manifesta presente já nos primeiros momentos de constituição do povoado em seu mito de origem A narrativa continua com o relato da chegada de um enfermeiro Trifon Hanycz e um professor Pedro Antônio de Carvalho e das condições precárias de trabalho de ambos o primeiro atendendo em sua casa o outro ministrando aulas em um ranchinho de pauapique coberto de folhas de palmeira depois na igrejinha também de pauapique As difi culdades de transporte e infraestrutura continuam sendo destacadas neste período que segundo Camargo é ainda fase de colonização Os nomes dos imigrantes ilustres do período permanecem o grande eixo do livro A década de 1940 recebe maior destaque e aparece através da reconstrução da igreja do Divino Espírito Santo com madeiras doadas por João Mansur10 e vinda do 1º pároco local da aquisição do primeiro prédio para a construção da escola do início das atividades do autor como professor da presença de representante do distrito na Câmara de Guarapuava da produção da ervamate e da chegada das madeireiras Estes dois últimos itens são assim abordados Foi ainda nessa década que as Indústrias Madeireiras chegaram em Pinhão Na época isso podia ser visto como progresso e hoje não mais As madeireiras foram responsáveis pelo desmatamento incontrolado a extinção da araucária que até então era abundante e também a desapropriação ilícita dos verdadeiros donos da terra o que faz com que até hoje Pinhão seja notícia nacional e até internacional com os confl itos de terras A ervamate nativa por essas datas era comercializada pelos seus donos que extraía e secava nos barbaquás e vendiam pela medida de arrouba 15 kg para Marechal Mallet O transporte era feito por cargueiros ou seja as tropas A ervamate tinha um grande valor comercial confi rmação da mulher agonizante de que teria sido seu afi lhado o responsável pelo ocorrido A violência e crueldade do ataque motivaram então a reunião de inúmeros homens armados com a disposição de linchar Job pelo que havia feito Tomando conhecimento dos riscos que corria ele se dirigiu a Guarapuava para se entregar à polícia tentando evitar sua morte Antes porém teria dado as chaves de seu comércio para Luís Dellê que afi rmou não ter como pagálo Ele retruca que no futuro voltaria para receber o que nunca ocorreu A família Dellê se torna a partir de então uma das grandes potências comerciais locais Posteriormente Camargo aborda um pouco mais este episódio no livro ao falar de duas netas de Silvério Antônio de Oliveira Leopoldina e Joaquina sobre as quais não possui informações Escreve No entanto ao ser narrado o trágico assassinato de Antônio Laurindo praticado por seu fi lho adotivo Job Fernandes de Azevedo descrevia que a mulher de Antônio Laurindo havia fi cado louca ao presenciar o acontecido Narrava também que essa mulher era fi lha de João Damasceno de Oliveira a qual presumese que fosse a de nome Leopoldina ou Joaquina 68 10 O grupo Mansur segundo Passos sd foi um dos primeiros a instalar serrarias na região MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 184 Novamente neste trecho silêncios e indícios importantes para se compreender a relação dos moradores de Pinhão com seu passado A chegada das madeireiras que mudam o perfi l do município em vários aspectos econômico demográfi co político social ambiental bem como provocam confl itos que fazem Pinhão ser notícia nacional e até internacional é referenciada apenas em seu primeiro momento Não há ao longo do texto qualquer análise da atuação e dos impactos provocados pelas madeireiras Acrescentese que se o autor fala dos verdadeiros donos da terra não esclarece quem seriam eles o que ocorreu suas lutas e processos de resistência à expropriação Além disso as madeireiras são abordadas de maneira genérica não havendo referência específi ca à João José Zattar SA que durante um período se afi rmou proprietária de parte signifi cativa das terras do atual município de Pinhão11 e foié um dos grandes eixos dos confl itos fundiários no município Silêncio que como se explicitará ao longo do texto marca boa parte dos relatos de moradores locais sobre o passado À referência às madeireiras se segue a afi rmação da importância da extração da ervamate Atividade realizada nas áreas de matas do município especifi camente nos faxinais exatamente pela população que entrará em confl ito com a Zattar No entanto existe uma invisibilidade desta população ao longo de todo o texto o povoamento ocorre pelos campos são as famílias aí fi xadas e os imigrantes que vêm para a sede do município as grandes referências das famílias que contam os confl itos vividos pelos moradores das regiões das matas dos faxinais não fazem parte da história Haverá apenas ao fi nal do livro a nomeação dos faxinais com a identifi cação de alguns dos primeiros habitantes ou dos motivos dos nomes locais adotados As décadas seguintes de 1950 a 1990 são descritas por sua vez a partir de acontecimentos mais pontuais a fundação da Paróquia do Divino Espírito Santo 1953 a emancipação política do município 1964 a criação de três distritos 1965 a abertura da primeira agência bancária 1972 o início da construção da hidrelétrica na junção do Rio DAreia com o Rio Iguaçu 1975 a referência à inauguração posterior da hidrelétrica Segredo também no Rio Iguaçu Com relação às hidrelétricas novamente se destaca a postura crítica do autor embora sem desenvolver em maiores detalhes sua perspectiva É assim que afi rma É o progresso que chegou mas junto a ele chegou a destruição Para construir essas hidrelétricas quantos alqueires fi caram submersos sem que para nada mais servem Além disso quantos seres humanos e animais foram desapropriados de suas habitações e ainda árvores 11 Passos sd afi rma que eles chegaram a ter mais de 43000 alqueires de terras em Pinhão o que corresponde a mais de 50 da área atual do município Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 185 e outras espécies de vegetais que lá entregaram suas vidas sem nem gritarem por socorro 47 Novamente questões signifi cativas aparecem de maneira indireta os confl itos sociais provocados pelo progresso as expropriações a destruição ambiental No entanto como no trecho sobre as madeireiras os indícios não se transformam em narrativas mais detalhadas sobre os processos Assim embora haja uma referência específi ca no penúltimo parágrafo do capítulo a questões políticas podese pensar que ele é bastante ilustrativo da maneira como se constroem os discursos e os silêncios Para concluir este capítulo de memórias sobre o Pinhão gostaria de dizer que assim como o Pinhão tem histórias bonitas como estas que até aqui escrevi tem também histórias que envergonham seus munícipes Foram momentos marcados por pessoas que deixaram nosso Município em verdadeiro descaso 47 A um pinhãoense orgulhoso de suas origens com signifi cativa atuação como fotógrafo e professor estudioso da história do município e que se inclui entre aqueles que amam esse torrão não é adequado escrever sobre tudo O silêncio das histórias que envergonham não é sinônimo de esquecimento mas de respeito e admiração pela terra natal Por outro lado há uma temática que merece toda atenção as histórias familiares Histórias que têm como ponto de partida as primeiras fazendas instaladas nos campos a partir do imóvel Pinhão de Silvério Antônio de Oliveira e da sesmaria de Gerônimo José de Caldas Concentramse nas árvores genealógicas que representam a descendência dos principais colonizadores A elas se vinculam também alguns registros da estrutura fundiária e o destaque de atividades políticas e econômicas de pessoas específi cas Com relação aos cônjuges que não fazem parte das famílias pouca informação com exceção da origem europeia de alguns como Francisco Dellê suíço ou Carlos Stouth Junior inglês a caracterização como escravo livre de Francisco Nunes e principalmente a descendência na família de Gerônimo José de Caldas de duas irmãs indígenas fi lhas do cacique Guairacá Uma delas Ana Balaia abusada por Francisco Ferreira Caldas quando cedida para trabalhar como criada e cujo fi lho Procópio Ferreira Caldas se torna genitor de família numerosa descrita por Camargo inclusive da avó do autor A segunda Ana Anhanguê casada ofi cialmente com o primeiro fi lho de Gerônimo Salvador da Silveira Caldas e com descendência também relevante entre os quais o avô de Camargo Em ambos os casos contudo uma relação desigual entre homens brancos colonizadores e mulheres índias que se explicita pela ameaça dos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 186 índios à Fortaleza quando sabem que Anhanguê a índia casada lá se encontra o que ocorre logo após o nascimento de um fi lho seu Com efeito a partir da referência às duas índias ancestrais a temática da relação com os índios e dos confl itos dela decorrentes passam a aparecer no texto pela narração de eventos tanto relatados por mais velhos quanto presentes na literatura O risco era uma constante para aqueles que viviam na área da fazenda de Salvador Silveira Caldas a Casa de Pedras pois levavam uma vida atribulada rodeada de insegurança e da expectativa dos ataques dos índios 133 Ou seja uma relação confl ituosa descrita a partir da perspectiva dos colonizadores Não por acaso é a experiência de sertanista de Salvador que tendo uma relação ao mesmo tempo próxima e tensa com os índios permite que o contato entre os grupos não implique na destruição dos colonizadores Conhece a língua é casado com uma índia mas também mantém uma postura de desconfi ança e distância segura E quando necessário afi rma seu poder como se explicita no seguinte relato Quando meu avô Manoel da Silveira Caldas fi lho de Salvador tinha apenas 5 dias de vida um grande número de índios atacou a Casa de Pedras por saber que a Anhanguê estava ali Salvador e Chico Paulista saíram cada um com uma espingarda na mão Salvador sabia o idioma dos índios e então começou a darlhes conselhos benignos Dialogando com o Cacique exigiu que fi zesse os índios sentaremse em fi la num barranco da estrada que ia para o capão Assim o que estava mais próximo deveria fi car bem afastado da casa Só que os índios usaram de uma artimanha o último que estava na fi la fi cava em pé e vinha sentarse mais perto da casa e assim foram se revezando Isso acontecia enquanto os moradores da casa negociavam com o Cacique Para não dar problema à mãe as outras mulheres fecharam a porta da Fortaleza Então os homens estavam em situação desesperadora Mas para alívio deles os índios pediram pêssego Salvador lhes ordenou que subissem nos pés de pêssego e comessem à vontade Quando havia muitos em cima do pessegueiro e mais alguns por ali o cacique pediu que queria ver dar um tiro com aquela arma Imediatamente Salvador fez pontaria na cabeça de uma tronqueira e atirou em seguida A tronqueira esfaixouse voando lascas para todos os lados Foi a salvação Todos os índios até os que estavam no pessegueiro caíram por terra e continuaram muito assustados Só assim se renderam e pediram paz 134135 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 187 Os embates entre colonizadores e indígenas e a afi rmação de poder dos primeiros não são uma dinâmica apenas local mas também regional É assim que ao falar de Guarapuava no dia da independência do Brasil o autor relata como esta coincide com a morte de uma menina índia de apenas três anos logo após ser batizada É sepultada pelo Pe Chagas que ao amanhecer se regozijava pelo sucesso de sua empreitada catequizadora mas também temia um ataque indígena que poderia provocar a destruição completa de tudo aquilo que ali estava o fracasso da conquista 144 Ao sepultamento comparecem todos os moradores do povoado não devido à vítima mas à celebração do padre Nas palavras do autor O corpinho de Maria foi como pedra fundamental assentada nesse dia memorável do templo que se elevou mais trade em homenagem à Virgem de Belém Padroeira da Diocese de Guarapuava Depois que o Pe Chagas fi zera o sepultamento da bugrinha Maria no largo destinado à construção da Igreja da Freguesia a mãe da citada bugrinha morta vinha diariamente até a lagoa próxima da aldeia para ali chorar copiosamente a morte da fi lha Essa lagoa existe até hoje é muito bem zelada e pavimentada e tem o nome de Lagoa das Lágrimas 145146 As duas histórias acima narradas são muito signifi cativas Elas reconhecem a importância regional e local da presença indígena e o processo de colonização como tenso e impositivo Casarse com Anhanguê não signifi ca estabelecer relações amistosas o ataque dos índios indica como a concebem como prisioneira Além disso é possível se aproximar conversar mesmo dar conselhos mas o sucesso da empreitada ocorre a partir da demonstração da superioridade de força bélica E é sobre o corpo de uma menina índia que se constrói o templo católico12 de Guarapuava que na perspectiva do padre é sinônimo da conquista Conquista que não é aceita de forma tranquila pois o risco de ataques indígenas paira no ar e a mãe da criança continua chorando todos os dias na Lagoa das Lágrimas muito bem zelada e pavimentada até a atualidade a sua morte Acrescentese que o marido de Anhanguê é o possuidor da primeira imagem católica das terras de Pinhão SantAna a ele doada por sua mãe pouco antes de sua morte Esta imagem tinha o poder de proteger as mulheres moradoras da Casa de Pedras quando sozinhas dos ataques indígenas Posteriormente 12 É interessante observar que a presença de crianças mortas surge também em Água Morna comunidade quilombola situada no norte pioneiro do Paraná como elemento de sacralização do território cf Porto et al 2009 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 188 o fi lho de Salvador constrói uma igreja em homenagem à santa O catolicismo é ressaltese outro aspecto relevante das narrativas fi nais do livro quando o passado mais remoto é retomado podendo ser o presente no entanto lido a partir dessas histórias distantes Mas não apenas o catolicismo ofi cial colonizador O autor também destaca a presença local de João Maria de Agostinho conhecido em todo o interior do Paraná como São João Maria santo não canônico e profeta muito relevante na religiosidade popular regional13 Nesta parte há ainda um último aspecto destacado pelo autor que ajuda a delinear perspectivas recorrentes dos habitantes de Pinhão sobre sua própria terra a questão da valentia dos habitantes locais e regionais É assim que ao abordar o nome dado a Guarapuava retoma texto escrito por Pe Chagas em 1809 Neste o pároco relata terem sertanistas em momento anterior prendido uma arara pelo pé e esta a fi m de se libertar e incapaz de romper a corrente cortado sua própria perna A denominação local seria assim a conjunção dos termos Guará e Puava pássaro pequeno e ave brava que não é rasteira mas voadora veloz 14014 Ou ainda a partir de Romário Martins a conjugação de termos signifi cando ruídos de cães selvagens ou na versão de Daniel Cleve lobo bravo E a característica de braveza não se restringe à natureza mas também se aplica aos habitantes locais A valentia que se refl ete nas relações cotidianas é ilustrada em um aventureiro que marcou época tanto na história do Pinhão como de Guarapuava do Paraná e porque não dizer do Brasil 146 De nome Ferreirão segundo contam tal aventureiro era tão forte que conseguia desatolar uma vaca de um lamaçal puxandoa pelo rabo Além disso teria uma vez saído com um amigo à procura de onças e quando balearam um espécime Ferreirão teria dado uma surra de rabo de tatu no bicho agonizante Ao narrarem o ocorrido para a mulher do amigo de Ferreirão esta retrucou não haver nenhuma vantagem no feito pois o bicho já estava morto Ferreirão saiu então no dia seguinte acompanhado apenas de cachorros e voltou com um tigre morto que jogou aos pés da mulher afi rmando têlo matado apenas a rabo de tatu Alguns homens analisaram o corpo do animal e não encontraram ferimento de faca ou arma de fogo E embora aventureiro o valente deixa suas marcas no município Ferreirão possui vários descendentes em Pinhão A riqueza e quantidade de informações presentes no livro de José Silvério de Camargo fazem com que qualquer tentativa de esgotálo como ocorrerá também com relação aos demais textos analisados seja infrutífera No entanto é possível perceber como a história de Pinhão contada por ele é perpassada por 13 Há produção acadêmica relevante sobre São João Maria Sugiro como fonte de referências Porto et al 2012 14 Curiosamente no texto do padre não há qualquer referência ao caráter bravo da ave mas apenas a sua condição de voadora e veloz cf Lima 1852 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 189 seleções de temáticas de nomes de épocas e silêncios O passado próximo desaparece do texto dinâmicas de confl ito são muito mais indicadas que exploradas e o reconhecimento da existência de histórias que envergonham faz com que certos caminhos narrativos sejam privilegiados enquanto outros evitados Mas podese pensar em que medida os relatos ao fi nal do livro centrados no período colonizador também falam de processos do tempo da redação do texto a imposição de um modelo dominador a resistência dos expropriados os confl itos e o uso da força das armas Também é interessante observar que várias das estratégias e escolhas feitas por Camargo são mobilizadas por outros narradores seja no discurso escrito ou oral como se explicitará a seguir O Pinhão que eu conheci Renato Ferreira Passos Também descendente das famílias de Silvério Antônio de Oliveira e Gerônimo José de Caldas cf Camargo sd Renato Ferreira Passos nasceu em 1934 em Pinhão Atuou como Agente Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná principalmente no município natal tendo se aposentado em 1983 Em 1992 publicou a primeira edição do livro O Pinhão que eu conheci Posteriormente preparou uma segunda edição ampliada infelizmente ainda não publicada a que tivemos acesso em versão digital A análise a seguir se refere a esse texto digitalizado A proposta de Passos é elaborar um registro de suas memórias que possa fornecer ao leitor pensado como os conterrâneos das gerações mais novas informações interessantes sobre a história local tendo como foco a Vila de Pinhão principalmente a partir da década de 1940 período de sua infância O livro assim na segunda edição é dividido em três partes 1 episódios vividos e rememorados pelo próprio autor 2 episódios narrados por testemunhas 3 divulgação de aspectos relevantes da história ofi cial local já publicados Não há afi rma o autor preocupação com a cronologia mas com o interesse e a possibilidade de uma leitura agradável Além disso as duas primeiras partes são o corpo do livro mais signifi cativas que a última acrescentada nessa segunda edição É curioso observar que a narrativa dos episódios interessantes de seu passado se inicia com uma temática recorrente nas trajetórias de família locais principalmente dos moradores das áreas de faxinais a guerra No entanto aqui não como uma guerra genérica e que caracteriza o passado dos ancestrais antes de sua chegada a Pinhão15 mas como algo distante 15 Esta perspectiva da guerra fi ca bem clara nos textos dos alunos da E E Izaltino Bastos como será abordado no próximo item MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 190 ameaçador incompreensível e que mesmo assim afetou signifi cativamente a vida dos moradores locais Estes sofreram pela carestia foram privados de bens de necessidade como sal e açúcar E ainda alguns jovens do local foram convocados para servir Em seu primeiro relato Passos fala do relativo isolamento da vila que recebe notícias a cada quinze dias através dos jornais e revistas trazidos por um estafeta Notícias aguardadas principalmente ao longo da Segunda Guerra Mundial Há uma sensação de risco iminente inclusive de invasão do Brasil vinculada a um desconhecimento das questões políticas e geográfi cas da guerra Na narrativa observase como à comicidade do fato se alia uma caracterização de Pinhão marcada pela rusticidade Naquele tempo automóvel era raridade por aqui De vez em quando surgia um Ford pé de bode lá na estrada que vinha de Guarapuava fazendo a festa da piazada todos correndo atrás dele Naquela tarde porém a monotonia foi quebrada pois de repente um ruído forte de motores começou a ser ouvido vindo do lado do poente Não demorou muito e apareceu na curva do corredor do Dellê uma frota de caminhões todos cobertos com lona Foram chegando e pararam um ao lado do outro na campina em frente à Igreja Eram cinco caminhões ao todo que logo foram despejando uma gente esquisita O homem trajando roupas diferentes das que estava acostumado a ver As mulheres com vestidos compridos e cores berrantes Alguém mencionou que eram os alemães Foi um Deus nos acuda Todos trataram de fugir o mais depressa possível Os que moravam na Vila correram paras suas casas e os sitiantes montaram seus cavalos cutucando as ilhargas dos pobres animais com as esporas e surrando dos dois lados com o rebenque fugiram em disparada Na escola que funcionava na Igreja o susto não foi menor A professora desesperada pedia ajuda em uma das janelas Meu pai e um carpinteiro chamado Pedro Candinho que estava trabalhando na reforma da nossa casa correram para lá a fi m de prestar auxílio às crianças pois algumas delas começaram a desmaiar Sendo necessário levar algumas delas às costas até suas casas Os ocupantes dos caminhões foram logo erguendo barracas na campina e nessa altura suas mulheres já andavam batendo de porta em porta oferecendo suas mercadorias que eram na maioria tachos de cobre de sua própria fabricação no fundo dos quais batiam com pedaço de ferro à guisa de propaganda Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 191 Passado o susto logo se viu que não era o temível Exército de Hitler mas inofensivos ciganos 56 A aparente temível ameaça contudo não é tão inofensiva assim os ciganos importunam os moradores locais extorquem alguns mais ingênuos perturbam o sossego da Vila com brigas até que assim como vieram vão embora Deixaram apenas os vestígios e muito lixo no local 7 É após esta narrativa que Passos descreve a vila no seu tempo de criança um povoado com apenas dezessete casas de madeira a maioria coberta de tábuas lascadas de pinheiro duas estradas margeadas pelas casas duas casas de negócios sapataria açougue selaria correio a cada quinze dias igreja em que também funciona a escola e cerca de oitenta moradores Um local tranquilo marcado pelo silêncio canto dos pássaros cercado por pinheirais E também pela amizade entre seus moradores pois naquele tempo não havia política 8 Um bosque nos fundos de sua casa onde teria morado um comerciante muito rico que ali teria enterrado um tesouro Em síntese simplicidade e rusticidade temas que são centrais nas construções dos pinhãoenses sobre seu passado como se evidencia também no texto de Camargo e será recorrente nas próximas narrativas analisadas Posteriormente o tema retorna ao falar dos transportes no Pinhão da década de 1940 Apenas cavalos e carroças que marcavam a paisagem e a dinâmica local Em frente às casas comerciais tinha sempre uma fi leira de roletes compridos bem pregados em fortes esteios que serviam para os fregueses amarrar seus cavalos O cortejo dos casamentos quando este era realizado no cartório que era em uma chácara que fi cava atrás do cemitério vinha a cavalo Os noivos a frente ele de terno e gravata e a noiva toda vestida de branco com o vestido cobrindo o lombo do cavalo Os cavalos enfeitados com fi tas coloridas por sobre as cabeças Na volta passavam pela Vila soltando foguetes Uma vez um noivo estava vestido de terno branco e havia chovido muito então o cavalo do noivo escorregou num boeiro que havia no corredor do Dellê caindo e dando um banho de lama no noivo para divertimento nosso que de longe presenciamos Os fazendeiros quando vinham à Vila para fazer compras era de carroças puxadas por dois cavalos Nos dias de festa na Igreja ou quando o Padre vinha de Guarapuava para ministrar os sacramentos aos fi éis havia um congestionamento no trânsito nas proximidades da Igreja pelas carroças estacionadas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 192 a torto e a direito As vezes os cavalos assustavamse com os foguetes que soltavam e disparavam com as carroças provocando acidentes O transporte de mercadorias para o abastecimento da população era feito em carroções enormes puxados por oito cavalos A rusticidade cria situações inusitadas Passos relata a necessidade de sua mãe a primeira professora pública local cancelar sua aula devido a um estranho velório E de um aluno que sem saber do ocorrido porque vindo a cavalo provavelmente da zona rural se depara com o velório e sai desesperado a procurar a professora em sua casa O terceiro capítulo por sua vez aborda a Igreja e as celebrações semestrais das missas com sua capacidade de mobilizar a população da zona rural que enchia a cidade e se hospedava nas casas dos amigos parentes compadres Eram nesses momentos que também se celebravam batizados e casamentos Também as festas religiosas Divino SantAna Natal Vemos assim o surgimento de três temáticas relevantes também em várias das demais narrativas sobre o passado a guerra a rusticidade a religiosidade Mais uma temática é apontada a valentia expressa tanto na fi gura do famoso valentão que conheceu na festa de Natal quanto do delegado durão do capítulo seguinte O primeiro comportandose muito bem na festa apesar de ter adquirido sua fama em brigas na vila e permanecido um tempo na penitenciária do estado O segundo talvez devido a pragas rogadas por mães de jovens punidos de maneira muito dura afogandose no Rio DAreia e sucedido por outro menos truculento Seguemse as narrativas de episódios presenciados pelo autor a presença de um médico na cidade que lá reside por pouco tempo sofrendo perseguições devido à desconfi ança dos moradores o circo que permaneceu na vila por três meses com arquibancadas lotadas evidenciando o grande número de população rural local a caipirada que vinha dos arredores a fundação do Clube União e Progresso que após um tempo funcionando bem ao decidir se abrir para festas de casamento decaiu devido às desordens e a um homicídio ocorrido em suas dependências os fantasmas do Pinhão o tropel do cavaleiro que vinha da região do cemitério nas noites escuras gritos desesperados vindos dos lados da cachoeira o fogo do capão do Felício a praga dos gafanhotos em 1946 que destruiu a vegetação local a visita de Ademar de Barros à região com o objetivo de caçar aves nativas que atraiu outros caçadores de fora prejudicando a fauna local atividade continuada pelos funcionários das madeireiras nas décadas posteriores a visita de Moysés Lupion a Pinhão em 1948 a chegada do primeiro vigário os loucos do Pinhão Nhô Tó Nhá Luísa Paraílio Antônio Vesgo Pantaleão os irmãos mudos Sebastião e Pedro Chagas Passos também traz algumas informações sobre sua família outro tema Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 193 como já apontado importante nos relatos de moradores locais sobre o passado Ressalta o lugar de sua mãe Clara Passos Ferreira como primeira professora ofi cial de Pinhão a atuação de seu pai Joaquim Ferreira Neto como segundo agente dos correios a ocupação por seu irmão Sebastião Passos Ferreira do cargo de prefeito entre 1969 e 1972 No capítulo intitulado massacre dos pinheiros além de relatar o corte de um pinheiral a fi m de construir um loteamento para a Vila também traz algumas observações importantes sobre o lugar Neste trecho o autor explicita a localização do povoado e como os pinheiros marcam a paisagem e a vida dos moradores Quem idealizou a localização da Vila do Pinhão deve ter vindo do lado dos campos e ao chegar aqui achou o lugar ideal para morar à sombra acolhedora de frondosos pinheiros que naquele tempo existiam aqui em abundância pois a povoação foi iniciada exatamente na linha onde a fl oresta encontrase com os campos Quantos pinheiros havia Para qualquer lado que se olhasse viase as copas unidas lado a lado parecendo um oceano verde Havia pinheiro de todo porte Os novinhos e tenros que na véspera do Natal meu pai ia cortar um desses para mamãe enfeitar com bolinhas coloridas e com um presépio embaixo dos galhos Havia os frondosos com galhos até o chão permitindo que se apanhasse as pinhas com as mãos Havia os gigantes com os galhos voltados para cima em forma de taça imitando mãos em louvor ao Criador Quando adentravase à fl oresta viase os troncos aos milhares robustos e eretos lado a lado numa distância que parecia não ter mais fi m Nossa casa fi cava bem pertinho de uma porção deles A noite quando soprava ventos fortes açoitando os enormes galhos com aquelas bolas grandes de sapés nas extremidades faziam um barulho característico muito parecido com o marulhar das ondas do mar Quando era tempo de pinhão maduro a noite ouviase o barulho da chuva de pinhões caindo ao chão De manhã cedinho corríamos a juntar numa peneira feita com bambus bem vermelhinhos e maduros Daí era fazer fogo no fogão a lenha assálos na chapa e depois de macetar com um martelo para rachar a casca comer tomando café Então num triste dia da década de 1940 a Prefeitura de Guarapuava resolveu lotear o imóvel onde estava localizada a Vila mas antes MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 194 contratou alguns homens para derrubar todos os pinheiros que estavam no quadro do loteamento Gostaríamos aqui de chamar a atenção para alguns aspectos Em primeiro lugar o autor indica como a localização de Pinhão aponta sua divisão entre duas realidades a dos campos e a das matas Áreas distintas com dinâmicas de povoamento economias sociabilidades e culturas particulares Através dos campos se conta a sua história as sesmarias as primeiras fazendas as famílias tradicionais Nas matas onde se refugiavam os índios estava a fonte de ameaças e o desconhecido Mas são os pinheiros que marcam a paisagem ambiental e social É a produção de ervamate os couros de animais de caça as crinas de cavalos que representam os grandes produtos econômicos até a década de 1950 É das matas que vem o delegado durão E é a partir delas que a extração de madeiras possibilita por um lado o crescimento e emancipação do município enquanto por outro traz os confl itos fundiários e os enfrentamentos entre jagunços e posseiros Com relação a este último ponto no entanto Passos prefere o silêncio Silêncio que não é tão absoluto quanto pode parecer em um primeiro momento se pensamos nas refl exões do autor na segunda parte do livro16 sobre os índios no capítulo assim intitulado A citação abaixo leva a questões que indicam caminhos de pensamento para lidar com os confl itos sociais intensos no momento de escrita do livro mas não explicitamente abordados Não se pode falar em história sem abordar a fi gura do índio Muitos nem gostam de ouvir falar neles talvez até por se sentirem acusados pela consciência porque estas criaturas os verdadeiros donos da terra foram injustiçados Embora sendo seres humanos sempre foram tratados como animais Escorraçados de seu habitat natural muitas vezes com o uso da força jamais tiveram seus direitos reconhecidos Os historiadores nos contam que muitas lutas foram travadas entre os desbravadores e os índios mas que estes embora em quantidade numérica maior levaram a pior pela inferioridade do armamento As primeiras famílias ou pioneiros que vieram habitar a terra estavam escoltados por duzentos milicianos de cavalaria armados com o que tinha de moderno naquela época tão somente para combater os índios Estes no início resistiram mas vendose ameaçados pelas armas 16 Aqui é interessante observar que o capítulo sobre os índios embora não se baseie no relato de alguém e remeta a um passado mais remoto é situado na segunda e não na terceira parte do livro que aborda a primitiva e ofi cial história de Pinhão 102 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 195 de fogo armas que até então eram desconhecidas para eles naturalmente foram fugindo para mais longe fi cando por aqui uns poucos que logo foram sendo dominados pelos colonos Com o passar do tempo os poucos que restaram sem qualquer assistência foram aos poucos desaparecendo e essas raças hoje estão praticamente extintas Como sempre fui defensor dos fracos e oprimidos fi co muito penalizado quando vejo um pobre índio maltrapilho pés descalços aparentando desnutrição e velhice precoce batendo de porta em porta procurando vender seus produtos de artesanato como cestos e balaios a preços irrisórios na ilusão de manter a sobrevivência ameaçada pela fome e muitas vezes é enxotado por aqueles que não se comovem com o seu infortúnio No entanto eram eles os legítimos donos de toda a imensidão que são as terras onde habitamos as quais eles nunca venderam como costumam fazer os civilizados 8283 Alguns pontos relevantes da argumentação do autor podem exprimir uma postura frente aos confl itos presentes no momento da escrita Primeiro qualquer ocupante da terra posterior à presença indígena já coloca em xeque sua legitimidade na medida em que são eles os verdadeiros donos da terra consequentemente a ocupação posterior implica em expropriação Além disso foram vencidos pela superioridade bélica dos desbravadores e essas raças hoje estão praticamente extintas ou seja embora triste este é um resultado inevitável no caminho do progresso Foram expropriados e intimidados pela violência E ainda os que restaram não oferecem uma alternativa socioeconômica viável pois se caracterizam pela mendicância e perturbam a ordem social Isto mesmo sem nunca terem vendido terra Acrescentese que em um momento inicial se identifi ca no texto uma dubiedade no que tange à atuação das madeireiras que se manifesta na oscilação entre a degradação ambiental e o desenvolvimento Assim afi rma que após o massacre dos pinheiros estes não mais foram molestados por alguns anos e o autor lamenta o dia triste de 1940 em que o corte começou Até que apareceram os compradores de pinheiros e depois as serrarias A população teria participado ativamente das mudanças econômicas vendendo suas árvores e vendo nas negociações na ação das madeireiras na circulação de caminhões repletos de toras pelas estradas locais o sinal do progresso O autor assim descreve esse momento em seu capítulo intitulado Industrialização MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 196 Naqueles anos do pósguerra até o término da década de 1940 o Pinhão passou por uma grande crise fi nanceira O comércio sofreu profunda retração de maneira que os produtos primários daqui restritos apenas aquilo que era produzido nas roças de queimadas não tinham compradores e a escassez de dinheiro era uma constante Os fazendeiros só conseguiam algum dinheiro quando vendiam uma vaca velha para o açougue do Antenor Gomes o qual de vez em quando abatia uma rês sempre vaca velha de descarte que não mais procriava Com a falta de poder aquisitivo do povo pouca carne era vendida então era comum se ver no varal as mantas de charque secando ao sol por dias seguidos A única vantagem de tudo isso eram os preços baixos dos gêneros alimentícios produzidos aqui mesmo Foi nesse tempo que começou a compra de pinheiros em pé pelos intermediários e a esperança para a instalação das prometidas serrarias que com certeza trariam o tão sonhado progresso fi nanceiro para o Pinhão Com as vendas dos pinheiros houve uma injeção de dinheiro no comércio fl utuante e o consequente aquecimento nas atividades comerciais No ano de 1951 iniciouse a instalação de duas indústrias madeireiras com a denominação de Indústrias João José Zattar SA A primeira serraria construída nesse ano foi a Santa Terezinha e a seguir a Serraria São João esta no Bom Retiro local que mais tarde recebeu a denominação de Zattarlândia Com essas instalações aconteceu uma grande oferta de empregos diretos e indiretos e ainda melhoria nas estradas porque a própria empresa adquiriu maquinário pesado motoniveladoras e tratores para a abertura de novas estradas e a conservação das já existentes das quais necessitava para o transporte de toras e madeira serrada O pioneirismo das Indústrias Zattar abriu o caminho para outras empresas que também foram se instalando no Pinhão Instalouse o grupo Mansur com a Produtora de Madeiras Irati Ltda localizada na sede do Pinhão Slavieiro SA Hilário Witchemichem e Indusa em Pedro Lustosa Jacir de França em Faxinal dos Silvérios Irmãos Gelinski na sede e outras de menor porte Com o advento das indústrias o desenvolvimento econômico chegou ao Pinhão e em conseqüência o fi m do desemprego e aumento da arrecadação de impostos Mais tarde as Indústrias Zattar ampliaram suas atividades e diversifi caram construindo a fábrica e benefi ciamento de madeira Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 197 extração e benefi ciamento de erva mate adquirindo ainda esse produto dos pequenos produtorescriação de gado bovino e ovino de alta linhagem Milhares de empregos diretos foram criados com a expansão dessas atividades Um salto espetacular no desenvolvimento econômico do Pinhão A empresa chegou a adquirir mais de 43 mil alqueires de terras no território pinhãoense Devese ainda ressaltar a gigantesca estrutura montada pela empresa com a construção de centenas de casas para a moradia de seus empregados praça de esportes escolas igrejas armazéns onde os funcionários podiam adquirir de tudo e a preços reduzidos clube recreativo ônibus para o transporte dos estudantes fi lhos de seus empregados e muitas outras atividades que pode não ter vindo a minha memória agora Mais tarde a empresa Zattar adquiriu a serraria do grupo Mansur localizada na sede e aumentou a capacidade de produção dando mais emprego a muita gente Tudo isso funcionou por aproximadamente quarenta anos tempo em que o Pinhão viveu sem crises ou comércio enfraquecido Não se sabe quais os motivos que levaram a empresa Zattar a dar uma brusca freada nas suas atividades no início dos anos de 1990 mas o Pinhão sentiu o tranco Hoje só se fala em crise e desemprego 5961 Aqui a postura ambígua se esclarece e a questão ambiental passa a não ser mais relevante assim como não foi a social no caso indígena frente a tudo que a atividade econômica da extração de madeira permitiu De novo na segunda parte do livro um relato do passado ajuda a justifi car os danos ambientais irremediáveis Eles não seriam tão irremediáveis assim como os resultados de um grande incêndio ocorrido no Faxinal dos Ribeiros em 1916 podem apontar Neste ano o fogo destruiu a mata de maneira a que se pudesse andar a cavalo por toda parte onde antes era fl oresta compacta 75 No entanto com a regularidade das chuvas nos anos consecutivos a vegetação se recompôs e como lembranças restaram os troncos de imbuia seca que são vistos em toda aquela região 75 São também os tocos de imbuia as marcas mais visíveis da atuação das madeireiras nos faxinais Mais um aspecto a destacar é que ao contrário de Camargo Passos não fala em madeireiras genéricas mas aponta a atuação específi ca da João José Zattar SA A empresa surge como um divisor de águas entre a crise do pós guerra e a pujança posterior com décadas de tranquilidade econômica para os moradores de Pinhão Quanto aos confl itos fundiários decorrentes das MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 198 atividades da empresa ou a ação de seus guardasjagunços a opção é pelo silêncio Os argumentos anteriores nos fazem pensar em que medida não seriam vistas como inevitáveis o preço do desenvolvimento As mudanças provocadas pela atuação da Zattar também contribuíram para o único acontecimento narrado posterior à instalação das madeireiras na cidade e um dos eventos centrais no livro a emancipação do município de Pinhão Esta que Passos relata ter sido uma iniciativa sua só foi possível a partir de um embate político signifi cativo por ele contado em detalhes O autor traz os nomes dos envolvidos suas atuações as resistências provenientes principalmente de Guarapuava a descrição dos contatos políticos que possibilitaram a sanção da lei em 15 de fevereiro de 1964 No entanto esta não foi o fi m do processo pois as mudanças políticas nacionais ocorridas em março de 1964 levaram a que as eleições só fossem marcadas para dezembro E a partir de um acordo entre os deputados regionais foi indicado o nome de um administrador da Zattar como candidato único Candidato que após eleito só tomou posse e não mais compareceu à cidade permanecendo na Zattarlândia Após noventa dias de sua ausência uma reunião da Câmara de Vereadores decide pela cassação do mandato e posse do viceprefeito por 5 votos contra 4 O autor transcreve ainda uma série de documentos referentes aos acontecimentos narrados tendo sido ele um dos principais agentes em todo o processo Posteriormente iniciase a segunda parte do livro referente a situações descritas ao autor por testemunhas Além dos aspectos anteriormente levantados duas temáticas surgem como principais eixos das histórias de um lado a esperteza de outro a valentia A esperteza aparece em histórias como do primeiro morador de Pinhão João Pessoa cujo criado consegue fi car com toda a herança do patrão embora devesse dar um terço para os pobres e outro para as almas ou do cavalo matungo que venceu um puro sangue porque seu dono passou sebo de onça no seu lombo ou da moça que se casou com um marido rico mas já morto ou do casamento em que o noivo não apareceu e a moça se casou com outro pretendente presente ou ainda do assassinato ocorrido por uma invasão de porcos em uma lavoura sendo um cachorro para proteger seu dono o assassino em que a polícia prende o cachorro Já a valentia é abordada em contextos de festas corridas de cavalos jogos quando vez por outra dois valentões se desentendiam e se entreveravam até um deles morrer 77 por brigas de facão para as quais o consumo de bebidas alcoólicas contribuía O consumo excessivo de álcool é também o que resulta em um acontecimento que poderia ter sido trágico o linchamento de Chico Mentira devido a um acidente com arma de fogo que levou à morte um rapaz Neste caso reuniramse sessenta homens para linchar o negrinho o retiraram da delegacia e dispararam sobre ele segundo o narrador mais de cinquenta tiros No entanto nenhum acertou o que foi visto por muitos como Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 199 milagre E por fi m uma história que remete àquela do Ferreirão de Manoel Julião um grande caçador de tigres que também deixou descendentes e que ao longo de sua vida abateu 56 animais Ele era tão valente que ao saber de um tigre pelas redondezas perturbando os fazendeiros vendia o couro antes mesmo de sair para a caça sendo o dinheiro utilizado para comprar os itens de que necessitava E o trazia com certeza no dia seguinte Aos cem anos de idade teria dito ter dois desejos ainda mamar nas tetas de uma tigra de cria e fazer amor com uma donzela de quinze anos que andava lhe provocando ultimamente 85 Já a terceira parte do livro é menos relevante No entanto expressa bem os eventos que são reconhecidos como compondo a história ofi cial descobrimento dos Campos de Guarapuava a partir dos Campos de Pinhão no fi nal do sec XVIII a construção também em Pinhão da Fortaleza de N Sra do Carmo as ameaças dos índios a primeira missa na região também rezada em Pinhão em 1771 a implantação do marco régio e defi nição das quatro primeiras sesmarias a nova distribuição de sesmarias agora nove após a independência o nome da vila relacionado ao nome do imóvel Pinhão as duas primeiras famílias como de Silvério Antônio de Oliveira e Jerônimo José de Caldas Novamente são os campos que defi nem a história ofi cial mas boa parte das histórias narradas por Passos ou provêm das matas ou envolvem sua população Faxinal dos Ribeiros Equipe da Escola Municipal Rural Norberto Serápio O texto Faxinal dos Ribeiros apresenta algumas proximidades e muitas diferenças em relação aos anteriormente analisados Em primeiro lugar é uma produção coletiva realizada por professores e funcionários da E M R Norberto Serápio com o objetivo de servir de material de referência para o ensino local visto a ausência de registros do gênero para o Faxinal dos Ribeiros Depois é um texto datilografado de dez páginas e alguns anexos que apenas agora é publicado Em sua versão original não há nenhuma referência aos autores que colaboraram em sua pesquisa e escrita embora esta informação tenha sido prontamente fornecida pela escola ao ser solicitada17 A Escola Municipal Rural Norberto Serápio funciona em conjunto com a Escola Estadual Rural Izaltino Bastos em um prédio situado no Faxinal dos Ribeiros a em torno de 15 km de estradas de terra da PR170 Ambas reúnem mais de 500 alunos abarcando todo o ensino fundamental e iniciando em 17 Agradeço a toda equipe da E M Norberto Serápio a autorização para a publicação do texto e especialmente à então diretora Profa Nilsa Aparecida de Oliveira MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 200 2013 o primeiro ano do ensino médio Seu público são crianças de várias das comunidades rurais da região abrangendo principalmente fi lhos de posseirosfaxinalenses assentados pequenos proprietários rurais O quadro de funcionários das duas escolas é fundamentalmente de moradores da região Já o quadro de professores é diversifi cado enquanto os professores municipais são funcionários efetivos e provenientes da região os professores estaduais são em sua maioria contratados temporários e vêm de Pinhão e cidades vizinhas Assim o texto aqui discutido foi produzido por moradores da região de Faxinal dos Ribeiros em geral nascidos no lugar O início do texto fala dos primeiros moradores do local de como chegavam e como era o sistema de terras Faxinal dos Ribeiros recebeu esse nome devido à chegada dos primeiros moradores sendo a família Ribeiros entre elas a Sra Silvana Ribeiro Era um sertão de mata fechada onde existiam onças e outros animais Construíram ranchos feitos de varas e cobertos com taquaras para morarem Mais tarde chegaram as famílias Nanguara em que a mãe Maria era uma escrava que havia sido liberta Também a família Prestes Mariano Borges Serilho e Silvério povoaram a região As pessoas que vinham para morar traziam nos cargueiros alimentos roupas camas e ferramentas Viajavam a cavalo e a pé A COMUNIDADE Antigamente em Faxinal dos Ribeiros ninguém dava importância para terras onde quisesse morar era só fazer uma casa e todos respeitavam então ali era chamada de frente um bom pedaço de terreno Existiam muitos pinheiros gigantes alguns eram derrubados para tirar os galhos e fazer lavoura o restante não era aproveitado Neste trecho inicial já é possível observar questões signifi cativas em relação ao que é selecionado como aspecto importante para relatar a história Em primeiro lugar vemos uma ocupação que se distancia muito daquela da história ofi cial de Pinhão Os primeiros moradores vêm de fora a pé ou a cavalo trazem seus pertences em cargueiros e apropriamse de terras que naquele momento são livres A memória das terras livres por sua vez aponta duas questões a sustentação do fato dos posseiros não terem os documentos da terra apesar da presença no local por gerações devido à dinâmica do próprio processo de formação do lugar e o contraste com o período posterior Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 201 em que são continuamente ameaçados de expulsão das terras onde nasceram A história legitimaria assim um direito ameaçado por sua não formalização Além disso a caracterização dos primeiros moradores aponta não serem eles de elite ou de posses Seus ranchos são o mais simples possível nem sequer de madeira mas de varas cobertas de taquaras Seus pertences podem ser transportados em cargueiros Chegam a cavalo ou a pé Entre eles há uma liberta Maria Nanguara que vem com sua família curiosamente o sobrenome Nanguara não é listado entre aqueles que existem no lugar no momento da escrita E ainda são duas mulheres as únicas pessoas efetivamente nomeadas Silvana e Maria Uma origem que passa pela memória do feminino não do masculino Há ainda o ambiente um sertão sem presença humana mas com animais selvagens Ao contrário dos relatos anteriores não há memória sobre indígenas Mas sim de pinheiros gigantes que foram o foco inicial das madeireiras ao chegar em Pinhão Estes eram derrubados quando necessário com o objetivo de viabilizar a produção e a sobrevivência e não pelo interesse na exploração da madeira Uma mata na qual as pessoas se instalaram e com a qual conviviam A continuidade do relato sobre o local aborda sua organização social passada e a rusticidade que a marca já apontada na descrição dos ranchos iniciais e no meio de transporte das famílias Nesse tempo criavamse muitos porcos soltos pois havia frutas em grande quantidade principalmente pinhões Quando matavam os porcos eram enxugados os panos de toucinhos na fumaça depois colocados em cestos uma camada de toucinho e outra de palha até encher os cestos A carne era frita e enlatada junto com a banha A alimentação era à base de quirera carne e feijão Arroz e açúcar apareciam somente quando uma pessoa fi cava doente e esses produtos eram comprados em Cruz Machado Compravase açúcar amarelo para mascar A farinha de milho era feita em monjolos e torrada em fornos O sabão também era feito em casa com uma sopa de cinza e água que chamavam de adequada e era misturada às gorduras As pessoas andavam sempre descalças alguns compravam o primeiro par de sapatos aos dezoito anos Os pais tinham autoridade para com os fi lhos mesmo depois que estes se tornassem adultos As festas eram feitas em casas e igrejas a comida típica era café e broa de fubá e centeio Todos se divertiam e quase não existia violência Eram comuns bailes danças de São Gonçalo festas para homenagear santos e novenas realizadas em casas de famílias Nessas ocasiões eram convidados vizinhos parentes e compadres MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 202 No trecho acima a grande referência para caracterização deste momento inicial do Faxinal dos Ribeiros é um sistema de produção particular centrado na alimentação e voltado para o autoconsumo e que possui como um de seus principais aspectos a autonomia Assim ingerese o que se produz carne de porco enlatada ou defumada quirera feijão farinha artesanal Os porcos por sua vez criados soltos indicando o sistema faxinal Inclusive a alimentação de festa consiste em broa de fubá e centeio além do café Compras mesmo de produtos básicos da alimentação atual como arroz e açúcar em caso de doença Além disso essas eram feitas em Cruz Machado o que aponta para redes de contato e comércio com o município vizinho Mas a vida não é só produção Esta se dá em um contexto sociocultural com caráter próprio No trecho citado também aparecem elementos da religiosidade católica local as danças de São Gonçalo as festas de santo as novenas realizadas em casas de famílias E uma sociabilidade marcada pelas redes de parentesco vizinhança e compadrio que movimentavam as situações de encontro e diversão E ao falar da diversão um aspecto é ressaltado no texto quase não existia violência Esta expressão é bem interessante o quase ao mesmo tempo em que nega a violência a afi rma Por outro lado é uma violência menor que a do tempo presente o tempo da escrita em que se pressupõe que esta passa a ser um problema nos contextos de reunião de pessoas e diversão e talvez não só nesses Em outras palavras enquanto no tempo da memória a violência é um elemento existente mas quase não na atualidade ela se impõe O mesmo se pode pensar com relação à autoridade dos pais que se estabelecia inclusive sobre adultos afi rmação que faz supor não ser esta uma realidade contemporânea segundo a avaliação da equipe de autores O passado é então construído a partir de determinados aspectos que defi nem o contraste com o presente e ressaltam ao mesmo tempo a rusticidade da vida o relativo isolamento e a autonomia dos moradores locais O que é reforçado no item intitulado economia O transporte era feito somente a cavalo as pessoas tinham tropas de animais para transportar cargas No trabalho da agricultura plantavam milho feijão abóbora fumo mandioca centeio batata doce e couve Plantavam pouco e colhiam somente para o sustento da família Plantavam por exemplo um prato de feijão e já era o sufi ciente pois não tinha comércio assim todos plantavam Quanto ao relativo isolamento as difi culdades de transporte e comunicação são ressaltadas mas também a chegada do rádio que modifi ca o local ao trazer o contato mais rápido e efetivo com o mundo exterior Antes porém de falar desses temas o texto traz uma história que possui Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 203 bastante popularidade local tendo sido por diversas vezes repetida ao longo da pesquisa a do noivo que não conhecendo sua noiva confunde a sogra com a pretendente O caso é visto como divertido e interessante e ao mesmo tempo causa estranheza a possibilidade de que um casamento se dê sem o conhecimento prévio dos noivos É curioso observar que hoje o número de casamentos formais é cada vez mais reduzido sendo o processo de casamento mais comum a fuga de um casal que a partir dela consolida sua união O texto prossegue com os itens saúde e comércio Com relação à saúde afi rmam não haver médicos no passado o que provocou a morte de vários moradores locais Por outro lado havia curandeiros e citam dois homens Pedro Nanguara e João Hilário afi rmando seu bom poder de cura através de benzimentos e o respeito a eles devido Além disso atribuise a Pedro Nanguara que lembrese pertencia à família da escrava liberta Maria sendo provavelmente negro profecias muito próximas àquelas vinculadas em outros locais do interior do Paraná a São João Maria como dos gafanhotos de aço que matariam muitas pessoas ou dos fi os como teias de aranha que trariam males Já ao falarem do comércio fazem referência às primeiras bodegas abertas com o decorrer do tempo e que vendiam produtos como tecidos cereais ferramentas e bebidas e compravam ervamate Assim como no caso dos porcos uma referência a atividades relativas ao sistema faxinal e que fazem com que a produção de subsistência não seja pensada como fechada na própria unidade familiar ou no grupo local mas possa se articular com sistemas produtivos muito mais amplos como é o caso da ervamate Após falar do local o texto passa a falar da escola Relata a presença do primeiro professor particular contratado por um morador local que teria lecionado na Igreja de Nossa Senhora Um segundo professor dando aulas na Igreja de São Sebastião seria o precursor da E M Norberto Serápio São relatados os nomes de todos os envolvidos no processo de construção e consolidação da escola Bem como sua construção e reconstrução em 1982 Posteriormente a reunião de nove escolas no local em 1999 através da nuclearização que foi responsável pela composição do quadro de professores do momento da escrita Quanto a sua clientela são os moradores de Faxinal dos Ribeiros que são descritos como dos mais variados níveis socioeconômicos e culturas diversifi cadas sendo a maioria de não assalariados Descrevese também o posto de saúde e as comunidades limítrofes O item seguinte é Moradores Antigos que destaca o caráter imigrante de parte da população de Faxinal dos Ribeiros sendo sua origem diversifi cada com destaque para os dois outros estados do sul do país E uma das famílias que recebe destaque é a de Teófi lo Alves Cerenz proveniente do Paraguai O texto relata que ele teria vindo com oito anos juntamente com seu pai irmã e um tio na época do início da guerra Esta é indeterminada e embora MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 204 fosse possível supor tratarse da Guerra do Paraguai o fato de Teófi lo estar com 84 anos no fi nal do sec XX impede esta suposição A guerra traz muitos sofrimentos a perda da mãe e os perigos de uma viagem de meses a pé Mas ao chegarem após o sofrimento constroem suas vidas Teófi lo se casa tem doze fi lhos e aos 84 anos ainda trabalha na roça e luta com a criação de gado porco cabrito cavalo e carneiro Também fazem ele e a mulher quando da redação do texto farinha em monjolo quirera em jorna e carregam sua produção em cargueiros com cesto e bruaca Possuem vários objetos antigos vinculados ao cotidiano e à produção que utilizam naquele momento Com relação à história de Teófi lo repetida por vários dos alunos dele descendentes em seus textos como será explorado no próximo item é possível identifi car questões signifi cativas Aqui a guerra não é mais algo distante mas marca a história de Teófi lo e o motiva a migrar até que chega a Pinhão Traz sofrimento inclusive a perda da mãe gestante e do futuro irmão E então em Faxinal dos Ribeiros o paraguaio pode se fi xar e construir sua vida Vida vivida nos moldes locais tradicionais marcada pelo trabalho na roça e com a criação Que gera um casamento longo uma família de doze fi lhos e o reconhecimento local que o inclui entre os moradores antigos do lugar que devem ser citados Teófi lo conta aqui A outra moradora a que o texto se refere é Maria Trindade de Oliveira Tibes vinda de Santa Catarina com o marido Viagem de ônibus e posteriormente a cavalo com a mudança em cargueiros uma trajetória bem diversa da de Teófi lo não somente feita a pé e marcada pelo sofrimento mas em que na chegada ele se encontra destituído de quaisquer bens de valor Além disso Maria Trindade apresenta difi culdades de adaptação ao lugar pois não tinha o hábito de guardar dias santos não sabia tomar chimarrão tinha difi culdades na comunicação Em outras palavras há um jeito próprio de viver no Faxinal dos Ribeiros que não trouxe obstáculos para a adaptação de Teófi lo apesar de ser ele paraguaio ou seja falar inclusive outra língua mas sim para Maria Trindade brasileira falante de português mas com problemas de comunicação e que retorna regularmente a Santa Catarina Esse jeito próprio é importante ressaltar tem como primeiro atributo guardar dias santos respeitando assim preceitos religiosos fundamentais do catolicismo local Voltando a Maria Trindade com 71 anos na época da escrita do texto suas atividades são essencialmente domésticas fi cou viúva e ainda naquele momento tem boas amizades e vive bem Em outras palavras apesar dos entraves a população local sabe conviver com a diversidade e os problemas de adaptação não a impedem de se inserir de forma positiva no contexto social de Faxinal dos Ribeiros Sua história permite um interessante contraponto à de Teófi lo e sua família Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 205 Em seguida a essas duas trajetórias são listados os sobrenomes existentes em Faxinal dos Ribeiros em número de quarenta e dois Neste texto diferentemente do livro de Camargo todos contam e não há hierarquia indicada entre eles Há sobrenomes de origem nacional e estrangeira há famílias de mais e menos posses mas nada disso é sugerido no texto Posteriormente um quadro vai indicar aqueles que vieram de outros países e estados mas não nesse momento Apenas uma lista à qual se segue o item A Comunidade Hoje E aí uma série de informações curtas sobre clima agricultura apresentada como mecanizada criação animal estradas comércio meios de transporte comidas típicas e vestuário Nenhuma palavra sobre território confl itos fundiários ação de madeireiras ou qualquer outro aspecto que apontasse as tensões vividas no passado próximo e no presente O item política traz o nome de vereadores eleitos na comunidade O primeiro em 1993 Domingos Silvério dos Santos Na disputa seguinte Manoel Neri Liber e Amilton José da Silva E este é o único trecho complementado pelo manuscrito que indica a eleição de Sebastião Rodrigues Bastos por dois mandatos consecutivos 2000 e 2004 Há ainda um poema que homenageia o Faxinal dos Ribeiros que o apresenta como sertão mas capaz de aceitar a todos com carinho que está se desenvolvendo mas precisa ser preservado por ser um solo abençoado E o texto encerra com Uma História Engraçada da Dança de São Gonçalo Contam sobre uma Dança de São Gonçalo em que o dono da casa faz um churrasco e como as pessoas saem comem e retornam para a dança beijam e tocam a imagem o santo fi ca sujo de gordura de carne Alguém então beija o santo com mais ímpeto ele cai no chão e os cachorros começam a lambêlo devido à gordura Após um tempo o santo é recuperado limpo pelos cachorros e a devoção prossegue Com o caráter que possui de devoção popular de uma religiosidade que é simultaneamente séria e fl exível em que não há uma incompatibilidade entre diversão e devoção Três documentos são anexados ao texto Um deles incompreensível devido à má qualidade da cópia Outro uma cópia de uma carta datada de 1958 que serve como convite de casamento em que a noiva chama uma amiga para a solenidade religiosa civil e hospedagem de um casamento triplo dela e de duas irmãs uma casandose com seu irmão E o terceiro uma autorização de 1966 expedida pelo inspetor policial de Faxinal dos Ribeiros Joaquim Ferreira Nunes para o policiamento de um baile após um puxirão em que pede dezarmar e coregir bem a fi m de core bem o baile Um bilhete que ao mesmo tempo fala da prática de puxirões mutirões seguidos de baile no lugar do costume dos homens de andarem armados e do risco de confl itos nesses momentos de festas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 206 É possível perceber portanto que o documento produzido pela equipe da E M Norberto Serápio destaca aspectos da história local que compõem uma visão de si muito diferente da visão de Pinhão trazida por Camargo ou Passos Não mais uma história ofi cial da colonização mas a ocupação de terras livres Não mais famílias de colonizadores que formam a elite local mas inúmeras famílias de origens e tradições variadas Com destaque para um paraguaio que tem no seu passado as marcas da guerra e os inúmeros sofrimentos que ela impõe Este chega a Faxinal dos Ribeiros criança a pé órfão da mãe deixada pelo caminho mas ali consegue se fi xar criar uma grande família viver de maneira autônoma segundo costumes locais É ele quem se adapta bem ao lugar e não uma senhora de Santa Catarina que tem difi culdades de comunicação não reconhece os costumes faz sua viagem de ônibus e a cavalo e volta com frequência a sua terra natal Outro mito de origem em que os costumes dos moradores dos faxinais são um eixo fundamental a produção a alimentação a religiosidade uma forma de ser e se relacionar com o mundo Mas que não implica em isolamento pois o Faxinal dos Ribeiros se faz representar politicamente no município está inserido em um contexto mais amplo Por outro lado aspectos em comum com os dois textos anteriores Em primeiro lugar um silêncio sobre as últimas décadas É interessante observar que ao falar da comunidade hoje o texto inicia caracterizando o clima do lugar e traz uma série de informações secas sobre suas atividades Depois uma valorização de um passado mais remoto por sua rusticidade Aqui no entanto essa rusticidade é sinal de fartura e autonomia E respeito quase sem violência Violência esta que traz um tema também presente em Camargo e Passos a valentia como característica dos moradores de Pinhão o que se percebe no bilhete do inspetor Joaquim Ferreira Nunes autorizando policiamento em um baile e recomendando o desarmamento dos presentes a fi m de evitar eventuais problemas Valentia que juntamente com a experiência ancestral da guerra pode apontar a força da resistência nos confl itos territoriais então vividos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 207 Agenda João Oliverto de Campos João Oliverto de Campos nasceu em 1926 em Guarapuava Filho único de Francisco Assis Campos e Graciolina Alves de Campos aos seis anos de idade mudouse para Poço Grande em Bom RetiroPinhão em terreno de dez alqueires comprado por seu pai em seu nome Quando criança estudou dois anos com um professor particular que atuou na região voltando a estudar somente aos 74 anos Ganhou um livro de atas de presente de sua professora Sandra Dellê em 2004 e desde então faz no livro anotações sobre seu cotidiano refl exões sobre o mundo e rememoração de histórias antigas Junto a essas anotações cola recortes de jornal e outros papéis importantes como por exemplo convites por ele recebidos fotos A composição das anotações e colagens constrói uma visão de mundo própria para a qual contribuem relatos sobre o passado Seu texto está em constante construção e aqui será analisado o que foi escrito até 10 de julho de 2012 quando estivemos em sua casa e ele permitiu que fotografássemos seus escritos para publicação Ao contrário dos autores anteriores João Oliverto não se propõe a fazer uma história local Com efeito sua genda é mais explicitamente uma refl exão sobre a atualidade que uma narrativa sobre o passado No entanto sua idade e a temática da solidão e das mudanças ocorridas no mundo aliadas a certa perspectiva escatológica fazem com que as experiências e eventos pregressos sejam fundamentais na compreensão e interpretação do mundo contemporâneo e por isso perpassam o texto Além disso um dos aspectos essenciais para João Oliverto é sua localização social e espacial o que defi ne a partir das relações familiares de amizade vizinhança compadrio seu vínculo com o lugar onde vive e sua atuação religiosa Tais características permitem o diálogo entre seus escritos e os demais textos considerados neste capítulo Evidenciam ainda a intrínseca associação entre discursos sobre o passado e uma concepção do presente A conjugação de recortes e manuscritos por sua vez resulta em uma composição única que expressa a visão de mundo do autor A elaboração da Agenda por sua vez se dá em dois sentidos do início para o fi m do livro de atas principalmente mas também do fi m para o começo Acrescentese que as páginas já escritas são ocupadas em sua totalidade sem margens ou espaços vazios Desde a primeira contracapa a cujo texto de doação do livro assinado pela professora Sandra Mara Dellê se superpõem dois recortes de jornal de autoria de Chico Alencar sobre a renúncia de Jânio Quadros e o suicídio de Getúlio Vargas Os excertos de jornal são o principal tipo de material impresso colado à Agenda São quase sessenta cerca de um terço deles de autoria de Chico Alencar Aparentemente devido ao tamanho estrutura gráfi ca e tipo de letra MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 208 provenientes de uma mesma fonte não identifi cada O grande número no entanto não traz uma variedade muito alta de temas Eles se concentram em questões políticas e de movimentos sociais da história do Brasil com destaque para a abolição da escravatura o cangaço Canudos a Coluna Prestes a revolução constitucionalista de 1932 o período Vargas a construção de Brasília a renúncia de Jânio Quadros as reformas de base do governo Jango a Eco 92 e questões ambientais voto para presidente reconquistado após 1989 o plebiscito do desarmamento a expressiva presença indígena no país aliados a acontecimentos internacionais como a assinatura da Declaração de Direitos Humanos pela ONU18 Também em temáticas religiosas vidas de santos beatifi cação da brasileira Albertina Berkenbrock pílulas de Frei Galvão orações atividades litúrgicas presença de animais em cenas religiosas confl itos entre a legislação e os valores cristãos entre outras Um terceiro grupo de recortes fala de questões relacionadas à importância do amor da família do casamento dicas para ser feliz a beleza da velhice e a arte de envelhecer bem e ter uma boa morte E por fi m há alguns recortes sobre curiosidades meteorológicas ou da população mundial medicina popular e poesia Estes últimos contudo muito menos signifi cativos que os três grupos anteriores Mas é sobre os manuscritos de João Oliverto de Campos que concentraremos a análise19 Também neles há temáticas recorrentes e uma estrutura de pensamento que compõem com os textos acima citados um conjunto signifi cativo Um dos eixos de tal estrutura já se explicita a partir da anotação inicial do autor e referese à importância atribuída a sua localização familiar e social Com efeito desde o primeiro momento Campos registra os aspectos que o constituem como sujeito o local de nascimento Combrão Guarapuava a fi liação pai Francisco Assis de Campos de origem paraguaia e mãe Graciolina Alves de Campos origem alemã sua vinda para Pinhão em maio de 1932 a condição de fi lho único o estudo em escola particular a partir de 1939 até 1940 a dinâmica da escola e a importância de Juvenal de Assis Machado ao trazer um professor para o local o retorno aos estudos somente em 2000 e depois em 2004 Na segunda anotação outro aspecto fundamental o casamento com Rozilma Jezus de Campos e a formação de sua família duas fi lhas e um fi lho natimorto E a partir daí prossegue com o relato dos acontecimentos que mudaram sua vida iniciados com a grave doença da esposa a necessidade de longas viagens para tratamento e por fi m sua morte que traz para João 18 Os textos de Chico Alencar concentramse nesses temas 19 No decorrer da análise citaremos trechos dos manuscritos Para tanto utilizaremos um tipo de letra específi co estratégia também utilizada para a publicação da Agenda Esta opção se justifi ca devido ao autor ter um estilo próprio de escrita e estruturação de seu texto e à necessidade de ressaltar a diferença desse estilo frente ao texto acadêmico Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 209 Oliverto uma solidão não superada posteriormente Esta um dos grandes temas de seus escritos que se expressa desde antes da perda da mulher como no seguinte trecho Eu João oliverto de Campos para mim o poço Grande ê poço negro a tempo não poço ir num divertimento festas e outros divirtimentos que tudo o povo vai eu não poço ir nem no vizinho eu sou o cazeiro de todo o tempo e eu não sei se um dia vai raiar um novo sol na minha vida vai certo ponto que agente dezacorssoa todo o mundo do lugar participam todos os domingos festa Sarau cazamentos Rodeio na política não perdem comissio Agóra eu esto Ezolado do Mundo só trabalhar criar as coisas fazer o bem para os outros ser feliz e e isso nada mais No entanto apesar da solidão é em Poço Grande que o autor constrói sua vida e não há ao longo do texto qualquer indício de desejo de se mudar apesar da distância da família as duas fi lhas moram em Guarapuava É lá que se encontram sepultados seus pais sua mulher e onde manda construir a gaveta para seu próprio sepultamento Tem obrigações com a capela que ele mesmo construiu com a mulher e na qual desempenha a atividade de ministro extraordinário da eucaristia Celebrou por muitos anos a Festa de São Sebastião tem função de relevância nos rituais da Semana Santa criou a procissão ao Morro da Cruz onde se encontra a estátua de São João Maria de Jesus que ocupa lugar de destaque em suas refl exões Logo depois do trecho acima o relato da morte de D Rozilma Este será o primeiro de vários registros de falecimento de pessoas da região algumas morando fora Com efeito o tema domina principalmente a primeira parte dos escritos de João Oliverto A estrutura de tal relato é uma versão mais completa daquele que será o modelo de todos os outros registros Nele a identifi cação do momento e local da morte do cônjuge que fi ca viúvo fi lhas netas e bisnetas Uma descrição do enterro ressaltando a presença de quantidade signifi cativa de pessoas e dando destaque aos compadres comadres e afi lhados D Rozilma teria 194 afi lhados sendo 159 ainda vivos Posteriormente a identifi cação dos genitores de D Rozilma e informações sobre seu casamento com o autor que durou 47 anos e 4 meses Sepultamento no cemitério de Poço Grande próximo à capela onde se encontram os restos dos pais de João Oliverto E a saudade que vai ser reafi rmada em vários outros momentos da Agenda Lembrase ainda do câncer que a levou a óbito do tratamento recebido no hospital E termina com a memória da cerimônia de suas bodas de prata em 1982 e da reconciliação de D Rozilma com a comadre com quem estava rompida há sete anos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 210 A apresentação tanto de si mesmo quanto da esposa e dos outros moradores e exmoradores locais que morrem no período indicam a concepção do autor sobre as características fundamentais na construção da pessoa Primeiro seu nome completo seguido da identifi cação de sua família que consiste em ancestrais cônjuge e descendentes não sendo atribuída importância signifi cativa ao parentesco colateral20 Depois relações de compadrio e apadrinhamento que tecem uma rede complexa e ampla de vínculos sociais relevantes Em vários momentos do texto o autor identifi ca com um único sujeito relações de compadrio múltiplas assim como posterior compadrio estabelecido com afi lhados21 Percebese que em seu caso a pequena dimensão da família pode ser compensada através do sistema de compadrio para o que contribuem os vários batismos comuns na região em casa na igreja e no olho dágua como também o fato de outros ritos religiosos ao estabelecerem padrinhos defi nirem também compadres como primeira comunhão crisma casamento Com efeito o compadrio permite a inserção no círculo de relações de pessoas que não têm vínculos prévios defi nidos bem como o reforço de vínculos preexistentes como de parentesco ou vizinhança A importância da religião católica e de suas práticas para o autor defi ne outro aspecto relevante na composição da pessoa a realização de atos signifi cativos para o catolicismo como a contribuição na construção ou reforma da capela a colocação de uma estátua de São João Maria no Morro da Cruz ou o desempenho de funções específi cas no contexto religioso como papéis diferenciados nos ritos ou a realização de festas de santo Atitudes que não são interpretadas como restritas à esfera religiosa mas um bem mais amplo para a comunidade Entre as narrativas sobre falecimentos e principalmente as vinculadas à morte da esposa e os rituais posteriores a ela relacionados uma delas se destaca por descrever o casamento de um afi lhado cujo convite se encontra colado na Agenda ESTE AFILIADO EDENILSON Morais que se cazouce com a Janete dos Santos este rapais morrou com noss 2 anos 1999 e o ano 2000 cazouce dia 22 de janeiro de 2005 eu fui com o meu fusca motorista o Joze Nerci e Dna Dulcia foi também e o Lucas e a Delair que veio de Guarapuava do pinhão pra cá veio com 20 Podemos pensar se tal fato não se deve a ser o autor fi lho único e não possuir tios primos sobrinhos nem próprios nem da esposa vivendo na região 21 O compadrio é um dos sistemas de formação de redes de relações mais signifi cativo no interior do país A expansão das religiões evangélicas que impedem seu estabelecimento deve ser pensada também quanto a seu impacto social pois muda esse padrão Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 211 nóss e Neruza veio com Dna Ana Xusk assistimos o cazamento na matris e no cartório e viemos adiante na recepessão almoço e viemos adiante para abrir o barracão da capela de poço Grande para o conjunto Lobo Bravo estalar os aparelhos de som o baile comessou as 16 hs e foi ate as 2 da madrugada munto povo mas não teve nem uma alteração tudo correu bem mais pra mim não prestou a festa por mas boa que estava motivo eu estar de luto de 90 dias que minha espoza ter falecido em 28102004 Ela também era madrinha do Edenilson e ela na vida queria munto bem e o Edenilson e pra mim tudo a alegria foi água a baixo assino João oliverto de Campos 23012005 No trecho acima a descrição de um casamento na região que está se tornando raro pois a maioria dos casais em geral muito jovens se casa através da fuga e não de uma cerimônia específi ca Assim a cerimônia civil e religiosa em Pinhão mas a festa em Poço Grande consistindo em um almoço e em baile que se inicia às 16 horas e se prolonga até a madrugada Sem que tenha havido qualquer alteração o que indica o sucesso da festa Além disso o apoio dado pelo padrinho e sua família o local escolhido para os festejos sendo o barracão da igreja de Poço Grande ao lado da casa de João Oliverto No entanto as difi culdades de conjugar o carinho pelo afi lhado com o luto por D Rozilma que faz com que o autor não consiga aproveitar a festa como o faria em outro contexto O casamento é também um dos principais temas das refl exões de Campos A vida gira em torno do casal e da família e a ausência da cônjuge parece ser a principal causa de sua solidão Tanto que o autor em anotações posteriores aborda a temática da solidão dessa perspectiva O Homem Sôzinho e a Mulher Sozinha Nos dias de hoje como sempre e É acham que o homem pode viver sozinho está cêrto pode sim viver sozinho mais ê puro engano mezmo a mulher a mulher ê mais face arrumar um parceiro o homem é mais custozo principalmente se for velho nos dias de hoje pôde cerrumar pra cabessa de si prôpio nem todas as mulheres de hoje só quêrem a grana aconsêlho quem tiver sua mulher onêsta zêle por que terminou aquêla as vezes terminou tudo o hômem fi ca sozinho quazi abandonado longe de fi lhos ou fi lhas esse velho ou velha que sevire se puder nos não estamos nem nai outros dizem não queremos que o pai caze de novo MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 212 ou a mãe caze de novo se isso acontecer nos vamos dar um jeito eu acho que o homem e a mulher tem direito de se cazar de novo por esse motivo Deus criou o homem e a mulher vegam em Genessis capitulo 1 a verciculo 26 e 27 Deus feis o Adão do pó da terra e tomou uma parte do Adão e fes a companheira EVA e Deus dice crecei e multipricai enxei a face da Terra se foce pro homem viver sozinho Deus não fazeria a EVA Adão estaria ate hoje sozinho Muntas famílias dizem o pai viuvou aguente os pontos não deixamos ele cazar de novo ou a mãe cazar de novo mais as vezes as famílias moram bem distante e o fulano viuvo ou a fulana viuva tem que morar sôzinho ou sozinha no meio de gente estranha e sempre na solidão no meio do abandono apozentado ou apozentada tem que trabalhar pra sobreviver Até o fi m da vida quando morre os estranhos vão darlhe uma sepultura e a família estão nua boa se deixou alguns bens vamos dividir o homem sem mulher chega do serviço ou da viagem tem que fazer tudo na caza não tem os quem faça felis da quele que tem um vizinho proximo Findou a história poço Grande 14 de março de 2009 Guardem o sábado que Deus descançou e prezervem o domingo que o Senhor ressucitou O casamento faz parte da ordenação divina do mundo Ele traz consigo a divisão do trabalho adequada e a possibilidade de compartilhar os pequenos acontecimentos do cotidiano sendo o principal caminho contra a solidão No entanto a mudança dos tempos faz com que seja difícil um bom casamento nos dias atuais devido aos interesses fi nanceiros de algumas mulheres suplantarem as motivações legítimas do matrimônio principalmente no caso de homens mais velhos Na impossibilidade de ter alguém a seu lado sorte daquele que conta com o apoio de vizinhos e compadres O que contudo é apenas um paliativo para a solidão Solidão vivida por João Oliverto apesar de poder nomear ao longo de sua vida mais de vinte rapazes e homens que trabalharam e moraram em sua propriedade além dos sogros que lá viveram cinco anos Mas tudo fi cou na saudade Não são somente as relações pessoais entretanto que fi cam na saudade Também um mundo que nos últimos tempos se transforma signifi cativamente e para pior Como um dos eixos dessas mudanças o uso de drogas pela Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 213 juventude22 que passa a não trabalhar se envolver em crimes desrespeitar os mais velhos impor aos pais sacrifícios para satisfazer seus desejos de consumo afastarse da religião não mais se importar com instituições sociais básicas como o casamento A tal presente o contraste de um passado em que os ritos religiosos eram intensos com a nomeação de vários moradores locais e as festas de santo realizadas pelas famílias Também caracterizado por um modo de produção artesanal com a divisão de trabalho por gênero marcado pela autonomia Um tempo de fartura tranquilidade e respeito aos preceitos divinos em que o pobre era rico e não sabia e era gostoso viver Uma história Como êra o passadiu no passado que já foi e não mais volta as pessoas as mulheres do passado faziam farinha de milho moido no monjolo de agua pindocavam o milho abanavam tiravam o farêlo servia para alimentar os caxorros ponhavam o milho de molho dentro de um saco e o saco dentro de um sesto fi cavam o milho de molho por 10 dias daí êlas tiravam o milho esfregavam no balaio ate sair toda a goma do milho enxugavam com um pano seco esfregando dentro do balaio depois de seco o milho ponhavam no pilão do manjolo para o monjolo moer o milho quando já moido elas peneravam noutro balaio com a peneira fi na aonde saia a maça ou fubá da massa levavam ao forno redondo e com ais Mao faziam o biju com fogo brando em baixo do forno passando um pincel de palha molhado para não queimar o biju o biju ia levantando do forno por si prôpio elas ponhavam os biju na sururuca especie de peneira grossa feita de taquara dentro do balaio e iam moendo fi cava uma farinha bem fi ninha e se quizesse tiravam tambem a quirera para cozinhar com suan de porco ou a carne de porco guardada na lata coberta com banha para não arruinar a carne fi caria de um ano para outro por que não avia geladeira nesse tempo se quizesse tirava o fubá secava no forno para guardar para fazer bolo de fubá ou broa de fubá e se quizesse tirava a cangica para cozinhar e comer com leite de vaca Os homem plantavam a rossa de toco como 22 Este é o tema específi co de alguns escritos do autor e está sempre vinculado à propagação do crime e da violência e a uma idéia de fi nal dos tempos É assim que logo antes do texto acima citado Campos encerra um trecho sobre tal tema afi rmando Tudo esses castigos que nos estamos vendo no Brazil e no mundo o que ê ê falta de Deus na humanidade sô vai mudar quando Cristo voltar apartará os cabritos dais ovelhas e o trigo do joio o bom fi cará a sua direita vinde bendito para meu pai os da esquerda apartai vós de mim malditos para o fogo do infêrno MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 214 se dizia na época rossavam a capoeira se era capoeira grossa rosava em meis de maio junho e os pau grosso derrubavam com o maxado para queimar da quadra da prima vêra em meis de setembro e a capoeira era fi na se rosavam queimar em meis de outubro plantar milho e feijão se plantava com o saxo ou sengo As mulheres cuidavam da caza dais hôrtas de mandioca e batata e outras ortalicias cuidavam das vacas pôrcos cavalos êguas burros carneiro cabritos e haves galinha e outros nessa epôca o pobre êra rico e não sabia que êra rico tinha de tudo criolo so comprava o sal e o assucar e a pinga que eles gostavam tomar um gôle na hôra do almoço comer carne de gado cozinhado com feijão preto comer quirera com suan de porco mandioca cozida tomar um bom ximarâo erva criola um xaruto de palha fumo que eles mezmo faziam As mulheres custuravam as roupas para êlas os homem e ais crianças Nessa epoca não tinha radio nem televizão nem lus elétrica nem agua encanada só se trazia da fonte com o barde se alumiavam com lampião a quirozene ou vela candiero de banha de porco Nos dançava o baile com esses lumes e a gaitinha 8 soco ali por 1940 como era gostozo viver nessas epoca Mais tudo mudou hoje os jovem não se trajam como rapais carção para o garrão brinco na orelha fuma se drôga pinse na boca correntâo no pescoço só bertence a violencia o roubo estelhonato secuestro estupro quêrem sempre estar longe de Deus não gostam dais igrejas catolicas e outras evangelicas só Deus sabe como vai terminar Aguarde em Brêve Jezus Cristo virá As marcas do progresso são portanto ilusórias A possibilidade de garantir o sustento a partir de uma produção própria crioula que exigia apenas a compra do sal do açúcar e da pinga é algo muito valorizado pelo autor Acrescentese que esse contexto levava a uma relação próxima entre pais e fi lhos defi nida pelo trabalho como valor A construção de uma nova família a partir do casamento como um importante projeto de vida Contexto que em outro trecho Campos contrasta com a atualidade jovens não querem saber de trabalhar só estudam e nas horas vagas dormem ou assistem TV pressionam os pais com desejos de consumo Moças engravidam solteiras casais permanecem juntos por pouco tempo Um mundo de coisas e pessoas descartáveis A interpretação dos sinais trazidos pelas mudanças contemporâneas a partir de uma perspectiva escatológica por sua vez se sustenta em uma fi gura religiosa muito importante nas concepções do autor o santo profeta João Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 215 Maria de Jesus do qual possui uma foto e um livro e sobre o qual conta histórias ocorridas na região Acrescentese ser tal temática que leva ainda João Oliverto a ser visitado entrevistado fi lmado fotografado e gravado por mais de um grupo de professores e alunos da Zattarlândia em seu livro constam os nomes ou assinaturas de dezenas de crianças junto a suas professoras O relato da história do Morro da Cruz o primeiro escrito de sua Agenda de caráter menos pessoal é uma referência importante para o autor que também inicia a procissão até o local Ele assim o faz Uma histôria do morro da crus Contada pelos 5 Homens Antigos que contavam pro meu pai e eles proziando e eu anotando no caderno Contado por 1 Jeronimo Leonardo de Ramos fazendeiro Contado por 2 Diulindro Elauterio de Ramos fazendeiro Contado por 3 pedro Cavalheiro de lima fazendeiro Contado por 4 antonio Benizio de Ramos lavrador Contado por 5 Manoel fagundes lavrador Diziam eles Que no ano de 1894 nas 3 lagoas abaixo do morro a beira da estrada tropeira na logoa do meio foi encontrado um dragão igual a quele que São Jorge esta lanceando só que o dragão estava morto os homem que voltiavam a mata o acharam o fenômeno e se assustaram munto e a vizaram os vizinhos da Epôca Reuniuce o povo como não sabiam o que fazer montaram no burro e puxaram outro e lá se foram para a cidade de Guarapuava buscar o franscisco Clêve Chico Clêve que hoje tem só a praça Cleve e o homem veio ver o fenômeno e disse não é do meu conhecimento esse fenômeno Voceis amontoem bastante lenha e queime só não tomem a fumaça assim a fi zeram Dali a poucos dias chegou o profeta João Maria de Jezus o povo assustado contaram o cauzo ao profêta ele nada dice só dice voceis estão vendo aquele morro lá em nossa frente estamos sim tudo bem no dia 3 de Maio voceis plantem uma crus de sedro lá e rezem e façam suas oração quando eu de novo voltar por aqui voceis tem cauzo a me contar e o povo feis o pedido do profeta colocaram o cruzeiro no morro e fi zeram as oração Diziam eles quando chegou o ano de 1900 escureceu o lugar e sobre veio uma grande tempestade vendaval que uma arvore alcançou a outra mezmo no pinhal gigante foi grande MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 216 o estrago mais não matou ninguém não levou o rancho de ninguém que para um compadre ir ver o outro se não tinha morrido percizava de ferramentas machado foice facão e serra de trasar mais os compadres estavam tudo bem grassas a Deus eles pensaram temos que contar o profeta sobre a tormenta Mais não foi só isso não Quando chegou o ano de 1902 escureceu o lugar parecia vir outra tormenta comessaram a rezar e fazer suas peces pedir auxilio a Deus e lembrar de S João Maria caiu a chuva e logo clariou de novo o sol volto a brilhar não foi nada grassas a Deus e S João Maria saiu de novamente os peão a voltiar a mata a passar pela estrada tropeira deram com a lagoa do meio cheia de cobras de todas as espécies ate de aza todas mortas sairam de novamente avizar os vizinho que a laga do Monstro estava cheia de cóbras só que estavam mórtas se reuniram de novamente os vizinhos da êpoca ate de longe vieram ver o fenomeno lembraram da recomendação do Clêve vamos amontoar e queimar assim o fi zeram Na queles dias veio o profeta João Maria e elles tiveram coiza para contar a elle e elle dice se voceis tivessem ABuzado atormenta mataria munta gente e criação destruiria muntos ranchos e as cóbras cairiam vivas e terminaria o resto sobrava munto pouco mais como voceis não ABuzaram nada aconteceu e nunca deixem de fazer as oração lá no morro dia 3 de maio de cada ano por que no futuro se fi cará ABandonado cair ais crus e não mais colocarem os fenomenos vão se repetir Eu tenho fé em Nso Sr Jezus Cristo e em São João Maria e nossa Mãe Santicima e no pai fi lio espírito santo e em toda a igreja que não vão se repetir os fenomenos vai ser um ponto turístico o morro da crus morro de João Maria eu escrevi esta historia para fi car de lembrança João oliverto de Campos poço Grande pinhão pr estou quazi com 80 anos naci em Guarapuava Quando meus pais vieram para o pinhão 4 de Maio de 1932 eu completava 6 anos no dia 6 de maio naci em 1926 Rezido no pinhão a 73 anos Explicitase que a realidade do passado também não é romântica mas repleta de perigos No entanto esses não são humanos tempestades e vendavais dragões e cobras inclusive de asas que aparecem mortos Por Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 217 outro lado são as atitudes humanas responsáveis por suas consequências o respeito aos conselhos de Chico Clêve23 e São João Maria e a adoção de ações corretas frente aos sinistros acontecimentos protegem o povo do lugar impedindo que se tornem vítimas O profeta por sua vez convive com os antepassados sacraliza o local e ensina aos moradores a forma própria de se portar tanto no cotidiano quanto em grandes momentos Ele representa esse passado de mistérios e sabedoria que o presente insiste em desconsiderar embora os riscos não tenham deixado de rondar Poço Grande e o mundo de maneira mais ampla Nesse sentido é interessante observar a interpretação que João Oliverto faz das notícias a que tem acesso através das leituras e da mídia Elas contribuem para a perspectiva escatológica são claros sinais de que a proximidade do apocalipse é uma realidade e que as profecias de São João Maria se cumprirão O século XX e o início do XXI são lidos a partir de suas guerras crises catástrofes naturais que embora não sejam responsabilidade exclusivamente humana são refl exos dos caminhos tomados pela humanidade no período falta de FÊ e confi ança Em Deus Contado pelos antigos que apôis Guêrra 1º Guêrra Mundial de 1914 a 1917 aperaceu Nª Sª em fatima aos 3 vidente lucia francisco e Jacinta em fatima na cova de iria em portugual de 13 de maio a 13 de outubro de 1917 mandando rezar o terço pra guerra acabar e contavam que em 1918 chegou a gripe espanhola matou centenas de povos no Brazil e em 1924 estorou a Revolução federalista S Paulo paraná e Rio Grande do Sul e em 1929 a crize mundial e em 1930 a Revolução Getulista o Getulio Varga ganhou o poder ditadura getulista por 15 anos em 1935 A Tentona Cumunista no Rio de Janeiro não vigorou em 1 de setembro de 1939 estorou a 2ª Guêrra Mundial terminou e em 8 de maio de 1945 milhôes de môrtos em 1941 a Ratada no Paraná em 1946 a 1947 gafanhoto no paraná 1947 a peste suína terminou com os porcos 1948 a febre afetoza no gado caprino e ouvinos e os porcos que sobrou em 1964 em 31 de março estorou a Revolução contra o prezidente João Gular e Brizôla a ditadura militar por 20 anos até 1984 e por fi m chegou o 3º Milenio Ceculo 21 ano 2000 ai foi só mudando torneado ciclones no esterior e no Brazil e no mundo atual violencias assaltos sequestros drôgas prostuição ao AR livre 23 Não há maiores informações sobre quem seja ele embora seu nome estar em uma praça indique ser pessoa de destaque na Guarapuava da época MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 218 2005 gripe do frango 2009 a gripe suína no povo brazileiro veio do Mexico em 7 de setembro de 2008 para 8 de setembro de 2009 a enorme tempestade que atingiu todo o parana 46 municipio e Santa Catarina 6º município Sta Catarina já tinha sofrido catastro em 2008 Rio Grande do Sul e São Paulo sofreram agora nesta de setembro milhões de dezabrigados e muntas mórtes e só Deus pode valer por que está se comprindo as professias bílbicas o fi nal esta se aprocimando na sua igreja catolicos ou evangelicos joelhos no chão terços e bíblia na mão sera a tua salvação Ou ainda Deus o Homem e a Natureza Deus criou a natureza criou o homem e ao passar os céculo o homem destruiu a natureza e a natureza se revoltou contra o homem Ai vem o aquecimento grobal que os cientistas falam vem as fôrtes tempestades que destroem cidades e mais cidades ventos de 160 por hora pedreiras enormes que môe tudo chuvas fôrtes demais no passado não êra assim para nos vêlhos de 80 a 90 anos vimos o passado hoje está tudo diferente a natureza não se sabe quando e invêrno ou verão está cêrto como dice João Maria de Jezus que hoje o homem Abuza de tudo e alguns dizem que Deus não eziste muntas escóla encinam assim que Deus e uma história E ai como fi ca os jôvem do futuro como fi ca a sua fê ai vai vindo castigo de Deus sobre a humanidade como nós fala a santa Bibia no antigo testamento Sodoma e Gomorra samaria e jeruzalem Sodoma e Gomorra ainda EZIste mais foram sofridos e hoje o preconseito está em tudo que ê igreja seja catolica evangelica o Juda sempre está lá Amando o preconceito e assim vai ate o fi m Curiosamente apesar de abordar as mudanças ocorridas com relação ao passado e morar em região muito próxima à Zattarlândia não há nos manuscritos de Campos nenhuma referência à atuação da madeireira João José Zattar ou de suas consequências na região Silêncio sobre a formação do povoado a grande afl uência de pessoas de fora a presença de grupos armados e os embates com moradores locais As transformações relatadas de maneira negativa remetem ao fi nal dos tempos não a uma mudança nas relações produtivas no município Nenhum comentário seja sobre o progresso Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 219 seja sobre o confl ito ou a destruição ambiental aspectos recorrentes quando a questão da madeireira é abordada A única menção à empresa ocorre ao falar de Juvenal de Assis Machado o Machadinho fi gura importante em suas memórias por ser uma pessoa de proeminência regional chegou a ser prefeito de Guarapuava amigo de seu pai responsável pela contratação do professor particular que lhe deu aulas em 1939 e 1940 Em 1942 Machadinho teria se tornado comprador de pinheiros gigantes Teria sido ele o responsável por trazer a Zattar para Bom Retiro24 Quanto às consequências desta vinda silêncio Os indícios do fi m dos tempos não retiram contudo a responsabilidade das pessoas em desempenhar os papéis cívicos e religiosos que lhes cabem Apesar da idade da solidão dos preconceitos de que se sente vítima pela velhice João Oliverto continua cumprindo com seus deveres como católico25 zelando de sua propriedade e da capela próxima recebendo as pessoas que vêm de fora para ouvir suas histórias registrando suas impressões sobre o passado o presente e o futuro Em seus recortes e manuscritos preocupações com o devir a busca de uma boa velhice e de uma boa morte E o cumprimento de obrigações religiosas e cívicas26 O que faz e fará em Poço Grande Bom Retiro Pinhão seu lugar no mundo 2 Histórias que se contam para as crianças Os textos analisados a seguir foram elaborados em atividade desenvolvida com os estudantes das turmas de história do 6º ao 8º ano do ensino fundamental da E E Izaltino Bastos em outubro de 2012 então sob a responsabilidade da Profa Alecxandra Portella A proposta por mim apresentada aos alunos foi de que produzissem relatos sobre o passado local sem tema defi nido a partir de conversas com pais avós parentes mais velhos vizinhos etc A temática não foi previamente estipulada de maneira intencional tendo como objetivo perceber quais os aspectos eleitos como eixos das narrativas e como os jovens as abordariam Dois estímulos para a realização da proposta 24 Novamente o silêncio não é sinônimo de esquecimento Em uma conversa João Oliverto menciona sua lembrança sobre vizinhos que venderam árvores e enganados assinaram uma escritura de venda da sua propriedade Eles tiveram que abandonar o local e nunca mais conseguiram ter acesso a um pedaço de terra próprio 25 Em uma anotação ao fi nal do livro uma das duas únicas manuscritas datada de 2009 o relato de um momento em que o autor teria expulsado o demônio do corpo de uma sobrinha apontando poderes e funções religiosas mais amplas do que se poderia supor pelas descrições anteriores 26 O último texto da Agenda que no entanto não é o último escrito pois como apontamos ele é construído tanto de frente para trás quanto de trás para frente é o relato de sua admiração por Getúlio Vargas em quem votou pela primeira vez sua participação em mesas eleitorais por três décadas e o cumprimento do direito de votar que pretende exercer até a morte MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 220 a Profa Alecxandra consideraria o resultado da atividade em seu processo de avaliação do desempenho na disciplina e todos aqueles que participassem concorreriam a um sorteio de material esportivo a ser posteriormente realizado Foram então redigidos 141 textos por 140 alunos apenas dois do 9º ano que participaram da atividade voluntariamente Ou seja de um total de 262 matriculados do 6º ao 8º ano no início de 2012 138 entregaram textos uma participação de 527 dos estudantes matriculados que deve ter sido ainda mais substancial devido às desistências ocorridas ao longo de 2012 Cada texto possui entre algumas linhas e algumas páginas27 No entanto mais do que as produções individuais a totalidade pode ser tomada como um conjunto expressivo na medida em que as diferentes seleções e interpretações dadas pelos jovens das histórias a eles narradas compõem um corpo signifi cativo com algumas temáticas recorrentes e perspectivas comuns Assim alguns dados quantitativos são aqui relevantes Destacamse de maneira evidente as narrativas sobre trajetórias familiares que são tema de 67 redações ou seja 475 do total das narrativas aborda esta questão Dentre elas um quarto 17 textos tem como referência a temática da guerra como vinculada à história dos antepassados Um segundo tema recorrente é aquele que trata da rusticidade do passado presente em 50 textos 355 do total sendo um componente comum as descrições do sistema de ensino do passado e das difi culdades de transporte material infraestrutura enfrentados pelos alunos Em terceiro lugar aparecem as histórias de visagens presentes em 21 escritos 149 As referências aos confl itos recentes com a Zattar ou a processos de expropriação e violência vinculados à empresa ocorrem em apenas 9 casos 64 Há ainda alguns relatos sobre a trajetória do próprio autor a história do lugar de moradia ou de Pinhão o sistema de terras livres que marcava o Faxinal dos Ribeiros festas e práticas religiosas a vida local brincadeiras de crianças entre outros Além disso os temas não se excluem mutuamente havendo textos que abordam vários deles interligados A riqueza do conjunto da produção dos alunos difi culta explorar todas as possibilidades de análise e questões levantadas por eles Assim a proposta é de trazer alguns textos não por sua representatividade em relação ao todo mas por permitirem considerar as várias perspectivas construídas sobre o passado As trajetórias familiares tema mais recorrente são narradas muitas vezes a partir de um ou alguns ancestrais específi cos Nelas adquirem destaque 27 Os textos citados a seguir o serão em sua totalidade a fi m de que seja possível compreender sua estrutura Também passarão por uma revisão básica de português mantendo expressões e grafi as fora da norma culta apenas quando forem consideradas signifi cativas Além disso devido a algumas temáticas terem relação não só com o passado mas com a tensão do presente e objetivando não expor seus autores não será citada a autoria de cada um deles mas apenas o gênero e a série de quem o elaborou Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 221 os deslocamentos tanto passados quanto presentes responsáveis pela confi guração familiar no momento da escrita como no seguinte texto Um pouco sobre a vida da minha família Eu nasci no Pinhão mas moro no Lajeado Feio II Eu adoro morar lá e é incrível Eu tenho três avós e uma bisavó O nome dela é Isaltina Maria de França e a fi lha dela é Idalvina Bueno Kinceler e a avó da minha avó é Irondina e minha bisavó tem 96 anos A minha avó tem 53 anos Minha bisa nasceu no Pinhão e morou no Iguaçu e depois Faxinal dos Ribeiros e depois no Pinhão e agora está morando no Paredão Cruz Machado E minha avó nasceu no Pimpão e se criou no Pimpão e agora está morando no Avencal e minha avó tem sete irmãos Eu tenho quatro tios treze tias e minha outra avó tem 56 anos o nome dela é Anatália e mora no Lajeado Feio II Ela morou em Santa Emília e o meu avô Sebastião morou na Colônia e são casados desde quando minha avó tinha quinze anos E agora eu estou morando no Avencal Etc Aluna do 6º ano Aqui uma ideia de que a história familiar envolve a nomeação de seus componentes mais importantes e os movimentos por eles realizados Uma fi xação no solo relativa por um lado os membros da família se mudam constantemente por outro o fazem principalmente dentro de um território comum que envolve as cidades de Cruz Machado e Pinhão e toda a zona rural intermediária O que é facilitado devido à maneira com que as moradias são construídas na região de madeira ou mais recentemente prémoldado permitindo que sejam desmontadas transferidas para outros lugares vendidas28 em outras palavras muito mais bem móveis que imóveis Os vínculos familiares de compadrio e amizade por sua vez permanecem apesar das mudanças devido à relativa proximidade Na verdade o fl uxo de pessoas estabelece uma rede de apoio signifi cativa há sempre parentes compadres exvizinhos ou amigos na cidade ou na zona rural onde se pode comer fi car algum tempo ou mesmo dormir posar no vocabulário local em algum momento de necessidade ou diversão embora haja também restrições ao abuso da hospitalidade E simultaneamente é possível evitar algumas tensões 28 O contraste com o contexto de Minas Gerais por mim anteriormente pesquisado é muito interessante Com efeito as moradias de adobe ou alvenaria comuns em Minas levam tanto a uma fi xação em um local específi co quanto à permanência de evidências da ocupação caso este seja abandonado Já no interior paranaense o sistema comum de desconstrução e reconstrução de casas leva a que haja muito mais fl exibilidade em relação ao local de moradia sempre potencialmente modifi cável Mesmo que na atualidade haja alguma perda por exemplo com os pisos ou a estrutura do banheiro ela é sempre relativa e não impede a comercialização de casas ou sua mudança de lugar MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 222 e confl itos com a saída de um lugar onde eles se tornem muito intensos Neste texto no entanto não há qualquer referência aos motivos dos deslocamentos apenas a eles em si mesmos Mas o etc ao fi nal indica que a autora não pensa nestes como tendo cessado tem a trajetória familiar em aberto Mas se há uma tendência ao deslocamento próximo este não é o único mobilizado pelas famílias Também ocorrem migrações mais amplas29 o que não implica necessariamente em uma ruptura com o lugar de origem ou com os valores a ele relacionados O que pode ser percebido no texto de outro aluno A minha mãe é natural de Pinhalzinho Viveu ali até os dez anos depois foi com os pais para Cruz Machado Ficou lá até seus quatorze anos depois foi para São Paulo fi cou lá seis anos e oito meses depois voltou para o Pinhão Casou e teve nós Daí viveu no interior depois foi morar na cidade de Pinhão Viveu quatro anos lá mas nós fomos crescendo e a mãe achou melhor vir para o interior porque ela tem água à vontade tem lenha tem galinha para botar e também para comer ovos e também umas vaquinhas para tomar um leitinho com farinha e com café e para fazer bolos e bolachas e também fazer todas as deliciosas coisas com leite sem precisar comprar leite e também horta cheinha de verduras para comer todos os dias nas refeições e também tem um espaço sufi ciente para o que quiser fazer Ela falou que no interior é só alegria e a mãe é formada em técnico especializado e formado pelo SENAC e ela é formada desde 2004 Ela não está trabalhando porque aqui no Ribeiro não tem indústria nem comércio Aluno do 7º ano Neste caso o retorno ao lugar de origem resulta da possibilidade de manter ali um estilo de vida inviável na cidade seja São Paulo seja Pinhão A produção do próprio alimento e a capacidade de desfrutar uma existência mais livre são interpretadas como mais relevantes que o trabalho que poderia advir de uma formação técnica Afi nal no interior é só alegria mesmo sem indústria ou comércio Os deslocamentos não se dão portanto em um sentido único do campo para a cidade com a consequente perda dos vínculos e valores deixados para trás Ao contrário ocorrem em múltiplos sentidos Em alguns casos mesmo o desejo de levar um estilo de vida específi co característico do lugar defi ne a saída de um centro urbano e a opção pela vida na roça como no texto a seguir 29 Destinos comuns na atualidade são Santa Catarina e em menor escala Mato Grosso e Rondônia Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 223 Em 1997 dia 14 de dezembro o meu avô chegou em Faxinal dos Taquaras com a minha avó que queria vir morar nos matos E meu avô vendeu a sua casa em Guarapuava para um primo dele e acabou comprando um terreno em Faxinal dos Taquaras Quando ele chegou no terreno era um matão taquarazal e ele roçou para poder fazer a casa lavoura potreiro Depois que ele fez a casa minha avó veio morar e trouxe seus fi lhos A sua fi lha que é minha mãe morava em um paiol Eu tinha dois anos e minha mãe teve um bebê e de repente caiu uma vela no lençol da cama e pegou fogo ela teve que chamar o meu avô Com o tempo nós já ouvimos muitas histórias com ele Ele conta que tinha um velhinho de 60 anos e um de 30 anos Um dia o velhinho falou que ia plantar algumas laranjeiras e o homem de 30 anos falou que quando desse laranja ele já teria morrido Mas não foi o que aconteceu Quando deu laranja o homem de 30 anos tinha morrido e o de 60 anos chupou laranja por muitos anos O meu avô tocava em baile quando mais jovem sempre que saía um baile eles iam procurálo Ele tocava gaita mas com o tempo ele deixou de tocar pois ele casou daí vieram os fi lhos ele se mudou e começou a trabalhar na roça Agora ele só toca às vezes Com o tempo ele foi construindo uma casa maior Nem o meu avô nem a minha avó têm estudo Eles contam que quando os fi lhos deles estudavam eles levavam os materiais num pacote de arroz ou de açúcar chinelinho de dedo e eles não tinham roupas compradas Era minha avó que costurava as roupas para eles usarem Eles não tinham luz era à base de vela Quando alguém comprava um colchão que era bem fi no eles falavam que a pessoa estava rica pois naquele tempo os colchões eram feitos de palha quando ia dormir tinha que fi car arrumando porque se não fi caria ruim para dormir E as casas eram de ripas e não tinha assoalho era de chão E as escolas não tinham ônibus para buscar e levar os alunos A minha mãe e meus tios e tias quando estudavam eles iam a pé todo dia com chuva e com sol Ela conta que eles não compravam trigo arroz feijão e que os doces ela fazia de açúcar e o fogão dela era feito de barro Meu avô conta que no Pinhão tinha apurado vinte casas e dois mercados quando ele veio morar aqui Mas teve muitas alegrias e tristeza Com o tempo morreu na frente da minha casa a minha prima depois de anos morreu o meu tio e eu achei que eu não ia conseguir morar mais aqui A minha avó quase fi cou louca pois ela o amava Aluna do 8º ano MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 224 Embora a narrativa leve à suposição de que a vida em Guarapuava foi antecedida por uma criação no interior e em Pinhão pois as descrições em torno da forma como se vivia remetem àquelas relativas ao passado do Faxinal dos Ribeiros e Pinhão retratado com vinte casas e dois mercados não se refere a 1997 é interessante observar como a rusticidade não é um fator de restrição à vida no interior Ao contrário há o desejo de morar nos matos mesmo que para isto seja necessário abrir o terreno e construir um espaço de vida com trabalho lutar para produzir o sustento e enfrentar as difi culdades de uma infraestrutura mais simples Como aponta a história dos homens de trinta e sessenta anos o trabalho na terra sempre recompensa e o desprezo a ele indica falta de sabedoria Os empecilhos estão em outra esfera as experiências de morte cujos motivos não são entretanto explicitados A perspectiva dessa forma de vida específi ca é dúbia por um lado o sofrimento de um contexto com difi culdades de transporte acesso à saúde bens de consumo Por outro a afi rmação da autonomia e de uma forma específi ca e valorizada de viver Mas em ambos os casos algo sobre o que se deseja falar Os quatro textos abaixo mostram várias interpretações da rusticidade do passado Hoje em dia as pessoas acham que a vida está difícil Imagine alguns anos atrás A começar pelo transporte que eu vou para a escola Hoje ninguém gasta calçado se depender do transporte só vai a pé quem quer Antigamente se quisesse estudar era obrigadoa andar a pé independentemente se chovia ou fazia sol O material escolar era apenas um caderno escreviam com pena livro jamais existia mochila era sacola de pano alguns faziam de pacotes Não existia luz nem seus componentes Fazer compra era muito difícil tudo era crioulo plantado nas roças e lavouras E no caso de doenças eram transportados de carroça Se a doença fosse grave a pessoa chegaria até morrer na viagem porque demoraria alguns dias para chegar no hospital No caso das mulheres ganhar nenê existia algumas mulheres que faziam o parto em casa que se chamavam parteiras Desculpe dos erros espero que esteja bom Aluna do 6º ano A vida da minha mãe Ela mora no Faxinal dos Ribeiros Ela entrou na escola com 10 anos Era muito longe era só por carreiro e carregavam o material em pacote de açúcar Só que ela não gostava de estudar Eles moravam no faxinal e tinham que vir trabalhar no Pimpão Eles plantavam milho feijão verduras etc A vó fazia farinha de milho farinha de mandioca polvilho Não tinha geladeira guardavam a carne na lata etc Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 225 Eles usavam cavalo como transporte Não tinha estrada só carreiro por isso eles usavam mais o cavalo etc Moravam em paiol era rodeado de tábua e coberto com tábua e tinha chão de terra e perto do paiol era fl oresta Não tinham tempo para brincar era só ajudar os pais Aluna do 6º ano Como era a vida dos antigos As casas eram rodeadas de esteira de taquara Não existiam tipos de comidas que tem hoje só existia arroz feijão trigo fubá de milho mandioca batata doce Não tinha estudo como tem hoje Os meus pais só conseguiram tirar a primeira série As festas e os bailes não é como as este Só eram uma romaria São Gonçalo Estes eram os tipos de músicas Nos bailes dava muita briga as pessoas bebiam a noite inteirinha De madrugada já estavam todos bêbados E brigavam até se matar cada briga que dava morria dois ou três Não tinha empregos Eles faziam de cinco alqueires de roça para ter o que viver Eles deixavam os fi lhos na casa e saíam de madrugada Era inverno de madrugada estava branco de geada e eles iam trabalhar por dia para os outros para pegar dinheiro Hoje não Tudo é mais fácil Hoje tem tudo o que precisar é só querer Mas a história não termina aqui Se for para ouvir os mais velhos pois se for falar o que eles passaram a gente escreve um livro inteiro Aluno do 7º ano Como era antes tempos Antes tempos meu pai me disse que ele morava no Zattarlândia Ele estudava na Escola R M Francisco Ferreira e o seu irmão Moravam longe da escola iam a pé ou a cavalo De vez em quando meu pai não tinha tanta roupa para ir para a escola e nem dinheiro também nem mochila Levavam sua sacola de plástico caminhavam muito até chegar à escola era muito longe de casa e para voltar tinham que ter muito cuidado com tigre e outros animais No caminho lá no Zattar era muito pinheiro Por isso chamam de Zattarlândia e é muito perigoso também Meu pai trabalhava na roça buscava lenha e também água O dinheiro era muito pouco para eles comprarem roupa Daqui uns anos não ganhavam nem salário mínimo e nem bolsa família Era muita MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 226 preocupação com eles como a comida o dinheiro e o salário Tinha que trabalhar para ganhar o dinheiro e a comida Minha avó fazia roupa para a avó o meu avô e os seus fi lhos Minha avó tinha seis fi lhos ela pegava algodão para fazer roupa e pele de carneiro e de ovelha e a crina de cavalo Meu avô trabalhava muito e minha avó e os fi lhos Os fi lhos minha avó tinha quatro fi lhas e dois fi lhos Ajudavam muito eles na roça na colheita em casa fora e gostavam muito do trabalho Aluna do 6º ano Alguns aspectos chamam a atenção das crianças como a inexistência de transporte automotivo a necessidade de caminhar a pé longas distâncias a ausência de material escolar a difi culdade de acesso a roupas e calçados o consumo quase exclusivo de alimentos produzidos pela própria família as moradias rústicas Mas se essas situações eram descritas como sofridas por outro lado como aponta o último texto os fi lhos ajudavam os pais na roça na colheira em casa fora e gostavam muito do trabalho Remete à afi rmação já citada de que a vida no interior é só alegria Por outro lado o terceiro texto traz os confl itos e a violência cotidiana bailes com bebedeiras brigas assassinatos múltiplos Aspecto já presente nos textos analisados no item anterior e que compõe a imagem de um passado de homens armados e em que os momentos de reuniões e diversão representavam sempre perigo o que ainda pode ser observado em situações contemporâneas O último texto traz ainda outro ponto relevante a autora diz que o pai morava na Zattarlândia mas esta não aparece como um local diferenciado nem há referências à ação da empresa madeireira Apenas a descrição do lugar como um denso pinheiral povoado por tigres e outros animais e muito perigoso Somente o trabalho autônomo na roça com criação a lida doméstica Nenhum outro vínculo com um espaço que em conversas com moradores locais era descrito tanto a partir de sua pujança e acesso a recursos diferenciados quanto pelos perigos e sistema de controle lá existentes Voltando às trajetórias familiares um dos aspectos que se destaca nas redações dos alunos presente em torno de 25 daquelas que abordam o tema é a relação de antepassados com contextos de guerra Guerra às vezes identifi cada outras indefi nida mas que submete os ancestrais a situações de grande sofrimento ou pelo menos ao risco do sofrimento Na maioria dos casos ela é o móvel para o início do processo migratório que se encerra na zona rural de Pinhão Embora a ameaça da guerra não desapareça como demonstram situações em que aqueles que dela haviam fugido são chamados a lutar novamente ou em que moradores locais são convocados a participar de batalhas A meu ver este é o tema em que os textos dos alunos são mais ricos e complexos e a citação integral de alguns deles permitirá ao leitor Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 227 desenvolver outros caminhos de raciocínio distintos daqueles aqui sugeridos Um dos textos que identifi ca a guerra a que se refere distinguese dos demais pela precisão temporal e acuidade das informações Referese ao Contestado à fuga dos ancestrais à fi xação no lugar e permanência mesmo que isto também tenha envolvido lutas tanto para a sobrevivência na comunidade quanto pela preservação ambiental estas não explicitadas Um aspecto signifi cativo do texto é a afi rmação de que os membros da família que chegam a Pocinhos portam consigo um arsenal bélico embora não haja referência ao destino posterior deste arsenal30 História da origem dos Jocoski No ano de 1916 chegaram até a nossa comunidade de Pocinhos três membros da família Jocoski oriundos da região onde aconteceu uma verdadeira guerra conhecida como Guerra do Contestado Vieram fugindo pelas matas abrindo picadas com foices e facões trazendo junto um arsenal de armas e munições dois dos Jocoski acamparam nas margens do Rio da Areia região de Pinhão Com isso foram fi cando no local e constituindo famílias onde estamos até os dias de hoje na mesma região Somos pequenos agricultores ou seja somos da agricultura familiar lutamos pela nossa permanência e sobrevivência na comunidade onde também defendemos a preservação do nosso ambiente em que vivemos que é a nossa fauna e fl ora Aluna do 8º ano Outros relatos embora façam referência a confl itos específi cos em seus detalhes demonstram a impossibilidade de que se refi ram exatamente a eles ou que seus desdobramentos sejam aqueles afi rmados Assim no texto a seguir o ancestral foge da Segunda Guerra Mundial a pé se fi xa em Palmas e posteriormente vem para o interior de Pinhão Além disso a possibilidade de trazer algo de valor da guerra como armas e munições é pouco comum nas narrativas Ao contrário o contexto de guerra é de extrema falta inclusive de itens básicos de alimentação Aqui o bisavô precisa se tornar canibal bebendo o sangue de soldados mortos para sobreviver E a experiência da fuga da guerra o deixa debilitado de maneira defi nitiva estando impossibilitado de caminhar ao chegar a seu destino morrendo em idade não muito avançada 30 É interessante observar que há um morador do Bom Retiro que possui espadas da época do Segundo Império Também em Faxinal dos Taquaras onde alguns membros relacionam sua história familiar ao Contestado houve referência à sacralização do local onde estava construída a primeira igreja católica e na atualidade a igreja da Congregação Cristã através de espadas trazidas da guerra e lá enterradas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 228 Eu vou escrever sobre a história do meu bisavô Diogo Silvério Mendes Ele foi soldado da 2ª Guerra Mundial mais ou menos no ano de 1945 com 25 anos Chegando lá meu bisavô passou fome sede frio medo Para não morrerem de fome e sede eles forravam os braços com uma túnica e bebiam o sangue dos soldados mortos Depois de muito sofrimento meu bisavô e mais três soldados conseguiram fugir da guerra Andaram muitos quilômetros a pé no meio do mato Moraram muitos anos em Palmas Teve quatro fi lhos e se casou com Otília Mendes De Palmas veio morar no interior da cidade de Pinhão Quando chegou em Pinhão ele não conseguia mais andar por causa dos tiros que levou na guerra Depois de tanto sofrimento faleceu com 60 anos Está sepultado no cemitério do Faxinal dos Ribeiros Aluna do 7º ano A saga do paraguaio Teófi lo e de sua família abordada de forma mais genérica em Faxinal dos Ribeiros é uma grande referência para seus descendentes e traz uma riqueza de detalhes signifi cativa Em um caso em que os vínculos familiares de uma estudante são conhecidos e em que seu avô paterno é um dos símbolos do sofrimento pela ação dos jagunços da Zattar e da resistência a ela a autora opta por falar de sua família materna a família de Teófi lo Uma breve referência à luta contra a madeireira apenas da família materna e trechos signifi cativos sobre a fuga da guerra Mas é no texto de outro descendente que a riqueza de detalhes se manifesta de maneira mais plena História de Teófi lo Alves Cerens Morava no Paraguai quando ocorreu a guerra Ele tinha sete anos e veio com o pai mãe e o tio A sua mãe estava grávida de sete meses Estavam vindo pela mata corridos fugindo Trouxeram um burro com bruacas com pouca comida porque conforme o alimento estragava no caminho Deixaram até a porta e as janelas da sua casa abertas porque tiveram que fugir do Paraguai para vir morar no Paraná Levaram três meses para chegar ao Paraná e a mãe de Teófi lo como estava grávida fi cou perdida na mata e morreu Como eles não podiam parar no caminho tiveram de abandonar sua mãe Andrelina porque senão os guardas matavam os três Eles tiveram de vir a pé pela mata fechada A guerra durou dez anos quando chegaram ao Paraná os guardas pegaram o pai de Teófi lo e tio Frederico para levar para a guerra Quando estavam a caminho da guerra souberam que a guerra tinha acabado Soltaramnos no meio do caminho tiveram que vir a pé Enquanto o pai e o tio de Teófi lo Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 229 não chegavam ele fi cou num barraco sozinho Não demorou muito o pai e o tio chegaram e começaram a fazer uma casa onde hoje tem o nome de Campinas E outro amigo de Teófi lo era um piá que tinha em base de doze anos Ele tinha que sustentar dez famílias por causa da guerra Para alimentar as dez famílias ele fazia uma rodilha com uma corda nos carreiros das vacas e matava de quietinho para que os donos não escutassem E comiam a vaca de uma vez só Enquanto algumas pessoas tentavam tirar o couro da vaca as outras pessoas já comiam a carne sem lavar e sem assar sem sal e o couro eles esperavam secar um pouco e mascavam com pelo e tudo Eles moravam no mato como índios quando não tinham o que comer eles tinham de roubar montarias e comiam os couros Tudo isso por causa da guerra ele perdeu a mãe pai só fi cou os parentes tios dez famílias cada uma com mais ou menos oito pessoas Moravam no meio do mato Alfredo Domingues nasceu em 1942 no lugar hoje chamado Faxinal dos Ribeiros Aos treze já trabalhava para sustentar os pais que eram muito doentes Aos vinte e dois anos casouse com Maria de Lourdes Fizeram uma casa no meio do mato que antes era propriedade do Zattar uma madeireira que atentou muito ele mas ele não desistiu Aí chegou o INCRA que dividiu as posses Hoje ele tem um terreno com documento e tudo Tem de história um grande toco de pinheiro que o Zattar derrubou O brotinho que fi cou hoje é quase um pinheiro gigante para quem quiser ver o pinheiro Aluno do 8º ano Vemos aqui uma riqueza de detalhes que amplia simbolicamente a importância da temática da guerra na compreensão da perspectiva local sobre seu passado Uma guerra múltipla em tempos e espaços distintos que marca a vida dos moradores locais Teófi lo já criança a enfrenta com a necessidade da fuga do Paraguai que obriga a família a deixar todos os seus pertences e inclusive sua casa aberta Três meses de caminhada em meio à mata a perda da mãe grávida a fuga dos soldados e o risco de morte E no momento da chegada o encontro com os temidos guardas e a necessidade dos homens de retornar para a guerra que para a sorte deles após dez anos havia acabado fi cando Teófi lo sozinho no novo lugar Mas o destino de um amigo de Teófi lo é muito mais grave e não há indícios de que fosse paraguaio Com doze anos precisando sustentar sozinho dez famílias que moravam no meio do mato Tendo como recurso o roubo de gado comido cru de uma só vez sem sal sem sequer lavar a carne o couro mastigado logo que começava a secar com pelo em um processo de desumanização extrema Perdeu não apenas a mãe mas ambos os genitores fi cando ainda com o encargo do sustento dos parentes MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 230 Posteriormente os problemas de Alfredo Domingues natural de Faxinal dos Ribeiros com a ação da madeireira que atentou muito ele Por ter construído uma casa no meio do mato em área reivindicada como sua pela empresa Mas é possível pensar para quem descendia de alguém que ainda criança tinha fi cado órfão mas sobrevivido à guerra e que encontrou em Faxinal dos Ribeiros o lugar para se estabelecer e construir sua família como não resistir Resistência bem sucedida pois o INCRA regularizou suas terras E o confl ito embora lembrado se tornou coisa do passado o brotinho do toco de pinheiro que o Zattar derrubou hoje é quase um pinheiro gigante Outro relato tão rico quanto o anterior fala de uma guerra distinta mas com proximidades tanto estruturais quanto em relação a suas consequências à história de Teófi lo e seu amigo Interessante observar que quando seu autor foi ler o que havia escrito em sala de aula pulou uma grande parte principalmente aquela que falava do retorno à guerra por ser triste demais Tudo começou com o Senhor Bertolino Prestes e sua mulher Vergilina da Silva Prestes Moravam em uma fazenda em Curitiba lá existiam muitos guerrilheiros de terras aí em diante começou confl ito por um espaço grande de terras e foram se perdendo muitas pessoas dos dois lados tanto dos invasores quanto dos verdadeiros donos das terras Com a guerra em alta os donos das terras tiveram que abandonar suas moradas porque não aguentavam mais ver seus familiares sendo mortos foi nesse momento que resolveram vir para o município de Pinhão em que antes disso se dava o nome de Comarca Dois Irmãos onde na época só existiam dois irmãos que viviam sobre as terras a que hoje se dá o nome de Pinhão Bem continuando fi zeram suas trouxas de roupas cobertas e alimentos colocaram em um cargueiro arreado em burros e mulas por serem resistentes a longas viagens Saíram na noite escura fugindo das tropas armadas Passaram 120 dias viajando entre eles estava uma mulher que estava grávida após ter dado a luz acabou fi cando para trás e veio a falecer Seu fi lho que tinha nascido fi cou com o casal Bertolino e Vergilina Passaram esse tempo todo passando frio chuva dormindo embaixo de árvores e em roda de fogueira sua comida era a caça e frutos do mato e pescando cargueiro Vieram se escondendo pelo mato fazendo picadas com facões pois se fosse por estradas os soldados acabavam pegando e para evitar optaram pelo mato até chegar aqui Foi onde se instalaram juntaram fazendo rancho de pau a pique coberto de folha de taquara construíram uma nova família e deram um novo nome para se esconder dos soldados nome de Família Prestes Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 231 Depois que fi zeram seus barracos foi quando tiveram certeza de que estavam seguros com sua esposa e fi lhos e fi caram impressionados com o lugar pois não tinha ninguém que convivia por aqui pois era só mata por todo lado Após um certo tempo a justiça veio até a família e fez uma proposta para Bertolino em que se fossem para a última guerra lutar se ganhassem a guerra eles poderiam fi car ali na propriedade e se perdessem teriam que ir embora Foi nessa volta para a guerra que descobriram que tinham fi cado algumas pessoas de sua família por lá que se salvaram da guerra e quando foram conversar com essa mulher que sobreviveu ela acabou correndo e foi pega a cachorro e acabaram trazendo junto da família As pessoas que estavam na guerra acabaram presas em uma jaula sem água e sem comida Ficavam lá presos até morrer pois tinham ganhado a guerra As pessoas que estavam presas morriam e um desses homens acabou sobrevivendo pois uma bugre acabou amamentando pela chave da porta e ninguém sabia os guardas se perguntavam como que aquele homem não morria E a mulher fez uma certa pergunta aos guardas Se não conseguissem responder eles iriam soltar o homem preso Antes fui fi lha hoje estou sendo mãe criando fi lhos alheios e marido da minha mãe Não conseguiram responder e soltaram o homem que estava preso e seguiram viagem de volta para perto de sua família de onde não saíram mais Isso faz mais de 100 anos que aconteceu Aluno do 8º ano O relato se inicia com um intenso confl ito de terras agora próximo a Curitiba que resultou na expropriação dos ancestrais Estes então precisam fugir das tropas armadas ou seja assim como no caso anterior são as forças ofi ciais do Estado os grandes opositores O destino uma região de fronteira pouco povoada onde pudessem reconstruir sua vida No trajeto também a morte de uma mulher grávida que deixa o fi lho órfão para ser criado pelos ancestrais E a necessidade de caminhar pelas matas abrindo picadas sobrevivendo com o que podiam adquirir do ambiente sofrendo com as intempéries climáticas Mas ao chegar a Faxinal dos Ribeiros a possibilidade de se estabelecerem criarem raízes construírem família Como estratégia um novo sobrenome Prestes No entanto a desejada tranquilidade ainda não havia sido conquistada pois a justiça vem impor aos ancestrais a luta em uma última guerra Esta ainda pior que a anterior pois os que nela estavam acabaram presos sem água ou comida sujeitos a uma morte lenta Mas a triste sina foi impedida pela ação de uma bugra que amamentava o homem pelo buraco da fechadura e cujo enigma não solucionado permitiu sua libertação e retorno para perto da família Enigma em que ela estava criando fi lhos alheios e marido da minha mãe MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 232 Uma história que remete ao contexto de colonização e à experiência indígena neste contexto É assim que a ancestral encontrada viva no retorno à guerra é pega a cachorro e acaba vindo junto com a família31 Também a mulher responsável por salvar a vida do ancestral alimenta seu próprio pai o marido de minha mãe e ela é uma bugre E a família precisa mudar o seu nome esquecer o seu passado a fi m de fugir dos soldados embora não tenham sido bem sucedidos em fazêlo mesmo adotando esta estratégia Acrescentese que os participantes da guerra foram presos pois tinham ganhado a guerra e não a perdido Uma situação que pode ser pensada como apontando para o duplo vínculo32 da colonização em que a vitória na guerra é a subordinação às normas do vencedor e em que não há saída positiva possível para os povos colonizados O sofrimento e a impossibilidade de vida no local de origem no entanto não são resultados apenas das guerras do passado Também nas últimas décadas foi necessário lutar muito para manter o estilo de vida tradicional e permanecer nas terras Embora sendo relatados com uma frequência muito menor os confl itos com os agentes da madeireira Zattar surgem como um contexto que remete aos sofrimentos do passado trazendo o risco da expulsão da terra natal a privação e em última instância a morte Os jagunços Quando minha mãe era criança sofria muito pois toda minha família morava em terrenos que pertencem a uma fi rma chamada Zattar Eles tinham que viver com o pouco que lhes era dado Sobreviviam tirando erva escondido arrendando roças para plantar e dar quase tudo o que plantavam para a fi rma Mas o tempo foi passando e o povo foi se revoltando e a requerer seus direitos de morador antigo isso gerou confl ito entre os moradores e os jagunços da fi rma 31 João Pacheco de Oliveira Filho 1999 ao comentar sobre a maneira pela qual a ancestralidade indígena aparece nas árvores genealógicas dos brancos brasileiros afi rma Nas elites do Norte e Nordeste é muito comum encontrar pessoas que reivindicam sua descendência indígena mas não africana descrevendo que suas avós ou bisavós foram apanhadas no mato e a dente de cachorro 199 A imagem de uma mulher pega a cachorro no mato pode ser vista como estando vinculada no imaginário nacional à da mulher indígena Neste caso no entanto não representa a inserção de sangue índio na família através da linha materna mas ao contrário identifi ca a própria família pois aquela já é uma parente 32 A noção de duplo vínculo referese a sua defi nição por Bateson 1991 sendo o trecho a seguir ilustrativo What we have done above is to imagine a culture placed in a double bind From its own point of view the culture faces either external extermination or internal disruption and the dilemma is so constructed as to be a dilemma of selfpreservation in the most literal sense Under no circumstances can the preexisting self survive Every move seems to propose either extermination by the larger environment or the pains of inner disruption Even if the culture elects for external adaptation and by some feat achieves the necessary inner metamorphosis that which survives will be a different self 113 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 233 Os jagunços chegavam de repente e atacavam Mulheres e homens crianças disparando balas de revólver e todo tipo de armamento de fogo queimando casas sem dó nem piedade Mas graças a algumas pessoas que tinham o poder de nos ajudar tudo foi mudando e hoje depois de muitos anos nossa família vive tranquila cada um com seu pedacinho de chão sem nenhuma perseguição Aluno do 7º ano São identifi cados aqui mecanismos usados pela madeireira como tentativa de expulsar os moradores locais do território inicialmente a inviabilização da vida cotidiana através da imposição da assinatura de contratos de arrendamento com o confi sco de parte da produção caso esse fosse assinado e da totalidade da produção caso não o fosse Os contratos de arrendamento por sua vez foram utilizados como estratégia para legitimar a reivindicação da João José Zattar SA sobre a propriedade de áreas tradicionalmente ocupadas assinálos implicava no reconhecimento formal de que a propriedade do lugar onde se vivia e trabalhava pertencia à madeireira A ação violenta e opressora dos jagunços foi a resposta da empresa à resistência dos moradores locais aos confi scos e tentativas de expropriação do território Ocorreu de forma marcante na região em que mora o autor Faxinal dos Taquaras A comunidade e em especial sua família se tornaram uma referência em termos da resistência à expropriação mas pagaram um alto preço por isto Como se explicita no texto eles viveram uma situação de guerra tiroteios incêndios múltiplas ameaças Situação que embora parte do passado pois no presente não há mais perseguição é relembrada e contada para os mais jovens Relembrada também a ação de agentes externos que contribuíram nos enfrentamentos à madeireira principalmente vinculados à igreja católica e ao PT que desde a ação de alguns de seus membros em defesa dos direitos dos posseiros na década de 1980 representa uma das principais forças políticas em Faxinal dos Ribeiros No entanto a atuação da madeireira não é sempre lembrada pelo uso direto da força e em nenhum relato ela é tão explícita quanto no citado acima Em outros textos o destaque é dado a um momento anterior a forma pela qual a empresa adquire as terras que afi rma serem de sua propriedade Neles o desconhecimento e simplicidade dos moradores locais levou a processos de logro e abuso de sua boa fé e resultou não somente na impossibilidade de manter sua forma de vida tradicional e em sua saída do território mas também em destruição ambiental Os quatro donos do Faxinal dos Ribeiros Há cem anos atrás o Faxinal dos Ribeiros era dividido em quatro partes eram quatro donos que mandavam no Ribeiro Os donos dessas quatro partes eram Joaquim Silvério e a Joaquina Silvério e MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 234 Manoel Silvério e o Abrão Silvério Essas áreas eram vinte e quatro mil alqueires divididos em quatro partes Nessa época esses quatro donos começaram a fazer troca com o Zattar em troca de capas botas chapéus até que perderam todas as terras para o Zattar Naquele tempo não tinha desmatamento não havia transporte nem estradas só carreiros nem comércio nem comunicação não tinham estudos não existia relógio o transporte era terestimo Eles se alimentavam do que plantavam com arroz feijão batata doce milho Carne eles produziam das criações de porco gado Plantavam na roça Não existia caçada só caçavam o que perseguia a família como feras bravas Era muito pouco povoado só eram quatro irmãos A natureza era muito linda naquele tempo tinha muitos pássaros Não existia energia elétrica A iluminação a fachos de fogo Até que perderam as terras para o Zattar Aluna do 7º ano O Zattar Nos anos 60 e 70 surgiu neste município de Pinhão uma empresa chamada Zattar e começou comprar madeira dos moradores e pegando um documento mentindo que era das madeiras mas na verdade era os terrenos Aí as pessoas analfabetas perdiam o terreno Essa empresa fi cou dona do município e montou uma vila chamada Santa Terezinha e outra chamada Zattarlândia e contratou muitos guardas para cuidar os seus bens Com os terrenos começaram a cortar o material pinheiros imbuias etc e eles cortaram quase toda a madeira e hoje em dia já não tem quase nada E aí eles entregaram as terras para um programa chamado reforma agrária As pessoas que pegaram um lote de terra sofrem com a falta de madeira para construir suas propriedades Aluno do 7º ano No primeiro dos textos quatro donos com um mesmo sobrenome Silvério bastante recorrente na região controlavam imensas áreas de terras no Faxinal dos Ribeiros Tinham uma forma de vida tradicional plantavam os produtos cultivados até os dias de hoje pela população ou seja arroz feijão batata doce milho criavam porco gado Viviam com os recursos do lugar que também conservavam O contato com o mundo externo era difícil as comunicações praticamente inexistentes Não tinham acesso a energia elétrica A natureza era linda com pássaros e matas preservadas Em outras palavras a descrição da rusticidade vista anteriormente aqui com um caráter positivo Mas a chegada do Zattar teria mudado tudo Iludidos trocaram suas terras por bens irrisórios como capas botas chapéus até perderem a totalidade Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 235 dos 24000 alqueires que possuíam Todo um estilo de vida inviabilizado pela malícia e abuso da empresa Já no segundo texto a narrativa de um processo de expropriação de terras através do engano de moradores locais que possuíam documentos regulares de suas glebas De acordo com prática corrente na região de compra de árvores a serem posteriormente cortadas a empresa João José Zattar SA ou em alguns casos um terceiro com contatos com ela propunha uma negociação de árvores ao dono do terreno e este pensando assinar a escritura referente a esta transação assinava documento de venda das terras33 Para tanto contribuía o alto índice de analfabetismo dos moradores da zona rural de Pinhão cf APEART 2002 Francesconi sd Lucas 2009 que impedia um efetivo controle sobre o teor do documento assinado De acordo com o relato do aluno foi através desse processo fraudulento que não somente a madeireira se apropriou ofi cialmente de enormes áreas fi cou dona do município mas também efetuou a extração depredatória da madeira destruindo o meioambiente local e prejudicando os moradores subsequentes lá residentes através da regularização fundiária pela reforma agrária É interessante observar que há narrativas do uso de estratégia semelhante por parte de uma madeireira também na região de CuriúvaPR Segundo os moradores da comunidade quilombola de Água Morna com a chegada de uma serraria à região a ancestral da comunidade Benedita solicitou a um compadre que intermediasse a venda do pinheiral próximo às moradias da comunidade Este ao fazêlo vendeu também as terras Assim os membros do grupo trabalharam no corte da madeira um dos ancestrais doou parte de seus ganhos para a construção de uma igreja no lugar e quando pensaram estar o trabalho concluído foram informados de que as terras haviam sido vendidas e que teriam que sair do local Também aqui o analfabetismo da ancestral e a falta de domínio referente a legislação contratos e questões fundiárias levou à expropriação de parte signifi cativa do território do grupo cf Porto et al 2009 Mas os perigos do mundo não se restringem à guerra ou à ação da madeireira e de seus jagunços ou às brigas e agressões em momentos de reunião coletiva ou a outras tensões presentes no cotidiano das relações sociais Eles perpassam os vários espaços de um mundo encantado povoado por seres como boitatás lobisomens bolas de fogo velas acesas vozes cobras em profusão homens e 33 A prática é em certa medida reconhecida na biografi a de Miguel Zattar em que Monteiro afi rma João José ao longo de muitos anos não comprara terras mas árvores Quando faleceu suas árvores cobriam milhares de alqueires parte signifi cativa dos municípios limítrofes a Pinhão Comprava só a madeira em pé com contratos de exploração que iam de trinta a sessenta anos Ao morrer deixou para seus fi lhos um mar de escrituras de compras entre árvores e retalhos imensos de terras 2008 58 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 236 animais sobrenaturais que perseguem as pessoas Não por acaso quase 15 dos textos dos alunos trazem a temática das visagens do medo que provocam dos riscos que representam E neles as visagens fazem parte do passado mas também do presente São um risco que constitui o mundo E que tem consequências diretas nele como apontam os seguintes textos Em 1990 um jovem de 17 anos se recolheu à tarde para descansar do trabalho na semana de lua cheia Logo ao escurecer escutou uma voz chamando pelo nome dele várias vezes Se aproximou perto da casa e era uma vela acesa Daquela hora em diante ele enlouqueceu e até hoje ele está assim Aluna do 7º ano Contar uma história do lugar onde vocês vivem O meu avô me contou que uma vez ele e seu irmão estavam na mata tirando erva À noite o amigo deles bebeu fi cou bêbado Logo depois surgiu uma brasinha em cima de um toco velho O bêbado começou a chamar a brasinha de boitatá A brasinha começou a crescer crescer e virou uma mulher veio para seu lado e o abraçou Onde a mulher encostou queimou muito e ele acabou morrendo a caminho do hospital Aluno do 7º ano Nestas duas histórias as visagens representam muito mais que meras assombrações Não apenas assustam34 na verdade seu potencial de amedrontar é pequeno uma vela acesa e uma voz uma brasinha que permaneceria assim caso não fosse provocada Mas com um poder deletério uma enlouquece outra queima e mata Elas por sua vez agem em um momento de risco a escuridão da noite E acontecem em um período relativamente recente indicando como fazem parte do presente não do passado Não há nada nos textos que indique que os perigos representados pelas visagens pertenceriam a uma outra época A loucura e a morte no entanto são consequências menos comuns do contato com o sobrenatural Há outra muito mais frequente que implica na inviabilização da moradia em um espaço frequentado por visagens Assim são vários os casos relatados em que a perturbação por elas provocada o medo são motivos de abandono do local de residência Cito a seguir um exemplo Vou contar uma história do meu avô José Ribeiro pai da minha mãe conta até hoje para nós Meu avô hoje mora em Guarapuava ele tem 86 anos é bem velhinho 34 Em pesquisas no Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais era interessante observar que as assombrações não tinham poder no mundo material Elas só assustavam E assustavam muito Mas nos casos de pessoas destemidas capazes de enfrentálas elas perdiam todo o seu impacto Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 237 Há cerca de 50 anos ele morava em Pinhão numa humilde casa com minha avó Oracélia Cortes Ribeiro e cinco fi lhos Naquela humilde casa aconteciam muitas coisas estranhas até que eles desistiram de viver naquela casa e venderam Muitas vezes de acordarem de noite e no chiqueiro de porcos tinha algo que os assustava muito E muitas noites tinham que levantar para ver o que estava acontecendo Quando chegavam perto dos animais estavam todos dormindo Uma noite quando todos dormiam tinha uma porca que tinha criado 12 leitõezinhos Então eles se acordaram com os gritos dos porquinhos Meu avô falou para minha avó fi car na cama que ele ia ver o que estava acontecendo Eles tinham só uma caixa de fósforos com dois palitos só então meu avô falou vou acender um lampião com um palito e o outro deixo para amanhã e foi até o chiqueiro Chegando lá os porquinhos estavam todos dormindo não tinha nada Naquilo meu avô ia voltando para casa quando viu que minha avó tinha gastado o outro palito pois a casa estava toda iluminada Ele fi cou uma fera pois não tinham mais fósforos A vó tinha gastado o último palito Chegando em casa quando abriu a porta para entrar se apagou toda aquela luz que ele viu Então foi até o quarto e xingou a vó falou eu te falei que não era para você gastar o fósforo e a vó só resmungou pois ela estava dormindo O vô chacoalhou a caixa de fósforos e então eles venderam tudo e foram embora O senhor que comprou achou uma panela de dinheiro debaixo da casa e foi embora e nunca mais ninguém mais viu aquele homem Essa é uma história verdadeira que aconteceu com meus avós José Ribeiro e Oracélia Cortes Ribeiro ele tem 86 anos e ela 76 anos ainda vivos Aconteceu em Pinhão Aluna do 7º ano Aqui não pode ser identifi cado um ser ou um evento específi co O que existe é uma série de perturbações inexplicáveis Que inviabilizam o sono provocam inquietações ilusões O transtorno causado é tão grande que implica na venda da casa e mudança para outro lugar No entanto caso houvesse um contato maior com as visagens um controle do medo o destino da família poderia ter sido outro encontrar uma panela de dinheiro enriquecer e ir embora mas então para uma vida melhor E aqui surge outro tema recorrente não só na região de Pinhão mas também em outras áreas do interior paranaense a existência de tesouros escondidos as panelas de dinheiro que são entregues para algumas pessoas através de manifestações de visagens e da coragem para enfrentálas O temor é o grande inimigo nesses casos impedindo o enriquecimento rápido Entretanto retirar uma panela de dinheiro não é tão simples só é capaz de fazêlo aquele a quem a visagem escolhe Por isso em MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 238 outro texto há relato de um local assombrado onde a mãe da narradora diz ter panela de dinheiro mas ninguém conseguiu retirála As narrativas sobre histórias de visagens são muito mais comuns que refl exões sobre sua origem35 Mas em alguns dos textos elas são relacionadas a situações de assassinatos como no seguinte A história do homem de branco Essa história aconteceu em aproximadamente dez anos quando minhas tias estavam vindo a cavalo para casa pois tinham ido ao armazém e na volta quando estavam descendo em uma descida viram um homem de branco caminhando atrás delas Elas não ligaram pois acharam que era um conhecido um homem normal Já estava tarde e estavam com pressa então abriram o portão para passar e notaram que o homem não precisou abrilo Ele conseguiu passar sem abrir Então quando viram aquela cena correram com seus cavalos assustados e cada vez que corriam mais o homem fazia o mesmo até que enfi m chegaram em casa e o homem desapareceu Elas contando o que havia acontecido a seu pai que é meu avô ele lhes contou o que tinha acontecido com aquele homem Ele falou que aproximadamente 30 anos atrás um homem foi beber em um armazém e lá havia outros homens que também estavam bebendo Aquele homem já tendo fama de mau já conseguiu encrenca brigando com outro homem a briga foi separada mas ele não satisfeito foi embora mas fi cou esperando o outro na mata Finalmente quando o homem saiu ele pegou uma faca e o matou Desde então contam que a alma daquele homem vaga pela estrada procurando vingança Mas agora aquela estrada virou mato e foi feita outra estrada mais longe e ninguém passa mais por lá Local do acontecimento Três Barras Aluna do 8º ano A vingança por um ato de maldade é a motivação da existência da visagem A maldade por sua vez ocorre em um contexto propício como já explicitado em textos anteriores o bar que conjuga a bebida alcoólica com situações de proximidade social entre homens e possibilita o surgimento de tensões Mas 35 Em dois momentos ao longo da pesquisa ouvi histórias sobre funcionários da Zattar que teriam se transformado em visagens Em um deles um dos altos funcionários da empresa seria um lobisomem o que era atribuído a uma sina e não a qualquer ação específi ca do funcionário Em outro um aluno fala da maldade dos agentes da empresa como tendo resultado em situações sobrenaturais Um deles teria sido tão ruim que foi necessário cortar suas unhas e cabelos depois de morto No entanto nunca foi possível registrar de maneira mais sistemática esses relatos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 239 neste caso a tensão não será resolvida no próprio local e sim depois à traição De maneira indireta apontase o risco dos espaços coletivos e dos confl itos e a força da vingança No caso contudo esta força se reduz bastante pois aquela estrada virou mato e foi feita outra estrada mais longe e ninguém passa mais por lá As histórias trazem ainda indícios sobre a possibilidade de enfrentar as visagens A coragem é um mecanismo que embora não acabe com elas reduz sua força em contextos específi cos Quando o meu pai viu uma bola de ouro O meu pai estava caçando no Lajeado Feio quando de repente uma bola de ouro apareceu na frente dele e a bola de ouro era brilhante Ficava a um metro e meio do chão e fi cava caindo favo de ouro brilhante e quando chegava ao chão apagava e desaparecia Ele falou que não fi cou com medo e daí o pai pediu disse se for para mim venha e daí a bola se partiu ao meio e cada metade foi para um lado e o pai voltou para casa Onde a minha avó mora tem muitas histórias sobre fantasmas lobisomem Quase todos os irmãos do meu pai já viram e sofreram com fantasma Bom isso que meu pai contou para mim Aluno do 8º ano O enfrentamento da visagem pelo pai do narrador permite a ele retornar para casa sem maiores consequências Mas esta não é uma solução defi nitiva pois o local onde sua avó mora é perturbado por fantasmas e lobisomens E quase todos os tios já foram vítimas desses seres Assim se o medo é um empecilho para quem encara uma visagem a mera coragem não garante que se livre dos problemas por elas provocados Há também outra forma de lidar com o tema assustador Que é não leválo tão a sério A brincadeira embora não negue a importância das manifestações sobrenaturais ou sua realidade faz com que o tema se torne mais leve divertido O riso como uma grande arma e a capacidade de rir de si mesmo e de suas crenças como um dos mecanismos para enfrentar a realidade muitas vezes dura O texto a seguir além de trazer novos exemplos de visagens possíveis inclusive aquela bastante temida que subia em garupa de cavalos e hoje sobe em garupa de motos faz do riso e do medo do outro uma forma de lidar com mais leveza com a questão Oi venho contar uma história meio assustadora Não fi que com medo essa história é como várias outras Aconteceu em Faxinal dos Ribeiros isso há muito tempo atrás com várias pessoas Diziam os MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 240 antigos que quando os homens iam para o bar beber na volta quando eles estavam voltando para suas casas um animal conhecido como porcoespinho cercava eles no pontilhão e não deixava os homens passarem E eles corriam sem olhar para trás e só paravam quando o porcoespinho parava de correr atrás deles Não sei se é verdade isso mas que os antigos contavam essa história essa história e várias outras como o pilão que socava sozinho a noiva que morreu indo para seu casamento e sempre naquele lugar ela aparecia e atacava as pessoas Se a pessoa estava de moto ela subia na sua garupa e ia junto até uma altura Até a próxima e cuidado com a noiva o pilão e o porcoespinho Eles andam por aí podem pegar você KKKKK Aluna do 7º ano A riqueza dos relatos das crianças a diversidade de temáticas abordadas e as várias perspectivas assumidas pelos autores demonstram a complexidade do presente do mundo rural em Pinhão e como alguns aspectos como as trajetórias familiares ou a rusticidade são privilegiados ao se falar do passado enquanto confl itos fundiários recentes embora também presentes na memória são tornados públicos de maneira muito menos signifi cativa É importante afi rmar uma forma de ser e viver específi ca que não resulta do isolamento ou do desconhecimento de outras formas de vida mas de uma afi rmação do valor desse jeito de ser algo que se aproxima do orgulho sertanejo presente no Vale do Jequitinhonha cf Porto 2007 Apesar de todas as tensões do cotidiano seja com o mundo natural seja com o mundo sobrenatural o Faxinal dos Ribeiros é um espaço de vida e de uma vida própria Não somente em termos produtivos e sociais mas também com relação a uma maneira particular de pensar o mundo e se relacionar com ele Acrescentese que é aquele território que permitiu a muitos se humanizarem novamente após a experiência das guerras e da opressão do Estado A resistência ao sofrimento infl igido por poderosos é uma consequência da luta por continuar vivendo segundo seu jeito específi co de um povo que constrói sua história a partir entre outros aspectos da memória da guerra e da sobrevivência a ela Outros aspectos também presentes nos textos como forma de vida na contemporaneidade festas e rezas poderes de cura feitiçaria separações e confl itos familiares eventos como a enchente de 1964 etc poderiam contribuir ainda mais para o leitor formar uma imagem do contexto local e de como o passado é visto a partir dele No entanto o volume e a riqueza do material produzido impedem uma abordagem mais completa Mas a opção por trazer os textos na sua integralidade deixandoos falar um pouco por si mesmos visa permitir que outras interpretações sejam construídas e apontar a potencialidade Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 241 das crianças de Faxinal dos Ribeiros quando falam sobre seu passado e sua vida Nos textos ainda é possível perceber a importância da oralidade na transmissão da história local que se refl ete também no estilo de escrita 3 Entrevista com D Joana uma refl exão sobre o passado e o silêncio no presente A entrevista com D Joana realizada em sua casa em 08 de outubro de 2012 foi motivada pelo fato de ter sido o marido dela baleado por jagunços da Zattar há em torno de vinte anos Fui levada ao local pelo casal que era meu anfi trião e que já a conhecia por serem membros da mesma igreja evangélica Este creio foi o motivo de nos receber pois ao longo de toda a entrevista era evidente o desconforto em abordar memórias de dor que marcaram defi nitivamente sua vida Não por acaso logo que liguei o gravador a primeira pergunta registrada foi dela não minha querendo saber quais os motivos que me levavam a fazer o que fazia Lembrase então que tudo já havia sido gravado na época no tempo em que ele foi machucado A mídia noticiou o acontecido pois o início da década de 1990 foi o momento de maior visibilidade externa dos confl itos entre posseiros e a madeireira No mesmo período houve um tiroteio próximo a uma escola que feriu uma criança Ao longo da entrevista uma série de silêncios e de não ditos Vários detalhes apenas insinuados Desde o início quando D Joana conta ter sido o marido baleado no caminho da roça quando os jagunços do Zattar o cercaram e atiraram E ela assim aborda o ocorrido em um primeiro momento J Porque eles queriam tomar as terras lá queriam dizer que não era dele sendo que era nosso Por bandido Aí foi o caso que ele pra brigar pra ir bem fi rme que ele era bandido né E coisa que nunca da vida Toda vida trabalhando Daí quando eles começaram a atirar ele ele de a cavalo rolou de cima e fi cou lá caído de joelhos e os piá chegaram pegar lá trouxeram Então fi quei um ano eu dando de comer as crianças e ele em cima de cadeira de rodas Pra sair tinha que erguer pra trazer ele pra cá Aqui a violência narrada e a difi culdade em falar de suas causas Os jagunços seriam bandidos mas teriam tentado atribuir a bandidagem a seu marido Como estratégia para tomar as terras Um ataque público pois a vítima estava acompanhada de dois rapazes que nada puderam fazer Terras que pertenciam ao pai de D Joana e onde ela morava desde que nasceu Após casar permaneceu no local suas crianças foram nascidas lá E daí o Zattar MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 242 queria de certo tomar Mas não que afi rmassem ser as terras da empresa o que faziam era embargar a produção impedir a feitura do roçado No dia do acontecido o marido teria se deparado com os jagunços colhendo mandioca no mandiocal plantado por ele eles chegaram lá encheram os bocós de mandioca dos mandiocais nossos Neste momento a entrevista é toda truncada D Joana continua a falar pelo estímulo das perguntas não somente minhas mas também do casal que eu acompanhava Mas quando perguntada se eles respeitavam a proibição da empresa madeireira de plantar em suas terras D Joana afi rma J Não plantava pois era nosso Eles queriam tomar e nós não podíamos entregar pois era nosso Daí que eles Deus Eles fi zeram tudo aquilo Daí que tivemos que trocar lá troquemos lá e viemos pra cá No trecho acima percebese que a tensão estava instaurada O enfrentamento da proibição de roçar era desconsiderado pois estavam nas próprias terras No entanto depois dos tiros se viram obrigados a sair do lugar Trocaram quinze alqueires 363 ha na zona rural por apenas seis litros 03 ha em área periférica da cidade de Pinhão No entanto para a decisão de fazerem a troca e se mudarem também contribuíram os vizinhos que soltavam seus animais na roça do casal Não faz contudo referência a quem seriam esses vizinhos e quais os outros confl itos que estavam em jogo Também diz que os problemas com os jagunços foram estimulados por uns fuxicos afi rmação de que o marido dela era muito bravo armado Isto feito por gente que não gostava dele tinha raiva assim da gente Mas D Joana nega os boatos dizendo que os vizinhos moravam pertinho e eles não brigavam com ninguém A conversa então passa a ser dos arbítrios da época de controle da região pela Zattar Como eles embargavam qualquer trabalho Impediam retirada de pinhão de erva de carvão a plantação de lavoura Surravam as pessoas Derrubavam gente de cima de pinheiro a tiro Também ressaltam a existência no esquema de controle dos olheiros Essas pessoas tomavam conta das áreas a fi m de dar notícias sobre a movimentação dos moradores locais em seus territórios D Joana conta que ela e o marido haviam feito roça e ido trabalhar em Guarapuava mas não fi caram nem dois meses O pai dela foi buscálos para que colhessem a produção O ocorrido foi depois de três dias do seu retorno Onze tiros sem morte E sem qualquer motivo imediato não houve discussão os jagunços apenas fi zeram trincheira de suas montarias e atiraram não dando a ele a chance de fugir Embora estivesse armado quando caiu no chão o marido não teve forças para puxar a arma Depois dois anos em cadeira de rodas se recuperando E sem nunca mais poder trabalhar pois a primeira vez que tentou adoeceu novamente Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 243 Meu anfi trião que ajuda a compor o quadro de opressão que marcou o período de ação da empresa através dos jagunços surpreendese com a história Primeiro porque pensava que a Zattar teria atacado apenas os posseiros que por não possuírem a regularização de suas terras fi cavam vulneráveis Espanta se com o relato de que também proprietários eram alvos da opressão Depois por ter sido o marido de D Joana tão baleado e ter sobrevivido Mas neste sentido são várias as histórias ouvidas em Pinhão sobre situações de violência que levam até quase a morte mas não matam Após quase meia hora de conversas entrecortadas difíceis a lembrança dos fatos narrados parece trazer malestar e D Joana encerrando diz que Não adianta Tem que suportar Deus o livre É então que meu anfi trião pergunta a ela se fala do passado para as crianças e o fi nal da entrevista tornase bastante esclarecedor quanto ao silêncio identifi cado ao longo deste texto sobre o passado recente acompanhado da valorização de um passado mais distante e marcado pela rusticidade Transcrevo a seguir A E a senhora conta isso pra pros netos da senhora hoje eles param pra ouvir isso ou não J Ih eles vem pra contar pra eles eles gostam Mas na hora uma parte se a gente contar o que aconteceu pra eles assim eles se revoltam A É bom nem contar J Uma parte das crianças que é meio fracão Deus o livre L E a senhora fala o quê J Do quê L Do vô J Não pois do vô eu conto eles quase num se lembraram dele Eles eram pequenos quando ele morreu daí sabe Nem dava foto assim Só a minha menina mais velha que tava com dez anos e os outros mais pequenos tudo se lembra mas lembra mal dele L E quando eles pedem pra senhora contar história antiga a senhora conta história de que Neste momento o tom da entrevista muda bastante com a voz de D Joana adquirindo gradativamente uma animação que esteve ausente de toda a conversa anterior como se pela primeira vez tivéssemos tocado em um assunto sobre o qual ela tinha prazer em falar J Pois eu conto dos trabalhos Que nós íamos trabalhar naquele tempo Sofrido trabalhando né Deixava eles o dia inteiro na casa e parava na roça trabalhando Ao meio dia a gente chegava sofrido cansado pra descansar E ali assim vou contando pra eles E das coisas que a gente fazia sabe das coisas assim A gente num comprava nada das coisas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 244 A Lado bom J Isso aí sabe Você pensa eu fui aprender a comprar as coisas aqui Feijão eu nunca tinha comprado um quilo de feijão banha nunca tinha comprado farinha num comprava A Fazia tudo J Fazia tudo pois a gente tinha monjolo tinha o milho tinha o porco tinha tudo procê ver Colhia o arroz Tinha de tudo Galinha tinha bastantão Que mais A Uma vida boa J É Tinha carne Num carecia nada Eu num comprava nada Só Até trigo nós plantava A Que coisa mais divertida J Pois é é isso aí que eu falo Tipo hoje em dia a gente tem que comprar tudo que é coisa Daí das crianças Conto Começam a perguntar assim como é que era mãe do tempo que a senhora pequena cê ia na escola Eu contava meus fi lhos era assim naquele tempo era sofrido tinha que trabalhar de ano por ano pra gente comprar roupa sabe Num era assim como agora que o povo anda tudo bem arrumadinho Não trabalhava de ano em ano pra gente comprar roupa pra ir pra escola E daí ali os pais da gente eram diferentes né eles compravam aqueles peção de pano pra fazer roupa Assim Ao longo da entrevista D Joana explicita como seu silêncio está muito distante do esquecimento Mesmo porque é impossível esquecer acontecimentos que a fi zeram sair da zona rural perder o apoio do marido no sustento da casa ter que trabalhar para terceiros ver o marido sofrer por anos devido à invalidez As lembranças são nítidas e doídas Além disso perigosas pois para as gerações posteriores podem gerar sentimentos de revolta e vingança Por isso um silêncio intencional sobre tudo aquilo que mudou a vida da família nas últimas décadas E uma lembrança de um passado mais remoto descrito como sofrido mas cuja memória traz um prazer que se refl ete na fala A autonomia a produção para o próprio consumo a independência do mercado feijão farinha banha carne porco galinha ovos milho arroz até trigo tudo fruto do próprio suor As difi culdades na escola a necessidade de trabalhar de ano por ano para comprar roupa Temáticas que surgiram com frequência e de maneira semelhante nos textos dos alunos como vimos anteriormente É este o passado que vale a pena lembrar é também ele que permite a construção de um presente e um futuro melhores Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 245 Considerar os relatos acima diversos tanto em seu conteúdo quanto no perfi l de seus narradores permite não apenas reconhecer a complexidade do contexto de Pinhão e as várias possibilidades de composição de visões sobre seu passado e presente como também tendências semelhantes quando se analisam as épocas e temáticas selecionadas como signifi cativas pelos narradores Sem desconsiderar as especifi cidades evidenciamse dois grandes grupos dos narradores da sede municipal descendentes das famílias dos grandes sesmeiros e dos habitantes das matas Eles possuem distintas perspectivas da história No primeiro grupo observase uma ênfase em processos formais de povoamento identifi cados com a colonização e o desenvolvimento local e em que a população nativa tem pouca visibilidade e um aparente caminho inevitável no sentido de se submeter aos representantes dos grupos dominantes seja ao longo da colonização seja a partir da industrialização No segundo há valorização dos modelos produtivos religiosidade e sociabilidade dos moradores das matas e de um tempo em que o pobre era rico e não sabia havia pouca violência um padrão de relações familiares e sociais positivo frente ao presente E em que não somente as elites contam mas todos aqueles que participam da organização social local com o reconhecimento em alguns casos exatamente de quem representa a base da pirâmide social fugitivos de guerras exescravos curadores etc Mas se os sujeitos e eventos da história são distintos para os dois grupos alguns aspectos são recorrentes em todos os registros uma tendência à valorização de um passado mais remoto em detrimento do passado recente e a constituição da imagem desse passado a partir da afi rmação de sua rusticidade Destacase o relativo isolamento local as difi culdades de comunicação e transporte a precariedade de sistemas de saúde e educação a restrição do consumo quase que exclusivamente aos produtos nativos Não que a visão elaborada seja romântica Na maior parte dos casos a rusticidade é acompanhada pelo sofrimento Um tempo de luta de difi culdades de trabalho árduo de episódios de valentiaviolência No entanto também de autonomia e de capacidade de produzir para o próprio sustento Período que vale a pena lembrar e sobre o qual se deve falar Muito diferente das últimas décadas cujos confl itos enfrentamentos histórias de perseguições incêndios e assassinatos devem ser silenciados mesmo que nem sempre isso seja possível não só pela humilhação que representam para os que os vivenciaram mas como estratégia de produção de um futuro em outros moldes Em que seja viável uma convivência mais serena mesmo entre aqueles que têm suas trajetórias marcadas por posições incompatíveis nos embates recentes MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 246 Referências bibliográfi as APEART ASSOCIAÇÃO PROJETO DE EDUCAÇÃO DO ASSALARIADO RURAL TEMPORÁRIO 2002 PEPO Fazendo História Londrina UEL AYOUB Dibe S 2010 Madeira sem Lei Jagunços Posseiros e Madeireiros em um Confl ito Fundiário no Interior do Paraná Dissertação de mestrado apresentada ao PPGASUFPR BATESON Gregory 1991 A Sacred Unity Further Steps to an Ecology of Mind New York A Cornelia Michael Bessie Book BOURDIEU Pierre 2005 A Dominação Colonial e o Sabir Cultural in Revista de Sociologia e Política n 26 Curitiba UFPR BOURDIEU Pierre 2011 O Senso Prático Petrópolis Vozes CAMARGO José Silvério de sd Por que nosso município chamase Pinhão Pinhão Secretaria Municipal de Educação COMERFORD John 2003 Como uma Família Sociabilidade Territórios de Parentesco e Sindicalismo Rural Rio de Janeiro RelumeDumará FRANCESCONI Juliana O P 1998 O sistema de faxinais o analfabetismo e suas consequências econômicas para o município de Pinhão Paraná Guarapuava monografi a apresentada ao curso de Geografi a da UNICENTRO FREITAS Geovani J 2003 Ecos da Violência Narrativas e Relações de Poder no Nordeste Canavieiro Rio de Janeiro Relume Dumará GONÇALVES Édina M sd Município de Pinhão Confl ito agrário na década de 19901997 mimeo LIMA Pe Francisco das Chagas 1842 Memoria sobre o descobrimento e colonia de Guarapuava in Revista Trimensal de Historia e Geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro Tomo IV n 13 p 4364 Rio de Janeiro Typographia de João Ignacio da Silva LUCAS Karim A H 2009 A formação dos educadores como eixo do desenvolvimento curricular o Projeto de Educação dos Posseiros do Paraná PEPO tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de doutor ao Programa de PósGraduação em Educação da PUCSP MACEDO Azevedo 1995 Conquista Pacífi ca de Guarapuava Curitiba Fundação Cultural MARQUES Ana Cláudia 2002 Intrigas e Questões Vingança de Família e Tramas Sociais no Sertão de Pernambuco Rio de Janeiro Relume Dumará MONTEIRO Nilson 2008 Madeira de Lei Uma Crônica da Vida e Obra de Miguel Zattar Curitiba Edição do Autor NASCIMENTO José Francisco T 1886 Viagem feita por José Francisco Thomaz do Nascimento pelos desconhecidos sertões de Guarapuava Provincia do Paraná e relações que teve com os indios coroados mais bravios daquelles lugares Revista Trimensal do Instituto Historico Geographico e Ethnographico Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 247 do Brazil tomo XLIX 267281 Rio de Janeiro Typographia Lithographia e Encadernação a vapor de Laemmert C OLIVEIRA FILHO João Pacheco 1999 Cidadania racismo e pluralismo a presença das sociedades indígenas na organização do EstadoNacional brasileiro in Ensaios em Antropologia Histórica Rio de Janeiro UFRJ PASSOS Renato Ferreira sd O Pinhão que Eu Conheci versão digital doada pela fi lha do autor Eliana Rocha Passos Tavares de Moraes PIN André E 2011 Moysés Lupion e as transformações na cultura faxinalense em PinhãoPR in BONAMIGO Carlos A et alli História Tradições e Memórias Francisco Beltrão Jornal de Beltrão POLLAK Michael 1989 Memória Esquecimento Silêncio in Estudos Históricos v 2 n 3 Rio de Janeiro CPDOC POLLAK Michael 1992 Memória e Identidade Social in Estudos Históricos v 5 n 10 Rio de Janeiro CPDOC PORTELLI Alessandro 1981 Tentando Aprender um Pouquinho Algumas Refl exões Sobre a Ética na História Oral in Projeto História n 15 Ética e História Oral São Paulo Departamento de História da PUCSP PORTELLI Alessandro 1991 The Death of Luigi Trastulli and Other Stories Form and Meaning in Oral History New York State University of New York Press PORTELLI Alessandro 1996 O massacre de Civitella Val di Chiana Toscana 29 de junho de 1944 mito política luta e senso comum in FERREIRA Marieta AMADO Janaína org Usos Abusos da História Oral Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas PORTELLI Alessandro 2010 Ensaios de História Oral São Paulo Letras e Voz PORTO Liliana KAISS Carolina COFRÉ Ingeborg 2009 Relatório Antropológico Comunidade Quilombola de Água Morna CuriúvaPR Documento resultante do Convênio UFPRINCRA com base no projeto Direito à Terra e Comunidades Quilombolas no Paraná Curitiba PORTO Liliana KAISS Carolina COFRÉ Ingeborg 2012 Sobre solo sagrado Identidade quilombola e catolicismo na comunidade de Água Morna Curiúva PR in Religião e Sociedade 321 Rio de Janeiro ISER PORTO Liliana 2007 A Ameaça do Outro Magia e Religiosidade no Vale do JequitinhonhaMG São Paulo Attar RAMOS Rene W 2011 A Resistência Camponesa e a Igreja Católica no Município de PinhãoPR in Anais do V Congresso Internacional de História realizado em Maringá entre 21 e 23 de setembro de 2011 VILLAÇA Antônio C 1998 Diário de Faxinal do Céu Rio de Janeiro Lacerda Editores VILLELA Jorge M 2004 O Povo em Armas Violência e Política no Sertão de Pernambuco Rio de Janeiro Relume Dumará MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 248 WACHOWICZ Ruy C 1987a Obrageros Mensus e Colonos História do Oeste Paranaense Curitiba Vicentina WACHOWICZ Ruy C 1987b Paraná Sudoeste Ocupação e Colonização Curitiba Vicentina 249 Capítulo 9 João José Zattar SA disputas sociais legitimidade legalidade Jefferson de Oliveira Salles1 Introdução2 N o presente texto analisaremos alguns aspectos da instituição da propriedade fundiária no CentroSul do Paraná município de Pinhão abordando disputas sociais envolvendo uma grande empresa madeireira e a população camponesa estabelecida na região A pesquisa será feita a partir de revisão bibliográfi ca e pesquisa documental tendo por base consulta ao Relatório da Comissão Especial de Investigação da Assembleia Legislativa do Paraná organizada para verifi car os confl itos fundiários no município de Pinhão3 CEI instituída em 121191 por requerimento dos deputados Dr Rosinha e Ovídio Constantino encerrada em 261192 tendo como integrante e relatora a deputada Emilia Belinati que posteriormente foi eleita vicegovernadora do Estado Eleição que levou a que no mais alto escalão do executivo estadual se encontrasse uma conhecedora dos confl itos fundiários do estado suas causas e agentes Nosso objetivo é compreender a formação social da propriedade fundiária na região centrosul do Paraná a partir da relação entre a inserção de um novo agente capitalista o setor industrial madeireiro e a população rural da região 1 Professor de História da rede pública do Paraná especialista em Educação do Campo mestrando em Sociologia na Universidade Federal do Paraná No período em que escreve este trabalho exerce a função de assessor técnico do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Paraná CAOPJDH MP Contato jeffersonoliveirasallesyahoocombr 2 O presente trabalho faz parte de pesquisa de mestrado em curso que tem como tema a formação social da propriedade fundiária capitalista entre as décadas de sessenta e oitenta 3 Tratase de uma cópia autenticada pelo órgão do relatório original MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 250 Estabelecidos e outsiders na formação do setor industrial madeireiro O conceito de rede de famílias antigas foi originariamente construído por Elias e Scotson 2000 na obra em que analisam as relações sociais de um bairro operário na Inglaterra partir das relações de poder entre os moradores que segundo os autores não apresentavam diferenças signifi cativas econômicas religiosas ou étnicas Fato este que não impedia a existência de grande assimetria de poder dentro do bairro Esta diferenciação se expressava na existência de dois grupos os estabelecidos e os outsiders sendo que o primeiro era composto por moradores originários por duas ou mais gerações Os outsiders eram compostos por indivíduos migrantes que entre si não tinham relações anteriores conhecendose na própria Wiston Parva Segundo os pesquisadores os estabelecidos se autorepresentavam como a minoria dos melhores portadores dos valores da tradição e da boa sociedade diferenciandose dos outsiders que não as tinham ou as possuíam de forma inversa a delinquência a violência e a desintegração falta de higiene etc sendo por isso estigmatizados pelos primeiros4 Constatada esta realidade e as relações de desigualdade entre os grupos os autores se dedicaram a identifi car como elas foram produzidas reproduzidas e como se manifestavam através da análise da natureza da interdependência entre os dois grupos Elias e Scotson 2000 23 A construção de mecanismos de diferenciação no sentido valorativo melhorpior foi promovida pelos moradores que residiam há uma ou duas gerações no bairro e por força disto estavam ligados por uma rede de parentesco que reunia suas famílias Este fato sustentou material e ideologicamente o processo de estigmatização pois os moradores antigos estavam solidamente estabelecidos em todos os postos principais da organização comunitária Clube de Senhoras de Idosos de Teatro a Banda Igrejas a associação ligada ao Partido Conservador inglês única agremiação políticopartidária existente no bairro5 desfrutando da intimidade de sua vida associativa da qual procuravam excluir os estranhos que não partilhavam de seu credo comunitário e que sob muitos aspectos ofendiam seu senso de valores Elias e Scotson 2000 104105 Estas agremiações e outras com algum grau de representação social estavam ligadas entre si por meio de redes de famílias antigas de moradores com ancestrais no bairro possibilitando um instrumento poderoso de coesão social interna e coerção sobre os outsiders O 4 Neiburg in Elias Scotson 2000 7 5 Acredito que este fato é signifi cativo visto que justamente conservar a ordem vigente no bairro era intenção dos estabelecidos sendo que os outsiders tendiam a associarse ao Partido Trabalhista fato que os primeiros consideravam uma demonstração da irresponsabilidade e ausência de compromisso com a comunidade Elias e Scotson 2000 21 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 251 fato dos estabelecidos ocuparem diretamente os principais postos decisórios da vila demonstra que um grupo só pode estigmatizar outro com efi cácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído Enquanto isso acontece o estigma de desonra coletiva imputado aos outsiders pode fazerse prevalecer Elias e Scotson 2000 23 A partir das noções de estabelecidos e outsiders foi possível aos autores construírem o conceito de redes de famílias antigas Em nosso trabalho este último foi utilizado para analisarmos as origens dos latifundiários da região estudada que reivindicavam origens na sociedade tradicional campeira6 assentada por sua vez nos primeiros povoadores dos Campos de Guarapuava Mesmo os novos latifundiários que passaram a integrar a elite proprietária a partir da década de 1920 têm seu mito de origem em um novo tipo de estabelecidos com origem associada aos migrantes europeus chegados ao Brasil entre 1890 e 1920 proclamados por parte do discurso historiográfi co e intelectual da época como selfmade men bandeirantes modernos bandeirantes do progresso dinamizadores de empreendimentos capitalistas modernos sérios7 Termos utilizados para representar um novo agente social que integrou os grupos hegemônicos a partir de atividades industriais nascentes Para este texto estabelecemos o recorte na atividade industrial madeireira e das grandes colonizadoras diretamente associadas a nosso objeto de refl exão a construção da propriedade privada do setor industrial madeireiro através do estudo da empresa João José Zattar SA A análise da rede de famílias antigas é nesse contexto de grande relevância visto que alguns desses ancestrais tiveram papel central na formação da estrutura fundiária regional como representantes do poder estatal A partir do início do século XX a elite campeira passou a perder seus latifúndios que foram como veremos paulatinamente sendo adquiridos por uma nova fração hegemônica composta por descendentes de imigrantes detentores de capital associados a alguns integrantes do antigo grupo dominante Os descendentes do antigo grupo dominante migraram para atividades urbanas passando a ocupar em especial postos de primeiro e segundo escalão da burocracia estatal nos três poderes Nestes postos mesmo que com algumas críticas em relação ao projeto político e econômico dos novos latifundiários tais burocratas foram apoio fundamental na luta entre as classes não 6 A expressão sociedade tradicional campeira é usada para defi nir os que já no século XIX dedicavamse â pecuária extensiva como criadores e invernadores do gado do sul Abreu 1981 1 A mesma expressão aparece em Westphalen et al 1968 7 Os dois primeiros termos foram utilizados pelo Jornal Gazeta do Povo de janeiro de 1947 para referirse aos empresários do setor industrial madeireiro como Moysés Lupion das décadas de 19301940 Salles 2004 O terceiro termo foi utilizado por Westphalen et al 1968 20 27 para referirse às grandes imobiliárias que promoveram a ocupação efetiva do território paranaense MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 252 proprietárias e os novos agentes sociais que hegemonizavam o sistema de dominação8 representados por exemplo por empreendimentos capitalistas que associavam grandes plantas industriais rurais latifúndios monocultores diversifi cação de investimentos isto é elementos da modernização capitalista do século XX A partir de estudos regionais de sociologia política e história agrária troncos familiares como Camargo Marques Cleve Rocha Loures descendentes da antiga elite tropeira ocuparam altos postos da burocracia estatal nos três poderes isto é associavam o poder de representação de seus ancestrais com o poder que o Estado detém Característica exclusiva que assegurava a esses indivíduos detalhado conhecimento sobre diversos aspectos da economia e política regional Oliveira 2001 Como veremos ao analisarmos a composição de grandes empresas do setor industrial madeireiro percebemos que integrantes dessas elites também estavam nos quadros administrativos e associativos a partir de duas formas ao menos segundo a documentação e bibliografi a consultada por meio de casamentos entre fi lhosas da primeira geração de imigrantes que aqui chegaram com algum capital e fi lhosas de grandes proprietários dos Campos Gerais Houve portanto uma dupla ligação de um lado os descendentes ocuparam cargos públicos importantes e por outro via estratégias matrimoniais associaramse ao setor industrial madeireiro Como exemplo da permanência da elite campeira na região de Guarapuava e seu grau de importância para os processos políticos e econômicos que se seguiram no século XX citamos um exemplo que envolveu diretamente a madeireira Zattar Segundo levantamento por nós produzido a partir do acervo do Centro de Documentação da Universidade Estadual do CentroOeste do Paraná UNICENTRO entre 1953 e 1984 houve cerca de oitenta processos judiciais nos quais a Zattar era autora ou paciente de ação na Comarca de Guarapuava Pinhão emancipouse em 1964 sendo que uma comarca e fórum foram instalados no município quase três décadas depois fazendo que todos os processos fossem levados a Guarapuava Do montante citado de processos que às vezes duravam vários anos até mais de uma década trinta e três estiveram sob a responsabilidade de dois juízes José Amoriti Trinco Ribeiro e Jeorling J Cordeiro Cleve9 O primeiro com treze processos e o segundo com 20 processos10 isto é ambos julgaram mais de um terço dos processos Em relação aos envolvidos nos processos em nosso levantamento preliminar encontramos 8 Estes burocratas descendentes de antigas famílias latifundiárias hegemônicas ofereceram um apoio fundamental no aparelho burocráticoadministrativo Contra as classes não proprietárias aliamse à fração dominante que os havia substituído no sistema de dominação Wanderley 1979 6769 9 Sobre Trinco Ribeiro consultar Hartung 2004 Jeorling era descendente de Daniel Cleve que foi Juiz Comissário das Medições nomeado em 1884 ABREU 1981 74 10 Levantamento por mim feito no acervo do Centro de Documentação da UNICENTRO para fi ns de minha dissertação de mestrado Este material se encontra em fase preliminar de análise Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 253 como objetos das disputas madeira terra e questões administrativas da empresa Os adversários da Zattar foram pessoas jurídicas outras madeireiras e pessoas físicas indivíduos que disputavam com a Zattar a legitimidade no que se refere à propriedade de determinada área de terra Como os juízes e escrivães de um lado e advogados dirigentes e proprietários da Zattar de outro estavam em constante relação no campo jurídico produziuse um saber prático segundo o qual representantes de antigos proprietários de terra médios e pequenos proprietários de pequenas serrarias posseiros peõesoperários não podiam usufruir no mesmo grau de poder nas disputas jurídicas Afi nal foram décadas se somarmos os processos por tipo em disputas judiciais por terra recursos naturais extrativismo madeireiro e de mate questões trabalhistas e empresariais Salientamos que a primeira coisa que se evidenciou do levantamento foi o fato de que a presença da João José Zattar SA na região nunca foi pacífi ca como demonstram os processos individuais de pequenos grupos de pessoas físicas de pessoas jurídicas e de representantes do poder estatal de diferentes órgãos contra a empresa bem como da empresa contra estes personagens A Zattar e a formação do setor industrial madeireiro modernização e poder A empresa madeireira João José Zattar SA foi fundada em 1943 iniciando sua atuação com uma serraria no atual município de Teixeira Soares então pertencente a Irati de onde se deslocou para Pinhão na década seguinte seguindo a marcha das serrarias Monteiro 2008 Partiu das proximidades de Ponta Grossa rumo ao oeste ou sudoeste paranaense de forma semelhante à F Slaviero Filhos SA com oito serrarias em Guarapuava abrindo fi liais nas localidades de Bananas em 1942 Guará em 1951 Guairacá em 1951 Palmeirinha em 1958 e 1962 respectivamente duas em Goioxim em 1963 e Candói em 1969 municípios próximos ou limítrofes a Pinhão cf Luz C F 1980 A partir da década de sessenta com a extinção progressiva da mata nativa os empresários do setor buscaram opções para assegurar fornecimento de matériaprima por meio de aquisição de terras inicialmente na região das fl orestas de araucária que margeavam os Campos Gerais os quais por seu lado abrangiam os municípios supracitados de Ponta Grossa Guarapuava O sucesso dessa estratégia empresarial esteve fortemente articulado à garantia de subsídios incentivos e isenções fi scais para empreendimentos fl orestais como foi o caso da lei 5106 de 1966 segundo a qual MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 254 As importâncias empregadas em fl orestamentos e refl orestamentos poderão ser abatidas ou descontadas nas declarações de rendimento das pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil As pessoas jurídicas poderão descontar até 50 do imposto as importâncias do valor do imposto as importâncias aplicadas em refl orestamento Souza 2005 60 A estes subsídios outras subvenções foram somadas após a década de 1960 cedidas por municípios estado e União direcionamento de técnicos da empresa pública estadual de assistência técnica rural EMATER para assessoria de plantio de pinus diferimento de impostos por exemplo de ICMS doação de terrenos em parques industriais concessão de serviço de terraplanagem instalação e garantia de luz elétrica e água por preços baixos ou com períodos de gratuidade Souza 2005 Estas facilidades explicitam efeitos pertinentes da ação da fração de classe do setor industrial madeireiro que desde a década de trinta conseguiu grande número de subvenções estatais através por exemplo da criação do órgão estatal Instituto Nacional do Pinho Salles 2004 O sucesso econômico do setor ligase portanto a sua ação como fração de classe Embora estejamos cientes que os representantes do setor não tenham imposto de forma automática e total seus interesses é evidente que muitas medidas tomadas pelo Estado sofreram impactos de sua presença nos órgãos de decisão demonstrando que Para compreendermos quem ou o quê formula política é preciso compreendermos as características dos participantes os papéis que desempenham a autoridade e os outros poderes que detêm como lidam uns com outros e se controlam mutuamente Das muitas diferentes modalidades de participantes cada um exerce uma função especial os cidadãos comuns os líderes de grupos de interesse os legisladores os líderes legislativos os ativistas políticos de partidos magistrados servidores públicos técnicos e homens de negócio Lindeblon 11 Como demonstrei em estudo anterior Salles 2004 neste período houve o aumento da política de subsídios promovida pelo estado e municípios que não pode ser dissociada da aliança que fundou o setor madeireiro nas primeiras décadas do século XX unindo fi lhos de imigrantes europeus de primeira geração que chegaram ao sul brasileiro com algum capital no fi nal do século XIX e descendentes da elite fazendeira dos Campos Gerais Paralelamente à transformação do setor industrial madeireiro que deixa sua condição de apenas comprador e extrator de matériaprima também ocorreu Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 255 outra transformação importante sua integração e diversifi cação com alguns empresários do setor adquirindoassociandose a empresas de outros ramos como empresas de transporte emissoras de rádio jornais de âmbito estadual e regional etc Os exemplos signifi cativos desta diversifi cação e poderio político econômico foram o Grupo Lupion que na década de 1950 unia emissoras de rádio jornais impressos empresa de navegação distribuidoras ofi ciais de caminhões e peças para estes etc os irmãos Martinez em particular Oscar Martinez proprietário de companhias colonizadoras e também sócio de empresa de mídia de rádio e jornal impresso Nas décadas seguintes outras formas da aliança intraclasse entre o setor madeireiro e aquele vinculado à colonização intimamente articulado e dependente do setor madeireiro para derrubar as matas para estabelecimento da agricultura têm como exemplo signifi cativo a rede de casamentos que uniu os Lunnardelli ligados ao setor de colonizadoras e Pimentel na década de 1970 cf Tomazi 2000 Oliveira R 2001 Tendo em vista a contextualização acima pretendemos relacionar formas de agir entre a generalidade do campo exposta no que tange à formação do bloco de poder e a ação empresarial dos proprietários da Zattar de modo a estabelecer homologias entre o modo de agir desta empresa e de outros grupos seus contemporâneos Tomando como referência Bourdieu 2002 acreditamos que ao relacionar as ações referentes ao comportamento dos proprietários isto é a família Zattar e outros sócios como fração de classe estabeleceremos propriedades gerais ou invariantes que caracterizam a racionalidade da ação empresarial isto é efetuaremos o uso racional das homologias que sustentaram um olhar mais sensível que informa o insight do pesquisador A partir do quadro acima em particular no que se refere à relação entre representação política e formação empresarial do setor industrial madeireiro trazemos agora alguns elementos que inserem a João José Zattar SA nos quadros do poder políticoeconômico dominante no Estado Nagib Chede irmão de João Chede um dos articuladores da candidatura de Moysés Lupion para governador tornandose por indicação deste deputado estadual pelo PSD11 e presidente da Assembleia Legislativa 11 Um dos fundadores da Rede Paranaense de Televisão em sociedade com Raul Vaz e o Grupo Lupion Tanto Vaz quanto João eram sócios do Grupo Lupion Presidente do PSD quando Moysés Lupion foi candidato a governador deputado estadual pelo PSD e presidente da Assembleia Legislativa do Paraná entre 194748 início do primeiro governo Lupion Disponível em www canaldaimprensacombrcanalantopiniaodoitoopiniC3A3o2htm acesso em 170809 disponível em wwwalepprgovbrarquivosgaleria32php acesso em 17082009 Fonte www prprmpfgovbrarquivosexternas000150phpwwwjusbrasilcombrdiarios791817dou secao121102003pg118 sobre condenação por corrupção Kretzen 1951 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 256 do Paraná e também Presidente da Assembleia Constituinte Estadual de 1947 Nagib por sua vez foi um dos fundadores da Rede Paranaense de Televisão da qual eram sócios Raul Vaz João Chede e o Grupo Lupion Vaz foi indicado por Lupion como juiz para o Tribunal de Contas do Estado presidindoo por diversos mandatos Nagib também foi nomeado como auditor desse tribunal por Lupion12 Luiz Antônio de Camargo Fayet foi sócio do grupo empresarial Zattar ocupando cargos em conselhos de administração Também integrou o Conselho do Banestado13 banco estatal responsável por diversas políticas e fundos de fomento a indústria e setor agrícola no Estado caso das políticas de fi nanciamento ao plantio extensivo de fl orestas homogêneas Odone Fortes Martins sócio da empresa foi proprietário do jornal Indústria Comércio jornal que concedeu ao empresário João José Zattar premiações como empresário de destaque Outros integrantes da família Fortes eram proprietários de grandes serrarias no oeste paranaense na década de setenta14 João e Antenor Mansur Acionistas majoritários da Produtora de Madeiras Irati SA tendo como sócios os irmãos João e Miguel Zattar nos anos 1970 João Mansur teve uma biografi a de destaque ingressou na política em 1951 com dois mandatos consecutivos como vereador após os quais foi eleito prefeito de Irati Em 1958 com o fi m do mandato de prefeito foi eleito por cinco mandatos como deputado estadual Foi um dos responsáveis pelo desmembramento de Pinhão do município de Guarapuava e sua transformação em município colaborando também na eleição de seu primeiro prefeito um diretor da Zattar Na Assembleia Legislativa ocupou o cargo de presidência por diversas vezes 1967 197374 e 198182 ocupando por duas vezes a função de governador decorrente deste posto Na Assembleia Legislativa atuou também como líder do governo e participou das comissões de Constituição e Justiça Finanças Terras Colonização e Imigração Redação e Turismo15 12 wwwcanaldaimprensacombrcanalantopiniaodoitoopiniC3A3o2htm acesso em 170809 wwwalepprgovbrarquivosgaleria32php acesso em 17082009 13 Monteiro 2008 Fayet foi integrante do Conselho do Banestado banco estatal paranaense que atuava como agência de fomento 14 Souza 2005 15 Assembleia Legislativa do Paraná disponível em wwwalepprgovbrdeputadosdeputado98 juncomanso acesso em 051012 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 257 Darci Slavieiro Sócio no início dos anos 1970 com João Antônio e Miguel Zattar da Produtora de Madeiras Irati SA empresa esta cujos maiores acionistas eram os irmãos João e Antenor Mansur Em 1971 atuava como conselheiro e Miguel como diretor da empresa conforme contratos fornecidos pela Junta Comercial do Paraná Salientamos ainda que o Grupo Slavieiro era um dos maiores do Estado nas décadas de 19601970 Luiz Reinado Zanon um dos dirigentes da Indústria Brasileira de Lápis SA LABRA em 1986 empresa da qual a João José Zattar SA era acionista majoritária Este era membro da família de Maximino Zanon um dos fundadores do PTB no Paraná responsável em articulação com o PSD pela indicação de Moysés Lupion a disputa eleitoral para governo em 1947 Luiz Reinaldo foi destacado empresário no Estado recebendo premiações de entidades representativas do empresariado e no que se refere às relações com a João José Zattar SA dirigiu a PARAMOL Fábrica de Tintas empresa de que a LABRA obteve em meados da década de 1980 o controle acionário16 Além destas ligações a Zattar estava associada como a maioria das grandes madeireiras grupos Lupion Slavieiro Sguário Martinez do estado à MADEBRAS dedicada à exportação de madeira Kretzen 1951 João José Zattar o proprietário exerceu também cargos importante da representação dos interesses corporativos do setor como a CACEX Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil Salientamos que as fontes e bibliografi as consultadas demonstram que grandes conglomerados do setor industrial madeireiro Zattar Companhia de Terras Norte do ParanáCTNP Grupo Lupion Grupo Martinez etc possuíam signifi cativas articulações econômicas e administrativas entre si e também com políticos em nível municipal estadual e federal Este contexto levou a que ocupasse parte do capitalismo no Paraná um agente particular o empresário do setor industrial madeireiro que dentro de seu campo possuía o controle da propriedade da terra da madeira e das plantas industriais fato que propiciou a tais empresários grande concentração de poder e a capacidade de dirigir o processo produtivo em todas as suas fases desde a produção da matéria prima até a entrega do produto à comercialização Wanderley 1979 2317 Concentração que é um dos fatores de sustentação do poder dos membros desse grupo 16 Conforme contratos fornecidos pela Junta Comercial do Paraná 17 Situação análoga à do setor industrial madeireiro foi encontrada também na formação das usinas de cana no nordeste MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 258 Trabalho e dominação nas vilas operárias e serrarias A partir de 1953 segundo a biografi a ofi cial de Miguel Zattar já funcionava no interior de Pinhão uma serraria de grande porte que deu origem à Zattarlândia uma planta industrial localizada no meio de vastas fl orestas de araucária imbuia e outras madeiras nobres Esta planta industrial como outras suas contemporâneas possuía uma estrutura que assegurava diversos aspectos da vida dos trabalhadores casas para parte dos empregados fi xos loja comercial igreja ou capela casa dos administradores ou proprietários espaço para festas públicas farmácia segurança própria Esteve ativa até a década de noventa quando em 1991 possuía seiscentos e noventa moradores desarticulandose após o início de 2000 em que os moradores se reduziram a duzentos e oitenta18 Segundo pudemos compreender pela leitura dos poucos trabalhos acadêmicos que encontramos sobre o tema esta infraestrutura era essencial para o funcionamento das grandes serrarias localizadas no seio de grandes reservas fl orestais distantes de centros urbanos que pudessem fornecer produtos para manutenção da serraria e seus funcionários Este era o caso da Zattarlândia que serrava madeira de suas cercanias e outras localidades vizinhas Alguns aspectos do cotidiano destes trabalhadores são essenciais para nossa compreensão de como empresas como esta conseguiram se estabelecer e apropriarse de terras e recursos naturais madeira e ervamate nativas Vilas operárias como a Zattarlândia têm sua origem em empreendimentos em larga escala de extrativismo depredatório de ervamate e madeira no Oeste e ExtremoOeste paranaense denominadas obrages Instaladas no início do século XX seu auge ocorreu entre as décadas de 19101920 sendo que algumas funcionaram até a década de 1950 quando foram substituídas pelas colonizadoras Estas por sua vez estiveram diretamente articuladas com o setor industrial madeireiro19 citamos por exemplo a CTNP CITLA Pinho e Terras MARIPA que associavam extrativismo madeireiro e colonização em larga escala cf Salles e Lopes 2012 Embora o grupo Zattar tenha comercializado terras em forma de pequenos imóveis na região de Pinhão no fi nal da década de setenta e início de oitenta a empresa não pode ser caracterizada como 18 Segundo dados dos Censos Demográfi cos do IBGE 19 Obrages empresas que atuavam no extrativismo em grande escala de ervamate e madeira em terras públicas no Oeste e ExtremoOeste do Paraná por meio de contratos de concessão algumas controlando centenas de milhares hectares Wachowicz 1982 5878 Setor industrial madeireiro caracterizado por atividades de industrialização da madeira nativa isto é produção de vigas e tábuas para construção civil caixas para comercialização de produtos cabos de vassouras móveis papel etc Quanto mais industrializada era a empresa do setor mais distante estava do simples extrativismo de madeira praticado por exemplo pelas grandes serrarias das colonizadoras citadas ou empresas como a Zattar pelo menos até a década de oitenta Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 259 colonizadora sua atividade principal no período estudado 19531984 e 1991 1994 foi extrativismo madeireiro e sua transformação em tábuas pranchões vigas que no segundo período somavamse à produção de material escolar e para escritório20 Das relações entre obrages colonizadoras e setor industrial madeireiro surgiu a estrutura e propriedade fundiária no Paraná contemporâneo com a marca da privatização da terra pública que resultou em grandes empresas capitalistas e uma estrutura latifundista originada em benefícios e subvenções estatais que marcaram tanto o setor industrial madeireiro quanto as colonizadoras cf Salles 2004 4889 Aspectos da divisão do trabalho nas serrarias o mato o pátio e o barracão O vigia da serraria encarregado da noite ele tinha que passar em todas as suas voltas por aquele local e quando fechava uma hora de ronda teria que bater com outro ferro neste pedaço de trilho de acordo com as horas se fosse sete horas tinha que ir lá e dar sete pancadas naquele pedaço de ferro para avisar e dizer que ele tava acordado as sete e meia era uma pancada às oito horas oito pancadas e assim sucessivamente O vigia permanente era obrigado a bater o ferro Pois o seu Edgard proprietário morava perto da fábrica e tinha o costume de escutar os sinais O gerente geral Oscar Ribas também morava perto e sempre tava de olho nas batidas do vigia Entrevista de Lioncio de Paula Pires in Braga 2011 90 Em nossa pesquisa encontramos pouca produção acadêmica sobre as relações de trabalho nas serrarias localizadas no meio rural eou nas pequenas cidades Das pesquisas encontradas sobre trabalhadores de serrarias abordaremos primeiro a divisão do trabalho e posteriormente as relações de dominação existentes nas vilas operárias de propriedade das empresas madeireiras Este é o aspecto mais relevante do presente item pois pretendemos estabelecer um nexo entre relações de dominação e a consolidação da estrutura e propriedade fundiária no período 20 O Grupo Zattar foi proprietário de uma empresa deste setor chamada LABRA S A Monteiro 2008 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 260 Iniciando pelas relações de trabalho a partir da bibliografi a consultada constatase que as atividades nas serrarias no período eram divididas em três espaços distintos O mato é um local específi co de onde eram cortadas as árvores o pátio da serraria eram roladas uma a uma até a entrada no barracão e ali dentro transformadas em tábuas O barracão era o principal setor abrigando a maioria do maquinário e dos trabalhadores especializados pranchas vigotes etc que eram classifi cadas e medidas Ziliotto 2008 1011 negritos meus Em relação ao trabalho no mato o depoimento seguinte traz mais detalhes acerca de sua execução retratado pelo operáriopeão21 João Bonfi m da região de Irati que atuou nos três ambientes da serraria Trabalhei no locomóvel abria a pressão para tocar trabalhei de caldeirista afi ador serrador estalerador e também fazia ripa pra cobrir casa tenho até o ferro de tirar ripa pra cobrir casa e ripa pra cerca cortava o pinheiro traçava daí partia certinho com essa ferramenta saia bem certinho as ripinhas de cobrir casa agora é custoso uma casa coberta de tabuinha Meu pai me ensinou fazer aquilo O acampamento chegava e se tivesse um ranchinho falava com o dono e ali fi cava e se não tivesse fazia uma coberta com lona e a cama era quatro estacas enchia de varinha e taquara e colocava o colchão de palha por cima mas o fogo tinha que amanhecer aceso pra espantar os bichos até onça tinha lá urrava pertinho do acampamento na Areia Branca e tendo fogo ela não chegava Urrava perto por isso não podia apagar o fogo e cobra tinha muito tinha que tomar cuidado No mato você se vira aprende a lida com as plantas Remédio bom era o óleo de sassafrás Lá no acampamento cozinhava na vara fi ncava duas estacas colocava uma vara e colocava as panelas ali feijão carne arroz charque tudo panela pendurada na vara tinha que ser vara verde e grossa pra 21 Este termo é aqui utilizado no sentido de diferenciar trabalhadores que são peões de fazendas e operários que trabalham em serviços urbanoindustriais No caso dos trabalhadores das serrarias agregamse características de ambos visto que como o operário de fábrica urbana o trabalhador da serraria estava totalmente despossuído de outros meios de subsistência que não a força de trabalho porém de forma semelhante ao peão de fazenda o trabalhador da serraria encontravase enredado em relações pessoais de dependência clientelistas com seu patrão proprietário ou dirigente das plantas industriais rurais visto que dentro delas ocorriam também diversas relações de socialização de lazer religiosidade familiares etc pois grandes serrarias como a Zattar possuíam no seu entorno as vilas operárias Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 261 não queimar e ia pro mato cortar e voltava pro almoço às vezes fazia panelada de couro de toucinho fazia aquelas paneladas parolo Não é panela era panela de ferro grande com quatro tetinhas embaixo chamava parolo meiodia tava tudo pronto Estaleirava pinheiro e imbuia com cavalo e boi Era sofrido demais com geada não era fácil Entrevista concedida por João Bonfi m in Jorge e Martins 2010 117118 Do depoimento compreendemos que um operáriopeão poderia ascender de condições difíceis de trabalho no mato sendo transferido para atividades no pátio onde o trabalho de produzir ripas ou telhas de madeira tabuinhas de forma manual e chegar ao barracão núcleo mecânico da serraria trabalhando na máquina responsável por serrar as grandes árvores locomóvel Como o extrativismo madeireiro tinha caráter predatório não se preocupando com a manutenção de reservas havia um esgotamento constante dos recursos fl orestais daí a marcha das serrarias Os diferentes espaços de trabalho das serrarias implicavam também na diferenciação interna dos trabalhadores Segundo Carlos Rebesco proprietário de serraria em Irati os trabalhadores contratados para exercer suas atividades no mato geralmente eram contratados por empreita isto é por tarefa cf Ziliotto 2008 42 e chamados de toreros que derrubavam e deixavam toras árvores já desgalhadas devidamente empilhadas prontas para transporte estaleirar requeria preservar a madeira derrubada de ataques de insetos queima e umidade O estaleiramento da forma que ocorria no início da década de cinquenta foi descrito por um antigo funcionário da Zattar que trabalhou na construção das serrarias da Zattarlândia Nóis fazia as tora e rolava Limpemo a muque o pinhalão Punha uma vara de um metro um metro e pouco da cabeça da tora e punha aquela madeira e rolava por cima Não existia serraria nóis estava fazendo a limpeza pra fazer a fundação da serraria que foi feita a muque diz Eurides Os homens Eurides seu irmão Aníbal Xandoca entre outros derrubavam a madeira e carregavam em carroções olhados por Genauro Machado de Oliveira o gerente geral O barracão nasceu pelas mãos desses homens que trabalhavam descalços Monteiro 2008 4849 destaques meus A partir das duas entrevistas destacamos as seguintes características início do trabalho infantojuvenil a passagem do operário por diversas ocupações dentro da serraria vista como ascensão meritocrática de operáriopeão do mato para operáriopeão do pátio e do barracão a positivação dos diferentes MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 262 trabalhos Não obstante as lembranças de trabalho dos peõesoperários do mato eram de um trabalho sofrido demais devido a necessidade de grande esforço físico precariedade de alojamentos em especial para o preparo de alimentos visto que nem fogão existia invadidos constantemente por grande quantidade de mosquitos o fato de que eventuais doenças e ferimentos deveriam ser tratados pelos próprios trabalhadores com ervas medicinais a possibilidade de ataques de animais selvagens onças cobras etc Todos estes obstáculos se somavam a outro que certamente os tornava mais árduos a questão das intempéries trabalhar com geadas chuvas etc em uma situação na qual o alojamento era uma barraca e alguns trabalhavam descalços Retomemos agora outros aspectos do cotidiano na Zattarlândia a partir do relato de uma moradora de Pinhão cujos pais e tios ali se empregavam na forma empreita ou como trabalhadoras domésticas neste caso diretamente com a família Zattar Deste depoimento destacamos dois aspectos O primeiro referese à divisão entre peõesoperários locatários e não locatários quanto à origem e ao acesso a terra e as funções que desempenhavam A entrevistada informa que a maioria dos nativos de Pinhão que trabalhavam para a empresa os atuais posseiros ou faxinalenses não eram operárioslocatários sendo que na vila Tinha gente de toda parte Tinha de Inácio Martins município limítrofe a Pinhão porque vinha vinha gente até de Santa Catarina vinha gente trabalhar na lá E de fora de em Curitiba que tem em Guarapuava eles tinham indústria Onde quer eles tinha indústria E tudo as indústria era desmatamento não tinha outra coisa E as casa grande dependendo da profi ssão era de acordo com a casa que morava Se fosse marcador ali que tivesse uma os motorista eles tinham a casa maior Pra morar com luz tudo água Agora quando era descascador de tora era turno que trabalhava eles trabalhavam no mato né Daí ia tudo pro pros rancho Os rancho era três peças dois quartos e a cozinha só que era tudo grande né bem pintado Mas luz e água não tinha água era da mina e a luz era vela Tinha tem as casa deles lá da família Zattar que eles vinham e fi cavam meses lá A mulherada com criançada Tudo fi cavam lá e daí a minha mãe queria trabalhar pra minha tia que foi uma das primeiras fundadoras que ela começou a trabalhar lá de de doméstica deles cozinheira Rosana entrevista in Ayoub 2011 47 Algumas dissociações são percebidas na rememoração acima De início o fato de que devido ao grande porte da empresa e suas fi liais atraíam trabalhadores de outros locais Inácio Martins Irati Guarapuava Curitiba Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 263 São Paulo Santa Catarina22 o que limitava relações de reciprocidade entre estas pessoas em detrimento do poder de coerção social da empresa Este quadro certamente não teria existido sem orientação dos patrõeslocatários Dialeticamente porém Sra Rosana traz uma representação dos originários de Pinhão que possuíam mesmo que de forma precária23 acesso a terra em relação a empregaremse como peõesoperários Segundo a entrevistada seu pai optava por empregarse apenas parcialmente por empreita sazonalmente na Zattarlândia pois preferia manter outras formas de sobrevivência que seriam impossíveis caso se tornasse peãooperário em período integral como aqueles que eram locatários Então nunca mudamos mas não foi que que o meu pai nunca quis nunca nunca É ele sempre dizia eu não vou eu só faço serviço de empreitada eu não vou é morar em casa do Zattar lá fazenda do Zattar eu não vou Disse porque eu toda a vida tive a minha luta eu gosto de lidar com as minhas criação A gente tinha praticamente uma chacrinha lá Que daí ele fazia nós tudo fazia serviço de empreito assim mas morar lá ele nunca quis ir Na sede do Zattar Eu tinha vontade de morar na Zattarlândia Ih Deus o livre Ilusão de criança né porque daí lá as casas eram melhor tudo Rosana entrevista in Ayoub 2011 4751 destaques meus Todos do núcleo familiar trabalhavam de empreita porém o pai e em alguma medida a fi lha tinham orgulho de afi rmar que praticamente possuíam uma chacrinha isto é ou era insufi ciente em tamanho para ser uma chácara ou os direitos sobre uso da terra não estavam totalmente assegurados Seja uma das duas alternativas ou uma mistura de ambas o que se expressa é uma posição onde se conseguia manter alguns animais e alguma luta isto é algum tipo de trabalho na terra Outra dissociação percebida na entrevista se refere à diferenciação na qualidade das moradias decorrente da importância atribuída pela empresa a diferentes ofícios uns moravam em casas e outros nos ranchos no mato o qual a entrevistada não esclarece quem constrói se empresa ou operário peão Esta distinção era produzida a partir de critérios estabelecidos de forma unilateral pela empresa conforme seus interesses particulares Estas diversas relações de trabalho repetiamse no quadro já descrito de peões operários locatários ou não de outras plantas industriais no meio rural em um novo contexto onde a frente pioneira encontravase em fase fi nal ela 22 Segundo Monteiro 2008 Eurides veio de Irati junto com irmãos ainda adolescente 23 Por insufi ciente em tamanho ou em garantias de acesso MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 264 expandiuse a partir de 1920 e exauriuse na década de 1960 isto é em um contexto onde o ser operáriopeão tinha um signifi cativo material e simbólico específi co tema que discutiremos a seguir no item propriedade social O segundo aspecto referese ao controle social exercido sobre seus peões operários Retomando os depoimentos de Rosana e Eurides relacionandoos a outros estudos sobre a vida dos trabalhadores nas plantas industriais rurais das serrarias nas décadas de 19401960 podemos construir hipóteses sólidas sobre a vida destas mulheres e homens na região de Irati Inácio Martins Pinhão As empresas que dispunham de vilas operárias rurais tinham diversas possibilidades de exercer grande controle social sobre os peõesoperários e em particular aqueles que eram locatários visto que havia grandes semelhanças entre a vida na Zattarlândia e em outras vilas operárias de plantas rurais de serrarias congêneres do período e região Não obstante estas semelhanças salientamos que alguns aspectos das relações de trabalho existentes nas serrarias tinham suas origens no sistema de obrages era o amplo controle que a empresa buscava manter da vida dos seus funcionários Iniciando por algo caro ao capitalismo liberal o controle sobre o consumo As possibilidades de livre consumo pelos empregados podiam ser amplamente controladas pela empresa bem como atividades de lazer e religiosa pois as instalações comerciais permanentes e eventuais caixeirosviajantes dependiam de autorização dos gerentes o mesmo ocorrendo com uma estrada que cortava a região a qual teria sido construída pela empresa Estas duas formas de controle sustentavam outra que igualmente incidia sobre todos peõesoperários locatários ou não que trabalhavam integralmente ou de empreita o Boró o dinheiro que circulava nas vendas armazém farmácia etc de Zattarlândia O boró uma ideia de João José Zattar considerada avançada para a época tinha o mesmo valor de compra de um por um da moeda então vigente o cruzeiro Os comerciantes depois trocavam na empresa os borós com cores e valores diferentes por dinheiro Em vez de pagálos com dinheiro dávamos o boró Eles iam no armazém compravam e o boró voltava para o escritório Era melhor assim um tanto em boró e outro em dinheiro diz Zuzo Monteiro 2008 48 destaques meus O biógrafo de Miguel Zattar em sua apologia revela algo interessante em relação à mentalidade de seu biografado o que considera estratégias administrativas avançadas no período segundo depoimentos de empregados da Zattarlândia o boró teria sido utilizado entre 1949 e a década de 1970 cf Ayoub 2011 46 Não obstante tal prática remonta às primeiras décadas do século XX tendo surgido nas obrages onde o peão não via dinheiro sendo Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 265 pago por uma espécie de vale por escrito chamado boleto Cada empresa possuía o seu exclusivo para circular em sua propriedade24 Por meio do boleto ou boró a direção da empresa poderia ter conhecimento do que era consumido e de quem o empregado comprava podendo por exemplo exercer coerção moral sobre gastos considerados exagerados eou inadequados pelos patrões causar difi culdades para determinado comerciante ou empregado trocar boró por dinheiro ou como salientou Ayoub difi cultar a poupança para os peõesoperários25 Tendo em vista estas estratégias não apenas peões operários mas também comerciantes que desejavam adentrar nas vilas operárias deveriam manter boas relações com os patrõessenhorios Salientamos que estas estratégias possibilitavam além de dominação a maior exploração dos empregados das vilas operárias localizadas no meio rural como percebemos do depoimento abaixo de um peãooperário no norte paranaense Uma coisa que os patrões de fazendas praticavam entre as décadas de 19401950 frequentemente neste norte do Paraná era trazer no caminhão seus trabalhadores para comprarem na cidade mas o veículo parava somente nos armazéns dos amigos e parentes quando não no seu próprio Nesta época a usina começou a usar aquele método do boró um vale de cor verde que tinha valor de um dois cinco e dez era do tamanho de uma nota de cinco reais de hoje A empresa atrasava o pagamento e fornecia metade em dinheiro e metade em boró Depois passou a fazer 30 em dinheiro 70 em vale E o resto fi cava enrolando Com os vales os trabalhadores estavam obrigados a comprar nos armazéns da empresa Coisas de terceira ou de quarta categoria que eram vendidas como se fossem de primeira Aquilo era um tipo de escravidão José Rodrigues dos Santos entrevista in Villalobos e Silva 2000 51 e 66 O depoimento acima se refere ao uso do boró em várias fazendas no norte paranaense Uma delas chama atenção em 1954 na fazenda de João Esguari ou Sguário que era o maior dono de serrarias do Paraná e estava formando fazendas com um milhão de pés de café Este homem tinha tudo 24 Wachowicz 1982 afi rma que além do boleto o peão tinha a alternativa de retirar o que necessitava no barracón da empresa sendo seus gastos anotados sem uma caderneta o que implicava o endividamento contínuo do mensu Destacamos o fato de que para Wachowicz o sistema de obrages indiscutivelmente caracterizou o ExtremoOeste paranaense pelo menos até a década de 1950 sendo as obrages substituídas pelas colonizadoras e o mensu pelo colono Wachowicz 1982 160167 25 Conceito formulado José Sérgio Leite Lopes na obra O vapor do diabo para referirse a trabalhadores submetidos ao regime fabril em grandes fábricas localizadas no meio rural agregando formas de dominação industriais e rurais MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 266 cinema mercados bar farmácias no Eldorado Segundo o entrevistado devido ao uso reiterado da prática por ele descrita ele viu uma mulher valente que voou por cima do balcão e se atracou com o administrador da fazenda quando foi informada que novamente seriam pagos apenas com boró Este ataque foi prontamente seguido por outras mulheres causando pânico no administrador e no contador que estavam juntos Havia muitas outras trabalhadoras e trabalhadores mas ninguém se moveu para separar a briga pois todo mundo sentia o problema do boró Como não poderia deixar de ser no dia seguinte a polícia veio e fi cou rondando cf Dias Tonella e Villalobos 2000 44 Esta narrativa traz diversos elementos relevantes salientamos dois o primeiro referese ao nome de João Esguari que acredito ser João Sguário sendo a escrita diferente por uma questão de pronúncia de José Rodrigues ou descuido editorial João Sguário foi um dos maiores proprietários de serrarias do Estado estando associado ao grupo Lupion por décadas cf Salles 2004 e era amigo de João José Zattar Estes últimos seriam os reis da madeira patronos das duas maiores fortunas do estado Sguário era chamado de rei do pinho tinha uma coleção de serrarias26 O segundo elemento refere se à ligação entre boró e lojas de comércio de propriedade de Esguari ou Sguário demonstrando um adendo na exploração do trabalho sendo que à reação desesperada das mulheres aparece a pronta vigilância da polícia Tal desenrolar de acontecimentos nos leva a perguntar como um fato análogo teria ocorrido na Zattarlândia de que forma reagiriam os seguranças da empresa como os vigias das cancelas das estradas que como veremos envolveramse em confl itos com adversários da Zattar Retomando o depoimento acima da Sra Rosana lembremos da diversidade de locais de origem dos peõesoperários locatários fato que pode ser caracterizado como elemento fragilizador visto que estas pessoas não tinham a mesma rede de pertencimentos comunitários que grupos estabelecidos a longo prazo em um mesmo lugar ou que migravam em grupos como descrito por Elias e Scotson 2000 o que era comum no Paraná do período de rápida expansão da frente pioneira O fato do patrãosenhorio também ser proprietário de grande parte da estrada que ligava Zattarlândia a Pinhão era também elemento signifi cativo para exercer seu mando Conforme percebemos da leitura do levantamento documental da UNICENTRO a empresa mantinha cancelas com vigias que se somavam aos vigias da Zattarlândia controlando o trânsito de pessoas e veículos em um território bem mais amplo do que a vila operária por exemplo em relação às visitas de familiares dos empregados comerciantes 26 Monteiro 2008 114115 Como demonstraremos abaixo as ligações entre os maiores grupos do setor industrial madeireiro no Estado espalhavamse para além das amizades e do plágio de velhas novidades o boró copiado por ambos Sguário e Zattar Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 267 rivais daqueles apoiadosaprovados em períodos eleitorais candidatos rivais aos apoiados ou que contassem com a simpatia dos proprietários etc Dado o controle que os proprietários das vilas operárias tinham sobre estas seria possível a eles impor alguma ingerência sobre as relações comerciais entre os peõesoperários locatários ou não e mascates e lojistas pois obviamente os diversos tipos de pequenos comerciantes dependiam de boas relações com proprietários e dirigentes de vilas das serrarias para nelas transitarem instalaremse O uso da prerrogativa de impedir ou difi cultar o trânsito de pessoas foi constante pela empresa fato que causou diversos confl itos alguns explicitados em processos judiciais criminais de 1971 e 1972 envolvendo pequenas madeireiras e posseiros Confl itos que se repetiam duas décadas depois segundo relatos contundentes de servidores do IAP O cerceamento do tráfego implicava por exemplo em obstáculos sérios ao comércio visita de familiares campanhas políticas disputas entre a empresa e quaisquer adversários por exemplo fi scalização de órgãos ambientais organização dos movimentos sociais na região A vigilância poderia ser utilizada também contra outros personagens além dos posseiros e peõesoperários como sugerem alguns processos judiciais criminais pois a empresa ao denunciar outras madeireiras ou seus servidores por furto de madeira certamente poderia contar com o apoio dos vigias das cancelas como testemunhas eou para obstacularizar tais práticas O recebimento de vários benefícios citados por Rosana moradia assistência médica roupas usadas sejam reais ou ilusórios fornecem importantes bases para a compreensão de outro aspecto das relações de dominação existentes em situações semelhantes as relações de dependência e reciprocidade marcadas por uma grande assimetria Aqui reencontramos afi nidades entre a organização da produção feita por usinas de cana estudadas por Sérgio Leite Lopes e as serrarias Segundo o autor o fato que distinguia a indústria de cana era ser ela agrícola situação como dissemos parecida com as serrarias e concentrar distante de grandes centros urbanos diferentes tipos de trabalhadores Operários de fabricação operários de ofi cinas de manutenção operários ligados a transportes operários fi xos e operários sazonais Por outro lado dentre os operários fi xos grande parte deles mora em casas da própria usina próximas à planta fabril Essa ligação direta entre o domínio do trabalho e o domínio de sua moradia que geralmente não existe para os operários industriais urbanos que podem trabalhar em diversas fábricas e continuar morando na mesma casa faz com que tanto o tempo livre do operário do açúcar MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 268 quanto as condições de sua moradia sejam fortemente determinados por sua inserção específi ca no processo de produção da usina Lopes 1978 1112 É importante lembrarmos que abordamos vilas operárias da zona rural ou pequenas aglomerações de residências o que é diferente de serrarias localizadas em núcleos urbanos com signifi cativa concentração industrial como Curitiba e Ponta Grossa nas quais havia desde o início do século XX um pequeno setor industrial diversifi cado formado por fábricas de caixas cabos de vassouras banha olarias bebidas etc Retomando as memórias dos peões operários citamos trecho de entrevista do Sr Lioncio empregado por mais de uma década na mesma serraria no município de Irati No tempo que eu trabalhava como motorista na fábrica do Gomes me lembro de uma história interessante que aconteceu com o meu fi lho mais velho Nos fi ns de semana sempre levava o caminhão e o trator para lavar na minha casa E num desses dias o meu fi lho Wilson veio guiando o trator para dentro da fábrica nisso o seu Edgard proprietário e diretor da empresa estava no portão que não gostando de ver a cena mandou o menino descer pois não admitia seus veículos na mão de outras pessoas a não ser na de seus motoristas Agora imagina na mão de uma criança Passou um tempo e a mesma cena se repetiu só que desta vez seu Edgard vendo que o menino guiava muito bem o trator fez sinalização para ele não descer e continuar tocando o trator para seu estacionamento Devido a estas ousadias de meu fi lho aos poucos foi tornando meu aprendiz até mesmo sem eu saber Meu fi lho realmente me surpreendia na direção do trator fazendo com que o próprio seu Edgard se admirasse Entrevista Lioncio de Paula Pires in Braga 2011 86 Neste depoimento destacamos dois pontos primeiro o empregado trabalhar aos fi nais de semana lavando veículos da empresa o segundo aspecto referese à formação para o trabalho no âmbito do interior da serraria Em relação ao cuidado com as máquinas da empresa acredito que ao levar os veículos para sua casa Lioncio estava se responsabilizado pessoalmente por implementos essenciais à serraria Saliento que o ato de lavar estes veículos era certamente uma parte essencial de sua manutenção pois ambos os veículos utilizados em estradas de terra acumulavam pedaços de matéria orgânica terra galhos etc o que aumentava a depreciação de peças e lataria No que se refere ao segundo ponto que salientamos a imagem é bastante Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 269 signifi cativa o pai estava ensinando ao fi lho ainda criança como realizar algumas ações de manutenção e dirigir os veículos ações estas que eram feitas como prática isto é exigiam colaboração do menino no trabalho levando o trator da casa para o barracão após ser lavado por exemplo Certamente era estratégico para o pai ensinar ao fi lho e era evidente que o seu Edgard saberia das ações do menino que somente poderiam ser executadas com o conhecimento do pai Estes dois pontos são essenciais para analisarmos a perspectiva do senhor Lioncio era importante conquistar a admiração do homem que era simultaneamente proprietáriodiretor empresa para qual trabalhava e senhorio da casa na qual residia com a família Este discurso está cheio de construções éticas e morais no sentido da formação que dava para o fi lho como trabalhador especializado que aprendia dentro do pátio e do barracão portanto observado pelos patrõeslocatários onde seu pai demonstrava responsabilidade no cuidado dos veículos Isto fi ca evidente através da interpretação feita por Lioncio para ele o patrão mandou desligar o trator porque dirigilo era função exclusiva do motorista ofi cial não havendo menção ao fato que um menino estava ao volante27 Certamente a formação e inserção dos fi lhos no trabalho tinham signifi cados diferentes para operários e patrões Para os primeiros signifi cava assegurar emprego mais que trabalho para os fi lhos Para patrões signifi cava além da formação de um trabalhador dentro de seu quadro de empregados o que em si trazia dívidas éticas e morais tanto do paioperário quanto do fi lho futuro operário a realização por algum tempo de trabalho gratuito ou menos pago que o de um adulto Em relação aos cuidados pessoais do senhor Lioncio com os veículos acredito que ele foi homólogo ao senso autoatribuído de responsabilidade dos trabalhadores das caldeiras das usinas de cana que não obstante a intencionalidade dos patrões funcionava de forma dialética Maneira possível que a administração tem de inculcar nos operários o zelo pelo capital do usineiro a responsabilidade é inversamente a maneira pelo qual tem o operário de profi ssionista termo que designa operários que trabalham nas tarefas com maior grau de exigência tecnológica ex trabalho com caldeira através de uma reinterpretação criativa de valorizar seu trabalho e de colocar a administração em uma situação de dívida imaginária com o operário o ganho não corresponde à responsabilidade Lopes 1978 27 negrito meu 27 Como os pais os fi lhos de peõesoperários começavam a trabalhar na infância Ziliotto 2008 1011 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 270 Acredito que o senhor Lioncio e provavelmente outros trabalhadores construíram este ideário o que ajuda a compreender ações aparentemente contraditórias ao ideal de dominação Por exemplo quando ele no escritório administração da serraria esbravejou contra atitude de desleixo e omissão ao problema grave de saúde de uma fi lha por parte de funcionários da gerência da serraria sendo posteriormente atendido em sua demanda pelo patrão que autorizou o uso de seu veículo particular Braga 2011 94 Isto é quando contrariado em uma situação muito sensível senhor Lioncio respondeu de forma mais contundente pois se explicitou a possibilidade de romperse a dependência A reação do patrão manteve a reciprocidade Esta refl exão embora propiciada por um depoimento de um operáriopeão locatário de uma vila operária de Irati é importante para entendermos algumas afi rmações dos memorialistas Passos e Monteiro sobre a Zattarlândia que também aparecem na entrevista com a Sra Rosana Era muito bonito lá Tinha farmácia tinha açougue tinha o armazém tinha médico três vezes por semana era o Dr José Cassoli que era o médico de aqui do hospital velho que ia lá no no Zattar E o remédio tinha tudo tudo tudo tudo na farmácia E tinha um farmacêutico lá muito bom que aquele se dissesse ó leve pro Pinhão que não vai ter jeito aqui leve podia saber que trazia fosse gente grande fosse criança fi cava semanas internado aqui ele tinha um bom acerto de de remédio Então a o pessoal de lá só vinha pra cá é tipo fosse mandado vir Daí só que daí também quando o farmacêutico falava ói não tem mas primeiro tinha que ir na farmácia lá né não tem jeito você vai ter que levar daí também dali a gente tava a farmácia que nem ali que nem aqui já tava o escritório Só passava ali no escritório dizia to precisando de um carro que preciso sair ir pro Pinhão já diziam então vá pra casa que daqui a pouco já vai E ia mesmo Sra Rosana entrevista in Ayoub 2011 51 Como se vê dos depoimentos selecionados a memória dos operários do pátio e do barracão era bem diferente daquela dos do mato A positivação da vida nas vilas operárias está relacionada à estabilidade por ela propiciada Porém a crer nos processos trabalhistas encontrados e na disciplina de trabalho imposta pelos patrõessenhorios os peõesoperários locatários estavam sujeitos a diversas e constantes obrigações contrapartidas do que resultaria um pequeno número de confl itos trabalhistas lembrandose do contexto geral no qual o acesso ao judiciário era precário o desequilíbrio de poder era abissal as distâncias a serem percorridas por peõesoperários até o judiciário por estradas da Zattar signifi cativas A este quadro devemos somar Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 271 uma questão conjuntural caso o operáriopeão locatário residisse na vila da empresa e entrasse com uma ação judicial seria imediatamente despedido e despejado o trabalhador do mato tinha uma situação igualmente complexa visto que tinha contratos por tarefa empreita algo que o aproximaria dos terceirizados de hoje o que tornava uma disputa judicial difícil Por fi m lembremos ainda o ocorrido com as trabalhadoras da fazenda de Esguari Sguário que fi caram sob observação da polícia Outra analogia entre a vida do Sr Lioncio e Sra Rosana está na ideia de aprendizado com os pais e em alguma medida uma dívida para com os patrões de quem ganhavam favores e presentes atendimento médico medicamentos roupas usadas apenas uma vez etc28 Os presentes ofertados como dádivas pelos patrõessenhorios identifi cados nas falas do Sr Lioncio e Sra Rosana também foram identifi cados nas grandes usinas de cana do nordeste na década de sessenta A interpretação do que ocorreu nas vilas das serrarias pode ser feita a partir de estudo sociológico de uma realidade similar registrada entre as décadas de 19401960 no Nordeste canavieiro havia também grandes vilas operárias que margeavam plantas industriais localizadas na zona rural tendo casas máquinas e terras concentradas sob o mesmo proprietário O estudo em questão constatou que havia uma Interpenetração e dominação da esfera do trabalho sobre a esfera doméstica dos operários tem nessa característica da usina seu maior sustentáculo O poder de redistribuição do usineiro que se manifesta em concessões não monetárias suplementares ao salário moradia possível emprego dos fi lhos do morador etc tem como consequência o controle que a usina exerce sobre o próprio mercado de trabalho dos operários do açúcar o qual se abastarda enquanto um mercado que sofre de maneira parcial os efeitos contraditórios do princípio da redistribuição Lopes 1978 206 As conclusões de Lopes são importantes para nossa análise Análise que também dialoga com Robert Castel que ao analisar a história da produção do assalariamento descreve a trajetória de uma classe trabalhadora exposta a novas formas de exploração em decorrência de inovações das relações de produção impostas pelo capitalismo Retomando este último autor o mais importante não é explicitar a exclusão a produção de supranumerários os excluídos os miseráveis mas compreender que mecanismos geram tal processo e as formas de reação a ele 28 Aqui talvez se expresse o sentido de dominação pessoal e também de reciprocidade desigual assimétrica Lembrar bibliografi a sobre fábricas que construíram vilas para seus operários na Europa e por isso exerciam sobre esses controle maior MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 272 Nas obras de Passos e Monteiro o patrãosenhorio aparece como alguém que construiu e buscou dinamizar seu empreendimento no interesse de seus empregados Esta ideologia também tinha como transparece nas memórias de Sra Rosana e Sr Lioncio alguma aderência entre os peõesoperários Porém a crer na perspectiva de entrevistas como a do Sr Lioncio havia uma leitura a contrapelo dialética pois os trabalhadores passaram a enxergar aquilo que para os patrões era favor como direito por exemplo atender mesmo que pontualmente demandas de saúde moradia e empregos para fi lhos de peõesoperários A nova questão social nas vilas operárias contribuição para uma sociologia da propriedade É fundamental não esquecermos o que estava em jogo retomando os depoimentos de peõesoperários toreros Sr Eurides João Bomfi m ou mesmo Lioncio em relação ao drama que passou com a fi lha que se referem às condições duras de trabalho e as relações de dependência e dominação existentes nas vilas operárias semelhantes à Zattarlândia A trajetória de João Bomfi m e a imagem construída por Rosana durante sua infância sobre a beleza da Zattarlândia seriam uma forma destas pessoas encontrarem algum tipo de segurança em uma situação crítica que marcava a década de sessenta isto é um contexto no qual era essencial afastarse de potenciais confl itos pela terra ou situações dramáticas de trabalho como a mulher valente da fazenda EsguariSguário e simultaneamente fortalecer ou construir laços de solidariedade e proteção social e moral nos termos sugeridos por Castel 2009 fortalecendo seus pertencimentos comunitários e suportes relacionais que estão presentes em maior grau nas comunidades estabilizadas isto é sem grandes alterações demográfi cas crises ou guerras Seguindo esta linha de raciocínio é legítimo supor que para peõesoperários do mato e do barracão ou pátio em gradações diferentes a possibilidade de cair no limbo social era algo palpável pois isto ocorreria caso se tornassem momentaneamente ou indefi nidamente incapazes para o trabalho considerando a inexistência de auxílio social que não o familiar ou da comunidade Devemos ter em mente que estes personagens não tinham muitas opções sendo coagidos à busca incessante do trabalho sofrido realidade que espelhava a situação dramática do trabalhador europeu no período inicial da revolução industrial na qual este era Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 273 Um pobre diabo que não aprendeu no quadro de ofícios sem qualifi cação que trabalha de vez em quando mas frequentemente estava em busca de um pequeno serviço aleatório dessocializando se progressivamente ao longo de suas peregrinações e apanhado pelo braço secular num momento desfavorável de sua trajetória errante Castel 2009 131 Analisando as memórias destes trabalhadores é possível afi rmar que contingentes signifi cativos da população rural paranaense foram empurrados para as margens marginalizados da sociedade em uma situação onde poderiam tornarse miseráveis por não poderem trabalhar A impossibilidade de acesso ao trabalho poderia ser decorrente não apenas da falta de trabalho mas como é possível entender dos depoimentos acima pela degradação de algumas condições de seu exercício pelo impedimento de acesso a recursos naturais e ao território coleta de ervamate madeira criação de animais para consumo pessoal assegurados antes da extinção da frente pioneira a partir do fi nal da década de cinquenta privatização e aumento da concentração fundiária aprofundadas na década de setenta A concentração da terra foi demanda de um novo tipo de agricultura caracterizada pelo modo de produção capitalista e a máxima valorização da terra sendo generalizado o fenômeno da aglutinação de propriedades ou seja a absorção das pequenas pelas médias e grandes propriedades Abreu 1981 192 A concentração fundiária não ocorria apenas no município de Guarapuava e região estava espalhada pelo Paraná inteiro com o rápido aumento de minifúndios menos de 10 ha algo que pelas suas dimensões poderia caracterizar quase uma chacrinha e latifúndios mais de 1000 ha como demonstram os dados Em 1960 existiam cerca de 34 mil estabelecimentos de posseiros de pequenas parcelas de terra no Paraná ocupando uma área de cerca de 1 milhão de hectares em 1970 50 mil para uma área de 750 mil hectares e em 1975 47 mil para uma área de 622 mil hectares Silva 1996 102103 Estes dados demonstram o aprofundamento das difi culdades de reprodução social do campesinato pois havia cada vez mais a concentração da propriedade e por outro lado a ampliação de minifúndios em números absolutos com queda em sua área Ambos dados que devem ser considerados dentro do contexto mais geral de adensamento populacional e da expansão das relações capitalistas no campo Referindose ao trabalhador rural sem acesso aos meios de produção Castel afi rma que os operários agrícolas eram os mais pobres dentre os trabalhadores rurais sendo que pelo menos no campo o recurso MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 274 à condição de assalariado revela sempre um estado muito precário e quanto mais assalariado mais carente é Castel 2009 192 Como percebemos das entrevistas os toreros eram os que tinham maior grau de assalariamento pois não recebiam outras contrapartidas não monetárias pelo seu trabalho por exemplo moradia situação que ocorria com os trabalhadores do pátio e do barracão O depoimento abaixo de um trabalhador do mato que atuou por anos na atividade na região de IratiInácio Martins cidade vizinha a Pinhão retrata o argumento de Castel de forma contundente explicitando as relações entre trabalho e as disputas por terra e produtos extrativistas causadas pela marcha das serrarias a partir do relato de três situações em que correu risco de morte em trabalhos de empreitada Ele dono da terra não queria deixar cortar as árvores aí eles meus patrões foram e trouxeram um pistoleiro não sei de onde E nós também tínhamos um barraco armado lá mas eu vinha pra casa todo dia porque morava pertinho dava uns 8 ou 10 km eu vinha embora a pé uns outros paravam lá Daí puseram aquele barraco pra mim fi car com o pistoleiro fazer bóia pro home e ele andava com dois revólver um de cada lado e eu pensei comigo sabe eu arrumei a cama no chão então numa parte assim pro lado do mato que não tinha estaca né era só rolar por baixo do encerado e agarra o mato e agarra o rumo de casa porque eu pensava assim comigo o JP não era home muito bom ele podia vir de noite matar o pistoleiro enquanto dormia Depois nós fomos lá um dia corta pinheiro de novo daí o Bastião Z que era o novo dono daquele terreno enguiçado foi lá e disse Vocês peguem e vão embora senão vou buscar a polícia e prendo vocês Depois ali no Rio Azul Velho eu fui corta uns pinheiros lá ele o dono um home idoso já tinha morrido a primeira mulher e ele tinha vendido o pinhal para tratar dela Fazia uns 20 anos que a serraria tinha comprado os pinheiros mais o contrato não tinha fi m né cortava quando quisesse A serraria comprava os pinheiros em pé e fazia um contrato pra corta quando precisava de madeira e esse contrato podia valer até vinte anos Daí eu fui corta cortei um dia inteiro quando chegou um genro dele lá eu fi quei meio desconfi ado que tinha rolo pois o patrão falou que era pra chegar numa casa lá no Marmeleiro que vai um home junto com você lá no mato Ué porque será Será que é um segurança pistoleiro Daí peguei o home lá e fomos corta os pinheiros Passado umas horas chegou o genro do home e disse Você não ponha a mão no pinheiro que eu te mato E você Altamir não trema que eu te mato se você quiser derrubar um pinheiro Assim na dura sorte home eu fui trabalha fui ganha meu pão de cada Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 275 dia daí eu disse pra ele Tá bom ta bom eu paro de corta Mas ele não tinha nada com os pinheiros Daí peguei reuni minha gente que eu tinha levado aí o home que foi comigo o pistoleiro disse que se eu cortasse um pinheiro ele tinha que atirar no genro do home antes Entrevista concedida por Altamir Borges dos Santos in Jorge e Martins 2010 100101 O Sr Altamir no primeiro caso foi ameaçado por JP em um local cerca de 10 km de sua moradia em Irati sem especifi car se zona rural ou urbana Este terreno foi vendido para Bastião Z que manteve as ameaças pessoais adicionando a de prisão No terceiro caso foi agressivamente ameaçado por um herdeiro da pessoa que se dizia proprietária da terra O que transparece na memória do Sr Altamir é o alto grau de subordinação ao chefe Juntamente com companheiros foi designado para tarefas em lugares desconhecidos eou submetido a situações nas quais não possuía nenhum controle ou conhecimento do que estava em questão tendo que desconfi ar sofrendo por isso ameaças físicas correndo o risco de ser preso ou assassinado Da mesma forma que não lhe foram esclarecidas as condições da madeira onde trabalharia era uma terra enguiçada também não lhe foi possível escolher a atividade tendo que cozinhar para um pistoleiro salientando que outro trabalhador do mato como ele estaleirador já tinha sofrido represálias Em relação aos potenciais atos violentos saliento que o temor era bastante real para o período pois entre as décadas de 1930 e 1960 ocorreram constantes confl itos armados envolvendo grileiros auxiliados por jagunços contra posseiros caboclos e colonos violência que teve auge na década de 1950 período no qual a força policial estadual esteve mobilizada exclusivamente a serviço das grandes questões de terra Westphalen et al 1968 39 negrito meu que ocorreram principalmente na frente de expansão colonizadora isto é nas principais zonas de atuação das serrarias Esta conjuntura nos levou à hipótese de que entre as ocupações possíveis para o período ser empregado nas atividades do barracão e no pátio era algo almejado para a população sem acesso à terra e a seus recursos Ter um trabalho fi xo no pátio ou barracão e residir na sua vila operária era uma ambição dos peõesoperários fato alicerçado em inferências concretas inexistência de direitos trabalhistas ou organizações sindicais e recorrente violência no campo quando se refere a disputa por terra isto é autonomia Nossa tese é de que trabalhadores como o Sr Lioncio ou o pai da Sra Rosana estavam em uma situação próxima a dos Srs João Bonfi m Eurides ou Sr Altamir que a queda de uma para outra posição era um risco grande podendo se chegar a ela devido a circunstâncias fora de seu controle como perda de emprego inovações tecnológicas excesso de mão de obra MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 276 problemas de saúde etc pois não há barreiras entre a sociedade e suas margens Castel 2009 133 Os trabalhadores que viviam exclusivamente do assalariamento estavam em uma situação difícil que somente se aprofundava devido aos fatores supracitados fechamento da frente pioneira privatização da terra e recursos naturais bem como ao uso crescente de implementos e máquinas na agricultura e extrativismo a possibilidade de fi car sem trabalho algo desconhecido até então confi gurando o que Castel 2009 chamou de novo pauperismo gerado segundo o autor por uma nova forma capitalista de organizar a produção O acesso aos bens materiais e não materiais ofertados àqueles que residiam nas vilas funcionava também como uma barreira a processos de exclusão social Dentre estes bens imateriais além da proximidade com infraestruturas sociais como capelas comércio já citados um de grande relevância se refere à ideia de que apenas os melhores peõesoperários eram convidados para as vilas Este convite acreditamos funcionava como uma credencial que distinguia positivamente o trabalhador caso tivesse por iniciativa própria ou não que buscar empregos em outros lugares hipótese que se torna mais provável se lembrarmos que as maiores empresas do setor industrial madeireiro estavam articuladas via seus administradores e sócios Ser egresso de uma vila operária distinguia o assalariado em busca de trabalho No caso da marcha das serrarias da colonização defendo a hipótese de que constantemente se produziam trabalhadores da serraria peõesoperários sendo que para tanto era fundamental impossibilitar o acesso direto do trabalhador a seus meios de produção o que era garantido pela privatização da terra e seus recursos efetuada pelas colonizadoras e setor industrial madeireiro por intermédio de suas articulações com o Estado Este processo produziu peõesoperários sendo que os operárioslocatários ocuparam a posição de aristocracia da pobreza ou aristocracia da miséria nos termos de Castel Subsídios para uma sociologia da propriedade Retomando os depoimentos de trabalhadores das serrarias acima desenvolvidos utilizamos as contribuições de Robert Castel para analisar a busca dos trabalhadores por situações mais seguras Pretendo demonstrar quais as estratégias utilizadas pelos peõesoperários ou camponeses pobres para assegurar um espaço onde podiam contar com laços de solidariedade proteção social e moral evitando o que ocorreu com os trabalhadores das obrages ou situações limites como as narradas pelos Srs Altamir e José Rodrigues que afastados de suas regiões de origem com o passar do tempo e aumento das distâncias tinham seus pertencimentos comunitários fragilizados e Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 277 posteriormente rompidos ocorrendo o mesmo com seus suportes relacionais Seguindo esta linha de raciocínio é legítimo supor que para os mensus e toreros em gradações diferentes a possibilidade de cair no limbo era algo palpável pois era o que ocorreria caso se tornassem momentaneamente ou indefi nidamente incapazes para o trabalho considerando que podiam estar longe de suas comunidades Analisando as memórias destes trabalhadores é possível perceber processos de marginalização de contingentes relevantes da população rural do estado com o risco iminente da miséria ou do trabalho em condições degradantes Neste sentido ao referirse ao trabalhador rural sem acesso aos meios de produção Castel afi rma que os operários agrícolas são os mais pobres dentre os trabalhadores rurais sendo que pelo menos no campo o recurso à condição de assalariado revela sempre um estado muito precário e quanto mais assalariado mais carente é 2009 192 Como percebemos das entrevistas os toreros eram os que tinham maior grau de assalariamento pois não recebiam outras contrapartidas não monetárias pelo seu trabalho por exemplo moradia com a qual os proprietários de serrarias obsequiavam os empregados que trabalhavam nas suas plantas industriais ou seja no pátio ou barracão nos termos defi nidos acima Esta realidade também é retratada nos dois depoimentos abaixo O primeiro fornecido pelo senhor Eugênio que trabalhou nas serrarias por quase duas décadas Na primeira serraria que trabalhei lá na serraria do Gato Preto só trabalhava nós gente ali do lugar brasileiro trabalhava de dia e à noite fazia ampliação da serraria o aumento dos barracões Onde eu morava antes de ingressar na serraria pra lá das Porteiras onde hoje é Apiaba trabalhava na roça era pouca terra daí a turma começaram a corta pinheiro lá no início da década de 1960 trabalhei duas semanas lá aí o chefe falou que ia fazer uma casa na serraria pra mim e que não era pra ir embora sem tomar uma pinga no bar do seu Laroca Começamos no sábado cedo e domingo tava feito o rancho Era pequeno tinha quatro peças Só faltava o fogão a lenha No outro dia já mudei pro rancho do lado da serraria O meu ranchinho velho vendi pro meu compadre vendi por cem mil réis e meio saco de feijão naquele tempo era dinheiro Fiz o assoalho de costaneira farquejada mas costaneira de polegada O forro também costaneira de polegada os pé direito de pinheiro O fogão a lenha fi z de uma chapa de ferro Na época não pagava aluguel mais depois de algum tempo passouse a cobrar um aluguel bem baratinho veio mais tarde a luz e lenha tinha a vontade trazia os restos que não servia para a serraria só tinha fogão a lenha MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 278 Era bom mora lá bom de fato Morei vinte e dois anos lá nosso horário era sábado até o meio dia mais às vezes era preciso trabalha fora do horário mais era bom porque sempre ganhava gorjeta Quando não trabalhava na serraria no fi nal de semana trabalhava pros outros sempre tinha serviço você sabe construir casa A minha casa era a 18 e tinha mais acho que tinha 24 e mais umas lá pro lado de cima da serraria Lá tinha e ainda tem uma igreja católica e tinha festa todo ano com procissão celebração durante toda a quaresma Eu fazia qualquer serviço conforme me mandavam Entrevista com Sr Eugênio Sawczuk in Jorge e Martins 2010 108109 negritos meus Da conjugação das memórias de Sra Rosana e dos Srs João Bonfi m Eugênio Sawczuk salientamos os seguintes aspectos 1 o trabalho nas serrarias deveuse à impossibilidade de manter a família exclusivamente com os recursos da exploração da terra pequena propriedade ou pequena posse caso da família de Sra Rosana e Sr Eugênio W 2 os peões operários locatários tinham que colaborar na construçãomanutenção de suas casas e por vezes pagar aluguel 3 aspectos da sociabilidade lúdica religiosa ocorriam dentro dos limites da vila operária nas capelas jogos de bola bailes etc propiciadas quer pela empresa ou pela concentração populacional ali existente 4 a busca por instalarse nas vilas das serrarias memoradas como um bom lugar para se morar que Sra Rosana afi rmou porém ser ilusão de criança deve ser comparada à memória dos outros dois trabalhadores acima que se referiram à situação daqueles que trabalhavam nas atividades desenvolvidas no mato salientandose não obstante que os trabalhadores do pátio e do barracão regularmente buscavam complemento de renda fora da serraria atividade que deveria fi car em segundo plano caso recebesse um chamado da serraria A comparação entre a vida e relações de trabalho entre os do pátio ou barracão e os do mato eram claramente vantajosas para os primeiros os primeiros por peõeslocatários cozinhavam em cozinha sobre uma chapa uma folha de ferro isto é um fogão rústico dentro de uma casa de madeira ou diretamente sobre varas verdes em uma barraca os primeiros podiam trabalhar por décadas em um mesmo local os toreros mudavam constantemente sujeitandose a situações perigosas decorrentes da natureza animais peçonhentos feras ou de disputas das madeireiras entre si ou com outros pretensos proprietários em torno de quem era o legítimo proprietário da terra como veremos abaixo que poderiam resultar em enfrentamentos diretos e potencialmente agressivos com peões operários como se explicita dos processos crime envolvendo atentados e ameaças contra vigias das cancelas das estradas da Zattar que impediam o Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 279 livre trânsito de desafetos ou adversários da empresa29 Ao priorizarmos argumentos referentes à situação inóspita dos trabalhadores do mato em relação aos moradores das vilas operárias não se pretende negar o fascínio que a Zattarlândia e outras vilas homólogas exerciam sobre aspirantes a operárioslocatários em geral o que afi rmamos é que para alguns o desejo de ali morar era mais urgente Como vimos estas vilas concentravam infraestruturas sociais inexistentes no meio rural atendimento médico mesmo particular farmácia comércio acesso facilitado a transporte etc Tudo isto se vinculava à ideia de desenvolvimento modernidade melhores condições de vida etc Tal infraestrutura indissociada de suas signifi cações foi um importante elemento de atração para potenciais peõeslocatários E daí tinha o pessoal do quadro do Zattar lá só fazia compra na quinzena Era dia de quinzena era só a população deles ali pro armazém E faziam aquela comprarada que E bastante gente não era pouca gente Daí no sábado era só o pessoal do interior dizia a turma do mato Era da turma do mato E aqueles caixeiros ali se viam amarelo pra atender tudo aquele pessoal ali Porque daí eles não compravam só só mercadoria só comida vamos supor Eles compravam roupa compravam calçado compravam forro de cama Era muito muito divertido lá muito bonito que era eles familiares do proprietário traziam de lá pois era de lá de Curitiba traziam a roupa que eles traziam e só usavam quando eles tavam ali né Passava dali eles não usavam mais Daí eles pegavam e deixavam tudo lá Pra minha tia roupa de cama forro tudo Daí ela pegava e daí minha mãe ia trabalhar pra ela ela pegava e dava pra nós Outra vez quando voltavam de Curitiba traziam tudo novo de novo Daí ali que a gente foi conhecer fogão a gás instalação sanitária tv nem lá não tinha o meio de comunicação do Zattar com o pessoal de Curitiba era com rádio amador Era bem era sofrido mas era divertido Rosana entrevista in Ayoub 2011 4751 Desta memória percebemos o surgimento de novos padrões de consumo tidos como bonitos novos engendrando sonhos em uma menina ou nos desejos de outras famílias de posseiros que não eram peõesoperários infl uenciados dentre outros motivos pela concentração populacional na Zattarlândia Parte da população rural dirigiase em peso à vila para realizar 29 A partir de levantamento por mim realizado no acervo do Centro de Documentação da UNICENTRO encontramos dois processos envolvendo vigias das estradas da empresa Os relatórios produzidos pelos técnicos do ITCG em projeto de regularização fundiária no ano de 1994 referemse também a confl itos deste tipo MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 280 compras de produtos diversos inclusive comida o que explicita o alto grau de dependência de muitas famílias em relação à empresa Inclusive em relação à garantia de oferta de lojas de comércio novas possibilidades de consumo acesso mesmo que condicionado às relações com a empresa a farmácia médico Novidades que inseriam a comunidade na modernidade pela sedução de produtos e hábitos Lembramos que novos hábitos de consumo levam necessariamente a novas relações com o mercado e de trabalho visto que recursos fi nanceiros se fazem mais necessários A entrevistada também relata a impressão causada pela família ser presenteada por roupas e forros de cama utilizados apenas uma vez pela família do dirigenteproprietário o que explicita simultaneamente a ideia de presente favor fartura e desperdício Todas estas características contribuíram segundo acredito para a vinculação entre o trabalho memorado como sofrido mas bom O fascínio por novos hábitos de consumo a atração pelo moderno a possibilidade de manterse nas proximidades de comunidades de origem nas quais estavam seus suportes relacionais30 eram elementos sólidos para optarse pelo emprego nas serrarias como peãooperário em particular como operáriolocatário Esta refl exão é importante para compreendermos as estratégias de reprodução social de busca por manutenção de condições de vida destes e outros trabalhadores que optaram por se empregar em vilas operárias em situações similares no Paraná Para analisarmos de forma mais aprofundada o que esteve em jogo por estes indivíduos ao optarem pelo emprego ou não nessas empresas e residência nessas vilas retomaremos algumas refl exões sobre a relação das escolhas com o signifi cado de propriedade fundiária A propriedade social de Robert Castel como subsídio para a construção social da propriedade fundiária Acredito que no caso aqui estudado o Sr Lioncio e o pai da Sra Rosana em um ponto e os Srs Eugenio e Altamir em outro todos situados dentro da aristocracia da miséria estiveram prestes a tornaremse supranumerários situação que não aceitavam sem reagir recusando ser exclusivamente operário peão ou ameaçando romper a relação de dependência Este era o campo de disputa das lutas simbólicas entre peõesoperários e patrõessenhorios versão paranaense daquilo que foi constatado por Sérgio Lopes onde o empreendedor moderno era o empresáriodacasagrande sendo que aqui era o herdeiro no plano político econômico e simbólico da elite campeira31 30 Conceito supracitado desenvolvido por Castel 2009 31 Termo utilizado por historiadores paranaenses para referirse à elite formada por grandes proprietários de terra que dominavam as relações políticas e econômicas nas regiões dos Campos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 281 Como esperamos ter deixado claro os camponeses paranaenses que para a região de Pinhão estão retratados acima paulatinamente tornaram se proletários no sentido exato do termo Como vimos o acesso a recursos naturais foi sendo obstaculizado a frente pioneira extinguiuse A alternativa que restava que se aprofundou com o passar dos anos foi empregarse como assalariado para alguém que detivesse capital Em sua obra As metamorfoses da questão social Robert Castel historicizou o surgimento do assalariamento isto é da separação total entre o trabalhador e seus meios de subsistência demonstrando a criação de uma nova ordem social caracterizada por uma nova organização da produção na qual a Única forma social que pode assumir o direito de viver para os trabalhadores é o direito ao trabalho É o homólogo do direito de propriedade para os abastados Atrás do direito ao trabalho há o poder sobre o capital atrás do poder sobre o capital há a apropriação dos meios de produção sua subordinação à classe trabalhadora organizada isto é a supressão da condição de assalariado do capital e de suas relações recíprocas em itálico Karl Marx apud Castel 2009 350 destaques meus Esta refl exão faz parte do estudo sociológico de Castel sobre as lutas e intensos debates particularmente a partir da última década do século XIX em torno das ideias de assistência e de um seguro pago pelos trabalhadores para sobreviver em tempos difíceis em que não pudessem trabalhar por um período em situação de desemprego temporário doenças etc ou defi nitivamente pela idade acidentes que impossibilitassem o exercício do trabalho etc A tese vitoriosa foi a do seguro que sob infl uência das lutas sociais com o passar dos anos sofreu diversas transformações Inicialmente o que existiu foram fundos integrando patrões e empregados geridos pelos primeiros substituídos por outros geridos exclusivamente pelas organizações de trabalhadores Passadas algumas décadas esses fundos obtiveram uma cota de recursos estatais Este último passo conferiu diversas novas tecnologias pois houve um avanço considerável da proposta inicial deixouse de atender apenas os desvalidos para transformarse em diversas políticas de apoio aos que viviam exclusivamente do trabalho aposentadoria previdência direitos trabalhistas que enfi m signifi cavam a divisão de parte da riqueza gerada pelo capital entre os empresários e os trabalhadores o que passou também a não depender do arbítrio do assalariado ou do patrão visto que se tornou obrigatório Segundo Castel este processo além de promover uma proteção de Guarapuava e Castro entre o fi nal do XIX e primeiras décadas do século XX MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 282 até então inédita aos trabalhadores fez surgir uma nova função do Estado de uma nova forma de direito e de uma nova concepção de propriedade Castel 2009 372374 a propriedade social que por assegurar maior equilíbrio entre as classes também é uma sustentação suplementar da propriedade privada A hipótese que construímos é que o contexto por nós estudado tem na tese desenvolvida por Castel um importante instrumento de análise A criação da infraestrutura ofertada pelas plantas industriais rurais que exigiam a criação das vilas operárias acabava também vinculada à necessidade de oferta de outras estruturas sociais farmácia comércio atendimento médico transporte estradas todas salientamos presentes na Zattarlândia32 Tais benefícios seriam a face paranaense ou mesmo brasileira se consideramos o estudo de Sergio Leite Lopes do período no qual a assistência ofertada como contrapartida para os trabalhadores que viviam de salário na Europa estudada por Castel era feito com a participação dos patrões Embora os casos não correspondam exatamente existem homologias33 o que torna possível uma interpretação mais aprofundada do contexto por nós estudado Da propriedade social a uma sociologia da propriedade Para compreendermos a formação da propriedade fundiária retomamos o artigo Para uma teoria sociológica da Propriedade Fundiária de Pedro Hespanha pesquisador da Universidade de Coimbra O autor inicia o artigo criticando a falta de pesquisas sociológicas acerca da institucionalização da propriedade fundiária privada em particular em economias semiperiféricas como Portugal Hespanha salienta a exiguidade de estudos abordando a institucionalização da propriedade privada em sistemas sociais nos quais ela é uma instituição relativamente estranha34 o que ocorreu em sociedades caracterizadas por uma economia semiperiférica como Portugal em relação a economias centrais como Inglaterra Alemanha e França Esta constatação tem papel central no desenvolvimento do artigo visando salientar possíveis 32 Embora estas estruturas pudessem ser de outros indivíduos que não os proprietários das serrarias o inverso poderia ocorrer como o caso EsguariSguário supracitado sendo que mesmos nos casos de proprietários externos das serrarias deveriam manter com estas boas relações pois dependiam de autorizações e outras facilidades para se instarem e funcionarem adequadamente 33 Um exemplo desta situação pode ser encontrado no tipo de indústria retratado por Vitor Hugo em Os Miseráveis no qual trabalhadores de minas de carvão do século XIX residiam em grandes vilas operárias de propriedade dos patrões sendo que nessas vilas também existiam médicos a soldo dos patrões que atendiam os empregados 34 Esta estranheza está presente como demonstramos acima na passagem da frente pioneira a frente de expansão e na consolidação desta 19201960 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 283 singularidades de economias como a de Portugal constatação que serve também para nosso estudo O trabalho de Hespanha é fruto de um projeto mais amplo que envolveu pesquisadores de várias áreas da academia em torno do campesinato português da região do Baixo Mondego A partir desta pesquisa o autor constatou que estes camponeses possuíam diferentes perspectivas em relação à propriedade fundiária A pesquisa abordou as concepções de propriedade entre os camponeses a partir da instauração do que chamou de Estado Providência Ao analisar a institucionalização do Estado Providência Hespanha considera que este ao menos em parte substituiu o mercado em funções como distribuições de recursos políticas de consumo investimento social etc Estas políticas criaram sistemas sociais que se mostraram mais efi cazes que a propriedade para assegurar o rendimento a quem não pode trabalhar Paralelamente à intervenção nestas áreas que englobam políticas de consumo e garantias de serviços públicos e previdência por exemplo foi aprovada uma legislação trabalhista que garantia uma maior segurança no emprego e uma maior estabilidade de rendimentos para quem não pode trabalhar35 Esse conjunto de políticas atraiu parte dos pequenos proprietários a relações empregatícias assalariamento em detrimento de estratégias pautadas na posse de bens materiais A opção por tornaremse empregados deveuse ao fato de que os benefícios garantidos pela pequena propriedade mostraramse irrisórios mediante a instituição das regulamentações que propiciavam melhor inserção e segurança socioeconômica para os que viviam do trabalho Estas políticas equivaliam à construção de uma nova propriedade36 nos termos do autor Porém com a crise econômica desencadeada na década de setenta ocorreu o aumento da insegurança social marcada pelo desmonte das garantias dadas pelo Estado Providência equivale dizer do desmonte da nova propriedade O desdobramento direto do desmonte destas funções estatais foi o ressurgimento da ideia da propriedade individual como um instrumento de liberdade que não obstante suas contradições levou pequenos proprietários a perceberem na manutenção de sua propriedade a possibilidade de reprodução social da família ou 35 No caso da formação da estrutura e propriedade fundiária no CentroSul do Paraná demonstraremos que houve algo similar o acesso livre a terra eou a seus frutos foi sendo cerceado pela frente pioneira que instalou um novo regime de uso pelos colonos ou pelo latifúndio instituído pela modernização conservadora O que há de similar mas não de idêntico com a situação descrita por Hespanha é a instituição de uma nova forma de propriedade e a possibilidade de inserirse socialmente em relações de trabalho como proletário fato que não se dissocia da busca de melhores condições de vida nesta nova situação 36 Embora Hespanha utilizese do mesmo termo que Castel não há nos textos de ambos referências recíprocas MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 284 das instituições locais do ideário de uma vida mais solidária próxima à natureza cf Hespanha 1992 121122 Esta visão de mundo foi articulada em um período de incertezas quanto às garantias de previdência estatal para sua velhice eou empregos disponíveis aos fi lhos O autor salienta que as novas estratégias de manutenção e reprodução social foram produzidas dentro de um habitus fundiário composto por crenças e valores que orientam as decisões destes camponeses Não há de forma explícita diferenciação entre as bases materiais da buscamanutenção da propriedade e suas signifi cações e dimensões simbólicas37 que somente podem ser compreendidas a luz da heterogeneidade dos diversos espaços de regulação social como o Estado mercado e comunidade38 A discussão sobre a signifi cação de propriedade por Hespanha e seu conceito de nova propriedade em seu movimento pendular na busca de melhores condições de vida dialoga com o conceito de propriedade social de Castel Ao propormos este diálogo procuramos entender quais eram as expectativas de peõesoperários em suas diversas condições seja como aristocracia da pobreza o Sr Eurides Starchechem na Zattar e Srs Lioncio e Bomfi m por terem se tornado em algum momento operárioslocatários eou aqueles que estavam no limiar se tornaremse supranumerários como o Srs Altamir e Eugenio como trabalhadores do mato Os conceitos de propriedade social e nova propriedade são extremamente úteis para analisarmos a realidade acima descrita Famílias camponesas como da Sra Rosana que praticamente tinham uma chacrinha podiam ser seduzidas a tornaremse operáriospeões locatários O trânsito de uma situação para outra estaria ligado aos mesmos cálculos identifi cados por Hespanha onde o habitus fundiário teria um grande peso visto que as famílias continuariam residindo na zona rural Devemos lembrar que a alternativa da migração para regiões de terras livres frente de expansão ou frente pioneira não era mais possível na década de sessenta Este fato somando ao grande número de confl itos fundiários no Estado nesta década fazia que o trabalho em plantas industriais como a Zattarlândia fossem sedutores A segurança ofertada pelo assalariamento e moradia se compararia à situação investigada 37 Esta separação discursivamente explícita muitas vezes não estava presente na consciência dos pesquisados sendo produzida pelo pesquisador Hespanha 1992 123 A discussão sobre normas de direito de uso comum e direito judiciário tem ganhado progressivamente notoriedade no Brasil na última década fornecendo uma nova forma de interpretar e intervir em confl itos de terra envolvendo povos e comunidades tradicionais que salientamos estão presentes na região estudada povos indígenas Guarani e Kaingang e quilombolas em Guarapuava e faxinalenses por toda a região em particular em Pinhão Fonte Mapa ITCG Cartografi a Social e Educação 38 Hespanha apud Santos 1988 25 Contextualização ainda mais necessária para uma região como a estudada onde existem povos indígenas comunidades quilombolas e faxinalenses assentamentos e acampamentos da reforma agrária Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 285 por Castel onde os empregadores dividiram com empregados estruturas de assistência para assegurar tanto a garantia de acesso ao trabalho por parte dos trabalhadores como a fi xação da mão de obra por parte dos empregadores Entendemos que a oferta de moradias estruturas públicas como igreja farmácia etc forneciam maior segurança e bemestar aos trabalhadores Não obstante como deixamos claro tais estruturas foram construídas com a participação do trabalhador que deveria em alguns casos contribuir com sua mão de obra para construção das casas e em outros pagar aluguel decorrido algum tempo de moradia Havia portanto uma divisão entre patrão e empregados das estruturas de segurança social salientando se que casas igrejas farmácias etc eram de propriedade dos patrões assim como os terrenos onde se localizavam Este fato é digno de nota pois explicita uma concentração de poder enorme nas mãos do patrãolocatário que podia apropriarse a qualquer momento de moradias construídas com a mão de obra dos empregados eou pagamento de aluguéis caso o peão operário locatário fosse demitido De forma análoga a Hespanha demonstrase que estruturas de Estado mercado e comunidade também determinavam as escolhas dos camponeses de Pinhão Os camponeses faziam suas escolhas dentro de uma conjuntura de rápidas mudanças buscando manteremse próximos a seus laços de pertencimento e segurança algo que pode ser analisado como tentativa de reproduzir seu habitus Retomando nossa revisão bibliográfi ca podemos constatar que a dominação política expressavase na presença de proprietários e administradores de empresas madeireiras em diversos cargos estatais A opção de colonizar o território estadual mediante concessão de terras para grandes empresas expressa também restrições à ocupação pela posse privilegiando a acumulação capitalista Como demonstramos acima as colonizadoras estavam associadas ao setor industrial madeireiro O extrativismo madeireiro era um dos maiores negócios do estado sendo que também era essencial a derrubada da mata para instalação de colonos e suas lavouras O estabelecimento das concessões de terras públicas para grandes mobiliárias estabeleceu que a terra somente poderia ser adquirida via compra limitando as possibilidades de reprodução social do campesinato ao mercado compra de terra Eis aqui o Estado e o mercado como fatores determinantes para compreensão da reprodução social do campesinato Referindose ainda ao mercado em particular as relações de consumo dos peõesoperários retomamos as refl exões acima sobre o uso do boró como forma de dominação MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 286 Disputas pela propriedade fundiária e propriedade social Como apontamos acima as disputas sobre a propriedade fundiária não envolveram apenas camponeses com e sem terra de um lado e grandes proprietários de outro fato que revela que a conquista jurídica da terra não foi tranquila para a Zattar Fato este que deve ser ressaltado mas que não constituiu uma particularidade de Pinhão no período como demonstram diversos estudos acadêmicos sobre a marcha das colonizadoras entre 1930 e 1960 Pelo contrário tais estudos retratam vários confl itos opondo colonizadoras entre si por exemplo do grupo empresarial que tinha como sócio o então governador Affonso Camargo x grandes empresários paulistas na década de 1920 da Colonizadora Norte do Paraná CNP do Grupo Martinez x as colonizadoras CITLA e Comercial do Grupo Lupion no Sudoeste e Oeste paranaense na década de 19401950 Salientamos que nos casos citados segundo a bibliografi a também foram recorrentes violentos confl itos das empresas com camponeses sendo relatada a presença de milícias armadas agressões físicas etc39 Década de 1990 Novos personagens entram em cena Os confl itos fundiários em Pinhão envolvendo a Zattar adquiriram aspectos dramáticos no início dos anos noventa Para sua análise nos utilizamos do relatório fi nal da Comissão de Investigação da Assembleia Legislativa do Paraná criada para Investigar os Confl itos de Terra de Pinhão em 199140 Nestas fontes encontramos relatos sobre ameaças e agressões físicas tentativas de assassinato queima de casas e colheitas roubo de colheitas e produtos extrativos ervamate e madeira impedimento de plantio Embora a documentação consultada não aprofunde a questão a mesma reconhece que os confl itos são bem anteriores aos anos noventa A mesma constatação foi feita por Ayoub 2011 que afi rma a recorrência do uso de jagunços nas disputas por terra em Pinhão na década de 1970 envolvendo a empresa João José Zattar SA No que se refere à década de noventa o quadro era novo em vários aspectos sendo o principal a formação de movimentos sociais organizados em 39 Em relação a Affonso Camargo consultar Wachowicz para a CNP consultar Gomes 1987 Crestani 2011 Westphalen et al 1968 40 Outras fontes produzidas por diferentes agentes estatais foram o Relatório do Ministério Público Estadual sobre os Confl itos de Pinhão Relatório do Programa Especial de Regularização Fundiária de Pinhão do Instituto Ambiental do Paraná ELEPIÃOIAP Estas fontes serão analisadas em nossa dissertação Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 287 torno da luta pela terra gestados na década anterior no Paraná O surgimento de tais movimentos estava intimamente ligado a dois fatores O primeiro de cunho econômico somou as consequências da modernização conservadora com a grave crise econômica brasileira surgida na segunda década de setenta e que se agravou na década seguinte A modernização conservadora aprofundou ainda mais as relações capitalistas no campo a partir do uso progressivamente intenso de implementos e insumos agrícolas máquinas adubos fertilizantes agrotóxicos etc diminuindo consideravelmente os postos de trabalho Paralelamente o mesmo processo estava articulado ao aumento da fi nanceirização da produção e exigência de altos níveis de produtividade Colheitas fracas endividamento e altos juros levaram milhares de pequenas propriedades a serem incorporadas por grandes proprietários O segundo fator esteve relacionado a aspectos políticos o período da redemocratização oportunizava mesmo que com receios de repressão a mobilização popular em movimentos sociais ambientais de luta pela terra moradia sindicatos etc41 Os confl itos ocorridos em Pinhão no início da década de noventa são fruto deste contexto pois ali houve infl uência da CPT Comissão Pastoral da Terra e MST conforme constatou Ayoub 2011 Em relação à Comissão Especial criada na Assembleia Legislativa para investigar os confl itos de Pinhão merece destaque uma importante refl exão inicial sua mera convocação e existência expressa o alto grau de legitimidade social e política construída pelo movimento de posseiros Salientamos este fato porque como nos referimos acima os confl itos já existiam há décadas porém o diálogo com o governo com este nível de reconhecimento ainda era inédito O ofício foi encaminhado ao Secretário de Segurança pelo Prefeito de Pinhão e outros cidadãos representativos Assinaram o documento entidades do município Comissão dos Acampados de Faxinal dos Silvérios presidente da AFATRUP Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais e região chefe do Escritório Regional do ITCF dois padres que dirigiam a Paróquia de Pinhão coordenadores regional e estadual da CPT e o Bispo de Guarapuava42 Merece destaque o fato de articularemse entidades poderosas em particular no que se refere à assinatura do Bispo do prefeito e do ITCF isto é dois níveis do poder executivo regional e estadual e importantes representações da Igreja Católica a CPT e um Bispo 41 No que se refere ao Paraná destacamse a formação de diversos movimentos sociais de luta pela terra MASTER MASTEL MASTRO que por sua vez fundaram o MST em 1985 em Cascavel e nas regiões sul sudoeste e oeste paranaense isto é nas vizinhanças do CentroSul do Paraná região onde se localiza Pinhão Ferreira 1987 42 ITCF Instituto de Terras Cartografi a e Florestas era a denominação do Instituto de Terras Cartografi a e Geociências ITCG órgão estatal de terras Uma das cópias originais devido ao fato de várias instituições estarem envolvidas cada uma recebia uma cópia do ofício a ser enviado encontrase no acervo documental do ITCG MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 288 O relatório fi nal da CEI apresentado pela deputada Emília Belinatti foi produzido a partir de diversas fontes depoimentos concedidos em visita a Pinhão pela Comissão depoimentos prestados na Assembleia Legislativa em Curitiba relatórios produzidos pelo Ministério Público Estadual Dentre as pessoas ouvidas estiveram posseiros o delegado de polícia de Pinhão dirigentes e proprietários da Zattar técnicos do ITCF pessoas que compraram madeira dos posseiros eou sem terras Dentre os relatos colhidos e citados no relatório fi nal da CEI trazemos os que se referem explicitamente a disputas por terra e madeira Em relação a confl itos em torno de madeira a CEI identifi ca diversos casos sendo que por vezes até compradores que não estavam envolvidos nas disputas acabaram sendo feridos a bala eou ameaçados por homens armados como ocorreu em Faxinal dos Ribeiros em 07101991 Ou como aponta o depoimento de um proprietário que narra o ocorrido em 27101991 quando diversas cargas de palanques que havia comprado de outras pessoas foram retiradas por uns 20 jagunços do Zattar Ainda segundo o relatado por Emília Belinatti o proprietário citado afi rmou que no dia do ocorrido um dos donos da fi rma disse Autoridade aqui somos nós Não tem prefeito não tem promotor não tem juiz não tem delegado Aqui quem manda somos nós Este mesmo proprietário apesar do prejuízo material e agressão psicológica que sofreu pela entrada de homens armados em sua propriedade afi rmou que não havia feito denúncia na Polícia sobre o acontecido Tendo como referência outros documentos ofi ciais e reportagens de jornais de circulação estadual e nacional43 acreditamos que ambos os casos explicitam um lodaçal de irregularidades eou ilegalidades em relação a aquisição de madeira nas áreas em disputa Por um lado o proprietário afi rma que foi roubado pois além do furto havia pessoas armadas mas também afi rma que não fez denúncia à polícia como esperado em uma situação destas A empresa por sua vez não se utilizou da força policial para fazer valer seus direitos pelo contrário usou milícia particular dias depois que outra pessoa envolvida em compra de madeira foi baleada por seus guardas em localidade próxima O que estamos ressaltando é que diversos agentes envolvidos disputavam a legitimidade no que se refere à apropriação dos bens materiais O desequilíbrio não estava propriamente na posse do bem mas na possibilidade de assegurar seu uso de exercer o mando sobre ele Neste aspecto o poder econômico da empresa expresso tanto pelos seus advogados quanto por seu braço armado forneciam vantagens ante a seus adversários fossem posseiros sem terras ou compradores de madeira Nossa hipótese esta alicerçada em depoimento do Sr D delegado de Pinhão citado no relatório da CEI onde afi rma que 43 Reportagens Folha de São Paulo e Gazeta do Povo Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 289 É pessoa leiga e declarou que em sede da Comarca esta função deveria ser desempenhada por delegado de carreira Que não tem condições de zelar pela ordem em razão de dispor apenas de quatro elementos Que já prendeu uns 05 ou 06 desses guardas da fi rma Zattar por homicídio CEI 1992 Segundo o relatório as pessoas presas logo eram soltas O depoimento do delegado fornece mais um elemento para compreendermos a atitude do proprietário que perdeu os palanques Em uma situação dessas a balança do poder está claramente e em muito desequilibrada Além destes confl itos trazemos outros dois que são expressivos das relações de violência no início da década de noventa Segundo a relatora Emília Belinatti em 29101991 Um grupo de pistoleiros que têm registro funcional de guardas fl orestais na empresa Zattar fortemente armado atacou de surpresa a Escola Rural Municipal Nossa Senhora de Lourdes localizada na ocupação Faxinal dos Silvérios disparando grande quantidade de tiros Neste atentado violento a menor IF de 10 anos que frequentava a escola foi atingida com um tiro no pé direito tendo sido hospitalizada Que no mesmo dia a 600 m de distância da escola o Sr J 45 anos trabalhava em seu roçado quando foi cercado por um grupo de pistoleiros que com armas muito estranhas o colocaram sob a mira de três delas no ouvido nas costas e no coração e o ameaçaram de morte advertindoo a desocupar a área juntamente com outras famílias CEI 1992 negritos meus Ainda segundo o relatório da CEI no dia dez do mesmo mês e ano uma pessoa havia sido ferida a bala em sua residência localizada onde o posseiro tem demanda judicial com a Madeireira Zattar sobre posse da terra em processo de usucapião No mês seguinte em 27111991 novos atos de violência ocorreram em Faxinal dos Taquaras localidade próxima às supracitadas Segundo depoimento citado no relatório fi nal da CEI nesta data ocorreram ataques a bala nas residências de quatro famílias sendo que três casas e dois paióis foram queimados e várias pessoas foram feridas Os depoentes destas famílias se identifi caram o primeiro a ser atacado como posseiro sendo que o segundo era seu arrendatário As outras duas residências atacadas foram as do pai e a do vizinho do arrendatário Estes dois últimos não foram retratados quanto a sua inserção no campo arrendatário posseiro ou proprietário acampado etc aparecendo não obstante o nome completo Segundo os depoentes as casas e paióis foram atacadas a tiros uma casa após a outra e os pistoleiros MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 290 botaram fogo Este ataque sequencial obedeceu ao mesmo padrão do ataque à escola citado o que sugere que a estratégia era empurrar os indesejados para fora do território em disputa Não era apenas uma punição ou ameaça que poderiam ser feitas em outros lugares na cidade por exemplo Como os depoentes deixaram claro todos tiveram que fugir para o mato pois além dos tiros viram os atacantes queimando tudo o que tinham A violência praticada pela guarda fl orestal da empresa tinha porém sua face dialética pois expressava um fato não era mais possível manter os laços de dominação do período áureo da Zattarlândia O poder econômico da empresa entrara em crise desde a década de oitenta devido a sucessivos fracassos econômicos expressos em centenas de processos trabalhistas penhora de bens da empresa por dívidas não pagas com bancos públicos e privados etc cf Monteiro 2008 Como vimos nesta mesma década 1980 os movimentos sociais no campo brasileiro em particular os de luta pela terra no Paraná estavam em ascensão Os posseiros de Pinhão embora com particularidades sociais e culturais ante aos integrantes do MST justamente por serem posseiros antigos faxinalenses etc e não sem terras conseguiram construir alianças e estratégias para legitimar ideológica e politicamente suas ações Esta conjunção de fatores pode ser compreendida a partir da tese segundo a qual tensões e confl itos abertos entre os grupos não estão o mais das vezes onde a desigualdade dos meios de poder de grupos interdependentes é muito grande e incontornável mas precisamente onde a situação começa a mudar em favor dos grupos com menor poder Elias 2006 202 A questão portanto reside no fato de que foi necessário além de atacar um adversário poderoso estabelecer e manter um papel de legitimidade ante as arbitrariedades isto é as ações ilegais e irregulares da Zattar no sentido de expropriar posseiros de terras e recursos A situação de Pinhão pode ser vista como uma prévia de um quadro mais amplo de violência generalizada contra os movimentos sociais no campo no Paraná na década de 1990 Nesta década ocorreram confl itos envolvendo uma gama diversifi cada de unidades de mobilização como Movimento de Posseiros de Pinhão MST CONTAG MTST faxinalenses quilombolas do Paiol de Telha entre outros O aumento da violência contra os movimentos sociais no campo motivou a instalação do Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio convocado por diversas entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos como a CPT CNBB Rede de Advogados Populares Américas Watch Mães da Praça de Maio entre outras Segundo relatório do evento no Paraná no período citado foram 16 trabalhadores rurais assassinados 31 vítimas de atentados 47 ameaçados de morte 7 vítimas de tortura 324 feridos 488 presos em 134 ações de despejo Este quadro de violência sistemática e organizada colocou o Paraná entre os anos de 1996 e 1999 entre os mais Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 291 violentos do Brasil no que se refere a agressões contra camponeses ocupando a primeira posição em 1998 Salles e Schwendler 2006 Embora estes fatos sejam posteriores ao recorte do presente capítulo consideramos iniciar por eles estratégico principalmente levando em conta que nossas fontes documentais foram produzidas por agentes estatais especialmente indicados para investigar confl itos no campo Em relação a tal aspecto destacamos a Comissão Especial de Investigação da Assembleia Legislativa do Estado desde seu início estava participando e atuou como relatora uma deputada proeminente que ocupou o cargo de vicegovernadora no mandato seguinte ao que foi deputada Ou seja no mais alto escalão do estado encontravamse conhecedores dos confl itos fundiários regionais suas causas e agentes Considerações fi nais No presente trabalho pretendemos construir subsídios para a compreensão da formação da estrutura fundiária na região CentroSul do Paraná a partir do embate entre o capital industrial que penetrou no campo ao longo da segunda metade do século XX e a diversidade de atores sociais que compunham a população rural na região Procuramos também compreender como os signifi cados da propriedade fundiária variaram não apenas no tempo mas também no espaço considerando a situação socioeconômica do camponês seu habitus fundiário A compreensão das singularidades do campesinato porém não nos tirou do foco central a institucionalização da propriedade fundiária capitalista e os confl itos gerados neste processo Este último ponto levounos a manter um olhar também sobre as estruturas de poder político nas quais empresas como a Zattar sustentavamse Nossa intenção era compreender as estratégias encontradas pelo capital industrial em seu avanço apropriandose enquanto fração de classe de áreas signifi cativas do território estadual em oposição particularmente aos camponeses em sua diversidade Como esperamos ter demonstrado em diferentes momentos da formação social da região os representantes desta forma específi ca de capital utilizaramse de distintas estratégias para apropriarse de terra e trabalho da construção de plantas industriais modernas como a Zattarlândia do boró e do uso da violência na apropriação da terra e seus recursos Seguindo esta linha de desconstrução e reconstrução do processo social de um olhar mesmo que pontual sobre os agentes sociais acreditamos ter contribuído para a compreensão da aliança entre o arcaico e o moderno na região que tem sua imagem na descrição dos violentos confl itos envolvendo a Zattar e seus oponentes no início da década de 1990 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 292 Referências bibliográfi cas ABREU Alcioly Therezinha Gruber de A posse e o uso da terra modernização agropecuária de Guarapuava Mestrado História UFPR 1981 AYOUB D S Madeira Sem Lei jagunços posseiros e madeireiros em um confl ito fundiário no interior do Paraná Mestrado Antropologia Social UFPR Curitiba 2011 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO PARANÁ Comissão Especial de Investigação da Assembleia Legislativa do Paraná Organizada para Verifi car os Confl itos Fundiários no Município de Pinhão Relatório fi nal apresentado pela Deputada Emília Belinatti Curitiba 1992 BRAGA Julio Cesar A vila operária da Madeireira Gomes trabalho moradia e dominação Irati PR 19501985 Revista Tempo Espaço e Linguagem 2011 vol 2 p 68105 CASTEL Robert As metamorfoses da questão social uma crônica do trabalho Petrópolis RJ Vozes 8ª edição 2009 CHANG Man Yu Sistema Faxinal uma forma de organização camponesa em desagregação no centro sul do Paraná Boletim Técnico do IAPAR n 22 Londrina 1988 DEAN Warren A Ferro e Fogo A história da devastação da Mata Atlântica Brasileira Rio de Janeiro Cia das Letras 1996 DIAS Reginaldo Benedito TONELLA Celene e VILLALOBOS Jorge Ulisses Guerra As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos Eduem Maringá 1998 ELIAS Norbert Escritos e ensaios Estado processo opinião pública Rio de Janeiro Jorge Zahar 2006 ELIAS Norbert SCOTSON Jonh Os estabelecidos e os outsiders Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 GOMES Iria Zanoni 1957 A Revolta dos Posseiros Criar Edições Curitiba 1987 FERREIRA Ângela Damasceno Movimentos Sociais no Paraná 19781987 In BONIN Anamaria et al Movimentos Sociais no Campo Criar e EDUFPR Curitiba1987 HARTUNG Miriam F O Sangue e o espírito dos antepassados escravidão herança e expropriação no grupo negro Paiol de Telha NUERUFSC Florianópolis 2004 HESPANHA Pedro Para uma teoria sociológica da propriedade fundiária Revista Crítica de Ciências Sociais da Universidade de Coimbra n 34 fevereiro de 1992 JORGE William Roberto MARTINS Valter Operários na fl oresta trabalho e cotidiano nas serrarias de IratiPR na primeira metade do século XX Revista Tempo Espaço e Linguagem TEL v1 n3 setdez 2010 p95115 JORGE William Roberto MARTINS Valter Homens e Máquinas nas fl orestas com Araucária 19001930 In CAMPIGOTO J A e SOCHODOLAK H Estudos de História Cultural Guarapuava UNICENTRO 2000 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 293 LOPES José Sérgio Leite O vapor do diabo o trabalho dos operários do açúcar Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 LUZ Cirlei Francisca A madeira na economia de Guarapuava e Ponta Grossa 1915 1974 Mestrado História UFPR Curitiba 1980 MARÉS Carlos Frederico A Função Social da Terra Sérgio Antônio Fabris Editor Porto Alegre 2003 MONTEIRO N Madeira de Lei uma crônica da vida e obra de Miguel Zattar Ed do Autor Curitiba 2008 OLIVEIRA Ricardo Costa de O Silencio dos Vencedores Genealogia Classe Dominante e Estado no Paraná Ed Moinho do Verbo 2001 SALLES Jefferson de O A relação entre o poder estatal e as estratégias de formação de um grupo empresarial paranaense nas décadas de 19401950 o caso do grupo Lupion In A construção do Paraná Moderno políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980 Curitiba SETI Imprensa Ofi cial 2004 SALLES Jefferson de Oliveira Contribuição para a história do setor industrial madeireiro no PR 193060 In SONDA Cláudia e TRAUCZYNSKI Sílvia Cristina orgs Reforma agrária e meio ambiente teoria e prática no estado do Paraná Curitiba ITCG 2010 SILVA José Graziano da A estrutura agrária do Estado do Paraná In Revista Paranaense de Desenvolvimento Ed Instituto Paranaense Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social n 87 jan abril 1996 p 175195 Curitiba PR SOUZA N A Arranjos produtivos locais o caso de chapas e laminados de Ponta GrossaMestrado Economia UFPR Curitiba 2005 TOMAZI Nelson Dácio Norte do Paraná Histórias e fantasmagorias Curitiba Aos Quatro Ventos 2000 TRECCANI Girolamo Domenico Violência e Grilagem instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará Belém UFPA ITERPA 2001 WACHOWICZ Ruy C Paraná Sudoeste Ocupação e Colonização Editora Lítero Técnica Curitiba 1985 WACHOWICZ Ruy C Obrageros Mensus e Colonos História do Oeste Paranaense Editora Gráfi ca Vicentina Curitiba 1982 WANDERLEY Maria Nazareth Baudel Capital e propriedade fundiária suas articulações na economia açucareira de Pernambuco Ed Paz e Terra Rio de Janeiro 1979 WESTPHALEN C MACHADO B P BALHANA A P Nota prévia ao estudo da ocupação do Paraná Moderno In Boletim da UFPR n 07 Curitiba 1968 ZILIOTTO Bruno Operários de Serraria Um estudo sobre as relações de trabalho em serrarias da região dos Campos de Lages 19401970 Monografi a História UFSC 2008 295 Capítulo 10 Desenvolvimento capitalismo e comunidades tradicionais refl exões em torno da Zattar e dos faxinalenses Paulo Renato Araújo Dias1 H á uma tendência recorrente a se pensar o contexto brasileiro e latinoamericano através de um discurso que é construído a partir da perspectiva colonialista dominadora Neste aspectos valorizados por tal perspectiva são tomados como a base de avaliação da situação contemporânea de grupos e regiões que se destacam exatamente por se distinguirem do modelo dominante de produção organização social e visão de mundo como é o caso de comunidades rurais tradicionais O objetivo deste capítulo é incluir nesta discussão uma tentativa de desideologizar o desenvolvimento analisar as consequências do industrialismo e a visão de progresso embutida em tal lógica E como é construído o discurso de que a madeireira João José Zattar SA no município de Pinhão é pensada como a chegada do progresso e as comunidades tradicionais os faxinalenses os posseiros e os sem terra como o símbolo da carência e da pobreza Talvez esteja nisso a preocupação de modernizar e implantar a todo custo processos civilizatórios de maneira encoberta e sutil Além disso pretendemos analisar o impacto o choque violento desse modelo desenvolvimentista capitalista como tentativa de dissolver e submeter as formas de autonomia independência e refl etir sobre os processos de resposta desses grupos ao contexto de dominação e as estratégias de resistência por eles adotadas resistências estas que são muitas vezes feitas individualmente bem 1 Mestre pelo Programa de PósGraduação em Tecnologia PPGTE da UTFPR link da dissertação httpfilesdirppgctutfpredubrppgtedissertacoes2009ppgtedissertacao3012009 pdf Atualmente professor de fi losofi a e história na rede estadual de educação SEED nos estabelecimentos de ensino Col Est Professora Ottília Homero da Silva e Esc Est Dep Arnaldo Faivro Busato PinhaisPR Email otanerdias764gmailcom MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 296 como resistências coletivas construídas por meio de sindicatos e associações como é o caso da CooperAFATRUP Foi ainda nessa década 1940 que as Indústrias Madeireiras chegaram a Pinhão Na época isso podia ser visto como progresso e hoje não mais As madeireiras foram responsáveis pelo desmatamento incontrolado a extinção da araucária que até então era abundante e também a desapropriação ilícita dos verdadeiros donos da terra o que faz com que até hoje Pinhão seja noticia nacional e até internacional com os confl itos de terras José Silvério de Camargo Por que nosso município chamase Pinhão Renato Ferreira Passos sd na primeira parte de seu livro O Pinhão que eu conheci apresenta uma abordagem da história de Pinhão através da narrativa de eventos presenciados por ele já em um segundo momento relatos de acontecimentos narrados por testemunhas e por fi m se ocupará de uma divulgação da história ofi cial do município um tanto desconhecida Para construção de nossa análise nos ocuparemos da primeira parte Importante analisar como nesta Passos vai descrever um tempo de escassez mas em que simultaneamente as pessoas se conheciam e não tinham inimizade entre si Era em um contexto de Segunda Guerra Mundial e a população temia a iminência de invasão segundo os jornais a partir do território argentino porque o Brasil possuía matérias primas necessárias ao andamento da guerra Nesse período automóvel era raridade por aqui de vez em quando surgia um Ford pé de bode lá na estrada que vinha de Guarapuava fazendo a festa da piazada Traz também a descrição de vários elementos que caracterizam a Vila uma povoação formada por dezessete casas todas elas construídas de madeira e a maioria coberta com taboinhas lascadas de toras de pinheiro onde viviam oitenta pessoas À noite o silêncio era comparável ao de um cemitério os sapos faziam uma sinfonia infernal ruas não tinham apenas duas estradas A que vinha da Reserva e se juntava com outra que vinha de Guarapuava Dos lados das duas estradas estavam as casas o único meio de comunicação era o correio que vinha de 15 em 15 dias A Vila estava localizada numa campina mas estava rodeada de pinheiros Como não havia caçadores os bichos principalmente pássaros existiam aos bandos Em determinado tempo apareciam bandos de papagaios fazendo algazarra que até incomodava Faziam vôos rasantes por cima das casas e pousavam nos sapés dos pinheiros para comer os pinhões O comércio eram apenas duas casas de negócio e a escola funcionava na Igreja cf Passos sd 710 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 297 O que chama atenção é como para o autor algumas condições existentes são vistas como de uma carência de uma rusticidade de um atraso e uma escassez Já a presença de automóveis vindos de fora vem denunciar a falta do progresso do desenvolvimento e da tecnologia na Vila Ao mesmo tempo há uma exaltação explícita ao ambiente natural da região expressa através do destaque atribuído à frondosidade dos pinheiros Isso fi ca mais evidente quando o autor faz referência na década de 1940 a um pedido feito pela Prefeitura de Guarapuava para construir novo loteamento no imóvel onde estava localizada a Vila Assim descreve o local Quantos pinheiros havia Para qualquer lado que se olhasse viam se as copas unidas lado a lado parecendo um oceano verde Havia pinheiro de todo porte Os novinhos e tenros que na véspera do Natal meu pai ia cortar um desses para mamãe enfeitar com bolinhas coloridas e com um presépio embaixo dos galhos Havia os frondosos com galhos até o chão permitindo que se apanhassem as pinhas com as mãos Havia os gigantes com os galhos voltados para cima em forma de taça imitando mãos em louvor ao Criador Quando adentravase a fl oresta viamse os troncos aos milhares robustos e eretos lado a lado numa distância que parecia não ter mais fi m À noite quando sopravam ventos fortes açoitando os enormes galhos com aquelas bolas grandes de sapés nas extremidades faziam um barulho característico muito parecido com o marulhar das ondas do mar Quando era tempo de pinhão maduro à noite ouviase o barulho da chuva de pinhões caindo ao chão De manhã cedinho corríamos a juntar numa peneira feita com bambus bem vermelhinhos e maduros Daí era fazer fogo no fogão a lenha assálos na chapa e depois de macetar com um martelo para rachar a casca comer tomando café sd 18 grifo nosso É descrito pelo autor como de muita tristeza o contexto da derrubada da mata pela ação de homens contratados pela prefeitura para cortar todos os pinheiros que estavam no quadro do loteamento Empunhando seus machados chegaram os homens de dois em dois ao lado de cada pinheiro Primeiro limpavam ao redor com uma foice cortando as touceiras de guamirim e samambaias aí olhavam para cima verifi cando a altura e medindo o comprimento da queda Então começavam a desferir violentas machadadas bem sincronizadas pelos dois machadeiros de modo que quando um levantava seu machado o outro baixava tãtãtã os cavacos saltavam longe MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 298 Primeiro iam cortando a grossa casca avermelhada que já ia deixando aparecer a parte branca do tronco liso e visguento forte e resistente exigindo mais esforço dos trabalhadores Nós os meninos da Vila sentados sobre uma cerca feita com lascas de pinheiro a olhar com a curiosidade natural da infância Os homens paravam por alguns minutos para descansar Cuspiam na palma da mão para fi rmar o cabo do machado e reiniciavam o ataque Lá em cima os galhos agitavam se movendose de um lado para o outro Parecia que queriam nos dar um último adeus Já podíamos ver uma enorme ferida branca no tronco do infeliz pinheiro Então passavam para o lado oposto e iniciavam um novo corte na mesma altura fazendoos se encontrar Duas horas depois iniciavase a queda com um ranger no lugar do corte o pinheiro ia vergando lentamente Os homens corriam para o lado oposto A queda acelerava e o gigante caía ao solo com um estrondo que fazia a terra tremer Estilhaços voavam para longe fi cando no chão aquela massa verde dos escombros Ali perto era outro que tombava já pelas mãos de outros trabalhadores Dia após dia esse massacre impiedoso se sucedia Foram abatidos todos os que estavam dentro do perímetro do loteamento Depois daquele massacre dos pinheiros da Vila houve uma trégua de alguns anos em que os pinheiros não foram molestados sd 1819 Após esta narrativa o autor fala de uma trégua aos pinheiros que fez com que não fossem molestados por algum tempo Logo em seguida Passos afi rma que então apareceram por aqui os compradores de pinheiros compravam aos milhares No início só queriam os grandes que medissem vinte e cinco polegadas de espessura e com mais de duas toras de comprimento sd 19 O autor relata que o preço era irrisório pagavam dois cruzeiros por unidade Mesmo assim muita gente vendeu suas árvores pois achavam que só serviam para sujar o terreno onde o gado pastava E fi nalmente o preço subiu para vinte e cinco cruzeiros quando segundo ele praticamente todos venderam seus pinheiros Essa longa descrição é bastante signifi cativa pois ajudanos a nos situar na história e a entender as distintas interpretações que Passos apresenta em relação à derrubada das matas nativas Assim a ordem de mandar limpar um lote coberto de pinheiros muitos deles centenários para a construção da Vila Pinhão é vista com tristeza já a derrubada sistemática pelas madeireiras de centenas de milhares de árvores em décadas posteriores não é interpretada como o desencadear de um efeito de bola de neve com consequências devastadoras representa isso sim um impulsionamento do progresso e da modernidade A metáfora da bola de neve foi usada por José Lutzemberger 1978 em palestra proferida durante o 1º Simpósio Nacional de ecologia para analisar o Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 299 comportamento do pensamento econômico em relação aos sistemas naturais Passaremos a utilizála Segundo o autor a bola de neve tem o que se chama em cibernética retrações positivas A ação promove uma reação que acelera ainda mais esta ação A bola de neve à medida que corre engrossa à medida que engrossa tem que correr mais à medida que corre mais ela engrossa mais ligeiro e assim por diante 1978 92 Como podemos perceber no relato de Passos a bola de neve desenvolvimentista ganha velocidade nessa direção o povo muito contente pois como dizia o progresso estava chegando ao Pinhão 1978 20 grifo nosso Contanos que as serrarias instalaramse e trabalhavam noite e dia serrando as toras que iam sendo transformados em tábuas vigas vigotes e todo tipo de madeira Nesse sentido termos tais como progresso desenvolvimento e modernização são as chaves para compreender a transformação da tristeza inicial pelo corte de pinheiros em uma posição em que tal corte passa a não ser mais questionado A subordinação e aniquilação de qualquer forma de vida à lógica capitalista se justifi cam em si mesmas passando a não mais constituir problema Esse modelo parte de determinados valores que nos levam a determinadas atitudes Portanto temos que examinar esses valores e ver se e como tais valores justifi camse Atualmente essas premissas quase nunca são examinadas e muito menos seu impacto subordinador O desenvolvimento foi defi nido portanto como o processo de mudança social que tende a superar estruturas ditas atrasadas Talvez dessa forma tornese mais fácil evocar um processo histórico feito de desagregações de declínios de desaparecimento e criação de novas relações sociais como foi o processo de desenvolvimento capitalista nas diversas regiões do globo A ideia de que um povo é mais ou menos desenvolvido somente pode ter sentido de acordo com González 1985 a partir da universalização do capitalismo que cria um mercado mundial unifi cado progressivamente Como afi rma o autor E os critérios que permitiriam julgar a condição de desenvolvimento ou subdesenvolvimento de um povo ou de uma sociedade emergem de uma só ordem de ideias hoje geralmente aceitas por todos os estudiosos do tema a ascensão e crescimento do capitalismo gera tanto a situação que pode ser qualifi cada de desenvolvimento com aquela outra que poderia ser qualifi cada de subdesenvolvimento Entretanto a íntima unidade destas duas situações deve ser explicada historicamente para se perceber a forma particular que teve a presença do capitalismo em cada povo produzindo diferentes formas de subdesenvolvimento 1985 15 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 300 González destaca ainda que a humanidade marchava para um fantástico grande fi nale um só mundo produzindo e consumindo de forma capitalista como condição para gerar avanços crescimento riqueza ou desenvolvimento O autor ressalta que já no primeiro prefácio de O Capital de 1867 Marx denunciava que o país desenvolvido não faz mais que representar o espelho do futuro do menos desenvolvido E ainda que ao elaborar tal refl exão Marx traz para o texto uma expressão latina de te fabla narratur a história já está escrita sobre vocês Assim segundo González caberia ao capitalismo clássico inspirar os países que erradamente pudessem supor que a eles não iria tocar o mesmo itinerário histórico que já estava sendo trilhado pelos países do capitalismo central Nisto a ideia de desenvolvimento é fundamental um caminho único que não apenas cria a ilusão de que o devir está dado mas também de que há uma positividade em tal devir que deve ser buscado por todos Em outras palavras nada impedirá aos ditos países subdesenvolvidos que saibam qual será sua sorte bastando apenas que se animem a olhar no espelho dos países capitalistas de hoje que são a imagem de um futuro inevitável e desejado cf González 1985 A fi m de que seja possível compreender de que maneira o trajeto histórico específi co de um grupo os países do capitalismo central passa a ser o modelo de itinerário para todos os demais uma rápida análise de como se constrói e consolida a noção de desenvolvimento é central Passamos assim a esboçar a forma pela qual a ideia de desenvolvimento dominou as discussões e as políticas econômicas relativas aos países pobres durante mais de meio século para depois analisarmos seu impacto em Pinhão Tendo em vista que os países industrializados da América do Norte e da Europa passaram a ser vistos como os modelos adequados após a Segunda Guerra os programas econômicos nacionais dos países semiperiféricos e periféricos e dos programas de ajuda internacional empreendidos por países centrais e agências fi nanceiras internacionais têm apresentado como objetivo desde então a aceleração do crescimento econômico dos países subdesenvolvidos como meio para eliminar o fosso entre estes e os países desenvolvidos Nesse sentido Arturo Escobar 2007 realizou um extenso e profundo exame do desenvolvimento como regime de discurso e de representação social em seu livro La invención del Terceiro Mundo Construcción y deconstrucción del desarrollo onde mostra como as políticas de desenvolvimento tornaramse mecanismos de controle penetrantes e efi cazes Para tanto o autor apresenta o discurso do presidente dos Estados Unidos Harry Truman no dia 20 de janeiro de 1949 anunciando ao mundo seu conceito de tratamento justo Que seria sua chamada à America e ao mundo para resolver os problemas das zonas subdesenvolvidas do globo Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 301 Más de la mitad de la población del mundo vive en condiciones cercanas a la miseria Su alimentación es inadecuada es víctima de la enfermedad Su vida económica es primitiva y está estancada Su pobreza constituye un obstáculo y una amenaza tanto para ellos como para las áreas más prósperas Por primera vez en la historia la humanidad posee el conocimiento y la capacidad para aliviar el sufrimiento de estas gentes Creo que deberíamos poner a dis posición de los amantes de la paz los benefi cios de nuestro acervo de conocimiento técnico para ayudarlos a lograr sus aspiraciones de una vida mejor Lo que tenemos en mente es un programa de desarrollo basado en los conceptos del trato justo y democrático Producir más es la clave para la paz y la prosperidad Y la clave para producir más es una aplicación mayor y más vigorosa del conocimiento técnico y científi co moderno Truman apud Escobar 2007 1920 No trecho citado alguns aspectos já indicados anteriormente se destacam Primeiro o modelo de desenvolvimento dos países capitalistas centrais é tomado como o ideal a ser almejado por todos é ele que garante a prosperidade e a paz e que permite aos outros sair da situação de sofrimento e carência em que se encontram Assim a diversidade é pensada a partir da chave da miséria vida econômica primitiva alimentação inadequada presença de doenças etc E cabe aos países do capitalismo central livrar a humanidade de tal sofrimento Para tanto a eleição de um tipo de conhecimento específi co como sendo a expressão do conhecimento a técnica e a ciência modernas Destituemse simultaneamente os saberes de povos que não se encaixam no modelo de desenvolvimento e as possibilidades políticas de questionamento dos caminhos adotados pelos países capitalistas centrais Segundo Escobar a doutrina Truman tinha por fi m tanto um movimento no sentido de inibir a expansão do comunismo e prejudicar a posição da União Soviética junto a outros países e sua reconstrução no pósguerra quanto difi cultar a luta dos trabalhadores dentro e fora dos EUA A estratégia para conseguir tais fi ns era bastante ambiciosa criar as condições para jogar em todo o mundo os traços característicos das sociedades avançadas da época os altos níveis de industrialização e urbanização modernização da agricultura o crescimento rápido da produção material e níveis de vida e adoção generalizada de educação e valores culturais modernos No conceito de Truman o capital a ciência e a tecnologia seriam os principais instrumentos que possibilitariam uma revolução em escala mundial Assim como o sonho americano de paz e abundância poderia ser estendido a todos os povos do planeta Este sonho não foi criação exclusiva dos EUA mas o resultado fi nal de conjuntura histórica específi ca da Segunda Guerra Mundial A partir daí foi MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 302 criado um dos documentos mais infl uentes do período elaborado por um grupo de especialistas reunidos pela Organização das Nações Unidas que tinha como meta defi nir políticas e medidas para o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento Ao abordar o tema o faz da seguinte forma Hay un sentido en el que el progreso económico acelerado es imposible sin ajustes dolorosos Las fi losofías ancestrales deben ser erradicadas las viejas instituciones sociales tienen que desintegrarse los lazos de casta credo y raza deben romperse y grandes masas de personas incapaces de seguir el ritmo del progreso deberán ver frustradas sus expectativas de una vida cómoda Muy pocas comunidades están dispuestas a pagar el precio del progreso económico United Nations 1951 I apud Escobar 2007 20 grifo nosso Fica evidente que a proposta tinha como objetivo a completa reestruturação erradicação e desintegração das sociedades tradicionais indígenas quilombolas etc em uma tentativa de deslegitimação da diversidade e subalternização desses povos parafraseando Spivak2 Sem tais ajustes de consequências funestas para os povos que não se encaixam no modelo estaria comprometido o progresso econômico Embora o discurso ofi cial de lógica evolucionista e unilinear leve a supor que o desenvolvimento e o progresso seriam igualmente acessíveis a todos na prática os países subdesenvolvidos não poderiam ter os mesmo níveis de acumulação de riqueza que os países capitalistas centrais Isso porque as atividades econômicas nos países subdesenvolvidos eou feitos subalternos são apoiadas como um de seus principais eixos na exportação de matéria prima para abastecer o mercado mundial Estavam criadas as condições para a reprodução capitalista Bem como segundo Escobar para a descoberta da pobreza nos países do Terceiro Mundo África Ásia América Latina bem como para o investimento bélico dos EUA na conquista de novos territórios através do discurso de erradicação da pobreza Segundo Enrique Dussel 1986 o pobre o que está na relação de dominação é o dominado o instrumentalizado o alienado por nação pobre o autor entende 2 A ideia de subalternidade desenvolvida por Spivak em Pode o subalterno falar 2010 coloca em xeque a visão do Terceiro Mundo construída pelo discurso dos países capitalistas ocidentais e destaca a importância não somente de romper com essa visão estereotipada mas também de lutar pelo espaço em que os sujeitos negados por tal visão possam se articular e ser ouvidos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 303 aquela que sofre dominação políticomilitar hegemonia ideológica cultural exploração econômica transferência de maisvalor o pobre pauper como anterioridade como exterioridade é o que procede de uma comunidade dissolvida Como um zapoteco de Oaxaca no México O próprio sistema dominante destruiu seu modo de vida anterior expulsouo do lugar onde estava seguro com sua riqueza honesta com sua família parentes nação história cultura religião Pauper ante festum o miserável antes da festa idolatra o que vai digerilo antropofagicamente 1986 3334 141 grifo nosso A formulação desses conceitos nos ajudará a compreender as condições crônicas em que fi caram aqueles grupos depois da passagem da bola de neve desenvolvimentista fora de controle e que na medida em que engrossa vai dissolvendo comunidades e tentando destruílas A proposta de desenvolvimento elaborada por um grupo de especialistas reunidos pela Organização das Nações Unidas para os países subdesenvolvidos sugeria ajustes dolorosos e que as fi losofi as tradicionais deveriam ser erradicadas e as velhas instituições sociais teriam que se desintegrar Como diz Dussel a categoria pobre convertese agora em conceito organizador e em objeto de nova problematização Os mesmos atores que provocaram a avalanche que deram início à formação da bola de neve são os que retornam pelo caminho destruído oferecendo às vítimas ajuda fi nanceira Escobar relata que em novembro de 1949 uma missão econômica organizada pelo Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento visitou a Colômbia a fi m de formular um programa abrangente de desenvolvimento para o país Foi a primeira missão deste tipo enviada pelo Banco para um país em desenvolvimento A missão tinha 14 assessores internacionais nas seguintes áreas comércio transporte indústria energia e hidrocarbonetos estradas rios serviços comunitários agricultura saúde bancos fi nanças economia contabilidade ferrovias nacionais e refi narias de petróleo Foi assim que a missão viu a sua tarefa Hemos interpretado nuestros términos de referencia como la necesidad de un programa integral e interior consistente Las relaciones entre los diversos sectores de la economía colombiana son muy complejas y ha sido necesario un análisis exhaustivo de las mismas para desarrollar un marco consistente Esta entonces es la razón y justifi cación para un programa global de desarrollo Los esfuerzos pequeños y esporádicos solo pueden causar un pequeño efecto en el marco general Solo mediante un ataque generalizado a MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 304 través de toda la economía sobre la educación la salud la vivienda la alimentación y la productividad puede romperse decisivamente el círculo vicioso de la pobreza la ignorancia la enfermedad y la baja productividad Pero una vez que se haga el rompimiento el proceso del desarrollo económico puede volverse autosostenido Colombia cuenta con una oportunidad única en su larga historia Sus abundantes recursos naturales pueden ser tremendamente productivos mediante la aplicación de técnicas modernas y prácticas efi cientes Su posición internacional favorable en cuanto a endeudamiento y comercio la capacita para obtener equipo y técnicas modernas del exterior Se han establecido organizaciones internacionales y nacionales para ayudar técnica y fi nancieramente a las áreas subdesarrolladas Todo lo que se necesita para iniciar un período de crecimiento rápido y difundido es un esfuerzo decidido de parte de los mismos colombianos Al hacer un esfuerzo tal Colombia no solo lograría su propia salvación sino que al mismo tiempo daría un ejemplo inspirador a todas las demás áreas subdesarrolladas del mundo International Bank 1950 XV I apud Escobar 2007 5354 Esta missão salvacionista se estenderia à America Latina para submeter os abundantes recursos naturais às efi cientes técnicas modernas E sobre toda economia que fosse considerada complexa isto é autônoma e independente o programa institucionalizaria o modelo desenvolvimentista único O que tornaria a Colômbia um exemplo inspirador para o resto do mundo subdesenvolvido Na América Latina a força mais importante que se opôs aos Estados Unidos foi o crescente nacionalismo Desde a Grande Depressão alguns países latinoamericanos começaram a tentar construir suas economias com maior autonomia promovendo a industrialização proposta que embora tente romper com o lugar atribuído ao Terceiro Mundo de produção de matériaprima não coloca em questão o modelo capitalista como um todo Em 1948 um proeminente funcionário das Nações Unidas expressou a perspectiva de uma relação entre ciência exploração de recursos naturais e desenvolvimento como algo inquestionável dizendo Eu ainda acredito que o progresso humano depende do desenvolvimento e implementação no nível mais alto possível de pesquisa científi ca O desenvolvimento de um país depende principalmente de um fator material em primeiro lugar o conhecimento e em seguida a exploração de todos os recursos naturais Laugier apud Escobar 2007 72 Quando falamos em países desenvolvidos e países subdesenvolvidos não compartilhamos o discurso de competência de uns aliado à incompetência de outros como deixa a entender o funcionário das Nações Unidas Acreditamos Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 305 em uma tentativa de encobrir com um véu de unidade os países periféricos frequentemente pensados como um todo como um grupo como povo sem ciência ou tecnologia vasta área subdesenvolvida etc Esta estrita e tradicional visão ideológica imposta à America Latina3 ao longo de mais de quinhentos anos de colonização tende a nos fazer crer e aceitar a idéia de que este espaço se constitui como uma região obscura e que somos somente refl exos desajustados do outro Não se pretende preencher este trabalho com um rol exaustivo de dados históricos e datas acerca de como se deu o desenvolvimento capitalista após a Segunda Guerra Mundial Essa breve retomada traz alguns aspectos dos interesses por parte das grandes nações pela economia latinoamericana e como essas visões econômicas vão ser incorporadas pelas nações em suas políticas públicas e projetos de desenvolvimento Trabalhando pra empresa E lá então nunca mudemo mas não foi que o meu pai nunca quis nunca nunca É ele sempre dizia eu não vou eu só faço serviço de empreitada eu não vou é morar em casa do Zattar lá fazenda do Zattar eu não vou Disse porque eu toda a vida tive a minha luta eu gosto de lidar com as minhas criação A gente tinha praticamente uma chacrinha lá Que daí ele fazia nós tudo fazia serviço de empreito assim mas morar lá ele nunca quis ir Na sede do Zattar entrevista realizada em 120220104 De acordo com o breve revisitar da história buscamos entender o impacto desse modelo de desenvolvimento econômico e procuraremos por em evidência de que forma as elites locais do Paraná submeteram o Estado à condição de dependência frente aos pólos hegemônicos do sistema capitalista colocando em condições de vulnerabilidade as comunidades tradicionais ditas atrasadas Para isso traremos elementos do texto de Renato Passos sd para ajudar em nossa análise Inicialmente Passos como já descrito no começo deste capítulo faz uma demorada descrição de como era o passado e o início da Vila Pretendemos abordar nesse segundo subitem como o autor ao longo de seu livro vai construindo visões dicotômicas em relação à natureza que 3 Bem como aos demais países do Terceiro Mundo África Ásia Oceania com a invisibilização de toda a diversidade na unidade construída a partir da noção de pobreza 4 Entrevista realizada por Liliana Porto e Dibe Ayoub no contexto do projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná Agradeço a ambas o acesso ao conteúdo desta entrevista e a fi m de manter o anonimato da entrevistada opto por não citar seu nome MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 306 em determinados momentos é vista como intocada e idealmente intocável em outras passagens é considerada como um valor econômico potencial e como tal deve ser explorada Em um primeiro momento quando os homens empunharam seus machados para derrubar os pinheiros que estavam no espaço onde seria erguida a Vila Pinhão Passos analisa tal ação com muita tristeza E vê com motivo de ufanismo o ato de alguns proprietários de resistirem ao forte apelo do dinheiro em não vender suas árvores no passado o habitat dos papagaios Acrescenta vivíamos num paraíso perdido onde todos eram felizes e não sabiam sd 41 Já no segundo momento quando aparecem os primeiros compradores e logo em seguida instalamse as serrarias que trabalharam dia e noite para transformar os pinheiros em tábuas e vigotes a atividade das empresas é saudada pelo autor como a chegada do progresso nas palavras da população local Para enfatizar tal perspectiva assim descreve Os caminhões carregados com madeiras dominavam as estradas rumo aos grandes centros e para exportação Nas matas as serras não paravam e os pinheiros iam caindo às centenas todos os dias Não demorou muito e apareceram os depósitos de lascas de pinheiro e as fábricas de pasta mecânica que passaram a comprar até os tenros pinheiros para a fábrica de papel e celulose Quando os pinheiros foram escasseando iniciaram os abates das imbuias e quando estas começaram a desaparecer partiram para o corte de madeiras brancas Qualquer árvore servia desde que tivesse espessura que permitisse o corte nas serras sd 20 grifo nosso É de suma importância observar essa descrição porque fi ca evidente a disparidade daquele primeiro sentido de natureza que deveria permanecer intocada mas que com a chegada das madeireiras e as derrubadas sistemáticas dos pinheiros passa a ser destruída sem que isto seja considerado profanação e sim o impulsionar do progresso e do desenvolvimento Nesse sentido Monteiro 2008 reforçará essa visão Os carroções atravessaram o mato sacolejando e amassaram barro Na década de 20 eles talhavam o principal veio de escoamento de madeira no estado o trecho entre Guarapuava e Ponta Grossa Os carroceiros carregavam mais de cento e cinquenta arrobas atrelando até oito animais Antes mesmo da inauguração da estrada de ferro ligando Curitiba a Paranaguá em 1885 as caravanas carregadas desciam a serra atravancando a Estrada da Graciosa Os carroções marcaram não só o chão mas um período de riqueza econômica Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 307 produzido pela madeira que eles carregavam rangendo direto das matas para os portos de Paranaguá e Antonina e logo adiante para São Francisco do Sul SC Esta história porém remonta aos tempos em que o Paraná tinha um chumaço verde originalmente coberto de matas com 176737 quilômetros quadrados Desses 100457 km eram um mar de pinho araucária e imbuia De 1931 a 1950 desapareceram quase cinquenta mil km de mata no Paraná 2008 80 Sem pretender discutir em pormenor a questão intentamos somente sugerir que tanto Passos como Monteiro não divergem ao se referirem a um passado do estado tomado por matas Passos aludiu ao matagal de pinheiros como oceano verde já Monteiro como chumaço verde No entanto tal contexto ambiental passa a ser relevante na medida em que serve de base para o desenvolvimento que se transforma em valor econômico Parece contraditório no caso de Monteiro que se propõe a realizar a biografi a de um grande herói assim denominado por Domingos Pellegrini ao prefaciar o livro que o eixo de sua obra biográfi ca Madeira de Lei seja um homem que tem como característica marcante exatamente a pilhagem das madeiras de lei contribuindo para o desaparecimento indicado pelo autor de centenas de milhares de quilômetros de matas no estado Para reforçar a análise de que a natureza é percebida como valor econômico Celso Furtado 1972 desencanta o mito do desenvolvimento ao discutir como a implementação das políticas de desenvolvimento nos países atrasados tendo como fi o condutor a ideia de progresso algo tanto positivo quanto inevitável torna lugarcomum duas noções desenvolvimento e crescimento econômico É por isso que sob novas roupagens se constrói o mito do desenvolvimento que se repete indefi nidamente Como observa Marilena Chauí 2000 A identidade nacional pressupõe a relação com o diferente No caso brasileiro o diferente ou o outro com relação ao qual a identidade é defi nida são os países capitalistas desenvolvidos tomados como se fossem uma unidade e uma totalidade completamente realizadas É pela imagem do desenvolvimento completo do outro que a nossa identidade defi nida como subdesenvolvida sugere lacunar e feita de faltas e privações A primeira opera com o pleno ou completo enquanto a segunda opera com a falta a privação o desvio 2000 27 Passos ao descrever um episódio ocorrido no ano de 1948 quando da visita em Pinhão do governador de São Paulo Ademar de Barros explicita mais uma vez a ambiguidade com relação à perspectiva das relações ideais entre homem MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 308 e natureza No capitulo denominado Guerra aos pássaros o autor novamente relembra a cidade em formação onde as fl orestas eram abundantes e virgens os campos fl oridos sem nenhuma agressão de máquinas e arados os arroios límpidos na primavera milhares de borboletas com cores diversas presença de animais silvestre pastando embaixo dos pinheiros pássaros de todas as espécies isso porque entre outros a população não possuía o costume de caçar Segundo Passos a motivação da visita do governador não teria sido conhecer o local e seus moradores mas usufruir através da caça das perdizes e codornas Essas quando abatidas eram conservadas em vidros para servir de iguarias nos banquetes da fi na fl or da sociedade paulista sd 42 Conta que a comitiva permaneceu aproximadamente quinze dias tendo abatido seis mil pássaros e que o feito mereceu destaque nos jornais da época Além do mais a estrada desde Guarapuava até o acampamento dos caçadores foi ampliada Lembrando que Pinhão nesta época aparecia como distrito do município de Guarapuava e somente emancipase em 18 de fevereiro de 1964 Como relata o autor quando os transeuntes passavam pela estrada ouviam o pipocar de tiros de espingardas por todos os lados e as perdizes e codornas iam sendo dizimadas pela ilustre comitiva Posteriormente as armas estariam sendo empunhadas não mais em direção às já extintas perdizes e codornas mas a todos aqueles que impedissem a rápida industrialização e modernização do município Nesse episódio conhecido como Guerra aos pássaros o autor aciona novamente o primeiro sentido de natureza e a descreve como se nela houvesse um vazio que para Laura Antunes Maciel 1997 signifi ca a ausência de brancos colonizadores Os índios faziam parte da paisagem local assim como os animais e as árvores Segundo Maciel esse vazio pode ser defi nido como a ausência de uma população disciplinada habituada ao trabalho ordenado e regular com moradia fi xa capaz de tomar em suas mãos a defesa do território contra os interesses dos países vizinhos A própria estabilidade das fronteiras nacionais seria mais facilmente conseguida caso naquelas regiões predominassem a agricultura e a criação de gado 1997 127 A própria idéia de vazio foi mudando e se reconstruindo ao longo do tempo Uns acreditavam que este vazio era realmente a inexistência de qualquer tipo de povoamento outros consideravam não relevante que essas terras já fossem ocupadas por índios faxinalenses bairros negros posseiros etc Dentro dessa visão dualista que hora nos ocupamos o autor vem oscilando entre uma natureza intocada com espaços exuberantes fl orestas virgens ausência da agressão humana que acarretará na extinção da fauna e da fl ora e Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 309 uma visão de natureza como tendo um valor econômico adotando uma lógica utilitarista que legitima sua destruição Ao sintetizar a segunda perspectiva Milton Santos 2001 afi rma que considera que tudo na Natureza é recurso embora ela apareça como natural apenas de forma isolada todavia faz sobressair o caráter social da Natureza Esta perspectiva por sua vez viabiliza a prática de atividade econômica depredatória o esgotamento do ecossistema não é visto como destruição e dilapidação ao contrário os impactos da destruição são encobertos através do discurso de geração de empregos e renda remetendo a seu caráter social Nesse sentido Passos justifi ca a presença das madeireiras alegando que essas trazem oferta de empregos diretos e indiretos e ainda melhorias nas estradas porque a própria empresa adquiriu maquinário pesado motoniveladoras e tratores para a abertura de novas estradas e a conservação das já existentes das quais necessitava para o transporte de toras e madeira serrada Com o advento das indústrias o desenvolvimento econômico chegou ao Pinhão e em conseqüência o fi m do desemprego e aumento da arrecadação de impostos sd 60 No capítulo intitulado A Industrialização o autor abandona a ideia de uma natureza intocável ao exaltar a chegada da madeireira Zattar que transformará o oceano verde o chumaço verde em valor econômico Ao abordar o período do pósguerra no povoado aquele que antecede a atividade das madeireiras afi rma O comércio sofreu profunda retração de maneira que os produtos primários daqui restritos apenas aquilo que era produzido nas roças de queimadas não tinham compradores e a escassez de dinheiros era uma constante Os fazendeiros só conseguiam algum dinheiro quando vendiam uma vaca velha para o açougue do Antenor Gomes o qual de vez em quando abatia uma rês sempre vaca velha de descarte que não mais procriava Com a falta de poder aquisitivo do povo pouca carne era vendida então era comum se ver no varal as mantas de charque secando ao sol por dias seguidos A única vantagem de tudo isso eram os preços baixos dos gêneros alimentícios produzidos aqui mesmo sd 59 grifo nosso Para Passos foi nesse período que se iniciaram as compras de pinheiros em pé e surgiu a esperança da instalação das prometidas serrarias que trariam o tão sonhado progresso fi nanceiro para Pinhão sd 59 O que levaria MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 310 a crer que as serrarias tirariam a cidade dessa penúria Com as vendas dos pinheiros houve uma injeção de dinheiro no comércio e aquecimento nas atividades comerciais Ao criar e recriar incessantemente como saída a capacidade de consumo esta se impõe como um dado importante para superar situações consideradas indesejadas Com isso nos parece que o ataque voraz das madeireiras em direção aos intocáveis pinheiros seria o remédio sugerido avaliado por Passos como muito efi caz Isso porque segundo Cancián 1974 o objetivo das empresas madeireiras além da produção comercialização e preços da madeira era a ocupação das terras No que diz respeito aos aspectos gerais da produção a economia madeireira no Norte do Paraná esteve ligada ao fenômeno da ocupação das terras À medida que a madeira foi sendo esgotada em uma localidade iniciouse a exploração em outra A exploração madeireira só foi signifi cativa enquanto se completava esta ocupação o que aliás se fez de forma muito rápida A instalação de serrarias observou facilidades de transportes localizandose em grande número nos centros maiores ou próximos destes A presença das serrarias pode de modo aproximado dar a medida da intensidade da exploração madeireira em uma localidade ou região que se fez em estágios de duração limitada deslocandose ao se iniciar o esgotamento das matas em busca de novas fontes Pode dizer se que a serraria é pioneira na abertura de regiões aproveitando se das madeiras liberadas pela ocupação agrícola das terras Notase movimento de deslocamento das serrarias à medida que a colonização ou as novas frentes pioneiras penetram mais para o interior 1974 05 grifo nosso Portanto a devastação das matas do território paranaense ocorreu devido ao avanço da frente pioneira cujo objetivo era a ocupação das terras pela migração de riograndenses e catarinenses nas regiões Sul e CentroOeste ou pelo avanço dos cafeicultores paulistas no Norte Em ambas as regiões já ocupadas por povos indígenas e caboclos estes grupos embora também exercessem impactos sobre o meio ambiente não o faziam da forma devastadora dos atores da frente pioneira Por isso ao lermos tanto o livro O Pinhão que eu conheci quanto Madeira de Lei é possível perceber como os autores ao descreverem a derrubada das matas analisam tais ações como a mudança das feições do estado em sua marcha rumo ao progresso Tais ações não são vistas como destruição Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 311 A madeireira João José Zattar SA segundo Passos adquiriu mais de 43 mil alqueires de terras no território pinhãoense Montou também uma estrutura com construção de centenas de casas para a moradia de seus empregados com praça de esportes escolas igrejas armazéns onde os funcionários podiam adquirir de tudo e a preços reduzidos clube recreativo ônibus para o transporte dos estudantes fi lhos de seus empregados O autor afi rma que a empresa funcionou aproximadamente quarenta anos tempo em que o Pinhão viveu sem crises ou comércio enfraquecido sd 61 Esse discurso de que a chegada do desenvolvimento traria o fi m do desemprego e melhorias na infraestrutura local parecem bastante convincentes principalmente quando consideramos a perspectiva evolucionista e unilinear de desenvolvimento abordada no início do texto No entanto esses processos produziram ao mesmo tempo um novo tipo de exclusão social formado por grupos sociais considerados desnecessários economicamente incômodos politicamente e perigosos Com a preocupação em examinar não a pobreza mas o problema da pobreza como uma preocupação no Brasil Márcia Sprandel 2004 em seu livro A pobreza no paraíso tropical faz uma longa e profunda análise acerca das representações feitas pela sociedade nacional brasileira sobre o indivíduo pobre Sprandel chama a atenção para o fato de que foi no pósguerra que a pobreza teria sido percebida como um atributo do mundo rural e os pobres simbolizados na literatura por personagens como Jeca Tatu consagrado no cinema pelo ator Mazzaropi 2004 130 Fica evidente que ao se iniciar a expansão do capitalismo retomase simultaneamente o discurso da pobreza e do vazio demográfi co ou seja de maneira paradoxal as áreas em que o capitalismo não está consolidado são ao mesmo tempo vazias e sua população deve ser salva da condição de atraso em que se encontra A partir da nova imagem se coloca a necessidade de implementar investimentos no sentido de mitigar as consequências da situação de carência absoluta e garantir a possibilidade de desenvolvimento econômico regional Para isso a natureza é vista como alavanca do desenvolvimento e os moradores que nela habitam se tornam empecilhos para o controle sobre o território por eles ocupado através do avanço das madeireiras necessário à implantação do sistema econômico e do Estado moderno Nesse sentido Fressato 2008 analisa o caipira representado por Mazzaropi característico do interior do estado de São Paulo diferente do almejado pela ideologia desenvolvimentista Sujeito que se utiliza de práticas conservadoras para enfrentar as adversidades A autora observa que nos anos de 1950 a 1970 a imprensa foi amplamente utilizada para a divulgação e propagação das ideias desenvolvimentistas Reportagens e manchetes associavam trabalho cidade modernidade industrialização e progresso A necessidade do MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 312 desenvolvimento atingia a todos os que comandavam a expansão o Estado e a classe empresarial os que cooperavam com ela a população em geral e os que seriam por ela incorporados a população desempregada e marginalizada Para a autora a ideologia desenvolvimentista também encobriu os confl itos e a dominação mascarando informações e legitimando com isso aspirações apenas de alguns grupos da sociedade cf Fressato 2008 05 Aliase ao processo considerado por Fressato a construção da imagem do homem do campo como uma praga nacional inadaptável à civilização símbolo do atraso econômico político e mental assim era Jeca Tatu um retrato do homem do interior Personagem criado por Monteiro Lobato 18821948 Jeca representava os atributos negativos dos brasileiros A imagem do caipira como o piolho da terra fi gura do homem do campo atrasado faz parte do discurso que a elite liberal republicana defensora de um Brasil composto de cidadãos brancos europeus usa para deslegitimar determinados setores das classes populares É inserido nesse contexto que a Indústria João José Zattar SA ao instalar se no Bom Retiro e construir a Zattarlândia tornase o símbolo do progresso Segundo Monteiro 2008 não se pode precisar quando se dá a chegada da Zattar em Pinhão seria mais ou menos em 1943 Monteiro conta que nos anos 40 na Vila Nova do Pinhão João José Zattar comprou nacos de terra com pinheiros em pé para plantar o progresso vindo do cheiro da madeira que espalhou o crescimento na região e continuou atravessando décadas depois de cinco anos abrindo estradas e enfrentando a carranca dos locais 2008 38 grifos nossos A serraria São José é inaugurada em 1949 na localidade de Boi Carreiro passando a ser conhecida por Zattarlândia Logo em seguida Zattar comprou 150 alqueires para a instalação da outra serraria que veio a chamarse Santa Terezinha situada a cerca de 15km da Vila Na descrição de Monteiro em relação às instalações das serrarias da empresa Zattar fi ca evidente que naquela região não havia um vazio demográfi co como ao longo da história desse estado se fazer crer e que as carrancas dos locais mostram a resistência e defesa contra o ataque voraz das serrarias em direção a suas terras Em entrevista realizada por Liliana Porto e Dibe Ayoub em fevereiro de 2010 com atual moradora da sede municipal de em torno de cinquenta anos a entrevistada relata ter nascido e passado sua infância juntamente com seus pais na região do Bom RetiroZattarlândia As descrições que faz do povoado apontam o encanto que as possibilidades de moradia consumo e lazer que representava possuíam sobre a população local No entanto como fi ca claro no trecho citado na epígrafe deste item seu pai recusouse a mudar para a Zattarlândia optando pela permanência em sua própria terra Gostaríamos de chamar a atenção assim para o fato de que esse modelo desenvolvimentista Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 313 tem um poder de sedução também percebido em Passos mas esta não é total Há resistências de vários tipos individual familiar ou por meio de sindicatos associação e cooperativas Como veremos na última parte desse capítulo Segundo a entrevistada as casas lá dentro eram chamadas de ranchão Ela conta que seu pai comprou um lote de terra próximo ao Bom Retiro tirando e cortando madeira para a Zattar a machado lenha por metro foi assim que pagou o terreno E para a construção da casa ele teria derrubado um pinheiro que tinha no interior do terreno desdobraram tudo com um ferro que tirava tabuinha e construíram uma casa Podese ver portanto que o emprego na madeireira será utilizado como possibilidade de acesso a terra Mesmo vivendo na cidade atualmente a família não vendeu a terra O trabalho do pai não era exclusivamente para a produção autônoma ou para terceiros Segundo a narrativa ele oscilava entre o trabalho para fazendeiros da região e a Zattar e o investimento na produção própria mesmo que em área arrendada Assim na época do plantio da colheita retornava para seu roçado E quando passava a temporada trabalhava para o Zattar tirando ervamate cortando pasto fazendo cerca Segundo ela seu pai nunca foi registrado na fi rma o que lhe permitia trabalhar uma temporada em Santa Catarina e ao retornar tinha a possibilidade de lidar com sua roça ou fazer mais empreitada na fi rma Zattar O não registro é lido como liberdade não como carência de direitos Ela narra sistemas de controle exercidos pela empresa sobre aqueles que residiam ou frequentavam a Zattarlândia Explica que vizinhos que não se identifi cavam com o candidato de preferência da empresa eou caso o candidato perdesse passavam a não comprar nem vender no interior da Zattarlândia Algo com impacto signifi cativo pois era esta a principal fonte de renda para aqueles que viviam fora do quadro da Zattar Por outro lado ela fala que trabalhava na lavoura isto é na terra na força pura segundo ela expressão utilizada pelos antigos No entanto a família nunca teve terreno de cultura sempre plantaram em terrenos alheios Ao se referir aos que trabalhavam nas empreitadas ressalta que esses não eram fi chados isto é não tinham carteia assinada Sua remuneração se dava de acordo com o desempenho nas tarefas assumidas Já os que trabalhavam internamente recebiam o salário não somente na moeda nacional da época mas em uma moeda utilizada pela empresa o boró Como descreve Monteiro Trabalhavam por duzentos e cinquenta réis a hora que mais tarde bem mais tarde virariam boró o dinheiro que circulava nas vendas armazém farmácia etc de Zattarlândia O boró uma ideia de João José Zattar considerada avançada para a época tinha o mesmo valor de compra de um por um da moeda então vigente o cruzeiro Os MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 314 comerciantes depois trocavam na empresa os borós com cores e valores diferentes por dinheiro Ao invés de pagálos com dinheiro dávamos o boró Eles iam no armazém compravam e o boró voltava pro escritório Era melhor assim um tanto em boró e o outro em dinheiro diz Zuzo 2008 47 grifo nosso Segundo a entrevistada os empregados recebiam na quinzena em boró e o dinheiro só no dia do pagamento Quando as pessoas de fora vendiam verdura galinha ovos ou outros produtos agropecuários para os trabalhadores da Zattarlândia recebiam desses funcionários em boró Em seu relato ela descreve que no interior da Zattarlândia existia um armazém era o mesmo que mercado tudo o que se pedisse tinha e se não tinha no momento o comerciante dizia não tem hoje mas amanhã venha tal hora que já tá aqui Um comércio mais variado e ágil que o de Pinhão Vendiam de tudo alimentação arroz feijão macarrão e também cama e mesa e banho se precisasse de móveis tinha que encomendar Com esse esquema ela conta ninguém saía de lá para comprar na cidade de Pinhão Quando não tinha no armazém teria que ir até Guarapuava E ao chegar às lojas os funcionários perguntavam Mora onde Se era trabalhador do Zattar podia levar a loja inteira Já os faxinalenses posseiros e os pequenos proprietários só podiam fazer compras no armazém da fi rma no meio da semana e se deixassem para comprar nas bodegas ou nos bares era muito mais caro em relação ao armazém do Zattar O sábado era o dia para atender os que trabalhavam para a fi rma derrubando mata Nesse contexto percebese que a narradora identifi ca vantagens no vínculo empregatício com a madeireira tanto em termos econômicos e de acesso ao consumo quanto em termos de prestígio social Outro aspecto importante diz respeito ao acesso à Zattarlândia Segundo ela os portões tampavam a estrada Só entrava nas áreas controladas pela empresa em caso de não funcionários quem apresentasse motivos convincentes para tanto Em determinado ponto que dava acesso à Zattarlândia só circulavam livremente carros da empresa e os que moravam lá dentro os demais tinham que se justifi car frente aos guardas da madeireira que vigiavam os portões Ao ser perguntada sobre seu desejo quando mais nova de morar na Zattarlândia ela dá uma resposta positiva mas diz que era ilusão de criança Para a entrevistada as casas eram as melhores da redondeza a maioria que morava fora das vilas da empresa não tinha condições de construir uma casa boa Conta ainda que em dias de festas ou quando ia visitar um amigo dentro da Zattarlândia via as pessoas morando naquelas casas mais melhor e mais bonita e os encantos da vida no local seduziam seus olhos Ela descreve que esse foi um dos motivos que fez aumentar a quantidade de famílias que optavam pela moradia nas vilas eles ofereciam casas melhores para as pessoas e essas Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 315 iam vendendo criação vaca de leite as próprias terras para viver melhor nos povoados da Zattar Acrescentese que além disso a estrutura e tamanho das casas se relacionavam às classifi cações hierárquicas das funções no interior da empresa Por exemplo no caso de marcador motorista jagunço e funcionários da administração as casas tinham luz elétrica água tinha tudo E quando era descascador de tora porque trabalhava no mato ia morar nos ranchos com três peças dois quartos e a cozinha não tinha água era da mina e a luz era vela Logo que a empresa começou a dar sinais de falência a entrevistada aponta que alguns foram bem espertos e saíram do local No entender dela esses enxergaram mais longe lá na frente Quando a fi rma entrou em colapso muita gente que trabalhava na Zattarlândia a abandonou tendo uma parte desses trabalhadores se deslocado para a região metropolitana de Curitiba Atualmente o número de famílias que ainda vive na Zattarlândia é muito reduzido e o povoado foi praticamente desmontado restando poucas casas ainda de pé O contexto acima descrito aponta a complexidade das relações dos trabalhadores da madeireira com a empresa em que esta representa simultaneamente melhores condições de moradia e acesso a recursos e bens de consumo e a subordinação a um sistema opressor que controlava inclusive as escolhas políticas e os movimentos dos moradores dos povoados principalmente da Zattarlândia Retomamos a epígrafe deste subitem em que o pai da entrevistada dizia eu não vou eu só faço serviço de empreitada eu não vou é morar em casa e nem fazenda de Zattar Ter uma chacrinha e poder dizer eu só trabalho de empreitada isso lhe dá possibilidade de gozar de algumas das vantagens que o trabalho na empresa trazia sem perder de forma defi nitiva sua autonomia É interessante observar que esta interpretação não é específi ca deste sujeito Eliane Cantarino ODwyer 2008 analisa nas décadas de 1950 e 1960 no Estado do Rio de Janeiro o contexto de trabalhadores residentes em grandes propriedades que foram submetidos a um processo de expulsão da terra e expropriação de suas condições de trabalho e manutenção em decorrência da introdução de lavouras mercantis e da modifi cação no cultivo para subsistência dos chamados colonos eou moradores Nesse caso ODwyer observa que os grandes proprietários deixaram de proporcionar áreas de cultivo a seus moradores passando a expulsar de forma sistemática os que resistiam às novas imposições para a realização de serviços diários nas plantações da fazenda Desse modo o assalariamento da mãodeobra agrícola pressupunha novas formas de imobilização da força de trabalho Para a autora o desmantelamento dessa forma de organização camponesa foi sucedido pelo reconhecimento de uma organização sindical para o campo A partir dos anos 1950 os patrões começaram a modifi car as condições de MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 316 trabalho Nas condições anteriormente vigentes em que os patrões davam terra para plantio os trabalhadores se autoclassifi cavam os que tinham seus sítios fora das grandes propriedades se distinguiam daqueles cujos sítios se encontravam em seus limites Contudo a diferenciação principal entre os trabalhadores passou a ser representada pela contradição entre o empregado e o trabalhador jornal 2008 235 Segundo ODwyer mesmo o sem terra para plantar o jornal5 pode dispor de mãodeobra familiar segundo sua própria determinação ao contrario do empregado submetido às ordens do patrão e estendendo tal subordinação a toda a esfera doméstica A diferença entre os dois é assim descrita pela autora De acordo com a representação dos próprios agentes sociais é que o jornal conserva a autonomia do trabalho familiar a liberdade de realizar o cálculo da utilização do trabalho dos membros da família e de traçar as estratégias de reprodução de suas condições de trabalho e manutenção da forma que melhor lhe convier Já o empregado é dependente das ordens do patrão tendo que levar sempre em conta em seu cálculo de utilização do trabalho familiar a obrigação de prestar serviços ao proprietário da terra 2008 236 grifo nosso Similarmente o trabalhador jornal se aproxima da realidade descrita pelo pai da entrevistada quando esse possuía sua terrinha e prestava serviço para a Zattar em períodos de trabalho menos intenso na lavoura Isto é não estava totalmente dependente possuía seu espaço de autonomia plantava em terras controladas por ele mesmo que arrendadas e tinha a possibilidade de vender parte de sua produção e estabelecer seus preços ao contrário dos demais que estavam em situação de vulnerabilidade Mesmo submetendose ao trabalho na empresa o pai da entrevistada mantinha uma margem de autonomia Ao contrário do trabalhador livre de que fala Marx que se caracteriza por ser despossuído dos meios de produção livre para vender sua mãodeobra Era o caso dos que moravam na Zattarlândia esses tinham casa trabalho alimentação acesso a bens de consumo no entanto pagavam tais benefícios com sua subordinação desfrutavam de uma liberdade restrita O que chama a atenção é que como vimos existia um macro projeto desenvolvimentista cujo objetivo era combater e modernizar toda forma de conhecimento tradicional porque o país estaria abandonando a vida rural para ingressar na criação dos grandes centros econômicos Segundo este discurso o êxodo rural era uma realidade inquestionável e indiscutível o caminho no 5 Segundo a autora a casa própria do jornal tanto pode ser tanto um imóvel de sua propriedade como uma casa alugada pois o aspecto mais relevante da defi nição é não ser ela propriedade do patrão Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 317 sentido de abandonar as formas de vida tradicionais para se inserir em uma lógica capitalista de mercado e produção Experiências como a citada na epígrafe mostram que princípios não capitalistas operam ao mesmo tempo em uma economia de mercado o pai da entrevistada entrava na Zattarlândia tanto para trabalhar na empresa como para vender seus produtos para os trabalhadores da fi rma recebia em boró submetiase às regras de controle que lhe permitiam ter acesso aos funcionários da empresa sabia quais os dias para poder realizar suas compras no armazém do Zattar etc Mas quando a empresa que prometia resolver o problema de escassez de dinheiro rolando a bola de neve do progresso na tentativa de dissolver ou eliminar carrancas que a população local dirigia a ela e trazer o tão desejado desenvolvimento econômico e justiça social para os que se encontravam em trincheiras marginais entra em colapso os que possuem suas terras como espaços de autonomia podem responder a esse contexto sem fi carem sujeitos ao desamparo Mas os que se deixaram seduzir pelos apelos da madeireira foram morar em casas novas e amplas consumir em armazéns bem providos participar de festas e eventos sociais promovidos pela empresa e para isso venderam suas terrinhas ou os que as perderam pela ação dos jagunços a mando da Zattar precisaram migrar para a cidade ou grandes centros e assalariarse na tentativa de obter dinheiro para alugar uma casa comprar roupas remédios contrair crédito etc Tornaramse os homens livres de que fala Marx Várias vezes ouvi isso das pessoas dizerem se não fossem os campos aqui a gente passava fome Na verdade é o contrário porque o produtor produz alimento Ele não está nos campos porque os campos aqui produzem soja milho que vai virar ração para as grandes empresas e até dos americanos Essa produção é exportada não fi ca nada no município e quem produz o alimento que sustenta aqui o município são os pequenos agricultores e alguns faxinais que estão em áreas de culturas E aí que está os produtores de alimentos Era um mito de quem sustentava o Pinhão na parte de produção eram os campos E não é O grande potencial está nas áreas de faxinais é onde está o pequeno produtor entrevista realizada 24102012 João Wilson Presidente da CooperAFATRUP Foi através da organização em sindicatos e associações que os camponeses faxinalenses denominados atrasados conseguiram minimizar o impacto da MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 318 passagem da bola de neve desenvolvimentista que tem por objetivo aplainar todo e qualquer espaço que ofereça autonomia independência e solidariedade aos membros dos grupos sociais que se organizam de maneiras não hegemônicas Em um primeiro momento com a organização da AFATRUP Associação das Famílias de Trabalhadores Rurais de Pinhão e do movimento dos posseiros Posteriormente com a aliança com o MST MPA e o desenvolvimento da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses6 E como último movimento com a criação da CooperAFATRUP É com esse intuito que abordaremos esse último subitem analisando como a resistência ao modelo desenvolvimentista esteve está presente desde o início da expansão capitalista nas regiões das matas de Pinhão aqui materializada na madeireira Zattar Para tanto estabeleceremos um diálogo com Boaventura de Sousa Santos 2012 ao analisar como cooperativas de trabalhadores podem ser exemplo dessa resistência De acordo com este autor as cooperativas modernas são tão antigas quanto o capitalismo industrial De fato as primeiras cooperativas sugiram por volta de 1826 na Inglaterra como reação à pauperização provocada pela conversão maciça de camponeses pequenos produtores em trabalhadores das fábricas pioneiras do capitalismo industrial Foi também na Inglaterra que surgiram as cooperativas que passariam a ser o modelo do cooperativismo contemporâneo as cooperativas de consumidores de Rochdale fundadas a partir de 1844 e cujo objetivo inicial foi a oposição à miséria causada pelos baixos salários e pelas condições de trabalho desumanas por intermédio da procura coletiva de bens de consumo baratos e de boa qualidade para vender aos trabalhadores 2012 33 Santos analisa que as primeiras cooperativas de trabalhadores foram fundadas na França por volta de 1823 por operários que depois de organizarem uma série de protestos contra as condições de trabalho desumanas nas fábricas em que trabalhavam decidiram fundar e administrar coletivamente suas próprias fábricas Segundo ele estas primeiras experiências de cooperativas surgiram da infl uência das teorias pioneiras do associativismo contemporâneo Como prática econômica o cooperativismo inspirase nos valores de autonomia democracia participativa igualdade equidade e solidariedade Em entrevista realizada com João Wilson presidente da Cooperativa Mista de Produção Agropecuária e Extrativista das Famílias Trabalhadoras Rurais de Pinhão CooperAFATRUP que atualmente conta com mais de 100 cooperados este descreve como a partir de uma conversa com os posseiros acampados e faxinalenses surgiu a necessidade de uma entidade que trabalhasse a organização da produção e buscasse comércio para melhorar a renda dos produtores Ele afi rma que a difi culdade de permanecer no campo é cada vez 6 Todos esses movimentos tinham e têm como foco a luta pela terra e a garantia de autonomia na organização do território Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 319 mais evidente e que as famílias estão deixando a terra porque não conseguem viabilizarse nas propriedades Segundo João Wilson a cooperativa surge dessa necessidade de melhorar a comercialização e a renda Historicamente a própria associação AFATRUP sempre participou da resistência na luta pela permanência na terra e chegou um momento em que para permanecer na terra os produtores precisam ter renda ter condições de crescer em cima da terra e dela retirarem o sustendo de seus fi lhos E assim evitar a intensa migração de população regional que se observa na atualidade Com a nova confi guração histórica a associação já não conseguia dar suporte a esse novo momento da luta pela possibilidade de ter acesso a terra e viver nela Surge então a ideia da cooperativa para trabalhar o suporte à produção e principalmente os caminhos de comercialização Esse é o papel mais importante da CooperAFATRUP ser uma ferramenta que proporcione aos produtores caminhos para que possam vender parte de sua produção ao mercado institucional através de projetos como por exemplo venda de merenda escolar pelo PENAE Programa Nacional de Aquisição de Alimentação Escolar Nesses programas alguns caminhos para cumprir e alcançar os objetivos foram traçados Ele conta que a cooperativa não se restringe a isso ela busca outros mercados convencionais outras regiões e não exatamente apenas os mercados institucionais mas nesse momento o mercado mais forte para a cooperativa é a comercialização para o Estado através da SEED o fornecimento de merenda escolar tanto para o município de Pinhão quanto de Guarapuava7 De acordo com João Wilson o PENAE foi resultado da ação das entidades ligadas à agricultura familiar sindicatos cooperativas e associações que durante muito tempo vêm lutando para que haja uma garantia por parte da legislação de que 30 do que for consumido na alimentação escolar seja comprado da agricultura familiar E diz mais Porque ao mesmo tempo em que você fornece alimento de qualidade saudável para que essas crianças se desenvolvam e possam crescer com menos doenças enfi m por outro lado você está viabilizando outras famílias que até então não tinham outra renda a não ser às vezes bico como se diz por aí com fazendeiros mas muito muito pouco para dar uma qualidade de vida e condições de permanecer na terra E que agora em um pequeno espaço de terra ele consegue produzir entregar para a cooperativa que repassa para as escolas e ele tem uma renda que lhe garante o sustento de sua família Entrevista realizada em 240813 7 Em 2013 a venda para as escolas de Guarapuava foi perdida para uma associação do outro município o que está exigindo da CooperAFATRUP uma reestruturação de suas atividades MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 320 O entrevistado diz que em 2010 foi assinado esse contrato com uma proposta de 51 mil reais e foi cumprido na íntegra e que em 2011 aumentou para 523 mil reais e o projeto de 2012 foi para 1 milhão e meio de reais8 Parece que ninguém enxergava essa produção toda Relata que no momento da fundação da cooperativa diziam isso é loucura aqui no Pinhão Isso não existe E agora as pessoas estão à procura para associarse Começaram com 25 associados e atualmente contam com mais de 100 e a cada dia chegam mais pessoas querendo fazer parte da cooperativa Pessoas que querem produzir e a veem como um caminho seguro A produção por sua vez que foi destinada para a merenda escolar e outros mercados como o CEASA ultrapassou mais de 40 toneladas com produtos tais como hortaliças repolho brócolis feijão farinha de biju fubá e canjiquinha Explica que a dinâmica da cooperativa é pegar a matéria prima do produtor e entregar para as escolas Santos 2012 nesse sentido diz que uma das características essenciais das cooperativas de trabalhadores é que estes são proprietários A difusão das cooperativas teria assim um efeito igualitário direto sobre as distribuições da propriedade na economia estimulando o crescimento econômico e diminuindo os níveis de desigualdade Segue O cooperativismo considera que o mercado promove um dos seus valores centrais a autonomia das iniciativas coletivas e os objetivos de descentralização e efi ciência econômica que não são acolhidos pelos sistemas econômicos centralizados Face à comprovada inviabilidade e indesejabilidade das economias centralizadas as cooperativas surgem como alternativas de produção factíveis e plausíveis a partir de uma perspectiva progressista porque estão organizadas de acordo com princípios e estruturas não capitalistas e ao mesmo tempo operam em uma economia de mercado 2012 36 grifo nosso Mas a organização através de uma cooperativa administrada por um jovem nascido no local e com uma experiência sólida na luta pela terra através do movimento dos posseiros faz com que esta possa ter uma importância também na manutenção de práticas de produção tradicionais Assim por exemplo quando indagado a respeito da variedade de sementes de milho crioulo mantidas historicamente na região de geração em geração João Wilson afi rma que antes da criação da cooperativa foram realizadas algumas lutas pela valorização dessas sementes crioulas Ele lembra que a Secretaria da Agricultura do município em 2007 estava fechando um convênio com a 8 Infelizmente apenas uma pequena parte dele aprovado devido à entrada no processo da associação de Guarapuava Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 321 Syngenta para o fornecimento de sementes para os produtores Mas o processo foi barrado pelo movimento social local Diz Nós fi zemos uma manifestação e mobilizamos os agricultores porque não tava sendo valorizada a semente crioula que nós já tínhamos aqui nós não somos contra o melhoramento e que as coisas evoluam mas da forma que estava sendo colocado praticamente excluía o produtor que tem as sementes próprias e ele não iria poder fi nanciar porque não tinha como provar que comprou a semente e várias circunstâncias iam amarrando para favorecer as empresas Nós tivemos esse enfrentamento e os representantes da Syngenta foram praticamente atropelados e os colocamos para correr Entrevista realizada 240813 Além do mais segue João Wilson como pode chegar um técnico dizendo para o produtor que há mais de cem anos utiliza aquela semente e de repente tem que desfazerse para adquirir outra melhor Essas tentativas já apontadas por Escobar são programas de ajuda dos países centrais aos países em desenvolvimento na tentativa de aceleração do crescimento econômico Em termos gerais os projetos de desenvolvimento econômico como do caso das sementes da Syngenta são concebidos e implementados com base em políticas traçadas e implantadas por agências tecnocráticas nacionais e internacionais sem a participação das comunidades afetadas por essas políticas Podemos perceber desde a formação da AFATRUP que tinha como um de seus eixos de atuação a organização da população local na luta para impedir a voracidade insaciável das madeireiras em direção ao controle dos territórios e expropriação das comunidades que a resistência ao desenvolvimentismo ocorre de forma muito mais efetiva e sistemática do que o discurso hegemônico pretende reconhecer A CooperAFATRUP vem como resposta a um novo contexto de luta em que um dos inimigos passa ser a inviabilização da permanência das famílias que lutaram mais de vinte anos defendendo suas terras contra o ataque homogeneizador da Zattar devido à necessidade de renda monetária que o mundo contemporâneo traz Necessidade de renda que gera uma pressão signifi cativa no sentido da migração para o trabalho É explicitada pelo presidente da cooperativa a resistência a esse modelo desenvolvimentista avassalador que tenta destruir qualquer forma de produção que possibilite autonomia São também reivindicações da cooperativa a manutenção da diversidade cultural e das formas de produzir e de entender a produção não se sujeitando ao modelo único imposto pela expansão perversa da economia capitalista Iniciativas como essa por sua vez podem amenizar e mesmo subverter a hegemonia do capitalismo Nesse sentido são criados MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 322 mecanismos de resistência a sua expansão Santos 2012 salienta como tais mecanismos vêm se contrapor a uma perspectiva dicotômica do mundo que concebe Povo versus os outros tradicional versus moderno sociedade civil versus Estado comunidade versus sociedade local versus global sabedoria popular versus conhecimento moderno Em que não cabe a possibilidade de um termo médio nem as propostas de articulação entre os termos confrontados 2012 57 A tentativa tem sido a destruição rejeição inviabilização invisibilização de qualquer forma de pensamento que possa emergir e estabelecer nexos de solidariedade e resistências à hegemonia desenvolvimentista Nesse sentido o exemplo da ação dos posseirosfaxinalenses em defesa de suas terras faz coro com guardadas as proporções a luta do povo indiano contra o colonialismo inglês Santos 2012 analisa a resistência exortada por Gandhi ao recusarem se a comprar o sal vendido pelos ingleses e debilitarem assim a base econômica do império inglês Gandhi ao abordar esse contexto utiliza a palavra swadeshi que segundo Santos signifi ca Autonomia econômica local baseada no espírito que nos exige que sirvamos os nossos vizinhos imediatos preferencialmente a outros e que usemos as coisas produzidas à nossa volta em vez das coisas produzidas em lugares remotos É uma forma de ver o mundo que implica uma atitude antidesenvolvimentista face à produção e uma atitude antimaterialista em relação ao consumo existe o sufi ciente para satisfazer as necessidades de todos mas não para satisfazer a ambição de todos uma alternativa ao desenvolvimento implica uma forma de ver o mundo que privilegie a produção de bens para consumo básico em vez da produção de novas necessidades e de artigos para satisfazer a troco de dinheiro 2012 5556 As lutas travadas pela CooperAFATRUP nos remetem ao movimento de resistência existente em toda a América Latina e pelo mundo Uma batalha constante para expurgar pensamentos interiorizados de pertencer a uma identidade negativa como sendo real e inevitável de acordo com a qual ser do lugar signifi ca ser atrasado É o mesmo que as pessoas diziam para João Wilson isso é loucura aqui no Pinhão Não existe Se não fossem os campos aqui a gente passava fome Há ainda outro aspecto a ressaltar a invisibilização da produção dos povos tradicionais em que fração signifi cativa é voltada para o consumo e Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 323 para as trocas locais na medida em que esta não se encaixa nas metodologias de avaliação de produção vigentes Assim do ponto de vista quantitativo os parâmetros não consideram sequer aquilo que dizem considerar No caso da produção apenas parte dela é medida aquela que é comercializada no mercado A fala de João Wilson é ilustrativa neste sentido Nós temos uma produção é imensa um povo batalhador natureza generosa e terra fértil Nós entendemos que estamos em cima de uma mina de muita prosperidade em nosso município Precisa realmente acreditar nesse potencial acreditar nesse sonho de transformar o meio rural realmente e que nós temos todas as condições para isso é organizar e fazer a cada dia fazer com que as pessoas acreditem Ao longo da história a autoestima dos produtores por causa de iniciativas frustradas por acreditar em propostas politiqueiras e que não deram resultados muitos desistiram ou quase que abandonaram o sonho de melhorar a vida a partir de sua propriedade a partir do pedaço de terra Quando as pessoas nos diziam que a cooperativa não ia dar certo nós víamos a carência de autoestima dos produtores e que estamos resgatando e dizendo que é possível ter uma renda de R150000 aqui nessa propriedade que para a realidade dele era visto como impossível A gente via família que sobrevivia com auxilio da bolsa família ou com menos que isso talvez com R10000 reais por mês daí ela tinha uma parte de produção que ela não precisava comprar mas hoje a gente mostra que é possível ter uma renda de R150000 ou R200000 Consegue ter até dois salários mínimos e hoje de repente já temos famílias com dois salários mínimos dentro de sua propriedade que isso alguns anos atrás antes da cooperativa partir para esse processo de venda era praticamente impossível e nem imaginava que ele poderia fazer isso um dia Entrevista realizada em 240813 grifo nosso Verifi case portanto que não alterou signifi cativamente a dinâmica da produção Muitos desses produtos que são vendidos hoje eles já produziam só houve pequena melhora e aumento na quantidade No que diz respeito às frutas comenta João Wilson nós entregamos 30 toneladas de laranja e essa laranja nem foi plantada estimase que há uma produção acima de 100 toneladas por ano Com ela as famílias fazem o suco e o excedente é comercializado e gera renda Entrevista realizada em 240813 E todo esse volume de produção não é medido pelos índices ofi ciais9 Isso porque o modelo 9 Essa discussão se encontra de forma mais aprofundada em Paulo Renato Dias 2009 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 324 desenvolvimentista se funda na incapacidade interna de algumas regiões ditas pobres e desconsidera o autoconsumo e as trocas não formais exigindo que para contar a produção precise necessariamente passar pelo mercado capitalista Santos 2012 analisa o ensaio de Ghandi que questionou a noção de igualdade de direitos entre um gigante e um anão Antes de se poder pensar em igualdade entre desiguais o anão tem de ser elevado à altura de um gigante 2012 134 Pensar um processo em que determinados grupos tachados de pobres os anões possam construir seus espaços de alteridade e não sejam arrastados a um único caminho possível o desenvolvimento o gigante Julgo aqui pertinente debruçarme muito rapidamente sobre uma questão que se refere à ideia de existência de modelos únicos Implica necessariamente um retorno às fontes do pensamento grego antigo para indagar suas concepções que exercem até hoje considerável infl uência e se constituíram nos fundamentos do pensamento fi losófi co e cientifi co das sociedades ocidentais Não cabe aqui aprofundar mas pensar de onde parte o sentido da verdade e como é assimilado e o que acontece com aqueles que tentam rebatêlo Para isso vejamos como Emanuele Severino 1984 ao comentar o nascimento da fi losofi a diz que ela se encontra na base de todo o desenvolvimento da civilização ocidental e que a forma desta civilização impera hoje sobre todo o planeta e determina até mesmo os aspectos mais íntimos da nossa existência individual A fi losofi a grega abre o espaço aonde se virão a movimentar e a articular não apenas as formas de cultura ocidental como também as instituições sociais em que tais formas encarnam e até o próprio comportamento das massas Arte religião matemáticas e ciências naturais moral educação ação política e econômica e ordenamento jurídico acabam por ser integrados neste espaço originário em geral pensase que na determinação de uma grande época histórica não se possa encontrar a fi losofi a que é o trabalho de uma elite restrita que vive sempre fora dos lugares onde se decidem os destinos do mundo A fi losofi a grega abre o espaço onde jogam as forças dominantes da nossa civilização 1984 17 Severino observa que a civilização ocidental apresentase hoje como civilização da técnica ou seja como organização da aplicação da ciência moderna Para ele é desta organização que os povos privilegiados isto é aqueles que a construíram recebem tudo aquilo de que necessitam par viver e talvez que no futuro tal possa acontecer com todos os povos do planeta 1984 18 Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 325 É o nascimento de um modelo único que como diz Severino pode ser assimilado a todos os povos Segundo o autor os primeiros pensadores gregos abandonam a existência dominada pelo mito e olhamna de frente Surge assim diz ele a ideia de um saber que seja irrefutável isto é evidente e incontestável E que seja irrefutável não porque a sociedade e os indivíduos nele tenham fé ou vivam sem dele duvidar mas porque ele próprio é capaz de rebater todos os seus adversários É um saber que não pode ser negado acrescenta nem por deuses nem por mudanças dos tempos ou dos costumes Um saber absoluto defi nitivo incontroverso necessário indubitável Esse saber é a Filosofi a cf Severino 1984 19 Segundo o autor a palavra grega que serve de base ao termo abstrato sophia é o adjetivo saphés que quer dizer claro manifesto evidente verdadeiro 1984 20 Portanto a palavra fi losofi a é o interesse por aquilo que se coloca sob a luz fora da obscuridade em que se encontram as coisas escondidas E o sentido de alétheia verdade é o não estar escondido No entanto se pode compreender a razão pela qual a fi losofi a chamase a si mesma epistéme Se nós traduzirmos esta palavra por ciência esquecemos que ela signifi ca à letra o estar stéme que se impõe sobre epí tudo aquilo que pretende negar 1984 25 Dinâmica própria do saber graças a sua inegabilidade vai se impondo sobre todo adversário que o pretenda negar ou colocar em dúvida E o Todo é a razão com base na qual se podia acreditavam os gregos excluir qualquer resíduo que se encontrasse em seu exterior O olhar para a extremidade então não possibilita dar um fundamento à imensa riqueza dos povos A presença desta ideia permite tomar distância e afi nal negar toda forma de saber conhecimento vida na medida em que se supõe que possa ser desmentida ultrapassada corrigida Acreditamos que o nascimento da fi losofi a vem por em evidencia o caráter infundado isto é susceptível de negar todo saber que até então havia conduzido a vida do homem E a palavra Filosofi a reunirá o sentido de verdade e epistéme do pensamento eurocêntrico que colocará todas as coisas particulares perante essa verdade Levandoas à dissolução ou assimilação Podemos verifi car que a fi losofi a grega procurou o sentido unitário do Todo para contemplar Já a ciência moderna por sua vez procura as partes isoladas para dominálas e portanto para transformar o mundo através da capacidade de predizer o futuro e através de tal predição controlálo Com a ciência moderna a verdade da epistéme cientifi ca é demonstrada através de um conjunto de operações práticas Isso se dará pelo isolamento do caráter quantitativo da realidade o verdadeiro conhecimento desta é a quantidade Portanto o verdadeiro conhecimento da realidade é constituído pela matemática Segundo Emanuele 1984b ao se referir a Galileu para esse as relações matemáticoquantitativas constituem a verdadeira realidade 1984b MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 326 30 Mas as quantidades implicam em critérios de medição que ao incluir certos aspectos excluem outros Trazer essas discussões da área da fi losofi a nada mais é que uma tentativa de buscar entender como os discursos sobre verdade absoluta e irrefutável epistéme e totalidade tornaramse uma tendência recorrente para se pensar os contextos brasileiro e latinoamericano que foram se ideologizando a partir da perspectiva colonialista dominadora Se epistéme signifi ca estar sobre isto é imporse negar aplainar toda e qualquer forma de pensamento ou verdade que se destaca exatamente por se distinguir do modelo dominante de produção Fica evidente por que a produção dos faxinalenses e posseiros não é visibilizada há uma tentativa segundo o presidente da cooperativa de fazer crer que se não fossem os campos as fazendas o agronegócio e no passado o extrativismo da madeireira Zattar a população de Pinhão estaria padecendo de fome Aplicase aqui a epistéme grega estar sobre isto é uma tentativa de eliminar toda forma autônoma de vida e hoje com uma nova roupagem o estar sobre é o desenvolvimento econômico Conjugase a ele o discurso que vê a diversidade sempre sob o risco do desaparecimento pois que irremediavelmente condenada pela expansão inevitável e valorizada do progresso Toda e qualquer diversidade é negada pensamento herdado da ontologia clássica que busca fazer com que tudo aconteça na totalidade porque o que é diferente diverso isto é não idêntico à totalidade deve ser eliminado refutado submetido ou arrastado para o mesmo Um dos mecanismos utilizado pelo discurso homogeneizador desenvolvimentista quando não reconhece a produção dessas comunidades é a elaboração das noções de pobreza e carência utilizadas de maneira corrente O uso destas noções abarca em um mesmo conjunto populações distintas não somente comunidades tradicionais mas também grupos rurais e principalmente urbanos que não dispõem de meios próprios e autonomia relativa em seu processo de reprodução sendo dependentes exclusivamente da inserção no mercado capitalista Como foi a tentativa do governo municipal de impor aos pequenos produtores a adoção da semente Syngenta medida que traria como vimos acima a perda da autonomia pois a semente crioula é a garantia de acesso a todos os elementos necessários à continuidade da produção O outro exemplo também citado foi o caso da entrevistada que vendia seus produtos hortigranjeiros no interior da Zattarlândia ela estava inserida mas não assimilada porque tinha seu pedaço de terra o que possibilitava a sua família um grau de autonomia e independência Não que essa tenha sido uma escolha do grupo as condições de enfrentamento são defi nidas por um contexto de forças externas Mas frente a elas novamente a comunidade vai responder como já descrito em capítulos anteriores por meio de opções possíveis E com sua fl exibilidade tentar resistir Parte III Comunidades tradicionais capitalismo e confl itos agrários Pinhão 327 à passagem da bola de neve desenvolvimentista que cotidianamente os ameaça Portanto a garantia de direitos territoriais se coloca como uma conquista necessária à manutenção da diversidade como estratégia de resistência aos modelos únicos de desenvolvimento Referências bibliográfi cas CAMARGO José Silvério de sd Por que Nosso Município Chamase Pinhão Pinhão Edição do Autor CANCIÁN Nadir Apparecida 1974 Conjuntura Econômica da Madeira no Norte do Paraná Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Programa de PósGraduação em História da UFPR CHAUI Marilena 2000 Brasil Mito Fundador e Sociedade Autoritária São Paulo Fundação Perseu Abramo DIAS Genebaldo Freire 2001 Educação Ambiental Princípios e Práticas São Paulo Gaia DIAS Paulo Renato Araújo 2010 Instrumentos Técnicas e Visões de Mundo na Comunidade Quilombola de João Surá Alteridade como Reserva de Possibilidades Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Programa de PósGraduação em Tecnologia PPGTE da UTFPR Disponível httpfilesdirppgctutfpredubrppgtedissertacoes2009ppgte dissertacao3012009pdf DUSSEL Enrique 1986 Ética comunitária Petrópolis Vozes ESCOBAR Arturo 2007 La invención del Tercer Mundo Construcción y Deconstrucción del Desarrollo Norma Santafé de Bogotá Disponível em http ptscribdcomdoc66190844LaInvencionDelTercerMundo Acesso em 12 de abril 2013 FRESSATO Soleni Biscouto 2008 O Caipira Jeca Tatu Uma Negação da Sociedade Capitalista Reapresentações no Cinema de Mazzaropi In IV ENECULT Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura FURTADO Celso 1972 O Mito do Desenvolvimento Econômico São Paulo Civilização Brasileira GONZALEZ Horácio 1985 O que é subdesenvolvimento São Paulo Brasiliense LUTZEMBERGER José Antônio 1978 Os Processos Tecnológicos atuais Simpósio Nacional de Ecologia 1 Curitiba MACIEL Laura Antunes 1997 A Nação por um fi o Caminhos Práticas e Imagens da Comissão Rondon Tese de doutoramento São Paulo PUCSP MARX Karl 1978 Sobre o Colonialismo Lisboa Editorial Estampa Vol I MONTEIRO Nilson 2008 Madeira de Lei Uma Crônica da vida e obra de Miguel Zattar Curitiba Edição do autor 328 MUÑOZ Sonia 2011 Salud y desarrollo en el contexto Latinoamericano in Revista Cubana de Salud Pública La Habana v 37 n 2 Disponível em httpwww scielosporgpdfrcspv37n2spu12211pdf ODWYER Eliane Cantarino 2008 Carteira Assinada Tradicionalismo do desespero In NEVES Delma P MORAES Maria Aparecida org Processos de Constituição e Reprodução do Campesinato no Brasil São Paulo UNESP PASSOS Renato Ferreira sd O Pinhão que eu Conheci Pinhão Edição do autor ROUANET Sérgio Paulo 1993 O Elogio do Incesto Ensaios São Paulo Companhia das Letras SALLES Jeferson de Oliveira 2004 A relação entre o poder estatal e as estratégias de formação de um grupo empresarial paranaense nas décadas de 19401950 o caso do grupo Lupion In OLIVEIRA R C org A Construção do Paraná Moderno Políticos e Política no Governo do Paraná de 1930 a 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Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 11 Refl exões sobre vida política e religião Maria Izabel da Silva 12 Faxinal dos Ribeiros Equipe da Escola Rural Municipal Norberto Serápio 13 Agenda João Oliverto de Campos 331 Capítulo 11 Refl exões sobre vida política e religião1 Maria Izabel da Silva Minha História de Vida E u Maria Izabel nascida em 26 de novembro de 1934 na cidade de Pinhão em uma pequena página da minha história vou contar No dia 27 de novembro2 encontrei um grande amigo de luta Frei Domingos tive uma surpresa pois tivemos um trabalho honesto e cheio de resultados e surpresas 1 Os textos a seguir foram fornecidos por D Maria Izabel para publicação neste livro O último deles é a conclusão da apostila do encontro Terra Bíblia e Ecologia realizado em Guarapuava entre 18 e 21 de novembro de 1996 e no qual D Maria Izabel é citada O título geral foi atribuído pela equipe do projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná 2 A autora se refere ao II Seminário Memória dos Povos do Campo no Paraná realizado em Faxinal dos Ribeiros PinhãoPR em 27 de novembro de 2012 MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 332 em Pinhão E com isso aprendi que muita das vezes não entendemos a vida não entendemos a necessidade de uma religião uma crença na vida de um líder para que tudo que fi zermos possa ser de uma forma inteligente E quando amamos a sabedoria caminhamos na estrada das horas fazendo do coração o relógio da vida Podemos sim ajudar as pessoas conforme suas necessidades Jesus nos deixou um exemplo a ser seguido ele foi o maior líder e na bíblia ele nos deixou vários exemplos de compaixão pelo próximo isso é dever de todo cristão Amaivos uns aos outros como eu vos amei João 1512 A Política e a Religião A política e a religião podem sim caminharem juntas com honestidade e respeito A política ela vem desde a antiguidade anos antes de Cristo A bíblia relata historias de reinados por exemplo Davi era rei de Israel José foi governador do Egito Com isso podemos ver que é possível sim a política andar junto com a religião no mundo onde nós vivemos tudo que fazemos é política Podemos ainda revolucionar a nossa política quando os irmãos pensarem juntos através da força cristã Acredito nas entidades na força do povo na igreja O que é política O que é Religião A política como forma de atividade está estreitamente ligada ao poder O poder político é o poder do homem sobre outro homem descartados outros exercícios de poder sobre a natureza ou os animais E a religião é muitas vezes usada como sinônimo de fé ou sistema de crença mas a religião difere da crença privada na medida em que tem um aspecto público assim estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais Acho tão engraçado ver pessoas cristãs dizendo que são contra política no meio cristão Talvez não leram algumas partes da bíblia e ainda não descobriram que os grandes homens de Deus foram líderes políticos Reis Juízes Governadores Servos de Deus que administraram reinos e estruturaram cidades Acredito que se todos os cristãos entendessem isso falariam menos e orariam mais pelas autoridades que serão escolhidas Ressalto aqui o conselho de Paulo Admoestote pois antes de tudo que se façam deprecações orações intercessões e ações de graças por todos os homens Pelos reis e por todos os que estão em eminência para que tenhamos uma vida quieta e sossegada em toda a piedade e honestidade Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador Timóteo 213 Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 333 O Sabor de Viver Acredito sim que a vida é bonita que a casa comida não há nada como um sonho para criar o futuro quanto maiores somos em humildade mais perto estamos dos sonhos se tornarem realidades A cada dia pode ser um grito de vitória na vida da gente passa tudo muito rápido temos que aproveitar cada momento isto é plantar colher e desfrutar das mais belas riquezas de Deus para nós A alegria de ouvir o cantar dos passarinhos é muito precioso cuidar de si mesmo isso nos mostra que para sermos felizes não existe idade Conclusão retirada da apostila do encontro Terra Bíblia e Cidadania realizado em Guarapuava entre 18 e 21 de novembro de 1996 A parte da manhã foi dedicada a fazer uma síntese do que já vimos dentro dos objetivos propostos A Palavra de Deus ilumina a partir da realidade Lc 24 1335 por isso primeiro vimos a realidade para depois fomos buscar a fundamentação bíblica para o nosso trabalho com a terra Sobre a questão política temos que olhar com mais cuidado para o nosso trabalho de base O revolucionário é aquele que sabe escutar a grama crescer Devemos saber descobrir onde está o povo o que está sentindo os sonhos e as utopias que o povo tem saber escutar a comunidade Por que com tantos assentamentos na região não conseguimos eleger trabalhadores semterra Sobre a compra de votos Isso haverá sempre É a prática dos grandes dos covardes e corruptos Não podemos justifi car que não temos dinheiro como eles Não podemos entrar neste jogo sujo Temos que apostar em outros recursos Temos propostas melhores temos militância pessoas É nisso que temos que apostar para vencer a prática dos grandes O medo O medo só tem quem não acredita em si e quem não acredita em Deus A fé sempre é um ato de coragem de esperança Quem tem fé espera O medo sempre vem da falta de fé Clareza do projeto político Temos que conhecer aprofundar discutir e conhecer melhor nossas propostas para podemos discutilas e passálas ao povo Mística É a ligação com o povo e com Deus alimentada pela espiritualidade Não basta a luta Temos que alimentála Mística e espiritualidade exigem tempo espaço prática Temos que ter momentos de oração de contemplação de leitura bíblica Foi o que fi zemos nestes dias vimos a realidade refl etimos sobre ela lemos a Bíblia partilhamos escutamos celebramos MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 334 Dª Maria Izabel nos deu um bonito testemunho Cada rosto do irmão que olhamos enriquece a gente Tem gente que olhamos e nos encantam enriquecem a gente Outras pessoas a gente olha e não querem nada conosco Luta da terra Terra é vida benção dom presente luta conquista Mãe Por isso a terra deve ser conquistada para ser repartida e partilhada e daí brotar a nova sociedade A terra é fonte geradora de vida Foram as mulheres que descobriram que a terra fazia germinar as sementes Enquanto os homens caçavam e pescavam as mulheres contemplavam o que acontecia com a natureza colocavam as sementes no chão e viam quando nasciam e cresciam fl oresciam e davam frutos Valores Éticos Para nós hoje é muito importante recuperar valores éticos na luta da terra e pela terra nos acampamentos nos assentamentos nas comunidades no trabalho político São valores éticos hoje fi delidade ser fi el ser corajosoa ter fi rmeza perseverança competência manifestar solidariedade porque tudo está interligado porque Deus é relação ligação é solidariedade respeito e ternura com a natureza Recebemos a visita fraterna do Pe Ari Marcos Coordenador Diocesano de Pastoral e do Bispo D Giovani a quem muito agradecemos 335 Capítulo 12 História de Faxinal dos Ribeiros1 Equipe da Escola Rural Municipal Norberto Serápio F axinal dos Ribeiros recebeu esse nome devido à chegada dos primeiros moradores sendo a família Ribeiros entre elas a Srª Silvana Ribeiro Era um sertão de mata fechada onde existiam onças e outros animais Construíram ranchos feitos de varas e cobertos com taquaras para morarem Mais tarde chegaram as famílias Nanguara em que a mãe Maria era uma escrava que havia sido liberta Também a família Prestes Mariano Borges Serilho e Silvério povoaram a região As pessoas que vinham para morar traziam nos cargueiros alimentos roupas camas e ferramentas Viajavam a cavalo e a pé A comunidade Antigamente em Faxinal dos Ribeiros ninguém dava importância para terras onde quisesse morar era só fazer uma casa e todos respeitavam então ali era chamada de frente um bom pedaço de terreno Existiam muitos pinheiros gigantes alguns eram derrubados para tirar os galhos e fazer lavoura o restante não era aproveitado Nesse tempo criavamse muitos porcos soltos pois havia frutas em grande quantidade principalmente pinhões Quando matavam os porcos eram enxugados os panos de toucinhos na fumaça depois colocados em cestos uma camada de toucinho e outra de palha até encher o cesto A carne era frita e enlatada junto com a banha 1 Este texto foi elaborado pela equipe de professores e funcionários da Escola Municipal Rural Norberto Serápio tendo participado de sua produção segundo informação fornecida pela escola as seguintes pessoas Odete Líber Neuza Mazur Sofi a Mazur Noeli Santos Alves Janete do Belém Siepmann Nilsa Apª F Oliveira Neuza Ferreira Antunes Claudemara Serápio Ferreira Pedro de Oliveira Terezinha França Ilsa Dutra Zélia de França Linei Nogueira da Silva Sirlei Domingues Neiva Liber Luci Maria da Silva Elizete de Fátima Ramos Neuza de Lima Deroni Kinceler Agradecemos a todos a possibilidade de publicálo neste livro MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 336 A alimentação era à base de quirera carne e feijão Arroz e açúcar apareciam somente quando uma pessoa fi cava doente e esses produtos eram comprados em Cruz Machado Compravase açúcar amarelo para mascar A farinha de milho era feita em monjolos e torrada em fornos O sabão também era feito em casa com uma sopa de cinza e água que chamavam de adequada e era misturada às gorduras As pessoas andavam sempre descalças alguns compravam o primeiro par de calçados aos dezoito anos Os pais tinham autoridade para com os fi lhos mesmo depois que estes se tornassem adultos As festas eram feitas em casas e igrejas a comida típica era café e broa de fubá e centeio Todos se divertiam e quase não existia violência Eram comuns bailes danças de São Gonçalo festas para homenagear santos e novenas realizadas em casas de famílias Nessas ocasiões eram convidados vizinhos parentes e compadres Os casamentos Os casamentos eram feitos em Cruz Machado mais tarde em Vila Nova ou Pinhão Os noivos iam a cavalo os quais eram enfeitados com laços e fl ores Muita gente os acompanhava até as igrejas ou cartórios Os casamentos sempre eram arranjados pelos pais Os noivos se conheciam na hora do casamento Existe uma história ocorrida em Faxinal dos Ribeiros Então o noivo chegou na casa da noiva e a futura sogra foi recebêlo E ele ansioso para saber qual era a sua noiva perguntou Você é a minha noiva E a velha respondeu Não é a minha fi lha Então conheceramse e casaramse Economia O transporte era feito somente a cavalo as pessoas tinham tropas de animais para transportar cargas No trabalho da agricultura plantavam milho feijão abóbora fumo mandioca centeio batatadoce e couve Plantavam pouco e colhiam somente para o sustento da família Plantavam por exemplo um prato de feijão e já era o sufi ciente pois não tinha comércio assim todos plantavam Meios de comunicação Não havia meios de comunicação mas quando o Sr Cipriano de Paulo Santos comprou um rádio todos os vizinhos iam até sua casa para ouvirem as Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 337 programações pernoitavam acordados escutando músicas pois era novidade para todos Saúde Na área da saúde podese dizer que não existiam médicos pela região muitas pessoas morreram por falta de atendimento somente havia alguns curandeiros como os Srs Pedro Nanguara e João Hilário que ensinavam remédios caseiros e óleos homeopáticos chamados de laxantes Esses curandeiros diziam ter um bom poder de cura através dos benzimentos Eram pessoas respeitadas pela comunidade Até diziam que Pedro Nanguara fazia profecias como a do gafanhoto de aço que iria passar no céu e matar muita gente Ele se referia ao avião Falava de tramas de fi os como teias de aranhas que trariam muitos males Hoje são os fi os de luz Comércio Com o passar dos tempos foi aumentando a população e surgiram as primeiras bodegas que eram de Nhô Tó João Gonçalves Abinel Nogueira e Norberto Serápio onde vendiam cereais tecidos para roupas ferramentas e bebidas Compravam das pessoas ervamate feita em furnas em troca de produtos Na época antiga não havia estradas somente picadas que ligavam Pinhão a Cruz Machado e a Guarapuava Escola A primeira escola que surgiu era particular o Sr Manoel Líber contratou o Prof Cipriano para dar aulas aos seus fi lhos Mais tarde a pedido da comunidade esse professor lecionou na antiga Igreja de Nossa Senhora A escola que até hoje permanece em Faxinal dos Ribeiros apesar de ampliada teve seu funcionamento inicial no barracão da Igreja São Sebastião onde trabalhou o Prof Aníbal Chico aproximadamente nos anos de 1940 a 1945 Venceslau Líber e Nhô Tó que eram pessoas interessadas pela educação fi zeram um pedido a alguns líderes de Guarapuava para que fosse construída uma escola Assim seria nomeado o Sr Cipriano de Paula Santos o professor da escola A escola foi construída e como Cipriano não era morador da região até que ele organizou para vir as Sras Olivia Rodrigues e Sebastiana Silvério Caldas deram início às aulas Essa escola recebeu o nome de Escola Isolada de Faxinalzinho MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 338 O prefeito ou o líder dessa época era o Sr Juvenal Machado e o Governador do Estado era Moisés Lupion O povo não estava satisfeito com as aulas pois queriam que Prof Cipriano ministrasse aulas Então Olívia morreu e o Sr Cipriano veio trabalhar três ou quatro anos e foi embora fi cando somente a Profª Sebastiana Depois de alguns anos Cipriano voltou a trabalhar onde havia de 30 a 40 alunos com idade entre 7 a 18 anos que vinham a cavalo até a escola pois moravam longe dali O professor mais uma vez deixou a escola e a Profª Sebastiana continuou trabalhando por alguns tempos Em seguida trabalhou durante uns meses a Profª Terezinha da Silveira Belo Elvira Vier da Silveira Dúlcia Enê Ferreira e Maria Kusner Oliveira que iniciaram no ano de 1966 trabalhando como professoras também passaram um curto espaço de tempo na escola o mesmo ocorreu com os professores Paulina Verbaneck Áureo Silvério Caldas Eugênio Alexandrino Alves Ernerstina Boeira Machado e Izaltino Rodrigues Bastos Em 1982 a professora Nilza Ferreira Antunes começou a trabalhar Por falta de reforma essa escola fi cou muito velha e foi construída outra de alvenaria já com o nome de Escola Rural Municipal Norberto Serápio Ferreira Isso aconteceu no ano de 1986 na época em que o Prefeito Municipal era o Sr Rubens Spengler A escola recebeu tal nome devido à construção ter sido feita onde morava o Sr Norberto Serápio Ferreira Então o seu fi lho Hilário Serápio doou o terreno e exigiu que a escola recebesse esse nome No ano de 1987 a Profª Neuza Mazur de Oliveira passou a ser professora dessa escola Em 1990 a Profª Dúlcia aposentouse por tempo de serviço como professora deixando de trabalhar nessa função Então a Profª Sofi a Mazur de Oliveira Camargo ocupou essa vaga iniciando o seu trabalho como professora Em 1996 a Profª Deroni Kinceler começou a trabalhar como professora na mesma escola As três últimas citadas continuaram trabalhando até 1998 Nesse ano de 1998 a Escola Norberto Serápio Ferreira foi nuclearizada reunindo nove escolas dando início a essas atividades no ano de 1999 Então hoje trabalham nessa escola uma diretora uma supervisora doze professores três serventes três estagiários um guardião e dois motoristas A escola realiza suas atividades em dois turnos manhã e tarde com dez 10 turmas de 1ª a 4ª séries Aos sábados professores do CEAD ministram aulas para jovens e adultos nos níveis de Ensino Fundamental 5ª a 8ª séries e Ensino médio A escola conta com um terreno de bom tamanho sendo dois prédios utilizados numa área de 27326 m² com cinco 5 salas de aula sala para Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 339 direção e supervisão uma 1 cozinha dois 2 banheiros e outras salas As escolas e os professores que integram o Núcleo Escolar Norberto Serápio Ferreira são Divino Espírito Santo Profª Zélia Olavo Bilac Profª Noeli e Janete Presidente Costa e Silva Profª Odete e Claudemara Taquaras Profª Ilza Davi Brolini Profª Terezinha Dorvalina Brolini Profª Neusa de Lima Professora Izaíra Profª Nilza e Neuza Antunes Castro Alves Profª Sirlei Caracterização da clientela A população da comunidade de Faxinal dos Ribeiros procede dos mais variados níveis socioeconômicos e culturas diversifi cadas A maioria da clientela não tem salário fi xo com uma pequena porcentagem de autônomos tendo também diversas profi ssões como agricultor extrativista vegetal carpinteiro pedreiro motorista diarista funcionário público bóia fria operador de motoserra Os funcionários públicos são professores serventes agentes de saúde e telefonistas A comunidade conta com um posto de saúde permanecendo diariamente um agente de saúde e recebendo a visita do médico Dr João Maria uma vez por semana e a cada quinze dias a visita de um dentista No mesmo prédio funciona um posto telefônico 7771195 As comunidades que fazem limite com Faxinal dos Ribeiros são além da Sede Faxinal dos Silvérios Santa Terezinha e Lageado Feio Moradores antigos Em Faxinal dos Ribeiros não residem somente pessoas nascidas na localidade mas também algumas que vieram de outros estados como Rio Grande do Sul e Santa Catarina bem como uma família vinda do Paraguai que terá sua história relatada a seguir Teófi lo Alves Cerenz veio do Paraguai com 8 anos de idade juntamente com seu pai sua irmã e um tio na época em que começou a guerra No caminho perderam sua mãe que estava grávida fi cando extraviada no mato Diz ele que viajaram a pé alguns meses fi cando vários dias escondidos em Clevelândia para depois chegarem aqui enfrentando perigos pois andavam pelo mato MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 340 Chegando aqui com muito sofrimento começaram a construir suas vidas Hoje ele está com 84 anos vive bem com sua família ao lado da esposa Ciniria com 75 anos de idade Tiveram 12 fi lhos Teófi lo ainda trabalha na roça e luta com a criação de gado porco cabrito cavalo e carneiro O casal Teófi lo e Cinira faz farinha de milho no monjolo torrado em forno Eles moem milho para fazer quirera em jorna e ainda utilizam o cargueiro de cesto e bruaca para transportar milho feijão arroz e outros produtos da roça para o paiol ou para a casa onde moram Eles conservam ainda alguns objetos antigos como gamelas para lavar os pés e outra para farinha Utilizam a sururuca para passar farinha e ainda tem o ferro para cortar arroz e trigo limpam as plantações a enxada Maria Trindade de Oliveira Tibes veio de Santa Catarina com 32 anos juntamente com o esposo e dois fi lhos Vieram até Palmas de ônibus e de lá até aqui vieram a cavalo trazendo a mudança em cargueiros Ela diz que não se acostumava com as pessoas estranhas pois deixou seus parentes em Santa Catarina Não tinha o hábito de guardar dias santos não sabia tomar chimarrão tinha difi culdades na comunicação A cada seis meses voltava a Santa Catarina para visitar os parentes Fazia todos os trabalhos domésticos e ainda fazia tricô crochê costuras brolha crivo farinha torrada em forno Seu esposo Domingos trabalhava na roça fabricava cestos de taquara serrava tábuas com serra a mão Certa época fi cou viúva com seus dois fi lhos e hoje mora com a família uma fi lha o genro e dois netos Ela faz comida e ainda pratica as mesmas atividades do passado Tem boas amizades e vive bem hoje com 71 anos Os sobrenomes existentes em Faxinal dos Ribeiros Ribeiros Ferreira Oliveira Prestes Gonçalves Dutra Kinceler Serápio Alexandrino Líber Antunes Domingues Alves Mazur França Ovitski Silvério Dias Marçal Siepmann Nunes Borges Santos Silva Macedo Nascimento Galinski Iarochinski Caldas Tibes Cerenz Bastos Cardozo Ramos Correa Camargo Machado Lima Rodrigues Nogueira Moraes Mendes Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 341 A comunidade de hoje O clima da comunidade é subtropical úmido tendo uma vegetação com pouca mata principalmente poucos pinheiros com um relevo um pouco ondulado A agricultura é mecanizada com plantação de milho e feijão Também estão sendo desenvolvidas a apicultura e criação de alevinos Ainda existem criadores de gado e outros animais As estradas são cascalhadas tendo uma linha de ônibus que vem do Pinhalzinho passando por Ribeiros isso auxilia no transporte dos moradores da localidade até a Sede do Município O comércio é feito através de venda de palanques carvão xaxim erva mate lenha e alguns produtos agrícolas Ainda existem pequenos armazéns e bares onde as pessoas fazem compras de alimentos e bebidas Os meios de transporte mais utilizados são carro cavalo e bicicleta Os meios de comunicação são telefone rádio televisão As comidas típicas em festas de igrejas casamentos e aniversários são bolos carne assada salada maionese As pessoas usam roupas simples alguns acompanham a moda e as mulheres idosas usam vestidos bem compridos Política Em nossa comunidade foi eleito o primeiro vereador o Sr Domingos Silvério dos Santos com uma votação de 501 votos no mandato de 1993 e 1996 Na próxima disputa eleitoral foram eleitos vereadores o morador Manoel Neri Líber com 621 votos e Amilton José da Silva com 160 votos tendo seus mandatos de 1997 a 2000 No ano de 2000 foi eleito o Sr Sebastião Rodrigues Bastos E no ano de 2004 foi reeleito pela 2ª vez MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 342 Famílias descendentes que vieram de outros países e estados Família PaísEstado de Origem Quem veio Siepmann Alemanha Erick e Ville Lube Europa Maria Cerenz Paraguai Teófi lo Nanguara África Maria escrava Dutra Rio Grande do Sul José e Flaubiana Líber Santa Catarina Manoel e Maria Tibes Santa Catarina Maria Trindade Meira Santa Catarina Valdovino França Santa Catarina Francisco Santos Rio Grande do Sul Pedro Neri Guaraniaçu município Saturnina Silveira Indígena Laura POEMA Faxinal terra amada Da família Ribeiro foi morada Os mais antigos moradores Corajosos desbravadores Faxinais matas ou sertão Um pedaçinho do Pinhão Que aceita todos com carinho Não importa a nação Faxinal dos Ribeiros Tudo que se planta dá É um solo abençoado Que precisa ser preservado Ervamate e pinhão Da madeira à construção Somos orgulhosos Por sermos fi lhos do Pinhão Autora Profª Noeli Aparecida Santos Alves 22032000 Parte IV Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 343 Uma história engraçada da dança de São Gonçalo O povo da comunidade de Faxinal dos Ribeiros sempre foi muito religioso e devoto dos santos Como era de costume realizavam a Dança de São Gonçalo Em uma determinada noite quando as pessoas rezavam e dançavam com muito louvor os donos da casa resolveram fazer um churrasco apetitoso para os visitantes se alimentarem E as pessoas como já estavam com muita fome iam até o local onde o churrasco estado sendo feito serviamse de carne e voltavam para a dança Foi assim que o São Gonçalo fi cou meio gorduroso e com cheiro de churrasco pois os devotos beijavam e pegavam no santo com as mãos e a boca impregnadas do gosto da carne Certa altura alguém beijou o santo com muito fervor que a imagem caiu no chão e para a surpresa e correria de todos havia vários cachorros participando da festa que prontamente ao sentirem o cheiro de carne no santo abocanharam o coitadinho e saíram em disparada para fora do salão formando imediatamente um alvoroço Nesse momento os cães disputavam ardentemente o santo que voava de boca em boca Depois de muita luta os devotos conseguiram reaver o São Gonçalo que voltou todo molhado de saliva dos cachorros fazendo desaparecer totalmente o gosto de churrasco Os convidados acalmaramse e continuaram com a devoção até o raiar do dia Documento anexado I2 Bom Retiro 111158 Estimada amiga e colega D Sebastiana Saudações Que a paz do Senhor esteja sôbre êsse lar é o que desejo Nós vamos bons graças a Deus Pela presente venho avisála que o meu casamento foi marcado para realisarse dia 27 de dezembro e a espero assim como todos da família O ato religioso realizarseá na Vila Nova e o relig civil e hospedagem em casa do Sr Joaquim Afonso casase também nesse dia 2 fi lhas do mesmo uma com o meu mano Solicitolhe o obséquio de convidar D Angelina e Exma família desejava visitar os tios e chegava até ai mais estou 2 Há um documento anterior mas ilegível MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ CENTROSUL 344 apuradíssima com provas exames e meu enxoval que ainda não está pronto A senhora queira desculpar os borrões e letra péssima e com saudade despedese a colega que a estima Sebastiana Lumi Documento anexado II 6 de julho de 1966 Ilmo Snr Antonio R Carda otorizo V S para Policial um baile do Snr Sebastião Lechandrino sendade um Puxirão pesso Dezarmar E coregir bem a fi m de core bem o baile Pesso V S atender por minha ordem desde este momento fi co obrigado de sua boa ordem Sem mais Atenciozamente Saudação Joaquim Ferreira Nunes Inspetor Policial em Faxinal dos Ribeiros 345 Capítulo 13 AGENDA João Oliverto de Campos João Oliverto de Campos com 86 anos de idade morador no Poço Grande Bom Retiro Pinhão pr nacido em Guarapuava pr Rezido no Pinhão hoje comarca Rezido a 80 anos Naci em 6 de Maio 1926 Guarapuava pr Vim para o Pinhão 4 de Maio 1932 com 6 anos de idade Filio de Francisco Asiss de Campos e Graciolina Alves de Campos 346 Uma Genda de Anotações Diversas João Oliverto de Campos 2004 A RENÚNCIA Jânio Quadros foi o presidente que eleito pelo voto popular menos tempo governou na chamada República Nova de 1930 em diante Sua renúncia em 25 de agosto de 1961 com menos de oito meses de governo surpreendeu a Nação A data foi escolhida pela proximidade com o suicídio de Getúlio Vargas sete anos antes Jânio tinha uma personalidade política controvertida Era personalista e autoritário desprezando os partidos Não conseguiu ao contrário de Vargas ter o apoio da classe trabalhadora O gesto político da renúncia foi feito para obter mais poder pois apostou que seus ministros e o Congresso Nacional não a aceitariam Não foi o que aconteceu e seu vice João Goulart mesmo enfrentando resistências dos setores mais conservadores o substituiu A renúncia de Jânio foi um tiro pela culatra Chico Alencar Autor de Educar na Esperança VOZES SUICÍDIO HISTÓRICO Getúlio Vargas que voltara à presidência em 1951 nos braços do povo como prometera governava preocupado com o que considerava soberania nacional e interesses do povo trabalhador Para tanto tinha criado a Petrobrás em 1953 e em maio de 1954 decretara um aumento de 100 no salário mínimo As pressões de setores conservadores por isso mesmo cresceram bastante com acusações de corrupção o mar de lama sob o Palácio do Catete antiga sede do governo Acuado até pelos chefes militares Getúlio respondeu de forma dramática e defi nitiva provocando imensa comoção popular suicidouse com um tiro em seus aposentos Deixou um documento político a Carta Testamento em que acusava grupos nacionais e internacionais de não quererem que o trabalhador seja livre nem que o povo seja independente Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES Existem amizades abençoadas por Deus com certeza a nossa ligação é divina por ser tão especial e sincera Conte comigo hoje e sempre Com saudades Sandra Dellê Pinhão 04072008 Sr João Oliverto Ofereçolhe este livro para que o senhor registre fatos e relatos importantes que só o senhor sabe e lembra porque sua vida é uma enciclopédia um inventário de objetos e deve ser preservado e visto por outras pessoas Da professora Sandra Mara Dellê Poço Grande 5 de junho de 2004 Multiplicidade Cada identidade uma constelação Quem somos nós quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências de informações de leituras de imaginações Cada vida é uma enciclopédia uma biblioteca um inventário de objetos uma amostragem de estilos onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis Ítalo Calvino Refl exões sobre a educação no próximo milênio 347 Ésta Genda prezente da professora de portugues Dna Sandra Mara Delle 5 de junho de 2004 Sábado A NOVA CAPITAL Concebida pela arte dos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e erguida com o suor dos operários chamados de candangos Brasília tornouse capital em 21 de abril de 1960 sucedendo Salvador e Rio de Janeiro nesta função Inaugurada no governo do presidente Juscelino Kubitschek ela era um símbolo da modernização do país e da realização de uma proposta já feita por José Bonifácio no início do século XIX a transferência da capital para o interior do país Estocadores de terrenos no Planalto Central e empresas que investiram na região obtiveram grandes lucros e houve também muitas denúncias de corrupção na realização de grandes obras imobiliárias Mas o novo Distrito Federal sem dúvida tornou se um pólo de crescimento econômico e de ocupação humana no CentroOeste do Brasil Chico Alencar autor de Educar na Esperança em tempos de desencanto VOZES O REI DO CANGAÇO Durante vinte anos de 1918 a 1938 um bando liderado pelo autointitulado capitão Virgulino Ferreira da Silva o Lampião agitou o Nordeste Os cangaceiros tentaram fazer justiça com as próprias mãos naquele Brasil rural Lampião chegou a liderar cem pessoas entre elas várias mulheres Exigia dinheiro comida e às vezes proteção dos fazendeiros que estimulavam seus jagunços a perseguirem o cangaço Lampião gostava de distribuir bens para os pobres das cidades do sertão Apesar de agir com muita violência e crueldade esse aspecto de justiceiro fi cou Até hoje especialmente no Nordeste as opiniões se dividem uns o vêem como um líder que lutou contra as injustiças outros como um bandido que apenas semeou maldades para vingar a morte do pai Chico Alencar Autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES A COLUNA PRESTES Tudo começou há 80 anos em 5 de julho de 1924 Repetindo a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana ocorrida dois anos antes jovens ofi ciais do Exército se rebelaram em São Paulo condenando os governos das oligarquias e exigindo reformas políticas com a convocação de uma Assembléia Constituinte No ano seguinte os rebeldes juntaramse a outros revoltosos que vinham do Sul Sob o comando do General Miguel Costa e do Capitão Luiz Carlos Prestes denominado O Cavaleiro da Esperança eles percorreram cerca de 24 mil km durante quase dois anos sem perder nenhum dos 53 combates travados contra as forças governamentais e os jagunços dos coronéis Com o fi m do governo de Artur Bernardes e o crescimento dos desentendimentos entre seus líderes a Coluna Invicta se dispersou Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES DIREITOS MAIS HUMANOS Em 1948 após a devastação da 2ª Grande Guerra os chefes das nações pareceram tomar juízo assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos Seus 30 artigos constituem uma espécie de estatuto da Humanidade ao afi rmar o que é fundamental para que um ser humano tenha sua dignidade respeitada e com isso seja possibilitado como pessoa Passados 56 anos do lançamento da Carta Magna da ONU entretanto muito do que ali está escrito não saiu do papel Continua a existir exploração dominação discriminação e desigualdade A humanidade já produz todo dia alimento sufi ciente para se alimentar e no entanto milhões vão dormir com fome Não basta conhecer os Direitos Humanos é necessária muita ação na medida de nossas forças para que eles se tornem mais do que mera declaração Chico Alencar autor de Educar na esperança em tempos de desencanto VOZES 348 ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DE GUADALUPE Perfeita sempre Virgem Santa Maria Mãe do verdadeiro Deus por quem se vive A vós que na verdade sois nossa piedosa Mãe vos procuramos e rogamos Escutai com piedade nosso pranto nossas tristezas Curai nossas penas nossas misérias e dores Vós que sois nossa doce e amantíssima Mãe acolheinos sob vosso manto e na cruz de vossos braços Que não nos afl ija nem perturbe nosso coração coisa nenhuma Mostrainos e manifestainos a vosso amantíssimo Filho para que com Ele e nele encontremos nossa salvação e a salvação do mundo Santíssima virgem Maria de Guadalupe faznos teus mensageiros mensageiros da palavra e da vontade de Deus Amém Seleção de Geralcino Marques AraçatubaSP TEMPO DE DECOMPOSIÇÃO Jornais 2 a 6 semanas Embalagens de Papel 1 a 4 meses Casca de Frutas 3 meses Guardanapos 3 meses Pontas de Cigarro 2 anos Fósforo 2 anos Chicletes 2 anos Náilon 30 a 40 anos Latas de Alumínio 100 a 500 anos Tampas de Garrafa 100 a 500 anos Pilhas 100 a 500 anos Sacos e Copos Plásticos 200 a 450 anos Garrafas e Frascos de VidroPlástico Tempo indeterminado A vida oferece coisas boas de forma tão simples que as pessoas nem se dão conta que as possuem CEEBJA PINHÃO PR Profª Sandra Março 2004 Mais importante que desejar um futuro melhor é a consciência de que estamos ajudando a construílo Carinhosamente Sandra Primeira anotação João Oliverto de Campos Naceu em Combrão Guarapuava est paraná dia 6 de maio de 1926 Seu pai Francisco Assis de Campos de origem Paraguai Sua mãe Graciolina Alves de Campos origem alemã vieram morar no pinhão aquele tempo destrito de Guarapuava vieram morar na Campina do Balaio Bom Retiro poço Grande dia 4 de maio de 1932 seu fi lio unico João Oliverto de Campos comessou a estudar nua escóla particular pagado por seus pai cinco mil Reis por meis comessado A estudar no dia 2 de janeiro de 1939 Não tinha feriado era de Segunda a Sábado ate o meio dia um Sábado ate o meio dia era aula de Religião outro sábado ate o meio dia era aula de dezenho de Segunda a Sexta das 7 hs da manhã ate as 16 hs da tarde as 12 hs nos fazia um lanche que nóss levava da caza as 13 hs retornava a estudar o nosso professor José pedro Jesuíno foi trazido por Juvenal de Assis Machado Machadinho mais tarde prefeito de Guarapuava ele trouce o professor para dar aula dos fi lios dele Valdomiro a Begacir a alair e Vanir ele feis um cenço no lugar foi 62 criança estudar onde tinha moça e Rapais e tudo aprendeu omenos um pouco Terminou nossa Escola dia 31 de dezembro de 1940 Estudemos 2 anos por certo eu aprendi ler escrever e contar E daí voltei a estudar de novamente em 10 de março de 2000 mil professora de ciência Édina dos Rei professora de matemática Eliza professora de geografi a Luciane o ultimo dia de Aula 24 de novembro 349 2000 eu estava com 74 Anos Escola pelo CAD Qundo dia 28 de fevereiro de 2004 comessamos A Estudar de novamente no barracão da capela de poço Grande pinhão plo CEEBJA professora de portugues Sandra Mara Delle eu já com 78 Anos 10 de junho de 2004 João oliverto de Campos Poço Grande pinhão pr aula 1 Sábado por semana ANOTAÇAÕES não munto satisfatoria Eu João oliverto de Campos me cazei com Dna Rozilma jezus de Campos no dia 29 de junho 1957 Tivemos 2 fi lias e 1 fi lio que naceu morto Dna rozilma munto doentia e 1985 sofreu uma grave sirugia mais foi feliz e daí sofreu cance de pele feis 31 viagens a Curitiba hospital HERASTO GUEDES e a Guarapuava e pinhão estando bem boa ainda sofreu uma sirurgia no abedome mas grassas a Deus tudo foi bem quando chegou o meis de junho de 2004 ai que veio o pior deu uma doença chamada penfígo e chamada fogo servaje foi ligado para afi lia ABEGACIR e no dia 27 de junho 2004 domingo dia 28 de junho eu vizitei êla ela para na caza da Abegacir e na caza da Delair fi lia Também juntas as fi lias genros netas e biznetas e voltei dia 30 de julho de 2004 Hoje fais um meis e meio que estou sozinho até quando não sei 11082004 João oliverto de Campos Em dia 3 de setembro 2004 sexsta feira fomos com o compadre Nerci e eu João oliverto buscar na rodoviária de pinhão pr a minha espoza Dna Rozilma e a abegacir que fi cou com noss 8 dias foi dia 1009 sexsta feira de novo e é para vir a delair dia 1009 volta dia 179 o cauzo de minha espoza é grave só por deus como Deus ê Deus pode ser rezorvido peço a Deus Ajuda eu vencer fi cou 67 dias fora de caza e vai ter que voltar Eu João oliverto de Campos para mim o poço Grande ê poço negro a tempo não poço ir num divertimento festas e outros divirtimentos que tudo o povo vai eu não poço ir nem no vizinho eu sou o cazeiro de todo o tempo e eu não sei se um dia vai raiar um novo sol na minha vida vai certo ponto que agente dezacorssoa todo o mundo do lugar participam todos os domingos festa Sarau cazamentos Rodeio na política não perdem comissio Agóra eu esto Ezolado do Mundo só trabalhar criar as coisas fazer o bem para os outros ser feliz e e isso nada mais Agora vem o pior Dona Rozilma Jesus de Campos veio a falecer na caza da ABegacir e do Jorge em Guarapuava dia 28 de outubro de 2004 sexsta feira 11 hs da noite ou seja 23 hs deixando viuvo Sr João oliverto de Campos e 2 fi lias Delair e Abegacir e 4 netas Rozidete e Noíza e Ellem e Tumara e 2 bisnetas Gesica e Bruna a funerária de Guarapuava trouce ate a capela de poço Grande foi velado na capela mais foi importante a quantia de gente compadres comadres afi liadas afi liados No total êla deixou 194 afi liadas uns 35 já eram mortos 159 vivos Dna Rozilma fi lia de Domingo Ramos 350 de Morais e Dna francelina Maria de Morais todos de saudóza memoria cazouce com João oliverto de Campos 2661957 vivemos 47 anos e 4 meis daí ela foi e eu fi quei João oliverto de Campos fi lio de franscisco Assis de Campos e Dna Graciolina alves de Campos Dna Rozilma foi sepultada as 17 hs do dia 29 de outubro 2004 sexsta feira cemiterio de poço Grande pinhão pr junto a capela de Francisco Assis Campos e Dna Graciolina Alves de Campos Motivo da doença que cauzou a morte de Dna Rozilma foi o cancer que cuidou dela no hospital Sta Tereza foi o Dr Federico e Dr Cloves e dr Federico neto e Dra Renata fi zeram todo o que podia ser feito nada adianta Dna Rozilma ainda votou nas eleição de 3 de outubro 2004 agôra só fi cou a saudade de minha querida espoza que munto me ajudou na vida ela era apozentada eu e Dna Rozilma fi zemos bodas de prata 25 anos de cazados Cazemos de novo 2961982 celembrante frei Domingo delmane e Dna Rozilma feis a ultima confi ção e comunhão na capela de poço Grande 5 de setembro 2004 e se reconciliou com a comadre Marilene de paula se perdoaram de uma malquerencia de 7 anos se perdoaram em 1192004 assino João oliverto de Campos 1112004 amem O ano de 2004 Neste ano faleceu 5 pessoas da nossa comunidade alguns já não moravam mais aqui no passado eram daqui em dia 1 de março 2004 faleceu comadre Maria de lima Morais velado na capela poço grande morava na comunidade de poço grande em dia 12 de março 2004 faleceu no pinhão comadre Maria cochusk no passado morava em poço grande em dia 2 de maio de 2004 faleceu em Guarapuava comadre Ana Kresk Correia moradora da qui de poço grande pinhão em 25 de junho de 2004 faleceu em Guarapuava Antonio Mendes de campo no passado morava em poço grande ai agora morava no pinhão em dia 28 de outubro de 2004 faleceu Dna Rozilma Jesus de campos faleceu em Guarapuava na caza da fi lia veio ser velada na capela de poço Grande em sua propriedade seputouce no cemitério de poço grande dia 29 de outubro de 2004 Deixou viuvo Sr João oliverto de Campos DONA ROZILMA FALECEU DIA de são Judas Tadeu 20102004 Dia 28 de novembro 2004 1º domingo do Advento foi celembrado a santa missa do primeiro meis de falecimento de Dna Rozilma Jezus de campos capela de S Sebastião e Sto Antonio de poço grande pinhão pr capela que ela ajudou fundar também teve 1ª comunhão de 8 criança 6 menina e 2 pia celembrante padre Jair Rocha assino João oliverto de Campos 2811 2004 351 Nosso Pais Claito dos Santos Silvio Moraes Vanilda Matias Santos Maria de Lima Moraes in memorian in memorian Janete e Edenilson Convidam para a cerimônia religiosa de casamento a realizarse no dia 22 de Janeiro de 2005 às 1000 horas na Igreja Matriz Divino Espírito Santo A enorme alegria desta data será ainda maior com sua presença A luz verdadeira aquela que ilmunina todo o Homem estava chegando ao mundo ESTE ANO 2004 LEVOU minha espoza Dna Rozilma NATAL DO SENHOR solenidade br três missas prs Gl Cr Pfs do N Leituras Noite Is 9 16Sl 95Tt 21114Lc 2114 Aurora 1s 621112Sl 96Tt 347Lc 21520 Dia Is 52710Sl 97Hb 116Jo 1118 Santos Mártires de Nicomédia Jacó de TódiAnastácia Fiquei eu viuvo João Oliverto de Campos 2004 DEZ SAB 360 6 Feriado Nacional Resta a saudade para mim não tem Natal Tudo já terminou 25 FOI ESTALADO AGUA na caza por motor no dia 29 e 30 de dezembro de 2004 por sio Olivair sio Liva motorista da lotação das crianças ajudante Hemerson da crus e João oliverto de campos dono da propriedade sitio S Sebastião consagrado ao SC de Jesus em 4 de agosto do ano 2000 a água vem da gruta Nª Sª da penha e Nª Sª de fatima poço grande 301204 pinhão pr Para João Oliverto de Campos AME A inteligência sem amor te faz perverso A justiça sem amor te faz implacável A diplomacia sem amor te faz hipócrita O êxito sem amor te faz arrogante A riqueza sem amor te faz avaro A docilidade sem amor te faz servil A pobreza sem amor te faz orgulhoso A beleza sem amor te faz ridículo A autoridade sem amor te faz tirano O trabalho sem amor te faz escravo A simplicidade sem amor te faz introvertido A lei sem amor te escraviza A política sem amor te deixa egoísta A fé sem amor te deixa fanático A cruz sem amor se converte em tortura A vida sem amor não tem sentido Seleção de Lucília Barenco PetrópolisRJ ESTE AFILIADO EDENILSON Morais que se cazouce com a Janete dos Santos este rapais morou com noss 2 anos 1999 e o ano 2000 cazouce dia 22 de janeiro de 2005 eu fui com o meu fusca motorista o Joze Nerci e Dna Dulcia foi também e o Lucas e a Delair que veio de Guarapuava do pinhão pra cá veio com nóss e Neruza veio com Dna Ana Xusk assistimos o 352 cazamento na matris e no cartório e viemos adiante na recepessão almoço e viemos adiante para abrir o barracão da capela de poço Grande para o conjunto Lobo Bravo estalar os aparelhos de som o baile comessou as 16 hs e foi ate as 2 da madrugada munto povo mas não teve nem uma alteração tudo correu bem mais pra mim não prestou a festa por mas boa que estava motivo eu estar de luto de 90 dias que minha espoza ter falecido em 28102004 Ela também era madrinha do Edenilson e ela na vida queria munto bem e o Edenilson e pra mim tudo a alegria foi água a baixo assino João oliverto de Campos 23012005 O afi liado Jozé Antonio de Morais e Lucimar da Crus Morais ela sobrinha por parte da falecida minha espoza Dna Rozilma Eles vieram morar na nossa cozinha antiga em 4 de fevereiro do ano de 2005 sexsta feira João oliverto de Campos E pararam apenas só 15 dias motivo que ele foi despachado do serviço que trabalhava mudouce dia 19022005 la pro Luiz Belem Retornou nossa escola do CEEBJA dia 19 de fevereiro de 2005 Sábado no barracão da capela de poço grande prof Nelson de matemática deu só uma aula 1º sábado e daí 2º e 3º sábado foi a professora de INGLES Rozangila Amaral de Guarapuava ela irmã do famozo Gilson Amaral Tudo fi cou na saudade Tantos rapais e pia que trabalharam com migo no passado compadre Jorge 1 Morais cunhado em solteiro morou 5 anos com noss compadre João 2 morais cunhado em solteiro trabalhou com migo Jozé 3 Ramos de Morais trabalhou e morou com noss 4 Jozé Nerci morou 13 anos com nos e trabalhou para noss ele cazado Leandro lima 5 morou com nos 1 ano trabalhou Nelson Joze 6 de Morais afi liado e sobrinho de Dna Rozilma morou 3 anos e trabalhou para nos Celson 7 luís de paula afi liado em 2 vezes solteiro morou 2 anos e 6 meis cazado morou 2 anos e 1 mes e hoje compadre 3 vezes e daí as ermã dele Carlos 8 Joze 9 Pedro 10 e o compadre Bento 11 Narcizo de paula pai desses rapais trabalhou munto para noss e daí o Dirceu Joze 12 dos santos morou no total 8 anos trabalhou com noss e o compadre João Rodrigues Sobrinho trabalhou com a família no meu terreno de cultura por 12 anos nos juntos 13 trabalhou pra mim e o Airton 14 fi lio dele e o Nerci 15 fi lio dele e daí o Adenilson 16 de Lara morou 17 meis com noss trabalhou e o Adenir da costa meu afi liado trabalhou pra mim 17 E daí o Edenilson 18 Morais afi liado que morou com noss 2 anos 1999 e 2000 mil E trabalhou munto com migo João oliverto de Campos e outros antes Jorge de Nha Balbina 19 e o Sebastiazinho Sutaco 20 pessoas esses foram mais antes depois do compadre Jorge e o compadre João e o Meu Sogro Domingos Ramos de Morais e a Sogra Dna francelina Maria de 353 Morais moraram 5 anos com noss de 1979 a 1984 já são falecidos eram pai da Minha Mulher Dna Rozilma já falecida Ficou gravado na minha genda e na minha memória João oliverto de Campos Anotação triste eu João oliverto de Campos com tristeza eu faço esta anotação O meu querido compadre e parente João Rodrigues Sobrinho faleceu no hospital São Vicente em Guarapuava dia 18 de abril de 2005 viuvo de Doraci penteado Rodrigues ele deixou fi lios e netos fi lio Maria AIRTO Nerci netos Alan ELLEN ana eduarda e um do Nerci não sei o nome João Rodrigues naceu aqui em poço Grande em 1945 e estudou aqui mezmo 4ª serie cazouce com Doraci 12021968 ele ajudou construir a igreja de madeira aqui em poço Grande em 1976 Doraci e a fi lia Maria trabalharam na igreja dezde 1976 até 1987 daí eles mudaram para a cidade do pinhão Mais antes deles mudaram o compadre João e a comadre Doraci e os fi lios trabalharam em meu terreno de cultura 12 anos enfrentemos a vida junto eramos compadres padrinho do AIRTON 3 vezes e padrinho dos fi lios do Airton compadre Airton comadre Doraci faleceu em 30111998 Minha velha Dna Rozilma faleceu em 28102004 e o compadre João faleceu dia 18 de Abril 2005 Bem o dia que foi eleito o novo papa Bento XVI eleito dia 18 de Abril de 2005 Que o papa anterior João paulo II que faleceu dia 2 de abril de 2005 tudo esta mudando em nossos dias 2304 SÃO JORGE No fi nal da Idade Média a historia de São Jorge era muito conhecida em toda Europa conforme relata uma Legenda do Beato Tiago de Voragine Mas há muitos escritos sobre o santo principalmente em relação a sua batalha com um dragão que aterrorizava a província da Líbia Com sua vitória sobre o dragão mais de 15 mil homens se fi zeram batizar sem contar as mulher e as crianças Mas há uma série de motivos para se acreditar que São Jorge foi um verdadeiro mártir e que realmente sofreu a morte em Dióspolis na Palestina provavelmente em época anterior ao Imperador Constantino Durante os séculos XVII e XVIII sua festa era dia santo de guarda para a Igreja Católica e o Papa Bento XIV reconheceuo como padroeiro do Reino da Inglaterra Frei Marcos Antônio de Andrade OFM AgudosSP RECORDES METEOROLÓGICOS Chuva Os recordes de precipitações índice pluviométrico de 5700mm em 10 dias Ciclone tropical Hyacinthe 3200mm em 3 dias Ciclone tropical Hyacinthe 1800mm em 1 dia Ciclone tropical Denize e 1100mm em 12 horas Ciclone tropical Denize Granizo O maior granizo do mundo com uma massa de 102kg caiu em 1986 em Bangladesh na Índia A saraiva provocou a morte de 92 pessoas Tufão em 1992 o tufão Andrew ao tocar a Flórida e a Lousiana causou um prejuízo de 25 milhões de dólares em 1970 o tufão de Bangladesh causou a maior taxa de mortalidade pelo menos 300000 pessoas foram submersas por ondas gigantescas em 1899 o tufão da Baia de Bathurst causou ondas de 13 metros de altura Ronaldo Rogério de Freitas Mourão Autor de Da Terra às Galáxias VOZES 354 O ultimo dia que o compadre João Rodrigues Sobrinho ESTEVE aqui em minha caza foi no baile do cazamento de Edenilzon 22 de janeiro de 2005 dali 2 dias ja foi para o hospital Sta crus e por ai terminou O tumulo de Dna Rozilma foi feito dia 18 de abril de 2005 que fi zemos foi eu João oliverto de Campos e Deoraldo de Jezus Sobrinho Bem o dia que foi eleito o novo papa Bento XVI e bem o dia que faleceu João Rodrigues Sobrinho tumulo de pre montado fi cou otimo Nota de falecimento Faleceu em pinhão pr Dna Maria Mendes Correia dia 13 de Maio de 2005 10 HS sexsta feira ela fi lia de Lucidorio Correia e Etervina Maria Jurdina de Saudoza Memória ela naceu aqui em poço Grande e criouce aqui e cazouce com Joze pedro Sobrinho em 1946 ele já falecido 140472 ela fi cou viuva 32 anos Silás Dinivar Denilda Tereza João Maria já falecido a 30 anos e Sebastiao e Deoraldo e Delair em 2001 ela foi pro pinhão onde ela tinha caza motivo doença para fazer tratamento ela foi velada na capela mortuaria veio ser sepultada no cemiterio de poço grande junto seu espozo Comadre Maria conhecida por Dna Marica criou um fi lio adotivo Joze Nerci Mendes ela deixou netos e bisnetos faleceu com 82 anos de idade era uma pessoa munto querida na comunidade ela também criou um sobrinho e afi liado e feis cazar Antonio Mendes de Campos já falecido ela sepultouce dia 14 de Maio de 2005 11 HS assino João oliverto de campos O tempo passa e a lembrança fi ca e em cêrtas pessoas não eziste lembranças por mais que diga eu quêro bem mais é amor falço e só quando perciza que tem amor passou dali você não eziste na minha memória O querido afi liado que eu queria bem de mais engano meu em meis de maio de 2005 ele mudouce para Curitiba com a mulher e nem se quer me avizou sendo que morou com noss no tempo que minha espoza ERA viva 1999 e 2000 todo quem sabe se um dia ele alembrará Deus que ajude o ultimo dia que ele pozou aqui em caza foi 2 para 3 de setembro de 2004 e foi com migo ate o pinhão que fomos de fusca buscar a minha velha Dna Rozilma Do dia de semana br missa pr Pf da Ascensão Ou Nossa Senhora de Fátima Leituras At 2513b2 Sl 102 Jo 2115 19 Santos Nossa Senhora de Fátima Júlia Billiart Glicéria Neste dia Dia da Fraternidade Brasileira dia da Abolição da Escravatura dia do Automóvel dia da Estrada de Rodagem e dia do Zootecnista faleceu Dna Pela terceira vez Jesus perguntou Simão fi lho de João tu me amas Jo 2117ª Maria Mendes Correia O irmão é um amigo dado pela natureza G M Legouvé Dna Marica 2005 MAI SEX 133232 7ª Semana da Páscoa Nha Marica Lua Nova 13 355 e a Begacir na rodoviária do pinhão motorista meu Jozé Nerci Mendes dono do fusca eu João oliverto de Campos CEEBJA Nosso professor de ciencia professor Claudio ultima aula foi dia 21 de Maio 2005 Sábado assino aluno João oliverto de Campos Fizemos ingleis com a professora Sandra de junho a agosto de 2005 Uma histôria do morro da crus Contada pelos 5 Homens Antigos que contavam pro meu pai e eles proziando e eu anotando no caderno Contado por 1 Jeronimo Leonardo de Ramos fazendeiro Contado por 2 Diulindro Elauterio de Ramos fazendeiro Contado por 3 pedro Cavalheiro de lima fazendeiro Contado por 4 antonio Benizio de Ramos lavrador Contado por 5 Manoel fagundes lavrador Diziam eles Que no ano de 1894 nas 3 lagoas abaixo do morro a beira da estrada tropeira na logoa do meio foi encontrado um dragão igual a quele que São Jorge esta lanceando só que o dragão estava morto os homem que voltiavam a mata o acharam o fenômeno e se assustaram munto e a vizaram os vizinhos da Epôca Reuniuce o povo como não sabiam o que fazer montaram no burro e puxaram outro e lá se foram para a cidade de Guarapuava buscar o franscisco Clêve Chico Clêve que hoje tem só a praça Cleve e o homem veio ver o fenômeno e disse não é do meu conhecimento esse fenômeno Voceis amontoem bastante lenha e queime só não tomem a fumaça assim a fi zeram Dali a poucos dias chegou o profeta João Maria de Jezus o povo assustado contaram o cauzo ao profêta ele nada dice só dice voceis estão vendo aquele morro lá em nossa frente estamos sim tudo bem no dia 3 de Maio voceis plantem uma crus de sedro lá e rezem e façam suas oração quando eu de novo voltar por aqui voceis tem cauzo a me contar e o povo feis o pedido do profeta colocaram o cruzeiro no morro e fi zeram as oração Diziam eles quando chegou o ano de 1900 escureceu o lugar e sobre veio uma grande tempestade vendaval que uma arvore alcançou a outra mezmo no pinhal gigante foi grande o estrago mais não matou ninguém não levou o rancho de ninguém que para um compadre ir ver o outro se não tinha morrido percizava de ferramentas machado foice facão e serra de trasar mais os compadres estavam tudo bem grassas a Deus eles pensaram temos que contar o profeta sobre a tormenta Mais não foi só isso não 356 Quando chegou o ano de 1902 escureceu o lugar parecia vir outra tormenta comessaram a rezar e fazer suas peces pedir auxilio a Deus e lembrar de S João Maria caiu a chuva e logo clariou de novo o sol volto a brilhar não foi nada grassas a Deus e S João Maria saiu de novamente os peão a voltiar a mata a passar pela estrada tropeira deram com a lagoa do meio cheia de cobras de todas as espécies ate de aza todas mortas sairam de novamente avizar os vizinho que a laga do Monstro estava cheia de cóbras só que estavam mórtas se reuniram de novamente os vizinhos da êpoca ate de longe vieram ver o fenomeno lembraram da recomendação do Clêve vamos amontoar e queimar assim o fi zeram Na queles dias veio o profeta João Maria e elles tiveram coiza para contar a elle e elle dice se voceis tivessem ABuzado atormenta mataria munta gente e criação destruiria muntos ranchos e as cóbras cairiam vivas e terminaria o resto sobrava munto pouco mais como voceis não ABuzaram nada aconteceu e nunca deixem de fazer as oração lá no morro dia 3 de maio de cada ano por que no futuro se fi cará ABandonado cair ais crus e não mais colocarem os fenomenos vão se repetir Versão Os terrenos tróca de donos na quele tempo era terreno dos Candidos daí passou a ser de Jeronimo Leonardo de Ramos e outros e nos dias de hoje novo milenio e todo de Amauri Lamisk Mauro No passado era pinhar gigante Hoje e planta e pasto O maior fazendeiro de nosso lugar diziam que elle era ateu mais não Ê o que o povo dis elle arrumou um escultor de madeira e mandou fazer a imagem de João Maria lá no serro e vai mandar fazer uma capelinha lá no serro da crus que com o passar dos tempo passa chamar se Morro de João Maria do morro avista a manção do Grande fazendeiro Amauri Lamisk Eu tenho fé em Nso Sr Jezus Cristo e em São João Maria e nossa Mãe Santicima e no pai fi lio espírito santo e em toda a igreja que não vão se repetir os fenomenos vai ser um ponto turístico o morro da crus morro de João Maria eu escrevi esta historia para fi car de lembrança João oliverto de Campos poço Grande pinhão pr estou quazi com 80 anos naci em Guarapuava Quando meus pais vieram para o pinhão 4 de Maio de 1932 eu completava 6 anos no dia 6 de maio naci em 1926 Rezido no pinhão a 73 anos 2005 HOJE DIA 27 DE AGOSTO 2005 1932 Sábado 0073 É uma lembrança uma saudade sem fi m hoje 1 de outubro de 2005 hoje feis 1 ano que eu fui pro pinhão e a minha vêlha Dna Rozilma fi cou se aquentando na cozinha de xão pela ultima veis 1 de outubro 2004 357 hoje 1 de outubro 2005 28 de outubro fais 1 ano que faleceu 28102004 Rêsta só a saudade para mim João oliverto de Campos na grande solidão longe de minha família só no meio dos estranhos mas no mezmo lugar poço grande pinhão Em 23 de outubro de 2005 domingo tivemos a Eleição do Referendo em todo o Brazil o 1 não ganhou em todo o território nacional e 2 sim perdeu em todo o território nacional o não defendeu os direitos podemos comprar armas e munição o sim era a favor o dezarmamento a lei que os ezistia no Brazil nem na ditadura do Jetulio varga e na ditadura militar no prezidente lula que criou essa lei comunista Mais grassas a Deus não aprovou foi derrotada CAPELA DE POÇO grande pinhão pr São Sebastião e Sto Antonio fundada por João oliverto de Campos e sua espôza Dna Rozilma Jesus de Campos em agosto de 1976 ela era a 1ª de madeira e em 1998 foi debolido e feito de material por Sio Antonio ferreira de oliveira e Dna Marcemília Maria de oliveira e seus fi lhos pedro ivo e Leninha Antonio Diogo que trabalhou 9 anos na comunidade e munto combinado com Sio João oliverto e como tudo passa entrou nova diretoria mulheres munto sabidas e energicas e por motivo de uma neta de João oliverto essa sendo Adeventista do 7º dia vir dar lição biblica na caza do Sio João oliverto dia 4 de setembro de 2005 num domingo de culto João oliverto sofreu reprezalia foi atacado e destratado publicamente por os dirigentes e pelos padres de pinhão João oliverto fi cou calado e não falou só ouvio só ouviu bastante 4 de setembro do ano 2005 ele viuvo Uma historia de saudade Um não sabia do outro se existiam Sio Jozê Atílio de oliveira e Dna Cirema Santos oliveira vieram da fazenda Tagua perto de Guarapuava dia 5 de janeiro de 2005 vieram ser gerente da fazenda de Sio Gilmar Bonanza no poço Grande do pinhão pra fi camos conhecidos eu já êra viuvo e como a fazenda não tinha lus Sio Atílio me alugou a cozinha antiga em abril de 2005 e eles falaram com migo para batizar na igreja católica o Marcos felipe dos santos olivera com 12 anos eu João oliverto de campos e a comadre Ana Maria Ap Morais batizemos o Marcos felipe no dia 11 de janeiro de 2005 fi camos compadres com Sio Jozê Atílio e comadre Cirema Santos oliveira e eles paravam 2 dias na fazenda pozavam 2 noite na fazenda e 3 noite a qui na minha cozinha antiga Truciram cama sofa meza cadeira fogão a gais a lenha já tinha na cozinha televizão a parabólica geladeira batedeira ferro elétrico e tanque de lavar roupa pararam 6 meis junto com migo e se mudaram no dia 10 de novembro de 2005 nua fazenda de um alemão no fundo Grande Rezerva do Iguaçu fi cou so a saudade dos compadre e do afi liado Assino João oliverto de Campos 10112005 358 de paula deixou fi lios Amilton João Carlos e Cêlson e pedro e a Marilene e Maria aparecida e 13 nêtos e uma Biznêta e no poço grande festejou Nª Sª Aparecida por 10 anos e noss eramos compadres por 3 vezes assina João Oliverto de Campos A NOVA cozinha foi comessado no dia 27 de dezembro de 2005 foi terminado no dia 7 de janeiro de 2006 sábado fi cou R 65300 Quem serrou a madeira e feis foi Neuri Duarte de Macedo ajudante Airton de Morais proprietário João Oliverto de Campos viuvo com 80 anos Local poço grande Nôta de falecimento Faleceu em Guarapuava paraná a Senhôra Dna Marcilia Alves Moreira dia 2 de fevereiro do ano 2006 as 8 HS da manhã Era espoza do antigo ofi cial de justiça Agenor Moreira ja a anos falecido êla era erma de minha mãe e tia minha e madrinha Era a ultima da família Amadre que restava faleceu com 94 anos deixando muntos fi lios e nêtos bis nêtos e tataranetos para clareza Assino João oliverto de Campos 2206 Nota de falecimento faleceu no hospital São Vicente em Guarapuava pr A professora e minha comadre Duas vezes IRENE aparecida Brazilio dia 13 de fevereiro do ano 2006 foi velada na capêla mortuaria de pinhão pr Teve 2 culto a noite 1 evangelico e outro catolico foi trazido ate a capela de poço grande por 20 minutos foi celembrado duas dezenas do terço Deixo um cazal de fi lios Jian com 14 anos e Joice com 10 anos Êram separado com Ari Jozé Caldas foi professora por 20 anos eu padrinho dos 2 fi lios CARTA DA TERRA O debate ambiental ganhou impulso com a realização em 1992 da conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro O evento que fi cou conhecido como ECO92 ou Rio92 fez novo balanço dos progressos realizados e elaborou documentos importantes que continuam a ser referência para as discussões atuais Grande número de ONGs participou dessa conferência realizando de forma paralela o Fórum Global que aprovou a Declaração do Rio ou Carta da Terra De acordo com esse documento os países ricos têm maior responsabilidade na conservação de planeta E se os avanços tecnológicos em curso não forem sufi cientes para assegurar a integridade da biosfera será necessário diminuir o padrão de produção e consumo especialmente nessas nações Almanaque Abril 2003 Ed Abril Comessemos a estudar dia 19 de fevereiro do ano 2005 ate o dia 10 de dezembro do ano 2005 Ingleis astronomia professor Nelson professora Sandra ingleis Fizica professora Janeta Matemática professor Nelson ciencia professor Claido Nôta de falecimento faleceu em pinhão pr dia 20 de dezembro 2005 as 3 HS da manha Bento Narcizo de paula Compadre Bento Narcizo de paula morou em nossa comunidade de poço grande 14 anos de 1982 a 2002 ele natural de S Domingo morou no pinhão munto tempo e voltou morar no pinhão em 2002 deixando viuva Dna Maria Olinda 359 dela Jean e Joice Seputouce no cemitério de poço Grande dia 14 de fevereiro do ano 2006 Assino João oliverto de Campos 14022006 fi cou a saudade Anotação No dia 27 de abril de 2006 quinta feira tive uma ENTREVISTA com as professoras de Zatarlandia e os alunos de 2 a 2ª seire e 2 a 4ª a 5ª serie entrevista para eu contar a história do Morro da Crus fui fotografado e fi lmado viemos ate as 3 lagoas das cobras professora Cirdinei professora Alice 2ª serie A 1 Professora Lourdes Severino 2 Jaqueline Padilha 3 Vanessa machado 4 Niclia M Fonseca de Oliveira 5 Andressa de Camargo 6 Fabiana da Cruz de Oliveira 7 João Maria Soares Neto 8 Josnei francisco Cortes 9 Josmar Albino 10 Denílson de Lima Soares 11 Edivaldo festes 12 Juliano Nascimento 13 Samuel Nunes albino 14 Valmir da Luz Rodrigues 15 Dacir Ferreira Prestes 16 4ª série Profª Vera Moraes 17Tiago de Jesus de Lima Pires 18 Joelma Aparecida Albino 19 Valmir machado 20 Evaldo passos correia 21 Rafaela Emmanuelle de Lima 22 Edivane do Belém Correia Kriguer 23 Emerson dos Santos Lima 24 Maikon Ferreira 25 José Lucas Meira Stler 26 Luciane Fátima de Camargo 27 Maria Loriane Santos 28 Jaine Kauane Lima 29 Jocelene do Nascimento Almeida 30 Christtian carvalho Boeiro dos santos 31 Eliane Aparecida Nascimento 32 Renato Zanata de Macedo 33 Cristiane de Fatima da Cruz Oliveira Professora Lurdes professora Neuza professora ilce Entrevistado o velho antigo João Oliverto de Campos Com 80 anos de idade Os Alunos assinaram a minha genda 27042006 360 34 Mauricio José Nascimento 35 Damaris dos Santos Nascimento 36 Yara Mendes Correia 37 Flávia Correia de Almeida 38 Maikon Marcelo camargo 39 Delris Capelete De Ramos 40 Amderson de Camargo 41 Andrei Luiz Macedo 42 Daniel F Macedo 43 Isabele Ramos Melo 44 Nilda Carmem dos Santos 45 Vimce S De Souza 46 Odacir de Camargo 47 Silmara Meira Maçedo 48 Esequiel de Jesus Lima 49 Leandro Augusto Mendes 2ª Série B Profª Neuza M Camargo 50 Silvane 51Jocilma de F Lima Pires 52 Wesley Gabael correia klilguer 53 Jefersom alves 54 gabriel m machado 55 José Luciano maçedo 56 Revieson José de Macedo 57 Alice Cléia Streski de Oliveira Supervisora 58 Cerdinei Maria Alves Laviuske Silva Diretora Lista de Alunos e Professores 030506 Que vistaram o Cerro da Cruz no dia 3 de maio de 2006 Pré Canaina Kathryn Hellen Robert Jeam Luca Nicolli Iranydo Emily Katiane Ailson Graciele Marli T Padilha 3ª Série Anita Jonas Valdecir Israel Jailson Jhonatan Marcos Geovan Catiele Valdemar Linei Rosiane S Ana Tereza Os professorus assinaram A genda Fiquei Munto Emocionado por o Acontecido Assino João olivêrto de Campos 27042006 Poço Grande Bom Retiro pinhão PR Karoline Josiane Caroline Adjane Robeson João Paulo Fernanda Valdir Aguinaldo Liziane PK da L Leandro 3ª série Joelma Sabrina aparecida Natalha Lediane 361 1ª Série Jaize Luciane Érica Vagmer Sheila Valdirene Reinaldo Carlos Eduardo Anderson Cristiano Felipe Cleverson Eduardo Wlliam e terminado tudo em 24 de julho de 2006 Assino João aliverto de Campos 24072006 Categoricamente mais uma veis fui entrevistado pelo professorado das escolas de Zattarlandia dia 3 de Maio de 2006 lá no morro da crus com os alunos que não estavam na intrevista do dia 2704 passado e eles queriam me conhecer e ouvir a histôria do Morro da crus o qual denovo eu contei a eles fi caram emocionados e fui fotografado e fi lmado de novamente ao encerrar convidei as crianças a rezar o pai nosso e uma Ave maria a São João Maria de Jezus e daí para encerrar uma salva de palmas vamos em pas e o Senhor nóss acompanhe Amem João olivêrto de Campos 3052006 Um sonho realizado eu João olivêrto de Campos tinha um sonho de revestir a capelinha de meus pai francisco Assis de Campos Chico de Campos que naceu em Guarapuava pr 25 de Agosto de 1899 e faleceu em 25 de dezembro de 1965 sepultado no cemiterio de poço Grande pinhão pr e Minha Mãe Graciolina Alves de Campos natural de Sta Catarina naceu em 9 de outubro de 1905 e faleceu em 9 de dezembro de 1988 sepultado junto de Meu pai embaixo da capelinha em cemiterio de Poço grande pinhão Hoje a capelinha de madeira revestida de pré boldado o Tumulo de minha Espoza Dna Rozilma Jesus de Campos faleceu em 28102004 sepultado cemiterio de poço grande tumulo de pré boldado o do Genro João Maria Sobrinho e de pré Boldado Quem trabalhou foi eu João olivêrto de Campos e o Afi liado Cêlson Luis de paula e o Afi liado Jozê Antonio de Morais comessado em 8 de Julho de 2006 e terminado tudo em 24 de Julho de 2006 Assino João olivêrto de Campos 24072006 A HISTÓRIA da vida de Juvenal de Assis Machado Machadinho consta se que ele foi tenente de EZÉRCITO e em 1930 foi Revolucionario vendeu 40 homem escolido pro Jeneral pain e para poder Apanhar os homem ele feis um grande baile e a Meia noite chegou o jeneral com o povo dele e Aprenderam os homem e o levaram para A Revolução mais como não foi percizo eles foram liberados contado por o Senhor Jaime Medína junhor que tambem foi prezo na Mezma veís e outros contavam A Mezma história e dai o Machadinho teve que Se Auzentar do lugar 362 por algum tempo e em 1936 ele voltou para o poço grande pinhão distrito de Guarapuava na quele tempo dai ele veio trabalhar comprar gado animal pórcos e Mulas Burros ele propietario em poço grande feis uma caza munto boa que hoje A pouco tempo foi quimado por vandalos o Machadinho trouce em poço grande a 1ª Escola particular ele feis um cenço nos vizinhos pegou 62 alunos crianças rapais e Moças e pia em 1939 e 1940 Aonde os fi lios dele aprenderam as primeiras letras Valdomiro ABegacir Alair e Evanir Machadinho era cazado com Dna Balbina Mendes Machado fi lia de Nho Nêco Mendes e o Machadinho fi lio de Joaquim Machado foi A onde eu Aprendi A ler escrever e contar em 1939 e 1940 O professor contratado era Jozê pedro Jezuino os pai das crianças pagavam 5000 mil Reis por Meis a cada crianças se tivesse 2 eram 10000 mil Reis por meis Comessava A aula 7 HS da manhã as 12 HS fazia se um lanxe que trazia da caza as 13 HS retornava e parava A aula as 16 Hs de segunda a Sábado ate o meio dia não tinha feriados era Só o domingo um sábado ate o meio dia dezenhava outro sábado ate o meio dia aula de Religião atraveis da Bibia cada bimêstre o Machadinho e Dna Balbina e outros faziam uma Avaliação chamavam de izame o Machadinho êra homem bom amigo de Meu pai francisco Assis de campos em 1942 o Machadinho tornouce comprador de pinheiros gigantes foi ele que trouce a fi rma Zattar no boi carreiro bom retiro mais tarde o Machadinho mudouce para Vila Nôva hoje cidade de pinhão pr e em 1950 o Machadinho foi eleito prefeito de Guarapuava pelo PTB Apois tudo isso ele foi para Curitiba se tornou fazendeiro de cafê no nôrte do Paraná Dna Balbina faleceu antes dele e ele faleceu em Curitiba em 25 de janeiro de 1995 contase com 95 anos o fi lio dele Valdomir fazendeiro em Rondonia e as fi lias são Advogadas e o que agente soube todas em Curitiba Capital do Estado do paraná e aí terminou a Historia do Juvenal de Assis Machado Machadinho Assino João olivêrto de Campos 6112006 J p MÊS DE DESGOSTO Há uma lenda que diz que agosto é um mês que atrai desgraças e problemas políticos Esta crendice que é particularmente forte no Brasil começou no inicio do século passado em função da Primeira Guerra Mundial defl agrada em 1º de agosto de 1914 e que deixou um rastro de destruição e morte jamais vistos O fato dos presidentes Getúlio Vargas e Jânio Quadros terem respectivamente se suicidado e renunciado em agosto um em 1954 outro em 1961 causando comoção reforçou esta falsa tese Quem inventou a divisão do tempo em dias meses e anos foi o ser humano e nem ele nem Deus defi niram um período determinado para azares Cada um de nós vai entre erros e acertos compondo sua própria história Os fatos negativos podem acontecer em qualquer época assim como os positivos Chico Alencar Autor de Educar na Esperança em Tempos de DesencantoVOZES 363 2007 o nôsso lugar não E mais o lugar que ERA no possado Está cheio de Bandido e nada Ê feito para combater o Banditizmo Ao Amanhecer do dia 4 para 5 de agosto de 2007 domingo foi Queimado A Antiga caza da falecida Dna Maria Mendes Correia e seu Espôzo Jozê pedro sobrinho falecido antes Dêla caza feita em 1946 51 anos Jozê pedro faleceu em 14041972 Maria Mendes faleceu em 13 de Maio 2005 a família uns moram no pinhão outros em Guarapuava pr uns no poço Grande A caza estava abandonada a 6 anos cheio de obegetos antigos guardados A caza ERA Boa não encomodava ninguem propiedade em poço Grande pinhão PR João oliverto Campos RECORDANDOO PASSADO Ê sofrer duas vezes os jovem não conhecem o passado por que eles estão comessando a vida ainda tenham munto a sofrer para mais tarde recordar momentos bom e momentos ruim A Gente que Que tem longa idade já sofreu munto tive momentos bom e momentos ruim e difíceis mais com a ajuda de Deus eu Estou vensendo e vou venser lembrando do meu tempo de criança momento de escola 1939 e 1940 Momentos de jovem rapais grandes divertimentos bastantes colêgas que já não ezistem mais já foram para o Alem Me cazei com 31 anos fui bem com a Espoza tivemos duas fi lias e um piazinho que não viveu perdi meu pai em 1965 perdi o genrro 1975 perdi o sogro 1987 perdi a mãe em 1988 perdi a sogra 1995 e o pior perdi a espoza em 28102004 vivemos 47 anos cazados só Deus separou no passado em nossa caza morou com nóss muntos rapais afi liados hoje tudo terminou resta só a saudade do lado de meu pai eles eram 11 pessoas não tem ninguem mais do lado de minha Mãe eles eram 9 pessoas não tem ninguem mais resta algum primo e prima mais algum eu não conheço tenho saudade 1950 e outras horas tenho duas fi lias e um genro e nêtas e Biznetas todos moram em Guarapuava pr Moro só eu em poço grande Bom Retiro A 75 anos estou com 81 anos João olivêrto de Campos sou natural de Guarapuava meus pai vieram pro pinhão em ANIMAIS NO ALTAR 128 O cavalo aparece muitas vezes nas pinturas da morte de Jesus no Calvário Ou é o centurião que está a cavalo ou é o soldado que perfura o lado de Jesus com lança e que a tradição chamou de Longino Na suposição de que o cavalo simbolize a soberba a prepotência a luxúria desenfreada o orgulho como signifi cava nos textos proféticos o centurião sentado num cavalo proclamaVerdadeiramente este era o Filho de Deus Mt 2754 ou seja proclama a vitória de Jesus sobre a soberba e o orgulho dos que o crucifi caram Ou se pensamos em Longino montado na soberba na prepotência no pecado a humanidade rasga o lado de Cristo de onde brota a bondade o perdão a criatura renovada na pureza e na santidade Frei Clarêncio Neotti OFM Rio de JaneiroRJ 364 1932 hoje môro sozinho em minha caza só que Deus me deu um cazar de compadre que moram 20 metros longe de mim e eles tenham um cazar de fi lios um rapaizinho e uma mocinha são meus afi liados poço grande pinhão 2 de setembro de 2007 João olivêrto de Campos 2809 SÃO LOURENÇO RUIZ E COMPS No século XVII entre os anos de 1633 e 1637 dezesseis mártires Lourenço Ruiz e seus Companheiros derramaram seu sangue por amor de Cristo em Nagasaki no Japão Todos pertenciam à Ordem de São Domingos ou a ela estavam ligados Dentre esses mártires nove eram presbíteros dois religiosos duas virgens e três leigos sendo um deles Lourenço Ruiz pai de família natural das Ilhas Filipinas Em época e condições diversas pregaram a fé cristã nas Ilhas Filipinas em Formosa e no Japão Manifestaram de modo admirável a universalidade do cristianismo e como infatigáveis missionários espalharam copiosamente pelo exemplo da vida e pela morte a semente da futura cristandade Extraído da Liturgia das Horas CATASTROS em 1 de novembro de 2007 Quintafeira eu João olivêrto de Campos eu estava na cidade de pinhão pr eu estava no labaratório de fotos maxicólor pegando umas fotografi as que mandei revelar por volta das 13 hs da tarde horário de verão veio um Enorme Vendaval de 80 por hora só se via chapa e telhas de barro voando de uma caza na outra fi camos por espaço de uma hôra quando carmou eu fui pra caza da comadre Maria p Rodrigues aonde deixemo estacionado meu fusca e eu dice pro compadre Nerci meu motorista vamo embora ver a minha propiedade em poço grande 36 klmtro do pinhão ate aqui mais como a minha propiedade e consagada ao Sagrado Coração de N Sr Jezus Cristo nada aconteceu e nem nos vizinho o fenomeno foi no mato o vegetal minha propiedade o imovel e tudo foi entrege ao SCJ em 4 de agosto do ano 2000 eu e minha fi nada espoza João oliverto de Campos e Dna Rozilma Jezus de Campos de saudoza memoria VIVA O SC de Jezus tudo é dele perpetuamente Amem ANOTAÇÃO HISTÔRIAS DO PASSADO francisco Assis de Campos e Dna Graciolina Alves de Campos sua Espoza vieram de Guarapuava onde moravam vieram para o pinhão aquele tempo distrito de Guarapuava vieram em 4 de Maio de 1932 com seu fi lio unico de 6 anos João Olivêrto de Campos moraram de agregado de Ítalo Carli que o Senhor Amaro da Silva Machado cuidava de 540 alqueires de terreno entre faxinal e culturas francisco e graciolina moraram 14 anos na campina do balaio em 19 de janeiro de 1938 comessaram A festejar São Sebastião em 4 de Maio de 1942 franscisco campos comprou 10 alqueres de terreno de pastajem de João pedro Nunes e sua Mulher Dna Dalvina Ramos Nunes e foi escriturado e registrado no nome do menor João oliverto de Campos e fi zeram nova 365 propiedade e se mudaram em 3 de junho 1943 e continuaram fazendo A fêsta de São Sebastião com mastro e espeto para o povo que vinham comemorar São Sebastião festejaram com grande festa Ate 19 de janeiro de 1961 Daí em diante fi cou so com novena francisco festejou 27 anos e faleceu em 25 de dezembro de 1965 fi cou Dna Graciolina e o fi lio João olivêrto e a nora Dna Rozilma espoza de João olivêrto Dna Graciolina festejou 50 anos e faleceu em 9 de dezembro de 1988 fi cou João oliverto com Dna Rozilma festejando com novena e a capêla de São Sabastião e Sto Antonio foi fundada por João oliverto de Campos e Dna Rozilma Jezus de Campo em Agosto de 1976 em poço Grande pinhão pr e João e Rozilma contuinaram festejando festejaram junto mais 15 anos e Dna Rozilma faleceu em 28 de outubro de 2004 fi cou sô João olivêrto sozinho festejou 2005 2006 2007 e 2008 foi a ultima completou 70 anos hoje os novos não dão valor algum para as rezas do passado só dão valores a festas lucrativas vou contar as pessoas que festejavam São Sebastião francisco Assis Campos Espoza Dna Graciolina Domingo ferreira da crus Dna Maria Teodora da crus João Brazílio da Silva Dna Maria da lus Manoel Candido e Dna francisca Candido vou contar os que festejavam outros santos Jeronimo Leonardo de Ramos e Dna Maria Luiza festejavam Nª Sª do pilar Assunção de Nª Sª 15 de agosto Domingo Candido dos Santos e Dna Maria Roza de Jezus festejavam Senhor menino 25 de dezembro Belarmino Rodrigues Calda Belair e Dna Antunina festejavam São João 24 de junho pedro Cavalheiro de lima festejavam São Rôque 16 de agosto francisco Soar Batista festejavam e Dna Etervina festejavam São Pedro 29 de junho Hogenio Joze de Almeida e Dna Zeferina festejavam São Roque 16 de agosto Antonio Belo dos Anjos festejavam e Dna francisca festejavam Senhor Bom Jezus 6 de agosto Manoel Ricardo e Dna Graciolina festejavam São João Batista 24 de junho Manoel Severino da crus e Dna francisca festejavam Nª Sª de Conseição 8 de dezembro Ernesto Bórba e ludilima festejavam Nª Sª da Conseição 8 de dezembro Antonio pereira dos Santos e Dna Ana festejavam Sto Antonio 13 de junho Jozé Alves Machado e Dna Nercinda festejavam São Jozê 19 de março Bento Narcizo de paula e Dna Maria olinda festejavam Nª Sª Aparecida 12 de outubro Emílio pires de lima e Dna Emília festejavam São João Batista 24 de junho Antonio Boeira festejavam e Dna Severina festejavam Senhor Bom Jesus 6 de agosto 366 Ataliba Cavalheiro de Lima e Dna América festejavam Nª Sª do Carmo 16 de julho ERnêsto Marcelo da Crus e Dna Maria festejavam Senhor Bom Jezus 6 de agosto No total no passado eram 21 moradores que festejavam a santidade de Deus Alem que na Carezma uzavam Recomendar as almas nas cazas nos Cruzeiros e nos semiterios Hoje não eziste mais aquele tempo alegre e bom Já passou fi cou só a saudade A Solidão eu João olivêrto de Campos com 82 anos de idade A 4 anos viuvo vivo sozinho em minha caza que ê consagrada ao S Co de Jezus tudo E dele perpetuamente A minha família moram em Guarapuava só tenho um cazal de compadre que moram com migo a 20 metros longe de minha caza não passeio so vou no pinhão 2 veis por meis em Guarapuava 3 vezes no ano não e bom morar sozinho Mais Deus quis assim o que vou fazer Deus sabe tudo o que eu percizo e nada me falta 14062008 Tudo fi ca na Saudade Meu avo amaro de Silva Machado morava de agregado do fazendeiro Ourico Lustóza Dno da fazenda Sambuia Hoje a Colonia Sambuia o lugar que meu avo morava chamava se os Couxo hoje terras da Maderita meu avo Amaro comprava no armazem do Ítalo Carli e eles entrando em conversa o ítalo falou pro meu avo Amaro olha Amaro voce não quer ir morar e criar e plantar nos meus terrenos no pinhão distrito de Guarapuava eu tenho lá 40 alqueire de faxinal de pastagem esta abandonado ninguem cuida para mim Tenho meu cunhado Angelo pra cá do Rio Jeronimo mais ele cuida em 250 alqueires de cultura e eu tenho mais 250 alqueires que divide com a família Brais pra dentro do Rio Jeronimo vá pra lá criar plantar e cuidar dos meus terrenos e eu vou te mostrar os terrenos e troce meu avo Amaro entregou todos os terrenos pro meu avo criar plantar e nada te cobro só para atender as terras em 1930 Meu avo veio com os fi lios e meu pai fazer Rôssa de mato em 1931 28 de novembro de 1931 meu avo veio com a família toda meu avo era viuvo de Dna francisca Buffer veio com os genros Alcide cavalheiro e meu pai francisco Assis de Campos genro do meu avo veio com minha mãe Graciolina em 4 de Maio de 1932 Mulher do Alcide Dna lixandrinha e solteira fi lia de meu avo Antônia e os hômens Joze Luis lucidario Januario e Joaquim e Dna Marcília fi cou lá no escoxo com o espozo Agenor Moreira genro do meu avo Amaro Mais tarde vieram tambem e logo voltaram para Guarapuava Meu avo morou 33 anos e faleceu em 20 de fevereiro de 1963 e o rêsto da família alguns morreram e outros se mudaram fi cou só a saudade 367 A família do lado do meu pai francisco Assis de Campos O Afonço pêres e sua espoza Dna luzia vieram morar em pinhão distrito de Guarapuava terreno dos Candidos por órdem do Adevogado João do prado em 1933 area de 250 alqueires era fazendeiro fi cou mais fazendeiro fi lios elias Alice Angêlica e ominha darluzia faleceu em 1953 e ele tinha comprado outra propiedade e daí mais tarde em 1961 vendeu tudo e mudouce pro Guará e la faleceu e outro moraram no Gois Artiga minha avo Ortencia já viuva vêo morar de agregado do Afonço que êra genro dela ela veio com os dois fi lios paulo e oliveira e a fi lia solteira Dna Odília e a nêta Senira eles vieram em agosto de 1936 Moraram 21 anos voltaram em dezembro de 1957 Dna Maria Joana e Nho Vergilio vieram morar por orde de meu avo Amaro em 1944 Moram 15 anos no lugar so trocaram de lugar 2 veis e voltaram para o inacio martins com a fi lia ortencia e o genro Sebastião nono versílio Morreu em Guarapuava Dna Joana Morreu em Guará fi cou só a recordação João olivêrto de Campos Uma historia do passado tudo ê lembrança A minha fi lia Abegacir Maria ap correia que mora em Guarapuava estando aqui a passeio nas fêrias de julho rezorvemos vizitar a tapêra do Manoel Candido e de Dna Chica Candido todos de saudóza memória tem nome de tapêra do alho a qual tem uma fornalha de pêdra mais o menos uns 80 anos e eu comi bolinho assado nessa fornalha eu era pia de 7 anos ali por 1934 mais o menos Levemos o compadre Neuri Macedo foi de vaquiano mais o menos légua e meia no meio do matão vimos aves uru veado e o rasto do leão só que encontremos a fornalha em ruína e eu levei a minha maquina de fotografi a tirei fôto da fornalha e foto da Abegacir sentada nas ruínas da fornalha e daí Abegacir tirou fôto de mim João olivêrto com o compadre Neuri centado em cima da fornalha e daí improvizemos com as pedras uma fornalha e puzemos fogo na fornalha improvizada e eu tirei uma foto Sio Manoel Candido e Dna chica cândida festejavam São Sebastião dia 20 de janeiro E nos fi zemos esta vizita dia 19 de julho do ano 2008 sábado Assino João olivêrto de campos 19072008 Mais uma historia O meu terreno uma área de 10 alqueires de terreno na gleba nº8 em poço Grande Bom Retiro meu pai franscisco Assis de Campos e minha mãe Graciolina Alves de Campos compraram para mim João oliverto de Campos eu êra menor compraram de João Pedro Nunes e sua mulher Dna Dalvina Ramos Nunes em 4 de Maio de 1942 escriturado registrado 2º ofi cio em Guarapuava paraná como eu êra fi lio unico fi zeram escritura dirêta em meu nome foi medido em janeiro de 1944 mais tarde medido de novo em 1963 tirado memorial descritivo nós com papai e um camarada fexamos com 3 fi os de arame falpado em janeiro de 1964 368 Aturou a cerca 44 anos em 2008 fexamos de novo com 6 fi os de arame falpado vedavel de ovelha a cerca completa com palanque de serne e mestre de serne e portão 3 portâo e feitio fi cou por treis mil e trinta 303000 reais quem tirou palanque e feis tudo complêto foi o compadre Neuri Duarte de Macedo que mora com migo João olivêrto de Campos ele pegou um companheiro para ajudar fazer a cerca compadre Amilton de Morais fi zeram no ano de 2008 Assino João oliverto de Campos com 82 anos As minhas fi lias Delair fatima Campos Sobrinho e Abegacir Maria Aparecida Correia ajudaram no pagamento dais cercas elas estão plantando Eucalipto provavel mente a terra é delas 17082008 Elas moram em Guarapuava pr 17 de agosto de 2008 Nota de falecimento em dia 26 de outubro de 2008 domingo faleceu a pessoa mais importante da comunidade de poço grande pinhão pr Dna Marcimilia Camargo de oliveira com 64 anos espoza do senhor Antonio ferreira de oliveira Diogo deixou fi lios pedro ivo e Eleninha genro ivã nêtos fabiane e igor faleceu no hospital de Colonia Vitoria entre Rios as 22 HS do dia 26102008 foi velada na caza dêla as 16 HS do dia 2710008 ela veio para a capÊla de S Sebastião e Sto Antonio em poço grande para o culto de corpo prezente capela onde por 9 anos eles trabalhavam ais 17 HS do dia 27102008 ela foi sepultada no semiterio de poço grande juntos seus irmão e parentes Sio Antonio e Dna Mila fi zeram Barracão e Deboliram a capêla de madeira fi zeram 1990 ate 1998 e mais ate 1999 fi cou só a saudade de Dna Mila quem trabalha para Deus recebe a recompença Amem Em dia 8 de novembro de 2008 sábado tivemos um encontro no barracão da capêla de poço Grande pinhão pr com o povo da unicentro de Guarapuava e Curitiba tinha professores e professoras e 2 adevogados e um do iap e do meio ambiente das 11 HS ate as 15 HS por ver o que a comunidade de poço Grande mais perciza estradas saude 2º grau e outros assuntos Rodolfo Stanemi é de Curitiba e trabalha na Quem TV Produções Anderson Leandro é da Lapa e trabalha na Quem TV Produções Gilmar da Silva Pinhão PR Carlinhos Favero PinhãoPR Bruno de Oliveira é de LapaPR João olivêrto de Campos fui entrevistado por todas essas pessoas que acima esta escritos os nomes e cidades aonde moram 16 de dezembro 2008 369 O Homem Sôzinho e a Mulher Sozinha Nos dias de hoje como sempre e É acham que o homem pode viver sozinho está cêrto pode sim viver sozinho mais ê puro engano mezmo a mulher a mulher ê mais face arrumar um parceiro o homem é mais custozo principalmente se for velho nos dias de hoje pôde cerrumar pra cabessa de si prôpio nem todas as mulheres de hoje só quêrem a grana aconsêlho quem tiver sua mulher onêsta zêle por que terminou aquêla as vezes terminou tudo o hômem fi ca sozinho quazi abandonado longe de fi lhos ou fi lhas esse velho ou velha que sevire se puder nos não estamos nem nai outros dizem não queremos que o pai caze de novo ou a mãe caze de novo se isso acontecer nos vamos dar um jeito eu acho que o homem e a mulher tem direito de se cazar de novo por esse motivo Deus criou o homem e a mulher vegam em Genessis capitulo 1 a verciculo 26 e 27 Deus feis o Adão do pó da terra e tomou uma parte do Adão e fes a companheira EVA e Deus dice crecei e multipricai enxei a face da Terra se foce pro homem viver sozinho Deus não fazeria a EVA Adão estaria ate hoje sozinho Muntas famílias dizem o pai viuvou aguente os pontos não deixamos ele cazar de novo ou a mãe cazar de novo mais as vezes as famílias moram bem distante e o fulano viuvo ou a fulana viuva tem que morar sôzinho ou sozinha no meio de gente estranha e sempre na solidão no meio do abandono apozentado ou apozentada tem que trabalhar pra sobreviver Até o fi m da vida quando morre os estranhos vão darlhe uma sepultura e a família estão nua boa se deixou alguns bens vamos dividir o homem sem mulher chega do serviço ou da viagem tem que fazer tudo na caza não tem os quem faça felis da quele que tem um vizinho proximo Findou a história poço Grande 14 de março de 2009 Guardem o sábado que Deus descançou e prezervem o domingo que o Senhor ressucitou A Juventude e a Drôga No passado não ezistia essa dezgracia que hoje eziste no meu passado da minha adoleciencia e juventude a vida dos jovem era um cêu na terra estou vêlho com 82 anos hoje estou vendo o Demonio na terra atraveis da drôga nais escôlas nos colegios nais igrejas nais ruas nos bairros nais periferias e favêlas dais cidades grandes e pequenas e mezmo ate nos interires dais xacras e fazendas e menôr matando menôr adulto matando adulto secuestros roubos assacinatos até de crianças a violência sem tamanho no Brazil e no mundo prostituiçâo de menores pia e menina se prostituindo A Lei eziste mais nuca vai controlar pai chorando a morte do fi lio a mãe chorando a prostituição da fi lia A juventude não religião não tem Deus nem nas escôlas não tem Deus a igreja catolica poco fais contra as drogas os Evangelicos fazem mais mais não vencem Os próprios pai e mãe não encinam os seu fi lios a rezar ir na sua igreja católica ou evangelica Tudo esses castigos que nos estamos vendo no Brazil e no mundo o que ê ê falta de Deus na humanidade sô vai mudar quando 370 Cristo voltar apartará os cabritos dais ovelhas e o trigo do joio o bom fi cará a sua direita vinde bendito para meu pai os da esquerda apartai vós de mim malditos para o fogo do infêrno tudo esta consumado poço Grande 14 de março 2009 Uma história Como êra o passadiu no passado que já foi e não mais volta as pessoas as mulheres do passado faziam farinha de milho moido no monjolo de agua pindocavam o milho abanavam tiravam o farêlo servia para alimentar os caxorros ponhavam o milho de molho dentro de um saco e o saco dentro de um sesto fi cavam o milho de molho por 10 dias daí êlas tiravam o milho esfregavam no balaio ate sair toda a goma do milho enxugavam com um pano seco esfregando dentro do balaio depois de seco o milho ponhavam no pilão do monjolo para o monjolo moer o milho quando já moido elas peneravam noutro balaio com a peneira fi na aonde saia a maça ou fubá da massa levavam ao forno redondo e com ais Mao faziam o biju com fogo brando em baixo do forno passando um pincel de palha molhado para não queimar o biju o biju ia levantando do forno por si prôpio elas ponhavam os biju na sururuca especie de peneira grossa feita de taquara dentro do balaio e iam moendo fi cava uma farinha bem fi ninha e se quizesse tiravam tambem a quirera para cozinhar com suan de porco ou a carne de porco guardada na lata coberta com banha para não arruinar a carne fi caria de um ano para outro por que não avia geladeira nesse tempo se quizesse tirava o fubá secava no forno para guardar para fazer bolo de fubá ou broa de fubá e se quizesse tirava a cangica para cozinhar e comer com leite de vaca Os homem plantavam a rossa de toco como se dizia na época rossavam a capoeira se era capoeira grossa rosava em meis de maio junho e os pau grosso derrubavam com o maxado para queimar da quadra da prima vêra em meis de setembro e a capoeira era fi na se rosavam queimar em meis de outubro plantar milho e feijão se plantava com o saxo ou sengo As mulheres cuidavam da caza dais hôrtas de mandioca e batata e outras ortalicias cuidavam das vacas pôrcos cavalos êguas burros carneiro cabritos e haves galinha e outros nessa epôca o pobre êra rico e não sabia que êra rico tinha de tudo criolo so comprava o sal e o assucar e a pinga que eles gostavam tomar um gôle na hôra do almoço comer carne de gado cozinhado com feijão preto comer quirera com suan de porco mandioca cozida tomar um bom ximarâo erva criola um xaruto de palha fumo que eles mezmo faziam As mulheres custuravam as roupas para êlas os homem e ais crianças Nessa epoca não tinha radio nem televizão nem lus elétrica nem agua encanada só se trazia da fonte com o barde se alumiavam com lampião a quirozene ou vela candiero de banha de porco Nos dançava o baile com esses lumes e a gaitinha 8 soco ali por 1940 como era gostozo viver nessas epoca 371 Mais tudo mudou hoje os jovem não se trajam como rapais carção para o garrão brinco na orelha fuma se drôga pinse na boca correntâo no pescoço só bertence a violencia o roubo estelhonato secuestro estupro quêrem sempre estar longe de Deus não gostam dais igrejas catolicas e outras evangelicas só Deus sabe como vai terminar Aguarde em Brêve Jezus Cristo virá Em 20 de julho de 2009 o jornal Hoje registra a 40 anos chegada do homem a Lua em 20 de julho de 1969 falta de FÊ e confi ança Em Deus Contado pelos antigos que apôis Guêrra 1ª Guêrra Mundial de 1914 a 1917 aperaceu Nª Sª em fatima aos 3 vidente lucia francisco e Jacinta em fatima na cova de iria em portugual de 13 de maio a 13 de outubro de 1917 mandando rezar o terço pra guerra acabar e contavam que em 1918 chegou a gripe espanhola matou centenas de povos no Brazil e em 1924 estorou a Revolução federalista S Paulo paraná e Rio Grande do Sul e em 1929 a crize mundial e em 1930 a Revolução Getulista o Getulio Varga ganhou o poder ditadura getulista por 15 anos em 1935 A Tentona Cumunista no Rio de Janeiro não vigorou em 1 de setembro de 1939 estorou a 2ª Guêrra Mundial terminou e em 8 de maio de 1945 milhôes de môrtos em 1941 a Ratada no Paraná em 1946 a 1947 gafanhoto no paraná 1947 a peste suína terminou com os porcos 1948 a febre afetoza no gado caprino e ouvinos e os porcos que sobrou em 1964 em 31 de março estorou a Revolução contra o prezidente João Gular e Brizôla a ditadura militar por 20 anos até 1984 e por fi m chegou o 3º Milenio Ceculo 21 ano 2000 ai foi só mudando torneado ciclones no esterior e no Brazil e no mundo atual violencias assaltos sequestros drôgas prostuição ao AR livre 2005 gripe do frango 2009 a gripe suína no povo brazileiro veio do Mexico em 7 de setembro de 2008 para 8 de setembro de 2009 a enorme tempestade que atingiu todo o parana 46 municipio e Santa Catarina 6º município Sta Catarina já tinha sofrido catastro em 2008 Rio Grande do Sul e São Paulo sofreram agora nesta de setembro milhões de dezabrigados e muntas mórtes e só Deus pode valer por que está se comprindo as professias bílbicas o fi nal esta se aprocimando na sua igreja catolicos ou evangelicos joelhos no chão terços e bíblia na mão sera a tua salvação poço Grande Bom Retiro pinhão pr 10 de setembro 2009 João olivêrto de Campos Em meus dias com 83 anos de idade eu João olivêrto de Campos na vida eu sofri bastante na minha mocidade foi munto pouco o meu bom tempo sofri munto com o meu pai era munto doentio minha mãe êra mais sadia me cazei minha mulher representava ser sadia a 5 anos depois de cazado comessou o sofrimento com a mulher doenças um tempo estava boa outro 372 tempo estava doente 42 anos de doença até que chegou a môrte vivemos cazados 47 anos e 4 meis o pai faleceu em 25 de dezembro de 1965 faleceu com 66 anos francisco Assis de Campos A mãe faleceu em 9 de dezembro de 1988 faleceu com 83 anos Graciolina Alves de Campos A espoza faleceu em 28 de outubro de 2004 Rozilma Jezus de Campos com 66 anos e 11 meis e meio Apenas criamos 2 fi lias que moram em Guarapuava pr Delair e viuva tem a família dela a outra e Abegacir cazada espozo dela e Jorge família e eu vivo sôzinho na minha chacra em poço grande pinhão pr só tenho um cazal de compadres que a tempos moraram com migo são meu tudo Neuri e Tereza não tenho mais parente nem um nem tio nem tia tanto paterno como materno sogro sogra tudo já foram e agora enfrentando os castigos de Deus e as fúrias da natureza e nos mais ê só Deus criador rezerve todos os problemas e semos livres Amem assino João olivêrto de campos 22 de outubro de 2009 O VOTO REPUBLICANO Há 20 anos nosso povo reconquistou um direito que não praticado tornava a nossa República uma fantasia o de votar diretamente para presidente da nação Aquele 15 de novembro de 1989 foi o resultado de muita luta iniciada com a bonita campanha pelas Diretas Já em 1984 Os comícios do movimento reuniram as maiores multidões da nossa História Desse povo consciente mobilizado e vestido de amarelo nasceu a Constituição cidadã de 1988 e as eleições para presidente da República no ano seguinte cujo segundo turno foi disputado por dois jovens Collor o vitorioso do extinto PRN e Lula do PT que ganhou a presidência 13 anos depois Até então nenhum brasileiro com menos de 55 tinha votado para escolher o ocupante do mais alto cargo do país Chico Alencar autor de Educar na esperança em tempos de desencanto VOZES PÍLULAS DE FREI GALVÃO 1 As Pílulas de Frei Galvão não são remédios de farmácia mas pílulas devocionais Tomadas com fé e com conversão de coração podem servir como um sinal sacramental O sacramental sempre se relaciona com Cristo Maria ou com os Santos como medalhas imagens ou terços por exemplo As pílulas nasceram do grande amor zelo e caridade que Frei Galvão tinha para com os doentes Um dia não podendo visitar um jovem que estava com dores tremendas escreveu em um pedacinho de papel uma invocação à virgem imaculada e disse ao portador Leve ao enfermo e digalhe para tomar isso como fé e devoção a Maria Daí aconteceu a cura Mais tarde fez a mesma coisa para uma senhora em perigo de vida no parto Ela e o fi lho se salvaram Desse pedacinho de papel se originaram as Pílulas continua em 2212 Frei Paulo Back OFM São PauloSP Senhor Se fêxe as pôrtas de eu fazer o mal e se abra as pôrtas de eu fazer o bem João oliverto de Campos Na data de 041109 a equipe do jornal Fatos do Iguaçu compareceu na casa do seu João para entrevistalo Nara Coelho Edineia e o guia senhor Juvenal Silveira Ramos fi quei munto satisfeito com a Vizita da Redação do jornal fatos do Iguaçu 4122009 João olivêrto de Campos poço Grande pinhão pr 373 Dibe Salua Ayoub mestranda em Antropologia UFPR Curitiba Carlos Cavalheiro de Ramos Pinhão PR Juarez Pinhão PR Evangélico Liliana Porto CuritibaPR UFPR Católica No Dia 18 de fevereiro de 2010 fui vizitado por estas pessoas da universidade de Curitiba estão acima acinado os nomes deles 2 senhora e 2 senhores elas de Curitiba eles do pinhão pr Assina João olivêrto de Campos DOZE DICAS PARA SER FELIZ Elogie três pessoas por dia Cumprimente as pessoas que encontrar pelo caminho Sorria Não custa nada e não tem preço Saiba perdoar a si e aos outros Trate a todos como gostaria de ser tratado Pratique a caridade Faça novos amigos Reconheça seus erros e valorize seus acertos Dê às pessoas uma segunda chance Respeite a vida Dê sempre o melhor de si em todos os momentos Reze não só para pedir coisas mas principalmente para agradecer Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã Dezembro2003 Seleção de Maria Regina Neves Ramos CaetitéBA eu FICO COMO É PARA O BEM DE TODOS A frase é famosa Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação digam ao povo que fi co Palavras do jovem príncipe D Pedro em 9 de janeiro de 1822 atendendo a um apelo de oito mil brasileiros que em abaixo assinado exigiam a sua permanência entre nós D Pedro desobedeceu às ordens do governo de Portugal e de seu pai D João VI que queriam a recolonização do Brasil Atendendo aos anseios de fazendeiros do Rio São Paulo e Minas e de muitos funcionários do Estado nascente D Pedro produziu o conhecido Dia do Fico Oito meses depois aconteceu o Grito do Ipiranga da independência marcando a separação político administrativa do Brasil com Portugal Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA Vivemos num contexto sempre mais pluralista Convivemos sempre mais com estranhos morais Diante desta realidade teremos de conviver com legislações que na sua essência serão contra os valores evangélicos da promoção e defesa da vida Por exemplo um profi ssional pesquisador ou cientista cristão poderá dizer não ao aborto à eutanásia à pesquisa com embriões que os destroem mesmo que a lei civil venha a permitir estas práticas valendose de um direito fundamental o da objeção de consciência O Documento de Aparecida n459 assinala que para promovermos uma cultura da vida devemos assegurar que a objeção de consciência se incorpore nas legislações e cuidar que seja respeitada pelas administrações públicas PE Leo Pessini Camiliano pessiniscamiloedubr 1403 DIA DA POESIA Deus me deu um talento para fazer poesia ao fazêla sinto prazer também sinto alegria Quando na escola estudava na cartilha sempre lia Tinha mais prazer em ler quando lá encontrava poesia A poesia se torna bela e nos enche de emoção quando é inspirada por Deus e nasce do coração Adelinda Coan Bendo Baixada UrussangaSC 374 João olivêrto de Campos eu cai com a crus nêsta carezma do ano 2010 eu participei da minha capela de Nº SR Jezus Cristo no título de S Sebastião e Sto Antonio em poço grande pinhão fundei eu e minha fi nada espoza Dna Rozilma Jezus de Campos fundemos em agosto de 1976 e neste ano 2010 eu só participei da quarta feira de cinza 17022010 Até o dia 28032010 domingo de ramos no culto eu estando munto doente minhas fi lias Abegacir e a Delair e o fabio genro da begacir e a Ellem ADESÃO À VONTADE DE DEUS Senhor ignoro o que me poderá acontecer hoje Mas sei que nada me acontecerá sem que o tenhais previsto e permitido para o meu bem E isso me basta Adoro os vossos desígnios eternos e impenetráveis Aceito os de todo o coração por vosso amor Ofereçovos todo o meu ser unindome ao sacrifício de Jesus Em seu nome e pelos seus méritos peçovos a graça de assumir com amor as horas difi ceis aceitando a vossa vontade a fi m de que tudo resulte para o meu bem e para vossa glória Amém Liturgia diária EdPaulus Seleção de Rodrigo Soares Cordeiro TabiraPE A VIOLÊNCIA O ceculo 21 o mundo mudou não para o bem mais para o mal não sabemos decifrar o que esta acontecendo fi lio contra o pai pai contra o fi lio ermão contra ermão em fi m um contra outro como falou João Maria de Jezus a 100 anos passados violencia nas escôlas por toda a parte drôgas e prostituição falta Deus nas escólas nos alunos e professores e professoras Na escóla São Jozê em Zattarlandia Bom Retiro encino fundamental e ate o 2º grau aconteceu no dia 12 de março de 2010 sexsta feira duas mocinhas uma de 16 anos e outra de 14 anos 14 anos cortou a canivete a de 16 anos motivo não se sabe chamaram a patrulha escolar para fazer o que tem que ser feito fi lha de e fi lia de e No momento nada feito poço Grande pinhão 19 de março 2010 mulher do fabio vieram me buscar para levar no médico em Guarapuava onde todas êlas moram não pude participar do lava pê so voltei dia 2 de abril Sexsta feira Santa eles me trouceram e participei do culto da Sexsta feira Santa e a viasacra até o morro da crus que eu comessei essa porcição na Sexsta feira Santa do ano 1977 já 33 anos em 2010 e voltei para o medico com a família mezmo que me trouce e na capêla tudo foi cordenado por Dna Dulcília Camargo e a afi liada Joslaine Morais e comadre Cirlene de Góis ministra e o afi liado João franscisco de Góis coordenador do Lava pê Que eu encinei a tempos passados hoje eles estão fazendo a minha veis Obrigado Senhor Dulcilia de Camargo Dna Dulce natural de palmital municipio de pitanga pai Antonio Pedro da Silveira mãe Olinda Martins da Silveira nacida em 24 de setembro 1961 cazouce com 16 anos com Siro de Camargo rezidiram em Guarapuava por 10 anos atividade trabalhava no Hospital São Lucas em Guarapuava em 1997 vieram pro municipio de pinhão pr 375 Local faxinal de Todos os Santos elle trabalhava de carpinteiro e pedreiro e êla domestica Tiveram 4 fi lios dois pia e 2 meninas hoje todos cazados religião catolica foi catequista por 16 anos em Todos os Santos em 1998 êla viuvou fi cou criando a família sozinho criou e enducou todos os fi lios Daí em Abril de 2004 se encontraram com Jozê Nerci Mendes que fi cou abandonado da mulher Marlene de paula em 6122003 fi cou com uma mocinha Marelis e dois pia Nielsem Miguel Mendes e Leandro Augusto Mendes Dna Dulce assumiu o compromisso de 2ª mãe adotiva Marelis cazouce e o 2 pia hoje são adolecente fôrte quazi rapais no comando de Dna Dulce ajudou dar estudo a todos eles e só da bom conseho aos adolecentes e eles obedecem as ordem de Dna Dulce e chamam de mãe para o Joze Nerci foi uma benção Dna Dulcilia ela fais as vezes de mãe biologica sendo mãe adotiva o Joze Nerci e meu afi liado e sou padrinho de toda a família dele assino João olivêrto de Campos chegou ao fi m da história de Dna Dulcilia poço Grande pinhão pr 19 de julho de 2010 Os Tempos Mudam Os jôvem do passado os jôvem de hoJe Os jôvem do passado fi cavam moço na companhia dos pai e mãe trabalhando com os pai confórme a atividade dos pai Alguns estudavam um pouco escôla particular mezmo que saicem trabalhava fôra mais sempre estavam com os pai As moças na companhia da mãe só se cazavam com 20 anos a mais os rapais primeiro faziam um pê de meia para pensarem cazamento quando se cazavam com 21 anos a mais e tinham de tudo o conforto mezmo que focem pobre mais não faltava o nessesario para sobre viver o pobre êra rico e não sabia que êra rico viviam ate o fi m de um ou de outro criavam a família como conforme foram criado êra outra vida Os jôvem de hoje para comessar só estudam do o zêro até o 2º grau rapais e moças ai vem a drôga 90 não trabalha com nada o pai e a mãe vão trabalhar e eles fi cam dormindo se estuda a tarde dorme até o meio dia levanta se Toma um banho almóça e vai pra a aula e lá gazeia a aula a tarde vôlta para a caza quando volta estuda de manhã ate o meio dia vem pra caza almoça fi ca assistindo a TV ou vai dormir rapais e moça é assim o que eu vejo o rapais e a moça dis pro pai e a mãe eu quêro um tene de marca e uma calça de marca e voceis se virem eu quêro o pai dis eu não poço comprar o de marca vou comprar o mais barato já comprei o material pra voceis estudar eles dizem pro pai e pra mãe eu não sei de nada eu quêro porque me fi zêram se acarquem e ai vem os namoradinho e ais namoradinhas derrepente muntas meninas que não se atendem vai crecendo a barriguinha quem é o pai é fulano fulano eu não assumo você andava com todo o mundo vamos pro DNA e os jovem de hoje quando se cazam ou fi cam junto é pra pouco tempo Tudo hoje ê descartavem vem do paraguai mais as vezes algum 376 sofre bastante e no fi m se arruma para uma vida melhor que Deus abençoe os jovem de hoje XXVIIMMX Deus o Homem e a Natureza Deus criou a natureza criou o homem e ao passar os céculo o homem destruiu a natureza e a natureza se revoltou contra o homem Ai vem o aquecimento grobal que os cientistas falam vem as fôrtes tempestades que destroem cidades e mais cidades ventos de 160 por hora pedreiras enormes que môe tudo chuvas fôrtes demais no passado não êra assim para nos vêlhos de 80 a 90 anos vimos o passado hoje está tudo diferente a natureza não se sabe quando e invêrno ou verão está cêrto como dice João Maria de Jezus que hoje o homem Abuza de tudo e alguns dizem que Deus não eziste muntas escóla encinam assim que Deus e uma história E ai como fi ca os jôvem do futuro como fi ca a sua fê ai vai vindo castigo de Deus sobre a humanidade como nós fala a santa Bibia no antigo testamento Sodoma e Gomorra samaria e jeruzalem Sodoma e Gomorra ainda EZIste mais foram sofridos e hoje o preconseito está em tudo que ê igreja seja catolica evangelica o Juda sempre está lá Amando o preconceito e assim vai ate o fi m XIXXIIMMX João olivêrto de Campos SOLIDÃO Eu João olivêrto de Campos passei o dia 1 de janeiro de 2011 na minha caza ou melhor meu Ranxo bem sozinho que a um tanto da minha familia que moram em Guarapuava já vieram no natal 25122010 Obrigado pela vizita e tambem muntos afi liados que vieram de longe Santa Catarina e outro de Bituruna pr Almoçamos munto felizes mais o 1 do ano 2011 já fui só eu e Deus e Santos e Santas e a milice celestial O culto do dia 1 de janeiro na capêla fui só eu e mais ninguem como eu sou ministro extraordinario da eucaristia eu não podia deixar de fazer o culto e comungar tive convite para 2 almoço eu não fui em neum motivo que eu sou velho não me sinto bem ao meio de pessoas de Alta clace eu sou inimigo do preconceito a pessoa velho sempre é regeitado pela juventude o que esse gato vêlho vem fazer aqui no meio de nóss João olivêrto de Campos Anos passam e Anos vem e o castigo vem tambem terminou 2010 vem 2011 janeiro de 2011 vem a chuva no Rio de Janeiro A chuva mata dezenas e mais dezenas de pessoas tambem em São Paulo e minas Gerais no Brazil e no mundo a chuva mata vento mata assaltante mata violencia e mais violencia sequestro e mais sequestro até aqui no nosso lugar que êra um paraizo agora já tá sendo um grande poblema 377 Esteve quadrilhas de bandidos e ladrões assaltantes que matam sem piedade para roubar A quadrilha formada por o individo e outras como a o policiamento de pinhão e munto fraco foi chamado a trôpa de xôque de Guarapuava estava a quadrilha acampada no caxueirão de Rio Jeronimo de Bom Retiro poço Grande pinhão entraram em confronto com os bandidos e os bandidos escaparam foi prezo a mulher do vulgo e o resto da quadrilha foi prezo no pinhão dia 19 de janeiro 2011 eu moro em poço grande a 79 anos nunca aconteceu isso temos munto pouca gente boa em nosso lugar os antigos que eram bom já foram todos para a eternidade resta seus familiares e está poucas gentes que vem de outros lugares não conhecidos em outra cumunidade proximo a nossa eziste jôvem interessado a formar guangue e o que a gente soube só Deus pode rezolver tais problemas 30012011 1ª SEXTAFEIRA DO MÊS Coração Semelhante ao de Jesus Há corações que exaltam e outros que humilham corações que bendizem e alguns que maldizem Existem corações que pedem e outros que negam corações que abençoam e alguns que amaldiçoam Há corações que acolhem e outros que rejeitam corações que curam e há outros que ferem Existem corações que libertam e alguns que oprimem corações que perdoam e outros que se vingam Há corações que socorrem outros que abandonam corações que unem outros que desunem Existem corações que dão vida e outros que matam Alguns aproximam outros repelem Coração de Jesus que meu coração seja semelhante ao vosso Pe Antônio Francisco Bohn Luís AlvesSC SOLIDARIEDADE AOS ENFERMOS É preciso ser agradecido a Deus Sim Agradecer é a melhor maneira de merecer Louve a Deus pela sua saúde e pela alegria de não ser só Mas convido você a pensar sempre um pouco nos milhões de seres humanos irmãos seus que passam pelo peso da dor e do sofrimento É nossa obrigação levar uma palavra amiga de conforto e esperança a um irmão machucado pela enfermidade Que tal dividir a sua felicidade e o dom da sua saúde com aqueles que em seu leito de dor experimentam a limitação e a doença Seja solidário Partilhe com alguém em forma de presença a graça de não ser só e o dom de ser saudável e feliz Rosa Garcia ItararéSP 1102 NOSSA SENHORA DE LOURDES Quando saiu naquela fria manhã de 11 de fevereiro de 1858 para buscar lenha a jovem Bernadete Soubirous então com 14 anos não imaginava o que estava para acontecer Enquanto descansava à entrada de uma gruta uma luz suave vinda de dentro lhe chamou a atenção Iniciavase ali uma série de encontros com aquela que depois se revelou como sendo a Imaculada Conceição O encontro da pobre Bernadete com aquela mulher vestida de branco iria transformar aquele local num dos mais importantes centros de peregrinação mariana do mundo O apelo à oração e à conversão e os inúmeros testemunhos de cura continuam atraindo a Lourdes na França todos aqueles que esperam na intercessão bondosa da Mãe junto a Deus Frei Sandro Roberto da Costa OFM PetrópolisRJ 378 IDADE LONGA João Olivêrto de Campos naceu em Combrão município e comarca de Guarapuava pr em 6 de maio 1926 pai francisco Asiss de Campos e Dna Graciolina Alves de Campos semudaram para o pinhão em 4 de maio de 1932 sendo fi lio unico do cazal estudou primeiro em escôla particular em poço Grande pinhão em 1939 e 1940 Apois anos e mais anos cazouce com Dna Rozilma da família Brais e Ramos ela fi lia de Domingo Ramos de Morais e Dna francelina Maria de Morais cazouce com 31 anos tiveram 2 fi lias Delair e Abegacir viveu 47 anos e 4 meis cazado com Dna Rozilma ela veio falecer em 28 de outubro de 2004 da Delair teve 2 fi lias Rozidete e Neiza 2 neta de João oliverto da Rozide teve uma fi lia Gecica Neruza uma bis nêta de João olivêrto da Neruza cazouce teve uma fi lia Izadora tataraneta de João oliverto de Campos 85 anos da Abegacir 2 fi lias Hellem e Tamara 2 neta de João olivêrto da Hellem uma fi lia Bruna Bis neta de João olivêrto 2 fi lias 4 nêtas 2 bis nêtas e uma tataraneta Agradeço a o meu querido Deus por êsta longa vida Obrigado Senhor João olivêrto de campos Poço grande pinhão Paraná 12 de março 2011 sábado Amar a Deus e o proximo Anotação Os fundadores da capêla São Sebastião e Sto Antonio em poço Grande pinhão pr João oliverto de Campos e sua espoza Dna Rozilma Jezus de Campos 1ª Capela madeira em agosto de 1976 Após 22 anos foi construída de alvenaria por Sio Antonio Ferreira de Oliveira e Sua espoza Dna Marcimilia Maria de Oliveira Dna Mila em 1998 Veja a fôto na proxima pagina As duas senhôra já são falecidas fi cou a saudade 31 de março de 2011 João olivêrto de Campos 84 anos Os primeiros fundadores da capêla de poço grande João olivêrto de Campos e Dna Rozilma Jezus de Campos Agosto 1976 Na madeira de alvenaria por Antonio ferreira de oliveira e Dna Marcemilia Maria de Oliveira Dna Mila em 1998 379 Dentro da capêla a direta ao canto esta um quadro com esta fotografi a e uma placa com esses dizeres que você está vendo Dna Rozilma faleceu 28 de outubro de 2004 e Dna Marcimilia faleceu em 26 de outubro de 2008 Ficou a saudade das grandes senhóras João oliverto de Campos O tempo está mudando dias apóis dias está se realizando as profecias do livro Epocalipse escrito por João Evangelista na ilha de patam cidades estão dezaparecendo no planeta Terra a violencia é inacabavel a drôga ê a fonte da violencia o inimigo achou que foi a porta mais aberta que pra ele deu mais certo foi a droga no Brazil e no mundo levando o Brazil e o mundo para o cau No dia 7 de abril de 2011 um atirador drogado enndemonhado entrou num colegio no Rio de Janeiro entrou atirando matou 12 crianças a policia atirou no pê dele mais o povo dis que ele se matou o quanto ele iria padecer mais dizem que foi a policia que o mato o bandido que na manhã do dia 7 de abril de 2011 aconteceu a tragedia esta se comprindo todas as profecias bilbicas isto apenas o comesso das dores 90 por sento não tem Deus as própias igrejas estão mudando suas doutrinas ninguem mais guarda o sábado que o antigo testamento nos fala Deus criou o mundo e todo o quanto nele eziste em 6 dias e o 7º descançou Jezus Cristo resucitou no 1º dia trais o nome de domingo ao que na Bibia não se encontra o domingo mais só Deus sabe tudo 1942011 380 ANIVERSÁRIOS DE CASAMENTO Anos Bodas de 1 Algodão 2 Papel 3 Trigo ou Couro 4 Flores e Frutas ou Cera 5 Madeira ou Ferro 10 Estanho ou Zinco 15 Cristal 20 Porcelana 25 Prata 30 Pérola 35 Coral 40 Rubi ou Esmeralda 45 Platina ou Safi ra 50 Ouro 55 Ametista 60 Diamante ou Jade 65 Ferro ou Safi ra 70 Vinho 75 Brilhante ou Alasbatro 80 Nogueira ou Carvalho Seleção de Luciana Helena Lopes Ouro PretoMG 1506 BV ALBERTINA BERKENBROCK Albertina Berkenbrock nasceu a 11 de abril de 1919 na comunidade de São Luis município de Imaruí SC Cresceu num ambiente simples belo e cristão de sua família Ajudava os pais nos trabalhos da roça e em casa Confessavase com freqüência ia regularmente à missa Preparouse com muita dedicação para a 1ª Comunhão e dizia que fora o dia mais belo de sua vida Falava muitas vezes da Eucaristia e sempre comungava com fervor No dia 14 de junho de 1931 aos 12 anos de idade foi atacada por um empregado do sitio de seu pai Morreu mártir ao lutar para preservar sua pureza e virgindade defendendo a dignidade de mulher Foi beatifi cada no dia 20 de outubro de 2007 em Tubarão SC Albertina Berkenbrock é a primeira bemaventurada leiga mulher e jovem genuinamente brasileira É modelo para os jovens de que não se pode ter medo de ser santo Adaptado de Zenit 19102007 SÃO PAULO CONTRA VARGAS O que não é lembrado deixa de existir O passado só vive se recuperado no presente atualizado pela nossa memória Isso vale para os indivíduos e para os acontecimentos históricos Nove de Julho é nome de rua em todos os municípios do Estado de São Paulo e feriado naquela unidade da Federação relembra a Revolução Constitucionalista de 1932 quando grande parte da população paulista dos grandes fazendeiros de café ao operariado das indústrias que se instalavam incluindo parte da juventude estudantil rebelouse contra o governo central exigindo que o país tivesse uma nova Constituição e eleições Getúlio Vargas o Presidente provisório usou força e habilidade política reprimiu os revoltosos mas convocou uma Assembléia Constituinte Chico AlencarRJ autor de BR500 Um Guia para a Redescoberta do Brasil VOZES 2050 PAÍSES MAIS POPULOSOS A população total estimada para 2050 chegará a 915 bilhões de pessoas no mundo Segundo previsão os países que terão o maior crescimento populacional são 1º Índia 16 bilhão 2º China 14 bilhão 3 EUA 404 milhões 4 Paquistão 335 milhões 5 Nigéria 289 milhões 6º Indonésia 288 milhões 7 Bangladesh 222 milhões 8º Brasil 219 milhões 9 Etiópia 174 milhões 10º Rep Dem Do Congo 148 milhões Outros países 4 bilhões Revista Veja 16092009 baseada na ONU Os aniversarios de casamento População do mundo veja 381 Pesquizas de historico das capelas 25052011 Senhoras Elaine Aparecida Sheski Maria Inês Ferreira Mendes Meira Verônica Maria Ferreira Ailton Jose Ferreira Aparecida J Proença 1ª Capela de poço grande em madeira fundada por João olivêrto de Campos e Dna Rozilma Jezus de Campos em 1976 Vizita da santinha 7 dias em cada capêla em poço grande de 2802 a 6031998 Tudo fi ca só a lembrança a saudade destas pessoas uma parte não eziste mais de 17 de outubro de 2011 uma segunda feira O pedreiro compadre Amarildo de Lara comessou a fazer a minha gaveta no cemiterio de poço Grande ao lado do tumulo de minha espoza Dna Rozilma Jezus de Campos e proximo a capelinha de meus pai franscisco Assis de Campos e Graciolina Alves de Campos saudoza memória e no dia 21 de outubro 2011 ele terminou assino João Olivêrto de Campos R 60000 382 UM TIRO PELA CULATRA Há exatos 50 anos a política brasileira viveu um grande abalo O presidente da República até então eleito com o maior numero de votos depois de apenas nove meses de governo renunciou às suas funções Jânio Quadros escolheu o dia seguinte ao do trágico suicídio de Vargas em 1954 no mesmo mês de agosto para marcar o tom dramático de seu gesto Na verdade pensava em ver seu pedido de deixar o governo recusado pelo Congresso Nacional permanecendo assim como presidente com maiores poderes para ter mais força para enfrentar as forças terríveis que segundo sua carta de renúncia atrapalhavam sua administração Mas o tiro saiu pela culatra seu pedido foi aceito e o vice João Goulart depois de alguma resistência das forças mais conservadoras assumiu como presidente da República Chico AlencarRJ autor de BR500 Um guia para a Redescoberta do Brasil VOZES em dia 4 de novembro de 2011 sexsta feira esteve aqui em nossa capêla 1ª primeira veis o Dr Edisson Crema trazido por o gerente do posto mêdico do pinhão sio paulo prêste Atendeu 1ª consulta pela 1ª veis um medico em nossa cumunidade poço grandence em 1999 esteve dentista por 6 mezes uma veis por meis de fevereiro 2004 ESTEVE O Encino fundamental CEEBJA ATE 24 de 12 de 2004 no dia de sábado Assino João oliverto de Campos 5112011 O QUE SERIA UMA BOA MORTE Ninguém de nós deseja morrer No entanto mais cedo ou mais tarde na vida seremos tocados pela morte Ela faz parte da nossa vida Estudos demonstram que para nos despedirmos da vida com elegância e dignidade precisamos cuidar 1 AlÍvio da dor e sintomas sofrimento 2 Evitar o prolongamento do morrer 3 Manter um senso de controle autonomia em contexto de crescente vulnerabilidade 4 Não se sentir um peso físico e emocional para os outros entes queridos 5 Oportunidade de fortalecer e aprofundar o afeto com os familiares e amigos 6 Necessidade de concluir coisas pendentes e inacabadas 7 Confi ança e confi dência nos cuidadores 8 Comunicação honesta 10 Cuidado com a espiitualidade Leo Pessini Camiliano pessinisaocamilospbr Deveres do cazal DIREITOS E DEVERES do matrimônio Muita gente não sabe mas depois do casamento alguns direitos e deveres surgem com a nova união No Direito Civil o casal após o casamento deve ser fi el e habitar sob o mesmo teto ter respeito e consideração mútua Deve ainda se um dos dois está sob difi culdades fi nanceiras ampará lo e sustentálo até cessar a difi culdade Tem que sustentar guardar e educar os fi lhos resultantes da união entre os dois Para nós católicos além destes deveres e direitos civis o Direito Canônico reza que o casal tem que estar a serviço da vida procriar e deve educar os fi lhos na fé cristã com ênfase nas virtudes teologais fé amor e caridade Ensinar os fi lhos a rezarem estarem a serviço do próximo e ter reverencia para com as Coisas do Senhor Ana Vitória Wernke Advogada especialista em Direito Público anavitoriawernkehotmailcom JOC 7 MODOS DE ENFRENTAR AS DIFICULDADES DA VIDA 1 Tenha a convicção de que Deus está no controle de tudo 2 Não tenha medo de situações novas 3 Tire proveito das difi culdades 4 Não escute palavras de desânimo e dúvida 5 Lembrese de que você próprio é uma solução 6 Esteja se fortalecendo interiormente cada manhã 7 Agradeça a Deus pela oportunidade de lutar e vencer Seleção de Regina Maria Munch PetrópolisRJ 383 As coizas vão mudando em nosso lugar poço Grande no passado ERA bom de viver agora já não mais Hoje já estão asartando cazas robando criação queimando cazas e daí por diante A policia de pinhão não liga nessa parte pode robar que nada acontece Muntos moradores bons já estão saindo vendendo suas propiedades indo para as cidades mais lá ainda ê pior neste fi m de ano 2011 já foi robado em muntas cazas e nada foi feito pelas autoridades 25122011 João olivêrto Campos Dizem que o mundo mudou até que pôde o mundo mudar o planeta terra mais se mudou é por cauza da distruiçao da natureza o própio homem destruiu a natureza e poluiu e a natureza cobra Isso ai Na vida moderna juventude moderna sem religião alguma não mais cream em Deus cream só na teblologia Aumana quando a pessoa sai do sitio do mato vai pra cidade grande ou pequena já mudou a pessoa Já não conhece mais os conhecidos se alguma veis te vi não te conheço O pai não é bem vindo pelos fi lios os conhecidos munto pior ainda chamam de grosso jacu mal trapilho não comem qualquer comida os afi liados não dão lovado para os padrinhos como êra dantes eu tenho muntos afi liados mais é alguns que me da louvado Aqui no mato mezmo já aconteceu o mezmo os vizinhos não mais se vizitam como êra no passado o preconseito está em todo o lugar até nais igrejas seja a igreja que for é só o nome de religião voce vale o que você tem si tem munto vale munto si tem um pouco vale um pouco si nada tem não vale nada a pessoa idoza não vale nada só e visto quando eu percizo fora disso nada eu sou regeitado perante a sociedade fazer o que um dia alguem vem nóss julgar ponto fi nal 1122012 JOC A CARTEIRA DE TRABALHO Em março de 1932 o novo governo do Brasil chefi ado por Getúlio Vargas criou um pequeno documento que mudou a vida de muita gente das cidades a carteira de trabalho Até então em um país saído da escravidão há menos de cinco décadas a desconsideração pelos operários era imensa e pelos camponeses ainda maior A carteira de trabalho a ser obrigatoriamente assinada pelos patrões tornouse um registro importante para que a massa trabalhadora urbana tão explorada pudesse reivindicar seus diretos Há 80 anos portanto depois de muita luta começava no Brasil o lento reconhecimento da dignidade de quem trabalha Afi nal são os trabalhadores que verdadeiramente produzem as riquezas ainda tão mal distribuídas entre nós Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil Ed Vozes PROGRAMA DE ÍNDIO Você sabia que no século XXI ainda são faladas 188 línguas de origem indígena Isso pode parecer muito mas quando da conquista portuguesa no século XVI elas eram mais de mil A população dos povos nativos dizimada expulsa de suas terras e agredida em suas culturas hoje voltou a crescer embora ainda haja muito preconceito A expressão programa de índio para designar algo negativo é um exemplo Mas a Constituição Cidadã de 1988 garante em seu artigo 231 o respeito à terra e à cultura dos indígenas É preciso fazer esse principio descer do papel para a vida garantindo áreas onde os índios possam se reproduzir não apenas fi sicamente mantendo suas tradições e sua identidade Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil Ed Vozes 384 INDEPENDÊNCIA A CONQUISTAR Há 190 anos o Brasil constituiuse como nação independente livre de Portugal O Sete de Setembro é o Dia da Pátria Deve ser também um momento de refl exão sobre a consolidação da nossa independência defi nitiva Devemos nos indagar se todos os brasileiros já têm oportunidades iguais para uma vida cidadã Devemos perguntar se o abismo entre os muito ricos e os mais pobres diminuiu Devemos questionar o individualismo que nos leva a desconhecer os nossos patrícios Devemos nos interrogar sobre o porquê de algumas rádios e tevês desvalorizarem nossa própria criação artística Devemos por fi m superar o que o escritor Nelson Rodrigues chamava de complexo de viralatas sem vergonha de sermos brasileiros Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil Ed Vozes PESSOAS DE IDADE são as que se encontram no alto da montanha da vida Na vida só há duas possibilidades morrer cedo ou envelhecer Infelizmente para muitos só este verbo já causa arrepios Acontece que há outra maneira de compreender o envelhecimento Este é um processo que pode conduzir a uma etapa privilegiada da vida Quem chega lá chega ao topo da montanha E quem chega ao topo é porque soube caminhar A recompensa não se faz esperar é lá do alto da montanha da vida que se descortinam as mais belas paisagens Montanhas e vales nascer e pôr do sol nuvens escuras e céu estrelado silêncio e os mais diferentes ruídos noturnos vão se alternando para comporem uma sinfonia de beleza incomparável Basta manter os olhos e ouvidos abertos Frei Antônio Moser OFM moservozescombr A AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS O que é uma República Federativa É a união de pessoas jurídicas de Direito Público em uma só coletiva mas cada um dos associados conserva sua autonomia quando os assuntos são de interesse local Foi esta a forma de associação eleita quando passamos do Império à República Parabéns à Constituição de 1988 que retirou do ensaio a autonomia municipal e colocou os municípios na condição de associado federado O município não pode e não deve manterse no ranço deixado pelo poder imperial ou na história mais recente como ocorreu no período militar de plena obediência ao poder central e único valendo se apenas das leis federais e estaduais para regularem assuntos que dizem respeito ao seu domínio de interesse Ana Vitória Wernke advogada anavitoriawernkehotmailcom 2508 DIA DO SOLDADO O soldado é o cidadão fardado precursos na defesa da sua pátria e das instituições O Exército a Marinha a Aeronáutica e a Polícia Militar são forças devotadas à defesa da pátria da ordem e das instituições O Dia do soldado foi instituído em homenagem a Luís Alves de Lima e Silva patrono do exército brasileiro nascido em 25 de agosto de 1803 na cidade de Estrela RJ Com pouco mais de 20 anos tornouse capitão e aos 40 marechal de campo Entrou para a história como o pacifi cador por ter sufocado muitas rebeliões contra o Império Comandou as forças brasileiras na Guerra do Paraguai em janeiro de 1869 Depois da guerra Lima e Silva foi elevado à condição de Duque de Caxias o mais alto título de nobreza concedido pelo imperador Caxias morreu em 1880 Voce ve esses os quadrinhos de folhinhas nêsta genda aonde estiver um quadrinho não de ler ali ESTÁ um HISTORIA eu gôsto munto de historia No ano de 1989 apedido do Senhor Antonio Correia da Silva e sua espoza professora Dna Cirdinei levisk da Silva eu ESCrevi um livro História do poço Grande pedi a eles que me RZgatace documentos antigos o qual resgataram o que puderam e eu entrevistei muntas pessoas 385 antigas da Êpoca que hoje não mais ezistem o qual fi z o Livro História do poço Grande pinhão pr Me dise eles que tem copia em varias escolas do municipio e na biblioteca municipal de pinhão o rascunho original está com elles Sio Antonio e Dna Cirdinei Temos que escrever o passado para fi car no futuro Muntas pessoas de pouca curiozidade não gostam de história e muntos gostam João Oliverto de Campos 6052012 IMPEACHMENT A palavra difícil entrou no nosso vocabulário comum há exatos 20 anos Ela signifi ca impedimento afastamento Foi o que aconteceu com o primeiro presidente eleito pelo voto popular depois do período militar iniciado em 1964 Fernando Collor acusado de corrupção sofreu processo de cassação do seu mandato pelo Congresso Nacional apoiado por forte mobilização da população em especial da juventude os chamados carapintadas Poucos acreditavam ser possível destituir um presidente da República pelos meios legais e democráticos sem gerar aguda crise Mas aconteceu assim Collor saiu e seu vice Itamar Franco assumiu concluindo o mandato presidencial para o qual também tinha sido eleito O Brasil de fato estava mudando Chico Alencar wwwchicoalencarcombr 0310 Bv MÁRTIRES DE CUNHAÚ E URUAÇU Em 16 de julho de 1645 o Padre André de Soveral e outros 70 fi éis foram cruelmente mortos por mais de 200 soldados holandeses e índios potiguares quando participavam da missa dominical na Capela de Nossa Senhora das Candeias no Engenho Cunhaú município de Canguaretama Rio Grande do Norte Pagaram com a própria vida o preço pela crença por causa da intolerância calvinista dos invasores Três meses depois aconteceu outro martírio 80 pessoas foram mortas por holandeses entre elas o camponês Mateus Moreira que teve o coração arrancado pelas costas enquanto repetia a frase Louvado seja o Santíssimo Sacramento Este massacre aconteceu na Comunidade Uruaçu em São Gonçalo do Amarante a 18km de Natal litoral do RN Os Protomártires foram beativicados no dia 5 de março de 2000 Adaptado da Tribuna do Norte RN 01102009 Veja cada quadrinho que voce ve aqui Leia ê uma historia que ele tem se voce ler voce sabe o que ele dis O Brazil e seus Encantos No ano de 1647 foi encontrado na praia da Jurema os índios da Êpoca encontraram a famóza image do Senhor Bom Jezus que deram o titulo Bom Jezus de iguape foi trazido pelas onda do mar voce sabe quem feis essa image eu não sei ais igreja protestante dizem que um barco que navegava e afundou que trazia a image e como êla saiu do barco voce viu porque eu não vi No dia 7 de maio de 1717 os 3 pescadores que pescavam no Rio paraíba são paulo para recepecionar o conde de Assumar diz a historia encontraram a image de Na Sa Aparecida lansando a rede pescaram a image sem cabeça pela 2ª veis lansaram a rede pescaram a cabeça pela 3ª lansaram a rede a pêsca foi formidavel felipe pedrozo e o fi lio e o vizinho voce viu quem feis essa image por que eu não vi em uma ocazião eu li um Mapa Militar da Norte America traduzido em portugueis que conta que no ceano tem uma imagem de No Sr Jezus Cristo no mar não ê seguro em nada e não afunda tem altura de um hómem 386 o mar crece e baixa a mare e ele esta no mezmo lugar mergulador não viram pilar algum deram o título Senhor do Ceano foi voce que feis essa imagem por que eu não fui Sim ais igreja protestante que se dizem igrejas evangelicas negam a virgem Maria negam a crus de Cristo Na verdade o sábado e santifi cado em Genes Deus criador criou o mundo feis tudo em 6 dias e no 7º descançou contemplando ais maravilhas que feis Na verdade no antigo testamento os homens faziam um boi de ouro e diziam esse ê o noso Deus faziam um homem de ouro ou prata ou qualquer outro material e diziam esse é o nosso Deus deixavam de adorar o nosso Deus verdadeiro para adorar e prestar culto e oferecer Holucausto a essa imagem o que aconteceu veio o diluvio e tudo acabou só se salvou Noê com a familia por que temia a Deus criador e por ordem de Deus construiu a arca salvou as especie por orde de Deus Deus mandou seu fi lio nacido da virgem Maria mais os homem não quizeram e mataram crucifi cado mais se enganaram por que no 3º dia ele ressucitou no primeiro dia de serviço do pai foi dado o nome domingo dia do Senhor o domingo e santo pela Ressureição de Cristo Jezus Jezus Cristo não deu placa de igreja alguma ele dise para o apôstolo pedro sobre ésta pedra eu edifi carei a minha igreja as pórtas do inferno não prevalecerão contra éla todo o que ligar sobre a terra sera ligado tambem no ceu todo o que dezligar sobre a terra sera dezligado tambem no ceu ele não falou em igreja catolica ou evangelica alguma os homem que deram o nome mais si eu perguntar para um pastor da Acembleia qual é a melho igreja ele dis ê a minha mais se eu perguntar para um pastor da igreja Quadrogular qual ê a melhor ele dis ê a minha Aí eu pergunto onde esta a melhor aí esta a duvida dais igrejas protestante outro sim a muntas igreja mentindo que sabem que dia o mundo vai acabar se Cristo dice a pedro pergunto quando era a volta ele dice nem os anjos do ceu não sabem So o pai sim ele deu a parabola da fi gueira sim esta acontecendo Amigo Leia a Biblia e confi ra o que eu escrevi poço Grande pinhão pr 6 de novembro de 2012 João Olivêrto de Campos Veja o passado ESTADO NOVO VELHO AUTORITARISMO Na noite de 10 de novembro de 1937 há 75 anos portanto foi instaurada no Brasil uma ditadura constitucional o Estado Novo O Presidente Vargas cancelou as eleições previstas para o ano seguinte E chamou um jurista Francisco Campos para outorgar ao país uma nova Constituição inspirada nas leis fascistas da Itália da Alemanha de Portugal e da Polônia Ela dava plenos poderes ao Executivo que controlou todos os estados instituiu a pena de morte e a censura prévia a ser feita por um órgão especial o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP O Estado Novo durou 8 anos Mas o autoritarismo se enfraqueceu quando Hitler e Mussolini começaram a perder a guerra Novos ventos de liberdade sopravam no mundo Chico Alencar wwwchicoalencarcombr 387 A vêlice quantos anos passam em nóssa vida quantos relembramos o passado como eu ja com 86 anos viuvo a 8 anos vivendo sózinho em meu ranxo mais sozinho não estou ao meu lado está alguem junto de mim que sô eu sei o S C J com sua Mãe Maria eu gôsto munto fazer o bem o mal não para mim se fêxe ais pôrtas de eu fazer o mal e se abra ais pôrta de eu fazer o bem Os anos passam as pessoas se vão só resta a saudade de quem já foi para o alem hoje tudo mudou EZISTE munto preconseito discriminação principalmente entre a juventude e a velice Antigamente eu saia em fêstas bailes aproveitei meu tempo hoje não saio mais não poço montar a cavalo não poço andar de bicicleta se eu tenho que sair tenho que fretar uma condução moro sozinho não tenho quem me acompanhe para ir no banco arreceber Minha familia moram loge de mim tenho apenas 2 fi lias moram em Guarapuava eu moro aqui Bom Retiro poço Grande pinhão pr Tenho um casal de compadre que moram com migo já 9 anos eu pago o salario pra eles fazerem alguma coiza para mim Azar meu se não fosse eles ainda trabalho um pouco cuido dais minhas criação morar sozinho ele não ê munto bom como alguns pençam não tem quem de um côpo de agua em sérta ocazião peço a Deus que ao fi nal da minha vida tenha alguem ao meu lado a familia sempre não gosta de gente vêlho so serve para icomodar Mais mezmo eu gósto da minha familia Grassas a Deus todos são bem de vida eu confi o em Deus e não fi co iludido eu estou ao lado dele e ele esta ao meu lado em todo os tempos Amem poço Grande pinhão paraná 2 de dezembro de 2012 Domingo do Advento João olivêrto de Campos Deus criou cêu e terra e tudo o que nele EZISTE Como vemo em Gens capítulo 26 vs 29 da Sagrada Ecritura Deus criou o homem e mulher como todos nóss sabemos mais hoge o homem qer dominar a Deus já mais domina os homem previam o fi m do mundo no ano 2000 Nada aconteceu muntas igrejas evangelicas ou protestantes diziam que no ano 2000 Jezus vinha buscar eles e o diabo via buscar os católicos sendo que só Jezus Cristo pôde julgar não julgueis para não ser julgado Lógico os monarcas os governantes e os juízes da terra eles julgam e por o dinheiro eles condenam o inocente e abessórvem o bandido Nem todos fazem isso mais munto fazem Aí vem os cientistas referindo aos maias e nostradamos afi rmando pozitivamente que no dia 21 de dezembro de 2012 acabaria o mundo acabou por acauzo atê mezmo muntas pessoas sabido que não leiam A Biblia acreditavam Sim é verdade Jezus falou do fi m dos tempos a parabola da folha da fi gueira que lemos na Biblia ê vêrdade o que está acontecendo no Brazil e no Mundo podera está pêrto o ponto fi nal mais quando o Apóstolo pedro perguntou para Jezus quando êra a vôlta o que ele disse a pedro nem os anjo do ceu não sabem só meu pai vigiai e orai por que não sabeis o dia e nem A HÔRA 388 Na verdade o que esta acontecendo calamidades nais cidades Sódoma E Gomorra atraíram o fogo do céu nais cidades anda tão saturado da impureza que é quazi um milagre escapar do envenenamento secuéstro violencia drôga morticinio latroucinho todos os dias e outras coizas o dizmatamentos no planeta mudou munto o clima do mundo Vamos Rezar por o joelho no chão fazer o Bem e não o Mal nossa Alma sera salva Amem 24 de janeiro 2013 poço grande pinhão João olivêrto de Campos 21 Da féria roxo missa pr Pf da Q comemoração facultativa de S Pedro Damião bispo e doutor da Igreja or pr Leituras Lv 19121118 Mt 253146 Santos Pedro Damião Sérvulo Severina 1431 Foi aberto em Rouen França o processo que condenou Santa Joana DArc à fogueira A Quaresma é tempo de reencontro com o Pai É tempo em que o fi lho pródigo volta de sua louca caminhada pelas estradas da vida para o Pai Só podemos estar com os pobres se somos contra a pobreza P Ricoeur FEVEREIRO SEGUNDA 1983 LUA CHEIA A 27 Sempre Ê bom voce ler estes quadrinhos tem munta coiza importante que voce fi ca sabendo de muntas histórias do passado que fi cou em escrito para recordar GRhande Catastro Na noite do dia 26 para 27 de janeiro de 2013 domingo no Rio Grande do Sul em Santa Maria uma boate caza no turno boate Qiss aonde se divertiam centenas de jôvem de varios Estado do Brazil só estudantes de varias faculdade do Brazil ali se divertiam alégremente a um momento de segundos a boate pegou fôgo sem saída de emergencia o que dis os jornais no momento morreu 234 pessoas jovem de todos os cantos do Brazil centenas foram hospitalizadas em vario hospital do Brazil ate este momento algus se recuperaram e centenas em estado grave motivo a fumaça toxicas que levou AHÔBITO esta quantidade de pessoa Todas as igrejas de todas as religião fi zeram oração hecumenica aos fi eis não impórta qual seja a religião de cada um ou sem batizmo ou sem religião todos são criatura de Deus eles já passaram para o pulgatório Deus ve tudo Deus ama a todos Jezus salva GANDHI EM NÓS Nós do Ocidente costumamos fi car bem distantes das culturas e da história da Ásia Mas aquela parcela mais populosa da humanidade tem muito a nos ensinar Há 65 anos em um já longínquo 30 de janeiro de 1948 era assassinado o líder da Independência da Índia e defensor da não violência ativa Mahatma Gandhi Ele com sua luta política coletiva exemplar elaborou também uma atualíssima versão do que chamava de Sete Pecados Sociais riqueza sem trabalho conhecimento sem sabedoria prazer sem escrúpulo comércio sem moral ciência sem humanismo política sem idealismo e religião sem austeridade e sacrifício Se cada um de nós em todos os momentos de nossas vidas combater essas distorções o Brasil sem dúvida vai melhorar Chico Alencar autor de Cântico das criaturas ecologia e juventude do mundo Ed Vozes 389 a todos centenas de pai mãe ermãos derramando suas lagrimas não é pra menos o cauzo ê horivel no comesso de 2013 A lei proibiu em todo o Brazil a caza no turno que não estiver regularizado dentro da lei É FEXADO Vamos rezar por eles e seus familhares e por noss todos 31012013 João olivêrto de Campos Vou contar Minha vida João Olivêrto de Campos Naci em Guarapuava pr 6 de Maio 1926 Meu pai francisco Assis de Campos natural de Guarapuava origem paraguai Minha mãe Graciolina Alves de Campos natural de Sta Catarina Joivile origem alemão vieram para o pinhão em 4 de maio de 1932 fi lios êra só eu fi lio único eu estudei em escôla particular em 1939 e 1940 me cazei com 31 anos de idade com Dna Rozilma Jezus de Morais da familia Brais ela nacida em 1111 1937 ela com 20 anos pai dela Domingo Ramos de Morais mãe francelina Maria de Morais cazemos em 29 de junho de 1957 nossa atividade pecuaria e lavoura Tivemos 2 fi lias Adelair e Abegacir uma É VIUVA Adelair Abegacir e cazada Adelair naceu em 10081953 Abegacir naceu em 8061961 Grassas a Deus são todos bem de vida moram todos em Guarapuava pr e eu retornei a estudar de novo no ano 2000 a 2005 fi s a 8ª cérie vivemos cazado com Dna Rozilma que passou acinar Rozilma Jezus de Campos vivemos 47 anos e 4 mezes Dna Rozilma faleceu em 28 de outubro de 2004 eu fi quei viuvo com 78 anos de idade meu pai faleceu em 25121965 Minha mãe faleceu em 9121988 Hoje estou com 86 anos vivo sôzinho no meio dos estranhos só tenho um cazar de compadre que môram com migo a 20 Mtros do meu rancho eu pago o salario para eles para eu não fi car sozinho eu sou defi ciente de nacimento tenho o Labio lepurino sofro munto preconseito mais não peço nada a ninguem sou católico fundei a capêla de São Sebastião e Sto Antonio em poço Grande Na minha propiedade em 1976 sou ministro estraordinario da Sagrada Eucaristia no passado tinhamos 50 vizinhos a minha parentesca do lado materno morava todo aqui o lado paterno um pouco moravam aqui em poço Grande e outros em Guarapuava Hoje não eziste mais ninguem da quele povo só a lembrança hoje eziste apenas 10 vizinhos ainda longe um do outro ninguem se vizita mais só se reune na igreja para o culto nos domingos eu vivo só Ninguem me vizita eu não vou em caza de ninguem motivo ser longe não tenho condução por eu não saber dirigir vendi minha condução aqui tudo tem carros mais ninguem me oferêce uma carona qando eu vou pro pinhão vou de onibos passa na frente da minha propiedade 3 VZ a semana ais vezes eu frêto algum carro quando da cêrto mais mezmo pagando ainda ê difi ce hoje tudo mudou eu vivo semiabandonado Mais não estou abandonado de Deus Amem João olivêrto de Campos poço Grande pinhão 17032013 390 A Thellogia mudou a vida da humanidade Antigamente os jôvem trabalhavam com os pai e mãe na róssa na tropiada na agricultura na pecuaria mais hoje ja mudou os jovem ais jovem tem que estudar munto fazer faculdade fazer varios estudo e formação para poder achar um emprego para trabalhar para sobre viver os jovens tenha que sair do interior para vir para a cidade e os pai mâe e apozentam e vendem a chacra ou o sitio e vem para a cidade eziste um dizer não venham para as periferias da cidade por que pôde ser pior para voceis O interior esta sem gente e ais cidades crecendo horrível mente cidades e roubo drôgas assaltos homicidios estupros secuestros vandalizmos e é por aí eu vejo na televizão estudo não tenho mais acompanho todos os noticiarios do radio e da televizão sempre estou por dentro dos assuntos que ocôrre ao dia a dia no Brazil e no mundo em que vivemos vi o pâssado estou vendo o prezente só não sei do futuro como vai ser só Deus sabe pouco ate o momento do lado bom 50 ao lado ruim 70 mais o menos não sei estou com 86 anos lembro munto bem do passado 1940 1950 1960 1970 aí já foi mudando desculpe se eu ofendi IVIVMMXIII João olivêrto de Campos 2104 DIA DE TIRADENTES Joaquim José da Silva Xavier lutou pela Independência do Brasil num período em que o país sofria o domínio e a exploração de Portugal O Brasil não tinha uma Constituição o direito de desenvolver indústrias em seu território e o povo sofria com os altos impostos cobrados O movimento da Inconfi dência Mineira pretendia transformar o Brasil numa república livre de Portugal Para conquistar tal êxito Tiradentes e vários componentes da aristocracia mineira integraramse a esta mobilização Em 1789 o movimento foi denunciado e interrompido pelas tropas ofi ciais Os inconfi dentes foram julgados e alguns fi lhos da aristocracia ganharam penas brandas como o açoite em praça pública outros porém a forca Tiradentes foi condenado à morte mas o sonho que o impulsionou a lutar frutifi cou e transformou o Brasil em uma nação independente Tudo tem um sentido Leia Tiradentes Os Grandes Fenominos que A história conta a 1ª Guêrra Mundial de 1914 a 1917 O que dizem que o autor foi Napolião Bonaparte 3 anos de Guerra de 13 de maio 1917 a 17 de outubro 1917 Apareceu Na Sa a 3 pastorinho na côva de iria em portugal Lucia francisco e jacinta Nossa Senhora de fatima a ermã Lucia faleceu em 11 de fevereiro 2005 Dizem que em 1918 a fêbre espanhôla matou centenas de gente no Brazil contado pelos antigos A 2ª Guêrra Mundial de 1939 a 1945 6 anos de Guerra O autor foi o ditador alemão Adolfo Histler dis o Almanaco pensamento 2011 O HISTLER 3º Anticristo 391 Outros Fenominos Que eu vi na minha vida em fevereiro de 1941 a Grande Ratada que asolou o paraná em outubro de 1946 A março e abril de 1947 A Grande gafanhotada que asolou o paraná foi imenço os prejuizos no mantimento e no vegetal em outubro de 1947 A pESTE suina não deixou pôrcos nas cumunidades maio de 1947 o ECLIPE Solar escureceu o Brazil 1948 a FÊbre AFEtoza atacou os rebânhos bovinos caprinos e ouvinos e alguns poucos de suinos na quela Êpocas não avia vacina alguma era curado as criação com Ruirolin ou Livrolina em 1954 Grande Tempestade em 13 de maio 1965 deu 3 tempestade dentro da noite 13 para 14 de maio 1965 tudo isto eu vi João olivêrto de Campos estou com quazi 87 anos naci em 6051926 Hoje 24 abril 2013 JOC Continuo me alembrei em 1963 não choveu meis de abril maio junho julho em agosto incendiou o paraná ate setembro choveu em 27 de setembro aí choveu uma semana Grassas a Deus apagou as fogueiras em abril de 1983 comessou a chover choveu maio junho julio comessou a dezmoronar as serras não fi cou ponte nem pinguêla em agosto voltou o bom tempo melhorou a situação consertado as estradas e ponte bueiros e pinguelas e por enquanto cheguei ao fi m dais historias reais que vi MinasGerais Brazil Assistido pela televizão escutado pelo radio uma Historia Real 4 de maio de 2013 sábado em minas Gerais foi Beatifi cado pela igreja católica o corpo de Nhá Chica francisca de paula conhecida por Nhá Chica decendente de escravo morreu com 84 anos no cêculo passado solteira nunca cazouce analfabeta não sabia ler nem escrever êra Benzedeira Curadeira tinha uma imagem Na Sa da Conceição que êra de sua mãe mandou fazer uma capêla ao lado da sua simple caza e ali que êla fazia suas curas quazi milagrôza aonde ela estava sentia se um suave perfume de rôzas encontravam Nha Chica Já sentia o suave perfumes de rôzas moços e rapais perguntavam a ela onde a senhora compra esse perfume de rôza Nha Chica êla dizia eu nunca uzei perfume na vida já chamavam de santa pelo bem que fazia a todos ela êra munto simples e êla pediu que quando êla morrece sepultaram dentro da capelinha e assim foi e continuou os milagres na vida só dava bom conselho a todos e no dia 4 de maio de 2013 foi ezumado e beatifi cado o corpo de Nha Chica os cardeais e bispos e padres e o povo 4000 mil pessoa assistiram a Beatifi cação 392 0302 SÃO BRÁS DE SEBASTE Sobre São Brás existem vários relatos alguns deles baseados em lendas sem base histórica Segundo a tradição mais verossímel Brás antes de ser bispo de Sebaste na Armênia era médico cristão Preso durante a perseguição do imperador Licínio após sofrer as torturas mais cruéis foi decapitado no ano de 316 Sua veneração iniciou se tardiamente no Ocidente depois do século IX mas foi um dos santos mais populares na Idade Média Narra a tradição que sendo levado para o martírio no caminho realizou um milagre curando um menino que havia se engasgado com uma espinha de peixe Por isso é invocado como o protetor dos males da garganta No dia dedicado a ele 3 de fevereiro em muitas igrejas se mantém o costume de dar a bênção da garganta Frei Sandro Roberto da Costa OFM PetrópolisRJ Neste dia 2 de fevereiro de 2009 segunda feira dia de Nª Sª do Belem apresentação do menino Jezus no templo eu expulsei em nome de nosso Senhor Jezus Cristo um demonio que estava no corpo de uma afi liada minha João Olivêrto de Campos Ministro Extraordínario da Stª eucaristia 2022009 ENVELHECIMENTO FELIZ Está se sentido envelhecido Ótimo Agradeça a Deus por esta dádiva Nada de preocupação porque o envelhecimento é um processo biológico considerado natural pois a cada minuto estamos mais envelhecidos e com a chance de atingirmos a maturidade Muitos fatos importantes para o destino da humanidade seus autores são pessoas maduras pois estas sacrifi caram suas horas de repouso sua saúde renunciando a si mesmas somente por amor à humanidade Neste processo de envelhecer verifi camos perdas e igualmente ganhos perdese gradativamente no aspecto físico porém se ganha no aspecto psicossocial Assim o valor do que se ganha supera em muito aquilo que é perdido Luiz Jarbas Godoy FlorianópolisSC FAÇAMOS A REVOLUÇÃO antes que o povo a faça Há exatos 80 anos aconteceu a Revolução de 30 os grandes fazendeiros donos de gado e gente que dominavam a República Velha começaram a perder força Formavase uma opinião pública a partir das cidades que não aceitavam aquela República do Café com Leite com seu voto de cabresto e seus currais eleitorais Artistas se revelavam na Semana de Arte Moderna tenentes se rebelavam nos 18 do Forte e na Coluna Prestes e operários faziam as primeiras greves Parte das próprias oligarquias aliouse a setores urbanos para remodelar o sistema político Com Getúlio Vargas à frente abriase o caminho para acelerar a industrialização e fortalecer o Poder Público O presidente governador de Minas deu o alerta Façamos a revolução antes que o povo a faça Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES Direitos autorais Patente do livro Registro em nome do autor DIGNIDADE HUMANA O conceito da dignidade humana foi o centro inspirador da Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU 1948 Foi também central na elaboração de muitas das Constituições Nacionais Continua inspirando leis e resoluções em todo o mundo A pessoa humana é digna de respeito pelo fato de ser pessoa e ponto fi nal A dignidade não é um atributo externo mas é inerente a todo ser humano não depende de seu estado de desenvolvimento de sua saúde de suas qualidades e capacidades nem sequer de seus comportamentos Todo ser humano em qualquer estado e condição é uma unidade de corpo e espírito aberto a um horizonte transcendente capaz de interrogarse sobre o sentido último de sua existência de ir para além de si mesmo e de se abrir a Deus A dignidade da pessoa não se atribui se reconhece não se outorga se respeita Leo Pessini Camiliano pessiniscamiloedubr 393 10072012 Terça feira Paulo e Liliana Curitiba R ap Bacacheri CuritibaPR 82510180 XX XXXXXXXX RECEBE SENHOR Recebe Senhor os meus medos e transformeos em confi ança Recebe Senhor meus sofrimentos e transformeos em crescimento Recebe as minhas crises e transformeas em maturidade Recebe as minhas lágrimas e transformeas em intimidade Recebe a minha raiva e transforme em oração Recebe o meu desânimo e transformeo em fé Recebe a minha solidão e transformea em contemplação Recebe minhas amarguras e transformeas em calma interior Recebe minhas esperas e transformeas em esperança Recebe minhas perdas e transformeas em Ressurreição Pastoral da Saúde MEDICINA E SABEDORIA POPULAR Remédio para Sinusite Ingredientes 100ml de água fi ltrada e fervida 1 colher de chá de sal marinho 1 pitada de bicarbonato Modo de fazer e usar Misturar tudo Colocar em vidro de contagotas e colocar uma gota em cada narina 4 vezes ao dia heiro a infl amação das pontas dos dedos geralmente formando pus Como tratar Mergulhe os dedos em 1 xícara de água fervente com 5 gotas de hipoclorito duas vezes ao dia durante 7 dias locar os dedos envolvidos numa espessa ada de barro argila e enrole Remo frequentemente o barro até conseguir hora cina de Ervas Medicinais do Colégio Santa Catarina PetrópolisRJ Tel 2422431606 O cazal leia e refrita esta OS DEZ MANDAMENTOS DO CASAL Nunca irritarse ao mesmo tempo Nunca gritar um com o outro Tomar as decisões de comum acordo Se for inevitável repreender fazêlo com amor Nunca jogar no rosto do outro os erros do passado Evitar e displicência e a indiferença com o cônjuge Nunca ir dormir sem ter chegado mediante o diálogo e o perdão a um acordo Pelo menos uma vez ao dia dizer um ao outro uma palavra carinhosa Cometendo um erro saber admitilo e pedir desculpas Viver a vida a dois como eternos namorados Revista O Mensageiro de Santo Antônio Junho2004 prêce pela familia PRECE PELA FAMÍLIA Olha Senhor uma vez mais sobre nossa família Tu conheces nossas alegrias e esperanças nossos temores e medos nossos dramas e inquietudes Queremos viver profundamente unidos acolhendo cada um com suas diferenças Nossa casa precisa ser espaço de acolhida da tua vontade lugar de encontro de partilha asilo para todos os que sofrem e que precisam de conforto Prepara nossos corações para viver o dom e o amor a solidariedade e a justiça para acolher teus desígnios e apelos Olha todas as famílias da terra as bem constituídas e aquelas que vivem na instabilidade as famílias sem pai e sem mãe e aquelas que vivem dramas e dores Queremos ser o sal da terra a luz do mundo e o fermento da massa Que a família de Nazaré nos inspire e nos ajude Amém Este artógrafo foi escrito por os jornalistas que estiveram aqui me entrevistando e fi rmando a minha jenda e o Livro de João Maria de Jezus e prometeram fazer um livro dais minhas historias a ser publicado com minha autorização para o fi m do ano 2013 João olivêrto de Campos 394 LAMPIÃO BANDOLEIRO OU JUSTICEIRO 28 de julho de 1938 na fazenda Angico no interior de Sergipe termina aos 40 anos a vida de Virgulino Ferreira da Silva conhecido como Lampião A Polícia Militar alagoana matou Lampião e todo o grupo de dez cangaceiros que estava com ele inclusive sua companheira Maria Bonita Decapitados suas cabeças foram levadas para Maceió e Salvador como prova de sua eliminação após duas décadas de confrontos com o bando que chegou a reunir mais de cem rebeldes A epopéia do cangaço no sertão do Nordeste brasileiro até hoje gera polêmicas Seria ele uma mera ação violenta e sanguinária de quem buscava sobreviver sem lei nem rei ou uma reação à marginalização e injustiças que o povo pobre sofria constantemente numa região dominada pelo coronelismo Chico Alencar Autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES SANTOS PADROEIROS São Paulo nasceu em Tarso na atual Turquia De família judaica converteu se ao cristianismo e tornouse um de seus principais divulgadores Sebastião mito da religiosidade popular e com história cheia de lendas era um soldado romano que se recusou a perseguir os cristãos Ambos sofreram martírio e no século XVI os dois tornaramse padroeiros de importantes vilas coloniais do Brasil São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1554 data da conversão do apóstolo e os portugueses do Rio de Janeiro conseguem em 20 de janeiro dia da morte de São Sebastião grande vitória sobre os franceses São Paulo e São Sebastião tinham compromisso com a justiça e com a paz que as cidades que carregam seus nomes também busquem esses caminhos Chico Alencar Autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES 2009 800 anos ORDEM FRANCISCANA 800 ANOS Neste ano de 2009 completamse os 800 anos da fundação da Ordem Franciscana Em 1209 Francisco de Assis vai a Roma com nove companheiros pedir a aprovação da sua Forma de Vida Leva um manuscrito que são fragmentos escolhidos do Evangelho valores vindos da vida e pregação de Jesus que determinam a iluminação da vida e prática de Francisco e seus primeiros seguidores É recebido pelo Papa Inocêncio III O que é apresentado para o Papa não é uma Regra de Vida segundo os padrões da normalidade e da canonicidade falta o dedo de um redator qualifi cado Mas está ali a essência do Evangelho O Papa abençoa e permite que aquele Projeto de Vida Evangélico tome seu caminho A Bênção é sua verdadeira aprovação Frei Vitório Mazzuco OFM São PauloSP Direitos Humanos DIRETOS PARA TODOS Há 60 anos em 10 de dezembro de 1948 a Organização das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos Seus trinta artigos são considerados um ideal a ser atingido por todos os povos do planeta e afi rmam que os seres humanos sem exceção têm direito à vida digna moradia alimentação estudo oportunidades e respeito à liberdade de opinião política usos e costumes Nascida nos escombros da Segunda Guerra Mundial com seus 50 milhões de mortos e como reação à opressão a Declaração reitera que as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos e devem agir sempre com espirito de fraternidade Conhecer a Declaração é o primeiro passo para sermos em nossa vida cotidiana cidadãos ativos conscientes dos nossos direitos e deveres Chico Alencar Autor de Educar na esperança em tempos de desencanto VOZES Leia 395 REFORMAS DE BASE O início dos anos 60 do século passado no Brasil foi marcado pelas chamadas reformas de base O curto governo João Goulart 19611964 tentou realizar uma reforma agrária para distribuir terras e acabar com o latifúndio improdutivo Uma reforma educacional para aumentar as vagas nas Universidades Públicas e lançar um grande movimento de alfabetização de adultos Uma reforma urbana para garantir o direito à moradia para mais gente Uma reforma politica para assegurar voto aos analfabetos e diminuir a infl uência do poder econômico nos pleitos Foi feita uma lei para impedir remessa de lucros para o exterior Mas houve forte reação de setores contrariados o presidente Jango foi derrubado e muitas dessas questões continuam atuais Chico Alencar Autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES EPITÁFIO Devia ter amado mais ter chorado mais Ter visto o sol nascer Devia ter arriscado mais e até errado mais Ter feito o que eu queria fazer Queria ter aceitado as pessoas como elas são Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração O acaso vai me proteger Enquanto eu andar distraído O acaso vai me proteger Enquanto eu andar Devia ter complicado menos trabalhado menos Ter visto o sol se pôr Devia ter me importado menos com problemas pequenos Ter morrido de amor Queria ter aceitado a vida como ela é A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier O acaso vai me proteger Enquanto eu andar distraído O acaso vai me proteger Enquanto eu andar Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito Um se chama ontem e o outro se chama amanhã portanto hoje é o dia certo para amar acreditar fazer e principalmente viver Dalai Lama D iz o mestre Viva todas as graças que Deus te deu hoje A graça não pode ser economizada Não existe um banco onde depositamos as graças recebidas para utilizá las de acordo com nossa vontade Se você não usufruir estas bênçãos irá perdêlas irremediavelmente Deus sabe que somos artistas da vida Um dia nos dá formas para esculturas outro dia nos dá pincéis e tela ou uma pena para escrever Mas jamais conseguiremos usar fôrmas em telas ou penas em esculturas A cada dia o seu milagre Aceite as bênçãos trabalhe e crie suas pequenas obras de arte hoje Amanhã você receberá mais C omo posso saber a melhor maneira de agir na vida perguntou o discípulo ao mestre O mestre pediu que construísse uma mesa Quando a mesa estava pronta bastando apenas cravar os pregos na parte de cima o mestre aproximouse O discípulo cravava os pregos com três golpes precisos Um prego porém estava mais difícil e o discípulo precisou dar mais um golpe O quarto golpe enterrou o prego fundo demais e a madeira foi atingida Sua mão estava acostumada com três marteladas disse o mestre Quando qualquer ação passa a ser governada pelo hábito perde o sentido e pode terminar causando danos Cada ação é uma ação e só existe um segredo jamais deixe que o hábito comande seus movimentos 396 1305 DIA DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA Depois de muitas lutas pela libertação dos escravos dos negros no Brasil a Lei Áurea foi fi nalmente assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888 Mas a escravatura foi abolida de fato muito antes da assinatura da lei Em 1810 Dom João VI promete à Grã Bretanha acabar com o comércio de escravos Em 1850 o tráfi co negreiro foi extinto pela Lei Eusébio de Queirós Alguns anos depois são promulgadas a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários Entretanto a abolição não signifi cou grande mudança para os escravos Isso porque não foram criadas condições para a integração do negro à sociedade após a assinatura da lei A verdadeira conquista da liberdade tem sido um processo lento e ainda atual pois os negros continuam excluídos da sociedade e de seus direitos ANTONIO CONSELHEIRO Uma das experiências comunitárias mais impressionantes de nossa História foi o Arraial de Canudos A cidade divina foi erguida no sertão da Bahia no fi nal do século XIX Seu líder o beato Antonio Conselheiro rejeitava a República e conquistava com seu discurso apaixonado adeptos para aquela vida despojada e igualitária anunciando esperanças o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão Quem vivia no abandono ou na opressão do latifúndio fi cava fascinado O povoado produzia muitos dos seus alimentos e tecidos O governo republicano não aceitou aquela rebeldia Depois de várias tentativas mobilizando muitas tropas o Arraial foi destruído em 5 de outubro de 1897 quando a defendêlo só restavam três adultos e uma criança Chico Alencar autor de BR500 Um guia para a redescoberta do Brasil VOZES A BELEZA DA VELHICE Todo aquele que se rebela contra a velhice não conseguindo ver a beleza que os anos trazem não está em sintonia com o Criador Sendo seus fi lhos diletos recebemos tudo na mesma proporção por Ele decidido Se nos compenetrarmos desta verdade temos na velhice o momento de liberdade e sabedoria que os anos trazem Renegar o tempo vivido é não ter sido digno dele A cada marca deixada pelo tempo está o sinal de vivências às quais nos foi dada a oportunidade de realizações Devemos nos reverenciar diante desta bênção que nos colocou neste planeta com o objetivo de servir ao nosso próximo servindo portanto ao nosso Criador Fazer de nossa velhice bela e feliz só nós o podemos fazer Maria Augusta Christo de Gouvêa IpatingaMG AS PÍLULAS DE FREI GRALVÃO Frei Galvão pelo seu belo testemunho de vida fazia tudo para ajudar o próximo A devoção a este santo brasileiro foi difundida e propagada pelas Irmãs do Mosteiro da Luz em São Paulo sobretudo pela distribuição e divulgação das famosas pílulas de Frei Galvão Fervoroso devoto da Mãe Imaculada e ao ser procurado pelos doentes Frei Galvão escrevia num papel a frase Virgem Maria que após o parto permaneceste intacta Mãe de Deus intercede por nós Enrolava em forma de uma pílula e dava para o doente tomar e o milagre acontecia Importante saber as pílulas de Frei Galvão não são remédio de farmácia São devocionais O que a Mãe pede a Jesus a graça é alcançada Frei Paulo Back OFM Caixa postal 50470 CEP 0329970 São Paulo SP 397 2104 DIA DE TIRADENTES Joaquim José Da Silva Xavier nasceu em 1746 na fazenda Pombal perto de São João Del Rei MG e iniciarase na profi ssão de dentista em que chegara ser hábil de onde lhe vinha o apelido de Tiradentes A Inconfi dência porém não passou dos planos Mas só Tiradentes morreu enforcado por ter chamado a si toda a responsabilidade de Conjuração Mineira e por ser um bode expiatório e pobre teve sua condenação com requintes de crueldade sendo sacrifi cado em praça pública E a 21 de abril de 1792 Joaquim José da Silva Xavier subia ao patíbulo Com o mesmo ânimo varonil com que recebera a sentença vestiu a alva dos condenados E ainda teve um gesto de humildade beijando as mãos do carrasco que o mataria o negro Capitania Suas ultimas palavras passaram à história Morto pela liberdade O Jornal de Pinhal 20042002 CELAM A V Conferência Celebrase em Aparecida SP entre fi ns de abril e início de maio deste ano a V Conferência Geral do CELAM Conselho Episcopal LatinoAmericano O tema do encontro é Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nele nossos povos tenham vida Assim como ocorreu nas conferências anteriores do CELAM Rio 1955 Medellín 1968 Puebla 1979 e Santo Domingo 1992 esta assembléia vai estudar os problemas que afl igem nossos povos violência institucionalizada corrupção política pobreza crescente a crise da família e buscará aplicarlhes os remédios do Evangelho Cada discípuloa de Cristo tem a missão de espalhar as sementes do Evangelho para transformar as estruturas de pecado e que todos tenham vida em Cristo vida em abundância Ephraim F Alves PetrópolisRJ 0907 DIA DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA A Revolução Constitucionalista estourou em São Paulo no dia 9 de julho de 1932 Formou se um grande exército de voluntários composto de pessoas da classe média e da aristocracia que contava com o apoio do povo e dos empresários Os homens se alistaram para lutar nos campos de batalha as mulheres costuravam o fardamento cozinhavam e se preparavam para atender os feriados Até crianças participaram arrecadando dinheiro alimentos e cobertores e entregando correspondências A Estrada de Ferro Sorocabana construiu um trem blindado e a fábrica de aço da Fazenda Ipanema foi reativada para a produção de munição Durou três meses terminando em outubro com a vitória do governo No entanto seu ideal concretizouse em 1934 com a eleição de uma Assembléia Constituinte e a promulgação de uma Constituição ESTADO NOVO VELHO PODER Há exatos 70 anos o mundo assistia preocupado a escalada do nazifascismo uma Segunda Grande Guerra já era previsível Em nossa terra os integralistas se animavam e socialistas e comunistas eram perseguidos Getúlio Vargas que liderara a Revolução de 30 cancelou as eleições previstas para 1938 promulgou uma nova Constituição apelidada de Polaca por se inspirar na Carta autoritária da Polônia e determinou que ele mesmo continuaria na presidência da República O autodenominado Estado Novo durou até 1945 e nesse período ao lado de medidas positivas como a Consolidação das Leis do Trabalho e a criação do SENAI e do SENAC Vargas controlou o país com mão de ferro perseguindo opositores censurando a imprensa e cultivando a idéia de que só com um regime de força o país progrediria Chico Alencar Rio de JaneiroRJ eu João oliverto de Campos toda vida fui fã do prezidente Getulio Coronelis Vargas a quem eu dei meu 1 voto 1947 estou com 81 anos de idade e votando só desistirei quando morrer fui prezidente de Mezas eleitoral trabalhei entudo o que a meza receptora de votos por 30 anos 398 O Senhor Juvenal de assis Machado Machadinho foi morador de poço Grande Era propietario era criador e agricultor foi o homem que trouce a 1ª escola no poço Grande em 1939 e 1940 era pago pelos pai cinco mil reis por criança os fi lios dele comessaram a estudar Valdomiro Abegacir Alair Evanir sua espoza Dna Balbina Mendes Machado Machadinho era comprador de pôrcos gados cavalos mulas e outros se mudou para o pinhão vila nova na epoca e se mudou para Guarapuava foi tenente do Ezecito e revolucionario em 1930 e em 1950 foi prefeito de Guarapuava Mais tarde mudouce para Curitiba com sua família lá faleceu Dna Balbina sua espoza e as fi lias dis que são advogadas e o Valdomiro e fazendeiro em Mato Grosso e Rondonia e aí eu sube Machadinho faleceu 25 de janeiro de 1995 calcula se 95 anos de idade faleceu em Curitiba a caza grande que quimaram em um poço Grande era delle Fotos Morro da Cruz 399 Fotos da propriedade de João Oliverto de Campos Este livro foi composto em fontes ITC Offi cina Sans e títulos em ITC Offi cina Serif textos 9 a 22 e impresso para o ITCGPR em 2013 GREATER GREENVILLE REALTOR ISSUE 60 WINTER 2022 THE RENEWED PATHWAY TO YOUR DREAM HOME How to Protect Your Home Investment During the Winter Season The 4 Key Home Appraisal Milestones How to Build Your Family Legacy Through Real Estate FREE HOME BUYER OR SELLER STRATEGY GUIDE WWWHEMARTHURCOM The Home Authority HemarthurHeMarthurcom 8643843212 Your trusted partner in Results Driven Real Estate Information Expertise Service 2022 Hemarthur Properties All Rights Reserved Printed with permission Complimentary Publication Produced in Collaboration by Premium Source Media PremiumSourceMediacom PREMIUM SOURCE MEDIA FEATURED HOMES 2022 BUYER OR SELLER STRATEGY GUIDE PORTFOLIO Reviewed Verified CLICK HERE to Scan QR Code with Your Smartphone FACEBOOK facebookPremSrcMedia INSTAGRAM PremiumSourceMedia YouTube PremiumSourceMedia FREQUENTLY ASKED QUESTIONS ABOUT REAL ESTATE What is the Importance of a Home Inspection Q How does a home inspection benefit the buyer A While a home inspection is not a requirement it is highly recommended as it helps buyers identify any potential issues before purchasing a home It provides valuable insights into the condition of the property enabling buyers to make informed decisions and negotiate repairs or price adjustments if necessary What is a home appraisal and why is it important Q What is a home appraisal and why is it important A A home appraisal is an objective evaluation of a propertys value conducted by a licensed appraiser It is important because it helps lenders determine the loan amount they are willing to provide and ensures that buyers are not overpaying for a property Why is it important to work with a licensed real estate agent Q Why is it important to work with a licensed real estate agent A Licensed real estate agents have the knowledge experience and resources to guide buyers and sellers through the complex real estate process They can provide valuable market insights negotiate on behalf of clients and ensure a smooth transaction from start to finish Fotos cartas documentos memória local e objetos antigos revelaram a contribuição de comunidades quilombolas e posseiros na formação do estado do Paraná Contamos algumas novas e muitas velhas histórias a partir do olhar daqueles que delas fizeram parte Memórias dos Povos do Campo no Paraná CentroSul faz o relato desses grupos sociais e das suas organizações na luta pela terra A partir da pluralidade de organizações sociais do campo estudos antropológicos históricos e sociológicos foram realizados para analisar o processo de ocupação territorial e conhecer a realidade social e cultural dos moradores do interior paranaense Durante as pesquisas também foi imprescindível a busca por soluções permanentes de problemas de comunidades tradicionais em especial quando se referem aos direitos de uso de terra sendo a regularização fundiária de territórios uma via indispensável de acesso ao desenvolvimento para essas famílias Este livro é resultado de muito trabalho e dedicação do Instituto de Terras Cartografia e Geociências através de parceria com o Ministério da Cultura Minc e a participação de pesquisadores de diversas universidades e instituições públicas Agradecemos a todos os moradores que nos receberam muito bem e nos auxiliaram neste trabalho Podemos por meio desta publicação conhecer e preservar o patrimônio cultural imaterial no Estado do Paraná Amilcar Cavalcante Cabral DiretorPresidente do Instituto de Terras Cartografia e Geociências Ministério da Cultura 9 7 8 8 5 6 4 1 7 6 0 4 1 ISBN 9788564176041