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SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 183 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma The dispute between models for the countryside notes on the agrarian issue in Brazil in search of a new paradigm Gustavo Souto Noronha1 Maria Lúcia de Oliveira Falcón2 DOI 101590010311042018S314 1 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra Rio de Janeiro RJ Brasil Orcid httpsorcid org000000017860 6641 noronhagustavogmailcom 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Rio de Janeiro RJ Brasil Universidade Federal do Sergipe UFS Aracaju SE Brasil Orcid httpsorcid org000000030900 8458 luciafalconyahoocombr ENSAIO ESSAY Este é um artigo publicado em acesso aberto Open Access sob a licença Creative Commons Attribution que permite uso distribuição e reprodução em qualquer meio sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado RESUMO O texto procura apresentar a discussão da questão agrária brasileira na perspectiva do conflito entre dois modelos para o campo um voltado para o agronegócio e outro voltado para a agricultura familiar reforma agrária e comunidades tradicionais O presente artigo pre tende visitar essa disputa atualizála no contexto do golpe de Estado de 2016 e apresentar possíveis alternativas para o campo no Brasil em busca de novos paradigmas PALAVRASCHAVE Agricultura Desenvolvimento regional Planejamento social Agroindústria Agricultura sustentável ABSTRACT The text seeks to present the discussion of the Brazilian agrarian issue from the per spective of the conflict between two models for the countryside one focused on the agribusiness and one another focusing on family farming agrarian reform and traditional communities The present article intends to visit such dispute to update it in the context of the coup detat of 2016 and to present possible alternatives to the countryside in Brazil in search of new paradigms KEYWORDS Agriculture Regional development Social planning Agribusiness Sustainable agriculture SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 184 Apresentação A questão agrária talvez seja um dos debates de importância civilizatória mais emblemáticos e acalorados do Brasil uma discussão natural para o quinto país em extensão territorial do mundo com enorme área agriculturável O cerne da controvérsia é uma disputa territorial entre dois modelos o primeiro ligado ao agro negócio patronal que apesar de atender parte do mercado interno está inserido no mercado internacional de commodities o segundo com foco na agricultura familiar reforma agrária e comunidades tradicionais apresenta um maior vínculo com a produção de alimentos para o mercado interno e a subsistência O presente ensaio pretende visitar essa disputa atualizála no contexto do golpe de 2016 e apresentar possíveis alternativas para o campo no Brasil A primeira seção apresenta o caráter perene da discussão da reforma agrária no País A segunda parte apresenta a disputa territorial entre os modelos agrícolas Depois procuramos apresentar a conformação social e econômica da agricultura brasileira e seus con flitos agrários nos anos de 2010 a 2020 A seguir discutimos alguns aspectos econômicos sobre o tamanho da propriedade rural e a reforma agrária Na sequência entramos no debate do golpe de 2016 e a destruição das políticas agrá rias Por fim procuramos na conclusão sugerir experiências a serem estudadas para a constru ção de um novo paradigma A reforma agrária perene A discussão sobre a reforma agrária no Brasil começou no século XIX com José Bonifácio de Andrada e Silva e nunca saiu do debate nacional tendo sido abordada por Joaquim Nabuco Ignácio Rangel Caio Prado Júnior entre outros autores clássicos do pensamento brasileiro que sempre apontaram a necessida de da democratização da propriedade da terra como uma etapa necessária ao desenvolvimen to brasileiro O presidente João Goulart pouco antes de ser derrubado fez um discurso avassa lador em defesa de reforma agrária A ditadura trouxe o Estatuto da Terra1 a redemocratiza ção dos planos nacionais de reforma agrária Entretanto historicamente pouco se alterou o índice de Gini da Terra no Brasil 1995 1998 2000 2006 1992 1985 1978 Ano Gini da Terra 1972 1967 1920 1940 1950 1960 076 078 08 082 084 086 088 Gráfico 1 Concentração de terras no Brasil Fonte Elaboração própria baseado em dados do IBGE2 Incra3 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 185 O Brasil é o país da reforma agrária perene Ao contrário de outros países onde se realizou uma reformulação completa da estrutura fundiária nosso país segue cha mando de reforma agrária uma política que precariamente fiscaliza a função social da propriedade da terra Discutir a função social da propriedade é primordial para relativizar o direito absoluto sobre a propriedade Entretanto Caio Prado Júnior4 já nos alertava que as manchas de solo de pior qualidade são aquelas que acabam ficando na mão dos pequenos e médios proprietários e que a desapropriação apenas das grandes propriedades improduti vas perpetuaria este cenário A fiscalização do cumprimento da função social sob os aspectos da produtividade am biental e trabalhista é um dever constitucio nal do estado mas não pode ser entendida como reforma agrária Reforma agrária tem começo meio e fim Há contudo os que entendem que mesmo a reforma agrária tendo sido uma etapa ne cessária no desenvolvimento de nações hoje consideradas desenvolvidas o Brasil teria perdido esse bonde da história De pouco adianta a essas pessoas argu mentos sobre a eficiência maior da agricul tura familiar sobre a produção de alimentos que é garantida por esse modo de produção de qualquer efeito multiplicador dessa po lítica sobre a economia enfim qualquer defesa mais enfática da necessidade de uma reforma agrária Um dos pontos levantados por essas pessoas é que não há público para essa reforma agrária e que haveria necessidade no máximo de atuar pontualmente nos con flitos existentes e assentar as cerca de 120 mil famílias acampadas no País Isso é uma falácia Os dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE de 2017 mostram uma demanda muito maior como pode ser observado na tabela 1 abaixo Tabela 1 Demanda potencial da reforma agrária Produtores sem área e minifúndios Tipo de estabelecimento Total de Estabelecimentos Produtores sem área 76671 Maior que 0 e menor que 01 75121 De 01 a menos de 02 54800 De 02 a menos de 05 174551 De 05 a menos de 1 303467 De 1 a menos de 2 467982 Demanda potencial 1152592 Fonte IBGE5 O Estatuto da Terra Lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964 estabelece como obje tivo da reforma agrária eliminar o latifúndio e o minifúndio No Brasil uma área infe rior a um módulo fiscal é considerada um minifúndio a legislação brasileira também prevê a fração mínima de parcelamento a área mínima que um imóvel pode ter Tanto o módulo fiscal quanto a fração mínima de parcelamento são definidos por município SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 186 os menores valores para essas medidas no País são respectivamente cinco e dois hec tares A tabela 1 acima mostra que a demanda existente por reforma agrária consideran do apenas as áreas abaixo da menor fração mínima de parcelamento e os produtores sem área apresenta um público potencial a ser atendido pela democratização do acesso à terra no Brasil seria de mais de 115 milhão de famílias Se incluirmos todos os minifún dios na conta áreas abaixo de cinco hectares teríamos mais 817425 microproprietários ou seja a demanda por reforma agrária poderia ser considerada algo como um pouco menos de 2 milhões de família A disputa territorial entre os modelos agrícolas Mencionamos antes que vivemos uma crise alimentar e que ela também é resultante do atual padrão de consumo O melhor exemplo disso é que com o esgotamento das reservas de combustíveis fósseis temse colocado como alternativa a produção de agrocom bustíveis Na prática os agrocombustíveis competem pelas terras férteis com a produ ção de alimentos A discussão do modelo de exploração ideal das terras é vital para a dis cussão de como alimentaremos os 7 bilhões de habitantes do planeta Ainda assim nossa sociedade prefere a lógica do automóvel in dividual à do transporte coletivo eficiente Temos de um lado o agronegócio das monoculturas do deserto verde do uso in tensivo dos agrotóxicos e da manipulação genética de impactos no mínimo incertos O que temos no Brasil é que as áreas volta das para alimentos de consumo interno da população brasileira estão a perder espaço para culturas de exportação ou que produ zem insumos não alimentícios para outras indústrias O gráfico 2 abaixo elaborado a partir da Pesquisa Mensal Agrícola do IBGE com dados entre 2002 e 2016 compara a série histórica de áreas plantadas dos dois produtos mais elementares da dieta do bra sileiro arroz e feijão com as áreas plantadas e quantidade produzida da soja voltada ao mercado externo e canadeaçúcar voltada tanto para a produção do açúcar boa parte exportada como para a produção do etanol o álcool combustível Em números tínhamos em 2002 uma área plantada de 3171955 hectares de arroz 4321809 hectares de feijão 5206656 hec tares de canadeaçúcar e 16376035 hecta res de soja Em 2016 os hectares plantados eram 2004643 de arroz 2946801 de feijão 10245102 de canadeaçúcar e 33309865 hectares de soja Uma diminuição da área plantada dos produtos da dieta básica do bra sileiro em um período que a população saltou de mais de 176 milhões para cerca de 202 milhões de pessoas Isto evidencia um modelo de desenvolvimento adotado pelo País O argumento subsequente seria de que a diminuição da área plantada seria com pensada por um aumento da produtividade Independentemente de qualquer melhoria na produtividade o gráfico 1 deixa claro que a quantidade produzida dos alimentos básicos da dieta do brasileiro tem diminuído no caso do feijão ou se mantido estável no caso do arroz mesmo diante do crescimento popu lacional ao contrário da canadeaçúcar e da soja Em números saímos de 10445986 tone ladas de arroz 3064228 de feijão 364389416 de canadeaçúcar e 42107618 de soja em 2002 para 10622189 toneladas de arroz 2615832 de feijão 768678382 de canade açúcar e 96296714 de soja em 2016 É importante destacar que de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE de 2006 cerca de 43 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar ocupam somente 243 da área agricultável e produzem 70 dos alimentos consumidos no País e emprega 744 dos trabalhadores rurais além de ser responsável por mais de 38 da receita bruta da agropecuária brasileira2 A relação entre a proporção da produção de alimen tos oriundos da agricultura familiar e a de SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 187 sua participação na receita da agropecuária ajuda a inferir que os preços dos alimentos podem baixar diante de uma mudança no paradigma produtivo do meio rural Ademais o desperdício de alimento na cadeia produ tiva do agronegócio é 10 vezes maior que na cadeia produtiva do modo produção campe sino Desse modo não está errado afirmar que a produção orgânica e sustentável vem da agricultura familiar É mais fácil garantir uma produção livre de veneno com o agri cultor familiar que no agronegócio Ou seja é preciso discutir uma reorganização da produção de alimentos do País em um para digma agroecológico Por fim é importante retomar a questão colocada por Caio Prado Junior4 e anterior mente citada de que as piores terras ficam na mão dos pequenos e médios proprietários e que a desapropriação apenas das grandes propriedades improdutivas perpetua este cenário Ou seja mais uma vez retomamos a necessidade por um outro viés de discutir uma limitação ao tamanho máximo da pro priedade rural Gráfico 2 Área plantada ou destinada à colheita arroz feijão canadeaçúcar e soja em hectares Fonte IBGE6 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 5000000 0 10000000 25000000 15000000 30000000 20000000 33309865 Arroz em casca Canadeaçúcar Feijão em grão Soja em grão Conformação social e econômica da agricultura brasileira e seus conflitos agrários nos anos 2010 a 2020 O cerne da controvérsia é a disputa políti ca e econômica entre dois modelos que se materializa também e primeiramente na disputa pela terra O primeiro modelo está definido pelo agronegócio patronal que atende parte do mercado interno por meio de cadeias agroindustriais mas principalmen te está inserido no mercado internacional de commodities sustentando a acumulação de cadeias agroindustriais estrangeiras O segundo modelo tem por moldura a agricultura familiar SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 188 assentamentos da reforma agrária e comuni dades tradicionais e está fortemente vincula do à produção de alimentos para o mercado interno além da subsistência familiar Mesmo assim o potencial do Brasil rural é tão grande que ao mesmo tempo em que se torna va uma das maiores economias industriais do mundo o país estruturava uma importante base agropecuária e terminaria o século XX como um dos principais produtores agrícolas mundiais exportando alimentos para muitos outros paí ses Ao lado de uma agropecuária de base patro nal que se expandiu e modernizou avançando na direção do centrooeste se desenvolveu uma agropecuária organizada em bases familia res que predomina em três porções distintas do amplo território nacional a região sul o nordeste com destaque para a região semiárida e a re gião amazônica A primeira estrutura se destaca pelos seus níveis de produtividade elevados e tem o mercado mundial como destino de seus excedentes A segunda mais diversificada e vol tada para o mercado interno se diferencia pela sua capacidade de gerar ocupação para milhões de produtores e suas famílias Ambas reafirmam as potencialidades do Brasil rural733 No entanto como a realidade sempre é mais complexa que os modelos teóri cos além dos espaços de conflito existem espaços de integração e convivência entre os dois modelos com resultados benignos e ma lignos em diferentes gradações Dois estudos seminais detectaram essa complexidade e apontaram os mercados de disputa e os mercados de integração em que os modelos operam Tratase do Atlas do Espaço Rural elaborado pela Diretoria de Geociências do IBGE publicado em 2011 com dados de anos variados e da Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasileiros publicado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura IICA em 2017 No Atlas encontramos um conjunto de 33 tipos de territórios rurais de povoamento em todo o Brasil mas o que sobressai da análise que formula essa tipologia são elementos inovado res O IBGE coteja os tradicionais indicadores agrários e agrícolas número e tamanho dos estabelecimentos a propriedade da terra valor e volume da produção etc com indicadores sociais obtidos por meio do acesso a bens civi lizatórios ou direitos sociais como educação acesso à justiça e acesso a políticas públicas tecnologia e informação Mais além coloca no mapa os fluxos desses sistemas produtivos e identifica a Rede de Cidades que assiste e ma terializa os mercados nas diversas escalas logís ticas do regional até a exportação Finalmente afirma que não é mais possível em nenhum dos dois modelos e suas variantes territoriais separar a economia do rural e a do urbano As rendas e receitas que estão mantendo o sistema produtivo rodando seja no agronegócio seja na agricultura familiar há muito já são geradas em atividades integradas e simultâneas aos in divíduos e empresas Com efeito o debate atual em torno das rela ções entre o rural e o urbano e da introdução da abordagem das dinâmicas territoriais im plica na compreensão de novas ramificações temáticas que giram em torno das articula ções territoriais e interdependências do rural com o urbano na medida em que empirica mente o campo apresenta cada vez mais in junções com a cidade e suas funções alteran do a estrutura e a dinâmica de suas relações A análise do espaço rural brasileiro acompa nhada pelas informações geográficas elabo radas pelo IBGE contempla portanto não só o setor agropecuário estrito senso como a geografia da rede urbana local e da regional pois é nesse espaço que muitos produtores rurais encontrarão fontes de renda e emprego complementares vitais para a preservação da própria atividade agrícola811 A integração econômica ruralurbano leva os serviços financeiros tecnologia comuni cações transporte entre muitos outros para o cotidiano rural e traz o padrão de consume das atividades rurais para o mundo urbano SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 189 Forma e conforma assim uma nova cultura da ruralidade em que tanto a exclusão social rural os sem terra quanto a exclusão urbana os sem teto são o outro lado da moeda do avanço do capitalismo no conjunto da economia e da sociedade quando não en contra barreiras políticas para a concentra ção da riqueza e da propriedade Três cartogramas explicam bem esse fenô meno socioeconômico sendo o Cartograma 1 ilustrativo de como as mercadorias percor rem o espaço definindo regiões e construindo cadeias produtivas agroindustriais seja para o mercado interno seja para exportação figura 1 O Cartograma 2 mostra como os municípios brasileiros geram renda por meio da integração dos setores primário agricultura secundário indústria e terciário serviços figura 2 O Cartograma 3 mostra a ocorrência de ativida des simultâneas à agricultura que geram renda para o produtor fora do estabelecimento rural sendo já essa uma característica do rural em quase todo o País figura 3 Com efeito a expansão da fronteira agrícola do território brasileiro nas últimas décadas tem signi ficado um adensamento técnicoinformacional e normativo com a participação decisiva de grandes empresas ligadas ao agronegócio A distribuição de tais densidades de fluxos no entanto é seleti va uma vez que apenas algumas áreas e pontos do Território Nacional se inserem de forma mais completa nas redes cadeias e complexos agroin dustriais delineados a partir da organização em rede da agropecuária nacional emergente nos anos de 1990 do século passado Assim sendo a agropecuária brasileira passa a ser cada vez mais e sistematicamente pautada por lógicas antes comuns apenas aos outros setores da economia e o imperativo da competitividade apoderase da produção e da logística de distri buição em todas as suas etapas ressaltando aí os mecanismos financeiros econômicos e prin cipalmente os inúmeros avanços tecnológicos que permitiram aos agentes hegemônicos articu laremse e estruturaremse para atender tanto ao mercado interno quanto ao mercado externo811 Figura 1 Dimensões do espaço regional sob a ótica dos fluxos produtivos agroindustriais Fonte IBGE8293 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 190 Figura 2 Origem da renda municipal segundo setor econômico Fonte IBGE8250 Figura 3 Atividades remuneradas fora do estabelecimento rural Fonte IBGE8251 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 191 Finalmente do estudo do IICA no qual também é formulada uma tipologia de ter ritórios rurais com 26 tipos chegase à conclusão que parte significativa 37 da população brasileira vive essencialmente uma experiência de ruralidade O que é exa tamente essa condição A contribuição principal que advém do debate conceitual é a que nega o rural como sinôni mo apenas de espaço da produção agropecu ária Contestando esta visão economicista o estudo assumiu uma leitura de corte socio cultural do rural a exemplo do que se faz em muitos países e do que prevalece em vários estudos recentes Seguindo esta orientação a tipologia parte da visão de que A ruralidade diz respeito a uma forma pela qual se organiza a vida social7 34 Com base nas análises dos dados e nas conclusões desses estudos apresentamos um desenho das relações sociais entre os atores que performam na nova ruralidade brasileira definindo as arenas onde as disputas e integra ções podem acontecer Milton Santos9 teorizou sobre esses novos atores que surgem com a maior densidade informacional e técnica dos espaços rurais que se integram nas redes de produção capitalista São alçados a autoridades locais o agrônomo o veterinário o gerente do banco entre tantas outras personagens da so cioeconomia do Brasil no século XXI O sistema unificado da ruralidade bipolar do agronegócio e da agricultura familiar amalgama em cada território os diferentes atores e suas relações formais e informais e aponta conflitos bem como pontos de in tegração nos seguintes subsistemas a nas organizações públicas dos três níveis fede rativos b no acesso ao mercado financeiro e à educação financeira c no acesso à tec nologia assistência e aos insumos d na co mercialização em diferentes escalas bolsa de mercadorias internacional contratos agroindustriais feiras regionais e locais co operativas e no acesso à terra As personagens são permanentes visíveis ou permanentes invisíveis Aqui o critério de visibilidade se baseia em registros formais de trocas sociais políticas e econômicas Geralmente as relações entre as permanen tes visíveis são predominantemente formais enquanto as relações entre as visíveis e in visíveis são predominantemente informais São permanentes visíveis em uma formação produtiva territorial o gerente do banco o agrônomoveterináriozootecnistatécnico agrícolaetc o pequeno produtor e sua família com terra o trabalhador rural o trabalhador rural semterra o empresário proprietário da terra o médio produtor rural o juizoficial de cartório defensoria e promotor o padrepastorliderança religio sa o prefeitovereadoresdeputadospolíti cos de outra escala federativa São permanentes invisíveis os interme diários da comercialização os transporta dores os prepostos da ilegalidade agiota madeireiro servidor público corrupto crime organizado etc lideranças locais empresa riais e de produtores familiares lideranças religiosas advogados cabos eleitorais e lide ranças políticas entre outros As figuras visualizam as relações sociais da tipologia de conformação socioeco nômica da ruralidade brasileira atual À esquerda temse o modelo hegemônico do agronegócio já absorvido pelas cadeias globais de valor e coordenados pelos crité rios do sistema financeiro por meio do qual acessa a tecnologia a hegemonia cultural e política local regional e nacional Por ele são instrumentalizados racionalmente os demais atores do sistema produtivo Ao centro temse o modelo hegemônico da agricultura familiar em que a coordena ção é feita por meio de agentes públicos com mediação do sistema financeiro para acesso a todos os inputs do sistema produtivo terra tecnologia equipamentos comunicação etc Interessante que essa coordenação estatal é a base desse modelo mesmo nos países capitalis tas mais desenvolvidos Sem essa coordenação SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 192 a probabilidade de destruição dos sistemas pro dutivos é extremamente alta Finalmente à direita propomos uma construção nova com mediação comercial financeira e autocoordenação dos produ tores rurais Nossa fonte de inspiração é o modelo PPPC10 Parceira PúblicoPrivada Comunitária testado em vários sistemas produtivos no Acre destacandose o em preendimento agroindustrial de pescado e rações Nesse caminho o Estado apoia e fomenta a cooperativa dos agricultores familiares que se torna sócia de um empre endedor privado com experiência agroin dustrialcomercial integrando a produção e a apropriação dos lucros aportando tec nologia de produção e de comercialização A permanência do apoio até a primeira su cessão geracional da agricultura familiar é a chave do sucesso desse modelo permitindo a elevação do conhecimento técnico filhos de agricultores sem perda do conhecimento tácito dos agricultores e assentados Figura 4 Modelos de tipologia da ruralidade brasileira Fonte Elaboração própria Esse modelo associa e evolui as políticas de promoção aos sistemas e arranjos produtivos locais corrige aos poucos a injustiça cognitiva e eleva a produtividade da agricultura brasileira É também um caminho novo de promoção da agri cultura orgânica e sustentável com desenvolvi mento de inovações tecnológicas nos sistemas integrados da ruralidade no século XXI Mais detalhes desse ciclo de novas políticas públicas para a agricultura familiar estão tratados no livro da RedeSist sobre 20 anos de experiências com arranjos produtivos locais em que Falcón Lastres Cassiolato e Andreatta11 formulam alter nativas para uma política industrial e de inovação baseada em APLs da agroindústria familiar Aspectos econômicos sobre o tamanho da propriedade rural e a reforma agrária Diversos estudos econômicos sobre econo mias de escala na agricultura demonstram que a grande propriedade possui custos crescentes de escala1219 Custos de gerencia mento logística e mão de obra a imprevisi bilidade meteorológica a volatilidade dos preços internacionais além do descolamen to entre o tempo de trabalho e o tempo de produção são alguns fatores que nos permi tem afirmar que o setor agrícola não possui SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 193 características de uma atividade capitalista no senso comum Ademais todas as nações cujo padrão de de senvolvimento é idealizado pela grande maioria da sociedade brasileira passaram por um pro cesso quase sempre radical de democratização do acesso à terra Leite e Ávila20800 a partir de uma revisão de autores com perspectivas teóri cas distintas confrontam a dimensão residual e compensatória na qual o pensamento con servador na melhor das hipóteses confinou o tema do acesso à terra Veiga21 argumenta pela necessidade de realizar uma ruptura sociopolítica para des travar o desenvolvimento econômico Ele entende que algumas novas lideranças do setor empresarial brasileiro estariam dis postas a reconhecer que sem distribuição da riqueza não haveria como o País avançar teríamos então a possibilidade de rediscu tir as políticas para a agricultura familiar e consequentemente o tema da reforma agrária Essa ideia está presente nas teses de Rostow22 quando discorre sobre as précon dições para o arranco e menciona a necessi dade uma ruptura com as elites tradicionais A reforma agrária também pode ser um meio bastante eficaz de erradicação da pobreza23 Todavia a problemática da pobreza rural não pode ser reduzida a uma mera questão social até porque o modo de intervenção feito a partir dessa visão não enfrenta as causas estruturais do problema É preciso discutir em última instância o modelo produtivo Outro aspecto econômico relevante é o viés de combate à inflação de uma política de reforma agrária As causas de um processo inflacionário podem ser diversas aqueci mento da economia choques de oferta con flito distributivo entre capital e trabalho ou resultado das projeções dos agentes Sem aprofundar as demais causas infla cionárias uma parte relevante da inflação recente tem relação com problemas na oferta de alimentos A demanda por alimentos é quase inelástica desse modo a variação nos preços desse mercado explicase em parte por um problema de oferta insuficiente mas também pela vinculação de determinados produtos aos mercados internacionais de commodities Logo um primeiro passo é buscar desvincular os preços dos alimentos dos mercados externo e interno Nesse sentido é importante lembrar que a grande propriedade produz principalmente para o mercado externo não afeta sobrema neira a curva de oferta interna de alimentos O consumo interno desses itens também não afeta seu preço mas sim as variações no mercado internacional A agricultura familiar como já demonstrado é responsável pela maior parte do alimento na mesa do brasileiro Desse modo para reduzir a inflação particularmente quando uma de suas causas é um choque de oferta de alimentos é preciso ampliar o número de agricultores familiares O golpe de 2016 e a destruição das políticas agrárias O golpe de 2016 trouxe entre suas medidas mais duras a Emenda Constitucional nº 95 que impôs o congelamento em valores reais das despesas governamentais Uma medida de ajuste fiscal permanente e que desconsidera os ciclos econômicos Os impactos dessa emenda à Constituição são de tal ordem que desmon tam todas as políticas agrárias do Brasil24 O governo Temer é um governo dos setores mais atrasados do campo brasileiro atrasado e sem nenhum compromisso com a soberania e com o desenvolvimento nacio nal A estrondosa vitória dos novos coronéis da República Velha apareceu aos poucos na agenda governista Em julho de 2016 Michel Temer assumiu diversos compromissos com a Frente Parlamentar da Agropecuária o nome oficial da bancada ruralista Entre os acordos foi acertada a revisão de diver sas políticas públicas como licenciamento SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 194 ambiental a demarcação de terras indíge nas e a regulação da compra de terras por estrangeiros No início de 2018 anunciouse regras para o trabalho escravo fazendo o País deixar de ser referência mundial no combate a esta prática O processo de aquisição de terras por es trangeiros é regulado pela Lei nº 57091971 que reforçado por parecer da AdvocaciaGeral da União AGU de 2010 impõe limites ao que os não nacionais podem adquirir O argumen to do ministro da Fazenda para a liberação das restrições se deve a um suposto aumento nos investimentos O Brasil precisa de crescimen to e de investimento O agronegócio foi a área que mais cresceu em janeiro Temos que inves tir gerar mais emprego25 Se é uma área que já vem crescendo segundo as palavras do próprio ministro não parece ser uma área que precise de investimentos estrangeiros A bancada ruralista também arrancou a Medida Provisória MP nº 7592016 con vertida na Lei nº 134652017 que afeta não apenas o campo mas também o processo de regularização fundiária urbana Essa medida é um reflexo da inflexão que o governo Temer promove na forma de atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra mudando sua prioridade para a ti tulação uma política importante mas que não é reforma agrária das áreas reformadas em detrimento da obtenção de novas áreas Diversas entidades lançaram uma Carta ao Brasil26 apontando os riscos e retrocessos do novo marco legal Destes destacamos a privatização em massa e na surdina do pa trimônio da União a anistia a desmatadores e grileiros na Amazônia a ameaça à Política Nacional de Reforma Agrária e a financeiri zação da terra urbana e rural Em última instância a medida regulariza o assalto às terras públicas o grilo e recon centração ilegal de áreas reformadas neste último caso sem sequer ter dado às famílias assentadas a estrutura crédito e assistência técnica mínimos para que pudessem alcan çar sua independência Em busca de alternativas A construção de uma alternativa passa ne cessariamente pela revisão da Emenda Constitucional nº 95 e de alguns aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal LRF para permitir a retomada da capacidade intervenção do Estado na economia sem ameaças de impeachment uma vez que as pedaladas que justificaram o afastamento de Dilma foram por violações a dispositivos da LRF Entretanto há regras específicas para o financiamento de uma efetiva política agrária no Brasil O Estatuto da Terra Lei nº 45041964 assegura o financiamento da reforma agrária por meio da criação do Fundo Nacional da Reforma Agrária que garantia entre outros recursos a destina ção específica de 3 da receita tributária da União Esse dispositivo acabou alterado pelo DecretoLei nº 24311988 que criou o Fundo Nacional da Reforma e do Desenvolvimento Agrário Funmirad destinado a fornecer os meios necessários para o financiamento da reforma agrária e dos órgãos incumbidos da sua execução Entre as fontes de finan ciamento do Funmirad estavam o Fundo de Investimento Social Finsocial administra do pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES cujos recursos não chegam ao Incra Ademais o DecretoLei nº 1146 de 1970 garante ao Incra receitas vinculadas que de acordo com exposições públicas da presi dência da autarquia antes do impeachment apresentada como a contribuição social da agroindústria superavam o valor de R 12 bilhão recursos estes que nos últimos anos não foi destinado para as atividades fins do Incra Uma atualização dos valores da Taxa de Serviços Cadastrais de que trata o art 5º do DecretoLei nº 57 de 18 de novembro de 1966 com as alterações do art 2º da Lei nº 6746 de 10 de dezembro de 1979 e do DecretoLei nº 1989 de 28 de dezembro de 1982 pode garantir um incremento de R 500 milhões ao orçamento do Incra SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 195 Outra forma de incrementar o orçamento da reforma agrária seria uma eventual par ceria do Incra com a Receita Federal na fis calização do Imposto Territorial Rural que poderia elevar a arrecadação deste tributo de acordo com o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários de cerca de R 850 milhões para cerca de R 83 bilhões Se 10 destes recursos fossem destinados ao Incra já haveria um aumento orçamentário de mais de R 800 milhões27 A transformação do Funmirad um fundo contábil em um Fundo Nacional de Desenvolvimento Agrário FNDA como um fundo especial contábil de natureza fi nanceira vinculado ao Incra pode garantir ainda uma relativa autonomia da autarquia em relação ao orçamento da União livran doa dos constrangimentos impostos pela Emenda Constitucional nº 95 e dos suces sivos ajustes fiscais que todos os últimos governos fizeram Esse fundo poderia ser turbinado pelo uso das áreas preservadas em assentamentos no mercado de cotas de reserva ambiental e crédito de carbono Um paradigma para o futuro É preciso buscar outros paradigmas sociais que não os dos EUA ou da Europa Kerala província indiana com população seme lhante à do Brasil e com forte influência do Partido Comunista Indiano na construção de suas políticas públicas apresenta os me lhores indicadores sociais da Índia mesmo sem uma economia robusta Alguns números apresentados 95 de taxa de alfabetização 61 no resto da Índia expectativa de vida de 7578 anos 63 na Índia um índice de 12 a 14 de mortalidade infantil a cada mil nasci dos vivos 58 no restante do País28 Ainda na Índia temos o modelo de agri cultura sustentável gerida pela comuni dade em Andhra Pradesh em que 300 mil fazendeiros fizeram uma opção alternativa à revolução verde Ali foi desenvolvida uma plataforma que combinava métodos cien tificamente comprovados conhecimentos autóctones e sabedoria tradicional Os objetivos iniciais da agricultura sustentá vel gerida pela comunidade eram proporcionar alimentos saudáveis colheitas saudáveis solo saudável e vida saudável As práticas de manejo sem pesticidas e conservação do solo foram in troduzidas por meio de Escolas de Campo para Agricultores FFS onde os próprios fazendeiros podiam tomar suas próprias decisões sobre as abordagens à gestão As instituições locais fo ram a chave para o sucesso da transição Elas abrangiam grupos de autoajuda federações municipais de fazendeiros reunindo todos os fazendeiros praticantes da agricultura sustentá vel cada domicílio sendo representado por um homem e uma mulher e a federação distrital de fazendeiros O primeiro investimento foi na for mação da instituição Então quando a platafor ma ficou pronta foi provido apoio para a criação de capacidade produtiva Não havia subsídios aos insumos Na CMSA todos os insumos são internalizados de modo que o custo do cultivo é reduzido drasticamente O grosso da produção é destinado a assegurar primeiro a alimentação local O excedente da produção é vendido a mer cados próximos e a nichos de mercado com pre ço elevado como produtos isentos de pesticidas Todos os elementos essenciais como adminis tração de programas e ampliações são liderados pelas comunidades2939 Outro exemplo importante de transição que merece ser mencionado é o caso de Cuba Quando do colapso soviético o País tinha 57 de sua demanda de alimentos aten dida pelo exterior com 30 de suas terras agriculturáveis dedicadas exclusivamente à canadeaçúcar Cuba não possuía soberania alimentar e era completamente dependen te do comércio exterior O País montou um sistema baseado em cooperativas de créditos e serviços e promoveu uma mudança radical na forma de abordar a agricultura com um SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 196 papel fundamental da agroecologia nesta transição o resultado foi o maior crescimento percentual per capita na produção de alimentos em toda a América La tina e Caribe com um crescimento anual de 42 de 1996 a 20052938 Essas mudanças já têm uma inciativa lançada em 2012 pelo governo brasileiro a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica PNAPO com a edição do Decreto nº 7794 de 20 de agosto de 2012 desenvolvi da a partir do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica Planapo Embora busque construir estratégias para uma tran sição agroecológica com uma metodologia participativa é mais uma política pública comprometida com os constrangimentos im postos pelo desmonte do Estado a partir da Emenda Constitucional nº 95 Por fim a inovação tecnológica chegando agora com a indústria 40 e intensificando a produção da agricultura além da mudança de valores e consumo nos centros urbanos criará desafios diferentes para o agronegócio e para a agricultura familiar Acesso ao conhe cimento técnico é o maior desafio para os pe quenos produtores e a produção sustentável é o maior desafio para o agro Nada indica que o governo do golpe tem políticas para enfren tar esses desafios A agricultura brasileira está sob alto risco no médio prazo Colaboradores Noronha GS contribuiu para a concepção análise redação e aprovação final do artigo Falcón MLO contribuiu para a elaboração da es trutura do artigo análise de modelo s sociopro dutivos revisão e aprovação da versão final s Referências 1 Brasil Estatuto da terra Lei nº 4504 de 30 de no vembro de 1964 acesso em 2018 out 31 Disponível em httpspresrepublicajusbrasilcombrlegisla cao104451estatutodaterralei450464 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Cen so Agropecuário 2006 resultados Preliminares acesso em 2013 maio 14 Disponível em http wwwibgegovbr 3 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá ria O Brasil desconcentrando terras 2001 acesso em 2017 out 22 Disponível em httpwwwincragovbr mediaservicospublicacaolivrosrevistasecarti lhasIndice20de20Gini2020O20Brasil20 Desconcentrando20Terraspdf 4 Prado Junior C A questão agrária São Paulo Brasi liense 2000 5 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Cen so Agropecuário 2017 acesso em 2018 jul 28 Re SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 197 sultados preliminares Disponível em httpswww ibgegovbrestatisticasnovoportaleconomicas agriculturaepecuaria218142017censoagropecu ariohtmltresultados 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SI DRA Banco de tabelas estatísticas acesso em 2018 out 31 Disponível em httpssidraibgegovbr homepimpfbrbrasil 7 Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasi leiros implicações no marco jurídico e nas políticas públicas Brasília DF IICA 2017 Série Desenvol vimento Rural Sustentável v 22 8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Atlas do espaço rural brasileiro Rio de Janeiro IBGE 2011 9 Santos M A Natureza do Espaço São Paulo Edusp 2006 10 Machado S O capital comunitário e a PPC a parti cipação pública privada e comunitária na constru ção da economia local dissertação Rio Branco Universidade Federal 2010 11 Falcón ML Lastres HMM Cassiolato JE et al Por uma política industrial e de inovação baseada em APLs da agricultura familiar In Matos MP Cas siolato JE Lastres HMM et al organizadores Ar ranjos Produtivos locais referencial experiências e políticas em 20 anos da RedeSist Rio de Janeiro E Papers 2017 p 161192 12 Binswanger HP A Microeconomic Approach to Induced Innovation in Economic Journal 1974 8433694058 13 Binswanger HP Rosenzweig MR Behavioral and Material Determinants of Production Relations in Agriculture in Journal of Development Studies 1986 22350339 14 Binswanger HP Mcintire J Behavioral and Mate rial Determinants of Production Relations in Land Abundant Tropical Agriculture in Economic Deve lopment and Cultural Change 1987 3617399 15 Binswanger HP Elgin M What are the prospects for land reform In Maunder A Valdés A Agricul ture and Governments in an Interdependent World Proceedings of the Twentieth International Con ference of Agricultural Economists August 2431 Dartmouth Aldershot 1988 16 Binswanger HP Deininger K Feder G Power Dis tortions Revolt and Reform in Agricultural Land Relations In Behrman J Srinivasan TN Hand book of Development Economics Volume III Ams terdam Elsevier 1995 17 Binswanger HP Deininger K Explaining Agricultu ral and Agrarian Policies in Developing Countries in Journal of Economic Literature 1997 351958 2005 18 Boussard JM Économie de lAgriculture Paris Economica 1987 19 Britton DK Hill B Size and Efficiency in Farming London Saxon House 1975 20 Leite SP Ávila RV Reforma agrária e desenvolvi mento na América Latina rompendo com o redu cionismo das abordagens economicistas in RER 2007 453777805 21 Veiga JE O que é reforma agrária 14 ed São Paulo Ed Brasiliense 1994 22 Rostow WW Etapas do desenvolvimento econômi co um manifesto não comunista 6 ed Rio de Janei ro Zahar Editores 1978 23 Noronha GS Reforma agrária como estratégia de erradicação da pobreza dissertação Niterói Uni versidade Federal Fluminense 2013 24 Noronha GS A questão agrária a Emenda Consti tucional nº 95 e possíveis alternativas In Rossi P Dweck E Oliveira ALM organizadores Economia para poucos Impactos sociais da austeridade e al ternativas para o Brasil São Paulo Autonomia Lite rária 2018 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 198 25 Oliveira E Fariello D Governo quer autorizar com pra de terras por estrangeiros para culturas pe renes internet O Globo 2017 fev 17 acesso em 2017 fev 19 Disponível em httpsogloboglobo comeconomiagovernoquerautorizarcompra deterrasporestrangeirosparaculturaspere nes20940450 26 Carta ao Brasil Medida Provisória nº 7592016 a desconstrução da regularização fundiária no bra sil 2017 acesso em 2017 out 22 Disponível em ht tpsdocsgooglecomdocumentd1dPHipNyaJx Gkjwk2PiRGXu8mklCO5BGTw9J1W8Lesedit 27 Sindicatos dos Peritos Federais Agrários Apresen tação do SindPFA à direção do Incra em 26062015 acesso em 2017 out 21 Disponível em https ptslidesharenetSindPFAapresentaosindpfadi reodoincraem2662015 28 Gandhi A Kumar C Saha P et al India Human De velopment Report 2011 Nova Delhi Oxford Univer sity Press 2011 29 Hilmi A Transição na cultura agrícola Uma ló gica distinta Oslo The More and Better Network 2012 acesso em 2014 jul 5 Disponível em http agtransitionorgpdfTransicaonaculturaagri colaptpdf Recebido em 0108 2018 Aprovado em 31102018 Conflito de interesses inexistente Suporte financeiro não houve
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SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 183 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma The dispute between models for the countryside notes on the agrarian issue in Brazil in search of a new paradigm Gustavo Souto Noronha1 Maria Lúcia de Oliveira Falcón2 DOI 101590010311042018S314 1 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra Rio de Janeiro RJ Brasil Orcid httpsorcid org000000017860 6641 noronhagustavogmailcom 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Rio de Janeiro RJ Brasil Universidade Federal do Sergipe UFS Aracaju SE Brasil Orcid httpsorcid org000000030900 8458 luciafalconyahoocombr ENSAIO ESSAY Este é um artigo publicado em acesso aberto Open Access sob a licença Creative Commons Attribution que permite uso distribuição e reprodução em qualquer meio sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado RESUMO O texto procura apresentar a discussão da questão agrária brasileira na perspectiva do conflito entre dois modelos para o campo um voltado para o agronegócio e outro voltado para a agricultura familiar reforma agrária e comunidades tradicionais O presente artigo pre tende visitar essa disputa atualizála no contexto do golpe de Estado de 2016 e apresentar possíveis alternativas para o campo no Brasil em busca de novos paradigmas PALAVRASCHAVE Agricultura Desenvolvimento regional Planejamento social Agroindústria Agricultura sustentável ABSTRACT The text seeks to present the discussion of the Brazilian agrarian issue from the per spective of the conflict between two models for the countryside one focused on the agribusiness and one another focusing on family farming agrarian reform and traditional communities The present article intends to visit such dispute to update it in the context of the coup detat of 2016 and to present possible alternatives to the countryside in Brazil in search of new paradigms KEYWORDS Agriculture Regional development Social planning Agribusiness Sustainable agriculture SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 184 Apresentação A questão agrária talvez seja um dos debates de importância civilizatória mais emblemáticos e acalorados do Brasil uma discussão natural para o quinto país em extensão territorial do mundo com enorme área agriculturável O cerne da controvérsia é uma disputa territorial entre dois modelos o primeiro ligado ao agro negócio patronal que apesar de atender parte do mercado interno está inserido no mercado internacional de commodities o segundo com foco na agricultura familiar reforma agrária e comunidades tradicionais apresenta um maior vínculo com a produção de alimentos para o mercado interno e a subsistência O presente ensaio pretende visitar essa disputa atualizála no contexto do golpe de 2016 e apresentar possíveis alternativas para o campo no Brasil A primeira seção apresenta o caráter perene da discussão da reforma agrária no País A segunda parte apresenta a disputa territorial entre os modelos agrícolas Depois procuramos apresentar a conformação social e econômica da agricultura brasileira e seus con flitos agrários nos anos de 2010 a 2020 A seguir discutimos alguns aspectos econômicos sobre o tamanho da propriedade rural e a reforma agrária Na sequência entramos no debate do golpe de 2016 e a destruição das políticas agrá rias Por fim procuramos na conclusão sugerir experiências a serem estudadas para a constru ção de um novo paradigma A reforma agrária perene A discussão sobre a reforma agrária no Brasil começou no século XIX com José Bonifácio de Andrada e Silva e nunca saiu do debate nacional tendo sido abordada por Joaquim Nabuco Ignácio Rangel Caio Prado Júnior entre outros autores clássicos do pensamento brasileiro que sempre apontaram a necessida de da democratização da propriedade da terra como uma etapa necessária ao desenvolvimen to brasileiro O presidente João Goulart pouco antes de ser derrubado fez um discurso avassa lador em defesa de reforma agrária A ditadura trouxe o Estatuto da Terra1 a redemocratiza ção dos planos nacionais de reforma agrária Entretanto historicamente pouco se alterou o índice de Gini da Terra no Brasil 1995 1998 2000 2006 1992 1985 1978 Ano Gini da Terra 1972 1967 1920 1940 1950 1960 076 078 08 082 084 086 088 Gráfico 1 Concentração de terras no Brasil Fonte Elaboração própria baseado em dados do IBGE2 Incra3 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 185 O Brasil é o país da reforma agrária perene Ao contrário de outros países onde se realizou uma reformulação completa da estrutura fundiária nosso país segue cha mando de reforma agrária uma política que precariamente fiscaliza a função social da propriedade da terra Discutir a função social da propriedade é primordial para relativizar o direito absoluto sobre a propriedade Entretanto Caio Prado Júnior4 já nos alertava que as manchas de solo de pior qualidade são aquelas que acabam ficando na mão dos pequenos e médios proprietários e que a desapropriação apenas das grandes propriedades improduti vas perpetuaria este cenário A fiscalização do cumprimento da função social sob os aspectos da produtividade am biental e trabalhista é um dever constitucio nal do estado mas não pode ser entendida como reforma agrária Reforma agrária tem começo meio e fim Há contudo os que entendem que mesmo a reforma agrária tendo sido uma etapa ne cessária no desenvolvimento de nações hoje consideradas desenvolvidas o Brasil teria perdido esse bonde da história De pouco adianta a essas pessoas argu mentos sobre a eficiência maior da agricul tura familiar sobre a produção de alimentos que é garantida por esse modo de produção de qualquer efeito multiplicador dessa po lítica sobre a economia enfim qualquer defesa mais enfática da necessidade de uma reforma agrária Um dos pontos levantados por essas pessoas é que não há público para essa reforma agrária e que haveria necessidade no máximo de atuar pontualmente nos con flitos existentes e assentar as cerca de 120 mil famílias acampadas no País Isso é uma falácia Os dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE de 2017 mostram uma demanda muito maior como pode ser observado na tabela 1 abaixo Tabela 1 Demanda potencial da reforma agrária Produtores sem área e minifúndios Tipo de estabelecimento Total de Estabelecimentos Produtores sem área 76671 Maior que 0 e menor que 01 75121 De 01 a menos de 02 54800 De 02 a menos de 05 174551 De 05 a menos de 1 303467 De 1 a menos de 2 467982 Demanda potencial 1152592 Fonte IBGE5 O Estatuto da Terra Lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964 estabelece como obje tivo da reforma agrária eliminar o latifúndio e o minifúndio No Brasil uma área infe rior a um módulo fiscal é considerada um minifúndio a legislação brasileira também prevê a fração mínima de parcelamento a área mínima que um imóvel pode ter Tanto o módulo fiscal quanto a fração mínima de parcelamento são definidos por município SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 186 os menores valores para essas medidas no País são respectivamente cinco e dois hec tares A tabela 1 acima mostra que a demanda existente por reforma agrária consideran do apenas as áreas abaixo da menor fração mínima de parcelamento e os produtores sem área apresenta um público potencial a ser atendido pela democratização do acesso à terra no Brasil seria de mais de 115 milhão de famílias Se incluirmos todos os minifún dios na conta áreas abaixo de cinco hectares teríamos mais 817425 microproprietários ou seja a demanda por reforma agrária poderia ser considerada algo como um pouco menos de 2 milhões de família A disputa territorial entre os modelos agrícolas Mencionamos antes que vivemos uma crise alimentar e que ela também é resultante do atual padrão de consumo O melhor exemplo disso é que com o esgotamento das reservas de combustíveis fósseis temse colocado como alternativa a produção de agrocom bustíveis Na prática os agrocombustíveis competem pelas terras férteis com a produ ção de alimentos A discussão do modelo de exploração ideal das terras é vital para a dis cussão de como alimentaremos os 7 bilhões de habitantes do planeta Ainda assim nossa sociedade prefere a lógica do automóvel in dividual à do transporte coletivo eficiente Temos de um lado o agronegócio das monoculturas do deserto verde do uso in tensivo dos agrotóxicos e da manipulação genética de impactos no mínimo incertos O que temos no Brasil é que as áreas volta das para alimentos de consumo interno da população brasileira estão a perder espaço para culturas de exportação ou que produ zem insumos não alimentícios para outras indústrias O gráfico 2 abaixo elaborado a partir da Pesquisa Mensal Agrícola do IBGE com dados entre 2002 e 2016 compara a série histórica de áreas plantadas dos dois produtos mais elementares da dieta do bra sileiro arroz e feijão com as áreas plantadas e quantidade produzida da soja voltada ao mercado externo e canadeaçúcar voltada tanto para a produção do açúcar boa parte exportada como para a produção do etanol o álcool combustível Em números tínhamos em 2002 uma área plantada de 3171955 hectares de arroz 4321809 hectares de feijão 5206656 hec tares de canadeaçúcar e 16376035 hecta res de soja Em 2016 os hectares plantados eram 2004643 de arroz 2946801 de feijão 10245102 de canadeaçúcar e 33309865 hectares de soja Uma diminuição da área plantada dos produtos da dieta básica do bra sileiro em um período que a população saltou de mais de 176 milhões para cerca de 202 milhões de pessoas Isto evidencia um modelo de desenvolvimento adotado pelo País O argumento subsequente seria de que a diminuição da área plantada seria com pensada por um aumento da produtividade Independentemente de qualquer melhoria na produtividade o gráfico 1 deixa claro que a quantidade produzida dos alimentos básicos da dieta do brasileiro tem diminuído no caso do feijão ou se mantido estável no caso do arroz mesmo diante do crescimento popu lacional ao contrário da canadeaçúcar e da soja Em números saímos de 10445986 tone ladas de arroz 3064228 de feijão 364389416 de canadeaçúcar e 42107618 de soja em 2002 para 10622189 toneladas de arroz 2615832 de feijão 768678382 de canade açúcar e 96296714 de soja em 2016 É importante destacar que de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE de 2006 cerca de 43 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar ocupam somente 243 da área agricultável e produzem 70 dos alimentos consumidos no País e emprega 744 dos trabalhadores rurais além de ser responsável por mais de 38 da receita bruta da agropecuária brasileira2 A relação entre a proporção da produção de alimen tos oriundos da agricultura familiar e a de SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 187 sua participação na receita da agropecuária ajuda a inferir que os preços dos alimentos podem baixar diante de uma mudança no paradigma produtivo do meio rural Ademais o desperdício de alimento na cadeia produ tiva do agronegócio é 10 vezes maior que na cadeia produtiva do modo produção campe sino Desse modo não está errado afirmar que a produção orgânica e sustentável vem da agricultura familiar É mais fácil garantir uma produção livre de veneno com o agri cultor familiar que no agronegócio Ou seja é preciso discutir uma reorganização da produção de alimentos do País em um para digma agroecológico Por fim é importante retomar a questão colocada por Caio Prado Junior4 e anterior mente citada de que as piores terras ficam na mão dos pequenos e médios proprietários e que a desapropriação apenas das grandes propriedades improdutivas perpetua este cenário Ou seja mais uma vez retomamos a necessidade por um outro viés de discutir uma limitação ao tamanho máximo da pro priedade rural Gráfico 2 Área plantada ou destinada à colheita arroz feijão canadeaçúcar e soja em hectares Fonte IBGE6 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 5000000 0 10000000 25000000 15000000 30000000 20000000 33309865 Arroz em casca Canadeaçúcar Feijão em grão Soja em grão Conformação social e econômica da agricultura brasileira e seus conflitos agrários nos anos 2010 a 2020 O cerne da controvérsia é a disputa políti ca e econômica entre dois modelos que se materializa também e primeiramente na disputa pela terra O primeiro modelo está definido pelo agronegócio patronal que atende parte do mercado interno por meio de cadeias agroindustriais mas principalmen te está inserido no mercado internacional de commodities sustentando a acumulação de cadeias agroindustriais estrangeiras O segundo modelo tem por moldura a agricultura familiar SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 188 assentamentos da reforma agrária e comuni dades tradicionais e está fortemente vincula do à produção de alimentos para o mercado interno além da subsistência familiar Mesmo assim o potencial do Brasil rural é tão grande que ao mesmo tempo em que se torna va uma das maiores economias industriais do mundo o país estruturava uma importante base agropecuária e terminaria o século XX como um dos principais produtores agrícolas mundiais exportando alimentos para muitos outros paí ses Ao lado de uma agropecuária de base patro nal que se expandiu e modernizou avançando na direção do centrooeste se desenvolveu uma agropecuária organizada em bases familia res que predomina em três porções distintas do amplo território nacional a região sul o nordeste com destaque para a região semiárida e a re gião amazônica A primeira estrutura se destaca pelos seus níveis de produtividade elevados e tem o mercado mundial como destino de seus excedentes A segunda mais diversificada e vol tada para o mercado interno se diferencia pela sua capacidade de gerar ocupação para milhões de produtores e suas famílias Ambas reafirmam as potencialidades do Brasil rural733 No entanto como a realidade sempre é mais complexa que os modelos teóri cos além dos espaços de conflito existem espaços de integração e convivência entre os dois modelos com resultados benignos e ma lignos em diferentes gradações Dois estudos seminais detectaram essa complexidade e apontaram os mercados de disputa e os mercados de integração em que os modelos operam Tratase do Atlas do Espaço Rural elaborado pela Diretoria de Geociências do IBGE publicado em 2011 com dados de anos variados e da Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasileiros publicado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura IICA em 2017 No Atlas encontramos um conjunto de 33 tipos de territórios rurais de povoamento em todo o Brasil mas o que sobressai da análise que formula essa tipologia são elementos inovado res O IBGE coteja os tradicionais indicadores agrários e agrícolas número e tamanho dos estabelecimentos a propriedade da terra valor e volume da produção etc com indicadores sociais obtidos por meio do acesso a bens civi lizatórios ou direitos sociais como educação acesso à justiça e acesso a políticas públicas tecnologia e informação Mais além coloca no mapa os fluxos desses sistemas produtivos e identifica a Rede de Cidades que assiste e ma terializa os mercados nas diversas escalas logís ticas do regional até a exportação Finalmente afirma que não é mais possível em nenhum dos dois modelos e suas variantes territoriais separar a economia do rural e a do urbano As rendas e receitas que estão mantendo o sistema produtivo rodando seja no agronegócio seja na agricultura familiar há muito já são geradas em atividades integradas e simultâneas aos in divíduos e empresas Com efeito o debate atual em torno das rela ções entre o rural e o urbano e da introdução da abordagem das dinâmicas territoriais im plica na compreensão de novas ramificações temáticas que giram em torno das articula ções territoriais e interdependências do rural com o urbano na medida em que empirica mente o campo apresenta cada vez mais in junções com a cidade e suas funções alteran do a estrutura e a dinâmica de suas relações A análise do espaço rural brasileiro acompa nhada pelas informações geográficas elabo radas pelo IBGE contempla portanto não só o setor agropecuário estrito senso como a geografia da rede urbana local e da regional pois é nesse espaço que muitos produtores rurais encontrarão fontes de renda e emprego complementares vitais para a preservação da própria atividade agrícola811 A integração econômica ruralurbano leva os serviços financeiros tecnologia comuni cações transporte entre muitos outros para o cotidiano rural e traz o padrão de consume das atividades rurais para o mundo urbano SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 189 Forma e conforma assim uma nova cultura da ruralidade em que tanto a exclusão social rural os sem terra quanto a exclusão urbana os sem teto são o outro lado da moeda do avanço do capitalismo no conjunto da economia e da sociedade quando não en contra barreiras políticas para a concentra ção da riqueza e da propriedade Três cartogramas explicam bem esse fenô meno socioeconômico sendo o Cartograma 1 ilustrativo de como as mercadorias percor rem o espaço definindo regiões e construindo cadeias produtivas agroindustriais seja para o mercado interno seja para exportação figura 1 O Cartograma 2 mostra como os municípios brasileiros geram renda por meio da integração dos setores primário agricultura secundário indústria e terciário serviços figura 2 O Cartograma 3 mostra a ocorrência de ativida des simultâneas à agricultura que geram renda para o produtor fora do estabelecimento rural sendo já essa uma característica do rural em quase todo o País figura 3 Com efeito a expansão da fronteira agrícola do território brasileiro nas últimas décadas tem signi ficado um adensamento técnicoinformacional e normativo com a participação decisiva de grandes empresas ligadas ao agronegócio A distribuição de tais densidades de fluxos no entanto é seleti va uma vez que apenas algumas áreas e pontos do Território Nacional se inserem de forma mais completa nas redes cadeias e complexos agroin dustriais delineados a partir da organização em rede da agropecuária nacional emergente nos anos de 1990 do século passado Assim sendo a agropecuária brasileira passa a ser cada vez mais e sistematicamente pautada por lógicas antes comuns apenas aos outros setores da economia e o imperativo da competitividade apoderase da produção e da logística de distri buição em todas as suas etapas ressaltando aí os mecanismos financeiros econômicos e prin cipalmente os inúmeros avanços tecnológicos que permitiram aos agentes hegemônicos articu laremse e estruturaremse para atender tanto ao mercado interno quanto ao mercado externo811 Figura 1 Dimensões do espaço regional sob a ótica dos fluxos produtivos agroindustriais Fonte IBGE8293 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 190 Figura 2 Origem da renda municipal segundo setor econômico Fonte IBGE8250 Figura 3 Atividades remuneradas fora do estabelecimento rural Fonte IBGE8251 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 191 Finalmente do estudo do IICA no qual também é formulada uma tipologia de ter ritórios rurais com 26 tipos chegase à conclusão que parte significativa 37 da população brasileira vive essencialmente uma experiência de ruralidade O que é exa tamente essa condição A contribuição principal que advém do debate conceitual é a que nega o rural como sinôni mo apenas de espaço da produção agropecu ária Contestando esta visão economicista o estudo assumiu uma leitura de corte socio cultural do rural a exemplo do que se faz em muitos países e do que prevalece em vários estudos recentes Seguindo esta orientação a tipologia parte da visão de que A ruralidade diz respeito a uma forma pela qual se organiza a vida social7 34 Com base nas análises dos dados e nas conclusões desses estudos apresentamos um desenho das relações sociais entre os atores que performam na nova ruralidade brasileira definindo as arenas onde as disputas e integra ções podem acontecer Milton Santos9 teorizou sobre esses novos atores que surgem com a maior densidade informacional e técnica dos espaços rurais que se integram nas redes de produção capitalista São alçados a autoridades locais o agrônomo o veterinário o gerente do banco entre tantas outras personagens da so cioeconomia do Brasil no século XXI O sistema unificado da ruralidade bipolar do agronegócio e da agricultura familiar amalgama em cada território os diferentes atores e suas relações formais e informais e aponta conflitos bem como pontos de in tegração nos seguintes subsistemas a nas organizações públicas dos três níveis fede rativos b no acesso ao mercado financeiro e à educação financeira c no acesso à tec nologia assistência e aos insumos d na co mercialização em diferentes escalas bolsa de mercadorias internacional contratos agroindustriais feiras regionais e locais co operativas e no acesso à terra As personagens são permanentes visíveis ou permanentes invisíveis Aqui o critério de visibilidade se baseia em registros formais de trocas sociais políticas e econômicas Geralmente as relações entre as permanen tes visíveis são predominantemente formais enquanto as relações entre as visíveis e in visíveis são predominantemente informais São permanentes visíveis em uma formação produtiva territorial o gerente do banco o agrônomoveterináriozootecnistatécnico agrícolaetc o pequeno produtor e sua família com terra o trabalhador rural o trabalhador rural semterra o empresário proprietário da terra o médio produtor rural o juizoficial de cartório defensoria e promotor o padrepastorliderança religio sa o prefeitovereadoresdeputadospolíti cos de outra escala federativa São permanentes invisíveis os interme diários da comercialização os transporta dores os prepostos da ilegalidade agiota madeireiro servidor público corrupto crime organizado etc lideranças locais empresa riais e de produtores familiares lideranças religiosas advogados cabos eleitorais e lide ranças políticas entre outros As figuras visualizam as relações sociais da tipologia de conformação socioeco nômica da ruralidade brasileira atual À esquerda temse o modelo hegemônico do agronegócio já absorvido pelas cadeias globais de valor e coordenados pelos crité rios do sistema financeiro por meio do qual acessa a tecnologia a hegemonia cultural e política local regional e nacional Por ele são instrumentalizados racionalmente os demais atores do sistema produtivo Ao centro temse o modelo hegemônico da agricultura familiar em que a coordena ção é feita por meio de agentes públicos com mediação do sistema financeiro para acesso a todos os inputs do sistema produtivo terra tecnologia equipamentos comunicação etc Interessante que essa coordenação estatal é a base desse modelo mesmo nos países capitalis tas mais desenvolvidos Sem essa coordenação SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 192 a probabilidade de destruição dos sistemas pro dutivos é extremamente alta Finalmente à direita propomos uma construção nova com mediação comercial financeira e autocoordenação dos produ tores rurais Nossa fonte de inspiração é o modelo PPPC10 Parceira PúblicoPrivada Comunitária testado em vários sistemas produtivos no Acre destacandose o em preendimento agroindustrial de pescado e rações Nesse caminho o Estado apoia e fomenta a cooperativa dos agricultores familiares que se torna sócia de um empre endedor privado com experiência agroin dustrialcomercial integrando a produção e a apropriação dos lucros aportando tec nologia de produção e de comercialização A permanência do apoio até a primeira su cessão geracional da agricultura familiar é a chave do sucesso desse modelo permitindo a elevação do conhecimento técnico filhos de agricultores sem perda do conhecimento tácito dos agricultores e assentados Figura 4 Modelos de tipologia da ruralidade brasileira Fonte Elaboração própria Esse modelo associa e evolui as políticas de promoção aos sistemas e arranjos produtivos locais corrige aos poucos a injustiça cognitiva e eleva a produtividade da agricultura brasileira É também um caminho novo de promoção da agri cultura orgânica e sustentável com desenvolvi mento de inovações tecnológicas nos sistemas integrados da ruralidade no século XXI Mais detalhes desse ciclo de novas políticas públicas para a agricultura familiar estão tratados no livro da RedeSist sobre 20 anos de experiências com arranjos produtivos locais em que Falcón Lastres Cassiolato e Andreatta11 formulam alter nativas para uma política industrial e de inovação baseada em APLs da agroindústria familiar Aspectos econômicos sobre o tamanho da propriedade rural e a reforma agrária Diversos estudos econômicos sobre econo mias de escala na agricultura demonstram que a grande propriedade possui custos crescentes de escala1219 Custos de gerencia mento logística e mão de obra a imprevisi bilidade meteorológica a volatilidade dos preços internacionais além do descolamen to entre o tempo de trabalho e o tempo de produção são alguns fatores que nos permi tem afirmar que o setor agrícola não possui SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 193 características de uma atividade capitalista no senso comum Ademais todas as nações cujo padrão de de senvolvimento é idealizado pela grande maioria da sociedade brasileira passaram por um pro cesso quase sempre radical de democratização do acesso à terra Leite e Ávila20800 a partir de uma revisão de autores com perspectivas teóri cas distintas confrontam a dimensão residual e compensatória na qual o pensamento con servador na melhor das hipóteses confinou o tema do acesso à terra Veiga21 argumenta pela necessidade de realizar uma ruptura sociopolítica para des travar o desenvolvimento econômico Ele entende que algumas novas lideranças do setor empresarial brasileiro estariam dis postas a reconhecer que sem distribuição da riqueza não haveria como o País avançar teríamos então a possibilidade de rediscu tir as políticas para a agricultura familiar e consequentemente o tema da reforma agrária Essa ideia está presente nas teses de Rostow22 quando discorre sobre as précon dições para o arranco e menciona a necessi dade uma ruptura com as elites tradicionais A reforma agrária também pode ser um meio bastante eficaz de erradicação da pobreza23 Todavia a problemática da pobreza rural não pode ser reduzida a uma mera questão social até porque o modo de intervenção feito a partir dessa visão não enfrenta as causas estruturais do problema É preciso discutir em última instância o modelo produtivo Outro aspecto econômico relevante é o viés de combate à inflação de uma política de reforma agrária As causas de um processo inflacionário podem ser diversas aqueci mento da economia choques de oferta con flito distributivo entre capital e trabalho ou resultado das projeções dos agentes Sem aprofundar as demais causas infla cionárias uma parte relevante da inflação recente tem relação com problemas na oferta de alimentos A demanda por alimentos é quase inelástica desse modo a variação nos preços desse mercado explicase em parte por um problema de oferta insuficiente mas também pela vinculação de determinados produtos aos mercados internacionais de commodities Logo um primeiro passo é buscar desvincular os preços dos alimentos dos mercados externo e interno Nesse sentido é importante lembrar que a grande propriedade produz principalmente para o mercado externo não afeta sobrema neira a curva de oferta interna de alimentos O consumo interno desses itens também não afeta seu preço mas sim as variações no mercado internacional A agricultura familiar como já demonstrado é responsável pela maior parte do alimento na mesa do brasileiro Desse modo para reduzir a inflação particularmente quando uma de suas causas é um choque de oferta de alimentos é preciso ampliar o número de agricultores familiares O golpe de 2016 e a destruição das políticas agrárias O golpe de 2016 trouxe entre suas medidas mais duras a Emenda Constitucional nº 95 que impôs o congelamento em valores reais das despesas governamentais Uma medida de ajuste fiscal permanente e que desconsidera os ciclos econômicos Os impactos dessa emenda à Constituição são de tal ordem que desmon tam todas as políticas agrárias do Brasil24 O governo Temer é um governo dos setores mais atrasados do campo brasileiro atrasado e sem nenhum compromisso com a soberania e com o desenvolvimento nacio nal A estrondosa vitória dos novos coronéis da República Velha apareceu aos poucos na agenda governista Em julho de 2016 Michel Temer assumiu diversos compromissos com a Frente Parlamentar da Agropecuária o nome oficial da bancada ruralista Entre os acordos foi acertada a revisão de diver sas políticas públicas como licenciamento SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 194 ambiental a demarcação de terras indíge nas e a regulação da compra de terras por estrangeiros No início de 2018 anunciouse regras para o trabalho escravo fazendo o País deixar de ser referência mundial no combate a esta prática O processo de aquisição de terras por es trangeiros é regulado pela Lei nº 57091971 que reforçado por parecer da AdvocaciaGeral da União AGU de 2010 impõe limites ao que os não nacionais podem adquirir O argumen to do ministro da Fazenda para a liberação das restrições se deve a um suposto aumento nos investimentos O Brasil precisa de crescimen to e de investimento O agronegócio foi a área que mais cresceu em janeiro Temos que inves tir gerar mais emprego25 Se é uma área que já vem crescendo segundo as palavras do próprio ministro não parece ser uma área que precise de investimentos estrangeiros A bancada ruralista também arrancou a Medida Provisória MP nº 7592016 con vertida na Lei nº 134652017 que afeta não apenas o campo mas também o processo de regularização fundiária urbana Essa medida é um reflexo da inflexão que o governo Temer promove na forma de atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra mudando sua prioridade para a ti tulação uma política importante mas que não é reforma agrária das áreas reformadas em detrimento da obtenção de novas áreas Diversas entidades lançaram uma Carta ao Brasil26 apontando os riscos e retrocessos do novo marco legal Destes destacamos a privatização em massa e na surdina do pa trimônio da União a anistia a desmatadores e grileiros na Amazônia a ameaça à Política Nacional de Reforma Agrária e a financeiri zação da terra urbana e rural Em última instância a medida regulariza o assalto às terras públicas o grilo e recon centração ilegal de áreas reformadas neste último caso sem sequer ter dado às famílias assentadas a estrutura crédito e assistência técnica mínimos para que pudessem alcan çar sua independência Em busca de alternativas A construção de uma alternativa passa ne cessariamente pela revisão da Emenda Constitucional nº 95 e de alguns aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal LRF para permitir a retomada da capacidade intervenção do Estado na economia sem ameaças de impeachment uma vez que as pedaladas que justificaram o afastamento de Dilma foram por violações a dispositivos da LRF Entretanto há regras específicas para o financiamento de uma efetiva política agrária no Brasil O Estatuto da Terra Lei nº 45041964 assegura o financiamento da reforma agrária por meio da criação do Fundo Nacional da Reforma Agrária que garantia entre outros recursos a destina ção específica de 3 da receita tributária da União Esse dispositivo acabou alterado pelo DecretoLei nº 24311988 que criou o Fundo Nacional da Reforma e do Desenvolvimento Agrário Funmirad destinado a fornecer os meios necessários para o financiamento da reforma agrária e dos órgãos incumbidos da sua execução Entre as fontes de finan ciamento do Funmirad estavam o Fundo de Investimento Social Finsocial administra do pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES cujos recursos não chegam ao Incra Ademais o DecretoLei nº 1146 de 1970 garante ao Incra receitas vinculadas que de acordo com exposições públicas da presi dência da autarquia antes do impeachment apresentada como a contribuição social da agroindústria superavam o valor de R 12 bilhão recursos estes que nos últimos anos não foi destinado para as atividades fins do Incra Uma atualização dos valores da Taxa de Serviços Cadastrais de que trata o art 5º do DecretoLei nº 57 de 18 de novembro de 1966 com as alterações do art 2º da Lei nº 6746 de 10 de dezembro de 1979 e do DecretoLei nº 1989 de 28 de dezembro de 1982 pode garantir um incremento de R 500 milhões ao orçamento do Incra SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 195 Outra forma de incrementar o orçamento da reforma agrária seria uma eventual par ceria do Incra com a Receita Federal na fis calização do Imposto Territorial Rural que poderia elevar a arrecadação deste tributo de acordo com o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários de cerca de R 850 milhões para cerca de R 83 bilhões Se 10 destes recursos fossem destinados ao Incra já haveria um aumento orçamentário de mais de R 800 milhões27 A transformação do Funmirad um fundo contábil em um Fundo Nacional de Desenvolvimento Agrário FNDA como um fundo especial contábil de natureza fi nanceira vinculado ao Incra pode garantir ainda uma relativa autonomia da autarquia em relação ao orçamento da União livran doa dos constrangimentos impostos pela Emenda Constitucional nº 95 e dos suces sivos ajustes fiscais que todos os últimos governos fizeram Esse fundo poderia ser turbinado pelo uso das áreas preservadas em assentamentos no mercado de cotas de reserva ambiental e crédito de carbono Um paradigma para o futuro É preciso buscar outros paradigmas sociais que não os dos EUA ou da Europa Kerala província indiana com população seme lhante à do Brasil e com forte influência do Partido Comunista Indiano na construção de suas políticas públicas apresenta os me lhores indicadores sociais da Índia mesmo sem uma economia robusta Alguns números apresentados 95 de taxa de alfabetização 61 no resto da Índia expectativa de vida de 7578 anos 63 na Índia um índice de 12 a 14 de mortalidade infantil a cada mil nasci dos vivos 58 no restante do País28 Ainda na Índia temos o modelo de agri cultura sustentável gerida pela comuni dade em Andhra Pradesh em que 300 mil fazendeiros fizeram uma opção alternativa à revolução verde Ali foi desenvolvida uma plataforma que combinava métodos cien tificamente comprovados conhecimentos autóctones e sabedoria tradicional Os objetivos iniciais da agricultura sustentá vel gerida pela comunidade eram proporcionar alimentos saudáveis colheitas saudáveis solo saudável e vida saudável As práticas de manejo sem pesticidas e conservação do solo foram in troduzidas por meio de Escolas de Campo para Agricultores FFS onde os próprios fazendeiros podiam tomar suas próprias decisões sobre as abordagens à gestão As instituições locais fo ram a chave para o sucesso da transição Elas abrangiam grupos de autoajuda federações municipais de fazendeiros reunindo todos os fazendeiros praticantes da agricultura sustentá vel cada domicílio sendo representado por um homem e uma mulher e a federação distrital de fazendeiros O primeiro investimento foi na for mação da instituição Então quando a platafor ma ficou pronta foi provido apoio para a criação de capacidade produtiva Não havia subsídios aos insumos Na CMSA todos os insumos são internalizados de modo que o custo do cultivo é reduzido drasticamente O grosso da produção é destinado a assegurar primeiro a alimentação local O excedente da produção é vendido a mer cados próximos e a nichos de mercado com pre ço elevado como produtos isentos de pesticidas Todos os elementos essenciais como adminis tração de programas e ampliações são liderados pelas comunidades2939 Outro exemplo importante de transição que merece ser mencionado é o caso de Cuba Quando do colapso soviético o País tinha 57 de sua demanda de alimentos aten dida pelo exterior com 30 de suas terras agriculturáveis dedicadas exclusivamente à canadeaçúcar Cuba não possuía soberania alimentar e era completamente dependen te do comércio exterior O País montou um sistema baseado em cooperativas de créditos e serviços e promoveu uma mudança radical na forma de abordar a agricultura com um SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 196 papel fundamental da agroecologia nesta transição o resultado foi o maior crescimento percentual per capita na produção de alimentos em toda a América La tina e Caribe com um crescimento anual de 42 de 1996 a 20052938 Essas mudanças já têm uma inciativa lançada em 2012 pelo governo brasileiro a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica PNAPO com a edição do Decreto nº 7794 de 20 de agosto de 2012 desenvolvi da a partir do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica Planapo Embora busque construir estratégias para uma tran sição agroecológica com uma metodologia participativa é mais uma política pública comprometida com os constrangimentos im postos pelo desmonte do Estado a partir da Emenda Constitucional nº 95 Por fim a inovação tecnológica chegando agora com a indústria 40 e intensificando a produção da agricultura além da mudança de valores e consumo nos centros urbanos criará desafios diferentes para o agronegócio e para a agricultura familiar Acesso ao conhe cimento técnico é o maior desafio para os pe quenos produtores e a produção sustentável é o maior desafio para o agro Nada indica que o governo do golpe tem políticas para enfren tar esses desafios A agricultura brasileira está sob alto risco no médio prazo Colaboradores Noronha GS contribuiu para a concepção análise redação e aprovação final do artigo Falcón MLO contribuiu para a elaboração da es trutura do artigo análise de modelo s sociopro dutivos revisão e aprovação da versão final s Referências 1 Brasil Estatuto da terra Lei nº 4504 de 30 de no vembro de 1964 acesso em 2018 out 31 Disponível em httpspresrepublicajusbrasilcombrlegisla cao104451estatutodaterralei450464 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Cen so Agropecuário 2006 resultados Preliminares acesso em 2013 maio 14 Disponível em http wwwibgegovbr 3 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá ria O Brasil desconcentrando terras 2001 acesso em 2017 out 22 Disponível em httpwwwincragovbr mediaservicospublicacaolivrosrevistasecarti lhasIndice20de20Gini2020O20Brasil20 Desconcentrando20Terraspdf 4 Prado Junior C A questão agrária São Paulo Brasi liense 2000 5 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Cen so Agropecuário 2017 acesso em 2018 jul 28 Re SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 A disputa entre modelos para o campo apontamentos sobre a questão agrária no Brasil em busca de um novo paradigma 197 sultados preliminares Disponível em httpswww ibgegovbrestatisticasnovoportaleconomicas agriculturaepecuaria218142017censoagropecu ariohtmltresultados 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SI DRA Banco de tabelas estatísticas acesso em 2018 out 31 Disponível em httpssidraibgegovbr homepimpfbrbrasil 7 Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasi leiros implicações no marco jurídico e nas políticas públicas Brasília DF IICA 2017 Série Desenvol vimento Rural Sustentável v 22 8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Atlas do espaço rural brasileiro Rio de Janeiro IBGE 2011 9 Santos M A Natureza do Espaço São Paulo Edusp 2006 10 Machado S O capital comunitário e a PPC a parti cipação pública privada e comunitária na constru ção da economia local dissertação Rio Branco Universidade Federal 2010 11 Falcón ML Lastres HMM Cassiolato JE et al Por uma política industrial e de inovação baseada em APLs da agricultura familiar In Matos MP Cas siolato JE Lastres HMM et al organizadores Ar ranjos Produtivos locais referencial experiências e políticas em 20 anos da RedeSist Rio de Janeiro E Papers 2017 p 161192 12 Binswanger HP A Microeconomic Approach to Induced Innovation in Economic Journal 1974 8433694058 13 Binswanger HP Rosenzweig MR Behavioral and Material Determinants of Production Relations in Agriculture in Journal of Development Studies 1986 22350339 14 Binswanger HP Mcintire J Behavioral and Mate rial Determinants of Production Relations in Land Abundant Tropical Agriculture in Economic Deve lopment and Cultural Change 1987 3617399 15 Binswanger HP Elgin M What are the prospects for land reform In Maunder A Valdés A Agricul ture and Governments in an Interdependent World Proceedings of the Twentieth International Con ference of Agricultural Economists August 2431 Dartmouth Aldershot 1988 16 Binswanger HP Deininger K Feder G Power Dis tortions Revolt and Reform in Agricultural Land Relations In Behrman J Srinivasan TN Hand book of Development Economics Volume III Ams terdam Elsevier 1995 17 Binswanger HP Deininger K Explaining Agricultu ral and Agrarian Policies in Developing Countries in Journal of Economic Literature 1997 351958 2005 18 Boussard JM Économie de lAgriculture Paris Economica 1987 19 Britton DK Hill B Size and Efficiency in Farming London Saxon House 1975 20 Leite SP Ávila RV Reforma agrária e desenvolvi mento na América Latina rompendo com o redu cionismo das abordagens economicistas in RER 2007 453777805 21 Veiga JE O que é reforma agrária 14 ed São Paulo Ed Brasiliense 1994 22 Rostow WW Etapas do desenvolvimento econômi co um manifesto não comunista 6 ed Rio de Janei ro Zahar Editores 1978 23 Noronha GS Reforma agrária como estratégia de erradicação da pobreza dissertação Niterói Uni versidade Federal Fluminense 2013 24 Noronha GS A questão agrária a Emenda Consti tucional nº 95 e possíveis alternativas In Rossi P Dweck E Oliveira ALM organizadores Economia para poucos Impactos sociais da austeridade e al ternativas para o Brasil São Paulo Autonomia Lite rária 2018 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 42 N ESPECIAL 3 P 183198 NOVEMBRO 2018 Noronha GS Falcón MLO 198 25 Oliveira E Fariello D Governo quer autorizar com pra de terras por estrangeiros para culturas pe renes internet O Globo 2017 fev 17 acesso em 2017 fev 19 Disponível em httpsogloboglobo comeconomiagovernoquerautorizarcompra deterrasporestrangeirosparaculturaspere nes20940450 26 Carta ao Brasil Medida Provisória nº 7592016 a desconstrução da regularização fundiária no bra sil 2017 acesso em 2017 out 22 Disponível em ht tpsdocsgooglecomdocumentd1dPHipNyaJx Gkjwk2PiRGXu8mklCO5BGTw9J1W8Lesedit 27 Sindicatos dos Peritos Federais Agrários Apresen tação do SindPFA à direção do Incra em 26062015 acesso em 2017 out 21 Disponível em https ptslidesharenetSindPFAapresentaosindpfadi reodoincraem2662015 28 Gandhi A Kumar C Saha P et al India Human De velopment Report 2011 Nova Delhi Oxford Univer sity Press 2011 29 Hilmi A Transição na cultura agrícola Uma ló gica distinta Oslo The More and Better Network 2012 acesso em 2014 jul 5 Disponível em http agtransitionorgpdfTransicaonaculturaagri colaptpdf Recebido em 0108 2018 Aprovado em 31102018 Conflito de interesses inexistente Suporte financeiro não houve