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14 TEORIA E CRÍTICA PÓSCOLONIALISTAS Thomas Bonnici O DISCURSO E O PODER FOUCAULT E SAID A teoria e a crítica póscolonialistas constituindo uma nova estética pela qual os textos são interpretados politicamente baseiamse na íntima relação entre o discurso e o poder Antes portanto de analisar o Póscolonialismo em todos os seus aspectos necessário se faz indagar sobre uma faceta do pensamento pósestruturalista referente à equação discurso e poder As forças políticas e econômicas o controle ideológico e social subjazem ao discurso e ao texto É evidente que o poder com todas as suas conseqüências é exercido para que surta o máximo efeito possível Gerações de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e intelectual diante da nudez dos ameríndios gerações de homens praticamente de qualquer origem tomavam como fato indiscutível a inferioridade das mulheres Nesses casos estabeleceuse uma relação de poder entre o sujeito e o objeto a qual não reflete a verdade Friedrich Wilhelm Nietzsche 18441900 proclama que os indivíduos primeiro decidem o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos Conseqüentemente o homem encontra nas coisas somente o que ele mesmo colocou nelas Para Nietzsche todo conhecimento expressa o desejo do poder Como a verdade e o conhecimento objetivo não existem esses dois fatores são apropriados por sistemas de poder para camuflar seu desejo de poder Os indivíduos adotam certo tipo de filosofia ou teoria científica quando está de acordo com a verdade proposta pelas autoridades intelectuais ou políticas contemporâneas pela elite ou pelos ideólogos A teoria do discurso de Michel Foucault 19261984 une o ceticismo referente ao discurso e a abordagem histórica da interpretação Reconhece que o discurso escrito ou oral jamais poderia estar livre das amarras do período histórico em que foi produzido Ou seja o discurso está inerente a todas as práticas e instituições culturais e necessita da agência dos indivíduos para poder ser efetivo Semelhantemente à teoria de Lacan a subjetividade é construída através do discurso o indivíduo se identifica com ou reage contra várias posições de sujeito oferecidas por uma variedade de discursos TEORIA LITERÁRIA num dado momento Os indivíduos que pensam ou falam fora dos parâmetros do discurso dominante são definidos como loucos ou reduzidos ao emudecimento Em A história da loucura 1961 Vigiar e punir 1975 A história da sexualidade 1976 Foucault examina os campos discursivos mutantes em que esses problemas se desenvolvem em etapas específicas da história e chega à conclusão de que os indivíduos não pensam nem falam sem obedecer aos arquivos de regras e restrições sociais especialmente ao sistema educacional o qual define o que é racional e acadêmico Essas regras controlando a escrita e o pensamento formam o arquivo ou o inconsciente positivo da cultura As regras estruturais que informam os vários campos de conhecimento vão além da consciência individual Não conhecemos o arquivo da época em que vivemos porque é sinônimo do inconsciente a partir do qual falamos Compreendemos o arquivo de outra época porque somos absolutamente diferentes e distanciados dela Por exemplo percebemos as várias correspondências que formam o discurso do período medieval os escritores da Idade Média percebiam os eventos contemporâneos e pensavam através dessas correspondências e portanto não podiam vêlas como nós as vemos atualmente Foucault tenta descobrir as regras do discurso de um período específico e relacionálas à análise do conhecimento e do poder O discurso é historizado e a história contextualizada Ele considera a história em termos de uma luta sincrônica do poder Para ele o poder não é necessariamente algo repressivo mas uma força produtiva que une as diferentes forças da sociedade Nenhum acontecimento nasce de uma causa única mas é o produto de uma vasta rede de significantes e de poder Ademais a história e a história das idéias são intimamente ligadas à leitura e à produção de textos literários Esses textos por sua vez são a expressão de práticas discursivas determinadas histórica e materialmente Esses discursos são produzidos dentro de um contexto de luta pelo poder De fato na política nas artes e na ciência o poder se constrói através do discurso e portanto a pretensão de que haja objetividade nos discursos é falsa havendo então apenas discursos mais poderosos e menos poderosos A utilização da geografia e da ciência ilustrará esse ponto Quando se analisam os mapas dos cartógrafos medievais e renascentistas percebese que eles com seus contornos detalhes e nomes tornaramse uma tecnologia do império uma interface gráfica indispensável não apenas para navegar mas especialmente para gerenciar o mundo O conhecimento e o saber dão direito às terras prometidas supostamente de ninguém à divisão do mundo ao heroísmo dos exploradores à diversidade cultural à alteridade ao racismo A partir da Naturalis Historia 77 dC de Plínio e passando pelo Liber Chronicarum 1493 de Hartmann Schedel e pelo Systema Naturae 1758 de Linnaeus até as obras de certos cientistas do século XIX especialmente A de Gobineau em A desigualdade das raças humanas 1855 as discussões diretas ou indiretas sobre o racismo pareciam sempre tender a comprovar a superioridade das raças européias e colocar na alteridade o resto do mundo A apropriação das ciências seguiu o mesmo padrão do colonizador definido como a inclinação a dividir subdividir e redividir o seu tema sem nunca mudar de opinião sobre o Oriente como algo que é sempre o mesmo objeto imutável uniforme e radicalmente peculiar SAID 1990 p 107 O legado do imperialismo foi construir as estruturas científicas sobre crenças existentes e herdadas com a finalidade de indicar e consolidar os supostos donos do mundo Para Foucault o saber é o produto de um discurso específico que o formulou sem nenhuma validade fora disso As verdades das ciências derivam do discurso ou da linguagem O saber não é o efeito do acesso das ciências para o mundo real ou para a realidade autêntica mas das regras de seu próprio discurso Seguese que o saber das ciências humanas é construído porque as pessoas foram persuadidas a aceitálo como tal É saber porque o discurso é tão poderoso que nos faz acreditar que seja saber O saber portanto é produzido pelo poder Para Foucault a questão da veracidade ou falsidade de um discurso não é importante já que a verdade é produzida pelo poder Concentrase portanto na formação discursiva ou seja nas regras pelas quais o discurso é coerente ou nos princípios subjacentes ao discurso Esses discursos determinam o nosso modo de falar e pensar sobre por exemplo a sexualidade ou a sanidade mental e nos persuade para o autopoliciamiento e a supervisão dos outros Funcionando independentemente das intenções específicas individuais Foucault não está falando sobre o abuso do poder por indivíduos ou por governos que manipulam seus súditos e os mantêm sob seu controle os 224 14 TEORIA E CRÍTICA PÓSCOLONIALISTAS discursos se perpetuam pelos usuários que reproduzem seu poder Na concepção de Foucault o discurso é internalizado por nós organizando o nosso ponto de vista do mundo e colocandonos como um elo inconsciente na cadeia do poder Foucault portanto coloca a linguagem no centro do poder social e das práticas sociais É nesse ponto que se encontra o papel social da linguagem e da literatura como poder hegemônico Todo o discurso de Os lusíadas que influenciou inteiras gerações lusas começando pela sua imitação da Eneida está às proezas heróicas dos portugueses nos pontos embrionários da África e da Ásia constrói a base de sua ideologia da superioridade do europeu que por mandato divino submete os outros povos à sua lei superior Semelhante influência exerceu o discurso das peças teatrais de Shakespeare que outrasmiza e hierarquiza os povos limítrofes os irlandeses os desordeiros homens e mulheres das tavernas e os habitantes das longínquas colônias Calibã Esse fator será visto melhor no contexto do póscolonialismo Embora o discurso seja repleto de poder não é imune aos desafios ou às mudanças internas é o lugar de conflito e luta encarregado de criar e suprimir a resistência Para Foucault o discurso reforça o poder e ao mesmo tempo o subverte Ao ser exposto o discurso tornase frágil e fica mais propenso a ser contrariado Seguindo os parâmetros de Foucault e Gramsci Edward Said 19352003 em Orientalismo publicado em 1978 demonstra como a teoria da desconstrução poderá desafiar a pretensão de objetividade no contexto da história cultural Desconstruindo a natureza do poder colonial Said 1978 aprofunda a crítica póscolonialista que se desenvolveu durante os últimos quarenta anos Ele desconstrói a imagem que o mundo ocidental tem do Oriente imagem essa que foi construída por historiadores escritores poetas e estudiosos durante vários séculos Utilizando não só os trabalhos eruditos mas também as obras literárias as passagens políticas os textos jornalísticos livros de viagens estudos religiosos e filológicos SAID 1990 p 34 Said mostra a construção do Oriente através de romances descrições e informações sobre a história e a cultura orientais Essas formas de escrita ocidental constroem um discurso foucaultiano ou seja um sistema de afirmações e pressupostos que constituem um suposto saber e pelos quais se constrói o conhecimento sobre o Oriente Evidentemente tais discursos aparentemente dedicados exclusivamente ao saber estabelecem verdadeiras relações de poder Para Said 1990 as representações do Oriente ou Orientalismo feitas pelo Ocidente levam consciente e deterministicamente à subordinação Percebese de fato um discurso etnocêntrico repressivo que legitima o controle europeu sobre o Oriente através do estabelecimento de um construto negativo A esperteza o ócio a irracionalidade a rudeza a sensualidade a crueldade entre outros formam esse construto em oposição a outro construto positivo e superior racional democrático progressivo civilizado etc defendido e difundido pela cultura ocidental Encontrase nesse ponto a hegemonia do discurso ocidental Segundo Gramsci 1998 a hegemonia é a dominação consentida ou seja o método pelo qual os dominadores conseguem oprimir os subalternos através da aprovação aparente dessas mesmas classes sociais especialmente pela cultura O Orientalismo portanto legitimou o imperialismo e o expansionismo para os próprios europeus e convenceu os nativos sobre o universalismo a mais adiantada civilização do planeta é a européia da civilização européia A teoria de Said 1990 e de outros teóricos póscolonialistas quase simultaneamente adotada pelos adeptos de estudos afroamericanos e por feministas subverte os pressupostos de uma objetividade espúria que sustenta o Ocidente a unicidade de sua cultura e de seu ponto de vista Etnografia A prática etnográfica tornase uma descrição preconceitual da cultura de uma raça a partir de pressupostos hegemônicos dos conquistadores Outro O sujeito hegemônico europeu Hegemonia Além de significar o domínio de um estado sobre outro hegemonia é o poder da classe dominante para convencer as outras classes de que os interesses dela da classe dominante são interesses comuns conseqüentemente são aceitos por todas as outras classes outro O sujeito marginalizado pela hegemonia européia uma pessoa de raça ou etnia diferente ou seja nãobranca e nãoeuropéia 225 Etnicidade Distinta da identidade racial a etnicidade da pessoa inclui seus aspectos culturais como a religião tradições de vestimenta e de comida Weltanschaunng etc Discurso O texto transformado pelo contexto ou interpretação portanto altamente carregado pela ideologia dominante que exclui e degrada qualquer outro discurso Nativo Frequentemente é um termo degradante para significar a pessoa primitiva pagã nãoeducada desprovida de literatura ou cultura Império A prática política e ideológica de uma nação hegemônica para outremizar o nãoeuropeu Panótico É um sistema de supervisão consequência do poder sobre o sujeito outremizado o qual é ameaçado por todo tipo de reprovação moral e cultural e de exclusão Quadro 1 Poder e controle HISTÓRIA DO PÓSCOLONIALISMO Iniciouse o século XX com um triste panorama composto 1 por dezenas de povos e nações submetidos ao colonialismo europeu 2 por milhões de negros descendentes de escravos especialmente nos Estados Unidos e na África do Sul discriminados em seus direitos fundamentais 3 pela metade feminina da população mundial vivendo num contexto patriarcal 4 pelo poder político e econômico nas mãos da raça branca cristã e rica em países industrializados Apesar dessa imagem sombria um dos fatores mais característicos do século XX foi a nítida consciência da subjetividade políticocultural e da resistência de povos e nações contra qualquer tentativa para manter a objetificação ou iniciar uma nova modalidade de dependência O Renascimento do Harlem movimento cultural e literário entre escritores e artistas norteamericanos especialmente na cidade de Nova Iorque cuja finalidade foi realçar o interesse na cultura africana ao redor do mundo nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930 mostra a recusa em deixar a cultura eurocêntrica cristã e branca continuar definindo o outro em geral e a população afroamericana em particular APPIAH GATES 1997 Idêntica atitude estava por trás do movimento Négritude na década de 1930 em vários países africanos Essa tendência para a autodeterminação dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento após a Segunda Guerra Mundial especialmente nos movimentos pelos Direitos Civis nos Estados Unidos e na luta contra o colonialismo britânico francês português alemão belga em todos os continentes Nesses casos a autodeterminação política e a autodefinição cultural andavam juntas Na prática o Renascimento do Harlem e Négritude são definidos como um momento cultural literário e político de tal envergadura que o teórico martiniquianoargelino Frantz Fanon confere grande poder de luta política às culturas e literaturas nacionais Descolonização I Movimentos Independência no Descolonização II Movimentos pré Descolonização III 17761825 19201939 Commonwealth 19451949 independência 19551975 britânico década de 1930 19301942 Estados Unidos Renascimento do Canadá Austrália Índia Paquistão Négritude na África África do Norte África América Central Harlem Estados Indonésia Oriente guerrilhas equatorial e sub América do Sul Unidos Médio equatorial ilhas do Négritude na África Caribe e colônias na América do Sul sudeste asiático Quadro 2 Mapa da descolonização entre 17761975 Historicamente o movimento próindependência especialmente das Américas britânica portuguesa e espanhola respectivamente no último quartel do século XVIII e no primeiro quartel do século XIX favoreceu certa autonomia às culturas nãoeuropéias mas nãoindígenas com o conseqüente nascimento de uma literatura nacional JOZER 1982 Nos séculos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e escritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporação de temas brasileiros seguindo padrões estéticos europeus Foram o Modernismo brasileiro contudo iniciado na década de 1920 e suas subcorrentes que apresentaram propostas de uma arte essencialmente brasileira Em geral todavia fortes laços ainda amarravam as literaturas americanas aos modelos europeus Praticamente até meados do 226 século XX no contexto dos países novos fabricados pelo colonialismo não existia uma literatura nacional na África e na Ásia e a literatura produzida nesses continentes seguia padrões eurocêntricos já que foi escrita por viajantes missionários mulheres de administradores coloniais e soldados intimamente ligados à metrópole colonizadora Raríssimos foram os casos em que surgiram produções literárias diferentes das da metrópole Por outro lado não havia embasamento teórico para detectar a resistência na literatura de então Tampouco eram desenvolvidas formas de leitura e escrita que pudessem responder à colonização européia arraigada nos parâmetros do essencialismo de superioridade cultural e de degradação da cultura dos outros O período após a Segunda Guerra Mundial viu o surgimento da terceira onda de independência política especialmente nas nações caribenhas africanas e asiáticas e ao mesmo tempo de uma literatura escrita pelos nativos não sem problematização nas línguas dos excolonizadores Os romances The PalmWine Drinkard 1952 de Amos Tutuola e Things Fall Apart 1958 de Chinue Achebe ambos nigerianos foram talvez as primeiras expressões literárias autenticamente nativas oriundas da África e escritas em inglês Nasce então uma literatura original em inglês a partir das excolônias britânicas a qual não poderia ser chamada simplesmente literatura inglesa Críticos da metrópole inglesa logo desenvolveram a idéia de Commonwealth Literature literatura da comunidade das excolônias britânicas Evidentemente podese ver que a idéia de uma Commonwealth Literature seguia os antigos padrões metrópolecolônia com a Inglaterra posicionandose no centro e as novas nações independentes colocadas na margem Na década de 1970 os escritores caribenhos africanos e asiáticos rejeitaram qualquer conotação do Commonwealth devido à continuação do eurocentrismo pela crítica britânica e à recusa dos escritores nativos em admitir a superioridade da civilização britânica e européia A expressão Commonwealth Literature foi abandonada e surgiu a idéia de chamar Literaturas em inglês à expressão literária em língua inglesa oriunda das excolônias britânicas Esse fenômeno não ficou restrito à literatura em língua inglesa mas a todas as literaturas nascidas nas excolônias Em seu importante livro Dathorne 1976 intitula os capítulos Teatro africano em francês e em inglês Literatura africana em português Nestas últimas três décadas surgiu o problema de como ler as obras de escritores que escrevendo nas línguas européias são etnicamente nãoeuropeus Há atualmente escritores africanos escrevendo em francês inglês e português autores caribenhos escrevendo em espanhol inglês francês ou holandês escritores indianos paquistaneses e egípcios desenvolvendo uma literatura em inglês É justo ler essas obras profundamente inseridas numa cultura nãoocidental através de parâmetros estruturalistas pósestruturalistas materialistas culturais ou seja através de uma abordagem ocidental Qual é o status dessas literaturas produzidas nas excolônias Se a relação entre a metrópole e a colônia sempre foi tensa não deveria essa literatura escrita a partir da invasão colonial até o presente mostrar as tensões inerentes aos encontros coloniais Se a literatura da metrópole foi usada para enfatizar a superioridade européia através da degradação ou aniquilamento da cultura nãoeuropéia qual é o papel dessas literaturas póscoloniais COLONIALISMO O termo colonialismo caracteriza o modo peculiar como aconteceu a exploração cultural durante os últimos 500 anos causada pela expansão européia Distinguemse o imperialismo mediterrâneo da Antigüidade e o colonialismo pósRenascimento No mundo antigo as grandes civilizações mediterrâneas orgulhavamse em possuir colônias e insistiam na hegemonia da metrópole sobre a periferia a qual era considerada bárbara inculta e inferior Said 1995 p 40 define esse imperium como a prática a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante como aconteceu a partir de 336 aC quando o império de Alexandre da Macedônia levou a civilização helênica para fora do Mediterrâneo e polarizou as idéias e as energias européias para o Oriente ou quando o império romano após 227 264 aC conquistou as ilhas mediterrâneas a Espanha o norte da África o Oriente Médio o Egito a Gália a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado o mesmo autor afirma que o colonialismo praticado após o Renascimento é a implantação de colônias em território distante como conseqüência do capitalismo incipiente com a finalidade de exploração material para o enriquecimento da metrópole A expansão colonial européia nos séculos XV e XVI coincidiu portanto com o início de um sistema capitalista moderno de trocas econômicas As colônias foram imediatamente percebidas como fonte de matériasprimas que sustentariam por muito tempo o poder central da metrópole Limitandonos ao Brasil podese constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha até a publicação em 1711 de Cultura e opulência do Brasil de André João Antonil inúmeros são os textos informativos sobre os recursos econômicos das colônias e as práticas de exploração do território colonial Ademais o sistema panóptico pelo qual se supervisionava o espaço colonial era o método de viajantes e exploradores europeus dos séculos XIX e XX representando o conhecimento e o poder Entre o colonizador e o colonizado estabeleceuse um sistema de diferença hierárquica fadada a jamais admitir um equilíbrio no relacionamento econômico social e cultural Mais grave tornouse a situação de povos colonizados que eram racialmente diferentes os hotentotes na costa africana ou que formavam uma minoria os aborígenes da Austrália Entre o colonizador e o colonizado havia o fator raça que construía um relacionamento injusto e desigual Os termos raça racismo e preconceito racial são oriundos da posição hegemônica européia Esse tópico transformouse numa justificativa para introduzir o regime escravocrata a partir de meados do século XVI quando se formou a idéia de um mundo colonial habitado por gente naturalmente inferior programada pela natureza para trabalhar braçalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas não falavam a língua culta e situavamse fora da história e da civilização Aos olhos dos europeus colonizadores o estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutível provado no século XIX pelas teorias da evolução e da sobrevivência do mais forte na doutrina darwinista Se freqüentemente o colonizado aceitava a ideologia e os valores do colonizador e transformavase em fantoche mimic man nos romances de VS Naipaul em outras ocasiões mostrava sua resistência e subversão através da mímica e da paródia Segundo Ashcroft et al 1991 podemos sistematizar as colônias em 1 colônias de povoadores 2 colônias de sociedades invadidas e 3 colônias de sociedades duplamente invadidas Nas colônias de colonizadores América espanhola Brasil Estados Unidos da América Canadá Austrália Nova Zelândia a terra foi ocupada por colonos europeus que conquistaram mataram ou deslocaram as populações indígenas Uma modalidade de civilização européia foi transplantada no vazio construído e os descendentes de europeus mesmo após a independência política mantiveram o idioma nãoindígena Os colonos inquestionavelmente consideravam que o idioma europeu era apropriado para expressar a complexa realidade do lugar ocupado marginalizando as línguas indígenas Nas colônias de sociedades invadidas Índia e África com suas civilizações em vários estágios de desenvolvimento as populações foram colonizadas em sua terra Os escritores nativos portanto já possuíam ideologias organizações societárias e formas políticas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente o idioma europeu substituiu o idioma do nativo no mais ofereceramlhes uma oportunidade para comunicarse com outras sociedades elevar seu nível cultural e manter as ligações com a metrópole Em todos os casos o idioma europeu sempre causou e ainda causa certa ambigüidade especialmente na literatura nativa As colônias das sociedades duplamente invadidas referemse ao espaço ocupado pelas sociedades primordiais dos indígenas das ilhas do Caribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cem anos do descobrimento A população atual das Índias Ocidentais veio da África Índia Oriente Médio e da Europa e é o resultado do deslocamento do exílio ou da escravidão Entre todas as sociedades colonizadas talvez a sociedade caribenha seja a que mais sofreu os efeitos devastadores do processo colonizador onde o idioma e a cultura dominantes foram impostos e as culturas de povos tão diversos aniquiladas 228 Colônias de povoadores Colônias de sociedades invadidas Colônias de sociedades duplamente colonizadas Américas espanhola e portuguesa Estados Unidos da América Canadá Austrália Nova Zelândia Índia e África As ilhas do Caribe o genocídio praticado contra os indígenas efetivou o deslocamento de populações da África Índia Ásia Oriente Médio e da Europa para a região Línguas nativas quase extintas prevalecendo as línguas européias Línguas nativas praticadas intensamente língua européia apropriada Línguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as línguas européias Quadro 3 Tipos de colônias vicissitude das línguas nativas e línguas dominantes A colonização e o discurso colonialista eram também impregnados pelo patriarcalismo e pela exclusividade sexista O termo homem e seus derivados incluíam o homem e a mulher o mesmo privilégio não era dado ao termo mulher A ideologia subjacente consistia portanto na junção das noções metrópole e patriarcalismo que estavam empenhadas em impor a civilização européia ao resto do mundo A ação civilizadora levada ao interior pelo colonizador britânico a partir de 1750 na África Índia e no sudeste asiático era tão bem preparada que escondia a violência e a degradação às quais foram submetidos os nativos Dois séculos antes a mesma justificativa de Colombo para fazêlos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanhóis para camuflar a utilização de mãodeobra indígena em suas colônias americanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal assumidas pelas nações européias nada mais foram que um pretexto pelo qual intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisição de matériasprimas para suprir as nações em processo de industrialização crescente O estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou também os colonos brancos que aos olhos dos agentes governamentais e da metrópole ficaram degenerados pelo hibridismo Em Wide Sargasso Sea 1966 de Jean Rhys foram atribuídas à protagonista Antoinette Cosway acusações de incesto loucura adultério e ninfomania porque ela era o resultado da mestiçagem de descendentes britânicos com negros caribenhos No romance O cortiço 1890 Jerônimo o português exemplar mergulha na massa humana da favela e degradase diante dos encantos do ambiente da música tropical e de modo especial da sensualidade de Rita Baiana A metrópole portanto enfatizava o fato de que esses colonos degenerados prescindindo da herança cultural de seus antepassados europeus desenvolveram as características dos nativos preguiça dança ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional a bebida dos irlandeses Todos esses aspectos criaram um sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas essencialmente inferiores Nos séculos XVI e XVII os colonizadores espanhóis portugueses e holandeses e mais tarde nos séculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e a França puseram em prática o conceito polarizador nós eles ou Outro outro Para garantir a coesão do Outro diante das vicissitudes do mundo moderno o colonizado foi incentivado a receber e compartilhar as benesses da civilização Para o colonizado esse futuro promissor foi sempre preterido Outro o colonizador outro o colonizado 1 O centro imperial a constrói o sistema pelo qual o sujeito colonizado forma a sua identidade como dependente ou outro b tornase a única estrutura pela qual o sujeito colonizado compreende o mundo 1 O outro é formado por discursos de a primitivismo b canibalismo c separação binária entre o colonizador e o colonizado d afirmação da supremacia da cultura ideologia e visão do mundo do colonizador 2 Representa o Outro Simbólico e a Lei do Pai conforme a terminologia de Lacan 2 O sujeito colonizado é filho do império e o sujeito degradado do discurso imperial Quadro 4 O Outro e o outro no sistema colonial 229 O colonialismo portanto gira em torno de um pressuposto no qual o poderoso centro cria a sua periferia Embora o binômio centromargem seja uma noção binária ela define o que ocorreu na representação dos indivíduos durante o período colonial O mundo foi dividido em duas partes hierarquicamente constituídas e o centro se consolidava apenas através da existência do outro colonizado Seguese que o centro a civilização a ciência o progresso existiam porque havia todo um discurso sobre a colônia a selvageria a ignorância o atraso cultural Constituindose o centro e relegando tudo o que havia fora dela como periferia da cultura e da civilização a Europa sentiase na incumbência missão de colocar sob diversos pretextos essa margem em seu âmbito Enquanto Dom João III escreve em 1548 que o principal objetivo de povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse à nossa fé católica em 1897 o secretário das colônias inglês Joseph Chamberlain considerava as colônias britânicas como estados nãodesenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistência imperial e que não havia outra solução para garantir emprego pleno aos ingleses sem a criação de novos mercados LANE 1978 SUJEITO E OBJETO A opressão o silêncio e a repressão das sociedades póscoloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades póscoloniais o sujeito e o objeto pertencem a uma hierarquia em que o oprimido é fixado pela superioridade moral do dominador O colonizador seja espanhol português inglês se impõe como poderoso civilizado culto forte versado na ciência e na literatura Por outro lado o colonizado é descrito constantemente como sem roupa sem religião sem lar sem tecnologia ou seja em nível bestial É a dialética do sujeito agente e do objeto o outro subalterno A língua cortada do personagem Friday no romance Foe 1986 de J M Coetzee é o símbolo do colonizado mudo por ato voluntário do colonizador A ausência de relatos de índios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo o período colonial e prérepublicano é emblemático A autoetnografia não existe por força da hierarquia imposta Podese usar o termo subalterno para descrever o colonizadoobjeto O subalterno termo emprestado da obra Note sulla storia italiana 1935 de Antonio Gramsci 18911937 referese a pessoas na sociedade que são o objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operários e outros grupos aos quais o acesso ao poder é vedado Os estudos coloniais interessamse pela história de grupos subalternos necessariamente fragmentária já que sempre está submetida à hegemonia da classe dominante sujeito da história oficial O colonizado quase não possuía meios para se apresentar e tampouco tinha acesso à cultura e à organização social No Brasil existe apenas a etnografia de índios do século XVI escrita e manipulada por grupos europeus Praticamente o mesmo pode ser afirmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operários urbanos excluídos Foi o colonizador europeu que lançou o espaço colonial e o nativo à vista do mundo num processo que Spivak 1987 chama de worlding Worlding é a maneira pela qual a colônia começou a existir como parte do mundo eurocêntrico A grande quantidade de textos incluindo mapas pinturas frontispícios de livros sobre o Brasil nos séculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginário europeu um conjunto de conceitos sobre a América portuguesa É a inscrição do discurso imperial sobre o espaço colonizado O método mais óbvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geográficos o que significa conhecer e controlar O segundo tipo de worlding é o passeio do europeu pelo país colonizado Há muitas gravuras e desenhos mostrando o soldado inglês caminhando por território indiano ou africano Nesse caso o sujeito colonial está mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espaço Em sua Carta o escrivão Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indígenas a supremacia do branco colonizador A terceira modalidade referese à degradação sistemática do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras páginas dos livros impressos nos primeiros dois séculos de colonização encontramse constantemente cenas de 230 antropofagia Por que a nudez o ateísmo a preguiça a selvageria a sensualidade e a ignorância são tópicos constantes na descrição do negro quer no Brasil quer na África do Sul A imagem do nativoescravo em tais condições foi o gatilho psicológico para a rapinagem da colônia em todos os sentidos Os críticos tentam expor os processos que transformam o colonizado numa pessoa muda e as estratégias dele para sair dessa posição Spivak 1995 p 28 discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna o sujeito subalterno não tem nenhum espaço a partir do qual ele possa falar Bhabha 1998 afirma que o subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada através da paródia da mímica e da cortesia ardilosa que ameaçam a autoridade colonial Fanon 1990 e Ngugi 1986 admitem que o colonizado pode ser reescrito na história embora esse tipo de descolonização sempre seja um fenômeno violento O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pré e pósindependência revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializase portanto o processo de agência ou seja a capacidade de alguém executar uma ação livre e independentemente vencendo os impedimentos processados na construção de sua identidade Notese que em O Uraguai cuja finalidade foi a exaltação do marquês de Pombal destacamse as vozes dos índios Esse fato mostra a superação de estado de objetos e os revela como agentes Nos estudos póscoloniais a agência é um elemento fundamental porque revela a autonomia do sujeito em revidar e contraporse ao poder colonial Nesse contexto é importante a teoria da subjetividade construída pela ideologia segundo Althusser pela linguagem segundo Lacan e pelo discurso segundo Foucault já que qualquer ato do sujeito é consequência desses três fatores A questão envolve a constituição da identidade na divisão Outrooutro imposta pelo colonialismo TODOROV 1991 1 Subalterno literalmente significando sujeito de categoria inferior o termo foi criado por Gramsci tratase de qualquer sujeito sob a hegemonia das classes dominantes 2 Em termos póscoloniais os estudos subalternos se referem à análise da subordinação na sociedade devido à classe casta idade gênero profissão religião e outros 3 O fator mais constante nos estudos subalternos são os métodos de resistência adotados contra o colonizador ou a elite dominadora 4 Pode o subalterno falar é a pergunta mais importante 5 Em sociedades póscoloniais a mulher é duplamente subalterna ela é o objeto da historiografia colonialista e da construção do gênero 6 O discurso póscolonial e a apropriação da linguagem pelo subalterno constituem métodos para que a voz marginalizada possa ser ouvida Quadro 5 O subalterno e sua voz COLONIALISMO E FEMINISMO Há estreita relação entre os estudos póscoloniais e o feminismo Em primeiro lugar há uma analogia entre patriarcalismofeminismo e metrópolecolônia ou colonizadorcolonizado Uma mulher da colônia é uma metáfora da mulher como colônia DU PLESSIS 1985 p 46 Em segundo lugar se o homem foi colonizado a mulher nas sociedades pócoloniais foi duplamente colonizada Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa dialética Na história do Brasil a mulher sempre foi relegada ao serviço do homem ao silêncio à dupla escravidão à prostituição ou a objeto sexual Na literatura muitos são os romances que representam através de suas personagens femininas essa subjugação da mulher Diversos romances de Jorge Amado por exemplo retratam essa subjugação da mulher O objetivo dos discursos póscoloniais e do feminismo nesse sentido é a integração da mulher marginalizada à sociedade De modo semelhante ao que aconteceu nas reflexões do discurso póscolonial no primeiro período do discurso feminista a preocupação consistia na substituição das estruturas de dominação Essa posição simplista evoluiu para um questionamento sobre as formas 231 literárias e o desmascaramento dos fundamentos masculinos do cânone Nesses debates o feminismo trouxe à luz muitas questões que o póscolonialismo havia deixado obscuras e viceversa De fato o póscolonialismo ajudou o feminismo a precaverse de pressupostos ocidentais do discurso feminista 1 A mulher é duplamente colonizada pela sociedade indígena e pelo poder colonial 2 Frequentemente as questões de gênero são minimizadas ou relegadas a segundo plano na análise póscolonial 3 A objetificação da mulher tornase a metáfora da degradação das sociedades sob o colonialismo 4 A voz da mulher na ficção e no desenvolvimento do cânone literário rompe os pressupostos masculinos 5 Questões de identidade controle poder agência e de autoria tornamse as mais relevantes 6 Consolidase o estilo literário caracterizado pela diferença diversidade e imprevisibilidade 7 Há necessidade de constante vigilância contra as manobras do Outro a sociedade branca ou homens negros Quadro 6 O feminismo em sociedades póscoloniais Petersen 1995 observa que em muitos países do Terceiro Mundo há o dilema sobre o que é necessário empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra o imperialismo presente na cultura ocidental Em Things Fall Apart o personagem Okonkwo é castigado não porque bateu em sua esposa mas por haver batido nela numa semana considerada sagrada Petersen 1995 p 254 resolve a questão com uma citação de Ngugi Nenhuma libertação cultural sem a libertação feminina A escritora nigeriana Buchi Emecheta insiste sobre a autêntica perspectiva feminista a focalização na exploração da mulher e a luta dela pela libertação BENSON CONOLLY 1994 Efetivamente a dupla colonização causou a objetificação da mulher pela problemática da classe e da raça da repetição de contos de fada europeus e da legislação falocêntrica apoiada por potências ocidentais Entre outras a mais eficaz estratégia de descolonização feminina concentrase no uso da linguagem e da experimentação linguística Muito esclarecedor o romance A república dos sonhos 1984 de Nélida Piñon no qual se descreve e se analisa o processo de crescente conscientização política de Eulália Esperança e Breta em três períodos políticos distintos do século XX O QUE É A LITERATURA PÓSCOLONIAL Diante dos princípios acima podemos definir a literatura póscolonial como toda a literatura inserida no contexto de cultura afetada pelo processo imperial desde o primeiro momento da colonização européia até o presente ASHCROFT et al 1991 p 2 A crítica póscolonial portanto abrange a cultura e a literatura ocupandose de perscrutálas durante e após a dominação imperial européia de modo a desnudar seus efeitos sobre as literaturas contemporâneas De fato todas as literaturas oriundas das excolônias européias sejam elas portuguesas espanholas inglesas ou francesas 1 surgiram da experiência da colonização e 2 reivindicaramse perante a tensão com o poder colonial e diante das diferenças com os pressupostos do centro imperial Experiência da colonização Tensão com o poder colonial literatura póscolonial Diferenças com os pressupostos do centro imperial Quadro 7 A formação da literatura póscolonial A emergência e o desenvolvimento de literaturas póscoloniais dependem de dois fatores importantes 1 a progressão gradual da conscientização nacional e 2 a convicção de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressão literária brasileira nem a conscientização nacional nem a diferenciação têm ressonância De fato ela envolve textos literários que foram produzidos por representantes do poder colonizador viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e língua privilegiam o centro em detrimento da periferia porque visam exclusivamente ao lucro que a metrópole terá com a invasão e a manutenção da colônia As descrições de Fernão Cardim em Do clima e terra do Brasil edição inglesa de 1625 Jean de Léry em Viagem à terra do Brasil 1578 e Gabriel Soares de Sousa em Tratado descritivo do Brasil 1587 com sua pretensão de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como também a atomização dos objetos descritos pelos pintores e botânicos holandeses como Albert Eckhout Willem Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem o discurso imperial A segunda etapa envolve textos literários escritos sob supervisão imperial por nativos que receberam sua educação na metrópole e que se sentiam gratificados em poder escrever na língua do europeu nessa época não havia nenhuma consciência de ela ser também do colonizador A classe alta da Índia os missionários africanos e às vezes prisioneiros degredados na Austrália sentiamse privilegiados em pertencer à classe dominante ou em ser por ela protegidos e produziram volumes de poemas e romances A Prosopopéia 1601 de Bento Teixeira e O Uraguai 1769 de Basílio da Gama são exemplos clássicos desse fenômeno na literatura brasileira Embora muitos dos temas o fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a européia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de seus costumes leis cantos e provérbios abordados por esses autores estivessem carregados de subversão sem dúvida os autores não podiam ou não queriam perceber essa potencialidade Além disso a manutenção da ordem e as restrições impostas pela potência imperial não permitiam nenhuma manifestação que pudesse mostrar algo diferente dos critérios canônicos ou políticos A terceira etapa envolve uma gama de textos a partir de certo grau de diferenciação até uma total ruptura com os padrões da metrópole Evidentemente essas literaturas dependiam do cancelamento do poder restritivo ou seja começaram a ser escritas ou umas décadas antes ou a partir da independência política A oscilação de brasilidade nas obras de Basílio da Gama Santa Rita Durão Cláudio Manoel da Costa dos poetas românticos e de José de Alencar é muito nítida a bajulação ao colonizador o estilo literário português o afastamento da retórica camoniana temas brasileiros fabricação da mitologia brasileira Pela conscientização pósrepublicana com Machado de Assis e com o Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamento da literatura brasileira dos parâmetros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Devido à manutenção da centralização britânica acreditase que a literatura em inglês oriunda das excolônias britânicas tenha ido mais longe em sua ênfase na linguagem na paródia e na sátira Em Things Fall Apart 1958 Chinua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever um livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando o autor já havia exposto a complexidade de costumes religião hierarquia legislação e provérbios da tribo dos Igbos na região chamada Umuofia 1 textos literários produzidos por representantes do poder colonial viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos 2 textos literários produzidos por nativos mas sob supervisão colonial religiosos nativos classe intelectual educada na metrópole protegidos dos colonizadores 3 textos literários escritos por nativos a partir de certo grau de diferenciação dos padrões da metrópole até sua ruptura total Quadro 8 Os três momentos da literatura póscolonial QUESTIONANDO O CÂNONE LITERÁRIO Quais são os documentos históricos ou literários nos quais a voz do subalterno é transmitida Como o colonizado se descreveu durante séculos de submissão Como o europeu viu a presença do outro No cânone literário o colonizado encontrou sua voz ou esta ficou relegada à ausência Ninguém pode negar que atualmente há uma verdadeira extensão do cânone literário já que textos de mulheres indígenas escravos e membros de outros grupos historicamente marginalizados começaram a emergir Houve tempo em que o cânone literário estava fechado somente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelentes era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a conseqüente exclusão de outros textos que não coadunavam com o ponto de vista do grupo hegemônico Um maior número de textos estão sendo estudados como representações da experiência e da cultura da mais variada gama de grupos de pessoas Houve comprometimento nos padrões literários Os textos formadores do cânone foram escolhidos pela sua excelência literária ou pela representatividade cultural É legítimo insistir sobre uma representação politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilização de critérios literários Discutemse muito atualmente o cânone literário e sua formação Enquanto Harold Bloom em O cânone ocidental 1995 insiste sobre a autonomia do estético e deplora qualquer ideologia na crítica literária os adeptos do Pósmodernismo multiculturalismo feminismo Novo Historicismo afrocentrismo dilatam a abrangência do cânone Não faltam críticos como PerroneMoisés em Altas Literaturas 1998 que tomam posição intermediária Sabese contudo que a formação do cânone literário deuse porque certas obras literárias em determinados períodos históricos cultuavam interesses e propósitos culturais particulares como se fossem o único padrão de investigação literária É extremamente interessante saber como certos textos foram selecionados por interesses tornandose portanto dignos de serem estudados É interessante investigar como as idéias de excelência literária permearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares o currículo dos cursos de Letras nas universidades Os romances de José de Alencar 18291877 o principal escritor da ficção romântica brasileira e expoente máximo do Indianismo foram apropriados no cânone literário brasileiro porque nos períodos pósindependência e pósrepública necessitavase de alguém que mostrasse orgulho amor defesa da pátria e criasse arquétipos de uma terra edenica e da unificação nacional Na Inglaterra as obras de Alfred Tennyson 18091892 naturalmente entraram no cânone literário por causa de seu enaltecimento do imperialismo britânico da coragem de seus soldados e dos arquétipos criados no conjunto de poemas sobre os fundamentos míticos do povo inglês Por outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do século XIX e do início do século XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente relegadas ao esquecimento Somente nestas últimas décadas a academia brasileira especialmente nas universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina resgatou a história e as obras de autoras brasileiras O mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e européia dos Estados Unidos Entraram no cânone literário estadunidense os textos dos exescravos Frederick Douglass 18171895 e Harriet Ann Jacobs 18131897 apenas nos últimos vinte e cinco anos do século XX devido a interesses de diferentes experiências culturais e de formas literárias A RELEITURA A releitura é uma estratégia para ler textos literários ou nãoliterários e dessa maneira garimpar suas implicações imperialistas e trazer à tona o processo colonial A releitura do texto faz emergir as nuances coloniais que ele mesmo esconde Quando se lê um romance da literatura brasileira do século XIX por exemplo nada se depara à primeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens da suntuosidade de seus solares e de sua vida folgada A reinterpretacão ou a leitura contrapuntual revela que a origem dessa riqueza está enraizada na escravidão de índios e negros no comércio da carne humana na invasão e violação de terras alheias nos castigos horrendos na manutenção do estado racista Fundamentandose não na íntima relação entre literatura metropolitana portuguesa e colonial brasileira mas na realidade social e cultural a releitura é uma volta ao arquivo cultural que é lido de forma não unívoca mas em contraponto com a consciência simultânea da história metropolitana que está sendo narrada e daquelas outras histórias contra e junto com as quais atua o discurso dominante SAID 1995 p 87 A reinterpretacão é portanto uma maneira de reler os textos oriundos das culturas da metrópole e da colônia para focalizar os efeitos incisivos da colonização sobre a produção literária relatos étnicos registros históricos discursos científicos e anais dos administradores coloniais A releitura é a desconstrução das obras dos colonizadores de nativos a serviço dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como o texto é contraditório em seus pressupostos de raça civilização justiça religião Põe em evidência a ideologia do colonizador e o processo da colonização Uma desconstrução de Things Fall Apart revela que o colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigéria é um mentiroso porque o romance de Achebe está cheio de episódios de literatura oral oratura provérbios de leis para dirimir questões litigiosas de práticas religiosas de convivência social harmoniosa A reinterpretação faz parte da inevitável tendência do acadêmico que trabalha com o póscolonialismo para subverter o texto metropolitano As estratégias subversivas revelam 1 a forma da dominação e 2 a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando 1 se denuncia o título de centro que as literaturas européias deram a si mesmas e 2 se questiona o ponto de vista europeu que natural e constantemente polariza o centro e a periferia É importante desafiar este último item ou seja frisar que não é legítimo ordenar a realidade dessa maneira Até meados da década de 1960 Próspero o duque e mago em A tempestade 1611 de Shakespeare era analisado como um homem maltratado pelo próprio irmão Próspero é descrito como um pai bondoso um orientador de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand um homem que castiga apenas quando a necessidade urge um cavaleiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer o mal que lhe fizeram Uma leitura póscolonial no entanto começa a desenvolverse a respeito desse personagem Próspero revelouse o usurpador que se apoderou da ilha pertencente a Calibã o senhor que escravizou o nativo após seduzilo o controlador da memória de Ariel Calibã e Miranda para satisfazer sua ambição o déspota que mantém o domínio sobre a sexualidade de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand o personagem que sai da cena triunfante e imune a qualquer ato de insubordinação Essa releitura revela as implicações do encontro entre colonizador e colonizado as estratégias de dominação do primeiro a marginalização e a objetificação do nativo a resistência do escravizado pela utilização da língua do colonizador e pelo revide físico Revela também a incipiente história da colonização britânica e suas estratégias de polarização que serão desenvolvidas na terrível história do império inglês entre os séculos XVIII e XIX A peça Na festa de São Lourenço 1587 de José de Anchieta 15341597 parece revelar simplesmente um drama singelo e primário com que o missionário podia facilitar a pregação da doutrina cristã Uma leitura póscolonial traz à tona a demonização e a zoomorforização dos índios as quais revelam o maniqueísmo ou binarismo de Anchieta a objetificação dos nativos o vilipêndio de sua cultura a superioridade da civilização européia e da religião cristã O texto dramático expõe às claras a ideologia colonial Normalmente a leitura de O Ateneu 1888 de Raul Pompéia mostra a história do internato como reflexo da sociedade no terceiro quartel do século XIX ou seja a história da elite brasileira enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul no contexto de falência e da decadência do regime monárquico de base escravista Uma releitura poderia revelar o sistema educacional europeu como centralizador e esmagador da personalidade a resistência de uma sociedade oprimida que anseia por uma independência verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a incapacidade de distanciarse do contexto de dependência completo o surgimento de sujeitosagentes que constroem dos escombros a autonomia da nação 1 Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendente para uma visão de literatura inserida no contexto histórico e no espaço geopolítico 2 Perceber como as obras de certos autores aprofundaram o imperialismo o colonialismo e o patriarcalismo especialmente quando supõem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos 3 Classificar o autor segundo o esquema representando os três momentos da literatura póscolonial 4 Detectar na ficção a ambigüidade ameaçadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista 5 Descobrir o silêncio absoluto escondendo o sistema escravagista a objetificação da mulher e o aviltamento de nativos embora mascarados atrás de manifestações de riquezas e de patriarcalismo 6 Investigar o aprisionamento do espaço colonial e póscolonial pelo texto europeu ou pela teoria literária oriundos das metrópoles renascentistas ou modernas Quadro 9 Estratégias para analisar uma obra do ponto de vista póscolonial 235 A REESCRITA A reescrita é um fenômeno literário muito utilizado em língua inglesa porém não exclusivo desta que consiste em selecionar um texto canônico da metrópole e através de recursos da paródia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da excolônia A reescrita faz parte do contradiscurso originalmente usado por Terdiman 1985 para demonstrar os métodos empregados pelo discurso da periferia contra o discurso dominante do centro imperial A seleção gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simbólicos que o discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita tem por finalidade a quebra da ocultação da hegemonia canônica e o questionamento dos vários temas enfoques pontos de vista da obra literária em questão os quais reforçavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversão dos textos canônicos e na reinscrição dentro do processo subversivo Vários autores latinoamericanos reescreveram A tempestade Além das obras de George Lamming e Aimé Césaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a peça Caliban 1997 de Marcos Azevedo e Atormentado Calibanus 2001 de Guilherme Durães O romance Wide Sargasso Sea 1966 da caribenha Jean Rhys 18901979 é uma reescrita de Jane Eyre 1847 de Charlotte Brontë 18161855 Robinson Crusoe 1719 de Daniel Defoe 16601731 foi reescrito em Foe 1986 do sulafricano JM Coetzee nascido em 1940 A subversão do cânone literário através da reescrita não consiste em apenas substituir um texto canônico por outro moderno De fato o cânone em si contém algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitários sobre a literatura estilo gêneros literários e outros Esses fatores estão embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicação de textos escolares exames para vestibulares hierarquização em menção e em citações pela academia A finalidade da reescrita é 1 a substituição de textos 2 a conscientização das instituições acadêmicas 3 a relistagem da hierarquia dos textos e 4 a reconstrução dos textos canônicos através de leituras alternativas Robinson Crusoe uma narrativa autodiegética não menciona sequer uma vez o sexo feminino mas mostra a grande previdência e trabalho meticuloso do homem em várias situações limites O romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton inexistente no romance canônico como narradora ela dá sua versão das aventuras do Robinson Cruso sic na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que o escritor Defoe não se aproprie da versão feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance póscolonial Friday ao contrário do caribenho salvo por Crusoe não é o indígena ingênuo que aceita sem nenhuma problematização a versão religiosa comportamental e lingüística do europeu O negro e mudo Friday agora reescrito recusa a recuperação de sua história pelo homem branco e tenta articular diversos modos de expressão para escrever a história do negro pelo negro Em O coração das trevas 1902 de Joseph Conrad os africanos são descritos sob o ponto de vista colonialista como um rodopiar de braços negros um bater infinito de palmas das mãos de pisar adoidado de pés o balançar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescência de folhagem cansada e imóvel Escrevendo Things Fall Apart 1958 Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estereótipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalência da cultura africana constrói uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropriase da forma do romance a ferramenta dominante da representação imperial britânica A DESCOLONIZAÇÃO O deslocamento do cânone literário a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descolonização A descolonização é o processo de desmascaramento e demolição do poder colonial em todos os seus aspectos Enganamse aqueles que pensam que a declaração de independência política produz por si a descolonização da mente e que as literaturas nacionais e o ensino da ciência da história e da geografia ficam livres de inscrições e de resíduos coloniais Ao contrário do que muita gente pensa a descolonização é um processo complexo e contínuo e não ocorre automaticamente após a independência política Após a independência política das colônias há resquícios poderosos sempre latentes das forças 236 culturais e institucionais que sustentavam o poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independência sentemse herdeiros dos modelos políticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada não podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertação pura e simples dos laimes coloniais modelos econômico político e cultural não ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colônias de povoadores do que nas colônias de sociedades invadidas Embora nestas últimas a descolonização fosse mais radical e abrangente profundos resíduos ainda existem 1 Contestação das interpretações eurocêntricas 1 Reescritura autoreflexiva da história da colônia na qual se percebe que a realidade do passado tem influenciado o presente 2 Desafio à centralidade à universalização e às forças hegemônicas 2 A marginalidade ou excentricidade raça gênero normalidade psicológica exclusão distância social hibridismo cultural é uma fonte de energia criativa 3 Instalação do contradiscurso pela transgressão e dissolução das formas literárias européias ou suas fronteiras 3 A ironia e a paródia trabalham com os discursos existentes e ao mesmo tempo os contestam Quadro 10 Os princípios da descolonização A estratégia do poder colonial é deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando através do antigo conceito de comprador o neocolonialismo tornase manifestação das operações da globalização do capitalismo ocidental e a estratégia para o controle global Podese dizer que a globalização da economia mundial baseiase 1 no fato de que as mudanças no controle econômico e cultural não ocorreram e 2 na convicção de que a formação da elite comprometida com as nações hegemônicas era premeditada e realizarzase através de discriminações lutas classistas e práticas educacionais Ademais o eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das nações politicamente independentes com seus modelos culturais especialmente pelo binarismo literatura e oratura línguas européias e línguas indígenas inscrições culturais européias e cultura popular etc 1 Apropriação da língua colonial pelo escritor oriundo da excolônia O escritor africano deve ser capaz de moldar a língua do colonizador para que possa transmitir a sua experiência específica ACHEBE 1975 2 Recusa de adotar a língua do colonizador Qual é a diferença entre um político que afirma que a África não se desenvolve sem o imperialismo e o escritor que afirma que a África necessita das línguas européias NGUGI 1986 3 Recuperação e reconstrução da cultura précolonial Spivak 1995 e Bhabha 1984 argumentam sobre a impossibilidade dessa recuperação devido a processos de miscigenação cultural durante o período colonial 4 Aceitação pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo o aprofundamento da crítica diante da cultura contemporânea influenciada pela globalização e pelo neocolonialismo O império retruca ao centro Salman Rushdie 5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradição do povo e seus valores Conclusão de Fanon 1990 a partir de seu estudo sobre os efeitos da dominação colonial sobre os colonizados e da análise marxista do controle social e econômico 6 A descolonização é um processo complexo e contínuo não é algo automático a partir da independência política Conclusão de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin 1991 em seus estudos sobre as sociedades pósindependência 7 Vigilância contra formas contemporâneas de colonização neocolonialismo globalização neoliberalismo A descolonização freqüentemente significa a des ocidentalização empreendida pelo homem branco Trinh Minhha Quadro 11 Opiniões sobre métodos de descolonização 237 A tarefa descolonizadora é extremamente árdua como se vê na África e na Índia O caso das excolônias de colonizadores como a Austrália e o Canadá é outro grande problema Embora nesses países a independência nos moldes europeus fosse concedida há tempo suas populações de maioria branca sofrem de uma profunda submissão cultural sentemse impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas instituições e culturas e têm dificuldades em cortar o liame mãefilha incrustado em sua identidade Até certo ponto as asserções acima aplicamse ao Brasil também embora seja ele um país mestiço com predominância da classe branca ou embranquecida o qual ainda possui fortes resquícios culturais europeus Apesar da grande influência e abrangência da globalização destacamse para fins de descolonização da mente 1 o fomento das línguas nativas 2 a relativização das línguas européias 3 a democratização da cultura 4 a recuperação cultural e literária No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades póscoloniais consiste em teorizar extensivamente a problemática do poder e do estado pósindependência A literatura descolonizada passa a ser polifônica em lugar de monocêntrica híbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracterizase pela narrativa fragmentária pelos incidentes duplicantes pelos comentários metaficcionais pela cronologia interrompida pelos gêneros mistos Além disso existe um problema que poderia ser chamado existencial Um dos escritores póscoloniais o sulafricano J M Coetzee de ascendência européia sentese receoso em representar ficcionalmente os excluídos dos impérios capitalistas como os negros e os escravos O excolonizado e o neocolonizado têm outras e diferentes formas para desenvolver a sua subjetividade e a representação literária de sua identidade No romance Foe a européia Susan Barton tenta em vão escrever a história do negro Friday cuja língua foi cortada Além disso inutilmente incentivao a escrever relembrar ou expressarse por gestos para contar a sua história Os métodos europeus não funcionam e o próprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificação A tarefa de Friday portanto é a metonímia da função literária do escritor nativo que busca a própria subjetividade e a do povo Fanon escreve O escritor da colônia deve usar o passado para abrir espaço ao futuro como um convite à ação e como a base para a esperança A responsabilidade da pessoa culta não é apenas uma responsabilidade diante da cultura nacional mas uma responsabilidade global referente à totalidade da nação cuja cultura representa apenas um aspecto da nação FANON 1990 p 187 A conscientização e postura póscolonial que a academia assume são a base da descolonização da mente Em primeiro lugar a academia brasileira não pode apropriarse da teoria póscolonial sem questionamentos A noção do sujeito descentralizado não poderia ser mais uma estratégia do colonialismo ocidental O estudo do póscolonialismo não poderia ser a análise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Não é possível que a íntima ligação entre pósmodernismo e póscolonialismo este considerado o filho do primeiro aconteça não por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos países emergentes como inovadores Essa problematização não invalida a atitude e o esforço do acadêmico brasileiro profissional de Letras em seu comprometimento para descobrir como os povos estão fixados em estruturas opressivas e para descortinar a subjetificação de tais indivíduos neocolonizados O seu esforço para a flexibilidade da teoria existente e o surgimento de outras teorias autóctones são de grande valia para reinterpretar todos os textos pré e pósindependência política oriundos da inscrição colonial BONNICI 2000 Tendo como princípio que descolonizar não é simplesmente livrarse das amarras do poder imperial mas procurar também alternativas não repressivas ao discurso imperialista a descolonização da literatura e da crítica literária darão um novo e mais aprofundado entendimento ao acadêmico É análogo ao sentimento do escravo afroamericano Frederick Douglass 18171895 quando descobriu o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelação explicando coisas até então obscuras e misteriosas contra as quais o meu entendimento juvenil tentava vislumbrar mas lutava em vão Foi uma grande vitória estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi o caminho da escravidão para a liberdade DOUGLASS 1988 p 78 REFERÊNCIAS ACHEBE C Morning yet on creation day New York Doubleday 1975 APPIAH K A GATES H L The dictionary of global culture New York Knopf 1997 ASHCROFT B GRIFFITHS G TIFFIN H The empire writes back theory and practice in postcolonial literatures London Routledge 1991 BENSON E CONOLLY L W Encyclopedia of postcolonial literatures in English London Routledge 1994 BHABHA H Of mimicry and men the ambivalence of colonial discourse In BHABHA H The location of culture London Routledge 1998 p 8592 BLOOM H O cânone ocidental os livros e a escola do tempo Rio de Janeiro Objetiva 1995 BONNICI T O póscolonialismo e a literatura estratégias de leitura Maringá Eduem 2000 DATHORNE O R African literature in the Twentieth Century London Heinemann 1976 DOUGLASS F Narrative of the life of Frederick Douglass an American slave written by himself Harmondsworth Penguin 1988 DU PLESSIS R B Writing beyond the ending narrative strategies of 20th century women writers Bloomington Indiana 1985 FANON F The wretched of the earth Harmondsworth Penguin 1990 JOZEF B História da literatura hispanoamericana Rio de Janeiro Francisco Alves 1982 LANE P Success in British history 17601914 London John Murray 1978 NGUGI wa Thiongo Decolonizing the mind the politics of language in African literature London Currey 1986 PERRONEMOISÉS L Altas literaturas São Paulo Companhia das Letras 1998 PETERSEN K H First things first problems of a feminist approach to African literature In ASHCROFT B GRIFFITHS G TIFFIN H Org The postcolonial studies reader London Routledge 1995 p 251254 SAID E Cultura e imperialismo São Paulo Companhia das Letras 1995 SAID E Orientalismo São Paulo Companhia das Letras 1990 SPIVAK G C Can the subaltern speak In ASHCROFT B GRIFFITHS G TIFFIN H Org The postcolonial studies reader London Routledge 1995 p 2428 SPIVAK G C The Rani of Simur an essay in reading the archives History Theory Colchester v 24 n 3 1987 p 247272 TERDIMAN R DiscourseCounterDiscourse the theory and practice of symbolic resistance in nineteenthcentury France Ithaca Cornell University Press 1985 TODOROV T A conquista da América a questão do outro São Paulo Martins Fontes 1991
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14 TEORIA E CRÍTICA PÓSCOLONIALISTAS Thomas Bonnici O DISCURSO E O PODER FOUCAULT E SAID A teoria e a crítica póscolonialistas constituindo uma nova estética pela qual os textos são interpretados politicamente baseiamse na íntima relação entre o discurso e o poder Antes portanto de analisar o Póscolonialismo em todos os seus aspectos necessário se faz indagar sobre uma faceta do pensamento pósestruturalista referente à equação discurso e poder As forças políticas e econômicas o controle ideológico e social subjazem ao discurso e ao texto É evidente que o poder com todas as suas conseqüências é exercido para que surta o máximo efeito possível Gerações de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e intelectual diante da nudez dos ameríndios gerações de homens praticamente de qualquer origem tomavam como fato indiscutível a inferioridade das mulheres Nesses casos estabeleceuse uma relação de poder entre o sujeito e o objeto a qual não reflete a verdade Friedrich Wilhelm Nietzsche 18441900 proclama que os indivíduos primeiro decidem o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos Conseqüentemente o homem encontra nas coisas somente o que ele mesmo colocou nelas Para Nietzsche todo conhecimento expressa o desejo do poder Como a verdade e o conhecimento objetivo não existem esses dois fatores são apropriados por sistemas de poder para camuflar seu desejo de poder Os indivíduos adotam certo tipo de filosofia ou teoria científica quando está de acordo com a verdade proposta pelas autoridades intelectuais ou políticas contemporâneas pela elite ou pelos ideólogos A teoria do discurso de Michel Foucault 19261984 une o ceticismo referente ao discurso e a abordagem histórica da interpretação Reconhece que o discurso escrito ou oral jamais poderia estar livre das amarras do período histórico em que foi produzido Ou seja o discurso está inerente a todas as práticas e instituições culturais e necessita da agência dos indivíduos para poder ser efetivo Semelhantemente à teoria de Lacan a subjetividade é construída através do discurso o indivíduo se identifica com ou reage contra várias posições de sujeito oferecidas por uma variedade de discursos TEORIA LITERÁRIA num dado momento Os indivíduos que pensam ou falam fora dos parâmetros do discurso dominante são definidos como loucos ou reduzidos ao emudecimento Em A história da loucura 1961 Vigiar e punir 1975 A história da sexualidade 1976 Foucault examina os campos discursivos mutantes em que esses problemas se desenvolvem em etapas específicas da história e chega à conclusão de que os indivíduos não pensam nem falam sem obedecer aos arquivos de regras e restrições sociais especialmente ao sistema educacional o qual define o que é racional e acadêmico Essas regras controlando a escrita e o pensamento formam o arquivo ou o inconsciente positivo da cultura As regras estruturais que informam os vários campos de conhecimento vão além da consciência individual Não conhecemos o arquivo da época em que vivemos porque é sinônimo do inconsciente a partir do qual falamos Compreendemos o arquivo de outra época porque somos absolutamente diferentes e distanciados dela Por exemplo percebemos as várias correspondências que formam o discurso do período medieval os escritores da Idade Média percebiam os eventos contemporâneos e pensavam através dessas correspondências e portanto não podiam vêlas como nós as vemos atualmente Foucault tenta descobrir as regras do discurso de um período específico e relacionálas à análise do conhecimento e do poder O discurso é historizado e a história contextualizada Ele considera a história em termos de uma luta sincrônica do poder Para ele o poder não é necessariamente algo repressivo mas uma força produtiva que une as diferentes forças da sociedade Nenhum acontecimento nasce de uma causa única mas é o produto de uma vasta rede de significantes e de poder Ademais a história e a história das idéias são intimamente ligadas à leitura e à produção de textos literários Esses textos por sua vez são a expressão de práticas discursivas determinadas histórica e materialmente Esses discursos são produzidos dentro de um contexto de luta pelo poder De fato na política nas artes e na ciência o poder se constrói através do discurso e portanto a pretensão de que haja objetividade nos discursos é falsa havendo então apenas discursos mais poderosos e menos poderosos A utilização da geografia e da ciência ilustrará esse ponto Quando se analisam os mapas dos cartógrafos medievais e renascentistas percebese que eles com seus contornos detalhes e nomes tornaramse uma tecnologia do império uma interface gráfica indispensável não apenas para navegar mas especialmente para gerenciar o mundo O conhecimento e o saber dão direito às terras prometidas supostamente de ninguém à divisão do mundo ao heroísmo dos exploradores à diversidade cultural à alteridade ao racismo A partir da Naturalis Historia 77 dC de Plínio e passando pelo Liber Chronicarum 1493 de Hartmann Schedel e pelo Systema Naturae 1758 de Linnaeus até as obras de certos cientistas do século XIX especialmente A de Gobineau em A desigualdade das raças humanas 1855 as discussões diretas ou indiretas sobre o racismo pareciam sempre tender a comprovar a superioridade das raças européias e colocar na alteridade o resto do mundo A apropriação das ciências seguiu o mesmo padrão do colonizador definido como a inclinação a dividir subdividir e redividir o seu tema sem nunca mudar de opinião sobre o Oriente como algo que é sempre o mesmo objeto imutável uniforme e radicalmente peculiar SAID 1990 p 107 O legado do imperialismo foi construir as estruturas científicas sobre crenças existentes e herdadas com a finalidade de indicar e consolidar os supostos donos do mundo Para Foucault o saber é o produto de um discurso específico que o formulou sem nenhuma validade fora disso As verdades das ciências derivam do discurso ou da linguagem O saber não é o efeito do acesso das ciências para o mundo real ou para a realidade autêntica mas das regras de seu próprio discurso Seguese que o saber das ciências humanas é construído porque as pessoas foram persuadidas a aceitálo como tal É saber porque o discurso é tão poderoso que nos faz acreditar que seja saber O saber portanto é produzido pelo poder Para Foucault a questão da veracidade ou falsidade de um discurso não é importante já que a verdade é produzida pelo poder Concentrase portanto na formação discursiva ou seja nas regras pelas quais o discurso é coerente ou nos princípios subjacentes ao discurso Esses discursos determinam o nosso modo de falar e pensar sobre por exemplo a sexualidade ou a sanidade mental e nos persuade para o autopoliciamiento e a supervisão dos outros Funcionando independentemente das intenções específicas individuais Foucault não está falando sobre o abuso do poder por indivíduos ou por governos que manipulam seus súditos e os mantêm sob seu controle os 224 14 TEORIA E CRÍTICA PÓSCOLONIALISTAS discursos se perpetuam pelos usuários que reproduzem seu poder Na concepção de Foucault o discurso é internalizado por nós organizando o nosso ponto de vista do mundo e colocandonos como um elo inconsciente na cadeia do poder Foucault portanto coloca a linguagem no centro do poder social e das práticas sociais É nesse ponto que se encontra o papel social da linguagem e da literatura como poder hegemônico Todo o discurso de Os lusíadas que influenciou inteiras gerações lusas começando pela sua imitação da Eneida está às proezas heróicas dos portugueses nos pontos embrionários da África e da Ásia constrói a base de sua ideologia da superioridade do europeu que por mandato divino submete os outros povos à sua lei superior Semelhante influência exerceu o discurso das peças teatrais de Shakespeare que outrasmiza e hierarquiza os povos limítrofes os irlandeses os desordeiros homens e mulheres das tavernas e os habitantes das longínquas colônias Calibã Esse fator será visto melhor no contexto do póscolonialismo Embora o discurso seja repleto de poder não é imune aos desafios ou às mudanças internas é o lugar de conflito e luta encarregado de criar e suprimir a resistência Para Foucault o discurso reforça o poder e ao mesmo tempo o subverte Ao ser exposto o discurso tornase frágil e fica mais propenso a ser contrariado Seguindo os parâmetros de Foucault e Gramsci Edward Said 19352003 em Orientalismo publicado em 1978 demonstra como a teoria da desconstrução poderá desafiar a pretensão de objetividade no contexto da história cultural Desconstruindo a natureza do poder colonial Said 1978 aprofunda a crítica póscolonialista que se desenvolveu durante os últimos quarenta anos Ele desconstrói a imagem que o mundo ocidental tem do Oriente imagem essa que foi construída por historiadores escritores poetas e estudiosos durante vários séculos Utilizando não só os trabalhos eruditos mas também as obras literárias as passagens políticas os textos jornalísticos livros de viagens estudos religiosos e filológicos SAID 1990 p 34 Said mostra a construção do Oriente através de romances descrições e informações sobre a história e a cultura orientais Essas formas de escrita ocidental constroem um discurso foucaultiano ou seja um sistema de afirmações e pressupostos que constituem um suposto saber e pelos quais se constrói o conhecimento sobre o Oriente Evidentemente tais discursos aparentemente dedicados exclusivamente ao saber estabelecem verdadeiras relações de poder Para Said 1990 as representações do Oriente ou Orientalismo feitas pelo Ocidente levam consciente e deterministicamente à subordinação Percebese de fato um discurso etnocêntrico repressivo que legitima o controle europeu sobre o Oriente através do estabelecimento de um construto negativo A esperteza o ócio a irracionalidade a rudeza a sensualidade a crueldade entre outros formam esse construto em oposição a outro construto positivo e superior racional democrático progressivo civilizado etc defendido e difundido pela cultura ocidental Encontrase nesse ponto a hegemonia do discurso ocidental Segundo Gramsci 1998 a hegemonia é a dominação consentida ou seja o método pelo qual os dominadores conseguem oprimir os subalternos através da aprovação aparente dessas mesmas classes sociais especialmente pela cultura O Orientalismo portanto legitimou o imperialismo e o expansionismo para os próprios europeus e convenceu os nativos sobre o universalismo a mais adiantada civilização do planeta é a européia da civilização européia A teoria de Said 1990 e de outros teóricos póscolonialistas quase simultaneamente adotada pelos adeptos de estudos afroamericanos e por feministas subverte os pressupostos de uma objetividade espúria que sustenta o Ocidente a unicidade de sua cultura e de seu ponto de vista Etnografia A prática etnográfica tornase uma descrição preconceitual da cultura de uma raça a partir de pressupostos hegemônicos dos conquistadores Outro O sujeito hegemônico europeu Hegemonia Além de significar o domínio de um estado sobre outro hegemonia é o poder da classe dominante para convencer as outras classes de que os interesses dela da classe dominante são interesses comuns conseqüentemente são aceitos por todas as outras classes outro O sujeito marginalizado pela hegemonia européia uma pessoa de raça ou etnia diferente ou seja nãobranca e nãoeuropéia 225 Etnicidade Distinta da identidade racial a etnicidade da pessoa inclui seus aspectos culturais como a religião tradições de vestimenta e de comida Weltanschaunng etc Discurso O texto transformado pelo contexto ou interpretação portanto altamente carregado pela ideologia dominante que exclui e degrada qualquer outro discurso Nativo Frequentemente é um termo degradante para significar a pessoa primitiva pagã nãoeducada desprovida de literatura ou cultura Império A prática política e ideológica de uma nação hegemônica para outremizar o nãoeuropeu Panótico É um sistema de supervisão consequência do poder sobre o sujeito outremizado o qual é ameaçado por todo tipo de reprovação moral e cultural e de exclusão Quadro 1 Poder e controle HISTÓRIA DO PÓSCOLONIALISMO Iniciouse o século XX com um triste panorama composto 1 por dezenas de povos e nações submetidos ao colonialismo europeu 2 por milhões de negros descendentes de escravos especialmente nos Estados Unidos e na África do Sul discriminados em seus direitos fundamentais 3 pela metade feminina da população mundial vivendo num contexto patriarcal 4 pelo poder político e econômico nas mãos da raça branca cristã e rica em países industrializados Apesar dessa imagem sombria um dos fatores mais característicos do século XX foi a nítida consciência da subjetividade políticocultural e da resistência de povos e nações contra qualquer tentativa para manter a objetificação ou iniciar uma nova modalidade de dependência O Renascimento do Harlem movimento cultural e literário entre escritores e artistas norteamericanos especialmente na cidade de Nova Iorque cuja finalidade foi realçar o interesse na cultura africana ao redor do mundo nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930 mostra a recusa em deixar a cultura eurocêntrica cristã e branca continuar definindo o outro em geral e a população afroamericana em particular APPIAH GATES 1997 Idêntica atitude estava por trás do movimento Négritude na década de 1930 em vários países africanos Essa tendência para a autodeterminação dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento após a Segunda Guerra Mundial especialmente nos movimentos pelos Direitos Civis nos Estados Unidos e na luta contra o colonialismo britânico francês português alemão belga em todos os continentes Nesses casos a autodeterminação política e a autodefinição cultural andavam juntas Na prática o Renascimento do Harlem e Négritude são definidos como um momento cultural literário e político de tal envergadura que o teórico martiniquianoargelino Frantz Fanon confere grande poder de luta política às culturas e literaturas nacionais Descolonização I Movimentos Independência no Descolonização II Movimentos pré Descolonização III 17761825 19201939 Commonwealth 19451949 independência 19551975 britânico década de 1930 19301942 Estados Unidos Renascimento do Canadá Austrália Índia Paquistão Négritude na África África do Norte África América Central Harlem Estados Indonésia Oriente guerrilhas equatorial e sub América do Sul Unidos Médio equatorial ilhas do Négritude na África Caribe e colônias na América do Sul sudeste asiático Quadro 2 Mapa da descolonização entre 17761975 Historicamente o movimento próindependência especialmente das Américas britânica portuguesa e espanhola respectivamente no último quartel do século XVIII e no primeiro quartel do século XIX favoreceu certa autonomia às culturas nãoeuropéias mas nãoindígenas com o conseqüente nascimento de uma literatura nacional JOZER 1982 Nos séculos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e escritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporação de temas brasileiros seguindo padrões estéticos europeus Foram o Modernismo brasileiro contudo iniciado na década de 1920 e suas subcorrentes que apresentaram propostas de uma arte essencialmente brasileira Em geral todavia fortes laços ainda amarravam as literaturas americanas aos modelos europeus Praticamente até meados do 226 século XX no contexto dos países novos fabricados pelo colonialismo não existia uma literatura nacional na África e na Ásia e a literatura produzida nesses continentes seguia padrões eurocêntricos já que foi escrita por viajantes missionários mulheres de administradores coloniais e soldados intimamente ligados à metrópole colonizadora Raríssimos foram os casos em que surgiram produções literárias diferentes das da metrópole Por outro lado não havia embasamento teórico para detectar a resistência na literatura de então Tampouco eram desenvolvidas formas de leitura e escrita que pudessem responder à colonização européia arraigada nos parâmetros do essencialismo de superioridade cultural e de degradação da cultura dos outros O período após a Segunda Guerra Mundial viu o surgimento da terceira onda de independência política especialmente nas nações caribenhas africanas e asiáticas e ao mesmo tempo de uma literatura escrita pelos nativos não sem problematização nas línguas dos excolonizadores Os romances The PalmWine Drinkard 1952 de Amos Tutuola e Things Fall Apart 1958 de Chinue Achebe ambos nigerianos foram talvez as primeiras expressões literárias autenticamente nativas oriundas da África e escritas em inglês Nasce então uma literatura original em inglês a partir das excolônias britânicas a qual não poderia ser chamada simplesmente literatura inglesa Críticos da metrópole inglesa logo desenvolveram a idéia de Commonwealth Literature literatura da comunidade das excolônias britânicas Evidentemente podese ver que a idéia de uma Commonwealth Literature seguia os antigos padrões metrópolecolônia com a Inglaterra posicionandose no centro e as novas nações independentes colocadas na margem Na década de 1970 os escritores caribenhos africanos e asiáticos rejeitaram qualquer conotação do Commonwealth devido à continuação do eurocentrismo pela crítica britânica e à recusa dos escritores nativos em admitir a superioridade da civilização britânica e européia A expressão Commonwealth Literature foi abandonada e surgiu a idéia de chamar Literaturas em inglês à expressão literária em língua inglesa oriunda das excolônias britânicas Esse fenômeno não ficou restrito à literatura em língua inglesa mas a todas as literaturas nascidas nas excolônias Em seu importante livro Dathorne 1976 intitula os capítulos Teatro africano em francês e em inglês Literatura africana em português Nestas últimas três décadas surgiu o problema de como ler as obras de escritores que escrevendo nas línguas européias são etnicamente nãoeuropeus Há atualmente escritores africanos escrevendo em francês inglês e português autores caribenhos escrevendo em espanhol inglês francês ou holandês escritores indianos paquistaneses e egípcios desenvolvendo uma literatura em inglês É justo ler essas obras profundamente inseridas numa cultura nãoocidental através de parâmetros estruturalistas pósestruturalistas materialistas culturais ou seja através de uma abordagem ocidental Qual é o status dessas literaturas produzidas nas excolônias Se a relação entre a metrópole e a colônia sempre foi tensa não deveria essa literatura escrita a partir da invasão colonial até o presente mostrar as tensões inerentes aos encontros coloniais Se a literatura da metrópole foi usada para enfatizar a superioridade européia através da degradação ou aniquilamento da cultura nãoeuropéia qual é o papel dessas literaturas póscoloniais COLONIALISMO O termo colonialismo caracteriza o modo peculiar como aconteceu a exploração cultural durante os últimos 500 anos causada pela expansão européia Distinguemse o imperialismo mediterrâneo da Antigüidade e o colonialismo pósRenascimento No mundo antigo as grandes civilizações mediterrâneas orgulhavamse em possuir colônias e insistiam na hegemonia da metrópole sobre a periferia a qual era considerada bárbara inculta e inferior Said 1995 p 40 define esse imperium como a prática a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante como aconteceu a partir de 336 aC quando o império de Alexandre da Macedônia levou a civilização helênica para fora do Mediterrâneo e polarizou as idéias e as energias européias para o Oriente ou quando o império romano após 227 264 aC conquistou as ilhas mediterrâneas a Espanha o norte da África o Oriente Médio o Egito a Gália a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado o mesmo autor afirma que o colonialismo praticado após o Renascimento é a implantação de colônias em território distante como conseqüência do capitalismo incipiente com a finalidade de exploração material para o enriquecimento da metrópole A expansão colonial européia nos séculos XV e XVI coincidiu portanto com o início de um sistema capitalista moderno de trocas econômicas As colônias foram imediatamente percebidas como fonte de matériasprimas que sustentariam por muito tempo o poder central da metrópole Limitandonos ao Brasil podese constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha até a publicação em 1711 de Cultura e opulência do Brasil de André João Antonil inúmeros são os textos informativos sobre os recursos econômicos das colônias e as práticas de exploração do território colonial Ademais o sistema panóptico pelo qual se supervisionava o espaço colonial era o método de viajantes e exploradores europeus dos séculos XIX e XX representando o conhecimento e o poder Entre o colonizador e o colonizado estabeleceuse um sistema de diferença hierárquica fadada a jamais admitir um equilíbrio no relacionamento econômico social e cultural Mais grave tornouse a situação de povos colonizados que eram racialmente diferentes os hotentotes na costa africana ou que formavam uma minoria os aborígenes da Austrália Entre o colonizador e o colonizado havia o fator raça que construía um relacionamento injusto e desigual Os termos raça racismo e preconceito racial são oriundos da posição hegemônica européia Esse tópico transformouse numa justificativa para introduzir o regime escravocrata a partir de meados do século XVI quando se formou a idéia de um mundo colonial habitado por gente naturalmente inferior programada pela natureza para trabalhar braçalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas não falavam a língua culta e situavamse fora da história e da civilização Aos olhos dos europeus colonizadores o estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutível provado no século XIX pelas teorias da evolução e da sobrevivência do mais forte na doutrina darwinista Se freqüentemente o colonizado aceitava a ideologia e os valores do colonizador e transformavase em fantoche mimic man nos romances de VS Naipaul em outras ocasiões mostrava sua resistência e subversão através da mímica e da paródia Segundo Ashcroft et al 1991 podemos sistematizar as colônias em 1 colônias de povoadores 2 colônias de sociedades invadidas e 3 colônias de sociedades duplamente invadidas Nas colônias de colonizadores América espanhola Brasil Estados Unidos da América Canadá Austrália Nova Zelândia a terra foi ocupada por colonos europeus que conquistaram mataram ou deslocaram as populações indígenas Uma modalidade de civilização européia foi transplantada no vazio construído e os descendentes de europeus mesmo após a independência política mantiveram o idioma nãoindígena Os colonos inquestionavelmente consideravam que o idioma europeu era apropriado para expressar a complexa realidade do lugar ocupado marginalizando as línguas indígenas Nas colônias de sociedades invadidas Índia e África com suas civilizações em vários estágios de desenvolvimento as populações foram colonizadas em sua terra Os escritores nativos portanto já possuíam ideologias organizações societárias e formas políticas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente o idioma europeu substituiu o idioma do nativo no mais ofereceramlhes uma oportunidade para comunicarse com outras sociedades elevar seu nível cultural e manter as ligações com a metrópole Em todos os casos o idioma europeu sempre causou e ainda causa certa ambigüidade especialmente na literatura nativa As colônias das sociedades duplamente invadidas referemse ao espaço ocupado pelas sociedades primordiais dos indígenas das ilhas do Caribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cem anos do descobrimento A população atual das Índias Ocidentais veio da África Índia Oriente Médio e da Europa e é o resultado do deslocamento do exílio ou da escravidão Entre todas as sociedades colonizadas talvez a sociedade caribenha seja a que mais sofreu os efeitos devastadores do processo colonizador onde o idioma e a cultura dominantes foram impostos e as culturas de povos tão diversos aniquiladas 228 Colônias de povoadores Colônias de sociedades invadidas Colônias de sociedades duplamente colonizadas Américas espanhola e portuguesa Estados Unidos da América Canadá Austrália Nova Zelândia Índia e África As ilhas do Caribe o genocídio praticado contra os indígenas efetivou o deslocamento de populações da África Índia Ásia Oriente Médio e da Europa para a região Línguas nativas quase extintas prevalecendo as línguas européias Línguas nativas praticadas intensamente língua européia apropriada Línguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as línguas européias Quadro 3 Tipos de colônias vicissitude das línguas nativas e línguas dominantes A colonização e o discurso colonialista eram também impregnados pelo patriarcalismo e pela exclusividade sexista O termo homem e seus derivados incluíam o homem e a mulher o mesmo privilégio não era dado ao termo mulher A ideologia subjacente consistia portanto na junção das noções metrópole e patriarcalismo que estavam empenhadas em impor a civilização européia ao resto do mundo A ação civilizadora levada ao interior pelo colonizador britânico a partir de 1750 na África Índia e no sudeste asiático era tão bem preparada que escondia a violência e a degradação às quais foram submetidos os nativos Dois séculos antes a mesma justificativa de Colombo para fazêlos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanhóis para camuflar a utilização de mãodeobra indígena em suas colônias americanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal assumidas pelas nações européias nada mais foram que um pretexto pelo qual intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisição de matériasprimas para suprir as nações em processo de industrialização crescente O estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou também os colonos brancos que aos olhos dos agentes governamentais e da metrópole ficaram degenerados pelo hibridismo Em Wide Sargasso Sea 1966 de Jean Rhys foram atribuídas à protagonista Antoinette Cosway acusações de incesto loucura adultério e ninfomania porque ela era o resultado da mestiçagem de descendentes britânicos com negros caribenhos No romance O cortiço 1890 Jerônimo o português exemplar mergulha na massa humana da favela e degradase diante dos encantos do ambiente da música tropical e de modo especial da sensualidade de Rita Baiana A metrópole portanto enfatizava o fato de que esses colonos degenerados prescindindo da herança cultural de seus antepassados europeus desenvolveram as características dos nativos preguiça dança ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional a bebida dos irlandeses Todos esses aspectos criaram um sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas essencialmente inferiores Nos séculos XVI e XVII os colonizadores espanhóis portugueses e holandeses e mais tarde nos séculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e a França puseram em prática o conceito polarizador nós eles ou Outro outro Para garantir a coesão do Outro diante das vicissitudes do mundo moderno o colonizado foi incentivado a receber e compartilhar as benesses da civilização Para o colonizado esse futuro promissor foi sempre preterido Outro o colonizador outro o colonizado 1 O centro imperial a constrói o sistema pelo qual o sujeito colonizado forma a sua identidade como dependente ou outro b tornase a única estrutura pela qual o sujeito colonizado compreende o mundo 1 O outro é formado por discursos de a primitivismo b canibalismo c separação binária entre o colonizador e o colonizado d afirmação da supremacia da cultura ideologia e visão do mundo do colonizador 2 Representa o Outro Simbólico e a Lei do Pai conforme a terminologia de Lacan 2 O sujeito colonizado é filho do império e o sujeito degradado do discurso imperial Quadro 4 O Outro e o outro no sistema colonial 229 O colonialismo portanto gira em torno de um pressuposto no qual o poderoso centro cria a sua periferia Embora o binômio centromargem seja uma noção binária ela define o que ocorreu na representação dos indivíduos durante o período colonial O mundo foi dividido em duas partes hierarquicamente constituídas e o centro se consolidava apenas através da existência do outro colonizado Seguese que o centro a civilização a ciência o progresso existiam porque havia todo um discurso sobre a colônia a selvageria a ignorância o atraso cultural Constituindose o centro e relegando tudo o que havia fora dela como periferia da cultura e da civilização a Europa sentiase na incumbência missão de colocar sob diversos pretextos essa margem em seu âmbito Enquanto Dom João III escreve em 1548 que o principal objetivo de povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse à nossa fé católica em 1897 o secretário das colônias inglês Joseph Chamberlain considerava as colônias britânicas como estados nãodesenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistência imperial e que não havia outra solução para garantir emprego pleno aos ingleses sem a criação de novos mercados LANE 1978 SUJEITO E OBJETO A opressão o silêncio e a repressão das sociedades póscoloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades póscoloniais o sujeito e o objeto pertencem a uma hierarquia em que o oprimido é fixado pela superioridade moral do dominador O colonizador seja espanhol português inglês se impõe como poderoso civilizado culto forte versado na ciência e na literatura Por outro lado o colonizado é descrito constantemente como sem roupa sem religião sem lar sem tecnologia ou seja em nível bestial É a dialética do sujeito agente e do objeto o outro subalterno A língua cortada do personagem Friday no romance Foe 1986 de J M Coetzee é o símbolo do colonizado mudo por ato voluntário do colonizador A ausência de relatos de índios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo o período colonial e prérepublicano é emblemático A autoetnografia não existe por força da hierarquia imposta Podese usar o termo subalterno para descrever o colonizadoobjeto O subalterno termo emprestado da obra Note sulla storia italiana 1935 de Antonio Gramsci 18911937 referese a pessoas na sociedade que são o objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operários e outros grupos aos quais o acesso ao poder é vedado Os estudos coloniais interessamse pela história de grupos subalternos necessariamente fragmentária já que sempre está submetida à hegemonia da classe dominante sujeito da história oficial O colonizado quase não possuía meios para se apresentar e tampouco tinha acesso à cultura e à organização social No Brasil existe apenas a etnografia de índios do século XVI escrita e manipulada por grupos europeus Praticamente o mesmo pode ser afirmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operários urbanos excluídos Foi o colonizador europeu que lançou o espaço colonial e o nativo à vista do mundo num processo que Spivak 1987 chama de worlding Worlding é a maneira pela qual a colônia começou a existir como parte do mundo eurocêntrico A grande quantidade de textos incluindo mapas pinturas frontispícios de livros sobre o Brasil nos séculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginário europeu um conjunto de conceitos sobre a América portuguesa É a inscrição do discurso imperial sobre o espaço colonizado O método mais óbvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geográficos o que significa conhecer e controlar O segundo tipo de worlding é o passeio do europeu pelo país colonizado Há muitas gravuras e desenhos mostrando o soldado inglês caminhando por território indiano ou africano Nesse caso o sujeito colonial está mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espaço Em sua Carta o escrivão Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indígenas a supremacia do branco colonizador A terceira modalidade referese à degradação sistemática do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras páginas dos livros impressos nos primeiros dois séculos de colonização encontramse constantemente cenas de 230 antropofagia Por que a nudez o ateísmo a preguiça a selvageria a sensualidade e a ignorância são tópicos constantes na descrição do negro quer no Brasil quer na África do Sul A imagem do nativoescravo em tais condições foi o gatilho psicológico para a rapinagem da colônia em todos os sentidos Os críticos tentam expor os processos que transformam o colonizado numa pessoa muda e as estratégias dele para sair dessa posição Spivak 1995 p 28 discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna o sujeito subalterno não tem nenhum espaço a partir do qual ele possa falar Bhabha 1998 afirma que o subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada através da paródia da mímica e da cortesia ardilosa que ameaçam a autoridade colonial Fanon 1990 e Ngugi 1986 admitem que o colonizado pode ser reescrito na história embora esse tipo de descolonização sempre seja um fenômeno violento O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pré e pósindependência revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializase portanto o processo de agência ou seja a capacidade de alguém executar uma ação livre e independentemente vencendo os impedimentos processados na construção de sua identidade Notese que em O Uraguai cuja finalidade foi a exaltação do marquês de Pombal destacamse as vozes dos índios Esse fato mostra a superação de estado de objetos e os revela como agentes Nos estudos póscoloniais a agência é um elemento fundamental porque revela a autonomia do sujeito em revidar e contraporse ao poder colonial Nesse contexto é importante a teoria da subjetividade construída pela ideologia segundo Althusser pela linguagem segundo Lacan e pelo discurso segundo Foucault já que qualquer ato do sujeito é consequência desses três fatores A questão envolve a constituição da identidade na divisão Outrooutro imposta pelo colonialismo TODOROV 1991 1 Subalterno literalmente significando sujeito de categoria inferior o termo foi criado por Gramsci tratase de qualquer sujeito sob a hegemonia das classes dominantes 2 Em termos póscoloniais os estudos subalternos se referem à análise da subordinação na sociedade devido à classe casta idade gênero profissão religião e outros 3 O fator mais constante nos estudos subalternos são os métodos de resistência adotados contra o colonizador ou a elite dominadora 4 Pode o subalterno falar é a pergunta mais importante 5 Em sociedades póscoloniais a mulher é duplamente subalterna ela é o objeto da historiografia colonialista e da construção do gênero 6 O discurso póscolonial e a apropriação da linguagem pelo subalterno constituem métodos para que a voz marginalizada possa ser ouvida Quadro 5 O subalterno e sua voz COLONIALISMO E FEMINISMO Há estreita relação entre os estudos póscoloniais e o feminismo Em primeiro lugar há uma analogia entre patriarcalismofeminismo e metrópolecolônia ou colonizadorcolonizado Uma mulher da colônia é uma metáfora da mulher como colônia DU PLESSIS 1985 p 46 Em segundo lugar se o homem foi colonizado a mulher nas sociedades pócoloniais foi duplamente colonizada Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa dialética Na história do Brasil a mulher sempre foi relegada ao serviço do homem ao silêncio à dupla escravidão à prostituição ou a objeto sexual Na literatura muitos são os romances que representam através de suas personagens femininas essa subjugação da mulher Diversos romances de Jorge Amado por exemplo retratam essa subjugação da mulher O objetivo dos discursos póscoloniais e do feminismo nesse sentido é a integração da mulher marginalizada à sociedade De modo semelhante ao que aconteceu nas reflexões do discurso póscolonial no primeiro período do discurso feminista a preocupação consistia na substituição das estruturas de dominação Essa posição simplista evoluiu para um questionamento sobre as formas 231 literárias e o desmascaramento dos fundamentos masculinos do cânone Nesses debates o feminismo trouxe à luz muitas questões que o póscolonialismo havia deixado obscuras e viceversa De fato o póscolonialismo ajudou o feminismo a precaverse de pressupostos ocidentais do discurso feminista 1 A mulher é duplamente colonizada pela sociedade indígena e pelo poder colonial 2 Frequentemente as questões de gênero são minimizadas ou relegadas a segundo plano na análise póscolonial 3 A objetificação da mulher tornase a metáfora da degradação das sociedades sob o colonialismo 4 A voz da mulher na ficção e no desenvolvimento do cânone literário rompe os pressupostos masculinos 5 Questões de identidade controle poder agência e de autoria tornamse as mais relevantes 6 Consolidase o estilo literário caracterizado pela diferença diversidade e imprevisibilidade 7 Há necessidade de constante vigilância contra as manobras do Outro a sociedade branca ou homens negros Quadro 6 O feminismo em sociedades póscoloniais Petersen 1995 observa que em muitos países do Terceiro Mundo há o dilema sobre o que é necessário empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra o imperialismo presente na cultura ocidental Em Things Fall Apart o personagem Okonkwo é castigado não porque bateu em sua esposa mas por haver batido nela numa semana considerada sagrada Petersen 1995 p 254 resolve a questão com uma citação de Ngugi Nenhuma libertação cultural sem a libertação feminina A escritora nigeriana Buchi Emecheta insiste sobre a autêntica perspectiva feminista a focalização na exploração da mulher e a luta dela pela libertação BENSON CONOLLY 1994 Efetivamente a dupla colonização causou a objetificação da mulher pela problemática da classe e da raça da repetição de contos de fada europeus e da legislação falocêntrica apoiada por potências ocidentais Entre outras a mais eficaz estratégia de descolonização feminina concentrase no uso da linguagem e da experimentação linguística Muito esclarecedor o romance A república dos sonhos 1984 de Nélida Piñon no qual se descreve e se analisa o processo de crescente conscientização política de Eulália Esperança e Breta em três períodos políticos distintos do século XX O QUE É A LITERATURA PÓSCOLONIAL Diante dos princípios acima podemos definir a literatura póscolonial como toda a literatura inserida no contexto de cultura afetada pelo processo imperial desde o primeiro momento da colonização européia até o presente ASHCROFT et al 1991 p 2 A crítica póscolonial portanto abrange a cultura e a literatura ocupandose de perscrutálas durante e após a dominação imperial européia de modo a desnudar seus efeitos sobre as literaturas contemporâneas De fato todas as literaturas oriundas das excolônias européias sejam elas portuguesas espanholas inglesas ou francesas 1 surgiram da experiência da colonização e 2 reivindicaramse perante a tensão com o poder colonial e diante das diferenças com os pressupostos do centro imperial Experiência da colonização Tensão com o poder colonial literatura póscolonial Diferenças com os pressupostos do centro imperial Quadro 7 A formação da literatura póscolonial A emergência e o desenvolvimento de literaturas póscoloniais dependem de dois fatores importantes 1 a progressão gradual da conscientização nacional e 2 a convicção de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressão literária brasileira nem a conscientização nacional nem a diferenciação têm ressonância De fato ela envolve textos literários que foram produzidos por representantes do poder colonizador viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e língua privilegiam o centro em detrimento da periferia porque visam exclusivamente ao lucro que a metrópole terá com a invasão e a manutenção da colônia As descrições de Fernão Cardim em Do clima e terra do Brasil edição inglesa de 1625 Jean de Léry em Viagem à terra do Brasil 1578 e Gabriel Soares de Sousa em Tratado descritivo do Brasil 1587 com sua pretensão de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como também a atomização dos objetos descritos pelos pintores e botânicos holandeses como Albert Eckhout Willem Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem o discurso imperial A segunda etapa envolve textos literários escritos sob supervisão imperial por nativos que receberam sua educação na metrópole e que se sentiam gratificados em poder escrever na língua do europeu nessa época não havia nenhuma consciência de ela ser também do colonizador A classe alta da Índia os missionários africanos e às vezes prisioneiros degredados na Austrália sentiamse privilegiados em pertencer à classe dominante ou em ser por ela protegidos e produziram volumes de poemas e romances A Prosopopéia 1601 de Bento Teixeira e O Uraguai 1769 de Basílio da Gama são exemplos clássicos desse fenômeno na literatura brasileira Embora muitos dos temas o fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a européia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de seus costumes leis cantos e provérbios abordados por esses autores estivessem carregados de subversão sem dúvida os autores não podiam ou não queriam perceber essa potencialidade Além disso a manutenção da ordem e as restrições impostas pela potência imperial não permitiam nenhuma manifestação que pudesse mostrar algo diferente dos critérios canônicos ou políticos A terceira etapa envolve uma gama de textos a partir de certo grau de diferenciação até uma total ruptura com os padrões da metrópole Evidentemente essas literaturas dependiam do cancelamento do poder restritivo ou seja começaram a ser escritas ou umas décadas antes ou a partir da independência política A oscilação de brasilidade nas obras de Basílio da Gama Santa Rita Durão Cláudio Manoel da Costa dos poetas românticos e de José de Alencar é muito nítida a bajulação ao colonizador o estilo literário português o afastamento da retórica camoniana temas brasileiros fabricação da mitologia brasileira Pela conscientização pósrepublicana com Machado de Assis e com o Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamento da literatura brasileira dos parâmetros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Devido à manutenção da centralização britânica acreditase que a literatura em inglês oriunda das excolônias britânicas tenha ido mais longe em sua ênfase na linguagem na paródia e na sátira Em Things Fall Apart 1958 Chinua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever um livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando o autor já havia exposto a complexidade de costumes religião hierarquia legislação e provérbios da tribo dos Igbos na região chamada Umuofia 1 textos literários produzidos por representantes do poder colonial viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos 2 textos literários produzidos por nativos mas sob supervisão colonial religiosos nativos classe intelectual educada na metrópole protegidos dos colonizadores 3 textos literários escritos por nativos a partir de certo grau de diferenciação dos padrões da metrópole até sua ruptura total Quadro 8 Os três momentos da literatura póscolonial QUESTIONANDO O CÂNONE LITERÁRIO Quais são os documentos históricos ou literários nos quais a voz do subalterno é transmitida Como o colonizado se descreveu durante séculos de submissão Como o europeu viu a presença do outro No cânone literário o colonizado encontrou sua voz ou esta ficou relegada à ausência Ninguém pode negar que atualmente há uma verdadeira extensão do cânone literário já que textos de mulheres indígenas escravos e membros de outros grupos historicamente marginalizados começaram a emergir Houve tempo em que o cânone literário estava fechado somente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelentes era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a conseqüente exclusão de outros textos que não coadunavam com o ponto de vista do grupo hegemônico Um maior número de textos estão sendo estudados como representações da experiência e da cultura da mais variada gama de grupos de pessoas Houve comprometimento nos padrões literários Os textos formadores do cânone foram escolhidos pela sua excelência literária ou pela representatividade cultural É legítimo insistir sobre uma representação politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilização de critérios literários Discutemse muito atualmente o cânone literário e sua formação Enquanto Harold Bloom em O cânone ocidental 1995 insiste sobre a autonomia do estético e deplora qualquer ideologia na crítica literária os adeptos do Pósmodernismo multiculturalismo feminismo Novo Historicismo afrocentrismo dilatam a abrangência do cânone Não faltam críticos como PerroneMoisés em Altas Literaturas 1998 que tomam posição intermediária Sabese contudo que a formação do cânone literário deuse porque certas obras literárias em determinados períodos históricos cultuavam interesses e propósitos culturais particulares como se fossem o único padrão de investigação literária É extremamente interessante saber como certos textos foram selecionados por interesses tornandose portanto dignos de serem estudados É interessante investigar como as idéias de excelência literária permearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares o currículo dos cursos de Letras nas universidades Os romances de José de Alencar 18291877 o principal escritor da ficção romântica brasileira e expoente máximo do Indianismo foram apropriados no cânone literário brasileiro porque nos períodos pósindependência e pósrepública necessitavase de alguém que mostrasse orgulho amor defesa da pátria e criasse arquétipos de uma terra edenica e da unificação nacional Na Inglaterra as obras de Alfred Tennyson 18091892 naturalmente entraram no cânone literário por causa de seu enaltecimento do imperialismo britânico da coragem de seus soldados e dos arquétipos criados no conjunto de poemas sobre os fundamentos míticos do povo inglês Por outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do século XIX e do início do século XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente relegadas ao esquecimento Somente nestas últimas décadas a academia brasileira especialmente nas universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina resgatou a história e as obras de autoras brasileiras O mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e européia dos Estados Unidos Entraram no cânone literário estadunidense os textos dos exescravos Frederick Douglass 18171895 e Harriet Ann Jacobs 18131897 apenas nos últimos vinte e cinco anos do século XX devido a interesses de diferentes experiências culturais e de formas literárias A RELEITURA A releitura é uma estratégia para ler textos literários ou nãoliterários e dessa maneira garimpar suas implicações imperialistas e trazer à tona o processo colonial A releitura do texto faz emergir as nuances coloniais que ele mesmo esconde Quando se lê um romance da literatura brasileira do século XIX por exemplo nada se depara à primeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens da suntuosidade de seus solares e de sua vida folgada A reinterpretacão ou a leitura contrapuntual revela que a origem dessa riqueza está enraizada na escravidão de índios e negros no comércio da carne humana na invasão e violação de terras alheias nos castigos horrendos na manutenção do estado racista Fundamentandose não na íntima relação entre literatura metropolitana portuguesa e colonial brasileira mas na realidade social e cultural a releitura é uma volta ao arquivo cultural que é lido de forma não unívoca mas em contraponto com a consciência simultânea da história metropolitana que está sendo narrada e daquelas outras histórias contra e junto com as quais atua o discurso dominante SAID 1995 p 87 A reinterpretacão é portanto uma maneira de reler os textos oriundos das culturas da metrópole e da colônia para focalizar os efeitos incisivos da colonização sobre a produção literária relatos étnicos registros históricos discursos científicos e anais dos administradores coloniais A releitura é a desconstrução das obras dos colonizadores de nativos a serviço dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como o texto é contraditório em seus pressupostos de raça civilização justiça religião Põe em evidência a ideologia do colonizador e o processo da colonização Uma desconstrução de Things Fall Apart revela que o colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigéria é um mentiroso porque o romance de Achebe está cheio de episódios de literatura oral oratura provérbios de leis para dirimir questões litigiosas de práticas religiosas de convivência social harmoniosa A reinterpretação faz parte da inevitável tendência do acadêmico que trabalha com o póscolonialismo para subverter o texto metropolitano As estratégias subversivas revelam 1 a forma da dominação e 2 a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando 1 se denuncia o título de centro que as literaturas européias deram a si mesmas e 2 se questiona o ponto de vista europeu que natural e constantemente polariza o centro e a periferia É importante desafiar este último item ou seja frisar que não é legítimo ordenar a realidade dessa maneira Até meados da década de 1960 Próspero o duque e mago em A tempestade 1611 de Shakespeare era analisado como um homem maltratado pelo próprio irmão Próspero é descrito como um pai bondoso um orientador de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand um homem que castiga apenas quando a necessidade urge um cavaleiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer o mal que lhe fizeram Uma leitura póscolonial no entanto começa a desenvolverse a respeito desse personagem Próspero revelouse o usurpador que se apoderou da ilha pertencente a Calibã o senhor que escravizou o nativo após seduzilo o controlador da memória de Ariel Calibã e Miranda para satisfazer sua ambição o déspota que mantém o domínio sobre a sexualidade de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand o personagem que sai da cena triunfante e imune a qualquer ato de insubordinação Essa releitura revela as implicações do encontro entre colonizador e colonizado as estratégias de dominação do primeiro a marginalização e a objetificação do nativo a resistência do escravizado pela utilização da língua do colonizador e pelo revide físico Revela também a incipiente história da colonização britânica e suas estratégias de polarização que serão desenvolvidas na terrível história do império inglês entre os séculos XVIII e XIX A peça Na festa de São Lourenço 1587 de José de Anchieta 15341597 parece revelar simplesmente um drama singelo e primário com que o missionário podia facilitar a pregação da doutrina cristã Uma leitura póscolonial traz à tona a demonização e a zoomorforização dos índios as quais revelam o maniqueísmo ou binarismo de Anchieta a objetificação dos nativos o vilipêndio de sua cultura a superioridade da civilização européia e da religião cristã O texto dramático expõe às claras a ideologia colonial Normalmente a leitura de O Ateneu 1888 de Raul Pompéia mostra a história do internato como reflexo da sociedade no terceiro quartel do século XIX ou seja a história da elite brasileira enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul no contexto de falência e da decadência do regime monárquico de base escravista Uma releitura poderia revelar o sistema educacional europeu como centralizador e esmagador da personalidade a resistência de uma sociedade oprimida que anseia por uma independência verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a incapacidade de distanciarse do contexto de dependência completo o surgimento de sujeitosagentes que constroem dos escombros a autonomia da nação 1 Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendente para uma visão de literatura inserida no contexto histórico e no espaço geopolítico 2 Perceber como as obras de certos autores aprofundaram o imperialismo o colonialismo e o patriarcalismo especialmente quando supõem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos 3 Classificar o autor segundo o esquema representando os três momentos da literatura póscolonial 4 Detectar na ficção a ambigüidade ameaçadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista 5 Descobrir o silêncio absoluto escondendo o sistema escravagista a objetificação da mulher e o aviltamento de nativos embora mascarados atrás de manifestações de riquezas e de patriarcalismo 6 Investigar o aprisionamento do espaço colonial e póscolonial pelo texto europeu ou pela teoria literária oriundos das metrópoles renascentistas ou modernas Quadro 9 Estratégias para analisar uma obra do ponto de vista póscolonial 235 A REESCRITA A reescrita é um fenômeno literário muito utilizado em língua inglesa porém não exclusivo desta que consiste em selecionar um texto canônico da metrópole e através de recursos da paródia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da excolônia A reescrita faz parte do contradiscurso originalmente usado por Terdiman 1985 para demonstrar os métodos empregados pelo discurso da periferia contra o discurso dominante do centro imperial A seleção gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simbólicos que o discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita tem por finalidade a quebra da ocultação da hegemonia canônica e o questionamento dos vários temas enfoques pontos de vista da obra literária em questão os quais reforçavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversão dos textos canônicos e na reinscrição dentro do processo subversivo Vários autores latinoamericanos reescreveram A tempestade Além das obras de George Lamming e Aimé Césaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a peça Caliban 1997 de Marcos Azevedo e Atormentado Calibanus 2001 de Guilherme Durães O romance Wide Sargasso Sea 1966 da caribenha Jean Rhys 18901979 é uma reescrita de Jane Eyre 1847 de Charlotte Brontë 18161855 Robinson Crusoe 1719 de Daniel Defoe 16601731 foi reescrito em Foe 1986 do sulafricano JM Coetzee nascido em 1940 A subversão do cânone literário através da reescrita não consiste em apenas substituir um texto canônico por outro moderno De fato o cânone em si contém algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitários sobre a literatura estilo gêneros literários e outros Esses fatores estão embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicação de textos escolares exames para vestibulares hierarquização em menção e em citações pela academia A finalidade da reescrita é 1 a substituição de textos 2 a conscientização das instituições acadêmicas 3 a relistagem da hierarquia dos textos e 4 a reconstrução dos textos canônicos através de leituras alternativas Robinson Crusoe uma narrativa autodiegética não menciona sequer uma vez o sexo feminino mas mostra a grande previdência e trabalho meticuloso do homem em várias situações limites O romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton inexistente no romance canônico como narradora ela dá sua versão das aventuras do Robinson Cruso sic na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que o escritor Defoe não se aproprie da versão feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance póscolonial Friday ao contrário do caribenho salvo por Crusoe não é o indígena ingênuo que aceita sem nenhuma problematização a versão religiosa comportamental e lingüística do europeu O negro e mudo Friday agora reescrito recusa a recuperação de sua história pelo homem branco e tenta articular diversos modos de expressão para escrever a história do negro pelo negro Em O coração das trevas 1902 de Joseph Conrad os africanos são descritos sob o ponto de vista colonialista como um rodopiar de braços negros um bater infinito de palmas das mãos de pisar adoidado de pés o balançar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescência de folhagem cansada e imóvel Escrevendo Things Fall Apart 1958 Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estereótipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalência da cultura africana constrói uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropriase da forma do romance a ferramenta dominante da representação imperial britânica A DESCOLONIZAÇÃO O deslocamento do cânone literário a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descolonização A descolonização é o processo de desmascaramento e demolição do poder colonial em todos os seus aspectos Enganamse aqueles que pensam que a declaração de independência política produz por si a descolonização da mente e que as literaturas nacionais e o ensino da ciência da história e da geografia ficam livres de inscrições e de resíduos coloniais Ao contrário do que muita gente pensa a descolonização é um processo complexo e contínuo e não ocorre automaticamente após a independência política Após a independência política das colônias há resquícios poderosos sempre latentes das forças 236 culturais e institucionais que sustentavam o poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independência sentemse herdeiros dos modelos políticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada não podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertação pura e simples dos laimes coloniais modelos econômico político e cultural não ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colônias de povoadores do que nas colônias de sociedades invadidas Embora nestas últimas a descolonização fosse mais radical e abrangente profundos resíduos ainda existem 1 Contestação das interpretações eurocêntricas 1 Reescritura autoreflexiva da história da colônia na qual se percebe que a realidade do passado tem influenciado o presente 2 Desafio à centralidade à universalização e às forças hegemônicas 2 A marginalidade ou excentricidade raça gênero normalidade psicológica exclusão distância social hibridismo cultural é uma fonte de energia criativa 3 Instalação do contradiscurso pela transgressão e dissolução das formas literárias européias ou suas fronteiras 3 A ironia e a paródia trabalham com os discursos existentes e ao mesmo tempo os contestam Quadro 10 Os princípios da descolonização A estratégia do poder colonial é deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando através do antigo conceito de comprador o neocolonialismo tornase manifestação das operações da globalização do capitalismo ocidental e a estratégia para o controle global Podese dizer que a globalização da economia mundial baseiase 1 no fato de que as mudanças no controle econômico e cultural não ocorreram e 2 na convicção de que a formação da elite comprometida com as nações hegemônicas era premeditada e realizarzase através de discriminações lutas classistas e práticas educacionais Ademais o eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das nações politicamente independentes com seus modelos culturais especialmente pelo binarismo literatura e oratura línguas européias e línguas indígenas inscrições culturais européias e cultura popular etc 1 Apropriação da língua colonial pelo escritor oriundo da excolônia O escritor africano deve ser capaz de moldar a língua do colonizador para que possa transmitir a sua experiência específica ACHEBE 1975 2 Recusa de adotar a língua do colonizador Qual é a diferença entre um político que afirma que a África não se desenvolve sem o imperialismo e o escritor que afirma que a África necessita das línguas européias NGUGI 1986 3 Recuperação e reconstrução da cultura précolonial Spivak 1995 e Bhabha 1984 argumentam sobre a impossibilidade dessa recuperação devido a processos de miscigenação cultural durante o período colonial 4 Aceitação pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo o aprofundamento da crítica diante da cultura contemporânea influenciada pela globalização e pelo neocolonialismo O império retruca ao centro Salman Rushdie 5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradição do povo e seus valores Conclusão de Fanon 1990 a partir de seu estudo sobre os efeitos da dominação colonial sobre os colonizados e da análise marxista do controle social e econômico 6 A descolonização é um processo complexo e contínuo não é algo automático a partir da independência política Conclusão de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin 1991 em seus estudos sobre as sociedades pósindependência 7 Vigilância contra formas contemporâneas de colonização neocolonialismo globalização neoliberalismo A descolonização freqüentemente significa a des ocidentalização empreendida pelo homem branco Trinh Minhha Quadro 11 Opiniões sobre métodos de descolonização 237 A tarefa descolonizadora é extremamente árdua como se vê na África e na Índia O caso das excolônias de colonizadores como a Austrália e o Canadá é outro grande problema Embora nesses países a independência nos moldes europeus fosse concedida há tempo suas populações de maioria branca sofrem de uma profunda submissão cultural sentemse impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas instituições e culturas e têm dificuldades em cortar o liame mãefilha incrustado em sua identidade Até certo ponto as asserções acima aplicamse ao Brasil também embora seja ele um país mestiço com predominância da classe branca ou embranquecida o qual ainda possui fortes resquícios culturais europeus Apesar da grande influência e abrangência da globalização destacamse para fins de descolonização da mente 1 o fomento das línguas nativas 2 a relativização das línguas européias 3 a democratização da cultura 4 a recuperação cultural e literária No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades póscoloniais consiste em teorizar extensivamente a problemática do poder e do estado pósindependência A literatura descolonizada passa a ser polifônica em lugar de monocêntrica híbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracterizase pela narrativa fragmentária pelos incidentes duplicantes pelos comentários metaficcionais pela cronologia interrompida pelos gêneros mistos Além disso existe um problema que poderia ser chamado existencial Um dos escritores póscoloniais o sulafricano J M Coetzee de ascendência européia sentese receoso em representar ficcionalmente os excluídos dos impérios capitalistas como os negros e os escravos O excolonizado e o neocolonizado têm outras e diferentes formas para desenvolver a sua subjetividade e a representação literária de sua identidade No romance Foe a européia Susan Barton tenta em vão escrever a história do negro Friday cuja língua foi cortada Além disso inutilmente incentivao a escrever relembrar ou expressarse por gestos para contar a sua história Os métodos europeus não funcionam e o próprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificação A tarefa de Friday portanto é a metonímia da função literária do escritor nativo que busca a própria subjetividade e a do povo Fanon escreve O escritor da colônia deve usar o passado para abrir espaço ao futuro como um convite à ação e como a base para a esperança A responsabilidade da pessoa culta não é apenas uma responsabilidade diante da cultura nacional mas uma responsabilidade global referente à totalidade da nação cuja cultura representa apenas um aspecto da nação FANON 1990 p 187 A conscientização e postura póscolonial que a academia assume são a base da descolonização da mente Em primeiro lugar a academia brasileira não pode apropriarse da teoria póscolonial sem questionamentos A noção do sujeito descentralizado não poderia ser mais uma estratégia do colonialismo ocidental O estudo do póscolonialismo não poderia ser a análise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Não é possível que a íntima ligação entre pósmodernismo e póscolonialismo este considerado o filho do primeiro aconteça não por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos países emergentes como inovadores Essa problematização não invalida a atitude e o esforço do acadêmico brasileiro profissional de Letras em seu comprometimento para descobrir como os povos estão fixados em estruturas opressivas e para descortinar a subjetificação de tais indivíduos neocolonizados O seu esforço para a flexibilidade da teoria existente e o surgimento de outras teorias autóctones são de grande valia para reinterpretar todos os textos pré e pósindependência política oriundos da inscrição colonial BONNICI 2000 Tendo como princípio que descolonizar não é simplesmente livrarse das amarras do poder imperial mas procurar também alternativas não repressivas ao discurso imperialista a descolonização da literatura e da crítica literária darão um novo e mais aprofundado entendimento ao acadêmico É análogo ao sentimento do escravo afroamericano Frederick Douglass 18171895 quando descobriu o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelação explicando coisas até então obscuras e misteriosas contra as quais o meu entendimento juvenil tentava vislumbrar mas lutava em vão Foi uma grande vitória estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi o caminho da escravidão para a liberdade DOUGLASS 1988 p 78 REFERÊNCIAS ACHEBE C Morning yet on creation day New York Doubleday 1975 APPIAH K A GATES H L The dictionary of global culture New York Knopf 1997 ASHCROFT B GRIFFITHS G TIFFIN H The empire writes back theory and practice in postcolonial literatures London Routledge 1991 BENSON E CONOLLY L W Encyclopedia of postcolonial literatures in English London Routledge 1994 BHABHA H Of mimicry and men the ambivalence of colonial discourse In BHABHA H The location of culture London Routledge 1998 p 8592 BLOOM H O cânone ocidental os livros e a escola do tempo Rio de Janeiro Objetiva 1995 BONNICI T O póscolonialismo e a literatura estratégias de leitura Maringá Eduem 2000 DATHORNE O R African literature in the Twentieth Century London Heinemann 1976 DOUGLASS F Narrative of the life of Frederick Douglass an American slave written by himself Harmondsworth Penguin 1988 DU PLESSIS R B Writing beyond the ending narrative strategies of 20th century women writers Bloomington Indiana 1985 FANON F The wretched of the earth Harmondsworth Penguin 1990 JOZEF B História da literatura hispanoamericana Rio de Janeiro Francisco Alves 1982 LANE P Success in British history 17601914 London John Murray 1978 NGUGI wa Thiongo Decolonizing the mind the politics of language in African literature London Currey 1986 PERRONEMOISÉS L Altas literaturas São Paulo Companhia das Letras 1998 PETERSEN K H First things first problems of a feminist approach to African literature In ASHCROFT B GRIFFITHS G TIFFIN H Org The postcolonial studies reader London Routledge 1995 p 251254 SAID E Cultura e imperialismo São Paulo Companhia das Letras 1995 SAID E Orientalismo São 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