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MACUNAÍMA MÁRIO DE ANDRADE I Macunaíma No fundo do matovirgem nasceu Macunaíma herói de nossa gente Era preto retinto e filho do medo da noite Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera que a índia tapanhumas pariu uma criança feia Essa criança é que chamaram de Macunaíma Já na meninice fez coisas de sarapantar De primeiro passou mais de seis anos não falando Sio incitavam a falar exclamava If Ai que preguiça e não dizia mais nada Ficava no canto da maloca trepado no jirau de paxiúba espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem O divertimento dele era decepar cabeça de saúva Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro Macunaíma dandava pra ganhar vintém E também espertava quando a família ia tomar banho no rio todos juntos e nus Passava o tempo do banho dando mergulho e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns dizque habitando a águadoce por lá No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha Macunaíma punha a mão nas graças dela cunhatã se afastava Nos machos guspia na cara Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue todas essas danças religiosas da tribo Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar Como a rede da mãe estava por debaixo do berço o herói mijava quente na velha espantando os mosquitos bem Então adormecia sonhando palavrasfeias imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói As mulheres se riam muito simpatizadas falando que espinho que pinica de pequeno já traz ponta e numa pagelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente Nem bem teve seis anos deram água num chocalho pra ele e Macunaíma principiou falando como todos E pediu pra mãe que largasse da mandioca ralando na cevadeira e levasse ele passear no mato A mãe não quis porque não podia largar da mandioca não Macunaíma choramingou dia inteiro De noite continuou chorando No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que a mãe principiasse o trabalho Então pediu pra ela que largasse de tecer o paneiro de guarumámembeca e levasse ele no mato passear A mãe não quis porque não podia largar o paneiro não E pediu pra nora companheira de Jiguê que levasse o menino A companheira de Jiguê era bem moça e chamava Sofará Foi se aproximando ressabiada porém desta vez Macunaíma ficou muito quieto sem botar a mão na graça de ninguém A moça carregou o piá nas costas e foi até o pé de aninga na beira do rio A água parará pra inventar um ponteio de gozo nas folhas do javari O longe estava bonito com muitos biguás e biguatingas avoando na estrada do furo A moça botou Macunaíma na praia porém ele principiou choramingando que tinha muita formiga e pediu pra Sofará que o levasse até o derrame do morro lá dentro do mato a moça fez Mas assim que deitou o curumim nas tiriricas tajás e trapoerabas da serrapilheira ele botou corpo num átimo e ficou um príncipe lindo Andaram por lá muito Quando voltaram pra maloca a moça parecia muito fatigada de tanto carregar piá nas costas Era que o herói tinha brincado muito com ela Nem bem ela deitou Macunaíma na rede Jiguê já chegava de pescar de puçá e a companheira não trabalhara nada Jiguê enquizlou e depois de catar os carrapatos deu nela muito Sofará agüentou a sova sem falar um isto Jiguê não desconfiou de nada e começou trançando corda com fibra de curauá Não vê que encontrara rasto fresco de anta e queria pegar o bicho na armadilha Macunaíma pediu um pedaço de curauá pro mano porém Jiguê falou que aquilo não era brinquedo de criança Macunaíma principiou chorando outra vez e a noite ficou bem difícil de passar pra todos No outro dia Jiguê levantou cedo pra fazer armailha e enxergando o menino tristinho falou Bomdia coraçãozinho dos outros Porém Macunaíma fechouse em copas carrancudo Não quer falar comigo é Estou de mal Por causa Então Macunaíma pediu fibra de curauá Jiguê olhou pra ele com ódio e mandou a companheira arranjar fio pro menino a moça fez Macunaíma agradeceu e foi pedir pro paideterreiro que trançasse uma corda para ele e assoprasse bem nela fumaça de petum Quando tudo estava pronto Macunaíma pediu pra mãe que deixasse o cachiri fermentando e levasse ele no mato passear A velha não podia por causa do trabalho mas a companheira de Jiguê mui sonsa falou pra sogra que estava às ordens E foi no mato com o piá nas costas Quando o botou nos carurus e sororocas da serrapilheira o pequeno foi crescendo foi crescendo e virou príncipe lindo Falou pra Sofará esperar um bocadinho que já voltava pra brincarem e foi no bebedouro da anta armar um laço Nem bem voltaram do passeio tardinha Jiguê já chegava também de prender a armadilha no rasto da anta A companheira não trabalhara nada Jiguê ficou fulo e antes de catar os carrapatos bateu nela muito Mas Sofará agüentou a coca com paciência No outro dia a arraiada inda estava acabando de trepar nas árvores Macunaíma acordou todos fazendo um bué medonho que fossem que fossem no bebedouro buscar a bicha que ele caçara Porém ninguém não acreditou e todos principiaram o trabalho do dia Macunaíma ficou muito contrariado e pediu pra Sofará que desse uma chegadinha no bebedouro só pra ver A moça fez e voltou falando pra todos que de fato estava no laço uma anta muito grande já morta Toda a tribo foi buscar a bicha matutando na inteligência do curumim Quando Jiguê chegou com a corda de curauá vazia encontrou todos tratando da caça ajudou E quando foi pra repartir não deu nem um pedaço de carne pra Macunaíma só tripas O herói jurou vingança No outro dia pediu pra Sofará que levasse ele passear e ficaram no mato até a bôcadanoite Nem bem o menino tocou no folhiço e virou num príncipe fogoso Brincaram Depois de brincarem três feitas correram mato fora fazendo festinhas um pro outro Depois das festinhas de cotucar fizeram a das cócegas depois se enterraram na areia depois se queimaram com fogo de palha isso foram muitas festinhas Macunaíma pegou num tronco de copaíba e se escondeu por detrás da piranheira Quando Sofará veio correndo ele deu com o pau na cabeça dela Fez uma brecha que a moça caiu torcendo de riso aos pés dele Puxouo por uma perna Macunaíma gemia de gosto se agarrando no tronco gigante Então a moça abocanhou o dedão do pé dele e engoliu Macunaíma chorando de alegria tatuou o corpo dela com o sangue do pé Depois retesou os músculos se erguendo num trapézio de cipó e aos pulos atingiu num átimo o galho mais alto da piranheira Sofará trepava atrás O ramo fininho vergou oscilando com o peso do príncipe Quando a moça chegou também no tope eles brincaram outra vez balanceando no céu Depois de brincarem Macunaíma quis fazer uma festa em Sofará Dobrou o corpo todo na violência dum puxão mas não pôde continuar galho quebrou e ambos despencaram aos emboléus até se esborracharem no chão Quando o herói voltou da sapituca procurou a moça em redor não estava Ia se erguendo pra buscála porém do galho baixo em riba dele furou o silêncio o miado temível da suçuarana O herói se estatelou de medo e fechou os olhos pra ser comido sem ver Então se escutou um risinho e Macunaíma tomou com uma gusparada no peito era a moça Macunaíma principiou atirando pedras nela e quando feria Sofará gritava de excitação tatuando o corpo dele em baixo com o sangue espirrado Afinal uma pedra lascou o canto da boca da moça e moeu três dentes Ela pulou do galho e juque tombou sentada na barriga do herói que a envolveu com o corpo todo uivando de prazer E brincaram mais outra vez Já a estrela Papacéia brilhava no céu quando a moça voltou parecendo muito fatigada de tanto carregar piá nas costas Porém Jiguê desconfiado seguira os dois no mato enxergara a transformação e o resto Jiguê era muito bobo Teve raiva Pegou num rabodetatu e chegouo com vontade na bunda do herói O berreiro foi tão imenso que encurtou o tamanhão da noite e muitos pássaros caíram de susto no chão e se transformaram em pedra Quando Jiguê não pôde mais surrar Macunaíma correu até a capoeira mastigou raiz de cardeiro e voltou são Jiguê levou Sofará pro pai dela e dormiu folgado na rede II MAIORIDADE Jiguê era muito bobo e no outro dia apareceu puxando pela mão uma cunha Era a companheira nova dele e chamava Iriqui Ela trazia sempre um ratão vivo escondido na maçaroca dos cabelos e faceirava muito Pintava a cara com araraúba e jenipapo e todas as manhãs passava coquinho de assai nos beiços que ficavam totalmente roxos Depois esfregava limãodecaiena por cima e os beiços viravam totalmente encarnados Então Iriqui se envolvia num manto de al godão listrado com preto de acariúba e verde de tatajuba e aromava os cabelos com essência de umiri era linda Ora depois de todos comerem a anta de Macunaíma a fome bateu no mocambo Caça ninguém não pegava caça mais nem algum tatu galinha aparecia e por causa de Maanape ter matado um boto pra comerem o sapo cunauru chamado Maraguigana pai do boto fitou enfezado Mandou a enchente e o milharal apodreceu Comeram tudo até a crueira dura se acabou e o fogaréu de noite e dia não moqueava nada não era só pra remediar a friagem que caiu Não havia pra gente assar nele nem uma isca de jobá Então Macunaíma quis se divertir um pouco Falou prós manos que inda tinha muita piaba muito jeju muito matrinchão e jatuaranas todos esses peixes do rio fossem bater timbó Maanape disse Não se encontra mais timbó Macunaíma disfarçando secundou Junto daquela grota onde tem dinheiro enterrado enxerguei um despotismo de timbó Então venha com a gente pra mostrar onde que é Foram A margem estava traiçoeira e nem se achava bem o que era terra o que era rio entre as mamoranas copadas Maanape e Jiguê procuravam procuravam enlameados até os dentes degringolando juque nos barreiros ocultos pela inundação E pulavam se livrando dos buracos aos berros com as mãos pra trás por causa dos candirus safadinhos querendo entrar por eles Macunaíma ria por dentro vendo as micagens dos manos campeando timbó Fingia campear também mas não dava passo não bem enxutinho no firme Quando os manos passavam perto dele se agachava e gemia de fadiga Deixe de trabucar assim piá Então Macunaíma sentou numa barranca do rio e batendo com os pés nágua espantou os mosquitos E eram muitos mosquitos piuns maruins arurus tatuquiras muriçocas meruanhas mariguis borrachudos varejas toda essa mosquitada Quando foi de tardezinha os manos vieram buscar Macunaíma tiriricas por não terem topado com nenhum pé de timbó O herói teve medo e disfarçou Acharam Que achamos nada Pois foi aqui mesmo que enxerguei timbó Timbó já foi gente um dia que nem nós Presenciou que andavam campeando ele e sorveteu Timbó foi gente um dia que nem nós Os manos se admiraram da inteligência do menino e voltaram os três pra maloca Macunaíma estava muito contrariado por causa da fome No outro dia falou pra velha Mãe quem que leva nossa casa pra outra banda do rio lá no teso quem que leva Fecha os olhos um bocadinho velha e pergunta assim A velha fez Macunaíma pediu pra ela ficar mais tempo com os olhos fechados e carregou tejupar marombas flechas piquás sapiquás corotes urupemas redes todos esses trens pra um aberto do mato lá no teso do outro lado do rio Quando a velha abriu os olhos estava tudo lá e tinha caça peixes bananeiras dando tinha comida por demais Então foi cortar banana Inda que mal lhe pergunte mãe porque a senhora arranca tanta pacova assim Levar pra vosso mano Jiguê com a linda Iriqui e pra vosso mano Maanape que estão padecendo fome Macunaíma ficou muito contrariado Maginou maginou e disse pra velha Mãe quem que leva nossa casa pra outra banda do rio no banhado quem que leva Pergunta assim A velha fez Macunaíma pediu pra ela ficar com os olhos fechados e levou todos os carregos tudo pro lugar em que estavam de jáhoje no mondongo imundado Quando a velha abriu os olhos tudo estava no lugar de dantes vizinhando com os tejupares de mano Maanape e de mano Jiguê com a linda Iriqui E todos ficaram roncando de fome outra vez Então a velha teve uma raiva malvada Carregou o herói na cintura e partiu Atravessou o mato e chegou no capoeirão chamado Cafundó do Judas Andou légua e meia nele nem se enxergava mato mais era um coberto plano apenas movimentado com o pulinho dos cajueiros Nem guaxe animava a solidão A velha botou o curumim no campo onde ele podia crescer mais não e falou Agora vossa mãe vai embora Tu ficas perdido no coberto e podes crescer mais não E desapareceu Macunaíma assuntou o deserto e sentiu que ia chorar Mas não tinha ninguém por ali não chorou não Criou coragem e botou pé na estrada tremelicando com as perninhas de arco Vagamundou de déu em déu semana até que topou com o Currupira inoqueando carne acompanhado do cachorro dele Papamel E o Currupira vive no grelo do tucunzeiro e pede fumo pra gente Macunaíma falou Meu avô dá caça pra mim comer Sim Currupira fez Cortou carne da perna moqueou e deu pro menino perguntando O que você está fazendo na capoeira rapaiz Passeando Não diga Pois é passeando Então contou o castigo da mãe por causa dele ter sido malévolo prós manos E contando o transporte da casa de novo pra deixa onde não tinha caça deu uma grande gargalhada O Currupira olhou pra ele e resmungou Tu não é mais curumi rapaiz tu não é mais curumi não Gente grande que faiz isso Macunaíma agradeceu e pediu pro Currupira ensinar o caminho pro mocambo dos Tapanhumas O Currupira estava querendo mas era comer o herói ensinou falso Tu vai por aqui meninohome vai por aqui passa pela frente daquele pau quebra a mão esquerda vira e volta por debaixo dos meus uaiariquinizês Macunaíma foi fazer a volta porém chegado na frente do pau cocou a perninha e murmurou Ai que preguiça e seguiu direito O Currupira esperou bastante porém curumim não chegava Pois então o monstro amontou no viado que é o cavalo dele fincou o pé redondo na virilha do corredor e lá se foi gritando Carne de minha perna carne de minha perna Lá de dentro da barriga do herói a carne respondeu Que foi Macunaíma apertou o passo e entrou correndo na caatinga porém o Currupira corria mais que ele e o menino isso vinha que vinha acochado pelo outro Carne de minha perna carne de minha perna A carne secundava Que foi O piá estava desesperado Era dia do casamento da raposa e a velha Vei a Sol relampeava nas gotinhas de chuva debulhando luz feito milho Macunaíma chegou perto duma poça bebeu água de lama e vomitou a carne Carne de minha perna carne de minha perna que o Currupira vinha gritando Que foi secundou a carne já na poça Macunaíma ganhou os bredos por outro lado e escapou Légua e meia adiante por detrás dum formigueiro escutou uma voz cantando assim Acuti pita canhém lentamente Foi lá e topou com a cotia farinhando mandioca num tipiti de j achara Minha vó dá aipim pra mim comer Sim cotia fez Deu aipim pro menino perguntando Quê que você está fazendo na caatinga meu neto Passeando Ah o quê Passeando então Contou como enganara o Currupira e deu uma grande gargalhada A cotia olhou pra ele e resmungou Culumi faz isso não meu neto culumi faz isso não Vou te igualar o corpo com o bestunto Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado de aipim e jogou a lavagem no piá Macunaíma fastou sarapantado mas só conseguiu livrar a cabeça todo o resto do corpo se molhou O herói deu um espirro e botou corpo Foi desempenando crescendo fortificando e ficou do tamanho dum home taludo Porém a cabeça não molhada ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá Macunaíma agradeceu o feito e frechou cantando pro mocambo nativo A noite vinha bezourenta enfiando as formigas na terra e tirando os mosquitos dágua Fazia um calor de ninho no ar A velha tapanhumas escutou a voz do filho no longe cinzado e se espantou Macunaíma apareceu de cara amarrada e falou pra ela Mãe sonhei que caiu meu dente Isso é morte de parente comentou a velha Bem que sei A senhora vive mais uma Sol só Isso mesmo porque me pariu No outro dia os manos foram pescar e caçar a velha foi no roçado e Macunaíma ficou só com a companheira de Jiguê Então ele virou na formiga quenquém e mordeu Iriqui pra fazer festa nela Mas a moça atirou a quenquém longe Então Macunaíma virou num pé de urucum A linda Iriqui riu colheu as sementes se faceirou toda pintando a cara e os distintivos Ficou lindíssima Então Macunaíma de gostoso virou gente outra feita e morou com a companheira de Jiguê Quando os manos voltaram da caça Jiguê percebeu a troca logo porém Maanape falou pra ele que agora Macunaíma estava homem pra sempre e troncudo Maanape era feiticeiro Jiguê viu que a maloca estava cheia de alimentos tinha pacova tinha milho tinha macaxeira tinha alua e cachiri tinha maparás e camorins pescados maracujá michira ata abio sapota sapotilha tinha passoca de viado e carne fresca de cutiara todos esses comes e bebes bons Jiguê conferiu que não pagava a pena brigar com o mano e deixou a linda Iriqui pra ele Deu um suspiro catou os carrapatos e dormiu folgado na rede No outro dia Macunaíma depois de brincar cedinho com a linda Iriqui saiu pra dar uma voltinha Atravessou o reino encantado da Pedra Bonita em Pernambuco e quando estava chegando na cidade de Santarém topou com uma viada parida Essa eu caço ele fez E perseguiu a viada Esta escapuliu fácil mas o herói pôde pegar o filhinho dela que nem não andava quase se escondeu por detrás duma carapanaúba e cotucando o viadinho fez ele berrar A viada ficou feito louca esbugalhou os olhos parou turtuveou e veio vindo veio vindo parou ali mesmo defronte chorando de amor Então o herói flechou a viada parida Ela caiu esperneou um bocado e ficou rija estirada no chão O herói cantou vitória Chegou perto da viada olhou que mais olhou e deu um grito desmaiando Tinha sido uma peça do Anhanga Não era viada não era a própria mãe tapanhumas que Macunaíma flechara e estava morta ali toda arranha da com os espinhos das titaras e mandacarus dó mato Quando o herói voltou da sapituca foi chamar os manos e os três chorando muito passaram a noite de guarda bebendo oloniti e comendo carimã com peixe Madrugadinha pousaram o corpo da velha numa rede e foram enterrála por debaixo duma pedra no lugar chamado Pai da Tocandeira Maanape que era um catimbozeiro de marca maior foi que gravou o epitáfio E era assim Jejuaram o tempo que o preceito mandava e Macunaíma gastou o jejum se lamentando heroicamente A barriga da morta foi inchando foi inchando e no fim das chuvas tinha virado num cerro macio Então Macunaíma deu a mão pra Iriqui Iriqui deu a mão pra Maanape Maanape deu a mão pra Jiguê e os quatro partiram por esse mundo III Ci MÃE DO MATO Uma feita os quatro iam seguindo por um caminho no mato e estavam penando muito de sede longe dos igapós e das lagoas Não tinha nem mesmo umbu no bairro e Vei a Sol esfiapando por entre a folhagem guascava sem parada o lombo dos andarengos Suavam como numa pagelança em que todos tivessem besuntado o corpo com azeite de piquiá marchavam De repente Macunaíma parou riscando a noite do silêncio com um gesto imenso de alerta Os outros estacaram Não se escutava nada porém Macunaíma sussurrou Tem coisa Deixaram a linda Iriqui se enfeitando sentada nas raízes duma samaúma e avançaram cautelosos Já Vei estava farta de tanto guascar o lombo dos três manos quando légua e meia adiante Macunaíma escoteiro topou com uma cunha dormindo Era Ci Mãe do Mala Logo viu pelo peito destro seco dela que a moça fazia parte dessa tribo de mulheres sozinhas parando lá nas praias da lagoa Espelho da Lua coada pela Nhamundá A cunha era linda com o corpo chupado pelos vícios colorido com genipapo O herói se atirou por cima dela pra brincar Ci não queria Fez lança de flecha tridente enquanto Macunaíma puxava da pageú Foi um pega tremendo e por debaixo da copada reboavam os berros dos briguentos diminuindo de medo os corpos dos passarinhos O herói apanhava Recebera já um murro de fazer sangue no nariz e um lapo fundo de txara no rabo A icamiaba não tinha nem um arranhãozinho e cada gesto que fazia era mais sangue no corpo do herói soltando berros formidandos que diminuíam de medo os corpos dos passarinhos Afinal se vendo nas amarelas porque não podia mesmo com a icamiaba o herói deitou fugindo chamando pelos manos Me acudam que sinão eu mato me acudam que sinão eu mato Os manos vieram e agarraram Ci Maanape trançou os braços dela por detrás enquanto Jiguê com a murucu lhe dava uma porrada no coco E a icamiaba caiu sem auxílio nas samambaias da serrapilheira Quando ficou bem imóvel Macunaíma se aproximou e brincou com a Mãe do Mato Vieram então muitas jandaias muitas araras vermelhas tuins coricas periquitos muitos papagaios saudar Macunaíma o novo Imperador do MatoVirgem E os três manos seguiram com a companheira nova Atravessaram a cidade das Flores evitaram o rio das Amarguras passando por debaixo do salto da Felicidade tomaram a estrada dos Prazeres e chegaram no capão de Meu Bem que fica nos cerros da Venezuela Foi de lá que Macunaíma imperou sobre os matos misteriosos enquanto Ci comandava nos assaltos as mulheres empunhando txaras de três pontas O herói vivia sossegado Passava os dias marupiara na rede matando formigas taiocas chupitando golinhos estalados de pajuari e quando agarrava cantando companhado pelos sons gotejantes do cotcho os matos reboavam com doçura adormecendo as cobras os carrapatos os mosquitos as formigas e os deuses ruins De noite Ci chegava recendendo resina de pau sangrando das brigas e trepava na rede que ela mesmo tecera com fios de cabelo Os dois brincavam e depois ficavam rindo um pro outro Ficavam rindo longo tempo bem juntos Ci aromava tanto que Macunaíma tinha tonteiras de moleza Puxa como você cheira benzinho que ele murmurava gozado E escancarava as narinas mais Vinha uma tonteira tão macota que o sono principiava pingando das pálpebras dele Porém a Mãe do Mato inda não estava satisfeita não e com um jeito de rede que enlaçava os dois convidava o companheiro para mais brinquedo Morto de soneira infernizado Macunaíma brincava para não desmentir a fama só porém quando Ci queria rir com ele de satisfação Ai que preguiça que o herói suspirava enfarado E dando as costas para ela adormecia bem Mas Ci queria brincar inda mais Convidava convidava O herói ferrado no sono Então a Mãe do Mato pegava na txara e cotucava o companheiro Macunaíma se acordava dando grandes gargalhadas estorcegando de cócegas Faz isso não oferecida Faço Deixa a gente dormir meu bem Vamos brincar Ai que preguiça E brincavam mais outra vez Porém nos dias de muito pajuari bebido Ci encontra o Imperador do MatoVirgem largado por aí num porre mãe Iam brincar e o herói esquecia no meio Então herói Então o quê Você não continua Continua o quê Pois meus pecados a gente está brincando e vai você pára no meio Ai que preguiça Macunaíma mal esboçava de tão chumbado E procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia feliz Então pra animálo Ci empregava o estratagema sublime Buscava no mato a folhagem de fogo da urtiga e sapecava com ela uma coça coçadeira no chuí do herói e na nalachítchi dela Isso Macunaíma ficava que ficava um lião querendo Ci também E os dois brincavam que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso Mas era nas noites de insônia que o gozo inventava mais Quando todas as estrelas incendiadas derramavam sobre a Terra um óleo calorento que ninguém não suportava de tão quente corria pelo mato uma presença de incêndio Nem a passarinhada agüentava no ninho Mexia inquieta o pescoço voava pro galho em frente e no milagre mais enorme deste mundo inventava de sopetão uma alvorada preta cantacantando que não tinha fim A bulha era tremenda o cheiro pode roso e o calor inda mais Macunaíma dava um safanão na rede atirando Ci longe Ela acordava feito fúria e crescia pra cima dele Brincavam assim E agora despertados inteiramente pelo gozo inventavam artes novas de brincar Nem bem seis meses passaram e a Mãe do Mato pariu um filho encarnado Isso vieram famosas mulatas da Bahia do Recife do Rio Grande do Norte e da Paraíba e deram pra Mãe do Mato um laçarote rubro cor de mal porque agora ela era mestra do cordão encarnado em todos os Pastoris de Natal Depois foramse embora com prazer e alegria bailando que mais bailando seguidas de futebóleres águias pequenos xodós seresteiros toda essa rapaziada dorê Macunaíma ficou de repouso o mês de preceito porém se recusou a jejuar O pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaíma inda a achatava mais batendo nela todos os dias e falando pro guri Meu filho cresce depressa pra você ir pra São Paulo ganhar muito dinheiro Todas as icamiabas queriam bem o menino encarnado e no primeiro banho dele puseram todas as jóias da tribo pra que o pequeno fosse rico sempre Mandaram buscar na Bolívia uma tesoura e enfiaram ela aberta debaixo do cabeceiro porque sinão Tutu Marambá vinha chupava o umbigo do piá e o dedão do pé de Ci Tutu Marambá veio topou com a tesoura e se enganou chupou o olho dela e foise embora satisfeito Todos agora só matutavam no pecurrucho Mandaram buscar pra ele em São Paulo os famosos sapatinhos de lã tricotados por dona Ana Francisca de Almeida Leite Morais e em Pernambuco as rendas Rosa dos Alpes Flor de Guabiroba e Por ti padeço tecidas pelas mãos de dona Joaquina Leitão mais conhecida pelo nome de Quinquina Cacunda Filtravam o milhor tamarindo das irmãs Louro Vieira de Óbidos pro menino engolir no refresco o remedinho pra lombriga Vida feliz era bom Mas uma feita jucurutu pousou na maloca do imperador e soltou o regougo agourento Macunaíma tremeu assustado espantou os mosquitos e caiu no pajuari por demais pra ver si espantava o medo também Bebeu e dormiu noite inteira Então chegou a Cobra Preta e tanto que chupou o único peito vivo de Ci que não deixou nem o apojo E como Jiguê não conseguira moçar nenhuma das icamiabas o curumim sem ama chupou o peito da mãe no outro dia chupou mais deu um suspiro envenenado e morreu Botaram o anjinho numa igaçaba esculpida com forma de jaboti e prós boitatás não comerem os olhos do morto o enterraram mesmo no centro da taba com muitos cantos muita dança e muito pajuari Terminada a função a companheira de Macunaíma toda enfeitada ainda tirou do colar uma muiraquitã famosa deua pro companheiro e subiu pro céu por um cipó É lá que Ci vive agora nos trinques pas seando liberta das formigas toda enfeitada ainda toda enfeitada de luz virada numa estrela É a Beta do Centauro No outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que nascera do corpo uma plantinha Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná Com as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante os calorões de Vei a Sol IV BOIÚNA LUNA No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci a companheira pra sempre inesquecível furou o beiço inferior e fez da muiraquitã um tembetá Sentiu que ia chorar Chamou depressa os manos se despediu das icamiabas e partiu Gauderiaram gauderiaram por todos aqueles matos sobre os quais Macunaíma imperava agora Por toda a parte ele recebia homenagens e era sempre acompanhado pelo séquito de araras vermelhas e jandaias Nas noites de amargura ele trepava num açaizeiro de frutas roxas como a alma dele e contemplava no céu a figura faceira de Ci Marvada que ele gemia Então ficava muito sofrendo muito e invocava os deuses bons cantando cânticos de longa duração Rudá Rudá Tu que secas as chuvas Faz com que os ventos do oceano Desembestem por minha terra Pra que as nuvens vãose embora E a minha marvada brilhe Limpinha e firme no céu Faz com que amansem Todas as águas dos rios Pra que eu me banhando neles Possa brincar com a marvada Refletida no espelho das águas Assim Então descia e chorava encostado no ombro de Maanape Jiguê soluçando de pena animava o togo da caieira pra que o herói não sentisse frio Maanape engulia as lágrimas invocando o Acutipuru o Murucututu o Ducucu todos esses donos do sono em acalantos assim Acutipuru Empresta vosso sono Pra Macunaíma Que é muito manhoso Catava os carrapatos do herói e o acalmava balanceando o corpo O herói acalmava acalmava e adormecia bem No outro dia os três estradeiros recomeçavam a caminhada através dos matos misteriosos E Macunaíma era sempre seguido pelo séquito de araras vermelhas e jandaias Caminhando caminhando uma feita em que a arraiada principiava enxotando a escureza da noite escutaram longe um lamento de moça Foram ver Andaram légua e meia e encontraram uma cascata cho rando sem parada Macunaíma perguntou pra cascata Que é isso Chouriço Conta o que é E a cascata contou o que tinha sucedido pra ela Não vê que chamo Naipi e sou filha do tuxaua Mexô Mexoitiqui nome que na minha fala quer dizer EngatinhaEngatinha Eu era uma boniteza de cunhatã e todos os tuxauas vizinhos desejavam dormir na minha rede e provar meu corpo mais molengo que embirossu Porém quando algum vinha eu dava dentadas e pontapés por amor de experimentar a força dele E todos não agüentavam e partiam sorumbáticos Minha tribo era escrava da boiúna Capei que morava num covão em companhia das saúvas Sempre no tempo em que os ipês de beira rio se amarelavam de flores a boiúna vinha na taba escolher a cunha virgem que ia dormir com ela na socava cheia de esqueletos Quando meu corpo chorou sangue pedindo força de homem pra servir a suinara cantou manhãzinha nas jarinas de meu tejupá veio Capei e me escolheu Os ipês de beirario relampeavam de amarelo e todas as flores caíram nos ombros soluçando do moço Titçatê guerreiro de meu pai A tristura talqualmente correição de sacassaia viera na taba e devorara até o silêncio Quando o pajé velho tirou a noite do buraco outra vez Titçatê ajuntou as florzinhas perto dele e veio com elas pra rede da minha última noite livre Então mordi Titçatê O sangue espirrou na munheca mordida porém o moço não fez caso não gemeu de raiva amando me encheu a boca de flores que não pude mais morder Titçatê pulou na rede e Naipi serviu Titçatê Depois que brincamos feito doidos entre sangue escorrendo e as florzinhas de ipê meu vencedor me carregou no ombro me jogou na ipeigara abicada num esconderijo de aturiás e flechou pro largo rio Zangado fugindo da boiúna No outro dia quando o pajé velho guardou a noite no buraco outra vez Capei foi me buscar e encontrou a rede sangrando vazia Deu um urro e deitou correndo em busca nossa Vinha vindo vinha vindo a gente escutava o urro dela perto mais perto pertinho e afinal as águas do rio Zangado empinaram com o corpo da boiúna ali Titçatê não podia mais remar desfalecido sangrando sempre com a mordida na munheca Por isso que não pudemos fugir Capei me prendeu me revirou fez a sorte do ovo em mim deu certo e a boiúna viu que eu já servira Titçatê Quis acabar com o mundo de raiva tamanha não sei me virou nesta pedra e atirou Titçatê na praia do rio transformado numa planta É aquela uma que está lá lá em baixo lá É aquele mururê tão lindo que se enxerga bracejando nágua pra mim As flores roxas dele são os pingos de sangue da mordida que meu frio de cascata regelou Capei mora em baixo de mim examinando sempre si fui mesmo brincada pelo moço Fui sim e passarei chorando nesta pedra até o fim do que não tem fim mágoas de não servir mais o meu guerreiro Tçatê Parou O choro pingava nos joelhos de Macunaíma e ele soluçou tremido Si si si a boiúna aparecesse eu eu matava ela Então se escutou um urro guaçu e Capei veio saindo dágua E Capei era a boiúna Macunaíma ergueu o busto relumeando de heroísmo e avançou pro monstro Capei escancarou a goela e soltou uma nuvem de apiacás Macunaíma bateu que mais bateu vencendo os marimbondos O monstro atirou uma guascada tirlintando com os guizos do rabo porém nesse momento uma formiga tracuá mordeu o calcanhar do herói Ele agachou distraído com a dor e o rabo passou por cima dele indo bater na cara de Capei Então ela urrou mais e deu um bote na coxa de Macunaíma Ele só fez um afastadinho com o corpo agarrou num rochedo e juque decepou a cabeça da bicha O corpo dela se estorceu na corrente enquanto a cabeça com aqueles olhões docinhos vinha beijar vencida os pés do vingador O herói teve medo e jogou no viado mato dentro acompanhado pelos manos Vem cá siriri vem cá que a cabeça gritava Eles chispavam mais Correram légua e meia e olharam para trás A cabeça de Capei vinha rolando sempre em busca deles Correram mais e quando não podiam de fadiga treparam num bacuparizeiro ribeirinho pra ver si a cabeça continuava pra diante Mas cabeça parou por debaixo do pau e pediu bacuparis Macunaíma sacudiu a árvore A cabeça catou as frutas do chão comeu e pediu mais Jiguê sacudiu bacuparis dentro dágua porém a cabeça falou que lá não ia não Então Maanape atirou com toda a força uma fruta longe e enquanto a cabeça ia buscála os manos desceram do pau e se rasparam Correndo correndo légua e meia adiante deram com a casa onde morava o bacharel de Cananéia O coroca estava na porta sentado e lia manuscritos profundos Macunaíma falou pra ele Como vai bacharel Menos mal ignoto viajor Tomando a fresca não Cest vrai como dizem os franceses Bem télogo bacharel estou meio afobado E chisparam outra vez Atravessaram os sambaquis do Caputera e do Morrete num respiro Logo adiante havia um rancho teatino Entraram e fecharam a borta bem Então Macunaíma pôs reparo que perdera o tembetá Ficou desesperado porque era a única lembrança que guardava de Ci Ia saindo pra campear a pedra porém os manos não deixaram Não durou muito a cabeça chegou Juque bateu Que há Abra a porta pra mim entrar Porém jacaré abriu nem eles e a cabeça não pôde entrar Macunaíma não sabia que a cabeça ficara escrava dele e não vinha pra fazer mal não A cabeça esperou muito porém vendo que não abriam mesmo matutou no que ia ser Si fosse ser água os outros bebiam si fosse mosquito flitavam si fosse trem de ferro descarrilava si fosse rio punham no mapa Resolveu Vou ser Lua Gritou Abram a porta gente que quero umas coisas Macunaíma espiou pela fresta e avisou Jiguê já abrindo Está solta Jiguê tornou a fechar a porta Por isso que existe a expressão Tá solto indicando que a gente não faz mesmo o que nos pedem Quando Capei viu que não abriam a porta principiou se lamentando muito e perguntou pra iandu caranguejeira si ajudava a subida pro céu Meu fio Sol derrete secundou a aranha tatamanha Então a cabeça pediu prós xexéus se ajuntarem e ficou noite escura Meu fio ninguém não enxerga de noite disse a aranha tatamanha A cabeça foi buscar um cuitê de friagem nos Andes e falou Despeja uma gota cada légua e meia fio branqueia de geada Podemos ir Pois então vamos A iandu principiou fazendo fio no chão Com o primeiro ventinho que brisou por ali o fio leviano se ergueu no céu Então a aranha tatamanha subiu por ele e da ponta lá em riba derramou um bocado de geada E enquanto a iandu caranguejeira fazia mais fio de lá pra riba o de baixo branqueava todo A cabeça gritou Adeus meu povo que vou pro céu E lá foi comendo fie sobessubindo pro campo vasto do céu Os manos abriram a porta e espiaram Capei sempre subindo Você vai mesmo pro céu cabeça Uum ela fez não podendo mais abrir a boca Quando foi ali pela hora antes da madrugada a boiúna Capei chegou no céu Estava gorducha de tanto fio comido e muito pálida do esforço Todo o suor dela caía sobre a Terra em gotinhas de orvalho novo Por causa do fio geado é que Capei é tão fria Dantes Capei foi a boiúna mas agora é a cabeça da Lua lá no campo vasto do céu Desde essa feita as caranguejeiras preferem fazer fio de noite No outro dia os manos deram um campo até a beira do rio mas campearam campearam em vão nada de muiraquitã Perguntaram pra todos os seres aperemas sagüis tatusmulitas tejus mussuãs da terra e das árvores tapiucabas chabós matintapereras pinicapaus e aracuãs do ar pra ave japiim e seu compadre marimbondo pra baratinha casadeira pro pássaro que grita Taam e sua companheira que responde Taim pra lagartixa que anda de pique com o ratão prós tambaquis tucunarés piracurus curimatás do rio os pecaís tapicurus e iererês da praia todos esses entes vivos mas ninguém não vira nada ninguém não sabia de nada E os manos bateram pé na estrada outra vez varando os domínios imperiais O silêncio era feio e o desespero também De vez em quando Macunaíma parava pensando na marvada Que desejo batia nele Parava tempo Chorava muito tempo As lágrimas escorregando pelas faces infantis do herói iam lhe batizar a peitaria cabeluda Então ele suspirava sacudindo a cabecinha Qual manos Amor primeiro não tem companheiro não Continuava a caminhar E por toda a parte recebia homenagens e era sempre seguido pelo séquito sarapintado de jandaias e araras vermelhas Uma feita em que deitara numa sombra enquanto esperava os manos pescando o Negrinho do Pastoreio pra quem Macunaíma rezava diariamente se apiedou do panema e resolveu ajudálo Mandou o passarinho uirapuru Quando sinão quando o herói escutou um tatalar inquieto e o passarinho uirapuru pousou no joelho dele Macunaíma fez um gesto de caceteação e enxotou o passarinho uirapuru Nem bem minuto passado escutou de novo a bulha e o passarinho pousou na barriga dele Macunaíma nem se amolou mais Então o passarinho uirapuru agarrou cantando com doçura e o herói entendeu tudo o que ele cantava E era que Macunaíma estava desinfeliz porque perdera a muiraquitã na praia do rio quando subia no bacupari Porém agora cantava o lamento do uirapuru nunca mais que Macunaíma havia de ser marupiara não porque uma traça já engulira a muiraquitã e o mariscador que apanhara a tartaruga tinha vendido a pedra verde pra um regatão peruano se chamando Venceslau Pietro Pietra O dono do talismã enriquecera e parava fazendeiro e baludo lá em São Paulo a cidade macota lambida pelo igarapé Tietê Dito isto o passarinho uirapuru executou uma letra no ar e desapareceu Quando os manos chegaram da pesca Macunaíma falou pra eles Ia andando por um caminho negaceando um catingueiro e vai presenciei um friúme no costado Botei a mão e saiu uma lacraia mansa que me falou toda a verdade Então Macunaíma contou o paradeiro da muiraquitã e disse prós manos que estava disposto a ir em São Paulo procurar esse tal Venceslau Pietro Pietra e retomar o tembetá roubado ei cascavel faça ninho si eu não topo com a muiraquitã Si vocês venham comigo muito que bem si não homem antes só do que mal acompanhado Mas eu tenho opinião de sapo e quando encasqueto uma coisa agüento firme no toco Hei de ir só pra tirar a prosa do passarinho uirapuru minto da lacraia Depois que discursou Macunaíma deu uma grande gargalhada imaginando na peça que pregava no passarinho Maanape e Jiguê resolveram ir com ele mesmo porque o herói carecia de proteção V PIAIMÃ No outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a foz do rio Negro pra deixar a consciência na ilha de Marapatá Deixoua bem na ponta dum mandacaru de dez metros pra não ser comida pelas saúvas Voltou pro lugar onde os manos esperavam e no pino do dia os três rumaram pra margem esquerda da Sol Muitos casos sucederam nessa viagem por caatingas rios corredeiras gerais corgos corredores de tabatinga matosvirgens e milagres do sertão Macunaíma vinha com os dois manos pra São Paulo Foi o Araguaia que facilitoulhes a viagem Por tantas conquis tas e tantos feitos passados o herói não ajuntara um vintém só mas os tesouros herdados da icamiaba estrela estavam escondidas nas grunhas do Roraima lá Desses tesouros Macunaíma apartou pra viagem nada menos de quarenta vezes quarenta milhões de bagos de cacau a moeda tradicional Calculou com eles um dilúvio de embarcações E ficou lindo trepando pelo Araguaia aquele poder de igaras duma em uma duzentas em ajojo quenem flecha na pele do rio Na frente Macunaíma vinha de pé carrancudo procurando no longe a cidade Matutava roendo os dedos agora cobertos de berrugas de tanto apontarem Ci estrela Os manos remavam espantando os mosquitos a cada arranco dos remos repercutindo nas duzentas igaras ligadas despejava uma batelada de bagos na pele do rio deixando uma esteira de chocolate onde os camuatás pirapitingas dourados piracanjubas uarusuarás e bacus se regalavam Uma feita a Sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada pulavam aos cachos pra fora dágua metro e mais Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia dágua E a cova era quenem a marca dum pégigante Abicaram O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos água lavara o pretume dele E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas Nem bem Jiguê percebeu o milagre se atirou na marca do pezão do Sumé Porém a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo Macunaíma teve dó e consolou Olhe mano Jiguê branco você ficou não porém pretume foise e antes fanhoso que sem nariz Maanape então é que foi se lavar mas Jiguê esborrifara toda a água encantada pra fora da cova Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tapanhumas Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa Macunaíma teve dó e consolou Não se avexe mano Maanape não se avexe não mais sofreu nosso tio Judas E estava lindíssima na Sol da lapa os três manos um louro um vermelho outro negro de pé bem erguidos e nus Todos os seres do mato espiavam assombrados O jacarèuna o jacarètinga o jacaréaçu o jacaréururau de papo amarelo todos esses jacarés botaram os olhos de rochedo pra fora dágua Nos ramos das igàzeiras das aningas das mamoranas das embaúbas dos catauaris de beirario o macacoprego o macacodecheiro o guariba o bugio o cuatá o barrigudo o coxiú o cairara todos os quarenta macacos do Brasil todos espiavam babando de inveja E os sabiáso sabiàcia o sabiàpoca o sabiàúna o sabiàpiranga o sabiàgonga que quando come não me dá o sabiábarranco o sabiá tropeiro o sabiálaranjeira o sabiágute todos esses ficaram pasmos e esqueceram de acabar o trinado vozeando vozeando com eloqüência Macunaíma teve ódio Botou as mãos nas ancas e gritou pra natureza Nunca viu não Então os seres naturais debandavam vivendo e os três manos seguiram caminho outra vez Porém entrando nas terras do igarapé Tietê adonde o burbon vogava e a moeda tradicional não era mais cacau em vez chamava arame contos contecos milreis borós tostão duzentorréis quinhentorreis cinqüenta paus noventa bagarotes e pelegas cobres xenxéns caraminguás selos bicosdecoruja massuni bolada calcáreo gimbra siridó bicha e pataracos assim adonde até liga pra meia ninguém comprava nem por vinte mil cacaus Macunaíma ficou muito contrariado Ter de trabucar ele herói Murmurou desolado Ai que preguiça Resolveu abandonar a empresa voltando prós pagos de que era imperador Porém Maanape falou assim Deixa de ser aruá mano Por morrer um carangueijo o mangue não bota luto que diacho desanima não que arranjo as coisas Quando chegaram em São Paulo ensacou um pouco do tesouro pra comerem e barganhando o resto na Bolsa apurou perto de oitenta contos de réis Maanape era feiticeiro Oitenta contos não valia muito mas o herói refletiu bem e falou prós manos Paciência A gente se arruma com isso mesmo quem quer cavalo sem tacha anda de apé Com esses cobres é que Macunaíma viveu E foi numa bôcadanoite frio que os manos toparam com a cidade macota de São Paulo esparramada a beirario do igarapé Tietê Primeiro foi a gritaria da papagaiada imperial se despedindo do herói E lá se foi o bando sarapintado volvendo prós matos do norte Os manos entraram num cerrado cheio de inajás ouricuris ubussus bacabas mucajás miritis tucumãs trazendo no curuatá uma penachada de fumo em vez de palmas e cocos Todas as estrelas tinham descido do céu branco de tão molhado de garoa e banzavam pela cidade Macunaíma lembrou de procurar Ci Êh dessa ele nunca poderia esquecer não porque a rede feiticeira que ela armara prós brinquedos fora tecida com os próprios cabelos dela e isso torna a tecedeira inesquecível Macunaíma campeou campeou mas as estradas e ter reiros estavam apinhados de cunhas tão brancas tão alvinhas tão Macunaíma gemia Roçava nas cunhas murmurejando com doçura Mani Mani filhinhas da mandioca perdido de gosto e tanta formosura Afinal escolheu três Brincou com elas na rede estranha plantada no chão numa maloca mais alta que a Paranaguara Depois por causa daquela rede ser dura dormiu de atravessado sobre os corpos das cunhas E a noite custou pra ele quatrocentos bagarotes A inteligência do herói estava muito perturbada Acordou com os berros da bicharia lá em baixo nas ruas disparando entre as malocas temíveis E aquele diacho de sagüiaçu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em que dormira Quê mundo de bichos quê des propósito de papões roncando mauaris juruparis sacis e boitatás nos atalhos nas socavas nas cordas dos morros furados por grotões donde gentama saía muito branquinha branquíssima de certo a filharada da mandioca Á inteligência do herói estava muito perturbada As cunhas rindo tinham ensinado pra ele que o sagüiaçu não era sagüim não chamava elevador e era uma máquina Demanhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso não eram mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina As onças pardas não eram onças pardas se chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram máquinas Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo em vez eram caminhões bondes autobondes anúnciosluminosos relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina O herói aprendendo calado De vez em quando estremecia Voltava a ficar imóvel escutando assuntando maquinando numa cisma assombrada Tomouo um respeito cheio de inveja por essa deusa de deveras forçuda Tupã famanado que os filhos da mandioca chamavam de Máquina mais cantadeira que a MãeDágua em bulhas de sarapantar Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também imperador dos filhos da mandioca Mas as três cunhas deram muitas risadas e falaram que isso de deuses era gorda mentira antiga que não tinha deus não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela mata A máquina não era deus não nem possuía os distintivos femininos de que o herói gostava tanto Era feita pelos homens Se mexia com eletricidade com fogo com água com vento com fumo os homens aproveitando as forças da natureza Porém jacaré acreditou nem o herói Se levantou na cama e com um gesto esse sim bem guaçu de desdém tó batendo o antebraço esquerdo dentro do outro dobrado mexeu com energia a munheca direita pras três cunhas e partiu Nesse instante falam ele inventou o gesto famanado de ofensa a pacova E foi morar numa pensão com os manos Estava com a boca cheia de sapinhos por causa daquela primeira noite de amor paulistano Gemia com as dores e não havia meios de sarar até que Maanape roubou uma chave de sacrário e deu pra Macunaíma chupar O herói chupou chupou e sarou bem Maanape era feiticeiro Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina A Máquina era que matava os homens porém os homens é que mandavam na Máquina Constatou pasmo que os filhos da mandioca eram donos sem mistério e sem força da máquina sem mistério sem querer sem fastio incapaz de explicar as infelicidades por si Estava nostálgico assim Até que uma noite suspenso no terraço dum arranhacéu com os manos Macunaíma concluiu Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta Há empate Não concluiu mais nada porque inda não estava acostumado com discursos porém palpitava pra ele muito embrulhadamente muito que a máquina devia de ser um deus de que os homens não eram verdadeiramente donos só porque não tinham feito dela uma Iara explicável mas apenas uma realidade do mundo De toda essa embrulhada o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens Macunaíma deu uma grande gargalhada Percebeu que estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe Virou Jiguê na máquina telefone ligou prós cabarés encomendando lagosta e francesas No outro dia estava tão fatigado da farra que a saudade bateu nele Se lembrou da muiraquitã Resolveu agir logo porque primeira pancada é que mata cobra Venceslau Pietro Pietra morava num tejupar maravilhoso rodeado de mato no fim da rua Maranhão olhando pra noruega do Pacaembu Macunaíma falou pra Maanape que ia dar uma chegadinha até lá por amor de conhecer Venceslau Pietro Pietra Maanape fez um discurso mostrando as inconveniências de ir lá porque a regatão andava com o calcanhar pra frente e si Deus o assinalou alguma lhe achou De certo um manuari malevo Quem sabe si o gigante Piaimã comedor de gente Macunaíma não quis saber Pois vou assim mesmo Onde me conhecem honras me dão onde não me conhecem me darão ou não Então Maanape acompanhou o mano Por detrás do tejupar do regatão vivia a árvore DzalaúraIegue que dá todas as frutas cajus cajás cajàmangas mangas abacaxis abacates jaboticabas graviolas sapotis pupunhas pitangas guajiru cheirando sovaco de preta todas essas frutas e é mui alta Os dois manos estavam com fome Fizeram um zaiacúti com folhagem cortada pelas saúvas esconderijo no galho mais baixo da árvore pra flecharem a caça devorando as frutas Maanape falou pra Macunaíma Olha si algum pássaro cantar não secunda não mano sinão adeus minhas encomendas O herói mexeu a cabeça que sim Maanape atirava m a sarabatana e Macunaíma recolhia por detrás do zaiacúti a caça caindo Caça caía com estrondo e Macunaíma aparava os macucos macacos micos mutuns jacus jaós tucanos todas essas caças Porém o estrondo tirou Venceslau Pietro Pietra do farniente e ele veio saber o que era aquilo E Venceslau Pietro Pietra era o gigante Piaimã comedor de gente Chegou na porta da casa e cantou feito pássaro Ogoró ogoró ogoró parecendo muito longe Macunaíma secundou logo Ogoró ogoró ogoró Maanape sabia do perigo e murmurou Esconde mano O herói escondeu por detrás do zaiacúti entre a caça morta e as formigas Então gigante veio Quem que secundou Maanape respondeu Sei não Quem que secundou Sei não Treze vezes Daí o gigante falou Foi gente Me mostra quem era Maanape joou um macuco morto Piaimã engoliu o macuco e falou Foi gente Me mostra quem era Maanape jogou um macaco morto Piaimã engoliuo e continuou Foi gente Me mostra quem era Então enxergou o dedo mindinho do herói escondido e atirou uma baníni na direção Se ouviu um grito gemido comprido juuuque e Macunaíma agachou com a flecha enterrada no coração O gigante falou pra Maanape Atira a gente que eu cacei Maanape atirou guaribas jaós mutuns mutumdevargem mutumdefava mutuporanga urus urumutum todas essas caças porém Piaimã engolia e tornava a pedir a gente que ele flechara Maanape não queria dar o herói e jogava as caças Levaram muito tempo assim e Macunaíma já tinha morrido A final Piaimã deu um berro medonho Maanape meu neto deixa de conversa Atira a gente que eu cacei que sinão te mato velho safadinho Maanape não queria jogar o mano mesmo pegou desesperado em seis caças duma vez um macuco um macaco um jacu uma jacutinga uma picota e uma piacoça e atirou no chão gritando Toma seis Piaimã ficou danado Agarrou quatro paus do mato uma acapurana um angelim um apió e um carará e veio com eles pra cima de Maanape Sai do caminho por queira jacaré não tem pescoço formiga não tem caroço comigo é só quatro paus na ponta da unha jogador de caça falsa Então Maanape ficou com muito medo e jogou truque o herói no chão Foi assim que Maanape com Piaimã inventaram o jogo sublime do truco Piaimã sossegou Este mesmo Agarrou o defunto por uma perna e foi puxando Entrou na casa Maanape desceu da árvore desesperado Quando ia pra seguir atrás do defunto mano topou com a formiguinha sarara chamada Cambgique A sarara perguntou O que você faz por aqui parceiro Vou atrás do gigante que matou meu mano Vou também Então Cambgique sugou todo sangue do herói esparramado no chão e nos ramos e sugando sempre as gotas do caminho foi monstrando o rasto pra Maanape Entraram na casa atravessaram o hol e a saladejantar passaram pela copa saíram no terraço do lado e pararam na frente do porão Maanape acendeu uma tocha de jutaí e puderam descer a escadinha negra Bem na porta da adega restejava a última gota de sangue A porta estava fechada Maanape cocou o nariz e perguntou pra Cambgique E agora Então veio por debaixo da porta o carrapato Zlezlegue e perguntou pra Maanape Agora o quê parceiro Vou atrás do gigante que matou meu mano Zlezlegue falou Está bom Então fecha o olho parceiro Maanape fechou Abre o olho perceiro Maanape abriu e o carrapato Zlezlegue tinha virado numa chave yale Maanape ergueu a chave do chão e abriu a porta Zlezlegue virou carrapato outra vez e ensinou Com as garrafas bem de cima você convence Piaimã E desapareceu Maanape tirou dez garrafas abriu e veio vindo uma aroma perfeito Era o cauim famoso chamado quiânti Então Maanape entrou na outra sala da adega O gigante estava aí com a companheira uma caapora velha sempre cachimbando que se chamava Ceiuci e era muito gulosa Maanape deu as garrafas pra Venceslau Pietro Pietra um naco de fumo do Acará pra caapora e o casal esqueceram que havia mundo O herói picado em vinte vezes trinta torresminhos bubuiava na polenta fervendo Maanape catou os pedacinhos e os ossos e estendeu tudo no cimento pra refrescar Quando esfriaram a sarara Cambgique derramou por cima o sangue sugado Então Maanape embrulhou todos os pedacinhos sangrando em folhas de bananeira jogou o embrulho num sapiquá e tocou pra pensão Lá chegado botou o cesto de pé assoprou fumo nele e Macunaíma veio saindo meio pamonha ainda muito desmerecido do meio das folhas Maanape deu guaraná pro mano e ele ficou taludo outra vez Espantou os mosquitos e perguntou O que foi que sucedeu pra mim Mas meus cuidados não falei pra você não secundar cantiga de passarinho falei sim pois então No outro dia Macunaíma acordou com escarlatina e levou todo o tempo da febre imaginando que carecia da máquina garrucha pra matar Venceslau Pietro Pietra Nem bem sarou foi na casa dos Ingleses pedir uma smithwêsson Os Ingleses falaram As garruchas inda estão muito verdolengas porém vamos a ver si tem alguma têmpora Então foram em baixo da árvore garrucheira Os Ingleses falaram Você fica esperando aqui Se despencar alguma garrucha então pegue Mas não deixa ela cair no chão não Feito Os Ingleses sacudiram sacudiram a árvore e caiu uma garrucha têmpora Os Ingleses falaram Essa está boa Macunaíma agradeceu e foise embora Queria que os outros acreditassem que ele falava o inglês porém não falava nem sweetheart não os manos é que falavam Maanape também desejava garrucha balas e uísque Macunaíma aconselhou Você não fala inglês bem mano Maanape vai lá e a volta é cruel É capaz de pedir garrucha e darem conserva Deixa que eu vou E foi falar outra vez com os Ingleses Debaixo da árvore garrucheira os Ingleses sacolejaram sacolejaram os ramos porém não caiu nem uma garrucha não Então foram debaixo da árvore baleira os Ingleses sacudiram e despencou um desperdício de balas que Macunaíma deixou cair no chão depois catou Agora uísque falou Foram debaixo da árvore uisqueira os Ingleses sacudiram e despencaram duas caixas que Macunaíma pegou no ar Agradeceu prós Ingleses e voltou pra pensão Lá chegado escondeu as caixas debaixo da cama e foi falar com o mano Falei inglês com eles mano porém não tinha nem garrucha nem uísque por causa que passou uma correiçao de formiga oncinha e comeu tudo As balas trago aqui Agora dou minha garrucha pra você e quando alguém bulir comigo você atira Então virou Jiguê na máquina telefone ligou pro gigante e xingou a mãe dele VI A FRANCESA E O GIGANTE Maanape gostava muito de café e Jiguê muito de dormir Macunaíma queria erguer um papiri prós três morarem porém jamais que papiri se acabava Os puchirões goravam sempre porque Jiguê passava o dia dormindo e Maanape bebendo café O herói teve raiva Pegou numa colher viroua num bichinho e falou Agora você fica sovertida no pó de café Quando mano Maanape vier beber morda a língua dele Então pegando num cabeceiro de algodão virouo numa tatorana branca e falou Agora você fica sovertida na maqueira Quando mano Jiguê vier dormir chupe o sangue dele Maanape já vinha entrando na pensão pra beber café outra vez O bichinho picou a língua dele Ai Maanape fez Macunaíma bem sonso falou Está doendo mano Quando bichinho me pica não dói não Maanape teve raiva Atirou o bichinho muito pra longe falando Sai praga Então Jiguê entrou na pensão pra tirar um corte O marandová branquinho tanto chupou o sangue dele que até virou rosado Ai que Jiguê gritou E Macunaíma Está doendo mano Ora veja só Quando tatorana me chupa até gosto Jiguê teve raiva e atirou a tatorana longe falando Sai praga E então os três manos foram continuar a construção do papiri Maanape e Jiguê ficaram dum lado e Macunaíma do outro pegava os tijolos que os manos atiravam Maanape e Jiguê estavam tiriricas e desejando se vingar do mano O herói não maliciava nada Vai Jiguê pegou num tijolo porém pra não machucar muito virouo numa bola de couro duríssima Passou a bola pra Maanape qüe estava mais na frente e Maanape com um pontapé mandou ela bater em Macunaíma Esborrachou todo o nariz do herói Ui que o herói fez Os manos bem sonsos gritaram Uai está doendo mano Pois quando bola bate na gente nem não dói Macunaíma teve raiva e atirando a bola com o pé bem pra longe falou Sai peste Veio onde estavam os manos Não faço mais papiri pronto E virou tijolos pedras telhas ferragens numa nuvem de içás que tomou São Paulo por três dias O bichinho caiu em Campinas A tatorana caiu por aí A bola caiu no campo E foi assim que Maanape inventou o bichodocafé Jiguê a largartarosada e Macunaíma o futebol três pragas No outro dia com o pensamento sempre na marvada o herói percebeu que xetrara mesmo duma vez e nunca mais que podia aparecer na rua Maranhão porque agora Venceslau Pietro Pietra já o conhecia bem Imaginou e ali pelas quinze horas teve uma idéia Re solveu enganar o gigante Enfiou um membi na goela virou Jiguê na máquina telefone e telefonou pra Venceslau Pietro Pietra que uma francesa queria falar com ele a respeito da máquina negócios O outro secundou que sim e que viesse agorinha já porque a velha Ceiuci tinha saído com as duas filhas e podiam negociar mais folgado Então Macunaíma emprestou da patroa da pensão uns pares de bonitezas a máquina ruge a máquina meiadesêda a máquina combinação com cheiro de cascasacaca a máquina cinta aromada com capim cheiroso a máquina decoletê úmida e patchuli a máquina mitenes todas essas bonitezas dependurou dois mangarás nos peitos e se vestiu assim Pra completar inda barreou com azul de pau campeche os olhinhos de piá que se tornaram lânguidos Era tanta coisa que ficou pesado mas virou numa francesa tão linda que se defumou com jurema e alfinetou um raminho de pinhão paraguaio no patriotismo pra evitar quebranto E foi no palácio de Venceslau Pietro Pietra E Venceslau Pietro Pietra era o gigante Piaimã comedor de gente Saindo da pensão Macunaíma topou com um beijaflor com rabo de tesoura Não gostou da cagüira não e pensou abandonar o randevu porém como promessa é dívida fez um esconjuro e seguiu Lá chegado encontrou o gigante no portão esperando Depois de muitos salamaleques Piaimã tirou os carrapatos da francesa e levoua pra uma alcova lindíssima com esteios de acaricoara e tesouras de itaúba O assoalho era um xadrez de munirapiranga e paucetim A alcova estava mobiliada com as famosas redes brancas do Maranhão Bem no centro havia uma mesa de jacarandá esculpido arranjada com louça brancoencarnada de Breves e cerâmica de Belém disposta sobre um toalha de rendas tecidas com fibra de bananeira Numas bacias enormes originárias das cavernas do rio Cunani fumegava tacacá com tucupi sopa feita com um paulista vindo dos frigoríficos da Continental uma jacarezada e polenta Os vinhos eram um Puro de Ica subidor vindo de Iquitos um Porto imitação de Minas uma caiçuma de oitenta anos champanha de São Paulo bem gelada e um extrato de jenipapo famanado e ruim como três dias de chuva E inda havia dispostos com arte enfeitadeira e muitos recortados de papel os esplêndidos bombons Falchi e biscoitos do Rio Grande empilhados em cuias dum preto brilhante de cumaté com desenhos esculpidos a canivete provindas de Monte Alegre A francesa sente i numa rede e fazendo gestos graciosos principiou mastigando Estava com muita fome e comeu bem Depois tomou um copo de Puro pra rebater e resolveu entrar no assunto de chapéudesol aberto Foi logo perguntando si o gigante era verdade que possuía uma muiraquitã com forma de jacaré O gigante foi lá dentro e voltou com um caramujo na mão E puxou pra fora dele uma pedra verde Era a muiraquitã Macunaíma sentiu um frio por dentro de tanta comoção e percebeu que ia chorar Mas disfarçou bem perguntando si o gigante não queria vender a pedra Porém Venceslau Pietro Pietra piscou faceiro dizendo que vendida não dava a pedra não Então a francesa pediu suplicando pra levar a pedra de emprestado pra casa Venceslau Pietro Pietra mais uma vez piscou faceiro falando que de emprestado não dava a pedra também não Você imagina então que vou cedendo assim com duas risadas francesa Qual Mas eu estou querendo tanto a pedra Vá querendo Pois tanto se me dá como se me dava regatão Regatão uma ova francesa Dobre a língua Colecionador é que é Foi lá dentro e voltou carregando um grajaú tamanho feito de embira e cheinho de pedra Tinha turquesas esmeraldas berilos seixos polidos ferragem com forma de agulha crisólita pingodágua tinideira esmeril lapinha ovodepomba ossodecavalo machados facões flechas de pedra lascada grigris rochedos elefantes pe trificados colunas gregas deuses egípcios budas javaneses obeliscos mesas mexicanas ouro guianense pedras ornitomorfas de Iguape opalas do igarapé Alegre rubis e granadas do rio Gurupi itamotingas do rio das Garças itacolumitos turmalinas de Vupabuçu blocos de titânio do rio Piriá bauxitas do ribeirão do Macaco fósseis calcáreos de Pirabas pérolas de Cametá o rochedo tamanho que Oaque o Pai do Tucano atirou com a sarabatana lá do alto daquela montanha um litóglifo de Calamare tinha todas essas pedras no grajaú Então Piaimã contou pra francesa que ele era um colecionador célebre colecionava pedras E a francesa era Macunaíma o herói Piaimã confessou que a jóia da coleção era mesmo a muiraquitã com forma de jacaré comprada por mil contos da imperatriz das icamiabas lá nas praias da lagoa Jaciuruá E tudo era mentira do gigante Vai ele sentou na rede mui rente da francesa muito e falou murmuriando que com ele era oito ou oitenta não vendia não emprestava a pedra mas porém era capaz de dar Confrome O gigante estava mas era querendo brincar com a francesa Quando por causa do jeito de Piaimã o herói entendeu o que significava o tal de conforme ficou muito inquieto Matutou Será que o gigante imagina que sou francesa mesmo Cai fora peruano senvergonha E saiu correndo pelo jardim O gigante correu atrás A francesa pulou numa moita pra se esconder porém estava uma pretinha lá Macunaíma cochilou Pra ela Caterina sai daí sim Caterina nem gesto Macunaíma já meio impinimado com ela cochichou Caterina sai daí que sinão te bato A mulatinha ali Então Macunaíma deu um bruto dum tapa na peste e ficou com a mão grudada nela Caterina me larga minha mão e vaite embora que te dou mais tapa Caterina Caterina era mas uma boneca de cera de carnaúba posta ali pelo gigante Ficou bem quieta Macunaíma deu outro tapa com a mão livre e ficou mais preso Caterina Caterina me larga minhas mãos e vaite embora pixaim sinão te dou um pontapé Deu o pontapé e ficou mais preso ainda Afinal o herói ficou inteirinho grudado na Catita Então chegou Piaimã com um cesto Tirou a francesa da armadilha e berrou pro cesto Abra a boca cesto abra a vossa grande boca O cesto abriu a boca e o gigante despejou o herói nele O cesto fechou a boca outra vez Piaimã carregouo e voltou A francesa em vez de bolsa estava armada com o mênie que serve pra guardar as frechinhas da sarabatana O gigante deixou o cesto encostado na porta de entrada e afundou casa a dentro pra guardar o mênie entre as pedras da coleção Porém o mênie era de pano cheirando piche de caça O gigante desconfiou daquilo e perguntou Vossa mãe é tão cheirosa e gordinha que nem você criatura E revirou os olhos de gosto Ele estava maliciando que o mênie era filhinho da francesa E a francesa era Macunaíma o herói Lá do cesto ele escutou a pergunta e principiou ficando excessivamente inquieto Pois então será mesmo que esse tal de Venceslau imagina que passei por debaixo de algum arcodavelha pra ter mundado a natureza te esconjuro credo Então assoprou raiz de cumacá em pó que bambeia cordas bambeou o amarrilho do cesto e pulou pra fora Ia saindo quando topou com o jaguará do gigante que chamava Xaréu nome de peixe pra não ficar hidrófobo O herói teve medo e desembestou numa chispada mãe parque adentro O cachorro correu atrás Correram Passaram Já rente à Ponta do Calabouço tomaram rumo de Guajará Mirim e voltaram pra leste Em Itamaracá Macunaíma passou um pouco folgado e teve tempo de comer uma dúzia de mangajasmim que nasceu do corpo de dona Sancha dizem Rumaram pra sudoeste e nas alturas de Barbacena o fugitivo avistou uma vaca no alto duma ladeira calçada com pedras pontudas Lembrou de tomar leite Subiu esperto pela capistrana pra não cansar porém a vaca era de raça Guzerá muito brava Escondeu o leitinho pobre Mas Macunaíma fez uma oração assim Valeime Nossa Senhora Santo Antônio de Nazaré A vaca mansa dá leite A braba dá si quisé A vaca achou graça deu leite e o herói chispou pro sul Atravessando o Paraná já de volta dos pampas bem que ele queria trepar numa daquelas árvores porém os latidos estavam na cola dele e o herói isso vinha que vinha acochado pelo jaguara Gritava Sai pau E desviava de cada castanheira de cada paudarco de cada cumpro bom de trepar Adiante da cidade de Serra no Espírito Santo quase arrebentou a cabeça numa pedra com muitas pinturas esculpidas que não se entendia De certo era dinheiro enterrado Porém Macunaíma estava com pressa e frechou pras barrancas da ilha do Bananal Enfim enxergou um formigueiro de trinta metros abrindo um olho no rés do chão bem na frente Barafustou subindo pelo buraco a dentro e se encolheu no alto O jaguara ficou acuando ali Então o gigante veio e topou com o jaguara acuando o formigueiro Bem na entrada a francesa perdera uma correntinha de prata Meu tesouro está aqui murmurou o gigante Então o jaguara desapareceu Piaimã arrancou da terra com raiz e tudo uma palmeira inajá e nem deixou sinal no chão Cortou o grelo do pau e enfiouo pelo buraco por amor de fazer a francesa sair Porém jacaré saiu nem ela Abriu as pernas e o herói ficou como se diz empalado na inajá Vendo que a francesa não saía mesmo Piaimã foi buscar pimenta Trouxe uma correição das formigas anaquilãs que é pimenta de gigante botouas no buraco elas ferraram no herói Mas nem assim mesmo a francesa saiu Piaimã jurou vingança Pinchou fora as anaquilãs e gritou pra Macunaíma Agora que te agarro mesmo porque vou buscar a jararaca Elite Quando ouviu isso o herói gelou Com a jararaca ninguém não pode não Gritou pro gigante Espera um bocado gigante que já saio Porém pra ganhar tempo tirou os mangarás do peito e botou na boca do buraco falando Primeiro bota isso pra fora faz favor Piaimã estava tão furibundo que atirou os mangarás longe Macunaíma presenciou a raiva do gigante Tirou a máquina decoletê pôs ela na boca do buraco falando outra vez Bota isso pra fora faz favor Piaimã inda atirou o vestido mais longe Então Macunaíma botou a máquina cinta depois a máquina sapatos e foi fazendo assim com todas as roupas O gigante isso já estava fumando de tão danado Jogava tudo longe sem nem olhar o que era Então bem de mansinho o herói pôs o simsinhô dele na boca do buraco e falou Agora me bote fora só mais esta cabaça fedorenta Piaimã cego de raiva agarrou no simsinhô sem ver o que era e atirou simsinhô com herói e tudo légua e meia adiante E ficou esperando pra sempre enquanto o herói lá longe ganhava os mororós Chegou na pensão tomando a bênção de cachorro e chamando gato de tio só vendo suando esfolado com fogo nos olhos botando os bofes pela boca Descansou um pedaço e como estava arado de fome bateu uma fritada de sururu de Maceió um pato seco de Marajó mo lhando a janta com mocororó Descansou Macunaíma estava muito contrariado Venceslau Pietro Pietra era um colecionador célebre e ele não Suava de inveja e afinal resolveu imitar o gigante Porém não achava graça em colecionar pedra não porque já tinha uma imundície delas na terra dele pelos espigões nos manadeiros nas corredeiras nas seladas e gupiaras altas E todas essas pedras já tinham sido vespas formigas mosquitos carrapatos animais passarinhos gentes e cunhas e cunhatãs e até as graças das cunhas e das cunhatãs Praquê mais pedra que é tão pesado de carregar Estendeu os braços com moleza e murmurou Ai que preguiça Matutou matutou e resolveu Fazia uma coleção de palavrasfeias de que gostava tanto Se aplicou Num átimo reuniu milietas delas em todas as falas vivas e até nas línguas grega e latina que estava estudando um bocado A coleção italiana era completa com palavras pra todas as horas do dia todos os dias do ano todas as circunstâncias da vida e sentimentos humanos Cada bocagem Mas a jóia da coleção era uma frase indiana que nem se fala VII MACUMBA Macunaíma estava muito contrariado Não conseguia reaver a muiraquitã e isso dava ódio O milhor era matar Piaimã Então saiu da cidade e foi no mato Fulano experimentar força Campeou légua e meia e afinal enxergou uma peroba sem fim Enfiou o braço na sapopemba e deu um puxão pra ver si arrancava o pau mas só o vento sacudia a folhagem na altura porém Inda não tenho bastante força não Macunaíma refletiu Agarrou num dente de ratinho chamado crô fez uma bruta incisão na perna de preceito pra quem é frouxo e voltou sangrando pra pensão Estava desconsolado de não ter força ainda e vinha numa distração tamanha que deu uma topada Então de tanta dor o herói viu no alto as estrelas c entre elas enxergou Capei minguadinha cercada de névoa Quando mingua a Luna não comeces coisa alguma suspirou E continuou consolado No outro dia o tempo estava inteiramente frio e o herói resolveu se vingar de Venceslau Pietro Pietra dando uma sova nele pra esquentar Porém por causa de não ter força tinha mas era muito medo do gigante Pois então resolveu tomar um trem e ir no Rio de Janeiro se socorrer e Exu diabo em cuja honra se realizava uma macumba no outro dia Era junho e o tempo estava inteiramente frio A macumba se rezava lá no Mangue no zungu da tia Ciata feiticeira como não tinha outra mãedesanto famanada e cantadeira ao violão Às vinte horas Macunaíma chegou na biboca levando debaixo do braço o garrafão de pinga obrigatório Já tinha muita gente lá gente direita gente pobre advogados garçons pedreiros meiascolheres deputados gatunos todas essas gentes e a função ia principiando Macunaíma tirou os sapatos e as meias como os outros e enfiou no pescoço a milonga feita de cera de vespa tatucaba e raiz seca de assacu Entrou na sala cheia e afastando a mosquitada foi de quatro saudar a candomblèzeira imóvel sentada na tripeça não falando um isto Tia Ciata era uma negra velha com um século no sofrimento javevó e galguincha com a cabeleira branca esparramada feito luz em torno da cabeça pequetita Ninguém mais não enxergava olhos nela era só ossos duma compridez já sonolenta pendependendo pro chão de terra Vai um rapaz filho de Ochum falavam filho de Nossa Senhora da Conceição cuja macumba era em dezembro distribuiu uma vela acesa pra cada um dos marinheiros marcineiros jornalistas ricaços gamelas fêmeas empregadospúblicos muitos empregadospúblicos todas essas gentes e apagou o bico de gás alumiando a saleta Então a macumba principiou de deveras se fazendo um çairê pra saudar os santos E era assim Na ponta vinha o ogã tocador de atabaque um negrão filho de Ogum bexiguento e fadistas de profissão se chamando Olelê Rui Barbosa Tabaque mexiamexia acertado num ritmo que manejou toda a procissão E as velas jogaram nas paredes de papel com florzinhas sombras tremendo vagarentas feito assombração Atrás do ogã vinha tia Ciata quase sem mexer só beiços puxando a reza monótona E então seguiam advogados taifeiros curandeiros poetas o herói gatunos portugas senadores todas essas gentes dançando e cantando a resposta da reza E era assim Vamo saravá Tia Ciata cantava o nome do santo que tinham de saudar v Ôh Olorung E a gente secundando Vamo saravá Tia Ciata continuava Ô Boto Tucuchi E a gente secundando Vamo saravá Docinho numa reza mui monótona Ô Iemanjá Anamburucu e Ochum três Mãesdágua Vamo saravá Assim E quando a tia Ciata parava gritando com gesto imenso Sai Exu porque Exu era o diabocoxo um capiroto malévolo mas bom porém pra fazer malvadezas era um tormento na sala uivando Uuum uuum Exu Nosso padre Exu E o nome do diabo reboava com estrondo diminuindo o tamanhão da noite fora O çairê continuava Ôh Rei Nagô Vamo saravá Docinho na reza monótona Ôh Baru Vamo saravá Quando sinão quando tia Ciata parava gritando com gesto imenso Sai Exu porque Exu era o pédepato um jananaíra malévolo E de novo era o tormento na sala uivando Uuuum Exu Nosso padre Exu E o nome do diabo reboava com estrondo encurtando o tamanho da noite Ôh Oxalá Vamo saravá Era assim Saudaram todos os santos da pagelança o Boto Branco que dá os amores Xangô Omulu Iroco Ochosse a Boiúna Mãe feroz Obatalá que dá força pra brincar muito todos esses santos e o çairê se acabou Tia Ciata sentou na tripeça num canto e toda aquela gente suando médicos padeiros engenheiros rábulas polícias criadas focas assassinos Macunaíma todos vieram botar as velas no chão rodeando a tripeça As velas jogaram no teto a sombra da mãedesanto imóvel Já quase todos tinham tirado algumas roupas e o respiro ficara chiado por causa do cheiro de mistura budum coty pitium e o suor de todos Então veio a vez de beber E foi lá que Macunaíma provou pela primeira vez o cachiri temível cujo nome é cachaça Provou estalando com a língua feliz e deu uma grande gargalhada Depois da bebida entre bebidas seguiram as rezas de invocação Todos estavam inquietos ardentes desejando que um santo viesse na macumba daquela noite Fazia já tempo que nenhum não vinha por mais que os outros pedissem Porque a macumba da tia Ciata não era quenem essas macumbas falsas não em que sempre o paideterreiro fingia vir Xangô Ochosse qualquer pra contentar os macumbeiros Era uma macumba séria e quando santo aparecia aparecia de deveras sem nenhuma falsidade Tia Ciata não permitia dessas des moralizações no zungu dela e fazia mais de doze meses que Ogum nem Exu não apareciam no Mangue Todos desejavam que Ogum viesse Macunaíma queria Exu só pra se vingar de Venceslau Pietro Pietra Entre golinhos de abrideira uns de joelhos outros de quatro todas essas gentes seminuas rezavam em torno da feiticeira pedindo a aparição dum santo À meianoite foram lá dentro comer o bode cuja cabeça e patas já estavam lá no pegi na frente da imagem de Exu que era um tacuru de formiga com três conchas fazendo olhos e boca O bode fora morto em honra do diabo e salgado com pó de chifre e esporão de galodebriga A mãedesanto puxou a comilança com respeito e três pelossinais de atravessado Toda a gente vendedores bibliófilos pésrapados acadêmicos banqueiros todas essas gentes dançando em volta da mesa cantavam Bamba querê Sai Aruê Mongi gongo Sai Orobô Êh ôh mungunzá Bom acaçá Vancê nhamanja De pai Guenguê Êh E conversando pagodeando devoraram o bode consagrado e cada qual buscando o garrafão de pinga dele porque ninguém não podia beber no de outro todos beberam muita caninha muita Macunaíma dava grandes gargalhadas e de repente derrubou vinho na mesa Era sinal de alegrão pra ele e todos imaginavam que o herói era o predestinado daquela noite santa Não era não Nem bem reza recomeçou se viu pular no meio da saleta uma fêmea obrigando todos a silêncio com o gemido meio choro e puxar canto novo Foi um tremor em todos e as velas jogaram a sombra de cunha que nem monstro retorcido procanto do teto era Exu Ogã pelejava batendo tabaque pra perceber os ritmos doidos do canto novo canto livre de notas afobadas cheio de saltos difíceis êxtase maluco baixinho tremendo de fúria E a polaca muito pintada na cara com as alças da combinação arrebentadas estremecia no centro da saleta já com as gorduras quasi inteiramente nuas Os peitos dela balangavam batendo nos ombros na cara e depois na barriga juque com estrondo E a ruiva cantando cantando Afinal a espuminha rolou dos beiços desmanchados ela deu um grito que diminuiu o tamanhão da noite mais caiu no santo e ficou dura Passou um tempo de silêncio sagrado Então tia Ciata se levantou da tripeça que uma mazombinha substituiu no sufragante por um banco novo nunca sentado agora pertencendo pra outra A mãede terreiro veio vindo veio vindo Ogã vinha com ela Todos os outros estavam de pé se achatando nas paredes Só tia Ciata veio vindo veio vindo e chegou junto do corpo duro da polaca no centro da saleta ali A feiticeira tirou a roupa ficou nua só com os colares os braceletes os brincos de contas de prata pingando nos ossos Foi tirando da cuia que Ogã pegava o sangue coalhado do bode comido e esfregando a pasta na cabeça da balalaó Mas quando derramou o efém verdento em riba a dura se estorceu gemida e o cheiro iodado embebedou o ambiente Então a mãedesanto entoou a reza sagrada de Exu melopéia monótona Quando acabou a fêmea abriu os olhos principiou se movendo bem diferente de jáhoje e não era mais fêmea era o cavalo do santo era Exu Era Exu o romãozinho que viera ali com todos pra macumbar O par de nuas executava um jongo improvisado e festeiro que ritmavam os estralos dos ossos da tia os juques dos peitos da gorda e o ogã com batidos chatos Todos estavam nus também e se esperava a escolha do Filho de Exu pelo grande Cão presente Jongo temível Macunaíma fremia de esperança querendo o cariapemba pra pedir uma tunda em Venceslau Pietro Pietra Não se sabe o que deu nele de sopetão entrou gingando no meio da sala derrubou Exu e caiu por cima brincando com vitória E a consagração do Filho de Exu novo era celebrada por licenças de todos e todos se urarizaram em honra do filho novo do icá Terminada a cerimônia o diabo foi conduzido pra tripeça principiando a adoração Os ladrões os senadores os jecas os negros as senhoras os futebóleres todos vinham se rojando por debaixo do pó alaranjando a saleta e depois de batida a cabeça com o lado esquerdo no chão beijavam os joelhos beijavam todo o corpo do uamoti A polaca vermelha tremendo rija pigando espuminha da boca em que todos molhavam o matapiolho pra se benzerem de atravessado gemia uns roncos regougados meio choro meio gozo e não era polaca mais era Exu o jurupari mais macanudo daquela religião Depois que todos beijaram adoraram e se benzeram muito foi a hora dos pedidos e promessas Um carniceiro pediu pra todos comprarem a carne doente dele e Exu consentiu Um fazendeiro pediu pra não ter mais saúva nem maleita no sítio dele e Exu se riu falando que isso não consentia não Um namorista pediu pra pequena dele conseguir o lugar de professora municipal pra casarem e Exu consentiu Um médico fez um discurso pedindo pra escrever com muita elegância a fala portuguesa e Exu não consentiu Assim Afinal veio a vez de Macunaíma o filho novo do fute E Macunaíma falou Venho pedir pra meu pai por causa que estou muito contrariado Como se chama perguntou Exu Macunaíma o herói Uhum o maioral resmungou nome principiado por Ma tem másina Mas recebeu com carinho o herói e prometeu tudo o que ele pedisse porque Macunaíma era filho E o herói pediu que Exu fizesse sofrer Venceslau Pietro Pietra que era o gigante Piaimã comedor de gente Então foi horroroso o que se passou Exu pegou três pauzinhos de ervacidreira benta por padre apóstata jogou pro alto fez encruzilhada mandando o eu de Venceslau Pietro Pietra vir dentro dele Exu pra apanhar Esperou um momento o eu do gigante veio en trou dentro da fêmea e Exu mandou o filho dar a sova no eu que estava encarnado no corpo polaco O herói pegou uma tranca e chegoua em Exu com vontade Deu que mais deu Exu gritava Me espanca devagar Que isto dói dói dói Também tenho família E isto dói dói dói Enfim roxo de pancada sangrando pelo nariz pela boca pelos ouvidos caiu desmaiando no chão E era horroroso Macunaíma ordenou que o eu do gigante fosse tomar um banho salgado e fervendo e o corpo de Exu fumegou molhando o terreno E Macunaíma ordenou que o eu do gigante fosse pisando vidro através dum mato de urtiga e agarracompadre até as grunhas da serra dos Andes pleno inverno e o corpo de Exu sangrou com lapos de vidro unhadas de espinho e queimaduras de urtiga ofegando de fadiga e tremendo de tanto frio Era horroroso E Macunaíma ordenou que o eu de Venceslau Pietro Pietra recebesse o guampaço dum marruá o coice dum bagual a dentada dum jacaré e os ferrões de quarenta vezes quarenta mil formigasdefogo e o corpo de Exu retorceu sangrando empolando na terra com uma carreira de dentes numa perna com quarenta vezes quarenta mil ferroadas de formiga na pele já invisível com a testa quebrada pelo casco dum bagual e um furo de aspa aguda na barriga A saleta se encheu dum cheiro intolerável E Exu gemia Me chifra devagar Que isto dói dói dói Também tenho família E isto dói dói dói Macunaíma ordenou muito tempo muitas coisas assim e tudo o eu de Venceslau Pietro Pietra agüentou pelo corpo de Exu Afinal a vingança do herói não pôde inventar mais nada parou A fêmea só respirava levinho largada no chão de terra Teve um silêncio fatigado E era horroroso Lá no palácio da rua Maranhão em São Paulo tinha um correcorre sem parada Vinham médicos veio a Assistência todos estavam desesperados Venceslau Pietro Pietra sangrava todo urrando Mostrava uma chifrada na barriga quebrou a testa que parecia coice de potro queimado enregelado mordido e todo cheio das manchas e galos duma tremendérrima sova de pau Na macumba continuava o silêncio de horror Tia Ciata veio maneira e principiou rezando a reza maior do diabo Era a reza sacrílega entre todas que se errando uma palavra dá morte a reza do Padre Nosso Exu e era assim Padre Exu achado nosso que vós estais no trezeno inferno da esquerda de baixo nóis te queremo muito nóis tudo Quereremos quereremos O pai nosso Exu de cada dia nos dai hoje seja feita vossa vontade assim também no terreiro da sanzala que pertence pro nosso padre Exu por todo o sempre que assim seja amém Glória pra pátria gêge de Exu Glória pro fio de Exu Macunaíma agradeceu A tia acabou Chicotera um príncipe gege que virou nosso padre Exu dos século seculóro pra sempre que assim seja amém Pra sempre que assim seja amém Exu ia sarando sarando tudo foi desaparecendo por encanto quando a caninha circulou e o corpo da polaca virou são outra vez Se escutou uma bulha tamanha e tomou o espaço um cheiro de breu queimado enquanto a fêmea deitava pela boca um anel de azeviche Então voltou do desmaio vermelha gorda só que mui fatigada e agora estava só a polaca ali Exu tinha ido embora E pra acabar todos fizeram a festa juntos comendo bom presunto e dançando um samba de arromba em que todas essas gentes se alegraram com muitas pândegas liberdosas Então tudo acabou se fazendo a vida real E os macumbeiros Macunaíma Jaime Ovalle Dodô Manu Bandeira Blaise Cendrars Ascenso Ferreira Raul Bopp Antônio Bento todos esses macumbeiros saíram na madrugada VIII VEI A SOL Macunaíma ia seguindo e topou com a árvore Volomã bem alta Num galho estava um pitiguari que nem bem enxergou o herói se desgoelou cantando Olha no caminho quem vem Olha no caminho quem vem Macunaíma olhou pra cima com intenção de agradecer mas Volomã estava cheinha de fruta O herói vinha dando horas de tanta fome e a barriga dele empacou espiando aquelas sapotas sapotilhas sapotis bacuris abricôs mucajás miritis guabijus melancias ariticuns todas essas frutas Volomã me dá uma fruta Macunaíma pediu O pau não quis dar Então o herói gritou duas vezes Boiôiô boiôiô quizama quizu Caíram todas as frutas e ele comeu bem Volomã ficou com ódio Pegou o herói pelos pés e atirouo pra além da baía de Guanabara numa ilhota deserta habitada antigamente pela ninfa Alamoa que veio com os Holandeses Macunaíma pendia tanto de fadiga que pegou no sono durante o pulo Caiu dormindo em baixo duma palmeirinha guairô muito aromada onde um urubu estava encarapitado Ora o pássaro careceu de fazer necessidades fez e o herói ficou escorrendo sujeira de urubu Já era de madrugadinha e o tempo estava inteiramente frio Macunaíma acordou tremendo todo enlambuzado Assim mesmo examinou bem a pedra mirim da ilhota pra ver si não havia alguma cova com dinheiro enterrado Não havia não Nem a correntinha encantada de prata que indica pro escolhido tesouro de Holandês Havia só as formigas jaquitaguas ruivinhas Então passou Caiuanogue a estrêladamanhã Macunaíma já meio enjoado de tanto viver pediu pra ela que o carregasse pro céu Caiuanogue foi se chegando porém o herói fedia muito Vá tomar banho ela fez E foise embora Assim nasceu a expressão Vá tomar banho que os Brasileiros empregam se referindo a certos imigrantes europeus Vinha passando Capei a Lua Macunaíma gritou pra ela Sua bênção dindinha Lua Uhum que ela secundou Então ele pediu pra Lua que o carregasse pra ilha de Marajó Capei veio chegando porém Macunaíma estava mesmo fedendo por demais Vá tomar banho ela fez E foise embora E a expressão se fixou definitivamente Macunaíma gritou pra Capei que pelo menos desse um foguinho pra ele aquecer Peça no vizinho ela fez apontando pra Sol que já vinha lá no longe remando pelo paraná guaçu E foise embora Macunaíma tremia que mais tremia e o urubu sempre fazendo necessidade em riba dele Era por causa da pedra ser muito pequetitinha Vei vinha chegando vermelha e toda molhada de suor E Vei era a Sol Foi muito bom pra Macunaíma porque lá em casa ele sempre dera presentinhos de bôlodeaipim pra Sol lamber secando Vei tomou Macunaíma na jangada que tinha uma vela corde ferrugem pintada com muruci e fez as três filhas limparem o herói catarem os carrapatos e examinarem si as unhas dele estavam limpas E Macunaíma ficou alinhado outra vez Porém por causa dela estar velha vermelha e tão suando o herói não malíciava que a coroca era mesmo a Sol a boa da Sol poncho dos probres Por isso pediu pra ela que chamasse Vei com seu calor porque ele estava lavadinho bem mas tremendo de tanto frio Vei era a Sol mesmo e andava matinando fazer Macunaíma genro dela Só que ainda não podia aquentar ninguém não porque era cedo por demais não tinha força Pra distrair a espera assobiou dum jeito e as três filhas dela fizeram muitos cafunés e cosquinhas no corpo todo do herói Ele dava risadas chatas se espremendo de cócegas e gostando muito Quando elas paravam pedia mais estorcendo já de antegozo Vei pôs reparo na senvergonhice do herói teve raiva Foi ficando sem vontade de tirar fogo do corpo e esquentar ninguém Então as cunhatãs agarraram na mãe amarraram bem ela e Macunaíma dando muitos munhecaços na barriga da bruaca saiu que saiu um fogaréu por detrás e todos se aquentaram Principiou um calorão que tomou a jangada se alastrou nas águas e dourou a face limpa do ar Macunaíma deitado na jangada lagarteava numa quebreira azul E o silêncio alargando tudo Ai que preguiça O herói suspirou Se ouvia o murmurejo da onda só Veio um enfaro feliz subindo pelo corpo de Macunaíma era bom A cunhatã mais moça batia o urucungo que a mãe trouxera da África Era vasto o paraná e não tinha uma nuvem na gupiara elevada do céu Macunaíma cruzou as munhecas no alto por detrás fazendo um cabeceiro com as mãos e enquanto a filhadaluz mais velha afastava os mosquitos borrachudos em quantidade a terceira chinoca com as pontas das trancas fazia estremecer de gosto a barriga do herói E era se rindo em plena felicidade parando pra gozar de estrofe em estrofe que ele cantava assim Quando eu morrer não me chores Deixo a vida sem sodade Mandu sarará Tive pro pai o desterro Por mãe a infelicidade Mandu sarará Papai chegou e me disse Não hás de ter um amor Mandu sarará Mamãe veio e me botou Um colar feito de dor Mandu sarará Que o tatu prepare a cova Dos seus dentes desdentados Mandu sarará Para o mais desinfeliz De todos os desgraçados Mandu sarará Era bom O corpo dele relumeava de ouro cinzando nos cristaizinhos do sal e por causa do cheiro da maresia por causa do remo pachorrento de Vei e com a barriga assim mexemexendo com cosquinhas de mulher ah Macunaíma gozou do nosso gozo ah Puxavante que filhaduma de gostosura gente exclamou E cerrando os olhos malandros com a boca rindo num riso moleque safado de vida boa o herói gostou gostou e adormeceu Quando a jacumã de Vei não embalou mais o sono dele Macunaíma acordou Lá no longe se percebia mais que tudo um arranhacéu corderosa A jangada estava abicada na caiçara da maloca sublime do Rio de Janeiro Ali mesmo na beira dágua tinha um cerradão comprido cheinho da árvore paubrasil e com palácios de cor nos dois lados E o cerradão era a avenida Rio Branco Aí que mora Vei a Sol com suas três filhas de luz Vei queria que Macunaíma ficasse genro dela porque afinal das contas ele era um herói e tinha dado tanto bôlodeaipim pra ela chupar secando falou Meu genro você carece de casar com uma das minhas filhas O dote que dou pra ti é Oropa França e Bahia Mas porém você tem de ser fiel e não andar assim brincando com as outras cunhas por aí Macunaíma agradeceu e prometeu que sim jurando pela memória da mãe dele Então Vei saiu com as três filhas pra fazer o dia no cerradão ordenando mais uma vez que Macunaíma não saísse da jangada pra não andar brincando com as outras cunhas por aí Macunaíma tornou a prometer jurando outra vez pela mãe Nem bem Vei com as três filhas entraram no cerradão que Macunaíma ficou cheio de vontade de ir brincar com uma cunha Acendeu um cigarro e a vontade foi subindo Lá por debaixo das árvores passavam muitas cunhas cunhe cunhe se mexemexendo com talento e formosura Pois que fogo devore tudo Macunaíma exclamou Não sou frouxo agora pra mulher me fazer mal E uma luz vasta brilhou no cérebro dele Se ergueu na jangada e com os braços oscilando por cima da pátria decretou solene POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA OS MALES DO BRASIL SÃO Pulou da jangada no sufragante foi fazer continência diante da imagem de Santo Antônio que era capitão de regimento e depois deu em cima de todas as cunhas por aí Logo topou com uma que fora varina lá na terrinha do compadre chegadinhochegadinho e inda cheirava nomais um fartum bem de peixe Macunaíma piscou pra ela e os dois vieram na jangada brincar Fizeram Bastante eles brincaram Agora estão se rindo um pro outro Quando Vei com suas três filhas chegaram do dia e era a bôcada noite as moças que vinham na frente encontraram Macunaíma e a Portuguesa brincando mais Então as três filhas de luz se zangaram Então é assim que se faz herói Pois nossa mãe Vei não falou pra você não sair da jangada e não ir brincar com as outras cunhas por aí Estava muito tristinho o herói fez Não tem que tristinho nem mane tristinho herói Agora que você vai tomar um pito de nossa mãe Vei E viraram muito zangadas pra velha Veja nossa mãe Vei o que vosso genro fez Nem bem a gente foi no cerradão que ele escapuliu deu em cima duma boa trouxe ela na vossa jangada e brincaram até mais não Agora estão se rindo um pro outro Então a Sol se queimou e ralhou assim Ara ara ara meus cuidados Pois não falei pra você não dar em cima de nenhuma cunha não Falei sim E inda por cima você brinca com ela na jangada minha e agora estão se rindo um pro outro Estava muito tristinho Macunaíma repetiu Pois si você tivesse me obedecido casava com uma das minhas filhas e havia de ser sempre moço e bonitão Agora você fica pouco tempo moço talqualmente os outros homens e depois vai ficando mocetudo e sem graça nenhuma Macunaíma sentiu vontade de chorar Suspirou Si eu subesse O si eu subesse é santo que nunca não valeu pra ninguém meus cuidados Você o que é mas é muito safadinho isso sim Não te dou mais nenhuma das minhas filhas não Daí Macunaíma pisou nos calos também Pois nem eu queria nenhuma das três sabe Três diabo fez Então Vei com as três filhas foram pedir pouso num hotel e deixaram Macunaíma dormir com a Portuga jangada Quando foi ali pela hora antes da madrugada veio a Sol com as moças pra darem o passeio na baía e encontraram Macunaíma com a Portuguesa inda pegados no sono Vei acordou os dois e fez presente da pedra Vató pra Macunaíma E a pedra Vató dá fogo quando a gente quer E lá se foi a Sol com as três filhas de luz Macunaíma inda passou esse dia brincando com a varina pela cidade Quando foi denoite eles estavam dormindo num banco do Flamengo quando chegou uma assombração medonha Era Mianiquê Teibê que vinha pra enguilir o herói Respirava com os dedos escutava pelo umbigo e tinha os olhos no lugar das mamicas A boca era duas bocas e estavam escondidas na dobra interior dos dedos dos pés Macunaíma acordou com o cheiro da assombração e jogou no viado Flamengo fora Então MianiquêTeibê comeu a varina e se foi No outro dia Macunaíma não achou mais graça na capital da República Trocou a pedra Vató por um retrato no jornal e voltou pra taba do igarapé Tietê IX CARTA PRAS ICAMIABAS Às mui queridas súbditas nossas Senhoras Amazonas Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte e Seis São Paulo Senhoras Não pouco vos surpreenderá por certo o endereço e a literatura desta missiva Cumprenos entretanto iniciar estas linhas de saudades e muito amor com desagradável nova É bem verdade que na boa cidade de São Paulo a maior do universo no dizer de seus prolixos habitantes não sois conhecidas por icamiabas voz espúria sinão que pelo apelativo de Amazonas e de vós se afirma cavalgardes ginetes belígeros e virdes da Hélade clássica e assim sois chamadas Muito nos pesou a nós Imperator vosso tais dislates da erudição porém heis de convir conosco que assim ficais mais heróicas e mais conspícuas tocadas por essa platina respeitável da tradição e da pureza antiga Mas não devemos esperdiçarmos vosso tempo fero e muito menos conturbarmos vosso entendimento com notícias de mau calibre passemos pois imediato ao relato dos nossos feitos por cá Nem cinco sóis eram passados que de vós nos partíramos quando a mais temerosa desdita pesou sobre Nós Por uma bela noite dos idos de maio do ano translato perdíamos a muiraquitã que ou trem grafara muraquitã e alguns doutos ciosos de etimologias esdrúxulas ortografam muyrakitan e até mesmo muraquéitã não sorriais Haveis de saber que este vocábulo tão familiar às vossas trompas de Eustáquio é quase desconhecido por aqui Por estas paragens mui civis os guerreiros chamamse polícias grilos guardascívicas boxistas legalistas masorqueiros etc sendo que alguns desses termos são neologismos absurdos bagaço nefando com que os desleixados e petimetres conspurcam o bom falar lusitano Mas não nos sobra já vagar para discretearmos sub tegmine fagi sobre a língua portuguesa também chamada lusitana O que vos interessará mais por sem dúvida é saberdes que os guerreiros de cá não buscam mavórticas damas para o enlace epitalâmico mas antes as preferem dóceis e facilmente trocáveis por pequeninas e voláteis folhas de papel a que o vulgo chamará dinheiro o curriculum vitae da Civilização a que hoje fazemos ponto de honra em pertencermos Assim a palavra muiraquitã que fere já os ouvidos latinos do vosso Imperador é desconhecida dos guerreiros e de todos em geral que por estas partes respiram Apenas alguns sujeitos de importância em virtude e letras como já dizia o bom velhinho e clássico frei Luís de Sousa citado pelo doutor Rui Barbosa ainda sobre as muiraquitãs projetam as suas luzes para aquilatálas de medíocre valia originárias da Ásia e não de vossos dedos violentos no polir Estávamos ainda abatido por termos perdido a nossa muiraquitã em forma de sáurio quando talvez por algum influxo metapsíquico ou qui lo sá provocado por algum libido saudoso como explica o sábio tudesco doutor Sigmundo Freud lede Fróide se nos deparou em sonho um arcanjo maravilhoso Por ele soubemos que o talismã perdido estava nas diletas mãos do doutor Venceslau Pietro Pietra súbdito do ViceReinado do Peru e de origem francamente florentina como os Cavalcântis de Pernambuco E como o doutor demorasse na ilustre cidade anchietana sem demora nos partimos para cá em busca do velocino roubado As nossas relações actuais com o doutor Venceslau são as mais lisonjeiras possíveis e sem dúvida mui para breve recebereis a grata nova de que hemos reavido o talismã e por ela vos pediremos alvíçaras Porque súbditas dilectas é incontestável que Nós Imperator vosso nos achamos em precária condição O tesouro que daí trouxemos foinos de mister convertêlo na moeda corrente do país e tal conversão muito nos há dificultado o mantenimento devido às oscilações do Câmbio e à baixa do cacau Sabereis mais que as donas de cá não se derribam a pauladas nem brincam por brincar gratuitamente senão que a chuvas do vil metal repuxos brasonados de champagne e uns monstros comestíveis a que vulgarmente dão o nome de lagostas E quê monstros encantados senhoras Amazonas Duma carapaça polida e sobrosada feita a modo de casco de nau saem braços tentáculos e cauda remígeros de muitos feitios de modo que o pesado engenho deposto num prato de porcelana de Sêvres se nos antoja qual velejante trirreme a bordeisjar água de Nilo trazendo no bojo o corpo inestimável de Cleópatra Ponde tento na acentuação deste vocábulo senhoras Amazonas pois muito nos pesara não preferísseis conosco essa pronúncia condizente com a lição dos clássicos à pronúncia Cleópatra dicção mais moderna e que alguns vocabulistas levianamente subscrevem sem que se apercebam de que é ganga desprezível que nos trazem com o enxurro de França os galiparlas de má morte Pois é com esse dedicado monstro vencedor dos mais delicados véus paladinos que as donas de cá tombam nos leitos nupciais Assim haveis de compreender de que alvíçaras falamos porque as lagostas são caríssimas caríssimas súbditas e algumas hemos nós adquiridas por sessenta contos e mais o que convertido em nossa moeda tradicional alcança a vultosa soma de oitenta milhões de bagos de cacau Bem podereis conceber pois quanto hemos já gasto e que já estamos carecido do vil metal para brincar com tais difíceis donas Bem quiséramos impormos à nossa ardida chama uma abstinência penosa embora para vos pouparmos despesas porém que ânimo forte não cedera ante os encantos e galanteios de tão agradáveis pastoras Andam elas vestidas de rutilantes jóias e panos finíssimos que lhes acentuam o donaire do porte e mal encobrem as graças que a de nenhuma outra cedem pelo formoso do torneado e pelo tom São sempre alvíssimas as donas de cá e tais e tantas habilidades de monstram no brincar que enumerálas aqui seria fàstiendo porventura e certamente quebraria os mandamentos de discreção que em relação de Imperator para súbditas se requer Que beldades Que elegância Que cachet Que degagé flamífero ignívomo devorador Só pensamos nelas muito embora não nos descuidemos relapso da nossa muiraquitã Nós nos parece ilustres Amazonas que assaz ganharíeis em aprenderdes com elas as condescendências os brincos e passes do Amor Deixaríeis então a vossa orgulhosa e solitária Lei por mais amáveis mesteres em que o Beijo sublima as Volúpias encandecem e se demonstra gloriosa urbi et orbe a subtil força do Odor di Femina como escrevem os italianos E já que nos detivemos neste delicado assunto não no abandonaremos sem mais alguns reparos que vos poderão ser úteis As donas de São Paulo sobre serem mui formosas e sábias não se contentam com os dons e excelência que a Natura lhes concedeu assaz se preocupam elas de si mesmas e não puderam acabarem consigo que não mandassem vir de todas as partes do globo tudo o que de mais sublimado e gentil acrisolou a ciência fescenina digo feminina das civilizações avitas Assim é que chamaram mestras da velha Europa e sobretudo de França e com elas aprenderam a pas sarem o tempo de maneira bem diversa da vossa Ora se alimpam e gastam horas nesse delicado mester ora encantam os convívios teatrais da sociedade ora não fazem coisa alguma e nesses trabalhos passam elas o dia tão entretecidas e afanosas que em chegando a noute mal lhes sobra vagar para brincarem e presto se entregam nos braços de Orfeu como se diz Mas heis de saber senhoras minhas que por cá dia e noute divergem singularmente do vosso horário belígero o dia começa quando para vós é o pino dele e a noute quando estais no quarto sono vosso que por derradeiro é o mais reparador Tudo isso as donas paulistanas aprenderam com as mestras de França e mais o polimento das unhas e crescimento delas bem como aliás horjesco referens das demais partes córneas dos seus companheiros legais Deixai passe esta flórida ironia E muito há que vos diga ainda sobre o jeito com que cortam as comas de tal maneira gracioso e viril que mais se assemelham elas a efebos e Antinous de perversa memória que a matronas de tão directa progênie latina Todavia convireis conosco no desacerto de longas trancas por cá si atenderdes ao que mais atrás ficou dito pois que os doutores de São Paulo não derribam as suas requestadas pela força senão que a troco de oiro e de iocustas as ditas comas são de somenos acrescendo ainda que assim se amainam os males que tais comas acarretam de serem moradia e pasto habitual de insectos mui daninho como entre vós se dá Pois não contentes de terem aprendido de França as subtilezas e passes da galanteria à Luís XV as donas paulistanas importam das regiões mais inóspitas c que lhes acrescente ao sabor tais como pezinhos nipônicos rubis da Índia desenvolturas norteamericanas e muitas outras sabedorias e tesoiros internacionais Já agora vos falaremos ainda bem que por alto dum nitente armento de senhoras originárias da Polônia que aqui demoram e imperam generosamente São elas mui alentadas no porte e mais numerosas que as areias do mar oceano Como vós senhoras Amazonas tais damas formam um gineceu estando os homens que em suas casas delas habitam reduzidos escravos e condenados ao vil ofício de servirem E por isso não se lhes chamam homens sinão que à voz espúria de garçons respondem e são assaz polidos e silentes e sempre do mesmo indumento gravebundo trajam Vivem essas damas encasteladas num mesmo local a que chamam por cá de quarteirão e mesmo de pensões ou zona estragada sobrelevando notar que a derradeira destas expressões não caberia por indina nesta notícia sobre as coisas de São Paulo não fora o nosso anseio de sermos exacto e conhecedor Porém si como vós formam essas queridas senhoras um clã de mulheres muito de vós se apartam do físico no gênero de vida e nas ideais Assim vos diremas que vivem à noute e se não dão aos afazeres de Marte nem queimam o destro seio mas a Mercúrio cortejam tão somente e quanto aos seios deixamnos envolverem à feição de gigantescos e flácidos pomos que si lhes não acrescentam ao donaire servem para numerosos e ár duos trabalhos de excelente virtude e prodigiosa excitação Ainda lhes difere o físico tanto ou quanto monstruoso bem que de amável monstruosidade por terem elas o cérebro nas partes pudendas e como tão bem se diz em linguagem madrigalesca o coração nas mãos Falam numerosas e mui rápidas línguas são viajadas e educadíssimas sempre todas obedientes por igual emboraricamente díspares entre si quais loiras quais morenas quais fôssemaigres quais rotundas e de tal sorte abundantes no número e diversidade que muito nos preocupa a razão o serem todas e tantas originais dum país somente Acresce ainda que a todas se lhes dão o excitante embora injusto epíteto de francesas A nossa desconfiança é que essas damas não se originaram todas da Polônia porém que faltam à ver dade e são iberas itálicas germânicas turcas argentinas peruanas e de todas as outras partes férteis de um e outro hemisfério Muito estimaríamos que compartilhásseis da nossa desconfiança senhoras Amazonas e que convidásseis também algumas dessas damas para demorarem nas vossas terras e Império nosso por que aprendais com elas um moderno e mais rendoso gênero de vida que muito fará avultar os tesoiros do vosso Imperador E mesmo si não quiserdes largar mão da vossa solitária Lei sempre a existência de algumas centenas dessas damas entre vós muito nos facilitará o modus in rebus quando for no nosso retorno ao Império do Mato Virgem cujo este nome aliás proporíamos se mudasse para Império da Mata Virgem mais condizente com a lição dos clássicos Todavia para terminar negócio tão principal hemos por bem advertirvos dum perigo que essa importação acarretara si não aceitásseis alguns doutores possantes nos limites do Estado enquanto dele estivermos apartado Com serem essas damas mui fogosas e livres bem pudera pesarlhes em demasia o seqüestro inconseqüente em que viveis e por não perderem elas as ciências e segredos que lhes dão o pão bem poderiam ir ao extremo de utilizaremse das bestas feras dos bogios dos tapires e dos solertes candirus E muito mais ainda nos pesaria à consciência e sentimento nobre do dever que vós súbditas nossas aprendásseis com elas certas abusões tal como foi com as companheiras da gentil declamadora Safo na ilha rósea de Lesbos vícios esses que não suportam crítica à luz das possi bilidades humanas e muito menos o escalpelo da rígida e sã moral Como vedes assaz hemos aproveitada esta demora na ilustre terra bandeirante e si não descuidamos do nosso talismã por certo que não poupamos esforços nem vil metal por aprendermos as coisas mais principais desta eviterna civilização latina por que iniciemos quando for do nosso retorno ao Mato Virgem uma série de milhoramentos que muito nos facilitarão a existência e mais espalhem nossa prosápia de nação culta entre as mais cultas do Universo E por isso agora vos diremos algo sobre esta nobre cidade pois que pretendemos construir uma igual nos vossos domínios e Império nosso É São Paulo construída sobre sete colinas à feição tradicional de Roma a cidade cesárea capita da Latinidade de que provimos e beijalhes os pés a grácil e inquieta linfa do Tietê As águas são magníficas os ares tão amenos quanto os de Aquisgrana ou de Anver res e a área tão a eles igual em salubridade e abundância que bem se pudera afirmar ao modo fino dos cronistas que de três AAA se gera espontaneamente a fauna urbana Cidade é belíssima e grato o seu convívio Toda cortada de ruas habilmente estreitas e tomadas por estátuas e lampiões graciosíssimos e de rara escultura tudo diminuindo com astúcia o espaço de forma tal que nessas artérias não cabe a população Assim se obtém o efeito dum grande acúmulo de gentes cuja estimativa pode ser aumentada à vontade o que é propício às eleições que são invenção dos inimitáveis mineiros ao mesmo tempo que os edis dispõem de largo assunto com que ganhem dias honrados e a admiração de todos com surtos de eloqüência do mais puro estilo e sublimado lavor As ditas artérias são todas recamadas de ricocheteantes papeizinhos e velívolas cascas de fruitos e em principal duma finíssima poeira e mui dançarina em que se despargem diariamente mil e uma espécimens de vorazes macróbios que dizimam a população Por essa forma resolveram os nossos maiores o problema da circulação pois que tais insectos devoram as mesquinhas vidas da ralé e impedem o acúmulo de desocupados e operários e assim se conservam sempre as gentes em número igual E não contentes com essa poeira ser erguida pelo andar dos pedestrianistas e por urrantes máquinas a que chamam automóveis e eléctricos empregam alguns a palavra Bond voz espúria vinda certamente do inglês contrataram os diligentes edis uns antropóides monstros hipocentáureos azulegos e monótonos a que congloba o título de Limpeza Pública que per amica silencia lunae quando cessa o movimento e o pó descansa inócuo saem das suas mansões e com os rabos girantes a modo de vassouras cilíndricas puxadas por muares soerguem do asfalto a poeira e tiram os insetos do sono e os concitam à actividade com largos gestos e grita formidanda Estes afazeres nocturnos são discretamente conduzidos por pequeninas luzes dispostas de longe em longe de maneira a permanecer quase total a escuridade não perturbem elas os trabalhos de malfeitores e ladrões A cópia destes se nos afigura realmente excessiva e temos que são a única usança que não se coaduna com nosso temperamento ordeiro e pacífico de seu natural Porém longe de nós qualquer reproche aos administradores de São Paulo pois sabemos muito bem que aos valerosos Paulistas são aprazíveis tais malfeitores e suas artes São os Paulistas gente ardida e avalentoada e muito afeita às agruras da guerra Vivem em combates singulares e colectivos todos armados da cabeça aos pés assim assaz numerosos são os distúrbios por cá em que não raro tombam na arena da luta centenas de milhares de heróis chamados bandeirantes Pelo mesmo motivo São Paulo está dotada de mui aguerrida e vultosa Polícia que habita palácios brancos de custosa engenharia A essa Polícia compete ainda equilibrar os excessos da riqueza pública por se não desvalorizar o oiro incontável da Nação e tal diligência emprega nesse afã que por todos os lados devora os dinheiros nacionais quer em paradas e roupagens luzidas quer em ginásticas da recomendável Eugênia que inda não tivemos o prazer de conhecermos quer finalmente atacando os incautos burgueses que regressam do seu teatro do seu cinema ou dão a sua volta de automóvel pelos vergéis amenos que circundam a capital A essa Polícia ainda lhe compete divertir a classe das criadinhas paulistanas e para seu lustre se diga que o faz com jornaleiro préstimo em parques construídos ad hoc tais como o parque de Dom Pedro Segundo e o Jardim da Luz E quando o numerário dessa Polícia avulta são os seus homens enviados para as rechãs longínquas e menos férteis da pátria para serem devorados por súcias de gigantes antropófagos que infestam a nossa geografia na inglória tarefa de ruir por terra Governos honestos e de pleno gosto e assentimento geral da população como se descrimina das urnas e dos ágapes governamentais Esses masorqueiros pegam nos polícias assamnos e comemnos ao jeito alemão e as ossadas caídas na terra maninha são excelente adubo de futuros cafezais Assim tão bem organizados vivem e prosperam os Paulistas na mais perfeita ordem e progresso e lhes não é escasso o tempo para construírem generosos hospitais atraindo para cá todos os leprosos sulamericanos Mineiros Paraibanos Peruanos Bolivianos Chilenos Paraguaios que antes de ir morarem nesses lindíssimos leprosários e serem servidos por donas de duvidosa e decadente beldade sempre donas animam as estradas do Estado e as ruas da capital em garridas comitivas eqüestres ou em maratonas soberbas que são o orgulho de nossa raça desportiva em cujo conspeito pulsa o sangue das heróicas bigas e quadrigas latinas Porém senhoras minhas Inda tanto nos sobra por este grandioso país de doenças e insectos por cuidar Tudo vai num descalabro sem comedimento e estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes Em breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte Por isso e para eterna lembrança destes Paulistas que são a única gente útil do país e por isso chamados de Locomotivas nos demos ao trabalho de metrificarmos um dístico em que se encerram os segredos de tanta desgraça POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA OS MALES DO BRASIL SÃO Este dístico é que houvemos por bem escrevermos no livro de Visitantes Ilustres do Instituto Butantã quando foi da nossa visita a esse estabelecimento famoso na Europa Moram os Paulistanos em Palácios alterosos de cinqüenta cem e mais andares a que nas épocas da procreação invadem umas nuvens de mosquitos pernilongos de vária espécie muito ao gosto dos nativos mordendo os homens e as senhoras com tanta propriedade nos seus distintivos que não precisam eles e elas das cáusticas urtigas para as massagens da excitação tal como entre os selvícolas é de uso Os pernilongos se encarregam dessa faina e obram tais milagres que nos bairros miseráveis surge anualmente uma incontável multidão de rapazes e raparigas bulhentos a que chamamos italianinhos destinados a alimentarem as fábricas dos áureos potentados e a servirem escravos o descanso aromático dos Cresos Estes e outros multimilionários é que ergueram em torno da urbs as doze mil fábricas de seda e no recesso dela os famosos Cafés maiores do mundo todos de obra de talha em jacarandá folhado de oiro com embutidos de salsas tartarugas E o Palácio do Governo é todo de oiro à feição dos da Rainha do Adriático e em carruagens de prata forradas de peles finíssimas o Presidente que mantém muitas esposas passeia ao cair das tardes sorrindo com vagar De outras c muitas grandezas vos poderíamos ilustrar senhoras Amazonas não fora perlongar demasiado esta epístola todavia com afirmarvos que esta é por sem dúvida a mais bela cidade terráquea muito hemos feito em favor destes homens de prol Mas cairnosiam as faces si ocultáramos no silêncio uma curiosidade original deste povo Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa que falam numa língua e escrevem noutra Assim chegado a estas plagas hospitalares nos demos ao trabalho de bem nos inteirarmos da etnologia da terra e dentre muita surpresa e assombro que se nos deparou por certo não foi das menores tal originalidade lingüística Nas conversas utilizamse os paulistanos dum linguajar bárbaro e multifário crasso de feição e impuro na vernaculidade mas que não deixa de ter o seu sabor e força nas apóstrofes e também nas vozes do brincar Destas e daquelas nos inteiramos solícito e nos será grata empresa volas ensinarmos aí chegado Mas si de tal desprezível língua se utilizam na conversação os naturais desta terra logo que tomam da pena se despojam de tanta asperidade e surge o Homem Latino de Lineu exprimindose numa outra linguagem mui próxima da vergiliana no dizer dum panegirista meigo idioma que com imperecível galhardia se intitula língua de Camões De tal originalidade e riqueza vos háde ser grato ter ciência e mais ainda vos espantareis com saberdes que à grande e quase total maioria nem essas duas línguas bastam senão que se enriquecem do mais lídimo italiano por mais musical e gracioso e que por todos os recantos da urbs é versado De tudo nos inteiramos satisfatoriamente graças aos deuses e muitas horas hemos ganho discretando sobre o z do termo Brazil e a questão do pronome se Outrossim hemos adquirido muitos livros bilíngües chamados burros e o dicionário Pequeno Larousse e já estamos em condições de citarmos no original latino muitas frases célebres dos filósofos e os testículos da Bíblia Enfim senhoras Amazonas heis de saber ainda que a estes progressos e luzida civilização hão elevado esta grande cidade os seus maiores também chamados de políticos Com este apelativo se designa uma raça refinadíssima de doutores tão desconhecidos de vós que os diríeis monstros Monstros são na verdade mas na grandiosidade incomparável da audácia da sapiência da honestidade e da moral e embora algo com os homens se pareçam originamse eles dos reais uirauaçus e muito pouco têm de humanos Obedecem todos a um imperador chamado Papai Grande na gíria familiar e que demora na oceânica cidade do Rio de Janeiro a mais bela do mundo na opinião de todos os estrangeiros e que por meus olhos verifiquei Finalmente senhoras Amazonas e muito amadas súbditas assaz hemos sofrido e curtido árduos e constantes pesares depois que os deveres da nossa posição nos apartaram do Império do Mato Virgem Por cá tudo são delícias e venturas porém nenhum gozo teremos e nenhum descanso enquanto não rehouvermos o perdido talismã Hemos por bem repetir entretanto que as nossas relações com o doutor Venceslau são as milhores possíveis que as negociações estão entaboladas e perfeitamente encaminhadas e bem poderíeis enviar de antemão as alvíçaras que enunciamos atrás Com pouco o vosso abstêmio Imperador se contenta si não puderdes enviar duzentas igaras cheias de bagos de cacau mandai cem ou menos cinqüenta Recebei a bênção do vosso Imperador e mais saúde e fraternidade Acatai com respeito e obediência estas mal traçadas linhas e principalmente não vos esqueçais das alvíçaras e das polonesas de que muito hemos mister Ci guarde a Vossas Excias Macunaíma Imperator X PAUÍPÓDOLE Venceslau Pietro Pietra ficara muito doente com a sova e estava todo envolvido em rama de algodão Passou meses na rede Macunaíma não podia nem dar passo pra conseguir a muiraquitã agora guardada dentro do caramujo por debaixo do corpo do gigante Ima ginou botar formiga cupim no chinelo do outro porque isso traz morte dizem porém Piaimã tinha pé pra trás e não usava chinelo Macunaíma estava muito contrariado com aquele chovenãomolha e passava o dia na rede mastigando beiju membeca entre codórios longos de restilo Nesse tempo veio pedir pousada na pensão o índio Antônio santo famoso com a companheira dele Mãe de Deus Foi visitar Macunaíma fez discurso e batizou o herói diante do deus que havia de vir e tinha forma nem bem de peixe nem bem de anta Foi assim que Macunaíma entrou pra religião Caraimonhaga que estava fazendo furor no sertão da Bahia Macunaíma aproveitava a espera se aperfeiçoando nas duas línguas da terra o brasileiro falado e o português escrito Já sabia nome de tudo Uma feita era dia da Flor festa inventada prós Brasileiros serem caridosos e tinha tantos mosquitos carapanãs que Macunaíma largou do estudo e foi na cidade refrescar as idéias Foi e viu um despropósito de coisas Parava em cada vitrina e examinava dentro dela aquela porção de monstros tantos que até parecia a serra do Ererê onde tudo se refugiou quando a enchente grande inundou o mundo Macunaíma passeava passeava e encontrou uma cunhatã com uma urupema carregadinha de rosas A mocica fez ele parar e botou uma flor na lapela dele falando Custa milréis Macunaíma ficou muito contrariado porque não sabia como era o nome daquele buraco da máquina roupa onde a cunhatã enfiara a flor E o buraco chamava botoeira Imaginou escarafunchando na memória bem mas nunca não ouvira mesmo o nome daquele buraco Quis chamar aquilo de buraco porém viu logo que confundia com os outros buracos deste mundo e ficou com vergonha da cunhatã Orifício era palavra que a gente escrevia mas porém nunca ninguém não falava orifício não Depois de pensamentear pensamentear não havia meios mesmo de descobrir o nome daquilo e pôs reparo que da rua Direita onde topara com a cunhatã já tinha ido parar adiante de São Bernardo passada a moradia de mestre Cosme Então voltou pagou pra moça e falou de ventainchada A senhora me arrumou com um diadejudeu Nunca mais me bote flor neste neste puíto dona Macunaíma era desbocado duma vez Falara uma bocagem muito porca muito A cunhatã não sabia que puíto era palavrafeia não e enquanto o herói voltava aluado com o caso pra pensão ficou se rindo achando graça na palavra Puíto que ela dizia E repetia gozado Puíto Puíto Imaginou que era moda Então se pôs falando pra toda a gente si queriam que ela botasse uma rosa no puíto deles Uns quiseram outros não quiseram as outras cunhatãs escutaram a palavra a empregaram e puíto pegou Ninguém mais não falava em boutonnière por exemplo só puíto puíto se escutava Macunaíma ficou de azeite uma semana sem comer sem brincar sem dormir só porque desejava saber as línguas da terra Lembrava de perguntar prós outros como era o nome daquele buraco mais tinha ver gonha de irem pensar que ele era ignorante e moita Afinal chegou o domingo pédecachimbo que era dia do Cruzeiro feriado novo inventado prós Brasileiros descansarem mais De manhã teve parada na Mooca ao meiodia missa campal no Coração de Jesus às dezessete corso e batalha de confetes na avenida Rangel Pes tana e denoite depois da passeata dos deputados e desocupados pela rua Quinze ia queimar um fogodeartifício no Ipiranga Então pra espairecer Macunaíma foi no parque ver os fogos Nem bem saiu da pensão topou com uma cunha clara louríssima filhinhadamandioca bem toda de branco e o chapéu de tucumã vermelho coberto de margaridinhas Chamava Fráulein e sempre carecia de proteção Foram juntos e chegaram lá O parque estava uma boniteza Tinha tantas máquinas repuxos misturadas com a máquina luz elétrica que a gente se encostava um no outro no escuro e as mãos se agarravam pra agüentar a admiração Assim a dona fez e Macunaíma sussurrou docemente Mani filhinha da mandioca Pois então a alemãzinha chorando comovida se virou e perguntou pra ele si deixava ela afincar aquela margarida no puíto dele Primeiro o herói ficou muito assarapantado muito e quis zangar porém depois ligou os fatos e percebeu que fora muito inteligente Macunaíma deu uma grande gargalhada Mas o caso é que puíto já entrara pras revistas estudando com muita ciência os idiomas escrito e falado e já estava mais que assente que pelas leis de catalepse elipse síncope mentonímia metafonia metátese próclise prótese aférese apócope haplologia etimologia popular todas essas leis a palavra botoeira viera a dar em puíto por meio duma palavra intermediária a voz latina rabanitius botoeirarabanitiuspuíto sendo que rabanitius embora não encontrada nos documentos medievais afirmaram os doutos que na certa existira e fora corrente no sermo vulgaris Nesse momento um mulato da maior mulataria trepou numa estátua e principiou um discurso entusiasmado explicando pra Macunaíma o que era o dia do Cruzeiro No céu escampado da noite não tinha uma nuvem nem Capei A gente enxergava os conhecidos os paisdasárvores os paisdasaves os paisdascaças e o parentes manos pais mães tias cunhadas cunhas cunhatãs todas essas estrelas piscapiscando bem felizes nessa terra sem mal adonde havia muita saúde e pouca saúva o firmamento lá Macunaíma escutava muito agradecido concordando com a fala comprida que o discursador fazia pra ele Só depois do homem apontar muito e descrever muito é que Macunaíma pôs reparo que o tal de Cruzeiro era mas eram aquelas quatro estrelas que ele sabia muito bem serem o Pai de Mutum morando no campo do céu Teve raiva da mentira do mulato e berrou Não é não Meus senhores que o outro discursava aquelas quatro estrelas rutilantes como lágrimas ardentes no dizer do sublime poeta são o sacrossanto e tradicional Cruzeiro que Não é não Psiu o símbolo mais Não é não Apoiados Fora Psiu Psiu mais susublime e maravilhoso da nossa amarmada pátria é aquele misterioso Cruzeiro lucilante que Não é não vevedes com Nan sculhàmba suas qua tro claras lantejoulas de prat Não é não Não é não que outros gritavam também Com tanta bulha afinal o mulato entrupigaitou e todos os presentes animados pelo Não é não do herói estavam com muita vontade de fazer um chinfrim Porém Macunaíma tremia tão tiririca que nem percebeu Pulou em riba da estátua e principiou contando a história do Pai do Mutum E era assim Não é não Meus senhores e minhas senhoras Aquelas quatro estrelas lá é o Pai do Mutum juro que é o Pai do Mutum minha gente que pára no campo vasto do céu Isso foi no tempo em que os animais já não eram mais homens e sucedeu no grande mato Fulano Era uma vez dois cunhados que moravam muito longe um do outro Um chamava CamãPabinque e era catimbozeiro Uma feita o cunhado de CamãPabinque entrou no mato por amor de caçar um bocado Estava fazendo e topou com PauíPódole e seu compadre o vagalume Camaiuá E PauíPódole era o Pai do Mutum Estava trepado no galho alto da acapu descansando Vai o cunhado do feiticeiro voltou pra maloca e falou pra companheira dele que tinha topado com PauíPódole e seu compadre Camaiuá E o Pai do Mutum com seu compadre num tempo muito de dantes já foram gente que nem nós O homem falou mais que bem que tinha querido matar Pauí Pódole com a sarabatana porém não alcançara o poleiro alto do Pai do Mutum na acapu E então pegou na frecha de pracuuba com ponta de taboca e foi pescar carataís Logo CamãPabinque chegou na maloca do cunhado e falou Mana o que foi que vosso companheiro falou pra você Então a mana contou tudo pro feiticeiro e que PauíPódole estava empoleirado na acapu com seu compadre o vagalume Camaiuá No outro dia manhãzinha CamãPabinque saiu do papiri dele e achou PauíPódole piando na acapu Então o catimbozeiro virou na tocandeira Ilague e foi subindo pelo pau mas o Pai do Mutum enxergou a formigona e soprou um pio forte Bateu um ventarão tamanho que o feiticeiro despencou do pau caindo nas capituvas da serrapilheira Então virou na tacuri Opalá menorzinha e foi subindo outra vez porém PauíPódole tornou a enxergar a formiga Soprou e veio um ventinho brisando que sacudiu Opalá nas trapoerabas da serrapilheira Então CamãPabinque virou na lavapés chamada Megue pequetitinha subiu na acapu ferrou o Pai do Mutum bem no furinho do nariz enrolou o corpico e trazendo o nãosediz entre os ferrões juque esguichou ácidofórmico aí Chi minha gente Isso PauíPódole abriu um vôo esparramado com a dor e espirrou Megue longe O feiticeiro nem não pôde sair mais do corpo de Megue do susto que pegou E ficou mais essa praga da formiguinha lavapés pra nós Gente Pouca saúde e muita saúva Os males do Brasil são já falei No outro dia PauíPódole quis ir morar no céu pra não padecer mais com as formigas da nossa terra fez Pediu pro compadre vagalume alumiar o caminho na frente com as lanterninhas verdes bem acesas O vagalume Cunavá sobrinho do outro foi na frente alumiando caminho pra Camaiuá e pediu pro mano que fosse na frente alumiando pra ele também O man0 pediu pro pai o pai pediu pra mãe a mãe pediu pra toda a geração o chefedepolícia e o inspetor do quarteirão e muitos muitos uma nuvem de valumes foram alumiando caminho uns prós outros Fizeram gostaram de lá e sempre uns atrás dos outros nunca mais voltaram do campo vasto do céu É aquele caminho de luz que daqui se enxerga atravessando o espaço PauíPódole então avoou pro céu e ficou lá Minha gente aquelas quatro estrelas não é Cruzeiro que Cruzeiro nada É o Pai do Mutum É o Pai do Mutum minha gente É o Pai do Mutum PauíPódole que pára no campo vasto do Céu Tem mais não Macunaíma parou fatigado Então se ergueu do povaréu um murmurejo longo de felicidade fazendo relumear mais ainda as gentes os paisdospássaros os paisdospeixes os paisdosinsetos os pais dasárvores todos esses conhecidos que param no campo do céu E era imenso o contentamento daquela paulistanada mandando olhos de assombro pras gentes pra todos esses pais dos vivos brilhando morando no céu E todos esses assombros deprimeiro foram gente depois foram os assombros misteriosos que fizeram nascer todos os seres vivos E agora são as estrelinhas do céu O povo se retirou comovido feliz no coração cheio de explicações e cheio das estrelas vivas Ninguém não se amolava mais nem com dia do Cruzeiro nem com as máquinas repuxos misturadas com a máquina luz elétrica Foram pra casa botar pelego por debaixo do lençol porque por terem brincado com fogo aquela noite na certa que iam mijar na cama Foram todos dormir E a escuridão se fez Macunaíma parado em riba da estátua ficara sozinho ali Também estava comovido Olhou pra altura Que Cruzeiro nada Era Pauí Pódole se percebia bem daqui E PauíPódole estava rindo pra ele agradecendo De repente piou comprido parecendo tremdeferro Não era trem era piado e o sopro apagou todas as luzes do parque Então o Pai do Mutum mexeu uma asa mansamente se despedindo do herói Macunaíma ia agradecer porém o pássaro erguendo a poeira da neblina largou numa carreira esparramando pelo campo vasto do céu XI A VELHA CEIUCI No outro dia o herói acordou muito constipado Era porque apesar do calorão da noite ele dormira de roupa com medo da Caruviana que pega indivíduo dormindo nu Mas estava muito gangento com o sucesso do discurso da véspera Esperou impaciente os quinze dias da doença resolvido a contar mais casos pro povo Porém quando se sentiu bom era manhãzinha e quem conta história de dia cria rabo de cotia Por isso convidou os manos pra caçar fizeram Quando chegaram ao bosque da Saúde o herói murmurou Aqui serve Dispôs os manos nas esperas botou fogo no bosque e ficou também amoitado esperando que saísse algum viado mateiro pra ele caçar Porém não tinha nenhum viado lá e quando queimada acabou jacaré saiu pois nem viado mateiro nem viado catingueiro saíram só dois ratos chamuscados Então o herói caçou os ratos chamuscados comeuos e sem chamar os manos voltou pra pensão Lá chegado ajuntou os vizinhos criados a patroa cunhas datilógrafos estudantes empregadospúblicos muitos empregados públicos todos esses vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do Arouche e matara dois mateiros não eram viados mateiros não dois viados catingueiros que comi com os manos Até vinha trazendo um naco pra vocês mas porém escorreguei na esquina caí derrubei o embrulho e cachorro comeu tudo Toda a gente se sarapantou com o sucedido e desconfiaram do herói Quando Maanape e Jiguê voltaram os vizinhos foram perguntar pra eles si era verdade que Macunaíma caçara dois catingueiros na feira do Arouche Os manos ficaram muito inquizilados porque não sabiam mentir e exclamaram irritadíssimos Mas que catingueiros esses O herói nunca matou viado Não tinha nenhum viado na caçada não Gato miador pouco caçador gente Em vez foram dois ratos chamuscados que Macunaíma pegou e comeu Então os vizinhos perceberam que tudo era mentira do herói tiveram raiva e entraram no quarto dele pra tomar satisfação Macunaíma estava tocando numa flautinha feita de canudo de mamão Parou o sopro aparou o bocal da flautinha e se admirou muito sos segado Praquê essa gentama no meu quarto agora Faz mal pra saúde gente Todos perguntaram pra ele O que foi mesmo que você caçou herói Dois viados mateiros Então os criados as cunhas estudantes empregadospúblicos todos esses vizinhos principiaram rindo dele Macunaíma sempre aparando o bocal da flautinha A patroa cruzando os braços ralhou assim Mas meus cuidados praquê você fala que foram dois viados e em vez foram dois ratos chamuscados Macunaíma parou assim os olhos nela e secundou Eu menti Todos os vizinhos ficaram com cara de André e cada um foi saindo na maciota E André era um vizinho que andava sempre encalistrado Maanape e Jiguê se olharam com inveja da inteligência do mano Maanape inda falou pra ele Mas praquê você mentiu herói Não foi por querer não quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando reparei estava mentindo Jogou a flautinha fora pegou no ganzá pigarreou e descantou Descantou a tarde inteirinha uma moda tão sorumbática mas tão sorumbática que os olhos dele choravam a cada estrofe Parou porque os soluços não deixaram mais continuar Largou do ganzá Lá fora a vista era uma tristura de entardecer dentro da cerração Macunaíma sentiuse desinfeliz e teve saudades de Ci a inesquecível Chamou os manos pra se consolarem todos juntos Maanape e Jiguê sentaram junto dele na cama e os três falaram longamente da Mãe do Mato E espalhando a saudade falaram dos matos e cobertos cerrações deuses e barrancas traiçoeiras do Uraricoera Lá que eles tinham nascido e se rido pela primeira vez nos macurus Encostados nas maquiras pra lá do limpo do mocambo os guirás cantavam o que não dava o dia e eram pra mais de quinhentas as famílias dos guirás Perto de quinze vezes mil espécies de animais assombravam o mato de tantos milhões de paus que não tinham mais conta Uma feita um branco trouxera da terra dos Ingleses dentro dum sapiquá gótico a constipação que fazia agora Macunaíma tanto chorar de sodades E a constipação tinha ido morar no antro das formigas mumbucas mui pretas Na escureza o calor se amaciava como saindo das águas pra trabalhar se cantava nossa mãe ficara virada numa coxilha mansa no lugar chamado Pai do Tocandeira Ai que preguiça E os três manos perceberam per tinho o murmurejo do Uraricoera Oh como era bom por lá O herói se atirou pra trás chorando largado na cama Quando a vontade de chorar parou Macunaíma afastou os mosquitos e quis espairecer Se lembrou de ofender a mãe do gigante com uma bocagem novinha vinda da Austrália Virou Jiguê na máquina telefone porém o mano inda estava muito confundido com o caso da mentira do herói e não houve meios de ligar O aparelho tinha defeito Então Macunaíma fumou fava de paricá pra ter sonhos gostosos e adormeceu bem No outro dia lembrou que precisava se vingar dos manos e resolveu passar um pealo neles Levantou madrugadinha e foi esconder no quarto da patroa Brincou pra fazer tempo Depois voltou falando afobado prós manos Oi manos achei rasto fresco de tapir bem na frente da Bolsa de Mercadorias Que me diz perdiz Pois é Quem que havia de dizer Ninguém inda não matara tapir na cidade Os manos se sarapantaram e foram com Macunaíma caçar o bicho Chegaram lá principiaram procurando o rasto e aquele mundão de gente comerciantes revendedores baixistas matarazos vendo os três manos curvados pro asfalto procurando principiaram campeando também todo aquele mundão de gente Procuraram procuraram você achou nem eles Então perguntaram pra Macunaíma Onde que você achou rasto de tapir Aqui não tem rasto nenhum não Macunaíma não parava de campear falando sempre Tetápe dzónanei pemonéite hêhê zeténe netaíte E os manos regatões zanguões tequeteques madalenas e Hungareses recomeçavam procurando o rasto Quando cansavam e paravam pra perguntar Macunaíma campeando sempre secundava Tetápe dzónanei pemonéite hêhê zeténe netaíte E todo aquele mundão de gente procurando Era já perto da noite quando pararam desacorçoados Então Macunaíma se desculpou Tetápe dzónanei pemo Não deixaram nem que ele acabasse todos perguntando o que significava aquela frase Macunaíma respondeu Sei não Aprendi essas palavras quando era pequeno lá em casa E todos se queimaram muito Macunaíma fastou disfarçado falando Calma gente Tetápe hêhê Não falei que tem rasto de tapir não falei que tinha Agora não tem mais não Foi pior Um dos comerciantes se zangou de verdade e o repórter que estava ao pé dele vendo o outro zangado zangou também por demais Isso não vai assim não Pois então a gente vive trabucando pra ganhar o pãonosso e vai um indivíduo tira a gente o dia inteiro do trabalho só pra campear rasto de tapir Mas eu não pedi pra ninguém procurar rasto moço me desculpe Meus manos Maanape e Jiguê é que andaram pedindo eu não Culpa é deles Então o povo que já estava todo zangado virou contra Maanape e contra Jiguê Já todos e eram muitos estavam com vontade de armar uma briga Então um estudante subiu na capota dum auto e fez discurso contra Maanape e contra Jiguê O povo estava ficando zangadíssimo Meus senhores a vida dum grande centro urbano como São Paulo já obriga a uma intensidade tal de trabalho que não permitese mais dentro da magnífica entrosagem do seu progresso siquer a passagem momentânea de seres inócuos Ergamonos todos una você contra os miasmas deletérios que conspurcam o nosso organismo social e já que o Governo cerra os olhos e delapida os cofres da Nação sejamos nós mesmos os justiçadores Lincha lincha que o povo principiou gritando Quê lincha nada exclamou Macunaíma tomando as dores pelos manos E todos se viraram contra ele outra vez E agora já estavam zangadíssimos O estudante continuava pra si e quando o trabalho honesto do povo é perturbado por um desconhecido O quê quem que é desconhecido berrou Macunaíma desesperado com a ofensa Você Não sou táí É Ora vá desmamar jacu com alpiste moço Desconhecida é a senhora vossa mãe ouviu e virando pro povo O que vocês estão pensando hein Não tenho medo não nem de um nem de dois nem de dez mil e daqui a pouco eu arraso tudo isto aqui Uma madalena que estava na frente do herói virou pro comerciante atrás dela e zangou Não bolina senvergonha O herói estava cego de raiva pensou que era com ele e Quê não bolina agora não estou bolinando ninguém sua lambisgóia Lincha o bolina Pau nele Pois venham cafajestes E avançou pra multidão O advogado quis fugir porém Macunaíma atirou um pontapé nas costas dele e entrou pelo povo distribuindo rasteiras e cabeçadas De repente viu na frente um homem alto loiro mui lindo E o homem era um grilo Macunaíma teve ódio de tanta boniteza e chimpou uma bruta duma bolacha nas fuças do grilo O grilo berrou e enquanto falava uma frase em língua estrangeira agarrou o herói pelo congote Prrrêso O herói gelou Preso por quê O polícia secundou uma porção de coisas em língua estrangeira e segurou firme Não estou fazendo nada que o herói murmurava com medo Porém o grilo não quis conversa e foi descendo a ladeirinha com o povo todo atrás Outro grilo chegou e os dois falaram muitas frases muitas em língua estrangeira e lá foram empurrando o herói ladeira abaixo Uma testemunha de tudo contou o sucedido pra um senhor que estava na porta duma casa de frutas e o senhor penalizado atravessou a multidão e fez os grilos pararem Era já na rua Libero Então o senhor fez um discurso prós grilos que eles não deviam de levar Macunaíma preso porque o herói não fizera nada Tinha ajuntado uma porção de grilos mas nenhum não entendia o discurso porque nenhum não pescava nada de brasileiro As mulheres choravam com dó do herói Os grilos falavam por demais numa língua estrangeira e uma voz gritou Não pode Então o povo ficou com muita vontade de pelear outra vez e de todos os lados agora estavam gritando Larga Não leva Não pode Não pode um chinfrim Solta Um fazendeiro estava disposto a fazer discurso insultando a Polícia Os grilos não entendiam nada e gesticulavam muito atrapalhados falando em língua estrangeira Formouse um furdunço temível Então Macunaíma se aproveitou da trapalhada e pernas praquê vos quero Vinha um bonde na carreira badalando Macunaíma pongou o bonde e foi ver como passava o gigante Venceslau Pietro Pietra já principiava convalescendo da sova apanhada na macumba Fazia um calorão dentro da casa porque era hora de cozinharem a polenta e fora a fresca era boa por causa do vento sulão Por isso o gigante com a velha Ceiuci as duas filhas e a criadagem pegaram cadeiras e vieram sentar na porta da rua pra gozar a frescata O gigante ainda não saíra do algodão e estava talequal um fardo caminhando Sentaram O curumi Chuvisco andava librinando pelo bairro e encontro Macunaíma negaceando da esquina Parou e ficou olhando o herói Macunaíma virouse Nunca viu não Quê que você está fazendo aí conhecido Estou assustando o gigante Piaimã com sua família Chuvisco debicou Qual não vê que gigante tem medo de ti Macunaíma encarou o curumi empalamado e teve raiva Quis bater nele porém lembrou de cor Quando você estiver embrabecendo conta três vezes os botões da vossa roupa contou e ficou manso de novo Então secundou Quer apostar Eu faço e aconteço e garanto que Paiamã vai pra dentro com medo de mim Esconde lá perto pra escutar só o que eles falam Chuvisco avisou Oi conhecido tome tento com gigante Você já sabe do que ele é capaz Piaimã está fraco está fraco porém canudo que teve pimenta guarda o ardume Si você não tem medo mesmo aposto Virou numa gota e pingou rente de Venceslau Pietro Pietra com a companheira as filhas e a criadagem Então Macunaíma pegou na primeira palavrafeia da coleção e jogou na cara de Piaimã O palavrão bateu de rijo porém Venceslau Pietro Pietra nem se incomo dou direitinho elefante Macunaíma chimpou outra bocagem mais feia na caapora A ofensa bateu rijo porém se incomodar é que ninguém se incomodou Então Macunaíma jogou toda a coleção de bocagens e eram dez mil vezes dez mil bocagens Venceslau Pietro Pietra falou pra velha Ceiuici bem quieto Tem algumas que a gente não conhece inda não guarda pra nossas filhas Então Chuvisco voltou pra esquina O herói garganteou Tiveram medo ou não tiveram Medo nada conhecido Até o gigante mandou guardar as bocagens novas pras filhas brincarem De mim que eles têm medo ocê aposta Vá lá perto e escute só Macunaíma virou num caxipara que é o macho da formiga saúva e foi se enroscar na rama de algodão acolchoando o gigante Chuvisco amontou numa neblina e quando ia passando em riba da família deu uma mijadinha no ar Principiou peneirando uma chuvadepreguiça Quando os pingos vieram caindo o gigante olhou pra um agarrado na mão dele e teve paúra de tanta água Vambora gente E todos com muito medo foram correndo pra dentro Então Chuvisco desapeou e disse pra Macunaíma Está vendo E assim até hoje A família do gigante tem medo de Chuvisco mas de palavrafeia não Macunaíma ficou muito despeitado e perguntou pro rival Me diga uma coisa você conhece a língua do limpimguapá Nunca vi mais gordo Pois então rival Vápá àpá merperdapá E abriu o pala até a pensão Mas estava muito contrariado por ter perdido a aposta e se lembrou de fazer uma pescaria Porém não podia pescar nem de frecha nem com timbó nem cunambi nem tiguí nem macerá nem no pari nem com linha nem arpão nem juquiaí nem sararaca nem gaponga nem de poita nem de cassuá nem itapuá nem de giqui nem de grozera nem de gererê guê tresmalho aparador gungá cambango arinque batebate gradeira caicai penca anzol de vara covo todos esses objetos armadilhas e ve nenos porque não possuía nada disso não Fez um anzol com cera de mandaguari mas bagre mordia levava anzol e tudo Porém tinha ali perto um Inglês pescando aimarás com anzol de verdade Macunaíma voltou pra casa e falou pra Maanape Quê que havemos de fazer Carecemos de tomar anzol de Inglês Vou tirar aimará de mentira pra enganar o bife Quando ele me pescar e der a batida na minha cabeça então faço juque enganando que morri Ele me atira no samburá você pede o peixe mais grande pra comer e sou eu Fez Virou num aimará pulou na lagoa o Inglês pescouo e bateu na cabeça dele O herói gritou Juque Mas o Inglês tirou o anzol da goela do peixe porém Maanape veio vindo e muito disfarçado pediu pro Inglês Dá peixe pra mim seu Yes Ali right E deu um lambari de rabo vermelho Ando padecendo de fome seu Inglês dá um macota vá esse um gordinho do samburá Macunaíma estava com o olho esquerdo dormindo porém Maanape conheceuo bem Maanape era feiticeiro O Inglês deu o aimará pra Maanape que agradeceu foise embora Quando estava légua e meia longe o limará virou Macunaíma outra vez Assim três vezes Inglês sempre tirando anzol da goela do herói Macunaíma segredou pro mano Quê que havemos de fazer Carecemos de tomar anzol de Inglês Vou virar piranha de mentira e arranco anzol da vara Virou numa piranha feroz pulou na lagoa arrancou anzol e desvirando outra vez légua e meia abaixo no lugar chamado Poço do Umbu onde tinha umas pedras cheias de letreiros encarnados da gente fenícia sacou anzol da goela bem contente porque agora podia pescar corimã piraíba aruana pirara piaba todos essespeites Os dois manos iamse quando escutaram Inglês falando pra Uruguaio Que posso fazer agora Não possuo mais anzol que a piranha engoliu Vou pra vossa terra conhecido Então Macunaíma fez um grande gesto com os dois braços e gritou Espera um bocado tapuitinga O Inglês se voltou e Macunaíma só de caçoada virouo na máquina London Bank No outro dia falou prós manos que ia pescar peixões no igarapé Tietê Maanape avisou Não vá herói que você topa com a velha Ceiuci mulher do gigante Te come heim Não tem inferno pra quem já navegou no Cachoeira que Macunaíma exclamou E partiu Nem bem lançou a linha de cima dum mutá que veio vindo a velha Ceiuci pescando de tarrafa A caapora viu a sombra de Macunaíma refletida nágua jogou depressa a tarrafa e só pescou sombra O herói nem não achou graça porque estava tremendo de medo vai pra agradecer falou assim Bomdia minha vó A velha virou a cara pro alto e descobriu Macunaíma em riba do mutá Vem cá meu neto Não vou lá não Pois então mando marimbondos Fez Macunaíma arrancou um molho de pataqueira e matou os marimbondos Desce meu neto que sinão mando novatas Fez As formigas novatas ferraram em Macunaíma e ele caiu nágua Então a velha tarrafiou envolveu o herói nas malhas e foi pra casa Lá chegada pôs o embrulho na saladevisitas que tinha um abajur encarnado e foi chamar a filha mais velha que era bem habilidosa pras duas comerem o pato que ela caçara E o pato era Macunaíma o herói Porém a filhona estava muito ocupada porque era mesmo habilidosa e a velha pra adiantar serviço foi fazer fogo A caapora possuía duas filhas e a mais nova que não era nada habilidosa e só sabia suspirar enxergando a velha fazer fogo imaginou Mãe quando vem da pescaria conta logo o que pescou hoje não Vou ver Desenrolou a tarrafa e saiu dela um moço bem do gosto O herói falou Me esconde Então a moça que estava mui bondosa porque vivia desocupada desde tempo levou Macunaíma pro quarto e brincaram Agora estão se rindo um pro outro Quando fogo ficou bem quente a velha Ceiuci veio com a filhona habilidosa pra depenarem o pato porém acharam só tarrafa A caapora embrabeceu Isso háde ser minha filhinha nova que é muito bondosa Bateu no quarto da moça gritando Minha filhinha nova entrega já meu pato que sinão enxoto você da casa minha pra todo o sempre A moça ficou com medo e mandou Macunaíma atirar vinte milréis por debaixo da porta pra ver si contentava a gulosa Macunaíma de medo já atirou cem que viraram em muitas perdizes lagostas robalos vidrosdeperfume e caviar A velha gulosa engoliu tudo e pediu mais Então Macunaíma atirou um conto de réis por debaixo da porta O conto virou em mais lagostas coelhos pacas champanha rendas cogumelos rãs e a velha sempre comendo e pedindo mais Então a moça bondosa abriu a janela dando pro Pacaembu deserto e falou Vou dizer três adivinhas si você descobre te deixo fugir O que é que é É comprido roliço e perfurado entra duro e sai mole satisfaz o gosto da gente e não é palavra indecente Ah isso é indecência sim Bobo é macarrão Ahn é mesmo Engraçado não Agora o que é que é Qual o lugar onde as mulheres têm cabelo mais crespinho ôh que bom isso eu sei é aí Cachorro É na África sabe Me mostra por favor Agora é a última vez Diga o quê que é Mano vamos fazer Aquilo que Deus consente Ajuntar pêlo com pêlo Deixar o pelado dentro E Macunaíma Ara Também isso quem não sabe Mas cá pra nós que ninguém nos ouça você é bem senvergonha dona Descobriu Não é dormir ajuntando os pêlos das pestanas e deixando o olho pelado dentro que você está imaginando Pois si você não acertasse pelo menos uma das advinhas te entregava pra gulosa de minha mãe Agora fuja sem escarcéu serei expulsa voarei pro céu Na esquina você encontra uns cavalos Tome o castanhoescuro que pisa no mole e no duro Esse é bom Si você escuta um passarinho gritando Baúa Baúa então é a velha Ceiuci chegando Agora fuja sem escar céu serei expulsa voarei pro céu Macunaíma agradeceu e pulou pela janela Na esquina estavam dois cavalos um castanhoescuro e outro cardãopedrez Cavalo cardãopedrez pra carreira Deus o fez Macunaíma murmurou Pulou nesse e abriu na galopada Caminhou caminhou caminhou e já perto de Manaus ia correndo quando o cavalo deu uma topada que arrancou chão No fundo do buraco Macunaíma enxergou uma coisa relumeando Cavou depressa e descobriu o resto do deus Marte escultura grega achada naquelas paragens inda na Monarquia e primeirodeabril passado no Araripe de Alencar pelo jornal chamado Comércio do Amazonas Estava contemplando aquele torso macanudo quando escutou Baúa Baúa Era a velha Ceiuci chegando Macunaíma esporeou o cardãopedrez e depois de perto de Mendoza na Argentina quasi dar um esbarrão num galé que também vinha fugindo da Guiana Francesa chegou num lugar onde uns padres estavam melando Gritou Me escondam padres Nem bem os padres esconderam Macunaíma num pote vazio que a caapora chegou montada no tapir Não viram meu neto passar por aqui no seu cavalinho comendo capim Já passou Então a velha apeou do tapir e montou num cavalo gazeosarará que nunca prestou nem prestará e seguiu Quando ela virou a serra do Pafanacoara os padres tiraram o herói do pote deram pra ele um cavalo meladocaxito que tanto é bom como é bonito e mandaram ele embora Macunaíma agradeceu e galopou Logo adiante encontrou uma cerca de arame porém era cavaleiro deu um sacalão esbarrou o pongo e ajuntando as mãos do animal caído com um jeito forte fez o cavalo girar e passar por debaixo do arame Então o herói pulou a cerca e amontou de novo Galopeou galopeou galopeou Passando no Ceará decifrou os letreiros indígenas do Aratanha no Rio Grande do Norte costeando o serrote do Cabelonãotem decifrou outro Na Paraíba indo de Manguape pra Bacamarte passou na PedraLavrada com tanta inscrição que dava um romance Não leu por causa da pressa e nem a da Barra do Poti do Piauí nem a de Jajeú em Pernambuco nem a dos Apertados do Inhamum que já era no quarto dia e se escutava no ar rentinho Baúa Baúa Era a velha Ceiuci chegando Macunaíma pernas pra que vos quero pelo eucaliptal Mas o passarinho sempre mais perto e Macunaíma isso vinha que vinha acochado pela velha Afinal topou com a biboca dum surucucu que tinha parte com o canhoto Me esconde surucucu O surucucu nem bem escondeu o herói no buraco da latrininha a velha Ceiuci chegou Não viram meu neto passar por aqui no seu cavalinho comendo capim Já passou A gulosa apeou do gazeosarará que nunca prestou nem prestará e montou num cavalo bebeembranco que é cavalo manco e seguiu Então Macunaíma escutou surucucu tratando com a companheira pra fazerem um moquém do herói Pulou do buraco do quartinho e jogou no terreiro o anel com brilhantão que dera de presente pro dedo Mindinho O brilhantão virou em quatro contos de carros de milho adubo Polisu e uma fordeca de segunda mão Enquanto o surucucu olhava pra aquilo tudo satisfeito Macunaíma pro meladocaxito descansar amontou num bagual cardãorodado que nunca pode estar parado e galopeou através de varjões e varjotas Varou num átimo o mar de areia do chapadão dos Parecis e por derrames e dependurados entrou na caatinga e assustou as galinhas com pintos de ouro do Camutengo perto de Natal Légua e meia adiante abandonando a mar gem do São Francisco emporcalhada com a enchentedapáscoa entrou por uma brecha aberta no morro alto Ia seguindo quando escutou um psiu de cunha Parou morto de medo Então saiu do meio da catingadeporco uma dona alta e feiosa com trança até o pé E a dona perguntou cochichando pro herói Já se foram Se foram quem Os Holandeses Você está caducando quê Holandês esse Não tem Holandês nenhum dona Era Maria Pereira cunha portuga amufumbada naquela brecha de morro desde a guerra com os Holandeses Macunaíma não sabia bem mais em que parte de Brasil estava e lembrou de perguntar Me diga uma coisa filho de gambá é raposa como chama este lugar A cunha secundou emproada Aqui é o Buraco de Maria Pereira Macunaíma soltou uma grande gargalhada e escafedeu enquanto a mulher amoitava outra vez O herói segui de carreira e enfim passou pra outra banda do rio Chuí Foi lá que topou com o tuiuiú pescando Primo Tuiuiú você me leva pra casa Pois não Logo o tuiuiú se transformou na máquina aeroplano Macunaíma escanchou no aturiá vazio e ergueram vôo Voaram sobre o chapadão mineiro de Urucuia fizeram o circuito de Itapecerica e bateram pro Nordeste Passando pelas dunas de Mossoró Macunaíma olhou pra baixo e enxergou Bartolomeu Lourenço de Gusmão batina arregaçada pelejando pra caminhar no areão Gritou pra ele Venha aqui com a gente ilustre Porém o padre gritou com um gesto imenso Basta Depois que pulando a serra do Tombador no Mato Grosso deixaram pra esquerda as cochilhas de SantAna do Livramento o tuiuiuaeroplano e Macunaíma subiram até o Telhado do Mundo mataram a sede nas águas novas do Vilcanota e na última etapa voando sobre Amargosa na Bahia sobre o Gurupá e sobre o Gurupi com sua cidade encantada enfim toparam de novo com o mocambo ilustre do igarapé Tietê Daí a pouquinho estavam na porta da pensão Macunaíma agradeceu muito e quis pagar o ajutório porém se lembrou que estava carecendo de fazer economia Virou pro tuiuiú e falou Olha primo pagar não posso não mas vou te dar um conselho que vale ouro Neste mundo tem três barras que são a perdição dos homens barra de rio barra de ouro e barra de saia não caia Porém estava tão acostumado a gastar que esqueceuse da economia Deu dez contos pro tuiuiú subiu satisfeito pro quarto e contou tudo prós manos já muito ressabiados com a demora O caso afinal custara uns bons pacotes Maanape então virou Jiguê num telefone e deu queixa pra Polícia que deportou a velha gulosa Porém Piaimã tinha muita influência e ela voltou na companhia lírica A filha expulsa corre no céu batendo perna de déu em déu É uma cometa XII TEQUETEQUE CHUPINZÃO E A INJUSTIÇA DOS HOMENS No outro dia Macunaíma acordou febrento Tinha mesmo delirado a noite inteira e sonhado com navio Isso é viagem por mar falou a dona da pensão Macunaíma agradeceu e de tão satisfeito virou logo Jiguê na máquina telefone pra insultar a mãe de Venceslau Pietro Pietra Mas a sombra telefonista avisou que não secundavam Macunaíma achou aquilo esquisito e quis se levantar pra ir saber o que era Porém sentia um calorão cocado no corpo todo e uma moleza de água Murmurou Ai que preguiça Virou a cara pro canto e principiou falando bocagens Quando os manos vieram saber o que era era sarampão Maanape logo foi buscar o famoso Bento curandeiro em Beberibe que curava com alma de índio e água de pote Bento deu uma agüinha e fez reza cantada Numa semana o herói já estava descascando Então se levantou e foi saber o que tinha sucedido pro gigante Não tinha ninguém no palácio e a copeira do vizinho contou que Piaimã com toda a família fora na Europa descansar da sova Macunaíma perdeu todo o requebrado e se contrariou bem Brincou com a copeira muito aluado e voltou macambúzio pra pensão Maanape e Jiguê encontraram o herói na porta da rua e perguntaram pra ele Quem matou seu cachorrinho meus cuidados Então Macunaíma contou o sucedido e principiou chorando Os manos ficaram bem tristes de ver o herói assim e levaram ele visitar o Leprosário de Guapira porém Macunaíma estava muito contrariado e o passeio não teve graça nenhuma Quando chegaram na pensão era noitinha e todos já estavam desesperados Tiraram uma porção enorme de tabaco dum cornimboque imitando cabeça de tucano e espirraram bem Então puderam pensamentear Pois é meus cuidados você andou lerdeando cozinhando galo cozinhando galo o gigante é que não havia de esperar foise Agora agüente a massada Nisto Jiguê bateu na cabeça e exclamou Achei Os manos levaram um susto Então Jiguê lembrou que eles podiam ir na Europa também atrás da muiraquitã Dinheiro inda sobravam quarenta contos do cacau vendido Macunaíma aprovou logo porém Maanape que era feiticeiro imaginou imaginou e concluiu Tem coisa milhor Pois então desembuxe Macunaíma finge de pianista arranja uma pensão do Governo e vai sozinho Mas praquê tanta complicação si a gente possui dinheiro à bessa e os manos podem me ajudar na Europa Você tem cada uma que até parece duas Poder a gente pode sim porém mano seguindo com arame do Governo não é milhor É Pois então Macunaíma estava refletindo e de repente bateu na testa Achei Os manos levaram um susto Quê foi Pois então finjo de pintor que é mais bonito Foi buscar a máquina óculos de tartaruga um gramofoninho meias de golfe luvas e ficou parecido com pintor No outro dia pra esperar a nomeação matou o tempo fazendo pinturas Assim Agarrou num romance de Eça de Queiroz e foi na Cantareira passear Então passou perto dele um cotruco andarengo muito marupiara porque possuía folhinha de picapau Macunaíma dei tado de bruços divertiase amassando os tacurus das formigas tapipitingas O tequeteque saudou Bomdia conhecido como le vai muito obrigado bem Trabalhando não Quem não trabuca não manduca É mesmo Bom téloguinho E passou Légua e meia adiante topou com um micura e lembrou de trabucar também um bocado Pegou no gambazinho fez ele engolir dez pratas de dois milréis e voltou com o bicho debaixo do braço Chegando perto de Macunaíma mascateou Bomdia conhecido como le vai muito obrigado bem Si você quer te vendo meu micura Quê que vou fazer com um bicho tão pichento Macunaíma secundou botando a mão no nariz Tem aca mas é coisa muito boa Quando faz necessidade só prata que sai Vendo barato pra você Deixe de conversa turco Onde que se viu micura assim Então o tequeteque apertou a barriga do gambá e o bicho desistiu as dez pratinhas Está vendo Faz necessidade é prata só Ajuntando a gente fica riquíssimo Barato pra você Quanto que custa Quatrocentos contos Não posso comprar só tenho trinta Pois então pra ficar freguês deixo por trinta contos pra você Macunaíma desabotoou as calças e por debaixo da camisa tirou o cinto que carregava dinheiro Porém só tinha a letra de quarenta contos e seis fichas do Cassino de Copacabana Deu a letra e teve vergonha de receber o troco Até inda deu as fichas de inhapa e agra deceu a bondade do tequeteque Nem bem o mascate sorvetera entre as sapupiras guarubas e parinais do mato que já o micura quis fazer necessidade outra feita O herói arrendondou o bolso aparando e a porcaria caiu toda ali Então Macunaíma percebeu o logro e abriu numa gritaria desgraçada caminho da pensão Virando uma esquina encontrou o José Prequeté e gritou pra ele Zé Prequeté tira bicho do pé pra comer com café José Prequeté ficou com ódio e insultou a mãe do herói porém este não fez caso não deu uma grande gargalhada e foi seguindo Mais adiante lembrou que ia indo pra casa zangado e pegou na gritaria outra vez Os manos inda não tinham voltado da maloca do Governo e a patroa veio no quarto pra consolar Macunaíma brincaram Depois de brincarem o herói pegou no choro Quando os manos chegaram toda a gente se sarapantou porque eles tinham cinco metros de altura Não vê que o Governo estava com mil vezes mil pintores já encaminhados pra mandar na pensão da Europa e Macunaíma ser nomeado era mas só no dia de São Nunca Ficava muito longe O invento tinha favado e os manos ficaram compridos por causa do desaponto Quando enxergaram o mano chorando se assustaram bem e quiseram saber a causa E como esqueceram o desaponto voltaram pro tamanho de dan tes Maanape já velhinho e Jiguê na força do homem O herói fazia Ihihih tequeteque me embromou Ihihih Comprei micura dele quarenta contos me custou Então os irmãos se descabelaram Agora não era possível mais irem na Europa não porque possuíam só a noite e o dia Levaram na prantina enquanto o herói esfregava o óleo de andiroba no corpo prós mosquitos não amolarem e adormecia bem No outro dia amanhaceu fazendo um calorão temível e Macunaíma suava que mais suava dum lado pra outro enraivecido com a injustiça do Governo Quis sair pra espairecer porém aquela roupa tanta aumentando o calor Teve mais raiva Teve raiva por demais e maliciou que ia ficar com o butecaiana que é doença da raiva Então exclamou Ara Ande eu quente riase a gente Tirou as calças pra refrescar e pisou em cima A raiva se acalmou no sufragante e até que muito satisfeito Macunaíma falou prós manos Paciência manos não não vou na Europa não Sou Americano e meu lugar é na América A civilização européia de certo esculhamba a inteireza do nosso caráter Durante uma semana os três vararam o Brasil todo pelas restingas de areia marinha pelas restingas de mato ralo barrancas de paranãs abertões corredeiras carrascos carrascões e chavacais coroas de vazante boqueirões mangas e fundões que eram ninhos de geada espraiados pancadas pedrais funis bocainas barroqueiras e rasouras todos esses lugares campeando nas ruínas dos conventos e na base dos cruzeiros pra ver si não achavam alguma panela com dinheiro enterrado Não acharam nada Paciência manos Macunaíma repetiu macambúzio Jogamos no bicho E foi na praça Antônio Prado meditar sobre a injustiça dos homens Ficou lá encostado num plátano muito bem Todos os comerciantes e aquele despropósito de máquina passavam rentinho do herói grugunzando sobre a injustiça dos homens Macunaíma já estava disposto a mudar o dístico pra Pouca saúde e muitos pintores os males do Brasil são quando escutou um Ihihih chorando atrás Virou e viu no chão um ticotico e um chupim O ticotico era pequetitinho e o chupim era macota O ticotiquinho ia dum lado pra outro acompanhado sempre do chupinzão chorando pro outro dar de comer pra ele Fazia raiva O ticotiquinho imaginava que o chupinzão era filhote dele mas não era não Então voava arranjava um decumê por aí que botava no bico do chupinzão Chupinzão engolia e pegava na manha outra vez Ihihih mamãe telo decumê telo decumê lá na língua dele O ticotiquinho ficava azaranzado porque estava padecendo fome e aquele nhenhenhénnhenhenhén azucrinando ele atrás dizque Telo decumê telo decumê não podia com o amor sofrendo Largava de si voava buscar um bichinho uma quirerinha todos esses decumês botava no bico do chupinzão chupinzão engolia e principiava atrás do ticotiquinho outra vez Macunaíma estava meditando na injustiça dos homens e teve um amargor imenso da injustiça do chupinzão Era porque Macunaíma sabia que de primeiro os passarinho foram gente feito nós Então o herói pegou num porrete e matou o ticotiquinho Foise embora Depois que andou légua e meia sentiu calor e lembrou de beber pinga pra refrescar Trazia sempre num bolso do paletó uma garrafinha de pinga presa ao puíto por uma corrente de prata Desarrolhou e chupitou de manso Eis sinão quando escutou atrás um Ihihih chorando Virou sarapantado Era o chupinzão Ihihih papai telo decumê telo decumê lá na língua dele Macunaíma ficou com ódio Abriu o bolso onde estava guardado aquilo do micura e falou Pois coma então Chupinzão pulou na beira do bolso e comeu tudo sem saber Foi engordando engordando virou num pássaro preto bem grande e voou prós matos gritando Afinca Afinca É o Pai do Vira Macunaíma seguiu caminho Légua e meia adiante estava um macaco mono comendo coquinho baguaçu Pegava no coquinho botava no vão das pernas junto com uma pedra apertava e juque a fruta quebrava Macunaíma veio e esgurejou com a boca cheia dágua Falou Bomdia meu tio como lhe vai Assim assim sobrinho Em casa todos bons Na mesma E continuou mastigando Macunaíma ali sapeando O outro enquizilou assanhado Não me olhe de banda que não sou quitanda não me olhe de lado que não sou melado Mas o quê você está fazendo aí titio O macaco mono soverteu o coquinho na mão fechada e secundou Estou quebrando os meus toaliquiçus pra comer Vá mentir na praia Uai sobrinho si tu não dá crédito então praquê pergunta Macunaíma estava com vontade de acreditar e indagou É gostoso é O mono estalou a língua Chi prove só Quebrou de escondido outro coquinho fingindo que era um dos toaliquiçus e deu pra Macunaíma comer Macunaíma gostou bem É bom mesmo tio Tem mais Agora se acabou mas si o meu era gostoso que fará os vossos Come eles sobrinho O herói teve medo Não dói não Qual si até é agradável O herói agarrou num paralelepípedo O macaco mono rindo por dentro inda falou pra ele Você tem mesmo coragem sobrinho Bonitótó macaxeira comotó o herói exclamou empafioso Firmou bem o paralelepípedo e juque nos toaliquiçus Caiu morto O macaco mono caçoou assim Pois meus cuidados não falei que tu morrias Falei Não me escutas Estás vendo o que sucede prós desobedientes Agora sic transit Então calçou as luvas de balata e foise Daí a pouco veio uma chuvarada que refrescou a carne verde do herói impedindo a putrefação Logo se formou um poder de correições de formigas guajuguajus e murupetecas pro corpo morto O advogado Fulano atraído pelas correições topou com o defunto Abaixou tirou a carteira do cadáver porém só tinha cartãodevisita Então resolveu levar o defunto pra pensão fez Carregou Macunaíma nas costas e foi andando Porém o defunto pesava por demais e o advogado viu que não podia com o peso Então arreou o cadáver e deu uma coca de vara nele O defunto ficou levianinho e o advogado Fulano pôde leválo pra pensão Maanape chorou muito se atirando sobre o corpo do mano Depois descobriu o esmagamento Maanape era feiticeiro Logo pediu de emprestado pra patroa dois côcosdaBahia amarrouos com nócego no lugar dos toaliquiçus amassados e assoprou fumaça de cachimbo no defunto herói Macunaíma foi se erguendo muito desmerecido Deram guaraná pra ele e daí a pouco matava sozinho as formigas que inda o mordiam Estava tremendo muito porque por causa da chuvarada a friagem batera de repente Macunaíma tirou a garrafinha do bolso e bebeu o resto da pinga pra esquentar Depois pediu uma centena pra Maanape e foi até um chalé jogar no bicho Detarde quando viram a centena tinha dado mesmo E assim eles viveram com os palpites do mano mais velho Maanape era feiticeiro XIII A PIOLHENTA DO JIGUÊ No outro dia por causa da machucadura Macunaíma amanheceu com uma grosseira pelo corpo todo Foram ver e era a erisipa doença comprida Os manos trataram dele bem e traziam diariamente pra casa todos esses remédios pra erisipela que os vizinhos e conhecidos todos esses Brasileiros aconselhavam O herói passou uma semana de cama Denoite sonhava sempre com embarcações e a dona da pensão quando vinha demanhã por amor de saber como ia o herói dizia sempre que embarcação significava na certa viagem por mar Depois saía deixando sobre a cama do enfermo o Estado de São Paulo E o Estado de São Paulo era um jornal Então Macunaíma gastava o dia lendo todos esses anúncios de remédios pra erisipa E eram muitos anúncios No fim da semana o herói estava descascando bem e foi na cidade buscar sarna pra se cocar Andou banzando banzando e muito fatigado por causa da fraqueza parou no parque do Anhangabaú Chegara bem debaixo do monumento a Carlos Gomes que fora um músico muito célebre e agora era uma estrelinha do céu O ruído da fonte murmurejando na tardinha dava pro herói a visagem das águas do mar Macunaíma sentou no parapeito da fonte e assuntou os baguais marinhos de bronze chorando água E lá na escureza da gruta por detrás da tropilha presenciou uma luz Fixou mais e distinguiu uma embarcação muito linda que vinha boiando sobre as águas É uma vigilenga murmurou Porém a nau vinha chegando cada vez maior É um gaiola murmurou Mas o gaiola vinha chegando tão granto tão que o herói deu um salto sarapantado e gritou na bôcadanoite ecoada É um vaticano O navio já vinha bem visível por detrás dos baguais de bronze Tinha o corte da velocidade no casco de prata e os mastros inclinados pra trás estavam cheios de bandeiras que o vento da correria imprensava entre as lâminas de ar O grito chamara os choferes da esplanada e todos curioseavam o gesto parado do herói e seguiam o risco do olhar dele batendo na fonte escura Quê foi herói Olha lá Olha o vaticano macota que vem vindo sobre as águas imensas do mar Aonde Por detrás do cavalo de estibordo Então todos viram por detrás do cavalo de estibordo o navio chegando Já estava bem perto e ia passar entre o cavalo e a parede de pedra já estava na boca da gruta E era um navio guaçu Não é vaticano não é o transatlântico fazendo viagem por mar gritou um chofer japonês que já fizera muita viagem por mar E era um transatlântico enorme Vinha iluminado relampeava todo de ouro e prata embandeirado e festeiro Os óculos das cabinas eram colares no casco e nos cinco deques empoleirados corria música entre a gentana dançando mexida no cururu A choferada comentava É do Lóide Não é da Hamburgo Vá saindo tou percebendo então É il piróscafo Conte Verde em vez E era o piróscafo Conte Verde sim E era a Mãe Dágua que vinha bancando piróscafo pra atentar o herói Gente adeus gente Vou pra Europa que é milhor Vou em busca de Venceslau Pietro Pietra que é o gigante Piaimã comedor de gente que o herói discursava E toda a choferada abraçava Macunaíma se despedindo O vapor estava ali e Macunaíma já pulara no cais da fonte pra subir a escadinha do piróscafo Conte Verde Todos os tripulantes na frente da música acenavam chamando Macunaíma e eram marujos forçudos eram Argentinos finíssimos e eram tantas donas lindíssimas pra gente brincar até enjoar com os balangos das ondas Desce a escadinha capitão que o herói exclamou Então o capitão tirou o cocar e executou uma letra no ar E todos os marujos os Argentinos finíssimos e as cunhas lindíssimas pra Macunaíma brincar todos esses tripulantes soltaram vaias macotas caçoando do herói enquanto o navio manobrando sem parar dava a popa pra terra e flechava de novo pro fundo da gruta E todos aqueles tripulantes viraram doentes com erisipa sempre caçoando do herói E quando o piróscafo atravessou o estreito entre a parede da gruta e o bagual de bombordo a chaminèzona guspiu uma fumaçada de pernilongos de borrachudos mosquitospólvora mutucas marimbondos cabas potós môscadeura todos esses mosquitos afugentando os motoristas O herói sentado no rebordo da fonte penava todo mordido e com mais erisipa mais todo erisipelado Sentiu frio e veio febre Então espantou com um gesto os mosquitos e caminhou pra pensão No outro dia Jiguê entrou em casa com uma cunhatã fez ela engolir três bagos de chumbo pra não ter filhos e os dois dormiram na rede Jiguê tinha se amulherado Ele era muito valente Passava o dia limpando a espingarda e afiando a lamparina A companheira de Jiguê todas as manhãs ia comprar macaxeira prós quatro comerem e se chamava Suzi Porém Macunaíma que era o namorado da companheira de Jiguê todos os dias comprava uma lagosta pra ela punha no fundo do jamachi e por cima esparramava a macaxeira pra ninguém não maliciar Suzi era bem feiticeira Quando chegava em casa deixava a cesta na saleta e ia dormir pra sonhar Sonhando ela falava pra Jiguê Jiguê meu companheiro Jiguê estou sonhando que tem lagosta por debaixo da macaxeira Jiguê ia ver e tinha Todos os dias era assim e Jiguê tendo amanhecido com dordecotovelo desconfiou Macunaíma percebeu a dor do mano e fez uma mandinga pra ver si passava Pegou numa cuia e denoite deixoua no terraço rezando manso Água do céu Vem nesta cuia Paticl vem nesta água Moposêru vem nesta água Sivuoímo vem nesta água Omaispopo vem nesta água Os Donos da Água enxotem a dordecorno Aracu Mecumecuri Pai que venham nesta água E enxotem a dordecorno si o doente beber esta água Em que estão encantados os Donos da Água Deu pra Jiguê beber no outro dia porém não surtiu efeito não e o mano andava muito desconfiado Quando Suzi se vestia pra ir na feira assobiava o foxtrote da moda pro namorado ir também O namorado era Macunaíma ia A companheira de Jiguê saía e Macunaíma saía atrás Andavam brincando por aí e quando chegava a hora da volta já não tinha macaxeira mais na feira Pois então Suzi disfarçando ia atrás da casa sentava no jamachi e puxava uma porção de macaxeira de dentro do maissó Todos comiam muito bem só Maanape resmungava Caboclo de Taubaté cavalo pangaré mulher que mija em pé libera nós Dominé e empurrava a comida Maanape era feiticeiro Não queria saber daquela macaxeira não e como andava curtindo fome passava o tempo mastigando ipadu pra enganar Denoite quando Jiguê queria pular na rede a companheira dele principiava gemendo falando que estava empanzinada de tanto engolir caroço de pitomba Era só pra Jiguê não brincar com ela Jiguê teve raiva No outro dia ela foi na feira e assobiou o foxtrote da moda Macunaíma saiu atrás Jiguê era muito valente Pegou numa mirassanga enorme e foi devagarinho atrás deles Procurou procurou e encontrou Suzi com Macunaíma de mãos dadas no Jardim da Luz Já estavam se rindo um pro outro Jiguê desceu a mirassanga nos dois levou a companheira pra pensão e deixou o mano fatigado na beira da lagoa entre cisnes Do outro dia em diante Jiguê é que fazia as compras deixando a companheira presa no quarto Suzi sem quefazer passava o tempo contrariando a moralidade mas uma feita o santo Anchieta vindo ao mundo passou pela casa dela e por piedade ensinoua a catar piolhos Suzi possuía uns cabelos ruivos à la garçonne e sustentava muitos piolhos muitos Agora não sonhava mais que tinha lagostas por debaixo da macaxeira nem não fazia imoralidades Quando Jiguê par tia ela tirava os cabelos e espetandoos no porrete do companheiro catava piolhos Mas tinha muitos piolhos muitos Então com medo que o companheiro apanhasse ela no trabalho falou assim Jiguê meu companheiro Jiguê quando você volta do mercado bate primeiro na porta bate todos os dias uma porção de tempo pra mim ficar contente e ir cozinhar a macaxeira Jiguê falou que sim Todos os dias ia no mercado comprar macaxeira e quando voltava batia demorado na porta Então a cunha botava os cabelos na cabeça e ficava esperando Jiguê Suzi minha companheira Suzi bati uma porção de vezes na porta será que você alegrou Muito ela fez E foi cozinhar a macaxeira E todos os dias eram assim Mas tinha muitos piolhos muitos É que ela contava os catados um por um e por isso os piolhos aumentavam Uma feita Jiguê matutou no que ficava fazendo a companheira quando ele ia no mercado e teve vontade de assustála fez Virou de pernas pro ar e veio andando nas pontas das mãos Abriu a porta e assustou Suzi Isso ela gritou botando afobada a cabeleira na cabeça E os cabelos da testa ficaram no cangote e os cabelos do cangote ficaram na testa escorrendo Jiguê xingou Suzi de porca e deu nela até escutar alguém subindo a escada Era Chico vindo de baixo Então Jiguê parou e foi afiar a bicuda No outro dia Macunaíma estava outra vez com vontade de brincar com a companheira de Jiguê Falou prós manos que ia numa caçada longe porém não foi não Comprou duas garrafas de licor de butiá catarinense uma dúzia de sanduíches dois abacaxis de Pernambuco e se amoitou no quartinho Passado tempo saiu de lá e falou pra Jiguê mostrando o embrulho Mano Jiguê no fim de muitas ruas você indo tem uma fruteira trilhada Vi um poder de caça vá ver O mano espiou desconfiado pra ele porém Macunaíma disfarçou bem Olhe tem paca tatu cotia Minto cotia não enxerguei nenhuma Paca tatu cotia não Jiguê emprenhava pelas oiças mesmo foi logo pegando na espingarda e falou Então vou porém mano jura primeiro que não brinca com minha obrigação Macunaíma jurou pela memória da mãe que nem olhava pra Suzi Então Jiguê tornou a pegar na espingardapá e na faca de pontatá tatatá e partiu Macunaíma nem bem Jiguê virou a esquina ajudou Suzi abrindo os embrulhos e botando uma toalha da renda famosa chamada Ninho de Abelha cujo papelão fora roubado em Muriú do Ceará Mirim pela danada Geracina da Ponta do Mangue Quando tudo ficou pronto os dois pularam na rede e brincaram Agora estão se rindo um pro outro Depois de rirem bastante Macunaíma falou Desarrolha uma garrafa pra gente beber Sim ela fez E beberam a primeira garrafa de licor de butiá que era muito gostoso Os dois estalaram a língua e pularam na rede outra vez Brincaram quanto quiseram Agora estão se rindo um pro outro Jiguê andou légua e meia foi até no fim das ruas campeou a fruteira uns pares de vezes muito tempo jacaré achou nem ele Não tinha fruteira nenhuma e Jiguê voltou campeando sempre por todos os fins das ruas Afinal chegou subiu no quarto e encontrou mano Macunaíma com a Suzi já rindo Jiguê teve raiva e deu uma coca na companheira Agora ela está chorando Jiguê agarrou o herói e chegou o porrete com vontade nele Deu que mais deu até Manuel chegar Manuel era o criado da pensão um ilhéu Agora o herói está fatigado E Jiguê que vinha padecendo de fome então comeu as sanduíches os abacaxis e bebeu o licor de butiá Os dois sovados passaram a noite se lastimando No outro dia Jiguê enfarado pegou na sarabatana e saiu pra ver si encontrava à tal de fruteira Jiguê era muito bobo Suzi viu ele sair enxugou os olhos e falou pro namorado Choremos não Então Macunaíma desamarrou a cara e se arranjou pra ir falar com mano Maanape Jiguê de volta na pensão perguntou pra Suzi Onde anda o herói Porém ela estava zangadíssima e principiou assobiando Então Jiguê agarrou no porrete se chegou pra companheira e disse muito triste Vai embora perdição Daí ela sorriu feliz Catou sem contar todos os piolhos que restavam e eram muitos piolhos atrelouos a uma cadeiradebalanço sentou nela os piolhos pularam e Suzi foi pro céu virada na estrela que pula É uma zelação O herói nem bem viu Maanape de longe pegou se lastimando Se atirou nos braços do mano e contou uma história bem triste provando que Jiguê não tinha razão nenhuma pra soválo tanto Maanape ficou zangado e foi falar com Jiguê Mas Jiguê também já vinha pra falar com Maanape Se encontraram no corredor Maanape contou pra Jiguê e Jiguê contou pra Maanape Então eles verificaram que Macunaíma era muito safado e sem caráter Voltaram pro quarto de Maanape e toparam com o herói se lastimando Pra consolar levaram ele passear na máquina automóvel XIV MUIRAQUITÃ No outro dia de manhã nem bem Macunaíma abriu a janela enxergou um passarinho verde O herói ficou satisfeitíssimo e inda estava ficando satisfeito quando Maanape entrou no quarto contando que as máquinas jornais anunciavam a volta de Venceslau Pietro Pietra Então Macunaíma resolveu não ter mais contemplação com o gigante e matálo Saiu da cidade e foi no mato Fulano experimentar força Campeou légua e meia e afinal topou com uma peroba com a sapopemba do tamanho dum bonde Esta serve ele fez Enfiou o bra ço na sapopemba deu arranco e o pau saiu da terra não deixando nem sinal Agora sim que tenho força Macunaíma exclamou Tornou a ficar satisfeito e voltou pra cidade Porém não podia nem andar porque estava cheio de carrapatos Macunaíma com muita pachorra falou pra eles Ara carrapatos vão embora pessoal Não devo nada pra vocês não Então a carrapatada caiu no chão por encanto e foise embora Carrapato já foi gente que nem nós Uma feita botou uma vendinha na beira da estrada e fazia muitos negócios porque não se incomodava de vender fiado Tanto fiou tanto fiou tanto Brasileiro não pagou que afinal carrapato quebrou e foi posto pra fora da vendinha Ele agarra tanto na gente porque está cobrando as contas Quando Macunaíma chegou na cidade já era noite fechada e ele foi logo tocaiar a casa do gigante Tinha neblina sobre o mundo e a casa estava sem ninguém de tanta que era a escureza Macunaíma se lembrou de procurar uma criada pra brincar mas tinha estacionamento das máquinas táxis na esquina e as cunhas já estavam brincado por aí Macunaíma se lembrou de armar arapuca prós curiós mas faltava isca Não havia que fazer e sentiu sono Porém dormir não queria não porque estava esperando Venceslau Pietro Pietra Imaginou Agora vou vigiar e quando Sono vier enforco ele Não demorou muito viu um vulto chegando Era EmoronPódole o Pai do Sono Macunaíma ficou muito parado entre os ninhos de cupim pra não espantar o Pai do Sono e poder matálo EmoronPódole veio vindo veio vindo e quando já estava pertinho o herói cochilou bateu com o queixo no peito mordeu a língua e gritou Que susto O Sono fugiu logo Macunaíma seguiu andando muito desapontado Ora veja só não peguei mas quase Vou esperar outra vez e macacos me lambam si agora não pego o Pai do Sono e enforco ele Assim que o herói refletiu Tinha um corgo perto com um pau caído por cima servindo de pinguela Mais pra longe uma lagoa branquejava de luar porque a neblina já tinha idose embora A vista era quieta e muito suave por causa da agüinha cantando o acalanto dos pobres O Pai do Sono devia de estar amoitado por ali Macunaíma cruzou os braços e com o olho esquerdo dormindo ficou imóvel entre os ninhos de cupim Não demorou muito enxergou EmoronPódole chegando O Pai do Sono veio vindo veio vindo e de repente parou Macunaíma ouviu que ele falava Aquele sujeito não tá morto não Morto que não arrota onde se viu Então o herói arrotou juque Onde se viu morto arrotar gentes o Sono caçoou e fugiu logo Por isso que o Pai do Sono inda existe e os homens por castigo não podem dormir em pé Macunaíma ia ficar desapontado com o sucedido quando escutou uma bulha e enxergou do outro lado do corgo um chofer gesticulando feito chamado Ficou muito sarapantado e gritou tiririca Isso é comigo colega Sou francesa não Sai azar o rapaz fez Então Macunaíma pôs reparo numa criadinha com um vestido de linho amarelo pintado com extrato de tatajuba Ela já ia atravessando o corgo pelo pau Depois dela passar o herói gritou pra pingela Viu alguma coisa pau Vi a graça dela Quá quá quá quaquá Macunaíma deu uma grande gargalhada Então seguiu atrás do par Eles já tinham brincado e descansavam na beira da lagoa A moça estava sentada na borda duma igarité encalhada na praia Toda nua inda do banho comia tambiús vivos se rindo pro rapaz Ele deitara de bruços na água rente do pés da moça e tirava os lambarizinhos da lagoa pra ela comer A crilada das ondas amontava nas costas dele porém escorregando no corpo nu molhado caía de novo na lagoa com risadinhas de pingos A moça batia com os pés nágua e era feito um repuxo roubado da Luna espirrando jeitoso cegando o rapaz Então ele enfiava a cabeça na lagoa e trazia a boca cheia de água A moça apertava com os pés as bochechas dele e recebia o jato em cheio na barriga assim A brisa fiava a cabeleira da moça esticando de um em um os fios lisos na cara dela O moço pôs reparo nisso Firmando o queixo no joelho da companheira ergueu o busto da água estirou o braço pro alto e principiou tirando os cabelos da cara da moça pra que ela pudesse comer sossegada os tamiús Então pra agradecer ela enfiou três lambarizinhos na boca dele e rindo muito fastou o joelho depressa O busto do rapaz não teve apoio mais e ele no sufragante focinhou nágua até o fundo a moça inda forçando o pescoço dele com os pés Ela ia escorregando sem perceber de tanta graça que achava na vida Ia escorregando e afinai a canoa virou Pois deixai ela virar A moça levouum tombo engraçado por cima do rapaz e ele enrolouse nela talqualmente um apuizeiro carinhoso Todos os tamiús fugiram enquanto os dois brincavam nágua outra vez Macunaíma chegava Sentou no fundo da igarité virada esperando Quando viu que eles tinham acabado de brincar falou pro chofer Faz três dias que não como Semana que não escarro Adão foi feito de barro Sobrinho me dá um cigarro O chofer secundou Me desculpe meu parente Si cigarro não lhe dou A palha o fosfre e o goiano Caiu nágua se molhou Não se incomode que eu tenho respondeu Macunaíma Tirou uma cigarreira de tartaruga feita por Antônio do Rosário no Pará ofereceu cigarros de palha de tauari pro moço e pra criadinha acendeu um fósforo prós dois e outro pra ele Depois afastou os mosquitos e principiou contando um caso Assim a noite passava depressa e a gente não se amolava com o canto da sururina marcando as horas da escuridão E era assim No tempo de dantes moços o automóvel não era uma máquina que nem hoje não era a onça parda Se chamava Palauá e parava no grande mato Fulano Vai Palauá falou prós olhos dela Vão na praia do mar meus verdes olhos depressa depressa depressa Os olhos foram e a onça parda ficou cega Porém levantou o focinho fez ele cheirar o vento e percebeu que AimaláPódole o Pai da Traíra estava andando lá no longe do mar e gritou Venham da praia do mar meus verdes olhos depressa depressa depressa Os olhos vieram e Palauá ficou enxergando outra vez Passava por ali a tigre preta que era muito feroz e falou pra Palauá O que você está fazendo comadre Estou mandando meus olhos olharem o mar É bom Prós cachorros Então manda os meus também comadre Mando não porque AimaláPódole está na praia do mar Manda que sinão te engulo comadre Então Palauá falou assim Vão na praia do mar amarelos olhos de minha comadre tigre depressa depressa depressa Os olhos foram e a tigre preta ficou cega AimaláPódole estava lá e juque engoliu os olhos da tigre Palauá maliciou tudo porque o Pai da Traíra estava cheirando mui forte Foi tratando de se raspar Porém a tigre preta que era mui feroz presenciou a fugida e falou pra onça parda Espera um pouco comadre Não vê que careço de buscar janta pra meus filhos comadre Então até outro dia Primeiro manda meus olhos voltarem comadre que já tomei um fartão de escureza Palauá gritou Venham da praia do mar amarelos olhos de minha comadre tigre depressa depressa depressa Porém os olhos não voltaram não e a tigre preta ficou feito fúria Agora que te engulo comadre E correu atrás da onça parda Foi uma chispada mãe por esses matos que chii os passarinhos se tornaram pequetitinhos pequetitinhos de medo e a noite levou um susto tamanho que ficou paralítica Por isso que quando faz dia em riba das árvores dentro do mato é sempre noite A coitada não pode mais andar Quando Palauá correu légua e meia olhou pra trás fatigada A tigre preta vinha perto Vai Palauá chegou num morro chamado Ibiraçoiaba e topou com um bigorna gigante aquela uma que pertencia à fundição de Afonso Sardinha no princípio da vida brasileira Junto da bigorna estavam quatro rodas esquecidas Então Palauá amarrou elas nos pés pra poder deslizar sem muito esforço e como se diz desatou o punho da rede outra vez uma chispada mãe A onça engoliu num átimo légua e meia de terreno porém isso vinha que vinha acochada pela tigre Faziam um barulhão tamanho que os passarinhos estavam pequetitinhos pequetitinhos de medo e a noite mais pesada por causa que não podia andar E a bulha inda era assombrada pelos gemidos do noitibó Noitibó é Pai da Noite moços e chorava a miséria da filha Bateu fome em Palauá A tigre na cola dela Mas Palauá nem não podia mais correr assim com o estômago nas costas vai em de mais longe quando passou pela barra do Boipeba onde o cuisarruim morou viu um motor perto e engoliu o tal Nem bem motor caiu na barriga da onça que a pobre criou força nova e chispou Fez légua e meia e olhou pra trás Isso a tigre preta vinha feita pra cima dela Estava uma escureza que só vendo por causa da malinconia da noite e bem na frente dum feixo a onça deu uma trombada temível no derrame dum morrete que por um triz era uma vez Palauá Vai ela abocanhou dois vagalumões e seguiu com eles nos dentes pra alumiar caminho Nem bem fez outra légua e meia olhou pra trás A tigre junto Era por causa que a onça parda cheirava muito e a peste da cega tinha faro de perdigueiro Vai Palauá ingeriu um purgante de óleo de mamona pegou numa lata da essência chamada gasolina despejou no x e lá foi fuomfuom fuom que nem burro peidorreiro por aí A bulha foi tamanha que nem se escutou o tinido assombrado dos pratos partidos do morro do Assobio ali A tigre preta ficou toda atrapalhada por causa que era cega e não cheirava mais a catinga da comadre Palauá correu mais muito e olhou pra trás Não enxergou a tigre Também nem não podia mais correr com as fuças fumegando de quentura Tinha ali perto um bananal macota com um pauê na faixa porque Palauá já tinha chegado no porto de Santos Vai a bicha derramou água cansada no focinho e desesquentou Depois cortou uma folha açu de bananafigo e se escondeu botando ela por riba feito capote Dormiu assim A tigre preta que era muito feroz até passou por ali onça nem pio E a outra passou não presenciando a comadre Então de medo a onça nunca mais que largou de tudo o que tinha ajudado ela fugir Anda sempre com roda nos pés motor na barriga purgante de óleo na garganta água nas fuça gasolina no ossodePaiJoão os dois vagalumes na boca e o capote de folha de bananafigo cobrindo ai ai prontinha pra chispar Principalmente si pisa nalguma correição da formiga chamada taxi e alguma trepando no pelame luzido morde a orelha dela qual chispa que nem Deus E inda tomou nome estranho pra disfarçar mais É a máquina automóvel Mas por causa que bebeu água cansada Palauá teve estupor Possuir automóvel de seu é ter estupor em casa moços Dizem que mais tarde a onça pariu uma ninhada enorme Teve filhos e filhas Uns machos outros fêmeas Por isso que a gente fala um forde e fala uma chevrolé Tem mais não Macunaíma parou Chorava comoção pela boca dos moços Sobre as águas a fresca boiava de barriga pro ar O rapaz mergulhou á cabeça pra disfarçar a lágrima e trouxe um tabiú nos dentes rabejando danadinho Repartiu a comida com a moça Então lá na porta da casa uma onça fíate abriu a goela e urrou pra Lua Baúa Baúa Se escutou uma bulha formidável e tomou conta do ar um pitium sufocado Era Venceslau Pietro Pietra que chegava O motorista se ergueu logo e a criada também Estenderam a mão pra Macunaíma convidando Seu gigante chegou de viagem vamos todos saber como está Fizeram Encontraram Venceslau Pietro Pietra na portadarua conversando com repórter O gigante rio prós três e falou pro motorista Vamos lá dentro Pois não Piaimã possuía orelhas furadas por causa dos brincos Enfiou uma perna do rapaz na orelha direita a outra na esquerda e foi carregando o moço nas costas Atravessaram o parque e entraram na casa Bem no meio do hol de acapu mobiliado com sofás de cipótitica feitos por um judeu alemão de Manaus se via um buraco enorme tendo por cima um cipó de japecanga feito balanço Piaimã sentou o moço no cipó e perguntou pra ele si queria balançar um bocado O moço fez que sim Piaimã balançou balançou de repente deu um arranco Japecanga tem espinho Os espinhos entraram na carne do chofer e principiou escorrendo sangue no buraco Chega já estou satisfeito que o chofer gritava Balança que vos digo secundava Piaimã Sangue escorrendo A caapora companheira do gigante estava lá em baixo do buraco e o sangue pingava numa tachada de macarrão que ela preparava pro companheiro O rapaz gemia no balanço Ah si eu possuísse meu pai e minha mãe a meu lado não estava padecendo nas mãos deste malvado Então Piaimã deu um arranco muito forte no cipó e o rapaz caiu no molho da macarronada Venceslau Pietro Pietra foi buscar Macunaíma O herói já estava se rindo com a criadinha O gigante falou pra ele Vamos lá dentro Macunaíma estendeu os braços sussurrando Ai que preguiça Ora vamos Vamos Pois sim Então Piaimã fez pra ele como fizera pro chofer carregou o herói nas costas de cabeça pra baixo prendidos os pés nos buracos das orelhas Macunaíma aprumou a sarabatana e assim de cabeça pra baixo era ver um atirador malabarista de circo acertando nos ovinhos do alvo O gigante ficou muito incomodado virou e percebeu tudo Faz isso não patrício Tomou a sarabatana e jogou longe Macunaíma agarrava quanto ramo caía na mão dele Que você está fazendo perguntou o gigante ressabiado Não vê que os ramos estão batendo na minha cara Piaimã virou o herói de cabeça pra cima Então Macunaíma fez cócegas com os ramos nas orelhas do gigante Piaimã dava grandes gargalhadas e pulava de gozo Não amola mais patrício ele fez Chegaram no hol Por debaixo da escada tinha uma gaiola de ouro com passarinhos cantadores E os passarinhos do gigante eram cobras e lagartos Macunaíma pulou na gaiola e principiou muito disfarçado comendo cobra Piaimã convidavao pra vir no balanço porém Macunaíma engolia cobras contando Falta cinco E engolia mais outra bicha Afinal as cobras se acabaram e o herói cheio de raiva desceu da gaiola com o pé direito Olhou cheio de raiva pro gatuno da muiraquitã e rosnou Hhhm que preguiça Mas Piaimã insistia pro herói balangar Eu até que nem não sei balançar Milhor você vai primeiro que Macunaíma rosnou Que eu nada herói É fácil quenem beber água Assuba na japecanga pronto eu balanço Então aceito porém você vai primeiro gigante Piaimã insistiu mas ele sempre falando pro gigante balançar primeiro Então Venceslau Pietro Pietra amontou no cipó e Macunaíma foi balançando cada vez mais forte Cantava Bãobalão Senhor capitão Espada na cinta Ginete na mão Deu um arranco Os espinhos ferraram na carne do gigante e o sangue espirrou A caapora lá em baixo não sabia que aquela sangueira era do gigante dela e aparava a chuva na macarronada Molho engrossando Pára Pára Piaimã gritava Balança que vos digo secundava Macunaíma Balançou até o gigante ficar bem tonto e então deu um arranco fortíssimo na japecanga Era porque tinha comido cobra e estava furibundo Venceslau Pietro Pietra caiu no buraco berrando cantado Lem lem lem si desta escapar nunca mais como ninguém Enxergava a macarronada fumegando lá em baixo e berrou pra ela Afasta que vos engulo Porém jacaré fastou nem tacho O gigante caiu na macarronada fervendo e subiu no ar um cheiro tão forte de couro cozido que matou todos os ticoticos da cidade e o herói teve uma sapituca Piaimã se debateu muito e já estava morrenãomorre Num esforço gigantesco inda se ergueu no fundo do tacho Afastou os macarrões que corriam na cara dele revirou os olhos pro alto lambeu a bigodeira Falta queijo exclamou E faleceu Este foi o fim de Venceslau Pietro Pietra que era o gigante Piaimã comedor de gente Macunaíma quando voltou da sapituca foi buscar a muiraquitã e partiu na máquina bonde pra pensão E chorava gemendo assim Muiraquitã muiraquitã de minha bela vejo você mas não vejo ela XV A PACUERA DE OIBÊ Então os três manos voltaram pra querência deles Estavam satisfeitos porém o herói inda mais contente que os outros porque tinha os sentimentos que só um herói pode ter uma satisfa imensa Partiram Quando atravessaram o pico do Jaraguá Macunaíma virou pra trás contemplando a cidade macota de São Paulo Maginou sorumbático muito tempo e no fim sacudiu a cabeça murmurando Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são Enxugou a lágrima consertou o beicinho tremendo Então fez um caborge Sacudiu os braços no ar e virou a taba gigante num bicho preguiça todinho de pedra Partiram Depois de muito refletir Macunaíma gastara o arame derradeiro comprando o que mais o entusiasmara na civilização paulista Estavam ali com ele o revólver SmithWesson o relógio Pathek e o casal de galinha Legorne Do revólver e do relógio Macunaíma fizera os brincos das orelhas e trazia na mão uma gaiola com o galo e a galinha Não possuía mais nem um tostão do que ganhara no bicho porém lhe balangando no beiço furado pendia a muiraquitã E por causa dela tudo ficara mais fácil Desciam de rodada o Araguaia e quando Jiguê remava Maanape manejava o joãodepau Se sentiam marupiaras outra vez Pois então Macunaíma adestro na proa tomava nota das pontes que carecia construir ou consertar pra facilitar a vida do povo goiano Noite chegada enxergando as luzinhas dos afogados sambando manso nas ipueiras da cheia Macunaíma olhava olhava e adormecia bem Acordava esperto no outro dia e erguido na proa da igarité com o argolão da gaiola enfiado no braço esquerdo repinicava na violinha botando a boca no mundo cantando saudades da querência assim Antianti é tapejara Piráuauau Ariramba é cozinheira Piráuauau Tapera onde a tapera Da beira do Uraricoera Piráuauau E o olhar dele espichando espichando descia a pele do rio em busca dos pagos da infância Descia e cada cheiro de peixe cada moita de craguatá cada tudo punha entusiasmo nele e o herói botava a boca no mundo feito maluco fazendo emboladas e traçados sem sentido Tapera tapejara Caboré Arapaçu passoca Caboré Manos vamosse embora Pra beira do Uraricoera Caboré As águas araguaias murmurejavam chamando a reta da igarité com gemidinho e lá do longe vinha a cantiga pequenta das uiaras Vei a Sol dava lambadas no costado relumeando suor de Maanape e Jiguê remeiros e no cabeludo corpo em pé do herói Era um calorão molhado fazendo fogo no delírio dos três Macunaíma se lembrou que era imperador do MatoVirgem Riscou um gesto na Sol gritando Eropita boiamorebo Logo o céu se escurentou de sopetão e uma nuvem ruivor subiu do horizonte entardecendo a calma do dia A ruivor veio vindo veio vindo e era o bando de araras vermelhas e jandaias todos esses faladores era o papagaiotrombeta era o papagaiocurraleiro era o periquito cutapado era o xarã o peitoroxo o ajurucurau o ajurucurica arari ararica araraúna araraí araguaí ararataua maracana maitaca arara piranga catorra teriba camiranga anaca anapura canindés tuins periquitos todos esses o cortejo sarapintado de Macunaíma im perador E todos esses faladores formaram uma tenda de asas e de gritos protegendo o herói do despeito vingarento da Sol Era uma bulha de águas deuses e passarinhos que nem se escutava mais nada e a igarité meio parava atordoada Mas Macunaíma assustando os legornes riscava de quando em vez um gesto diante de tudo e gritava Era uma vez uma vaca amarela quem falar primeiro come a bosta dela Demdelem chegou O mundo ficava mudo não falando um isto e o silêncio vinha amulegar a mornidão da sombra na igarité E se escutava lá no longe lá no longe baixinho baixinho o ruidejar do Uraricoera Então dava mais entusiasmo no herói A violinha repinicava tremida Macunaíma pigarreava atirando gusparadas no rio e enquanto o guspe afundava transformado em matamatás nojentos o herói botava a boca no mundo feito maluco sem nem saber o que cantava assim Panapaná pápanapaná Panapaná pápanapanema Papa de papo na popa Maninha Na beira do Uraricoera Depois a bôcadanoite engoliu todas as bulhas e o mundo adormeceu Tinha só Capei a Lua enorme de gorda rechonchuda quenem cara das polacas depois duma noite daquelas puxavante quanta sacanagem feliz quanta cunha bonita e quanto cachiri Então Macunaíma teve saudades do sucedido na taba grande paulistana Viu todas aquelas donas de pele alvinha com quem brincara de marido e mulher foi tão bom Sussurrou docemente Mani Mani filhinhas da mandioca Deu um tremor comovido no beiço dele que quase a muiraquitã cai no rio Macunaíma tornou a enfiar o tembetá no beiço Então pensou muito sério na dona da muiraquitã na briguenta na diaba gostosa que batera tanto nele Ci Ah Ci Mãe do Mato marvada que tornarase inesquecível porque fizera ele dormir na rede tecida com os cabelos dela Quem tem seus amores longe passa trabalhos trianos parafusou Quê caborge da marvada E estava lá no campo do céu banzando nuns trinques toda enfeitada passeando brincando quem sabe com quem Teve ciúmes Ergueu os braços pro alto assustando os legornes e rezou pro Pai do Amor Rudá Rudá Tu que estás no céu E mandas nas chuvas Rudá faz com que minha amada Por mais companheiros que arranje Ache que todos são frouxos Assopra nessa marvada Sodades do seu marvado Faz com que ela se lembre de mim amanhã Quando a Sol forse embora no poente Olhou bem pro ar Não tinha Ci não Capei só gordanchona tomando tudo O herói deitou de comprido na igarité fez um cabeceiro da gaiola e adormeceu entre maruins piuns muriçocas A noite já estava amarelando quando Macunaíma acordou com os gritos dos viras num bambuzal Assuntou a vista e deu um pulo na praia falando pra Jiguê Espera um bocadinho Entrou no mato bem légua e meia Foi buscar a linda Iriqui companheira dele que já fora companheira de Jiguê e esperava se enfeitando e cocando mucuim assentada nas raízes da samaúma Os dois se festejaram muito brincaram e vieram pra igarité Quando foi ali pelo meiodia a papagaiada se estendeu de novo resguardando Macunaíma E assim por muitos dias Uma tarde o herói estava muito enfarado e se lembrou de dormir em terra firme fez Nem bem pisou na praia e se ergueu na frente dele um monstro Era o bicho Ponde um jucurutu do Solimões que virava gente denoite e engolia os estradeiros Porém Macunaíma pegou na flecha que tinha na ponta a cabeça chata da formiga santa chamada curupê e nem fez pontaria acertou que foi uma beleza O bicho Ponde estourou virando coruja Mais pra diante depois de atravessado um chato quando subia por um espigão cheio de crocas topou com o Monstro Mapinguari macacohomem que anda no mato fazendo mal pràs moças O monstro agarrou Macunaíma porém o herói tirou o toaquiçu pra fora e mostrou pro Mapinguari Não confunde não parceiro O monstro riu e deixou Macunaíma passar O herói andou légua e meia procurando um pouso sem formiga Subiu na ponta dum cumaru de quarenta metros e afinal depois de muito campear descobriu uma luzinha longe Foi lá e topou com um rancho E era o rancho de Oibê Macunaíma bateu e uma vozica mui doce gemeu de lá dentro Quem vem lá É de paz Então a porta se abriu e apareceu um bicho tamanho que sarapantou o herói Era o monstro Oibê o minhocão temível O herói sentiu friagem por dentro mas se lembrou do smithwesson criou coragem e pediu pousada Entre que a casa é sua Macunaíma entrou sentou numa canastra e ficou assim Afinal perguntou Vamos conversar Vamos Sobre o quê Oibê cocou a barbicha matutando e de repente descobriu satisfeito Vamos conversar porcaria Chi gosto disso que é um horror o herói exclamou E conversaram uma hora de porcariada Oibê estava cozinhando a comidinha dele Macunaíma não tinha fome nenhuma porém botou a gaiola no chão e só de embusteiro esfregando a mão na barriga fez Juque Oibê resmungou Que é isso gente É fome é fome Oibê pegou numa gamela botou cará com feijão dentro encheu uma cuia com farinhadágua e ofereceu pro herói Mas não deu nem um tiquinho de pacuera assando no espeto de canela de sassafrás e aromando bem Macunaíma engoliu tudo sem mastigar e não tinha fome nenhuma porém a boca dele ficou cheia de água por causa da pacuera assando Esfregou a mão na barriga e fez Juque Oibê resmungou Que é isso gente É sede é sede Oibê pegou no balde e foi buscar água no poço Enquanto ia Macunaíma tirou a canela de sassafrás das brasas engoliu a pacuera inteira sem mastigar e ficou bem sossegado esperando Quando o minhocão trouxe o balde Macunaíma bebeu um coco cheio Depois se espreguiçando suspirou Juque O monstro se sarapantou Que mais que é gente É sono é sono Então Oibê levou Macunaíma pro quartodehóspedes deu boa noite e fechou a porta por fora Foi cear Macunaíma botou a gaiola num canto cobrindo o casal de galinhas com umas chitas Assuntou o quarto bem Tinha uma bulhinha sem parada vinha de todos os lados Macunaíma bateu a pedra do isqueiro e viu que eram baratas Trepou assim mesmo na rede não sem espiar mais uma vez si não faltava nada prós legornes O casal estava até bem satisfeito comendo barata Macunaíma se riu pra ele arrotou e adormeceu Daí a pouco estava coberto de baratas lambendo Quando Oibê pôs reparo que Macunaíma tinha comido a pacuera teve raiva Agarrou num sininho se embrulhou num lençol branco e foi fazer assombração pro hóspede Mas era só de brincadeira Bateu na porta e manejou o sininho delem Oi Vim buscar minha pacueracueracueracueracuera delem Abriu a porta Quando o herói enxergou a assombração ficou com tanto medo que nem se mexeu Ele não sabia que era Oibê não A fantasma vinha vindo Vim buscar minha pacueracueracueracuera cuera delem Então Macunaíma percebeu que não era assombração nada era mas o monstro Oibê minhocão temível Criou coragem pegou no brinco da orelha esquerda que era a máquina revólver e deu um tiro na assombração Porém Oibê não fez caso e veio vindo O herói tornou a ter medo Pulou da rede agarrou a gaiola e escafedeu pela janela jogando baratas no caminho todo Oibê correu atrás Mas era só de brincadeira que ele queria comer o herói Macunaíma desembestara agreste fora mas isso ia que ia acochado pelo minhocão Então botou o furabolo na goela fez cosquinha e lançou a farinha engolida A farinha virou num areão e enquanto o monstro pelejava pra atravessar aquele mundo de areia escorregando Macunaíma fugia Tomou pela direita desceu o morro do Estrondo que soa de sete em sete anos seguiu por uns caponetes e depois de cortar um travessão encapelado fez o Sergipe de ponta a ponta e parou ofegando num agarrado muito pedregoso Na frente havia uma lapa grande furada por uma furna com um altarzinho dentro Na boca da socava um frade Macunaíma perguntou pro frade Como se chama o nome de você O frade pôs no herói uns olhos frios e secundou com pachorra Eu sou Mendonça Mar pintor Desgostoso da injustiça dos homens faz três séculos que afasteime deles metendo cara no sertão Descobri esta gruta ergui com minhas mãos este altar do Bom Jesus da Lapa e vivo aqui perdoando gente mudado em frei Francisco da Soledade Está bom Macunaíma falou E partiu na chispada Mas o terreno era cheio de socavas e logo adiante estava outro desconhecido fazendo um gesto tão bobo que Macunaíma parou sarapantado Era Hercules Florence Botara um vidro na boca duma furna mirim tapava e destapava o vidro com uma folha de taioba Macunaíma perguntou Ara ara ara Mas você não me dirá o quê que está fazendo aí siô O desconhecido virou pra ele e com os olhos relumeando de alegria falou Gardez cette date 1927 Je viens dinventer Ia photographie Macunaíma deu uma grande gargalhada Chi Isso já inventaram que anos siô Então Hercules Florence caiu estuporado sobre a folha de taioba e principiou anotando com música uma memória científica sobre o canto dos passarinhos Estava maluco Macunaíma chispou Depois que correu légua e meia olhou pra trás e viu que Oibê já vinha perto Botou o furabolo na goela e lá foi pro chão todo o cará engolido que virou num tartarugal mexemexendo Oibê custou pra virar aquela imundície de tartaruga e Macunaíma fugiu Légua e meia adiante olhou pra trás Isso Oibê vinha na cola dele Então tornou a botar o furabolo na goela e lançou que era só feijão e água Tudo virou num lamedo cheio de saposbois e quanto Oibê se debatia atraves sando aquilo o herói catava umas minhocas pras galinhas e partia afobado Ganhou muita dianteira e parou pra descansar Ficou bem admirado porque tinha corrido tanto que estava outra feita na porta do rancho de Oibê Resolveu se esconder no pomar Tinha um pé de carambola e Macunaíma principiou arrancando ramos do caramboleiro pra se amoitar por debaixo Os ramos cortados agarram pingando água de lágrima e se escutou o lamento do caramboleiro Jardineiro de meu pai Não me cortes meus cabelos Que o malvado me enterrou Pelo figo da figueira Que passarinho comeu Chó chó passarinho Todos os passarinhos choraram de pena gemida nos ninhos e o herói gelou de susto Agarrou no patuá que trazia entre os berloques do pescoço e traçou uma mandinga O caramboleiro virou numa princesa muito chique O herói teve um desejo danado de brincar com a princesa porém Oibê já devia de estar estourando por aí Defato Vim buscar minha pacueracueracueracueracuera delem Macunaíma deu a mão pra princesa e fugiram na disparada Mais adiante havia uma figueira com a sapopemba enorme Oibê estava já no calcanhar deles e Macunaíma não tinha tempo mais pra nada Então se meteu com a princesa no buraco da sapopemba Mas o minhocão enfiou o braço e inda agarrou a perna do herói Ia puxar mas Macunaíma deu uma grande gargalhada de experiência e falou Você está maginando que pegou minha gâmbia pegou não Isso é raiz bocó O minhocão largou Macunaíma gritou Pois era a perna mesmo bocódemola Oibê tornou a enfiar o braço mas o herói já tinha encolhido a perna e o minhocão só achou raiz Tinha uma garça perto Oibê falou pra ela Comadre garça bote sentido no herói Não deixa ele sair que vou buscar uma enxada pra cavar A garça ficou guardando Quando Oibê já estava longe Macunaíma falou pra ela Então sua palerma é assim que se bota sentido num herói Fique bem perto arregalando os olhos A garça fez Então Macunaíma atirou um punhado de formigasde fogo nos olhos dela e enquanto a garça gritava de cega ele saiu do buraco com a princesa e escafederam outra vez Perto de Santo Antônio do Mato Grosso toparam com uma bananeira e estavam morrendo de fome Macunaíma falou pra princesa Assobe come as verdes que são boas e atira as amarelas pra mim Ela fez O herói se fartou enquanto a princesa dançava de eólicas pra ele apreciar Oibê já vinha chegando e eles desataram o punho da rede outra vez Depois de correrem mais légua e meia enfim chegaram num firme pontudo do Araguaia Porém a igarité estava abicada bem mais pra baixo na outra margem com Maanape Jiguê a linda Iriqui todos esses companheiros dormindo Macunaíma olhou pra trás Oibê quase ali Então botou o furabolo na goela pela última vez fez cosquinha e alojou a pacuera nágua A pacuera virou num periantã muito fofo de ervas Macunaíma botou a gaiola com jeito no fofo atirou a princesa lá e dando um arranco na margem com o pé afastou da praia o periantã que as águas levaram Oibê chegou mas os fugitivos iam longe Então o minhocão que era um lobisomem famoso principiou tremelicando criou rabo e virou cachorrodomato Escancarou a goela desencantada e saiu da barriga dele uma borboleta azul Era alma de homem presa no corpo do lobo por artes do Carrapatu medonho que pára na gruta do Iporanga Macunaíma e a princesa brincando desciam a corrente do rio Agora estão se rindo um pro outro Quando passaram rente da igarité os manos se acordaram com os gritos de Macunaíma e foram atrás Iriqui ficou logo enciumada porque o herói não queria saber mais dela e só brincava com a princesa E pra ver si reconquistava o herói abriu num bué famoso Jiguê teve logo muita pena dela e falou pra Macunaíma ir brincar com Iriqui um poucadinho Jiguê era muito bobo Mas o herói que já andava impinimando com Iriqui secundou pra ele Iriqui é muito relambória mano mas a princesa upa Não dê credito pra Iriqui não Oi que Sol de inverno chuva de verão choro de mulher palavra de ladrão eieiei ninguém não caia não E foi brincar com a princesa Iriqui ficou triste triste bem triste chamou seis araras canindés e subiu com elas pro céu chorando luz virada numa estrela As canindés amarelinhas também viraram estrelas É o Setestrêlo XVI URARICOERA NO outro dia Macunaíma amanheceu com muita tosse e uma febrinha sem parada Maanape desconfiou e foi fazer um cozimento de broto de abacate imaginando que o herói estava hético Em vez era impaludismo e a tosse viera só por causa da laringite que toda a gente carrega de São Paulo Agora Macunaíma passava as horas deitado de borco na proa da igarité e nunca mais que havia de sarar Quando a princesa não podia mais e vinha pra brincarem o herói até uma vez recusou suspirando Ara que preguiça No outro dia atingiram as cabeceiras dum rio e escutaram perto o ruidejar do Uraricoera Era ali Um passarinho serigaita trepado na munguba enxergando o farrancho gritou logo Sinhá dona do porto dá caminho pra mim passar Macunaíma agradeceu feliz De pé ele assuntava a paisagem passando Veio vindo o forte São Joaquim erguido pelo mano do grande Marquês Macunaíma deu um télogo pro cabo e pro soldado que só possuíam um naco esfarrapado de culote e o boné na cabeça e viviam guardando as saúvas dos canhões Afinal ficou tudo conhecidíssimo Se enxergou o cerro manso que fora mãe um dia no lugar chamado Pai da Tocandeira se enxergou o pauê trapacento malhado de vitóriasrégias escondendo os puraquês e os pitiús e pra diante do bebedouro da anta se viu o roçado velho agora uma tigüera e a maloca velha agora uma tapera Macunaíma chorou Abicaram e entraram na tapera Vinha a bôcadanoite Maanape com Jiguê resolveram fazer uma facheada pra pegarem algum peixe e a princesa foi ver si topava com algum arezi pra comerem O herói ficou descansando Estava assim quando sentiu no ombro um peso de mão Virou a cara e olhou Junto dele estava um velho de barba O velho falou Quem és tu nobre estrangeiro Não sou estranho não conhecido Sou Macunaíma o herói e vim parar de novo na terra dos meus Você quem é O velho afastou os mosquitos com amargura e secundou Sou João Ramalho Então João Ramalho enfiou dois dedos na boca e assoviou Apareceram a mulher dele as quinze famílias de escadinha E lá partiram de mudança buscando pagos novos sem ninguém No outro dia bem cedinho foram todos trabucar A princesa foi no roçado Maanape foi no mato e Jiguê foi no rio Macunaíma se desculpou subiu na montaria e deu uma chegadinha até a boca do rio Negro pra buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá Jacaré achou nem ele Então o herói pegou na consciência dum hispanoamericano botou na cabeça e se deu bem da mesma forma Passava uma piracema de jaraquis Macunaíma agarrou pescando e distraído distraído quando viu estava em Óbidos a montaria cheinha de peixes frescos Mas o herói foi obrigado a atirar tudo fora porque em Óbidos quem come j ar aqui fica aqui falam e ele tinha que voltar pro Uraricoera Voltou e como era ainda o pino do dia deitou na sombra da ingazeira catou os carrapatos e dormiu Tarde chegando todos voltaram pra tapera só Macunaíma não Os outros saíram pra esperar Jiguê se acocorou botando a orelha no chão pra ver si escutava o passinho do herói nada Maanape trepou no grelo duma inajá pra ver si enxergava o brilho dos brincos do herói nada Então saíram por mato e capoeira gritando Macunaíma nosso mano Nada Jiguê chegou debaixo da ingazeira e gritou Nosso mano Que foi Você aposto que já estava dormindo Dormindo nada então Estava mas era negaceando um inambu guaçu Você fez bulha nhambu escapoliu Voltaram E assim todos os dias Os manos andavam muito desconfiados Macunaíma percebeu e disfarçou bem Eu caço porém não acho nada não Jiguê nem caça nem pesca passa o dia dormindo Jiguê teve raiva porque peixe andava rareando e caça inda mais Foi na praia do rio pra ver si pescava alguma coisa e topou com o feiticeiro Tzaló que tem uma perna só O catimbozeiro possuía uma cabaça encantada feita com a metade duma casca de gerimum Mergulhou a cabaça no rio encheu de água até o meio e despejou na praia Caiu um despropósito de peixe Jiguê reparou bem como que o feiticeiro fazia Tzaló largou da cabaça por aí e principiou matando peixe com um porrete Então Jiguê roubou a cabaça do feiticeiro Tzaló que tem uma perna só Mais pra diante fez quenem tinha reparado e veio muito peixe veio pirandira veio pacu veio cascudo veio bagre jundiá tucunaré todos esses peixes e Jiguê voltou carregado pra tapera depois de esconder a cabaça na raiz do cipó Todos ficaram sarapantados com aquele mundo de peixe e comeram bem Macunaíma desconfiou No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que Jiguê fosse pescar saiu atrás Descobriu tudo Quando o mano foise embora Macunaíma largou da gaiola com os legornes no chão pegou na cabaça escondida e fez quenem o mano Isso vieram muitos peixes veio acará veio piracanjuba veio aviú gurijuba piramutaba mandi surubim todos esses peixes Macunaíma atirou a cabaça por aí na pressa de matar todos os peixes cabaça caiu numa lapa e juque mergulhou no rio Passava a pirandira chamada Padzá Imaginou que era abobra e engoliu a cabaça que virou na beixiga de Padzá Então Macunaíma enfiou a gaiola no braço voltou pra tapera e contou o sucedido Jiguê teve raiva Cunhada princesa eu que pesco seu companheiro fica dormindo em baixo da ingazeira e inda atrapalha os outros Mentira Então o que você fez hoje Cacei viado Quêdele ele Comi uai Fui andando por um caminho vai topei rasto dum catingueiro não era não mas era mateiro Me agachei e fui no rasto Olhando olhando sabe dei uma cabeçada numa coisa mole que engraçado sabem o que era pois a bunda do viado gente Macunaíma deu uma grande gargalhada Viado perguntou pra mim Que está fazendo aí parente Te campeando secundei E vai matei o catingueiro que comi com tripa e tudo Vinha trazendo um naco pra vocês vai escorreguei atravessando o ipu dei um tombo naco foi parar longe e tanajura sujou nele A peta era tamanha que Maanape desconfiou Maanape era feiticeiro Chegou bem rente do mano e perguntou Você foi na caça Quer dizer fui sim O quê você caçou Viado Qual Maanape fez um grande gesto O herói piscou de medo e confessou que tudo era lorota No outro dia Jiguê estava procurando a cabaça quando topou com o tatucanastra feiticeiro chamado Caicãe que nunca teve mãe Caicãe sentado na porta da toca puxou a violinha dele feita com a outra metade da abobra encantada e agarrou cantando assim Vote vote coandu Vote vote cuati Vote vote taiçu Vote vote pacari Vote vote canguçu Êh Assim Vieram muitas caças Jiguê reparando Caicãe atirou a violinha encantada por aí pegou num porrete e foi matar todo aquele poder de caças que estavam feito bobas Então Jiguê roubou a violinha do feiticeiro Caicãe que nunca teve mãe Mais pra diante cantou que nem tinha escutado e veio um dilúvio de caça parando na frente dele Jiguê voltou carregado pra tapera depois de esconder a violinha na raiz de outro cipó Todos tornaram a se espantar e comeram bem Macunaíma tornou a desconfiar No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que Jiguê partisse foi atrás Descobriu tudo Quando o mano voltou pra tapera Macunaíma pegou na violinha fez talequal reparara e veio uma imundície de caça viados cotias tamanduás capivaras tatus aperemas pacas graxains lontras muçuãs catetos monos tejus queixadas antas a anta sabatira onças a onça pinima a papaviado a jaguatirica suçuarana canguçu pixuna isso era uma imundície de caças O herói teve medo daquela bicharada tamanha e saiu numa carreira mãe pinchando a violinha longe A gaiola enfiada no braço dele ia batendo nos paus e o galo com a galinha faziam um cacarejo de ensurdecer O herói imaginava que era a bicharia e disparava mais A violinha caiu no dente de um queixada que tinha umbigo nas costas e se partiu em dez vezes dez pedaços que os bichos engoliram pensando que era gerimum Os pedaços viraram nas bexigas das caças O herói estourou tapera a dentro feito um desesperado botando os bofes pela boca Nem bem pôde respirar contou o sucedido Jiguê teve ódio e falou Agora que não caço nem pesco mais E foi dormir Todos principiaram curtindo fome Bem que pediam porém Jiguê pulava na rede e fechava os olhos O herói jurou vingança Fingiu um anzol com presa de sucuri e falou pro feitiço Anzol de mentira si mano Jiguê vier experimentar você então entra na mão dele Jiguê não podia dormir de tanta fome e enxergando o anzol falou pro mano Mano esse anzol é bom Xispeteó Macunaíma fez e continuou limpando a gaiola Jiguê decidiu ir numa pescaria porque estava mesmo curtindo fome falou Deixa ver si anzol é bom Pegou no feitiço e experimentou na palma da mão O dente de sucuri entrou na pele e despejou todo o veneno lá Jiguê correu pro matinho e bem que mastigou e engoliu maniveira não vale de nada Então foi buscar uma cabeça de anhuma que fora encostada em picada de cobra Pôs na mão Não valeu de nada Veneno virou numa ferida leprosa e principiou comendo Jiguê Primeiro comeu um braço depois metade do corpo depois as pernas depois a outra metade do corpo depois o outro braço depois o pescoço e a cabeça Só ficou a sombra de Jiguê A princesa teve ódio É que ela andava ultimamente brincando com Jiguê Macunaíma bem que percebeu porém imaginou Plantei mandioca nasceu maniva de ladrão de casa ninguém se priva paciên cia E tinha encolhido os ombros A princesa raivosa falou pra sombra Quando o herói for passear de fome você vira num cajueiro numa bananeira e num churrasco de viado A sombra era envenenada por causa da lepra e a princesa queria matar Macunaíma No outro dia o herói acordou com tanta fome que foi espairecer passeando Topou com um cajueiro cheio de frutas Quis comer porém presenciou que era a sombra leprosa e passou adiante Légua e meia depois topou com um churrasco de viado fumegando Já estava roxo de fome porém pôs reparo que o churrasco era a sombra leprosa e passou adiante Légua e meia depois topou com uma bananeira carregadinha de pencas maduras Mas agora o herói já estava que vinha vesgo de tanta fome A vesgueira fez ele enxergar dum lado a sombra do mano e do outro a bananeira Arre que posso comer fez E devorou todas as pencas E as bananas eram a sombra leprosa do mano Jiguê Macunaíma ia morrer Então se lembrou de passar a doença nos outros pra não morrer sozinho Pegou numa formiga saúva e esfregou bem ela na ferida do nariz formiga já foi gente que nem nós e a saúva ficou leprosa Então o herói agarrou a formiga jaguataci e fez o mesmo Jaguataci ficou leprosa também Então foi a vez da formiga aqueque devoradora de sementes e da formiga guiquém da formiga tracuá e da formiga mumbuca bem preta todas ficaram leprosas Não tinha mais formigas em redor do herói sentado Ele ficou com preguiça de estender o braço porque já estava moribundo Esperou a visita da saúde criou força e pegou no mosquito birigüi mordendo o joelho dele Passou a doença no mosquito birigüi Por isso que agora quando esse mosquito morde a gente entra na pele atravessa o corpo e sai do outro lado enquanto o furinho de entrada vira na bereva medonha chamada chagadeBauru Macunaíma tinha passado a lepra em sete outras gentes e ficou são no sufragante voltando pra tapera A sombra de Jiguê conferiu que o herói era muito inteligente e quis voltar desesperada pra junto da família Era já denoite e se confundindo com a escureza a sombra não achava mais o caminho perto Sentou numa pedra e berrou Foguinho cunhada princesa A princesa coxeando muito porque estava doente de zamparina veio com um tição aluminando caminho A sombra engoliu o fogo e a cunhada Berrou de novo Foguinho mano Maanape Maanape veio logo com outro tição alumiando caminho E se arrastava molengo porque barbeiro chupara sangue dele e Maanape estava opilado A sombra engoliu fogo e mano Maanape Berrou Foguinho mano Macunaíma Queria engolir o herói também mas Macunaíma percebendo o que sucedera pro mano e pra companheira encostou a porta e ficou bem quieto na tapera A sombra pedia foguinho pedia porém não recebendo resposta se lastimou até madrugada Então Capei apareceu iluminando a terra e a leprosa pôde chegar na tapera Sentou na cangerana da soleira e esperou o dia pra se vingar do mano Demanhã inda estava acocorada ali Macunaíma acordou e escutou Não se ouvia nada e ele concluiu Arre Foise E saiu passear Quando passou pela porta a sombra trepou no ombro dele O herói não maliciou nada Estava padecendo de fome porém a sombra não deixava ele comer Tudo o que Macunaíma pegava ela engolia tamorita mangarito inhame biribá cajuí guiambê guacá uxi ingá bacuri cupuaçu pupunha taperebá graviola grumixama todas essas comidas do mato Então Macunaíma foi pescar porque agora não tinha mais ninguém que pescasse pra ele não Mas cada peixe que tirava do anzol e jogava no paneiro a sombra pulava do ombro engolia o peixe e voltava pro poleiro outra vez O herói matutou Deixa estar que te arranjo Quando peixe pegou Macunaíma fez um esforço heróico deu um bruto arranco na vara de formas que o impulso fez o peixe ir parar lá na Guiana A sombra correu atrás do peixe Então Macunaíma gavionou mato fora no sentido oposto Quando a sombra voltou não achando mais o mano disparou no rasto dele Depois de correr um pouco atravessar a terra dos índios tatusbrancos e pegar um susto tamanho que passou sem pedir licença entre a sombra de Jorge Velho e a sombra do Zumbi que estavam discutindo o herói fatigadíssimo olhou pra trás e viu que a sombra já vinha chegando Estava na Paraíba e tão sem vontade de chispar que parou Era por causa do herói estar impaludado Perto havia uns trabalhadores destruindo formigueiros para construir um açude Macunaíma pediu água pra eles Não tinha nem gota porém deram raiz de umbu O herói matou a sede dos legornes agradeceu e gritou Diabo leve quem trabalha Os trabalhadores estumaram a cachorrada no herói Isso mesmo que ele queria porque teve medo e chispou bem Na frente abria a estrada das boiadas Macunaíma isso vinha que vinha acochado pela sombra nem turtuveou meteu pelo estradão Mais adiante estava dormindo um boi malabar chamado Espácio que viera do Piauí O herói deu um trompaço nele de tanta fúria Isso o boi saiu numa galopada louca de susto e lá foi cego manadeiro abaixo Então Macunaíma quebrou por uma picada sem jeito e se amoitou por de baixo dum mucumuco A sombra escutava a bulha do marruá galopeando e imaginou que era Macunaíma foi atrás Alcançou o boi e pra não perder a pernada fez poleiro no costado dele E cantava satisfeita Meu boi bonito Boi Alegria Dá um adeus Pra toda a família ôh êh bumba Folga meu boi Ôh êh bumba Folga meu boi Porém nunca mais que o boi pôde comer a sombra engolia tudo antes do bicho Então o marruá foi ficando jururu ficando jururu magruço e lerdo Quando passou pelo rincão chamado Água Doce perto de Guarapes o boi mirou sarapantado bem no meio do areão a vista linda um laranjal cheio de sombra com a galinha ciscando por baixo Era sinal de morte A sombra desenganada cantava agora Meu boi bonito Boi desengano Dá um adeus Até para o ano ôh êh bumba Folga meu boi ôh êh bumba Folga meu boi No outro dia o marruá estava morto Foi esverdeando esverdeando A sombra muito penarosa se consolava cantando assim O meu boi morreu Quê será de mim Manda buscar outro Maninha Lá no Bom Jardim E o Bom Jardim era uma estância do Rio Grande do Sul Então veio vindo uma giganta que gostava de brincar com o marruá Viu o boi mortochorou bem e quis levar o cadáver pra ela A sombra teve raiva e cantou Arretirate giganta Que o caso está perigoso Quem se arretirou amante az ação de generoso A giganta agradeceu e foise embora dançando Então passou por ali o indivíduo chamado Manuel da Lapa carregado de folha de cajueiro e de rama de algodão A sombra saudou o conhecido Seu Manué que vem do Açu Seu Manué que vem do Açu Vem carregadinho de folha de caju Seu Manué que vem do sertão Seu Manué que vem do sertão Vem carregadinho de rama de algodão Manuel da Lapa ficou muito concho com a saudação e pra agradecer dançou um sapateado e cobriu o cadáver com a folha de caju e a rama de algodão O velho já estava tirando a noite do buraco e a sombra toda confundida não via mais o boi debaixo dos flocos e da folhagem Principiou dançando à procura dele Um vagalume se admirou daquilo e cantou perguntando Linda pastorinha Que fazeis aqui Vim buscar meu gado Maninha Que eu aqui perdi Foi como a sombra secundou cantando Então o vagalume dançando voou do tronco pra baixo e mostrou o boi pra sombra Ela trepou na barriga verde do morto e ficou chorando ali No outro dia o boi estava podre Então vieram muitos urubus veio o urubucamiranga veio o urubujeregua o urubupeba o urubu ministro o urubutinga que só come olhos e língua todos esses cabeçaspeladas e principiaram dançando de contentes O mai grande puxava a dança cantando Urubu é passo feio feio feio Urubu é passo limpo limpo limpo E era o uruburuxama uruburei o Pai do Urubu Então mandou um urubuzinho piá entrar dentro do boi para ver si já estava bem podre O urubuzinho fez Entrou por uma porta e saiu por outra dizendo que sim e todos fizeram a festa juntos dançando e cantando Meu boi bonito Boi Zebedeu Corvo avoando Boi que morreu Ôh êh bumba Folga meu boi Ôh êh bumba Folga meu boi E foi assim que inventaram a festa famanada do BumbameuBoi também conhecida por BoiBumbá A sombra teve raiva de estarem comendo o boi dela e pulou no ombro do uruburuxama O Pai do Urubu ficou muito satisfeito e gritou Achei companhia pra minha cabeça gente E vou pra altura Desde esse dia o uruburuxama que é o Pai do Urubu possui duas cabeças A sombra leprosa é a cabeça da esquerda De primeiro o uruburei tinha só uma cabeça XVII URSA MAIOR Macunaíma se arrastou até a tapera sem gente agora Estava muito contrariado porque não compreendia o silêncio Ficara defunto sem choro no abandono completo Os manos tinham idose embora trans formados na cabeça esquerda do uruburuxama e nem siquer a gente encontrava cunhas por ali O silêncio principiava cochilando a beira rio do Uraricoera Que enfaro E principalmente ah que preguiça Macunaíma foi obrigado a abandonar a tapera cuja última parede trançada com palha de catolé estava caindo Mas o impaludismo não lhe dava coragem nem pra construir um papiri Trouxera a rede pro alto dum teso onde tinha uma pedra com dinheiro enterrado por debaixo Amarrou a rede nos dois cajueiros frondejando e não saiu mais dela por muitos dias dormindo caceteado e comendo cajus Que solidão O próprio séquito sarapintado se dissolvera Não vê que um ajurucatinga passara muito afobado por ali Os papagaios perguntaram pro parente onde que ia Madurou milho na terra dos Ingleses vou pra lá Então todos os papagaios foram comer milho na terra dos Ingleses Porém primeiro viraram periquitos porque assim comiam e os periquitos levavam a fama Só ficara um aruaí muito falador Macunaíma se consolou pensamenteando O mal ganhado diabo leva paciência Passava os dias enfarado e se distraía fazendo o pássaro repetir na fala da tribo os casos que tinham sucedido pro herói desde infância Aaah Macunaíma bocejava escorrendo caju muito mole na rede com as mãos pra trás fazendo cabeceiro o casal de legornes empoleirado nos pés e o papagaio na barriga Vinha a noite Aromado pelas frutas do cajueiro o herói ferrava no sono bem Quando a arraiada vinha o papagaio tirava o bico da asa e tomava o café da manhã devorando as aranhas que denoite fiavam as teias dos ramos pro corpo do herói Depois falava Macunaíma O dorminhoco nem se mexia Macunaíma ôh Macunaíma Deixa a gente dormir aruaí Acorda herói É dedia Ah que preguiça Pouca saúde e muita saúva Os males do Brasil são Macunaíma dava uma grande gargalhada e cocava a cabeça cheia de pixilinga que é piolhodegalinha Então o papagaio repetia o caso aprendido na véspera e Macunaíma se orgulhava de tantas glórias passadas Dava entusiasmo nele e se punha contado pro aruaí outro caso mais pançudo E assim todos os dias Quando a Papaceia que é a estrela Vésper aparecia falando pras coisas irem dormir o papagaio zangava por causa da história parando no meio Uma feita ele insultou a estrela Papaceia Então Macunaíma contou Não insulta ela não aruaí TaínaCã é bom TaínaCã que é a estrela Papaceia tem pena da Terra e manda EmoronPódole dar o sossego do sono deste mundo pra todas essas coisas que podem ter sossego porque não possuem pensamento que nem nós TaínaCã é indivíduo também Relumeava lá no campo vasto do céu e a filha mais velha do morubixaba Zozoiaça da tribo carajá solteirona chamada Imaerô falou assim Pai TaínaCã relumeia tão bonito que eu quero me amulherar com ele Zozoiaça riu bem por causa que não podia dar TaínaCã de casamento pra filha velha não Vai denoite veio descendo o rio uma piroga de prata um remeiro saltou dela bateu no poial e falou pra Imaerô Eu sou TaínaCã Escutei vosso pedido e vim numa piroga de prata Casa comigo por favor Sim ela fez contentíssima Deu a rede pro noivo e foi dormir com a mana mais nova se chamando Denaquê No outro dia quando TaínaCã pulou da rede todos se sarapantaram Era uma coroca enrugado enrugado tremelicando tanto feito a luz da estrela Papaceia Vai Imaerô falou Cai fora coroca Vê lá si vou casar com velho Pra mim háde ser um moço mui brabo mucudo e de nação carajá TaínaCã ficou jururu jururu e principiou imaginando na injustiça dos homens Porém a filha mais nova do morubixaba Zozoiaça teve pena do coroca e falou Eu caso com você TaínaCã brilhou de gozo Ficaram ajustados Denaquê preparando o enxoval cantava noite e dia Amanhã por estas horas furrumfumfum Zozoiaça respondia Eu também com vossa mãe furrumfumfum Depois que se acabaram os dedos das vossas mãos papagaio que são de espera pra noivo na rede trançada por Denaquê se brincou dança de amor furrumfumfum Nem bem o dia estava rompendo a barra TaínaCã pulou da rede e falou pra companheira Vou derrubar mato pra fazer roçado Agora você fica no mocambo e nunca não vai na roça me espiar Sim ela fez E ficou na rede matutando gozada naquele velhinho esquisito que dera pra ela a noite mais gostosa de amor que a gente imagina TaínaCã derrubou mato botou fogo em todos os macurus de formiga e preparou a terra Naquele tempo inda a nação carajá não conhecia as plantas boas Era só peixe e bicho que carajá engolia Na outra madrugada TaínaCã falou pra companheira que ia buscar sementes pra semear e repetiu a proibição Denaquê ficou deitada na rede inda um bocado matutando nas gostosuras valentes das noites de amor que o bom do coroca dava pra ela E foi fiar TaínaCã deu uma chegadinha no céu foi até o corgo Berô fez oração e botando uma perna em cada barreira do corgo esperou assuntando a água Daí a pouco vieram vindo no pêlo da agüinha as sementes do milho cururuca o fumo a maniveira todas essas plantas boas TaínaCã apanhou o que passava desceu do céu e foi no roçado plantar Estava trabucando na Sol quando Denaquê apareceu Era por causa que ela de sodosa quis ver o companheiro dando gostosuras tão valentes pra ela nas noites de amor Denaquê deu um grito de alegria TaínaCã não era coroca não TaínaCã era mas um rapaz muito brabo mucudo e de nação carajá Fizeram um macio de fumo e de maniva e brincaram pulado na Sol Quando voltaram pro mocambo muito se rindo um pro outro Imaerô ficou tiririca Gritou TaínaCã é meu Foi pra mim que ele veio do céu Sai azar que TaínaCã falou Quando eu quis você não quis pois agora brinquese E trepou na rede com Denaquê Imaerô desinfeliz suspirou assim Deixe estar jacaré que a lagoa háde secar E saiu gritando pelo mato Virou na ave araponga que grita amarelo de inveja no quiriri do mato diurno Desde então por causa da bondade de TaínaCã é que Carajá come mandioca e milho e possui fumo pra se animar E tudo o que Carajá carecia TaínaCã ia no céu e voltava trazendo Pois não é que Denaquê de ambiciosa deu pra namorar com todas as estrelinhas do céu Deu sim e TaínaCã que é a Papaceia enxergou tudo Isso até se orvalhou de tão triste pegou nos teréns e foise embora pro vasto campo do céu Ficou lá trouxe mais nada não Si a Papaceia continuasse trazendo as coisas do outro lado de lá céu era aqui nosso todinho Agora é só do nosso desejo Tem mais não O papagaio dormia Uma feita janeiro chegado Macunaíma acordou tarde com o pio agourento do tincuã No entanto era dia feito e a cerração já entrara pro buraco O herói tremeu e apalpou o feitiço que trazia no pescoço um ossinho de piá morto pagão Procurou o aruaí desaparecera Só o galo com a galinha brigando por causa duma aranha derradeira Fazia um calorão parado tão imenso que se escutava o sininho de vidro dos gafanhotos Vei a Sol escorregava pelo corpo de Macunaíma fazendo cosquinhas virada em mão de moça Era malvadeza da vingarenta só por causa do herói não ter se amulherado com uma das filhas de luz A mão de moça vinha e escorregava tão de manso no corpo Que vontade nos músculos pela primeira vez espetados depois de tanto tempo Macunaíma se lembrou que fazia muito não brincava Água fria diz que é bom pra espantar as vontades O herói escorregou da rede tirou a penugem de teia vestindo todo o corpo dele e descendo até o vale de Lágrimas foi tomar banho num sacado perto que os repiquetes do tempodaságuas tinham virado num lagoão Macunaíma depôs com delicadeza os legornes na praia e se chegou pra água A lagoa estava toda coberta de ouro e prata e descobriu o rosto deixando ver o que tinha no fundo E Macunaíma enxergou lá no fundo uma cunha lindíssima alvinha e padeceu de mais vontade E a cunha lindíssima era a Uiara Vinha chegando assim como quem não quer com muitas danças piscava pro herói parecia que dizia Cai fora seu nhonhô moço e fastava com muitas danças assim como quem não quer Deu uma vontade no herói tão imensa que alargou o corpo dele e a boca umideceu Mani Macunaíma queria a dona Botava o dedão nágua e num átimo a lagoa tornava a cobrir o rosto com as teias de ouro e prata Macunaíma sentia o frio da água retirava o dedão Foi assim muitas vezes Se aproximava o pino do dia e Vei estava zangadíssima Torcia pra Macunaíma cair nos braços traiçoeiros da moça do lagoão e o herói tinha medo do frio Vei sabia que a moça não era moça não era a Uiara E a Uiara vinha chegando outra vez com muitas danças Quê boniteza que ela era Morena e coradinha quenem a cara do dia e feito o dia que vive cercado de noite ela enrolava a cara nos cabelos curtos negros como as asas da graúna Tinha no perfil duro um narizinho tão mimoso que nem servia pra respirar Porém como ela só se mostrava de frente e festava sem virar Macunaíma não via o buraco no cangote por onde a pérfida respirava E o herói indeciso vainãovai Sol teve raiva Pegou num rabode tatu de calorão e guascou o lombo do herói A dona ali dizque abrindo os braços mostrando a graça fechando os olhos molenga Macunaíma sentiu fogo no espinhaço estremeceu fez pontaria se jogou feito em cima dela juque Vei chorou de vitória As lágrimas caíram na lagoa num chuveiro de ouro e de ouro Era o pino do dia Quando Macunaíma voltou na praia se percebia que brigara muito lá no fundo Ficou de bruços um tempão coma vida dependurada nos respiros fatigados Estava sangrando com mordidas pelo corpo todo sem perna direita sem os dedões sem os côcosdaBahia sem orelhas sem nariz sem nenhum dos seus tesouros Afinal pôde se erguer Quando deu tento das perdas teve ódio de Vei A galinha cacarejava deixando um ovo na praia Macunaíma pegou nele e chimpouo no carão feliz da Sol O ovo esborrachou bem nas bochechas dela que sujouse de amarelo pra todo o sempre Entardecia Macunaíma sentou numa lapa que já fora jaboti nos tempos de dantes e andou contando os tesouros perdidos em baixo dágua E eram muitos era uma perna os dedões eram os côcosdaBahia eram as orelhas os dois brincos feitos com a máquina pathek e a máquina smithwesson o nariz todos esses tesouros O herói pulou dando um grito que encurtou o tamanho do dia As piranhas tinham comido também o beiço dele e a muiraquitã Ficou feito louco Arrancou uma montanha de timbó de assacú de tingui de canambí todas essas plantas e envenenou pra sempre o lagoão Todos os peixes morreram e ficaram boiando com a barriga pra cima barrigas azuis barrigas amarelas barrigas rosadas todas as barrigas sara pintando a face da lagoa Era detardinha Então Macunaíma destripou todos esses peixes todas as piranhas e todos os botos caqueando a muraquitã nas barrigas Foi uma sangueira mãe escorrendo sobre a terra e tudo ficou tinto de sangue Era bôcadanoite Macunaíma campeava campeava Achou os dois brincos achou os dedões achou as orelhas os nuquiiri o nariz todos esses tesouros e prendeu todos nos lugares deles com sapé e cola de peixe Porém a perna e a muiraquitã não achou não Tinham sido engolidos pelo monstro Ururau que não morre com timbó nem pau O sangue coalhara negro cobrindo a praia e o lagoão Era denoite Macunaíma campeava campeava Soltava grite de lamentação encurtando com a bulha o tamanho da bicharada Nada O herói varava o campo saltando na perna só Gritava Lembrança Lembrança da minha marvada não vejo nem ela nem você nem nada E pulava mais As lágrimas pingavam dos olhinhos azuis dele sobre as florzinhas brancas do campo As florzinhas tingiram de azul e foram os miosótis O herói não podia mais parou Cruzou os braços num desespero tão heróico que tudo se alargou no espaço pra conter o silêncio daquele penar Só um mosquitinho raquitiquinho infernizava inda mais a disgra do herói zumbindo fininho Vim di Minas vim di Minas Então Macunaíma não achou mais graça nesta terra Capei bem nova relumeava lá na gupiara do céu Macunaíma cismou inda meio indeciso sem saber si morar no céu ou na ilha de Marajó Um momento pensou mesmo em morar na cidade da Pedra com o enérgico Delmiro Gouveia porém lhe faltou ânimo Pra viver lá assim como tinha vivido era impossível Até era por causa disso mesmo que não achava mais graça na Terra Tudo o que fora a existência dele apesar de tantos casos tanta brincadeira tanta ilusão tanto sofri mento tanto heroísmo afinal não fora sinão um se deixar viver e pra parar na cidade do Delmiro ou na ilha de Marajó que são desta Terra carecia de ter um sentido E ele não tinha coragem pra uma organização Decidiu Qua o quê Quando urubu está de caipora o de baixo caga no de cima este mundo não tem jeito mais e vou pro céu Ia pro céu viver com a marvada Ia ser o brilho bonito mas inútil porém de mais uma constelação Não fazia mal que fosse brilho inútil não pelo menos era o mesmo de todos esses parentes de todos os pais dos vivos da sua terra mães pais manos cunhas cunhadas cunhatãs todos esses conhecidos que vivem agora do brilho inútil das estrelas Plantou uma semente do cipó matamatá filhodaluna e enquanto o cipó crescia agarrou numa itá pontuda escreveu na lage que já fora jaboti num tempo muito de dantes NÃO VIM NO MUNDO PARA SER PEDRA A planta já tinha crescido e se agarrava numa ponta de Capei O herói capenga enfiou a gaiola dos legornes no braço e foi subindo pro céu Cantava triste Vamos dar a despedida Tapera Taleqüal o passarinho Tapera Bateu asa foise embora Tapera Deixou a pena no ninho Tapera Lá chegando bateu na maloca de Capei A Lua desceu no terreiro e perguntou Quê que quer saci Abênção minha madrinha me dá pão com farinha Então Capei reparou que não era saci não era Macunaíma o herói Mas não quis dar pensão pra ele se lembrando do fedor antigo do herói Macunaíma enfezou Deu uma porção de munhecaços na cara da Lua Por isso que ela tem aquelas manchas escuras na cara Então Macunaíma foi bater na casa de Caiuanogue a estrêlada manhã Caiuanogue apareceu na janelinha pra ver quem era e confundida pelo negrume da noite e a capenguice do herói perguntou Que é que quer saci Mas logo pôs reparo que era Macunaíma o herói e nem esperou resposta se lembrando que ele cheirava muito fedido Vá tomar banho falou fechando a janelinha Macunaíma tornou a enfezar e gritou Vem pra rua cafajeste Caiuanogue raspou um susto enorme e ficou tremendo espiando pelo buraco da fechadura Por isso que a bonita da estrelinha é tão pecurrucha e tremelica tanto Então Macunaíma foi bater na casa de PauíPódole o Pai do Mutum PauíPódole gostava muito dele porque Macunaíma o defendera daquele mulato da maior mulataria na festa do Cruzeiro Mas exclamou Ah herói tarde piaste Era uma honra grande pra mim receber no meu mosqueiro um descendente de jaboti raça primeira de todas No princípio era só o Jaboti Grande que existia na vida Foi ele que no silêncio da noite tirou da barriga um indivíduo e sua cunha Estes foram os primeiros fulanos vivos e as primeiras gentes da vossa tribo Depois que os outros vieram Chegaste tarde herói Já somos em doze e com você a gente ficava treze na mesa Sinto muito mas chorar não posso Que pena sinhHelena que o herói exclamou Então Pauí Pódole teve dó de Macunaíma Fez uma feitiçaria Agarrou três pauzinhos jogou pro alto fez encruzilhada e virou Macunaíma com todo o estenderete dele galo galinha gaiola revólver relógio numa constelação nova É a constelação da Ursa Maior Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da perna só da Ursa Maior que ela é o saci Não é não Saci inda pára neste mundo espalhando fogueira e traçando crina de bagual A Ursa Maior é Macunaíma É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva se aborreceu de tudo foise embora e banza solitário no campo vasto do céu EPÍLOGO Acabouse a história e morreu a vitória Não havia mais ninguém lá Dera tangolomangolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um Não havia mais ninguém lá Aqueles lugares aqueles campos furos puxadouros arrastadouros meiosbarrancos aqueles matos misteriosos tudo era a solidão do deserto Um silêncio imenso dormia a beirario do Uraricoera Nenhum conhecido sobre a terra não sabia nem falar na falta da tribo nem contar aqueles casos tão pançudos Quem que podia saber do herói Agora os manos virados na sombra leprosa eram a segunda cabeça do Pai do Urubu e Macunaíma era a constelação da Ursa Maior Ninguém jamais não podia saber tanta história bonita e a fala da tribo acabada Um silêncio imenso dormia a beirario do Uraricoera Uma feita um homem foi lá Era madrugadinha e Vei mandara as filhas visar o passe das estrelas O deserto tamanho matava os peixes e os passarinhos de pavor e a própria natureza desmaiara e caíra num gesto largado por aí A mudez era tão imensa que espichava o tamanhão dos paus no espaço De repente no peito doendo do homem caiu uma voz da ramaria Currrpac papac currrpac papac O homem ficou frio de susto feito piá Então veio brisando um guanumbi e boleboliu no beiço do homem Bilo bilo bilo lá tetéia E subiu apressado pras árvores O homem seguindo o vôo do guanumbi olhou pra cima Puxa rama boi o beijaflor se riu E escafedeu Então o homem descobriu na ramaria um papagaio verde de bico dourado espiando pra ele Falou Dá o pé papagaio O papagaio veio pousar na cabeça do homem e os dois se acompanheiraram Então o pássaro principiou falando numa fala mansa muito nova muito que era canto e que era cachiri com mel depau que era boa e possuía a traição das frutas desconhecidas do mato A tribo se acabara a família virará sombras a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subira pro céu porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dantes em que o herói fora o grande Macunaíma imperador E só o papagaio no silêncio do Uraricoera pre servava do esquecimento os casos e a fala desaparecida Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitos do herói Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa E o homem sou eu minha gente e eu fiquei pra vos contar a história Por isso que vim aqui Me acocorei em riba destas folhas catei meus carrapatos ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma herói de nossa gente Tem mais não