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A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 5 ODOS SABEM que são as televisões que mandam no mundo risos da platéia Acabo de receber ordens que devo me posicionar aqui não lá Seja como for a última palestra que proferi neste fórum tratou de um as sunto leve e agradável Falei sobre como os seres humanos são uma espécie ameaçada e dada a natureza de nossas instituições é provável que nos destrua mos num tempo relativamente breve Desta vez temos um certo conforto e um assunto mais agradável a nova guerra contra o terror Infelizmente o mun do não pára de aventar coisas que o tornam mais e mais terrível à medida que avançamos Vou pressupor duas condições nesta palestra A primeira a meu ver não é mais que o reconhecimento de um fato a saber que os eventos de 11 de setembro foram uma atrocidade hedionda Fora da guerra foi provavelmente a devastação com o maior número de vítimas instantâneas de qualquer crime na história O segundo pressuposto tem a ver com objetivos Estou supondo que a nossa meta seja tentar reduzir a probabilidade de que tais crimes sejam cometi dos contra nós ou contra quem quer que seja Se não aceitarmos esses dois pressupostos o que vou dizer não fará senti do Se os aceitarmos surgem de imediato algumas questões intimamente rela cionadas umas com as outras que merecem profunda reflexão As cinco questões A primeira questão de longe a mais importante é O que está acontecendo agora Implícita nesta pergunta está outra O que poderemos fazer a respei to A segunda envolve a noção bastante prosaica de o que aconteceu em 11 de setembro ter sido um evento histórico um acontecimento que irá mudar a história Tendo a concordar com isso Creio que seja verdade Foi um evento histórico e a pergunta que deveríamos estar fazendo é precisamente Por que A terceira questão diz respeito ao título desta palestra A guerra contra o terroris mo Exatamente o que isso quer dizer Com ela vem uma pergunta associada O que é terrorismo A quarta mais específica mas igualmente importante tem a ver com as origens dos crimes de 11 de setembro E a quinta questão que A nova guerra contra o terror NOAM CHOMSKY T Palestra feita pelo autor em 18 de outubro de 2001 no Fórum de Tecnologia e Cultura do Massachusetts Institute of Technology MIT EUA N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 6 desejo abordar referese às políticas e ações de que dispomos para empreender essa guerra contra o terrorismo e lidar com as situações que levaram a ela Pretendo dizer algumas palavras a respeito de cada uma Poderemos ir além delas em nossa discussão e não hesitem em levantar outras se for o caso Estas são as que me vêm à mente como mais proeminentes mas pode haver ou tras igualmente plausíveis O que está acontecendo agora Três a quatro milhões de pessoas irão morrer de fome Comecemos pelo presente imediato Vou falar sobre a situação no Afeganistão Pretendo me ater apenas a fontes nãocontroversas como The New York Times risos da platéia De acordo com The New York Times existem hoje no Afeganistão entre sete e oito milhões de pessoas no limiar da inanição Na verdade a situação precede 11 de setembro e essas pessoas só estavam sobre vivendo graças à ajuda internacional No dia 16 de setembro o Times noticiou e eu cito que os Estados Unidos exigiram que os paquistaneses pusessem fim aos comboios de caminhões que forneciam grande parte dos alimentos e suprimentos para a população civil do Afeganistão Pelo que pude averiguar não houve reação nos Estados Unidos como também não houve reação na Europa Eu estive em rádio nacional por toda a Europa no dia seguinte e pelo que percebi não houve reação alguma nos Estados Unidos ou na Europa à exigência de impor fome maciça a milhões de pessoas A ameaça de ataques militares já forçara a remoção dos funcionários de agências internacionais alijando os programas de ajuda humanitária Estou mais uma vez citando The New York Times Os refugiados que chegavam do Afeganistão ao Paquistão após árdua viagem descreviam cenas de desespero e medo em sua terra natal à medida que a ameaça dos ataques liderados pelos Estados Unidos transformava a sua misé ria de longa data numa catástrofe em potencial De acordo com um funcionário evacuado citado na New York Times Magazine o país só vinha sobrevivendo graças a uma corda salvavidas e agora nós cortamos essa corda O Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas de longe o mais importante pôde ser retomado três semanas depois no início de outubro ainda que em níveis mais baixos e a remessa de alimentos foi parcialmente restabelecida Mas não existem mais funcionários de agências humanitárias dentro do Afeganistão de modo que o sistema de distribuição que fora suspenso logo que os bombardeios começaram está prejudicado A ajuda internacional foi restabelecida mas num ritmo bem mais lento enquanto as agências humanitá rias denunciavam com veemência que os pacotes de alimento lançados por avi ões norteamericanos eram meros instrumentos de propaganda que provavel mente estavam fazendo mais mal do que bem Estou agora citando o London Financial Times Após a primeira semana de bombardeios The New York Times A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 7 noticiou numa página interna no meio de uma coluna sobre outro assunto que segundo cálculos das Nações Unidas haveria em breve 75 milhões de afegãos sofrendo necessidades desesperadoras sem terem sequer pão para comer Em algumas poucas semanas começaria o severo inverno afegão tornando a entre ga e distribuição de víveres praticamente impossível em muitas áreas Além disso e continuo citando com bombas caindo em toda a parte o ritmo das entregas caíra para metade do que seria necessário Tudo isso num comentário informal Mas o fato é que a civilização ocidental está prevendo o massacre de fa çamos as contas três a quatro milhões de pessoas ou algo parecido No mes mo dia o líder da civilização ocidental mais uma vez preteriu com desdém uma oferta para que fosse negociada a entrega do seu suposto alvo Osama bin Laden e também o pedido para que fosse apresentada alguma prova que corroborasse a exigência de capitulação total Ambos foram relegados Também no mesmo dia o emissário especial das Nações Unidas encarregado da distribuição de alimentos implorou aos Estados Unidos que cessassem os bombardeios para que tentassem salvar milhões de vítimas Pelo que pude averiguar o apelo não chegou a ser noticiado Isso foi na segundafeira Ontem quartafeira as prin cipais agências humanitárias Oxfam Christian Aid entre outras juntaramse ao apelo Não encontramos menção alguma no The New York Times O Boston Globe publicou uma linha escondida numa reportagem sobre outro assunto a Caxemira Genocídio silencioso Poderíamos prosseguir facilmente Tudo isso indicanos o que está acon tecendo E o que está acontecendo parece ser uma espécie de genocídio silen cioso Essa realidade também nos proporciona um bom insight da cultura das elites a cultura da qual somos parte Pois não importa o que possa acontecer e não sabemos o que vai acontecer o fato é que planos estão sendo elaborados e programas sendo implemen tados a partir do pressuposto de que podem pro vocar a morte de milhões de pessoas nos próxi mos meses Tudo muito informalmente en passant sem maiores reflexões a respeito Tudo visto como algo normal e cor riqueiro tanto nos EUA como em grande parte da Europa porém não no resto do mundo Na verdade nem mesmo em muitos lugares da Europa Se lermos jornais irlandeses ou escoceses tão próximos as reações já são bem diferentes Bem é isso o que está acontecendo hoje E o que está acontecendo hoje está perfeitamente sob nosso controle Poderemos fazer muita coisa para afetar essa realidade É basicamente isso Tudo visto como algo normal e corriqueiro N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 8 Por que 11 de setembro foi um evento histórico Ataque ao território nacional Pois bem voltemonos agora a uma questão um pouco mais abstrata es quecendo por uns instantes que estamos aparentemente prestes a matar três ou quatro milhões de pessoas não do Taliban é claro suas vítimas Recapitule mos Os ataques de 11 de setembro foram um evento histórico Como já disse acredito que sim Onze de setembro foi um evento histórico mas lamentavel mente não pelas dimen sões da catástrofe É desa gradável pensar nisso mas em termos de escala os ataques não foram algo incomum embora talvez seja verdade que nenhum outro crime da história tenha tido um número maior de vítimas humanas instantâneas Infelizmente porém existem muitos outros cri mes terroristas com efeitos mais duradouros e mais extremos Não obstante 11 de setembro foi um evento histórico pois ocorreu uma mudança a direção em que as armas estão apontadas mudou E isso é algo novo radicalmente novo a direção em que as armas estão apontadas mudou Às 10h06m o segundo avião sequestrado atinge a outra torre do WTC em Nova York Foto HO Agência France Press A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 9 Examinemos a história dos Estados Unidos A última vez que o território nacional norteamericano esteve sob ataque ou mesmo sob ameaça foi quan do os britânicos incendiaram Washington em 1814 Muitos mencionaram Pearl Harbor na ocasião mas não é uma boa analogia Os japoneses não importa o que possamos pensar deles bombardearam bases militares em duas colônias e não o território nacional dos Estados Unidos Colônias que por sinal haviam sido tomadas de seus habitantes de maneira nada bonita Desta vez no entan to o território nacional foi atacado em grande escala É possível encontrar al guns outros exemplos menores mas este foi um evento único Ao longo desses quase 200 anos nós os Estados Unidos expulsamos ou exterminamos a população nativa muitos milhões de pessoas conquistamos metade do México provocamos depredações por toda a região no Caribe e na América Central às vezes mais longe ainda e conquistamos o Havaí e as Filipinas matando mais de 100 mil filipinos no processo Desde a Segunda Guerra o país estendeu seu alcance ao redor do mundo de maneiras que não preciso descrever Mas sempre envolveram matar alguém Sempre envolveram lutar em algum outro lugar Sempre foram outros os massacrados Nunca aqui Nunca o território nacional Às 9h48m o primeiro avião atinge uma das torres do World Trade Center em Nova York Foto John Mottern Agência France Press N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 10 Europa No caso da Europa a mudança foi mais drástica pois a história européia é ainda mais horrenda que a norteamericana Nós somos uma mera ramifica ção da Europa basicamente Há centenas de anos a Europa vem corriqueira mente massacrando pessoas em todo o planeta Foi assim que conquistaram o mundo não oferecendo docinhos para bebês Ao longo dos séculos a Europa realmente passou por várias guerras mor tíferas mas essas guerras sempre envol veram matadores europeus matando ou tros europeus Durante muito tempo o principal esporte europeu foi massacraremse uns aos outros O motivo de isso ter chegado ao fim em 1945 não teve nada a ver com a democracia ou com o fato de a noção de guerrear entre si ter saído de moda O único motivo foi todos terem compreendido que da próxima vez que quisessem entrar nesse jo go seria o fim do mundo Pois como nós os europeus haviam desenvolvido armas de destruição tão terríveis que a brincadeira tinha de acabar Seja como for essa história remonta a centenas de anos No século XVII cerca 40 da população da Alemanha foi provavelmente eliminada em guerras Entretanto durante todo esse longo período sangüinolento o que vía mos eram europeus trucidandose uns aos outros e também europeus truci dando pessoas fora da Europa O Congo não atacou a Bélgica a Índia não ata cou a Inglaterra a Argélia não atacou a França Isso foi unifor me Houve por certo algumas pequenas exceções mas de es cala diminuta quase invisíveis diante das dimensões do que a Europa e os Estados Unidos fi zeram com o resto do mundo Esta foi a primeira mudança pela primeira vez as armas foram apontadas na outra direção Na minha opinião é provavelmen te por isso que encontramos reações tão diferentes de um e outro lado do mar da Irlanda como pude observar em entrevistas e em rádios nacionais de lá e de cá O mundo parece muito diferente dependendo de quem está segurando o chicote e de quem está levando chibatadas há séculos Muito diferente Por isso acho que o choque e a surpresa na Europa e em suas ramificações como nós aqui são bastante compreensíveis Onze de setembro foi um evento histórico lamentavelmente não em termos de escala mas sim em algo mais É por isso que a maior parte do resto do mundo encara os fatos de maneira bem diferente não sem comiseração pelas vítimas da atrocidade não sem horror diante do que aconteceu isso é quase uniforme Mas a perspectiva é diferente E isso é algo que faríamos bem em tentar compreender a história européia é ainda mais horrenda que a norteamericana o que víamos eram europeus trucidandose uns aos outros A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 11 O que é a guerra contra o terrorismo O que é terrorismo Passemos então à terceira questão O que é a guerra contra o terrorismo E à pergunta a ela associada O que é terrorismo A guerra contra o terrorismo já foi descrita em altos escalões como a luta contra uma praga contra um câncer disseminado por bárbaros por opositores depravados da própria civilização É um sentimento do qual partilho As palavras que estou citando no entanto foram proferidas 20 anos atrás pelo presidente Reagan e seu secretário de Esta do Há 20 anos o governo Reagan assumiu o poder declarando que a guerra contra o terrorismo internacional seria o cerne da política externa norteameri cana e descreveua nos termos que acabei de mencionar De fato essa guerra foi o cerne da nossa política exterior Curiosamente o governo Reagan reagiu à praga do terror disseminada por opositores depravados da própria civiliza ção criando uma extraordinária rede terrorista internacional de abrangência inaudita que levou a cabo incontáveis atrocidades em todo o mundo Reagan a guerra dos Estados Unidos contra a Nicarágua Mencionarei apenas um caso um caso totalmente incontroverso a fim de evitar qualquer dúvida ou discussão a respeito Não é em absoluto o caso mais extremo Mas é incontroverso pois foi julgado pelas maiores autoridades inter nacionais o Tribunal Internacional de Justiça a Corte Mundial e o Conselho de Segurança das Nações Unidas Insisto este caso é incontroverso pelo me nos entre pessoas minimamente preocupadas com leis internacionais direitos humanos justiça e temas afins Gostaria de passarlhes um exercício Quero que calculem as dimensões desse episódio perguntandose com que freqüência o caso foi mencionado nas notícias e editoriais do mês passado Este caso é particularmente relevante não só por ser incontroverso mas também porque constituiu um precedente de como um Estado cumpridor das leis reagiria e de fato reagiu ao terrorismo internacional A situação foi ainda mais extrema do que os acontecimentos de 11 de setembro Estou me referindo à guerra de Reagan e dos Estados Unidos contra a Nicarágua que deixou dezenas de milhares de mortos e o país em ruínas talvez irrecuperavelmente A reação da Nicarágua A Nicarágua reagiu Mas não lançando bombas em Washington Reagiu levando o caso à Corte Mundial e apresentando uma demanda Não tiveram problema algum em reunir provas A Corte Mundial aceitou julgar o caso sentenciou em favor da Nicarágua condenou o que chamou de uso ilegítimo da força um outro termo para terrorismo internacional por parte dos Esta dos Unidos e ordenou que os norteamericanos cessassem o seu crime e inde N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 12 nizassem os nicaraguenses Os Estados Unidos é claro relegaram a sentença do tribunal ao absoluto desprezo e anunciaram que doravante não aceitariam mais a jurisdição dessa corte A Nicarágua procurou então o Conselho de Segurança das Nações Uni das que considerou uma resolução conclamando todos os Estados a respeita rem o direito internacional Ninguém foi mencionado mas todos compreen deram Os Estados Unidos vetaram a resolução e são hoje a única nação que ao mesmo tempo foi condenada por praticar terrorismo internacional pela Corte Mundial e vetou uma resolução do Conselho de Segurança convocando os Estados a respeitarem o direito internacional A Nicarágua dirigiuse então à Assembléia Geral na qual tecnicamente não existe o veto mas onde um voto negativo dos Estados Unidos equivale a um veto A Assembléia Geral aprovou uma resolução similar com oposição apenas dos Estados Unidos de Israel e de El Salvador No ano seguinte acon teceu a mesma coisa mas dessa vez os Estados Unidos só conseguiram arregimentar Israel para a causa de modo que houve apenas dois votos contra o respeito ao direito internacional Diante disso não restou outra saída lícita para a Nicarágua Ela tentara todas as medidas mas nada funcionou num mun do que é regido pela força Embora este caso seja incontroverso não é em absoluto o mais extre mo Adquirimos uma curiosa percepção da nossa própria cultura e sociedade e do que está acontecendo hoje perguntando Quanto sabemos sobre tudo isso Quanto conversamos a respeito Quanto aprendemos sobre isso na escola Quanto disso está nas manchetes dos jornais E isso é apenas o começo Os Estados Unidos reagiram à Corte Mundial e ao Conselho de Segurança ampliando incontinenti a guerra uma decisão bipartidária digase de passa gem E os termos da guerra também mudaram Pela primeira vez foram dadas ordens oficiais para que o exército terrorista atacasse os chamados soft targets alvos brandos isto é alvos civis indefesos e evitasse confrontar o exército nicaragüense Puderam fazer isso porque os Estados Unidos tinham controle total do espaço aéreo sobre a Nicarágua e o exército mercenário fora suprido com equipamentos avançados de comunicação Não era um exército guerri lheiro no sentido normal pois podiam receber instruções sobre a disposição das forças do exército nicaragüense e com isso atacar fazendas coletivas clíni cas de saúde e outros soft targets com impunidade Estas eram as ordens oficiais Qual foi a reação nos Estados Unidos Houve uma reação talvez a esperada A política norteamericana foi con siderada sensata pela opinião liberal de esquerda Assim Michael Kinsley que representa a posição oficial da esquerda escreveu um artigo afirmando que não deveríamos condenar de imediato essa política como a Human Rights A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 13 Watch fizera Ele disse que uma política sensata deve passar pelo teste da análise do custobenefício ou seja e estou citando agora uma análise da quantidade de sangue e desgraça que será infligida e da probabilidade de que uma democracia possa emergir na outra extremidade democracia conforme os Estados Unidos entendem o termo ilustrada de maneira vívida nos países vizinhos Observem como é axiomático que os Estados Unidos as elites norte americanas têm o direito de conduzir a análise e de levar o projeto adiante se ele passar nos seus testes como de fato passou O projeto funcionou Quando a Nicarágua finalmente sucumbiu ao ataque da superpotência comentaristas saudaram abertamente o sucesso dos métodos adotados descrevendoos com precisão Citarei apenas a revista Time que louvou o sucesso dos métodos adotados Arruinar a economia e empreender uma longa e mortífera guerra por procuração até que os nativos exauridos consigam derrubar eles próprios o governo indesejável a um custo mínimo para nós deixando às vítimas o legado de pontes destruídas usinas elétricas sabotadas e fazendas arruinadas e fornecendo ao candidato norteamericano um tema capaz de conduzilo à vitória pôr fim ao empobrecimento do povo da Nicarágua The New York Times publicou uma manchete que exclamava Americanos Unidos em Júbi lo diante do resultado O terrorismo funciona O terrorismo não é a arma dos fracos Esta é a cultura em que vivemos e ela nos revela muitas coisas A primeira é que o terrorismo funciona O terrorismo não é malsucedido Ele dá certo A violência geralmente funciona Essa é a história do mundo A segunda é que é um gravíssimo erro analítico dizer como se costuma fazer que o terrorismo é a arma dos fracos Como qualquer outro meio de violência o terrorismo é primordialmente esmagadoramente uma arma dos fortes É considerado a arma dos fracos porque os fortes também controlam os sistemas doutrinários nos quais o seu terror não conta como terror Isso é algo quase universal Não consigo pensar em uma única exceção histórica até os piores assassinos em massa vêem o mundo assim Vejamos os nazistas Eles não estavam praticando terror na Europa ocu pada estavam protegendo as populações locais do terrorismo dos sectários Ora como em qualquer outro movimento de resistência havia terrorismo Os nazistas portanto estariam praticando contraterrorismo Em essência os Esta dos Unidos concordaram Após a guerra o exército norteamericano realizou demorados estudos sobre as operações nazistas de contraterrorismo na Europa Mas antes devo dizer que os Estados Unidos adotaram e começaram eles pró prios a pôr em prática esse tipo de operação muitas vezes contra os mesmos alvos a antiga resistência Além disso nossos militares também estudaram os N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 14 métodos nazistas e chegaram a publicar estudos interessantes alguns deles cri ticando o modo ineficiente como as operações foram realizadas uma análise crítica portanto vocês fizeram isso certo vocês fizeram isso errado Esses mé todos com a assessoria dos oficiais da Wermacht trazidos para os Estados Uni dos iriam se transformar nos manuais de contrainsurgência de contraterrorismo de conflitos de baixa intensidade como são chamados São esses os manuais e procedimentos que usamos hoje Portanto a questão não é apenas que os nazistas agiram assim mas tam bém que essa foi considerada a maneira certa de agir pelos líderes da civilização ocidental ou seja nós que então procederam para fazer a mesma coisa O terrorismo não é a arma dos fracos É a arma daqueles que estão contra nós não importa quem seja esse nós Se alguém conseguir encontrar uma exceção história a isso eu estaria muito interessado em conhecêla A natureza da nossa cultura como nós encaramos o terrorismo Uma indicação interessante da natureza da nossa cultura da nossa alta cultura é o modo como encaramos isso Nossa primeira reação é suprimir tudo ou seja praticamente ninguém ouve falar dessas coisas E o poder da propagan da e da doutrina norteamericanas é tamanho que mesmo entre as vítimas a realidade mal é conhecida Quero dizer se conversarmos sobre isso com al guém da Argentina teremos de lembrálo Ah sim isso aconteceu Tinha me esquecido Tudo é profundamente suprimido As conseqüências do monopó lio da violência podem ser muito poderosas seja em termos ideológicos ou não A idéia de que a Nicarágua poderia talvez ter o direito de se defender Um aspecto esclarecedor da nossa atitude perante o terrorismo é a reação à idéia de que a Nicarágua poderia talvez ter o direito de se defender Pesquisei isso razoavelmente a fundo em bases de dados A idéia de que a Nicarágua poderia ter o direito de se defender era considerada uma afronta um absurdo Não há praticamente nada entre os observadores da mídia oficial que indique que a Nicarágua poderia ter esse direito Este fato foi explorado pelo governo Reagan e sua máquina de propaganda de uma maneira interessante Quem viveu isso haverá de lembrar que periodicamente eram lançados rumores de que os nicaragüenses estariam recebendo aviões a jato MIG jatos da Rússia Neste ponto os gaviões e as pombas dividiamse Os gaviões diziam Ok então vamos lá bombardeálos As pombas diziam Esperem um pouco va mos ver se os rumores são verdadeiros Caso sejam então vamos lá bombardeá los Pois são uma ameaça aos Estados Unidos Por falar nisso por que os nicaragüenses estavam obtendo MIGs Bem eles haviam tentado obter jatos de países europeus mas os Estados Unidos A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 15 pressionaram seus aliados para que não lhes enviassem meios de defesa pois queríamos que eles recorressem aos russos Isso era bom para fins de propa ganda foi assim que os nicaragüenses se tornaram uma ameaça para nós Lem bremse que estavam a apenas dois dias de caminhada de Harlingen Texas Nós chegamos até a declarar emergência nacional em 1985 para proteger o país da ameaça da Nicarágua De modo que era muito melhor que obtivessem ar mas dos russos E por que os nicaragüenses haveriam de querer aviões a jato Bem pelos motivos já mencionados Os Estados Unidos tinham controle total de seu espa ço aéreo sobrevoavamno constantemente e usavam isso para fornecer infor mações para o exército terrorista atacar os soft targets sem precisar enfrentar o exército nacional que talvez tentasse defender aqueles alvos Todos sabiam que este era o motivo Eles não iam usar os aviões a jato para nada mais Mas a idéia de que à Nicarágua fosse permitido defender seu espaço aéreo contra um ata que da superpotência que estava direcionando as forças terroristas a atacarem alvos civis indefesos era considerada uma afronta aos Estados Unidos unani memente As exceções foram tão poucas que eu poderia até darlhes uma lista Mas não estou sugerindo que acreditem em mim Façam uma pesquisa Essa unanimidade incluiu até nossos próprios senadores por falar nisso Honduras a nomeação de John Negroponte como embaixador nas Nações Unidas Uma outra ilustração do modo como encaramos o terrorismo pode ser observada neste exato momento Há cerca de duas semanas os Estados Unidos nomearam um embaixador para as Nações Unidos para comandar a guerra con tra o terrorismo Pois bem quem é ele Seu nome é John Negroponte Ele foi o embaixador norteamericano no feudo pois é isso que é de Honduras no início dos anos 80 Houve um certo rebuliço pois Negroponte deveria conhe cer e certamente conhecia os assassinatos em massa e outras atrocidades co metidas na época pelas forças de segurança que apoiávamos em Honduras Mas isso é apenas uma pequena parte Como procônsul como era chamado lá Ne groponte foi o responsável local pela guerra terrorista empreendida contra a Ni carágua a partir de Honduras pela qual o seu governo foi condenado pela Cor te Mundial e pelo Conselho de Segurança A despeito disso Negroponte acaba de ser nomeado embaixador nas Nações Unidas para liderar a guerra contra o terror Outro pequeno experimento que podemos fazer é tentar descobrir qual foi a reação a isso Eu poderia lhes adiantar o que vão descobrir mas descubram por si mesmos É algo que diz muito sobre a guerra contra o terrorismo e sobre nós mesmos Depois que os Estados Unidos assumiram o controle outra vez sob con dições tão vividamente descritas pela imprensa o país foi basicamente destruído nos anos 80 Desde então entrou em colapso total em praticamente todos os N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 16 aspectos Em termos econômicos o declínio foi tremendo quanto à democra cia Hoje é o segundo país mais pobre do hemisfério Bem nem vou falar a respeito Eu escolhi a Nicarágua porque era um caso incontroverso Mas se observarmos as outras nações da região veremos que o terror estatal foi muito mais extremo e sempre pode ser traçado até Washington E isso não é tudo de maneira alguma Apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido aos ataques da África do Sul O mesmo estava acontecendo em outras partes do mundo como na Áfri ca Apenas durante os anos Reagan os ataques da África do Sul a países vizi nhos com apoio e suporte dos Estados Unidos e do Reino Unido mataram mais de 15 milhão de pessoas causaram mais de US 60 bilhões de danos e destruíram países inteiros Se dermos a volta ao mundo acrescentaremos mui tos outros exemplos Essa foi a primeira guerra contra o terror da qual apresentei uma peque na amostra Será que não deveríamos dar atenção a ela Ou pelo menos achar que talvez ela seja relevante Afinal de contas não se trata exatamente de história antiga Mas a resposta é claramente negativa se nos basearmos no deba te atual sobre a guerra contra o terror que tem sido o tema principal das dis cussões no último mês Haiti Guatemala e Nicarágua Como mencionei a Nicarágua tornouse o segundo país mais pobre do hemisfério Qual é o mais pobre O Haiti é claro que também foi de longe a maior vítima das intervenções norteamericanas no século XX Nós deixamos o país totalmente devastado O Haiti é o país mais pobre E a Nicarágua vem em segundo lugar também no grau de intervenção norteamericana no século XX É o segundo país mais pobre Na realidade está competindo com a Guatemala pela posição A cada um ou dois anos Nicarágua e Guatemala se alternam como segundo país mais pobre E também se alternam em ser o prin cipal alvo da intervenção militar norteamericana Será que devemos supor que tudo isso é alguma espécie de acidente não tendo nada a ver com o que acon teceu ao longo da história Talvez Colômbia e Turquia O pior violador dos direitos humanos nos anos 90 foi de longe a Co lômbia A Colômbia foi também o país que mais recebeu auxílio militar norte americano naquela década mantendo o terror e as violações aos direitos huma nos Em 1999 a Colômbia tomou o lugar da Turquia como o país que mais re cebeu armamentos norteamericanos isto é excluindo Israel e Egito que estão numa categoria à parte Isso também nos diz muito sobre a atual guerra ao terror A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 17 Por que a Turquia recebeu um fluxo tão maciço de armas norteamerica nas Bem se examinarmos o fluxo dos armamentos veremos que a Turquia sempre obteve muitas armas dos Estados Unidos Para começar o país tem uma localização estratégica e é membro da OTAN Mas o fluxo de armas para a Turquia aumentou perceptivelmente em 1984 Isso nada teve a ver com a Guerra Fria pois a Rússia já estava desmoronando O fluxo permaneceu elevado de 1984 a 1999 quando foi reduzido e a Colômbia assumiu a liderança O que aconte ceu de 1984 a 1999 Em 1984 a Turquia lançou uma grande guerra terrorista contra os curdos no sudeste do país justamente quando a ajuda norteamericana a ajuda militar norteamericana se intensificou E não estamos falando de meras pistolas mas sim de aviões a jato tanques treinamento militar e coisas do gênero Essa ajuda permaneceu elevada durante toda a escalada de atrocidades nos anos 90 A aju da aumentava à medida em que as atrocidades aumentavam O pico foi em 1997 quando a ajuda militar dos Estados Unidos foi maior do que durante todo o período entre 1950 e 1983 ou seja durante a época da Guerra Fria o que é indicativo do quanto a Guerra Fria afetou as diretrizes do país Os resul tados foram aterradores entre dois e três milhões de refugiados um dos piores extermínios étnicos do final dos anos 90 Dezenas de milhares de pessoas foram mortas 3500 cidades e vilas destruídas muito mais do que no Kosovo mesmo com as bombas da OTAN E os Estados Unidos estavam fornecendo 80 das armas usadas pela Tur quia um fluxo que aumentava à medida que as atrocidades aumentavam até o pico de 1997 Houve uma diminuição em 1999 pois o terror já havia cumprido sua função como geralmente acontece quando perpetrado por seus principais agentes os poderosos Assim em 1999 o terror turco designado contraterror evidentemente mas como já disse isso é universal mostrou que funcionara A Turquia foi então substituída pela Colômbia que ainda não tivera sucesso na sua guerra terrorista e que portanto precisava tornarse a principal recipien dária de armas norteamericanas Autocongratulações da parte dos intelectuais ocidentais O que torna tudo isso particularmente chocante é que ocorreu em meio a um tremendo estardalhaço autocongratulatório da parte dos intelectuais do Ocidente algo provavelmente sem paralelo na história Todos devem se lem brar não faz mais do que dois ou três anos Foi uma tremenda onda de autoadu lação em torno de como pela primeira vez na história havíamos sido realmente magnificentes defendendo princípios e valores dedicandonos a pôr um fim à desumanidade em todo lugar na nova era e mais isso e mais aquilo Por certo não podemos tolerar atrocidades tão próximas das fronteiras da OTAN Isso foi repetido incessantemente Somente dentro das fronteiras da OTAN podere mos não só tolerar atrocidades muito piores mas até contribuir para elas N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 18 Se perguntarmos com que freqüência isso foi trazido à tona teremos mais um vislumbre da civilização ocidental e da nossa própria Investiguem isso Não vou repetir É algo muito instrutivo um feito bastante impressionan te para um sistema de propaganda numa sociedade livre É espantoso Acho que nem mesmo num Estado totalitário isso seria possível A Turquia ficou muito agradecida A Turquia ficou muito agradecida e há poucos dias o primeiroministro Ecevit anunciou que seu país se juntaria à coalizão contra o terror com gran de entusiasmo com até mais entusiasmo que os outros Na verdade ele disse que a Turquia participaria da coalizão com tropas algo que outros países não se dispuseram a fazer E explicou Temos uma dívida de gratidão com os Estados Unidos pois os Estados Unidos foram o único país que se dispôs a contribuir tão maciçamente para a nossa guerra contraterrorista estas foram as suas palavras Ou seja contribuir para o extermínio étnico com atrocidades e terror Outros países ajudaram um pouco mas se refrearam Os Estados Unidos por outro lado contribuíram com entusiasmo e im petuosidade E puderam fazêlo por causa do silêncio subserviência seria a palavra certa das classes instruídas que poderiam facilmente ter se mantido informadas de tudo Afinal este é um país livre Podemos ler relatórios sobre direitos humanos Podemos ler sobre qualquer coisa Mas optamos por contri buir para as atrocidades A Turquia está muito feliz com isso sente que tem uma dívida de gratidão conosco e portanto contribuirá com tropas como ocorreu durante a guerra na Sérvia A Turquia foi bastante elogiada por usar seus jatos F16 que nós lhe havíamos fornecido para bombardear a Sérvia os mesmos aviões que usara contra a sua própria população até finalmente conse guir esmagar o terror interno como o chamavam Como sempre toda resis tência inclui de fato terror Isso foi verdade na Revolução norteamericana Foi verdade em todos os casos que conheço Assim como é verdade que aque les que detêm o monopólio da violência sempre dizem que estão empenhados em contraterrorismo A coalizão incluindo Argélia Rússia China e Indonésia Isso é muito impressionante e diz respeito à coalizão sendo organizada para a guerra contra o terror É muito interessante ver como a coalizão está sendo descrita Vejamos a edição de hoje do Christian Science Monitor É um bom jornal um dos melhores jornais internacionais com cobertura real do mundo A matéria principal a matéria de capa é sobre os Estados Unidos explica que antes as pessoas não gostavam dos Estados Unidos mas que agora estão começando a respeitálo que estão todos muito felizes com a liderança dos Estados Unidos na guerra contra o terror O exemplo principal na verda de o único exemplo sério pois os outros são uma piada é a Argélia Descobri A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 19 mos que a Argélia está bastante entusiasmada com a guerra dos Estados Unidos contra o terror O autor do artigo é um especialista em África Deve pois saber que a Argélia é um dos Estados terroristas mais perversos do mundo e vem lançando terror contra a sua própria população há anos Durante um tempo isso foi mantido em segredo Mas finalmente tudo veio à tona na França graças a dis sidentes do exército argelino Tudo foi amplamente divulgado lá e também na Inglaterra Mas aqui sentimos orgulho porque um dos mais corruptos Estados terroristas do mundo está entusiasmado com a guerra dos Estados Unidos con tra o terror chegando inclusive a nos encorajar a liderar a guerra Isso mostra o quanto estamos nos tornando populares Se examinarmos a coalizão que está sendo formada contra o terror apren deremos muitas outras coisas Um dos principais membros da coalizão é a Rússia que está mais do que eufórica em ter os Estados Unidos apoiando o morticínio da sua guerra terrorista na Chechênia ao invés de às vezes criticálo discreta mente A China também está se juntando à coalizão com entusiasmo Está feli císsima em obter apoio para as atrocidades que vem cometendo no oeste do país contra o que chama de secessionistas islâmicos A Turquia como já mencio nei está contentíssima com a guerra contra o terror Todos esses países são especialistas nisso Argélia e Indonésia estão satisfeitíssimas de terem ainda mais apoio dos Estados Unidos para as atrocidades sendo cometidas na província de Aceh e em outras regiões Se percorrermos a lista essa lista impressionante de Estados que se juntaram à coalizão contra o terror verificaremos que há uma característica em comum incluemse certamente entre os principais Estados terroristas do mundo Não é por acaso que estão sendo liderados pelo campeão mundial da modalidade O que é terrorismo Isso nos traz de volta à pergunta O que é terrorismo Até aqui pressupus que todos nós sabemos o que é Pois bem o que é Existe uma resposta fácil para esta pergunta uma definição oficial Podemos encontrála na legislação norteamericana ou nos manuais do exército Uma breve definição extraída de um manual do exército norteamericano diz que terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça de violência para atingir metas ideológicas políticas ou religiosas mediante intimidação coerção ou instilação do medo Isso é ter rorismo É uma definição mais do que equânime Acho razoável aceitála O problema é que não poderemos aceitála pois dela decorrem toda a sorte de conseqüências erradas por exemplo todas as conseqüências que acabamos de examinar Há hoje um grande esforço nas Nações Unidas para tentar elaborar um tratado abrangente sobre terrorismo Quando Kofi Annan recebeu o prê mio Nobel ele teria dito que nós deveríamos parar de desperdiçar tempo nisso e colocar mãos à obra N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 20 Só que há um problema Se usarmos a definição oficial de terrorismo desse tratado abrangente chegaremos aos resultados errados Isso é inaceitá vel Na realidade é ainda pior que isso Se examinarmos a definição de guerra de baixa intensidade que é a política oficial dos Estados Unidos veremos que é uma paráfrase bastante próxima do que acabei de ler Na realidade conflito de baixa intensidade é apenas um outro nome para terrorismo É por isso que pelo que sei todos os países designam de contraterrorismo quaisquer atos hor rendos que estejam cometendo Nós chamamos isso de contrainsurgência ou conflito de baixa intensidade É um problema grave Não podemos usar as definições em si Temos de cuidadosamente encontrar uma definição que não traga no bojo todas as conseqüências erradas Por que Estados Unidos e Israel votaram contra uma importante resolução condenando o terrorismo Há ainda outros problemas Alguns surgiram em dezembro de 1987 no auge da primeira guerra contra o terrorismo quando o furor contra essa praga atingira o apogeu A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovara uma resolu ção bastante forte contra o terrorismo condenando a praga em termos enérgi cos e convocando todas as nações a combateremna de todas as formas possí veis Foi aprovada por quase unanimidade Um país Honduras se absteve houve dois votos contra os de sempre Estados Unidos e Israel Por que Estados Unidos e Israel votaram contra essa importante resolução condenando o terrorismo nos termos mais veementes na verdade basicamente os mesmos termos que o governo Reagan vinha usando Houve um motivo Há um parágrafo nessa longa resolução que afirma que nenhuma cláusula do documento coíbe o direito de um povo em luta contra regimes racistas e colonialistas ou contra ocupação militar estrangeira de continuar a sua resistência com a ajuda de outrem de outros Estados Estados externos na sua justa causa Ora nem os Estados Unidos nem Israel puderam aceitar isso Na época o principal motivo de não poderem aceitar isso era a África do Sul A África do Sul era uma aliada uma nação oficialmente designa da como aliada E havia uma força terrorista na África do Sul Era chamado Congresso Nacional Africano oficialmente designado uma força terrorista A África do Sul por sua vez era uma aliada e nós certamente não poderíamos apoiar ações de um grupo terrorista que lutava contra um regime racista Isso seria impensável Havia é claro outro motivo a saber os territórios ocupados por Israel há 35 anos Com o apoio incondicional dos Estados Unidos impedindo uma resolução diplomática há 30 anos o motivo permanece válido hoje Por isso era inadmissível Na época havia ainda mais um motivo Israel estava ocupando o sul do Líbano e estava sendo combatido pelo que os Estados Unidos chama A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 21 vam de força terrorista o Hizbollah Que na realidade logrou expulsar Israel do Líbano Não podemos permitir que ninguém lute contra uma ocupação militar quando se trata de uma ocupação que nós apoiamos Portanto Estados Unidos e Israel não tinham como não votar contra a resolução das Nações Unidas contra o terrorismo E como mencionei antes um voto contra dos Estados Unidos é essencialmente um veto Mas isso é só metade do caso O veto norteamericano também suprimiu da história a resolução Nada disso foi noticiado e nada disso sequer constou nos anais do terrorismo Se examinarmos os trabalhos acadêmicos sobre terro rismo não encontraremos nada do que acabo de mencionar O motivo é que as pessoas erradas estão empunhando as armas Precisamos aperfeiçoar as defi nições e a pesquisa acadêmica para chegar às conclusões certas doutra for ma não haverá pesquisa acadêmica respeitável nem jornalismo honrado Esses são alguns dos problemas que estão estorvando a iniciativa de ela borar um tratado abrangente contra o terrorismo Talvez devêssemos organi zar uma conferência acadêmica ou algo parecido para tentar encontrar um meio de definir terrorismo que leve às respostas certas não às incorretas Isso não será fácil Quais as origens dos crimes de 11 de setembro Mas deixemos isso de lado e passemos para a quarta questão Quais as origens dos crimes de 11 de setembro Temos aqui de fazer uma distinção entre duas categorias que não devem ser embaralhadas A primeira diz respeito aos agentes efetivos do crime A outra referese a uma espécie de reserva de soli dariedade e às vezes de apoio que os eventos inspiraram até mesmo entre pessoas que se opõem claramente aos criminosos e suas ações São duas coisas bem diferentes Categoria 1 os prováveis perpetradores Com relação aos perpetradores a verdade é que num certo sentido a situação ainda não está clara Os Estados Unidos não podem ou não querem fornecer qualquer tipo de prova ou comprovação significativa Houve uma gran de encenação dramática há uma ou duas semanas quando Tony Blair foi incita do a tentar apresentar algo Não sei ao certo qual foi o propósito daquilo Talvez fazer parecer que os Estados Unidos estivessem retendo alguma prova secreta que não pudessem revelar Ou talvez permitir que Tony Blair assumisse ares apropriadamente churchillianos ou algo assim Quaisquer que tenham sido os objetivos de relações públicas Blair fez uma apresentação que em círculos sérios foi considerada tão absurda que prati camente não chegou a ser mencionada The Wall Street Journal por exemplo um dos jornais mais sérios publicou uma pequena matéria na página 12 se não N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 22 me engano apontando que não havia muita prova e citando um alto funcioná rio do governo norteamericano que teria dito que não importava se havia ou não havia provas pois eles iriam levar a coisa adiante de qualquer maneira Por que se preocupar com provas Jornais mais ideológicos como The New York Times entre outros publi caram grandes manchetes na primeira página Mas a reação do The Wall Street Journal foi razoável e se examinarmos as ditas provas veremos por quê Mesmo supondo que elas sejam legítimas porém é espantoso como são fracas Acho que seria possível desencavar coisa melhor sem o serviço de inteligência risos da platéia Pois tenham em mente que isso ocorreu semanas após a investiga ção mais intensa da história com todos os serviços de inteligência do mundo ocidental trabalhando em tempo integral para trazer à tona alguma coisa E tu do prima facie Era uma demanda bastante forte antes mesmo de surgir alguma coisa Mas acabou basicamente onde havia começado com um caso prima facie Todavia suponhamos que seja verdade Aceitemos isso que pareceu óbvio no primeiro dia e que ainda parece que os verdadeiros perpetradores vieram de redes islâmicas radicais aqui chamadas de fundamentalistas da qual a rede de Osama bin Laden é inegavelmente uma parte importante Se estavam de fato envolvidos ou não ninguém sabe E não importa muito De onde vieram Este é o contexto essas redes Pois bem de onde elas vieram Todos nós sabemos E ninguém sabe melhor do que a CIA pois foi a CIA que ajudou a organizálas e que as alimentou por um longo tempo Essas redes foram orga nizadas nos anos 80 pela própria CIA e suas comparsas em outros países Pa quistão GrãBretanha França Arábia Saudita Egito A China esteve envolvi da talvez tenha se envolvido um pouco antes em 1978 A idéia era assediar os russos o inimigo comum De acordo com Zbigniew Brzezinski assessor de se gurança nacional do presidente Carter os Estados Unidos se envolveram em meados de 1979 Só para acertar as datas vamos nos lembrar que a Rússia invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979 De acordo com Brzezinski o apoio norteamericano aos mujahedin que lutavam contra o governo começou seis meses antes Brzezinski tem muito orgulho disso Ele diz que nós atraímos os russos para uma armadilha afegã são palavras suas apoiando os mujahedin e fazendo os russos invadirem e cair na armadilha Formamos assim um tre mendo exército mercenário Não um exército pequeno mas um exército de talvez 100 mil homens reunindo os melhores assassinos que puderam ser en contrados os fanáticos islâmicos radicais do norte da África da Arábia Saudita de onde quer que fosse Eram muitas vezes chamados de afegãos mas muitos deles como Bin Laden não eram afegãos Foram trazidos de outras partes do mundo pela CIA e suas comparsas Não sei se Brzezinski está falando a verdade Talvez estivesse A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 23 apenas se jactando Ele aparentemente tem muito orgulho deste feito mesmo conhecendo as conseqüências Mas talvez seja verdade Saberemos um dia se os documentos forem liberados Seja como for essa é a sua percepção Não resta a menor dúvida de que em janeiro de 1980 os Estados Unidos estavam organizando os afegãos e preparando uma enorme força militar para causar o máximo de problemas para os russos Seria perfeitamente legítimo para os afegãos lutarem contra a invasão russa Mas a intervenção norteamericana não estava ajudando os afegãos Na realidade ajudou apenas a destruir o país Enfim os próprios afegãos acabaram forçando os russos a se retirar Nesse ínterim as forças terroristas que a CIA estava organizando arman do e treinando buscavam desde o princípio pôr em prática o seu próprio pro grama Não era segredo Um dos primeiros atos ocorreu em 1981 quando assassinaram o presi dente do Egito um dos mais entusiásticos de seus criadores Em 1983 um homembomba suicida que talvez estivesse ou não ligado a essas forças tu do é bastante nebuloso ninguém sabe expulsou do Líbano os militares do exército norteamericano As coisas continuaram assim As forças terroristas tinham o seu próprio programa Os Estados Unidos acharam ótimo poder mo bilizálas para lutarem por sua causa mas as forças estavam avançando os seus próprios interesses Foram bem claras a respeito Depois de 1989 quando os russos já haviam se retirado elas simplesmente começaram a agir em outros lugares Têm lutado desde então na Chechênia no oeste da China na Bósnia na Caxemira no sudeste asiático no norte da África por todo o mundo Eles estão nos dizendo o que pensam Eles estão nos dizendo o que pensam Os Estados Unidos querem silen ciar o único canal de televisão livre do mundo árabe porque está transmitindo a gama completa dos fatos de Colin Powell a Osama bin Laden Com essa atitu de estão se equiparando aos regimes repressivos do mundo árabe que tentam calar essa TV Mas se assistirmos esse canal se pudermos ouvir o que Bin Laden diz veremos que vale a pena Além disso eles apresentam muitas entrevistas realizadas pelos principais repórteres do Ocidente como Robert Fisk e outros se preferirmos não ouvir a voz de Bin Laden Mas ele vem falando com bastante consistência há tempos Não é o único mas talvez seja o mais eloqüente Não só com consistência mas também consoante com suas ações Por isso temos todos os motivos para leválos a sério Seus inimigos pri mordiais são aqueles que chamam de regimes autoritários brutais corruptos e opressivos do mundo árabe Quando dizem isso obtêm uma grande resso nância na região No entanto eles também querem substituir esses regimes por governos mais incisivamente islâmicos E é aí que perdem a simpatia das pesso as da região Até esse momento porém estão todos com eles Do ponto de N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 24 vista de Osama bin Laden e outros nem mesmo a Arábia Saudita é suficiente mente islâmica para eles embora seja talvez o Estado fundamentalista mais extremo do mundo com exceção do Taliban que é uma ramificação É evi dente que nesse ponto contam com pouquíssimo apoio Mas aquém disso têm um apoio tremendo Eles também querem defender os muçulmanos de outras regiões Odeiam os russos como à peste mas tão logo os russos deixaram o Afeganistão para ram de realizar atos terroristas na Rússia como vinham fazendo antes com o apoio da CIA ataques dentro da Rússia não apenas no Afeganistão É verda de que avançaram para a Chechênia Mas lá estão defendendo os muçulmanos de uma invasão russa O mesmo acontece em todos os outros lugares que men cionei Do ponto de vista deles estão defendendo os muçulmanos dos infiéis E são muito claros a respeito é isso que eles têm feito As duas torres do World Trade Center em Nova York desabam Foto Stan Honda Agência France Press A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 25 Por que se voltaram contra os Estados Unidos Mas por que eles se voltaram contra os Estados Unidos Bem isso está relacionado com o que chamam de invasão norteamericana da Arábia Saudita Em 1990 os Estados Unidos montaram bases militares permanentes na Arábia Saudita o que do ponto de vista deles é comparável à invasão russa do Afega nistão Só que a Arábia Saudita é muito mais importante É lá que ficam os lugares mais sagrados do Islã Foi isso que fez as atividades desses grupos se voltarem contra os Estados Unidos Vocês devem se lembrar que em 1993 eles tentaram explodir o World Trade Center Conseguiram realizar só uma parte do seu intento que aliás era apenas parte de um plano maior O objetivo era explodir o prédio das Nações Unidas os túneis Holland e Lincoln e a sede do FBI Acho que havia ainda outros alvos na lista Uma das muitas pessoas que foram presas por este atentado foi um clérigo egípcio que havia viajado para os Estados Unidos a despeito das objeções do Serviço de Imigração graças à intervenção da CIA que queria agraciar seus amigos Alguns anos depois ele tentava explodir o World Trade Center Isso tem acontecido em toda a parte Não vou percorrer a lista toda mas é um quadro consistente se vocês me entendem Está tudo descrito em palavras Está tudo revelado nas práticas de 20 anos Não há motivo para não os levar mos a sério Esta é a primeira categoria os prováveis perpetradores Os bombeiros heróis na catástrofe iniciam o trabalho nos escombros Foto Stan Honda Agência France Press N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 26 Categoria 2 e quanto à reserva de apoio Bem não é difícil descobrir do que se trata Uma das coisas boas que aconteceram desde 11 de setembro foi que uma parte da imprensa e uma parte do debate a respeito começaram a se abrir para algumas dessas outras perspec tivas A melhor delas a meu ver foi The Wall Street Journal que desde os pri meiros dias passou a publicar matérias sérias reportagens investigativas sérias sobre os motivos pelos quais as pessoas da região apesar de odiarem Bin Laden e abominarem tudo o que ele está fazendo não obstante o apóiam de várias maneiras e até chegam a considerálo a consciência do Islã como um deles chegou a dizer Entretanto The Wall Street Journal e outros não estão sondando a opi nião pública estão sondando a opinião de seus amigos banqueiros profissio nais liberais advogados internacionais empresários com vínculos com os Esta dos Unidos pessoas vestindo roupas norteamericanas de grife entrevistadas num restaurante McDonalds que lá é um restaurante elegante São essas as pessoas que entrevistam porque são as atitudes delas que eles querem desvendar Suas atitudes são bem explícitas e bem claras e em várias maneiras consoantes com a mensagem de Bin Laden e outros Estão todas furiosas com os Estados Unidos por apoiarem regimes autoritários e brutais por intervirem para impedir qualquer movimento rumo à democracia por agi rem para frustrar o desenvolvimento econômico pelas diretrizes que devasta ram a sociedade civil do Iraque ao mesmo tempo em que fortaleceram Saddam Hussein E essas pessoas se lembram ainda que nós prefiramos não fazêlo que os Estados Unidos e a GrãBretanha apoiaram Saddam Hussein mesmo enquanto ele cometia as piores atrocidades entre elas o extermínio dos curdos com armas químicas Bin Laden sempre traz isso à baila Elas sabem disso mes mo que nós não saibamos Para não falar é claro no apoio norteamericano à ocupação militar isra elense que é implacável brutal e já entrou no seu 35º ano Os Estados Unidos forneceram e continuam fornecendo a esmagadora maioria da ajuda econômica militar e diplomática dessa ocupação Elas sabem disso e não gostam Especial mente quando comparam essa atitude com a política norteamericana para o Iraque para a sociedade civil iraquiana que está sendo destruída Basicamente esses são os motivos E quando Bin Laden apresenta esses motivos as pessoas sabem reconhecêlos e oferecem seu apoio Mas este não é o modo como as pessoas aqui pensam a respeito Ou pelo menos não é como opinião liberal instruída raciocina que prefere a linha adotada por toda a mídia e em particular pela esquerda liberal Não investiguei a fun do mas acho que no geral as opiniões de direita têm sido mais honestas Basta olharmos digamos The New York Times No primeiro editorial escrito por A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 27 Ronald Steel um intelectual liberal de esquerda sério ele pergunta Por que eles nos odeiam Isso no mesmo dia se não me engano em que The Wall Street Journal publicava uma pesquisa sobre os motivos de eles nos odiarem Steel diz o seguinte Eles nos odeiam porque nós representamos uma nova ordem mundial de capitalismo individualismo secularismo e democracia que deveria ser a norma em toda a parte É por isso que eles nos odeiam No mesmo dia The Wall Street Journal pesquisava as opiniões de ban queiros profissionais liberais e advogados internacionais que diziam Vejam nós odiamos vocês porque estão bloqueando a democracia impedindo o de senvolvimento econômico apoiando regimes brutais regimes terroristas e cometendo uma série de coisas horríveis na região Alguns dias depois Anthony Lewis bem mais à esquerda explicou que o terrorista busca apenas niilismo apocalíptico nada mais não importa o que façamos Segundo ele a única conseqüência de nossas ações que poderia ser nociva seria tornar mais difícil para os árabes se unirem ao esforço antiterrorismo da coalizão Afora isso tudo o que fizermos será irrelevante Bem essa atitude tem a vantagem de ser reconfortante Faznos sentir bem acerca de nós mesmos como somos maravilhosos Permitenos evadir as conseqüências de nossa ações Mas também tem algumas falhas A primeira é que contraria tudo o que sabemos a respeito da situação Outra é que constitui uma maneira perfeita de assegurar a escalada do ciclo de violência Se quiser mos viver com a cabeça enfiada na areia e fingir que eles nos odeiam porque são contra a globalização Que é por isso que mataram Sadat 20 anos atrás e combateram os russos e tentaram explodir o World Trade Center em 1993 Se quisermos acreditar nisso não deixa de ser reconfortante Mas é uma ótima maneira de assegurar a proliferação da violência Uma violência tribal você fez algo contra mim eu farei algo pior contra você Não me importa quais são os motivos Vamos continuar agindo assim Esta é a maneira de agir Ou pelo menos é o que tem afirmado a opinião liberal de esquerda Quais são as opções políticas Bem há várias Desde o início uma opção política limitada seria seguir o conselho de radicais realmente extremados como o papa risos da platéia O Vaticano reagiu imediatamente dizendo Olhem este foi um crime terrorista terrível Como qualquer crime devemos buscar os perpetradores processálos e julgálos E não sair matando civis inocentes É como se alguém assaltasse a minha casa e eu achasse que o ladrão provavelmente ainda estaria na vizinhança do outro lado da rua e eu fosse até lá com um rifle automático e matasse todos os habitantes do bairro Não é assim que se lida com o crime seja um crime menor como este seja um crime grandioso como a guerra terrorista dos Esta dos Unidos contra a Nicarágua sejam crimes ainda piores ou intermediários N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 28 Há inúmeros precedentes Na realidade já mencionei um precedente a Nica rágua uma nação fundada no direito e respeitadora das leis É por isso que presumivelmente tivemos de destruíla por seguir os princípios certos Pois bem é claro que isso não a ajudou em nada pois a Nicarágua estava enfrentan do uma potência que não permitia que procedimentos legítimos fossem ado tados No entanto caso os Estados Unidos tentassem adotar os procedimentos corretos ninguém iria nos impedir Na realidade todos aplaudiriam Bombas do Exército Republicano Irlandês em Londres Quando o Exército Republicano Irlandês lançou bombas em Londres um ato extremamente grave uma reação possível da GrãBretanha exceto pelo fato de ser inexeqüível mas deixemos isso de lado teria sido destruir Boston que foi de onde se originou grande parte do financiamento do IRA E também é claro aniquilar a região oeste de Belfast Pois bem afora a questão da inexeqüi bilidade teria sido uma estupidez criminosa A maneira de lidar com a situação foi basicamente como eles agiram encontrar os perpetradores leválos a julga mento e buscar os motivos Porque essas ações não surgem do nada elas sem pre surgem de algo Seja um crime nas ruas seja um monstruoso crime terroris ta seja o que for Sempre há motivos E via de regra se examinarmos os moti vos veremos que alguns são legítimos e devem ser considerados Não importa qual tenha sido o crime os motivos devem ser considerados porque são legíti mos Essa é a maneira de lidar com tais situações Há muitos outros exemplos semelhantes Todavia também aqui surgem certos problemas Um deles é que os Esta dos Unidos não reconhecem a jurisdição de instituições internacionais Não podem portanto recorrer a elas Os Estados Unidos rejeitaram a jurisdição da Corte Mundial Recusaramse a ratificar o Tribunal Internacional de Justiça mas o país é poderoso o bastante para instituir um novo tribunal se quiser de modo que tudo isso não o impediria O problema com esse tipo de tribunal é que precisamos apresentar pro vas Quando se recorre a uma corte de justiça é preciso apresentar algum tipo de prova Não basta Tony Blair fazendo um discurso na televisão E isso é muito difícil Pode ser impossível encontrar provas Resistência sem líderes É possível que todas as pessoas que cometeram os crimes do dia 11 te nham se matado Ninguém sabe disso melhor do que a CIA Essas redes são descentralizadas nãohierárquicas Seguem um princípio chamado resistência sem líderes É o mesmo princípio elaborado pelos terroristas da direita cristã nos Estados Unidos Resistência sem líderes Montamse pequenos grupos para agir Esses grupos não se comunicam nem entre si nem com ninguém Têm em comum apenas um conjunto geral de pressupostos e então simplesmente par A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 29 tem para a ação Na verdade pessoas envolvidas com movimentos pacifistas conhecem bem o esquema Nós o chamávamos grupos de afinidade Parte se do princípio de que um grupo oficial a que se pertença será sempre infiltrado pelo FBI se algo sério acontecer Por isso nada será feito ou decidido em reuni ões Reúnemse algumas pessoas conhecidas e confiáveis e montase um grupo de afinidade que é impossível de ser infiltrado Este é um dos motivos pelos quais o FBI nunca conseguiu descobrir o que acontece nos movimentos popu lares Com os outros órgãos de inteligência acontece a mesma coisa eles não conseguem penetrar os grupos de afinidade os grupos de resistência sem líde res É praticamente impossível penetrar uma rede descentralizada Portanto é bem possível que eles simplesmente não saibam Quando Osama bin Laden afirma que não esteve envolvido é perfeitamente possível Na verdade o difícil é imaginar como alguém morando numa caverna do Afega nistão sem dispor sequer de um rádio ou telefone poderia ter planejado uma operação tão sofisticada Tudo indica que ela nasceu desse conjunto geral de pressupostos em comum com outros grupos terroristas de resistência sem líde res E isso significa que será extremamente difícil achar alguma prova Estabelecendo credibilidade Os Estados Unidos não querem apresentar provas porque querem ser ca pazes de agir sem provas Este é um aspecto crucial da reação Reparem que os Estados Unidos não pediram autorização ao Conselho de Segurança que pro vavelmente teria sido concedida dessa vez não por motivos nobres digase de passagem mas porque os demais membros do Conselho de Segurança também são Estados terroristas Ficaram felizes em participar de uma coalizão contra o que chamam de terror ou melhor de apoio ao seu próprio terror A Rússia não iria vetar eles adoram esse tipo de coisa De modo que os Estados Unidos provavelmente teriam obtido autorização do Conselho de Segurança Mas não a quiseram E não a quiseram porque seguem um princípio de longa data um princípio que não surgiu com George Bush mas já estava explícito no governo Clinton articulado há muito tempo a saber o direito de agir unilateralmente Nós não queremos autorização internacional porque queremos agir uni lateralmente Não estamos interessados em provas Não estamos interessados em negociação Não estamos interessados em tratados Não há ninguém mais forte do que nós Somos o facínora mais durão do bairro Fazemos o que que remos Autorização é uma coisa ruim e portanto deve ser evitada Temos até um nome para isso na literatura técnica chamase estabelecer credibilidade É preciso estabelecer credibilidade Este é um fator importante em muitas dire trizes Foi o motivo oficial dado para a guerra nos Balcãs o motivo mais plau sível N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 30 Se quiserem saber o que significa credibilidade perguntem a qualquer capo da máfia Ele saberá explicar o que quer dizer credibilidade É a mesma coisa em assuntos internacionais só que a questão é discutida nas universidades com palavras rebuscadas mas o princípio é basicamente o mesmo E faz senti do E geralmente funciona O principal historiador que escreveu a respeito nos últimos anos foi Charles Tilly num livro intitulado Coerção capital e os Estados europeus Tilly mostrou que a violência foi o princípio motriz da Europa duran te centenas de anos e o motivo foi que a violência funciona Isso é bastante razoável A violência quase sempre funciona Quando se tem um predomínio avassalador da violência e uma cultura subjacente de violência faz sentido se guir o princípio da violência Bem esses são todos problemas que surgem quando se busca seguir ca minhos legítimos A verdade é que se tentássemos andar dentro da lei abriría mos algumas portas muito perigosas Os Estados Unidos estão exigindo que o Taliban lhes entregue Osama bin Laden O Taliban está reagindo de uma ma neira que o Ocidente considera totalmente absurda e bizarra a saber eles estão dizendo Ok mas antes mostrenos alguma prova No Ocidente isso é con siderado grotesco um indício da sua criminalidade Como podem exigir pro vas Afinal se nos pedissem para entregar alguém faríamos isso sem pestanejar amanhã mesmo Não pediríamos prova alguma risos da platéia Haiti É fácil comprovar isso Não precisamos inventar caso algum O Haiti por exemplo há vários anos vem solicitando que os Estados Unidos extraditem Emmanuel Constant Este homem é um grande assassino Foi uma das princi pais figuras no massacre de quatro a cinco mil pessoas em meados dos anos 90 sob a junta militar que por falar nisso contava com o apoio nada tácito dos governos Bush e Clinton Seja como for Constant é um assassino Os haitianos têm provas de sobra Nenhum problema quanto a isso Constant já foi julgado e condenado no Haiti e os haitianos estão pedindo que os Estados Unidos o entreguem Bem façam sua lição de casa Tentem descobrir quanta discussão houve a respeito Na verdade o Haiti refez o seu pedido há cerca de duas semanas Isso sequer foi mencionado Por que deveríamos entregar um assassi no condenado responsável pela morte de quatro a cinco mil pessoas O fato é que se o entregarmos quem sabe o que ele poderá dizer Talvez diga que foi financiado e ajudado pela CIA o que é provavelmente verdade Nós não queremos abrir essa porta E ele não é o único Costa Rica A Costa Rica que preza a democracia vem há 15 anos tentando que os Estados Unidos lhe entreguem um certo John Hull um latifundiário norteame ricano com vastas propriedades na Costa Rica a quem acusam de crimes terro A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 31 ristas Dizem os costarriquenhos com provas em abundância que Hull usava as suas terras como base para a guerra dos Estados Unidos contra a Nicarágua o que não é uma conclusão controversa lembremse Como a Corte Mundial e o Conselho de Segurança afiançaram o pedido vêm tentando fazer com que os Estados Unidos o entreguem Alguém ouviu falar disso Creio que não Os costarriquenhos chegaram a confiscar as terras de outro latifundiário norteamericano John Hamilton Ofereceram indenização e pagaram a desa propriação Os Estados Unidos recusaram As terras de Hamilton que também eram usadas como base para os ataques dos Estados Unidos contra a Nicará gua foram transformadas num parque nacional A Costa Rica foi punida por isso foi punida com suspensão de ajuda Nós não aceitamos esse tipo de insu bordinação de nossos aliados Eu poderia prosseguir O fato é que se abrirmos as portas para perguntas sobre extradição a questão pode tomar rumos bastan te desagradáveis Logo isso não pode ser feito Reações no Afeganistão E quanto às reações no Afeganistão A proposta inicial a retórica inicial envolvia um ataque maciço que mataria um grande número de pessoas para não falar em ataques a outros países na região Sabiamente o governo Bush recuou Foi informado por todos os líderes estrangeiros pela OTAN por todo tipo de especialista imagino por nossos próprios órgãos de inteligência que esta seria a coisa mais estúpida que poderia fazer Seria o equivalente a abrir agências de recrutamento para Bin Laden em toda a região É exatamente isso o que ele quer E seria extremamente danoso aos nossos próprios interesses Portanto resolveram reconsiderar Mas estão voltandose agora para o que descrevi há pouco como uma espécie de genocídio silencioso Tratase de bem eu já disse o que penso a respeito Acho que nada mais precisa ser acres centado É só fazer as contas Uma proposta sensata que começa a ser considerada uma proposta que sempre foi sensata mas só agora está sendo levantada foi apresentada por afegãos expatriados e supostos líderes tribais internos que haja uma iniciativa das Na ções Unidas e os russos e os norteamericanos sejam mantidos totalmente fora da questão Estes são os dois países que praticamente destruíram o Afeganistão nos últimos 20 anos É justo que fiquem de fora Deveriam mesmo pagar enor mes reparações Esta seria a sua única função Uma iniciativa da ONU que reu nisse todos os elementos dentro do Afeganistão e tentasse construir algo a par tir dos destroços É concebível que possa funcionar se houver bastante apoio e nenhuma interferência Se os Estados Unidos insistirem em dirigir o espetáculo podemos desistir desde já Temos uma longa história nesse ramo Reparem no nome que foi dado a esta operação Lembramse que a prin cípio iria ser uma Cruzada Eles recuaram porque o pessoal de relações públi N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 32 cas disse que não iria dar muito certo risos da platéia Escolheram então Jus tiça Infinita mas o pessoal de relações públicas reclamou Esperem um pou co vocês estão soando como uma divindade Isso não vai funcionar O nome então foi mudado para Enduring Freedom ou Liberdade Duradoura Nós sa bemos o que isso significa Felizmente ninguém ainda apontou que existe uma ambigüidade aqui Endure além de perdurar também significa sofrer re signadamente risos da platéia E por certo há muitas pessoas pelo mundo que sofreram resignadamente aquilo que chamamos de liberdade Ainda bem que temos uma classe instruída muito bem comportada de modo que nin guém ainda apontou essa ambigüidade Se o fizerem teremos mais um proble ma para resolver Se conseguirmos nos conter apenas o suficiente para que algum órgão mais ou menos independente possa assumir a liderança talvez a ONU talvez alguma ONG fidedigna talvez seja possível reconstruir algo a partir dos es combros Com nossa ajuda é claro nós devemos isso a eles Talvez então con seguíssemos algum resultado Mas há outros problemas Uma maneira fácil de reduzir o nível de terror Nós certamente queremos reduzir o nível de terror não aumentálo Existe uma maneira fácil de realizar isso e que por isso mesmo nunca chega a ser discutida A saber parem de participar do terror Bastaria isso para automatica mente reduzir em muito o nível de terror Mas não se pode discutir isso Esta seria uma maneira fácil de reduzir o nível de terror Além disso deveríamos repensar o tipo de política que nos leva a organi zar e a treinar exércitos terroristas e o Afeganistão não é o único caso Essas diretrizes têm efeitos Estamos vendo alguns desses efeitos agora Onze de se tembro foi um deles Temos de repensar isso Temos também de repensar as diretrizes que estão criando reservas de apoio contra nós É exatamente isso que os banqueiros advogados entre ou tros estão dizendo em lugares como a Arábia Saudita Nas ruas o clamor é muito mais amargo como podemos imaginar Isso é possível Afinal essas diretrizes não estão esculpidas em pedra E há também oportunidades Tem sido difícil achar muitos raios de luz nas últimas semanas mas um deles é que houve uma abertura maior Muitas questões estão sendo abertas para discussão mesmos nos círculos da elite e certamente entre o público em geral algo que não havia há duas ou três sema nas Chega a ser comovente Quero dizer se até um jornal como o USA Today consegue publicar uma matéria excelente um artigo sério sobre a vida na faixa de Gaza é porque houve uma mudança As coisas que mencionei sobre The Wall Street Journal também indicam uma mudança A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 33 Entre o público em geral acho que há mais abertura e boa vontade para pensar sobre coisas que estavam escondidas sob o tapete Essas são oportunida des e devem ser aproveitadas pelo menos por aqueles que concordam com a meta de reduzir o nível de violência e terror incluindo as ameaças potenciais extremamente severas que poderão fazer com que até 11 de setembro pareça insignificante Obrigado Noam Chomsky lingüista e ativista político é pesquisador do Massachusetts Institute of Technology MIT EUA É autor entre outros de 11 de Setembro Bertrand Brasil 2001 Em 1955 aos 27 anos recebeu seu PhD em Lingüística da Universidade da Pennsylvania Aos 32 anos tornouse professortitular do MIT Revolucionou a lingüística nos anos 60 com sua teoria sobre a gramática generativa Entre seus trabalhos funda mentais sobre o tema estão Aspectos da teoria da sintaxe e Linguagem e mente Em 1969 com o livro O poder americano e os novos mandarins começou sua trajetória como ativista dos direitos civis e seu combate contra a intervenção dos EUA no Vietnã Publicou cerca de 23 livros sobre política internacional e questões internas dos EUA Este é o segundo trabalho que o autor publica em ESTUDOS AVANÇADOS O primeiro Consentimento sem consentimento a teoria e a prática da democracia foi publicado em 1997 na edição número 29 O poder e a atuação dos meios de comunicação tam bém têm sido objeto de sua análise crítica É doutor honoris causa das Universidades de Chicago Cambridge Pennsylvania e Londres entre outras Tradução por Carlos Afonso Malferrari O original em inglês The New War Against Terror encontrase à disposição do leitor no IEAUSP para eventual consulta
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A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 5 ODOS SABEM que são as televisões que mandam no mundo risos da platéia Acabo de receber ordens que devo me posicionar aqui não lá Seja como for a última palestra que proferi neste fórum tratou de um as sunto leve e agradável Falei sobre como os seres humanos são uma espécie ameaçada e dada a natureza de nossas instituições é provável que nos destrua mos num tempo relativamente breve Desta vez temos um certo conforto e um assunto mais agradável a nova guerra contra o terror Infelizmente o mun do não pára de aventar coisas que o tornam mais e mais terrível à medida que avançamos Vou pressupor duas condições nesta palestra A primeira a meu ver não é mais que o reconhecimento de um fato a saber que os eventos de 11 de setembro foram uma atrocidade hedionda Fora da guerra foi provavelmente a devastação com o maior número de vítimas instantâneas de qualquer crime na história O segundo pressuposto tem a ver com objetivos Estou supondo que a nossa meta seja tentar reduzir a probabilidade de que tais crimes sejam cometi dos contra nós ou contra quem quer que seja Se não aceitarmos esses dois pressupostos o que vou dizer não fará senti do Se os aceitarmos surgem de imediato algumas questões intimamente rela cionadas umas com as outras que merecem profunda reflexão As cinco questões A primeira questão de longe a mais importante é O que está acontecendo agora Implícita nesta pergunta está outra O que poderemos fazer a respei to A segunda envolve a noção bastante prosaica de o que aconteceu em 11 de setembro ter sido um evento histórico um acontecimento que irá mudar a história Tendo a concordar com isso Creio que seja verdade Foi um evento histórico e a pergunta que deveríamos estar fazendo é precisamente Por que A terceira questão diz respeito ao título desta palestra A guerra contra o terroris mo Exatamente o que isso quer dizer Com ela vem uma pergunta associada O que é terrorismo A quarta mais específica mas igualmente importante tem a ver com as origens dos crimes de 11 de setembro E a quinta questão que A nova guerra contra o terror NOAM CHOMSKY T Palestra feita pelo autor em 18 de outubro de 2001 no Fórum de Tecnologia e Cultura do Massachusetts Institute of Technology MIT EUA N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 6 desejo abordar referese às políticas e ações de que dispomos para empreender essa guerra contra o terrorismo e lidar com as situações que levaram a ela Pretendo dizer algumas palavras a respeito de cada uma Poderemos ir além delas em nossa discussão e não hesitem em levantar outras se for o caso Estas são as que me vêm à mente como mais proeminentes mas pode haver ou tras igualmente plausíveis O que está acontecendo agora Três a quatro milhões de pessoas irão morrer de fome Comecemos pelo presente imediato Vou falar sobre a situação no Afeganistão Pretendo me ater apenas a fontes nãocontroversas como The New York Times risos da platéia De acordo com The New York Times existem hoje no Afeganistão entre sete e oito milhões de pessoas no limiar da inanição Na verdade a situação precede 11 de setembro e essas pessoas só estavam sobre vivendo graças à ajuda internacional No dia 16 de setembro o Times noticiou e eu cito que os Estados Unidos exigiram que os paquistaneses pusessem fim aos comboios de caminhões que forneciam grande parte dos alimentos e suprimentos para a população civil do Afeganistão Pelo que pude averiguar não houve reação nos Estados Unidos como também não houve reação na Europa Eu estive em rádio nacional por toda a Europa no dia seguinte e pelo que percebi não houve reação alguma nos Estados Unidos ou na Europa à exigência de impor fome maciça a milhões de pessoas A ameaça de ataques militares já forçara a remoção dos funcionários de agências internacionais alijando os programas de ajuda humanitária Estou mais uma vez citando The New York Times Os refugiados que chegavam do Afeganistão ao Paquistão após árdua viagem descreviam cenas de desespero e medo em sua terra natal à medida que a ameaça dos ataques liderados pelos Estados Unidos transformava a sua misé ria de longa data numa catástrofe em potencial De acordo com um funcionário evacuado citado na New York Times Magazine o país só vinha sobrevivendo graças a uma corda salvavidas e agora nós cortamos essa corda O Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas de longe o mais importante pôde ser retomado três semanas depois no início de outubro ainda que em níveis mais baixos e a remessa de alimentos foi parcialmente restabelecida Mas não existem mais funcionários de agências humanitárias dentro do Afeganistão de modo que o sistema de distribuição que fora suspenso logo que os bombardeios começaram está prejudicado A ajuda internacional foi restabelecida mas num ritmo bem mais lento enquanto as agências humanitá rias denunciavam com veemência que os pacotes de alimento lançados por avi ões norteamericanos eram meros instrumentos de propaganda que provavel mente estavam fazendo mais mal do que bem Estou agora citando o London Financial Times Após a primeira semana de bombardeios The New York Times A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 7 noticiou numa página interna no meio de uma coluna sobre outro assunto que segundo cálculos das Nações Unidas haveria em breve 75 milhões de afegãos sofrendo necessidades desesperadoras sem terem sequer pão para comer Em algumas poucas semanas começaria o severo inverno afegão tornando a entre ga e distribuição de víveres praticamente impossível em muitas áreas Além disso e continuo citando com bombas caindo em toda a parte o ritmo das entregas caíra para metade do que seria necessário Tudo isso num comentário informal Mas o fato é que a civilização ocidental está prevendo o massacre de fa çamos as contas três a quatro milhões de pessoas ou algo parecido No mes mo dia o líder da civilização ocidental mais uma vez preteriu com desdém uma oferta para que fosse negociada a entrega do seu suposto alvo Osama bin Laden e também o pedido para que fosse apresentada alguma prova que corroborasse a exigência de capitulação total Ambos foram relegados Também no mesmo dia o emissário especial das Nações Unidas encarregado da distribuição de alimentos implorou aos Estados Unidos que cessassem os bombardeios para que tentassem salvar milhões de vítimas Pelo que pude averiguar o apelo não chegou a ser noticiado Isso foi na segundafeira Ontem quartafeira as prin cipais agências humanitárias Oxfam Christian Aid entre outras juntaramse ao apelo Não encontramos menção alguma no The New York Times O Boston Globe publicou uma linha escondida numa reportagem sobre outro assunto a Caxemira Genocídio silencioso Poderíamos prosseguir facilmente Tudo isso indicanos o que está acon tecendo E o que está acontecendo parece ser uma espécie de genocídio silen cioso Essa realidade também nos proporciona um bom insight da cultura das elites a cultura da qual somos parte Pois não importa o que possa acontecer e não sabemos o que vai acontecer o fato é que planos estão sendo elaborados e programas sendo implemen tados a partir do pressuposto de que podem pro vocar a morte de milhões de pessoas nos próxi mos meses Tudo muito informalmente en passant sem maiores reflexões a respeito Tudo visto como algo normal e cor riqueiro tanto nos EUA como em grande parte da Europa porém não no resto do mundo Na verdade nem mesmo em muitos lugares da Europa Se lermos jornais irlandeses ou escoceses tão próximos as reações já são bem diferentes Bem é isso o que está acontecendo hoje E o que está acontecendo hoje está perfeitamente sob nosso controle Poderemos fazer muita coisa para afetar essa realidade É basicamente isso Tudo visto como algo normal e corriqueiro N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 8 Por que 11 de setembro foi um evento histórico Ataque ao território nacional Pois bem voltemonos agora a uma questão um pouco mais abstrata es quecendo por uns instantes que estamos aparentemente prestes a matar três ou quatro milhões de pessoas não do Taliban é claro suas vítimas Recapitule mos Os ataques de 11 de setembro foram um evento histórico Como já disse acredito que sim Onze de setembro foi um evento histórico mas lamentavel mente não pelas dimen sões da catástrofe É desa gradável pensar nisso mas em termos de escala os ataques não foram algo incomum embora talvez seja verdade que nenhum outro crime da história tenha tido um número maior de vítimas humanas instantâneas Infelizmente porém existem muitos outros cri mes terroristas com efeitos mais duradouros e mais extremos Não obstante 11 de setembro foi um evento histórico pois ocorreu uma mudança a direção em que as armas estão apontadas mudou E isso é algo novo radicalmente novo a direção em que as armas estão apontadas mudou Às 10h06m o segundo avião sequestrado atinge a outra torre do WTC em Nova York Foto HO Agência France Press A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 9 Examinemos a história dos Estados Unidos A última vez que o território nacional norteamericano esteve sob ataque ou mesmo sob ameaça foi quan do os britânicos incendiaram Washington em 1814 Muitos mencionaram Pearl Harbor na ocasião mas não é uma boa analogia Os japoneses não importa o que possamos pensar deles bombardearam bases militares em duas colônias e não o território nacional dos Estados Unidos Colônias que por sinal haviam sido tomadas de seus habitantes de maneira nada bonita Desta vez no entan to o território nacional foi atacado em grande escala É possível encontrar al guns outros exemplos menores mas este foi um evento único Ao longo desses quase 200 anos nós os Estados Unidos expulsamos ou exterminamos a população nativa muitos milhões de pessoas conquistamos metade do México provocamos depredações por toda a região no Caribe e na América Central às vezes mais longe ainda e conquistamos o Havaí e as Filipinas matando mais de 100 mil filipinos no processo Desde a Segunda Guerra o país estendeu seu alcance ao redor do mundo de maneiras que não preciso descrever Mas sempre envolveram matar alguém Sempre envolveram lutar em algum outro lugar Sempre foram outros os massacrados Nunca aqui Nunca o território nacional Às 9h48m o primeiro avião atinge uma das torres do World Trade Center em Nova York Foto John Mottern Agência France Press N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 10 Europa No caso da Europa a mudança foi mais drástica pois a história européia é ainda mais horrenda que a norteamericana Nós somos uma mera ramifica ção da Europa basicamente Há centenas de anos a Europa vem corriqueira mente massacrando pessoas em todo o planeta Foi assim que conquistaram o mundo não oferecendo docinhos para bebês Ao longo dos séculos a Europa realmente passou por várias guerras mor tíferas mas essas guerras sempre envol veram matadores europeus matando ou tros europeus Durante muito tempo o principal esporte europeu foi massacraremse uns aos outros O motivo de isso ter chegado ao fim em 1945 não teve nada a ver com a democracia ou com o fato de a noção de guerrear entre si ter saído de moda O único motivo foi todos terem compreendido que da próxima vez que quisessem entrar nesse jo go seria o fim do mundo Pois como nós os europeus haviam desenvolvido armas de destruição tão terríveis que a brincadeira tinha de acabar Seja como for essa história remonta a centenas de anos No século XVII cerca 40 da população da Alemanha foi provavelmente eliminada em guerras Entretanto durante todo esse longo período sangüinolento o que vía mos eram europeus trucidandose uns aos outros e também europeus truci dando pessoas fora da Europa O Congo não atacou a Bélgica a Índia não ata cou a Inglaterra a Argélia não atacou a França Isso foi unifor me Houve por certo algumas pequenas exceções mas de es cala diminuta quase invisíveis diante das dimensões do que a Europa e os Estados Unidos fi zeram com o resto do mundo Esta foi a primeira mudança pela primeira vez as armas foram apontadas na outra direção Na minha opinião é provavelmen te por isso que encontramos reações tão diferentes de um e outro lado do mar da Irlanda como pude observar em entrevistas e em rádios nacionais de lá e de cá O mundo parece muito diferente dependendo de quem está segurando o chicote e de quem está levando chibatadas há séculos Muito diferente Por isso acho que o choque e a surpresa na Europa e em suas ramificações como nós aqui são bastante compreensíveis Onze de setembro foi um evento histórico lamentavelmente não em termos de escala mas sim em algo mais É por isso que a maior parte do resto do mundo encara os fatos de maneira bem diferente não sem comiseração pelas vítimas da atrocidade não sem horror diante do que aconteceu isso é quase uniforme Mas a perspectiva é diferente E isso é algo que faríamos bem em tentar compreender a história européia é ainda mais horrenda que a norteamericana o que víamos eram europeus trucidandose uns aos outros A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 11 O que é a guerra contra o terrorismo O que é terrorismo Passemos então à terceira questão O que é a guerra contra o terrorismo E à pergunta a ela associada O que é terrorismo A guerra contra o terrorismo já foi descrita em altos escalões como a luta contra uma praga contra um câncer disseminado por bárbaros por opositores depravados da própria civilização É um sentimento do qual partilho As palavras que estou citando no entanto foram proferidas 20 anos atrás pelo presidente Reagan e seu secretário de Esta do Há 20 anos o governo Reagan assumiu o poder declarando que a guerra contra o terrorismo internacional seria o cerne da política externa norteameri cana e descreveua nos termos que acabei de mencionar De fato essa guerra foi o cerne da nossa política exterior Curiosamente o governo Reagan reagiu à praga do terror disseminada por opositores depravados da própria civiliza ção criando uma extraordinária rede terrorista internacional de abrangência inaudita que levou a cabo incontáveis atrocidades em todo o mundo Reagan a guerra dos Estados Unidos contra a Nicarágua Mencionarei apenas um caso um caso totalmente incontroverso a fim de evitar qualquer dúvida ou discussão a respeito Não é em absoluto o caso mais extremo Mas é incontroverso pois foi julgado pelas maiores autoridades inter nacionais o Tribunal Internacional de Justiça a Corte Mundial e o Conselho de Segurança das Nações Unidas Insisto este caso é incontroverso pelo me nos entre pessoas minimamente preocupadas com leis internacionais direitos humanos justiça e temas afins Gostaria de passarlhes um exercício Quero que calculem as dimensões desse episódio perguntandose com que freqüência o caso foi mencionado nas notícias e editoriais do mês passado Este caso é particularmente relevante não só por ser incontroverso mas também porque constituiu um precedente de como um Estado cumpridor das leis reagiria e de fato reagiu ao terrorismo internacional A situação foi ainda mais extrema do que os acontecimentos de 11 de setembro Estou me referindo à guerra de Reagan e dos Estados Unidos contra a Nicarágua que deixou dezenas de milhares de mortos e o país em ruínas talvez irrecuperavelmente A reação da Nicarágua A Nicarágua reagiu Mas não lançando bombas em Washington Reagiu levando o caso à Corte Mundial e apresentando uma demanda Não tiveram problema algum em reunir provas A Corte Mundial aceitou julgar o caso sentenciou em favor da Nicarágua condenou o que chamou de uso ilegítimo da força um outro termo para terrorismo internacional por parte dos Esta dos Unidos e ordenou que os norteamericanos cessassem o seu crime e inde N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 12 nizassem os nicaraguenses Os Estados Unidos é claro relegaram a sentença do tribunal ao absoluto desprezo e anunciaram que doravante não aceitariam mais a jurisdição dessa corte A Nicarágua procurou então o Conselho de Segurança das Nações Uni das que considerou uma resolução conclamando todos os Estados a respeita rem o direito internacional Ninguém foi mencionado mas todos compreen deram Os Estados Unidos vetaram a resolução e são hoje a única nação que ao mesmo tempo foi condenada por praticar terrorismo internacional pela Corte Mundial e vetou uma resolução do Conselho de Segurança convocando os Estados a respeitarem o direito internacional A Nicarágua dirigiuse então à Assembléia Geral na qual tecnicamente não existe o veto mas onde um voto negativo dos Estados Unidos equivale a um veto A Assembléia Geral aprovou uma resolução similar com oposição apenas dos Estados Unidos de Israel e de El Salvador No ano seguinte acon teceu a mesma coisa mas dessa vez os Estados Unidos só conseguiram arregimentar Israel para a causa de modo que houve apenas dois votos contra o respeito ao direito internacional Diante disso não restou outra saída lícita para a Nicarágua Ela tentara todas as medidas mas nada funcionou num mun do que é regido pela força Embora este caso seja incontroverso não é em absoluto o mais extre mo Adquirimos uma curiosa percepção da nossa própria cultura e sociedade e do que está acontecendo hoje perguntando Quanto sabemos sobre tudo isso Quanto conversamos a respeito Quanto aprendemos sobre isso na escola Quanto disso está nas manchetes dos jornais E isso é apenas o começo Os Estados Unidos reagiram à Corte Mundial e ao Conselho de Segurança ampliando incontinenti a guerra uma decisão bipartidária digase de passa gem E os termos da guerra também mudaram Pela primeira vez foram dadas ordens oficiais para que o exército terrorista atacasse os chamados soft targets alvos brandos isto é alvos civis indefesos e evitasse confrontar o exército nicaragüense Puderam fazer isso porque os Estados Unidos tinham controle total do espaço aéreo sobre a Nicarágua e o exército mercenário fora suprido com equipamentos avançados de comunicação Não era um exército guerri lheiro no sentido normal pois podiam receber instruções sobre a disposição das forças do exército nicaragüense e com isso atacar fazendas coletivas clíni cas de saúde e outros soft targets com impunidade Estas eram as ordens oficiais Qual foi a reação nos Estados Unidos Houve uma reação talvez a esperada A política norteamericana foi con siderada sensata pela opinião liberal de esquerda Assim Michael Kinsley que representa a posição oficial da esquerda escreveu um artigo afirmando que não deveríamos condenar de imediato essa política como a Human Rights A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 13 Watch fizera Ele disse que uma política sensata deve passar pelo teste da análise do custobenefício ou seja e estou citando agora uma análise da quantidade de sangue e desgraça que será infligida e da probabilidade de que uma democracia possa emergir na outra extremidade democracia conforme os Estados Unidos entendem o termo ilustrada de maneira vívida nos países vizinhos Observem como é axiomático que os Estados Unidos as elites norte americanas têm o direito de conduzir a análise e de levar o projeto adiante se ele passar nos seus testes como de fato passou O projeto funcionou Quando a Nicarágua finalmente sucumbiu ao ataque da superpotência comentaristas saudaram abertamente o sucesso dos métodos adotados descrevendoos com precisão Citarei apenas a revista Time que louvou o sucesso dos métodos adotados Arruinar a economia e empreender uma longa e mortífera guerra por procuração até que os nativos exauridos consigam derrubar eles próprios o governo indesejável a um custo mínimo para nós deixando às vítimas o legado de pontes destruídas usinas elétricas sabotadas e fazendas arruinadas e fornecendo ao candidato norteamericano um tema capaz de conduzilo à vitória pôr fim ao empobrecimento do povo da Nicarágua The New York Times publicou uma manchete que exclamava Americanos Unidos em Júbi lo diante do resultado O terrorismo funciona O terrorismo não é a arma dos fracos Esta é a cultura em que vivemos e ela nos revela muitas coisas A primeira é que o terrorismo funciona O terrorismo não é malsucedido Ele dá certo A violência geralmente funciona Essa é a história do mundo A segunda é que é um gravíssimo erro analítico dizer como se costuma fazer que o terrorismo é a arma dos fracos Como qualquer outro meio de violência o terrorismo é primordialmente esmagadoramente uma arma dos fortes É considerado a arma dos fracos porque os fortes também controlam os sistemas doutrinários nos quais o seu terror não conta como terror Isso é algo quase universal Não consigo pensar em uma única exceção histórica até os piores assassinos em massa vêem o mundo assim Vejamos os nazistas Eles não estavam praticando terror na Europa ocu pada estavam protegendo as populações locais do terrorismo dos sectários Ora como em qualquer outro movimento de resistência havia terrorismo Os nazistas portanto estariam praticando contraterrorismo Em essência os Esta dos Unidos concordaram Após a guerra o exército norteamericano realizou demorados estudos sobre as operações nazistas de contraterrorismo na Europa Mas antes devo dizer que os Estados Unidos adotaram e começaram eles pró prios a pôr em prática esse tipo de operação muitas vezes contra os mesmos alvos a antiga resistência Além disso nossos militares também estudaram os N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 14 métodos nazistas e chegaram a publicar estudos interessantes alguns deles cri ticando o modo ineficiente como as operações foram realizadas uma análise crítica portanto vocês fizeram isso certo vocês fizeram isso errado Esses mé todos com a assessoria dos oficiais da Wermacht trazidos para os Estados Uni dos iriam se transformar nos manuais de contrainsurgência de contraterrorismo de conflitos de baixa intensidade como são chamados São esses os manuais e procedimentos que usamos hoje Portanto a questão não é apenas que os nazistas agiram assim mas tam bém que essa foi considerada a maneira certa de agir pelos líderes da civilização ocidental ou seja nós que então procederam para fazer a mesma coisa O terrorismo não é a arma dos fracos É a arma daqueles que estão contra nós não importa quem seja esse nós Se alguém conseguir encontrar uma exceção história a isso eu estaria muito interessado em conhecêla A natureza da nossa cultura como nós encaramos o terrorismo Uma indicação interessante da natureza da nossa cultura da nossa alta cultura é o modo como encaramos isso Nossa primeira reação é suprimir tudo ou seja praticamente ninguém ouve falar dessas coisas E o poder da propagan da e da doutrina norteamericanas é tamanho que mesmo entre as vítimas a realidade mal é conhecida Quero dizer se conversarmos sobre isso com al guém da Argentina teremos de lembrálo Ah sim isso aconteceu Tinha me esquecido Tudo é profundamente suprimido As conseqüências do monopó lio da violência podem ser muito poderosas seja em termos ideológicos ou não A idéia de que a Nicarágua poderia talvez ter o direito de se defender Um aspecto esclarecedor da nossa atitude perante o terrorismo é a reação à idéia de que a Nicarágua poderia talvez ter o direito de se defender Pesquisei isso razoavelmente a fundo em bases de dados A idéia de que a Nicarágua poderia ter o direito de se defender era considerada uma afronta um absurdo Não há praticamente nada entre os observadores da mídia oficial que indique que a Nicarágua poderia ter esse direito Este fato foi explorado pelo governo Reagan e sua máquina de propaganda de uma maneira interessante Quem viveu isso haverá de lembrar que periodicamente eram lançados rumores de que os nicaragüenses estariam recebendo aviões a jato MIG jatos da Rússia Neste ponto os gaviões e as pombas dividiamse Os gaviões diziam Ok então vamos lá bombardeálos As pombas diziam Esperem um pouco va mos ver se os rumores são verdadeiros Caso sejam então vamos lá bombardeá los Pois são uma ameaça aos Estados Unidos Por falar nisso por que os nicaragüenses estavam obtendo MIGs Bem eles haviam tentado obter jatos de países europeus mas os Estados Unidos A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 15 pressionaram seus aliados para que não lhes enviassem meios de defesa pois queríamos que eles recorressem aos russos Isso era bom para fins de propa ganda foi assim que os nicaragüenses se tornaram uma ameaça para nós Lem bremse que estavam a apenas dois dias de caminhada de Harlingen Texas Nós chegamos até a declarar emergência nacional em 1985 para proteger o país da ameaça da Nicarágua De modo que era muito melhor que obtivessem ar mas dos russos E por que os nicaragüenses haveriam de querer aviões a jato Bem pelos motivos já mencionados Os Estados Unidos tinham controle total de seu espa ço aéreo sobrevoavamno constantemente e usavam isso para fornecer infor mações para o exército terrorista atacar os soft targets sem precisar enfrentar o exército nacional que talvez tentasse defender aqueles alvos Todos sabiam que este era o motivo Eles não iam usar os aviões a jato para nada mais Mas a idéia de que à Nicarágua fosse permitido defender seu espaço aéreo contra um ata que da superpotência que estava direcionando as forças terroristas a atacarem alvos civis indefesos era considerada uma afronta aos Estados Unidos unani memente As exceções foram tão poucas que eu poderia até darlhes uma lista Mas não estou sugerindo que acreditem em mim Façam uma pesquisa Essa unanimidade incluiu até nossos próprios senadores por falar nisso Honduras a nomeação de John Negroponte como embaixador nas Nações Unidas Uma outra ilustração do modo como encaramos o terrorismo pode ser observada neste exato momento Há cerca de duas semanas os Estados Unidos nomearam um embaixador para as Nações Unidos para comandar a guerra con tra o terrorismo Pois bem quem é ele Seu nome é John Negroponte Ele foi o embaixador norteamericano no feudo pois é isso que é de Honduras no início dos anos 80 Houve um certo rebuliço pois Negroponte deveria conhe cer e certamente conhecia os assassinatos em massa e outras atrocidades co metidas na época pelas forças de segurança que apoiávamos em Honduras Mas isso é apenas uma pequena parte Como procônsul como era chamado lá Ne groponte foi o responsável local pela guerra terrorista empreendida contra a Ni carágua a partir de Honduras pela qual o seu governo foi condenado pela Cor te Mundial e pelo Conselho de Segurança A despeito disso Negroponte acaba de ser nomeado embaixador nas Nações Unidas para liderar a guerra contra o terror Outro pequeno experimento que podemos fazer é tentar descobrir qual foi a reação a isso Eu poderia lhes adiantar o que vão descobrir mas descubram por si mesmos É algo que diz muito sobre a guerra contra o terrorismo e sobre nós mesmos Depois que os Estados Unidos assumiram o controle outra vez sob con dições tão vividamente descritas pela imprensa o país foi basicamente destruído nos anos 80 Desde então entrou em colapso total em praticamente todos os N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 16 aspectos Em termos econômicos o declínio foi tremendo quanto à democra cia Hoje é o segundo país mais pobre do hemisfério Bem nem vou falar a respeito Eu escolhi a Nicarágua porque era um caso incontroverso Mas se observarmos as outras nações da região veremos que o terror estatal foi muito mais extremo e sempre pode ser traçado até Washington E isso não é tudo de maneira alguma Apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido aos ataques da África do Sul O mesmo estava acontecendo em outras partes do mundo como na Áfri ca Apenas durante os anos Reagan os ataques da África do Sul a países vizi nhos com apoio e suporte dos Estados Unidos e do Reino Unido mataram mais de 15 milhão de pessoas causaram mais de US 60 bilhões de danos e destruíram países inteiros Se dermos a volta ao mundo acrescentaremos mui tos outros exemplos Essa foi a primeira guerra contra o terror da qual apresentei uma peque na amostra Será que não deveríamos dar atenção a ela Ou pelo menos achar que talvez ela seja relevante Afinal de contas não se trata exatamente de história antiga Mas a resposta é claramente negativa se nos basearmos no deba te atual sobre a guerra contra o terror que tem sido o tema principal das dis cussões no último mês Haiti Guatemala e Nicarágua Como mencionei a Nicarágua tornouse o segundo país mais pobre do hemisfério Qual é o mais pobre O Haiti é claro que também foi de longe a maior vítima das intervenções norteamericanas no século XX Nós deixamos o país totalmente devastado O Haiti é o país mais pobre E a Nicarágua vem em segundo lugar também no grau de intervenção norteamericana no século XX É o segundo país mais pobre Na realidade está competindo com a Guatemala pela posição A cada um ou dois anos Nicarágua e Guatemala se alternam como segundo país mais pobre E também se alternam em ser o prin cipal alvo da intervenção militar norteamericana Será que devemos supor que tudo isso é alguma espécie de acidente não tendo nada a ver com o que acon teceu ao longo da história Talvez Colômbia e Turquia O pior violador dos direitos humanos nos anos 90 foi de longe a Co lômbia A Colômbia foi também o país que mais recebeu auxílio militar norte americano naquela década mantendo o terror e as violações aos direitos huma nos Em 1999 a Colômbia tomou o lugar da Turquia como o país que mais re cebeu armamentos norteamericanos isto é excluindo Israel e Egito que estão numa categoria à parte Isso também nos diz muito sobre a atual guerra ao terror A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 17 Por que a Turquia recebeu um fluxo tão maciço de armas norteamerica nas Bem se examinarmos o fluxo dos armamentos veremos que a Turquia sempre obteve muitas armas dos Estados Unidos Para começar o país tem uma localização estratégica e é membro da OTAN Mas o fluxo de armas para a Turquia aumentou perceptivelmente em 1984 Isso nada teve a ver com a Guerra Fria pois a Rússia já estava desmoronando O fluxo permaneceu elevado de 1984 a 1999 quando foi reduzido e a Colômbia assumiu a liderança O que aconte ceu de 1984 a 1999 Em 1984 a Turquia lançou uma grande guerra terrorista contra os curdos no sudeste do país justamente quando a ajuda norteamericana a ajuda militar norteamericana se intensificou E não estamos falando de meras pistolas mas sim de aviões a jato tanques treinamento militar e coisas do gênero Essa ajuda permaneceu elevada durante toda a escalada de atrocidades nos anos 90 A aju da aumentava à medida em que as atrocidades aumentavam O pico foi em 1997 quando a ajuda militar dos Estados Unidos foi maior do que durante todo o período entre 1950 e 1983 ou seja durante a época da Guerra Fria o que é indicativo do quanto a Guerra Fria afetou as diretrizes do país Os resul tados foram aterradores entre dois e três milhões de refugiados um dos piores extermínios étnicos do final dos anos 90 Dezenas de milhares de pessoas foram mortas 3500 cidades e vilas destruídas muito mais do que no Kosovo mesmo com as bombas da OTAN E os Estados Unidos estavam fornecendo 80 das armas usadas pela Tur quia um fluxo que aumentava à medida que as atrocidades aumentavam até o pico de 1997 Houve uma diminuição em 1999 pois o terror já havia cumprido sua função como geralmente acontece quando perpetrado por seus principais agentes os poderosos Assim em 1999 o terror turco designado contraterror evidentemente mas como já disse isso é universal mostrou que funcionara A Turquia foi então substituída pela Colômbia que ainda não tivera sucesso na sua guerra terrorista e que portanto precisava tornarse a principal recipien dária de armas norteamericanas Autocongratulações da parte dos intelectuais ocidentais O que torna tudo isso particularmente chocante é que ocorreu em meio a um tremendo estardalhaço autocongratulatório da parte dos intelectuais do Ocidente algo provavelmente sem paralelo na história Todos devem se lem brar não faz mais do que dois ou três anos Foi uma tremenda onda de autoadu lação em torno de como pela primeira vez na história havíamos sido realmente magnificentes defendendo princípios e valores dedicandonos a pôr um fim à desumanidade em todo lugar na nova era e mais isso e mais aquilo Por certo não podemos tolerar atrocidades tão próximas das fronteiras da OTAN Isso foi repetido incessantemente Somente dentro das fronteiras da OTAN podere mos não só tolerar atrocidades muito piores mas até contribuir para elas N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 18 Se perguntarmos com que freqüência isso foi trazido à tona teremos mais um vislumbre da civilização ocidental e da nossa própria Investiguem isso Não vou repetir É algo muito instrutivo um feito bastante impressionan te para um sistema de propaganda numa sociedade livre É espantoso Acho que nem mesmo num Estado totalitário isso seria possível A Turquia ficou muito agradecida A Turquia ficou muito agradecida e há poucos dias o primeiroministro Ecevit anunciou que seu país se juntaria à coalizão contra o terror com gran de entusiasmo com até mais entusiasmo que os outros Na verdade ele disse que a Turquia participaria da coalizão com tropas algo que outros países não se dispuseram a fazer E explicou Temos uma dívida de gratidão com os Estados Unidos pois os Estados Unidos foram o único país que se dispôs a contribuir tão maciçamente para a nossa guerra contraterrorista estas foram as suas palavras Ou seja contribuir para o extermínio étnico com atrocidades e terror Outros países ajudaram um pouco mas se refrearam Os Estados Unidos por outro lado contribuíram com entusiasmo e im petuosidade E puderam fazêlo por causa do silêncio subserviência seria a palavra certa das classes instruídas que poderiam facilmente ter se mantido informadas de tudo Afinal este é um país livre Podemos ler relatórios sobre direitos humanos Podemos ler sobre qualquer coisa Mas optamos por contri buir para as atrocidades A Turquia está muito feliz com isso sente que tem uma dívida de gratidão conosco e portanto contribuirá com tropas como ocorreu durante a guerra na Sérvia A Turquia foi bastante elogiada por usar seus jatos F16 que nós lhe havíamos fornecido para bombardear a Sérvia os mesmos aviões que usara contra a sua própria população até finalmente conse guir esmagar o terror interno como o chamavam Como sempre toda resis tência inclui de fato terror Isso foi verdade na Revolução norteamericana Foi verdade em todos os casos que conheço Assim como é verdade que aque les que detêm o monopólio da violência sempre dizem que estão empenhados em contraterrorismo A coalizão incluindo Argélia Rússia China e Indonésia Isso é muito impressionante e diz respeito à coalizão sendo organizada para a guerra contra o terror É muito interessante ver como a coalizão está sendo descrita Vejamos a edição de hoje do Christian Science Monitor É um bom jornal um dos melhores jornais internacionais com cobertura real do mundo A matéria principal a matéria de capa é sobre os Estados Unidos explica que antes as pessoas não gostavam dos Estados Unidos mas que agora estão começando a respeitálo que estão todos muito felizes com a liderança dos Estados Unidos na guerra contra o terror O exemplo principal na verda de o único exemplo sério pois os outros são uma piada é a Argélia Descobri A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 19 mos que a Argélia está bastante entusiasmada com a guerra dos Estados Unidos contra o terror O autor do artigo é um especialista em África Deve pois saber que a Argélia é um dos Estados terroristas mais perversos do mundo e vem lançando terror contra a sua própria população há anos Durante um tempo isso foi mantido em segredo Mas finalmente tudo veio à tona na França graças a dis sidentes do exército argelino Tudo foi amplamente divulgado lá e também na Inglaterra Mas aqui sentimos orgulho porque um dos mais corruptos Estados terroristas do mundo está entusiasmado com a guerra dos Estados Unidos con tra o terror chegando inclusive a nos encorajar a liderar a guerra Isso mostra o quanto estamos nos tornando populares Se examinarmos a coalizão que está sendo formada contra o terror apren deremos muitas outras coisas Um dos principais membros da coalizão é a Rússia que está mais do que eufórica em ter os Estados Unidos apoiando o morticínio da sua guerra terrorista na Chechênia ao invés de às vezes criticálo discreta mente A China também está se juntando à coalizão com entusiasmo Está feli císsima em obter apoio para as atrocidades que vem cometendo no oeste do país contra o que chama de secessionistas islâmicos A Turquia como já mencio nei está contentíssima com a guerra contra o terror Todos esses países são especialistas nisso Argélia e Indonésia estão satisfeitíssimas de terem ainda mais apoio dos Estados Unidos para as atrocidades sendo cometidas na província de Aceh e em outras regiões Se percorrermos a lista essa lista impressionante de Estados que se juntaram à coalizão contra o terror verificaremos que há uma característica em comum incluemse certamente entre os principais Estados terroristas do mundo Não é por acaso que estão sendo liderados pelo campeão mundial da modalidade O que é terrorismo Isso nos traz de volta à pergunta O que é terrorismo Até aqui pressupus que todos nós sabemos o que é Pois bem o que é Existe uma resposta fácil para esta pergunta uma definição oficial Podemos encontrála na legislação norteamericana ou nos manuais do exército Uma breve definição extraída de um manual do exército norteamericano diz que terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça de violência para atingir metas ideológicas políticas ou religiosas mediante intimidação coerção ou instilação do medo Isso é ter rorismo É uma definição mais do que equânime Acho razoável aceitála O problema é que não poderemos aceitála pois dela decorrem toda a sorte de conseqüências erradas por exemplo todas as conseqüências que acabamos de examinar Há hoje um grande esforço nas Nações Unidas para tentar elaborar um tratado abrangente sobre terrorismo Quando Kofi Annan recebeu o prê mio Nobel ele teria dito que nós deveríamos parar de desperdiçar tempo nisso e colocar mãos à obra N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 20 Só que há um problema Se usarmos a definição oficial de terrorismo desse tratado abrangente chegaremos aos resultados errados Isso é inaceitá vel Na realidade é ainda pior que isso Se examinarmos a definição de guerra de baixa intensidade que é a política oficial dos Estados Unidos veremos que é uma paráfrase bastante próxima do que acabei de ler Na realidade conflito de baixa intensidade é apenas um outro nome para terrorismo É por isso que pelo que sei todos os países designam de contraterrorismo quaisquer atos hor rendos que estejam cometendo Nós chamamos isso de contrainsurgência ou conflito de baixa intensidade É um problema grave Não podemos usar as definições em si Temos de cuidadosamente encontrar uma definição que não traga no bojo todas as conseqüências erradas Por que Estados Unidos e Israel votaram contra uma importante resolução condenando o terrorismo Há ainda outros problemas Alguns surgiram em dezembro de 1987 no auge da primeira guerra contra o terrorismo quando o furor contra essa praga atingira o apogeu A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovara uma resolu ção bastante forte contra o terrorismo condenando a praga em termos enérgi cos e convocando todas as nações a combateremna de todas as formas possí veis Foi aprovada por quase unanimidade Um país Honduras se absteve houve dois votos contra os de sempre Estados Unidos e Israel Por que Estados Unidos e Israel votaram contra essa importante resolução condenando o terrorismo nos termos mais veementes na verdade basicamente os mesmos termos que o governo Reagan vinha usando Houve um motivo Há um parágrafo nessa longa resolução que afirma que nenhuma cláusula do documento coíbe o direito de um povo em luta contra regimes racistas e colonialistas ou contra ocupação militar estrangeira de continuar a sua resistência com a ajuda de outrem de outros Estados Estados externos na sua justa causa Ora nem os Estados Unidos nem Israel puderam aceitar isso Na época o principal motivo de não poderem aceitar isso era a África do Sul A África do Sul era uma aliada uma nação oficialmente designa da como aliada E havia uma força terrorista na África do Sul Era chamado Congresso Nacional Africano oficialmente designado uma força terrorista A África do Sul por sua vez era uma aliada e nós certamente não poderíamos apoiar ações de um grupo terrorista que lutava contra um regime racista Isso seria impensável Havia é claro outro motivo a saber os territórios ocupados por Israel há 35 anos Com o apoio incondicional dos Estados Unidos impedindo uma resolução diplomática há 30 anos o motivo permanece válido hoje Por isso era inadmissível Na época havia ainda mais um motivo Israel estava ocupando o sul do Líbano e estava sendo combatido pelo que os Estados Unidos chama A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 21 vam de força terrorista o Hizbollah Que na realidade logrou expulsar Israel do Líbano Não podemos permitir que ninguém lute contra uma ocupação militar quando se trata de uma ocupação que nós apoiamos Portanto Estados Unidos e Israel não tinham como não votar contra a resolução das Nações Unidas contra o terrorismo E como mencionei antes um voto contra dos Estados Unidos é essencialmente um veto Mas isso é só metade do caso O veto norteamericano também suprimiu da história a resolução Nada disso foi noticiado e nada disso sequer constou nos anais do terrorismo Se examinarmos os trabalhos acadêmicos sobre terro rismo não encontraremos nada do que acabo de mencionar O motivo é que as pessoas erradas estão empunhando as armas Precisamos aperfeiçoar as defi nições e a pesquisa acadêmica para chegar às conclusões certas doutra for ma não haverá pesquisa acadêmica respeitável nem jornalismo honrado Esses são alguns dos problemas que estão estorvando a iniciativa de ela borar um tratado abrangente contra o terrorismo Talvez devêssemos organi zar uma conferência acadêmica ou algo parecido para tentar encontrar um meio de definir terrorismo que leve às respostas certas não às incorretas Isso não será fácil Quais as origens dos crimes de 11 de setembro Mas deixemos isso de lado e passemos para a quarta questão Quais as origens dos crimes de 11 de setembro Temos aqui de fazer uma distinção entre duas categorias que não devem ser embaralhadas A primeira diz respeito aos agentes efetivos do crime A outra referese a uma espécie de reserva de soli dariedade e às vezes de apoio que os eventos inspiraram até mesmo entre pessoas que se opõem claramente aos criminosos e suas ações São duas coisas bem diferentes Categoria 1 os prováveis perpetradores Com relação aos perpetradores a verdade é que num certo sentido a situação ainda não está clara Os Estados Unidos não podem ou não querem fornecer qualquer tipo de prova ou comprovação significativa Houve uma gran de encenação dramática há uma ou duas semanas quando Tony Blair foi incita do a tentar apresentar algo Não sei ao certo qual foi o propósito daquilo Talvez fazer parecer que os Estados Unidos estivessem retendo alguma prova secreta que não pudessem revelar Ou talvez permitir que Tony Blair assumisse ares apropriadamente churchillianos ou algo assim Quaisquer que tenham sido os objetivos de relações públicas Blair fez uma apresentação que em círculos sérios foi considerada tão absurda que prati camente não chegou a ser mencionada The Wall Street Journal por exemplo um dos jornais mais sérios publicou uma pequena matéria na página 12 se não N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 22 me engano apontando que não havia muita prova e citando um alto funcioná rio do governo norteamericano que teria dito que não importava se havia ou não havia provas pois eles iriam levar a coisa adiante de qualquer maneira Por que se preocupar com provas Jornais mais ideológicos como The New York Times entre outros publi caram grandes manchetes na primeira página Mas a reação do The Wall Street Journal foi razoável e se examinarmos as ditas provas veremos por quê Mesmo supondo que elas sejam legítimas porém é espantoso como são fracas Acho que seria possível desencavar coisa melhor sem o serviço de inteligência risos da platéia Pois tenham em mente que isso ocorreu semanas após a investiga ção mais intensa da história com todos os serviços de inteligência do mundo ocidental trabalhando em tempo integral para trazer à tona alguma coisa E tu do prima facie Era uma demanda bastante forte antes mesmo de surgir alguma coisa Mas acabou basicamente onde havia começado com um caso prima facie Todavia suponhamos que seja verdade Aceitemos isso que pareceu óbvio no primeiro dia e que ainda parece que os verdadeiros perpetradores vieram de redes islâmicas radicais aqui chamadas de fundamentalistas da qual a rede de Osama bin Laden é inegavelmente uma parte importante Se estavam de fato envolvidos ou não ninguém sabe E não importa muito De onde vieram Este é o contexto essas redes Pois bem de onde elas vieram Todos nós sabemos E ninguém sabe melhor do que a CIA pois foi a CIA que ajudou a organizálas e que as alimentou por um longo tempo Essas redes foram orga nizadas nos anos 80 pela própria CIA e suas comparsas em outros países Pa quistão GrãBretanha França Arábia Saudita Egito A China esteve envolvi da talvez tenha se envolvido um pouco antes em 1978 A idéia era assediar os russos o inimigo comum De acordo com Zbigniew Brzezinski assessor de se gurança nacional do presidente Carter os Estados Unidos se envolveram em meados de 1979 Só para acertar as datas vamos nos lembrar que a Rússia invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979 De acordo com Brzezinski o apoio norteamericano aos mujahedin que lutavam contra o governo começou seis meses antes Brzezinski tem muito orgulho disso Ele diz que nós atraímos os russos para uma armadilha afegã são palavras suas apoiando os mujahedin e fazendo os russos invadirem e cair na armadilha Formamos assim um tre mendo exército mercenário Não um exército pequeno mas um exército de talvez 100 mil homens reunindo os melhores assassinos que puderam ser en contrados os fanáticos islâmicos radicais do norte da África da Arábia Saudita de onde quer que fosse Eram muitas vezes chamados de afegãos mas muitos deles como Bin Laden não eram afegãos Foram trazidos de outras partes do mundo pela CIA e suas comparsas Não sei se Brzezinski está falando a verdade Talvez estivesse A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 23 apenas se jactando Ele aparentemente tem muito orgulho deste feito mesmo conhecendo as conseqüências Mas talvez seja verdade Saberemos um dia se os documentos forem liberados Seja como for essa é a sua percepção Não resta a menor dúvida de que em janeiro de 1980 os Estados Unidos estavam organizando os afegãos e preparando uma enorme força militar para causar o máximo de problemas para os russos Seria perfeitamente legítimo para os afegãos lutarem contra a invasão russa Mas a intervenção norteamericana não estava ajudando os afegãos Na realidade ajudou apenas a destruir o país Enfim os próprios afegãos acabaram forçando os russos a se retirar Nesse ínterim as forças terroristas que a CIA estava organizando arman do e treinando buscavam desde o princípio pôr em prática o seu próprio pro grama Não era segredo Um dos primeiros atos ocorreu em 1981 quando assassinaram o presi dente do Egito um dos mais entusiásticos de seus criadores Em 1983 um homembomba suicida que talvez estivesse ou não ligado a essas forças tu do é bastante nebuloso ninguém sabe expulsou do Líbano os militares do exército norteamericano As coisas continuaram assim As forças terroristas tinham o seu próprio programa Os Estados Unidos acharam ótimo poder mo bilizálas para lutarem por sua causa mas as forças estavam avançando os seus próprios interesses Foram bem claras a respeito Depois de 1989 quando os russos já haviam se retirado elas simplesmente começaram a agir em outros lugares Têm lutado desde então na Chechênia no oeste da China na Bósnia na Caxemira no sudeste asiático no norte da África por todo o mundo Eles estão nos dizendo o que pensam Eles estão nos dizendo o que pensam Os Estados Unidos querem silen ciar o único canal de televisão livre do mundo árabe porque está transmitindo a gama completa dos fatos de Colin Powell a Osama bin Laden Com essa atitu de estão se equiparando aos regimes repressivos do mundo árabe que tentam calar essa TV Mas se assistirmos esse canal se pudermos ouvir o que Bin Laden diz veremos que vale a pena Além disso eles apresentam muitas entrevistas realizadas pelos principais repórteres do Ocidente como Robert Fisk e outros se preferirmos não ouvir a voz de Bin Laden Mas ele vem falando com bastante consistência há tempos Não é o único mas talvez seja o mais eloqüente Não só com consistência mas também consoante com suas ações Por isso temos todos os motivos para leválos a sério Seus inimigos pri mordiais são aqueles que chamam de regimes autoritários brutais corruptos e opressivos do mundo árabe Quando dizem isso obtêm uma grande resso nância na região No entanto eles também querem substituir esses regimes por governos mais incisivamente islâmicos E é aí que perdem a simpatia das pesso as da região Até esse momento porém estão todos com eles Do ponto de N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 24 vista de Osama bin Laden e outros nem mesmo a Arábia Saudita é suficiente mente islâmica para eles embora seja talvez o Estado fundamentalista mais extremo do mundo com exceção do Taliban que é uma ramificação É evi dente que nesse ponto contam com pouquíssimo apoio Mas aquém disso têm um apoio tremendo Eles também querem defender os muçulmanos de outras regiões Odeiam os russos como à peste mas tão logo os russos deixaram o Afeganistão para ram de realizar atos terroristas na Rússia como vinham fazendo antes com o apoio da CIA ataques dentro da Rússia não apenas no Afeganistão É verda de que avançaram para a Chechênia Mas lá estão defendendo os muçulmanos de uma invasão russa O mesmo acontece em todos os outros lugares que men cionei Do ponto de vista deles estão defendendo os muçulmanos dos infiéis E são muito claros a respeito é isso que eles têm feito As duas torres do World Trade Center em Nova York desabam Foto Stan Honda Agência France Press A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 25 Por que se voltaram contra os Estados Unidos Mas por que eles se voltaram contra os Estados Unidos Bem isso está relacionado com o que chamam de invasão norteamericana da Arábia Saudita Em 1990 os Estados Unidos montaram bases militares permanentes na Arábia Saudita o que do ponto de vista deles é comparável à invasão russa do Afega nistão Só que a Arábia Saudita é muito mais importante É lá que ficam os lugares mais sagrados do Islã Foi isso que fez as atividades desses grupos se voltarem contra os Estados Unidos Vocês devem se lembrar que em 1993 eles tentaram explodir o World Trade Center Conseguiram realizar só uma parte do seu intento que aliás era apenas parte de um plano maior O objetivo era explodir o prédio das Nações Unidas os túneis Holland e Lincoln e a sede do FBI Acho que havia ainda outros alvos na lista Uma das muitas pessoas que foram presas por este atentado foi um clérigo egípcio que havia viajado para os Estados Unidos a despeito das objeções do Serviço de Imigração graças à intervenção da CIA que queria agraciar seus amigos Alguns anos depois ele tentava explodir o World Trade Center Isso tem acontecido em toda a parte Não vou percorrer a lista toda mas é um quadro consistente se vocês me entendem Está tudo descrito em palavras Está tudo revelado nas práticas de 20 anos Não há motivo para não os levar mos a sério Esta é a primeira categoria os prováveis perpetradores Os bombeiros heróis na catástrofe iniciam o trabalho nos escombros Foto Stan Honda Agência France Press N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 26 Categoria 2 e quanto à reserva de apoio Bem não é difícil descobrir do que se trata Uma das coisas boas que aconteceram desde 11 de setembro foi que uma parte da imprensa e uma parte do debate a respeito começaram a se abrir para algumas dessas outras perspec tivas A melhor delas a meu ver foi The Wall Street Journal que desde os pri meiros dias passou a publicar matérias sérias reportagens investigativas sérias sobre os motivos pelos quais as pessoas da região apesar de odiarem Bin Laden e abominarem tudo o que ele está fazendo não obstante o apóiam de várias maneiras e até chegam a considerálo a consciência do Islã como um deles chegou a dizer Entretanto The Wall Street Journal e outros não estão sondando a opi nião pública estão sondando a opinião de seus amigos banqueiros profissio nais liberais advogados internacionais empresários com vínculos com os Esta dos Unidos pessoas vestindo roupas norteamericanas de grife entrevistadas num restaurante McDonalds que lá é um restaurante elegante São essas as pessoas que entrevistam porque são as atitudes delas que eles querem desvendar Suas atitudes são bem explícitas e bem claras e em várias maneiras consoantes com a mensagem de Bin Laden e outros Estão todas furiosas com os Estados Unidos por apoiarem regimes autoritários e brutais por intervirem para impedir qualquer movimento rumo à democracia por agi rem para frustrar o desenvolvimento econômico pelas diretrizes que devasta ram a sociedade civil do Iraque ao mesmo tempo em que fortaleceram Saddam Hussein E essas pessoas se lembram ainda que nós prefiramos não fazêlo que os Estados Unidos e a GrãBretanha apoiaram Saddam Hussein mesmo enquanto ele cometia as piores atrocidades entre elas o extermínio dos curdos com armas químicas Bin Laden sempre traz isso à baila Elas sabem disso mes mo que nós não saibamos Para não falar é claro no apoio norteamericano à ocupação militar isra elense que é implacável brutal e já entrou no seu 35º ano Os Estados Unidos forneceram e continuam fornecendo a esmagadora maioria da ajuda econômica militar e diplomática dessa ocupação Elas sabem disso e não gostam Especial mente quando comparam essa atitude com a política norteamericana para o Iraque para a sociedade civil iraquiana que está sendo destruída Basicamente esses são os motivos E quando Bin Laden apresenta esses motivos as pessoas sabem reconhecêlos e oferecem seu apoio Mas este não é o modo como as pessoas aqui pensam a respeito Ou pelo menos não é como opinião liberal instruída raciocina que prefere a linha adotada por toda a mídia e em particular pela esquerda liberal Não investiguei a fun do mas acho que no geral as opiniões de direita têm sido mais honestas Basta olharmos digamos The New York Times No primeiro editorial escrito por A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 27 Ronald Steel um intelectual liberal de esquerda sério ele pergunta Por que eles nos odeiam Isso no mesmo dia se não me engano em que The Wall Street Journal publicava uma pesquisa sobre os motivos de eles nos odiarem Steel diz o seguinte Eles nos odeiam porque nós representamos uma nova ordem mundial de capitalismo individualismo secularismo e democracia que deveria ser a norma em toda a parte É por isso que eles nos odeiam No mesmo dia The Wall Street Journal pesquisava as opiniões de ban queiros profissionais liberais e advogados internacionais que diziam Vejam nós odiamos vocês porque estão bloqueando a democracia impedindo o de senvolvimento econômico apoiando regimes brutais regimes terroristas e cometendo uma série de coisas horríveis na região Alguns dias depois Anthony Lewis bem mais à esquerda explicou que o terrorista busca apenas niilismo apocalíptico nada mais não importa o que façamos Segundo ele a única conseqüência de nossas ações que poderia ser nociva seria tornar mais difícil para os árabes se unirem ao esforço antiterrorismo da coalizão Afora isso tudo o que fizermos será irrelevante Bem essa atitude tem a vantagem de ser reconfortante Faznos sentir bem acerca de nós mesmos como somos maravilhosos Permitenos evadir as conseqüências de nossa ações Mas também tem algumas falhas A primeira é que contraria tudo o que sabemos a respeito da situação Outra é que constitui uma maneira perfeita de assegurar a escalada do ciclo de violência Se quiser mos viver com a cabeça enfiada na areia e fingir que eles nos odeiam porque são contra a globalização Que é por isso que mataram Sadat 20 anos atrás e combateram os russos e tentaram explodir o World Trade Center em 1993 Se quisermos acreditar nisso não deixa de ser reconfortante Mas é uma ótima maneira de assegurar a proliferação da violência Uma violência tribal você fez algo contra mim eu farei algo pior contra você Não me importa quais são os motivos Vamos continuar agindo assim Esta é a maneira de agir Ou pelo menos é o que tem afirmado a opinião liberal de esquerda Quais são as opções políticas Bem há várias Desde o início uma opção política limitada seria seguir o conselho de radicais realmente extremados como o papa risos da platéia O Vaticano reagiu imediatamente dizendo Olhem este foi um crime terrorista terrível Como qualquer crime devemos buscar os perpetradores processálos e julgálos E não sair matando civis inocentes É como se alguém assaltasse a minha casa e eu achasse que o ladrão provavelmente ainda estaria na vizinhança do outro lado da rua e eu fosse até lá com um rifle automático e matasse todos os habitantes do bairro Não é assim que se lida com o crime seja um crime menor como este seja um crime grandioso como a guerra terrorista dos Esta dos Unidos contra a Nicarágua sejam crimes ainda piores ou intermediários N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 28 Há inúmeros precedentes Na realidade já mencionei um precedente a Nica rágua uma nação fundada no direito e respeitadora das leis É por isso que presumivelmente tivemos de destruíla por seguir os princípios certos Pois bem é claro que isso não a ajudou em nada pois a Nicarágua estava enfrentan do uma potência que não permitia que procedimentos legítimos fossem ado tados No entanto caso os Estados Unidos tentassem adotar os procedimentos corretos ninguém iria nos impedir Na realidade todos aplaudiriam Bombas do Exército Republicano Irlandês em Londres Quando o Exército Republicano Irlandês lançou bombas em Londres um ato extremamente grave uma reação possível da GrãBretanha exceto pelo fato de ser inexeqüível mas deixemos isso de lado teria sido destruir Boston que foi de onde se originou grande parte do financiamento do IRA E também é claro aniquilar a região oeste de Belfast Pois bem afora a questão da inexeqüi bilidade teria sido uma estupidez criminosa A maneira de lidar com a situação foi basicamente como eles agiram encontrar os perpetradores leválos a julga mento e buscar os motivos Porque essas ações não surgem do nada elas sem pre surgem de algo Seja um crime nas ruas seja um monstruoso crime terroris ta seja o que for Sempre há motivos E via de regra se examinarmos os moti vos veremos que alguns são legítimos e devem ser considerados Não importa qual tenha sido o crime os motivos devem ser considerados porque são legíti mos Essa é a maneira de lidar com tais situações Há muitos outros exemplos semelhantes Todavia também aqui surgem certos problemas Um deles é que os Esta dos Unidos não reconhecem a jurisdição de instituições internacionais Não podem portanto recorrer a elas Os Estados Unidos rejeitaram a jurisdição da Corte Mundial Recusaramse a ratificar o Tribunal Internacional de Justiça mas o país é poderoso o bastante para instituir um novo tribunal se quiser de modo que tudo isso não o impediria O problema com esse tipo de tribunal é que precisamos apresentar pro vas Quando se recorre a uma corte de justiça é preciso apresentar algum tipo de prova Não basta Tony Blair fazendo um discurso na televisão E isso é muito difícil Pode ser impossível encontrar provas Resistência sem líderes É possível que todas as pessoas que cometeram os crimes do dia 11 te nham se matado Ninguém sabe disso melhor do que a CIA Essas redes são descentralizadas nãohierárquicas Seguem um princípio chamado resistência sem líderes É o mesmo princípio elaborado pelos terroristas da direita cristã nos Estados Unidos Resistência sem líderes Montamse pequenos grupos para agir Esses grupos não se comunicam nem entre si nem com ninguém Têm em comum apenas um conjunto geral de pressupostos e então simplesmente par A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 29 tem para a ação Na verdade pessoas envolvidas com movimentos pacifistas conhecem bem o esquema Nós o chamávamos grupos de afinidade Parte se do princípio de que um grupo oficial a que se pertença será sempre infiltrado pelo FBI se algo sério acontecer Por isso nada será feito ou decidido em reuni ões Reúnemse algumas pessoas conhecidas e confiáveis e montase um grupo de afinidade que é impossível de ser infiltrado Este é um dos motivos pelos quais o FBI nunca conseguiu descobrir o que acontece nos movimentos popu lares Com os outros órgãos de inteligência acontece a mesma coisa eles não conseguem penetrar os grupos de afinidade os grupos de resistência sem líde res É praticamente impossível penetrar uma rede descentralizada Portanto é bem possível que eles simplesmente não saibam Quando Osama bin Laden afirma que não esteve envolvido é perfeitamente possível Na verdade o difícil é imaginar como alguém morando numa caverna do Afega nistão sem dispor sequer de um rádio ou telefone poderia ter planejado uma operação tão sofisticada Tudo indica que ela nasceu desse conjunto geral de pressupostos em comum com outros grupos terroristas de resistência sem líde res E isso significa que será extremamente difícil achar alguma prova Estabelecendo credibilidade Os Estados Unidos não querem apresentar provas porque querem ser ca pazes de agir sem provas Este é um aspecto crucial da reação Reparem que os Estados Unidos não pediram autorização ao Conselho de Segurança que pro vavelmente teria sido concedida dessa vez não por motivos nobres digase de passagem mas porque os demais membros do Conselho de Segurança também são Estados terroristas Ficaram felizes em participar de uma coalizão contra o que chamam de terror ou melhor de apoio ao seu próprio terror A Rússia não iria vetar eles adoram esse tipo de coisa De modo que os Estados Unidos provavelmente teriam obtido autorização do Conselho de Segurança Mas não a quiseram E não a quiseram porque seguem um princípio de longa data um princípio que não surgiu com George Bush mas já estava explícito no governo Clinton articulado há muito tempo a saber o direito de agir unilateralmente Nós não queremos autorização internacional porque queremos agir uni lateralmente Não estamos interessados em provas Não estamos interessados em negociação Não estamos interessados em tratados Não há ninguém mais forte do que nós Somos o facínora mais durão do bairro Fazemos o que que remos Autorização é uma coisa ruim e portanto deve ser evitada Temos até um nome para isso na literatura técnica chamase estabelecer credibilidade É preciso estabelecer credibilidade Este é um fator importante em muitas dire trizes Foi o motivo oficial dado para a guerra nos Balcãs o motivo mais plau sível N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 30 Se quiserem saber o que significa credibilidade perguntem a qualquer capo da máfia Ele saberá explicar o que quer dizer credibilidade É a mesma coisa em assuntos internacionais só que a questão é discutida nas universidades com palavras rebuscadas mas o princípio é basicamente o mesmo E faz senti do E geralmente funciona O principal historiador que escreveu a respeito nos últimos anos foi Charles Tilly num livro intitulado Coerção capital e os Estados europeus Tilly mostrou que a violência foi o princípio motriz da Europa duran te centenas de anos e o motivo foi que a violência funciona Isso é bastante razoável A violência quase sempre funciona Quando se tem um predomínio avassalador da violência e uma cultura subjacente de violência faz sentido se guir o princípio da violência Bem esses são todos problemas que surgem quando se busca seguir ca minhos legítimos A verdade é que se tentássemos andar dentro da lei abriría mos algumas portas muito perigosas Os Estados Unidos estão exigindo que o Taliban lhes entregue Osama bin Laden O Taliban está reagindo de uma ma neira que o Ocidente considera totalmente absurda e bizarra a saber eles estão dizendo Ok mas antes mostrenos alguma prova No Ocidente isso é con siderado grotesco um indício da sua criminalidade Como podem exigir pro vas Afinal se nos pedissem para entregar alguém faríamos isso sem pestanejar amanhã mesmo Não pediríamos prova alguma risos da platéia Haiti É fácil comprovar isso Não precisamos inventar caso algum O Haiti por exemplo há vários anos vem solicitando que os Estados Unidos extraditem Emmanuel Constant Este homem é um grande assassino Foi uma das princi pais figuras no massacre de quatro a cinco mil pessoas em meados dos anos 90 sob a junta militar que por falar nisso contava com o apoio nada tácito dos governos Bush e Clinton Seja como for Constant é um assassino Os haitianos têm provas de sobra Nenhum problema quanto a isso Constant já foi julgado e condenado no Haiti e os haitianos estão pedindo que os Estados Unidos o entreguem Bem façam sua lição de casa Tentem descobrir quanta discussão houve a respeito Na verdade o Haiti refez o seu pedido há cerca de duas semanas Isso sequer foi mencionado Por que deveríamos entregar um assassi no condenado responsável pela morte de quatro a cinco mil pessoas O fato é que se o entregarmos quem sabe o que ele poderá dizer Talvez diga que foi financiado e ajudado pela CIA o que é provavelmente verdade Nós não queremos abrir essa porta E ele não é o único Costa Rica A Costa Rica que preza a democracia vem há 15 anos tentando que os Estados Unidos lhe entreguem um certo John Hull um latifundiário norteame ricano com vastas propriedades na Costa Rica a quem acusam de crimes terro A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 31 ristas Dizem os costarriquenhos com provas em abundância que Hull usava as suas terras como base para a guerra dos Estados Unidos contra a Nicarágua o que não é uma conclusão controversa lembremse Como a Corte Mundial e o Conselho de Segurança afiançaram o pedido vêm tentando fazer com que os Estados Unidos o entreguem Alguém ouviu falar disso Creio que não Os costarriquenhos chegaram a confiscar as terras de outro latifundiário norteamericano John Hamilton Ofereceram indenização e pagaram a desa propriação Os Estados Unidos recusaram As terras de Hamilton que também eram usadas como base para os ataques dos Estados Unidos contra a Nicará gua foram transformadas num parque nacional A Costa Rica foi punida por isso foi punida com suspensão de ajuda Nós não aceitamos esse tipo de insu bordinação de nossos aliados Eu poderia prosseguir O fato é que se abrirmos as portas para perguntas sobre extradição a questão pode tomar rumos bastan te desagradáveis Logo isso não pode ser feito Reações no Afeganistão E quanto às reações no Afeganistão A proposta inicial a retórica inicial envolvia um ataque maciço que mataria um grande número de pessoas para não falar em ataques a outros países na região Sabiamente o governo Bush recuou Foi informado por todos os líderes estrangeiros pela OTAN por todo tipo de especialista imagino por nossos próprios órgãos de inteligência que esta seria a coisa mais estúpida que poderia fazer Seria o equivalente a abrir agências de recrutamento para Bin Laden em toda a região É exatamente isso o que ele quer E seria extremamente danoso aos nossos próprios interesses Portanto resolveram reconsiderar Mas estão voltandose agora para o que descrevi há pouco como uma espécie de genocídio silencioso Tratase de bem eu já disse o que penso a respeito Acho que nada mais precisa ser acres centado É só fazer as contas Uma proposta sensata que começa a ser considerada uma proposta que sempre foi sensata mas só agora está sendo levantada foi apresentada por afegãos expatriados e supostos líderes tribais internos que haja uma iniciativa das Na ções Unidas e os russos e os norteamericanos sejam mantidos totalmente fora da questão Estes são os dois países que praticamente destruíram o Afeganistão nos últimos 20 anos É justo que fiquem de fora Deveriam mesmo pagar enor mes reparações Esta seria a sua única função Uma iniciativa da ONU que reu nisse todos os elementos dentro do Afeganistão e tentasse construir algo a par tir dos destroços É concebível que possa funcionar se houver bastante apoio e nenhuma interferência Se os Estados Unidos insistirem em dirigir o espetáculo podemos desistir desde já Temos uma longa história nesse ramo Reparem no nome que foi dado a esta operação Lembramse que a prin cípio iria ser uma Cruzada Eles recuaram porque o pessoal de relações públi N OAM C HOMSKY ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 32 cas disse que não iria dar muito certo risos da platéia Escolheram então Jus tiça Infinita mas o pessoal de relações públicas reclamou Esperem um pou co vocês estão soando como uma divindade Isso não vai funcionar O nome então foi mudado para Enduring Freedom ou Liberdade Duradoura Nós sa bemos o que isso significa Felizmente ninguém ainda apontou que existe uma ambigüidade aqui Endure além de perdurar também significa sofrer re signadamente risos da platéia E por certo há muitas pessoas pelo mundo que sofreram resignadamente aquilo que chamamos de liberdade Ainda bem que temos uma classe instruída muito bem comportada de modo que nin guém ainda apontou essa ambigüidade Se o fizerem teremos mais um proble ma para resolver Se conseguirmos nos conter apenas o suficiente para que algum órgão mais ou menos independente possa assumir a liderança talvez a ONU talvez alguma ONG fidedigna talvez seja possível reconstruir algo a partir dos es combros Com nossa ajuda é claro nós devemos isso a eles Talvez então con seguíssemos algum resultado Mas há outros problemas Uma maneira fácil de reduzir o nível de terror Nós certamente queremos reduzir o nível de terror não aumentálo Existe uma maneira fácil de realizar isso e que por isso mesmo nunca chega a ser discutida A saber parem de participar do terror Bastaria isso para automatica mente reduzir em muito o nível de terror Mas não se pode discutir isso Esta seria uma maneira fácil de reduzir o nível de terror Além disso deveríamos repensar o tipo de política que nos leva a organi zar e a treinar exércitos terroristas e o Afeganistão não é o único caso Essas diretrizes têm efeitos Estamos vendo alguns desses efeitos agora Onze de se tembro foi um deles Temos de repensar isso Temos também de repensar as diretrizes que estão criando reservas de apoio contra nós É exatamente isso que os banqueiros advogados entre ou tros estão dizendo em lugares como a Arábia Saudita Nas ruas o clamor é muito mais amargo como podemos imaginar Isso é possível Afinal essas diretrizes não estão esculpidas em pedra E há também oportunidades Tem sido difícil achar muitos raios de luz nas últimas semanas mas um deles é que houve uma abertura maior Muitas questões estão sendo abertas para discussão mesmos nos círculos da elite e certamente entre o público em geral algo que não havia há duas ou três sema nas Chega a ser comovente Quero dizer se até um jornal como o USA Today consegue publicar uma matéria excelente um artigo sério sobre a vida na faixa de Gaza é porque houve uma mudança As coisas que mencionei sobre The Wall Street Journal também indicam uma mudança A NOVA GUERRA CONTRA O TERROR ESTUDOS AVANÇADOS 16 44 2002 33 Entre o público em geral acho que há mais abertura e boa vontade para pensar sobre coisas que estavam escondidas sob o tapete Essas são oportunida des e devem ser aproveitadas pelo menos por aqueles que concordam com a meta de reduzir o nível de violência e terror incluindo as ameaças potenciais extremamente severas que poderão fazer com que até 11 de setembro pareça insignificante Obrigado Noam Chomsky lingüista e ativista político é pesquisador do Massachusetts Institute of Technology MIT EUA É autor entre outros de 11 de Setembro Bertrand Brasil 2001 Em 1955 aos 27 anos recebeu seu PhD em Lingüística da Universidade da Pennsylvania Aos 32 anos tornouse professortitular do MIT Revolucionou a lingüística nos anos 60 com sua teoria sobre a gramática generativa Entre seus trabalhos funda mentais sobre o tema estão Aspectos da teoria da sintaxe e Linguagem e mente Em 1969 com o livro O poder americano e os novos mandarins começou sua trajetória como ativista dos direitos civis e seu combate contra a intervenção dos EUA no Vietnã Publicou cerca de 23 livros sobre política internacional e questões internas dos EUA Este é o segundo trabalho que o autor publica em ESTUDOS AVANÇADOS O primeiro Consentimento sem consentimento a teoria e a prática da democracia foi publicado em 1997 na edição número 29 O poder e a atuação dos meios de comunicação tam bém têm sido objeto de sua análise crítica É doutor honoris causa das Universidades de Chicago Cambridge Pennsylvania e Londres entre outras Tradução por Carlos Afonso Malferrari O original em inglês The New War Against Terror encontrase à disposição do leitor no IEAUSP para eventual consulta