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do boom ao caos econômico Laura Carvalho DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fim exclusivo de compra futura É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda aluguel ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa Você pode encontrar mais obras em nosso site LeLivrossite ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento e não mais lutando por dinheiro e poder então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível do governo Laura Carvalho Valsa brasileira Do boom ao caos econômico Agradecimentos Introdução 1 O Milagrinho brasileiro um passo à frente 2 A Agenda Fiesp um passo ao lado 3 A panaceia fiscal um passo atrás 4 Acertando os passos 5 Dançando com o diabo Bibliografia Autora Créditos Agradecimentos O diagnóstico apresentado neste livro se beneficiou muito das discussões realizadas no âmbito do Grupo de Trabalho de Macroeconomia da Sociedade Brasileira de Economia Política SEP e em particular das conversas com o professor Fernando Rugitsky com quem escrevi o artigo Growth and Distribution in Brazil in the 21st Century1 O livro também contou com a excelente assistência de pesquisa de Adriano Oliveira viabilizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Fipe da Universidade de São Paulo Agradeço também ao CNPq pelo apoio à minha pesquisa acadêmica A Luiz Antônio Carvalho Renan Quinalha e Mario Sergio Conti deixo os meus mais sinceros agradecimentos pela leitura atenta e os comentários pertinentes Os artigos que publiquei na Folha de S Paulo entre julho de 2015 e dezembro de 2017 serviram de base para diversos trechos do livro Agradeço ao jornal pelo espaço e principalmente aos leitores da coluna pelos comentários críticas e incentivos A responsabilidade pelas deficiências e erros remanescentes é toda minha é claro Introdução Como a economia de um país continental evoluiu em apenas sete anos da euforia de um cenário de crescimento bem acima da média das últimas décadas com vigorosa geração de empregos formais e alguma redução das desigualdades para uma das maiores crises de sua história Para alguns tudo não passou de uma ilusão A economia brasileira só cresceu de forma mais acelerada porque foi favorecida entre 2003 e 2011 pela alta nos preços das commodities que exportamos petróleo minério de ferro e soja Desde então voltamos ao desemprego alto à ampliação das desigualdades e ao baixo crescimento que caracterizavam o país desde as chamadas décadas perdidas De acordo com essa visão o Brasil deu sorte por quatro ou cinco anos mas o azar voltou a prevalecer Para outros o que houve foi uma sucessão de erros O maior crescimento nos anos 2000 seria mera consequência das condições macroeconômicas criadas no fim da década de 1990 após a estabilização dos preços e a adoção do famoso tripé macroeconômico composto pelo regime de metas de inflação pelas metas de superavit primário e pela taxa de câmbio flutuante A utilização exagerada do Estado como promotor da distribuição de renda e do crescimento econômico é que teria levado ao colapso A solução para a crise estaria portanto na volta e no aprofundamento do modelo adotado nos anos 1990 Há ainda os que consideram que não foi nem uma coisa nem outra A crise econômica seria essencialmente política causada pela propaganda negativa da imprensa pela máfé do Congresso ou até mesmo por um boicote do empresariado financista Nesse caso não seriam os erros do governo Lula ou Dilma Rousseff os responsáveis pela crise mas ao contrário seus acertos pelo incômodo que provocaram nas elites econômicas e financeiras do país Uma crise dessas proporções não pode ter uma única causa Entre os fatores que explicam o crescimento inclusivo que o país experimentou durante os anos 2000 há um pouco de sorte e alguns acertos Da mesma forma entre os fatores que explicam a desaceleração econômica e a crise que se segue há um pouco de que explicam a desaceleração econômica e a crise que se segue há um pouco de azar e erros significativos A compreensão do vaivém da economia brasileira na última década pede diagnósticos que descartem o FlaFlu político e as comparações simplistas entre economia nacional e economia doméstica Se combinar crescimento econômico estabilidade de preços e da dívida pública redução das desigualdades e sustentabilidade ambiental dependesse apenas da fidelidade a um receituário simples e já velho conhecido de todos países ricos e pobres ao redor do mundo não enfrentariam tantas contradições e dificuldades até hoje Entre 2004 e 2010 o Brasil conseguiu obter junto com as taxas mais altas de crescimento uma redução das desigualdades sociais e regionais o aumento sustentado dos salários a elevação do nível de emprego formal a melhoria das contas públicas e externas tudo isso mantendo a taxa de inflação sob controle O investimento cresceu em média 67 ao ano no período superando até mesmo o crescimento do consumo que foi de 45 anuais O que a análise dos dados e eventos parece sugerir é que o modelo de crescimento que vigorou no Brasil nos anos 2000 precisava superar obstáculos importantes para se sustentar ao longo do tempo mas não estava de antemão condenado ao esgotamento Em vez da superação dos desafios optouse pela adoção de uma política econômica em boa parte equivocada Não foi o excesso de intervencionismo que nos trouxe de volta para o túnel infinito da austeridade mas sim o tipo de desenvolvimentismo aqui desculpo me com os imortais Raúl Prebisch e Celso Furtado por usar o termo de forma tão ampla que orientou a política econômica desde 2011 O Estado havia sido decisivo na expansão do mercado interno brasileiro entre 2006 e 2010 através de políticas de transferência de renda e aumento do salário mínimo junto com a ampliação dos investimentos em infraestrutura física e social No entanto no final do segundo mandato do presidente Lula crescia a visão de que tal estratégia de crescimento erroneamente interpretada como liderada pelo consumo era insustentável Empresários do setor industrial e boa parte dos economistas defendiam medidas que reduzissem os custos das empresas nacionais e elevassem sua competitividade diante da concorrência estrangeira A presidente Dilma atende a tais demandas reduz a taxa de juros desvaloriza o real e subsidia a lucratividade dos empresários por meio de desonerações o real e subsidia a lucratividade dos empresários por meio de desonerações tributárias controle de tarifas energéticas e crédito a juros mais baixos Essas medidas de alto custo e pouco eficazes no estímulo ao crescimento têm impacto negativo sobre as receitas do governo e dificultam a estabilização da dívida pública O fim da história nós conhecemos bem manobras fiscais um impeachment vendido como solução para a crise e desde então um país dedicado a jogar fora junto com a água suja do banho o bebê e a bacia A valsa brasileira que vamos apresentar começa com a análise dos pilares que sustentaram o Milagrinho dos anos 200610 quando o país deu um passo à frente Ainda que houvesse limites à continuidade de tal processo a adoção da Agenda Fiesp entre 2011 e 2014 o conjunto de medidas desenhadas para beneficiar o setor industrial frequentemente chamado de Nova Matriz Econômica representou um passo ao lado A dança evolui para o grande passo atrás dos anos 20156 voltado para o desmonte acelerado do frágil Estado de bemestar social brasileiro Tabela 1 Taxa de crescimento anual de variáveis selecionadas para a economia brasileira em cinco subperíodos Fontes FMI Primary Commodity Prices Index IBGE Contas Nacionais Trimestrais e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Orair 2016 Ipeadata As taxas anualizadas são as que seriam observadas caso a economia tivesse crescido ao mesmo ritmo em cada ano do subperíodo 1 O Milagrinho brasileiro um passo à frente As altas taxas de crescimento da economia chinesa e sua demanda crescente pelas chamadas commodities como petróleo minérios e produtos agrícolas tiveram impacto positivo2 e beneficiaram o conjunto das economias latino americanas no alvorecer do século XXI Essa sorte explica boa parte do que o economista Edmar Bacha denominou Milagrinho brasileiro nossa economia saltou de uma taxa anual de crescimento média de 21 nos anos 1980 e 1990 para 37 na década de 2000 Na contramão do ocorrido na maior parte dos países ricos no mesmo período esse crescimento no Brasil e em outros países da América Latina foi marcado pela redução em diversos indicadores de desigualdade e expansão do nível de emprego formal O cenário externo favorável fez toda a diferença nesse desempenho assim como o cenário externo desfavorável faria toda a diferença no que aconteceu depois Mas a sorte não basta para explicar o tipo e a qualidade do crescimento que tivemos As políticas redistributivas e os investimentos públicos em infraestrutura física e social também foram fundamentais nesse processo No caso brasileiro a reorientação da política econômica foi promovida de forma amena e gradual Entre 2003 e 2005 durante o primeiro governo Lula a principal novidade se deu no âmbito das políticas de transferência de renda expandidas e universalizadas com a criação do programa Bolsa Família Afinal com o pânico financeiro gerado pelo temor de uma mudança brusca na política econômica tendo levado o dólar de 260 reais no início de 2002 a 4 reais às vésperas da eleição de Lula o presidente eleito já tinha avisado em sua Carta ao Povo Brasileiro que a margem de manobra da política econômica no curto prazo seria pequena Enquanto o Ministério da Fazenda sob o comando de Antonio Palocci concentrouse em promover um forte ajuste fiscal para atingir metas mais altas de superavit primário a diferença entre receitas e despesas do governo excluindose o pagamento de juros o Banco Central presidido por Henrique Meirelles tratou de manter a taxa de juros em patamar elevado Em discurso proferido em dezembro de 2003 no jantar anual da Federação Brasileira de Bancos Febraban3 Meirelles defendeu a seguinte estratégia O choque do ano passado provocou uma aceleração da inflação sem precedentes na história brasileira O índice da inflação quintuplicou em poucos meses Conseguimos afastar a ameaça do retorno da aceleração inflacionária Restabelecemos a confiança através de um processo determinado de ajuste fundado na responsabilidade fiscal com a fixação e o cumprimento de uma meta de superavit fiscal de 425 do PIB para 2003 e os anos seguintes e na estabilidade macroeconômica com o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante Defendendose dos que clamavam por um maior crescimento da economia Meirelles alertou neste momento entre o passado e o futuro em que o velho já vai saindo de cena mas o novo ainda não se instalou de todo é compreensível uma certa dose de ansiedade Todos queremos um país melhor Infelizmente na vida real muitas vezes a rapidez não é boa companheira da eficácia É difícil saber o que teria ocorrido caso o governo Lula tivesse adotado logo de início uma política econômica mais ousada Se de um lado o conservadorismo na área econômica ajudou a acalmar os ânimos de parte das elites econômico financeiras do país de outro a esperança de boa parte da base que elegeu Lula era de que o governo obteria resultados mais expressivos do que os de seu antecessor O crescimento baixo da economia em 2003 de 11 apenas serviu para insuflar as críticas dos que esperavam uma virada Em manifesto divulgado em março de 2004 a Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores PT defendeu mudanças mais profundas O PT propõe que o governo faça uma inflexão maior na política econômica no sentido de priorizar as tarefas e as medidas voltadas para a retomada do desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda4 Dentro do governo a agenda econômica também era objeto de divergências entre o ministro da Casa Civil José Dirceu e o ministro da Fazenda Antonio Palocci5 Mas as preocupações com a falta de crescimento não eram apenas da cúpula ou de alas mais à esquerda do PT Em entrevista ao jornal Folha de S Paulo em 15 de março de 2004 o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Fiesp Horácio Lafer Piva também atribuiu a recuperação lenta ao excesso de conservadorismo da política macroeconômica o governo fez um trabalho importante de ajuste nos primeiros seis meses do ano passado mas depois exagerou na dose desse aperto O grande problema é que a ideia de crescimento tem sido adiada de forma sistemática O tal do espetáculo do crescimento que foi anunciado em junho não aconteceu6 Em outro trecho da entrevista Lafer foi além há espaço para ser um pouco mais ousado reduzindo por exemplo a taxa de juros a Selic estava em 165 ao ano O Banco Central tem todos os instrumentos para ir testando limites inferiores de juros O crescimento de 58 do PIB em 2004 deu novo fôlego à equipe econômica Quando da divulgação dos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE em março de 2005 Palocci concedeu entrevista coletiva7 e defendeu as sucessivas elevações da taxa básica de juros pelo Banco Central desde setembro de 2004 O tempo mostrou que as iniciativas do Copom o Comitê de Política Monetária que àquela altura havia elevado a Selic de 16 para 1875 ao ano se mostraram acertadas afirmou O então ministro da Fazenda também respondeu aos que duvidavam de que o ritmo mais acelerado de crescimento seria mantido nos anos seguintes não há nenhuma possibilidade de voos de galinha afirmou Palocci referindose aos períodos curtos de crescimento econômico que marcaram a economia brasileira desde a década de 1980 A história que os dados contam é bem diferente O crescimento mais alto de 2004 foi puxado sobretudo pela expansão de 145 nas exportações do país que dificilmente poderia ser atribuída à política econômica interna No ano seguinte o crescimento já foi bem mais modesto A expansão da economia em 2005 foi de 32 ainda liderada pelas exportações que cresceram 96 no ano Os investimentos que haviam crescido 85 em 2004 cresceram apenas 2 investimentos que haviam crescido 85 em 2004 cresceram apenas 2 Em meio à crise política desencadeada pela saída de José Dirceu do governo em junho de 2005 acusado pelo deputado Roberto Jefferson PTB RJ de comandar o esquema de compra de votos de parlamentares que ficou conhecido como Mensalão essa desaceleração foi suficiente para que as críticas à equipe econômica recrudescessem O conflito interno entre Ministério da Casa Civil e Ministério da Fazenda continuou após a substituição de José Dirceu por Dilma Rousseff Em novembro de 2005 a então ministra já criticava o ajuste fiscal excessivo de Palocci o superavit primário ficou acima dos 425 do PIB previstos na meta fiscal do ano8 Em dezembro de 2005 o ministro do Trabalho Luiz Marinho chegou a afirmar em entrevista ao jornal Folha de S Paulo9 que o excesso de zelo na política econômica era perigoso para a reeleição de Lula no ano seguinte O excesso de conservadorismo ficou demonstrado neste ano pelo resultado do PIB no terceiro trimestre queda de 12 Isso estava visível que aconteceria Poderíamos ter saído melhor neste ano se não tivesse havido esse exagero do freio do Banco Central completou Indagado sobre se seria possível convencer Palocci e Meirelles a mudar a tempo Marinho respondeu vamos convencer nem que seja na marra As cobranças por um ritmo maior de crescimento econômico chegaram ao debate eleitoral de 2006 O candidato de oposição Geraldo Alckmin por exemplo fez questão de ressaltar que o Brasil crescia abaixo da média mundial ficando à frente apenas do Haiti Ora o Brasil não pode ser o último da fila dos emergentes comparou o peessedebista O candidato Lula prometeu 10 milhões de empregos e não chegou nem à metade lembrou Alckmin10 Eu tenho medo foi a frase da atriz Regina Duarte diante da possível vitória eleitoral de Lula em 2002 Na disputa Lula foi apresentado como um perigo para a estabilidade alcançada com o Plano Real A Carta ao Povo Brasileiro ajudou a incorporar na plataforma lulista diversos setores da classe média e do empresariado representado na chapa pelo vicepresidente José Alencar O governoônibus abrigava do PT que logo expurgaria seus dissidentes mais radicais ao Partido Progressista PP de Francisco Dornelles e Paulo Maluf Curiosamente ao longo do primeiro governo Lula alguns desses mesmos setores deslocaram suas críticas à inexperiência e irresponsabilidade do PT para o ritmo insuficiente de crescimento Ajudaram assim a criar as bases para uma política econômica voltada para o crescimento maior É verdade que o crescimento econômico que foi em média de 2 ao ano entre 1995 e 2003 já tinha subido para 58 em 2004 e 32 em 2005 Mas como vimos essa expansão inicial foi liderada pelo boom de exportações criado pela maior demanda mundial por nossos produtos Foi só depois da renúncia de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda fruto do escândalo envolvendo a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa11 e sobretudo de medidas implementadas durante o segundo mandato de Lula que o crescimento das exportações perdeu influência e o mercado interno começou a crescer mais rápido graças à expansão do consumo das famílias e dos investimentos12 Além da distribuição de renda na base da pirâmide a política econômica teve dois outros pilares que alimentariam esse processo de crescimento mais inclusivo e com grande apelo junto à opinião pública maior acesso ao crédito e maiores investimentos públicos em infraestrutura física e social Estavam dadas as condições políticas para o Milagrinho O pilar da distribuição de renda Criado em 2003 pelo governo federal o Programa Bolsa Família atendia 36 milhões de famílias em janeiro de 2004 Em 2010 o número de beneficiados já chegava a 128 milhões13 Mesmo respondendo por uma parcela pequena da renda total das famílias brasileiras cerca de 04 em 2003 e 128 em 2011 o programa foi responsável por uma redução substantiva nos índices de pobreza e assim na desigualdade de renda no Brasil Os estudos econométricos especializados sugerem que entre 10 e 31 da queda no índice de Gini que mede a desigualdade deveuse aos efeitos desse programa14 O salário mínimo que já vinha ganhando poder de compra desde 1995 com o controle da inflação se valorizou mais rápido a partir de 2005 como mostra a Tabela 1 na página 12 Ainda que a lei de valorização do salário mínimo que estabeleceu reajustes anuais para repor a inflação do ano anterior e a média do crescimento do PIB dos dois anos anteriores só tenha sido aprovada em 2011 o governo passou a aplicar a regra na prática desde 2008 por meio de medidas provisórias As marchas a Brasília organizadas pelas centrais sindicais em 2004 2005 e 2006 também já tinham contribuído para garantir aumentos maiores do salário mínimo nos anos de 2005 2006 e 2007 antes de a regra negociada com as centrais no fim de 2006 ser implementada Lembrando sempre que no Brasil é grande o contingente de assalariados ou beneficiários da seguridade social que recebem valor igual ou próximo ao salário mínimo15 a literatura empírica identifica dois efeitos principais da valorização do salário mínimo sobre a distribuição da renda O primeiro é o deslocamento de toda a distribuição salarial isto é o salário médio e a participação dos salários na renda da economia também se elevam O segundo é a compressão da distribuição de renda ou seja a redução da diferença entre o salário mínimo e o salário médio da economia Em outras palavras diminui a disparidade salarial a diferença entre quanto ganha o trabalhador mais pobre e quanto ganha em média o conjunto de trabalhadores da economia No que tange às alterações na chamada distribuição funcional da renda que mede o quanto da renda gerada no país fica com os capitalistas sob a forma de lucros e o quanto fica com os trabalhadores sob a forma de salários e outras remunerações do trabalho notase que entre 2001 e 2004 a fatia dos lucros na renda nacional cresceu de forma contínua passando de 452 para 475 A partir daí a participação dos rendimentos do trabalho na renda total aumentou a cada ano à exceção de 2010 passando de 525 em 2004 para 574 em 2013 16 Mas a principal mudança distributiva observada no período pode ser analisada por meio das alterações no grau de disparidade entre as remunerações dos diferentes trabalhadores do mercado formal Diferentemente do Gini para o total da renda que inclui rendimentos financeiros aluguéis e outras formas de renda oriundas do capital o índice de Gini para salários passa por uma redução substancial e contínua nos anos 2000 o que indica queda da desigualdade salarial E essa redução se dá sobretudo na base da distribuição o salário dos 10 mais pobres aumenta em relação ao salário médio ou mediano O papel primordial da valorização do salário mínimo nesse processo é confirmado por diversos estudos econométricos da área Komatsu 2013 por exemplo estima que entre 2007 e 2011 686 da redução da desigualdade salarial entre homens medida pelo índice de Gini deveuse a aumentos do salário mínimo Como se sabe o chamado Milagre econômico do período 196873 da ditadura militar teve taxas mais altas de crescimento do que as do Milagrinho mas acompanhadas pela ampliação das desigualdades Para usar a linguagem da época o bolo cresceu mas não podia ainda ser dividido Maria da Conceição Tavares e José Serra apresentaram um diagnóstico sobre tal modelo de crescimento no artigo Além da estagnação publicado em 197117 No círculo virtuoso descrito pelos autores cresceram setores de bens industrializados mais sofisticados como linha branca automobilística que por sua vez empregavam uma mão de obra relativamente qualificada O crescimento do salário desses trabalhadores aumentava a própria demanda por bens industrializados reforçando o processo Como os salários dessa mão de obra eram maiores que a remuneração média da economia tal processo cumulativo de crescimento ampliou as desigualdades salariais na economia brasileira Em outras palavras a demanda por produtos sofisticados exigia trabalhadores relativamente mais qualificados e elevava os salários desses trabalhadores em relação aos da base da pirâmide A espiral ia portanto do padrão de consumo das famílias para a estrutura produtiva e de emprego da economia e daí para o incremento da desigualdade O mesmo nexo causal pode ser encontrado no período entre 2006 e 2010 Só que dessa vez o crescimento maior trouxe consigo uma redução das desigualdades As transferências de renda via Bolsa Família a valorização mais acelerada do salário mínimo e a inclusão no mercado de consumo de uma parte significativa da população brasileira levaram à expansão de setores cuja produção demandava uma mão de obra menos qualificada É o caso de muitos setores de serviços e da construção civil que cresceram de forma expressiva no período Como esses setores empregam muitos trabalhadores menos instruídos o grau de formalização e os salários na base da pirâmide subiram mais ainda reforçando o processo Ao provocar um aumento mais acelerado dos salários nas ocupações que exigiam menor qualificação tais alterações no padrão de consumo e na estrutura produtiva colaboraram com o círculo virtuoso de dinamismo do mercado interno e do mercado de trabalho que vigorou até 201018 Em resumo o processo de redução de desigualdades no Brasil durante esse período explicase essencialmente por mudanças na base da pirâmide resultado em boa parte das políticas de transferência de renda e de valorização do salário mínimo Essas transformações por sua vez repercutiram no padrão de consumo das famílias brasileiras produtos e serviços antes consumidos apenas pelos mais ricos passaram a ser consumidos também pela população de baixa renda Tais mudanças levaram por exemplo à queda na participação de alimentos e artigos de vestuário no consumo total e ao aumento na participação relativa de habitação transporte saúde higiene serviços e cuidados pessoais O peso de hábitos de consumo que permaneceram restritos aos grupos mais ricos como educação lazer cultura e fumo caiu em relação aos demais Essas evidências podem ser explicadas pela chamada Lei de Engel que postula que o padrão de consumo das famílias se altera de acordo com o crescimento da renda Em particular famílias com menor renda direcionariam uma maior parcela para insumos básicos de sobrevivência como a alimentação ao passo que famílias com renda superior reservariam uma fatia maior para serviços19 Assim conforme o seu nível de renda foi aumentando as famílias da base da pirâmide conseguiram incorporar cada vez mais serviços em sua cesta de consumo Nesse sentido o aumento da participação dos serviços no PIB assim como a redução no peso da indústria20 deveuse em parte às transformações na distribuição de renda e no consumo das famílias na medida em que o maior uso de mão de obra menos qualificada é uma característica dos setores de serviços que cresceram muito nesse período tais como restaurantes e salões de beleza É o caso também da construção civil Se compararmos o aumento dos salários nos setores de baixa produtividade na maior parte serviços com aquele nos setores de alta produtividade na maior parte indústria os primeiros cresceram muito mais ao longo daqueles anos Ou seja a estrutura geral de salários parece ter acompanhado a alteração de padrão de consumo reforçando a redução de desigualdades Quanto maior era a demanda por trabalhadores menos qualificados mais esses trabalhadores ganhavam poder de barganha no mercado de trabalho elevando suas remunerações em relação aos demais Nesse sentido a distribuição de renda na base da pirâmide que experimentamos nos anos 2000 não foi apenas o resultado de políticas mas também da própria dinâmica de crescimento da economia brasileira O crescimento centrado em serviços e construção civil embora não tenha ajudado a promover avanços tecnológicos e ganhos de produtividade para a economia brasileira teve o claro benefício de incluir no mercado de trabalho formal uma mão de obra menos qualificada que o país tem em abundância elevando seu poder de barganha e salários em relação aos dos demais trabalhadores O pilar do acesso ao crédito Não foi só pela renda entretanto que se deu a redução das desigualdades e o estímulo ao consumo nos anos do Milagrinho O país também passou por um processo expressivo de inclusão financeira O saldo acumulado de operações de crédito que representava 255 do PIB em janeiro de 2002 alcançou 492 do PIB em dezembro de 2012 Dentro desse total o saldo da carteira de crédito de pessoas físicas aumentou dez pontos percentuais em relação ao PIB nos últimos dez anos passando de 14 em março de 2007 para mais de 249 em dezembro de 2016 Esse crescimento foi muito mais rápido entre 2003 e 2009 do que no período seguinte que se inicia em 201021 O aumento da carteira de crédito às famílias foi impulsionado inicialmente pelas operações com recursos livres que reúnem todas as linhas de financiamento ao consumo e depois em menor escala pela expansão do chamado crédito direcionado concedido primordialmente pelos bancos públicos para financiamento habitacional e rural Enquanto o crédito livre engloba financiamentos em que os bancos delimitam livremente a taxa de juros o crédito direcionado se dá de forma geral com taxas de juros mais baixas e prazos maiores tal como determinado por políticas públicas Dentro da categoria dos financiamentos pessoais com recursos livres a introdução do crédito consignado22 possibilitou que aposentados servidores públicos e uma parcela de trabalhadores a depender do sindicato a que estavam vinculados obtivessem acesso a crédito com taxas de juros relativamente mais baixas e prazos maiores O comprometimento da renda das famílias com o pagamento dos juros e a amortização do principal o chamado serviço da dívida subiu de cerca de 16 em 2005 para 194 em 201023 Esse aumento no entanto deveuse muito mais ao aumento no número de famílias com acesso ao crédito do que ao endividamento maior de cada família Embora expressivo o aumento do endividamento das famílias no Brasil não pode ser comparado ao processo de endividamento insustentável das famílias norteamericanas que antecedeu a grande crise de 2008 por exemplo No caso norteamericanas que antecedeu a grande crise de 2008 por exemplo No caso dos Estados Unidos as famílias mais pobres que obtiveram acesso a crédito habitacional comprometeram parcela excessiva de sua renda com pagamento de dívidas Enquanto os preços de imóveis subiam as famílias refinanciavam suas dívidas com novas hipotecas A explosão da bolha imobiliária levou ao colapso do sistema Nessas experiências a expansão do crédito funcionou como substituto do crescimento da renda e serviu para sustentar artificialmente a expansão de consumo em meio à estagnação dos salários e ampliação das desigualdades No caso brasileiro a expansão do crédito deuse concomitantemente ao incremento da renda e do emprego A modalidade de crédito consignado em particular fixa a parcela da renda que pode ser destinada ao pagamento de juros e amortizações É uma das formas mais seguras de tomada de empréstimos O acesso maior ao crédito combinado à redução de desigualdades e crescimento do emprego reforçou o dinamismo do consumo das famílias e do mercado interno durante o período do Milagrinho24 O endividamento só passou a ser motivo de preocupação a partir da desaceleração da própria economia A renda menor a perda de empregos e as altas taxas de juros acabaram levando ao aumento do comprometimento da renda das famílias com pagamento de juros e amortizações da dívida agravando a crise econômica na década seguinte O pilar dos investimentos públicos Paralelamente a esse processo de redistribuição de renda com redução da pobreza aumento real do salário mínimo e maior acesso ao crédito o investimento público passou por um período de grande expansão nos anos do Milagrinho tornandose o principal motor de crescimento de nosso mercado interno Como mostra a Tabela 1 entre 2006 e 2010 o investimento do governo central cresceu em média 276 ao ano já descontando a inflação25 Entre 2003 e 2005 por exemplo esses investimentos haviam caído 47 ao ano em média26 No período 19992002 a queda havia sido de 2 ao ano em média Já no período seguinte entre 2011 e 2014 houve expansão anual de 1 em média27 Criada em 2006 a Operação TapaBuracos por exemplo destinou 407 milhões de reais para a manutenção de rodovias federais o que corresponderia a um valor de cerca de 770 milhões aos preços de 2017 Mas a forte expansão dos investimentos do governo federal durante o período do Milagrinho deveuse em boa parte ao Programa de Aceleração do Crescimento PAC lançado em janeiro de 2007 logo após a reeleição de Lula No discurso de lançamento do programa que seria capitaneado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff o presidente explicou seus objetivos queremos continuar crescendo de maneira correta porém de forma mais acelerada Crescer de forma correta é crescer diminuindo as desigualdades entre as pessoas e entre as regiões é crescer distribuindo renda conhecimento e qualidade de vida O Programa de Aceleração do Crescimento engloba um conjunto de medidas destinadas a desonerar e incentivar o investimento privado aumentar o investimento público e aperfeiçoar a política fiscal Em um sinal de que ainda mantinha a preocupação com eventuais reações de analistas econômicos às mudanças mais profundas que estava promovendo Lula completou o mais importante e o lançamento do PAC é uma demonstração disso é que as condições fiscais permitem o aumento do investimento do governo federal sem comprometer a estabilidade O bloco de investimentos previstos no programa para os quatro anos seguintes destinouse sobretudo à infraestrutura física e social28 O PAC ainda sob o trauma do apagão de 2001 priorizava a área da energia 545 do total Em segundo lugar vinha a infraestrutura social e urbana que inclui habitação e saneamento com 339 do total Já os investimentos em infraestrutura logística rodovias aeroportos ferrovias hidrovias portos representavam 116 do total Há vasta evidência empírica de que os investimentos públicos têm grande capacidade de induzir investimentos privados pois dinamizam o mercado interno e recuperam as expectativas das empresas sobre a demanda futura O chamado efeito multiplicador que mede o avanço da renda nacional e a criação de empregos resultante de um aumento em um componente autônomo do gasto costuma ser maior para os investimentos públicos do que para gastos do governo com compras ou pagamento de funcionários por exemplo A razão é simples esses investimentos induzem outros investimentos e geram emprego e renda no conjunto da economia estimulando também um maior consumo das famílias29 No Brasil o estudo econométrico de Manoel Pires30 estimou que para cada real gasto em investimentos públicos ganhase 14 em variação do PIB Tratase de um multiplicador muito maior do que o encontrado para uma redução de um real na carga tributária que só levaria a um aumento de 028 na renda nacional O estudo de Dos Santos et al 2016 também atribuiu papel crucial aos investimentos públicos na determinação do nível de investimentos privados em máquinas e equipamentos no Brasil Tais resultados indicam portanto que em vez de serem substitutos investimentos privados e públicos atuam de forma complementar Esses investimentos também se distinguem de outros gastos públicos porque levam à acumulação de ativos fixos rodovias ferrovias etc que potencialmente aumentam o patrimônio líquido do setor público e geram receitas no futuro para o Estado Justamente por trazerem retornos de longo prazo os investimentos públicos são excluídos da regra fiscal utilizada por diversos países entre os quais o Reino Unido Lá a meta fiscal inclui apenas os países entre os quais o Reino Unido Lá a meta fiscal inclui apenas os chamados gastos correntes compras pagamento de funcionários por exemplo os investimentos ficam de fora Desde 2005 o Brasil admitiu em seu regime fiscal a possibilidade de retirar as despesas com o PAC31 da base do cálculo do resultado primário a meta que o setor público tem de cumprir a cada ano visando manter uma diferença entre o que foi arrecadado e o que foi gasto pelo governo antes do pagamento de juros sobre a dívida pública A alteração também conferiu maior flexibilidade para o remanejamento das despesas dentro do programa Essas mudanças na regra fiscal se somaram à retirada das duas grandes empresas estatais federais a Petrobras e a Eletrobras do resultado primário do setor público em 2009 e 2010 respectivamente no intuito de ampliar o espaço fiscal para a realização de investimentos públicos Ao mesmo tempo a meta de resultado primário foi sendo reduzida32 A redução das economias exigidas do setor público e o próprio crescimento maior das receitas fruto do maior crescimento econômico abriram um espaço fiscal maior que foi ocupado sobretudo por investimentos públicos Enquanto o resultado primário caiu de 37 para 26 do PIB entre 2005 e 2010 a taxa de investimentos do governo federal aumentou em 11 ponto percentual Por conta da redução da meta e do crescimento das receitas o governo nem precisou utilizar a margem criada para retirar os investimentos do PAC da meta fiscal na maior parte dos anos Nas duas primeiras vezes em que se valeu dessa prerrogativa legal em 2009 e 2010 o governo foi acusado por analistas de realizar contabilidade criativa Como veremos adiante isso acabou criando um constrangimento de caráter político para o uso dessas deduções o que contribuiu para reduzir o espaço fiscal para os investimentos públicos nos anos que se seguem Em particular entre 2011 e 2014 o fim do ciclo de expansão dos investimentos públicos em infraestrutura e sua substituição por uma política de redução de impostos concessões e outros estímulos ao setor privado retiraram da economia brasileira um de seus principais motores O desempenho da economia A alta do preço das commodities e os três pilares de crescimento descritos acima distribuição de renda expansão do crédito e investimentos públicos explicam a melhora no desempenho da economia brasileira em relação às duas décadas anteriores O crescimento maior do PIB e de vários de seus componentes é acompanhado de inflação menor dívida pública em queda dívida externa também em queda e acúmulo expressivo de reservas internacionais Quanto ao crescimento do PIB diferentemente do que se costuma argumentar o componente que mais cresceu não foi o consumo das famílias e sim o investimento É verdade que o consumo ocupa uma parcela maior do PIB de modo que expansões do consumo contribuem mais para o seu crescimento do que outros componentes No entanto quando se olha apenas para as taxas de crescimento real dos diversos componentes da demanda vêse que o consumo cresceu menos do que o investimento nesse período33 Quando a economia está operando abaixo do produto potencial ou seja quando há capacidade produtiva ociosa trabalhadores desempregados e capital subutilizado não há contradição alguma entre crescimento maior do consumo e do investimento34 Na verdade o aumento do consumo ou de qualquer outro componente da demanda acaba estimulando o próprio investimento na medida em que a principal variável a afetar a decisão de investir é o nível de atividade econômica Em outras palavras o empresário pensa estou utilizando muito da capacidade que tenho preciso expandir esse potencial comprar mais máquinas e equipamentos aumentar a planta da fábrica para produzir mais e atender a essa nova demanda Teorias como essa parecem explicar muito bem o crescimento econômico brasileiro no período do Milagrinho Os três pilares de crescimento já descritos ajudaram a dinamizar o mercado interno expandindo as vendas das empresas e estimulando as decisões de investimento para atender a essa demanda maior A alta dos preços das commodities reforçou esse processo não só porque aumentou incentivos e recursos disponíveis para investimentos nos próprios aumentou incentivos e recursos disponíveis para investimentos nos próprios setores produtores de commodities com destaque para a Petrobras mas também porque gerou efeitos em cadeia para os setores relacionados fornecedores por exemplo e elevou a própria arrecadação do governo ajudando a criar espaço fiscal para a expansão dos investimentos públicos Segundo as teorias mais convencionais dos manuais de economia quando o salário mínimo cresce mais do que a produtividade do trabalho a economia sofre com maiores taxas de desemprego e maior grau de informalidade Afinal essas teorias sustentam que quanto maior a flexibilidade das leis trabalhistas e menor o custo com a mão de obra maior a geração de empregos O que observamos foi o contrário Dadas as mudanças já descritas no padrão de consumo com peso cada vez maior para os setores de serviços muito intensivos em mão de obra o período do Milagrinho também é marcado por um forte crescimento do emprego e pelo aumento dos níveis de formalização No âmbito fiscal o crescimento maior da economia também fez crescer a arrecadação de impostos ajudando a viabilizar a expansão de investimentos e gastos públicos e ao mesmo tempo o acúmulo de superavits primários a diferença entre a arrecadação e os gastos do governo antes do pagamento de juros da dívida pública O superavit primário se mantém em média em 34 do PIB nos anos 20058 o mesmo patamar que vigorou entre 2002 e 2004 período que antecede a expansão de investimentos A situação fiscal se deteriora somente com o advento da crise de 20089 quando o superavit primário cai para 19 do PIB Em 2010 ano em que a economia brasileira cresceu 75 em termos reais o superavit primário voltou a ser de 26 Consequentemente a dívida pública líquida que desconta os ativos do governo tais como as reservas internacionais do passivo total do setor público caiu de 624 do PIB em setembro de 2002 para 37 do PIB em novembro de 2008 Após a crise a razão dívida líquida PIB chega a subir para 416 mas volta a cair continuamente até atingir o patamar mínimo de 30 em janeiro de 2014 O perfil da dívida também melhorou sobretudo com o aumento do prazo médio de vencimento dos títulos públicos e a redução da parcela de dívida externa em moeda estrangeira em relação à interna em reais A alta das commodities e a volta dos fluxos de capitais permitiram que o governo pagasse em sua totalidade os empréstimos junto ao FMI no fim de 2005 Logo depois passou a acumular vultosas reservas internacionais cujo saldo total foi de 55 bilhões de dólares ao final de 2005 para 207 bilhões de dólares ao fim de 2007 O resultado é que a relação entre dívida externa de curto prazo e reservas internacionais que chegou a ser de 90 durante a crise cambial de 1999 caiu para cerca de 20 em 2008 O país ficou portanto muito menos vulnerável a mudanças no cenário externo e na taxa de câmbio Ao contrário do que ocorreu em 1999 desvalorizações bruscas do real altas do dólar passaram a ter efeito líquido negativo sobre a dívida soberana brasileira elas aumentaram o valor das nossas reservas o que diante da quase inexistência de dívida externa reduziu muito a dívida líquida do governo Essa mudança ajudou a impedir que a crise de 20089 se transformasse em uma crise cambial Embora os juros no Brasil tenham se mantido entre os mais elevados do mundo o período do Milagrinho também foi caracterizado por uma redução gradual da taxa de juros básica da economia a Selic entre agosto de 2005 e setembro de 2007 Após esse período a Selic se mantém relativamente estável O controle da inflação no período35 foi facilitado pelo dólar baixo que barateia insumos importados e impede o reajuste maior de preços nos setores que sofrem concorrência internacional Ou seja a valorização das commodities também trouxe como consequência o controle da inflação já que provocou a entrada de capital estrangeiro valorizando o real em relação ao dólar O valor do dólar comercial caiu de 292 reais em média em 2004 para 176 reais em 2010 O principal calcanhar de Aquiles entre os indicadores econômicos do período é a deterioração da balança comercial que mede a diferença entre exportações e importações do país Apesar da alta no preço dos produtos que mais exportamos o Brasil passou de um superavit na balança comercial de mais de 45 bilhões de dólares acumulados em 2006 para 1854 bilhões de dólares em 2010 A queda se deve ao fato de que o crescimento maior traz consigo importações também maiores processo agravado pelo dólar mais baixo que barateia produtos importados Este e outros obstáculos que se apresentavam para a continuidade do processo de crescimento dos anos do Milagrinho serão analisados mais profundamente nas últimas seções deste capítulo Tsunami ou marolinha A crise de 2008 A crise de 20089 chega ao Brasil com efeitos similares aos que atingiram outros países emergentes contração do crédito queda no preço das commodities e com a forte saída de capitais estrangeiros desvalorização do real em relação ao dólar O resultado foi uma contração substancial da demanda doméstica e dois trimestres consecutivos de queda do PIB Naquela ocasião o presidente Lula foi à TV para tranquilizar e convencer a maioria dos brasileiros de que o Brasil podia superar a crise tinha vultosas reservas internacionais contava com a força do mercado interno e o comando do governo Após anunciar diversas medidas de estímulo à economia Lula garantiu que os investimentos governamentais não seriam cortados e pediu a colaboração de todos os empresários deveriam seguir investindo e as famílias não poderiam ter medo de consumir Se você não comprar o comércio não vende e aí a fábrica produzirá menos explicou Dois trimestres de queda no PIB dificilmente se encaixam na categoria de marolinha o termo usado pelo presidente para descrever a crise No entanto é verdade que já no segundo trimestre de 2009 a economia voltou a crescer 23 mantendo um crescimento superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE até meados de 2011 Parte desse desempenho se deve às políticas que já vinham sendo implementadas antes da crise Ao honrar o aumento planejado nas transferências sociais no salário mínimo e nos investimentos do PAC e da Petrobras o governo evitou uma queda ainda maior da demanda doméstica Mas assim como outros países o Brasil adotou um conjunto de medidas temporárias para conferir liquidez ao sistema financeiro e evitar uma contração maior do crédito O Banco Central reduziu o chamado compulsório a fração dos depósitos bancários que os bancos são obrigados a manter em reservas junto à autoridade monetária Abriuse também uma linha de crédito no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES para a oferta de crédito de curto prazo Os bancos públicos Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil também expandiram suas linhas de crédito com juros subsidiados Entre setembro de 2008 e julho de 2009 os bancos públicos aumentaram a oferta de crédito em 33 Em meio à fuga de capitais estrangeiros e à alta do dólar o Brasil demorou mais do que outros países para reduzir a taxa básica de juros iniciando a queda da Selic apenas em 2009 Já no âmbito fiscal as medidas temporárias incluíram uma política de desonerações tributárias que começou com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI para automóveis em 2008 e acabou sendo estendida em 2009 para outros bens de consumo duráveis linha branca móveis materiais de construção bens de capital e alguns alimentos Além disso as transferências do governo federal para estados e municípios foram mantidas em 2009 ao mesmo nível de 2008 apesar da queda na arrecadação federal O governo federal também aumentou sua participação em investimentos em parceria com outros entes federativos Sem essas iniciativas as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal LRF teriam forçado uma contração de gastos e investimentos estaduais e municipais em meio à crise o que agravaria o cenário Ainda no âmbito fiscal o governo ampliou a duração e o valor do seguro desemprego Este que era pago pelo período de três a cinco meses a depender do tempo de serviço do desempregado passou a ser concedido por dois meses adicionais Segundo dados do Ministério do Trabalho 3202 mil trabalhadores dos dez setores selecionados metalurgia mecânica alimentos e bebidas material elétrico material de transporte madeira e mobiliário química têxtil extrativa mineral e borracha fumo e couro deram entrada no benefício36 Duas medidas nascidas no póscrise de 2008 têm caráter mais estrutural pois são permanentes A primeira foi a criação de duas novas faixas de tributação no Imposto de Renda da Pessoa Física IRPF com alíquotas menores para a chamada classe média baixa37 A segunda foi o Programa Minha Casa Minha Vida lançado em março de 2009 O programa que foi ampliado nos anos seguintes financia a construção de moradias populares subsidia a entrada e as taxas de juros cobradas de famílias de baixa renda no crédito imobiliário reduz impostos e cria uma linha de financiamento para o investimento residencial em áreas urbanas Embora tais medidas tenham evitado o colapso do sistema financeiro e da Embora tais medidas tenham evitado o colapso do sistema financeiro e da oferta de crédito e a queda dos investimentos públicos em meio à crise a recuperação rápida da economia brasileira só foi possível graças ao modelo de crescimento que já estava em vigor A força do mercado interno o ciclo de investimentos privados e a menor vulnerabilidade externa tornaram a economia mais resistente a um choque que em outros tempos teria tido impacto muito mais profundo e duradouro Sem que houvesse um grande número de empresários querendo investir para atender a uma demanda que vinha crescendo de nada adiantaria evitar a contração do crédito E sem o acúmulo de reservas internacionais a fuga de capitais poderia ter nos levado às crises cambiais do passado Algumas interpretações atribuem à implementação de medidas de resposta à crise de 2008 a responsabilidade pelo abandono do que consideram a boa política econômica qual seja a que vigorou a partir de meados dos anos 1990 e durante o primeiro governo Lula Em artigo na revista piauí de outubro de 2017 o economista Marcos Lisboa afirmou que o problema foi que o governo confundiu medidas temporárias necessárias para enfrentar a recessão com intervenções setoriais de longo prazo Esse erro não foi cometido pelos demais países emergentes que passaram a crescer bem mais do que o Brasil depois de 201138 Como vimos boa parte das medidas de combate à crise foi destinada a garantir a manutenção dos pilares de política econômica que já estavam em vigor tais como a expansão dos investimentos públicos e do crédito a famílias e os programas de redistribuição de renda Ou seja a política econômica pré2008 já contava com um papel mais ativo do Estado no estímulo ao mercado interno o que explica a própria aceleração do consumo e do investimento a partir de 2006 A criação de novas faixas de imposto de renda e do Programa Minha Casa Minha Vida as duas medidas póscrise que se tornaram permanentes dificilmente se encaixa na categoria das intervenções setoriais mencionadas por Lisboa A crítica do economista provavelmente se destina às políticas de desoneração tributária e de expansão do crédito concedido a empresas via BNDES Em ambos os casos é verdade que as medidas foram mantidas e até ampliadas após a crise sobretudo a partir do primeiro governo de Dilma Rousseff Mas como veremos não há apenas uma mudança no contexto econômico há Mas como veremos não há apenas uma mudança no contexto econômico há também um deslocamento nos objetivos na amplitude e no volume de recursos destinados a essas políticas a partir de 2011 As mudanças que marcaram o primeiro governo Dilma tampouco se resumem a um papel maior e distinto para esses incentivos vários elementos da política econômica do período do Milagrinho foram abandonados e outros eixos passaram a nortear a estratégia de desenvolvimento Em 2006 o Estado tornouse mais ativo no estímulo direto ao mercado interno por meio da expansão dos investimentos públicos Em 2011 essa atuação deu lugar a uma estratégia baseada nos incentivos ao setor privado tanto via política fiscal quanto via política monetária e creditícia Ainda que algumas mudanças tenham acontecido pelo caminho quando se toma como referência a política econômica em seu conjunto a crise de 2008 dificilmente aparece como um divisor de águas Colapso anunciado Em retrospecto dada a desaceleração da economia iniciada em 2011 e a crise em que o país mergulhou a partir de 2015 é tentador avaliar o Milagrinho como um fenômeno que já estaria condenado de antemão ao fracasso e ao esgotamento Alguns analistas consideram que os anos de maior crescimento seriam fruto das condições micro e macroeconômicas criadas durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo Lula Outros avaliam que o crescimento dos anos 2000 foi inteiramente explicado pelo boom das commodities que inevitavelmente chegaria ao fim Uma terceira visão atribui a insustentabilidade do modelo à suposta centralidade do consumo e do crédito que só poderiam funcionar como motor da economia no curto prazo A tese de que o crescimento mais acelerado nos anos do Milagrinho foi o resultado das reformas liberalizantes dos anos 1990 e da implementação da boa ortodoxia econômica até 2006 ou até 2008 na visão de alguns39 carece de sustentação empírica mas tampouco é de fácil refutação Tratase de um argumento com temporalidades e relações de causaefeito um tanto quanto difusas A tese não explica por exemplo por que a mudança da política econômica em direção a um modelo considerado equivocado teria sido sucedida por um ritmo mais acelerado de crescimento que culminou em uma expansão de 75 da economia em 2010 para só então fracassar levandonos primeiro a uma desaceleração e somente em 2015 à segunda maior recessão de nossa história Em outras palavras quanto tempo o modelo econômico considerado correto levaria para gerar resultados favoráveis E quanto tempo o modelo considerado equivocado levaria para dar errado A resposta a essas perguntas parece ser dada sempre a posteriori a partir da observação do desempenho passado da economia deixando o ônus da prova para os que tentam contestar a tese Como vimos o crescimento só passou a ser liderado pelo mercado interno a partir de 2006 Em 2004 e 2005 o crescimento foi liderado por um boom de exportações que dificilmente pode ser atribuído à política econômica interna Já entre 2006 e 2010 não se pode ignorar o efeito da valorização mais acelerada do salário mínimo da universalização de programas de transferência de renda da expansão do acesso a crédito e dos investimentos públicos sobre o crescimento econômico e o dinamismo do mercado de trabalho Sendo assim uma coisa é dizer que a estabilização da inflação foi condição necessária para uma retomada do crescimento Disso poucos discordariam Outra coisa é afirmar que a adoção do tripé macroeconômico as privatizações e demais políticas implementadas desde 1994 foram as principais responsáveis por gerar um crescimento mais acelerado uma década depois Como as teorias que fundamentam essa abordagem são compatíveis com um crescimento simultâneo do consumo das famílias e dos investimentos privados durante os anos 2000 bem como com a combinação de salário mínimo maior queda na desigualdade salarial e geração de empregos formais no mercado de trabalho Reconhecer o papel da distribuição de renda dos investimentos públicos e da expansão do crédito no crescimento maior observado a partir de 2006 não implica acreditar que aquele processo poderia durar para sempre ou que estava livre de limites e desafios Sua continuidade bem como sua compatibilidade com o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas e das contas externas até então facilitada pelo contexto internacional favorável dependiam da implementação de políticas que ajudassem a superar os obstáculos que serão examinados a seguir Desequilíbrio externo e estrutura produtiva Um primeiro limite desse processo de crescimento que assumiu um papel central no debate da época relacionase à baixa competitividade e à consequente fragilidade do setor industrial brasileiro Ao contrário do que ocorreu nos anos do Milagre econômico a indústria não foi protagonista do Milagrinho marcado sobretudo como se viu pelo dinamismo dos setores de serviços A fragilidade da indústria tornouse mais clara após a crise de 20089 quando começou a haver um descolamento cada vez maior entre comércio varejista que volta a crescer ao ritmo do précrise e produção industrial que por sua vez cresceu muito mais lentamente Se o comércio cresce e a indústria não é porque os produtos comprados estão sendo produzidos em outro lugar De fato o total de importações do país cresceu 1034 no acumulado entre o fim de 2005 e o fim de 2010 em termos reais Ou seja aquela dinâmica de crescimento do consumo e do investimento estava em boa parte vazando para fora do país A demanda maior no mercado interno por produtos industriais estava sendo atendida em grande medida por produtos vindos de fora Uma das explicações para isso é a própria valorização do real no período posto que o dólar baixo barateia os produtos importados Além de estimular as importações o real valorizado relativamente ao dólar desestimula as exportações do país já que encarece produtos nacionais Esse processo contínuo de apreciação prejudica o desenvolvimento de novos setores industriais e impede uma maior diversificação de nossa estrutura produtiva além de gerar desequilíbrios comerciais Por outro lado desvalorizações do real têm péssimas consequências imediatas Em quase todos os anos em que o real se desvalorizou desde o início do regime de metas de inflação em 1999 a taxa de inflação atingiu ou superou o teto da meta As razões do fenômeno são duas A primeira é que o aumento do custo com insumos importados é repassado para outros preços da economia A segunda é que ao tornar mais baratos os produtos nacionais em relação aos estrangeiros a desvalorização dá uma oportunidade para a elevação de preços sem a perda de competitividade Com a inflação mais alta os salários perdem poder de compra desacelerando o consumo das famílias Além disso a desvalorização também eleva dívidas em dólar de empresas e encarece máquinas e equipamentos importados com possíveis repercussões negativas sobre o investimento Mas se desvalorizar é péssimo sobrevalorizar também é Quando o real está muito apreciado os produtos nacionais ficam mais caros em relação aos estrangeiros e a indústria doméstica perde participação no mercado externo o que reduz as exportações do país e no mercado interno pela compra maior de importados Além do risco de que tal acúmulo de deficits comerciais possa levar a crises de balanço de pagamentos o desmantelamento das cadeias industriais nacionais prejudica a trajetória de crescimento da economia no longo prazo Não parece razoável supor que desvalorizar o real seria suficiente para que essas novas indústrias surgissem a alta especialização e a decadência da indústria brasileira datam da liberalização comercial iniciada no final dos anos 1980 e foram aprofundadas em meados dos anos 199040 mas tampouco é verdade que o dólar baixo vem sem custos no longo prazo A sobreapreciação do real inviabilizou mudanças mais profundas na estrutura produtiva do país Por essa e por outras razões o Brasil não tinha no contexto do Milagrinho a estrutura produtiva necessária para atender à nova demanda criada não só por serviços mas também por produtos industriais que não produzíamos O dólar poderia estar nas alturas mas ainda assim o país importaria cada vez mais smartphones e computadores por exemplo A política de conteúdo local dispositivo estabelecido em 2003 para exigir maior participação da indústria nacional nos projetos de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural não contribuiu quase nada para evitar esse desequilíbrio A lição a ser tirada é que um processo de crescimento com dinamismo do mercado interno exige uma política industrial voltada para a diversificação da estrutura produtiva A capacidade de oferta da economia deve acompanhar o dinamismo da demanda impedindo o acúmulo de desequilíbrios comerciais e a crise de balanço de pagamentos Além disso setores de maior complexidade e sofisticação tecnológica na indústria e cada vez mais nos serviços vinculados às novas tecnologias de informação e comunicação por exemplo tendem a gerar empregos de maior qualidade Embora o Brasil conte com uma enorme abundância de mão de obra de baixa qualificação que tem de ser absorvida no mercado formal de trabalho de baixa qualificação que tem de ser absorvida no mercado formal de trabalho para que o processo de crescimento econômico seja inclusivo no curto prazo um modelo de crescimento sustentável também deve preocuparse com qualificar a mão de obra disponível e desenvolver os setores que empreguem esses trabalhadores de maior qualificação Somente uma política tecnológica voltada para o desenvolvimento de setores estratégicos na indústria e nos serviços poderia dar sustentação ao dinamismo do mercado interno e do mercado de trabalho no longo prazo Inflação de serviços Um segundo limite importante que marca o modelo de crescimento com distribuição de renda é o seu caráter inflacionário Os setores de serviços que mais cresceram nesse período têm duas peculiaridades Primeiro são setores muito intensivos em trabalho cujo principal custo é a contratação de mão de obra Além disso em sua maior parte não sofrem tanta concorrência internacional e podem portanto repassar os aumentos de custos de mão de obra para os preços sem perder mercado Essas duas características fizeram com que os salários cada vez maiores que marcaram o processo de redistribuição de renda do Milagrinho tenham se transformado em inflação de serviços41 Ao longo de todo esse período os preços dos serviços cresceram acima dos demais preços que compõem o Índice de Preços ao Consumidor Amplo IPCA que é o índice utilizado para fixar as metas de inflação Em particular os preços nos setores de alimentação fora de casa restaurantes e serviços pessoais lavanderias cabeleireiros tratamentos de beleza entre outros cresceram a um ritmo próximo do dobro do IPCA durante a segunda metade dos anos 200042 Esse tipo de inflação causado por ganhos salariais de certas categorias de trabalhadores foi sentido sobretudo pelos trabalhadores cujos salários cresciam menos aqueles que se encontravam no meio da pirâmide Não à toa são essas as classes sociais que começam a queixarse do encarecimento do trabalho doméstico dos cabeleireiros da construção civil Nesse sentido o descontentamento dessas classes e a participação delas nos protestos de junho de 2013 e nas manifestações em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016 têm bases materiais Ainda que todas as classes tenham se beneficiado do processo de crescimento dos anos 2000 sua posição relativa mudou Em alguma medida o que era inflação para uns foi ganho de renda para outros O crescimento dos setores de serviços de baixa sofisticação tecnológica intensivos em trabalho e marcados por menores ganhos de produtividade contribuiu para acirrar conflitos distributivos Quando a disputa entre trabalhadores e empresários pela participação na renda total aumenta abrese trabalhadores e empresários pela participação na renda total aumenta abrese uma espiral inflacionária de reajustes de salários e preços Apesar da aceleração na inflação de serviços e do crescimento maior da economia a meta de inflação foi cumprida em todos os anos do período 2006 10 Isso só foi possível graças à apreciação do real o dólar baixo ajudou a manter controlados os outros preços da economia pois manteve os insumos importados mais baratos e ao mesmo tempo inibiu o reajuste maior de preços nos setores que sofrem maior concorrência internacional e já estavam perdendo competitividade Foi portanto o ciclo de alta das commodities e o cenário externo favorável que ao trazer capital estrangeiro para o país e valorizar o real possibilitaram que houvesse crescimento acelerado de salários sem a perda de controle da inflação A dependência do cenário externo favorável e da apreciação do real para o cumprimento da meta de inflação não se restringe a esse período Desde a implementação do regime de metas de inflação em 1999 em quase todos os anos em que houve desvalorização cambial a inflação atingiu ou ultrapassou o teto da meta Já nos anos em que o dólar caiu a meta em geral foi cumprida Ou seja só foi possível fazer um processo de distribuição de renda com salários crescentes na base da pirâmide sem perder o controle da inflação graças ao contexto internacional favorável que manteve o dólar baixo A reversão nesse quadro foi suficiente para que a inflação atingisse o teto da meta já em 2011 quando se encerrou o ciclo de alta das commodities O problema é que como vimos o mesmo dólar baixo que ajudou a controlar a inflação teve o efeito colateral de agravar desequilíbrios na balança comercial pois estimulou importações e desestimulou exportações Uma forma mais desejável de compatibilizar crescimento de salários e estabilidade de preços é aliviar o conflito distributivo entre trabalhadores e capitalistas por meio de um crescimento maior da produtividade do trabalho Em outras palavras deixar crescer os salários pode não elevar o custo com a mão de obra se menos trabalhadores ou menos horas de trabalho forem necessários para produzir uma mesma unidade do produto É verdade que a produtividade do trabalho responde ao próprio crescimento econômico devido à existência da chamada Lei de KaldorVerdoorn Quando se atende uma demanda maior é possível aproveitar as chamadas economias de escala em muitas indústrias se a quantidade produzida aumenta os recursos são mais bem utilizados e cada trabalhador acaba produzindo uma quantidade maior mais bem utilizados e cada trabalhador acaba produzindo uma quantidade maior Os investimentos em novas máquinas e equipamentos induzidos pelo próprio crescimento econômico também elevam a produtividade pois máquinas novas costumam incorporar tecnologias mais avançadas Tais ganhos de produtividade devem porém ser reforçados pelas políticas tecnológica e educacional além dos investimentos na melhoria da infraestrutura do país O crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho tem o benefício adicional de impedir que a oferta de trabalho se torne uma restrição ao crescimento Em 2010 já estávamos muito próximos do pleno emprego em diversas ocupações o que exigia que a mão de obra disponível se tornasse mais produtiva para a continuidade do processo de crescimento da economia Além disso o alívio do conflito distributivo e das pressões inflacionárias pode se dar por meio de melhorias nos serviços públicos O transporte público melhor e mais barato ou a saúde pública de qualidade por exemplo elevam o poder de compra dos trabalhadores sem a necessidade de aumentar tanto os salários nominais O mesmo vale para a oferta de moradia Nem toda inclusão precisa se dar via renda as desigualdades também são combatidas quando a população tem acesso a melhores serviços públicos Essas não foram no entanto as vias escolhidas O controle da inflação quando o cenário externo mudou baseouse por exemplo no represamento de tarifas de energia elétrica e em outros preços administrados que como veremos acabou gerando prejuízos para diversos setores da economia Concentração de renda no topo Um terceiro limite no modelo de crescimento do Milagrinho está associado à própria forma de distribuir renda Embora as desigualdades salariais tenham caído de forma substantiva graças à política de valorização do salário mínimo e ao crescimento dos setores de serviços o ritmo de redução dessas disparidades já vinha diminuindo nos últimos anos do período Por outro lado o Milagrinho não contou com a ajuda da redistribuição de renda do topo da pirâmide para o meio ou para a base Ao complementar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD do IBGE com informações de declarações de Imposto de Renda obtidas na Receita Federal os estudos dos pesquisadores Medeiros et al 2015 e Morgan 2017 mostram que a redução da desigualdade de renda foi menor do que se pensava durante esse período Combinando dados tributários que tendem a subestimar menos a renda dos mais ricos do que as pesquisas amostrais com os dados da PNAD que capta melhor a renda dos mais pobres os pesquisadores concluíram que não houve queda na parcela da renda apropriada pelo 1 mais rico no Brasil ao longo dos anos 2000 O estudo de Morgan mostra por exemplo que nos cinco anos que antecederam a crise financeira internacional de 20078 o 01 mais rico da população se apropriou de 68 do crescimento da renda nacional Embora o foco do trabalho de Morgan seja a distribuição da renda prétributação sabemos que o nosso sistema tributário altamente regressivo não corrige o problema ao contrário a alta parcela da renda dos mais ricos que é isenta de Imposto de Renda nos deixa ainda mais distantes de países com uma distribuição mais igualitária Em outras palavras ainda que os salários tenham ficado menos concentrados nos anos 2000 graças ao crescimento acelerado dos rendimentos de trabalhadores da base da pirâmide fruto da valorização do salário mínimo e do crescimento de setores muito intensivos em mão de obra menos qualificada a renda do capital cresceu ainda mais e se manteve altamente concentrada na mão dos mais ricos Os dados de Morgan sugerem que enquanto os 50 mais pobres aumentaram sua participação na renda total de 11 para 12 entre 2001 e 2015 os 1 mais ricos subiram a sua parcela de 25 para 28 Mais uma vez fica claro que quem perdeu com o processo de crescimento do período foi o meio da pirâmide os 40 intermediários reduziram sua participação na renda de 34 para 32 naqueles anos Tal processo foi chamado por Morgan de squeezed middle ou miolo espremido É importante ressaltar que esse miolo da distribuição de renda no Brasil tem padrão de vida muito inferior à classe média de países ricos Os dados de Morgan mostram que enquanto o 1 mais rico no Brasil possui rendimento maior do que o 1 na França por exemplo a renda média dos 90 mais pobres no Brasil equivale à dos 20 mais pobres na França Em termos comparados a nossa classe média é na verdade pobre Mais uma vez fica claro que havia razões econômicas suficientes para a insatisfação cada vez maior dos setores do meio da pirâmide que acabaram se unindo aos protestos de junho de 2013 e a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016 As elites por sua vez tinham poucos motivos para reclamar O trabalho de Medeiros et al 2015 realizado para os anos 200612 sugere que o crescimento da renda do capital foi o grande responsável pela resiliência da desigualdade no período não por causa do aumento dos lucros das empresas e sim pelos altos ganhos de capital obtidos sobre a riqueza acumulada Essa medida capta por exemplo a forte alta nos preços dos imóveis e de ativos financeiros que marcou aqueles anos O comunicado nº 92 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea intitulado Equidade fiscal no Brasil impactos distributivos da tributação e do gasto social mostra a partir de dados da PNAD e da Pesquisa de Orçamentos Familiares POF de 20023 e 20089 que o caráter progressivo redutor de desigualdades do gasto social sobretudo das despesas com educação saúde previdência e assistência social foi compensado pelo caráter regressivo gerador de desigualdades do sistema tributário brasileiro O estudo sugere ainda que embora o caráter regressivo da tributação tenha se mantido ao longo dos anos o gasto social aumentou seu impacto sobre a desigualdade entre 2003 e 2009 O conjunto dos benefícios previdenciários e transferências auxílios bolsas O conjunto dos benefícios previdenciários e transferências auxílios bolsas segurodesemprego etc foi responsável por reduzir o índice de Gini que mede a desigualdade de renda em 77 em 2009 ante um efeito de redução de 43 em 2003 Os gastos com saúde e educação públicas que já haviam sido responsáveis por reduzir em 134 a desigualdade em 2003 ampliaram seu efeito para 171 em 2009 A tributação indireta sobre consumo e produção ICMS IPI PIS Cofins e Cide por sua vez foi responsável por aumentar a desigualdade de renda Gini em 47 em 2009 ante efeito quase igual em 2003 de 46 O caráter regressivo desse tipo de tributação que responde pela maior parte da arrecadação de impostos no Brasil mais do que compensa o efeito progressivo dos impostos diretos Imposto de Renda contribuições previdenciárias IPTU IPVA e outros que pelas alíquotas demasiadamente baixas e as isenções concedidas reduziram a desigualdade em apenas 26 em 2009 e 19 em 2003 O aprofundamento do processo de redistribuição de renda no Brasil só seria possível portanto com uma reforma tributária progressiva que taxasse menos o consumo e a produção e mais a renda e o patrimônio As altas taxas de juros e a própria expansão do crédito no longo prazo também atuam como vetores de concentração de renda já que as famílias que obtiveram acesso a crédito pagam juros sobre a dívida contraída e transferem esses valores para o setor financeiro da economia Reduzir a taxa de juros no mercado de crédito exigia atacar problemas mais estruturais como o baixo grau de concorrência que caracteriza o setor bancário brasileiro e a própria dificuldade de reduzir a taxa de juros básica da economia para padrões internacionais sem levar a uma desvalorização do real e aceleração da inflação A taxa de juros básica não apenas funciona como um piso para as taxas de juros que os bancos cobram sobre as operações de crédito como afeta os juros que incidem sobre os títulos da dívida pública de modo que a dificuldade em reduzila contribui para que o Estado transfira renda para os detentores de riqueza financeira Cabe ressaltar que a redução do estoque de dívida pública em relação ao PIB e a redução gradual da taxa básica de juros a Selic durante os anos do Milagrinho contribuíram para reduzir o peso do pagamento de juros líquidos pelo governo de 73 do PIB em 2005 para 5 do PIB em 2010 Dentro desse total a parcela referente aos juros reais pagos sobre a dívida pública43 caiu de 5 em 2005 para 12 do PIB em 2010 Ainda assim é um patamar que representa mais do que o triplo do orçamento do Programa Bolsa Família44 por exemplo Considerando que os títulos da dívida pública estão concentrados sobretudo na mão dos mais ricos o alto pagamento de juros sobre esses títulos ainda contribuía para manter elevada a parcela da renda do 1 mais rico da população Em suma a maior arrecadação tributária e o menor grau de restrição externa facilitados pelo boom de commodities contribuíram para criar o espaço necessário para uma redistribuição de renda feita na margem A superação desses limites exigia encarar de frente os conflitos mais acirrados de modo a conferir maior solidez aos pilares do modelo Infelizmente o caminho escolhido a partir de 2011 embora tenha partido do enfrentamento de alguns desses conflitos acabou levando também à substituição de alguns eixos importantes da política econômica do Milagrinho por um conjunto de medidas ineficazes 2 A Agenda Fiesp um passo ao lado Diante da falta de competitividade da indústria nacional e dos desequilíbrios externos que surgiam muitos economistas45 e autores passaram a defender uma mudança de modelo econômico no Brasil Em vez do estímulo ao mercado interno por meio dos pilares já elencados o país precisaria de um modelo de crescimento centrado no desenvolvimento industrial nos moldes asiáticos com mais destaque para as exportações A primeira precondição para iniciar tal processo de crescimento seria dar fim ao real excessivamente valorizado que impedia que até mesmo setores com domínio pleno da tecnologia competissem no mercado internacional O outro obstáculo enfrentado pela indústria brasileira que como se verá está associado ao primeiro seriam as altas taxas de juros A estratégia para um crescimento dessa natureza começaria portanto por estes dois elementos a redução de juros e a desvalorização do real46 Na realidade a redução dos juros por si mesma conduziria à desvalorização do real já que os juros altos demais eram em parte responsáveis pela sobreapreciação do real em relação ao dólar quanto mais baixos os juros menor a capacidade do país de atrair capital especulativo de fora menor a entrada de dólares no país e maior a valorização do dólar relativamente ao real Da mesma maneira os juros mais altos no Brasil do que nos demais países atraíam investidores estrangeiros que buscavam retorno elevado sobre títulos públicos por exemplo o que contribuía para aumentar a oferta de dólares e a demanda por reais no país reduzindo assim o preço do dólar em reais A redução da taxa de juros teria o efeito contrário O problema é que como já descrito no capítulo 1 o dólar baixo era também o que mantinha a inflação sob controle dada a inflação de serviços que acompanhava o crescimento de salários Em 2010 quando a economia brasileira cresceu 75 muitos temiam um superaquecimento e uma eventual disparada da inflação Nesse contexto a defesa da redução de juros e da desvalorização do real veio Nesse contexto a defesa da redução de juros e da desvalorização do real veio associada à defesa de um ajuste fiscal que ajudasse a controlar a demanda doméstica e os preços Em outras palavras a mudança envolveria substituir uma política fiscal expansionista crescimento de gastos e investimentos públicos e uma política monetária contracionista juros altos por uma política fiscal contracionista cortes de gastos e investimentos públicos e uma política monetária mais frouxa juros mais baixos que facilitasse a desvalorização da moeda Supostamente com o real mais desvalorizado relativamente ao dólar os produtos nacionais custariam menos que os concorrentes estrangeiros o que estimularia exportações desestimularia importações e consequentemente aumentaria os investimentos privados Ao invés do mercado interno e do consumo o centro do modelo seria o melhor aproveitamento do mercado externo e os investimentos Em 2011 ano em que Dilma Rousseff assume a presidência da República essa agenda já contava com o apoio de diversos representantes do setor industrial A própria presidente Dilma formada em economia em uma escola com tradição industrialista convenceuse da estratégia e optou por colocála em prática No dia 26 de maio de 2011 um artigo47 publicado no jornal Folha de S Paulo e assinado pelo presidente da Fiesp Paulo Skaf o presidente da Central Única dos Trabalhadores CUT Artur Henrique e o presidente da Força Sindical Paulo Pereira da Silva o Paulinho anunciava a realização de um seminário reunindo representantes de trabalhadores e empresários que inauguraria um pacto em torno de um projeto industrializante para o país O texto intitulado Um acordo pela indústria brasileira começa reafirmando a importância dos pilares de crescimento do Milagrinho o estímulo ao mercado interno por meio da valorização do salário mínimo e da universalização do Bolsa Família a ampliação da disponibilidade de crédito e os investimentos públicos são evocados como uma acertada decisão No entanto o precoce encolhimento da participação da indústria no nosso PIB o deficit comercial do setor de manufaturados a crescente reprimarização da pauta de exportação e a substituição da produção doméstica por produtos e insumos industriais importados acendiam segundo os autores uma luz amarela para a indústria brasileira Dois dias antes da publicação do artigo os três dirigentes anunciaram a intenção de enviar à presidente Dilma Rousseff um conjunto de propostas para o desenvolvimento da indústria Em entrevista à imprensa o presidente da Fiesp foi claro sobre a natureza dessas propostas É fundamental que haja imediatamente redução de juros desoneração da folha de pagamento e outras medidas que possam compensar esse roubo de competitividade que estamos tendo com o real sobrevalorizado Embora como se verá adiante todas essas demandas tenham sido atendidas o maior dinamismo da indústria não veio A produção industrial em volume que havia crescido 27 em 2010 caiu 09 em 2011 e 37 em 2012 O nível de utilização da capacidade instalada do setor industrial divulgado pela Confederação Nacional da Indústria que chegou a ser de 85 em 2010 fechou 2011 e 2012 em 80 Em entrevista ao jornal Valor Econômico em dezembro de 201248 o então secretário de Política Econômica Márcio Holland atribuiu o baixo crescimento da economia no ano de 2012 ao que seria uma fase de transição do país o que chamou de Nova Matriz Econômica De acordo com Holland essa matriz combina juro baixo taxa de câmbio competitiva e uma consolidação fiscal amigável ao investimento o que junto com uma intensa desoneração dos investimentos e da produção garantiria a retomada do crescimento O termo criado por Holland passou a ser utilizado por economistas liberais para denominar o modelo de política econômica do primeiro governo Dilma que muitas vezes é associado erroneamente aos ideais da esquerda Como essas políticas foram referendadas por associações patronais que posteriormente abandonaram o barco e apoiaram o impeachment da presidente optamos aqui por chamar o modelo econômico adotado em 2011 e aprofundado nos três anos seguintes de Agenda Fiesp Essa agenda envolveu a redução de juros a desvalorização do real a contenção de gastos e investimentos públicos e uma política de desonerações tributárias cada vez mais ampla além da expansão do crédito do BNDES e o represamento das tarifas de energia Podese dizer com segurança que os resultados de sua adoção foram desastrosos A desaceleração da economia e a deterioração fiscal que se seguiram acabaram criando as condições para uma segunda mudança de modelo a partir de 2015 desta vez levando ao abandono do pouco que havia sobrado dos pilares de crescimento do Milagrinho Juros câmbio e inflação Em janeiro de 2011 quando é iniciado o primeiro mandato de Dilma Rousseff a ata do Copom já sugeria que a geração de superavits primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções ajudaria no combate à inflação Nas quatro atas seguintes o Copom saudou o processo de consolidação fiscal implementado desde o início daquele ano mas continuou elevando a taxa de juros Foi só quando o governo anunciou em agosto uma contenção extra de gastos de 10 bilhões de reais o que elevou a previsão de superavit primário de 29 para 315 do PIB no ano que o Copom interrompeu as altas na taxa de juros que vinha praticando desde janeiro A ata assim justificou o início da redução da taxa A esse respeito na avaliação do Comitê a recente revisão do cenário para a política fiscal torna o balanço de riscos para a inflação mais favorável O atrelamento da redução da taxa de juros ao ajuste fiscal anunciado pelo governo foi interpretado à época como um sinal de subserviência do Banco Central De modo coordenado ou não o fato é que houve uma substituição da política monetária contracionista pela política fiscal contracionista Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa básica de juros definida pelo Banco Central a Selic foi reduzida em termos nominais de 125 para 725 ao ano Foram dez reuniões consecutivas em que a taxa sofreu redução de no mínimo 05 ponto percentual Descontada a inflação o juro real foi a menos de 1 ao final desse ciclo de reduções Em maio de 2012 para permitir que o Banco Central continuasse a redução da taxa básica de juros a presidente Dilma Rousseff alterou as regras de remuneração da caderneta de poupança reduzindo também seus rendimentos A medida um tanto impopular demonstrou seu compromisso com a redução dos juros para patamares mais próximos do padrão internacional Enquanto isso o dólar que abriu o ano de 2011 a 165 reais e ainda girava em torno de 160 reais em agosto iniciou tendência de alta em setembro e passou a girar na casa dos 2 reais onde se manteve de meados de 2012 a meados de 2013 Mas a desvalorização do real não foi apenas fruto dos juros menores Entre 2010 e 2013 os países emergentes receberam quase a metade dos fluxos de capitais globais Antes da crise entre 2002 e 2008 essa parcela não chegava a 20 Esse aumento se deveu à expansão monetária nos países ricos Na América Latina em particular quase a metade da entrada líquida de capital era de caráter especulativo de curto prazo sendo o México e o Brasil os principais destinos Esse tsunami de capitais para países emergentes quando combinado à manutenção das moedas de países asiáticos em patamares subvalorizados prejudicava muito a competitividade dos países cujas moedas apreciavam Em particular com a dificuldade de evitar a sobreapreciação do real em meio à forte entrada de capitais especulativos os produtos brasileiros ficavam cada vez mais caros em relação aos produtos estrangeiros o que levou o então ministro da Fazenda Guido Mantega a denunciar uma guerra cambial no fim de 2010 A declaração de Mantega causou grande alvoroço na reunião do G20 em Seul naquele ano Para fazer frente a essa sobreapreciação o governo impôs em 2011 duas medidas de controle que afetaram diretamente o mercado de câmbio49A segunda dessas medidas implementada em julho impôs uma alíquota de 1 do Imposto sobre Operações Financeiras IOF sobre as posições vendidas dos chamados derivativos de câmbio acima de 10 milhões de dólares atingindo o cerne da especulação cambial que ocorria até então pela apreciação da moeda brasileira Em outras palavras o Banco Central passou a taxar as apostas em uma queda do dólar ante o real no mercado de futuros que estavam se tornando autorrealizáveis As medidas montaram uma institucionalidade capaz de evitar a apreciação e reduzir a volatilidade da moeda brasileira que era das mais elevadas do mundo Essa capacidade de administração da taxa de câmbio pôde ser observada já no segundo semestre de 2012 quando o dólar se manteve entre 2 e 205 reais por cerca de quatro meses na menor volatilidade observada desde o abandono do regime de bandas cambiais em 199950 No entanto a desvalorização do real não chegou a ser grande o suficiente para fazer a diferença no desempenho exportador brasileiro e no crescimento industrial Os motivos são variados Primeiro há evidências51 de que as exportações brasileiras são relativamente insensíveis a variações na taxa de câmbio pois são demasiado concentradas em produtos cuja demanda é pouco sensível a preços É o caso por exemplo de produtos agrícolas e minerais que têm seus preços determinados em mercados internacionais e não podem ser substituídos por outros Para desenvolver setores novos com bom desempenho exportador a desvalorização do real teria de ser muito maior e duradoura E mesmo assim a magnitude da desvalorização necessária para que o país conseguisse competir com países asiáticos na exportação de bens manufaturados por exemplo talvez exigisse uma redução de salários incompatível com o regime democrático Como vimos desvalorizações da taxa de câmbio produzem queda dos salários reais ou seja reduzem o poder de compra dos trabalhadores no curto prazo Se o dólar fica mais alto as empresas que enfrentam competidores estrangeiros no mercado interno pela presença de importados ou no mercado internacional podem reajustar seus preços e ampliar suas margens de lucro Essa mudança reduz portanto o salário real dos trabalhadores que passam a pagar mais caro pelos mesmos produtos Os defensores dessa estratégia argumentam que no longo prazo a produtividade do trabalho cresceria mais rápido graças ao desenvolvimento de setores de maior sofisticação o que permitiria também um crescimento mais acelerado de salários no futuro O fato é que não chegamos nem perto disso Como se não bastasse o período coincide com a fase mais profunda da crise dos países da periferia europeia que teve consequências nefastas para o comércio mundial Voltarse para o mercado externo em meio a esse contexto revelouse uma escolha ruim As exportações que haviam crescido 117 em termos reais em 2010 cresceram apenas 48 em 2011 e 03 em 2012 Enquanto isso no mercado interno a alta do dólar combinada à inflação de serviços levou a inflação em 2011 para o teto da meta a variação do IPCA fechou o ano em 65 contribuindo para desacelerar o crescimento dos salários Em parte devido a essa alta de preços o consumo das famílias passou de 62 de crescimento em 2010 para 48 em 2011 e 35 em 2012 Diante da aceleração da inflação o presidente do Banco Central Alexandre Tombini começou a sinalizar já no início de 2013 que mudaria os rumos da política monetária Em entrevista à jornalista Miriam Leitão52 declarou que a situação não era confortável e que o BC estava atento precipitando uma reversão de expectativas nos agentes econômicos que passaram a esperar uma alta de juros Em maio de 2013 com as perspectivas de retomada da economia norte americana o Fed anunciou que o seu programa de expansão monetária seria eliminado gradualmente a partir de junho daquele ano Após cinco anos e três fases de Quantitative Easing QE as declarações tiveram enorme impacto em todos os países emergentes que como já mencionado vinham recebendo uma enorme entrada de capitais especulativos desde a primeira fase do QE Essa fase que passou a ser conhecida como Taper Talks afetou as expectativas dos investidores que passaram a esperar uma elevação da taxa de juros nos Estados Unidos e provocou uma enorme volatilidade nos fluxos de capitais para países emergentes A saída de capitais desses países por sua vez gerou uma desvalorização rápida de suas moedas além de queda no preço de ações e aumento dos juros cobrados sobre a dívida pública O Brasil ficou entre os que mais sofreram os efeitos dessa reversão sobretudo no que tange à desvalorização da moeda Como resposta o Ministério da Fazenda eliminou já em junho daquele ano o IOF de 1 sobre os derivativos de câmbio criado em 2011 Apesar das tentativas de Guido Mantega de negar a necessidade de elevar os juros o BC iniciou a trajetória de elevação da Selic em abril de 2013 logo antes da fase do Taper Talks Diante da aceleração da inflação e da reversão dos fluxos de capital que desvalorizavam o real relativamente ao dólar a taxa Selic foi elevada de 725 ao ano em março de 2013 para 1175 em dezembro de 2014 em termos nominais A taxa de juros real ex post que desconta da Selic anunciada pelo Banco Central a inflação acumulada em doze meses subiu de 07 em março de 2013 para 53 em dezembro de 2014 No âmbito econômico a tentativa de reduzir permanentemente a taxa de juros no país parece ter fracassado portanto por três razões principais Primeiro a redução da Selic iniciada em 2011 foi aparentemente demasiado rápida e brusca ao precipitar uma alta do dólar e acelerar a inflação no ano acabou não se sustentando Segundo o país não se preparou bem para enfrentar a volatilidade nos fluxos especulativos de capitais que como ficou claro com o episódio do Taper Talks ajudaram a colocar em xeque a estabilidade do real e contribuíram para a elevação dos juros Se por exemplo em vez de introduzir o IOF apenas sobre posições vendidas no mercado de derivativos de câmbio apostas na queda do dólar relativamente ao real o governo brasileiro tivesse introduzido também um IOF sobre posições compradas apostas na queda do real relativamente ao dólar essa reversão brusca de fluxos especulativos poderia ter sido amenizada Terceiro o que permitia o controle da inflação no contexto de forte crescimento de salários que marcou os anos do Milagrinho era justamente a forte entrada de capitais e a sobreapreciação do real Considerando que a desvalorização do real era um dos objetivos da Agenda Fiesp o que o governo fez foi tentar compensar a perda desse canal de controle da inflação com um ajuste fiscal que ajudou a conter a atividade econômica Em outras palavras a ideia era frear a inflação de serviços fruto como se viu do dinamismo do mercado de trabalho e consequente crescimento dos salários para compensar a inflação maior de manufaturados Certamente um corte de gastos e investimentos públicos com magnitude e duração para frear a economia desaquecer o mercado de trabalho elevar a taxa de desemprego e desacelerar o crescimento dos salários poderia ter logrado esse objetivo Mas apesar do forte ajuste fiscal realizado em 2011 a desaceleração da economia não foi forte ou rápida o suficiente para neutralizar o impacto inflacionário da alta do dólar Como se verá com a grave crise iniciada em 2015 talvez esse não fosse mesmo o caminho mais desejável para o controle da inflação do ponto de vista do bemestar da sociedade Mas a alternativa escolhida pelo governo entre 2012 e 2014 tampouco se mostrou boa Preços administrados Em 2011 o governo passou a utilizar instrumentos microeconômicos para controlar a inflação Começou a intervir nos chamados preços administrados aqueles que como apontam os Relatórios de Inflação do Banco Central são insensíveis às condições de oferta e de demanda porque são estabelecidos por contrato ou por órgão público Há os setores em que o governo tem o poder de precificação como no caso dos produtos e serviços de empresas estatais como Petrobras e Correios ou de certos tipos de concessão para empresas privadas como transporte urbano municipal e outros em que as empresas concessionárias fixam preço mas estão sujeitas a regras de reajuste definidas pelas agências reguladoras como tarifas de energia elétrica e pedágios Em geral o que justifica que esses preços sejam passíveis de intervenção ou controle pelo governo é o poder de monopólio das empresas prestadoras e a existência das chamadas externalidades O poder de monopólio existe por diversos fatores entre os quais o alto volume de investimentos necessários para a prestação do serviço como no caso da construção da rede de distribuição de energia elétrica e as economias e ganhos de produtividade gerados quando a mesma empresa oferece o serviço para uma grande parcela do mercado Tudo isso acaba fazendo com que o mercado seja dominado por uma única empresa ou por um pequeno número de empresas que na ausência de controle ou regulação teriam o poder de cobrar o preço que quisessem As externalidades são custos ou benefícios que não oneram ou não favorecem o agente que os causa mas sim a economia e a sociedade como um todo A poluição por exemplo é uma externalidade negativa pois todos pagam seu preço Atividades que geram externalidades positivas por sua vez envolvem ganhos sociais que superam a soma dos ganhos privados envolvidos A existência das chamadas externalidades de rede em particular é o que dá sustentação econômica para políticas de universalização de serviços de infraestrutura tais como telefonia fixa telefonia móvel internet banda larga ou eletrificação rural que costumam ser subsidiados pelo Estado Mas como se verá o governo utilizou seu poder de precificação como instrumento de política macroeconômica gerando efeitos nefastos sobre alguns desses setores Em junho de 2012 por exemplo a Petrobras anunciou um ajuste de 783 no preço da gasolina na refinaria e para anular o efeito inflacionário sobre o preço cobrado do consumidor final o governo reduziu a zero a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico Cide imposto incidente sobre a comercialização de gasolina e diesel Quer dizer em meio à alta do preço do petróleo que elevou o custo de produção da gasolina e à aceleração da taxa de inflação a escolha do governo foi de ao mesmo tempo aumentar o preço da gasolina na refinaria evitando gerar perdas para a Petrobras e zerar a incidência da Cide evitando uma aceleração ainda maior da inflação De fato o preço da gasolina ficou muito mais defasado em relação ao preço internacional de petróleo do que por exemplo o preço do diesel e do gás liquefeito de petróleo GLP derivados de petróleo cujo peso no índice de inflação o IPCA é menor O papel da Cide no entanto era justamente alterar o preço relativo entre a gasolina e seus substitutos com efeitos favoráveis do ponto de vista ambiental Em particular a cobrança da Cide sobre a gasolina servia para distanciar o seu preço do preço do etanol de canadeaçúcar um combustível renovável e com balanço energético mais eficiente estimulando a escolha do etanol por proprietários de veículos flexfuel Ao desviar a Cide de seu objetivo original e utilizála como forma de controle da inflação o governo gerou um custo microeconômico a desoneração estimulou o consumo de gasolina e inibiu investimentos em etanol contribuindo para agravar a crise no setor Ademais o aumento do consumo de gasolina acabou levando à necessidade de importação desse combustível o que dada a defasagem de preços contribuiu para prejudicar o balanço da Petrobras53 Outro exemplo relevante datado do mesmo período foi a queda súbita do preço da energia elétrica em setembro de 2012 que antecipou a renovação de contratos de concessão que venceriam entre 2015 e 2017 sem necessidade de nova licitação A Medida Provisória 579 transformada em lei em janeiro de 2013 extinguiu um conjunto de encargos que incidiam sobre a conta de luz renovou as concessões de forma não onerosa sem necessidade de pagamento pela empresa concessionária e prorrogou as concessões por trinta anos Em compensação as concessionárias aceitaram reduzir as tarifas em 18 para os compensação as concessionárias aceitaram reduzir as tarifas em 18 para os consumidores residenciais e em até 32 para a indústria e o comércio A aplicação dos percentuais de redução nas tarifas de energia foi saudada pelo presidente da Fiesp Paulo Skaf que havia liderado a campanha Energia a Preço Justo iniciativa lançada em 2011 para evitar que as concessões de energia fossem renovadas sem uma queda no preço da conta de luz Acho que vocês todos sabem que há dois anos lutamos para baixar a conta de luz Finalmente tenho uma grande notícia ganhamos a guerra celebrou Skaf em anúncio veiculado em diversas emissoras de TV Com o apoio da presidente Dilma da maioria dos deputados e senadores e com o apoio de todos vocês o sonho virou realidade À parte o grande prejuízo às distribuidoras de energia que acabou sendo coberto pelo Tesouro Nacional as tarifas de energia elétrica e os demais preços administrados foram reajustados de forma brusca em 2015 o que respondeu por 3954 da inflação do ano segundo decomposição da inflação divulgada pelo Banco Central54 Esse reajuste rápido veio como resposta aos inúmeros ataques que o represamento de preços sofreu por parte dos analistas econômicos desde 2013 De fato não parece haver qualquer evidência de que a redução de tarifas de energia elétrica tenha sido eficaz em gerar competitividade para a indústria brasileira que dada a queda de rentabilidade causada pela desaceleração da economia pode ter apenas aproveitado a medida para recompor suas margens de lucro Desonerações tributárias É verdade que o governo Lula já havia implementado durante o período do Milagrinho diversas medidas de desoneração tributária Em particular o PAC previa uma série de desonerações voltadas para o setor da construção de infraestrutura pesada e de alta tecnologia computadores semicondutores equipamentos para televisão digital Além disso em resposta à crise o governo implementou em dezembro de 2008 uma política de redução de IPI sobre automóveis que visava evitar um acúmulo de estoques na indústria Como já mencionado tal política acabou sendo estendida em 2009 para setores de bens de consumo duráveis materiais de construção equipamentos móveis e alimentos Mas foi durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff que a política de desonerações ganhou centralidade na política econômica Não se tratava mais de uma medida para o combate à crise e sim de um dos principais eixos das políticas fiscal e industrial do governo As primeiras medidas tributárias de desoneração para incentivar setores econômicos foram criadas no Plano Brasil Maior anunciado em agosto de 2011 O plano previa entre outros pontos a redução de IPI sobre máquinas e equipamentos materiais de construção caminhões e veículos a concessão de créditos tributários para exportadores e a chamada desoneração da folha de pagamentos Outra medida de renúncia tributária envolveu a desoneração da cesta básica A política introduzida em março de 2013 buscou estimular o consumo das famílias de baixa renda pela redução de alíquotas do PISPasep Cofins e do IPI de alguns alimentos e produtos de higiene pessoal Apesar do fraco desempenho da economia e da aparente ineficácia dos incentivos concedidos em gerar expansão da produção industrial dos investimentos e do consumo o governo aumentou o número de setores beneficiados por diversas dessas medidas A redução de IPI por exemplo que inicialmente tinha validade até 31 de agosto de 2012 foi prorrogada diversas vezes e durou até 31 de dezembro de 2014 O caso da política de desoneração da folha salarial é ainda mais emblemático O caso da política de desoneração da folha salarial é ainda mais emblemático A medida introduzida em 2011 substituiu a base de cálculo da Contribuição Previdenciária Patronal de 20 sobre a folha de salários para entre 1 e 2 sobre o faturamento da pessoa jurídica O objetivo da política era supostamente manter empregos e elevar a competitividade nos setores da indústria mais intensivos em trabalho por meio da redução dos custos com a mão de obra Inicialmente ela vigoraria até dezembro de 2014 mas foi tornada permanente em julho de 2014 Além disso a quantidade de setores beneficiados que era de apenas quatro de acordo com a Secretaria de Políticas Econômicas aumentou para 56 até 2014 Com a expansão da política para toda a economia passou a ser impossível identificar seu caráter industrialista De acordo com os dados da Receita Federal os setores de transportes e construção juntos tinham em fevereiro de 2014 mais trabalhadores incluídos no regime desonerado do que o conjunto de ramos da indústria de transformação55 O incentivo a tais setores não contribuiu sequer para estimular a competitividade externa dado que transportes e construção não sofriam concorrência internacional Quando se analisa o custo total das desonerações no entanto os setores da indústria de transformação passaram à frente e representaram 448 do valor renunciado naquele mês seguidos pelos setores de serviços 428 e construção 118 Essa diferença decorre das disparidades salariais entre os setores a indústria paga salários muito maiores em média aumentando o valor desonerado Ainda assim a indústria não chega a representar metade do valor desonerado pela política sendo pequena a proporção relativa à indústria intensiva em mão de obra A inclusão dos setores de serviços e construção civil elevou o custo anual da desoneração da folha de 008 do PIB em 2012 para 025 em 2014 segundo os dados de Afonso e Pinto 2014 O conjunto dessas políticas gerou uma forte perda de arrecadação pelo governo federal O custo anual com as renúncias tributárias que era de 140 bilhões de reais em 2010 passou a ser de 250 bilhões em 2014 também em valores correntes de cada ano A estimativa é de que as desonerações concedidas a partir de 2011 somem mais de 458 bilhões até 201856 Diante do seu custo elevado parece no mínimo questionável a opção por estender tais mecanismos a tantos setores da economia e de forma tão pouco criteriosa No entanto é difícil avaliar se decisões autônomas da equipe criteriosa No entanto é difícil avaliar se decisões autônomas da equipe econômica pesaram tanto quanto pressões e negociações com representantes dos diversos setores no Congresso e no Executivo Tomemos o exemplo da aprovação da Medida Provisória 613 que criou um regime de desoneração fiscal para a aquisição de matériasprimas no setor químico o chamado Regime Especial da Indústria Química Reiq A conversão em lei da medida provisória é um dos objetos de inquérito aberto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal STF Edson Fachin no âmbito da Operação Lava Jato De acordo com as delações que deram origem às investigações a aprovação da MP 613 no Congresso teria custado à Odebrecht 7 milhões de reais em propinas a parlamentares Segundo Marcelo Odebrecht herdeiro e presidente da empresa o sucesso das negociações para a elaboração dessa medida provisória pelo Ministério da Fazenda também estaria associado às doações feitas pela empresa ao PT para campanha eleitoral e outros fins De acordo com o delator assim como muitos projetos no Brasil a medida teria embasamento técnico e legitimidade mas se você não tem acesso ao rei você não consegue aprovar Já havia portanto uma política de desonerações em vigor mas a inclusão de setores específicos pode ter resultado mais da influência de grupos de alto poder econômico sobre o poder público por meio de instrumentos legais ou ilegais do que propriamente de uma análise econômica das dificuldades enfrentadas em cada setor e possíveis benefícios da política Mas apesar de todas as benesses que visaram recuperar margens de lucro em diversos setores da economia o investimento privado não cresceu no período Contrariando as expectativas na falta de fontes de demanda interna ou externa e diante do maior grau de ociosidade ele sofreu uma forte desaceleração o crescimento de 179 em 2010 caiu a 68 em 2011 chegando a apenas 08 em 2012 O investimento em máquinas e equipamentos em particular passou de 15 de crescimento em 2010 para 13 em 2011 e apenas 02 em 201257 As razões para esse fracasso são várias Primeiro como se viu a demanda já não era crescente o nível geral de utilização da capacidade da indústria caía e os estoques se acumulavam Não havia razão econômica portanto para expandir a capacidade produtiva comprando mais máquinas e equipamentos Além disso mesmo que as decisões de investimento fossem movidas também pela lucratividade a política garantia apenas o aumento da margem de lucros mas lucratividade a política garantia apenas o aumento da margem de lucros mas não do lucro total que depende também das vendas De que adianta receber uma margem de lucros maior de um total faturado menor Segundo porque grande parte do setor empresarial nacional encontravase afundado em dívidas contraídas no ciclo de investimentos anterior Os dados do IBGE utilizados pelo economista Felipe Rezende58 para analisar a situação financeira das empresas brasileiras indicam que os investimentos das empresas não financeiras passaram a superar os lucros retidos já a partir de 2007 levando ao endividamento crescente Com a queda na lucratividade e a frustração das expectativas de retorno para os investimentos realizados desde 2011 a situação financeira das empresas se deteriorou cada vez mais Em um quadro muito estudado pelo economista Hyman Minsky as empresas endividadas estariam preocupadas em arcar com seus compromissos financeiros e recompor seus balanços cortando despesas e contribuindo assim para aprofundar a crise econômica Mas se as expectativas das empresas para o crescimento da economia que as levaram a investir tanto em 2007 2008 e 2010 tivessem se concretizado não haveria dificuldade para o pagamento de dívidas Nesse sentido o endividamento excessivo não é exatamente um causador da crise mas é uma de suas consequências e um de seus agravantes Quando as empresas buscam reduzir seu grau de endividamento desonerações tributárias servem apenas para a recomposição de uma parte dos lucros perdidos não sendo capazes de estimular novos investimentos Já fica claro também por que a redução na taxa de juros e a oferta maior de crédito via BNDES mostraramse inócuas nesse contexto A terceira razão para o fracasso da política de desonerações está relacionada ao processo de financeirização do setor produtivo da economia A relação íntima entre o capitalismo financeiro e o capitalismo produtivo que é um fenômeno global se expressa no Brasil sobretudo pelas atividades de tesouraria das empresas cada vez mais importantes para sua lucratividade Em meio à forte incerteza sobre a rentabilidade futura dos investimentos em capital produtivo quem ainda tem dinheiro em caixa prefere investir em títulos públicos e aproveitar já no curto prazo o alto rendimento com juros proporcionados por ativos de baixo risco Após o impeachment a expresidente Dilma Rousseff classificou a política de desonerações como um dos seus principais erros Na autocrítica feita em diversas entrevistas a veículos estrangeiros59 no ano de 2017 Dilma disse que esperava que as renúncias fiscais estimulassem as empresas a realizar investimentos e gerar empregos mas que os empresários acabaram utilizando a política para aumentar suas margens de lucro De fato a maior parte das desonerações fiscais concedidas parece ter servido como política de transferência de renda para os mais ricos contribuindo também para deteriorar sobremaneira as contas públicas Juros e spreads Para que a redução da taxa Selic iniciada em 2011 chegasse ao mercado de crédito o governo federal passou a concentrar esforços em reduzir o chamado spread a margem cobrada pelos bancos comerciais sobre os juros básicos da economia nas operações de crédito Em fevereiro de 2012 uma declaração de Alexandre Tombini na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado deixou claro que a redução do spread era prioridade do governo e determinação da presidência da República Em abril do mesmo ano a presidente Dilma aproveitou o lançamento de um pacote de proteção à indústria nacional para afirmar seu desejo de reduzir spreads para que as empresas tivessem acesso a crédito com custos menores60 A medida foi implementada por meio da redução dos juros e ampliação dos limites para diversas linhas de financiamento pelo Banco do Brasil Alguns dias depois a Caixa Econômica Federal tomou medidas semelhantes Por meio dos bancos públicos o governo forçou os concorrentes privados a reduzir seus próprios spreads Caso não o fizessem perderiam participação no mercado A medida que atingia diretamente o lucro dos bancos e foi o grande gesto de enfrentamento com o poder financeiro do período foi recebida com enorme má vontade por analistas e representantes do mercado financeiro No entanto a redução dos juros nas operações de crédito certamente deixou a desejar do ponto de vista do estímulo aos investimentos privados Cabe ressaltar aqui uma divergência com a interpretação do cientista político André Singer em seu ensaio Cutucando onças com varas curtas 2015 De acordo com Singer o fracasso do ensaio desenvolvimentista do governo Dilma que aqui chamamos de Agenda Fiesp deveuse sobretudo à ousadia do projeto que acabou minando sua base de sustentação política Nas palavras de Singer enquanto pelo alto Dilma e Mantega realizavam ousado programa de redução de juros desvalorização da moeda controle do fluxo de capitais subsídios ao investimento produtivo e reordenação favorável ao interesse público de concessões à iniciativa privada no chão social e político o vínculo entre industriais e trabalhadores se dissolvia e os empresários se unificavam contra o intervencionismo Depois de início exuberante o desenvolvimentismo foi contido pelo aumento dos juros a partir de abril de 2013 e passou à defensiva Sem contar com o apoio dos industriais e vendo a crescente atratividade do bloco rentista o governo ficou na defensiva até que assinou a rendição completa no final de 2014 É verdade que ao atender as demandas de setores influentes do empresariado industrial o governo Dilma enfrentou alguns interesses do capital financeiro A assertiva vale em particular para a redução da Selic e a política de redução dos spreads No entanto a interpretação de Singer parece partir do pressuposto de que as políticas implementadas iam na direção correta e teriam sido bem sucedidas em colocar a economia nos eixos caso tivessem sido mantidas O boicote a essas políticas é que seria responsável pelo seu fracasso Em uma das hipóteses aventadas para explicar o deslocamento da burguesia industrial para o que chamou de união antidesenvolvimentista Singer chega a recorrer ao conceito de greve de investimentos do sociólogo alemão Wolfgang Streeck Em suma o empresariado industrial teria se recusado a investir como forma de impedir que o Estado continuasse atuando em favor do pleno emprego o que por sua vez elevou o custo com a mão de obra O problema é que além da Agenda Fiesp não ser tão progressista quanto pode parecer à primeira vista havia razões econômicas suficientes para que os empresários não realizassem maiores investimentos Assim como no caso das desonerações e margens de lucro maiores a redução no custo de capital pode até ser uma condição necessária para a realização de investimentos com financiamento privado mas está longe de ser uma condição suficiente Em outras palavras na falta de expectativas de crescimento da demanda e com dificuldade de cumprir seus compromissos financeiros as empresas não tinham qualquer razão para expandir os investimentos nem com juros menores Por que investiriam para expandir a capacidade produtiva se não havia qualquer perspectiva de aumentar as vendas e se já estava difícil cumprir com as obrigações financeiras associadas ao endividamento do ciclo anterior Crédito subsidiado A partir de 2012 a expansão do crédito que marcou o período do Milagrinho adquiriu novas formas Enquanto o saldo das operações com recursos livres passou a cair em relação ao PIB as operações com recursos direcionados essencialmente operações de crédito subsidiado feitas por bancos públicos mantiveram o ritmo acelerado de expansão que prevaleceu após a crise de 2008 9 e passaram a ocupar uma parcela cada vez maior do crédito total Essa mudança ocorreu tanto com as operações destinadas a empresas quanto com aquelas voltadas a pessoas físicas No caso das empresas o que explica essa trajetória é a expansão do crédito do BNDES a juros subsidiados que por sua vez foi viabilizada pelos aportes de recursos do Tesouro ao Banco O primeiro desses aportes na forma de títulos públicos negociáveis em mercado foi feito em 2009 em meio à crise internacional Se convertido para preços de 2017 seu valor total foi de 1733 bilhões de reais Mas a destinação de recursos ao Banco continuou mesmo depois da crise com os aportes feitos entre 2010 e 2014 totalizando 412 bilhões de reais a preços de 201761 O Programa de Sustentação do Investimento PSI criado em 2009 para financiar a aquisição de bens de capital como máquinas equipamentos e caminhões em meio à crise foi renovado por seis anos consecutivos e concentrou boa parte dos recursos aportados pelo Tesouro Devido à diferença entre a taxa de juros de captação do Tesouro e as taxas de juros mais baixas praticadas pelo BNDES em seus empréstimos ao longo do tempo esses repasses geraram um custo sobre as finanças públicas um subsídio implícito e tiveram impacto direto sobre a chamada dívida bruta conforme se verá mais adiante No entanto esperavase obter com isso uma realização substancial de investimentos privados que não ocorreriam por meio de fontes privadas de financiamento com efeitos positivos sobre o crescimento econômico e a própria arrecadação tributária É difícil saber o que teria ocorrido com os investimentos privados no Brasil sem o aumento dos desembolsos do BNDES Algumas estimativas parecem identificar um impacto significativo outras não O que se sabe é que o financiamento privado não supriria essa lacuna em setores cujo retorno do investimento se dá no longo prazo como o de infraestrutura e de inovações Um estudo do FMI 2015a estimou o multiplicador do crédito público no Brasil com dados entre 1999 e 2014 e concluiu que para cada 1 real em crédito concedido a renda aumentou no acumulado 38 reais O mesmo estudo sugeriu entretanto que esse multiplicador diminuiu após a crise de 2008 além de ser menor para os empréstimos do BNDES do que para empréstimos da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil Se boa parte das empresas já estava excessivamente endividada e esforçava se para cumprir seus compromissos financeiros como sugerem os dados do IBGE analisados por Felipe Rezende62 parece razoável supor que a capacidade de estímulo dessa política caiu junto com a própria desaceleração da economia e da demanda por investimentos Afinal a oferta de crédito por si só pode até viabilizar as decisões de investimento já tomadas mas não é capaz de criar uma decisão de investimento A expansão do BNDES também foi muito criticada por supostamente contribuir para a obstrução dos chamados mecanismos de transmissão da política monetária Em outras palavras com uma parcela tão alta do crédito feita a taxas de juros subsidiadas as elevações da taxa Selic pelo Banco Central perderiam uma parte do seu efeito sobre a inflação aquele efeito que se dá pela contração do crédito às empresas e assim do investimento desaquecendo a economia O peso do BNDES e de outras categorias de crédito direcionado no total das operações seria uma das explicações para as altas taxas de juros no Brasil Para combater a inflação seria necessário subir mais os juros do que em outros países por conta da segmentação do mercado de crédito Essa hipótese é no mínimo controversa Dado o baixo desenvolvimento do mercado privado de financiamento de longo prazo no Brasil e os altos spreads cobrados pelos bancos privados sobre os juros básicos da economia não está claro se o BNDES é mesmo o culpado pela ineficácia da política monetária em controlar a inflação ou se o Banco apenas supre uma lacuna do mercado O BNDES é o responsável pelos juros altos ou existe justamente porque os juros são altos Outro conjunto de críticas à expansão do crédito do BNDES está relacionado aos setores e empresas que obtiveram financiamento Um banco de desenvolvimento tem como função financiar atividades que trazem benefício ao conjunto da sociedade e que seriam inviáveis caso dependessem do financiamento privado a juros exorbitantes Nesse sentido a boa atuação de um banco de desenvolvimento requer um desenho de política industrial que oriente suas operações para setores estratégicos Assim como no caso das desonerações embora não haja qualquer evidência de corrupção por parte do corpo técnico do Banco até o momento a influência de grupos de alto poder econômico por meio de financiamento legal e ilegal de campanhas e atos de corrupção parece ter afetado também as diretrizes que chegavam ao BNDES Mas se a política industrial implementada não foi exatamente aquela que gostaríamos de ver tampouco é verdade que o banco concentra todas as suas atividades ou a sua maior parte no fortalecimento de empresas pouco estratégicas que já obteriam financiamento por fontes privadas As micro e pequenas empresas subiram sua participação no valor total desembolsado de 154 em 2007 para 238 em 2014 O número de operações de desembolso envolvendo micro e pequenas empresas passou de 81 para mais de 89 do total O desembolso com operações de incentivo à inovação cresceu de 563 milhões de reais em 2009 para mais de 6 bilhões em 2015 O BNDES também foi um atorchave para o desenvolvimento do setor de energia eólica no Brasil desenhando sua estratégia e seu financiamento Já no caso das famílias boa parte da expansão do crédito se deveu ao aumento do crédito imobiliário A simples exclusão do endividamento imobiliário é suficiente para que o indicador de dívida total das famílias em relação ao PIB esteja em queda desde 2012 O Programa Minha Casa Minha Vida responde por parte desse aumento Os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS foram utilizados pela Caixa Econômica Federal para subsidiar o crédito imobiliário para determinadas faixas de renda quanto menor a renda do mutuário maior o desconto concedido Por fim cabe destacar o papel das chamadas medidas macroprudenciais em frear o crédito livre para determinadas linhas de financiamento a pessoas físicas no primeiro ano de governo Dilma Em particular o aumento do requerimento de capital para operações de crédito para pessoas físicas com prazos superiores a 24 meses provocou uma redução no ritmo de expansão do crédito para veículos 24 meses provocou uma redução no ritmo de expansão do crédito para veículos que crescia 408 em dezembro de 2010 e passou a crescer 213 em outubro de 2011 O crédito consignado também foi afetado Essa e outras medidas implementadas nesse período foram flexibilizadas em novembro de 2011 após sinais de desaceleração do crédito privado Embora tivessem o objetivo declarado de reduzir o risco no sistema financeiro para alguns analistas seu objetivo tácito era ajudar no controle da inflação em um contexto de redução da taxa de juros básica A estagnação dos investimentos públicos O ajuste fiscal do primeiro ano de governo Dilma atua como um verdadeiro freio de mão para a economia Um dos motores do crescimento do período anterior os investimentos do governo central caíram 196 em 2011 já descontando a inflação Já os do setor público como um todo que inclui além do governo central as estatais federais e as esferas estadual e municipal caíram 13463 Apesar do seu papel central como motor de crescimento da economia no curto e no longo prazo os investimentos costumam ser a variável de ajuste por excelência em situações de consolidação fiscal São várias as justificativas para cortes desproporcionais nessa rubrica em episódios de ajuste fiscal Primeiro há maior rigidez legal em outros componentes do gasto Os gastos com saúde e educação por exemplo devem satisfazer um piso mínimo As despesas previdenciárias também são obrigatórias Segundo há um foco excessivo dos governos no curto prazo de modo que os retornos de longo prazo desses investimentos seriam negligenciados Mas mesmo após o fim do ajuste fiscal de 2011 os investimentos públicos não voltaram a assumir o papel de pilar do crescimento econômico Ao final do primeiro mandato de Dilma em 2014 os investimentos do governo central eram 14 menores em termos reais do que no fim de 2010 O mesmo item tinha crescido 2385 no acumulado entre o fim de 2005 e o fim de 2010 Esses números referemse apenas aos investimentos feitos diretamente pelo governo federal e não incluem por exemplo os subsídios do BNDES às empresas privadas ou do programa de moradia popular Minha Casa Minha Vida para aquisição de imóveis residenciais pelas famílias nem as transferências de capital que financiam investimentos dos entes subnacionais64 Quando comparamos o crescimento médio anual de todos os investimentos do setor público incluindo também os investimentos das estatais federais e dos governos estaduais e municipais nos diferentes períodos vemos que houve queda de 1 ao ano entre 2010 e 201465 frente a uma expansão de 17 ao ano entre 2006 e 2010 A análise da evolução dos investimentos do setor público como proporção do PIB nas últimas duas décadas mostra que a taxa de investimentos públicos alcançou o auge de 46 do PIB em 2010 o que representa um acréscimo de 16 ponto percentual em relação aos 29 verificados em 2006 Em 2014 essa taxa estava em 394 A inflexão na trajetória dos investimentos públicos a partir de 2011 não tem uma explicação única Uma das interpretações é de que houve uma reorientação da estratégia governamental que passou a apostar mais nos incentivos ao setor privado e menos no investimento público direto Além das desonerações tributárias do crédito subsidiado via BNDES e dos subsídios associados ao programa Minha Casa Minha Vida destacase o papel das concessões na área de infraestrutura Estas envolvem a transferência temporária para a iniciativa privada de serviços que atendem o público O Programa de Investimento em Logística PIL anunciado em agosto de 2012 deu início a um plano de leilões de rodovias e ferrovias Entre 2011 e 2014 o programa concedeu 5350 quilômetros em sete rodovias Os investimentos públicos e privados em ferrovias por sua vez resultaram em 1088 quilômetros construídos Em dezembro do mesmo ano o governo estendeu o PIL para portos e aeroportos66 Entre 2011 e 2014 os projetos de concessão mobilizaram um investimento total de cerca de 260 bilhões de reais em infraestrutura a preços de 2017 distribuídos em aeroportos 358 bilhões portos 141 bilhões rodovias 488 bilhões transporte urbano 131 bilhões geração e transmissão de energia elétrica 131 bilhões e telecomunicações 8 bilhões67 O objetivo do plano de concessões era aumentar a participação dos investimentos privados na área de infraestrutura além de reduzir o valor das tarifas e melhorar a qualidade dos serviços Houve dificuldade do governo em compatibilizar tais objetivos já que a prioridade para tarifas menores nos leilões não garantia os investimentos necessários na melhoria dos serviços Por outro lado a combinação dessas exigências reduziu drasticamente a taxa de retorno de boa parte dos projetos de concessão afastando muitas empresas da concorrência Por causa dessas dificuldades o modelo teve de ser alterado diversas vezes o que frustrou as previsões de que as concessões confeririam maior facilidade e rapidez aos investimentos em infraestrutura quando comparadas à realização direta desses investimentos pelo Estado Como aponta Orair 2016 a aposta no setor privado por meio de concessões Como aponta Orair 2016 a aposta no setor privado por meio de concessões desonerações e subsídios não necessariamente exigiria uma retração nos investimentos públicos Cabe considerar também o papel dos constrangimentos orçamentários que se intensificaram a partir de 2011 Nesse sentido mesmo que não tenha havido uma intenção clara de substituir uma estratégia por outra o custo fiscal elevado das desonerações e subsídios quando combinado ao crescimento menor das receitas federais pela própria desaceleração econômica e ao crescimento estrutural de certos componentes dos gastos sociais que vinham crescendo acima do PIB desde a década de 1990 aumentou as dificuldades do governo no cumprimento das metas de superavit primário Nesse contexto nem o recurso à contabilidade criativa para alcançar a meta fiscal por meio de receitas não recorrentes ampliação forçada da margem de deduções e postergações de pagamentos foi suficiente para evitar a imposição de maiores entraves orçamentários aos investimentos Diante do conflito distributivo maior sobre as fatias do orçamento perderam mais uma vez os investimentos Mesmo que não tenha sido intencional o abandono dos investimentos públicos como pilar de crescimento a partir de 2011 introduziu uma objeção adicional à tese de André Singer e até mesmo à dos economistas liberais críticos à política econômica do governo Dilma Rousseff Afinal dificilmente se atribui a alcunha de desenvolvimentista a um modelo em que os investimentos públicos em infraestrutura não são protagonistas Se considerarmos que além disso a política econômica privilegiou a redução de impostos como forma de estímulo ao crescimento talvez seja mais fácil comparála com a estratégia promovida por Ronald Reagan na década de 1980 ou com as propostas de reforma tributária de Donald Trump do que por exemplo com a atuação do governo chinês nas últimas décadas68 Como apontou o Nobel de Economia Joseph Stiglitz em artigo de julho de 201769 apesar das promessas de que beneficiaria o conjunto da economia levando até mesmo a uma melhora na situação fiscal a redução de impostos promovida por Reagan gerou crescimento menor e queda da arrecadação Simplesmente não há base teórica ou empírica para isso a suposição de que menores impostos estimulam o crescimento afirmou o economista Considerando os benefícios para o andar de cima que essa estratégia seja seguida por um governo conservador como o de Reagan pouco surpreende mas o que levou um governo brasileiro associado à esquerda a apostar suas fichas em uma política tão ampla de incentivos a grandes corporações Uma possível explicação pode estar relacionada à diminuição da margem de manobra para outras formas de estímulo a setores industriais na era da globalização No desenvolvimentismo do pósguerra o incentivo ao desenvolvimento de setores estratégicos da indústria chegava através de tarifas de importação taxas de câmbio diferenciadas e outros mecanismos hoje interditados pela Organização Mundial do Comércio OMC Sobrou a via da diminuição de impostos e do câmbio desvalorizado como forma de compatibilizar a tradição industrialista da presidente Dilma Rousseff com os interesses imediatos de um empresariado politicamente influente A deterioração fiscal Os dados apresentados por Rodrigo Orair e Sergio Gobetti 2017 que excluíram os efeitos da contabilidade criativa e das manobras fiscais70 mostram que o governo Dilma começou com um forte aumento do resultado primário que subiu quase um ponto percentual em relação ao PIB em 2011 mas que houve queda contínua nesse resultado nos anos seguintes Em 2014 ano eleitoral o Brasil experimentou o primeiro ano de deficit primário do governo central o resultado primário ajustado é de 09 do PIB ante 02 de superavit no pior resultado da série observado em 1997 Quando analisamos o chamado resultado primário estrutural que exclui as variações das receitas e das despesas decorrentes de alterações no ciclo econômico por exemplo a queda da arrecadação que é fruto de redução do ritmo de atividade econômica ou o aumento da despesa com segurodesemprego por conta da crise temos uma visão melhor sobre o quão expansionista foi a política fiscal no período Ainda que as dificuldades metodológicas tornem quase impossível expurgar todo o efeito do ciclo econômico e reter apenas o resultado fiscal oriundo da escolha da política econômica se o resultado primário estrutural aumentou impulso fiscal negativo a política fiscal no ano foi contracionista Se diminuiu impulso fiscal positivo foi expansionista As estimativas de Orair e Gobetti para o resultado primário estrutural a partir dos dados fiscais ajustados mostram que a política fiscal foi contracionista em 2011 quase neutra em 2012 e expansionista em 2013 Somente em 2014 o chamado impulso fiscal foi maior 12 e a política fiscal foi quase tão expansionista quanto em 2009 18 por exemplo quando houve um forte estímulo fiscal póscrise Nesse sentido é verdadeira a assertiva de que houve expansionismo da política fiscal entre 2012 e 2014 O problema é que esse estímulo fiscal se deu sobretudo por meio de subsídios e desonerações que se mostraram pouco efetivos em dinamizar a demanda agregada e em detrimento dos investimentos públicos que como vimos apresentam maior efeito multiplicador sobre a renda e o emprego no curto e no longo prazo e o emprego no curto e no longo prazo Descontada a inflação medida pelo IPCA o total de despesas primárias federais cresceu em média 52 ao ano no primeiro governo Dilma ou seja menos do que os 56 no segundo governo FHC e os 72 anuais nos dois governos Lula Os gastos com o funcionalismo despesas com pessoal e encargos cresceram a taxas muito inferiores e tiveram sua menor expansão 1 justamente no primeiro mandato de Dilma Rousseff Nos dois mandatos de FHC essa rubrica cresceu 59 ao ano Os investimentos públicos federais cresceram apenas 1 ao ano no período 20114 como mostra a tabela 1 Essa expansão havia sido de 276 anuais entre 2006 e 2010 O mito da gastança talvez se apoie no aumento das despesas com benefícios sociais incluindo aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social INSS segurodesemprego Bolsa Família e outros De fato do ponto de vista das transferências de renda às famílias não parece ter havido uma grande inflexão entre o período do Milagrinho e o primeiro governo Dilma O programa Brasil Carinhoso por exemplo ampliou o benefício do Bolsa Família com foco nas crianças em situação de extrema miséria Os demais benefícios sociais não tiveram modificação significativa em suas regras e continuaram crescendo com as mudanças demográficas as transformações no mercado de trabalho e o próprio salário mínimo A valorização real do salário mínimo por sua vez foi garantida em fevereiro de 2011 por lei que determinou um reajuste anual dado pela soma da inflação do ano anterior e do crescimento do PIB de dois anos antes Por exemplo o reajuste em 2012 foi dado pela inflação de 2011 mais o crescimento real do PIB de 2010 A regra garantiu um aumento real médio de 30 ao ano entre 2011 e 2014 uma taxa ligeiramente inferior à do período de 2006 a 2010 que foi de 59 ao ano O que os dados mostram no entanto é que mesmo com a continuidade do processo de distribuição de renda o total das despesas com benefícios sociais cresceu 58 ao ano no governo Dilma ante 75 anuais no segundo mandato de FHC por exemplo Ou seja esses gastos vêm crescendo acima do PIB desde 1999 tanto por fatores demográficos o envelhecimento da população por exemplo faz crescer o valor dos benefícios previdenciários quanto pelo aumento da formalização e do salário mínimo mas não cresceram mais no governo Dilma do que nos governos anteriores O que causou a redução do resultado primário no governo Dilma foi na verdade o aumento das despesas com subsídios e o crescimento menor das receitas Os subsídios foram a rubrica que mais cresceu entre as despesas primárias no período mais precisamente 207 ao ano entre 2010 e 2014 Aí incluise a injeção de recursos no Minha Casa Minha Vida e o subsídio implícito nos empréstimos do BNDES71 Já a arrecadação federal cresceu apenas 29 ao ano no primeiro governo Dilma ante 61 nos dois governos Lula e 84 no segundo governo FHC Essa desaceleração se deve sobretudo à própria queda no ritmo de atividade econômica mas também contou com o efeito das desonerações tributárias cujo custo médio anual passou de 263 bilhões de reais entre 2006 e 2010 para 693 bilhões entre 2011 e 2014 Se nos concentrarmos apenas nas desonerações instituídas entre 2011 e 2014 seu custo subiu de 455 bilhões em 2012 para 748 bilhões em 2013 e 1013 bilhões em 2014 ou seja 18 do PIB Diante do crescimento menor das receitas e do crescimento maior de despesas com subsídios o governo passou não apenas a contingenciar despesas não obrigatórias entre as quais os investimentos públicos como também a recorrer a medidas de geração de receitas não recorrentes receitas extraordinárias e oriundas de contabilidade criativa ao adiamento de pagamentos e à flexibilização dos critérios para as despesas que poderiam ser deduzidas da meta de resultado primário Como relata Orair 2016 o governo incluiu no PAC uma série de despesas que não são investimentos propriamente ditos como algumas despesas com saúde educação segurança e subsídios do programa Minha Casa Minha Vida e em 20134 passou a considerar também as desonerações tributárias como despesas dedutíveis do resultado primário Essas manobras criaram uma situação paradoxal em que as despesas executadas no âmbito do PAC dobraram mas os investimentos do governo central ficaram estagnados entre 2011 e 2014 como já descrito Ou seja a utilização desse tipo de artifício além de prejudicar a transparência não serviu sequer para em um contexto de desaceleração abrir espaço fiscal para os investimentos públicos em infraestrutura Dívida pública Após uma trajetória quase ininterrupta de queda iniciada em 2004 a dívida pública bruta como proporção do PIB começou a subir de forma contínua em meados de 2014 Já a dívida líquida que desconta do passivo do governo os ativos acumulados como reservas internacionais e créditos concedidos pelo BNDES só ampliou sua participação no PIB a partir de setembro de 2015 Esse descolamento entre a dívida bruta e a dívida líquida se deveu a dois fatores principais Primeiro a emissão de títulos públicos do Tesouro para aportar recursos ao BNDES não afetou de imediato a dívida líquida pois houve ao mesmo tempo aumento do passivo e do ativo do governo Ocorre que a dívida das empresas com o BNDES é um ativo do governo e um passivo para as empresas enquanto os títulos públicos emitidos são um passivo do governo e um ativo para aqueles que compram esses títulos no mercado Essas operações elevaram no entanto a dívida bruta que só considera o lado do passivo sem descontar ativos Além disso a dívida líquida desconta as reservas internacionais acumuladas pelo Banco Central Como o governo tem muito mais reservas do que dívida externa quando o dólar sobe a dívida líquida cai E quando o dólar cai a dívida líquida sobe Sendo assim com a alta do dólar em seguida à queda dos juros em 2011 e após o anúncio de que o Fed retiraria seus estímulos monetários em 2013 as reservas internacionais brasileiras passaram a valer mais reduzindo a dívida líquida Antes desse descolamento o indicador utilizado para medir o endividamento do governo costumava ser a razão entre dívida líquida e PIB Afinal em tese o governo pode vender seus ativos e pagar parte de sua dívida Com o aumento da dívida bruta durante o primeiro mandato de Dilma os analistas passaram a preocuparse apenas com esse indicador Na realidade a dívida bruta caiu de 538 do PIB em 2012 para 517 em 2013 e só iniciou sua trajetória de alta em 2014 quando subiu para 572 Essa alta de 55 pontos percentuais foi o resultado de um aumento do estoque da dívida de 89 pontos percentuais do qual subtraise 34 pontos percentuais pelo crescimento do PIB no ano que eleva o denominador Do total de 89 pontos de aumento as novas emissões de dívida para cobrir o deficit primário do ano ou aportar títulos ao BNDES por exemplo responderam por três pontos percentuais enquanto o pagamento de juros sobre a dívida acumulada anteriormente contribuiu com 55 pontos percentuais72 Em 2013 quando a dívida caiu 21 pontos percentuais em relação ao PIB as emissões líquidas tiveram contribuição negativa de 25 pontos percentuais o pagamento de juros contribuiu para uma elevação da dívida de 51 pontos percentuais e o crescimento do PIB para uma variação negativa de 52 Ou seja o aumento da dívida bruta em relação ao PIB em 2014 foi fruto de duas mudanças principais em relação a 2013 o deficit primário que tornou positiva a contribuição das emissões líquidas e o ritmo menor de crescimento do PIB o denominador Ainda assim como se verá o aumento da dívida bruta é ainda maior em 2015 após o início do ajuste fiscal por conta dos juros maiores e da própria recessão Outro elemento que merece destaque do ponto de vista da dinâmica do endividamento público é que entre 2011 e 2012 a redução rápida na taxa básica de juros a Selic não trouxe uma redução de mesma magnitude na taxa de juros que incide sobre a dívida pública Em termos numéricos a contribuição do pagamento de juros nominais para a elevação da razão dívida PIB passou de apenas 58 pontos percentuais em 2011 para 52 pontos percentuais em 2012 Diferentemente da maior parte dos países que têm a quase totalidade de sua dívida pública em títulos préfixados ou seja remunerados a uma taxa de juros fixada no mercado no momento da compra o Brasil tem a maior parte dos seus títulos indexados à própria taxa Selic definida pelo Banco Central a índices de inflação e à própria taxa de câmbio No início de 2012 as Letras Financeiras do Tesouro LFTs títulos indexados à Selic representavam mais de 40 do total da dívida bruta73 Sendo assim reduções da Selic pelo Banco Central têm impactos diretos na dinâmica da dívida pública pois diminuem as remunerações sobre esses títulos Da mesma forma quando o Banco Central aumenta a taxa de juros básica contribui diretamente para o aumento da dívida No entanto os títulos indexados à inflação representavam no início de 2012 mais de 20 da dívida bruta e os títulos indexados a câmbio cerca de 5 Como a redução da Selic é acompanhada de alta do dólar e aceleração da Como a redução da Selic é acompanhada de alta do dólar e aceleração da inflação a taxa de juros que incide sobre o total da dívida bruta não cai tanto quanto a própria Selic Nos anos que se seguiram os três fatores aperto monetário depreciação do real e inflação ainda elevada de 59 em 2013 e 64 em 2014 contribuíram para aumentar os juros que incidem sobre a dívida É importante ressaltar por fim que o aumento da dívida pública que caracterizou o final do primeiro governo Dilma não está associado a um aumento do tamanho do Estado Há muita confusão entre essas duas dimensões Um superavit primário maior que contribua para reduzir o endividamento do governo pode ser atingido quando a parcela de gastos públicos em relação ao PIB é elevada contanto que estes últimos sejam menores do que o total da arrecadação em relação ao PIB Analogamente a dívida pública pode aumentar mesmo sem aumento dos gastos públicos em relação ao PIB se a carga tributária estiver diminuindo Por essa razão membros do Partido Republicano nos Estados Unidos que costumam defender reduções de impostos e uma diminuição do tamanho do Estado são acusados frequentemente por membros do Partido Democrata de serem os verdadeiros irresponsáveis do ponto de vista fiscal pois seus programas acabariam produzindo deficits maiores A carga tributária brasileira74 que subiu cinco pontos percentuais de 27 para 32 do PIB entre 1995 e 2002 e chegou ao patamar de 337 em 2007 se manteve relativamente estável desde então O que mais contribuiu para elevar a arrecadação entre 2005 e 2014 foram os tributos sobre a folha de pagamentos e os rendimentos do trabalho devido à expansão da massa salarial e do nível de emprego formal no período Os impostos sobre o lucro das empresas e sobre bens e serviços ao contrário contribuíram para uma redução da carga tributária de 23 pontos percentuais Ainda assim boa parte dos analistas econômicos e políticos passou a atribuir ao conjunto de governos do PT a responsabilidade por um suposto colapso fiscal causado pela gastança o excesso de Estado a distribuição de renda Desde então a defesa do ajuste fiscal se confundiu com a defesa de um Estado menor que se tornou também a própria agenda de crescimento econômico O fim do ganhaganha dos anos do Milagrinho e o acirramento dos conflitos distributivos sobre o orçamento público e a renda gerada no país levaram boa parte do próprio setor empresarial principal beneficiado pela expansão fiscal parte do próprio setor empresarial principal beneficiado pela expansão fiscal do primeiro governo Dilma que se deu sobretudo pela via das desonerações tributárias e outras formas de subsídio às margens de lucro a defender essa estratégia O debate econômico nas eleições de 2014 Após fechar o ano de 2013 em 591 a inflação medida pelo IPCA chegou em setembro de 2014 a 675 no acumulado em doze meses Essa aceleração da inflação em boa parte causada pela alta do dólar se deu em meio a uma desaceleração da economia que havia fechado o ano de 2013 com 3 de crescimento real mas cresceu em 2014 apenas 05 a menor taxa anual desde a crise internacional de 20089 A desaceleração pôde ser observada em todos os componentes do PIB O consumo das famílias passou de um crescimento de 35 em 2013 para 23 em 2014 A formação bruta de capital fixo que teve em 2013 o seu melhor ano desde o início do governo Dilma tinha crescido 58 caiu 42 em 2014 Já as exportações que cresceram 24 em 2013 sofreram retração de 11 em 2014 Além da ineficácia da política econômica em gerar os estímulos prometidos o Brasil também sofreu os impactos de uma queda brusca no preço das commodities Entre junho e dezembro de 2014 o índice de preço das commodities divulgado pelo FMI sofreu queda acumulada de 293 Uma queda que aliás chegou a ser de 55 antes de ser interrompida em janeiro de 2016 Apesar da inflação mais alta e do crescimento menor o debate eleitoral se iniciou em meio ao desemprego ainda baixo e estável No terceiro trimestre de 2014 a taxa de desocupação medida pela PNAD Contínua foi de 68 ante 69 no mesmo trimestre de 2013 e 71 no mesmo trimestre de 2012 As leituras diferentes desse cenário econômico acabaram pautando boa parte do debate entre os candidatos do segundo turno das eleições presidenciais Enquanto Aécio Neves destacou a alta da inflação e a deterioração dos indicadores de atividade econômica e fiscais para defender uma política econômica mais austera Dilma Rousseff responsabilizou a crise internacional pelo desempenho mais fraco da economia chamou a atenção para o nível de emprego ainda elevado e defendeu a continuidade da política econômica Em seu programa econômico Aécio Neves prometia levar a inflação para o centro da meta de 45 ano em um prazo de até três anos e acumular superavits primários suficientes para reduzir as dívidas públicas bruta e líquida como proporção do PIB Para tanto afirmou que limitaria os gastos públicos no máximo à taxa de crescimento do PIB Difícil esquecer que no plano político também prometia que sua mera eleição representaria o fim da corrupção e da influência indevida dos interesses empresariais nas decisões de política econômica Ainda no primeiro turno no debate da TV Bandeirantes Dilma Rousseff por sua vez afirmou que ao enfrentar uma das mais graves crises internacionais da história tinha recusado a velha receita ou seja aquela que deixava a conta para o trabalhador pagar desempregava arrochava salários aumentava impostos e aumentava tarifas Dilma acrescentou que estavam dadas as condições para um novo ciclo de crescimento em decorrência dos pesados investimentos em infraestrutura e educação 3 A panaceia fiscal um passo atrás Após vencer as eleições com 516 dos votos na defensiva Dilma Rousseff surpreendeu o país ao nomear ministro da Fazenda o economista do Banco Bradesco Joaquim Levy Fora o Meirelles é difícil encontrar alguém mais ortodoxo do que o Joaquim no Brasil avaliou o também liberal Edmar Bacha em entrevista ao jornal Valor Econômico em janeiro de 201575 Ainda em novembro de 2014 após aceitar o posto Joaquim Levy anunciou que faria um ajuste fiscal rápido que nos levaria diretamente do deficit de 06 do PIB para um superavit primário de 12 em 2015 e de 2 em 2016 e 2017 As medidas de ajuste divulgadas entre o fim de 2014 e o início de 2015 incluíam uma redução de 58 bilhões de reais nos gastos com o PAC uma economia de 18 bilhões pela alteração das regras para recebimento de seguro desemprego abono salarial e auxíliodoença uma receita adicional de 122 bilhões pelo aumento das alíquotas de PISCofins e da Cide sobre combustíveis uma arrecadação extra de 53 bilhões pela redução da desoneração da folha aumento da alíquota de 12 para 2545 e de 5 bilhões pela volta do IPI para veículos entre outras iniciativas de menor impacto arrecadatório Ou seja o conjunto das medidas que pretendiam gerar maior arrecadação para o governo federal já não somava nem a metade da economia almejada com o corte de investimentos do PAC Essa proporção foi ainda pior na prática dada a resistência do Congresso em aprovar aumentos de impostos O resultado é que mais uma vez os investimentos públicos tornaramse a principal variável de ajuste em meio à consolidação fiscal o que ajudou a agravar a própria crise econômica Mas as políticas recessivas não pararam por aí Os preços administrados que vinham sendo represados foram reajustados de forma brusca e cresceram 181 no ano Os maiores aumentos se deram nas tarifas de energia elétrica 51 e nos preços do gás de bujão 226 e da gasolina 201 Diante da aceleração da inflação puxada principalmente por esse reajuste Diante da aceleração da inflação puxada principalmente por esse reajuste rápido de preços administrados o Banco Central acabou elevando a taxa de juros básica da economia por cinco reuniões consecutivas A taxa Selic passou em termos nominais de 1175 em dezembro de 2014 para 1425 em julho de 2015 patamar em que foi mantida até outubro de 2016 Mas as políticas fiscal e monetária não foram os únicos fatores a contribuir para transformar a desaceleração econômica dos anos 20114 em uma das maiores crises de nossa história A crise política os efeitos da Operação Lava Jato sobre os setores de construção civil e petróleo a forte desvalorização do real e a queda dos preços dos produtos que exportamos também contribuíram para o trágico desempenho da economia brasileira em 2015 O estelionato eleitoral No dia 22 de julho de 2015 a equipe econômica do governo anunciou que reduziria a meta de superavit primário do setor público de 12 para 015 do PIB As metas para 2016 e 2017 por sua vez despencaram de 2 para 07 e 13 do PIB respectivamente Na ocasião o ministro Joaquim Levy também anunciou um novo corte no Orçamento contribuindo para tornar 2015 o ano com o maior volume de recursos contingenciados desde a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000 A inviabilidade da meta fiscal que havia sido anunciada pelo ministro da Fazenda no final de 2014 não surpreendeu a maior parte dos analistas Afinal naquela altura as projeções já giravam em torno de uma recessão de 2 do PIB no ano essa contração acabou sendo de 35 Com tamanha redução no nível de atividade econômica a arrecadação federal já tinha caído 29 no primeiro trimestre Nesse contexto nem o mais épico dos ajustes poderia levar o governo ao tal superavit de 12 do PIB Somente os que realmente acreditavam que o comportamento exemplar do ministro da Fazenda seria mesmo capaz de trazer de volta o otimismo a confiança e a pujança dos investimentos privados ainda consideravam a meta factível Diante do desempenho cada vez pior da economia e do desequilíbrio crescente nas contas públicas os defensores da estratégia passaram a vender a ideia de que o ajuste fiscal não havia sido posto em prática devido a uma suposta resistência da própria presidência da República e do Congresso Na realidade as despesas primárias efetivas do governo federal caíram 29 no ano em termos reais76 Se excluirmos as despesas com a Previdência que não podiam ser cortadas a queda chega a 61 O problema é que entre os mais de 2 do PIB em medidas de ajuste aprovadas em 2015 não constaram por exemplo o fim da maior parte das desonerações tributárias concedidas ao setor empresarial a implementação do teto de remunerações de 337 mil reais para os servidores públicos ou a volta da CPMF Já os investimentos públicos caíram cerca de 3777 Ao contrário do que havia sido prometido as medidas fiscais recessivas e o baixo crescimento projetado só contribuíram para fazer despencar a confiança dos investidores78 que depois de uma pequena recuperação no fim de 2014 caiu mais de 20 no primeiro semestre de 2015 Os investimentos privados também caíram 116 só no primeiro semestre e 139 no acumulado do ano O mercado de trabalho não podia deixar de sentir um golpe dessa magnitude Os dados da PNAD Contínua apontam uma elevação do desemprego de 62 ao final de 2014 para 9 ao final de 2015 O desemprego maior e consequentemente o poder de barganha menor dos trabalhadores levaram a uma queda de 27 no salário real médio A elevação do desemprego e a queda dos salários de trabalhadores pouco qualificados também se encarregavam de reverter rapidamente a redução da desigualdade salarial conquistada nos anos 2000 Nesse contexto as famílias passaram a reduzir os gastos para tentar honrar seus compromissos financeiros o que explica uma redução de 39 no consumo Foi o primeiro ano de retração no consumo das famílias desde 2003 quando houve queda de 05 Com o PIB e a arrecadação menores o deficit primário aumentou de 17 bilhões de reais em 2014 para 111 bilhões em 2015 apesar do corte de despesas A dívida líquida do setor público por sua vez passou de 326 do PIB em dezembro de 2014 para 356 em dezembro de 2015 Já a dívida bruta saltou de 563 para 655 do PIB Uma decomposição dos fatores que levaram ao aumento de 93 pontos percentuais na dívida bruta em relação ao PIB mostra no entanto que o deficit primário sequer foi o principal responsável por essa elevação Os componentes que mais destoaram dos anos anteriores foram o pagamento de juros que aumentou sua contribuição e o crescimento do PIB que passou a colaborar menos para a redução da razão dívida PIB79 No caso dos juros o aumento não decorreu apenas da elevação da Selic mas sobretudo do impacto da alta do dólar em 2015 que elevou o pagamento relativo aos swaps cambiais Diante do fracasso da estratégia que prometeu ajuste rápido e retomada da confiança mas entregou um forte incremento na dívida pública uma inflação de 1067 uma queda de 35 no PIB e a perda de grau de investimento por agências de classificação de risco a presidente Dilma anunciou em meados de dezembro que substituiria no Ministério da Fazenda Joaquim Levy por Nelson Barbosa que até então comandava a pasta do Planejamento A dominância política Embora não se note uma alteração substancial no discurso da equipe econômica a nomeação de Barbosa foi interpretada por muitos analistas como derivada de uma opção de Dilma por um maior gradualismo nos planos de ajuste fiscal Afinal enquanto era ministro do Planejamento Barbosa havia defendido um maior realismo fiscal o que se daria pela adoção de metas menos ambiciosas e mais factíveis Confirmando essas previsões o governo enviou ao Congresso uma proposta de redução da meta de resultado primário em março de 2016 Nesse contexto de retração achamos adequado mudar a meta fiscal para que o governo não empurre mais a economia para baixo disse Nelson Barbosa Pelo contrário para que possa ajudar a economia a se estabilizar e para que o crescimento do emprego e da renda se recupere mais rapidamente Antes disso em fevereiro o governo já havia antecipado o desenho de um pacote fiscal que garantiria o reequilíbrio das contas públicas no médio e no longo prazo além da intenção de reformar a Previdência A proposta estabelecia uma regra para limitar o crescimento dos gastos públicos em relação ao PIB e uma série de ajustes automáticos para o caso de descumprimento da regra80 Na primeira etapa prevista pela proposta além de não serem concedidas novas desonerações seriam interrompidos os aumentos reais de despesas de diversos tipos incluindo salários de servidores novos concursos e outros itens Caso esses cortes não fossem suficientes uma segunda etapa congelaria as despesas em termos nominais E finalmente seria suspenso o aumento real do salário mínimo entre outras medidas impopulares Se o Congresso e o conjunto de agentes econômicos fossem compostos de economistas genuinamente preocupados com a estabilização da dívida pública a estratégia talvez tivesse funcionado para compensar a redução da meta fiscal e angariar algum apoio à equipe econômica Mas essa venda casada não arrancou nenhum aplauso da oposição e ainda serviu para esfriar os ânimos da base do governo que a essa altura já protestava contra o ajuste fiscal de Dilma e clamava por uma reforma tributária progressiva e outras formas de reequilibrar as contas Em 15 de janeiro Dilma já tinha declarado a jornalistas no Planalto Acho que a questão mais importante para o país é a Previdência Olhando em retrospecto a escolha da Previdência e não do emprego como a maior de todas as preocupações em meio à crise econômica e política mais profunda das últimas décadas talvez faça de Dilma a maior líder antipopulista da história brasileira Mas para tentar estabelecer uma agenda de retomada a presidente também se reuniu com empresários banqueiros e outros representantes da sociedade civil no chamado Conselhão o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Algumas falas do ministro da Fazenda Nelson Barbosa e do ex presidente Lula sugeriram que um dos caminhos seria o estímulo ao crédito para consumo e investimento via bancos públicos Tais medidas poderiam gerar algum resultado em setores específicos mas certamente não teriam a capacidade de induzir uma retomada do consumo e do investimento no conjunto da economia Afinal em períodos de crise econômica e insegurança sobre o futuro os agentes privados não desejam consumir e investir mais Muitos têm seus rendimentos cada vez mais comprometidos pelo desemprego pela inflação e pelo pagamento de juros e amortizações de dívidas contraídas no passado Quando o setor privado está em processo de desalavancagem é o Estado que deve voltar a investir gerando empregos e renda Por um lado as conversas sobre o estímulo ao crédito sugeriam que o governo tinha entendido que não podia continuar liderando o clube das expectativas desfavoráveis com seu discurso pautado havia um ano apenas pelo ajuste fiscal Por outro lado a equipe econômica ainda teimava em aderir ao consenso liberal conservador de que não havia espaço fiscal para a retomada dos investimentos públicos Expandir o crédito parecia naquele contexto a única agenda de crescimento viável Em meio à crise política que marcou os meses préimpeachment a fragilidade das bases de sustentação do governo era tão evidente que a necessidade de costurar acordos implicava formular uma política econômica capaz de atender às pressões dos setores com maior influência A avaliação do impacto das medidas sobre o crescimento econômico a inflação e o bemestar da população ficava relegada ao segundo plano Atendendo a grupos de pressão diversos que tinham peso político maior ou menor ao longo do tempo não surpreende que as políticas desenhadas menor ao longo do tempo não surpreende que as políticas desenhadas apresentassem inconsistências O problema é que políticas equivocadas do ponto de vista econômico acabavam por aprofundar o domínio da política sobre a economia na medida em que a falta de crescimento e a inflação mais alta acirravam os conflitos distributivos e fragilizavam ainda mais uma eventual base de sustentação Antes de seu afastamento definitivo pelo Senado Dilma anunciou um reajuste médio de 9 nos benefícios do Bolsa Família e uma série de outras medidas logo rotuladas no conjunto de caixinha de bondades da presidente Na ocasião o então presidente da Câmara Eduardo Cunha afirmou ao jornal O Globo que não são bondades São maldades com a população porque o deficit tem consequências e quem paga são todos os contribuintes Cunha escondeu que a Câmara dos Deputados também foi responsável por não ter fechado a caixa de bondades aberta para os grandes empresários durante o primeiro mandato de Dilma A caixinha de maldades aberta pela presidente em 2015 por sua vez não serviu nem para salvar a economia nem para minimizar sua falta de sustentação política A panaceia do impeachment No texto Accounting Devices and Fiscal Illusions Irwin 2012 classifica os artifícios que têm sido usados nos diversos países desde a crise de 2008 para cumprir metas fiscais de curto prazo às custas de uma piora futura no orçamento O primeiro artifício consiste na geração de receitas que elevam gastos futuros O artigo cita as incorporações de sistemas privados de previdência por vários governos europeus contabilizadas como receita apesar da obrigação futura de pagamentos de aposentadorias O segundo artifício é a geração de receitas imediatas que reduzem receitas futuras Irwin inclui aí as privatizações na medida em que o governo arrecada com a venda de ativos mas passa a não contar com possíveis lucros daí originados Na terceira modalidade são reduzidos os gastos hoje mas também as receitas futuras A nota cita as concessões ao setor privado para investimentos em infraestrutura que reduzem os investimentos públicos mas também retiram do governo por exemplo as receitas obtidas com pedágio líquidas dos custos de manutenção Por fim o quarto tipo de manobra inclui as reduções de gastos que elevam custos futuros os chamados adiamentos de pagamentos O artigo menciona uma ocasião em que o governo norteamericano na última semana do ano adiou o pagamento de benefícios do Medicare o sistema de saúde do governo americano para o ano seguinte No caso que ficou conhecido no Brasil como pedalada fiscal em vez de atrasar o pagamento aos beneficiários o governo adiou o pagamento aos bancos públicos que por sua vez pagaram os benefícios em dia Do ponto de vista das consequências para a população certamente esse procedimento é menos grave do que o atraso do Medicare No entanto de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal LRF não é crime a população financiar o governo enquanto não recebe seus benefícios mas é crime um banco público realizar operações de crédito para o próprio governo O critério é duvidoso já que os fluxos de pagamentos do Tesouro para a Caixa e da Caixa para os beneficiários nunca coincidem no tempo Por isso o Tesouro paga juros à Caixa pelos dias em que o saldo em sua conta de suprimento é negativo e recebe juros pelos dias em que é positivo Quantos dias de atraso caracterizam uma operação de crédito A LRF não esclarece mas o Tribunal de Contas da União julgou que em 2014 pela primeira vez os dias de deficit foram numerosos e o volume de atrasos grande o suficiente para serem interpretados como empréstimo No dia 2 de dezembro de 2015 logo após os deputados do PT anunciarem que votariam pela continuidade de seu processo de cassação no Conselho de Ética Eduardo Cunha aceitou o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff No documento que justificou sua decisão Cunha afirma que não se pode permitir a abertura de um processo tão grave com base em mera suposição de que a presidente da República tenha sido conivente com atos de corrupção Já sobre as pedaladas de 2014 Eduardo Cunha alerta os fatos e os atos supostamente praticados pela denunciada em relação a essa questão são anteriores ao atual mandato Embora as pedaladas tenham ficado mais conhecidas o foco acabou recaindo sobre outra denúncia a de que em 2015 a presidente teria assinado seis decretos de abertura de créditos suplementares cujo valor seria incompatível com o cumprimento da meta fiscal Talvez cause estranheza aos futuros estudiosos que em 2001 e 2009 a emissão de decretos de crédito suplementar em meio a um quadro fiscal deteriorado não tenha provocado espanto A denúncia só apareceu no segundo pedido de impeachment dos advogados Hélio Pereira Bicudo e Miguel Reale Júnior entre outros realizado em 15 de outubro de 2015 Como o Orçamento é elaborado quase meio ano antes da sua execução caso uma determinada ação orçamentária tenha obtido autorização inferior à necessária ministérios e demais poderes podem solicitar a abertura de créditos suplementares O instrumento permite que o governo desde que respeitadas as imposições constitucionais e a necessidade de aprovação do Orçamento no Congresso escolha como utilizar seu espaço fiscal remanescente A razão é simples a mesma meta pode ser obtida com menos gastos com saúde educação e benefícios sociais ou com menores salários de magistrados por exemplo Os decretos de 2015 totalizaram 95 bilhões de reais dos quais 925 bilhões foram compensados com o cancelamento de outras dotações orçamentárias e 708 milhões referiramse a despesas financeiras que não entram no cálculo do milhões referiramse a despesas financeiras que não entram no cálculo do resultado primário de modo que a denúncia se aplicava apenas ao valor restante de 18 bilhão Desse total cerca de 70 destinaramse ao Ministério da Educação para itens como Ciência Sem Fronteiras universidades federais e hospitais de ensino Não se pode dizer que esses decretos ampliaram o total de despesas que poderia ser executado por cada órgão O que fizeram foi possibilitar a realocação interna de recursos entre rubricas já que o limite total para a execução foi definido pelos decretos de contingenciamento A criminalização dos decretos previstos em lei desde 1964 e utilizados por todos os presidentes desde então reforçou uma tendência mais geral de criminalização da política fiscal blindandoa cada vez mais contra o próprio processo democrático que ele sim deveria decidir as prioridades orçamentárias 81 Mas a relação íntima entre o impeachment de Dilma Rousseff e a crise econômica vivida pelo país não se encerra aí Enquanto a parte legal do processo de impeachment concentravase em supostos crimes orçamentários de Dilma os discursos políticos ignoravam o ajuste de 2015 e atribuíam à irresponsabilidade fiscal da presidente um papel central na crise vivida pela população No início de 2016 duas teses principais dominavam o debate econômico A primeira sustentava que o ajuste não tinha sido feito ignorando que o aumento do deficit primário se deu apesar dos cortes substanciais nos gastos discricionários pela queda ainda maior nas receitas A segunda culpava a própria figura da presidente Dilma Rousseff pela falta de confiança dos investidores Muitos sustentavam que o impeachment mataria dois coelhos com uma cajadada só A saída de Dilma e a governabilidade conquistada a partir da aliança entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB e partidos de oposição resolveriam não apenas o impasse político mas também a ausência de investimentos privados Mas se a política de ajuste fiscal do governo Dilma só vinha contribuindo para minar as expectativas de crescimento aquelas que realmente importam para que agentes privados voltem a consumir e investir as propostas de Temer já apontavam para um cenário ainda pior O programa Uma Ponte para o Futuro apresentado pelo vicepresidente Michel Temer a empresários paulistas ainda em dezembro de 2015 já soava como um túnel para o passado As propostas partiam do diagnóstico de que o ajuste fiscal conjuntural era insuficiente pois os direitos adquiridos pela sociedade brasileira no período de redemocratização já não caberiam no Orçamento público Em vez de imaginar estratégias para sanar os problemas fiscais pela via do crescimento econômico da preservação de empregos e da redução da conta de juros o programa do PMDB que como se verá foi seguido à risca começava com a flexibilização de leis trabalhistas o fim da obrigatoriedade de gastos com saúde e educação e a desindexação de benefícios previdenciários ao salário mínimo O texto também afastava a hipótese da elevação de impostos como caminho para o ajuste das contas públicas Nossa crise é grave e tem muitas causas Para superála será necessário um amplo esforço legislativo que remova distorções acumuladas e propicie as bases para um funcionamento virtuoso do Estado rezava o programa Isso significará enfrentar interesses organizados e fortes quase sempre bem representados na arena política Ao que parecia os interesses organizados e fortes que seriam enfrentados não eram mesmo os dos financiadores de campanhas eleitorais mas sim os dos trabalhadores e movimentos sociais apoiadores ou críticos ao governo que estavam indo às ruas contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff Alguns dias depois do lançamento do programa a Fiesp oficializou seu apoio ao impeachment A decisão da federação já havia sido antecipada na véspera símbolo da campanha Não vou pagar o pato pela redução de impostos o pato inflável passou a animar manifestantes pelo impeachment na avenida Paulista Poucos pareciam notar que a Fiesp não só não estava pagando o pato como representava os principais beneficiados pela expansão fiscal do primeiro governo Dilma e desde o início da crise trabalhava para impor seu custo ao restante da população Antes da votação do impeachment na Câmara dos Deputados em abril um editorial do jornal Folha de S Paulo intitulado Paradoxo econômico82 descrevia o que seria uma grande contradição na conjuntura brasileira dos primeiros meses de 2016 A combinação entre recessão profunda e valorização do real e da Bovespa só poderia ser explicada pelas expectativas favoráveis do mercado quanto a uma eventual queda da presidente Dilma Rousseff Tal comportamento sinalizaria que a mudança de expectativas dos agentes econômicos em caso de derrubada da presidente eleita seria capaz de destravar decisões de investimento e de consumo puxando assim o crescimento A relação entre preços de ativos financeiros e economia real é assunto de grande interesse para a macroeconomia Por um lado é evidente que crises financeiras de altas proporções podem levar à recessão e ao desemprego Por outro lado os agentes do mercado respondem pouco aos chamados fundamentos macroeconômicos e muito à expectativa sobre o que farão os demais agentes Tal conduta leva à ocorrência de profecias autorrealizáveis e bolhas financeiras que nada têm a ver com crescimento econômico e menos ainda com o bem estar da população Por essa razão os resultados de pesquisas empíricas cada vez mais contraindicam o uso de índices do mercado financeiro nas previsões sobre o desempenho da economia real e viceversa Há no Brasil no entanto uma variável que explica grande parte dos movimentos na Bolsa de Valores no mercado de câmbio e em um prazo mais longo no próprio PIB E não se trata de variável interna como as manchetes sobre depoimentos do expresidente Lula sua nomeação para chefe do governo queda eventual da presidente Dilma Rousseff ou do presidente do Banco Central Ainda que tais notícias possam suscitar reações de manada ao longo do dia as tendências de valorização ou desvalorização do real e do Ibovespa dependem muito dos preços de commodities no mercado internacional A elevação desses preços nas semanas que antecederam ao editorial em questão levou à valorização das principais moedas emergentes entre as quais a brasileira Pior do que a atribuição exagerada de fatores internos sobretudo políticos a esses movimentos em meio a um contexto de liberalização financeira global é a associação direta entre otimismo dos mercados e retomada da economia No cenário de depressão e capacidade ociosa em que se encontrava a economia brasileira as expectativas relevantes para a volta do investimento na ampliação de capacidade produtiva teriam de estar associadas a uma perspectiva concreta de crescimento da demanda Tal reversão de expectativas exigia muito mais que uma mera aposta generalizada na compra de ativos financeiros que sempre beneficiou sobretudo a nossa pequena e influente população de detentores de riqueza Ainda assim na ocasião da votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados já havia um consenso entre alguns setores do empresariado do mercado financeiro e do Congresso de que a queda da empresariado do mercado financeiro e do Congresso de que a queda da presidente eleita era o melhor caminho para águas mais calmas Com Michel Temer na Presidência a tão desejada estabilidade criaria as bases para a resolução das crises política e econômica A votação na Câmara serviu para desnudar para os espectadores brasileiros estrangeiros e favoráveis ou não ao impeachment o que havia de mais assombroso no nosso sistema de representação política Embora tenha ganhado alguma centralidade após a eclosão das manifestações de junho de 2013 a crise de representatividade tinha perdido espaço nos últimos anos para as preocupações não menos importantes com a corrupção e a economia Mas desde o afastamento de Dilma Rousseff o que era uma crise política e econômica profunda transformouse em caos institucional A sociedade atônita perdia horas de trabalho tentando entender as frequentes reviravoltas que se atropelavam na velocidade da luz para ao final do dia ver reforçada sua descrença na política e nas instituições brasileiras Ao chegarmos exaustos ao que era na verdade a linha de partida o Senado julgaria o processo por 180 dias uma parte crescente da sociedade já questionava suas antigas convicções de que tudo valia a pena em nome de supostas promessas de estabilidade Mas se não era a população a beneficiada por esse processo tumultuado muitos conseguiram vender caro o seu apoio ao impeachment Seriam recompensados com cargos no governo federal contratos governamentais e fatias maiores no Orçamento público No mercado financeiro também havia beneficiários da volatilidade do processo O pedido de anulação das sessões de impeachment pelo presidente interino da Câmara Waldir Maranhão83 por exemplo apesar de ter durado pouco rendeu bons ganhos aos que já sabiam ou apostaram primeiro na alta do dólar e na queda do preço das ações na Bolsa de Valores As discussões que permearam a defesa de Dilma no Senado iniciadas no dia 29 de agosto de 2016 foram ricas em diagnósticos contraditórios sobre a crise econômica Em resposta ao senador Cidinho Santos PR MT que a acusou de ter interrompido obras do Minha Casa Minha Vida em Mato Grosso em 2015 Dilma Rousseff esclareceu em seu depoimento que mesmo com o ajuste iniciou a terceira fase do programa ampliando a linha de financiamento voltada para entidades Quem interrompeu a faixa 1 do programa que é voltada para os mais pobres foi o governo interino Conforme destacado por Dilma o governo Temer tinha elevado o teto de financiamento de imóveis na linha que ela apelidou de Minha Casa Minha Mansão Ou gastei a mais ou gastei a menos O que não dá é para ser acusada das duas coisas acrescentou Dilma É difícil conceber por exemplo alguma relevância na atribuição de crime de responsabilidade à presidente eleita a um dos gráficos apresentados em plenário pelo senador Ronaldo Caiado DEM GO que mostrou a aceleração da inflação para 1067 em 2015 Se fosse assim os efeitos do fim do câmbio fixo em 1999 seriam considerados crime hediondo Sem falar que até mesmo no circo do impeachment atribuir algum papel na explicação da crise ao total de 18 bilhão de reais em créditos suplementares que em nada elevaram o total de despesas do governo exigia malabarismos improváveis Diante de acusações tão diversas e abrangentes tivemos de observar também os gráficos da própria presidente Dilma que apesar de um meaculpa mais geral sobre eventuais erros na condução da política econômica em seu discurso inicial não abriu mão de explicar aos mais novos interessados na economia do país o momento da reversão do superciclo das commodities e da alta do dólar nas economias emergentes Não que esses temas não fossem de extrema importância O país certamente se beneficiaria do maior engajamento e da pluralidade de visões de membros do Executivo e do Legislativo na promoção de debates amplos sobre as causas e soluções para a crise O que vimos no entanto foi a economia sendo utilizada livremente para diluir o casuísmo jurídico que envolveu o processo de derrubada de Dilma São duas as peças que formaram o bloco responsável pelo caos que se seguiu De um lado boa parte do sistema político tinha o objetivo de salvarse da Operação Lava Jato e outras investigações criminais De outro boa parte da elite econômica do país desejava salvarse dos custos de uma das maiores crises econômicas da história recente impondoos sobre o restante da sociedade Michel Temer assume o governo com a condição de manter o bloco coeso comprometendose tanto com a aprovação de reformas estruturais e a não elevação de impostos quanto com o estancamento da sangria84 causada pelas investigações Poucos meses depois a crise econômica agravada e os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo ministros e lideranças parlamentares eliminaram qualquer possibilidade de o bloco contar com o respaldo da sociedade Na tentativa de salválo da desintegração completa o governo ainda tentou evitar a perda de apoio das elites econômicas garantindolhes a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição PEC do teto de gastos públicos de uma reforma da Previdência draconiana de uma reforma trabalhista e de um conjunto de medidas de transferência de renda para o setor empresarial Mas os sócios do poder insistiam em não perceber que os dois pilares de sustentação do governo Temer estavam condenados a desmoronar já que aprofundavam o abismo entre o sistema político e a sociedade brasileira A opinião pública se colocava tanto contra o salvamento dos políticos quanto contra a aprovação de reformas antidemocráticas A solução dos problemas econômicos do país parecia ser a única saída para um governo cada dia mais exposto aos escândalos de corrupção A hipocrisia fiscal Ainda interino na presidência da República após a votação no Senado Michel Temer nomeou para o Ministério da Fazenda o expresidente do Banco Central na era Lula e expresidente internacional do Bank Boston Henrique Meirelles A nova equipe da Fazenda e do Banco Central que passou a ser presidido por Ilan Goldfajn execonomistachefe do Itaú passa a ficar conhecida como o dream team da economia Em maio o ministro do Planejamento do governo interino Romero Jucá foi gravado em conversas com o expresidente da Transpetro Sérgio Machado sobre um suposto acordo nacional para derrubar Dilma e obstruir investigações da Operação Lava Jato Ao comunicar o afastamento de Jucá do ministério Michel Temer registrou o trabalho competente e a dedicação do ministro Jucá no correto diagnóstico de nossa crise financeira e na excepcional formulação de medidas para a correção do deficit fiscal e a retomada do crescimento da economia As revelações deixam claro que não só de técnicos notáveis era feita a equipe econômica Temer esclarece aliás que Romero Jucá continuaria dando as cartas desde o Senado Na realidade a redução da meta fiscal para um deficit de 1705 bilhões de reais em 2016 apresentada por Jucá diferia da proposta de 967 bilhões do ministro Nelson Barbosa ao prever menor contingenciamento de despesas e nenhuma nova fonte de receitas A política econômica começava assim a acertar as contas do impeachment No que poderia ser classificado como um caso de expansionismo fiscal fisiológico o aumento da previsão de deficit já aprovado no Congresso em vez de abrir mais espaço para os investimentos e a criação de empregos garantia recursos para os apoiadores do impeachment nos poderes Executivo e Legislativo Em declaração ao jornal O Estado de S Paulo de 9 de julho de 2016 o ministro Henrique Meirelles afirmou que para equilibrar as contas públicas o plano A é o controle de despesas o B é privatização e o C aumento de imposto Algum demagogo de plantão habituado a seduzir eleitores incautos pela explicação do Orçamento da União a partir da dinâmica do orçamento doméstico poderia aproveitarse facilmente do roteiro proposto pelo ministro para desfazer qualquer esperança da população quanto a dias melhores na economia Afinal poucos estariam felizes em fazer parte de uma família para a qual diante da crise a primeira opção fosse cortar a escola das crianças diminuir as idas ao pediatra ou eliminar os remédios dos avós Menos ainda se o plano B fosse vender a geladeira e o sofá E tudo isso para não ter de pedir ao primogênito que abra mão do carro novo e contribua um pouco mais com as despesas da casa O cálculo do governo interino naquele momento era de que o deficit de 170 bilhões de reais de 2016 cresceria em 2017 para 1944 bilhões Só uma expectativa de receitas adicionais por meio de eventuais privatizações e concessões de 554 bilhões permitiria que o governo fixasse a meta fiscal nos 139 bilhões anunciados O que não foi dito é que receitas da mesma ordem poderiam ser obtidas por exemplo com a retomada da tributação sobre os lucros distribuídos a pessoas físicas dividendos que desde 1996 são isentos de IRPF ao contrário do que ocorre na maioria dos países Além de deixar claro que o governo interino não tinha o conjunto da sociedade como alvo de suas prioridades a estratégia proposta não oferecia nenhuma perspectiva de reequilíbrio das contas públicas no médio ou no longo prazo Afinal as receitas geradas com a venda de ativos públicos por meio de privatizações vêm apenas uma vez além de implicarem redução de receitas futuras do governo com esses ativos o governo perde por exemplo a parcela que lhe cabe dos lucros das empresas estatais As diferenças entre as finanças de uma família e as do governo federal são muitas Primeiro os gastos públicos geradores de emprego e renda afetam toda a dinâmica do sistema econômico contribuindo para aumentar a arrecadação de impostos Os resultados das políticas de austeridade em diversos países da periferia europeia podem servir de exemplo ao agravar a recessão e a frustração de receitas do governo os cortes no Orçamento acabaram ampliando o deficit fiscal inicial As condições em que famílias e governo federal financiam uma eventual diferença entre gastos e arrecadação tampouco são as mesmas A maior parte das famílias brasileiras tem pouco acesso a crédito Já o governo federal apesar dos juros altos para padrões internacionais mesmo se levados em conta o patamar juros altos para padrões internacionais mesmo se levados em conta o patamar de nossa dívida e nossa taxa de inflação não encontrou nenhuma dificuldade em vender seus títulos públicos no mercado desde o início da crise Além disso ao contrário das famílias os governos têm a capacidade de elevar seus impostos e aumentar sua própria base de arrecadação Se taxasse sobretudo aqueles que consomem uma parcela relativamente pequena de sua renda os mais ricos e ampliasse a renda dos que consomem relativamente mais os mais pobres o governo poderia dar um estímulo à economia sem desequilibrar o Orçamento Somase a isso o fato de que no Brasil os que estão no topo da distribuição de renda pagam impostos baixíssimos para padrões internacionais e os que estão na base consomem essencialmente tudo aquilo que ganham Por fim assim como as dívidas assumidas por uma família para comprar uma casa ou para educar os filhos os investimentos públicos também podem trazer retorno no longo prazo Como vimos os gastos com a melhoria da infraestrutura do país por exemplo não apenas geram empregos no curto prazo mas também elevam a produtividade e a competitividade das empresas no futuro No entanto as escolhas de um governo preocupado apenas em manterse no poder conspiravam contra alternativas sustentáveis de enfrentamento da crise Essa foi a situação encontrada pelo governo afirmava a dispendiosa campanha publicitária veiculada nos principais jornais do país em outubro de 2016 O anúncio enumerava despesas federais não pagas transferências atrasadas a estados municípios e organismos internacionais obras públicas inacabadas por falta de recursos e até prejuízos de empresas estatais para justificar o deficit fiscal maior Vamos tirar o Brasil do vermelho para voltar a crescer convocava a frase título que mandava o país de volta aos tempos da Guerra Fria Mais fácil que pescar o trocadilho era perceber que as propostas que o governo colocava na mesa estavam na origem do desastre e não levariam à retomada do crescimento Menos ainda ao saneamento das contas públicas Afinal a receita defendida e adotada desde 2015 para tirar o país de um quadro fiscal deteriorado pela crise econômica e a consequente queda de arrecadação tributária tinha causado boa parte dos problemas elencados A aprovação de um deficit maior poderia até servir para quitar pagamentos atrasados que eram em grande medida o resultado do contingenciamento recorde de 2015 Mas os publicitários do governo queriam vender a ideia de que recorde de 2015 Mas os publicitários do governo queriam vender a ideia de que fariam um ajuste fiscal ainda mais rigoroso As contradições eram muitas Primeiro se o corte de gastos fosse ainda mais drástico do que o realizado pelo governo Dilma no ano anterior as obras mencionadas como inacabadas jamais seriam concluídas Segundo não havia ajuste fiscal possível sem o crescimento das receitas do governo o que por sua vez dependia da própria retomada do crescimento econômico Terceiro obras inacabadas só existem quando há obras iniciadas o que passava longe dos planos do governo Temer para o futuro O Brasil fechou o ano de 2016 com um deficit primário de 247 do PIB contra 188 em 2015 o pior resultado desde que começou a atual medição há quinze anos Em termos absolutos o deficit de 155791 bilhões de reais ainda ficou abaixo da meta estabelecida pelo governo de 163942 bilhões de reais graças ao aporte extraordinário de uma operação de repatriação de recursos no exterior As estimativas de resultado primário estrutural de Orair e Gobetti sugerem que retirados os efeitos do ciclo econômico sobre a arrecadação houve expansão fiscal em 2016 ao contrário de 2015 No entanto o crescimento dos investimentos públicos observado em 2016 de 135 por exemplo deveuse sobretudo ao pagamento de um volume substancial de restos a pagar referente a obras realizadas anteriormente O teto de gastos Em declaração feita em Nova York em 10 de outubro de 2016 o ministro da Fazenda Henrique Meirelles alertou que se a PEC do teto de gastos não fosse aprovada o Brasil teria de enfrentar alternativas muito mais sérias e muito piores para o país como a alta de impostos De fato o que a regra garantia por meio de uma alteração na Constituição é que independentemente de quanto se arrecadasse no futuro o debate econômico e o conflito distributivo sobre o orçamento público ficariam restritos por dez ou vinte anos a uma disputa sobre um total já reduzido de despesas primárias na qual os que detêm maior poder econômico e político saem vencedores Os dados apresentados no capítulo 2 mostraram que a deterioração fiscal verificada no Brasil nada tinha a ver com um crescimento mais acelerado das despesas primárias federais Tais despesas que graças à PEC cresceriam apenas com a inflação do ano anterior expandiramse menos entre 2011 e 2014 do que nos governos anteriores Em 2015 caíram quase 3 em termos reais O problema é que como vimos as receitas também cresceram menos O pagamento de juros por sua vez era responsável pela maior parte do aumento da dívida pública Embora o argumento comumente propagado fosse de que tais despesas apenas refletiam um equilíbrio de mercado o fato é que as sucessivas elevações da taxa básica em 2015 pelo Banco Central encareceram no mínimo a alta parcela dos juros paga sobre os títulos indexados à própria taxa Selic Nesse contexto a PEC do teto não era a panaceia anunciada no que tange à estabilização da dívida pública ou ao controle de uma inflação já em queda nem poderia prejudicar sua dinâmica ao tirar da mesa de discussão os três itens que mais explicavam o quadro de deterioração fiscal a falta de crescimento econômico a queda de arrecadação tributária e o pagamento de juros Pior ao contrário dos magistrados que pareciam ter força suficiente para conquistar reajustes em meio aos conflitos acirrados despesas com educação por aluno saúde por idoso ciência e tecnologia cultura assistência social e investimentos públicos sofreriam queda vertiginosa No Brasil a vinculação de recursos tributários para a educação pública teve origem na Constituição de 1934 e tem como fundamento a ideia de que para garantir direitos aos cidadãos é necessário atribuir deveres ao poder público O artigo 112 da Constituição de 1988 definia que a União nunca aplicaria menos de 18 da arrecadação de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino Em 2000 o mesmo princípio foi estendido para as despesas com saúde que inicialmente acompanhavam o crescimento do PIB e a partir de 2016 passaram a estar associadas à evolução da arrecadação total A exposição de motivos da PEC 24155 não esconde o jogo É essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso fixado como proporção da receita fiscal Em um governo transparente a PEC do teto de gastos deveria chamarse PEC da desvinculação de recursos Sob a alegação de que despesas obrigatórias engessavam o Orçamento a emenda alterou o mínimo destinado a essas áreas para o valor vigente quando da implementação da regra a ser ajustado apenas pela inflação do ano anterior Naquele contexto a União gastava com saúde e educação mais do que o mínimo constitucional Se no ano seguinte a União se ativesse a esse mínimo tal valor real passaria a funcionar como piso constitucional mesmo em caso de expansão da arrecadação O governo alegava tratarse de um mínimo e não de um teto de modo que não haveria necessariamente um congelamento real dos recursos destinados a essas áreas No entanto dada a previsão de crescimento dos gastos com benefícios previdenciários o teto global para as despesas de cada Poder tornaria inviável a aplicação de um volume maior de recursos nas áreas de saúde e educação públicas Na prática a PEC significou o abandono do princípio básico que norteou essas vinculações desde 1934 qual seja de que enquanto não chegarmos aos níveis adequados de qualidade na provisão de educação e saúde públicas eventuais aumentos na receita com impostos devem ter uma parcela mínima destinada à provisão desses serviços Embora haja sempre alguma margem para aumento na qualidade dos serviços pela maior eficiência sem elevação de despesas a evidência é de que houve melhora nos indicadores de resultado de ambas as áreas com a destinação maior de recursos na última década Ainda assim os gastos em educação e saúde per capita no Brasil se mantêm em níveis muito abaixo da média dos países da OCDE Com o crescimento populacional nas próximas décadas o congelamento se mantido implicará uma queda vertiginosa nesses indicadores O envelhecimento da população em particular reduzirá muito as despesas com saúde por idoso com consequências dramáticas sobre os mais vulneráveis A proposta disfarçava portanto a desistência de levar o Brasil um país com imensa desigualdade social aos níveis de qualidade de ensino e atendimento em saúde públicos das economias mais avançadas Já a reforma tributária o fim das desonerações fiscais o combate à sonegação de impostos e a abertura de espaço fiscal para a realização de investimentos em infraestrutura não apareciam nos planos de Meirelles A PEC 24155 não era um plano de ajuste e muito menos uma agenda de crescimento Tratavase de um projeto de longo prazo de desmonte do Estado de bemestar social brasileiro O Senado aprovou a PEC DO TETO NO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 2016 COM 53 VOTOS A FAVOR QUATRO A MAIS DO QUE O MÍNIMO NECESSÁRIO PARA MUDAR A C ONSTITUIÇÃO D ESDE ENTÃO O TETO DE GASTOS PASSARIA A SERVIR DE ARGUMENTO PRINCIPAL PARA A APROVAÇÃO DA REFORMA DA P REVIDÊNCIA COMO JÁ DEIXAVA CLARO UM EDITORIAL 85 da Folha de S Paulo de 14 de dezembro de 2016 As consequências de não mudar as regras da aposentadoria seriam dramáticas ou o governo se veria forçado a reduzir todas as outras despesas a ponto de comprometer ainda mais os serviços públicos ou teria de abandonar o teto Mas mesmo aprovando a reforma tal como estava proposta inicialmente o governo deixaria um problema para os seus sucessores Isso porque as economias geradas em pouco aliviariam o Orçamento na próxima década Enquanto não for revista a PEC do teto o dilema apresentado como hipotético no editorial será enfrentado por qualquer presidente eleito independentemente da aprovação ou não da reforma da Previdência Ou se achatam as outras despesas a ponto de sucatear serviços públicos e a infraestrutura do país ou se abandona a PEC Talvez por isso 60 da população tenha sido contrária à sua aprovação É sintomático que o próprio presidente Michel Temer tenha declarado86 em outubro de 2016 que a PEC poderia ser revista em quatro ou cinco anos Mas se angariar três quintos dos parlamentares é difícil até para um presidente da República do maior partido no Congresso abandonar a PEC não será tarefa fácil para quem quer que o suceda A doutrina do choque Em seu primeiro ano o governo Temer pôde contar com uma grande tolerância com o deficit fiscal elevado e a dívida pública crescente O livro A nova razão do mundo87 dos franceses Christian Laval e Pierre Dardot pode nos ajudar a entender o fenômeno Segundo os autores o neoliberalismo não seria uma doutrina econômica e sim um instrumento de desativação do jogo democrático Já dizia Margaret Thatcher A economia é o método O objetivo é mudar a alma A teoria econômica vem se mostrando bemsucedida em evitar as consequências de uma radicalização da democracia pela conquista de direitos e cidadania A solução sob o véu da técnica é criar outra forma de sujeição A liberdade menor é travestida de liberdade maior Vendese a ideia de que a falta de liberdade deriva da submissão a um sujeito para o qual a sociedade não deve nada o Estado O neoliberalismo é uma doutrina que promete a liberdade de escolha mas é vendida sempre sob o slogan da falta de alternativas E aquele Estado potencial garantidor das demandas dessa mesma sociedade por mais proteção social melhores serviços e maior igualdade de tratamento tornase um inimigo Não só no discurso mas também na prática pois a tal doutrina econômica encarregase de mantêlo sob o controle das oligarquias Friedrich Hayek em sua visita ao Chile de Pinochet não hesitou em deixar clara a sua preferência por uma ditadura liberal em vez de um governo democrático desprovido de liberalismo Hayek aliás esteve presente com Ludwig von Mises na reunião de 1938 em Paris em que se cunhou o termo neoliberalismo em uma reação ao que ambos enxergavam como uma ameaça quase tão perigosa quanto o nazismo e o comunismo o surgimento da social democracia aquela do New Deal de Roosevelt e do Estado de bemestar social britânico Mas foi nas crises que a agenda ganhou mais terreno Afinal seus teóricos costumam aproveitarse da distração da população para impor políticas impopulares como documentou Naomi Klein em seu livro A doutrina do choque Tendo aprendido bem com o golpe chileno Milton Friedman chega a descrever o furacão Katrina como uma oportunidade para reformar radicalmente o sistema educacional de Nova Orleans A maior parte do sistema de ensino público da cidade foi privatizada em dezenove meses A crise econômica brasileira também se mostrou uma oportunidade de ouro para bloquear agendas democráticas crescentes das mulheres dos movimentos sociais das minorias e da juventude e viabilizar uma agenda ideológica de redução do tamanho do Estado No jogo político travado em Brasília e na grande mídia durante o segundo semestre de 2016 as pressões cada vez mais ferozes pela aprovação das reformas que reduziriam estruturalmente o papel do Estado na economia e a provisão de uma ainda frágil rede de proteção social deixavam claro que o bloco formado para derrubar a presidente Dilma Rousseff não era tão coerente quanto parecia à primeira vista Por um lado o PMDB um partido que sempre se alimentou do tamanho do Estado em seu fisiologismo utilizavase de um discurso neoliberal de ocasião para conquistar o apoio dos que faziam oposição ao governo Dilma Rousseff Por outro lado o Partido da Social Democracia Brasileira PSDB e seus simpatizantes cientes de que jamais ganhariam uma eleição com a agenda de retrocessos que defendiam conseguiam do PMDB que fizesse o trabalho sujo para o que calculavam seria seu governo a partir de 2018 Diante de pressões crescentes pela aprovação das chamadas reformas estruturais que chegaram até mesmo às atas do Banco Central o governo Temer se esforçava para convencer seus apoiadores de que estava comprometido com o ajuste e com as reformas Uma reportagem88 do jornal Valor Econômico de 12 de setembro de 2016 fazia crer que o ministrochefe da Casa Civil Eliseu Padilha vinha aprendendo teoria do Estado com os discípulos de Margaret Thatcher Padilha defendeu que não existe dinheiro público já que todos os recursos arrecadados pelo governo vêm do setor privado por meio de pagamento de impostos Nos bastidores do poder no entanto o debate econômico parecia se dar ainda entre os que insistiam em afirmar que não havia dinheiro para o que pedia a sociedade e os que achavam que o dinheiro não tinha dono podendo ser apropriado ad eternum pelas velhas oligarquias Oligarquias que proporcionalmente à sua renda são as que menos contribuem para o Orçamento Valsa brasileira Juros e inflação Após elevar a taxa de juros básica nas cinco primeiras reuniões de 2015 o Banco Central manteve a Selic em 1425 até outubro de 2016 Em termos reais ou seja descontando a inflação realizada a taxa básica atingiu um mínimo de 23 no segundo semestre de 2015 período de alta inflação acima de 9 no acumulado em doze meses ficou estável até o fim do ano e passou a subir ao longo de 2016 e início de 2017 com a queda da inflação Em outras palavras mesmo mantendo a taxa de juros nominal o Banco Central realizou uma política monetária contracionista em 2016 pois elevou os juros reais Já em 2015 a aceleração da inflação mais do que superou a elevação dos juros nominais fazendo a taxa real cair Em 19 de janeiro de 2016 Alexandre Tombini que estava à frente do Banco Central tomou a iniciativa inédita de divulgar uma Nota à Imprensa comentando a mudança nas projeções do FMI sobre o Brasil O FMI tinha revisado a previsão de crescimento do PIB do Brasil de 10 para 35 em 2016 e de 23 para 0 em 2017 atribuindo a fatores não econômicos as razões para esta rápida e pronunciada deterioração das previsões A nota de Tombini considerava essas revisões significativas e anunciava que a reunião do Copom que começava naquele dia as levaria em consideração O mercado entendeu o anúncio como uma antecipação da decisão do Copom que acabou mesmo optando pela manutenção da taxa por seis votos a dois No dia em que Tombini soltou a nota as expectativas do mercado atribuíam 75 de probabilidade a uma alta de 050 ponto e 23 a uma alta menor de 025 ponto na Selic Depois dos comentários do presidente do Banco Central disparou para 77 a chance de a Selic subir 025 ponto Na ocasião exdiretores do Banco Central se disseram perplexos com a atitude de Tombini que também desconcertou os analistas econômicos89 Alguns economistas90 atribuíram a não elevação da taxa Selic em meio à alta inflação que marcou o segundo semestre de 2015 e o início de 2016 a um cenário de dominância fiscal De acordo com essa versão os sucessivos deficits orçamentários do governo estariam forçando o Banco Central a manter a taxa de juros em um patamar abaixo da que controlaria a inflação para impedir uma explosão da dívida pública Apesar de a manutenção da Selic ter elevado um pouco as expectativas inflacionárias o real tinha iniciado sua tendência de valorização algumas semanas antes daquela reunião e o cenário recessivo continuava freando a expansão dos salários e a inflação de serviços A decisão se justificava plenamente a partir da utilização dos próprios modelos econômicos do Banco Central O recurso às projeções de crescimento do FMI na nota publicada por Tombini apenas serviu para desnudar o caráter político de uma decisão que nesse caso poderia ter sido técnica Já a atuação do Banco Central no primeiro semestre de 2015 parecia pouco justificada Diante do reajuste brusco nos preços administrados elevou sucessivas vezes os juros e prejudicou o controle da dívida pública sem sequer obter sucesso no controle da inflação Quanto à necessidade do aperto monetário em 2016 vale a pena esclarecer que a queda da inflação acumulada em doze meses não se iniciou após Goldfajn assumir o comando do Banco Central o índice atingiu o auge em janeiro de 2016 quando passou a cair rapidamente Os boxes de decomposição da inflação nos Relatórios de Inflação de 2015 e 2016 apresentam estimativas baseadas nos modelos de projeção do Banco Central e permitem mapear os principais fatores determinantes da queda da inflação no período Segundo essa metodologia o reajuste de preços administrados contribuiu para uma variação de 41 pontos percentuais do IPCA em 2015 Ou seja 384 da inflação do ano que foi de 1067 deveuse diretamente ao reajuste em preços estabelecidos por contrato e que independem portanto de condições de oferta e demanda Incluem tarifas de energia elétrica água esgoto transporte e preços de combustíveis Em 2016 a contribuição do aumento desses preços caiu de 41 pontos para 064 ponto O outro fator que explica boa parte da queda da inflação entre 2015 e 2016 é o repasse cambial O dólar também reverteu sua tendência de alta e passou a cair em janeiro de 2016 Como vimos por afetar diretamente os preços de insumos importados altas do dólar são repassadas para outros preços da economia Permitem também que os produtores nacionais reajustem seus preços sem perder competitividade em relação aos estrangeiros sem perder competitividade em relação aos estrangeiros Em 2015 o efeito do repasse cambial foi de 157 ponto percentual o que respondeu por 147 do total da inflação do ano Em 2016 esse componente passou a contribuir para uma redução no IPCA de 017 ponto percentual Já o efeito dos choques de oferta que incluem por exemplo altas de preços de produtos agrícolas por mudanças nas condições climáticas foi de 086 ponto percentual em 2015 e de 067 ponto em 2016 Sobrou pouco portanto para fatores que poderiam estar ligados a uma suposta mudança de orientação de política econômica e maior credibilidade do BC O componente expectativas de inflação contribuiu com 073 ponto percentual da inflação em 2015 e 069 ponto em 2016 tendo ampliado sua participação no total Já o componente inercial que mede o quanto a inflação do ano deveuse ao carregamento da inflação do ano anterior pela indexação de contratos por exemplo contribuiu com 05 ponto percentual da inflação de 2015 e 184 ponto percentual da inflação de 2016 Ou seja a aceleração da inflação em 2015 respondeu por 292 da inflação do ano seguinte um efeito que certamente se dissiparia sem a necessidade de manter os juros elevados Por fim os demais fatores que afetam preços livres incluindo condições de demanda desemprego e salários contribuíram com 291 pontos percentuais para a inflação em 2015 e 262 pontos em 2016 Ou seja um ano antes do início do ciclo mais forte de redução da taxa de juros nominal o primeiro corte de 075 ponto percentual ocorreu em janeiro de 2017 já estava claro que passado o choque inflacionário causado pelo reajuste dos preços administrados e sem que houvesse um novo choque cambial a inflação convergiria inevitavelmente para a meta O efeito desinflacionário da enorme capacidade ociosa da indústria e do desemprego galopante era mencionado nas próprias atas do Copom que mesmo assim continuou elevando a taxa de juros real Na ausência de choques em preços de alimentos taxa de câmbio preços administrados ou outros elementos que afetam os custos dos produtores é de se esperar que quanto maior o desemprego menor o crescimento dos salários e menor a taxa de inflação Essa relação negativa entre desemprego e inflação foi demonstrada pelo economista neozelandês William Phillips em 1958 e por isso é chamada de Curva de Phillips Inflação mais baixa e taxa de juros em queda são portanto sintomas do desemprego alto e da crise econômica profunda vivida portanto sintomas do desemprego alto e da crise econômica profunda vivida pelo país Ainda assim o governo Temer celebrou a redução da taxa de juros e da taxa de inflação como indicadores econômicos que sinalizavam o fim da crise Essa atribuição do ônus do desemprego ao governo Dilma e do mérito da inflação baixa ao governo Temer deixaria Phillips um tanto constrangido Além disso a redução da taxa de juros era uma condição necessária para que o país parasse de cavar o fundo do poço da recessão mas não era condição suficiente para uma retomada Falsos pilares Na tentativa de atrair investidores estrangeiros para as concessões na área de infraestrutura o secretário do Programa de Parceria de Investimentos PPI Moreira Franco distribuiu em setembro de 2016 em reunião em Nova York um documento de propaganda que tratava a insegurança jurídica a instabilidade regulatória a má gestão e a intervenção excessiva do Estado como águas passadas no Brasil Segundo o mesmo documento o fracasso na atração de fundos para o programa de concessões ao setor privado nos diversos setores de infraestrutura nos últimos anos seria o resultado da miopia ideológica e do oportunismo político do governo anterior do qual Moreira Franco participou ativamente Parecia pouco razoável porém que a instabilidade política e institucional do país após a derrubada de Dilma Rousseff combinada à falta de sinais claros de retomada da economia e aos escândalos de corrupção envolvendo membros do governo avalizasse essa segurança prometida aos investidores Em todos os países do mundo é muito difícil obter diretamente no mercado o financiamento de longo prazo necessário para a realização de obras de infraestrutura Assim apesar de ter reduzido o teto de participação do BNDES no total financiado e eliminado o empréstimoponte que ocorria antes do início das obras o programa apresentado por Moreira Franco ainda previa que um total de 30 bilhões de reais seria disponibilizado por bancos públicos para as concessões dos quais 12 bilhões do FI FGTS da Caixa Além disso BNDES Banco do Brasil e Caixa assumiriam todo o risco na emissão de debêntures dos potenciais interessados No que tange a rodovias ferrovias portos e aeroportos leiloados as mudanças em relação ao PIL anunciado um ano antes pelo governo Dilma eram ainda mais marginais O problema é que mesmo se o programa fosse bem sucedido e priorizasse novos investimentos por parte das concessionárias a maior parte dos leilões estava prevista apenas para meados de 2017 O início das obras seria ainda mais tardio Em fevereiro de 2017 o governo anunciou um pacote de medidas que atrairia um total de 3712 bilhões de reais de investimentos privados nos próximos dez anos Segundo Marcos Ferrari do Ministério do Planejamento a ideia era destravar investimentos sem que a União gaste um centavo O pacote chegou a ser chamado por Ferrari de o quarto pilar para a retomada do crescimento os três primeiros sendo a contenção da inflação o controle de gastos e a reforma da Previdência Ou seja a política de cortes de investimentos públicos que contribuía com a escalada do desemprego o aprofundamento da recessão e a deterioração do quadro fiscal desde 2015 era encarada como motor de retomada As medidas consolidavam a aposta do governo em concessões e incentivos diversos ao capital privado como forma de estimular a economia A estratégia que já vinha sendo adotada desde o início da desaceleração econômica em 2011 foi acrescida de algumas medidas para atrair mais capital estrangeiro Em particular o governo facilitou a venda de terras para estrangeiros e limitou as exigências de conteúdo local na exploração do présal No pacote anunciado as únicas ações que iam no sentido correto de estimular componentes autônomos da demanda agregada apenas reforçavam o velho caráter concentrador de renda do Estado brasileiro Era o caso por exemplo dos estímulos ao investimento residencial via aumento na faixa máxima do Programa Minha Casa Minha Vida para 9 mil reais e autorização do uso do FGTS para compra de imóveis de até 15 milhão A fadinha da confiança A queda acumulada do PIB desde o fim de 2014 alcançava 72 em níveis absolutos e 91 em termos per capita no fim de 2016 O ritmo de contração da economia que diminuiu entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2016 parece ter acelerado desde o fim do processo de impeachment Ao contrário do prometido a troca de liderança não foi suficiente para o retorno à estabilidade e a retomada dos investimentos Após o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência a média das expectativas de crescimento do PIB de 2017 reunidas no Boletim Focus havia subido de 024 em abril de 2016 para 134 em setembro No início de 2017 já girava em torno de 05 e muitos analistas descartavam qualquer crescimento para o ano Essa deterioração veio mesmo com a melhoria do cenário externo o índice de preços de commodities do FMI reverteu sua trajetória de queda e subiu 348 entre fevereiro de 2016 e março de 2017 O desemprego alcançou 12 no fim do ano tendo subido 3 pontos percentuais desde o fim de 2015 O ano marcou também uma nova queda dos rendimentos reais médios dos trabalhadores ocupados de 05 Quase não há registro histórico de uma crise dessa magnitude em um país com tamanho instituições e renda per capita minimamente comparáveis aos nossos Sobretudo fora de um contexto de crise financeira Em 2015 só a Rússia entre os 46 que constam da base de dados da OCDE também passou por uma recessão Ainda assim mesmo sofrendo sanções econômicas de Estados Unidos União Europeia Japão e Canadá pelo conflito na Ucrânia a queda acumulada foi de cerca de 4 no biênio 20156 No Brasil nem a crise da dívida da década de 1980 nem o confisco da poupança em meio à hiperinflação tiveram efeitos recessivos tão profundos ou duradouros A economia mexicana caiu menos de 4 quando declarou a moratória da dívida em 1982 Atribuir todo o colapso a uma irresponsabilidade com as contas públicas ou ao descontrole de preços parece pouco plausível Em manchete91 quase lacaniana o jornal Valor Econômico alertou no dia 14 de novembro de 2016 que sem endosso da realidade a economia se descola da expectativa A reportagem destacava o completo descolamento desde outubro de 2015 dos índices de confiança construídos a partir das expectativas futuras dos agentes consumidores e empresários daqueles que se baseiam na situação atual da economia Esqueceuse de notar no entanto que mesmo os índices de confiança baseados na situação atual estavam completamente descolados da própria realidade econômica do país que se agravava a cada dia Em 2011 Paul Krugman criou um personagem místico hoje mundialmente conhecido para ironizar a defesa do corte de gastos públicos como solução para a crise econômica Segundo Krugman alguns governos pareciam acreditar que se cortassem seus gastos e só por isso uma fadinha da confiança apareceria para recompensálos com investimentos e gastos do setor privado estimulando a economia Em debate com Krugman em março de 2015 Robert Skidelsky professor emérito da Universidade de Warwick e biógrafo de John Maynard Keynes defendeu a ideia de que a retórica da austeridade por mais equivocada que fosse poderia deteriorar as expectativas dos agentes o suficiente para tornar fracassada uma política de estímulo fiscal em meio à crise Em outras palavras o discurso em prol do ajuste fiscal poderia fazer com que a política correta de expansão de investimentos públicos como forma de saída da crise perdesse sua capacidade de estímulo pois levaria à perda de confiança dos investidores Krugman no entanto insistiu que a mera retórica e seu efeito sobre as expectativas não seriam suficientes para alterar o resultado de políticas fossem elas equivocadas ou acertadas Um mês depois Skidelsky daria razão ao colega em artigo publicado pelo jornal The Guardian92 O fator confiança afeta o processo decisório do governo mas não afeta o resultado de suas decisões A não ser em casos extremos a confiança não pode fazer com que uma má política obtenha bons resultados e sua ausência não pode fazer com que uma boa política obtenha maus resultados não mais do que pular de uma janela com a crença equivocada de que seres humanos podem voar eliminaria o efeito da gravidade No Brasil o misticismo ainda estava em alta mesmo com o fracasso retumbante do corte de gastos e investimentos públicos desde 2015 como forma de estímulo aos investimentos privados ou de estabilização da dívida pública Sem qualquer aos investimentos privados ou de estabilização da dívida pública Sem qualquer preocupação em transformar uma convicção ideológica em predição científica passível de refutação respondiase sempre que se não se viam sinais de retomada é porque a política não tinha sido realizada com vigor suficiente Diante do descolamento entre a confiança dos agentes e a economia real optouse por considerar que fatores inesperados fizeram com que a economia se descolasse das expectativas ao invés de admitir que as expectativas estavam contaminadas pela retórica política e que sendo esse o caso a economia não necessariamente iria obedecêlas Mas o ajuste fiscal tampouco explica o tamanho do buraco em que nos metemos As repercussões da Operação Lava Jato as aberrações do nosso sistema político e o trocatroca de ministros pelos piores motivos por exemplo têm de ser levados em conta O governo Temer não parece ter vindo para assegurar a estabilidade política superar o caos institucional ou colocar o país nos trilhos O fracasso revelado No dia 29 de março de 2017 o governo anunciou que teria de fazer um contingenciamento de despesas para o cumprimento da meta fiscal do ano O total contingenciado seria de 421 bilhões de reais sendo 105 bilhões nos investimentos públicos A necessidade de contingenciar recursos limitar o empenho e a movimentação financeira com rubricas previamente aprovadas no Orçamento pouco surpreendeu os analistas Só mesmo os que caíram na estratégia de marketing do próprio governo ainda esperavam que se concretizassem as expectativas otimistas para o crescimento da economia e para a arrecadação federal que nortearam a aprovação do Orçamento de 2017 Era evidente também que o governo estava refém de uma base de apoio ao impeachment que interditava um ajuste mais equilibrado com elevação de impostos para os que pouco pagam Do valor total do bloqueio de 582 bilhões anunciado só 161 bilhões referiamse a um aumento da arrecadação Desses no entanto 101 bilhões viriam de receitas extraordinárias oriundas da concessão de hidrelétricas Ou seja a parte do ajuste que se daria pela via tributária resumiase a 6 bilhões dos quais 48 bilhões referiamse à eliminação da desoneração da folha de pagamentos para alguns setores e 12 bilhão à cobrança de IOF sobre cooperativas de crédito O valor total do contingenciamento era muito próximo por exemplo do total de recursos liberados pela autorização de saque de contas inativas do FGTS pelo governo que foi de 436 bilhões A estimativa era que a maior parte desses saques fosse utilizada para pagar dívidas e que apenas um valor entre 12 e 16 bilhões fosse de fato injetado na economia via consumo das famílias O contingenciamento anunciado tinha portanto um efeito contracionista de magnitude maior do que esse estímulo A inflação mais baixa o início da trajetória de queda da taxa de juros básica e a aprovação da PEC do teto de gastos ainda eram vendidos pelo governo como sinais de sucesso Para os mais de 12 milhões de desempregados país afora a taxa de inflação Para os mais de 12 milhões de desempregados país afora a taxa de inflação mais baixa não chegava a ser motivo para jogar confetes Afinal salários e preços já vinham crescendo menos Os ganhos de poder de compra daqueles que ainda tinham renda crescente por sua vez dificilmente compensavam do ponto de vista do impacto no consumo a falta de renda dos que perderam seus empregos Quanto aos juros básicos em queda ainda sem repercussão sobre as taxas de juros reais cobradas pelos bancos tampouco eram suficientes para estimular o consumo e os investimentos Finalmente sem ter contribuído em nada para resolver os problemas fiscais no curto prazo que eram fruto de uma queda brutal na arrecadação a PEC 55241 apresentouse mais como um obstáculo do que como uma saída para a crise econômica Isso porque até mesmo aumentos de impostos que serviriam para cobrir parte do rombo fiscal do ano não poderiam ser utilizados para estimular a economia Nesse contexto o engajamento na reforma da Previdência cuja popularidade era baixa até mesmo entre os parlamentares da base aliada o agravamento da crise nos estados e a perda de apoio de parte do empresariado em razão da falta de perspectivas de retomada do crescimento tornavam o horizonte nebuloso até 2018 Depois que as gravações de suas conversas com Joesley Batista no âmbito das delações da JBS inauguraram a maior crise de seu governo o presidente Temer defendeu sua permanência no poder com o argumento da melhora da economia desconsiderando os resultados desastrosos nessa área Um mês depois dos escândalos envolvendo a JBS que levaram à denúncia de Temer pela ProcuradoriaGeral da República por crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça uma manchete do jornal Valor Econômico revelava que o custo de apoio ao presidente tinha subido muito nas últimas semanas Os dados do Siafi o sistema de gastos orçamentários do governo federal analisados pela agência Reuters indicavam que o total de recursos liberados em 2017 para emendas parlamentares e restos a pagar passou de 959 milhões de reais para 15 bilhão só naquele mês Ou seja apenas no mês de junho essa rubrica que como se sabe engloba uma moeda universalmente aceita no mercado de compra de apoio no Congresso teria somado 529 milhões quase o valor liberado no acumulado do ano até a divulgação das delações da JBS No debate que antecedeu a aprovação da PEC 24155 muito se falou sobre supostos ganhos de eficiência na alocação dos recursos públicos Segundo os defensores da medida ao deparar com um limite rígido de despesas o governo seria obrigado a gastar com o que realmente importava Mas na feira do apoio parlamentar de 2017 garantiuse primeiro o Orçamento para a rejeição à denúncia e depois para a aprovação das reformas Enquanto isso o reajuste do Bolsa Família foi suspenso por falta de dinheiro e a volta da emissão de passaportes interrompida pela Polícia Federal exigiu a retirada de recursos de outras áreas Afinal a arrecadação maior em taxas de emissão não importava em nada para o cumprimento do teto de despesas Achar que bastaria impor um teto rígido de despesas para livrarnos do fisiologismo era muita ingenuidade Em meio às exigências de austeridade a conquista de apoio parlamentar a única tecnologia de governo dominada pelo grupo de Temer consumia boa parte do Orçamento Infelizmente cada novo escândalo fez com que se gastasse mais para manter coesa a base aliada e consequentemente com que sobrassem menos recursos ainda para as áreas prioritárias A permanência de Temer na Presidência não era apenas vergonhosa custava caro para a população Ainda assim em 26 de junho de 2017 o presidente da Fiesp Paulo Skaf declarou que não cabia à Fiesp falar sobre renúncia de presidente da República Cabe à Fiesp discutir economia não política explicou Quando indagado sobre por que então a Fiesp tinha declarado apoio formal ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 Skaf atribuiu a mudança de posição da federação à suposta melhora no cenário econômico enquanto Dilma teria jogado o país na recessão Temer teria controlado a inflação reduzido juros e estaria aprovando as reformas estruturais Não há como comparar uma situação com a outra justificou Fica difícil identificar o que há de mais contraditório nessas declarações Mesmo se fosse verdadeira a assertiva de que a situação econômica do país melhorou significativamente após a entrada de Temer Skaf deixa a nu que eventuais crimes cometidos por um ou por outro pouco importam Seria legítimo derrubar um presidente apenas porque a economia vai mal ou manter no poder um presidente criminoso apenas porque a economia vai bem Não era portanto a política que passava longe das preocupações da Fiesp e sim a democracia e as leis do país leis do país Mas as contradições não pararam por aí O apoio a quase todas as políticas equivocadas que marcaram os últimos seis anos das desonerações ao represamento de tarifas e ao ajuste fiscal pela via do corte de gastos não bastava à Fiesp No dia 20 de julho de 2017 o governo anunciou junto com um bloqueio adicional de 59 bilhões de reais em gastos no Orçamento federal um aumento da tributação sobre os combustíveis A Fiesp é claro não decepcionou inflou o pato e colocouo de volta em frente à sua sede na avenida Paulista Em agosto no que pode ser interpretado como mais um passo rumo ao abandono definitivo de um dos pilares do chamado tripé macroeconômico instituído no país em 1999 o governo anunciou uma revisão das metas fiscais dos próximos quatro anos adiando para 2021 qualquer previsão de superavit primário Os deficits previstos passaram de 139 bilhões 129 bilhões e 65 bilhões em 2017 2018 e 2019 respectivamente para 159 bilhões nos próximos dois anos e 139 bilhões em 2019 Assim em 2020 ao invés do superavit de 10 bilhões de reais o governo passou a prever um deficit de 65 bilhões Se o plano for cumprido o que é difícil de acreditar para quem assistiu a quatro pedidos de redução da meta desde o início do ajuste fiscal viveremos um total de sete anos de deficits primários no Brasil Tais perspectivas surpreendem menos pelo resultado em si que nos aproxima de um grande número de países que vêm praticando deficits primários anualmente e mais pela tranquilidade com que foram recebidas em um país que costumava se orgulhar de seus vultosos superavits primários de 3 do PIB Subitamente conscientes de que o governo não é capaz de controlar o total que arrecada uma das principais críticas feitas ao regime fiscal brasileiro desde sua implementação muitos analistas passaram a atribuir ao superavit primário um caráter apenas residual A única meta efetiva passou a ser o teto de gastos O que é curioso nessa abordagem é que ela parece deixar claro que a preocupação principal não era mesmo com a dinâmica da dívida pública Afinal sua estabilidade em relação ao PIB depende da obtenção de superavits primários eou da queda da taxa de juros que incide sobre a dívida e da retomada do crescimento Pouco importa do ponto de vista do controle da dívida se tais superavits são obtidos pelo aumento de impostos sobre os mais ricos ou pelo corte de serviços públicos por exemplo Mas o caminho tomado passou a ser não apenas o de evitar a qualquer preço o aumento de impostos como forma de ajuste mas também o de abandonar o próprio controle da dívida pública como objetivo primordial da política macroeconômica O problema é que esse abandono não se deu em nome de uma expansão de investimentos em infraestrutura ou educação que traria retorno de longo prazo para o país Tampouco se deu para a adoção de um regime fiscal mais alinhado com o de outros países O que presenciamos foi o abandono das metas de superavit primário em nome da redução do tamanho do Estado que passou a ser um fim em si mesmo No relatório intitulado Um ajuste justo análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil publicado em novembro de 2017 o Banco Mundial realizou um diagnóstico do que sua equipe técnica considera os principais desafios fiscais brasileiros e destacou A princípio a redução dos gastos não é a única estratégia para restaurar o equilíbrio fiscal mas é uma condição necessária Certamente há escopo para aumentar a tributação dos grupos de alta renda por exemplo por meio de impostos sobre a renda patrimônio ou ganhos de capital e reduzir a dependência dos tributos indiretos que sobrecarregam os mais pobres Tais medidas não são discutidas em detalhe neste relatório mas deveriam fazer parte da estratégia de ajuste fiscal Em outras palavras apesar de admitir que há outros caminhos possíveis para o ajuste justo o estudo não se desviou do que já vem dominando o debate econômico desde 2015 o corte de despesas com serviços públicos e benefícios sociais Para justificar a exclusão dos outros caminhos possíveis o texto afirma que em relação a outros países latinoamericanos o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais O rápido crescimento das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas impulsionado por fatores estruturais Embora a receita decrescente e as altas taxas de juros entre 2014 e 2016 tenham influenciado esse resultado o rápido crescimento das despesas primárias foi o motivador estrutural da deterioração fiscal Ou seja o ajuste fiscal teria de se dar pela via do corte de gastos sociais por duas razões Primeiro porque o nível atual desses gastos seria alto se comparado ao de outros países da América Latina Além de ignorar o tamanho de nossa população tal constatação sugere que a sociedade brasileira não tem a possibilidade de realizar uma escolha democrática por uma rede de serviços públicos e de proteção social mais em linha com a de países ricos e de cobrar mais impostos no topo da pirâmide por exemplo Segundo porque o crescimento mais acelerado das receitas nos anos 2000 teria apenas camuflado o crescimento estrutural das despesas A desaceleração teria trazido à tona a realidade as receitas estariam condenadas a crescer menos que as despesas Em outras palavras os anos 2000 seriam a exceção a estagnação da economia brasileira é que seria a regra Como vimos é verdade que os anos 2000 foram marcados por um boom de commodities que beneficiou a arrecadação do governo e que as despesas com benefícios sociais cresceram acima do PIB ao longo das últimas décadas Mas o que pode condenar a economia brasileira a reproduzir o desempenho pífio das receitas que teve entre 2011 e 2016 é em parte a própria austeridade Afinal o próprio Banco Mundial prevê que para o cumprimento do teto de gastos seria necessário reduzir o Orçamento do governo federal em 25 na próxima década Mesmo com a aprovação da reforma da Previdência os cortes ficariam muito aquém desse patamar A década perdida Ainda que tenha contado com a ajuda de fatores temporários como a supersafra de soja e a liberação para o saque de contas inativas do FGTS os números do PIB dos primeiros trimestres de 2017 mostraram que a economia do país parou de piorar O fundo do poço chegou cerca de um ano depois do previsto mas chegou Após oito trimestres consecutivos de queda o crescimento de 1 do PIB no primeiro trimestre foi suficiente para lançar o presidente Temer em uma incursão ao país das maravilhas Acabou a recessão Isso é resultado das medidas que estamos tomando O Brasil voltou a crescer E com as reformas vai crescer mais ainda celebrou Temer nas redes sociais A pílula de sobriedade foi ministrada pelo Financial Times Brasil rasteja da recessão após supersafra de soja foi o comentário do jornal93 aos mesmos dados E o crescimento de 134 no setor agropecuário que explica o resultado agregado positivo do trimestre dificilmente poderia ser atribuído a medidas tomadas pelo governo Embora o governo tenha seguido à risca o programa econômico desejado pela maior parte dos analistas a economia real tratou de mostrar que funciona de forma diferente Há um ano todos imaginavam que a economia brasileira poderia voltar a crescer a partir do aumento de confiança que geraria investimentos renda e consumo admitiu o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn em entrevista publicada no jornal Folha de S Paulo no dia 26 de agosto de 201794 Essa ordem está um pouco diferente percebeu Goldfajn Para bater no investimento a confiança tem que passar o obstáculo da capacidade ociosa que ainda é muito grande completou o presidente do Banco Central em diagnóstico plenamente compatível com a visão da crise apresentada neste livro A declaração de Goldfajn veio alguns dias antes da divulgação dos números do PIB que apontaram no segundo trimestre de 2017 o primeiro crescimento no consumo das famílias após oito trimestres de queda e um de variação nula Muitos analistas atribuíram a expansão de 14 no consumo entre abril e junho à política de liberação das contas inativas do FGTS O item foi o responsável pelo modesto crescimento de 02 do PIB no segundo trimestre O crescimento no terceiro trimestre foi de apenas 01 mas pela primeira vez desde o início da crise houve aumento de 16 dos investimentos A reação modesta da compra de máquinas e equipamentos é efeito em boa parte da própria expansão do consumo das famílias desde março Além dos saques das contas inativas do FGTS esse componente também contou com a ajuda da liberação de 16 bilhões de reais de contas antigas do PISPasep concedida pelo governo para aposentados a partir de setembro A revisão dos números do PIB em dezembro de 2017 indicou que a recessão de 20156 não foi a mais profunda da série histórica De acordo com os números revistos a economia encolheu 82 na crise de 20156 ante queda de 85 do PIB na de 19813 Os dados anteriores apontavam contração de 86 na crise mais recente A diferença de quatro décimos é pequena mas suficiente para interditar nas análises econômicas a expressão a maior crise da nossa história O problema é que mesmo que não tenha sido a mais profunda a crise dos últimos anos foi longa e o que é pior parece estar sendo sucedida pela mais lenta das recuperações Tomemos como parâmetro as três maiores crises medidas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos Codace A primeira esta sim a maior de nossa história teve início no primeiro trimestre de 1981 e durou nove trimestres com o vale que também é conhecido por fundo do poço tendo sido atingido no primeiro trimestre de 1983 Dali em diante a economia levou sete trimestres para retornar ao PIB précrise que só foi superado no fim de 1984 A segunda entre nossas maiores recessões foi a que vigorou entre o terceiro trimestre de 1989 e o primeiro trimestre de 1992 A queda nesse caso foi mais longa durou onze trimestres mas sua magnitude foi um pouco menor 77 no acumulado Ainda assim a velocidade de recuperação foi a mesma que na crise anterior no fim de 1993 após sete trimestres a economia atingiu seu nível pré crise Segundo o Codace a crise de 20156 teve início no segundo trimestre de 2014 e durou onze trimestres ficando empatada com a recessão de 198992 no posto de mais longa da nossa história Passados três trimestres desde o fundo do poço que foi atingido em dezembro de 2016 a economia ainda encontrase em um nível 62 menor do que o que vigorava em março de 2014 em um nível 62 menor do que o que vigorava em março de 2014 Se a economia brasileira crescer 2 ao ano a partir de 2018 por exemplo o PIB précrise só será atingido em dezembro de 2021 somando nada menos do que vinte trimestres de recuperação E mesmo se o crescimento a partir de 2018 fosse de 3 como projetam aqueles que ignoram os efeitos contracionistas que o teto de gastos e a contração cada vez maior dos investimentos públicos terão sobre a economia o PIB précrise só seria superado em junho de 2020 catorze trimestres depois de o fundo do poço ter sido atingido Os dados também mostram que na recuperação mais lenta da história 75 dos empregos criados em 2017 foram informais sem carteira assinada ou por conta própria e que o restante foi gerado no setor público Diante de uma economia que ainda patina portanto a pergunta é se o que teremos pela frente é uma década de relativa estagnação do PIB per capita como nos anos 1980 ou de expansão da renda média e geração de empregos formais como nos anos 2000 Em meio ao desemprego alto à renda estagnada e ao alto endividamento herdado dos anos 2000 as medidas de estímulo ao consumo tomadas em 2017 atuaram como um atalho para uma retomada circunstancial na medida em que a expansão do crédito não é um caminho desejável ou sustentável de retomada em meio ao alto endividamento e à estagnação da renda que ainda marcam o contexto atual Uma recuperação capaz de reduzir de uma vez por todas a capacidade ociosa das empresas e dar início a um novo ciclo de expansão dos investimentos privados depende de aumentos mais substantivos da renda e do nível de emprego Mas se uma recuperação substantiva do consumo das famílias e dos investimentos privados requer uma retomada da própria economia seria necessário algum outro motor mais autônomo para nos tirar da estagnação Como se viu no capítulo 1 talvez o principal motor do crescimento nos anos 2000 tenha sido o aumento da demanda pelos produtos que exportamos em grande parte resultado do desempenho excepcional da economia chinesa Embora o cenário externo desfavorável que se seguiu àquele período também tenha chegado ao fim em 2016 não parece haver dinamismo suficiente em vista na economia mundial para que esta volte a atuar como um motor de crescimento da economia brasileira Além disso durante o período do Milagrinho o crescimento maior da Além disso durante o período do Milagrinho o crescimento maior da economia e o boom nas commodities abriram espaço no Orçamento para uma forte expansão dos investimentos do governo Como ficou claro desde 2015 essa é a rubrica que mais sofre cortes em meio às restrições orçamentárias Ou seja sem uma revisão da PEC do teto de gastos é seguro afirmar que os investimentos públicos em infraestrutura não atuarão como motor de crescimento na próxima década A progressiva extinção dos mecanismos de financiamento de longo prazo a juros subsidiados também deve dificultar que o setor privado assuma esse papel Para evitar outra década perdida não basta parar de cavar o fundo do poço É preciso parar de destruir as cordas que nos permitiriam sair dele 4 Acertando os passos As condições econômicas favoráveis que caracterizaram a segunda metade dos anos 2000 permitiram ao expresidente Lula compatibilizar a manutenção da alta parcela da renda destinada ao 1 mais rico da população com a elevação do nível de emprego formal e dos salários e a redução da disparidade entre o salário mínimo e o salário médio da economia O ganhaganha garantiu ao expresidente a sua base de sustentação política abrindo espaço para que uma parte maior do Orçamento público fosse destinada a programas sociais aos gastos com saúde e educação e aos investimentos em infraestrutura Desde 2011 a desaceleração econômica trouxe de volta um acirramento dos conflitos distributivos sobre a renda e o Orçamento público A inflação de serviços que crescia com os salários de trabalhadores menos qualificados deixou de ser compensada pelo menor custo dos produtos e insumos importados que era fruto da valorização cambial e passou a causar maior descontentamento As sucessivas tentativas de resolver tais conflitos priorizando o lado mais influente da barganha ora pela via da concessão cada vez mais ampla de desonerações fiscais e subsídios às margens de lucro dos empresários entre 2012 e 2014 ora pela via da elevação do desemprego redução de salários e ameaça aos direitos constitucionais desde 2015 não tiveram efeito na estabilização da economia A experiência brasileira durante o Milagrinho quando a redução das desigualdades salariais e o crescimento econômico retroalimentavamse em um círculo virtuoso que beneficiou não apenas os mais pobres como também os mais ricos não parece ter sido suficiente para convencer boa parte da elite econômica do país de que a democracia e a inclusão social rendem bons frutos Pior Das desonerações e subsídios do primeiro mandato ao ajuste fiscal no segundo o governo Dilma cumpriu à risca a lista de exigências das elites empresariais e financeiras que só fazia aumentar Nem o desemprego galopante e a queda rápida dos salários dos trabalhadores menos qualificados ajudaram a e a queda rápida dos salários dos trabalhadores menos qualificados ajudaram a resgatar o país de seus captores Os patos ao contrário continuaram multiplicandose na avenida Paulista Considerando o fracasso dessa agenda em elevar lucros e vendas a pergunta que não quer calar é por que o empresariado nacional apoiou essas políticas dando um tiro no próprio pé Uma resposta pode estar na existência das chamadas falácias da composição assertivas que atribuem ao todo a mesma propriedade que às partes que o integram Em um estádio de futebol por exemplo é só ficar de pé para enxergar melhor Salvo quando todos resolvem levantarse Nesse caso todos perdem visão e conforto Na economia essas falácias levam a falsas analogias entre o funcionamento de um agente econômico uma família ou uma firma por exemplo e o sistema econômico como um todo Daí a importância da distinção entre a macro e a microeconomia Talvez a falácia da composição mais conhecida na macroeconomia seja o chamado paradoxo da poupança um dos elementos centrais no desenvolvimento da economia keynesiana e do princípio da demanda efetiva Se uma família resolve consumir menos sua poupança será maior Mas se todas as famílias tomam a mesma decisão caem a demanda agregada e a própria renda nacional fazendo com que a poupança total não aumente Outro paradoxo macroeconômico referese ao endividamento Se uma família ou empresa decide gastar menos para pagar suas dívidas o seu nível de endividamento cai em relação à renda Mas se todas as famílias firmas e governo resolvem cortar gastos ao mesmo tempo para pagar suas dívidas a renda nacional cai e o endividamento total aumenta em relação ao PIB Da mesma forma na teoria de deflação de dívidas de Irving Fisher grandes depressões surgem quando muitos agentes ao mesmo tempo resolvem pagar suas dívidas por meio da venda de ativos o resultado é que o preço dos ativos cai e o endividamento líquido sobe Outra falácia da composição está na essência das chamadas guerras fiscais o Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadando mais mas se todos os Estados reduzem impostos nenhum deles tornase mais atrativo e todos perdem arrecadação Por fim todo empresário sabe que reduzir o custo com a mão de obra é uma forma muito eficaz de ganhar competitividade em relação aos concorrentes eou forma muito eficaz de ganhar competitividade em relação aos concorrentes eou aumentar o lucro Mas se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais E os exportadores por sua vez só ganham competitividade junto a concorrentes estrangeiros que não tenham seguido a mesma estratégia Sabemos que não é esse o caso de boa parte do mundo globalizado nas últimas décadas E o que é pior se vale o chamado paradoxo dos custos de Kalecki uma redução generalizada de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor reduzindo vendas e lucros Em outras palavras falta a boa parte do empresariado nacional perceber que de nada adianta ter uma fatia maior de um bolo menor Além disso tornamse cada dia mais íntimas no Brasil e no mundo as relações entre o capital produtivo e o capital financeiro Essas relações se dão tanto pela financeirização das atividades produtivas quanto pelas ideias que dominam o pensamento econômico John Maynard Keynes já alertava em 1936 que a sabedoria mundana ensina que é melhor para a reputação errar de forma convencional do que acertar de forma não convencional Em uma analogia que ficou famosa como o concurso de beleza de Keynes os participantes do mercado financeiro agem como num antigo jogo de adivinhação em que os competidores deviam escolher entre cem fotografias os seis rostos mais bonitos Ganhava o prêmio aquele cuja escolha fosse a mais próxima da preferência média do conjunto de jogadores Assim o jogo não consistia na escolha dos rostos que o competidor considerava ele próprio mais bonitos e sim daqueles que ele julgava atraentes para os demais Em um terceiro grau do raciocínio os jogadores passavam a tentar adivinhar quais rostos os demais supunham que os outros achariam mais bonitos George Soros um dos maiores vencedores desse jogo no mercado financeiro desenvolveu o conceito de reflexividade segundo o qual o mundo real é modificado pela forma como os agentes entendem a realidade Mas se as recompensas oferecidas ao senso comum são tanto mais altas quanto mais participantes compactuarem com ele aqueles que já fizeram suas apostas têm todo o interesse em convencer os demais da validade dos seus modelos As agências de classificação de risco por exemplo servem bem ao propósito de comunicar a visão dominante para aqueles que não haviam adivinhado ainda as fotografias certas E por isso foram condenadas a pagar multa bilionária por contribuir para a crise americana do subprime quando multa bilionária por contribuir para a crise americana do subprime quando classificaram ativos podres como livres de risco Além das bolhas e das crises financeiras o concurso de beleza de Keynes também ajuda a manter vivos muitos modelos econômicos equivocados já que a alguns economistas reconforta ou interessa mirar na teoria que será validada pelo mercado e por seus pares em vez daquela que melhor explica a realidade O caso da austeridade Os economistas só mantêm alguma credibilidade porque existem os meteorologistas reza a piada mas os avanços recentes da meteorologia vêm nos colocando cada vez mais em maus lençóis No jogo das projeções econômicas achar sete erros ficou fácil demais Basta uma olhadinha por exemplo no crescimento projetado pelos relatórios anuais do FMI para a economia grega desde 2008 Tirando a projeção de 2014 todas se mostraram excessivamente otimistas No caso brasileiro não foi diferente desde o início do ajuste fiscal95 Mas por que os economistas erram tanto em suas previsões Uma primeira resposta possível é de caráter propriamente econômico os pressupostos dos modelos utilizados são equivocados Ao considerar que a economia está restrita pelo lado da oferta os cenários construídos ignoram por exemplo que as próprias medidas de ajuste têm impacto contracionista pelo lado da demanda direta e indiretamente Além de causar erros nas previsões de crescimento esse equívoco torna ineficaz a própria tentativa de melhora nos indicadores fiscais já que o PIB menor e a queda na arrecadação tributária que o acompanha impossibilitam a retomada de uma trajetória sustentável de endividamento Um dos temas do debate público promovido na City University of New York em 7 de dezembro de 2015 entre o vencedor do Prêmio Nobel Paul Krugman e o execonomistachefe do FMI Olivier Blanchard foi justamente a mudança da visão do Fundo acerca dos efeitos da austeridade fiscal Blanchard destacou duas etapas nesse processo Na primeira logo após a crise de 2008 e diante do colapso da demanda privada nos países ricos concluiu se que a política monetária não seria suficiente para estimular essas economias e o FMI passou a defender um deficit fiscal de 2 do PIB Essa recomendação que Blanchard classifica como revolucionária só foi aceita pelos governos segundo ele porque estes estavam perdidos e assim dispostos a aceitar remédios mágicos Por sorte diz aceitaram o remédio certo Na segunda etapa já em 2010 alguns países ricos esboçavam uma recuperação mas tinham níveis muito altos de endividamento público Na Europa segundo Blanchard os alemães conseguiram emplacar a ideia de que Europa segundo Blanchard os alemães conseguiram emplacar a ideia de que bastaria agir de forma bem comportada para que as economias melhorassem Krugman lembra que a doutrina de que cortar gastos públicos poderia ser expansionista por resgatar a confiança dos agentes privados e assim os investimentos era sustentada por pesquisas que quantificavam estatisticamente reduções no deficit fiscal não oriundas de variações no ciclo econômico e encontravam impacto positivo sobre o crescimento No entanto o método utilizado não identificava episódios muito conhecidos de ajuste fiscal nos países além de outras falhas Um estudo econométrico de grande porte realizado por pesquisadores do FMI em 2011 identificou tais episódios e chegou à conclusão nada surpreendente de que contrações fiscais são pasmem contracionistas Nesse contexto e a partir da evidência de que as economias europeias tiveram desempenho muito pior do que o previsto em 2010 e 2011 Blanchard teria se dedicado a descobrir a origem dos erros de projeção do Fundo Seriam fruto de coisas imprevisíveis ou de fatos conhecidos que não haviam sido considerados corretamente Um estagiário teria então apresentado em uma reunião um gráfico que mostrava forte correlação entre a magnitude da consolidação fiscal implementada nos países e o tamanho dos erros de projeção Em períodos de recessão a consolidação fiscal teria portanto efeitos muito piores sobre o produto do que o previsto nos modelos Uma versão mais elaborada do gráfico apareceu no World Economic Outlook de outubro de 2012 sinalizando de uma vez por todas a mudança na visão do Fundo Um artigo de três dos principais economistas do FMI publicado em 2016 e intitulado Neoliberalism Oversold96 também teve grande repercussão A começar pelo título a palavra neoliberalismo até então era considerada um palavrão típico de maluco de palestra desses que não devem entender nada de economia e de capitalismo Na contramão os autores defendiam que ao invés de estimular o crescimento algumas políticas neoliberais teriam elevado a desigualdade prejudicando uma expansão econômica duradoura Uma das críticas recaía sobre as políticas voltadas para a redução do tamanho do Estado na economia o custo da redução da dívida pública via aumento de impostos ou cortes de gastos produtivos poderia ser maior do que o benefício Diante de uma escolha entre viver com uma dívida mais alta permitindo que a razão dívida PIB caia organicamente pela via do crescimento ou promover deliberadamente superavits fiscais para reduzir a dívida governos com espaço fiscal amplo se dão melhor ao conviver com a dívida O argumento é reforçado pela referência a um estudo que indica que uma consolidação fiscal de 1 do PIB aumenta a taxa de desemprego em 06 ponto percentual no longo prazo e o índice de Gini que mede a desigualdade em 15 em cinco anos Estratégias de consolidação fiscal quando necessárias podem ser desenhadas para minimizar o impacto adverso nos grupos de baixa renda Mas em alguns casos as consequências distributivas inconvenientes terão de ser remediadas depois de sua ocorrência com a utilização de impostos e gastos públicos para redistribuir renda Gastos com educação por exemplo são considerados bemvindos Em artigo publicado na revista Jacobin em março de 2017 Josh Mound alertou para o fato de que historicamente enquanto os democratas reduzem despesas em favor do equilíbrio fiscal os republicanos ao assumirem o poder aproveitamse desse equilíbrio para reduzir os impostos pagos pelos mais ricos deteriorando as contas públicas Quando questionados por não imporem a si mesmos a disciplina fiscal que exigem dos democratas os republicanos argumentam que a redução de impostos ajudaria a estimular o crescimento e elevar a arrecadação Recorrem assim ao bom e velho trickle down economics segundo o qual os incentivos dados ao andar de cima acabam chegando ao andar de baixo por meio da geração de empregos Em suma enquanto os democratas enganamse ao considerar que a política fiscal é apenas uma questão de controle dos deficits os republicanos sabem que ela é sobretudo um instrumento de redistribuição de renda no caso deles para o topo da pirâmide Ao tratar de algumas iniciativas de Donald Trump que vão exatamente nessa direção Bernie Sanders utilizouse da expressão corporate welfare que tomo a liberdade de traduzir para bemestar empresarial O termo foi popularizado nas eleições canadenses de 1972 pelo líder do Novo Partido Democrático à época David Lewis É evidente que Sanders fez um jogo com a expressão Estado de bemestar social em vez de proteger os mais vulneráveis por meio de programas sociais e serviços públicos universais de qualidade o Estado de bemestar empresarial estaria mais concentrado em oferecer desonerações fiscais subsídios e outras formas de tratamento especial para grandes corporações O termo cai como uma luva não só para as ações de Donald Trump mas também para o programa Ponte para o Futuro do PMDB o Programa de Parcerias e Investimentos PPI de Michel Temer e a Agenda Fiesp implementada por Dilma Rousseff desde 2011 O que a experiência brasileira vem mostrando no entanto é que abrir mão da realização de investimentos públicos diretos para oferecer desonerações fiscais subsídios e outros incentivos a grandes empresas pode sair muito caro para as contas públicas e a economia em geral Ainda assim em meio à crise profunda e à falta total de motores de crescimento econômico o caminho escolhido tem sido o de desmontar de vez o nosso já frágil Estado de bemestar social e eliminar permanentemente a possibilidade de atuação do Estado como investidor em infraestrutura Estado e bemestar As manifestações de junho de 2013 eclodiram reivindicando direitos ao Estado provedor Fortaleceramse com a revolta contra um Estado repressor Expandiramse com protestos contra um Estado corrupto E em alguma medida dissiparamse pela contradição entre os clamores por mais Estado de um lado e sua completa rejeição de outro Afinal que Estado merece ser demonizado Para além da corrupção ou da ineficiência três são as características do Estado brasileiro que deveriam ser rejeitadas por uma sociedade que ainda tem alguma pretensão de desenvolverse de forma democrática A primeira e mais urgente é a do Estado opressor um verdadeiro serial killer de assentados rurais índios e jovens negros e pobres das favelas e periferias urbanas A segunda é a do Estado penitenciário que encarcera em massa e leva à superlotação de nosso sistema prisional A terceira é a do Estado concentrador de renda Além de pagar juros altos para os detentores de títulos da dívida pública de tributar muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio e de tolerar a sonegação e a elisão fiscal de empresas privadas o Estado brasileiro ainda paga supersalários a uma parte dos seus funcionários No levantamento realizado pelos pesquisadores Pablo Ortellado Esther Solano e Lucia Nader na avenida Paulista durante as manifestações pró impeachment do dia 16 de agosto de 2015 a saúde e a educação despertaram reações quase unânimes Entre os manifestantes 97 concordaram total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais e 96 que devem ser gratuitos Já sobre a universalidade e a gratuidade da educação o apoio foi de 98 e 97 dos manifestantes respectivamente Isso é um resquício de junho de 2013 afirmou Pablo Ortellado a uma reportagem do jornal El País de 18 de agosto de 201597 Tal consenso somado aos resultados nas urnas das últimas quatro eleições presidenciais sugere que o pacto social que deu origem à Constituição de 1988 não foi desfeito Ao contrário as demandas nas ruas desde 2013 e nas ocupações das escolas desde 2015 têm sido por melhorias nos serviços públicos universais e não pela redução na sua prestação Se o PIB brasileiro crescer nos próximos vinte anos no ritmo dos anos 1980 e 1990 a PEC do teto de gastos se mantida nos levará de um percentual de gastos públicos em relação ao PIB da ordem de 40 para 25 patamar semelhante ao verificado em Burkina Faso ou no Afeganistão E se crescermos às taxas mais altas que vigoraram nos anos 2000 o percentual será ainda menor da ordem de 19 o que nos aproximará de países como o Camboja e Camarões A Constituição não cabe no Orçamento argumentam os defensores da PEC na tentativa de transformar em minúcia técnica uma decisão que deveria ser democrática De fato há uma contradição evidente entre desejar a qualidade dos serviços públicos da Dinamarca e pagar impostos da Guiné Equatorial O que os advogados da austeridade esquecem de ressaltar é que no Brasil os que pagam mais impostos são os que têm menos condições de pagálos O pagamento de juros escorchantes sobre a dívida pública não é sequer discutido mas as despesas com os sistemas de saúde e educação são tratadas como responsáveis pela falta de margem de manobra para a política fiscal A democracia caberia no Orçamento O que parece não caber é a nossa plutocracia oligárquica Além disso conforme sugere o estudo empírico98 dos sociólogos Katherine Beckett e Bruce Western que utiliza dados dos estados norteamericanos entre 1975 e 1995 a taxa de encarceramento costuma ser maior onde o Estado de bemestar social é mais fraco A conclusão dos autores é que a redução dos programas sociais nos Estados Unidos durante os anos 1980 e 1990 refletiu a emergência de um novo sistema de administração do que chamam de a marginalidade social O achado vai na linha do que havia exposto o sociólogo Loïc Wacquant em As prisões da miséria99 Em vez da redução da intervenção estatal na sociedade a opção por menos Estado econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva nos vários países leva à necessidade de mais Estado policial e penitenciário As evidências apresentadas por Richard Wilkinson e Kate Pickett no best seller The Spirit Level100 publicado em 2009 parecem conferir generalidade a tais argumentos Os dados compilados para um conjunto de países ricos indicam que quanto maior o nível de desigualdade maior também é a taxa de encarceramento por habitante O cruzamento de dados mais recentes de encarceramento apresentados pelo Institute for Criminal Policy Research ICPR com o índice de Gini divulgado pelo Banco Mundial sugere que essa relação positiva vale para o conjunto de países do G20 e que o Brasil não foge à regra Em uma sociedade como a nossa que nunca deixou de estar entre as mais desiguais do mundo a opção por medidas de redução estrutural da rede de proteção social em vez da via da tributação mais justa e do fortalecimento do Estado de bemestar social reforça uma abordagem exclusivista e punitivista da marginalidade social A proteção aos mais vulneráveis sempre pode caber no Orçamento mas o genocídio jamais caberá na civilização Enquanto a insustentabilidade do sistema previdenciário em meio à elevação da expectativa de vida for vista pela maioria como mais dramática do que a insustentabilidade de um sistema penitenciário em meio à produção de um número cada vez maior de excluídos estaremos condenados à barbárie Uma agenda para todos Uma agenda econômica viável além de ambiciosa tem de buscar atender as demandas da maioria dos brasileiros Dos brasileiros de hoje e de amanhã E deve levar a economia de volta a uma trajetória de crescimento sustentável que gere empregos e melhore a condição de vida da população Uma agenda com essas pretensões não deve partir do pressuposto de que a democracia é um entrave ao desenvolvimento econômico A construção de um novo Brasil não pode portanto se iniciar passando um trator por cima de direitos de trabalhadores e minorias das demandas por serviços públicos universais de qualidade das instituições democráticas que conquistamos do meio ambiente ou de nossos territórios indígenas Mas se a democracia não é entrave ao crescimento econômico a desigualdade é Uma nota do FMI 2017 preparada para uma reunião de líderes do G20 em Hamburgo apresentou evidências de que os países com maiores índices de desigualdade tendem a ter taxas de crescimento mais baixas e menos duradouras A nota destaca também o papel crucial da política fiscal para o crescimento inclusivo seja por meio da tributação progressiva seja por meio da provisão de serviços públicos e benefícios diretos para os mais vulneráveis No plano emergencial só a retomada do crescimento poderá levar a economia de volta ao equilíbrio fiscal e aliviar os conflitos hoje tão exacerbados sobre as minguantes fatias dos bolos do orçamento e do PIB Para tanto o governo não pode continuar apostando na boa vontade do setor privado por meio do sistema de concessões ou de uma suposta melhora no ambiente de negócios É mais garantido ligar de novo a engrenagem dos investimentos públicos em infraestrutura física transportes saneamento etc e social como saúde e educação e ao mesmo tempo eliminar subsídios indiscriminados na forma de desonerações tributárias por exemplo No plano estrutural uma reforma tributária ampla deve reduzir impostos indiretos sobre o consumo e a produção e elevar impostos diretos sobre a renda e o patrimônio Uma nova regra fiscal deve manter a margem de manobra no caso de flutuações inesperadas no PIB e nas receitas Já o regime de metas de inflação deve evitar altas desproporcionais e inócuas dos juros como resposta a choques temporários nos preços administrados e de alimentos Juros mais baixos aliviariam o custo de serviço da dívida pública as tendências de apreciação cambial e o aprofundamento das desigualdades Uma nova política de desenvolvimento produtivo por sua vez deve mirar a estrutura produtiva que queremos ter e não simplesmente atender a pressões difusas do empresariado de hoje E por fim as políticas de inclusão social devem ser aprofundadas pela via tanto do aumento da renda como de melhores serviços públicos Itens como esses não terão o lugar merecido em nenhuma agenda construída apenas e tão somente para atender aos financiadores de campanha representados no Congresso ou aos interesses do mercado financeiro tão bem representados no Ministério da Fazenda Numa agenda para todos todos têm de ser ouvidos Reforma tributária No período entre 2002 e 2015 a carga tributária brasileira se manteve estável ao redor dos 32 do PIB o que situou o Brasil acima da maior parte dos vizinhos da América Latina mas abaixo da maior parte dos países da OCDE em um total de trinta países a carga tributária brasileira figura em vigésimo lugar Em termos per capita ocupa posição ainda mais baixa O indicador é um reflexo das escolhas da sociedade acerca da abrangência dos serviços públicos e benefícios sociais Se a maior parte da população deseja manter a gratuidade e a universalidade da saúde pública por exemplo é de se esperar que a carga tributária brasileira seja maior do que a de países ricos que não contam com tal sistema como é o caso dos Estados Unidos Mas se o tamanho da carga e sua evolução na última década não chamam atenção sua composição faz do Brasil um verdadeiro campeão de injustiças tributárias Os dados de 2015 da Receita Federal sugerem que os chamados impostos indiretos que incluem os tributos sobre a produção e o consumo de bens e serviços representam no Brasil 497 da arrecadação total Se considerarmos apenas a carga tributária referente a essa modalidade de impostos o Brasil passa do vigésimo para o segundo lugar no ranking de trinta países da OCDE Tal proporção torna a carga tributária brasileira injusta na medida em que todos pagam exatamente a mesma alíquota de imposto sobre o consumo independentemente da renda Ou seja uma pessoa rica paga muito menos imposto sobre o que consome em relação à sua renda do que uma pessoa pobre o que caracteriza a regressividade da tributação Os impostos diretos por sua vez têm peso muito menor no Brasil do que nos outros países Os tributos sobre a renda os lucros e os ganhos de capital representam apenas 1827 da arrecadação total Se a ordenação for feita pela carga tributária associada apenas a esse tipo de imposto o Brasil passa a figurar em último lugar entre os países da OCDE Nos Estados Unidos um país que está longe de se destacar pela progressividade tributária esse percentual é de quase metade da arrecadação total por exemplo Além disso o IRPF vem perdendo progressividade ao longo do tempo no Brasil seja pela defasagem nas faixas de tributação em relação à inflação o que acaba estendendo a cobrança de imposto cada vez mais para a base da pirâmide de distribuição de renda seja pela isenção de tributação da maior parte dos rendimentos no topo da pirâmide Segundo os dados de 2015 da Receita Federal os brasileiros com renda média mensal de 135 mil reais que representam 01 dos declarantes pagaram alíquota efetiva de IRPF de apenas 91 Ainda no topo da pirâmide os 09 dos declarantes com renda média mensal de 34 mil reais pagaram 124 de alíquota efetiva Ou seja a alíquota máxima de 275 que já não é alta em relação a outros países nos Estados Unidos é de 396 por exemplo não se aplica a boa parte dos rendimentos dos mais ricos no Brasil A isenção de tributação dos chamados dividendos é a principal responsável por essa aberração É verdade que o lucro das empresas já é tributado por meio do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL o que seria a justificativa para a isenção de qualquer tributação adicional sobre os lucros distribuídos aos sócios e acionistas e que portanto não são reinvestidos nas empresas em vigor no Brasil a partir de 1995 No entanto do ponto de vista jurídico não se tratava de bitributação os sujeitos passivos do IRPJ CSLL e do IRPF cobrado sobre os dividendos são diferentes no primeiro caso as pessoas jurídicas e no segundo as pessoas físicas Do ponto de vista do estímulo para o investimento produtivo certamente é preferível tributar menos os lucros na pessoa jurídica e mais os dividendos na pessoa física Os dividendos são tributados em todos os países da OCDE excluindo a Estônia com alíquota média de 241 Embora as proporções entre tributação na pessoa jurídica e na pessoa física variem entre os diferentes países o total da parcela dos lucros absorvida pelo Estado sob a forma de tributos é em média muito mais alto do que no Brasil As estimativas apresentadas por Orair e Gobetti 2016 sugerem que uma tributação de dividendos nos moldes vigentes até 1995 com alíquota linear de 15 traria 53 bilhões de reais aos cofres públicos aos preços de 2016 Se a tributação fosse feita com as alíquotas progressivas vigentes na atual tabela de IRPF a receita adicional ultrapassaria os 70 bilhões E se além disso fosse cobrada uma alíquota maior de IRPF 35 para rendas muito elevadas a arrecadação aumentaria em pelo menos 90 bilhões mais da metade do deficit primário do governo federal em 2016 Esse aumento de carga pela tributação dos dividendos serviria bem ao propósito emergencial de resolver os problemas fiscais de curto prazo sem gerar impacto macroeconômico recessivo No médio prazo a carga tributária poderia então retornar ao patamar atual por causa da redução de impostos indiretos Graças às propriedades do chamado multiplicador de Haavelmo tributar os mais ricos e gastar o mesmo valor com políticas que elevam a renda dos mais pobres direta ou indiretamente tem alto efeito multiplicador Isso porque enquanto os mais ricos consomem uma parte relativamente pequena da sua renda os mais pobres consomem tudo ou quase tudo daquilo que ganham o que contribui para dinamizar a economia101 Em outras palavras uma reforma tributária progressiva deve elevar a tributação sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos o Brasil também taxa relativamente pouco as grandes heranças e propriedades e reduzir a tributação sobre o consumo a produção e os lucros reinvestidos nas empresas Uma reforma nesses moldes aumentaria substancialmente a capacidade do Estado de promover um processo de crescimento econômico inclusivo Quando se abrem os trabalhos tributando de forma injusta a tarefa de distribuir renda tornase quixotesca e inevitavelmente limitada Investimentos públicos A ideia de que os investimentos das empresas podem funcionar como motor autônomo de retomada em meio à recessão e ao alto endividamento não encontra respaldo na evidência empírica Diversos estudos econométricos que examinam a relação de causalidade entre os componentes do PIB sugerem que os investimentos das empresas respondem aos componentes autônomos do gasto quais sejam os que dependem pouco do próprio nível de atividade econômica exportações investimentos residenciais e investimentos públicos por exemplo Esses achados reforçam as teorias que atribuem ao investimento privado um caráter essencialmente induzido ou seja que consideram que a expansão da capacidade produtiva pela compra de novas máquinas equipamentos ou construção de novas plantas responde à própria atividade econômica Em outras palavras firmas que operam com capacidade ociosa não encontram razões para ampliar sua capacidade além da existente Uma retomada dos investimentos tem de ser antecedida por um aumento das vendas que por sua vez depende de algum fator autônomo de injeção de demanda É sobretudo por essa razão que desonerações fiscais e subsídios diversos aos lucros dos empresários não foram capazes de elevar investimentos privados desde a implementação da Agenda Fiesp pela presidente Dilma Ao contrário serviram como políticas de transferência de renda para os mais ricos e contribuíram para deteriorar as contas públicas A retomada da economia brasileira exige um combate em duas frentes simultâneas De um lado há um problema de estoque o alto endividamento vem comprometendo parte da renda gerada o que pode exigir um programa de renegociação de dívidas de empresas e famílias De outro há um problema de fluxo famílias e empresas estão vendo seus rendimentos caírem No velho círculo vicioso da falta de demanda o desemprego maior e a queda de salários prejudicam as vendas e os lucros das empresas que investem menos e demitem mais A saída está em uma injeção autônoma de demanda na economia que se não vier de fora com exportações maiores tem de vir dos investimentos do Estado Mas não é apenas como motor de retomada em meio à recessão que os investimentos públicos assumem um papel central É necessário reestabelecer os investimentos públicos em infraestrutura enquanto pilar da política econômica Devido ao seu caráter de longo prazo e consequentemente ao alto risco envolvido os investimentos em infraestrutura requerem sempre o apoio do Estado diretamente ou por meio de parcerias e financiamento Esses investimentos têm o efeito de reduzir os custos e elevar a produtividade das empresas ajudando a romper gargalos estruturais de oferta no longo prazo Ao reduzir custos de produção também ajudam as empresas a aumentar a competitividade eou recuperar as margens de lucro sem a necessidade de elevação de preços Assim se bemsucedidos ajudam no desempenho exportador do país e até mesmo no controle da inflação Não à toa os investimentos públicos em infraestrutura vêm assumindo papel central nos programas econômicos de diversos candidatos progressistas nas eleições presidenciais ao redor do mundo No Brasil essa centralidade é ainda mais justificada dadas as carências de infraestrutura do país O ranking realizado pelo Fórum Econômico Mundial em 2014 colocou o Brasil na 120ª posição em um total de 144 países no que tange à qualidade geral da infraestrutura e mostrou que o país involuiu nos últimos anos em 2010 assumia a 84ª posição Um estudo do FMI 2015b mostrou que o país tem infraestrutura pior do que seus principais competidores e países com renda similar Esse deficit aparece sobretudo na área de transporte rodovias ferrovias portos e aeroportos Em oferta de energia elétrica por exemplo o país está acima da média Esses gargalos refletem a queda do investimento em infraestrutura de cerca de 52 do PIB nos anos 1980 para em média menos de 25 nas últimas duas décadas Esse investimento foi menor do que o observado em outros países da América Latina e emergentes102 O Chile saltou de um investimento de 344 entre 1981 e 1986 para 521 entre 2001 e 2006 Mesmo a Colômbia que sofreu uma queda em seus 313 de investimento na década de 1980 ainda investiu proporcionalmente 066 mais do que o Brasil entre 2001 e 2006 mantendo um nível de 277 Essa queda deveuse sobretudo à redução do espaço fiscal para investimentos públicos principalmente a partir da adoção de uma meta de superavit primário que desconsidera efeitos do ciclo econômico sobre a arrecadação e não distingue os investimentos de outros tipos de despesa O setor privado por sua vez não os investimentos de outros tipos de despesa O setor privado por sua vez não substituiu o setor público nesses investimentos O programa de concessões em particular tem enfrentado uma série de atrasos e dificuldades em atrair empresas interessadas além de nem sempre garantir a realização de investimentos já que também deve priorizar a cobrança de tarifas menores pelas concessionárias Além da precariedade da rede de transportes interestadual e intermunicipal o Brasil tem enorme carência de infraestrutura em seus centros urbanos A melhoria na qualidade do transporte público nas cidades com impacto não apenas no tempo de traslado mas também na qualidade do ar exige investimentos massivos e o apoio do governo federal Nesse sentido cabe apontar as deficiências dos investimentos em infraestrutura urbana no âmbito do PAC Sem planejamento ou reforma urbana boa parte deles acabou sendo destinada para as áreas mais valorizadas das cidades ou o traslado para aeroportos em vez de atender ao objetivo mais urgente de reduzir o tempo de chegada da população de baixa renda ao local de trabalho Ao obedecer a interesses privados tais investimentos contribuíram para elevar o preço do metro quadrado dos imóveis aprofundar os problemas relacionados à especulação imobiliária e ampliar desigualdades Ainda como exemplo é urgente superar o deficit histórico do país na área de saneamento básico Desde que a Lei do Saneamento Básico entrou em vigor em 2007 a parcela da população com acesso à coleta de esgoto subiu lentamente de 42 em 2007 para 503 em 2015 Quanto ao abastecimento de água apesar da abrangência ser maior a evolução foi ainda mais lenta aumentou de 809 em 2007 para 833 em 2015 Esse deficit é ainda maior nas regiões Norte e Nordeste Na região Norte somente 164 do esgoto é tratado103 O setor de saneamento tem como característica a presença de custos fixos elevados em capital altamente específico do que decorre o baixo incentivo ao investimento na área por empresas privadas Como se trata de um setor que é fonte de problemas ambientais sociais e de saúde os investimentos públicos deveriam ser prioridade em qualquer programa econômico minimamente comprometido com as carências históricas do país Em meio às pressões políticas pelo ajuste fiscal a realização de tais investimentos exige em um primeiro momento um plano emergencial que eleve a arrecadação pela tributação de dividendos e outros impostos sobre a renda e o patrimônio e a eliminação das desonerações pouco criteriosas Quanto ao corte de despesas o foco deveria recair por exemplo na utilização por servidores de remunerações disfarçadas de indenizações como forma de ultrapassar em muito o teto constitucional dado pelo salário dos ministros do STF As remunerações por participação em conselhos de empresas públicas aposentadorias auxílios e gratificações diversas chegam a justificar salários de mais de 100 mil reais Um ajuste que reduza tais privilégios seria muito mais relevante até mesmo do ponto de vista simbólico do que o corte de ministérios por exemplo E certamente menos danoso à geração de empregos e renda do que os cortes de investimentos públicos Resolvido o problema fiscal de curto prazo é necessário alterar o regime fiscal brasileiro de modo a conferirlhe um caráter anticíclico e abrir espaço para investimentos públicos Para tanto seria necessário rever não apenas a PEC do teto de gastos mas também a regra fiscal baseada em uma meta de superavit primário Esta tem efeitos prócíclicos porque quando a economia vai bem e a arrecadação sobe o superavit primário também sobe abrindo espaço para maiores gastos e investimentos o que reforça a expansão Quando a economia vai mal por sua vez para cumprir a meta o governo é obrigado a reduzir gastos e investimentos agravando a própria crise As alternativas são várias Uma delas é adotar uma meta para o resultado primário estrutural ou seja aquele que expurga a parte da arrecadação e dos gastos oriunda do ciclo econômico Nesse caso quando a economia crescesse a parte da arrecadação que é contabilizada para a meta não subiria o que manteria os gastos e investimentos controlados Já em períodos de crise a arrecadação contabilizada tampouco cairia o que permitiria ao governo manter seus gastos e investimentos Outra possibilidade é ter uma meta para o superavit primário similar àquela utilizada para o regime de inflação com piso e teto conferindo ao governo alguma margem de manobra diante de flutuações inesperadas Em caso de descumprimento da meta fiscal o ministro da Fazenda prestaria contas ao Congresso e à sociedade como faz o presidente do Banco Central quando descumpre a meta de inflação Por fim é preciso conferir aos investimentos um caráter especial entre as despesas do governo federal pelo retorno que geram no longo prazo e o papel que desempenham Não faz sentido que os investimentos sejam sempre a primeira despesa a ser cortada quando há dificuldade em cumprir a meta primeira despesa a ser cortada quando há dificuldade em cumprir a meta Deveríamos seguir o Reino Unido onde os investimentos são poupados da meta fiscal Juros e inflação As nossas altas taxas de juros suscitam um dos maiores debates da macroeconomia brasileira A combinação entre taxas de juros elevadas e inflação alta em meio a uma das maiores crises da nossa história deu novos contornos ao debate enquanto alguns economistas consideraram justificado o conservadorismo da política monetária outros chegaram a atribuir aos juros altos a responsabilidade pela própria aceleração da inflação O diagnóstico sobre a atuação da política monetária e consequentemente sobre o patamar adequado da taxa de juros está muito relacionado ao debate teórico sobre a natureza do próprio processo inflacionário Desde a crise de 2008 tornouse quase impossível achar um economista fiel à Teoria Quantitativa da Moeda por exemplo O monetarismo de Milton Friedman que disse certa vez que a inflação é sempre e em toda parte um fenômeno monetário vive hoje um recorde de baixa popularidade a expansão monetária realizada pelos bancos centrais de países ricos após a crise e as baixas taxas de inflação que ainda vigoram por lá se encarregaram de enfraquecêlo Está mais do que na hora portanto de romper com o senso comum tupiniquim de que toda inflação vem do excesso de dinheiro em circulação A chamada Teoria Fiscal do Nível de Preços e a própria tese da dominância fiscal por sua vez têm sido utilizadas para dar sustentação à ideia de que elevar os juros contribui para aumentar a taxa de inflação pelo efeito dos juros maiores sobre a dívida pública Que a fixação de taxas de juros altas pelo Banco Central brasileiro contribui para elevar a dívida pública parece inequívoco já que como vimos boa parte dos nossos títulos públicos é indexada à própria taxa Selic Isso não quer dizer no entanto que essa dinâmica seja responsável pela alta da inflação Afinal os mesmos países que expandiram muito o estoque de moeda no póscrise sem nenhum efeito inflacionário passaram por um forte aumento da dívida pública Nem toda inflação é igual ou causada pelos mesmos fatores Olhar para os dados e para as nossas particularidades é fundamental para arejar o debate e pensar soluções O que vimos foi que na experiência brasileira recente após um período de alta inflação de serviços devido à queda do desemprego e ao crescimento acelerado dos salários o custo mais relevante para esses setores evoluímos para uma inflação puxada sobretudo pelos preços administrados que subiram mais de 18 em 2015 Sofremos também em algumas ocasiões outros choques de custos por exemplo altas do dólar que encarecem insumos importados e altas de preços de alimentos O traço comum é a forte inércia em um país que nunca se livrou totalmente da alta memória inflacionária e da indexação de contratos choques e elevações localizadas de preço tendem a contaminar os demais preços e a persistir no tempo Desde 2016 no entanto a inflação passou a cair de forma acelerada Essa redução se deu apesar dos juros reais e da dívida pública ainda em alta e pode ser explicada por uma combinação de fatores apreciação do real desemprego elevado e salários em queda e fim do efeito dos choques de preços administrados e de alimentos Ou seja a inflação não parece ter sido mais alta em razão dos juros altos mas tampouco exigia juros tão altos para ser controlada No regime de metas de inflação o único instrumento para o controle de preços independentemente da natureza do processo inflacionário em questão é a taxa de juros Esse instrumento segundo as teorias convencionais deve atuar por meio do controle da demanda agregada Em outras palavras quando as previsões são de aumento da inflação o Banco Central deve subir os juros desestimulando o consumo das famílias e o investimento das empresas desaquecendo assim a economia A demanda menor e o desemprego maior se encarregariam de manter salários e preços sob controle Mas para controlar a demanda agregada em tese a política monetária opera por vários mecanismos distintos No canal mais conhecido os juros maiores reduziriam a oferta e a demanda de crédito desestimulando consumo e investimento Outros canais envolvem por exemplo o corte de incentivos para investir em capital produtivo dado o retorno maior de títulos que rendem juros ou para comprar outros ativos financeiros como ações o que reduziria os preços desses ativos e a riqueza financeira das famílias No canal de câmbio convencional a atração de capital estrangeiro em busca do retorno dos juros maiores aumenta a demanda por moeda nacional e a oferta de moeda estrangeira o que aprecia a moeda nacional desestimulando exportações e estimulando importações Se todos esses mecanismos operassem bem pequenas elevações de juros levariam a um desaquecimento da economia suficiente para manter a inflação sob controle mesmo que a sua causa original fosse um choque no preço de alimentos por exemplo Mas a evidência é de que quase todos os canais convencionais de transmissão da política monetária funcionam mal no Brasil Primeiro aumentos ou reduções da taxa de juros básica pelo Banco Central não costumam ser transmitidos com rapidez e na mesma magnitude ao mercado de crédito onde se cobram taxas ainda mais altas Além disso o mercado privado de crédito de longo prazo nunca se desenvolveu no país o que faz com que a maior parte dos investimentos seja financiada pelo BNDES ou no exterior com taxas de juros que nada têm a ver com a Selic Com esses mecanismos obstruídos são necessárias grandes elevações da taxa de juros para controlar a demanda agregada Mas esses problemas acabam nos levando à pergunta Tostines os juros são altos porque os canais de transmissão da política monetária são obstruídos ou esses canais são obstruídos porque os juros são altos Uma pergunta adjacente será que não existe financiamento de longo prazo porque os juros são altos uma lacuna que é cumprida pelo BNDES ou será que extinguir o BNDES melhorará o efeito da política monetária e permitirá a redução dos juros como defendem alguns Os juros altos parecem estar mais na origem do problema do que o contrário há inclusive evidência de que quando os juros caíram os canais convencionais passaram a operar melhor104 De todo modo mesmo que chegássemos a uma conclusão definitiva sobre a causalidade não seria fácil sair dessa armadilha Com esses canais operando de forma insuficiente mesmo após o fim do câmbio fixo e a adoção do regime de metas de inflação em 1999 o Banco Central continuou atuando sobretudo pelo canal de câmbio via atração de capital estrangeiro e valorização do real105 A chamada âncora cambial que tinha sido a base do próprio Plano Real nunca foi totalmente abandonada A elevação dos juros funciona para evitar desvalorizações do real e controlar assim a inflação Reduções drásticas na taxa ao expulsar investidores estrangeiros provocam altas do dólar gerando efeitos inflacionários Como vimos essa é uma das razões para o fracasso da tentativa de redução rápida da Selic em 2011 Um primeiro problema dessa âncora é que tal como indica o próprio significado da palavra ela é assimétrica serve apenas para segurar a inflação significado da palavra ela é assimétrica serve apenas para segurar a inflação Uma apreciação do real não reduz a inflação tanto quanto a desvalorização do real a acelera o que tende a fazer com que o Banco Central não reduza os juros quando há tendência de apreciação na mesma magnitude em que eleva os juros quando a tendência é de desvalorização A assimetria ocorre porque quando os custos com importados sobem as empresas não estão dispostas a perder margens de lucro e acabam repassando os custos maiores para os preços gerando inflação O real mais desvalorizado também permite que as empresas exportadoras aumentem seus preços sem perder competitividade frente às concorrentes no mercado internacional Já quando o real se valoriza as empresas não têm interesse ou espaço para reduzir preços eou comprimir margens de lucro Além disso utilizar a apreciação do real como forma principal de controle da inflação exige em contextos internacionais desfavoráveis ou seja quando não há grande fluxo de capitais especulativos para o país por outros fatores que se mantenha a taxa de juros em patamar muito acima do padrão internacional Em suma para atrair capital estrangeiro em meio à queda de preços das commodities ou à ameaça de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos por exemplo mantémse uma taxa de juros muitíssimo elevada Mas por que o real é uma das moedas mais voláteis do mundo e temos de pagar um preço tão alto para mantêlo estável A resposta parece estar nas características do nosso mercado de câmbio e no impacto dos movimentos especulativos sobre o real106 Estudos sobre o tema apontam para a necessidade de regular o mercado de derivativos e implementar controles simétricos sobre a compra e venda de contratos futuros de dólar para reduzir a volatilidade nos fluxos especulativos de capital Evidentemente mudanças desse tipo devem ser feitas em meio a um contexto internacional favorável de forte entrada de capitais Caso contrário uma fuga de capitais poderia inviabilizar a estratégia Outras medidas mais estruturais também ajudariam a criar as condições para uma redução da taxa de juros A desindexação de contratos de aluguéis por exemplo que ainda preveem reajuste automático com base na inflação do ano anterior é fundamental para reduzir a inércia inflacionária Essa desindexação deve ser feita justamente em um contexto de inflação mais baixa quando geraria custos menores e por isso enfrentaria menor resistência política Como já mencionado no capítulo 1 medidas de estímulo à produtividade também merecem um lugar ao sol pois aliviam conflitos distributivos O mesmo também merecem um lugar ao sol pois aliviam conflitos distributivos O mesmo vale para o melhor provimento de serviços públicos que eleva o poder de compra sem a necessidade de aumentar salários nominais Aumentos de salários como vimos costumam ser repassados para preços sobretudo em setores intensivos em trabalho que não sofrem concorrência estrangeira como é o caso dos serviços Além disso algumas características do nosso regime de metas de inflação por levarem a ações desproporcionais do Banco Central podem ser revistas Uma primeira proposta razoável é excluir os chamados preços administrados do índice de inflação utilizado de modo a evitar o represamento dessas tarifas como forma artificial de combate à inflação Outra seria considerar sempre a inflação acumulada em doze meses Atualmente como a meta é definida para o ano calendário o Copom acaba tendo de responder de forma desproporcional a choques que elevem as expectativas inflacionárias para os últimos meses do ano ainda que avalie que a inflação já esteja convergindo para o centro da meta em um prazo um pouco mais longo É evidente que não se pretende negar que pode haver interesses fortes por trás das elevadas taxas de juros brasileiras que oferecem altos rendimentos de curto prazo para os detentores de títulos públicos e contribuem substancialmente para concentrar a renda no Brasil No entanto não se pode reduzir o debate sobre juros a um debate político desconsiderando que uma redução drástica e rápida da Selic em condições desfavoráveis pode acelerar a taxa de inflação reduzir o poder de compra dos salários e minar a própria estratégia redistributiva como ocorreu em 2011 Além disso a concentração do setor bancário em poucas instituições e a baixa concorrência entre elas fazem com que mesmo quando há redução da taxa Selic as taxas de juros que incidem sobre operações de crédito cheque especial cartão de crédito e outras formas de financiamento por exemplo se mantenham elevadas A questão dos spreads bancários e da falta de concorrência ou regulação do setor financeiro certamente merece espaço nessa agenda Câmbio e complexidade tecnológica Sendo o Brasil um país continental e desigual com grande potencial de expansão do mercado interno adaptar para cá o modelo de crescimento liderado por exportações adotado em tantos países asiáticos não parece a melhor estratégia Afinal para competir com esses países no mercado internacional de manufaturados pouco sofisticados seria necessária uma desvalorização muito grande do real e consequentemente uma redução substancial no poder de compra de nossos salários Como vimos desvalorizações do real encarecem produtos importados e são inflacionárias reduzindo salários reais Por outro lado também ficou claro que o modelo baseado na exportação de commodities e de produtos agroindustriais além do enorme custo ambiental deixa o país refém da conjuntura internacional e de preços demasiado voláteis A melhor opção parece ser portanto o fortalecimento do mercado interno com base nos pilares da distribuição de renda e dos investimentos em infraestrutura física e social O problema é que repetir as diretrizes seguidas no país entre 2006 e 2010 criaria desequilíbrios Naquele período o crescimento com base nesses pilares só manteve o controle de preços pela apreciação do real que por sua vez tornava os importados mais baratos gerando desequilíbrios cada vez maiores na balança comercial Sem o boom de commodities que facilitou a acumulação de reservas internacionais e a entrada massiva de capitais esses desequilíbrios poderiam ter gerado problemas maiores como uma crise de balanço de pagamentos Sendo assim o nível da taxa de câmbio importa para o sucesso da estratégia mesmo sem ser o seu elemento central Diante desse que parece ser um dos maiores dilemas da política econômica o economista argentino Roberto Frenkel costuma alertar que a melhor forma de evitar os custos da desvalorização do câmbio é manter sua apreciação sob controle O Brasil errou sucessivas vezes nesse quesito nos últimos tempos Errou primeiro quando optou nos anos 2000 por manter as altas taxas de juros para atrair capital estrangeiro sobrevalorizar o câmbio e ancorar dessa forma a inflação acentuando assim os problemas de competitividade da indústria Errou também quando não soube aproveitar a desvalorização gerada pela crise internacional de 2008 para manter o câmbio em um patamar mais competitivo nos anos seguintes Ao contrário o real apreciou ainda mais com a ajuda da política monetária expansionista dos demais países Errou em 2011 quando tentou resolver o problema da sobrevalorização reduzindo a taxa de juros de forma demasiado brusca contribuindo assim para uma desvalorização rápida A aceleração da inflação acabou levando o Banco Central a elevar os juros novamente e o governo a fim de resgatar a competitividade da indústria recorreu às desonerações tributárias e ao crédito subsidiado que se revelaram demasiado custosos para o orçamento Arcamos então com os malefícios da desvalorização sem no entanto aproveitar seus esperados benefícios que já seriam menores pela queda no comércio mundial por causa da crise europeia Em 2015 tivemos outro momento Frenkel se os custos de desvalorizar o real viriam de todo jeito melhor seria ter resistido à tentação de apreciálo depois para quem sabe colher os benefícios de um câmbio mais competitivo no futuro As medidas antiinflacionárias e de redução da volatilidade cambial elencadas na seção anterior ajudariam a criar as condições para contornar uma sobreapreciação no futuro No entanto esse é apenas um dos requisitos para evitar o acúmulo de desequilíbrios comerciais pela penetração crescente de importações baratas estando longe de ser suficiente para a diversificação de nossa estrutura produtiva Não há experiência histórica de países que tenham conseguido desenvolver setores de alta tecnologia por exemplo sem o apoio do Estado Como mostra o livro107 O Estado empreendedor da professora Mariana Mazzucato da University College London o Vale do Silício resultou de enorme intervenção estatal Toda a tecnologia do iPhone foi financiada por agências públicas ligadas ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos Lá o Estado também subsidia pesadamente setoreschave como a produção de carros elétricos e energia solar O problema é que a política de desenvolvimento produtivo assim como todos os demais elementos da política econômica não deve ser moldada pelo interesse de grupos econômicos específicos e sim por uma análise dos benefícios gerados para o conjunto da sociedade Mas o combate à corrupção tampouco deve tornar se pretexto para uma criminalização da política em si Apostar em uma política tecnológica estratégica definida para um longo horizonte de tempo é também a melhor forma de evitar a influência de grupos de alto poder econômico e a captura do Estado por esses interesses captura do Estado por esses interesses No Brasil o arremedo de política industrial desse período não se voltou para os setores que gostaríamos de desenvolver A política que existiu acabou garantindo a sobrevivência de setores industriais moribundos o que pode ter ajudado a preservar empregos mas não foi capaz de dar continuidade ao processo de crescimento inclusivo que marcou o período do Milagrinho ou de desenvolver setores que preparassem o país para os desafios do século XXI Em particular a sustentabilidade ambiental deve ser o eixo central de qualquer política que busque incentivar o surgimento de novos setores e de novas tecnologias 5 Dançando com o diabo No livro The Moral Consequences of Economic Growth108 Benjamin Friedman professor de economia política de Harvard parte de vasta evidência histórica para defender que o crescimento econômico não é um facilitador apenas de melhorias materiais mas também da liberdade da tolerância da justiça e da democracia A estagnação e a prosperidade mal distribuída ao contrário tenderiam a fomentar a violência e o surgimento de ditaduras Friedman trata no entanto de uma importante exceção à regra Nos anos 1930 os Estados Unidos conseguiram fortalecer os valores democráticos em meio à Grande Depressão O autor atribui essa sorte ao New Deal do presidente Roosevelt que qualifica como uma tentativa de disseminar a oportunidade econômica o mais amplamente possível Considera que evitando a busca de bodes expiatórios para excluir o caminho escolhido foi deliberadamente pluralista e inclusivo com o objetivo não somente de restaurar a prosperidade econômica mas de criar maior igualdade de oportunidades Ao destoar do establishment o caráter antiglobalização do discurso de Donald Trump nos Estados Unidos teve forte apelo junto a uma parte da classe trabalhadora em sua maioria branca que vinha sofrendo há mais de três décadas com os efeitos da desindustrialização da ampliação das desigualdades e do aumento da pobreza rural no país A crise de 2008 certamente deu força ao fenômeno Em parte pela elevação do desemprego mas sobretudo pelo caráter simbólico do vultoso programa de resgate que salvou da quebra os principais atores do sistema financeiro sem que houvesse punição severa para os responsáveis pelo colapso Apesar da necessidade concreta de conter o caos o que grande parte da população norte americana enxergou foi uma conspiração das elites para salvar alguns de seus membros que rapidamente voltaram a receber altos bônus de final de ano enquanto a classe trabalhadora ainda sofria com a perda de empregos e a queda no valor de suas casas As contradições evidentes fizeram eclodir ao mesmo tempo o movimento As contradições evidentes fizeram eclodir ao mesmo tempo o movimento Occupy Wall Street que tomou as ruas de Nova York com o slogan Nós somos os 99 e o Tea Party personificado no conservadorismo retrógrado de Sarah Palin A força da candidatura de Bernie Sanders nas primárias eleitorais de 2016 pode ser vista como um reflexo do primeiro movimento que questiona o sistema econômico em vigor por suas consequências nefastas sobre as desigualdades de renda Já a resposta antiimigratória dada à época pelo Tea Party pode ter ampliado o apoio à candidatura de Trump Em entrevista sobre o Brexit109 após discorrer sobre os danos econômicos causados pelo desenho institucional da União Europeia Mark Blyth professor de ciência política na Universidade Brown foi cortante Mas não é disso que se trata É trumpismo Todos têm sua própria versão Segundo Blyth de Gerhard Schröder na Alemanha a Tony Blair no Reino Unido os governos de centro esquerda dos últimos 25 anos teriam deixado de prover o abraço caloroso da socialdemocracia Em vez da solidariedade com a classe trabalhadora teriam adotado políticas de exclusão e policiamento da população mais pobre em nome da segurança dos mais ricos em suas vizinhanças e escolas particulares Nas escolas públicas para as quais as elites já não querem pagar impostos estão relegados os que estão na base da distribuição da renda Após vinte anos de exclusão o discurso de que a globalização acabaria compensando a todos igualmente teria perdido a eficácia o que causou revolta na classe trabalhadora Não contra a União Europeia e sim contra o 1 mais rico da população A migração de votos do democrata Bernie Sanders para o republicano Trump ou o apoio ao Brexit pelos mais vulneráveis na economia inglesa podem indicar que estamos como nos anos 1930 à sombra de um vulcão Em artigo na Bloomberg110 após a aprovação do Brexit no Reino Unido a jornalista Megan McArdle já alertava para um episódio que também pode ajudar a explicar o fenômeno Segundo McArdle a julgar pelos comentários nas redes sociais logo após a divulgação do resultado do plebiscito jornalistas e acadêmicos acharam que era a hora de reforçar a ideia de que as pessoas que se opuseram a abrir fronteiras eram racistas ignorantes prontas a acreditar em qualquer coisa que lhes dissessem Considerando o quão fracassada foi essa estratégia pareceu um momento estranho para dobrar a aposta concluiu a jornalista A arrogância dos sábios parece estar na origem de grande parte da tragédia a A arrogância dos sábios parece estar na origem de grande parte da tragédia a que assistimos desde a crise de 2008 A alienação dos discursos políticos e das soluções implementadas com relação aos problemas concretos enfrentados pela população a renda baixa o desemprego o emprego precário o endividamento crescente e a falta de acesso à educação saúde moradia e transporte de qualidade tem sido um prato cheio para o crescimento de alternativas retrógradas Dani Rodrik professor de economia política na Harvard Kennedy School reforçou essa tese em um artigo publicado em 18 de julho de 2016 no jornal Valor Econômico111 e foi além A economistas e tecnocratas de esquerda cabe grande parte da culpa cederam muito facilmente ao fundamentalismo de mercado e incorporaram seus princípios centrais No paradoxo apontado pelo economista ondas anteriores de reformas de esquerda keynesianismo socialdemocracia Estado de bemestar salvaram o capitalismo de si mesmo e na prática tornaramse a si mesmas supérfluas Algumas décadas depois após o evidente fracasso da hiperglobalização muitas vezes aprofundada por governos ditos socialdemocratas em solucionar conflitos inerentes ao capitalismo Rodrik defende uma nova resposta econômica programática da esquerda como única saída para sanar as divisões na sociedade A boa notícia é que o vácuo intelectual da esquerda está sendo preenchido e não há mais nenhuma razão para acreditar na tirania do não há alternativas conclama Economistas progressistas de dentro e de fora do mainstream vêm trabalhando em propostas cada vez mais radicais algumas das quais foram incorporadas até mesmo na plataforma de Hillary Clinton graças à força adquirida pela candidatura de Sanders nas primárias norteamericanas No Brasil retrocessos negociados entre quatro paredes e escondidos sob o véu da técnica ainda são o caminho escolhido por grande parte dos analistas e da classe política que governa A leitura parece ser a de que se aproveitar da aflição das pessoas com a gravidade da crise para enfiarlhes medidas antidemocráticas goela abaixo não terá consequências mais dramáticas no futuro Em um país com fissuras sociais tão profundas e que nunca deixou de apresentar altos índices de violência imaginar que a perda de direitos e uma piora no padrão de vida passarão despercebidas é multiplicar por mil o wishful thinking que se abateu sobre a elite intelectual norteamericana e inglesa É claro que o caos social e o crescimento de forças conservadoras passam É claro que o caos social e o crescimento de forças conservadoras passam longe do que desejam os sábios tupiniquins que lamentaram tanto a vitória de Trump quanto a de Marcelo Crivella na prefeitura do Rio de Janeiro Entretanto assim como os experts identificados por Megan McArdle no pósBrexit continuam dobrando a aposta Analistas e políticos da centroesquerda parecem obstinados em tentar convencer as pessoas do que elas deveriam querer em vez de viabilizar suas demandas Ainda que hipóteses históricas nunca sejam universais como apontou o historiador Alexander Gerschenkron 1962 a opção por não realizar uma reforma tributária e por abandonar os investimentos públicos em prol da implementação de políticas recessivas e excludentes no governo Dilma Rousseff e mais ainda em um governo Temer sem legitimidade parece no caso brasileiro nos tirar do caminho da exceção à regra e nos colocar na espiral descendente do aumento da intolerância e do enfraquecimento da democracia Se a tecnocracia desconectada da sociedade não é um bom caminho para enfrentar as abstenções nas urnas e os monstros em ascensão a eleição de líderes carismáticos sem programa de governo tampouco soa como solução Uma alternativa parece ser a construção de candidaturas que dialoguem com as demandas concretas dos que ainda sofrem em todo o mundo as consequências da crise econômica e das desigualdades crescentes Abrir a política institucional para a participação mais efetiva da sociedade é o primeiro passo Bibliografia FONSO J R Pinto V C 2014 Composição da desoneração completa da folha de salários Texto para discussão n 41 IBREFGV Disponível em httpwwwjoserobertoafonsocombrattachment5784 AZEVEDO P F SERIGATI F C 2015 Preços administrados e discricionariedade do Executivo Revista de Economia Política v 35 n 3 Disponível em httpwwwscielobrscielophp scriptsciarttextpidS0101 31572015000300510aff1 ARBOSA FILHO N 2008 Inflation targeting in Brazil 19992006 International Review of Applied Economics v 22 n 2 pp 187200 ARBOZA R 2015 Taxa de juros e mecanismos de transmissão da 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importações é baixa no Brasil Evidências a partir das desagregações por categoria de uso Texto para Discussão n 2046 Brasília Ipea 2016 Revisitando a dinâmica trimestral do investimento no Brasil 19962012 Revista de Economia Política vol 36 pp 190213 DWECK E TEIXEIRA R 2017 A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica Texto para Discussão n 303 Campinas IEUnicamp Disponível em httpwwwecounicampbrdocproddownarqphp id3532tpa FMI 2015a Fiscal Multipliers for Brazil In IMF Country Report n 15 Disponível em httpswwwimforgexternalpubsftscr2015cr15122pdf FMI 2015b Filling the Gap Infrastructure Investment in Brazil In IMF Country Report n 15 Disponível em httpswwwimforgexternalpubsftscr2015cr15122pdf FMI 2017 Fostering Inclusive Growth In IMF Note G20 Leaders Summit July 78 Disponível em httpswwwimforgexternalnpg20pdf2017062617pdf FRIEDMAN B 2005 The Moral Consequences of Economic Growth Nova York Random House ERSCHENKRON A 1962 Economic Backwardness in Historical Perspective a Book 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negligenciada Texto para Discussão n 2190 Rio de Janeiro Ipea Disponível em httpwwwipeagovbrportalimagesstoriesPDFsTDstd2190pdf 2017 Resultado primário e contabilidade criativa reconstruindo as estatísticas fiscais acima da linha do governo geral Texto para Discussão n 2288 Brasília Ipea Disponível em httpwwwipeagovbrportalimagesstoriesPDFsTDstd2288pdf OSTRY J et al 2016 Neoliberalism Oversold IMF Finance and Development Disponível em httpswwwimforgexternalpubsftfandd201606pdfostrypdf PADRÓN A et al 2015 Por que a elasticidadepreço das exportações é baixa no Brasil Novas evidências desagregadas In Brasil e desenvolvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea pp 1542 PIRES M 2014 Política fiscal e ciclos econômicos no Brasil Economia Aplicada Ribeirão Preto vol 18 n 1 pp 6990 ROSSI P 2016 Taxa de câmbio e política cambial no Brasil teoria institucionalidade papel da arbitragem e da especulação Rio de Janeiro FGV Editora RUGITSKY F 2015 Milagre miragem antimilagre a 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Societies Stronger Nova York Bloomsbury Press Felipe Felizardo Laura Carvalho é doutora em economia pela New School for Social Research e professora da Faculdade de Economia e Administração da USP Escreve às quintasfeiras no jornal Folha de S Paulo Valsa brasileira é seu primeiro livro Laura Carvalho 2018 Todos os direitos desta edição reservados à Todavia Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 capa Elaine Ramos preparação Ana Cecília Agua de Melo checagem Luiza Miguez revisão Livia Azevedo Lima Ana Alvares versão digital Antonio Hermida Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Carvalho Laura 1984 Valsa Brasileira Do boom ao caos econômico Laura Carvalho São Paulo Todavia 1ª ed 2018 192 páginas ISBN 9788593828638 1 Economia 2 Economia brasileira 3 Ensaio 4 Macroeconomia I Título CDD 973 Índices para catálogo sistemático 1 Economia Economia brasileira 3301 todavia Rua Luís Anhaia 44 05433020 São Paulo SP T 55 11 3094 0500 wwwtodavialivroscombr 1 O artigo está disponível em httpwwwrepeceaefeauspbrdocumentosCarvalhoRugitsky25WPpdf 2 O índice geral do Fundo Monetário Internacional fmi indica que os preços das commodities cresceram 326 entre dezembro de 2001 e abril de 2011 mesmo com os oito meses de queda a partir do segundo semestre de 2008 no auge da crise financeira internacional 3 httpwwwbcbgovbrpecappronPronPortjantarpdf 4 httpwww1folhauolcombrfspbrasilfc0603200402htm 5 httpwww1folhauolcombrfspdinheirofi2210200404htm 6 httpwww1folhauolcombrfspbrasilfc1503200421htm 7 httpwww1folhauolcombrfspdinheirofi0203200521htm 8 httpwww1folhauolcombrfolhadinheiroult91u101871shtml 9 httpwww1folhauolcombrfspdinheirofi1112200513htm 10 httpbrasilestadaocombrnoticiasgeralalckminprometereduzirgastosdamaquinae impostos20060829p67311 11 A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa que era testemunha de acusação contra Palocci na CPI dos Bingos levou à demissão do ministro da Fazenda e do presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso em março de 2006 12 As exportações brasileiras cresceram 145 em 2004 e 96 em 2005 ante um crescimento de 39 e 44 no consumo das famílias respectivamente No biênio 20067 as exportações cresceram apenas 115 no acumulado ante 126 de crescimento no consumo das famílias e 235 no investimento 13 Em agosto de 2017 o número de famílias atendidas era de 135 milhões O programa atende a população em situação de pobreza e extrema pobreza As contrapartidas para recebimento do benefício incluem a frequência escolar de crianças e jovens e o acompanhamento médico de gestantes e crianças da família 14 Sobre os efeitos do Bolsa Família na redução da desigualdade ver por exemplo estudos de Hoffman 2006 2013 Barros et al 2007 Soares et al 2010 15 O salário mínimo não apenas é o menor salário do mercado de trabalho mas também serve como piso para os benefícios da Previdência aposentadorias pensões e auxílios conforme o art 201 2º da Constituição e para o Benefício de Prestação Continuada bpc conforme o art 203 v Em 2015 quase dois terços dos benefícios da Previdência Social possuíam o valor de um salário mínimo totalizando mais de 17 milhões de benefícios Destacase ainda o contingente de 9 milhões de beneficiários da clientela rural e os 4 milhões de beneficiários do bpc segundo dados do Boletim Estatístico da Previdência Social vol 20 n 1 jan 2015 Disponível em httpwwwprevidenciagovbrestatisticas 16 Para a série completa e uma discussão aprofundada sobre as diferentes metodologias de cálculo da parcela de salários na renda ver Martins 2017 17 Tavares e Serra 19711976 18 Devido ao seu caráter inclusivo Rugitsky 2015 chama tal processo de antimilagre em oposição ao milagre econômico concentrador de renda dos anos da ditadura militar 19 A Lei de Engel pode ajudar a explicar o fato de que em geral após um primeiro estágio do desenvolvimento econômico em que a agricultura é dominante tanto em termos da proporção de pessoas empregadas quanto da participação no pib a indústria passa a ganhar importância e é posteriormente substituída pelo setor de serviços em uma terceira fase Assim nos países ricos a maior parte da mão de obra está empregada nos setores de serviços 20 O auge da participação da indústria na economia foi de 243 em 2004 sendo 151 referentes à indústria de transformação e 42 ao setor de construção Os serviços representavam 549 do pib naquele ano Em 2010 a participação da indústria de transformação no pib já havia caído para 127 dada a perda de espaço para os setores de construção 53 e serviços 576 21 O saldo total da carteira de crédito em relação ao PIB e o saldo da carteira de crédito a pessoas físicas foram obtidos no Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central 22 O crédito consignado foi introduzido pela Lei n 10820 de 2003 23 Dados obtidos no Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central 24 Ver estudo econométrico de Schettini et al 2012 que encontra efeito significativo do crédito sobre o consumo das famílias no período 19952009 25 Taxas de crescimento anualizadas a partir dos dados contidos no Relatório de Acompanhamento Fiscal de dezembro de 2017 da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal e deflacionados pelo IPCA 26 A contração observada no período 20035 deveuse à redução de 541 nos investimentos do governo central em 2003 Apesar da expansão em 2004 e 2005 os investimentos do governo central só voltaram ao nível de 2002 em 2006 27 Se incluirmos os investimentos de empresas estatais federais e das esferas estadual e municipal de governo verificamos um comportamento similar 17 de crescimento anual entre 2006 e 2010 04 ao ano entre 2002 e 2006 e queda de 1 ao ano entre 2010 e 2014 Para uma análise anual da evolução dos investimentos públicos e outros itens do orçamento federal com dados confiáveis que descontam pedaladas e despedaladas ver Orair e Gobetti 2017 28 Dos 5039 bilhões de investimentos previstos pelo pac em 2007 aos preços daquele ano 941 foram executados até dezembro de 2010 segundo o Balanço Final do pac 1 29 O produto a renda nacional é determinado pela soma dos diversos componentes da demanda consumo das famílias investimentos exportações e gastos do governo menos as importações do país Alguns desses componentes são induzidos ou seja dependem da própria renda nacional e outros são considerados autônomos Quando há aumento de um dos componentes autônomos o aumento da renda nacional é maior pois há efeitos indiretos sobre os demais componentes Por exemplo o aumento das exportações ou dos investimentos públicos eleva a renda nacional e induz maior consumo das famílias e investimentos das empresas gerando um efeito multiplicador sobre a renda e o emprego totais 30 Pires 2014 estima efeitos multiplicadores fiscais de gastos carga tributária líquida e investimentos públicos no período 19962012 31 Anteriormente a mudança permitia abater despesas com o Projeto Piloto de Investimento ppi que é substituído pelo pac em 2007 A concepção do ppi seguia recomendações de organismos multilaterais para retirar o viés antiinvestimento de regras fiscais muito rígidas e no Brasil previa a possibilidade de dedução da meta fiscal de uma carteira seletiva de projetos O pac contribuiu ao deslanchar um conjunto de projetos na área de infraestrutura e ampliar substancialmente a margem de dedução 32 Primeiro a meta foi recalculada de 425 para 38 após a divulgação da nova série do pib em 2007 pelo ibge que por ter aumentado o próprio valor do pib reduziu o tamanho do superavit do governo em relação ao pib Em seguida caiu para 33 com a retirada da Petrobras da meta em 2009 e para 31 com a retirada da Eletrobras em 2010 33 Conforme apresentado na Tabela 1 o consumo das famílias teve crescimento real médio anual de 58 entre 2006 e 2010 ante 91 de crescimento real anual do investimento no mesmo período 34 Nos modelos macroeconômicos segundo os quais ao contrário o produto encontrase limitado pela capacidade de oferta o aumento do consumo só pode se dar em detrimento do investimento daí a máxima de que é necessário poupar mais para investir Esse é o pressuposto dos chamados modelos neoclássicos de crescimento econômico 35 A inflação medida pelo ipca saiu de 76 em 2004 para 31 em 2006 chegou a subir até 59 em 2008 e caiu para 43 em 2009 Em 2010 ano de maior crescimento da economia a inflação foi de 59 36 Em 2009 o valor dos benefícios foi 12 maior e em 2010 o reajuste foi de 97 37 Em 2008 a isenção de irpf era dada a todos cuja renda mensal não ultrapassasse 137281 reais Para as rendas entre 137282 e 274325 reais era cobrada alíquota de 15 Acima disso cobravase a alíquota máxima de 275 Em 2009 a isenção continuou a ser dada para renda abaixo de 1434 reais mas passou a ser cobrada uma alíquota de apenas 75 para rendas entre 1434 e 2150 reais Além disso foi criada uma faixa intermediária com alíquota de 225 para rendas entre 2866 e 3582 reais 38 Marcos Lisboa De crise em crise piauí outubro de 2017 39 Ver por exemplo artigo de Marcos Lisboa em resposta a Fernando Haddad na revista piauí de agosto de 2017 httppiauifolhauolcombrmateriaoutrahistoria 40 Ver por exemplo Carvalho 2010 41 O estudo econométrico apresentado por Giovannetti 2013 indica que o grau de repasse de aumentos de salários para preços nos setores de serviços é da ordem de 20 42 Ver Dos Santos et al 2016 43 O restante dos juros líquidos pagos está associado ao chamado custo de carteira custo de carregamento de reservas internacionais e outros ativos financeiros do governo como no caso de operações do bndes correção monetária e swaps cambiais 44 O orçamento do Programa Bolsa Família representou 036 do pib em 2010 de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional 45 Ver por exemplo o artigo de Luiz Carlos BresserPereira intitulado Países asiáticos e doença holandesa publicado no jornal Folha de S Paulo em 1242010 httpwww1folhauolcombrfspdinheirofi1204201003htm 46 Para essa e outras recomendações de política econômica com tais objetivos ver por exemplo artigo de BresserPereira intitulado Brasil vive desindustrialização publicado no jornal Folha de S Paulo em 2982010 httpwww1folhauolcombrfspmundoft2908201011htm 47 Um acordo pela indústria brasileira 2652011 Folha de S Paulo 48 httpwwwvalorcombrbrasil2942048paismudousuamatrizeconomicadizholland 49 O governo já havia instituído o IOF de 6 para o ingresso de capital estrangeiro direcionado para as garantias de derivativos httpeconomiaestadaocombrnoticiasgeralgovernoampliacontroleemderivativopara contercambio77472e 50 Para uma análise do funcionamento do mercado de derivativos de câmbio e dos efeitos das medidas implementadas ver Rossi 2016 51 Ver Dos Santos et al 2015 e Padrón et al 2015 sobre a baixa sensibilidade das exportações e importações do Brasil à taxa de câmbio As importações do país também parecem responder pouco a variações na taxa de câmbio já que não temos uma estrutura produtiva capaz de oferecer substitutos nacionais para a grande maioria dos produtos consumidos 52 Alta desconfortável O Globo 822013 53 Para uma análise da defasagem nos preços administrados e seus custos microeconômicos ver Azevedo e Serigati 2015 54 Boxe de decomposição da inflação Relatório de Inflação março de 2016 55 Para uma análise da composição setorial da política de desoneração da folha salarial e de sua evolução ver Afonso e Pinto 2014 56 httpwww1folhauolcombrmercado2015091678317dilmadeur458bilhoesem desoneracoesshtml 57 As taxas de crescimento do investimento em máquinas e equipamentos foram extraídas das estimativas apresentadas em Dos Santos 2016 58 Ver por exemplo artigo de Felipe Rezende publicado em 482016 no jornal Valor Econômico httpwwwvalorcombropiniao4658015porqueobrasilsofreumadaspiores crisesdesuahistoria 59 Ver por exemplo entrevista ao jornal New York Times em 1342017 httpswwwnytimescom20170413opinionanimpeachedpresidentreelingbut defianthtml 60 Queda do spread bancário é determinação de Dilma diz Tombini G1 2822012 httpg1globocomeconomiaseudinheironoticia201202quedadospreadbancarioe determinacaodedilmadiztombinihtml Para facilitar crédito Dilma defende diminuição do spread bancário G1 342012 httpg1globocomeconomianoticia201204parafa cilitarcreditodilmadefendediminuicaodospreadbancariohtm 61 Foram aportados 1302 bilhões de reais em 2010 751 bilhões em 2011 771 bilhões em 2012 543 bilhões em 2013 e 751 bilhões em 2014 em valores convertidos para preços de 2017 62 Ver por exemplo httpwwwvalorcombropiniao4658015porqueobrasilsofreuma daspiorescrisesdesuahistoria 63 Dados da Instituição Fiscal Independente 2017 64 Dweck e Teixeira 2017 defendem que a parte dos recursos do programa Minha Casa Minha Vida oriunda do Fundo de Arrendamento Residencial far para a construção residencial tem mais caráter de investimento do que de subsídio ao contrário do que ocorreria com o crédito subsidiado com recursos do fgts Os recursos do far destinados à chamada Faixa 1 do programa financiam 95 da construção dos imóveis que não existiriam sem esses aportes e atuam portanto de forma muito similar à contratação de uma obra pública pelo governo federal Se acrescentarmos os recursos do far os investimentos federais mantêm sua parcela no pib relativamente estável entre 2011 e 2014 ao invés de cair 65 A taxa de crescimento dos investimentos públicos entre 2010 e 2014 foi ligeiramente negativa 1 ao ano quando estes são convertidos para valores reais pelo deflator implícito do pib e aproximadamente nula 03 ao ano quando se utiliza o ipca 66 Foram concedidos no período os aeroportos de São Gonçalo do Amarante rn Guarulhos sp Viracopos sp Brasília df Confins mg e Galeão rj 67 Dados da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda httpseaefazendagovbrassuntosregulacaoeinfraestruturainformativode infraestruturaarquivosinfinfraestrutura2016 convertidos a preços de 2017 utilizando o ipca 68 O modelo de crescimento chinês tem os investimentos públicos em infraestrutura como seu principal eixo o que explica inclusive o aumento dos preços de minérios de ferro e outros produtos que exportamos ao longo dos anos 2000 69 httpswwwprojectsyndicateorgcommentarytaxcutsfortherichsolvenothingby josephestiglitz201707barrieraccessreg 70 Do ponto de vista das estatísticas fiscais as chamadas pedaladas fizeram com que as instituições financeiras mantivessem contas em aberto com valores a receber só quitadas pelo Tesouro em 2015 Quando essas despesas são incluídas nos anos em que efetivamente ocorreram pois os bancos públicos as honraram e também é descontado o efeito de outras mudanças metodológicas nas estatísticas o resultado primário entre 2011 e 2014 é muito menor do que o divulgado pelos órgãos oficiais 71 Os recursos para o Minha Casa Minha Vida passaram de 01 para 03 do pib entre 2011 e 2014 e o subsídio implícito nos empréstimos do bndes subiu de 02 do pib em 2010 para 04 em 2014 72 Dados do Banco Central do Brasil Fatores Condicionantes da Dívida Bruta do Governo Geral Os 04 pontos percentuais restantes devemse ao chamado ajuste cambial a alta do dólar eleva a parte da dívida que é denominada em dólar A rubrica pagamento de juros inclui o custo dos chamados swaps cambiais Essas operações foram muito utilizadas pelo Banco Central para intervir no mercado de câmbio Funcionam da seguinte forma quando as expectativas dos agentes são de que o dólar vai subir o Banco Central oferece um contrato que paga a variação do dólar até uma data estabelecida oferecendo proteção aos agentes Na prática isso ajuda a frear a própria alta do dólar pois evita que um grande número de agentes compre dólares no mercado à vista Se o real de fato se desvaloriza esses contratos geram perdas para o Banco Central contribuindo para elevar a dívida pública bruta A dívida líquida como se viu não aumenta já que essas perdas são mais do que compensadas pela valorização das reservas internacionais 73 Com a queda da taxa de juros esperada e a entrada massiva de capitais estrangeiros o Tesouro Nacional passa a mudar sua política de emissão de títulos públicos em 2010 reduzindo a parcela das lfts indexadas à Selic e elevando a parcela de títulos préfixados e indexados à inflação Esse período também coincide com um alongamento do prazo médio dos títulos brasileiros 74 Para uma análise da evolução da carga tributária ver Orair 2015 75 httpwwwvalorcombrbrasil3858712parabachaninguememaisortodoxoquelevy 76 Esse número exclui as despesas com as chamadas despedaladas ou seja o pagamento atrasado do Tesouro Nacional aos bancos públicos relativo aos benefícios pagos em 2014 77 O dado de investimento do governo central foi obtido no Relatório de Acompanhamento Fiscal de dezembro de 2017 da Instituição Fiscal Independente 2017 descontando a inflação medida pelo IPCA 78 A queda foi medida a partir do Índice de Confiança da Indústria do Ibrefgv 79 Enquanto as emissões líquidas contribuíram apenas com 23 pontos percentuais ante 3 em 2014 o pagamento de juros nominais respondeu por 76 pontos percentuais do total ante 55 em 2014 Já o crescimento do pib que havia contribuído com uma redução de 52 pontos percentuais em 2013 e 34 em 2014 reduziu sua contribuição para 21 80 O novo pacote fiscal se transformou no Projeto de Lei Complementar 257 enviado ao Congresso 81 Dois dias após o fim do processo de impeachment de Dilma votado no dia 31 de agosto uma lei aprovada pelo Senado modificou os limites para a abertura de créditos suplementares sem necessidade de autorização do Congresso O limite para tal remanejamento de recursos era de 10 do valor da despesa e foi ampliado para 20 A criminalização da política fiscal e o uso e abuso das críticas ao conjunto da obra entre senadores geraram tal confusão na opinião pública que até uma razoável flexibilização no teto de remanejamento viralizou na internet sob o slogan pedalada não é mais crime Além da confusão com o outro pretexto usado na votação do impeachment no qual atrasos no pagamento a bancos públicos configurariam operações de crédito ou pedaladas a lei aprovada não fez com que deixasse de ser crime a assinatura de decretos de crédito suplementar Nunca foi crime remanejar recursos sem a autorização do Congresso desde que respeitados os limites previstos por lei 82 httpwww1folhauolcombropiniao2016031749973paradoxoeconomicoshtml 83 httpwww1folhauolcombrpoder2016051769617maranhaodeciderevogardecisao queanulousessaodoimpeachmentshtml 84 httpwww1folhauolcombrpoder2016051774018emdialogosgravadosjucafala empactoparadeteravancodalavajatoshtml 85 httpwww1folhauolcombropiniao2016121841191depoisdotetoshtml 86 httpeconomiaestadaocombrnoticiasgeraltemerdizquepecdotetopodeserrevista em4ou5anos10000081943 87 Dardot e Laval 2016 88 httpwwwvalorcombrbrasil4707405padilhanaonosdemoscontaquebondadesnos levariamaoprecipicio 89 httpeconomiaestadaocombrnoticiasgeralexdiretoresdobcsedizemperplexoscom atitudedetombiniemvesperadecopom10000007465 90 Ver por exemplo entrevista de Monica De Bolle ao jornal Valor Econômico httpwwwvalorcombrbrasil4252122debollesobdominanciafiscalbrasildeveriadeixar regimedemetas 91 httpwwwvalorcombrbrasil4775327semendossodarealidadeeconomiasedescola daexpectativa 92 httpswwwtheguardiancombusiness2015apr22economicmythsandtalltalesthe confidencefairyandbondvigilante 93 httpswwwftcomcontente6af3bc046c511e785199f94ee97d996 94 httpwww1folhauolcombrmercado2017081913221consumopuxarecuperacao lentadaeconomiadizpresidentedobcshtml 95 O Relatório Focus de 912015 o segundo após a entrada de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda aponta expectativas de crescimento do pib da ordem de 04 para 2015 e 18 para 2016 No relatório de 1552015 essas previsões já haviam caído para 12 em 2015 e 1 de crescimento em 2016 Como vimos a queda do pib acabou sendo de 35 em 2015 e em 2016 96 Ostry et al 2016 97 httpsbrasilelpaiscombrasil20150818politica1439928655412897html 98 Beckett e Western 2001 99 Wacquant 1999 100 Wilkinson e Pickett 2010 101 Os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares pof do ibge de 2009 mostram que a propensão a consumir aumenta substancialmente quando nos movemos do topo para a base da distribuição sendo em média de 56 da renda bruta para os que recebem acima de 10375 reais mensais e de mais de 100 para os que ganham menos do que 830 reais Assim a cada mil reais transferidos dos mais ricos para os mais pobres direta ou indiretamente via geração de emprego e renda o consumo das famílias aumentaria em 730 reais 102 Ver por exemplo Calderón e Servén 2010 103 Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento snis 104 Ver artigo de Barboza 2015 105 Ver artigo de BarbosaFilho 2008 106 O estudo detalhado de Pedro Rossi 2016 aponta para o impacto dos movimentos especulativos do mercado offshore sobre o mercado de derivativos de câmbio e por meio da arbitragem dos bancos privados brasileiros sobre o mercado de câmbio à vista 107 Mazzucato 2014 108 Friedman 2005 109 httpswwwyoutubecomwatchvBkm2Vfj42FY 110 httpswwwbloombergcomviewarticles20160617britainselitesignorethemasses attheirperil 111 wwwvalorcombropiniao4637295abdicacaodaesquerda A URUGUAIA A Uruguaia Mairal Pedro 9788593828898 128 páginas Compre agora e leia Sucesso de crítica e bestseller em todo o universo de língua espanhola A uruguaia é uma epopeia tragicômica sobre a busca pela felicidade A uruguaia apresenta o argentino Pedro Mairal um dos narradores mais destacados da nova literatura latinoamericana Este romance divertido e apaixonante sobre afetos crise conjugal autoengano e busca pela felicidade mostra através das peripécias sentimentais de um escritor recémchegado aos quarenta anos como devemos enfrentar as promessas que fazemos e não cumprimos e as diferenças entre aquilo que somos e o que realmente gostaríamos de ser Narrado com leveza e brilhantismo para tratar de temas como amor e culpa responsabilidade e libertação pessoal estabelece de uma vez por todas o talento de Pedro Mairal como um dos nomes de destaque juntamente com Patricio Pron Mariana Enríquez Leila Guerriero Selva Almada e outros de um novoboom da literatura latinoamericana Compre agora e leia a questão da culpa A questão da culpa Jaspers Karl 9788593828379 120 páginas Compre agora e leia A reflexão de um dos mais importante filósofos alemães sobre a desumanização do outro durante o Nazismo permanece dolorosamente atual diante dos últimos acontecimentos da política no Brasil e no mundo Concebido em 1945 e vindo a lume no ano seguinte quando os crimes perpetrados pelo regime nazista foram revelados nos julgamentos de Nuremberg este ensaio de Karl Jaspers logo se impôs como a primeira e indispensável reflexão sobre culpa de um povo inteiro Jaspers que foi afastado de seu posto universitário em 1937 pelo fato de ser casado com uma judia voltou do isolamento forçado pelo regime de Hitler e desempenhou a partir do pósguerra com seus textos e transmissões radiofônicas o papel de consciência moral de um país que precisava se reconstruir em todos os campos Este livro fundamental é a maior prova de sua emblemática honestidade intelectual Compre agora e leia CARTAS DA PRISÃO DE NELSON MANDELA Cartas da prisão de Nelson Mandela Mandela Nelson 9788593828911 656 páginas Compre agora e leia Cartas da prisão de Nelson Mandela é uma obra histórica a primeira e única coleção autorizada de correspondências que abarca os vinte e sete anos em que o líder sulafricano esteve encarcerado Lançada simultaneamente em diversos países a publicação celebra o centenário de Mandela Comoventes fervorosas arrebatadoras e sempre inspiradoras as mais de duzentas cartas muitas das quais nunca vistas pelo público foram reunidas a partir de coleções públicas e privadas O livro inclui um prefácio escrito por Zamaswazi DlaminiMandela neta do grande líder Um retrato íntimo de um ativista político que também era marido devoto pai afetuoso aluno dedicado e amigo fiel Compre agora e leia A TIRANIA DO AMOR CRISTOVÃO TEZZA A tirania do amor 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impulsiona as digressões de A tirania do amor Otávio porém logo perceberá que nem a racionalidade serve para domar a vida nem ele mesmo é tão racional quanto gostaria de acreditar Compre agora e leia MEMÓRIAS DE UM ANTISSEMITA GREGOR VON REZZORI Memórias de um antissemita von Rezzori Gregor 9788593828935 416 páginas Compre agora e leia Um romance fundamental para compreender os rumos do século XX mas ainda desconhecido no Brasil Com o desmembramento da Monarquia habsburga a aristocracia austríaca se vê privada de sua cidadania e com ela de sua identidade Distantes da nova realidade os personagens de Von Rezzori aferram se aos valores herdados de um mundo desaparecido assim como aconteceu com os judeus Com uma prosa afiada o autor constrói uma história poderosa capaz de questionar a naturalização surda e acrítica de um injustificável sentimento de superioridade Compre agora e leia