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Economia Política

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Stuart Mill. São Paulo: Abril Cultural (Coleção Os pensadores) JOHN STUART MILL DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA E DO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO PROPRIO A ELA Tradução de Pablo Rubén Mariconda Poder-se-ia imaginar, numa visão superficial da natureza e objetos da definição, que a definição de uma ciência ocuparia o mesmo lugar na ordem cronológica que comumente apresenta na ordem didática. Como um tratado em qualquer ciência comumente começa com uma tentativa de exprimir, numa fórmula breve, o que a ciência é e no que ela difere com relação às outras ciências, poderia supor-se que a construção de tal fórmula naturalmente precedeu o cultivo afortunado da ciência. Entretanto, está longe de ter sido o caso. A definição de uma ciência quase invariavelmente não precedeu a criação da própria ciência, mas a seguiu. Como o muro de uma cidade, que comumente foi construído não para ser um receptáculo para aqueles edifícios que poderiam mais tarde levantar-se mas para circunscrever um agregado já existente. A humanidade não mediu o terreno para o cultivo intelectual antes de começar a plantá-lo; não dividiu o campo de investigação humana primeiro em compartimentos regulares, para em seguida começar a colher verdades com o propósito de serem ali depositadas; procedeu de modo menos sistemático. Como as descobertas foram reunidas uma a uma ou em grupos como resultado de processamento continuado de algum curso uniforme de discurso, as verdades que foram sucessivamente acumuladas aderiam e tornavam-se aglomeradas de acordo com suas afinidades individuais. Sem nenhuma classificação intencional, os fatos se autoclassificam. Eles se tornam associados na mente, de acordo com suas semelhanças gerais e óbvias; e os agregados assim formados, tendo que ser frequentemente indicados como agregados, acabam por ser denotados por um nome comum. Qualquer corpo de verdades que adquira assim uma denominação coletiva foi chamado uma ciência. Passou-se muito tempo antes que se sentisse que esta classificação fortuita não era suficientemente precisa. Foi num estágio mais avançado do progresso do conhecimento que a humanidade se tornou sensível da vantagem em investigar só os fatos que tinham assim agrupado se distinguiam de todos os outros fatos por algumas propriedades comuns, e quais eram estas propriedades. As primeiras tentativas de responder a esta questão foram comumente muito inábeis, e as definições consequentes extremamente imperfeitas. E, na verdade, existe raramente qualquer investigação no corpo total da ciência que requeira tão alto grau de análise e abstração como a investigação do 292 STUART MILL que a ciência é em si mesma; em outras palavras, quais são as propriedades comuns a todas as verdades que a compõem e que distinguem estas mesmas verdades de todas as outras verdades. Consequentemente, muitas pessoas que são profundamente versadas nos detalhes de uma ciência ficariam muito perplexas em fornecer uma definição de ciência em si mesma que não fosse suscetível de objeções lógicas bem fundadas. Desta observação não podemos exceptuar os autores de tratados científicos elementares. As definições que esses trabalhos fornecem das ciências na maior parte ou não se acomodam a elas — algumas definições sendo muito amplas, outras muito estritas — ou não penetram suficientemente no interior delas, mas definem uma ciência por suas acidentes, não por suas essências; por alguma de suas propriedades que pode, com efeito, servir ao propósito de um marco distintivo, mas que é de muito pouca importância para ter por si mesma levado a humanidade a dar à ciência um nome e classificá-la como um objeto de estudo separado. A definição de uma ciência deve, de fato, ser colocada entre a classe de verdades que Dugald Stewart tinha em mente quando observou que os primeiros princípios de todas as ciências pertencem à filosofia da mente humana. A observação é exata; os primeiros princípios de todas as ciências, incluindo a definição deles, consequentemente participarão até agora na vaguidade e incerteza que atravessa o mais difícil e infundado de todos os ramos de conhecimento. Se abrirmos qualquer livro, mesmo de matemática ou de filosofia natural, é impossível não sermos surpreendidos pela obscuridade de que verificamos representando como noções preliminares e fundamentais e pela maneira muito insuficiente pela qual as propósitos, que nos são impostas como primeiros princípios, parecem estar provadas, em contraste com a lucidez das explicações e da conclusividade das provas de todos aqueles particulares detalhes de seu objeto. Onde reside esta anomalia? Por que a admitida certeza dos resultados dessas ciências não é de modo algum prejudicada pela falta de solidez em suas premissas? Como acontece que uma firme superestrutura se erija sobre uma fundação instável? A solução do paradoxo é que o que se chama primeiros princípios são na verdade últimos princípios. Ao invés de serem o ponto fixo a partir de onde a cadeia de provas, que suporta todo o resto da ciência, fica suspensa, eles próprios são os vínculos mais remotos da cadeia. Apesar de apresentados como se todas as verdades devessem ser deduzidas deles, são verdades que chegaram por último; o resultado do último estágio de generalização, ou do último e mais sutil processo de análise, ao qual as verdades particulares da ciência podem ser sujeitas; averiguando-se previamente estas verdades particulares pela evidência adequada à sua própria natureza. Como outras ciências, a economia política permanece destituída de uma definição construída em princípios estritamente lógicos, ou até mesmo de uma definição exatamente co-extensiva à coisa definida, o que é mais fácil de se ter. Isto não ocasionou, talvez, que os limites reais da ciência fossem, pelo menos neste país, praticamente mal compreendidos ou ultrapassados; mas ocasionou — talvez devamos antes dizer está ligado com — concepções indefinidas e frequentemente errôneas do modo pelo qual a ciência deveria ser estudada. DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA Prosseguimos verificando estas asserções por um exame das definições mais geralmente admitidas da ciência. 1 — Primeiro, pelo que diz respeito à noção vulgar de natureza e objeto da economia política, não estaremos longe do marco se o enunciarmos ser alguma coisa com o seguinte resultado: que a ciência política é uma ciência que ensina, ou professa ensinar, de que maneira uma nação pode ser tornada rica. Esta noção do que constitui a ciência está em algum grau apoiada pelo título e arranjo que Adam Smith deu a seu inestimável trabalho. Um tratado sistemático de economia política, que ele escolheu chamar uma Investigação da Natureza e Causas da Riqueza das Nações (Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations); e os tópicos são introduzidos em uma ordem apropriada àquela visão do propósito de seu livro. Com relação à definição em questão, se ela pode ser chamada uma definição que não se encontra em alguma forma de conjunto de palavras, mas, deixada para ser alcançada por um processo de abstração de uma centena de modos correntes de falar acerca da questão, parece sujeita à objeção conclusiva de que ela confunde e adiça essencialmente distintos, apesar de estreitamente unidas, de ciência e arte. Estas duas idéias diferem entre si como o entendimento difere da vontade ou, de como o modo indicativo na gramática difere do imperativo. Uma negocia com fatos, a outra com preceitos. A ciência é uma coleção de verdades; a arte, um corpo de regras ou direções para a conduta. A linguagem da arte é, faça isto; evite aquilo. A ciência toma cognição de um fenômeno, e se esforça em descobrir sua lei; a arte propõe para si um fim e procura meios para efetuá-lo. Se isso é verdade, a economia política porventura fora uma ciência, não pode ser uma coleção de regras práticas, embora seja possível que regras práticas sejam fundadas nelas, e com efeito, uma enunciação dela. A ciência da mecânica teórica, em função da filosofia natural, estabelece as leis do movimento e as propriedades do que se chama forças mecânicas. A arte de mecânica prática ensina como nós podemos aproveitar aquelas leis e propriedades para aumentar nosso controle sobre a natureza exterior. Uma arte não seria uma arte a menos que estivesse fundada no conhecimento científico das propriedades do objeto de estudo; sem isto, não seria filosofia, mas empirismo; enpeiria (teoria), não téchne (arte) no sentido platônico. Portanto, as regras para fazer uma nação aumentar em riqueza não constituem uma ciência, mas são os resultados da ciência. A economia política não instrui por si mesma como fazer uma nação rica; mas quem quer que esteja qualificado para julgar os meios de tornar rica uma nação deve antes ser um economista político. 2 — A definição mais comumente aceita entre pessoas instruídas, e colocada no começo de muitos dos tratados competentes sobre a questão, tem o seguinte resultado: que a economia política nos informa acerca das leis que regulam a produção, distribuição e consumo da riqueza. A esta definição anexa-se frequentemente uma ilustração familiar. A economia política, diz-se, está para o Estado assim como a economia doméstica está para a família. Esta definição está livre do defeito que apontamos na primeira. Observa com precisão que a economia política é uma ciência e não uma arte; que é versa STUART MILL DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA das leis da natureza, não com máximas de conduta, e nos ensina como as coisas acontecem em si mesmas, não que maneira é útil para nós formá-las de modo a atingir algum fim particular. Mas, embora a definição não seja objetável, raramente se pode dizer o mesmo para a ilustração que a acompanha, que ao contrário remete a noção corrente e vaga de economia política já refutada. A economia política é realmente, e é estabelecida na definição para ser, uma ciência; mas a economia doméstica, na medida em que é passível de ser reduzida a princípios, é uma arte. Consiste de regras ou máximas de prudência para manter a família regularmente suprida com o que suas necessidades requerem, e assegurando, com alguma quantidade dada de meios, a maior quantidade possível de conforto físico e prazer. Indubitavelmente o resultado benéfico, a grande aplicação prática da economia política seria realizar para uma nação algo semelhante ao que a mais perfeita economia doméstica realiza para uma única família; mas, supondo-se este propósito realizado, haveria a mesma diferença entre as regras pelas quais isso seria efetuado e a economia política, que existe entre a arte de artilharia e a teoria dos projéteis ou entre as regras de agrimensura matemática e a ciência da trigonometria. A definição, embora não esteja sujeita à mesma objeção da ilustração que lhe é anexada, está em si mesma longe de ser irrecuperável. A nenhuma delas, consideradas como estabelecidas à frente de um tratado, temos muito a objetar. Numa época muito próxima ao início do estudo da ciência, algo mais preciso seria inútil e portanto pedante. Numa definição meramente inicial, não se requer precisão crítica: o propósito é insinuar a mente ao aprendiz — a apenas material através de que meios — alguma incorporação de alguma das questões do uso na ocupação, e quais são as séries de tópicos através dos quais ele está por viajar. Enquanto mera antecipação ou ébauche (esboço) de uma definição, que tentona indicar a um aprendiz tanto quanto ele seja capaz de entender, antes de começar, a natureza do que está por lhe ser ensinado, não polemizamos com a fórmula admitida. Mas, se ela pode para ser admitida como aquela definitivo (definição) completa ou linha fronteiriça que resulta de uma exploração completa de toda a extensão do tema, e tensiona-se que ela marque o lugar exato da economia política entre as ciências, sua pretensão não pode ser admitida. “A ciência das leis que regulam a produção, distribuição e consumo da riqueza.” O termo “riqueza” está envolto por um nevoeiro de associações flutuantes e quiméricas, que não permite que nada do que é visto através delas se mostre distintamente. Complementemos seu local por circunlóquio. Define-se a riqueza como todos os objetos úteis ou convenientes à humanidade, com exceção daqueles que podem ser obtidos em quantidade indefinida sem trabalho. Ao invés de todos os objetos, algumas autoridades dizem “todos os objetos materiais; a distinção não tem nenhuma importância para o presente propósito. Restringindo-nos à produção: se as leis da produção de todos os objetos, ou até de todos os objetos materiais, que são úteis ou agradáveis à humanidade, estivessem contidas na economia política, seria difícil dizer onde a ciência termina. DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA ria; pelo menos, todo ou aproximadamente todo o conhecimento físico estaria incluído nela. O trigo e o gado são objetos materiais em alto grau úteis à humanidade. As leis de produção do primeiro incluem os princípios de agricultura; a produção do outro é o objeto da arte de criação bovina, que, na medida em que é realmente uma arte, deve ser construída a partir da ciência da fisiologia. As leis da produção de artigos manufaturados envolvem o todo da mecânica. As leis de produção da riqueza que é extraída das entranhas da terra não podem ser estabelecidas sem assumir uma grande parte da geologia. Quando uma definição ultrapassa tão claramente em extensão o que professa definir, devemos supor que isto não significa que ela deva ser interpretada literalmente, embora as limitações com as quais ela deve ser entendida não estejam formuladas. Talvez se diga que a economia política é versada unicamente naquelas leis da produção da riqueza que são aplicáveis a todas as espécies de riqueza; aquelas que se referem aos detalhes de ocupações ou empregos formam o objeto de outras ciências totalmente distintas. Se esta distinção, não existisse essa distinção entre economia política e ciência física nada mais do que isto, nos aventuramos a afirmar que a distinção nunca teria sido feita. Não existe nenhuma divisão similar em qualquer outro departamento do conhecimento. Não dividimos a zoologia e a mineralogia em duas partes, uma que trata das propriedades comuns a todos os animais ou a todos os minerais, outra versada nas propriedades peculiares a cada espécie particular de animais ou minerais. A razão é óbvia; não existe nenhuma distinção de espécie entre as leis gerais da natureza animal ou mineral e as propriedades particulares das espécies particulares. Essa analogia não forçaria entre os dois grupos de categorias quanto existe entre uma das leis gerais e outra; mais comumente, de fato, as leis particulares nada mais são do que o resultado complexo de uma pluralidade de leis gerais que se modificam mutuamente. Portanto, uma separação entre as leis gerais e as particulares, simplesmente porque as primeiras são gerais e as últimas particulares, iria igualmente contra os mais fortes motivos de conveniência e as naturais tendências da mente. Se o caso é diferente com as leis da produção de riqueza, deve ser porque, neste caso, as leis gerais diferem em espécie das particulares. Mas, se assim o for, a diferença de espécie é a distinção radical, e deveríamos descobrir qual é essa diferença e fundar nela nossa definição. Todavia, além disso, as reconhecidas fronteiras que separam o campo da economia política do da ciência física de modo algum correspondem à distinção entre as verdades que concernem a todas as espécies de riqueza e aquelas que se referem somente a algumas espécies. As três leis do movimento e a lei de gravitação são comuns a toda matéria, desde que a observação humana já se tenha alargado; e estas, portanto, estando entre as leis da produção de toda riqueza, deveriam ser parte da economia política. Dificilmente existe algum dos processos industriais que não dependa parcialmente das propriedades da alavanca; mas 296 STUART MILL seria uma classificação estranha a que incluísse aquelas propriedades entre as verdades da economia política. Ora, esta última ciência tem muitas investigações tão completamente especiais, e que se referem tão exclusivamente a tipos particu­ lares de objetos materiais quanto qualquer dos ramos da ciência física. A investi­ gação de algumas das circunstâncias que regulam o preço do trigo tem tão pouca relação com as leis comuns à produção de toda riqueza quanto qualquer parte do conhecimento do agricultor. A investigação da renda das minas e da pesca, ou do valor dos metais preciosos, obtém verdades que têm referência imediata unica­ mente à produção de espécies peculiares de riqueza; todavia admite-se que estas espécies peculiares estão corretamente localizadas na ciência da economia política. A distinção real entre economia política e ciência física deve ser procurada em algo mais profundo do que a natureza do objeto de estudo; que, de fato, é na maior parte comum a ambas. A economia política e as bases científicas de todas as artes úteis têm na verdade um e mesmo objeto de estudo — notadamente, os objetos que conduzem a conveniência e satisfação dos homens, mas elas são, no entanto, ramos distintos do conhecimento. Se contemplarmos o campo total, alcançado ou alcançável, do conheci­ mento humano, verificaremos que ele se separa obviamente, e como se fosse espontaneamente, em duas divisões que se relacionam entre si tão surpreenden­ te por oposição e contraposição que em todas as classificações de nosso conhecimento elas foram mantidas separadas. São estas a ciência física e a ciên­ cia moral ou psicológica. A diferença entre estes dois departamentos do nosso conhecimento não reside no objeto de estudo em que elas são versadas; pois a despeito das partes materiais e mentais que o universo contém, pode dizer-se, com uma aproximação à verdade, que eles dizem respeito a objetos de estudo diferentes — notadamente um refere-se à mente humana, o outro a todas as ou­ tras coisas com exceção da mente; esta distinção não vale entre as regiões mais eminentes das duas ciências. Tome-se a ciência da política, por exemplo, ou a das leis: quem dirá que estas são ciências físicas? E no entanto não é óbvio que elas são inteiramente versadas tanto na matéria quanto na mente? Tome-se, agora, a teoria da música, da pintura, de qualquer outra das belas-artes e quem se aventu­ rá em afirmar que os fatos em que elas são versadas pertencem inteiramente à classe da matéria ou inteiramente àquela da mente? O que se segue parece ser a razão fundamental da distinção entre ciência fí­ sica e ciência moral. Em toda relação do homem com a natureza, quer o consideremos agindo sobre ela, quer recebendo impressões dela, o efeito ou fenômeno depende de cau­ sas de duas espécies: as propriedades do objeto que age, e as do objeto sobre o qual se age. Tudo aquilo que pode provavelmente acontecer e ao qual dizem res­ peito conjuntamente o homem e as coisas exteriores, resulta da operação con­ junta de uma lei ou leis da matéria e uma lei ou leis da mente humana. Assim a produção de trigo pelo trabalho humano é o resultado de uma lei da mente e de 297 DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA muitas leis da matéria. As leis da matéria são aquelas propriedades do solo e da vida vegetal que causam a germinação da semente na terra, e aquelas proprie­ dades do corpo humano que fazem a alimentação necessária ao seu sustento. A lei da mente é que o homem deseja apoderar-se da subsistência e conse­ quentemente determina os meios necessários para obtê-la. As leis da mente e as leis da matéria são tão dessemelhantes em sua natureza que seria contrário a todos os princípios do arranjo racional misturá-las como partes do mesmo estudo. Portanto, em todos os métodos científicos, elas são colo­ cadas separadamente. Qualquer efeito ou fenômeno composto que dependa tanto das propriedades da matéria como das da mente pode assim tornar-se o objeto de duas ciências ou ramos de ciência completamente distintos: um, que trata do fenômeno somente enquanto ele dependa das leis da matéria; o outro, que o trata enquanto ele dependa das leis da mente. As ciências físicas são aquelas que tratam das leis da matéria e de todos os fenômenos complexos enquanto dependentes das leis da matéria. Grande parte das ciências morais pressupõe a ciência física, mas pouco das ciências físicas pressupõe a ciência moral. A razão é óbvia. Existem muitos fáno­ menos (um terremoto, por exemplo, ou os movimentos dos planetas) que depen­ dem exclusivamente das leis da matéria e não têm relação alguma com as leis da mente. Muitas, portanto, das ciências físicas podem ser tratadas sem qualquer referência à mente e como se a mente existisse unicamente como um recipiente de conhecimento, não como uma causa que produz efeitos. Mas não existem fenôme­ menos que dependam exclusivamente das leis da mente; até mesmo os fenómenos da própria mente são dependentes das leis fisiológicas do corpo. Desta forma, todas as ciências mentais, de modo que exceto a ciência pura da mente, devem levar em conta uma grande variedade de verdades físicas, e (como a ciência é comumente e muito apropriadamente estudada antes) pode-se dizer que as pressu­ põem, tomando os fenômenos complexos onde a ciência física os deixa. Ora, verificar-se-á que isto é um enunciado preciso da relação que a econo­ mia política estabelece com as várias ciências que são tributárias das artes de produção. As leis da produção dos objetos, que constituem a riqueza, são o objeto de estudo tanto da economia política como de quase todas as ciências físicas. Contu­ do, algumas dessas leis, que são puramente leis da matéria, pertencem à ciência física, e pertencem exclusivamente a ela. Algumas delas, que são leis da mente humana, e nenhuma outra, pertencem à economia política, que finalmente resume o resultado da combinação de ambas. A economia política, portanto, pressupõe todas as ciências físicas; assume todas aquelas verdades daquelas ciências, que dizem respeito à produção dos objetos exigidos pelas necessidades da humanidade; ou pelo menos assume que a parte física do processo acontece de algum modo. Investiga, pois, quais são os fenômenos da mente que dizem respeito à pro­ dução e distribuição daqueles mesmos objetos; empresta da pura ciência da 298 STUART MILL mente as leis daqueles fenômenos, e investiga que efeitos se seguem dessas leis mentais que agem em conjunto com as leis físicas. Das considerações acima o que se segue parece surgir como a definição correta e completa de economia política: "A ciência que trata da produção e distribuição da riqueza na medida em que elas dependam das leis da natureza humana". Ou assim: "A ciência relacionada às leis morais ou psicológicas da produção e distribuição da riqueza". Para o uso popular esta definição é amplamente suficiente, mas está aquém da completa exatidão requerida para os propósitos do filósofo. A economia polí­ tica não trata da produção e distribuição da riqueza em todos os estados da humanidade, mas somente no que é denominado o estado social; nem na medida em que ela depende das leis da natureza humana, mas somente na medida em que depende de uma certa parte dessas leis. Esta, pelo menos, é a visão que deve ser tomada da economia política se pretendemos que ela encontre algum lugar numa divisão enciclopédica do campo da ciência. Em qualquer outra perspectiva, ou ela não é em absoluto ciência ou é várias ciências. Isto tornar-se-á claro se, por um lado, realizarmos um apanhado geral das ciências morais, com o objetivo de designar o lugar exato da economia política entre elas, enquanto, por outro lado, consideramos atentamente a natureza dos métodos ou processos pelos quais as verdades, que são o objeto daquelas ciências, são alcançadas. O homem, que, considerado como um ser tendo uma moral ou natureza mental, é o objeto de estudo de todas as ciências morais, pode, com relação àque­ la parte de sua natureza, formar o objeto da investigação filosófica sob várias hipóteses distintas. Podemos investigar o que pertence ao homem considerado individualmente, como se nenhum ser humano existisse além dele próprio; pode­ mos investigar o indivíduo enquanto conectado a famílias ou associações, e, finalmente, enquanto vive num estado de sociedade, isto é, enquanto toma parte de um corpo ou agregado de seres humanos, cooperando sistematicamente para fins comuns. Deste último estado, o governo político, ou a sujeição a um superior comum, é um ingrediente ordinário mas não toma necessariamente nenhuma Dizemos a produção e distribuição e não, como é comum em escritores desta ciência, a produção, distri­ buição e consumo. Pois sustentamos que a economia política, como é concebida por esses mesmos escreito­ res, não tem relação alguma com o consumo da riqueza, ainda mais a que consideração deve é inseparável da consideração da produção e da distribuição. Não temos conhecimento de quaisquer leis do consumo da riqueza como o objeto de uma ciência precisa; essas leis não podem ser outras além das leis da satisfação humana. Os economistas políticos nunca trataram o consumo em si mesmo, mas sempre com o propósito de investigar de que maneira diferentes espécies de consumo afetam a produção e distribuição da riqueza. Sob o título de consumo, em tratados competentes sobre a ciência, os seguintes temas são tratados: primeiro, a distribuição entre consumo produtivo e improdutivo; segundo, a investigação de se é possível traquear ser produtivo, e tão grande porção do que foi produzido ser aplicada para fins de produção subseqüente; tercei­ ro, a teoria dos impostos, isto é, as duas questões seguintes: por quem cada imposto particular é pago (uma questão de distribuição), e de que maneira os impostos particulares afetam a produção As leis físicas da produção de objetos úteis são todas igualmente responsáveis pela ciência da economia polí­ tica: no entanto, ela pressupõe muitas delas de modo geral, parecendo nada dizer delas. Algumas (tais como, por exemplo, a razão decrescente pela qual o produto do solo é aumentado por uma aplicação crescente de trabalho) ela é particularmente obrigada a especificar, e assim parece emprestar aquelas verdades das ciên­ cias físicas, as quais elas propriamente pertencem, e incluí-las entre suas próprias verdades. DA DEFINIÇÃO DE ECONOMIA POLÍTICA parte na concepção, e, com relação a nosso atual propósito, não precisa ser mais detidamente averiguado. Aquelas leis ou propriedades da natureza humana que pertencem ao homem como um simples indivíduo e não pressupõem, como condição necessária, a exclu- são de outros indivíduos (exceto, talvez, como simples instrumentos ou meios) fazem parte do objeto da filosofia mental pura. Compreendem todas as leis do simples intelecto, e aquelas dos desejos puramente auto-referentes. Aquelas leis da natureza humana que se referem aos sentimentos de um ser humano exigido por outros seres humanos ou inteligentes, individuais enquanto tais — notadamente as afecções, a consciência ou sentimento de dever, e o amor de aprovação; e que se referem à conduta do homem, na medida em que ela depende dessas partes de sua natureza, ou com elas tem relação — formam o ob- jeto de outra parte da filosofia mental pura, notadamente aquela parte dela na qual a moral ou a ética estão fundadas. Pois a própria moralidade não é uma ciência mais uma arte; não tem verdades mas regras. As verdades nas quais as re- gras estão fundadas são inferidas (como é o caso em todas as artes) de uma varie- dade de ciências; mas as principais verdades, e aquelas que são muito proxíma- mente peculiares a essa arte particular, pertencem a um ramo da ciência da mente. Finalmente, existem certos princípios da natureza humana que estão pecu- liarmente ligados com as idéias e os sentimentos gerados no homem por viver num estado de sociedade, isto é, por tomar parte de uma união ou agregados de seres humanos com um propósito ou propósitos comuns. De fato, poucas das leis elementares da mente humana são peculiares a este estado, quase todas sendo colocadas em ação por homens como tais. Aquelas leis simples da natureza humana, operando naquele campo mais amplo, originam resultados de um cará- ter suficientemente universal, e mesmo (quando comparados com fenômenos ainda mais complexos dos quais eles são causas determinantes) suficiente- mente simples, para admitirem ser chamadas, embora num sentido algo ambíguo, leis da sociedade ou leis da natureza humana no estado social. Estas leis ou ver- dades gerais formam o objeto de um ramo da ciência que pode ser apropriadamen- te designado pelo título de economia social; de modo um pouco menos feliz pelo de política especulativa ou ciência da política, enquanto contraposta à arte. Esta ciência mantém a mesma relação com o social que a anatomia e a fisiologia mantém com o corpo físico. Mostra por que princípios de sua natureza o homem é induzido a entrar num estado de sociedade; como esta característica em sua posição age sobre seus interesses e sentimentos; e através deles em sua conduta; como a associação tende progressivamente a tornar-se mais unida, e a coopera- ção se estende a mais e mais propósitos; quais são aqueles propósitos e quais são as variedades de meios mais geralmente adotados para favorecê-los; quais são as várias relações que se estabelecem entre os seres humanos como, consequência ordinária da união social; quais são aqueles que são diferentes em diferentes esta- dos de sociedade; em que ordem histórica aqueles estados tendem a se suceder; e quais são os efeitos de cada estado na conduta e caráter do homem.