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Economia Política
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O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA AMÉRICA LATINA E ALGUNS DE SEUS PROBLEMAS PRINCIPAIS Raúl Prebisch Escrito em 1949 como introdução ao Estudio económico de la América Latina 1948 ECN 1289 e posteriormente publicado in CEPAL Boletín económico de América Latina vol VII n 1 Santiago do Chile 1962 Publicação da Organização das Nações Unidas n de venda 62IIGI 2 Issue Advocacy 101 Your Guide to 501c4 Community Benefit Organizations National Council of Nonprofits 2023 Edition wwwcouncilofnonprofitsorg This overview is designed for 501c4 organizations sometimes referred to as social welfare organizations For nonprofits with different tax statuses such as 501c3s charitable organizations or 501c6s trade and business associations some of the rules may be different This resource is not intended to serve as legal advice or a definitive legal guide but as a helpful summary of key concepts Always consult your own lawyer and tax advisor What is a 501c4 501c4 organizations are taxexempt nonprofit groups that operate to promote social welfare They must operate directly to further the common good and general welfare of the community and they may participate in politics and lobbying with fewer restrictions than 501c3 charitable organizations By comparison 501c3 groups focus on charitable religious educational and scientific purposes and are prohibited from political campaign intervention 501c6 groups are business leagues or trade associations Issue advocacy involves trying to influence public opinion legislation or policy on important issues What kinds of nonprofits are 501c4 organizations Typically 501c4 organizations are focused on public policy goals and issue advocacy for social welfare These organizations include community groups homeowner associations civic leagues and other social welfare organizations They must primarily promote social welfare and can engage in substantial lobbying activities Are 501c4 organizations taxexempt Yes 501c4 organizations are exempt from federal income tax on income related to their exempt purpose However contributions to 501c4 organizations are generally not taxdeductible as charitable donations for the donors What activities can 501c4 organizations engage in Advocacy for specific issues related to their mission Lobbying government officials and agencies Engaging in political campaign activities with fewer restrictions than 501c3 organizations Organizing events and public education on relevant social welfare issues What are the key differences between 501c3 and 501c4 organizations Tax Deductibility of Contributions 501c3 donations are generally taxdeductible 501c4 donations usually are not Political Activities 501c3s are restricted from political campaign involvement while 501c4s may engage in political lobbying and campaign activity within limits Lobbying 501c3s can lobby only as an insubstantial part of their activities 501c4s can lobby substantially What are some reporting requirements for 501c4 organizations 501c4 organizations must file IRS Form 990 annually providing information about their finances operations and governance They must accurately report lobbying expenditures and political activities Where can I find more resources For comprehensive guidance on nonprofit compliance and advocacy visit the National Council of Nonprofits website at wwwcouncilofnonprofitsorg Notes Consult your attorneys and accountants for specific advice tailored to your organizations activities and goals This guide is a general resource to help you understand some fundamentals of 501c4 issue advocacy I INTRODUÇÃO 1 Na América Latina a realidade vem destruindo o antigo esquema da divi são internacional do trabalho que depois de adquirir grande vigor no século XIX continuou prevalecendo em termos doutrinários até data muito recente Nesse esquema cabia à América Latina como parte da periferia do siste ma econômico mundial o papel específico de produzir alimentos e matérias primas para os grandes centros industriais Nele não havia espaço para a industrialização dos países novos A realida de no entanto vemna tornando impositiva Duas guerras mundiais no in tervalo de uma geração com uma profunda crise econômica entre elas de monstraram aos países da América Latina suas possibilidades ensinandolhes de maneira decisiva o caminho da atividade industrial A discussão doutrinária todavia está muito longe de haver terminado Em matéria de economia as ideologias costumam acompanhar os aconteci mentos com atraso ou então sobreviver a eles por demasiado tempo É certo que o raciocínio concernente aos benefícios econômicos da divisão interna cional do trabalho é de incontestável validade teórica Mas é comum esque cerse que ele se baseia numa premissa que é terminantemente desmentida pelos fatos Segundo essa premissa o fruto do progresso técnico tende a se distribuir de maneira equitativa por toda a coletividade seja através da queda dos preços seja através do aumento correspondente da renda Mediante o in tercâmbio internacional os países de produção primária conseguem sua par te desse fruto Sendo assim não precisam industrializarse Ao contrário sua 71 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL menor eficiencia os faria perderem irremediavelmente os benefícios clássicos do intercâmbio A falha dessa premissa consiste em ela atribuir um caráter geral àquilo que em si mesmo é muito circunscrito Se por coletividade entendese tão somente o conjunto dos grandes países industrializados é verdade que o fru to do progresso técnico distribuise gradativamente entre todos os grupos e classes sociais Todavia se o conceito de coletividade também é estendido à periferia da economia mundial essa generalização passa a carregar em si um grave erro Os imensos benefícios do desenvolvimento da produtividade não chegaram à periferia numa medida comparável àquela de que logrou desfru tar a população desses grandes países Daí as acentuadíssimas diferenças nos padrões de vida das massas destes e daquela assim como as notórias discre pâncias entre as suas respectivas forças de capitalização uma vez que a massa de poupança depende primordialmente do aumento da produtividade Existe portanto um desequilíbrio patente e seja qual for sua explicação ou a maneira de justificálo ele é um fato indubitável que destrói a premissa básica do esquema da divisão internacional do trabalho Daí a importância fundamental da industrialização dos novos países Ela não constitui um fim em si mas é o único meio de que estes dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o padrão de vida das massas 2 Por conseguinte os países da América Latina encontramse diante de um problema geral muito amplo para o qual converge uma série de problemas parciais a serem explicitados de antemão a fim de que se possa traçar sem demora o longo caminho de investigação e de ação prática que terá de ser percorrido se houver um firme propósito de resolvêlos Seria prematuro neste relatório inicial formularmos conclusões as quais teriam o valor duvidoso de qualquer improvisação É forçoso reconhecer que nos países latinoamericanos ainda há muito que fazer nessa matéria tanto em termos do conhecimento da realidade em si quanto de sua interpretação teórica correta Apesar de haver nesses países muitos problemas de natureza semelhante não se conseguiu sequer abordar em comum o exame e a elucidação deles Assim não é de estranhar que freqüentemente prevaleçam nos estudos que costumam ser publicados sobre a economia dos países da América Latina 72 TEXTOS SELECIONADOS o critério ou a experiência especial dos grandes centros da economia mundial No entanto caberia esperar deles soluções que nos dissessem respeito direta mente Assim é pertinente expor com clareza a situação dos países latino americanos a fim de que seus interesses aspirações e possibilidades ressalvadas desde já as diferenças e modalidades específicas se integrem adequadamente em fórmulas gerais de cooperação econômica internacional É muito ampla portanto a tarefa que se tem pela frente assim como é grande a responsabilidade assumida Para enfrentar uma e exercer metodica mente a outra seria preciso começar pela enunciação prévia dos problemas principais com uma perspectiva de conjunto expondo prontamente algumas reflexões gerais sugeridas pela experiência direta da vida econômica latino americana Tal é o propósito desta introdução 3 A industrialização da América Latina não é incompatível com o desenvol vimento eficaz da produção primária Pelo contrário uma das condições es senciais para que o desenvolvimento da indústria possa ir cumprindo o ob jetivo social de elevar o padrão de vida é que se disponha dos melhores equipamentos em termos de maquinaria e instrumentos e que se aproveite prontamente o progresso da técnica em sua renovação sistemática A mecani zação da agricultura implica a mesma exigência Necessitamos de uma im portação considerável de bens de capital e também precisamos exportar pro dutos primários para conseguila Quanto mais ativo for o comércio exterior da América Latina tanto maio res serão as possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho me diante uma intensa formação de capital A solução não está em crescer à custa do comércio exterior mas em saber extrair de um comércio exterior cada vez maior os elementos propulsores do desenvolvimento econômico Se esse raciocínio não fosse suficiente para nos convencer da estreita ligação entre o desenvolvimento econômico e o intercâmbio alguns fatos que vêm ocor rendo seriam suficientes para evidenciála A maioria dos países latinoamericanos aumentou intensamente sua atividade econômica encontrandose num nível de emprego relativamente alto se comparado com o anterior à guerra Esse nível ele vado de emprego também exige importações elevadas seja de artigos de consu mo tanto imediato quanto duradouro seja de matériasprimas e bens de capital E em muitos casos as exportações mostramse insuficientes para satisfazêlas 73 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Isso fica evidente quando se examinam as importações e outras parcelas do passivo a serem pagas em dólares Já existem casos notórios em alguns países de escassez dessa moeda apesar de os dólares fornecidos ao resto do mundo pelos Estados Unidos quando da feitura de suas próprias importações haverem alcançado um volume elevado É que o coeficiente dessas importações em relação à renda nacional dos Estados Unidos pas sou a ser ínfimo não ultrapassando 3 ao cabo de uma queda persisten te Assim não é de estranhar que apesar do alto nível da renda nacional daquele país os recursos em dólares que ele fornece aos países da América Latina pareçam insuficientes para cobrir as importações requeridas por seu intenso desenvolvimento É claro que à medida que a economia européia se restabelecer será pos sível aumentar proveitosamente o intercâmbio com ela De lá no entanto não sairão mais dólares para a América Latina a menos que os Estados Uni dos aumentem seu coeficiente de importações de artigos europeus Nisso reside portanto o fator principal do problema Não sendo aumen tado o referido coeficiente é óbvio que a América Latina se veria forçada a desviar suas aquisições dos Estados Unidos para os países que fornecessem divisas para pagálas Essa é uma solução muito precária sem dúvida pois com freqüência significa que ela tem de optar por importações mais caras ou inadequadas para suas necessidades Seria lamentável tornar a cair em práticas dessa natureza quando talvez fosse possível conseguir uma solução fundamental As vezes costumase pen sar que dado o enorme potencial produtivo dos Estados Unidos é uma ilu são supor que esse país possa aumentar seu coeficiente de importações para dar ao mundo essa solução fundamental Tal conclusão porém não se justi fica sem uma análise prévia das causas que levaram os Estados Unidos a redu zirem persistentemente sua quota de importações Essas causas atuam num campo propício quando existe desemprego Na inexistência dele porém se ria viável a possibilidade de superálas Daí se compreende a transcendência que tem para a América Latina assim como para o mundo inteiro que o governo dos Estados Unidos possa cumprir seu objetivo de manter um nível de emprego elevado 74 TEXTOS SELECIONADOS 4 Ninguém discute que o desenvolvimento econômico de certos países da Amé rica Latina e sua rápida assimilação da técnica moderna em tudo o que lhes possa ser proveitoso dependem em alto grau dos investimentos estrangeiros Esse pro blema não é nada simples por todas as implicações que contém Entre seus fato res negativos convém relembrar antes de mais nada o descumprimento dos ser viços financeiros durante a grande depressão dos anos 1930 É opinião geral que isso não deve repetirse Encontramos aí a mesma raiz do problema anterior Os serviços financeiros dessas inversões de capital quando não se efetuam outras para compensálos têm que ser pagos com exportações na mesma moeda e quando estas não crescem correlativamente surge no correr do tempo o mesmo tipo de dificuldades sobretudo quando as exportações sofrem uma queda violenta como sucedeu naquela época Por isso e enquanto não se chega à referida solução fun damental cabe indagar se não seria prudente orientar os investimentos para apli cações produtivas que ao reduzirem direta ou indiretamente as importações em dólares permitam atender regularmente aos serviços financeiros 5 Em tudo isso há que nos precavermos contra as generalizações dogmáticas Supor que o cumprimento dos pagamentos externos e o bom funcionamento monetário dependem meramente da decisão de adotar certas regras do jogo acarreta um erro de graves conseqüências Ainda nas épocas em que o padrão ouro funcionava regularmente nos grandes centros os países da periferia lati noamericana depararam com enormes dificuldades de mantêlo e muitas vezes suas vicissitudes monetárias provocaram o anátema exterior Experiên cias posteriores em países importantes ensinaram a perceber melhor certos aspectos da realidade A GrãBretanha entre as duas guerras teve contratem pos algo semelhantes aos que ocorreram e continuam a ocorrer em nossos países historicamente refratários à rigidez do padrão ouro Isso contribui sem dúvida para uma compreensão melhor dos fenômenos da periferia O padrão ouro deixou de funcionar como antes e o manejo da moeda tornouse ainda mais complexo na periferia Poderiam todas essas complexida des ser dominadas através da firme aplicação da doutrina acertada Mas a doutrina acertada para esses países ainda se encontra numa fase primitiva de formação Temos aí um outro problema transcendental aproveitar a experiência particular e geral a fim de ir elaborando fórmulas mediante as quais a ação monetária possa integrarse sem antagonismos nem contradições numa po lítica de desenvolvimento econômico intenso e regular 75 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 6 Nem por isso se deve interpretar que os ensinamentos tradicionais são des providos de valor Se eles não oferecem normas positivas pelo menos indi cam o que pode ser feito sem comprometer a estabilidade da moeda Os ex tremos a que chegou a inflação na América Latina demonstram que a política monetária não se inspirou nesses ensinamentos mais ou menos de um modo geral alguns países importantes da América Latina aumentaram mais inten samente sua moeda circulante do que os países obrigados a cobrir enormes gastos de guerra Esse é outro dos aspectos do problema da escassez de dólares É fato como se tem afirmado que o nível elevado de emprego aumenta as importações Mas não é menos verdadeiro que o crescimento excessivo da moeda circulante em muitos casos acentuou indevidamente a pressão sobre a balança de paga mentos fazendo com que as divisas fossem empregadas em formas que nem sempre atendem às exigências genuínas do desenvolvimento econômico Esses fatos terão que ser considerados no exame objetivo das conseqüên cias do aumento inflacionário no processo de capitalização Não se pode des conhecer no entanto que na maior parte dos países latinoamericanos a poupança espontânea é insuficiente para cobrir suas necessidades mais pre mentes de capital É claro entretanto que a expansão monetária não tem a virtude de aumentar as divisas necessárias para importar bens de capital Seu efeito é de uma mera redistribuição da renda Resta pois averiguarmos se isso conduziu a uma formação de capital mais ativa 7 Esse ponto é de importância decisiva A elevação do padrão de vida das massas depende em última instância de uma expressiva quantidade de capi tal por trabalhador empregado na indústria nos transportes e na produção primária e da capacidade de bem administrálo Por conseguinte é necessário realizar uma enorme acumulação de capi tal Entre os países da América Latina já existem alguns que demonstraram sua capacidade de poupança a ponto de haverem conseguido efetuar por esforço próprio uma grande parte de seus investimentos industriais Entre tanto mesmo nesse caso que não é geral a formação de capital tem que lutar contra uma tendência muito acentuada a certas modalidades de con sumo que muitas vezes se mostram incompatíveis com um grau elevado de capitalização 76 TEXTOS SELECIONADOS 8 Naturalmente para formar o capital necessário à industrialização e ao pro gresso técnico da agricultura não parece indispensável refrear o consumo das grandes massas que em geral é extremamente baixo Além da poupança atual seria possível que investimentos estrangeiros bem encaminhados contribuís sem para o aumento imediato da produtividade por trabalhador Assim atin gida essa melhora inicial uma parte importante do aumento da produção serviria para a formação de capitais em vez de se destinar a um consumo pre maturo Mas como obter aumentos de produtividade de magnitude suficiente A experiência dos últimos anos é instrutiva O crescimento do emprego reque rido pelo desenvolvimento industrial pôde efetuarse embora não na totali dade dos casos com a utilização de pessoas que o progresso da técnica vinha desalojando da produção primária e de outras atividades especialmente de certos tipos de trabalhos e serviços pessoais de remuneração relativamente baixa e mediante a utilização do trabalho feminino O emprego industrial das pes soas desempregadas ou mal empregadas significou portanto uma melhoria da produtividade que se traduziu num aumento líquido da renda nacional nos casos em que não houve fatores de outra natureza que provocassem uma queda geral da eficácia produtiva Com as grandes possibilidades de progresso técnico na produção primá ria mesmo em países em que ela já é grande e com o aperfeiçoamento das indústrias existentes o incremento líquido da renda nacional poderia ir ofe recendo uma margem de poupança cada vez maior Mas tudo isso e na medida em que se queira reduzir a necessidade dos investimentos externos pressupõe um esforço inicial de capitalização que em geral não se compatibiliza com o tipo de consumo de alguns setores da cole tividade nem com a alta proporção da renda nacional que é absorvida em diversos países por certos tipos de despesas fiscais que não aumentam nem direta nem indiretamente a produtividade nacional Essa no final das contas é uma manifestação do conflito latente entre o propósito de assimilar às pressas certos estilos de vida que os países de técnica mais avançada foram alcançando progressivamente graças ao aumento de sua produtividade e as exigências de uma capitalização sem a qual não nos será possível conseguir um aumento semelhante 77 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 9 Justamente porque o capital é escasso e porque sua necessidade é mui to grande seria preciso restringir sua aplicação a um critério de rigorosa eficácia o qual não tem sido fácil de adotar dadas as circunstâncias em que muitas indústrias se desenvolveram para enfrentar situações de emer gência Mas esse processo não avançou a tal ponto que já seja tarde de mais para corrigir alguns desvios nem impossível acima de tudo evitá los no futuro Quanto a esse aspecto é necessário definir com precisão o objetivo que se persegue através da industrialização Quando ela é considerada como o meio para atingir um ideal de autosuficiência no qual as considerações econômi cas passam para segundo plano qualquer indústria que substitua as importa ções tornase admissível Se o objetivo no entanto é aumentar aquilo que com acerto se denominou de bemestar mensurável das massas é preciso ter em mente os limites além dos quais uma industrialização maior poderia sig nificar uma quebra da produtividade Em épocas passadas antes da grande depressão os países da América Latina cresceram ao serem impulsionados de fora para dentro pelo cresci mento persistente das exportações Nada nos autoriza a supor pelo menos por enquanto que esse fenômeno venha a se repetir com intensidade análo ga a não ser em casos muito particulares Já não existe a alternativa entre continuar crescendo dessa maneira vigorosamente ou crescer para dentro através da industrialização Esta última passou a ser o modo principal de crescimento Mas isso não significa que a exportação primária tenha que ser sacrificada para favorecer o desenvolvimento industrial não apenas por que ela nos fornece as divisas para arcarmos com as importações necessá rias ao desenvolvimento econômico mas também porque no valor das exportações costuma entrar numa proporção elevada a renda da terra que não implica nenhum custo coletivo Se através do progresso técnico con seguirmos aumentar a eficácia produtiva por um lado e se a industriali zação e uma legislação social adequada forem elevando o nível do salário real por outro será possível irmos corrigindo gradativamente o desequilíbrio da renda entre os centros e a periferia sem prejuízo dessa atividade econômica essencial 78 TEXTOS SELECIONADOS 10 Nisso se encontra um dos limites da industrialização que convém considerar mos atentamente ao traçarmos os planos de desenvolvimento Outro desses limites é dado pelas considerações relativas à dimensão ótima das empresas industriais Nos países da América Latina de um modo geral vemse procu rando desenvolver do lado de cá da fronteira as mesmas indústrias existentes do lado de lá Isso tende a diminuir a eficiência produtiva e conspira contra a consecução do objetivo social buscado Tratase de uma falha muito grave que o século XIX soube atenuar em muito Quando a GrãBretanha demonstrou através dos fatos os benefícios da indústria outros países a seguiram Mas o desenvolvimento industrial estimulado por uma concorrência ativa realizou se em favor de certas formas características de especialização que fortaleceram um intercâmbio proveitoso entre os diferentes países A especialização favore ceu o progresso técnico e este permitiu distribuir receitas crescentes Ao con trário do que ocorre quando se trata dos países industrializados frente aos países de produção primária obtiveramse os clássicos benefícios da divisão do traba lho da divisão do trabalho entre países iguais ou quase iguais A possibilidade de que se venha a inutilizar uma parte importante do fru to do progresso técnico em função de um fracionamento excessivo dos mer cados é portanto outro dos limites do desenvolvimento industrial de nossos países Contudo longe de ser intransponível ele é do tipo que uma política esclarecida de interdependência econômica seria capaz de eliminar com grande benefício mútuo 11 Se tendo objetivos sociais em mente a questão é elevar ao máximo a renda real não podem faltar considerações anticíclicas num programa de de senvolvimento econômico A propagação das flutuações cíclicas dos grandes centros para a periferia latinoamericana implica perdas consideráveis de re ceita Se fosse possível evitar essas perdas o problema da formação de capital se tornaria menos difícil Já houve alguns ensaios de política anticíclica mas é preciso reconhecer que ainda estamos nos primórdios do esclarecimento desse assunto E mais a debilitação que vem ocorrendo nas reservas de metal de vários países significa que a eventualidade de uma contração de origem exter na não só irá surpreendêlos sem nenhum projeto de defesa como também os apanhará sem os recursos próprios necessários para facilitar as medidas re comendadas pelas circunstâncias 79 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Expostos nesta primeira parte os esboços dos problemas principais as seções seguintes discorrerão sobre alguns de seus aspectos mais destacados que não poderiam ser omitidos tanto por sua importância intrínseca quanto pela necessidade de darmos início a sua investigação sistemática1 II OS BENEFÍCIOS DO PROGRESSO TÉCNICO E OS PAÍSES DA PERIFERIA 1 Na seção anterior afirmouse que os benefícios do progresso técnico con centraramse principalmente nos centros industrializados sem serem trans postos para os países que compõem a periferia do sistema econômico mundial É claro que o aumento da produtividade nos países industrializados estimu lou a demanda de produtos primários e desse modo representou um elemento dinâmico importantíssimo no crescimento da América Latina Mas isso cons titui um assunto diferente do que se pretende considerar a seguir Em geral o progresso técnico parece ter sido mais acentuado na indústria do que na produção primária dos países da periferia como se destaca num recente relatório sobre as relações de preços2 Por conseguinte se os preços houvessem caído em consonância com o aumento da produtividade a queda São bem conhecidas as dificuldades que se opõem a uma tarera dessa natureza na América Latina Talvez a principal delas seja o número exíguo de economistas capazes de penetrar com um discernimento ori ginal nos fenômenos concretos latinoamericanos Por uma série de razões não se consegue suprir a carência deles com a formação metódica de um número adequado de jovens de alta qualificação intelec tual Enviálos às grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos já representa um progresso considerável mas não o suficiente pois uma das falhas mais visíveis de que padece a teoria econômica geral contemplada a partir da periferia é seu falso sentido de universalidade Dificilmente se poderia pretender na verdade que os economistas dos grandes países empenhados em gravíssimos problemas próprios viessem a dedicar sua atenção preferencialmente ao estudo dos nos sos Compete primordialmente aos próprios economistas latinoamericanos o conhecimento da realida de econômica da América Latina Somente se viermos a explicála racionalmente e com objetividade cien tifica é que será possível obtermos fórmulas eficazes de ação prática Nem por isso se deve entender todavia que esse propósito seja movido por um particularismo excludente Pelo contrário só será possível realizálo mediante um sólido conhecimento das teorias ela boradas nos grandes países com sua grande profusão de verdades comuns Não se deve confundir o conhecimento ponderado do que é do outro com uma submissão mental às idéias alheias submissão esta de que estamos muito lentamente aprendendo a nos livrar Nações Unidas Conselho Econômico e Social Postwar Price Relations in Trade Between Underdeveloped and Industrialized Countries ECNlSub335 fevereiro de 1949 80 TEXTOS SELECIONADOS teria tido que ser menor nos produtos primários do que nos industrializados de modo que a relação de preços entre ambos teria melhorado persistente mente em favor dos países da periferia à medida que se desenvolvesse a disparidade das produtividades Se houvesse ocorrido esse fenômeno teria tido um profundo significa do Os países periféricos teriam aproveitado com a mesma intensidade que os países centrais a baixa dos preços dos produtos finais da indústria Desse modo os frutos do progresso técnico terseiam distribuído equitativamen te no mundo inteiro segundo o pressuposto implícito no esquema da divi são internacional do trabalho e a América Latina não teria nenhum benefí cio econômico em sua industrialização Antes haveria uma perda efetiva enquanto não se alcançasse uma eficiência produtiva igual à dos países in dustrializados TABELAI RELAÇÃO ENTRE OS PREÇOS DOS PRODUTOS PRIMÁRIOS E DOS ARTIGOS FINAIS DA INDÚSTRIA PREÇOS MÉDIOS DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO RESPECTIVAMENTE DE ACORDO COM OS DADOS DA CÂMARA DE COMÉRCIO Base 18761880 100 Período Quantidade de produtos finais da indústria que podem ser obtidos com determinada quantidade de produtos primários 187680 188185 188690 189195 18961900 190105 190610 191113 1000 1024 963 901 871 846 858 858 192125 192630 193135 193638 673 733 620 641 194647 687 Fonte Organização das Nações Unidas Postwar Price Relations in Trade Between Underdevelopment and Industrialized Countries Documento ECN1Sub3W5 81 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Os dados da realidade não justificam esse pressuposto Como podemos perceber pelos índices da Tabela 1 desde os anos 1870 até antes da Segunda Guerra Mundial a relação de preços moveuse constantemente contra a produção primária É lamentável que os índices de preços não reflitam as variações de qualidade ocorridas nos produtos finais Por isso não foi possí vel leválas em conta nestas considerações Nos anos 1930 só era possível comprar 63 dos produtos finais da indústria adquiríveis nos anos 1860 com a mesma quantidade de produtos primários ou seja necessitavase em média de 586 mais produtos primários para comprar a mesma quanti dade de artigos finais da indústria3 A relação de preços portanto moveu se de forma adversa à periferia ao contrário do que teria acontecido se os preços houvessem declinado de acordo com a redução de custos provocada pelo aumento da produtividade Durante o auge da última guerra como em todo auge cíclico a relação moveuse a favor dos produtos primários Mas sem que haja ocorrido ne nhuma contração já se vem operando o reajuste típico graças ao qual os pre ços primários vão perdendo a vantagem anteriormente adquirida Assinalar essa disparidade de preços não implica formar um juízo sobre sua significação a partir de outros pontos de vista Com efeito no tocante à justiça poderseia argumentar que os países que se esforçaram por conse guir um alto grau de eficiência técnica não tinham porque dividir seus fru tos com o resto do mundo Se o tivessem feito não se haveria concentrado neles a enorme capacidade de poupança de que eles dispõem cabe indagar se sem isso o progresso técnico teria avançado no ritmo tão intenso que caracterizou o desenvolvimento capitalista Seja como for aí está essa técni ca produtiva à disposição de quem tiver a aptidão e a perseverança para assimilála e aumentar a produtividade do próprio trabalho Mas tudo isso fica fora da presente introdução O objetivo aqui buscado é sublinhar um fato ao qual a despeito de suas projeções consideráveis não se costuma dar a importância que lhe cabe quando se distingue o significado da industria lização nos países periféricos Segundo o relatório citado As cifras referentes aos anos 1930 chegam somente até 1938 inclusive Os dados apresentados são os Indices médios de preços da Câmara de Comércio para as importações e ex portações britânicas representativas dos preços mundiais dos produtos primários e manufaturados res pectivamente 82 TEXTOS SELECIONADOS 2 Um raciocínio simples sobre o fenômeno que comentamos permitenos formular as seguintes considerações Primeiro Os preços não baixaram de acordo com o progresso técnico pois enquanto por um lado o custo tendeu a baixar em virtude do aumento da produtividade por outro elevouse a renda dos empresários e dos fatores produtivos Nos casos em que a elevação da renda foi mais intensa que a da produtividade os preços subiram em vez de diminuir Segundo Se o crescimento da renda nos centros industrializados e na pe riferia tivesse sido proporcional ao aumento das respectivas produtividades a relação de preços entre os produtos primários e os produtos finais da indústria não teria sido diferente da que existiria se os preços houvessem baixado estrita mente de acordo com a produtividade dada a maior produtividade da in dústria a relação de preços terseia deslocado em favor dos produtos primários Terceiro Uma vez que na realidade como se verificou a relação se des locou num sentido desfavorável aos produtos primários entre os anos 1870 e os anos 1930 é evidente que a renda dos empresários e dos fatores produti vos nos centros industriais cresceu mais do que o aumento da produtivida de e na periferia menos do que seu aumento correspondente Em outras palavras enquanto os centros preservaram integralmente o fruto do progresso técnico de sua indústria os países periféricos transferiram para eles uma parte do fruto do seu próprio progresso técnico4 Vejamos o que diz a esse respeito o relatório citado nas pp 115 e 116 Uma piora da relação de intercâmbio a longo prazo tal como a que afetou os produtores primários durante um período prolongado pode ser efeito das diferenças no ritmo de aumento da produtividade na produção de artigos primários e manufaturados respectivamente Se pudéssemos supor que a piora para os países de produção primária reflete mais depressa o aumento da produtividade dos produtos primários que dos manufaturados o efeito da piora na relação de intercâmbio seria menos grave natu ralmente Significaria apenas que na medida em que os produtos primários são exportados os efeitos do aumento da produtividade são transferidos para os compradores de produtos primários nos países mais industrializados Mesmo quando há uma falta quase completa de dados estatísticos sobre os diferentes ritmos de aumento da produtividade na produção primária e na indústria manufatureira essa explicação das variações a longo prazo nas relações de intercâmbio pode ser descartada Não há dúvida de que a produtividade aumentou mais depressa nos países industrializados que nos de produção primária Isso pode ser comprovado pela elevação mais acentuada do padrão de vida durante o longo período decorri do desde 1870 Portanto as variações observadas na relação de intercâmbio não significam que a maior produtividade da produção primária tenha sido transferida para os países industrializados ao contrário significa que os países menos desenvolvidos através dos preços que pagaram pelos produtos manufatu rados em relação àqueles que obtiveram para seus próprios produtos sustentaram padrões de vida cres centes nos países industrializados mas sem receberem em troca disso no preço de seus próprios produ tos uma contribuição equivalente para seu próprio padrão de vida 83 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 3 Antes de explicarmos a razio de ser desse fenômeno que tem enorme importância para a América Latina convém examinar como são transferidos os efeitos do aumento de produtividade Com esse propósito a Tabela 2 apresenta um exemplo ilustrativo no qual se presume que os índices de produtividade por trabalhador foram maiores na indústria do que na produção primária Para simplificar o exem plo considerouse que esta e aquela intervêm em igual medida no produto final TABELA 2 EXEMPLO DA FORMA COMO SE DISTRIBUI O FRUTO DO PROGRESSO TÉCNICO ENTRE O CENTRO E A PERIFERIA Produção Produção Produção Relações primária industrial total 1 2 3 13x100 23x100 Planejamento A produtividade aumenta de acordo com os seguintes índices 100 100 100 120 160 140 Primeiro caso Os custos diminuem de acordo com a produtividade e os preços de acordo com os custos sem aumentar a renda 100 100b 100 100 100 833 625b 714 1167 875 Segundo caso Os custos diminuem como no caso anterior mas a renda se eleva da seguinte forma 100 100 100 100 100 120 180 150 80 120 Preços resultantes depois dos aumentos da renda 100 100b 100 100 100 999 1125b 1074 933 105 Cifras correspondences ao produto final bParce do preço correspondente ao valor agregado na produção industrial 84 TEXTOS SELECIONADOS Num primeiro caso supõese que ao aumentar a produtividade de 100 para 120 na agricultura e de 100 para 160 na indústria a renda dos empresá rios e dos fatores produtivos não sobe e os custos é que são reduzidos Quan do os preços baixam de acordo com os custos a redução dos preços primários vem a ser menor do que nos industriais conforme assinalam os índices cor respondentes E por conseguinte a relação entre ambos deslocase em favor dos produtos primários ou seja de 100 para 1167 Essa é precisamente a relação que teria permitido que os produtores pri mários participassem com a mesma intensidade que os produtores industriais do incremento da produção final De fato se a produtividade primária au menta de 100 para 120 e se com 100 de produtos primários agora se pode comprar como acabamos de ver 1167 de produtos finais da indústria isso quer dizer que os produtores primários podem agora adquirir 140 desses pro dutos em vez dos 100 de antes ou seja obtêm um aumento da mesma inten sidade que o ocorrido na produção final aumento este que evidentemente também é obtido pelos produtores industriais Esses resultados alteramse sensivelmente quando as receitas variam no segundo caso Suponhamos que na indústria a elevação da renda seja maior que o aumento da produtividade e que na produção primária ambos sejam iguais Como resultado a relação de preços deslocase desfavoravelmente à produção primária passando de 100 para 933 de maneira que os produtores primários a despeito de seu aumento de produtividade de 100 para 120 só podem adquirir 1120 de produtos finais em contraste com os 100 anterio res Inversamente um cálculo semelhante permite demonstrar que os produ tores industriais podem agora adquirir 168 de produtos finais comparados aos 100 que adquiriam antes Observese que enquanto os produtores primários conseguem aumentar suas aquisições de produtos finais menos intensamente do que aumentou sua produtividade os produtores finais beneficiamse mais do que corresponderia ao aumento da sua Se em vez de supormos que a renda da produção primária subiu parale lamente a sua produtividade houvéssemos suposto uma alta inferior a rela ção de preços é lógico pioraria ainda mais em prejuízo daquela A piora de 365 na relação de preços entre os anos 1870 e os anos 1930 sugere a possibilidade de que tenha ocorrido um fenômeno desse tipo 85 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 4 Em síntese se apesar do maior progresso técnico na indústria do que na produção primária a relação de preços piorou para esta última em vez de melhorar dirseia que a renda média por trabalhador aumentou mais inten samente nos centros industrializados do que nos países produtores da periferia Seria impossível compreender a razão desse fenômeno sem relacionálo com o movimento cíclico da economia e com a forma como ele se manifesta nos centros e na periferia porque o ciclo é a forma característica de cresci mento da economia capitalista e o aumento da produtividade é um dos fato res primordiais do crescimento No processo cíclico há uma disparidade contínua entre a demanda e a oferta globais de artigos de consumo produzidos nos centros cíclicos Na fase ascendente a demanda ultrapassa a oferta e na descendente ocorre o inverso O volume e as variações do lucro estão intimamente ligados a essa disparidade O lucro aumenta na fase ascendente e com isso tende a corrigir o excesso de demanda através da alta dos preços e diminui na descendente com isso tendendo a corrigir o excesso de oferta pela baixa dos preços O lucro é transferido dos empresários do centro para os produtores pri mários da periferia mediante a alta dos preços Quanto maiores são a concor rência e o tempo necessário para aumentar a produção primária em relação ao tempo das outras etapas do processo produtivo e quanto menores são os estoques acumulados tanto maior é a proporção do lucro que vai sendo trans ferido para a periferia Daí uma ocorrência típica no curso da fase cíclica as cendente os preços primários tendem a subir mais acentuadamente do que os preços finais em virtude da grande parcela de lucros que é transferida para a periferia Se é assim como explicar que no correr do tempo e através dos séculos a renda do centro tenha crescido mais do que na periferia Não há contradição alguma entre esses dois fenômenos Os preços pri mários sobem com mais rapidez do que os finais na fase ascendente mas tam bém descem mais do que estes na fase descendente de tal forma que os preços finais vãose distanciando progressivamente dos primários através dos ciclos Vejamos agora as razões que explicam essa desigualdade no movimento cíclico dos preços Vimos que o lucro se amplia na fase ascendente e se con trai na descendente tendendo a corrigir a disparidade entre a oferta e a de manda Se o lucro pudesse contrairse da mesma forma que se dilatou não 86 TEXTOS SELECIONADOS haveria razão alguma para que ocorresse esse movimento desigual Ele ocorre precisamente porque a contração não se dá dessa maneira A razão é muito simples Durante a fase ascendente uma parte dos lucros vaise transformando em aumento de salários em virtude da concorrência dos empresários entre si e da pressão exercida em todos eles pelas organizações trabalhistas Quando na fase descendente o lucro tem que se contrair a par te que se transformou nos citados aumentos perde sua liquidez no centro em virtude da conhecida resistência à queda dos salários A pressão deslocase então para a periferia com força maior do que a naturalmente exercível pelo fato de não serem rígidos os salários ou os lucros no centro em virtude das limi tações da concorrência Assim quanto menos a renda pode contrairse no centro mais ela tem que fazêlo na periferia A desorganização característica das massas trabalhadoras na produção pri mária especialmente na agricultura dos países da periferia impedeas de con seguirem aumentos salariais comparáveis com os que vigoram nos países in dustrializados ou de mantêlos com amplitude similar A contração da renda seja ela sob a forma de lucros ou salários portanto é menos difícil na periferia Seja como for mesmo que se conceba na periferia uma rigidez parecida com a do centro isso teria como efeito aumentar a intensidade da pressão deste sobre aquela É que não havendo uma contração do lucro periférico na medida necessária para corrigir a disparidade entre a oferta e a demanda nos centros cíclicos continua a haver nestes últimos uma acumulação dos esto ques de mercadorias e uma contração da produção industrial c por conse guinte da demanda de produtos primários E essa diminuição da demanda acaba sendo tão acentuada quanto for preciso para obter a contração necessá ria da renda no setor primário O reajuste forçado dos custos da produção primária durante a crise mundial dános um exemplo da intensidade que esse fenômeno pode adquirir Nos centros cíclicos a maior capacidade que têm as massas de conseguir aumentos salariais na fase ascendente e de defender seu padrão de vida na descendente bem como a capacidade que têm esses centros pelo papel que desempenham no processo produtivo de deslocar a pressão cíclica para a pe riferia obrigandoa a contrair sua renda mais acentuadamente do que nos centros explicam por que a renda destes últimos tende sistematicamente a 87 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL subir com mais intensidade do que nos países da periferia como fica patenteado pela experiência da América Latina Nisso está a chave do fenômeno pelo qual os grandes centros industriais não apenas preservam para si o fruto da aplicação das inovações técnicas a sua própria economia como também ficam numa posição favorável para captar uma parte do fruto que surge no progresso técnico da periferia III A AMÉRICA LATINA E A ALTA PRODUTIVIDADE DOS ESTADOS UNIDOS 1 Os Estados Unidos são hoje o principal centro cíclico do mundo como o foi no passado a GrãBretanha Sua influência econômica nos outros pa íses é evidente E nessa influência o enorme desenvolvimento da produti vidade daquele país desempenhou um papel importantíssimo Afetou in tensamente o comércio exterior e através de suas variações o ritmo de crescimento econômico do resto do mundo bem como a distribuição in ternacional do ouro Os países da América Latina com um alto coeficiente de comércio exte rior são extremamente sensíveis a essas repercussões econômicas E justificá vel portanto examinarmos as projeções desse fenômeno e os problemas que elas trazem consigo 2 Que os preços não baixaram de acordo com o aumento da produtividade nos Estados Unidos é um fato conhecido ao qual as investigações recentes de S Fabricant deram uma expressão precisa No período abrangido por essas investigações ou seja as quatro décadas anteriores à Segunda Guerra Mun dial os custos da produção manufatureira caíram num ritmo regular e persis tente A movimentação dos preços não tem nada em comum com esse ritmo A produtividade crescente não influiu neles e sim na renda Os salários subi ram à medida que baixava o custo real Mas nem todas as melhorias da pro dutividade manifestaramse neles pois uma parte apreciável refletiuse na diminuição da jornada de trabalho 88 TEXTOS SELECIONADOS O aumento da renda provocado pela maior produtividade estendese mais cedo ou mais tarde a toda a atividade econômica por um conhecido proces so que não vem ao caso recordarmos As atividades em que o progresso técni co foi insignificante ou não existiu como certos tipos de serviços também aumentaram sua renda em virtude desse processo Em alguns grupos sociais o aumento ocorreu com grande lentidão enquanto isso o restante da coleti vidade passou a desfrutar de benefícios que à medida que se foi produzindo o ajuste necessário tiveram que ser cedidos àqueles grupos Mas os novos aumentos da produtividade foram compensando em geral amplamente o que ia sendo transferido para os grupos atrasados Não haveria razão para nos determos em assinalar esse fato se ele não desse um exemplo bastante ilustrativo do tipo de ajuste que a progressiva industriali zação da América Latina irá necessariamente provocar A industrialização ao aumentar a produtividade fará subirem os salários e encarecerá relativamente o preço dos produtos primários Desse modo ao elevar sua renda a produção primária irá captando gradativamente a parte do fruto do progresso técnico que lhe teria competido pela baixa dos preços Como no caso dos grupos sociais atrasados é claro que esse ajuste significará uma perda de renda real nos setores industriais perda esta que será tão menor quanto menor for seu coeficiente de importações no final das contas entretanto essa perda poderia ser generosa mente compensada pelo fruto de sucessivas inovações técnicas 3 Já foi dito noutro lugar que uma vez que os preços não acompanham a produtividade a industrialização é o único meio de que dispõem os países da América Latina para aproveitar amplamente as vantagens do progresso técnico Naturalmente a teoria clássica havia encontrado uma outra solução Se os benefícios da técnica não se propagassem através dos preços eles se ampliariam igualmente por meio da elevação da renda Acabamos de constatar que foi exa tamente isso que aconteceu nos Estados Unidos assim como nos outros gran des centros industriais Mas o mesmo não sucedeu no resto do mundo Para isso teria sido essencial que existisse no mundo inteiro a mesma mobilidade dos fatores produtivos que se verificou no vasto campo da economia interna daquele país Essa mobilidade é um dos pressupostos essenciais da citada te oria Na realidade porém surgiu uma série de obstáculos ao deslocamento fácil dos fatores produtivos Sem dúvida os salários dos Estados Unidos tão 89 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL elevados em relação ao resto do mundo teriam atraído grandes massas huma nas para aquela nação as quais teriam exercido uma influência muito desfa vorável nesses salários tendendo a reduzir a diferença que os separa dos do resto do mundo Esse teria sido o efeito da aplicação de uma das regras essenciais do jogo clássico reduzir sensivelmente o padrão de vida da população dos Estados Unidos em comparação com os níveis efetivamente alcançados Basta a enunciação desse fato para compreendermos que a proteção desse padrão de vida alcançado através de muito esforço tinha que prevalecer so bre as pretensas virtudes de um conceito acadêmico Mas as regras clássicas do jogo compõem um todo indivisível E não é logicamente concebível que eliminada uma delas as outras possam servir para extrair normas absolutas que regulem as relações entre os centros e os países periféricos 4 Esse ponto é ainda mais digno de reflexão na medida em que o próprio pro gresso técnico dos Estados Unidos tão superior ao do resto do mundo teve como conseqüência um outro desvio muito importante das referidas regras Como já se disse os Estados Unidos chegaram a um coeficiente baixíssimo de importações não superior a 3 No ano de 1929 ele era de 5 A queda não é um fenômeno novo mas de longa data Nos últimos cem anos a renda nacional aumentou cerca de duas vezes e meia mais do que as importações O progresso técnico é um dos fatores que mais contribuem para explicar esse fenômeno Ainda que isso pareça paradoxal o aumento da produtivida de contribuiu para que aquele país prosseguisse em sua política protecionista e a acentuasse depois de atingir a etapa da maturidade econômica A explica ção é simples O progresso técnico numa determinada época não produz um efeito igual em todas as indústrias Contudo ao estender às indústrias de menor progresso os salários aumentados provocados pela grande produtividade das indústrias avançadas as primeiras perdem sua posição favorável para compe tir com as indústrias estrangeiras que pagam salários menores Se lembrar mos que hoje em dia os salários nos Estados Unidos são duas a duas vezes e meia maiores do que na GrãBretanha teremos uma idéia do significado des se fator Assim as atividades mais eficientes do que as externas porém de menor produtividade do que o nível médio do próprio país precisaram de proteção Por exemplo apesar do grande aperfeiçoamento da técnica agrícola foi preciso 90 TEXTOS SELECIONADOS proteger a agricultura para defender alguns de seus setores que eram impor tantes em razão de sua renda relativamente alta se comparada à dos concor rentes estrangeiros A Inglaterra seguiu uma política diametralmente oposta quando lhe com petiu funcionar como centro propulsor em épocas anteriores Mas não se pode afirmar que tornaria a fazêlo e a desarticular sua economia caso voltasse a percorrer o mesmo caminho histórico Os Estados Unidos constituem uma unidade econômica poderosa e bem integrada e em parte devem isso a sua política deliberada cuja transcendência portanto estamos muito longe de desconhecer Mas tampouco se pode ignorar que para o resto do mundo isso trouxe condições incompatíveis com o funcionamento da economia interna cional tal como esta existia antes da Primeira Guerra Mundial quando o centro britânico ditava as regras do jogo na moeda e no comércio exterior 5 Foi nessas novas condições de fato da economia internacional que come çou a se desenvolver o processo de industrialização da América Latina O pro blema fundamental está na adaptação a essas condições na medida em que elas não possam ser transformadas procurando encontrar novas regras que sejam compatíveis com a nova realidade Enquanto isso não ocorrer continuará a prevalecer com ligeiras inter mitencias se quisermos uma tendência pertinaz para o desequilíbrio A razão dela encontrase no seguinte fato enquanto nos Estados Unidos como já vimos vem diminuindo a quota de importações nos países da América Latina tende a elevarse a quota de importações em dólares ficando eles obrigados por essa alta a tomar medidas defensivas a fim de atenuar seus efeitos Os motivos são diversos Primeiro Justamente pelo fato de o progresso técnico ser maior nos Esta dos Unidos do que em qualquer outro lugar a demanda de bens de capital que a industrialização traz consigo procura ser atendida preferencialmente nesse país Segundo O desenvolvimento técnico manifestase continuamente em novos produtos os quais ao modificarem os estilos de vida da população adquirem o caráter de novas necessidades de novas formas de gastar a receita da América Latina que geralmente substituem formas de gasto interno Terceiro À parte esses produtos que representam benefícios técnicos ine gáveis existem outros para os quais a demanda se desvia em virtude da con 91 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL siderável força de penetração da publicidade comercial Criamse novas pre ferências que exigem importações em detrimento das preferências que po deriam ser internamente atendidas Que não é possível fazer com que baixe sistematicamente a quota de im portações por um lado e deixála crescer livremente por outro sob a influência dos fatores que acabamos de ver é uma afirmação claramente comprovada pelos graves acontecimentos dos anos 1930 Temos agora uma perspectiva suficiente para compreender a significação desses acontecimentos e derivar deles os ensinamentos que vêm em seu bojo Antes porém convém mencio narmos um fato a mais Já se afirmou que a industrialização da América Latina se efetuada com discernimento oferecerá a possibilidade de aumentar sensivelmente a renda nacional por conferir um emprego mais produtivo às massas da população atualmente empregadas em ocupações de baixíssima produtividade O aumento da renda conseguido até agora como já se vê significa acen tuar a ação desses fatores sobre a demanda de importações em dólares Por conseguinte quanto mais aumenta a renda desses países maior se torna sua necessidade de importações E com isso volta a se colocar a questão da escas sez de dólares cuja importância recomenda uma consideração especial IV O PROBLEMA DA ESCASSEZ DE DÓLARES E SUAS REPERCUSSÕES NA AMÉRICA LATINA 1 Tão logo vão aparecendo certos sintomas de um problema de escassez de dólares é natural que se volte o olhar para um passado não muito distante no qual os Estados Unidos concentravam em seus cofres uma quantidade cada vez maior do ouro do mundo como podemos comprovar pelos Gráficos 1 e 2 Antes da Primeira Guerra Mundial eles detinham 265 das reservas mundiais e quando do início da Segunda já haviam chegado a 509 e embora tenham terminado essa guerra com 365 eles vêm agora aumen tando outra vez sua participação a ponto de haverem acumulado novamente cerca de metade das referidas reservas em 1948 92 TEXTOS SELECIONADOS GRAFICO 1 RESERVAS DE OURO DOS ESTADOS UNIDOS E DO RESTO DO MUNDO Bilhões de dólares 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1915 18 23 28 33 38 43 48 Total mundial Resto do mundo Estados Unidos NOTA Eliminouse das reservas de ouro dos Estados Unidos a cifra em dólares dos ativos líquidos a curto prazo pertencentes aos países do resto do mundo uma vez que eles representavam bens monetários destes últimos e não daquele pafs Dada a grande quantidade de tais ativos líquidos em certos períodos os resultados desse reajuste são importantes Por exemplo em 1947 os Estados Unidos detinham 60 do ouro do mundo ao passo que eliminando se os depósitos em dólares sua participação se reduzia a 486 do ouro mundial Para fazer este reajuste procedeuse da seguinte maneira a a partir de 1931 e até o ano de 1936 inclusive usaram se os dados publicados pela Banking and Monetary Statistics Washington 1943 páginas 574 a 589 e a partir de 1937 os da International Financial Statistics do Fundo Monetário Internacional Washington janeiro de 1949 p 130 b para os anos anteriores a 1931 as cifras foram calculadas utilizandose os saldos líquidos da movimentação de capitais a curto prazo de acordo com os dados da balança de pagamentos dos Estados Unidos publicados em The United States in the World Economy Economic Series no 23 United States Department of Commerce Bureau of Foreign and Domestic Commerce Nos Gráficos 1 e 2 a parte das curvas anterior a 1923 não pode ser ajustada por falta de dados O total mundial foi extraído do Federal Reserve Bulletin até 1940 e dessa data em diante do Anuario do Banco Internacional de Ajustes da Basiléia Os dados referentes a 1948 são preliminares Todas as cifras foram calculadas à razio de 35 dólares por onça 93 s v 1 i V T CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRÁFICO 2 PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NAS RESERVAS MUNDIAIS DE OURO Percentagens 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1915 20 23 25 30 35 40 45 48 Ouro reajustado mediante a eliminação dos ativos líquidos a curto prazo do resto do mundo Ouro sem reajuste FONTE Ver Gráfico 1 A escassez de dólares significa que aquele país não compra mercadorias e serviços nem empresta dinheiro na medida em que os outros países necessi tam dessa moeda para cobrir suas necessidades sejam elas justificadas ou não Sendo assim é preciso recorrer às reservas monetárias e vender dólares ou remeter ouro aos Estados Unidos Por mais que essa diminuição das reservas não tarde a provocar pertur bações monetárias a atração do ouro para o centro cíclico principal apesar de persistente não constitui um mero problema monetário é a expressão 94 s V 4 1 IS V A TEXTOS SELECIONADOS manifesta de um fenômeno dinâmico muito mais profundo relacionado com o ritmo e a forma de crescimento econômico dos diferentes países Conforme seja o tipo de seu próprio crescimento a ação do centro prin cipal pode manifestarse através das oscilações cíclicas numa tendência con tínua a expulsar o ouro que aflui para ele e a estimular o desenvolvimento econômico do resto do mundo ou ao contrário a retêlo tenazmente com efeitos adversos para as forças dinâmicas mundiais O centro cíclico britânico atuou historicamente da primeira maneira Foi também isso o que fez o novo centro cíclico principal nos anos 1920 Mas não o fez nos anos 1930 nos quais prevaleceu a segunda dessas formas e os países do resto do mundo viramse obrigados a reajustar suas relações com o centro cíclico a fim de continuarem crescendo apesar da influência depressiva que ele exercia e de sua intensa absorção de moeda sonante Os países da América Latina compartiram duramente com os outros a experiência dos anos 1930 Assim é compreensível que frente aos sintomas presentes de um novo problema de escassez de dólares eles interroguem o passado com uma perspectiva melhor do que antes para averiguar se os mes mos fatores que atuaram naquela época estão hoje tornando a ganhar fôlego 2 Esses fatores concernem por um lado à maneira como se refletiram no resto do mundo os fenômenos de contração e auge do centro cíclico principal e por outro à redução sensível de sua cota de importações e outras parcelas passivas Quando o centro principal contrai sua renda na fase cíclica minguante ele tende a propagar essa contração para o resto do mundo Quando a renda deste último não diminui simultaneamente e com a mesma intensidade mas o faz com certo atraso surge um desequilíbrio na balança de pagamentos o centro por diminuir sua renda mais depressa também restringe suas impor tações e demais parcelas passivas com mais intensidade do que o resto do mundo com o que este se vê forçado a lhe enviar ouro Se fosse concebível o equilíbrio que não o é na realidade cíclica a balança viria a se equili brar no momento em que a redução das respectivas rendas atingisse a mesma intensidade Pois bem a contração cíclica ocorrida nos Estados Unidos depois de 1929 teria bastado para atrair grande parte do ouro expulso no auge anterior como acontecia tipicamente nos ciclos do antigo centro principal Nesse caso 95 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL entretanto entrou em ação um fator que nunca havia atuado na experiência britânica a queda do coeficiente de importações Essa queda obedeceu prin cipalmente a dois fatos por um lado a elevação das tarifas alfandegárias em 1929 e por outro a redução mais acentuada nos preços dos produtos primá rios importados em relação aos produtos finais da indústria que são os que influem preponderantemente na renda nacional No Gráfico 3 podemos aquilatar a intensidade desse fenômeno GRÁFICO 3 COEFICIENTE DE IMPORTAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS Relação entre as importações e a renda Percentagens 7 6 5 4 3 2 1 1920 25 30 35 40 45 Fontes Os dados relativos à renda foram extraídos de S Kusnezt National Income and itt Composition Nova York 1941 com respeito ao período de 19191928 do Statistical Abstract of the United States de 1948 quanto ao período de 19291947 e de Economic Indicators fevereiro de 1949 U S Government Printing Office Washington DC quanto ao ano de 1948 Os dados referentes às importações foram extraídos de Statistical Abstract of the United States e de Economic Indicators 96 TEXTOS SELECIONADOS A redução da quota de importações no centro cíclico principal acentua a tendência à acumulação de ouro resultante da contração da renda Ali com efeito as importações caem com intensidade ainda maior do que no resto do mundo e o desequilíbrio da balança tornase ainda mais adverso para este último Para que a balança se nivelasse seria preciso não apenas como no caso anterior que as receitas do resto do mundo se contraíssem com a mesma intensidade que as do centro cíclico principal mas ainda que o fizessem com intensidade muito maior A renda do resto do mundo teria que cair abaixo da do centro cíclico principal com força tanto maior quan to mais houvessem caído a quota de importações e outras parcelas passivas Convém lembrar que essas outras parcelas além das importações também se reduziram sensivelmente em virtude da cessação dos empréstimos exter nos dos Estados Unidos Depois de se haver atingido o ponto mais baixo da fase minguante em 1933 sobreveio uma nova fase crescente De acordo com a experiên cia cíclica britânica o centro cíclico principal deveria ter mandado ouro para fora como havia ocorrido com efeito na expansão dos anos 1920 O que se verificou entretanto foi o oposto diametral e as reservas mone tárias dos Estados Unidos cresceram com uma amplitude extraordinária mesmo eliminando das cifras como foi feito em todos os gráficos a gran de quantidade de reservas externas que por outros motivos haviamse depositado em dólares naquele país Nisso desempenhou seu papel a diminuição da citada quota de importa ções Para que o centro principal deixasse de atrair ouro depois da contração e começasse a expelilo teria sido necessário que sua renda crescesse com muito mais intensidade que a do resto do mundo com tanta amplitude quanta fos se necessária para primeiro compensar e depois superar os efeitos da queda da quota Por exemplo quando a quota se reduz à metade a renda do centro principal tem que crescer o dobro da do resto do mundo simplesmente para contrabalançar os efeitos dessa redução Longe de haver ocorrido esse crescimento relativamente maior a renda dos Estados Unidos demorou mais que a do resto do mundo para atingir o nível a que havia chegado em 1929 a julgar pelo que aconteceu num grupo importante de países como se pode observar no Gráfico 4 97 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRÁFICO 4 RENDA NACIONAL DOS ESTADOS UNIDOS E DE ONZE PAÍSES DO RESTO DO MUNDO Alemanha Austrália Canadá Dinamarca França Holanda Japão Noruega Nova Zelândia Reino Unido e Suécia índices base 1929 100 130 120 110 100 90 80 70 60 50 45 r r i t i i i i i i i i i i i v A i i i A r i Onze países Estados Unidos 1925 30 35 38 Fontes Dados extraídos de S Kusnezt National Income and its Composition Nova York 1945 quanto à renda na cional dos Estados Unidos no período de 19241928 inclusive pp 310311 do Statistical Abstract of the United States 1948 quanto ao período de 19291938 e de Eugene Staley World Economie Development Effects on Advanced Industrial Countries Montreal 1943 quanto à renda correspondente a onze países p 144 Gráfico 13 Não é de estranhar portanto que o ouro tenha continuado a se acumular pertinazmente no centro cíclico principal Com efeito foi enorme a concen tração de moeda sonante nos Estados Unidos Praticamente toda a produção de ouro monetário do mundo sem dúvida muito abundante desde 1933 foi 98 TEXTOS SELECIONADOS parar naquele país Quanto às reservas do resto do mundo elas declinaram ligeiramente como se observa na Tabela l5 3 Se em seu desenvolvimento econômico nos anos 1930 o resto do mundo se houvesse prendido unicamente ao estímulo proveniente das importações e das demais parcelas passivas dos Estados Unidos o aumento da renda no res to do mundo teria sido muito menos intenso do que nesse país A causa dis so como já se sabe reside na ação depressiva da baixa da quota de importa ções como tantas vezes se afirmou Mas não foi isso que aconteceu como acabamos de ver pelo Gráfico 3 uma vez que os países nele representados ele varam sua renda mais amplamente do que os Estados Unidos Se esses países como os demais do resto do mundo houvessem elevado sua renda dessa maneira sem modificarem por sua vez o coeficiente de importações é óbvio supor que em pouco tempo terlhesia sido impos sível continuar a fazêlo sem um grave prejuízo para suas reservas monetá rias Se isso não ocorreu foi justamente porque para atenuar a contração propagada a partir do centro eles já haviam reduzido anteriormente sua quota de importações e outras parcelas especialmente a das importações procedentes dos Estados Unidos que tiveram uma queda maior que as de outras procedências6 Isso permitiu ao resto do mundo não apenas crescer Examinaramse no texto com respeito aos Estados Unidos os fatores que fizeram com que esse país atraísse ouro durante os anos 1930 Mas houve também uma atuação dos fatores concernentes ao resto do mundo que tenderam a expulsar o ouro Entre estes são de grande importância os que se manifestaram nas duas guerras mundiais Os Estados Unidos adquiriram grandes quantidades de ouro através do abas tecimento dos países aliados Esse ouro só poderia ser expulso por uma expansão inflacionária da renda daquele país que fosse consideravelmente mais acentuada do que a ocorrida na realidade Basta mencionar mos essa possibilidade para descartála Mas esse não foi o único fenômeno de redistribuição do ouro que teve por base as duas guerras Parte do ouro que os Estados Unidos iam recebendo foi transferida para países neutros ou que não tiveram uma participação ativa nos conflitos a fim de cobrir seus saldos positivos na balança de pagamentos Esse é um fenômeno normal no auge dos centros cíclicos e do qual a América Latina participou com um intenso crescimento de suas reservas metálicas Mas também é natural que grande parte do ouro retorne ao centro cíclico Foi o que aconteceu no primeiro dos dois períodos pósguerra quando sobreveio a contração nos Estados Unidos as fases crescentes e minguantes cíclicas no centro britânico também se haviam caracterizado por esse movimento de vaivém do ouro Há uma particularidade no entanto no atual retorno do ouro da América Latina para os Estados Unidos é que esse retorno começou antes de uma contração naquele país Isso se deve como se tem afirmado ao crescimento das importações provocado pelo elevado índice de emprego e acentuado por fenôme nos inflacionários 6Ver os gráficos relativos ao diferentes países publicados em The United States in the World Economy páginas 6768 e 69 99 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL da maneira que cresceu mas também em diversos casos empregar parte de suas exportações em dólares para reduzir suas dívidas nos Estados Unidos Por que o coeficiente das importações procedentes dos Estados Unidos reduziuse com maior severidade no resto do mundo do que o coeficiente de todas as suas importações Evidentemente porque o déficit na balança de pagamentos era mais agudo no que dizia respeito ao dólar Se as importações em outras moedas se houvessem reduzido com a mesma intensidade que nes ta os prejuízos sofridos pelo comércio internacional nos anos 1930 teriam sido ainda mais graves com a conseqüente perda adicional de suas vantagens clássicas 4 Quais foram as reações da América Latina aos fenômenos ocorridos du rante esse período no centro cíclico principal Não se trata de repetirmos a crônica por demais conhecida da forma como tais fenômenos se refleti ram nessa parte do continente mas de procurarmos extrair deles as experi ências que possam esclarecer e definir o que mais convém aos interesses la tinoamericanos A reação latinoamericana foi semelhante à de outros países do resto do mundo reduzir o coeficiente de importações por meio da desvalorização monetária da elevação das tarifas alfandegárias das cotas de importação e do controle cambial Nunca se haviam aplicado medidas semelhantes com o caráter geral da quela época assim como nunca surgira anteriormente um problema de escas sez de libras na época da hegemonia monetária de Londres A necessidade imperiosa de reduzir prontamente as importações e de conter a fuga de capitais explica a rápida difusão do controle cambial Mas este foi não apenas um instrumento para restringir as importações como também para desviar para outros países principalmente os da Europa as importações que antes provinham dos Estados Unidos em função de seu custo menor e de sua maior adequação às necessidades da América Latina Dificilmente se poderia negar por razões formais esta verdade evidente o controle cambial consti tuiu em muitos casos um instrumento discriminatório no comércio inter nacional contrário às práticas sadias que tinha sido tão custoso implantar 100 TEXTOS SELECIONADOS mediante a aplicação geral da cláusula da nação mais favorecida Mas é forço so reconhecer que quando um país viase privado dos dólares necessários para pagar suas importações essenciais a única saída dessa situação tão crítica pa recia residir em importações que pudessem ser pagas nas moedas recebidas em pagamento pelas exportações Se essas outras moedas tivessem podido transformarse em dólares a his tória teria sido muito diferente Mas a escassez de dólares afetava todo o resto do mundo e a compensação multilateral acabava ficando entravada quando o saldo final a ser pago nessa moeda superava as disponibilidades O controle cambial não resultou de uma teoria tendo sido uma im posição das circunstâncias Ninguém que tenha conhecido de perto as complicações de toda sorte que esse sistema trouxe consigo poderia ter op tado por ele caso houvessem surgido outras alternativas ou se estivesse ao alcance dos países da América Latina a eliminação das causas profundas desse mal 5 Lamentavelmente essas causas prolongaramse em demasia Transposto o momento mais difícil da crise mundial e em pleno restabelecimento econômico foi possível pensar no abandono do controle cambial Mas o modo de funcionamento do centro cíclico principal foi afastando essa pos sibilidade Basta observarmos o Gráfico 5 relativo às reservas monetárias da Améri ca Latina para compreender a natureza das dificuldades Em geral foramse gastando em importações e outras parcelas passivas todos os dólares que eram incorporados às reservas e ainda empregando parte destas nas referidas im portações O controle cambial como já foi dito cumpriu a função de desviar para outras partes as importações que não podiam ser cobertas dessa maneira E apesar dele não foi possível evitar que o conjunto das reservas monetárias durante os anos 1930 se mantivesse num nível sensivelmente inferior ao da década precedente 101 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRAFICO 5 RESERVAS DE OURO DA AMÉRICA LATINA Milhões de dólares 1500 1000 500 1915 20 2 5 3 0 35 40 Abrange sete países Abrange doze países Nota Uma vez que em relação aos primeiros anos desse período só se dispõe a partir de 1913 de cifras relativas a sete países Argentina Bolivia Brasil Chile Peru Uruguai e Venezuela apresentouse a curva correspondente até 1939 e a essa curva foi superposta uma outra com mais cinco países a partir de 1929 Colômbia Equador El Salva dor Guatemala e México Essas cifras correspondem apenas às reservas de ouro Todos os dados foram expressos à razão de 35 dólares por onça Fontes Banking and Monetary Statistics Washington 1943 quanto ao período de 19131936 International Financial Statistics Washington 1949 quanto ao período de 19371939 Foi esse o sentido do controle cambial naquela época Bem ou mal admi nistrado ele constituiu o instrumento de que se pôde dispor para atenuar as graves repercussões dos acontecimentos externos na atividade interna dos países latinoamericanos Posteriormente no entanto sua função foi muito diferente O controle cambial foi e continua a ser empregado para conter os efeitos da expansão inflacionária interna sobre as importações e outras parcelas passivas da balança de pagamentos É claro que nesse caso o controle cambial não corrige os efeitos da inflação mas desvia a pressão inflacionária para a ativi dade interna acentuando a alta dos preços Por conseguinte não caberia tecermos as mesmas considerações num caso e no outro Os fatores externos que impuseram o controle cambial nos anos 1930 escapavam completamente ao poder da América Latina Em contra partida os que predominam na atualidade dependem de nossa própria vontade r r A 102 TEXTOS SELECIONADOS como têm reconhecido em várias ocasiões os governos latinoamericanos preocupados como estão com a gravidade desse problema 6 Mas é difícil se não impossível determinar até que ponto a escassez de dólares novamente enfrentada nos últimos tempos em vários países da Amé rica Latina é conseqüência da baixa quota de importações dos Estados Uni dos ou dos fenômenos inflacionários a que já fizemos referência Já explicamos como o alto índice de emprego atingido na América Latina requer um volume considerável de importações em dólares Os Estados Uni dos por outro lado ao chegarem a uma cifra elevadíssima em sua renda nacional acrescentaram também suas importações da América Latina e dos demais países do resto do mundo Em 1948 o total de importações norte americanas chegou a 69 bilhões de dólares com um coeficiente de 3 Com o coeficiente de 5 registrado em 1929 as importações teriam chegado a 115 bilhões Essas cifras refletem a magnitude dos efeitos produzidos pela baixa dessa quota Ainda é cedo para dizer se a participação correspondente à América Lati na nessas importações é ou não suficiente para lhe proporcionar meios ade quados para cobrir suas necessidades de importação juntamente com as de mais parcelas passivas que ela tem que pagar aos Estados Unidos Ainda não é possível formar um juízo definitivo As informações ainda são muito defi cientes e não permitem examinar a composição das importações no grau ne cessário para determinar que parcela de seu aumento foi provocada pela redistribuição de renda que é típica da inflação Já se conhecem casos que revelam ter havido um emprego de quantidades apreciáveis de dólares em importações totalmente alheias ao propósito da industrialização ou da meca nização da agricultura mas não se sabe dizer até que ponto esses casos repre sentam um fenômeno geral 7 Seja como for o que vem sucedendo nessas ocasiões deveria ser objeto de uma atenção muito especial Para tomarmos apenas um caso ilustrativo não deixa de ser sintomática a natureza das recomendações que acabam de ser formuladas pela Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos em seu in teressante relatório sobre o Brasil 103 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Há uma grande analogia entre as medidas contempladas pela missão em matéria de importações e as que vários países da América Latina viramse forçados a tomar nos anos 1930 como foi lembrado anteriormente Não obstante o grande crescimento das exportações brasileiras em dóla res a missão comprovou que elas não são suficientes para atender às importa ções na mesma moeda Assim ela aprovou a restrição das importações não essenciais por meio de uma aplicação mais eficaz do sistema de controle cam bial e reconheceu a necessidade de obter essas importações essenciais tanto quanto possível de países de moedas fracas com os quais o Brasil teve uma balança favorável nos últimos anos e acrescentou uma medida que poderia ajudar a reduzir o total de importações em moeda forte seria uma revisão por parte das autoridades controladoras de todas as compras na zona do dólar que os ministérios do governo brasileiro e as repartições autônomas se pro põem realizar7 Não deixa de chamar a atenção que num relatório dessa natureza se pre conize não apenas a restrição das importações mediante o controle cambial mas também a aplicação de medidas de tipo discriminatório Se isso for unicamente o reconhecimento de uma necessidade transitória de aliviar a pressão da balança de pagamentos o caso não terá maior transcendência Se for no entanto a expressão de um fato mais fundamental e persistente haverá motivos de séria preocupação para os países latinoame ricanos 8 Já existe uma experiência suficiente para nos convencer de que o comércio multilateral é o que mais convém ao desenvolvimento econômico da Améri ca Latina Poder vender e comprar nos melhores mercados respectivos ainda que eles sejam diferentes sem dividir o intercâmbio em compartimentos es tanques constitui a fórmula ideal Que as vendas feitas à Europa tenham que ser compensadas estritamente mediante compras na Europa e mais em cada um dos países europeus sem que os saldos possam ser empregados para com prar nos Estados Unidos o que melhor satisfaça às necessidades de nosso de senvolvimento econômico não é uma solução que traga em si os benefícios inegáveis do multilateralismo Relatório da Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos capítulo II Rio de Janeiro 1949 104 TEXTOS SELECIONADOS Mas para que a compensação multilateral seja viável é necessário que a Europa tenha uma sobra de dólares para pagar por seu excedente de compras na América Latina depois de satisfazer suas próprias necessidades de impor tações norteamericanas Foi essa sem dúvida alguma a dificuldade encontrada pela Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos E diante dessa dificuldade só lhe res taram dois caminhos o que ela sugeriu ao Brasil ou o de lhe recomendar a aplicação de restrições iguais a todos os países em prejuízo não apenas das exportações dos países com os quais o Brasil tem saldos favoráveis mas tam bém do ritmo de seu crescimento econômico 9 Os acontecimentos verificados nos anos 1930 parecem ter deixado a con vicção de que não é possível esperar uma solução de caráter fundamental no comércio com os Estados Unidos Com efeito a se manter o baixíssimo coe ficiente atual de importações mesmo na hipótese favorável de que perdure o emprego máximo naquele país suas importações poderão mostrarse insufi cientes para resolver o problema latente da escassez de dólares Se com o em prego máximo as receitas crescerem no futuro a um ritmo que dificilmente poderia ultrapassar em muito os 3 ao ano um crescimento paralelo das im portações procedentes do resto do mundo não poderá significar um alívio muito sensível Mas será que não se deve admitir de forma alguma a possibilidade de que aumente o coeficiente de importações daquele país permitindo que estas cresçam num ritmo mais rápido do que a renda nacional Essa possibilidade existe A persistente atração do ouro por um centro cíclico principal só é teoricamente concebível quando há uma margem apre ciável de fatores produtivos desocupados Não será possível a repetição de fenômenos semelhantes aos ocorridos nos anos 1930 se os Estados Unidos conseguirem manter seu nível máximo de emprego e se o resto do mundo assim estimulado pelo centro principal tam bém conseguir implementar uma política análoga de pleno emprego de seus fatores produtivos em crescimento Pelo que foi dito ao explicarmos a experiência adversa daqueles anos se não tivesse existido o pleno emprego nos Estados Unidos o resto do mundo não teria conseguido manter continuamente em relação àquele país uma quota 105 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL de importações que não se ajustasse à quota dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo uma vez que nenhum país é capaz de suportar um déficit permanente na balança de pagamentos Entretanto mesmo havendo o em prego máximo os fatos poderiam ter ocorrido de maneira muito diferente Justificase um breve raciocínio para demonstrar isso Suponhamos que graças ao coeficiente relativamente alto do resto do mundo ou se preferirmos à ampliação desse coeficiente em virtude da industrializa ção da América Latina aumentasse intensamente a demanda de exportações dos Estados Unidos Suponhamos também que em virtude do crescimento dos fatores produtivos o aumento anual da renda fosse de 6000 para tomarmos uma cifra qualquer dos quais 4000 correspondessem aos fatores empregados nas indústrias de exportação para satisfazer àquela grande demanda e os 2000 restantes correspondessem aos empregados nas indústrias destinadas às necessi dades internas com um volume equivalente de produção É óbvio que esse volume seria insuficiente para atender à demanda inter na provocada pelo gasto dos 6000 de renda Haveria portanto um excesso da demanda em relação à oferta o qual não podendo ser internamente satis feito por estarem todos os fatores plenamente ocupados teria que ser cober to por importações fazendoas crescer no volume indispensável para atender ao déficit de produção para as necessidades internas Se os fatores produtivos não estivessem plenamente ocupados o exceden te da demanda sobre a oferta tenderia a estimular preferencialmente a produ ção interna e as importações longe de crescerem proporcionalmente ao exce dente como acabamos de ver aumentariam apenas num volume exíguo na parte desse excedente que se manifestasse somente na demanda externa em virtude do baixíssimo coeficiente de importações Não caberia nos estendermos num raciocínio mais complexo dado o caráter desta resenha Devemos apenas assinalar que para haver a atuação de um mecanismo semelhante seria indispensável que o resto do mundo pudes se fornecer aos Estados Unidos o aumento de importações exigido por sua demanda maior do contrário o processo seria inflacionário Por outro lado também seria necessário que os países que aumentassem seu coeficiente ou sua renda real pudessem contar com os recursos necessários para enfrentar desequilíbrios transitórios em suas balanças de pagamentos durante a reação do centro cíclico principal 106 TEXTOS SELECIONADOS 10 Em síntese quando o centro cíclico se encontra em pleno emprego qual quer aumento de suas exportações para o resto do mundo provocado pela ação deste tende a ser acompanhado por um aumento correspondente das importações ou de outras parcelas passivas e o ouro não tende a se concen trar no centro em prejuízo dos demais países É claro que para isso seria indispensável que o centro não reduzisse sua quota de importações Mas qual seria o objetivo dessa medida já estando empregados todos os seus fatores produtivos É compreensível que quando existem fatores ociosos haja interesse em aumentar a ocupação substituindo as importações pela produção interna É igualmente compreensível que mes mo havendo pleno emprego um país evite que algumas indústrias de consu mo interno se vejam sacrificadas pela concorrência externa em favor das in dústrias de exportação como aconteceu no centro cíclico britânico durante o século XIX Mas não faria sentido em termos econômicos num caso de ple no emprego reduzir em geral o coeficiente de importações e estimular o de senvolvimento de certas indústrias de consumo interno à custa das importa ções e das exportações Por conseguinte se não houvesse uma perturbação na interação espontâ nea das forças econômicas num estado de plena e crescente ocupação do cen tro cíclico principal estaria aberto o caminho para a solução do problema fundamental que tanto preocupa os países da América Latina e os demais países do mundo É verdade que com isso aumentaria o coeficiente de importa ções dos Estados Unidos mesmo que não se tocasse nas tarifas atuais e sua interdependência em relação ao resto do mundo ficaria fortalecida Por aí se conseguiria também demonstrar que ao atingir seu objetivo de pleno empre go aquele país atinge simultaneamente dois outros objetivos primordiais de sua política econômica promover ativamente o comércio internacional e es timular a industrialização da América Latina 11 Permitamnos ao encerrar esta parte uma outra consideração teórica muito pertinente aos assuntos que acabam de ser abordados Até o presente não se havia alcançado nenhum resultado positivo no esforço de interpretar com a ajuda da teoria clássica as variações das balanças de pagamentos e das movimentações internacionais do ouro na década de 1930 Esse esforço difi cilmente teria sucesso uma vez que a teoria clássica como se sabe baseiase 107 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL no pressuposto do emprego pleno Se esse pressuposto viesse a confirmarse na realidade seria possível comprovar a validade essencial do raciocínio clás sico a respeito das movimentações do ouro sem prejuízo é claro das corre ções parciais exigidas pela teoria Como disse lord Keynes em sua Teoria geral havendo o pleno emprego novamente nos encontraríamos com toda a segu rança no mundo ricardiano Não é de estranhar portanto o sentido das pa lavras que ele escreveu a esse respeito em seu artigo póstumo do Economic Journal Não é a primeira vez que me sinto levado a lembrar aos economistas contemporâneos que os ensinamentos clássicos encerravam algumas verdades permanentes de grande significação se hoje nos inclinamos a esquecêlas é porque as vinculamos com outras doutrinas que não poderíamos aceitar sem muitas reservas Nessa matéria há correntes que trabalham num plano pro fundo forças naturais como poderíamos chamálas e até a mão invisível que procuram levarnos ao equilíbrio 8 Sem dúvida para que o remédio clássico possa funcionar é essencial que as tarifas e os subsídios à exportação não neutralizem progressivamente a influência disso Nesse sentido a atual disposição de ânimo do governo dos Estados Unidos e também segundo creio a de seu povo dãonos uma certa tranqüilidade provisória a julgar pelas pro postas submetidas à consideração da Conferência sobre Comércio e Empre go Tratase de propostas sinceras e completas apresentadas em nome dos Estados Unidos e expressamente voltadas para permitir a ação do remédio clássico V A FORMAÇÃO DO CAPITAL NA AMÉRICA LATINA E O PROCESSO INFLACIONÁRIO 1 Em última instância a margem de poupança depende do aumento da pro dutividade do trabalho Se foi possível em alguns países da América Latina alcançar um grau de produtividade tão satisfatório que mediante uma políti ca criteriosa permitiu reduzir a proporções moderadas a necessidade de capital iLord Keynes The Balance of Payments of the United States The Economic journal junho de 1946 108 TEXTOS SELECIONADOS estrangeiro para suprir a deficiência da poupança nacional na maior parte deles se reconhece que o concurso desse capital é indispensável Com efeito a produtividade desses países é muito baixa porque falta capital e falta capital por ser muito estreita a margem de poupança em virtu de dessa baixa produtividade Para romper esse círculo vicioso sem deprimir exageradamente o atual consumo das massas em geral muito baixo é neces sária a ajuda transitória do capital estrangeiro Se sua aplicação for eficaz o aumento da produtividade ao longo do tempo permitirá desenvolver a pró pria poupança e com ela substituir o capital estrangeiro nas novas inversões exigidas pelas inovações técnicas e pelo crescimento da população 2 Entretanto a típica escassez de poupança em grande parte da América Latina não provém apenas dessa margem estreita mas também de sua utili zação inadequada em casos muito freqüentes A poupança significa deixar de consumir e portanto é incompatível com algumas formas peculiares de con sumo em grupos de renda relativamente alta As grandes disparidades da distribuição da renda podem ser e têm sido historicamente um fator favorecedor da acumulação de capital e do progres so técnico Sem desconhecer o que isso significou também nesses países há exemplos notórios e freqüentes de como essas disparidades distributivas esti mulam formas de consumo características dos países de alta produtividade Assim com freqüência há um malogro de importantes possibilidades de poupança e de um emprego eficaz das reservas monetárias em importações produtivas Foi o aumento da produtividade que permitiu aos Estados Unidos e em menor grau a outros países industrializados reduzir a jornada de trabalho aumentar a renda real das massas e elevar seu nível de vida além de aumentar em grau considerável os gastos públicos E tudo isso sem prejuízo de uma enorme acumulação de capital É fato conhecido que os gastos públicos que nas grandes nações indus trializadas constituíam uma proporção relativamente pequena da renda inter na em meados do século XIX compõem hoje uma elevada proporção dela Só o aumento da produtividade é que permitiu esse incremento Os países da América Latina não fugiram a essa tendência geral E se nos lugares onde a produtividade é alta e a acumulação de capital é considerável 109 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL o crescimento da cota de gastos fiscais é objeto de preocupação maior ainda será ele nos países em que é necessário destinar à poupança uma parcela apre ciável da receita interna É que a poupança é necessária para conseguir o au mento de produtividade sem o qual será ilusório o propósito de elevar o pa drão de vida das massas No fundo estamos diante de um problema de avaliação das necessidades Os recursos para satisfazer as enormes necessidades privadas e coletivas da América Latina são relativamente escassos e a possível contribuição do capi tal estrangeiro também é limitada Assim é preciso avaliar essas necessidades em função da finalidade buscada a fim de distribuir esses recursos limitados da forma mais conveniente E se essa finalidade consiste em aumentar o bem estar mensurável da coletividade o aumento do capital por homem tem que ocupar um lugar prioritário de grande destaque Nesse sentido existem tipos de investimentos públicos ou privados de utilidade indiscutível mas que não tornam o trabalho mais produtivo não poderá sair deles portanto o aumen to de poupança para as novas inversões Em contrapartida os investimentos equivalentes realizados em bens de capital eficazes aumentam imediatamente a produtividade do trabalho e desenvolvem uma margem de poupança que transformada em novas inversões traz novos aumentos de produtividade Por essas e outras considerações que fariam com que se ampliassem so bremaneira estas páginas o problema da formação do capital é de transcen dental importância 3 A pressão considerável das necessidades privadas e coletivas sobre uma quantidade relativamente escassa de recursos costuma trazer consigo fenôme nos inflacionários como os que com muita razão preocupam os governos nessas ocasiões Ao mesmo tempo foise desenvolvendo um modo de pensar que não se manifesta apenas nos setores favorecidos mas também naqueles que atentando unicamente para o interesse geral consideram que a inflação é um meio indubitável de capitalização forçada nas situações em que a pou pança espontânea é notoriamente insuficiente Essa é uma tese digna de um exame cuidadoso Dada a generalidade do processo há uma profusão de fatos que oferecem um campo fértil de inves tigação a partir da qual será possível avaliar seu valor e seu alcance Enquanto isso algumas reflexões talvez possam contribuir para a exposição dessa questão 110 TEXTOS SELECIONADOS Dispomos antes de mais nada de uma comprovação indiscutível o estímulo consecutivo à expansão do meio circulante levou a um alto índice de emprego e portanto a um aumento real da renda Mas parece que grande parte desse efeito foi conseguida numa fase de crescimento moderado ante rior ao processo agudo de inflação Assim à medida que esse processo se foi desenrolando o aumento do emprego e da renda real foi cada vez menor enquanto maior foi o dos preços com os conseqüentes transtornos na distri buição da renda total Essa experiência implica um ensinamento positivo e outro negativo9 O positivo concerne de imediato ao assunto mencionado uma vez que o au mento do emprego veio ampliar a margem potencial de poupança Mas o ensinamento negativo também lhe diz respeito O fato de se haver exagerado o estímulo necessário para atingir a ocupação máxima levou internamente a uma pressão inflacionária excessiva a qual ao se dilatar novamente a quota de importações anteriormente comprimida pela guerra quando houve a re novação posterior do intercâmbio esgotou grande parte do ouro e dos dóla res previamente acumulados 4 As informações fragmentadas de que dispomos sugerem mais de uma dú vida acerca de se haver ou não sabido utilizar essas reservas levando estrita mente em conta o que é exigido pelo desenvolvimento econômico da Améri ca Latina Para poder esclarecer as dúvidas apontadas seria interessante averiguarmos em que medida as citadas reservas foram preferencialmente des tinadas à importação dos bens de capital mais necessários em que outra me dida foram gastas em artigos não essenciais ou que correspondem apenas aos estilos de vida dos grupos de alta renda e até que ponto serviram para cobrir a saída de capitais provocada pelo desenvolvimento da inflação10 Com efeito demonstrouse a possibilidade de uma política racional de emprego dos fatores desocupa dos ou mal ocupados Noutras épocas as exportações haviam constituído o fator dinâmico preponde rante Contudo depois da crise mundial elas se demonstraram insuficientes para desempenhar bem seu papel de estimulação do crescimento Durante os anos 1930 em alguns países da América Latina já se havia conseguido mediante uma política de estímulo interno suprir a debilidade do fator dinâmico externo Para isso foi necessário reduzir o coeficiente de importações como se explicou num outro tex to Os acontecimentos verificados com o advento da Segunda Guerra Mundial demonstraram quão maior era a distância que se poderia percorrer por esse caminho É que a guerra impôs a compressão violenta do coeficiente uma vez que aumentou a força do fator de estimulação externo I0É sugestivo constatar que os depósitos de particulares da América Latina nos Estados Unidos alcança vam 729 milhões de dólares em 30 de junho de 1947 111 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Essas diferentes formas de utilização das divisas estão estreitamente liga das às conseqüências internas da inflação A alta de preços ao gerar lucros extraordinários coloca nas mãos de um grupo relativamente pequeno gran des possibilidades de poupança como sempre ocorre quando é assim alterada a distribuição da renda Seria também de grande interesse indagar até que ponto essas possibilidades se traduziram numa poupança efetiva e se a aplicação dessa poupança foi feita da forma mais produtiva para a coletividade Se de fato uma parcela considerável dos lucros resultantes da inflação ti vesse sido poupada e eficazmente investida aqueles que defendem a tese aqui mencionada teriam um ponto de apoio muito valioso Lamentavelmente porém não dispomos de elementos fidedignos que permitam que nos pro nunciemos a esse respeito As cifras isoladas não justificam nenhuma genera lização Contudo os dados apresentados pela Comissão Técnica Mista Bra silEstados Unidos com respeito ao Brasil são ilustrativos As grandes empresas reinvestiram 30 a 40 de seus lucros em 1946 e distribuíram o restante aos acionistas O valor distribuído por todas as empresas teria alcançado 12 bi lhões de cruzeiros dos quais a quarta parte ou seja apenas 3 bilhões foram poupados de diferentes maneiras Do total do lucro portanto constataría mos terem sido investidos apenas cerca de 50 em forma direta e indireta se essas cifras forem combinadas Nesse caso a proporção consumida terá sido importante E como os gru pos de renda elevada têm também um alto coeficiente de importações não é de estranhar que uma parte considerável das divisas acumuladas tenha sido gasta em artigos não essenciais para o desenvolvimento econômico confor me se depreende de outras informações da mesma fonte Há ainda um outro aspecto a esclarecer Supondose que em determina das circunstâncias uma certa expansão inflacionária fosse considerada como o melhor expediente prático dada a escassez de poupança existiriam meios de promover um melhor cumprimento desse objetivo atenuando ao mesmo tempo as graves conseqüências da inflação O Estado tem em seu poder re cursos que lhe permitem estimular a inversão de grande parte dos lucros e da renda inflacionários através do gravame progressivo daquilo que é gasto e consumido ao mesmo tempo que se libera ou isenta aquilo que é investido Relatório da Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos Parte III 112 TEXTOS SELECIONADOS e também mediante o desvio através do controle cambial ou dos impostos daquilo que tende a ser empregado em importações incompatíveis com um ritmo intenso de crescimento econômico Todavia é claro que esses recursos também podem servir para empregar em maiores gastos fiscais aquilo que poderia constituir uma poupança em prejuízo do incremento da produtividade nacional 5 Logicamente se existem grupos que se beneficiaram consideravelmente da inflação há outros que têm que ter sido prejudicados Até hoje ainda não se fizeram estudos conclusivos Mas o fenômeno atual não parece apresentar diferenças essenciais das inflações anteriores A classe média e os grupos de renda fixa foram em geral os que pagaram uma enorme parte da transferên cia da renda real para os empresários e demais favorecidos Os sindicatos mais bem organizados da classe trabalhadora conseguiram quase sempre com atraso alcançar a alta de preços através do aumento dos salários e em alguns casos superála mas não dispomos de cifras válidas que permitam que nos certifi quemos de até que ponto foi possível haver uma melhora do conjunto e não apenas de alguns setores Todavia não devemos esquecer que o aumento do emprego na primeira fase do fenômeno expansivo comumente significou um aumento real da renda da família trabalhadora mesmo quando os salários não se ajustaram à alta dos preços Toda essa redistribuição da renda provocada pela inflação gera nos gru pos favorecidos a ilusão de que há um aumento da riqueza da coletividade em geral mesmo quando a renda real deixa de crescer apreciavelmente depois de transposto o período inicial de expansão moderada Essa é a ilusão típica da fase de euforia e prodigalidade nela não se renovam os bens de capital por exemplo nos transportes e em outros investimentos públicos e privados em pouco tempo já se começa a gastar grande parte do aumento anterior das re servas monetárias Tudo isso significa consumir o capital acumulado e por conseguinte não pode ser tomado como um aumento real da renda A ilusão começa a se desfazer na segunda fase a das tensões crescentes e acaba desapa recendo na terceira a dos reajustes dolorosos A primeira fase parece haver terminado na América Latina enquanto se vai desenrolando a segunda evidenciamse antagonismos sociais agudos que conspiram contra a eficácia do sistema econômico em que vivemos 113 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Criase uma atmosfera desfavorável para seu desenvolvimento regular e aparecem alguns tipos de intervenção governamental ou de medidas fis cais que tendem a prejudicar a iniciativa privada e o sentido da responsa bilidade individual Decorre daí que a inflação depois de aumentar exageradamente a remuneração do empresário acaba por comprometer sua eficácia que é de importância primordial para o crescimento dos países da América Latina 6 O Estado não tarda a participar através dos impostos de uma parcela apreciável dos lucros inflacionários do empresário Seja como for a am pliação das despesas fiscais que é uma conseqüência dessa participação levanta um problema não menos grave do que os outros no momento em que desaparecem os lucros inflacionários e se impõe a necessidade de correlacionar adequadamente com o custo de vida os soldos e salários pagos pelo Estado com um evidente risco de que novamente se eleve a propor ção do conjunto de gastos fiscais na receita total em prejuízo da forma ção de capital 7 Somente o exame imparcial dos fatos que mencionamos e de outros sur gidos desse exame permitirá chegarmos a conclusões válidas a respeito da in flação como instrumento de poupança coletiva Quaisquer que sejam as ci fras obtidas entretanto não será possível negar que a inflação tendeu a desestimular algumas formas típicas de poupança espontânea que em alguns dos países latinoamericanos haviam chegado a adquirir uma importância crescente Nisso está o germe da poupança futura para a industrialização quando for possível retornar à estabilidade monetária de acordo com as no vas regras do jogo impostas pela nova realidade Afinal se a poupança forçada passível de ser acumulada com a inflação sai de camadas numerosas da cole tividade sem que lhes seja dado colher seus frutos e passa definitivamente para os grupos favorecidos caberia perguntarmos seriamente se não haveria possibilidade de encontrarmos outras formas de poupança espontâneas ou de determinação coletiva que sem os graves inconvenientes sociais da pou pança forçada permitissem uma aplicação mais conveniente dos recursos a fins produtivos 114 TEXTOS SELECIONADOS 8 Enquanto isso o recurso à poupança estrangeira parece inevitável como já foi dito Lamentavelmente o problema deixado pela experiência desastrosa dos anos 1930 nessa matéria está muito longe de se haver solucionado Persiste nos países credores a viva lembrança da inadimplência dos deve dores em contrapartida há uma tendência a esquecer as circunstâncias em que se produziu essa inadimplência e a se disseminar a crença equivocada de que mediante certas regras de conduta será possível evitar a repetição de acon tecimentos passados Na raiz de tudo isso encontramos o mesmo problema fundamental que mencionamos ao discorrer sobre as tendências do comér cio exterior O Departamento de Comércio dos Estados Unidos soube desta car esse fato num estudo publicado há alguns anos12 Em 1929 esse país forneceu ao resto do mundo 74 bilhões de dóla res como pagamento de importações investimentos e outras rubricas assim o resto do mundo pôde pagar folgadamente os 900 milhões de ser viços financeiros fixos do capital investido pelos Estados Unidos afora as remessas de lucros Em 1932 entretanto a provisão de dólares reduziuse a 24 bilhões ao passo que os serviços da dívida se tivessem sido pagos teriam exigido os mesmos 900 milhões Teria restado portanto apenas 15 bilhão de dólares para que o resto do mundo pagasse por suas impor tações e outras parcelas passivas aos Estados Unidos comparados aos 65 bilhões de 1929 Diante dessas cifras não é de estranhar que o descumprimento dos com promissos tenha sido quase geral na América Latina Os poucos países que continuaram a honrar seus compromissos fizeramno com grandes sacrifícios e à custa de uma contração gravíssima de sua economia interna além de uma grande redução de suas reservas monetárias Assim é natural que tendo pas sado por essa experiência não queiram verse outra vez diante do dilema de deixar de cumprir seus compromissos ou sacrificar sua economia Enquanto não se resolver o problema fundamental do comércio exterior será preciso providenciar para que as inversões de capital em dólares se não for possível aplicálas no desenvolvimento das exportações nessa mesma moeda sejam empregadas para reduzir direta ou indiretamente as importações em dólares a fim de facilitar o futuro pagamento dos serviços correspondentes 2The US in the World Economy Economics Series no 23 Washington 1943 115 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 9 Por esse e outros pontos de vista não parecería prudente renovar a corren te ativa de investimentos dos anos 1920 sem uma adaptação a um programa que enfrente resolutamente a série de questões concretas que se apresentam nesse caso A existência de entidades de empréstimos internacionais poderia ser um fator muito eficaz no esboço de um programa semelhante no qual com a colaboração dos diferentes países fossem examinados os tipos de in vestimento mais convenientes ao desenvolvimento econômico da América Latina mediante sua contribuição para a produtividade do trabalho e para o desenvolvimento da necessária capacidade de reembolso Não parece haver razões para que tal programa deixe de abarcar igualmente o campo dos investimentos privados Para promovêlos íàlase insistentemente na necessidade de estabelecer um sistema de garantias ou de chegar a normas que os regulamentem Tudo isso é digno de um exame aprofundado Mas as novas formas têm que se inspirar na experiência passada À parte as dificulda des básicas dos anos 1930 existiram muitas outras e também algumas situa ções abusivas de um e do outro lado que devem ser reconhecidas sem hesita ção a fim de prevenir a repetição do mal Com isso e com uma ajuda técnica eficaz seria viável desenvolver uma política de investimentos que contasse em todas as partes interessadas com um clima público favorável em virtude de seus benefícios recíprocos VI OS LIMITES DA INDUSTRIALIZAÇÃO 1 É evidente que o crescimento econômico da América Latina depende do aumento da renda médisper capita que é muito baixa na maioria desses países e do aumento da população O aumento da renda média per capita só poderá ser obtido de duas ma neiras Primeiro através do aumento da produtividade e segundo dada uma determinada produtividade através do aumento da renda por trabalhador na produção primária comparada à renda dos países industrializados que im portam parte dessa produção Esse reajuste como já foi explicado tende a corrigir a disparidade de renda provocada pela forma como o fruto do pro gresso técnico é distribuído entre os centros e a periferia 116 TEXTOS SELECIONADOS 2 Consideraremos agora o aumento da produtividade na população já exis tente A situação se apresenta sob um aspecto duplo Por um lado a assimila ção da técnica moderna permitirá aumentar a produção por trabalhador dei xando mãodeobra disponível para aumentar a produção nas mesmas condições em que já estava empregada ou sendo deslocada para outras Por outro lado o deslocamento da mãodeobra mal empregada saindo de ativi dades cuja produtividade exígua não possa ser sensivelmente melhorada para outras em que o progresso técnico possibilite essa melhora também elevará o índice de produtividade A agricultura apresenta um caso típico da influência do progresso técni co Em importantes setores dela o desenvolvimento técnico permitiu con tinuar aumentando a produção com um crescimento proporcionalmente inferior da mãodeobra empregada Em outras palavras a agricultura passou a absorver uma parcela decrescente do aumento da população em idade pro dutiva com o que a indústria e outras atividades puderam aumentar mais amplamente seu emprego Não se trata portanto de um deslocamento de mãodeobra já ocupada mas de uma forma distinta de empregar aquela que atinge a idade de ingresso no mercado de trabalho Entretanto em alguns casos com o intenso desenvolvimento industrial dos últimos anos observaramse alguns deslocamentos reais com conseqüências desfavoráveis para a agricultura Por outro lado o crescimento da demanda externa de produtos agrícolas depois da grande crise mundial foi relativamente lento de um modo geral se comparado ao ritmo característico de épocas anteriores Somandose esse fato às conseqüências do que acaba de ser mencionado seria impossível dizer que outras atividades excetuada a indústria poderiam ter absorvido o au mento da população nos países da América Latina que exportam os referidos produtos É bem possível que o progresso técnico em outras atividades traga conse qüências semelhantes às que acabam de ser assinaladas E haverá nisso tudo uma importante fonte de mãodeobra para o crescimento industrial Mas ela não é a única Dentro de uma mesma indústria existe um poten cial humano que é desperdiçado pela baixa produtividade Se esta última puder ser aumentada através da assimilação das técnicas modernas esse potencial poderá ser empregado com grande proveito coletivo no desenvolvimento das indústrias existentes ou no de novas indústrias 117 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Finalmente há uma outra possibilidade nada desprezível comprovada pela recente experiência de certos países A baixa renda que prevalece nas classes mais numerosas permitiu às de renda mais alta desfrutar de produtos manuais ou de tipos diferentes de serviços pessoais a preços relativamente reduzidos Isso se deve ao que vimos chamando de população mal emprega da À medida que vai aumentando a produtividade da indústria e melho rando a renda real per capita essa população tende a se transferir natural mente para as atividades industriais Por mais que esse fato leve perturbação a alguns setores ele é a forma típica de propagação dentro de um país dos benefícios do progresso técnico a todas as classes sociais como já vimos ao relembrar a experiência dos grandes países industrializados Mas nem tudo consiste em aumentar a produtividade Destinar uma parcela exagerada de seu incremento à elevação do consumo ou à diminuição prematura do es forço produtivo poderia conspirar seriamente contra o propósito social da industrialização 3 Vimos insistindo em que para alcançar esse aumento de produtividade é necessário ampliar sensivelmente o capital per capita e adquirir a técnica de sua utilização eficaz Essa necessidade é progressiva Com efeito ao aumentar os salários em geral através da maior produtividade da indústria essa alta é gradualmente estendida a outras atividades obrigandoas a empregarem um capital maior per capita a fim de conseguir o aumento de produtividade sem o qual não poderão pagar salários mais altos Assim irseá impondo na América Latina a mecanização de muitas atividades nas quais hoje é mais lucrativo o trabalho direto por ser mais barato do mesmo modo que se irá impondo a mecanização da economia doméstica Não é possível fazer uma idéia aproximada da magnitude dessas neces sidades potenciais de capital e portanto dos recursos para satisfazêlas uma vez que nem sequer é viável ter um conhecimento satisfatório do atual vo lume de capital por homem empregado nos principais países da América Latina Entretanto a julgar pelas necessidades que já se manifestaram nesta fase inicial do processo de industrialização os recursos provenientes das ex portações ao menos das exportações em dólares não parecem sufici entes para atendêlas depois de atendidas outras importações e parcelas passivas 118 TEXTOS SELECIONADOS Há que admitir portanto como já foi explicado a possibilidade de que seja preciso reduzir o coeficiente de importações seja em seu conjunto ou em dólares reduzindo ou eliminando os artigos não essenciais para dar lugar a importações maiores de bens de capital Seja como for a necessidade de mo dificar a composição das importações parece indispensável para dar prosse guimento à industrialização É preciso compreender com clareza o que isso significa Tratase de uma mera adaptação das importações à capacidade de pagamento conferida pelas exportações Se estas crescessem suficientemente não seria necessário pensar em restrições a não ser que se quisesse mediante essas restrições intensificar o processo de industrialização Mas as exportações da América Latina depen dem das variações da renda dos Estados Unidos e da Europa principalmente e de suas respectivas quotas de importação de produtos latinoamericanos Por conseguinte elas escapam à determinação direta da América Latina essa é uma condição de fato que só poderia ser modificada por decisão da outra parte 4 A situação seria muito diferente se quiséssemos levar a industrialização a extremos que obrigassem a deslocar fatores da produção primária para a in dústria a fim de aumentar a produção desta em detrimento daquela ou seja se podendo exportar e importar até determinado nível nós o rebaixásse mos deliberadamente sacrificando parte da exportação para aumentar a pro dução industrial em substituição às importações Nesse caso haveria um aumento da produtividade Havendo chegado a esse ponto o problema se formularia em termos clássicos Tratarseia então de averiguar se o aumento da produção industrial obtido com os fatores des locados da produção primária seria ou não superior à massa de artigos ante riormente obtidos em troca das exportações Somente se ele fosse superior é que se poderia dizer que houve um aumento de produtividade do ponto de vista coletivo se não o fosse haveria uma perda de renda real Aí está portanto um dos limites mais importantes da industrialização um limite de caráter dinâmico que poderá ir sendo ultrapassado à medida que a economia se desenvolver entretanto em qualquer ocasião ele deve preocuparnos se estivermos buscando o objetivo primordial de aumentar o bemestar real das massas 119 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Não há nenhum sintoma de que a América Latina esteja perto desse limi te Ela está na fase inicial do processo de industrialização e ainda é muito grande na maioria dos casos o potencial humano disponível mediante o aumento da produtividade para o crescimento industrial E mais não parece que os países mais adiantados nesse processo se vejam na necessidade de optar entre o crescimento efetivo das exportações e o crescimento industrial 5 Mas tampouco é necessário que se hajam esgotado as possibilidades de in tensificar a produtividade e utilizado todo o potencial humano para que a exportação chegue a ser prejudicada em favor de um aumento ilusório da ren da real O aumento da produtividade requer um incremento considerável de ca pital e antes que se consiga obtêlo muito tempo se passará e virão outras inovações técnicas que possivelmente exigirão seus próprios aumentos de capital juntamente com o que é requerido para acompanhar o crescimento da população Por outro lado a poupança é escassa Assim é necessário utilizá la de forma a que ela renda o aumento máximo da produção Uma política equivocada poderia provocar todavia o emprego deficiente dessa poupança como é fácil demonstrar a seguir Afirmouse que o progresso técnico da agricultura e a demanda externa relativamente lenta de seus produtos permitiram à indústria em muitos ca sos absorver uma parte do aumento da população em idade produtiva que é maior do que o absorvido pela agricultura Suponhamos que ano a ano con tinue a ser necessário esse aumento da mãodeobra na agricultura para aten der ao crescimento da demanda externa sem falar no aumento do consumo interno mas que em virtude de certas medidas se exagere de tal maneira o desenvolvimento industrial que a atividade agrícola se veja privada dos bra ços de que necessita para continuar aumentando as exportações Já foram explicadas as razões pelas quais essa substituição das exportações pela produção industrial poderia significar uma perda direta de renda real Mas haveria ainda uma outra perda A terra é um fator de produção que vale muito sem ter custado nada O capital que se precisa investir nela é relativamente pequeno se com parado ao que é absorvido pela indústria Por conseguinte ao levar para a indústria os trabalhadores que poderiam produzir eficazmente na terra é 120 TEXTOS SELECIONADOS necessário dotálos de um capital maior Mas esse capital maior poderia ser mais produtivamente aplicado se em vez de ser diluído em todo o aumento anual da população fosse aplicado unicamente numa parte desse aumento o capital mais elevado por trabalhador resultaria numa melhor produtivi dade Assim através dessa diluição do capital deixarseia de obter o au mento da produtividade passível de ser conseguido de outra maneira Com isso somarseia àquela perda direta uma outra que apesar de menos tangí vel não seria menos real E mais não havendo esse aumento da produtividade seria menor o in centivo oferecido pela indústria à mãodeobra mal empregada com o que em vez de utilizála adequadamente o potencial humano estaria sendo preju dicialmente retirado de ocupações altamente produtivas Não se trata de uma eventualidade remota mas de um risco a que estamos continuamente expostos e no qual já caímos algumas vezes por falta de pro gramas de desenvolvimento econômico com objetivos precisos e meios defi nidos para alcançálos O capital é escasso e seria realmente lamentável deixar de investilo onde ele pode aumentar a produtividade total para aplicálo em setores em que ele irá diminuíla Assim não se deve esquecer que quanto maiores forem as exportações da América Latina mais intenso poderá ser o ritmo de seu desenvolvimento eco nômico Mas tampouco se deve descartar a eventualidade de que um possível recrudescimento da política protecionista nos países compradores tenda a deslocar as exportações latinoamericanas substituindoas por sua própria produção Esse seria um fato extremamente lamentável mas se os países latino americanos não conseguissem evitálo não teriam outra solução senão dimi nuir o crescimento de suas importações ou até reduzilas em termos absolu tos a fim de ajustálas às exportações Nessa contingência o aumento da renda KÚper capita seria menor do que teria sido possível concebendose até mes mo uma queda caso esse fenômeno se acentuasse 6 Em tudo isso é preciso levar em conta um fato elementar A Europa perdeu grande parte de seus investimentos no resto do mundo e do ponto de vista da disponibilidade de dólares não é viável esperar que quando houver consegui do sua reconstrução fique em condições de fornecêlos à América Latina Ao 121 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL contrário ela deverá cuidar atentamente de equilibrar seu intercâmbio Por con seguinte se é possível a um ou outro país isolado reduzir por algum tempo suas importações sem sofrer perceptivelmente em suas exportações para a Europa o conjunto da América Latina não poderia fazer isso por motivos óbvios 7 Ao discorrer sobre o aumento do capital per capita supôsse implicitamente que os estabelecimentos industriais poderiam alcançar uma dimensão satisfatória requerendose para isso um mínimo de produção Até onde tende a ser alcançada essa dimensão nos países da América Latina Neste como noutros casos a di versidade das condições em que eles se encontram impede as generalizações Além disso ainda não se fez nesses países um estudo sistemático da produtivi dade e de sua relação com a dimensão ótima da empresa e da indústria Mas é costume citaremse exemplos pouco lisonjeiros seja da subdivisão de indústrias num número excessivo de empresas de eficiência escassa dentro de um mesmo país seja da multiplicação de empresas de dimensões relativamente pequenas em países que unindo seus mercados para uma série de artigos poderiam con seguir uma produtividade maior Esse fracionamento dos mercados com a ine ficácia que ele acarreta constitui outro dos limites do crescimento da indústria um limite que nesse caso poderia ir sendo ultrapassado pelo esforço con junto de países que por sua situação geográfica e suas modalidades estariam em condições de realizálo com benefícios recíprocos 8 Afirmouse no começo que havia dois meios de melhorar a renda real Um é o aumento da produtividade e o outro o reajuste da renda da produ ção primária para ir atenuando sua disparidade com a renda dos grandes países industrializados O segundo meio só poderá ser conseguido à medida que se for obtendo o primeiro Conforme aumentarem a produtividade e a renda real média da indústria nos países latinoamericanos terá que ir havendo neles um aumen to dos salários da agricultura e da produção primária em geral como ocorreu noutros lugares O resultado será gradativo e se não houver uma certa relação entre o cresci mento respectivo de cada uma das rendas médias nos principais países exporta dores de produtos primários poderão surgir algumas dificuldades certamente inevitáveis nos reajustes dessa natureza sejam eles internos ou internacionais 122 TEXTOS SELECIONADOS A possibilidade de ir ganhando terreno nessa matéria também depende da capacidade de defender os preços da produção primária nas fases cíclicas minguantes que têm sido com freqüência aquelas em que se perdeu no todo ou em parte a participação no fruto do progresso técnico que a periferia cos tuma alcançar na fase crescente Há aí um campo muito propício para a cola boração econômica internacional VIL BASES PARA A DISCUSSÃO DE UMA POLÍTICA ANTICÍCLICA NA AMÉRICA LATINA 1 O ciclo é a forma de crescimento da economia no regime em que vivemos e embora constitua um fenômeno geral que precisa ser explicado com uma única teoria de conjunto ele se manifesta de maneira diferente nos centros cíclicos e na periferia Muito já se escreveu a seu respeito nos centros mas muito pouco no que concerne à periferia apesar dessas manifestações distintas Os breves comen tários que teceremos a seguir não pretendem suprir essa deficiência mas ape nas esboçar algumas idéias de política anticíclica que sendo aceitas em prin cípio poderiam constituir um ponto de partida conveniente para a discussão desse problema É claro que para que essa discussão não se realize num plano abstrato seria necessário examinar o caso particular de cada país a fim de averiguar se sua estrutura econômica e as condições em que ele se encontra permitem seguir essas idéias ou antes recomendam a exploração de outras formas de atuar sobre o ciclo 2 É conhecido o propósito do governo dos Estados Unidos de adotar reso lutamente uma política anticíclica Mas não parece recomendável buscar um apoio exclusivo no que faz o centro cíclico principal pois a ação constante dos países da periferia poderia ser muito oportuna no caso de uma contração naquele país Devemos portanto prepararnos para desempenhar nosso pa pel no esforço conjunto 123 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Nos centros a política inspirada nesse objetivo procura atuar sobre o vo lume dos investimentos aos quais é atribuído o papel dinâmico no movimento ondulatório Não é isso o que acontece na periferia Nesta esse papel cor responde às exportações E isso não é de estranhar uma vez que as alternati vas às exportações refletem as da renda dos centros as quais como se sabe variam em estreita interdependência com os referidos investimentos Certamente não está ao alcance da periferia influir em suas exportações da mesma maneira que os centros se propõem regular suas inversões13 Portanto é preciso buscar outro tipo de medidas para evitar as conseqüên cias mais graves do ciclo na atividade interna de nossos países Convém antes de mais nada descartar a idéia de que o desenvolvimento industrial em si os torna menos vulneráveis a esses fenômenos Seria preciso que as exportações atingissem uma proporção muito pequena da renda nacional para que isso acontecesse Nesse caso entretanto o país já teria deixado de ser periférico convertendose num centro cíclico e se com isso ele diminuiria sua vulnerabilidade externa teria adquirido em contrapartida os elementos típi cos inerentes ao sistema que provocam o movimento ondulatório dos centros Tendemos mais a crer que o desenvolvimento industrial tornará mais perceptíveis as conseqüências do ciclo ao acentuar o movimento oscilatório do emprego nas zonas urbanas Num país essencialmente agrário as depres sões se manifestam mais na queda da renda rural do que no desemprego e mais em muitos de nossos países foi possível observar durante a grande de pressão mundial como o campo tornou a absorver pessoas que antes haviam partido em busca de trabalho nas cidades O desemprego se dilui por assim dizer O mesmo não seria esperável depois de a indústria haver concentrado massas relativamente grandes nas cidades nesse caso o problema cíclico do desemprego adquiriria graves projeções sociais Caberá concluirmos disso que a industrialização tem uma desvantagem do ponto de vista cíclico Ela a teria se a atividade econômica ficasse entregue a suas próprias forças Não sendo assim o desenvolvimento da indústria pode converterse num dos elementos mais eficazes da política anticíclica 3Estamonos referindo à impossibilidade de modificar por nossa própria ação a forma como as expor tações variam mas não aos efeitos que poderiam ser obtidos mediante a regulação dos excedentes de produtos a que nos referimos no final 124 TEXTOS SELECIONADOS 3 Examinaremos brevemente as diferentes possibilidades que se apresentam numa delas talvez a mais difundida tratase de atenuar ou contrabalançar os efeitos das oscilações da exportação na atividade interna mediante uma polí tica de caráter compensatório que faça os investimentos variarem principal mente nas obras públicas num sentido inverso ao das citadas oscilações Essa política traz consigo algumas exigências Na fase cíclica crescente aumenta a arrecadação de impostos e o mercado fica propício à colocação de títulos públicos Apesar disso o Estado deveria não apenas absterse de empregar esses recursos maiores na ampliação de seus investimentos públicos como teria também que restringilos de acordo com o aumento do emprego privado A fase crescente portanto seria uma época de acumulação previdente de recur sos para os tempos difíceis ou de utilização desses recursos na quitação dos créditos bancários a que se houvesse recorrido na contração anterior Basta a menção dessas exigências para nos darmos conta da dificuldade de cumpri las Justamente por esses países estarem em pleno desenvolvimento há sem pre projetos de investimentos muito superiores aos que são realizáveis com os meios limitados de que se dispõe Pretender que havendo um aumento des ses recursos e surgindo a possibilidade de executar tais projetos os homens de governo em vez de fazer isso acumulassem recursos para o futuro um futuro do qual talvez seus sucessores viessem a desfrutarsignificaria fazer o sucesso da ação anticíclica depender de atitudes que nem sempre se com patibilizam com interesses políticos respeitáveis Mas existem ainda outros inconvenientes entre eles o que se relaciona com a flexibilidade dos planos seria preciso alternadamente ampliar e com primir os investimentos de acordo com o ciclo o que não é fácil de conseguir E além disso seria preciso poder contar com o deslocamento imediato de mãodeobra das atividades mais afetadas pela depressão para os investimen tos públicos Tudo isso embora não leve a rejeitar essa possibilidade de ação anticíclica aconselha pelo menos a explorarmos outros caminhos que sejam mais recomendados por nossas modalidades 4 Há um interesse em que a atividade interna se desenvolva com um alto grau de emprego a despeito do movimento cíclico das exportações É bem conhecida a maneira pela qual esse movimento faz a atividade interna aumentar e diminuir Quando aumentam as exportações cresce a demanda interna e 125 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL sobe o nível do emprego e da renda e o aumento da renda por sua vez faz aumentarem as importações que com isso tendem ainda que com atraso a se ajustar às exportações Assim se desenrola a fase ascendente do ciclo em nossos países Na descendente ocorrem fenômenos inversos a queda das ex portações provoca uma redução da renda e do emprego com a conseqüente queda das importações Suponhamos agora que no curso desses fenômenos tenhase chegado ao ponto mínimo da atividade interna O emprego decresceu e a renda dimi nuiu correlativamente de um máximo de 10000 digamos para um mínimo de 7500 desses 7500 20 ou seja 1500 são gastos em importações ne cessárias para atender juntamente com a produção local às necessidades cor rentes da população e essas importações só podem ser pagas com a quantida de mínima a que ficaram reduzidas as exportações Se para tornar a levar o emprego e a renda ao máximo se adotasse uma política de expansão semelhante à preconizada nos grandes centros aumentariam imediatamente as importações se é que esse coeficiente ainda não se houvesse modificado Assim quando a receita chegasse a 10000 as importações seriam de pelo menos 2000 e se as exportações se manti vessem num nível próximo dos 1500 citados haveria um desequilíbrio que em prazo relativamente curto reduziria as reservas monetárias a pro porções exíguas Digase de passagem que nos centros é difícil conceber contratempos semelhantes na fase descendente pois é precisamente nelas que aflui para es ses centros o ouro que sai dos países periféricos Por conseguinte não pareceria possível nesses países na falta de recursos extraordinários desenvolver uma política de expansão que tendesse a aumen tar o emprego sem reduzir ao mesmo tempo o coeficiente de importações A possibilidade de fazer isso é limitada por obstáculos de importância variável em cada país Consideremos para facilitar o raciocínio que se tenha conseguido superálos e reduzir gradativamente a quota de importações de 20 para 15 através de modificações tarifárias Graças a isso o emprego e a renda terão podido crescer sem aumentar as importações além do mínimo de 1500 em torno do qual se mantêm as exportações de maneira que terá sido possível alcançar o máximo de emprego sem perturbar o equilíbrio da balan ça de pagamentos 126 TEXTOS SELECIONADOS Portanto em virtude da mudança do coeficiente necessitase agora de menos 500 importações para atender às necessidades atuais da população nesse nível máximo de emprego O problema terá consistido portanto em produ zir internamente essa quantidade quer se trate de produtos finais de consu mo quer das matériasprimas indispensáveis para produzilos Mas nem todo consumo corresponde ao tipo de necessidades correntes que são atendidas em sua maior parte por artigos de consumo imediato ou de duração relativamente curta O progresso da técnica nos grandes países industrializados como foi assinalado noutro lugar foi criando novas necessi dades de bens de consumo duráveis que precisam ser importados Esses arti gos portanto passam a ser imprescindíveis à medida que se eleva o padrão de vida Mas isso não significa que sua importação não possa ser drastica mente reduzida nas ocasiões em que a queda das exportações permite apenas pagar pelas importações essenciais Justamente por se tratar de bens duráveis parece possível comprimir sua importação na medida exigida pela intensida de da fase decrescente caso se tenha podido importálos sem nenhuma limi tação na fase crescente anterior O mesmo se pode dizer a respeito dos bens de capital Se tiver sido possí vel cobrir suas necessidades na fase crescente será possível nesse momento restringir temporariamente sua importação A esse respeito convém levar em conta que ao se reduzir o coeficiente de produtos e matériasprimas direta ou indiretamente destinados às necessidades vigentes passa a haver uma mar gem maior do que antes para as importações desses bens de capital duráveis bem como para os bens de consumo duráveis Por último existem artigos de consumo não essenciais para as necessida des presentes mas cuja importação é relativamente intensa em épocas de pros peridade é evidente que sua redução nas fases de escassez de divisas não pode trazer em si maiores inconvenientes Em síntese as importações se dividem em duas categorias no que concerne a essa política Por um lado existem as de caráter impostergável formadas por produtos e materiais indispensáveis para atingir o máximo de emprego com o mínimo de exportações e por sua vez assegurar o atendimento das necessidades correntes E por outro existem as importações de bens duráveis de consumo ou de capital que por sua natureza podem ser adiadas assim como as importações de artigos não essenciais para o consumo atual 127 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Prossigamos agora com nosso exemplo Já se havia chegado ao máximo de emprego graças à política adotada Entrementes porém as exportações volta ram a crescer impulsionadas por uma nova fase crescente Com isso a deman da dos produtos primários que também havia caído para seu mínimo cíclico torna a aumentar à medida que se eleva sua renda junto com o aumento do valor das exportações Quando se está num nível de emprego máximo é evi dente que esse aumento da demanda tem que provocar necessariamente um aumento correlato das importações Os preços também se elevam numa certa medida com o conseqüente aumento em benefício dos empresários Isso tam bém faz com que se eleve a demanda destes e aumenta igualmente as importações Por conseguinte o aumento comum da renda provocado pelo incremen to das exportações acima de seu mínimo cíclico não tarda a se transformar numa ou noutra forma de aumento das importações sem afetar o nível de emprego interno 5 Convém ter em mente que reajustar o coeficiente de importações não sig nifica diminuílas As importações terão a mesma magnitude quer esta polí tica anticíclica seja ou não adotada uma vez que em última instância elas dependem das exportações e dos investimentos estrangeiros Será preciso ape nas modificar sua composição para atingir a meta buscada Resumidamente essa mudança consiste no seguinte um país periférico no mínimo cíclico das exportações só pode pagar por um volume relativa mente pequeno de importações Esse volume não permite importar tudo o que é necessário para manter um grau máximo de emprego Assim é preciso modificar a composição das importações e correlativamente a estrutura e o volume da produção interna para atender às necessidades correntes da popu lação sustentando um máximo de emprego Enquanto as exportações permanecerem em seu nível mínimo só pode rão realizarse as importações essenciais para manter o nível de emprego e consumo atual Quando elas tornarem a crescer ciclicamente no entanto terá chegado o momento de realizar as importações adicionais exigidas pelo cres cimento da demanda Assim enquanto as importações essenciais para as necessidades correntes da população seguem o ritmo relativamente lento do crescimento orgânico do país as dos artigos postergáveis ficam sujeitas à flutuação das exportações 128 TEXTOS SELECIONADOS 6 Há pouco ao explicar como a redução do coeficiente de importações rela tivas ao consumo corrente é indispensável para a adoção de uma política anticíclica fizemos referência aos obstáculos que é preciso vencer para lograr isso Tais obstáculos são de natureza diferente Antes de mais nada a substituição das importações pela produção interna geralmente requer a elevação das tarifas alfandegárias em virtude do custo mais elevado que costuma ter Por esse ponto de vista haveria uma perda efetiva de renda real Por outro lado entretanto a perda de renda provocada pelas oscilações cíclicas do emprego costuma ser enorme É muito provável que na maior parte dos casos o que se ganha coletivamente ao dar estabilidade ao emprego seja muito maior do que o que se perde com o custo mais elevado da produção in terna Entretanto é concebível que a precariedade dos recursos naturais e a inefi ciência da mãodeobra ou da direção técnica sejam tais que a perda pelo aumento do custo absorva uma parcela excessiva do aumento da renda real resultante do maior nível de emprego Não se pode negar a gravidade desse obstáculo Por outro lado essa substituição das importações pela produção interna requer a importação de bens de capital com a conseqüente necessidade de poupança enquanto se efetua a redução do coeficiente Mesmo no caso favo rável de ela poder ser obtida internamente será indispensável para importar esses bens de capital comprimir ainda mais o coeficiente das importações relativas ao consumo corrente com um encarecimento maior desse consu mo Aí está o segundo obstáculo que sem dúvida poderia ser aliviado me diante a cooperação de entidades internacionais de empréstimo que assim teriam a oportunidade de demonstrar que suas operações anticíclicas ao mesmo tempo que favorecem os países periféricos contribuem para manter nos países centrais a demanda de bens de capital Finalmente uma política anticíclica dessa natureza poderia exigir deslocamentos de fatores produtivos que nem sempre são fáceis de realizar Mas o aumento da população em idade produtiva e a utilização daquela que está mal empregada como já foi explica do em outro capítulo poderiam atenuar grandemente esses inconvenientes 7 Em nossos países o ponto mínimo da curva flutuante das exportações e investimentos estrangeiros foi subindo em ciclos sucessivos Com isso não se quer dizer que eles não possam cair a um nível inferior ao mínimo do ciclo precedente isso não ocorre com freqüência mas já aconteceu por exemplo 129 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL durante a grande crise mundial Se tal fato se repetisse só seria possível man ter um alto nível de emprego na medida em que houvesse reservas monetárias suficientes para cobrir o excesso de importações essenciais em relação às ex portações mínimas ou na medida em que as entidades internacionais de empréstimo pudessem cumprir sua missão anticíclica14 8 Já se assinalou a necessidade de reduzir as importações de bens duráveis na fase decrescente do ciclo Será imprescindível dispor de um sistema de controle cambial para conseguir isso O aumento da demanda desses artigos como já se viu provém principalmente das receitas correspondentes ao aumento das expor tações de maneira que não sendo agregado a essa demanda um aumento exage rado proveniente da expansão do crédito não haveria necessidade de medidas restritivas a não ser que houvesse uma queda acentuada dos preços de exporta ção na fase cíclica descendente Tais medidas só seriam necessárias se a expansão fosse exagerada ou se as exportações mínimas caíssem abaixo das importações essenciais e não se dispusesse de recursos extraordinários para pagálas Nesse caso o dilema ficaria claro reduzir ainda mais o coeficiente dessas importações essenciais somando uma nova carga à dos consumidores pela proteção adicional que isso implicaria ou restringir deliberadamente as im portações dos artigos postergáveis mediante o controle cambial Mesmo assim não é difícil conceber um país em que a propensão muito acentuada a importar produtos não essenciais seja incompatível com as im portações elevadas de bens de capital exigidas pelo desenvolvimento acentua do da economia Nesse caso o controle cambial poderia ser um instrumento seletivo eficaz sem prejuízo de outros expedientes De qualquer modo para esses casos especiais são concebíveis procedi mentos simples de controle nos quais se deixa por conta do jogo da oferta e da procura distribuir as licenças para a realização dessas importações de acor do com a quantidade de câmbio que se resolva destinar a elas Por outro lado é evidente que quando um país incorre numa política de crédito excessiva ele se vê forçado a optar entre a desvalorização monetária ou um sistema de controle cambial que cobrindo essa desvalorização transfiraa Ver a esse respeito as opiniões do Dr Hermann Max em Significado de un Plan Marshall para América Latina 130 TEXTOS SELECIONADOS inflacionariamente para a atividade interna Nesse caso estarseia usando um instrumento eficaz de política anticíclica como instrumento de política antiinflacionária Na realidade todos os recursos da política monetária po dem ser igualmente empregados para o bem ou para o mal Com o agravante de que nem sequer se teria a justificativa do desemprego uma vez que se ha veria alcançado o nível máximo de ocupação sem dispor de desculpas válidas para dar continuidade à expansão do crédito 9 Mencionouse anteriormente o caso extremo em que o mínimo cíclico de exportações não é suficiente para cobrir as importações essenciais Nele as reservas monetárias desempenhariam sua função específica Convém portanto que nos detenhamos por um momento para examinar esse conceito Na fase crescente as reservas aumentam e na decrescente perdem grande parte do que haviam ganhado e perdem tanto mais quanto maior tiver sido a expansão do crédito Esse fenômeno é facilmente compreensível quando se leva em conta que as importações estão sempre na esteira das exportações em nossos países periféricos Em decorrência disso e do movimento semelhante nas outras parcelas da balança de pagamentos o ativo na fase crescente ul trapassa o passivo com a conseqüente entrada de ouro ou divisas ao passo que na fase decrescente observase o inverso Não é demais recordar a explicação teórica desse interessante processo O ouro ou as divisas que afluem na fase crescente tendem a tornar a sair em virtude do movimento circulatório das receitas correspondentes As divisas que entram por causa de um aumento das exportações por exemplo têm sua contrapartida numa elevação equivalente da renda essa elevação da renda cir cula internamente transformandose em outras rendas contudo a cada eta pa desse processo circulatório uma parte se traduz numa demanda adicional de importações de maneira que o volume original vaise reduzindo cada vez mais É assim que as divisas que entram tendem a sair O tempo de demora de sua saída depende entre outros fatores da magnitude da quota de impor tações e de outras parcelas passivas Quanto maior é essa quota tanto mais rápida é a saída do mesmo modo que esses outros fatores O fato de essa evasão de divisas não ser perceptível nas fases cíclicas cres centes desses países não deve causarnos estranheza Ocorre que enquanto 131 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL dura a fase crescente as novas divisas incorporadas compensam de sobra nas contas internacionais do país as divisas que saem e há um saldo líquido de ouro a favor do país Todavia quando chega a fase minguante e as exporta ções e outras parcelas ativas decrescem em vez de crescer as divisas que saem ultrapassam as que continuam entrando e as reservas monetárias vão perden do parte do ouro que haviam ganhado Assim ao final de cada ciclo resta um aumento líquido do ouro que re presenta a participação do país na distribuição mundial da nova produção do metal monetário É uma cifra relativamente pequena portanto e que depen de a longo prazo do ritmo de crescimento econômico do referido país e de seu coeficiente de importações e outras parcelas passivas em relação ao resto do mundo Quando os coeficientes não variam o país que tem um ritmo de cresci mento mais intenso do que o geral tende a expelir uma parte do aumento líquido de ouro que de outro modo poderia caberlhe e essa parte que ele perde é tanto maior quanto mais acentuada é a discrepância entre os ritmos de crescimento através das oscilações cíclicas É bem possível que o acréscimo de ouro que assim se vai agregando às reservas monetárias de um país com o correr do tempo não seja suficiente para enfrentar as conseqüências de uma redução das exportações numa de pressão extraordinariamente intensa É claro que uma compressão do coefi ciente global de importações poderia contribuir para reter uma quantidade maior de ouro em tempos favoráveis a fim de melhor arcar com uma eventua lidade desse tipo Também caberia constituir reservas monetárias adicionais através de ope rações de poupança na medida em que se poupa e se deixa de investir uma parte da renda circulante não se transforma em importações e por conseguinte não dá lugar a uma saída de ouro Retémse uma quantidade de ouro igual à poupança Isso poderia ser feito por exemplo se o banco central emitisse tí tulos na fase crescente e retivesse o dinheiro correspondente para tornar a emiti lo na fase decrescente contra o dinheiro assim retido haveria uma reserva adicional que junto com a preexistente e com a participação na partilha mundial do ouro poderia aliviar a pressão monetária caso as exportações mínimas não conseguissem cobrir as importações essenciais 132 TEXTOS SELECIONADOS Não nos escapa o fato de que construir com a poupança uma reserva adi cional em países que necessitam importar grandes quantidades de bens de capital não é uma solução animadora Mas é evidente que se um país tivesse o caminho livre para obter créditos internacionais numa fase descendente demasiadamente intensa ele poderia empregar mais ouro na fase crescente para importar bens de capital em vez de retêlo como já foi visto Com efei to é concebível que isso pudesse vir a acontecer se em algum momento fos se possível elaborar um programa global de ação anticíclica na periferia den tro do qual o país que houvesse seguido uma política sadia pudesse contar com o grau necessário de colaboração das entidades internacionais no declínio cíclico É muito compreensível que enquanto havia um processo inflacionário em desenvolvimento no centro principal não se tenha julgado conveniente acentuálo com operações de crédito internacional além das exigidas pelas necessidades urgentes da Europa Mas se viesse a produzirse uma contração a situação seria diferente e teria chegado o momento oportuno de entrar numa política anticíclica geral sem as contradições que traria consigo a ação unila teral de cada um de nossos países 10 A ação internacional não deve ficar limitada à esfera do crédito pois há também outros meios eficazes de lutar contra a depressão nos países da peri feria Muito se discutiu sobre a compra dos excedentes dos produtos primá rios É sabido que na fase descendente a produção agrícola cai muito menos do que a industrial Há entre os centros e a periferia um interesse comum em que ela não caia sensivelmente pois isso retardaria a recuperação dos primei ros Daí o efeito benéfico que pode ser exercido por uma política criteriosa de compra dos excedentes na medida em que possa atenuarse dessa maneira a queda cíclica das exportações dos países produtores menor será também o declínio de suas importações e por conseguinte menos intensa será a redu ção da demanda nos países industrializados Essa medida reguladora teria uma outra virtude Ao se conter com as re feridas compras a queda exagerada dos preços dos produtos primários terse ia contribuído para que a relação entre eles e os produtos finais não tendesse a se voltar sistematicamente contra os países da periferia como já foi explica do em outro ponto 133 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 11 A característica que acabamos de mencionar segundo a qual a produção agrícola cai muito menos do que a industrial ou quase não se reduz foi leva da em conta ao serem anteriormente esboçadas estas bases para a discussão de uma política anticíclica Supusemos ali que a redução das exportações trazia consigo a diminuição das receitas no setor da produção primária mas sem nos referirmos ao possível desemprego rural A fase descendente manifestase mais na queda dos preços do que na contração da produção Mas com isso ao diminuírem os lucros rurais diminuem também os investimentos no cam po provocando um certo desemprego Portanto o fato de não se julgar viável uma política compensatória geral pelas razões expostas no início deste capítulo não significa que não haja ne cessidade de atividades compensatórias parciais É inevitável a flutuação em certos tipos de investimentos mesmo quando se aplica com eficácia uma política anticíclica De fato vimos que ao aumentarem os lucros dos empre sários industriais aumentam suas importações de bens decapitai Mas os novos equipamentos requerem a construção de instalações e outras melhorias que absorvem mãodeobra na fase crescente e a deixam disponível na minguan te o mesmo acontecendo com os investimentos rurais Isso não representa um obstáculo intransponível Uma das vantagens po sitivas de não ter que seguir uma política compensatória de obras públicas e investimentos em geral é poder planejar o desenvolvimento estável de acordo com as necessidades crescentes do país e com a magnitude da poupança que seja destinada a elas Assim o montante total das construções pode ir cres cendo de ano para ano sem as intensas oscilações que seriam exigidas por uma política compensatória Todavia dentro desse desenvolvimento progres sivo caberiam perfeitamente alguns reajustes parciais Por exemplo os créditos hipotecários para a construção privada poderiam diminuir na fase crescente a fim de liberar mãodeobra para a construção industrial Na decrescente em contrapartida poderiam ser concedidos créditos adicionais para as cons truções e os investimentos agrícolas em geral 12 O que acaba de ser expresso neste capítulo está muito longe de constituir um programa de política anticíclica Quisemos apenas expor o problema em seus termos principais e provocar sua discussão destacando ao mesmo tem po algumas diferenças entre as manifestações cíclicas dos centros e da perife ria que nos obrigam a elaborar nosso próprio planejamento 134 TEXTOS SELECIONADOS Além disso teria sido muito incompleta a exposição que nos havíamos proposto ao fazer este esboço dos principais problemas pertinentes ao nosso desenvolvimento econômico se não dedicássemos atenção à política anticíclica Essa política é um complemento indispensável da política de desenvolvimen to econômico a longo prazo pois a indústria como já foi dito faz com que se evidencie a vulnerabilidade da periferia às flutuações e contingências do cen tro Não basta aumentar a produtividade com isso absorvendo fatores de sempregados e mal empregados Também é preciso evitar que uma vez alcançada a ocupação produtiva de seus fatores eles tornem a ficar desempre gados por obra das flutuações cíclicas Mas essas políticas são ambas compatíveis não apenas com a meta que se almeja alcançar mas também com os meios de atingila pois ambas reque rem o reajuste do coeficiente de importações A política anticíclica assim o exige para que o país possa satisfazer suas necessidades correntes de maneira estável e manter o máximo de emprego apesar das exportações flutuantes Justamente as indústrias e atividades que atendem a essas necessidades são as que nossos países podem implantar com menos dificuldade graças a um mercado que se amplia cada vez mais à medida que o incremento da produ tividade vai aumentando o consumo Alcançando esse objetivo o país estaria em condições de suportar os tempos adversos sem prejuízo de seu consumo corrente e de seu emprego Para isso não é preciso forçar a criação de indús trias de capital Se o grau de desenvolvimento industrial destreza técnica e acumulação de poupança levar o país a isso espontaneamente sem dúvida será muito animadora essa comprovação de maturidade No entanto havendo muito campo disponível para aumentar a produtividade das atividades desti nadas ao consumo corrente não se compreende qual seria a razão econômica para seguir esse caminho Do ponto de vista do desenvolvimento econômico a elevação máxima do padrão de vida depende da produtividade e esta depende em grande parte de máquinas mais eficientes Por outro lado é também nos bens de consumo du ráveis que o progresso técnico vai oferecendo permanentemente novos produ tos ou novas modalidades que aumentem sua eficácia Assim parece conveni ente importar esses produtos na medida em que se possa fazêlo com exportações ou conforme o caso com investimentos estrangeiros no que diz respeito aos bens de capital dentro de um programa geral de desenvolvimento econômico 135 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Do ponto de vista anticíclico além disso as importações desses artigos oferecemnos um meio de fazer com que incidam exclusivamente sobre eles as conseqüências da oscilação das exportações Todas estas são considerações gerais que por seu próprio caráter não poderiam responder a casos particulares O fato de este ou aquele país empe nharse em implantar essas indústrias de bens duráveis na fase inicial de seu desenvolvimento industrial pode obedecer a razões especiais que seria preci so analisar criteriosamente Neste como em muitos outros casos vemonos com um conhecimento precário da estrutura econômica de nossos países sua forma cíclica de cresci mento e suas possibilidades Se conseguirmos realizar a investigação delas com imparcialidade científica e estimular a formação de economistas capazes de irem captando as novas manifestações da realidade prevendo seus problemas e colaborando na busca de soluções teremos prestado um serviço de impor tância incalculável para o desenvolvimento econômico da América Latina 136
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O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA AMÉRICA LATINA E ALGUNS DE SEUS PROBLEMAS PRINCIPAIS Raúl Prebisch Escrito em 1949 como introdução ao Estudio económico de la América Latina 1948 ECN 1289 e posteriormente publicado in CEPAL Boletín económico de América Latina vol VII n 1 Santiago do Chile 1962 Publicação da Organização das Nações Unidas n de venda 62IIGI 2 Issue Advocacy 101 Your Guide to 501c4 Community Benefit Organizations National Council of Nonprofits 2023 Edition wwwcouncilofnonprofitsorg This overview is designed for 501c4 organizations sometimes referred to as social welfare organizations For nonprofits with different tax statuses such as 501c3s charitable organizations or 501c6s trade and business associations some of the rules may be different This resource is not intended to serve as legal advice or a definitive legal guide but as a helpful summary of key concepts Always consult your own lawyer and tax advisor What is a 501c4 501c4 organizations are taxexempt nonprofit groups that operate to promote social welfare They must operate directly to further the common good and general welfare of the community and they may participate in politics and lobbying with fewer restrictions than 501c3 charitable organizations By comparison 501c3 groups focus on charitable religious educational and scientific purposes and are prohibited from political campaign intervention 501c6 groups are business leagues or trade associations Issue advocacy involves trying to influence public opinion legislation or policy on important issues What kinds of nonprofits are 501c4 organizations Typically 501c4 organizations are focused on public policy goals and issue advocacy for social welfare These organizations include community groups homeowner associations civic leagues and other social welfare organizations They must primarily promote social welfare and can engage in substantial lobbying activities Are 501c4 organizations taxexempt Yes 501c4 organizations are exempt from federal income tax on income related to their exempt purpose However contributions to 501c4 organizations are generally not taxdeductible as charitable donations for the donors What activities can 501c4 organizations engage in Advocacy for specific issues related to their mission Lobbying government officials and agencies Engaging in political campaign activities with fewer restrictions than 501c3 organizations Organizing events and public education on relevant social welfare issues What are the key differences between 501c3 and 501c4 organizations Tax Deductibility of Contributions 501c3 donations are generally taxdeductible 501c4 donations usually are not Political Activities 501c3s are restricted from political campaign involvement while 501c4s may engage in political lobbying and campaign activity within limits Lobbying 501c3s can lobby only as an insubstantial part of their activities 501c4s can lobby substantially What are some reporting requirements for 501c4 organizations 501c4 organizations must file IRS Form 990 annually providing information about their finances operations and governance They must accurately report lobbying expenditures and political activities Where can I find more resources For comprehensive guidance on nonprofit compliance and advocacy visit the National Council of Nonprofits website at wwwcouncilofnonprofitsorg Notes Consult your attorneys and accountants for specific advice tailored to your organizations activities and goals This guide is a general resource to help you understand some fundamentals of 501c4 issue advocacy I INTRODUÇÃO 1 Na América Latina a realidade vem destruindo o antigo esquema da divi são internacional do trabalho que depois de adquirir grande vigor no século XIX continuou prevalecendo em termos doutrinários até data muito recente Nesse esquema cabia à América Latina como parte da periferia do siste ma econômico mundial o papel específico de produzir alimentos e matérias primas para os grandes centros industriais Nele não havia espaço para a industrialização dos países novos A realida de no entanto vemna tornando impositiva Duas guerras mundiais no in tervalo de uma geração com uma profunda crise econômica entre elas de monstraram aos países da América Latina suas possibilidades ensinandolhes de maneira decisiva o caminho da atividade industrial A discussão doutrinária todavia está muito longe de haver terminado Em matéria de economia as ideologias costumam acompanhar os aconteci mentos com atraso ou então sobreviver a eles por demasiado tempo É certo que o raciocínio concernente aos benefícios econômicos da divisão interna cional do trabalho é de incontestável validade teórica Mas é comum esque cerse que ele se baseia numa premissa que é terminantemente desmentida pelos fatos Segundo essa premissa o fruto do progresso técnico tende a se distribuir de maneira equitativa por toda a coletividade seja através da queda dos preços seja através do aumento correspondente da renda Mediante o in tercâmbio internacional os países de produção primária conseguem sua par te desse fruto Sendo assim não precisam industrializarse Ao contrário sua 71 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL menor eficiencia os faria perderem irremediavelmente os benefícios clássicos do intercâmbio A falha dessa premissa consiste em ela atribuir um caráter geral àquilo que em si mesmo é muito circunscrito Se por coletividade entendese tão somente o conjunto dos grandes países industrializados é verdade que o fru to do progresso técnico distribuise gradativamente entre todos os grupos e classes sociais Todavia se o conceito de coletividade também é estendido à periferia da economia mundial essa generalização passa a carregar em si um grave erro Os imensos benefícios do desenvolvimento da produtividade não chegaram à periferia numa medida comparável àquela de que logrou desfru tar a população desses grandes países Daí as acentuadíssimas diferenças nos padrões de vida das massas destes e daquela assim como as notórias discre pâncias entre as suas respectivas forças de capitalização uma vez que a massa de poupança depende primordialmente do aumento da produtividade Existe portanto um desequilíbrio patente e seja qual for sua explicação ou a maneira de justificálo ele é um fato indubitável que destrói a premissa básica do esquema da divisão internacional do trabalho Daí a importância fundamental da industrialização dos novos países Ela não constitui um fim em si mas é o único meio de que estes dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o padrão de vida das massas 2 Por conseguinte os países da América Latina encontramse diante de um problema geral muito amplo para o qual converge uma série de problemas parciais a serem explicitados de antemão a fim de que se possa traçar sem demora o longo caminho de investigação e de ação prática que terá de ser percorrido se houver um firme propósito de resolvêlos Seria prematuro neste relatório inicial formularmos conclusões as quais teriam o valor duvidoso de qualquer improvisação É forçoso reconhecer que nos países latinoamericanos ainda há muito que fazer nessa matéria tanto em termos do conhecimento da realidade em si quanto de sua interpretação teórica correta Apesar de haver nesses países muitos problemas de natureza semelhante não se conseguiu sequer abordar em comum o exame e a elucidação deles Assim não é de estranhar que freqüentemente prevaleçam nos estudos que costumam ser publicados sobre a economia dos países da América Latina 72 TEXTOS SELECIONADOS o critério ou a experiência especial dos grandes centros da economia mundial No entanto caberia esperar deles soluções que nos dissessem respeito direta mente Assim é pertinente expor com clareza a situação dos países latino americanos a fim de que seus interesses aspirações e possibilidades ressalvadas desde já as diferenças e modalidades específicas se integrem adequadamente em fórmulas gerais de cooperação econômica internacional É muito ampla portanto a tarefa que se tem pela frente assim como é grande a responsabilidade assumida Para enfrentar uma e exercer metodica mente a outra seria preciso começar pela enunciação prévia dos problemas principais com uma perspectiva de conjunto expondo prontamente algumas reflexões gerais sugeridas pela experiência direta da vida econômica latino americana Tal é o propósito desta introdução 3 A industrialização da América Latina não é incompatível com o desenvol vimento eficaz da produção primária Pelo contrário uma das condições es senciais para que o desenvolvimento da indústria possa ir cumprindo o ob jetivo social de elevar o padrão de vida é que se disponha dos melhores equipamentos em termos de maquinaria e instrumentos e que se aproveite prontamente o progresso da técnica em sua renovação sistemática A mecani zação da agricultura implica a mesma exigência Necessitamos de uma im portação considerável de bens de capital e também precisamos exportar pro dutos primários para conseguila Quanto mais ativo for o comércio exterior da América Latina tanto maio res serão as possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho me diante uma intensa formação de capital A solução não está em crescer à custa do comércio exterior mas em saber extrair de um comércio exterior cada vez maior os elementos propulsores do desenvolvimento econômico Se esse raciocínio não fosse suficiente para nos convencer da estreita ligação entre o desenvolvimento econômico e o intercâmbio alguns fatos que vêm ocor rendo seriam suficientes para evidenciála A maioria dos países latinoamericanos aumentou intensamente sua atividade econômica encontrandose num nível de emprego relativamente alto se comparado com o anterior à guerra Esse nível ele vado de emprego também exige importações elevadas seja de artigos de consu mo tanto imediato quanto duradouro seja de matériasprimas e bens de capital E em muitos casos as exportações mostramse insuficientes para satisfazêlas 73 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Isso fica evidente quando se examinam as importações e outras parcelas do passivo a serem pagas em dólares Já existem casos notórios em alguns países de escassez dessa moeda apesar de os dólares fornecidos ao resto do mundo pelos Estados Unidos quando da feitura de suas próprias importações haverem alcançado um volume elevado É que o coeficiente dessas importações em relação à renda nacional dos Estados Unidos pas sou a ser ínfimo não ultrapassando 3 ao cabo de uma queda persisten te Assim não é de estranhar que apesar do alto nível da renda nacional daquele país os recursos em dólares que ele fornece aos países da América Latina pareçam insuficientes para cobrir as importações requeridas por seu intenso desenvolvimento É claro que à medida que a economia européia se restabelecer será pos sível aumentar proveitosamente o intercâmbio com ela De lá no entanto não sairão mais dólares para a América Latina a menos que os Estados Uni dos aumentem seu coeficiente de importações de artigos europeus Nisso reside portanto o fator principal do problema Não sendo aumen tado o referido coeficiente é óbvio que a América Latina se veria forçada a desviar suas aquisições dos Estados Unidos para os países que fornecessem divisas para pagálas Essa é uma solução muito precária sem dúvida pois com freqüência significa que ela tem de optar por importações mais caras ou inadequadas para suas necessidades Seria lamentável tornar a cair em práticas dessa natureza quando talvez fosse possível conseguir uma solução fundamental As vezes costumase pen sar que dado o enorme potencial produtivo dos Estados Unidos é uma ilu são supor que esse país possa aumentar seu coeficiente de importações para dar ao mundo essa solução fundamental Tal conclusão porém não se justi fica sem uma análise prévia das causas que levaram os Estados Unidos a redu zirem persistentemente sua quota de importações Essas causas atuam num campo propício quando existe desemprego Na inexistência dele porém se ria viável a possibilidade de superálas Daí se compreende a transcendência que tem para a América Latina assim como para o mundo inteiro que o governo dos Estados Unidos possa cumprir seu objetivo de manter um nível de emprego elevado 74 TEXTOS SELECIONADOS 4 Ninguém discute que o desenvolvimento econômico de certos países da Amé rica Latina e sua rápida assimilação da técnica moderna em tudo o que lhes possa ser proveitoso dependem em alto grau dos investimentos estrangeiros Esse pro blema não é nada simples por todas as implicações que contém Entre seus fato res negativos convém relembrar antes de mais nada o descumprimento dos ser viços financeiros durante a grande depressão dos anos 1930 É opinião geral que isso não deve repetirse Encontramos aí a mesma raiz do problema anterior Os serviços financeiros dessas inversões de capital quando não se efetuam outras para compensálos têm que ser pagos com exportações na mesma moeda e quando estas não crescem correlativamente surge no correr do tempo o mesmo tipo de dificuldades sobretudo quando as exportações sofrem uma queda violenta como sucedeu naquela época Por isso e enquanto não se chega à referida solução fun damental cabe indagar se não seria prudente orientar os investimentos para apli cações produtivas que ao reduzirem direta ou indiretamente as importações em dólares permitam atender regularmente aos serviços financeiros 5 Em tudo isso há que nos precavermos contra as generalizações dogmáticas Supor que o cumprimento dos pagamentos externos e o bom funcionamento monetário dependem meramente da decisão de adotar certas regras do jogo acarreta um erro de graves conseqüências Ainda nas épocas em que o padrão ouro funcionava regularmente nos grandes centros os países da periferia lati noamericana depararam com enormes dificuldades de mantêlo e muitas vezes suas vicissitudes monetárias provocaram o anátema exterior Experiên cias posteriores em países importantes ensinaram a perceber melhor certos aspectos da realidade A GrãBretanha entre as duas guerras teve contratem pos algo semelhantes aos que ocorreram e continuam a ocorrer em nossos países historicamente refratários à rigidez do padrão ouro Isso contribui sem dúvida para uma compreensão melhor dos fenômenos da periferia O padrão ouro deixou de funcionar como antes e o manejo da moeda tornouse ainda mais complexo na periferia Poderiam todas essas complexida des ser dominadas através da firme aplicação da doutrina acertada Mas a doutrina acertada para esses países ainda se encontra numa fase primitiva de formação Temos aí um outro problema transcendental aproveitar a experiência particular e geral a fim de ir elaborando fórmulas mediante as quais a ação monetária possa integrarse sem antagonismos nem contradições numa po lítica de desenvolvimento econômico intenso e regular 75 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 6 Nem por isso se deve interpretar que os ensinamentos tradicionais são des providos de valor Se eles não oferecem normas positivas pelo menos indi cam o que pode ser feito sem comprometer a estabilidade da moeda Os ex tremos a que chegou a inflação na América Latina demonstram que a política monetária não se inspirou nesses ensinamentos mais ou menos de um modo geral alguns países importantes da América Latina aumentaram mais inten samente sua moeda circulante do que os países obrigados a cobrir enormes gastos de guerra Esse é outro dos aspectos do problema da escassez de dólares É fato como se tem afirmado que o nível elevado de emprego aumenta as importações Mas não é menos verdadeiro que o crescimento excessivo da moeda circulante em muitos casos acentuou indevidamente a pressão sobre a balança de paga mentos fazendo com que as divisas fossem empregadas em formas que nem sempre atendem às exigências genuínas do desenvolvimento econômico Esses fatos terão que ser considerados no exame objetivo das conseqüên cias do aumento inflacionário no processo de capitalização Não se pode des conhecer no entanto que na maior parte dos países latinoamericanos a poupança espontânea é insuficiente para cobrir suas necessidades mais pre mentes de capital É claro entretanto que a expansão monetária não tem a virtude de aumentar as divisas necessárias para importar bens de capital Seu efeito é de uma mera redistribuição da renda Resta pois averiguarmos se isso conduziu a uma formação de capital mais ativa 7 Esse ponto é de importância decisiva A elevação do padrão de vida das massas depende em última instância de uma expressiva quantidade de capi tal por trabalhador empregado na indústria nos transportes e na produção primária e da capacidade de bem administrálo Por conseguinte é necessário realizar uma enorme acumulação de capi tal Entre os países da América Latina já existem alguns que demonstraram sua capacidade de poupança a ponto de haverem conseguido efetuar por esforço próprio uma grande parte de seus investimentos industriais Entre tanto mesmo nesse caso que não é geral a formação de capital tem que lutar contra uma tendência muito acentuada a certas modalidades de con sumo que muitas vezes se mostram incompatíveis com um grau elevado de capitalização 76 TEXTOS SELECIONADOS 8 Naturalmente para formar o capital necessário à industrialização e ao pro gresso técnico da agricultura não parece indispensável refrear o consumo das grandes massas que em geral é extremamente baixo Além da poupança atual seria possível que investimentos estrangeiros bem encaminhados contribuís sem para o aumento imediato da produtividade por trabalhador Assim atin gida essa melhora inicial uma parte importante do aumento da produção serviria para a formação de capitais em vez de se destinar a um consumo pre maturo Mas como obter aumentos de produtividade de magnitude suficiente A experiência dos últimos anos é instrutiva O crescimento do emprego reque rido pelo desenvolvimento industrial pôde efetuarse embora não na totali dade dos casos com a utilização de pessoas que o progresso da técnica vinha desalojando da produção primária e de outras atividades especialmente de certos tipos de trabalhos e serviços pessoais de remuneração relativamente baixa e mediante a utilização do trabalho feminino O emprego industrial das pes soas desempregadas ou mal empregadas significou portanto uma melhoria da produtividade que se traduziu num aumento líquido da renda nacional nos casos em que não houve fatores de outra natureza que provocassem uma queda geral da eficácia produtiva Com as grandes possibilidades de progresso técnico na produção primá ria mesmo em países em que ela já é grande e com o aperfeiçoamento das indústrias existentes o incremento líquido da renda nacional poderia ir ofe recendo uma margem de poupança cada vez maior Mas tudo isso e na medida em que se queira reduzir a necessidade dos investimentos externos pressupõe um esforço inicial de capitalização que em geral não se compatibiliza com o tipo de consumo de alguns setores da cole tividade nem com a alta proporção da renda nacional que é absorvida em diversos países por certos tipos de despesas fiscais que não aumentam nem direta nem indiretamente a produtividade nacional Essa no final das contas é uma manifestação do conflito latente entre o propósito de assimilar às pressas certos estilos de vida que os países de técnica mais avançada foram alcançando progressivamente graças ao aumento de sua produtividade e as exigências de uma capitalização sem a qual não nos será possível conseguir um aumento semelhante 77 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 9 Justamente porque o capital é escasso e porque sua necessidade é mui to grande seria preciso restringir sua aplicação a um critério de rigorosa eficácia o qual não tem sido fácil de adotar dadas as circunstâncias em que muitas indústrias se desenvolveram para enfrentar situações de emer gência Mas esse processo não avançou a tal ponto que já seja tarde de mais para corrigir alguns desvios nem impossível acima de tudo evitá los no futuro Quanto a esse aspecto é necessário definir com precisão o objetivo que se persegue através da industrialização Quando ela é considerada como o meio para atingir um ideal de autosuficiência no qual as considerações econômi cas passam para segundo plano qualquer indústria que substitua as importa ções tornase admissível Se o objetivo no entanto é aumentar aquilo que com acerto se denominou de bemestar mensurável das massas é preciso ter em mente os limites além dos quais uma industrialização maior poderia sig nificar uma quebra da produtividade Em épocas passadas antes da grande depressão os países da América Latina cresceram ao serem impulsionados de fora para dentro pelo cresci mento persistente das exportações Nada nos autoriza a supor pelo menos por enquanto que esse fenômeno venha a se repetir com intensidade análo ga a não ser em casos muito particulares Já não existe a alternativa entre continuar crescendo dessa maneira vigorosamente ou crescer para dentro através da industrialização Esta última passou a ser o modo principal de crescimento Mas isso não significa que a exportação primária tenha que ser sacrificada para favorecer o desenvolvimento industrial não apenas por que ela nos fornece as divisas para arcarmos com as importações necessá rias ao desenvolvimento econômico mas também porque no valor das exportações costuma entrar numa proporção elevada a renda da terra que não implica nenhum custo coletivo Se através do progresso técnico con seguirmos aumentar a eficácia produtiva por um lado e se a industriali zação e uma legislação social adequada forem elevando o nível do salário real por outro será possível irmos corrigindo gradativamente o desequilíbrio da renda entre os centros e a periferia sem prejuízo dessa atividade econômica essencial 78 TEXTOS SELECIONADOS 10 Nisso se encontra um dos limites da industrialização que convém considerar mos atentamente ao traçarmos os planos de desenvolvimento Outro desses limites é dado pelas considerações relativas à dimensão ótima das empresas industriais Nos países da América Latina de um modo geral vemse procu rando desenvolver do lado de cá da fronteira as mesmas indústrias existentes do lado de lá Isso tende a diminuir a eficiência produtiva e conspira contra a consecução do objetivo social buscado Tratase de uma falha muito grave que o século XIX soube atenuar em muito Quando a GrãBretanha demonstrou através dos fatos os benefícios da indústria outros países a seguiram Mas o desenvolvimento industrial estimulado por uma concorrência ativa realizou se em favor de certas formas características de especialização que fortaleceram um intercâmbio proveitoso entre os diferentes países A especialização favore ceu o progresso técnico e este permitiu distribuir receitas crescentes Ao con trário do que ocorre quando se trata dos países industrializados frente aos países de produção primária obtiveramse os clássicos benefícios da divisão do traba lho da divisão do trabalho entre países iguais ou quase iguais A possibilidade de que se venha a inutilizar uma parte importante do fru to do progresso técnico em função de um fracionamento excessivo dos mer cados é portanto outro dos limites do desenvolvimento industrial de nossos países Contudo longe de ser intransponível ele é do tipo que uma política esclarecida de interdependência econômica seria capaz de eliminar com grande benefício mútuo 11 Se tendo objetivos sociais em mente a questão é elevar ao máximo a renda real não podem faltar considerações anticíclicas num programa de de senvolvimento econômico A propagação das flutuações cíclicas dos grandes centros para a periferia latinoamericana implica perdas consideráveis de re ceita Se fosse possível evitar essas perdas o problema da formação de capital se tornaria menos difícil Já houve alguns ensaios de política anticíclica mas é preciso reconhecer que ainda estamos nos primórdios do esclarecimento desse assunto E mais a debilitação que vem ocorrendo nas reservas de metal de vários países significa que a eventualidade de uma contração de origem exter na não só irá surpreendêlos sem nenhum projeto de defesa como também os apanhará sem os recursos próprios necessários para facilitar as medidas re comendadas pelas circunstâncias 79 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Expostos nesta primeira parte os esboços dos problemas principais as seções seguintes discorrerão sobre alguns de seus aspectos mais destacados que não poderiam ser omitidos tanto por sua importância intrínseca quanto pela necessidade de darmos início a sua investigação sistemática1 II OS BENEFÍCIOS DO PROGRESSO TÉCNICO E OS PAÍSES DA PERIFERIA 1 Na seção anterior afirmouse que os benefícios do progresso técnico con centraramse principalmente nos centros industrializados sem serem trans postos para os países que compõem a periferia do sistema econômico mundial É claro que o aumento da produtividade nos países industrializados estimu lou a demanda de produtos primários e desse modo representou um elemento dinâmico importantíssimo no crescimento da América Latina Mas isso cons titui um assunto diferente do que se pretende considerar a seguir Em geral o progresso técnico parece ter sido mais acentuado na indústria do que na produção primária dos países da periferia como se destaca num recente relatório sobre as relações de preços2 Por conseguinte se os preços houvessem caído em consonância com o aumento da produtividade a queda São bem conhecidas as dificuldades que se opõem a uma tarera dessa natureza na América Latina Talvez a principal delas seja o número exíguo de economistas capazes de penetrar com um discernimento ori ginal nos fenômenos concretos latinoamericanos Por uma série de razões não se consegue suprir a carência deles com a formação metódica de um número adequado de jovens de alta qualificação intelec tual Enviálos às grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos já representa um progresso considerável mas não o suficiente pois uma das falhas mais visíveis de que padece a teoria econômica geral contemplada a partir da periferia é seu falso sentido de universalidade Dificilmente se poderia pretender na verdade que os economistas dos grandes países empenhados em gravíssimos problemas próprios viessem a dedicar sua atenção preferencialmente ao estudo dos nos sos Compete primordialmente aos próprios economistas latinoamericanos o conhecimento da realida de econômica da América Latina Somente se viermos a explicála racionalmente e com objetividade cien tifica é que será possível obtermos fórmulas eficazes de ação prática Nem por isso se deve entender todavia que esse propósito seja movido por um particularismo excludente Pelo contrário só será possível realizálo mediante um sólido conhecimento das teorias ela boradas nos grandes países com sua grande profusão de verdades comuns Não se deve confundir o conhecimento ponderado do que é do outro com uma submissão mental às idéias alheias submissão esta de que estamos muito lentamente aprendendo a nos livrar Nações Unidas Conselho Econômico e Social Postwar Price Relations in Trade Between Underdeveloped and Industrialized Countries ECNlSub335 fevereiro de 1949 80 TEXTOS SELECIONADOS teria tido que ser menor nos produtos primários do que nos industrializados de modo que a relação de preços entre ambos teria melhorado persistente mente em favor dos países da periferia à medida que se desenvolvesse a disparidade das produtividades Se houvesse ocorrido esse fenômeno teria tido um profundo significa do Os países periféricos teriam aproveitado com a mesma intensidade que os países centrais a baixa dos preços dos produtos finais da indústria Desse modo os frutos do progresso técnico terseiam distribuído equitativamen te no mundo inteiro segundo o pressuposto implícito no esquema da divi são internacional do trabalho e a América Latina não teria nenhum benefí cio econômico em sua industrialização Antes haveria uma perda efetiva enquanto não se alcançasse uma eficiência produtiva igual à dos países in dustrializados TABELAI RELAÇÃO ENTRE OS PREÇOS DOS PRODUTOS PRIMÁRIOS E DOS ARTIGOS FINAIS DA INDÚSTRIA PREÇOS MÉDIOS DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO RESPECTIVAMENTE DE ACORDO COM OS DADOS DA CÂMARA DE COMÉRCIO Base 18761880 100 Período Quantidade de produtos finais da indústria que podem ser obtidos com determinada quantidade de produtos primários 187680 188185 188690 189195 18961900 190105 190610 191113 1000 1024 963 901 871 846 858 858 192125 192630 193135 193638 673 733 620 641 194647 687 Fonte Organização das Nações Unidas Postwar Price Relations in Trade Between Underdevelopment and Industrialized Countries Documento ECN1Sub3W5 81 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Os dados da realidade não justificam esse pressuposto Como podemos perceber pelos índices da Tabela 1 desde os anos 1870 até antes da Segunda Guerra Mundial a relação de preços moveuse constantemente contra a produção primária É lamentável que os índices de preços não reflitam as variações de qualidade ocorridas nos produtos finais Por isso não foi possí vel leválas em conta nestas considerações Nos anos 1930 só era possível comprar 63 dos produtos finais da indústria adquiríveis nos anos 1860 com a mesma quantidade de produtos primários ou seja necessitavase em média de 586 mais produtos primários para comprar a mesma quanti dade de artigos finais da indústria3 A relação de preços portanto moveu se de forma adversa à periferia ao contrário do que teria acontecido se os preços houvessem declinado de acordo com a redução de custos provocada pelo aumento da produtividade Durante o auge da última guerra como em todo auge cíclico a relação moveuse a favor dos produtos primários Mas sem que haja ocorrido ne nhuma contração já se vem operando o reajuste típico graças ao qual os pre ços primários vão perdendo a vantagem anteriormente adquirida Assinalar essa disparidade de preços não implica formar um juízo sobre sua significação a partir de outros pontos de vista Com efeito no tocante à justiça poderseia argumentar que os países que se esforçaram por conse guir um alto grau de eficiência técnica não tinham porque dividir seus fru tos com o resto do mundo Se o tivessem feito não se haveria concentrado neles a enorme capacidade de poupança de que eles dispõem cabe indagar se sem isso o progresso técnico teria avançado no ritmo tão intenso que caracterizou o desenvolvimento capitalista Seja como for aí está essa técni ca produtiva à disposição de quem tiver a aptidão e a perseverança para assimilála e aumentar a produtividade do próprio trabalho Mas tudo isso fica fora da presente introdução O objetivo aqui buscado é sublinhar um fato ao qual a despeito de suas projeções consideráveis não se costuma dar a importância que lhe cabe quando se distingue o significado da industria lização nos países periféricos Segundo o relatório citado As cifras referentes aos anos 1930 chegam somente até 1938 inclusive Os dados apresentados são os Indices médios de preços da Câmara de Comércio para as importações e ex portações britânicas representativas dos preços mundiais dos produtos primários e manufaturados res pectivamente 82 TEXTOS SELECIONADOS 2 Um raciocínio simples sobre o fenômeno que comentamos permitenos formular as seguintes considerações Primeiro Os preços não baixaram de acordo com o progresso técnico pois enquanto por um lado o custo tendeu a baixar em virtude do aumento da produtividade por outro elevouse a renda dos empresários e dos fatores produtivos Nos casos em que a elevação da renda foi mais intensa que a da produtividade os preços subiram em vez de diminuir Segundo Se o crescimento da renda nos centros industrializados e na pe riferia tivesse sido proporcional ao aumento das respectivas produtividades a relação de preços entre os produtos primários e os produtos finais da indústria não teria sido diferente da que existiria se os preços houvessem baixado estrita mente de acordo com a produtividade dada a maior produtividade da in dústria a relação de preços terseia deslocado em favor dos produtos primários Terceiro Uma vez que na realidade como se verificou a relação se des locou num sentido desfavorável aos produtos primários entre os anos 1870 e os anos 1930 é evidente que a renda dos empresários e dos fatores produti vos nos centros industriais cresceu mais do que o aumento da produtivida de e na periferia menos do que seu aumento correspondente Em outras palavras enquanto os centros preservaram integralmente o fruto do progresso técnico de sua indústria os países periféricos transferiram para eles uma parte do fruto do seu próprio progresso técnico4 Vejamos o que diz a esse respeito o relatório citado nas pp 115 e 116 Uma piora da relação de intercâmbio a longo prazo tal como a que afetou os produtores primários durante um período prolongado pode ser efeito das diferenças no ritmo de aumento da produtividade na produção de artigos primários e manufaturados respectivamente Se pudéssemos supor que a piora para os países de produção primária reflete mais depressa o aumento da produtividade dos produtos primários que dos manufaturados o efeito da piora na relação de intercâmbio seria menos grave natu ralmente Significaria apenas que na medida em que os produtos primários são exportados os efeitos do aumento da produtividade são transferidos para os compradores de produtos primários nos países mais industrializados Mesmo quando há uma falta quase completa de dados estatísticos sobre os diferentes ritmos de aumento da produtividade na produção primária e na indústria manufatureira essa explicação das variações a longo prazo nas relações de intercâmbio pode ser descartada Não há dúvida de que a produtividade aumentou mais depressa nos países industrializados que nos de produção primária Isso pode ser comprovado pela elevação mais acentuada do padrão de vida durante o longo período decorri do desde 1870 Portanto as variações observadas na relação de intercâmbio não significam que a maior produtividade da produção primária tenha sido transferida para os países industrializados ao contrário significa que os países menos desenvolvidos através dos preços que pagaram pelos produtos manufatu rados em relação àqueles que obtiveram para seus próprios produtos sustentaram padrões de vida cres centes nos países industrializados mas sem receberem em troca disso no preço de seus próprios produ tos uma contribuição equivalente para seu próprio padrão de vida 83 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 3 Antes de explicarmos a razio de ser desse fenômeno que tem enorme importância para a América Latina convém examinar como são transferidos os efeitos do aumento de produtividade Com esse propósito a Tabela 2 apresenta um exemplo ilustrativo no qual se presume que os índices de produtividade por trabalhador foram maiores na indústria do que na produção primária Para simplificar o exem plo considerouse que esta e aquela intervêm em igual medida no produto final TABELA 2 EXEMPLO DA FORMA COMO SE DISTRIBUI O FRUTO DO PROGRESSO TÉCNICO ENTRE O CENTRO E A PERIFERIA Produção Produção Produção Relações primária industrial total 1 2 3 13x100 23x100 Planejamento A produtividade aumenta de acordo com os seguintes índices 100 100 100 120 160 140 Primeiro caso Os custos diminuem de acordo com a produtividade e os preços de acordo com os custos sem aumentar a renda 100 100b 100 100 100 833 625b 714 1167 875 Segundo caso Os custos diminuem como no caso anterior mas a renda se eleva da seguinte forma 100 100 100 100 100 120 180 150 80 120 Preços resultantes depois dos aumentos da renda 100 100b 100 100 100 999 1125b 1074 933 105 Cifras correspondences ao produto final bParce do preço correspondente ao valor agregado na produção industrial 84 TEXTOS SELECIONADOS Num primeiro caso supõese que ao aumentar a produtividade de 100 para 120 na agricultura e de 100 para 160 na indústria a renda dos empresá rios e dos fatores produtivos não sobe e os custos é que são reduzidos Quan do os preços baixam de acordo com os custos a redução dos preços primários vem a ser menor do que nos industriais conforme assinalam os índices cor respondentes E por conseguinte a relação entre ambos deslocase em favor dos produtos primários ou seja de 100 para 1167 Essa é precisamente a relação que teria permitido que os produtores pri mários participassem com a mesma intensidade que os produtores industriais do incremento da produção final De fato se a produtividade primária au menta de 100 para 120 e se com 100 de produtos primários agora se pode comprar como acabamos de ver 1167 de produtos finais da indústria isso quer dizer que os produtores primários podem agora adquirir 140 desses pro dutos em vez dos 100 de antes ou seja obtêm um aumento da mesma inten sidade que o ocorrido na produção final aumento este que evidentemente também é obtido pelos produtores industriais Esses resultados alteramse sensivelmente quando as receitas variam no segundo caso Suponhamos que na indústria a elevação da renda seja maior que o aumento da produtividade e que na produção primária ambos sejam iguais Como resultado a relação de preços deslocase desfavoravelmente à produção primária passando de 100 para 933 de maneira que os produtores primários a despeito de seu aumento de produtividade de 100 para 120 só podem adquirir 1120 de produtos finais em contraste com os 100 anterio res Inversamente um cálculo semelhante permite demonstrar que os produ tores industriais podem agora adquirir 168 de produtos finais comparados aos 100 que adquiriam antes Observese que enquanto os produtores primários conseguem aumentar suas aquisições de produtos finais menos intensamente do que aumentou sua produtividade os produtores finais beneficiamse mais do que corresponderia ao aumento da sua Se em vez de supormos que a renda da produção primária subiu parale lamente a sua produtividade houvéssemos suposto uma alta inferior a rela ção de preços é lógico pioraria ainda mais em prejuízo daquela A piora de 365 na relação de preços entre os anos 1870 e os anos 1930 sugere a possibilidade de que tenha ocorrido um fenômeno desse tipo 85 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 4 Em síntese se apesar do maior progresso técnico na indústria do que na produção primária a relação de preços piorou para esta última em vez de melhorar dirseia que a renda média por trabalhador aumentou mais inten samente nos centros industrializados do que nos países produtores da periferia Seria impossível compreender a razão desse fenômeno sem relacionálo com o movimento cíclico da economia e com a forma como ele se manifesta nos centros e na periferia porque o ciclo é a forma característica de cresci mento da economia capitalista e o aumento da produtividade é um dos fato res primordiais do crescimento No processo cíclico há uma disparidade contínua entre a demanda e a oferta globais de artigos de consumo produzidos nos centros cíclicos Na fase ascendente a demanda ultrapassa a oferta e na descendente ocorre o inverso O volume e as variações do lucro estão intimamente ligados a essa disparidade O lucro aumenta na fase ascendente e com isso tende a corrigir o excesso de demanda através da alta dos preços e diminui na descendente com isso tendendo a corrigir o excesso de oferta pela baixa dos preços O lucro é transferido dos empresários do centro para os produtores pri mários da periferia mediante a alta dos preços Quanto maiores são a concor rência e o tempo necessário para aumentar a produção primária em relação ao tempo das outras etapas do processo produtivo e quanto menores são os estoques acumulados tanto maior é a proporção do lucro que vai sendo trans ferido para a periferia Daí uma ocorrência típica no curso da fase cíclica as cendente os preços primários tendem a subir mais acentuadamente do que os preços finais em virtude da grande parcela de lucros que é transferida para a periferia Se é assim como explicar que no correr do tempo e através dos séculos a renda do centro tenha crescido mais do que na periferia Não há contradição alguma entre esses dois fenômenos Os preços pri mários sobem com mais rapidez do que os finais na fase ascendente mas tam bém descem mais do que estes na fase descendente de tal forma que os preços finais vãose distanciando progressivamente dos primários através dos ciclos Vejamos agora as razões que explicam essa desigualdade no movimento cíclico dos preços Vimos que o lucro se amplia na fase ascendente e se con trai na descendente tendendo a corrigir a disparidade entre a oferta e a de manda Se o lucro pudesse contrairse da mesma forma que se dilatou não 86 TEXTOS SELECIONADOS haveria razão alguma para que ocorresse esse movimento desigual Ele ocorre precisamente porque a contração não se dá dessa maneira A razão é muito simples Durante a fase ascendente uma parte dos lucros vaise transformando em aumento de salários em virtude da concorrência dos empresários entre si e da pressão exercida em todos eles pelas organizações trabalhistas Quando na fase descendente o lucro tem que se contrair a par te que se transformou nos citados aumentos perde sua liquidez no centro em virtude da conhecida resistência à queda dos salários A pressão deslocase então para a periferia com força maior do que a naturalmente exercível pelo fato de não serem rígidos os salários ou os lucros no centro em virtude das limi tações da concorrência Assim quanto menos a renda pode contrairse no centro mais ela tem que fazêlo na periferia A desorganização característica das massas trabalhadoras na produção pri mária especialmente na agricultura dos países da periferia impedeas de con seguirem aumentos salariais comparáveis com os que vigoram nos países in dustrializados ou de mantêlos com amplitude similar A contração da renda seja ela sob a forma de lucros ou salários portanto é menos difícil na periferia Seja como for mesmo que se conceba na periferia uma rigidez parecida com a do centro isso teria como efeito aumentar a intensidade da pressão deste sobre aquela É que não havendo uma contração do lucro periférico na medida necessária para corrigir a disparidade entre a oferta e a demanda nos centros cíclicos continua a haver nestes últimos uma acumulação dos esto ques de mercadorias e uma contração da produção industrial c por conse guinte da demanda de produtos primários E essa diminuição da demanda acaba sendo tão acentuada quanto for preciso para obter a contração necessá ria da renda no setor primário O reajuste forçado dos custos da produção primária durante a crise mundial dános um exemplo da intensidade que esse fenômeno pode adquirir Nos centros cíclicos a maior capacidade que têm as massas de conseguir aumentos salariais na fase ascendente e de defender seu padrão de vida na descendente bem como a capacidade que têm esses centros pelo papel que desempenham no processo produtivo de deslocar a pressão cíclica para a pe riferia obrigandoa a contrair sua renda mais acentuadamente do que nos centros explicam por que a renda destes últimos tende sistematicamente a 87 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL subir com mais intensidade do que nos países da periferia como fica patenteado pela experiência da América Latina Nisso está a chave do fenômeno pelo qual os grandes centros industriais não apenas preservam para si o fruto da aplicação das inovações técnicas a sua própria economia como também ficam numa posição favorável para captar uma parte do fruto que surge no progresso técnico da periferia III A AMÉRICA LATINA E A ALTA PRODUTIVIDADE DOS ESTADOS UNIDOS 1 Os Estados Unidos são hoje o principal centro cíclico do mundo como o foi no passado a GrãBretanha Sua influência econômica nos outros pa íses é evidente E nessa influência o enorme desenvolvimento da produti vidade daquele país desempenhou um papel importantíssimo Afetou in tensamente o comércio exterior e através de suas variações o ritmo de crescimento econômico do resto do mundo bem como a distribuição in ternacional do ouro Os países da América Latina com um alto coeficiente de comércio exte rior são extremamente sensíveis a essas repercussões econômicas E justificá vel portanto examinarmos as projeções desse fenômeno e os problemas que elas trazem consigo 2 Que os preços não baixaram de acordo com o aumento da produtividade nos Estados Unidos é um fato conhecido ao qual as investigações recentes de S Fabricant deram uma expressão precisa No período abrangido por essas investigações ou seja as quatro décadas anteriores à Segunda Guerra Mun dial os custos da produção manufatureira caíram num ritmo regular e persis tente A movimentação dos preços não tem nada em comum com esse ritmo A produtividade crescente não influiu neles e sim na renda Os salários subi ram à medida que baixava o custo real Mas nem todas as melhorias da pro dutividade manifestaramse neles pois uma parte apreciável refletiuse na diminuição da jornada de trabalho 88 TEXTOS SELECIONADOS O aumento da renda provocado pela maior produtividade estendese mais cedo ou mais tarde a toda a atividade econômica por um conhecido proces so que não vem ao caso recordarmos As atividades em que o progresso técni co foi insignificante ou não existiu como certos tipos de serviços também aumentaram sua renda em virtude desse processo Em alguns grupos sociais o aumento ocorreu com grande lentidão enquanto isso o restante da coleti vidade passou a desfrutar de benefícios que à medida que se foi produzindo o ajuste necessário tiveram que ser cedidos àqueles grupos Mas os novos aumentos da produtividade foram compensando em geral amplamente o que ia sendo transferido para os grupos atrasados Não haveria razão para nos determos em assinalar esse fato se ele não desse um exemplo bastante ilustrativo do tipo de ajuste que a progressiva industriali zação da América Latina irá necessariamente provocar A industrialização ao aumentar a produtividade fará subirem os salários e encarecerá relativamente o preço dos produtos primários Desse modo ao elevar sua renda a produção primária irá captando gradativamente a parte do fruto do progresso técnico que lhe teria competido pela baixa dos preços Como no caso dos grupos sociais atrasados é claro que esse ajuste significará uma perda de renda real nos setores industriais perda esta que será tão menor quanto menor for seu coeficiente de importações no final das contas entretanto essa perda poderia ser generosa mente compensada pelo fruto de sucessivas inovações técnicas 3 Já foi dito noutro lugar que uma vez que os preços não acompanham a produtividade a industrialização é o único meio de que dispõem os países da América Latina para aproveitar amplamente as vantagens do progresso técnico Naturalmente a teoria clássica havia encontrado uma outra solução Se os benefícios da técnica não se propagassem através dos preços eles se ampliariam igualmente por meio da elevação da renda Acabamos de constatar que foi exa tamente isso que aconteceu nos Estados Unidos assim como nos outros gran des centros industriais Mas o mesmo não sucedeu no resto do mundo Para isso teria sido essencial que existisse no mundo inteiro a mesma mobilidade dos fatores produtivos que se verificou no vasto campo da economia interna daquele país Essa mobilidade é um dos pressupostos essenciais da citada te oria Na realidade porém surgiu uma série de obstáculos ao deslocamento fácil dos fatores produtivos Sem dúvida os salários dos Estados Unidos tão 89 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL elevados em relação ao resto do mundo teriam atraído grandes massas huma nas para aquela nação as quais teriam exercido uma influência muito desfa vorável nesses salários tendendo a reduzir a diferença que os separa dos do resto do mundo Esse teria sido o efeito da aplicação de uma das regras essenciais do jogo clássico reduzir sensivelmente o padrão de vida da população dos Estados Unidos em comparação com os níveis efetivamente alcançados Basta a enunciação desse fato para compreendermos que a proteção desse padrão de vida alcançado através de muito esforço tinha que prevalecer so bre as pretensas virtudes de um conceito acadêmico Mas as regras clássicas do jogo compõem um todo indivisível E não é logicamente concebível que eliminada uma delas as outras possam servir para extrair normas absolutas que regulem as relações entre os centros e os países periféricos 4 Esse ponto é ainda mais digno de reflexão na medida em que o próprio pro gresso técnico dos Estados Unidos tão superior ao do resto do mundo teve como conseqüência um outro desvio muito importante das referidas regras Como já se disse os Estados Unidos chegaram a um coeficiente baixíssimo de importações não superior a 3 No ano de 1929 ele era de 5 A queda não é um fenômeno novo mas de longa data Nos últimos cem anos a renda nacional aumentou cerca de duas vezes e meia mais do que as importações O progresso técnico é um dos fatores que mais contribuem para explicar esse fenômeno Ainda que isso pareça paradoxal o aumento da produtivida de contribuiu para que aquele país prosseguisse em sua política protecionista e a acentuasse depois de atingir a etapa da maturidade econômica A explica ção é simples O progresso técnico numa determinada época não produz um efeito igual em todas as indústrias Contudo ao estender às indústrias de menor progresso os salários aumentados provocados pela grande produtividade das indústrias avançadas as primeiras perdem sua posição favorável para compe tir com as indústrias estrangeiras que pagam salários menores Se lembrar mos que hoje em dia os salários nos Estados Unidos são duas a duas vezes e meia maiores do que na GrãBretanha teremos uma idéia do significado des se fator Assim as atividades mais eficientes do que as externas porém de menor produtividade do que o nível médio do próprio país precisaram de proteção Por exemplo apesar do grande aperfeiçoamento da técnica agrícola foi preciso 90 TEXTOS SELECIONADOS proteger a agricultura para defender alguns de seus setores que eram impor tantes em razão de sua renda relativamente alta se comparada à dos concor rentes estrangeiros A Inglaterra seguiu uma política diametralmente oposta quando lhe com petiu funcionar como centro propulsor em épocas anteriores Mas não se pode afirmar que tornaria a fazêlo e a desarticular sua economia caso voltasse a percorrer o mesmo caminho histórico Os Estados Unidos constituem uma unidade econômica poderosa e bem integrada e em parte devem isso a sua política deliberada cuja transcendência portanto estamos muito longe de desconhecer Mas tampouco se pode ignorar que para o resto do mundo isso trouxe condições incompatíveis com o funcionamento da economia interna cional tal como esta existia antes da Primeira Guerra Mundial quando o centro britânico ditava as regras do jogo na moeda e no comércio exterior 5 Foi nessas novas condições de fato da economia internacional que come çou a se desenvolver o processo de industrialização da América Latina O pro blema fundamental está na adaptação a essas condições na medida em que elas não possam ser transformadas procurando encontrar novas regras que sejam compatíveis com a nova realidade Enquanto isso não ocorrer continuará a prevalecer com ligeiras inter mitencias se quisermos uma tendência pertinaz para o desequilíbrio A razão dela encontrase no seguinte fato enquanto nos Estados Unidos como já vimos vem diminuindo a quota de importações nos países da América Latina tende a elevarse a quota de importações em dólares ficando eles obrigados por essa alta a tomar medidas defensivas a fim de atenuar seus efeitos Os motivos são diversos Primeiro Justamente pelo fato de o progresso técnico ser maior nos Esta dos Unidos do que em qualquer outro lugar a demanda de bens de capital que a industrialização traz consigo procura ser atendida preferencialmente nesse país Segundo O desenvolvimento técnico manifestase continuamente em novos produtos os quais ao modificarem os estilos de vida da população adquirem o caráter de novas necessidades de novas formas de gastar a receita da América Latina que geralmente substituem formas de gasto interno Terceiro À parte esses produtos que representam benefícios técnicos ine gáveis existem outros para os quais a demanda se desvia em virtude da con 91 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL siderável força de penetração da publicidade comercial Criamse novas pre ferências que exigem importações em detrimento das preferências que po deriam ser internamente atendidas Que não é possível fazer com que baixe sistematicamente a quota de im portações por um lado e deixála crescer livremente por outro sob a influência dos fatores que acabamos de ver é uma afirmação claramente comprovada pelos graves acontecimentos dos anos 1930 Temos agora uma perspectiva suficiente para compreender a significação desses acontecimentos e derivar deles os ensinamentos que vêm em seu bojo Antes porém convém mencio narmos um fato a mais Já se afirmou que a industrialização da América Latina se efetuada com discernimento oferecerá a possibilidade de aumentar sensivelmente a renda nacional por conferir um emprego mais produtivo às massas da população atualmente empregadas em ocupações de baixíssima produtividade O aumento da renda conseguido até agora como já se vê significa acen tuar a ação desses fatores sobre a demanda de importações em dólares Por conseguinte quanto mais aumenta a renda desses países maior se torna sua necessidade de importações E com isso volta a se colocar a questão da escas sez de dólares cuja importância recomenda uma consideração especial IV O PROBLEMA DA ESCASSEZ DE DÓLARES E SUAS REPERCUSSÕES NA AMÉRICA LATINA 1 Tão logo vão aparecendo certos sintomas de um problema de escassez de dólares é natural que se volte o olhar para um passado não muito distante no qual os Estados Unidos concentravam em seus cofres uma quantidade cada vez maior do ouro do mundo como podemos comprovar pelos Gráficos 1 e 2 Antes da Primeira Guerra Mundial eles detinham 265 das reservas mundiais e quando do início da Segunda já haviam chegado a 509 e embora tenham terminado essa guerra com 365 eles vêm agora aumen tando outra vez sua participação a ponto de haverem acumulado novamente cerca de metade das referidas reservas em 1948 92 TEXTOS SELECIONADOS GRAFICO 1 RESERVAS DE OURO DOS ESTADOS UNIDOS E DO RESTO DO MUNDO Bilhões de dólares 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1915 18 23 28 33 38 43 48 Total mundial Resto do mundo Estados Unidos NOTA Eliminouse das reservas de ouro dos Estados Unidos a cifra em dólares dos ativos líquidos a curto prazo pertencentes aos países do resto do mundo uma vez que eles representavam bens monetários destes últimos e não daquele pafs Dada a grande quantidade de tais ativos líquidos em certos períodos os resultados desse reajuste são importantes Por exemplo em 1947 os Estados Unidos detinham 60 do ouro do mundo ao passo que eliminando se os depósitos em dólares sua participação se reduzia a 486 do ouro mundial Para fazer este reajuste procedeuse da seguinte maneira a a partir de 1931 e até o ano de 1936 inclusive usaram se os dados publicados pela Banking and Monetary Statistics Washington 1943 páginas 574 a 589 e a partir de 1937 os da International Financial Statistics do Fundo Monetário Internacional Washington janeiro de 1949 p 130 b para os anos anteriores a 1931 as cifras foram calculadas utilizandose os saldos líquidos da movimentação de capitais a curto prazo de acordo com os dados da balança de pagamentos dos Estados Unidos publicados em The United States in the World Economy Economic Series no 23 United States Department of Commerce Bureau of Foreign and Domestic Commerce Nos Gráficos 1 e 2 a parte das curvas anterior a 1923 não pode ser ajustada por falta de dados O total mundial foi extraído do Federal Reserve Bulletin até 1940 e dessa data em diante do Anuario do Banco Internacional de Ajustes da Basiléia Os dados referentes a 1948 são preliminares Todas as cifras foram calculadas à razio de 35 dólares por onça 93 s v 1 i V T CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRÁFICO 2 PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NAS RESERVAS MUNDIAIS DE OURO Percentagens 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1915 20 23 25 30 35 40 45 48 Ouro reajustado mediante a eliminação dos ativos líquidos a curto prazo do resto do mundo Ouro sem reajuste FONTE Ver Gráfico 1 A escassez de dólares significa que aquele país não compra mercadorias e serviços nem empresta dinheiro na medida em que os outros países necessi tam dessa moeda para cobrir suas necessidades sejam elas justificadas ou não Sendo assim é preciso recorrer às reservas monetárias e vender dólares ou remeter ouro aos Estados Unidos Por mais que essa diminuição das reservas não tarde a provocar pertur bações monetárias a atração do ouro para o centro cíclico principal apesar de persistente não constitui um mero problema monetário é a expressão 94 s V 4 1 IS V A TEXTOS SELECIONADOS manifesta de um fenômeno dinâmico muito mais profundo relacionado com o ritmo e a forma de crescimento econômico dos diferentes países Conforme seja o tipo de seu próprio crescimento a ação do centro prin cipal pode manifestarse através das oscilações cíclicas numa tendência con tínua a expulsar o ouro que aflui para ele e a estimular o desenvolvimento econômico do resto do mundo ou ao contrário a retêlo tenazmente com efeitos adversos para as forças dinâmicas mundiais O centro cíclico britânico atuou historicamente da primeira maneira Foi também isso o que fez o novo centro cíclico principal nos anos 1920 Mas não o fez nos anos 1930 nos quais prevaleceu a segunda dessas formas e os países do resto do mundo viramse obrigados a reajustar suas relações com o centro cíclico a fim de continuarem crescendo apesar da influência depressiva que ele exercia e de sua intensa absorção de moeda sonante Os países da América Latina compartiram duramente com os outros a experiência dos anos 1930 Assim é compreensível que frente aos sintomas presentes de um novo problema de escassez de dólares eles interroguem o passado com uma perspectiva melhor do que antes para averiguar se os mes mos fatores que atuaram naquela época estão hoje tornando a ganhar fôlego 2 Esses fatores concernem por um lado à maneira como se refletiram no resto do mundo os fenômenos de contração e auge do centro cíclico principal e por outro à redução sensível de sua cota de importações e outras parcelas passivas Quando o centro principal contrai sua renda na fase cíclica minguante ele tende a propagar essa contração para o resto do mundo Quando a renda deste último não diminui simultaneamente e com a mesma intensidade mas o faz com certo atraso surge um desequilíbrio na balança de pagamentos o centro por diminuir sua renda mais depressa também restringe suas impor tações e demais parcelas passivas com mais intensidade do que o resto do mundo com o que este se vê forçado a lhe enviar ouro Se fosse concebível o equilíbrio que não o é na realidade cíclica a balança viria a se equili brar no momento em que a redução das respectivas rendas atingisse a mesma intensidade Pois bem a contração cíclica ocorrida nos Estados Unidos depois de 1929 teria bastado para atrair grande parte do ouro expulso no auge anterior como acontecia tipicamente nos ciclos do antigo centro principal Nesse caso 95 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL entretanto entrou em ação um fator que nunca havia atuado na experiência britânica a queda do coeficiente de importações Essa queda obedeceu prin cipalmente a dois fatos por um lado a elevação das tarifas alfandegárias em 1929 e por outro a redução mais acentuada nos preços dos produtos primá rios importados em relação aos produtos finais da indústria que são os que influem preponderantemente na renda nacional No Gráfico 3 podemos aquilatar a intensidade desse fenômeno GRÁFICO 3 COEFICIENTE DE IMPORTAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS Relação entre as importações e a renda Percentagens 7 6 5 4 3 2 1 1920 25 30 35 40 45 Fontes Os dados relativos à renda foram extraídos de S Kusnezt National Income and itt Composition Nova York 1941 com respeito ao período de 19191928 do Statistical Abstract of the United States de 1948 quanto ao período de 19291947 e de Economic Indicators fevereiro de 1949 U S Government Printing Office Washington DC quanto ao ano de 1948 Os dados referentes às importações foram extraídos de Statistical Abstract of the United States e de Economic Indicators 96 TEXTOS SELECIONADOS A redução da quota de importações no centro cíclico principal acentua a tendência à acumulação de ouro resultante da contração da renda Ali com efeito as importações caem com intensidade ainda maior do que no resto do mundo e o desequilíbrio da balança tornase ainda mais adverso para este último Para que a balança se nivelasse seria preciso não apenas como no caso anterior que as receitas do resto do mundo se contraíssem com a mesma intensidade que as do centro cíclico principal mas ainda que o fizessem com intensidade muito maior A renda do resto do mundo teria que cair abaixo da do centro cíclico principal com força tanto maior quan to mais houvessem caído a quota de importações e outras parcelas passivas Convém lembrar que essas outras parcelas além das importações também se reduziram sensivelmente em virtude da cessação dos empréstimos exter nos dos Estados Unidos Depois de se haver atingido o ponto mais baixo da fase minguante em 1933 sobreveio uma nova fase crescente De acordo com a experiên cia cíclica britânica o centro cíclico principal deveria ter mandado ouro para fora como havia ocorrido com efeito na expansão dos anos 1920 O que se verificou entretanto foi o oposto diametral e as reservas mone tárias dos Estados Unidos cresceram com uma amplitude extraordinária mesmo eliminando das cifras como foi feito em todos os gráficos a gran de quantidade de reservas externas que por outros motivos haviamse depositado em dólares naquele país Nisso desempenhou seu papel a diminuição da citada quota de importa ções Para que o centro principal deixasse de atrair ouro depois da contração e começasse a expelilo teria sido necessário que sua renda crescesse com muito mais intensidade que a do resto do mundo com tanta amplitude quanta fos se necessária para primeiro compensar e depois superar os efeitos da queda da quota Por exemplo quando a quota se reduz à metade a renda do centro principal tem que crescer o dobro da do resto do mundo simplesmente para contrabalançar os efeitos dessa redução Longe de haver ocorrido esse crescimento relativamente maior a renda dos Estados Unidos demorou mais que a do resto do mundo para atingir o nível a que havia chegado em 1929 a julgar pelo que aconteceu num grupo importante de países como se pode observar no Gráfico 4 97 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRÁFICO 4 RENDA NACIONAL DOS ESTADOS UNIDOS E DE ONZE PAÍSES DO RESTO DO MUNDO Alemanha Austrália Canadá Dinamarca França Holanda Japão Noruega Nova Zelândia Reino Unido e Suécia índices base 1929 100 130 120 110 100 90 80 70 60 50 45 r r i t i i i i i i i i i i i v A i i i A r i Onze países Estados Unidos 1925 30 35 38 Fontes Dados extraídos de S Kusnezt National Income and its Composition Nova York 1945 quanto à renda na cional dos Estados Unidos no período de 19241928 inclusive pp 310311 do Statistical Abstract of the United States 1948 quanto ao período de 19291938 e de Eugene Staley World Economie Development Effects on Advanced Industrial Countries Montreal 1943 quanto à renda correspondente a onze países p 144 Gráfico 13 Não é de estranhar portanto que o ouro tenha continuado a se acumular pertinazmente no centro cíclico principal Com efeito foi enorme a concen tração de moeda sonante nos Estados Unidos Praticamente toda a produção de ouro monetário do mundo sem dúvida muito abundante desde 1933 foi 98 TEXTOS SELECIONADOS parar naquele país Quanto às reservas do resto do mundo elas declinaram ligeiramente como se observa na Tabela l5 3 Se em seu desenvolvimento econômico nos anos 1930 o resto do mundo se houvesse prendido unicamente ao estímulo proveniente das importações e das demais parcelas passivas dos Estados Unidos o aumento da renda no res to do mundo teria sido muito menos intenso do que nesse país A causa dis so como já se sabe reside na ação depressiva da baixa da quota de importa ções como tantas vezes se afirmou Mas não foi isso que aconteceu como acabamos de ver pelo Gráfico 3 uma vez que os países nele representados ele varam sua renda mais amplamente do que os Estados Unidos Se esses países como os demais do resto do mundo houvessem elevado sua renda dessa maneira sem modificarem por sua vez o coeficiente de importações é óbvio supor que em pouco tempo terlhesia sido impos sível continuar a fazêlo sem um grave prejuízo para suas reservas monetá rias Se isso não ocorreu foi justamente porque para atenuar a contração propagada a partir do centro eles já haviam reduzido anteriormente sua quota de importações e outras parcelas especialmente a das importações procedentes dos Estados Unidos que tiveram uma queda maior que as de outras procedências6 Isso permitiu ao resto do mundo não apenas crescer Examinaramse no texto com respeito aos Estados Unidos os fatores que fizeram com que esse país atraísse ouro durante os anos 1930 Mas houve também uma atuação dos fatores concernentes ao resto do mundo que tenderam a expulsar o ouro Entre estes são de grande importância os que se manifestaram nas duas guerras mundiais Os Estados Unidos adquiriram grandes quantidades de ouro através do abas tecimento dos países aliados Esse ouro só poderia ser expulso por uma expansão inflacionária da renda daquele país que fosse consideravelmente mais acentuada do que a ocorrida na realidade Basta mencionar mos essa possibilidade para descartála Mas esse não foi o único fenômeno de redistribuição do ouro que teve por base as duas guerras Parte do ouro que os Estados Unidos iam recebendo foi transferida para países neutros ou que não tiveram uma participação ativa nos conflitos a fim de cobrir seus saldos positivos na balança de pagamentos Esse é um fenômeno normal no auge dos centros cíclicos e do qual a América Latina participou com um intenso crescimento de suas reservas metálicas Mas também é natural que grande parte do ouro retorne ao centro cíclico Foi o que aconteceu no primeiro dos dois períodos pósguerra quando sobreveio a contração nos Estados Unidos as fases crescentes e minguantes cíclicas no centro britânico também se haviam caracterizado por esse movimento de vaivém do ouro Há uma particularidade no entanto no atual retorno do ouro da América Latina para os Estados Unidos é que esse retorno começou antes de uma contração naquele país Isso se deve como se tem afirmado ao crescimento das importações provocado pelo elevado índice de emprego e acentuado por fenôme nos inflacionários 6Ver os gráficos relativos ao diferentes países publicados em The United States in the World Economy páginas 6768 e 69 99 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL da maneira que cresceu mas também em diversos casos empregar parte de suas exportações em dólares para reduzir suas dívidas nos Estados Unidos Por que o coeficiente das importações procedentes dos Estados Unidos reduziuse com maior severidade no resto do mundo do que o coeficiente de todas as suas importações Evidentemente porque o déficit na balança de pagamentos era mais agudo no que dizia respeito ao dólar Se as importações em outras moedas se houvessem reduzido com a mesma intensidade que nes ta os prejuízos sofridos pelo comércio internacional nos anos 1930 teriam sido ainda mais graves com a conseqüente perda adicional de suas vantagens clássicas 4 Quais foram as reações da América Latina aos fenômenos ocorridos du rante esse período no centro cíclico principal Não se trata de repetirmos a crônica por demais conhecida da forma como tais fenômenos se refleti ram nessa parte do continente mas de procurarmos extrair deles as experi ências que possam esclarecer e definir o que mais convém aos interesses la tinoamericanos A reação latinoamericana foi semelhante à de outros países do resto do mundo reduzir o coeficiente de importações por meio da desvalorização monetária da elevação das tarifas alfandegárias das cotas de importação e do controle cambial Nunca se haviam aplicado medidas semelhantes com o caráter geral da quela época assim como nunca surgira anteriormente um problema de escas sez de libras na época da hegemonia monetária de Londres A necessidade imperiosa de reduzir prontamente as importações e de conter a fuga de capitais explica a rápida difusão do controle cambial Mas este foi não apenas um instrumento para restringir as importações como também para desviar para outros países principalmente os da Europa as importações que antes provinham dos Estados Unidos em função de seu custo menor e de sua maior adequação às necessidades da América Latina Dificilmente se poderia negar por razões formais esta verdade evidente o controle cambial consti tuiu em muitos casos um instrumento discriminatório no comércio inter nacional contrário às práticas sadias que tinha sido tão custoso implantar 100 TEXTOS SELECIONADOS mediante a aplicação geral da cláusula da nação mais favorecida Mas é forço so reconhecer que quando um país viase privado dos dólares necessários para pagar suas importações essenciais a única saída dessa situação tão crítica pa recia residir em importações que pudessem ser pagas nas moedas recebidas em pagamento pelas exportações Se essas outras moedas tivessem podido transformarse em dólares a his tória teria sido muito diferente Mas a escassez de dólares afetava todo o resto do mundo e a compensação multilateral acabava ficando entravada quando o saldo final a ser pago nessa moeda superava as disponibilidades O controle cambial não resultou de uma teoria tendo sido uma im posição das circunstâncias Ninguém que tenha conhecido de perto as complicações de toda sorte que esse sistema trouxe consigo poderia ter op tado por ele caso houvessem surgido outras alternativas ou se estivesse ao alcance dos países da América Latina a eliminação das causas profundas desse mal 5 Lamentavelmente essas causas prolongaramse em demasia Transposto o momento mais difícil da crise mundial e em pleno restabelecimento econômico foi possível pensar no abandono do controle cambial Mas o modo de funcionamento do centro cíclico principal foi afastando essa pos sibilidade Basta observarmos o Gráfico 5 relativo às reservas monetárias da Améri ca Latina para compreender a natureza das dificuldades Em geral foramse gastando em importações e outras parcelas passivas todos os dólares que eram incorporados às reservas e ainda empregando parte destas nas referidas im portações O controle cambial como já foi dito cumpriu a função de desviar para outras partes as importações que não podiam ser cobertas dessa maneira E apesar dele não foi possível evitar que o conjunto das reservas monetárias durante os anos 1930 se mantivesse num nível sensivelmente inferior ao da década precedente 101 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL GRAFICO 5 RESERVAS DE OURO DA AMÉRICA LATINA Milhões de dólares 1500 1000 500 1915 20 2 5 3 0 35 40 Abrange sete países Abrange doze países Nota Uma vez que em relação aos primeiros anos desse período só se dispõe a partir de 1913 de cifras relativas a sete países Argentina Bolivia Brasil Chile Peru Uruguai e Venezuela apresentouse a curva correspondente até 1939 e a essa curva foi superposta uma outra com mais cinco países a partir de 1929 Colômbia Equador El Salva dor Guatemala e México Essas cifras correspondem apenas às reservas de ouro Todos os dados foram expressos à razão de 35 dólares por onça Fontes Banking and Monetary Statistics Washington 1943 quanto ao período de 19131936 International Financial Statistics Washington 1949 quanto ao período de 19371939 Foi esse o sentido do controle cambial naquela época Bem ou mal admi nistrado ele constituiu o instrumento de que se pôde dispor para atenuar as graves repercussões dos acontecimentos externos na atividade interna dos países latinoamericanos Posteriormente no entanto sua função foi muito diferente O controle cambial foi e continua a ser empregado para conter os efeitos da expansão inflacionária interna sobre as importações e outras parcelas passivas da balança de pagamentos É claro que nesse caso o controle cambial não corrige os efeitos da inflação mas desvia a pressão inflacionária para a ativi dade interna acentuando a alta dos preços Por conseguinte não caberia tecermos as mesmas considerações num caso e no outro Os fatores externos que impuseram o controle cambial nos anos 1930 escapavam completamente ao poder da América Latina Em contra partida os que predominam na atualidade dependem de nossa própria vontade r r A 102 TEXTOS SELECIONADOS como têm reconhecido em várias ocasiões os governos latinoamericanos preocupados como estão com a gravidade desse problema 6 Mas é difícil se não impossível determinar até que ponto a escassez de dólares novamente enfrentada nos últimos tempos em vários países da Amé rica Latina é conseqüência da baixa quota de importações dos Estados Uni dos ou dos fenômenos inflacionários a que já fizemos referência Já explicamos como o alto índice de emprego atingido na América Latina requer um volume considerável de importações em dólares Os Estados Uni dos por outro lado ao chegarem a uma cifra elevadíssima em sua renda nacional acrescentaram também suas importações da América Latina e dos demais países do resto do mundo Em 1948 o total de importações norte americanas chegou a 69 bilhões de dólares com um coeficiente de 3 Com o coeficiente de 5 registrado em 1929 as importações teriam chegado a 115 bilhões Essas cifras refletem a magnitude dos efeitos produzidos pela baixa dessa quota Ainda é cedo para dizer se a participação correspondente à América Lati na nessas importações é ou não suficiente para lhe proporcionar meios ade quados para cobrir suas necessidades de importação juntamente com as de mais parcelas passivas que ela tem que pagar aos Estados Unidos Ainda não é possível formar um juízo definitivo As informações ainda são muito defi cientes e não permitem examinar a composição das importações no grau ne cessário para determinar que parcela de seu aumento foi provocada pela redistribuição de renda que é típica da inflação Já se conhecem casos que revelam ter havido um emprego de quantidades apreciáveis de dólares em importações totalmente alheias ao propósito da industrialização ou da meca nização da agricultura mas não se sabe dizer até que ponto esses casos repre sentam um fenômeno geral 7 Seja como for o que vem sucedendo nessas ocasiões deveria ser objeto de uma atenção muito especial Para tomarmos apenas um caso ilustrativo não deixa de ser sintomática a natureza das recomendações que acabam de ser formuladas pela Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos em seu in teressante relatório sobre o Brasil 103 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Há uma grande analogia entre as medidas contempladas pela missão em matéria de importações e as que vários países da América Latina viramse forçados a tomar nos anos 1930 como foi lembrado anteriormente Não obstante o grande crescimento das exportações brasileiras em dóla res a missão comprovou que elas não são suficientes para atender às importa ções na mesma moeda Assim ela aprovou a restrição das importações não essenciais por meio de uma aplicação mais eficaz do sistema de controle cam bial e reconheceu a necessidade de obter essas importações essenciais tanto quanto possível de países de moedas fracas com os quais o Brasil teve uma balança favorável nos últimos anos e acrescentou uma medida que poderia ajudar a reduzir o total de importações em moeda forte seria uma revisão por parte das autoridades controladoras de todas as compras na zona do dólar que os ministérios do governo brasileiro e as repartições autônomas se pro põem realizar7 Não deixa de chamar a atenção que num relatório dessa natureza se pre conize não apenas a restrição das importações mediante o controle cambial mas também a aplicação de medidas de tipo discriminatório Se isso for unicamente o reconhecimento de uma necessidade transitória de aliviar a pressão da balança de pagamentos o caso não terá maior transcendência Se for no entanto a expressão de um fato mais fundamental e persistente haverá motivos de séria preocupação para os países latinoame ricanos 8 Já existe uma experiência suficiente para nos convencer de que o comércio multilateral é o que mais convém ao desenvolvimento econômico da Améri ca Latina Poder vender e comprar nos melhores mercados respectivos ainda que eles sejam diferentes sem dividir o intercâmbio em compartimentos es tanques constitui a fórmula ideal Que as vendas feitas à Europa tenham que ser compensadas estritamente mediante compras na Europa e mais em cada um dos países europeus sem que os saldos possam ser empregados para com prar nos Estados Unidos o que melhor satisfaça às necessidades de nosso de senvolvimento econômico não é uma solução que traga em si os benefícios inegáveis do multilateralismo Relatório da Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos capítulo II Rio de Janeiro 1949 104 TEXTOS SELECIONADOS Mas para que a compensação multilateral seja viável é necessário que a Europa tenha uma sobra de dólares para pagar por seu excedente de compras na América Latina depois de satisfazer suas próprias necessidades de impor tações norteamericanas Foi essa sem dúvida alguma a dificuldade encontrada pela Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos E diante dessa dificuldade só lhe res taram dois caminhos o que ela sugeriu ao Brasil ou o de lhe recomendar a aplicação de restrições iguais a todos os países em prejuízo não apenas das exportações dos países com os quais o Brasil tem saldos favoráveis mas tam bém do ritmo de seu crescimento econômico 9 Os acontecimentos verificados nos anos 1930 parecem ter deixado a con vicção de que não é possível esperar uma solução de caráter fundamental no comércio com os Estados Unidos Com efeito a se manter o baixíssimo coe ficiente atual de importações mesmo na hipótese favorável de que perdure o emprego máximo naquele país suas importações poderão mostrarse insufi cientes para resolver o problema latente da escassez de dólares Se com o em prego máximo as receitas crescerem no futuro a um ritmo que dificilmente poderia ultrapassar em muito os 3 ao ano um crescimento paralelo das im portações procedentes do resto do mundo não poderá significar um alívio muito sensível Mas será que não se deve admitir de forma alguma a possibilidade de que aumente o coeficiente de importações daquele país permitindo que estas cresçam num ritmo mais rápido do que a renda nacional Essa possibilidade existe A persistente atração do ouro por um centro cíclico principal só é teoricamente concebível quando há uma margem apre ciável de fatores produtivos desocupados Não será possível a repetição de fenômenos semelhantes aos ocorridos nos anos 1930 se os Estados Unidos conseguirem manter seu nível máximo de emprego e se o resto do mundo assim estimulado pelo centro principal tam bém conseguir implementar uma política análoga de pleno emprego de seus fatores produtivos em crescimento Pelo que foi dito ao explicarmos a experiência adversa daqueles anos se não tivesse existido o pleno emprego nos Estados Unidos o resto do mundo não teria conseguido manter continuamente em relação àquele país uma quota 105 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL de importações que não se ajustasse à quota dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo uma vez que nenhum país é capaz de suportar um déficit permanente na balança de pagamentos Entretanto mesmo havendo o em prego máximo os fatos poderiam ter ocorrido de maneira muito diferente Justificase um breve raciocínio para demonstrar isso Suponhamos que graças ao coeficiente relativamente alto do resto do mundo ou se preferirmos à ampliação desse coeficiente em virtude da industrializa ção da América Latina aumentasse intensamente a demanda de exportações dos Estados Unidos Suponhamos também que em virtude do crescimento dos fatores produtivos o aumento anual da renda fosse de 6000 para tomarmos uma cifra qualquer dos quais 4000 correspondessem aos fatores empregados nas indústrias de exportação para satisfazer àquela grande demanda e os 2000 restantes correspondessem aos empregados nas indústrias destinadas às necessi dades internas com um volume equivalente de produção É óbvio que esse volume seria insuficiente para atender à demanda inter na provocada pelo gasto dos 6000 de renda Haveria portanto um excesso da demanda em relação à oferta o qual não podendo ser internamente satis feito por estarem todos os fatores plenamente ocupados teria que ser cober to por importações fazendoas crescer no volume indispensável para atender ao déficit de produção para as necessidades internas Se os fatores produtivos não estivessem plenamente ocupados o exceden te da demanda sobre a oferta tenderia a estimular preferencialmente a produ ção interna e as importações longe de crescerem proporcionalmente ao exce dente como acabamos de ver aumentariam apenas num volume exíguo na parte desse excedente que se manifestasse somente na demanda externa em virtude do baixíssimo coeficiente de importações Não caberia nos estendermos num raciocínio mais complexo dado o caráter desta resenha Devemos apenas assinalar que para haver a atuação de um mecanismo semelhante seria indispensável que o resto do mundo pudes se fornecer aos Estados Unidos o aumento de importações exigido por sua demanda maior do contrário o processo seria inflacionário Por outro lado também seria necessário que os países que aumentassem seu coeficiente ou sua renda real pudessem contar com os recursos necessários para enfrentar desequilíbrios transitórios em suas balanças de pagamentos durante a reação do centro cíclico principal 106 TEXTOS SELECIONADOS 10 Em síntese quando o centro cíclico se encontra em pleno emprego qual quer aumento de suas exportações para o resto do mundo provocado pela ação deste tende a ser acompanhado por um aumento correspondente das importações ou de outras parcelas passivas e o ouro não tende a se concen trar no centro em prejuízo dos demais países É claro que para isso seria indispensável que o centro não reduzisse sua quota de importações Mas qual seria o objetivo dessa medida já estando empregados todos os seus fatores produtivos É compreensível que quando existem fatores ociosos haja interesse em aumentar a ocupação substituindo as importações pela produção interna É igualmente compreensível que mes mo havendo pleno emprego um país evite que algumas indústrias de consu mo interno se vejam sacrificadas pela concorrência externa em favor das in dústrias de exportação como aconteceu no centro cíclico britânico durante o século XIX Mas não faria sentido em termos econômicos num caso de ple no emprego reduzir em geral o coeficiente de importações e estimular o de senvolvimento de certas indústrias de consumo interno à custa das importa ções e das exportações Por conseguinte se não houvesse uma perturbação na interação espontâ nea das forças econômicas num estado de plena e crescente ocupação do cen tro cíclico principal estaria aberto o caminho para a solução do problema fundamental que tanto preocupa os países da América Latina e os demais países do mundo É verdade que com isso aumentaria o coeficiente de importa ções dos Estados Unidos mesmo que não se tocasse nas tarifas atuais e sua interdependência em relação ao resto do mundo ficaria fortalecida Por aí se conseguiria também demonstrar que ao atingir seu objetivo de pleno empre go aquele país atinge simultaneamente dois outros objetivos primordiais de sua política econômica promover ativamente o comércio internacional e es timular a industrialização da América Latina 11 Permitamnos ao encerrar esta parte uma outra consideração teórica muito pertinente aos assuntos que acabam de ser abordados Até o presente não se havia alcançado nenhum resultado positivo no esforço de interpretar com a ajuda da teoria clássica as variações das balanças de pagamentos e das movimentações internacionais do ouro na década de 1930 Esse esforço difi cilmente teria sucesso uma vez que a teoria clássica como se sabe baseiase 107 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL no pressuposto do emprego pleno Se esse pressuposto viesse a confirmarse na realidade seria possível comprovar a validade essencial do raciocínio clás sico a respeito das movimentações do ouro sem prejuízo é claro das corre ções parciais exigidas pela teoria Como disse lord Keynes em sua Teoria geral havendo o pleno emprego novamente nos encontraríamos com toda a segu rança no mundo ricardiano Não é de estranhar portanto o sentido das pa lavras que ele escreveu a esse respeito em seu artigo póstumo do Economic Journal Não é a primeira vez que me sinto levado a lembrar aos economistas contemporâneos que os ensinamentos clássicos encerravam algumas verdades permanentes de grande significação se hoje nos inclinamos a esquecêlas é porque as vinculamos com outras doutrinas que não poderíamos aceitar sem muitas reservas Nessa matéria há correntes que trabalham num plano pro fundo forças naturais como poderíamos chamálas e até a mão invisível que procuram levarnos ao equilíbrio 8 Sem dúvida para que o remédio clássico possa funcionar é essencial que as tarifas e os subsídios à exportação não neutralizem progressivamente a influência disso Nesse sentido a atual disposição de ânimo do governo dos Estados Unidos e também segundo creio a de seu povo dãonos uma certa tranqüilidade provisória a julgar pelas pro postas submetidas à consideração da Conferência sobre Comércio e Empre go Tratase de propostas sinceras e completas apresentadas em nome dos Estados Unidos e expressamente voltadas para permitir a ação do remédio clássico V A FORMAÇÃO DO CAPITAL NA AMÉRICA LATINA E O PROCESSO INFLACIONÁRIO 1 Em última instância a margem de poupança depende do aumento da pro dutividade do trabalho Se foi possível em alguns países da América Latina alcançar um grau de produtividade tão satisfatório que mediante uma políti ca criteriosa permitiu reduzir a proporções moderadas a necessidade de capital iLord Keynes The Balance of Payments of the United States The Economic journal junho de 1946 108 TEXTOS SELECIONADOS estrangeiro para suprir a deficiência da poupança nacional na maior parte deles se reconhece que o concurso desse capital é indispensável Com efeito a produtividade desses países é muito baixa porque falta capital e falta capital por ser muito estreita a margem de poupança em virtu de dessa baixa produtividade Para romper esse círculo vicioso sem deprimir exageradamente o atual consumo das massas em geral muito baixo é neces sária a ajuda transitória do capital estrangeiro Se sua aplicação for eficaz o aumento da produtividade ao longo do tempo permitirá desenvolver a pró pria poupança e com ela substituir o capital estrangeiro nas novas inversões exigidas pelas inovações técnicas e pelo crescimento da população 2 Entretanto a típica escassez de poupança em grande parte da América Latina não provém apenas dessa margem estreita mas também de sua utili zação inadequada em casos muito freqüentes A poupança significa deixar de consumir e portanto é incompatível com algumas formas peculiares de con sumo em grupos de renda relativamente alta As grandes disparidades da distribuição da renda podem ser e têm sido historicamente um fator favorecedor da acumulação de capital e do progres so técnico Sem desconhecer o que isso significou também nesses países há exemplos notórios e freqüentes de como essas disparidades distributivas esti mulam formas de consumo características dos países de alta produtividade Assim com freqüência há um malogro de importantes possibilidades de poupança e de um emprego eficaz das reservas monetárias em importações produtivas Foi o aumento da produtividade que permitiu aos Estados Unidos e em menor grau a outros países industrializados reduzir a jornada de trabalho aumentar a renda real das massas e elevar seu nível de vida além de aumentar em grau considerável os gastos públicos E tudo isso sem prejuízo de uma enorme acumulação de capital É fato conhecido que os gastos públicos que nas grandes nações indus trializadas constituíam uma proporção relativamente pequena da renda inter na em meados do século XIX compõem hoje uma elevada proporção dela Só o aumento da produtividade é que permitiu esse incremento Os países da América Latina não fugiram a essa tendência geral E se nos lugares onde a produtividade é alta e a acumulação de capital é considerável 109 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL o crescimento da cota de gastos fiscais é objeto de preocupação maior ainda será ele nos países em que é necessário destinar à poupança uma parcela apre ciável da receita interna É que a poupança é necessária para conseguir o au mento de produtividade sem o qual será ilusório o propósito de elevar o pa drão de vida das massas No fundo estamos diante de um problema de avaliação das necessidades Os recursos para satisfazer as enormes necessidades privadas e coletivas da América Latina são relativamente escassos e a possível contribuição do capi tal estrangeiro também é limitada Assim é preciso avaliar essas necessidades em função da finalidade buscada a fim de distribuir esses recursos limitados da forma mais conveniente E se essa finalidade consiste em aumentar o bem estar mensurável da coletividade o aumento do capital por homem tem que ocupar um lugar prioritário de grande destaque Nesse sentido existem tipos de investimentos públicos ou privados de utilidade indiscutível mas que não tornam o trabalho mais produtivo não poderá sair deles portanto o aumen to de poupança para as novas inversões Em contrapartida os investimentos equivalentes realizados em bens de capital eficazes aumentam imediatamente a produtividade do trabalho e desenvolvem uma margem de poupança que transformada em novas inversões traz novos aumentos de produtividade Por essas e outras considerações que fariam com que se ampliassem so bremaneira estas páginas o problema da formação do capital é de transcen dental importância 3 A pressão considerável das necessidades privadas e coletivas sobre uma quantidade relativamente escassa de recursos costuma trazer consigo fenôme nos inflacionários como os que com muita razão preocupam os governos nessas ocasiões Ao mesmo tempo foise desenvolvendo um modo de pensar que não se manifesta apenas nos setores favorecidos mas também naqueles que atentando unicamente para o interesse geral consideram que a inflação é um meio indubitável de capitalização forçada nas situações em que a pou pança espontânea é notoriamente insuficiente Essa é uma tese digna de um exame cuidadoso Dada a generalidade do processo há uma profusão de fatos que oferecem um campo fértil de inves tigação a partir da qual será possível avaliar seu valor e seu alcance Enquanto isso algumas reflexões talvez possam contribuir para a exposição dessa questão 110 TEXTOS SELECIONADOS Dispomos antes de mais nada de uma comprovação indiscutível o estímulo consecutivo à expansão do meio circulante levou a um alto índice de emprego e portanto a um aumento real da renda Mas parece que grande parte desse efeito foi conseguida numa fase de crescimento moderado ante rior ao processo agudo de inflação Assim à medida que esse processo se foi desenrolando o aumento do emprego e da renda real foi cada vez menor enquanto maior foi o dos preços com os conseqüentes transtornos na distri buição da renda total Essa experiência implica um ensinamento positivo e outro negativo9 O positivo concerne de imediato ao assunto mencionado uma vez que o au mento do emprego veio ampliar a margem potencial de poupança Mas o ensinamento negativo também lhe diz respeito O fato de se haver exagerado o estímulo necessário para atingir a ocupação máxima levou internamente a uma pressão inflacionária excessiva a qual ao se dilatar novamente a quota de importações anteriormente comprimida pela guerra quando houve a re novação posterior do intercâmbio esgotou grande parte do ouro e dos dóla res previamente acumulados 4 As informações fragmentadas de que dispomos sugerem mais de uma dú vida acerca de se haver ou não sabido utilizar essas reservas levando estrita mente em conta o que é exigido pelo desenvolvimento econômico da Améri ca Latina Para poder esclarecer as dúvidas apontadas seria interessante averiguarmos em que medida as citadas reservas foram preferencialmente des tinadas à importação dos bens de capital mais necessários em que outra me dida foram gastas em artigos não essenciais ou que correspondem apenas aos estilos de vida dos grupos de alta renda e até que ponto serviram para cobrir a saída de capitais provocada pelo desenvolvimento da inflação10 Com efeito demonstrouse a possibilidade de uma política racional de emprego dos fatores desocupa dos ou mal ocupados Noutras épocas as exportações haviam constituído o fator dinâmico preponde rante Contudo depois da crise mundial elas se demonstraram insuficientes para desempenhar bem seu papel de estimulação do crescimento Durante os anos 1930 em alguns países da América Latina já se havia conseguido mediante uma política de estímulo interno suprir a debilidade do fator dinâmico externo Para isso foi necessário reduzir o coeficiente de importações como se explicou num outro tex to Os acontecimentos verificados com o advento da Segunda Guerra Mundial demonstraram quão maior era a distância que se poderia percorrer por esse caminho É que a guerra impôs a compressão violenta do coeficiente uma vez que aumentou a força do fator de estimulação externo I0É sugestivo constatar que os depósitos de particulares da América Latina nos Estados Unidos alcança vam 729 milhões de dólares em 30 de junho de 1947 111 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Essas diferentes formas de utilização das divisas estão estreitamente liga das às conseqüências internas da inflação A alta de preços ao gerar lucros extraordinários coloca nas mãos de um grupo relativamente pequeno gran des possibilidades de poupança como sempre ocorre quando é assim alterada a distribuição da renda Seria também de grande interesse indagar até que ponto essas possibilidades se traduziram numa poupança efetiva e se a aplicação dessa poupança foi feita da forma mais produtiva para a coletividade Se de fato uma parcela considerável dos lucros resultantes da inflação ti vesse sido poupada e eficazmente investida aqueles que defendem a tese aqui mencionada teriam um ponto de apoio muito valioso Lamentavelmente porém não dispomos de elementos fidedignos que permitam que nos pro nunciemos a esse respeito As cifras isoladas não justificam nenhuma genera lização Contudo os dados apresentados pela Comissão Técnica Mista Bra silEstados Unidos com respeito ao Brasil são ilustrativos As grandes empresas reinvestiram 30 a 40 de seus lucros em 1946 e distribuíram o restante aos acionistas O valor distribuído por todas as empresas teria alcançado 12 bi lhões de cruzeiros dos quais a quarta parte ou seja apenas 3 bilhões foram poupados de diferentes maneiras Do total do lucro portanto constataría mos terem sido investidos apenas cerca de 50 em forma direta e indireta se essas cifras forem combinadas Nesse caso a proporção consumida terá sido importante E como os gru pos de renda elevada têm também um alto coeficiente de importações não é de estranhar que uma parte considerável das divisas acumuladas tenha sido gasta em artigos não essenciais para o desenvolvimento econômico confor me se depreende de outras informações da mesma fonte Há ainda um outro aspecto a esclarecer Supondose que em determina das circunstâncias uma certa expansão inflacionária fosse considerada como o melhor expediente prático dada a escassez de poupança existiriam meios de promover um melhor cumprimento desse objetivo atenuando ao mesmo tempo as graves conseqüências da inflação O Estado tem em seu poder re cursos que lhe permitem estimular a inversão de grande parte dos lucros e da renda inflacionários através do gravame progressivo daquilo que é gasto e consumido ao mesmo tempo que se libera ou isenta aquilo que é investido Relatório da Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos Parte III 112 TEXTOS SELECIONADOS e também mediante o desvio através do controle cambial ou dos impostos daquilo que tende a ser empregado em importações incompatíveis com um ritmo intenso de crescimento econômico Todavia é claro que esses recursos também podem servir para empregar em maiores gastos fiscais aquilo que poderia constituir uma poupança em prejuízo do incremento da produtividade nacional 5 Logicamente se existem grupos que se beneficiaram consideravelmente da inflação há outros que têm que ter sido prejudicados Até hoje ainda não se fizeram estudos conclusivos Mas o fenômeno atual não parece apresentar diferenças essenciais das inflações anteriores A classe média e os grupos de renda fixa foram em geral os que pagaram uma enorme parte da transferên cia da renda real para os empresários e demais favorecidos Os sindicatos mais bem organizados da classe trabalhadora conseguiram quase sempre com atraso alcançar a alta de preços através do aumento dos salários e em alguns casos superála mas não dispomos de cifras válidas que permitam que nos certifi quemos de até que ponto foi possível haver uma melhora do conjunto e não apenas de alguns setores Todavia não devemos esquecer que o aumento do emprego na primeira fase do fenômeno expansivo comumente significou um aumento real da renda da família trabalhadora mesmo quando os salários não se ajustaram à alta dos preços Toda essa redistribuição da renda provocada pela inflação gera nos gru pos favorecidos a ilusão de que há um aumento da riqueza da coletividade em geral mesmo quando a renda real deixa de crescer apreciavelmente depois de transposto o período inicial de expansão moderada Essa é a ilusão típica da fase de euforia e prodigalidade nela não se renovam os bens de capital por exemplo nos transportes e em outros investimentos públicos e privados em pouco tempo já se começa a gastar grande parte do aumento anterior das re servas monetárias Tudo isso significa consumir o capital acumulado e por conseguinte não pode ser tomado como um aumento real da renda A ilusão começa a se desfazer na segunda fase a das tensões crescentes e acaba desapa recendo na terceira a dos reajustes dolorosos A primeira fase parece haver terminado na América Latina enquanto se vai desenrolando a segunda evidenciamse antagonismos sociais agudos que conspiram contra a eficácia do sistema econômico em que vivemos 113 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Criase uma atmosfera desfavorável para seu desenvolvimento regular e aparecem alguns tipos de intervenção governamental ou de medidas fis cais que tendem a prejudicar a iniciativa privada e o sentido da responsa bilidade individual Decorre daí que a inflação depois de aumentar exageradamente a remuneração do empresário acaba por comprometer sua eficácia que é de importância primordial para o crescimento dos países da América Latina 6 O Estado não tarda a participar através dos impostos de uma parcela apreciável dos lucros inflacionários do empresário Seja como for a am pliação das despesas fiscais que é uma conseqüência dessa participação levanta um problema não menos grave do que os outros no momento em que desaparecem os lucros inflacionários e se impõe a necessidade de correlacionar adequadamente com o custo de vida os soldos e salários pagos pelo Estado com um evidente risco de que novamente se eleve a propor ção do conjunto de gastos fiscais na receita total em prejuízo da forma ção de capital 7 Somente o exame imparcial dos fatos que mencionamos e de outros sur gidos desse exame permitirá chegarmos a conclusões válidas a respeito da in flação como instrumento de poupança coletiva Quaisquer que sejam as ci fras obtidas entretanto não será possível negar que a inflação tendeu a desestimular algumas formas típicas de poupança espontânea que em alguns dos países latinoamericanos haviam chegado a adquirir uma importância crescente Nisso está o germe da poupança futura para a industrialização quando for possível retornar à estabilidade monetária de acordo com as no vas regras do jogo impostas pela nova realidade Afinal se a poupança forçada passível de ser acumulada com a inflação sai de camadas numerosas da cole tividade sem que lhes seja dado colher seus frutos e passa definitivamente para os grupos favorecidos caberia perguntarmos seriamente se não haveria possibilidade de encontrarmos outras formas de poupança espontâneas ou de determinação coletiva que sem os graves inconvenientes sociais da pou pança forçada permitissem uma aplicação mais conveniente dos recursos a fins produtivos 114 TEXTOS SELECIONADOS 8 Enquanto isso o recurso à poupança estrangeira parece inevitável como já foi dito Lamentavelmente o problema deixado pela experiência desastrosa dos anos 1930 nessa matéria está muito longe de se haver solucionado Persiste nos países credores a viva lembrança da inadimplência dos deve dores em contrapartida há uma tendência a esquecer as circunstâncias em que se produziu essa inadimplência e a se disseminar a crença equivocada de que mediante certas regras de conduta será possível evitar a repetição de acon tecimentos passados Na raiz de tudo isso encontramos o mesmo problema fundamental que mencionamos ao discorrer sobre as tendências do comér cio exterior O Departamento de Comércio dos Estados Unidos soube desta car esse fato num estudo publicado há alguns anos12 Em 1929 esse país forneceu ao resto do mundo 74 bilhões de dóla res como pagamento de importações investimentos e outras rubricas assim o resto do mundo pôde pagar folgadamente os 900 milhões de ser viços financeiros fixos do capital investido pelos Estados Unidos afora as remessas de lucros Em 1932 entretanto a provisão de dólares reduziuse a 24 bilhões ao passo que os serviços da dívida se tivessem sido pagos teriam exigido os mesmos 900 milhões Teria restado portanto apenas 15 bilhão de dólares para que o resto do mundo pagasse por suas impor tações e outras parcelas passivas aos Estados Unidos comparados aos 65 bilhões de 1929 Diante dessas cifras não é de estranhar que o descumprimento dos com promissos tenha sido quase geral na América Latina Os poucos países que continuaram a honrar seus compromissos fizeramno com grandes sacrifícios e à custa de uma contração gravíssima de sua economia interna além de uma grande redução de suas reservas monetárias Assim é natural que tendo pas sado por essa experiência não queiram verse outra vez diante do dilema de deixar de cumprir seus compromissos ou sacrificar sua economia Enquanto não se resolver o problema fundamental do comércio exterior será preciso providenciar para que as inversões de capital em dólares se não for possível aplicálas no desenvolvimento das exportações nessa mesma moeda sejam empregadas para reduzir direta ou indiretamente as importações em dólares a fim de facilitar o futuro pagamento dos serviços correspondentes 2The US in the World Economy Economics Series no 23 Washington 1943 115 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 9 Por esse e outros pontos de vista não parecería prudente renovar a corren te ativa de investimentos dos anos 1920 sem uma adaptação a um programa que enfrente resolutamente a série de questões concretas que se apresentam nesse caso A existência de entidades de empréstimos internacionais poderia ser um fator muito eficaz no esboço de um programa semelhante no qual com a colaboração dos diferentes países fossem examinados os tipos de in vestimento mais convenientes ao desenvolvimento econômico da América Latina mediante sua contribuição para a produtividade do trabalho e para o desenvolvimento da necessária capacidade de reembolso Não parece haver razões para que tal programa deixe de abarcar igualmente o campo dos investimentos privados Para promovêlos íàlase insistentemente na necessidade de estabelecer um sistema de garantias ou de chegar a normas que os regulamentem Tudo isso é digno de um exame aprofundado Mas as novas formas têm que se inspirar na experiência passada À parte as dificulda des básicas dos anos 1930 existiram muitas outras e também algumas situa ções abusivas de um e do outro lado que devem ser reconhecidas sem hesita ção a fim de prevenir a repetição do mal Com isso e com uma ajuda técnica eficaz seria viável desenvolver uma política de investimentos que contasse em todas as partes interessadas com um clima público favorável em virtude de seus benefícios recíprocos VI OS LIMITES DA INDUSTRIALIZAÇÃO 1 É evidente que o crescimento econômico da América Latina depende do aumento da renda médisper capita que é muito baixa na maioria desses países e do aumento da população O aumento da renda média per capita só poderá ser obtido de duas ma neiras Primeiro através do aumento da produtividade e segundo dada uma determinada produtividade através do aumento da renda por trabalhador na produção primária comparada à renda dos países industrializados que im portam parte dessa produção Esse reajuste como já foi explicado tende a corrigir a disparidade de renda provocada pela forma como o fruto do pro gresso técnico é distribuído entre os centros e a periferia 116 TEXTOS SELECIONADOS 2 Consideraremos agora o aumento da produtividade na população já exis tente A situação se apresenta sob um aspecto duplo Por um lado a assimila ção da técnica moderna permitirá aumentar a produção por trabalhador dei xando mãodeobra disponível para aumentar a produção nas mesmas condições em que já estava empregada ou sendo deslocada para outras Por outro lado o deslocamento da mãodeobra mal empregada saindo de ativi dades cuja produtividade exígua não possa ser sensivelmente melhorada para outras em que o progresso técnico possibilite essa melhora também elevará o índice de produtividade A agricultura apresenta um caso típico da influência do progresso técni co Em importantes setores dela o desenvolvimento técnico permitiu con tinuar aumentando a produção com um crescimento proporcionalmente inferior da mãodeobra empregada Em outras palavras a agricultura passou a absorver uma parcela decrescente do aumento da população em idade pro dutiva com o que a indústria e outras atividades puderam aumentar mais amplamente seu emprego Não se trata portanto de um deslocamento de mãodeobra já ocupada mas de uma forma distinta de empregar aquela que atinge a idade de ingresso no mercado de trabalho Entretanto em alguns casos com o intenso desenvolvimento industrial dos últimos anos observaramse alguns deslocamentos reais com conseqüências desfavoráveis para a agricultura Por outro lado o crescimento da demanda externa de produtos agrícolas depois da grande crise mundial foi relativamente lento de um modo geral se comparado ao ritmo característico de épocas anteriores Somandose esse fato às conseqüências do que acaba de ser mencionado seria impossível dizer que outras atividades excetuada a indústria poderiam ter absorvido o au mento da população nos países da América Latina que exportam os referidos produtos É bem possível que o progresso técnico em outras atividades traga conse qüências semelhantes às que acabam de ser assinaladas E haverá nisso tudo uma importante fonte de mãodeobra para o crescimento industrial Mas ela não é a única Dentro de uma mesma indústria existe um poten cial humano que é desperdiçado pela baixa produtividade Se esta última puder ser aumentada através da assimilação das técnicas modernas esse potencial poderá ser empregado com grande proveito coletivo no desenvolvimento das indústrias existentes ou no de novas indústrias 117 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Finalmente há uma outra possibilidade nada desprezível comprovada pela recente experiência de certos países A baixa renda que prevalece nas classes mais numerosas permitiu às de renda mais alta desfrutar de produtos manuais ou de tipos diferentes de serviços pessoais a preços relativamente reduzidos Isso se deve ao que vimos chamando de população mal emprega da À medida que vai aumentando a produtividade da indústria e melho rando a renda real per capita essa população tende a se transferir natural mente para as atividades industriais Por mais que esse fato leve perturbação a alguns setores ele é a forma típica de propagação dentro de um país dos benefícios do progresso técnico a todas as classes sociais como já vimos ao relembrar a experiência dos grandes países industrializados Mas nem tudo consiste em aumentar a produtividade Destinar uma parcela exagerada de seu incremento à elevação do consumo ou à diminuição prematura do es forço produtivo poderia conspirar seriamente contra o propósito social da industrialização 3 Vimos insistindo em que para alcançar esse aumento de produtividade é necessário ampliar sensivelmente o capital per capita e adquirir a técnica de sua utilização eficaz Essa necessidade é progressiva Com efeito ao aumentar os salários em geral através da maior produtividade da indústria essa alta é gradualmente estendida a outras atividades obrigandoas a empregarem um capital maior per capita a fim de conseguir o aumento de produtividade sem o qual não poderão pagar salários mais altos Assim irseá impondo na América Latina a mecanização de muitas atividades nas quais hoje é mais lucrativo o trabalho direto por ser mais barato do mesmo modo que se irá impondo a mecanização da economia doméstica Não é possível fazer uma idéia aproximada da magnitude dessas neces sidades potenciais de capital e portanto dos recursos para satisfazêlas uma vez que nem sequer é viável ter um conhecimento satisfatório do atual vo lume de capital por homem empregado nos principais países da América Latina Entretanto a julgar pelas necessidades que já se manifestaram nesta fase inicial do processo de industrialização os recursos provenientes das ex portações ao menos das exportações em dólares não parecem sufici entes para atendêlas depois de atendidas outras importações e parcelas passivas 118 TEXTOS SELECIONADOS Há que admitir portanto como já foi explicado a possibilidade de que seja preciso reduzir o coeficiente de importações seja em seu conjunto ou em dólares reduzindo ou eliminando os artigos não essenciais para dar lugar a importações maiores de bens de capital Seja como for a necessidade de mo dificar a composição das importações parece indispensável para dar prosse guimento à industrialização É preciso compreender com clareza o que isso significa Tratase de uma mera adaptação das importações à capacidade de pagamento conferida pelas exportações Se estas crescessem suficientemente não seria necessário pensar em restrições a não ser que se quisesse mediante essas restrições intensificar o processo de industrialização Mas as exportações da América Latina depen dem das variações da renda dos Estados Unidos e da Europa principalmente e de suas respectivas quotas de importação de produtos latinoamericanos Por conseguinte elas escapam à determinação direta da América Latina essa é uma condição de fato que só poderia ser modificada por decisão da outra parte 4 A situação seria muito diferente se quiséssemos levar a industrialização a extremos que obrigassem a deslocar fatores da produção primária para a in dústria a fim de aumentar a produção desta em detrimento daquela ou seja se podendo exportar e importar até determinado nível nós o rebaixásse mos deliberadamente sacrificando parte da exportação para aumentar a pro dução industrial em substituição às importações Nesse caso haveria um aumento da produtividade Havendo chegado a esse ponto o problema se formularia em termos clássicos Tratarseia então de averiguar se o aumento da produção industrial obtido com os fatores des locados da produção primária seria ou não superior à massa de artigos ante riormente obtidos em troca das exportações Somente se ele fosse superior é que se poderia dizer que houve um aumento de produtividade do ponto de vista coletivo se não o fosse haveria uma perda de renda real Aí está portanto um dos limites mais importantes da industrialização um limite de caráter dinâmico que poderá ir sendo ultrapassado à medida que a economia se desenvolver entretanto em qualquer ocasião ele deve preocuparnos se estivermos buscando o objetivo primordial de aumentar o bemestar real das massas 119 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Não há nenhum sintoma de que a América Latina esteja perto desse limi te Ela está na fase inicial do processo de industrialização e ainda é muito grande na maioria dos casos o potencial humano disponível mediante o aumento da produtividade para o crescimento industrial E mais não parece que os países mais adiantados nesse processo se vejam na necessidade de optar entre o crescimento efetivo das exportações e o crescimento industrial 5 Mas tampouco é necessário que se hajam esgotado as possibilidades de in tensificar a produtividade e utilizado todo o potencial humano para que a exportação chegue a ser prejudicada em favor de um aumento ilusório da ren da real O aumento da produtividade requer um incremento considerável de ca pital e antes que se consiga obtêlo muito tempo se passará e virão outras inovações técnicas que possivelmente exigirão seus próprios aumentos de capital juntamente com o que é requerido para acompanhar o crescimento da população Por outro lado a poupança é escassa Assim é necessário utilizá la de forma a que ela renda o aumento máximo da produção Uma política equivocada poderia provocar todavia o emprego deficiente dessa poupança como é fácil demonstrar a seguir Afirmouse que o progresso técnico da agricultura e a demanda externa relativamente lenta de seus produtos permitiram à indústria em muitos ca sos absorver uma parte do aumento da população em idade produtiva que é maior do que o absorvido pela agricultura Suponhamos que ano a ano con tinue a ser necessário esse aumento da mãodeobra na agricultura para aten der ao crescimento da demanda externa sem falar no aumento do consumo interno mas que em virtude de certas medidas se exagere de tal maneira o desenvolvimento industrial que a atividade agrícola se veja privada dos bra ços de que necessita para continuar aumentando as exportações Já foram explicadas as razões pelas quais essa substituição das exportações pela produção industrial poderia significar uma perda direta de renda real Mas haveria ainda uma outra perda A terra é um fator de produção que vale muito sem ter custado nada O capital que se precisa investir nela é relativamente pequeno se com parado ao que é absorvido pela indústria Por conseguinte ao levar para a indústria os trabalhadores que poderiam produzir eficazmente na terra é 120 TEXTOS SELECIONADOS necessário dotálos de um capital maior Mas esse capital maior poderia ser mais produtivamente aplicado se em vez de ser diluído em todo o aumento anual da população fosse aplicado unicamente numa parte desse aumento o capital mais elevado por trabalhador resultaria numa melhor produtivi dade Assim através dessa diluição do capital deixarseia de obter o au mento da produtividade passível de ser conseguido de outra maneira Com isso somarseia àquela perda direta uma outra que apesar de menos tangí vel não seria menos real E mais não havendo esse aumento da produtividade seria menor o in centivo oferecido pela indústria à mãodeobra mal empregada com o que em vez de utilizála adequadamente o potencial humano estaria sendo preju dicialmente retirado de ocupações altamente produtivas Não se trata de uma eventualidade remota mas de um risco a que estamos continuamente expostos e no qual já caímos algumas vezes por falta de pro gramas de desenvolvimento econômico com objetivos precisos e meios defi nidos para alcançálos O capital é escasso e seria realmente lamentável deixar de investilo onde ele pode aumentar a produtividade total para aplicálo em setores em que ele irá diminuíla Assim não se deve esquecer que quanto maiores forem as exportações da América Latina mais intenso poderá ser o ritmo de seu desenvolvimento eco nômico Mas tampouco se deve descartar a eventualidade de que um possível recrudescimento da política protecionista nos países compradores tenda a deslocar as exportações latinoamericanas substituindoas por sua própria produção Esse seria um fato extremamente lamentável mas se os países latino americanos não conseguissem evitálo não teriam outra solução senão dimi nuir o crescimento de suas importações ou até reduzilas em termos absolu tos a fim de ajustálas às exportações Nessa contingência o aumento da renda KÚper capita seria menor do que teria sido possível concebendose até mes mo uma queda caso esse fenômeno se acentuasse 6 Em tudo isso é preciso levar em conta um fato elementar A Europa perdeu grande parte de seus investimentos no resto do mundo e do ponto de vista da disponibilidade de dólares não é viável esperar que quando houver consegui do sua reconstrução fique em condições de fornecêlos à América Latina Ao 121 CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL contrário ela deverá cuidar atentamente de equilibrar seu intercâmbio Por con seguinte se é possível a um ou outro país isolado reduzir por algum tempo suas importações sem sofrer perceptivelmente em suas exportações para a Europa o conjunto da América Latina não poderia fazer isso por motivos óbvios 7 Ao discorrer sobre o aumento do capital per capita supôsse implicitamente que os estabelecimentos industriais poderiam alcançar uma dimensão satisfatória requerendose para isso um mínimo de produção Até onde tende a ser alcançada essa dimensão nos países da América Latina Neste como noutros casos a di versidade das condições em que eles se encontram impede as generalizações Além disso ainda não se fez nesses países um estudo sistemático da produtivi dade e de sua relação com a dimensão ótima da empresa e da indústria Mas é costume citaremse exemplos pouco lisonjeiros seja da subdivisão de indústrias num número excessivo de empresas de eficiência escassa dentro de um mesmo país seja da multiplicação de empresas de dimensões relativamente pequenas em países que unindo seus mercados para uma série de artigos poderiam con seguir uma produtividade maior Esse fracionamento dos mercados com a ine ficácia que ele acarreta constitui outro dos limites do crescimento da indústria um limite que nesse caso poderia ir sendo ultrapassado pelo esforço con junto de países que por sua situação geográfica e suas modalidades estariam em condições de realizálo com benefícios recíprocos 8 Afirmouse no começo que havia dois meios de melhorar a renda real Um é o aumento da produtividade e o outro o reajuste da renda da produ ção primária para ir atenuando sua disparidade com a renda dos grandes países industrializados O segundo meio só poderá ser conseguido à medida que se for obtendo o primeiro Conforme aumentarem a produtividade e a renda real média da indústria nos países latinoamericanos terá que ir havendo neles um aumen to dos salários da agricultura e da produção primária em geral como ocorreu noutros lugares O resultado será gradativo e se não houver uma certa relação entre o cresci mento respectivo de cada uma das rendas médias nos principais países exporta dores de produtos primários poderão surgir algumas dificuldades certamente inevitáveis nos reajustes dessa natureza sejam eles internos ou internacionais 122 TEXTOS SELECIONADOS A possibilidade de ir ganhando terreno nessa matéria também depende da capacidade de defender os preços da produção primária nas fases cíclicas minguantes que têm sido com freqüência aquelas em que se perdeu no todo ou em parte a participação no fruto do progresso técnico que a periferia cos tuma alcançar na fase crescente Há aí um campo muito propício para a cola boração econômica internacional VIL BASES PARA A DISCUSSÃO DE UMA POLÍTICA ANTICÍCLICA NA AMÉRICA LATINA 1 O ciclo é a forma de crescimento da economia no regime em que vivemos e embora constitua um fenômeno geral que precisa ser explicado com uma única teoria de conjunto ele se manifesta de maneira diferente nos centros cíclicos e na periferia Muito já se escreveu a seu respeito nos centros mas muito pouco no que concerne à periferia apesar dessas manifestações distintas Os breves comen tários que teceremos a seguir não pretendem suprir essa deficiência mas ape nas esboçar algumas idéias de política anticíclica que sendo aceitas em prin cípio poderiam constituir um ponto de partida conveniente para a discussão desse problema É claro que para que essa discussão não se realize num plano abstrato seria necessário examinar o caso particular de cada país a fim de averiguar se sua estrutura econômica e as condições em que ele se encontra permitem seguir essas idéias ou antes recomendam a exploração de outras formas de atuar sobre o ciclo 2 É conhecido o propósito do governo dos Estados Unidos de adotar reso lutamente uma política anticíclica Mas não parece recomendável buscar um apoio exclusivo no que faz o centro cíclico principal pois a ação constante dos países da periferia poderia ser muito oportuna no caso de uma contração naquele país Devemos portanto prepararnos para desempenhar nosso pa pel no esforço conjunto 123 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Nos centros a política inspirada nesse objetivo procura atuar sobre o vo lume dos investimentos aos quais é atribuído o papel dinâmico no movimento ondulatório Não é isso o que acontece na periferia Nesta esse papel cor responde às exportações E isso não é de estranhar uma vez que as alternati vas às exportações refletem as da renda dos centros as quais como se sabe variam em estreita interdependência com os referidos investimentos Certamente não está ao alcance da periferia influir em suas exportações da mesma maneira que os centros se propõem regular suas inversões13 Portanto é preciso buscar outro tipo de medidas para evitar as conseqüên cias mais graves do ciclo na atividade interna de nossos países Convém antes de mais nada descartar a idéia de que o desenvolvimento industrial em si os torna menos vulneráveis a esses fenômenos Seria preciso que as exportações atingissem uma proporção muito pequena da renda nacional para que isso acontecesse Nesse caso entretanto o país já teria deixado de ser periférico convertendose num centro cíclico e se com isso ele diminuiria sua vulnerabilidade externa teria adquirido em contrapartida os elementos típi cos inerentes ao sistema que provocam o movimento ondulatório dos centros Tendemos mais a crer que o desenvolvimento industrial tornará mais perceptíveis as conseqüências do ciclo ao acentuar o movimento oscilatório do emprego nas zonas urbanas Num país essencialmente agrário as depres sões se manifestam mais na queda da renda rural do que no desemprego e mais em muitos de nossos países foi possível observar durante a grande de pressão mundial como o campo tornou a absorver pessoas que antes haviam partido em busca de trabalho nas cidades O desemprego se dilui por assim dizer O mesmo não seria esperável depois de a indústria haver concentrado massas relativamente grandes nas cidades nesse caso o problema cíclico do desemprego adquiriria graves projeções sociais Caberá concluirmos disso que a industrialização tem uma desvantagem do ponto de vista cíclico Ela a teria se a atividade econômica ficasse entregue a suas próprias forças Não sendo assim o desenvolvimento da indústria pode converterse num dos elementos mais eficazes da política anticíclica 3Estamonos referindo à impossibilidade de modificar por nossa própria ação a forma como as expor tações variam mas não aos efeitos que poderiam ser obtidos mediante a regulação dos excedentes de produtos a que nos referimos no final 124 TEXTOS SELECIONADOS 3 Examinaremos brevemente as diferentes possibilidades que se apresentam numa delas talvez a mais difundida tratase de atenuar ou contrabalançar os efeitos das oscilações da exportação na atividade interna mediante uma polí tica de caráter compensatório que faça os investimentos variarem principal mente nas obras públicas num sentido inverso ao das citadas oscilações Essa política traz consigo algumas exigências Na fase cíclica crescente aumenta a arrecadação de impostos e o mercado fica propício à colocação de títulos públicos Apesar disso o Estado deveria não apenas absterse de empregar esses recursos maiores na ampliação de seus investimentos públicos como teria também que restringilos de acordo com o aumento do emprego privado A fase crescente portanto seria uma época de acumulação previdente de recur sos para os tempos difíceis ou de utilização desses recursos na quitação dos créditos bancários a que se houvesse recorrido na contração anterior Basta a menção dessas exigências para nos darmos conta da dificuldade de cumpri las Justamente por esses países estarem em pleno desenvolvimento há sem pre projetos de investimentos muito superiores aos que são realizáveis com os meios limitados de que se dispõe Pretender que havendo um aumento des ses recursos e surgindo a possibilidade de executar tais projetos os homens de governo em vez de fazer isso acumulassem recursos para o futuro um futuro do qual talvez seus sucessores viessem a desfrutarsignificaria fazer o sucesso da ação anticíclica depender de atitudes que nem sempre se com patibilizam com interesses políticos respeitáveis Mas existem ainda outros inconvenientes entre eles o que se relaciona com a flexibilidade dos planos seria preciso alternadamente ampliar e com primir os investimentos de acordo com o ciclo o que não é fácil de conseguir E além disso seria preciso poder contar com o deslocamento imediato de mãodeobra das atividades mais afetadas pela depressão para os investimen tos públicos Tudo isso embora não leve a rejeitar essa possibilidade de ação anticíclica aconselha pelo menos a explorarmos outros caminhos que sejam mais recomendados por nossas modalidades 4 Há um interesse em que a atividade interna se desenvolva com um alto grau de emprego a despeito do movimento cíclico das exportações É bem conhecida a maneira pela qual esse movimento faz a atividade interna aumentar e diminuir Quando aumentam as exportações cresce a demanda interna e 125 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL sobe o nível do emprego e da renda e o aumento da renda por sua vez faz aumentarem as importações que com isso tendem ainda que com atraso a se ajustar às exportações Assim se desenrola a fase ascendente do ciclo em nossos países Na descendente ocorrem fenômenos inversos a queda das ex portações provoca uma redução da renda e do emprego com a conseqüente queda das importações Suponhamos agora que no curso desses fenômenos tenhase chegado ao ponto mínimo da atividade interna O emprego decresceu e a renda dimi nuiu correlativamente de um máximo de 10000 digamos para um mínimo de 7500 desses 7500 20 ou seja 1500 são gastos em importações ne cessárias para atender juntamente com a produção local às necessidades cor rentes da população e essas importações só podem ser pagas com a quantida de mínima a que ficaram reduzidas as exportações Se para tornar a levar o emprego e a renda ao máximo se adotasse uma política de expansão semelhante à preconizada nos grandes centros aumentariam imediatamente as importações se é que esse coeficiente ainda não se houvesse modificado Assim quando a receita chegasse a 10000 as importações seriam de pelo menos 2000 e se as exportações se manti vessem num nível próximo dos 1500 citados haveria um desequilíbrio que em prazo relativamente curto reduziria as reservas monetárias a pro porções exíguas Digase de passagem que nos centros é difícil conceber contratempos semelhantes na fase descendente pois é precisamente nelas que aflui para es ses centros o ouro que sai dos países periféricos Por conseguinte não pareceria possível nesses países na falta de recursos extraordinários desenvolver uma política de expansão que tendesse a aumen tar o emprego sem reduzir ao mesmo tempo o coeficiente de importações A possibilidade de fazer isso é limitada por obstáculos de importância variável em cada país Consideremos para facilitar o raciocínio que se tenha conseguido superálos e reduzir gradativamente a quota de importações de 20 para 15 através de modificações tarifárias Graças a isso o emprego e a renda terão podido crescer sem aumentar as importações além do mínimo de 1500 em torno do qual se mantêm as exportações de maneira que terá sido possível alcançar o máximo de emprego sem perturbar o equilíbrio da balan ça de pagamentos 126 TEXTOS SELECIONADOS Portanto em virtude da mudança do coeficiente necessitase agora de menos 500 importações para atender às necessidades atuais da população nesse nível máximo de emprego O problema terá consistido portanto em produ zir internamente essa quantidade quer se trate de produtos finais de consu mo quer das matériasprimas indispensáveis para produzilos Mas nem todo consumo corresponde ao tipo de necessidades correntes que são atendidas em sua maior parte por artigos de consumo imediato ou de duração relativamente curta O progresso da técnica nos grandes países industrializados como foi assinalado noutro lugar foi criando novas necessi dades de bens de consumo duráveis que precisam ser importados Esses arti gos portanto passam a ser imprescindíveis à medida que se eleva o padrão de vida Mas isso não significa que sua importação não possa ser drastica mente reduzida nas ocasiões em que a queda das exportações permite apenas pagar pelas importações essenciais Justamente por se tratar de bens duráveis parece possível comprimir sua importação na medida exigida pela intensida de da fase decrescente caso se tenha podido importálos sem nenhuma limi tação na fase crescente anterior O mesmo se pode dizer a respeito dos bens de capital Se tiver sido possí vel cobrir suas necessidades na fase crescente será possível nesse momento restringir temporariamente sua importação A esse respeito convém levar em conta que ao se reduzir o coeficiente de produtos e matériasprimas direta ou indiretamente destinados às necessidades vigentes passa a haver uma mar gem maior do que antes para as importações desses bens de capital duráveis bem como para os bens de consumo duráveis Por último existem artigos de consumo não essenciais para as necessida des presentes mas cuja importação é relativamente intensa em épocas de pros peridade é evidente que sua redução nas fases de escassez de divisas não pode trazer em si maiores inconvenientes Em síntese as importações se dividem em duas categorias no que concerne a essa política Por um lado existem as de caráter impostergável formadas por produtos e materiais indispensáveis para atingir o máximo de emprego com o mínimo de exportações e por sua vez assegurar o atendimento das necessidades correntes E por outro existem as importações de bens duráveis de consumo ou de capital que por sua natureza podem ser adiadas assim como as importações de artigos não essenciais para o consumo atual 127 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Prossigamos agora com nosso exemplo Já se havia chegado ao máximo de emprego graças à política adotada Entrementes porém as exportações volta ram a crescer impulsionadas por uma nova fase crescente Com isso a deman da dos produtos primários que também havia caído para seu mínimo cíclico torna a aumentar à medida que se eleva sua renda junto com o aumento do valor das exportações Quando se está num nível de emprego máximo é evi dente que esse aumento da demanda tem que provocar necessariamente um aumento correlato das importações Os preços também se elevam numa certa medida com o conseqüente aumento em benefício dos empresários Isso tam bém faz com que se eleve a demanda destes e aumenta igualmente as importações Por conseguinte o aumento comum da renda provocado pelo incremen to das exportações acima de seu mínimo cíclico não tarda a se transformar numa ou noutra forma de aumento das importações sem afetar o nível de emprego interno 5 Convém ter em mente que reajustar o coeficiente de importações não sig nifica diminuílas As importações terão a mesma magnitude quer esta polí tica anticíclica seja ou não adotada uma vez que em última instância elas dependem das exportações e dos investimentos estrangeiros Será preciso ape nas modificar sua composição para atingir a meta buscada Resumidamente essa mudança consiste no seguinte um país periférico no mínimo cíclico das exportações só pode pagar por um volume relativa mente pequeno de importações Esse volume não permite importar tudo o que é necessário para manter um grau máximo de emprego Assim é preciso modificar a composição das importações e correlativamente a estrutura e o volume da produção interna para atender às necessidades correntes da popu lação sustentando um máximo de emprego Enquanto as exportações permanecerem em seu nível mínimo só pode rão realizarse as importações essenciais para manter o nível de emprego e consumo atual Quando elas tornarem a crescer ciclicamente no entanto terá chegado o momento de realizar as importações adicionais exigidas pelo cres cimento da demanda Assim enquanto as importações essenciais para as necessidades correntes da população seguem o ritmo relativamente lento do crescimento orgânico do país as dos artigos postergáveis ficam sujeitas à flutuação das exportações 128 TEXTOS SELECIONADOS 6 Há pouco ao explicar como a redução do coeficiente de importações rela tivas ao consumo corrente é indispensável para a adoção de uma política anticíclica fizemos referência aos obstáculos que é preciso vencer para lograr isso Tais obstáculos são de natureza diferente Antes de mais nada a substituição das importações pela produção interna geralmente requer a elevação das tarifas alfandegárias em virtude do custo mais elevado que costuma ter Por esse ponto de vista haveria uma perda efetiva de renda real Por outro lado entretanto a perda de renda provocada pelas oscilações cíclicas do emprego costuma ser enorme É muito provável que na maior parte dos casos o que se ganha coletivamente ao dar estabilidade ao emprego seja muito maior do que o que se perde com o custo mais elevado da produção in terna Entretanto é concebível que a precariedade dos recursos naturais e a inefi ciência da mãodeobra ou da direção técnica sejam tais que a perda pelo aumento do custo absorva uma parcela excessiva do aumento da renda real resultante do maior nível de emprego Não se pode negar a gravidade desse obstáculo Por outro lado essa substituição das importações pela produção interna requer a importação de bens de capital com a conseqüente necessidade de poupança enquanto se efetua a redução do coeficiente Mesmo no caso favo rável de ela poder ser obtida internamente será indispensável para importar esses bens de capital comprimir ainda mais o coeficiente das importações relativas ao consumo corrente com um encarecimento maior desse consu mo Aí está o segundo obstáculo que sem dúvida poderia ser aliviado me diante a cooperação de entidades internacionais de empréstimo que assim teriam a oportunidade de demonstrar que suas operações anticíclicas ao mesmo tempo que favorecem os países periféricos contribuem para manter nos países centrais a demanda de bens de capital Finalmente uma política anticíclica dessa natureza poderia exigir deslocamentos de fatores produtivos que nem sempre são fáceis de realizar Mas o aumento da população em idade produtiva e a utilização daquela que está mal empregada como já foi explica do em outro capítulo poderiam atenuar grandemente esses inconvenientes 7 Em nossos países o ponto mínimo da curva flutuante das exportações e investimentos estrangeiros foi subindo em ciclos sucessivos Com isso não se quer dizer que eles não possam cair a um nível inferior ao mínimo do ciclo precedente isso não ocorre com freqüência mas já aconteceu por exemplo 129 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL durante a grande crise mundial Se tal fato se repetisse só seria possível man ter um alto nível de emprego na medida em que houvesse reservas monetárias suficientes para cobrir o excesso de importações essenciais em relação às ex portações mínimas ou na medida em que as entidades internacionais de empréstimo pudessem cumprir sua missão anticíclica14 8 Já se assinalou a necessidade de reduzir as importações de bens duráveis na fase decrescente do ciclo Será imprescindível dispor de um sistema de controle cambial para conseguir isso O aumento da demanda desses artigos como já se viu provém principalmente das receitas correspondentes ao aumento das expor tações de maneira que não sendo agregado a essa demanda um aumento exage rado proveniente da expansão do crédito não haveria necessidade de medidas restritivas a não ser que houvesse uma queda acentuada dos preços de exporta ção na fase cíclica descendente Tais medidas só seriam necessárias se a expansão fosse exagerada ou se as exportações mínimas caíssem abaixo das importações essenciais e não se dispusesse de recursos extraordinários para pagálas Nesse caso o dilema ficaria claro reduzir ainda mais o coeficiente dessas importações essenciais somando uma nova carga à dos consumidores pela proteção adicional que isso implicaria ou restringir deliberadamente as im portações dos artigos postergáveis mediante o controle cambial Mesmo assim não é difícil conceber um país em que a propensão muito acentuada a importar produtos não essenciais seja incompatível com as im portações elevadas de bens de capital exigidas pelo desenvolvimento acentua do da economia Nesse caso o controle cambial poderia ser um instrumento seletivo eficaz sem prejuízo de outros expedientes De qualquer modo para esses casos especiais são concebíveis procedi mentos simples de controle nos quais se deixa por conta do jogo da oferta e da procura distribuir as licenças para a realização dessas importações de acor do com a quantidade de câmbio que se resolva destinar a elas Por outro lado é evidente que quando um país incorre numa política de crédito excessiva ele se vê forçado a optar entre a desvalorização monetária ou um sistema de controle cambial que cobrindo essa desvalorização transfiraa Ver a esse respeito as opiniões do Dr Hermann Max em Significado de un Plan Marshall para América Latina 130 TEXTOS SELECIONADOS inflacionariamente para a atividade interna Nesse caso estarseia usando um instrumento eficaz de política anticíclica como instrumento de política antiinflacionária Na realidade todos os recursos da política monetária po dem ser igualmente empregados para o bem ou para o mal Com o agravante de que nem sequer se teria a justificativa do desemprego uma vez que se ha veria alcançado o nível máximo de ocupação sem dispor de desculpas válidas para dar continuidade à expansão do crédito 9 Mencionouse anteriormente o caso extremo em que o mínimo cíclico de exportações não é suficiente para cobrir as importações essenciais Nele as reservas monetárias desempenhariam sua função específica Convém portanto que nos detenhamos por um momento para examinar esse conceito Na fase crescente as reservas aumentam e na decrescente perdem grande parte do que haviam ganhado e perdem tanto mais quanto maior tiver sido a expansão do crédito Esse fenômeno é facilmente compreensível quando se leva em conta que as importações estão sempre na esteira das exportações em nossos países periféricos Em decorrência disso e do movimento semelhante nas outras parcelas da balança de pagamentos o ativo na fase crescente ul trapassa o passivo com a conseqüente entrada de ouro ou divisas ao passo que na fase decrescente observase o inverso Não é demais recordar a explicação teórica desse interessante processo O ouro ou as divisas que afluem na fase crescente tendem a tornar a sair em virtude do movimento circulatório das receitas correspondentes As divisas que entram por causa de um aumento das exportações por exemplo têm sua contrapartida numa elevação equivalente da renda essa elevação da renda cir cula internamente transformandose em outras rendas contudo a cada eta pa desse processo circulatório uma parte se traduz numa demanda adicional de importações de maneira que o volume original vaise reduzindo cada vez mais É assim que as divisas que entram tendem a sair O tempo de demora de sua saída depende entre outros fatores da magnitude da quota de impor tações e de outras parcelas passivas Quanto maior é essa quota tanto mais rápida é a saída do mesmo modo que esses outros fatores O fato de essa evasão de divisas não ser perceptível nas fases cíclicas cres centes desses países não deve causarnos estranheza Ocorre que enquanto 131 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL dura a fase crescente as novas divisas incorporadas compensam de sobra nas contas internacionais do país as divisas que saem e há um saldo líquido de ouro a favor do país Todavia quando chega a fase minguante e as exporta ções e outras parcelas ativas decrescem em vez de crescer as divisas que saem ultrapassam as que continuam entrando e as reservas monetárias vão perden do parte do ouro que haviam ganhado Assim ao final de cada ciclo resta um aumento líquido do ouro que re presenta a participação do país na distribuição mundial da nova produção do metal monetário É uma cifra relativamente pequena portanto e que depen de a longo prazo do ritmo de crescimento econômico do referido país e de seu coeficiente de importações e outras parcelas passivas em relação ao resto do mundo Quando os coeficientes não variam o país que tem um ritmo de cresci mento mais intenso do que o geral tende a expelir uma parte do aumento líquido de ouro que de outro modo poderia caberlhe e essa parte que ele perde é tanto maior quanto mais acentuada é a discrepância entre os ritmos de crescimento através das oscilações cíclicas É bem possível que o acréscimo de ouro que assim se vai agregando às reservas monetárias de um país com o correr do tempo não seja suficiente para enfrentar as conseqüências de uma redução das exportações numa de pressão extraordinariamente intensa É claro que uma compressão do coefi ciente global de importações poderia contribuir para reter uma quantidade maior de ouro em tempos favoráveis a fim de melhor arcar com uma eventua lidade desse tipo Também caberia constituir reservas monetárias adicionais através de ope rações de poupança na medida em que se poupa e se deixa de investir uma parte da renda circulante não se transforma em importações e por conseguinte não dá lugar a uma saída de ouro Retémse uma quantidade de ouro igual à poupança Isso poderia ser feito por exemplo se o banco central emitisse tí tulos na fase crescente e retivesse o dinheiro correspondente para tornar a emiti lo na fase decrescente contra o dinheiro assim retido haveria uma reserva adicional que junto com a preexistente e com a participação na partilha mundial do ouro poderia aliviar a pressão monetária caso as exportações mínimas não conseguissem cobrir as importações essenciais 132 TEXTOS SELECIONADOS Não nos escapa o fato de que construir com a poupança uma reserva adi cional em países que necessitam importar grandes quantidades de bens de capital não é uma solução animadora Mas é evidente que se um país tivesse o caminho livre para obter créditos internacionais numa fase descendente demasiadamente intensa ele poderia empregar mais ouro na fase crescente para importar bens de capital em vez de retêlo como já foi visto Com efei to é concebível que isso pudesse vir a acontecer se em algum momento fos se possível elaborar um programa global de ação anticíclica na periferia den tro do qual o país que houvesse seguido uma política sadia pudesse contar com o grau necessário de colaboração das entidades internacionais no declínio cíclico É muito compreensível que enquanto havia um processo inflacionário em desenvolvimento no centro principal não se tenha julgado conveniente acentuálo com operações de crédito internacional além das exigidas pelas necessidades urgentes da Europa Mas se viesse a produzirse uma contração a situação seria diferente e teria chegado o momento oportuno de entrar numa política anticíclica geral sem as contradições que traria consigo a ação unila teral de cada um de nossos países 10 A ação internacional não deve ficar limitada à esfera do crédito pois há também outros meios eficazes de lutar contra a depressão nos países da peri feria Muito se discutiu sobre a compra dos excedentes dos produtos primá rios É sabido que na fase descendente a produção agrícola cai muito menos do que a industrial Há entre os centros e a periferia um interesse comum em que ela não caia sensivelmente pois isso retardaria a recuperação dos primei ros Daí o efeito benéfico que pode ser exercido por uma política criteriosa de compra dos excedentes na medida em que possa atenuarse dessa maneira a queda cíclica das exportações dos países produtores menor será também o declínio de suas importações e por conseguinte menos intensa será a redu ção da demanda nos países industrializados Essa medida reguladora teria uma outra virtude Ao se conter com as re feridas compras a queda exagerada dos preços dos produtos primários terse ia contribuído para que a relação entre eles e os produtos finais não tendesse a se voltar sistematicamente contra os países da periferia como já foi explica do em outro ponto 133 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL 11 A característica que acabamos de mencionar segundo a qual a produção agrícola cai muito menos do que a industrial ou quase não se reduz foi leva da em conta ao serem anteriormente esboçadas estas bases para a discussão de uma política anticíclica Supusemos ali que a redução das exportações trazia consigo a diminuição das receitas no setor da produção primária mas sem nos referirmos ao possível desemprego rural A fase descendente manifestase mais na queda dos preços do que na contração da produção Mas com isso ao diminuírem os lucros rurais diminuem também os investimentos no cam po provocando um certo desemprego Portanto o fato de não se julgar viável uma política compensatória geral pelas razões expostas no início deste capítulo não significa que não haja ne cessidade de atividades compensatórias parciais É inevitável a flutuação em certos tipos de investimentos mesmo quando se aplica com eficácia uma política anticíclica De fato vimos que ao aumentarem os lucros dos empre sários industriais aumentam suas importações de bens decapitai Mas os novos equipamentos requerem a construção de instalações e outras melhorias que absorvem mãodeobra na fase crescente e a deixam disponível na minguan te o mesmo acontecendo com os investimentos rurais Isso não representa um obstáculo intransponível Uma das vantagens po sitivas de não ter que seguir uma política compensatória de obras públicas e investimentos em geral é poder planejar o desenvolvimento estável de acordo com as necessidades crescentes do país e com a magnitude da poupança que seja destinada a elas Assim o montante total das construções pode ir cres cendo de ano para ano sem as intensas oscilações que seriam exigidas por uma política compensatória Todavia dentro desse desenvolvimento progres sivo caberiam perfeitamente alguns reajustes parciais Por exemplo os créditos hipotecários para a construção privada poderiam diminuir na fase crescente a fim de liberar mãodeobra para a construção industrial Na decrescente em contrapartida poderiam ser concedidos créditos adicionais para as cons truções e os investimentos agrícolas em geral 12 O que acaba de ser expresso neste capítulo está muito longe de constituir um programa de política anticíclica Quisemos apenas expor o problema em seus termos principais e provocar sua discussão destacando ao mesmo tem po algumas diferenças entre as manifestações cíclicas dos centros e da perife ria que nos obrigam a elaborar nosso próprio planejamento 134 TEXTOS SELECIONADOS Além disso teria sido muito incompleta a exposição que nos havíamos proposto ao fazer este esboço dos principais problemas pertinentes ao nosso desenvolvimento econômico se não dedicássemos atenção à política anticíclica Essa política é um complemento indispensável da política de desenvolvimen to econômico a longo prazo pois a indústria como já foi dito faz com que se evidencie a vulnerabilidade da periferia às flutuações e contingências do cen tro Não basta aumentar a produtividade com isso absorvendo fatores de sempregados e mal empregados Também é preciso evitar que uma vez alcançada a ocupação produtiva de seus fatores eles tornem a ficar desempre gados por obra das flutuações cíclicas Mas essas políticas são ambas compatíveis não apenas com a meta que se almeja alcançar mas também com os meios de atingila pois ambas reque rem o reajuste do coeficiente de importações A política anticíclica assim o exige para que o país possa satisfazer suas necessidades correntes de maneira estável e manter o máximo de emprego apesar das exportações flutuantes Justamente as indústrias e atividades que atendem a essas necessidades são as que nossos países podem implantar com menos dificuldade graças a um mercado que se amplia cada vez mais à medida que o incremento da produ tividade vai aumentando o consumo Alcançando esse objetivo o país estaria em condições de suportar os tempos adversos sem prejuízo de seu consumo corrente e de seu emprego Para isso não é preciso forçar a criação de indús trias de capital Se o grau de desenvolvimento industrial destreza técnica e acumulação de poupança levar o país a isso espontaneamente sem dúvida será muito animadora essa comprovação de maturidade No entanto havendo muito campo disponível para aumentar a produtividade das atividades desti nadas ao consumo corrente não se compreende qual seria a razão econômica para seguir esse caminho Do ponto de vista do desenvolvimento econômico a elevação máxima do padrão de vida depende da produtividade e esta depende em grande parte de máquinas mais eficientes Por outro lado é também nos bens de consumo du ráveis que o progresso técnico vai oferecendo permanentemente novos produ tos ou novas modalidades que aumentem sua eficácia Assim parece conveni ente importar esses produtos na medida em que se possa fazêlo com exportações ou conforme o caso com investimentos estrangeiros no que diz respeito aos bens de capital dentro de um programa geral de desenvolvimento econômico 135 CINQÜENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL Do ponto de vista anticíclico além disso as importações desses artigos oferecemnos um meio de fazer com que incidam exclusivamente sobre eles as conseqüências da oscilação das exportações Todas estas são considerações gerais que por seu próprio caráter não poderiam responder a casos particulares O fato de este ou aquele país empe nharse em implantar essas indústrias de bens duráveis na fase inicial de seu desenvolvimento industrial pode obedecer a razões especiais que seria preci so analisar criteriosamente Neste como em muitos outros casos vemonos com um conhecimento precário da estrutura econômica de nossos países sua forma cíclica de cresci mento e suas possibilidades Se conseguirmos realizar a investigação delas com imparcialidade científica e estimular a formação de economistas capazes de irem captando as novas manifestações da realidade prevendo seus problemas e colaborando na busca de soluções teremos prestado um serviço de impor tância incalculável para o desenvolvimento econômico da América Latina 136