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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES RECIFE 2025 ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Tese apresentada para obter nota no componente curricular Projeto de TCC requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco Direito Civil Direito da Família e Sucessões Direito Constitucional RECIFE 2025 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 4 2 PROBLEMATIZAÇÃO 7 3 OBJETIVOS 8 31 OBJETIVO GERAL 8 32 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 8 33 METAS 8 4 JUSTIFICATIVA 9 5 METODOLOGIA 10 51 MÉTODO 10 52 TÉCNICA DE PESQUISA 10 53 ANÁLISE DE DADOS E REFERENCIAL TEÓRICO 10 6 ROTEIRO PROVISÓRIO 11 7 CRONOGRAMA 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12 4 1 INTRODUÇÃO A convivência entre humanos e animais de estimação evoluiu para muito além da posse ou da guarda Cada vez mais observase uma relação permeada por afeto cuidado mútuo e vínculos emocionais profundos a ponto de muitos se identificarem como pais ou mães de pet Tratase de uma conexão afetiva profunda marcada por convivência diária e muitas vezes por um vínculo semelhante ao da parentalidade É nesse contexto que surge o conceito de família multiespécie uma formação familiar composta por humanos e animais não humanos unida não por laços biológicos mas por afetividade Silva 2020 Diante disso é natural que muitos tutores desejem garantir a continuidade do bemestar de seus animais após sua própria morte incluindoos em testamentos ou prevendo meios específicos de proteção Surge então a indagação o ordenamento jurídico brasileiro permite que um animal não humano receba herança E ainda seria isso necessário No âmbito do Direito Civil brasileiro Venosa 2003 explica que os animais não são considerados sujeitos aptos a herdar visto que o Código Civil estabelece que apenas pessoas sejam naturais ou jurídicas podem figurar como herdeiras legítimas ou testamentárias Para Dantas Tannure e Freitas 2022 essa limitação decorre da ausência de personalidade jurídica atribuída aos animais impedindoos de serem titulares diretos de direitos sucessórios Tratase de um reflexo de uma visão antropocêntrica dominante que desconsidera os avanços éticos e científicos no reconhecimento da senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções Singer 1975 Apesar da rigidez normativa a prática jurídica vem demonstrando uma evolução significativa Os tribunais brasileiros já reconhecem por exemplo o direito à guarda e convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar Brasil e Costa 2022 Além disso há decisões que asseguram a proibição de maustratos e impõem penalidades em caso de violação desse direito Ravazzano e Falcão 2023 Em outras situações reconhecese o direito de manter animais em condomínios mesmo diante de cláusulas restritivas Oliveira e Dias 2023 bem como a possibilidade de prestação de alimentos para garantir a subsistência do animal STJ REsp 1944228RS 2022 Há também decisões que legitimam ações coletivas em favor dos animais com base na defesa de interesses difusos Cardin e Souza 2017 A ideia de incluílos em testamentos portanto não é absurda ao contrário pode ser uma extensão coerente dessa lógica de proteção A jurisprudência e a doutrina já sinalizam que por meio da autonomia privada o testador pode dispor de parte de seus bens para 5 beneficiar um animal desde que a disposição se dê com a fixação de um encargo a um herdeiro ou legatário humano Farias Rosenvald 2017 Esses avanços demonstram que mesmo sem personalidade jurídica os animais já são considerados sujeitos de direitos em determinadas situações reconhecendose sua dignidade e necessidade de tutela Silva 2009 Nesse contexto a inclusão de animais em testamentos não é apenas juridicamente possível ainda que de forma indireta mas também coerente com a lógica de proteção crescente conferida a eles Chagas 2011 Sabese que a figura do testamento não se resume unicamente à transmissão de bens e direitos mas também a disposições de natureza não econômica Assim esse instrumento jurídico pode regular em respeito às últimas vontades da pessoa questões como disposição do corpo humano para fins altruísticos ou científicos art 14 do Código Civil reconhecimento de filhos art 1609 deserdação art 1961 criação de fundações art 62 nomeação de tutores art 1729 parágrafo único entre outros A jurisprudência e a doutrina admitem que o testador disponha de parte de seus bens em benefício de um animal desde que o faça por meio da nomeação de um herdeiro ou legatário humano ao qual seja imposto o encargo de cuidar do animal com os recursos transmitidos Farias e Rosenvald 2017 Essa solução evita que o animal seja reconhecido como herdeiro direto o que contraria a estrutura legal vigente mas garante a ele cuidados alimentação abrigo e atendimento veterinário por meio de um legado com finalidade específica Tartuce 2014 Destarte já existem mecanismos jurídicos possíveis para aplicação da proteção aos animais de estimação caso essa seja a vontade do tutor Entre eles a criação de fundação testamentária art 62 do Código Civil a instituição de encargos à herança a constituição de renda vitalícia art 803 ou até mesmo o direito real de habitação art 1414 garantindo proteção e segurança ao animal após o falecimento do tutor Podese inclusive nomear outros herdeiros ou legatários para fiscalizar o cumprimento do encargo A proposta legislativa em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1792023 visa consolidar essa prática ao prever instrumentos legais que permitam a destinação de recursos patrimoniais em favor dos animais assegurando sua manutenção e bemestar sem necessariamente conferirlhes a titularidade dos bens Brasil 2023 A justificativa do projeto parte do reconhecimento dos animais como integrantes da família multiespécie conferindolhes um estatuto especial de cuidado e proteção sem equiparálos juridicamente a filhos mas reconhecendo sua centralidade na estrutura afetiva Dantas Tannure e Freitas 2022 A proposta não objetiva enriquecer o animal mas sim assegurarlhe 6 dignidade e qualidade de vida após a morte de seu tutor preservando o padrão de cuidados com base no vínculo afetivo previamente estabelecido Importante destacar que ao menos a confecção de testamento já seria um mecanismo apto a se bem elaborado trazer proteção aos animais de estimação eis que se pode criar diversos encargos aos herdeiros para o cuidado dos animais Todavia na realidade brasileira o testamento é pouco usual pelas pessoas seja por medo da morte desconforto com o assunto motivo econômico antes seu elevado preço razões religiosas ou pela completude legislativa na sucessão legítima Farias Rosenvald 2017 p 380 Por esse motivo entendese a necessidade de criar obrigações legais decorrentes do recebimento de herança consistentes nos cuidados dos animais de estimação sob pena de deserdação e indignidade hipótese que poderia ser acrescida ao art 1814 do Código Civil Tal hipótese representaria um marco regulatório e protetivo aos direitos dos animais Isso tornaria desnecessário até o reconhecimento de legitimidade passiva sucessória aos animais de estimação Tal raciocínio vai ao encontro da qualificação de um dever ético e de piedade no bom trato dos animais Gomes Chalfun 2006 p 859 e traz uma concepção de direito à cidadania de forma reflexa consistente no reconhecimento de um dever humano em proteger os direitos dos animais Lehfeld Campos Ferreira 2020 p 100 Ao fundo com a criação da referida obrigação legal além de prestigiar e reconhecer o direito dos animais também é um modo de entender a dor a fome os problemas as frustrações os medos e os desejos do outro Prado Santin Cerbelera Neto 2023 p 61 Ao se comportar com vistas a abafar as angústias e preocupações do outro sem dúvidas é caminhar para um sistema jurídico mais justo Portanto através da sensibilidade assumir sua responsabilidade e se fazer ético O Direito como instrumento de Justiça deverá ter como objetivo metafísico a regulamentação de relações jurídicas pautadas na ideia da ética da alteridade O Direito não terá uma feição ética humana e fraterna se promover a superioridade de um homem perante o outro homem Enfim o Direito em Lévinas é o Direito do outro homem o Direito da ética como alteridade absoluta primordial Prado Santin Cerbelera Neto 2023 p 74 Ademais na linha da alteridade a natureza pode ser considerada como Outro em relação ao Eu humano para efetiva proteção à natureza e aos seres vivos na visão biocêntrica podendo ser enquadrado especificamente o animal não humano como Outro inclusive como reforço ao desenvolvimento sustentável Neste sentido entendem Lara Caxico Martins e Valter Santin que A necessidade de rediscutir a relação existente entre indivíduo e natureza se faz necessária já que em conjunto com o progresso vieram danos ambientais imensuráveis Tanto pelo aspecto da importância de cada ator nas interrelações 7 quanto em vistas da manutenção do próprio universo é essencial criar uma nova forma de o Eu humano ver o Outro natureza propôsse a introdução do biocentrismo como ponto de partida para promover uma nova conexão entre os seres bióticos e abióticos Martins Santin 2024 p 18 Carla Bertoncini e Bruna Pavelski anotam a questão da alteridade ambiental ao apontar a necessidade de ver a natureza não apenas como mera provedora dos seres humanos mas entender que ela também faz parte da humanidade Bertoncini Pavelski 2023 p 14 Destarte preocuparse com os animais de estimação do falecido e darlhes assistência material para a continuidade do seu bemestar é uma conduta de respeito aos direitos dos animais e forma de alteridade pelo prosseguimento do cumprimento do dever de responsabilidade pelos herdeiros em consonância com os sentimentos do falecido para com seu animal de estimação Embora o atual Código Civil ainda trate os animais como coisas o que tem sido fortemente criticado Dantas Tannure e Freitas 2022 existem caminhos jurídicos viáveis hoje para garantir proteção pósmorte ao animal de estimação E mais do que isso há um movimento crescente tanto na doutrina quanto no legislativo no sentido de adaptar o sistema sucessório à realidade de famílias que reconhecem na convivência com seus animais laços afetivos tão significativos quanto aqueles mantidos com outros seres humanos Abilio 2015 A questão não é se o animal deve ser herdeiro no sentido técnico mas como garantir de forma eficaz o respeito à sua dignidade e bemestar ainda que por via indireta O Direito como construção humana e social precisa acompanhar as transformações dos vínculos e afetos E isso inclui sim repensar o lugar dos animais na sucessão patrimonial Mendoza Martinez e Rincón 2022 2 PROBLEMATIZAÇÃO A crescente valorização dos laços afetivos entre humanos e animais de estimação tem impulsionado discussões relevantes no campo do Direito especialmente no que tange à sucessão patrimonial No entanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda não reconhece os animais como sujeitos de direito com capacidade sucessória o que impede sua inclusão direta como herdeiros ou legatários em testamentos Diante desse cenário questionase seria possível proteger juridicamente os interesses de um animal de estimação após a morte de seu tutor por meio da utilização do legado com encargo Tratase de investigar se essa ferramenta 8 jurídica pode ser legitimamente utilizada para assegurar de forma indireta o bemestar e a subsistência dos animais que compõem a chamada família multiespécie Nesse contexto emergem problemas correlatos relevantes até que ponto o legado com encargo é eficaz e seguro para garantir a proteção dos animais após o falecimento do tutor Existem precedentes jurisprudenciais ou propostas legislativas que validem essa prática E mais a consolidação do conceito de família multiespécie seria suficiente para justificar uma reinterpretação das normas sucessórias vigentes com vistas à inclusão de novos destinatários de tutela indireta Essas indagações revelam a tensão entre a tradição civilista que ainda trata os animais como bens sem personalidade jurídica e a necessidade de adaptação do Direito à realidade social e afetiva contemporânea 3 OBJETIVOS 31 OBJETIVO GERAL Analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório destinado à proteção de animais de estimação no Brasil 32 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais de estimação no ordenamento civil brasileiro Investigar as formas de planejamento sucessório compatíveis com a tutela indireta dos animais Estudar decisões judiciais e propostas legislativas relacionadas ao tema Avaliar a compatibilidade do legado com encargo com os princípios constitucionais da dignidade e da afetividade 33 METAS Analisar criticamente a evolução do status jurídico dos animais no Direito brasileiro confrontando a visão tradicional animais como coisas com as novas perspectivas biocêntricas e multiespécies 9 Identificar os principais desafios jurídicos e práticos para a aplicação do legado com encargo art 1932 do CC em favor de animais de estimação Desconstruir a noção limitada de que animais não podem ser beneficiários indiretos em planejamentos sucessórios demonstrando soluções viáveis por meio de testamentos fundações ou encargos Oferecer um material de referência para tutores advogados e operadores do Direito que buscam garantir a proteção sucessória de animais de estimação no Brasil Contribuir para o debate legislativo sobre o tema avaliando propostas como o PL 1792023 e sugerindo melhorias normativas 4 JUSTIFICATIVA O aumento expressivo das chamadas famílias multiespécies compostas por humanos e animais de estimação unidos por vínculos afetivos revela uma nova configuração familiar que desafia os modelos tradicionais previstos no ordenamento jurídico brasileiro Essa realidade social exige do Direito respostas eficazes para garantir a proteção daqueles que embora não sejam reconhecidos como sujeitos de direito com personalidade jurídica desempenham papéis centrais na vida emocional e afetiva de seus tutores Diante desse cenário tornase essencial repensar os instrumentos jurídicos disponíveis para assegurar o bemestar dos animais após a morte de seus cuidadores com destaque para o legado com encargo como uma alternativa viável e legítima no campo do Direito das Sucessões A questão ganha ainda mais relevância quando se considera o reconhecimento da senciência animal formalizado em documentos como a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 que afirma que os animais são capazes de sentir dor prazer medo e outras emoções complexas Tal reconhecimento impõe uma responsabilidade ética e jurídica para além da visão utilitarista e patrimonial dos animais ainda presente em dispositivos do Código Civil brasileiro que os tratam como meras coisas art 82 Essa classificação é hoje amplamente criticada por doutrinadores e tem sido progressivamente superada por decisões judiciais e propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 1792023 que caminham no sentido de conferir aos animais maior proteção jurídica ainda que por meio de instrumentos indiretos Do ponto de vista prático o presente estudo é justificado pela necessidade de oferecer segurança jurídica a tutores que desejam garantir cuidados futuros aos seus animais de 10 estimação especialmente em situações de morte ou incapacidade O testamento com encargo embora pouco explorado revelase como um instrumento potencialmente eficaz e legítimo para essa finalidade desde que adequadamente elaborado Assim a pesquisa não apenas busca preencher uma lacuna doutrinária e jurisprudencial mas também contribuir para a consolidação de um Direito das Sucessões mais humanizado ético e sensível às transformações afetivas da sociedade contemporânea 5 METODOLOGIA 51 MÉTODO O presente trabalho adotará o método dedutivo partindo de premissas gerais do ordenamento jurídico especialmente no âmbito do Direito Civil Sucessório e Constitucional para a análise de casos concretos e hipóteses específicas relacionadas à proteção sucessória dos animais de estimação A abordagem será qualitativa centrada na interpretação e correlação de textos legais doutrina especializada e jurisprudência com foco na construção de argumentos jurídicos críticos e propositivos 52 TÉCNICA DE PESQUISA A pesquisa envolverá principalmente revisão bibliográfica por meio do estudo de livros artigos científicos dissertações teses e documentos técnicos que tratam do tema dos direitos dos animais planejamento sucessório famílias multiespécies e ética animal Haverá também análise jurisprudencial com levantamento de decisões relevantes dos tribunais superiores STJ e tribunais estaduais TJs especialmente em casos que tratem da tutela de animais após a morte de seus tutores ou da imposição de encargos a herdeiros Além disso será realizada pesquisa documental envolvendo o exame de projetos de lei em tramitação como o PL nº 1792023 pareceres técnicos notas legislativas e outros documentos oficiais pertinentes 53 ANÁLISE DE DADOS E REFERENCIAL TEÓRICO A análise dos dados será orientada por uma perspectiva crítica e interdisciplinar Serão utilizados autores consagrados do Direito Civil como Silvio Venosa Cristiano Chaves de 11 Farias Nelson Rosenvald e Flávio Tartuce além de fundamentos do Direito Constitucional e da Bioética com destaque para Peter Singer Emmanuel Lévinas Lehfeld e Prado Também será considerada a comparação com modelos estrangeiros como os pet trusts adotados nos Estados Unidos a fim de identificar soluções jurídicas que possam servir de inspiração para o contexto brasileiro Por fim será feita uma leitura crítica das lacunas legais vigentes e propostas alternativas para o aprimoramento do sistema sucessório especialmente no que tange à proteção pósmorte dos animais de estimação 6 ROTEIRO PROVISÓRIO 1 INTRODUÇÃO 2 NATUREZA JURÍDICA DOS ANIMAIS 21 Evolução do status jurídico de coisas a seres sencientes 22 Lei 140642020 maustratos e o Código Civil 3 PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO 31Conceito e instrumentos testamento doação fideicomisso 32 Legado com encargo CC Art 1932 e seguintes 33 Famílias Multiespécies 4 LEGADO COM ENCARGO 41 Definição e requisitos 42 Diferença para outras modalidades doação condicionada fideicomisso 5 VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO PARA ANIMAIS 51 Análise Jurídica 52 Casos Práticos 53 Vantagens e Desafios 54 Alternativas ao legado com encargo CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 12 7 CRONOGRAMA ETAPAS MÊS 1 MÊS 2 MÊS 3 MÊS 4 MÊS 5 MÊS 6 1 Pesquisa Bibliográfica Seleção de doutrina CC Direito Animal Análise de artigos científicos 2 Pesquisa Jurisprudencial Decisões do STJTJs sobre legados Casos de família multiespécie 3 Análise Legislativa PL 1792023 e outros projetos Comparativo com legislação estrangeira 4 Redação dos Capítulos Cap 1 Introdução e justificativa Cap 2 Natureza jurídica dos animais Cap 3 Legado com encargo CC art 1932 5 Revisão e Formatação Ajustes de conteúdo e ABNT 6 Entrega Final REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABILIO Juan Roque Os Direitos Fundamentais dos animais não humanos o ultrapassar fronteiras da Constituição para além da coexistência à convivência moral e ética dos seres sencientes São Paulo Revista Eletrônica do Direito n 1 1º Simpósio sobre Constitucionalismo Democracia e Estado de Direito realizado em 2015 p 440461 13 Disponível em httpwwwegovufscbrportalconteudoosdireitosfundamentaisdosanimaisnC3A 3ohumanosoultrapassarfronteirasdaconstituiC3A7C3A3o Acesso em 24 jul 2025 BERTONCINI Carla PAVELSKI Bruna Guesso Scarmagnan Direito Ambiental interconectividade e reflexão a partir de Lévinas Veredas do Direito Belo Horizonte v 21 e212583 p 0120 2024 Disponível em httprevistadomhelderedubrindexphpveredasarticleview258325631 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Costa Rafaela Cândida Tavares Animais não humanos e a capacidade passiva para herdar 2019 Disponível em httpsmailgooglecommailu0ui2ik0ffc92a47battid04permmsgidmsgf17098 21782680021214th17ba81da31de28deviewattdispinlinerealattidfkt3cxpmz0 Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Parecer da Comissão de Meio Ambiente sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 27 de 2018 PL nº 67992013 do Deputado Ricardo Izar que acrescenta dispositivo à Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos Disponível em httpwwwdireitoufprbrportalanimaiscomdireitoswpcontentuploads201908parecerpl 272018pdf Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 272018 Acrescenta dispositivo à Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumentodm7729363ts1574367802793dispos itioninline Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Deilton Ribeiro COSTA Rafaela Cândida Tavares O dever de assistência financeira aos animais não humanos quando reconhecida a conformação familiar multiespécie Revista Brasileira de Direito Animal Brazilian Animal Rights Journal Salvador v 17 n 1 p 121 janmaio 2022 Disponível em httpsperiodicosufbabrindexphpRBDAarticleview4949327911 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Código Civil Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leis2002l10406compiladahtm Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Enunciado 11 Instituto Brasileiro de Direito de Família Disponível em httpsibdfamorgbrconhecaoibdfamenunciadosibdfam Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 1792023 Disponível em httpswwwcamaralegbrpropostaslegislativas2346910 Acesso em 24 jul 2025 14 BRASIL Projeto de Lei n 36702015 Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao2055720 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 60542013 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da família e detentor do direito de moradia comum uma abordagem sobre a ilegalidade das normas condominiais Revista Brasileira de Direito Animal Brazilian Animal Rights Journal Salvador v 18 p 136 jandez 2023 Disponível em httpsperiodicosufbabrindexphpRBDAarticleview53338 Acesso em 24 jul 2025 PRADO Florestan Rodo do SANTIN Valter Foletto CERBELERANETO Diogo Ramos Justiça em Lévinas Pensando o Estado e o Direito na ética da filosofia da alteridade Revista de Argumentação e Hermeneutica Jurídica v 9 n 1 p 5777 janjun de 2023 Disponível em httpswwwindexlaworgindexphpHermeneuticaJuridicaarticleview9750pdf Acesso em 24 jul 2025 RAVAZZANO Fernanda Lopes Baqueiro FALCÃO Otto Edgard Silva A evolução da visão biocêntrica no crime de maustratos a animais uma análise comparativa da lei nº 96822023 do município do Salvador e o plc nº 42062020 com a lei nº s6769c de Nova York Revista Brasileira de Direito Animal Brazilian Animal Rights Journal Salvador v 18 p 122 jandez 2023 Disponível em 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VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de Bacharelado em Direito Direito Civil Direito da Família e Sucessões Direito Constitucional Orientador RECIFE 2025 ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de Bacharelado em Direito Aprovado em BANCA EXAMINADORA Orientador Membro Membro RESUMO O presente trabalho investiga a viabilidade jurídica da utilização do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Partindo da premissa de que os animais embora considerados seres sencientes não possuem capacidade sucessória direta no ordenamento jurídico brasileiro o estudo analisa a possibilidade de se destinar recursos patrimoniais para sua proteção de forma indireta A pesquisa de natureza teórica e qualitativa baseiase em revisão bibliográfica e análise jurisprudencial explorando a evolução do conceito de família para incluir as famílias multiespécies e a consequente necessidade de adaptação dos institutos sucessórios Examinase o tratamento jurídico dos animais da visão patrimonialista do Código Civil às recentes propostas legislativas que reconhecem sua natureza senciente e sua integração ao núcleo familiar O estudo conclui que o legado com encargo constitui mecanismo juridicamente adequado e eficaz para concretizar a vontade do testador garantindo a manutenção e os cuidados do animal em consonância com os princípios da dignidade da afetividade e da função social da propriedade representando uma solução prática e ética para o planejamento sucessório na contemporaneidade Palavraschave Direito das Sucessões Legado com Encargo Animais de Estimação Família Multiespécie Planejamento Patrimonial Senciência Animal ABSTRACT This paper investigates the legal feasibility of using the legacy with a charge as a succession planning instrument to ensure the wellbeing of pets after their owners death Starting from the premise that animals although considered sentient beings do not have direct succession capacity under Brazilian law the study analyzes the possibility of allocating patrimonial resources for their indirect protection The research of a theoretical and qualitative nature is based on a bibliographic review and jurisprudential analysis exploring the evolution of the concept of family to include multispecies families and the consequent need for adaptation of succession institutes The legal treatment of animals is examined from the patrimonialist view of the Civil Code to recent legislative proposals that recognize their sentient nature and their integration into the family nucleus The study concludes that the legacy with a charge is a legally adequate and effective mechanism to realize the testators will ensuring the animals maintenance and care in accordance with the principles of dignity affectivity and the social function of property representing a practical and ethical solution for contemporary succession planning Keywords Law of Succession Legacy with a Charge Pets MultiSpecies Family Estate Planning Animal Sentience SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO7 2 ALGUNS CONCEITOS10 21 Evolução e conceito de família10 22 evolução do direito dos animais12 23Famílias Multiespécie15 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL17 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira 19 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie23 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais26 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE29 CONCLUSÃO31 REFERENCIAS32 7 1 INTRODUÇÃO A convivência entre seres humanos e animais de estimação transformouse profundamente nas últimas décadas extrapolando o conceito tradicional de posse ou guarda para constituir vínculos afetivos e emocionais intensos Essa relação marcada pelo cuidado pela convivência cotidiana e pela reciprocidade emocional tem consolidado o reconhecimento de uma nova forma de estrutura familiar a chamada família multiespécie formada por humanos e animais não humanos unidos por laços de afeto e não por consanguinidade ou formalização jurídica Nesse contexto cresce a preocupação de tutores em garantir o bemestar e a continuidade dos cuidados dispensados aos seus animais após sua própria morte o que desperta questionamentos relevantes no campo do Direito Sucessório seria possível destinar bens ou recursos patrimoniais para assegurar a subsistência de um animal de estimação após o falecimento do tutor O ordenamento jurídico brasileiro permitiria ainda que de forma indireta tal disposição testamentária O Código Civil de 2002 estabelece de forma expressa que apenas pessoas naturais ou jurídicas possuem capacidade sucessória o que exclui os animais do rol de possíveis herdeiros ou legatários Essa limitação conforme ensina Venosa 2003 é reflexo de uma visão antropocêntrica do Direito que historicamente tratou os animais como meros objetos de propriedade Entretanto essa concepção encontrase em processo de revisão doutrinária e jurisprudencial impulsionada por uma perspectiva biocêntrica e ética que reconhece a senciência dos animais isto é sua capacidade de sentir dor prazer e emoções conforme argumenta Singer 1975 A partir dessa visão os animais não são mais compreendidos como simples bens mas como seres dotados de valor intrínseco e merecedores de tutela jurídica A evolução jurisprudencial brasileira demonstra avanços significativos nesse sentido Os tribunais já reconhecem o direito à guarda e à convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar a proibição de maustratos e o direito de permanência em condomínios ainda que cláusulas restritivas prevejam o contrário Brasil e Costa 2022 Oliveira e Dias 2023 O Superior Tribunal de Justiça inclusive admitiu a possibilidade de prestação de alimentos em favor de animais domésticos REsp 1944228RS 2022 reconhecendo a responsabilidade afetiva e material do tutor em relação a seu companheiro não humano Esses precedentes indicam um processo gradual de ampliação da proteção jurídica dos animais e revelam a necessidade de o Direito das Sucessões adaptarse a essa nova realidade social e afetiva 8 Nesse panorama o legado com encargo desponta como instrumento potencialmente eficaz e juridicamente viável para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Tratase de disposição testamentária por meio da qual o testador destina bens a uma pessoa herdeiro ou legatário impondolhe o dever de cumprir determinado encargo como o de garantir alimentação abrigo cuidados veterinários e demais necessidades do animal Farias Rosenvald 2017 Tartuce 2014 Essa solução ainda que indireta permite conciliar a limitação legal de capacidade sucessória com a vontade do testador preservando o cuidado com o animal e concretizando valores como solidariedade afetividade e dignidade Assim mesmo sem conferir personalidade jurídica aos animais o ordenamento oferece caminhos legítimos para a efetivação de sua tutela O debate tornase ainda mais relevante diante de propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional como o Projeto de Lei nº 1792023 que pretende consolidar mecanismos de proteção patrimonial em favor dos animais reconhecendo sua posição afetiva no seio familiar e permitindo a destinação de recursos para sua manutenção sem contudo atribuirlhes a titularidade dos bens A justificativa do projeto reflete o reconhecimento da família multiespécie e a necessidade de garantir aos animais um estatuto protetivo compatível com sua importância nas relações humanas contemporâneas Essa discussão reforça a urgência de repensar o sistema sucessório brasileiro à luz dos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da proteção à fauna previstos no artigo 225 da Constituição Federal Diante dessa realidade a presente pesquisa propõese a analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório voltado à proteção de animais de estimação Buscase compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais examinar as formas de sucessão compatíveis com a tutela indireta de seus interesses e avaliar a compatibilidade dessa prática com os princípios constitucionais e civis vigentes Pretendese ainda identificar desafios teóricos e práticos à implementação do instituto bem como demonstrar soluções jurídicas possíveis capazes de harmonizar o respeito à autonomia privada com o dever ético de proteção à vida animal O estudo também almeja contribuir para o debate legislativo e doutrinário oferecendo fundamentos sólidos que possam orientar tanto a elaboração de testamentos quanto a formulação de políticas públicas voltadas à proteção dos animais domésticos A relevância deste trabalho repousa em três dimensões fundamentais social ética e jurídica No plano social reflete uma transformação afetiva que redefine os contornos da família e amplia o conceito de cuidado e responsabilidade No plano ético reforça a noção de 9 alteridade e o dever moral de reconhecer o outro neste caso o animal como sujeito merecedor de consideração e respeito conforme a filosofia de Lévinas e os estudos contemporâneos de ética da alteridade Prado Santin Cerbelera Neto 2023 Por fim sob a perspectiva jurídica o tema representa um desafio interpretativo e propositivo ao Direito Civil exigindo que seus institutos clássicos como o testamento e o legado sejam revisitados à luz de novas sensibilidades e demandas sociais O reconhecimento da senciência animal consagrado na Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 impõe ao legislador e ao intérprete do Direito uma responsabilidade ética inadiável a de superar a visão instrumental e patrimonialista ainda presente em dispositivos do Código Civil Assim garantir proteção sucessória aos animais de estimação não significa subverter a estrutura jurídica tradicional mas adaptála a um contexto mais inclusivo e humanizado A adoção do legado com encargo nesse sentido configura uma solução prática legítima e eticamente coerente capaz de unir o respeito à vontade do testador e o dever jurídico de tutela fortalecendo o ideal de um Direito das Sucessões comprometido com a dignidade a afetividade e o respeito a todas as formas de vida 10 2 ALGUNS CONCEITOS 21 Evolução e conceito de família A família sempre ocupou um papel central na constituição das sociedades humanas funcionando como a base sobre a qual se estruturam valores crenças afetos e práticas de convivência É por meio dela que ocorre a socialização inicial o aprendizado de normas e a perpetuação de costumes e tradições culturais transmitidos entre gerações e continuamente reelaborados Mais do que um agrupamento de indivíduos unidos por laços consanguíneos a família constituise em um espaço simbólico de pertencimento solidariedade e afeto indispensável à formação do indivíduo e à estabilidade social Conforme destaca Maria Berenice Dias 2016 o agrupamento familiar não é exclusivo da espécie humana pois em outros reinos e espécies também se observam formas de convivência baseadas na cooperação e na proteção mútua Para a autora os seres vivos sempre buscaram viver aos pares seja por instinto de preservação seja pela necessidade de companhia e de compartilhamento de afetos Em suas palavras Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural em que os indivíduos se unem por uma química biológica a família é um agrupamento informal de formação espontânea no meio social cuja estruturação se dá através do direito No dizer de Giselda Hironaka não importa a posição que o indivíduo ocupa na família ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence o que importa é pertencer ao seu âmago é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade DIAS 2016 p 21 Essa perspectiva revela o caráter cultural e dinâmico da família que se transforma conforme as transformações sociais econômicas e históricas Cada época imprime às relações familiares uma configuração própria redefinindo papéis e expectativas De acordo com Gonçalves 2012 p 23 apud PEREIRA 2024 p 190 a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado sendo o núcleo fundamental que rege toda a organização social Em qualquer aspecto em que é considerada ela seria uma instituição necessária e sagrada merecendo a mais ampla proteção do Estado Essa compreensão reforça a relevância da família como estrutura fundante da vida coletiva não apenas sob o ponto de vista jurídico mas também ético e social Historicamente as famílias patriarcais representaram o modelo predominante nas sociedades ocidentais A figura masculina exercia o papel de chefe e provedor detendo poder sobre os demais membros enquanto à mulher era atribuída a função de cuidado e reprodução Nas palavras de Dias 2016 nas sociedades conservadoras apenas as formações que se 11 enquadravam nesse padrão hierárquico e patriarcal eram reconhecidas como legítimas sendo o casamento o instrumento formal que conferia validade e reconhecimento jurídico A ausência dessa formalização levava à marginalização de outros arranjos familiares frequentemente considerados afrontas à moral ou à religião dominante Com o passar do tempo mudanças sociais econômicas e culturais alteraram profundamente esse panorama O processo de urbanização e industrialização promoveu a migração de famílias do campo para as cidades modificando a dinâmica familiar e os papéis de gênero A mulher antes restrita ao ambiente doméstico passou a integrar o mercado de trabalho e a exercer novas funções sociais o que contribuiu para redefinir as bases do convívio familiar DIAS 2016 A afetividade que antes ocupava um papel secundário frente às obrigações econômicas e religiosas emergiu como elemento essencial das relações familiares consolidando um novo paradigma de convivência pautado na liberdade e na igualdade entre os membros A transição da família como unidade de produção para uma entidade afetiva implicou ainda o deslocamento do seu reconhecimento jurídico Conforme assinala Dias 2016 a codificação das leis transformou o casamento em requisito de legitimidade reduzindo a complexidade do fenômeno familiar a um modelo documental e formalista Essa concepção começou a se modificar com o advento do Código Civil de 1916 e de maneira mais profunda com a Constituição Federal de 1988 que passou a reconhecer a pluralidade das formas familiares e a valorizar o afeto como princípio fundante das relações humanas PEREIRA 2024 A partir dessa nova perspectiva a família deixou de ser vista como uma estrutura rígida limitada à união entre homem e mulher e passou a ser compreendida como um espaço plural aberto às diversas formas de afeto e solidariedade Nesse sentido Lobo 2024 p 19 apud PEREIRA 2024 p 190 propõe uma concepção mais abrangente A família é feita de duas estruturas associadas os vínculos e os grupos Há três sortes de vínculos que podem coexistir ou existir separadamente vínculos de sangue vínculos de direito e vínculos de afetividade A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram Essa definição traduz a natureza dinâmica e multifacetada da família contemporânea que se reconfigura em função dos vínculos afetivos e da autonomia individual sem que isso comprometa sua função essencial de garantir a convivência o cuidado e a solidariedade entre seus integrantes Desse modo compreender a evolução do conceito de família implica reconhecer que se trata de um fenômeno em constante transformação resultado direto das mudanças culturais 12 e sociais que moldam o comportamento humano A família longe de ser um conceito estanque é um organismo vivo plural e mutável capaz de se adaptar às novas realidades e de expressar em cada tempo histórico as formas de amor cuidado e pertencimento que definem a própria essência da vida em sociedade 22 evolução do direito dos animais Desde os primórdios da civilização os animais exerceram papel essencial na sobrevivência e no desenvolvimento da humanidade Inicialmente vistos como mera fonte de alimento e energia faziam parte de uma cadeia ecológica na qual o ser humano se inseria como predador e dependente do meio natural Com o passar do tempo porém certas espécies passaram a ocupar um espaço mais relevante nas interações humanas não apenas como recurso alimentar mas como parceiros de trabalho proteção e transporte Essa relação de utilidade recíproca deu origem a uma convivência que uniu cuidado e servidão moldando o início de uma ligação afetiva e funcional entre humanos e animais De acordo com Belchior e Duarte 2021 p 296 A relação dos homens com os animais domésticos não é atual esse vínculo surgiu para auxílio da caça pesca e tração No início da vida os homens e animais lutavam para conseguir alimentos e consequentemente alcançarem paralelamente uma forma de subsistir Esse processo de cooperação evolutiva foi inicialmente interpretado sob uma ótica utilitarista especialmente à luz da filosofia clássica Aristóteles concebia o universo como uma ordem hierarquicamente estruturada e imutável na qual cada ser ocupava um lugar predeterminado e exercia uma função natural Assim o homem era colocado no topo da escala vital enquanto os demais seres destituídos da razão e da fala existiam para servilo BERGSON 2005 p 125127 apud SANTANA 2006 p 15 A tradição grega portanto reforçou uma concepção antropocêntrica que posteriormente foi reproduzida por outros sistemas filosóficos e religiosos Gomes 2001 p 112113 apud SANTANA 2006 p 17 lembra que sob essa ótica apenas os seres humanos em especial os cidadãos gregos possuíam virtudes superiores e capacidade racional Os demais seres inclusive os animais eram considerados desprovidos dessas faculdades Com o advento do cristianismo a visão antropocêntrica ganhou contornos teológicos A leitura dominante da tradição cristã considerava os animais como instrumentos a serviço da humanidade destinados ao uso e consumo humano com raras exceções Uma dessas 13 exceções foi a de São Francisco de Assis cuja doutrina se afastou do pensamento predominante ao pregar o respeito e a fraternidade universal entre todos os seres vivos IDEM 1998 p 280 apud SANTANA 2006 p 19 A visão de subordinação dos animais persistiu durante séculos sustentada na crença de que lhes faltava raciocínio linguagem e moralidade Como explica Santana 2006 p 30 O principal argumento utilizado para excluir os animais da esfera de consideração moral seja na filosofia grega na tradição religiosa cristã ou no mecanismo cartesiano parte do princípio de que os animais são destituídos de espírito ou alma intelectual Na verdade várias características costumam ser consideradas atributos exclusivos da humanidade Com base nesse entendimento consolidouse a exploração sistemática dos animais como objetos de uso humano empregados em diversas atividades da alimentação à força de trabalho passando por experimentações científicas e entretenimento Entretanto com o avanço do pensamento filosófico e dos movimentos sociais no século XX surgiram novas correntes que passaram a contestar essa concepção reducionista e a reivindicar um tratamento ético e jurídico mais digno para os animais O movimento de libertação animal conforme ressalta Santana 2006 p 70 buscou não apenas mitigar o sofrimento imposto a esses seres mas também reconhecerlhes uma condição de sujeitos de direitos Essa perspectiva aproximou a luta animalista de outras pautas históricas de emancipação como as lutas feministas e antirracistas enfatizando a necessidade de um novo paradigma ético de convivência entre humanos e não humanos No cenário internacional um marco fundamental foi a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aprovada pela UNESCO em 1978 da qual o Brasil é signatário O documento estabeleceu princípios de igualdade e proteção reconhecendo o direito à vida e à integridade de todos os animais Conforme Belchior e Duarte 2021 p 298 Em suma esse dispositivo elenca em seu art 1º a igualdade entre todos os animais que nascem sendo seu direito à existência igualitário Além disso menciona expressamente que os animais devem ser resguardados de maustratos e de atos cruéis Essa proteção se estendeu às práticas científicas comerciais e alimentares proibindo qualquer forma de sofrimento desnecessário e impondo o dever ético de assegurar condições dignas de vida aos animais BELCHIOR DUARTE 2021 Embora sem força vinculante direta sobre as legislações nacionais a declaração representou um avanço ideológico e moral impulsionando reformas jurídicas em diversos países e inspirando o reconhecimento da senciência animal no plano internacional TINOCO CORREIA 2010 p 182 apud BELCHIOR DUARTE 2021 p 298 14 No Brasil a Constituição Federal de 1988 incorporou princípios alinhados a essa nova visão ética O art 225 estabelece o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Estado e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo Como afirmam Belchior e Duarte 2021 p 298 Dessa maneira a partir da Constituição Federal de 1988 art 225 caput fica claro que o Brasil trouxe parâmetros para que todos tenham direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado que é bem de uso comum do povo e essencial à boa qualidade de vida impondose ao poder público guardiões ONGs e à coletividade o dever de proteger e preserválo para o cotidiano e as futuras gerações Desse modo o reconhecimento constitucional do meio ambiente equilibrado inclui necessariamente a proteção da fauna conforme dispõe o 1º VII do mesmo artigo que proíbe práticas cruéis e impõe o dever de preservar todas as formas de vida animal SILVA FRACALOSSI 2010 apud BELCHIOR DUARTE 2021 Do ponto de vista infraconstitucional contudo o tratamento jurídico dos animais ainda apresenta resquícios do paradigma antigo O Código Civil de 2002 em seu artigo 82 enquadra os animais como bens móveis classificados entre os chamados bens semoventes isto é coisas dotadas de movimento próprio BRASIL 2002 DINIZ 2011 p 369 apud MORAES 2019 Essa concepção reflete uma herança de coisificação na qual os animais são tratados como propriedade e não como sujeitos de direitos Rodrigues 2003 p 126 apud MORAES 2019 sintetiza essa visão ao afirmar que os animais são da espécie bens que está compreendida no gênero coisas eis que existem objetivamente com exclusão do homem porém com valor econômico mantendo a ideia de utilidade e raridade Entretanto esse paradigma vem sendo gradativamente superado pela incorporação do conceito de senciência animal reconhecendo que os animais são capazes de sentir dor prazer e emoções e portanto merecem consideração ética e proteção jurídica específica Como observa Lobo 2024 p 18 a superação da visão antropocêntrica abriu espaço para um novo modelo jurídico centrado no respeito à vida e na dignidade animal Nesse sentido a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 marcou um divisor de águas ao afirmar cientificamente a existência de substratos neurológicos e comportamentais que comprovam estados de consciência em animais não humanos Segundo Lobo 2024 p 18 Uma evidência convergente indica que animais não humanos possuem os substratos neuroanatômicos neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais 15 A partir desse entendimento tornase evidente que o direito contemporâneo caminha para reconhecer os animais como seres sencientes dotados de valor intrínseco cuja proteção extrapola a lógica da utilidade Essa mudança implica o abandono da visão tradicional de subserviência e a construção de um novo paradigma jurídico que reconheça a dignidade animal como um bem jurídico fundamental Por fim no que se refere à classificação legal os animais domésticos distinguemse dos silvestres por seu grau de convivência com os seres humanos Enquanto os primeiros vivem sob o cuidado e proteção direta das pessoas os segundos integram ecossistemas naturais e cumprem papéis ecológicos essenciais como o controle de pragas e a dispersão de sementes Milaré 2018 p 791 apud BESERRA FÉLIX NÁPOLIS 2024 p 380 explica que a diferença entre eles reside sobretudo no grau de liberdade e vivência com os seres humanos sendo ambos igualmente integrantes da fauna e portanto destinatários das normas de proteção ambiental A evolução do direito dos animais reflete uma trajetória de profunda transformação cultural e ética de seres coisificados e instrumentalizados passaram a ser reconhecidos como sujeitos de consideração moral e jurídica cuja proteção está intrinsecamente ligada à própria noção de civilização e justiça ambiental 23Famílias Multiespécie O conceito de família multiespécie emergiu como uma das expressões mais marcantes das transformações sociais e jurídicas do século XXI Tratase da configuração familiar em que o afeto entre seres humanos e animais domésticos constitui o elo central da convivência Tal relação ultrapassa os vínculos utilitaristas historicamente atribuídos aos animais como guarda caça ou tração e passa a ser reconhecida pelo seu valor emocional e simbólico no cotidiano humano BELCHIOR DUARTE 2021 sp Com o advento da Constituição Federal de 1988 o conceito jurídico de família foi substancialmente ampliado O texto constitucional rompeu com a antiga concepção restrita ao casamento civil abrindo espaço para o reconhecimento de diversas formas de constituição familiar Essa abertura interpretativa viabilizou o acolhimento de novas realidades sociais inclusive aquelas que envolvem a convivência afetiva entre pessoas e animais BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 380 16 Entre os princípios orientadores dessa nova concepção destacase o princípio da afetividade que embora não esteja expressamente previsto na Constituição encontra fundamento em diversos dispositivos constitucionais Como ensina Dias 2022 p 6669 apud BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 O princípio da afetividade embora não esteja explícito na Constituição Federal vigente ganhou tais contornos ao passo que sua essência se encontra disposta na Carta Magna conforme se nota por exemplo nos seguintes artigos a art 1º CFRB88 se referindo à dignidade humana b art 226 3º reconhecimento da União Estável c art 226 4º proteção da família monoparental e dos filhos por adoção e d art 227 5º adoção como escolha afetiva Dessas linhas se extrai a transformação da família na medida em que se observam as relações de sentimentos valorizando as funções afetivas da família A afetividade passa a ser reconhecida como elemento estruturante das relações familiares mesmo quando implícita É a partir desse princípio que se torna possível compreender juridicamente o vínculo emocional entre humanos e animais permitindo que esses últimos sejam integrados ao núcleo familiar de forma legítima Assim o reconhecimento da família multiespécie não decorre de uma inovação conceitual arbitrária mas de uma evolução coerente do direito de família orientada por valores constitucionais de afeto e dignidade humana BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 17 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL A convivência entre seres humanos e animais de estimação é um fenômeno milenar mas que ganha novos contornos no contexto contemporâneo Desde as civilizações antigas o homem estabeleceu vínculos com os animais ainda que naquele momento o relacionamento fosse essencialmente utilitário pautado no uso da força na caça e na segurança Com o passar do tempo e o avanço das relações sociais econômicas e afetivas essa interação passou a assumir um caráter distinto baseado no afeto e na convivência emocional Como destaca Bittar 2017 p 291 o Direito por sua própria natureza social acompanha a evolução das relações humanas ajustandose às novas formas de vida e de convivência que emergem no seio da sociedade Assim a transformação das relações entre humanos e animais se reflete inevitavelmente no campo jurídico que é chamado a repensar seus conceitos de família afeto e tutela A configuração das famílias também passou por significativas alterações ao longo das últimas décadas O modelo tradicional composto por um casal e seus descendentes cede espaço para múltiplas formações como famílias monoparentais homoafetivas e mais recentemente as chamadas famílias multiespécies que incluem animais de estimação como integrantes legítimos do núcleo familiar Conforme ressalta Severino 2000 a ciência deve observar os fenômenos sociais em sua dinamicidade e complexidade considerando que as realidades humanas estão em constante transformação e toda análise que ignore tal movimento corre o risco de tornarse anacrônica SEVERINO 2000 p 58 Nesse sentido compreender a família contemporânea exige reconhecer a centralidade afetiva dos animais de companhia nas relações humanas modernas Um dos fatores que impulsionaram essa nova configuração familiar é a mudança no comportamento reprodutivo e afetivo da sociedade moderna O número de filhos nas famílias brasileiras tem diminuído progressivamente e em paralelo cresce o número de lares com animais de estimação que passam a ocupar papéis simbólicos e afetivos antes reservados a filhos netos e outros parentes próximos Sobre esse fenômeno Oliveira 2006 p 42 explica que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 42 18 A citação acima evidencia uma mudança estrutural nas relações afetivas e familiares O animal deixa de ser mero acompanhante e passa a ocupar um papel simbólico de relevância emocional contribuindo para o equilíbrio psicológico e afetivo dos tutores Esse deslocamento semântico e social do animal de propriedade para membro da família desafia o ordenamento jurídico brasileiro que ainda o trata como coisa ou bem móvel conforme disposto no artigo 82 do Código Civil Entretanto o avanço da doutrina e da jurisprudência aponta para um processo de ressignificação dessa condição reconhecendo nos animais seres sencientes e merecedores de tutela jurídica própria No contexto atual a família multiespécie representa não apenas um fenômeno social mas também um desafio jurídico O Direito de Família tradicionalmente pautado em vínculos consanguíneos e matrimoniais é convocado a ampliar sua concepção de afetividade para incluir formas de convívio que ultrapassam as fronteiras da espécie humana A teoria do afeto como elemento estruturante das relações familiares amplamente aceita pela doutrina civilista encontra nos lares multiespécies um campo fértil de aplicação uma vez que o vínculo estabelecido entre tutores e animais se funda em cuidado responsabilidade e amor recíproco Como observa Bittar 2017 o pesquisador do Direito deve ser capaz de compreender as novas realidades sociais a partir de uma postura crítica ética e transformadora que permita ao conhecimento jurídico servir de instrumento de emancipação e justiça social BITTAR 2017 p 294 Reconhecer juridicamente a família multiespécie não significa ampliar o conceito de pessoa mas sim reconhecer a realidade fática e afetiva que já se manifesta no cotidiano das famílias brasileiras A legislação e a doutrina devem avançar para compatibilizar o ordenamento jurídico com os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana da solidariedade e da proteção à fauna A Carta Magna de 1988 em seu artigo 225 impõe a todos o dever de proteger os animais contra a crueldade princípio que deve irradiar efeitos também sobre o Direito Civil e de Família Desse modo a viabilidade do reconhecimento da família multiespécie repousa na interpretação sistemática e principiológica do ordenamento jurídico especialmente à luz do valor da afetividade como elemento legitimador das relações familiares contemporâneas A transição paradigmática do antropocentrismo para o biocentrismo é portanto inevitável Se outrora o Direito enxergava os animais como instrumentos da vontade humana hoje precisa reconhecêlos como seres com valor intrínseco e sensibilidade A sociedade ao atribuir aos animais papéis afetivos e familiares redefine os próprios limites do que se entende por família impondo ao Estado e à doutrina jurídica o dever de acompanhar essa 19 transformação Como ensina Severino 2000 p 67 a pesquisa científica cumpre seu papel social quando é capaz de interpretar as mudanças da realidade e oferecer respostas éticas e adequadas às novas demandas coletivas Assim o reconhecimento da família multiespécie não é apenas uma questão de adequação legislativa mas um imperativo ético social e jurídico que visa harmonizar o Direito com as formas contemporâneas de amar cuidar e conviver 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira A relação entre seres humanos e animais domésticos é um fenômeno social que ultrapassa as fronteiras temporais da modernidade Desde a Antiguidade o convívio entre ambos se estabeleceu ainda que inicialmente marcado por uma lógica utilitarista e instrumental em que os animais eram vistos como meras ferramentas de trabalho ou fontes de alimento Com a evolução das estruturas sociais e afetivas esse vínculo foi se ressignificando passando a incorporar dimensões emocionais éticas e simbólicas de modo que na contemporaneidade muitos animais deixaram de ocupar o lugar de objetos para assumirem o papel de membros efetivos das famílias humanas BITTAR 2017 Essa mudança reflete transformações profundas no modo como a sociedade compreende o afeto a convivência e o próprio conceito de família A consolidação dessa nova forma de interação entre humanos e animais ocorre em um contexto de alterações significativas nas dinâmicas familiares Ao longo do século XX sobretudo com o avanço das políticas de controle de natalidade a urbanização crescente e a inserção da mulher no mercado de trabalho observouse a redução do número de filhos e o encolhimento das famílias tradicionais SEVERINO 2000 O modelo de família extensa composto por numerosos membros cedeu espaço a arranjos familiares menores nos quais os animais de estimação passaram a preencher um espaço afetivo anteriormente ocupado por filhos sobrinhos e netos Nesse sentido Oliveira 2006 observa que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 45 20 Essa constatação revela a centralidade que os pets assumem no contexto das relações humanas servindo como mediadores afetivos e simbólicos em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela fragilidade dos vínculos sociais Assim o conceito tradicional de família passa por uma ampliação conceitual que não mais se restringe aos laços de consanguinidade ou casamento mas incorpora o afeto como princípio estruturante De acordo com Lôbo 2009 a família é uma instituição dinâmica construída tanto por vínculos biológicos e jurídicos quanto por laços afetivos sendo este último o que caracteriza de forma mais evidente a família multiespécie Com base nessa perspectiva os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2013 evidenciam que o Brasil já possuía à época cerca de 52 milhões de cães 22 milhões de gatos e outros milhões de aves e peixes número superior à quantidade de crianças de até 12 anos nos lares brasileiros Essa inversão demográfica indica uma substituição simbólica dos filhos pelos animais domésticos fenômeno interpretado por França e Costa 2019 como expressão de uma nova afetividade na qual os animais passam a ser vistos como verdadeiros membros da família com valor emocional e moral equiparado ao dos humanos FRANÇA COSTA 2019 p 130 O Censo Pet do Instituto Pet Brasil 2021 reforça essa tendência ao apontar um crescimento de 6 na população de felinos e 4 na de cães entre 2020 e 2021 totalizando 1496 milhões de animais de estimação no país INSTITUTO PET BRASIL 2021 Esses números aliados à crescente humanização dos pets revelam uma transformação cultural na qual o animal doméstico ocupa papel central no núcleo familiar configurando o que a doutrina e os legisladores vêm reconhecendo como família multiespécie A ampliação do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um processo histórico de reconhecimento da afetividade como elemento jurídico relevante Diniz 2008 destaca que a família em sentido amplo abrange não apenas os cônjuges e descendentes mas todos os indivíduos unidos por relações de afeto e solidariedade Nesse contexto o reconhecimento jurídico dos animais como sujeitos de direitos representa um avanço ético e legal O Decreto n 246451934 foi o primeiro diploma normativo a tratar da proteção animal prevendo que constituía maustratos qualquer ato de crueldade privação ou sofrimento imposto aos animais O texto do decreto em uma passagem paradigmática dispunha Considerase maustratos a prática de ato de abuso ou crueldade em qualquer animal a manutenção de animais em lugares antihigiênicos ou que lhes impeçam a respiração o movimento ou o descanso ou os privem de ar ou luz o ato de obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte 21 em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes pudessem exigir senão com castigo BRASIL 1934 Embora revogado o decreto serviu de base para legislações posteriores como a Lei n 96051998 que passou a tipificar os maustratos como crime ambiental punível com detenção e multa BRASIL 1998 A Constituição Federal de 1988 por sua vez consolidou o dever de proteção aos animais ao estabelecer no art 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações BRASIL 1988 p 123 Em 1978 a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela UNESCO também reafirmou o princípio da dignidade animal estabelecendo em seu preâmbulo que todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência UNESCO 1978 p 2 Tais dispositivos e documentos refletem uma crescente preocupação internacional com o reconhecimento ético e jurídico da vida animal pavimentando o caminho para o surgimento de conceitos mais inclusivos como o de família multiespécie No campo legislativo o Brasil vem avançando de forma gradual no reconhecimento jurídico dos animais não humanos e na consolidação da noção de família multiespécie O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado federal Ricardo Izar PSDSP representa um marco nesse processo ao propor a criação de um regime jurídico especial para os animais reconhecendoos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis BRASIL 2018 O projeto foi aprovado no Senado Federal em 7 de agosto de 2019 sob relatoria do senador Randolfe Rodrigues RedeAP e tem por objetivo romper com o paradigma civilista que enquadra os animais como bens móveis conforme o artigo 82 do Código Civil BRASIL 2002 incluindo na Lei de Crimes Ambientais Lei nº 96051998 dispositivo que veda o tratamento dos animais como coisas De acordo com o texto aprovado os animais passam a ser reconhecidos como seres sencientes isto é dotados de natureza biológica e emocional capazes de sentir dor e sofrimento A nova redação estabelece que os animais não poderão mais ser considerados objetos devendo portanto ser protegidos por um regime jurídico específico que garanta sua tutela jurisdicional em caso de violação de direitos BRASIL 2019 Essa proposta segundo o relator Randolfe Rodrigues representa um avanço civilizacional pois reconhece o que a ciência e a ética já afirmam que os animais sentem dor e emoções e por isso não podem ser tratados como objetos como uma caneta ou um copo BRASIL 2019 p 3 22 A iniciativa contudo gerou intensos debates legislativos e doutrinários Segundo o Resumo Executivo da Frente Parlamentar da Agropecuária FPA o projeto suscita preocupações relacionadas à segurança jurídica e à aplicabilidade prática das normas sob o argumento de que a criação de uma categoria jurídica sui generis para os animais seria vaga e de difícil interpretação O documento destaca que O PL causa insegurança jurídica por criar uma grande área cinzenta no tocante aos direitos animais sendo que o direito deve servir justamente como instrumento de pacificação das relações sociais e não para tumultuálas Definir que os animais não humanos possuem natureza sui generis é dar carta branca ao intérprete da lei trazendo subjetividade ao texto legal o que servirá apenas para embaralhar a ordem vigente e trazer insegurança jurídica e instabilidade social FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 p 2 Os críticos afirmam que a vedação do tratamento dos animais como coisas poderia impactar negativamente setores como a agropecuária o comércio de proteína animal a pesquisa científica e até o controle sanitário o que exigiria um debate mais aprofundado sobre os efeitos econômicos e sociais da proposta Argumentase ainda que a legislação brasileira já oferece mecanismos suficientes para a proteção dos direitos animais por meio da Lei de Crimes Ambientais e de outros dispositivos constitucionais tornando o projeto redundante FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 Em contraposição a essas críticas o senador Randolfe Rodrigues sustentou durante a tramitação que o projeto não interfere nas práticas culturais registradas como patrimônio imaterial como a vaquejada nem prejudica o setor agropecuário uma vez que a matéria apenas eleva o tratamento jurídico dos animais reconhecendo sua condição de seres sencientes sem alterar hábitos alimentares ou práticas econômicas BRASIL 2019 p 4 Essa posição foi compartilhada por outros parlamentares como os senadores Rodrigo Pacheco DEMMG e Antonio Anastasia PSDBMG que consideraram o texto um avanço no campo jurídico e moral um gesto de humanidade e civilidade diante das demais espécies BRASIL 2019 p 5 O debate em torno do PLC nº 272018 evidencia portanto a tensão entre o progresso ético do reconhecimento dos animais como sujeitos de direito e as preocupações econômicas e jurídicas decorrentes dessa mudança paradigmática A resistência à proposta revela a persistência de uma visão antropocêntrica e patrimonialista que ainda enxerga os animais sob a ótica da utilidade e do domínio humano Apesar das divergências a aprovação do projeto no Senado foi celebrada como um marco civilizatório que reposiciona o ser humano na escala das relações interespécies e amplia a noção de dignidade para além da esfera humana 23 Na esteira desse avanço o Projeto de Lei nº 1792023 reforça e aprofunda a perspectiva inaugurada pelo PLC 272018 ao propor o reconhecimento jurídico da família multiespécie como entidade familiar no ordenamento brasileiro BRASIL 2023 O texto define a família multiespécie como o núcleo humano que compartilha a convivência com animais domésticos reconhecendo o papel afetivo e simbólico desses vínculos e assegurando aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais morais e existenciais BRASIL 2023 O projeto também inova ao prever a constituição de um patrimônio específico em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores e determina que em caso de falecimento do animal os bens destinados a ele sejam revertidos a outros pets da mesma família ou a fundos de proteção animal De forma expressiva o texto do projeto reconhece que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 Assim observase que o reconhecimento da família multiespécie no Brasil transcende o campo simbólico e se materializa em iniciativas legislativas concretas que refletem uma nova ética relacional baseada no respeito na empatia e na corresponsabilidade entre espécies Essa transformação indica uma ampliação do próprio conceito de dignidade antes restrito à pessoa humana para incluir os animais como sujeitos morais e jurídicos dignos de consideração Ao alinharse a tendências internacionais como as verificadas em países como França Portugal Espanha e Nova Zelândia o ordenamento jurídico brasileiro caminha para a consolidação de uma concepção mais ampla de justiça e cidadania na qual a afetividade o cuidado e o respeito à vida animal tornamse fundamentos legítimos da convivência social Tratase portanto de um avanço jurídico e civilizacional que amplia os horizontes éticos do Direito e reafirma o papel da afetividade como vetor essencial para a formação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e solidária 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie A definição de família é um dos temas mais complexos do Direito Civil contemporâneo pois não se trata de um conceito fixo e universal mas de uma construção histórica e cultural que acompanha a evolução da sociedade O que se entende por família em determinado tempo e espaço social não necessariamente corresponde à realidade de outro 24 momento histórico Assim o conceito familiar se revela dinâmico moldandose conforme os valores crenças e transformações socioculturais que permeiam cada geração FARIAS ROSENVALD 2017 Desse modo a estrutura familiar tradicional baseada na união entre homem mulher e filhos vem sendo substituída por uma multiplicidade de novos arranjos refletindo a pluralidade das formas de convivência e de afeto contemporâneas Essa mudança demonstra que o núcleo familiar deixou de ter como finalidade exclusiva a reprodução biológica ou a formalização jurídica passando a se pautar sobretudo pela solidariedade pelo cuidado mútuo e pelo amor Nesse sentido Farias e Rosenvald 2017 p 98 afirmam que O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano regido o núcleo familiar pelo afeto como mola propulsora O afeto portanto emerge como o elemento nuclear e estruturante das relações familiares na atualidade assumindo papel central na formação das novas entidades familiares A família moderna é regida pelo princípio da afetividade que se associa à busca pela felicidade e realização pessoal de seus integrantes superando a rigidez dos modelos patriarcais e hierarquizados Para Dias 2016 p 54 o novo modelo da família fundase sobre os pilares da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito das famílias A partir dessa evolução conceitual o afeto também passou a estenderse além das relações humanas alcançando os vínculos entre pessoas e animais de estimação Essa transformação reflete uma nova sensibilidade jurídica e social que reconhece nos laços interespécies um componente legítimo de convivência familiar Como destaca o Superior Tribunal de Justiça STJ 2019 essa relação é caracterizada por ser dinâmica e mutuamente benéfica entre pessoas e outros animais influenciada pelos comportamentos essenciais para a saúde e bemestar de ambos STJ REsp 1713167SP 2019 Com isso a noção de família expandese para abarcar a chamada família multiespécie em que humanos e animais convivem sob um mesmo teto e compartilham afetos responsabilidades e rotinas Essa convivência extrapola inclusive o espaço doméstico há famílias multiespécies compostas por vizinhos condomínios inteiros e até comunidades que se unem em torno do cuidado coletivo de animais os chamados núcleos familiares multiespécies comunitários LEITE et al 2015 Essa ampliação é impulsionada pela afetividade que permeia o vínculo humano animal uma relação baseada na estima na afetividade no apreço no amor na ternura na 25 afeição no carinho na benquerença LEITE et al 2015 p 12 Em muitos casos essa ligação não se restringe a um único tutor mas envolve diversos indivíduos que compartilham os cuidados de um mesmo animal como ocorre com aqueles acolhidos coletivamente por moradores de um bairro ou comunidade Essa dinâmica revela que os vínculos afetivos com os animais transcendem a propriedade individual e se projetam sobre a esfera comunitária configurando novas formas de sociabilidade e de família Entretanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda enfrenta dificuldades para acompanhar essa transformação Como observa Simão 2017 p 899 os animais são coisas e como tal são objeto de propriedade podendo ser doados vendidos e utilizados para consumo para tração etc Essa concepção fundada no paradigma civilista da coisa mostra se anacrônica diante das evidências científicas e filosóficas que reconhecem a senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções exigindo uma reinterpretação da relação entre humanos e não humanos sob uma ótica ética e jurídica mais inclusiva No campo legislativo essa mudança de paradigma tem se materializado em propostas concretas O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado Ricardo Izar PSDSP propôs o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis o que impede seu enquadramento como simples bens móveis BRASIL 2018 O texto relatado no Senado pelo senador Randolfe Rodrigues foi aprovado pela Casa em 2019 e estabeleceu um marco importante ao afirmar que os animais são seres sencientes capazes de sentir dor e emoções devendo portanto ser protegidos por leis especiais BRASIL 2019 Embora tenha enfrentado resistência de setores ligados à agropecuária que alegaram risco de insegurança jurídica e impacto econômico FPA 2018 o projeto consolidou o reconhecimento jurídico da sensibilidade animal e a vedação expressa ao seu tratamento como coisa Avançando nessa direção o Projeto de Lei nº 1792023 buscou reconhecer oficialmente a família multiespécie como entidade familiar definindoa como o núcleo humano que compartilha convivência e afeto com animais domésticos O texto propõe assegurar aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais existenciais e morais bem como prevê a criação de um patrimônio em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores Em caso de falecimento do pet os bens destinados a ele seriam revertidos a outros animais da mesma família multiespécie ou a fundos de proteção animal BRASIL 2023 Ao reconhecer a afetividade como fundamento das relações multiespécies o projeto afirma que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento 26 jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 reforçando a centralidade do afeto como elemento estruturante da proteção jurídica contemporânea Tais movimentos inserem o Brasil em um contexto global de revisão do estatuto jurídico dos animais semelhante ao de países como Áustria Alemanha e Suíça que já afirmaram em seus Códigos Civis que os animais não são coisas assegurando inclusive reparações pelo valor de afeição em casos de morte ou ferimento GODINHO PINHEIRO 2010 No cenário nacional o aumento das famílias multiespécies e o consequente crescimento de disputas judiciais relativas à guarda e ao bemestar dos pets têm impulsionado o Judiciário a reconhecer os animais como integrantes do núcleo familiar e não como meros objetos partilháveis CAIXÊTA JÚNIOR AMARAL VIEIRA 2023 Assim o reconhecimento jurídico da família multiespécie transcende o campo simbólico e se materializa em políticas públicas projetos de lei e transformações jurisprudenciais refletindo uma nova ética relacional A afetividade antes circunscrita ao convívio humano expandese para abranger os vínculos com os animais que passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos dignos de proteção e respeito A efetivação dessa concepção representa não apenas um avanço social mas um marco jurídico e civilizatório que reposiciona o ser humano em relação às demais espécies promovendo uma convivência mais solidária empática e humanizada no seio da sociedade contemporânea 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais A discussão acerca da senciência dos animais e sua consequente proteção jurídica tem ocupado espaço crescente no cenário legislativo e acadêmico brasileiro A consolidação desse debate materializouse com a apresentação do Projeto de Lei nº 4 de 2025 de autoria do senador Rodrigo Pacheco que propõe alterações significativas no Código Civil reconhecendo os animais não mais como meras coisas mas como seres vivos sencientes Essa iniciativa representa um marco histórico pois reflete a maturidade de um ordenamento jurídico que passa a enxergar os animais sob a ótica ética ecológica e afetiva em consonância com o avanço do pensamento jurídico contemporâneo PACHECO 2025 FIÚZA GONTIJO 2014 De acordo com o texto protocolado no Senado Federal o projeto inaugura um novo dispositivo no Código Civil o artigo 91A que dispõe 27 Art 91A Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria em virtude da sua natureza especial 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais 2º Até que sobrevenha lei especial são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas aos bens desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza considerando a sua sensibilidade PACHECO 2025 sp A redação proposta inaugura uma nova era na relação entre humanos e animais estabelecendo um marco jurídico e moral que rompe com séculos de visão antropocêntrica e patrimonialista A inclusão da senciência como fundamento normativo confere aos animais reconhecimento moral e jurídico e não apenas proteção indireta Esse movimento legislativo também confere maior segurança às relações familiares e afetivas que envolvem animais de estimação refletindo diretamente no reconhecimento das chamadas famílias multiespécie cuja consolidação tem sido objeto de estudos recentes no campo do direito civil e da ética BITTENCOURT FERNANDES QUEIROZ 2023 PEREIRA 2024 A proposta ainda reforça o compromisso estatal com o bemestar animal ao prever a elaboração de uma lei especial que regulamente o tratamento físico e ético desses seres Tal previsão demonstra a preocupação em garantir um aparato normativo específico e detalhado capaz de consolidar a tutela jurídica dos animais sob uma perspectiva de respeito à sua natureza sensível O caráter subsidiário do regime jurídico dos bens conforme previsto no 2º do artigo 91A é um avanço que preserva a aplicabilidade prática das normas enquanto não sobrevier legislação específica evitando lacunas jurídicas que possam comprometer a efetividade da proteção PACHECO 2025 Em análise crítica Édis Milaré 2024 apud PEREIRA 2024 observa que essa transição paradigmática de tratar os animais como objetos de direito para reconhecêlos como seres sencientes representa um passo civilizatório para o ordenamento jurídico brasileiro Segundo o autor a evolução normativa projetada pelo Projeto de Lei nº 4 de 2025 tem o potencial de posicionar o Brasil como referência internacional na tutela animal sobretudo por alinharse aos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da ética ambiental Essa percepção é corroborada pela teoria da responsabilidade formulada por Hans Jonas 2006 para quem o agir humano deve pautarse pela preservação e pelo respeito à vida em todas as suas formas reconhecendo a interdependência entre as espécies e os deveres éticos decorrentes dessa coexistência A institucionalização da senciência animal no ordenamento jurídico brasileiro também atende às diretrizes constitucionais que consagram a proteção da fauna e vedam práticas que submetam os animais à crueldade conforme o artigo 225 1º inciso VII da Constituição 28 Federal de 1988 BRASIL 1988 Assim o novo dispositivo do Código Civil dialoga diretamente com o princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado consolidando um sistema de tutela que reconhece o valor intrínseco dos animais e estabelece a base para políticas públicas de bemestar e dignidade animal Como defende Simão 2017 o reconhecimento da natureza jurídica sui generis dos animais é um passo indispensável para a construção de um regime jurídico coerente com a sua condição de seres sencientes superando a tradicional visão utilitarista e instrumental Nesse contexto o reconhecimento legal da senciência dos animais inserese no movimento mais amplo de humanização do direito civil e de ampliação da concepção de sujeito de direito Tal avanço não apenas redefine o estatuto jurídico dos animais mas também amplia o horizonte da justiça interespécies permitindo que o direito acompanhe a complexidade das novas configurações afetivas e sociais do século XXI O Projeto de Lei nº 4 de 2025 configurase assim como um instrumento essencial para a evolução normativa do país pois traduz em texto legal o que a sociedade já reconhece no campo ético e emocional os animais são seres dotados de sensibilidade capazes de sentir dor prazer e afeto e portanto merecedores de tutela jurídica própria O dispositivo proposto no artigo 91A é portanto mais que uma atualização legislativa é o reflexo de uma transformação cultural e jurídica em direção à valorização da vida em todas as suas formas A positivação da senciência animal no Código Civil representa a concretização de um ideal éticojurídico de coexistência um reconhecimento de que o progresso humano não pode mais ser medido apenas em termos de domínio sobre a natureza mas também pela capacidade de respeitar e proteger os outros seres que compartilham o planeta 29 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE A ausência de legislação específica sobre as famílias multiespécie gera um cenário de insegurança jurídica no país uma vez que as decisões judiciais sobre o tema variam conforme o entendimento de cada magistrado As controvérsias mais recorrentes envolvem questões relacionadas à guarda e à convivência com animais de estimação temas que têm sido interpretados por analogia com o direito de família humano DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Como observam os autores supracitados O desenvolvimento embrionário deste conceito foi fundamental para o surgimento de projetos de lei que tentam readaptar as legislações de tal forma a tentar amparar o poder judiciário a quem não resta escolha senão a aplicação de outros dispositivos por analogia costumes e pelo princípio do livre convencimento motivado do magistrado Isto resulta em uma crescente onda de julgados que ora mantém o animal de estimação em seu patamar de coisa e ora o enaltece com características do direito de guarda DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Essas decisões refletem o avanço da jurisprudência brasileira em reconhecer os animais domésticos não mais como simples bens semoventes mas como sujeitos de consideração moral e afetiva Na prática o Poder Judiciário tem recorrido à analogia com o instituto da guarda compartilhada de filhos aplicandoo aos casos de disputa por animais com base no vínculo emocional estabelecido entre as partes e seus pets AMARAL DE LUCA 2015 apud DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRJ ilustra de forma exemplar essa tendência Em recente decisão foi julgado um conflito de competência entre varas cível e de família envolvendo a guarda compartilhada de um animal de estimação No voto vencedor reconheceuse que a questão ultrapassava o campo do direito das coisas ingressando na esfera do direito de família O acórdão registrou Com a evolução da sociedade diferenciase os animais das coisas notadamente pelo aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação O regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver de forma satisfatória a disputa familiar envolvendo os pets visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade Não há dúvidas de que a questão tratada nos autos principais vai além da propriedade do animal perpassando pelo vínculo afetivo existente entre o animal e os ex companheiros o estabelecimento de custódia com direitos e deveres e eventualmente o direito à convivência com regime de visitação tratandose pois de matéria de família TJRJ Conflito de Competência nº 00939510920248190000 Rel Des Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues julgado em 28 nov 2024 30 Tal decisão reconhece a necessidade de o tema ser tratado no âmbito do direito de família e não mais sob o prisma patrimonial Isso representa um avanço relevante no reconhecimento das famílias multiespécie como entidades legítimas no contexto jurídico brasileiro Outro caso paradigmático foi apreciado também pelo TJRJ em sede de agravo de instrumento no qual se discutia a custódia compartilhada de uma cadela chamada Flora O tribunal manteve a decisão de primeiro grau que havia concedido a guarda compartilhada fundamentandose na impossibilidade de o juiz negar a apreciação de um pedido sob a justificativa de ausência de norma específica Assim afirmouse a aplicação da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito conforme dispõe o art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Família multiespécie Aplicação do enunciado nº 11 do IBDFAM que garante a possibilidade de o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal Entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema exarado no julgamento do REsp 1713167SP Rompimento do vínculo conjugal que não rompe o vínculo afetivo com o pet Documentos juntados aos autos demonstram de forma clara o afeto entre o autoragravado e a Flora TJRJ Agravo de Instrumento nº 00328345120238190000 Rel Des Nádia Maria de Souza Freijanes julgado em 29 jun 2023 Esse entendimento reafirma que mesmo diante da omissão legislativa o direito à convivência e ao cuidado com os animais de estimação pode e deve ser garantido com base no afeto e na dignidade O Enunciado nº 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM 2022 ao dispor que a ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal consolida a tendência doutrinária e jurisprudencial de enquadrar tais questões no âmbito do direito familiar Dessa forma o reconhecimento das famílias multiespécie emerge não apenas como um fenômeno social mas como uma evolução necessária do ordenamento jurídico que deve acompanhar as transformações éticas e afetivas da sociedade contemporânea 31 CONCLUSÃO O exame realizado ao longo deste trabalho permitiu constatar que o legado com encargo configura um instrumento juridicamente viável e eticamente recomendável para assegurar a proteção sucessória dos animais de estimação no ordenamento jurídico brasileiro A análise demonstrou que embora o Código Civil de 2002 não reconheça aos animais capacidade sucessória direta por lhes faltar personalidade jurídica o ordenamento disponibiliza mecanismos indiretos para concretizar a vontade do testador em prover o bem estar de seus companheiros não humanos após o seu falecimento A evolução do conceito de família com o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial das famílias multiespécies representa um marco transformador na compreensão dos vínculos afetivos que unem humanos e animais Esta nova realidade social aliada ao reconhecimento científico e legal da senciência animal consubstanciado em propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 42025 impele o Direito a superar a visão antropocêntrica e patrimonialista que historicamente relegou os animais à condição de meros bens móveis O afeto erigido a princípio estruturante das relações familiares contemporâneas revelase como fundamento válido para justificar a tutela jurídica especial desses seres O legado com encargo surge nesse contexto como uma solução de harmonia entre a rigidez do sistema sucessório e as novas demandas afetivas da sociedade Ao impor ao legatário ou herdeiro o dever específico de cuidar do animal este instituto viabiliza a destinação de recursos patrimoniais para a manutenção do pet respeitando os limites legais da capacidade sucessória mas sem descurar do imperativo ético de proteção A jurisprudência ao aplicar por analogia os princípios do direito de família às disputas envolvendo animais já sinaliza a aptidão do Judiciário em acolher tal solução privilegiando o melhor interesse do animal e a preservação dos vínculos afetivos Concluise portanto que a viabilidade do legado com encargo no planejamento sucessório dos animais de estimação é plena representando uma aplicação criativa e coerente de um instituto clássico do Direito Civil às complexidades da vida moderna A sua utilização lastreada na autonomia privada e nos princípios da dignidade da solidariedade e da função social da propriedade não apenas atende a anseios legítimos dos tutores mas também contribui para a construção de um ordenamento jurídico mais compassivo e alinhado com os valores de uma sociedade que reconhece progressivamente o lugar dos animais não humanos no seio de suas estruturas afetivas e familiares 32 REFERENCIAS BELCHIOR G P N DUARTE N G Família multiespécie guarda de animais domésticos e seu status jurídico Themis Revista da Esmec S l v 19 n 2 p 293312 2022 DOI 1056256themisv19i2772 Disponível em httpsrevistathemistjcejusbrTHEMISarticleview772 Acesso em 1 nov 2025 BESERRA Vitoria Alves FELIX Marcel Carlos Lopes NAPOLIS Isabelle Lopes A afetividade como fundamento para a alteração do status jurídico e o consequente reconhecimento dos animais não humanos domésticos e domesticados como membros da família multiespécie no Brasil In CONPEDI 2025 S l Anais Disponível em httpssiteconpediorgbrpublicacoesv38r977z27x8y74717Lc7VByDKMowt0Npdf Acesso em 1 nov 2025 BITTAR Eduardo C B Metodologia da pesquisa jurídica teoria e prática da monografia para os cursos de direito 15 ed São Paulo Saraiva 2017 BITTENCOURT Bianca da Rosa FERNANDES Beatriz Schherpinski QUEIROZ Matheus Filipe de Família Multiespécie uma proposta bemestarista ao animal não humano In SCHIAVON Isabela Nabas Coord Direito de Família aspectos 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obtenção do título de Bacharelado em Direito Aprovado em BANCA EXAMINADORA Orientador Membro Membro RESUMO O presente trabalho investiga a viabilidade jurídica da utilização do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Partindo da premissa de que os animais embora considerados seres sencientes não possuem capacidade sucessória direta no ordenamento jurídico brasileiro o estudo analisa a possibilidade de se destinar recursos patrimoniais para sua proteção de forma indireta A pesquisa de natureza teórica e qualitativa baseiase em revisão bibliográfica e análise jurisprudencial explorando a evolução do conceito de família para incluir as famílias multiespécies e a consequente necessidade de adaptação dos institutos sucessórios Examinase o tratamento jurídico dos animais da visão patrimonialista do Código Civil às recentes propostas legislativas que reconhecem sua natureza senciente e sua integração ao núcleo familiar O estudo conclui que o legado com encargo constitui mecanismo juridicamente adequado e eficaz para concretizar a vontade do testador garantindo a manutenção e os cuidados do animal em consonância com os princípios da dignidade da afetividade e da função social da propriedade representando uma solução prática e ética para o planejamento sucessório na contemporaneidade Palavraschave Direito das Sucessões Legado com Encargo Animais de Estimação Família Multiespécie Planejamento Patrimonial Senciência Animal ABSTRACT This paper investigates the legal feasibility of using the legacy with a charge as a succession planning instrument to ensure the wellbeing of pets after their owners death Starting from the premise that animals although considered sentient beings do not have direct succession capacity under Brazilian law the study analyzes the possibility of allocating patrimonial resources for their indirect protection The research of a theoretical and qualitative nature is based on a bibliographic review and jurisprudential analysis exploring the evolution of the concept of family to include multispecies families and the consequent need for adaptation of succession institutes The legal treatment of animals is examined from the patrimonialist view of the Civil Code to recent legislative proposals that recognize their sentient nature and their integration into the family nucleus The study concludes that the legacy with a charge is a legally adequate and effective mechanism to realize the testators will ensuring the animals maintenance and care in accordance with the principles of dignity affectivity and the social function of property representing a practical and ethical solution for contemporary succession planning Keywords Law of Succession Legacy with a Charge Pets MultiSpecies Family Estate Planning Animal Sentience SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO7 2 ALGUNS CONCEITOS10 21 Evolução e conceito de família10 22 evolução do direito dos animais12 23Famílias Multiespécie15 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL17 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira 19 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie23 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais26 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE29 CONCLUSÃO31 REFERENCIAS32 7 1 INTRODUÇÃO A convivência entre seres humanos e animais de estimação transformouse profundamente nas últimas décadas extrapolando o conceito tradicional de posse ou guarda para constituir vínculos afetivos e emocionais intensos Essa relação marcada pelo cuidado pela convivência cotidiana e pela reciprocidade emocional tem consolidado o reconhecimento de uma nova forma de estrutura familiar a chamada família multiespécie formada por humanos e animais não humanos unidos por laços de afeto e não por consanguinidade ou formalização jurídica Nesse contexto cresce a preocupação de tutores em garantir o bemestar e a continuidade dos cuidados dispensados aos seus animais após sua própria morte o que desperta questionamentos relevantes no campo do Direito Sucessório seria possível destinar bens ou recursos patrimoniais para assegurar a subsistência de um animal de estimação após o falecimento do tutor O ordenamento jurídico brasileiro permitiria ainda que de forma indireta tal disposição testamentária O Código Civil de 2002 estabelece de forma expressa que apenas pessoas naturais ou jurídicas possuem capacidade sucessória o que exclui os animais do rol de possíveis herdeiros ou legatários Essa limitação conforme ensina Venosa 2003 é reflexo de uma visão antropocêntrica do Direito que historicamente tratou os animais como meros objetos de propriedade Entretanto essa concepção encontrase em processo de revisão doutrinária e jurisprudencial impulsionada por uma perspectiva biocêntrica e ética que reconhece a senciência dos animais isto é sua capacidade de sentir dor prazer e emoções conforme argumenta Singer 1975 A partir dessa visão os animais não são mais compreendidos como simples bens mas como seres dotados de valor intrínseco e merecedores de tutela jurídica A evolução jurisprudencial brasileira demonstra avanços significativos nesse sentido Os tribunais já reconhecem o direito à guarda e à convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar a proibição de maustratos e o direito de permanência em condomínios ainda que cláusulas restritivas prevejam o contrário Brasil e Costa 2022 Oliveira e Dias 2023 O Superior Tribunal de Justiça inclusive admitiu a possibilidade de prestação de alimentos em favor de animais domésticos REsp 1944228RS 2022 reconhecendo a responsabilidade afetiva e material do tutor em relação a seu companheiro não humano Esses precedentes indicam um processo gradual de ampliação da proteção jurídica dos animais e revelam a necessidade de o Direito das Sucessões adaptarse a essa nova realidade social e afetiva 8 Nesse panorama o legado com encargo desponta como instrumento potencialmente eficaz e juridicamente viável para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Tratase de disposição testamentária por meio da qual o testador destina bens a uma pessoa herdeiro ou legatário impondolhe o dever de cumprir determinado encargo como o de garantir alimentação abrigo cuidados veterinários e demais necessidades do animal Farias Rosenvald 2017 Tartuce 2014 Essa solução ainda que indireta permite conciliar a limitação legal de capacidade sucessória com a vontade do testador preservando o cuidado com o animal e concretizando valores como solidariedade afetividade e dignidade Assim mesmo sem conferir personalidade jurídica aos animais o ordenamento oferece caminhos legítimos para a efetivação de sua tutela O debate tornase ainda mais relevante diante de propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional como o Projeto de Lei nº 1792023 que pretende consolidar mecanismos de proteção patrimonial em favor dos animais reconhecendo sua posição afetiva no seio familiar e permitindo a destinação de recursos para sua manutenção sem contudo atribuirlhes a titularidade dos bens A justificativa do projeto reflete o reconhecimento da família multiespécie e a necessidade de garantir aos animais um estatuto protetivo compatível com sua importância nas relações humanas contemporâneas Essa discussão reforça a urgência de repensar o sistema sucessório brasileiro à luz dos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da proteção à fauna previstos no artigo 225 da Constituição Federal Diante dessa realidade a presente pesquisa propõese a analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório voltado à proteção de animais de estimação Buscase compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais examinar as formas de sucessão compatíveis com a tutela indireta de seus interesses e avaliar a compatibilidade dessa prática com os princípios constitucionais e civis vigentes Pretendese ainda identificar desafios teóricos e práticos à implementação do instituto bem como demonstrar soluções jurídicas possíveis capazes de harmonizar o respeito à autonomia privada com o dever ético de proteção à vida animal O estudo também almeja contribuir para o debate legislativo e doutrinário oferecendo fundamentos sólidos que possam orientar tanto a elaboração de testamentos quanto a formulação de políticas públicas voltadas à proteção dos animais domésticos A relevância deste trabalho repousa em três dimensões fundamentais social ética e jurídica No plano social reflete uma transformação afetiva que redefine os contornos da família e amplia o conceito de cuidado e responsabilidade No plano ético reforça a noção de 9 alteridade e o dever moral de reconhecer o outro neste caso o animal como sujeito merecedor de consideração e respeito conforme a filosofia de Lévinas e os estudos contemporâneos de ética da alteridade Prado Santin Cerbelera Neto 2023 Por fim sob a perspectiva jurídica o tema representa um desafio interpretativo e propositivo ao Direito Civil exigindo que seus institutos clássicos como o testamento e o legado sejam revisitados à luz de novas sensibilidades e demandas sociais O reconhecimento da senciência animal consagrado na Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 impõe ao legislador e ao intérprete do Direito uma responsabilidade ética inadiável a de superar a visão instrumental e patrimonialista ainda presente em dispositivos do Código Civil Assim garantir proteção sucessória aos animais de estimação não significa subverter a estrutura jurídica tradicional mas adaptála a um contexto mais inclusivo e humanizado A adoção do legado com encargo nesse sentido configura uma solução prática legítima e eticamente coerente capaz de unir o respeito à vontade do testador e o dever jurídico de tutela fortalecendo o ideal de um Direito das Sucessões comprometido com a dignidade a afetividade e o respeito a todas as formas de vida 10 2 ALGUNS CONCEITOS 21 Evolução e conceito de família A família sempre ocupou um papel central na constituição das sociedades humanas funcionando como a base sobre a qual se estruturam valores crenças afetos e práticas de convivência É por meio dela que ocorre a socialização inicial o aprendizado de normas e a perpetuação de costumes e tradições culturais transmitidos entre gerações e continuamente reelaborados Mais do que um agrupamento de indivíduos unidos por laços consanguíneos a família constituise em um espaço simbólico de pertencimento solidariedade e afeto indispensável à formação do indivíduo e à estabilidade social Conforme destaca Maria Berenice Dias 2016 o agrupamento familiar não é exclusivo da espécie humana pois em outros reinos e espécies também se observam formas de convivência baseadas na cooperação e na proteção mútua Para a autora os seres vivos sempre buscaram viver aos pares seja por instinto de preservação seja pela necessidade de companhia e de compartilhamento de afetos Em suas palavras Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural em que os indivíduos se unem por uma química biológica a família é um agrupamento informal de formação espontânea no meio social cuja estruturação se dá através do direito No dizer de Giselda Hironaka não importa a posição que o indivíduo ocupa na família ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence o que importa é pertencer ao seu âmago é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade DIAS 2016 p 21 Essa perspectiva revela o caráter cultural e dinâmico da família que se transforma conforme as transformações sociais econômicas e históricas Cada época imprime às relações familiares uma configuração própria redefinindo papéis e expectativas De acordo com Gonçalves 2012 p 23 apud PEREIRA 2024 p 190 a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado sendo o núcleo fundamental que rege toda a organização social Em qualquer aspecto em que é considerada ela seria uma instituição necessária e sagrada merecendo a mais ampla proteção do Estado Essa compreensão reforça a relevância da família como estrutura fundante da vida coletiva não apenas sob o ponto de vista jurídico mas também ético e social Historicamente as famílias patriarcais representaram o modelo predominante nas sociedades ocidentais A figura masculina exercia o papel de chefe e provedor detendo poder sobre os demais membros enquanto à mulher era atribuída a função de cuidado e reprodução Nas palavras de Dias 2016 nas sociedades conservadoras apenas as formações que se 11 enquadravam nesse padrão hierárquico e patriarcal eram reconhecidas como legítimas sendo o casamento o instrumento formal que conferia validade e reconhecimento jurídico A ausência dessa formalização levava à marginalização de outros arranjos familiares frequentemente considerados afrontas à moral ou à religião dominante Com o passar do tempo mudanças sociais econômicas e culturais alteraram profundamente esse panorama O processo de urbanização e industrialização promoveu a migração de famílias do campo para as cidades modificando a dinâmica familiar e os papéis de gênero A mulher antes restrita ao ambiente doméstico passou a integrar o mercado de trabalho e a exercer novas funções sociais o que contribuiu para redefinir as bases do convívio familiar DIAS 2016 A afetividade que antes ocupava um papel secundário frente às obrigações econômicas e religiosas emergiu como elemento essencial das relações familiares consolidando um novo paradigma de convivência pautado na liberdade e na igualdade entre os membros A transição da família como unidade de produção para uma entidade afetiva implicou ainda o deslocamento do seu reconhecimento jurídico Conforme assinala Dias 2016 a codificação das leis transformou o casamento em requisito de legitimidade reduzindo a complexidade do fenômeno familiar a um modelo documental e formalista Essa concepção começou a se modificar com o advento do Código Civil de 1916 e de maneira mais profunda com a Constituição Federal de 1988 que passou a reconhecer a pluralidade das formas familiares e a valorizar o afeto como princípio fundante das relações humanas PEREIRA 2024 A partir dessa nova perspectiva a família deixou de ser vista como uma estrutura rígida limitada à união entre homem e mulher e passou a ser compreendida como um espaço plural aberto às diversas formas de afeto e solidariedade Nesse sentido Lobo 2024 p 19 apud PEREIRA 2024 p 190 propõe uma concepção mais abrangente A família é feita de duas estruturas associadas os vínculos e os grupos Há três sortes de vínculos que podem coexistir ou existir separadamente vínculos de sangue vínculos de direito e vínculos de afetividade A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram Essa definição traduz a natureza dinâmica e multifacetada da família contemporânea que se reconfigura em função dos vínculos afetivos e da autonomia individual sem que isso comprometa sua função essencial de garantir a convivência o cuidado e a solidariedade entre seus integrantes Desse modo compreender a evolução do conceito de família implica reconhecer que se trata de um fenômeno em constante transformação resultado direto das mudanças culturais 12 e sociais que moldam o comportamento humano A família longe de ser um conceito estanque é um organismo vivo plural e mutável capaz de se adaptar às novas realidades e de expressar em cada tempo histórico as formas de amor cuidado e pertencimento que definem a própria essência da vida em sociedade 22 evolução do direito dos animais Desde os primórdios da civilização os animais exerceram papel essencial na sobrevivência e no desenvolvimento da humanidade Inicialmente vistos como mera fonte de alimento e energia faziam parte de uma cadeia ecológica na qual o ser humano se inseria como predador e dependente do meio natural Com o passar do tempo porém certas espécies passaram a ocupar um espaço mais relevante nas interações humanas não apenas como recurso alimentar mas como parceiros de trabalho proteção e transporte Essa relação de utilidade recíproca deu origem a uma convivência que uniu cuidado e servidão moldando o início de uma ligação afetiva e funcional entre humanos e animais De acordo com Belchior e Duarte 2021 p 296 A relação dos homens com os animais domésticos não é atual esse vínculo surgiu para auxílio da caça pesca e tração No início da vida os homens e animais lutavam para conseguir alimentos e consequentemente alcançarem paralelamente uma forma de subsistir Esse processo de cooperação evolutiva foi inicialmente interpretado sob uma ótica utilitarista especialmente à luz da filosofia clássica Aristóteles concebia o universo como uma ordem hierarquicamente estruturada e imutável na qual cada ser ocupava um lugar predeterminado e exercia uma função natural Assim o homem era colocado no topo da escala vital enquanto os demais seres destituídos da razão e da fala existiam para servilo BERGSON 2005 p 125127 apud SANTANA 2006 p 15 A tradição grega portanto reforçou uma concepção antropocêntrica que posteriormente foi reproduzida por outros sistemas filosóficos e religiosos Gomes 2001 p 112113 apud SANTANA 2006 p 17 lembra que sob essa ótica apenas os seres humanos em especial os cidadãos gregos possuíam virtudes superiores e capacidade racional Os demais seres inclusive os animais eram considerados desprovidos dessas faculdades Com o advento do cristianismo a visão antropocêntrica ganhou contornos teológicos A leitura dominante da tradição cristã considerava os animais como instrumentos a serviço da humanidade destinados ao uso e consumo humano com raras exceções Uma dessas 13 exceções foi a de São Francisco de Assis cuja doutrina se afastou do pensamento predominante ao pregar o respeito e a fraternidade universal entre todos os seres vivos IDEM 1998 p 280 apud SANTANA 2006 p 19 A visão de subordinação dos animais persistiu durante séculos sustentada na crença de que lhes faltava raciocínio linguagem e moralidade Como explica Santana 2006 p 30 O principal argumento utilizado para excluir os animais da esfera de consideração moral seja na filosofia grega na tradição religiosa cristã ou no mecanismo cartesiano parte do princípio de que os animais são destituídos de espírito ou alma intelectual Na verdade várias características costumam ser consideradas atributos exclusivos da humanidade Com base nesse entendimento consolidouse a exploração sistemática dos animais como objetos de uso humano empregados em diversas atividades da alimentação à força de trabalho passando por experimentações científicas e entretenimento Entretanto com o avanço do pensamento filosófico e dos movimentos sociais no século XX surgiram novas correntes que passaram a contestar essa concepção reducionista e a reivindicar um tratamento ético e jurídico mais digno para os animais O movimento de libertação animal conforme ressalta Santana 2006 p 70 buscou não apenas mitigar o sofrimento imposto a esses seres mas também reconhecerlhes uma condição de sujeitos de direitos Essa perspectiva aproximou a luta animalista de outras pautas históricas de emancipação como as lutas feministas e antirracistas enfatizando a necessidade de um novo paradigma ético de convivência entre humanos e não humanos No cenário internacional um marco fundamental foi a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aprovada pela UNESCO em 1978 da qual o Brasil é signatário O documento estabeleceu princípios de igualdade e proteção reconhecendo o direito à vida e à integridade de todos os animais Conforme Belchior e Duarte 2021 p 298 Em suma esse dispositivo elenca em seu art 1º a igualdade entre todos os animais que nascem sendo seu direito à existência igualitário Além disso menciona expressamente que os animais devem ser resguardados de maustratos e de atos cruéis Essa proteção se estendeu às práticas científicas comerciais e alimentares proibindo qualquer forma de sofrimento desnecessário e impondo o dever ético de assegurar condições dignas de vida aos animais BELCHIOR DUARTE 2021 Embora sem força vinculante direta sobre as legislações nacionais a declaração representou um avanço ideológico e moral impulsionando reformas jurídicas em diversos países e inspirando o reconhecimento da senciência animal no plano internacional TINOCO CORREIA 2010 p 182 apud BELCHIOR DUARTE 2021 p 298 14 No Brasil a Constituição Federal de 1988 incorporou princípios alinhados a essa nova visão ética O art 225 estabelece o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Estado e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo Como afirmam Belchior e Duarte 2021 p 298 Dessa maneira a partir da Constituição Federal de 1988 art 225 caput fica claro que o Brasil trouxe parâmetros para que todos tenham direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado que é bem de uso comum do povo e essencial à boa qualidade de vida impondose ao poder público guardiões ONGs e à coletividade o dever de proteger e preserválo para o cotidiano e as futuras gerações Desse modo o reconhecimento constitucional do meio ambiente equilibrado inclui necessariamente a proteção da fauna conforme dispõe o 1º VII do mesmo artigo que proíbe práticas cruéis e impõe o dever de preservar todas as formas de vida animal SILVA FRACALOSSI 2010 apud BELCHIOR DUARTE 2021 Do ponto de vista infraconstitucional contudo o tratamento jurídico dos animais ainda apresenta resquícios do paradigma antigo O Código Civil de 2002 em seu artigo 82 enquadra os animais como bens móveis classificados entre os chamados bens semoventes isto é coisas dotadas de movimento próprio BRASIL 2002 DINIZ 2011 p 369 apud MORAES 2019 Essa concepção reflete uma herança de coisificação na qual os animais são tratados como propriedade e não como sujeitos de direitos Rodrigues 2003 p 126 apud MORAES 2019 sintetiza essa visão ao afirmar que os animais são da espécie bens que está compreendida no gênero coisas eis que existem objetivamente com exclusão do homem porém com valor econômico mantendo a ideia de utilidade e raridade Entretanto esse paradigma vem sendo gradativamente superado pela incorporação do conceito de senciência animal reconhecendo que os animais são capazes de sentir dor prazer e emoções e portanto merecem consideração ética e proteção jurídica específica Como observa Lobo 2024 p 18 a superação da visão antropocêntrica abriu espaço para um novo modelo jurídico centrado no respeito à vida e na dignidade animal Nesse sentido a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 marcou um divisor de águas ao afirmar cientificamente a existência de substratos neurológicos e comportamentais que comprovam estados de consciência em animais não humanos Segundo Lobo 2024 p 18 Uma evidência convergente indica que animais não humanos possuem os substratos neuroanatômicos neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais 15 A partir desse entendimento tornase evidente que o direito contemporâneo caminha para reconhecer os animais como seres sencientes dotados de valor intrínseco cuja proteção extrapola a lógica da utilidade Essa mudança implica o abandono da visão tradicional de subserviência e a construção de um novo paradigma jurídico que reconheça a dignidade animal como um bem jurídico fundamental Por fim no que se refere à classificação legal os animais domésticos distinguemse dos silvestres por seu grau de convivência com os seres humanos Enquanto os primeiros vivem sob o cuidado e proteção direta das pessoas os segundos integram ecossistemas naturais e cumprem papéis ecológicos essenciais como o controle de pragas e a dispersão de sementes Milaré 2018 p 791 apud BESERRA FÉLIX NÁPOLIS 2024 p 380 explica que a diferença entre eles reside sobretudo no grau de liberdade e vivência com os seres humanos sendo ambos igualmente integrantes da fauna e portanto destinatários das normas de proteção ambiental A evolução do direito dos animais reflete uma trajetória de profunda transformação cultural e ética de seres coisificados e instrumentalizados passaram a ser reconhecidos como sujeitos de consideração moral e jurídica cuja proteção está intrinsecamente ligada à própria noção de civilização e justiça ambiental 23Famílias Multiespécie O conceito de família multiespécie emergiu como uma das expressões mais marcantes das transformações sociais e jurídicas do século XXI Tratase da configuração familiar em que o afeto entre seres humanos e animais domésticos constitui o elo central da convivência Tal relação ultrapassa os vínculos utilitaristas historicamente atribuídos aos animais como guarda caça ou tração e passa a ser reconhecida pelo seu valor emocional e simbólico no cotidiano humano BELCHIOR DUARTE 2021 sp Com o advento da Constituição Federal de 1988 o conceito jurídico de família foi substancialmente ampliado O texto constitucional rompeu com a antiga concepção restrita ao casamento civil abrindo espaço para o reconhecimento de diversas formas de constituição familiar Essa abertura interpretativa viabilizou o acolhimento de novas realidades sociais inclusive aquelas que envolvem a convivência afetiva entre pessoas e animais BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 380 16 Entre os princípios orientadores dessa nova concepção destacase o princípio da afetividade que embora não esteja expressamente previsto na Constituição encontra fundamento em diversos dispositivos constitucionais Como ensina Dias 2022 p 6669 apud BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 O princípio da afetividade embora não esteja explícito na Constituição Federal vigente ganhou tais contornos ao passo que sua essência se encontra disposta na Carta Magna conforme se nota por exemplo nos seguintes artigos a art 1º CFRB88 se referindo à dignidade humana b art 226 3º reconhecimento da União Estável c art 226 4º proteção da família monoparental e dos filhos por adoção e d art 227 5º adoção como escolha afetiva Dessas linhas se extrai a transformação da família na medida em que se observam as relações de sentimentos valorizando as funções afetivas da família A afetividade passa a ser reconhecida como elemento estruturante das relações familiares mesmo quando implícita É a partir desse princípio que se torna possível compreender juridicamente o vínculo emocional entre humanos e animais permitindo que esses últimos sejam integrados ao núcleo familiar de forma legítima Assim o reconhecimento da família multiespécie não decorre de uma inovação conceitual arbitrária mas de uma evolução coerente do direito de família orientada por valores constitucionais de afeto e dignidade humana BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 17 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL A convivência entre seres humanos e animais de estimação é um fenômeno milenar mas que ganha novos contornos no contexto contemporâneo Desde as civilizações antigas o homem estabeleceu vínculos com os animais ainda que naquele momento o relacionamento fosse essencialmente utilitário pautado no uso da força na caça e na segurança Com o passar do tempo e o avanço das relações sociais econômicas e afetivas essa interação passou a assumir um caráter distinto baseado no afeto e na convivência emocional Como destaca Bittar 2017 p 291 o Direito por sua própria natureza social acompanha a evolução das relações humanas ajustandose às novas formas de vida e de convivência que emergem no seio da sociedade Assim a transformação das relações entre humanos e animais se reflete inevitavelmente no campo jurídico que é chamado a repensar seus conceitos de família afeto e tutela A configuração das famílias também passou por significativas alterações ao longo das últimas décadas O modelo tradicional composto por um casal e seus descendentes cede espaço para múltiplas formações como famílias monoparentais homoafetivas e mais recentemente as chamadas famílias multiespécies que incluem animais de estimação como integrantes legítimos do núcleo familiar Conforme ressalta Severino 2000 a ciência deve observar os fenômenos sociais em sua dinamicidade e complexidade considerando que as realidades humanas estão em constante transformação e toda análise que ignore tal movimento corre o risco de tornarse anacrônica SEVERINO 2000 p 58 Nesse sentido compreender a família contemporânea exige reconhecer a centralidade afetiva dos animais de companhia nas relações humanas modernas Um dos fatores que impulsionaram essa nova configuração familiar é a mudança no comportamento reprodutivo e afetivo da sociedade moderna O número de filhos nas famílias brasileiras tem diminuído progressivamente e em paralelo cresce o número de lares com animais de estimação que passam a ocupar papéis simbólicos e afetivos antes reservados a filhos netos e outros parentes próximos Sobre esse fenômeno Oliveira 2006 p 42 explica que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 42 18 A citação acima evidencia uma mudança estrutural nas relações afetivas e familiares O animal deixa de ser mero acompanhante e passa a ocupar um papel simbólico de relevância emocional contribuindo para o equilíbrio psicológico e afetivo dos tutores Esse deslocamento semântico e social do animal de propriedade para membro da família desafia o ordenamento jurídico brasileiro que ainda o trata como coisa ou bem móvel conforme disposto no artigo 82 do Código Civil Entretanto o avanço da doutrina e da jurisprudência aponta para um processo de ressignificação dessa condição reconhecendo nos animais seres sencientes e merecedores de tutela jurídica própria No contexto atual a família multiespécie representa não apenas um fenômeno social mas também um desafio jurídico O Direito de Família tradicionalmente pautado em vínculos consanguíneos e matrimoniais é convocado a ampliar sua concepção de afetividade para incluir formas de convívio que ultrapassam as fronteiras da espécie humana A teoria do afeto como elemento estruturante das relações familiares amplamente aceita pela doutrina civilista encontra nos lares multiespécies um campo fértil de aplicação uma vez que o vínculo estabelecido entre tutores e animais se funda em cuidado responsabilidade e amor recíproco Como observa Bittar 2017 o pesquisador do Direito deve ser capaz de compreender as novas realidades sociais a partir de uma postura crítica ética e transformadora que permita ao conhecimento jurídico servir de instrumento de emancipação e justiça social BITTAR 2017 p 294 Reconhecer juridicamente a família multiespécie não significa ampliar o conceito de pessoa mas sim reconhecer a realidade fática e afetiva que já se manifesta no cotidiano das famílias brasileiras A legislação e a doutrina devem avançar para compatibilizar o ordenamento jurídico com os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana da solidariedade e da proteção à fauna A Carta Magna de 1988 em seu artigo 225 impõe a todos o dever de proteger os animais contra a crueldade princípio que deve irradiar efeitos também sobre o Direito Civil e de Família Desse modo a viabilidade do reconhecimento da família multiespécie repousa na interpretação sistemática e principiológica do ordenamento jurídico especialmente à luz do valor da afetividade como elemento legitimador das relações familiares contemporâneas A transição paradigmática do antropocentrismo para o biocentrismo é portanto inevitável Se outrora o Direito enxergava os animais como instrumentos da vontade humana hoje precisa reconhecêlos como seres com valor intrínseco e sensibilidade A sociedade ao atribuir aos animais papéis afetivos e familiares redefine os próprios limites do que se entende por família impondo ao Estado e à doutrina jurídica o dever de acompanhar essa 19 transformação Como ensina Severino 2000 p 67 a pesquisa científica cumpre seu papel social quando é capaz de interpretar as mudanças da realidade e oferecer respostas éticas e adequadas às novas demandas coletivas Assim o reconhecimento da família multiespécie não é apenas uma questão de adequação legislativa mas um imperativo ético social e jurídico que visa harmonizar o Direito com as formas contemporâneas de amar cuidar e conviver 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira A relação entre seres humanos e animais domésticos é um fenômeno social que ultrapassa as fronteiras temporais da modernidade Desde a Antiguidade o convívio entre ambos se estabeleceu ainda que inicialmente marcado por uma lógica utilitarista e instrumental em que os animais eram vistos como meras ferramentas de trabalho ou fontes de alimento Com a evolução das estruturas sociais e afetivas esse vínculo foi se ressignificando passando a incorporar dimensões emocionais éticas e simbólicas de modo que na contemporaneidade muitos animais deixaram de ocupar o lugar de objetos para assumirem o papel de membros efetivos das famílias humanas BITTAR 2017 Essa mudança reflete transformações profundas no modo como a sociedade compreende o afeto a convivência e o próprio conceito de família A consolidação dessa nova forma de interação entre humanos e animais ocorre em um contexto de alterações significativas nas dinâmicas familiares Ao longo do século XX sobretudo com o avanço das políticas de controle de natalidade a urbanização crescente e a inserção da mulher no mercado de trabalho observouse a redução do número de filhos e o encolhimento das famílias tradicionais SEVERINO 2000 O modelo de família extensa composto por numerosos membros cedeu espaço a arranjos familiares menores nos quais os animais de estimação passaram a preencher um espaço afetivo anteriormente ocupado por filhos sobrinhos e netos Nesse sentido Oliveira 2006 observa que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 45 20 Essa constatação revela a centralidade que os pets assumem no contexto das relações humanas servindo como mediadores afetivos e simbólicos em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela fragilidade dos vínculos sociais Assim o conceito tradicional de família passa por uma ampliação conceitual que não mais se restringe aos laços de consanguinidade ou casamento mas incorpora o afeto como princípio estruturante De acordo com Lôbo 2009 a família é uma instituição dinâmica construída tanto por vínculos biológicos e jurídicos quanto por laços afetivos sendo este último o que caracteriza de forma mais evidente a família multiespécie Com base nessa perspectiva os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2013 evidenciam que o Brasil já possuía à época cerca de 52 milhões de cães 22 milhões de gatos e outros milhões de aves e peixes número superior à quantidade de crianças de até 12 anos nos lares brasileiros Essa inversão demográfica indica uma substituição simbólica dos filhos pelos animais domésticos fenômeno interpretado por França e Costa 2019 como expressão de uma nova afetividade na qual os animais passam a ser vistos como verdadeiros membros da família com valor emocional e moral equiparado ao dos humanos FRANÇA COSTA 2019 p 130 O Censo Pet do Instituto Pet Brasil 2021 reforça essa tendência ao apontar um crescimento de 6 na população de felinos e 4 na de cães entre 2020 e 2021 totalizando 1496 milhões de animais de estimação no país INSTITUTO PET BRASIL 2021 Esses números aliados à crescente humanização dos pets revelam uma transformação cultural na qual o animal doméstico ocupa papel central no núcleo familiar configurando o que a doutrina e os legisladores vêm reconhecendo como família multiespécie A ampliação do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um processo histórico de reconhecimento da afetividade como elemento jurídico relevante Diniz 2008 destaca que a família em sentido amplo abrange não apenas os cônjuges e descendentes mas todos os indivíduos unidos por relações de afeto e solidariedade Nesse contexto o reconhecimento jurídico dos animais como sujeitos de direitos representa um avanço ético e legal O Decreto n 246451934 foi o primeiro diploma normativo a tratar da proteção animal prevendo que constituía maustratos qualquer ato de crueldade privação ou sofrimento imposto aos animais O texto do decreto em uma passagem paradigmática dispunha Considerase maustratos a prática de ato de abuso ou crueldade em qualquer animal a manutenção de animais em lugares antihigiênicos ou que lhes impeçam a respiração o movimento ou o descanso ou os privem de ar ou luz o ato de obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte 21 em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes pudessem exigir senão com castigo BRASIL 1934 Embora revogado o decreto serviu de base para legislações posteriores como a Lei n 96051998 que passou a tipificar os maustratos como crime ambiental punível com detenção e multa BRASIL 1998 A Constituição Federal de 1988 por sua vez consolidou o dever de proteção aos animais ao estabelecer no art 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações BRASIL 1988 p 123 Em 1978 a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela UNESCO também reafirmou o princípio da dignidade animal estabelecendo em seu preâmbulo que todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência UNESCO 1978 p 2 Tais dispositivos e documentos refletem uma crescente preocupação internacional com o reconhecimento ético e jurídico da vida animal pavimentando o caminho para o surgimento de conceitos mais inclusivos como o de família multiespécie No campo legislativo o Brasil vem avançando de forma gradual no reconhecimento jurídico dos animais não humanos e na consolidação da noção de família multiespécie O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado federal Ricardo Izar PSDSP representa um marco nesse processo ao propor a criação de um regime jurídico especial para os animais reconhecendoos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis BRASIL 2018 O projeto foi aprovado no Senado Federal em 7 de agosto de 2019 sob relatoria do senador Randolfe Rodrigues RedeAP e tem por objetivo romper com o paradigma civilista que enquadra os animais como bens móveis conforme o artigo 82 do Código Civil BRASIL 2002 incluindo na Lei de Crimes Ambientais Lei nº 96051998 dispositivo que veda o tratamento dos animais como coisas De acordo com o texto aprovado os animais passam a ser reconhecidos como seres sencientes isto é dotados de natureza biológica e emocional capazes de sentir dor e sofrimento A nova redação estabelece que os animais não poderão mais ser considerados objetos devendo portanto ser protegidos por um regime jurídico específico que garanta sua tutela jurisdicional em caso de violação de direitos BRASIL 2019 Essa proposta segundo o relator Randolfe Rodrigues representa um avanço civilizacional pois reconhece o que a ciência e a ética já afirmam que os animais sentem dor e emoções e por isso não podem ser tratados como objetos como uma caneta ou um copo BRASIL 2019 p 3 22 A iniciativa contudo gerou intensos debates legislativos e doutrinários Segundo o Resumo Executivo da Frente Parlamentar da Agropecuária FPA o projeto suscita preocupações relacionadas à segurança jurídica e à aplicabilidade prática das normas sob o argumento de que a criação de uma categoria jurídica sui generis para os animais seria vaga e de difícil interpretação O documento destaca que O PL causa insegurança jurídica por criar uma grande área cinzenta no tocante aos direitos animais sendo que o direito deve servir justamente como instrumento de pacificação das relações sociais e não para tumultuálas Definir que os animais não humanos possuem natureza sui generis é dar carta branca ao intérprete da lei trazendo subjetividade ao texto legal o que servirá apenas para embaralhar a ordem vigente e trazer insegurança jurídica e instabilidade social FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 p 2 Os críticos afirmam que a vedação do tratamento dos animais como coisas poderia impactar negativamente setores como a agropecuária o comércio de proteína animal a pesquisa científica e até o controle sanitário o que exigiria um debate mais aprofundado sobre os efeitos econômicos e sociais da proposta Argumentase ainda que a legislação brasileira já oferece mecanismos suficientes para a proteção dos direitos animais por meio da Lei de Crimes Ambientais e de outros dispositivos constitucionais tornando o projeto redundante FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 Em contraposição a essas críticas o senador Randolfe Rodrigues sustentou durante a tramitação que o projeto não interfere nas práticas culturais registradas como patrimônio imaterial como a vaquejada nem prejudica o setor agropecuário uma vez que a matéria apenas eleva o tratamento jurídico dos animais reconhecendo sua condição de seres sencientes sem alterar hábitos alimentares ou práticas econômicas BRASIL 2019 p 4 Essa posição foi compartilhada por outros parlamentares como os senadores Rodrigo Pacheco DEMMG e Antonio Anastasia PSDBMG que consideraram o texto um avanço no campo jurídico e moral um gesto de humanidade e civilidade diante das demais espécies BRASIL 2019 p 5 O debate em torno do PLC nº 272018 evidencia portanto a tensão entre o progresso ético do reconhecimento dos animais como sujeitos de direito e as preocupações econômicas e jurídicas decorrentes dessa mudança paradigmática A resistência à proposta revela a persistência de uma visão antropocêntrica e patrimonialista que ainda enxerga os animais sob a ótica da utilidade e do domínio humano Apesar das divergências a aprovação do projeto no Senado foi celebrada como um marco civilizatório que reposiciona o ser humano na escala das relações interespécies e amplia a noção de dignidade para além da esfera humana 23 Na esteira desse avanço o Projeto de Lei nº 1792023 reforça e aprofunda a perspectiva inaugurada pelo PLC 272018 ao propor o reconhecimento jurídico da família multiespécie como entidade familiar no ordenamento brasileiro BRASIL 2023 O texto define a família multiespécie como o núcleo humano que compartilha a convivência com animais domésticos reconhecendo o papel afetivo e simbólico desses vínculos e assegurando aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais morais e existenciais BRASIL 2023 O projeto também inova ao prever a constituição de um patrimônio específico em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores e determina que em caso de falecimento do animal os bens destinados a ele sejam revertidos a outros pets da mesma família ou a fundos de proteção animal De forma expressiva o texto do projeto reconhece que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 Assim observase que o reconhecimento da família multiespécie no Brasil transcende o campo simbólico e se materializa em iniciativas legislativas concretas que refletem uma nova ética relacional baseada no respeito na empatia e na corresponsabilidade entre espécies Essa transformação indica uma ampliação do próprio conceito de dignidade antes restrito à pessoa humana para incluir os animais como sujeitos morais e jurídicos dignos de consideração Ao alinharse a tendências internacionais como as verificadas em países como França Portugal Espanha e Nova Zelândia o ordenamento jurídico brasileiro caminha para a consolidação de uma concepção mais ampla de justiça e cidadania na qual a afetividade o cuidado e o respeito à vida animal tornamse fundamentos legítimos da convivência social Tratase portanto de um avanço jurídico e civilizacional que amplia os horizontes éticos do Direito e reafirma o papel da afetividade como vetor essencial para a formação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e solidária 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie A definição de família é um dos temas mais complexos do Direito Civil contemporâneo pois não se trata de um conceito fixo e universal mas de uma construção histórica e cultural que acompanha a evolução da sociedade O que se entende por família em determinado tempo e espaço social não necessariamente corresponde à realidade de outro 24 momento histórico Assim o conceito familiar se revela dinâmico moldandose conforme os valores crenças e transformações socioculturais que permeiam cada geração FARIAS ROSENVALD 2017 Desse modo a estrutura familiar tradicional baseada na união entre homem mulher e filhos vem sendo substituída por uma multiplicidade de novos arranjos refletindo a pluralidade das formas de convivência e de afeto contemporâneas Essa mudança demonstra que o núcleo familiar deixou de ter como finalidade exclusiva a reprodução biológica ou a formalização jurídica passando a se pautar sobretudo pela solidariedade pelo cuidado mútuo e pelo amor Nesse sentido Farias e Rosenvald 2017 p 98 afirmam que O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano regido o núcleo familiar pelo afeto como mola propulsora O afeto portanto emerge como o elemento nuclear e estruturante das relações familiares na atualidade assumindo papel central na formação das novas entidades familiares A família moderna é regida pelo princípio da afetividade que se associa à busca pela felicidade e realização pessoal de seus integrantes superando a rigidez dos modelos patriarcais e hierarquizados Para Dias 2016 p 54 o novo modelo da família fundase sobre os pilares da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito das famílias A partir dessa evolução conceitual o afeto também passou a estenderse além das relações humanas alcançando os vínculos entre pessoas e animais de estimação Essa transformação reflete uma nova sensibilidade jurídica e social que reconhece nos laços interespécies um componente legítimo de convivência familiar Como destaca o Superior Tribunal de Justiça STJ 2019 essa relação é caracterizada por ser dinâmica e mutuamente benéfica entre pessoas e outros animais influenciada pelos comportamentos essenciais para a saúde e bemestar de ambos STJ REsp 1713167SP 2019 Com isso a noção de família expandese para abarcar a chamada família multiespécie em que humanos e animais convivem sob um mesmo teto e compartilham afetos responsabilidades e rotinas Essa convivência extrapola inclusive o espaço doméstico há famílias multiespécies compostas por vizinhos condomínios inteiros e até comunidades que se unem em torno do cuidado coletivo de animais os chamados núcleos familiares multiespécies comunitários LEITE et al 2015 Essa ampliação é impulsionada pela afetividade que permeia o vínculo humano animal uma relação baseada na estima na afetividade no apreço no amor na ternura na 25 afeição no carinho na benquerença LEITE et al 2015 p 12 Em muitos casos essa ligação não se restringe a um único tutor mas envolve diversos indivíduos que compartilham os cuidados de um mesmo animal como ocorre com aqueles acolhidos coletivamente por moradores de um bairro ou comunidade Essa dinâmica revela que os vínculos afetivos com os animais transcendem a propriedade individual e se projetam sobre a esfera comunitária configurando novas formas de sociabilidade e de família Entretanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda enfrenta dificuldades para acompanhar essa transformação Como observa Simão 2017 p 899 os animais são coisas e como tal são objeto de propriedade podendo ser doados vendidos e utilizados para consumo para tração etc Essa concepção fundada no paradigma civilista da coisa mostra se anacrônica diante das evidências científicas e filosóficas que reconhecem a senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções exigindo uma reinterpretação da relação entre humanos e não humanos sob uma ótica ética e jurídica mais inclusiva No campo legislativo essa mudança de paradigma tem se materializado em propostas concretas O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado Ricardo Izar PSDSP propôs o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis o que impede seu enquadramento como simples bens móveis BRASIL 2018 O texto relatado no Senado pelo senador Randolfe Rodrigues foi aprovado pela Casa em 2019 e estabeleceu um marco importante ao afirmar que os animais são seres sencientes capazes de sentir dor e emoções devendo portanto ser protegidos por leis especiais BRASIL 2019 Embora tenha enfrentado resistência de setores ligados à agropecuária que alegaram risco de insegurança jurídica e impacto econômico FPA 2018 o projeto consolidou o reconhecimento jurídico da sensibilidade animal e a vedação expressa ao seu tratamento como coisa Avançando nessa direção o Projeto de Lei nº 1792023 buscou reconhecer oficialmente a família multiespécie como entidade familiar definindoa como o núcleo humano que compartilha convivência e afeto com animais domésticos O texto propõe assegurar aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais existenciais e morais bem como prevê a criação de um patrimônio em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores Em caso de falecimento do pet os bens destinados a ele seriam revertidos a outros animais da mesma família multiespécie ou a fundos de proteção animal BRASIL 2023 Ao reconhecer a afetividade como fundamento das relações multiespécies o projeto afirma que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento 26 jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 reforçando a centralidade do afeto como elemento estruturante da proteção jurídica contemporânea Tais movimentos inserem o Brasil em um contexto global de revisão do estatuto jurídico dos animais semelhante ao de países como Áustria Alemanha e Suíça que já afirmaram em seus Códigos Civis que os animais não são coisas assegurando inclusive reparações pelo valor de afeição em casos de morte ou ferimento GODINHO PINHEIRO 2010 No cenário nacional o aumento das famílias multiespécies e o consequente crescimento de disputas judiciais relativas à guarda e ao bemestar dos pets têm impulsionado o Judiciário a reconhecer os animais como integrantes do núcleo familiar e não como meros objetos partilháveis CAIXÊTA JÚNIOR AMARAL VIEIRA 2023 Assim o reconhecimento jurídico da família multiespécie transcende o campo simbólico e se materializa em políticas públicas projetos de lei e transformações jurisprudenciais refletindo uma nova ética relacional A afetividade antes circunscrita ao convívio humano expandese para abranger os vínculos com os animais que passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos dignos de proteção e respeito A efetivação dessa concepção representa não apenas um avanço social mas um marco jurídico e civilizatório que reposiciona o ser humano em relação às demais espécies promovendo uma convivência mais solidária empática e humanizada no seio da sociedade contemporânea 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais A discussão acerca da senciência dos animais e sua consequente proteção jurídica tem ocupado espaço crescente no cenário legislativo e acadêmico brasileiro A consolidação desse debate materializouse com a apresentação do Projeto de Lei nº 4 de 2025 de autoria do senador Rodrigo Pacheco que propõe alterações significativas no Código Civil reconhecendo os animais não mais como meras coisas mas como seres vivos sencientes Essa iniciativa representa um marco histórico pois reflete a maturidade de um ordenamento jurídico que passa a enxergar os animais sob a ótica ética ecológica e afetiva em consonância com o avanço do pensamento jurídico contemporâneo PACHECO 2025 FIÚZA GONTIJO 2014 De acordo com o texto protocolado no Senado Federal o projeto inaugura um novo dispositivo no Código Civil o artigo 91A que dispõe 27 Art 91A Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria em virtude da sua natureza especial 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais 2º Até que sobrevenha lei especial são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas aos bens desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza considerando a sua sensibilidade PACHECO 2025 sp A redação proposta inaugura uma nova era na relação entre humanos e animais estabelecendo um marco jurídico e moral que rompe com séculos de visão antropocêntrica e patrimonialista A inclusão da senciência como fundamento normativo confere aos animais reconhecimento moral e jurídico e não apenas proteção indireta Esse movimento legislativo também confere maior segurança às relações familiares e afetivas que envolvem animais de estimação refletindo diretamente no reconhecimento das chamadas famílias multiespécie cuja consolidação tem sido objeto de estudos recentes no campo do direito civil e da ética BITTENCOURT FERNANDES QUEIROZ 2023 PEREIRA 2024 A proposta ainda reforça o compromisso estatal com o bemestar animal ao prever a elaboração de uma lei especial que regulamente o tratamento físico e ético desses seres Tal previsão demonstra a preocupação em garantir um aparato normativo específico e detalhado capaz de consolidar a tutela jurídica dos animais sob uma perspectiva de respeito à sua natureza sensível O caráter subsidiário do regime jurídico dos bens conforme previsto no 2º do artigo 91A é um avanço que preserva a aplicabilidade prática das normas enquanto não sobrevier legislação específica evitando lacunas jurídicas que possam comprometer a efetividade da proteção PACHECO 2025 Em análise crítica Édis Milaré 2024 apud PEREIRA 2024 observa que essa transição paradigmática de tratar os animais como objetos de direito para reconhecêlos como seres sencientes representa um passo civilizatório para o ordenamento jurídico brasileiro Segundo o autor a evolução normativa projetada pelo Projeto de Lei nº 4 de 2025 tem o potencial de posicionar o Brasil como referência internacional na tutela animal sobretudo por alinharse aos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da ética ambiental Essa percepção é corroborada pela teoria da responsabilidade formulada por Hans Jonas 2006 para quem o agir humano deve pautarse pela preservação e pelo respeito à vida em todas as suas formas reconhecendo a interdependência entre as espécies e os deveres éticos decorrentes dessa coexistência A institucionalização da senciência animal no ordenamento jurídico brasileiro também atende às diretrizes constitucionais que consagram a proteção da fauna e vedam práticas que submetam os animais à crueldade conforme o artigo 225 1º inciso VII da Constituição 28 Federal de 1988 BRASIL 1988 Assim o novo dispositivo do Código Civil dialoga diretamente com o princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado consolidando um sistema de tutela que reconhece o valor intrínseco dos animais e estabelece a base para políticas públicas de bemestar e dignidade animal Como defende Simão 2017 o reconhecimento da natureza jurídica sui generis dos animais é um passo indispensável para a construção de um regime jurídico coerente com a sua condição de seres sencientes superando a tradicional visão utilitarista e instrumental Nesse contexto o reconhecimento legal da senciência dos animais inserese no movimento mais amplo de humanização do direito civil e de ampliação da concepção de sujeito de direito Tal avanço não apenas redefine o estatuto jurídico dos animais mas também amplia o horizonte da justiça interespécies permitindo que o direito acompanhe a complexidade das novas configurações afetivas e sociais do século XXI O Projeto de Lei nº 4 de 2025 configurase assim como um instrumento essencial para a evolução normativa do país pois traduz em texto legal o que a sociedade já reconhece no campo ético e emocional os animais são seres dotados de sensibilidade capazes de sentir dor prazer e afeto e portanto merecedores de tutela jurídica própria O dispositivo proposto no artigo 91A é portanto mais que uma atualização legislativa é o reflexo de uma transformação cultural e jurídica em direção à valorização da vida em todas as suas formas A positivação da senciência animal no Código Civil representa a concretização de um ideal éticojurídico de coexistência um reconhecimento de que o progresso humano não pode mais ser medido apenas em termos de domínio sobre a natureza mas também pela capacidade de respeitar e proteger os outros seres que compartilham o planeta 29 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE A ausência de legislação específica sobre as famílias multiespécie gera um cenário de insegurança jurídica no país uma vez que as decisões judiciais sobre o tema variam conforme o entendimento de cada magistrado As controvérsias mais recorrentes envolvem questões relacionadas à guarda e à convivência com animais de estimação temas que têm sido interpretados por analogia com o direito de família humano DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Como observam os autores supracitados O desenvolvimento embrionário deste conceito foi fundamental para o surgimento de projetos de lei que tentam readaptar as legislações de tal forma a tentar amparar o poder judiciário a quem não resta escolha senão a aplicação de outros dispositivos por analogia costumes e pelo princípio do livre convencimento motivado do magistrado Isto resulta em uma crescente onda de julgados que ora mantém o animal de estimação em seu patamar de coisa e ora o enaltece com características do direito de guarda DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Essas decisões refletem o avanço da jurisprudência brasileira em reconhecer os animais domésticos não mais como simples bens semoventes mas como sujeitos de consideração moral e afetiva Na prática o Poder Judiciário tem recorrido à analogia com o instituto da guarda compartilhada de filhos aplicandoo aos casos de disputa por animais com base no vínculo emocional estabelecido entre as partes e seus pets AMARAL DE LUCA 2015 apud DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRJ ilustra de forma exemplar essa tendência Em recente decisão foi julgado um conflito de competência entre varas cível e de família envolvendo a guarda compartilhada de um animal de estimação No voto vencedor reconheceuse que a questão ultrapassava o campo do direito das coisas ingressando na esfera do direito de família O acórdão registrou Com a evolução da sociedade diferenciase os animais das coisas notadamente pelo aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação O regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver de forma satisfatória a disputa familiar envolvendo os pets visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade Não há dúvidas de que a questão tratada nos autos principais vai além da propriedade do animal perpassando pelo vínculo afetivo existente entre o animal e os ex companheiros o estabelecimento de custódia com direitos e deveres e eventualmente o direito à convivência com regime de visitação tratandose pois de matéria de família TJRJ Conflito de Competência nº 00939510920248190000 Rel Des Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues julgado em 28 nov 2024 30 Tal decisão reconhece a necessidade de o tema ser tratado no âmbito do direito de família e não mais sob o prisma patrimonial Isso representa um avanço relevante no reconhecimento das famílias multiespécie como entidades legítimas no contexto jurídico brasileiro Outro caso paradigmático foi apreciado também pelo TJRJ em sede de agravo de instrumento no qual se discutia a custódia compartilhada de uma cadela chamada Flora O tribunal manteve a decisão de primeiro grau que havia concedido a guarda compartilhada fundamentandose na impossibilidade de o juiz negar a apreciação de um pedido sob a justificativa de ausência de norma específica Assim afirmouse a aplicação da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito conforme dispõe o art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Família multiespécie Aplicação do enunciado nº 11 do IBDFAM que garante a possibilidade de o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal Entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema exarado no julgamento do REsp 1713167SP Rompimento do vínculo conjugal que não rompe o vínculo afetivo com o pet Documentos juntados aos autos demonstram de forma clara o afeto entre o autoragravado e a Flora TJRJ Agravo de Instrumento nº 00328345120238190000 Rel Des Nádia Maria de Souza Freijanes julgado em 29 jun 2023 Esse entendimento reafirma que mesmo diante da omissão legislativa o direito à convivência e ao cuidado com os animais de estimação pode e deve ser garantido com base no afeto e na dignidade O Enunciado nº 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM 2022 ao dispor que a ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal consolida a tendência doutrinária e jurisprudencial de enquadrar tais questões no âmbito do direito familiar Dessa forma o reconhecimento das famílias multiespécie emerge não apenas como um fenômeno social mas como uma evolução necessária do ordenamento jurídico que deve acompanhar as transformações éticas e afetivas da sociedade contemporânea 31 CONCLUSÃO O exame realizado ao longo deste trabalho permitiu constatar que o legado com encargo configura um instrumento juridicamente viável e eticamente recomendável para assegurar a proteção sucessória dos animais de estimação no ordenamento jurídico brasileiro A análise demonstrou que embora o Código Civil de 2002 não reconheça aos animais capacidade sucessória direta por lhes faltar personalidade jurídica o ordenamento disponibiliza mecanismos indiretos para concretizar a vontade do testador em prover o bem estar de seus companheiros não humanos após o seu falecimento A evolução do conceito de família com o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial das famílias multiespécies representa um marco transformador na compreensão dos vínculos afetivos que unem humanos e animais Esta nova realidade social aliada ao reconhecimento científico e legal da senciência animal consubstanciado em propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 42025 impele o Direito a superar a visão antropocêntrica e patrimonialista que historicamente relegou os animais à condição de meros bens móveis O afeto erigido a princípio estruturante das relações familiares contemporâneas revelase como fundamento válido para justificar a tutela jurídica especial desses seres O legado com encargo surge nesse contexto como uma solução de harmonia entre a rigidez do sistema sucessório e as novas demandas afetivas da sociedade Ao impor ao legatário ou herdeiro o dever específico de cuidar do animal este instituto viabiliza a destinação de recursos patrimoniais para a manutenção do pet respeitando os limites legais da capacidade sucessória mas sem descurar do imperativo ético de proteção A jurisprudência ao aplicar por analogia os princípios do direito de família às disputas envolvendo animais já sinaliza a aptidão do Judiciário em acolher tal solução privilegiando o melhor interesse do animal e a preservação dos vínculos afetivos Concluise portanto que a viabilidade do legado com encargo no planejamento sucessório dos animais de estimação é plena representando uma aplicação criativa e coerente de um instituto clássico do Direito Civil às complexidades da vida moderna A sua utilização lastreada na autonomia privada e nos princípios da dignidade da solidariedade e da função social da propriedade não apenas atende a anseios legítimos dos tutores mas também contribui para a construção de um ordenamento jurídico mais compassivo e alinhado com os valores de uma sociedade que reconhece progressivamente o lugar dos animais não humanos no seio de suas estruturas afetivas e familiares 32 REFERENCIAS BELCHIOR G P N DUARTE N G Família multiespécie guarda de animais domésticos e seu status jurídico Themis Revista da Esmec S l v 19 n 2 p 293312 2022 DOI 1056256themisv19i2772 Disponível em httpsrevistathemistjcejusbrTHEMISarticleview772 Acesso em 1 nov 2025 BESERRA Vitoria Alves FELIX Marcel Carlos Lopes NAPOLIS Isabelle Lopes A afetividade como fundamento para a alteração do status jurídico e o consequente reconhecimento dos animais não humanos domésticos e domesticados como membros da família multiespécie no Brasil In CONPEDI 2025 S l Anais Disponível em httpssiteconpediorgbrpublicacoesv38r977z27x8y74717Lc7VByDKMowt0Npdf Acesso em 1 nov 2025 BITTAR Eduardo C B Metodologia da pesquisa jurídica teoria e prática da monografia para os cursos de direito 15 ed São Paulo Saraiva 2017 BITTENCOURT Bianca da Rosa FERNANDES Beatriz Schherpinski QUEIROZ Matheus Filipe de Família Multiespécie uma proposta bemestarista ao animal não humano In SCHIAVON Isabela Nabas Coord Direito de Família aspectos contemporâneos São Paulo Almedina 2023 p 4161 BRASIL Câmara dos Deputados Projeto de Lei nº 27 de 2018 Acrescenta dispositivo à Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos Brasília 2018 Disponível em httpswww25senadolegbrwebatividademateriasmateria133167 Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Câmara dos Deputados Projeto de Lei nº 179 de 2023 Reconhece a família multiespécie como entidade familiar e dá outras providências Brasília 2023 Disponível em httpswwwcamaralegbrpropostaslegislativas2346910 Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Câmara dos Deputados Proteção e segurança animal são temas de 52 projetos em tramitação na Câmara Brasília s d Disponível em httpswwwcamaralegbrnoticias840907PROTECAOESEGURANCAANIMAL SAOTEMASDE52PROJETOSEMTRAMITACAONACAMARA Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Presidência da República 1988 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL DecretoLei nº 4657 de 4 de setembro de 1942 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Brasília DF Presidência da República 1942 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel4657compiladohtm Acesso em 1 nov 2025 33 BRASIL Decreto nº 24645 de 10 de julho de 1934 Estabelece medidas de proteção aos animais Brasília DF Presidência da República 1934 Disponível em httpswww2camaralegbrleginfeddecret19301939decreto2464510julho1934 516837publicacaooriginal1pehtml Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Instituto Brasileiro de Direito de Família Enunciado 11 S l 2015 Disponível em httpwwwibdfamorgbrconhecaoibdfamenunciadosibdfam Acesso em 12 out 2023 BRASIL Instituto Brasileiro de Direito de Família Enunciados doutrinários do IBDFAM 20222023 1 ed Belo Horizonte IBDFAM 2022 Ebook ISBN 9788569632 078 Disponível em httpsibdfamorgbruploadebookebookenunciadospdf Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências Brasília DF Presidência da República 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9605htm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil Brasília DF Presidência da República 2002 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leis2002l10406htm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Lei nº 11698 de 13 de junho de 2008 Altera os arts 1583 e 1584 da Lei no 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil para instituir e disciplinar a guarda compartilhada Brasília DF Presidência da República 2008 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato200720102008leil11698htm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Presidência da República Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil Diário Oficial da União seção 1 Brasília DF 11 jan 2002 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leis2002l10406htm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Presidência da República Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente Diário Oficial da União seção 1 Brasília DF 13 fev 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9605htm Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Projeto de Lei nº 4730 de 2019 Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores e dá outras providências Câmara dos Deputados 2019 Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao2191182 Acesso em 1 nov 2025 BRASIL Senado Federal Projeto de Lei nº 4 de 2025 Autor Senador Rodrigo Pacheco Brasília DF 2025 BRASIL Senado Federal Projeto de Lei do Senado nº 631 de 2015 Institui o Estatuto dos Animais e altera a redação do art 32 da Lei no 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Brasília 34 2015 Disponível em httpswww25senadolegbrwebatividademateriasmateria123276 Acesso em 1 nov 2025 CAIXÊTA JÚNIOR Júlio Alves AMARAL Suzie Kerle VIEIRA Thayná Lorena Família Multiespécie Um estudo de caso em Patos de Minas Minas Gerais Brasil In CAIXÊTA JÚNIOR Júlio Alves SOUZA Keny de Melo org Direito em foco direito de família e sucessões Londrina Thoth 2023 p 123145 DIAS Maria Berenice Manual de Direito das Famílias 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 Ebook Disponível em httpsceafmpacmpbrwpcontentuploads2 ManualdeDireitodasFamiliasMariaBereniceDiaspdf Acesso em 1 nov 2025 DINIZ Maria Helena Curso de Direito Civil Brasileiro Direito de Família vol 5 24 ed São Paulo Saraiva 2009 DIOGO Gabriel de Almeida GILBERTO Camila Marques PIRANI Mateus Catalani Família multiespécie a guarda compartilhada animal no ordenamento jurídico brasileiro In CONPEDI 2025 S l Anais Disponível em httpsiteconpediorgbrpublicacoes276gsltpv9i0a208jHHgaLfE9r191613pdf Acesso em 1 nov 2025 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de Direito Civil Famílias 9 ed rev e atual Salvador JusPodivm 2017 FIÚZA César GONTIJO Bruno Resende Azevedo Dos fundamentos da proteção dos animais uma análise acerca das teorias de personificação dos animais e dos sujeitos de direito sem personalidade Revista de Direito Civil Contemporâneo São Paulo Ed RT v 1 n 1 p 200201 outdez 2014 FRANÇA K P V COSTA Y S Guarda e regulamentação de visitas dos animais domésticos Revista Raízes no Direito Anápolis v 8 n 1 p 123146 janjul 2019 Disponível em httprepositorioaeeedubrhandleaee306 Acesso em 1 nov 2025 FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA FPA Resumo Executivo PLC nº 272018 Brasília DF 2018 Disponível em httpswwwfpaorgbr Acesso em 1 nov 2025 GODINHO Helena Telino Neves Animais coisas pessoas ou tertium genus Tema S l v 1 n 15 p 101118 juldez 2010 GORDILHO Heron José de Santana Abolicionismo animal Salvador Evolução 2008 JONAS Hans O princípio responsabilidade ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Rio de Janeiro Contraponto PUCRio 2006 LEITE Martha Franco et al O Rompimento de Relações Pessoais e o destino do animal de estimação divisão de bens ou guarda Revista Eletrônica do Curso de Direito da Universidade Tiradentes Aracaju 2015 Disponível em httpsopenritgrupotiradentescomxmluibitstreamhandleset1297TCC20OKpdf Acesso em 1 nov 2025 35 LOBO Paulo Direito civil coisas 9 ed Rio de Janeiro Saraiva Jur 2024 v 4 Ebook ISBN 9788553623105 Disponível em httpsintegradaminhabibliotecacombrreaderbooks9788553623105 Acesso em 1 nov 2025 LÔBO Paulo Direito Civil famílias 2 ed São Paulo Saraiva 2009 MORAES Carina Natureza jurídica dos 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Heron José de KRELL Andreas Joachim Abolicionismo animal 2006 Tese Doutorado em Direito Programa de PósGraduação em Direito Universidade Federal de 36 Pernambuco Recife 2006 Disponível em httpsrepositorioufpebrhandle1234567894037 Acesso em 1 nov 2025 SEVERINO Antônio Joaquim Metodologia do trabalho científico 21 ed São Paulo Cortez 2000 SILVA Camilo Henrique Animais divórcio e consequências jurídicas Revista Internacional Interdisciplinar Interthesis Florianópolis v 12 n 1 p 102125 janjun 2015 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpinterthesisarticleview1807 13842015v12n1p102 Acesso em 1 nov 2025 SIMÃO José Fernando Direito dos animais natureza jurídica A visão do direito civil Revista Jurídica LusoBrasileira Lisboa CIDP p 897911 2017 Disponível em httpswwwcidpptrevistasrjlb2017420170408970911pdf Acesso em 1 nov 2025 STJ Recurso Especial nº 1713167 SP 201702398049 Relator Ministro Luis Felipe Salomão Brasília DF Superior Tribunal de Justiça 2019 Disponível em httpsprocessostjjusbrprocessorevistadocumentomediado componenteITAsequencial1850744numregistro201702398049data20190619for matoPDF Acesso em 1 nov 2025 UNESCO United Nations Educational Scientific and Cultural Organization Declaração Universal dos Direitos dos Animais Bruxelas 27 jan 1978 Disponível em httpswpufpeledubrdireitosdosanimaisfiles201810DeclaracaoUniversal dosDireitos dosAnimaisBruxelas1978pdf Acesso em 1 nov 2025

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES RECIFE 2025 ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Tese apresentada para obter nota no componente curricular Projeto de TCC requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco Direito Civil Direito da Família e Sucessões Direito Constitucional RECIFE 2025 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 4 2 PROBLEMATIZAÇÃO 7 3 OBJETIVOS 8 31 OBJETIVO GERAL 8 32 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 8 33 METAS 8 4 JUSTIFICATIVA 9 5 METODOLOGIA 10 51 MÉTODO 10 52 TÉCNICA DE PESQUISA 10 53 ANÁLISE DE DADOS E REFERENCIAL TEÓRICO 10 6 ROTEIRO PROVISÓRIO 11 7 CRONOGRAMA 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12 4 1 INTRODUÇÃO A convivência entre humanos e animais de estimação evoluiu para muito além da posse ou da guarda Cada vez mais observase uma relação permeada por afeto cuidado mútuo e vínculos emocionais profundos a ponto de muitos se identificarem como pais ou mães de pet Tratase de uma conexão afetiva profunda marcada por convivência diária e muitas vezes por um vínculo semelhante ao da parentalidade É nesse contexto que surge o conceito de família multiespécie uma formação familiar composta por humanos e animais não humanos unida não por laços biológicos mas por afetividade Silva 2020 Diante disso é natural que muitos tutores desejem garantir a continuidade do bemestar de seus animais após sua própria morte incluindoos em testamentos ou prevendo meios específicos de proteção Surge então a indagação o ordenamento jurídico brasileiro permite que um animal não humano receba herança E ainda seria isso necessário No âmbito do Direito Civil brasileiro Venosa 2003 explica que os animais não são considerados sujeitos aptos a herdar visto que o Código Civil estabelece que apenas pessoas sejam naturais ou jurídicas podem figurar como herdeiras legítimas ou testamentárias Para Dantas Tannure e Freitas 2022 essa limitação decorre da ausência de personalidade jurídica atribuída aos animais impedindoos de serem titulares diretos de direitos sucessórios Tratase de um reflexo de uma visão antropocêntrica dominante que desconsidera os avanços éticos e científicos no reconhecimento da senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções Singer 1975 Apesar da rigidez normativa a prática jurídica vem demonstrando uma evolução significativa Os tribunais brasileiros já reconhecem por exemplo o direito à guarda e convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar Brasil e Costa 2022 Além disso há decisões que asseguram a proibição de maustratos e impõem penalidades em caso de violação desse direito Ravazzano e Falcão 2023 Em outras situações reconhecese o direito de manter animais em condomínios mesmo diante de cláusulas restritivas Oliveira e Dias 2023 bem como a possibilidade de prestação de alimentos para garantir a subsistência do animal STJ REsp 1944228RS 2022 Há também decisões que legitimam ações coletivas em favor dos animais com base na defesa de interesses difusos Cardin e Souza 2017 A ideia de incluílos em testamentos portanto não é absurda ao contrário pode ser uma extensão coerente dessa lógica de proteção A jurisprudência e a doutrina já sinalizam que por meio da autonomia privada o testador pode dispor de parte de seus bens para 5 beneficiar um animal desde que a disposição se dê com a fixação de um encargo a um herdeiro ou legatário humano Farias Rosenvald 2017 Esses avanços demonstram que mesmo sem personalidade jurídica os animais já são considerados sujeitos de direitos em determinadas situações reconhecendose sua dignidade e necessidade de tutela Silva 2009 Nesse contexto a inclusão de animais em testamentos não é apenas juridicamente possível ainda que de forma indireta mas também coerente com a lógica de proteção crescente conferida a eles Chagas 2011 Sabese que a figura do testamento não se resume unicamente à transmissão de bens e direitos mas também a disposições de natureza não econômica Assim esse instrumento jurídico pode regular em respeito às últimas vontades da pessoa questões como disposição do corpo humano para fins altruísticos ou científicos art 14 do Código Civil reconhecimento de filhos art 1609 deserdação art 1961 criação de fundações art 62 nomeação de tutores art 1729 parágrafo único entre outros A jurisprudência e a doutrina admitem que o testador disponha de parte de seus bens em benefício de um animal desde que o faça por meio da nomeação de um herdeiro ou legatário humano ao qual seja imposto o encargo de cuidar do animal com os recursos transmitidos Farias e Rosenvald 2017 Essa solução evita que o animal seja reconhecido como herdeiro direto o que contraria a estrutura legal vigente mas garante a ele cuidados alimentação abrigo e atendimento veterinário por meio de um legado com finalidade específica Tartuce 2014 Destarte já existem mecanismos jurídicos possíveis para aplicação da proteção aos animais de estimação caso essa seja a vontade do tutor Entre eles a criação de fundação testamentária art 62 do Código Civil a instituição de encargos à herança a constituição de renda vitalícia art 803 ou até mesmo o direito real de habitação art 1414 garantindo proteção e segurança ao animal após o falecimento do tutor Podese inclusive nomear outros herdeiros ou legatários para fiscalizar o cumprimento do encargo A proposta legislativa em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1792023 visa consolidar essa prática ao prever instrumentos legais que permitam a destinação de recursos patrimoniais em favor dos animais assegurando sua manutenção e bemestar sem necessariamente conferirlhes a titularidade dos bens Brasil 2023 A justificativa do projeto parte do reconhecimento dos animais como integrantes da família multiespécie conferindolhes um estatuto especial de cuidado e proteção sem equiparálos juridicamente a filhos mas reconhecendo sua centralidade na estrutura afetiva Dantas Tannure e Freitas 2022 A proposta não objetiva enriquecer o animal mas sim assegurarlhe 6 dignidade e qualidade de vida após a morte de seu tutor preservando o padrão de cuidados com base no vínculo afetivo previamente estabelecido Importante destacar que ao menos a confecção de testamento já seria um mecanismo apto a se bem elaborado trazer proteção aos animais de estimação eis que se pode criar diversos encargos aos herdeiros para o cuidado dos animais Todavia na realidade brasileira o testamento é pouco usual pelas pessoas seja por medo da morte desconforto com o assunto motivo econômico antes seu elevado preço razões religiosas ou pela completude legislativa na sucessão legítima Farias Rosenvald 2017 p 380 Por esse motivo entendese a necessidade de criar obrigações legais decorrentes do recebimento de herança consistentes nos cuidados dos animais de estimação sob pena de deserdação e indignidade hipótese que poderia ser acrescida ao art 1814 do Código Civil Tal hipótese representaria um marco regulatório e protetivo aos direitos dos animais Isso tornaria desnecessário até o reconhecimento de legitimidade passiva sucessória aos animais de estimação Tal raciocínio vai ao encontro da qualificação de um dever ético e de piedade no bom trato dos animais Gomes Chalfun 2006 p 859 e traz uma concepção de direito à cidadania de forma reflexa consistente no reconhecimento de um dever humano em proteger os direitos dos animais Lehfeld Campos Ferreira 2020 p 100 Ao fundo com a criação da referida obrigação legal além de prestigiar e reconhecer o direito dos animais também é um modo de entender a dor a fome os problemas as frustrações os medos e os desejos do outro Prado Santin Cerbelera Neto 2023 p 61 Ao se comportar com vistas a abafar as angústias e preocupações do outro sem dúvidas é caminhar para um sistema jurídico mais justo Portanto através da sensibilidade assumir sua responsabilidade e se fazer ético O Direito como instrumento de Justiça deverá ter como objetivo metafísico a regulamentação de relações jurídicas pautadas na ideia da ética da alteridade O Direito não terá uma feição ética humana e fraterna se promover a superioridade de um homem perante o outro homem Enfim o Direito em Lévinas é o Direito do outro homem o Direito da ética como alteridade absoluta primordial Prado Santin Cerbelera Neto 2023 p 74 Ademais na linha da alteridade a natureza pode ser considerada como Outro em relação ao Eu humano para efetiva proteção à natureza e aos seres vivos na visão biocêntrica podendo ser enquadrado especificamente o animal não humano como Outro inclusive como reforço ao desenvolvimento sustentável Neste sentido entendem Lara Caxico Martins e Valter Santin que A necessidade de rediscutir a relação existente entre indivíduo e natureza se faz necessária já que em conjunto com o progresso vieram danos ambientais imensuráveis Tanto pelo aspecto da importância de cada ator nas interrelações 7 quanto em vistas da manutenção do próprio universo é essencial criar uma nova forma de o Eu humano ver o Outro natureza propôsse a introdução do biocentrismo como ponto de partida para promover uma nova conexão entre os seres bióticos e abióticos Martins Santin 2024 p 18 Carla Bertoncini e Bruna Pavelski anotam a questão da alteridade ambiental ao apontar a necessidade de ver a natureza não apenas como mera provedora dos seres humanos mas entender que ela também faz parte da humanidade Bertoncini Pavelski 2023 p 14 Destarte preocuparse com os animais de estimação do falecido e darlhes assistência material para a continuidade do seu bemestar é uma conduta de respeito aos direitos dos animais e forma de alteridade pelo prosseguimento do cumprimento do dever de responsabilidade pelos herdeiros em consonância com os sentimentos do falecido para com seu animal de estimação Embora o atual Código Civil ainda trate os animais como coisas o que tem sido fortemente criticado Dantas Tannure e Freitas 2022 existem caminhos jurídicos viáveis hoje para garantir proteção pósmorte ao animal de estimação E mais do que isso há um movimento crescente tanto na doutrina quanto no legislativo no sentido de adaptar o sistema sucessório à realidade de famílias que reconhecem na convivência com seus animais laços afetivos tão significativos quanto aqueles mantidos com outros seres humanos Abilio 2015 A questão não é se o animal deve ser herdeiro no sentido técnico mas como garantir de forma eficaz o respeito à sua dignidade e bemestar ainda que por via indireta O Direito como construção humana e social precisa acompanhar as transformações dos vínculos e afetos E isso inclui sim repensar o lugar dos animais na sucessão patrimonial Mendoza Martinez e Rincón 2022 2 PROBLEMATIZAÇÃO A crescente valorização dos laços afetivos entre humanos e animais de estimação tem impulsionado discussões relevantes no campo do Direito especialmente no que tange à sucessão patrimonial No entanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda não reconhece os animais como sujeitos de direito com capacidade sucessória o que impede sua inclusão direta como herdeiros ou legatários em testamentos Diante desse cenário questionase seria possível proteger juridicamente os interesses de um animal de estimação após a morte de seu tutor por meio da utilização do legado com encargo Tratase de investigar se essa ferramenta 8 jurídica pode ser legitimamente utilizada para assegurar de forma indireta o bemestar e a subsistência dos animais que compõem a chamada família multiespécie Nesse contexto emergem problemas correlatos relevantes até que ponto o legado com encargo é eficaz e seguro para garantir a proteção dos animais após o falecimento do tutor Existem precedentes jurisprudenciais ou propostas legislativas que validem essa prática E mais a consolidação do conceito de família multiespécie seria suficiente para justificar uma reinterpretação das normas sucessórias vigentes com vistas à inclusão de novos destinatários de tutela indireta Essas indagações revelam a tensão entre a tradição civilista que ainda trata os animais como bens sem personalidade jurídica e a necessidade de adaptação do Direito à realidade social e afetiva contemporânea 3 OBJETIVOS 31 OBJETIVO GERAL Analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório destinado à proteção de animais de estimação no Brasil 32 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais de estimação no ordenamento civil brasileiro Investigar as formas de planejamento sucessório compatíveis com a tutela indireta dos animais Estudar decisões judiciais e propostas legislativas relacionadas ao tema Avaliar a compatibilidade do legado com encargo com os princípios constitucionais da dignidade e da afetividade 33 METAS Analisar criticamente a evolução do status jurídico dos animais no Direito brasileiro confrontando a visão tradicional animais como coisas com as novas perspectivas biocêntricas e multiespécies 9 Identificar os principais desafios jurídicos e práticos para a aplicação do legado com encargo art 1932 do CC em favor de animais de estimação Desconstruir a noção limitada de que animais não podem ser beneficiários indiretos em planejamentos sucessórios demonstrando soluções viáveis por meio de testamentos fundações ou encargos Oferecer um material de referência para tutores advogados e operadores do Direito que buscam garantir a proteção sucessória de animais de estimação no Brasil Contribuir para o debate legislativo sobre o tema avaliando propostas como o PL 1792023 e sugerindo melhorias normativas 4 JUSTIFICATIVA O aumento expressivo das chamadas famílias multiespécies compostas por humanos e animais de estimação unidos por vínculos afetivos revela uma nova configuração familiar que desafia os modelos tradicionais previstos no ordenamento jurídico brasileiro Essa realidade social exige do Direito respostas eficazes para garantir a proteção daqueles que embora não sejam reconhecidos como sujeitos de direito com personalidade jurídica desempenham papéis centrais na vida emocional e afetiva de seus tutores Diante desse cenário tornase essencial repensar os instrumentos jurídicos disponíveis para assegurar o bemestar dos animais após a morte de seus cuidadores com destaque para o legado com encargo como uma alternativa viável e legítima no campo do Direito das Sucessões A questão ganha ainda mais relevância quando se considera o reconhecimento da senciência animal formalizado em documentos como a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 que afirma que os animais são capazes de sentir dor prazer medo e outras emoções complexas Tal reconhecimento impõe uma responsabilidade ética e jurídica para além da visão utilitarista e patrimonial dos animais ainda presente em dispositivos do Código Civil brasileiro que os tratam como meras coisas art 82 Essa classificação é hoje amplamente criticada por doutrinadores e tem sido progressivamente superada por decisões judiciais e propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 1792023 que caminham no sentido de conferir aos animais maior proteção jurídica ainda que por meio de instrumentos indiretos Do ponto de vista prático o presente estudo é justificado pela necessidade de oferecer segurança jurídica a tutores que desejam garantir cuidados futuros aos seus animais de 10 estimação especialmente em situações de morte ou incapacidade O testamento com encargo embora pouco explorado revelase como um instrumento potencialmente eficaz e legítimo para essa finalidade desde que adequadamente elaborado Assim a pesquisa não apenas busca preencher uma lacuna doutrinária e jurisprudencial mas também contribuir para a consolidação de um Direito das Sucessões mais humanizado ético e sensível às transformações afetivas da sociedade contemporânea 5 METODOLOGIA 51 MÉTODO O presente trabalho adotará o método dedutivo partindo de premissas gerais do ordenamento jurídico especialmente no âmbito do Direito Civil Sucessório e Constitucional para a análise de casos concretos e hipóteses específicas relacionadas à proteção sucessória dos animais de estimação A abordagem será qualitativa centrada na interpretação e correlação de textos legais doutrina especializada e jurisprudência com foco na construção de argumentos jurídicos críticos e propositivos 52 TÉCNICA DE PESQUISA A pesquisa envolverá principalmente revisão bibliográfica por meio do estudo de livros artigos científicos dissertações teses e documentos técnicos que tratam do tema dos direitos dos animais planejamento sucessório famílias multiespécies e ética animal Haverá também análise jurisprudencial com levantamento de decisões relevantes dos tribunais superiores STJ e tribunais estaduais TJs especialmente em casos que tratem da tutela de animais após a morte de seus tutores ou da imposição de encargos a herdeiros Além disso será realizada pesquisa documental envolvendo o exame de projetos de lei em tramitação como o PL nº 1792023 pareceres técnicos notas legislativas e outros documentos oficiais pertinentes 53 ANÁLISE DE DADOS E REFERENCIAL TEÓRICO A análise dos dados será orientada por uma perspectiva crítica e interdisciplinar Serão utilizados autores consagrados do Direito Civil como Silvio Venosa Cristiano Chaves de 11 Farias Nelson Rosenvald e Flávio Tartuce além de fundamentos do Direito Constitucional e da Bioética com destaque para Peter Singer Emmanuel Lévinas Lehfeld e Prado Também será considerada a comparação com modelos estrangeiros como os pet trusts adotados nos Estados Unidos a fim de identificar soluções jurídicas que possam servir de inspiração para o contexto brasileiro Por fim será feita uma leitura crítica das lacunas legais vigentes e propostas alternativas para o aprimoramento do sistema sucessório especialmente no que tange à proteção pósmorte dos animais de estimação 6 ROTEIRO PROVISÓRIO 1 INTRODUÇÃO 2 NATUREZA JURÍDICA DOS ANIMAIS 21 Evolução do status jurídico de coisas a seres sencientes 22 Lei 140642020 maustratos e o Código Civil 3 PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO 31Conceito e instrumentos testamento doação fideicomisso 32 Legado com encargo CC Art 1932 e seguintes 33 Famílias Multiespécies 4 LEGADO COM ENCARGO 41 Definição e requisitos 42 Diferença para outras modalidades doação condicionada fideicomisso 5 VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO PARA ANIMAIS 51 Análise Jurídica 52 Casos Práticos 53 Vantagens e Desafios 54 Alternativas ao legado com encargo CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 12 7 CRONOGRAMA ETAPAS MÊS 1 MÊS 2 MÊS 3 MÊS 4 MÊS 5 MÊS 6 1 Pesquisa Bibliográfica Seleção de doutrina CC Direito Animal Análise de artigos científicos 2 Pesquisa Jurisprudencial Decisões do STJTJs sobre legados Casos de família multiespécie 3 Análise Legislativa PL 1792023 e outros projetos Comparativo com legislação estrangeira 4 Redação dos Capítulos Cap 1 Introdução e justificativa Cap 2 Natureza jurídica dos animais Cap 3 Legado com encargo CC art 1932 5 Revisão e Formatação Ajustes de conteúdo e ABNT 6 Entrega Final REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABILIO Juan Roque Os Direitos Fundamentais dos animais não humanos o ultrapassar fronteiras da Constituição para além da coexistência à convivência moral e ética dos seres sencientes São Paulo Revista Eletrônica do Direito n 1 1º Simpósio sobre Constitucionalismo Democracia e Estado de Direito realizado em 2015 p 440461 13 Disponível em httpwwwegovufscbrportalconteudoosdireitosfundamentaisdosanimaisnC3A 3ohumanosoultrapassarfronteirasdaconstituiC3A7C3A3o Acesso em 24 jul 2025 BERTONCINI Carla PAVELSKI Bruna Guesso Scarmagnan Direito Ambiental interconectividade e reflexão a partir de Lévinas Veredas do Direito Belo Horizonte v 21 e212583 p 0120 2024 Disponível em httprevistadomhelderedubrindexphpveredasarticleview258325631 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Costa Rafaela Cândida Tavares Animais não humanos e a capacidade passiva para herdar 2019 Disponível em httpsmailgooglecommailu0ui2ik0ffc92a47battid04permmsgidmsgf17098 21782680021214th17ba81da31de28deviewattdispinlinerealattidfkt3cxpmz0 Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Parecer da Comissão de Meio Ambiente sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 27 de 2018 PL nº 67992013 do Deputado Ricardo Izar que acrescenta dispositivo à Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos Disponível em httpwwwdireitoufprbrportalanimaiscomdireitoswpcontentuploads201908parecerpl 272018pdf Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 272018 Acrescenta dispositivo à Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumentodm7729363ts1574367802793dispos itioninline Acesso em 22 jul 2025 BRASIL Deilton Ribeiro COSTA Rafaela Cândida Tavares O dever de assistência financeira aos animais não humanos quando reconhecida a conformação familiar multiespécie Revista Brasileira de Direito Animal Brazilian Animal Rights Journal Salvador v 17 n 1 p 121 janmaio 2022 Disponível em httpsperiodicosufbabrindexphpRBDAarticleview4949327911 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Código Civil Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leis2002l10406compiladahtm Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Enunciado 11 Instituto Brasileiro de Direito de Família Disponível em httpsibdfamorgbrconhecaoibdfamenunciadosibdfam Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 1792023 Disponível em httpswwwcamaralegbrpropostaslegislativas2346910 Acesso em 24 jul 2025 14 BRASIL Projeto de Lei n 36702015 Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao2055720 Acesso em 24 jul 2025 BRASIL Projeto de Lei n 60542013 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VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de Bacharelado em Direito Direito Civil Direito da Família e Sucessões Direito Constitucional Orientador RECIFE 2025 ALEX SANDERSON DA SILVA ALVES A VIABILIDADE DO LEGADO COM ENCARGO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de Bacharelado em Direito Aprovado em BANCA EXAMINADORA Orientador Membro Membro RESUMO O presente trabalho investiga a viabilidade jurídica da utilização do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Partindo da premissa de que os animais embora considerados seres sencientes não possuem capacidade sucessória direta no ordenamento jurídico brasileiro o estudo analisa a possibilidade de se destinar recursos patrimoniais para sua proteção de forma indireta A pesquisa de natureza teórica e qualitativa baseiase em revisão bibliográfica e análise jurisprudencial explorando a evolução do conceito de família para incluir as famílias multiespécies e a consequente necessidade de adaptação dos institutos sucessórios Examinase o tratamento jurídico dos animais da visão patrimonialista do Código Civil às recentes propostas legislativas que reconhecem sua natureza senciente e sua integração ao núcleo familiar O estudo conclui que o legado com encargo constitui mecanismo juridicamente adequado e eficaz para concretizar a vontade do testador garantindo a manutenção e os cuidados do animal em consonância com os princípios da dignidade da afetividade e da função social da propriedade representando uma solução prática e ética para o planejamento sucessório na contemporaneidade Palavraschave Direito das Sucessões Legado com Encargo Animais de Estimação Família Multiespécie Planejamento Patrimonial Senciência Animal ABSTRACT This paper investigates the legal feasibility of using the legacy with a charge as a succession planning instrument to ensure the wellbeing of pets after their owners death Starting from the premise that animals although considered sentient beings do not have direct succession capacity under Brazilian law the study analyzes the possibility of allocating patrimonial resources for their indirect protection The research of a theoretical and qualitative nature is based on a bibliographic review and jurisprudential analysis exploring the evolution of the concept of family to include multispecies families and the consequent need for adaptation of succession institutes The legal treatment of animals is examined from the patrimonialist view of the Civil Code to recent legislative proposals that recognize their sentient nature and their integration into the family nucleus The study concludes that the legacy with a charge is a legally adequate and effective mechanism to realize the testators will ensuring the animals maintenance and care in accordance with the principles of dignity affectivity and the social function of property representing a practical and ethical solution for contemporary succession planning Keywords Law of Succession Legacy with a Charge Pets MultiSpecies Family Estate Planning Animal Sentience SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO7 2 ALGUNS CONCEITOS10 21 Evolução e conceito de família10 22 evolução do direito dos animais12 23Famílias Multiespécie15 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL17 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira 19 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie23 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais26 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE29 CONCLUSÃO31 REFERENCIAS32 7 1 INTRODUÇÃO A convivência entre seres humanos e animais de estimação transformouse profundamente nas últimas décadas extrapolando o conceito tradicional de posse ou guarda para constituir vínculos afetivos e emocionais intensos Essa relação marcada pelo cuidado pela convivência cotidiana e pela reciprocidade emocional tem consolidado o reconhecimento de uma nova forma de estrutura familiar a chamada família multiespécie formada por humanos e animais não humanos unidos por laços de afeto e não por consanguinidade ou formalização jurídica Nesse contexto cresce a preocupação de tutores em garantir o bemestar e a continuidade dos cuidados dispensados aos seus animais após sua própria morte o que desperta questionamentos relevantes no campo do Direito Sucessório seria possível destinar bens ou recursos patrimoniais para assegurar a subsistência de um animal de estimação após o falecimento do tutor O ordenamento jurídico brasileiro permitiria ainda que de forma indireta tal disposição testamentária O Código Civil de 2002 estabelece de forma expressa que apenas pessoas naturais ou jurídicas possuem capacidade sucessória o que exclui os animais do rol de possíveis herdeiros ou legatários Essa limitação conforme ensina Venosa 2003 é reflexo de uma visão antropocêntrica do Direito que historicamente tratou os animais como meros objetos de propriedade Entretanto essa concepção encontrase em processo de revisão doutrinária e jurisprudencial impulsionada por uma perspectiva biocêntrica e ética que reconhece a senciência dos animais isto é sua capacidade de sentir dor prazer e emoções conforme argumenta Singer 1975 A partir dessa visão os animais não são mais compreendidos como simples bens mas como seres dotados de valor intrínseco e merecedores de tutela jurídica A evolução jurisprudencial brasileira demonstra avanços significativos nesse sentido Os tribunais já reconhecem o direito à guarda e à convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar a proibição de maustratos e o direito de permanência em condomínios ainda que cláusulas restritivas prevejam o contrário Brasil e Costa 2022 Oliveira e Dias 2023 O Superior Tribunal de Justiça inclusive admitiu a possibilidade de prestação de alimentos em favor de animais domésticos REsp 1944228RS 2022 reconhecendo a responsabilidade afetiva e material do tutor em relação a seu companheiro não humano Esses precedentes indicam um processo gradual de ampliação da proteção jurídica dos animais e revelam a necessidade de o Direito das Sucessões adaptarse a essa nova realidade social e afetiva 8 Nesse panorama o legado com encargo desponta como instrumento potencialmente eficaz e juridicamente viável para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Tratase de disposição testamentária por meio da qual o testador destina bens a uma pessoa herdeiro ou legatário impondolhe o dever de cumprir determinado encargo como o de garantir alimentação abrigo cuidados veterinários e demais necessidades do animal Farias Rosenvald 2017 Tartuce 2014 Essa solução ainda que indireta permite conciliar a limitação legal de capacidade sucessória com a vontade do testador preservando o cuidado com o animal e concretizando valores como solidariedade afetividade e dignidade Assim mesmo sem conferir personalidade jurídica aos animais o ordenamento oferece caminhos legítimos para a efetivação de sua tutela O debate tornase ainda mais relevante diante de propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional como o Projeto de Lei nº 1792023 que pretende consolidar mecanismos de proteção patrimonial em favor dos animais reconhecendo sua posição afetiva no seio familiar e permitindo a destinação de recursos para sua manutenção sem contudo atribuirlhes a titularidade dos bens A justificativa do projeto reflete o reconhecimento da família multiespécie e a necessidade de garantir aos animais um estatuto protetivo compatível com sua importância nas relações humanas contemporâneas Essa discussão reforça a urgência de repensar o sistema sucessório brasileiro à luz dos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da proteção à fauna previstos no artigo 225 da Constituição Federal Diante dessa realidade a presente pesquisa propõese a analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório voltado à proteção de animais de estimação Buscase compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais examinar as formas de sucessão compatíveis com a tutela indireta de seus interesses e avaliar a compatibilidade dessa prática com os princípios constitucionais e civis vigentes Pretendese ainda identificar desafios teóricos e práticos à implementação do instituto bem como demonstrar soluções jurídicas possíveis capazes de harmonizar o respeito à autonomia privada com o dever ético de proteção à vida animal O estudo também almeja contribuir para o debate legislativo e doutrinário oferecendo fundamentos sólidos que possam orientar tanto a elaboração de testamentos quanto a formulação de políticas públicas voltadas à proteção dos animais domésticos A relevância deste trabalho repousa em três dimensões fundamentais social ética e jurídica No plano social reflete uma transformação afetiva que redefine os contornos da família e amplia o conceito de cuidado e responsabilidade No plano ético reforça a noção de 9 alteridade e o dever moral de reconhecer o outro neste caso o animal como sujeito merecedor de consideração e respeito conforme a filosofia de Lévinas e os estudos contemporâneos de ética da alteridade Prado Santin Cerbelera Neto 2023 Por fim sob a perspectiva jurídica o tema representa um desafio interpretativo e propositivo ao Direito Civil exigindo que seus institutos clássicos como o testamento e o legado sejam revisitados à luz de novas sensibilidades e demandas sociais O reconhecimento da senciência animal consagrado na Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 impõe ao legislador e ao intérprete do Direito uma responsabilidade ética inadiável a de superar a visão instrumental e patrimonialista ainda presente em dispositivos do Código Civil Assim garantir proteção sucessória aos animais de estimação não significa subverter a estrutura jurídica tradicional mas adaptála a um contexto mais inclusivo e humanizado A adoção do legado com encargo nesse sentido configura uma solução prática legítima e eticamente coerente capaz de unir o respeito à vontade do testador e o dever jurídico de tutela fortalecendo o ideal de um Direito das Sucessões comprometido com a dignidade a afetividade e o respeito a todas as formas de vida 10 2 ALGUNS CONCEITOS 21 Evolução e conceito de família A família sempre ocupou um papel central na constituição das sociedades humanas funcionando como a base sobre a qual se estruturam valores crenças afetos e práticas de convivência É por meio dela que ocorre a socialização inicial o aprendizado de normas e a perpetuação de costumes e tradições culturais transmitidos entre gerações e continuamente reelaborados Mais do que um agrupamento de indivíduos unidos por laços consanguíneos a família constituise em um espaço simbólico de pertencimento solidariedade e afeto indispensável à formação do indivíduo e à estabilidade social Conforme destaca Maria Berenice Dias 2016 o agrupamento familiar não é exclusivo da espécie humana pois em outros reinos e espécies também se observam formas de convivência baseadas na cooperação e na proteção mútua Para a autora os seres vivos sempre buscaram viver aos pares seja por instinto de preservação seja pela necessidade de companhia e de compartilhamento de afetos Em suas palavras Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural em que os indivíduos se unem por uma química biológica a família é um agrupamento informal de formação espontânea no meio social cuja estruturação se dá através do direito No dizer de Giselda Hironaka não importa a posição que o indivíduo ocupa na família ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence o que importa é pertencer ao seu âmago é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade DIAS 2016 p 21 Essa perspectiva revela o caráter cultural e dinâmico da família que se transforma conforme as transformações sociais econômicas e históricas Cada época imprime às relações familiares uma configuração própria redefinindo papéis e expectativas De acordo com Gonçalves 2012 p 23 apud PEREIRA 2024 p 190 a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado sendo o núcleo fundamental que rege toda a organização social Em qualquer aspecto em que é considerada ela seria uma instituição necessária e sagrada merecendo a mais ampla proteção do Estado Essa compreensão reforça a relevância da família como estrutura fundante da vida coletiva não apenas sob o ponto de vista jurídico mas também ético e social Historicamente as famílias patriarcais representaram o modelo predominante nas sociedades ocidentais A figura masculina exercia o papel de chefe e provedor detendo poder sobre os demais membros enquanto à mulher era atribuída a função de cuidado e reprodução Nas palavras de Dias 2016 nas sociedades conservadoras apenas as formações que se 11 enquadravam nesse padrão hierárquico e patriarcal eram reconhecidas como legítimas sendo o casamento o instrumento formal que conferia validade e reconhecimento jurídico A ausência dessa formalização levava à marginalização de outros arranjos familiares frequentemente considerados afrontas à moral ou à religião dominante Com o passar do tempo mudanças sociais econômicas e culturais alteraram profundamente esse panorama O processo de urbanização e industrialização promoveu a migração de famílias do campo para as cidades modificando a dinâmica familiar e os papéis de gênero A mulher antes restrita ao ambiente doméstico passou a integrar o mercado de trabalho e a exercer novas funções sociais o que contribuiu para redefinir as bases do convívio familiar DIAS 2016 A afetividade que antes ocupava um papel secundário frente às obrigações econômicas e religiosas emergiu como elemento essencial das relações familiares consolidando um novo paradigma de convivência pautado na liberdade e na igualdade entre os membros A transição da família como unidade de produção para uma entidade afetiva implicou ainda o deslocamento do seu reconhecimento jurídico Conforme assinala Dias 2016 a codificação das leis transformou o casamento em requisito de legitimidade reduzindo a complexidade do fenômeno familiar a um modelo documental e formalista Essa concepção começou a se modificar com o advento do Código Civil de 1916 e de maneira mais profunda com a Constituição Federal de 1988 que passou a reconhecer a pluralidade das formas familiares e a valorizar o afeto como princípio fundante das relações humanas PEREIRA 2024 A partir dessa nova perspectiva a família deixou de ser vista como uma estrutura rígida limitada à união entre homem e mulher e passou a ser compreendida como um espaço plural aberto às diversas formas de afeto e solidariedade Nesse sentido Lobo 2024 p 19 apud PEREIRA 2024 p 190 propõe uma concepção mais abrangente A família é feita de duas estruturas associadas os vínculos e os grupos Há três sortes de vínculos que podem coexistir ou existir separadamente vínculos de sangue vínculos de direito e vínculos de afetividade A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram Essa definição traduz a natureza dinâmica e multifacetada da família contemporânea que se reconfigura em função dos vínculos afetivos e da autonomia individual sem que isso comprometa sua função essencial de garantir a convivência o cuidado e a solidariedade entre seus integrantes Desse modo compreender a evolução do conceito de família implica reconhecer que se trata de um fenômeno em constante transformação resultado direto das mudanças culturais 12 e sociais que moldam o comportamento humano A família longe de ser um conceito estanque é um organismo vivo plural e mutável capaz de se adaptar às novas realidades e de expressar em cada tempo histórico as formas de amor cuidado e pertencimento que definem a própria essência da vida em sociedade 22 evolução do direito dos animais Desde os primórdios da civilização os animais exerceram papel essencial na sobrevivência e no desenvolvimento da humanidade Inicialmente vistos como mera fonte de alimento e energia faziam parte de uma cadeia ecológica na qual o ser humano se inseria como predador e dependente do meio natural Com o passar do tempo porém certas espécies passaram a ocupar um espaço mais relevante nas interações humanas não apenas como recurso alimentar mas como parceiros de trabalho proteção e transporte Essa relação de utilidade recíproca deu origem a uma convivência que uniu cuidado e servidão moldando o início de uma ligação afetiva e funcional entre humanos e animais De acordo com Belchior e Duarte 2021 p 296 A relação dos homens com os animais domésticos não é atual esse vínculo surgiu para auxílio da caça pesca e tração No início da vida os homens e animais lutavam para conseguir alimentos e consequentemente alcançarem paralelamente uma forma de subsistir Esse processo de cooperação evolutiva foi inicialmente interpretado sob uma ótica utilitarista especialmente à luz da filosofia clássica Aristóteles concebia o universo como uma ordem hierarquicamente estruturada e imutável na qual cada ser ocupava um lugar predeterminado e exercia uma função natural Assim o homem era colocado no topo da escala vital enquanto os demais seres destituídos da razão e da fala existiam para servilo BERGSON 2005 p 125127 apud SANTANA 2006 p 15 A tradição grega portanto reforçou uma concepção antropocêntrica que posteriormente foi reproduzida por outros sistemas filosóficos e religiosos Gomes 2001 p 112113 apud SANTANA 2006 p 17 lembra que sob essa ótica apenas os seres humanos em especial os cidadãos gregos possuíam virtudes superiores e capacidade racional Os demais seres inclusive os animais eram considerados desprovidos dessas faculdades Com o advento do cristianismo a visão antropocêntrica ganhou contornos teológicos A leitura dominante da tradição cristã considerava os animais como instrumentos a serviço da humanidade destinados ao uso e consumo humano com raras exceções Uma dessas 13 exceções foi a de São Francisco de Assis cuja doutrina se afastou do pensamento predominante ao pregar o respeito e a fraternidade universal entre todos os seres vivos IDEM 1998 p 280 apud SANTANA 2006 p 19 A visão de subordinação dos animais persistiu durante séculos sustentada na crença de que lhes faltava raciocínio linguagem e moralidade Como explica Santana 2006 p 30 O principal argumento utilizado para excluir os animais da esfera de consideração moral seja na filosofia grega na tradição religiosa cristã ou no mecanismo cartesiano parte do princípio de que os animais são destituídos de espírito ou alma intelectual Na verdade várias características costumam ser consideradas atributos exclusivos da humanidade Com base nesse entendimento consolidouse a exploração sistemática dos animais como objetos de uso humano empregados em diversas atividades da alimentação à força de trabalho passando por experimentações científicas e entretenimento Entretanto com o avanço do pensamento filosófico e dos movimentos sociais no século XX surgiram novas correntes que passaram a contestar essa concepção reducionista e a reivindicar um tratamento ético e jurídico mais digno para os animais O movimento de libertação animal conforme ressalta Santana 2006 p 70 buscou não apenas mitigar o sofrimento imposto a esses seres mas também reconhecerlhes uma condição de sujeitos de direitos Essa perspectiva aproximou a luta animalista de outras pautas históricas de emancipação como as lutas feministas e antirracistas enfatizando a necessidade de um novo paradigma ético de convivência entre humanos e não humanos No cenário internacional um marco fundamental foi a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aprovada pela UNESCO em 1978 da qual o Brasil é signatário O documento estabeleceu princípios de igualdade e proteção reconhecendo o direito à vida e à integridade de todos os animais Conforme Belchior e Duarte 2021 p 298 Em suma esse dispositivo elenca em seu art 1º a igualdade entre todos os animais que nascem sendo seu direito à existência igualitário Além disso menciona expressamente que os animais devem ser resguardados de maustratos e de atos cruéis Essa proteção se estendeu às práticas científicas comerciais e alimentares proibindo qualquer forma de sofrimento desnecessário e impondo o dever ético de assegurar condições dignas de vida aos animais BELCHIOR DUARTE 2021 Embora sem força vinculante direta sobre as legislações nacionais a declaração representou um avanço ideológico e moral impulsionando reformas jurídicas em diversos países e inspirando o reconhecimento da senciência animal no plano internacional TINOCO CORREIA 2010 p 182 apud BELCHIOR DUARTE 2021 p 298 14 No Brasil a Constituição Federal de 1988 incorporou princípios alinhados a essa nova visão ética O art 225 estabelece o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Estado e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo Como afirmam Belchior e Duarte 2021 p 298 Dessa maneira a partir da Constituição Federal de 1988 art 225 caput fica claro que o Brasil trouxe parâmetros para que todos tenham direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado que é bem de uso comum do povo e essencial à boa qualidade de vida impondose ao poder público guardiões ONGs e à coletividade o dever de proteger e preserválo para o cotidiano e as futuras gerações Desse modo o reconhecimento constitucional do meio ambiente equilibrado inclui necessariamente a proteção da fauna conforme dispõe o 1º VII do mesmo artigo que proíbe práticas cruéis e impõe o dever de preservar todas as formas de vida animal SILVA FRACALOSSI 2010 apud BELCHIOR DUARTE 2021 Do ponto de vista infraconstitucional contudo o tratamento jurídico dos animais ainda apresenta resquícios do paradigma antigo O Código Civil de 2002 em seu artigo 82 enquadra os animais como bens móveis classificados entre os chamados bens semoventes isto é coisas dotadas de movimento próprio BRASIL 2002 DINIZ 2011 p 369 apud MORAES 2019 Essa concepção reflete uma herança de coisificação na qual os animais são tratados como propriedade e não como sujeitos de direitos Rodrigues 2003 p 126 apud MORAES 2019 sintetiza essa visão ao afirmar que os animais são da espécie bens que está compreendida no gênero coisas eis que existem objetivamente com exclusão do homem porém com valor econômico mantendo a ideia de utilidade e raridade Entretanto esse paradigma vem sendo gradativamente superado pela incorporação do conceito de senciência animal reconhecendo que os animais são capazes de sentir dor prazer e emoções e portanto merecem consideração ética e proteção jurídica específica Como observa Lobo 2024 p 18 a superação da visão antropocêntrica abriu espaço para um novo modelo jurídico centrado no respeito à vida e na dignidade animal Nesse sentido a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 marcou um divisor de águas ao afirmar cientificamente a existência de substratos neurológicos e comportamentais que comprovam estados de consciência em animais não humanos Segundo Lobo 2024 p 18 Uma evidência convergente indica que animais não humanos possuem os substratos neuroanatômicos neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais 15 A partir desse entendimento tornase evidente que o direito contemporâneo caminha para reconhecer os animais como seres sencientes dotados de valor intrínseco cuja proteção extrapola a lógica da utilidade Essa mudança implica o abandono da visão tradicional de subserviência e a construção de um novo paradigma jurídico que reconheça a dignidade animal como um bem jurídico fundamental Por fim no que se refere à classificação legal os animais domésticos distinguemse dos silvestres por seu grau de convivência com os seres humanos Enquanto os primeiros vivem sob o cuidado e proteção direta das pessoas os segundos integram ecossistemas naturais e cumprem papéis ecológicos essenciais como o controle de pragas e a dispersão de sementes Milaré 2018 p 791 apud BESERRA FÉLIX NÁPOLIS 2024 p 380 explica que a diferença entre eles reside sobretudo no grau de liberdade e vivência com os seres humanos sendo ambos igualmente integrantes da fauna e portanto destinatários das normas de proteção ambiental A evolução do direito dos animais reflete uma trajetória de profunda transformação cultural e ética de seres coisificados e instrumentalizados passaram a ser reconhecidos como sujeitos de consideração moral e jurídica cuja proteção está intrinsecamente ligada à própria noção de civilização e justiça ambiental 23Famílias Multiespécie O conceito de família multiespécie emergiu como uma das expressões mais marcantes das transformações sociais e jurídicas do século XXI Tratase da configuração familiar em que o afeto entre seres humanos e animais domésticos constitui o elo central da convivência Tal relação ultrapassa os vínculos utilitaristas historicamente atribuídos aos animais como guarda caça ou tração e passa a ser reconhecida pelo seu valor emocional e simbólico no cotidiano humano BELCHIOR DUARTE 2021 sp Com o advento da Constituição Federal de 1988 o conceito jurídico de família foi substancialmente ampliado O texto constitucional rompeu com a antiga concepção restrita ao casamento civil abrindo espaço para o reconhecimento de diversas formas de constituição familiar Essa abertura interpretativa viabilizou o acolhimento de novas realidades sociais inclusive aquelas que envolvem a convivência afetiva entre pessoas e animais BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 380 16 Entre os princípios orientadores dessa nova concepção destacase o princípio da afetividade que embora não esteja expressamente previsto na Constituição encontra fundamento em diversos dispositivos constitucionais Como ensina Dias 2022 p 6669 apud BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 O princípio da afetividade embora não esteja explícito na Constituição Federal vigente ganhou tais contornos ao passo que sua essência se encontra disposta na Carta Magna conforme se nota por exemplo nos seguintes artigos a art 1º CFRB88 se referindo à dignidade humana b art 226 3º reconhecimento da União Estável c art 226 4º proteção da família monoparental e dos filhos por adoção e d art 227 5º adoção como escolha afetiva Dessas linhas se extrai a transformação da família na medida em que se observam as relações de sentimentos valorizando as funções afetivas da família A afetividade passa a ser reconhecida como elemento estruturante das relações familiares mesmo quando implícita É a partir desse princípio que se torna possível compreender juridicamente o vínculo emocional entre humanos e animais permitindo que esses últimos sejam integrados ao núcleo familiar de forma legítima Assim o reconhecimento da família multiespécie não decorre de uma inovação conceitual arbitrária mas de uma evolução coerente do direito de família orientada por valores constitucionais de afeto e dignidade humana BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 17 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL A convivência entre seres humanos e animais de estimação é um fenômeno milenar mas que ganha novos contornos no contexto contemporâneo Desde as civilizações antigas o homem estabeleceu vínculos com os animais ainda que naquele momento o relacionamento fosse essencialmente utilitário pautado no uso da força na caça e na segurança Com o passar do tempo e o avanço das relações sociais econômicas e afetivas essa interação passou a assumir um caráter distinto baseado no afeto e na convivência emocional Como destaca Bittar 2017 p 291 o Direito por sua própria natureza social acompanha a evolução das relações humanas ajustandose às novas formas de vida e de convivência que emergem no seio da sociedade Assim a transformação das relações entre humanos e animais se reflete inevitavelmente no campo jurídico que é chamado a repensar seus conceitos de família afeto e tutela A configuração das famílias também passou por significativas alterações ao longo das últimas décadas O modelo tradicional composto por um casal e seus descendentes cede espaço para múltiplas formações como famílias monoparentais homoafetivas e mais recentemente as chamadas famílias multiespécies que incluem animais de estimação como integrantes legítimos do núcleo familiar Conforme ressalta Severino 2000 a ciência deve observar os fenômenos sociais em sua dinamicidade e complexidade considerando que as realidades humanas estão em constante transformação e toda análise que ignore tal movimento corre o risco de tornarse anacrônica SEVERINO 2000 p 58 Nesse sentido compreender a família contemporânea exige reconhecer a centralidade afetiva dos animais de companhia nas relações humanas modernas Um dos fatores que impulsionaram essa nova configuração familiar é a mudança no comportamento reprodutivo e afetivo da sociedade moderna O número de filhos nas famílias brasileiras tem diminuído progressivamente e em paralelo cresce o número de lares com animais de estimação que passam a ocupar papéis simbólicos e afetivos antes reservados a filhos netos e outros parentes próximos Sobre esse fenômeno Oliveira 2006 p 42 explica que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 42 18 A citação acima evidencia uma mudança estrutural nas relações afetivas e familiares O animal deixa de ser mero acompanhante e passa a ocupar um papel simbólico de relevância emocional contribuindo para o equilíbrio psicológico e afetivo dos tutores Esse deslocamento semântico e social do animal de propriedade para membro da família desafia o ordenamento jurídico brasileiro que ainda o trata como coisa ou bem móvel conforme disposto no artigo 82 do Código Civil Entretanto o avanço da doutrina e da jurisprudência aponta para um processo de ressignificação dessa condição reconhecendo nos animais seres sencientes e merecedores de tutela jurídica própria No contexto atual a família multiespécie representa não apenas um fenômeno social mas também um desafio jurídico O Direito de Família tradicionalmente pautado em vínculos consanguíneos e matrimoniais é convocado a ampliar sua concepção de afetividade para incluir formas de convívio que ultrapassam as fronteiras da espécie humana A teoria do afeto como elemento estruturante das relações familiares amplamente aceita pela doutrina civilista encontra nos lares multiespécies um campo fértil de aplicação uma vez que o vínculo estabelecido entre tutores e animais se funda em cuidado responsabilidade e amor recíproco Como observa Bittar 2017 o pesquisador do Direito deve ser capaz de compreender as novas realidades sociais a partir de uma postura crítica ética e transformadora que permita ao conhecimento jurídico servir de instrumento de emancipação e justiça social BITTAR 2017 p 294 Reconhecer juridicamente a família multiespécie não significa ampliar o conceito de pessoa mas sim reconhecer a realidade fática e afetiva que já se manifesta no cotidiano das famílias brasileiras A legislação e a doutrina devem avançar para compatibilizar o ordenamento jurídico com os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana da solidariedade e da proteção à fauna A Carta Magna de 1988 em seu artigo 225 impõe a todos o dever de proteger os animais contra a crueldade princípio que deve irradiar efeitos também sobre o Direito Civil e de Família Desse modo a viabilidade do reconhecimento da família multiespécie repousa na interpretação sistemática e principiológica do ordenamento jurídico especialmente à luz do valor da afetividade como elemento legitimador das relações familiares contemporâneas A transição paradigmática do antropocentrismo para o biocentrismo é portanto inevitável Se outrora o Direito enxergava os animais como instrumentos da vontade humana hoje precisa reconhecêlos como seres com valor intrínseco e sensibilidade A sociedade ao atribuir aos animais papéis afetivos e familiares redefine os próprios limites do que se entende por família impondo ao Estado e à doutrina jurídica o dever de acompanhar essa 19 transformação Como ensina Severino 2000 p 67 a pesquisa científica cumpre seu papel social quando é capaz de interpretar as mudanças da realidade e oferecer respostas éticas e adequadas às novas demandas coletivas Assim o reconhecimento da família multiespécie não é apenas uma questão de adequação legislativa mas um imperativo ético social e jurídico que visa harmonizar o Direito com as formas contemporâneas de amar cuidar e conviver 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira A relação entre seres humanos e animais domésticos é um fenômeno social que ultrapassa as fronteiras temporais da modernidade Desde a Antiguidade o convívio entre ambos se estabeleceu ainda que inicialmente marcado por uma lógica utilitarista e instrumental em que os animais eram vistos como meras ferramentas de trabalho ou fontes de alimento Com a evolução das estruturas sociais e afetivas esse vínculo foi se ressignificando passando a incorporar dimensões emocionais éticas e simbólicas de modo que na contemporaneidade muitos animais deixaram de ocupar o lugar de objetos para assumirem o papel de membros efetivos das famílias humanas BITTAR 2017 Essa mudança reflete transformações profundas no modo como a sociedade compreende o afeto a convivência e o próprio conceito de família A consolidação dessa nova forma de interação entre humanos e animais ocorre em um contexto de alterações significativas nas dinâmicas familiares Ao longo do século XX sobretudo com o avanço das políticas de controle de natalidade a urbanização crescente e a inserção da mulher no mercado de trabalho observouse a redução do número de filhos e o encolhimento das famílias tradicionais SEVERINO 2000 O modelo de família extensa composto por numerosos membros cedeu espaço a arranjos familiares menores nos quais os animais de estimação passaram a preencher um espaço afetivo anteriormente ocupado por filhos sobrinhos e netos Nesse sentido Oliveira 2006 observa que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 45 20 Essa constatação revela a centralidade que os pets assumem no contexto das relações humanas servindo como mediadores afetivos e simbólicos em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela fragilidade dos vínculos sociais Assim o conceito tradicional de família passa por uma ampliação conceitual que não mais se restringe aos laços de consanguinidade ou casamento mas incorpora o afeto como princípio estruturante De acordo com Lôbo 2009 a família é uma instituição dinâmica construída tanto por vínculos biológicos e jurídicos quanto por laços afetivos sendo este último o que caracteriza de forma mais evidente a família multiespécie Com base nessa perspectiva os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2013 evidenciam que o Brasil já possuía à época cerca de 52 milhões de cães 22 milhões de gatos e outros milhões de aves e peixes número superior à quantidade de crianças de até 12 anos nos lares brasileiros Essa inversão demográfica indica uma substituição simbólica dos filhos pelos animais domésticos fenômeno interpretado por França e Costa 2019 como expressão de uma nova afetividade na qual os animais passam a ser vistos como verdadeiros membros da família com valor emocional e moral equiparado ao dos humanos FRANÇA COSTA 2019 p 130 O Censo Pet do Instituto Pet Brasil 2021 reforça essa tendência ao apontar um crescimento de 6 na população de felinos e 4 na de cães entre 2020 e 2021 totalizando 1496 milhões de animais de estimação no país INSTITUTO PET BRASIL 2021 Esses números aliados à crescente humanização dos pets revelam uma transformação cultural na qual o animal doméstico ocupa papel central no núcleo familiar configurando o que a doutrina e os legisladores vêm reconhecendo como família multiespécie A ampliação do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um processo histórico de reconhecimento da afetividade como elemento jurídico relevante Diniz 2008 destaca que a família em sentido amplo abrange não apenas os cônjuges e descendentes mas todos os indivíduos unidos por relações de afeto e solidariedade Nesse contexto o reconhecimento jurídico dos animais como sujeitos de direitos representa um avanço ético e legal O Decreto n 246451934 foi o primeiro diploma normativo a tratar da proteção animal prevendo que constituía maustratos qualquer ato de crueldade privação ou sofrimento imposto aos animais O texto do decreto em uma passagem paradigmática dispunha Considerase maustratos a prática de ato de abuso ou crueldade em qualquer animal a manutenção de animais em lugares antihigiênicos ou que lhes impeçam a respiração o movimento ou o descanso ou os privem de ar ou luz o ato de obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte 21 em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes pudessem exigir senão com castigo BRASIL 1934 Embora revogado o decreto serviu de base para legislações posteriores como a Lei n 96051998 que passou a tipificar os maustratos como crime ambiental punível com detenção e multa BRASIL 1998 A Constituição Federal de 1988 por sua vez consolidou o dever de proteção aos animais ao estabelecer no art 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações BRASIL 1988 p 123 Em 1978 a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela UNESCO também reafirmou o princípio da dignidade animal estabelecendo em seu preâmbulo que todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência UNESCO 1978 p 2 Tais dispositivos e documentos refletem uma crescente preocupação internacional com o reconhecimento ético e jurídico da vida animal pavimentando o caminho para o surgimento de conceitos mais inclusivos como o de família multiespécie No campo legislativo o Brasil vem avançando de forma gradual no reconhecimento jurídico dos animais não humanos e na consolidação da noção de família multiespécie O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado federal Ricardo Izar PSDSP representa um marco nesse processo ao propor a criação de um regime jurídico especial para os animais reconhecendoos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis BRASIL 2018 O projeto foi aprovado no Senado Federal em 7 de agosto de 2019 sob relatoria do senador Randolfe Rodrigues RedeAP e tem por objetivo romper com o paradigma civilista que enquadra os animais como bens móveis conforme o artigo 82 do Código Civil BRASIL 2002 incluindo na Lei de Crimes Ambientais Lei nº 96051998 dispositivo que veda o tratamento dos animais como coisas De acordo com o texto aprovado os animais passam a ser reconhecidos como seres sencientes isto é dotados de natureza biológica e emocional capazes de sentir dor e sofrimento A nova redação estabelece que os animais não poderão mais ser considerados objetos devendo portanto ser protegidos por um regime jurídico específico que garanta sua tutela jurisdicional em caso de violação de direitos BRASIL 2019 Essa proposta segundo o relator Randolfe Rodrigues representa um avanço civilizacional pois reconhece o que a ciência e a ética já afirmam que os animais sentem dor e emoções e por isso não podem ser tratados como objetos como uma caneta ou um copo BRASIL 2019 p 3 22 A iniciativa contudo gerou intensos debates legislativos e doutrinários Segundo o Resumo Executivo da Frente Parlamentar da Agropecuária FPA o projeto suscita preocupações relacionadas à segurança jurídica e à aplicabilidade prática das normas sob o argumento de que a criação de uma categoria jurídica sui generis para os animais seria vaga e de difícil interpretação O documento destaca que O PL causa insegurança jurídica por criar uma grande área cinzenta no tocante aos direitos animais sendo que o direito deve servir justamente como instrumento de pacificação das relações sociais e não para tumultuálas Definir que os animais não humanos possuem natureza sui generis é dar carta branca ao intérprete da lei trazendo subjetividade ao texto legal o que servirá apenas para embaralhar a ordem vigente e trazer insegurança jurídica e instabilidade social FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 p 2 Os críticos afirmam que a vedação do tratamento dos animais como coisas poderia impactar negativamente setores como a agropecuária o comércio de proteína animal a pesquisa científica e até o controle sanitário o que exigiria um debate mais aprofundado sobre os efeitos econômicos e sociais da proposta Argumentase ainda que a legislação brasileira já oferece mecanismos suficientes para a proteção dos direitos animais por meio da Lei de Crimes Ambientais e de outros dispositivos constitucionais tornando o projeto redundante FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 Em contraposição a essas críticas o senador Randolfe Rodrigues sustentou durante a tramitação que o projeto não interfere nas práticas culturais registradas como patrimônio imaterial como a vaquejada nem prejudica o setor agropecuário uma vez que a matéria apenas eleva o tratamento jurídico dos animais reconhecendo sua condição de seres sencientes sem alterar hábitos alimentares ou práticas econômicas BRASIL 2019 p 4 Essa posição foi compartilhada por outros parlamentares como os senadores Rodrigo Pacheco DEMMG e Antonio Anastasia PSDBMG que consideraram o texto um avanço no campo jurídico e moral um gesto de humanidade e civilidade diante das demais espécies BRASIL 2019 p 5 O debate em torno do PLC nº 272018 evidencia portanto a tensão entre o progresso ético do reconhecimento dos animais como sujeitos de direito e as preocupações econômicas e jurídicas decorrentes dessa mudança paradigmática A resistência à proposta revela a persistência de uma visão antropocêntrica e patrimonialista que ainda enxerga os animais sob a ótica da utilidade e do domínio humano Apesar das divergências a aprovação do projeto no Senado foi celebrada como um marco civilizatório que reposiciona o ser humano na escala das relações interespécies e amplia a noção de dignidade para além da esfera humana 23 Na esteira desse avanço o Projeto de Lei nº 1792023 reforça e aprofunda a perspectiva inaugurada pelo PLC 272018 ao propor o reconhecimento jurídico da família multiespécie como entidade familiar no ordenamento brasileiro BRASIL 2023 O texto define a família multiespécie como o núcleo humano que compartilha a convivência com animais domésticos reconhecendo o papel afetivo e simbólico desses vínculos e assegurando aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais morais e existenciais BRASIL 2023 O projeto também inova ao prever a constituição de um patrimônio específico em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores e determina que em caso de falecimento do animal os bens destinados a ele sejam revertidos a outros pets da mesma família ou a fundos de proteção animal De forma expressiva o texto do projeto reconhece que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 Assim observase que o reconhecimento da família multiespécie no Brasil transcende o campo simbólico e se materializa em iniciativas legislativas concretas que refletem uma nova ética relacional baseada no respeito na empatia e na corresponsabilidade entre espécies Essa transformação indica uma ampliação do próprio conceito de dignidade antes restrito à pessoa humana para incluir os animais como sujeitos morais e jurídicos dignos de consideração Ao alinharse a tendências internacionais como as verificadas em países como França Portugal Espanha e Nova Zelândia o ordenamento jurídico brasileiro caminha para a consolidação de uma concepção mais ampla de justiça e cidadania na qual a afetividade o cuidado e o respeito à vida animal tornamse fundamentos legítimos da convivência social Tratase portanto de um avanço jurídico e civilizacional que amplia os horizontes éticos do Direito e reafirma o papel da afetividade como vetor essencial para a formação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e solidária 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie A definição de família é um dos temas mais complexos do Direito Civil contemporâneo pois não se trata de um conceito fixo e universal mas de uma construção histórica e cultural que acompanha a evolução da sociedade O que se entende por família em determinado tempo e espaço social não necessariamente corresponde à realidade de outro 24 momento histórico Assim o conceito familiar se revela dinâmico moldandose conforme os valores crenças e transformações socioculturais que permeiam cada geração FARIAS ROSENVALD 2017 Desse modo a estrutura familiar tradicional baseada na união entre homem mulher e filhos vem sendo substituída por uma multiplicidade de novos arranjos refletindo a pluralidade das formas de convivência e de afeto contemporâneas Essa mudança demonstra que o núcleo familiar deixou de ter como finalidade exclusiva a reprodução biológica ou a formalização jurídica passando a se pautar sobretudo pela solidariedade pelo cuidado mútuo e pelo amor Nesse sentido Farias e Rosenvald 2017 p 98 afirmam que O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano regido o núcleo familiar pelo afeto como mola propulsora O afeto portanto emerge como o elemento nuclear e estruturante das relações familiares na atualidade assumindo papel central na formação das novas entidades familiares A família moderna é regida pelo princípio da afetividade que se associa à busca pela felicidade e realização pessoal de seus integrantes superando a rigidez dos modelos patriarcais e hierarquizados Para Dias 2016 p 54 o novo modelo da família fundase sobre os pilares da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito das famílias A partir dessa evolução conceitual o afeto também passou a estenderse além das relações humanas alcançando os vínculos entre pessoas e animais de estimação Essa transformação reflete uma nova sensibilidade jurídica e social que reconhece nos laços interespécies um componente legítimo de convivência familiar Como destaca o Superior Tribunal de Justiça STJ 2019 essa relação é caracterizada por ser dinâmica e mutuamente benéfica entre pessoas e outros animais influenciada pelos comportamentos essenciais para a saúde e bemestar de ambos STJ REsp 1713167SP 2019 Com isso a noção de família expandese para abarcar a chamada família multiespécie em que humanos e animais convivem sob um mesmo teto e compartilham afetos responsabilidades e rotinas Essa convivência extrapola inclusive o espaço doméstico há famílias multiespécies compostas por vizinhos condomínios inteiros e até comunidades que se unem em torno do cuidado coletivo de animais os chamados núcleos familiares multiespécies comunitários LEITE et al 2015 Essa ampliação é impulsionada pela afetividade que permeia o vínculo humano animal uma relação baseada na estima na afetividade no apreço no amor na ternura na 25 afeição no carinho na benquerença LEITE et al 2015 p 12 Em muitos casos essa ligação não se restringe a um único tutor mas envolve diversos indivíduos que compartilham os cuidados de um mesmo animal como ocorre com aqueles acolhidos coletivamente por moradores de um bairro ou comunidade Essa dinâmica revela que os vínculos afetivos com os animais transcendem a propriedade individual e se projetam sobre a esfera comunitária configurando novas formas de sociabilidade e de família Entretanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda enfrenta dificuldades para acompanhar essa transformação Como observa Simão 2017 p 899 os animais são coisas e como tal são objeto de propriedade podendo ser doados vendidos e utilizados para consumo para tração etc Essa concepção fundada no paradigma civilista da coisa mostra se anacrônica diante das evidências científicas e filosóficas que reconhecem a senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções exigindo uma reinterpretação da relação entre humanos e não humanos sob uma ótica ética e jurídica mais inclusiva No campo legislativo essa mudança de paradigma tem se materializado em propostas concretas O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado Ricardo Izar PSDSP propôs o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis o que impede seu enquadramento como simples bens móveis BRASIL 2018 O texto relatado no Senado pelo senador Randolfe Rodrigues foi aprovado pela Casa em 2019 e estabeleceu um marco importante ao afirmar que os animais são seres sencientes capazes de sentir dor e emoções devendo portanto ser protegidos por leis especiais BRASIL 2019 Embora tenha enfrentado resistência de setores ligados à agropecuária que alegaram risco de insegurança jurídica e impacto econômico FPA 2018 o projeto consolidou o reconhecimento jurídico da sensibilidade animal e a vedação expressa ao seu tratamento como coisa Avançando nessa direção o Projeto de Lei nº 1792023 buscou reconhecer oficialmente a família multiespécie como entidade familiar definindoa como o núcleo humano que compartilha convivência e afeto com animais domésticos O texto propõe assegurar aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais existenciais e morais bem como prevê a criação de um patrimônio em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores Em caso de falecimento do pet os bens destinados a ele seriam revertidos a outros animais da mesma família multiespécie ou a fundos de proteção animal BRASIL 2023 Ao reconhecer a afetividade como fundamento das relações multiespécies o projeto afirma que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento 26 jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 reforçando a centralidade do afeto como elemento estruturante da proteção jurídica contemporânea Tais movimentos inserem o Brasil em um contexto global de revisão do estatuto jurídico dos animais semelhante ao de países como Áustria Alemanha e Suíça que já afirmaram em seus Códigos Civis que os animais não são coisas assegurando inclusive reparações pelo valor de afeição em casos de morte ou ferimento GODINHO PINHEIRO 2010 No cenário nacional o aumento das famílias multiespécies e o consequente crescimento de disputas judiciais relativas à guarda e ao bemestar dos pets têm impulsionado o Judiciário a reconhecer os animais como integrantes do núcleo familiar e não como meros objetos partilháveis CAIXÊTA JÚNIOR AMARAL VIEIRA 2023 Assim o reconhecimento jurídico da família multiespécie transcende o campo simbólico e se materializa em políticas públicas projetos de lei e transformações jurisprudenciais refletindo uma nova ética relacional A afetividade antes circunscrita ao convívio humano expandese para abranger os vínculos com os animais que passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos dignos de proteção e respeito A efetivação dessa concepção representa não apenas um avanço social mas um marco jurídico e civilizatório que reposiciona o ser humano em relação às demais espécies promovendo uma convivência mais solidária empática e humanizada no seio da sociedade contemporânea 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais A discussão acerca da senciência dos animais e sua consequente proteção jurídica tem ocupado espaço crescente no cenário legislativo e acadêmico brasileiro A consolidação desse debate materializouse com a apresentação do Projeto de Lei nº 4 de 2025 de autoria do senador Rodrigo Pacheco que propõe alterações significativas no Código Civil reconhecendo os animais não mais como meras coisas mas como seres vivos sencientes Essa iniciativa representa um marco histórico pois reflete a maturidade de um ordenamento jurídico que passa a enxergar os animais sob a ótica ética ecológica e afetiva em consonância com o avanço do pensamento jurídico contemporâneo PACHECO 2025 FIÚZA GONTIJO 2014 De acordo com o texto protocolado no Senado Federal o projeto inaugura um novo dispositivo no Código Civil o artigo 91A que dispõe 27 Art 91A Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria em virtude da sua natureza especial 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais 2º Até que sobrevenha lei especial são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas aos bens desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza considerando a sua sensibilidade PACHECO 2025 sp A redação proposta inaugura uma nova era na relação entre humanos e animais estabelecendo um marco jurídico e moral que rompe com séculos de visão antropocêntrica e patrimonialista A inclusão da senciência como fundamento normativo confere aos animais reconhecimento moral e jurídico e não apenas proteção indireta Esse movimento legislativo também confere maior segurança às relações familiares e afetivas que envolvem animais de estimação refletindo diretamente no reconhecimento das chamadas famílias multiespécie cuja consolidação tem sido objeto de estudos recentes no campo do direito civil e da ética BITTENCOURT FERNANDES QUEIROZ 2023 PEREIRA 2024 A proposta ainda reforça o compromisso estatal com o bemestar animal ao prever a elaboração de uma lei especial que regulamente o tratamento físico e ético desses seres Tal previsão demonstra a preocupação em garantir um aparato normativo específico e detalhado capaz de consolidar a tutela jurídica dos animais sob uma perspectiva de respeito à sua natureza sensível O caráter subsidiário do regime jurídico dos bens conforme previsto no 2º do artigo 91A é um avanço que preserva a aplicabilidade prática das normas enquanto não sobrevier legislação específica evitando lacunas jurídicas que possam comprometer a efetividade da proteção PACHECO 2025 Em análise crítica Édis Milaré 2024 apud PEREIRA 2024 observa que essa transição paradigmática de tratar os animais como objetos de direito para reconhecêlos como seres sencientes representa um passo civilizatório para o ordenamento jurídico brasileiro Segundo o autor a evolução normativa projetada pelo Projeto de Lei nº 4 de 2025 tem o potencial de posicionar o Brasil como referência internacional na tutela animal sobretudo por alinharse aos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da ética ambiental Essa percepção é corroborada pela teoria da responsabilidade formulada por Hans Jonas 2006 para quem o agir humano deve pautarse pela preservação e pelo respeito à vida em todas as suas formas reconhecendo a interdependência entre as espécies e os deveres éticos decorrentes dessa coexistência A institucionalização da senciência animal no ordenamento jurídico brasileiro também atende às diretrizes constitucionais que consagram a proteção da fauna e vedam práticas que submetam os animais à crueldade conforme o artigo 225 1º inciso VII da Constituição 28 Federal de 1988 BRASIL 1988 Assim o novo dispositivo do Código Civil dialoga diretamente com o princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado consolidando um sistema de tutela que reconhece o valor intrínseco dos animais e estabelece a base para políticas públicas de bemestar e dignidade animal Como defende Simão 2017 o reconhecimento da natureza jurídica sui generis dos animais é um passo indispensável para a construção de um regime jurídico coerente com a sua condição de seres sencientes superando a tradicional visão utilitarista e instrumental Nesse contexto o reconhecimento legal da senciência dos animais inserese no movimento mais amplo de humanização do direito civil e de ampliação da concepção de sujeito de direito Tal avanço não apenas redefine o estatuto jurídico dos animais mas também amplia o horizonte da justiça interespécies permitindo que o direito acompanhe a complexidade das novas configurações afetivas e sociais do século XXI O Projeto de Lei nº 4 de 2025 configurase assim como um instrumento essencial para a evolução normativa do país pois traduz em texto legal o que a sociedade já reconhece no campo ético e emocional os animais são seres dotados de sensibilidade capazes de sentir dor prazer e afeto e portanto merecedores de tutela jurídica própria O dispositivo proposto no artigo 91A é portanto mais que uma atualização legislativa é o reflexo de uma transformação cultural e jurídica em direção à valorização da vida em todas as suas formas A positivação da senciência animal no Código Civil representa a concretização de um ideal éticojurídico de coexistência um reconhecimento de que o progresso humano não pode mais ser medido apenas em termos de domínio sobre a natureza mas também pela capacidade de respeitar e proteger os outros seres que compartilham o planeta 29 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE A ausência de legislação específica sobre as famílias multiespécie gera um cenário de insegurança jurídica no país uma vez que as decisões judiciais sobre o tema variam conforme o entendimento de cada magistrado As controvérsias mais recorrentes envolvem questões relacionadas à guarda e à convivência com animais de estimação temas que têm sido interpretados por analogia com o direito de família humano DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Como observam os autores supracitados O desenvolvimento embrionário deste conceito foi fundamental para o surgimento de projetos de lei que tentam readaptar as legislações de tal forma a tentar amparar o poder judiciário a quem não resta escolha senão a aplicação de outros dispositivos por analogia costumes e pelo princípio do livre convencimento motivado do magistrado Isto resulta em uma crescente onda de julgados que ora mantém o animal de estimação em seu patamar de coisa e ora o enaltece com características do direito de guarda DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Essas decisões refletem o avanço da jurisprudência brasileira em reconhecer os animais domésticos não mais como simples bens semoventes mas como sujeitos de consideração moral e afetiva Na prática o Poder Judiciário tem recorrido à analogia com o instituto da guarda compartilhada de filhos aplicandoo aos casos de disputa por animais com base no vínculo emocional estabelecido entre as partes e seus pets AMARAL DE LUCA 2015 apud DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRJ ilustra de forma exemplar essa tendência Em recente decisão foi julgado um conflito de competência entre varas cível e de família envolvendo a guarda compartilhada de um animal de estimação No voto vencedor reconheceuse que a questão ultrapassava o campo do direito das coisas ingressando na esfera do direito de família O acórdão registrou Com a evolução da sociedade diferenciase os animais das coisas notadamente pelo aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação O regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver de forma satisfatória a disputa familiar envolvendo os pets visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade Não há dúvidas de que a questão tratada nos autos principais vai além da propriedade do animal perpassando pelo vínculo afetivo existente entre o animal e os ex companheiros o estabelecimento de custódia com direitos e deveres e eventualmente o direito à convivência com regime de visitação tratandose pois de matéria de família TJRJ Conflito de Competência nº 00939510920248190000 Rel Des Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues julgado em 28 nov 2024 30 Tal decisão reconhece a necessidade de o tema ser tratado no âmbito do direito de família e não mais sob o prisma patrimonial Isso representa um avanço relevante no reconhecimento das famílias multiespécie como entidades legítimas no contexto jurídico brasileiro Outro caso paradigmático foi apreciado também pelo TJRJ em sede de agravo de instrumento no qual se discutia a custódia compartilhada de uma cadela chamada Flora O tribunal manteve a decisão de primeiro grau que havia concedido a guarda compartilhada fundamentandose na impossibilidade de o juiz negar a apreciação de um pedido sob a justificativa de ausência de norma específica Assim afirmouse a aplicação da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito conforme dispõe o art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Família multiespécie Aplicação do enunciado nº 11 do IBDFAM que garante a possibilidade de o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal Entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema exarado no julgamento do REsp 1713167SP Rompimento do vínculo conjugal que não rompe o vínculo afetivo com o pet Documentos juntados aos autos demonstram de forma clara o afeto entre o autoragravado e a Flora TJRJ Agravo de Instrumento nº 00328345120238190000 Rel Des Nádia Maria de Souza Freijanes julgado em 29 jun 2023 Esse entendimento reafirma que mesmo diante da omissão legislativa o direito à convivência e ao cuidado com os animais de estimação pode e deve ser garantido com base no afeto e na dignidade O Enunciado nº 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM 2022 ao dispor que a ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal consolida a tendência doutrinária e jurisprudencial de enquadrar tais questões no âmbito do direito familiar Dessa forma o reconhecimento das famílias multiespécie emerge não apenas como um fenômeno social mas como uma evolução necessária do ordenamento jurídico que deve acompanhar as transformações éticas e afetivas da sociedade contemporânea 31 CONCLUSÃO O exame realizado ao longo deste trabalho permitiu constatar que o legado com encargo configura um instrumento juridicamente viável e eticamente recomendável para assegurar a proteção sucessória dos animais de estimação no ordenamento jurídico brasileiro A análise demonstrou que embora o Código Civil de 2002 não reconheça aos animais capacidade sucessória direta por lhes faltar personalidade jurídica o ordenamento disponibiliza mecanismos indiretos para concretizar a vontade do testador em prover o bem estar de seus companheiros não humanos após o seu falecimento A evolução do conceito de família com o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial das famílias multiespécies representa um marco transformador na compreensão dos vínculos afetivos que unem humanos e animais Esta nova realidade social aliada ao reconhecimento científico e legal da senciência animal consubstanciado em propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 42025 impele o Direito a superar a visão antropocêntrica e patrimonialista que historicamente relegou os animais à condição de meros bens móveis O afeto erigido a princípio estruturante das relações familiares contemporâneas revelase como fundamento válido para justificar a tutela jurídica especial desses seres O legado com encargo surge nesse contexto como uma solução de harmonia entre a rigidez do sistema sucessório e as novas demandas afetivas da sociedade Ao impor ao legatário ou herdeiro o dever específico de cuidar do animal este instituto viabiliza a destinação de recursos patrimoniais para a manutenção do pet respeitando os limites legais da capacidade sucessória mas sem descurar do imperativo ético de proteção A jurisprudência ao aplicar por analogia os princípios do direito de família às disputas envolvendo animais já sinaliza a aptidão do Judiciário em acolher tal solução privilegiando o melhor interesse do animal e a preservação dos vínculos afetivos Concluise portanto que a viabilidade do legado com encargo no planejamento sucessório dos animais de estimação é plena representando uma aplicação criativa e coerente de um instituto clássico do Direito Civil às complexidades da vida moderna A sua utilização lastreada na autonomia privada e nos princípios da dignidade da solidariedade e da função social da propriedade não apenas atende a anseios legítimos dos tutores mas também contribui para a construção de um ordenamento jurídico mais compassivo e alinhado com os valores de uma sociedade que reconhece progressivamente o lugar dos animais não humanos no seio de suas estruturas afetivas e familiares 32 REFERENCIAS BELCHIOR G P N DUARTE N G Família multiespécie guarda de animais domésticos e seu status jurídico Themis Revista da Esmec S l v 19 n 2 p 293312 2022 DOI 1056256themisv19i2772 Disponível em httpsrevistathemistjcejusbrTHEMISarticleview772 Acesso em 1 nov 2025 BESERRA Vitoria Alves FELIX Marcel Carlos Lopes NAPOLIS Isabelle Lopes A afetividade como fundamento para a alteração do status jurídico e o consequente reconhecimento dos animais não humanos domésticos e domesticados como membros da família multiespécie no Brasil In CONPEDI 2025 S l Anais Disponível em httpssiteconpediorgbrpublicacoesv38r977z27x8y74717Lc7VByDKMowt0Npdf Acesso em 1 nov 2025 BITTAR Eduardo C B Metodologia da pesquisa jurídica teoria e prática da monografia para os cursos de direito 15 ed São Paulo Saraiva 2017 BITTENCOURT Bianca da Rosa FERNANDES Beatriz Schherpinski QUEIROZ Matheus Filipe de Família Multiespécie uma proposta bemestarista ao animal não humano In SCHIAVON Isabela Nabas Coord Direito de Família aspectos 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obtenção do título de Bacharelado em Direito Aprovado em BANCA EXAMINADORA Orientador Membro Membro RESUMO O presente trabalho investiga a viabilidade jurídica da utilização do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Partindo da premissa de que os animais embora considerados seres sencientes não possuem capacidade sucessória direta no ordenamento jurídico brasileiro o estudo analisa a possibilidade de se destinar recursos patrimoniais para sua proteção de forma indireta A pesquisa de natureza teórica e qualitativa baseiase em revisão bibliográfica e análise jurisprudencial explorando a evolução do conceito de família para incluir as famílias multiespécies e a consequente necessidade de adaptação dos institutos sucessórios Examinase o tratamento jurídico dos animais da visão patrimonialista do Código Civil às recentes propostas legislativas que reconhecem sua natureza senciente e sua integração ao núcleo familiar O estudo conclui que o legado com encargo constitui mecanismo juridicamente adequado e eficaz para concretizar a vontade do testador garantindo a manutenção e os cuidados do animal em consonância com os princípios da dignidade da afetividade e da função social da propriedade representando uma solução prática e ética para o planejamento sucessório na contemporaneidade Palavraschave Direito das Sucessões Legado com Encargo Animais de Estimação Família Multiespécie Planejamento Patrimonial Senciência Animal ABSTRACT This paper investigates the legal feasibility of using the legacy with a charge as a succession planning instrument to ensure the wellbeing of pets after their owners death Starting from the premise that animals although considered sentient beings do not have direct succession capacity under Brazilian law the study analyzes the possibility of allocating patrimonial resources for their indirect protection The research of a theoretical and qualitative nature is based on a bibliographic review and jurisprudential analysis exploring the evolution of the concept of family to include multispecies families and the consequent need for adaptation of succession institutes The legal treatment of animals is examined from the patrimonialist view of the Civil Code to recent legislative proposals that recognize their sentient nature and their integration into the family nucleus The study concludes that the legacy with a charge is a legally adequate and effective mechanism to realize the testators will ensuring the animals maintenance and care in accordance with the principles of dignity affectivity and the social function of property representing a practical and ethical solution for contemporary succession planning Keywords Law of Succession Legacy with a Charge Pets MultiSpecies Family Estate Planning Animal Sentience SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO7 2 ALGUNS CONCEITOS10 21 Evolução e conceito de família10 22 evolução do direito dos animais12 23Famílias Multiespécie15 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL17 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira 19 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie23 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais26 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE29 CONCLUSÃO31 REFERENCIAS32 7 1 INTRODUÇÃO A convivência entre seres humanos e animais de estimação transformouse profundamente nas últimas décadas extrapolando o conceito tradicional de posse ou guarda para constituir vínculos afetivos e emocionais intensos Essa relação marcada pelo cuidado pela convivência cotidiana e pela reciprocidade emocional tem consolidado o reconhecimento de uma nova forma de estrutura familiar a chamada família multiespécie formada por humanos e animais não humanos unidos por laços de afeto e não por consanguinidade ou formalização jurídica Nesse contexto cresce a preocupação de tutores em garantir o bemestar e a continuidade dos cuidados dispensados aos seus animais após sua própria morte o que desperta questionamentos relevantes no campo do Direito Sucessório seria possível destinar bens ou recursos patrimoniais para assegurar a subsistência de um animal de estimação após o falecimento do tutor O ordenamento jurídico brasileiro permitiria ainda que de forma indireta tal disposição testamentária O Código Civil de 2002 estabelece de forma expressa que apenas pessoas naturais ou jurídicas possuem capacidade sucessória o que exclui os animais do rol de possíveis herdeiros ou legatários Essa limitação conforme ensina Venosa 2003 é reflexo de uma visão antropocêntrica do Direito que historicamente tratou os animais como meros objetos de propriedade Entretanto essa concepção encontrase em processo de revisão doutrinária e jurisprudencial impulsionada por uma perspectiva biocêntrica e ética que reconhece a senciência dos animais isto é sua capacidade de sentir dor prazer e emoções conforme argumenta Singer 1975 A partir dessa visão os animais não são mais compreendidos como simples bens mas como seres dotados de valor intrínseco e merecedores de tutela jurídica A evolução jurisprudencial brasileira demonstra avanços significativos nesse sentido Os tribunais já reconhecem o direito à guarda e à convivência com animais de estimação em casos de dissolução familiar a proibição de maustratos e o direito de permanência em condomínios ainda que cláusulas restritivas prevejam o contrário Brasil e Costa 2022 Oliveira e Dias 2023 O Superior Tribunal de Justiça inclusive admitiu a possibilidade de prestação de alimentos em favor de animais domésticos REsp 1944228RS 2022 reconhecendo a responsabilidade afetiva e material do tutor em relação a seu companheiro não humano Esses precedentes indicam um processo gradual de ampliação da proteção jurídica dos animais e revelam a necessidade de o Direito das Sucessões adaptarse a essa nova realidade social e afetiva 8 Nesse panorama o legado com encargo desponta como instrumento potencialmente eficaz e juridicamente viável para assegurar o bemestar dos animais de estimação após o falecimento de seus tutores Tratase de disposição testamentária por meio da qual o testador destina bens a uma pessoa herdeiro ou legatário impondolhe o dever de cumprir determinado encargo como o de garantir alimentação abrigo cuidados veterinários e demais necessidades do animal Farias Rosenvald 2017 Tartuce 2014 Essa solução ainda que indireta permite conciliar a limitação legal de capacidade sucessória com a vontade do testador preservando o cuidado com o animal e concretizando valores como solidariedade afetividade e dignidade Assim mesmo sem conferir personalidade jurídica aos animais o ordenamento oferece caminhos legítimos para a efetivação de sua tutela O debate tornase ainda mais relevante diante de propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional como o Projeto de Lei nº 1792023 que pretende consolidar mecanismos de proteção patrimonial em favor dos animais reconhecendo sua posição afetiva no seio familiar e permitindo a destinação de recursos para sua manutenção sem contudo atribuirlhes a titularidade dos bens A justificativa do projeto reflete o reconhecimento da família multiespécie e a necessidade de garantir aos animais um estatuto protetivo compatível com sua importância nas relações humanas contemporâneas Essa discussão reforça a urgência de repensar o sistema sucessório brasileiro à luz dos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da proteção à fauna previstos no artigo 225 da Constituição Federal Diante dessa realidade a presente pesquisa propõese a analisar a viabilidade jurídica do legado com encargo como instrumento de planejamento sucessório voltado à proteção de animais de estimação Buscase compreender o tratamento jurídico atual conferido aos animais examinar as formas de sucessão compatíveis com a tutela indireta de seus interesses e avaliar a compatibilidade dessa prática com os princípios constitucionais e civis vigentes Pretendese ainda identificar desafios teóricos e práticos à implementação do instituto bem como demonstrar soluções jurídicas possíveis capazes de harmonizar o respeito à autonomia privada com o dever ético de proteção à vida animal O estudo também almeja contribuir para o debate legislativo e doutrinário oferecendo fundamentos sólidos que possam orientar tanto a elaboração de testamentos quanto a formulação de políticas públicas voltadas à proteção dos animais domésticos A relevância deste trabalho repousa em três dimensões fundamentais social ética e jurídica No plano social reflete uma transformação afetiva que redefine os contornos da família e amplia o conceito de cuidado e responsabilidade No plano ético reforça a noção de 9 alteridade e o dever moral de reconhecer o outro neste caso o animal como sujeito merecedor de consideração e respeito conforme a filosofia de Lévinas e os estudos contemporâneos de ética da alteridade Prado Santin Cerbelera Neto 2023 Por fim sob a perspectiva jurídica o tema representa um desafio interpretativo e propositivo ao Direito Civil exigindo que seus institutos clássicos como o testamento e o legado sejam revisitados à luz de novas sensibilidades e demandas sociais O reconhecimento da senciência animal consagrado na Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 impõe ao legislador e ao intérprete do Direito uma responsabilidade ética inadiável a de superar a visão instrumental e patrimonialista ainda presente em dispositivos do Código Civil Assim garantir proteção sucessória aos animais de estimação não significa subverter a estrutura jurídica tradicional mas adaptála a um contexto mais inclusivo e humanizado A adoção do legado com encargo nesse sentido configura uma solução prática legítima e eticamente coerente capaz de unir o respeito à vontade do testador e o dever jurídico de tutela fortalecendo o ideal de um Direito das Sucessões comprometido com a dignidade a afetividade e o respeito a todas as formas de vida 10 2 ALGUNS CONCEITOS 21 Evolução e conceito de família A família sempre ocupou um papel central na constituição das sociedades humanas funcionando como a base sobre a qual se estruturam valores crenças afetos e práticas de convivência É por meio dela que ocorre a socialização inicial o aprendizado de normas e a perpetuação de costumes e tradições culturais transmitidos entre gerações e continuamente reelaborados Mais do que um agrupamento de indivíduos unidos por laços consanguíneos a família constituise em um espaço simbólico de pertencimento solidariedade e afeto indispensável à formação do indivíduo e à estabilidade social Conforme destaca Maria Berenice Dias 2016 o agrupamento familiar não é exclusivo da espécie humana pois em outros reinos e espécies também se observam formas de convivência baseadas na cooperação e na proteção mútua Para a autora os seres vivos sempre buscaram viver aos pares seja por instinto de preservação seja pela necessidade de companhia e de compartilhamento de afetos Em suas palavras Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural em que os indivíduos se unem por uma química biológica a família é um agrupamento informal de formação espontânea no meio social cuja estruturação se dá através do direito No dizer de Giselda Hironaka não importa a posição que o indivíduo ocupa na família ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence o que importa é pertencer ao seu âmago é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade DIAS 2016 p 21 Essa perspectiva revela o caráter cultural e dinâmico da família que se transforma conforme as transformações sociais econômicas e históricas Cada época imprime às relações familiares uma configuração própria redefinindo papéis e expectativas De acordo com Gonçalves 2012 p 23 apud PEREIRA 2024 p 190 a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado sendo o núcleo fundamental que rege toda a organização social Em qualquer aspecto em que é considerada ela seria uma instituição necessária e sagrada merecendo a mais ampla proteção do Estado Essa compreensão reforça a relevância da família como estrutura fundante da vida coletiva não apenas sob o ponto de vista jurídico mas também ético e social Historicamente as famílias patriarcais representaram o modelo predominante nas sociedades ocidentais A figura masculina exercia o papel de chefe e provedor detendo poder sobre os demais membros enquanto à mulher era atribuída a função de cuidado e reprodução Nas palavras de Dias 2016 nas sociedades conservadoras apenas as formações que se 11 enquadravam nesse padrão hierárquico e patriarcal eram reconhecidas como legítimas sendo o casamento o instrumento formal que conferia validade e reconhecimento jurídico A ausência dessa formalização levava à marginalização de outros arranjos familiares frequentemente considerados afrontas à moral ou à religião dominante Com o passar do tempo mudanças sociais econômicas e culturais alteraram profundamente esse panorama O processo de urbanização e industrialização promoveu a migração de famílias do campo para as cidades modificando a dinâmica familiar e os papéis de gênero A mulher antes restrita ao ambiente doméstico passou a integrar o mercado de trabalho e a exercer novas funções sociais o que contribuiu para redefinir as bases do convívio familiar DIAS 2016 A afetividade que antes ocupava um papel secundário frente às obrigações econômicas e religiosas emergiu como elemento essencial das relações familiares consolidando um novo paradigma de convivência pautado na liberdade e na igualdade entre os membros A transição da família como unidade de produção para uma entidade afetiva implicou ainda o deslocamento do seu reconhecimento jurídico Conforme assinala Dias 2016 a codificação das leis transformou o casamento em requisito de legitimidade reduzindo a complexidade do fenômeno familiar a um modelo documental e formalista Essa concepção começou a se modificar com o advento do Código Civil de 1916 e de maneira mais profunda com a Constituição Federal de 1988 que passou a reconhecer a pluralidade das formas familiares e a valorizar o afeto como princípio fundante das relações humanas PEREIRA 2024 A partir dessa nova perspectiva a família deixou de ser vista como uma estrutura rígida limitada à união entre homem e mulher e passou a ser compreendida como um espaço plural aberto às diversas formas de afeto e solidariedade Nesse sentido Lobo 2024 p 19 apud PEREIRA 2024 p 190 propõe uma concepção mais abrangente A família é feita de duas estruturas associadas os vínculos e os grupos Há três sortes de vínculos que podem coexistir ou existir separadamente vínculos de sangue vínculos de direito e vínculos de afetividade A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram Essa definição traduz a natureza dinâmica e multifacetada da família contemporânea que se reconfigura em função dos vínculos afetivos e da autonomia individual sem que isso comprometa sua função essencial de garantir a convivência o cuidado e a solidariedade entre seus integrantes Desse modo compreender a evolução do conceito de família implica reconhecer que se trata de um fenômeno em constante transformação resultado direto das mudanças culturais 12 e sociais que moldam o comportamento humano A família longe de ser um conceito estanque é um organismo vivo plural e mutável capaz de se adaptar às novas realidades e de expressar em cada tempo histórico as formas de amor cuidado e pertencimento que definem a própria essência da vida em sociedade 22 evolução do direito dos animais Desde os primórdios da civilização os animais exerceram papel essencial na sobrevivência e no desenvolvimento da humanidade Inicialmente vistos como mera fonte de alimento e energia faziam parte de uma cadeia ecológica na qual o ser humano se inseria como predador e dependente do meio natural Com o passar do tempo porém certas espécies passaram a ocupar um espaço mais relevante nas interações humanas não apenas como recurso alimentar mas como parceiros de trabalho proteção e transporte Essa relação de utilidade recíproca deu origem a uma convivência que uniu cuidado e servidão moldando o início de uma ligação afetiva e funcional entre humanos e animais De acordo com Belchior e Duarte 2021 p 296 A relação dos homens com os animais domésticos não é atual esse vínculo surgiu para auxílio da caça pesca e tração No início da vida os homens e animais lutavam para conseguir alimentos e consequentemente alcançarem paralelamente uma forma de subsistir Esse processo de cooperação evolutiva foi inicialmente interpretado sob uma ótica utilitarista especialmente à luz da filosofia clássica Aristóteles concebia o universo como uma ordem hierarquicamente estruturada e imutável na qual cada ser ocupava um lugar predeterminado e exercia uma função natural Assim o homem era colocado no topo da escala vital enquanto os demais seres destituídos da razão e da fala existiam para servilo BERGSON 2005 p 125127 apud SANTANA 2006 p 15 A tradição grega portanto reforçou uma concepção antropocêntrica que posteriormente foi reproduzida por outros sistemas filosóficos e religiosos Gomes 2001 p 112113 apud SANTANA 2006 p 17 lembra que sob essa ótica apenas os seres humanos em especial os cidadãos gregos possuíam virtudes superiores e capacidade racional Os demais seres inclusive os animais eram considerados desprovidos dessas faculdades Com o advento do cristianismo a visão antropocêntrica ganhou contornos teológicos A leitura dominante da tradição cristã considerava os animais como instrumentos a serviço da humanidade destinados ao uso e consumo humano com raras exceções Uma dessas 13 exceções foi a de São Francisco de Assis cuja doutrina se afastou do pensamento predominante ao pregar o respeito e a fraternidade universal entre todos os seres vivos IDEM 1998 p 280 apud SANTANA 2006 p 19 A visão de subordinação dos animais persistiu durante séculos sustentada na crença de que lhes faltava raciocínio linguagem e moralidade Como explica Santana 2006 p 30 O principal argumento utilizado para excluir os animais da esfera de consideração moral seja na filosofia grega na tradição religiosa cristã ou no mecanismo cartesiano parte do princípio de que os animais são destituídos de espírito ou alma intelectual Na verdade várias características costumam ser consideradas atributos exclusivos da humanidade Com base nesse entendimento consolidouse a exploração sistemática dos animais como objetos de uso humano empregados em diversas atividades da alimentação à força de trabalho passando por experimentações científicas e entretenimento Entretanto com o avanço do pensamento filosófico e dos movimentos sociais no século XX surgiram novas correntes que passaram a contestar essa concepção reducionista e a reivindicar um tratamento ético e jurídico mais digno para os animais O movimento de libertação animal conforme ressalta Santana 2006 p 70 buscou não apenas mitigar o sofrimento imposto a esses seres mas também reconhecerlhes uma condição de sujeitos de direitos Essa perspectiva aproximou a luta animalista de outras pautas históricas de emancipação como as lutas feministas e antirracistas enfatizando a necessidade de um novo paradigma ético de convivência entre humanos e não humanos No cenário internacional um marco fundamental foi a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aprovada pela UNESCO em 1978 da qual o Brasil é signatário O documento estabeleceu princípios de igualdade e proteção reconhecendo o direito à vida e à integridade de todos os animais Conforme Belchior e Duarte 2021 p 298 Em suma esse dispositivo elenca em seu art 1º a igualdade entre todos os animais que nascem sendo seu direito à existência igualitário Além disso menciona expressamente que os animais devem ser resguardados de maustratos e de atos cruéis Essa proteção se estendeu às práticas científicas comerciais e alimentares proibindo qualquer forma de sofrimento desnecessário e impondo o dever ético de assegurar condições dignas de vida aos animais BELCHIOR DUARTE 2021 Embora sem força vinculante direta sobre as legislações nacionais a declaração representou um avanço ideológico e moral impulsionando reformas jurídicas em diversos países e inspirando o reconhecimento da senciência animal no plano internacional TINOCO CORREIA 2010 p 182 apud BELCHIOR DUARTE 2021 p 298 14 No Brasil a Constituição Federal de 1988 incorporou princípios alinhados a essa nova visão ética O art 225 estabelece o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Estado e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo Como afirmam Belchior e Duarte 2021 p 298 Dessa maneira a partir da Constituição Federal de 1988 art 225 caput fica claro que o Brasil trouxe parâmetros para que todos tenham direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado que é bem de uso comum do povo e essencial à boa qualidade de vida impondose ao poder público guardiões ONGs e à coletividade o dever de proteger e preserválo para o cotidiano e as futuras gerações Desse modo o reconhecimento constitucional do meio ambiente equilibrado inclui necessariamente a proteção da fauna conforme dispõe o 1º VII do mesmo artigo que proíbe práticas cruéis e impõe o dever de preservar todas as formas de vida animal SILVA FRACALOSSI 2010 apud BELCHIOR DUARTE 2021 Do ponto de vista infraconstitucional contudo o tratamento jurídico dos animais ainda apresenta resquícios do paradigma antigo O Código Civil de 2002 em seu artigo 82 enquadra os animais como bens móveis classificados entre os chamados bens semoventes isto é coisas dotadas de movimento próprio BRASIL 2002 DINIZ 2011 p 369 apud MORAES 2019 Essa concepção reflete uma herança de coisificação na qual os animais são tratados como propriedade e não como sujeitos de direitos Rodrigues 2003 p 126 apud MORAES 2019 sintetiza essa visão ao afirmar que os animais são da espécie bens que está compreendida no gênero coisas eis que existem objetivamente com exclusão do homem porém com valor econômico mantendo a ideia de utilidade e raridade Entretanto esse paradigma vem sendo gradativamente superado pela incorporação do conceito de senciência animal reconhecendo que os animais são capazes de sentir dor prazer e emoções e portanto merecem consideração ética e proteção jurídica específica Como observa Lobo 2024 p 18 a superação da visão antropocêntrica abriu espaço para um novo modelo jurídico centrado no respeito à vida e na dignidade animal Nesse sentido a Declaração de Cambridge sobre a Consciência 2012 marcou um divisor de águas ao afirmar cientificamente a existência de substratos neurológicos e comportamentais que comprovam estados de consciência em animais não humanos Segundo Lobo 2024 p 18 Uma evidência convergente indica que animais não humanos possuem os substratos neuroanatômicos neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais 15 A partir desse entendimento tornase evidente que o direito contemporâneo caminha para reconhecer os animais como seres sencientes dotados de valor intrínseco cuja proteção extrapola a lógica da utilidade Essa mudança implica o abandono da visão tradicional de subserviência e a construção de um novo paradigma jurídico que reconheça a dignidade animal como um bem jurídico fundamental Por fim no que se refere à classificação legal os animais domésticos distinguemse dos silvestres por seu grau de convivência com os seres humanos Enquanto os primeiros vivem sob o cuidado e proteção direta das pessoas os segundos integram ecossistemas naturais e cumprem papéis ecológicos essenciais como o controle de pragas e a dispersão de sementes Milaré 2018 p 791 apud BESERRA FÉLIX NÁPOLIS 2024 p 380 explica que a diferença entre eles reside sobretudo no grau de liberdade e vivência com os seres humanos sendo ambos igualmente integrantes da fauna e portanto destinatários das normas de proteção ambiental A evolução do direito dos animais reflete uma trajetória de profunda transformação cultural e ética de seres coisificados e instrumentalizados passaram a ser reconhecidos como sujeitos de consideração moral e jurídica cuja proteção está intrinsecamente ligada à própria noção de civilização e justiça ambiental 23Famílias Multiespécie O conceito de família multiespécie emergiu como uma das expressões mais marcantes das transformações sociais e jurídicas do século XXI Tratase da configuração familiar em que o afeto entre seres humanos e animais domésticos constitui o elo central da convivência Tal relação ultrapassa os vínculos utilitaristas historicamente atribuídos aos animais como guarda caça ou tração e passa a ser reconhecida pelo seu valor emocional e simbólico no cotidiano humano BELCHIOR DUARTE 2021 sp Com o advento da Constituição Federal de 1988 o conceito jurídico de família foi substancialmente ampliado O texto constitucional rompeu com a antiga concepção restrita ao casamento civil abrindo espaço para o reconhecimento de diversas formas de constituição familiar Essa abertura interpretativa viabilizou o acolhimento de novas realidades sociais inclusive aquelas que envolvem a convivência afetiva entre pessoas e animais BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 380 16 Entre os princípios orientadores dessa nova concepção destacase o princípio da afetividade que embora não esteja expressamente previsto na Constituição encontra fundamento em diversos dispositivos constitucionais Como ensina Dias 2022 p 6669 apud BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 O princípio da afetividade embora não esteja explícito na Constituição Federal vigente ganhou tais contornos ao passo que sua essência se encontra disposta na Carta Magna conforme se nota por exemplo nos seguintes artigos a art 1º CFRB88 se referindo à dignidade humana b art 226 3º reconhecimento da União Estável c art 226 4º proteção da família monoparental e dos filhos por adoção e d art 227 5º adoção como escolha afetiva Dessas linhas se extrai a transformação da família na medida em que se observam as relações de sentimentos valorizando as funções afetivas da família A afetividade passa a ser reconhecida como elemento estruturante das relações familiares mesmo quando implícita É a partir desse princípio que se torna possível compreender juridicamente o vínculo emocional entre humanos e animais permitindo que esses últimos sejam integrados ao núcleo familiar de forma legítima Assim o reconhecimento da família multiespécie não decorre de uma inovação conceitual arbitrária mas de uma evolução coerente do direito de família orientada por valores constitucionais de afeto e dignidade humana BESERRA FELIX NAPOLIS 2024 p 381 17 3 A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE NO BRASIL A convivência entre seres humanos e animais de estimação é um fenômeno milenar mas que ganha novos contornos no contexto contemporâneo Desde as civilizações antigas o homem estabeleceu vínculos com os animais ainda que naquele momento o relacionamento fosse essencialmente utilitário pautado no uso da força na caça e na segurança Com o passar do tempo e o avanço das relações sociais econômicas e afetivas essa interação passou a assumir um caráter distinto baseado no afeto e na convivência emocional Como destaca Bittar 2017 p 291 o Direito por sua própria natureza social acompanha a evolução das relações humanas ajustandose às novas formas de vida e de convivência que emergem no seio da sociedade Assim a transformação das relações entre humanos e animais se reflete inevitavelmente no campo jurídico que é chamado a repensar seus conceitos de família afeto e tutela A configuração das famílias também passou por significativas alterações ao longo das últimas décadas O modelo tradicional composto por um casal e seus descendentes cede espaço para múltiplas formações como famílias monoparentais homoafetivas e mais recentemente as chamadas famílias multiespécies que incluem animais de estimação como integrantes legítimos do núcleo familiar Conforme ressalta Severino 2000 a ciência deve observar os fenômenos sociais em sua dinamicidade e complexidade considerando que as realidades humanas estão em constante transformação e toda análise que ignore tal movimento corre o risco de tornarse anacrônica SEVERINO 2000 p 58 Nesse sentido compreender a família contemporânea exige reconhecer a centralidade afetiva dos animais de companhia nas relações humanas modernas Um dos fatores que impulsionaram essa nova configuração familiar é a mudança no comportamento reprodutivo e afetivo da sociedade moderna O número de filhos nas famílias brasileiras tem diminuído progressivamente e em paralelo cresce o número de lares com animais de estimação que passam a ocupar papéis simbólicos e afetivos antes reservados a filhos netos e outros parentes próximos Sobre esse fenômeno Oliveira 2006 p 42 explica que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 42 18 A citação acima evidencia uma mudança estrutural nas relações afetivas e familiares O animal deixa de ser mero acompanhante e passa a ocupar um papel simbólico de relevância emocional contribuindo para o equilíbrio psicológico e afetivo dos tutores Esse deslocamento semântico e social do animal de propriedade para membro da família desafia o ordenamento jurídico brasileiro que ainda o trata como coisa ou bem móvel conforme disposto no artigo 82 do Código Civil Entretanto o avanço da doutrina e da jurisprudência aponta para um processo de ressignificação dessa condição reconhecendo nos animais seres sencientes e merecedores de tutela jurídica própria No contexto atual a família multiespécie representa não apenas um fenômeno social mas também um desafio jurídico O Direito de Família tradicionalmente pautado em vínculos consanguíneos e matrimoniais é convocado a ampliar sua concepção de afetividade para incluir formas de convívio que ultrapassam as fronteiras da espécie humana A teoria do afeto como elemento estruturante das relações familiares amplamente aceita pela doutrina civilista encontra nos lares multiespécies um campo fértil de aplicação uma vez que o vínculo estabelecido entre tutores e animais se funda em cuidado responsabilidade e amor recíproco Como observa Bittar 2017 o pesquisador do Direito deve ser capaz de compreender as novas realidades sociais a partir de uma postura crítica ética e transformadora que permita ao conhecimento jurídico servir de instrumento de emancipação e justiça social BITTAR 2017 p 294 Reconhecer juridicamente a família multiespécie não significa ampliar o conceito de pessoa mas sim reconhecer a realidade fática e afetiva que já se manifesta no cotidiano das famílias brasileiras A legislação e a doutrina devem avançar para compatibilizar o ordenamento jurídico com os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana da solidariedade e da proteção à fauna A Carta Magna de 1988 em seu artigo 225 impõe a todos o dever de proteger os animais contra a crueldade princípio que deve irradiar efeitos também sobre o Direito Civil e de Família Desse modo a viabilidade do reconhecimento da família multiespécie repousa na interpretação sistemática e principiológica do ordenamento jurídico especialmente à luz do valor da afetividade como elemento legitimador das relações familiares contemporâneas A transição paradigmática do antropocentrismo para o biocentrismo é portanto inevitável Se outrora o Direito enxergava os animais como instrumentos da vontade humana hoje precisa reconhecêlos como seres com valor intrínseco e sensibilidade A sociedade ao atribuir aos animais papéis afetivos e familiares redefine os próprios limites do que se entende por família impondo ao Estado e à doutrina jurídica o dever de acompanhar essa 19 transformação Como ensina Severino 2000 p 67 a pesquisa científica cumpre seu papel social quando é capaz de interpretar as mudanças da realidade e oferecer respostas éticas e adequadas às novas demandas coletivas Assim o reconhecimento da família multiespécie não é apenas uma questão de adequação legislativa mas um imperativo ético social e jurídico que visa harmonizar o Direito com as formas contemporâneas de amar cuidar e conviver 31 A ampla recorrência de animais pets para constituição de uma nova família brasileira A relação entre seres humanos e animais domésticos é um fenômeno social que ultrapassa as fronteiras temporais da modernidade Desde a Antiguidade o convívio entre ambos se estabeleceu ainda que inicialmente marcado por uma lógica utilitarista e instrumental em que os animais eram vistos como meras ferramentas de trabalho ou fontes de alimento Com a evolução das estruturas sociais e afetivas esse vínculo foi se ressignificando passando a incorporar dimensões emocionais éticas e simbólicas de modo que na contemporaneidade muitos animais deixaram de ocupar o lugar de objetos para assumirem o papel de membros efetivos das famílias humanas BITTAR 2017 Essa mudança reflete transformações profundas no modo como a sociedade compreende o afeto a convivência e o próprio conceito de família A consolidação dessa nova forma de interação entre humanos e animais ocorre em um contexto de alterações significativas nas dinâmicas familiares Ao longo do século XX sobretudo com o avanço das políticas de controle de natalidade a urbanização crescente e a inserção da mulher no mercado de trabalho observouse a redução do número de filhos e o encolhimento das famílias tradicionais SEVERINO 2000 O modelo de família extensa composto por numerosos membros cedeu espaço a arranjos familiares menores nos quais os animais de estimação passaram a preencher um espaço afetivo anteriormente ocupado por filhos sobrinhos e netos Nesse sentido Oliveira 2006 observa que Devido à instabilidade dos casamentos o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu aparecendo o cão como mediador entre o casal muitas vezes no lugar da criança A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos OLIVEIRA 2006 p 45 20 Essa constatação revela a centralidade que os pets assumem no contexto das relações humanas servindo como mediadores afetivos e simbólicos em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela fragilidade dos vínculos sociais Assim o conceito tradicional de família passa por uma ampliação conceitual que não mais se restringe aos laços de consanguinidade ou casamento mas incorpora o afeto como princípio estruturante De acordo com Lôbo 2009 a família é uma instituição dinâmica construída tanto por vínculos biológicos e jurídicos quanto por laços afetivos sendo este último o que caracteriza de forma mais evidente a família multiespécie Com base nessa perspectiva os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2013 evidenciam que o Brasil já possuía à época cerca de 52 milhões de cães 22 milhões de gatos e outros milhões de aves e peixes número superior à quantidade de crianças de até 12 anos nos lares brasileiros Essa inversão demográfica indica uma substituição simbólica dos filhos pelos animais domésticos fenômeno interpretado por França e Costa 2019 como expressão de uma nova afetividade na qual os animais passam a ser vistos como verdadeiros membros da família com valor emocional e moral equiparado ao dos humanos FRANÇA COSTA 2019 p 130 O Censo Pet do Instituto Pet Brasil 2021 reforça essa tendência ao apontar um crescimento de 6 na população de felinos e 4 na de cães entre 2020 e 2021 totalizando 1496 milhões de animais de estimação no país INSTITUTO PET BRASIL 2021 Esses números aliados à crescente humanização dos pets revelam uma transformação cultural na qual o animal doméstico ocupa papel central no núcleo familiar configurando o que a doutrina e os legisladores vêm reconhecendo como família multiespécie A ampliação do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um processo histórico de reconhecimento da afetividade como elemento jurídico relevante Diniz 2008 destaca que a família em sentido amplo abrange não apenas os cônjuges e descendentes mas todos os indivíduos unidos por relações de afeto e solidariedade Nesse contexto o reconhecimento jurídico dos animais como sujeitos de direitos representa um avanço ético e legal O Decreto n 246451934 foi o primeiro diploma normativo a tratar da proteção animal prevendo que constituía maustratos qualquer ato de crueldade privação ou sofrimento imposto aos animais O texto do decreto em uma passagem paradigmática dispunha Considerase maustratos a prática de ato de abuso ou crueldade em qualquer animal a manutenção de animais em lugares antihigiênicos ou que lhes impeçam a respiração o movimento ou o descanso ou os privem de ar ou luz o ato de obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte 21 em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes pudessem exigir senão com castigo BRASIL 1934 Embora revogado o decreto serviu de base para legislações posteriores como a Lei n 96051998 que passou a tipificar os maustratos como crime ambiental punível com detenção e multa BRASIL 1998 A Constituição Federal de 1988 por sua vez consolidou o dever de proteção aos animais ao estabelecer no art 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações BRASIL 1988 p 123 Em 1978 a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela UNESCO também reafirmou o princípio da dignidade animal estabelecendo em seu preâmbulo que todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência UNESCO 1978 p 2 Tais dispositivos e documentos refletem uma crescente preocupação internacional com o reconhecimento ético e jurídico da vida animal pavimentando o caminho para o surgimento de conceitos mais inclusivos como o de família multiespécie No campo legislativo o Brasil vem avançando de forma gradual no reconhecimento jurídico dos animais não humanos e na consolidação da noção de família multiespécie O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado federal Ricardo Izar PSDSP representa um marco nesse processo ao propor a criação de um regime jurídico especial para os animais reconhecendoos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis BRASIL 2018 O projeto foi aprovado no Senado Federal em 7 de agosto de 2019 sob relatoria do senador Randolfe Rodrigues RedeAP e tem por objetivo romper com o paradigma civilista que enquadra os animais como bens móveis conforme o artigo 82 do Código Civil BRASIL 2002 incluindo na Lei de Crimes Ambientais Lei nº 96051998 dispositivo que veda o tratamento dos animais como coisas De acordo com o texto aprovado os animais passam a ser reconhecidos como seres sencientes isto é dotados de natureza biológica e emocional capazes de sentir dor e sofrimento A nova redação estabelece que os animais não poderão mais ser considerados objetos devendo portanto ser protegidos por um regime jurídico específico que garanta sua tutela jurisdicional em caso de violação de direitos BRASIL 2019 Essa proposta segundo o relator Randolfe Rodrigues representa um avanço civilizacional pois reconhece o que a ciência e a ética já afirmam que os animais sentem dor e emoções e por isso não podem ser tratados como objetos como uma caneta ou um copo BRASIL 2019 p 3 22 A iniciativa contudo gerou intensos debates legislativos e doutrinários Segundo o Resumo Executivo da Frente Parlamentar da Agropecuária FPA o projeto suscita preocupações relacionadas à segurança jurídica e à aplicabilidade prática das normas sob o argumento de que a criação de uma categoria jurídica sui generis para os animais seria vaga e de difícil interpretação O documento destaca que O PL causa insegurança jurídica por criar uma grande área cinzenta no tocante aos direitos animais sendo que o direito deve servir justamente como instrumento de pacificação das relações sociais e não para tumultuálas Definir que os animais não humanos possuem natureza sui generis é dar carta branca ao intérprete da lei trazendo subjetividade ao texto legal o que servirá apenas para embaralhar a ordem vigente e trazer insegurança jurídica e instabilidade social FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 p 2 Os críticos afirmam que a vedação do tratamento dos animais como coisas poderia impactar negativamente setores como a agropecuária o comércio de proteína animal a pesquisa científica e até o controle sanitário o que exigiria um debate mais aprofundado sobre os efeitos econômicos e sociais da proposta Argumentase ainda que a legislação brasileira já oferece mecanismos suficientes para a proteção dos direitos animais por meio da Lei de Crimes Ambientais e de outros dispositivos constitucionais tornando o projeto redundante FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA 2018 Em contraposição a essas críticas o senador Randolfe Rodrigues sustentou durante a tramitação que o projeto não interfere nas práticas culturais registradas como patrimônio imaterial como a vaquejada nem prejudica o setor agropecuário uma vez que a matéria apenas eleva o tratamento jurídico dos animais reconhecendo sua condição de seres sencientes sem alterar hábitos alimentares ou práticas econômicas BRASIL 2019 p 4 Essa posição foi compartilhada por outros parlamentares como os senadores Rodrigo Pacheco DEMMG e Antonio Anastasia PSDBMG que consideraram o texto um avanço no campo jurídico e moral um gesto de humanidade e civilidade diante das demais espécies BRASIL 2019 p 5 O debate em torno do PLC nº 272018 evidencia portanto a tensão entre o progresso ético do reconhecimento dos animais como sujeitos de direito e as preocupações econômicas e jurídicas decorrentes dessa mudança paradigmática A resistência à proposta revela a persistência de uma visão antropocêntrica e patrimonialista que ainda enxerga os animais sob a ótica da utilidade e do domínio humano Apesar das divergências a aprovação do projeto no Senado foi celebrada como um marco civilizatório que reposiciona o ser humano na escala das relações interespécies e amplia a noção de dignidade para além da esfera humana 23 Na esteira desse avanço o Projeto de Lei nº 1792023 reforça e aprofunda a perspectiva inaugurada pelo PLC 272018 ao propor o reconhecimento jurídico da família multiespécie como entidade familiar no ordenamento brasileiro BRASIL 2023 O texto define a família multiespécie como o núcleo humano que compartilha a convivência com animais domésticos reconhecendo o papel afetivo e simbólico desses vínculos e assegurando aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais morais e existenciais BRASIL 2023 O projeto também inova ao prever a constituição de um patrimônio específico em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores e determina que em caso de falecimento do animal os bens destinados a ele sejam revertidos a outros pets da mesma família ou a fundos de proteção animal De forma expressiva o texto do projeto reconhece que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 Assim observase que o reconhecimento da família multiespécie no Brasil transcende o campo simbólico e se materializa em iniciativas legislativas concretas que refletem uma nova ética relacional baseada no respeito na empatia e na corresponsabilidade entre espécies Essa transformação indica uma ampliação do próprio conceito de dignidade antes restrito à pessoa humana para incluir os animais como sujeitos morais e jurídicos dignos de consideração Ao alinharse a tendências internacionais como as verificadas em países como França Portugal Espanha e Nova Zelândia o ordenamento jurídico brasileiro caminha para a consolidação de uma concepção mais ampla de justiça e cidadania na qual a afetividade o cuidado e o respeito à vida animal tornamse fundamentos legítimos da convivência social Tratase portanto de um avanço jurídico e civilizacional que amplia os horizontes éticos do Direito e reafirma o papel da afetividade como vetor essencial para a formação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e solidária 32 Da ampliação do conceito de família para efetivação da família multiespécie A definição de família é um dos temas mais complexos do Direito Civil contemporâneo pois não se trata de um conceito fixo e universal mas de uma construção histórica e cultural que acompanha a evolução da sociedade O que se entende por família em determinado tempo e espaço social não necessariamente corresponde à realidade de outro 24 momento histórico Assim o conceito familiar se revela dinâmico moldandose conforme os valores crenças e transformações socioculturais que permeiam cada geração FARIAS ROSENVALD 2017 Desse modo a estrutura familiar tradicional baseada na união entre homem mulher e filhos vem sendo substituída por uma multiplicidade de novos arranjos refletindo a pluralidade das formas de convivência e de afeto contemporâneas Essa mudança demonstra que o núcleo familiar deixou de ter como finalidade exclusiva a reprodução biológica ou a formalização jurídica passando a se pautar sobretudo pela solidariedade pelo cuidado mútuo e pelo amor Nesse sentido Farias e Rosenvald 2017 p 98 afirmam que O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano regido o núcleo familiar pelo afeto como mola propulsora O afeto portanto emerge como o elemento nuclear e estruturante das relações familiares na atualidade assumindo papel central na formação das novas entidades familiares A família moderna é regida pelo princípio da afetividade que se associa à busca pela felicidade e realização pessoal de seus integrantes superando a rigidez dos modelos patriarcais e hierarquizados Para Dias 2016 p 54 o novo modelo da família fundase sobre os pilares da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito das famílias A partir dessa evolução conceitual o afeto também passou a estenderse além das relações humanas alcançando os vínculos entre pessoas e animais de estimação Essa transformação reflete uma nova sensibilidade jurídica e social que reconhece nos laços interespécies um componente legítimo de convivência familiar Como destaca o Superior Tribunal de Justiça STJ 2019 essa relação é caracterizada por ser dinâmica e mutuamente benéfica entre pessoas e outros animais influenciada pelos comportamentos essenciais para a saúde e bemestar de ambos STJ REsp 1713167SP 2019 Com isso a noção de família expandese para abarcar a chamada família multiespécie em que humanos e animais convivem sob um mesmo teto e compartilham afetos responsabilidades e rotinas Essa convivência extrapola inclusive o espaço doméstico há famílias multiespécies compostas por vizinhos condomínios inteiros e até comunidades que se unem em torno do cuidado coletivo de animais os chamados núcleos familiares multiespécies comunitários LEITE et al 2015 Essa ampliação é impulsionada pela afetividade que permeia o vínculo humano animal uma relação baseada na estima na afetividade no apreço no amor na ternura na 25 afeição no carinho na benquerença LEITE et al 2015 p 12 Em muitos casos essa ligação não se restringe a um único tutor mas envolve diversos indivíduos que compartilham os cuidados de um mesmo animal como ocorre com aqueles acolhidos coletivamente por moradores de um bairro ou comunidade Essa dinâmica revela que os vínculos afetivos com os animais transcendem a propriedade individual e se projetam sobre a esfera comunitária configurando novas formas de sociabilidade e de família Entretanto o ordenamento jurídico brasileiro ainda enfrenta dificuldades para acompanhar essa transformação Como observa Simão 2017 p 899 os animais são coisas e como tal são objeto de propriedade podendo ser doados vendidos e utilizados para consumo para tração etc Essa concepção fundada no paradigma civilista da coisa mostra se anacrônica diante das evidências científicas e filosóficas que reconhecem a senciência animal a capacidade de sentir dor prazer e emoções exigindo uma reinterpretação da relação entre humanos e não humanos sob uma ótica ética e jurídica mais inclusiva No campo legislativo essa mudança de paradigma tem se materializado em propostas concretas O Projeto de Lei nº 272018 de autoria do deputado Ricardo Izar PSDSP propôs o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de direitos despersonificados dotados de natureza jurídica sui generis o que impede seu enquadramento como simples bens móveis BRASIL 2018 O texto relatado no Senado pelo senador Randolfe Rodrigues foi aprovado pela Casa em 2019 e estabeleceu um marco importante ao afirmar que os animais são seres sencientes capazes de sentir dor e emoções devendo portanto ser protegidos por leis especiais BRASIL 2019 Embora tenha enfrentado resistência de setores ligados à agropecuária que alegaram risco de insegurança jurídica e impacto econômico FPA 2018 o projeto consolidou o reconhecimento jurídico da sensibilidade animal e a vedação expressa ao seu tratamento como coisa Avançando nessa direção o Projeto de Lei nº 1792023 buscou reconhecer oficialmente a família multiespécie como entidade familiar definindoa como o núcleo humano que compartilha convivência e afeto com animais domésticos O texto propõe assegurar aos animais o direito de acesso à Justiça por meio de seus tutores ou do Ministério Público para defesa e reparação de danos materiais existenciais e morais bem como prevê a criação de um patrimônio em benefício dos animais administrado judicialmente pelos tutores Em caso de falecimento do pet os bens destinados a ele seriam revertidos a outros animais da mesma família multiespécie ou a fundos de proteção animal BRASIL 2023 Ao reconhecer a afetividade como fundamento das relações multiespécies o projeto afirma que a paternidade nas famílias multiespécies é afetiva e a afetividade é protegida pelo ordenamento 26 jurídico brasileiro BRASIL 2023 p 4 reforçando a centralidade do afeto como elemento estruturante da proteção jurídica contemporânea Tais movimentos inserem o Brasil em um contexto global de revisão do estatuto jurídico dos animais semelhante ao de países como Áustria Alemanha e Suíça que já afirmaram em seus Códigos Civis que os animais não são coisas assegurando inclusive reparações pelo valor de afeição em casos de morte ou ferimento GODINHO PINHEIRO 2010 No cenário nacional o aumento das famílias multiespécies e o consequente crescimento de disputas judiciais relativas à guarda e ao bemestar dos pets têm impulsionado o Judiciário a reconhecer os animais como integrantes do núcleo familiar e não como meros objetos partilháveis CAIXÊTA JÚNIOR AMARAL VIEIRA 2023 Assim o reconhecimento jurídico da família multiespécie transcende o campo simbólico e se materializa em políticas públicas projetos de lei e transformações jurisprudenciais refletindo uma nova ética relacional A afetividade antes circunscrita ao convívio humano expandese para abranger os vínculos com os animais que passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos dignos de proteção e respeito A efetivação dessa concepção representa não apenas um avanço social mas um marco jurídico e civilizatório que reposiciona o ser humano em relação às demais espécies promovendo uma convivência mais solidária empática e humanizada no seio da sociedade contemporânea 33 Projeto de Lei nº 4 de 2025 e a senciência dos animais A discussão acerca da senciência dos animais e sua consequente proteção jurídica tem ocupado espaço crescente no cenário legislativo e acadêmico brasileiro A consolidação desse debate materializouse com a apresentação do Projeto de Lei nº 4 de 2025 de autoria do senador Rodrigo Pacheco que propõe alterações significativas no Código Civil reconhecendo os animais não mais como meras coisas mas como seres vivos sencientes Essa iniciativa representa um marco histórico pois reflete a maturidade de um ordenamento jurídico que passa a enxergar os animais sob a ótica ética ecológica e afetiva em consonância com o avanço do pensamento jurídico contemporâneo PACHECO 2025 FIÚZA GONTIJO 2014 De acordo com o texto protocolado no Senado Federal o projeto inaugura um novo dispositivo no Código Civil o artigo 91A que dispõe 27 Art 91A Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria em virtude da sua natureza especial 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais 2º Até que sobrevenha lei especial são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas aos bens desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza considerando a sua sensibilidade PACHECO 2025 sp A redação proposta inaugura uma nova era na relação entre humanos e animais estabelecendo um marco jurídico e moral que rompe com séculos de visão antropocêntrica e patrimonialista A inclusão da senciência como fundamento normativo confere aos animais reconhecimento moral e jurídico e não apenas proteção indireta Esse movimento legislativo também confere maior segurança às relações familiares e afetivas que envolvem animais de estimação refletindo diretamente no reconhecimento das chamadas famílias multiespécie cuja consolidação tem sido objeto de estudos recentes no campo do direito civil e da ética BITTENCOURT FERNANDES QUEIROZ 2023 PEREIRA 2024 A proposta ainda reforça o compromisso estatal com o bemestar animal ao prever a elaboração de uma lei especial que regulamente o tratamento físico e ético desses seres Tal previsão demonstra a preocupação em garantir um aparato normativo específico e detalhado capaz de consolidar a tutela jurídica dos animais sob uma perspectiva de respeito à sua natureza sensível O caráter subsidiário do regime jurídico dos bens conforme previsto no 2º do artigo 91A é um avanço que preserva a aplicabilidade prática das normas enquanto não sobrevier legislação específica evitando lacunas jurídicas que possam comprometer a efetividade da proteção PACHECO 2025 Em análise crítica Édis Milaré 2024 apud PEREIRA 2024 observa que essa transição paradigmática de tratar os animais como objetos de direito para reconhecêlos como seres sencientes representa um passo civilizatório para o ordenamento jurídico brasileiro Segundo o autor a evolução normativa projetada pelo Projeto de Lei nº 4 de 2025 tem o potencial de posicionar o Brasil como referência internacional na tutela animal sobretudo por alinharse aos princípios constitucionais da dignidade da solidariedade e da ética ambiental Essa percepção é corroborada pela teoria da responsabilidade formulada por Hans Jonas 2006 para quem o agir humano deve pautarse pela preservação e pelo respeito à vida em todas as suas formas reconhecendo a interdependência entre as espécies e os deveres éticos decorrentes dessa coexistência A institucionalização da senciência animal no ordenamento jurídico brasileiro também atende às diretrizes constitucionais que consagram a proteção da fauna e vedam práticas que submetam os animais à crueldade conforme o artigo 225 1º inciso VII da Constituição 28 Federal de 1988 BRASIL 1988 Assim o novo dispositivo do Código Civil dialoga diretamente com o princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado consolidando um sistema de tutela que reconhece o valor intrínseco dos animais e estabelece a base para políticas públicas de bemestar e dignidade animal Como defende Simão 2017 o reconhecimento da natureza jurídica sui generis dos animais é um passo indispensável para a construção de um regime jurídico coerente com a sua condição de seres sencientes superando a tradicional visão utilitarista e instrumental Nesse contexto o reconhecimento legal da senciência dos animais inserese no movimento mais amplo de humanização do direito civil e de ampliação da concepção de sujeito de direito Tal avanço não apenas redefine o estatuto jurídico dos animais mas também amplia o horizonte da justiça interespécies permitindo que o direito acompanhe a complexidade das novas configurações afetivas e sociais do século XXI O Projeto de Lei nº 4 de 2025 configurase assim como um instrumento essencial para a evolução normativa do país pois traduz em texto legal o que a sociedade já reconhece no campo ético e emocional os animais são seres dotados de sensibilidade capazes de sentir dor prazer e afeto e portanto merecedores de tutela jurídica própria O dispositivo proposto no artigo 91A é portanto mais que uma atualização legislativa é o reflexo de uma transformação cultural e jurídica em direção à valorização da vida em todas as suas formas A positivação da senciência animal no Código Civil representa a concretização de um ideal éticojurídico de coexistência um reconhecimento de que o progresso humano não pode mais ser medido apenas em termos de domínio sobre a natureza mas também pela capacidade de respeitar e proteger os outros seres que compartilham o planeta 29 4 DECISÕES JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIE A ausência de legislação específica sobre as famílias multiespécie gera um cenário de insegurança jurídica no país uma vez que as decisões judiciais sobre o tema variam conforme o entendimento de cada magistrado As controvérsias mais recorrentes envolvem questões relacionadas à guarda e à convivência com animais de estimação temas que têm sido interpretados por analogia com o direito de família humano DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Como observam os autores supracitados O desenvolvimento embrionário deste conceito foi fundamental para o surgimento de projetos de lei que tentam readaptar as legislações de tal forma a tentar amparar o poder judiciário a quem não resta escolha senão a aplicação de outros dispositivos por analogia costumes e pelo princípio do livre convencimento motivado do magistrado Isto resulta em uma crescente onda de julgados que ora mantém o animal de estimação em seu patamar de coisa e ora o enaltece com características do direito de guarda DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 p 106 Essas decisões refletem o avanço da jurisprudência brasileira em reconhecer os animais domésticos não mais como simples bens semoventes mas como sujeitos de consideração moral e afetiva Na prática o Poder Judiciário tem recorrido à analogia com o instituto da guarda compartilhada de filhos aplicandoo aos casos de disputa por animais com base no vínculo emocional estabelecido entre as partes e seus pets AMARAL DE LUCA 2015 apud DIOGO GILBERTO PIRANI 2021 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRJ ilustra de forma exemplar essa tendência Em recente decisão foi julgado um conflito de competência entre varas cível e de família envolvendo a guarda compartilhada de um animal de estimação No voto vencedor reconheceuse que a questão ultrapassava o campo do direito das coisas ingressando na esfera do direito de família O acórdão registrou Com a evolução da sociedade diferenciase os animais das coisas notadamente pelo aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação O regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver de forma satisfatória a disputa familiar envolvendo os pets visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade Não há dúvidas de que a questão tratada nos autos principais vai além da propriedade do animal perpassando pelo vínculo afetivo existente entre o animal e os ex companheiros o estabelecimento de custódia com direitos e deveres e eventualmente o direito à convivência com regime de visitação tratandose pois de matéria de família TJRJ Conflito de Competência nº 00939510920248190000 Rel Des Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues julgado em 28 nov 2024 30 Tal decisão reconhece a necessidade de o tema ser tratado no âmbito do direito de família e não mais sob o prisma patrimonial Isso representa um avanço relevante no reconhecimento das famílias multiespécie como entidades legítimas no contexto jurídico brasileiro Outro caso paradigmático foi apreciado também pelo TJRJ em sede de agravo de instrumento no qual se discutia a custódia compartilhada de uma cadela chamada Flora O tribunal manteve a decisão de primeiro grau que havia concedido a guarda compartilhada fundamentandose na impossibilidade de o juiz negar a apreciação de um pedido sob a justificativa de ausência de norma específica Assim afirmouse a aplicação da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito conforme dispõe o art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Família multiespécie Aplicação do enunciado nº 11 do IBDFAM que garante a possibilidade de o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal Entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema exarado no julgamento do REsp 1713167SP Rompimento do vínculo conjugal que não rompe o vínculo afetivo com o pet Documentos juntados aos autos demonstram de forma clara o afeto entre o autoragravado e a Flora TJRJ Agravo de Instrumento nº 00328345120238190000 Rel Des Nádia Maria de Souza Freijanes julgado em 29 jun 2023 Esse entendimento reafirma que mesmo diante da omissão legislativa o direito à convivência e ao cuidado com os animais de estimação pode e deve ser garantido com base no afeto e na dignidade O Enunciado nº 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM 2022 ao dispor que a ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal consolida a tendência doutrinária e jurisprudencial de enquadrar tais questões no âmbito do direito familiar Dessa forma o reconhecimento das famílias multiespécie emerge não apenas como um fenômeno social mas como uma evolução necessária do ordenamento jurídico que deve acompanhar as transformações éticas e afetivas da sociedade contemporânea 31 CONCLUSÃO O exame realizado ao longo deste trabalho permitiu constatar que o legado com encargo configura um instrumento juridicamente viável e eticamente recomendável para assegurar a proteção sucessória dos animais de estimação no ordenamento jurídico brasileiro A análise demonstrou que embora o Código Civil de 2002 não reconheça aos animais capacidade sucessória direta por lhes faltar personalidade jurídica o ordenamento disponibiliza mecanismos indiretos para concretizar a vontade do testador em prover o bem estar de seus companheiros não humanos após o seu falecimento A evolução do conceito de família com o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial das famílias multiespécies representa um marco transformador na compreensão dos vínculos afetivos que unem humanos e animais Esta nova realidade social aliada ao reconhecimento científico e legal da senciência animal consubstanciado em propostas legislativas como o Projeto de Lei nº 42025 impele o Direito a superar a visão antropocêntrica e patrimonialista que historicamente relegou os animais à condição de meros bens móveis O afeto erigido a princípio estruturante das relações familiares contemporâneas revelase como fundamento válido para justificar a tutela jurídica especial desses seres O legado com encargo surge nesse contexto como uma solução de harmonia entre a rigidez do sistema sucessório e as novas demandas afetivas da sociedade Ao impor ao legatário ou herdeiro o dever específico de cuidar do animal este instituto viabiliza a destinação de recursos patrimoniais para a manutenção do pet respeitando os limites legais da capacidade sucessória mas sem descurar do imperativo ético de proteção A jurisprudência ao aplicar por analogia os princípios do direito de família às disputas envolvendo animais já sinaliza a aptidão do Judiciário em acolher tal solução privilegiando o melhor interesse do animal e a preservação dos vínculos afetivos Concluise portanto que a viabilidade do legado com encargo no planejamento sucessório dos animais de estimação é plena representando uma aplicação criativa e coerente de um instituto clássico do Direito Civil às complexidades da vida moderna A sua utilização lastreada na autonomia privada e nos princípios da dignidade da solidariedade e da função social da propriedade não apenas atende a anseios legítimos dos tutores mas também contribui para a construção de um ordenamento jurídico mais compassivo e alinhado com os valores de uma sociedade que reconhece progressivamente o lugar dos animais não humanos no seio de suas estruturas afetivas e familiares 32 REFERENCIAS BELCHIOR G P N DUARTE N G Família multiespécie guarda de animais domésticos e seu status jurídico Themis Revista da Esmec S l v 19 n 2 p 293312 2022 DOI 1056256themisv19i2772 Disponível em httpsrevistathemistjcejusbrTHEMISarticleview772 Acesso em 1 nov 2025 BESERRA Vitoria Alves FELIX Marcel Carlos Lopes NAPOLIS Isabelle Lopes A afetividade como fundamento para a alteração do status jurídico e o consequente reconhecimento dos animais não humanos domésticos e domesticados como membros da família multiespécie no Brasil In CONPEDI 2025 S l Anais Disponível em 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