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Volume 1 O SÉCULO XX O TEMPO DAS CERTEZAS Da formação do capitalismo à Primeira Grande Guerra ORGANIZAÇÃO DE Daniel Aarão Reis Filho Jorge Ferreira e Celeste Zenha Daniel Aarão Reis Filho Jorge Ferreira Celeste Zenha organizadores O século XX Volume I O tempo das certezas Da formação do capitalismo à Primeira Grande Guerra 4ª edição CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Rio de Janeiro 2009 MOTTA Márcia M M A Primeira Guerra Mundial In REIS FILHO Daniel A FERREIRA Jorge ZENHA Celeste O Século XX o tempo das certezas v 1 4ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 pp 231251 A Primeira Grande Guerra Márcia Maria Menendes Motta Professora Adjunta de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense AS POTÊNCIAS EM CONFLITO E A GUERRA A Primeira Guerra Mundial envolveu vários países mas representou principalmente o confronto entre quatro potências França Inglaterra Rússia por um lado e a Alemanha do outro Para compreender as razões da eclosão deste primeiro conflito mundial é preciso ter em mente que ele foi uma guerra imperialista onde as rivalidades políticas expressavam a competição econômica das potências em conflito As principais nações envolvidas eram diferentes entre si mas apesar disso as transformações ocorridas na Europa durante a segunda metade do século XVIII e por todo o século XIX caracterizadas pelo aparecimento do capitalismo industrial só podem ser entendidas em seu conjunto As diferenças entre países refletiam os problemas criados pela industrialização e a conseqüente competição por mercados e capitais Em suma o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade entre os Estados à expansão imperialista ao conflito e à guerra Hobsbawm 1995 p 437 Comecemos pela Inglaterra a primeira nação industrial do mundo de então Em fins do século XVIII a Inglaterra tinha dado início à Revolução Industrial Através da utilização da máquina a vapor e da indústria têxtil os ingleses iniciaram um processo de modificação das formas de produzir que alteraria a sociedade em todos os seus aspectos Além disso o processo de fechamento dos campos havia liberado grande parte da população camponesa que expulsa do campo foi para a cidade em busca de emprego A aceleração do crescimento econômico inglês se beneficiava da existência de um amplo e consolidado mercado interno Além disso havia um importante comércio ultramarino sendo a Inglaterra considerada como a senhora dos mares Tal comércio era favorecido pelo papel de seu governo no processo da conquista de mercados através da guerra e da colonização 233 O SÉCULO XX No entanto na primeira década do século XX aquele país pagava o preço por seu pioneirismo O surgimento de outros países industriais colocou um limite à expansão da indústria britânica A experiência inglesa servia como modelo para os novos países industriais Isso não quer dizer que eles imitavam passo a passo o que havia ocorrido com a Inglaterra Isso sabemos era impossível Eles não precisavam passar por todos os estágios podiam queimar etapas pois à luz da realidade britânica acumulavam um maior conhecimento acerca do processo industrial Assim ameaçada pelo crescimento econômico das outras potências a Inglaterra tinha naquela época equipamentos e tecnologias obsoletos em comparação principalmente com a forte indústria alemã Vejamos então a experiência alemã Em menos de uma geração a Alemanha transformouse de um conjunto de estados economicamente atrasados num país unificado e forte Impulsionada pela indústria pesada com uma base tecnológica muito avançada a Alemanha adquiriu o status de potência em poucos anos Sem romper as estruturas políticas mais arcaicas da sociedade o Estado alemão apoiavase no poder dos grandes proprietários de terra e impulsionava sua industrialização que tinha como característica uma forte associação entre a indústria e os bancos O estímulo à construção de estradas de ferro ajudou a consolidar o mercado interno ao mesmo tempo que fortaleceu sua industrialização O processo de industrialização alemão foi resultado de um planejamento cuidadoso Para responder à forte concorrência britânica o Estado alemão estimulou a formação de cartéis favorecendo a generalização de grandes conglomerados industriais capazes de concorrer nos mercados nacional e internacional Além disso desde cedo o Estado percebeu que sua desvantagem econômica poderia ser superada através da educação Assim ao patrocinar e estimular um sistema de educação técnica e científica direcionada à industrialização avançada o Estado formou em poucos anos uma nova geração de homens científica e tecnicamente qualificados preparados para acabar rapidamente com a inferioridade alemã na indústria e para assegurar o primeiro lugar à Alemanha nas indústrias dependentes da ciência que se estavam a tornar cada vez mais importantes Kemp sd p 122 A França era a outra potência Sua industrialização havia seguido um curso diverso do da Inglaterra e possuía características surpreendentes No início do século XIX a França tinha uma economia ainda dominada pelo setor agrário A maior parte da população francesa vivia no campo Neste sentido o mercado interno era pouco desenvolvido pois os camponeses só 234 A PRIMEIRA GRANDE GUERRA esporadicamente compravam algum produto industrial As poucas indústrias existentes atendiam a uma pequena parcela da população que vivia nas cidades Além disso a concorrência dos produtos ingleses desestimulava os investimentos que pretendessem rivalizar com eles Assim ao contrário das indústrias têxteis inglesas os franceses desde o início concentraram suas indústrias nos produtos de qualidade aproveitando o fato de que a cultura francesa era àquela época sinônimo de beleza e bom gosto Com o auxílio do Estado e com o apoio do capital inglês foram construídas estradas de ferro que permitiram a consolidação do mercado nacional encorajando o investimento na indústria em larga escala e a sua concentração em locais mais favoráveis Kemp sd Apesar dos avanços porém a França era ainda um país atrasado se comparado à Inglaterra e particularmente à Alemanha Para alguns autores a razão desse atraso talvez fosse decorrência do fato de que a industrialização francesa tenha sido um fator de menor ruptura social na medida em que preservou por exemplo a sociedade camponesa A quarta e última potência era a Rússia Sua força não estava na indústria De certa forma ela era um gigante com pés de barro Havia de fato um setor industrial eficiente e tecnologicamente avançado mas este setor era uma ilha num país de camponeses pois cerca de 79 da população russa eram ainda compostos de pessoas que viviam no campo Portanto um país de imensos contrastes onde o que havia então de mais moderno em termos industriais convivia com sociedades agrárias miseráveis Se podemos falar de que havia um processo industrial em curso na Rússia não podemos nos esquecer de que tal industrialização era dependente de capital estrangeiro Às vésperas da Primeira Guerra Mundial o capital internacional controlava cerca de 72 dos investimentos diretos no setor metalomecânico e investia fortemente na indústria têxtil até então reservada ao investimento de capitalistas russos Reis Filho 1987 p 14 A Rússia era em suma uma potência em número de habitantes O mais populoso dos países europeus era dominado por um Estado militarizado e autoritário que procurava atuar como intermediário entre o capital internacional e a indústria Cabia a esse Estado a responsabilidade de assegurar a ordem e a paz social tentando impedir as revoltas dos operários e camponeses contra a miséria que então assolava o país A Primeira Guerra só faria crescer a miséria e a desorganização econômica trazendo à luz a fragilidade da industrialização desse país 235 O SÉCULO XX A descoberta de novas fontes de energia de novos remédios e de novas tecnologias fortalecia a crença na inesgotável capacidade humana de inventar de criar novos produtos dando a ilusão de que se estava vivendo um período áureo da humanidade Era a Belle Époque conhecida pelo seu otimismo pela certeza de uma estabilidade e paz duradouras Mas na verdade o desenvolvimento econômico daqueles quatro países Inglaterra Alemanha França e Rússia acentuava a hipótese de conflitos Os esforços da industrialização e a competição desenfreada tendiam a recriar antigas rivalidades Nesse sentido a deflagração de uma guerra entre duas ou mais potências era uma realidade possível Não era à toa que a indústria bélica via aumentar os seus recursos incentivandose a criação de novas tecnologias para a morte Um período de Paz Armada pois além das novas armas foi adotado em quase todos os países o serviço militar obrigatório A obrigação do jovem em prestar serviço militar tinha por si só efeitos sociais bastante significativos pois fazia crescer a influência do exército na sociedade e na política de seus países a disciplina dos quartéis tornavase um exemplo a ser seguido em outros locais Rodrigues 1985 p 31 Mas nenhum governante acreditava numa guerra longa que pudesse vir a envolver tantas nações O surgimento do sistema de alianças e a formação de blocos atendiam aos interesses de cada país de se defender em relação à ofensiva de um terceiro mas era difícil prever que isso provocaria um efeito dominó ou seja uma vez iniciado o conflito as partes envolvidas num acordo se colocariam na defesa de sua aliança em contraste com as outras De certa forma a idéia de que a guerra seria curta e rápida estava de acordo com a crença na superioridade de um país em relação ao outro Com a industrialização fortaleceuse o nacionalismo dos países o que significou a construção e generalização de um conjunto de tradições que procuravam convencer a população de cada país de sua importância e superioridade na história mundial O passado de cada nação era contado de forma a mostrar sua força e a união de seu povo Desdobravase do nacionalismo a idéia de um inimigo externo outra nação encarado como o responsável pelos problemas vividos pelo país O Estado tinha então um importante papel a cumprir A generalização da educação pública consolidou uma única língua nacional construiu uma única história e para tanto utilizouse de antigas mágoas e rivalidades Era necessário forjar a noção da superioridade de um povo em relação ao outro A PRIMEIRA GRANDE GUERRA e criar em caso de derrotas passadas o desejo da revanche O nacionalismo era assim criado para fortalecer a unidade nacional a obediência de todos os cidadãos aos interesses do país fortalecendo o patriotismo que uma vez testado faria com que milhares de jovens se mostrassem dispostos a defender o seu país numa guerra Não era difícil supor que a rivalidade entre França e Alemanha poderia provocar um conflito Afinal a unificação da Alemanha em 1871 ocorreu no interior da Guerra FrancoPrussiana que significou para a França não somente a derrota como também a perda das regiões da Alsácia e da Lorena ricas em ferro e carvão Não era difícil supor que o rápido desenvolvimento da indústria alemã ameaçava de frente os interesses ingleses e exigia por parte da Inglaterra medidas de contenção ao poder germânico A Alemanha por sua vez via com grande interesse a possibilidade real de se tornar a principal potência européia A expansão imperialista de cada um desses países era um fato por si só explosivo Assim por exemplo a região dos Bálcãs parecia um barril de pólvora envolvendo interesses da Áustria da Rússia e do Império Turco Ali os interesses austríacos esbarravam no desejo de autonomia das minorias étnicas e no avanço russo na região A Alemanha interessada em preservar seus acordos com a Áustria formou então a Tríplice Aliança composta por este país o Império AustroHúngaro e a Itália que mais tarde iria se aproximar de outra aliança Havia ainda o confronto envolvendo a Inglaterra e a França em relação à região do Marrocos O esforço de superar a rivalidade entre eles criou a Entente Cordiale que estabeleceu acordos para a definição das áreas coloniais na África O acordo firmado entre França e Inglaterra acabou por definir uma estratégia contra o avanço alemão uma vez que ambos os países sofriam os resultados diretos ou indiretos da expansão imperialista da Alemanha A Entente Cordiale ainda contaria mais tarde com a participação da Rússia Necessitando dos capitais franceses e ingleses para empreender sua industrialização a Rússia firmou um acordo com as duas potências Além disso o país buscava expandir sua influência em direção aos Bálcãs apoiando a independência dos povos eslavos que então eram dominados pelo Império AustroHúngaro O SÉCULO XX O INÍCIO E A GENERALIZAÇÃO DA GUERRA AS FRENTES DE BATALHA A gota dágua para a eclosão da guerra foi um atentado que levou à morte o príncipe herdeiro do trono austríaco realizado em Sarajevo capital da atual Bósnia então uma província do Império ÁustroHúngaro Estavam ali em disputa dois projetos De um lado a Sérvia país também localizado nos Bálcãs que defendia a formação de uma grande Sérvia capaz de abrigar todos os povos eslavos da região Nesse sentido aproximarase da Rússia De outro lado a ÁustriaHungria com suas ambições imperialistas na região Em 1914 o herdeiro do Império AustroHúngaro prestes a assumir o poder divulgava o seu projeto que se resumia em constituir uma monarquia tripla composta pela Áustria Hungria e pela população eslava Ao chegar em Sarajevo para propagar suas intenções o herdeiro foi morto por uma sociedade secreta a Mão Negra que defendia a incorporação da Bósnia à Grande Sérvia e sua independência ante os interesses austrohúngaros A morte do herdeiro do Império AustroHúngaro tornouse assim o estopim do conflito uma vez que a Áustria apoiada pela Alemanha exigiu a apuração sumária do episódio Ora como isso não foi feito a Austria declarou guerra à Sérvia Para se precaver contra a ofensiva desse império os sérvios procuraram a ajuda dos russos Como um efeito dominó o sistema de alianças transformaria um conflito regional na Primeira Guerra Mundial Colocaramse de um lado e num primeiro momento França Inglaterra e Rússia de outro a Alemanha e a ÁustriaHungria Os interesses alemães ficaram bastante claros logo no início do conflito através da tática conhecida como Plano Schlieffen Formulado por Alfred von Schlieffen o plano partia da crença de que a guerra seria de curta duração Assim preparouse um estudo de operações militares que previa a violação do território belga e do noroeste da França passando a oeste de Paris Segundo as previsões do plano os franceses seriam então derrotados num período máximo de 40 dias Após a derrota francesa os alemães atacariam os russos A ofensiva alemã portanto começou pela Bélgica e pelo noroeste da França e partia do pressuposto da inexorabilidade da vitória alemã desconsiderando assim a capacidade de resistência tanto de belgas quanto de franceses A superioridade inicial do exército alemão fez de fato com que os franceses fossem obrigados a recuar A chegada do exército inglês à Bélgica não impediu as primeiras derrotas dos aliados Tudo indicava que os alemães A PRIMEIRA GRANDE GUERRA estavam corretos em sua previsão Eles estavam tão confiantes no sucesso de seu plano que já em fins de agosto de 1914 as tropas germânicas se deslocavam para a Europa Oriental em direção à Rússia Logo no início da Primeira Guerra Mundial portanto estabeleceramse duas frentes de batalha a ocidental e a oriental Na primeira localizavamse os embates dos exércitos alemães contra as tropas inglesas e francesas já na segunda encontravamse os conflitos que envolviam por um lado alemães è austríacos e pelo outro os russos Apesar da esperança de todos a guerra mostravase cruel ela não seria de curta duração Logo desde os primeiros meses colocouse a questão dos efetivos militares em razão das enormes perdas sofridas no início do conflito O dispêndio de munições superou assim todas as previsões Os Estados então envolvidos na guerra tiveram que se organizar para armar equipar e abastecer os exércitos que apesar das previsões otimistas não voltariam logo para suas casas Crouzet 1968 p 24 Em relação ao confronto com a Rússia na frente leste os alemães perceberam que a situação ali era extremamente delicada Apesar da superioridade germânica do ponto de vista do arsenal militar os russos eram bastante numerosos e naquele momento confiantes em sua responsabilidade de defender o país do tzar No entanto em fins de agosto de 1914 o exército alemão conseguiu uma expressiva vitória na frente oriental na batalha de Tannenberg Em 29 de outubro os russos tiveram ainda que enfrentar mais um novo inimigo com a entrada do Império Turco na guerra Em resposta França GrãBretanha Bélgica e Sérvia declararam guerra àquele país Na frente ocidental ocorreu ainda no ano de 1914 uma das principais batalhas da Primeira Guerra a Batalha do Marne A sua importância resumese no fato de que ela consagrou a derrota do plano alemão e o surgimento da guerra de trincheiras Ali ambos os adversários iriam sentir os efeitos da guerra que dominaria a frente ocidental em quase todo o período do conflito O domínio da artilharia e a incapacidade de vencer decisivamente o inimigo dariam um caráter estático à guerra sem a possibilidade de avanço real de nenhuma das partes envolvidas De temporárias as trincheiras passaram a ser então definitivas Desde o Mar do Norte até Verdun os soldados permaneciam entrincheirados e milhares de homens ali morreram sem que uma das partes alcançasse a vitória Os esforços dos aliados em vencer a guerra impunham a busca de novas estratégias de ataque Assim entre 1915 e 1916 as ofensivas inimigas não O SÉCULO XX conseguiam a vitória definitiva apesar da preparação e do emprego da artilharia pesada Em 23 de maio de 1915 foi a vez da Itália se posicionar em relação ao conflito declarando guerra contra a Áustria Das batalhas que então se seguiram a de Verdun mostrou ao mundo os efeitos arrasadores da guerra quando os alemães tentaram quebrar o poderio francês Os esforços dos aliados em vencer o inimigo deram origem em 1916 ao Plano Joffre Era em suma a decisão de um ataque francoinglês na região do Somme com o objetivo de destruir o avanço germânico Dois acontecimentos importantes ocorreram nos anos de 1915 e 1916 O primeiro foi a chamada Campanha de Gallipoli As forças aliadas desembarcaram na península de Gallipoli e ali encontraram as tropas turcas fortificadas e mais bem equipadas para a guerra de trincheiras do que eles próprios A campanha marcada por atos de heroísmo e cheia de sacrifícios culminou com a derrota aliada e sua retirada em junho de 1916 Como resultado da campanha cabe ressaltar a entrada na guerra da Bulgária ao lado da Alemanha e a ocupação da Sérvia pelos inimigos O segundo ocorreu em setembro de 1916 a chamada ofensiva do Somme quando os tanques inventados pelos britânicos foram empregados pela primeira vez O ano de 1917 seria decisivo para as forças aliadas Em janeiro a Alemanha proclamou o completo bloqueio da GrãBretanha e da França e todas as potências neutras foram avisadas para que retirassem seus navios e vapores dos mares britânicos O bloqueio alemão que significava na prática o afundamento indiscriminado de qualquer navio estrangeiro acabou por impor a entrada dos Estados Unidos na guerra Os Estados Unidos já eram uma potência e mantinham uma posição de neutralidade diante do que então acontecia com os países europeus Assim entre os anos de 1914 e 1917 os americanos não se envolveram no conflito embora mantivessem estreita relação comercial com os Estados aliados vendendolhes alimentos e armas Por conseguinte o bloqueio alemão feria os interesses econômicos americanos uma vez que impedia a manutenção das exportações deste país para os seus parceiros Outro fator acelerou a decisão americana de declarar guerra à Tríplice Aliança a saída da Rússia da guerra A eclosão da Primeira Guerra Mundial foi um ponto de inflexão importante para a vitória da Revolução Russa de 1917 O crescimento da miséria e a desorganização da economia faziam crescer o descontentamento de todos os setores em relação ao Estado O acirramento dos conflitos internos criou as condições para a Revolução de Fevereiro de 1917 que derrubou o czarismo e que após sua queda formou um governo provisório No entanto esse A PRIMEIRA GRANDE GUERRA governo não atendeu aos anseios populares manteve a Rússia na guerra e não foi capaz de diminuir a miséria A crise na indústria a escassez de alimentos e a inflação davam os argumentos necessários para que os bolchevistas conseguissem aumentar sua influência junto ao operariado A síntese das lutas sociais de então pão paz e terra respondia aos apelos dos pobres do campo e da cidade Assim em outubro de 1917 os bolchevistas liderados por Lenin tomaram o poder e um pouco mais tarde com a paz de BrestLitovsk março de 1918 conseguiram retirar a Rússia da guerra Após a saída da Rússia os alemães ampliaram seus esforços na frente ocidental para dar fim ao conflito e conseguiram afinal a vitória Os meses finais de 1917 foram bastante problemáticos para os aliados pois parecia impossível romper a linha germânica e avançar Além disso tanto a Áustria como a Alemanha lançaram uma grande ofensiva no norte da Itália As dificuldades das forças aliadas foram aos poucos sendo sanadas com os reforços americanos cujos exércitos começaram a desembarcar na França No entanto durante os meses de abril e maio de 1918 os alemães ainda castigaram bastante as nações da Entente mas isso teve um preço o exército alemão estava também esgotado Nos meses de junho e julho de 1918 apoiados pela aviação e pela artilharia pesada os aliados começaram a acumular sucessivas vitórias A criação de um comando único em julho em mãos do general francês Foch permitiu uma organização mais racional da ofensiva aliada Um exemplo disso foi a chamada segunda batalha do Marne Em junho os austríacos foram derrotados pelos italianos Logo depois americanos e ingleses conseguiram romper as linhas alemãs e a partir daí estes foram sendo sucessivamente derrotados Em 18 de novembro de 1918 após quatro longos anos de conflitos mortes e sofrimentos para ambos os lados o Estado alemão assinou o armistício Para o povo alemão porém o reconhecimento da derrota significou a aceitação de um tratado marcado por humilhações ao povo e à nação alemães A Primeira Guerra Mundial terminara com a condenação de um único país visto como responsável pelo conflito Mas sabemos que ela expressou de forma cruel a competição das potências e a crença na superioridade de uma em detrimento de outra Ao todo 14 países da Europa entraram no conflito Em 1917 um ano antes do término do conflito apenas a Suíça a Espanha e alguns reinos escandinavos se mantinham neutros Todos os demais foram arrastados a uma campanha cuja intensidade não parava de crescer Rémond sd p 24 O SÉCULO XX AS TÉCNICAS PARA O MASSACRE A morte de milhares de cidadãos franceses alemães russos e ingleses além de outros povos ajudou a consolidar o adjetivo de Grande Guerra para este evento Entre 1914 e 1918 muitos e muitos homens estiveram em longas e cansativas batalhas às vezes entrincheirados lutando em nome de seu país e morrendo por ele A França teve 14 milhão de mortos num período em que a população francesa era de 39 milhões de habitantes A Alemanha perdeu 17 milhão de homens numa população total de 66 milhões Rémond sd p 35 As perdas humanas representaram o fim do sonho de um mundo de paz por parte daqueles que em nome de seus países haviam assumido a responsabilidade de defendêlos Eram em sua grande maioria jovens soldados e por conta disso suas mortes representavam a perda de parte da população economicamente ativa ou seja de pessoas capazes de exercerem várias atividades profissionais Na Inglaterra por exemplo um quarto dos alunos das importantes universidades de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos morreu em combate Hobsbawm 1995 p 33 Mas as mortes desses mesmos homens traziam também à luz uma realidade muito dura para os seus países de origem Muitas mulheres tornaramse com a perda de seus respectivos maridos as viúvas de guerra Antes mesmo de se saberem viúvas elas e outras mulheres haviam ingressado no mercado de trabalho substituindo os homens que estavam nas frentes de batalha nas profissões que até então eram reservadas ao sexo masculino Aprendendo a sobreviver sem a ajuda de seus maridos elas tiveram ainda que aprender a criar sozinhas seus filhos órfãos dos homens que morreram na guerra Estas crianças que muitas vezes nem chegaram a conhecer seus pais ficaram conhecidas como pupilos da nação A morte de milhares de homens foi decorrência direta do fato de estarmos tratando de uma guerra de trincheiras que se tornou nas palavras de um importante historiador uma máquina de massacre provavelmente sem precedentes na história da guerra Hobsbawm 1995 p 33 No princípio a construção de trincheiras era vista como uma medida temporária e tinha como finalidade ser um bom campo de tiro para as armas portáteis No entanto elas se tornaram o palco principal da guerra na medida em que nenhum dos dois lados conseguia avançar Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos das trincheiras em barricadas feitas com sacos de areia Ali conviviam diariamente com ratos e piolhos agentes 242 A PRIMEIRA GRANDE GUERRA transmissores de infintas doenças Sem auxílio médico morriam muitas vezes em razão de enfermidades A guerra de trincheiras impedia ainda a remoção dos cadáveres abandonados o que só agravava o estado geral de degradação e dor A guerra de trincheiras trazia também graves consequências psicológicas para aqueles que sobreviviam ao caos Nas palavras de um famoso historiador o combatente estava a todo instante sujeito a uma tensão nervosa o abastecimento não chegava os bombardeios martelavam as posições a fim de destruir as redes as trincheiras e os abrigos os obuses de grosso calibre abriam enormes buracos que transformavam o terreno num campo de crateras que a chuva convertia em lamaçal Crouzet 1968 p 29 O sofrimento daqueles homens pode ser sentido através de alguns de seus depoimentos escritos nos campos de batalha Um combatente da batalha do Somme escreveu A mesma velha trincheira a mesma paisagem Os mesmos ratos crescendo como mato Os mesmos abrigos nada de novo Os mesmos e velhos cheiros tudo na mesma Os mesmos cadáveres no front A mesma metralha das duas às quatro Como sempre cavando como sempre caçando A mesma velha guerra dos diabos citado in Marques Berutti e Faria 1990 p 118 Uma carta encontrada no bolso de um soldado alemão afirmava Estamos tão exaustos que dormimos mesmo sob intenso barulho A melhor coisa que poderia acontecer seria os ingleses avançarem e nos fazerem prisioneiros Ninguém se importa conosco Não somos substituídos Os aviões lançam projéteis sobre nós Ninguém mais consegue pensar As rações estão esgotadas pão conservas biscoitos tudo terminou Não há uma única gota de água É o próprio inferno idem p 120 Entrincheirado o soldado deveria estar disposto a resistir aos bombardeios à fome e ao desespero Com um pouco de sorte poderia vir a sobrevi 243 O SÉCULO XX ver ao caos mas para que isso pudesse ocorrer era preciso também que ele estivesse imbuído da ética da responsabilidade da crença de que a vitória na guerra dependia de sua coragem de sua capacidade sobrehumana de resistir A resistência era um valor que uma vez compartilhado por todos os soldados entrincheirados permitia que eles acreditassem numa vitória inevitável A proximidade da morte unia os soldados e eliminava as diferenças de classe A hierarquia social era substituída pela hierarquia fundada na coragem física e na integridade O inimigo era o outro o estrangeiro Para o francês o alemão era o assassino do seu irmão e o espírito de vingança prevalecia sobre o cansaço e o medo Prost e Vincent 1992 p 208 Para o alemão a mesma coisa Era o francês o responsável pela desgraça pelo surgimento e generalização da guerra Entretanto para piorar ainda mais a vida dos soldados os exércitos em conflito experimentaram novas tecnologias para a morte Empregado pela primeira vez pelos alemães na primavera de 1915 o gás fazia aumentar as baixas em ambos os lados Muitos dos gases então utilizados não eram muito eficazes mas provocavam um efeito psicológico efetivamente arrasador Soldados entrincheirados ficavam apavorados com medo de uma possível morte provocada por envenenamento O mais conhecido dos gases então utilizados ficou conhecido com o nome de gás mostarda a mais temida de todas as armas químicas da Primeira Guerra Mundial Diferentemente dos outros gases que atacavam apenas o sistema respiratório este queimava qualquer parte exposta do corpo humano incluindo os olhos Os britânicos por sua vez inauguraram em setembro de 1916 o emprego de tanques O tanque era uma arma que estava sendo desenvolvida em segredo e por conta disso a origem do termo tank nada mais era do que uma alusão de que seria apenas um tanque de armazenar água Na verdade eram veículos blindados que tinham como objetivo vencer as trincheiras do inimigo Alguns depoimentos de guerra nos informam que os alemães ficaram bastante assustados quando viram pela primeira vez aquele monstro que cuspia balas por todos os lados Não foi nessa guerra no entanto que tais armas mostraram todo o seu poder de destruição Problemas técnicos impediram a completa eficácia dos tanques Somente na Segunda Guerra os tanques e os gases viriam a comprovar sua capacidade de produzir morte aos milhares O emprego de aeronaves é sem dúvida um capítulo interessante da Primeira Guerra Mundial principalmente no que se refere à utilização dos 244 A PRIMEIRA GRANDE GUERRA zepelins aeronaves chamadas dirigíveis alongadas em forma de charuto e cheias de gás hélio O primeiro dirigível impulsionado a motor foi construído pelo alemão Paul Haenlein em 1865 Logo depois ele foi aperfeiçoado pelo também alemão conde Zeppelin daí o nome dessas aeronaves Com o grande sucesso obtido antes da guerra no transporte comercial o zepelim havia impressionado os militares e muitos acreditaram na sua capacidade de servir como arma de guerra Além disso as autoridades navais alemãs estavam convencidas de que o zepelim era capaz de desempenhar importante papel nas operações navais Whitehouse sd p 37 Em 1906 Santos Dumont realizou o primeiro vôo do maispesadoqueoar no entanto a supremacia do dirigível continuava pelo menos na mente do público Isso explica o medo da população inglesa na primeira noite após a declaração de guerra Muitos acreditavam que os zepelins iriam atacar Londres à noite Segundo um estudioso do papel desempenhado pelo zepelim a GrãBretanha fora durante muitos anos o alvo da propaganda alemã Alguns comentaristas tinham inclusive escrito artigos na imprensa popular pressagiando os ataques que viriam do Mar do Norte Whitehouse sd p 37 Não foi dessa vez no entanto que a aviação mostraria também o seu poder de destruição Na Primeira Guerra ela foi usada basicamente para reconhecimento e observação dos tiros da artilharia Foi no mar que novas armas tiveram o efeito desejado ou seja ajudar a pôr fim ao conflito Ali as forças navais utilizaram novos modelos de navios cruzadores e submarinos alemães e couraçados e submarinos ingleses por exemplo Ambos os lados procuraram destruir os navios carregados de suprimentos para os inimigos Ao afundálos eles impediam que as populações civis tivessem alimentos suficientes para sobreviver Desta forma pretendiam matar de fome os inimigos Os submarinos foram uma das grandes esperanças da Alemanha No início de 1917 os alemães aumentaram a atividade da guerra submarina tentando vencer a Inglaterra antes da entrada dos Estados Unidos A intensificação da guerra submarina aumentou as perdas britânicas até junho de 1917 No entanto o início do sistema de comboios e outras táticas antisubmarinas reduziram muito a eficácia do submarino A partir daquele momento novas estratégias procuraram impedir a destruição de navios particularmente os mercantes No entanto durante longos meses em razão dos ataques de submarinos e navios velhos mulheres e crianças ausentes dos campos de batalha 245 O SÉCULO XX sentiam na pele ou melhor no estômago o efeito mais cruel de uma guerra a morte pela fome Indefesos em suas moradias os cidadãos de inúmeros países viviam a generalização da miséria e da inanição Muitos morriam literalmente de fome enquanto outros contraíam doenças ocasionadas por uma alimentação deficiente e irregular Para aqueles que haviam acreditado um dia na superioridade inquestionável de seu país e de seu povo e apostado numa vitória rápida a fome trazia a certeza de que a guerra não mais se limitava aos campos de batalha Ela tornavase presente no cotidiano de todas as pessoas e apresentavase viva através da fome como a forma cruel de uma técnica de massacre OS ACORDOS DE PAZ Antes mesmo do fim do conflito como já foi referido a Rússia saiu da guerra mas sua retirada não foi tranquila Ao contrário ela representou um jogo de forças no interior da nação russa e expressou as disputas políticas pelas quais passava a nova sociedade surgida com a Revolução de 1917 Após tomarem o poder os bolchevistas tinham que resolver uma questão fundamental pois para salvar a revolução eles tinham que fazer a paz desejo expresso por soldados camponeses e operários Os bolchevistas desejavam uma paz sem anexações territoriais mas não era essa a intenção de seus inimigos os austríacos e os alemães Coube a Leon Trotsky um dos líderes da revolução encaminhar as negociações com os inimigos A estratégia de Trotsky era a de afirmar que não assinaria uma paz anexionista ao mesmo tempo que declarava terminado o estado de guerra Esta atitude confundia os alemães mas na verdade encobria o fato de que dificilmente o exército russo tinha condições de voltar a combater Ferro 1974 pp 925 Havia também a crença de que caso o Estado alemão decidisse prosseguir o conflito contra os russos os soldados e operários alemães não obedeceriam às ordens irmanados com os princípios da Revolução de 1917 Reis Filho 1987 pp 102105 A realidade porém foi outra Ao contrário dos desejos dos bolchevistas a Alemanha voltou a combater e os soldados alemães defenderam sua pátria e não foram sensíveis aos apelos do operariado russo A força do nacionalismo era muito maior do que o desejo de união de todos os operários Sem saída o novo Estado da Rússia aceitou o Tratado de BrestLitovsk que foi sem som A PRIMEIRA GRANDE GUERRA bra de dúvida uma paz humilhante Pelo tratado os bolchevistas foram obrigados a aceitar a perda da Finlândia da Polônia russa e da Ucrânia assim como a dos chamados países bálticos a Lituânia a Letônia e a Estônia No início de 1918 o então presidente dos Estados Unidos apresentou perante o Congresso americano um plano de paz que pretendia ser uma solução justa para o fim da guerra Seu plano ficou conhecido como Os 14 pontos do presidente Wilson Segundo o presidente americano os Estados Unidos haviam entrado na guerra para precipitar a paz entre os povos e neste sentido o plano tinha como finalidade assegurála constituindose como fundamento das futuras negociações com os alemães Sua divulgação pública e internacional acabou por fortalecer a suposição dos alemães de que os acordos de paz seriam baseados naqueles princípios numa paz sem vencedores Para tanto o plano estabelecia 1 abolição da diplomacia secreta ou seja a diplomacia entre os países deveria se tornar pública 2 plena liberdade de navegação tanto em período de paz quanto na guerra o que significava uma crítica à tática do bloqueio naval 3 remoção quando possível de todas as barreiras econômicas entre as nações e o estabelecimento de uma igualdade de condições de comércio entre as nações 4 limitação dos armamentos nacionais reduzidos ao menor nível coerente com a segurança nacional 5 ajuste imparcial das pretensões coloniais considerandose também os interesses dos colonizados 6 ajuda à Rússia para que este país pudesse obter uma oportunidade desimpedida e desembaraçada para a determinação independente de seu desenvolvimento político 7 restauração da independência da Bélgica 8 devolução da AlsáciaLorena à França 9 reajustamento das fronteiras nacionais italianas 10 autonomia dos povos da ÁustriaHungria 11 restauração da Romênia de Montenegro e da Sérvia assegurando o acesso ao mar aos sérvios 12 autonomia dos povos até então submetidos aos turcos 13 criação de uma Polônia independente 14 criação de uma Sociedade ou Liga das Nações Rodrigues 1985 pp 5758 O SÉCULO XX Para o presidente americano existia um princípio que norteava os seus quatorze pontos era o princípio de justiça para todos os povos e nacionalidades e o direito de cada um a viver em iguais condições de liberdade e segurança uns com os outros fossem eles fortes ou fracos Fenton 1975 p 134 A proposta do presidente Wilson se resumia numa paz sem vencedores onde princípios gerais deveriam assegurar o fim do conflito e o estabelecimento de um mundo de paz É verdade que a restituição da Alsácia e Lorena à França era algo então considerado justo assim como a libertação da Bélgica e a criação de uma Polônia independente Mas para franceses e ingleses algumas das proposições de Wilson eram mais do que discutíveis A Inglaterra não estava nem um pouco interessada em defender o princípio da liberdade dos mares A França principal campo de batalha da frente ocidental acreditava que a Alemanha devia fazer reparações pelos danos da guerra em seu território Em suma a proposta do presidente dos Estados Unidos não agradou aos franceses e ingleses Para aqueles que haviam lutado durante longos quatro anos era preciso mais do que intenções para assegurar uma paz definitiva no continente europeu Para eles era preciso impedir a todo custo que a Alemanha pudesse voltar a ameaçar os vencedores Era preciso ainda desarmar aquele país e obrigálo a reparar os sofrimentos das populações das nações aliadas Em 19 de janeiro de 1919 reuniuse a Conferência de Paris onde os termos da paz foram discutidos com a presença dos representantes da França Inglaterra e é claro dos Estados Unidos Os derrotados não foram ouvidos Após a Conferência comunicaramse aos vencidos e ao mundo os termos de uma paz nãonegociada e imposta Conhecido pelo nome de Tratado de Versalhes para os aliados e Ditado de Versalhes para os alemães os termos da paz eram profundamente cruéis para com a Alemanha Em primeiro lugar ela era obrigada a restituir a região da Alsácia e da Lorena à França além de entregar a bacia carbonífera do Sarre para ser explorada pela França durante quinze anos Findo este prazo deveria haver um plebiscito para que a população decidisse pela nacionalidade francesa ou alemã Havia outras questões territoriais impostas pelo tratado Deveriam ser entregues os distritos de Eupen e Malmedy à Bélgica da maior parte do Schleswig à Dinamarca de Memel à Lituânia de grande parte da Prússia Oriental à Polônia inclusive a bacia carbonífera da Alta Silésia Além disso es A PRIMEIRA GRANDE GUERRA tabeleciase uma faixa de terra dividindo o restante da Prússia Oriental da Alemanha conhecida com o nome de corredor polonês para dar uma saída marítima à Polônia Transformavase ainda a cidade alemã de Dantzig em cidade livre sob o controle da Liga das Nações e dividiase todo o império colonial alemão pelas potências vencedoras principalmente França e Inglaterra Como podemos ver a humilhação imposta à Alemanha representava o fim de sua soberania sobre o seu território Porém ela não se restringia a isso Havia também as chamadas indenizações punitivas Elas significavam que a Alemanha deveria pagar 132 bilhões de marcosouro divididos em quotas num prazo de trinta anos Eram ainda confiscados todos os investimentos e bens nacionais ou privados alemães existentes no estrangeiro Os alemães eram obrigados também a entregar anualmente 40 milhões de toneladas de carvão aos aliados europeus durante um período de 10 anos Isso tudo significava que o povo alemão faminto pela guerra teria que reunir esforços para pagar o impagável às forças vencedoras Não satisfeitos os aliados fizeram constar no Tratado de Versalhes ainda mais humilhações A Alemanha foi obrigada a admitir sua inteira responsabilidade pela deflagração da guerra E isso também significava que ela teve que aceitar a desmilitarização do seu exército O tratado era bastante minucioso nesse aspecto Segundo seus artigos as forças militares deveriam ser desmobilizadas e reduzidas a apenas sete divisões de infantaria e três divisões de cavalaria Além disso durante doze anos o engajamento no exército não poderia ser obrigatório mas sim voluntário O tratado não deixou escapar nenhum detalhe que pudesse significar aos olhos dos vencedores uma ameaça alemã Quanto à marinha estabeleciase o número e os tipos de navios além da tonelagem máxima permitida Submarinos eram proibidos pois os vencedores sabiam o papel desempenhado por eles durante a guerra Os canhões pesados os aviões militares e a artilharia antiaérea também estavam interditados Os aliados dos alemães o Império AustroHúngaro o Império Otomano e a Bulgária também foram punidos Pelo Tratado de SaintGermain de 10 de setembro de 1919 e de Trianon de 4 de junho de 1920 o Império AustroHúngaro desapareceu dando lugar a diversos países independentes Áustria Hungria Checoslováquia Iugoslávia e Polônia O Império Otomano também foi punido principalmente pela pressão exercida pela Inglaterra interessada em assegurar sua dominação no Mediterrâneo Oriental Nesse sentido pelo Tratado de Sèvres de 11 de agos O SÉCULO XX to de 1919 novos Estados surgiram da ruína daquele império o Iraque a Síria o Líbano a Palestina e a Transjordânia A Turquia nome que assumiu o núcleo do exImpério Otomano reduziuse ao planalto anatoliano e suas adjacências imediatas Rémond sd p 31 A Bulgária apesar de não ter participado efetivamente da guerra perdeu pelo Tratado de Neuilly de 27 de novembro de 1919 todas as suas costas marítimas no Mar Egeu em favor da Grécia CONSIDERAÇÕES FINAIS A Primeira Guerra Mundial terminara mas não cessaram ali os seus efeitos As consequências demográficas evidenciavam uma sensação de envelhecimento da Europa e a desorganização da família Do ponto de vista econômico a destruição das riquezas o problema da reconversão para uma economia de paz e os empréstimos dos Estados Unidos alimentaram a inflação e com ela a fome a miséria e a desesperança Na Alemanha derrotada e humilhada pelo Tratado de Versalhes as consequências da guerra e a posterior crise de 1929 se expressaram na existência de 54 milhões de desempregados Thalmann 1988 p 109 Se não podemos falar que aquele tratado determinou a posterior ascensão do nazismo na Alemanha podemos no entanto assegurar que ele marcou toda a vida política desse país bem como gerou as condições que permitiram a vitória do nazismo em 1933 Com a Grande Guerra o sonho deu lugar ao pesadelo o otimismo ao pessimismo e a razão cedeu lugar à violência Após quatro longos anos de conflito os excombatentes voltaram para as suas casas mas não encontraram mais a mesma sociedade pela qual haviam lutado O aumento da miséria e das incertezas fazia fortalecer a crença de que a violência era a melhor saída Se a paz dera lugar a uma guerra como reconhecêla novamente Os soldados haviam lutado em nome de seu país e acreditavam na sua superioridade Como seria possível agora defender a igualdade de todos os homens Em nome do nacionalismo muitos haviam ido para os campos de batalha e os que ficaram cuidaram de fazer continuar a vida A presteza com que as pessoas se identificavam com a sua nação tinha sido posta à prova E após a guerra era preciso recomeçar Mas para que isso fosse possível o na A PRIMEIRA GRANDE GUERRA cionalismo tornavase mais uma vez o elemento de união entre os cidadãos de cada país continuando a operar com a idéia de que as razões das mazelas sociais encontravamse no outro naquele identificado como estrangeiro Os anos posteriores à Primeira Guerra Mundial iriam mostrar que ela não terminara As rivalidades continuaram o desejo de revanche também A Segunda Guerra não tardaria a acontecer BIBLIOGRAFIA Crouzet Maurice 1968 A época contemporânea 1 O declínio da Europa e o mundo soviético São Paulo Difel Duroselle J B 1985 A Europa de 1815 aos nossos dias 2ª ed São Paulo Pioneira Falcon Francisco José 1974 Origens históricas dos movimentos fascistas In Rodrigues A E org Fascismo Rio de Janeiro Eldorado Fenton Edwin 1975 32 problemas na História Universal São Paulo Edart Ferro Ferro 1974 A Revolução Russa de 1917 São Paulo Perspectiva Hermsdorff Guilherme 1974 Versalhes e Ialta Os dois grandes erros do século Rio de Janeiro Pongetti Hobsbawm Eric 1995 Era dos extremos O breve século XX 19141991 São Paulo Companhia das Letras 1995 1988 A era dos impérios 18751914 Rio de Janeiro Paz e Terra Kemp Tom Sd A Revolução Industrial na Europa do século XIX Lisboa Edições 70 Marques Adhemar Berutti Flavio e Faria Ricardo 1990 História contemporânea através de textos São Paulo Contexto Messenger Charles 1978 A guerra de trincheiras França e Flandres 191418 História Ilustrada do Século da Violência Rio de Janeiro Renes Prost Antoine e Vincent Gérard 1992 História da Vida Privada 5 Da Primeira Guerra aos nossos dias São Paulo Companhia das Letras Reis Filho Daniel Aarão 1987 Rússia 19171921 Anos Vermelhos São Paulo Brasiliense Rémond René Sd O século XX De 1914 aos nossos dias São Paulo Cultrix Rodrigues Luiz Cesar 1985 A Primeira Guerra Mundial 2ª ed São Paulo Atual Campinas Universidade Estadual de Campinas Thalmann R 1988 A República de Weimar Rio de Janeiro Jorge Zahar Whitehouse Arch Sd Os zeppelins na guerra Rio de Janeiro Record ERIC HOBSBAWM ERA DOS EXTREMOS O breve século XX 19141991 Tradução MARCOS SANTARRITA Revisão técnica MARIA CÉLIA PAOLI 2ª edição 26ª reimpressão SBDFFLCHUSP COMPANHIA DAS LETRAS Copyright 1994 by Eric Hobsbawm Esta tradução é publicada por acordo com Pantheon Books uma divisão da Random House Inc Título original Age of extremes The short twentieth century 19141991 Capa Hélio de Almeida Preparação Stella Weiss Maria Laura Santos Bacellar Marcos Luiz Fernandes Sylvia Maria Pereira dos Santos Índice remissivo Caren Inoue Aline Sanchez Leme Revisão Carmen S da Costa Touche Editorial Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Hobsbawm Eric J 1917Era dos Extremos o breve século xx 19141991 Eric Hobsbawm tradução Marcos Santarrita revisão técnica Maria Célia Paoli São Paulo Companhia das Letras 1995 Título original Age of extremes the short twentieth century 19141991 Bibliografia ISBN 8571644683 1 Civilização moderna Século 20 História I Título 952689 CDD90982 Índices para catalogo sistemático 1 Civilização mundial Século 20 História 90983 2 Século 20 Civilização mundial História 90982 2003 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARZ LTDA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 31670801 Fax 11 31670814 wwwcompanhiadasletrascombr PREFÁCIO E AGRADECIMENTOS Não é possível escrever a história do século xx como a de qualquer outra época quando mais não fosse porque ninguém pode escrever sobre seu próprio tempo de vida como pode e deve fazer em relação a uma época conhecida apenas de fora em segunda ou terceira mão por intermédio de fontes da época ou obras de historiadores posteriores Meu tempo de vida coincide com a maior parte da época de que trata este livro e durante a maior parte de meu tempo de vida do início da adolescência até hoje tenho tido consciência dos assuntos públicos ou seja acumulei opiniões e preconceitos sobre a época mais como contemporâneo que como estudioso Este é um dos motivos pelos quais enquanto historiador evitei trabalhar sobre a era posterior a 1914 durante quase toda a minha carreira embora não me abstivesse de escrever sobre ela em outras condições Minha época como se diz no jargão profissional é o século xix Acho que já é possível ver o Breve Século xx de 1914 até o fim da era soviética dentro de uma certa perspectiva histórica mas chego a ele desconhecendo a literatura acadêmica para não dizer que desconheço quase todas as fontes primárias acumuladas pelo grande número de historiadores do século xx Claro na prática é completamente impossível uma só pessoa conhecer a historiografia do presente século mesmo em uma única língua importante como por exemplo o historiador da Antiguidade clássica ou do império bizantino conhece tudo o que foi escrito sobre esses longos períodos na época e depois Mesmo pelos padrões de erudição histórica contudo meu conhecimento no campo da história contemporânea é precário e irregular O máximo que consegui foi mergulhar na literatura das questões mais espinhosas e controvertidas a história da Guerra Fria ou dos anos 30 por exemplo o suficiente para convencerme de que as opiniões expressas neste livro são defensáveis à luz da pesquisa especializada Claro posso não ter conseguido Deve haver inúmeras questões quanto às quais demonstro ignorância e defendo opiniões polêmicas 15 Terceiro Mundo e revolução 421 16 Fim do socialismo 447 17 Morre a vanguarda as artes após 1950 483 18 Feiticeiros e aprendizes as ciências naturais 504 19 Rumo ao milênio 537 Bibliografia 563 Outras leituras 579 Ilustrações 583 Índice remissivo 585 Contudo por uma questão de justiça quero indicar algumas obras em que me apoiei bastante ou com que estou particularmente em débito Eu não gostaria que seus autores deixassem de sentirse devidamente apreciados De um modo geral devo muito à obra de dois amigos o historiador econômico e infatigável compilador de dados quantitativos Paul Bairoch e Ivan Berend expresidente da Academia Húngara de Ciências a quem devo o conceito do Breve Século xx Sobre a história política geral do mundo desde a Segunda Guerra Mundial P Calvocoressi World politics since 1945 Política mundial de 1945 em diante foi um guia seguro e às vezes compreensivelmente cáustico Sobre a Segunda Guerra Mundial muito devo ao soberbo War economy and society 192945 Guerra economia e sociedade 192945 de Alan Milward e sobre a economia pós1945 achei utilíssimos Prosperity and upheaval The world economy 19451980 Prosperidade e revolta a economia mundial de 19451980 de Herman Van der Wee e Capitalism since 1945 Capitalismo a partir de 1945 de Philip Armstrong Andrew Glyn e John Harrison The Cold War A Guerra Fria de Martin Walker merece uma atenção muito maior do que a morna recepção que lhe reservaram os críticos Sobre a história da esquerda desde a Segunda Guerra Mundial muito devo ao dr Donald Sassoon do Queen Mary and Westfield College Universidade de Londres que teve a bondade de me deixar ler seu vasto e esclarecedor estudo do assunto ainda incompleto No que diz respeito à história da URSS minha dívida principal é para com os textos de Moshe Lewin Alec Nove R W Davies e Sheila Fitzpatrick no que diz respeito à China para com os de Benjamin Schwartz e Stuart Schram e no que diz respeito ao mundo islâmico para com Ira Lapidus e Nikki Keddie Minhas opiniões sobre as artes muito devem às obras e à conversa de John Willett sobre a cultura de Weimar bem como a Francis Haskell No capítulo 6 penso ser óbvia minha dívida para com o Diaghilev de Lynn Garafola Meus agradecimentos especiais aos que me ajudaram concretamente a preparar este livro São eles em primeiro lugar minhas auxiliares de pesquisa Joanna Bedford em Londres e Lise Grande em Nova York Gostaria de acentuar sobretudo minha dívida para com esta última sem quem eu não poderia ter preenchido as enormes lacunas em meu conhecimento nem conferido fatos e referências lembrados apenas pela metade Também sou muito grato a Ruth Syers que datilografou meus rascunhos e a Marlene Hobsbawm que leu vários capítulos do ponto de vista do leitor não acadêmico com interesse genérico pelo mundo moderno a quem este livro se dirige Já mencionei minha dívida para com os estudantes da New School que assistiram às aulas nas quais tentei formular minhas idéias e interpretações A eles dedico este livro Eric Hobsbawm Londres Nova York 19934 terística do século xx é a terrível multiplicação da população do mundo É uma catástrofe uma tragédia Não sabemos o que fazer a respeito Yehudi Menuhin músico GrãBretanha Se eu tivesse de resumir o século xx diria que despertou as maiores esperanças já concebidas pela humanidade e destruiu todas as ilusões e ideais Severo Ochoa Prêmio Nobel ciência Espanha O mais fundamental é o progresso da ciência que tem sido realmente extraordinário Eis o que caracteriza nosso século Raymond Firth antropólogo GrãBretanha Tecnicologicamente coloco o desenvolvimento da eletrônica entre os fatos mais significativos do século XX em termos de idéias destaco a passagem de uma visão relativamente racional e científica das coisas para outra não racional e menos científica Leo Valiani historiador Itália Nosso século demonstra que a vitória dos ideais de justiça e igualdade é sempre efêmera mas também que se conseguimos manter a liberdade sempre é possível recomeçar Não há por que desesperar mesmo nas situações mais desesperadas Franco Venturini historiador Itália Os historiadores não têm como responder a essa pergunta Para mim o século xx é apenas o esforço sempre renovado de entendêlo Agosti Borgese 1992 pp 42 210 154 76 4 8 204 2 62 80 140 e 160 I Em 28 de junho de 1992 o presidente Mitterrand da França apareceu de forma súbita não anunciada e inesperada em Sarajevo que já era o centro de uma guerra balcânica que iria custar cerca de 150 mil vidas no decorrer daquele ano Seu objetivo era lembrar à opinião pública mundial a gravidade da crise bósnia E de fato foi muito observada e admirada a presença do conhecido estadista idoso e visivelmente frágil sob o fogo das armas portáteis e da artilharia Um aspecto da visita de Mitterrand contudo embora claramente fundamental passou despercebido a data Por que o presidente da França escolhera aquele dia específico para ir a Sarajevo Porque 28 de junho era o aniversário do assassinato em Sarajevo em 1914 do arquiduque Francisco Ferdinando da AustriaHungria ato que em poucas semanas levou à eclosão da Primeira Guerra Mundial Para qualquer europeu culto da geração de Mitterrand saltava aos olhos a ligação entre data e lugar e a evocação de uma catástrofe histórica precipitada por um erro político e de cálculo Que melhor maneira de dramatizar as implicações potenciais da crise bósnia que escolhendo uma data assim tão simbólica Mas quase ninguém captou a alusão exceto uns poucos historiadores profissionais e cidadãos muito idosos A memória histórica já não estava viva A destruição do passado ou melhor dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às gerações passadas é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século xx Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem Por isso os historiadores cujo ofício é lembrar o que outros esquecem tornamse mais importantes que nunca no fim do segundo milênio Por esse mesmo motivo porém eles têm de ser mais que simples cronistas memorialistas e compiladores Em 1989 todos os governos do mundo e particularmente todos os ministérios do Exterior do mundo terseiam beneficiado de um seminário sobre os acordos de paz firmados após as duas guerras mundiais que a maioria deles aparentemente havia esquecido Contudo não é propósito deste livro contar a história da época de que trata o Breve Século XX entre 1914 e 1991 embora todo aquele que já tenha ouvido um estudante americano inteligente perguntarlhe se o fato de falar em Segunda Guerra Mundial significa que houve uma Primeira Guerra Mundial saiba muito bem que nem sequer o conhecimento de fatos básicos do século pode ser dado por certo Meu objetivo é compreender e explicar por que as coisas deram no que deram e como elas se relacionam entre sí Para qualquer pessoa de minha idade que tenha vivido todo o Breve Século xx ou a maior parte dele isso é também inevitavelmente uma empresa autobiográfica Tratase de comentar ampliar e corrigir nossas próprias memórias E falamos como homens e mulheres de determinado tempo e lugar envolvidos de diversas maneiras em sua história como atores de seus dramas por mais insignificantes que sejam nossos papéis como observadores de nossa época e igualmente como pessoas cujas opiniões sobre o século foram formadas pelo que viemos a considerar acontecimentos cruciais Somos parte deste século Ele é parte de nós Que não o esqueçam os leitores que pertencem a outra era por exemplo os estudantes que estão ingressando na universidade no momento em que escrevo e para quem até a Guerra do Vietnã é préhistória Para os historiadores de minha geração e origem o passado é indestrutível não apenas porque pertencemos à geração em que ruas e logradouros públicos ainda tinham nomes de homens e acontecimentos públicos a estação Wilson na Praga de antes da guerra a estação de metrô Stalingrado em Paris em que os tratados de paz ainda eram assinados e portanto tinham de ser identificados Tratado de Versalhes e os memoriais de guerra lembravam aconte 12 13 cimentos passados como também porque os acontecimentos públicos são parte da textura de nossas vidas Eles não são apenas marcos em nossas vidas privadas mas aquilo que formou nossas vidas tanto privadas como públicas Para este autor o dia 30 de janeiro de 1933 não é simplesmente a data à parte isso arbitrária em que Hitler se tornou chanceler da Alemanha mas também uma tarde de inverno em Berlim quando um jovem de quinze anos e sua irmã mais nova voltavam para casa em Halensee de suas escolas vizinhas em Wilmersdorf e em algum ponto do trajeto viram a manchete Ainda posso vêla como num sonho Mas não apenas um velho historiador tem o passado como parte de seu presente permanente Em vastas extensões do globo todas as pessoas de determinada idade independentemente de origens e histórias pessoais passaram pelas mesmas experiências centrais Foram experiências que nos marcaram a todos em certa medida da mesma forma O mundo que se esclareceu no fim da década de 1980 foi o mundo formado pelo impacto da Revolução Russa de 1917 Fomos todos marcados por ela por exemplo na medida em que nos habituamos a pensar na moderna economia industrial em termos de opostos binários capitalismo e socialismo como alternativas mutuamente excludentes uma identificada com economias organizadas com base no modelo da URSS a outra com todo o restante Agora já deve estar ficando evidente que essa oposição era uma construção arbitrária e em certa medida artificial que só pode ser entendida como parte de determinado contexto histórico E no entanto mesmo hoje quando escrevo não é fácil considerar inclusive retrospectivamente princípios de classificação mais realistas que aquela que reunia EUA Japão Suécia Brasil República Federal da Alemanha e Coréia do Sul num mesmo escolinho e as economias e sistemas de Estado da região soviética que desmoronaram depois da década de 1980 no mesmo compartimento em que estavam as do Oriente e do Sudeste Asiático que como se constata não desmoronaram Mesmo o mundo que sobreviveu ao fim da Revolução de Outubro é um mundo cujas instituições e crenças foram moldadas pelos que pertenciam ao lado vencedor da Segunda Guerra Mundial Os que estavam do lado perdedor ou a ele se associavam não apenas ficaram em silêncio ou foram silenciados como foram praticamente riscados da história e da vida intelectual investidos do papel de o inimigo no drama moral de Bem versus Mal É possível que o mesmo esteja acontecendo hoje com os perdedores da Guerra Fria da segunda metade do século embora talvez não na mesma medida nem por tanto tempo Esse é um dos preços que se paga por viver num século de guerras religiosas que têm na intolerância sua principal característica Mesmo os que propagavam o pluralismo de suas nãoideologias acreditaram que o mundo não era grande o bastante para uma coexistência permanente com religiões seculares rivais Confrontos religiosos ou ideológicos como os que povoaram este século erguem barricadas no caminho do historiador A principal tarefa do historiador não é julgar mas compreender mesmo o que temos mais dificuldade para compreender O que dificulta a compreensão no entanto não são apenas nossas convicções apaixonadas mas também a experiência histórica que as formou As primeiras são fáceis de superar pois não há verdade no conhecido mas enganoso dito francês tout comprendre cest tout pardonner tudo compreender é tudo perdoar Compreender a era nazista na história alemã e enquadrála em seu contexto histórico não é perdoar o genocídio De toda forma não é provável que uma pessoa que tenha vivido este século extraordinário se abstenha de julgar O difícil é compreender II Como iremos compreender o Breve Século xx ou seja os anos que vão da eclosão da Primeira Guerra Mundial ao colapso da URSS que como agora podemos ver retrospectivamente formam um período histórico coerente já encerrado Não sabemos o que virá a seguir nem como será o segundo milênio embora possamos ter certeza de que ele terá sido moldado pelo Breve Século xx Contudo não há como duvidar seriamente de que em fins da década de 1980 e início da década de 1990 uma era se encerrou e outra nova começou Esta é a informação essencial para os historiadores do século pois embora eles possam especular sobre o futuro à luz de sua compreensão do passado seu trabalho não tem nada a ver com palpites em corridas de cavalos As únicas corridas de cavalos que esses historiadores podem pretender relatar e analisar são as já ganhas ou perdidas Seja como for nos últimos trinta ou quarenta anos o desempenho dos adivinhos fossem quais fossem suas qualificações profissionais como profetas mostrouse tão espetacularmente ruim que só governos e institutos de pesquisa econômica ainda têm ou dizem ter maior confiança nele É possível mesmo que depois da Segunda Guerra Mundial esse desempenho tenha piorado Neste livro a estrutura do Breve Século xx parece uma espécie de tríptico ou sanduíche histórico A uma Era de Catástrofe que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial seguiramse cerca de 25 ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável Retrospectivamente podemos ver esse período como uma espécie de Era de Ouro e assim ele foi visto quase imediatamente depois que acabou no início da década de 1970 A última parte do século foi uma nova era de decomposição incerteza e crise e com efeito para grandes áreas do mundo como a África a exURSS e as partes anteriormente socialistas da Europa de catástrof6 À medida que a década 15 de 1980 dava lugar à de 1990 o estado de espírito dos que refletiam sobre o passado e o futuro do século era de crescente melancolia findesiécle Visto do privilegiado ponto de vista da década de 1990 o Breve Século XX passou por uma curta Era de Ouro entre uma crise e outra e entrou num futuro desconhecido e problemático mas não necessariamente apocalíptico Contudo como talvez os historiadores queiram lembrar aos especuladores metafísicos do Fim da História haverá um futuro A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história O roteiro deste livro segue esse preceito Ele começa com a Primeira Guerra Mundial que assinalou o colapso da civilização ocidental do século XIX Tratavase de uma civilização capitalista na economia liberal na estrutura legal e constitucional burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica exultante com o avanço da ciência do conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral e profundamente convencida da centralidade da Europa berço das revoluções da ciência das artes da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do mundo que seus soldados haviam conquistado e subjugado uma Europa cujas populações incluindose o vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus descendentes haviam crescido até somar um terço da raça humana e cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial Para essa sociedade as décadas que vão da eclosão da Primeira Guerra Mundial aos resultados da Segunda foram uma Era de Catástrofe Durante quarenta anos ela foi de calamidade em calamidade Houve ocasiões em que mesmo conservadores inteligentes não apostariam em sua sobrevivência Ela foi abalada por duas guerras mundiais seguidas por duas ondas de rebelião e revolução globais que levaram ao poder um sistema que se dizia a alternativa historicamente predestinada para a sociedade capitalista e burguesa e que foi adotado primeiro em um sexto da superfície da Terra e após a Segunda Guerra Mundial por um terço da população do globo Os imensos impérios coloniais erguidos durante a Era do Império foram abalados e ruíram em pó Toda a história do imperialismo moderno tão firme e autoconfiante quando da morte da rainha Vitória da GrãBretanha não durara mais que o tempo de uma vida humana digamos a de Winston Churchill 18741965 Mais ainda uma crise econômica mundial de profundidade sem precedentes pôs de joelhos até mesmo as economias capitalistas mais fortes e pareceu reverter a criação de uma economia mundial única feito bastante notável do capitalismo liberal do século xix Mesmo os EUA a salvo de guerra e revolução pareceram próximos do colapso Enquanto a economia balançava as instituições da democracia liberal praticamente desapareceram entre 1917 e 1942 restou apenas uma borda da Europa e partes da América do Norte e da Austrália Enquanto isso avançavam o fascismo e seu corolário de movimentos e regimes autoritários A democracia só se salvou porque para enfrentálo houve uma aliança temporária e bizarra entre capitalismo liberal e comunismo basicamente a vitória sobre a Alemanha de Hitler foi como só poderia ter sido uma vitória do Exército Vermelho De muitas maneiras esse período de aliança capitalistacomunista contra o fascismo sobretudo as décadas de 1930 e 1940 constituiu o ponto crítico da história do século xx e seu momento decisivo De muitas maneiras esse é um momento de paradoxo histórico nas relações entre capitalismo e comunismo que na maior parte do século com exceção do breve período de antifascismo ocuparam posições de antagonismo incontestável A vitória da União Soviética sobre Hitler foi uma realização do regime já instalado pela Revolução de Outubro como demonstra uma comparação do desempenho da economia russa czarista na Primeira Guerra Mundial com a economia soviética na Segunda Guerra Gatrell Harrison 1993 Sem isso o mundo hoje com exceção dos EUA provavelmente seria um conjunto de variações sobre temas autoritários e fascistas mais que de variações sobre temas parlamentares liberais Uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo foi salvar seu antagonista tanto na guerra quanto na paz fornecendolhe o incentivo o medo para reformarse após a Segunda Guerra Mundial e ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico oferecendolhe alguns procedimentos para sua reforma Contudo mesmo tendo sobrevivido por pouco ao triplo desafio da depressão do fascismo e da guerra o capitalismo ainda parecia enfrentar o avanço global da revolução que só podia arregimentarse em torno da URSS egressa da Segunda Guerra Mundial como superpotência E no entanto como agora podemos ver retrospectivamente a força do desafio socialista global ao capitalismo era a da fraqueza de seu adversário Sem o colapso da sociedade burguesa do século xix na Era da Catástrofe não teria havido Revolução de Outubro nem URSS O sistema econômico improvisado na arruinada casca eurasiana rural do antigo império czarista sob o nome de socialismo não se teria acreditado nem teria sido considerado uma alternativa global realista para a economia capitalista A Grande Depressão de 1930 criou essa impressão pois foi o desafio do fascismo que fez da URSS o instrumento indispensável para a derrota de Hitler e em conseqüência uma das duas superpotências cujos confrontos dominaram e aterrorizaram a segunda metade do Breve Século xx estabilizando ao mesmo tempo em muitos 16 aspectos como hoje podemos ver sua estrutura política A URSS não teria estado durante uma década e meia em meados do século à testa de um campo socialista que compreendia um terço da raça humana com uma economia que por um breve instante pareceu capaz de sobrepujar o crescimento econômico capitalista Como e por que o capitalismo após a Segunda Guerra Mundial viuse para surpresa de todos inclusive dele próprio saltar para a Era de Ouro de 194773 algo sem precedentes e possivelmente anômalo Eis talvez a questão central para os historiadores do século XX Ainda não se chegou a um consenso e não tenho a pretensão de oferecer uma resposta persuasiva Talvez seja preciso esperar que toda a longa onda da segunda metade do século XX passe ser vista em perspectiva para que surja uma análise mais convincente mas embora hoje possamos ver a Era de Ouro retrospectivamente como um todo no momento em que escrevo as Décadas de Crise que o mundo viveu desde então ainda não estão completas Contudo já podemos avaliar com muita confiança a escala e o impacto extraordinários da transformação econômica social e cultural decorrente a maior mais rápida e mais fundamental da história registrada Vários aspectos dessa transformação serão discutidos na segunda parte deste livro É provável que no terceiro milênio os historiadores do século XX situem o grande impacto do século na história como sendo o desse espantoso período e de seus resultados Porque as mudanças dele decorrentes para todo o planeta foram tão profundas quanto irreversíveis E ainda estão ocorrendo Os jornalistas e ensaístas filosóficos que detectaram o fim da história na queda do império soviético estavam errados O argumento é melhor quando se afirma que o terceiro quartel do século assimilou o fim dos sete ou oito milênios de história humana iniciados com a revolução da agricultura na Idade da Pedra quando mais não fosse porque ele encerrou a longa era em que a maioria esmagadora da raça humana vivia plantando alimentos e pastoreando rebanhos Diante disso é provável que a história do confronto entre capitalismo e socialismo com ou sem a intervenção de Estados e governos como os EUA e a URSS pretendendo representar um ou outro pareça de interesse histórico mais limitado comparável a longo prazo às guerras religiosas dos séculos XVI e XVII ou às Cruzadas Para os que viveram um pedaço qualquer do Breve Século XX é natural que capitalismo e socialismo pareçam enormes e assim o são neste livro escrito por um escritor do século XX para leitores de fins do século XX As revoluções sociais a Guerra Fria a natureza limitações e falhas fatais do socialismo realmente existente e seu colapso são discutidas à exaustão Mesmo assim convém lembrar que o impacto maior e mais duradouro dos regimes inspirados pela Revolução de Outubro foi a grande aceleração da modernização de países agrários atrasados Na verdade nesse aspecto suas grandes realizações coincidiram com a Era de Ouro capitalista As estratégias rivais para sepultar o mundo de nossos antepassados foram eficazes Forani inclusive conscientes Eis algo que não precisamos examinar aqui Como veremos até o início da década de 1960 elas pareciam no mínimo emparelhadas visão que parece absurda à luz do colapso do socialismo soviético embora um primeiroministro britânico em conversa com um presidente americano ainda pudesse considerar a URSS um Estado cuja exuberante economia em breve ultrapassará a sociedade capitalista na corrida pela riqueza material Horne 1989 p 303 Contudo o importante é notar simplesmente que na década de 1980 a Bulgária socialista e o Equador não socialista tinham mais em comum entre si que com a Bulgária e o Equador de 1939 Embora o colapso do socialismo soviético e suas enormes consequências por enquanto impossíveis de calcular por inteiro mas basicamente negativas fossem o incidente mais dramático das Décadas de Crise que se seguiram à Era de Ouro essas iriam ser décadas de crise universal ou global A crise afetou as várias partes do mundo de maneiras e em graus diferentes mas afetou a todas elas fossem quais fossem suas configurações políticas sociais e econômicas porque pela primeira vez na história a Era de Ouro criara uma economia mundial única cada vez mais integrada e universal operando em grande medida por sobre as fronteiras de Estado transnacionalmente e portanto também cada vez mais por sobre as barreiras da ideologia de Estado Em decorrência as idéias consagradas das instituições de todos os regimes e sistemas ficaram solapadas No início havia a esperança de que os problemas da década de 1970 fossem uma pausa temporária no Grande Salto Avante da economia mundial e países de todos os tipos e modelos econômicos e políticos buscaram soluções temporárias Porém foi ficando cada vez mais claro que se tratava de uma era de problemas de longo prazo para os quais os países capitalistas buscaram soluções radicais muitas vezes ouvindo teólogos seculares do livre mercado irrestrito que rejeitavam as políticas que tão bem haviam servido à economia mundial durante a Era de Ouro e que agora pareciam estar falhando Os fanáticos do laissezfaire tiveram tanto êxito quanto os demais Na década de 1980 e início da de 1990 o mundo capitalista viuse novamente às voltas com problemas da época do entreguerras que a Era de Ouro parecia ter eliminado desemprego em massa depressões cíclicas severas contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto a luxo abundante em meio a rendas limitadas de Estado e despesas ilimitadas de Estado Os países socialistas agora com suas economias desabando vulneráveis foram impelidos a realizar rupturas igualmente ou até mais radicais com seu passado e como sabemos rumaram para o colapso Esse colapso pode assinalar o fim do Breve Século XX como a Primeira Guerra Mundial pode assinalar o seu início Nesse ponto minha história chega ao fim Chega ao fim como todo livro concluído no início da década de 1990 com um olhar para a escuridão O colapso de uma parte do mundo revelou o malestar do resto À medida que a década de 1980 passava para a de 1990 foi ficando evidente que a crise mundial não era geral apenas no sentido econômico mas também no político O colapso dos regimes comunistas entre Istria e Vladivostok não apenas produziu uma enorme zona de incerteza política instabilidade caos e guerra civil como também destruiu o sistema internacional que dera estabilidade às relações internacionais durante cerca de quarenta anos Além disso esse colapso revelou a precariedade dos sistemas políticos internos apoiados essencialmente em tal estabilidade As tensões das economias em dificuldades minaram os sistemas políticos das democracias liberais parlamentares ou presidenciais que desde a Segunda Guerra Mundial vinham funcionando tão bem nos países capitalistas assim como minaram todos os sistemas políticos vigentes no Terceiro Mundo As próprias unidades básicas da política os Estadosnação territoriais soberanos e independentes inclusive os mais antigos e estáveis viramse esfacelados pelas forças de uma economia supranacional ou transnacional e pelas forças infranacionais de regiões e grupos étnicos secessionistas alguns dos quais tal é a ironia da história exigiram para si o status anacrônico e irreal de Estadosnação em miniatura O futuro da política era obscuro mas sua crise no final do Breve Século patente Ainda mais óbvia que as incertezas da economia e da política mundiais era a crise social e moral refletindo as transformações pósdécada de 1950 na vida humana que também encontraram expressão generalizada embora confusa nessas Décadas de Crise Foi uma crise das crenças e supostos sobre os quais se apoiava a sociedade moderna desde que os Modernos ganharam sua famosa batalha contra os Antigos no início do século XVIII uma crise das teorias racionalistas e humanistas abraçadas tanto pelo capitalismo liberal como pelo comunismo e que tornaram possível a breve mas decisiva aliança dos dois contra o fascismo que as rejeitava Um observador conservador alemão Michael Stürmer disse corretamente em 1993 que as crenças do Oriente e do Ocidente estavam em questão Há um estranho paralelismo entre Oriente e Ocidente No Oriente a doutrina de Estado insistia em que a humanidade era dona de seu destino Contudo mesmo nós acreditávamos numa versão menos oficial e extrema do mesmo slogan a humanidade estava para tornarse dona de seus destinos A pretensão de onipolência desapareceu absolutamente no Oriente e só relativamente chez nous mas os dois lados naufragaram De Bergdorf 98 p 95 Paradoxalmente uma era cuja única pretensão de benefícios para a humanidade se assentava nos enormes triunfos de um progresso material apoiado na ciência e tecnologia encerrouse numa rejeição destas por grupos substanciais da opinião pública e pessoas que se pretendiam pensadoras do Ocidente Contudo a crise moral não dizia respeito apenas aos supostos da civilização moderna mas também às estruturas históricas das relações humanas que a sociedade moderna herdara de um passado préindustrial e précapitalista e que agora vemos haviam possibilitado seu funcionamento Não era a crise de uma forma de organizar sociedades mas de todas as formas Os estranhos apelidos em favor de uma sociedade civil não especificada de uma comunidade eram as vozes de gerações perdidas e à deriva Elas se faziam ouvir numa era em que tais palavras tendo perdido seus sentidos tradicionais se haviam tornado frases insípidas Não restava outra maneira de definir identidade de grupo senão definir os que nele não estavam Para o poeta T S Eliot é assim que o mundo acaba não com uma explosão mas com uma lamúria O Breve Século XX se acabou com os dois III Como comparar o mundo da década de 1990 ao mundo de 1914 Nele viviam 5 ou 6 bilhões de seres humanos talvez três vezes mais que na eclosão da Primeira Guerra Mundial e isso embora no Breve Século XX mais homens tivessem sido mortos ou abandonados à morte por decisão humana que jamais antes na história Uma estimativa recente das megamortes do século mencionara 187 milhões Brzezinski 1993 o equivalente a mais de um em dez da população mundial total de 1900 Na década de 1990 a maioria das pessoas era mais alta e pesada que seus pais mais bem alimentada e muito mais longeva embora talvez as catástrofes das décadas de 1980 e 1990 na África na América Latina e na exURSS tornem difícil acreditar nisso O mundo estava incomparavelmente mais rico que jamais em sua capacidade de produzir bens e serviços e na interminável variedade destes Não fora assim não teria conseguido manter uma população global muitas vezes maior que jamais antes na história do mundo Até a década de 1980 a maioria das pessoas vivia melhor que seus pais e nas economias avançadas melhor que algum dia tinha esperado viver ou mesmo imaginado possível viver Durante algumas décadas em meados do século chegou a parecer que se haviam descoberto maneiras de distribuir pelo menos parte dessa enorme riqueza com um certo grau de justiça entre os trabalhadores dos países mais ricos mas no fim do século a desigualdade voltava a prevalecer e também entrava maciçamente nos expaíses socialistas onde antes imperava uma certa igualdade de pobreza A humanidade era muito mais culta que em 1914 Na verdade talvez pela primeira vez na história a maioria dos seres humanos podia ser descrita como alfabetizada pelo menos nas estatísticas oficiais embora o significado dessa conquista estivesse muito menos claro no final do século do que teria estado em 1914 em vista do fosso enorme talvez crescente entre o mínimo de competência oficialmente aceito como alfabetização muitas vezes descrito como analfabetismo funcio nal e o domínio da leitura e da escrita ainda esperado nas camadas de elite O mundo estava repleto de uma tecnologia revolucionária em avanço constante baseada em triunfos da ciência natural previsíveis em 1914 mas que na época mal haviam começado e cuja consequência política mais impressionante talvez fosse a revolução nos transportes e nas comunicações que praticamente anulou o tempo e a distância Era um mundo que podia levar a cada residência todos os dias a qualquer hora mais informação e diversão do que dispunham os imperadores em 1914 Ele dava condições às pessoas de se falarem entre si cruzando oceanos e continentes ao toque de alguns botões e para quase todas as questões práticas abolía as vantagens culturais da cidade sobre o campo Por que então o século terminara não com uma comemoração desse progresso inigualado e maravilhoso mas num estado de inquietação Por que como mostram as epígrafes deste capítulo tantos cérebros pensantes o vêem em retrospecto sem satisfação e com certeza sem confiança no futuro Não apenas porque sem dúvida ele foi o século mais assassino de que temos registro tanto na escala frequência e extensão da guerra que o preencheu mal cessando por um momento na década de 1920 como também pelo volume único das catástrofes humanas que produziu desde as maiores fome da história até o genocídio sistemático Ao contrário do longo século XIX que pareceu e na verdade foi um período de progresso material intelectual e moral quase ininterrupto quer dizer de melhoria nas condições de vida civilizada houve a partir de 1914 uma acentuada regressão dos padrões então tidos como normais nos países desenvolvidos e nos ambientes da classe média e que todos acreditavam piamente estivessem se espalhando para as regiões mais atrasadas e para as camadas menos esclarecidas da população Visto que este século nos ensinou e continua a ensinar que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizadas e teoricamente intoleráveis não é fácil apreender a extensão do retorno por desgraça cada vez mais rápido ao que nossos ancestrais do século XIX teriam chamado padrões de barbarismo Esquecemos que o velho revolucionário Friedrich Engels ficou horrorizado com a explosão de uma bomba republicana irlandesa em Westminster Hall porque como velho soldado afirmava que a guerra se travava contra combatentes e não contra nãocombatentes Esquecemos que os pogroms na Rússia czarista que com justiça indignaram a opinião pública e impeliram milhões de judeus russos para o outro lado do Atlântico entre 1881 e 1914 eram pequenos quase insignificantes pelos padrões de massacre modernos os mortos contavamse às dezenas não às centenas e jamais aos milhões Esquecemos que no passado uma convenção internacional estabeleceu que as hostilidades da guerra não devem começar sem aviso prévio e explícito sob a forma de uma arrazoada declaração de guerra ou de um ultimatum com declaração de guerra condicional pois quando foi mesmo a última guerra iniciada com tal declaração explícita ou implícita Ou que acabou com um tratado de paz formal negociado entre os Estados beligerantes Durante o século XX as guerras têm sido cada vez mais travadas contra a economia e a infraestrutura de Estados e contra suas populações civis Desde a Primeira Guerra Mundial o número de baixas civis na guerra tem sido muito maior que as militares em todos os países beligerantes com exceção dos EUA Quantos de nós recordam que em 1914 se tinha por certo que A guerra civilizada diznos o manual escolar limitase até onde possível à incapacitação das Forças Armadas do inimigo não fosse assim a guerra continuaria até o extermínio de uma das partes Há boas razões para que essa prática se tornasse um costume nos países da Europa Encyclopaedia Britannica XI ed 1911 arte Guerra Não é que ignoremos o ressurgimento da tortura ou mesmo do assassianto como parte normal das operações de segurança pública nos Estados modernos mas é provável que não avaliemos com precisão a dramática reviravolta implícita considerandose a longa era de desenvolvimento jurídico desde a primeira abolição formal da tortura num país ocidental na década de 1880 até 1914 E no entanto não podemos comparar o mundo do final do Breve Século XX ao mundo de seu início em termos da contabilidade histórica de mais e menos Tratavase de um mundo qualitativamente diferente em pelo menos três aspectos Primeiro ele tinha deixado de ser eurocêntrico Trouxera o declínio e queda da Europa ainda centro incontestado de poder riqueza intelecto e civilização ocidental quando o século começou Os europeus e seus descendentes estavam reduzidos de talvez um terço para no máximo um sexto da humanidade uma minoria decrescente vivendo em países que mal reproduziam quando reproduziam suas populações uma minoria cercada e na maioria dos casos com algumas brilhantes exceções como os EUA até a década de 1990 erguendo barricadas contra a pressão da imigração das regiões pobres As indústrias em que a Europa fora pioneira migraram para outras partes Os países do outro lado dos oceanos que outrora se voltavam para a Europa agora se voltavam para outras partes A Austrália a Nova Zelândia e até mesmo os bioceânicos EUA viam o futuro no Pacífico seja lá qual for o significado exato disso As grandes potências de 1914 todas européias haviam desaparecido como a URSS herdeira da Rússia czarista ou sido reduzidas a um status regional ou provincial com a possível exceção da Alemanha O próprio esforço para criar uma Comunidade Européia supranacional única e inventar um senso de identidade européia a ela correspondente substituindo as velhas lealdades a países e Estados históricos demonstrava a profundidade desse declínio Seria essa uma mudança de grande significado a não ser para os historia dores políticos Talvez não pois refletia apenas mudanças menores na configuração econômica intelectual e cultural do mundo Mesmo em 1914 os EUA já eram uma grande economia industrial o grande pioneiro modelo e força propulsora da produção em massa e da cultura de massa que conquistaram o globo durante o Breve Século XX e apesar de suas muitas peculiaridades eram a extensão da Europa no alémmar enquadrandose no Velho Continente sob a denominação civilização ocidental Quaisquer que fossem suas perspectivas futuras os EUA da década de 1990 viam o Século Americano às suas costas sua era de ascensão e triunfo O conjunto dos países da industrialização do século XIX continuava sendo de longe a maior concentração de riqueza e poder econômico e científicotecnológico do globo além daquele cujos povos tinham de longe o mais alto padrão de vida No fim do século isso ainda compensava fartamente a desindustrialização e a mudança da produção para outros continentes Nessa medida a impressão de um velho mundo eurocêntrico ou ocidental em pleno declínio era superficial A segunda transformação foi mais significativa Entre 1914 e o início da década de 1990 o globo foi muito mais uma unidade operacional única como não era e não poderia ter sido em 1914 Na verdade para muitos propósitos notadamente em questões econômicas o globo é agora a unidade operacional básica e unidades mais velhas como as economias nacionais definidas pelas políticas de Estados territoriais estão reduzidas a complicações das atividades transnacionais O estágio alcançado na década de 1990 na construção da aldeia global expressão cunhada na década de 1960 McLuhan 1962 não parecerá muito adianto aos observadores de meados do século XXI porém já havia transformado não apenas certas atividades econômicas e técnicas e as operações da ciência como ainda importantes aspectos da vida privada sobretudo devido à inimaginável aceleração das comunicações e dos transportes Talvez a característica mais impressionante do fim do século XX seja a tensão entre esse processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele É curioso observar que o comportamento humano privado teve menos dificuldade para adaptarse ao mundo da televisão por satélite ao correio eletrônico às férias nas Seychelles e ao emprego transoceânico A terceira transformação em certos aspectos a mais perturbadora é a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano e com ela aliás a quebra dos elos entre as gerações quer dizer entre passado e presente Isso ficou muito evidente nos países mais desenvolvidos da versão ocidental de capitalismo onde predominaram os valores de um individualismo asocial absoluto tanto nas ideologias oficiais como nas não oficiais embora muitas vezes aqueles que defendem esses valores deplorem suas consequências sociais Apesar disso encontravamse as mesmas tendências em outras partes reforçadas pela erosão das sociedades e religiões tradicionais e também pela destruição ou autodestruição das sociedades do socialismo real 24 34 Essa sociedade formada por um conjunto de indivíduos egocentrados sem outra conexão entre si em busca apenas da própria satisfação o lucro o prazer ou seja lá o que for estava sempre implícita na teoria capitalista Desde a Era da Revolução observadores de todos os matizes ideológicos previram a conseqüente desintegração dos velhos laços sociais na prática e acompanharam seu desenvolvimento É conhecido o eloquente tributo do Manifesto Comunista ao papel revolucionário do capitalismo A burguesia despedaçou impiedosamente os diversos laços feudais que ligavam o homem a seus superiores naturais e não deixou nenhum outro nexo entre homem e homem além do puro interesse próprio Mas não foi exatamente assim que a nova e revolucionária sociedade capitalista funcionou na prática Na prática a nova sociedade operou não pela destruição maciça de tudo que o herdara da velha sociedade mas adaptando seletivamente a herança do passado para uso próprio Não há enigma sociológico na disposição da sociedade burguesa de introduzir um individualismo radical na economia e despedaçar todas as relações sociais ao fazêlo isto é sempre que atrapalhassem temendo ao mesmo tempo o individualismo experimental radical na cultura ou no campo do comportamento e da moralidade Daniel Bell 1976 p 18 A maneira mais eficaz de construir uma economia industrial baseada na empresa privada era combinála com motivações que nada tivessem a ver com a lógica do livre mercado por exemplo com a ética protestante com a abstenção da satisfação imediata com a ética do trabalho árduo com a noção de dever e confiança familiar mas decerto não com a antiinômica rebelião dos indivíduos Contudo Marx e os outros profetas da desintegração dos velhos valores e relações sociais tinham razão O capitalismo era uma força revolucionadora permanente e contínua Claro que ela acabaria por desintegrar mesmo as partes do passado précapitalista que antes achava convenientes ou até mesmo essenciais para seu próprio desenvolvimento acabaria serrando pelo menos um dos galhos em que se assentava Isso vem acontecendo desde meados do século Sob o impacto da extraordinária explosão econômica da Era de Ouro e depois com suas consequentes mudanças sociais e culturais a mais profunda revolução na sociedade desde a Idade da Pedra o galho começou a estalar e partirse No fim deste século pela primeira vez tornouse possível ver como pode ser um mundo em que o passado inclusive o passado no presente perdeu seu papel em que os velhos mapas e cartas que guiavam os seres humanos pela vida individual e coletiva não mais representam a paisagem na qual nos movemos o mar em que navegamos Em que não sabemos aonde nos leva ou mesmo aonde deve levarnos nossa viagem É a essa situação que uma parte da humanidade já deve acomodarse no findo do século no novo milênio outras deverão fazêlo Porém então quem sabe já seja possível ver melhor para onde vai a humanidade Olhando para 25 35 trás vemos a estrada que nos trouxe até aqui foi o que tentei fazer neste livro Não sabemos o que moldará o futuro embora eu não tenha resistido à tentativa de refletir sobre parte desses problemas na medida em que eles surgem dos escombros do período que acaba de chegar ao fim Esperemos que seja um mundo melhor mais justo e mais viável O velho século não acabou bem 26 Parte um A ERA DA CATÁSTROFE 1 A ERA DA GUERRA TOTAL Filas de rostos pálidos murmurando máscaras de medo Eles deixam as trincheiras subindo pela borda Enquanto o tempo bate vazio e apressado nos pulsos E a esperança de olhos furtivos e punhos cerrados Naufraga na lama Ó Jesus fazei com que isso acabe Siegfried Sassoon 1947 p 71 Talvez se ache melhor em vista das alegações de barbaridade dos ataques aéreos manter as aparências com a formulação de regras mais brandas e também limitandose nominalmente o bombardeio a alvos de caráter estritamente militar para evitar enfatizar a verdade de que a guerra aérea tornou tais restrições obsoletas e impossíveis Talvez se passe algum tempo até que ocorra outra guerra e enquanto isso o público pode ser educado quanto ao significado da guerra aérea Rules as to bombardment by aircraft 1921 Townsend 1986 p 161 Sarajevo 1946 Aqui como em Belgrado vejo nas ruas um considerável número de moças cujos cabelos estão ficando grisalhos ou já o estão completamente Têm os rostos atormentados mas ainda jovens enquanto as formas dos corpos trazem ainda mais claramente sua juventude Pareceme ver como a mão desta última guerra passou pelas cabeças desses seres frágeis Tal visão não pode ser preservada para o futuro essas cabeças logo se tornarão mais grisalhas ainda e desaparecerão É uma pena Nada poderia falar tão claramente sobre nossa época às futuras gerações quanto essas jovens cabeças grisalhas das quais se roubou a despreocupação da juventude Que pelo menos tenham um memorial nesta notinha Signs by the roadside Andric 1992 p 50 29 As luzes se apagam em toda a Europa disse Edward Grey secretário das Relações Exteriores da GrãBretanha observando as luzes de Whitehall na noite em que a GrãBretanha e a Alemanha foram à guerra Não voltaremos a vêlas ascenderse em nosso tempo de vida Em Viena o grande satírísta Karl Kraus preparavase para documentar e denunciar essa guerra num extraordinário dramareportagem a que deu o título de Os últimos dias da humanidade Ambos viam a guerra mundial como o fim de um mundo e não foram os únicos Não foi o fim da humanidade embora houvesse momentos no curso dos 31 anos de conflito mundial entre a declaração de guerra austríaca à Sérvia a 28 de julho de 1914 e a rendição incondicional do Japão a 14 de agosto de 1945 quatro dias após a explosão da primeira bomba nuclear em que o fim de considerável proporção da raça humana não pareceu muito distante Sem dúvida houve momentos em que talvez fosse de esperarse que o deus ou os deuses que os humanos pios acreditavam ter criado o mundo e tudo o que nele existe estivessem arrependidos de havêlo feito A humanidade sobreviveu Contudo o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial quando suas colunas ruíram Não há como compreender o Breve Século XX sem ela Ele foi marcado pela guerra Viveu e pensou em termos de guerra mundial mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam Sua história e mais especificamente a história de sua era inicial de colapso e catástrofe devem começar com a da guerra mundial de 31 anos Para os que cresceram antes de 1914 o contraste foi tão impressionante que muitos inclusive a geração dos pais deste historiador ou pelo menos de seus membros centroeuropeus se recusaram a ver qualquer continuidade com o passado Paz significava antes de 1914 depois disso veio algo que não mais merecia esse nome Era compreensível Em 1914 não havia grande guerra fazia um século quer dizer uma guerra que envolvesse todas as grandes potências ou mesmo a maioria delas sendo que os grandes participantes do jogo internacional da época eram as seis grandes potências europeias GrãBretanha França Rússia ÁustriaHungria Prússia após 1871 ampliada para Alemanha e depois de unificada a Itália os EUA e o Japão Houvera apenas uma breve guerra em que mais de duas das grandes potências haviam combatido a Guerra da Crimeia 18546 entre a Rússia de um lado e a GrãBretanha e a França do outro Além disso a maioria das guerras envolvendo grandes potências fora rápida A maior delas não fora um conflito internacional mas uma Guerra Civil dentro dos EUA 18615 Mediase a extensão da guerra em meses ou mesmo como a guerra de 1866 entre a Prússia e a Áustria semanas Entre 1871 e 1914 não houvera na Europa guerra alguma em que exércitos de grandes potências cruzassem alguma fronteira hostil embora no Extremo Oriente o Japão tivesse combatido e vencido a Rússia em 19045 apressando com isso a Revolução Russa Não houvera em absoluto guerras mundiais No século XVIII a França e a GrãBretanha tinham combatido numa série de guerras cujos campos de batalha começavam na Índia passavam pela Europa e chegavam à América do Norte cruzando os oceanos do mundo Entre 1815 e 1914 nenhuma grande potência combateu outra fora de sua região imediata embora expedições agressivas de potências imperiais ou candidatas a imperiais contra inimigos mais fracos do ultramar fossem claro comuns A maioria dessas expedições resultava em lutas espetacularmente unilaterais como as guerras dos EUA contra o México 18468 e a Espanha 1898 e as várias campanhas para ampliar os impérios coloniais britânico e francês embora de vez em quando a escória reagisse como quando os franceses tiveram de retirarse do México na década de 1860 e os italianos da Etiópia em 1896 Com os Estados modernos munidos de arsenais cada vez mais cheios de uma tecnologia da morte tremendamente superior mesmo seus adversários mais formidáveis só podiam esperar na melhor das hipóteses um adiamento da retirada inevitável Esses conflitos exóticos eram material para livros de aventura ou reportagens dos correspondentes de guerra essa inovação de meados do século XX mais que assuntos de relevância direta para a maioria dos habitantes dos Estados que os travavam e venciarn Tudo isso mudou em 1914 A Primeira Guerra Mundial envolveu todas as grandes potências e na verdade todos os Estados europeus com exceção da Espanha os Países Baixos os três países da Escandinávia e a Suíça E mais tropas do ultramar foram muitas vezes pela primeira vez enviadas para lutar e operar fora de suas regiões Canadenses lutaram na França australianos e neozelandeses forjaram a consciência nacional numa península do Egeu Gallipoli tornouse seu mito nacional e mais importante os Estados Unidos rejeitaram a advertência de George Washington quanto a complicações européias e mandaram seus soldados para lá determinando assim a forma da história do século XX Indianos foram enviados para a Europa e o Oriente Médio batalhões de trabalhadores chineses vieram para o Ocidente africanos lutaram no exército francês Embora a ação militar fora da Europa não fosse muito significativa a não ser no Oriente Médio a guerra naval foi mais uma vez global a primeira batalha travouse em 1914 ao largo das ilhas Falkland e as campanhas decisivas entre submarinos alemães e comboios aliados deramse sobre e sob os mares do Atlântico Norte e Médio É quase desnecessário demonstrar que a Segunda Guerra Mundial foi global Praticamente todos os Estados independentes do mundo se envolveram quisessem ou não embora as repúblicas da América Latina só participassem de forma mais nominal As colônias das potências imperiais não tiveram escolha Com exceção da futura República da Irlanda e da Suécia Suíça se para ela e esperassem que o inimigo a usasse ela não foi usada por nenhum dos lados na Segunda Guerra Mundial se bem que os sentimentos humanitários não impedissem os italianos de lançar gás sobre os povos coloniais O acentuado declínio dos valores da civilização após a Segunda Guerra Mundial acabou trazendo o gás venenoso de volta Durante a Guerra IrãIraque na década de 1980 o Iraque então apoiado entusiasticamente pelos Estados ocidentais usouo à vontade contra soldados e civis Os britânicos foram pioneiros nos veículos blindados de esteira ainda conhecidos pelo então codinome de tanques mas seus generais não muito brilhantes ainda não haviam descoberto como usálos Ambos os lados usaram os novos e ainda frágeis aeroplanos além de a Alemanha curiosas aeronaves em forma de charuto e cheias de hélio fazendo experiências de bombardeio aéreo por sorte sem grande eficácia A guerra aérea também atingiu a maioridade na Segunda Guerra Mundial notadamente como um meio de aterroriar civis A única arma tecnológica que teve um efeito importante na guerra em 19148 foi o submarino pois os dois lados incapazes de derrotar os soldados um do outro decidiram matar de fome os civis do adversário Como todos os suprimentos da GrãBretanha eram transportados por mar parecia factível estrangular as ilhas britânicas mediante uma guerra submarina cada vez mais implacável contra os navios A campanha chegou perto do êxito em 1917 antes que se descobrissem meios efetivos de contêla mas fez mais que qualquer outra coisa para arrastar os EUA à guerra Os britânicos por sua vez fizeram o melhor possível para bloquear os suprimentos da Alemanha ou seja matar de fome a economia e a população alemãs Foram mais eficazes do que deviam pois como veremos a economia de guerra alemã não era dirigida com a eficiência e racionalidade de que se gabavam os alemães diferentemente da máquina militar alemã que tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial era impressionantemente superior a qualquer outra A mera superioridade do exército alemão enquanto força militar poderia terse mostrado decisiva se a partir de 1917 os aliados não tivessem podido valerse dos recursos praticamente ilimitados dos EUA Na verdade a Alemanha mesmo entravada pela aliança com a Áustria assegurou a vitória total no Leste expulsando a Rússia da guerra para a revolução e para fora de grande parte de seus territórios europeus em 19178 Pouco depois de impor a paz punitiva de BrestLitowsk março de 1918 o exército alemão agora livre para concentrarse no Ocidente na verdade rompeu a Frente Ocidental e avançou de novo sobre Paris Graças à inundação de reforços e equipamentos americanos os aliados se recuperaram mas por um instante pareceu por um triz Contudo era o último lance de uma Alemanha exausta que se sabia perto da derrota Assim que os aliados começaram a avançar no verão de 1918 o fim era apenas uma questão de semanas As Potências Centrais não apenas admitiram a derrota mas desmoronaram A revolução varreu o Sudeste e o Centro da Europa no outono de 1918 como varrera a Rússia em 1917 ver o próximo capítulo Nenhum dos velhos governos ficou de pé entre as fronteiras da França e o mar do Japão Mesmo os beligerantes do lado vitorioso ficaram abalados embora seja difícil acreditar que GrãBretanha e França não sobrevivessem inclusive à derrota como entidades políticas estáveis a Itália não contudo Certamente nenhum dos países derrotados escapou da revolução Se um dos grandes ministros ou diplomatas do passado aqueles a quem os membros aspirantes dos ministérios do Exterior de seus países ainda eram instruídos a tomar como modelos um Tayllerand ou um Bismarck se levantasse da cova para observar a Primeira Guerra Mundial certamente se perguntaria por que estadistas sensatos não tinham decidido resolver a guerra por meio de algum acordo antes que ela destruísse o mundo de 1914 É o que também nós devemos perguntarnos A maioria das guerras não revolucionárias e não ideológicas do passado não se travava sob a forma de lutas de morte ou que prosseguissem até a exaustão total Em 1914 certamente não era a ideologia que dividia os beligerantes exceto no fato de que nos dois lados a guerra tinha de ser travada mediante a mobilização da opinião pública isto é alegando algum profundo desafio a valores nacionais aceitos como o barbarismo russo contra a cultura alemã a democracia francesa e britânica contra o absolutismo alemão ou coisas assim Além disso houve estatísticas que recomendaram algum tipo de acordo de compromisso mesmo fora da Rússia e da ÁustriaHungria que pressionavam seus aliados nesse sentido com crescente desespero à medida que a derrota se aproximava Por que então a Primeira Guerra Mundial foi travada pelas principais potências dos dois lados como um tudo ou nada ou seja como uma guerra que só podia ser vencida por inteiro ou perdida por inteiro O motivo era que essa guerra ao contrário das anteriores tipicamente travadas em torno de objetivos específicos e limitados travavase por metas ilimitadas Na Era dos Impérios a política e a economia se haviam fundido A rivalidade política internacional se modelava no crescimento e competição econômicos mas o traço característico disso era precisamente não ter limites As fronteiras naturais da Standard Oil do Deutsche Bank ou da De Beers Diamond Corporation estavam no fim do universo ou melhor nos limites de sua capacidade de expansão Hobsbawm 1987 p 318 Mais concretamente para os dois principais oponentes Alemanha e GrãBretanha o céu tinha de ser o limite pois a Alemanha queria uma política e posição marítima globais como as que então ocupava a GrãBretanha com o conseqüente relegamento de uma já declinante GrãBretanha a um status inferior Era uma questão de ou uma ou outra Para a França então e depois os objetivos em jogo eram menos globais mas igualmente urgentes compensar sua crescente e aparentemente inevitável inferioridade demográfica e econômica frente à Alemanha Também aqui a questão era o futuro da França como grande potência Nos dois casos 37 Portugal Turquia e Espanha na Europa e talvez do Afeganistão fora da Europa quase todo o globo foi beligerante ou ocupado ou as duas coisas juntas Quanto aos campos de batalha os nomes de ilhas melanésias e assentamentos nos desertos norteafricanos na Birmânia e nas Filipinas tornaramse tão conhecidos dos leitores de jornais e radioouvintes e essa foi essencialmente a guerra dos noticiários radiofônicos quanto os nomes de batalhas no Ártico e no Cáucaso na Normandia em Stalingrado e em Kursk A Segunda Guerra Mundial foi uma aula de geografia do mundo Locais regionais ou globais as guerras do século XX iriam darse numa escala muito mais vasta do que qualquer coisa experimentada antes Das 74 guerras internacionais travadas entre 1816 e 1965 que especialistas americanos amantes desse tipo de coisa classificaram pelo número de vítimas as quatro primeiras ocorreram no século XX as duas guerras mundiais a guerra do Japão contra a China em 19379 e a Guerra da Coréia Cada uma delas matou mais de 1 milhão de pessoas em combate A maior guerra internacional documentada do século XIX pósnapoleônico entre PrússiaAlemanha e França em 18701 matou talvez 150 mil pessoas uma ordem de magnitude mais ou menos comparável às mortes da Guerra do Chaco de 19325 entre Bolívia pop c 3 milhões e Paraguai pop c 14 milhão Em suma 1914 inaugura a era do massacre Singer 1972 pp 66 e 131 Não há espaço neste livro para discutir as origens da Primeira Guerra Mundial que o autor tentou esboçar em A era dos impérios Ela começou como uma guerra essencialmente européia entre a tríplice aliança de França GrãBretanha e Rússia de um lado e as chamadas Potências Centrais Alemanha e ÁustriaHungria do outro com a Sérvia e a Bélgica sendo imediatamente arrastadas para um dos lados devido ao ataque austríaco que na verdade detonou a guerra à primeira e o ataque alemão à segunda como parte da estratégia de guerra da Alemanha A Turquia e a Bulgária logo se juntaram às Potências Centrais enquanto do outro lado a Tríplice Aliança se avolumava numa coalizão bastante grande Subornada a Itália também entrou depois foi a vez da Grécia da Romênia e muito mais nominalmente Portugal também Mais objetivo o Japão entrou quase de imediato a fim de tomar posições alemãs no Oriente Médio e no Pacífico ocidental mas não se interessou por nada fora de sua região e mais importante os EUA entraram em 1917 Na verdade sua intervenção seria decisiva Os alemães então como na Segunda Guerra Mundial viramse diante de uma possível guerra em duas frentes inteiramente diferente dos Bálcãs aos quais haviam sido arrastados por sua aliança com a ÁustriaHungria Contudo como três das quatro Potências Centrais ficavam nessa região a Turquia e a Bulgária além da Áustria ali o problema estratégico não era tão urgente O plano alemão era liquidar rapidamente a França no Ocidente e depois partir com igual rapidez para liquidar a Rússia no Oriente antes que o império do czar pudesse pôr em ação efetiva todo o peso de seu enorme potencial militar humano Então como depois movida pela necessidade a Alemanha planejava uma campanha relâmpago o que seria na Segunda Guerra Mundial chamado de blitzkrieg O plano quase deu certo mas não inteiramente O exército alemão avançou sobre a França inclusive atravessando a Bélgica neutra e só foi detido algumas dezenas de quilômetros a Leste de Paris junto ao rio Marne cinco ou seis semanas depois de declarada a guerra Em 1940 o plano viria a dar certo Em seguida recuou um pouco e os dois lados os franceses agora complementados pelo que restava dos belgas e por uma força de terra britânica que logo cresceria enormemente improvisaram linhas paralelas de trincheiras e fortificações defensivas que pouco depois se estendiam sem interrupção da costa do Canal em Flandres até a fronteira suíça deixando grande parte da França oriental e da Bélgica sob ocupação alemã Nos três anos e meio que se seguiram não houve mudanças significativas de posição Essa era a Frente Ocidental que se tornou uma máquina de massacre provavelmente sem precedentes na história da guerra Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos de trincheiras barricadas com sacos de areia sob as quais viviam como e com ratos e piolhos De vez em quando seus generais procuravam romper o impasse Dias e mesmo semanas de incessante bombardeio de artilharia que um escritor alemão chamou depois de furacões de aço Ernst Jünger 1921 amaciavam o inimigo e o mandavam para baixo da terra até que no momento certo levas de homens saíam por cima do parapeito geralmente protegido por rolos e teias de arame farpado para a terra de ninguém um caos de crateras de granadas inundadas de água tocos de árvores calcinadas lama e cadáveres abandonados e avançavam sobre as metralhadoras que os ceifavam como eles sabiam que aconteceria A tentativa alemã de romper a barreira em Verdun em 1916 fevereirojulho foi uma batalha de 2 milhões de homens com 1 milhão de baixas Fracassou A ofensiva dos britânicos no Somme destinada a forçar os alemães a suspender a ofensiva de Verdun custou à GrãBretanha 420 mil mortos 60 mil no primeiro dia de ataque Não surpreende que na memória dos britânicos e franceses que travaram a maior parte da Primeira Guerra Mundial na Frente Ocidental esta tenha permanecido como a Grande Guerra mais terrível e traumática na memória que a Segunda Guerra Mundial Os franceses perderam mais de 20 de seus homens em idade militar e se incluirnos os prisioneiros de guerra os feridos e os permanentemente estropiados e desfigurados os gueules cassées caras quebradas que se tornaram parte tão vívida da imagem posterior da guerra não muito mais de um terço dos soldados franceses saiu da guerra incólume As possibilidades do primeiro milhão de soldados britânicos sobreviver à guerra incólume eram de mais ou menos 50 Os britânicos perderam uma geração meio milhão de homens com menos de trinta anos Winter 1986 p 83 notadamente entre suas classes altas cujos rapazes destinados como gentlemen a ser os oficiais que davam o exemplo marchavam para a batalha à frente de seus homens e em conseqüência eram ceifados primeiro Um quarto dos alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército britânico em 1914 Winter 1986 p 98 foi morto Os alemães embora contassem ainda mais mortos que os franceses perderam apenas uma pequena proporção de seus contingentes em idade militar muito mais numerosos que os franceses 13 deles Mesmo as baixas aparentemente modestas dos EUA 116 mil contra 16 milhão de franceses quase 800 mil britânicos e 18 milhão de alemães na verdade demonstram a natureza assassina da Frente Ocidental a única onde estes lutaram Pois embora os EUA perdessem entre 25 e 3 vezes mais homens na Segunda Guerra Mundial que na Primeira em 19178 as forças americanas estiveram em ação por pouco mais de um ano e meio enquanto na Segunda Guerra Mundial foram três anos e meio e num único setor bastante exíguo e não no mundo inteiro Os horrores da guerra na Frente Ocidental teriam conseqüências ainda mais tristes Sem dúvida a própria experiência ajudou a brutalizar tanto a guerra como a política se uma podia ser feita sem contar os custos humanos ou quaisquer outros por que não a outra Quase todos os que serviram na Primeira Guerra Mundial em sua esmagadora maioria soldados rasos saíram dela inimigos convictos da guerra Contudo os exsoldados que haviam passado por aquele tipo de guerra sem se voltarem contra ela às vezes extraíam da experiência partilhada de viver com a morte e a coragem um sentimento de incomunicável e bárbara superioridade inclusive em relação a mulheres e não combatentes que viria a formar as primeiras fileiras da ultradireita do pósguerra Adolf Hitler era apenas um desses homens para quem o fato de ter sido frontsoldat era a experiência formativa da vida Contudo a reação oposta teve conseqüências igualmente negativas Após a guerra tornouse bastante evidente para os políticos pelo menos nos países democráticos que os banhos de sangue de 19148 não seriam mais tolerados pelos eleitores A estratégia pós1918 da GrãBretanha e da França tal como a estratégia pósVietnã nos EUA baseavase nessa crença A curto prazo isso ajudou os alemães a ganhar a Segunda Guerra Mundial no Ocidente em 1940 contra uma França empenhada em agacharse por trás de suas fortificações incompletas e uma vez rompidas estas simplesmente não querendo continuar a luta e uma GrãBretanha desesperada por evitar meterse no tipo de guerra terrestre maciça que dizimara seu povo em 19148 A longo prazo os governos democráticos não resistiram à tentação de salvar as vidas de seus cidadãos tratando as dos países inimigos como totalmente descartáveis O lançamento da bomba atômica sobre Hiroxima e Nagasaki em 1945 não foi justificado como indispensável para a vitória então absolutamente certa mas como um meio de salvar vidas de soldados americanos É possível no entanto que a idéia de que isso viesse a impedir a URSS aliada dos EUA de reivindicar uma participação preponderante na derrota do Japão tampouco estivesse ausente das cabeças do governo americano Enquanto a Frente Ocidental permanecia num impasse sangrento a Frente Oriental continuava em movimento Os alemães pulverizaram uma canhestra força de invasão russa na batalha de Tannenberg no primeiro mês da guerra e depois com a ajuda por vezes efetiva dos austríacos empurraram a Rússia para fora da Polônia Apesar de ocasionais contraofensivas russas ficou claro que as Potências Centrais tinham o domínio e que a Rússia travava uma ação defensiva de retaguarda contra o avanço alemão Nos Bálcãs as Potências Centrais tinham o controle apesar do desempenho militar irregular do pétreo império habsburgo Os beligerantes locais Sérvia e Romênia a propósito sofreram de longe as maiores perdas militares Os aliados apesar de ocuparem a Grécia não fizeram progresso até o colapso das Potências Centrais após o verão de 1918 O plano da Itália de abrir outra frente contra a ÁustriaHungria nos Alpes falhou sobretudo porque muitos soldados italianos não viam motivo para lutar pelo governo de um Estado que não consideravam seu e cuja língua poucos sabiam falar Após uma grande débâcle militar em Caporetto em 1917 que deixou uma memória literária no romance Adeus às armas de Ernest Hemingway os italianos tiveram mesmo de ser reforçados por transferências de outros exércitos aliados Enquanto isso França GrãBretanha e Alemanha sangravam até a morte na Frente Ocidental a Rússia se via cada vez mais desestabilizada pela guerra que estava perdendo a olhos vistos e o império austrohúngaro cambaleava para o desmoronamento desejado por seus movimentos nacionalistas locais e ao qual os ministros das Relações Exteriores aliados se resignavam sem entusiasmo prevendo com razão uma Europa instável Como romper o impasse na Frente Ocidental Esse era o problema crucial para os dois lados pois sem vitória no Ocidente nenhum dos dois podia vencer a guerra ainda mais porque a guerra naval também estava empatada A não ser por uns poucos ataques ocasionais os aliados controlavam os oceanos mas as frotas de combate britânicas e alemãs enfrentavamse e imobilizavam uma à outra no mar do Norte A única tentativa de entrar em combate 1916 terminou indefinida mas visto que confinou a frota alemã às suas bases no balanço geral foi vantajosa para os aliados Os dois lados tentaram vencer pela tecnologia Os alemães sempre fortes em química levaram o gás venenoso ao campo de batalha onde ele se revelou ao mesmo tempo bárbaro e ineficaz ocasionando o único caso autêntico de repulsa humanitária governamental a um meio de fazer a guerra a Convenção de Genebra de 1925 pela qual o mundo se comprometia a não usar guerra química É de fato embora todos os governos continuassem a preparar o acordo teria significado apenas adiamento A própria Alemanha seria de supor podia esperar até que seu tamanho e superioridade crescentes estabelecessem a posição que os governantes alemães achavam ser direito de seu país o que aconteceria mais cedo ou mais tarde Na verdade a posição dominante de uma Alemanha duas vezes derrotada e sem pretensões à potência militar na Europa era mais inconteste no início da década de 1990 do que as pretensões da Alemanha militarista jamais haviam sido antes de 1945 Contudo isso se deve ao fato de GrãBretanha e França como veremos terem sido forçadas após a Segunda Guerra Mundial embora com relutância a aceitar sua relegação a um status de segunda categoria assim como a Alemanha Federal com toda a sua força econômica reconheceu que no pós1945 a supremacia mundial como Estado individual estava e teria de continuar fora de seu poder Na década de 1900 no auge da era imperial e imperialista tanto a pretensão alemã a um status global único O espírito alemão regenerará o mundo diziam quanto a resistência a isso de GrãBretanha e França ainda inegáveis grandes potências num mundo eurocentrado continuavam intactas No papel sem dúvida era possível o acordo neste ou naquele ponto dos quase megalomaníacos objetivos de guerra que os dois lados formularam assim que a guerra estourou mas na prática só um objetivo contava naquela guerra a vitória total aquilo que na Segunda Guerra Mundial veio a chamarse rendição incondicional Era um objetivo absurdo que trazia em si a derrota e que arruinou vencedores e vencidos que empurrou os derrotados para a revolução e os vencedores para a bancarrota e a exaustão física Em 1940 a França foi atropelada com ridícula facilidade e rapidez por forças alemãs inferiores e aceitou sem hesitação a subordinação a Hitler porque o país havia sangrado até quase a morte em 19148 A GrãBretanha jamais voltou a ser a mesma após 1918 porque o país arruinara sua economia travando uma guerra que ia muito além de seus recursos Além disso a vitória total ratificada por uma paz punitiva imposta arruinou as escassas possibilidades existentes de restaurar alguma coisa que guardasse mesmo fraca semelhança com uma Europa estável liberal burguesa como reconheceu de imediato o economista John Maynard Keynes Se a Alemanha não fosse reintegrada na economia européia isto é se não se reconhecesse e aceitasse o peso econômico do país dentro dessa economia não poderia haver estabilidade Mas essa era a última consideração na mente dos que tinham lutado para eliminar a Alemanha O acordo de paz imposto pelas grandes potências vitoriosas sobreviventes EUA GrãBretanha França Itália e em geral embora imprecisamente conhecido como Tratado de Versalhes era dominado por cinco considera Tecnicamente o Tratado de Versalhes só se refere à paz com a Alemanha Vários parques e castelos reais nas vizinhanças de Paris deram seus nomes aos outros tratados SaintGermain com a Austria Trianon com a Hungria Sévres com a Turquia Neuilly com a Bulgária 38 ções A mais imediata era o colapso de tantos regimes na Europa e o surgimento na Rússia de um regime bolchevique revolucionário alternativo dedicado à subversão universal um ímã para forças revolucionárias de todas as partes ver capítulo 2 Segundo havia a necessidade de controlar a Alemanha que afinal quase tinha derrotado sozinha toda a coalizão aliada Por motivos óbvios esse era e continuou sendo desde então o maior interesse da França Terceiro o mapa da Europa tinha de ser redividido e retraçado tanto para enfraquecer a Alemanha quanto para preencher os grandes espaços vazios deixados na Europa e no Oriente Médio pela derrota e colapso simultâneos dos impérios russo habsburgue e otomano Os muitos pretendentes à sucessão pelo menos na Europa eram vários movimentos nacionalistas que os vitoriosos tendiam a estimular contanto que fossem antibolcheviques como convinha Na verdade na Europa o princípio básico de reordenação do mapa era criar Estadosnação étnicolinguísticos segundo a crença de que as nações tinham o direito de autodeterminação O presidente Wilson dos EUA cujas opiniões eram tidas como expressando as da potência sem a qual a guerra teria sido perdida estava empenhado a fundo nessa crença que era e é defendida com mais facilidade por quem está distante das realidades étnicas e linguísticas das regiões que seriam divididas em Estadosnação A tentativa foi um desastre como ainda se pode ver na Europa da década de 1990 Os conflitos nacionais que despedaçam o continente na década de 1990 são as galinhas velhas do Tratado de Versalhes voltando mais uma vez para o choco O remapeamento do Oriente Médio se deu ao longo de linhas imperialistas divisão entre GrãBretanha e França com exceção da Palestina onde o governo britânico ansioso por apoio internacional judeu durante a guerra tinha de maneira incauta e ambígua prometido estabelecer um lar nacional para os judeus Essa seria outra relíquia problemática e não esquecida da Primeira Guerra Mundial O quarto conjunto de considerações eram as políticas internas dentro dos países vitoriosos o que significava na prática GrãBretanha França e EUA e os atritos entre eles A consequência mais importante dessa politicagem interna foi que o Congresso americano se recusou a ratificar um acordo de paz escrito em grande parte por ou para seu presidente e os EUA por conseguinte se retiraram dele com resultados de longo alcance Por fim as potências vitoriosas buscaram desesperadamente o tipo de acordo de paz que tornasse impossível outra guerra como a que acabara de devastar o mundo e cujos efeitos retardados estavam em toda parte Fracas A guerra civil iugoslava a agitação secessionista na Eslováquia a secessão dos Estados bálticos da antiga URSS os conflitos entre húngaros e romenos pela Transilvânia o separatismo da Moldova Moldávia exBessarábia e na realidade o nacionalismo transcaucasiano são alguns dos problemas explosivos que não existiam ou não teriam como existir antes de 1914 saram da forma mais espetacular Vinte anos depois o mundo estava de novo em guerra Tornar o mundo seguro contra o bolchevismo e remapear a Europa eram metas que se sobrepunham pois à maneira mais imediata de tratar com a Rússia revolucionária se por acaso ela viesse a sobreviver o que não parecia de modo algum certo em 1919 era isolála atrás de um cinturão de quarentena cordon sanitaire na linguagem da diplomacia contemporânea de Estados anticomunistas Como os territórios desses Estados haviam sido em grande parte ou inteiramente seccionados de exterras russas sua hostilidade para com Moscou podia ser dada como certa Do Norte para o Sul eram eles Finlândia uma região autônoma que Lenin deixara separarse três novas pequenas repúblicas bálticas Estônia Letônia e Lituânia para as quais não havia precedente histórico Polônia devolvida à condição de Estado após 120 anos e uma Romênia muitíssimo ampliada com o tamanho duplicado por cessões das partes húngara e austríaca do império habsburgue e da exrussa Bessarábia A maioria desses Estados na verdade fora destacada da Rússia pela Alemanha e não fosse pela Revolução Bolchevique certamente teria sido devolvida àquele Estado A tentativa de ir adiante com esse cinturão de isolamento no Cáucaso fracassou antes de mais nada porque a Rússia revolucionária chegou a um acordo com a Turquia não comunista mas revolucionária e que não tinha simpatia pelos imperialistas britânicos e franceses Daí os Estados da Armênia e Geórgia independentes durante um curto período estabelecidos após BrestLitowsk e as tentativas conduzidas pelos britânicos de separar o Azerbaijão onde há muito petróleo não sobreviveram à vitória dos bolcheviques na Guerra Civil de 191820 e ao tratado soviéticoturco de 1921 Em suma no Leste os aliados aceitaram as fronteiras impostas pela Alemanha à Rússia revolucionária na medida em que essas fronteiras não eram tomadas inoperantes por forças que os aliados não pudessem controlar Isso ainda deixava grandes regiões sobretudo da antiga Europa austrohúngara para serem remapeadas Á Áustria e a Hungria foram reduzidas a retaguardas alemã e magiar a Sérvia foi expandida para uma grande e nova Iugoslávia pela fusão com a exaustríaca Eslovênia e a exhúngara Croácia e também com o antes independente pequeno reino tribal de pastores e assaltantes Montenegro uma sombria massa de montanhas cujos habitantes reagiram à perda sem precedentes de sua soberania convertendose em massa ao comunismo que achavam apreciava a virtude heróica Estavam também ligados à Rússia ortodoxa cuja fé os ainda não conquistados homens da montanha negra tinham defendido contra os infiéis turcos durante tantos séculos Também se formou uma nova Tchecoslováquia juntandose o miolo industrial do império habsburgue as terras tchecas às áreas de camponeses eslavocos e rutênios antes pertencentes à Hungria A Romênia foi ampliada para um conglomerado multinacional enquanto a Polônia e a Itália também se beneficia vam Não havia um único precedente histórico assim como não havia lógica nas combinações iugoslavas e tchecoslovacas meras construções de uma ideologia nacionalista que acreditava na força da etnicidade e na indesejabilidade de Estadosnação pequenos demais Todos os eslavos do Sul iugoslavos pertenciam a um Estado assim como os eslavos do norte das terras tchecas e eslovacas Como se poderia esperar esses casamentos sob mira de espingarda não se mostraram muito firmes A propósito com exceção das remanescentes Áustria e Hungria privadas da maioria mas na prática não inteiramente todas de suas minorias os novos Estados sucessores tirados da Rússia ou do império habsburgue não eram menos multinacionais que seus antecessores Impôsse à Alemanha uma paz punitiva justificada pelo argumento de que o Estado era o único responsável pela guerra e todas as suas consequências a cláusula da culpa de guerra para mantêla permanentemente enfraquecida Isso foi conseguido não tanto por perdas territoriais embora a AlsáciaLorena voltasse à França e uma substancial região no Leste à Polônia restaurada o Corredor Polonês que separava a Prússia oriental do resto da Alemanha além de alguns ajustes menores nas fronteiras alemãs essa paz punitiva foi na realidade assegurada privandose a Alemanha de uma marinha e uma força aérea efetivas limitandose seu exército a 100 mil homens impondose reparações pagamentos dos custos da guerra incorridos pelos vitoriosos teoricamente infinitas pela ocupação militar de parte da Alemanha Ocidental e não menos privandose a Alemanha de todas as suas antigas colônias no ultramar Elas foram redistribuídas entre os britânicos e seus domínios os franceses e em menor extensão aos japoneses mas em deferência à crescente impopularidade do imperialismo não mais foram chamadas de colônias e sim de mandatos para assegurar o progresso de povos atrasados entregues humanitariamente às potências imperiais que nem sonhariam em explorálos para nenhum outro propósito Com exceção das cláusulas territoriais nada restava do Tratado de Versalhes em meados da década de 1930 Quanto ao mecanismo para impedir outra guerra mundial era evidente que desmoronara absolutamente o consórcio de grandes potências européias que se supunha assegurálo antes de 1914 A alternativa exortada a obstinados politiqueiros europeus pelo presidente Wilson com todo o fervor liberal de um cientista político de Princeton era estabelecer uma Liga de Nações isto é Estados independentes que tudo abrangesse e que solucionasse pacífica e democraticamente os problemas antes que se descontrolassem de preferência em negociação pública alianças abertas feitas abertamente pois a guerra também tornara suspeitos como diplomacia secreta os habituais e sensíveis processos de negociação internacional Foi em grande parte uma reação contra os tratados secretos acertados entre os aliados durante a guerra nos quais dividiram a Europa do pósguerra e o Oriente Médio com uma surpreendente falta de atenção pelos desejos ou mesmo interesses dos habitantes daquelas 40 41 regiões Os bolcheviques descobrindo esses documentos sensíveis nos arquivos czaristas haviamnos prontamente publicado para o mundo ler e portanto exigiase um exercício de redução de danos A Liga das Nações foi de fato estabelecida como parte do acordo de paz e revelouse um quase total fracasso a não ser como uma instituição para coleta de estatísticas Contudo em seus primeiros dias resolveu uma ou duas disputas menores que não punham a paz mundial em grande risco como a da Finlândia e Suécia sobre as ilhas Åland A recusa dos EUA a juntarse à Liga das Nações privoua de qualquer significado real Não é necessário entrar em detalhes da história do entreguerras para ver que o acordo de Versalhes não podia ser a base de uma paz estável Estava condenado desde o início e portanto outra guerra era praticamente certa Como já observamos os EUA quase imediatamente se retiraram e num mundo não mais eurocentrado e eurodeterminando nenhum acordo não endossado pelo que era agora uma grande potência mundial podia se sustentar Como veremos isso se aplicava tanto às questões econômicas do mundo quanto à sua política Duas grandes potências européias e na verdade mundiais estavam temporariamente não apenas eliminadas do jogo internacional mas ainda como não existindo como jogadores independentes a Alemanha e a Rússia soviética Assim que uma ou as duas reentrassem em cena um acordo de paz baseado apenas na GrãBretanha e na França pois a Itália também continuava insatisfeita não poderia durar E mais cedo ou mais tarde a Alemanha ou a Rússia ou as duas reapareceriam inevitavelmente como grandes jogadores Qualquer pequena chance que tivesse a paz foi torpedeada pela recusa das potências vitoriosas a reintegrar as vencidas É verdade que a repressão total da Alemanha e a total proscrição da Rússia soviética logo se revelaram impossíveis mas a adaptação à realidade foi lenta e relutante Os franceses em particular só de má vontade abandonaram a esperança de manter a Alemanha fraca e impotente Os britânicos não eram obcecados pela lembrança da derrota e da invasão Quanto à URSS os Estados vencedores teriam preferido que não existisse e tendo apoiado os exércitos da contrarevolução na Guerra Civil russa e enviado forças militares para apoiálos não mostravam entusiasmo algum pelo reconhecimento dessa sobrevivência Seus homens de negócios chegaram mesmo a descartar as ofertas das maiores concessões a investidores estrangeiros feitas por Lenin desesperado por qualquer forma de reiniciar a economia quase destruída pela guerra a revolução e a guerra civil A Rússia soviética foi obrigada a desenvolverse no isolamento embora para fins políticos os dois Estados proscritos da Europa a Rússia soviética e a Alemanha se juntassem no início da década de 1920 Talvez a guerra seguinte pudesse ter sido evitada ou pelo menos adiada se se houvesse restaurado a economia préguerra como um sistema global de próspero crescimento e expansão econômicos Contudo após uns poucos anos em meados da década de 1920 nos quais se pareceu ter deixado para trás a guerra e a perturbação pósguerra a economia mundial mergulhou na maior e mais dramática crise que conhecera desde a Revolução Industrial ver capítulo 3 E isso levou ao poder na Alemanha e no Japão as forças políticas do militarismo e da extrema direita empenhadas num rompimento deliberado com o status quo mais pelo confronto se necessário militar do que pela mudança negociada aos poucos Daí em diante uma nova guerra mundial era não apenas previsível mas rotineiramente prevista Os que atingiram a idade adulta na década de 1930 a esperavam A imagem de frotas de aviões jogando bombas sobre cidades e de figuras de pesadelo com máscaras contra gases tateando o caminho como cegos em meio à nuvem de gás venenoso perseguiu minha geração profeticamente num caso erroneamente no outro II As origens da Segunda Guerra Mundial produziram uma literatura histórica incomparavelmente menor sobre suas causas do que as da Primeira Guerra e por um motivo óbvio Com as mais raras exceções nenhum historiador sério jamais duvidou de que a Alemanha Japão e mais hesitante a Itália foram os agressores Os Estados arrastados à guerra contra os três capitalistas ou socialistas não queriam o conflito e a maioria fez o que pôde para evitálo Em termos mais simples a pergunta sobre quem ou o que causou a Segunda Guerra Mundial pode ser respondida em duas palavras Adolf Hitler As respostas a perguntas históricas não são claro tão simples Como vimos a situação mundial criada pela Primeira Guerra era inerentemente instável sobretudo na Europa mas também no Extremo Oriente e portanto não se esperava que a paz durasse A insatisfação com o status quo não se restringia aos Estados derrotados embora estes notadamente a Alemanha sentissem que tinham bastantes motivos para ressentimento como de fato tinham Todo partido na Alemanha dos comunistas na extrema esquerda aos nacionalsocialistas de Hitler na extrema direita combinavamse na condenação do Tratado de Versalhes como injusto e inaceitável Paradoxalmente uma revolução alemã autêntica poderia ter produzido uma Alemanha menos explosiva no cenário internacional Os dois países derrotados que foram de fato revolucionados a Rússia e a Turquia se achavam demasiado preocupados com suas 43 próprias questões incluindo a defesa de suas fronteiras para desestabilizar a situação internacional Eram forças a favor da estabilidade na década de 1930 e na verdade a Turquia permaneceu neutra na Segunda Guerra Mundial Contudo tanto o Japão quanto a Itália embora do lado vencedor da guerra também se sentiam insatisfeitos os japoneses com um realismo de certa forma maior que os italianos cujos apetites imperiais excediam muitíssimo o poder de seu Estado independente para satisfazêlos De qualquer modo a Itália saíra da guerra com consideráveis ganhos territoriais nos Alpes no Adriático e até mesmo no mar Egeu mesmo não sendo aquele butim prometido ao Estado pelos aliados em troca da entrada ao lado deles em 1915 Contudo o triunfo do fascismo um movimento contrarevolucionário e portanto ultranacionalista e imperialista sublinhou a insatisfação italiana ver capítulo 5 Quanto ao Japão sua força militar e naval bastante considerável tornavao a mais formidável potência no Extremo Oriente sobretudo desde que a Rússia estava fora do quadro e isso foi em certa medida reconhecido internacionalmente pelo Acordo Naval de Washington de 1922 que pôs um ponto final na supremacia naval britânica estabelecendo a fórmula de 553 para a força das marinhas americana britânica e japonesa respectivamente Mas o Japão cuja industrialização avançava a passos largos embora em tamanho absoluto a economia ainda fosse bastante modesta 25 da produção mundial no fim da década de 1920 sem dúvida achava que merecia uma fatia major do bolo do Extremo Oriente do que as potências imperiais brancas lhe concediam Além disso os japoneses tinham uma aguda consciência da vulnerabilidade de um país ao qual faltavam praticamente todos os recursos naturais necessários a uma economia moderna cujas importações estavam à mercê de interferências de marinhas estrangeiras e as exportações à mercê do mercado dos EUA A pressão militar para a criação de um império territorial próximo na China diziase logo encurtaria as linhas de comunicação japonesas e assim as tornaria menos vulneráveis Apesar disso fosse qual fosse a instabilidade da paz pós1918 e a probabilidade de seu colapso é bastante inegável que o que causou concretamente a Segunda Guerra Mundial foi a agressão pelas três potências descontentes ligadas por vários tratados desde meados da década de 1930 Os marcos militares na estrada para a guerra foram a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931 a invasão da Etiópia pelos italianos em 1935 a intervenção alemã e italiana na Guerra Civil Espanhola em 19369 a invasão alemã da Áustria no início de 1938 o estopim a posteriori da Tchecoslováquia pela Alemanha no mesmo ano a ocupação alemã do que restava da Tchecoslováquia em março de 1939 seguida pela ocupação italiana da Albânia e as exigências alemãs à Polônia que levaram de fato ao início da guerra Alternativamente podemos contar esses marcos militares de um modo negativo a nãoação da Liga contra o Japão a nãotomada de medidas efetivas contra a Itália em 1935 a nãoreação de GrãBretanha e França à denúncia unilateral alemã do Tratado de Versalhes e notadamente a reocupação alemã da Renânia em 1936 a recusa de GrãBretanha e França a intervir na Guerra Civil Espanhola nãointervenção a nãoreação destas à ocupação da Áustria o recuo delas diante da chantagem alemã sobre a Tchecoslováquia o Acordo de Munique de 1938 e a recusa da URSS a continuar opondose a Hitler em 1939 o pacto HitlerStalin de agosto de 1939 E no entanto se um lado claramente não queria guerra e fez tudo possível para evitála e o outro a glorificava e no caso de Hitler sem dúvida a desejava ativamente nenhum dos agressores queria a guerra que tiveram quando a tiveram e contra pelo menos alguns dos inimigos com os quais se viram lutando O Japão apesar da influência militar em sua política certamente teria preferido alcançar seus objetivos em essência a criação de um império lesteasiático sem uma guerra geral na qual só se envolveu porque os EUA se achavam envolvidos numa Que tipo de guerra queria a Alemanha quando e contra quem ainda são temas de discussão pois Hitler não era um homem que documentava suas decisões mas duas coisas estão claras Uma guerra contra a Polônia apoiada pela GrãBretanha e a França em 1939 não fazia parte de seu plano de guerra e a guerra em que finalmente se viu contra a URSS e os EUA era o pesadelo de todo general e diplomata alemão A Alemanha e depois o Japão precisava de uma guerra ofensiva rápida pelos mesmos motivos que a tinham feito necessária em 1914 Os recursos conjuntos dos inimigos potenciais de cada um deles uma vez unidos e coordenados eram esmagadoramente maiores que os seus Nenhum dos dois sequer fez planos para uma guerra extensa nem contou com armamentos de longo período de gestação Em contraste os britânicos aceitando a inferioridade em terra investiram seu dinheiro desde o início nas formas mais caras e tecnologicamente sofisticadas de armamento e fizeram planos para uma longa guerra em que eles e seus aliados venceriam o outro lado em produção Os japoneses foram mais bemsucedidos que os alemães em evitar a coalizão de seus inimigos pois ficaram de fora tanto da guerra da Alemanha contra a GrãBretanha e a França em 193940 quanto da guerra contra a Rússia depois de 1941 Ao contrário das outras potências eles tinham lutado de fato contra o Exército Vermelho numa guerra não oficial mas substancial na fronteira sinosiberiana em 1939 e saído seriamente maltratados O Japão só entrou na guerra contra a GrãBretanha e os EUA mas não contra a URSS em dezembro de 1941 Infelizmente para ele a única potência contra a qual tinha de lutar os EUA he era tão imensamente superior em recursos que praticamente tinha de vencer A Alemanha pareceu mais afortunada por algum tempo Na década de 1930 quando a guerra se aproximava a GrãBretanha e a França não se juntaram à Rússia soviética e esta acabou preferindo chegar a um acordo com Hitler enquanto a política local impedia o presidente Roosevelt de dar mais 44 que apoio burocrático ao lado que apoiava apaixonadamente A guerra portanto começou em 1939 como um conflito puramente europeu e de fato depois que a Alemanha entrou na Polônia que foi derrotada e dividida em três semanas com a agora neutra URSS como uma guerra puramente européia ocidental de Alemanha contra GrãBretanha e França Na primavera de 1940 a Alemanha levou de roldão a Noruega Dinamarca Países Baixos Bélgica e França com ridícula facilidade ocupando os quatro primeiros países e dividindo a França numa zona diretamente ocupada e administrada pelos alemães vitoriosos e num Estado satélite francês seus governantes oriundos dos vários setores da reação francesa não queriam mais chamála de república com capital num balneário provinciano Vichy Só restou em guerra com a Alemanha a GrãBretanha sob uma coalizão de todas as forças nacionais chefiada por Winston Churchill e baseada na total recusa a qualquer tipo de acordo com Hitler Foi nesse momento que a Itália fascista decidiu escorregar do muro de neutralidade onde se sentava cautelosamente seu governo para o lado alemão Para fins práticos a guerra na Europa acabara Mesmo que a Alemanha não pudesse invadir a GrãBretanha devido ao duplo obstáculo do mar e da Real Força Aérea não havia possibilidade de uma guerra em que os britânicos pudessem retornar ao continente europeu quanto mais derrotar a Alemanha Os meses de 19401 quando a GrãBretanha ficou sozinha são um momento maravilhoso na história do povo britânico ou pelo menos dos que tiveram a sorte de vivêlo mas as possibilidades do país eram exíguas O programa de rearranamento Defesa do Hemisfério dos EUA de junho de 1940 praticamente assumia que mais armas para a GrãBretanha seriam inúteis e mesmo depois de aceita a sobrevivência britânica o Reino Unido ainda era visto sobretudo como uma base de defesa distante para a América Enquanto isso o mapa da Europa era redesenhado A URSS por acordo ocupou as áreas européias do império czarista perdidas em 1918 com exceção das partes da Polônia tomadas pela Alemanha e a Finlândia contra a qual Stalin travara uma desastrada guerra de inverno em 193940 o que levou as fronteiras russas um pouco mais para longe de Leningrado Hitler presidiu uma revisão do acordo de Versalhes nos antigos territórios habsburgos que se revelou de curta vida As tentativas britânicas de ampliar a guerra nos Bálcãs levaram à esperada conquista de toda a península pela Alemanha incluindo as ilhas gregas Na verdade a Alemanha cruzou de fato o Mediterrâneo para a África quando pareceu que sua aliada Itália ainda mais decepcionante como poder militar na Segunda Guerra Mundial que a ÁustriaHungria na Primeira ia ser inteiramente expulsa de seu império africano pelos britânicos que lutavam a partir de sua base principal no Egito O Afrika Korps alemão sob um de seus mais talentosos generais Erwim Rommel ameaçou toda a posição britânica no Oriente Médio A guerra foi revivida pela invasão da URSS por Hitler em 22 de junho de 46 Asiático como intolerável e aplicaram severa pressão econômica sobre o Japão cujo comércio e abastecimentos dependiam inteiramente das comunicações marítimas Foi esse conflito que levou à guerra entre os dois países O ataque japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 tornou a guerra mundial Dentro de poucos meses os japoneses tinham tomado todo o Sudeste Asiático continental e insular ameaçando invadir a Índia a partir da Birmânia no Oeste e o vazio Norte da Austrália a partir da Nova Guiné É provável que o Japão não pudesse evitar a guerra com os EUA a menos que desistisse do objetivo de estabelecer um poderoso império econômico eufemisticamente chamado de Grande Esfera de Coprosperidade LesteAsiática que era a essência mesma de sua política Contudo tendo observado as consequências do fracasso das potências européias ao tentarem resistir a Hitler e Mussolini e seus resultados não se poderia esperar que os EUA e F D Roosevelt reagissem à expansão japonesa como a GrãBretanha e a França tinham reagido à expansão alemã De qualquer modo a opinião pública americana encarava o Pacífico ao contrário da Europa como um campo normal para a ação dos EUA mais ou menos como a América Latina O isolacionismo americano pretendia manterse fora apenas da Europa Na verdade foram o embargo ocidental isto é americano ao comércio japonês e o congelamento de bens japoneses que obrigaram o Japão a passar à ação se não queria que sua economia inteiramente dependente de importações oceânicas fosse estrangulada de repente A jogada que fez era perigosa e revelouse suicida O Japão talvez aproveitasse sua única oportunidade de estabelecer rapidamente seu império sulista mas como calculava que isso exigia a imobilização da marinha americana a única força que podia intervir também significava que os EUA com suas forças e recursos esmagadoramente superiores seriam imediatamente arrastados para a guerra Não havia como o Japão vencer essa guerra O mistério é por que Hitler já inteiramente esgotado na Rússia declarou gratuitamente guerra aos EUA dando assim ao governo de Roosevelt a oportunidade de entrar no conflito europeu ao lado da GrãBretanha sem enfrentar esmagador resistência política em casa Pois havia muito pouca dúvida na mente de Washington de que a Alemanha nazista constituía um perigo muito mais sério ou de qualquer modo muito mais global para a posição dos EUA e do mundo que o Japão Os EUA portanto preferiram concentrarse mais em ganhar a guerra contra a Alemanha do que contra o Japão e concentrar seus recursos de acordo O cálculo foi correto Foram necessários mais três anos e meio para derrotar a Alemanha após o que o Japão foi posto de joelhos em três meses Não há explicação adequada para a loucura de Hitler embora saibamos que ele persistente e impressionantemente subestimou a capacidade de ação para não falar no potencial econômico e tecnológico dos EUA porque julgava as democracias incapazes de agir A única democracia que levava a sério era a GrãBretanha que com razão encarava como não inteiramente democrática 49 As decisões de invadir a Rússia e declarar guerra aos EUA decidiram também o resultado da Segunda Guerra Mundial Isso não pareceu imediatamente óbvio pois o Eixo atingira o auge do seu sucesso em meados de 1942 e só perdeu inteiramente a iniciativa militar em 1943 Além disso os aliados ocidentais só reentraram efetivamente no continente europeu em 1944 pois enquanto conseguiam expulsar o Eixo do Norte da África e atravessar para a Itália eram mantidos à distância pelo exército alemão Nesse meio tempo a única grande arma dos aliados ocidentais contra a Alemanha era o poder aéreo e este como demonstraram pesquisadores posteriores se mostrava espetacularmente ineficaz exceto para matar civis e destruir cidades Só os exércitos soviéticos continuaram a avançar e só nos Bálcãs sobretudo na Iugoslávia Albânia e Grécia um movimento armado em grande parte inspirado pelos comunistas que causou à Alemanha e ainda mais à Itália sérios problemas militares Apesar disso Winston Churchill tinha razão quando exclamou confiiante depois de Pearl Harbor que a vitória pela aplicação correta de uma força esmagadora era certa Kennedy p 347 Do fim de 1942 em diante ninguém duvidou de que a Grande Aliança contra o Eixo ia vencer Os aliados começaram a concentrarse no que fazer com sua previsível vitória Não precisamos seguir mais adiante o curso dos acontecimentos militares já não ser para observar que no Ocidente a resistência alemã se mostrou muito dura de vencer mesmo depois que os aliados reentraram em peso no continente em junho de 1944 e que ao contrário de 1918 não houve sinal algum de revolução alemã contra Hitler Só os generais alemães núcleo de poder militar e eficiência prussianos tradicionais tramaram a queda de Hitler em julho de 1944 pois eram mais patriotas racionais do que entusiastas de um Götterdämmerung wagneriano em que a Alemanha seria totalmente destruída Não tiveram apoio popular fracassaram e foram mortos en masse pelos legalistas de Hitler No Leste houve ainda menos sinais de racha na determinação do Japão de lutar até o fim motivo pelo qual se lançaram armas nucleares sobre Hiroxima e Nagasaki para assegurar uma rápida rendição japonesa A vitória em 1945 foi total a rendição incondicional Os Estados inimigos derrotados foram totalmente ocupados pelos vencedores Não se fez qualquer paz formal pois não se reconhecia nenhuma autoridade independente das forças de ocupação pelo menos na Alemanha e no Japão O mais próximo de negociações de paz foi a série de conferências entre 1943 e 1945 em que as principais potências aliadas EUA URSS e GrãBretanha decidiram a divisão dos despojos da vitória e sem muito sucesso tentaram determinar suas relações umas com as outras depois da guerra em Teerã em 1943 em Moscou no outono de 1944 em Ialta Crimeia no inicio de 1945 e em Potsdam na Alemanha ocupada em agosto de 1945 Mais bemsucedida uma série de negociações interaliados entre 1943 e 1945 estabeleceu um esquema mais geral para as relações políticas e econômicas entre Estados incluindo o estabelecimento das Nações Unidas Essas questões pertencem a outro capítulo ver capítulo 9 50 Mais ainda que a Grande Guerra a Segunda Guerra Mundial foi portanto travada até o fim sem idéias sérias de acordo em nenhum dos lados com exceção da Itália que trocou de lado e regime político em 1943 e não foi inteiramente tratada como território ocupado mas como um país derrotado com um governo reconhecido Foi ajudada pelo fato de os aliados não conseguirem empurrar os alemães e a República Social fascista sob Mussolini deles dependente para fora de mais da metade da Itália durante quase dois anos Ao contrário da Primeira Guerra Mundial essa mútua intransigência não exige explicação especial Era de ambos os lados uma guerra de religião ou em termos modernos de ideologias Foi também e demonstravelmente uma luta de vida ou morte para a maioria dos países envolvidos O preço da derrota frente ao regime nacionalsocialista alemão como foi demonstrado na Polônia e nas partes ocupadas da URSS e pelo destino dos judeus cujo extermínio sistemático foi se tornando aos poucos conhecido de um mundo incrédulo era a escravização e a morte Daí a guerra ser travada sem limites A Segunda Guerra Mundial ampliou a guerra maciça em guerra total Suas perdas são literalmente incalculáveis e mesmo estimativas aproximadas se mostram impossíveis pois a guerra ao contrário da Primeira Guerra Mundial matou tão prontamente civis quanto pessoas de uniforme e grande parte da pior matança se deu em regiões ou momentos em que não havia ninguém a postos para contar ou se importar As mortes diretamente causadas por essa guerra foram estimadas entre três e quatro vezes o número estimado da Primeira Guerra Mundial Milward p 270 Petersen 1986 e em outros termos entre 10 e 20 da população total da URSS Polônia e Iugoslávia e entre 4 e 6 da Alemanha Itália Áustria Hungria Japão e China As baixas na GrãBretanha e França foram bem menores que na Primeira Guerra cerca de 1 mas nos EUA um tanto mais altas Mesmo assim são palpites As baixas soviéticas foram estimadas em vários momentos mesmo oficialmente em 7 milhões 11 milhões ou na faixa de 20 ou mesmo 30 milhões De qualquer modo que significa exatidão estatística com ordens de grandeza tão astronômicas Seria menor o horror do holocausto se os historiadores concluíssem que exterminou não 6 milhões estimativa original por cima e quase certamente exagerada mas 5 ou mesmo 4 milhões E se os novecentos dias de sítio alemão a Leningrado 19414 mataram 1 milhão ou apenas três quartos ou meio milhão de fome e exaustão Na verdade podemos realmente apreender números além da realidade aberta à intuição física Que significa para o leitor médio desta página que de 57 milhões de prisioneiros de guerra russos na Alemanha 33 milhões morreram Hirschfeld 1986 A única coisa certa sobre as baixas da guerra é que levaram mais homens que mulheres Em 1959 ainda havia na URSS sete mulheres entre as idades de 35 e cinquenta anos para cada quatro homens Milward 1979 p 212 Os prédios podiam ser mais facilmente reconstruídos após essa guerra do que as vidas dos sobreviventes 52 Também neste caso as guerras do século XX foram guerras de massa no sentido de que usaram e destruíram quantidades até então inconcebíveis de produtos durante a luta Daí a expressão alemã Materialschlacht para descrever as batalhas ocidentais de 19148 batalhas de materiais Napoleão por sorte para a capacidade industrial extremamente restrita da França em sua época pôde vencer a batalha de Jena em 1806 e com isso destruir o poder da Prússia com não mais de 1500 rodadas de artilharia Contudo mesmo antes da Primeira Guerra Mundial a França fazia planos para uma produção de munição de 1012 mil granadas por dia e no fim sua indústria teve de produzir 200 mil granadas por dia Mesmo a Rússia czarista descobriu que produzia 150 mil granadas por dia ou uma taxa de 45 milhões por mês Não admira que os processos das fábricas de engenharia mecânica fossem revolucionados Quanto aos instrumentos menos destrutivos da guerra lembremos que durante a Segunda Guerra Mundial o exército dos EUA encomendou mais de 519 milhões de pares de meias e mais de 219 milhões de calças enquanto as forças alemãs fiéis à tradição burocrática num único ano 1943 encomendou 44 milhões de tesouras e 62 milhões de almofadas para os carrinhos dos departamentos militares Milward 1979 p 68 A guerra em massa exigia produção em massa Mas a produção também exigia organização e administração mesmo sendo o seu objetivo a destruição racionalizada de vidas humanas da maneira mais eficiente como nos campos de extermínio alemães Falando em termos mais gerais a guerra total era o maior empreendimento até então conhecido do homem e tinha de ser conscientemente organizado e administrado Isso também suscitava novos problemas Os assuntos militares sempre foram interesse especial dos governos desde que assumiram a direção de exércitos permanentes que ficam no século XVII em vez de subcontratálos de empresários militares Na verdade exércitos e guerra logo se tornaram indústrias ou complexos de atividade econômica muito maiores que qualquer coisa no comércio privado motivo pelo qual no século XIX tantas vezes proporcionaram a especialização e a capacidade de administração para os vastos empreendimentos privados que se desenvolveram na área industrial por exemplo os projetos de ferrovias ou instalações portuárias Além disso quase todos os governos estavam no ramo de fabricação de armamentos e material bélico embora em fins do século XIX surgisse uma espécie de simbiose entre governo e produtores de armamentos privados especializados sobretudo nos setores de alta tecnologia como a artilharia e a marinha que antecipavam o que hoje conhecemos como complexo industrialmilitar ver A era dos impérios capítulo 13 Apesar disso a crença básica entre a era da Revolução Francesa e a Primeira Guerra Mundial era de que a economia iria até onde fosse possível continuar a operar em tempo de guerra como em tempo de paz negócios como sempre embora é claro algumas indústrias fossem sentir claramente seu impacto por exemplo a indústria de roupas da qual se exigiria que produzisse trajes militares muito além de qualquer capacidade em tempo de paz 53 O principal problema dos governos era para eles fiscal como pagar as guerras Deveria ser por meio de empréstimos de impostos diretos e em qualquer dos casos em que termos exatos Conseqüentemente eram os tesouros ou ministérios de Finanças que eram vistos como os comandantes da economia de guerra A Primeira Guerra Mundial que durou tão mais do que os governos haviam previsto e consumiu tão mais homens e armamentos tornou impossíveis os negócios como sempre e com eles a dominação dos ministérios de Finanças embora funcionários do Tesouro como o jovem Maynard Keynes na GrãBretanha ainda balançassem a cabeça diante da disposição dos políticos de buscar vitória sem contar os custos financeiros Estavam certos claro A GrãBretanha travou as duas guerras muito além de seus meios com conseqüências duradouras e negativas para sua economia Contudo se se tinha de travar a guerra em escala moderna não só seus custos precisavam ser levados em conta mas sua produção e no fim toda a economia precisava ser administrada e planejada Os governos só aprenderam isso por experiência própria durante a Primeira Guerra Mundial Na Segunda já o sabiam desde o começo graças em grande parte à experiência da Primeira cujas lições suas autoridades haviam estudado intensamente Apesar disso só aos poucos foi ficando claro como os governos tinham de assumir completamente a economia e como eram agora essenciais o planejamento e a alocação de recursos além de pelos mecanismos econômicos habituais No início da Segunda Guerra Mundial só dois Estados a URSS e em menor medida a Alemanha nazista tinham qualquer mecanismo para controlar fisicamente a economia o que não surpreende pois as idéias soviéticas de planejamento eram originalmente inspiradas e em certa medida baseadas no que os bolcheviques conheciam da planejada economia de guerra alemã de 19147 ver capítulo 13 Alguns Estados notadamente a GrãBretanha e os EUA não tinham sequer os rudimentos de tais mecanismos É pois um estranho paradoxo que entre as economias planejadas de guerra dirigidas por governos em ambas as guerras e em guerras totais isso queria dizer todas as economias de guerra as dos Estados democráticos ocidentais GrãBretanha e França na Primeira Guerra GrãBretanha e mesmo os EUA na Segunda se mostrassem muito superiores à da Alemanha com sua tradição de teorias e administração racionalburocrática Sobre planejamento soviético ver capítulo 13 Só podemos imaginar os motivos mas sobre os fatos não há dúvida A economia de guerra alemã foi menos sistemática e eficaz na mobilização de todos os recursos para a guerra claro até depois que a estratégia de ataques relâmpago falhou não precisava fazêlo e certamente cuidou muito menos da população civil alemã Os habitantes de GrãBretanha e França que sobreviveram ilesos à Primeira Guerra Mundial provavel 1941 a data decisiva da Segunda Guerra Mundial uma invasão tão insensata pois comprometia a Alemanha numa guerra em duas frentes que Stalin simplesmente não acreditava que Hitler pudesse contemplála Mas para Hitler a conquista de um vasto império territorial oriental rico em recursos e trabalho escravo era o próximo passo lógico e como todos os outros especialistas militares com exceção dos japoneses ele subestimou especialmente a capacidade soviética de resistir Não porém sem certa plausibilidade em vista da desorganização do Exército Vermelho pelos expurgos da década de 1930 ver capítulo 13 da aparente condição do país dos efeitos gerais do terror e das intervenções extraordinariamente ineptas de Stalin na estratégia militar Na verdade os avanços iniciais dos exércitos alemães foram tão rápidos e pareceram tão decisivos quanto as campanhas no Ocidente No início de outubro estavam nos arredores de Moscou e há indícios de que durante alguns dias o próprio Stalin ficou desmoralizado e pensou em fazer a paz Mas o momento passou e as simples dimensões das reservas de espaço força humana valentia física e patriotismo russos e um implacável esforço de guerra derrotaram os alemães e deram à URSS tempo para se organizar efetivamente sobretudo por deixar que os muito talentosos chefes militares alguns deles recémlibertados de gulags fizessem o que achavam melhor Os anos de 19425 foram a única vez em que Stalin fez uma pausa em seu terror Uma vez que a guerra russa não se decidira em três semanas como Hitler esperava a Alemanha estava perdida pois não estava equipada nem podia agüentar uma guerra longa Apesar de seus triunfos tinha e produzia muito menos aviões do que mesmo a GrãBretanha e a Rússia sem contar os EUA Uma nova ofensiva alemã em 1942 após o inverno terrível pareceu tão brilhantemente bemsucedida como todas as outras e levou os exércitos alemães a fundo no Cáucaso e ao vale do baixo Volga mas não podia mais decidir a guerra Os exércitos alemães foram detidos em Stalingrado verão de 1942março de 1943 Depois disso os russos começaram por sua vez o avanço que só os levou a Berlim Praga e Viena no fim da guerra De Stalingrado em diante todo mundo sabia que a derrota da Alemanha era só uma questão de tempo Enquanto isso a guerra ainda basicamente européia se tornara de fato global Isso se deveu em parte às agitações antiimperialistas entre os súditos e dependentes da GrãBretanha ainda o maior império mundial embora ainda pudessem ser eliminadas sem dificuldade Os simpatizantes de Hitler entre os bóeres na África do Sul podiam ser internados ressurgiram depois da guerra como os arquitetos do regime de apartheid de 1954 e a tomada do poder no Iraque por Rashid Ali na primavera de 1941 foi rapidamente sufocada Muito mais significativo foi o fato de que o triunfo de Hitler na Europa deixou um vácuo imperial parcial no Sudeste Asiático no qual o Japão então entrou afirmando um protetorado sobre as desamparadas relíquias dos franceses na Indochina Os EUA encararam essa extensão do poder do Eixo no Sudeste mente estavam um pouco mais saudáveis que antes da guerra mesmo quando eram mais pobres e o salário real de seus trabalhadores havia subido Os alemães estavam mais famintos e os salários reais de seus operários haviam caído As comparações são mais difíceis na Segunda Guerra Mundial quando nada porque a França foi logo eliminada os EUA eram mais ricos e sob muito menos pressão a URSS mais pobre e sob muito mais A economia de guerra alemã tinha praticamente toda a Europa para explorar mas acabou a guerra com muito maior destruição física que os beligerantes ocidentais Mesmo assim no conjunto uma GrãBretanha mais pobre cujo consumo civil caíra em mais de 20 em 1943 encerrou a guerra com uma população ligeiramente mais bem alimentada e saudável graças a uma planejada economia de guerra sistematicamente voltada para a igualdade e justiça de sacrifício e justiça social O sistema alemão era claro inequitativo em princípio A Alemanha explorou os recursos e a mãodeobra da Europa ocupada tratou as populações não alemãs como inferiores e em casos extremos os poloneses mas sobretudo os russos e judeus praticamente como mãodeobra escrava descartável que não precisava nem ser mantida viva A mãodeobra estrangeira aumentou cerca de um quinto da força de trabalho na Alemanha em 1944 30 nas indústrias de armamentos Mesmo assim o máximo que se pode afirmar sobre os próprios trabalhadores alemães é que seus ganhos reais permaneceram os mesmos que em 1938 A mortalidade infantil britânica e as taxas de doença caíram progressivamente durante a guerra Na ocupada e dominada França um país proverbialmente rico em alimentos e fora da guerra depois de 1940 declinaram o peso médio e a forma física da população em todas as idades A guerra total sem dúvida revolucionou a administração Até onde revolucionou a tecnologia e a produção Ou perguntando de outro modo até onde adiou ou retardou o desenvolvimento econômico Adiantou visivelmente a tecnologia pois o conflito entre beligerantes avançados era não apenas de exércitos mas de tecnologias em competição para fornecerlhes armas eficazes e outros serviços essenciais Não fosse pela Segunda Guerra Mundial e o medo de que a Alemanha nazista explorasse as descobertas da física nuclear a bomba atômica certamente não teria sido feita nem os enormes gastos necessários para produzir qualquer tipo de energia nuclear teriam sido empreendidos no século XX Outros avanços tecnológicos conseguidos no primeiro caso para fins de guerra mostraramse consideravelmente de aplicação mais imediata na paz pensamos na aeronáutica e nos computadores mas isso não altera o fato de que a guerra ou a preparação para a guerra foi um grande mecanismo para acelerar o progresso técnico carregando os custos de desenvolvimento de inovações tecnológicas que quase com certeza não teriam sido empreendidas por ninguém que fizesse cálculos de custobenefício em tempo de paz ou teriam sido feitos de forma mais lenta e hesitante ver capítulo 9 Mesmo assim a tendência tecnológica da guerra não era nova Além disso a economia industrial moderna foi construída com base em inovação tecnológica constante que por certo teria ocorrido provavelmente em ritmo crescente mesmo sem guerras se podemos tomar essa suposição irrealista para argumentar As guerras sobretudo a Segunda Guerra Mundial ajudaram muito a difundir a especialização técnica e certamente tiveram um grande impacto na organização industrial e nos métodos de produção em massa mas o que conseguiram foi de longe mais uma aceleração da mudança que uma transformação A guerra promoveu o crescimento econômico Num certo sentido é evidente que não As perdas de recursos produtivos foram pesadas sem contar a queda no contingente da população ativa Vinte e cinco por cento dos bens de capital préguerra foram destruídos na URSS durante a Segunda Guerra Mundial 13 na Alemanha 8 na Itália 7 na França embora apenas 3 na GrãBretanha mas isso deve ser contrabalançado pelas novas construções de tempo de guerra No caso extremo da URSS o efeito econômico líquido da guerra foi inteiramente negativo Em 1945 a agricultura do país estava em ruínas assim como a industrialização dos Planos Quinquenais préguerra Tudo que restava eram uma imensa e inteiramente inadaptável indústria de armamentos um povo morrendo de fome e em declínio e maciça destruição física Por outro lado as guerras foram visivelmente boas para a economia dos EUA Sua taxa de crescimento nas duas guerras foi bastante extraordinária sobretudo na Segunda Guerra Mundial quando aumentou mais ou menos 10 ao ano mais rápido que nunca antes ou depois Em ambas os EUA se beneficiaram do fato de estarem distantes da luta e serem o principal arsenal de seus aliados e da capacidade de sua economia de organizar a expansão da produção de modo mais eficiente que qualquer outro É provável que o efeito econômico mais duradouro das duas guerras tenha sido dar à economia dos EUA uma preponderância global sobre todo o Breve Século XX o que só começou a desaparecer aos poucos no fim do século ver o capítulo 9 Em 1914 já eram a maior economia industrial mas ainda não a dominante As guerras que os fortaleceram enquanto enfraqueciam relativa ou absolutamente suas concorrentes transformaram sua situação Se os EUA nas duas guerras e a Rússia sobretudo na Segunda Guerra Mundial representam os dois extremos dos efeitos econômicos das guerras o resto do mundo se situa entre esses dois extremos mas no todo mais perto da ponta russa que da ponta americana da curva IV Falta avaliar o impacto humano da era de guerras e seus custos humanos O simples volume de baixas a que já nos referimos é apenas parte destes Muito curiosamente a não ser por motivos compreensíveis na URSS os núme 54 55 ros muito menores da Primeira Guerra Mundial iriam causar um impacto muito maior que as imensas quantidades da Segunda como testemunham a maior predominância de monumentos e o culto aos mortos da Primeira Guerra Mundial A Segunda não produziu equivalentes dos monumentos ao soldado desconhecido e depois dela a comemoração do Dia do Armistício aniversário do 11 de novembro de 1918 foi perdendo aos poucos sua solenidade de entreguerras Talvez 10 milhões de mortos parecessem um número mais brutal para os que jamais haviam esperado tal sacrifício do que 54 milhões para os que já haviam experimentado a guerra como um massacre antes Sem dúvida tanto a totalidade dos esforços de guerra quanto a determinação de ambos os lados de travála sem limites e a qualquer custo deixaram a sua marca Sem isso é difícil explicar a crescente brutalidade e desumanidade do século XX Sobre essa curva ascendente de barbarismo após 1914 não há infelizmente dúvida séria No início do século XX a tortura fora oficialmente encerrada em toda a Europa Ocidental Depois de 1945 voltamos a acostumarnos sem grande repulsa a seu uso em pelo menos um terço dos Estados membros das Nações Unidas incluindo alguns dos mais velhos e civilizados Peters 1985 O aumento da brutalização deveuse não tanto à liberação do potencial latente de crueldade e violência no ser humano que a guerra naturalmente legitima embora isso certamente surgisse após a Primeira Guerra Mundial entre um certo tipo de exsoldados veteranos sobretudo nos esquadrões da morte ou arruaceiros e Brigadas Livres da ultradireita nacionalista Por que homens que tinham matado e visto matar e estropiar seus amigos iriam hesitar em matar e brutalizar os inimigos de uma boa causa Um motivo importante foi a estranha democratização da guerra Os conflitos totais viraram guerras populares tanto porque os civis e a vida civil se tornaram os alvos estratégicos certos e às vezes principais quanto porque em guerras democráticas como na política democrática os adversários são naturalmente demonizados para fazêlos devidamente odiosos ou pelo menos desprezíveis As guerras conduzidas de ambos os lados por profissionais ou especialistas sobretudo os de posição social semelhante não excluem o respeito mútuo e a aceitação de regras ou mesmo cavalheirismo A violência tem suas leis Isso ainda era evidente entre os pilotos de caças das forças aéreas nas duas guerras como testemunha o filme pacifista de Jean Renoir sobre a Primeira Guerra Mundial La grande illusion Os profissionais da política e da diplomacia quando desimpedidos pelas exigências de votos ou jornais podem declarar guerra ou negociar a paz sem ressentimentos contra o outro lado como boxeadores que se apertam as mãos antes de começarem a luta e bebem uns com os outros depois Mas as guerras totais estavam muito distantes do padrão bismarckiano ou do século XVIII Nenhuma guerra em que se mobilizam os sentimentos nacionais de massa pode ser tão limitada quanto as guerras aristocrá ticas E devese dizer na Segunda Guerra Mundial a natureza do regime de Hitler e o comportamento dos alemães inclusive do velho exército alemão não nazista na Europa Oriental foi o de justificar muita demonização Outro motivo porém era a nova impessoalidade da guerra que tornava o matar e estropiar uma consequência remota de apertar um botão ou virar uma alavanca A tecnologia tornava suas vítimas invisíveis como não podiam fazer as pessoas evisceradas por baionetas ou vistas pelas miras de armas de fogo Diante dos canhões permanentemente fixos da Frente Ocidental estavam não homens mas estatísticas nem mesmo estatísticas reais mas hipotéticas como mostraram as contagens de corpos de baixas inimigas durante a guerra americana no Vietnã Lá embaixo dos bombardeios aéreos estavam não as pessoas que iam ser queimadas e evisceradas mas somente alvos Rapazes delicados que certamente não teriam desejado enfiar uma baioneta na barriga de uma jovem aldeã grávida podiam com muito mais facilidade jogar altos explosivos sobre Londres ou Berlim ou bombas nucleares em Nagasaki Diligentes burocratas alemães que certamente teriam achado repugnante tanger eles próprios judeus mortos de fome para abatedouros podiam organizar os horários de trem para o abastecimento regular de comboios da morte para os campos de extermínio poloneses com menos senso de envolvimento pessoal As maiores crueldades de nosso século foram as crueldades impessoais decididas à distância de sistema e rotina sobretudo quando podiam ser justificadas como lamentáveis necessidades operacionais Assim o mundo acostumouse à expulsão e matança compulsórias em escala astronômica fenômenos tão conhecidos que foi preciso inventar novas palavras para eles sem Estado apátrida ou genocídio A Primeira Guerra Mundial levou à matança de um incontável número de armênios pela Turquia o número mais habitual é de 15 milhão que pode figurar como a primeira tentativa moderna de eliminar toda uma população Foi seguida depois pela mais conhecida matança nazista de cerca de 5 milhões de judeus os números permanecem em disputa Hilberg 1985 A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa forçaram milhões de pessoas a se deslocarem como refugiados ou por compulsórias trocas de população entre Estados que equivalia à mesma coisa Um total de 13 milhão de gregos foi repatriado para a Grécia sobretudo da Turquia 400 mil turcos foram decantados no Estado que os reclamava cerca de 200 mil búlgaros passaram para o diminuído território que tinha o seu nome nacional enquanto 15 ou talvez 2 milhões de nacionais russos fugindo da Revolução Russa ou no lado perdedor da Guerra Civil russa se viram sem pátria Foi sobretudo para estes mais do que para os 300 mil armênios que fugiam ao genocídio que se inventou um novo documento para aqueles que num mundo cada vez mais burocratizado não tinham existência burocrática em qualquer Estado o chamado passaporte de Nansen da Liga das Nações com o nome do grande explorador ártico que fez 56 57 uma segunda carreira como amigo dos semamigos Numa estimativa por cima os anos 191422 geraram entre 4 e 5 milhões de refugiados A primeira enxurrada de destroços humanos foi o mesmo que nada diante do que se seguiu à Segunda Guerra Mundial ou da desumanidade com que foram tratados Estimouse que em maio de 1945 havia talvez 405 milhões de pessoas desraízadas na Europa excluindose trabalhadores forçados dos alemães e alemães que fugiam diante do avanço dos exércitos soviéticos Kulicher 1948 pp 25373 Cerca de 13 milhões de alemães foram expulsos das partes da Alemanha ocupadas pela Polônia e a URSS da Tchecoslováquia e partes do Sudeste europeu onde haviam sido assentados Holborn 1968 p 363 Foram absorvidos pela nova República Federal da Alemanha que ofereceu um lar e cidadania a qualquer alemão que voltasse para lá como o novo Estado de Israel ofereceu um direito de retorno a qualquer judeu Quando senão em épocas de fuga em massa poderiam tais ofertas ser feitas a sério Das 11 332 700 pessoas deslocadas de várias nacionalidades encontradas na Alemanha pelos exércitos vitoriosos em 1945 10 milhões logo retornaram a suas pátrias mas a metade destas foi obrigada a fazêlo contra a vontade Jacobmeyer 1986 Não havia refugiados apenas na Europa A descolonização da Índia em 1947 criou 15 milhões deles obrigados a cruzar as novas fronteiras entre a Índia e o Paquistão nas duas direções sem contar os 2 milhões mortos na guerra civil que se seguiu A Guerra da Coréia outro subproduto da Segunda Guerra Mundial produziu talvez 5 milhões de coreanos deslocados Após o estabelecimento de Israel ainda outro dos efeitos da guerra cerca de 13 milhão de palestinos foram registrados na Agência de Socorro e Trabalho das Nações Unidas UNRWA do outro lado em inícios da década de 1960 12 milhão de judeus haviam migrado para Israel a maioria deles também refugiados Em resumo a catástrofe humana desencadeada pela Segunda Guerra Mundial é quase certamente a maior na história humana O aspecto não menos importante dessa catástrofe é que a humanidade aprendeu a viver num mundo em que a matança a tortura e o exílio em massa se tornaram experiências do diaadia que não mais notamos Retrospectivamente os 31 anos desde o assassinato do arquiduque austríaco em Sarajevo até a rendição incondicional do Japão devem parecer uma era de devastação comparável à Guerra dos Trinta Anos do século XVII na história alemã É Sarajevo a primeira Sarajevo certamente assinalou o início de uma era geral de catástrofe e crise nos assuntos do mundo que é o tema deste e dos próximos quatro capítulos Apesar disso na memória das gerações pós1945 a Guerra dos Trinta e Um Anos não deixou atrás de si o mesmo tipo de memória que sua antecessora mais localizada do século XVII Isso se deve em parte ao fato de ela só ter formado uma única era de guerra da perspectiva do historiador Para os que a viveram foi experimentada como duas guerras distintas embora relacionadas separadas por um período entreguerras sem francas hostilidades que vai de treze anos para o Japão cuja Segunda Guerra começou na Manchúria em 1931 a 23 anos para os EUA que só entraram na Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941 Contudo se dá também porque cada uma dessas guerras teve seu próprio caráter e perfil históricos Ambas foram episódios de carnificina sem paralelos deixando atrás as imagens de pesadelo tecnológico que rondaram as noites e dias da geração seguinte gás venenoso e bombardeio aéreo após 1914 a nuvem do cogumelo da destruição nuclear após 1945 Ambas acabaram em colapso e como veremos no próximo capítulo revolução social em grandes regiões da Europa e Ásia Ambas deixaram os beligerantes exaustos e enfraquecidos a não ser os EUA que saíram das duas guerras incólumes e enriquecidos como os senhores econômicos do mundo E no entanto como são impressionantes as diferenças A Primeira Guerra Mundial não resolveu nada As esperanças que gerou de um mundo pacífico e democrático de Estadosnação sob a Liga das Nações de um retorno à economia mundial de 1913 mesmo entre os que saudaram a Revolução Russa de capitalismo mundial derrubado dentro de anos ou meses por um levante dos oprimidos logo foram frustradas O passado estava fora de alcance o futuro fora adiado o presente era amargo a não ser por uns poucos anos passageiros em meados da década de 1920 A Segunda Guerra Mundial na verdade trouxe soluções pelo menos por décadas Os impressionantes problemas sociais e econômicos do capitalismo na Era da Catástrofe aparentemente sumiram A economia do mundo ocidental entrou em sua Era de Ouro a democracia política ocidental apoiada por uma extraordinária melhora na vida material ficou estável baniuse a guerra para o Terceiro Mundo Por outro lado até mesmo a revolução pareceu ter encontrado seu caminho para a frente Os velhos impérios coloniais desapareceram ou logo estariam destinados a desaparecer Um consórcio de Estados comunistas organizado em torno da União Soviética agora transformada em superpotência parecia disposto a competir na corrida pelo crescimento econômico com o Ocidente Isso se revelou uma ilusão mas só na década de 1960 essa ilusão começou a desvaneceerse Como podemos ver agora mesmo o cenário internacional se estabilizou embora não parecesse Ao contrário da Grande Guerra os exinimigos Alemanha e Japão se reintegraram na economia mundial ocidental e os novos inimigos os EUA e a URSS jamais foram realmente às vias de fato Mesmo as revoluções que encerraram as duas guerras foram bastante diferentes As do pósPrimeira Guerra Mundial tinham como vemos raízes numa repulsa ao que a maioria das pessoas que as viveram encarava cada vez mais como uma matança sem sentido Tinham sido revoluções contra a guerra As revoluções posteriores à Segunda Guerra Mundial surgiram da partici 58 59 pação popular num conflito mundial contra inimigos Alemanha Japão mais generalizadamente o imperialismo que embora terrível os que dele participaram julgavam justo E no entanto como as duas guerras mundiais os dois tipos de revolução pósguerra podem ser vistos na perspectiva do historiador como um único processo Devemos voltarnos agora para isso 2 A REVOLUÇÃO MUNDIAL Ao mesmo tempo acrescentou Bukharin Acho que entramos num período de revolução que pode durar cinquenta anos antes que a revolução seja finalmente vitoriosa na Europa e em todo o mundo Arthur Ransome Six weeks in Russia in 1919 Ransome 1919 p 54 Como é terrível ler o poema de Shelley para não falar dos cantos camponeses egípcios de 3 mil anos atrás denunciando opressão e exploração Serão eles lidos num futuro ainda repleto de opressão e exploração e dirão às pessoas Até naquele tempo Bertolt Brecht ao ler The masque of anarchy em 1938 Brecht 1964 Depois da Revolução Francesa surgiu na Europa uma Revolução Russa e isso mais uma vez ensinou ao mundo que mesmo o mais forte dos invasores pode ser repelido assim que o destino da Pátria é realmente confiado ao povo aos humildes aos proletários à gente trabalhadora Do jornal mural da 19 Brigata Eusebio Giambone dos partisans italianos 1944 Pavone 1991 p 406 A revolução foi a filha da guerra no século XX especificamente a Revolução Russa de 1917 que criou a União Soviética transformada em superpotência pela segunda fase da Guerra dos Trinta e Um Anos porém mais geralmente a revolução como uma constante global na história do século A guerra sozinha não conduz necessariamente a crise colapso e revolução nos países beligerantes Na verdade antes de 1914 predominava a crença contrária pelo menos em relação a regimes estabelecidos com legitimidade tradicional Napoleão I queixavase amargamente de que o imperador da Áustria podia sobreviver feliz a uma centena de batalhas perdidas como o rei da Prússia sobrevivera ao desastre e à perda de metade de suas terras enquanto ele próprio filho da Revolução Francesa estaria em risco após uma única derrota Mas as tensões da guerra total do século XX sobre os Estados e povos nela envolvidos foram tão esmagadoras e sem precedentes que eles se viram esticados até quase seus limites e quase sempre até o ponto de ruptura Só os EUA saíram das guerras mundiais como tinham entrado apenas um pouco mais fortes Para todos os demais o fim das guerras significou levantes Parecia óbvio que o velho mundo estava condenado A velha sociedade a velha economia os velhos sistemas políticos tinham como diz o provérbio chinês perdido o mandato do céu A humanidade estava à espera de uma alternativa Essa alternativa era conhecida em 1914 Os partidos socialistas com o apoio das classes trabalhadoras em expansão de seus países e inspirados pela crença na inevitabilidade histórica de sua vitória representavam essa alternativa na maioria dos Estados da Europa ver A era dos impérios capítulo 5 Aparentemente só era preciso um sinal para os povos se levantarem substituírem o capitalismo pelo socialismo e com isso transformarem os sofrimentos sem sentido da guerra mundial em alguma coisa mais positiva as sangrentas dores e convulsões do parto de um novo mundo A Revolução Russa ou mais precisamente a Revolução Bolchevique de outubro de 1917 pretendeu dar ao mundo esse sinal Tornouse portanto tão fundamental para a história deste século quanto a Revolução Francesa de 1789 para o século XIX Na verdade não é por acaso que a história do Breve Século XX segundo a definição deste livro praticamente coincide com o tempo de vida do Estado nascido da Revolução de Outubro Contudo a Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profundas e globais que sua ancestral Pois se as ideias da Revolução Francesa como é hoje evidente duraram mais que o bolchevismo as consequências práticas de 1917 foram muito maiores e mais duradouras que as de 1789 A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna Sua expansão global não tem paralelo desde as conquistas do islã em seu primeiro século Apenas trinta ou quarenta anos após a chegada de Lenin à Estação Finlândia em Petrogrado um terço da humanidade se achava vivendo sob regimes diretamente derivados dos Dez dias que abalaram o mundo Reed 1919 e do modelo organizacional de Lenin o Partido Comunista A maioria seguiu a URSS na segunda onda de revoluções surgida da segunda fase da longa guerra mundial de 191445 O presente capítulo trata dessa revolução em duas partes embora naturalmente se concentre na Revolução original e formativa de 1917 e no estilo próprio especial que impôs às suas sucessoras De qualquer modo dominouas em grande parte I Durante grande parte do Breve Século XX o comunismo soviético proclamouse um sistema alternativo e superior ao capitalismo e destinado pela história a triunfar sobre ele E durante grande parte desse período até mesmo muitos daqueles que rejeitavam suas pretensões de superioridade estavam longe de convencidos de que ele não pudesse triunfar E com a significativa exceção dos anos de 1933 a 1945 ver capítulo 5 a política internacional de todo o Breve Século XX após a Revolução de Outubro pode ser mais bem entendida como uma luta secular de forças da velha ordem contra a revolução social dita como encarnada nos destinos da União Soviética e do comunismo internacional a eles aliada ou deles dependente À medida que avançava o Breve Século XX essa imagem da política mundial como um duelo entre as forças de dois sistemas sociais rivais cada um após 1945 mobilizado por trás de uma superpotência a brandir armas de destruição global se tornou cada vez mais irrealista Na década de 1980 tinha tão pouca relevância para a política internacional quanto as Cruzadas Mas podemos entender como veio a existir Pois mais completa e inflexivelmente até mesmo que a Revolução Francesa em seus dias jacobinos a Revolução de Outubro se via menos como um acontecimento nacional que ecumênico Foi feita não para proporcionar liberdade e socialismo à Rússia mas para trazer a revolução do proletariado mundial Na mente de Lenin e seus camaradas a vitória bolchevique na Rússia era basicamente uma batalha na campanha para alcançar a vitória do bolchevismo numa escala global mais ampla e dificilmente justificável a não ser como tal Que a Rússia czarista estava madura para a revolução merecia muitíssimo uma revolução e na verdade essa revolução certamente derrubaria o czarismo já fora aceito por todo observador sensato do panorama mundial desde a década de 1870 ver A era dos impérios capítulo 12 Após 19056 quando o czarismo foi de fato posto de joelhos pela revolução ninguém duvidava seriamente disso Alguns historiadores em retrospecto dizem que a Rússia czarista não fossem o acidente da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevique teria evoluído para uma florescente sociedade industrial liberalcapitalista e estava a caminho disso mas seria necessário um microscópio para detectar profecias desse tipo feitas antes de 1914 Na verdade o regime czarista mal se recuperara da revolução de 1905 quando indeciso e incompetente como sempre se viu mais uma vez açoitado por uma onda de descontentamento social em rápido crescimento Tirando a firme lealdade do exército polícia e serviço público nos últimos meses antes da eclosão da guerra o país parecia mais uma vez à beira de uma erupção Na verdade como em tantos dos países beligerantes o entusiasmo e patriotismo das massas após a eclosão da guerra desarmaram a situação política embora no caso da Rússia não por muito tempo Em 1915 os problemas de governo do czar pareciam mais uma vez insuperáveis Nada pareceu menos surpreendente e inesperado que a revolução de março de 1917 que derrubou a monarquia russa e foi universalmente saudada por toda a opinião pública ocidental com exceção dos mais emperdenidos reacionários tradicionalistas E no entanto com exceção dos românticos que viam uma estrada reta levando das práticas coletivas da comunidade aldeã russa a um futuro socialista todos tinham como igualmente certo que uma revolução da Rússia não podia e não seria socialista As condições para uma tal transformação simplesmente não estavam presentes num país camponês que era um sinônimo de pobreza ignorância e atraso e onde o proletariado industrial o predestinado coveiro do capitalismo de Marx era apenas uma minúscula minoria embora estrategicamente localizada Os próprios revolucionários marxistas russos partilhavam dessa opinião Por si mesma a derrubada do czarismo e do sistema de latifundiários iria produzir e só se poderia esperar que produzisse uma revolução burguesa A luta de classes entre a burguesia e o proletariado que segundo Marx só podia ter um resultado continuaria então sob as novas condições políticas Claro a Rússia não existia isolada e uma revolução naquele enorme país que se estendia das fronteiras do Japão às da Alemanha e cujo governo era parte do punhado de potências mundiais que dominava a situação mundial não poderia deixar de ter grandes consequências internacionais O próprio Karl Marx no fim da vida tinha esperado que a Revolução Russa agisse como uma espécie de detonador disparando a revolução proletária nos países ocidentais industrialmente mais desenvolvidos onde estavam presentes as condições para uma revolução socialista proletária Como veremos lá pelo fim da Primeira Guerra Mundial pareceu que era exatamente isso que ia acontecer Havia mais uma complicação Se a Rússia não estava pronta para a revolução socialista proletária dos marxistas tampouco estava para a revolução burguesa liberal Mesmo os que não queriam mais que isso tinham de encontrar um meio de fazêlo sem depender das pequenas e fracas forças da classe média liberal russa uma minúscula minoria sem posição moral apoio público ou tradição institucional de governo representativo em que pudesse encaixarse Os Cadetes partido do liberalismo burguês tinham menos de 25 dos deputados da Assembléia Constitucional livremente eleita e logo dissolvida de 19178 Uma Rússia liberalburguesa teria de ser conquistada pelo levante de camponeses e operários que não sabiam nem se importavam com o que era isso sob a liderança de partidos revolucionários que queriam outra coisa ou o que era mais provável as forças que faziam a revolução iriam além de seu estágio liberalburguês passando para uma mais radical revolução permanente para usar a expressão adotada por Marx e revivida durante a revolução de 1905 pelo jovem Trotski Em 1917 Lenin cujas esperanças não tinham ido muito além de uma Rússia democráticoburguesa em 1905 também concluiu desde o início que o cavalo liberal não era um dos corredores no páreo revolucionário russo Era uma avaliação realista Contudo em 1917 estava tão claro para ele quanto para todos os outros marxistas russos e não russos que simplesmente não existiam na Rússia as condições para uma revolução socialista Para os revolucionários marxistas na Rússia sua revolução tinha de espalharse em outros lugares Mas nada parecia mais provável de que era isso que iria acontecer mesmo porque a Grande Guerra acabou em generalizado colapso político e crise revolucionária sobretudo nos Estados beligerantes derrotados Em 1918 todos os quatro governantes das potências derrotadas Alemanha ÁustriaHungria Turquia e Bulgária perderam seus tronos assim como o czar da Rússia derrotada pela Alemanha que já caíra em 1917 Além disso a inquietação social equivalendo quase a uma revolução na Itália abalou até mesmo os beligerantes europeus do lado vencedor Como vimos as sociedades da Europa beligerante começaram a vergar sob as extraordinárias pressões da guerra em massa Baixara à onda inicial de patriotismo que se seguiria à eclosão da guerra Em 1916 o cansaço de guerra transformavase em hostilidade surda e calada em relação a uma matança aparentemente interminável e incerta que ninguém parecia ter vontade de acabar Enquanto em 1914 os adversários da guerra se sentiam desamparados e isolados em 1916 podiam sentir que falavam pela maioria O quanto a situação mudara dramaticamente foi demonstrado quando em 28 de outubro de 1916 Friedrich Adler filho do líder e fundador do partido socialista austríaco assassinou deliberadamente e a sanguefrio o primeiroministro austríaco conde Stürgkh num café de Viena era uma época de inocência antes dos homens da segurança como um gesto público contra a guerra O sentimento antiguerra naturalmente elevou o perfil político dos socialistas que cada vez mais reverteram à oposição que seus movimentos faziam à guerra antes de 1914 Na verdade alguns partidos por exemplo na Rússia na Sérvia e na GrãBretanha o Partido Trabalhista Independente jamais deixaram de oporse a ela e mesmo onde os partidos socialistas apoiaram a Outubro que reformou o calendário russo como reformou a ortografia russa assim demonstrando a profundidade de seu impacto Pois é bem sabido que essas pequenas mudanças geralmente exigem terremotos sóciopolíticos para trazêlas A mais duradoura e universal consequência da Revolução Francesa é o sistema métrico guerra seus mais eloquentes opositores se encontravam em suas fileiras Ao mesmo tempo e em todos os grandes países beligerantes o movimento trabalhista organizado nas vastas indústrias de armamentos tornouse um centro de militância industrial e antiguerra Os ativistas sindicais de escalões inferiores nessas fábricas homens qualificados em forte posição de barganha delegados de fábrica na GrãBretanha Betriebsobleute na Alemanha tornaramse sinônimos de radicalismo Os artífices e mecânicos das novas marinhas de alta tecnologia pouco diferentes de fábricas flutuantes moveramse na mesma direção Tanto na Rússia quanto na Alemanha as principais bases navais Kronstadt Kiel iriam tornarse grandes centros de revolução e mais tarde um motim naval francês no mar Negro determinaria a intervenção francesa contra os bolcheviques na Guerra Civil russa de 191820 A rebelião contra a guerra adquiriu assim concentração e atuação Não admira que os censores austrohúngaros controlando a correspondência de seus soldados passassem a notar uma mudança de tom Se ao menos o bom Deus nos trouxesse a paz tornouse Para nós já chega ou Dizem que os socialistas vão fazer a paz Não surpreende portanto que mais uma vez segundo os censores habsburgos a Revolução Russa fosse o primeiro acontecimento político desde o início da guerra a repercutir nas cartas até mesmo de esposas de camponeses e operários E não surpreende sobretudo depois que a Revolução de Outubro levou os bolcheviques de Lenin ao poder que os desejos de paz e revolução social se fundissem um terço da amostragem de cartas censuradas entre novembro de 1917 e março de 1918 esperava obter a paz via Rússia um terço via revolução e outros 20 via uma combinação das duas Que uma revolução na Rússia teria grande repercussão internacional sempre foi claro desde que a primeira revolução em 19056 abalara os antigos impérios sobreviventes na época da ÁustriaHungria até a China passando por Turquia e Pérsia ver A era dos impérios capítulo 12 Em 1917 toda a Europa se tornara um monte de explosivos sociais prontos para ignição II A Rússia madura para a revolução social cansada de guerra e à beira da derrota foi o primeiro dos regimes da Europa Central e Oriental a ruir sob as pressões e tensões da Primeira Guerra Mundial A explosão era esperada embora ninguém pudesse prever o momento e ocasião da detonação Poucas semanas antes da revolução de fevereiro Lenin ainda se perguntava em seu Em 1916 um importante Partido SocialDemocrata Independente na Alemanha USPD cindiuse formalmente sobre a questão da maioria dos socialistas SPD que continuava a apoiar a guerra A reivindicação básica dos pobres da cidade era pão e a dos operários entre eles melhores salários e menos horas de trabalho A reivindicação básica dos 80 de russos que viviam da agricultura era como sempre terra Todos concordavam que queriam o fim da guerra embora a massa de soldados camponeses que formava o exército não fosse a princípio contra a luta como tal mas contra a severa disciplina e maltrato de outros soldados O slogan Pão Paz Terra conquistou logo crescente apoio para os que o propagavam em especial os bolcheviques de Lenin que passaram de um pequeno grupo de uns poucos milhares em março de 1917 para um quarto de milhão de membros no início do verão daquele ano Ao contrário da mitologia da Guerra Fria que via Lenin essencialmente como um organizador de golpes a única vantagem real com que ele e os bolcheviques contavam era a capacidade de reconhecer o que as massas queriam de conduzir por assim dizer por saber seguir Quando por exemplo ele reconheceu que ao contrário do programa socialista os camponeses queriam uma divisão da terra em fazendas familiares não hesitou um instante em comprometer os bolcheviques com essa forma de individualismo económico Ao contrário o Governo Provisório e seus seguidores não souberam reconhecer sua incapacidade de fazer a Rússia obedecer suas leis e decretos Quando homens de negócios e administradores tentaram restabelecer a disciplina de trabalho não fizeram mais que radicalizar os trabalhadores Quando o Governo Provisório insistiu em lançar o exército na ofensiva militar em junho de 1917 o exército estava farto e os soldados camponeses voltaram para suas aldeias a fim de tomar parte na divisão de terra com os parentes A revolução espalhouse pelas estradas de ferro que os levavam de volta para casa Ainda não era o momento para uma queda imediata do Governo Provisório mas do verão em diante a radicalização se acelerou tanto no exército quanto nas principais cidades cada vez mais em favor dos bolcheviques O campesinato deu apoio esmagador aos herdeiros dos narodniks ver A era da catástrofe capítulo 9 os socialrevolucionários embora estes se tornassem uma esquerda mais radical que se aproximou dos bolcheviques e em breve se juntou a eles no governo após a Revolução de Outubro Quando os bolcheviques até então um partido de operários se viram em maioria nas principais cidades russas e sobretudo na capital Petrogrado e Moscou e depressa ganharam terreno no exército a existência do Governo Provisório tornouse cada vez mais irreal em especial quando teve de apelar às forças revolucionárias na capital para derrotar uma tentativa de golpe contrarevolucionário de um general monarquista em agosto A onda radicalizadora de seus seguidores inevitavelmente empurrou os bolcheviques para a tomada do poder Na verdade quando chegou a hora mais que tomado o poder foi colhido Dizse que mais gente se feriu na filmagem da grande obra de Eisenstein Outubro 1927 do que durante a tomada de fato do Palácio de Inverno em 7 de novembro de 1917 O Governo Provisório sem mais ninguém para defendêlo simplesmente se esfumaçou Do momento em que a queda do Governo Provisório se tornou certa a Revolução de Outubro foi mergulhada em polémicas A maioria delas é enganadora A verdadeira questão não é se a Revolução como têm dito historiadores anticomunistas foi um putsch ou um golpe do fundamentalmente antidemocrático Lenin mas quem ou o quê devia ou podia seguirse à queda do Governo Provisório A partir do início de setembro Lenin tentou não apenas convencer os elementos hesitantes em seu partido de que o poder poderia fugirlhes com facilidade se não tomado por um plano organizado durante o tempo possivelmente curto em que estava ao seu alcance mas talvez com igual urgência responder à pergunta Podem os bolcheviques manter o poder do Estado se o tomassem Que poderia fazer na verdade qualquer um que tentasse governar a erupção vulcânica da Rússia revolucionária Nenhum outro partido além dos bolcheviques de Lenin estava preparado para enfrentar essa responsabilidade sozinho e o panfleto de Lenin sugere que nem todos os bolcheviques estavam tão determinados quanto ele Em vista da situação política favorável em Petrogrado em Moscou e nos exércitos do Norte a defesa puramente de curto prazo da tomada do poder já em vez de esperar outros acontecimentos era de fato difícil de responder A contrarevolução apenas começara Um governo desesperado em vez de dar lugar aos sovietes podia entregar Petrogrado ao exército alemão já na fronteira norte do que é hoje a Estónia ou seja a alguns quilómetros da capital Além disso Lenin raramente hesitou em encarar de frente os fatos mais sombrios Se os bolcheviques não tomassem o poder uma onda de verdadeira anarquia podia tornarse mais forte do que nós Em última análise o argumento de Lenin não podia deixar de convencer seu partido Se um partido revolucionário não tomasse o poder quando o momento e as massas o pediam em que ele diferia de um partido não revolucionário A perspectiva a longo prazo é que era problemática mesmo supondose que o poder tomado em Petrogrado e Moscou pudesse ser estendido ao resto da Rússia e ali mantido contra a anarquia e a contrarevolução O programa do próprio Lenin de empenhar o novo governo do soviete isto é basicamente Partido Bolchevique na transformação socialista da República russa era essencialmente uma aposta na transformação da Revolução Russa em revolução mundial ou pelo menos europeia Quem como ele disse tantas vezes imaginaria que a vitória do socialismo pode se dar a não ser pela completa destruição da burguesia russa e européia Nesse meio tempo o dever básico na verdade único dos bolcheviques era se agüentarem O novo regime pouco fez sobre o socialismo a não ser declarar que esse era seu objetivo tomar os bancos e declarar o controle dos operários sobre as administrações existentes isto é a partir do selo oficial ao que já vinham fazendo de qualquer modo desde a Revolução enquanto os exortava a manterem a produção funcionando Nada mais tinha a dizerlhes O novo regime se agüentou Sobreviveu a uma paz punitiva imposta pela Alemanha em BrestLitowsk alguns meses antes de os próprios alemães serem derrotados e que separou a Polônia as províncias bálticas a Ucrânia e partes substanciais do Sul e Oeste da Rússia além de de facto a Transcaucásia a Ucrânia e a Transcaucásia foram recuperadas Os aliados não viram motivo para ser mais generosos com o centro da subversão mundial Vários exércitos e regimes contrarevolucionários brancos levantaramse contra os soviéticos financiados pelos aliados que enviaram tropas britânicas francesas americanas japonesas polonesas sérvias gregas e romenas para o solo russo Nos piores momentos da brutal e caótica Guerra Civil de 191820 a Rússia soviética foi reduzida a uma faixa de território sem saída para o mar no Norte e no Centro da Rússia em algum ponto entre a região dos Urais e os atuais Estados bálticos a não ser pelo estreito dedo exposto de Leningrado apontado para o golfo da Finlândia As únicas vantagens importantes com que o novo regime contava enquanto improvisava do nada um Exército Vermelho eventualmente vitorioso eram a incompetência e divisão das briguentas forças brancas a capacidade destas de antagonizar o campesinato da Grande Rússia e a bem fundada desconfiança entre as potências ocidentais de que não podiam ordenar com segurança a seus soldados e marinheiros rebeldes que combatessem os bolcheviques Em fins de 1920 os bolcheviques haviam vencido Assim contra as expectativas a Rússia soviética sobreviveu Os bolcheviques mantiveram na verdade ampliaram seu poder não só como observou Lenin com orgulho e alívio após dois meses e quinze dias por mais tempo que a Comuna de Paris de 1871 mas durante anos de ininterrupta crise e catástrofe conquista alemã e imposição de paz punitiva separações regionais contrarrevolução guerra civil intervenção armada estrangeira fome e colapso econômico Não podia ter estratégia ou perspectiva além de optar dia a dia entre as decisões necessárias à sobrevivência imediata e as que arriscavam um desastre imediato Quem podia darse ao luxo de considerar as possíveis conseqüências a longo prazo para a Revolução de decisões que tinham de ser tomadas já do contrário seria o fim da Revolução e não haveria outras conseqüências a considerar Uma a uma as medidas necessárias foram tomadas Quando a nova República soviética emergiu de sua agonia descobriuse que essas medidas a haviam levado para um lado muito distante do que Lenin tinha em mente na Estação Finlândia Eu lhes disse façam tudo o que quiserem tomem tudo o que quiserem nós os apoiaremos mas cuidem da produção cuidem para que a produção seja útil Assumam trabalho útil vão cometer erros mas aprenderão Lenin Relatório sobre as atividades do Conselho dos Comissários do Povo 1124 de janeiro de 1918 1970 p 551 Mesmo assim a Revolução sobreviveu E o fez por três grandes razões primeiro possuía um instrumento de poder único praticamente construtor de Estado no centralizado e disciplinado Partido Comunista de 600 mil membros Qualquer que tenha sido seu papel antes da Revolução esse modelo organizacional incansavelmente propagado e defendido por Lenin desde 1902 atingiu a maioridade depois dela Praticamente todos os regimes revolucionários do Breve Século XX iam adotar alguma variação dele Segundo era de forma evidente o único governo capaz de manter a Rússia integral como Estado e disposto a tanto desfrutando portanto de considerável apoio de patriotas russos à parte isso politicamente hostis como os oficiais sem os quais o novo Exército Vermelho não poderia ter sido construído Para estes como para o historiador que trabalha em retrospetiva a opção em 19178 não era entre uma Rússia liberaldemocrática ou não liberal mas entre a Rússia e a desintegração que havia sido o destino de outros impérios arcaicos e derrotados ou seja a ÁustriaHungria e a Turquia Ao contrário destes a Revolução Bolchevique preservou a maior parte da unidade territorial multinacional do velho Estado czarista pelo menos por mais 74 anos A terceira razão era que a Revolução permitiria ao campesinato tomar a terra Quando chegou a isso o grosso dos camponeses da Grande Rússia núcleo do Estado além de do seu novo exército achou que suas chances de mantêla eram melhores sob os vermelhos do que se retornasse a fidalgua Isso deu aos bolcheviques uma vantagem decisiva na Guerra Civil de 191820 Como se viu os camponeses russos foram otimistas demais III A revolução mundial que justificou a decisão de Lenin de entregar a Rússia ao socialismo não ocorreu e com isso a Rússia soviética foi comprometida por uma geração com um isolamento empobrecido e atrasado As opções para seu desenvolvimento futuro estavam determinadas ou pelo menos estreitamente circunscritas ver capítulos 13 e 16 Contudo uma onda de revolução varreu o globo nos dois anos após Outubro e as esperanças dos aguerridos bolcheviques não pareceram irrealistas Völker hört die Signale Povos escutem os sinais era o primeiro verso do refrão da Internacional em alemão Os sinais vieram altos e nítidos de Petrogrado e depois que a capital foi transferida para uma localização mais segura em 1918 Moscou A capital da Rússia czarista era São Petersburgo nome que soava demasiado alemão na Primeira Guerra Mundial e foi portanto mudado para Petrogrado Após a morte de Lenin tornouse Leningrado 1924 e durante a queda da URSS voltou ao nome original A União Soviética seguida por seus satélites mais servís era incomumente dada a topônimos políticos muitas vezes e foram ouvidos onde quer que atuassem movimentos trabalhistas e socialistas independentemente de sua ideologia e mesmo além Sovietes foram formados por empregados da indústria do tabaco em Cuba onde poucos sabiam onde ficava a Rússia Os anos de 19179 na Espanha vieram a ser conhecidos como o biênio bolchevique embora a esquerda local fosse anarquista apaixonada ou seja politicamente no pólo oposto ao de Lenin Movimentos estudantis revolucionários irromperam em Pequim Beijing em 1919 e Córdoba Argentina em 1918 logo espalhandose por toda a América Latina e gerando líderes e partidos marxistas revolucionários O militante nacionalista indio M N Roy caiu imediatamente sob o seu fascínio no México onde a revolução local entrando na fase mais radical em 1917 naturalmente reconheceu sua afinidade com a Rússia revolucionária Marx e Lenin tornaramse seus ícones juntos com Montezuma Emiliano Zapata e vários trabalhadores indios e ainda podem ser vistos nos grandes murais de seus artistas oficiais Em poucos meses Roy estava em Moscou e desempenhou um papel importante na nova Internacional Comunista para a libertação das colônias Em parte graças a socialistas holandeses residentes como Henk Snevliet a Revolução de Outubro deixou em seguida sua marca na principal organização de massa do movimento de libertação nacional indonésio o Sarekat Islam Essa ação do povo russo disse um jornal de província turco um dia no futuro se tornará um sol e iluminará toda a humanidade No distante interior da Austrália os nudes tosquiadores de ovelhas e em grande parte católicos irlandeses sem interesse perceptível por teoria política aplaudiram os soviéticos como um Estado operário Nos EUA os finlandeses havia muito a mais fortemente socialista das comunidades imigrantes converteramse em massa ao comunismo enchendo os sombrios assentamentos mineiros em Minnesota de comícios onde a menção do nome de Lenin fazia pulsar o coração Em místico silêncio quase em êxtase religioso nós admirávamos tudo que vinha da Rússia Em suma a Revolução de Outubro foi universalmente reconhecida como um acontecimento que abalou o mundo Até mesmo muitos dos que viram a Revolução de perto um processo menos conducente ao êxtase religioso se converteram desde prisioneiros de guerra que voltavam a seus países como bolcheviques convictos e futuros líderes comunistas de seus países como o mecânico croata Joseph Broz Tito a jornalistas visitantes como Arthur Ransome do Manchester Guardian uma figura não notadamente política mais conhecido por usar sua paixão por barcos em encantadores livros infantis Uma figura ainda menos bolchevique o escritor tcheco Jaroslav Hasek futuro autor da obraprima As aventuras do complicado pelas reviravoltas da sorte Assim Tsaritsyn no Volga tornouse Stalingrado cenário de uma batalha épica na Segunda Guerra Mundial mas após a morte de Stalin Volgogrado Na época em que escrevo ainda tem este nome bravo soldado Schwejk viuse pela primeira vez militando numa causa e dizse ainda mais espantosamente sóbrio Tomou parte na Guerra Civil como comissário do Exército Vermelho depois do que voltou a seu papel mais conhecido como anarkoboêmio e bebum de Praga alegando que a Rússia soviética pósrevolucionária não fazia o seu estilo Mas a Revolução fizera Contudo os acontecimentos na Rússia inspiraram não só revolucionários porém mais importante revoluções Em janeiro de 1918 semanas depois da tomada do Palácio de Inverno e enquanto os bolcheviques tentavam desesperadamente negociar a paz a todo custo com o exército alemão em avanço uma onda de greves políticas e manifestações antiguerra em massa varreu a Europa Central começando em Viena espalhandose via Budapeste às regiões tchecas da Alemanha e culminando na revolta dos marinheiros austrohúngaros no Adriático Quando se desfizeram as últimas dúvidas sobre a derrota das Potências Centrais seus exércitos finalmente se desmantelaram Em setembro os soldados camponeses da Bulgária voltaram para casa proclamaram uma república e marcharam sobre Sofia embora ainda fossem desarmados com ajuda alemã Em outubro a monarquia dos Habsburgo desabou após as últimas batalhas perdidas na frente italiana Vários novos Estadosnação foram proclamados na justificada esperança de que os aliados vitoriosos as prefeririam aos perigos da Revolução Bolchevique E de fato a primeira reação do Ocidente ao apelo bolchevique aos povos para celebrarem a paz e a publicação por eles dos tratados secretos em que os aliados haviam dividido a Europa entre si foram os Catorze Pontos do presidente Wilson que jogavam a carta nacionalista contra o apelo internacional de Lenin Uma zona de pequenos Estadosnação formaria uma espécie de cinturão de quarentena contra o vírus vermelho Em inicio de novembro marinheiros e soldados amotinados espalharam a revolução alemã da base naval de Kiel para todo o país Proclamouse uma república e o imperador retirouse para os Países Baixos sendo substituído por um exseleiro socialdemocrata como chefe de Estado A revolução que assim varria regimes de Vladivostok ao Reno era uma revolta contra a guerra e na maior parte a vinda da paz desarmou muito do explosivo que ela continha De qualquer modo seu conteúdo social era vago a não ser entre os soldados camponeses dos impérios dos Habsburgo Romanov e otomano e dos Estados menores do Sudeste da Europa e suas famílias Ali consistia de quatro pontos terra e desconfiança das cidades ou de estranhos sobretudo judeus e ou de governos Isso tornava os camponeses revolucionários mas não bolcheviques em grandes partes da Europa Central e Oriental embora não na Alemanha com exceção de parte da Baviera Áustria e partes da Polônia Tinham de ser conciliados com uma medida de reforma agrária mesmo em alguns países conservadores de fato contrarevolucionários como a Romênia e a Finlândia Por outro lado onde constituíam a maioria da população praticamente asseguraram que os socialistas e sobretudo os bolcheviques não ganhassem as eleições gerais Isso não fazia necessariamente dos camponeses bastiões do conservadorismo político mas atrapalhou fatalmente os socialdemocratas ou então como na Rússia soviética levouos a abolir a democracia eleitoral Por esse motivo os bolcheviques tendo pedido uma Assembleia Constituinte uma conhecida tradição revolucionária desde 1789 dissolveramna assim que ela se reuniu poucas semanas depois de outubro E o estabelecimento de novos pequenos Estadosnação nas linhas wilsonianas embora longe de eliminar conflitos nacionais na zona de revoluções também diminuiu o espaço da Revolução Bolchevique Essa fora de fato a intenção dos articuladores da paz aliados Por outro lado o impacto da Revolução Russa nos levantes europeus de 19189 foi tão patente que seria difícil haver muito espaço em Moscou para ceticismo quanto à perspectiva de disseminação da revolução do proletariado mundial Para o historiador e mesmo para alguns revolucionários locais parecia claro que a Alemanha imperial era um Estado de considerável estabilidade social e política com um movimento operário forte mas no fundo moderado que por certo não teria experimentado nada semelhante a uma revolução armada não fosse a guerra Ao contrário da Rússia czarista ou da periclitante ÁustriaHungria ao contrário da Turquia o proverbial doente da Europa ao contrário dos bárbaros e armados habitantes das montanhas do Sudeste do continente capazes de qualquer coisa não era um país onde se esperassem levantes E de fato comparado com as situações autenticamente revolucionárias nas derrotadas Rússia e ÁustriaHungria o grosso dos soldados marinheiros e operários revolucionários alemães permaneceu tão moderado e respeitador da lei quanto as talvez apócrifas piadas dos revolucionários russos sempre os fizeram parecer Onde houver um aviso proibindo o público de pisar na grama é óbvio que os insurgentes alemães só andarão pelas trilhas Contudo esse era o país onde os marinheiros revolucionários levaram a bandeira dos sovietes por todo o território onde o diretor de um soviete de operários e soldados de Berlim nomeou um governo socialista onde Fevereiro e Outubro pareciam ser um só pois o poder de fato na capital já parecia estar nas mãos de socialistas radicais assim que o imperador abdicou Era uma ilusão devido à total mas temporária paralisia dos velhos exército Estado e estrutura de poder sob o duplo choque da derrota absoluta e da revolução Após uns poucos dias o velho regime republicanizado logo estava de volta na sela não mais seriamente perturbado pelos socialistas que não conseguiram nem ganhar maioria nas primeiras eleições embora se realizassem poucas semanas depois da revolução Viramse menos perturbados ainda pelo recémimprovisado Partido Comunista cujos líderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram logo assassinados por pistoleiros de aluguel do exército Apesar disso a revolução alemã de 1918 confirmou as esperanças dos bolcheviques russos tanto mais porque uma república socialista de curta vida foi proclamada na Baviera em 1918 e na primavera de 1919 após o assassinato de seu líder uma breve república soviética se estabeleceu em Munique capital da arte da contracultura e da politicamente menos subversiva cerveja alemãs Coincidiu com outra e mais séria tentativa de levar o bolchevismo mais para oeste a república soviética húngara de marçojulho de 1919 Ambas foram claro eliminadas com a esperada brutalidade Além disso a decepção com os socialdemocratas logo radicalizou os trabalhadores alemães muitos dos quais transferiram sua lealdade para os socialistas independentes e depois de 1920 para o Partido Comunista que portanto se tornou o maior desses partidos fora da Rússia soviética Não se poderia esperar uma revolução alemã afinal Embora 1919 o ano auge da agitação social ocidental houvesse trazido derrota às únicas tentativas de espalhar a Revolução Bolchevique embora a onda revolucionária estivesse rápida e visivelmente baixando em 1920 a liderança bolchevique em Moscou não abandonou a esperança de revolução alemã até fins de 1923 Pelo contrário Foi em 1920 que os bolcheviques se comprometeram com o que retrospectivamente parece um grande erro a divisão permanente do movimento trabalhista internacional Fizeram isso estruturando seu novo movimento internacional comunista com base no modelo do partido de vanguarda leninista de uma elite de revolucionários profissionais em tempo integral A Revolução de Outubro como vimos conquistara simpatias nos movimentos socialistas internacionais todos os quais praticamente emergiram da guerra mundial ao mesmo tempo radicalizados e muitíssimo fortalecidos Com raras exceções os partidos socialistas e trabalhistas continham grandes blocos de opinião que favoreciam a entrada na nova Terceira Internacional Comunista que os comunistas fundaram para substituir a Segunda Internacional 18891914 desacreditada e despedaçada pela guerra mundial a que não conseguiram resistir Na verdade vários deles como os partidos socialistas da França Itália Áustria e Noruega e os Socialistas Independentes da Alemanha de fato aprovaram a ideia deixando em minoria os irreconciliados adversários do bolchevismo Contudo o que Lenin e os bolcheviques queriam não era um movimento de simpatizantes internacionais da Revolução de Outubro mas um Sua derrota espalhou uma diáspora de refugiados políticos e intelectuais por todo o mundo alguns deles com inesperadas carreiras futuras como o magnata do cinema sir Alexander Korda e o ator Bela Lugosi mais conhecido como astro do filme de horror original Drácula A chamada Primeira Internacional foi a Associação Internacional de Trabalhadores de Karl Marx de 186472 corpo de ativistas absolutamente comprometidos e disciplinados uma espécie de força de ataque global para a conquista revolucionária Os partidos não dispostos a adotar a estrutura leninista eram barrados ou expulsos da nova Internacional que só poderia ser enfraquecida com a aceitação dessas quintascolunas de oportunismo e reformismo para não falar no que Marx chamara outrora de cretinismo parlamentar Na iminente batalha só poderia haver lugar para soldados O argumento só fazia sentido com uma condição que a revolução mundial ainda estivesse em andamento e suas batalhas em perspectiva imediata Contudo embora a situação européia estivesse longe de estabilizada era claro em 1920 que a Revolução Bolchevique não estava nos planos do Ocidente embora também fosse claro que na Rússia os bolcheviques se achavam estabelecidos permanentemente Sem dúvida quando a Internacional se reuniu parecia haver uma possibilidade de que o Exército Vermelho vitorioso na Guerra Civil e agora marchando para Varsóvia espalhasse a revolução para oeste pela força armada como subproduto de uma breve guerra russopolonesa provocada pelas ambições territoriais da Polônia Restaurada à condição de Estado após um século e meio de nãoexistência a Polônia exigia agora suas fronteiras do século XVIII Essas ficavam dentro da Bielorrússia Lituânia e Ucrânia O avanço soviético que deixou um maravilhoso monumento literário na Cavalaria vermelha de Isaac Babel foi saudado por uma variedade incomumemente ampla de contemporâneos que iam do romancista austríaco Joseph Roth depois clegista dos Habsburgo a Mustafa Kemal futuro líder da Turquia Mas os trabalhadores poloneses não se levantaram e o Exército Vermelho retornou das portas de Varsóvia Daí em diante apesar das aparências não haveria novidades na frente ocidental Claro as perspectivas da revolução passaram para o Leste na Ásia à qual Lenin sempre dispensara considerável atenção Na verdade de 1920 a 1927 as esperanças de revolução mundial pareceram repousar na revolução chinesa avançando sobre o Kuomintang então o partido de libertação nacional cujo líder Sun Yatsen 18861925 acolheu igualmente o modelo soviético a assistência militar soviética e o novo Partido Comunista como parte de seu movimento A aliança Kuomintangcomunistas ia tomar o Norte a partir de suas bases no Sul da China numa grande ofensiva de 19257 pondo a maior parte da China mais uma vez sob o controle de um único governo pela primeira vez desde a queda do império em 1911 antes que o principal general do Kuomintang Chiang Kaishek se voltasse contra os comunistas e os massacrasse Contudo mesmo antes dessa prova de que o Leste ainda não estava maduro para Outubro a promessa da Ásia não ocultava o fracasso da revolução no Ocidente Em 1921 isso era inegável A revolução se achava em retirada na Rússia soviética embora politicamente o poder bolchevique fosse inexpugnável ver pp 36970 Estava fora dos planos do Ocidente O Terceiro Congresso do Comintern reconheceu isso sem o admitir exatamente convocando uma frente única com os mesmos socialistas que o Segundo expulsara do exército do progresso revolucionário O que isso significava na verdade era uma divisão dos revolucionários pelas próximas gerações Contudo de qualquer modo era tarde demais O movimento rachara em definitivo a maioria dos socialistas de esquerda indivíduos e partidos voltou para o movimento socialdemocrata em sua esmagadora maioria levada por moderados anticomunistas Os novos partidos comunistas continuaram sendo minorias da esquerda européia e em geral com umas poucas exceções como na Alemanha França e Finlândia minorias um tanto pequenas se bem que apaixonadas Sua situação não ia mudar até a década de 1930 ver capítulo 5 IV Contudo o ano de levantes deixou para trás não apenas um país imenso mas atrasado agora governado por comunistas e empenhado na construção de uma sociedade alternativa ao capitalismo como também um governo um movimento internacional disciplinado e talvez igualmente importante uma geração de revolucionários comprometidos com a visão da revolução mundial sob a bandeira erguida em Outubro e a liderança do movimento que inevitavelmente tinha seu quartelgeneral em Moscou Durante vários anos esperarase que logo se transferisse para Berlim e o alemão não o russo continuou sendo a língua oficial da Internacional entre as guerras Talvez o movimento não tenha sabido com exatidão como a revolução mundial ia avançar após a desestabilização na Europa e a derrota na Ásia e as tentativas esparsas dos comunistas de insurreição armada independente Bulgária e Alemanha em 1923 Indonésia em 1926 China em 1927 e tardio e anômalo o Brasil em 1935 foram desastrosas Contudo como a Grande Depressão e a ascensão de Hitler logo iriam provar era difícil a situação do mundo entre as guerras ser de porte a desencorajar especulações apocalípticas ver capítulos 3 e 5 Isso não explica a súbita mudança do Comintern para uma retórica de ultrarevolucionismo e esquerdismo sectário entre 1928 e 1934 pois qualquer que fosse a retórica na prática o movimento nem esperava nem se preparou para tomar o poder em parte alguma A mudança que se mostrou calamitosa do ponto de vista político deve ser explicada antes pela política interna do Partido Comunista soviético quando Stalin assumiu seu controle e talvez também como uma tentativa de compensar a cada vez mais evidente divergência entre os interesses da URSS como um Estado que não tinha como evitar a coexistência com outros Estados começou a ganhar reconhecimento internacional como regime a partir de 1920 e o movimento cujo objetivo era subverter e derrubar todos os outros governos Critérios para avaliação de Resenhas Críticas Aspectos formais Clareza na escrita o Dicas tenha atenção à fluidez do texto pense nos seus leitores Encadeamento de ideias o Dicas escolha bem os conectivos que usará e o fio condutor do seu texto pois as ideias e argumentos expostos precisam ter um fluxo coerente e fazer sentido quando em conjunto Inteligibilidade o Dicas tente evitar períodos muito longos e ter atenção à pontuação à regência e às palavras utilizadas Evite elaborações confusas e que tragam ambiguidades Diversificação de vocabulário o Dicas use um dicionário de sinônimos para evitar a repetição excessiva de palavras Trajetória bem delimitada o Dicas o texto precisa ter começo meio e fim Pense sobre o seu ponto de partida e o seu ponto de chegada antes de começar o processo da escrita Substância do texto Contextualização doa autora e da obra resenhada o Dicas faça uma breve biografia profissional doa autora identificando suas afiliações teóricas se possível Atente para o ano de publicação original da obra escolhida e para a intencionalidade e objetivos centrais de sua produção Caso seja um livro elencar suas partes Ofereça uma visão geral Atenção à metodologia empregada e às fontes utilizadas quando possível o Dicas observe como oa autora organizou sua pesquisa ou sua argumentação A quais fontes eou bibliografia elea se refere Em alguns textos isto ficará mais explícito em outros mais implícito Análise das principais ideias do texto o Dicas identifique e discuta as elaborações e argumentos que você considera centrais para a compreensão do texto Não é uma questão de discutir ponto por ponto ou todas as formulações da obra Toda produção tem em seu fundamento noçõeschave que emprestam relevância ao debate sobre o tema proposto Quais são e em que se sustentam Coerência no fio condutor argumentativo o Dicas como as obras podem ser abordadas a partir de diversos pontos de partida e perspectivas é importante que você escolha um eixo em torno do qual você desenvolverá a sua análise Lembrese que sua resenha precisa fazer sentido para além da mera descrição da obra resenhada Relação com outros textos da disciplina o Dicas a sua análise ficará mais rica se você convocar elaborações de outrosas autoresas para sustentar seu ponto de vista Compare coteje promova uma discussão entre ideias de autorias diferentes O confronto com outas obras pode fazer emergir as limitações da abordagem de um a autor a ou pode fortalecêla reforçála e inserila numa perspectiva mais ampla Relação com temas contemporâneos ou com textos fora do plano de curso da disciplina opcional o Dicas o que quer que seja trazido à sua resenha para enriquecer sua análise precisa estar fundamentado em evidências e documentado com referência As comparações precisam ser coerentes e os materiais confrontados precisam estar em certo nível de equivalência Ex uma fonte não pode ser tratada como bibliografia e vice e versa Emprego de críticas e opiniões pessoas quando for o caso o Dicas a sua apreciação pessoal é sempre bemvinda na elaboração de uma resenha crítica Discordar de autores também faz parte do exercício da nossa profissão No entanto como se trata de um debate acadêmico que deve obedecer a certos critérios de cientificidade é necessário que as críticas sejam bem fundamentadas e que os argumentos estejam sustentados em trabalhos de pesquisa sérios e comprometidos com a produção científica RESENHA CRÍTICA A Primeira Guerra Mundial foi um conflito de proporções sem precedentes que teve um impacto significativo no cenário geopolítico econômico e social do século XX Os materiais que temos atualmente sobre esse evento histórico são fundamentais para a compreensão e análise desse período crucial da história mundial No entanto é importante ressaltar que a disponibilidade e a qualidade desses materiais variam consideravelmente o que pode influenciar a forma como a guerra é estudada e interpretada Os documentos oficiais relatos de soldados fotografias cartas e jornais da época fornecem uma visão detalhada das condições de vida e dos horrores enfrentados pelos combatentes e pela população civil Além disso os registros históricos como tratados acordos e relatórios de batalhas são essenciais para reconstruir os eventos e entender as motivações por trás das decisões tomadas pelos líderes políticos e militares No entanto é importante reconhecer que muitos desses materiais refletem uma perspectiva limitada e muitas vezes tendenciosa uma vez que foram produzidos em meio ao fervor patriótico e à propaganda de guerra Além disso a escassez de fontes primárias de algumas regiões e a destruição causada pelos combates podem limitar nossa compreensão completa do conflito A historiografia sobre a Primeira Guerra Mundial também é fundamental para a análise desse período Os estudos acadêmicos as pesquisas históricas e as interpretações de historiadores oferecem uma visão mais ampla e crítica dos eventos ajudando a contextualizar e aprofundar o entendimento sobre as causas desdobramentos e legados desse conflito O livro A Primeira Grande Guerra de Márcia Maria Menendes Motta apresenta uma análise aprofundada sobre a abordagem histórica e as principais ideias apresentadas pela autora O texto é estruturado de forma clara e coerente permitindo uma compreensão abrangente da obra resenhada A autora inicia a contextualização do livro situando o leitor no contexto histórico da Primeira Guerra Mundial fornecendo uma visão geral das circunstâncias que levaram ao conflito e suas consequências para a sociedade da época Motta também apresenta uma breve biografia profissional o que permite ao leitor compreender as afiliações teóricas da autora e sua abordagem metodológica na elaboração do livro A obra é analisada com base em uma cuidadosa atenção à metodologia empregada e às fontes utilizadas o que demonstra a solidez do embasamento teórico e a seriedade da pesquisa realizada pela autora A análise das principais ideias do texto evidencia a capacidade de Motta em identificar e discutir as elaborações e argumentos centrais para a compreensão da Primeira Guerra Mundial proporcionando ao leitor uma visão aprofundada dos aspectos históricos políticos e sociais do conflito A obra estabelece uma conexão significativa com o livro A Era dos Extremos de Eric J Hobsbawm uma vez que ambos os autores compartilham o interesse pela análise crítica de eventos históricos marcantes A contextualização histórica da Primeira Guerra Mundial realizada por Motta encontra eco na abordagem de Hobsbawm que também se dedica a analisar os impactos e as transformações decorrentes de eventos históricos globais A análise cuidadosa da metodologia empregada por Motta na elaboração de sua obra se assemelha à abordagem rigorosa de Hobsbawm evidenciando a seriedade e solidez do embasamento teórico de ambos os autores Além disso a capacidade de Motta em identificar e discutir as elaborações e argumentos centrais para a compreensão da Primeira Guerra Mundial encontra paralelo na habilidade de Hobsbawm em oferecer uma visão aprofundada dos aspectos históricos políticos e sociais de eventos como a Revolução Russa e a ascensão dos regimes totalitários Podemos observar a relevância da obra de Motta para além do contexto histórico específico da Primeira Guerra Mundial estabelecendo uma ponte com a abordagem de Hobsbawm que busca compreender os desdobramentos desses eventos no século XX e sua relação com a contemporaneidade O texto mantém uma coerência no fio condutor argumentativo o que contribui para uma análise consistente e abrangente da obra Além disso a relação com outros textos da disciplina é estabelecida de forma criteriosa enriquecendo a análise por meio do confronto e da discussão entre ideias de diferentes autores A obra também destaca a possibilidade de estabelecer uma relação com temas contemporâneos ou com textos fora do plano de curso da disciplina o que evidencia a amplitude e relevância da obra de Márcia Maria Menendes Motta para além do contexto histórico específico da Primeira Guerra Mundial No que diz respeito ao emprego de críticas e opiniões pessoais a resenha demonstra um equilíbrio entre a apreciação pessoal e a fundamentação em trabalhos de pesquisa sérios o que contribui para a construção de um debate acadêmico consistente e comprometido com a produção científica REFERÊNCIAS MOTTA Márcia Maria Menendes A primeira Grande Guerra Editora Abril 2014 Hobsbawm Eric J Era dos Extremos breve século xx 19141991revisão técnica Maria Collu Paol 1995 São Paulo Companhia das Letras 1997