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A METAPERSONALINGUAGEM EM FERNANDO PESSOA Rogério Caetano de Almeida1 RESUMO Este texto visa discutir como a identidade do eulírico se coaduna com o próprio trabalho metalingüístico na obra de Fernando Pessoa e seus heterônimos A discussão é fulcral para compreender a obra de um artista que forneceu múltiplas facetas de suas poéticas criada com o que chamamos neste trabalho de metapersonalinguagem PALAVRASCHAVE Fernando Pessoa heterônimos metalinguagem ABSTRACT This text aims to discuss how the identity of the I in the poem joins the actual metalinguistic work in Fernando Pessoas literature and heteronyms This discussion is mandatory to understand the work of an artist who provided many facets of his poetic created with what we call here as metapersonalanguage KEYWORDS Fernando Pessoa heteronyms metalanguage 1 Mestre em Estudos Comparados e doutorando na área de Literatura Portuguesa USP sob orientação de Prof Dr Horácio Costa 1 Introdução O artista subjetivo parte do princípio que o fim da sua arte é exprimir as suas próprias emoções Critério é esse que o artista objectivo não aceita e como razão absoluta o não aceita porque a arte objectiva é que é a arte por isso que é uma cousa realizada que passa para fora do artista e não fica nele como a emoção que a produz Fernando Pessoa Como diria Fernando Segolin em seu trabalho mais uma vez Pessoa SEGOLIN 1992 p 12 O gênio do autor português ainda assusta e fascina O encanto que Fernando Pessoa exerce nos leitores de sua obra não é casual A grande necessidade do homem é buscar uma solução para seus grandes questionamentos Quem sou Para onde vou De onde vim E todos os trabalhos que são feitos sobre a obra de Pessoa são uma indagação sobre a identidade SEGOLIN 1992 p15 Quando alguém se pergunta sobre a identidade de si mesmo e lê a obra de Pessoa com sua total despersonalização chegase à clássica conclusão de Heráclito o ser não é mais que o nãoser A vontade que o supracamões tem de descobrir sua identidade fica equilibrada com sua falta de vontade de descobrir evidente por exemplo no poema XXVIII de O Guardador de Rebanhos do heterônimo Alberto Caeiro O problema da identidade do eupoemático é fulcral em toda a obra pessoana Porém este trabalho abordará a identidade de outra maneira A identidade da linguagem de Pessoa Como sua obra lida com a identidade da linguagem dentro da própria linguagem ou seja como a obra de Pessoa se identifica com a linguagem Como ocorre a metalinguagem no texto pessoano A questão por demais complexa merece um estudo da obra completa de Pessoa mas como tudo é muito abstruso na obra de Pessoa esta analisada como um todo só poderá nos fornecer muitas respostas não uma única Nem mesmo um heterônimo em particular dará uma resposta só como o próprio Caeiro nos mostra Não sei o que é a Natureza E essa é a minha definição PESSOA 1999 p 27 Tendo o fazer textual e a reflexão sobre este como objeto de estudo há uma tentativa de conseguir relacionálos ou não através da produção de poemas metalingüísticos Todavia nunca devemos nos esquecer do que diz Pessoa sobre a crítica A crítica é em suma todo o artifício que é feito com inteligência e sem fim 2 social nenhum Desde que sirva um ideal em vez de uma impressão a crítica é falsa como crítica não é crítica em suma mas só opinião PESSOA 1988 p 47 Partindo dos pressupostos de que a metalinguagem é devera complexa na obra de Fernando Pessoa e de que a crítica é uma especulação este trabalho se deterá brevemente na descrição da metalinguagem em todos os heterônimos e na obra do Pessoa ortônimo pois eles ajudarão a não desenvolvêla assim não se chega a determinar com clareza o papel cambiante que a palavra e o texto de Pessoa procuram assumir diante do real no afã de exorcizar a incapacidade representativa da linguagem SEGOLIN 1992 p 27 É importante frisar que tudo será analisado dentro do universo textual do autor pois todos os heterônimos são textopersonagem2 que se comprometem apenas na condição de seres escritos a fazerem o texto Assim enquanto seres escritos a metalinguagem chega de que maneira ao Ser indivíduo ou serheterônimo I A metapersonalinguagem em Fernando Pessoa Tenho construído em passeio frases perfeitas de que depois me não lembro em casa A poesia inefável dessas frases não sei se será parte do que foram se parte de não terem nunca sido Bernardo Soares O termo meta se origina no latim meta e significa alvo mira A palavra linguagem surge no provençal lenguatge e grosso modo é o conjunto de sinais falados escritos ou gesticulados de que se serve o homem para exprimir idéias e sentimentos Nas palavras de Haroldo de Campos quando aplicamos o termo metalinguagem nas artes Crítica é metalinguagem Metalinguagem ou linguagem sobre a linguagem O objeto a linguagemobjeto dessa metalinguagem é a obra de arte sistema de signos dotado de coerência estrutural e de originalidade CAMPOS 1992 p 12 Nos dizeres de Campos a metalinguagem tem como grande objetivo a obra de arte e no nosso caso a arte literária O trabalho literário realizase na palavra que é 2 Segolin explica cada heterônimo é um textopersonagem Texto porque cada um dos poetas fictícios criados por Pessoa outra coisa não é senão o conjunto de poemas ou textos poéticos que incompletamente o compõem Personagem porque cada um desses entes textuais vive através dee no próprio fazer poético que revivido a cada leitura o concretiza e o corporifica In SEGOLIN Fernando Fernando Pessoa Poesia Transgressão e Utopia São Paulo Educ 1992 p 98 3 segundo Saussure signo aquilo que nomina algo existente um outro signo Assim concluise que a palavra é o signo de um signo já existente ou seja uma representação Se a palavra representa quando falamos de metalinguagem falar da linguagem literária estamos na verdade ponderando sobre uma representação que representa eou fala sobre a linguagem Caeiro segundo Segolin é o único entre os poetastextos que assume o problema da irreversível separação que entre a palavra e o mundo entre o verbo e o homem se estabeleceu determinando a impossibilidade total de conhecimento da realidade SEGOLIN 1992 p 35 Dessa forma fica perceptível que na obra de Caeiro temos uma metalinguagem de separação A metalinguagem caeiriana é a que trata da separação da linguagemsigno quando comparada com a linguagemmundo É assim que entende também Rinaldo Gama pois Caeiro na verdade está pondo em xeque o poder da palavra enquanto veículo para uma aproximação com o real GAMA 1995 p 103 Em síntese a metalinguagem caeiriana se resume em representar falsamente a realidade GAMA 1995 p 98 Esta definição fica comprovada nas aproximações que também desaproximam caeirianas feitas com o advérbio de modo como Eu nunca guardei rebanhos Mas é como se os guardasse Minha alma é como um pastor Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar Toda a paz da natureza sem gente Vem sentarse ao meu lado Mas eu fico triste como um pôrdesol Para a nossa imaginação Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso Como um ruído de chocalhos para além da curva da estrada Os meus pensamentos são contentes Só tenho pena de saber que eles são contentes Porque se o não soubesse Em vez de serem contentes e tristes Seriam alegres e contentes Pessoa 1999 p 215216 poema I de O Guardador de Rebanhos Conforme vimos o advérbio de modo se apresenta justamente como construtor de outra realidade Os dois primeiros versos já comprovam o que deve ser dito Entre o guardar rebanhos e o como se os guardasse está a realização concreta do texto caeiriano Fica a dúvida há uma aproximação entre as duas ações já que é perceptível certo paralelismo vocabular Sim porém esta é uma aproximação que se constrói através do afastamento Algo que acontece com a linguagem quando aproximada comparada com o mundo 4 No que diz respeito à obra do heterônimotexto Ricardo Reis o pressentimento do Fado é obedecido por todos como diz Jacinto do Prado Coelho Este diz ainda que a vida é uma sucessão de mortes COELHO s d p 34 Seguindo os tristes gregos Reis segue uma filosofia de felicidade relativa COELHO sd p 35 que na verdade não chega a ser felicidade em nenhum momento Assim como se questiona a metalinguagem em Reis A poesia desse heterônimo é uma constante fuga da comparação que Caeiro faz da poesia com o mundo ou seja o textoReis crê na utópica afirmação do homem como sujeito mediante uma linguagem que fielmente o representa ao mesmo tempo que mimetiza a ordem natural de que o ser humano é parte integrante SEGOLIN 1992 p62 É somente a palavrasigno arte que consegue a eternidade de estar a fazer com que ele homem seja vivo Em suma a metalinguagem de Reis é aquela em que o sustenta como ser vivo não no mundo real mas no signo na palavratexto que ele também é Seguro assento na coluna firme Dos versos em que fico Nem temo o influxo inúmero do futuro Dos tempos e do olvido Que a mente quando fixa em si contempla Os reflexos do mundo Deles se plasma torna e à arte o mundo Cria que não a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nela PESSOA 1999 p 195 Primeira Ode do livro primeiro de Odes de Ricardo Reis A prova derradeira de que Reis é ao contrário de Caeiro um homem que não quer provar nada no real está nos dois primeiros versos do poema ao contrário de seu mestre Reis foge da realidade e se ancora na alteridade das palavras ou como diz Seguro assento na coluna firme dos versos em que fico Assim temos um sermímese que se acovarda diante do mundo empírico E a conclusão do poema mostra que muito além de sua covardia há uma espécie de consciência de que se não estiver preso ás palavras fica então na mente Álvaro de Campos o outro textoautor de Pessoa possui segundo Jacinto do Prado Coelho três fases a do Opiário a do futurismo whitmaniano enfim uma terceira fase a que chamarei pessoal por estar liberta de influências nítidas Coelho sd p 60 Sua primeira fase decadente é muito similar aos símbolos nostálgicos de SáCarneiro A segunda fase é viva o poema tem uma sede de fazer poesia com força que acaba desprezando a 5 razão Segundo o próprio Pessoa a terceira fase é a do poeta do abatimento da atonia da aridez interior de descontentamento de si e dos outros PESSOA 1999 p 215216 Longe de discutir a metalinguagem nas fases de Campos ou não o trabalho pretende observar a manifestação em apenas um texto como foi feito até aqui O signo para Campos tem uma relação com o objeto de que fala Os dois sentem um ao outro numa prática verbosensacionista É aí que surge o envolvimento na multiplicação discursiva do eu na esperança de sendo e sentindo ficticiamente tudo lograr descobrir nas malhas do texto o sujeitosíntese o sujeito impessoal e total que os discursos normalmente centrados num eu uno e indiviso são incapazes de nos dar SEGOLIN 1992 p 73 Com todo o problema do sujeitotextual multifacetado temos outro estorvo surgindo que é o choque dessas múltiplas faces uma com a outra É com esta multifacetação do sujeitotexto que ao procurar multifacetar textualmente o sujeito do discurso e fazer com que o signo verbal assuma concretamente essa pluralidade Campos logra aproximarse pelo caminho inverso o da afirmação do signo e da linguagem da realização do ideal visado por Caeiro qual seja o da anulação da distância que separa o signo do seu objeto Com efeito a sensação existe agora no signo que reproduz na materialidade palpável de sua forma de expressão a multiplicidade paroxística do real SEGOLIN 1992 p 78 A multiplicidade do textoCampos não o faz perder a coerência textual mas demonstra claramente que seus versos percorrem um caminho através da linguagem na busca desesperada de sentir tudo Sentir inclusive com o trabalho feito com a linguagem sentir na e com a poesia e ao mesmo tempo em todas as outras coisas Nada me prende a nada Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo Anseio com uma angústia de fome de carne O que não sei que seja Definidamente pelo indefinido Durmo irrequieto e vivo num sonhar irrequieto De quem dorme irrequieto metade a sonhar Fecharamme todas as portas abstratas e necessárias Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua Não há na travessa achada o número da porta que me deram Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados Até a vida só desejada me farta até essa vida Compreendo a intervalos desconexos Escrevo por lapsos de cansaço E um tédio que é até do tédio arrojame à praia Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme Não sei que ilhas do sul impossível aguardamme naufrago ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso Não não sei isto nem outra coisa nem coisa nenhuma E no fundo do meu espírito onde sonho o que sonhei Nos campos últimos da alma onde memoro sem causa E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas Nas estradas e 6 atalhos das florestas longínquas Onde supus o meu ser Fogem desmantelados últimos restos Da ilusão final Os meus exércitos sonhados derrotados sem ter sido As minhas cortes por existir esfaceladas em Deus Outra vez te revejo Cidade da minha infância pavorosamente perdida Cidade triste e alegre outra vez sonho aqui Eu Mas sou eu o mesmo que aqui vivi e aqui voltei E aqui tornei a voltar e a voltar E aqui de novo tornei a voltar Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram Uma série de contasentes ligados por um fio memória Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim Outra vez te revejo Com o coração mais longínquo a alma menos minha Outra vez te revejo Lisboa e Tejo e tudo Transeunte inútil de ti e de mim Estrangeiro aqui como em toda a parte Casual na vida como na alma Fantasma a errar em salas de recordações Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem No castelo maldito de ter que viver Outra vez te revejo Sombra que passa através das sombras e brilha Um momento a uma luz fúnebre desconhecida E entra na noite como um rastro de barco se perde Na água que deixa de se ouvir Outra vez te revejo Mas ai a mim não me revejo Partiuse o espelho mágico em que me revia idêntico E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim Um bocado de ti e de mim PESSOA 1999 p 167 Lisbon Revisited O poemaCampos mostra que a sua condição primordial para viver é sentir Sua sensação se mostra absurda quando o texto diz fecharamme todas as portas abstratas e necessárias mas na verdade o que ocorre é uma profunda metalinguagem da consciência inconsciente A consciência aparece na palavra necessidade e a inconsciência vem nas portas abstratas Com efeito a mescla entre ser e sentir que percorre o texto perdura até o final é algo engenhado é uma clara reflexão sobre a linguagem Sua dúvida não é quanto à realidade ao mundo real Sobretudo quando verificamos um jogo arrojado de antíteses paradoxos e oxímoros que se complementam tão confusa e harmonicamente Sua dúvida é irremediavelmente ligada à questão do sentir Dentro do universo pessoano não podemos ter certeza de algo mas algo que fica incutido em todos os textosCampos é a percepção do sentir mas não saber como proválo inclusive quando nos referimos à linguagem mas ele o textoautor sente Se sentir é ser ser é sentir e o ciclo se repete infinitamente dentro do texto Então o heterônimolinguagem existe na realidade empírica ao fazerse texto Quanto ao ortônimo Fernando Pessoa Segolin diz Pessoa insiste em fazerse texto buscandose não como homem mas como o amálgama de linguagens que recobrem e ocultam sua verdade Consciente de que na realidade é também símbolo Pessoa debruçase ainda desta 7 vez sobre as linguagens que tecem malhas de uma pseudoidentidade e empenhase em fazer soar os diferentes discursos que nela ecoam SEGOLIN 1992 p 96 Seabra diz que o agigantamento de Pessoa está em ser poeta da língua poeta da língua portuguesa Pessoa foio antes de mais por ser um poeta em poetas um poeta da poesia SEABRA 1988 p 100 grifo nosso Por isso quando Pessoa diz A grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro Escrevo e ela apareceme da minha mão transparente E o canto do papel erguemse as pirâmides Escrevo perturbome de ver o bico da minha pena Ser o perfil do rei Queóps De repente paro Escureceu tudo Caio por um abismo feito de tempo Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena Ouço a Esfinge rir por dentro O som na minha pena a correr no papel Atravessa o eu não poder vêla uma mão enorme Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim E sobre o papel onde escrevo entre ele e a pena que escreve Jaz o cadáver do rei Keops olhandome com olhos muito abertos E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo E uma alegria de barcos embandeirados erra Numa diagonal difusa Entre mim e o que penso Funerais do rei Queóps em ouro velho e Mim PESSOA 1999 p21 poema III de Chuva Oblíqua O poeta da língua identificado por Seabra é também um poeta do Eu Porém este Eu é muito peculiar Ele vê uma alémrealidade no mundo real e no texto Sua metalinguagem discute apenas a questão da linguagem Não Pessoa discute em seus textosortônimos a questão da literatura e do ser ou alémlinguagem e alémser Como em todos seus textos ortônimos ou não a metalinguagem não fica somente na questão da linguagem artística em si mas se relaciona com outros aspectos bem definidos Pessoa fazse um amálgama de linguagens II Considerações Finais Eu não sou eu nem sou o outro sou qualquer coisa de intermédio pilar da ponte de tédio que vai de mim para o outro Mário de SáCarneiro Como todos os artistas do início do Modernismo Fernando Pessoa é um homem em transição É neste momento que surge a maior de todas as revoluções Os artistas do Modernismo começaram a questionar a própria arte de forma que ela entrasse em 8 choque construtivo ou não Além de Pessoa dentre outros destacouse no Modernismo português Mário de SáCarneiro Os dois sempre trabalharam pela arte até o suicídio do segundo Pessoa continuou seu labor artístico mas a sua morte era em cada palavra escrita aos poucos uma agonia Em relação à arte temos a metalinguagem como grande alavanca moderna pois é ela que faz com que a arte se questione a si mesma Vejamos o poema Sete de Sá Carneiro muito semelhante ao ideal pessoano Coloquemos o eu do poema como a linguagem O problema da linguagem é não ter uma identidade A linguagem não é ela mesma nem outra coisa É apenas uma sustentação intermediária que percorre ela mesma e o outro Porém quando o poema é visto pelo eu como Ser temos um homem perdido sem saber o que fazer mas que possui um único lugar o próprio poema Sem saber como resolver as questões modernas expostas inicialmente Pessoa também compartilha desse sentimento problemático que é ser moderno mas em Pessoa é diferente o que é a heteronímia senão a insatisfação por não conseguir resolver o eterno problema do ser e no modernismo do serpoesia Pessoa resolveu o problema da metalinguagem Ele inventou uma meta metalinguagem Ele foi além da metalinguagem mesmo escrevendo sobre a escrita ele conseguiu abordar também outros temas importantes para a sua constituição enquanto poeta e enquanto serhomem Durei horas incógnitas momentos sucessivos sem relação no passeio em que fui de noite à beira sozinha do marTodos os pensamentos que têm feito viver homens todas as emoções que os homens têm deixado de viver passaram por minha mente como um resumo escuro da história nessa minha meditação andada à beiramar Quanto morro se sinto por tudo Quanto sinto se assim vagueio incorpóreo e humano com o coração parado como uma praia e todo o mar de tudo na noite em que vivemos batendo alto chasco e esfria se no meu eterno passeio nocturno à beiramar PESSOA 2001 p 125 trecho do Livro do Desassossego Quanto à metalinguagem tradicional ela foi transgredida por um escritor que sentia todas as emoções que tem deixado de viver num passeio à beiramar Um homem Fernando Pessoa que é um dos símbolos do questionamento faz com que as interrogações sobre a arte em si e sobre sua própria obra se perpetuem Pessoa 9 transformou o viver em metalinguagem para nos perguntarmos incessantemente se somos reais ou textuais Além do fenômeno heteronímico temos o homem transformado em texto auto questionativo nos poemas Caeiro compara e separa o mundo do texto mas ele não vê a possibilidade de serem unívocos A metalinguagem de Reis é o medo de sair do mundo das palavras para o real Assim ele continua no seu outro universo Álvaro de Campos é o poetatexto no significado original das palavras Ele se sente um texto e todas as outras coisas também mas não sabe como provar o seu sentir apesar de ser O Pessoa ortônimo é a realização mais complexa para a metalinguagem Ele é um amálgama de linguagens assim ele se questiona sobre o fazerse todo o tempo Toda a obra pessoana é uma metalinguagem mas uma metalinguagem que está muito além de ser apenas metalinguagem como disse Haroldo de Campos crítica é metalinguagem Metalinguagem ou linguagem sobre a linguagem A obra de Pessoa é uma metalinguagem como dito acima mas não é somente a sua obra ou não é apenas crítica Ele transforma sua poesia em vida por isso ele é uma metalinguagem da poesia e de si mesmo Assim temos uma metapersonalinguagem afinal o falar sobre si criando personalidades que o indivíduo apresenta aos outros como real acaba na persona arquetípica definida por Jung Pessoa e sua obra então são metapersonalinguagem Referências bibliográficas CAMPOS Haroldo de Metalinguagem e outras metas 4ª ed São Paulo Perspectiva 1992 COELHO Jacinto do Prado Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa 4ª ed Lisboa Editorial Verbo sem data GAMA Rinaldo O Guardador de signos São Paulo Perspectiva 1995 ORDOÑEZ Andrés Fernando Pessoa um místico sem fé Tradução de Sônia Regina CardosoRio de Janeiro Nova Fronteira 1994 PERRONEMOISÉS Leyla Fernando Pessoa aquém do eu além do outro 3ª ed Revista e ampliada São Paulo Martins Fontes 2001 10 PESSOA Fernando Antologia de Estética Teoria e Crítica Literária Coordenação de Walmir AyalaRio de Janeiro Ediouro 1988 Ficções do Interlúdio Org Fernando Cabral Martins 1ª reimpressão São Paulo Cia Das Letras 1999 Livro do Desassossego Org Richard Zenith São Paulo Cia Das Letras 2001 Mensagem Org Fernando Cabral Martins 2ª reimpressão São Paulo Cia Das Letras 2000 Textos de Crítica e de Intervenção Lisboa Edições Ática 1993 SEABRA José Augusto O heterotexto pessoano São Paulo Perspectiva Editora da Universidade de São Paulo 1988 SEGOLIN Fernando Fernando Pessoa Poesia Transgressão e Utopia São Paulo Educ 1992 SERRÃO Joel Fernando Pessoa Cidadão do Imaginário Lisboa Livros Horizonte 1981 11