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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PLURICÊNTRICA ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO I O esgotamento do modelo centralizado e hierárquico de administração pública II Autonomia III O princípio da descentralização adminis trativa IV Conceito material de descentralização administrativa V Controles sobre os órgãos e entidades descentralizados VI O caso das agências reguladoras VII Conclusões LÉtat nest plus lincamation dune idée il est un appareil un ensamble de mécanismes techniques Georges Burdeau Traité de Science Politique t X I O esgotamento do modelo centralizado e hierárquico de administração pública Sob o prisma da organização do aparato administrativo o pluralismo da socie dade e do Estado faz com que este tenha definitivamente mitigado o caráter unitário que possuía nos oitocentos l que já começara a ruir com o advento dos entes locais Procurador do Estado do Rio de Janeiro Advogado Mestre em Direito Público pela UERJ Professor contratado de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Professor da Pósgraduação em Direito Econômico Internacional da PUCIRJ Membro das Comissões de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB 1 Eduardo García de ENTERRÍA descreveu o modelo administrativo napoleônico da seguinte maneira as funções ativas se reservam apenas aos órgãos com agentes individuais ou monocrá ticos os quais se relacionam entre si mediante a técnica do escalonamento hierárquico enquanto que os órgãos colegiais ficam reduzidos a funções consultivas ou deliberativas situadas lateralmente à linha hierárquica assistindoa e complementandoa mas sem diminuir a sua substantividade e prevalência Revolución Francesa y Administración Contemporánea Civitas 4 ed 1998 p 125 R Dir Adm Rio de Janeiro 227 131150 janmar 2002 autônomos e das entidades da administração indireta sujeitos no entanto a uma tutela quase absoluta da Administração central Com o avanço da pluralidade e complexidade inclusive tecnológica da socie dade este processo fragmentário da administração pública chegou a um ponto ótimo com o surgimento dos órgãos e entidades independentes ou seja dotados de uma verdadeirareforçada autonomia de uma descentralização material mais capazes de ponderar os diversos interesses sociais presentes2 Esta evolução mais do que simplesmente consistir em uma mudança dos para digmas do Direito Administrativo é reflexo da complexização da sociedade Os diversos interesses que no Estado pluriclasse recebem a proteção legislativa a tecnização dos meios necessários à sua satisfação e a exigência de tais interesses serem tratados com imparcialidade frente ao jogo políticopartidári03 fizeram com que o Estado fosse progressivamente criando em seu interior novos centros de poder dotados de diferentes modelos organizativos O tema desta forma colocado não é apenas matéria de estudo de juristas mas também de filósofos e cientistas políticos Gilles DELEUZE e Félix GUA T ARRI observam que a oposição clássica entre o segmentário e o centralizado afigurase pouco pertinente Não só o Estado se exerce sobre segmentos que ele mantém ou deixa subsistir mas possui a sua própria segmentaridade e a impõe O sistema político moderno é um todo global unificado e unificante mas porque implica um conjunto de subsistemas justapostos imbricados ordenados de modo que a análise das decisões revela toda espécie de compartimentações e de processos parciais que se prolongam uns nos outros sem defasagens ou deslocamentos A tecnocracia procede por divisão do trabalho seg mentário inclusive na divisão internacional do trabalho A burocracia só existe através das suas repartições e só funciona através de seus deslocamentos de meta e desfuncionamentos correspondentes A hierarquia não é somente piramidal o escritório do chefe está tanto no fundo do corredor quanto no alto da torre Em suma temse a impressão de que a vida moderna não destruiu a segmentaridade mas que ao contrário a endureceu singularmente4 2 CHEV ALLIER Jacques Vers un Droit Postmoderne constante da obra coletiva dirigida por Jean CLAM e GILLES Martin Les Transformations de la Régulation Juridique LGDJ Paris 1998 p 35 Costantino MORTATI observa que o escopo da descentralização não é apenas o de aproximar a Administração dos cidadãos para que a atuação administrativa se dê de um lado de forma mais rápida e cômoda para estes e de outro mais consentânea com as suas necessidades em virtude do maior conhecimento destas propiciado pela descentralização mas também o de fracionar o poder do Estado evitando a sua concentração nas mesmas mãos Istituzioni di Diritto Pubblico Tomo I CEDAM Padova 10 ed 1991 p 634 3 O Conselho de Estado da Itália já decidiu que o fracionamento institucional entre órgãos distintos do complexo das atividades unitariamente destinadas à satisfação de interesses públicos é uma das mais concretas e indiscutíveis garantias da atuação imparcial apud CASSESE Sabino Le Basi dei Diritto Amministrativo Ed Garzanti Milão 6 ed 2000 pp 1689 4 DELEUZE Gilles e GUATARRI Félix Micropolítica e Segmentaridade in Mil Platôs vol 3 Editora 34 Rio de Janeiro 1996 coordenação da tradução de Ana Lúcia de OLIVEIRA pp 132 Em aguda análise Dieter FREIBURGHAUS afirma que as mudanças do Estado podem ser explicadas em razão da sociedade ter se tornado cada vez mais complexa Esta complexidade é simultaneamente aumentada e controlada pelo desenvolvimento de um número crescente de subsistemas cada vez mais especializados tais como o Estado a economia a ciência os transportes as mídias etc Esta especialização como toda divisão de trabalho aumenta a capacidade produtiva lato sensu da sociedade Mas há uma contradição Os subsistemas de uma parte se tornam mais fortes através do aumento da sua autonomia da sua capacidade de autogestão de outra parte dependem cada vez mais uns dos outros e para poderem coordenar as suas atividades Esta coordenação se faz pela comunicação pela troca de informa ções Tal comunicação intersistêmica é tão complicada e difícil que não há como ser assegurada mediante uma planificação tradicional mas apenas através de pro cessos interativos e de processos de aprendizagem O Estado enquanto primus inter pares dos subsistemas da sociedade moderna é intensamente implicado nesta coor denação Ele é o responsável em última instância pela integração da sociedade o que significa que hoje ele é sobretudo o responsável pelo bom funcionamento desta engrenagem 5 Devemos ter em vista que foi ultrapassada a separação absoluta que outrora se fazia entre Estado e sociedade Há outrossim uma interpenetração entre ambos O Estado é um instrumento de organização da sociedade cujo bemestar é o seu objetivo Sendo assim a tecnicização diferenciação e autonomização dos vários subsistemas sociais fez com que as esferas decisórias estatais passassem a se revestir das mesmas características Ou seja sem se tecnicizar diferenciar e autonomizar internamente o Estado se distanciaria da sociedade a que incumbe regular Uma regulação estatal homogênea centralizada e desprovida dos meios técnicos neces sários seria insuscetível de produzir os efeitos desejados em uma sociedade carac terizada pela heterogeneidade pluralismo e complexidade técnica6 856 Estes autores talvez os mais importantes filósofos contemporâneos afirmam mais adiante Não basta definir a burocracia por uma segmentaridade dura com divisão entre as repartições contíguas chefe de repartição em cada segmento e a centralização correspondente no fundo do corredor ou no alto da torre Pois há ao mesmo tempo toda uma segmentação burocrática uma flexibilidade e uma comunicação entre repartições uma perversão de burocracia uma inventividade ou criatividade permanentes que se exercem inclusive contra os regulamentos administrativos Se KAFKA é o maior teórico da burocracia é porque ele mostra como num certo nível mas qual E que não é localizável as barreiras entre repartições deixam de ser limites precisos mergulham num meio molecular que as dissolve ao mesmo tempo em que ele faz proliferar o chefe em microfiguras difíceis de reconhecer de identificar e que são tão pouco discerníveis quanto centra lizáveis um outro regime que coexiste com a separação e a totalização dos segmentos duros DELEUZE Gilles e GUATARRI Félix Micropolítica e Segmentaridade in Mil Platôs vol 3 Editora 34 Rio de Janeiro 1996 coordenação da tradução de Ana Lúcia de OLIVEIRA p 91 5 FREIBURGHAUS Dieter Le Developpement des Moyens de IAction Étatique constante da obra coletiva dirigida por CharlesAlbert Morand LÉtat Propulsif Ed Publisud Paris 1991 pp 59 e 60 6 Esta evolução do Estado decorre da crise que sobre ele se abateu no início do século crise esta oriunda de dois fenômenos que se potencializaram mutuamente a progressiva organização da 133 A superação da oposição públicoprivado se conjuga com a despolitização de urna série de funções estatais levando ao que Jacques CHEV ALLIER denomina de ruptura do monolitismo de urna Administração que evolui para a adoção de um modelo policêntrico caracterizado pela coexistência de vários centros de decisão e de responsabilidade 7 José Eduardo FARIA 8 observa que o Estado tende a perder a centralidade a unidade e exclusividade diante da extrema diversidade de interesses privados e do crescente número de decisões econômicas tornadas fora do alcance da sua jurisdição De fato quando surgiu a soberania moderna concentrada nas mãos do Rei foram extintas as muitas autonomias existentes na Idade Média9 Em seguida com o Estado liberal procurouse limitar o caráter absoluto do poder soberano através da atribuição de parcelas suas a órgãos do Estado os três Poderes eou a entes territoriais regionais ou locais 1O Nos últimos tempos do ponto de vista interno que é o que mais nos interessa a soberania vem inclusive através de dispositivos constitucionais cedendo espaço a entes e órgãos públicos colocados à parte do aparelho estatal central e hierarquizado e a entidades e organismos sociais que sequer integram a estrutura do Estado sociedade com base em interesses específicos o que desde então faz com que cada vez mais perca o seu caráter atomístico e a deficiência dos meios jurídicos e institucionais que a própria sociedade possuía para fazer com que o Estado espelhasse a estrutura social crescentemente complexa e diferenciada cf CASSESE Sabino Lo Stato Pluriclasse in Massimo Severo Giannini constante da obra coletiva LUnità dei Diritto Massimo Severo Giannini e la Teoria Giuridica Società Editrice II Mulino Bologna 1994 p 34 É justamente na adaptação destes meios jurídicos e institucionais às características da sociedade contemporânea a fim de que a referida crise do Estado seja vencida que consiste o objetivo do presente estudo 7 CHEVALLIER Jacques Les Autorités Administratives lndépendantes in Encyclopaedia Uni versalis Paris 1989 p 177 8 Globalização autonomia decisória e política constante da obra coletiva 19881998 Uma Década de Constituição organizada por Margarida Maria Lacombe CAMARGO Ed Renovar 1999 pp 30731l 9 Norberto BOBBIO Teoría General dei Derecho Editorial Debate Madrid trad Eduardo Rozo Acufia 1999 p 21 recorda que a a formação do Estado moderno corre paralela à formação de um poder coativo cada vez mais centralizado e portanto à supressão gradual dos centros de poder inferiores e superiores ao Estado 10 Diversas teorias foram elaboradas para explicar estes fenômenos sendo a principal delas a que sustenta que a soberania não foi dividida tendo apenas ocorrido a partição do exercício dos poderes a ela inerentes Menosprezando em certa medida estas elaborações teóricas construídas para dar explicação a necessidades fáticas e políticas que de qualquer forma se imporiam João Barbalho afirma que os ciosos da inalienabilidade e indivisibilidade da soberania acharão esse plano attentatorio aos princípios Mas isto não o toma máo nem as constituições se fazem por amor à sciencia e unicamente em vista de especulações philosophicas fazemse em proveito e benefício dos povos E a melhor para cada povo não será a que se basear em meros systemas theoricos E si deste feitio não se tiver por conciliada a theoria com o facto a theoria com a realidade força é então convir que vale o sacrifício de principios politicos abstratos Na vida real dos Estados se apresentam muitas vezes phenomenos que desafiam os systemas estabelecidos pela sciencia in Edição facsimilar dos Comentários à Constituição Federal de 1891 Secretaria de Documentação e Informação do Senado Federal 1992 p 10 134 Notese a esse respeito que a doutrina vem denominando o atual estágio da organização políticoadministrativa como o da devolução de poderes 11 caracte rizado pela retomada de espaços de atuação pública por instituições parciais do Estado e da sociedade Nas palavras do filósofo político norteamericano Michael HERDT tratase efetivamente de um elemento de mudança geral na maneira pela qual o poder marca o espaço na passagem da modernidade à pósmodernidade A soberania moderna sempre foi concebida em termos de território real ou imaginário e da relação desse território com o seu fora É assim que os primeiros teóricos modernos da sociedade de HOBBES a ROUSSEAU compreendiam a ordem civil como um espaço limitado e interior que se opõe à ordem exterior da natureza ou que dela se distingue A dialética moderna do fora e do dentro foi substituída por um jogo de graus e intensidades de hibridismo e artificial idade 12 Vital MOREIRA citando BREUER considera o surgimento de órgãos e enti dades públicas autônomas em relação ao Poder estatal central como a resposta necessária do moderno Estado social ao alargamento das suas tarefas A autonomi zação de organismos administrativos é portanto uma conseqüência em termos de diferenciação e especialização da ampliação e diversificação das tarefas adminis trativas Caracterizando a administração pública do Estado pluriclasse como po licêntrica afirma desta vez valendose de BROHM que quanto mais a colectivi dade se especializa e diferencia técnicoprofissionalmente e se pluraliza éticocul turalmente tanto menor se torna aquilo que é comum a todos e tanto maior neces sidade existe de diferenciação políticoadministrativa para corresponder à diversi dade dos apelos feitos aos poderes públicos13 Estas reflexões não fugiram aos cultores do Direito Administrativo e nem poderia ser o contrário uma vez que a Administração Pública é o oeus por excelência de concretização destes fenômenos juspolíticos 14 Primeiramente os próprios Ministérios foram se multiplicando e se especia lizando de acordo com os cada vez mais numerosos e muitas vezes contraditórios p ex desenvolvimento industrial versus meio ambiente interesses cometidos ao II CHAPMAN Brian Devolução de Poderes a Instituições Autônomas inclusive Entidades Pro fissionais e Universidades IBCA FGV 1960 trad Walter Wahrlich 12 A Sociedade Mundial de Controle constante da obra coletiva Gilles DELEUZE uma vida filosófica trad Maria Cristina Franco FERRAZ Ed 34 2000 pp 3589 13 Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra Editora 1997 pp 30 31 e 35 14 Este é inclusive um dos motivos da retomada dos estudos da organização administrativa deixada em segundo plano durante muitos anos pelo equivocado entendimento de que esta não influi nas esferas jurídicas dos administrados Em recente obra Alfredo Gallego ANABITARTE lamentando a pouca importância dada ao Direito Administrativo da Organização afirma que se o que justifica a presunção de validade das atuações administrativas é o fato de quem as leva a cabo estarem submetidos a regras de competência e de procedimento não se pode ignorar que tais regras são de organização O conhecimento da organização é pois prévio ao da atuação ainda que ambos estejam indissoluvelmente vinculados Conceptos y Principios Fundamentales dei Derecho de Organización Ed MarciaI Pons Madrid 2001 p 16 135 Estado 15 A tendência no entanto não parou nesta especialização poderíamos dizer ainda centralizada da Administração Pública Expondo a evolução organizacional da Administração Pública VITAL MOREI RA 16 observa que na concepção tradicional a administração pública apresentava um perfil unitário baseado nos serviços departamentais hierarquizados na direcção governamental e na responsabilidade parlamentar do Governo pela actividade da administração O modelo originário da administração pública do Estado constitucio nal era a administração ministerial isto é a administração hierarquicamente organizada sob a égide de um Ministro responsável Hoje a unidade da admi nistração é uma ficção sendo incontroversa a sua natureza plurifórmica e pluri cêntrica o que constitui resultado natural da passagem do Estado burguês oitocentista tipicamente monoclassista voltado exclusivamente para a proteção dos interesses da burguesia então vitoriosa para o Estado pluriclasse contemporâ neo sufrágio universal acesso democrático aos cargos da administração pública desenvolvimento dos sindicatos prestações estatais positivas etc que necessaria mente reflete na sua organização o incontornável e crescente pluralismo da organi zação social O pluralismo social e político provocou o pluralismo e a diferen ciação organizatória da administração Sabino CASSESE observa que a Administração italiana é como aliás todas as Administrações dos países desenvolvidos multiorganizativa no sentido de que a amplitude e a variedade das funções públicas não apenas levaram à perda da unidade da organização do Estado mas levaramno também a adotar diversos modelos organizativos As administrações públicas são portanto fragmentadas e diferencia das Por este motivo é preferível dizer que a administração é multiorganizativa antes que pluralística ou policêntrica Estes termos muitas vezes não se referem a sujeitos mas individuam apenas o primeiro fragmentação e não o segundo dife renciação dos dois caracteres acima indicados 17 Nos termos afirmados por Lorenzo MartínRetortillo BAQUER cabe falar de um quadro policêntrico dotado ademais de um elevado grau de polimorfismo ampla pluralidade de organizações públicas com intensidades e matizes bastante complexos 18 15 Cf MASSERA Alberto La Crisi dei Sistema Ministeriale e lo Sviluppo degli Enti Pubblici e delle Autorità Amministrative Indipendenti integrante da obra coletiva coordenada por Sabino Cassese e Claudio Franchini La Amministrazione Pubblica Italiana Um Profilo 11 Mulino 1994 pp 256 16 Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra 1997 pp 315 17 CASSESE Sabino Le Basi dei Diritto Amministrativo Ed Garzanti Milão 6 ed 2000 pp 189 e 190 A diferença de nomenclatura em relação à adotada por Vital Moreira na citação acima plurifórmica e pluricêntrica parecenos pertinente malgrado não entendermos que os termos administração pluralista ou pluricêntrica sejam desprovidos de importância A preponderância que damos a estes termos no presente trabalho se deve ao seu foco centrarse no fenômeno da criação de centros de poder autônomos no seio da Administração Pública não nas diferentes formas organizativas que podem assumir objeto que demandaria estudo específico 18 BAQUER Lorenzo MartínRetortillo Organismos Autónomos y Derechos Fundamentales constante da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo VoI I Ed Civitas Madrid 1994 p 103 136 Naturalmente que nenhum modelo administrativo é inteiramente descentraliza dopluricêntrico em detrimento de uma até certo ponto necessária centralização A adoção completa daquele levaria à desintegração da organização administrativa e a desta à sua inviabilização prática 19 O que se verifica é a transformação dos modelos de administração pública que passam a se situar no desenho organizativo e na gestão de recursos em função da natureza das tarefas levando à fragmentação harmônica do aparato administrativo à necessidade de novos instrumentos de integração e coordenação e ao reconheci mento de novos graus do exercício autônomo da discricionariedade com a emer gência de mecanismos de controle mais finalísticos que hierárquicos As estruturas políticoadministrativas tradicionais centralhierarquizadas mo rosas e inspiradas por critérios preponderantemente políticos revelaramse no con texto exposto inadequadas para os desafios colocados ao Estado II Autonomia Sendo a autonomização de centros de poder administrativos o elemento essencial à Administração Pública pluricêntrica que vem se delineando em todo o mundo ocidental inclusive no Direito Positivo brasileiro mister se faz abordar o que deve ser entendido por autonomia Comparandoa com a soberania Fezas VITAL20 afirma que esta é a compe tência da competência quer dizer competência para marcar os limites da própria competência E assim se o poder político tiver competência para marcar os limites dentro dos quais exercerá o seu poder de dar ordens dirseá soberano mas se os limites dentro dos quais exerce o seu poder de dar ordens forem marcados não por ele próprio mas por outro poder então dirseá não soberano e portanto acres centaríamos autônomo José Afonso da SILVA denota que a autonomia como poder próprio dentro de um círculo traçado por outro pressupõe ao mesmo tempo uma zona de autode terminação que é o propriamente autônomo e um conjunto de limitações e deter minantes jurídicas extrínsecas que é o heterônomo 21 Etimologicamente autonomia significa a possibilidade de um ente jurídico estabelecer as normas da sua própria conduta22 O conceito de autonomia só pode ser elaborado em termos genéricos como a margem limitada de liberdade de atuação conferida pelo ordenamento jurídico a 19 Para uma análise sistemática dos diversos graus de centralização e descentralização ver Méndez Sistemas Orgánicos constante da obra coletiva Perspectivas dei Derecho Público en la segunda Mitad dei siglo XX Madrid 1969 pp 9512 e 9567 20 Direito Constitucional Lisboa p 391 21 Apud Luís Roberto BARROSO Interpretação constitucional Direito Constitucional Inter temporal Autonomia desponiva Conteúdo e Limites Conceito de Normas Gerais RDP 9796 22 Do grego auto significa próprio e nomia norma regra 137 pessoas públicas ou privadas Segundo o âmbito de liberdade concretamente definido pelo direito positivo o sentido do termo pode sofrer grande variação23 Um conceito de autonomia mais rigoroso e definido só pode ser alcançado em função desta ou daquela autonomia específica tal como juridicamente positivada Fora disso como observa Silvio SPAVENTA24 a autonomia permanece in determinada e indefinida Ela pode exprimir um certo grau de independência e de autoridade reconhecida a uma pessoa jurídica mas não há como se dizer qual seja este grau e esta medida de independência que lhe é atribuída No âmbito específico do Direito Administrativo Ernst FORSTHOFF25 consi dera que os poucos efeitos práticos advindos da extensão da autonomia administrativa aos domínios da política social econômica e cultural podem ser explicados em razão da autonomia administrativa ter se tornado tão genérica a ponto de não podermos mais procurar uniformizar suas formas jurídicas Segundo VITAL MOREIRA26 é assaz polissêmica a noção de autonomia Mais adiante afirma o autor lusitano em sua densa e profunda tese de doutorado que autonomia designa genericamente o espaço de liberdade de conduta de um ente face a outro Concretamente no âmbito das pessoas colectivas públicas ela exprime a liberdade dos entes infraestaduais face ao Estado ou seja a relativa inde pendência em relação ao poder central Conforme os diversos campos em que essa liberdade de conduta pode manifestarse assim se pode falar em autonomia regula mentar autonomia administrativa stricto sensu autonomia patrimonial e financeira etc Neste sentido a autonomia é uma questão de grau pode ir de quase nada até à independência quase total Nuns casos pode consistir senão na mera autonomia jurídica existência de personalidade jurídica sem nenhuma liberdade de acção noutros casos pode ir até à mais ampla liberdade de decisão dentro da esfera de acção que lhe seja confiada administração independente Especificamente em relação à autonomia normativa entendemos que é difícil imaginar um ente autônomo que não a possua em alguma medida por mais restrita que seja A amplitude da autonomia normativa certamente pode variar mas sempre existirá Mesmo por exemplo a autonomia meramente administrativa implica na faculdade de estabelecer normas específicas de administração interna T Ramón FERNANDES27 assevera que a história prova que o conceito de autonomia alude a um certo poder de autonormação e por extensão de autogovemo 23 Uma percuciente classificação jurídica dos mais diversos conceitos de autonomia defendidos pela doutrina consta de ARNAUD AndréJean coord Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito tradução dirigida por Vicente de Paulo Barreto Ed Renovar 1999 pp 612 Para os mesmos fins ver também K1aus STERN in Derecho dei Estado de la República Federal Alemana Centro de Estudios Constitucionales 1987 trad Javier Pérez Royo e Pedro Cruz Villalón pp 698 a 670 24 La Giustizia nellAmministrazione Giulio Einaudi Editore p 153 25 In Traité de Droit Administratif Allemand Bruylant 1969 trad Michel Fromont p 687 26 In Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra Editora 1997 pp 69 e 70 grifamos 27 In La Autonomía Universitaria ámbito y limites Civitas 1982 p 35 138 que existe e se reconhece para a melhor satisfação de um círculo específico e concreto de necessidades que a justificam em razão de sua própria singularidade e que ao mesmo tempo contribuem para precisar seus limites No mesmo sentido Ignacio de OTT028 afirma que em seu significado mais amplo autonomia é o poder de indivíduos ou pessoas jurídicas para darse um ordenamento próprio nos limites de outro superior e mais amplo De toda sorte as autonomias têm sempre que ser delimitadas caso a caso à luz dos termos em que são conferidas pelo Direito positivo Dependendo da disciplina que receberem poderão assumir realidades jurídicas das mais diversas Devese destacar no entanto que inclusive em razão do princípio do paralelismo das formas apenas a fonte que confere a autonomia pode limitála III O princípio da descentralização administrativa A descentralização administrativa na Constituição brasileira decorre do que DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Net029 qualifica como os princípios técnico administrativos de maior relevo na reforma administrativa3o o da autonomia e o da profissionalização Segundo o jurista a Reforma Administrativa implicou um passo racional na descentralização com a finalidade de atender as diferentes necessidades de gestão da coisa pública segundo as suas características próprias e não em conformidade com um padrão rígido formal e predeterminado Sem tal flexibilidade31 não seria possível à Administração enrijecida em órgãos e funções hierárquica e burocraticamente estruturadas atuar com eficácia e muito menos num mundo em mudança constante com a eficiência e a economicidade preconizadas respectivamente pelo caput dos arts 37 e 70 da Constituição Federal que ao fixar os fundamentos da República Federativa do Brasil também assegura o pluralismo do poder na sociedade art 10 V enriquecido na consciência de sua importância tanto quanto à abertura e multiplicidade dos canais para a sua atuação 32 28 In Derecho Constitucional Sistemas de fuentes Ariel 1988 p 245 Notese que o autor expressamente cita a autonomia universitária como exemplo do conceito de autonomia por ele formulado 29 In Apontamentos cit pp 27 a 29 30 O autor naturalmente está se referindo à Emenda Constitucional n 1998 31 A idéia descentralizadora tem a sua força e utilidade nas novas exigências na nova posição assumida pelo Estado como organismo social na crescente necessidade advinda da comp1exização das relações na assunção de novas funções na necessidade de regular com presteza igual e equanimemente todas as manifestações da vida coletiva para cada parte do território De fato não seria possível a apenas uma organização centralizada dar conta destas necessidades insuficiente e incapaz seria se não constituísse e reconhecesse subcentros os quais concorressem para a satisfação das necessidades públicas Carlo GIRO LA Teoria dei Decentramento Amministrrativo Fratelli Bocca Editore Torino 1929 p 103 32 Diogo de Figueiredo Moreira Neto Curso de Direito Administrativo Ed Forense 9 ed 1990 139 Em outra obra o memo autor acresce que o princípio da eficiência art 37 caput CF afasta qualquer burocratização de entidade ou de órgão público além do mínimo indispensável para o cumprimento das suas tarefas de rotina ou seja o desempenho das atividadesmeio De resto todas as tarefas devem ser necessaria mente orientadas pela atividadefim ou seja pela finalidade 33 O publicista Massimo Severo GIANNINI34 quando no exercício do cargo de Ministro da Função Pública da Itália apresentou relatório ao Parlamento no qual levantou os principais problemas para que a Administração Pública adquirisse efi ciência e economicidade Ao tratar das técnicas de administração manifestou espe cial preocupação com os chamados custos ocultos constituídos pelo custo eco nômico adicional que representa a atividade administrativa exageradamente proce dimentalista na qual participam mais órgãos que o necessário e com mais tramitações dilatadas por intervenções estéreis que poderiam ser suprimidas sem prejuízo ao interesse público Ressalva que não se posiciona contrariamente a toda e qualquer formalidade ou procedimento vez que muitos deles são corolários do Estado de Direito do devido processo legal e da necessidade de controle das contas públicas Centra suas críticas outrossim sobre o emaranhado de procedimentalizações desnecessárias de nível secundário que servem muito mais ao jogo meramente interno do poder do que aos valores mais elevados do Estado de Direito Demonstrando na prática que a descentralização administrativa é ínsita aos princípios da eficiência e economicidade MIGUEL REALE ao dar parecer sobre proposta de descentralização submetida à sua apreciação enquanto Membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo considerou que serviços há do mais alto e imediato interesse coletivo que não podem continuar circunscritos à esfera do interesse particular mas que entretanto pela sua própria natureza exigem autonomia de ação meios e processos de agir incompatíveis com os inevitáveis tropeços burocráticos Um laboratório oficial de análises por exemplo em que cada pedido de material pelos analistas estiver sujeito a demorados e complexos trâmites p 99 Para muitos autores o princípio da descentralização também constitui emanação do princípio da subsidiariedade pelo qual o Estado central só deve assumir as atribuições as tarefas ou as incumbências que outras entidades existentes no seu âmbito e mais próximas das pessoas dos seus problemas concretos não possam assumir e exercer melhor e mais eficazmente cf Jorge MIRAN DA Manual de Direito Constitucional Tomo m Coimbra Editora 4 ed 1998 Como também ressalta Reinhold ZIPPELIUS a regulação de conflitos de interesses socialmente relevantes concretizase de maneira particularmente nítida em sociedades pluralistas pela acção conjunta de todo um complexo de subsistemas Teoria Geral do Estado trad Karin PraefkeAires Coutinho Coordenação de J J Gomes CANOTILHO Fundação Calouste Gulbenkian 3 ed 1997 p 27 Ainda ligando a idéia de descentralização administrativa à liberdade individual e à democracia pluralista A SALANDRA Corso di Diritto Amministrativo C Manes Roma Atheneum 1915 n p 39 passim 33 Mutações do Direito Administrativo Ed Renovar 2000 p 24 34 Apud PALAZZO SESÍN e Rolón LEMBEYE La transformación dei Estado Depalma 1992 pp 12 e 13 140 de requisição com audiência de remotas autoridades será um laboratório falho condenado a reduzirse paulatinamente a uma simples denominação ou a um mero arquivo de papéis sem vida 35 Deste modo adquiriuse progressivamente a consciência de que em relação à questão da descentralização se trata de um problema de optimização isto é da tarefa de criar unidades organizatórias que realizam caso a caso um compromisso óptimo entre as necessidades antagónicas de proximidade do assunto e do cidadão autoadministração e autoresponsabilidade por um lado e regulação uniforme coordenação e responsabilidade global por outro 36 Não há portanto antagonismo entre a autonomia de entidades e órgãos mate rialmente descentralizados com a unidade da Administração muito pelo contrário a Administração Pública contemporânea para cumprir as suas funções e atender aos valores e princípios constitucionais a ela impostos deve atuar ao mesmo tempo coordenada e descentralizadamente 37 Vemonos portanto diante de um Direito Administrativo brasileiro mais com plexo e plural que abandona a idéia de que uma atividade administrativa só é racional na medida em que estiver previamente prevista detalhadamente normatizada e sujeita a uma linha hierárquica que a substituiu por técnicas de análise gestão e responsa bilidades estratégicas38 IV Conceito material de descentralização administrativa Constatado o intrínseco liame existente entre a descentralização administrativa e a autonomia mister se faz para que eventuais dificuldades hermenêuticas possam ser mais facilmente contornadas que teçamos um breve escorço sobre o conceito de descentralização uma vez que o órgão ou entidade que materialmente possuir auto nomia será materialmente não apenas formal ou nominalmente descentralizado39 35 As Autarquias Universitárias Paulistas constante da coletânea Nos Quadrantes do Direito Positivo Estudos e Pareceres GráficaEditora Michalany Ltda 1960 p 140 36 Reinhold ZIPPELIUS in ob cit p 129 37 A pluralidade dos centros de autonomia política nos quais se expande o moderno ordenamento democrático não significa desarticulação e atomização das suas estruturas Enrico Spagna MUS SO Llniziativa nella Formazione della Legge Italiana Napoli 1958 p 95 38 Joan Prats i CATALÁ Derecho y Management en las Administraciones Públicas Notas sobre la crisis y Renovación de los respectivos paradigmas pp 9 12 e 13 fonte wwwcradorgve Ver também DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Neto nas obras Apontamentos sobre a Reforma Administrativa Ed Renovar 1999 p 04 e segs e Sociedade Estado e Adminis tração Pública Ed Topbooks 1995 pp 1424 39 Com efeito Maurice HAURIOU tratando da matéria conclui li y a un autre aspect du sujet pcore pli inéressant la création des établissements publics ne constitue pas par elle même une décentraisation Et il parait bien quelle en constitue une si lon réfléchit quelle s accompagre nécessairement dune répartition du pouvoir de décision in Précis de Droit Administratif Recueil Sirey Paris 1914 8 ed p 145 141 Classicamente a descentralização é definida em contraposição à desconcentra ção A descentralização seria a criação de pessoas jurídicas pelo Estado e a descon centração a mera divisão de funções entre os diversos órgãos despersonalizados de uma mesma pessoa jurídica estatal ou seja seria a criação de órgãos periféricos dentro da própria Administração Direta Estes conceitos tradicionais de descentralização e desconcentração na época em que nenhuma das duas acarretava significativa autonomia não eram propriamente incorretos Todavia não mais correspondem ao modelo administrativo efetivamente descentralizado exigido e já implantado pelo Estado contemporâneo Podemos contudo nos valer de ambos os conceitos desde que lhes seja acrescentado um plus ontológico A mera criação de pessoa jurídica da Administração Indireta sem que possua um grau de razoável autonomia para desenvolver suas atribuições não tornará o seu desempenho mais ágil e eficiente A desconcentração também é por sua vez mera forma de organização interna que não altera os vínculos hierárquicos tradicionais Nenhuma delas portanto se tomadas nos seus conceitos tradicionais constituirão necessariamente verdadeira descentralização Em todo o mundo podemos constatar que a Administração Pública caminha para a descentralização em sentido material sendo irrelevante a sua caracterização formaltradicional vista acima O que importa é que a determinados centros de competência seja conferida considerável autonomia de atuação independentemente deles serem constituídos ou não como pessoas jurídicas Propugnando pela relativização dos conceitos formais de órgão e de pessoa jurídica administrativa e conseqüentemente de desconcentração e descentralização em sentido meramente formal Gaspar Arino ORTIZ4o chega a observar que o conceito estrito de pessoa jurídica tal como elaborada pela pandectística do Direito privado resultava insuficiente para dar fundamento à razão da organização adminis trativa o estrito dualismo órgãopessoa só era capaz de explicar parcialmente a pluralidade de figuras subjetivas que podiam atuar em Direito Público de maneira juridicamente relevante Se pretenderá assim digo mediante a substituição da idéia unitária de pessoa sujeito pelas idéiasbase de capacidade impu tação e legitimação que são elementos singulares daquela capacidade para ser titular de direitos para figurar em juízo etc alcançar um conceito material de ambos os institutos de molde a adequálos às particularidades do Direito Público Há entidades descentralizadas dotadas de personalidade jurídica às quais a lei confere uma autonomia tão diminuta que na prática muito se assemelham aos órgãos internos subordinados hierarquicamente à Administração central O contrário tam bém se verifica existem órgãos internos aos quais são atribuídas tão significativas atribuições autônomas às vezes acompanhadas de garantias de permanência para 40 La Administración Institucional Bases de su regimen jurídico Instituto de Estudios Admi nistrativos Madrid 1972 pp 3213 142 seus titulares que faz com que propiciem uma descentralização efetiva bem superior àquela das pessoas jurídicas apenas formalmente descentralizadas41 Parte da doutrina afirma mesmo que os entes personalizados sem autonomia sequer podem ser considerados verdadeiras pessoas jurídicas Por mais fortes razões também não se poderia deles inferir qualquer descentralização Ambas as categorias centrais no mundo do Direito Administrativo estariam falseadas Neste sentido é que Garrido FALLA seguindo FERRARA fala de pessoas jurídicas fictícias 42 desprovidas de substrato real ou seja de um regime jurídico que realmente as trate como tal que lhes confira um grau razoável de liberdade de agir Adotando o conceito material efetivo verdadeiro de descentralização Al fredo Gallego ANABITARTE43 pronunciouse no sentido de que também se pode produzir a verdadeira descentralização em um sujeito ou centro de competências que não seja personalizado Não é essencial à descentralização que o sujeito descentralizado seja titular da competência que se lhe transfere A usual definição de descentralização como transferência da titularidade de competências entre pes soas jurídicas não é mais que uma das hipóteses a mais usual de descentra lização Por outro lado pode produzirse esta transferência entre pessoas jurídicas como o caso das entidades da Administração Indireta mas pode todavia não haver verdadeira descentralização em virtude da completa e lógica tutela a que se submete a atuação destas pessoas jurídicas 41 Vincenzo Cerulli IRELLI em termos análogos aos por nós adotados para conceituar os órgãos e entidades materialmente descentralizadas define as autoridades administrativas independentes como il fenomeno emerso nell esperienze piu recente delle c d autorità amministrative indi pendenti dotate o meno di personalità giuridica costitute dalla legge per governare determinati settori di amministrazione in senso sostanziale secondo moduli organizzativi e funzionali dei tutto svincolati da qualsiasi relazione com lorganizzazzione ministeriale in Corso di Diritto Ammi nistrativo G Giappichelli Editore Torino 1997 p 230 Diogo Freitas do AMARAL também chega ao mesmo resultado só que para manter a nomenclatura tradicional em relação aos órgãos autônomos despersonalizados denomina os por nós chamados órgãos descentralizados de ór gãos com desconcentração absoluta ou similarmente a CERULLI de órgãos independentes Quanto aos graus de desconcentração ela pode ser absoluta ou relativa no primeiro caso a desconcentração é tão intensa e é levada tão longe que os órgãos por ela atingidos se transformam em órgãos independentes no segundo a desconcentração é menos intensa e embora atribuindo certas competências próprias a órgãos subalternos mantém a subordinação destes aos poderes do superior Neste último caso a desconcentração e hierarquia coexistem ao passo que naquele pelo contrário a desconcentração faz cessar a hierarquia Curso de Direito Administrativo Livraria Almedina 2 ed 1998 pp 6601 42 Apud Gaspar Ariiio ORTIZ in ob cit pp 4045 43 In ob cit pp 5523 grifamos O conceito de descentralização efetiva também encontra esteio na doutrina de Reinhold ZIPPELIUS Tratase de desconcentração quando os membros de uma organização estão totalmente vinculados a instruções de instância central e de descentralização quando estes membros gozam no exercício das suas funções de uma grande autonomia p ex se unicamente se acham sujeitos a uma tutela de legalidade central ou quando muito a uma limitada tutela de mérito in ob cit p 127 grifamos 143 É esta descentralização material e efetiva que leva ao pluricentrismo da Administração Pública contemporânea Pouco importa repitase que seja instru mentalizada em entidades dotadas de personalidade jurídica ou em órgãos internos despersonalizados Em todos estes casos haverá descentralização se forem outorgadas prerrogativas e garantias suficientes ao desempenho autônomo de funções destacadas do poder central44 A nota fundamental é a não vinculação hierárquica v Controles sobre os órgãos e entidades descentralizados A autonomia dos órgãos e entidades descentralizados é como toda autonomia limitada não prescindindo de mecanismos de controle que todavia não poderão ser hierárquicos mas apenas de legalidade serão de mérito apenas excepcional mente gerenciais e finalísticos implementados notadamente através da verifi cação do atendimento de metas e diretrizes preestabelecidas45 Estes limites além de não serem incompatíveis com a autonomia integram o seu próprio conceito Não seria de se imaginar realmente que um órgão ou ente descentralizado por mais autônomo que fosse ficasse alheio ao conjunto da Admi nistração Pública A autonomia não pode servir para isentálos da obrigação de se inserirem nos planos e diretrizes públicas gerais Se fossem colocados em compar timentos estanques a descentralização revelarseia antitética aos valores de eficiên cia e pluralismo que constituem o seu fundamento É apenas neste sentido de inserção nos programas e diretrizes públicas gerais que deve ser entendida a necessária subordinação dos órgãos e entidades descentra lizados à Administração Pública central A lei ou o ato normativo que os instituir pode até dispor diversamente estabe lecendo uma hierarquia estrita mas neste caso independentemente de ter havido ou não a criação de pessoa jurídica não mais estaremos diante de descentralização propriamente dita mas de mera desconcentração 44 La décentralisation implique que pour assurer la marche de certains groupements de services existent dautres corps dadministration ayant une cenaine libené daction Le pouvoir central n est pas eliminé mais son rôle change li ne dirige plus li se borne à contrôler les autorités placées à la tête de ce corps dadministration propre Maurice HAURIOU in Précis de Droit Administratif Dalloz 192692 Também vinculando o conceito de descentralização administra tiva ao de autonomia que seria um requisito daquela A Salandra in Corso di Diritto Amminis trativo C Manes Roma Atheneum 1915 lI p 39 passim 45 Se pretende dar prioridade aos objetivos aos índices de prestação e avaliação em relação ao orçamento à comparação dos custos e às diversas unidades operativas redimensionando o orça mento concedendo aos dirigentes maior liberdade na gestão dos recursos e na prestação de contas do que tiver sido efetivamente realizado PALAZZO SESÍN Y Rolón LEMBEYE La transfor mación dei Estado Depalma 1992 p 94 144 Muitas vezes a subordinação é confundida com hierarquia Todavia nem toda subordinação de um órgão ou ente a outro constitui hierarquia que apesar de ser a mais forte é apenas uma das espécies de subordinação Os mecanismos de controle hierárquico estão em franco processo de decadência sonno sotto accusa já que se prestam a pouco em relação ao custo econômico e burocrático devendo deixar de fora todas as atividades executivas e técnicas Estão ao revés demonstrandose cada vez mais eficazes os controles do tipo budgeting auditing os controles de gestão os controles internos de eficiência 46 As diferentes espécies de subordinação são com a maestria que lhe é própria assim enumeradas por Massimo Severo GIANNINI 47 a Hierarquia Neste caso há uma relação de constante sujeição de um órgão ou ente a outro Ela é a espécie mais antiga de subordinação e por esta razão às vezes é equivocadamente com ela confundida Na hierarquia temos uma total possibilidade de ingerência do órgão superior sobre o inferior seja através da revogação ou anulação dos seus atos na delegação ou avocação de competências poder disciplinar etc O fenômeno se explica porque na verdade o órgão superior tem mesmo uma competência compreensiva da competência do órgão subordinado fungível com a do órgão inferior Nestes casos o órgão hierarquicamente superior não apenas possui poder de controle como ainda de dar ordens e de substituição pelo qual pode sempre substituir a ação do órgão ou da entidade in casu inferior b Direção Nestes casos um centro de competência não pode dar ordens ao outro mas apenas fixarlhe as diretrizes e controlarlhe os resultados O controle exercido sobre o órgão subordinado não poderá consistir em poder de substituição revogação avocação ou em delegação obrigatória e o poder de anulação deve ser admitido excepcionalmente apenas nos casos em que o ordenamento o admitir Fazendo a mesma distinção mas com nomenclatura ligeiramente diversa Vin cenzo Cerulli IRELU48 assinala que o modelo originário de hierarquia que deno minamos de hierarquia em sentido estrito caracterizase pelo fato de que entre os órgãos não existe uma verdadeira e própria separação de competências mas as competências se confundem com as atribuições própria da organização no seu complexo no âmbito das quais todos os órgãos podem agir segundo critérios de distribuição de funções fixadas pelo vértice da organização e com valor fundamen talmente interno assim não é possível distinguir esferas próprias de competência dos órgãos a eles conferidas por lei que individuasse os poderes administrativos de sua própria titularidade Na hierarquia em sentido amplo os poderes sobre o órgão subordinado são bastante diversos daqueles próprios do primeiro modelo Em vez do poder de dar ordens temos o poder de direção esse consiste no fato do superior hierárquico estabelecer critérios e objetivos da ação administrativa a ser desenvolvida pelo 46 Massimo Severo GlANNINl in Diritto Amministrativo Volume I Giuffre Editore Milão 3 ed 1993 pp 3312 Os termos em língua inglesa constam do original 47 In oh e voI cit pp 311 a 333 48 Corso di Diritto Amministrativo 9 ed Giappichelli Editore Torino 1997 pp 1123 145 inferior hierárquico e titularizada por este último critérios objetivos que o inferior deve ter em vista no desempenho das suas atividades aos quais não deve todavia pura e simplesmente obediência Se a subordinação dos órgãos descentralizados fosse da espécie hierárquica não haveria descentralização e por outro lado se não estivessem sujeitos a nenhuma subordinação de direção sequer integrariam a Administração Pública descentrali zada Naturalmente que os controles de direção podem variar bastante tanto de natureza como em intensidade Mas verificados os traços básicos acima analisados estaremos sem dúvida diante de órgãos ou entes descentralizados VI O caso das agências reguladoras Vimos nos Tópicos anteriores a tendência de descentralização material da Ad ministração Pública contemporânea com a criação de órgãos e entidades estatais dotadas de significativa autonomia frente ao Poder políticoestatal central49 Com efeito o desenvolvimento de uma administração independente dispondo de poderes decisórios regulamentares e individuais necessita de um espaço admi nistrativo suficientemente aberto Não há qualquer possibilidade teórica ou práti ca destas instituições se desenvolverem em espaços administrativos fechados organizados e controlados de maneira rígida 50 É neste contexto que em todo o mundo ocidental se avulta a importância das agências reguladoras independentes principalmente naqueles setores sensíveis à articulação do Estado com a sociedade entre os quais destacamse os que foram objeto de desestatização51 O tantas vezes repisado caráter de independência das agências reguladoras retrata na verdade uma autonomia reforçada uma maior autonomia em relação à de que normalmente são dotadas as demais entidades da Administração Indireta que 49 O aparato burocrático das administrações estatais constitui um complexo de corpos ligados pelo fato de pertencerem à mesma organização política unitária e não ao revés um corpo maciço em si unitário que cada um dos corpos possui uma relevância política em decorrência da especia lização inerente à meritocracia Massimo Severo GIANNINI apud CASSESE Sabino Lo Stato Pluriclasse in Massimo Severo Giannini constante da obra coletiva L Unità dei Diritto Massimo Serero Giannini e la Teoria Giuridica Società Editrice II Mulino Bologna 1994 p 28 50 MODERNE Frank Les Modeles Étrangers constante da obra coletiva Les Autorités Adminis tratives lndépendantes coordenada por ClaudeAlbert Colliard e Gerard Timsit PUF Paris 1988 pp 190 51 QUERMONNE JeanLouis LAppareil Administratifde IÉtat Éditions du Seuil Paris 1991 p 256 Pierre DEL VOL VÉ afirma que a criação destas entidades se justifica pela vontade de instituir em setores delicados concernentes particularmente às liberdades públicas e à regulação de atividades econômicas órgãos dotados simultaneamente de imparcialidade competência técnica e poder de influenciar os atores sociais envolvidos Droit Public de IÉconomie Dalloz Paris 1998 p 264 146 em sua maioria não são materialmente descentralizadas cf Tópicos IV e V Neste sentido as principais notas da autonomiaindependência das agências reguladoras são a impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes52 a organização colegiada a formação técnica competências regulatórias e a impossibilidade de recursos hierárquicos impróprios sendo que apenas a conjunção destes elementos resultará na conceituação de uma entidade como agência reguladora independente53 Não podemos porém ter o simplismo de achar que as agências reguladoras independentes constituem a totalidade do fenômeno do pluricentrismo administrati vo Se por um lado de fato representam uma grande potencialização do pluricen trismo da Administração Pública por outro esta tendência não se originou com elas possuindo raízes bem mais profundas54 e mais o próprio atual movimento de 52 As restrições ao poder de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo principal nota características da sua independência foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar pedida na ADIN n 19490 A primeira em virtude do art 52 m f Constituição Federal admitir a prévia aprovação do Senado Federal da escolha de titulares de outros cargos que a lei determinar Quanto à constitucionalidade da vedação da exoneração ad nutum dos dirigentes das agências reguladoras independentes o Supremo entendeu que não viola as competências do Chefe do Poder Executivo admitindo a exoneração apenas por justa causa e mediante prévio procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa ou se advier a mudança da lei criadora da agência independente fonte httpwwwstfgovbr 53 Elisenda MALARET observa que apesar da atribuição de personalidade jurídica implicar sempre no reconhecimento de um certo grau de autonomia na hipótese agora considerada a autonomia não é tanto a conseqüência mas uma das condições que garantem a efetividade do cumprimento da tarefa atribuída Evidentemente sempre que a personificação seja acompanhada dos correspondentes recursos pessoais e financeirose que o reconhecimento de poderes e a respectiva atribuição de competências configure um âmbito de livre configuração sem a adoção de mecanismos administrativos de controle ou de tutela MALARET Elisenda Comisión Nacional dei Mercado de Valores Una aproximación a su configuración institucional Revista Espanola de Derecho Administrativo REDA versão CDROM 54 A mera separação de um órgão administrativo da linha hierárquica ou a garantia de inamovi bilidade dos seus membros durante um período determinado para reforçar a sua posição na orga nização e a objetividade de suas decisões são técnicas já há muito conhecidas e que não são suficientes por si sós para configurar uma autoridade administrativa independente no sentido aqui tratado assim como não o é tampouco obviamente a simples personificação formal de uma entidade administrativa qualquer RODRÍGUEZ Tomás Ramón Fernandez Reflexiones sobre las Uamadas Autoridades Administrativas Independientes constante da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo Vol I Ed Civitas Madrid 1994 p 439 Na mesma senda ver QUERMONNE JeanLouis L Appareil Administratif de I État Éditions du Seuil Paris 1991 p 258 Para uma relevante apreciação da conexão existente entre as idéias que deram origem às autoridades de autonomia reforçada analisadas e antigas doutrinas de juristas europeus mormente as de HAURI OU e DUGUIT remetemos o leitor a RAMÓN Fernando LÓPEZ EI Consejo de Seguridad Nuclear Un Ejemplo de Administración Independiente pp 5778 e Parada V ÁSQUES José Ramón Las Administraciones Independientes pp 6656 ambos cons tantes da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo Vol I Ed Civitas Madrid 1994 Realizando uma análise das autoridades administrativas inde pendentes como decorrência da doutrina dos poderes neutrais do Estado que remonta a Benjamin 147 complexização e multiorganização administrativa não se reduz ao modelo das agên cias reguladoras independentes55 havendo um semnúmero de entidades que também se subsumem aos mesmos paradigmas de autonomizaçãodescentralização material dos centros decisórios públicos universidades56 conselhos profissionais entes in dependentes desprovidos de competências regulatórias órgãos constitucionais inde pendentes57 etc58 Segundo DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO as agências gover namentais autônomas entendidas como entes fracionários do aparelho administrativo do Estado não são tema novo no Direito Administrativo A novidade está no ressurgimento da importância dessas entidades rebatizadas resumidamente de agências reguladoras para desempenharem autarquicamente essas funções na disci plina de certos serviços cuja execução vem sendo transferida de empresas estatais para empresas privadas 59 Também FRANCESCO PAOLO CASAVOLA afirma que um Estado que esteja dentro não à frente dos processos sociais deve encontrar instrumentos que sejam independentes dos poderes originários e constitutivos da esta taidade o Governo e o Parlamento E deve encontrar pessoas eticamente independentes que não tenham ideologia ou interesse como parte nos processos sociais 60 A maior parte das agências reguladoras independentes criadas no Brasil guarda pertinência com a retração da intervenção estatal em vastos setores da economia que teve como reverso a consciência de que o Estado não poderia deixar apenas ao bom senso empresarial a gestão de atividades de indubitável interesse público que CONST ANT e Carl Schmitt SALA ARQUER José Manuel EI Estado neutral Contribución ai estudio de las administraciones independientes Revista Espanola de Derecho Administrativo REDA vol 42 1984 55 Também em França JeanLouis QUERMONNE adverte que a dispersão dos centros de decisão que leva à multiplicação das autoridades administrativas independentes se inscreve em um vasto movimento de questionamento do monolitismo da Administração QUERMONNE JeanLouis LAppareil Administratifde lÉtat Éditions du Seuil Paris 1991 p 266 grifamos 56 Alexandre Santos de ARAGÃO A Autonomia Universitária no Estado Contemporâneo e no Direito Positivo Brasileiro Ed Lumen Juris 2001 57 Ver DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Neto Algumas Notas sobre Órgãos Constitucional mente Autônomos Um estudo de caso sobre os tribunais de Contas no Brasil RDA 2230128 58 Já em 1968 Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO lecionava Nas autarquias corporativas profissionais como a Ordem dos Advogados o Conselho Nacional de Medicina por exemplo seus administradores são escolhidos pelos próprios corporados sem interferência da Administração Central conforme dispõem suas respectivas leis Em outras entidades autárquicas o poder de nomeação do Chefe do executivo é atenuado Fica adstrito à escolha de um dentre vários nomes que lhe são apresentados em lista organizada internamente na entidade autárquica Sirva de exemplo a nomeação de reitores de Universidades BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Natureza e Regime Jurídico das Autarquias Ed RT São Paulo 1968 p 454 59 Mutações do Direito Administrativo Ed Renovar Rio de Janeiro 2000 p 1456 60 CASAVOLA Francesco Paolo Quale statuto per le Autorità lndipendenti constante da obra coletiva Regolazione e Garanzia dei Pluralismo Le Autorità Amministrative lndipendenti Ed Giuffre Milano 1997 pp 256 grifamos 148 deveriam portanto ficar sob o seu poder regulatório Procurouse todavia fazer com que a regulação de tais atividades não ficasse sujeita à variação dos humores políticopartidários dotandose as entidades dela incumbidas de uma especial auto nomia em relação ao Poder Executivo central autonomia esta cuja principal nota é a nomeação de técnicos por mandato determinado durante o qual é vedada a exo neração ad nutum Todavia em um segundo momento o Legislador estendeu este modelo de regulação a uma série de atividades econômicas stricto sensu que sempre estiveram sob a égide da iniciativa privada fazendo com que passassem a ser reguladas por entidades dotadas nos mesmos moldes de autonomia frente ao poder hierárquico centra161 Advertese que o modelo não representa em sua substância um apequenamento do Legislador ou da política pública por ele traçada para o setor a ser regulado pela agência independente Ao contrário deve levar a uma certa perenização das finali dades públicas traçadas pela lei do setor que não mais ficam ou não deveriam ficar variando de acordo com o fugaz momento político Para tanto tais entidades foram dotadas de amplos poderes notadamente de natureza normativa62 vez que de outra forma não poderiam desempenhar satisfa toriamente agilidade informalidade constante adaptação à realidade cambiante etc suas atribuições o que exige ainda um corpo de titulares revestidos das prerrogativas necessárias à manutenção da sua impermeabilidade face aos interesses políticos transitórios e não se olvide aos interesses econômicos regulados VII Conclusões A insurgência de espaços administrativos efetivamente autônomos frente ao Poder Executivo central do que as agências reguladoras independentes constituem o exemplo mais relevante em nosso Direito Positivo é uma exigência da eficácia da regulação estatal em uma sociedade que tal como o Estado se torna cada vez mais diferenciada e complexa Todavia a adoção de um modelo multiorganizativo e pluricêntrico de Admi nistração Pública traz riscos à legitimidade democrática da sua atuação Em outras palavras uma das suas maiores vantagens a distância dos critérios políticopar 61 De fato após uma primeira geração de agências reguladoras de serviços públicos desestatizados surgiram as agências reguladoras de atividades econômicas principalmente na área da saúde A Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA Lei n 978299 e a Agência Nacional de Saúde Complementar ANSP Lei n 99612000 Também poderíamos aludir à Agência Nacional do Petróleo nos aspectos de sua regulação que não incidem sobre a atividade monopolizada pela União mas sobre meras atividades privadas sujeitas à autorização administrativa a exemplo da distribuição de combustíveis que nunca foi estatizada 62 A este respeito Alexandre Santos de ARAGÃO O Poder Normativo das Agências Reguladoras Revista Forense 3540326 e HUGHES Some AspeCls of Development of American Law 1916 39 New York Sate Bar Association Repons 266269 149 tidários de decisão assegurada sobretudo pela impossibilidade do Chefe do Poder Executivo eleito exonerar livremente os seus dirigentes nomeados é também um dos seus maiores riscos Para evitar o desvio democrático destas instituições devemos ter sempre clara a sua vinculação às pautas estabelecidas pelo Legislador para as políticas públicas cuja implementação lhes é atribuída assim como a necessária coordenação que devem possuir com o restante da Administração Pública com o Poder Executivo central e com a rede composta do conjunto das demais instituições independentes63 A nomenclatura independente é assim apenas um meio de denotar a sua auto nomia reforçada que todavia é como toda autonomia por definição limitada Assim podemos adotar as conclusões a que em relação ao tema chegou Jean Louis QUERMONNE já que longe de propugnar um retorno ao monolitismo cuja nostalgia sobrevive nos espíritos jacobinos a prática das autoridades admi nistrativas independentes deve favorecer uma evolução que promova um policen trismo equilibrado Não se trata certamente de uma receita mágica E não podemos confundila com a evolução simétrica que consistiria em menosprezar as adminis trações centrais a que seriam reservadas as funções de concepção de coordenação e de controle em benefício do agenciamento às estruturas mais ágeis e adaptadas tais como aquelas que se desenvolvem no domínio das telecomunicações às quais seriam confiadas as responsabilidades de gestão64 Este foi o modelo adotado no Direito brasileiro e já chancelado pelo Supremo Tribunal Federal em relação às agências reguladoras e outros órgãos e entidades similares dotados de ampla autonomia decisória autonomia esta que contudo é instrumental à realização dos objetivos fixados na lei e nas políticas públicas esta belecidas pela Administração central 63 É comum que esta coordenação seja levada a cabo por órgãos colegiados dos quais participam representantes de órgãos de vários setores Estes órgãos colegiados estabelecem as políticas gerais cuja realização deve ser perseguida pelas instituições reguladoras Vejase por exemplo que a regulação empreendida pela Agência Nacional do Petróleo ANP deve implementar as políticas gerais traçadas pelo Conselho Nacional de Política Energética CNPE art 8 I Lei n 947897 Outro mecanismo encontradiço é a celebração de convênios entre diversos entes reguladores para tratar com harmonia os casos atinentes a mais de uma esfera regulatória Neste escopo a maior parte das agências reguladoras celebrou convênio com o Conselho Administrativo de Defesa da Economia CADE 64 QUERMONNE JeanLouis L Appareil Administratif de l État Éditions du Seuil Paris 1991 pp2689 150
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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PLURICÊNTRICA ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO I O esgotamento do modelo centralizado e hierárquico de administração pública II Autonomia III O princípio da descentralização adminis trativa IV Conceito material de descentralização administrativa V Controles sobre os órgãos e entidades descentralizados VI O caso das agências reguladoras VII Conclusões LÉtat nest plus lincamation dune idée il est un appareil un ensamble de mécanismes techniques Georges Burdeau Traité de Science Politique t X I O esgotamento do modelo centralizado e hierárquico de administração pública Sob o prisma da organização do aparato administrativo o pluralismo da socie dade e do Estado faz com que este tenha definitivamente mitigado o caráter unitário que possuía nos oitocentos l que já começara a ruir com o advento dos entes locais Procurador do Estado do Rio de Janeiro Advogado Mestre em Direito Público pela UERJ Professor contratado de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Professor da Pósgraduação em Direito Econômico Internacional da PUCIRJ Membro das Comissões de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB 1 Eduardo García de ENTERRÍA descreveu o modelo administrativo napoleônico da seguinte maneira as funções ativas se reservam apenas aos órgãos com agentes individuais ou monocrá ticos os quais se relacionam entre si mediante a técnica do escalonamento hierárquico enquanto que os órgãos colegiais ficam reduzidos a funções consultivas ou deliberativas situadas lateralmente à linha hierárquica assistindoa e complementandoa mas sem diminuir a sua substantividade e prevalência Revolución Francesa y Administración Contemporánea Civitas 4 ed 1998 p 125 R Dir Adm Rio de Janeiro 227 131150 janmar 2002 autônomos e das entidades da administração indireta sujeitos no entanto a uma tutela quase absoluta da Administração central Com o avanço da pluralidade e complexidade inclusive tecnológica da socie dade este processo fragmentário da administração pública chegou a um ponto ótimo com o surgimento dos órgãos e entidades independentes ou seja dotados de uma verdadeirareforçada autonomia de uma descentralização material mais capazes de ponderar os diversos interesses sociais presentes2 Esta evolução mais do que simplesmente consistir em uma mudança dos para digmas do Direito Administrativo é reflexo da complexização da sociedade Os diversos interesses que no Estado pluriclasse recebem a proteção legislativa a tecnização dos meios necessários à sua satisfação e a exigência de tais interesses serem tratados com imparcialidade frente ao jogo políticopartidári03 fizeram com que o Estado fosse progressivamente criando em seu interior novos centros de poder dotados de diferentes modelos organizativos O tema desta forma colocado não é apenas matéria de estudo de juristas mas também de filósofos e cientistas políticos Gilles DELEUZE e Félix GUA T ARRI observam que a oposição clássica entre o segmentário e o centralizado afigurase pouco pertinente Não só o Estado se exerce sobre segmentos que ele mantém ou deixa subsistir mas possui a sua própria segmentaridade e a impõe O sistema político moderno é um todo global unificado e unificante mas porque implica um conjunto de subsistemas justapostos imbricados ordenados de modo que a análise das decisões revela toda espécie de compartimentações e de processos parciais que se prolongam uns nos outros sem defasagens ou deslocamentos A tecnocracia procede por divisão do trabalho seg mentário inclusive na divisão internacional do trabalho A burocracia só existe através das suas repartições e só funciona através de seus deslocamentos de meta e desfuncionamentos correspondentes A hierarquia não é somente piramidal o escritório do chefe está tanto no fundo do corredor quanto no alto da torre Em suma temse a impressão de que a vida moderna não destruiu a segmentaridade mas que ao contrário a endureceu singularmente4 2 CHEV ALLIER Jacques Vers un Droit Postmoderne constante da obra coletiva dirigida por Jean CLAM e GILLES Martin Les Transformations de la Régulation Juridique LGDJ Paris 1998 p 35 Costantino MORTATI observa que o escopo da descentralização não é apenas o de aproximar a Administração dos cidadãos para que a atuação administrativa se dê de um lado de forma mais rápida e cômoda para estes e de outro mais consentânea com as suas necessidades em virtude do maior conhecimento destas propiciado pela descentralização mas também o de fracionar o poder do Estado evitando a sua concentração nas mesmas mãos Istituzioni di Diritto Pubblico Tomo I CEDAM Padova 10 ed 1991 p 634 3 O Conselho de Estado da Itália já decidiu que o fracionamento institucional entre órgãos distintos do complexo das atividades unitariamente destinadas à satisfação de interesses públicos é uma das mais concretas e indiscutíveis garantias da atuação imparcial apud CASSESE Sabino Le Basi dei Diritto Amministrativo Ed Garzanti Milão 6 ed 2000 pp 1689 4 DELEUZE Gilles e GUATARRI Félix Micropolítica e Segmentaridade in Mil Platôs vol 3 Editora 34 Rio de Janeiro 1996 coordenação da tradução de Ana Lúcia de OLIVEIRA pp 132 Em aguda análise Dieter FREIBURGHAUS afirma que as mudanças do Estado podem ser explicadas em razão da sociedade ter se tornado cada vez mais complexa Esta complexidade é simultaneamente aumentada e controlada pelo desenvolvimento de um número crescente de subsistemas cada vez mais especializados tais como o Estado a economia a ciência os transportes as mídias etc Esta especialização como toda divisão de trabalho aumenta a capacidade produtiva lato sensu da sociedade Mas há uma contradição Os subsistemas de uma parte se tornam mais fortes através do aumento da sua autonomia da sua capacidade de autogestão de outra parte dependem cada vez mais uns dos outros e para poderem coordenar as suas atividades Esta coordenação se faz pela comunicação pela troca de informa ções Tal comunicação intersistêmica é tão complicada e difícil que não há como ser assegurada mediante uma planificação tradicional mas apenas através de pro cessos interativos e de processos de aprendizagem O Estado enquanto primus inter pares dos subsistemas da sociedade moderna é intensamente implicado nesta coor denação Ele é o responsável em última instância pela integração da sociedade o que significa que hoje ele é sobretudo o responsável pelo bom funcionamento desta engrenagem 5 Devemos ter em vista que foi ultrapassada a separação absoluta que outrora se fazia entre Estado e sociedade Há outrossim uma interpenetração entre ambos O Estado é um instrumento de organização da sociedade cujo bemestar é o seu objetivo Sendo assim a tecnicização diferenciação e autonomização dos vários subsistemas sociais fez com que as esferas decisórias estatais passassem a se revestir das mesmas características Ou seja sem se tecnicizar diferenciar e autonomizar internamente o Estado se distanciaria da sociedade a que incumbe regular Uma regulação estatal homogênea centralizada e desprovida dos meios técnicos neces sários seria insuscetível de produzir os efeitos desejados em uma sociedade carac terizada pela heterogeneidade pluralismo e complexidade técnica6 856 Estes autores talvez os mais importantes filósofos contemporâneos afirmam mais adiante Não basta definir a burocracia por uma segmentaridade dura com divisão entre as repartições contíguas chefe de repartição em cada segmento e a centralização correspondente no fundo do corredor ou no alto da torre Pois há ao mesmo tempo toda uma segmentação burocrática uma flexibilidade e uma comunicação entre repartições uma perversão de burocracia uma inventividade ou criatividade permanentes que se exercem inclusive contra os regulamentos administrativos Se KAFKA é o maior teórico da burocracia é porque ele mostra como num certo nível mas qual E que não é localizável as barreiras entre repartições deixam de ser limites precisos mergulham num meio molecular que as dissolve ao mesmo tempo em que ele faz proliferar o chefe em microfiguras difíceis de reconhecer de identificar e que são tão pouco discerníveis quanto centra lizáveis um outro regime que coexiste com a separação e a totalização dos segmentos duros DELEUZE Gilles e GUATARRI Félix Micropolítica e Segmentaridade in Mil Platôs vol 3 Editora 34 Rio de Janeiro 1996 coordenação da tradução de Ana Lúcia de OLIVEIRA p 91 5 FREIBURGHAUS Dieter Le Developpement des Moyens de IAction Étatique constante da obra coletiva dirigida por CharlesAlbert Morand LÉtat Propulsif Ed Publisud Paris 1991 pp 59 e 60 6 Esta evolução do Estado decorre da crise que sobre ele se abateu no início do século crise esta oriunda de dois fenômenos que se potencializaram mutuamente a progressiva organização da 133 A superação da oposição públicoprivado se conjuga com a despolitização de urna série de funções estatais levando ao que Jacques CHEV ALLIER denomina de ruptura do monolitismo de urna Administração que evolui para a adoção de um modelo policêntrico caracterizado pela coexistência de vários centros de decisão e de responsabilidade 7 José Eduardo FARIA 8 observa que o Estado tende a perder a centralidade a unidade e exclusividade diante da extrema diversidade de interesses privados e do crescente número de decisões econômicas tornadas fora do alcance da sua jurisdição De fato quando surgiu a soberania moderna concentrada nas mãos do Rei foram extintas as muitas autonomias existentes na Idade Média9 Em seguida com o Estado liberal procurouse limitar o caráter absoluto do poder soberano através da atribuição de parcelas suas a órgãos do Estado os três Poderes eou a entes territoriais regionais ou locais 1O Nos últimos tempos do ponto de vista interno que é o que mais nos interessa a soberania vem inclusive através de dispositivos constitucionais cedendo espaço a entes e órgãos públicos colocados à parte do aparelho estatal central e hierarquizado e a entidades e organismos sociais que sequer integram a estrutura do Estado sociedade com base em interesses específicos o que desde então faz com que cada vez mais perca o seu caráter atomístico e a deficiência dos meios jurídicos e institucionais que a própria sociedade possuía para fazer com que o Estado espelhasse a estrutura social crescentemente complexa e diferenciada cf CASSESE Sabino Lo Stato Pluriclasse in Massimo Severo Giannini constante da obra coletiva LUnità dei Diritto Massimo Severo Giannini e la Teoria Giuridica Società Editrice II Mulino Bologna 1994 p 34 É justamente na adaptação destes meios jurídicos e institucionais às características da sociedade contemporânea a fim de que a referida crise do Estado seja vencida que consiste o objetivo do presente estudo 7 CHEVALLIER Jacques Les Autorités Administratives lndépendantes in Encyclopaedia Uni versalis Paris 1989 p 177 8 Globalização autonomia decisória e política constante da obra coletiva 19881998 Uma Década de Constituição organizada por Margarida Maria Lacombe CAMARGO Ed Renovar 1999 pp 30731l 9 Norberto BOBBIO Teoría General dei Derecho Editorial Debate Madrid trad Eduardo Rozo Acufia 1999 p 21 recorda que a a formação do Estado moderno corre paralela à formação de um poder coativo cada vez mais centralizado e portanto à supressão gradual dos centros de poder inferiores e superiores ao Estado 10 Diversas teorias foram elaboradas para explicar estes fenômenos sendo a principal delas a que sustenta que a soberania não foi dividida tendo apenas ocorrido a partição do exercício dos poderes a ela inerentes Menosprezando em certa medida estas elaborações teóricas construídas para dar explicação a necessidades fáticas e políticas que de qualquer forma se imporiam João Barbalho afirma que os ciosos da inalienabilidade e indivisibilidade da soberania acharão esse plano attentatorio aos princípios Mas isto não o toma máo nem as constituições se fazem por amor à sciencia e unicamente em vista de especulações philosophicas fazemse em proveito e benefício dos povos E a melhor para cada povo não será a que se basear em meros systemas theoricos E si deste feitio não se tiver por conciliada a theoria com o facto a theoria com a realidade força é então convir que vale o sacrifício de principios politicos abstratos Na vida real dos Estados se apresentam muitas vezes phenomenos que desafiam os systemas estabelecidos pela sciencia in Edição facsimilar dos Comentários à Constituição Federal de 1891 Secretaria de Documentação e Informação do Senado Federal 1992 p 10 134 Notese a esse respeito que a doutrina vem denominando o atual estágio da organização políticoadministrativa como o da devolução de poderes 11 caracte rizado pela retomada de espaços de atuação pública por instituições parciais do Estado e da sociedade Nas palavras do filósofo político norteamericano Michael HERDT tratase efetivamente de um elemento de mudança geral na maneira pela qual o poder marca o espaço na passagem da modernidade à pósmodernidade A soberania moderna sempre foi concebida em termos de território real ou imaginário e da relação desse território com o seu fora É assim que os primeiros teóricos modernos da sociedade de HOBBES a ROUSSEAU compreendiam a ordem civil como um espaço limitado e interior que se opõe à ordem exterior da natureza ou que dela se distingue A dialética moderna do fora e do dentro foi substituída por um jogo de graus e intensidades de hibridismo e artificial idade 12 Vital MOREIRA citando BREUER considera o surgimento de órgãos e enti dades públicas autônomas em relação ao Poder estatal central como a resposta necessária do moderno Estado social ao alargamento das suas tarefas A autonomi zação de organismos administrativos é portanto uma conseqüência em termos de diferenciação e especialização da ampliação e diversificação das tarefas adminis trativas Caracterizando a administração pública do Estado pluriclasse como po licêntrica afirma desta vez valendose de BROHM que quanto mais a colectivi dade se especializa e diferencia técnicoprofissionalmente e se pluraliza éticocul turalmente tanto menor se torna aquilo que é comum a todos e tanto maior neces sidade existe de diferenciação políticoadministrativa para corresponder à diversi dade dos apelos feitos aos poderes públicos13 Estas reflexões não fugiram aos cultores do Direito Administrativo e nem poderia ser o contrário uma vez que a Administração Pública é o oeus por excelência de concretização destes fenômenos juspolíticos 14 Primeiramente os próprios Ministérios foram se multiplicando e se especia lizando de acordo com os cada vez mais numerosos e muitas vezes contraditórios p ex desenvolvimento industrial versus meio ambiente interesses cometidos ao II CHAPMAN Brian Devolução de Poderes a Instituições Autônomas inclusive Entidades Pro fissionais e Universidades IBCA FGV 1960 trad Walter Wahrlich 12 A Sociedade Mundial de Controle constante da obra coletiva Gilles DELEUZE uma vida filosófica trad Maria Cristina Franco FERRAZ Ed 34 2000 pp 3589 13 Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra Editora 1997 pp 30 31 e 35 14 Este é inclusive um dos motivos da retomada dos estudos da organização administrativa deixada em segundo plano durante muitos anos pelo equivocado entendimento de que esta não influi nas esferas jurídicas dos administrados Em recente obra Alfredo Gallego ANABITARTE lamentando a pouca importância dada ao Direito Administrativo da Organização afirma que se o que justifica a presunção de validade das atuações administrativas é o fato de quem as leva a cabo estarem submetidos a regras de competência e de procedimento não se pode ignorar que tais regras são de organização O conhecimento da organização é pois prévio ao da atuação ainda que ambos estejam indissoluvelmente vinculados Conceptos y Principios Fundamentales dei Derecho de Organización Ed MarciaI Pons Madrid 2001 p 16 135 Estado 15 A tendência no entanto não parou nesta especialização poderíamos dizer ainda centralizada da Administração Pública Expondo a evolução organizacional da Administração Pública VITAL MOREI RA 16 observa que na concepção tradicional a administração pública apresentava um perfil unitário baseado nos serviços departamentais hierarquizados na direcção governamental e na responsabilidade parlamentar do Governo pela actividade da administração O modelo originário da administração pública do Estado constitucio nal era a administração ministerial isto é a administração hierarquicamente organizada sob a égide de um Ministro responsável Hoje a unidade da admi nistração é uma ficção sendo incontroversa a sua natureza plurifórmica e pluri cêntrica o que constitui resultado natural da passagem do Estado burguês oitocentista tipicamente monoclassista voltado exclusivamente para a proteção dos interesses da burguesia então vitoriosa para o Estado pluriclasse contemporâ neo sufrágio universal acesso democrático aos cargos da administração pública desenvolvimento dos sindicatos prestações estatais positivas etc que necessaria mente reflete na sua organização o incontornável e crescente pluralismo da organi zação social O pluralismo social e político provocou o pluralismo e a diferen ciação organizatória da administração Sabino CASSESE observa que a Administração italiana é como aliás todas as Administrações dos países desenvolvidos multiorganizativa no sentido de que a amplitude e a variedade das funções públicas não apenas levaram à perda da unidade da organização do Estado mas levaramno também a adotar diversos modelos organizativos As administrações públicas são portanto fragmentadas e diferencia das Por este motivo é preferível dizer que a administração é multiorganizativa antes que pluralística ou policêntrica Estes termos muitas vezes não se referem a sujeitos mas individuam apenas o primeiro fragmentação e não o segundo dife renciação dos dois caracteres acima indicados 17 Nos termos afirmados por Lorenzo MartínRetortillo BAQUER cabe falar de um quadro policêntrico dotado ademais de um elevado grau de polimorfismo ampla pluralidade de organizações públicas com intensidades e matizes bastante complexos 18 15 Cf MASSERA Alberto La Crisi dei Sistema Ministeriale e lo Sviluppo degli Enti Pubblici e delle Autorità Amministrative Indipendenti integrante da obra coletiva coordenada por Sabino Cassese e Claudio Franchini La Amministrazione Pubblica Italiana Um Profilo 11 Mulino 1994 pp 256 16 Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra 1997 pp 315 17 CASSESE Sabino Le Basi dei Diritto Amministrativo Ed Garzanti Milão 6 ed 2000 pp 189 e 190 A diferença de nomenclatura em relação à adotada por Vital Moreira na citação acima plurifórmica e pluricêntrica parecenos pertinente malgrado não entendermos que os termos administração pluralista ou pluricêntrica sejam desprovidos de importância A preponderância que damos a estes termos no presente trabalho se deve ao seu foco centrarse no fenômeno da criação de centros de poder autônomos no seio da Administração Pública não nas diferentes formas organizativas que podem assumir objeto que demandaria estudo específico 18 BAQUER Lorenzo MartínRetortillo Organismos Autónomos y Derechos Fundamentales constante da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo VoI I Ed Civitas Madrid 1994 p 103 136 Naturalmente que nenhum modelo administrativo é inteiramente descentraliza dopluricêntrico em detrimento de uma até certo ponto necessária centralização A adoção completa daquele levaria à desintegração da organização administrativa e a desta à sua inviabilização prática 19 O que se verifica é a transformação dos modelos de administração pública que passam a se situar no desenho organizativo e na gestão de recursos em função da natureza das tarefas levando à fragmentação harmônica do aparato administrativo à necessidade de novos instrumentos de integração e coordenação e ao reconheci mento de novos graus do exercício autônomo da discricionariedade com a emer gência de mecanismos de controle mais finalísticos que hierárquicos As estruturas políticoadministrativas tradicionais centralhierarquizadas mo rosas e inspiradas por critérios preponderantemente políticos revelaramse no con texto exposto inadequadas para os desafios colocados ao Estado II Autonomia Sendo a autonomização de centros de poder administrativos o elemento essencial à Administração Pública pluricêntrica que vem se delineando em todo o mundo ocidental inclusive no Direito Positivo brasileiro mister se faz abordar o que deve ser entendido por autonomia Comparandoa com a soberania Fezas VITAL20 afirma que esta é a compe tência da competência quer dizer competência para marcar os limites da própria competência E assim se o poder político tiver competência para marcar os limites dentro dos quais exercerá o seu poder de dar ordens dirseá soberano mas se os limites dentro dos quais exerce o seu poder de dar ordens forem marcados não por ele próprio mas por outro poder então dirseá não soberano e portanto acres centaríamos autônomo José Afonso da SILVA denota que a autonomia como poder próprio dentro de um círculo traçado por outro pressupõe ao mesmo tempo uma zona de autode terminação que é o propriamente autônomo e um conjunto de limitações e deter minantes jurídicas extrínsecas que é o heterônomo 21 Etimologicamente autonomia significa a possibilidade de um ente jurídico estabelecer as normas da sua própria conduta22 O conceito de autonomia só pode ser elaborado em termos genéricos como a margem limitada de liberdade de atuação conferida pelo ordenamento jurídico a 19 Para uma análise sistemática dos diversos graus de centralização e descentralização ver Méndez Sistemas Orgánicos constante da obra coletiva Perspectivas dei Derecho Público en la segunda Mitad dei siglo XX Madrid 1969 pp 9512 e 9567 20 Direito Constitucional Lisboa p 391 21 Apud Luís Roberto BARROSO Interpretação constitucional Direito Constitucional Inter temporal Autonomia desponiva Conteúdo e Limites Conceito de Normas Gerais RDP 9796 22 Do grego auto significa próprio e nomia norma regra 137 pessoas públicas ou privadas Segundo o âmbito de liberdade concretamente definido pelo direito positivo o sentido do termo pode sofrer grande variação23 Um conceito de autonomia mais rigoroso e definido só pode ser alcançado em função desta ou daquela autonomia específica tal como juridicamente positivada Fora disso como observa Silvio SPAVENTA24 a autonomia permanece in determinada e indefinida Ela pode exprimir um certo grau de independência e de autoridade reconhecida a uma pessoa jurídica mas não há como se dizer qual seja este grau e esta medida de independência que lhe é atribuída No âmbito específico do Direito Administrativo Ernst FORSTHOFF25 consi dera que os poucos efeitos práticos advindos da extensão da autonomia administrativa aos domínios da política social econômica e cultural podem ser explicados em razão da autonomia administrativa ter se tornado tão genérica a ponto de não podermos mais procurar uniformizar suas formas jurídicas Segundo VITAL MOREIRA26 é assaz polissêmica a noção de autonomia Mais adiante afirma o autor lusitano em sua densa e profunda tese de doutorado que autonomia designa genericamente o espaço de liberdade de conduta de um ente face a outro Concretamente no âmbito das pessoas colectivas públicas ela exprime a liberdade dos entes infraestaduais face ao Estado ou seja a relativa inde pendência em relação ao poder central Conforme os diversos campos em que essa liberdade de conduta pode manifestarse assim se pode falar em autonomia regula mentar autonomia administrativa stricto sensu autonomia patrimonial e financeira etc Neste sentido a autonomia é uma questão de grau pode ir de quase nada até à independência quase total Nuns casos pode consistir senão na mera autonomia jurídica existência de personalidade jurídica sem nenhuma liberdade de acção noutros casos pode ir até à mais ampla liberdade de decisão dentro da esfera de acção que lhe seja confiada administração independente Especificamente em relação à autonomia normativa entendemos que é difícil imaginar um ente autônomo que não a possua em alguma medida por mais restrita que seja A amplitude da autonomia normativa certamente pode variar mas sempre existirá Mesmo por exemplo a autonomia meramente administrativa implica na faculdade de estabelecer normas específicas de administração interna T Ramón FERNANDES27 assevera que a história prova que o conceito de autonomia alude a um certo poder de autonormação e por extensão de autogovemo 23 Uma percuciente classificação jurídica dos mais diversos conceitos de autonomia defendidos pela doutrina consta de ARNAUD AndréJean coord Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito tradução dirigida por Vicente de Paulo Barreto Ed Renovar 1999 pp 612 Para os mesmos fins ver também K1aus STERN in Derecho dei Estado de la República Federal Alemana Centro de Estudios Constitucionales 1987 trad Javier Pérez Royo e Pedro Cruz Villalón pp 698 a 670 24 La Giustizia nellAmministrazione Giulio Einaudi Editore p 153 25 In Traité de Droit Administratif Allemand Bruylant 1969 trad Michel Fromont p 687 26 In Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra Editora 1997 pp 69 e 70 grifamos 27 In La Autonomía Universitaria ámbito y limites Civitas 1982 p 35 138 que existe e se reconhece para a melhor satisfação de um círculo específico e concreto de necessidades que a justificam em razão de sua própria singularidade e que ao mesmo tempo contribuem para precisar seus limites No mesmo sentido Ignacio de OTT028 afirma que em seu significado mais amplo autonomia é o poder de indivíduos ou pessoas jurídicas para darse um ordenamento próprio nos limites de outro superior e mais amplo De toda sorte as autonomias têm sempre que ser delimitadas caso a caso à luz dos termos em que são conferidas pelo Direito positivo Dependendo da disciplina que receberem poderão assumir realidades jurídicas das mais diversas Devese destacar no entanto que inclusive em razão do princípio do paralelismo das formas apenas a fonte que confere a autonomia pode limitála III O princípio da descentralização administrativa A descentralização administrativa na Constituição brasileira decorre do que DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Net029 qualifica como os princípios técnico administrativos de maior relevo na reforma administrativa3o o da autonomia e o da profissionalização Segundo o jurista a Reforma Administrativa implicou um passo racional na descentralização com a finalidade de atender as diferentes necessidades de gestão da coisa pública segundo as suas características próprias e não em conformidade com um padrão rígido formal e predeterminado Sem tal flexibilidade31 não seria possível à Administração enrijecida em órgãos e funções hierárquica e burocraticamente estruturadas atuar com eficácia e muito menos num mundo em mudança constante com a eficiência e a economicidade preconizadas respectivamente pelo caput dos arts 37 e 70 da Constituição Federal que ao fixar os fundamentos da República Federativa do Brasil também assegura o pluralismo do poder na sociedade art 10 V enriquecido na consciência de sua importância tanto quanto à abertura e multiplicidade dos canais para a sua atuação 32 28 In Derecho Constitucional Sistemas de fuentes Ariel 1988 p 245 Notese que o autor expressamente cita a autonomia universitária como exemplo do conceito de autonomia por ele formulado 29 In Apontamentos cit pp 27 a 29 30 O autor naturalmente está se referindo à Emenda Constitucional n 1998 31 A idéia descentralizadora tem a sua força e utilidade nas novas exigências na nova posição assumida pelo Estado como organismo social na crescente necessidade advinda da comp1exização das relações na assunção de novas funções na necessidade de regular com presteza igual e equanimemente todas as manifestações da vida coletiva para cada parte do território De fato não seria possível a apenas uma organização centralizada dar conta destas necessidades insuficiente e incapaz seria se não constituísse e reconhecesse subcentros os quais concorressem para a satisfação das necessidades públicas Carlo GIRO LA Teoria dei Decentramento Amministrrativo Fratelli Bocca Editore Torino 1929 p 103 32 Diogo de Figueiredo Moreira Neto Curso de Direito Administrativo Ed Forense 9 ed 1990 139 Em outra obra o memo autor acresce que o princípio da eficiência art 37 caput CF afasta qualquer burocratização de entidade ou de órgão público além do mínimo indispensável para o cumprimento das suas tarefas de rotina ou seja o desempenho das atividadesmeio De resto todas as tarefas devem ser necessaria mente orientadas pela atividadefim ou seja pela finalidade 33 O publicista Massimo Severo GIANNINI34 quando no exercício do cargo de Ministro da Função Pública da Itália apresentou relatório ao Parlamento no qual levantou os principais problemas para que a Administração Pública adquirisse efi ciência e economicidade Ao tratar das técnicas de administração manifestou espe cial preocupação com os chamados custos ocultos constituídos pelo custo eco nômico adicional que representa a atividade administrativa exageradamente proce dimentalista na qual participam mais órgãos que o necessário e com mais tramitações dilatadas por intervenções estéreis que poderiam ser suprimidas sem prejuízo ao interesse público Ressalva que não se posiciona contrariamente a toda e qualquer formalidade ou procedimento vez que muitos deles são corolários do Estado de Direito do devido processo legal e da necessidade de controle das contas públicas Centra suas críticas outrossim sobre o emaranhado de procedimentalizações desnecessárias de nível secundário que servem muito mais ao jogo meramente interno do poder do que aos valores mais elevados do Estado de Direito Demonstrando na prática que a descentralização administrativa é ínsita aos princípios da eficiência e economicidade MIGUEL REALE ao dar parecer sobre proposta de descentralização submetida à sua apreciação enquanto Membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo considerou que serviços há do mais alto e imediato interesse coletivo que não podem continuar circunscritos à esfera do interesse particular mas que entretanto pela sua própria natureza exigem autonomia de ação meios e processos de agir incompatíveis com os inevitáveis tropeços burocráticos Um laboratório oficial de análises por exemplo em que cada pedido de material pelos analistas estiver sujeito a demorados e complexos trâmites p 99 Para muitos autores o princípio da descentralização também constitui emanação do princípio da subsidiariedade pelo qual o Estado central só deve assumir as atribuições as tarefas ou as incumbências que outras entidades existentes no seu âmbito e mais próximas das pessoas dos seus problemas concretos não possam assumir e exercer melhor e mais eficazmente cf Jorge MIRAN DA Manual de Direito Constitucional Tomo m Coimbra Editora 4 ed 1998 Como também ressalta Reinhold ZIPPELIUS a regulação de conflitos de interesses socialmente relevantes concretizase de maneira particularmente nítida em sociedades pluralistas pela acção conjunta de todo um complexo de subsistemas Teoria Geral do Estado trad Karin PraefkeAires Coutinho Coordenação de J J Gomes CANOTILHO Fundação Calouste Gulbenkian 3 ed 1997 p 27 Ainda ligando a idéia de descentralização administrativa à liberdade individual e à democracia pluralista A SALANDRA Corso di Diritto Amministrativo C Manes Roma Atheneum 1915 n p 39 passim 33 Mutações do Direito Administrativo Ed Renovar 2000 p 24 34 Apud PALAZZO SESÍN e Rolón LEMBEYE La transformación dei Estado Depalma 1992 pp 12 e 13 140 de requisição com audiência de remotas autoridades será um laboratório falho condenado a reduzirse paulatinamente a uma simples denominação ou a um mero arquivo de papéis sem vida 35 Deste modo adquiriuse progressivamente a consciência de que em relação à questão da descentralização se trata de um problema de optimização isto é da tarefa de criar unidades organizatórias que realizam caso a caso um compromisso óptimo entre as necessidades antagónicas de proximidade do assunto e do cidadão autoadministração e autoresponsabilidade por um lado e regulação uniforme coordenação e responsabilidade global por outro 36 Não há portanto antagonismo entre a autonomia de entidades e órgãos mate rialmente descentralizados com a unidade da Administração muito pelo contrário a Administração Pública contemporânea para cumprir as suas funções e atender aos valores e princípios constitucionais a ela impostos deve atuar ao mesmo tempo coordenada e descentralizadamente 37 Vemonos portanto diante de um Direito Administrativo brasileiro mais com plexo e plural que abandona a idéia de que uma atividade administrativa só é racional na medida em que estiver previamente prevista detalhadamente normatizada e sujeita a uma linha hierárquica que a substituiu por técnicas de análise gestão e responsa bilidades estratégicas38 IV Conceito material de descentralização administrativa Constatado o intrínseco liame existente entre a descentralização administrativa e a autonomia mister se faz para que eventuais dificuldades hermenêuticas possam ser mais facilmente contornadas que teçamos um breve escorço sobre o conceito de descentralização uma vez que o órgão ou entidade que materialmente possuir auto nomia será materialmente não apenas formal ou nominalmente descentralizado39 35 As Autarquias Universitárias Paulistas constante da coletânea Nos Quadrantes do Direito Positivo Estudos e Pareceres GráficaEditora Michalany Ltda 1960 p 140 36 Reinhold ZIPPELIUS in ob cit p 129 37 A pluralidade dos centros de autonomia política nos quais se expande o moderno ordenamento democrático não significa desarticulação e atomização das suas estruturas Enrico Spagna MUS SO Llniziativa nella Formazione della Legge Italiana Napoli 1958 p 95 38 Joan Prats i CATALÁ Derecho y Management en las Administraciones Públicas Notas sobre la crisis y Renovación de los respectivos paradigmas pp 9 12 e 13 fonte wwwcradorgve Ver também DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Neto nas obras Apontamentos sobre a Reforma Administrativa Ed Renovar 1999 p 04 e segs e Sociedade Estado e Adminis tração Pública Ed Topbooks 1995 pp 1424 39 Com efeito Maurice HAURIOU tratando da matéria conclui li y a un autre aspect du sujet pcore pli inéressant la création des établissements publics ne constitue pas par elle même une décentraisation Et il parait bien quelle en constitue une si lon réfléchit quelle s accompagre nécessairement dune répartition du pouvoir de décision in Précis de Droit Administratif Recueil Sirey Paris 1914 8 ed p 145 141 Classicamente a descentralização é definida em contraposição à desconcentra ção A descentralização seria a criação de pessoas jurídicas pelo Estado e a descon centração a mera divisão de funções entre os diversos órgãos despersonalizados de uma mesma pessoa jurídica estatal ou seja seria a criação de órgãos periféricos dentro da própria Administração Direta Estes conceitos tradicionais de descentralização e desconcentração na época em que nenhuma das duas acarretava significativa autonomia não eram propriamente incorretos Todavia não mais correspondem ao modelo administrativo efetivamente descentralizado exigido e já implantado pelo Estado contemporâneo Podemos contudo nos valer de ambos os conceitos desde que lhes seja acrescentado um plus ontológico A mera criação de pessoa jurídica da Administração Indireta sem que possua um grau de razoável autonomia para desenvolver suas atribuições não tornará o seu desempenho mais ágil e eficiente A desconcentração também é por sua vez mera forma de organização interna que não altera os vínculos hierárquicos tradicionais Nenhuma delas portanto se tomadas nos seus conceitos tradicionais constituirão necessariamente verdadeira descentralização Em todo o mundo podemos constatar que a Administração Pública caminha para a descentralização em sentido material sendo irrelevante a sua caracterização formaltradicional vista acima O que importa é que a determinados centros de competência seja conferida considerável autonomia de atuação independentemente deles serem constituídos ou não como pessoas jurídicas Propugnando pela relativização dos conceitos formais de órgão e de pessoa jurídica administrativa e conseqüentemente de desconcentração e descentralização em sentido meramente formal Gaspar Arino ORTIZ4o chega a observar que o conceito estrito de pessoa jurídica tal como elaborada pela pandectística do Direito privado resultava insuficiente para dar fundamento à razão da organização adminis trativa o estrito dualismo órgãopessoa só era capaz de explicar parcialmente a pluralidade de figuras subjetivas que podiam atuar em Direito Público de maneira juridicamente relevante Se pretenderá assim digo mediante a substituição da idéia unitária de pessoa sujeito pelas idéiasbase de capacidade impu tação e legitimação que são elementos singulares daquela capacidade para ser titular de direitos para figurar em juízo etc alcançar um conceito material de ambos os institutos de molde a adequálos às particularidades do Direito Público Há entidades descentralizadas dotadas de personalidade jurídica às quais a lei confere uma autonomia tão diminuta que na prática muito se assemelham aos órgãos internos subordinados hierarquicamente à Administração central O contrário tam bém se verifica existem órgãos internos aos quais são atribuídas tão significativas atribuições autônomas às vezes acompanhadas de garantias de permanência para 40 La Administración Institucional Bases de su regimen jurídico Instituto de Estudios Admi nistrativos Madrid 1972 pp 3213 142 seus titulares que faz com que propiciem uma descentralização efetiva bem superior àquela das pessoas jurídicas apenas formalmente descentralizadas41 Parte da doutrina afirma mesmo que os entes personalizados sem autonomia sequer podem ser considerados verdadeiras pessoas jurídicas Por mais fortes razões também não se poderia deles inferir qualquer descentralização Ambas as categorias centrais no mundo do Direito Administrativo estariam falseadas Neste sentido é que Garrido FALLA seguindo FERRARA fala de pessoas jurídicas fictícias 42 desprovidas de substrato real ou seja de um regime jurídico que realmente as trate como tal que lhes confira um grau razoável de liberdade de agir Adotando o conceito material efetivo verdadeiro de descentralização Al fredo Gallego ANABITARTE43 pronunciouse no sentido de que também se pode produzir a verdadeira descentralização em um sujeito ou centro de competências que não seja personalizado Não é essencial à descentralização que o sujeito descentralizado seja titular da competência que se lhe transfere A usual definição de descentralização como transferência da titularidade de competências entre pes soas jurídicas não é mais que uma das hipóteses a mais usual de descentra lização Por outro lado pode produzirse esta transferência entre pessoas jurídicas como o caso das entidades da Administração Indireta mas pode todavia não haver verdadeira descentralização em virtude da completa e lógica tutela a que se submete a atuação destas pessoas jurídicas 41 Vincenzo Cerulli IRELLI em termos análogos aos por nós adotados para conceituar os órgãos e entidades materialmente descentralizadas define as autoridades administrativas independentes como il fenomeno emerso nell esperienze piu recente delle c d autorità amministrative indi pendenti dotate o meno di personalità giuridica costitute dalla legge per governare determinati settori di amministrazione in senso sostanziale secondo moduli organizzativi e funzionali dei tutto svincolati da qualsiasi relazione com lorganizzazzione ministeriale in Corso di Diritto Ammi nistrativo G Giappichelli Editore Torino 1997 p 230 Diogo Freitas do AMARAL também chega ao mesmo resultado só que para manter a nomenclatura tradicional em relação aos órgãos autônomos despersonalizados denomina os por nós chamados órgãos descentralizados de ór gãos com desconcentração absoluta ou similarmente a CERULLI de órgãos independentes Quanto aos graus de desconcentração ela pode ser absoluta ou relativa no primeiro caso a desconcentração é tão intensa e é levada tão longe que os órgãos por ela atingidos se transformam em órgãos independentes no segundo a desconcentração é menos intensa e embora atribuindo certas competências próprias a órgãos subalternos mantém a subordinação destes aos poderes do superior Neste último caso a desconcentração e hierarquia coexistem ao passo que naquele pelo contrário a desconcentração faz cessar a hierarquia Curso de Direito Administrativo Livraria Almedina 2 ed 1998 pp 6601 42 Apud Gaspar Ariiio ORTIZ in ob cit pp 4045 43 In ob cit pp 5523 grifamos O conceito de descentralização efetiva também encontra esteio na doutrina de Reinhold ZIPPELIUS Tratase de desconcentração quando os membros de uma organização estão totalmente vinculados a instruções de instância central e de descentralização quando estes membros gozam no exercício das suas funções de uma grande autonomia p ex se unicamente se acham sujeitos a uma tutela de legalidade central ou quando muito a uma limitada tutela de mérito in ob cit p 127 grifamos 143 É esta descentralização material e efetiva que leva ao pluricentrismo da Administração Pública contemporânea Pouco importa repitase que seja instru mentalizada em entidades dotadas de personalidade jurídica ou em órgãos internos despersonalizados Em todos estes casos haverá descentralização se forem outorgadas prerrogativas e garantias suficientes ao desempenho autônomo de funções destacadas do poder central44 A nota fundamental é a não vinculação hierárquica v Controles sobre os órgãos e entidades descentralizados A autonomia dos órgãos e entidades descentralizados é como toda autonomia limitada não prescindindo de mecanismos de controle que todavia não poderão ser hierárquicos mas apenas de legalidade serão de mérito apenas excepcional mente gerenciais e finalísticos implementados notadamente através da verifi cação do atendimento de metas e diretrizes preestabelecidas45 Estes limites além de não serem incompatíveis com a autonomia integram o seu próprio conceito Não seria de se imaginar realmente que um órgão ou ente descentralizado por mais autônomo que fosse ficasse alheio ao conjunto da Admi nistração Pública A autonomia não pode servir para isentálos da obrigação de se inserirem nos planos e diretrizes públicas gerais Se fossem colocados em compar timentos estanques a descentralização revelarseia antitética aos valores de eficiên cia e pluralismo que constituem o seu fundamento É apenas neste sentido de inserção nos programas e diretrizes públicas gerais que deve ser entendida a necessária subordinação dos órgãos e entidades descentra lizados à Administração Pública central A lei ou o ato normativo que os instituir pode até dispor diversamente estabe lecendo uma hierarquia estrita mas neste caso independentemente de ter havido ou não a criação de pessoa jurídica não mais estaremos diante de descentralização propriamente dita mas de mera desconcentração 44 La décentralisation implique que pour assurer la marche de certains groupements de services existent dautres corps dadministration ayant une cenaine libené daction Le pouvoir central n est pas eliminé mais son rôle change li ne dirige plus li se borne à contrôler les autorités placées à la tête de ce corps dadministration propre Maurice HAURIOU in Précis de Droit Administratif Dalloz 192692 Também vinculando o conceito de descentralização administra tiva ao de autonomia que seria um requisito daquela A Salandra in Corso di Diritto Amminis trativo C Manes Roma Atheneum 1915 lI p 39 passim 45 Se pretende dar prioridade aos objetivos aos índices de prestação e avaliação em relação ao orçamento à comparação dos custos e às diversas unidades operativas redimensionando o orça mento concedendo aos dirigentes maior liberdade na gestão dos recursos e na prestação de contas do que tiver sido efetivamente realizado PALAZZO SESÍN Y Rolón LEMBEYE La transfor mación dei Estado Depalma 1992 p 94 144 Muitas vezes a subordinação é confundida com hierarquia Todavia nem toda subordinação de um órgão ou ente a outro constitui hierarquia que apesar de ser a mais forte é apenas uma das espécies de subordinação Os mecanismos de controle hierárquico estão em franco processo de decadência sonno sotto accusa já que se prestam a pouco em relação ao custo econômico e burocrático devendo deixar de fora todas as atividades executivas e técnicas Estão ao revés demonstrandose cada vez mais eficazes os controles do tipo budgeting auditing os controles de gestão os controles internos de eficiência 46 As diferentes espécies de subordinação são com a maestria que lhe é própria assim enumeradas por Massimo Severo GIANNINI 47 a Hierarquia Neste caso há uma relação de constante sujeição de um órgão ou ente a outro Ela é a espécie mais antiga de subordinação e por esta razão às vezes é equivocadamente com ela confundida Na hierarquia temos uma total possibilidade de ingerência do órgão superior sobre o inferior seja através da revogação ou anulação dos seus atos na delegação ou avocação de competências poder disciplinar etc O fenômeno se explica porque na verdade o órgão superior tem mesmo uma competência compreensiva da competência do órgão subordinado fungível com a do órgão inferior Nestes casos o órgão hierarquicamente superior não apenas possui poder de controle como ainda de dar ordens e de substituição pelo qual pode sempre substituir a ação do órgão ou da entidade in casu inferior b Direção Nestes casos um centro de competência não pode dar ordens ao outro mas apenas fixarlhe as diretrizes e controlarlhe os resultados O controle exercido sobre o órgão subordinado não poderá consistir em poder de substituição revogação avocação ou em delegação obrigatória e o poder de anulação deve ser admitido excepcionalmente apenas nos casos em que o ordenamento o admitir Fazendo a mesma distinção mas com nomenclatura ligeiramente diversa Vin cenzo Cerulli IRELU48 assinala que o modelo originário de hierarquia que deno minamos de hierarquia em sentido estrito caracterizase pelo fato de que entre os órgãos não existe uma verdadeira e própria separação de competências mas as competências se confundem com as atribuições própria da organização no seu complexo no âmbito das quais todos os órgãos podem agir segundo critérios de distribuição de funções fixadas pelo vértice da organização e com valor fundamen talmente interno assim não é possível distinguir esferas próprias de competência dos órgãos a eles conferidas por lei que individuasse os poderes administrativos de sua própria titularidade Na hierarquia em sentido amplo os poderes sobre o órgão subordinado são bastante diversos daqueles próprios do primeiro modelo Em vez do poder de dar ordens temos o poder de direção esse consiste no fato do superior hierárquico estabelecer critérios e objetivos da ação administrativa a ser desenvolvida pelo 46 Massimo Severo GlANNINl in Diritto Amministrativo Volume I Giuffre Editore Milão 3 ed 1993 pp 3312 Os termos em língua inglesa constam do original 47 In oh e voI cit pp 311 a 333 48 Corso di Diritto Amministrativo 9 ed Giappichelli Editore Torino 1997 pp 1123 145 inferior hierárquico e titularizada por este último critérios objetivos que o inferior deve ter em vista no desempenho das suas atividades aos quais não deve todavia pura e simplesmente obediência Se a subordinação dos órgãos descentralizados fosse da espécie hierárquica não haveria descentralização e por outro lado se não estivessem sujeitos a nenhuma subordinação de direção sequer integrariam a Administração Pública descentrali zada Naturalmente que os controles de direção podem variar bastante tanto de natureza como em intensidade Mas verificados os traços básicos acima analisados estaremos sem dúvida diante de órgãos ou entes descentralizados VI O caso das agências reguladoras Vimos nos Tópicos anteriores a tendência de descentralização material da Ad ministração Pública contemporânea com a criação de órgãos e entidades estatais dotadas de significativa autonomia frente ao Poder políticoestatal central49 Com efeito o desenvolvimento de uma administração independente dispondo de poderes decisórios regulamentares e individuais necessita de um espaço admi nistrativo suficientemente aberto Não há qualquer possibilidade teórica ou práti ca destas instituições se desenvolverem em espaços administrativos fechados organizados e controlados de maneira rígida 50 É neste contexto que em todo o mundo ocidental se avulta a importância das agências reguladoras independentes principalmente naqueles setores sensíveis à articulação do Estado com a sociedade entre os quais destacamse os que foram objeto de desestatização51 O tantas vezes repisado caráter de independência das agências reguladoras retrata na verdade uma autonomia reforçada uma maior autonomia em relação à de que normalmente são dotadas as demais entidades da Administração Indireta que 49 O aparato burocrático das administrações estatais constitui um complexo de corpos ligados pelo fato de pertencerem à mesma organização política unitária e não ao revés um corpo maciço em si unitário que cada um dos corpos possui uma relevância política em decorrência da especia lização inerente à meritocracia Massimo Severo GIANNINI apud CASSESE Sabino Lo Stato Pluriclasse in Massimo Severo Giannini constante da obra coletiva L Unità dei Diritto Massimo Serero Giannini e la Teoria Giuridica Società Editrice II Mulino Bologna 1994 p 28 50 MODERNE Frank Les Modeles Étrangers constante da obra coletiva Les Autorités Adminis tratives lndépendantes coordenada por ClaudeAlbert Colliard e Gerard Timsit PUF Paris 1988 pp 190 51 QUERMONNE JeanLouis LAppareil Administratifde IÉtat Éditions du Seuil Paris 1991 p 256 Pierre DEL VOL VÉ afirma que a criação destas entidades se justifica pela vontade de instituir em setores delicados concernentes particularmente às liberdades públicas e à regulação de atividades econômicas órgãos dotados simultaneamente de imparcialidade competência técnica e poder de influenciar os atores sociais envolvidos Droit Public de IÉconomie Dalloz Paris 1998 p 264 146 em sua maioria não são materialmente descentralizadas cf Tópicos IV e V Neste sentido as principais notas da autonomiaindependência das agências reguladoras são a impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes52 a organização colegiada a formação técnica competências regulatórias e a impossibilidade de recursos hierárquicos impróprios sendo que apenas a conjunção destes elementos resultará na conceituação de uma entidade como agência reguladora independente53 Não podemos porém ter o simplismo de achar que as agências reguladoras independentes constituem a totalidade do fenômeno do pluricentrismo administrati vo Se por um lado de fato representam uma grande potencialização do pluricen trismo da Administração Pública por outro esta tendência não se originou com elas possuindo raízes bem mais profundas54 e mais o próprio atual movimento de 52 As restrições ao poder de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo principal nota características da sua independência foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar pedida na ADIN n 19490 A primeira em virtude do art 52 m f Constituição Federal admitir a prévia aprovação do Senado Federal da escolha de titulares de outros cargos que a lei determinar Quanto à constitucionalidade da vedação da exoneração ad nutum dos dirigentes das agências reguladoras independentes o Supremo entendeu que não viola as competências do Chefe do Poder Executivo admitindo a exoneração apenas por justa causa e mediante prévio procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa ou se advier a mudança da lei criadora da agência independente fonte httpwwwstfgovbr 53 Elisenda MALARET observa que apesar da atribuição de personalidade jurídica implicar sempre no reconhecimento de um certo grau de autonomia na hipótese agora considerada a autonomia não é tanto a conseqüência mas uma das condições que garantem a efetividade do cumprimento da tarefa atribuída Evidentemente sempre que a personificação seja acompanhada dos correspondentes recursos pessoais e financeirose que o reconhecimento de poderes e a respectiva atribuição de competências configure um âmbito de livre configuração sem a adoção de mecanismos administrativos de controle ou de tutela MALARET Elisenda Comisión Nacional dei Mercado de Valores Una aproximación a su configuración institucional Revista Espanola de Derecho Administrativo REDA versão CDROM 54 A mera separação de um órgão administrativo da linha hierárquica ou a garantia de inamovi bilidade dos seus membros durante um período determinado para reforçar a sua posição na orga nização e a objetividade de suas decisões são técnicas já há muito conhecidas e que não são suficientes por si sós para configurar uma autoridade administrativa independente no sentido aqui tratado assim como não o é tampouco obviamente a simples personificação formal de uma entidade administrativa qualquer RODRÍGUEZ Tomás Ramón Fernandez Reflexiones sobre las Uamadas Autoridades Administrativas Independientes constante da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo Vol I Ed Civitas Madrid 1994 p 439 Na mesma senda ver QUERMONNE JeanLouis L Appareil Administratif de I État Éditions du Seuil Paris 1991 p 258 Para uma relevante apreciação da conexão existente entre as idéias que deram origem às autoridades de autonomia reforçada analisadas e antigas doutrinas de juristas europeus mormente as de HAURI OU e DUGUIT remetemos o leitor a RAMÓN Fernando LÓPEZ EI Consejo de Seguridad Nuclear Un Ejemplo de Administración Independiente pp 5778 e Parada V ÁSQUES José Ramón Las Administraciones Independientes pp 6656 ambos cons tantes da obra coletiva Administración Instrumental Libro Homenaje a Manuel Clavero Arevalo Vol I Ed Civitas Madrid 1994 Realizando uma análise das autoridades administrativas inde pendentes como decorrência da doutrina dos poderes neutrais do Estado que remonta a Benjamin 147 complexização e multiorganização administrativa não se reduz ao modelo das agên cias reguladoras independentes55 havendo um semnúmero de entidades que também se subsumem aos mesmos paradigmas de autonomizaçãodescentralização material dos centros decisórios públicos universidades56 conselhos profissionais entes in dependentes desprovidos de competências regulatórias órgãos constitucionais inde pendentes57 etc58 Segundo DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO as agências gover namentais autônomas entendidas como entes fracionários do aparelho administrativo do Estado não são tema novo no Direito Administrativo A novidade está no ressurgimento da importância dessas entidades rebatizadas resumidamente de agências reguladoras para desempenharem autarquicamente essas funções na disci plina de certos serviços cuja execução vem sendo transferida de empresas estatais para empresas privadas 59 Também FRANCESCO PAOLO CASAVOLA afirma que um Estado que esteja dentro não à frente dos processos sociais deve encontrar instrumentos que sejam independentes dos poderes originários e constitutivos da esta taidade o Governo e o Parlamento E deve encontrar pessoas eticamente independentes que não tenham ideologia ou interesse como parte nos processos sociais 60 A maior parte das agências reguladoras independentes criadas no Brasil guarda pertinência com a retração da intervenção estatal em vastos setores da economia que teve como reverso a consciência de que o Estado não poderia deixar apenas ao bom senso empresarial a gestão de atividades de indubitável interesse público que CONST ANT e Carl Schmitt SALA ARQUER José Manuel EI Estado neutral Contribución ai estudio de las administraciones independientes Revista Espanola de Derecho Administrativo REDA vol 42 1984 55 Também em França JeanLouis QUERMONNE adverte que a dispersão dos centros de decisão que leva à multiplicação das autoridades administrativas independentes se inscreve em um vasto movimento de questionamento do monolitismo da Administração QUERMONNE JeanLouis LAppareil Administratifde lÉtat Éditions du Seuil Paris 1991 p 266 grifamos 56 Alexandre Santos de ARAGÃO A Autonomia Universitária no Estado Contemporâneo e no Direito Positivo Brasileiro Ed Lumen Juris 2001 57 Ver DIOGO DE FIGUEIREDO Moreira Neto Algumas Notas sobre Órgãos Constitucional mente Autônomos Um estudo de caso sobre os tribunais de Contas no Brasil RDA 2230128 58 Já em 1968 Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO lecionava Nas autarquias corporativas profissionais como a Ordem dos Advogados o Conselho Nacional de Medicina por exemplo seus administradores são escolhidos pelos próprios corporados sem interferência da Administração Central conforme dispõem suas respectivas leis Em outras entidades autárquicas o poder de nomeação do Chefe do executivo é atenuado Fica adstrito à escolha de um dentre vários nomes que lhe são apresentados em lista organizada internamente na entidade autárquica Sirva de exemplo a nomeação de reitores de Universidades BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Natureza e Regime Jurídico das Autarquias Ed RT São Paulo 1968 p 454 59 Mutações do Direito Administrativo Ed Renovar Rio de Janeiro 2000 p 1456 60 CASAVOLA Francesco Paolo Quale statuto per le Autorità lndipendenti constante da obra coletiva Regolazione e Garanzia dei Pluralismo Le Autorità Amministrative lndipendenti Ed Giuffre Milano 1997 pp 256 grifamos 148 deveriam portanto ficar sob o seu poder regulatório Procurouse todavia fazer com que a regulação de tais atividades não ficasse sujeita à variação dos humores políticopartidários dotandose as entidades dela incumbidas de uma especial auto nomia em relação ao Poder Executivo central autonomia esta cuja principal nota é a nomeação de técnicos por mandato determinado durante o qual é vedada a exo neração ad nutum Todavia em um segundo momento o Legislador estendeu este modelo de regulação a uma série de atividades econômicas stricto sensu que sempre estiveram sob a égide da iniciativa privada fazendo com que passassem a ser reguladas por entidades dotadas nos mesmos moldes de autonomia frente ao poder hierárquico centra161 Advertese que o modelo não representa em sua substância um apequenamento do Legislador ou da política pública por ele traçada para o setor a ser regulado pela agência independente Ao contrário deve levar a uma certa perenização das finali dades públicas traçadas pela lei do setor que não mais ficam ou não deveriam ficar variando de acordo com o fugaz momento político Para tanto tais entidades foram dotadas de amplos poderes notadamente de natureza normativa62 vez que de outra forma não poderiam desempenhar satisfa toriamente agilidade informalidade constante adaptação à realidade cambiante etc suas atribuições o que exige ainda um corpo de titulares revestidos das prerrogativas necessárias à manutenção da sua impermeabilidade face aos interesses políticos transitórios e não se olvide aos interesses econômicos regulados VII Conclusões A insurgência de espaços administrativos efetivamente autônomos frente ao Poder Executivo central do que as agências reguladoras independentes constituem o exemplo mais relevante em nosso Direito Positivo é uma exigência da eficácia da regulação estatal em uma sociedade que tal como o Estado se torna cada vez mais diferenciada e complexa Todavia a adoção de um modelo multiorganizativo e pluricêntrico de Admi nistração Pública traz riscos à legitimidade democrática da sua atuação Em outras palavras uma das suas maiores vantagens a distância dos critérios políticopar 61 De fato após uma primeira geração de agências reguladoras de serviços públicos desestatizados surgiram as agências reguladoras de atividades econômicas principalmente na área da saúde A Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA Lei n 978299 e a Agência Nacional de Saúde Complementar ANSP Lei n 99612000 Também poderíamos aludir à Agência Nacional do Petróleo nos aspectos de sua regulação que não incidem sobre a atividade monopolizada pela União mas sobre meras atividades privadas sujeitas à autorização administrativa a exemplo da distribuição de combustíveis que nunca foi estatizada 62 A este respeito Alexandre Santos de ARAGÃO O Poder Normativo das Agências Reguladoras Revista Forense 3540326 e HUGHES Some AspeCls of Development of American Law 1916 39 New York Sate Bar Association Repons 266269 149 tidários de decisão assegurada sobretudo pela impossibilidade do Chefe do Poder Executivo eleito exonerar livremente os seus dirigentes nomeados é também um dos seus maiores riscos Para evitar o desvio democrático destas instituições devemos ter sempre clara a sua vinculação às pautas estabelecidas pelo Legislador para as políticas públicas cuja implementação lhes é atribuída assim como a necessária coordenação que devem possuir com o restante da Administração Pública com o Poder Executivo central e com a rede composta do conjunto das demais instituições independentes63 A nomenclatura independente é assim apenas um meio de denotar a sua auto nomia reforçada que todavia é como toda autonomia por definição limitada Assim podemos adotar as conclusões a que em relação ao tema chegou Jean Louis QUERMONNE já que longe de propugnar um retorno ao monolitismo cuja nostalgia sobrevive nos espíritos jacobinos a prática das autoridades admi nistrativas independentes deve favorecer uma evolução que promova um policen trismo equilibrado Não se trata certamente de uma receita mágica E não podemos confundila com a evolução simétrica que consistiria em menosprezar as adminis trações centrais a que seriam reservadas as funções de concepção de coordenação e de controle em benefício do agenciamento às estruturas mais ágeis e adaptadas tais como aquelas que se desenvolvem no domínio das telecomunicações às quais seriam confiadas as responsabilidades de gestão64 Este foi o modelo adotado no Direito brasileiro e já chancelado pelo Supremo Tribunal Federal em relação às agências reguladoras e outros órgãos e entidades similares dotados de ampla autonomia decisória autonomia esta que contudo é instrumental à realização dos objetivos fixados na lei e nas políticas públicas esta belecidas pela Administração central 63 É comum que esta coordenação seja levada a cabo por órgãos colegiados dos quais participam representantes de órgãos de vários setores Estes órgãos colegiados estabelecem as políticas gerais cuja realização deve ser perseguida pelas instituições reguladoras Vejase por exemplo que a regulação empreendida pela Agência Nacional do Petróleo ANP deve implementar as políticas gerais traçadas pelo Conselho Nacional de Política Energética CNPE art 8 I Lei n 947897 Outro mecanismo encontradiço é a celebração de convênios entre diversos entes reguladores para tratar com harmonia os casos atinentes a mais de uma esfera regulatória Neste escopo a maior parte das agências reguladoras celebrou convênio com o Conselho Administrativo de Defesa da Economia CADE 64 QUERMONNE JeanLouis L Appareil Administratif de l État Éditions du Seuil Paris 1991 pp2689 150