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A NOVA FACE DO MOVIMENTO OPERÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA EMÍLIA VIOTTI DA COSTA Não há campo mais controverso na historiografia brasileira de nossos dias do que a história do movimento operário Além dos debates que brotam naturalmente de querelas acadêmicas em consequência da crescente competição nos meios universitários existem outros mais significativos que derivam dos conflitos ideológicos e políticos do momento Estes são particularmente intensos no Brasil de hoje quando a reabertura recoloca o problema da participação política dos operários dando margem a um renovado debate entre as várias facções da esquerda brasileira que disputam entre si a liderança do movimento operário Comunistas trotskistas socialistas democratacristãos sindicalistas populistas neoanarquistas e todos os outros grupos políticos que se possa imaginar reescrevem a história do movimento operário a partir de sua perspectiva Nas suas interpretações do passado ecoam as lutas do presente Mais do que o estudo do passado a história é dentro desse contexto instrumento da ação presente pretexto para justificar práticas políticas contemporâneas Nem mesmo os historiadores que se definem em termos estritamente profissionais conseguem escapar a essa contingência Quem não estiver consciente do viés não terá condições para avaliar adequadamente a historiografia A preocupação com questões políticas não é nova e nem mesmo peculiar à história do movimento operário se bem que seja talvez mais intensa neste campo do que em outros O que é novo na historiografia em questão é a maior preocupação dos historiadores em ancorarem suas conclusões em bases empíricas mais sólidas Esta tendência resulta em parte das exigências acadêmicas que têm levado a uma crescente profissionalização do historiador e em parte da multiplicação de arquivos e centros de pesquisa dedicados ao estudo da classe operária e suas lutas Haja visto o arquivo Edgard Leuenroth na Universidade de Campinas e a Fundação Giangiacomo Feltrinelli para citar apenas dois dos que têm sido mais utilizados nos últimos tempos O acesso a novos documentos tem contribuído tanto quanto o debate político dos últimos anos para a revisão das imagens tradicionais da classe operária e da sua participação política na Primeira República Para isso também tem contribuído a influência de alguns pesquisadores estrangeiros cujas obras sugeriram questões novas e propuseram novos tipos de abordagem Não é por acaso que a partir dos estudos de E P Thompson Michelle Perrot Stefano Merli Cor R bras Hist São Paulo 2 4 217232 set 1982 nelius Castoriadis Juan MartinezAlier os pesquisadores brasileiros estejam prestando maior atenção à cultura operária às condições de trabalho nas fábricas e ao impacto das transformações tecnológicas no movimento operário Pouco a pouco vemos surgir uma literatura que enriquece a nossa visão dandonos um quadro cada vez mais complexo e variegado Infelizmente muitas dessas novas pesquisas permanecem ignoradas do público perdidas em teses de mestrado e doutoramento que jamais chegam a ser publicadas um dos absurdos da vida acadêmica brasileira Recentemente no entanto vieram à luz duas coleções de documentos que pela sua riqueza de informações constituem importante contribuição para a revisão que está em curso A primeira é a coleção publicada por Edgard Carone sob o título Movimento Operário no Brasil 18771944 1 a segunda os dois volumes editados por Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall A classe operária no Brasil 18891930 2 A leitura dessas obras que juntas contêm mais de mil páginas de documentos levanos a por em questão algumas das afirmações correntes na literatura sobre o movimento operário O que se segue são algumas das reflexões que nos vieram à mente ao percorrer aquelas páginas Ao divulgálas esperamos não só apontar algumas lacunas como indicar novos caminhos de investigação O movimento operário no Brasil no período que vai de 1889 a 1930 é em geral descrito como tendo sido dominado pelos anarquistas imigrantes na sua maioria italianos ou espanhóis que fugindo a perseguições políticas na Europa refugiaramse no Brasil trazendo consigo sua experiência política Seriam eles os responsáveis pelas greves organizações operárias e demonstrações de massa que agitaram a Primeira República Divididos no entanto por conflitos étnicos separados por barreiras linguísticas os anarquistas teriam sucumbido à severa repressão desencadeada contra eles pelas classes dominantes para as quais a questão operária era uma questão de polícia e não de política Ameaçados de deportação às vezes deportados constantemente perseguidos pela polícia encarcerados figurando nas listas negras que circulavam de mão em mão entre os industriais os líderes anarquistas tiveram sua ação cerceada Em 1922 sob o impacto da Revolução Russa alguns anarquistas criaram o Partido Comunista A partir de então a influência anarquista entraria em recesso e segundo alguns autores o próprio movimento operário perderia seu ímpeto O golpe final no movimento operário teria sido dado por Getúlio Vargas o qual depois de 1930 criaria uma estrutura corporativista atrelando o movimento operário ao Estado ao mesmo tempo que reprimiria com violência as lideranças autônomas Essas medidas coincidiriam com uma profunda transformação na composição da classe operária o que veio a facilitar esse processo de domesticação do movimento operário Trabalhadores brasileiros substituiriam os imigrantes Vindos das zonas rurais analfabetos e politicamente inexperientes habituados a relações paternalistas esses trabalhadores não tinham consciência de classe e seriam presa fácil das manipulações do estado populista Essa é em poucas palavras e de forma bastante resumida e simplificada a imagem que prevalece na maioria dos estudos sobre o assunto 3 Evidentemente é impossível numa breve apresentação registrar as diferenças sutis entre os vários autores Nem todos por exemplo se limitam a falar só nos anarquistas Há aqueles que se referem também aos socialistas aos católicos e aos sindicalistas se bem que em geral de forma bastante superficial 4 Também dependendo de suas simpatias pessoais os analistas dão explicações diferentes para o que eles avaliam como sendo a fraqueza ou o fracasso do movimento operário Uns culpam aos comunistas outros aos anarquistas Todos culpam a polícia Alguns argumentam que os anarquistas foram derrotados por causa de sua estratégia inadequada de seu internacionalismo sua incapacidade de lidar com problemas nacionais mais amplos 5 Outros argumentam que o anarquismo teve sucesso enquanto predominaram os artesãos mas a partir do momento em que os operários passaram a predominar no movimento os anarquistas estavam condenados a perder a liderança devido ao seu caráter pequenoburguês 6 Há ainda aqueles que vêem na repressão a causa fundamental do fracasso do movimento operário As divergências entre os historiadores vão além da explicação do sucesso ou insucesso dos anarquistas Eles também discordam na sua interpretação da política operária de Vargas Para uns Getúlio foi o intérprete dos industriais 7 Segundo outros os industriais em 1930 não tinham um projeto do qual Vargas pudesse ser o executor 8 Influenciados pela retórica populista alguns vêem em Vargas o pai dos pobres Para outros não passou de um político esperto o primeiro a reconhecer que a questão operária era uma questão não só de polícia como também de política Levando em conta essas nuances podese dizer que o quadro anteriormente traçado apresenta as linhas mestras da historiografia do movimento operário na Primeira República Algumas dessas noções encontram plena confirmação nas duas coleções de documentos consultadas Outras no entanto aparecem modificadas A repressão por exemplo é amplamente documentada Há em ambas coleções um sem número de evidências que testemunham a incessante perseguição de que eram vítimas as organizações operárias e suas lideranças A repressão no entanto parece ter sido muito mais sutil e sofisticada do que se tem em geral reconhecido Não se tratava apenas de proibir demonstrações operárias despedir líderes deportar ou encarcerar trabalhadores indesejáveis invadir sindicatos destruir a imprensa operária Iase ainda mais longe Já nessa época a burguesia respondia ao internacionalismo dos operários internacionalizando a repressão O governo italiano por exemplo manteve um attaché militar em São Paulo de 1901 a 1915 com o objetivo de fiscalizar as atividades de elementos radicais de nacionalidade italiana 9 Da mesma forma quando os ingleses invadiram os escritórios de uma organização soviética em Londres eles se apressaram em fornecer às autoridades brasileiras o nome dos brasileiros que tinham conexão com a Terceira Internacional 10 Portanto a articulação da repressão ao nível internacional não é uma invenção das últimas décadas Esta é apenas uma forma de repressão que ainda não foi estudada Há ainda outras formas que também não receberam a atenção devida Com o intuito de defender seus interesses comuns aumentar a produtividade ao trabalho e neutralizar a resistência operária os industriais criaram associações como o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem ou o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo Estes centros exerciam vigilância sobre os líderes operários e mantinham freqüentes contatos com a polícia Num memorando de 1921 por exemplo o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem recomendava a seus associados que expurgassem o pessoal das fábricas de agitadores profissionais que operam na classe operária com um fermento de desordem e de morte Ao mesmo tempo informava que qualquer associado que quisesse se livrar de um agitador nada mais tinha a fazer do que se comunicar com o Centro este providenciaria imediatamente para que aquele elemento perigoso fosse afastado da fábrica pela polícia e identificado A sua ficha seria comunicada às fábricas associadas tal e qual como se fará com os ladrões sic 11 Não muito diferente deste era o tom de uma circular de 1923 Naquela ocasião receiosos de que a greve dos gráficos se estendesse às indústrias têxteis os industriais e a polícia mais uma vez se uniram O Centro informou aos associados que a polícia de Capturas e Investigações tomara a resolução de ir prendendo todos os operários em tecidos que lhe fossem apontados como mentores de sua classe no tocante a reivindicações mais ou menos cabíveis 12 O Centro concitava seus associados a lhe enviarem o nome residência sinais característicos etc do operário em questão que ele se incumbiria imediatamente de fazer com que o operário apontado desaparecesse por algum tempo até que passasse a atmosfera de agitação A preocupação em identificar a liderança operária era constante Tanto é assim que já em 1921 o Centro enviava ao ministro da Agricultura Indústria e Comércio uma carta na qual sugeria a adoção de carteiras profissionais que permitissem identificar os trabalhadores 13 Essa medida seria posta em prática alguns anos mais tarde por Vargas Considerandose as boas relações entre o Centro a polícia do Estado e o Gabinete de Investigações não é de se estranhar que um ano após aquele comentasse numa circular sobre as greves do ano anterior que nunca batera em vão às portas das diferentes seções da polícia 14 Pouco a pouco no entanto a tarefa de fiscalizar os operários passou para as mãos do Estado Em 1927 o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem informava que a partir daquela data a delegacia de Ordem Política e Social estava identificando todo o operariado do Estado de São Paulo da Capital e do Interior Esperava o Centro poder dentro de algum tempo e de acordo com aquela Delegacia fornecer aos ilustres sócios uma ficha completa dos indesejáveis cujos nomes e delitos lhe forem comunicados Mandaria a cada associado uma ficha completa com o nome do delinqüente a sua filiação estado civil impressão do polegar e fotografia assim cada empresa poderia formar seu arquivo de indesejáveis 15 Fiscalização e repressão não eram no entanto as únicas formas de controle Havia outras mais sutis Princípios científicos de administração do trabalho já estavam sendo postos em prática em algumas companhias Essa informação certamente não surpreenderá os que sabem que Roberto Simonsen vicepresidente do Centro das Indústrias de São Paulo já discutia Taylorismo em 1919 em seu livro O Trabalho Moderno Nessa época já havia também industriais que procuravam introduzir em suas fábricas serviços assistenciais tais como creches escolas maternais campos esportivos e outros tipos de diversão para os operários Com a mesma preocupação de estender o seu controle sobre a vida do operário criavam as primeiras vilas operárias como a famosa Vila Zélia 16 O controle estendiase também à manipulação ideológica Os interesses dos industriais eram sempre apresentados como interesse da nação Os que criavam tropeços à realização daqueles interesses promovendo lutas de classes ou tentando criar leis perturbadoras do trabalho cometiam crime de lesapátria Além de manipularem as idéias nacionalistas em seu benefício os empresários não hesitavam em caracterizar a fábrica como uma grande família e o patrão como pai benevolente O patrão dizia uma circular do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem datada de abril de 1924 é mais alguma coisa que patrão é amigo e digamos um pouco pai dos que trabalham a seu lado A circular louvava a generosidade do Conde Matarazzo e de Rodolfo Crespi pela decisão de concederem um prêmio de 5 sobre o total dos salários ganhos no ano a todo operário que completasse um ano de serviço a contar do dia 10 de março de 1924 17 Na sua fala os industriais enfatizavam sempre a comunhão de interesses entre Capital e Trabalho uma retórica que contrastava de forma chocante com a tendência que eles tinham de identificar os líderes operários com agitadores profissionais e as reivindicações operárias com crimes contra a sociedade e a nação 18 Através da documentação ora divulgada formamos um quadro mais complexo não só da visão do mundo e dos métodos dos empresários como também de suas conexões com o Estado e a Imprensa 19 Os artigos de jornais reproduzidos em ambas coleções revelam freqüentemente a intenção por parte da Imprensa de desmoralizar a liderança operária e promover divisões entre os trabalhadores condenando os maus operários e louvando os bons Típico dessa tendência é a publicidade dada a um encontro entre alguns líderes operários e o Presidente Washington Luiz em 1929 O discurso que o presidente da União dos Estivadores fez na ocasião foi muito elogiado pelo Jornal do Brasil Nesse discurso aquele manifestara o apoio dos trabalhadores ao Governo e o seu repúdio às doutrinas vermelhas defendidas por maus brasileiros que a troco do vil metal não trepidam em vender a sua honra trair a sua Pátria atentar contra o seu próprio lar 2 Igual publicidade foi dada pelo A Noite outro jornal de ampla circulação à visita dos mesmos líderes operários ao chefe da polícia Coriolano de Goes Segundo o jornal o vicepresidente da União dos Operários Estivadores hipotecara a solidariedade das classes trabalhistas à ação das autoridades contra as idéias demolidoras dos comunistas 21 Nesse discurso que foi transcrito na íntegra fixavamse as imagens tantas vezes reproduzidas desde então o bom e o mau operário O primeiro levava ao patrão e às autoridades sua solidariedade e apoio O segundo tentava envolver o operariado num turbilhão de revolta às leis e aos homens públicos pregava a luta de classes e falava em revolução Apesar de sua insistência na importância do respeito às leis os empresários não pareciam se sentir obrigados a respeitálas Tanto é assim que as leis passadas pelo governo com o objetivo de diminuir o conflito entre Capital e Trabalho longe de receberem o seu apoio foram freqüentemente objeto de oposição e crítica e só raramente foram obedecidas 22 Em 1929 o Centro Industrial do Brasil condenou ao Código de Menores 23 No ano seguinte o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem dirigia uma carta ao Ministro do Trabalho criticando a lei de férias 24 Esta como outras leis visando a proteger os trabalhadores estava sendo sistematicamente desrespeitada 25 Sua existência no entanto causava apreensão entre os industriais os quais pareciam irritados com a ação de alguns funcionários públicos mais zelosos que exigiam o cumprimento da lei Igualmente apreensivos ficavam os industriais quando algum jornalista desavisado se dispunha por alguma razão a dar cobertura simpática às greves e reivindicações operárias A emergência de grupos de classe média relativamente independentes e sua aliança circunstancial com a classe operária constituíam a seus olhos uma ameaça O que nos espanta hoje depois de meio século desses acontecimentos é o receio que os empresários parecem ter dos operários Afinal de contas como o próprio vicepresidente do Centro das Indústrias de São Paulo reconhecia no seu discurso inaugural em 1928 os operários constituam apenas um pequeno número 300000 num país de trinta milhões de habitantes 26 Daqueles apenas a minoria estava organizada e o número dos que podiam ser considerados radicais era ainda menor E de fato como a história viria demonstrar eles não constituíam ameaça séria para quem contava com o apoio praticamente irrestrito das autoridades Podese conjecturar que o terror dos industriais provinha em parte da irreconciliável retórica de luta de classes usada por alguns líderes operários A crítica destes ao capitalismo como sistema seu apelo ao operariado para que se unisse na luta contra o capital devem ter soado suficientemente ameaçadores aos industriais para deixálos preocupados Sua ansiedade deve ter crescido por ocasião da extraordinária greve de 1917 e provavelmente se agravou ainda mais face à agitação de vários setores da população durante as revoltas de 1922 e 1924 Mais alarmante do que todos aqueles episódios no entanto deve ter sido o espectro da Revolução Russa de 1917 cujo valor simbólico foi incalculável Para os operários ela pareceu anunciar o início de uma nova era Para os industriais o começo do fim Mesmo considerandose todos esses fatores a reação dos empresários parece excessiva e talvez só uma explicação psicanalítica satisfaça O exagerado receio que eles parecem ter dos operários talvez brote de um profundo sentimento de culpa e do temor da punição ou desejo de punição que em geral o acompanha Quem eram esses trabalhadores que causavam tanta apreensão aos empresários Eram eles de fato anarquistas estrangeiros que tinham vindo ao Brasil semear desordem e descontentamento entre os bons e ordeiros trabalhadores nacionais como alegavam os industriais os agentes de polícia e os jornalistas E como até mesmo os historiadores nos fizeram crer A lista das numerosas organizações que compõem as Federações anarquistas bem como as dos participantes dos congressos operários de 1906 1908 e 1913 publicados por Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro nos levam a duvidar dessa caracterização Onde esperávamos encontrar nomes italianos nos defrontamos com nomes de origem portuguesa e talvez espanhola 27 No estado atual das pesquisas é ainda difícil dizer quantos eram brasileiros Mas a leitura destas e outras fontes principalmente as memórias de militantes que têm sido publicadas nos últimos anos nos leva a crer que o papel dos brasileiros no movimento operário da Primeira República tem sido subestimado Ficamos também convencidos de que a imagem de um movimento operário controlado totalmente por anarquistas precisa ser revista Mais atenção deve ser dada a outros grupos principalmente os sindicalistas os socialistas e os católicos que raramente têm chamado atenção 28 Tanto no livro de Carone quanto nos de Hall e Pinheiro existe documentação suficiente para demonstrar que aqueles grupos foram mais numerosos e mais ativos do que a historiografia tem sugerido Alguém poderia perguntar porque então os anarquistas têm absorvido todas as atenções Como se explica a preeminência que lhes têm sido dada no movimento operário Por que se tem identificado anarquista com estrangeiro Provavelmente várias razões explicam essas tendências Com sua retórica de lutas de classes e suas táticas de ação direta seu envolvimento em greves e demonstrações públicas os anarquistas despertaram mais receio e hostilidade do que qualquer outro grupo Além disso a opinião de que o movimento operário estava controlado por um grupo de estrangeiros anarquistas e agitadores era freqüentemente expressa tanto pelos jornalistas quanto pelos industriais com a intenção de desmoralizar o movimento operário perante a opinião pública Não é de espantar portanto que eles próprios acabassem por acreditar nisso Essa opinião foi reforçada pela constante perseguição aos anarquistas e pela repercussão que os casos de deportação tiveram Por outro lado quem poderia duvidar que os anarquistas monopolizassem o movimento operário se eles eram os primeiros a se declararem responsáveis por qualquer greve ou manifestação pública Tudo isso acabou por dar aos anarquistas uma visibilidade que outros grupos não tinham Dessa forma a imagem de um movimento operário controlado exclusivamente por anarquistas estrangeiros acabou por prevalecer Tanto mais que a maioria dos que escreveram sobre o movimento operário na Primeira República estudaram esse movimento em São Paulo um estado em que não só os anarquistas eram particularmente ativos como também o imigrante representava grande parcela da força de trabalho No entanto até mesmo em São Paulo havia muitos trabalhadores nacionais Segundo o Censo industrial de 1920 60 dos 93998 trabalhadores registrados eram de nacionalidade brasileira Nos demais estados talvez com exceção do Rio Grande do Sul o número de trabalhadores nacionais era ainda maior É preciso portanto examinar essa questão com mais cuidado pois a partir do momento que reconhecermos a participação do trabalhador nacional nos movimentos operários da Primeira República algumas das noções tradicionais ruirão por terra e novas questões surgirão Como falarse então da inexperiência política do trabalhador brasileiro Como explicar o sucesso do anarquismo entre eles Teria a massa dos trabalhadores nacionais preferido apoiar as organizações sindicalistas e as católicas Como se relacionaram eles com os operários estrangeiros Qual a sua participação na liderança do movimento operário De onde lhes vinha sua experiência política Finalmente qual a participação dos pretos no movimento operário Provavelmente por causa da identificação que fazem entre movimento operário e imigrante os que têm estudado a história do movimento operário na Primeira República raramente mencionam a presença de pretos e mulatos Em geral se repete que depois da abolição os imigrantes substituíram os exescravos na força de trabalho tendo aqueles sido marginalizados nesse processo 29 Até que ponto essa impressão corresponde à realidade Como os historiadores têm ignorado o papel dos pretos eles também não registram conflitos raciais Uma das poucas exceções é o historiador americano Sheldon Maram mas mesmo este autor con sidera o conflito étnico mais importante do que o racial 30 No entanto Jules Droz delegado da Internacional Comunista à América Latina observava em 1929 Ainda que não existam preconceitos de raça no Brasil segundo as informações de nossos camaradas grifo nosso uma coisa chama logo a atenção Os coolies brasileiros os trabalhadores da estiva os homens de trabalho pesado são todos homens de cor enquanto que os comissários os contramestres aqueles que manejam a pena e os funcionários as mulheres bem vestidas etc são todos brancos 31 Evidentemente o que escapava aos olhos da liderança operária não escapava ao arguto observador havia pretos e mulatos entre o operariado mas a estes estavam reservadas as profissões mais ínfimas Apesar disso a historiografia continua a ignorar a sua presença É preciso indagar até que ponto a cegueira da liderança em relação aos problemas raciais contribuiu para alienar pretos e mulatos do movimento operário Diante da indiferença das lideranças teriam eles tentado criar associações indepentes com o objetivo precípuo de defender seus interesses Essas são questões que ainda aguardam resposta Outra curiosa falha na literatura sobre o movimento operário é a falta de informação sobre o papel das mulheres No entanto em algumas indústrias as têxteis por exemplo elas constituíam a grande maioria Um relatório do Departamento Estadual do Trabalho reproduzido por Hall e Pinheiro registra num total de 10204 trabalhadores 2668 homens 6800 mulheres e 75 crianças Não obstante sua notável participação na força do trabalho as mulheres só raramente são mencionadas nos estudos sobre a classe operária e quando o são aparecem como vítimas passivas da opressão Maram comparando o insucesso do movimento operário no Brasil com seu sucesso na Argentina argumenta que uma das razões dessa diferença reside no fato de que no Brasil havia um maior número de mulheres e crianças entre os trabalhadores 33 Infelizmente nas duas coleções que examinamos não há documentos suficientes para modificar essa imagem O único que se refere diretamente à participação de mulheres é um manifesto reproduzido por Carone assinado por três operárias concitando suas companheiras a apoiarem os trabalhadores em suas lutas O manifesto parece confirmar a impressão geral de que as mulheres só raramente participavam do movimento operário 34 Há no entanto algumas evidências indiretas que nos fazem suspeitar que a sua presença foi muito mais significativa do que tem sido reconhecido Um relatório sobre violência policial contra operários apresentado à Câmara dos Deputados em 1919 menciona dois incidentes envolvendo mulheres 35 Sabemos também por outras fontes que as operárias têxteis freqüentemente fizeram greves e participaram de piquetes protestando contra redução de salários multas e abusos fiscais Basta ver o arrolamento feito por Paula Beiguelman em Os Companheiros de São Paulo 36 Mulheres também participaram ativamente do Partido Comunista 226 como se pode deduzir de algumas autobiografias de líderes comunistas recentemente publicadas Apesar de tudo a historiografia sobre o movimento operário continua a ignorálas Podese argumentar que a falta de debates sobre a condição das mulheres nos congressos operários com exceção das discussões sobre equalização de salários e das reivindicações sobre igualdade de direitos que aparecem na plataforma dos vários partidos socialistas 37 a ausência de mulheres das lideranças operárias e finalmente o silêncio da historiografia é indicativa de que as mulheres de fato tiveram um papel secundário no movimento operário É mais provável no entanto que esse silêncio seja resultado de um viés não apenas por parte da liderança operária como também por parte dos historiadores Só pesquisas futuras poderão esclarecer este problema Outro aspecto que salta à vista quando percorremos os documentos ora divulgados é a maneira insuficiente pela qual tem sido tratado o próprio movimento anarquista Apesar do interesse que despertou pouco se conhece sobre ele A tendência da maioria dos historiadores é tratálo como se fosse um grupo mais ou menos coeso Sob o rótulo de anarquismo no entanto existe uma variedade de grupos freqüentemente hostis uns aos outros divergindo quanto as táticas a serem adotadas e os propósitos a serem atingidos 38 Isso fica evidente pela leitura dos jornais operários reproduzidos por Carone 39 Os conflitos também estão documentados nas minutas dos Congressos Operários divulgados por Hall e Pinheiro 40 Carone identifica pelo menos dois grupos distintos um que recomenda uma estratégia gradualista Outro que prega a ação direta Para Hall e Pinheiro há também dois grupos um anarquista outro anarcosindicalista Estes ao que parece mais sindicalistas do que revolucionários o que provavelmente ajuda a explicar a direção que o movimento operário tomaria a partir de 1920 o declínio dos anarquistas e a fundação em 1922 do Partido Comunista A maioria dos historiadores tem visto a criação do Partido Comunista como reflexo da Revolução Soviética Uma leitura cuidadosa das minutas dos Congressos Operários e de outros documentos constantes destas coleções sugere no entanto que ainda mais importante foram os problemas com que se defrontou o próprio movimento operário nas primeiras duas décadas deste século A Confederação Operária Brasileira e as várias Federações organizadas pelos anarquistas reuniam uma grande variedade de métiers Havia pedreiros oleiros gráficos vidraceiros ferreiros marmoristas estivadores ferroviários alfaiates carpinteiros sapateiros mineiros funileiros pintores caixeiros cabeleireiros padeiros carroceiros e chauffeurs trabalhadores de hotel garçons operários de indústria textil e metalúrgicos para mencionar apenas alguns Uns eram donos dos meios de produção Outros não Uns eram artesãos outros trabalhavam em pequenas empresas familiares manufaturas outros ainda em fábricas onde se reuniam grande número de operários 227 Algumas se enquadravam no setor de serviços Outros no da produção industrial Essa heterogeneidade permitia aos anarquistas promoverem grandes mobilizações de massa mas ao mesmo tempo criava sérios problemas para organização do movimento A amálgama de grupos resultava em freqüentes conflitos e desentendimentos agravados por diferenças étnicas e raciais e às vezes até mesmo por barreiras linguísticas Sem falar nos conflitos derivados de questões ideológicas As minutas dos Congressos revelam que desde o início as lideranças anarquistas estavam divididas a propósito de assuntos importantes Alguns estavam preocupados em desenvolver a consciência política dos trabalhadores e em organizálos para enfrentarem os patrões Outros com problemas que afetavam o quotidiano do operário O debate entre esses dois grupos que às vezes lembram os diálogos de Don Quixote e Sancho Pança não só expressavam conflitos internos das lideranças como também revelavam tensões entre a liderança e as massas operárias entre os intelectuais anarquistas e os trabalhadores 41 As normas adotadas ou preconizadas pela liderança anarquista nem sempre satisfaziam aos anseios dos trabalhadores Estes insistiam na necessidade de leis que proibissem o trabalho infantil equalizassem os salários de homens e mulheres garantissem a segurança do trabalho reduzissem o número de horas fixassem um salário mínimo Sugeriam ainda o controle pelo Estado da qualidade e preço de alimentos e aluguéis A maioria dessas demandas evidentemente podiam constar de uma plataforma reformista Os líderes anarquistas no entanto em consonância com sua postura revolucionária e sua crítica teórica do Estado ao qual viam como o perpétuo inimigo dos trabalhadores rejeitavam qualquer sugestão que envolvesse sua intervenção Para eles a solução era consciência de classe e organização se os operários tinham problemas era porque não eram suficientemente conscientes beligerantes e unidos para fazer face aos patrões Os pais não devem mandar seus filhos ao trabalho O trabalho das crianças deteriorava o salário As mulheres não deviam aceitar remuneração inferior à dos homens Os trabalhadores deviam se recusar a trabalhar quando as condições não fossem seguras Como um dos líderes chegou a dizer durante o Segundo Congresso Operário realizado em São Paulo em 1908 porque antes de subir sobre um andaime ou de começar qualquer trabalho não se procura inspecionar se há aí garantias de vida e não nos recusamos terminantemente a trabalhar quando vemos o perigo 42 A culpa era portanto dos trabalhadores Consciência e luta contra os patrões não a intervenção do Estado eram o remédio para seus males Quando os operários sugeriam a criação de cooperativas e de fundo de greve ou desemprego eles encontravam igual oposição por parte das lideranças Se bem que houvesse sempre alguém entre a liderança que argumentasse em favor das propostas das bases o debate sempre terminava com a maioria reafirmando os seus princípios e recomendando que os anarquistas 228 incrementassem a sua propaganda Fizessem mais conferências publicassem mais livros e artigos para educar os trabalhadores e tornálos mais conscientes As ligas operárias deviam procurar manter entre seus associados sempre vivo o espírito de rebeldia contra as arbitrariedades não permitindo em ocasião alguma que o brio de operários livres seja pisoteado 43 Greve sabotagem consciência revolucionária eram os instrumentos de que dispunham os trabalhadores No entanto quando as greves eram violentamente reprimidas pela polícia os trabalhadores encontravam como respaldo apenas uma federação heterogênea dividida por interesses os mais contraditórios incapaz de coordenar a resistência Não é portanto de se espantar que depois da violenta repressão dos anos 1919 e 1920 alguns se convencessem da necessidade de adotar um novo tipo de organização e de utilizar novas estratégias Depois de mais de uma década de lutas os anarquistas pouco tinham conseguido Os reformistas os católicos e os socialistas também não tinham sido mais bem sucedidos A legislação trabalhista aprovada pelo governo não era obedecida A recessão que se seguiria ao apósguerra tornara as greves pouco eficientes Os grevistas se defrontavam com a repressão sistemática e quando pareciam ter alcançado seus objetivos as concessões ganhas eram logo perdidas Os sindicatos eram invadidos os trabalhadores despedidos os líderes presos alguns deportados Não era tarefa fácil organizar homens e mulheres divididos por conflitos raciais étnicos e ideológicos Ao movimento operário faltava coesão e coordenação Apesar de todo o esforço heróico feito pela liderança operária no sentido de mobilizar os trabalhadores apesar de todas as greves e impressionantes demonstrações de massa que eles tinham conseguido organizar apesar de toda a sua fala sobre a força dos trabalhadores estes continuavam oprimidos Uma consciência revolucionária era algo que levava muito tempo para se desenvolver e até mesmo os trabalhadores mais esclarecidos e conscientes não tinham condições de impedir que suas mulheres e filhos trabalhassem por miseráveis salários A alternativa no mais das vezes era a fome Eles também não tinham condições de se recusarem a trabalhar quando as condições não eram seguras Havia muitos crumiros prontos a tomar seus lugares A esperada Revolução parecia cada vez mais distante Se os anarquistas não tinham sido capazes de levar os trabalhadores a uma posição de força e não tinham conseguido sequer melhorar suas miseráveis condições de vida seriam eles capazes de levar a cabo uma revolução que poria fim ao estado burguês e à exploração do trabalho Atormentados por essas dúvidas alguns dos que tinham lutado durante anos entre os anarquistas começaram a buscar novos caminhos Dando um balanço nas lutasdos últimos anos chegaram a conclusão de que a organização falhara Era preciso buscar novos meios novos métodos novos sistemas novas normas de organização mais adaptáveis e consentâneas com o ambiente brasileiro 44 Alguns chegaram a pensar em se afiliarem à organização norteamericana dos Trabalhadores Industriais do Mundo IWW45 Não tardou muito entretanto para que começassem a ver na Revolução Soviética um modelo mais promissor Esta tinha pelo menos a vantagem de ter sido bem sucedida É dentro desse contexto que a criação do Partido Comunista deve ser entendida 4 Ao invés de ser um reflexo da Revolução Russa um mero produto de importação uma experiência alheia à realidade nacional um gesto de mímica social como as vezes tem sido descrita a criação do Partido Comunista Brasileiro deve ser vista como o resultado das lutas e derrotas do proletariado durante as duas primeiras décadas do século XX Não foi por acaso que Astrojildo Pereira e outros fundadores do Partido Comunista foram inicialmente militantes anarquistas Eles tinham aprendido com seus próprios erros Uma vez organizado o Partido Comunista procurou afiliarse a Terceira internacional Foi aceito em 1924 No seu segundo congresso em 1925 o partido decidiu participar da campanha eleitoral apoiando as reinvindicações que os trabalhadores vinham fazendo há mais de uma década Em 1927 o Partido gozou de um curto período de legalidade de janeiro a agosto Segundo a linha adotada pela Terceira Internacional o Partido deu seu apoio a criação de uma Frente Popular Um ano mais tarde o Bloco Operário e Campones BOC foi organizado Incluia em sua plataforma a luta por oito horas de trabalho diário quarenta e oito horas semanais salário mínimo proteção às mulheres e proibição do trabalho aos menores de quatorze anos Os comunistas também lutaram pela criação de uma Confederação Geral de Trabalhadores CGT para coordenar a luta dos operários Em 1928 o Partido registrava 1200 membros Um novo interlocutor tinha aparecido na cena política A história dos trabalhadores durante o período Vargas não pode ser escrita sem referência aos comunistas Esta no entanto é uma outra história Hall e Pinheiro param em 1930 Carone vai mais longe mas a grande maioria de seus documentos referese ao período anterior Das páginas dessas duas coleções de documentos surge uma imagem do movimento operário na Primeira República um tanto diversa daquela que tratamos inicialmente 7 Os empresários ganharam uma nova dimensão Eles parecem melhor organizados e mais sofisticados nos seus métodos repressivos Suas relações com os trabalhadores e com o Estado aparecem sob uma nova luz e eles estão mais aptos do que antes a desempenharem seu papel no Estado corporativista que será criado depois de 1930 Por sua vez os trabalhadores também estão mudados Onde os imigrantes eram a única presença vemos agora brasileiros muitos dos quais negros e mulatos As mulheres também foram acrescentadas ao quadro do qual estiveram ausentes tanto tempo O apático trabalhador rural do esboço original foi substituído por um mais dinâmico e experiente o qual antes de migrar para a cidade esteve envolvido em greves nas plantações de café do sul do país ou nos engenhos de cana do nordeste 48 Está portanto pronto para desempenhar um papel mais atuante no movimento operário Os anarquistas por sua vez não figurem mais como um grupo monolítico Há entre eles várias facções distintas Os comunistas os sindicalistas os católicos e os socialistas aparecem ao seu lado No quadro a liderança não ocupa mais o centro Ai estão os trabalhadores Caberá as novas gerações incorporálos definitivamente à história Livredocente USP e Professor Associado da Universidade de Yale Conferência realizada no Dep História FFLCHUSP maio 1982 NOTAS 1 Edgard Carone Movimento operário no Brasil 18771944 São Paulo Difel 1979 2 Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M Hall A classe operária no Brasil 18891930 Documentos 2 vols Vol 1 O Movimento operário São Paulo Alfa Omega 1979 Volume 2 Condições de vida e de trabalho relações com os empresários e o Estado São Paulo Brasiliense 1981 3 Albertino Rodrigues Sindicato e desenvolvimento no Brasil São Paulo 1968 Aziz Simão Sindicato e Estado São Paulo 1966 Leoncio Rodrigues Conflito industrial e sindicalismo no Brasil São Paulo 1966 Juarez Brandão Lopes Crise do Brasil arcaico São Paulo 1967 e Sociedade industrial no Brasil São Paulo 1964 Edgar Rodrigues Sindicalismo e socialismo no Brasil 16751913 Rio de Janeiro 1969 Maurício Vinhas Estudos sobre o proletariado brasileiro Rio de Janeiro 1970 Timothy Harding A Political History of the Organized Labor Movement in Brazil Ph D Dissertation Stanford University 1973 Kenneth Paul Erickson The Brazilian Corporate State and Working Class Politics Berkeley 1977 Sheldon Maram Anarchists immigrants and the Brazilian Labor Movement 18901920 Ph D Dissertation University of California Santa Barbara 1972 O livro de Kenneth Paul Erickson foi traduzido para o português sob o título Sindicalismo no processo político no Brasil São Paulo Brasiliense 1979 Sheldon Maram foi também traduzido e publicado sob o título Anarquistas imigrantes e o movimento operário brasileiro 18901920 RJ Paz e Terra 1979 4 Vejase Bóris Fausto Trabalho urbano e conflito social 18901920 São Paulo 1970 Sheldon Maram op cit e John WF Dulles Anarchists and communists in Brazil 19001935 traduzido para o português sob o título Anarquistas e Comunistas no Brasil 19301935 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1977 5 Jover Telles Movimento sindical no Brasil São Paulo 1981 Everardo Dias História das lutas sociais no Brasil 2a ed São Paulo 1977 Edgard Carone A República Velha 18901920 Instituições e Classes Sociais 3a ed São Paulo 1972 Antonio Mendes Jr e Ricardo Maranhão Brasil História Texto e Consulta República Velha São Paulo 1979 6 Bóris Fausto op cit Leoncio Martins Rodrigues Trabalhadores sindicatos e industrialização São Paulo 1974 Para uma opinião diversa vejase a obra de Sheldon Maram já citada 7 Edgard Carone A República Nova 19301937 3a ed São Paulo 1977 8 Bóris Fausto A Revolução de 1930 Historiografia e História São Paulo 1970 9 Paulo Sergio Pinheiro e Michael M Hall op cit vol 1 p 109 10 Idem p 307 11 Idem vol 2 pg 197 12 Idem vol 2 pg 204 13 Idem vol 2 pgs 198201 14 Idem vol 2 pg 203 15 Idem vol 2 pgs 324325 16 Michael Hall e Paulo Sergio Pinheiro Immigrazione e movimento operario in Brasile un interpretazione In Jose Luis Del Roio ed Lavoratori in Brasile Immigrazione e Industrializzazione nello Stato di Sao Paulo Milano 1981 Vejase também Edgar Salvador De Decca Dimensóes históricas do insucesso político Tese de doutoramento USP 1979 publicado sob o título O silêncio dos vencidos São Paulo 1981 17 Pinheiro e Hall vol II pg 208 Para um valioso exemplo das relações paternalistas adotadas na empresa ver o admirável estudo de José de Souza Martins Conde Matarazzo o empresário e a empresa São Paulo 1976 18 Magnífico exemplo da retórica patronal é o discurso feito à 1 de maio de 1920 na Vila Operária da firma Pereira Carneiro e Cia em presença do Ministro da Viação e do prefeito de Niterói e dos operários da empresa transcrito às pgs 187194 V 2 da obra de Pinheiro e Hall 19 Para uma análise da maneira pela qual a imprensa reagia às greves operárias vejase Barbara Weinstein Impressões da elite sobre os movimentos da classe operária A cobertura da greve em O Estado de São Paulo 19021907 In Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado O bravo matutino imprensa e ideologia o jornal O Estado de São Paulo São Paulo 1980 135176 Para uma visão oposta isto é para o ponto de vista da imprensa operária vejase Maria Nazareth Ferreira A imprensa operária no Brasil 18801920 Petropolis 1978 20Pinheiro e Hall vol 2 pgs 325326 21 Idem pg 327328 22 Sobre a legislação social nesse periodo vejase Angela Maria de Castro Gomes Burguesia e trabalho Política e legislação social no Brasil 19171937 Rio de Janeiro 1979 Para o estudo da ideologia dos empresários vejase ainda Marisa Saens Leme A ideologia dos industriais brasileiros 19191945 Petrópolis 1978 e Luiz Werneck Vianna Liberalismo e Sindicato no Brasil Rio de Janeiro 1976 23 Pinheiro e Hall vol 2 pg 233 24 Idem vol 2 pg 235237 25 Vejase ainda os argumentos dos industriais de calçados contra alguns regulamentos do Departamento Nacional de Saúde Pública relativos ao trabalho de menores e mulheres Pinheiro e Hall v 2 pg 209210 26 Pinheiro e Hall vol 2 pg 226 27 Observese a lista dos indivíduos que apresentaram suas credenciais como representantes dos seus respectivos centros ligas e uniões ao Primeiro Congresso Operário realizado em 1906 do qual saiu a COB Confederação Operária Brasileira Paulo Sergio Pinheiro e Michael M Hall vol 1 pg 4445 28 Um dos poucos a dar amplo desenvolvimento ao estudo de grupos não anarquistas é John WF Dulles em sua obra anteriormente citada Anarquistas e comunistas no Brasil 29 Exemplificador dessa posição é Florestan Fernandes A integração do negro na sociedade de classes 2a ed 2 vols São Paulo 1965 30 Sheldon Maram op cit pg 3031 31 Pinheiro e Hall vol 1 pg 310 Carta de Jules Droz à sua mulher datada de 2 de maio de 1929 32 Pinheiro e Hall vol 2 pg 61 Relatório do Chefe da seção de informações do Departamento Estadual do Trabalho do Governo de São Paulo ao diretor do departamento sobre trinta e uma fábricas de tecidos da capital do Estado uma em Santos e outra em São Bernardo 33 Sheldon Maram Labor and the Left in Brazil 18901924 a movement aborted Hispanic American Historical Review 572 254272 may 1977 34 Edgard Carone Movimento operário no Brasil 18771944 pg 97 menciona greve das costureiras 1907 transcrito de A Terra livre S Paulo 25 de 5 de 1907 A pg 470 Carone reproduz manifesto as jovens costureiras de S Paulo datado de 1906 o qual diz de início Companheiras Em vista da apatia que vos domina e que ninguém ainda pode sacudir 35 Pinheiro e Hall vol 2 pg 287 Referese a um meeting reunido na praça da Concordia composto de operários de São Paulo dirigido por moças paulistas e italianas que tinha sido dissolvido a pata de cavalo pela policia Carone em Movimento operário no Brasil pg 466468 artigo assinado por Fabio Luz transcrito de O Debate Rio 281917 o qual se refere à participação da mulher operária nas tentativas reivindicadoras nos meetings e nas greves acutilada pela polícia militar espezinhada pelos cavalos 36 Paula Beiguelman Os companheiros de São Paulo São Paulo 1977 pgs 23 27 28 29 46 49 83 37 Edgard Carone Movimento operário pgs 299 301 314 321 324 325 334 38 Outro autor que identificou vários tipos de anarquismo é Hobart Spalding Organized labor in Latin America New York 1977 Vejase também Bóris Fausto op cit Frequentemente no entanto a palavra anarquista é usada sem qualquer discriminação 39 Edgard Carone Movimento operário pg 345361 40 Pinheiro e Hall A classe operária no Brasil vol 1 pgs 41 e seguintes 41 Vejase em particular as minutas do Segundo Congresso Operário Estadual de São Paulo em 1908 reproduzidas em Pinheiro e Hall vol 1 pgs 74109 42 Idem pg 95 43 Idem pg 89 44 Vejase artigo intitulado Pela reorganização operária publicado em A Plebe 2851921 e transcrito em Pinheiro e Hall vol 1 pg 249251 45 Pinheiro e Hall idem pg 251 46 Para o estudo do Partido Comunista consultese entre outros Luiz Alberto Moniz Bandeira Clovis Mello e A T Andrade O ano vermelho A revolução russa e seus reflexos no Brasil Rio de Janeiro 1970 Ronald Chilcote The Brazilian Communist Party New York 1974 Astrojildo Pereira Construindo PCB São Paulo 1980 José Antonio Segatto Breve história do PCB São Paulo 1981 Astrojildo Pereira Documentos inéditos Memória e história Revista do Arquivo Histórico do Movimento Operário São Paulo 1981 Nelson Werneck Sodré Contribuição à História do PCB Antecedentes Temas de ciências humanas São Paulo 8 1980 Nelson Werneck Sodré Elementos para a História do PCB Infância Temas de ciências humanas São Paulo 9 1980 Astrojildo Pereira Formação do PCB 2ª ed São Paulo 1980 Moisés Vinhas O Partidão A luta por um partido de massas São Paulo Hucitec 1982 47 Muito importante para essa revisão é a leitura das memórias de militantes recentemente publicadas Em particular Gregorio Bezerra Memórias Primeira parte 19171937 Rio de Janeiro 1979 Agildo Barata Vida de um revolucionário Memórias 2ª ed São Paulo 1977 Octávio Brandão Combates e Batalhas São Paulo 1978 Leoncio Basbaum Uma vida em seis tempos Memórias São Paulo 1976 Paulo Cavalcanti Da Coluna Prestes à queda de Arraes Memórias São Paulo 1978 Elias Chaves Minha vida e as lutas de meu tempo Memórias São Paulo 1977 48 Pinheiro e Hall vol 1 pg 116127 SONIA REGINA DE MENDONÇA O RURALISMO BRASILEIRO 18881931 EDITORA HUCITEC São Paulo 1997 Sumário Capítulo V CERES E A POLÍTICA 113 Disputas em torno à expansão do Estado 115 O Ministério da Agricultura Indústria e Comércio gênese e instauração 117 O MAIC perfil institucional e composição de quadros 126 Capítulo VI A POLÍTICA DE CERES 137 A política diversificadora questões gerais 139 Os suportes institucionais da modernização agrícola 148 A política de arregimentação de mãodeobra 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS 177 FONTES CONSULTADAS 183 BIBLIOGRAFIA CITADA 187 ANEXOS 195 INTRODUÇÃO Deitando profundas raízes no imaginário social do Ocidente as noções de campo e cidade deram origem a variados sistemas de representações e valores tão distintos quanto expressivos O significante campo e seus múltiplos significados costumam ser associados a formas de vida social consideradas naturais plenas de paz simplicidade ou inocência Por outro lado o segundo termo do binômio e seus corolários é vinculado à idéia de centros de empreendimento saber ou progresso De igual forma têmse combinado importantes associações negativas ora a um ora a outro a cidade como espaço do egoísmo da competitividade da ambição o campo como lugar do atraso da ignorância da rotina Munidos desse arsenal cuja vida e sobrevida se sustentam na longa duração nos termos de Braudel homens dos mais variados contextos históricos apropriaramse de tal contraste de modo a por seu intermédio tentarem dar conta das transformações a eles relacionadas num dado espaço e num dado tempo Para alguns no decorrer do processo de construção do capitalismo houve três momentos cruciais em que essas vinculações exacerbaramse o final do século XVI e início do XVII a passagem do XVIII ao XIX e finalmente a virada do século XIX para o atual deixando clara a correspondência existente entre cada um deles e a ocorrência de mudanças excepcionais na economia rural Williams 1989 É este último momento o ponto de partida de minhas reflexões lembrandose que em meio às contradições inerentes à afirmação do capitalismo monopólico sobretudo em torno dos anos 187090 foi a agricultura uma de suas vítimas mais espetaculares gerando reações que variaram do protecionismo agrário ao cooperativismo Hobsbawm 1988 No caso francês por exemplo o movimento de retour à la terre de Jules Méline 18901914 originou o chamado ruralismo ou agrarismo Tais categorias diziam respeito tanto a uma política agrária de sentido mais amplo quanto a uma contrapartida ideológica fomentada e reproduzida por meio da montagem de um sistema de ensino agrícola considerado capaz de atuar sobre o campesinato transformando suas maneiras de pensar e agir Mais uma vez celebravamse as virtudes da agricultura do campo e de seus agentes demonstrando neste momento o temor das frações da classe dominante diante do crescimento do proletariado urbano Daí por diante o retour aux champs seria tema recorrente da ideologia ruralista durante quase um século Por seu forte apelo à ordem o tema gozaria de unanimidade entre as distintas frações da classe proprietária francesa Grignon 1975 Perante tal quadro por certo conhecido pelos atores políticos com que estarei trabalhando é que sitúo como objeto deste estudo o conjunto das representações e práticas acerca do mundo rural brasileiro no período convencionalmente chamado pela historiografia de República Velha conjunto este passível de ser apreendido sob a denominação de ruralismo Para além da similitude trazida pelo termo cuja etimologia e uso controlado serão estabelecidos adiante convém definir que se considera aqui o ruralismo como um movimento político de organização e institucionalização de interesses de determinadas frações da classe dominante agrária no Brasil tanto em nível da sociedade civil quanto em nível da sociedade política bem como aos conteúdos discursivos produzidos e veiculados pelos agentes e agências que dele participaram O estudo situase pois dentre os que tomam por objeto de sua análise os processos de construção do Estado aqui tomado na acepção gramsciniana isto é no sentido ampliado do termo Gramsci 1988 A vocação agrícola do Brasil na produção intelectual contemporânea De uma forma geral os estudos acerca do ruralismo situam o tema como parte do conjunto mais amplo de transformações suscitadas pela emergência do processo de industrialização em sociedades de bases agrárias o qual vêse acompanhado por uma revalorização do mundo rural até então predominante As raízes desse processo têm sido enquadradas pela historiografia do período em questão especialmente por meio de estudos acerca da expansão cafeeira das origens da indústria ou imigração européia centrados habitualmente sobre a fração hegemônica a grande burguesia cafeeira paulista ou do prisma político acerca dos mecanismos da dominação oligárquica e do sistema coronelista Silva 1977 Dean 1971 Cano 1976 Martins 1971 Leal 1975 Love 1980 Schwartzman 1975 dentre dezenas de outros Consistindo a defesa da chamada vocação eminentemente agrícola do pais na palavra de ordem do ruralismo republicano historiografia e história parecem confundirse tendo por ponte a naturalidade com que certos autores contemporâneos apropriamse daqueles situados nas três primeiras décadas do século Por tal razão o diminuto conjunto de trabalhos que tratam da temática nesse período a ela referemse perifericamente sem maiores aprofundamentos analíticos Tal silêncio a meu ver encontra explicações não em uma suposta ausência de significação até para os processos sociais concebidos como hegemônicos no momento mas também na hierarquia de temas e questões que as Ciências Sociais impuseram no Brasil notadamente quando está em jogo a análise dos segmentos sociais menos envolvidos com os pólos dinâmicos da acumulação de capital Creio porém que hoje é inegável a necessidade do conhecimento mais amplo acerca da história dos segmentos agrários da classe dominante brasileira já que o termo ruralista na atualidade chegou a instituirse como designativo de uma associação de classe com pretensões partidárias e atuação fascistizante Sem propor nenhuma incursão teleológica faço uso do recurso legítimo do historiador de olhando do momento presente indagarse acerca do passado e daquilo que ele nos lega questão básica para se escapar do risco de sermos conduzidos por nossa própria herança de temas e problemas Bourdieu 1980 É assim que se torna possível agrupar as parcas análises existentes a respeito do ruralismo em dois grupos de um lado o que o encara como um elemento ideológico complementar à explicação de processos históricos mais relevantes e de outro o que o situa também como um movimento político de defesa dos interesses agrários perante a industrialização Em ambos no entanto a subestimação do ruralismo como objeto legítimo e significativo é uma constante movimentopensamento ruralista adquire assim o caráter de espaço sóciopolítico da expressão de conflitos e posições diferenciadas acerca das modalidades de intervenção sobre a agricultura na Primeira República abrigando sob a aparência de uma fala monocórdia a luta pela institucionalização de interesses outros que não os da fração hegemônica quer a nível da sociedade civil quer sobretudo a nível da sociedade política ou Estado no sentido estrito Sob este último aspecto o ruralismo também constituiuse a meu ver enquanto tradução institucional em termos do aparelho de Estado de demandas específicas e previamente organizadas Das fontes e metodologia de construção Uma vez que o ruralismo nos moldes aqui propostos parece consistir num recorte privilegiado para o estudo da integração simbiótica entre ação e discurso político julgo essencial explicitar as premissas metodológicas da construção do objeto na medida em que pelo escopo e abrangência do tema ele demandou a delimitação de uma amostra controlada Passo a expor doravante os passos de sua elaboração seguindo a regra epistemológica básica que consiste em fornecer ao leitor os instrumentos necessários ao acompanhamento de minha produção Em primeiro lugar destaco que por coerência com o objeto assumido optei por não tomar como matériaprima básica os textos de autores consagrados canônicamente identificados ao tema pelos classificadores da produção intelectual brasileira Oliveira Fo 1987 tais como Alberto Torres Oliveira Vianna ou Pereira Barreto dentre outros Outra razão de tal escolha reside na tríplice proposta de definição do objeto na qual tais autores dificilmente poderiam caber o que não significa deixar de reconhecer seu estatuto de próceres do ruralismo Em segundo lugar face à considerável extensão dos estudos referentes ao desenvolvimento da cafeicultura paulista à participação de seus portavozes na cena políticointelectual do período bem como à existência de inúmeros trabalhos acerca de sua imbricação ao agrarismo brasileiro também optei por não priorizar a documentação produzida por agentes vinculados ao núcleo hegemônico Evidentemente que o universo paulista não se encontra excluído da interpretação não estivesse eu aqui propondo na verdade focalizar um dos suas formas de luta remetendo o tema às doutrinas econômicas tendência característica ao gênero de produção intitulado história do pensamento Teor semelhante contêm as análises de Jorge Nagle ou mesmo José de Souza Martins embora este último confira contornos mais nítidos à análise do ruralismo Nagle 1974 e Martins 1975 No entanto ao combinar premissas do materialismo histórico com um certo psicologismo do qual tenta extrair padrões de comportamento no caso o tradicional acaba por englobar num mesmo saco problemáticas tão diversas quanto a da modernização da agricultura como uma ideologia ou a do associativismo rural para acabar concluindo que só existe o problema agrário na medida em que o mundo urbano está na dependência do mundo rural Martins 1975 p 3 Ademais a historicidade particular do objeto em foco se dilui no enfoque sociológico do autor cujo procedimento de buscar identificações analógicas facilmente perceptíveis em aproximação diacrônica acaba por transfigurar o ruralismo num construto abstrato e esvaziado dos conteúdos que deveriam especificálo Por tudo isso recorto o ruralismo brasileiro ratificado e especificamente definido ao longo da Primeira República em primeiro lugar como um movimento político integrado por agências e agentes dotados de uma inserção determinada na estrutura social agrária e sustentado por canais específicos de organização expressão e difusão de demandas De tal movimento cujas nuances apontam para segmentações no seio da classe proprietária rural e para oposições à sua fração hegemônica provenientes do que chamarei de frações dominadas da classe dominante identificadas ou não com oligarquias de estados da federação originouse um discurso igualmente diferenciado e não monocórdio como o supõem alguns Isso porque do ponto de vista aqui assumido a despeito de palavras de ordem semelhantes a efetiva mensagem nelas contida diferenciase no domínio do político onde aí sim explicitamse as modalidades diversas de ordem regional eou setorial de se implementar um mesmo projeto de reabilitação da vocação eminentemente agrícola do Brasil Nesse sentido o ruralismo por uma conjuminância de fatores tais como a abolição a redefinição das linhas do comércio internacional para dados produtos agrícolas ou os rearranjos no bloco no poder a partir do federalismo republicano colocouse como um dos fios condutores da reordenação política intraclasse dominante agrária O de interesses agrários no período a nível da sociedade civil primeira parte das indagações a que se procurava responder O segundo grupo de fontes resultou na construção de um corpus documental geralmente secundarizado pelas análises sobre o período eou tema cuja menor nobreza ou legitimidade pudesse ser compensada pela maior abrangência explicativa na construção do processo estudado Assim sendo operouse com um universo composto por uma coleção de 31 monografias agrícolas produzidas pelos mais diversos agentes e até hoje raramente mencionados pela historiografia especializada O critério para sua seleção consistiu em elencar os textos de procedência propositalmente mais variada quanto à sua autoria abrangência temática gênero público destinatário referido e profundidade analítica A intenção era ter uma amostragem que permitisse atingir dois tentos cotejar práticas discursivas representativas de segmentos diversos da fração agrária da classe dominante regional eou setorialmente falando e inferir o homogêneo a partir da heterogeneidade construída e controlada mediante referências a outras fontes Deixamos vir à tona os testemunhos para aí sim delinearse os contornos do debate ruralista Este segundo corpus como se vê propiciou a análise do ruralismo em sua segunda dimensão isto é enquanto discurso produzido por emissores distintos voltados para receptores igualmente específicos Todos os textos aqui compulsados no entanto apresentam em comum o fato de serem produtos de autores que se autorepresentavam contrastivamente àqueles que designam como notáveis enquanto homens de ação face a seu empenho em sugerir instrumentos pragmáticos de intervenção numa agricultura visualizada como em crise Segundo um deles nada de ideólogos para longe o espírito metafísico do que precisamos é do homem do trabalho do homem da ação eis a nossa divisa na regeneração agrícola do país Reis 1919 p 14 Cumpre ainda destacar que do arcabouço metodológico utilizado retirouse o dado da formação culturalprofissional e o da inserção em diferentes redes de relações sociais como determinantes para a interpretação de sua produção discursiva Essas monografias foram coletadas basicamente em duas unidades de pesquisa do Rio de Janeiro a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional ambas contribuíndo com material expressivo para a configuração do universo original 84 monografias do qual foi extraída a amostra mencionada Anexos O desconhecimento acerca do tema e de um modo mais geral acerca da história administrativa do Estado brasileiro contundo parece legitimar tal esforço já que acredito ser tarefa do historiador para além de interpretações ensaísticas baseadas tãosomente na releitura da bibliografia trazer a público pesquisa baseada em fontes primárias se possível pouco ou nada trabalhadas É ainda importante enfatizar que adotouse ao longo de todo o trabalho quer no que tange ao tratamento do ruralismo enquanto movimento político quer no que diz respeito a ele como um debate de idéias o procedimento metodológico de resgatar na medida do possível o perfil da trajetória sociopolítica e cultural dos agentes nele envolvidos de modo a comprovar empiricamente tanto a estreita vinculação existente entre os quadros da SNA e os do MAIC quanto aquela entre estes e os atores também presentes como autores das monografias Assumiuse portanto que para além das análises internas dos discursos muitas vezes simples contagens lexicográficas fazse necessário pensar as mensagens emitidas como produtos sociologicamente apreensíveis e por isto necessariamente remetidos à rede de relações sociais de que participam seus produtores e destinatários e por ele refletidas em seus significa dos Por certo não foi esta uma investigação fácil ficando o pesquisador limitado ora aos dicionários biobibliográficos construídos via de regra com base no critério da excelência Costa 1892 Galanti 1911 ora aos instrumentais que não passam de meros arrolamentos definidos pela atividade profissionalinstitucional dos biografados Abranches 1918 Blake 18831902 Desses limites decorrem duas consequências Do ponto de vista teóricometodológico dificultase a possibilidade de ruptura com os marcos consagradores de uma história das individualidades excepcionais Do ponto de vista empírico obstaculizamse os estudos que tomam por base a linha aqui proposta de análise de discurso Este trabalho não fugiu desses constrangimentos Todavia apesar deles e contra eles optouse por insistir neste que considero um exercício necessário ao melhor entendimnto das relações entre posição social ação política e discurso Ainda à guisa de método é importante frisar que optei pela grafia em itálico de todas as noções ou expressões de época Capítulo 1 A REAÇÃO RURALISTA Resultado de um processo de ampliação da taxa de investimento de capitais por volta de 1870 a Segunda Revolução Industrial determinaria uma dinâmica de crescimento sem precedentes para o conjunto da economia capitalista européia americana e japonesa Configuravase então não apenas a dimensão planetária do sistema como também mudanças na forma de inserção das economias dependentes cujo cerne passou a residir no aperfeiçoamento tecnológico origem dos grandes complexos industriais típicos da economia de escala concomitantemente à verticalização e horizontalização da economia No bojo desse processo ampliouse vertiginosamente a demanda por matériasprimas destinadas tanto ao processamento industrial quanto ao consumo dos grandes contingentes operários e burocráticos concentrados nas cidades em torno das unidades fabris Entretanto uma vez que a produção viesse a exceder a capacidade local de consumo gerando um quadro de superprodução crônica comprometeria da estabilidade do sistema uma pressão contínua se gestaria em seu seio pelo alargamento do mercado consumidor de produtos industriais Estava aberto o caminho para o desdobramento espacial do capitalismo o qual com base no implemento das técnicas de comunicação e transportes estenderia sua ação por todo o globo penetrando ou destruindo as economias pré ou não capitalistas Hobsbawm 1974 p 5964 A economia mundial tornavase ao mesmo tempo mais pluralista do que jamais o fora perdendo a Inglaterra o privilégio de A reação ruralista a intermediação comercial e financeira que também externa retirava da economia parte significativa do excedente produzido Realizada sob a forma de divisas estrangeiras tal intermediação impunha a preservação desta forma de valor como vital para a plena concretização do circuito produçãofinanciamentocomercializaçãoacumulaçãoprodução Daí a política cambial terse convertido no núcleo das controvérsias econômicas ao longo da primeira República objeto de acirradas disputas entre distintas frações da classe dominante mormente aquelas cuja valorização do capital davase na esfera exclusiva da produção agrícola contrapostas às que já haviam urbanizado parte considerável de seus investimentos Saes 1986 Suzigan Villela 1975 Uma vez assentado todo o edifício econômico e administrativo republicano sobre essa tênue contradição o quadro global da vida econômica política e social do período seria obviamente marcado por um equilíbrio instável ao sabor das oscilações na cotação internacional dos principais produtos primários exportados e das políticas públicas voltadas à defesa da renda dos maiores proprietários ainda que às expensas do endividamento externo do país e das constantes desvalorizações do milréis A supremacia da fração cafeicultora paulista consolidada por meio da política dos governadores Cardoso 1975 seria um marco neste processo No seu rastro as sucessivas operações de valorização do café empreendidas no período seriam responsáveis por tensões políticas consideráveis uma vez que os segmentos não cafeíferos da burguesia agrária se veriam secundarizados no beneflácio da ação estatal não apenas pelo maior peso daquele produto na determinação das finanças públicas como também pelo papel político subsidiário por eles desempenhado na dinâmica do jogo oligárquico Faoro 1975 Martins Filho 1981 Originavase justamente aí uma séria crise política que perpassaria a classe dominante rural contrapondo não apenas suas distintas frações ligadas a complexos cafeiros mais e menos dinâmicos como também aquelas oriundas de complexos regionais diversos todas advogando igual proteção do governo federal para seus diversos produtos Fausto 1975 A importância do controle do aparato estatal por parte desses distintos segmentos da classe dominante ganharia pouco a pouco novo significado não sendo casual o fato das eleições presidenciais de 1922 terem marcado pela primeira vez na República Velha a A reação ruralista cisão entre os dois Estadoslocomotiva de um lado e um bloco de oligarquias secundárias sob a liderança gaúcha de outro3 Cabe apontar entretanto que cafeiros açucareiros ou pecuaristas produtores para o mercado externo ou interno os grupos agrários dos distintos complexos econômicos disputariam permanentemente entre si o privilégio da ação pública conferindo ao exercício da supremacia paulista um caráter bem menos monolítico do que se costuma supor Num aspecto contudo promoviase o consenso entre eles na fisiorática defesa da vocação eminentemente agrícola do país bandeira em nome da qual justificaramse tanto respostas a conjunturas críticas setoriais quanto posturas relativamente homogêneas diante de ameaças tidas como comuns como no caso da industrialização e seus correlatos notadamente as tarifas protecionistas de caráter industrializant4 A reação ruralista Como se pode perceber a ratificação da vocação agrícola do Brasil se faria acompanhar de perto pelo espectro de uma crise em suas múltiplas acepções Crise efetiva dos preços dos bens primários exportáveis sem perspectivas de colocação no mercado externo à exceção do café em seu início se transformaria ela em crise politi 3 O movimento conhecido como Reação Republicana após a candidatura paulista de Artur Bernardes uma frente integrada por representantes do Rio Grande do Sul Bahia Pernambuco e Rio de Janeiro que apresentando candidato próprio Nilo Peçanha configuraria a segunda sucessão efetivamente competitiva do período Segundo Bóris Fausto nenhuma outra disputa refletiria com tanta clareza as divergências intraoligárquicas em matéria de política econômicofinanceira protestando as oposições contra o imperialismo de São Paulo Minas e advogando o protecionismo federal para outros produtos como a borracha o açúcar e a pecuária Fausto Bóris Expansão do Café e Política Cafeeira In Fausto B org História Geral da Civilização Brasileira São Paulo Difel 1975 tomo III vol 1 p 193248 Distintos grupos agrários atribuíam ao protecionismo industrial a responsabilidade pelo que consideravam a crise da lavoura bem como pelas agitações populares urbanas decorrentes do aumento do custo de vida A defesa da vocação agrícola do país entretanto nem sempre fazia desses agentes opositores ferrenhos do intervencionismo econômico ao contrário do que supõem alguns estudiosos do liberalismo no Brasil referindose ao caso paulista Da perspectiva aqui assumida a linha divisória entre agraristas e antiagraristas deve ser buscada bem mais em posições próprias ao campo político do que ao ideológico Cf Capelato Maria Helena Os arautos do liberalismo São Paulo Brasiliense 1989 p 546 A reação ruralista ca acabando por revestirse do caráter de crise social e ideológica por confronto aos valores e dinâmica próprios à ordem urbanoindustrial que se impunha à sociedade brasileira Ambiguamente contudo seria essa mesma vocação o fio condutor das mudanças advogadas senão para a estrutura agrária ao menos para o desempenho da atividade agrícola desde que as tradicionais culturas de exportação davam mostras de seu esgotamento na virada do século redirecionandose para o mercado interno e ditando a necessidade de uma reação por parte de setores da classe proprietária diversamente atingidos em seus complexos econômicos O fundamento de tal reação residiria ainda que em nome de objetivos políticos díspares no aprofundamento da identidade estabelecida entre os destinos da agricultura e os da nação Em meio à mencionada crise da lavoura interesses de classe e nacionalidade se confundiriam dando suporte a um projeto político e ideológico que não só acomodasse os conflitos mencionados como também unificasse os grupos agrários em torno da defesa da correlação de forças inscrita no bloco no poder As críticas à cidade e à indústria seriam o substrato viável de ambos os objetivos conquanto tal não significasse mecanicamente a exclusão total e plena no horizonte dos defensores da vocação agrícola da aceitação da indústria desde que ideologicamente naturalizada5 Dentro desses parâmetros reside minha concepção do Ruralismo aqui tomado como um movimentoideologia políticos produzido por agentes sociais concretos econômica e socialmente situados numa dada estrutura de classes e portadores de interesses nem sempre convergentes Assim se procedeu por discordância quanto a certas posições que insistem em referirse ao tema partindo de meras analogias estabelecidas a partir das matrizes teóricas fisiorática e liberal conferindolhe um caráter doutrinário vago e impreciso Julgando imprescindível desvendar a variada gama de interesses embutidos no dogma da vocação agrícola peculiar ao Ruralismo do período de modo a contribuir para a discussão acerca dos usos políticos a que se prestaram e prestam noções deste tipo optouse por iniciar este estudo pela recomposição dos contornos da aqui mencionada reação ruralista O termo é empregado com relação às origens de um movimento de institucionalização em nível da sociedade civil e da sociedade política da diferenciação dos interesses agrários no Brasil ocorrido entre o fim da escravidão e as duas primeiras décadas do século atual unificado pelo fim último de restaurar a vocação agrícola do país mediante a diversificação da agricultura nacional Longe de significar uma proposta alternativa à economia agroexportadora tal reação veio a representar segmentos agrários que procuravam abrir maior espaço para a acumulação interna até porque vinculavamse à produção de gêneros com menor possibilidade de colocação no mercado mundial Integrada tanto por iniciativas de governos estaduais empenhados em subestimar os efeitos administrativofiscais da crise agrícola quanto por grupos de proprietários dedicados a organizar suas demandas mediante a criação de associações de classe a reação ruralista daria suporte a uma reciclagem da tradicional vocação agrícola lançando bases para uma ação políticoinstitucional de distintas frações da classe proprietária rural Um caso precursor Três podem ser os tipos de agentes detectados à testa do movimento diversificador O primeiro representado por elementos com formação técnica oriundos de áreas cafeeiras decadentes via no policultivo a saída para os problemas regionais dentro ou fora do aparelho de Estado serviriam eles de estímulo para a conscientização de seus contemporâneos em torno da questão e de incentivo para a ação pública em prol de múltiplos produtos O segundo tipo consistia nos políticos profissionais em busca do resgate da prosperidade das áreas onde tinham suas bases de poder tratando de definir instrumentos tarifários e fiscais capazes de darem suporte juntamente com o apoio federal à diversificação Finalmente encontramse os membros da fração hegemônica ligada às áreas cafeeiras mais prósperas porém preocupados em estabelecer alternativas de anteparo contra futuras flutuações do mercado como era o caso de alguns grandes fazendeiros paulistas Diversamente dos dois primeiros estes últimos longe de visualizarem substitutivos a uma cultura principal ameaçada pretendiam fomentar novos produtos de modo a superes timar o desempenho de seu complexo agroexportador e não frear sua decadência Deixando momentaneamente de lado os exemplos ilustrativos do primeiro tipo de agentes a ênfase ora recairá sobre a iniciativa de alguns políticos reconhecidos à própria época como lideranças significativas do movimento diversificador dentre os quais merece relevo por seu pioneirismo Assis Brasil Pecuarista gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil ganhou notoriedade como um dos mais ardentes defensores do incentivo público à agricultura diversificada Nascido em 1857 no município de São Gabriel e herdeiro de extensas propriedades ingressaria na Faculdade de Direito de São Paulo bacharelandose em 1882 e logo retornando a seu estado para atuar vivamente em prol de uma agricultura progressista tendo por base de ação a Assembléia Legislativa provincial para a qual se elegera em 1885 Neste posto além de reivindicar a transformação das instituições políticas brasileiras a começar pela mudança do regime monárquico também proclamaria as virtudes de um país essencialmente agrícola à procura de renovação e incentivos Assis Brasil 1886 p 202 Deputado federal constituinte em 1890 e um dos elaboradores da Constituição estadual gaúcha Assis Brasil se afastaria da cena política ao longo desta década voltandose para a carreira diplomática na qual permaneceria até 1908 quando de seu retorno à militância política pela criação do Partido Republicano Democrático de caráter oposicionista Aposentado pelo Itamaraty em 1912 iria instalarse em sua granjamodelo de Pedras Altas dedicandose ao aperfeiçoamento das espécies bovinas bem como a experiências com o aumento da produtividade dos rebanhos tendo em mira a indústria de laticínios A despeito de suas atividades experimentais agrícolas foi como político que seu nome ganhou notoriedade9 conquanto para os fins desse estudo interesse sobretudo seu papel como precursor do Ruralismo no país De sua carreira diplomática Assis Brasil extrairia os mais profícuos frutos para afirmarse como uma das lideranças ruralistas do período quer pelos conhecimentos adquiridos nos contatos com as modernas técnicas agrícolas norteamericanas quer pelos movimentos de propaganda em prol da agricultura brasileira que sua vivência no exterior permitiulhe organizar10 Uma de suas obras mais importantes dentre a vasta produção escrita nessa seara A cultura dos campos foi publicada pela primeira vez por prestigiadas editoras européias sendo legitimada à época como a Bíblia da agricultura brasileira10 Nesse trabalho dedicado aos homens do campo esclarecidos e desejosos de buscar no amanho de nossos ubérrimos campos um remédio à ruína da fortuna pública e particular Assis Brasil explicitara suas idéias acerca da modernização e diversificação da agricultura de modo a tentar reverter a vergonhosa situação do país que dispondo de uma enormidade de terreno fértil não tem sequer a independência do próprio estômago e vai pedir ao estrangeiro os gêneros mais necessários à vida Assis Brasil 1898 p X Lamentando a importação brasileira de cerca de um milhão e meio de sacas de milho no ano de 1895 bem como de volumes igualmente consideráveis de arroz e feijão insistia no incremento da produção da carne cereais e forragens como meio de se atingir a independência da nação Julgando concorrer para tornála viável A cultura dos campos forneceria noções de aplicação imediata às culturas mais urgentes capazes de promover a alteração dos métodos empregados até então além de tentar granjear o apoio mais efetivo do Estado para a agricultura em geral Dentre tais noções o autor ressaltaria a educação agrícola e sobretudo a mecanização produtiva particularmente aconselhada para grandes propriedades produtoras em larga escala onde viria a substituir o trabalho individual com enxadas Cultivadores arados e semeadores ampliariam a eficiência da fazenda promovendo segundo ele melhor e mais intenso trabalho Os implementos agrícolas de procedência norteamericana eram os mais recomendados chegando a especificar até mesmo suas firmas produtoras A cultura dos campos diziase em suma um manual da agricultura progressista uma cartilha que reunia conhecimentos básicos sobre solos climas plantas fertilizantes e drenagens e que ao longo de quatorze capítulos pretendia ensinar como tornar viável a cultura diversificada no país com realce para as espécies forrageiras Atingindo um público crescente como o provam suas sucessivas reedições em curto espaço de tempo quatro entre 1898 e 1910 a obra converteuse em veículo da legitimação de seu autor dentre os círculos ruralistas de seu tempo tornandoo reconhecido como profeta do ruralismo no país11 Para além da obra escrita a vida diplomática e política de Assis Brasil também contribuiria em muito para tornar viáveis seus objetivos a começar pelo fato de ter sido ele fundador do primeiro grupo de interesses institucionalizado em prol da moderna agricultura brasi importados similares aos da produção local a diminuição dos impostos sobre as exportações agrícolas do estado e por fim a concessão de estímulos diretos e indiretos ao policultivo Por tal via e mesmo considerando a inoperância do Convênio de Taubaté 1906 com relação à cafeicultura fluminense a política assim inaugurada e mantida por seus sucessores até a Primeira Grande Guerra lograria relativo sucesso ao diversificar a agricultura regional ou pelo menos impedir sua involução econômica Mendonça 1977 Mais que um conjunto de medidas esporádicas empreendidas como paliativo conjuntural a um momento particularmente agudo da crise em complexos agrários regionais menos dinâmicos tal tipo de ação pública parece ter representado o esboço de um projeto de desenvolvimento econômico alternativo à especialização monocultora ainda que contido nos estreitos limites da própria economia agrícola O que semelhante experiência de intervencionismo estatal sugere é uma espécie de releitura da dependência não mais ligada à preservação de um setor voltado ao mercado internacional porém voltada ao aproveitamento das oportunidades de ampliação do mercado consumidor doméstico em curso desde fins do século XIX Centrada na preocupação em superar os constrangimentos de uma balança comercial deficitária a política agrícola de Nilo Peçanha parece representar o tipo de institucionalização oficial de interesses agrários próprios a áreas ou setores em condições menos dinâmicas de desempenho que logo se articulariam para tentar imporse a canais de expressão pública com abrangência nacional a recriação do Ministério da Agricultura seria um de seus mais claros exemplos Outro exemplo de política pública diversificadora de âmbito regional pode ser extraída do terceiro grupo de agentes acima mencionado Integrado por aqueles que embora vinculados aos interesses da cafeicultura mais próspera procuravam superar os horizontes da extrema especialização produtiva da lavoura a tônica de sua ação residiria na aplicação de recursos públicos à pesquisa de novas espécies complementares ao café Segmentos de proprietários do estado de São Paulo iriam mobilizarse para ampliar a variedade de suas culturas a despeito do enfrentamento no seio de seu próprio complexo regional da oposição daqueles que discutiam o policultivo como instrumento de prevenção às flutuações do preço externo do produto rei Bresciani 1976 p 14962 leira a Sociedade Brasileira para a Animação da Agricultura SBAA criada em Paris no ano de 1894 Na sessão inaugural da Sociedade chamaria atenção para o perigo cada vez maior reconhecido por eminentes brasileiros de terem somente um suporte de não poderem contar com nada além do café Assis Brasil 1898 p XIII Sob tal prisma a Sociedade se autoatribuiria o papel de posto avançado do aperfeiçoamento agrícola do país encarregada de adquirir sementes e animais de qualidade para seus membros residentes no Brasil bem como de buscar o patrocínio de certos círculos políticos de prestígio para a causa12 Segundo seus estatutos suas finalidades consistiam em encorajar a criação de gado de toda espécie no país encorajar a agricultura notadamente no que concerne à produção de forragens e cereais e divulgar no estrangeiro os produtos do trabalho brasileiro SBAA 1921 p 11 Igualmente interessante é o perfil do quadro de associados da agremiação que contribuíam com fundos significativos para a manutenção de seus serviços quer se tenham tratado de indivíduos grupos ou empresas empenhados na defesa da agricultura diversificada os paulistas Carlos Botelho e Augusto Ramos o agrônomo norteamericano Benjamin Hunnicut diretor da Escola Agrícola de Lavras foram alguns deles incluindose além desses associações agrícolas fluminenses e paulistas sem falar nos representantes dos Executivos de alguns Estados da federação conjuntamente com jornais como O Estado de São Paulo ou A Noite SBAA 1898 p 126 Ainda que na avaliação de alguns autores a importância da SBAA seja subestimada por ser tida como aristocrática e rara Carone 1972 p 161 creio que tal tipo de julgamento de valor deva ser revertido encarandose seu objeto sob outro ponto de vista No processo histórico brasileiro da transição de uma sociedade agrária para industrial acelerada pela Abolição uma das formas de reação da classe proprietária rural à inevitável redefinição do papel da agricultura consistiria justamente na institucionalização da diferenciação de seus interesses mediante a organização de associações de classe capazes de explicitar suas divergências eou semelhanças Operárias CAPHUSP estudos AVANÇADOS 31 A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Flávio A M de Saes As polêmicas a respeito da industrialização na Primeira República não se restringem em geral a limites estritamente acadêmicos pois os argumentos apresentados deviam à sua época servir de apoio a propostas de política eco nômica ou à crítica de políticas em vigor e à compreensão do alinhamento político de determinados grupos sociais Por esse motivo tais polêmicas não perderam atualidade muitas das questões de fundo aí presentes são recolocadas hoje por vezes de modo muito semelhante ao dos anos 60 e 70 O objetivo deste artigo não é portanto o de encerrar as polêmicas a res peito da industrialização na Primeira Republica ao indicar teses e posições cor retas Pretendese apenas fazer um balanço da controvérsia em algumas de suas principais vertentes indicando sempre que possível a atualidade das questões colocadas em foco Não se pretende também ser exaustivo no exame das inúmeras contribui ções ao debate A escolha de alguns autores tidos como representativos de de terminadas posturas envolve as limitações e preferências do autor Daí existir grande risco de exclusão de obras de grande relevância para a discussão do te ma Vale lembrar ainda que a exposição não segue a ordem cronológica das obras comentadas pelo fato de centrarse apenas em algumas questões particu larmente importantes para a discussão do tema Finalmente cabe registrar que não há intenção de reconstituir o processo de industrialização em si mas apenas alguns aspectos da controvérsia que se estabeleceu em relação a ele A Indústria Brasileira nos anos 30 a polêmica entre Furtado e Peláez A discussão de nosso tema a industrialização na Primeira República nos conduz a um ponto de partida que se situa um pouco além do final daquele período A análise de Celso Furtado sobre o crescimento industrial dos anos 30 e as críticas a ele formuladas por Carlos Manoel Peláez antecipam os principais argumentos utilizados nas teses a respeito da indústria na Primeira República Além disso expõem de modo bastante claro as divergências teóricas e ideoló gicas presentes no debate sobre a industrialização Por isso justificase o exame preliminar desta polêmica apesar de seu objeto se situar fora do período da Primeira República Cumpre notar também que não se trata propriamente de uma polêmica e sim de críticas expostas por Peláez à obra de Celso Furtado Formação Econômica do Brasil 1968 Nesse sentido a todas elas caberia o qualificativo de aristocráticas porém não de raras diante da multiplicação de seu número no período indicando uma tendência inerente ao movimento ruralista qual seja a do associativismo como estratégia de defesa dos interesses agrários O sucesso ou não da SBAA dificilmente pode ser avaliado diante da insuficiência das fontes Sua simples existência contudo constitui indício do que se afirmou mormente considerando a dimensão simbólica de seu espaço de ação materializado em Paris num contexto em que a influência européia era ainda marcante na determinação dos fluxos de capitais tecnologia e idéias destinados à América Latina Em matéria de conhecimentos aplicados à agricultura a mudança de sinais a favor do modelo americano seria ligeiramente posterior correspondendo a outras agremiações da classe proprietária O próprio Assis Brasil teria importante papel em tal reorientação a partir de sua experiência diplomática em Washington entre 1898 e 1901 ensejandolhe contatos com as novas experiências da agricultura científica aí desenvolvidas Deslumbrado pelo cenário da Exposição Internacional de Pecuária de Chicago em 1900 Assis Brasil se converteria em ferrenho defensor da mencionada modernização da atividade pastoril de seu tempo O fascínio pelas técnicas de frigorificação e de gestão centralizada das fábricas de laticínios iria convencêlo da necessidade de aplicálas em proveito próprio dando origem à idéia do estabelecimento de sua granjamodelo em Pedras Altas Apesar de atividade paralela a suas estâncias tradicionalmente organizadas a nova iniciativa pretendia constituirse em paradigma a ser difundido ao governo federal de modo a captar simpatias para a moderna indústria do gado como fonte da riqueza pública em lugar do café ou da borracha A Lavoura 3 1899 p 20 Iniciativas Públicas Diversificadoras No nível das iniciativas empreendidas por Executivos estaduais em prol da diversificação agrícola um dos mais significativos exemplos pode ser visualizado por meio de Nilo Peçanha quando da presidência do Estado do Rio de Janeiro entre 19031906 Atento às repercussões da debilidade das atividades açucareira e cafeeira sobre as finanças públicas Nilo seria responsável por uma política diversi A análise de Celso Furtado sobre o crescimento industrial dos anos 30 e as críticas a ele formuladas por Carlos Manoel Peláez antecipam os principais argumentos utilizados nas teses a respeito da indústria na Primeira República De que modo a indústria aparece na análise feita por Furtado Sem pre tender reconstituir os eventos históricos o autor não faz referencias às origens da industria no Brasil A indústria passa a interessálo quando se processa o deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira nos anos 30 a ati vidade voltada para o mercado interno e não mais a agroexportadora passa a ser o elemento decisivo na determinação do nivel de investimento da economia Como se processa esse deslocamento do centro dinâmico Furtado entende ser o resultado da crise econômica mundial deflagrada em 1929 e que se estende pelos anos 30 e também da política econômica adota da pelo Governo brasileiro para enfrentar a crise Vejamos os principais argu mentos do autor A crise mundial atinge o setor cafeeiro no Brasil no momento em que já se definia uma situação de superprodução estrutural como resultado há subs tancial declínio do preço do café no mercado internacional e a formação de ex cedente de produção O Governo Washington Luís havia optado por não conti nuar com a defesa do café via compra de estoques excedentes pela impossibi lidade de contrair empréstimos externos Após a Revolução de 30 o Governo Vargas decide retomar a defesa do café tendo em vista não só a pressão dos cafeicultores mas também os interesses nacionais por meio de novos ins trumentos A nova política de defesa do café que se fazia via compra dos esto ques excedentes do produto e da queima da parte invendável desses estoques utilizava recursos provenientes para Furtado da expansão do crédito Entende o autor que por esse motivo o Governo brasileiro transformava a política de defesa do setor cafeeiro em programa de fomento da renda nacional em verdade construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes FURTADO 1968 p 203 Vejamos por quê A compra do excedente da produção cafeeira evitava o declínio substan cial da renda interna o café continuava a ser colhido o emprego no setor não se reduzia mantendose em conseqüência o nível da demanda agregada Ao mesmo tempo o desequilíbrio externo fruto do declínio dos preços do café no mercado internacional e da receita de divisas do Brasil provocava brusco au mento do preço dos produtos importados em função da desvalorização da moe da nacional diante da estrangeira Como resultado a demanda interna que an tes se resolvia em grande parte pela compra de importados voltase agora pa ra a produção interna já que seus preços relativos diante dos importados ha viam sofrido grande redução Percebese assim como se processa o deslocamento do centro dinâmi co da economia brasileira antes situado nas exportações passa agora para a procura para o mercado interno Esta se volta principalmente não exclusiva mente para a indústria ensejando o rápido crescimento da produção industrial brasileira a partir de 1933 inclusive com a instalação de uma indústria de bens de capital id ibid cap 31 e 32 Este é a nosso ver o mecanismo fundamental definido por Furtado para explicar o processo de industrialização que deslancha nos anos 30 Aí estão presentes alguns dos elementos que em formulações mais gerais constituem a tese da industrialização por substituição de importações A par da interpreta ção do crescimento industrial dos anos 30 havia implícitas na análise certas conclusões de ordem mais geral em primeiro lugar teria sido durante a crise ficadora que em muitos aspectos anteciparia aquela a ser posta em prática pelo governo federal a partir de 190913 Filho de pequeno proprietário e comerciante campista formado em Direito pela Escola do Recife e militante ressaltado nas campanas abolicionista e republicana em seu estado Nilo se converteria numa das principais lideranças políticas da Primeira República Russell 1974 Deputado federal à Constituinte de 1890 e à primeira Legislatura do Congresso aí permaneceria até 1903 quando eleito governador do Estado do Rio Vicepresidente da República para o quadriênio 190610 assumiria o Executivo após a morte de Afonso Pena viajando para a Europa ao transmitir o cargo Muito próximo a Pinheiro Machado uma de suas principais metas políticas seria restabelecer a influência de seu estado na órbita do governo federal estando sempre envolvido nas articulações interoligárquicas que expressassem sua dissidência com relação às candidaturas paulistas como no caso da Reação Republicana de 1922 Em inícios do século convicto de que a crise econômica fluminense somente seria debelada mediante a superação da monocultura Nilo estabeleceria algumas diretrizes para a ação do executivo estadual ao qual caberia indicar com clareza o plano de campanha a seguir amparar os restos da cultura existente e criar novas fontes de produção Como Protegendo os mercados garantindo ao lavrador o comércio vantajoso de suas colheitas removendo obstáculos que o próprio Estado de longa data havia culposamente acumulado contra o desenvolvimento da iniciativa particular Era um ato de contrição nada mais Rio de Janeiro Mensagem do presidente do Estado 1903 p 24 Convencido de que o termo produção implicava estritamente em bens oriundos do solo e tomando por referência o abastecimento do mercado do Distrito Federal bem como a diminuição dos efeitos da já reduzida capacidade de importação da economia fluminense Nilo tentaria reanimar o setor agrícola com base em quatro vertentes a redução dos fretes de transporte ferroviário a sobretributação dos econômica mundial dos anos 30 marcada pela ruptura das relações econômicas do Brasil com o exterior exportações importações movimento de capital que a economia brasileira encontrou os meios para industrializarse em segundo lu gar que a intervenção do Estado via política de defesa do café política cam bial etc teria sido a outra condição para garantir o sucesso da industrialização nos anos 30 Nessas duas conclusões estavam embutidas a negação de dois pi lares da Teoria Econômica a Teoria das Vantagens Comparativas e o Libera lismo Econômico A mensagem contida nessas análises é de que o desenvolvi mento latinoamericano identificado em grande medida com a industrializa ção desses países deverseia fazer negando a especialização primárioexporta dora defendida pela Teoria das Vantagens Comparativas e contando com a intervenção do Estado principalmente por meio do planejamento econômico em claro conflito com a receita liberal de atuação do Estado na economia Estas conclusões apenas insinuadas no texto de Furtado estavam presentes de modo mais claro na produção da CEPAL com a qual certamente Furtado se identificava As críticas de Carlos M Peláez a Celso Furtado organizadas a partir de informações empíricas tinham como alvo as conclusões de ordem política ex postas acima Peláez 1968 faz a crítica da chamada Teoria dos Choques Ad versos em especial na formulação por ele atribuída a Furtado Seus principais argumentos sugeriam que a a política de defesa do café não foi feita com base em expansão do crédito como indicava Furtado para tanto teriam concorrido primeiro vultoso em préstimo externo e em seguida os recursos provenientes de imposto sobre as vendas de café b a recuperação da economia brasileira nos anos 30 repousou sobre fatores externos tanto diretos mediante o balanço de pagamentos como indiretos através do efeito que tiveram sobre o déficit orçamentário em virtude da queda das importações PELÁEZ 1968 p 36 Descarta deste modo a hipótese de que a procura para o mercado interno tivesse sido a responsável pela recuperação da produção brasileira Para Peláez portanto o crescimento industrial brasileiro nos anos 30 não decorre da crise e da intervenção heterodoxa do Estado Este não teria fugido aos princípios do orçamento equilibrado ao financiar gastos por impostos e empréstimos externos e a recuperação da economia seria devida principalmente ao setor externo Não cabe a nós neste momento realizar o balanço dessa polêmica1 mas apenas mostrar como ela cristaliza duas posturas distintas quanto ao processo de industrialização posturas essas que serão retomadas na discussão da indús tria durante a Primeira República De um lado seguindo os passos de Furtado e da corrente da CEPAL aqueles que entendem que a industrialização brasi leira nasce da crise do setor exportador e graças a certo tipo de intervenção do Estado De outro os que entendem ser a expansão das exportações o elemento impulsionador da indústria identificandose nessa medida com a análise de Peláez foi a crise das exportações que propiciou o crescimento da indústria ou foi a expansão das exportações que garantiu condições propícias para o desenvolvimento industrial Sobre o balanço consultar Silber Formação econômica do Brasil 1977 p 173207 e Suzigan In dústria brasileira 1986 p 5866 Essa polêmica que nasce no estudo da década de 1930 se transpõe para a Primeira República e constitui um dos focos principais da controvérsia sobre a industrialização nesse período como observamos a seguir O núcleo inicial da controvérsia Teoria dos choques adversos ou Industrialização induzida pelas exportações Durante longo tempo as discussões sobre a indústria na Primeira Repú blica principalmente entre economistas recolocou a questão já exposta para os anos 30 foi a crise das exportações que propiciou o crescimento da indústria ou foi a expansão das exportações que garantiu condições propícias para o de senvolvimento industrial A tese de que a indústria nacional crescia nos momentos de crise das ex portações não era nova embora não tivesse sido formulada de modo preciso Em particular a Primeira Guerra Mundial período de crise do setor externo era vista como fase de expansão da atividade industrial pelo bloqueio das im portações que atendiam ao mercado brasileiro Se esta tese aparece de modo genérico em obras como as de Caio Prado Jr 1970 p 261 e Nelson Wemeck Sodré 1967 p 311 apenas para citar dois autores bastante conhecidos em Roberto Simonsen ela ganha contornos mais precisos O ponto de partida de Simonsen é o dado censitário de 1920 que mostra terem sido fundados entre 1914 e 1919 465 dos estabelecimentos indus triais existentes em 1920 no Brasil Curiosamente Simonsen utilizava este dado também no sentido contrário ao usual pois afirmava Não procede pois a afirmação de que a indústria brasileira origi nouse apenas da guerra européia Teve esta de fato uma pronun ciada influência no seu desenvolvimento posterior por ter provoca do uma notável diversificação na fabricação de novos produtos As necessidades do consumo impossibilitado de se abastecer nos úni cos mercados fornecedores de então estimularam o nascimento de uma multiplicidade de pequenas indústrias que se desenvolveram principalmente em São Paulo SIMONSEN 1973 p 20 Simonsen agregava aos dados censitários estimativas sobre a produção in dustrial a partir de 1914 seus resultados mostravam que a produção para o ano de 1919 em termos reais era mais do que o dobro da produção de 1914 tanto para São Paulo quanto para o conjunto da indústria brasileira Embora não for mulasse qualquer proposição geral sobre a relação entre a crise do setor externo e a industrialização Simonsen apresentava dados que corroboravam a noção de que na crise da Primeira Guerra Mundial a indústria tivera novo e decisivo impulso Talvez tenha sido Warren Dean o primeiro autor a formular uma crítica elaborada à proposição de que a indústria brasileira crescera substancialmente durante a Primeira Guerra Mundial e mais do que isso que fosse nas crises do setor externo que a indústria alcançasse melhores condições de expansão DEAN 1971 A tese de Dean sintetizada no título do primeiro capítulo de sua obra O Comércio do Café gera a Indústria apontava no sentido contrário ao sugerido pela Teoria dos Choques Adversos Para Dean a expansão das exportações de café criava tanto o mercado consumidor quanto as condições para o estabe lecimento de indústrias no país capitais importação de equipamentos a baixos preços oferta de mãodeobra crédito no exterior etc Na defesa de sua tese Dean indicava dois tipos de crítica aos defensores dos choques adversos Por um lado fazia restrições aos dados apresentados por Simonsen no sentido de afirmar o crescimento industrial durante a Primeira Guerra Mundial seja por ter tomado 1914 como base apesar de ter sido ano de fraco desempe nho industrial seja pelos índices de preços utilizados para deflacionar as sé ries nominais de produção industrial Dean conclui que a Primeira Guerra não foi por si mesma estimulante para a indústria paulista contrariamente ao que afirmava Simonsen e que parte dos influxos positivos adveio do aumento de exportações de manufaturados como carne congelada açúcar refinado e teci dos de algodão DEAN 1971 p 10472 Dean também não aceita o argu mento usual de que o declínio cambial nas fases de crise pudesse proteger a in dústria nacional isso porque na crise a demanda deve declinar por causa da re tração da renda interna subseqüente à queda das exportações e também porque as importações de matériasprimas máquinas e matérias auxiliares se tomavam mais caras bloqueando por esse lado o crescimento da indústria Tudo isso conduzia Dean a afirmar que durante os anos em que o café se vendeu bem tudo faz crer que a indústria foi mais lucrativa e se expandiu mais depressa Durante os anos maus do comércio do café a indústria local ago nizou DEAN 1971 p 934 A partir dessas conclusões Dean indaga por que generalizadamente se admite que a Primeira Guerra Mundial foi estimulante para a indústria brasilei ra E sugere em seguida sua resposta Quanto à tendência de observadores mais recentes para aceitar os relatos contemporâneos pelo seu valor nominal podese sugerir que uma teoria que associa o crescimento ao colapso do comércio agrada aos sentimentos nacionalistas pois implica que as fontes estrangei ras de suprimentos não são merecedoras de confiança e que a produ 2 Os dados de Dean foram cuidadosamente discutidos por Cano Raízes da concentração industrial em São Paulo 1977 p 15474 Estavam definidas desse modo as duas linhas interpretativas da industrialização na Primeira República a Teoria dos Choques Adversos e a tese da industrialização induzida pelas exportações ção nacional é capaz de aceitar qualquer desafio Além disso uma teoria assim é útil aos intelectuais e burocratas brasileiros urbanos por demonstrar às elites econômicas recalcitrantes a inevitabilidade da industrialização Os escritos de Celso Furtado por exemplo es tão prenhes dessa mensagem Os estrangeiros por outro lado fol gam de presumir que a industrialização de uma área dependente co mo o Brasil foi um produto de circunstância fenômeno temporário que poderia ser invertido pela paz entre as nações industriais e o en corajamento do comércio livre id ibid p 1083 Estavam definidas desse modo as duas grandes linhas interpretativas da industrialização na Primeira República a Teoria dos Choques Adversos e a tese da industrialização induzida pelas exportações A continuidade da polêmica tendeu a privilegiar a discussão mais minuciosa dos mecanismos eco nômicos de crescimento industrial não explicitando as divergências ideológicas embutidas na controvérsia Vejamos alguns momentos dessa polêmica que ocupa a maior parte da década dos 70 Villela e Suzigan 1973 p 14550 questionaram o impacto positivo da Primeira Guerra Mundial sobre a indústria com base em dados estatísticos Ao verificarem o declínio das importações de matériasprimas matérias auxiliares e bens de capital no período 19141918 comparado ao período 19111913 os autores colocam em dúvida a possibilidade de ter ocorrido durante a guerra um surto de industrialização Os indicadores do produto industrial construídos pelos autores abrangendo os ramos têxtil de fumo bebidas e vestuário res ponsáveis por 50 do valor adicionado em 1919 mostravam oscilações no pe ríodo sem uma tendência marcante de crescimento Admitiam apenas que cer tos produtos industriais ou semiindustriais foram contemplados com aumento da demanda externa e não da demanda interna como seria de prever nos termos dos choques adversos A esse conjunto de dados agregavam a informação de que os indicadores de formação de capital pela indústria mostravam forte crescimento durante o período 19051912 o que os levava a concluir Finalmente talvez o correto seja indagar se o surto industrial que parece ter ocorrido nos anos 19051912 não teria levado a um pro cesso de industrialização na ausência da guerra de 19141918 VILLELA e SUZIGAN 1973 p 150 Tendo por base diferentes fontes de dados Albert Fishlow 1972 acaba va por endossar a Teoria dos Choques Adversos se bem que com algumas qualificações Isto não quer dizer que ele refute a tese da industrialização in duzida pela expansão das exportações Vejamos alguns momentos de sua aná lise da industrialização brasileira Entende Fishlow que um primeiro surto de substituição de importações ocorre na década de 1890 como uma conseqüência direta das finanças infla 3 Convém ressaltar que Celso Furtado ao discutir a indústria latinoamericana até 1930 não atribui qualquer papel à Primeira Guerra Mundial Pelo contrário caracteriza esse período como de Indus trialização induzida pela expansão das exportações Ver Furtado Formação econômica da América Latina 1970 cap X e XI cionárias não tendo sido influenciado por proteção tarifária Em particular de 1895 a 1899 há declínio da importação de tecidos concomitantemente ao au mento da produção interna de tecidos Embora a expansão de crédito dos anos iniciais da República tenha constituído estímulo à iniciativa empresarial nacio nal o autor entende que a principal razão para a substituição de importações no período está nas relações defasadas e ampliadas entre a taxa de câmbio e a inflação interna gerada pelo grande aumento na oferta monetária Tal defasa gem parece ter favorecido num primeiro momento as importações em geral de tecidos mas também de bens de capital para a seguir por meio de des valorização real do câmbio estimular as compras internas de bens de consumo Portanto este primeiro surto de substituição de importações se devia principal mente ao mecanismo cambial embora este não fosse determinado propriamente por uma crise externa Fishlow reconhece também que o período 19051913 registra acelerado crescimento da produção industrial têxtil embora esta não se tenha feito às custas das importações Diz o autor a explicação mais plausível parece ser o aumento da demanda associado aos aumentos na renda A recuperação dos preços do café e da renda do setor cafeeiro provavelmente desempenha um papel significante a partir de 1905 A demanda por produtos têxteis e mais genericamente por produtos industriais estava provavelmente intimamente relacionada ao destino do setor cafeeiro assim como a Percebese pois que a tese da industrialização induzida pelas exporta ções está presente na compreensão do crescimento industrial do período 19051913 Cabe indagar como se observa a indústria durante a Primeira Guer ra Mundial Fishlow mostra que houve crescimento da produção industrial e que este crescimento se deveu pelo menos no setor têxtil quase inteiramente à substi tuição de importações Portanto não foi apenas a demanda externa que durante a guerra estimulou a produção industrial Além disso entende que os autores preocupados em mostrar o reduzido nível de investimentos entre 1914 e 1918 ignoram o papel que os lucros acumulados durante a guerra podem ter repre sentado para a formação de capital após o fim do conflito Em suma O choque exógeno causado pela guerra permitiu que o excesso de capacidade anterior fosse utilizado e levou o processo de industria lização um passo adiante até o ponto de substituição de importações que até então continuavam a competir FISHLOW 1972 p 20 a polêmica central sobre a industrialização na Primeira República encontravase esgotada Choques adversos e industrialização induzida pelas exportações não poderiam mais ser defendidas como explicações gerais para o processo de industrialização Ou seja se para o período 19051913 a industrialização ou mais preci samente o crescimento industrial era induzida pelas exportações durante a Primeira Guerra Mundial surgia como fruto de um choque adverso Percebese desse modo que as explicações do crescimento industrial na Primeira República que se pautavam por uma das duas teses aqui expostas choques adversos ou indução pelas exportações mostravamse incapazes de dar conta dos diferentes momentos desse processo As tentativas feitas no sen tido de avaliar a adequação de uma ou outra tese acabavam caindo em impasse insolúvel As conclusões de Flávio e Maria Teresa Versiani em artigo origi nalmente publicado em 1975 VERSIANI e VERSIANI 1977 p 121142 são exemplares desse impasse Ao estudar a evolução da indústria têxtil brasileira os autores mostram por exemplo que os períodos caracterizados por desvalori zação da moeda nacional corresponderam a fases de crescimento da produção por outro lado períodos de intensificação do investimento coincidiram com fa ses de câmbio relativamente alto Desse modo a crise externa que conduz à queda do câmbio tinha efeito positivo sobre a produção industrial e negativo sobre o investimento A expansão das exportações ao contrário elevando o câmbio favorecia o investimento mas limitava o crescimento das exportações pelo barateamento relativo dos importados Este caráter ambíguo da relação entre exportações e indústria é explorado ao longo do texto e conduz à seguinte conclusão Nas interpretações da industrialização brasileira costumam se dis tinguir esquematicamente duas posições opostas no que toca à rela ção entre atividade exportadora e produção interna de manufaturas a da teoria dos choques adversos que associaria o crescimento da indústria com as fases de crise na atividade exportadora e a da complementaridade que vê a industrialização como basicamente promovida pelo crescimento das exportações À luz de nossos argu mentos acima ambas as colocações parecem incompletas o início da industrialização surge como resultado dos estímulos produzidos pela conjugação de períodos de dificuldades no setor externo com perío dos em que a economia voltouse mais para o exterior De um lado evidenciase o fato de que os choques adversos não teriam tido o impacto que tiveram na ausência de fases anteriores de formação de capacidade produtiva De outro lado a interpretação da indus trialização como um resultado direto da expansão das exportações aparece como notoriamente insuficiente e simplista VERSIANI e VERSIANI 1977 p 141 Percebese claramente portanto que em meados dos anos 70 a polêmica central sobre a industrialização na Primeira República encontravase esgotada Choques adversos e industrialização induzida pelas exportações não pode riam mais ser defendidas como explicações gerais para o processo de industria lização Os mecanismos descritos por tais explicações são encontrados em um ou outro momento da industrialização na Primeira República não sendo no entanto mutuamente exclusivos Evidentemente a superação desse impasse pressupunha o abandono da problemática herdada do pensamento da CEPAL qual seja a de identificar o momento e a forma da ruptura do caráter agroexportador das economias latino americanas Era preciso portanto instaurar uma nova problemática dentro da qual fosse incluída a questão do desenvolvimento da indústria A Indústria na Primeira República e o Desenvolvimento do Capitalismo no Brasil A problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil não é nova talvez sua origem possa ser buscada em debates políticos travados ainda na Primeira República Neste texto no entanto pretendemos apenas registrar dois momentos recentes dessa problemática exatamente porque aí é central o tema da industrialização Ao longo dos anos 60 vários trabalhos produzidos pelo núcleo de pesqui sas de sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo já estabeleciam relações entre industrialização e desenvolvimento do capitalismo Em linhas gerais no entanto aceitavam as interpretações eco nômicas identificadas com a Teoria dos Choques Adversos propondo no entanto a adoção de perspectiva mais abrangente Um desses estudos talvez o primeiro é o artigo de Fernando Henrique Cardoso 1960 Condições sociais da industrialização o caso de São Paulo O próprio autor definia sua forma de inserção nas explicações sobre o crescimento da indústria brasileira O esquema usualmente utilizado para a explicação do crescimento industrial do Brasil e de São Paulo leva em consideração apenas as condições econômicas e naturais exigidas pela industrialização Omite pois as condições sociais que a permitiram Descrevese o processo de industrialização como se fosse possível criálo integral mente todas as vezes que determinadas condições econômicas o pro piciassem Dito noutras palavras todas as vezes que havia uma interrupção no fluxo para o exterior da renda gerada pelo setor de exportação da economia criavamse estímulos para a aplicação desta renda no País Por isto as guerras mundiais são geralmente aponta das como as causas da industrialização do Brasil uma vez que no seu decurso não havia possibilidade de consumir a renda gerada pela economia exportadora do País através da importação de produtos in dustriais cujo consumo ao mesmo tempo continuava a ser requeri do CARDOSO 1960 p 32 A problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil não é nova talvez sua origem possa ser buscada em debates políticos travados ainda na Primeira República O autor não contestava o valor dessa explicação apenas a considerava parcial por omitir as condições sociais que constituíam prérequisito para a in dustrialização Ou seja o processo de industrialização em qualquer região supõe como prérequisito a existência de certo grau de desenvolvimento capita lista e mais especificamente supõe a preexistência de uma econo mia mercantil e correlatamente implica num grau relativamente de senvolvido da divisão social do trabalho id ibid p 33 Tais prérequisitos no entanto devem estar instalados antes que se esta beleça a produção propriamente industrial Isto teria ocorrido no bojo da ex pansão cafeeira em direção ao oeste paulista em que pela crescente escassez e progressiva elevação do preço do escravo o fazendeiro passou a importar mão deobra livre Assim perdia sua condição de senhor para tornarse um empre sário capitalista Simultaneamente é claro formavase um mercado de traba lho com base nos imigrantes europeus que chegando ao Brasil já destituídos da posse de meios de produção deviam oferecer sua força de trabalho em troca de salários Este é o ponto de partida ao qual se acrescentam outros elementos diversificação do emprego do capital estradas de ferro comércio bancos de senvolvimento de núcleos urbanos em suma intensificação da divisão social do trabalho e generalização de relações mercantis Estas são em síntese as condições sociais da industrialização seus prérequisitos O crescimento in dustrial se verificaria então nos momentos de ruptura das relações com o mer cado mundial como as guerras e as grandes crises econômicas Percebese portanto de que modo a problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil se articulava com as interpretações do crescimento indus trial decorrente das crises do setor externo da economia brasileira4 Em estudo sobre o Conde Matarazzo José de Souza Martins também da Faculdade de Filosofia da USP apresentava elementos interpretativos que es capavam ao esquema dos choques adversos Por um lado entendia o autor que a indústria que surge em São Paulo nas últimas décadas do século XIX não ti nha o caráter de substituição de importações ela explorava as possibilidades manufatureiras surgidas nas franjas da economia exportadora MARTINS 1973 p 71 Tratase de conjunto de mercadorias cujo consumo está associado à introdução dos imigrantes europeus em São Paulo mercadorias essas que di ficilmente poderiam ser importadas caso por exemplo da banha e da cerveja A estes primeiros passos da indústria de início em pequenos estabeleci mentos nos anos 90 do século passado já em empresas de maior dimensão se guese outra fase em que se observa a substituição de importações O desequi líbrio externo da economia brasileira obriga na virada do século à adoção de medidas desestimuladoras de importações Em conseqüência reduziase a arre cadação da principal fonte tributaria as tarifas alfandegárias Simultaneamen te e não por mera coincidência instituíase o imposto de consumo reconheci mento de que a renda não era mais apenas gasta com importações mas também Uma síntese precisa do estado da questão nos meados da década de 60 é apresentada em Cohn Pro blemas da industrialização no século XX 1969 p 285318 e em escala apreciável com produtos internos Conclui então Martins 1973 p 745 Não sendo um governo protecionista mas sim liberal valiase da indústria existente para resolver os problemas da sociedade exporta dora e ao mesmo tempo eliminava as eventuais proteções expon doa à concorrência de fato com o produto estrangeiro e taxando o seu produto Talvez a característica mais importante desses eventos esteja no fato de terem ocorrido num governo identificado profundamente com as atividades de exportação supostamente in compatíveis e antagônicas à industrialização O exposto deixa nítido que a questão não se propunha assim O que importava sobretudo era a racionalidade da sociedade agroexportadora e que essa seria a porta viável à entrada do industrialismo Percebese portanto que a substituição de importações embora não se trate propriamente do que se convencionou chamar de processo de substituição de importações podia ocorrer no interior da economia agroexportadora sem que isto representasse uma ruptura do caráter dessa economia Também não se trata claramente da tese da industrialização induzida pelas exportações na forma como usualmente foi formulada Tratase isto sim de reconhecer que os desequilíbrios talvez pudéssemos dizer as contradições da economia exporta dora passam a exigir o desenvolvimento de algum tipo de indústria interna Nesta linha de argumentação duas obras de meados dos anos 70 consoli dam o entendimento do crescimento industrial como parte do processo de de senvolvimento do capitalismo no Brasil ao mesmo tempo que propunham uma solução para o impasse entre Teoria dos Choques Adversos e industriali zação liderada pelas exportações Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil de Sérgio Silva 1976 texto original de 1973 e O Capitalismo Tardio de João Manuel Cardoso de Mello 1986 texto original de 1975 O ponto de partida de ambos é o exposto anteriormente com base em Fernando Henrique Cardoso para compreender a gênese da indústria é preciso buscar suas précondições no desenvolvimento capitalista da economia cafeeira Imi gração européia trabalho assalariado formação de mercado de trabalho cons tituição da burguesia cafeeira que é dominantemente mercantil são elementos comuns às análises dos dois autores no esforço de caracterizar as especificida des do desenvolvimento capitalista no Brasil De maior interesse para nós neste momento é observar como são tratadas as relações entre café exporta ção e indústria nessas duas obras Sérgio Silva após examinar a questão conclui que as relações entre o comércio exterior e a economia cafeeira de um lado e a indústria nascente de outro implicam ao mesmo tem po a unidade e a contradição A unidade está no fato de que o de senvolvimento capitalista baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo desenvolvimento da indústria a contradição nos limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela própria posição dominante da economia cafeeira na acumulação de capital SILVA 1976 p 103 Ao longo dos anos 60 vários trabalhos produzidos pelo núcleo de pesquisas de sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo já estabeleciam relações entre industrialização e desenvolvimento do capitalismo 1905 a primeira exposição estadual de animais 1907 bem como a instalação de uma seção de estudos econômicos para rastrear o montante da produção rural do estado Sob sua administração seriam também instalados um Serviço de Informação e Publicidade uma Biblioteca Estadual especializada no assunto além de reformulado o currículo da Escola Superior Agrícola Luiz de Queiroz ESALQ no intuito de especializála na formação de agrônomos em detrimento dos profissionais da agricultura de grau médio Schmidt Reis 1942 Tal leque de iniciativas legitimaria Botelho como uma das figuras de proa do movimento de regeneração da agricultura brasileira sendo citado como protagonista da mencionada modernização por boa parte dos portavozes do Ruralismo de seu tempo Por seu intermédio o paradigma norteamericano de agricultura científica se imporia aos círculos ruralistas fosse pela plasticidade institucional conferida aos aparelhos de Estado paulistas fosse pela definição que esboçara da necessidade de um novo tipo de agente o técnico em matéria de agricultura Seriam esses progressistas em suma os defensores de um novo padrão de desempenho para a agricultura nacional que pretendia deslocála da extrema especialização produtiva de modo a tentar garantir novas alternativas econômicas e políticas para segmentos da classe proprietária pouco contemplados no bloco no poder Mas tornar viáveis tais objetivos incidiria sobre outras estratégias de ação sobretudo a multiplicação do número de agências institucionalizadoras dos interesses agrários no nível da sociedade civil de modo a facilitar sua afirmação como grupos de pressão junto à sociedade política A Sociedade Nacional de Agricultura SNA seria uma delas e seu pioneirismo e representatividade justificamna como objeto do próximo capítulo Capítulo 2 CONSERVAR AMPLIANDO E AUMENTANDO A Abolição e a República foram os marcos formais do coroamento de um processo de transformações estruturais por que passaram a economia e a sociedade brasileiras desde o último quartel do século XIX que pode ser resumido em sua essência à transição do trabalho escravo para o trabalho livre Longe dos freios inibidores representados pela escravidão e a excessiva centralização monárquica a primitiva acumulação capitalista seria potencializada criandose condições objetivas para o aprofundamento da mencionada vocação agrícola do país e seu correlato a posição subordinada do país no seio da divisão internacional do trabalho Oliveira 1975 Com base na generalização de novas e múltiplas relações de trabalho no campo ratificavase a dependência da realização externa da acumulação brasileira mais que nunca atada ao capital estrangeiro quer pela dinâmica própria da diversificação dos complexos agroexportadores regionais que a integravam Cano 1977 quer pela imposição hegemônica a todos eles da lógica de funcionamento ditada pelo complexo cafeíero paulista Na virtualidade desse processo entretanto situarseiam ambiguamente a gênese e a expansão da industrialização brasileira elemento novo que decorrente da própria ampliação da divisão social do trabalho inauguraria uma dinâmica acumulativa peculiar posto que centrada na realização produtiva crescentemente interna Em torno dessa unidade na contradição responsável tanto pela diferenciação de interesses no interior de cada complexo quanto pelas formas de sua interarticulação desenvolverseiam a economia 37 Tal conclusão é sustentada a partir da crítica das teses que admitem a existência de uma relação unívoca direta ou inversa entre café e indústria As sim a crise da economia cafeeira tem a um só tempo efeitos positivos e nega tivos sobre a industria por provocar o declínio cambial protege a produção na cional mas reduz a possibilidade de investimento pelo encarecimento dos im portados se trabalhadores do café são desempregados na crise reduzse o mer cado para os produtos da indústria mas pelo êxodo rural ampliase a reserva de trabalhadores para a indústria no mercado urbano de trabalho se as tarifas alfandegárias são elevadas para compensar a queda da receita do tributo a produção nacional ganha proteção adicional mas novamente bloqueiase o in vestimento pelo encarecimento da importação de equipamentos Ou seja nas relações entre café e indústria manifestase invariavelmente o caráter contradi tório aqui exposto Por outro lado para Sérgio Silva o nascimento da indústria decorre das contradições inerentes ao desenvolvimento da economia cafeeira em especial do desequilíbrio externo de modo semelhante ao apontado por Martins Através do desequilíbrio externo a reprodução do capital impõe transformações necessárias à acumulação o nascimento da indústria e a conseqüente elevação da produtividade tão importante para a ex pansão do excedente e o prosseguimento da acumulação Assim através da constante solução e recolocação do desequilíbrio externo o capitalismo brasileiro segue seu caminho escondendo no palheiro das atribulações financeiras a contradição que explica o seu próprio desenvolvimento SILVA 1976 p 109 O desequilíbrio externo não aparece aqui no entanto como expressão de choques adversos e sim da posição subordinada da economia brasileira na eco nomia mundial que define a economia cafeeira como núcleo do desenvolvi mento do capitalismo no Brasil e o desequilíbrio externo como uma das con tradições desse desenvolvimento Mas o desenvolvimento da indústria no seio da economia cafeeira portanto em posição subordinada à economia mundial não implica ruptura com a situação prévia pois Concretamente a reprodução do capital cafeeiro e das formas de subordinação da economia brasileira levam ao nascimento e ao de senvolvimento da indústria que por sua vez está em contradição com a própria reprodução do capital cafeeiro e as formas de subor dinação da economia brasileira Mais uma vez afastamos a noção simplista de contradição segundo a qual as contradições internas do capitalismo lovariam à sua própria destruição Nem a subordinação do Brasil na economia mundial e o capital cafeeiro excluem a in dustrialização nem a industrialização implica na destruição dos la ços que unem o Brasil à economia mundial e muito menos ainda na destruição do capitalismo no Brasil A industrialização pode sim plesmente levar a mudanças nas formas de subordinação associadas a transformações do capitalismo no Brasil por exemplo a perda da posição dominante por parte do capital cafeeiro ou mesmo do capital comercial em geral SILVA 1976 p 11213 Na década de 1980 reduziuse a intensidade do debate sobre a industrialização na Primeira República pelo menos nos moldes em que se colocou ao longo dos anos 70 A pesquisa mais cuidada mostrou no entanto que os anos 20 registraram grande dinamismo e diversificação da produção industrial Percebese desse modo que economia mundial economia cafeeira e in dústria são integradas na análise sendo importante reter neste momento a pro posição de que a industrialização pode conduzir à perda da posição dominante do capital cafeeiro Embora Cardoso de Mello parta dos mesmos pressupostos economia ca feeira cria as precondições para o nascimento do capital industrial e as relações entre café e indústria são contraditórias sua análise indica algumas diferenças em relação à de Sérgio Silva Por um lado não aprofunda a relação com a eco nomia mundial apesar de considerar os fatores externos o determinante em úl tima instância do movimento da economia brasileira à época por outro lado ao delinear um modelo de ciclo conjunto do capital cafeeiro e do capital industrial sugere dinâmica diversa da indicada em Sérgio Silva Em relação ao primeiro ponto Cardoso de Mello admite que Á posição subordinada da economia brasileira na economia mun dial capitalista está duplamente determinada pelo lado da realização do capital cafeeiro e pelo lado da acumulação do capital industrial Esta dependência resulta na verdade da não constituição de forças produtivas capitalistas isto é do bloqueio da industrialização que se expressa internamente na hegemonia do capital cafeeiro que é dominantemente mercantil sobre o capital industrial Por outro la do a fragilidade do capitalismo brasileiro transformounos em cam po de exportação de capitais dos países capitalistas maduros ao criar não obstante oportunidades de inversão ao capital estrangeiro quer ao capital de empréstimo de forma predominante quer ao ca pital de risco que se dirige basicamente aos setores de infraestrutu ra comercial e financeiro mas também ao setor industrial MEL LO 1986 p 1089 Aparentemente aqui a subordinação da economia brasileira à economia mundial capitalista poderia ser rompida pela constituição de forças produtivas capitalistas embora devase considerar o fato de haver crescente inversão de capital estrangeiro no País De qualquer modo a questão da subordinação à economia mundial capitalista aparece aqui com menos força do que em Sérgio Silva No modelo de ciclo conjunto do capital cafeeiro e do capital industrial também surgem diferenças entre as interpretações de Sérgio Silva e JM Car doso de Mello no primeiro o desequilíbrio externo aparece com papel decisivo no nascimento da indústria no segundo pode ser identificado como um mo mento do ciclo referido Neste ciclo o ponto de partida escolhido é a expansão da economia cafe eira o crescimento dos preços eleva a taxa de acumulação financeira mais rapi damente do que a real na atividade cafeeira permitindo a transferência de ca pitais para a indústria mesmo que as margens de lucro na indústria sejam infe riores à do café Em seguida a taxa de acumulação real cafeeira se acelera buscando atrair recursos externos impondo por isso maior concorrência ex tema à indústria instalada Esta por sua vez se defende por meio de concentra ção e centralização de capitais Iniciada a reversão do ciclo dos preços do café conseqüente à supera cumulação elevase a rentabilidade da indústria em relação ao café o que ajuda a manter por algum tempo a taxa de acumulação da economia Deflagrada a crise cafeeira café e industria são arrastados por ela Mas a indústria ainda pode se defender pois a redução da capacidade de importar reserva algum mer cado à indústria que inicia sua recuperação pela utilização da capacidade ocio sa Este em breve síntese é o ciclo referido e que mostra os diferentes mo mentos de articulação entre capital cafeeiro e capital industrial MELLO 1986 p 1068 Apesar das diferenças indicadas as teses de Sérgio Silva e Cardoso de Mello sugerem alternativas que superam o impasse em que se situava a polêmi ca entre Teoria dos Choques Adversos e industrialização induzida pelas exportações Certamente a discussão da indústria na Primeira República não retornará àquela polêmica que a dominou por muito tempo É certo também que há outras tendências de análise que não incorporam a ótica da industrialização como parte do processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil assim como há alguns temas igualmente polêmicos e relevantes que não estão resolvi dos dentro dessa corrente Tentamos a seguir explorar alguns destes aspectos da industrialização na Primeira República A Industrialização na Primeira República alguns temas ainda em discus são Na década de 1980 reduziuse a intensidade do debate sobre a industria lização na Primeira República pelo menos nos moldes em que se colocou ao longo dos anos 70 Uma das poucas obras recentes sobre o tema a já citada Indústria Brasileira de Wilson Suzigan a par de importante contribuição em pírica propõe uma interpretação alternativa baseada na teoria do crescimento econômico induzido por produtos básicos ou na abordagem dos linkages ge neralizados ao desenvolvimento SUZIGAN 1986 p 6672 Apesar disso não se reacende uma polêmica sobre os processos mais gerais que conduziram à industrialização no Brasil Permanecem no entanto alguns temas menos abran gentes mas relevantes para a compreensão do conjunto do processo Veremos a seguir alguns destes temas O significado dos anos 20 para a indústria no Brasil Foi usual considerar os anos 20 deste século como uma década desfavorá vel à indústria instalada no Brasil Tal conclusão era alcançada com base na experiência da industria têxtil e podia ser justificada pela manutenção de eleva das ou ao menos estáveis taxas de câmbio durante grande parte da década A pesquisa mais cuidada mostrou no entanto que os anos 20 registraram grande dinamismo e diversificação da produção industrial É significativa a coincidên cia da opinião de vários autores em relação a este fato Wilson Cano embora reconheça a existência de algumas dificuldades para a produção têxtil mostra que a expansão da indústria se verifica principal mente em São Paulo e em contexto de concentração de capitais Assim entre 1918 e 1928 a produção industrial de São Paulo mais do que duplicara quase triplicando quando se exclui a produção de tecidos de algodão CANO 1973 p 185 Wilson Suzigan também entende ser a década de 20 distinta da fase ante rior da indústria brasileira Antes da Primeira Guerra Mundial tanto o mercado para os produtos industrializados quanto os investimentos industriais seriam in duzidos pelo setor exportador Após a Primeira Guerra e em especial ao lon go dos anos 20 reduzse progressivamente esta dependência da indústria em relação ao setor exportador pelo surgimento de uma demanda interna de insu mos matériasprimas etc cuja contrapartida é o padrão mais complexo de de senvolvimento industrial Suzigan afirma por fim que após 1930 tanto o mer cado para a indústria deixa de depender do setor industrial quanto o investi mento industrial deixa de ser induzido pelas exportações embora ainda depen da da capacidade de importar gerada por elas SUZIGAN 1986 p 34552 Conclusão semelhante é apresentada por Flávio Versiani após o exame de índices da produção industrial nos anos 20 A expansão e a transformação da estrutura produtiva na indústria brasileira parece ter sido um processo mais gradual do que freqüen temente se supõe A década de 1930 não significa pois uma ruptura profunda com o passado como parte da literatura da CEPAL suge re A Depressão foi importante em grande parte por causa do que ocorrera nas décadas anteriores VERSIANI 1982 p 22 Evidenciase desse modo a tendência a não mais se fixar apenas na dis cussão da relação entre crise ou expansão das exportações e indústria Embo ra se reconheça os anos 30 como momento de transformações importantes tal resultado não é reconhecido apenas como fruto da crise externa e sim de um longo processo de crescimento industrial Já vimos como Suzigan caracteriza a mudança dos anos 30 Cardoso de Mello afirma que após 1933 a acumulação se move de acordo com um novo padrão em que a expansão industrial é a base sobre a qual se assenta a acumulação embora se trate de industrialização res tringida porque ainda não foi implantado o núcleo fundamental da indústria de bens de produção Sérgio Silva caracteriza genericamente não especificando os anos 30 como o momento em que ocorre a perda da posição dominante por parte do capital cafeeiro para o capital industrial Em todos esses exemplos está presente apesar das diferenças analíticas que os separam uma visão seme lhante do processo de industrialização este não é o fruto de choques exter nos nem o simples resultado linear do crescimento da produção industrial Esse processo se traduz em relações complexas entre indústria exportações e economia mundial que em determinados momentos passam por mudanças qualitativas fundamentais Estado tarifas e industrialização na Primeira República Usualmente atribuise ao Estado brasileiro na Primeira República o cará ter de representante dos interesses cafeeiros Conseqüentemente afirmase que sua política econômica deveria ser nãoindustrializante ou mesmo antiindustria lista O estudo empírico da política tarifária e dos efeitos protecionistas das flutuações cambiais levou alguns autores a matizar essa afirmação Obviamente não se trata de afirmar ao contrário que o Estado na Primeira República teve qualquer tipo de ação industrializante mas simplesmente de reconhecer que certos instrumentos de política econômica podem ter favorecido em determina das circunstâncias a indústria em geral ou setores específicos Nícia Vilela Luz 1975 e Rávio e Maria Teresa Versiani 1977 foram autores que procuraram explorar essa temática cujo balanço foi adequadamente feito por Suzigan 1986 p 3844 Mais importante do que a avaliação de casos específicos parecenos o re conhecimento já afirmado por José de Souza Martins e Sérgio Silva de que a ação do Estado favorável à indústria não é contrária à racionalidade da econo mia exportadora pois as próprias contradições desta podem exigir algum grau de crescimento da indústria interna como recurso para a acumulação A gênese da indústria grande empresa ou pequena escala de produção A seqüência ArtesanatoManufaturaIndústria foi algumas vezes asso ciada ao desenvolvimento da indústria no Brasil embora isso fosse feito sem maior base empírica Em oposição a essa tese alguns estudos procuraram mos trar que a indústria pelo menos em São Paulo originouse em grande medida do desdobramento das atividades de casas importadoras e que a indústria em suas origens definida pelo Censo Industrial de 1907 já se caracterizava como uma grande empresa ou como grande indústria com energia a vapor ou elétri ca máquinas e grandes volumes de capital portanto grande número de empre a ação do Estado favorável à indústria não é contrária à racionalidade da economia exportadora pois as próprias contradições desta podem exigir algum grau de crescimento da indústria interna como recurso para a acumulação gados Estas teses estão explicitadas por exemplo nos trabalhos de Warren Dean 1971 cap 2 e de Sérgio Silva 1976 cap 4 José de Souza Martins a partir de alguns elementos empíricos sugeriu que em São Paulo antes mesmo da introdução de imigrantes já havia uma produção artesanal espalhada em vários municípios e não só na capital Há várias indicações de que antes da abolição do escravismo e da chamada grande imigração 188688 ocorreu uma significativa ex pansão da atividade comercial e da industria em pequena escala na província de S Paulo não apenas na capital mas em quase todas as cidades de interior Isso parece sugerir que nessa época a indústria artesanal passou a desenvolverse mais intensamente nos meios ur banos do que nas fazendas de café cana e algodão configurando uma espécie de separação agriculturaindústria MARTINS 1979 cap l5 É claro que ao lado da questão empírica a ser resolvida o tema em ques tão coloca problemas interpretativos importantes sobre a gênese da indústria e da burguesia industrial Se a matriz da indústria é o comércio de importação e a da burguesia industrial são os grandes comerciantes de importação a questão oferece poucas dificuldades se a indústria emerge de dentro da sociedade es cravista tornase mais difícil entender como aparece o capitalista industrial e como se constitui a consciência burguesa MARTINS 1979 p 10714 Nessa mesma linha de preocupação podese formular a seguinte questão na medida que se coloca em dúvida que o regime de colonato possa ser caracte rizado propriamente como trabalho assalariado e sim como uma forma não ca pitalista de relações de produção pois o trabalhador produz diretamente seus meios de subsistência a própria lógica do desenvolvimento industrial a partir de relações capitalistas estabelecidas na produção cafeeira se torna questio nável 5 Este texto contém importantes comentários críticos e sugestões sobre o tema da Industrialização em São Paulo Estes dois últimos temas relevantes para a compreensão da gênese da in dústria no Brasil merecem tratamento específico e mais alongado Por isso preferimos apenas mencionálos para reiterar sua importância Estudos regionais Nos anos recentes verificouse a produção de vários estudos sobre expe riências regionais de industrialização Até aqui as grandes interpretações do crescimento da indústria no Brasil pautaramse por observar a experiência de São Paulo e Rio de Janeiro Tratase obviamente de visão parcial do processo embora nesses dois estados se tenha concentrado a parcela mais importante da indústria na Primeira República Parece certo portanto que os novos esforços de compreensão do desenvolvimento industrial poderão incorporar os resulta dos das pesquisas sobre experiências regionais de industrialização Mesmo que as teses mais gerais não sejam modificadas questões como as apresentadas neste tópico serão discutidas sobre bases mais sólidas A atualidade da controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Penso que não há exagero em afirmar que ao se completar cem anos de República e apesar das profundas mudanças por que passou a economia brasi leira mantêmse atuais muitas das questões levantadas pela controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Senão vejamos a Quais devem ser as formas de intervenção do Estado na economia Qual sua eficácia como promotor do desenvolvimento industrial b A economia brasileira deve integrarse plenamente à economia mun dial com base em suas vantagens comparativas ou devem ser garanti das reservas de mercado c Qual o grau de subordinação da economia brasileira à economia mun dial É possível a formulação e implementação de políticas econômicas autônomas Estas são algumas das questões presentes na controvérsia sobre a indus trialização na Primeira República e nos anos 30 e que hoje ainda aparecem como nãoresolvidas no nível da sociedade É óbvio diferentes soluções ex pressam opções de diferentes grupos sociais em relação aos temas e em relação aos modelos de desenvolvimento a serem implementados Por esse motivo no plano acadêmico ou na prática política a controvérsia jamais se encerra apenas é recolocada em outros termos Referências Bibliográficas CARDOSO RH 1960 Condições sociais da industrialização o caso de São Paulo Re vista Brasiliense 28 marçoabril DEAN W 1971 A industrialização de São Paulo São Paulo DIFELEDUSP FISHLOW A 1972 Origens e conseqüências da substituição de importações no Brasil Estudos Econômicos 26 775 dezembro FURTADO C 1968 Formação econômica do Brasil 8 ed São Paulo Companhia Edi tora Nacional LUZ N V 1975 A luta pela industrialização do Brasil 2 ed São Paulo AlfaOrmega MARTINS JS 1973 Conde Matarazzo o empresário e a empresa 2 ed São Paulo Hucitec 1979 O cativeiro da terra São Paulo Ciências Humanas MELLO JMC 1986 O capitalismo tardio 4 ed São Paulo Brasiliense PELÁEZ CM 1968 A balança comercial a grande depressão e a industrialização brasi leira Revista Brasileira de Economia 21 1547 PRADO JR C 1970 História econômica do Brasil 12 ed São Paulo Brasiliense SILVA S 1976 Expansão cafeeira e origens da industrialização no Brasil São Paulo AlfaOmega SIMONSEN RC 1973 Evolução industrial do Brasil e outros estudos São Paulo Com panhia Editora NacionalEDUSP SODRÉ NW 1967 Formação histórica do Brasil 4 ed São Paulo Brasiliense VERSIANI F 1982 Before the depression brazilian industry in the 1920s Brasília Fundação Universidade de Brasília VERSIANI FR e VERSIANI MTRO 1977 A industrialização brasileira antes de 1930 uma contribuição In VERSIANI FR e BARROS JRM org Formação econômica do Brasil São Paulo VILLELA AV e SUZ1GAN W 1973 Política do governo e crescimento da economia brasileira 18891945 Rio de Janeiro IPEAINPES Bibliografia CANO W Raízes da concentração industrial em São Paulo Rio de JaneiroSão Paulo DIFEL 1977 COHN G Problemas da industrialização no século XX In MOTA CG org Brasil em perspectiva 2 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1969 FURTADO A Formação econômica da América Latina 2 ed Rio de Janeiro Lia Edi tor 1970 SILBER S Análise da política econômica e do comportamento da economia brasileira durante o período 19291939 In VERSIANI FR e BARROS JRM org For mação econômica do Brasil São Paulo 1977 SUZIGAN W Indústria brasileira São Paulo Brasiliense 1986 Flávio Azevedo Marques de Saes é professor associado do Departamento de Economia da FEAUSP e participante do Ciclo de Seminários Cem anos de República continuida de e mudança 1989 do IEA UNIRIO História Estado e Economia A CONTROVÉRSIA SOBRE A INDUSTRIALIZAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRa A industrialização durante a Primeira República brasileira desempenhou um papel fundamental na transformação econômica e social do país Este período é marcado por uma série de mudanças significativas que contribuíram para moldar o cenário econômico e político do Brasil até os dias atuais Primeiramente é importante reconhecer que a industrialização durante a Primeira República vai além de um simples fenômeno econômico Ela representou uma mudança estrutural profunda na sociedade brasileira afetando não apenas o modo de produção mas também as relações de trabalho a distribuição de renda e o próprio tecido social Ao mesmo tempo a industrialização desempenhou um papel crucial na consolidação do poder político das elites dominantes que buscaram alinhar seus interesses econômicos com a estrutura de poder estabelecida A controvérsia em torno desse processo é evidente quando consideramos as diferentes interpretações sobre os fatores que impulsionaram o desenvolvimento industrial no país Enquanto alguns estudiosos enfatizam a influência de políticas governamentais como a proteção tarifária e os incentivos fiscais outros destacam o papel dos investimentos estrangeiros e da busca por mercados consumidores internos Além disso há aqueles que argumentam que a industrialização foi impulsionada principalmente pela demanda por produtos manufaturados gerada pelo crescimento populacional e pelas mudanças nos padrões de consumo Essas divergências de interpretação refletem não apenas a complexidade do processo de industrialização mas também as diferentes perspectivas teóricas adotadas pelos estudiosos Enquanto os economistas tendem a enfatizar os aspectos quantitativos e estruturais da industrialização os historiadores tendem a destacar os aspectos contextuais e culturais que moldaram esse processo No entanto é importante reconhecer que ambas as abordagens são complementares e contribuem para uma compreensão mais completa do fenômeno Ao analisar profundamente as diferentes perspectivas e argumentos apresentados por diversos estudiosos podemos enriquecer nossa compreensão da industrialização durante a Primeira República brasileira Isso nos permite reconhecer a complexidade desse período histórico e sua relevância para compreender os desafios e estratégias de desenvolvimento econômico do Brasil Mais do que simplesmente um capítulo da história econômica do país a industrialização durante a Primeira República é um tema que continua a influenciar as políticas econômicas e os alinhamentos políticos até os dias atuais No período compreendido entre 1888 e 1931 o Brasil passou por profundas transformações especialmente no que diz respeito à sua estrutura agrária e ao papel do meio rural na construção da identidade nacional Essa época marcada pelo fim da escravidão e pela ascensão de novas configurações sociais econômicas e políticas é objeto de análise de diversos estudiosos interessados em compreender as dinâmicas do ruralismo brasileiro Nesse contexto surge a necessidade de investigar de forma mais profunda as complexas relações entre o campo e a cidade os interesses das elites agrárias e os anseios das classes trabalhadoras bem como as influências externas e internas que moldaram o desenvolvimento do país O estudo do ruralismo brasileiro nesse período revela não apenas os eventos históricos marcantes como a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República mas também as transformações sociais e econômicas ocorridas nas áreas rurais A análise das estruturas de poder das relações de trabalho e das formas de organização da produção agrícola lança luz sobre as complexidades desse contexto e seus reflexos na vida cotidiana dos brasileiros Além disso a compreensão das dinâmicas do ruralismo permite uma reflexão mais ampla sobre os rumos da história brasileira e os desafios enfrentados pelo país em seu processo de modernização e desenvolvimento Diante disso tornase evidente a importância de investigar e compreender o ruralismo brasileiro entre os anos de 1888 e 1931 como parte integrante da história nacional A análise aprofundada desse período não apenas contribui para uma compreensão mais completa do passado mas também lança luz sobre os desafios e as oportunidades que moldaram e continuam a moldar o Brasil contemporâneo Assim é fundamental que estudiosos e interessados se debrucem sobre essa temática buscando desvendar suas complexidades e suas implicações para a sociedade brasileira como um todo A análise das abordagens de Celso Furtado e Carlos Manoel Peláez sobre o crescimento industrial dos anos 30 oferece insights valiosos para compreender as complexidades da industrialização durante a Primeira República no Brasil Furtado enfatiza a mudança do centro dinâmico da economia brasileira nesse período atribuindo esse fenômeno à crise econômica mundial e às políticas adotadas pelo governo nacional Segundo Furtado a intervenção estatal desempenhou um papel crucial especialmente por meio da defesa do café visando diversificar a economia e estimular o crescimento industrial Ele argumenta que o Estado desempenhou um papel ativo na promoção da industrialização buscando reduzir a dependência excessiva das exportações de café e criar um ambiente propício para o desenvolvimento industrial Por outro lado as críticas de Peláez lançam luz sobre diferentes perspectivas em relação ao processo de industrialização Peláez questiona a eficácia da política de defesa do café argumentando que ela se baseou mais em empréstimos externos e recursos provenientes de impostos sobre as vendas de café do que na expansão do crédito como sugerido por Furtado Para Peláez apesar dos esforços do Estado em impulsionar a industrialização o foco principal permaneceu no setor agrícola especialmente o café e as medidas adotadas não foram suficientes para garantir uma base sólida para o desenvolvimento industrial a longo prazo Essas divergências entre Furtado e Peláez refletem duas posturas distintas em relação à industrialização durante a Primeira República Enquanto Furtado destaca o papel da crise econômica e da intervenção estatal no impulsionamento do crescimento industrial Peláez enfatiza a importância da expansão das exportações como motor do desenvolvimento industrial Essas diferentes interpretações destacam a complexidade do processo de industrialização brasileira e a variedade de fatores que influenciaram seu curso ao longo do tempo A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República também se estende à interpretação dos dados históricos Alguns autores como Warren Dean argumentam que foi a expansão das exportações de café que criou tanto o mercado consumidor quanto as condições para o estabelecimento de indústrias no país Segundo essa visão a demanda externa impulsionou a modernização de setores como transporte e comunicações criando um ambiente propício para o investimento industrial Autores como Albert Fishlow destacam que durante a Primeira Guerra Mundial o crescimento industrial se deveu principalmente à substituição de importações não apenas à demanda externa Isso sugere que o desenvolvimento industrial foi impulsionado tanto por fatores internos quanto externos com a guerra gerando oportunidades para a produção nacional substituir bens anteriormente importados Essas diferentes interpretações levaram a um impasse na análise da industrialização durante a Primeira República Autores como Flávio e Maria Teresa Versiani argumentam que ambas as posições choques adversos e industrialização induzida pelas exportações são incompletas Eles sugerem que o processo de industrialização foi resultado da interação complexa entre períodos de dificuldades no setor externo que impulsionaram a busca por alternativas econômicas internas e períodos em que a economia voltouse mais para o exterior aproveitando oportunidades de crescimento e expansão das exportações Essa visão ressalta a complexidade do processo de industrialização e a necessidade de considerar múltiplos fatores e contextos históricos na análise desse período crucial da história brasileira A Teoria dos Choques Adversos mencionada no texto é uma abordagem que associa o crescimento industrial do Brasil a eventos como guerras e crises econômicas que interrompem o fluxo de renda para o exterior e incentivam o investimento interno Fernando Henrique Cardoso destaca a importância de considerar não apenas as condições econômicas mas também as sociais para entender o processo de industrialização Cardoso ressalta que o processo de industrialização requer certos prérequisitos sociais como o desenvolvimento do capitalismo uma economia mercantil e uma divisão social do trabalho relativamente desenvolvida Ele argumenta que a expansão cafeeira em São Paulo foi fundamental para a formação dessas condições à medida que os fazendeiros enfrentando escassez de mãode obra escrava passaram a importar trabalhadores livres contribuindo para a emergência de uma classe capitalista empreendedora Martins destaca que a indústria em ascensão em São Paulo não se restringia simplesmente à substituição de importações como frequentemente é sugerido em algumas análises históricas Em vez disso ele ressalta que a indústria explorava oportunidades de mercado que surgiam nas bordas da economia exportadora Essas oportunidades muitas vezes surgiam devido ao desequilíbrio externo da economia brasileira que criava demanda por produtos manufaturados que anteriormente eram importados Esse desequilíbrio por sua vez levou à adoção de medidas protecionistas que incentivaram ainda mais o crescimento industrial Consequentemente a renda que antes era destinada às importações passou a ser direcionada para o consumo interno impulsionando assim o crescimento da indústria nacional Por outro lado Silva e Mello analisam como a expansão da economia cafeeira não apenas contribuiu para o surgimento da indústria no Brasil mas também impôs limitações ao seu crescimento A dominância da economia cafeeira na acumulação de capital significava que grande parte dos recursos e investimentos estava concentrada nesse setor Isso poderia limitar o crescimento e o desenvolvimento da indústria uma vez que os recursos disponíveis para investimento em outras áreas poderiam ser restritos pela primazia do café Assim embora o café tenha sido um importante motor do desenvolvimento industrial também colocou barreiras e desafios para o pleno florescimento desse setor Essas análises destacam a complexidade das relações entre o comércio exterior especialmente o café e o desenvolvimento industrial no Brasil durante a Primeira República Enquanto as oportunidades de mercado e as medidas protecionistas impulsionavam o crescimento industrial a dominância da economia cafeeira também impunha limitações e desafios ao desenvolvimento pleno da indústria nacional Exatamente a relação entre o café e a indústria durante a Primeira República brasileira é um exemplo notável da complexidade do processo de industrialização Essa relação foi influenciada por uma série de fatores econômicos políticos e sociais e suas interpretações variam de acordo com diferentes perspectivas Do ponto de vista econômico a relação entre o café e a indústria estava intrinsecamente ligada à dinâmica do mercado Por um lado a expansão da economia cafeeira proporcionou recursos e demanda que impulsionaram o crescimento industrial Por outro lado a dependência excessiva do café também pode ter limitado o investimento em outros setores retardando o desenvolvimento industrial pleno No âmbito político as políticas governamentais desempenharam um papel crucial na relação entre o café e a indústria As medidas protecionistas adotadas pelo governo visavam incentivar o crescimento da indústria nacional enquanto as políticas voltadas para a defesa do café também influenciavam indiretamente o desenvolvimento industrial Além disso fatores sociais desempenharam um papel crucial no processo de industrialização durante a Primeira República brasileira A disponibilidade de mãodeobra e o surgimento de uma classe capitalista empreendedora foram elementos fundamentais nesse contexto O desenvolvimento do capitalismo e uma economia mercantil foram prérequisitos essenciais para o crescimento industrial proporcionando as bases necessárias para a expansão das atividades industriais A emergência de uma classe empresarial em São Paulo impulsionada pela expansão cafeeira e pela transição da mãodeobra escrava para livre contribuiu significativamente para o estabelecimento e expansão das indústrias na região evidenciando a interconexão entre os aspectos econômicos e sociais desse período histórico Essas diferentes dimensões econômicas políticas e sociais da relação entre o café e a indústria durante a Primeira República resultaram em interpretações diversas e até mesmo contraditórias por parte dos estudiosos Enquanto alguns destacam o papel central do café no impulsionamento do desenvolvimento industrial reconhecendo sua importância como gerador de recursos financeiros e mercado consumidor outros apontam para as limitações impostas pela dependência excessiva desse produto Argumentam que essa dependência poderia ter restringido a diversificação econômica e o desenvolvimento de outras áreas industriais É evidente que a análise desse período histórico requer uma abordagem multifacetada que leve em consideração todos esses fatores e perspectivas divergentes para uma compreensão mais completa e precisa do processo de industrialização durante a Primeira República brasileira A interação entre os fatores econômicos políticos e sociais juntamente com as diferentes interpretações acadêmicas oferece uma visão mais abrangente e complexa desse importante capítulo da história econômica do Brasil A controvérsia em torno da industrialização durante a Primeira República brasileira é multifacetada e envolve uma interação complexa de fatores econômicos políticos e sociais A análise econômica revela que tanto eventos externos quanto internos influenciaram o processo de industrialização O surgimento de oportunidades de mercado dentro do próprio país como observado por José de Souza Martins mostra que a indústria não se limitou apenas à substituição de importações mas também explorou nichos que emergiram na economia exportadora Além disso medidas protecionistas adotadas devido ao desequilíbrio externo conforme observado por Sérgio Silva e João Manuel Cardoso de Mello impulsionaram o crescimento industrial direcionando a renda antes destinada às importações para o consumo interno A intervenção estatal desempenhou um papel significativo no processo de industrialização Celso Furtado por exemplo destaca a importância das políticas governamentais especialmente a defesa do café como catalisadoras do crescimento industrial No entanto as críticas de Carlos Manoel Peláez apontam para nuances nesse aspecto questionando a eficácia dessas políticas e destacando outras fontes de financiamento como empréstimos externos e recursos provenientes de impostos sobre as vendas de café O desenvolvimento social como ressaltado por Fernando Henrique Cardoso também desempenhou um papel crucial na industrialização O surgimento de uma classe capitalista empreendedora em São Paulo impulsionada pela expansão cafeeira e pela transição da mão deobra escrava para livre criou condições propícias para o crescimento industrial Essa análise mostra como a relação entre café e indústria bem como o processo de industrialização no Brasil durante a Primeira República envolveram uma série de fatores econômicos políticos e sociais com diferentes interpretações e perspectivas sobre o tema Em suma a controvérsia em torno da industrialização nesse período crucial da história do Brasil oferece insights valiosos para os desafios e estratégias de desenvolvimento econômico do país tanto no passado quanto no presente e futuro Referências COSTA Emilia Viotti da A nova face do movimento operário na Primeira República São Paulo Brasiliense 1982 MENDONÇA Sonia Regina de O Ruralismo Brasileiro 18881931 São Paulo Editora Brasiliense 1979 SAES Flávio A M de A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República São Paulo Editora Hucitec 1985
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A NOVA FACE DO MOVIMENTO OPERÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA EMÍLIA VIOTTI DA COSTA Não há campo mais controverso na historiografia brasileira de nossos dias do que a história do movimento operário Além dos debates que brotam naturalmente de querelas acadêmicas em consequência da crescente competição nos meios universitários existem outros mais significativos que derivam dos conflitos ideológicos e políticos do momento Estes são particularmente intensos no Brasil de hoje quando a reabertura recoloca o problema da participação política dos operários dando margem a um renovado debate entre as várias facções da esquerda brasileira que disputam entre si a liderança do movimento operário Comunistas trotskistas socialistas democratacristãos sindicalistas populistas neoanarquistas e todos os outros grupos políticos que se possa imaginar reescrevem a história do movimento operário a partir de sua perspectiva Nas suas interpretações do passado ecoam as lutas do presente Mais do que o estudo do passado a história é dentro desse contexto instrumento da ação presente pretexto para justificar práticas políticas contemporâneas Nem mesmo os historiadores que se definem em termos estritamente profissionais conseguem escapar a essa contingência Quem não estiver consciente do viés não terá condições para avaliar adequadamente a historiografia A preocupação com questões políticas não é nova e nem mesmo peculiar à história do movimento operário se bem que seja talvez mais intensa neste campo do que em outros O que é novo na historiografia em questão é a maior preocupação dos historiadores em ancorarem suas conclusões em bases empíricas mais sólidas Esta tendência resulta em parte das exigências acadêmicas que têm levado a uma crescente profissionalização do historiador e em parte da multiplicação de arquivos e centros de pesquisa dedicados ao estudo da classe operária e suas lutas Haja visto o arquivo Edgard Leuenroth na Universidade de Campinas e a Fundação Giangiacomo Feltrinelli para citar apenas dois dos que têm sido mais utilizados nos últimos tempos O acesso a novos documentos tem contribuído tanto quanto o debate político dos últimos anos para a revisão das imagens tradicionais da classe operária e da sua participação política na Primeira República Para isso também tem contribuído a influência de alguns pesquisadores estrangeiros cujas obras sugeriram questões novas e propuseram novos tipos de abordagem Não é por acaso que a partir dos estudos de E P Thompson Michelle Perrot Stefano Merli Cor R bras Hist São Paulo 2 4 217232 set 1982 nelius Castoriadis Juan MartinezAlier os pesquisadores brasileiros estejam prestando maior atenção à cultura operária às condições de trabalho nas fábricas e ao impacto das transformações tecnológicas no movimento operário Pouco a pouco vemos surgir uma literatura que enriquece a nossa visão dandonos um quadro cada vez mais complexo e variegado Infelizmente muitas dessas novas pesquisas permanecem ignoradas do público perdidas em teses de mestrado e doutoramento que jamais chegam a ser publicadas um dos absurdos da vida acadêmica brasileira Recentemente no entanto vieram à luz duas coleções de documentos que pela sua riqueza de informações constituem importante contribuição para a revisão que está em curso A primeira é a coleção publicada por Edgard Carone sob o título Movimento Operário no Brasil 18771944 1 a segunda os dois volumes editados por Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall A classe operária no Brasil 18891930 2 A leitura dessas obras que juntas contêm mais de mil páginas de documentos levanos a por em questão algumas das afirmações correntes na literatura sobre o movimento operário O que se segue são algumas das reflexões que nos vieram à mente ao percorrer aquelas páginas Ao divulgálas esperamos não só apontar algumas lacunas como indicar novos caminhos de investigação O movimento operário no Brasil no período que vai de 1889 a 1930 é em geral descrito como tendo sido dominado pelos anarquistas imigrantes na sua maioria italianos ou espanhóis que fugindo a perseguições políticas na Europa refugiaramse no Brasil trazendo consigo sua experiência política Seriam eles os responsáveis pelas greves organizações operárias e demonstrações de massa que agitaram a Primeira República Divididos no entanto por conflitos étnicos separados por barreiras linguísticas os anarquistas teriam sucumbido à severa repressão desencadeada contra eles pelas classes dominantes para as quais a questão operária era uma questão de polícia e não de política Ameaçados de deportação às vezes deportados constantemente perseguidos pela polícia encarcerados figurando nas listas negras que circulavam de mão em mão entre os industriais os líderes anarquistas tiveram sua ação cerceada Em 1922 sob o impacto da Revolução Russa alguns anarquistas criaram o Partido Comunista A partir de então a influência anarquista entraria em recesso e segundo alguns autores o próprio movimento operário perderia seu ímpeto O golpe final no movimento operário teria sido dado por Getúlio Vargas o qual depois de 1930 criaria uma estrutura corporativista atrelando o movimento operário ao Estado ao mesmo tempo que reprimiria com violência as lideranças autônomas Essas medidas coincidiriam com uma profunda transformação na composição da classe operária o que veio a facilitar esse processo de domesticação do movimento operário Trabalhadores brasileiros substituiriam os imigrantes Vindos das zonas rurais analfabetos e politicamente inexperientes habituados a relações paternalistas esses trabalhadores não tinham consciência de classe e seriam presa fácil das manipulações do estado populista Essa é em poucas palavras e de forma bastante resumida e simplificada a imagem que prevalece na maioria dos estudos sobre o assunto 3 Evidentemente é impossível numa breve apresentação registrar as diferenças sutis entre os vários autores Nem todos por exemplo se limitam a falar só nos anarquistas Há aqueles que se referem também aos socialistas aos católicos e aos sindicalistas se bem que em geral de forma bastante superficial 4 Também dependendo de suas simpatias pessoais os analistas dão explicações diferentes para o que eles avaliam como sendo a fraqueza ou o fracasso do movimento operário Uns culpam aos comunistas outros aos anarquistas Todos culpam a polícia Alguns argumentam que os anarquistas foram derrotados por causa de sua estratégia inadequada de seu internacionalismo sua incapacidade de lidar com problemas nacionais mais amplos 5 Outros argumentam que o anarquismo teve sucesso enquanto predominaram os artesãos mas a partir do momento em que os operários passaram a predominar no movimento os anarquistas estavam condenados a perder a liderança devido ao seu caráter pequenoburguês 6 Há ainda aqueles que vêem na repressão a causa fundamental do fracasso do movimento operário As divergências entre os historiadores vão além da explicação do sucesso ou insucesso dos anarquistas Eles também discordam na sua interpretação da política operária de Vargas Para uns Getúlio foi o intérprete dos industriais 7 Segundo outros os industriais em 1930 não tinham um projeto do qual Vargas pudesse ser o executor 8 Influenciados pela retórica populista alguns vêem em Vargas o pai dos pobres Para outros não passou de um político esperto o primeiro a reconhecer que a questão operária era uma questão não só de polícia como também de política Levando em conta essas nuances podese dizer que o quadro anteriormente traçado apresenta as linhas mestras da historiografia do movimento operário na Primeira República Algumas dessas noções encontram plena confirmação nas duas coleções de documentos consultadas Outras no entanto aparecem modificadas A repressão por exemplo é amplamente documentada Há em ambas coleções um sem número de evidências que testemunham a incessante perseguição de que eram vítimas as organizações operárias e suas lideranças A repressão no entanto parece ter sido muito mais sutil e sofisticada do que se tem em geral reconhecido Não se tratava apenas de proibir demonstrações operárias despedir líderes deportar ou encarcerar trabalhadores indesejáveis invadir sindicatos destruir a imprensa operária Iase ainda mais longe Já nessa época a burguesia respondia ao internacionalismo dos operários internacionalizando a repressão O governo italiano por exemplo manteve um attaché militar em São Paulo de 1901 a 1915 com o objetivo de fiscalizar as atividades de elementos radicais de nacionalidade italiana 9 Da mesma forma quando os ingleses invadiram os escritórios de uma organização soviética em Londres eles se apressaram em fornecer às autoridades brasileiras o nome dos brasileiros que tinham conexão com a Terceira Internacional 10 Portanto a articulação da repressão ao nível internacional não é uma invenção das últimas décadas Esta é apenas uma forma de repressão que ainda não foi estudada Há ainda outras formas que também não receberam a atenção devida Com o intuito de defender seus interesses comuns aumentar a produtividade ao trabalho e neutralizar a resistência operária os industriais criaram associações como o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem ou o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo Estes centros exerciam vigilância sobre os líderes operários e mantinham freqüentes contatos com a polícia Num memorando de 1921 por exemplo o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem recomendava a seus associados que expurgassem o pessoal das fábricas de agitadores profissionais que operam na classe operária com um fermento de desordem e de morte Ao mesmo tempo informava que qualquer associado que quisesse se livrar de um agitador nada mais tinha a fazer do que se comunicar com o Centro este providenciaria imediatamente para que aquele elemento perigoso fosse afastado da fábrica pela polícia e identificado A sua ficha seria comunicada às fábricas associadas tal e qual como se fará com os ladrões sic 11 Não muito diferente deste era o tom de uma circular de 1923 Naquela ocasião receiosos de que a greve dos gráficos se estendesse às indústrias têxteis os industriais e a polícia mais uma vez se uniram O Centro informou aos associados que a polícia de Capturas e Investigações tomara a resolução de ir prendendo todos os operários em tecidos que lhe fossem apontados como mentores de sua classe no tocante a reivindicações mais ou menos cabíveis 12 O Centro concitava seus associados a lhe enviarem o nome residência sinais característicos etc do operário em questão que ele se incumbiria imediatamente de fazer com que o operário apontado desaparecesse por algum tempo até que passasse a atmosfera de agitação A preocupação em identificar a liderança operária era constante Tanto é assim que já em 1921 o Centro enviava ao ministro da Agricultura Indústria e Comércio uma carta na qual sugeria a adoção de carteiras profissionais que permitissem identificar os trabalhadores 13 Essa medida seria posta em prática alguns anos mais tarde por Vargas Considerandose as boas relações entre o Centro a polícia do Estado e o Gabinete de Investigações não é de se estranhar que um ano após aquele comentasse numa circular sobre as greves do ano anterior que nunca batera em vão às portas das diferentes seções da polícia 14 Pouco a pouco no entanto a tarefa de fiscalizar os operários passou para as mãos do Estado Em 1927 o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem informava que a partir daquela data a delegacia de Ordem Política e Social estava identificando todo o operariado do Estado de São Paulo da Capital e do Interior Esperava o Centro poder dentro de algum tempo e de acordo com aquela Delegacia fornecer aos ilustres sócios uma ficha completa dos indesejáveis cujos nomes e delitos lhe forem comunicados Mandaria a cada associado uma ficha completa com o nome do delinqüente a sua filiação estado civil impressão do polegar e fotografia assim cada empresa poderia formar seu arquivo de indesejáveis 15 Fiscalização e repressão não eram no entanto as únicas formas de controle Havia outras mais sutis Princípios científicos de administração do trabalho já estavam sendo postos em prática em algumas companhias Essa informação certamente não surpreenderá os que sabem que Roberto Simonsen vicepresidente do Centro das Indústrias de São Paulo já discutia Taylorismo em 1919 em seu livro O Trabalho Moderno Nessa época já havia também industriais que procuravam introduzir em suas fábricas serviços assistenciais tais como creches escolas maternais campos esportivos e outros tipos de diversão para os operários Com a mesma preocupação de estender o seu controle sobre a vida do operário criavam as primeiras vilas operárias como a famosa Vila Zélia 16 O controle estendiase também à manipulação ideológica Os interesses dos industriais eram sempre apresentados como interesse da nação Os que criavam tropeços à realização daqueles interesses promovendo lutas de classes ou tentando criar leis perturbadoras do trabalho cometiam crime de lesapátria Além de manipularem as idéias nacionalistas em seu benefício os empresários não hesitavam em caracterizar a fábrica como uma grande família e o patrão como pai benevolente O patrão dizia uma circular do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem datada de abril de 1924 é mais alguma coisa que patrão é amigo e digamos um pouco pai dos que trabalham a seu lado A circular louvava a generosidade do Conde Matarazzo e de Rodolfo Crespi pela decisão de concederem um prêmio de 5 sobre o total dos salários ganhos no ano a todo operário que completasse um ano de serviço a contar do dia 10 de março de 1924 17 Na sua fala os industriais enfatizavam sempre a comunhão de interesses entre Capital e Trabalho uma retórica que contrastava de forma chocante com a tendência que eles tinham de identificar os líderes operários com agitadores profissionais e as reivindicações operárias com crimes contra a sociedade e a nação 18 Através da documentação ora divulgada formamos um quadro mais complexo não só da visão do mundo e dos métodos dos empresários como também de suas conexões com o Estado e a Imprensa 19 Os artigos de jornais reproduzidos em ambas coleções revelam freqüentemente a intenção por parte da Imprensa de desmoralizar a liderança operária e promover divisões entre os trabalhadores condenando os maus operários e louvando os bons Típico dessa tendência é a publicidade dada a um encontro entre alguns líderes operários e o Presidente Washington Luiz em 1929 O discurso que o presidente da União dos Estivadores fez na ocasião foi muito elogiado pelo Jornal do Brasil Nesse discurso aquele manifestara o apoio dos trabalhadores ao Governo e o seu repúdio às doutrinas vermelhas defendidas por maus brasileiros que a troco do vil metal não trepidam em vender a sua honra trair a sua Pátria atentar contra o seu próprio lar 2 Igual publicidade foi dada pelo A Noite outro jornal de ampla circulação à visita dos mesmos líderes operários ao chefe da polícia Coriolano de Goes Segundo o jornal o vicepresidente da União dos Operários Estivadores hipotecara a solidariedade das classes trabalhistas à ação das autoridades contra as idéias demolidoras dos comunistas 21 Nesse discurso que foi transcrito na íntegra fixavamse as imagens tantas vezes reproduzidas desde então o bom e o mau operário O primeiro levava ao patrão e às autoridades sua solidariedade e apoio O segundo tentava envolver o operariado num turbilhão de revolta às leis e aos homens públicos pregava a luta de classes e falava em revolução Apesar de sua insistência na importância do respeito às leis os empresários não pareciam se sentir obrigados a respeitálas Tanto é assim que as leis passadas pelo governo com o objetivo de diminuir o conflito entre Capital e Trabalho longe de receberem o seu apoio foram freqüentemente objeto de oposição e crítica e só raramente foram obedecidas 22 Em 1929 o Centro Industrial do Brasil condenou ao Código de Menores 23 No ano seguinte o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem dirigia uma carta ao Ministro do Trabalho criticando a lei de férias 24 Esta como outras leis visando a proteger os trabalhadores estava sendo sistematicamente desrespeitada 25 Sua existência no entanto causava apreensão entre os industriais os quais pareciam irritados com a ação de alguns funcionários públicos mais zelosos que exigiam o cumprimento da lei Igualmente apreensivos ficavam os industriais quando algum jornalista desavisado se dispunha por alguma razão a dar cobertura simpática às greves e reivindicações operárias A emergência de grupos de classe média relativamente independentes e sua aliança circunstancial com a classe operária constituíam a seus olhos uma ameaça O que nos espanta hoje depois de meio século desses acontecimentos é o receio que os empresários parecem ter dos operários Afinal de contas como o próprio vicepresidente do Centro das Indústrias de São Paulo reconhecia no seu discurso inaugural em 1928 os operários constituam apenas um pequeno número 300000 num país de trinta milhões de habitantes 26 Daqueles apenas a minoria estava organizada e o número dos que podiam ser considerados radicais era ainda menor E de fato como a história viria demonstrar eles não constituíam ameaça séria para quem contava com o apoio praticamente irrestrito das autoridades Podese conjecturar que o terror dos industriais provinha em parte da irreconciliável retórica de luta de classes usada por alguns líderes operários A crítica destes ao capitalismo como sistema seu apelo ao operariado para que se unisse na luta contra o capital devem ter soado suficientemente ameaçadores aos industriais para deixálos preocupados Sua ansiedade deve ter crescido por ocasião da extraordinária greve de 1917 e provavelmente se agravou ainda mais face à agitação de vários setores da população durante as revoltas de 1922 e 1924 Mais alarmante do que todos aqueles episódios no entanto deve ter sido o espectro da Revolução Russa de 1917 cujo valor simbólico foi incalculável Para os operários ela pareceu anunciar o início de uma nova era Para os industriais o começo do fim Mesmo considerandose todos esses fatores a reação dos empresários parece excessiva e talvez só uma explicação psicanalítica satisfaça O exagerado receio que eles parecem ter dos operários talvez brote de um profundo sentimento de culpa e do temor da punição ou desejo de punição que em geral o acompanha Quem eram esses trabalhadores que causavam tanta apreensão aos empresários Eram eles de fato anarquistas estrangeiros que tinham vindo ao Brasil semear desordem e descontentamento entre os bons e ordeiros trabalhadores nacionais como alegavam os industriais os agentes de polícia e os jornalistas E como até mesmo os historiadores nos fizeram crer A lista das numerosas organizações que compõem as Federações anarquistas bem como as dos participantes dos congressos operários de 1906 1908 e 1913 publicados por Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro nos levam a duvidar dessa caracterização Onde esperávamos encontrar nomes italianos nos defrontamos com nomes de origem portuguesa e talvez espanhola 27 No estado atual das pesquisas é ainda difícil dizer quantos eram brasileiros Mas a leitura destas e outras fontes principalmente as memórias de militantes que têm sido publicadas nos últimos anos nos leva a crer que o papel dos brasileiros no movimento operário da Primeira República tem sido subestimado Ficamos também convencidos de que a imagem de um movimento operário controlado totalmente por anarquistas precisa ser revista Mais atenção deve ser dada a outros grupos principalmente os sindicalistas os socialistas e os católicos que raramente têm chamado atenção 28 Tanto no livro de Carone quanto nos de Hall e Pinheiro existe documentação suficiente para demonstrar que aqueles grupos foram mais numerosos e mais ativos do que a historiografia tem sugerido Alguém poderia perguntar porque então os anarquistas têm absorvido todas as atenções Como se explica a preeminência que lhes têm sido dada no movimento operário Por que se tem identificado anarquista com estrangeiro Provavelmente várias razões explicam essas tendências Com sua retórica de lutas de classes e suas táticas de ação direta seu envolvimento em greves e demonstrações públicas os anarquistas despertaram mais receio e hostilidade do que qualquer outro grupo Além disso a opinião de que o movimento operário estava controlado por um grupo de estrangeiros anarquistas e agitadores era freqüentemente expressa tanto pelos jornalistas quanto pelos industriais com a intenção de desmoralizar o movimento operário perante a opinião pública Não é de espantar portanto que eles próprios acabassem por acreditar nisso Essa opinião foi reforçada pela constante perseguição aos anarquistas e pela repercussão que os casos de deportação tiveram Por outro lado quem poderia duvidar que os anarquistas monopolizassem o movimento operário se eles eram os primeiros a se declararem responsáveis por qualquer greve ou manifestação pública Tudo isso acabou por dar aos anarquistas uma visibilidade que outros grupos não tinham Dessa forma a imagem de um movimento operário controlado exclusivamente por anarquistas estrangeiros acabou por prevalecer Tanto mais que a maioria dos que escreveram sobre o movimento operário na Primeira República estudaram esse movimento em São Paulo um estado em que não só os anarquistas eram particularmente ativos como também o imigrante representava grande parcela da força de trabalho No entanto até mesmo em São Paulo havia muitos trabalhadores nacionais Segundo o Censo industrial de 1920 60 dos 93998 trabalhadores registrados eram de nacionalidade brasileira Nos demais estados talvez com exceção do Rio Grande do Sul o número de trabalhadores nacionais era ainda maior É preciso portanto examinar essa questão com mais cuidado pois a partir do momento que reconhecermos a participação do trabalhador nacional nos movimentos operários da Primeira República algumas das noções tradicionais ruirão por terra e novas questões surgirão Como falarse então da inexperiência política do trabalhador brasileiro Como explicar o sucesso do anarquismo entre eles Teria a massa dos trabalhadores nacionais preferido apoiar as organizações sindicalistas e as católicas Como se relacionaram eles com os operários estrangeiros Qual a sua participação na liderança do movimento operário De onde lhes vinha sua experiência política Finalmente qual a participação dos pretos no movimento operário Provavelmente por causa da identificação que fazem entre movimento operário e imigrante os que têm estudado a história do movimento operário na Primeira República raramente mencionam a presença de pretos e mulatos Em geral se repete que depois da abolição os imigrantes substituíram os exescravos na força de trabalho tendo aqueles sido marginalizados nesse processo 29 Até que ponto essa impressão corresponde à realidade Como os historiadores têm ignorado o papel dos pretos eles também não registram conflitos raciais Uma das poucas exceções é o historiador americano Sheldon Maram mas mesmo este autor con sidera o conflito étnico mais importante do que o racial 30 No entanto Jules Droz delegado da Internacional Comunista à América Latina observava em 1929 Ainda que não existam preconceitos de raça no Brasil segundo as informações de nossos camaradas grifo nosso uma coisa chama logo a atenção Os coolies brasileiros os trabalhadores da estiva os homens de trabalho pesado são todos homens de cor enquanto que os comissários os contramestres aqueles que manejam a pena e os funcionários as mulheres bem vestidas etc são todos brancos 31 Evidentemente o que escapava aos olhos da liderança operária não escapava ao arguto observador havia pretos e mulatos entre o operariado mas a estes estavam reservadas as profissões mais ínfimas Apesar disso a historiografia continua a ignorar a sua presença É preciso indagar até que ponto a cegueira da liderança em relação aos problemas raciais contribuiu para alienar pretos e mulatos do movimento operário Diante da indiferença das lideranças teriam eles tentado criar associações indepentes com o objetivo precípuo de defender seus interesses Essas são questões que ainda aguardam resposta Outra curiosa falha na literatura sobre o movimento operário é a falta de informação sobre o papel das mulheres No entanto em algumas indústrias as têxteis por exemplo elas constituíam a grande maioria Um relatório do Departamento Estadual do Trabalho reproduzido por Hall e Pinheiro registra num total de 10204 trabalhadores 2668 homens 6800 mulheres e 75 crianças Não obstante sua notável participação na força do trabalho as mulheres só raramente são mencionadas nos estudos sobre a classe operária e quando o são aparecem como vítimas passivas da opressão Maram comparando o insucesso do movimento operário no Brasil com seu sucesso na Argentina argumenta que uma das razões dessa diferença reside no fato de que no Brasil havia um maior número de mulheres e crianças entre os trabalhadores 33 Infelizmente nas duas coleções que examinamos não há documentos suficientes para modificar essa imagem O único que se refere diretamente à participação de mulheres é um manifesto reproduzido por Carone assinado por três operárias concitando suas companheiras a apoiarem os trabalhadores em suas lutas O manifesto parece confirmar a impressão geral de que as mulheres só raramente participavam do movimento operário 34 Há no entanto algumas evidências indiretas que nos fazem suspeitar que a sua presença foi muito mais significativa do que tem sido reconhecido Um relatório sobre violência policial contra operários apresentado à Câmara dos Deputados em 1919 menciona dois incidentes envolvendo mulheres 35 Sabemos também por outras fontes que as operárias têxteis freqüentemente fizeram greves e participaram de piquetes protestando contra redução de salários multas e abusos fiscais Basta ver o arrolamento feito por Paula Beiguelman em Os Companheiros de São Paulo 36 Mulheres também participaram ativamente do Partido Comunista 226 como se pode deduzir de algumas autobiografias de líderes comunistas recentemente publicadas Apesar de tudo a historiografia sobre o movimento operário continua a ignorálas Podese argumentar que a falta de debates sobre a condição das mulheres nos congressos operários com exceção das discussões sobre equalização de salários e das reivindicações sobre igualdade de direitos que aparecem na plataforma dos vários partidos socialistas 37 a ausência de mulheres das lideranças operárias e finalmente o silêncio da historiografia é indicativa de que as mulheres de fato tiveram um papel secundário no movimento operário É mais provável no entanto que esse silêncio seja resultado de um viés não apenas por parte da liderança operária como também por parte dos historiadores Só pesquisas futuras poderão esclarecer este problema Outro aspecto que salta à vista quando percorremos os documentos ora divulgados é a maneira insuficiente pela qual tem sido tratado o próprio movimento anarquista Apesar do interesse que despertou pouco se conhece sobre ele A tendência da maioria dos historiadores é tratálo como se fosse um grupo mais ou menos coeso Sob o rótulo de anarquismo no entanto existe uma variedade de grupos freqüentemente hostis uns aos outros divergindo quanto as táticas a serem adotadas e os propósitos a serem atingidos 38 Isso fica evidente pela leitura dos jornais operários reproduzidos por Carone 39 Os conflitos também estão documentados nas minutas dos Congressos Operários divulgados por Hall e Pinheiro 40 Carone identifica pelo menos dois grupos distintos um que recomenda uma estratégia gradualista Outro que prega a ação direta Para Hall e Pinheiro há também dois grupos um anarquista outro anarcosindicalista Estes ao que parece mais sindicalistas do que revolucionários o que provavelmente ajuda a explicar a direção que o movimento operário tomaria a partir de 1920 o declínio dos anarquistas e a fundação em 1922 do Partido Comunista A maioria dos historiadores tem visto a criação do Partido Comunista como reflexo da Revolução Soviética Uma leitura cuidadosa das minutas dos Congressos Operários e de outros documentos constantes destas coleções sugere no entanto que ainda mais importante foram os problemas com que se defrontou o próprio movimento operário nas primeiras duas décadas deste século A Confederação Operária Brasileira e as várias Federações organizadas pelos anarquistas reuniam uma grande variedade de métiers Havia pedreiros oleiros gráficos vidraceiros ferreiros marmoristas estivadores ferroviários alfaiates carpinteiros sapateiros mineiros funileiros pintores caixeiros cabeleireiros padeiros carroceiros e chauffeurs trabalhadores de hotel garçons operários de indústria textil e metalúrgicos para mencionar apenas alguns Uns eram donos dos meios de produção Outros não Uns eram artesãos outros trabalhavam em pequenas empresas familiares manufaturas outros ainda em fábricas onde se reuniam grande número de operários 227 Algumas se enquadravam no setor de serviços Outros no da produção industrial Essa heterogeneidade permitia aos anarquistas promoverem grandes mobilizações de massa mas ao mesmo tempo criava sérios problemas para organização do movimento A amálgama de grupos resultava em freqüentes conflitos e desentendimentos agravados por diferenças étnicas e raciais e às vezes até mesmo por barreiras linguísticas Sem falar nos conflitos derivados de questões ideológicas As minutas dos Congressos revelam que desde o início as lideranças anarquistas estavam divididas a propósito de assuntos importantes Alguns estavam preocupados em desenvolver a consciência política dos trabalhadores e em organizálos para enfrentarem os patrões Outros com problemas que afetavam o quotidiano do operário O debate entre esses dois grupos que às vezes lembram os diálogos de Don Quixote e Sancho Pança não só expressavam conflitos internos das lideranças como também revelavam tensões entre a liderança e as massas operárias entre os intelectuais anarquistas e os trabalhadores 41 As normas adotadas ou preconizadas pela liderança anarquista nem sempre satisfaziam aos anseios dos trabalhadores Estes insistiam na necessidade de leis que proibissem o trabalho infantil equalizassem os salários de homens e mulheres garantissem a segurança do trabalho reduzissem o número de horas fixassem um salário mínimo Sugeriam ainda o controle pelo Estado da qualidade e preço de alimentos e aluguéis A maioria dessas demandas evidentemente podiam constar de uma plataforma reformista Os líderes anarquistas no entanto em consonância com sua postura revolucionária e sua crítica teórica do Estado ao qual viam como o perpétuo inimigo dos trabalhadores rejeitavam qualquer sugestão que envolvesse sua intervenção Para eles a solução era consciência de classe e organização se os operários tinham problemas era porque não eram suficientemente conscientes beligerantes e unidos para fazer face aos patrões Os pais não devem mandar seus filhos ao trabalho O trabalho das crianças deteriorava o salário As mulheres não deviam aceitar remuneração inferior à dos homens Os trabalhadores deviam se recusar a trabalhar quando as condições não fossem seguras Como um dos líderes chegou a dizer durante o Segundo Congresso Operário realizado em São Paulo em 1908 porque antes de subir sobre um andaime ou de começar qualquer trabalho não se procura inspecionar se há aí garantias de vida e não nos recusamos terminantemente a trabalhar quando vemos o perigo 42 A culpa era portanto dos trabalhadores Consciência e luta contra os patrões não a intervenção do Estado eram o remédio para seus males Quando os operários sugeriam a criação de cooperativas e de fundo de greve ou desemprego eles encontravam igual oposição por parte das lideranças Se bem que houvesse sempre alguém entre a liderança que argumentasse em favor das propostas das bases o debate sempre terminava com a maioria reafirmando os seus princípios e recomendando que os anarquistas 228 incrementassem a sua propaganda Fizessem mais conferências publicassem mais livros e artigos para educar os trabalhadores e tornálos mais conscientes As ligas operárias deviam procurar manter entre seus associados sempre vivo o espírito de rebeldia contra as arbitrariedades não permitindo em ocasião alguma que o brio de operários livres seja pisoteado 43 Greve sabotagem consciência revolucionária eram os instrumentos de que dispunham os trabalhadores No entanto quando as greves eram violentamente reprimidas pela polícia os trabalhadores encontravam como respaldo apenas uma federação heterogênea dividida por interesses os mais contraditórios incapaz de coordenar a resistência Não é portanto de se espantar que depois da violenta repressão dos anos 1919 e 1920 alguns se convencessem da necessidade de adotar um novo tipo de organização e de utilizar novas estratégias Depois de mais de uma década de lutas os anarquistas pouco tinham conseguido Os reformistas os católicos e os socialistas também não tinham sido mais bem sucedidos A legislação trabalhista aprovada pelo governo não era obedecida A recessão que se seguiria ao apósguerra tornara as greves pouco eficientes Os grevistas se defrontavam com a repressão sistemática e quando pareciam ter alcançado seus objetivos as concessões ganhas eram logo perdidas Os sindicatos eram invadidos os trabalhadores despedidos os líderes presos alguns deportados Não era tarefa fácil organizar homens e mulheres divididos por conflitos raciais étnicos e ideológicos Ao movimento operário faltava coesão e coordenação Apesar de todo o esforço heróico feito pela liderança operária no sentido de mobilizar os trabalhadores apesar de todas as greves e impressionantes demonstrações de massa que eles tinham conseguido organizar apesar de toda a sua fala sobre a força dos trabalhadores estes continuavam oprimidos Uma consciência revolucionária era algo que levava muito tempo para se desenvolver e até mesmo os trabalhadores mais esclarecidos e conscientes não tinham condições de impedir que suas mulheres e filhos trabalhassem por miseráveis salários A alternativa no mais das vezes era a fome Eles também não tinham condições de se recusarem a trabalhar quando as condições não eram seguras Havia muitos crumiros prontos a tomar seus lugares A esperada Revolução parecia cada vez mais distante Se os anarquistas não tinham sido capazes de levar os trabalhadores a uma posição de força e não tinham conseguido sequer melhorar suas miseráveis condições de vida seriam eles capazes de levar a cabo uma revolução que poria fim ao estado burguês e à exploração do trabalho Atormentados por essas dúvidas alguns dos que tinham lutado durante anos entre os anarquistas começaram a buscar novos caminhos Dando um balanço nas lutasdos últimos anos chegaram a conclusão de que a organização falhara Era preciso buscar novos meios novos métodos novos sistemas novas normas de organização mais adaptáveis e consentâneas com o ambiente brasileiro 44 Alguns chegaram a pensar em se afiliarem à organização norteamericana dos Trabalhadores Industriais do Mundo IWW45 Não tardou muito entretanto para que começassem a ver na Revolução Soviética um modelo mais promissor Esta tinha pelo menos a vantagem de ter sido bem sucedida É dentro desse contexto que a criação do Partido Comunista deve ser entendida 4 Ao invés de ser um reflexo da Revolução Russa um mero produto de importação uma experiência alheia à realidade nacional um gesto de mímica social como as vezes tem sido descrita a criação do Partido Comunista Brasileiro deve ser vista como o resultado das lutas e derrotas do proletariado durante as duas primeiras décadas do século XX Não foi por acaso que Astrojildo Pereira e outros fundadores do Partido Comunista foram inicialmente militantes anarquistas Eles tinham aprendido com seus próprios erros Uma vez organizado o Partido Comunista procurou afiliarse a Terceira internacional Foi aceito em 1924 No seu segundo congresso em 1925 o partido decidiu participar da campanha eleitoral apoiando as reinvindicações que os trabalhadores vinham fazendo há mais de uma década Em 1927 o Partido gozou de um curto período de legalidade de janeiro a agosto Segundo a linha adotada pela Terceira Internacional o Partido deu seu apoio a criação de uma Frente Popular Um ano mais tarde o Bloco Operário e Campones BOC foi organizado Incluia em sua plataforma a luta por oito horas de trabalho diário quarenta e oito horas semanais salário mínimo proteção às mulheres e proibição do trabalho aos menores de quatorze anos Os comunistas também lutaram pela criação de uma Confederação Geral de Trabalhadores CGT para coordenar a luta dos operários Em 1928 o Partido registrava 1200 membros Um novo interlocutor tinha aparecido na cena política A história dos trabalhadores durante o período Vargas não pode ser escrita sem referência aos comunistas Esta no entanto é uma outra história Hall e Pinheiro param em 1930 Carone vai mais longe mas a grande maioria de seus documentos referese ao período anterior Das páginas dessas duas coleções de documentos surge uma imagem do movimento operário na Primeira República um tanto diversa daquela que tratamos inicialmente 7 Os empresários ganharam uma nova dimensão Eles parecem melhor organizados e mais sofisticados nos seus métodos repressivos Suas relações com os trabalhadores e com o Estado aparecem sob uma nova luz e eles estão mais aptos do que antes a desempenharem seu papel no Estado corporativista que será criado depois de 1930 Por sua vez os trabalhadores também estão mudados Onde os imigrantes eram a única presença vemos agora brasileiros muitos dos quais negros e mulatos As mulheres também foram acrescentadas ao quadro do qual estiveram ausentes tanto tempo O apático trabalhador rural do esboço original foi substituído por um mais dinâmico e experiente o qual antes de migrar para a cidade esteve envolvido em greves nas plantações de café do sul do país ou nos engenhos de cana do nordeste 48 Está portanto pronto para desempenhar um papel mais atuante no movimento operário Os anarquistas por sua vez não figurem mais como um grupo monolítico Há entre eles várias facções distintas Os comunistas os sindicalistas os católicos e os socialistas aparecem ao seu lado No quadro a liderança não ocupa mais o centro Ai estão os trabalhadores Caberá as novas gerações incorporálos definitivamente à história Livredocente USP e Professor Associado da Universidade de Yale Conferência realizada no Dep História FFLCHUSP maio 1982 NOTAS 1 Edgard Carone Movimento operário no Brasil 18771944 São Paulo Difel 1979 2 Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M Hall A classe operária no Brasil 18891930 Documentos 2 vols Vol 1 O Movimento operário São Paulo Alfa Omega 1979 Volume 2 Condições de vida e de trabalho relações com os empresários e o Estado São Paulo Brasiliense 1981 3 Albertino Rodrigues Sindicato e desenvolvimento no Brasil São Paulo 1968 Aziz Simão Sindicato e Estado São Paulo 1966 Leoncio Rodrigues Conflito industrial e sindicalismo no Brasil São Paulo 1966 Juarez Brandão Lopes Crise do Brasil arcaico São Paulo 1967 e Sociedade industrial no Brasil São Paulo 1964 Edgar Rodrigues Sindicalismo e socialismo no Brasil 16751913 Rio de Janeiro 1969 Maurício Vinhas Estudos sobre o proletariado brasileiro Rio de Janeiro 1970 Timothy Harding A Political History of the Organized Labor Movement in Brazil Ph D Dissertation Stanford University 1973 Kenneth Paul Erickson The Brazilian Corporate State and Working Class Politics Berkeley 1977 Sheldon Maram Anarchists immigrants and the Brazilian Labor Movement 18901920 Ph D Dissertation University of California Santa Barbara 1972 O livro de Kenneth Paul Erickson foi traduzido para o português sob o título Sindicalismo no processo político no Brasil São Paulo Brasiliense 1979 Sheldon Maram foi também traduzido e publicado sob o título Anarquistas imigrantes e o movimento operário brasileiro 18901920 RJ Paz e Terra 1979 4 Vejase Bóris Fausto Trabalho urbano e conflito social 18901920 São Paulo 1970 Sheldon Maram op cit e John WF Dulles Anarchists and communists in Brazil 19001935 traduzido para o português sob o título Anarquistas e Comunistas no Brasil 19301935 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1977 5 Jover Telles Movimento sindical no Brasil São Paulo 1981 Everardo Dias História das lutas sociais no Brasil 2a ed São Paulo 1977 Edgard Carone A República Velha 18901920 Instituições e Classes Sociais 3a ed São Paulo 1972 Antonio Mendes Jr e Ricardo Maranhão Brasil História Texto e Consulta República Velha São Paulo 1979 6 Bóris Fausto op cit Leoncio Martins Rodrigues Trabalhadores sindicatos e industrialização São Paulo 1974 Para uma opinião diversa vejase a obra de Sheldon Maram já citada 7 Edgard Carone A República Nova 19301937 3a ed São Paulo 1977 8 Bóris Fausto A Revolução de 1930 Historiografia e História São Paulo 1970 9 Paulo Sergio Pinheiro e Michael M Hall op cit vol 1 p 109 10 Idem p 307 11 Idem vol 2 pg 197 12 Idem vol 2 pg 204 13 Idem vol 2 pgs 198201 14 Idem vol 2 pg 203 15 Idem vol 2 pgs 324325 16 Michael Hall e Paulo Sergio Pinheiro Immigrazione e movimento operario in Brasile un interpretazione In Jose Luis Del Roio ed Lavoratori in Brasile Immigrazione e Industrializzazione nello Stato di Sao Paulo Milano 1981 Vejase também Edgar Salvador De Decca Dimensóes históricas do insucesso político Tese de doutoramento USP 1979 publicado sob o título O silêncio dos vencidos São Paulo 1981 17 Pinheiro e Hall vol II pg 208 Para um valioso exemplo das relações paternalistas adotadas na empresa ver o admirável estudo de José de Souza Martins Conde Matarazzo o empresário e a empresa São Paulo 1976 18 Magnífico exemplo da retórica patronal é o discurso feito à 1 de maio de 1920 na Vila Operária da firma Pereira Carneiro e Cia em presença do Ministro da Viação e do prefeito de Niterói e dos operários da empresa transcrito às pgs 187194 V 2 da obra de Pinheiro e Hall 19 Para uma análise da maneira pela qual a imprensa reagia às greves operárias vejase Barbara Weinstein Impressões da elite sobre os movimentos da classe operária A cobertura da greve em O Estado de São Paulo 19021907 In Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado O bravo matutino imprensa e ideologia o jornal O Estado de São Paulo São Paulo 1980 135176 Para uma visão oposta isto é para o ponto de vista da imprensa operária vejase Maria Nazareth Ferreira A imprensa operária no Brasil 18801920 Petropolis 1978 20Pinheiro e Hall vol 2 pgs 325326 21 Idem pg 327328 22 Sobre a legislação social nesse periodo vejase Angela Maria de Castro Gomes Burguesia e trabalho Política e legislação social no Brasil 19171937 Rio de Janeiro 1979 Para o estudo da ideologia dos empresários vejase ainda Marisa Saens Leme A ideologia dos industriais brasileiros 19191945 Petrópolis 1978 e Luiz Werneck Vianna Liberalismo e Sindicato no Brasil Rio de Janeiro 1976 23 Pinheiro e Hall vol 2 pg 233 24 Idem vol 2 pg 235237 25 Vejase ainda os argumentos dos industriais de calçados contra alguns regulamentos do Departamento Nacional de Saúde Pública relativos ao trabalho de menores e mulheres Pinheiro e Hall v 2 pg 209210 26 Pinheiro e Hall vol 2 pg 226 27 Observese a lista dos indivíduos que apresentaram suas credenciais como representantes dos seus respectivos centros ligas e uniões ao Primeiro Congresso Operário realizado em 1906 do qual saiu a COB Confederação Operária Brasileira Paulo Sergio Pinheiro e Michael M Hall vol 1 pg 4445 28 Um dos poucos a dar amplo desenvolvimento ao estudo de grupos não anarquistas é John WF Dulles em sua obra anteriormente citada Anarquistas e comunistas no Brasil 29 Exemplificador dessa posição é Florestan Fernandes A integração do negro na sociedade de classes 2a ed 2 vols São Paulo 1965 30 Sheldon Maram op cit pg 3031 31 Pinheiro e Hall vol 1 pg 310 Carta de Jules Droz à sua mulher datada de 2 de maio de 1929 32 Pinheiro e Hall vol 2 pg 61 Relatório do Chefe da seção de informações do Departamento Estadual do Trabalho do Governo de São Paulo ao diretor do departamento sobre trinta e uma fábricas de tecidos da capital do Estado uma em Santos e outra em São Bernardo 33 Sheldon Maram Labor and the Left in Brazil 18901924 a movement aborted Hispanic American Historical Review 572 254272 may 1977 34 Edgard Carone Movimento operário no Brasil 18771944 pg 97 menciona greve das costureiras 1907 transcrito de A Terra livre S Paulo 25 de 5 de 1907 A pg 470 Carone reproduz manifesto as jovens costureiras de S Paulo datado de 1906 o qual diz de início Companheiras Em vista da apatia que vos domina e que ninguém ainda pode sacudir 35 Pinheiro e Hall vol 2 pg 287 Referese a um meeting reunido na praça da Concordia composto de operários de São Paulo dirigido por moças paulistas e italianas que tinha sido dissolvido a pata de cavalo pela policia Carone em Movimento operário no Brasil pg 466468 artigo assinado por Fabio Luz transcrito de O Debate Rio 281917 o qual se refere à participação da mulher operária nas tentativas reivindicadoras nos meetings e nas greves acutilada pela polícia militar espezinhada pelos cavalos 36 Paula Beiguelman Os companheiros de São Paulo São Paulo 1977 pgs 23 27 28 29 46 49 83 37 Edgard Carone Movimento operário pgs 299 301 314 321 324 325 334 38 Outro autor que identificou vários tipos de anarquismo é Hobart Spalding Organized labor in Latin America New York 1977 Vejase também Bóris Fausto op cit Frequentemente no entanto a palavra anarquista é usada sem qualquer discriminação 39 Edgard Carone Movimento operário pg 345361 40 Pinheiro e Hall A classe operária no Brasil vol 1 pgs 41 e seguintes 41 Vejase em particular as minutas do Segundo Congresso Operário Estadual de São Paulo em 1908 reproduzidas em Pinheiro e Hall vol 1 pgs 74109 42 Idem pg 95 43 Idem pg 89 44 Vejase artigo intitulado Pela reorganização operária publicado em A Plebe 2851921 e transcrito em Pinheiro e Hall vol 1 pg 249251 45 Pinheiro e Hall idem pg 251 46 Para o estudo do Partido Comunista consultese entre outros Luiz Alberto Moniz Bandeira Clovis Mello e A T Andrade O ano vermelho A revolução russa e seus reflexos no Brasil Rio de Janeiro 1970 Ronald Chilcote The Brazilian Communist Party New York 1974 Astrojildo Pereira Construindo PCB São Paulo 1980 José Antonio Segatto Breve história do PCB São Paulo 1981 Astrojildo Pereira Documentos inéditos Memória e história Revista do Arquivo Histórico do Movimento Operário São Paulo 1981 Nelson Werneck Sodré Contribuição à História do PCB Antecedentes Temas de ciências humanas São Paulo 8 1980 Nelson Werneck Sodré Elementos para a História do PCB Infância Temas de ciências humanas São Paulo 9 1980 Astrojildo Pereira Formação do PCB 2ª ed São Paulo 1980 Moisés Vinhas O Partidão A luta por um partido de massas São Paulo Hucitec 1982 47 Muito importante para essa revisão é a leitura das memórias de militantes recentemente publicadas Em particular Gregorio Bezerra Memórias Primeira parte 19171937 Rio de Janeiro 1979 Agildo Barata Vida de um revolucionário Memórias 2ª ed São Paulo 1977 Octávio Brandão Combates e Batalhas São Paulo 1978 Leoncio Basbaum Uma vida em seis tempos Memórias São Paulo 1976 Paulo Cavalcanti Da Coluna Prestes à queda de Arraes Memórias São Paulo 1978 Elias Chaves Minha vida e as lutas de meu tempo Memórias São Paulo 1977 48 Pinheiro e Hall vol 1 pg 116127 SONIA REGINA DE MENDONÇA O RURALISMO BRASILEIRO 18881931 EDITORA HUCITEC São Paulo 1997 Sumário Capítulo V CERES E A POLÍTICA 113 Disputas em torno à expansão do Estado 115 O Ministério da Agricultura Indústria e Comércio gênese e instauração 117 O MAIC perfil institucional e composição de quadros 126 Capítulo VI A POLÍTICA DE CERES 137 A política diversificadora questões gerais 139 Os suportes institucionais da modernização agrícola 148 A política de arregimentação de mãodeobra 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS 177 FONTES CONSULTADAS 183 BIBLIOGRAFIA CITADA 187 ANEXOS 195 INTRODUÇÃO Deitando profundas raízes no imaginário social do Ocidente as noções de campo e cidade deram origem a variados sistemas de representações e valores tão distintos quanto expressivos O significante campo e seus múltiplos significados costumam ser associados a formas de vida social consideradas naturais plenas de paz simplicidade ou inocência Por outro lado o segundo termo do binômio e seus corolários é vinculado à idéia de centros de empreendimento saber ou progresso De igual forma têmse combinado importantes associações negativas ora a um ora a outro a cidade como espaço do egoísmo da competitividade da ambição o campo como lugar do atraso da ignorância da rotina Munidos desse arsenal cuja vida e sobrevida se sustentam na longa duração nos termos de Braudel homens dos mais variados contextos históricos apropriaramse de tal contraste de modo a por seu intermédio tentarem dar conta das transformações a eles relacionadas num dado espaço e num dado tempo Para alguns no decorrer do processo de construção do capitalismo houve três momentos cruciais em que essas vinculações exacerbaramse o final do século XVI e início do XVII a passagem do XVIII ao XIX e finalmente a virada do século XIX para o atual deixando clara a correspondência existente entre cada um deles e a ocorrência de mudanças excepcionais na economia rural Williams 1989 É este último momento o ponto de partida de minhas reflexões lembrandose que em meio às contradições inerentes à afirmação do capitalismo monopólico sobretudo em torno dos anos 187090 foi a agricultura uma de suas vítimas mais espetaculares gerando reações que variaram do protecionismo agrário ao cooperativismo Hobsbawm 1988 No caso francês por exemplo o movimento de retour à la terre de Jules Méline 18901914 originou o chamado ruralismo ou agrarismo Tais categorias diziam respeito tanto a uma política agrária de sentido mais amplo quanto a uma contrapartida ideológica fomentada e reproduzida por meio da montagem de um sistema de ensino agrícola considerado capaz de atuar sobre o campesinato transformando suas maneiras de pensar e agir Mais uma vez celebravamse as virtudes da agricultura do campo e de seus agentes demonstrando neste momento o temor das frações da classe dominante diante do crescimento do proletariado urbano Daí por diante o retour aux champs seria tema recorrente da ideologia ruralista durante quase um século Por seu forte apelo à ordem o tema gozaria de unanimidade entre as distintas frações da classe proprietária francesa Grignon 1975 Perante tal quadro por certo conhecido pelos atores políticos com que estarei trabalhando é que sitúo como objeto deste estudo o conjunto das representações e práticas acerca do mundo rural brasileiro no período convencionalmente chamado pela historiografia de República Velha conjunto este passível de ser apreendido sob a denominação de ruralismo Para além da similitude trazida pelo termo cuja etimologia e uso controlado serão estabelecidos adiante convém definir que se considera aqui o ruralismo como um movimento político de organização e institucionalização de interesses de determinadas frações da classe dominante agrária no Brasil tanto em nível da sociedade civil quanto em nível da sociedade política bem como aos conteúdos discursivos produzidos e veiculados pelos agentes e agências que dele participaram O estudo situase pois dentre os que tomam por objeto de sua análise os processos de construção do Estado aqui tomado na acepção gramsciniana isto é no sentido ampliado do termo Gramsci 1988 A vocação agrícola do Brasil na produção intelectual contemporânea De uma forma geral os estudos acerca do ruralismo situam o tema como parte do conjunto mais amplo de transformações suscitadas pela emergência do processo de industrialização em sociedades de bases agrárias o qual vêse acompanhado por uma revalorização do mundo rural até então predominante As raízes desse processo têm sido enquadradas pela historiografia do período em questão especialmente por meio de estudos acerca da expansão cafeeira das origens da indústria ou imigração européia centrados habitualmente sobre a fração hegemônica a grande burguesia cafeeira paulista ou do prisma político acerca dos mecanismos da dominação oligárquica e do sistema coronelista Silva 1977 Dean 1971 Cano 1976 Martins 1971 Leal 1975 Love 1980 Schwartzman 1975 dentre dezenas de outros Consistindo a defesa da chamada vocação eminentemente agrícola do pais na palavra de ordem do ruralismo republicano historiografia e história parecem confundirse tendo por ponte a naturalidade com que certos autores contemporâneos apropriamse daqueles situados nas três primeiras décadas do século Por tal razão o diminuto conjunto de trabalhos que tratam da temática nesse período a ela referemse perifericamente sem maiores aprofundamentos analíticos Tal silêncio a meu ver encontra explicações não em uma suposta ausência de significação até para os processos sociais concebidos como hegemônicos no momento mas também na hierarquia de temas e questões que as Ciências Sociais impuseram no Brasil notadamente quando está em jogo a análise dos segmentos sociais menos envolvidos com os pólos dinâmicos da acumulação de capital Creio porém que hoje é inegável a necessidade do conhecimento mais amplo acerca da história dos segmentos agrários da classe dominante brasileira já que o termo ruralista na atualidade chegou a instituirse como designativo de uma associação de classe com pretensões partidárias e atuação fascistizante Sem propor nenhuma incursão teleológica faço uso do recurso legítimo do historiador de olhando do momento presente indagarse acerca do passado e daquilo que ele nos lega questão básica para se escapar do risco de sermos conduzidos por nossa própria herança de temas e problemas Bourdieu 1980 É assim que se torna possível agrupar as parcas análises existentes a respeito do ruralismo em dois grupos de um lado o que o encara como um elemento ideológico complementar à explicação de processos históricos mais relevantes e de outro o que o situa também como um movimento político de defesa dos interesses agrários perante a industrialização Em ambos no entanto a subestimação do ruralismo como objeto legítimo e significativo é uma constante movimentopensamento ruralista adquire assim o caráter de espaço sóciopolítico da expressão de conflitos e posições diferenciadas acerca das modalidades de intervenção sobre a agricultura na Primeira República abrigando sob a aparência de uma fala monocórdia a luta pela institucionalização de interesses outros que não os da fração hegemônica quer a nível da sociedade civil quer sobretudo a nível da sociedade política ou Estado no sentido estrito Sob este último aspecto o ruralismo também constituiuse a meu ver enquanto tradução institucional em termos do aparelho de Estado de demandas específicas e previamente organizadas Das fontes e metodologia de construção Uma vez que o ruralismo nos moldes aqui propostos parece consistir num recorte privilegiado para o estudo da integração simbiótica entre ação e discurso político julgo essencial explicitar as premissas metodológicas da construção do objeto na medida em que pelo escopo e abrangência do tema ele demandou a delimitação de uma amostra controlada Passo a expor doravante os passos de sua elaboração seguindo a regra epistemológica básica que consiste em fornecer ao leitor os instrumentos necessários ao acompanhamento de minha produção Em primeiro lugar destaco que por coerência com o objeto assumido optei por não tomar como matériaprima básica os textos de autores consagrados canônicamente identificados ao tema pelos classificadores da produção intelectual brasileira Oliveira Fo 1987 tais como Alberto Torres Oliveira Vianna ou Pereira Barreto dentre outros Outra razão de tal escolha reside na tríplice proposta de definição do objeto na qual tais autores dificilmente poderiam caber o que não significa deixar de reconhecer seu estatuto de próceres do ruralismo Em segundo lugar face à considerável extensão dos estudos referentes ao desenvolvimento da cafeicultura paulista à participação de seus portavozes na cena políticointelectual do período bem como à existência de inúmeros trabalhos acerca de sua imbricação ao agrarismo brasileiro também optei por não priorizar a documentação produzida por agentes vinculados ao núcleo hegemônico Evidentemente que o universo paulista não se encontra excluído da interpretação não estivesse eu aqui propondo na verdade focalizar um dos suas formas de luta remetendo o tema às doutrinas econômicas tendência característica ao gênero de produção intitulado história do pensamento Teor semelhante contêm as análises de Jorge Nagle ou mesmo José de Souza Martins embora este último confira contornos mais nítidos à análise do ruralismo Nagle 1974 e Martins 1975 No entanto ao combinar premissas do materialismo histórico com um certo psicologismo do qual tenta extrair padrões de comportamento no caso o tradicional acaba por englobar num mesmo saco problemáticas tão diversas quanto a da modernização da agricultura como uma ideologia ou a do associativismo rural para acabar concluindo que só existe o problema agrário na medida em que o mundo urbano está na dependência do mundo rural Martins 1975 p 3 Ademais a historicidade particular do objeto em foco se dilui no enfoque sociológico do autor cujo procedimento de buscar identificações analógicas facilmente perceptíveis em aproximação diacrônica acaba por transfigurar o ruralismo num construto abstrato e esvaziado dos conteúdos que deveriam especificálo Por tudo isso recorto o ruralismo brasileiro ratificado e especificamente definido ao longo da Primeira República em primeiro lugar como um movimento político integrado por agências e agentes dotados de uma inserção determinada na estrutura social agrária e sustentado por canais específicos de organização expressão e difusão de demandas De tal movimento cujas nuances apontam para segmentações no seio da classe proprietária rural e para oposições à sua fração hegemônica provenientes do que chamarei de frações dominadas da classe dominante identificadas ou não com oligarquias de estados da federação originouse um discurso igualmente diferenciado e não monocórdio como o supõem alguns Isso porque do ponto de vista aqui assumido a despeito de palavras de ordem semelhantes a efetiva mensagem nelas contida diferenciase no domínio do político onde aí sim explicitamse as modalidades diversas de ordem regional eou setorial de se implementar um mesmo projeto de reabilitação da vocação eminentemente agrícola do Brasil Nesse sentido o ruralismo por uma conjuminância de fatores tais como a abolição a redefinição das linhas do comércio internacional para dados produtos agrícolas ou os rearranjos no bloco no poder a partir do federalismo republicano colocouse como um dos fios condutores da reordenação política intraclasse dominante agrária O de interesses agrários no período a nível da sociedade civil primeira parte das indagações a que se procurava responder O segundo grupo de fontes resultou na construção de um corpus documental geralmente secundarizado pelas análises sobre o período eou tema cuja menor nobreza ou legitimidade pudesse ser compensada pela maior abrangência explicativa na construção do processo estudado Assim sendo operouse com um universo composto por uma coleção de 31 monografias agrícolas produzidas pelos mais diversos agentes e até hoje raramente mencionados pela historiografia especializada O critério para sua seleção consistiu em elencar os textos de procedência propositalmente mais variada quanto à sua autoria abrangência temática gênero público destinatário referido e profundidade analítica A intenção era ter uma amostragem que permitisse atingir dois tentos cotejar práticas discursivas representativas de segmentos diversos da fração agrária da classe dominante regional eou setorialmente falando e inferir o homogêneo a partir da heterogeneidade construída e controlada mediante referências a outras fontes Deixamos vir à tona os testemunhos para aí sim delinearse os contornos do debate ruralista Este segundo corpus como se vê propiciou a análise do ruralismo em sua segunda dimensão isto é enquanto discurso produzido por emissores distintos voltados para receptores igualmente específicos Todos os textos aqui compulsados no entanto apresentam em comum o fato de serem produtos de autores que se autorepresentavam contrastivamente àqueles que designam como notáveis enquanto homens de ação face a seu empenho em sugerir instrumentos pragmáticos de intervenção numa agricultura visualizada como em crise Segundo um deles nada de ideólogos para longe o espírito metafísico do que precisamos é do homem do trabalho do homem da ação eis a nossa divisa na regeneração agrícola do país Reis 1919 p 14 Cumpre ainda destacar que do arcabouço metodológico utilizado retirouse o dado da formação culturalprofissional e o da inserção em diferentes redes de relações sociais como determinantes para a interpretação de sua produção discursiva Essas monografias foram coletadas basicamente em duas unidades de pesquisa do Rio de Janeiro a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional ambas contribuíndo com material expressivo para a configuração do universo original 84 monografias do qual foi extraída a amostra mencionada Anexos O desconhecimento acerca do tema e de um modo mais geral acerca da história administrativa do Estado brasileiro contundo parece legitimar tal esforço já que acredito ser tarefa do historiador para além de interpretações ensaísticas baseadas tãosomente na releitura da bibliografia trazer a público pesquisa baseada em fontes primárias se possível pouco ou nada trabalhadas É ainda importante enfatizar que adotouse ao longo de todo o trabalho quer no que tange ao tratamento do ruralismo enquanto movimento político quer no que diz respeito a ele como um debate de idéias o procedimento metodológico de resgatar na medida do possível o perfil da trajetória sociopolítica e cultural dos agentes nele envolvidos de modo a comprovar empiricamente tanto a estreita vinculação existente entre os quadros da SNA e os do MAIC quanto aquela entre estes e os atores também presentes como autores das monografias Assumiuse portanto que para além das análises internas dos discursos muitas vezes simples contagens lexicográficas fazse necessário pensar as mensagens emitidas como produtos sociologicamente apreensíveis e por isto necessariamente remetidos à rede de relações sociais de que participam seus produtores e destinatários e por ele refletidas em seus significa dos Por certo não foi esta uma investigação fácil ficando o pesquisador limitado ora aos dicionários biobibliográficos construídos via de regra com base no critério da excelência Costa 1892 Galanti 1911 ora aos instrumentais que não passam de meros arrolamentos definidos pela atividade profissionalinstitucional dos biografados Abranches 1918 Blake 18831902 Desses limites decorrem duas consequências Do ponto de vista teóricometodológico dificultase a possibilidade de ruptura com os marcos consagradores de uma história das individualidades excepcionais Do ponto de vista empírico obstaculizamse os estudos que tomam por base a linha aqui proposta de análise de discurso Este trabalho não fugiu desses constrangimentos Todavia apesar deles e contra eles optouse por insistir neste que considero um exercício necessário ao melhor entendimnto das relações entre posição social ação política e discurso Ainda à guisa de método é importante frisar que optei pela grafia em itálico de todas as noções ou expressões de época Capítulo 1 A REAÇÃO RURALISTA Resultado de um processo de ampliação da taxa de investimento de capitais por volta de 1870 a Segunda Revolução Industrial determinaria uma dinâmica de crescimento sem precedentes para o conjunto da economia capitalista européia americana e japonesa Configuravase então não apenas a dimensão planetária do sistema como também mudanças na forma de inserção das economias dependentes cujo cerne passou a residir no aperfeiçoamento tecnológico origem dos grandes complexos industriais típicos da economia de escala concomitantemente à verticalização e horizontalização da economia No bojo desse processo ampliouse vertiginosamente a demanda por matériasprimas destinadas tanto ao processamento industrial quanto ao consumo dos grandes contingentes operários e burocráticos concentrados nas cidades em torno das unidades fabris Entretanto uma vez que a produção viesse a exceder a capacidade local de consumo gerando um quadro de superprodução crônica comprometeria da estabilidade do sistema uma pressão contínua se gestaria em seu seio pelo alargamento do mercado consumidor de produtos industriais Estava aberto o caminho para o desdobramento espacial do capitalismo o qual com base no implemento das técnicas de comunicação e transportes estenderia sua ação por todo o globo penetrando ou destruindo as economias pré ou não capitalistas Hobsbawm 1974 p 5964 A economia mundial tornavase ao mesmo tempo mais pluralista do que jamais o fora perdendo a Inglaterra o privilégio de A reação ruralista a intermediação comercial e financeira que também externa retirava da economia parte significativa do excedente produzido Realizada sob a forma de divisas estrangeiras tal intermediação impunha a preservação desta forma de valor como vital para a plena concretização do circuito produçãofinanciamentocomercializaçãoacumulaçãoprodução Daí a política cambial terse convertido no núcleo das controvérsias econômicas ao longo da primeira República objeto de acirradas disputas entre distintas frações da classe dominante mormente aquelas cuja valorização do capital davase na esfera exclusiva da produção agrícola contrapostas às que já haviam urbanizado parte considerável de seus investimentos Saes 1986 Suzigan Villela 1975 Uma vez assentado todo o edifício econômico e administrativo republicano sobre essa tênue contradição o quadro global da vida econômica política e social do período seria obviamente marcado por um equilíbrio instável ao sabor das oscilações na cotação internacional dos principais produtos primários exportados e das políticas públicas voltadas à defesa da renda dos maiores proprietários ainda que às expensas do endividamento externo do país e das constantes desvalorizações do milréis A supremacia da fração cafeicultora paulista consolidada por meio da política dos governadores Cardoso 1975 seria um marco neste processo No seu rastro as sucessivas operações de valorização do café empreendidas no período seriam responsáveis por tensões políticas consideráveis uma vez que os segmentos não cafeíferos da burguesia agrária se veriam secundarizados no beneflácio da ação estatal não apenas pelo maior peso daquele produto na determinação das finanças públicas como também pelo papel político subsidiário por eles desempenhado na dinâmica do jogo oligárquico Faoro 1975 Martins Filho 1981 Originavase justamente aí uma séria crise política que perpassaria a classe dominante rural contrapondo não apenas suas distintas frações ligadas a complexos cafeiros mais e menos dinâmicos como também aquelas oriundas de complexos regionais diversos todas advogando igual proteção do governo federal para seus diversos produtos Fausto 1975 A importância do controle do aparato estatal por parte desses distintos segmentos da classe dominante ganharia pouco a pouco novo significado não sendo casual o fato das eleições presidenciais de 1922 terem marcado pela primeira vez na República Velha a A reação ruralista cisão entre os dois Estadoslocomotiva de um lado e um bloco de oligarquias secundárias sob a liderança gaúcha de outro3 Cabe apontar entretanto que cafeiros açucareiros ou pecuaristas produtores para o mercado externo ou interno os grupos agrários dos distintos complexos econômicos disputariam permanentemente entre si o privilégio da ação pública conferindo ao exercício da supremacia paulista um caráter bem menos monolítico do que se costuma supor Num aspecto contudo promoviase o consenso entre eles na fisiorática defesa da vocação eminentemente agrícola do país bandeira em nome da qual justificaramse tanto respostas a conjunturas críticas setoriais quanto posturas relativamente homogêneas diante de ameaças tidas como comuns como no caso da industrialização e seus correlatos notadamente as tarifas protecionistas de caráter industrializant4 A reação ruralista Como se pode perceber a ratificação da vocação agrícola do Brasil se faria acompanhar de perto pelo espectro de uma crise em suas múltiplas acepções Crise efetiva dos preços dos bens primários exportáveis sem perspectivas de colocação no mercado externo à exceção do café em seu início se transformaria ela em crise politi 3 O movimento conhecido como Reação Republicana após a candidatura paulista de Artur Bernardes uma frente integrada por representantes do Rio Grande do Sul Bahia Pernambuco e Rio de Janeiro que apresentando candidato próprio Nilo Peçanha configuraria a segunda sucessão efetivamente competitiva do período Segundo Bóris Fausto nenhuma outra disputa refletiria com tanta clareza as divergências intraoligárquicas em matéria de política econômicofinanceira protestando as oposições contra o imperialismo de São Paulo Minas e advogando o protecionismo federal para outros produtos como a borracha o açúcar e a pecuária Fausto Bóris Expansão do Café e Política Cafeeira In Fausto B org História Geral da Civilização Brasileira São Paulo Difel 1975 tomo III vol 1 p 193248 Distintos grupos agrários atribuíam ao protecionismo industrial a responsabilidade pelo que consideravam a crise da lavoura bem como pelas agitações populares urbanas decorrentes do aumento do custo de vida A defesa da vocação agrícola do país entretanto nem sempre fazia desses agentes opositores ferrenhos do intervencionismo econômico ao contrário do que supõem alguns estudiosos do liberalismo no Brasil referindose ao caso paulista Da perspectiva aqui assumida a linha divisória entre agraristas e antiagraristas deve ser buscada bem mais em posições próprias ao campo político do que ao ideológico Cf Capelato Maria Helena Os arautos do liberalismo São Paulo Brasiliense 1989 p 546 A reação ruralista ca acabando por revestirse do caráter de crise social e ideológica por confronto aos valores e dinâmica próprios à ordem urbanoindustrial que se impunha à sociedade brasileira Ambiguamente contudo seria essa mesma vocação o fio condutor das mudanças advogadas senão para a estrutura agrária ao menos para o desempenho da atividade agrícola desde que as tradicionais culturas de exportação davam mostras de seu esgotamento na virada do século redirecionandose para o mercado interno e ditando a necessidade de uma reação por parte de setores da classe proprietária diversamente atingidos em seus complexos econômicos O fundamento de tal reação residiria ainda que em nome de objetivos políticos díspares no aprofundamento da identidade estabelecida entre os destinos da agricultura e os da nação Em meio à mencionada crise da lavoura interesses de classe e nacionalidade se confundiriam dando suporte a um projeto político e ideológico que não só acomodasse os conflitos mencionados como também unificasse os grupos agrários em torno da defesa da correlação de forças inscrita no bloco no poder As críticas à cidade e à indústria seriam o substrato viável de ambos os objetivos conquanto tal não significasse mecanicamente a exclusão total e plena no horizonte dos defensores da vocação agrícola da aceitação da indústria desde que ideologicamente naturalizada5 Dentro desses parâmetros reside minha concepção do Ruralismo aqui tomado como um movimentoideologia políticos produzido por agentes sociais concretos econômica e socialmente situados numa dada estrutura de classes e portadores de interesses nem sempre convergentes Assim se procedeu por discordância quanto a certas posições que insistem em referirse ao tema partindo de meras analogias estabelecidas a partir das matrizes teóricas fisiorática e liberal conferindolhe um caráter doutrinário vago e impreciso Julgando imprescindível desvendar a variada gama de interesses embutidos no dogma da vocação agrícola peculiar ao Ruralismo do período de modo a contribuir para a discussão acerca dos usos políticos a que se prestaram e prestam noções deste tipo optouse por iniciar este estudo pela recomposição dos contornos da aqui mencionada reação ruralista O termo é empregado com relação às origens de um movimento de institucionalização em nível da sociedade civil e da sociedade política da diferenciação dos interesses agrários no Brasil ocorrido entre o fim da escravidão e as duas primeiras décadas do século atual unificado pelo fim último de restaurar a vocação agrícola do país mediante a diversificação da agricultura nacional Longe de significar uma proposta alternativa à economia agroexportadora tal reação veio a representar segmentos agrários que procuravam abrir maior espaço para a acumulação interna até porque vinculavamse à produção de gêneros com menor possibilidade de colocação no mercado mundial Integrada tanto por iniciativas de governos estaduais empenhados em subestimar os efeitos administrativofiscais da crise agrícola quanto por grupos de proprietários dedicados a organizar suas demandas mediante a criação de associações de classe a reação ruralista daria suporte a uma reciclagem da tradicional vocação agrícola lançando bases para uma ação políticoinstitucional de distintas frações da classe proprietária rural Um caso precursor Três podem ser os tipos de agentes detectados à testa do movimento diversificador O primeiro representado por elementos com formação técnica oriundos de áreas cafeeiras decadentes via no policultivo a saída para os problemas regionais dentro ou fora do aparelho de Estado serviriam eles de estímulo para a conscientização de seus contemporâneos em torno da questão e de incentivo para a ação pública em prol de múltiplos produtos O segundo tipo consistia nos políticos profissionais em busca do resgate da prosperidade das áreas onde tinham suas bases de poder tratando de definir instrumentos tarifários e fiscais capazes de darem suporte juntamente com o apoio federal à diversificação Finalmente encontramse os membros da fração hegemônica ligada às áreas cafeeiras mais prósperas porém preocupados em estabelecer alternativas de anteparo contra futuras flutuações do mercado como era o caso de alguns grandes fazendeiros paulistas Diversamente dos dois primeiros estes últimos longe de visualizarem substitutivos a uma cultura principal ameaçada pretendiam fomentar novos produtos de modo a superes timar o desempenho de seu complexo agroexportador e não frear sua decadência Deixando momentaneamente de lado os exemplos ilustrativos do primeiro tipo de agentes a ênfase ora recairá sobre a iniciativa de alguns políticos reconhecidos à própria época como lideranças significativas do movimento diversificador dentre os quais merece relevo por seu pioneirismo Assis Brasil Pecuarista gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil ganhou notoriedade como um dos mais ardentes defensores do incentivo público à agricultura diversificada Nascido em 1857 no município de São Gabriel e herdeiro de extensas propriedades ingressaria na Faculdade de Direito de São Paulo bacharelandose em 1882 e logo retornando a seu estado para atuar vivamente em prol de uma agricultura progressista tendo por base de ação a Assembléia Legislativa provincial para a qual se elegera em 1885 Neste posto além de reivindicar a transformação das instituições políticas brasileiras a começar pela mudança do regime monárquico também proclamaria as virtudes de um país essencialmente agrícola à procura de renovação e incentivos Assis Brasil 1886 p 202 Deputado federal constituinte em 1890 e um dos elaboradores da Constituição estadual gaúcha Assis Brasil se afastaria da cena política ao longo desta década voltandose para a carreira diplomática na qual permaneceria até 1908 quando de seu retorno à militância política pela criação do Partido Republicano Democrático de caráter oposicionista Aposentado pelo Itamaraty em 1912 iria instalarse em sua granjamodelo de Pedras Altas dedicandose ao aperfeiçoamento das espécies bovinas bem como a experiências com o aumento da produtividade dos rebanhos tendo em mira a indústria de laticínios A despeito de suas atividades experimentais agrícolas foi como político que seu nome ganhou notoriedade9 conquanto para os fins desse estudo interesse sobretudo seu papel como precursor do Ruralismo no país De sua carreira diplomática Assis Brasil extrairia os mais profícuos frutos para afirmarse como uma das lideranças ruralistas do período quer pelos conhecimentos adquiridos nos contatos com as modernas técnicas agrícolas norteamericanas quer pelos movimentos de propaganda em prol da agricultura brasileira que sua vivência no exterior permitiulhe organizar10 Uma de suas obras mais importantes dentre a vasta produção escrita nessa seara A cultura dos campos foi publicada pela primeira vez por prestigiadas editoras européias sendo legitimada à época como a Bíblia da agricultura brasileira10 Nesse trabalho dedicado aos homens do campo esclarecidos e desejosos de buscar no amanho de nossos ubérrimos campos um remédio à ruína da fortuna pública e particular Assis Brasil explicitara suas idéias acerca da modernização e diversificação da agricultura de modo a tentar reverter a vergonhosa situação do país que dispondo de uma enormidade de terreno fértil não tem sequer a independência do próprio estômago e vai pedir ao estrangeiro os gêneros mais necessários à vida Assis Brasil 1898 p X Lamentando a importação brasileira de cerca de um milhão e meio de sacas de milho no ano de 1895 bem como de volumes igualmente consideráveis de arroz e feijão insistia no incremento da produção da carne cereais e forragens como meio de se atingir a independência da nação Julgando concorrer para tornála viável A cultura dos campos forneceria noções de aplicação imediata às culturas mais urgentes capazes de promover a alteração dos métodos empregados até então além de tentar granjear o apoio mais efetivo do Estado para a agricultura em geral Dentre tais noções o autor ressaltaria a educação agrícola e sobretudo a mecanização produtiva particularmente aconselhada para grandes propriedades produtoras em larga escala onde viria a substituir o trabalho individual com enxadas Cultivadores arados e semeadores ampliariam a eficiência da fazenda promovendo segundo ele melhor e mais intenso trabalho Os implementos agrícolas de procedência norteamericana eram os mais recomendados chegando a especificar até mesmo suas firmas produtoras A cultura dos campos diziase em suma um manual da agricultura progressista uma cartilha que reunia conhecimentos básicos sobre solos climas plantas fertilizantes e drenagens e que ao longo de quatorze capítulos pretendia ensinar como tornar viável a cultura diversificada no país com realce para as espécies forrageiras Atingindo um público crescente como o provam suas sucessivas reedições em curto espaço de tempo quatro entre 1898 e 1910 a obra converteuse em veículo da legitimação de seu autor dentre os círculos ruralistas de seu tempo tornandoo reconhecido como profeta do ruralismo no país11 Para além da obra escrita a vida diplomática e política de Assis Brasil também contribuiria em muito para tornar viáveis seus objetivos a começar pelo fato de ter sido ele fundador do primeiro grupo de interesses institucionalizado em prol da moderna agricultura brasi importados similares aos da produção local a diminuição dos impostos sobre as exportações agrícolas do estado e por fim a concessão de estímulos diretos e indiretos ao policultivo Por tal via e mesmo considerando a inoperância do Convênio de Taubaté 1906 com relação à cafeicultura fluminense a política assim inaugurada e mantida por seus sucessores até a Primeira Grande Guerra lograria relativo sucesso ao diversificar a agricultura regional ou pelo menos impedir sua involução econômica Mendonça 1977 Mais que um conjunto de medidas esporádicas empreendidas como paliativo conjuntural a um momento particularmente agudo da crise em complexos agrários regionais menos dinâmicos tal tipo de ação pública parece ter representado o esboço de um projeto de desenvolvimento econômico alternativo à especialização monocultora ainda que contido nos estreitos limites da própria economia agrícola O que semelhante experiência de intervencionismo estatal sugere é uma espécie de releitura da dependência não mais ligada à preservação de um setor voltado ao mercado internacional porém voltada ao aproveitamento das oportunidades de ampliação do mercado consumidor doméstico em curso desde fins do século XIX Centrada na preocupação em superar os constrangimentos de uma balança comercial deficitária a política agrícola de Nilo Peçanha parece representar o tipo de institucionalização oficial de interesses agrários próprios a áreas ou setores em condições menos dinâmicas de desempenho que logo se articulariam para tentar imporse a canais de expressão pública com abrangência nacional a recriação do Ministério da Agricultura seria um de seus mais claros exemplos Outro exemplo de política pública diversificadora de âmbito regional pode ser extraída do terceiro grupo de agentes acima mencionado Integrado por aqueles que embora vinculados aos interesses da cafeicultura mais próspera procuravam superar os horizontes da extrema especialização produtiva da lavoura a tônica de sua ação residiria na aplicação de recursos públicos à pesquisa de novas espécies complementares ao café Segmentos de proprietários do estado de São Paulo iriam mobilizarse para ampliar a variedade de suas culturas a despeito do enfrentamento no seio de seu próprio complexo regional da oposição daqueles que discutiam o policultivo como instrumento de prevenção às flutuações do preço externo do produto rei Bresciani 1976 p 14962 leira a Sociedade Brasileira para a Animação da Agricultura SBAA criada em Paris no ano de 1894 Na sessão inaugural da Sociedade chamaria atenção para o perigo cada vez maior reconhecido por eminentes brasileiros de terem somente um suporte de não poderem contar com nada além do café Assis Brasil 1898 p XIII Sob tal prisma a Sociedade se autoatribuiria o papel de posto avançado do aperfeiçoamento agrícola do país encarregada de adquirir sementes e animais de qualidade para seus membros residentes no Brasil bem como de buscar o patrocínio de certos círculos políticos de prestígio para a causa12 Segundo seus estatutos suas finalidades consistiam em encorajar a criação de gado de toda espécie no país encorajar a agricultura notadamente no que concerne à produção de forragens e cereais e divulgar no estrangeiro os produtos do trabalho brasileiro SBAA 1921 p 11 Igualmente interessante é o perfil do quadro de associados da agremiação que contribuíam com fundos significativos para a manutenção de seus serviços quer se tenham tratado de indivíduos grupos ou empresas empenhados na defesa da agricultura diversificada os paulistas Carlos Botelho e Augusto Ramos o agrônomo norteamericano Benjamin Hunnicut diretor da Escola Agrícola de Lavras foram alguns deles incluindose além desses associações agrícolas fluminenses e paulistas sem falar nos representantes dos Executivos de alguns Estados da federação conjuntamente com jornais como O Estado de São Paulo ou A Noite SBAA 1898 p 126 Ainda que na avaliação de alguns autores a importância da SBAA seja subestimada por ser tida como aristocrática e rara Carone 1972 p 161 creio que tal tipo de julgamento de valor deva ser revertido encarandose seu objeto sob outro ponto de vista No processo histórico brasileiro da transição de uma sociedade agrária para industrial acelerada pela Abolição uma das formas de reação da classe proprietária rural à inevitável redefinição do papel da agricultura consistiria justamente na institucionalização da diferenciação de seus interesses mediante a organização de associações de classe capazes de explicitar suas divergências eou semelhanças Operárias CAPHUSP estudos AVANÇADOS 31 A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Flávio A M de Saes As polêmicas a respeito da industrialização na Primeira República não se restringem em geral a limites estritamente acadêmicos pois os argumentos apresentados deviam à sua época servir de apoio a propostas de política eco nômica ou à crítica de políticas em vigor e à compreensão do alinhamento político de determinados grupos sociais Por esse motivo tais polêmicas não perderam atualidade muitas das questões de fundo aí presentes são recolocadas hoje por vezes de modo muito semelhante ao dos anos 60 e 70 O objetivo deste artigo não é portanto o de encerrar as polêmicas a res peito da industrialização na Primeira Republica ao indicar teses e posições cor retas Pretendese apenas fazer um balanço da controvérsia em algumas de suas principais vertentes indicando sempre que possível a atualidade das questões colocadas em foco Não se pretende também ser exaustivo no exame das inúmeras contribui ções ao debate A escolha de alguns autores tidos como representativos de de terminadas posturas envolve as limitações e preferências do autor Daí existir grande risco de exclusão de obras de grande relevância para a discussão do te ma Vale lembrar ainda que a exposição não segue a ordem cronológica das obras comentadas pelo fato de centrarse apenas em algumas questões particu larmente importantes para a discussão do tema Finalmente cabe registrar que não há intenção de reconstituir o processo de industrialização em si mas apenas alguns aspectos da controvérsia que se estabeleceu em relação a ele A Indústria Brasileira nos anos 30 a polêmica entre Furtado e Peláez A discussão de nosso tema a industrialização na Primeira República nos conduz a um ponto de partida que se situa um pouco além do final daquele período A análise de Celso Furtado sobre o crescimento industrial dos anos 30 e as críticas a ele formuladas por Carlos Manoel Peláez antecipam os principais argumentos utilizados nas teses a respeito da indústria na Primeira República Além disso expõem de modo bastante claro as divergências teóricas e ideoló gicas presentes no debate sobre a industrialização Por isso justificase o exame preliminar desta polêmica apesar de seu objeto se situar fora do período da Primeira República Cumpre notar também que não se trata propriamente de uma polêmica e sim de críticas expostas por Peláez à obra de Celso Furtado Formação Econômica do Brasil 1968 Nesse sentido a todas elas caberia o qualificativo de aristocráticas porém não de raras diante da multiplicação de seu número no período indicando uma tendência inerente ao movimento ruralista qual seja a do associativismo como estratégia de defesa dos interesses agrários O sucesso ou não da SBAA dificilmente pode ser avaliado diante da insuficiência das fontes Sua simples existência contudo constitui indício do que se afirmou mormente considerando a dimensão simbólica de seu espaço de ação materializado em Paris num contexto em que a influência européia era ainda marcante na determinação dos fluxos de capitais tecnologia e idéias destinados à América Latina Em matéria de conhecimentos aplicados à agricultura a mudança de sinais a favor do modelo americano seria ligeiramente posterior correspondendo a outras agremiações da classe proprietária O próprio Assis Brasil teria importante papel em tal reorientação a partir de sua experiência diplomática em Washington entre 1898 e 1901 ensejandolhe contatos com as novas experiências da agricultura científica aí desenvolvidas Deslumbrado pelo cenário da Exposição Internacional de Pecuária de Chicago em 1900 Assis Brasil se converteria em ferrenho defensor da mencionada modernização da atividade pastoril de seu tempo O fascínio pelas técnicas de frigorificação e de gestão centralizada das fábricas de laticínios iria convencêlo da necessidade de aplicálas em proveito próprio dando origem à idéia do estabelecimento de sua granjamodelo em Pedras Altas Apesar de atividade paralela a suas estâncias tradicionalmente organizadas a nova iniciativa pretendia constituirse em paradigma a ser difundido ao governo federal de modo a captar simpatias para a moderna indústria do gado como fonte da riqueza pública em lugar do café ou da borracha A Lavoura 3 1899 p 20 Iniciativas Públicas Diversificadoras No nível das iniciativas empreendidas por Executivos estaduais em prol da diversificação agrícola um dos mais significativos exemplos pode ser visualizado por meio de Nilo Peçanha quando da presidência do Estado do Rio de Janeiro entre 19031906 Atento às repercussões da debilidade das atividades açucareira e cafeeira sobre as finanças públicas Nilo seria responsável por uma política diversi A análise de Celso Furtado sobre o crescimento industrial dos anos 30 e as críticas a ele formuladas por Carlos Manoel Peláez antecipam os principais argumentos utilizados nas teses a respeito da indústria na Primeira República De que modo a indústria aparece na análise feita por Furtado Sem pre tender reconstituir os eventos históricos o autor não faz referencias às origens da industria no Brasil A indústria passa a interessálo quando se processa o deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira nos anos 30 a ati vidade voltada para o mercado interno e não mais a agroexportadora passa a ser o elemento decisivo na determinação do nivel de investimento da economia Como se processa esse deslocamento do centro dinâmico Furtado entende ser o resultado da crise econômica mundial deflagrada em 1929 e que se estende pelos anos 30 e também da política econômica adota da pelo Governo brasileiro para enfrentar a crise Vejamos os principais argu mentos do autor A crise mundial atinge o setor cafeeiro no Brasil no momento em que já se definia uma situação de superprodução estrutural como resultado há subs tancial declínio do preço do café no mercado internacional e a formação de ex cedente de produção O Governo Washington Luís havia optado por não conti nuar com a defesa do café via compra de estoques excedentes pela impossibi lidade de contrair empréstimos externos Após a Revolução de 30 o Governo Vargas decide retomar a defesa do café tendo em vista não só a pressão dos cafeicultores mas também os interesses nacionais por meio de novos ins trumentos A nova política de defesa do café que se fazia via compra dos esto ques excedentes do produto e da queima da parte invendável desses estoques utilizava recursos provenientes para Furtado da expansão do crédito Entende o autor que por esse motivo o Governo brasileiro transformava a política de defesa do setor cafeeiro em programa de fomento da renda nacional em verdade construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes FURTADO 1968 p 203 Vejamos por quê A compra do excedente da produção cafeeira evitava o declínio substan cial da renda interna o café continuava a ser colhido o emprego no setor não se reduzia mantendose em conseqüência o nível da demanda agregada Ao mesmo tempo o desequilíbrio externo fruto do declínio dos preços do café no mercado internacional e da receita de divisas do Brasil provocava brusco au mento do preço dos produtos importados em função da desvalorização da moe da nacional diante da estrangeira Como resultado a demanda interna que an tes se resolvia em grande parte pela compra de importados voltase agora pa ra a produção interna já que seus preços relativos diante dos importados ha viam sofrido grande redução Percebese assim como se processa o deslocamento do centro dinâmi co da economia brasileira antes situado nas exportações passa agora para a procura para o mercado interno Esta se volta principalmente não exclusiva mente para a indústria ensejando o rápido crescimento da produção industrial brasileira a partir de 1933 inclusive com a instalação de uma indústria de bens de capital id ibid cap 31 e 32 Este é a nosso ver o mecanismo fundamental definido por Furtado para explicar o processo de industrialização que deslancha nos anos 30 Aí estão presentes alguns dos elementos que em formulações mais gerais constituem a tese da industrialização por substituição de importações A par da interpreta ção do crescimento industrial dos anos 30 havia implícitas na análise certas conclusões de ordem mais geral em primeiro lugar teria sido durante a crise ficadora que em muitos aspectos anteciparia aquela a ser posta em prática pelo governo federal a partir de 190913 Filho de pequeno proprietário e comerciante campista formado em Direito pela Escola do Recife e militante ressaltado nas campanas abolicionista e republicana em seu estado Nilo se converteria numa das principais lideranças políticas da Primeira República Russell 1974 Deputado federal à Constituinte de 1890 e à primeira Legislatura do Congresso aí permaneceria até 1903 quando eleito governador do Estado do Rio Vicepresidente da República para o quadriênio 190610 assumiria o Executivo após a morte de Afonso Pena viajando para a Europa ao transmitir o cargo Muito próximo a Pinheiro Machado uma de suas principais metas políticas seria restabelecer a influência de seu estado na órbita do governo federal estando sempre envolvido nas articulações interoligárquicas que expressassem sua dissidência com relação às candidaturas paulistas como no caso da Reação Republicana de 1922 Em inícios do século convicto de que a crise econômica fluminense somente seria debelada mediante a superação da monocultura Nilo estabeleceria algumas diretrizes para a ação do executivo estadual ao qual caberia indicar com clareza o plano de campanha a seguir amparar os restos da cultura existente e criar novas fontes de produção Como Protegendo os mercados garantindo ao lavrador o comércio vantajoso de suas colheitas removendo obstáculos que o próprio Estado de longa data havia culposamente acumulado contra o desenvolvimento da iniciativa particular Era um ato de contrição nada mais Rio de Janeiro Mensagem do presidente do Estado 1903 p 24 Convencido de que o termo produção implicava estritamente em bens oriundos do solo e tomando por referência o abastecimento do mercado do Distrito Federal bem como a diminuição dos efeitos da já reduzida capacidade de importação da economia fluminense Nilo tentaria reanimar o setor agrícola com base em quatro vertentes a redução dos fretes de transporte ferroviário a sobretributação dos econômica mundial dos anos 30 marcada pela ruptura das relações econômicas do Brasil com o exterior exportações importações movimento de capital que a economia brasileira encontrou os meios para industrializarse em segundo lu gar que a intervenção do Estado via política de defesa do café política cam bial etc teria sido a outra condição para garantir o sucesso da industrialização nos anos 30 Nessas duas conclusões estavam embutidas a negação de dois pi lares da Teoria Econômica a Teoria das Vantagens Comparativas e o Libera lismo Econômico A mensagem contida nessas análises é de que o desenvolvi mento latinoamericano identificado em grande medida com a industrializa ção desses países deverseia fazer negando a especialização primárioexporta dora defendida pela Teoria das Vantagens Comparativas e contando com a intervenção do Estado principalmente por meio do planejamento econômico em claro conflito com a receita liberal de atuação do Estado na economia Estas conclusões apenas insinuadas no texto de Furtado estavam presentes de modo mais claro na produção da CEPAL com a qual certamente Furtado se identificava As críticas de Carlos M Peláez a Celso Furtado organizadas a partir de informações empíricas tinham como alvo as conclusões de ordem política ex postas acima Peláez 1968 faz a crítica da chamada Teoria dos Choques Ad versos em especial na formulação por ele atribuída a Furtado Seus principais argumentos sugeriam que a a política de defesa do café não foi feita com base em expansão do crédito como indicava Furtado para tanto teriam concorrido primeiro vultoso em préstimo externo e em seguida os recursos provenientes de imposto sobre as vendas de café b a recuperação da economia brasileira nos anos 30 repousou sobre fatores externos tanto diretos mediante o balanço de pagamentos como indiretos através do efeito que tiveram sobre o déficit orçamentário em virtude da queda das importações PELÁEZ 1968 p 36 Descarta deste modo a hipótese de que a procura para o mercado interno tivesse sido a responsável pela recuperação da produção brasileira Para Peláez portanto o crescimento industrial brasileiro nos anos 30 não decorre da crise e da intervenção heterodoxa do Estado Este não teria fugido aos princípios do orçamento equilibrado ao financiar gastos por impostos e empréstimos externos e a recuperação da economia seria devida principalmente ao setor externo Não cabe a nós neste momento realizar o balanço dessa polêmica1 mas apenas mostrar como ela cristaliza duas posturas distintas quanto ao processo de industrialização posturas essas que serão retomadas na discussão da indús tria durante a Primeira República De um lado seguindo os passos de Furtado e da corrente da CEPAL aqueles que entendem que a industrialização brasi leira nasce da crise do setor exportador e graças a certo tipo de intervenção do Estado De outro os que entendem ser a expansão das exportações o elemento impulsionador da indústria identificandose nessa medida com a análise de Peláez foi a crise das exportações que propiciou o crescimento da indústria ou foi a expansão das exportações que garantiu condições propícias para o desenvolvimento industrial Sobre o balanço consultar Silber Formação econômica do Brasil 1977 p 173207 e Suzigan In dústria brasileira 1986 p 5866 Essa polêmica que nasce no estudo da década de 1930 se transpõe para a Primeira República e constitui um dos focos principais da controvérsia sobre a industrialização nesse período como observamos a seguir O núcleo inicial da controvérsia Teoria dos choques adversos ou Industrialização induzida pelas exportações Durante longo tempo as discussões sobre a indústria na Primeira Repú blica principalmente entre economistas recolocou a questão já exposta para os anos 30 foi a crise das exportações que propiciou o crescimento da indústria ou foi a expansão das exportações que garantiu condições propícias para o de senvolvimento industrial A tese de que a indústria nacional crescia nos momentos de crise das ex portações não era nova embora não tivesse sido formulada de modo preciso Em particular a Primeira Guerra Mundial período de crise do setor externo era vista como fase de expansão da atividade industrial pelo bloqueio das im portações que atendiam ao mercado brasileiro Se esta tese aparece de modo genérico em obras como as de Caio Prado Jr 1970 p 261 e Nelson Wemeck Sodré 1967 p 311 apenas para citar dois autores bastante conhecidos em Roberto Simonsen ela ganha contornos mais precisos O ponto de partida de Simonsen é o dado censitário de 1920 que mostra terem sido fundados entre 1914 e 1919 465 dos estabelecimentos indus triais existentes em 1920 no Brasil Curiosamente Simonsen utilizava este dado também no sentido contrário ao usual pois afirmava Não procede pois a afirmação de que a indústria brasileira origi nouse apenas da guerra européia Teve esta de fato uma pronun ciada influência no seu desenvolvimento posterior por ter provoca do uma notável diversificação na fabricação de novos produtos As necessidades do consumo impossibilitado de se abastecer nos úni cos mercados fornecedores de então estimularam o nascimento de uma multiplicidade de pequenas indústrias que se desenvolveram principalmente em São Paulo SIMONSEN 1973 p 20 Simonsen agregava aos dados censitários estimativas sobre a produção in dustrial a partir de 1914 seus resultados mostravam que a produção para o ano de 1919 em termos reais era mais do que o dobro da produção de 1914 tanto para São Paulo quanto para o conjunto da indústria brasileira Embora não for mulasse qualquer proposição geral sobre a relação entre a crise do setor externo e a industrialização Simonsen apresentava dados que corroboravam a noção de que na crise da Primeira Guerra Mundial a indústria tivera novo e decisivo impulso Talvez tenha sido Warren Dean o primeiro autor a formular uma crítica elaborada à proposição de que a indústria brasileira crescera substancialmente durante a Primeira Guerra Mundial e mais do que isso que fosse nas crises do setor externo que a indústria alcançasse melhores condições de expansão DEAN 1971 A tese de Dean sintetizada no título do primeiro capítulo de sua obra O Comércio do Café gera a Indústria apontava no sentido contrário ao sugerido pela Teoria dos Choques Adversos Para Dean a expansão das exportações de café criava tanto o mercado consumidor quanto as condições para o estabe lecimento de indústrias no país capitais importação de equipamentos a baixos preços oferta de mãodeobra crédito no exterior etc Na defesa de sua tese Dean indicava dois tipos de crítica aos defensores dos choques adversos Por um lado fazia restrições aos dados apresentados por Simonsen no sentido de afirmar o crescimento industrial durante a Primeira Guerra Mundial seja por ter tomado 1914 como base apesar de ter sido ano de fraco desempe nho industrial seja pelos índices de preços utilizados para deflacionar as sé ries nominais de produção industrial Dean conclui que a Primeira Guerra não foi por si mesma estimulante para a indústria paulista contrariamente ao que afirmava Simonsen e que parte dos influxos positivos adveio do aumento de exportações de manufaturados como carne congelada açúcar refinado e teci dos de algodão DEAN 1971 p 10472 Dean também não aceita o argu mento usual de que o declínio cambial nas fases de crise pudesse proteger a in dústria nacional isso porque na crise a demanda deve declinar por causa da re tração da renda interna subseqüente à queda das exportações e também porque as importações de matériasprimas máquinas e matérias auxiliares se tomavam mais caras bloqueando por esse lado o crescimento da indústria Tudo isso conduzia Dean a afirmar que durante os anos em que o café se vendeu bem tudo faz crer que a indústria foi mais lucrativa e se expandiu mais depressa Durante os anos maus do comércio do café a indústria local ago nizou DEAN 1971 p 934 A partir dessas conclusões Dean indaga por que generalizadamente se admite que a Primeira Guerra Mundial foi estimulante para a indústria brasilei ra E sugere em seguida sua resposta Quanto à tendência de observadores mais recentes para aceitar os relatos contemporâneos pelo seu valor nominal podese sugerir que uma teoria que associa o crescimento ao colapso do comércio agrada aos sentimentos nacionalistas pois implica que as fontes estrangei ras de suprimentos não são merecedoras de confiança e que a produ 2 Os dados de Dean foram cuidadosamente discutidos por Cano Raízes da concentração industrial em São Paulo 1977 p 15474 Estavam definidas desse modo as duas linhas interpretativas da industrialização na Primeira República a Teoria dos Choques Adversos e a tese da industrialização induzida pelas exportações ção nacional é capaz de aceitar qualquer desafio Além disso uma teoria assim é útil aos intelectuais e burocratas brasileiros urbanos por demonstrar às elites econômicas recalcitrantes a inevitabilidade da industrialização Os escritos de Celso Furtado por exemplo es tão prenhes dessa mensagem Os estrangeiros por outro lado fol gam de presumir que a industrialização de uma área dependente co mo o Brasil foi um produto de circunstância fenômeno temporário que poderia ser invertido pela paz entre as nações industriais e o en corajamento do comércio livre id ibid p 1083 Estavam definidas desse modo as duas grandes linhas interpretativas da industrialização na Primeira República a Teoria dos Choques Adversos e a tese da industrialização induzida pelas exportações A continuidade da polêmica tendeu a privilegiar a discussão mais minuciosa dos mecanismos eco nômicos de crescimento industrial não explicitando as divergências ideológicas embutidas na controvérsia Vejamos alguns momentos dessa polêmica que ocupa a maior parte da década dos 70 Villela e Suzigan 1973 p 14550 questionaram o impacto positivo da Primeira Guerra Mundial sobre a indústria com base em dados estatísticos Ao verificarem o declínio das importações de matériasprimas matérias auxiliares e bens de capital no período 19141918 comparado ao período 19111913 os autores colocam em dúvida a possibilidade de ter ocorrido durante a guerra um surto de industrialização Os indicadores do produto industrial construídos pelos autores abrangendo os ramos têxtil de fumo bebidas e vestuário res ponsáveis por 50 do valor adicionado em 1919 mostravam oscilações no pe ríodo sem uma tendência marcante de crescimento Admitiam apenas que cer tos produtos industriais ou semiindustriais foram contemplados com aumento da demanda externa e não da demanda interna como seria de prever nos termos dos choques adversos A esse conjunto de dados agregavam a informação de que os indicadores de formação de capital pela indústria mostravam forte crescimento durante o período 19051912 o que os levava a concluir Finalmente talvez o correto seja indagar se o surto industrial que parece ter ocorrido nos anos 19051912 não teria levado a um pro cesso de industrialização na ausência da guerra de 19141918 VILLELA e SUZIGAN 1973 p 150 Tendo por base diferentes fontes de dados Albert Fishlow 1972 acaba va por endossar a Teoria dos Choques Adversos se bem que com algumas qualificações Isto não quer dizer que ele refute a tese da industrialização in duzida pela expansão das exportações Vejamos alguns momentos de sua aná lise da industrialização brasileira Entende Fishlow que um primeiro surto de substituição de importações ocorre na década de 1890 como uma conseqüência direta das finanças infla 3 Convém ressaltar que Celso Furtado ao discutir a indústria latinoamericana até 1930 não atribui qualquer papel à Primeira Guerra Mundial Pelo contrário caracteriza esse período como de Indus trialização induzida pela expansão das exportações Ver Furtado Formação econômica da América Latina 1970 cap X e XI cionárias não tendo sido influenciado por proteção tarifária Em particular de 1895 a 1899 há declínio da importação de tecidos concomitantemente ao au mento da produção interna de tecidos Embora a expansão de crédito dos anos iniciais da República tenha constituído estímulo à iniciativa empresarial nacio nal o autor entende que a principal razão para a substituição de importações no período está nas relações defasadas e ampliadas entre a taxa de câmbio e a inflação interna gerada pelo grande aumento na oferta monetária Tal defasa gem parece ter favorecido num primeiro momento as importações em geral de tecidos mas também de bens de capital para a seguir por meio de des valorização real do câmbio estimular as compras internas de bens de consumo Portanto este primeiro surto de substituição de importações se devia principal mente ao mecanismo cambial embora este não fosse determinado propriamente por uma crise externa Fishlow reconhece também que o período 19051913 registra acelerado crescimento da produção industrial têxtil embora esta não se tenha feito às custas das importações Diz o autor a explicação mais plausível parece ser o aumento da demanda associado aos aumentos na renda A recuperação dos preços do café e da renda do setor cafeeiro provavelmente desempenha um papel significante a partir de 1905 A demanda por produtos têxteis e mais genericamente por produtos industriais estava provavelmente intimamente relacionada ao destino do setor cafeeiro assim como a Percebese pois que a tese da industrialização induzida pelas exporta ções está presente na compreensão do crescimento industrial do período 19051913 Cabe indagar como se observa a indústria durante a Primeira Guer ra Mundial Fishlow mostra que houve crescimento da produção industrial e que este crescimento se deveu pelo menos no setor têxtil quase inteiramente à substi tuição de importações Portanto não foi apenas a demanda externa que durante a guerra estimulou a produção industrial Além disso entende que os autores preocupados em mostrar o reduzido nível de investimentos entre 1914 e 1918 ignoram o papel que os lucros acumulados durante a guerra podem ter repre sentado para a formação de capital após o fim do conflito Em suma O choque exógeno causado pela guerra permitiu que o excesso de capacidade anterior fosse utilizado e levou o processo de industria lização um passo adiante até o ponto de substituição de importações que até então continuavam a competir FISHLOW 1972 p 20 a polêmica central sobre a industrialização na Primeira República encontravase esgotada Choques adversos e industrialização induzida pelas exportações não poderiam mais ser defendidas como explicações gerais para o processo de industrialização Ou seja se para o período 19051913 a industrialização ou mais preci samente o crescimento industrial era induzida pelas exportações durante a Primeira Guerra Mundial surgia como fruto de um choque adverso Percebese desse modo que as explicações do crescimento industrial na Primeira República que se pautavam por uma das duas teses aqui expostas choques adversos ou indução pelas exportações mostravamse incapazes de dar conta dos diferentes momentos desse processo As tentativas feitas no sen tido de avaliar a adequação de uma ou outra tese acabavam caindo em impasse insolúvel As conclusões de Flávio e Maria Teresa Versiani em artigo origi nalmente publicado em 1975 VERSIANI e VERSIANI 1977 p 121142 são exemplares desse impasse Ao estudar a evolução da indústria têxtil brasileira os autores mostram por exemplo que os períodos caracterizados por desvalori zação da moeda nacional corresponderam a fases de crescimento da produção por outro lado períodos de intensificação do investimento coincidiram com fa ses de câmbio relativamente alto Desse modo a crise externa que conduz à queda do câmbio tinha efeito positivo sobre a produção industrial e negativo sobre o investimento A expansão das exportações ao contrário elevando o câmbio favorecia o investimento mas limitava o crescimento das exportações pelo barateamento relativo dos importados Este caráter ambíguo da relação entre exportações e indústria é explorado ao longo do texto e conduz à seguinte conclusão Nas interpretações da industrialização brasileira costumam se dis tinguir esquematicamente duas posições opostas no que toca à rela ção entre atividade exportadora e produção interna de manufaturas a da teoria dos choques adversos que associaria o crescimento da indústria com as fases de crise na atividade exportadora e a da complementaridade que vê a industrialização como basicamente promovida pelo crescimento das exportações À luz de nossos argu mentos acima ambas as colocações parecem incompletas o início da industrialização surge como resultado dos estímulos produzidos pela conjugação de períodos de dificuldades no setor externo com perío dos em que a economia voltouse mais para o exterior De um lado evidenciase o fato de que os choques adversos não teriam tido o impacto que tiveram na ausência de fases anteriores de formação de capacidade produtiva De outro lado a interpretação da indus trialização como um resultado direto da expansão das exportações aparece como notoriamente insuficiente e simplista VERSIANI e VERSIANI 1977 p 141 Percebese claramente portanto que em meados dos anos 70 a polêmica central sobre a industrialização na Primeira República encontravase esgotada Choques adversos e industrialização induzida pelas exportações não pode riam mais ser defendidas como explicações gerais para o processo de industria lização Os mecanismos descritos por tais explicações são encontrados em um ou outro momento da industrialização na Primeira República não sendo no entanto mutuamente exclusivos Evidentemente a superação desse impasse pressupunha o abandono da problemática herdada do pensamento da CEPAL qual seja a de identificar o momento e a forma da ruptura do caráter agroexportador das economias latino americanas Era preciso portanto instaurar uma nova problemática dentro da qual fosse incluída a questão do desenvolvimento da indústria A Indústria na Primeira República e o Desenvolvimento do Capitalismo no Brasil A problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil não é nova talvez sua origem possa ser buscada em debates políticos travados ainda na Primeira República Neste texto no entanto pretendemos apenas registrar dois momentos recentes dessa problemática exatamente porque aí é central o tema da industrialização Ao longo dos anos 60 vários trabalhos produzidos pelo núcleo de pesqui sas de sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo já estabeleciam relações entre industrialização e desenvolvimento do capitalismo Em linhas gerais no entanto aceitavam as interpretações eco nômicas identificadas com a Teoria dos Choques Adversos propondo no entanto a adoção de perspectiva mais abrangente Um desses estudos talvez o primeiro é o artigo de Fernando Henrique Cardoso 1960 Condições sociais da industrialização o caso de São Paulo O próprio autor definia sua forma de inserção nas explicações sobre o crescimento da indústria brasileira O esquema usualmente utilizado para a explicação do crescimento industrial do Brasil e de São Paulo leva em consideração apenas as condições econômicas e naturais exigidas pela industrialização Omite pois as condições sociais que a permitiram Descrevese o processo de industrialização como se fosse possível criálo integral mente todas as vezes que determinadas condições econômicas o pro piciassem Dito noutras palavras todas as vezes que havia uma interrupção no fluxo para o exterior da renda gerada pelo setor de exportação da economia criavamse estímulos para a aplicação desta renda no País Por isto as guerras mundiais são geralmente aponta das como as causas da industrialização do Brasil uma vez que no seu decurso não havia possibilidade de consumir a renda gerada pela economia exportadora do País através da importação de produtos in dustriais cujo consumo ao mesmo tempo continuava a ser requeri do CARDOSO 1960 p 32 A problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil não é nova talvez sua origem possa ser buscada em debates políticos travados ainda na Primeira República O autor não contestava o valor dessa explicação apenas a considerava parcial por omitir as condições sociais que constituíam prérequisito para a in dustrialização Ou seja o processo de industrialização em qualquer região supõe como prérequisito a existência de certo grau de desenvolvimento capita lista e mais especificamente supõe a preexistência de uma econo mia mercantil e correlatamente implica num grau relativamente de senvolvido da divisão social do trabalho id ibid p 33 Tais prérequisitos no entanto devem estar instalados antes que se esta beleça a produção propriamente industrial Isto teria ocorrido no bojo da ex pansão cafeeira em direção ao oeste paulista em que pela crescente escassez e progressiva elevação do preço do escravo o fazendeiro passou a importar mão deobra livre Assim perdia sua condição de senhor para tornarse um empre sário capitalista Simultaneamente é claro formavase um mercado de traba lho com base nos imigrantes europeus que chegando ao Brasil já destituídos da posse de meios de produção deviam oferecer sua força de trabalho em troca de salários Este é o ponto de partida ao qual se acrescentam outros elementos diversificação do emprego do capital estradas de ferro comércio bancos de senvolvimento de núcleos urbanos em suma intensificação da divisão social do trabalho e generalização de relações mercantis Estas são em síntese as condições sociais da industrialização seus prérequisitos O crescimento in dustrial se verificaria então nos momentos de ruptura das relações com o mer cado mundial como as guerras e as grandes crises econômicas Percebese portanto de que modo a problemática do desenvolvimento do capitalismo no Brasil se articulava com as interpretações do crescimento indus trial decorrente das crises do setor externo da economia brasileira4 Em estudo sobre o Conde Matarazzo José de Souza Martins também da Faculdade de Filosofia da USP apresentava elementos interpretativos que es capavam ao esquema dos choques adversos Por um lado entendia o autor que a indústria que surge em São Paulo nas últimas décadas do século XIX não ti nha o caráter de substituição de importações ela explorava as possibilidades manufatureiras surgidas nas franjas da economia exportadora MARTINS 1973 p 71 Tratase de conjunto de mercadorias cujo consumo está associado à introdução dos imigrantes europeus em São Paulo mercadorias essas que di ficilmente poderiam ser importadas caso por exemplo da banha e da cerveja A estes primeiros passos da indústria de início em pequenos estabeleci mentos nos anos 90 do século passado já em empresas de maior dimensão se guese outra fase em que se observa a substituição de importações O desequi líbrio externo da economia brasileira obriga na virada do século à adoção de medidas desestimuladoras de importações Em conseqüência reduziase a arre cadação da principal fonte tributaria as tarifas alfandegárias Simultaneamen te e não por mera coincidência instituíase o imposto de consumo reconheci mento de que a renda não era mais apenas gasta com importações mas também Uma síntese precisa do estado da questão nos meados da década de 60 é apresentada em Cohn Pro blemas da industrialização no século XX 1969 p 285318 e em escala apreciável com produtos internos Conclui então Martins 1973 p 745 Não sendo um governo protecionista mas sim liberal valiase da indústria existente para resolver os problemas da sociedade exporta dora e ao mesmo tempo eliminava as eventuais proteções expon doa à concorrência de fato com o produto estrangeiro e taxando o seu produto Talvez a característica mais importante desses eventos esteja no fato de terem ocorrido num governo identificado profundamente com as atividades de exportação supostamente in compatíveis e antagônicas à industrialização O exposto deixa nítido que a questão não se propunha assim O que importava sobretudo era a racionalidade da sociedade agroexportadora e que essa seria a porta viável à entrada do industrialismo Percebese portanto que a substituição de importações embora não se trate propriamente do que se convencionou chamar de processo de substituição de importações podia ocorrer no interior da economia agroexportadora sem que isto representasse uma ruptura do caráter dessa economia Também não se trata claramente da tese da industrialização induzida pelas exportações na forma como usualmente foi formulada Tratase isto sim de reconhecer que os desequilíbrios talvez pudéssemos dizer as contradições da economia exporta dora passam a exigir o desenvolvimento de algum tipo de indústria interna Nesta linha de argumentação duas obras de meados dos anos 70 consoli dam o entendimento do crescimento industrial como parte do processo de de senvolvimento do capitalismo no Brasil ao mesmo tempo que propunham uma solução para o impasse entre Teoria dos Choques Adversos e industriali zação liderada pelas exportações Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil de Sérgio Silva 1976 texto original de 1973 e O Capitalismo Tardio de João Manuel Cardoso de Mello 1986 texto original de 1975 O ponto de partida de ambos é o exposto anteriormente com base em Fernando Henrique Cardoso para compreender a gênese da indústria é preciso buscar suas précondições no desenvolvimento capitalista da economia cafeeira Imi gração européia trabalho assalariado formação de mercado de trabalho cons tituição da burguesia cafeeira que é dominantemente mercantil são elementos comuns às análises dos dois autores no esforço de caracterizar as especificida des do desenvolvimento capitalista no Brasil De maior interesse para nós neste momento é observar como são tratadas as relações entre café exporta ção e indústria nessas duas obras Sérgio Silva após examinar a questão conclui que as relações entre o comércio exterior e a economia cafeeira de um lado e a indústria nascente de outro implicam ao mesmo tem po a unidade e a contradição A unidade está no fato de que o de senvolvimento capitalista baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo desenvolvimento da indústria a contradição nos limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela própria posição dominante da economia cafeeira na acumulação de capital SILVA 1976 p 103 Ao longo dos anos 60 vários trabalhos produzidos pelo núcleo de pesquisas de sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo já estabeleciam relações entre industrialização e desenvolvimento do capitalismo 1905 a primeira exposição estadual de animais 1907 bem como a instalação de uma seção de estudos econômicos para rastrear o montante da produção rural do estado Sob sua administração seriam também instalados um Serviço de Informação e Publicidade uma Biblioteca Estadual especializada no assunto além de reformulado o currículo da Escola Superior Agrícola Luiz de Queiroz ESALQ no intuito de especializála na formação de agrônomos em detrimento dos profissionais da agricultura de grau médio Schmidt Reis 1942 Tal leque de iniciativas legitimaria Botelho como uma das figuras de proa do movimento de regeneração da agricultura brasileira sendo citado como protagonista da mencionada modernização por boa parte dos portavozes do Ruralismo de seu tempo Por seu intermédio o paradigma norteamericano de agricultura científica se imporia aos círculos ruralistas fosse pela plasticidade institucional conferida aos aparelhos de Estado paulistas fosse pela definição que esboçara da necessidade de um novo tipo de agente o técnico em matéria de agricultura Seriam esses progressistas em suma os defensores de um novo padrão de desempenho para a agricultura nacional que pretendia deslocála da extrema especialização produtiva de modo a tentar garantir novas alternativas econômicas e políticas para segmentos da classe proprietária pouco contemplados no bloco no poder Mas tornar viáveis tais objetivos incidiria sobre outras estratégias de ação sobretudo a multiplicação do número de agências institucionalizadoras dos interesses agrários no nível da sociedade civil de modo a facilitar sua afirmação como grupos de pressão junto à sociedade política A Sociedade Nacional de Agricultura SNA seria uma delas e seu pioneirismo e representatividade justificamna como objeto do próximo capítulo Capítulo 2 CONSERVAR AMPLIANDO E AUMENTANDO A Abolição e a República foram os marcos formais do coroamento de um processo de transformações estruturais por que passaram a economia e a sociedade brasileiras desde o último quartel do século XIX que pode ser resumido em sua essência à transição do trabalho escravo para o trabalho livre Longe dos freios inibidores representados pela escravidão e a excessiva centralização monárquica a primitiva acumulação capitalista seria potencializada criandose condições objetivas para o aprofundamento da mencionada vocação agrícola do país e seu correlato a posição subordinada do país no seio da divisão internacional do trabalho Oliveira 1975 Com base na generalização de novas e múltiplas relações de trabalho no campo ratificavase a dependência da realização externa da acumulação brasileira mais que nunca atada ao capital estrangeiro quer pela dinâmica própria da diversificação dos complexos agroexportadores regionais que a integravam Cano 1977 quer pela imposição hegemônica a todos eles da lógica de funcionamento ditada pelo complexo cafeíero paulista Na virtualidade desse processo entretanto situarseiam ambiguamente a gênese e a expansão da industrialização brasileira elemento novo que decorrente da própria ampliação da divisão social do trabalho inauguraria uma dinâmica acumulativa peculiar posto que centrada na realização produtiva crescentemente interna Em torno dessa unidade na contradição responsável tanto pela diferenciação de interesses no interior de cada complexo quanto pelas formas de sua interarticulação desenvolverseiam a economia 37 Tal conclusão é sustentada a partir da crítica das teses que admitem a existência de uma relação unívoca direta ou inversa entre café e indústria As sim a crise da economia cafeeira tem a um só tempo efeitos positivos e nega tivos sobre a industria por provocar o declínio cambial protege a produção na cional mas reduz a possibilidade de investimento pelo encarecimento dos im portados se trabalhadores do café são desempregados na crise reduzse o mer cado para os produtos da indústria mas pelo êxodo rural ampliase a reserva de trabalhadores para a indústria no mercado urbano de trabalho se as tarifas alfandegárias são elevadas para compensar a queda da receita do tributo a produção nacional ganha proteção adicional mas novamente bloqueiase o in vestimento pelo encarecimento da importação de equipamentos Ou seja nas relações entre café e indústria manifestase invariavelmente o caráter contradi tório aqui exposto Por outro lado para Sérgio Silva o nascimento da indústria decorre das contradições inerentes ao desenvolvimento da economia cafeeira em especial do desequilíbrio externo de modo semelhante ao apontado por Martins Através do desequilíbrio externo a reprodução do capital impõe transformações necessárias à acumulação o nascimento da indústria e a conseqüente elevação da produtividade tão importante para a ex pansão do excedente e o prosseguimento da acumulação Assim através da constante solução e recolocação do desequilíbrio externo o capitalismo brasileiro segue seu caminho escondendo no palheiro das atribulações financeiras a contradição que explica o seu próprio desenvolvimento SILVA 1976 p 109 O desequilíbrio externo não aparece aqui no entanto como expressão de choques adversos e sim da posição subordinada da economia brasileira na eco nomia mundial que define a economia cafeeira como núcleo do desenvolvi mento do capitalismo no Brasil e o desequilíbrio externo como uma das con tradições desse desenvolvimento Mas o desenvolvimento da indústria no seio da economia cafeeira portanto em posição subordinada à economia mundial não implica ruptura com a situação prévia pois Concretamente a reprodução do capital cafeeiro e das formas de subordinação da economia brasileira levam ao nascimento e ao de senvolvimento da indústria que por sua vez está em contradição com a própria reprodução do capital cafeeiro e as formas de subor dinação da economia brasileira Mais uma vez afastamos a noção simplista de contradição segundo a qual as contradições internas do capitalismo lovariam à sua própria destruição Nem a subordinação do Brasil na economia mundial e o capital cafeeiro excluem a in dustrialização nem a industrialização implica na destruição dos la ços que unem o Brasil à economia mundial e muito menos ainda na destruição do capitalismo no Brasil A industrialização pode sim plesmente levar a mudanças nas formas de subordinação associadas a transformações do capitalismo no Brasil por exemplo a perda da posição dominante por parte do capital cafeeiro ou mesmo do capital comercial em geral SILVA 1976 p 11213 Na década de 1980 reduziuse a intensidade do debate sobre a industrialização na Primeira República pelo menos nos moldes em que se colocou ao longo dos anos 70 A pesquisa mais cuidada mostrou no entanto que os anos 20 registraram grande dinamismo e diversificação da produção industrial Percebese desse modo que economia mundial economia cafeeira e in dústria são integradas na análise sendo importante reter neste momento a pro posição de que a industrialização pode conduzir à perda da posição dominante do capital cafeeiro Embora Cardoso de Mello parta dos mesmos pressupostos economia ca feeira cria as precondições para o nascimento do capital industrial e as relações entre café e indústria são contraditórias sua análise indica algumas diferenças em relação à de Sérgio Silva Por um lado não aprofunda a relação com a eco nomia mundial apesar de considerar os fatores externos o determinante em úl tima instância do movimento da economia brasileira à época por outro lado ao delinear um modelo de ciclo conjunto do capital cafeeiro e do capital industrial sugere dinâmica diversa da indicada em Sérgio Silva Em relação ao primeiro ponto Cardoso de Mello admite que Á posição subordinada da economia brasileira na economia mun dial capitalista está duplamente determinada pelo lado da realização do capital cafeeiro e pelo lado da acumulação do capital industrial Esta dependência resulta na verdade da não constituição de forças produtivas capitalistas isto é do bloqueio da industrialização que se expressa internamente na hegemonia do capital cafeeiro que é dominantemente mercantil sobre o capital industrial Por outro la do a fragilidade do capitalismo brasileiro transformounos em cam po de exportação de capitais dos países capitalistas maduros ao criar não obstante oportunidades de inversão ao capital estrangeiro quer ao capital de empréstimo de forma predominante quer ao ca pital de risco que se dirige basicamente aos setores de infraestrutu ra comercial e financeiro mas também ao setor industrial MEL LO 1986 p 1089 Aparentemente aqui a subordinação da economia brasileira à economia mundial capitalista poderia ser rompida pela constituição de forças produtivas capitalistas embora devase considerar o fato de haver crescente inversão de capital estrangeiro no País De qualquer modo a questão da subordinação à economia mundial capitalista aparece aqui com menos força do que em Sérgio Silva No modelo de ciclo conjunto do capital cafeeiro e do capital industrial também surgem diferenças entre as interpretações de Sérgio Silva e JM Car doso de Mello no primeiro o desequilíbrio externo aparece com papel decisivo no nascimento da indústria no segundo pode ser identificado como um mo mento do ciclo referido Neste ciclo o ponto de partida escolhido é a expansão da economia cafe eira o crescimento dos preços eleva a taxa de acumulação financeira mais rapi damente do que a real na atividade cafeeira permitindo a transferência de ca pitais para a indústria mesmo que as margens de lucro na indústria sejam infe riores à do café Em seguida a taxa de acumulação real cafeeira se acelera buscando atrair recursos externos impondo por isso maior concorrência ex tema à indústria instalada Esta por sua vez se defende por meio de concentra ção e centralização de capitais Iniciada a reversão do ciclo dos preços do café conseqüente à supera cumulação elevase a rentabilidade da indústria em relação ao café o que ajuda a manter por algum tempo a taxa de acumulação da economia Deflagrada a crise cafeeira café e industria são arrastados por ela Mas a indústria ainda pode se defender pois a redução da capacidade de importar reserva algum mer cado à indústria que inicia sua recuperação pela utilização da capacidade ocio sa Este em breve síntese é o ciclo referido e que mostra os diferentes mo mentos de articulação entre capital cafeeiro e capital industrial MELLO 1986 p 1068 Apesar das diferenças indicadas as teses de Sérgio Silva e Cardoso de Mello sugerem alternativas que superam o impasse em que se situava a polêmi ca entre Teoria dos Choques Adversos e industrialização induzida pelas exportações Certamente a discussão da indústria na Primeira República não retornará àquela polêmica que a dominou por muito tempo É certo também que há outras tendências de análise que não incorporam a ótica da industrialização como parte do processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil assim como há alguns temas igualmente polêmicos e relevantes que não estão resolvi dos dentro dessa corrente Tentamos a seguir explorar alguns destes aspectos da industrialização na Primeira República A Industrialização na Primeira República alguns temas ainda em discus são Na década de 1980 reduziuse a intensidade do debate sobre a industria lização na Primeira República pelo menos nos moldes em que se colocou ao longo dos anos 70 Uma das poucas obras recentes sobre o tema a já citada Indústria Brasileira de Wilson Suzigan a par de importante contribuição em pírica propõe uma interpretação alternativa baseada na teoria do crescimento econômico induzido por produtos básicos ou na abordagem dos linkages ge neralizados ao desenvolvimento SUZIGAN 1986 p 6672 Apesar disso não se reacende uma polêmica sobre os processos mais gerais que conduziram à industrialização no Brasil Permanecem no entanto alguns temas menos abran gentes mas relevantes para a compreensão do conjunto do processo Veremos a seguir alguns destes temas O significado dos anos 20 para a indústria no Brasil Foi usual considerar os anos 20 deste século como uma década desfavorá vel à indústria instalada no Brasil Tal conclusão era alcançada com base na experiência da industria têxtil e podia ser justificada pela manutenção de eleva das ou ao menos estáveis taxas de câmbio durante grande parte da década A pesquisa mais cuidada mostrou no entanto que os anos 20 registraram grande dinamismo e diversificação da produção industrial É significativa a coincidên cia da opinião de vários autores em relação a este fato Wilson Cano embora reconheça a existência de algumas dificuldades para a produção têxtil mostra que a expansão da indústria se verifica principal mente em São Paulo e em contexto de concentração de capitais Assim entre 1918 e 1928 a produção industrial de São Paulo mais do que duplicara quase triplicando quando se exclui a produção de tecidos de algodão CANO 1973 p 185 Wilson Suzigan também entende ser a década de 20 distinta da fase ante rior da indústria brasileira Antes da Primeira Guerra Mundial tanto o mercado para os produtos industrializados quanto os investimentos industriais seriam in duzidos pelo setor exportador Após a Primeira Guerra e em especial ao lon go dos anos 20 reduzse progressivamente esta dependência da indústria em relação ao setor exportador pelo surgimento de uma demanda interna de insu mos matériasprimas etc cuja contrapartida é o padrão mais complexo de de senvolvimento industrial Suzigan afirma por fim que após 1930 tanto o mer cado para a indústria deixa de depender do setor industrial quanto o investi mento industrial deixa de ser induzido pelas exportações embora ainda depen da da capacidade de importar gerada por elas SUZIGAN 1986 p 34552 Conclusão semelhante é apresentada por Flávio Versiani após o exame de índices da produção industrial nos anos 20 A expansão e a transformação da estrutura produtiva na indústria brasileira parece ter sido um processo mais gradual do que freqüen temente se supõe A década de 1930 não significa pois uma ruptura profunda com o passado como parte da literatura da CEPAL suge re A Depressão foi importante em grande parte por causa do que ocorrera nas décadas anteriores VERSIANI 1982 p 22 Evidenciase desse modo a tendência a não mais se fixar apenas na dis cussão da relação entre crise ou expansão das exportações e indústria Embo ra se reconheça os anos 30 como momento de transformações importantes tal resultado não é reconhecido apenas como fruto da crise externa e sim de um longo processo de crescimento industrial Já vimos como Suzigan caracteriza a mudança dos anos 30 Cardoso de Mello afirma que após 1933 a acumulação se move de acordo com um novo padrão em que a expansão industrial é a base sobre a qual se assenta a acumulação embora se trate de industrialização res tringida porque ainda não foi implantado o núcleo fundamental da indústria de bens de produção Sérgio Silva caracteriza genericamente não especificando os anos 30 como o momento em que ocorre a perda da posição dominante por parte do capital cafeeiro para o capital industrial Em todos esses exemplos está presente apesar das diferenças analíticas que os separam uma visão seme lhante do processo de industrialização este não é o fruto de choques exter nos nem o simples resultado linear do crescimento da produção industrial Esse processo se traduz em relações complexas entre indústria exportações e economia mundial que em determinados momentos passam por mudanças qualitativas fundamentais Estado tarifas e industrialização na Primeira República Usualmente atribuise ao Estado brasileiro na Primeira República o cará ter de representante dos interesses cafeeiros Conseqüentemente afirmase que sua política econômica deveria ser nãoindustrializante ou mesmo antiindustria lista O estudo empírico da política tarifária e dos efeitos protecionistas das flutuações cambiais levou alguns autores a matizar essa afirmação Obviamente não se trata de afirmar ao contrário que o Estado na Primeira República teve qualquer tipo de ação industrializante mas simplesmente de reconhecer que certos instrumentos de política econômica podem ter favorecido em determina das circunstâncias a indústria em geral ou setores específicos Nícia Vilela Luz 1975 e Rávio e Maria Teresa Versiani 1977 foram autores que procuraram explorar essa temática cujo balanço foi adequadamente feito por Suzigan 1986 p 3844 Mais importante do que a avaliação de casos específicos parecenos o re conhecimento já afirmado por José de Souza Martins e Sérgio Silva de que a ação do Estado favorável à indústria não é contrária à racionalidade da econo mia exportadora pois as próprias contradições desta podem exigir algum grau de crescimento da indústria interna como recurso para a acumulação A gênese da indústria grande empresa ou pequena escala de produção A seqüência ArtesanatoManufaturaIndústria foi algumas vezes asso ciada ao desenvolvimento da indústria no Brasil embora isso fosse feito sem maior base empírica Em oposição a essa tese alguns estudos procuraram mos trar que a indústria pelo menos em São Paulo originouse em grande medida do desdobramento das atividades de casas importadoras e que a indústria em suas origens definida pelo Censo Industrial de 1907 já se caracterizava como uma grande empresa ou como grande indústria com energia a vapor ou elétri ca máquinas e grandes volumes de capital portanto grande número de empre a ação do Estado favorável à indústria não é contrária à racionalidade da economia exportadora pois as próprias contradições desta podem exigir algum grau de crescimento da indústria interna como recurso para a acumulação gados Estas teses estão explicitadas por exemplo nos trabalhos de Warren Dean 1971 cap 2 e de Sérgio Silva 1976 cap 4 José de Souza Martins a partir de alguns elementos empíricos sugeriu que em São Paulo antes mesmo da introdução de imigrantes já havia uma produção artesanal espalhada em vários municípios e não só na capital Há várias indicações de que antes da abolição do escravismo e da chamada grande imigração 188688 ocorreu uma significativa ex pansão da atividade comercial e da industria em pequena escala na província de S Paulo não apenas na capital mas em quase todas as cidades de interior Isso parece sugerir que nessa época a indústria artesanal passou a desenvolverse mais intensamente nos meios ur banos do que nas fazendas de café cana e algodão configurando uma espécie de separação agriculturaindústria MARTINS 1979 cap l5 É claro que ao lado da questão empírica a ser resolvida o tema em ques tão coloca problemas interpretativos importantes sobre a gênese da indústria e da burguesia industrial Se a matriz da indústria é o comércio de importação e a da burguesia industrial são os grandes comerciantes de importação a questão oferece poucas dificuldades se a indústria emerge de dentro da sociedade es cravista tornase mais difícil entender como aparece o capitalista industrial e como se constitui a consciência burguesa MARTINS 1979 p 10714 Nessa mesma linha de preocupação podese formular a seguinte questão na medida que se coloca em dúvida que o regime de colonato possa ser caracte rizado propriamente como trabalho assalariado e sim como uma forma não ca pitalista de relações de produção pois o trabalhador produz diretamente seus meios de subsistência a própria lógica do desenvolvimento industrial a partir de relações capitalistas estabelecidas na produção cafeeira se torna questio nável 5 Este texto contém importantes comentários críticos e sugestões sobre o tema da Industrialização em São Paulo Estes dois últimos temas relevantes para a compreensão da gênese da in dústria no Brasil merecem tratamento específico e mais alongado Por isso preferimos apenas mencionálos para reiterar sua importância Estudos regionais Nos anos recentes verificouse a produção de vários estudos sobre expe riências regionais de industrialização Até aqui as grandes interpretações do crescimento da indústria no Brasil pautaramse por observar a experiência de São Paulo e Rio de Janeiro Tratase obviamente de visão parcial do processo embora nesses dois estados se tenha concentrado a parcela mais importante da indústria na Primeira República Parece certo portanto que os novos esforços de compreensão do desenvolvimento industrial poderão incorporar os resulta dos das pesquisas sobre experiências regionais de industrialização Mesmo que as teses mais gerais não sejam modificadas questões como as apresentadas neste tópico serão discutidas sobre bases mais sólidas A atualidade da controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Penso que não há exagero em afirmar que ao se completar cem anos de República e apesar das profundas mudanças por que passou a economia brasi leira mantêmse atuais muitas das questões levantadas pela controvérsia sobre a industrialização na Primeira República Senão vejamos a Quais devem ser as formas de intervenção do Estado na economia Qual sua eficácia como promotor do desenvolvimento industrial b A economia brasileira deve integrarse plenamente à economia mun dial com base em suas vantagens comparativas ou devem ser garanti das reservas de mercado c Qual o grau de subordinação da economia brasileira à economia mun dial É possível a formulação e implementação de políticas econômicas autônomas Estas são algumas das questões presentes na controvérsia sobre a indus trialização na Primeira República e nos anos 30 e que hoje ainda aparecem como nãoresolvidas no nível da sociedade É óbvio diferentes soluções ex pressam opções de diferentes grupos sociais em relação aos temas e em relação aos modelos de desenvolvimento a serem implementados Por esse motivo no plano acadêmico ou na prática política a controvérsia jamais se encerra apenas é recolocada em outros termos Referências Bibliográficas CARDOSO RH 1960 Condições sociais da industrialização o caso de São Paulo Re vista Brasiliense 28 marçoabril DEAN W 1971 A industrialização de São Paulo São Paulo DIFELEDUSP FISHLOW A 1972 Origens e conseqüências da substituição de importações no Brasil Estudos Econômicos 26 775 dezembro FURTADO C 1968 Formação econômica do Brasil 8 ed São Paulo Companhia Edi tora Nacional LUZ N V 1975 A luta pela industrialização do Brasil 2 ed São Paulo AlfaOrmega MARTINS JS 1973 Conde Matarazzo o empresário e a empresa 2 ed São Paulo Hucitec 1979 O cativeiro da terra São Paulo Ciências Humanas MELLO JMC 1986 O capitalismo tardio 4 ed São Paulo Brasiliense PELÁEZ CM 1968 A balança comercial a grande depressão e a industrialização brasi leira Revista Brasileira de Economia 21 1547 PRADO JR C 1970 História econômica do Brasil 12 ed São Paulo Brasiliense SILVA S 1976 Expansão cafeeira e origens da industrialização no Brasil São Paulo AlfaOmega SIMONSEN RC 1973 Evolução industrial do Brasil e outros estudos São Paulo Com panhia Editora NacionalEDUSP SODRÉ NW 1967 Formação histórica do Brasil 4 ed São Paulo Brasiliense VERSIANI F 1982 Before the depression brazilian industry in the 1920s Brasília Fundação Universidade de Brasília VERSIANI FR e VERSIANI MTRO 1977 A industrialização brasileira antes de 1930 uma contribuição In VERSIANI FR e BARROS JRM org Formação econômica do Brasil São Paulo VILLELA AV e SUZ1GAN W 1973 Política do governo e crescimento da economia brasileira 18891945 Rio de Janeiro IPEAINPES Bibliografia CANO W Raízes da concentração industrial em São Paulo Rio de JaneiroSão Paulo DIFEL 1977 COHN G Problemas da industrialização no século XX In MOTA CG org Brasil em perspectiva 2 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1969 FURTADO A Formação econômica da América Latina 2 ed Rio de Janeiro Lia Edi tor 1970 SILBER S Análise da política econômica e do comportamento da economia brasileira durante o período 19291939 In VERSIANI FR e BARROS JRM org For mação econômica do Brasil São Paulo 1977 SUZIGAN W Indústria brasileira São Paulo Brasiliense 1986 Flávio Azevedo Marques de Saes é professor associado do Departamento de Economia da FEAUSP e participante do Ciclo de Seminários Cem anos de República continuida de e mudança 1989 do IEA UNIRIO História Estado e Economia A CONTROVÉRSIA SOBRE A INDUSTRIALIZAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRa A industrialização durante a Primeira República brasileira desempenhou um papel fundamental na transformação econômica e social do país Este período é marcado por uma série de mudanças significativas que contribuíram para moldar o cenário econômico e político do Brasil até os dias atuais Primeiramente é importante reconhecer que a industrialização durante a Primeira República vai além de um simples fenômeno econômico Ela representou uma mudança estrutural profunda na sociedade brasileira afetando não apenas o modo de produção mas também as relações de trabalho a distribuição de renda e o próprio tecido social Ao mesmo tempo a industrialização desempenhou um papel crucial na consolidação do poder político das elites dominantes que buscaram alinhar seus interesses econômicos com a estrutura de poder estabelecida A controvérsia em torno desse processo é evidente quando consideramos as diferentes interpretações sobre os fatores que impulsionaram o desenvolvimento industrial no país Enquanto alguns estudiosos enfatizam a influência de políticas governamentais como a proteção tarifária e os incentivos fiscais outros destacam o papel dos investimentos estrangeiros e da busca por mercados consumidores internos Além disso há aqueles que argumentam que a industrialização foi impulsionada principalmente pela demanda por produtos manufaturados gerada pelo crescimento populacional e pelas mudanças nos padrões de consumo Essas divergências de interpretação refletem não apenas a complexidade do processo de industrialização mas também as diferentes perspectivas teóricas adotadas pelos estudiosos Enquanto os economistas tendem a enfatizar os aspectos quantitativos e estruturais da industrialização os historiadores tendem a destacar os aspectos contextuais e culturais que moldaram esse processo No entanto é importante reconhecer que ambas as abordagens são complementares e contribuem para uma compreensão mais completa do fenômeno Ao analisar profundamente as diferentes perspectivas e argumentos apresentados por diversos estudiosos podemos enriquecer nossa compreensão da industrialização durante a Primeira República brasileira Isso nos permite reconhecer a complexidade desse período histórico e sua relevância para compreender os desafios e estratégias de desenvolvimento econômico do Brasil Mais do que simplesmente um capítulo da história econômica do país a industrialização durante a Primeira República é um tema que continua a influenciar as políticas econômicas e os alinhamentos políticos até os dias atuais No período compreendido entre 1888 e 1931 o Brasil passou por profundas transformações especialmente no que diz respeito à sua estrutura agrária e ao papel do meio rural na construção da identidade nacional Essa época marcada pelo fim da escravidão e pela ascensão de novas configurações sociais econômicas e políticas é objeto de análise de diversos estudiosos interessados em compreender as dinâmicas do ruralismo brasileiro Nesse contexto surge a necessidade de investigar de forma mais profunda as complexas relações entre o campo e a cidade os interesses das elites agrárias e os anseios das classes trabalhadoras bem como as influências externas e internas que moldaram o desenvolvimento do país O estudo do ruralismo brasileiro nesse período revela não apenas os eventos históricos marcantes como a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República mas também as transformações sociais e econômicas ocorridas nas áreas rurais A análise das estruturas de poder das relações de trabalho e das formas de organização da produção agrícola lança luz sobre as complexidades desse contexto e seus reflexos na vida cotidiana dos brasileiros Além disso a compreensão das dinâmicas do ruralismo permite uma reflexão mais ampla sobre os rumos da história brasileira e os desafios enfrentados pelo país em seu processo de modernização e desenvolvimento Diante disso tornase evidente a importância de investigar e compreender o ruralismo brasileiro entre os anos de 1888 e 1931 como parte integrante da história nacional A análise aprofundada desse período não apenas contribui para uma compreensão mais completa do passado mas também lança luz sobre os desafios e as oportunidades que moldaram e continuam a moldar o Brasil contemporâneo Assim é fundamental que estudiosos e interessados se debrucem sobre essa temática buscando desvendar suas complexidades e suas implicações para a sociedade brasileira como um todo A análise das abordagens de Celso Furtado e Carlos Manoel Peláez sobre o crescimento industrial dos anos 30 oferece insights valiosos para compreender as complexidades da industrialização durante a Primeira República no Brasil Furtado enfatiza a mudança do centro dinâmico da economia brasileira nesse período atribuindo esse fenômeno à crise econômica mundial e às políticas adotadas pelo governo nacional Segundo Furtado a intervenção estatal desempenhou um papel crucial especialmente por meio da defesa do café visando diversificar a economia e estimular o crescimento industrial Ele argumenta que o Estado desempenhou um papel ativo na promoção da industrialização buscando reduzir a dependência excessiva das exportações de café e criar um ambiente propício para o desenvolvimento industrial Por outro lado as críticas de Peláez lançam luz sobre diferentes perspectivas em relação ao processo de industrialização Peláez questiona a eficácia da política de defesa do café argumentando que ela se baseou mais em empréstimos externos e recursos provenientes de impostos sobre as vendas de café do que na expansão do crédito como sugerido por Furtado Para Peláez apesar dos esforços do Estado em impulsionar a industrialização o foco principal permaneceu no setor agrícola especialmente o café e as medidas adotadas não foram suficientes para garantir uma base sólida para o desenvolvimento industrial a longo prazo Essas divergências entre Furtado e Peláez refletem duas posturas distintas em relação à industrialização durante a Primeira República Enquanto Furtado destaca o papel da crise econômica e da intervenção estatal no impulsionamento do crescimento industrial Peláez enfatiza a importância da expansão das exportações como motor do desenvolvimento industrial Essas diferentes interpretações destacam a complexidade do processo de industrialização brasileira e a variedade de fatores que influenciaram seu curso ao longo do tempo A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República também se estende à interpretação dos dados históricos Alguns autores como Warren Dean argumentam que foi a expansão das exportações de café que criou tanto o mercado consumidor quanto as condições para o estabelecimento de indústrias no país Segundo essa visão a demanda externa impulsionou a modernização de setores como transporte e comunicações criando um ambiente propício para o investimento industrial Autores como Albert Fishlow destacam que durante a Primeira Guerra Mundial o crescimento industrial se deveu principalmente à substituição de importações não apenas à demanda externa Isso sugere que o desenvolvimento industrial foi impulsionado tanto por fatores internos quanto externos com a guerra gerando oportunidades para a produção nacional substituir bens anteriormente importados Essas diferentes interpretações levaram a um impasse na análise da industrialização durante a Primeira República Autores como Flávio e Maria Teresa Versiani argumentam que ambas as posições choques adversos e industrialização induzida pelas exportações são incompletas Eles sugerem que o processo de industrialização foi resultado da interação complexa entre períodos de dificuldades no setor externo que impulsionaram a busca por alternativas econômicas internas e períodos em que a economia voltouse mais para o exterior aproveitando oportunidades de crescimento e expansão das exportações Essa visão ressalta a complexidade do processo de industrialização e a necessidade de considerar múltiplos fatores e contextos históricos na análise desse período crucial da história brasileira A Teoria dos Choques Adversos mencionada no texto é uma abordagem que associa o crescimento industrial do Brasil a eventos como guerras e crises econômicas que interrompem o fluxo de renda para o exterior e incentivam o investimento interno Fernando Henrique Cardoso destaca a importância de considerar não apenas as condições econômicas mas também as sociais para entender o processo de industrialização Cardoso ressalta que o processo de industrialização requer certos prérequisitos sociais como o desenvolvimento do capitalismo uma economia mercantil e uma divisão social do trabalho relativamente desenvolvida Ele argumenta que a expansão cafeeira em São Paulo foi fundamental para a formação dessas condições à medida que os fazendeiros enfrentando escassez de mãode obra escrava passaram a importar trabalhadores livres contribuindo para a emergência de uma classe capitalista empreendedora Martins destaca que a indústria em ascensão em São Paulo não se restringia simplesmente à substituição de importações como frequentemente é sugerido em algumas análises históricas Em vez disso ele ressalta que a indústria explorava oportunidades de mercado que surgiam nas bordas da economia exportadora Essas oportunidades muitas vezes surgiam devido ao desequilíbrio externo da economia brasileira que criava demanda por produtos manufaturados que anteriormente eram importados Esse desequilíbrio por sua vez levou à adoção de medidas protecionistas que incentivaram ainda mais o crescimento industrial Consequentemente a renda que antes era destinada às importações passou a ser direcionada para o consumo interno impulsionando assim o crescimento da indústria nacional Por outro lado Silva e Mello analisam como a expansão da economia cafeeira não apenas contribuiu para o surgimento da indústria no Brasil mas também impôs limitações ao seu crescimento A dominância da economia cafeeira na acumulação de capital significava que grande parte dos recursos e investimentos estava concentrada nesse setor Isso poderia limitar o crescimento e o desenvolvimento da indústria uma vez que os recursos disponíveis para investimento em outras áreas poderiam ser restritos pela primazia do café Assim embora o café tenha sido um importante motor do desenvolvimento industrial também colocou barreiras e desafios para o pleno florescimento desse setor Essas análises destacam a complexidade das relações entre o comércio exterior especialmente o café e o desenvolvimento industrial no Brasil durante a Primeira República Enquanto as oportunidades de mercado e as medidas protecionistas impulsionavam o crescimento industrial a dominância da economia cafeeira também impunha limitações e desafios ao desenvolvimento pleno da indústria nacional Exatamente a relação entre o café e a indústria durante a Primeira República brasileira é um exemplo notável da complexidade do processo de industrialização Essa relação foi influenciada por uma série de fatores econômicos políticos e sociais e suas interpretações variam de acordo com diferentes perspectivas Do ponto de vista econômico a relação entre o café e a indústria estava intrinsecamente ligada à dinâmica do mercado Por um lado a expansão da economia cafeeira proporcionou recursos e demanda que impulsionaram o crescimento industrial Por outro lado a dependência excessiva do café também pode ter limitado o investimento em outros setores retardando o desenvolvimento industrial pleno No âmbito político as políticas governamentais desempenharam um papel crucial na relação entre o café e a indústria As medidas protecionistas adotadas pelo governo visavam incentivar o crescimento da indústria nacional enquanto as políticas voltadas para a defesa do café também influenciavam indiretamente o desenvolvimento industrial Além disso fatores sociais desempenharam um papel crucial no processo de industrialização durante a Primeira República brasileira A disponibilidade de mãodeobra e o surgimento de uma classe capitalista empreendedora foram elementos fundamentais nesse contexto O desenvolvimento do capitalismo e uma economia mercantil foram prérequisitos essenciais para o crescimento industrial proporcionando as bases necessárias para a expansão das atividades industriais A emergência de uma classe empresarial em São Paulo impulsionada pela expansão cafeeira e pela transição da mãodeobra escrava para livre contribuiu significativamente para o estabelecimento e expansão das indústrias na região evidenciando a interconexão entre os aspectos econômicos e sociais desse período histórico Essas diferentes dimensões econômicas políticas e sociais da relação entre o café e a indústria durante a Primeira República resultaram em interpretações diversas e até mesmo contraditórias por parte dos estudiosos Enquanto alguns destacam o papel central do café no impulsionamento do desenvolvimento industrial reconhecendo sua importância como gerador de recursos financeiros e mercado consumidor outros apontam para as limitações impostas pela dependência excessiva desse produto Argumentam que essa dependência poderia ter restringido a diversificação econômica e o desenvolvimento de outras áreas industriais É evidente que a análise desse período histórico requer uma abordagem multifacetada que leve em consideração todos esses fatores e perspectivas divergentes para uma compreensão mais completa e precisa do processo de industrialização durante a Primeira República brasileira A interação entre os fatores econômicos políticos e sociais juntamente com as diferentes interpretações acadêmicas oferece uma visão mais abrangente e complexa desse importante capítulo da história econômica do Brasil A controvérsia em torno da industrialização durante a Primeira República brasileira é multifacetada e envolve uma interação complexa de fatores econômicos políticos e sociais A análise econômica revela que tanto eventos externos quanto internos influenciaram o processo de industrialização O surgimento de oportunidades de mercado dentro do próprio país como observado por José de Souza Martins mostra que a indústria não se limitou apenas à substituição de importações mas também explorou nichos que emergiram na economia exportadora Além disso medidas protecionistas adotadas devido ao desequilíbrio externo conforme observado por Sérgio Silva e João Manuel Cardoso de Mello impulsionaram o crescimento industrial direcionando a renda antes destinada às importações para o consumo interno A intervenção estatal desempenhou um papel significativo no processo de industrialização Celso Furtado por exemplo destaca a importância das políticas governamentais especialmente a defesa do café como catalisadoras do crescimento industrial No entanto as críticas de Carlos Manoel Peláez apontam para nuances nesse aspecto questionando a eficácia dessas políticas e destacando outras fontes de financiamento como empréstimos externos e recursos provenientes de impostos sobre as vendas de café O desenvolvimento social como ressaltado por Fernando Henrique Cardoso também desempenhou um papel crucial na industrialização O surgimento de uma classe capitalista empreendedora em São Paulo impulsionada pela expansão cafeeira e pela transição da mão deobra escrava para livre criou condições propícias para o crescimento industrial Essa análise mostra como a relação entre café e indústria bem como o processo de industrialização no Brasil durante a Primeira República envolveram uma série de fatores econômicos políticos e sociais com diferentes interpretações e perspectivas sobre o tema Em suma a controvérsia em torno da industrialização nesse período crucial da história do Brasil oferece insights valiosos para os desafios e estratégias de desenvolvimento econômico do país tanto no passado quanto no presente e futuro Referências COSTA Emilia Viotti da A nova face do movimento operário na Primeira República São Paulo Brasiliense 1982 MENDONÇA Sonia Regina de O Ruralismo Brasileiro 18881931 São Paulo Editora Brasiliense 1979 SAES Flávio A M de A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República São Paulo Editora Hucitec 1985