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Matthew Restall Sete mitos da conquista espanhola TRADUÇÃO DE Cristiana de Assis Serra CAPÍTULO 3 Guerreiros invisíveis O mito do conquistador branco O império das Índias foi conquistado de certa forma por índios William H Prescott 1843 Os conquistadores dizem que os tlaxcaltecas merecem que Vossa Majestade lhes conceda muitos favores e que não fosse por eles os espanhois teriam sido todos mortos quando os astecas expulsaram os cristãos do México e os tlaxcaltecas lhes ofereceram abrigo Frei Toribio de Benavente Motolinía 1540 Chegastes a Tenochtitlán Sede fortes tlaxaltecas e huejotzincanos Assim começa uma das canções do século XVI escritos no idioma náuatle do México central conhecidas como Cantares Mexicanos ou Cânticos Astecas Tratase de uma ambígua celebração do papel desempenhado por guerreiros de Tlaxcala e Huejotzingo no sítio e captura da capital asteca Tenochtitlán Nos dois primeiros cantos esses nativos são auxiliados pelos hispânicos e suas armas na destruição da cidade destruição dos astecas os que no terceiro canto conseguem uma recuperação temporânea No quarto porém mesmo sacrificando um prisioneiro os astecas estão cercados e no quinto canto o soberano asteca Cuauhtémoc é capturado por Cortés Não fica claro portanto qual é a natureza da vitória dos tlaxaltecas e nãohispânicos sobre os astecas parecia reivindicar algum tipo de vitória material por meio da perpetuação de suas altas linhagens tal como simbolizada pela noivamenina de Cuauhtémoc Dona Isabel que se senta ao vosso lado CapitãoGeneral Cortés e seu filho meio espanhol Uma vez que astecas tlaxaltecas e huejotzincanos eram todos náuas a letra da música descreve a guerra como uma espécie de conflito civil ou local entre cidadesEstados rivais dentro da mesma área étnica e linguística Os espanhóis desempenham papéis significativos mas secundários como agentes da ambição nativa cujo triunfo final não constituiu um triunfo de fato a Napot Canche era o governador do cah cidade maia aqui em Calkini foi no pátio de seu palácio que foi prestado tributo ao capitão Montejo quando ele e seus soldados aqui chegaram Seus porcos e seus culhuas astecas chegaram primeiro o capitão dos culhuas era um asteca de nome Gonzalo Titulo de Calkini 1579 Cerca de oito anos atrás estando de posse como meu escravo de Juan Valiente negro a fim de tratálo com generosidade e na certeza de que ele se conduziria de maneira adequada concedilhe permissão para ir a Guatemala Peru e onde mais entendesse dirigirse e ganhar qualquer que fosse seu lucro desde que mantivesse um registro de sua conduta e trouxesse todo de volta para mim no prazo de quatro anos Alonso Valiente 1541 É uma cena familiar milhares de guerreiros nativos enxameiam como abelhas em volta de conquistadores em França desvantagem numérica que não obstante tão escassas chances de êxito conseguiram rechaçálos e sobreviver para retomar os combates no dia seguinte Tal familiaridade é em parte derivada do contexto mais amplo da experiência colonial ocidental cuja mitologia é pontuada por histórias de hordas bárbaras milagrosamente repelidas ainda que por pouco tempo esmaçadas a captura de Atahualpa o cerco de Viena o Álamo a última batalha de Custer a defesa de Rorkes Drift A cena também é familiar especialmente no que diz respeito à Conquista espanhola É onipresente nos relatos mais difundidos da invasão sobretudo aqueles da Conquista do México de Bernal Díaz e Cortés a Prescott este último um século em época em que a história ainda pregava que os europeus triunfaram sobre eles apenas por sua aparente inferioridade Tratase é evidente de um coralero natureza falha e parcial de sua vitória é própria a pórdios justamente porque os hispânicos parecem não ser donos de sua incompletude Em termos simbólicos na altura de sua aparente derrota no canto quatr os astecas capturam e sacrificam um espanhol chamado Guzmán como homenagem muito apreciada para Tenochititlán Essa maneira de ver a Conquista como uma guerra civil indigen não só constituiu uma alternativa ao ponto de vista previamente hispano nocentíficos dos invasores como é encontrada com facilidade nas fontes nativas Além disso revela uma dimensão das iniciativas hispânicas tão central para seu resultado que sem ela a Conquista não pode ser compreendida de uma forma que faça sentido Eu residente negro de color negro vecino desta cidade estive presente em todas as invasões conquistas e pacificações realizadas Juan Garrido 1538 da ideia do punhado de aventureiros sendo igualmente central no retrato da Conquista pintado pelos próprios conquistadores Embora revele muito sobre os espanhóis essa imagem omite certos aspectos cruciais da história Já não resta dúvida de que no campo de batalha os hispânicos quase sempre estavam em menor número que seus contendores nativos O que com frequência é ignorado ou esquecido contudo é o fato de que os conquistadores tendiam a ser superiores em número também por seus próprios aliados nativos E os guerreiros invisíveis deste mito assumiam ainda outra forma os aduladores escravos em campanhas posteriores chegavam a igualálos ou excedêlos em quantidade Na década de 1760 um frade italiano do orden dos capuchinhos Ilarione da Bergamo viajou pelo México escrevendo mais tarde um relato de sua jornada As breves referências de Ilarione à Conquista baseadas em suas conversas com espanhóis no México e em seu leitura das histórias populares de então dãonos uma boa ideia do estado dos mitos da Conquista em fins do século XVIII No entender do frade diante dessa desvantagem esmada por aqueles que poderiam se revelar tão assombrosas prova grâce a superioridade de seus armamentos às limitações impostas aos índios miseráveis por seu próprio caráter supersticioso e às intervenções de Providência O ponto de vista do capuchinho reflete o dos espanhóis coloniais sistematicamente o palavras perspicazes de Prescott O primeiro confronto terrível dos espanhóis com os tlaxcaltecas que lhes acarretara a ruína acabaria na verdade garantindo seu sucesso assegurandolhes um apoio nativo consistente a que recorrer nos momentos críticos em torno doqual reunir as raças aparentadas da terra para um grande assalto definitivo Não temos como saber ao certo de quantos aliados nativos Cortés dispunha por qualquer estimativa porém perfaziam um número muitas vezes maior que o de espanhóis Gomes declara que Cortés chegou a Tenochtitlán pela primeira vez com seis mil aliados nativos Horas aliadas que os tlaxcaltecas que em diversas ocasiões fugiram e com frequência lutaram mal Em contrapartida asseguraram ajudamos não só na guerra mas também lhes demos aos espanhóis tudo de que necessitavam Em outras palavras os huejotzincanos não foram instrumentos passivos da estratégia de Cortés pelo contrário procuraram aproveitar a presença hispânica para promover seus próprios interesses e combater adversários primeiro contra os astecas e posteriormente contra os tlaxcaltecas SETE MITOS DA CONQUISTA ESPANHOLA GUERREIROS INVISÍVEIS SETE MITOS DA CONQUISTA ESPANHOLA durante perante a escravidão africana quanto desnecessário entre as sociedades sedentárias do continente onde já havia sistema organizados de trabalho Nas primeiras décadas da Conquista porém os nativos com frequência acompanhavam os espanhóis como escravos em expedições nossas regiões sobretudo o Caribe mas não apenas lá Escravos indígenas da Nicarágua tomaram parte da Conquista do Peru por exemplo Lutaram e prestaram outros serviços ao lado de outros nativos e africanos tanto escravos quanto servos livres Os nativos tendiam a superar em número os africanos uma vez que estes em sua maioria eram escravos caros comprados de comerciantes transatlânticos Os homens lutavam e transportavam as provisões havendo também nativas que cozinhavam e serviam de companhias femininas e amantes para os espanhóis davam à luz filhos de europeus e estabeleciamse com eles como servas em suas novas residências coloniais Os fatos de que os espanhóis esperavam contar com vários auxiliares nativos ou negros e de que se considerava uma grande adversidade ter de passar sem eles apenas evidenciam a importância de seu papel na Conquista Dois anos é tempo mais que suficiente para comer e mendigar se o sujeito não dispuser de servos escrevem um conquistador um membro da companhia de Pizarro que quase morreu de inanição na ilha de Gallo na costa equatoriana enquanto aguardava reforços e mantimentos Vou precisar de alguém para a prática do meu ofício além de um criado para me servir comentou com o irmão ou seja um negro ou um bom casal de índios porque se eu for comprálos aqui me custará muito dinheiro fo no final de 1524 A ocasião foi a entrada na cidade da expedição chefiada por Cortés a caminho de Honduras e o festival foi uma acolhida sob a forma de nas palavras de Bernal Díaz arcos triunfais simulações de emboscadas de cristãos e mouros e outros excelentes entretenimentos e jogos teatralizados Como começamos a antepada da vitória de Cortés em Honduras o festival foi repleto de ironia já que não só quase todos os celebrantes eram nativos como na realidade Cortés estava conduzindo um exército majoritariamente nativo contra um grupo de espanhóis rebeldes comandados por um de seus antigos capitães Cristóbal de Olid O retorno de Cortés à Cidade do México em 1526 ocasionou o segundo dos festivais desse gênero de que temos notícias Mais uma vez as danças jogos e batalhas simuladas eram estrelados por nativos que supostamente comemoravam os triunfos hispânicos mas muito claramente representavam também seus próprios papéis complexos na Conquista incompleta Como observa Díaz frequentemente durante o festival o Lago que ainda cercava a Cidade do México ficou apinhal de canoas com guerreiros índios do mesmo modo como costumavam nos combater nos tempos de Guatemoze locais Milhares de nauas nativos e possivelmente outros mesoamericanos representaram atacantes e defensores durante o sítio de Rodes com Cortés como líder das forças cristãs Para a platéia espanhola essa foi a apresentação principal mas o público e os participantes negros e nativos devem ter considerado igualmente significativa a peça que precedeu o cerco Nesse espetáculo de abertura três florestas artificiais foram munidas de animais de verdade de caçados então por bandos de guerreiros indígenas Os atores nativos representavam tanto o folclore medieval europeu dos civilizados naus do México Central aos mesoamericanos bárbaros chichimecas e outros das fronteiras do império esta e mais tarde da Nova Espanha A caça logo tornouse um embate entre os dois grupos conflito que foi se complicado até ser resolvido pela chegada de uma cavalaria de mais de cinquenta negros e negras Díaz outra vez liderados por um rei e uma rainha negros A presença e o papel dos africanos eram seja dúvida abertas a diferentes interpretações pelas diversas populações da Cidade do México de então Para os espanhóis a participação de africanos e nativos assinalava a redução pela Conquista de todos os nãohispânicos a agentes armados do colonialismo ou mesmo coadjuvantes nos conflitos militares Para os nativos o papel dos africanos era агriсole ao mesmo tempo em que recordava a participação militar africana na invasão espanhola parodiava essa mesma invasão ao representar a como intergalmente negra monarquia incluída Para os africanos a entrada a cavalo em cena deve ter constituído uma briosa celebração de suas proezas marciais de um status de conquistadores ao qual tão raramente se concedia reconhecimento público Todos os presentes também devem ter se lembrado de que apenas um ano e meio antes no outono de 1537 um número desconhecido dos dez mil africanos já residentes na Cidade do México supostamente havia tramado uma revolta de escravos e coroado um rei negro rebelde Esse monarca escravo junto com outros líderes negros acabara sendo executado em praça pública SETE MITOS DA CONQUISTA ESPANHOLA e certamente ressuscitou na lembrança dos negros da cidade sob a forma do rei africano do festival 24 Qualquer que fosse sua identidade ou perspectiva nenhum dos habitantes da Cidade do México em 1539 teria considerado ingente a presença dos negros no festival da conquista daquele ano Para todos era ponto pacífico que também os africanos haviam tomado parte da Conquista real Com efeito eles eram ubíquos não só na Conquista do México como em toda a invasão e colonização das Américas pelos espanhóis de modo geral Visto que esses africanos chegavam em sua maioria como escravos o papel central e difundido dos negros era com frequência ignorado pelos espanhóis que escreviam sobre a Conquista Como ocorreu com tantos outros aspectos da Conquista durante esse processo de transformação numa colagem de mitos os historiadores subsequentes entre outros fariam apenas consolidar tal marginalização Desse modo os indícios do envolvimento dos negros são fragmentados e raivosos não obstante reunidas as peças sua participação é inconstante Entre as evidências que podem ser pinçadas temos a história da vida de um conquistador negro ao que tudo indica extraordinário Juan Valiente 25 Mesmo não dispondo de informações diretas sobre a juventude de Valiente é quase certo que tenha nascido na África Ocidental por volta de 1505 tendo sido vendido a comerciantes portugueses no litoral do continente ainda muito jovem por traficantes africanos de escravos Ingressou assim na grande onda de pessoas e provisões que afliuiu para o México no rastro da invasão hispânica e da queda do Império Asteca Depois de ser adquirido por um espanhol chamado Alonso Valiente o jovem africano foi batizado e levado para a casa de seu novo senhor na recémfundada cidade de Puebla em torno de 1530 Não admira que Juan Valiente se tenha mostrado infatigável em sua posição de servo doméstico escravo Não sabemos se adotou uma série de estratégias para alargar os limites de sua servidão mas o fato é que em 1533 ele conseguiu convencer seu proprietário a deixálo partir em busca de oportunidades como conquistador por um GUERREIROS INVISÍVEIS período de quatro anos desde que mantivesse um registro de seu lucro e o trouxesse todo de volta para mim senhor O africano levaria consigo todo o tempo um registro autenticado do acordo a fim de evitar ser preso como escravo em fuga Valiente chegou à Guatemala a tempo de ingressar na expedição de Pedro de Alvarado rumo ao Peru A vasta companhia de Alvarado composta por espanhóis nativos e africanos foi interceptada no norte do Peru por Diego de Almagro então ainda sob o domínio de Pizarro em 1534 que subornou Alvarado os que haviam seguido entretanto tinham a alternativa de juntarse a Almagro Valiente optou por trocar de companhia e em 1535 estava lutando no Chile com Almagro Os índices de mortalidade eram altos na Conquista mas os que sobreviviam em geral viam suas fortunas darem saltos estratosféricos Foi o caso de Valiente apesar de tecnicamente não passar de um escravo Em 1540 estava de novo ou ainda no Chile mas agora como capitão cavaleiro e sócio oficial da tropa de Juan de Valdivia As investidas contínuas contra os araucanos nativos do Chile no decorrer da década de 1540 proporcionaramlhe novas recompensas uma propriedade nas proximidades de Santiago cidade que ajudou Valdivia a fundar em 1546 cinqüenta anos depois uma encomienda isto é um concessão de um grupo de nativos que lhe pagariam tributos Nesse interim Valiente desposou uma certa Juana de Valdivia talvez uma serva nativa mas provavelmente uma exescrava africana do governador 26 Ao longo dessas décadas o proprietário do conquistador Alonso Valiente que continuava a mais de mil quilómetros dela na mexicana de Puebla ainda não desistira de seu investimento Embora a permissão de viagem de Juan Valiente determinasse que ele deveria retornar para entregar os despojos da conquista ao seu senhor ao fim de quatro anos uma versão atualizada lhe foi remetida quando expirou o contrato original O mais provável é que o documento jamais tivesse chegado às mãos do escravo já que mais quatro anos se passaram sem que Alonso recebesse notícias de Valiente fossem enviadas pelo próprio fossem por terceiros Só em 1541 ele se decidiu a enviar seu sobrinho numa caçada às cegas atrás do escravo a fim de trazêlo de volta ou negociar um bom SETE MITOS DA CONQUISTA ESPANHOLA preço por sua emancipação 27 Curiosamente Valiente tampouco se esqueça do acordo com Alonso A despeito de todo o seu êxito como conquistador e da possibilidade de levar uma vida de homem livre no Chile seu status técnico de escravo ainda o estorvava o suficiente para que em 1550 ele contrastasse um funcionário da Coroa para comprarlhe a liberdade legal em Lima ou Puebla O funcionário entretanto vediuse com os fundos para a Espanha Cinco anos depois Alonso Valiente finalmente tomou conhecimento da carreira de seu escravo empreendendo então nova tentativa de recuperarlhe como proprietário Aquela altura porém o conquistador e emcomedoro já fora morto pelos araucanos na batalha de Tucapel em 1553 A vida de Juan Valiente sem dúvida parece extraordinária matéria mesmo de ficção Contudo em todos os seus aspectos pode ser relacionada aos padrões mais amplos tanto da atividade dos conquistadores hispânicos quanto da experiência africana nos primeiros tempos da América espanhola Sua história de negro oriundo da África Ocidental é levado contra a sua vontade para os americanos no século XVI nada tinha de singular O tráfico de africanos do oeste do continente que fazia parte havia séculos das atividades comércio transatlânticas foi crescendo em importância em fin do século XV como parte da narrativa de Conquista real Com efeito eles eram ubíquos não só na Conquista do México como em toda a invasão e colonização das Américas pelos espanhóis de modo geral Visto que esses africanos chegavam em sua maioria como escravos o papel central e difundido dos negros era com frequência ignorado pelos espanhóis que escreviam sobre a Conquista Como ocorreu com tantos outros aspectos da Conquista durante esse processo de transformação numa colagem de mitos os historiadores subsequentes entre outros fariam apenas consolidar tal marginalização Desse modo os indícios do envolvimento dos negros são fragmentados e raivosos não obstante reunidas as peças sua participação é inconstante Entre as evidências que podem ser pinçadas temos a história da vida de um conquistador negro ao que tudo indica extraordinário Juan Valiente 25 Mesmo não dispondo de informações diretas sobre a juventude de Valiente é quase certo que tenha nascido na África Ocidental por volta de 1505 tendo sido vendido a comerciantes portugueses no litoral do continente ainda muito jovem por traficantes africanos de escravos Ingressou assim na grande onda de pessoas e provisões que afliuiu para o México no rastro da invasão hispânica e da queda do Império Asteca Depois de ser adquirido por um espanhol chamado Alonso Valiente o jovem africano foi batizado e levado para a casa de seu novo senhor na recémfundada cidade de Puebla em torno de 1530 Não admira que Juan Valiente se tenha mostrado infatigável em sua posição de servo doméstico escravo Não sabemos se adotou uma série de estratégias para alargar os limites de sua servidão mas o fato é que em 1533 ele conseguiu convencer seu proprietário a deixálo partir em busca de oportunidades como conquistador por um No fim do século cerca de cem mil africanos já haviam sido mandados para as colônias hispanoamericanas O objetivo óbvio do tráfico negreiro do Atlântico era atender à demanda de mãodeobra e a mais influente de todas as atividades dos escravos no Novo Mundo era a de lavradores nas plantações Muito cobrou os hispânicos do fato estabelecerem plantações de canadeaçúcar entre outras cultivadas por escravos africanos cujas colônias eram erguidas basicamente em áreas de densa população nativa de cuja mãodeobra dependiam Desse modo os escravizados negros dos colonos espanhóis tendiam a trabalhar mais como auxiliares pessoais na qualidade de servos domésticos assistentes em empreendimentos comerciais símbolos de status social assim como na Conquista eram auxiliares pessoais de determinados conquistadores espanhóis Esses servos armados por necessidade em geral conquistavam a liberdade ao lutarem e sobrevivem tornandose assim conquistadores autônomos Juan Valiente chegou ao Novo Mundo demasiado tarde para ser incluído nesse padrão no Caribe e México mas os primeiros espanhóis tinham a seu lado outros africanos Juan Garrido por exemplo nascido na África ocidental por volta de 1480 encontravase entre Lisboa e Sevilha em fins dos anos de 1490 e chegou ao Caribe em 1502 ou 1503 ver Tabela 2 Mais tarde affirmaria ter cruzado o Atlântico como homem livre embora seja mais provável que tenha adquirido a liberdade no Caribe Entre 1508 e 1519 lutou nas Conquistas de Porto Rico e Cuba em assaltos a outras ilhas e no Descobrimento da Flórida Ainda em 1502 o governador de Hispaniola Nicolás de Ovando mandara trazer africanos para atuarem como auxiliares na conquista todavia quando estes fizeram o inverso e juntaramse à resistência nativa na ilha ele vetou toda e qualquer nova importação de escravos negros A proibição não surtiu maiores efeitos os espanhóis levavam nas expedições tantos africanos quanto suas condições financeiras lhes permitiam Garrido não foi de modo algum o único conquistador negro a acompanhar Ponce de León em Porto Rico como tampouco foi o único a invadir Cuba com Diego Velázquez que em 1515 escreveu ao rei que inúmeros escravos negros haviam tomado parte da Conquista da ilha c 1480 Nasce na África Ocidental provavelmente e vendido como escravo para traficantes portugueses c 1495 Tornase cristão em Lisboa mais tarde mudase para Sevilha poderá ter ganho a liberdade em Lisboa ou Sevilha c 1503 Cruza o Atlântico até Santo Domingo provavelmente como servo ou escravo de um espanhol chamado Pedro Garrido 150819 Participa das Conquistas de Porto Rico e Cuba das supostas Conquistas de Guadalupe e Dominica e do Descobrimento da Flórida sua residência oficial é Porto Rico 151921 Membro da expedição de Conquista que penetra no México Central provavelmente como servo de Pedro Cortés ou com menor probabilidade nas comitivas de Juan Núñez Sedeño 1519 ou Pânfilo de Narváez 1520 1521 Construí uma capela comemorativa na extensão de Tacuba próximo ao local em que os espanhóis e seus aliados sofrem pesadas perdas em 1520 152123 Reside próximo à capela nas cercanias da Cidade do México planta os três primeiros grãos de trigo semeados na Nova Espanha 152324 Membro da expedição de Antonio de Carvajal a Michoacán e Zacatula Reside na Cidade do México em 10 de fevereiro de 1525 recorre a um outro caso de porteiro portero e ganha embora também de forma muito fraca o cargo de pregueiro pregorero e a ajuda do Chapultepec 1528 Encarregase numa expedição a Porto Rico destinado a resgatar um grupo de escravos negros para 152833 Reside na Cidade do México c 153336 Membro da expedição de Cortés para a Baixa Califórnia encarregado e coproprietário de um pelotão de escravos negros e nativos para atividades de mineração 1536c 47 Reside na Cidade do México onde vem a falecer deixa esposa e três filhos um dos quais talvez fosse o Juan Garrido residente em Cuernavaca em 1552 Em diversos sentidos Valiente e Garrido eram típicos representantes dos conquistadores negros Ao que tudo indica ambos eram africanos de nascimento Só uma minoria dos negros participantes da Conquista havia nascido na Espanha ou em Portugal exemplos são Juan García e Miguel Ruiz ver Tabelas 3 e 4 e isso muito mais à frente na Conquista surgiriam soldados negros originários da própria América Ambos adquiriram a liberdade em virtude de suas experiências militares Garrido pelos meios legais e Valiente concretizandona na prática e só deixando de receber sua confirmação legal em decorrência das dificuldades da comunicação de longa distância na América espanhola do século XVI Os dois tinham cerca de 28 anos de idade quando deram início às suas carreiras de conquistadores e talvez já estivessem mais perto dos 30 quando efetivamente lutaram no Novo Mundo pela primeira vez Embora os conquistadores hispânicos estivessem em média no fim da casa dos 20 anos seus pares negros tendiam a ser alguns anos mais velhos provavelmente porque seria difícil que os espanhóis confiassem atributos que exigissem o uso de armas a africanos mais jovens e menos hispanizados Estes com maior probabilidade seriam obrigados a servir seus patrões como escudos humanos Por fim ambos chamavamse Juan o nome cristão de mais da metade dos conquistadores negros de que se tem registro o que comprova a falta de imaginação dos espanhóis no batismo de seus escravos A diferença primordial entre Valiente e Garrido foi basicamente o momento de sua chegada ao Novo Mundo O fato de Garrido haver chegado antes implicou em sua participação nas principais conquistas caribenhas e mexicanas Uma geração mais tarde Valiente alcançou o México e o Peru logo após as fases iniciais da conquista o que acabou levandoo a lutar em regiões mais periféricas Em 1519 Juan Garrido ingressou na expedição de Cortés ao continente e na década de 1520 foi um dos residentes fundadores da Cidade do México Garrido posteriormente escreveria ao rei ter sido o primeiro a ter a inspiração de semear trigo aqui em Nova Espanha e ver se medraria filo e experimenteio às minhas próprias custas Atribuise a um africano no México outrora a introdução da valrôla no continente Francisco de Eguía um dos escravos negros da expedição de Narváez de 1520 supostamente pereceu em virtude da doença logo após desembarcar no litoral mexicano Ao contrário de expedições posteriores os africanos não tomaram parte da Conquista de México às centenas parceria conforme observou Bernal Díaz naquela época negros e cavalos valiam seu peso em ouro Não obstante Garrido e Eguía provavelmente figuravam entre as dezenas de negros que acompanhavam os espanhóis que invadiram o Império Asteca Um deles era Juan Cortés escravo que recebera o nome do dono Juan Sedeno também possuía seu próprio servo africano Os irmãos Ramírez que mais tarde seguiriam Alvarado à Guatemala levaram ao México um cavalo e um escravo negro cada um Tanto fontes espanholas quanto africanas fazem referência à presença negra ainda que não forneçam detalhes específicos O cronista dominicano Diego Durán por exemplo menciona diversos servos e negros ao passo que o relato motivacional por Sahagún como aqui mencionado entre nós como Códice Florentino observa apenas que com os espanhóis vieram alguns negros ao cabelo curto crespo e lenoso Duas das ilustrações da narrativa de Durán retratam um negro ao lado de Cortés campanhas podem ser divididas em dois grupos o primeiro parte da ramificação ou sistema de revezamento de conquista irradiado a partir do México central o segundo parte da cadeia de conquistas que adentrou na América do Sul Ilustrativa do primeiro ramo que se estendia para o norte do México e para o sul da Mesoamérica até Honduras é a experiência de exploração e conquista contínuas de Garrido na Nova Espanha após a queda de Tenochtitlán Ele participou de expedições às áreas de Michoacán e Zacatula no México na década de 1520 e a Baixa Califórnia com Cortés nos anos de 1530 Nesse época os negros envolvidos nessas jornadas já haviam começado a ser contados às centenas às vezes superando em número os membros espanhóis dessas companhias o próprio Cortés levou mais de trezentos deles para a Baixa Califórnia Enquanto Garrido de tempos em tempos deixava o México Central rumo ao norte Valiente preferiu seguir para a Guatemala ao sul Em 1524 Alvarado levara africanos para as montanhas mais e eles continuaram chegando num fluxo ininterrupto nos anos que se seguiram escravos em sua maioria muitos para juntarse à considerada subclasse negra que habitava a capital guatemalteca alguns em busca de oportunidades de Conquista como Valiente Em 1533 ao expor em voga nas colônias era o Peru por outro lado a então propalada expedição de Montejo à Yucatán estava em ruínas Tivesse ido outro o momento e o destino das descobertas hispânicas ou se Valiente houvesse chegado à Guatemala antes do descobrimento do Peru ou até 1540 talvez julgasse melhor ir à Yucatán Ali teria se deparado com dezenas de africanos nas primeiras campanhas de Montejo talvez mais de cem deles na invasão final nos anos de 1540 Aí se incluem um africano batizado de Sebastián Toral que conquistou a liberdade por seus próprios esforços e constituiu família tendo sido um dos primeiros habitantes da capital colonial iucatano de Mérida cujas populações negra e hispânica praticamente se igualavam em número por volta de 1550 Quando Juan Valiente ingressou na vasta mas efêmera expedição de Alvarado ao Peru em 1543 viajou com outros duzentos escravos e servos africanos além de um pequeno número de voluntários negros como ele próprio Ao optar por permanecer na América do Sul o que ele fez foi saltar de um lado de conquista para o outro Essa segunda cadeia principiará no Caribe e áreas mais ao sul da América Central na década de 1510 ver Tabela 3 estendendose e espalhandose pelo Peru nos anos de 1530 e prosseguindo pelas margens da América do Sul tal como exemplificado pela carreira de Valiente no Chile entre finais da década de 1530 e princípios de 1550 Os deslocamentos e motivações de Juan Valiente portanto nada tiveram de extraordinário no contexto da diáspora africana ocorrida dentro da expansão espanhola do século XVI tanto no que diz respeito ao período de sua vida passado na América do Sul quanto aos seus primeiros anos nas Américas Assim como Garrido não foi o único conquistador negro do México tampouco foi Valiente o único africano no Peru e no Chile nos anos de 1530 Havia dois negros na companhia de Pizarro em Cajamarca Juan García e Miguel Ruíz cujas respectivas biografias só podem ser reconstituidas com poucos detalhes ver Tabelas 3 e 4 Todavia ambos eram muitos livres que se haviam juntado por livre e espontânea vontade à expedição Havia outros negros em sua maioria escravos nascidos na África e em número desconhecido que acompanharam essa e outras expedições subsequentes aos Andes Na verdade a única baixa no lado espanhol durante a captura de Atahualpa foi um escravo negro pertencente a Jerônimo de Aliaga Padrões de Vida de Alguns Conquistadores Negros O relato da Conquista de autoria de Pedro de Cieza de León jovem espanhol que passou 15 anos 153550 como conquistadorcronista na América do Sul é representante de como as fontes hispânicas mesmo tempo ignoram e revelam a participação negra conseguindo fundar ali uma colônia batizada de Nova Granada um dos membros do grupo era Pedro de Lerma mulato que alçanaria pleno status de conquistador