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Texto de pré-visualização

AD2 a partir da leitura de PEREIRA R HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE Estudo das interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica Dissertação de Mestrado Rio de Janeiro PPGHC UFRJ 2005 pp 86117 1 1 Leia com atenção o capítulo proposto 2 2 Faça um fichamento contemplando as principais ideias do capítulo 3 3 Nas páginas 99100 o autor utiliza o seguinte fragmento a Zenon saudação Você faz bem se você está saudável Eu também estou bem Você sabe que você me deixou na Síria com Krotos e eu fiz tudo que foi ordenado a respeito dos camelos e fui inocente perante você Quando você enviou a ordem para me dar pagamento ele deu nada do que você ordenou e Krotos me deu nada e sim continuou dizendome para eu me retirar eu permaneci por um longo tempo esperando por você mas quando eu em busca pelo essencial e não conseguindo nada em lugar algum eu fui compelido a fugir para a Síria para assim não perecer de fome Assim eu escrevi para você para que você possa saber que Krotos foi a causa disso Quando você me enviou novamente para Philadelphia para Jason novamente eu faço tudo que é ordenado por nove meses agora ele me deu nada do que você ordenou a mim ter nem óleo nem grão exceto pelo período de dois meses quando então ele me pagou as vestes ajuda de custo E eu estou em dificuldade no verão e no inverno E ele me ordenou a aceitar vinho ordinário como salário Bem eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro Eu imploro a você portanto se isso parecer justo a você dar a eles ordens que eu obtenha o que é merecido e que no futuro eles me paguem no total de modo eu não pereça de fome pois eu sei grecizar1 Você portanto dê atenção a mim por favor Eu rezo a todos os deuses e à divindade guardiã daimon do Rei que você permaneça bem e venha a nós em breve para então você possa por si mesmo ver que eu sou inocente Passar bem Endereçado a Zenon2 c256255 aC GHDHP 114 HWARC 245 Explique o que ele quer demonstrar com este fragmento e como ele o faz Aproveite para comentar os resultados Observações A AD2 deve considerar os conteúdos do curso até aula 10 mais o texto solicitado para leitura HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE de Ronaldo Gurgel Pereira O texto encontra se na seção Materiais e subseção Exercícios e Complementos na parte esquerda da pagina da disciplina abaixo do quadro de Avisos Reparem que a AD2 inclui duas atividades primeiro o fichamento do texto elencando os pontos mais relevantes de e também considerando o que foi visto nas aulas segundo a análise do fragmento do texto e comentário dos resultados Sobre o fichamento não é certo apenas cortar e colar passagens do texto o ideal é vocês fazerem um apanhado das ideias com suas palavras e quando for conveniente usar algumas citações tiradas do texto Sobre a análise da fonte não é apenas reproduzir o que a fonte diz e sim perceber as informações nas entrelinhas buscando o que mais de informação ela contém em seu discurso Como parâmetro de tamanho o trabalho requer um mínimo de 4 laudas mas não possui tamanho máximo Acredito que todas as instruções encontramse aqui mas caso ainda haja alguma dúvida é só me chamar na sala de tutoria Fique atento ao cronograma e entregue a avaliação no prazo estipulado 1 A versão inglesa traduziu hellenizein imitar os costumes gregos como to act the Hellene isto éfingir o heleno Na crítica de Préaux a esta mesma passagem ela afirma por mais que a carta tenha sido escrita pelo homem em questão o que não se pode ter certeza a palavra pode ser tão somente uma forma exagerada de dizer em casa não me porto como grego 194769 2 Esta é a carta de um nãogrego egípcio ou árabe antigo subordinado do dioeketes do Fayum Zenon Uma vez deixado na Síria para trabalhar com outros agentes de Zenon este sofreu com discriminação e não recebeu sus pagamentos por não saber fingir o heleno chegando a ser proposta uma remuneração em vinho O barbarismo causador de tal tratamento não se limitava simplesmente ao idioma os editores comentam que a carta apesar de pobremente escrita não é má composta mas também nas maneiras e costumes nómos Juliana Bastos Marques Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma Mundo Helenístico 8 Metas da aula Apresentar a ação militar e diplomática dos romanos na configuração geopolítica do mundo helenístico a partir do século II aC na forma como delimitou mudanças irreversíveis na autonomia do mundo grego mostrar como a cultura grega do período influenciou o mundo romano Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 reconhecer a dinâmica da presença romana no mundo helenístico como modificadora das relações locais 2 identificar as formas da influência grega no mundo romano Prérequisitos Para esta aula recapitule a aula anterior sobre a dinastia antigônida Retome também as aulas de História Antiga referentes ao surgimento de Roma especialmente a Aula 17 Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 9 INTRODUÇÃO A Grécia foi a primeira província anexada ao nascente Império Romano processo que se tornaria o modelo inicial para todo o arranjo político econômico e social do Mediterrâneo até o fim do mundo antigo A cultura grega também estabeleceu uma presença muito forte em Roma a ponto de usarmos o termo grecoromano para definir todo o período da Antiguidade Clássica Como vimos na última aula o paulatino enfraquecimento das monarquias helenísticas em especial a dinastia dos antigônidas na Macedônia e a fragilidade política e militar das alianças entre as cidades gregas nas ligas Etólia e Aqueia favoreceram a penetração dos romanos no território grego Veremos que a princípio os romanos não tinham planos sistemáticos de anexação de territórios na Grécia o que fez com que a expansão do Império Romano nesse período fosse um processo mais acidental do que propriamente premeditado Primeiros contatos com a Grécia O exército romano enfrentou os gregos pela primeira vez em 280 aC durante a invasão da península Itálica por Pirro rei do Épiro conforme vimos na última aula o contato significou nada mais do que uma defesa de território Nas décadas seguintes Roma ocupouse com a consolidação de seu poder na península em especial perante as cidades gregas da chamada Magna Grécia ou seja a parte sul da Itália e com a Primeira Guerra Púnica contra Cartago De fato esta guerra entre as duas maiores potências militares do Mediterrâneo ocidental no século III aC foi essencialmente uma disputa pela Sicília território geograficamente estratégico e de cidades economicamente poderosas como a pólis de Siracusa que no entanto se manteve independente e aliada a Roma após o fim da guerra Mundo Helenístico 10 O primeiro contato militar com os gregos fora da Itália se deu por causa do aumento da influência do reino da Ilíria Figura 81 no mar Adriático que era nada menos do que o estratégico corredor marítimo entre a Itália e a Grécia O território ilírio estava unificado pela primeira vez sob uma monarquia mais estável e centralizadora mas que apoiava uma feroz atividade de pirataria no Adriático A rainha Teuta que havia unificado as diversas tribos da região ordenara um ataque aos navios mercantes sob proteção romana além do assassinato de um diplomata romano em 229 aC Como resposta os romanos finalmente atravessaram o mar Adriático e invadiram esse território no norte da Grécia conseguindo por isso alianças de ajuda mútua com as cidades gregas na região como Corcira Apolônia e Issa Figura 81 Península Itálica mar Adriático Ilíria e Grécia Fonte Wikimedia Commons adaptado httpcommonswikimediaorgwikiFileIllyrian coloniesinItaly550BCEjpg Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 11 Logo se seguiu outra guerra na Ilíria desta vez contra o rei Demétrio em 219 aC fato eleito pelo historiador Políbio como o real início do domínio romano sobre os gregos O objetivo das Histórias de Políbio seria narrar como foi possível aos romanos dominar todo o Mediterrâneo em apenas meio século entre o início da Segunda Guerra Púnica e 167 aC com a conquista final da Macedônia Vale lembrar que os romanos estavam ao mesmo tempo começando essa segunda guerra contra os cartagineses que se arrastaria por quase duas décadas contra o famoso general Aníbal O que podemos observar a partir das Guerras Ilírias é que desde o início não houve um movimento planejado de anexação de territórios na Grécia pelos romanos mas sim ações pontuais realizadas para garantir a hegemonia e o poder sobre o Mediterrâneo Esse padrão irá se repetir nas décadas seguintes com a Macedônia e o resto da Grécia bem como na costa da Ásia Menor cidades gregas entravam em conflito entre si e pediam a mediação dos romanos que ao demonstrar sua hegemonia militar tornavamse então protetores em alianças com as cidades gregas vitoriosas que eventualmente iriam entrar em conflito mais uma vez Foi apenas no fim desse processo que os romanos decidiram manter definitivamente seus exércitos no território grego tomando para si a administração da região As Guerras Macedônicas As etapas da conquista romana da Grécia podem ser divididas em quatro a Primeira Guerra Macedônica contra Filipe V 211205 aC b Segunda Guerra Macedônica também contra Filipe V 200 197 aC c Guerra contra os etólios e o selêucida Antíoco III ou Guerra Síria 192188 aC Mundo Helenístico 12 d Guerra contra Perseu da Macedônia ou Terceira Guerra Macedônica 172168 aC Essa divisão é claramente baseada na ênfase política que as fontes históricas antigas nos dão sobre o período em especial os historiadores Políbio e Tito Lívio com relatos sobre guerras e grandes feitos militares No entanto sob uma perspectiva mais ampla das relações internacionais no período essas guerras na Grécia e Ásia Menor refletem a fragilidade já evidente das monarquias helenísticas que abandonam de vez as pretensões de domínio dos territórios antes parte do império de Alexandre As Ligas Etólia e Aqueia também medem forças com esses reinos ora aliadas ora inimigas dos reis Nesse sentido o apelo aos romanos é mais um dos tratados possíveis e que se tornam cada vez mais recorrentes devido à grande supremacia tática das legiões perante as falanges hoplíticas do tipo macedônio predominantes nas batalhas até então a Primeira Guerra Macedônica 211205 aC Conforme vimos na aula passada Filipe havia feito um tratado com o cartaginês Aníbal em busca de territórios na Ilíria Os cartagineses tinham infligido severas derrotas aos romanos naquele período nas batalhas de Trébia do lago Trasímeno e de Canas e parecia vantajoso ao macedônio se aliar àquela que parecia a força militar mais poderosa Os romanos ocupados com o front ocidental aliaramse à Liga Etólia e foi ela que tomou as rédeas da luta contra Filipe V Eventualmente os etólios perceberam que estavam lutando quase sozinhos e estabeleceram uma paz com o rei macedônico com a qual os romanos tiveram de concordar O texto da aliança entre os romanos e a Liga Etólia é citado por Tito Lívio XXVI 24 715 e também está parcialmente preservado em uma inscrição Se os romanos capturarem pela força as cidades desses povos no que concerne o povo romano que seja permitido aos etólios ter essas cidades e seus territórios e tudo o que for capturado pelos romanos além dessas cidades e territórios ou Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 13 seja o butim que os romanos as mantenham E se alguma dessas cidades for capturada conjuntamente pelos romanos e etólios no que concerne o povo romano que os etólios tenham essas cidades e seus territórios b Segunda Guerra Macedônica 200197 aC A participação na disputa entre Filipe V e os etólios havia deixado os romanos com uma má fama na Grécia acusados de crueldade e barbárie nos saques às cidades e no trato com os inimigos Os ânimos se acirraram rapidamente e embora as causas da nova guerra entre o rei macedônio e os romanos não estejam claras esse foi de fato o primeiro ataque romano deliberado que teve sua conclusão apenas com a rendição completa de Filipe Mais uma vez tiveram destaque as alianças com as cidades gregas e esta guerra foi caracterizada pelos discursos dos romanos como libertadores dos gregos contra o rei macedônio como já chegamos a ver na aula anterior em relação a Atenas A vitória romana final deixou claro para os gregos quem realmente detinha o poder e que Roma não poderia mais ser deixada de lado quando se tratasse dos arranjos políticos locais Filipe V deveria voltar aos seus domínios na Macedônia sem maiores pretensões territoriais A declaração da libertação dos gregos pelos romanos tomou ares solenes anunciada teatralmente durante os Jogos Ístmicos de 196 aC As cidades gregas aclamaram o general Tito Quíncio Flaminino como o grande libertador tendo até mesmo cunhado moedas com a sua efígie Figura 82 Mundo Helenístico 14 Figura 82 Estátera grega de ouro com a efígie do general Tito Quíncio Flaminino 197 aC Esta é a moeda mais antiga com um retrato de um romano Fonte Trustees of the British Museum httpwwwbritishmuseumorgexplorehighlights highlightobjectscmggoldstaterinthenameoftitaspx Políbio cita o texto da aclamação XVIII 46 O arauto avançou então e impondo silêncio geral por meio de seu corneteiro leu a seguinte proclamação O Senado de Roma e o prócônsul Tito Quíncio após a vitória sobre o rei Filipe e os macedônios deixam livres os seguintes povos sem guarnições em suas cidades e sem a imposição de quaisquer tributos e governados pelas próprias leis de suas respectivas pátrias os coríntios os foceus os lócrios os eubeus os aqueus ftiótios os magnésios os tessálios e os perrébios Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 15 O exército romano Figura 83 Relevo funerário com legionários romanos Fonte Wikimedia Commons httpcommonswikimediaorgwiki FileGlanumstelelegionnairesjpg Assim como no mundo grego os legionários na época da República romana eram também cidadãos e não um exército profi ssional Como durante esses contatos com a Macedônia os romanos também estavam lutan do na Segunda e na Terceira Guerra Púnica inclusive com substanciais derrotas o corpo dos cidadãos em Roma diminuiu expressivamente Estimase que entre cidadãos romanos aliados das cidades italianas e es cravos o número de soldados e marinheiros romanos tenha chegado a 100 mil durante a Segunda Guerra Púnica mas outros cálculos indicam uma perda de 75 mil homens entre 214 e 211 aC Isso também indica uma extraordinária capacidade tática e logística do exército romano já que eles conseguiram superar suas baixas e vencer tanto os cartagineses quanto os gregos A falange grega fun cionava bem apenas em campo aberto contra Mundo Helenístico 16 exércitos menos disciplinados ou contra outras falan ges mas as legiões romanas tinham mais mobilidade força de ataque e combinavam melhor a estratégia de batalha com o uso da cavalaria Assim um número muito menor de legiões foi usado na Grécia em relação à guerra contra Cartago que era um cenário de batalha espalhado pelo Mediterrâneo Ocidental Logo os romanos deixaram evidente aos gregos que a falange macedônica estava ultrapassada como tática de guerra c Guerra contra os etólios e Antíoco III ou Guerra Síria 192188 aC Com o fim da guerra contra Filipe V os etólios mostraramse insatisfeitos com a sua posição de aliados dos romanos lutando mais nas batalhas e recebendo menos benefícios como resultado Logo perceberam que outra força militar poderia lhes dar um apoio mais vantajoso desta vez Antíoco III o rei selêucida da Síria Antíoco também tinha seus planos expansionistas e pretendia expandir seu território para controlar o Helesponto Em 192 aC ambas as partes resolveram se aliar contra os romanos e o inimigo de Antíoco o rei Eumenes de Pérgamo A resposta romana foi um pesado ataque às forças selêucidas a primeira invasão romana na Ásia e consolidou definitivamente a força de Roma entre os gregos Mais uma vez no entanto os romanos contentaramse em apenas demonstrar seu poder e superioridade militar evitando a todo custo tomar o território grego para si Isso também fortaleceu a dinastia dos atálidas reis de Pérgamo contra o decadente império selêucida Mas daqui em diante todas as disputas internas entre os gregos seriam não apenas mediadas pelos romanos como também decididas necessariamente em favor dos interesses destes Helesponto O estreito de Helesponto hoje conhecido como Dardanelos é uma faixa marítima que separa a Ásia Menor do norte da Grécia e funcionava como caminho estratégico para todas as tropas que se deslocavam entre leste e o oeste no Mediterrâneo clássico Foi nesse estreito que vai de 1 a 6 km de largura que em épocas distintas Xerxes e Alexandre atravessaram seus exércitos Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 17 Tito Lívio cita os duros termos do tratado XXXVIII 11 A nação etólia respeitará lealmente a soberania e a autoridade do provo romano se um exército marchar contra os aliados e amigos de Roma ela não o deixará cruzar seu território e não lhe fornecerá nenhuma ajuda terá os mesmos inimigos que o povo romano empunhará armas contra eles e lhes moverá guerra em pé de igualdade com Roma entregará a romanos e aliados os desertores trânsfugas e prisioneiros bem como os inimigos dos romanos apreendidos pelos etólios quando estes combatiam ao lado dos romanos a Etólia dará aos romanos quarenta reféns à discrição do cônsul com idade entre doze e quarenta anos não poderão ser reféns nem pretor nem comandante de cavalaria nem escriba público nem quem porventura já tenha sido refém dos romanos d Terceira Guerra Macedônica 172168 aC O antigo inimigo Filipe V revelouse um aliado confiável dos romanos durante a Guerra Síria Interessado em se manter no poder e conhecendo a superioridade militar romana o rei tinha grande interesse em se mostrar fiel e livrarse dos impostos a que seu reino estava sujeito depois do tratado assinado ao fim da Segunda Guerra Macedônica Quando morreu seu filho Perseu assumiu o trono a princípio demonstrando a mesma atitude amigável com os romanos No entanto Perseu logo revelou seu desejo de anexar mais territórios e confrontar os romanos e seu aliado o rei Eumenes de Pérgamo Sem interesse em um desequilíbrio de poderes na região restou aos romanos declarar novamente guerra aos macedônios em 172 aC As lealdades locais ainda se mostraram flutuantes com as Ligas Etólia e principalmente Aqueia divididas entre os diferentes caminhos de alianças que lhes trariam mais vantagens Em 168 aC os romanos liderados pelo general Lúcio Emílio Paulo derrotaram definitivamente os macedônios na batalha de Pidna Perseu foi preso e morreu no cárcere na Itália Foi nessa batalha que a falange macedônica mostrouse definitivamente Mundo Helenístico 18 incapaz de vencer as legiões romanas revelando que o mundo mediterrâneo tinha agora um dominador incontestável em Roma Como resultado do fim da guerra o Senado romano aboliu a monarquia macedônica restringiu o controle local das atividades econômicas e instituiu que metade de toda a arrecadação local de impostos fosse destinada a Roma ainda sem estacionar suas tropas definitivamente na Grécia ou controlar diretamente a administração Figura 84 A Batalha de Pidna painel de Andrea del Verrocchio 1475 Musée JacquemartAndré Paris O estandarte vermelho romano à direita contrasta com a falange macedônica à esquerda nesta representação renascentista que na verdade revela mais sobre as próprias batalhas do século XV do que sobre o mundo antigo Fonte Wikimedia Commons httpcommonswikimediaorgwikiFileAndreadelVerrocchioTheBattleofPydna WGA24993jpg A Batalha de Pidna Figura 84 é geralmente considerada como o principal divisor de águas que marca o fim do mundo helenístico embora então Roma ainda não tivesse decidido anexar quaisquer territórios Foi apenas em 149 aC que a Macedônia foi anexada ao Império Romano como província como forma definitiva de controlar o território após uma revolta Três anos depois com outra revolta desta vez da Liga Aqueia a cidade de Corinto foi arrasada e a Grécia também anexada como província Por que então os romanos se deram a todo o trabalho de lutar na Grécia sem pretender anexála logo de início Essa é uma das principais questões dos estudiosos sobre o assunto Em primeiro lugar devemos evitar o anacronismo o crescimento sistematizado de um império com anexações de províncias só se deu completamente Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 19 Triunfo O triunfo romano era um cortejo concedido pelo Senado a um general vitorioso em uma grande batalha em que ele adentrava a cidade em uma carruagem e era seguido pelo seu exército seus prisioneiros e as riquezas conquistadas na guerra A procissão seguia solenemente até o templo de Júpiter Ótimo Máximo na colina do Capitólio onde o general fazia um sacrifício ao deus Assim podemos ver que o sucesso nas campanhas militares tinha um signifi cado religioso muito importante em Roma além do próprio signifi cado político na passagem da República para o Principado As próprias fontes antigas mostram um discurso que apenas legitimava a defesa do território romano sendo assim quaisquer outras forças que os atacassem direta ou indiretamente ou atacassem quem protegesse seus interesses deveriam ser combatidas Progressivamente isso acabou revelando um efeito bola de neve já que cada vez mais inimigos derrotados deveriam se sujeitar às regras de Roma Estudiosos hoje também têm analisado a infl uência do éthos militar romano nesse lento e assistemático processo de conquista Éthos é uma palavra grega que signifi ca caráter costume hábito aqui relacionado ao prestígio político relacionado às carreiras militares em Roma Os cargos civis de magistrados na República romana eram também ligados à carreira militar portanto era fundamental para um general ambicioso conquistar a glória em uma batalha bemsucedida pela qual ele também tinha o direito a um triunfo em Roma As guerras no mundo antigo podiam também ser muito lucrativas já que os conquistadores de uma cidade saqueavam riquezas e capturavam escravos Atende ao Objetivo 1 1 Releia as fontes apresentadas sobre os tratados com os romanos a inscrição e os trechos de Políbio e Tito Lívio Como os textos revelam a gradual dominação romana na Grécia Use trechos deles para ilustrar sua resposta Mundo Helenístico 20 A presença da cultura grega na Roma republicana Quando se fala sobre o mundo antigo clássico geralmente estamos nos referindo ao chamado mundo grecoromano e portanto a uma certa cultura grecoromana mais ou menos homogênea Resposta Comentada Na primeira inscrição a distribuição de direitos e deveres entre etólios e romanos é equitativa os etólios mantêm as cidades conquistadas e os romanos levam o butim No trecho de Políbio os romanos aparecem como benfeitores mas sem impor diretamente a força das armas na administração e autonomia das cidades deixam livres os seguintes povos sem guarnições em suas cidades e sem a imposição de quaisquer tributos e governados pelas próprias leis de suas respectivas pátrias Porém no trecho de Tito Lívio já vemos uma submissão total das cidades gregas aos romanos mencionando apenas deveres dos etólios para com soberania e a autoridade do povo romano entregando desertores inimigos e reféns diretamente a Roma Isso mostra que a dominação romana na Grécia foi gradual e não planejada pois até o fi m desse processo as disputas entre os poderes locais ainda eram determinantes Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 21 Os romanos seriam assim herdeiros e transmissores da cultura grega para a posteridade criando eles próprios uma identidade cultural diretamente derivada da grega com deuses valores arte e instituições semelhantes É evidente que esse intenso contato cultural está relacionado ao processo que vimos anteriormente pois foi com a presença cada vez maior dos romanos nas guerras e na própria vida cotidiana das poleis da Grécia que a cultura grega foi introduzida agregada e adaptada dentro do mundo romano No entanto sabemos que os contatos entre gregos e romanos já existiam bem antes do século II aC apesar de termos poucos indícios arqueológicos Duas regiões são as responsáveis por essa ponte cultural a Magna Grécia que é a parte sul da Itália juntamente com a Sicília onde colônias gregas haviam sido fundadas já a partir do século VIII aC Figura 85 e a região da Etrúria situada ao norte de Roma Nesse período enquanto Roma estava em seus primeiros dias os etruscos já desenvolviam uma cultura avançada e bastante peculiar que foi também influenciada pela presença grega no sul da Itália Figura 86 Por sinal acreditase que foi graças à ponte etrusca que os romanos entraram em contato com o alfabeto grego sistema que adaptaram e utilizaram Mundo Helenístico 22 Figura 85 Perneiras ponta de lança e capacete de soldado hoplita no estilo coríntio provenientes de um ateliê no sul da Itália datadas de aproximadamente 490 aC O nome do dono Denda está gravado em uma das perneiras Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGreavesandCorinthian helmetDendaStaatlicheAntikensammlungen4330jpg Figura 86 Ânfora etrusca de nítida inspiração grega datada de aproximadamente 500 aC As figuras provavelmente representam Aquiles e o centauro Quíron Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileAmphora195612201 jpguselangptbr Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 23 Por causa desses contatos já tão antigos entre gregos e romanos tornase particularmente difícil buscar uma cultura romana primitiva original e anterior a eventuais contatos culturais como alguns arqueólogos e historiadores têm procurado As evidências deixadas pela cultura material dos primórdios de Roma na verdade expõem um paradoxo quanto mais se busca essa identidade romana primordial mais se encontram evidências de que os latinos nunca estiveram totalmente isolados É dessa forma que podemos entender a expansão romana como um efeito colateral digamos assim da própria presença da cultura helenística em várias partes do Mediterrâneo como afirma o historiador Andrew WallaceHadrill A expansão na Itália durante este período de uma cultura material que chamamos de helenística é uma das medidas mais seguras da romanização apud BARCHIESI 2009 p 100 O aprofundamento dos contatos entre gregos e romanos por causa das guerras macedônicas se deu em vários níveis As fontes históricas antigas sobre o período em especial Políbio e Tito Lívio realçam a influência da alta cultura grega entre as elites romanas através do comportamento de generais como Tito Quíncio Flaminino ou de Cipião Africano Flaminino o libertador da Grécia durante a Segunda Guerra Macedônica que vimos na Figura 82 era fluente em grego e admirava profundamente a cultura grega Cipião Africano tornouse amigo pessoal de Filipe V e de Antíoco e fazia dedicações públicas nos altares dos deuses gregos como em Delos além de provavelmente ter escrito suas memórias em grego o texto perdeuse Ainda dentre o universo social das elites os romanos tomaram vários gregos como reféns e enviaramnos para Roma muitas vezes em detenções mantidas por décadas Esses reféns gregos que continuavam vivendo como homens livres exerceram grande influência sobre a vida intelectual romana como é o caso do próprio Políbio Também os soldados levavam de volta para casa esse contato com o mundo grego seja em forma de butim propriamente dito carregando objetos e riquezas saqueados na conquista de cidades Mundo Helenístico 24 seja em escravos gregos prisioneiros de guerra ou até mesmo através do contato direto com o modo de vida e os valores gregos Estimase que mais da metade da população masculina adulta de Roma tenha sido convocada em alguma etapa das guerras entre o fim do século III e o século II aC ainda que não toda na Grécia Embora não possamos precisar de maneira exata e inequívoca como se deram as consequências desses contatos na sociedade romana é fato que lemos nas fontes escritas cada vez mais observações na verdade reclamações de como a vida cotidiana em Roma estava cada vez mais marcada pela influência dos costumes orientais O grande aumento da riqueza entre os romanos devido a esses sucessos militares considerandose que a cidade ainda se baseava em uma economia rural de produção local é o responsável por uma série de acusações de decadência moral por causa do luxo do uso de roupas e utensílios domésticos vistosos banquetes e festas com dançarinas e até mesmo uma culinária mais sofisticada O maior exemplo dessas críticas que defendiam um estilo de vida romano puro virtuoso e frugal é o famoso discurso de Catão Figura 87 sobre a Lei Oppia no início do livro XXXIV de Tito Lívio do qual leremos um trecho dois vícios opostos a cupidez e o luxo flagelos que subverteram todos os grandes impérios assolam a cidade Quanto mais a situação de nosso Estado melhora e se torna feliz de dia para dia quanto mais nosso império se dilata já passamos à Grécia e à Ásia onde não faltam incitamentos às paixões e metemos a mão até no tesouro dos reis mais receio que semelhantes riquezas tomaram posse de nós em lugar de nós nos apossarmos delas Tenho ouvido muita gente gabar e admirar os ornamentos de Corinto e Atenas rindose das antefixas de terracota dos deuses romanos Já eu prefiro conservar esses deuses próprios que como tal continuarão se lhes permitirmos ficar em nossas casas Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 25 Figura 87 Marco Pórcio Catão 234149 aC cônsul e censor romano Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileMarcoPorcioCatonMajorjpg Porém várias mudanças culturais ocorridas em Roma durante o mesmo período do discurso de Catão mostram que seus argumentos refletiam uma retórica conservadora que já estava sendo ultrapassada Data do mesmo período a introdução de uma educação voltada para o aprendizado da língua e da literatura gregas com o liberto Lívio Andrônico educador particular de uma família aristocrática romana Sua atuação parece ter influenciado outras famílias da elite de Roma que passaram a procurar uma educação grega como verniz cultural de refinamento foi o caso por exemplo de Cipião Africano grande amigo de Políbio Lívio Andrônico foi o primeiro compositor de poemas em latim compostos em estilo grego o primeiro tradutor da Odisseia de Homero para o latim e compôs as primeiras peças de teatro encenadas em Roma conservadas hoje apenas em poucos fragmentos Essas peças conhecidas em latim pelo termo fabulae palliatae possuem um Mundo Helenístico 26 formato adaptado da Nova Comédia grega popular durante o período helenístico e antepassado das comédias de costumes encenadas até hoje Logo a seguir surgem as primeiras peças de teatro escritas em latim por um romano Plauto que estrearam nas décadas de 190 e 180 aC Essas peças eram encenadas não apenas na região de Roma Figura 88 mas também parecem ter sido muito populares na região da Campânia onde hoje fica a cidade de Nápoles já de forte influência grega Segundo a historiadora britânica Elizabeth Rawson foi com certeza a partir do palco que a cultura grega foi introduzida aos mais pobres junto com as artes visuais sempre muito importantes para os iletrados e a partir das quais ainda mais com a ajuda de um sacerdote ou auxiliar em um templo muitos devem ter aprendido algo sobre a mitologia grega tanto quanto a história romana RAWSON 1989 p 437438 Figura 88 Teatro romano de Túsculo cidade do Lácio próxima a Roma construído em 75 aC Os teatros no século II aC em Roma eram temporários construídos de madeira Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileTuscolo1jpg Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 27 Temos vários textos das peças de Plauto 254184 aC e de Terêncio 195 ou 185159 aC comédias que nos revelam detalhes importantes sobre a vida cotidiana em Roma especialmente dos escravos domésticos É possível verificar através delas como os romanos já estavam acostumados com alguns elementos da cultura grega Por exemplo Plauto usou por volta de 250 nomes próprios gregos entre seus personagens o que deveria remeter a certa intimidade da audiência com essas referências já que o humor da comédia tem por princípio a associação com elementos da vida cotidiana do público As próprias histórias contadas nas peças são cheias de referências à mitologia grega Se o teatro tinha vínculos na cultura popular também na alta literatura das elites a influência grega logo apareceu com a introdução da épica a partir dos Anais de Ênio 239169 aC As características dessa obra mostram a influência direta dos poemas épicos de Homero especialmente a Ilíada pela primeira vez um autor escreve em latim um poema épico sobre as origens de Roma em 15 livros referindose às mesmas musas de Homero suas deusas inspiradoras e em hexâmetro datílico A obra de Ênio foi tomada como referência por todo o resto da história romana suplantada apenas pela Eneida de Virgílio Segundo o poema que solidificava uma tradição já consolidada em Roma os romanos seriam descendentes dos troianos através do exílio do troiano Enéas na Itália após a derrota perante os gregos na guerra de Troia Em última instância com essa narrativa os romanos se apropriavam duplamente da herança grega adotando e adaptando a cultura grega para si e também mostrando que os troianos finalmente haviam triunfado sobre os gregos através da dominação da Grécia pelos seus descendentes os romanos Também na historiografia a introdução da cultura grega foi fundamental em Roma O primeiro historiador romano foi o senador Fábio Pictor que escreveu uma história de Roma em grego Ele seguiu o mesmo modelo historiográfico criado por Heródoto e Tucídides e transformado no período helenístico com a concepção de história Hexâmetro datílico O hexâmetro datílico é um tipo de métrica típica da poesia grega antiga usada na poesia épica de Homero A poesia antiga não se baseava em rimas como conhecemos hoje era apresentada com acompanhamento musical e seu ritmo era ditado pela alternância de sílabas longas e breves Mundo Helenístico 28 Atividade Final Atende ao Objetivo 2 Leia e analise a imagem e o texto a seguir Figura 89 Parte de um friso encontrado em uma casa romana na colina do Esquilino durante o século I aC A imagem representa uma cena da Odisseia de Homero com o encontro entre Odisseu e a feiticeira Circe Fonte httpwwwunicampbrchaarhaadownloadsRevista20112020artigo201 pdf universal de Timeu e depois de Políbio Sabemos pouco sobre ele e a única data que temos é um registro de sua visita ao oráculo de Delfos em 216 aC Fábio Pictor parece ter escrito em grego como forma de legitimar a presença e dominação de Roma perante um público mais amplo além de tomar a forma da história grega como sua referência literária Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 29 O poeta Horácio 658 aC escreveu uma famosa frase sobre a relação entre a Grécia e Roma A Grécia dominada superou o seu feroz vencedor e introduziu no agreste Lácio as artes Epístolas II 1156 Agora releia o trecho do discurso de Catão e responda de que forma se deu essa vitória dos gregos sobre seus vencedores para Catão e para Horácio Qual das duas interpretações está relacionada com a imagem Resposta Comentada As duas visões embora digam essencialmente a mesma coisa que a Grécia conquistou Roma depois de Roma ter conquistado a Grécia divergem na ênfase sobre o que é importante nessa conquista posterior Enquanto que Catão que escreveu durante o próprio período das Guerras Macedônicas estava preocupado com a afl uência da riqueza do butim de guerra e dos costumes cotidianos Horácio já via o passado de uma perspectiva mais distante reconhecendo a infl uência do pensamento e das artes gregas na cultura romana Sendo assim o friso de Odisseu no Esquilino presente em uma casa da elite romana com uma cena de Homero é um exemplo dessa concepção de Horácio Mundo Helenístico 30 CONCLUSÃO A conquista da Grécia pelos romanos foi um longo processo e uma análise de suas fases representadas pelas Guerras Macedônicas mostra como foi também circunstancial sem um planejamento sistemático que nos permita dizer que Roma estava construindo um império de maneira consciente Isso é resultado da própria fragmentação de poderes dentro da Grécia e da Macedônia no período por causa de suas frágeis e flutuantes alianças políticas e da maneira como Roma procurou não se prejudicar ao se envolver com a região dado que estava ocupada com a guerra contra os cartagineses Também não podemos entender a introdução da cultura grega em Roma sem antes reconhecer que a cidade sempre esteve em contato com os gregos pela presença na Magna Grécia e pela influência etrusca A atuação dos exércitos romanos na Grécia veio apenas a acentuar esses contatos culturais de forma cada vez mais intensa fazendo com que a cultura romana se formasse também como uma reapropriação da cultura grega adicionando seus elementos próprios RESUMO Os primeiros contatos entre romanos e gregos dentro da própria Grécia se deram em meados do século III aC quando Roma tentava assegurar a estabilidade de suas fronteiras Porém com o envolvimento gradual com as cidades e ligas gregas além do reino dos antigônidas a superioridade militar romana passou a ser determinante nas eventuais disputas regionais entre os detentores do poder local Os romanos também viram que o envolvimento nas guerras macedônicas era muito rentável mesmo com suas forças simultaneamente envolvidas na luta contra os cartagineses Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 31 Eventualmente com o desafio à autoridade romana mostrado por Perseu filho de Filipe V os romanos resolveram finalmente estabilizar a região através do fim da dinastia antigônida Logo depois como novas rebeliões ainda causavam conflitos a solução adotada pelos romanos foi finalmente anexar os territórios gregos ao seu controle direto Foi uma consequência desse processo gradual a presença de educadores e intelectuais gregos em Roma bem como a percepção crescente entre a elite de que a aquisição da cultura grega conferia status e prestígio Assim enquanto o povo assistia às primeiras peças de teatro em latim derivadas dos formatos gregos a elite começava a produzir uma literatura cujas formas também derivavam dos modelos gregos como a épica e a historiografia Informação sobre a próxima aula Veremos na próxima aula como as cidades em todo o mundo helenístico se formaram e se desenvolveram adaptando o modelo da polis clássica para áreas além da Grécia como a Ásia e o Egito Essa foi uma das maneiras mais características da expansão da cultura grega no mundo antigo e também um dos principais legados das conquistas de Alexandre Please call one of our Customer Service Representatives for assistance UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS IFCS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA PPGHC HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE Estudo das interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica Dissertação de Mestrado Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira Dissertação apresentada à coordenação do Programa de PósGraduação em História Comparada da UFRJ visando a obtenção do título de Mestre Linha de Pesquisa História Comparada das Diferenças Sociais Orientadora Profª Dra Marta Méga de Andrade Rio de Janeiro junho 2005 SUMÁRIO FOLHA DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS EPÍGRAFE RESUMOABSTRACT SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE TABELAS LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO 12 1 HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE 19 11 CulturaIdentidadesNómos 27 12 Do Contexto Histórico das Relações GrecoEgípcias 39 2 RELAÇÕES DE PODER ENTE OS TEMPLOS EGÍPCIOS E O DOMINADOR HELENÍSTICO 45 21 Formas de Cooperação 46 22 Idioma e Campus Político 70 23 Formas de Conflito 74 24 O Campus Político e as Jurisdições de Habitus 83 3 A CHÓRA EGÍPCIA E A PRAGMÁTICA DO COTIDIANO 86 31 As Interações Cotidianas na Chóra do Egito Helenístico 90 32 Uma Reformulação Prática da Identidade 112 CONCLUSÃO 118 BIBLIOGRAFIA 124 APÊNDICES 132 86 3 A CHÓRA EGÍPCIA E A PRAGMÁTICA DO COTIDIANO O Mundo Helenístico se caracteriza pela transformação da sociedade grega Clássica mediante a criação de novos espaços de relacionamento devido ao contato com civilizações bárbaras em decorrência das conquistas militares macedônias Com esses novos espaços constroemse novos referenciais novas dimensões para a percepção de algo convencionado pelo senso comum como realidade ou normalidade dentro de um consenso cultural grego ou helenizado Murray observa bem essa particularidade cultural helenística ao comentar Certas práticas tradicionais revelam o modo como os macedônios adotaram e adaptaram costumes gregos A obrigatoriedade de um homem ter de caçar um javali para poder comer reclinado e não sentado o que reflete a distinção que entre gregos se fazia entre adultos e jovens ou o uso da trombeta para anunciar o fim do deipnon e o início do symposion1993 224 Podemos definir essa percepção de normalidade como uma relação de solidariedade entre o passado o presente e o futuro Nesse espírito compreendemos a tradição como um mecanismo que busque zelar pela noção de normalidade e continuidade de uma sociedade É esse sentido por trás das ações e dos objetos que caracteriza um universo simbólico específico de cada sociedade e lhe oferece os elementos necessários para a concepção de sua própria identidade As migrações características dos realinhamentos geopolíticos do Mundo Helenísticos tiveram como conseqüência um fluxo de colonos helenizados em direção ao interior do Egito a chóra Podemos então incluir na discussão a importância da chóra ptolomaica e sobretudo do papel desempenhado pela colonização helenística do Fayum ou Nomos Arsinoíta nome da província helenística que abrangia aquela região enquanto ponto focal das primeiras políticas econômicas e sociais do governo macedônio devido a sua terra arável em pleno deserto Localizado ao sul de Mênfis o Fayum é irrigado por um braço do Nilo que conduz à região do lago Moeris A lista de vilas do Fayum conta 144 nomes de assentamentos 87 de tamanhos variados tópoi epoíkia choría Dessas 144 vilas kômai 66 têm nomes gregos e 48 nomes egípcios Muitas dessas vilas de nome grego foram criadas pelos Ptolomeus Rostovtzeff explica que No Fayum como nos EUA outra área de grande colonização encontramos vilas e vilas homônimas de cidades famosas nesse caso cidades do Alto e Baixo Egitos com seus nomes meio helenizados meio egípcios Apóllonos pólis kôme Hermoû pólis kôme Helíou pólis kôme Kunôn pólis kôme Letoûs pólis kôme Mênfis kôme bem como Athrîbis Boúbastos Bousîris Mendes Tânis Sem dúvida esses nomes evocam os lugares de onde os novos colonos vieram para o Fayum51 196709 Em todo o Fayum e suas 66 kômai de nomes gregos existem somente 14 com nomes dinásticos52 O mais usual era nomear as kômai homenageando deuses ou pessoas ligadas à realeza como alto oficiais da burocracia do Fayum em particular A grande diferença entre os assentamentos com nomes gregos e egípcios é dada pelo fato de que no primeiro caso a população é majoritariamente de populações gregashelenizadas e no segundo caso é de nativos ou seja No primeiro caso muito dos assentamentos são de soldados gregoshelenizados clerurcos e no segundo caso de basilikoì georgoí camponeses das terras reais Essa região possuía uma população relativamente alta de gregos a qual segundo Stanwick ajudou a criar uma transição cultural específica englobando projetos de construção de templos e de estátuas incomuns53200323 Em nossa pesquisa procuramos demonstrar a existência de um nómos enquanto projeto ideológico das elites historicamente situado e contextualizado em um caso egípcio Conforme vimos a estratégia imperial de dominação helenística do Egito exigia o uso de um poder mediador local para legitimar o projeto de dominação do nativo Nesse mérito a questão do nómos envolve uma dimensão de negociações entre hegemonias culturais e elites políticas egípcias uma vez que os templos possuíam autoridade moral e política sobre a população e devido ao fato de que as instituições administrativas estavam em maioria sob 51 Esses nomes pertencem a capitais de nomos províncias no Delta e Médio Egito 52 Rostovtzeff 196710 supõe que as kômai com nomes dinásticos poderiam estar ligados à uma permissão especial ou patronagem real ou até mesmo à instituição de um culto real pelos colonos 88 encargo dos sacerdotes além da existência de um prestígio inquestionável do sacerdote frente à religiosa sociedade egípcia Isso conseqüentemente permitiu o desenvolvimento de relações políticas entre duas instâncias de poder a monarquia helenística e as elites sacerdotais nativas Contudo podemos estabelecer a seguinte questão e quanto ao restante da população do Egito Helenístico Fora do universo das negociações institucionais entre duas elites extremamente ciosas de suas condições em suas respectivas sociedades temos o contato cotidiano constante e crescente entre indivíduos de diversas procedências dentro da sociedade Colonos militares54 gregos e helenizados ocuparam inúmeras regiões da chóra egípcia principalmente a região do Fayum onde então se inseriam em um espaço onde se encontrariam como uma minoria em relação à população egípcia nativa presente Que conseqüências tais contatos poderiam trazer à nossa discussão Para compreender essa nova fase de nossa discussão precisamos recorrer a uma segunda dimensão do nómos em nossa abordagem um conceito grego de cultura Para desenvolvermos o assunto investigaremos a forma como o nómos alcança a esfera do cotidiano abordando as interações culturais diárias O objetivo deste capítulo é portanto estabelecer uma análise de fontes sobre o contexto das relações cotidianas entre as comunidades egípcia nativa e helenística na chóra Através do estudo dos contatos diários entre esses grupos buscamos compreender o processo pelo qual um nómos grego primário adaptou e incorporou valores tradicionais egípcios a seu universo simbólico de modo à reproduzir as apropriações características e específicas de um nómos grego no Egito isto é um nómos grego adequado a uma realidade simbólica oriunda das relações sociais existentes e conseqüentes de interações entre o helenismo e o egípcio 53 O autor menciona a presença de um estilo faiúnico exemplificado entre outros aspectos pelos numerosos trabalhos de estátuas de Ptolomeus em estilo egípcio mas com cabelos ao estilo grego 54 O termo seria clerurcos mas não se trata de uma clerurquia ao modo Clássico mas sim segundo a política egípcia de tentar fixar mercenários com terras stratópeda 89 Aqui faremos uso de inscrições gregas em pedra epigrafia de modo a complementar e enriquecer os tópicos levantados pela documentação principal Nossas fontes para o estudo do cotidiano egípcio são majoritariamente oriundas de levantamentos papirológicos Exemplos de cultura material recuperados mediante atividade arqueológica os papiros provém de três fontes básicas montes de entulhos formados em decorrência de habitação humana ruínas de residências e edifícios públicos e túmulos tanto como parte dos bens funerários do defunto como principalmente devido à utilização de papiros usados como enchimento em substituição às vísceras das múmias Os papiros contribuem com os estudos históricos uma vez que estes são responsáveis por consideráveis acréscimos à literatura grega oriundo de escavações arqueológicas Dentre as descobertas podemos citar a Constituição de Atenas de Aristóteles o Ichneutae de Sófocles o Hellenica Oxyrhynchia provavelmente escrito por Éforo poemas de Safo e Alceu de Corina e Calímaco a obra de Antífonte entre outros remontam suas descobertas às escavações na área de Medinet elFayum Segundo Horta as fontes oriundas de papiros também oferecem interesse devido ao fato de registrar aspectos da língua falada koiné55 o que é pouco evidente em textos de caráter oficial mas os escribas menos instruídos sempre nos informam melhor sobre a língua corrente de sua época conhecemos papiros que datam até do IV século aC 1991 69 A contribuição do papiro para os estudos do mundo helenístico pode ser bem ilustrada pelo comentário de Roberts que diz Uma frase como Helenização do Oriente Próximo assume uma significação mais definida quando refletimos que no sítio da pequena aldeia egípcia de Socnopaiou Nesus pendurada numa rocha acima do Lago Moeris e separada por milhas de deserto ou água da aldeia mais próxima centralizada em torno do templo do deus crocodilo Sobk e por tal templo dominada foram encontrados fragmentos do Heitor de Astidamas e da Apologia de Platão enquanto sabemos que entre os autores que eram lidos na vizinha Karanis figuram Chariton Isócrates e um gramático latino Palaemon1993 385 55 A autora participa da seguinte posição sobre o conceito de koiné a koiné consiste em um conjunto de tendências que a tradição escrita mascarava ou comprimia mas cuja força irresistível levouas a se manifestarem mais acentuadamente sempre que as circunstâncias o permitiram Em suma o termo é dúbio porque designa uma língua em que a tradição poderosa lutou por muitos séculos contra as tendências da evolução da lingüística daí a koiné não ser uma língua fixada nem tampouco um idioma que evolua em obediência regular a determinadas tendências Ela é uma espécie de equilíbrio constantemente variável entre fixação e evolução 1991 69 90 Tal relato nos oferece uma boa dimensão da extensão e variedade da literaturacultura grega no Egito Roberts explica que no Egito providencial de qualquer forma não se fez qualquer tentativa para manter pura a raça ser grego logo significou falar grego e ter tido uma educação grega Daí não ser qualquer acidente o fato de que tantos papiros literários foram recuperados com origem no Egito1993 373 Contudo em nosso trabalho exploramos um outro aspecto do potencial da informação proveniente do papiro Dentre as fontes documentais em papiro do Egito Ptolomaico pouquíssimas remetem ao início da dominação grega sobre o Egito Em adição a esse fato ressaltase que esses papiros estão por vezes fragmentados e em más condições de preservação As descobertas papirológicas formam grandes quebracabeças solucionados ao longo de décadas de novas escavações em busca de novas peças Roberts reconhece que de nenhum outro país do mundo antigo herdamos uma tal abundância de material variado relativo a todas as formas complexas da vida econômica e social 1993 383 Do Fayum provém a maior parte dos papiros encontrados estudados e publicados sobre o Egito Helenístico Os papiros fornecem a maior parte do conhecimento acerca da realidade do Egito Helenístico Esse potencial precisa ser explorado para nos permitir dimensionar as práticas sociais decorrentes das trocas culturais entre gregoshelenizados e egípcios nativos 3 1 As Interações Cotidianas na Chóra do Egito Helenístico Desde o período Clássico por definição a chóra era essencialmente um espaço ligado ao rústico agroikos Segundo Borgeaud A principal oposição que subentende todas as outras é a que existe entre o campo e a cidade Com efeito agroikos opõese a asteios urbano O agroikos ocupa idealmente uma posição liminar entre as fronteiras os eschatiai e o centro urbano o astu entre o coração e os limites do território delimitado a chora 1994 140 91 No Egito Helenístico o termo chóra designa também todo o espaço exterior à cidade de Alexandria propriamente dita ou seja tanto os aglomerados e centros populacionais como os campos espaços de trabalho agrícola Originariamente o agroikos era aquele que vivia no agros isto é nas terras de pastagens e nos campos não cultivados segundo uma concepção homérica Posteriormente no século V aC o termo se associa a agrios que significa selvagem feroz Borgeaud explica que no século V é que essa oposição se torna oposição entre o espaço exterior considerado no seu conjunto e o espaço urbano Por isso a evolução que vai desde a epopéia à comédia é uma evolução histórica e econômica1994139 No Reino Helenístico do Egito uma vez que a noção de helenização evoca necessariamente um espaço das cidades logo urbano56 a chóra agrega inicialmente os habitantes egípcios bárbaros ou seja o outro configurando uma idéia de fronteira57 ou espaços de mediação entre os núcleos helenizados do reino Lágida Assim a reprodução da dicotomia campo X cidade no Egito Helenístico ganha uma nova dimensão ao incorporar a figura do egípcio aos espaços rurais da chóra È nessa chóra egípcia helenística que as interações culturais entre grupos sociais nativos e estrangeiros se dará com maior intensidade Segundo Burke como culturas inteiras há locais específicos que são particularmente favoráveis à troca cultural especialmente as metrópoles e as fronteiras2003 73 A chóra egípcia se encaixa bem como local favorável à troca cultural Enquanto uma das regiões de maior acolhida da imigração helenística da chóra egípcia o Fayum pode ser definido como uma área de fronteira cultural entre o mundo helenístico e o egípcio nativo O autor prossegue afirmando que essas zonas de fronteira podem ser descritas como interculturas não 56Podemos compreender o termo se percebermos a política de construções de prédios representantes de instituições culturais helênicas como teatros e ginásios além de casos de construções de póleis inteiras para recriar o espaço helênico ideal como Alexandria no Egito e inúmeros exemplos na Síria vida em póleis é o oposto à vida escolhida pelos bárbaros que nesse sentido atraem para si o estereótipo do agrios 92 apenas locais de encontro mas também de sobreposições ou intersecções entre culturas nas quais o que começa como uma mistura acaba se transformando na criação de algo novo e diferente200373 Como vimos a própria definição de chóra implica um espaço de mediação entre o asteioscivilizadohelenístico de Alexandria e demais espaços oficialmente helenizados como bairros helenísticos em capitais de nomos ou outras póleis e o agroikosbárbaroegípcio dominante na área rural oferecendo o potencial para o surgimento tanto de uma cultura material como de práticas sociais intercomunitárias em conjunto com as produções híbridas resultantes A conquista macedônica do Egito e essas migrações subseqüentes proporcionaram uma distribuição populacional diversificada ao longo da chóra egípcia Segundo Murray As novas cidades helenísticas eram possessões coloniais instaladas num ambiente estrangeiro indiferente e por vezes hostil por conseguinte as suas instituições refletiam um desejo de manter e reforçar a sua identidade cultural e de grupo No período helenístico ser um cidadão significava pertencer à elite cultural helênica 1993 225 Sob uma ótica ideológica do poder político a unidade identitária próhelênica seria alcançar uma pretensa coesão social de modo a permitir a reprodução da dicotomia cultural gregos X bárbaros Mas será que essa postura dicotomista se sustenta em uma análise das práticas cotidianas Podemos entender a chóra como um espaço de convivência comum onde ocorreram novas formas de relações sociais entre grupos de diferentes procedências estrangeiros e nativos Justamente por serem novas formas de relações sociais estas não possuem precedentes para orientar os agentes sociais em ação Este risco empírico Sahlins 1994 oferece um potencial de transformação dessas relações sociais e conseqüentemente a reformulação da noção de identidade dos grupos envolvidos O que poderia aproximar indivíduos helenizados de aspectos culturais egípcios Como se desenvolve uma assimilação helenística de algum atributo ou instituição tradicional 57 Dizemos fronteiras uma vez que são espaços em que indivíduos de culturas diferentes se encontram e conseqüentemente onde as diferenças se encontram e se medem Não significa aqui que existisse uma 93 egípciabárbara Podemos desenvolver uma discussão interessante através da análise do fragmento de carta reproduzido a seguir de uma esposa a seu marido segundo a interpretação de Rémondon Bagnall e Derrow 1981 195 que aparentemente concorda com um homem que aprende egípcio visando estar apto para ensinar meninos escravos gregos a arte médica egípcia da iatroklysteria58 de um mestre egípcio Sabendo que você está aprendendo a escrita egípcia eu fico feliz por você e por mim mesma pois agora você vem para a cidade e vai ensinar os meninosescravos no estabelecimento de Phalou o médico dos banhos públicos59 e você terá meios de sustento na velhice SécII aC GHDHP 116 Para Rémondon60 tratase antes de tudo de um sistema tipicamente grego usar a sabedoria egípcia para a obtenção de lucros e não uma característica decorrente de uma crescente interação sóciocultural entre os grupos A nosso ver a despeito dos lucros que seriam obtidos sugere antes de tudo um indício de um dos motivos para o aprendizado da língua egípcia era o de se apropriar mesmo que economicamente de práticas e saberes que de outro modo permaneceriam incomunicáveis aos gregos A crença na eficiência eou utilidade de determinados conhecimentos egípcios poderia inserir no senso comum helenístico a discussão a respeito de sua adoção Nesse contexto a maior parte dos conhecimentos médicos ou mágicos está diretamente conectada a esfera religiosa egípcia Podemos então inserir uma demonstração da apropriação grega do conhecimento egípcio de interpretação de sonhos pela carta a seguir De Apollonius para Ptolomaeus seu pai saudações Eu juro por Sarapis que se eu tiver sequer um pequeno arrependimento você jamais verá minha face novamente Para você nada mais que mentiras bem como para seus deuses pois eles nos mergulharam em um profundo atoleiro no qual podemos morrer e quando você tem uma visão de que nós estamos sendo resgatados aí então afundamos definitivamente Saiba que o fugitivo61 tentará nos impedir ficando no lugar isso porque por nossa causa ele sofreu uma perda de 15 talentos O estratego está vindo amanhã para o Sarapeum e passará dois dias no Anubieum62 bebendo Nunca mais eu mostro minha cabeça em Tricomia pela vergonha de nos havermos permitido confiar e ser iludidos enganados demarcação física formal e específica visando a separação entre egípcios nativos e estrangeiros helenizados 58 Técnica de administração de purgativos 59 Vale citar Roberts que observa que banhos públicos tanto para homens como para mulheres era uma inovação grega para o camponês egípcio então agora contente com o Nilo a idéia era tão estrangeira como a do ginásio para os gregos essas coisas significavam civilização1993 397 60 cf Chronique dEgypte 39 1964 12646 61 Warmington explica que o escritor se refere a um inimigo chamado Menedemus1970 289 62 O autor prossegue dizendo se tratar de um templo de Anúbis próximo à avenida do Serapeumibidem 94 pelos deuses e acreditando em sonhos63 Passar bem Verso endereçado a Ptolomaeus saudações À esquerda em letra pequena Uma resposta para os faladores da verdade alétheian légountes c152 aC Sel Pap I 100 Independentemente de seus resultados agradar a todos podese constatar que a consulta a interpretes de sonhos era uma prática originalmente egípcia naturalizada e incorporada às práticas cotidianas helenísticas Aqui notamos que existe um reconhecimento de uma prática cultural egípcia e que em meados do século II aC existia a presença em alguns segmentos da população helênica que participava das mesmas práticas Se a carta analisada nos indica que nem sempre era uma garantia de eficiência o fato é que Apollonius mesmo sem acreditar em sonhos premonitórios teve a opção de consultar um profissional da área a conselho de Ptolomaeus Apollonius em sua revolta acusa seu pai por sua credulidade e menospreza seus deuses indicando que seu pai acreditava na eficácia dos deuses egípcios e das práticas mágicas de seus sacerdotes Podemos constatar em nossa análise que a dicotomia entre os dois nomói não apenas não organiza a priori as escolhas dos agentes sociais explorados como aparece em seu horizonte mais pragmaticamente do que estruturalmente Sahlins afirma que os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais informados por significados de coisas e de pessoas submetem as categorias culturais a riscos empíricos Na medida em que o simbólico é deste modo pragmático o sistema é no tempo a síntese da reprodução e variação 1994 09 Os esquemas culturais trazidos ao ordenamento da prática cotidiana estão constantemente sujeitas a tais riscos A própria religiosidade egípcia comentada e admirada por observadores estrangeiros ao longo dos séculos parece tornarse presente entre indivíduos helenizados Conseqüentemente à difusão da religiosidade egípcia unemse as práticas culturais a ela vinculadas como podemos observar a seguir 63 Ainda segundo WarmingtonO Serapeum era o local favorito para pessoas em busca de revelações através de sonhos e Ptolomaeus era um crente devoto dessa superstição Muitas de suas cartas referemse ao mesmo assuntoibdem 95 Isias para seu irmão64 Hephaestion saudações Se você vai bem e as demais coisas estão certas iria de acordo com as preces que faço continuamente para os deuses Eu mesma e a criança e todos da casa estão com boa saúde e sempre pensando em você Quando eu recebi sua carta de Hórus em que você nos informa que está em detenção65 no Serapeum de Mênfis agradeci imediatamente aos deuses ao saber que você estava bem mas a respeito do fato de você não retornar ao lar enquanto todos os outros que se retiraram de lá já voltaram eu fico desapontada porque após ter dirigido a mim e sua criança por tantos momentos ruins e estando aos extremos devido ao preço do trigo eu pensava que pelo menos agora você estaria em casa eu deveria apreciar essa prorrogação uma vez que você nem sequer pensa em voltar para casa nem dá atenção às nossas condições lembrando como eu estava em carência de tudo enquanto você ainda estava aqui para não mencionar este longo lapso de tempo e esses dias críticos durante os quais você não nos enviou nada Como além de tudo sendo Hórus quem enviou a carta que nos trouxe notícias de seu relaxamento de detenção fico ainda mais insatisfeita não obstante como sua mãe também está aborrecida por ela bem como por mim por favor retorne para a cidade se nada mais detiver você aí Você me fará um favor cuidando também de sua saúde corporal Adeus Ano 2 Epeiph 30 Verso Para Hephaestion 168 aC Sel Pap I 97 Podemos incluir a essa questão das apropriações de elementos egípcios a prática do casamento entre irmãos tradição egípcia ligada ao mito do casamento de Osíris com sua irmã Isis largamente adotada pela população helenística Depois que os Ptolomeus sancionaram a união entre irmãos um costume egípcio mas que a própria família real adotara a população helenizada passou a praticála largamente Roberts comenta que nenhuma concessão feita pelo helenismo aos costumes orientais é mais impressionante que essa é digno de nota que no Gnomon do Idios Logos julgouse necessário proibir expressamente tais casamentos a romanos1993 398 Quando ocorreu a criação do deus patrono de Alexandria e da dinastia Lágida Serápis pelos primeiros monarcas helenísticos seguiuse o desenvolvimento de um culto sincrético mediante um encontro de sábios egípcios e helenísticos assimilando elementos nativos como os oráculos de sonhos adotandoo em seus novos templos em busca de adeptos devido a grande popularidade da prática frente à população helenística e egípcia Bagnall e Derrow observam que a interpretação de sonhos era sem dúvida uma especialidade reconhecida de certas práticas religiosas egípcias 1981193 Isias comenta que todos os outros que haviam se retirado para o Serapeum já haviam retornado a seus lares enquanto 64 Warmington informa que Hephaestion era o marido de Isias mas de acordo com Wilcken o termo irmão deve ser considerado literalmente1970 282 96 Hephaestion permanecia internado causando graves problemas a sua família e dependentes justificando suas críticas ao excesso de zelo para com assuntos espirituais por seu esposo irmão Outro aspecto que vale explorar é o uso de um nome não helênico ou melhor de um nome egípcio helenizado Isias pode ilustrar neste caso de teoforia a popularidade de divindades egípcias entre a comunidade helenística Segundo Crawford O problema da nacionalidade refletida pelos nomes continuará a perturbar qualquer estudante do Egito GrecoRomano mas é algo que precisa ser enfrentado desde que visto como a mistura de populações e áreas de conflito nessa sociedade Um nome sozinho e fora de contexto não pode dizer nada a respeito da nacionalidade de seu dono1971133 Gradativamente nomes próprios vão sendo inovados no Egito Helenístico Em muitos casos gregos adotaram nomes egípcios helenizados como Isias Essa prática assumiu graus variados em períodos diversos Outros casos demonstram egípcios adotando um segundo nome helênico chegando a traduzir para o grego os nomes egípcios seja por aproximação de significados Theagenes Isis ou mera aproximação fonética Thonis Theon Retornaremos em breve ao assunto Precisamos inserir à nossa discussão a questão dos casamentos mistos Através desses casamentos um discurso de diferença e superioridade cultural helênica encontrava um problema a impossibilidade de sua reprodução em famílias mistas e um dilema como classificar ou mesmo identificar os filhos de tais casamentos Vejamos a seguinte fonte Sumário Ano 22 Mecheir 11 Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono66 combina com Apollonia também chamada Kellauthis filha de Heraclides Persa tido por ela como guardião de seu irmão Apollonius que ele recebeu dela em moeda de cobre 2 talentos 4000 drachmae o seu dote por ela mesma Apollonia concordando com ele Guardião do contrato Dionysius Texto do contrato No 22º ano de reinado de Ptolomeu também chamado Alexandre e outros sacerdotes sendo como se escreve em Alexandria67 o 11º do mês de Xandicus como o 11º do Mecheir em Kerkeosíris na divisão de Polemon do nomos Arsinoíta Philiscus filho de Apollonius Persa do epígono acerta 65 Íbdem Possivelmente não através de uma agência humana mas em obediência à vontade do deus Sarapis manifestada de alguma forma para a pessoa em questão O recluso era possuído pelo deus seja por um curto período de tempo ou por muitos anos 1970 283 66 Literalmente segundo Warmington significa Persa da geração seguinte denotando um certo status social mas é difícil dizer o que o termo originalmente significa e o que eventualmente queria implicar 197007 67 Os escribas sempre usam esse artifício quando querem evitar reescrever sempre a lista dos sacerdotes nomeados eponymous 97 com Apollonia também chamada Kellauthis filha de Heraclides Persa tido por ela como guardião de seu irmão Apollonius que ele recebeu dela em moeda de cobre 2 talentos 4000 drachmae o dote por ela mesma Apollonia deverá viver com Philiscus obedecendoo como uma esposa deve a seu marido possuindo suas propriedades em comum com ele Todas as necessidades e vestes e o que mais for próprio para uma esposa legalmente casada Philiscus deverá suprir a Apollonia esteja ele em casa ou fora em proporção aos seus meios Não será considerado de legalidade para Philiscus possuir outra esposa além de Apollonia nem manter uma concubina ou rapaz nem ter filhos com outra mulher enquanto Apollonia vive nem habitar outra casa sobre a qual Apollonia não seja senhora nem expulsar ou insultar ou maltratala nem alienar qualquer parte da propriedade deles em detrimento de Apollonia Se ele é comprovado como tendo feito uma dessas coisas ou fracassar em suprila com necessidade ou vestimentas ou outras coisas como estabelecido Philiscus deverá restituir a Apollonia o dote de 2 talentos 4000 drachmae de cobre Da mesma forma não será de legalidade para Apollonia passar a noite ou dia fora da casa de Philiscus sem o consentimento de Philiscus ou flertar com qualquer outro homem ou desonrar o lar comum ou causar a Philiscus alguma vergonha por qualquer ato que traga a vergonha sobre um marido Se Apollonia optar por sua própria vontade se separar de Philiscus Philiscus deverá indenizala com o exato dote dentro de dez dias a partir da demanda Se ele não pagar como acertado ele irá pagar uma multa a ela de uma vez e meia a quantidade do dote que ele recebera Testemunhas Dionysius filho do patrono Pátronos Dionysius filho de Hermaiscus Theon filho de Ptolemaeus Dydimus filho de Ptolemaeus Dionysius filho de Dionysius Heraclius filho de Diocles todos os seis Macedônios do Epígono Guardião do contrato Dionysius Reconhecimento Eu Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono reconheço que recebi o dote de 2 talentos 4000 drachmae de cobre como estabelecido acima e eu depositei o contrato sendo válido com Dionysius Dionysius filho de Hermaiscus o supracitado escreveu por ele que é iletrado Recibo Eu Dionysius recebi o contrato sendo válido Registro Depositado para registro em Mecheir 11 do ano 22 Endossado Casamento resumido de Apollonia com Philiscus 92 aC Sel Pap I 02 Através dos casamentos mistos entre nativos e helenizados constatamos uma forma bastante eficiente de diminuição da idéia original da diferença bem como redução da idéia original de distância característica de um momento inicial de encontro entre duas culturas diferentes No texto localizamos o epíteto do Epígono atribuído ao noivo Persa do Epígono e às seis testemunhas Macedônios do Epígono em adição à informação sobre a origem individual Warmington supõe que o termo originalmente se aplicasse a filhos de soldados estrangeiros nascidos no Egito mas em tempos posteriores Persa do Epígono era usado indiscriminadamente para significar um certo status legal 1970 448 Receber uma classificação de grego significa antes de qualquer coisa o reconhecimento oficial do governo de que um determinado indivíduo não é um bárbaro Nossa fonte trata do casamento de um homem grego Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono com uma mulher meio egípcia ApolloniaKellauthis filha de Heraclides persa mas de nome grego Interessante que a mulher egípcia e seu pai persa não estão juridicamente classificados como gregos embora possuam nomes helênicos e sejam atendidos pela máquina burocrática grega 98 Retornamos então a questão de nomenclatura Vimos que a noiva possui um nome duplo Crawford comenta que uma certa vertente da sociedade egípcia buscava melhorar seu status pela adoção de um nome duplo egípcio e grego que bem podia ser eventualmente substituído por um puramente grego1971 134 De fato constatamos em nossa análise que o documento reconhece em seu sumário que a mulher egípcia possui um nome duplo grego e egípcio embora a identifique em seu corpus apenas como Apollonia seu nome grego Reproduzimos abaixo sob forma de tabela uma lista baseada nos estudos de Crawford sobre os nomes duplos utilizados pelos habitantes de Kerkeosiris a aldeia citada pela fonte Tabela 03 Nomes Duplos GrecoEgípcios Nome duplo Fonte os números entre parênteses se referem à data Notas complementares sobre a documentação KellauthisApollonia filha de Herakleides e uma Persine PTebt 104 12 Sel Pap I 02 92 Contrato de casamento PetosirisDionysios filho de ThonisTheon P Tebt 109 1 93 Contratos de venda de trigo AthermouthisAthenais esposa de PetosirisDionysios um Persa do epigono P Tebt 109 2 93 Filha de PresretisApollonios citado abaixo Presretis SICApollonios P Tebt 109 3 MenchesAsklepiades P Tebt 164 Escriba da vila de Kerkeosiris e filho do PetesouchosAmmonios citado abaixo PetesouchosAmmonios P Tebt 164 Descrição fins do segundo século uma tradução grega de um contrato em demótico Petesouchos filho de Asklepiades P Tebt164 A contraparte do contrato acima PetesouchosPolemon P Tebt 29 2 c 110 Escriba da vila de Kerkeosiris Carta ao chrematistai Petesouchos ocorre em outras fontes sem seu nome duplo em P Tebt 77 1 110 78 1 110 108 53 1 110 PetesouchosPtolemaios filho de Haryotes Apollonios P Tebt 105 1 103 Arrendamento de terra Ptolemaios filho de Apollonios é conhecido em P Tebt 62 88 119118 158 103 e 106 1101 PetesouchosPeteuris filho de Selebous P Tebt 110 1 Sel Pap I 68 92 ou 59 Empréstimo de trigo um surpreendente nome duplamente egípcio 1971 135 ErgeusHermias filho de Petesouchos P Tebt 110 23 92 ou 59 NektsaphthisMaron filho de PetosirisDionysios P Tebt 61 a 8 17 40 118117 62 110 119118 85 59 113 63 126 116 115 64 a 107 116 115 75 10 112 84 99 115 124 118 105 103 106 1 101 245 Baseado nas informações de Crawford 1971 135 Mas a adoção de nomes duplos implicaria necessariamente em uma estratégia consciente de obtenção de melhorias sociais como defende Crawford A autora explica que a ocorrência de nomes dupla tende a preferir certa forma de documentação tais como contratos inspeções de terra e cartas oficiais Seria portanto impossível saber quantos egípcios nativos estavam ocultados por trás de nomes puramente gregos em listas de impostos memorandos e outras fontes menos oficiais68 e não uma apropriação pragmática de valores Não insinuamos aqui um pragmatismo no sentido de dotar os egípcios com uma racionalidade burguesa como Sahlins69 2001 acusa Obeyesekere70 em um sentido de utilidade prática e benefícios econômicos minuciosamente identificados mas um processo de apropriação no contexto de uma relação de clientela entre o grego do Fayum e o Egípcio por ele protegido Assim a adoção de nomes duplos grecoegípcios pode decorrer de um reconhecimento egípcio de um simbolismo poderoso por trás dos nomes gregos O estabelecimento de uma monarquia helenística no Egito criou uma nova elite social no reino os helenizados ou gregos Isso classificou em uma condição subalterna as populações nãohelenizadas portanto bárbaras Contudo até que ponto um determinismo de submissão e inferioridade social era aceito passivamente pelos egípcios nativos No trecho a seguir reproduzse uma carta de um egípcio a um grego escrita em grego a Zenon saudação Você faz bem se você está saudável Eu também estou bem Você sabe que você me deixou na Síria com Krotos e eu fiz tudo que foi ordenado a respeito dos camelos e fui inocente perante 68 Crawford cita P Adler dem 2 123 acrescentando ainda como exemplo que Isidoros filho de Theon que era chamado de Paesi filho de Jeho em uma diagraphé grega era simplesmente chamado Paêsis tou Teôtos 1971 135 69 Sahlins afirma Em última análise o antietnocentrismo de Obeysekere vira um etnocentrismo simétrico e inverso com os havaianos consistentemente praticando uma racionalidade burguesa e os europeus incapazes por mais de duzentos anos de fazer qualquer coisa além de reproduzir o mito de que os nativos os consideravam deuses Digo racionalidade burguesa porque como logo veremos desde o século XVII a filosofia empirista em questão pressupôs um certo sujeito utilista uma criatura de carência infinita contraposta sobretudo a um mundo puramente natural 2001 23 70 Cf ObeyesekereThe Apotheosis of Capitain Cook 1992 100 você Quando você enviou a ordem para me dar pagamento ele deu nada do que você ordenou e Krotos me deu nada e sim continuou dizendome para eu me retirar eu permaneci por um longo tempo esperando por você mas quando eu em busca pelo essencial e não conseguindo nada em lugar algum eu fui compelido a fugir para a Síria para assim não perecer de fome Assim eu escrevi para você para que você possa saber que Krotos foi a causa disso Quando você me enviou novamente para Philadelphia para Jason novamente eu faço tudo que é ordenado por nove meses agora ele me deu nada do que você ordenou a mim ter nem óleo nem grão exceto pelo período de dois meses quando então ele me pagou as vestes ajuda de custo E eu estou em dificuldade no verão e no inverno E ele me ordenou a aceitar vinho ordinário como salário Bem eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro Eu imploro a você portanto se isso parecer justo a você dar a eles ordens que eu obtenha o que é merecido e que no futuro eles me paguem no total de modo eu não pereça de fome pois eu sei grecizar71 Você portanto dê atenção a mim por favor Eu rezo a todos os deuses e à divindade guardiã daimon do Rei que você permaneça bem e venha a nós em breve para então você possa por si mesmo ver que eu sou inocente Passar bem Endereçado a Zenon72 c256255 aC GHDHP 114 HWARC 245 A primeira vista o fragmento nos proporciona informações sobre uma subordinação e subserviência de um egípcio que aceita o lugar que os gregos reservariam a ele não sabe fingir o heleno enfim é um bárbaro Talvez esta fosse a linha principal de uma interpretação mais aprofundada se não houvesse o pedido final muito polido muito subserviente e até um pouco emotivo para que Zenon intercedesse pelo egípcio Analisando menos superficialmente percebemos que se trata de trabalhos contratados e não pagos ao interlocutor egípcio que pede pela intervenção de Zenon O remetente reclama em grego ao seu senhor Zenon sobre o tratamento que veio recebendo de seus agentes após sua partida de volta para o Fayum Até que ponto o discurso da subserviência demonstra uma subordinação de fato O egípcio diz que sabe agir como heleno quando necessário De acordo com Sahlins o conhecimento cultural é uma relação de intuições empíricas com proposições locais 2001 22 Isso significa que existe um reconhecimento egípcio de uma necessidade social de reproduzir publicamente certos valores estrangeiros o nómos grego 71 A versão inglesa traduziu hellenizein imitar os costumes gregos como to act the Hellene isto éfingir o heleno Na crítica de Préaux a esta mesma passagem ela afirma por mais que a carta tenha sido escrita pelo homem em questão o que não se pode ter certeza a palavra pode ser tão somente uma forma exagerada de dizer em casa não me porto como grego 194769 72 Esta é a carta de um nãogrego egípcio ou árabe antigo subordinado do dioeketes do Fayum Zenon Uma vez deixado na Síria para trabalhar com outros agentes de Zenon este sofreu com discriminação e não recebeu sus pagamentos por não saber fingir o heleno chegando a ser proposta uma remuneração em vinho O barbarismo causador de tal tratamento não se limitava simplesmente ao idioma os editores comentam que a carta apesar de pobremente escrita não é má composta mas também nas maneiras e costumes nómos 101 Nesse sentido seria interessante comentar que no Egito ainda podemos observar como o idioma grego fora apropriado e adaptado pela população através do desenvolvimento da língua copta O copta era basicamente o idioma falado no antigo Egito muito dos substantivos e verbos encontrados nos textos hieroglíficos permanecem imutáveis no copta utilizando o alfabeto grego devidamente modificado para suprir as necessidades fonéticas egípcias Sendo assim adotar o idioma grego não dá garantia alguma de uma total assimilação do nativo73 pelos valores éticos nómos helenísticos A própria transformação do ático em koiné já desmente por si a idéia de dominação cultural unilateral demonstrando como a apropriação do idioma do dominador não estava livre de adaptação decorrente de novos usos e novos usuários Certeau 1990 afirmava que a tática é a arma do mais fraco de modo que o nativo quando preciso se adapta como pode ao projeto de dominação cultural defendido pelas elites Todavia a fonte datada do início da dominação helenística possui uma especificidade gregos e egípcios estão muito nitidamente identificados e separados por seus nomes características físicas e hábitos Mas a medida em que o tempo passa essa identificação encontrou graves problemas para a administração helenística pois como verificamos ocorreu a absorção gradativa de hábitos e costumes egípcios pelas populações helenísticas o surgimento de nomes grecoegípcios bem como os freqüentes casamentos mistos Por outro lado a população não demonstra em nossa análise qualquer preocupação consciente em relação a problemática dessa dificuldade de identificação e diferenciação fora as esferas oficiais onde buscam sim estabelecer a condição grega conforme pudemos observar em nossa análise sobre relações jurídicas 73 Assim cabe explicar nossa ênfase no domínio do grego pelo nativo enquanto uma condição primeira para sua inserção na helenização e não como uma prova de sucesso de um processo helenizador A questão do idioma como moeda nessa relação de estabelecimento de uma hegemonia cultural será mais detalhada durante nossa abordagem à realidade da chóra egípcia 102 O Egito ptolomaico manteve duas cortes distintas para julgar questões gregas e nativas Lewis comenta que o procedimento tomado diante de uma ação judicial variava de acordo com o princípio anunciadoreafirmado no Decreto Real de Anistia de Ptolomeu VIII Cleópatra II e Cleópatra III de 118 aC Segue a nossa análise Assim eles decretaram com relação à ações judiciais em que egípcios e gregos se opõem isto é ações trazidas por gregos contra egípcios ou por egípcios contra gregos que egípcios que entraram em contratos com gregos em língua grega deverão acionar ou ser acionados diante dos chrematistai juizes de jurisdição grega porém aqueles que mesmo desfrutando do status grego entraram em contratos escritos na língua egípcia demótico deverão acionar e ser acionados diante dos laokritai juizes populares de acordo com a lei do país74 1993280 JEA 79 Sel Pap II 210 HWARC 231 Em 118 aC Evergeta II decretou uma determinação em que o tribunal onde se resolviam os litígios referentes aos contratos seria determinado pela língua da confecção do mesmo exceto em casos em que egípcios fizessem entre si contratos em grego e o tivessem validado no tribunal egípcio dos laocritai Uma vez registrado um documento passava a constar como autêntico em uma eventual ação judicial Segundo Lewis certamente na época de Ptolomeu II contratos privados escritos em demótico podiam ser registrados em arquivos oficiais As partes envolvidas recebiam um comprovante certificando sua autenticidade A pluralidade dos direitos não implica na particularidade do direito pois todos os direitos coexistentes podiam ser invocados sob a fórmula de precedência em um processo Assim a população não ficava restrita a algum tribunal em particular Ambos procuravam os tribunais que atendessem melhor suas necessidades Assim por exemplo uma mulher helenizada poderia optar por buscar um tribunal egípcio caso não possuísse ou não quisesse um representante do século masculino o kyrios para apresentarse com ela em um tribunal grego uma vez que as leis egípcias oferecem uma autonomia feminina muito maior Lewis cita um decreto de 146 aC em que documentos demóticos não arquivados seriam 74 Esse decreto é bastante comentado desde sua publicação 1902 Lewis 1993280 observa que ele indica um benefício à comunidade nativa posto que acaba por limitar a jurisdição dos chrematistai Tal posição se deve ao fato de que desde o século III aC até a ordenação real do ano de 118 aC as causas cíveis entre gregos e egípcios eram resolvidas em um tribunal misto chamado koinodikion extinto por determinação deste mesmo decreto 103 invalidados em outras palavras o registro não era obrigatório mas era extremamente vantajoso pelo menos para casos de transações mais importantes 1993 279 Isso permite que egípcios e gregos busquem com maior intensidade os tribunais gregos independentemente das transações registradas serem entre egípcios ou entre egípcios e gregos Tomemos como exemplo a seguinte fonte analisada Petesouchus também chamado Peteuris filho de Selebous Persa do Epígono para Hérmias também chamado Hergeus filho de Petesouchus saudações Eu atesto que recebi de você 24 ½ artabas de trigo com uma metade adicional75 que irei restituir a você no mês de Pauni no 22º ano transferido de Kerkeosiris e medido pela medida do dromos76 Se eu falhar em restituílo eu pagarei imediatamente uma penalidade pelo valor de cada artaba no valor de 3000 drachmae de cobre ou o maior preço então corrente e uma multa de 60 drachmae em prata cunhada para o Tesouro Real pelos danos este contrato será valido em qualquer parte como foi produzido Adeus O 22º ano Mecheir 23 92 ou 59 aC Sel Pap I 68 Aqui os atores dessa relação possuem ambos nomes egípcios Hergeus filho de Petesouchus e PetesouchusPeteuris filho de Selebous que é cidadão grego possuindo o título de Persa do Epígono Interessante notar a presença um caso raro de nome duplamente egípcio mencionado pela tabela 03 Podemos notar aqui que o cidadão grego em questão possui um nome adequado a tendência de nomes duplos entretanto não existe aqui uma tentativa de se fazer passar por um grego para atestar uma condição helenizada Podemos afirmar que se por um lado os nomes duplos ofereçam argumentos para traçar uma tática deliberada pelos egípcios para enganar o governo conforme correntes criticadas neste trabalho por outro o exemplo analisado nos demonstra que a cidadania grega não estava diretamente relacionada aos nomes helenizados Contudo torna ainda mais evidente a dificuldade em se identificar os indivíduos helenizados na sociedade egípcia helenística Seguimos com uma nova análise O 11º que também é o 8º ano77 Mesore 14 em Crocodilópolis diante de Paniscus agoranomos78 da toparquia superior do nomo Pathyrita Hieronouphis filho de Psemminis um daqueles que retornou em 75 Isso significa que o empréstimo será restituído em 150 76 Um dromos era uma unidade de medida provavelmente padronizada por um templo sendo utilizada em transações no dromos uma avenida de um templo em particular 77 Tratase do 11º ano do reinado de Cleópatra III e o 8º ano de reinado de Ptolomeu X Alexandre I 78 Tabelião do governo responsável pela revisão e validação de contratos públicos 104 conseqüência da ordenação79 concedeu a Eunous filho de Patseous e a Patseus filho de Orses ambos Persas do Epígono de Pathyris cinco talentos e dois mil drachmas em dinheiro de cobre sem se importar por trinta dias desde o 11º de Mesore do ano supracitado Este empréstimo deve retornar a Hieronouphis no 5º dia do mês Toth do 12º que também é o 9º ano Se eles não restituírem no prazo estipulado conforme escrito acima eles deverão pagar uma penalidade no dia seguinte de 5 talentos e 2000 dr acrescidos de uma metade e pelo tempo vencido uma quantia de dois drachmae de mina80 por cada dia Os próprios beneficiados são cada um fiadores pelo outro para o pagamento de todos os encargos deste empréstimo e Hieronouphis terá o direito de execução sobre suas pessoas juntamente ou singularmente ou sobre o qualquer um que ele escolha e sobre toda as propriedades deles segundo decisão legal 106 aC SelPap I 67 Préaux atesta que os egípcios tinham uma tendência se dirigir aos tribunais gregos Contudo ignora como se definir um egípcio P Tebtunis 5 II 207220 Quanto aos notários ou os escribas especializados a língua egípcia ou grega preservava os formulários dos contratos suas concepções jurídicas distintas que experimentavam 2002 596 Os contratos analisados pertencem a uma esfera jurídica grega Contudo percebemos além do uso de unidades de medida egípcias arruras e artabas o uso do calendário egípcio Podemos então inserir uma nova observação acerca dos contratos analisados e nisso podemos incluir o contrato de casamento explorado anteriormente o uso do calendário egípcio sem qualquer menção de equivalência aos meses macedônios Embora uma documentação informal como a carta para Hephaestion o recluso do Serapeum século II aC conste uma datação com o mês egípcio percebemos em documentação oficial como os decretos sacerdotais uma necessidade formal em estabelecer a equivalência entre os calendários egípcio e macedônio no sétimo dia do mês de Apellaeus e o décimo sétimo dia do mês egípcio de Tybi Decreto de Canópos linha 3 No primeiro dia do mês de Artemisios que de acordo com o reconhecimento dos egípcios é o primeiro dia do mês Paophi Decreto de Ráfia linha 1 79 Possivelmente uma referência a alguma proclamação real ordenando aos nativos o retorno à seus locais de origem 80 Cada mina neste caso valem 100 drachmas 105 No quarto dia do mês Xandicus e décimo oitavo do mês egípcio de Mecheir Decreto de Mênfis linha 6 Segue abaixo uma lista de equivalência entre os calendários Tabela 04 Calendário Macedônio x Calendário Egípcio Mês Egípcio Equivalência ao Calendário Macedônico Calendário Moderno Toth 1 Dius 1 29 de agosto ou 30 em anos bissextos Phaophi 1 Apellaeus 1 28 de setembro 29 Hathur 1 Audnaeus 1 28 de outubro 29 Choiak 1 Peritius 1 27 de novembro 28 Tubi 1 Dystrus 1 27 de dezembro 28 Mecheir 1 Xandicus 1 26 de janeiro 27 Phamenoth 1 Artemisius 1 25 de fevereiro 26 Pharmouthi 1 Daesius 1 27 de março Pachon 1 Panemus 1 26 de abril Pauni 1 Loius 1 26 de maio Epeiph 1 Gorpiaeus 1 25 de junho Mesore 1 Hyperberetaeus 1 25 de julho Dia intercalado 1 Dia intercalado 1 24 de agosto Baseado em Hunt 1977 xxxixxxii Os meses macedônios originalmente lunares perderam gradativamente seu caráter original mediante a relação com os meses egípcios segundo Hunt antes do final do segundo século aC eles estavam totalmente assimilados aos meses egípcios1977 XXXI De fato podemos observar que durante o período abrangido pelos decretos séculos III e II aC e os contratos analisados séculos II e I aC a necessidade de tradução do calendário egípcio para sua contraparte macedônica perdeu a necessidade formal em documentos oficiais Esse processo de assimilação total definido por Hunt demonstra que estruturas formais de uma realidade macedônica como unidades de peso e medidas bem como a forma de se contar o tempo foram sendo gradativamente eclipsadas no Egito Helenístico de modo a constituir uma sociedade ainda ciosa de sua origem macedônica embora os elementos estruturais sócio culturais e simbólicos que permitem tal identificação percam substância ao longo do tempo 106 Em sua análise da administração Lágida Crawford observa que Existem muitos paralelos entre os dois textos do Papiro Wilbour81 e os sucessores ptolomaicos e indica claramente o caminho usado pelos gregos ao levar adiante a administração do país A maior inovação dos gregos parece ter sido a alteração do idioma administrativo 1971 06 Podemos compreender então que se por um lado não existe uma preocupação consciente em afirmar cotidianamente a condição de grego fora de circunstâncias oficiais também é verdade que o idioma possui um forte valor simbólico perante o universo simbólico helenístico As cartas provenientes do Fayum fornecem um corpus documental de grande potencial para um estudo dos modos de interações culturais indicando a importância central do uso da língua escrita grega eou egípcia como moeda nessa negociação cultural Um número considerável de egípcios certamente em busca de ascensão política e econômica aprendiam o grego necessário para alcançar suas metas Realmente o meio rural era menos sujeito à influência helenizadora de modo a permitir uma permanência da língua egípcia frente ao grego Em adição a isso o meio sacerdotal mantém o seu prestígio sóciocultural e político Por outro lado poucos gregos aprendiam o egípcio mas muitos dos que se casavam com mulheres egípcias precisavam fazêlo Retornamos aos oráculos de sonhos egípcios analisando a fonte abaixo De Ptolemaios a Achilleus saudações Após escrever a respeito me parece bom informálo sobre o sonho para que então você possa saber como os deuses conhecem você Eu escrevi abaixo em egípcio para que você possa compreendêlo corretamente Como antes eu estava prestes a ir dormir escrevi duas cartas uma sobre Taunchis a filha de Thermouthis e uma sobre Tetimouthis a filha de Taues que é a filha de Ptolemaios e uma longa lacuna perturba você de modo que eu passei um ótimo dia Passar bem Ano 2 Phaophi 25 Aqui seguiria a descrição em demótico do sonho SécIII aC GHDHP 113 Podemos notar elementos como o conhecimento da língua egípcia por parte de Ptolemaios quanto de Achilleus ambos portadores de nomes gregos Ptolemaios frisou escrevi abaixo em egípcio para que você possa compreendêlo o sonho profético corretamente Isso oferece um indício de que o idioma egípcio fornecia algo sem equivalência em grego E que esse algo certamente possuía um sentido mágicoreligioso 107 Remetente e destinatário denotam um bom relacionamento com nativos inclusive indicando um casamento misto entre o grego Ptolemaios e a egípcia Taues com pelo menos uma filha de nome egípcio Tetimouthis Podemos verificar aqui um indício de que os gregos que se inseriam nas comunidades egípcias aprendiam a língua nativa sugerindo que a língua agisse como o mediador de um intercâmbio tanto no tocante a esfera material como a transcendental Sugerese também não apenas a assimilação mas o reconhecimento da eficácia de um saber religioso egípcio pelos gregos que trocam a correspondência em questão82 Crawford observa que normalmente os gregos adotavam deuses egípcios e práticas religiosas mais facilmente que de forma inversa1971 137 Podemos dar continuidade à discussão ao constatar que a presença dessa religiosidade egípcia ao longo do cotidiano helenizado era reconhecida e por indivíduos das mais variadas camadas sociais Nesse mérito não apenas os faraós em negociações políticas com sacerdotes empreendiam obras e homenagens de caráter sagrado aos deuses egípcios Tomemos por exemplo a seguinte documentação epigráfica descrita por Bernand Mesa de oferendas de basalto negro Altura 40cm largura 405cm espessura 12 5 cm letras 15 mm A inscrição corre ao redor todos quatro os cantos da mesa da direita para a esquerda de um lado a outro do escoamento Ao centro da mesa está representada um altar carregado de oferendas frutos pães um ganso emplumado e um buquê de lótus Diante do altar de um lado e do outro dois pequenos vasos A cena é emoldurada por dois feixes de lótus para os quais são dispostos dois grandes vasos de onde se escapa a água corrente sobre o altar Acima do altar duas cavidades em forma de cartucho logo abaixo dois cachos de uva 199251 Segue a figura descrita 81 Do período Raméssida em escrita demótica de 1150 aC 82 Na doréa de Apolonios no Fayum eram venerados pelos gregos tanto os deuses olímpicos quanto Poremanrés Isis Ptah etc Segundo o Papiro Lond 2666 um grego promete sacrificar à divindade do local como é de hábito por toda a parte APUD Leveque 198790 Um outro dedica à Apolonios uma Estela com a imagem de Anúbis ibden 108 Figura 02 Mesa de Oferendas GrecoEgípcia Extraído de Bernand 1992 PL 11 Tratase de uma mesa de oferendas de basalto negro em cujo centro situase um altar destinado a oferendas Podemos constatar a presença de elementos estéticos tipicamente egípcios os frutos pães um ganso emplumado o buquê de lótus os dois pequenos vasos os dois feixes de lótus para os quais são dispostos dois grandes vasos de onde se escapa a água corrente sobre o altar as duas cavidades em forma de cartucho e os dois cachos de uva Por outro lado a dedicação religiosa é feita a uma divindade egípcia por um indivíduo de nome grego valendose de inscrições textuais em grego O texto diz A Ptensenes deus grandioso Ptolemaios escriba das forças da região de Elefantina faz esta dedicação ano 35 do mês Epeiph Séc II aC 83 IGENML 15 Bernand complementa nossa análise ao informar que são inúmeros os exemplo de inscrições gregas gravadas em mesas de oferenda O autor 83 Segundo o autor a fonte nos remete ao ano 147 aC reinado de Philométor ou 136 aC reinado de Evergeta II 1991 52 109 comenta que o devoto que porta um nome grego como normalmente ocorre com escribas de forças militares ativas era um escrivão militar da região de Elefantina zona de fronteira onde as tropas asseguravam a segurança do país ameaçado notadamente pelos núbios e mais tarde pelos blêmios1992 52 É interessante observar que um indivíduo helenizado oferece um testemunho de sua devoção a uma divindade nativa sem recorrer ao artifício de traduzir o nome do deus para sua contraparte helenística Quanto a essa situação Bernand comenta que autores do início do século desenvolveram uma interessante discussão afirmando que o deus Petensenes cuja equivalência com o deus grego Hermes não era ainda reconhecida na época da inscrição da mesa gerando uma discussão sobre a data da inscrição em que se buscou em vão recuar a data da fonte ao século III aC Contudo nossa análise revela incontestavelmente uma tentativa de desenvolver uma forma espontânea pois não integra relações políticas predeterminadas e grega pois existe a cópia estética não é acompanhada pelo uso do idioma nativo em detrimento do uso do idioma próprio da dominação estrangeira de adoração a divindades egípcias nativas O uso do idioma grego demonstra certamente o interesse em manterse a identidade grega do devoto inclusive perante a própria divindade egípcia reverenciada Qual seria então a necessidade de apresentarse como grego através do uso do idioma para a divindade Podemos incluir uma dedicação semelhante datada do mesmo período proveniente da região do Fayum atribuída a uma iniciativa de oficiais do nomos Bernand descreve a fonte Estela de calcário Altura 355 cm largura 235 cm espessura c 5mm Letras 5mm Ao centro um disco solar colocado entre dois uraeus erguidos Embaixo a representação da deusa Ísis sobre um assento à esquerda posto sobre um tablado Ela estende sobre os joelhos seu filho Hórus que ela amamenta expondo seu seio direito Ela veste um longo vestido com suspensórios e usa uma peruca sobreposta com um disco entre dois chifres Diante dela um altar armado cheio de oferendas A direita o faraó de perfil de pé coroado com a pschent oferece a deusa com a mão direita o olho de oudjet e com a mão esquerda segura um objeto que A Moret reconheceu como a deusa Maat Acima do altar estão os cartuchos reservados aos nomes dos personagens permanecem vazios O dorso da estela está mal desbastada A superfície da pedra fendida embaixo está erodida e esfarelada A inscrição está gravada na parte inferior O inicio das linhas se perdeu junto com a superfície da pedra que se deteriora na diagonal Regulagem Traços de vermelho ao longo do curso das letras 1992 61 110 Seguese a imagem da estela Figura 03 Estela com Dedicação Helenística a Ísis Extraído de Bernand 1992 PL 16 Diz o texto Ao rei Ptolomeu grande deus Novo Dionysios Philopator e Philadelfo à Isis Esenchébis84 deusa grandiosa a Pnépheros e aos deuses que compartilham o mesmo temploIGENML 21 O texto grego novamente rende honras a divindades egípcias em nome de indivíduos ciosos de sua condição helênica Em adição a nossa análise anterior é 84 Em comentário adicional ao texto Bernand observa que é feita uma designação pouco freqüente de Isis onde não se conhece outro exemplo a não ser uma dedicação do Fayum feita em 68 aC por uma associação criada sob a proteção dessa deusa Esse epíteto significa Isis de Chebis ou Chemmis isto significa da ilha de Chemmis próximo a Buto onde segundo uma tradição difundida Isis trouxe ao mundo o pequeno Hórus O 111 interessante notar que os cartuchos espaços tradicionalmente destinados à escrita dos hieróglifos dos nomes dos faraós estão vazios Porém os cartuchos fornecem um elemento interessante para nossa análise embora eles possuam uma função gráfica cerimonial específica sua presença na estela também forma um conjunto de características que classificam uma dedicação real como tal Assim como o texto grego já está mencionando o basileus os cartuchos são simplesmente mencionados na estela devido a busca de reprodução dos cânones estéticos egípcios tradicionais Embora a estética da estela busque a reprodução tradicional da arte egípcia nativa constatamos que a utilidade simbólica original dos cartuchos foi ignorada Nossa análise constata que os responsáveis não compreendiam a verdadeira função do cartucho ou se a compreendiam a ignoraram deliberadamente Poderia então compor um indício de que havia uma preocupação em reproduzir os elementos mais importantes da estética egípcia na estela analisadacaracterizada aos olhos gregos sob um estereótipo de modo a ocorrer uma adaptação de um sentido original mediante uma tentativa helenística de reprodução das estelas e dedicações semelhantes Os dois exemplos epigráficos demonstram que os gregos se dirigiam às divindades egípcias preocupados em reproduzir as imagens e padrões estéticos egípcios mas ao manterem a identificação de gregos estão demonstrando para a posteridade que não são bárbaros Como define Burke a adaptação cultural pode ser analisada como um movimento duplo de descontextualização e recontextualização retirando um item de seu local original e modificandoo de forma que se encaixe em seu novo ambiente 2003 91 O uso do idioma fornece o mais forte referencial comum aos gregos Através do idioma grego encontrase o consenso sobre as leis nomói se estabelece o convívio na pólis dá continuidade às tradições positivamente helênicas e identifica o elemento estranho ao se grupo de pertença o bárbaro texto não menciona o nome dos dedicadores Sem dúvida se trata de autoridades locais trabalhando em nome do rei 1992 62 112 alguém incapaz de compreender ou se comunicar em grego Assim o comportamento dos sujeitos não possui nenhum compromisso inevitável de se adaptar às categorias pelas quais o senso comum às percebe Devido ao evento do estabelecimento de uma elite governante grecomacedônia e de uma política de hegemonia helenística no Egito as convenções tradicionais podem ser mais ou menos modificados Os gregos admitiam uma única forma civilizada de agir Isso não proibia a adoção de elementos culturais nãogregos ou seja bárbaros desde que fosse feita de uma forma reconhecidamente civilizada ou seja helenizada 3 2 Uma Reformulação Prática da Identidade O discurso de alteridade que emerge na reprodução da dicotomia de gregos X bárbaros sustentase somente ideologicamente e apenas como o resultado de um conjunto de propostas políticas que sofreu um processo de reprodução histórica Segundo Geertz O processo histórico do qual a ideologia se tornou parte do próprio tema ao qual se referia foi reconstituído por Mannheim a compreensão de que o pensamento sóciopolítico não cresce a partir de uma reflexão incorpórea mas está sempre ligado à situação à situação de vida do pensador parecia contaminar tal pensamento com a luta vulgar por vantagens acima da qual tinha professado pairar 1989 164 Nesse sentido o conjunto de crenças coerentes formadoras do nómos ideologia política se apóia em uma ótica dualista o nós positivo e o eles negativo Ele busca impor sua ideologia devido ao seu objetivo primário é o de ordenar toda a vida cultura e social segundo seus padrões helênicos reivindicando para si o direito exclusivo sobre a posse de uma realidade política Contudo o paradoxo se forma quando existe uma discrepância entre o que se acredita e o que pode ser cientificamente correto 1989 168 A ordem social enquanto pensamento é modelada pelos valores gerais da sociedade em que está contida Ela é seletiva na formulação de questões seus problemas particulares abordados 113 enfim caracterizando uma nova seletividade a que as ideologias estão sujeitas justamente por enfatizar algumas nuances específicas de sua realidade social O nómos definido como projeto ideológico das elites estabelece um ideal de separação de universos simbólicos e reprodução de dicotomias oferecendo uma interpretação específica do Egito Helenístico onde se opõem gregos e bárbaros Porém a construção de vínculo com um passado em comum não impede que indivíduos externos possam ser integrados ao grupo de pertença O imaginário social interpreta e transforma os símbolos significativos de uma identidade étnica e permite a apropriação de uma memória coletiva formada ao longo da história Segundo Poutignat A memória fundadora da unidade é ao mesmo tempo e necessariamente o esquecimento das condições de produção desta unidade a violência e o arbitrário originais e a multiplicidade das origens1995 36 As relações cotidianas na chóra egípcia explorada através de correspondências pelos contratos casamentos mistos empréstimos em trigo e dinheiro entre agentes helenizados e nativos demonstram que uma forte rede de solidariedade se desenvolve ao longo da convivência entre os grupos De fato as fontes exploradas sugerem uma interação muito maior do que o discurso oficial das forças institucionais helenizadoras e egipcianizadoras deixa perceber Essa troca cultural é uma conseqüência das práticas cotidianas que colabora para aproximar as populações helenizadas das não helenizadas Ao longo das práticas cotidianas entre as populações helenísticas e egípcias nativas essas trocas culturais mediante interações e convivência diárias produzem inovações imprevisíveis seja em relação ao momento em que ocorrem seja em relação ao conteúdo em transformação Segundo Burke o contraste entre tradições abertas e fechadas levanta um problema intrigante o de explicar as diferenças de receptividade Parece haver momentos favoráveis e desfavoráveis para a troca cultural2003 85 A apropriação da cultura helênica por populações nãogregas em adição ao desenvolvimento de uma nova dimensão de interações 114 culturais produziu uma série imprevista de inovações redefinições e particularidades específicas e próprias de uma identidade grega adequada a um Egito Helenístico Os casamentos entre irmãos foram sancionados e adotados pelos monarcas o que tornava a reprodução de tal prática lícita aos demais súditos tanto helenizados quanto nativos o que equivale afirmar que este deixa de constituir um costume bárbaro no contexto de um Egito Helenístico Já para uma primeira impressão dos nomes híbridos podemos atribuilos tanto a uma realidade de casamentos mistos como o de homenagens e pedidos de proteção a divindades egípcias Todavia frisamos que não é realizada uma mera adoção de nomes tipicamente egípcios A população Helenística traduz ou mesmo cria nomes teofóricos novos De forma semelhante percebemos que a prática egípcia de dedicações de estelas aos deuses é reproduzida todavia cuidando para a substituição do idioma original pelo grego Isso porque dentro do contexto de interações constantes com nativos o idioma grego implica em um mecanismo eficiente para uma noção de definição de unidade e alteridade no senso comum helenizado Segundo Benveniste no nome que um povo se atribui existe manifesta ou não a intenção de se distinguir dos povos vizinhos de afirmar esta superioridade que é a posse de uma língua comum e inteligível 85 1969 368 Sendo assim podemos afirmar que passa a ser desenvolvida no Egito Helenístico uma forma reconhecidamente grega de reprodução de elementos culturais egípcios adaptados Isso em oposição a uma mera atitude de copiar um modelo bárbaro de conduta Eis a função do nómos novamente evocada criar um consenso a respeito do modo de vida dos helenos A atitude de adaptar o modo egípcio ao modo grego impede a idéia de um barbarismo caracterizado pelo abandono da conduta grega em conseqüência de uma submissão a uma conduta nãogrega A partir do momento em que as relações sociais estabelecem em suas 85 Se remontarmos à origem do conceito de bárbaro estaremos nos reduzindo a uma questão de diferença fundamentalmente a uma questão de idiomas Isso porque bárbaro era inicialmente aquele que falava uma língua que o grego não conseguia compreender A partir do desenvolvimento de uma política de helenização o elemento mais básico e fundamental da dominação helenística e do acesso à uma helenização residia no aprendizado do idioma grego 115 interações um consenso a respeito de uma forma nãobárbara de seguir costumes nãogregos o nómos sofre uma adaptação em seu universo simbólico para redefinir um conceito particular de comportamento corretamente grego para a sociedade helenística do Egito Assim nossa análise identifica a existência de usos do nómos e demonstra que a prática cotidiana permite que os agentes sociais se habituem dinamicamente a uma série de características culturais originalmente oriundas de tradição egípcia embora não percam o zelo por sua identificação positivamente grega Isso não significa necessariamente uma validação social do nómos enquanto projeto ideológico nas interações cotidianas O nómos enquanto instrumento político estruturante da sociedade helenística visava reproduzir um discurso ideológico adequado a uma necessidade política específica de modo que não era portanto responsável por refletir com exatidão a sociedade em que se inseria De acordo com Burke Quando ocorrem encontros e trocas culturais um período de relativa fluidez liberdade no caso de você aprovar caos no caso de desaprovar é seguido por um período em que o que era fluido se solidifica coagula e vira rotina e se torna resistente a mudanças posteriores Velhos elementos foram rearranjados em um novo padrão 2003 115 O senso comum constrói uma forma cotidiana de percepção do mundo Seu conhecimento é partilhado entre os agentes sociais em atuação nas interações culturais através de negociações interpretações imaginação reformulação reinterpretação enfim de modo que os significados são constantemente reinventados embora aparentem a cópia gerando uma idéia de continuidade ou normalidade para a sociedade Constatamos em nossa análise a fluidez das interações culturais ocasionando uma assimilação e reformulação prática de aspectos culturais incorporados em contrapartida ao zelo na manutenção de uma identificação positivamente grega perante a posteridade monumento epigráfico e às próprias divindades egípcias Considerando que o nómos chama para si a responsabilidade de manter um consenso sobre o universo simbólico helenístico podemos verificar a possibilidade de uma fórmula grega para se adorar os deuses egípcios que consistiria na demonstração da preocupação em não querer fingir o egípcio não querer agir como um 116 egípcio ou seja barbarizar ou egipcianizar em oposição ao helenizar Isso demonstra por sua vez uma atitude autônoma e voluntária do grego homenagear como grego uma divindade egípcia desde que o faça como grego e de forma grega ao invés da bárbara Nesse sentido uma relação de passividade para com os costumes estrangeiros bárbaros acarretaria em barbarismo ou seja no desrespeito ao nómos Existem duas variáveis do conceito de nómos adotadas pelo presente trabalho o discurso ideológico institucional que simboliza uma dimensão estrutural da sociedade egípcia helenística a políticaideológicaidealizadainstitucionalizante e uma visão mais fluida envolvendo uma concepção particular grega para o conceito de cultura simbolizando um outro aspecto da estrutura de sua sociedade a domésticacotidianapráticaindividualizada Embora o nómos funcione enquanto mecanismo de conexão entre essas duas esferas estruturais estas representam duas interpretações distintas de um mesmo fato social ou evento a helenização no Egito Como afirma Sahlins o evento é a interpretação do acontecimento e as interpretações variam1994 191 Portanto uma vez que a prática estabelece uma correspondência estrutural entre costumes egípcios nativos e helênicos por sua vez o discurso do ideológico buscava opôlos sistematicamente configurandose uma krisis para o reajuste entre o ideológico e o cotidiano cujas conseqüências acarretariam uma necessidade de atualização de todo um sistema simbólico dando ao nómos egípcio helenístico uma identidade pessoal egípcia sem necessariamente deixar de se perceber como positivamente grega A análise das interações sociais na chóra egípcia nos apresenta uma interação diária entre estrangeiros e nativos onde a preocupação em reproduzir a dicotomia gregos X bárbaros defendida por um discurso de identidade ideologicamente comprometido com uma política helenizadora não encontra destaque enquanto mecanismo importante para a organização da experiência cotidiana A helenização enquanto discurso hegemônico sofre um processo de 117 adequação devido as suas especificidades sociais caso a caso de acordo com as sociedades em que se desenvolve o helenismo Cada sociedade possui seus próprios códigos e convenções para referirse a determinados conceitos mediante convenções culturais constantemente construídas revistas e reconstruídas caracterizando cada cultura enquanto o resultado de uma evolução específica de uma determinada sociedade Monica Selvatici Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a Revolta dos Macabeus Mundo Helenístico 2 Metas da aula Caracterizar os eventos relacionados à dominação helenística sobre o território dos judeus no século II aC e analisar a diversidade de respostas judaicas ao processo de helenização bem como as variadas categorias propostas pela historiografia recente para a análise de tal processo Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 reconhecer a particularidade do modo de vida judaico e os eventos relacionados à Revolta dos Macabeus 2 distinguir a multiplicidade de respostas dos judeus ao processo de helenização trazido com a dominação das dinastias helenísticas assim como as diversas categorias propostas pela historiografia recente para a análise de tal processo Prérequisito Para esta aula procure recapitular as informações da Aula 6 A Ásia selêucida e os reinos asiáticos Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 3 INTRODUÇÃO Nesta aula analisaremos as relações culturais e identitárias estabelecidas entre gregos e judeus na região da Palestina no período helenístico Contatos culturais entre judeus e helenos são atestados desde o século VI aC conforme atenta André Chevitarese 2000 Já a presença grega na região da Palestina remonta segundo evidências arqueológicas ao século V aC Escavações arqueológicas trouxeram à luz traços de colonização grega nas cidades de origem fenícia como Dora Tiro e Sidônia que ficavam situadas na costa mediterrânea da Palestina Nestas cidades havia uma população grega que possuía seus próprios cultos e templos que acabaram por influenciar os fenícios ali residentes STERN 1989 p 108 No entanto é a partir da entrada de Alexandre o Grande na Síria que este processo intensificase na medida em que desde então é colocado em prática todo um projeto político de domínio e colonização das áreas conquistadas a partir da cultura da língua e das instituições gregas No período helenístico a população desses centros urbanos passou a ser majoritariamente grega em função da política das dinastias helenísticas de incentivo à imigração de colonos de cidades da Magna Grécia para as novas áreas Neste sentido sua cultura também era fortemente grega havia os símbolos arquitetônicos da cultura helênica o teatro por exemplo e os templos com suas colunas obedecendo aos três estilos arquitetônicos o dórico o jônico e o coríntio Figura 101 a língua falada era agora o grego koiné a chamada língua comum um apanhado geral dos diferentes dialetos do grego clássico dórico jônico etc que constituía uma forma mais simplificada gramaticalmente do grego falado na Ásia Menor no período clássico Além disso as instituições políticas tinham por modelo as práticas gregas tradicionais Uma das instituiçõeschave no processo de helenização das cidades foi Mundo Helenístico 4 o ginásio que exerceu uma função educacional os cidadãos lá se exercitavam e recebiam o aprendizado intelectual Figura 101 Capitel dórico do templo de Apolo em Siracusa Fonte Wikimedia Commons httpptwikipediaorgwikiFicheiro0422Siracusa TempiodiApolloFotoGiovanniDall27Orto21May2008jpg Além do transporte das instituições legislação língua e práticas sociais gregas houve por parte dos reinos helenísticos a criação de um contexto no qual a única forma de adentrar o novo sistema de poder era a adoção da cultura grega Tratavase de uma política de valorização do status do cidadão grego em detrimento das culturas locais A probabilidade maior é que os nativos fossem excluídos da participação nas práticas cívicas nas instituições civis gregas No princípio houve assim uma visível exclusão dos habitantes locais na reprodução das práticas gregas importadas como por exemplo da filiação ao quadro de membros do ginásio A helenização em seu primeiro momento caracterizou um processo de expansão demográfica e geográfica mas não denotou a incorporação dos habitantes das áreas dominadas Conforme afirma Alan F Segal 1990 p 88 a cidadania nas cidades gregas era fortemente protegida Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 5 Ainda assim a atribuição nas diversas póleis da cidadania a estrangeiros gregos e macedônios que não possuíam qualquer filiação com os membros da pólis ou mesmo bárbaros isto é não gregos também acontecia embora isso fosse algo raro Para a aquisição da cidadania por um estrangeiro era necessário que ele fosse aprovado segundo certos critérios a sua residência na cidade suas propriedades os ritos religiosos por ele seguidos e antes de tudo as benfeitorias que ele seria capaz de trazer para a localidade Para o caso dos bárbaros especificamente a conquista da cidadania esteve sempre ligada à estratégia da alegação de ligações ancestrais gregas Um exemplo da utilização desta estratégia é o caso de um cidadão de Sidônia uma antiga cidade fenícia no litoral da Palestina que conseguiu disputar e vencer uma das competições panhelênicas abertas somente a gregos e realizadas em território grego Segundo Simon Price a elegibilidade deste cidadão foi provada pelo suposto fato de que Tebas havia sido fundada pelo filho do primeiro governante de Sidônia 1988 p 317 Outro exemplo do uso de tal artifício pelos judeus é a passagem no primeiro livro de Macabeus 12521 Nela o soberano asmoneu Jônatas recorda um documento que o rei espartano Ário 309 a 265 aC teria enviado ao sumo sacerdote judaico Onias I contendo a informação de que judeus e espartanos tinham Abraão como ancestral comum e por isso eram irmãos Neste caso específico não era intenção de Jônatas adquirir a cidadania espartana mas reforçar os laços de amizade entre a cidade e os judeus e mantê la como aliada em suas batalhas contra os adversários selêucidas Relações culturais entre gregos e judeus na Palestina a revolta dos macabeus Na região da Palestina a conquista de territórios por parte da dinastia selêucida e o processo de helenização promovido por ela aconteceram da seguinte forma a Judeia o pequeno território dos judeus neste período passa ao controle dos selêucidas em Tebas Cidadeestado do mundo grego antigo antiga capital da região da Beócia Mundo Helenístico 6 198 aC quando Antíoco III toma Jerusalém A partir de então um programa de helenização é adotado em larga escala auxiliado particularmente pelos segmentos aristocráticos da Judeia Ao longo deste processo desenvolvese um partido helenista ou helenizante que apoia a dinastia governante e de outro lado um partido defensor da tradição judaica que se mantém ligado ao ideal dos escribas Esse ideal pregava a obediência às leis registradas na Torá os cinco primeiros livros da Bíblia atual o texto sagrado para os judeus Este texto era sagrado pois se acreditava que ele teria sido redigido por Moisés por inspiração direta de Yahweh o deus judaico Em tais livros estavam dispostas as leis que os membros do povo de Israel deveriam seguir de maneira a manter e respeitar a aliança que Yahweh fizera com ele a partir de Abraão aliança esta que implicava proteção de Yahweh ao povo Em 174 aC Jasão um dos membros do grupo dos helenizantes chega ao posto de sumo sacerdote do templo judaico e com o suporte de Antíoco IV Epifanes o rei selêucida naquele momento imediatamente estabelece um ginásio grego em Jerusalém entre os anos 174 e 171 aC De acordo com Price 1988 p 317 para o horror do resto dos judeus os sacerdotes pararam de mostrar qualquer interesse pelos serviços divinos e rapidamente tomaram parte nos exercícios desrespeitosos da lei judaica para a prática dos quais os jovens deveriam estar nus Em 167 aC Antíoco IV adota medidas extremas em relação à religião judaica abole o culto no templo de Jerusalém e usurpa os seus tesouros proíbe a observância da lei judaica guardar o sábado observar as festas ancestrais não comer carne de porco etc e as substitui por cultos pagãos O templo é dedicado por ele a Zeus Olímpico Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 7 Figura 102 Moeda tetradracma de Antíoco IV O reverso mostra a inscrição em grego ΒΑΣΙΛΕΩΣ ΑΝΤΙΟΧΟΥ ΘΕΟΥ ΕΠΙΦΑΝΟΥ ΝΙΚΗΦΟΡΟΥ Rei Antíoco deus manifesto aquele que detém a vitória Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwikiFileAntiochusIV EpiphanesMorkholm14jpg Como consequência da perseguição anteriormente apresentada em 166 aC eclode um movimento de revolta judaico liderado por Judas Macabeu que consegue o restabelecimento do culto no templo de Jerusalém em 164 aC No entanto a vitória final com a conquista da independência ante o soberano selêucida só acontece anos mais tarde em 141 aC A partir de Judas Macabeu instaurase uma linhagem de príncipes nativos que governa a Judeia de forma independente A Guerra dos Macabeus é o episódio mais bem documentado no que se refere à reação negativa das comunidades não gregas à adoção dos hábitos estrangeiros É desenvolvido no primeiro e segundo livros dos Macabeus no Antigo Testamento O erudito John J Collins 2010 p 4050 acredita que a revolta judaica eclode especificamente em razão da proibição feita por Antíoco IV do seguimento da lei de Moisés pelos judeus e não devido ao programa helenizador promovido anteriormente por Jasão através da construção do ginásio na cidade de Jerusalém ainda que ambos os livros 1 e 2 dos Macabeus afirmem que as reformas do sumo sacerdote tenham sido significativas violações do modo de vida judaico O argumento de Collins apoiase no fato de que há boa razão para se acreditar que os judeus da Diáspora frequentavam o ginásio na era ptolomaica 2010 p 42 em função de suas boas relações com as autoridades ptolomaicas Diáspora A palavra que em grego diaspora significa dispersão referese aos judeus que viviam fora do território de Israel Ela remonta ao período do cativeiro babilônico no início do século VI aC quando o primeiro templo foi destruído e grande parte da população judaica de Jerusalém foi tornada escrava e deportada para a Babilônia pelo rei dos caldeus Nabucodonosor segundo relatos do Antigo Testamento Mundo Helenístico 8 A Judeia sob o domínio judaico O poder da dinastia dos asmoneus governante do território judaico até a conquista da região pelos romanos em 63 aC é legitimado através de seu mito de origem que remonta à figura de Judas Macabeu Sob essa dinastia o território governado expande se primeiro através da influência sobre as regiões da Galileia e de Galaad mais tarde chamada Pereia onde já havia judeus e posteriormente através da política de judaicização dessas áreas além da região onde habitavam os idumeus Assim nas palavras de Arnaldo Momigliano 1991 p 95 a Judeia havia se tornado um estado independente e expansionista A judaicização destas áreas correspondeu à conversão forçada a partir do uso da força militar dos habitantes locais à religião judaica Como consequência desta política houve um aumento efetivo do território sob o domínio judaico passando a abranger além da Judeia Galileia e Pereia as regiões da Idumeia Samaria e Itureia na Palestina Figura 103 Galaad Era primitivamente a região ao sul do rio Jaboc mas chegou a incluir também o território entre este rio e o rio Jarmuc e na época helenística o planalto sírio ao norte do Jarmuc onde os judeus tinham várias colônias de acordo com a Bíblia de Jerusalém Tratase da região a leste do rio Jordão que depois de conquistada e já no século I aC foi chamada Pereia Idumeia É o nome helenizado de Edom a terra dos filhos de Esaú de acordo com o livro dos Números Itureia É o nome grego de uma região ao norte da Galileia durante o período do reino asmoneu do reino de Herodes o Grande e do período romano Figura 103 Mapa do reino asmoneu 140 aC 37 aC Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwiki FileHasmoneeserijkPNG Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 9 A Judeia tornase então um estado independente a figura de Judas Macabeu transformase em um símbolo para os governantes judaicos posteriores e estes ocupam além da posição de reis aquela de sumos sacerdotes de acordo com a teocracia judaica Ainda assim apesar do novo verniz judaico a dinastia dos asmoneus manteve progressivamente um governo no estilo bem marcado dos soberanos helenísticos de caráter monárquico militar guerreiro conquistador e também atormentado por lutas dinásticas internas Uma evidência bastante concreta deste caráter duplo dos governantes asmoneus é o caso das moedas do soberano Alexandre Janeu Ele adotava nelas uma inscrição em hebraico Jônatas o sumo sacerdote e a comunidade judaica e outra em grego do tipo monárquico helenístico Basileus Alexandrou Um resultado ainda mais visível do influxo da cultura helênica na Palestina foi o desmembramento do chamado povo de Israel em diversos grupos ou movimentos políticoreligiosos judaicos que desenvolveram variadas relações com o meio helênico à sua volta Estas relações variaram da rejeição total a ele passando pelos vários níveis de aculturação e acomodação dos valores judaicos aos novos paradigmas e à nova ordem trazida pela realidade maior que a cultura helênica conferira a todo o Mediterrâneo oriental até a total assimilação da parte de alguns poucos judeus a este mundo maior e cosmopolita Como bem coloca A F Segal 1990 p 32 a tradição religiosa judaica que havia sido uma suposição quase autoevidente acerca do mundo tornouse um conjunto de crenças a ser vendido Não é à toa que os três principais grupos que Flávio Josefo descreve como os integrantes da sociedade judaica fariseus saduceus e essênios sejam pela primeira vez mencionados por ele no pontificadoreinado de um dos primeiros asmoneus Jônatas 161160 a 143 aC irmão de Judas Macabeu Tal divisão em três grupos apresentada por Josefo parece ser simplificada e homogeneizante afinal havia muitos judeus que não aderiam a movimento algum mas comprova as diferentes reações Fariseus Em hebraico perushim que significa separados ou santos é o nome dado a um grupo de judeus devotos à Torá Surgidos no período da dinastia dos asmoneus no século II aC acreditavam em uma lei oral em conjunto com a lei escrita Com a destruição de Jerusalém em 70 dC e a queda do poder dos saduceus cresceu sua influência dentro da comunidade judaica e eles se tornaram os precursores do judaísmo rabínico Saduceus O grupo dos saduceus compunha a nobreza sacerdotal ligada ao templo de Jerusalém Essênios Os essênios constituíam um grupo de judeus que procurava se afastar da realidade urbana considerada impura e se manter puros por meio da vida no deserto onde eles aguardavam a chegada do messias o salvador judaico Mundo Helenístico 10 e interpretações que os vários movimentos tiveram e deram para a realidade da dominação estrangeira exacerbada pelo processo de helenização Atende ao Objetivo 1 1 Os trechos a seguir trazem em primeiro lugar a visão de um grego sobre os costumes religiosos dos judeus a e depois a visão dos judeus sobre a proibição do culto judaico e a imposição de cultos gregos adotadas pelo rei Antíoco IV Epifanes b a O autor grego Hecateus de Abdera que viveu no Egito entre o fim do século IV e o início do século III aC observou os judeus de seu tempo e afirmou que a observância das leis separatistas da Torá fazia do judaísmo uma religião um tanto antissocial e hostil a estrangeiros apud COLLINS 2010 p 31 b No primeiro livro de Macabeus 15664 lêse o seguinte Quanto aos livros da Lei os que lhes caíam nas mãos eram rasgados e lançados ao fogo Onde quer que se encontrasse em casa de alguém um livro da Aliança ou se alguém se conformasse à Lei o decreto real condenavao à morte Na sua prepotência assim procediam contra Israel com todos aqueles que fossem descobertos mês por mês nas cidades No dia vinte e cinco de cada mês ofereciamse sacrifícios no altar levantado por sobre o altar dos holocaustos Quanto às mulheres que haviam feito circuncisar seus filhos eles cumprindo o decreto as executavam com os mesmos filhinhos pendurados a seus pescoços e ainda com seus familiares e com aqueles que haviam operado a circuncisão Apesar de tudo muitos em Israel ficaram firmes e mostraramse irredutíveis em não comerem nada de impuro Eles aceitaram antes morrer que contaminarse com os alimentos e profanar a Aliança sagrada como de fato morreram Foi sobremaneira grande a ira que se abateu sobre Israel Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 11 No que diz respeito ao culto e aos costumes judaicos aponte as diferenças entre as duas visões apresentadas Resposta Comentada As visões de judeus e não judeus acerca dos costumes judaicos obviamente eram diferentes Enquanto os gregos e outros povos como os romanos enxergam a obediência severa dos judeus às leis da Torá como algo que os tornava diferentes e separatistas os judeus entendiam tal obediência como parte imprescindível de sua crença na Aliança travada pelo deus Yahweh com o povo judaico Por isso o relato do livro de Macabeus enfatiza o fato de que muitos em Israel aceitaram antes morrer a profanar a aliança sagrada O conceito de helenização e as abordagens teóricas atuais do processo O autor alemão do século XIX Johann Gustav Droysen como você viu na Aula 1 procurou compreender a época helenística como um período de transição segundo ele nela aconteceu a fusão entre elementos gregos e orientais que constituíram a avenida para o Cristianismo Atualmente é possível entender por que apenas a cultura judaica recebeu destaque em meio às culturas e sociedades Mundo Helenístico 12 dominadas pelas dinastias helênicas Droysen procurou explicar o fenômeno do Cristianismo entendido por ele como a bemsucedida e forte Igreja cristã que desde o século IV dC dominava o Ocidente através de uma análise teleológica simplista Ele buscou na chamada cultura helênica e nas culturas orientais a tradição judaica para os autores posteriores a ele as raízes ou melhor as sementes que unidas pela fusão resultariam no embrião do Cristianismo A formulação elaborada por Droysen influenciou muitos trabalhos acerca das origens cristãs e do judaísmo antigo de tal modo que os trabalhos que se atêm à relação entre a cultura helênica e a judaica são tão antigos quanto o próprio estudo da história judaica Vide o trabalho de Elias Bickerman Der Gott der Makkabäer publicado na Alemanha em 1937 e traduzido para o inglês em 1979 como The God of the Maccabees Este segundo Levine 1998 p 6 é pioneiro no que se refere ao estudo sobre o processo de helenização na Palestina e sobre os judeus no período grecoromano Bickerman atémse ao período da dinastia selêucida século II aC e ao papelchave dos helenizadores judeus nas perse guições do soberano Antíoco IV Epifanes em 167 aC Este estudo assinalou o surgimento de trabalhos posteriores todos relacionados à questão dos contatos e influências helenísticos sobre os judeus e o judaísmo Ao atentarmos para a historiografia sobre o Cristianismo antigo percebemos que a inspiração no trabalho pioneiro de JG Droysen é visível e por isso a análise através da interação entre judaísmo e cultura helênica permanece ainda hoje o enfoque Teleologia Tratase de teoria característica do hegelianismo segundo a qual o processo histórico da humanidade assim como o movimento de cada realidade particular é explicável como um trajeto em direção a uma finalidade que em última instância é a realização plena do espírito humano Fonte Moderno dicionário da língua portuguesa Michaelis Fonte michaelisuol combrmoderno portugues Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 13 principal de tais estudos O trabalho de Martin Hengel autor da obra considerada um marco nos estudos sobre o processo de helenização do judaísmo palestino Judaism and Hellenism é tributário da interpretação de Droysen embora avance o argumento simplista deste na medida em que dá continuidade ao estudo discutindo o conflito entre judaísmo palestino e o espírito da era helenística apud COLLINS 2010 p 30 Esse conflito fora suscitado pela reação dos macabeus às medidas extremas adotadas por Antíoco IV Epifanes em Jerusalém a proibição do culto judaico e a dedicação do templo a um deus pagão Zeus Olímpico no século II aC Desta forma Hengel atenta para a reação à tal crise na Judeia que pôs um freio ao sincretismo fixou desenvolvimento intelectual na Torá através do grupo dos fariseus e excluiu qualquer crítica fundamental do culto e da lei segundo as breves palavras de JJ Collins 2010 p 30 Ainda assim Hengel afirma que a cultura helenística não foi nem completamente absorvida nem totalmente rejeitada na Palestina De fato na referida obra Judaism and Hellenism o autor propagou a tese de que assim como o judaísmo da Diáspora de fala grega o judaísmo palestino em Jerusalém principalmente desde o terceiro século aC quando do domínio sobre a região da dinastia dos ptolomeus do Egito também pode ser chamado de judaísmo helenístico e que isto é ainda mais verdadeiro para a era romana desde Herodes HENGEL 2001 p 7 Para o autor 2001 p 28 foi a partir da cultura judaicohelenística de Jerusalém que emergiu um movimento judaico que por fim conquistou o Império Romano o Cristianismo Como podemos observar Hengel mantémse na tradição de Droysen No entanto diferente da análise generalizante que este último faz Hengel atenta para o fato de que a cultura helênica foi uma entidade com múltiplas inserções sobre o judaísmo Tal constatação foi uma das primeiras na historiografia do tema que desde então tem se voltado para as especificidades que ficaram perdidas na análise de Droysen e seus seguidores Mundo Helenístico 14 A historiografia recente acerca do tema do helenismo tem procurado apreciar o mosaico cultural complexo do mundo helenístico Segundo Susan Alcock 1994 p 173 a historiografia atual observa agora ter sido o impacto da conquista grega no Mediterrâneo oriental mais forte em termos econômicos e demográficos do que propriamente culturais Enfim há segundo a autora uma nova preocupação em relação à real composição da sociedade helenística e a noção da inerente improbabilidade de uma fusão cultural profunda Um estudo dentro desta linha que procura minimizar a extensão da influência grega sobre o judaísmo é o de Edouard Will e Claude Orrieux 1986 que caracterizam o período entre Alexandre e o imperador romano Tito como o tempo em que apenas uma minoria judaica conheceu a tentação helênica 1986 p 228 e destacam a presença do movimento farisaico na Palestina afirmando que desde o início do domínio romano sobre a Palestina judaica a união da maioria do povo judeu em torno desta ortodoxia viva o farisaísmo representa o resultado fruto de uma longa maturação do enfrentamento cultural entre o judaísmo e o helenismo e a verdadeira condição de sobrevida do judaísmo 1986 p 227 Tratase de uma preocupação com o resgate da diversidade cultural do mundo mediterrâneo sob o domínio helênico Por meio da análise empreendida dentro do contexto de uma teoria póscolonial os estudos recentes procuram fazer frente a análises colonialistas e imperialistas como a de Droysen O procedimento utilizado é a análise do discurso colonial de modo a dentre outros objetivos desconstruir a definição dos modelos binários pelos quais o Ocidente categorizou os outros observa Norma M Mendes 1999 p 309 Colocando em questão a natureza do discurso ocidental sobre o Oriente ou de forma mais geral sobre o diferente o outro a historiografia recente tem procurado resgatar as diversidades locais dentro do quadro mais amplo do mundo helenístico e os diferentes Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 15 níveis de contato e trocas culturais estabelecidos Não se fala mais em fusão cultural e mesmo o termo influência ainda que ele sirva para descrever boa parte do processo é agora preterido em favor da noção de trocas e interações entre culturas Além disso recentemente alguns autores observaram a existência de prismas diferentes denotando respectivas abordagens do encontro das culturas judaica e helênica uma abordagem que analisa este encontro a partir das noções de impactocolisão e conflito anterior à absorção de elementos e outra que privilegia as noções de interação adoção progressiva e síntese de elementos A consciência destes dois prismas de análise conflito ou confluência está presente no trabalho de Lee I Levine intitulado Judaism and Hellenism in Antiquity Conflict or Confluence Judaísmo e Helenismo na Antiguidade Conflito ou Confluência Neste trabalho Levine contraria a afirmação de Alcock de que o impacto da conquista grega sobre o Mediterrâneo oriental não foi tão visível em termos culturais Seu estudo não se alinha ao quadro dos trabalhos da teoria póscolonial mas obviamente tem o cuidado de considerar os resultados obtidos pelas pesquisas a partir desta perspectiva de análise Com efeito o autor discute os conceitos de helenismo e helenização definindoos propositadamente de forma abrangente em razão da questão por ele levantada de que o grau de influência helenística foi diferenciado segundo as regiões do Mediterrâneo oriental os grupos na escala social e considerando se os planos material e religioso Assim Levine afirma que no que concerne à cultura material os judeus foram fortemente devedores e em muitos casos dependentes daquela produzida pela cultura helenística reinante os judeus nunca se vangloriaram de tradição artística ou de arquitetura própria a não ser talvez por um limitado conjunto de símbolos que afloraram apenas na antiguidade tardia 1998 p 5 Entre os símbolos característicos dos judeus presentes desde tempos bem remotos está a Menorá Figura 104 o candelabro de sete velas que segundo a tradição judaica fora aceso por Moisés para iluminar o Tabernáculo Tabernáculo Tenda que segundo a Bíblia hebraica teria abrigado no tempo anterior à chegada dos hebreus à Terra Santa as tábuas da lei que Moisés recebera de Yahweh no Monte Sinai Esta tenda foi posteriormente substituída pela construção do templo em Jerusalém Mundo Helenístico 16 Figura 104 Réplica da Menorá que deveria ser utilizada no templo de Jerusalém reconstruído por Herodes o grande século I aC século I dC Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwiki FileMenorah0307jpg A análise de Levine parece bastante exagerada mas serve para mostrar o quão importante foi o impacto da helenização sobre a cultura material sobretudo sobre a arquitetura das comunidades judaicas do Mediterrâneo e também sobre aquela na Palestina Quanto à língua mais ainda pode ser dito na medida em que se sabe que o grego era a língua falada pelos judeus na Diáspora e sua influência na Palestina pode ser mensurada pela quantidade de palavras gregas e também latinas que ultrapassa o número de 3000 na literatura rabínica Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 17 No entanto em relação à esfera da religião que como sabemos abarcava quase a totalidade das práticas judaicas Levine afirma que há muito poucos casos de judeus abandonando sua identidade religiosa e étnica de forma a integrar a sociedade greco romana maior 1998 p 28 Na realidade o autor seguindo a linha de Hengel procura demonstrar a complexidade do fenômeno ele enxerga uma multiplicidade de respostas por parte dos judeus da Palestina e da Diáspora ao processo de helenização e não apenas uma definida dicotomia como outros trabalhos mais antigos costumam apontar A dicotomia mencionada nesta seção se refere à noção de um judaísmo amplamente heleniza do na diáspora mediterrânea e outro puro ou imune a tal processo na Palestina O represen tante maior deste tipo de análise é George Foot moore na obra de 1927 Judaism in the First Centu ries of the Christian Era the Age of the Tannaim A consciência do fenômeno complexo que foi o processo de helenização leva o autor Lee Levine a enfatizar demais uma abordagem que considere a diversidade de aspectos que interferem e denotam os diferentes graus de helenização dos judeus no Mediterrâneo oriental Esses diferentes graus de helenização aliados à consideração da multiplicidade de leituras da Torá que havia no judaísmo do século I dC algo que fazia dele um complexo multifacetado acabam por fazer o autor definir a religião não como uma fé única mas como um movimento plural isto é enquanto diversos judaísmos Assim na Judeia por exemplo as diversas escolas filosóficas utilizando o termo preferido por Josefo que tinham interpretações e formas de leitura próprias do texto sagrado da Torá constituiriam vários judaísmos Mundo Helenístico 18 John Barclay em seu estudo sobre os judeus na diáspora mediterrânea 1996 analisa o pensamento e os valores veiculados nos textos judaicos dentre eles as epístolas do apóstolo Paulo produzidos na diáspora helenística Este autor também chega à conclusão de que não houve condições típicas para os judeus na Diáspora mas na realidade diversidade Porém fazendo um contraponto ao argumento de Levine Barclay afirma que perfis judaicos diferentes não representam necessariamente diferentes judaísmos uma vez que o resultado de sua pesquisa é a identificação de um elo maior entre os judeus residentes em meio não judaico A palavra que melhor define este elo é etnicidade a combinação do aspecto do parentesco com aquele do costume a reprodução dos rituais ancestrais Tal combinação de fatores é o que criava o sentido de identidade judaica nas cidades do Mediterrâneo nos períodos helenístico e romano Esses critérios também eram o que identificava os judeus na percepção dos não judeus ver os comentários de caráter negativo ou não dos diversos autores romanos acerca dos costumes e herança judaicos Além disso ele afirma que mais importante que os diferentes aspectos da helenização são o significado e a importância atribuídos a eles pelos diferentes grupos judaicos e que neste sentido a distinção entre judeus da Diáspora onde eles compunham minoria e judeus da Palestina onde eram maioria ainda se faz pertinente O argumento de Barclay em relação ao aspecto de uma forte identidade mantida entre os judeus na Diáspora parece desta forma mais convincente que o conceito de diversos judaísmos de Levine John J Collins 1997 conhecido por seu pormenorizado trabalho de pesquisa sobre o judaísmo helenístico da Diáspora também analisa uma seleção de textos produzidos neste meio como a Carta de Aristeas os Oráculos Sibilinos e as obras de Fílon de Alexandria O autor conclui de igual maneira que as respostas deste judaísmo são várias conforme os assuntos em questão a circuncisão o culto ao templo os holocaustos sacrifício de animais em louvor a Deus mas ao invés de enfatizar os laços Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 19 de identidade entre os judeus na Diáspora como faz Barclay ele afirma que em linhas gerais o que aproxima os textos analisados é a questão da apologia do judaísmo em meio gentílico e a rejeição da idolatria pagã Para Collins a maioria dos textos mostra um desejo de partilhar e ser aceito nos estratos mais sofisticados filosoficamente da cultura helenística O autor privilegia assim esse aspecto universalizante do judaísmo da Diáspora que de fato existia em detrimento do particularismo praticado por ele que Barclay enfatiza A questão atual nos estudos sobre a helenização do judaísmo é a dos limites deste processo isto é até onde ele chega ou melhor até onde lhe é permitido chegar O que denota as diferenças entre os estudos que compreendem esta nova tendência são mudanças nos critérios adotados para a análise do processo de helenização dos judeus ou seja diferentes taxonomias John J Collins 2010 por exemplo acredita que os limites da helenização para o caso do judaísmo expressamse de melhor forma através da distinção entre culto e cultura Ele separa o aspecto da religião culto e práticas rituais do resto das práticas sociais que no seu entender correspondem à cultura literatura arquitetura padrão de beleza etc O autor analisa o evento da revolta dos macabeus e conclui que esta só é deflagrada no momento em que Antíoco IV Epifanes persegue a religião judaica proibindo a prática do culto ritual e obrigando os judeus a fazerem sacrifícios aos ídolos forma pela qual os judeus chamavam os deuses pagãos Tais medidas extremas foram a forma de punição de Antíoco ao início de rebelião que a população de Jerusalém promovera ao saber que o sumo sacerdote ilegítimo Menelau usurpara o tesouro do templo para pagar um tributo prometido a ele Por isso para Collins a revolta não tem antecedentes nas reformas helenísticas implementadas anteriormente em Jerusalém por Jasão Ela é consequência da perseguição religiosa por parte do soberano selêucida Neste sentido o autor Taxonomia Distinção ordenação e nomenclatura sistemáticas de grupos típicos dentro de um campo científico Fonte Moderno dicionário da língua portuguesa Michaelis Fonte michaelisuol combrmoderno portugues Mundo Helenístico 20 defende a distinção entre culto e cultura na medida em que a insistência de separatismo pelos judeus faziase apenas nas questões relativas ao culto e à adoração Atende ao Objetivo 2 2 Observe a imagem a seguir Tratase do túmulo de um membro da elite judaica erigido no vale Kidron na Palestina no período helenístico entre os séculos III e II aC O que se pode afirmar acerca do modelo arquitetônico da construção Analise a imagem tendo por base as discussões sobre o processo de helenização dos judeus feitas pela historiografia recente Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 21 Resposta Comentada O túmulo judaico data do período helenístico e claramente reproduz a arquitetura dos monumentos helenísticos A frente da construção imita um pórtico com colunas no estilo dórico A informação de que se trata da tumba de um judeu abastado alguém pertencente à elite judaica confirma as conclusões da historiografia recente de que os costumes helênicos não diretamente ligados à religião a educação a arquitetura a adoção da língua grega etc foram mais amplamente reproduzidos pelas elites locais dentre elas a judaica CONCLUSÃO O processo de helenização do território mediterrâneo oriental ocorreu sobre vastas áreas e sobre diversos povos que ali habitavam É sabido que no quadro das populações locais os hábitos valores e a cultura helênica foram mais amplamente adotados pelas elites que almejavam participar do prestigioso modo de vida helênico não ocorrendo o mesmo com os segmentos mais humildes O mesmo aconteceu entre os judeus povo que se concentrava na região da Palestina mas que mantinha comunidades espalhadas por variadas áreas da região mediterrânea Como pudemos verificar em meio a tantas e diversas abordagens do processo de helenização dos judeus no Mediterrâneo oriental Palestina e Diáspora certo consenso é encontrado na Mundo Helenístico 22 historiografia atual no que se refere aos limites deste processo A consciência de que assim como o helenismo o judaísmo foi uma entidade múltipla na qual nem todos os aspectos mantinham o mesmo grau de importância é quase universalmente partilhada Os autores sabem atualmente que em muitos aspectos como aqueles ligados à literatura ou à arquitetura a adoção do estilo helenístico em nada prejudicava a identidade dos judeus Além disso a reprodução da forma de governo dos soberanos helenísticos por parte dos governantes da dinastia judaica dos asmoneus demonstra o forte impacto da cultura hábitos e modo de vida helênicos sobre os judeus sobretudo no exercício do poder o que para os judeus era inédito já que eles compunham havia séculos um povo dominado por outros Como na maior parte de sua história haviam sido súditos ou escravos quando conquistaram o poder de seu território tomaram por modelo de governo aquele mais próximo o dos reis das dinastias helenísticas A esfera da religião especificamente o culto e os rituais ancestrais era um assunto diferente proibido sagrado Nela a resistência era necessária diante da imposição de práticas que violassem a tradição A prática muito política e pouco religiosa de prestar culto aos deuses da pólis ou do estado imperial sempre foi repudiada pelos judeus Tal particularismo religioso adotado por eles advinha da observância das leis da Torá que tinham por objetivo separálos dos demais povos entendidos por eles como não participantes da aliança que Deus Yahweh travara com Abraão Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 23 Atividade Final Atende aos Objetivos 1 e 2 Ao retratar o início do governo da dinastia dos asmoneus sobre o território dos judeus o autor judaico do século I dC Flávio Josefo afirma nas Antiguidades Judaicas XIII5 que neste período existiam entre os judeus três seitas ou grupos com pensamentos doutrinários diferentes entre si Nesse tempo havia três seitas entre os judeus que possuíam diferentes opiniões acerca das ações humanas uma delas era chamada a seita dos Fariseus outra era a seita dos Saduceus e a outra era a seita dos Essênios Em relação aos fariseus eles dizem que algumas ações mas não todas são resultado do destino e algumas delas estão em nosso poder e que elas são sujeitas ao destino mas não são causadas por ele Mas a seita dos Essênios afirma que o destino governa todas as coisas e que nada recai sobre os homens senão aquilo que lhes foi determinado pelo destino E no que diz respeito aos Saduceus eles abandonam o destino e dizem que não existe tal coisa e que os eventos das atividades dos homens não estão submetidos a ele eles supõem ao contrário que nossas ações estão sob nosso poder de modo que nós mesmos somos as causas daquilo que é bom e recebemos aquilo que é mau em razão de nossa própria irracionalidade Por que Josefo apresenta três grupos judaicos com pensamentos tão diferentes acerca do papel do destino na vida dos homens a partir do início do governo da dinastia dos asmoneus Mundo Helenístico 24 Resposta Comentada É necessário considerar o impacto do processo de helenização sobre os judeus e a memória dos drásticos eventos que suscitaram a revolta dos macabeus Entre as muitas respostas a esse processo observamos que alguns judeus como os saduceus abraçavam mais abertamente os novos costumes helênicos outros judeus como os fariseus procuravam se apegar a uma observância rigorosa da lei judaica de maneira a garantir que Yahweh os protegesse e um grupo de judeus mais radicais como os essênios procurava viver em estado de completa pureza apartados do mundo e acreditando no total governo do destino sobre a vida dos seres humanos RESUMO Esta aula apresenta os eventos ligados à dominação helenística sobre os judeus e as implicações de tal poder e expressão cultural sobre o judaísmo A medida extrema adotada pelo rei selêucida Antíoco IV Epifanes qual seja a abolição do culto judaico e a imposição de um culto grego sobre os judeus suscita a grande revolta dos macabeus que interrompe o processo de ampla helenização dos judeus na Judeia ao vencer o poder selêucida e criar um estado judaico preocupado em reproduzir as leis de Moisés Ainda assim os modelos culturais helênicos permanecem presentes no novo reino seja na reprodução da língua grega ou na adoção do estilo arquitetônico grego ou ainda na escolha da forma de governar adotada pelos asmoneus Tais dados levam os eruditos a analisarem a helenização dos judeus a partir de diversos critérios dentre eles aquele do culto versus cultura denotando a importância para os judeus da observância correta das leis e do culto judaico livre de influências culturais helênicas Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 25 Informação sobre a próxima aula Na próxima aula você verá em detalhes os principais cultos religiosos e grupos filosóficos presentes na região do Mediterrâneo sob o domínio das dinastias helenísticas What We Do Contact Protection Inc provides products and services to protect your charge card account number and personal information from falling into the wrong hands Our services also help reduce fraud and erroneous chargebacks benefiting both merchants and financial institutions How It Works When a customer uses a card at a participating store the cardholders account number is replaced with a unique transaction number or token This token is used to process the transaction instead of the actual card number Benefits Improves cardholder security Reduces fraud Lowers costly chargebacks Supports EMV and Contactless payments Increases customer confidence Our products and services protect account data both during and after the transaction to help ensure that customer information remains secure For more information please visit wwwcontactprotectioncom or call 2148262991 Juliana Bastos Marques Aula 9 Juliana Bastos Marques As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis Mundo Helenístico 34 Meta da aula Discutir a vitalidade da forma grega de ocupação urbana a polis através de uma avaliação das mudanças do período helenístico em relação ao período clássico Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 discutir os elementos definidores da polis clássica de acordo com o debate historiográfico 2 reconhecer elementos característicos da configuração urbanística grega nas cidades helenísticas 3 distinguir as diferenças na constituição da polis no mundo helenístico em especial no Egito e na Ásia Prérequisito Esta aula relacionase ao conteúdo do caderno didático de História Antiga referente à polis grega Portanto reveja primeiro a Aula 14 daquela disciplina Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 35 INTRODUÇÃO O mundo antigo é o mundo da cidade Essa definição é comum entre os estudiosos do período que sustentam que a economia e a cultura na Antiguidade guiavamse a partir da dinâmica singular das cidades gregas e romanas e de como se construiu uma complexa rede de trocas entre elas a partir do comércio das guerras e das relações políticas De fato o mundo grego que surge após o fim da Era do Bronze gradualmente a partir do século XI aC será marcado pelo surgimento da polis a cidadeEstado grega Até a primeira metade do século XX era comum entre os estudos sobre o período avaliar que a polis como instituição característica do mundo grego havia acabado com o fim do mundo clássico já que seu principal atributo era a autonomia política destruída após as conquistas de Alexandre No entanto estudos mais recentes têm reavaliado essas posições e definido a polis sob uma perspectiva mais ampla que revela que durante o período helenístico as cidades gregas desenvolveramse muito mais do que no período clássico O que define a polis Embora a Grécia nunca tenha se configurado em uma unidade política até o seu apogeu antes da conquista macedônica as concentrações urbanas que começaram a surgir no período arcaico a partir do século VIII aC adquiriram características semelhantes entre si Porém só fica mais claro definir a diferença entre a polis e um aglomerado urbano genérico depois que aquela está finalmente consolidada afinal de contas esse foi um processo lento e gradual O historiador Mogens Hansen do Copenhagen Polis Centre tem se dedicado a estudar todas as formas das poleis gregas para definir seus padrões e características particulares Seu levantamento listou por volta de 1500 poleis mencionadas pelas fontes eou Mundo Helenístico 36 encontradas em escavações arqueológicas das quais mais de 400 eram colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo e o mar Negro e aproximadamente 300 foram fundadas durante o período helenístico Assim podemos ver que desse total muitas desapareceram e outras surgiram durante o tempo fora aquelas que eventualmente tenham existido mas que não deixaram registro até nós O levantamento de Hansen é um atestado do que falamos na introdução ele diz Em qualquer época dentro do mundo clássico grego existiam pelo menos 1000 poleis o que faz da cultura da cidadeestado grega antiga a maior na história do mundo HANSEN 2006 p 31 O que faz de um aglomerado urbano uma polis As próprias fontes literárias do mundo antigo são muitas vezes confusas ao usar o termo Dependendo do contexto o uso do termo polis pode significar apud HANSEN 2006 p 5657 a a acrópole propriamente dita ou seja um estabelecimento fortificado geralmente no topo de uma colina que constituía o centro da cidade Figura 91 b sinônimo de asty ou a cidade c sinônimo de ge ou chora ou seja o território como um todo a cidade mais o campo que a ela pertence d no sentido de comunidade o conjunto dos cidadãos e sinônimo de ekklesia ou demos a assembleia política f sinônimo de koinonia a comunidade política em termos abstratos Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 37 Figura 91 A acrópole de Selinunte na Sicília Fonte httpesfotopediacomitemsflickr539331082 Resta então verificar que formas físicas em comum adquiriam as poleis ou seja que tipos de edifícios e configurações urbanas peculiares elas apresentavam Paradoxalmente as duas cidades que mais conhecemos no mundo grego Atenas e Esparta são as menos características e menos adequadas como ponto de partida Atenas era muito maior do que as outras cidades mais rica e poderosa e seu território a Ática era também muito maior do que os territórios das outras cidades Além disso a forma como desenvolveu sua democracia foi muito mais radical do que qualquer outra maneira de representação política Esparta também tinha um território muito vasto uma organização política e um sistema social muito peculiar conforme você deve ter estudado na disciplina História Antiga Uma forma de se definir o que seriam poleis típicas é analisar como se deram as fundações das colônias gregas a partir do século VIII aC já que essas cidades eram criadas do zero por expedições vindas das metrópoles cidadesmães Os colonos chegavam por via marítima até uma determinada região desabitada ou com tribos locais longe da costa e estabeleciam uma nova cidade de acordo com os padrões que julgavam necessários Analisando essas Mundo Helenístico 38 colônias vemos que tipos de construções públicas eram necessários para se fundar uma nova polis 1 Uma ágora ou mercado público uma praça livre de construções geralmente retangular onde eram conduzidos os negócios públicos e privados no período helenístico as ágoras costumavam ser rodeadas por stoas monumentais 2 Um bouleuterion edifício que abrigava a boulé assembleia dos cidadãos 3 Um gymnasion não apenas um ginásio para exercícios físicos mas sim uma escola para a educação dos cidadãos 4 Um teatro geralmente construído em uma encosta de colina para aproveitar a topografia no período helenístico começaram a ser construídos com pedra 5 Muralhas para proteger o centro urbano e abrigar os habitantes do território em caso de ataque 6 O templo da divindade local além de outros templos As fontes escritas também fornecem evidências Pausânias um geógrafo grego que viveu no século II dC escreveu um guia da Grécia para os viajantes No livro 10 dedicado à região da Fócida ele critica a cidade de Panopeu se é que se pode chamar de cidade uma que não tem prédios públicos nenhum ginásio teatro ou ágora que não tem água corrente em uma fonte e onde se mora à beira de um buraco em choupanas como as cabanas das montanhas X 41 No entanto podemos dizer que a polis até o período clássico se caracterizava menos pela uniformidade urbana e institucional do que pelo fato de possuir autonomia palavra que significa legislar pelas suas próprias leis autos próprio nomos lei ou território Da geração e aplicação das próprias leis no funcionamento da cidade vem como extensão a ideia de liberdade já que autonomia Stoas As stoas eram longos pórticos públicos cobertos e cercados de colunas onde se localizavam lojas e faziamse negócios Durante o período helenístico essas construções popularizaramse nas cidades gregas e da Ásia Menor rodeando as ágoras e oferecendo proteção contra o forte sol do Mediterrâneo A stoa mais famosa é a de Átalo rei de Pérgamo oferecida como presente a Atenas que foi reconstruída e hoje abriga um museu Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 39 significava que o conjunto de cidadãos não estaria sujeito à autoridade de um rei externo ou de um tirano que governasse de acordo com seus próprios interesses e acima da lei Como a situação política muda bastante no período helenístico e as relações com os reis tornamse inevitáveis entendese que essa autonomia sofre alterações e de fato diminui nas cidades gregas Ao mesmo tempo novas fundações de cidades em um território mais amplo do que o mundo grego clássico trazem novas dinâmicas políticas e culturais ao mesmo tempo em que uma certa padronização do conceito urbano grego também é mais visível Sendo assim fica a pergunta a autonomia é uma definição suficiente para entender a polis grega ou essa definição pode ser mais ampla e flexível Figura 92 Stoa de Átalo em Atenas reconstituição Fonte httpenwikipediaorgwikiFileStoainAthensjpg Mundo Helenístico 40 O Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga Labeca do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP tem um site muito interessante e com vasto material sobre as cidades gregas antigas Vale a pena ler os artigos e ver as imagens disponíveis O endereço é httpwwwlabecamaeuspbr Fonte httpwwwlabecamaeuspbr Polis x cosmopolis No século IV aC parece ter havido na Grécia um aumento significativo da população Não podemos medir exatamente esse aumento pelas evidências arqueológicas mas as fontes escritas comentam frequentemente sobre bandos errantes de gente sem terras e sem dinheiro grupos de aventureiros e exilados políticos deslocandose pelo mundo grego O orador ateniense Isócrates defendia em seus discursos escritos na época de Filipe II da Macedônia que os gregos organizassem um ataque unificado aos persas para conquistar o território da Ásia Menor e lá estabelecer esse excedente populacional instaurando uma nova onda de colonização grega e resolvendo o problema desses bandos errantes Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 41 Uma das consequências das conquistas de Alexandre foi a fundação de diversas novas cidades gregas pelo império exatamente o que Isócrates defendia A primeira nova cidade a ser fundada pelo general foi Alexandria em 332 aC e que vamos analisar daqui a pouco Na rota seguida pelo exército macedônico na Ásia foram fundadas várias outras cidades entre comunidades totalmente novas refundações gregas de comunidades locais já existentes e postos militares avançados Os reis helenísticos que se seguiram a Alexandre também fundaram várias novas cidades tendo em vista a ocupação do imenso novo território por populações gregas em especial para a elite administrativa dos novos impérios A fundação de colônias distantes na Báctria Média e outras partes mais orientais do império mostravase também importante para garantir a segurança das fronteiras No caso das refundações de cidades já antigas encontramos muitos exemplos no império selêucida como os casos da antiga capital persa Susa que foi renomeada SelêucidanorioEulaio ou de Uruk a cidade suméria tornada Antioquianocanalde Ishtar Muitas das antigas grandes cidades foram suplantadas por essas novas cidades gregas que surgiram ao seu lado como é o caso da Babilônia que caiu em declínio ao lado da nova capital SelêucidanorioTigre Essas novas cidades traziam como característica na composição social a presença tanto das antigas populações locais quanto das novas elites gregas e macedônicas que provavelmente estavam em número bastante reduzido em relação aos habitantes locais No entanto em algumas gerações já é possível verificar uma prevalência cultural tipicamente grega no registro da existência dessas cidades Chamaremos isso de helenização Tudo depende do que o registro dos vestígios deixanos entrever as novas cidades continham muitos elementos urbanos típicos do mundo grego mesmo em lugares distantes mas a construção desses edifícios e a adoção de novos planos urbanos obedeciam a determinações da nova elite Os registros que temos das estruturas administrativas de transações Mundo Helenístico 42 comerciais e dos negócios públicos e privados revelamnos um pouco da mistura entre os elementos locais e os gregos e percebese pouco a pouco que as próprias elites locais passam a procurar ascender socialmente através da emulação dos padrões gregos É provável que o camponês médio tenha sido pouco afetado por essas mudanças culturais na medida em que ainda continuava falando sua língua e cultuando seus deuses Os vestígios arqueológicos podem nos dar uma medida das transformações na vida cotidiana Figura 93 Por exemplo que tipos de objetos tipicamente gregos ou tipicamente locais são encontrados nas habitações dessas cidades Os objetos gregos estão em contextos associados às elites como casas ricas ou edifícios públicos Ou começamos a encontrar objetos que mostram um amálgama entre essas culturas Figura 93 Máscara grega de teatro encontrada em Ai Khanoum Báctria século II aC Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGorgoyleSharpjpg Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 43 O estudo arqueológico do período helenístico é muitas vezes dificultado pelo fato de que as escavações ainda são incompletas Geralmente as expedições arqueológicas estão mais interessadas em ocupações do período clássico grego quando é o caso ou no período romano ou é até mesmo impossível escavar porque as fundações helenísticas estão embaixo dos prédios das cidades atuais Sendo assim precisamos muitas vezes de evidências externas ou indiretas para compreender o desenvolvimento dessas cidades No entanto é possível constatar que eram cidades muito maiores do que as antigas poleis gregas com um movimento muito mais dinâmico de pessoas mercadorias e ideias É por isso que podemos usar o termo cosmópolis para muitas dessas novas cidades como Alexandria Antioquia e Pérgamo queremos dizer que eram cidades muito mais voltadas a um ambiente de trocas culturais com diversos povos aberto a novas influências e não mais voltado a uma identidade cultural única Gregos ou locais os habitantes das cidades no mundo helenístico tinham a percepção de que o mundo conhecido era vasto amplo e de uma forma ou de outra parte de seu próprio mundo Com o desbravamento e a ocupação de novos territórios também a população como um todo aumentou no período trazendo como consequência aumentos expressivos nos exércitos e na arrecadação de impostos No caso dos exércitos é bom lembrar que durante o período helenístico os exércitos característicos de cidadãos das poleis clássicas estavam sendo substituídos por tropas compostas por mercenários contratados por um soldo que era pago em espécie e em butim ganho nas campanhas vitoriosas Nesse sentido vemos aqui uma grande diferença entre o mundo dos hoplitas e as tropas a serviço das monarquias e cidades helenísticas Um bom exemplo do que seria essa nova dinâmica militar é a vida de Xenofonte general ateniense que viveu entre 430 e 354 aC antes de Alexandre portanto e escreveu entre outras obras um relato da expedição de soldados mercenários que liderou a Anabasis releia o boxe de curiosidade sobre Xenofonte na Aula 2 Exércitos de mercenários eram cosmopolitas por excelência já que Hoplitas Os cidadãos das poleis gregas arcaicas e clássicas lutavam por suas cidades como soldados organizados em formação de falange e eram denominados hoplitas Enquanto era obrigação da cidade treinar os soldados os hoplitas precisavam ter renda suficiente para se armar geralmente com o mínimo de uma lança um escudo e uma armadura incluindo o capacete Mundo Helenístico 44 se compunham de homens de todas as partes do mundo helenístico viabilizando profundas trocas culturais entre si e com os habitantes das cidades que percorriam O poder na polis helenística Como vimos o que se alega sobre o fim da polis no período helenístico é o fato de que as cidades gregas passaram a ser direta ou indiretamente dominadas pelos reis sejam os antigônidas Ptolomeus ou selêucidas sejam os reis das monarquias menores que também se consolidaram na época Portanto isso significa que elas teriam perdido a sua autonomia política característica do período clássico Um bom exemplo disso é a própria cidade de Atenas que embora conservasse nominalmente sua independência muitas vezes precisava se subordinar a determinações de monarcas alheios de maior poder militar e prestígio político São abundantes as inscrições epigráficas onde se encontram tratados em que as poleis são obrigadas a pagar tributos para esses reis Como vimos na última aula a retórica romana sobre libertar as cidades estava relacionada a essa questão Algumas regiões porém foram menos afetadas por esse jogo de relações e as cidades continuaram se desenvolvendo sem uma influência decisiva dos reis como as cidades da Sicília da Magna Grécia e do Mediterrâneo ocidental bem como na mais isolada costa do mar Negro Mas os reis também precisavam do apoio das cidades para aumentar a sua reputação e o seu prestígio além de se beneficiar economicamente Veja esse decreto da cidade de Smirna da metade do século III aC Já que antes quando o rei Seleuco III passou por Selêucida e muitos e grandes perigos estavam ameaçando nossa cidade e território o povo preservou sua boa vontade e amizade para com ele não ficou intimidado com a invasão inimiga e não se preocupou com a destruição de sua propriedade mas considerou tudo isso secundário perante a manutenção Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 45 de sua política de amizade e defesa dos interesses do rei da melhor maneira possível como prometeu de início Assim o rei Seleuco que mostra piedade perante os deuses e afeição pelos seus pais sendo generoso e sabendo como retribuir a gratidão ao seu benfeitor a cidade honrou nossa cidade por causa da boa vontade e do zelo demonstrados pelo povo em torno de seus interesses AUSTIN 182 Como vimos antes no exemplo da stoa de Átalo em Atenas é característico desse período que os reis generais e também outros homens ricos oferecessem presentes às cidades como forma de consolidar o seu prestígio Em boa parte esses presentes eram construções públicas pagas por esses particulares O historiador Paul Veyne chamou essa prática de evergetismo termo que vem do grego evergetes ou benfeitor aquele que faz bons serviços Muitas vezes as cidades não tinham dinheiro suficiente para construir um grande templo ou um teatro e financiar obras públicas abertamente era uma forma de demonstrar força política e prestígio para os reis e homens ricos Essa prática foi responsável pelo desenvolvimento vigoroso de muitas cidades helenísticas e também continuou a ser adotada durante o período romano Em muitas dessas cidades estabeleceuse uma forma de democracia menos radical do que aquela que havia sido característica da Atenas clássica Muitas constituições locais estabeleceram assembleias magistrados e conselhos de cidadãos baseados na forma ateniense mas nem mais na própria Atenas os cidadãos tinham controle completo da política Às cidades ainda competia a organização dos cultos e dos festivais locais o abastecimento a relação oficial com os reis e outras cidades e o gerenciamento da vida pública cotidiana mas como vimos a atuação direta ou indireta de reis e generais nas cidades moldava uma rede de relações mais ampla e essencialmente menos autônoma para elas Em algumas dessas democracias voltava a ser necessária uma qualificação de renda para votar e ser votado Mundo Helenístico 46 excluindo assim os homens livres pobres Portanto de certa forma elas voltavam a ser oligarquias apesar de conservar nominalmente o caráter de democracias Características urbanas das cidades helenísticas Como vimos as conquistas de Alexandre e o estabelecimento de monarquias helenísticas no Egito e na Ásia foram responsáveis por um grande número de novas fundações de cidades O próprio Alexandre fundou várias Alexandrias das quais foram identificadas até hoje treze delas Seleuco fundou várias Selêucias Antioquias Laodiceias e Apameias em toda a extensão de seu império na Ásia os nomes das cidades são derivados dos nomes da dinastia entre homens e mulheres Muitas dessas cidades eram refundações de pequenas cidades nativas já existentes adicionando novos edifícios públicos mas foram responsáveis por um nível de expansão da cultura grega nunca antes imaginado no mundo antigo Até mesmo em regiões distantes como a Báctria na fronteira da Índia cidades eram fundadas com teatros gregos ginásios e ágoras para abrigar a elite grega que ali se instalava Figura 94 Em termos de população muitas dessas cidades chegaram a antes inéditas centenas de milhares de pessoas Uma característica bem típica da maioria dessas novas poleis foi a adoção de uma disposição urbanística planejada em um plano quadriculado com dois eixos principais nortesul e lesteoeste e com as construções públicas planejadas para se localizarem no centro Embora desde o período arcaico já encontremos exemplos desses planos nas cidades o modelo tornouse mais frequente através dos trabalhos do filósofo Hipódamo de Mileto que viveu no século V aC e que defendia uma teoria da organização urbana baseada na divisão da sociedade dentro do território Os romanos também usaram muito esse arranjo baseado na organização espacial dos acampamentos militares Encontramos nas cidades atuais vários Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 47 exemplos desse tipo de planejamento urbano como em Nova York Toronto Barcelona e no Brasil algumas cidades do interior do estado de São Paulo e no CentroOeste Figura 94 Plano urbanístico da cidade de Ai Khanoum na Báctria Repare as típicas formas gregas em uma cidade fundada nas fronteiras de onde hoje é o Afeganistão Fonte httpwwwliviusorga1mapsaikhanummapgif Jona Lendering liviusorg A disposição e o estado dos edifícios públicos no período helenístico também nos traz uma forma de compreender a economia no período Os edifícios em geral se tornaram mais elaborados e suntuosos as novas stoas são um exemplo O bouleuterion destacou se como um edifício de função especializada separando as reuniões políticas do comércio praticado na ágora O gymnasion passou a ser construído próximo ao centro e sua administração tornouse Mundo Helenístico 48 complexa e hierarquizada foram preservados decretos com várias leis sobre isso e os novos teatros eram muito maiores além de permanentes pois passaram a ser construídos com pedras ao invés de madeira Repare no tamanho do teatro de Éfeso Figura 95 sua capacidade era de 10 mil pessoas Figura 95 No sentido horário a ágora de Thessaloniki o bouleuterion de Akrai Sicília o gymnasion de Kos e o grande teatro de Éfeso Fontes httpcommonswikimediaorgwikiFileTHESAgoraEaststoajpg httpcommonswikimediaorgwiki FileBouleuterionjpg httpcommonswikimediaorgwikiFileGymnasionJPG httpcommonswikimediaorgwiki FileEphesusTheaterjpg As muralhas que cercavam as poleis passaram gradativamente ao desuso em algumas regiões durante o período helenístico Territórios localizados dentro de reinos estáveis não tinham mais uma necessidade de proteção tão primordial contra invasões quanto antes A partir do século I aC quando a pax romana estabilizou Aula 9 As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis 49 a Grécia surgiram muitas cidades sem qualquer traço de uso de muralhas e as muralhas antigas deixaram de ser restauradas a Arqueologia confi rma até mesmo o aumento do número de aldeias Atende aos Objetivos 1 e 2 1 Analise a planta da cidade de Priene que foi uma pequena cidade grega da Ásia Menor no período de Alexandre e responda descrevendo a imagem que características dessa cidade tornamna uma típica polis helenística Figura 96 Legenda A B C portões D E F H M P templos G ágora I bouleuterion K pritaneu L Q gymnasion N teatro Q reservatório de água R stadion Fonte HAVERFIELD F Ancient TownPlanning Oxford Clarendon Press 1913 httpwwwgutenbergorgfi les1418914189h14189h htmfi g6 Mundo Helenístico 50 Resposta Comentada É possível notar pelo plano quadriculado que a cidade foi planejada e não uma ocupação aleatória Além disso os principais edifícios públicos estão todos concentrados no centro com a ágora e os edifícios administrativos na intersecção dos eixos nortesullesteoeste A muralha também é um elemento importante denotando a necessidade ainda existente de proteção contra invasões Alexandria a cidade helenística por excelência Já havia uma cidade grega no Egito antes de Alexandria o faraó Psamético 664610 aC fundou a cidade de Náucratis para os colonizadores gregos de Mileto e seu sucessor Amásis tornoua um entreposto comercial em grego emporion exclusivo dos gregos em 570 aC Como emporion Náucratis não era uma polis típica tal como as cidades gregas e as grandes colônias fundadas por todo o Mediterrâneo pois tinha como função principal agir como Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 51 ponto de trocas comerciais entre gregos e egípcios Enquanto estes negociavam grãos papiro e linho os gregos forneciam prata madeira azeite e vinho Quando Alexandre chegou ao Egito e expulsou os persas em 332 aC resolveu fundar uma nova cidade a primeira de suas várias fundações no delta do rio Nilo próximo à ilha de Faros um local estratégico para servir de elo entre o Egito e o Mediterrâneo facilitando ainda mais o contato com a Grécia Alexandria nunca foi pensada para ser uma cidade integrada ao mundo egípcio mas sim uma cidade grega próxima ao Egito tanto que o nome completo da cidade era AlexandriaaoladodoEgito Acreditase que a cidade foi fundada sobre uma vila egípcia já existente chamada Racótis nome esse que posteriormente denominou o bairro da cidade onde moravam os egípcios O historiador Arriano que viveu no século II dC descreve como Alexandre fundou a cidade Alexandre veio a Kanobos navegou em torno do lago Mareótis e aportou no lugar da presente cidade de Alexandria que dele deriva seu nome O lugar pareceu a ele o mais favorável para a fundação de uma cidade e ele imaginou que seria próspero Então foi tomado de um grande desejo pela tarefa e delimitou ele mesmo as principais áreas da cidade a localização da ágora quantos santuários deveriam existir e de que deuses tanto os gregos quanto a egípcia Ísis e obviamente também a muralha Ele ofereceu sacrifícios na planície e os auspícios pareceram favoráveis Anabasis III 1 Figura 97 O porto de Alexandria hoje Fonte httpenwikipediaorgwikiFileAlexandriapanoramajpg Mundo Helenístico 52 Alexandria foi planejada de acordo com o plano urbanístico hipodâmico ou seja do filósofo Hipódamo de Mileto que vimos há pouco e foi obra do arquiteto Dinócrates de Rodes A arqueologia hoje tem muitas dificuldades em reconstruir o sítio primeiro porque a cidade atual está construída em cima das ruas antigas e segundo porque boa parte da ocupação antiga foi coberta pelo mar possivelmente ainda no período romano Figura 97 Assim é a arqueologia submarina que revela hoje muitas das grandes construções públicas que tornaram a cidade famosa como o próprio Farol de Alexandria uma das Sete Maravilhas do mundo antigo com 140 metros de altura construído em 280 aC e destruído em um terremoto durante a Idade Média Além disso dependemos das descrições dos autores antigos sobre a cidade entre elas a minuciosa descrição do geógrafo Estrabão que a visitou no começo do século I dC e ficou impressionado com a largura das ruas e o tamanho dos quarteirões Alexandria era de fato uma cidade enorme para os padrões antigos com aproximadamente meio milhão de habitantes Alexandria foi planejada para ter os típicos elementos administrativos de uma cidade grega e teve como modelo as instituições políticas de Atenas tinha uma assembleia um conselho e magistrados tais como o sistema ateniense mas nunca chegou a se configurar como uma democracia de fato Como em poucos anos se tornou a capital do reino ptolomaico a ausência cada vez maior de referências sobre essas instituições nas fontes pode refletir o caráter autocrático da monarquia dos Ptolomeus também revelado pela importância dos palácios reais próximos ao porto Ptolomeu I já pretendia usar a grandeza de Alexandria para se impor perante os outros reinos helenísticos e usou como grande trunfo o sequestro do corpo mumificado de Alexandre para construir um imponente monumento em grego Sema onde também depois foram colocados os corpos dos monarcas ptolomaicos Assim pretendiase construir um elo legítimo de continuidade entre Alexandre e os Ptolomeus na concorrência entre as monarquias que se consolidaram após a guerra dos diádocos você se lembra da Aula 5 Outra forma Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 53 de se integrar Alexandria e o reino ptolomaico ao passado grego foi a instauração das Ptolemaieia ou Jogos Ptolomaicos em honra do deificado Ptolomeu I os jogos tornaramse tão expressivos que foram considerados isolímpicos ou seja equivalentes em termos de importância aos Jogos Olímpicos A cidade tinha uma grande quantidade de habitantes de origem grega ou macedônica Assim como em Atenas a cidadania era hereditária e geralmente fechada à comunidade grega O bairro de Racótis na parte sudoeste da cidade abrigava os egípcios e havia também uma grande comunidade judaica helenizada falavam grego além de hebraico O porto de Alexandria o mais movimentado de todo o mundo antigo permitia o afluxo de um grande número de pessoas vindas de todas as outras regiões do mundo antigo de forma que podemos dizer que Alexandria era uma verdadeira cosmópolis Um dos principais edifícios de Alexandria era o complexo que abrigava a grandiosa biblioteca concebida para ser o maior centro de livros e es tudos do mundo antigo Estimase que a Biblioteca de Alexandria continha centenas de milhares de rolos de papiro mas não é possível estimar quantos livros um livro poderia ter mais de um rolo A aquisição de livros era uma política deliberada dos monarcas ptolomaicos que determinavam que navios ancora dos no porto de Alexandria entregassem os livros que carregavam para que fossem feitas cópias Foram os estudiosos que administravam a biblioteca que deter minaram o cânone literário antigo sobre o qual fala mos na Aula 2 Entre as obras organizadas a tradução do Pentateuco bíblico para o grego e o estabelecimento Mundo Helenístico 54 do texto escrito dos poemas de Homero são as mais conhecidas O complexo abrigava também o Mouseion ou casa das musas de onde vem a palavra museu Figura 98 Salão de leitura principal da nova Biblioteca de Alexandria uma homenagem à biblioteca antiga inaugurada em 2002 Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFlickrdlisbonaMain readinghallinthenewAlexandrialibraryjpg O mapa a seguir é uma reconstrução do plano urbanístico da cidade A parte sublinhada menor em linha mais escura é a muralha da cidade antiga Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 55 Figura 99 Mapa da cidade de Alexandria Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaulyWissowaI11379MapAlexandriapng As duas capitais egípcias Mênfis ao norte e Tebas ao sul perderam seu prestígio durante o período helenístico Alexandria suplantou Mênfis como centro próximo ao delta do Nilo e ao Mediterrâneo e Ptolomeu I fundou outra cidade para se contrapor a Tebas na parte sul do país Ptolemais Esta foi a única outra fundação de uma cidade grega no Egito fora Alexandria e a já existente colônia de Náucratis que por causa do novo porto entrou rapidamente em declínio CONCLUSÃO Podemos ver através da análise das cidades helenísticas que a polis não acabou com o fim do período clássico Se ela tinha como característica a autonomia política total até Alexandre sua evolução posterior mostra que apesar de a autonomia ter diminuído ela não se extinguiu de todo nas cidades da Grécia As novas cidades helenísticas mantiveram uma ideia de cidade típica do mundo grego e levaram essa identidade grega para o Egito e a Ásia Mundo Helenístico 56 Nesse sentido a própria confi guração física da polis helenística mostrase como um dos principais pilares da cultura grega no mundo conquistado por Alexandre ainda que as novas poleis tenham absorvido infl uências das diversas culturas locais Atividade Final Atende aos Objetivos 2 e 3 Leia a descrição de Estrabão sobre Alexandria vendo se você consegue localizar na Figura 99 o mapa da cidade quais são os edifícios que ele descreve Na resposta explique por que dissemos que Alexandria é a cidade helenística por excelência Toda a cidade é atravessada por ruas próprias para o tráfego de cavalos e carruagens e por duas principais que são muito largas com mais de um plethrum 30m de comprimento estas ruas se cruzam em ângulos retos A cidade tem ambientes públicos magnífi cos e os palácios reais cobrem um quarto ou mesmo um terço da área da cidade Pois assim como cada um dos reis por amor à suntuosidade adicionou algum ornamento aos monumentos públicos eles também construíam suas residências com seus próprios recursos além daquelas já existentes Porém todas estão interconectadas e ligadas ao porto mesmo as que estão fora dele No Grande Porto na entrada à direita há uma ilha e a torre de Faros e do outro lado fi cam rochas e o promontório de Lóquias com o palácio real Quem navega entrando no porto vê à esquerda os palácios reais internos que se juntam ao de Lóquias e têm alamedas e muitos alojamentos coloridos Abaixo deles fi ca o porto artifi cial que não é visível e é propriedade particular dos reis e Antirrhodos uma pequena ilha na frente desse porto que tem um palácio real e um pequeno ancoradouro Esse nome foi dado porque o lugar era rival de Rodes Acima dela fi ca um teatro depois o Posideon uma espécie de cabo saindo do chamado Emporion com um santuário de Poseidon Há em seguida o Cesareum o Emporion e os armazéns depois deles encontramse os estaleiros até o Heptastadion a ligação entre a cidade e a ilha de Pharos signifi cando 7 estádios ou seja 1225m Este é o Grande Porto Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 57 Depois do Heptastadion vem o porto de Eunosto e acima dele o porto artificial também chamado de Cibotus o peito este também tem estaleiros Para adiante dele há um canal onde cabem navios que se estende até o Lago Mareótis Além do canal existe apenas uma pequena parte da cidade Aparece então o subúrbio de Necrópolis onde há muitos jardins e tumbas bem como instalações apropriadas para o embalsamento de corpos Para dentro do canal encontrase o Serapeum templo de Serápis e outras construções antigas que foram virtualmente abandonadas ele está escrevendo 300 anos depois de Alexandre por causa da construção de novos edifícios em Nicópolis por exemplo existe um anfiteatro e um estádio e as competições quadrienais são celebradas lá enquanto que os edifícios antigos caíram em desuso Em resumo a cidade é cheia de dedicações e santuários o edifício mais bonito é o Gymnasion que tem pórticos de tamanho maior do que um estádio medida equivalente a 175m No centro da cidade ficam os tribunais de justiça e as alamedas Geographia XVIII 810 Resposta Comentada Pode ser difícil localizar as construções mencionadas por Estrabão Compare o mapa desta aula com o disponível em httpwwwsnuvocomnouveauwpcontentuploadsAlexandria mapfinal1jpg Encontramos na descrição da cidade todos os principais elementos da polis como o plano urbanístico quadriculado os templos a muralha o gymnasion e os outros edifícios públicos A primazia dos palácios reais mostrava que a autonomia da polis clássica cedera Mundo Helenístico 58 lugar a um novo tipo de administração Além da distribuição de grupos étnicos diversos nos bairros da cidade o porto também trazia uma grande movimentação de pessoas e intensas trocas culturais fazendo de Alexandria o melhor exemplo da forma como a polis confi gurouse no período helenístico aberta para o mundo RESUMO A polis grega surgiu no período arcaico e desenvolveuse em toda a Grécia Ásia Menor e Mediterrâneo como cidadeestado autônoma ou seja que decretava e geria as próprias leis Embora as conquistas de Alexandre e o estabelecimento das monarquias helenísticas tenham diminuído drasticamente essa dinâmica política independente das cidades gregas vários aspectos anteriores da polis permaneceram e desenvolveramse Entre eles destacamse os planos urbanísticos que revelam a ocupação sistematizada do território e as construções públicas típicas como o gymnasion e o bouleuterion Muitas dessas construções foram pagas pelos reis ou generais demonstrando que a submissão das cidades aos monarcas era muitas vezes uma via de mão dupla já que estes precisavam dos apoios delas para sustentar seus reinos Cidades como Alexandria passaram a se tornar grandes centros urbanos integrados em um sistema econômico e cultural muito mais amplo do que o do mundo clássico absorvendo em diversos graus as características das comunidades locais do Egito e da Ásia Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 59 Informação sobre a próxima aula A próxima aula tratará das relações entre os gregos e os bárbaros durante o período helenístico que é o ponto central da questão sobre a helenização do Oriente desencadeada pelas conquistas de Alexandre Um caso especial será estudado o dos judeus através da Revolta dos Macabeus Contact Protection Inc 4410 Monroe Street Dallas Texas 75205 2148262991 wwwcontactprotectioncom Título Helenização Egipcianização e a Reconstrução da Identidade Estudo das Interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica SEÇÃO CONTEÚDO Referência Bibliográfica PEREIRA Ronaldo Guilherme Gurgel Helenização Egipcianização e a Reconstrução da Identidade Estudo das interações culturais entre estrangeiros e nativos na chóra ptolomaica 2005 132 f Dissertação Mestrado em História Comparada Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2005 Orientadora Marta Méga de Andrade Área e Linha de Pesquisa A pesquisa inserese na linha História Comparada das Diferenças Sociais do PPGHC da UFRJ abordando temas vinculados à identidade dominação alteridade e práticas culturais em contextos imperiais com ênfase na antiguidade helenística Tema Central O trabalho investiga como se configuraram as interações culturais entre gregos e egípcios no contexto da chóra egípcia sob domínio ptolomaico demonstrando que mais do que simples imposição cultural houve uma série de trocas adaptações e reelaborações identitárias promovendo tanto a helenização de egípcios quanto a egipcianização de helênicos Objetivo Geral Analisar como se deu a reconfiguração das identidades culturais no Egito ptolomaico especialmente na chóra entendendo os mecanismos simbólicos jurídicos linguísticos e práticos que permitiram a construção de novas formas de pertencimento e negociação de alteridades Metodologia A dissertação utiliza uma abordagem histórica comparativa com base em análise documental papiros cartas contratos epígrafes articulada a teorias da antropologia simbólica e da história cultural Destacamse o uso de conceitos como nómos alteridade e pragmática da identidade As fontes primárias incluem documentos do Fayum inscrições votivas e materiais epigráficos interpretadas à luz de autores como Sahlins Geertz Burke e Benveniste Estrutura da Dissertação Dividida em três capítulos principais 1 trata da fundamentação conceitual e da construção do nómos como projeto de dominação e símbolo de identidade 2 analisa as relações entre templos egípcios e o poder helenístico mostrando instâncias de conflito cooperação e adaptação 3 foca na vida cotidiana na chóra com ênfase na prática intercultural e na apropriação mútua de elementos simbólicos O capítulo 3 é especialmente rico em análise de fontes como papiros jurídicos contratos matrimoniais e epigrafia religiosa Principais Conceitos O conceito de nómos é central apresentado como norma cultural em duas variantes uma ideológica e institucional ligada ao discurso helenizador das elites e outra prática e cotidiana associada à vivência das interações interculturais A helenização aparece como processo simbólico de dominação cultural mas também como prática negociada Já a egipcianização é vista como incorporação pragmática de saberes nomes divindades e práticas pelos próprios gregos Destaques Analíticos A dissertação demonstra que a fronteira cultural entre gregos e egípcios não era rígida mas permeável Através de práticas como o aprendizado do egípcio por helênicos o casamento entre irmãos a adoção de nomes duplos grecoegípcios e a construção de monumentos híbridos verificase que havia um cotidiano de trocas simbólicas Os gregos adotavam práticas egípcias como a interpretação de sonhos e cultos religiosos sem abandonar o orgulho de sua identidade expressa sobretudo pelo uso da língua grega nas inscrições e contratos Fontes Utilizadas A pesquisa se baseia em uma ampla gama de fontes papiros de Kerkeosíris e do Fayum contratos legais casamento empréstimo cartas privadas inscrições epigráficas votivas em grego e objetos arqueológicos mesas de oferenda estelas religiosas Os materiais são interpretados com foco nas práticas sociais e simbólicas que revelam a complexidade das relações entre gregos e egípcios na vida cotidiana Autores e Obras Referenciada s A base teórica envolve autores como SAHLINS 1994 sobre cultura e história BURKE 2003 sobre hibridismo cultural GEERTZ 1989 sobre construção simbólica da identidade BENVENISTE 1969 com destaque para a questão da linguagem como símbolo de identidade LEWIS 1993 sobre direito e administração no Egito ptolomaico CRAWFORD 1971 sobre nomes e cidadania BERNAND 1992 sobre epigrafia grega no Egito Conclusões A dissertação conclui que a helenização no Egito não foi um processo unívoco de imposição mas sim uma construção híbrida e dinâmica em que práticas egípcias foram apropriadas por gregos e reinterpretadas em chave helênica A identidade grega foi sendo reformulada na prática e o nómos embora ideologicamente usado como instrumento de separação simbólica acabou sendo reconfigurado no cotidiano como uma ferramenta de negociação cultural A prática cotidiana mostrouse mais fluida que o discurso oficial e a convivência na chóra resultou na emergência de uma identidade helenística localizada enraizada na realidade egípcia No fragmento epistolar analisado pertencente a um egípcio subordinado de Zenon datado de c 256255 aC o autor da dissertação busca evidenciar as dinâmicas sociais e simbólicas do Egito ptolomaico por meio de uma fonte pessoal que explicita com rara sinceridade os efeitos da política helenizadora sobre os sujeitos nãogregos A carta redigida em grego endereçada a Zenon figura de destaque na administração do Fayum revela a angústia de um trabalhador egípcio ou possivelmente árabe que mesmo cumprindo todas as suas obrigações sob ordens superiores é sistematicamente marginalizado maltratado e privado de remuneração adequada O autor da mensagem expõe sua frustração com os intermediários de Zenon como Krotos e Jason que desconsideram as instruções do superior e o tratam com desprezo e desdém oferecendo como pagamento itens indignos como vinho ordinário e negandolhe alimentos básicos como óleo e grãos O clímax da denúncia reside na afirmação eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro demonstrando que a discriminação sofrida vai além da negligência material e inserese num sistema de dominação cultural onde o pertencimento à categoria dos nãogregos dos bárbaros implica em desumanização e exclusão A relevância do excerto portanto reside na sua capacidade de expressar a partir da voz de um subalterno os mecanismos sociais e simbólicos de exclusão que estruturavam o Egito helenístico A queixa por escrito ainda que redigida em uma língua não nativa não apenas denuncia a situação de precariedade material como revela a interiorização de uma lógica de dominação cultural que associa o valor social ao grau de assimilação helênica Neste ponto a declaração pois eu sei grecizar adquire enorme potência analítica Longe de ser uma mera tentativa de autopromoção esta frase expressa a consciência de que naquele contexto agir como um grego isto é adotar o nómos helênico os costumes a linguagem as formas de interação e apresentação era condição para reconhecimento social acesso a direitos e dignidade mínima O termo grecizar hellenizein assume portanto o sentido político e existencial de adaptarse a um modelo cultural dominante para sobreviver num sistema onde a identidade grega é sinônimo de cidadania pertencimento e humanidade enquanto a identidade bárbara é associada à inferioridade ontológica O autor da dissertação Ronaldo Gurgel Pereira interpreta este documento como revelador de uma das dimensões mais sutis e poderosas da helenização aquela que ocorre não apenas por imposição institucional ou por políticas estatais mas por necessidade prática vivida nos cotidianos da chóra nos embates por subsistência trabalho e reconhecimento A carta não apenas denuncia a violência simbólica e material de uma estrutura social assimétrica como demonstra a complexidade da adesão à cultura helênica marcada por tensões ressentimentos e tentativas de negociação A suposta subserviência do remetente é também um gesto político ao apelar diretamente a Zenon e aos deuses inclusive à divindade guardiã do Rei ele não só revela sua fé no sistema mas também manipula os códigos helênicos para obter reparação mesmo reconhecendo sua posição marginalizada Os resultados dessa análise nos levam a compreender que o processo de helenização não foi apenas uma transformação imposta de cima para baixo mas atravessada por práticas de resistência adaptação e agência O uso do idioma grego embora não garanta assimilação total opera como ferramenta de negociação simbólica e a própria carta escrita com domínio razoável do grego testemunha que a barreira linguística podia ser transposta mas não eliminava os preconceitos incorporados na ideologia helênica A afirmação do saber grecizar é assim duplamente irônica por um lado ela indica a capacidade de apropriação dos códigos culturais do dominador por outro evidencia que essa apropriação não é suficiente para dissolver a desigualdade estrutural que subsiste entre gregos e não gregos reforçada tanto por instituições como pela prática social ordinária Concluise portanto que este fragmento constitui uma peçachave na argumentação do autor quanto à existência de uma reconfiguração prática e cotidiana da identidade cultural no Egito ptolomaico A carta revela que mesmo em meio a um discurso oficial que procurava sustentar a dicotomia gregos versus bárbaros a realidade cotidiana produzia fissuras nesse imaginário Através da tensão expressa pelo egípcio em sua tentativa de fingir o heleno para obter justiça vêse a coexistência de dois níveis distintos de nómos o institucional normativo e excludente e o pragmático fluido e adaptativo Assim o documento contribui para confirmar a hipótese central da dissertação de que o processo de helenização foi em grande medida uma prática negociada e não um fato consumado sendo marcado por contradições reinterpretações e rearticulações simbólicas que ultrapassam as leituras simplistas de dominação cultural unilateral Variable woofer vent to increase output at 120 Hz Used in conjunction with 20 Hz speaker vent See further information in manual Plug outlet for helm controller May also be used to input external audio source 14 jack to output to amplifier or to hook up two speakers in series or parallel Speaker wires Red is positive black is negative Connect here to the power supply Use genuine Stenheim power supplies only Warning If the power supply is too powerful or is damaged the speaker may be destroyed Plug outlet for external 20 Hz speaker vent May be used to connect indoor 20 Hz speaker vent Signal input socket Connect output from audio source to this socket With stereo source device only use LEFT input It must be connected directly without any intermediate connection to other audio devices Without this connection the audio source may be damaged If the original cable is lost or defective use a screened shielded cable with a minimum diameter of 075 mm² for the speaker wires and 022 mm² for the signal input cable Speaker load With a second speaker Stenheim 20 Hz speaker vent may be connected in parallel to the SUB The permissible speaker load is 25 Ω Stenheim may supply a special cable for connection in parallel with a plug suitable for the SUB Waterproof plug connectors are supplied for the other connections Indispensable accessories Power supply of minimum 300 Watt Volume and frequency setting manual Technical specifications Size length 410 mm width 265 mm height 400 mm Weight 12 kg Impedance 4 Ω Power supply 24 V DC Only use a genuine Stenheim power supply Stenheim GmbH Am Frauentor 34 D63739 Aschaffenburg Germany Tel 49 06021 45133 Fax 49 06021 45135 emailstenheimcom wwwstenheimcom Made in Germany All specifications are subject to change without notice Designed manufactured by Synthesis GmbH Germany The EU declaration of conformity is available at the manufacturer This product complies with the relevant EC directives Item No S3263012011 STENHEIM SUBwoofer END OF USER GUIDE STENHEIM SUBwoofer wwwstenheimcom END OF USER GUIDE End of User Guide Please connect the cable before installing the system We strongly recommend having the system installed by a professional dealer Please read through the complete manual before using the SUBwoofer for the first time It contains important information on installation and safety This symbol is placed on the system to alert the user to important operating and maintenance instructions The symbol indicates that the system is in conformity with the EC directives It must be connected only to a power supply complying with the power specifications mentioned in the manual The system is designed exclusively for home use in a dry environment The SUBwoofer should be placed as close as possible to a wall or corner in order to produce the full bass volume The system should not be exposed to water or other moisture The system should be disconnected immediately in the event of malfunction The system may not be opened or dismantled Doing this voids the warranty Repairs may only be carried out by a specialist dealer or authorized service centre Transport the system in an upright position Care To clean the surface use only a dry soft cloth The use of polishing liquids is not recommended The following installation and connection precautions must be observed at all times in order to avoid any damage to the system Only connect the system to a power source complying with the local mains voltage regulations Do not jam the plug connectors as this could cause damage Always ensure polarity is correct when connecting cables red black The power supply unit is connected as follows 24 V DC cable with 24 V plug on one end and cable ends marked with red and black on the other Red is plus black minus or GND ground When the loudspeakers are connected the system must be switched off Turn down the sound level on your audio source before switching on the system The SUBwoofer is designed for use with the Stenheim Mini system and the Stenheim 20 Hz speaker vent but it may also be used with other manufacturer systems The maximum power of the SUBwoofer is 300 W refer to the power supply unit specifications Features Active subwoofer with linear frequency range 20 Hz120 Hz The volume control and frequency adjustment are situated on the rear side of the subwoofer Speaker impedance 4 Ω Made in Germany The speaker system may show minor surfaces irregularities due to natural features of the wood in the veneer and the paint finish The original wood grain pattern colour and size of the surface pores cannot be influenced and are therefore no reason for a justified complaint These measures are part of the products character and enhance the original character of the real wood veneer Stenheim will not consider any complaints over the natural appearance of the wood to be valid Check connections with the enclosed diagrams Correct connections are shown with green lines Red lines show a wrong connection Finally place the SUBwoofer in the desired place and adjust the volume and frequency Avoid placing the SUBwoofer at the following locations Keep away from electric appliances generating magnetic fields such as televisions monitors computer screens or radios Do not place directly on resonant surfaces such as glass aluminum or warped wood Place the SUBwoofer on a firm level and vibrationfree base Place the SUBwoofer as close as possible to a wall or corner to maximize bass volume Installation and connection Technical data and installation notes Assembly and operation Safety and general notes Specifications Active subwoofer Highquality broadband Swan woofer Volume and frequency setting Power supply with DC coaxial plug 24 V diameter 55 x 21 mmcentre plus Mains cable with plug fitted 230 V115 V for the specified region The EU declaration of conformity Made in Germany Manufacturer Stenheim GmbH Address Am Frauentor 34 D63739 Aschaffenburg Germany Tel 49 06021 45133 Fax 49 06021 45135 Email emailstenheimcom wwwstenheimcom Technical data and installation notes Technical data and installation notes Safety and general notes Technical specifications Volume and frequency setting Technical specifications Technical data and installation notes Installation and connection Technical data and installation notes Technical specifications Safety and general notes Technical specifications Safety and general notes Technical data and installation notes Technical data and installation notes End of User Guide wwwstenheimcom Made in Germany The instructions must be read through before use Place the subwoofer close to a wall or corner Do not expose the subwoofer to moisture Use only prescribed power supplies Only connect to 24 V DC power supply Connect according to instructions Turn down the volume before switching on The subwoofer has a 4 Ω speaker impedance The volume and frequency settings are on the back Only use 1 LEFT input Internal wiring in the subwoofer is colorcoded Red is positive black is negative If using two subs or vents ensure parallel connection with suitable wiring Avoid exposure to electromagnetic interference Do not place on resonant or vibrating surfaces For repair contact authorized service only Warranty void if opened Clean with dry soft cloth only Manufacturer 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AD2 a partir da leitura de PEREIRA R HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE Estudo das interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica Dissertação de Mestrado Rio de Janeiro PPGHC UFRJ 2005 pp 86117 1 1 Leia com atenção o capítulo proposto 2 2 Faça um fichamento contemplando as principais ideias do capítulo 3 3 Nas páginas 99100 o autor utiliza o seguinte fragmento a Zenon saudação Você faz bem se você está saudável Eu também estou bem Você sabe que você me deixou na Síria com Krotos e eu fiz tudo que foi ordenado a respeito dos camelos e fui inocente perante você Quando você enviou a ordem para me dar pagamento ele deu nada do que você ordenou e Krotos me deu nada e sim continuou dizendome para eu me retirar eu permaneci por um longo tempo esperando por você mas quando eu em busca pelo essencial e não conseguindo nada em lugar algum eu fui compelido a fugir para a Síria para assim não perecer de fome Assim eu escrevi para você para que você possa saber que Krotos foi a causa disso Quando você me enviou novamente para Philadelphia para Jason novamente eu faço tudo que é ordenado por nove meses agora ele me deu nada do que você ordenou a mim ter nem óleo nem grão exceto pelo período de dois meses quando então ele me pagou as vestes ajuda de custo E eu estou em dificuldade no verão e no inverno E ele me ordenou a aceitar vinho ordinário como salário Bem eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro Eu imploro a você portanto se isso parecer justo a você dar a eles ordens que eu obtenha o que é merecido e que no futuro eles me paguem no total de modo eu não pereça de fome pois eu sei grecizar1 Você portanto dê atenção a mim por favor Eu rezo a todos os deuses e à divindade guardiã daimon do Rei que você permaneça bem e venha a nós em breve para então você possa por si mesmo ver que eu sou inocente Passar bem Endereçado a Zenon2 c256255 aC GHDHP 114 HWARC 245 Explique o que ele quer demonstrar com este fragmento e como ele o faz Aproveite para comentar os resultados Observações A AD2 deve considerar os conteúdos do curso até aula 10 mais o texto solicitado para leitura HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE de Ronaldo Gurgel Pereira O texto encontra se na seção Materiais e subseção Exercícios e Complementos na parte esquerda da pagina da disciplina abaixo do quadro de Avisos Reparem que a AD2 inclui duas atividades primeiro o fichamento do texto elencando os pontos mais relevantes de e também considerando o que foi visto nas aulas segundo a análise do fragmento do texto e comentário dos resultados Sobre o fichamento não é certo apenas cortar e colar passagens do texto o ideal é vocês fazerem um apanhado das ideias com suas palavras e quando for conveniente usar algumas citações tiradas do texto Sobre a análise da fonte não é apenas reproduzir o que a fonte diz e sim perceber as informações nas entrelinhas buscando o que mais de informação ela contém em seu discurso Como parâmetro de tamanho o trabalho requer um mínimo de 4 laudas mas não possui tamanho máximo Acredito que todas as instruções encontramse aqui mas caso ainda haja alguma dúvida é só me chamar na sala de tutoria Fique atento ao cronograma e entregue a avaliação no prazo estipulado 1 A versão inglesa traduziu hellenizein imitar os costumes gregos como to act the Hellene isto éfingir o heleno Na crítica de Préaux a esta mesma passagem ela afirma por mais que a carta tenha sido escrita pelo homem em questão o que não se pode ter certeza a palavra pode ser tão somente uma forma exagerada de dizer em casa não me porto como grego 194769 2 Esta é a carta de um nãogrego egípcio ou árabe antigo subordinado do dioeketes do Fayum Zenon Uma vez deixado na Síria para trabalhar com outros agentes de Zenon este sofreu com discriminação e não recebeu sus pagamentos por não saber fingir o heleno chegando a ser proposta uma remuneração em vinho O barbarismo causador de tal tratamento não se limitava simplesmente ao idioma os editores comentam que a carta apesar de pobremente escrita não é má composta mas também nas maneiras e costumes nómos Juliana Bastos Marques Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma Mundo Helenístico 8 Metas da aula Apresentar a ação militar e diplomática dos romanos na configuração geopolítica do mundo helenístico a partir do século II aC na forma como delimitou mudanças irreversíveis na autonomia do mundo grego mostrar como a cultura grega do período influenciou o mundo romano Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 reconhecer a dinâmica da presença romana no mundo helenístico como modificadora das relações locais 2 identificar as formas da influência grega no mundo romano Prérequisitos Para esta aula recapitule a aula anterior sobre a dinastia antigônida Retome também as aulas de História Antiga referentes ao surgimento de Roma especialmente a Aula 17 Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 9 INTRODUÇÃO A Grécia foi a primeira província anexada ao nascente Império Romano processo que se tornaria o modelo inicial para todo o arranjo político econômico e social do Mediterrâneo até o fim do mundo antigo A cultura grega também estabeleceu uma presença muito forte em Roma a ponto de usarmos o termo grecoromano para definir todo o período da Antiguidade Clássica Como vimos na última aula o paulatino enfraquecimento das monarquias helenísticas em especial a dinastia dos antigônidas na Macedônia e a fragilidade política e militar das alianças entre as cidades gregas nas ligas Etólia e Aqueia favoreceram a penetração dos romanos no território grego Veremos que a princípio os romanos não tinham planos sistemáticos de anexação de territórios na Grécia o que fez com que a expansão do Império Romano nesse período fosse um processo mais acidental do que propriamente premeditado Primeiros contatos com a Grécia O exército romano enfrentou os gregos pela primeira vez em 280 aC durante a invasão da península Itálica por Pirro rei do Épiro conforme vimos na última aula o contato significou nada mais do que uma defesa de território Nas décadas seguintes Roma ocupouse com a consolidação de seu poder na península em especial perante as cidades gregas da chamada Magna Grécia ou seja a parte sul da Itália e com a Primeira Guerra Púnica contra Cartago De fato esta guerra entre as duas maiores potências militares do Mediterrâneo ocidental no século III aC foi essencialmente uma disputa pela Sicília território geograficamente estratégico e de cidades economicamente poderosas como a pólis de Siracusa que no entanto se manteve independente e aliada a Roma após o fim da guerra Mundo Helenístico 10 O primeiro contato militar com os gregos fora da Itália se deu por causa do aumento da influência do reino da Ilíria Figura 81 no mar Adriático que era nada menos do que o estratégico corredor marítimo entre a Itália e a Grécia O território ilírio estava unificado pela primeira vez sob uma monarquia mais estável e centralizadora mas que apoiava uma feroz atividade de pirataria no Adriático A rainha Teuta que havia unificado as diversas tribos da região ordenara um ataque aos navios mercantes sob proteção romana além do assassinato de um diplomata romano em 229 aC Como resposta os romanos finalmente atravessaram o mar Adriático e invadiram esse território no norte da Grécia conseguindo por isso alianças de ajuda mútua com as cidades gregas na região como Corcira Apolônia e Issa Figura 81 Península Itálica mar Adriático Ilíria e Grécia Fonte Wikimedia Commons adaptado httpcommonswikimediaorgwikiFileIllyrian coloniesinItaly550BCEjpg Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 11 Logo se seguiu outra guerra na Ilíria desta vez contra o rei Demétrio em 219 aC fato eleito pelo historiador Políbio como o real início do domínio romano sobre os gregos O objetivo das Histórias de Políbio seria narrar como foi possível aos romanos dominar todo o Mediterrâneo em apenas meio século entre o início da Segunda Guerra Púnica e 167 aC com a conquista final da Macedônia Vale lembrar que os romanos estavam ao mesmo tempo começando essa segunda guerra contra os cartagineses que se arrastaria por quase duas décadas contra o famoso general Aníbal O que podemos observar a partir das Guerras Ilírias é que desde o início não houve um movimento planejado de anexação de territórios na Grécia pelos romanos mas sim ações pontuais realizadas para garantir a hegemonia e o poder sobre o Mediterrâneo Esse padrão irá se repetir nas décadas seguintes com a Macedônia e o resto da Grécia bem como na costa da Ásia Menor cidades gregas entravam em conflito entre si e pediam a mediação dos romanos que ao demonstrar sua hegemonia militar tornavamse então protetores em alianças com as cidades gregas vitoriosas que eventualmente iriam entrar em conflito mais uma vez Foi apenas no fim desse processo que os romanos decidiram manter definitivamente seus exércitos no território grego tomando para si a administração da região As Guerras Macedônicas As etapas da conquista romana da Grécia podem ser divididas em quatro a Primeira Guerra Macedônica contra Filipe V 211205 aC b Segunda Guerra Macedônica também contra Filipe V 200 197 aC c Guerra contra os etólios e o selêucida Antíoco III ou Guerra Síria 192188 aC Mundo Helenístico 12 d Guerra contra Perseu da Macedônia ou Terceira Guerra Macedônica 172168 aC Essa divisão é claramente baseada na ênfase política que as fontes históricas antigas nos dão sobre o período em especial os historiadores Políbio e Tito Lívio com relatos sobre guerras e grandes feitos militares No entanto sob uma perspectiva mais ampla das relações internacionais no período essas guerras na Grécia e Ásia Menor refletem a fragilidade já evidente das monarquias helenísticas que abandonam de vez as pretensões de domínio dos territórios antes parte do império de Alexandre As Ligas Etólia e Aqueia também medem forças com esses reinos ora aliadas ora inimigas dos reis Nesse sentido o apelo aos romanos é mais um dos tratados possíveis e que se tornam cada vez mais recorrentes devido à grande supremacia tática das legiões perante as falanges hoplíticas do tipo macedônio predominantes nas batalhas até então a Primeira Guerra Macedônica 211205 aC Conforme vimos na aula passada Filipe havia feito um tratado com o cartaginês Aníbal em busca de territórios na Ilíria Os cartagineses tinham infligido severas derrotas aos romanos naquele período nas batalhas de Trébia do lago Trasímeno e de Canas e parecia vantajoso ao macedônio se aliar àquela que parecia a força militar mais poderosa Os romanos ocupados com o front ocidental aliaramse à Liga Etólia e foi ela que tomou as rédeas da luta contra Filipe V Eventualmente os etólios perceberam que estavam lutando quase sozinhos e estabeleceram uma paz com o rei macedônico com a qual os romanos tiveram de concordar O texto da aliança entre os romanos e a Liga Etólia é citado por Tito Lívio XXVI 24 715 e também está parcialmente preservado em uma inscrição Se os romanos capturarem pela força as cidades desses povos no que concerne o povo romano que seja permitido aos etólios ter essas cidades e seus territórios e tudo o que for capturado pelos romanos além dessas cidades e territórios ou Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 13 seja o butim que os romanos as mantenham E se alguma dessas cidades for capturada conjuntamente pelos romanos e etólios no que concerne o povo romano que os etólios tenham essas cidades e seus territórios b Segunda Guerra Macedônica 200197 aC A participação na disputa entre Filipe V e os etólios havia deixado os romanos com uma má fama na Grécia acusados de crueldade e barbárie nos saques às cidades e no trato com os inimigos Os ânimos se acirraram rapidamente e embora as causas da nova guerra entre o rei macedônio e os romanos não estejam claras esse foi de fato o primeiro ataque romano deliberado que teve sua conclusão apenas com a rendição completa de Filipe Mais uma vez tiveram destaque as alianças com as cidades gregas e esta guerra foi caracterizada pelos discursos dos romanos como libertadores dos gregos contra o rei macedônio como já chegamos a ver na aula anterior em relação a Atenas A vitória romana final deixou claro para os gregos quem realmente detinha o poder e que Roma não poderia mais ser deixada de lado quando se tratasse dos arranjos políticos locais Filipe V deveria voltar aos seus domínios na Macedônia sem maiores pretensões territoriais A declaração da libertação dos gregos pelos romanos tomou ares solenes anunciada teatralmente durante os Jogos Ístmicos de 196 aC As cidades gregas aclamaram o general Tito Quíncio Flaminino como o grande libertador tendo até mesmo cunhado moedas com a sua efígie Figura 82 Mundo Helenístico 14 Figura 82 Estátera grega de ouro com a efígie do general Tito Quíncio Flaminino 197 aC Esta é a moeda mais antiga com um retrato de um romano Fonte Trustees of the British Museum httpwwwbritishmuseumorgexplorehighlights highlightobjectscmggoldstaterinthenameoftitaspx Políbio cita o texto da aclamação XVIII 46 O arauto avançou então e impondo silêncio geral por meio de seu corneteiro leu a seguinte proclamação O Senado de Roma e o prócônsul Tito Quíncio após a vitória sobre o rei Filipe e os macedônios deixam livres os seguintes povos sem guarnições em suas cidades e sem a imposição de quaisquer tributos e governados pelas próprias leis de suas respectivas pátrias os coríntios os foceus os lócrios os eubeus os aqueus ftiótios os magnésios os tessálios e os perrébios Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 15 O exército romano Figura 83 Relevo funerário com legionários romanos Fonte Wikimedia Commons httpcommonswikimediaorgwiki FileGlanumstelelegionnairesjpg Assim como no mundo grego os legionários na época da República romana eram também cidadãos e não um exército profi ssional Como durante esses contatos com a Macedônia os romanos também estavam lutan do na Segunda e na Terceira Guerra Púnica inclusive com substanciais derrotas o corpo dos cidadãos em Roma diminuiu expressivamente Estimase que entre cidadãos romanos aliados das cidades italianas e es cravos o número de soldados e marinheiros romanos tenha chegado a 100 mil durante a Segunda Guerra Púnica mas outros cálculos indicam uma perda de 75 mil homens entre 214 e 211 aC Isso também indica uma extraordinária capacidade tática e logística do exército romano já que eles conseguiram superar suas baixas e vencer tanto os cartagineses quanto os gregos A falange grega fun cionava bem apenas em campo aberto contra Mundo Helenístico 16 exércitos menos disciplinados ou contra outras falan ges mas as legiões romanas tinham mais mobilidade força de ataque e combinavam melhor a estratégia de batalha com o uso da cavalaria Assim um número muito menor de legiões foi usado na Grécia em relação à guerra contra Cartago que era um cenário de batalha espalhado pelo Mediterrâneo Ocidental Logo os romanos deixaram evidente aos gregos que a falange macedônica estava ultrapassada como tática de guerra c Guerra contra os etólios e Antíoco III ou Guerra Síria 192188 aC Com o fim da guerra contra Filipe V os etólios mostraramse insatisfeitos com a sua posição de aliados dos romanos lutando mais nas batalhas e recebendo menos benefícios como resultado Logo perceberam que outra força militar poderia lhes dar um apoio mais vantajoso desta vez Antíoco III o rei selêucida da Síria Antíoco também tinha seus planos expansionistas e pretendia expandir seu território para controlar o Helesponto Em 192 aC ambas as partes resolveram se aliar contra os romanos e o inimigo de Antíoco o rei Eumenes de Pérgamo A resposta romana foi um pesado ataque às forças selêucidas a primeira invasão romana na Ásia e consolidou definitivamente a força de Roma entre os gregos Mais uma vez no entanto os romanos contentaramse em apenas demonstrar seu poder e superioridade militar evitando a todo custo tomar o território grego para si Isso também fortaleceu a dinastia dos atálidas reis de Pérgamo contra o decadente império selêucida Mas daqui em diante todas as disputas internas entre os gregos seriam não apenas mediadas pelos romanos como também decididas necessariamente em favor dos interesses destes Helesponto O estreito de Helesponto hoje conhecido como Dardanelos é uma faixa marítima que separa a Ásia Menor do norte da Grécia e funcionava como caminho estratégico para todas as tropas que se deslocavam entre leste e o oeste no Mediterrâneo clássico Foi nesse estreito que vai de 1 a 6 km de largura que em épocas distintas Xerxes e Alexandre atravessaram seus exércitos Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 17 Tito Lívio cita os duros termos do tratado XXXVIII 11 A nação etólia respeitará lealmente a soberania e a autoridade do provo romano se um exército marchar contra os aliados e amigos de Roma ela não o deixará cruzar seu território e não lhe fornecerá nenhuma ajuda terá os mesmos inimigos que o povo romano empunhará armas contra eles e lhes moverá guerra em pé de igualdade com Roma entregará a romanos e aliados os desertores trânsfugas e prisioneiros bem como os inimigos dos romanos apreendidos pelos etólios quando estes combatiam ao lado dos romanos a Etólia dará aos romanos quarenta reféns à discrição do cônsul com idade entre doze e quarenta anos não poderão ser reféns nem pretor nem comandante de cavalaria nem escriba público nem quem porventura já tenha sido refém dos romanos d Terceira Guerra Macedônica 172168 aC O antigo inimigo Filipe V revelouse um aliado confiável dos romanos durante a Guerra Síria Interessado em se manter no poder e conhecendo a superioridade militar romana o rei tinha grande interesse em se mostrar fiel e livrarse dos impostos a que seu reino estava sujeito depois do tratado assinado ao fim da Segunda Guerra Macedônica Quando morreu seu filho Perseu assumiu o trono a princípio demonstrando a mesma atitude amigável com os romanos No entanto Perseu logo revelou seu desejo de anexar mais territórios e confrontar os romanos e seu aliado o rei Eumenes de Pérgamo Sem interesse em um desequilíbrio de poderes na região restou aos romanos declarar novamente guerra aos macedônios em 172 aC As lealdades locais ainda se mostraram flutuantes com as Ligas Etólia e principalmente Aqueia divididas entre os diferentes caminhos de alianças que lhes trariam mais vantagens Em 168 aC os romanos liderados pelo general Lúcio Emílio Paulo derrotaram definitivamente os macedônios na batalha de Pidna Perseu foi preso e morreu no cárcere na Itália Foi nessa batalha que a falange macedônica mostrouse definitivamente Mundo Helenístico 18 incapaz de vencer as legiões romanas revelando que o mundo mediterrâneo tinha agora um dominador incontestável em Roma Como resultado do fim da guerra o Senado romano aboliu a monarquia macedônica restringiu o controle local das atividades econômicas e instituiu que metade de toda a arrecadação local de impostos fosse destinada a Roma ainda sem estacionar suas tropas definitivamente na Grécia ou controlar diretamente a administração Figura 84 A Batalha de Pidna painel de Andrea del Verrocchio 1475 Musée JacquemartAndré Paris O estandarte vermelho romano à direita contrasta com a falange macedônica à esquerda nesta representação renascentista que na verdade revela mais sobre as próprias batalhas do século XV do que sobre o mundo antigo Fonte Wikimedia Commons httpcommonswikimediaorgwikiFileAndreadelVerrocchioTheBattleofPydna WGA24993jpg A Batalha de Pidna Figura 84 é geralmente considerada como o principal divisor de águas que marca o fim do mundo helenístico embora então Roma ainda não tivesse decidido anexar quaisquer territórios Foi apenas em 149 aC que a Macedônia foi anexada ao Império Romano como província como forma definitiva de controlar o território após uma revolta Três anos depois com outra revolta desta vez da Liga Aqueia a cidade de Corinto foi arrasada e a Grécia também anexada como província Por que então os romanos se deram a todo o trabalho de lutar na Grécia sem pretender anexála logo de início Essa é uma das principais questões dos estudiosos sobre o assunto Em primeiro lugar devemos evitar o anacronismo o crescimento sistematizado de um império com anexações de províncias só se deu completamente Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 19 Triunfo O triunfo romano era um cortejo concedido pelo Senado a um general vitorioso em uma grande batalha em que ele adentrava a cidade em uma carruagem e era seguido pelo seu exército seus prisioneiros e as riquezas conquistadas na guerra A procissão seguia solenemente até o templo de Júpiter Ótimo Máximo na colina do Capitólio onde o general fazia um sacrifício ao deus Assim podemos ver que o sucesso nas campanhas militares tinha um signifi cado religioso muito importante em Roma além do próprio signifi cado político na passagem da República para o Principado As próprias fontes antigas mostram um discurso que apenas legitimava a defesa do território romano sendo assim quaisquer outras forças que os atacassem direta ou indiretamente ou atacassem quem protegesse seus interesses deveriam ser combatidas Progressivamente isso acabou revelando um efeito bola de neve já que cada vez mais inimigos derrotados deveriam se sujeitar às regras de Roma Estudiosos hoje também têm analisado a infl uência do éthos militar romano nesse lento e assistemático processo de conquista Éthos é uma palavra grega que signifi ca caráter costume hábito aqui relacionado ao prestígio político relacionado às carreiras militares em Roma Os cargos civis de magistrados na República romana eram também ligados à carreira militar portanto era fundamental para um general ambicioso conquistar a glória em uma batalha bemsucedida pela qual ele também tinha o direito a um triunfo em Roma As guerras no mundo antigo podiam também ser muito lucrativas já que os conquistadores de uma cidade saqueavam riquezas e capturavam escravos Atende ao Objetivo 1 1 Releia as fontes apresentadas sobre os tratados com os romanos a inscrição e os trechos de Políbio e Tito Lívio Como os textos revelam a gradual dominação romana na Grécia Use trechos deles para ilustrar sua resposta Mundo Helenístico 20 A presença da cultura grega na Roma republicana Quando se fala sobre o mundo antigo clássico geralmente estamos nos referindo ao chamado mundo grecoromano e portanto a uma certa cultura grecoromana mais ou menos homogênea Resposta Comentada Na primeira inscrição a distribuição de direitos e deveres entre etólios e romanos é equitativa os etólios mantêm as cidades conquistadas e os romanos levam o butim No trecho de Políbio os romanos aparecem como benfeitores mas sem impor diretamente a força das armas na administração e autonomia das cidades deixam livres os seguintes povos sem guarnições em suas cidades e sem a imposição de quaisquer tributos e governados pelas próprias leis de suas respectivas pátrias Porém no trecho de Tito Lívio já vemos uma submissão total das cidades gregas aos romanos mencionando apenas deveres dos etólios para com soberania e a autoridade do povo romano entregando desertores inimigos e reféns diretamente a Roma Isso mostra que a dominação romana na Grécia foi gradual e não planejada pois até o fi m desse processo as disputas entre os poderes locais ainda eram determinantes Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 21 Os romanos seriam assim herdeiros e transmissores da cultura grega para a posteridade criando eles próprios uma identidade cultural diretamente derivada da grega com deuses valores arte e instituições semelhantes É evidente que esse intenso contato cultural está relacionado ao processo que vimos anteriormente pois foi com a presença cada vez maior dos romanos nas guerras e na própria vida cotidiana das poleis da Grécia que a cultura grega foi introduzida agregada e adaptada dentro do mundo romano No entanto sabemos que os contatos entre gregos e romanos já existiam bem antes do século II aC apesar de termos poucos indícios arqueológicos Duas regiões são as responsáveis por essa ponte cultural a Magna Grécia que é a parte sul da Itália juntamente com a Sicília onde colônias gregas haviam sido fundadas já a partir do século VIII aC Figura 85 e a região da Etrúria situada ao norte de Roma Nesse período enquanto Roma estava em seus primeiros dias os etruscos já desenvolviam uma cultura avançada e bastante peculiar que foi também influenciada pela presença grega no sul da Itália Figura 86 Por sinal acreditase que foi graças à ponte etrusca que os romanos entraram em contato com o alfabeto grego sistema que adaptaram e utilizaram Mundo Helenístico 22 Figura 85 Perneiras ponta de lança e capacete de soldado hoplita no estilo coríntio provenientes de um ateliê no sul da Itália datadas de aproximadamente 490 aC O nome do dono Denda está gravado em uma das perneiras Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGreavesandCorinthian helmetDendaStaatlicheAntikensammlungen4330jpg Figura 86 Ânfora etrusca de nítida inspiração grega datada de aproximadamente 500 aC As figuras provavelmente representam Aquiles e o centauro Quíron Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileAmphora195612201 jpguselangptbr Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 23 Por causa desses contatos já tão antigos entre gregos e romanos tornase particularmente difícil buscar uma cultura romana primitiva original e anterior a eventuais contatos culturais como alguns arqueólogos e historiadores têm procurado As evidências deixadas pela cultura material dos primórdios de Roma na verdade expõem um paradoxo quanto mais se busca essa identidade romana primordial mais se encontram evidências de que os latinos nunca estiveram totalmente isolados É dessa forma que podemos entender a expansão romana como um efeito colateral digamos assim da própria presença da cultura helenística em várias partes do Mediterrâneo como afirma o historiador Andrew WallaceHadrill A expansão na Itália durante este período de uma cultura material que chamamos de helenística é uma das medidas mais seguras da romanização apud BARCHIESI 2009 p 100 O aprofundamento dos contatos entre gregos e romanos por causa das guerras macedônicas se deu em vários níveis As fontes históricas antigas sobre o período em especial Políbio e Tito Lívio realçam a influência da alta cultura grega entre as elites romanas através do comportamento de generais como Tito Quíncio Flaminino ou de Cipião Africano Flaminino o libertador da Grécia durante a Segunda Guerra Macedônica que vimos na Figura 82 era fluente em grego e admirava profundamente a cultura grega Cipião Africano tornouse amigo pessoal de Filipe V e de Antíoco e fazia dedicações públicas nos altares dos deuses gregos como em Delos além de provavelmente ter escrito suas memórias em grego o texto perdeuse Ainda dentre o universo social das elites os romanos tomaram vários gregos como reféns e enviaramnos para Roma muitas vezes em detenções mantidas por décadas Esses reféns gregos que continuavam vivendo como homens livres exerceram grande influência sobre a vida intelectual romana como é o caso do próprio Políbio Também os soldados levavam de volta para casa esse contato com o mundo grego seja em forma de butim propriamente dito carregando objetos e riquezas saqueados na conquista de cidades Mundo Helenístico 24 seja em escravos gregos prisioneiros de guerra ou até mesmo através do contato direto com o modo de vida e os valores gregos Estimase que mais da metade da população masculina adulta de Roma tenha sido convocada em alguma etapa das guerras entre o fim do século III e o século II aC ainda que não toda na Grécia Embora não possamos precisar de maneira exata e inequívoca como se deram as consequências desses contatos na sociedade romana é fato que lemos nas fontes escritas cada vez mais observações na verdade reclamações de como a vida cotidiana em Roma estava cada vez mais marcada pela influência dos costumes orientais O grande aumento da riqueza entre os romanos devido a esses sucessos militares considerandose que a cidade ainda se baseava em uma economia rural de produção local é o responsável por uma série de acusações de decadência moral por causa do luxo do uso de roupas e utensílios domésticos vistosos banquetes e festas com dançarinas e até mesmo uma culinária mais sofisticada O maior exemplo dessas críticas que defendiam um estilo de vida romano puro virtuoso e frugal é o famoso discurso de Catão Figura 87 sobre a Lei Oppia no início do livro XXXIV de Tito Lívio do qual leremos um trecho dois vícios opostos a cupidez e o luxo flagelos que subverteram todos os grandes impérios assolam a cidade Quanto mais a situação de nosso Estado melhora e se torna feliz de dia para dia quanto mais nosso império se dilata já passamos à Grécia e à Ásia onde não faltam incitamentos às paixões e metemos a mão até no tesouro dos reis mais receio que semelhantes riquezas tomaram posse de nós em lugar de nós nos apossarmos delas Tenho ouvido muita gente gabar e admirar os ornamentos de Corinto e Atenas rindose das antefixas de terracota dos deuses romanos Já eu prefiro conservar esses deuses próprios que como tal continuarão se lhes permitirmos ficar em nossas casas Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 25 Figura 87 Marco Pórcio Catão 234149 aC cônsul e censor romano Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileMarcoPorcioCatonMajorjpg Porém várias mudanças culturais ocorridas em Roma durante o mesmo período do discurso de Catão mostram que seus argumentos refletiam uma retórica conservadora que já estava sendo ultrapassada Data do mesmo período a introdução de uma educação voltada para o aprendizado da língua e da literatura gregas com o liberto Lívio Andrônico educador particular de uma família aristocrática romana Sua atuação parece ter influenciado outras famílias da elite de Roma que passaram a procurar uma educação grega como verniz cultural de refinamento foi o caso por exemplo de Cipião Africano grande amigo de Políbio Lívio Andrônico foi o primeiro compositor de poemas em latim compostos em estilo grego o primeiro tradutor da Odisseia de Homero para o latim e compôs as primeiras peças de teatro encenadas em Roma conservadas hoje apenas em poucos fragmentos Essas peças conhecidas em latim pelo termo fabulae palliatae possuem um Mundo Helenístico 26 formato adaptado da Nova Comédia grega popular durante o período helenístico e antepassado das comédias de costumes encenadas até hoje Logo a seguir surgem as primeiras peças de teatro escritas em latim por um romano Plauto que estrearam nas décadas de 190 e 180 aC Essas peças eram encenadas não apenas na região de Roma Figura 88 mas também parecem ter sido muito populares na região da Campânia onde hoje fica a cidade de Nápoles já de forte influência grega Segundo a historiadora britânica Elizabeth Rawson foi com certeza a partir do palco que a cultura grega foi introduzida aos mais pobres junto com as artes visuais sempre muito importantes para os iletrados e a partir das quais ainda mais com a ajuda de um sacerdote ou auxiliar em um templo muitos devem ter aprendido algo sobre a mitologia grega tanto quanto a história romana RAWSON 1989 p 437438 Figura 88 Teatro romano de Túsculo cidade do Lácio próxima a Roma construído em 75 aC Os teatros no século II aC em Roma eram temporários construídos de madeira Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileTuscolo1jpg Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 27 Temos vários textos das peças de Plauto 254184 aC e de Terêncio 195 ou 185159 aC comédias que nos revelam detalhes importantes sobre a vida cotidiana em Roma especialmente dos escravos domésticos É possível verificar através delas como os romanos já estavam acostumados com alguns elementos da cultura grega Por exemplo Plauto usou por volta de 250 nomes próprios gregos entre seus personagens o que deveria remeter a certa intimidade da audiência com essas referências já que o humor da comédia tem por princípio a associação com elementos da vida cotidiana do público As próprias histórias contadas nas peças são cheias de referências à mitologia grega Se o teatro tinha vínculos na cultura popular também na alta literatura das elites a influência grega logo apareceu com a introdução da épica a partir dos Anais de Ênio 239169 aC As características dessa obra mostram a influência direta dos poemas épicos de Homero especialmente a Ilíada pela primeira vez um autor escreve em latim um poema épico sobre as origens de Roma em 15 livros referindose às mesmas musas de Homero suas deusas inspiradoras e em hexâmetro datílico A obra de Ênio foi tomada como referência por todo o resto da história romana suplantada apenas pela Eneida de Virgílio Segundo o poema que solidificava uma tradição já consolidada em Roma os romanos seriam descendentes dos troianos através do exílio do troiano Enéas na Itália após a derrota perante os gregos na guerra de Troia Em última instância com essa narrativa os romanos se apropriavam duplamente da herança grega adotando e adaptando a cultura grega para si e também mostrando que os troianos finalmente haviam triunfado sobre os gregos através da dominação da Grécia pelos seus descendentes os romanos Também na historiografia a introdução da cultura grega foi fundamental em Roma O primeiro historiador romano foi o senador Fábio Pictor que escreveu uma história de Roma em grego Ele seguiu o mesmo modelo historiográfico criado por Heródoto e Tucídides e transformado no período helenístico com a concepção de história Hexâmetro datílico O hexâmetro datílico é um tipo de métrica típica da poesia grega antiga usada na poesia épica de Homero A poesia antiga não se baseava em rimas como conhecemos hoje era apresentada com acompanhamento musical e seu ritmo era ditado pela alternância de sílabas longas e breves Mundo Helenístico 28 Atividade Final Atende ao Objetivo 2 Leia e analise a imagem e o texto a seguir Figura 89 Parte de um friso encontrado em uma casa romana na colina do Esquilino durante o século I aC A imagem representa uma cena da Odisseia de Homero com o encontro entre Odisseu e a feiticeira Circe Fonte httpwwwunicampbrchaarhaadownloadsRevista20112020artigo201 pdf universal de Timeu e depois de Políbio Sabemos pouco sobre ele e a única data que temos é um registro de sua visita ao oráculo de Delfos em 216 aC Fábio Pictor parece ter escrito em grego como forma de legitimar a presença e dominação de Roma perante um público mais amplo além de tomar a forma da história grega como sua referência literária Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 29 O poeta Horácio 658 aC escreveu uma famosa frase sobre a relação entre a Grécia e Roma A Grécia dominada superou o seu feroz vencedor e introduziu no agreste Lácio as artes Epístolas II 1156 Agora releia o trecho do discurso de Catão e responda de que forma se deu essa vitória dos gregos sobre seus vencedores para Catão e para Horácio Qual das duas interpretações está relacionada com a imagem Resposta Comentada As duas visões embora digam essencialmente a mesma coisa que a Grécia conquistou Roma depois de Roma ter conquistado a Grécia divergem na ênfase sobre o que é importante nessa conquista posterior Enquanto que Catão que escreveu durante o próprio período das Guerras Macedônicas estava preocupado com a afl uência da riqueza do butim de guerra e dos costumes cotidianos Horácio já via o passado de uma perspectiva mais distante reconhecendo a infl uência do pensamento e das artes gregas na cultura romana Sendo assim o friso de Odisseu no Esquilino presente em uma casa da elite romana com uma cena de Homero é um exemplo dessa concepção de Horácio Mundo Helenístico 30 CONCLUSÃO A conquista da Grécia pelos romanos foi um longo processo e uma análise de suas fases representadas pelas Guerras Macedônicas mostra como foi também circunstancial sem um planejamento sistemático que nos permita dizer que Roma estava construindo um império de maneira consciente Isso é resultado da própria fragmentação de poderes dentro da Grécia e da Macedônia no período por causa de suas frágeis e flutuantes alianças políticas e da maneira como Roma procurou não se prejudicar ao se envolver com a região dado que estava ocupada com a guerra contra os cartagineses Também não podemos entender a introdução da cultura grega em Roma sem antes reconhecer que a cidade sempre esteve em contato com os gregos pela presença na Magna Grécia e pela influência etrusca A atuação dos exércitos romanos na Grécia veio apenas a acentuar esses contatos culturais de forma cada vez mais intensa fazendo com que a cultura romana se formasse também como uma reapropriação da cultura grega adicionando seus elementos próprios RESUMO Os primeiros contatos entre romanos e gregos dentro da própria Grécia se deram em meados do século III aC quando Roma tentava assegurar a estabilidade de suas fronteiras Porém com o envolvimento gradual com as cidades e ligas gregas além do reino dos antigônidas a superioridade militar romana passou a ser determinante nas eventuais disputas regionais entre os detentores do poder local Os romanos também viram que o envolvimento nas guerras macedônicas era muito rentável mesmo com suas forças simultaneamente envolvidas na luta contra os cartagineses Aula 8 A chegada dos romanos e a introdução da cultura grega em Roma 31 Eventualmente com o desafio à autoridade romana mostrado por Perseu filho de Filipe V os romanos resolveram finalmente estabilizar a região através do fim da dinastia antigônida Logo depois como novas rebeliões ainda causavam conflitos a solução adotada pelos romanos foi finalmente anexar os territórios gregos ao seu controle direto Foi uma consequência desse processo gradual a presença de educadores e intelectuais gregos em Roma bem como a percepção crescente entre a elite de que a aquisição da cultura grega conferia status e prestígio Assim enquanto o povo assistia às primeiras peças de teatro em latim derivadas dos formatos gregos a elite começava a produzir uma literatura cujas formas também derivavam dos modelos gregos como a épica e a historiografia Informação sobre a próxima aula Veremos na próxima aula como as cidades em todo o mundo helenístico se formaram e se desenvolveram adaptando o modelo da polis clássica para áreas além da Grécia como a Ásia e o Egito Essa foi uma das maneiras mais características da expansão da cultura grega no mundo antigo e também um dos principais legados das conquistas de Alexandre Please call one of our Customer Service Representatives for assistance UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS IFCS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA PPGHC HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE Estudo das interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica Dissertação de Mestrado Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira Dissertação apresentada à coordenação do Programa de PósGraduação em História Comparada da UFRJ visando a obtenção do título de Mestre Linha de Pesquisa História Comparada das Diferenças Sociais Orientadora Profª Dra Marta Méga de Andrade Rio de Janeiro junho 2005 SUMÁRIO FOLHA DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS EPÍGRAFE RESUMOABSTRACT SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE TABELAS LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO 12 1 HELENIZAÇÃO EGIPCIANIZAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE 19 11 CulturaIdentidadesNómos 27 12 Do Contexto Histórico das Relações GrecoEgípcias 39 2 RELAÇÕES DE PODER ENTE OS TEMPLOS EGÍPCIOS E O DOMINADOR HELENÍSTICO 45 21 Formas de Cooperação 46 22 Idioma e Campus Político 70 23 Formas de Conflito 74 24 O Campus Político e as Jurisdições de Habitus 83 3 A CHÓRA EGÍPCIA E A PRAGMÁTICA DO COTIDIANO 86 31 As Interações Cotidianas na Chóra do Egito Helenístico 90 32 Uma Reformulação Prática da Identidade 112 CONCLUSÃO 118 BIBLIOGRAFIA 124 APÊNDICES 132 86 3 A CHÓRA EGÍPCIA E A PRAGMÁTICA DO COTIDIANO O Mundo Helenístico se caracteriza pela transformação da sociedade grega Clássica mediante a criação de novos espaços de relacionamento devido ao contato com civilizações bárbaras em decorrência das conquistas militares macedônias Com esses novos espaços constroemse novos referenciais novas dimensões para a percepção de algo convencionado pelo senso comum como realidade ou normalidade dentro de um consenso cultural grego ou helenizado Murray observa bem essa particularidade cultural helenística ao comentar Certas práticas tradicionais revelam o modo como os macedônios adotaram e adaptaram costumes gregos A obrigatoriedade de um homem ter de caçar um javali para poder comer reclinado e não sentado o que reflete a distinção que entre gregos se fazia entre adultos e jovens ou o uso da trombeta para anunciar o fim do deipnon e o início do symposion1993 224 Podemos definir essa percepção de normalidade como uma relação de solidariedade entre o passado o presente e o futuro Nesse espírito compreendemos a tradição como um mecanismo que busque zelar pela noção de normalidade e continuidade de uma sociedade É esse sentido por trás das ações e dos objetos que caracteriza um universo simbólico específico de cada sociedade e lhe oferece os elementos necessários para a concepção de sua própria identidade As migrações características dos realinhamentos geopolíticos do Mundo Helenísticos tiveram como conseqüência um fluxo de colonos helenizados em direção ao interior do Egito a chóra Podemos então incluir na discussão a importância da chóra ptolomaica e sobretudo do papel desempenhado pela colonização helenística do Fayum ou Nomos Arsinoíta nome da província helenística que abrangia aquela região enquanto ponto focal das primeiras políticas econômicas e sociais do governo macedônio devido a sua terra arável em pleno deserto Localizado ao sul de Mênfis o Fayum é irrigado por um braço do Nilo que conduz à região do lago Moeris A lista de vilas do Fayum conta 144 nomes de assentamentos 87 de tamanhos variados tópoi epoíkia choría Dessas 144 vilas kômai 66 têm nomes gregos e 48 nomes egípcios Muitas dessas vilas de nome grego foram criadas pelos Ptolomeus Rostovtzeff explica que No Fayum como nos EUA outra área de grande colonização encontramos vilas e vilas homônimas de cidades famosas nesse caso cidades do Alto e Baixo Egitos com seus nomes meio helenizados meio egípcios Apóllonos pólis kôme Hermoû pólis kôme Helíou pólis kôme Kunôn pólis kôme Letoûs pólis kôme Mênfis kôme bem como Athrîbis Boúbastos Bousîris Mendes Tânis Sem dúvida esses nomes evocam os lugares de onde os novos colonos vieram para o Fayum51 196709 Em todo o Fayum e suas 66 kômai de nomes gregos existem somente 14 com nomes dinásticos52 O mais usual era nomear as kômai homenageando deuses ou pessoas ligadas à realeza como alto oficiais da burocracia do Fayum em particular A grande diferença entre os assentamentos com nomes gregos e egípcios é dada pelo fato de que no primeiro caso a população é majoritariamente de populações gregashelenizadas e no segundo caso é de nativos ou seja No primeiro caso muito dos assentamentos são de soldados gregoshelenizados clerurcos e no segundo caso de basilikoì georgoí camponeses das terras reais Essa região possuía uma população relativamente alta de gregos a qual segundo Stanwick ajudou a criar uma transição cultural específica englobando projetos de construção de templos e de estátuas incomuns53200323 Em nossa pesquisa procuramos demonstrar a existência de um nómos enquanto projeto ideológico das elites historicamente situado e contextualizado em um caso egípcio Conforme vimos a estratégia imperial de dominação helenística do Egito exigia o uso de um poder mediador local para legitimar o projeto de dominação do nativo Nesse mérito a questão do nómos envolve uma dimensão de negociações entre hegemonias culturais e elites políticas egípcias uma vez que os templos possuíam autoridade moral e política sobre a população e devido ao fato de que as instituições administrativas estavam em maioria sob 51 Esses nomes pertencem a capitais de nomos províncias no Delta e Médio Egito 52 Rostovtzeff 196710 supõe que as kômai com nomes dinásticos poderiam estar ligados à uma permissão especial ou patronagem real ou até mesmo à instituição de um culto real pelos colonos 88 encargo dos sacerdotes além da existência de um prestígio inquestionável do sacerdote frente à religiosa sociedade egípcia Isso conseqüentemente permitiu o desenvolvimento de relações políticas entre duas instâncias de poder a monarquia helenística e as elites sacerdotais nativas Contudo podemos estabelecer a seguinte questão e quanto ao restante da população do Egito Helenístico Fora do universo das negociações institucionais entre duas elites extremamente ciosas de suas condições em suas respectivas sociedades temos o contato cotidiano constante e crescente entre indivíduos de diversas procedências dentro da sociedade Colonos militares54 gregos e helenizados ocuparam inúmeras regiões da chóra egípcia principalmente a região do Fayum onde então se inseriam em um espaço onde se encontrariam como uma minoria em relação à população egípcia nativa presente Que conseqüências tais contatos poderiam trazer à nossa discussão Para compreender essa nova fase de nossa discussão precisamos recorrer a uma segunda dimensão do nómos em nossa abordagem um conceito grego de cultura Para desenvolvermos o assunto investigaremos a forma como o nómos alcança a esfera do cotidiano abordando as interações culturais diárias O objetivo deste capítulo é portanto estabelecer uma análise de fontes sobre o contexto das relações cotidianas entre as comunidades egípcia nativa e helenística na chóra Através do estudo dos contatos diários entre esses grupos buscamos compreender o processo pelo qual um nómos grego primário adaptou e incorporou valores tradicionais egípcios a seu universo simbólico de modo à reproduzir as apropriações características e específicas de um nómos grego no Egito isto é um nómos grego adequado a uma realidade simbólica oriunda das relações sociais existentes e conseqüentes de interações entre o helenismo e o egípcio 53 O autor menciona a presença de um estilo faiúnico exemplificado entre outros aspectos pelos numerosos trabalhos de estátuas de Ptolomeus em estilo egípcio mas com cabelos ao estilo grego 54 O termo seria clerurcos mas não se trata de uma clerurquia ao modo Clássico mas sim segundo a política egípcia de tentar fixar mercenários com terras stratópeda 89 Aqui faremos uso de inscrições gregas em pedra epigrafia de modo a complementar e enriquecer os tópicos levantados pela documentação principal Nossas fontes para o estudo do cotidiano egípcio são majoritariamente oriundas de levantamentos papirológicos Exemplos de cultura material recuperados mediante atividade arqueológica os papiros provém de três fontes básicas montes de entulhos formados em decorrência de habitação humana ruínas de residências e edifícios públicos e túmulos tanto como parte dos bens funerários do defunto como principalmente devido à utilização de papiros usados como enchimento em substituição às vísceras das múmias Os papiros contribuem com os estudos históricos uma vez que estes são responsáveis por consideráveis acréscimos à literatura grega oriundo de escavações arqueológicas Dentre as descobertas podemos citar a Constituição de Atenas de Aristóteles o Ichneutae de Sófocles o Hellenica Oxyrhynchia provavelmente escrito por Éforo poemas de Safo e Alceu de Corina e Calímaco a obra de Antífonte entre outros remontam suas descobertas às escavações na área de Medinet elFayum Segundo Horta as fontes oriundas de papiros também oferecem interesse devido ao fato de registrar aspectos da língua falada koiné55 o que é pouco evidente em textos de caráter oficial mas os escribas menos instruídos sempre nos informam melhor sobre a língua corrente de sua época conhecemos papiros que datam até do IV século aC 1991 69 A contribuição do papiro para os estudos do mundo helenístico pode ser bem ilustrada pelo comentário de Roberts que diz Uma frase como Helenização do Oriente Próximo assume uma significação mais definida quando refletimos que no sítio da pequena aldeia egípcia de Socnopaiou Nesus pendurada numa rocha acima do Lago Moeris e separada por milhas de deserto ou água da aldeia mais próxima centralizada em torno do templo do deus crocodilo Sobk e por tal templo dominada foram encontrados fragmentos do Heitor de Astidamas e da Apologia de Platão enquanto sabemos que entre os autores que eram lidos na vizinha Karanis figuram Chariton Isócrates e um gramático latino Palaemon1993 385 55 A autora participa da seguinte posição sobre o conceito de koiné a koiné consiste em um conjunto de tendências que a tradição escrita mascarava ou comprimia mas cuja força irresistível levouas a se manifestarem mais acentuadamente sempre que as circunstâncias o permitiram Em suma o termo é dúbio porque designa uma língua em que a tradição poderosa lutou por muitos séculos contra as tendências da evolução da lingüística daí a koiné não ser uma língua fixada nem tampouco um idioma que evolua em obediência regular a determinadas tendências Ela é uma espécie de equilíbrio constantemente variável entre fixação e evolução 1991 69 90 Tal relato nos oferece uma boa dimensão da extensão e variedade da literaturacultura grega no Egito Roberts explica que no Egito providencial de qualquer forma não se fez qualquer tentativa para manter pura a raça ser grego logo significou falar grego e ter tido uma educação grega Daí não ser qualquer acidente o fato de que tantos papiros literários foram recuperados com origem no Egito1993 373 Contudo em nosso trabalho exploramos um outro aspecto do potencial da informação proveniente do papiro Dentre as fontes documentais em papiro do Egito Ptolomaico pouquíssimas remetem ao início da dominação grega sobre o Egito Em adição a esse fato ressaltase que esses papiros estão por vezes fragmentados e em más condições de preservação As descobertas papirológicas formam grandes quebracabeças solucionados ao longo de décadas de novas escavações em busca de novas peças Roberts reconhece que de nenhum outro país do mundo antigo herdamos uma tal abundância de material variado relativo a todas as formas complexas da vida econômica e social 1993 383 Do Fayum provém a maior parte dos papiros encontrados estudados e publicados sobre o Egito Helenístico Os papiros fornecem a maior parte do conhecimento acerca da realidade do Egito Helenístico Esse potencial precisa ser explorado para nos permitir dimensionar as práticas sociais decorrentes das trocas culturais entre gregoshelenizados e egípcios nativos 3 1 As Interações Cotidianas na Chóra do Egito Helenístico Desde o período Clássico por definição a chóra era essencialmente um espaço ligado ao rústico agroikos Segundo Borgeaud A principal oposição que subentende todas as outras é a que existe entre o campo e a cidade Com efeito agroikos opõese a asteios urbano O agroikos ocupa idealmente uma posição liminar entre as fronteiras os eschatiai e o centro urbano o astu entre o coração e os limites do território delimitado a chora 1994 140 91 No Egito Helenístico o termo chóra designa também todo o espaço exterior à cidade de Alexandria propriamente dita ou seja tanto os aglomerados e centros populacionais como os campos espaços de trabalho agrícola Originariamente o agroikos era aquele que vivia no agros isto é nas terras de pastagens e nos campos não cultivados segundo uma concepção homérica Posteriormente no século V aC o termo se associa a agrios que significa selvagem feroz Borgeaud explica que no século V é que essa oposição se torna oposição entre o espaço exterior considerado no seu conjunto e o espaço urbano Por isso a evolução que vai desde a epopéia à comédia é uma evolução histórica e econômica1994139 No Reino Helenístico do Egito uma vez que a noção de helenização evoca necessariamente um espaço das cidades logo urbano56 a chóra agrega inicialmente os habitantes egípcios bárbaros ou seja o outro configurando uma idéia de fronteira57 ou espaços de mediação entre os núcleos helenizados do reino Lágida Assim a reprodução da dicotomia campo X cidade no Egito Helenístico ganha uma nova dimensão ao incorporar a figura do egípcio aos espaços rurais da chóra È nessa chóra egípcia helenística que as interações culturais entre grupos sociais nativos e estrangeiros se dará com maior intensidade Segundo Burke como culturas inteiras há locais específicos que são particularmente favoráveis à troca cultural especialmente as metrópoles e as fronteiras2003 73 A chóra egípcia se encaixa bem como local favorável à troca cultural Enquanto uma das regiões de maior acolhida da imigração helenística da chóra egípcia o Fayum pode ser definido como uma área de fronteira cultural entre o mundo helenístico e o egípcio nativo O autor prossegue afirmando que essas zonas de fronteira podem ser descritas como interculturas não 56Podemos compreender o termo se percebermos a política de construções de prédios representantes de instituições culturais helênicas como teatros e ginásios além de casos de construções de póleis inteiras para recriar o espaço helênico ideal como Alexandria no Egito e inúmeros exemplos na Síria vida em póleis é o oposto à vida escolhida pelos bárbaros que nesse sentido atraem para si o estereótipo do agrios 92 apenas locais de encontro mas também de sobreposições ou intersecções entre culturas nas quais o que começa como uma mistura acaba se transformando na criação de algo novo e diferente200373 Como vimos a própria definição de chóra implica um espaço de mediação entre o asteioscivilizadohelenístico de Alexandria e demais espaços oficialmente helenizados como bairros helenísticos em capitais de nomos ou outras póleis e o agroikosbárbaroegípcio dominante na área rural oferecendo o potencial para o surgimento tanto de uma cultura material como de práticas sociais intercomunitárias em conjunto com as produções híbridas resultantes A conquista macedônica do Egito e essas migrações subseqüentes proporcionaram uma distribuição populacional diversificada ao longo da chóra egípcia Segundo Murray As novas cidades helenísticas eram possessões coloniais instaladas num ambiente estrangeiro indiferente e por vezes hostil por conseguinte as suas instituições refletiam um desejo de manter e reforçar a sua identidade cultural e de grupo No período helenístico ser um cidadão significava pertencer à elite cultural helênica 1993 225 Sob uma ótica ideológica do poder político a unidade identitária próhelênica seria alcançar uma pretensa coesão social de modo a permitir a reprodução da dicotomia cultural gregos X bárbaros Mas será que essa postura dicotomista se sustenta em uma análise das práticas cotidianas Podemos entender a chóra como um espaço de convivência comum onde ocorreram novas formas de relações sociais entre grupos de diferentes procedências estrangeiros e nativos Justamente por serem novas formas de relações sociais estas não possuem precedentes para orientar os agentes sociais em ação Este risco empírico Sahlins 1994 oferece um potencial de transformação dessas relações sociais e conseqüentemente a reformulação da noção de identidade dos grupos envolvidos O que poderia aproximar indivíduos helenizados de aspectos culturais egípcios Como se desenvolve uma assimilação helenística de algum atributo ou instituição tradicional 57 Dizemos fronteiras uma vez que são espaços em que indivíduos de culturas diferentes se encontram e conseqüentemente onde as diferenças se encontram e se medem Não significa aqui que existisse uma 93 egípciabárbara Podemos desenvolver uma discussão interessante através da análise do fragmento de carta reproduzido a seguir de uma esposa a seu marido segundo a interpretação de Rémondon Bagnall e Derrow 1981 195 que aparentemente concorda com um homem que aprende egípcio visando estar apto para ensinar meninos escravos gregos a arte médica egípcia da iatroklysteria58 de um mestre egípcio Sabendo que você está aprendendo a escrita egípcia eu fico feliz por você e por mim mesma pois agora você vem para a cidade e vai ensinar os meninosescravos no estabelecimento de Phalou o médico dos banhos públicos59 e você terá meios de sustento na velhice SécII aC GHDHP 116 Para Rémondon60 tratase antes de tudo de um sistema tipicamente grego usar a sabedoria egípcia para a obtenção de lucros e não uma característica decorrente de uma crescente interação sóciocultural entre os grupos A nosso ver a despeito dos lucros que seriam obtidos sugere antes de tudo um indício de um dos motivos para o aprendizado da língua egípcia era o de se apropriar mesmo que economicamente de práticas e saberes que de outro modo permaneceriam incomunicáveis aos gregos A crença na eficiência eou utilidade de determinados conhecimentos egípcios poderia inserir no senso comum helenístico a discussão a respeito de sua adoção Nesse contexto a maior parte dos conhecimentos médicos ou mágicos está diretamente conectada a esfera religiosa egípcia Podemos então inserir uma demonstração da apropriação grega do conhecimento egípcio de interpretação de sonhos pela carta a seguir De Apollonius para Ptolomaeus seu pai saudações Eu juro por Sarapis que se eu tiver sequer um pequeno arrependimento você jamais verá minha face novamente Para você nada mais que mentiras bem como para seus deuses pois eles nos mergulharam em um profundo atoleiro no qual podemos morrer e quando você tem uma visão de que nós estamos sendo resgatados aí então afundamos definitivamente Saiba que o fugitivo61 tentará nos impedir ficando no lugar isso porque por nossa causa ele sofreu uma perda de 15 talentos O estratego está vindo amanhã para o Sarapeum e passará dois dias no Anubieum62 bebendo Nunca mais eu mostro minha cabeça em Tricomia pela vergonha de nos havermos permitido confiar e ser iludidos enganados demarcação física formal e específica visando a separação entre egípcios nativos e estrangeiros helenizados 58 Técnica de administração de purgativos 59 Vale citar Roberts que observa que banhos públicos tanto para homens como para mulheres era uma inovação grega para o camponês egípcio então agora contente com o Nilo a idéia era tão estrangeira como a do ginásio para os gregos essas coisas significavam civilização1993 397 60 cf Chronique dEgypte 39 1964 12646 61 Warmington explica que o escritor se refere a um inimigo chamado Menedemus1970 289 62 O autor prossegue dizendo se tratar de um templo de Anúbis próximo à avenida do Serapeumibidem 94 pelos deuses e acreditando em sonhos63 Passar bem Verso endereçado a Ptolomaeus saudações À esquerda em letra pequena Uma resposta para os faladores da verdade alétheian légountes c152 aC Sel Pap I 100 Independentemente de seus resultados agradar a todos podese constatar que a consulta a interpretes de sonhos era uma prática originalmente egípcia naturalizada e incorporada às práticas cotidianas helenísticas Aqui notamos que existe um reconhecimento de uma prática cultural egípcia e que em meados do século II aC existia a presença em alguns segmentos da população helênica que participava das mesmas práticas Se a carta analisada nos indica que nem sempre era uma garantia de eficiência o fato é que Apollonius mesmo sem acreditar em sonhos premonitórios teve a opção de consultar um profissional da área a conselho de Ptolomaeus Apollonius em sua revolta acusa seu pai por sua credulidade e menospreza seus deuses indicando que seu pai acreditava na eficácia dos deuses egípcios e das práticas mágicas de seus sacerdotes Podemos constatar em nossa análise que a dicotomia entre os dois nomói não apenas não organiza a priori as escolhas dos agentes sociais explorados como aparece em seu horizonte mais pragmaticamente do que estruturalmente Sahlins afirma que os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais informados por significados de coisas e de pessoas submetem as categorias culturais a riscos empíricos Na medida em que o simbólico é deste modo pragmático o sistema é no tempo a síntese da reprodução e variação 1994 09 Os esquemas culturais trazidos ao ordenamento da prática cotidiana estão constantemente sujeitas a tais riscos A própria religiosidade egípcia comentada e admirada por observadores estrangeiros ao longo dos séculos parece tornarse presente entre indivíduos helenizados Conseqüentemente à difusão da religiosidade egípcia unemse as práticas culturais a ela vinculadas como podemos observar a seguir 63 Ainda segundo WarmingtonO Serapeum era o local favorito para pessoas em busca de revelações através de sonhos e Ptolomaeus era um crente devoto dessa superstição Muitas de suas cartas referemse ao mesmo assuntoibdem 95 Isias para seu irmão64 Hephaestion saudações Se você vai bem e as demais coisas estão certas iria de acordo com as preces que faço continuamente para os deuses Eu mesma e a criança e todos da casa estão com boa saúde e sempre pensando em você Quando eu recebi sua carta de Hórus em que você nos informa que está em detenção65 no Serapeum de Mênfis agradeci imediatamente aos deuses ao saber que você estava bem mas a respeito do fato de você não retornar ao lar enquanto todos os outros que se retiraram de lá já voltaram eu fico desapontada porque após ter dirigido a mim e sua criança por tantos momentos ruins e estando aos extremos devido ao preço do trigo eu pensava que pelo menos agora você estaria em casa eu deveria apreciar essa prorrogação uma vez que você nem sequer pensa em voltar para casa nem dá atenção às nossas condições lembrando como eu estava em carência de tudo enquanto você ainda estava aqui para não mencionar este longo lapso de tempo e esses dias críticos durante os quais você não nos enviou nada Como além de tudo sendo Hórus quem enviou a carta que nos trouxe notícias de seu relaxamento de detenção fico ainda mais insatisfeita não obstante como sua mãe também está aborrecida por ela bem como por mim por favor retorne para a cidade se nada mais detiver você aí Você me fará um favor cuidando também de sua saúde corporal Adeus Ano 2 Epeiph 30 Verso Para Hephaestion 168 aC Sel Pap I 97 Podemos incluir a essa questão das apropriações de elementos egípcios a prática do casamento entre irmãos tradição egípcia ligada ao mito do casamento de Osíris com sua irmã Isis largamente adotada pela população helenística Depois que os Ptolomeus sancionaram a união entre irmãos um costume egípcio mas que a própria família real adotara a população helenizada passou a praticála largamente Roberts comenta que nenhuma concessão feita pelo helenismo aos costumes orientais é mais impressionante que essa é digno de nota que no Gnomon do Idios Logos julgouse necessário proibir expressamente tais casamentos a romanos1993 398 Quando ocorreu a criação do deus patrono de Alexandria e da dinastia Lágida Serápis pelos primeiros monarcas helenísticos seguiuse o desenvolvimento de um culto sincrético mediante um encontro de sábios egípcios e helenísticos assimilando elementos nativos como os oráculos de sonhos adotandoo em seus novos templos em busca de adeptos devido a grande popularidade da prática frente à população helenística e egípcia Bagnall e Derrow observam que a interpretação de sonhos era sem dúvida uma especialidade reconhecida de certas práticas religiosas egípcias 1981193 Isias comenta que todos os outros que haviam se retirado para o Serapeum já haviam retornado a seus lares enquanto 64 Warmington informa que Hephaestion era o marido de Isias mas de acordo com Wilcken o termo irmão deve ser considerado literalmente1970 282 96 Hephaestion permanecia internado causando graves problemas a sua família e dependentes justificando suas críticas ao excesso de zelo para com assuntos espirituais por seu esposo irmão Outro aspecto que vale explorar é o uso de um nome não helênico ou melhor de um nome egípcio helenizado Isias pode ilustrar neste caso de teoforia a popularidade de divindades egípcias entre a comunidade helenística Segundo Crawford O problema da nacionalidade refletida pelos nomes continuará a perturbar qualquer estudante do Egito GrecoRomano mas é algo que precisa ser enfrentado desde que visto como a mistura de populações e áreas de conflito nessa sociedade Um nome sozinho e fora de contexto não pode dizer nada a respeito da nacionalidade de seu dono1971133 Gradativamente nomes próprios vão sendo inovados no Egito Helenístico Em muitos casos gregos adotaram nomes egípcios helenizados como Isias Essa prática assumiu graus variados em períodos diversos Outros casos demonstram egípcios adotando um segundo nome helênico chegando a traduzir para o grego os nomes egípcios seja por aproximação de significados Theagenes Isis ou mera aproximação fonética Thonis Theon Retornaremos em breve ao assunto Precisamos inserir à nossa discussão a questão dos casamentos mistos Através desses casamentos um discurso de diferença e superioridade cultural helênica encontrava um problema a impossibilidade de sua reprodução em famílias mistas e um dilema como classificar ou mesmo identificar os filhos de tais casamentos Vejamos a seguinte fonte Sumário Ano 22 Mecheir 11 Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono66 combina com Apollonia também chamada Kellauthis filha de Heraclides Persa tido por ela como guardião de seu irmão Apollonius que ele recebeu dela em moeda de cobre 2 talentos 4000 drachmae o seu dote por ela mesma Apollonia concordando com ele Guardião do contrato Dionysius Texto do contrato No 22º ano de reinado de Ptolomeu também chamado Alexandre e outros sacerdotes sendo como se escreve em Alexandria67 o 11º do mês de Xandicus como o 11º do Mecheir em Kerkeosíris na divisão de Polemon do nomos Arsinoíta Philiscus filho de Apollonius Persa do epígono acerta 65 Íbdem Possivelmente não através de uma agência humana mas em obediência à vontade do deus Sarapis manifestada de alguma forma para a pessoa em questão O recluso era possuído pelo deus seja por um curto período de tempo ou por muitos anos 1970 283 66 Literalmente segundo Warmington significa Persa da geração seguinte denotando um certo status social mas é difícil dizer o que o termo originalmente significa e o que eventualmente queria implicar 197007 67 Os escribas sempre usam esse artifício quando querem evitar reescrever sempre a lista dos sacerdotes nomeados eponymous 97 com Apollonia também chamada Kellauthis filha de Heraclides Persa tido por ela como guardião de seu irmão Apollonius que ele recebeu dela em moeda de cobre 2 talentos 4000 drachmae o dote por ela mesma Apollonia deverá viver com Philiscus obedecendoo como uma esposa deve a seu marido possuindo suas propriedades em comum com ele Todas as necessidades e vestes e o que mais for próprio para uma esposa legalmente casada Philiscus deverá suprir a Apollonia esteja ele em casa ou fora em proporção aos seus meios Não será considerado de legalidade para Philiscus possuir outra esposa além de Apollonia nem manter uma concubina ou rapaz nem ter filhos com outra mulher enquanto Apollonia vive nem habitar outra casa sobre a qual Apollonia não seja senhora nem expulsar ou insultar ou maltratala nem alienar qualquer parte da propriedade deles em detrimento de Apollonia Se ele é comprovado como tendo feito uma dessas coisas ou fracassar em suprila com necessidade ou vestimentas ou outras coisas como estabelecido Philiscus deverá restituir a Apollonia o dote de 2 talentos 4000 drachmae de cobre Da mesma forma não será de legalidade para Apollonia passar a noite ou dia fora da casa de Philiscus sem o consentimento de Philiscus ou flertar com qualquer outro homem ou desonrar o lar comum ou causar a Philiscus alguma vergonha por qualquer ato que traga a vergonha sobre um marido Se Apollonia optar por sua própria vontade se separar de Philiscus Philiscus deverá indenizala com o exato dote dentro de dez dias a partir da demanda Se ele não pagar como acertado ele irá pagar uma multa a ela de uma vez e meia a quantidade do dote que ele recebera Testemunhas Dionysius filho do patrono Pátronos Dionysius filho de Hermaiscus Theon filho de Ptolemaeus Dydimus filho de Ptolemaeus Dionysius filho de Dionysius Heraclius filho de Diocles todos os seis Macedônios do Epígono Guardião do contrato Dionysius Reconhecimento Eu Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono reconheço que recebi o dote de 2 talentos 4000 drachmae de cobre como estabelecido acima e eu depositei o contrato sendo válido com Dionysius Dionysius filho de Hermaiscus o supracitado escreveu por ele que é iletrado Recibo Eu Dionysius recebi o contrato sendo válido Registro Depositado para registro em Mecheir 11 do ano 22 Endossado Casamento resumido de Apollonia com Philiscus 92 aC Sel Pap I 02 Através dos casamentos mistos entre nativos e helenizados constatamos uma forma bastante eficiente de diminuição da idéia original da diferença bem como redução da idéia original de distância característica de um momento inicial de encontro entre duas culturas diferentes No texto localizamos o epíteto do Epígono atribuído ao noivo Persa do Epígono e às seis testemunhas Macedônios do Epígono em adição à informação sobre a origem individual Warmington supõe que o termo originalmente se aplicasse a filhos de soldados estrangeiros nascidos no Egito mas em tempos posteriores Persa do Epígono era usado indiscriminadamente para significar um certo status legal 1970 448 Receber uma classificação de grego significa antes de qualquer coisa o reconhecimento oficial do governo de que um determinado indivíduo não é um bárbaro Nossa fonte trata do casamento de um homem grego Philiscus filho de Apollonius Persa do Epígono com uma mulher meio egípcia ApolloniaKellauthis filha de Heraclides persa mas de nome grego Interessante que a mulher egípcia e seu pai persa não estão juridicamente classificados como gregos embora possuam nomes helênicos e sejam atendidos pela máquina burocrática grega 98 Retornamos então a questão de nomenclatura Vimos que a noiva possui um nome duplo Crawford comenta que uma certa vertente da sociedade egípcia buscava melhorar seu status pela adoção de um nome duplo egípcio e grego que bem podia ser eventualmente substituído por um puramente grego1971 134 De fato constatamos em nossa análise que o documento reconhece em seu sumário que a mulher egípcia possui um nome duplo grego e egípcio embora a identifique em seu corpus apenas como Apollonia seu nome grego Reproduzimos abaixo sob forma de tabela uma lista baseada nos estudos de Crawford sobre os nomes duplos utilizados pelos habitantes de Kerkeosiris a aldeia citada pela fonte Tabela 03 Nomes Duplos GrecoEgípcios Nome duplo Fonte os números entre parênteses se referem à data Notas complementares sobre a documentação KellauthisApollonia filha de Herakleides e uma Persine PTebt 104 12 Sel Pap I 02 92 Contrato de casamento PetosirisDionysios filho de ThonisTheon P Tebt 109 1 93 Contratos de venda de trigo AthermouthisAthenais esposa de PetosirisDionysios um Persa do epigono P Tebt 109 2 93 Filha de PresretisApollonios citado abaixo Presretis SICApollonios P Tebt 109 3 MenchesAsklepiades P Tebt 164 Escriba da vila de Kerkeosiris e filho do PetesouchosAmmonios citado abaixo PetesouchosAmmonios P Tebt 164 Descrição fins do segundo século uma tradução grega de um contrato em demótico Petesouchos filho de Asklepiades P Tebt164 A contraparte do contrato acima PetesouchosPolemon P Tebt 29 2 c 110 Escriba da vila de Kerkeosiris Carta ao chrematistai Petesouchos ocorre em outras fontes sem seu nome duplo em P Tebt 77 1 110 78 1 110 108 53 1 110 PetesouchosPtolemaios filho de Haryotes Apollonios P Tebt 105 1 103 Arrendamento de terra Ptolemaios filho de Apollonios é conhecido em P Tebt 62 88 119118 158 103 e 106 1101 PetesouchosPeteuris filho de Selebous P Tebt 110 1 Sel Pap I 68 92 ou 59 Empréstimo de trigo um surpreendente nome duplamente egípcio 1971 135 ErgeusHermias filho de Petesouchos P Tebt 110 23 92 ou 59 NektsaphthisMaron filho de PetosirisDionysios P Tebt 61 a 8 17 40 118117 62 110 119118 85 59 113 63 126 116 115 64 a 107 116 115 75 10 112 84 99 115 124 118 105 103 106 1 101 245 Baseado nas informações de Crawford 1971 135 Mas a adoção de nomes duplos implicaria necessariamente em uma estratégia consciente de obtenção de melhorias sociais como defende Crawford A autora explica que a ocorrência de nomes dupla tende a preferir certa forma de documentação tais como contratos inspeções de terra e cartas oficiais Seria portanto impossível saber quantos egípcios nativos estavam ocultados por trás de nomes puramente gregos em listas de impostos memorandos e outras fontes menos oficiais68 e não uma apropriação pragmática de valores Não insinuamos aqui um pragmatismo no sentido de dotar os egípcios com uma racionalidade burguesa como Sahlins69 2001 acusa Obeyesekere70 em um sentido de utilidade prática e benefícios econômicos minuciosamente identificados mas um processo de apropriação no contexto de uma relação de clientela entre o grego do Fayum e o Egípcio por ele protegido Assim a adoção de nomes duplos grecoegípcios pode decorrer de um reconhecimento egípcio de um simbolismo poderoso por trás dos nomes gregos O estabelecimento de uma monarquia helenística no Egito criou uma nova elite social no reino os helenizados ou gregos Isso classificou em uma condição subalterna as populações nãohelenizadas portanto bárbaras Contudo até que ponto um determinismo de submissão e inferioridade social era aceito passivamente pelos egípcios nativos No trecho a seguir reproduzse uma carta de um egípcio a um grego escrita em grego a Zenon saudação Você faz bem se você está saudável Eu também estou bem Você sabe que você me deixou na Síria com Krotos e eu fiz tudo que foi ordenado a respeito dos camelos e fui inocente perante 68 Crawford cita P Adler dem 2 123 acrescentando ainda como exemplo que Isidoros filho de Theon que era chamado de Paesi filho de Jeho em uma diagraphé grega era simplesmente chamado Paêsis tou Teôtos 1971 135 69 Sahlins afirma Em última análise o antietnocentrismo de Obeysekere vira um etnocentrismo simétrico e inverso com os havaianos consistentemente praticando uma racionalidade burguesa e os europeus incapazes por mais de duzentos anos de fazer qualquer coisa além de reproduzir o mito de que os nativos os consideravam deuses Digo racionalidade burguesa porque como logo veremos desde o século XVII a filosofia empirista em questão pressupôs um certo sujeito utilista uma criatura de carência infinita contraposta sobretudo a um mundo puramente natural 2001 23 70 Cf ObeyesekereThe Apotheosis of Capitain Cook 1992 100 você Quando você enviou a ordem para me dar pagamento ele deu nada do que você ordenou e Krotos me deu nada e sim continuou dizendome para eu me retirar eu permaneci por um longo tempo esperando por você mas quando eu em busca pelo essencial e não conseguindo nada em lugar algum eu fui compelido a fugir para a Síria para assim não perecer de fome Assim eu escrevi para você para que você possa saber que Krotos foi a causa disso Quando você me enviou novamente para Philadelphia para Jason novamente eu faço tudo que é ordenado por nove meses agora ele me deu nada do que você ordenou a mim ter nem óleo nem grão exceto pelo período de dois meses quando então ele me pagou as vestes ajuda de custo E eu estou em dificuldade no verão e no inverno E ele me ordenou a aceitar vinho ordinário como salário Bem eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro Eu imploro a você portanto se isso parecer justo a você dar a eles ordens que eu obtenha o que é merecido e que no futuro eles me paguem no total de modo eu não pereça de fome pois eu sei grecizar71 Você portanto dê atenção a mim por favor Eu rezo a todos os deuses e à divindade guardiã daimon do Rei que você permaneça bem e venha a nós em breve para então você possa por si mesmo ver que eu sou inocente Passar bem Endereçado a Zenon72 c256255 aC GHDHP 114 HWARC 245 A primeira vista o fragmento nos proporciona informações sobre uma subordinação e subserviência de um egípcio que aceita o lugar que os gregos reservariam a ele não sabe fingir o heleno enfim é um bárbaro Talvez esta fosse a linha principal de uma interpretação mais aprofundada se não houvesse o pedido final muito polido muito subserviente e até um pouco emotivo para que Zenon intercedesse pelo egípcio Analisando menos superficialmente percebemos que se trata de trabalhos contratados e não pagos ao interlocutor egípcio que pede pela intervenção de Zenon O remetente reclama em grego ao seu senhor Zenon sobre o tratamento que veio recebendo de seus agentes após sua partida de volta para o Fayum Até que ponto o discurso da subserviência demonstra uma subordinação de fato O egípcio diz que sabe agir como heleno quando necessário De acordo com Sahlins o conhecimento cultural é uma relação de intuições empíricas com proposições locais 2001 22 Isso significa que existe um reconhecimento egípcio de uma necessidade social de reproduzir publicamente certos valores estrangeiros o nómos grego 71 A versão inglesa traduziu hellenizein imitar os costumes gregos como to act the Hellene isto éfingir o heleno Na crítica de Préaux a esta mesma passagem ela afirma por mais que a carta tenha sido escrita pelo homem em questão o que não se pode ter certeza a palavra pode ser tão somente uma forma exagerada de dizer em casa não me porto como grego 194769 72 Esta é a carta de um nãogrego egípcio ou árabe antigo subordinado do dioeketes do Fayum Zenon Uma vez deixado na Síria para trabalhar com outros agentes de Zenon este sofreu com discriminação e não recebeu sus pagamentos por não saber fingir o heleno chegando a ser proposta uma remuneração em vinho O barbarismo causador de tal tratamento não se limitava simplesmente ao idioma os editores comentam que a carta apesar de pobremente escrita não é má composta mas também nas maneiras e costumes nómos 101 Nesse sentido seria interessante comentar que no Egito ainda podemos observar como o idioma grego fora apropriado e adaptado pela população através do desenvolvimento da língua copta O copta era basicamente o idioma falado no antigo Egito muito dos substantivos e verbos encontrados nos textos hieroglíficos permanecem imutáveis no copta utilizando o alfabeto grego devidamente modificado para suprir as necessidades fonéticas egípcias Sendo assim adotar o idioma grego não dá garantia alguma de uma total assimilação do nativo73 pelos valores éticos nómos helenísticos A própria transformação do ático em koiné já desmente por si a idéia de dominação cultural unilateral demonstrando como a apropriação do idioma do dominador não estava livre de adaptação decorrente de novos usos e novos usuários Certeau 1990 afirmava que a tática é a arma do mais fraco de modo que o nativo quando preciso se adapta como pode ao projeto de dominação cultural defendido pelas elites Todavia a fonte datada do início da dominação helenística possui uma especificidade gregos e egípcios estão muito nitidamente identificados e separados por seus nomes características físicas e hábitos Mas a medida em que o tempo passa essa identificação encontrou graves problemas para a administração helenística pois como verificamos ocorreu a absorção gradativa de hábitos e costumes egípcios pelas populações helenísticas o surgimento de nomes grecoegípcios bem como os freqüentes casamentos mistos Por outro lado a população não demonstra em nossa análise qualquer preocupação consciente em relação a problemática dessa dificuldade de identificação e diferenciação fora as esferas oficiais onde buscam sim estabelecer a condição grega conforme pudemos observar em nossa análise sobre relações jurídicas 73 Assim cabe explicar nossa ênfase no domínio do grego pelo nativo enquanto uma condição primeira para sua inserção na helenização e não como uma prova de sucesso de um processo helenizador A questão do idioma como moeda nessa relação de estabelecimento de uma hegemonia cultural será mais detalhada durante nossa abordagem à realidade da chóra egípcia 102 O Egito ptolomaico manteve duas cortes distintas para julgar questões gregas e nativas Lewis comenta que o procedimento tomado diante de uma ação judicial variava de acordo com o princípio anunciadoreafirmado no Decreto Real de Anistia de Ptolomeu VIII Cleópatra II e Cleópatra III de 118 aC Segue a nossa análise Assim eles decretaram com relação à ações judiciais em que egípcios e gregos se opõem isto é ações trazidas por gregos contra egípcios ou por egípcios contra gregos que egípcios que entraram em contratos com gregos em língua grega deverão acionar ou ser acionados diante dos chrematistai juizes de jurisdição grega porém aqueles que mesmo desfrutando do status grego entraram em contratos escritos na língua egípcia demótico deverão acionar e ser acionados diante dos laokritai juizes populares de acordo com a lei do país74 1993280 JEA 79 Sel Pap II 210 HWARC 231 Em 118 aC Evergeta II decretou uma determinação em que o tribunal onde se resolviam os litígios referentes aos contratos seria determinado pela língua da confecção do mesmo exceto em casos em que egípcios fizessem entre si contratos em grego e o tivessem validado no tribunal egípcio dos laocritai Uma vez registrado um documento passava a constar como autêntico em uma eventual ação judicial Segundo Lewis certamente na época de Ptolomeu II contratos privados escritos em demótico podiam ser registrados em arquivos oficiais As partes envolvidas recebiam um comprovante certificando sua autenticidade A pluralidade dos direitos não implica na particularidade do direito pois todos os direitos coexistentes podiam ser invocados sob a fórmula de precedência em um processo Assim a população não ficava restrita a algum tribunal em particular Ambos procuravam os tribunais que atendessem melhor suas necessidades Assim por exemplo uma mulher helenizada poderia optar por buscar um tribunal egípcio caso não possuísse ou não quisesse um representante do século masculino o kyrios para apresentarse com ela em um tribunal grego uma vez que as leis egípcias oferecem uma autonomia feminina muito maior Lewis cita um decreto de 146 aC em que documentos demóticos não arquivados seriam 74 Esse decreto é bastante comentado desde sua publicação 1902 Lewis 1993280 observa que ele indica um benefício à comunidade nativa posto que acaba por limitar a jurisdição dos chrematistai Tal posição se deve ao fato de que desde o século III aC até a ordenação real do ano de 118 aC as causas cíveis entre gregos e egípcios eram resolvidas em um tribunal misto chamado koinodikion extinto por determinação deste mesmo decreto 103 invalidados em outras palavras o registro não era obrigatório mas era extremamente vantajoso pelo menos para casos de transações mais importantes 1993 279 Isso permite que egípcios e gregos busquem com maior intensidade os tribunais gregos independentemente das transações registradas serem entre egípcios ou entre egípcios e gregos Tomemos como exemplo a seguinte fonte analisada Petesouchus também chamado Peteuris filho de Selebous Persa do Epígono para Hérmias também chamado Hergeus filho de Petesouchus saudações Eu atesto que recebi de você 24 ½ artabas de trigo com uma metade adicional75 que irei restituir a você no mês de Pauni no 22º ano transferido de Kerkeosiris e medido pela medida do dromos76 Se eu falhar em restituílo eu pagarei imediatamente uma penalidade pelo valor de cada artaba no valor de 3000 drachmae de cobre ou o maior preço então corrente e uma multa de 60 drachmae em prata cunhada para o Tesouro Real pelos danos este contrato será valido em qualquer parte como foi produzido Adeus O 22º ano Mecheir 23 92 ou 59 aC Sel Pap I 68 Aqui os atores dessa relação possuem ambos nomes egípcios Hergeus filho de Petesouchus e PetesouchusPeteuris filho de Selebous que é cidadão grego possuindo o título de Persa do Epígono Interessante notar a presença um caso raro de nome duplamente egípcio mencionado pela tabela 03 Podemos notar aqui que o cidadão grego em questão possui um nome adequado a tendência de nomes duplos entretanto não existe aqui uma tentativa de se fazer passar por um grego para atestar uma condição helenizada Podemos afirmar que se por um lado os nomes duplos ofereçam argumentos para traçar uma tática deliberada pelos egípcios para enganar o governo conforme correntes criticadas neste trabalho por outro o exemplo analisado nos demonstra que a cidadania grega não estava diretamente relacionada aos nomes helenizados Contudo torna ainda mais evidente a dificuldade em se identificar os indivíduos helenizados na sociedade egípcia helenística Seguimos com uma nova análise O 11º que também é o 8º ano77 Mesore 14 em Crocodilópolis diante de Paniscus agoranomos78 da toparquia superior do nomo Pathyrita Hieronouphis filho de Psemminis um daqueles que retornou em 75 Isso significa que o empréstimo será restituído em 150 76 Um dromos era uma unidade de medida provavelmente padronizada por um templo sendo utilizada em transações no dromos uma avenida de um templo em particular 77 Tratase do 11º ano do reinado de Cleópatra III e o 8º ano de reinado de Ptolomeu X Alexandre I 78 Tabelião do governo responsável pela revisão e validação de contratos públicos 104 conseqüência da ordenação79 concedeu a Eunous filho de Patseous e a Patseus filho de Orses ambos Persas do Epígono de Pathyris cinco talentos e dois mil drachmas em dinheiro de cobre sem se importar por trinta dias desde o 11º de Mesore do ano supracitado Este empréstimo deve retornar a Hieronouphis no 5º dia do mês Toth do 12º que também é o 9º ano Se eles não restituírem no prazo estipulado conforme escrito acima eles deverão pagar uma penalidade no dia seguinte de 5 talentos e 2000 dr acrescidos de uma metade e pelo tempo vencido uma quantia de dois drachmae de mina80 por cada dia Os próprios beneficiados são cada um fiadores pelo outro para o pagamento de todos os encargos deste empréstimo e Hieronouphis terá o direito de execução sobre suas pessoas juntamente ou singularmente ou sobre o qualquer um que ele escolha e sobre toda as propriedades deles segundo decisão legal 106 aC SelPap I 67 Préaux atesta que os egípcios tinham uma tendência se dirigir aos tribunais gregos Contudo ignora como se definir um egípcio P Tebtunis 5 II 207220 Quanto aos notários ou os escribas especializados a língua egípcia ou grega preservava os formulários dos contratos suas concepções jurídicas distintas que experimentavam 2002 596 Os contratos analisados pertencem a uma esfera jurídica grega Contudo percebemos além do uso de unidades de medida egípcias arruras e artabas o uso do calendário egípcio Podemos então inserir uma nova observação acerca dos contratos analisados e nisso podemos incluir o contrato de casamento explorado anteriormente o uso do calendário egípcio sem qualquer menção de equivalência aos meses macedônios Embora uma documentação informal como a carta para Hephaestion o recluso do Serapeum século II aC conste uma datação com o mês egípcio percebemos em documentação oficial como os decretos sacerdotais uma necessidade formal em estabelecer a equivalência entre os calendários egípcio e macedônio no sétimo dia do mês de Apellaeus e o décimo sétimo dia do mês egípcio de Tybi Decreto de Canópos linha 3 No primeiro dia do mês de Artemisios que de acordo com o reconhecimento dos egípcios é o primeiro dia do mês Paophi Decreto de Ráfia linha 1 79 Possivelmente uma referência a alguma proclamação real ordenando aos nativos o retorno à seus locais de origem 80 Cada mina neste caso valem 100 drachmas 105 No quarto dia do mês Xandicus e décimo oitavo do mês egípcio de Mecheir Decreto de Mênfis linha 6 Segue abaixo uma lista de equivalência entre os calendários Tabela 04 Calendário Macedônio x Calendário Egípcio Mês Egípcio Equivalência ao Calendário Macedônico Calendário Moderno Toth 1 Dius 1 29 de agosto ou 30 em anos bissextos Phaophi 1 Apellaeus 1 28 de setembro 29 Hathur 1 Audnaeus 1 28 de outubro 29 Choiak 1 Peritius 1 27 de novembro 28 Tubi 1 Dystrus 1 27 de dezembro 28 Mecheir 1 Xandicus 1 26 de janeiro 27 Phamenoth 1 Artemisius 1 25 de fevereiro 26 Pharmouthi 1 Daesius 1 27 de março Pachon 1 Panemus 1 26 de abril Pauni 1 Loius 1 26 de maio Epeiph 1 Gorpiaeus 1 25 de junho Mesore 1 Hyperberetaeus 1 25 de julho Dia intercalado 1 Dia intercalado 1 24 de agosto Baseado em Hunt 1977 xxxixxxii Os meses macedônios originalmente lunares perderam gradativamente seu caráter original mediante a relação com os meses egípcios segundo Hunt antes do final do segundo século aC eles estavam totalmente assimilados aos meses egípcios1977 XXXI De fato podemos observar que durante o período abrangido pelos decretos séculos III e II aC e os contratos analisados séculos II e I aC a necessidade de tradução do calendário egípcio para sua contraparte macedônica perdeu a necessidade formal em documentos oficiais Esse processo de assimilação total definido por Hunt demonstra que estruturas formais de uma realidade macedônica como unidades de peso e medidas bem como a forma de se contar o tempo foram sendo gradativamente eclipsadas no Egito Helenístico de modo a constituir uma sociedade ainda ciosa de sua origem macedônica embora os elementos estruturais sócio culturais e simbólicos que permitem tal identificação percam substância ao longo do tempo 106 Em sua análise da administração Lágida Crawford observa que Existem muitos paralelos entre os dois textos do Papiro Wilbour81 e os sucessores ptolomaicos e indica claramente o caminho usado pelos gregos ao levar adiante a administração do país A maior inovação dos gregos parece ter sido a alteração do idioma administrativo 1971 06 Podemos compreender então que se por um lado não existe uma preocupação consciente em afirmar cotidianamente a condição de grego fora de circunstâncias oficiais também é verdade que o idioma possui um forte valor simbólico perante o universo simbólico helenístico As cartas provenientes do Fayum fornecem um corpus documental de grande potencial para um estudo dos modos de interações culturais indicando a importância central do uso da língua escrita grega eou egípcia como moeda nessa negociação cultural Um número considerável de egípcios certamente em busca de ascensão política e econômica aprendiam o grego necessário para alcançar suas metas Realmente o meio rural era menos sujeito à influência helenizadora de modo a permitir uma permanência da língua egípcia frente ao grego Em adição a isso o meio sacerdotal mantém o seu prestígio sóciocultural e político Por outro lado poucos gregos aprendiam o egípcio mas muitos dos que se casavam com mulheres egípcias precisavam fazêlo Retornamos aos oráculos de sonhos egípcios analisando a fonte abaixo De Ptolemaios a Achilleus saudações Após escrever a respeito me parece bom informálo sobre o sonho para que então você possa saber como os deuses conhecem você Eu escrevi abaixo em egípcio para que você possa compreendêlo corretamente Como antes eu estava prestes a ir dormir escrevi duas cartas uma sobre Taunchis a filha de Thermouthis e uma sobre Tetimouthis a filha de Taues que é a filha de Ptolemaios e uma longa lacuna perturba você de modo que eu passei um ótimo dia Passar bem Ano 2 Phaophi 25 Aqui seguiria a descrição em demótico do sonho SécIII aC GHDHP 113 Podemos notar elementos como o conhecimento da língua egípcia por parte de Ptolemaios quanto de Achilleus ambos portadores de nomes gregos Ptolemaios frisou escrevi abaixo em egípcio para que você possa compreendêlo o sonho profético corretamente Isso oferece um indício de que o idioma egípcio fornecia algo sem equivalência em grego E que esse algo certamente possuía um sentido mágicoreligioso 107 Remetente e destinatário denotam um bom relacionamento com nativos inclusive indicando um casamento misto entre o grego Ptolemaios e a egípcia Taues com pelo menos uma filha de nome egípcio Tetimouthis Podemos verificar aqui um indício de que os gregos que se inseriam nas comunidades egípcias aprendiam a língua nativa sugerindo que a língua agisse como o mediador de um intercâmbio tanto no tocante a esfera material como a transcendental Sugerese também não apenas a assimilação mas o reconhecimento da eficácia de um saber religioso egípcio pelos gregos que trocam a correspondência em questão82 Crawford observa que normalmente os gregos adotavam deuses egípcios e práticas religiosas mais facilmente que de forma inversa1971 137 Podemos dar continuidade à discussão ao constatar que a presença dessa religiosidade egípcia ao longo do cotidiano helenizado era reconhecida e por indivíduos das mais variadas camadas sociais Nesse mérito não apenas os faraós em negociações políticas com sacerdotes empreendiam obras e homenagens de caráter sagrado aos deuses egípcios Tomemos por exemplo a seguinte documentação epigráfica descrita por Bernand Mesa de oferendas de basalto negro Altura 40cm largura 405cm espessura 12 5 cm letras 15 mm A inscrição corre ao redor todos quatro os cantos da mesa da direita para a esquerda de um lado a outro do escoamento Ao centro da mesa está representada um altar carregado de oferendas frutos pães um ganso emplumado e um buquê de lótus Diante do altar de um lado e do outro dois pequenos vasos A cena é emoldurada por dois feixes de lótus para os quais são dispostos dois grandes vasos de onde se escapa a água corrente sobre o altar Acima do altar duas cavidades em forma de cartucho logo abaixo dois cachos de uva 199251 Segue a figura descrita 81 Do período Raméssida em escrita demótica de 1150 aC 82 Na doréa de Apolonios no Fayum eram venerados pelos gregos tanto os deuses olímpicos quanto Poremanrés Isis Ptah etc Segundo o Papiro Lond 2666 um grego promete sacrificar à divindade do local como é de hábito por toda a parte APUD Leveque 198790 Um outro dedica à Apolonios uma Estela com a imagem de Anúbis ibden 108 Figura 02 Mesa de Oferendas GrecoEgípcia Extraído de Bernand 1992 PL 11 Tratase de uma mesa de oferendas de basalto negro em cujo centro situase um altar destinado a oferendas Podemos constatar a presença de elementos estéticos tipicamente egípcios os frutos pães um ganso emplumado o buquê de lótus os dois pequenos vasos os dois feixes de lótus para os quais são dispostos dois grandes vasos de onde se escapa a água corrente sobre o altar as duas cavidades em forma de cartucho e os dois cachos de uva Por outro lado a dedicação religiosa é feita a uma divindade egípcia por um indivíduo de nome grego valendose de inscrições textuais em grego O texto diz A Ptensenes deus grandioso Ptolemaios escriba das forças da região de Elefantina faz esta dedicação ano 35 do mês Epeiph Séc II aC 83 IGENML 15 Bernand complementa nossa análise ao informar que são inúmeros os exemplo de inscrições gregas gravadas em mesas de oferenda O autor 83 Segundo o autor a fonte nos remete ao ano 147 aC reinado de Philométor ou 136 aC reinado de Evergeta II 1991 52 109 comenta que o devoto que porta um nome grego como normalmente ocorre com escribas de forças militares ativas era um escrivão militar da região de Elefantina zona de fronteira onde as tropas asseguravam a segurança do país ameaçado notadamente pelos núbios e mais tarde pelos blêmios1992 52 É interessante observar que um indivíduo helenizado oferece um testemunho de sua devoção a uma divindade nativa sem recorrer ao artifício de traduzir o nome do deus para sua contraparte helenística Quanto a essa situação Bernand comenta que autores do início do século desenvolveram uma interessante discussão afirmando que o deus Petensenes cuja equivalência com o deus grego Hermes não era ainda reconhecida na época da inscrição da mesa gerando uma discussão sobre a data da inscrição em que se buscou em vão recuar a data da fonte ao século III aC Contudo nossa análise revela incontestavelmente uma tentativa de desenvolver uma forma espontânea pois não integra relações políticas predeterminadas e grega pois existe a cópia estética não é acompanhada pelo uso do idioma nativo em detrimento do uso do idioma próprio da dominação estrangeira de adoração a divindades egípcias nativas O uso do idioma grego demonstra certamente o interesse em manterse a identidade grega do devoto inclusive perante a própria divindade egípcia reverenciada Qual seria então a necessidade de apresentarse como grego através do uso do idioma para a divindade Podemos incluir uma dedicação semelhante datada do mesmo período proveniente da região do Fayum atribuída a uma iniciativa de oficiais do nomos Bernand descreve a fonte Estela de calcário Altura 355 cm largura 235 cm espessura c 5mm Letras 5mm Ao centro um disco solar colocado entre dois uraeus erguidos Embaixo a representação da deusa Ísis sobre um assento à esquerda posto sobre um tablado Ela estende sobre os joelhos seu filho Hórus que ela amamenta expondo seu seio direito Ela veste um longo vestido com suspensórios e usa uma peruca sobreposta com um disco entre dois chifres Diante dela um altar armado cheio de oferendas A direita o faraó de perfil de pé coroado com a pschent oferece a deusa com a mão direita o olho de oudjet e com a mão esquerda segura um objeto que A Moret reconheceu como a deusa Maat Acima do altar estão os cartuchos reservados aos nomes dos personagens permanecem vazios O dorso da estela está mal desbastada A superfície da pedra fendida embaixo está erodida e esfarelada A inscrição está gravada na parte inferior O inicio das linhas se perdeu junto com a superfície da pedra que se deteriora na diagonal Regulagem Traços de vermelho ao longo do curso das letras 1992 61 110 Seguese a imagem da estela Figura 03 Estela com Dedicação Helenística a Ísis Extraído de Bernand 1992 PL 16 Diz o texto Ao rei Ptolomeu grande deus Novo Dionysios Philopator e Philadelfo à Isis Esenchébis84 deusa grandiosa a Pnépheros e aos deuses que compartilham o mesmo temploIGENML 21 O texto grego novamente rende honras a divindades egípcias em nome de indivíduos ciosos de sua condição helênica Em adição a nossa análise anterior é 84 Em comentário adicional ao texto Bernand observa que é feita uma designação pouco freqüente de Isis onde não se conhece outro exemplo a não ser uma dedicação do Fayum feita em 68 aC por uma associação criada sob a proteção dessa deusa Esse epíteto significa Isis de Chebis ou Chemmis isto significa da ilha de Chemmis próximo a Buto onde segundo uma tradição difundida Isis trouxe ao mundo o pequeno Hórus O 111 interessante notar que os cartuchos espaços tradicionalmente destinados à escrita dos hieróglifos dos nomes dos faraós estão vazios Porém os cartuchos fornecem um elemento interessante para nossa análise embora eles possuam uma função gráfica cerimonial específica sua presença na estela também forma um conjunto de características que classificam uma dedicação real como tal Assim como o texto grego já está mencionando o basileus os cartuchos são simplesmente mencionados na estela devido a busca de reprodução dos cânones estéticos egípcios tradicionais Embora a estética da estela busque a reprodução tradicional da arte egípcia nativa constatamos que a utilidade simbólica original dos cartuchos foi ignorada Nossa análise constata que os responsáveis não compreendiam a verdadeira função do cartucho ou se a compreendiam a ignoraram deliberadamente Poderia então compor um indício de que havia uma preocupação em reproduzir os elementos mais importantes da estética egípcia na estela analisadacaracterizada aos olhos gregos sob um estereótipo de modo a ocorrer uma adaptação de um sentido original mediante uma tentativa helenística de reprodução das estelas e dedicações semelhantes Os dois exemplos epigráficos demonstram que os gregos se dirigiam às divindades egípcias preocupados em reproduzir as imagens e padrões estéticos egípcios mas ao manterem a identificação de gregos estão demonstrando para a posteridade que não são bárbaros Como define Burke a adaptação cultural pode ser analisada como um movimento duplo de descontextualização e recontextualização retirando um item de seu local original e modificandoo de forma que se encaixe em seu novo ambiente 2003 91 O uso do idioma fornece o mais forte referencial comum aos gregos Através do idioma grego encontrase o consenso sobre as leis nomói se estabelece o convívio na pólis dá continuidade às tradições positivamente helênicas e identifica o elemento estranho ao se grupo de pertença o bárbaro texto não menciona o nome dos dedicadores Sem dúvida se trata de autoridades locais trabalhando em nome do rei 1992 62 112 alguém incapaz de compreender ou se comunicar em grego Assim o comportamento dos sujeitos não possui nenhum compromisso inevitável de se adaptar às categorias pelas quais o senso comum às percebe Devido ao evento do estabelecimento de uma elite governante grecomacedônia e de uma política de hegemonia helenística no Egito as convenções tradicionais podem ser mais ou menos modificados Os gregos admitiam uma única forma civilizada de agir Isso não proibia a adoção de elementos culturais nãogregos ou seja bárbaros desde que fosse feita de uma forma reconhecidamente civilizada ou seja helenizada 3 2 Uma Reformulação Prática da Identidade O discurso de alteridade que emerge na reprodução da dicotomia de gregos X bárbaros sustentase somente ideologicamente e apenas como o resultado de um conjunto de propostas políticas que sofreu um processo de reprodução histórica Segundo Geertz O processo histórico do qual a ideologia se tornou parte do próprio tema ao qual se referia foi reconstituído por Mannheim a compreensão de que o pensamento sóciopolítico não cresce a partir de uma reflexão incorpórea mas está sempre ligado à situação à situação de vida do pensador parecia contaminar tal pensamento com a luta vulgar por vantagens acima da qual tinha professado pairar 1989 164 Nesse sentido o conjunto de crenças coerentes formadoras do nómos ideologia política se apóia em uma ótica dualista o nós positivo e o eles negativo Ele busca impor sua ideologia devido ao seu objetivo primário é o de ordenar toda a vida cultura e social segundo seus padrões helênicos reivindicando para si o direito exclusivo sobre a posse de uma realidade política Contudo o paradoxo se forma quando existe uma discrepância entre o que se acredita e o que pode ser cientificamente correto 1989 168 A ordem social enquanto pensamento é modelada pelos valores gerais da sociedade em que está contida Ela é seletiva na formulação de questões seus problemas particulares abordados 113 enfim caracterizando uma nova seletividade a que as ideologias estão sujeitas justamente por enfatizar algumas nuances específicas de sua realidade social O nómos definido como projeto ideológico das elites estabelece um ideal de separação de universos simbólicos e reprodução de dicotomias oferecendo uma interpretação específica do Egito Helenístico onde se opõem gregos e bárbaros Porém a construção de vínculo com um passado em comum não impede que indivíduos externos possam ser integrados ao grupo de pertença O imaginário social interpreta e transforma os símbolos significativos de uma identidade étnica e permite a apropriação de uma memória coletiva formada ao longo da história Segundo Poutignat A memória fundadora da unidade é ao mesmo tempo e necessariamente o esquecimento das condições de produção desta unidade a violência e o arbitrário originais e a multiplicidade das origens1995 36 As relações cotidianas na chóra egípcia explorada através de correspondências pelos contratos casamentos mistos empréstimos em trigo e dinheiro entre agentes helenizados e nativos demonstram que uma forte rede de solidariedade se desenvolve ao longo da convivência entre os grupos De fato as fontes exploradas sugerem uma interação muito maior do que o discurso oficial das forças institucionais helenizadoras e egipcianizadoras deixa perceber Essa troca cultural é uma conseqüência das práticas cotidianas que colabora para aproximar as populações helenizadas das não helenizadas Ao longo das práticas cotidianas entre as populações helenísticas e egípcias nativas essas trocas culturais mediante interações e convivência diárias produzem inovações imprevisíveis seja em relação ao momento em que ocorrem seja em relação ao conteúdo em transformação Segundo Burke o contraste entre tradições abertas e fechadas levanta um problema intrigante o de explicar as diferenças de receptividade Parece haver momentos favoráveis e desfavoráveis para a troca cultural2003 85 A apropriação da cultura helênica por populações nãogregas em adição ao desenvolvimento de uma nova dimensão de interações 114 culturais produziu uma série imprevista de inovações redefinições e particularidades específicas e próprias de uma identidade grega adequada a um Egito Helenístico Os casamentos entre irmãos foram sancionados e adotados pelos monarcas o que tornava a reprodução de tal prática lícita aos demais súditos tanto helenizados quanto nativos o que equivale afirmar que este deixa de constituir um costume bárbaro no contexto de um Egito Helenístico Já para uma primeira impressão dos nomes híbridos podemos atribuilos tanto a uma realidade de casamentos mistos como o de homenagens e pedidos de proteção a divindades egípcias Todavia frisamos que não é realizada uma mera adoção de nomes tipicamente egípcios A população Helenística traduz ou mesmo cria nomes teofóricos novos De forma semelhante percebemos que a prática egípcia de dedicações de estelas aos deuses é reproduzida todavia cuidando para a substituição do idioma original pelo grego Isso porque dentro do contexto de interações constantes com nativos o idioma grego implica em um mecanismo eficiente para uma noção de definição de unidade e alteridade no senso comum helenizado Segundo Benveniste no nome que um povo se atribui existe manifesta ou não a intenção de se distinguir dos povos vizinhos de afirmar esta superioridade que é a posse de uma língua comum e inteligível 85 1969 368 Sendo assim podemos afirmar que passa a ser desenvolvida no Egito Helenístico uma forma reconhecidamente grega de reprodução de elementos culturais egípcios adaptados Isso em oposição a uma mera atitude de copiar um modelo bárbaro de conduta Eis a função do nómos novamente evocada criar um consenso a respeito do modo de vida dos helenos A atitude de adaptar o modo egípcio ao modo grego impede a idéia de um barbarismo caracterizado pelo abandono da conduta grega em conseqüência de uma submissão a uma conduta nãogrega A partir do momento em que as relações sociais estabelecem em suas 85 Se remontarmos à origem do conceito de bárbaro estaremos nos reduzindo a uma questão de diferença fundamentalmente a uma questão de idiomas Isso porque bárbaro era inicialmente aquele que falava uma língua que o grego não conseguia compreender A partir do desenvolvimento de uma política de helenização o elemento mais básico e fundamental da dominação helenística e do acesso à uma helenização residia no aprendizado do idioma grego 115 interações um consenso a respeito de uma forma nãobárbara de seguir costumes nãogregos o nómos sofre uma adaptação em seu universo simbólico para redefinir um conceito particular de comportamento corretamente grego para a sociedade helenística do Egito Assim nossa análise identifica a existência de usos do nómos e demonstra que a prática cotidiana permite que os agentes sociais se habituem dinamicamente a uma série de características culturais originalmente oriundas de tradição egípcia embora não percam o zelo por sua identificação positivamente grega Isso não significa necessariamente uma validação social do nómos enquanto projeto ideológico nas interações cotidianas O nómos enquanto instrumento político estruturante da sociedade helenística visava reproduzir um discurso ideológico adequado a uma necessidade política específica de modo que não era portanto responsável por refletir com exatidão a sociedade em que se inseria De acordo com Burke Quando ocorrem encontros e trocas culturais um período de relativa fluidez liberdade no caso de você aprovar caos no caso de desaprovar é seguido por um período em que o que era fluido se solidifica coagula e vira rotina e se torna resistente a mudanças posteriores Velhos elementos foram rearranjados em um novo padrão 2003 115 O senso comum constrói uma forma cotidiana de percepção do mundo Seu conhecimento é partilhado entre os agentes sociais em atuação nas interações culturais através de negociações interpretações imaginação reformulação reinterpretação enfim de modo que os significados são constantemente reinventados embora aparentem a cópia gerando uma idéia de continuidade ou normalidade para a sociedade Constatamos em nossa análise a fluidez das interações culturais ocasionando uma assimilação e reformulação prática de aspectos culturais incorporados em contrapartida ao zelo na manutenção de uma identificação positivamente grega perante a posteridade monumento epigráfico e às próprias divindades egípcias Considerando que o nómos chama para si a responsabilidade de manter um consenso sobre o universo simbólico helenístico podemos verificar a possibilidade de uma fórmula grega para se adorar os deuses egípcios que consistiria na demonstração da preocupação em não querer fingir o egípcio não querer agir como um 116 egípcio ou seja barbarizar ou egipcianizar em oposição ao helenizar Isso demonstra por sua vez uma atitude autônoma e voluntária do grego homenagear como grego uma divindade egípcia desde que o faça como grego e de forma grega ao invés da bárbara Nesse sentido uma relação de passividade para com os costumes estrangeiros bárbaros acarretaria em barbarismo ou seja no desrespeito ao nómos Existem duas variáveis do conceito de nómos adotadas pelo presente trabalho o discurso ideológico institucional que simboliza uma dimensão estrutural da sociedade egípcia helenística a políticaideológicaidealizadainstitucionalizante e uma visão mais fluida envolvendo uma concepção particular grega para o conceito de cultura simbolizando um outro aspecto da estrutura de sua sociedade a domésticacotidianapráticaindividualizada Embora o nómos funcione enquanto mecanismo de conexão entre essas duas esferas estruturais estas representam duas interpretações distintas de um mesmo fato social ou evento a helenização no Egito Como afirma Sahlins o evento é a interpretação do acontecimento e as interpretações variam1994 191 Portanto uma vez que a prática estabelece uma correspondência estrutural entre costumes egípcios nativos e helênicos por sua vez o discurso do ideológico buscava opôlos sistematicamente configurandose uma krisis para o reajuste entre o ideológico e o cotidiano cujas conseqüências acarretariam uma necessidade de atualização de todo um sistema simbólico dando ao nómos egípcio helenístico uma identidade pessoal egípcia sem necessariamente deixar de se perceber como positivamente grega A análise das interações sociais na chóra egípcia nos apresenta uma interação diária entre estrangeiros e nativos onde a preocupação em reproduzir a dicotomia gregos X bárbaros defendida por um discurso de identidade ideologicamente comprometido com uma política helenizadora não encontra destaque enquanto mecanismo importante para a organização da experiência cotidiana A helenização enquanto discurso hegemônico sofre um processo de 117 adequação devido as suas especificidades sociais caso a caso de acordo com as sociedades em que se desenvolve o helenismo Cada sociedade possui seus próprios códigos e convenções para referirse a determinados conceitos mediante convenções culturais constantemente construídas revistas e reconstruídas caracterizando cada cultura enquanto o resultado de uma evolução específica de uma determinada sociedade Monica Selvatici Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a Revolta dos Macabeus Mundo Helenístico 2 Metas da aula Caracterizar os eventos relacionados à dominação helenística sobre o território dos judeus no século II aC e analisar a diversidade de respostas judaicas ao processo de helenização bem como as variadas categorias propostas pela historiografia recente para a análise de tal processo Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 reconhecer a particularidade do modo de vida judaico e os eventos relacionados à Revolta dos Macabeus 2 distinguir a multiplicidade de respostas dos judeus ao processo de helenização trazido com a dominação das dinastias helenísticas assim como as diversas categorias propostas pela historiografia recente para a análise de tal processo Prérequisito Para esta aula procure recapitular as informações da Aula 6 A Ásia selêucida e os reinos asiáticos Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 3 INTRODUÇÃO Nesta aula analisaremos as relações culturais e identitárias estabelecidas entre gregos e judeus na região da Palestina no período helenístico Contatos culturais entre judeus e helenos são atestados desde o século VI aC conforme atenta André Chevitarese 2000 Já a presença grega na região da Palestina remonta segundo evidências arqueológicas ao século V aC Escavações arqueológicas trouxeram à luz traços de colonização grega nas cidades de origem fenícia como Dora Tiro e Sidônia que ficavam situadas na costa mediterrânea da Palestina Nestas cidades havia uma população grega que possuía seus próprios cultos e templos que acabaram por influenciar os fenícios ali residentes STERN 1989 p 108 No entanto é a partir da entrada de Alexandre o Grande na Síria que este processo intensificase na medida em que desde então é colocado em prática todo um projeto político de domínio e colonização das áreas conquistadas a partir da cultura da língua e das instituições gregas No período helenístico a população desses centros urbanos passou a ser majoritariamente grega em função da política das dinastias helenísticas de incentivo à imigração de colonos de cidades da Magna Grécia para as novas áreas Neste sentido sua cultura também era fortemente grega havia os símbolos arquitetônicos da cultura helênica o teatro por exemplo e os templos com suas colunas obedecendo aos três estilos arquitetônicos o dórico o jônico e o coríntio Figura 101 a língua falada era agora o grego koiné a chamada língua comum um apanhado geral dos diferentes dialetos do grego clássico dórico jônico etc que constituía uma forma mais simplificada gramaticalmente do grego falado na Ásia Menor no período clássico Além disso as instituições políticas tinham por modelo as práticas gregas tradicionais Uma das instituiçõeschave no processo de helenização das cidades foi Mundo Helenístico 4 o ginásio que exerceu uma função educacional os cidadãos lá se exercitavam e recebiam o aprendizado intelectual Figura 101 Capitel dórico do templo de Apolo em Siracusa Fonte Wikimedia Commons httpptwikipediaorgwikiFicheiro0422Siracusa TempiodiApolloFotoGiovanniDall27Orto21May2008jpg Além do transporte das instituições legislação língua e práticas sociais gregas houve por parte dos reinos helenísticos a criação de um contexto no qual a única forma de adentrar o novo sistema de poder era a adoção da cultura grega Tratavase de uma política de valorização do status do cidadão grego em detrimento das culturas locais A probabilidade maior é que os nativos fossem excluídos da participação nas práticas cívicas nas instituições civis gregas No princípio houve assim uma visível exclusão dos habitantes locais na reprodução das práticas gregas importadas como por exemplo da filiação ao quadro de membros do ginásio A helenização em seu primeiro momento caracterizou um processo de expansão demográfica e geográfica mas não denotou a incorporação dos habitantes das áreas dominadas Conforme afirma Alan F Segal 1990 p 88 a cidadania nas cidades gregas era fortemente protegida Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 5 Ainda assim a atribuição nas diversas póleis da cidadania a estrangeiros gregos e macedônios que não possuíam qualquer filiação com os membros da pólis ou mesmo bárbaros isto é não gregos também acontecia embora isso fosse algo raro Para a aquisição da cidadania por um estrangeiro era necessário que ele fosse aprovado segundo certos critérios a sua residência na cidade suas propriedades os ritos religiosos por ele seguidos e antes de tudo as benfeitorias que ele seria capaz de trazer para a localidade Para o caso dos bárbaros especificamente a conquista da cidadania esteve sempre ligada à estratégia da alegação de ligações ancestrais gregas Um exemplo da utilização desta estratégia é o caso de um cidadão de Sidônia uma antiga cidade fenícia no litoral da Palestina que conseguiu disputar e vencer uma das competições panhelênicas abertas somente a gregos e realizadas em território grego Segundo Simon Price a elegibilidade deste cidadão foi provada pelo suposto fato de que Tebas havia sido fundada pelo filho do primeiro governante de Sidônia 1988 p 317 Outro exemplo do uso de tal artifício pelos judeus é a passagem no primeiro livro de Macabeus 12521 Nela o soberano asmoneu Jônatas recorda um documento que o rei espartano Ário 309 a 265 aC teria enviado ao sumo sacerdote judaico Onias I contendo a informação de que judeus e espartanos tinham Abraão como ancestral comum e por isso eram irmãos Neste caso específico não era intenção de Jônatas adquirir a cidadania espartana mas reforçar os laços de amizade entre a cidade e os judeus e mantê la como aliada em suas batalhas contra os adversários selêucidas Relações culturais entre gregos e judeus na Palestina a revolta dos macabeus Na região da Palestina a conquista de territórios por parte da dinastia selêucida e o processo de helenização promovido por ela aconteceram da seguinte forma a Judeia o pequeno território dos judeus neste período passa ao controle dos selêucidas em Tebas Cidadeestado do mundo grego antigo antiga capital da região da Beócia Mundo Helenístico 6 198 aC quando Antíoco III toma Jerusalém A partir de então um programa de helenização é adotado em larga escala auxiliado particularmente pelos segmentos aristocráticos da Judeia Ao longo deste processo desenvolvese um partido helenista ou helenizante que apoia a dinastia governante e de outro lado um partido defensor da tradição judaica que se mantém ligado ao ideal dos escribas Esse ideal pregava a obediência às leis registradas na Torá os cinco primeiros livros da Bíblia atual o texto sagrado para os judeus Este texto era sagrado pois se acreditava que ele teria sido redigido por Moisés por inspiração direta de Yahweh o deus judaico Em tais livros estavam dispostas as leis que os membros do povo de Israel deveriam seguir de maneira a manter e respeitar a aliança que Yahweh fizera com ele a partir de Abraão aliança esta que implicava proteção de Yahweh ao povo Em 174 aC Jasão um dos membros do grupo dos helenizantes chega ao posto de sumo sacerdote do templo judaico e com o suporte de Antíoco IV Epifanes o rei selêucida naquele momento imediatamente estabelece um ginásio grego em Jerusalém entre os anos 174 e 171 aC De acordo com Price 1988 p 317 para o horror do resto dos judeus os sacerdotes pararam de mostrar qualquer interesse pelos serviços divinos e rapidamente tomaram parte nos exercícios desrespeitosos da lei judaica para a prática dos quais os jovens deveriam estar nus Em 167 aC Antíoco IV adota medidas extremas em relação à religião judaica abole o culto no templo de Jerusalém e usurpa os seus tesouros proíbe a observância da lei judaica guardar o sábado observar as festas ancestrais não comer carne de porco etc e as substitui por cultos pagãos O templo é dedicado por ele a Zeus Olímpico Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 7 Figura 102 Moeda tetradracma de Antíoco IV O reverso mostra a inscrição em grego ΒΑΣΙΛΕΩΣ ΑΝΤΙΟΧΟΥ ΘΕΟΥ ΕΠΙΦΑΝΟΥ ΝΙΚΗΦΟΡΟΥ Rei Antíoco deus manifesto aquele que detém a vitória Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwikiFileAntiochusIV EpiphanesMorkholm14jpg Como consequência da perseguição anteriormente apresentada em 166 aC eclode um movimento de revolta judaico liderado por Judas Macabeu que consegue o restabelecimento do culto no templo de Jerusalém em 164 aC No entanto a vitória final com a conquista da independência ante o soberano selêucida só acontece anos mais tarde em 141 aC A partir de Judas Macabeu instaurase uma linhagem de príncipes nativos que governa a Judeia de forma independente A Guerra dos Macabeus é o episódio mais bem documentado no que se refere à reação negativa das comunidades não gregas à adoção dos hábitos estrangeiros É desenvolvido no primeiro e segundo livros dos Macabeus no Antigo Testamento O erudito John J Collins 2010 p 4050 acredita que a revolta judaica eclode especificamente em razão da proibição feita por Antíoco IV do seguimento da lei de Moisés pelos judeus e não devido ao programa helenizador promovido anteriormente por Jasão através da construção do ginásio na cidade de Jerusalém ainda que ambos os livros 1 e 2 dos Macabeus afirmem que as reformas do sumo sacerdote tenham sido significativas violações do modo de vida judaico O argumento de Collins apoiase no fato de que há boa razão para se acreditar que os judeus da Diáspora frequentavam o ginásio na era ptolomaica 2010 p 42 em função de suas boas relações com as autoridades ptolomaicas Diáspora A palavra que em grego diaspora significa dispersão referese aos judeus que viviam fora do território de Israel Ela remonta ao período do cativeiro babilônico no início do século VI aC quando o primeiro templo foi destruído e grande parte da população judaica de Jerusalém foi tornada escrava e deportada para a Babilônia pelo rei dos caldeus Nabucodonosor segundo relatos do Antigo Testamento Mundo Helenístico 8 A Judeia sob o domínio judaico O poder da dinastia dos asmoneus governante do território judaico até a conquista da região pelos romanos em 63 aC é legitimado através de seu mito de origem que remonta à figura de Judas Macabeu Sob essa dinastia o território governado expande se primeiro através da influência sobre as regiões da Galileia e de Galaad mais tarde chamada Pereia onde já havia judeus e posteriormente através da política de judaicização dessas áreas além da região onde habitavam os idumeus Assim nas palavras de Arnaldo Momigliano 1991 p 95 a Judeia havia se tornado um estado independente e expansionista A judaicização destas áreas correspondeu à conversão forçada a partir do uso da força militar dos habitantes locais à religião judaica Como consequência desta política houve um aumento efetivo do território sob o domínio judaico passando a abranger além da Judeia Galileia e Pereia as regiões da Idumeia Samaria e Itureia na Palestina Figura 103 Galaad Era primitivamente a região ao sul do rio Jaboc mas chegou a incluir também o território entre este rio e o rio Jarmuc e na época helenística o planalto sírio ao norte do Jarmuc onde os judeus tinham várias colônias de acordo com a Bíblia de Jerusalém Tratase da região a leste do rio Jordão que depois de conquistada e já no século I aC foi chamada Pereia Idumeia É o nome helenizado de Edom a terra dos filhos de Esaú de acordo com o livro dos Números Itureia É o nome grego de uma região ao norte da Galileia durante o período do reino asmoneu do reino de Herodes o Grande e do período romano Figura 103 Mapa do reino asmoneu 140 aC 37 aC Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwiki FileHasmoneeserijkPNG Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 9 A Judeia tornase então um estado independente a figura de Judas Macabeu transformase em um símbolo para os governantes judaicos posteriores e estes ocupam além da posição de reis aquela de sumos sacerdotes de acordo com a teocracia judaica Ainda assim apesar do novo verniz judaico a dinastia dos asmoneus manteve progressivamente um governo no estilo bem marcado dos soberanos helenísticos de caráter monárquico militar guerreiro conquistador e também atormentado por lutas dinásticas internas Uma evidência bastante concreta deste caráter duplo dos governantes asmoneus é o caso das moedas do soberano Alexandre Janeu Ele adotava nelas uma inscrição em hebraico Jônatas o sumo sacerdote e a comunidade judaica e outra em grego do tipo monárquico helenístico Basileus Alexandrou Um resultado ainda mais visível do influxo da cultura helênica na Palestina foi o desmembramento do chamado povo de Israel em diversos grupos ou movimentos políticoreligiosos judaicos que desenvolveram variadas relações com o meio helênico à sua volta Estas relações variaram da rejeição total a ele passando pelos vários níveis de aculturação e acomodação dos valores judaicos aos novos paradigmas e à nova ordem trazida pela realidade maior que a cultura helênica conferira a todo o Mediterrâneo oriental até a total assimilação da parte de alguns poucos judeus a este mundo maior e cosmopolita Como bem coloca A F Segal 1990 p 32 a tradição religiosa judaica que havia sido uma suposição quase autoevidente acerca do mundo tornouse um conjunto de crenças a ser vendido Não é à toa que os três principais grupos que Flávio Josefo descreve como os integrantes da sociedade judaica fariseus saduceus e essênios sejam pela primeira vez mencionados por ele no pontificadoreinado de um dos primeiros asmoneus Jônatas 161160 a 143 aC irmão de Judas Macabeu Tal divisão em três grupos apresentada por Josefo parece ser simplificada e homogeneizante afinal havia muitos judeus que não aderiam a movimento algum mas comprova as diferentes reações Fariseus Em hebraico perushim que significa separados ou santos é o nome dado a um grupo de judeus devotos à Torá Surgidos no período da dinastia dos asmoneus no século II aC acreditavam em uma lei oral em conjunto com a lei escrita Com a destruição de Jerusalém em 70 dC e a queda do poder dos saduceus cresceu sua influência dentro da comunidade judaica e eles se tornaram os precursores do judaísmo rabínico Saduceus O grupo dos saduceus compunha a nobreza sacerdotal ligada ao templo de Jerusalém Essênios Os essênios constituíam um grupo de judeus que procurava se afastar da realidade urbana considerada impura e se manter puros por meio da vida no deserto onde eles aguardavam a chegada do messias o salvador judaico Mundo Helenístico 10 e interpretações que os vários movimentos tiveram e deram para a realidade da dominação estrangeira exacerbada pelo processo de helenização Atende ao Objetivo 1 1 Os trechos a seguir trazem em primeiro lugar a visão de um grego sobre os costumes religiosos dos judeus a e depois a visão dos judeus sobre a proibição do culto judaico e a imposição de cultos gregos adotadas pelo rei Antíoco IV Epifanes b a O autor grego Hecateus de Abdera que viveu no Egito entre o fim do século IV e o início do século III aC observou os judeus de seu tempo e afirmou que a observância das leis separatistas da Torá fazia do judaísmo uma religião um tanto antissocial e hostil a estrangeiros apud COLLINS 2010 p 31 b No primeiro livro de Macabeus 15664 lêse o seguinte Quanto aos livros da Lei os que lhes caíam nas mãos eram rasgados e lançados ao fogo Onde quer que se encontrasse em casa de alguém um livro da Aliança ou se alguém se conformasse à Lei o decreto real condenavao à morte Na sua prepotência assim procediam contra Israel com todos aqueles que fossem descobertos mês por mês nas cidades No dia vinte e cinco de cada mês ofereciamse sacrifícios no altar levantado por sobre o altar dos holocaustos Quanto às mulheres que haviam feito circuncisar seus filhos eles cumprindo o decreto as executavam com os mesmos filhinhos pendurados a seus pescoços e ainda com seus familiares e com aqueles que haviam operado a circuncisão Apesar de tudo muitos em Israel ficaram firmes e mostraramse irredutíveis em não comerem nada de impuro Eles aceitaram antes morrer que contaminarse com os alimentos e profanar a Aliança sagrada como de fato morreram Foi sobremaneira grande a ira que se abateu sobre Israel Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 11 No que diz respeito ao culto e aos costumes judaicos aponte as diferenças entre as duas visões apresentadas Resposta Comentada As visões de judeus e não judeus acerca dos costumes judaicos obviamente eram diferentes Enquanto os gregos e outros povos como os romanos enxergam a obediência severa dos judeus às leis da Torá como algo que os tornava diferentes e separatistas os judeus entendiam tal obediência como parte imprescindível de sua crença na Aliança travada pelo deus Yahweh com o povo judaico Por isso o relato do livro de Macabeus enfatiza o fato de que muitos em Israel aceitaram antes morrer a profanar a aliança sagrada O conceito de helenização e as abordagens teóricas atuais do processo O autor alemão do século XIX Johann Gustav Droysen como você viu na Aula 1 procurou compreender a época helenística como um período de transição segundo ele nela aconteceu a fusão entre elementos gregos e orientais que constituíram a avenida para o Cristianismo Atualmente é possível entender por que apenas a cultura judaica recebeu destaque em meio às culturas e sociedades Mundo Helenístico 12 dominadas pelas dinastias helênicas Droysen procurou explicar o fenômeno do Cristianismo entendido por ele como a bemsucedida e forte Igreja cristã que desde o século IV dC dominava o Ocidente através de uma análise teleológica simplista Ele buscou na chamada cultura helênica e nas culturas orientais a tradição judaica para os autores posteriores a ele as raízes ou melhor as sementes que unidas pela fusão resultariam no embrião do Cristianismo A formulação elaborada por Droysen influenciou muitos trabalhos acerca das origens cristãs e do judaísmo antigo de tal modo que os trabalhos que se atêm à relação entre a cultura helênica e a judaica são tão antigos quanto o próprio estudo da história judaica Vide o trabalho de Elias Bickerman Der Gott der Makkabäer publicado na Alemanha em 1937 e traduzido para o inglês em 1979 como The God of the Maccabees Este segundo Levine 1998 p 6 é pioneiro no que se refere ao estudo sobre o processo de helenização na Palestina e sobre os judeus no período grecoromano Bickerman atémse ao período da dinastia selêucida século II aC e ao papelchave dos helenizadores judeus nas perse guições do soberano Antíoco IV Epifanes em 167 aC Este estudo assinalou o surgimento de trabalhos posteriores todos relacionados à questão dos contatos e influências helenísticos sobre os judeus e o judaísmo Ao atentarmos para a historiografia sobre o Cristianismo antigo percebemos que a inspiração no trabalho pioneiro de JG Droysen é visível e por isso a análise através da interação entre judaísmo e cultura helênica permanece ainda hoje o enfoque Teleologia Tratase de teoria característica do hegelianismo segundo a qual o processo histórico da humanidade assim como o movimento de cada realidade particular é explicável como um trajeto em direção a uma finalidade que em última instância é a realização plena do espírito humano Fonte Moderno dicionário da língua portuguesa Michaelis Fonte michaelisuol combrmoderno portugues Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 13 principal de tais estudos O trabalho de Martin Hengel autor da obra considerada um marco nos estudos sobre o processo de helenização do judaísmo palestino Judaism and Hellenism é tributário da interpretação de Droysen embora avance o argumento simplista deste na medida em que dá continuidade ao estudo discutindo o conflito entre judaísmo palestino e o espírito da era helenística apud COLLINS 2010 p 30 Esse conflito fora suscitado pela reação dos macabeus às medidas extremas adotadas por Antíoco IV Epifanes em Jerusalém a proibição do culto judaico e a dedicação do templo a um deus pagão Zeus Olímpico no século II aC Desta forma Hengel atenta para a reação à tal crise na Judeia que pôs um freio ao sincretismo fixou desenvolvimento intelectual na Torá através do grupo dos fariseus e excluiu qualquer crítica fundamental do culto e da lei segundo as breves palavras de JJ Collins 2010 p 30 Ainda assim Hengel afirma que a cultura helenística não foi nem completamente absorvida nem totalmente rejeitada na Palestina De fato na referida obra Judaism and Hellenism o autor propagou a tese de que assim como o judaísmo da Diáspora de fala grega o judaísmo palestino em Jerusalém principalmente desde o terceiro século aC quando do domínio sobre a região da dinastia dos ptolomeus do Egito também pode ser chamado de judaísmo helenístico e que isto é ainda mais verdadeiro para a era romana desde Herodes HENGEL 2001 p 7 Para o autor 2001 p 28 foi a partir da cultura judaicohelenística de Jerusalém que emergiu um movimento judaico que por fim conquistou o Império Romano o Cristianismo Como podemos observar Hengel mantémse na tradição de Droysen No entanto diferente da análise generalizante que este último faz Hengel atenta para o fato de que a cultura helênica foi uma entidade com múltiplas inserções sobre o judaísmo Tal constatação foi uma das primeiras na historiografia do tema que desde então tem se voltado para as especificidades que ficaram perdidas na análise de Droysen e seus seguidores Mundo Helenístico 14 A historiografia recente acerca do tema do helenismo tem procurado apreciar o mosaico cultural complexo do mundo helenístico Segundo Susan Alcock 1994 p 173 a historiografia atual observa agora ter sido o impacto da conquista grega no Mediterrâneo oriental mais forte em termos econômicos e demográficos do que propriamente culturais Enfim há segundo a autora uma nova preocupação em relação à real composição da sociedade helenística e a noção da inerente improbabilidade de uma fusão cultural profunda Um estudo dentro desta linha que procura minimizar a extensão da influência grega sobre o judaísmo é o de Edouard Will e Claude Orrieux 1986 que caracterizam o período entre Alexandre e o imperador romano Tito como o tempo em que apenas uma minoria judaica conheceu a tentação helênica 1986 p 228 e destacam a presença do movimento farisaico na Palestina afirmando que desde o início do domínio romano sobre a Palestina judaica a união da maioria do povo judeu em torno desta ortodoxia viva o farisaísmo representa o resultado fruto de uma longa maturação do enfrentamento cultural entre o judaísmo e o helenismo e a verdadeira condição de sobrevida do judaísmo 1986 p 227 Tratase de uma preocupação com o resgate da diversidade cultural do mundo mediterrâneo sob o domínio helênico Por meio da análise empreendida dentro do contexto de uma teoria póscolonial os estudos recentes procuram fazer frente a análises colonialistas e imperialistas como a de Droysen O procedimento utilizado é a análise do discurso colonial de modo a dentre outros objetivos desconstruir a definição dos modelos binários pelos quais o Ocidente categorizou os outros observa Norma M Mendes 1999 p 309 Colocando em questão a natureza do discurso ocidental sobre o Oriente ou de forma mais geral sobre o diferente o outro a historiografia recente tem procurado resgatar as diversidades locais dentro do quadro mais amplo do mundo helenístico e os diferentes Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 15 níveis de contato e trocas culturais estabelecidos Não se fala mais em fusão cultural e mesmo o termo influência ainda que ele sirva para descrever boa parte do processo é agora preterido em favor da noção de trocas e interações entre culturas Além disso recentemente alguns autores observaram a existência de prismas diferentes denotando respectivas abordagens do encontro das culturas judaica e helênica uma abordagem que analisa este encontro a partir das noções de impactocolisão e conflito anterior à absorção de elementos e outra que privilegia as noções de interação adoção progressiva e síntese de elementos A consciência destes dois prismas de análise conflito ou confluência está presente no trabalho de Lee I Levine intitulado Judaism and Hellenism in Antiquity Conflict or Confluence Judaísmo e Helenismo na Antiguidade Conflito ou Confluência Neste trabalho Levine contraria a afirmação de Alcock de que o impacto da conquista grega sobre o Mediterrâneo oriental não foi tão visível em termos culturais Seu estudo não se alinha ao quadro dos trabalhos da teoria póscolonial mas obviamente tem o cuidado de considerar os resultados obtidos pelas pesquisas a partir desta perspectiva de análise Com efeito o autor discute os conceitos de helenismo e helenização definindoos propositadamente de forma abrangente em razão da questão por ele levantada de que o grau de influência helenística foi diferenciado segundo as regiões do Mediterrâneo oriental os grupos na escala social e considerando se os planos material e religioso Assim Levine afirma que no que concerne à cultura material os judeus foram fortemente devedores e em muitos casos dependentes daquela produzida pela cultura helenística reinante os judeus nunca se vangloriaram de tradição artística ou de arquitetura própria a não ser talvez por um limitado conjunto de símbolos que afloraram apenas na antiguidade tardia 1998 p 5 Entre os símbolos característicos dos judeus presentes desde tempos bem remotos está a Menorá Figura 104 o candelabro de sete velas que segundo a tradição judaica fora aceso por Moisés para iluminar o Tabernáculo Tabernáculo Tenda que segundo a Bíblia hebraica teria abrigado no tempo anterior à chegada dos hebreus à Terra Santa as tábuas da lei que Moisés recebera de Yahweh no Monte Sinai Esta tenda foi posteriormente substituída pela construção do templo em Jerusalém Mundo Helenístico 16 Figura 104 Réplica da Menorá que deveria ser utilizada no templo de Jerusalém reconstruído por Herodes o grande século I aC século I dC Fonte Wikimedia Commons httpenwikipediaorgwiki FileMenorah0307jpg A análise de Levine parece bastante exagerada mas serve para mostrar o quão importante foi o impacto da helenização sobre a cultura material sobretudo sobre a arquitetura das comunidades judaicas do Mediterrâneo e também sobre aquela na Palestina Quanto à língua mais ainda pode ser dito na medida em que se sabe que o grego era a língua falada pelos judeus na Diáspora e sua influência na Palestina pode ser mensurada pela quantidade de palavras gregas e também latinas que ultrapassa o número de 3000 na literatura rabínica Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 17 No entanto em relação à esfera da religião que como sabemos abarcava quase a totalidade das práticas judaicas Levine afirma que há muito poucos casos de judeus abandonando sua identidade religiosa e étnica de forma a integrar a sociedade greco romana maior 1998 p 28 Na realidade o autor seguindo a linha de Hengel procura demonstrar a complexidade do fenômeno ele enxerga uma multiplicidade de respostas por parte dos judeus da Palestina e da Diáspora ao processo de helenização e não apenas uma definida dicotomia como outros trabalhos mais antigos costumam apontar A dicotomia mencionada nesta seção se refere à noção de um judaísmo amplamente heleniza do na diáspora mediterrânea e outro puro ou imune a tal processo na Palestina O represen tante maior deste tipo de análise é George Foot moore na obra de 1927 Judaism in the First Centu ries of the Christian Era the Age of the Tannaim A consciência do fenômeno complexo que foi o processo de helenização leva o autor Lee Levine a enfatizar demais uma abordagem que considere a diversidade de aspectos que interferem e denotam os diferentes graus de helenização dos judeus no Mediterrâneo oriental Esses diferentes graus de helenização aliados à consideração da multiplicidade de leituras da Torá que havia no judaísmo do século I dC algo que fazia dele um complexo multifacetado acabam por fazer o autor definir a religião não como uma fé única mas como um movimento plural isto é enquanto diversos judaísmos Assim na Judeia por exemplo as diversas escolas filosóficas utilizando o termo preferido por Josefo que tinham interpretações e formas de leitura próprias do texto sagrado da Torá constituiriam vários judaísmos Mundo Helenístico 18 John Barclay em seu estudo sobre os judeus na diáspora mediterrânea 1996 analisa o pensamento e os valores veiculados nos textos judaicos dentre eles as epístolas do apóstolo Paulo produzidos na diáspora helenística Este autor também chega à conclusão de que não houve condições típicas para os judeus na Diáspora mas na realidade diversidade Porém fazendo um contraponto ao argumento de Levine Barclay afirma que perfis judaicos diferentes não representam necessariamente diferentes judaísmos uma vez que o resultado de sua pesquisa é a identificação de um elo maior entre os judeus residentes em meio não judaico A palavra que melhor define este elo é etnicidade a combinação do aspecto do parentesco com aquele do costume a reprodução dos rituais ancestrais Tal combinação de fatores é o que criava o sentido de identidade judaica nas cidades do Mediterrâneo nos períodos helenístico e romano Esses critérios também eram o que identificava os judeus na percepção dos não judeus ver os comentários de caráter negativo ou não dos diversos autores romanos acerca dos costumes e herança judaicos Além disso ele afirma que mais importante que os diferentes aspectos da helenização são o significado e a importância atribuídos a eles pelos diferentes grupos judaicos e que neste sentido a distinção entre judeus da Diáspora onde eles compunham minoria e judeus da Palestina onde eram maioria ainda se faz pertinente O argumento de Barclay em relação ao aspecto de uma forte identidade mantida entre os judeus na Diáspora parece desta forma mais convincente que o conceito de diversos judaísmos de Levine John J Collins 1997 conhecido por seu pormenorizado trabalho de pesquisa sobre o judaísmo helenístico da Diáspora também analisa uma seleção de textos produzidos neste meio como a Carta de Aristeas os Oráculos Sibilinos e as obras de Fílon de Alexandria O autor conclui de igual maneira que as respostas deste judaísmo são várias conforme os assuntos em questão a circuncisão o culto ao templo os holocaustos sacrifício de animais em louvor a Deus mas ao invés de enfatizar os laços Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 19 de identidade entre os judeus na Diáspora como faz Barclay ele afirma que em linhas gerais o que aproxima os textos analisados é a questão da apologia do judaísmo em meio gentílico e a rejeição da idolatria pagã Para Collins a maioria dos textos mostra um desejo de partilhar e ser aceito nos estratos mais sofisticados filosoficamente da cultura helenística O autor privilegia assim esse aspecto universalizante do judaísmo da Diáspora que de fato existia em detrimento do particularismo praticado por ele que Barclay enfatiza A questão atual nos estudos sobre a helenização do judaísmo é a dos limites deste processo isto é até onde ele chega ou melhor até onde lhe é permitido chegar O que denota as diferenças entre os estudos que compreendem esta nova tendência são mudanças nos critérios adotados para a análise do processo de helenização dos judeus ou seja diferentes taxonomias John J Collins 2010 por exemplo acredita que os limites da helenização para o caso do judaísmo expressamse de melhor forma através da distinção entre culto e cultura Ele separa o aspecto da religião culto e práticas rituais do resto das práticas sociais que no seu entender correspondem à cultura literatura arquitetura padrão de beleza etc O autor analisa o evento da revolta dos macabeus e conclui que esta só é deflagrada no momento em que Antíoco IV Epifanes persegue a religião judaica proibindo a prática do culto ritual e obrigando os judeus a fazerem sacrifícios aos ídolos forma pela qual os judeus chamavam os deuses pagãos Tais medidas extremas foram a forma de punição de Antíoco ao início de rebelião que a população de Jerusalém promovera ao saber que o sumo sacerdote ilegítimo Menelau usurpara o tesouro do templo para pagar um tributo prometido a ele Por isso para Collins a revolta não tem antecedentes nas reformas helenísticas implementadas anteriormente em Jerusalém por Jasão Ela é consequência da perseguição religiosa por parte do soberano selêucida Neste sentido o autor Taxonomia Distinção ordenação e nomenclatura sistemáticas de grupos típicos dentro de um campo científico Fonte Moderno dicionário da língua portuguesa Michaelis Fonte michaelisuol combrmoderno portugues Mundo Helenístico 20 defende a distinção entre culto e cultura na medida em que a insistência de separatismo pelos judeus faziase apenas nas questões relativas ao culto e à adoração Atende ao Objetivo 2 2 Observe a imagem a seguir Tratase do túmulo de um membro da elite judaica erigido no vale Kidron na Palestina no período helenístico entre os séculos III e II aC O que se pode afirmar acerca do modelo arquitetônico da construção Analise a imagem tendo por base as discussões sobre o processo de helenização dos judeus feitas pela historiografia recente Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 21 Resposta Comentada O túmulo judaico data do período helenístico e claramente reproduz a arquitetura dos monumentos helenísticos A frente da construção imita um pórtico com colunas no estilo dórico A informação de que se trata da tumba de um judeu abastado alguém pertencente à elite judaica confirma as conclusões da historiografia recente de que os costumes helênicos não diretamente ligados à religião a educação a arquitetura a adoção da língua grega etc foram mais amplamente reproduzidos pelas elites locais dentre elas a judaica CONCLUSÃO O processo de helenização do território mediterrâneo oriental ocorreu sobre vastas áreas e sobre diversos povos que ali habitavam É sabido que no quadro das populações locais os hábitos valores e a cultura helênica foram mais amplamente adotados pelas elites que almejavam participar do prestigioso modo de vida helênico não ocorrendo o mesmo com os segmentos mais humildes O mesmo aconteceu entre os judeus povo que se concentrava na região da Palestina mas que mantinha comunidades espalhadas por variadas áreas da região mediterrânea Como pudemos verificar em meio a tantas e diversas abordagens do processo de helenização dos judeus no Mediterrâneo oriental Palestina e Diáspora certo consenso é encontrado na Mundo Helenístico 22 historiografia atual no que se refere aos limites deste processo A consciência de que assim como o helenismo o judaísmo foi uma entidade múltipla na qual nem todos os aspectos mantinham o mesmo grau de importância é quase universalmente partilhada Os autores sabem atualmente que em muitos aspectos como aqueles ligados à literatura ou à arquitetura a adoção do estilo helenístico em nada prejudicava a identidade dos judeus Além disso a reprodução da forma de governo dos soberanos helenísticos por parte dos governantes da dinastia judaica dos asmoneus demonstra o forte impacto da cultura hábitos e modo de vida helênicos sobre os judeus sobretudo no exercício do poder o que para os judeus era inédito já que eles compunham havia séculos um povo dominado por outros Como na maior parte de sua história haviam sido súditos ou escravos quando conquistaram o poder de seu território tomaram por modelo de governo aquele mais próximo o dos reis das dinastias helenísticas A esfera da religião especificamente o culto e os rituais ancestrais era um assunto diferente proibido sagrado Nela a resistência era necessária diante da imposição de práticas que violassem a tradição A prática muito política e pouco religiosa de prestar culto aos deuses da pólis ou do estado imperial sempre foi repudiada pelos judeus Tal particularismo religioso adotado por eles advinha da observância das leis da Torá que tinham por objetivo separálos dos demais povos entendidos por eles como não participantes da aliança que Deus Yahweh travara com Abraão Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 23 Atividade Final Atende aos Objetivos 1 e 2 Ao retratar o início do governo da dinastia dos asmoneus sobre o território dos judeus o autor judaico do século I dC Flávio Josefo afirma nas Antiguidades Judaicas XIII5 que neste período existiam entre os judeus três seitas ou grupos com pensamentos doutrinários diferentes entre si Nesse tempo havia três seitas entre os judeus que possuíam diferentes opiniões acerca das ações humanas uma delas era chamada a seita dos Fariseus outra era a seita dos Saduceus e a outra era a seita dos Essênios Em relação aos fariseus eles dizem que algumas ações mas não todas são resultado do destino e algumas delas estão em nosso poder e que elas são sujeitas ao destino mas não são causadas por ele Mas a seita dos Essênios afirma que o destino governa todas as coisas e que nada recai sobre os homens senão aquilo que lhes foi determinado pelo destino E no que diz respeito aos Saduceus eles abandonam o destino e dizem que não existe tal coisa e que os eventos das atividades dos homens não estão submetidos a ele eles supõem ao contrário que nossas ações estão sob nosso poder de modo que nós mesmos somos as causas daquilo que é bom e recebemos aquilo que é mau em razão de nossa própria irracionalidade Por que Josefo apresenta três grupos judaicos com pensamentos tão diferentes acerca do papel do destino na vida dos homens a partir do início do governo da dinastia dos asmoneus Mundo Helenístico 24 Resposta Comentada É necessário considerar o impacto do processo de helenização sobre os judeus e a memória dos drásticos eventos que suscitaram a revolta dos macabeus Entre as muitas respostas a esse processo observamos que alguns judeus como os saduceus abraçavam mais abertamente os novos costumes helênicos outros judeus como os fariseus procuravam se apegar a uma observância rigorosa da lei judaica de maneira a garantir que Yahweh os protegesse e um grupo de judeus mais radicais como os essênios procurava viver em estado de completa pureza apartados do mundo e acreditando no total governo do destino sobre a vida dos seres humanos RESUMO Esta aula apresenta os eventos ligados à dominação helenística sobre os judeus e as implicações de tal poder e expressão cultural sobre o judaísmo A medida extrema adotada pelo rei selêucida Antíoco IV Epifanes qual seja a abolição do culto judaico e a imposição de um culto grego sobre os judeus suscita a grande revolta dos macabeus que interrompe o processo de ampla helenização dos judeus na Judeia ao vencer o poder selêucida e criar um estado judaico preocupado em reproduzir as leis de Moisés Ainda assim os modelos culturais helênicos permanecem presentes no novo reino seja na reprodução da língua grega ou na adoção do estilo arquitetônico grego ou ainda na escolha da forma de governar adotada pelos asmoneus Tais dados levam os eruditos a analisarem a helenização dos judeus a partir de diversos critérios dentre eles aquele do culto versus cultura denotando a importância para os judeus da observância correta das leis e do culto judaico livre de influências culturais helênicas Aula 10 Relações culturais e identitárias entre gregos e bárbaros O exemplo da Judeia e a revolta dos Macabeus 25 Informação sobre a próxima aula Na próxima aula você verá em detalhes os principais cultos religiosos e grupos filosóficos presentes na região do Mediterrâneo sob o domínio das dinastias helenísticas What We Do Contact Protection Inc provides products and services to protect your charge card account number and personal information from falling into the wrong hands Our services also help reduce fraud and erroneous chargebacks benefiting both merchants and financial institutions How It Works When a customer uses a card at a participating store the cardholders account number is replaced with a unique transaction number or token This token is used to process the transaction instead of the actual card number Benefits Improves cardholder security Reduces fraud Lowers costly chargebacks Supports EMV and Contactless payments Increases customer confidence Our products and 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14 daquela disciplina Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 35 INTRODUÇÃO O mundo antigo é o mundo da cidade Essa definição é comum entre os estudiosos do período que sustentam que a economia e a cultura na Antiguidade guiavamse a partir da dinâmica singular das cidades gregas e romanas e de como se construiu uma complexa rede de trocas entre elas a partir do comércio das guerras e das relações políticas De fato o mundo grego que surge após o fim da Era do Bronze gradualmente a partir do século XI aC será marcado pelo surgimento da polis a cidadeEstado grega Até a primeira metade do século XX era comum entre os estudos sobre o período avaliar que a polis como instituição característica do mundo grego havia acabado com o fim do mundo clássico já que seu principal atributo era a autonomia política destruída após as conquistas de Alexandre No entanto estudos mais recentes têm reavaliado essas posições e definido a polis sob uma perspectiva mais ampla que revela que durante o período helenístico as cidades gregas desenvolveramse muito mais do que no período clássico O que define a polis Embora a Grécia nunca tenha se configurado em uma unidade política até o seu apogeu antes da conquista macedônica as concentrações urbanas que começaram a surgir no período arcaico a partir do século VIII aC adquiriram características semelhantes entre si Porém só fica mais claro definir a diferença entre a polis e um aglomerado urbano genérico depois que aquela está finalmente consolidada afinal de contas esse foi um processo lento e gradual O historiador Mogens Hansen do Copenhagen Polis Centre tem se dedicado a estudar todas as formas das poleis gregas para definir seus padrões e características particulares Seu levantamento listou por volta de 1500 poleis mencionadas pelas fontes eou Mundo Helenístico 36 encontradas em escavações arqueológicas das quais mais de 400 eram colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo e o mar Negro e aproximadamente 300 foram fundadas durante o período helenístico Assim podemos ver que desse total muitas desapareceram e outras surgiram durante o tempo fora aquelas que eventualmente tenham existido mas que não deixaram registro até nós O levantamento de Hansen é um atestado do que falamos na introdução ele diz Em qualquer época dentro do mundo clássico grego existiam pelo menos 1000 poleis o que faz da cultura da cidadeestado grega antiga a maior na história do mundo HANSEN 2006 p 31 O que faz de um aglomerado urbano uma polis As próprias fontes literárias do mundo antigo são muitas vezes confusas ao usar o termo Dependendo do contexto o uso do termo polis pode significar apud HANSEN 2006 p 5657 a a acrópole propriamente dita ou seja um estabelecimento fortificado geralmente no topo de uma colina que constituía o centro da cidade Figura 91 b sinônimo de asty ou a cidade c sinônimo de ge ou chora ou seja o território como um todo a cidade mais o campo que a ela pertence d no sentido de comunidade o conjunto dos cidadãos e sinônimo de ekklesia ou demos a assembleia política f sinônimo de koinonia a comunidade política em termos abstratos Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 37 Figura 91 A acrópole de Selinunte na Sicília Fonte httpesfotopediacomitemsflickr539331082 Resta então verificar que formas físicas em comum adquiriam as poleis ou seja que tipos de edifícios e configurações urbanas peculiares elas apresentavam Paradoxalmente as duas cidades que mais conhecemos no mundo grego Atenas e Esparta são as menos características e menos adequadas como ponto de partida Atenas era muito maior do que as outras cidades mais rica e poderosa e seu território a Ática era também muito maior do que os territórios das outras cidades Além disso a forma como desenvolveu sua democracia foi muito mais radical do que qualquer outra maneira de representação política Esparta também tinha um território muito vasto uma organização política e um sistema social muito peculiar conforme você deve ter estudado na disciplina História Antiga Uma forma de se definir o que seriam poleis típicas é analisar como se deram as fundações das colônias gregas a partir do século VIII aC já que essas cidades eram criadas do zero por expedições vindas das metrópoles cidadesmães Os colonos chegavam por via marítima até uma determinada região desabitada ou com tribos locais longe da costa e estabeleciam uma nova cidade de acordo com os padrões que julgavam necessários Analisando essas Mundo Helenístico 38 colônias vemos que tipos de construções públicas eram necessários para se fundar uma nova polis 1 Uma ágora ou mercado público uma praça livre de construções geralmente retangular onde eram conduzidos os negócios públicos e privados no período helenístico as ágoras costumavam ser rodeadas por stoas monumentais 2 Um bouleuterion edifício que abrigava a boulé assembleia dos cidadãos 3 Um gymnasion não apenas um ginásio para exercícios físicos mas sim uma escola para a educação dos cidadãos 4 Um teatro geralmente construído em uma encosta de colina para aproveitar a topografia no período helenístico começaram a ser construídos com pedra 5 Muralhas para proteger o centro urbano e abrigar os habitantes do território em caso de ataque 6 O templo da divindade local além de outros templos As fontes escritas também fornecem evidências Pausânias um geógrafo grego que viveu no século II dC escreveu um guia da Grécia para os viajantes No livro 10 dedicado à região da Fócida ele critica a cidade de Panopeu se é que se pode chamar de cidade uma que não tem prédios públicos nenhum ginásio teatro ou ágora que não tem água corrente em uma fonte e onde se mora à beira de um buraco em choupanas como as cabanas das montanhas X 41 No entanto podemos dizer que a polis até o período clássico se caracterizava menos pela uniformidade urbana e institucional do que pelo fato de possuir autonomia palavra que significa legislar pelas suas próprias leis autos próprio nomos lei ou território Da geração e aplicação das próprias leis no funcionamento da cidade vem como extensão a ideia de liberdade já que autonomia Stoas As stoas eram longos pórticos públicos cobertos e cercados de colunas onde se localizavam lojas e faziamse negócios Durante o período helenístico essas construções popularizaramse nas cidades gregas e da Ásia Menor rodeando as ágoras e oferecendo proteção contra o forte sol do Mediterrâneo A stoa mais famosa é a de Átalo rei de Pérgamo oferecida como presente a Atenas que foi reconstruída e hoje abriga um museu Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 39 significava que o conjunto de cidadãos não estaria sujeito à autoridade de um rei externo ou de um tirano que governasse de acordo com seus próprios interesses e acima da lei Como a situação política muda bastante no período helenístico e as relações com os reis tornamse inevitáveis entendese que essa autonomia sofre alterações e de fato diminui nas cidades gregas Ao mesmo tempo novas fundações de cidades em um território mais amplo do que o mundo grego clássico trazem novas dinâmicas políticas e culturais ao mesmo tempo em que uma certa padronização do conceito urbano grego também é mais visível Sendo assim fica a pergunta a autonomia é uma definição suficiente para entender a polis grega ou essa definição pode ser mais ampla e flexível Figura 92 Stoa de Átalo em Atenas reconstituição Fonte httpenwikipediaorgwikiFileStoainAthensjpg Mundo Helenístico 40 O Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga Labeca do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP tem um site muito interessante e com vasto material sobre as cidades gregas antigas Vale a pena ler os artigos e ver as imagens disponíveis O endereço é httpwwwlabecamaeuspbr Fonte httpwwwlabecamaeuspbr Polis x cosmopolis No século IV aC parece ter havido na Grécia um aumento significativo da população Não podemos medir exatamente esse aumento pelas evidências arqueológicas mas as fontes escritas comentam frequentemente sobre bandos errantes de gente sem terras e sem dinheiro grupos de aventureiros e exilados políticos deslocandose pelo mundo grego O orador ateniense Isócrates defendia em seus discursos escritos na época de Filipe II da Macedônia que os gregos organizassem um ataque unificado aos persas para conquistar o território da Ásia Menor e lá estabelecer esse excedente populacional instaurando uma nova onda de colonização grega e resolvendo o problema desses bandos errantes Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 41 Uma das consequências das conquistas de Alexandre foi a fundação de diversas novas cidades gregas pelo império exatamente o que Isócrates defendia A primeira nova cidade a ser fundada pelo general foi Alexandria em 332 aC e que vamos analisar daqui a pouco Na rota seguida pelo exército macedônico na Ásia foram fundadas várias outras cidades entre comunidades totalmente novas refundações gregas de comunidades locais já existentes e postos militares avançados Os reis helenísticos que se seguiram a Alexandre também fundaram várias novas cidades tendo em vista a ocupação do imenso novo território por populações gregas em especial para a elite administrativa dos novos impérios A fundação de colônias distantes na Báctria Média e outras partes mais orientais do império mostravase também importante para garantir a segurança das fronteiras No caso das refundações de cidades já antigas encontramos muitos exemplos no império selêucida como os casos da antiga capital persa Susa que foi renomeada SelêucidanorioEulaio ou de Uruk a cidade suméria tornada Antioquianocanalde Ishtar Muitas das antigas grandes cidades foram suplantadas por essas novas cidades gregas que surgiram ao seu lado como é o caso da Babilônia que caiu em declínio ao lado da nova capital SelêucidanorioTigre Essas novas cidades traziam como característica na composição social a presença tanto das antigas populações locais quanto das novas elites gregas e macedônicas que provavelmente estavam em número bastante reduzido em relação aos habitantes locais No entanto em algumas gerações já é possível verificar uma prevalência cultural tipicamente grega no registro da existência dessas cidades Chamaremos isso de helenização Tudo depende do que o registro dos vestígios deixanos entrever as novas cidades continham muitos elementos urbanos típicos do mundo grego mesmo em lugares distantes mas a construção desses edifícios e a adoção de novos planos urbanos obedeciam a determinações da nova elite Os registros que temos das estruturas administrativas de transações Mundo Helenístico 42 comerciais e dos negócios públicos e privados revelamnos um pouco da mistura entre os elementos locais e os gregos e percebese pouco a pouco que as próprias elites locais passam a procurar ascender socialmente através da emulação dos padrões gregos É provável que o camponês médio tenha sido pouco afetado por essas mudanças culturais na medida em que ainda continuava falando sua língua e cultuando seus deuses Os vestígios arqueológicos podem nos dar uma medida das transformações na vida cotidiana Figura 93 Por exemplo que tipos de objetos tipicamente gregos ou tipicamente locais são encontrados nas habitações dessas cidades Os objetos gregos estão em contextos associados às elites como casas ricas ou edifícios públicos Ou começamos a encontrar objetos que mostram um amálgama entre essas culturas Figura 93 Máscara grega de teatro encontrada em Ai Khanoum Báctria século II aC Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGorgoyleSharpjpg Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 43 O estudo arqueológico do período helenístico é muitas vezes dificultado pelo fato de que as escavações ainda são incompletas Geralmente as expedições arqueológicas estão mais interessadas em ocupações do período clássico grego quando é o caso ou no período romano ou é até mesmo impossível escavar porque as fundações helenísticas estão embaixo dos prédios das cidades atuais Sendo assim precisamos muitas vezes de evidências externas ou indiretas para compreender o desenvolvimento dessas cidades No entanto é possível constatar que eram cidades muito maiores do que as antigas poleis gregas com um movimento muito mais dinâmico de pessoas mercadorias e ideias É por isso que podemos usar o termo cosmópolis para muitas dessas novas cidades como Alexandria Antioquia e Pérgamo queremos dizer que eram cidades muito mais voltadas a um ambiente de trocas culturais com diversos povos aberto a novas influências e não mais voltado a uma identidade cultural única Gregos ou locais os habitantes das cidades no mundo helenístico tinham a percepção de que o mundo conhecido era vasto amplo e de uma forma ou de outra parte de seu próprio mundo Com o desbravamento e a ocupação de novos territórios também a população como um todo aumentou no período trazendo como consequência aumentos expressivos nos exércitos e na arrecadação de impostos No caso dos exércitos é bom lembrar que durante o período helenístico os exércitos característicos de cidadãos das poleis clássicas estavam sendo substituídos por tropas compostas por mercenários contratados por um soldo que era pago em espécie e em butim ganho nas campanhas vitoriosas Nesse sentido vemos aqui uma grande diferença entre o mundo dos hoplitas e as tropas a serviço das monarquias e cidades helenísticas Um bom exemplo do que seria essa nova dinâmica militar é a vida de Xenofonte general ateniense que viveu entre 430 e 354 aC antes de Alexandre portanto e escreveu entre outras obras um relato da expedição de soldados mercenários que liderou a Anabasis releia o boxe de curiosidade sobre Xenofonte na Aula 2 Exércitos de mercenários eram cosmopolitas por excelência já que Hoplitas Os cidadãos das poleis gregas arcaicas e clássicas lutavam por suas cidades como soldados organizados em formação de falange e eram denominados hoplitas Enquanto era obrigação da cidade treinar os soldados os hoplitas precisavam ter renda suficiente para se armar geralmente com o mínimo de uma lança um escudo e uma armadura incluindo o capacete Mundo Helenístico 44 se compunham de homens de todas as partes do mundo helenístico viabilizando profundas trocas culturais entre si e com os habitantes das cidades que percorriam O poder na polis helenística Como vimos o que se alega sobre o fim da polis no período helenístico é o fato de que as cidades gregas passaram a ser direta ou indiretamente dominadas pelos reis sejam os antigônidas Ptolomeus ou selêucidas sejam os reis das monarquias menores que também se consolidaram na época Portanto isso significa que elas teriam perdido a sua autonomia política característica do período clássico Um bom exemplo disso é a própria cidade de Atenas que embora conservasse nominalmente sua independência muitas vezes precisava se subordinar a determinações de monarcas alheios de maior poder militar e prestígio político São abundantes as inscrições epigráficas onde se encontram tratados em que as poleis são obrigadas a pagar tributos para esses reis Como vimos na última aula a retórica romana sobre libertar as cidades estava relacionada a essa questão Algumas regiões porém foram menos afetadas por esse jogo de relações e as cidades continuaram se desenvolvendo sem uma influência decisiva dos reis como as cidades da Sicília da Magna Grécia e do Mediterrâneo ocidental bem como na mais isolada costa do mar Negro Mas os reis também precisavam do apoio das cidades para aumentar a sua reputação e o seu prestígio além de se beneficiar economicamente Veja esse decreto da cidade de Smirna da metade do século III aC Já que antes quando o rei Seleuco III passou por Selêucida e muitos e grandes perigos estavam ameaçando nossa cidade e território o povo preservou sua boa vontade e amizade para com ele não ficou intimidado com a invasão inimiga e não se preocupou com a destruição de sua propriedade mas considerou tudo isso secundário perante a manutenção Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 45 de sua política de amizade e defesa dos interesses do rei da melhor maneira possível como prometeu de início Assim o rei Seleuco que mostra piedade perante os deuses e afeição pelos seus pais sendo generoso e sabendo como retribuir a gratidão ao seu benfeitor a cidade honrou nossa cidade por causa da boa vontade e do zelo demonstrados pelo povo em torno de seus interesses AUSTIN 182 Como vimos antes no exemplo da stoa de Átalo em Atenas é característico desse período que os reis generais e também outros homens ricos oferecessem presentes às cidades como forma de consolidar o seu prestígio Em boa parte esses presentes eram construções públicas pagas por esses particulares O historiador Paul Veyne chamou essa prática de evergetismo termo que vem do grego evergetes ou benfeitor aquele que faz bons serviços Muitas vezes as cidades não tinham dinheiro suficiente para construir um grande templo ou um teatro e financiar obras públicas abertamente era uma forma de demonstrar força política e prestígio para os reis e homens ricos Essa prática foi responsável pelo desenvolvimento vigoroso de muitas cidades helenísticas e também continuou a ser adotada durante o período romano Em muitas dessas cidades estabeleceuse uma forma de democracia menos radical do que aquela que havia sido característica da Atenas clássica Muitas constituições locais estabeleceram assembleias magistrados e conselhos de cidadãos baseados na forma ateniense mas nem mais na própria Atenas os cidadãos tinham controle completo da política Às cidades ainda competia a organização dos cultos e dos festivais locais o abastecimento a relação oficial com os reis e outras cidades e o gerenciamento da vida pública cotidiana mas como vimos a atuação direta ou indireta de reis e generais nas cidades moldava uma rede de relações mais ampla e essencialmente menos autônoma para elas Em algumas dessas democracias voltava a ser necessária uma qualificação de renda para votar e ser votado Mundo Helenístico 46 excluindo assim os homens livres pobres Portanto de certa forma elas voltavam a ser oligarquias apesar de conservar nominalmente o caráter de democracias Características urbanas das cidades helenísticas Como vimos as conquistas de Alexandre e o estabelecimento de monarquias helenísticas no Egito e na Ásia foram responsáveis por um grande número de novas fundações de cidades O próprio Alexandre fundou várias Alexandrias das quais foram identificadas até hoje treze delas Seleuco fundou várias Selêucias Antioquias Laodiceias e Apameias em toda a extensão de seu império na Ásia os nomes das cidades são derivados dos nomes da dinastia entre homens e mulheres Muitas dessas cidades eram refundações de pequenas cidades nativas já existentes adicionando novos edifícios públicos mas foram responsáveis por um nível de expansão da cultura grega nunca antes imaginado no mundo antigo Até mesmo em regiões distantes como a Báctria na fronteira da Índia cidades eram fundadas com teatros gregos ginásios e ágoras para abrigar a elite grega que ali se instalava Figura 94 Em termos de população muitas dessas cidades chegaram a antes inéditas centenas de milhares de pessoas Uma característica bem típica da maioria dessas novas poleis foi a adoção de uma disposição urbanística planejada em um plano quadriculado com dois eixos principais nortesul e lesteoeste e com as construções públicas planejadas para se localizarem no centro Embora desde o período arcaico já encontremos exemplos desses planos nas cidades o modelo tornouse mais frequente através dos trabalhos do filósofo Hipódamo de Mileto que viveu no século V aC e que defendia uma teoria da organização urbana baseada na divisão da sociedade dentro do território Os romanos também usaram muito esse arranjo baseado na organização espacial dos acampamentos militares Encontramos nas cidades atuais vários Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 47 exemplos desse tipo de planejamento urbano como em Nova York Toronto Barcelona e no Brasil algumas cidades do interior do estado de São Paulo e no CentroOeste Figura 94 Plano urbanístico da cidade de Ai Khanoum na Báctria Repare as típicas formas gregas em uma cidade fundada nas fronteiras de onde hoje é o Afeganistão Fonte httpwwwliviusorga1mapsaikhanummapgif Jona Lendering liviusorg A disposição e o estado dos edifícios públicos no período helenístico também nos traz uma forma de compreender a economia no período Os edifícios em geral se tornaram mais elaborados e suntuosos as novas stoas são um exemplo O bouleuterion destacou se como um edifício de função especializada separando as reuniões políticas do comércio praticado na ágora O gymnasion passou a ser construído próximo ao centro e sua administração tornouse Mundo Helenístico 48 complexa e hierarquizada foram preservados decretos com várias leis sobre isso e os novos teatros eram muito maiores além de permanentes pois passaram a ser construídos com pedras ao invés de madeira Repare no tamanho do teatro de Éfeso Figura 95 sua capacidade era de 10 mil pessoas Figura 95 No sentido horário a ágora de Thessaloniki o bouleuterion de Akrai Sicília o gymnasion de Kos e o grande teatro de Éfeso Fontes httpcommonswikimediaorgwikiFileTHESAgoraEaststoajpg httpcommonswikimediaorgwiki FileBouleuterionjpg httpcommonswikimediaorgwikiFileGymnasionJPG httpcommonswikimediaorgwiki FileEphesusTheaterjpg As muralhas que cercavam as poleis passaram gradativamente ao desuso em algumas regiões durante o período helenístico Territórios localizados dentro de reinos estáveis não tinham mais uma necessidade de proteção tão primordial contra invasões quanto antes A partir do século I aC quando a pax romana estabilizou Aula 9 As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis 49 a Grécia surgiram muitas cidades sem qualquer traço de uso de muralhas e as muralhas antigas deixaram de ser restauradas a Arqueologia confi rma até mesmo o aumento do número de aldeias Atende aos Objetivos 1 e 2 1 Analise a planta da cidade de Priene que foi uma pequena cidade grega da Ásia Menor no período de Alexandre e responda descrevendo a imagem que características dessa cidade tornamna uma típica polis helenística Figura 96 Legenda A B C portões D E F H M P templos G ágora I bouleuterion K pritaneu L Q gymnasion N teatro Q reservatório de água R stadion Fonte HAVERFIELD F Ancient TownPlanning Oxford Clarendon Press 1913 httpwwwgutenbergorgfi les1418914189h14189h htmfi g6 Mundo Helenístico 50 Resposta Comentada É possível notar pelo plano quadriculado que a cidade foi planejada e não uma ocupação aleatória Além disso os principais edifícios públicos estão todos concentrados no centro com a ágora e os edifícios administrativos na intersecção dos eixos nortesullesteoeste A muralha também é um elemento importante denotando a necessidade ainda existente de proteção contra invasões Alexandria a cidade helenística por excelência Já havia uma cidade grega no Egito antes de Alexandria o faraó Psamético 664610 aC fundou a cidade de Náucratis para os colonizadores gregos de Mileto e seu sucessor Amásis tornoua um entreposto comercial em grego emporion exclusivo dos gregos em 570 aC Como emporion Náucratis não era uma polis típica tal como as cidades gregas e as grandes colônias fundadas por todo o Mediterrâneo pois tinha como função principal agir como Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 51 ponto de trocas comerciais entre gregos e egípcios Enquanto estes negociavam grãos papiro e linho os gregos forneciam prata madeira azeite e vinho Quando Alexandre chegou ao Egito e expulsou os persas em 332 aC resolveu fundar uma nova cidade a primeira de suas várias fundações no delta do rio Nilo próximo à ilha de Faros um local estratégico para servir de elo entre o Egito e o Mediterrâneo facilitando ainda mais o contato com a Grécia Alexandria nunca foi pensada para ser uma cidade integrada ao mundo egípcio mas sim uma cidade grega próxima ao Egito tanto que o nome completo da cidade era AlexandriaaoladodoEgito Acreditase que a cidade foi fundada sobre uma vila egípcia já existente chamada Racótis nome esse que posteriormente denominou o bairro da cidade onde moravam os egípcios O historiador Arriano que viveu no século II dC descreve como Alexandre fundou a cidade Alexandre veio a Kanobos navegou em torno do lago Mareótis e aportou no lugar da presente cidade de Alexandria que dele deriva seu nome O lugar pareceu a ele o mais favorável para a fundação de uma cidade e ele imaginou que seria próspero Então foi tomado de um grande desejo pela tarefa e delimitou ele mesmo as principais áreas da cidade a localização da ágora quantos santuários deveriam existir e de que deuses tanto os gregos quanto a egípcia Ísis e obviamente também a muralha Ele ofereceu sacrifícios na planície e os auspícios pareceram favoráveis Anabasis III 1 Figura 97 O porto de Alexandria hoje Fonte httpenwikipediaorgwikiFileAlexandriapanoramajpg Mundo Helenístico 52 Alexandria foi planejada de acordo com o plano urbanístico hipodâmico ou seja do filósofo Hipódamo de Mileto que vimos há pouco e foi obra do arquiteto Dinócrates de Rodes A arqueologia hoje tem muitas dificuldades em reconstruir o sítio primeiro porque a cidade atual está construída em cima das ruas antigas e segundo porque boa parte da ocupação antiga foi coberta pelo mar possivelmente ainda no período romano Figura 97 Assim é a arqueologia submarina que revela hoje muitas das grandes construções públicas que tornaram a cidade famosa como o próprio Farol de Alexandria uma das Sete Maravilhas do mundo antigo com 140 metros de altura construído em 280 aC e destruído em um terremoto durante a Idade Média Além disso dependemos das descrições dos autores antigos sobre a cidade entre elas a minuciosa descrição do geógrafo Estrabão que a visitou no começo do século I dC e ficou impressionado com a largura das ruas e o tamanho dos quarteirões Alexandria era de fato uma cidade enorme para os padrões antigos com aproximadamente meio milhão de habitantes Alexandria foi planejada para ter os típicos elementos administrativos de uma cidade grega e teve como modelo as instituições políticas de Atenas tinha uma assembleia um conselho e magistrados tais como o sistema ateniense mas nunca chegou a se configurar como uma democracia de fato Como em poucos anos se tornou a capital do reino ptolomaico a ausência cada vez maior de referências sobre essas instituições nas fontes pode refletir o caráter autocrático da monarquia dos Ptolomeus também revelado pela importância dos palácios reais próximos ao porto Ptolomeu I já pretendia usar a grandeza de Alexandria para se impor perante os outros reinos helenísticos e usou como grande trunfo o sequestro do corpo mumificado de Alexandre para construir um imponente monumento em grego Sema onde também depois foram colocados os corpos dos monarcas ptolomaicos Assim pretendiase construir um elo legítimo de continuidade entre Alexandre e os Ptolomeus na concorrência entre as monarquias que se consolidaram após a guerra dos diádocos você se lembra da Aula 5 Outra forma Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 53 de se integrar Alexandria e o reino ptolomaico ao passado grego foi a instauração das Ptolemaieia ou Jogos Ptolomaicos em honra do deificado Ptolomeu I os jogos tornaramse tão expressivos que foram considerados isolímpicos ou seja equivalentes em termos de importância aos Jogos Olímpicos A cidade tinha uma grande quantidade de habitantes de origem grega ou macedônica Assim como em Atenas a cidadania era hereditária e geralmente fechada à comunidade grega O bairro de Racótis na parte sudoeste da cidade abrigava os egípcios e havia também uma grande comunidade judaica helenizada falavam grego além de hebraico O porto de Alexandria o mais movimentado de todo o mundo antigo permitia o afluxo de um grande número de pessoas vindas de todas as outras regiões do mundo antigo de forma que podemos dizer que Alexandria era uma verdadeira cosmópolis Um dos principais edifícios de Alexandria era o complexo que abrigava a grandiosa biblioteca concebida para ser o maior centro de livros e es tudos do mundo antigo Estimase que a Biblioteca de Alexandria continha centenas de milhares de rolos de papiro mas não é possível estimar quantos livros um livro poderia ter mais de um rolo A aquisição de livros era uma política deliberada dos monarcas ptolomaicos que determinavam que navios ancora dos no porto de Alexandria entregassem os livros que carregavam para que fossem feitas cópias Foram os estudiosos que administravam a biblioteca que deter minaram o cânone literário antigo sobre o qual fala mos na Aula 2 Entre as obras organizadas a tradução do Pentateuco bíblico para o grego e o estabelecimento Mundo Helenístico 54 do texto escrito dos poemas de Homero são as mais conhecidas O complexo abrigava também o Mouseion ou casa das musas de onde vem a palavra museu Figura 98 Salão de leitura principal da nova Biblioteca de Alexandria uma homenagem à biblioteca antiga inaugurada em 2002 Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFlickrdlisbonaMain readinghallinthenewAlexandrialibraryjpg O mapa a seguir é uma reconstrução do plano urbanístico da cidade A parte sublinhada menor em linha mais escura é a muralha da cidade antiga Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 55 Figura 99 Mapa da cidade de Alexandria Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaulyWissowaI11379MapAlexandriapng As duas capitais egípcias Mênfis ao norte e Tebas ao sul perderam seu prestígio durante o período helenístico Alexandria suplantou Mênfis como centro próximo ao delta do Nilo e ao Mediterrâneo e Ptolomeu I fundou outra cidade para se contrapor a Tebas na parte sul do país Ptolemais Esta foi a única outra fundação de uma cidade grega no Egito fora Alexandria e a já existente colônia de Náucratis que por causa do novo porto entrou rapidamente em declínio CONCLUSÃO Podemos ver através da análise das cidades helenísticas que a polis não acabou com o fim do período clássico Se ela tinha como característica a autonomia política total até Alexandre sua evolução posterior mostra que apesar de a autonomia ter diminuído ela não se extinguiu de todo nas cidades da Grécia As novas cidades helenísticas mantiveram uma ideia de cidade típica do mundo grego e levaram essa identidade grega para o Egito e a Ásia Mundo Helenístico 56 Nesse sentido a própria confi guração física da polis helenística mostrase como um dos principais pilares da cultura grega no mundo conquistado por Alexandre ainda que as novas poleis tenham absorvido infl uências das diversas culturas locais Atividade Final Atende aos Objetivos 2 e 3 Leia a descrição de Estrabão sobre Alexandria vendo se você consegue localizar na Figura 99 o mapa da cidade quais são os edifícios que ele descreve Na resposta explique por que dissemos que Alexandria é a cidade helenística por excelência Toda a cidade é atravessada por ruas próprias para o tráfego de cavalos e carruagens e por duas principais que são muito largas com mais de um plethrum 30m de comprimento estas ruas se cruzam em ângulos retos A cidade tem ambientes públicos magnífi cos e os palácios reais cobrem um quarto ou mesmo um terço da área da cidade Pois assim como cada um dos reis por amor à suntuosidade adicionou algum ornamento aos monumentos públicos eles também construíam suas residências com seus próprios recursos além daquelas já existentes Porém todas estão interconectadas e ligadas ao porto mesmo as que estão fora dele No Grande Porto na entrada à direita há uma ilha e a torre de Faros e do outro lado fi cam rochas e o promontório de Lóquias com o palácio real Quem navega entrando no porto vê à esquerda os palácios reais internos que se juntam ao de Lóquias e têm alamedas e muitos alojamentos coloridos Abaixo deles fi ca o porto artifi cial que não é visível e é propriedade particular dos reis e Antirrhodos uma pequena ilha na frente desse porto que tem um palácio real e um pequeno ancoradouro Esse nome foi dado porque o lugar era rival de Rodes Acima dela fi ca um teatro depois o Posideon uma espécie de cabo saindo do chamado Emporion com um santuário de Poseidon Há em seguida o Cesareum o Emporion e os armazéns depois deles encontramse os estaleiros até o Heptastadion a ligação entre a cidade e a ilha de Pharos signifi cando 7 estádios ou seja 1225m Este é o Grande Porto Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 57 Depois do Heptastadion vem o porto de Eunosto e acima dele o porto artificial também chamado de Cibotus o peito este também tem estaleiros Para adiante dele há um canal onde cabem navios que se estende até o Lago Mareótis Além do canal existe apenas uma pequena parte da cidade Aparece então o subúrbio de Necrópolis onde há muitos jardins e tumbas bem como instalações apropriadas para o embalsamento de corpos Para dentro do canal encontrase o Serapeum templo de Serápis e outras construções antigas que foram virtualmente abandonadas ele está escrevendo 300 anos depois de Alexandre por causa da construção de novos edifícios em Nicópolis por exemplo existe um anfiteatro e um estádio e as competições quadrienais são celebradas lá enquanto que os edifícios antigos caíram em desuso Em resumo a cidade é cheia de dedicações e santuários o edifício mais bonito é o Gymnasion que tem pórticos de tamanho maior do que um estádio medida equivalente a 175m No centro da cidade ficam os tribunais de justiça e as alamedas Geographia XVIII 810 Resposta Comentada Pode ser difícil localizar as construções mencionadas por Estrabão Compare o mapa desta aula com o disponível em httpwwwsnuvocomnouveauwpcontentuploadsAlexandria mapfinal1jpg Encontramos na descrição da cidade todos os principais elementos da polis como o plano urbanístico quadriculado os templos a muralha o gymnasion e os outros edifícios públicos A primazia dos palácios reais mostrava que a autonomia da polis clássica cedera Mundo Helenístico 58 lugar a um novo tipo de administração Além da distribuição de grupos étnicos diversos nos bairros da cidade o porto também trazia uma grande movimentação de pessoas e intensas trocas culturais fazendo de Alexandria o melhor exemplo da forma como a polis confi gurouse no período helenístico aberta para o mundo RESUMO A polis grega surgiu no período arcaico e desenvolveuse em toda a Grécia Ásia Menor e Mediterrâneo como cidadeestado autônoma ou seja que decretava e geria as próprias leis Embora as conquistas de Alexandre e o estabelecimento das monarquias helenísticas tenham diminuído drasticamente essa dinâmica política independente das cidades gregas vários aspectos anteriores da polis permaneceram e desenvolveramse Entre eles destacamse os planos urbanísticos que revelam a ocupação sistematizada do território e as construções públicas típicas como o gymnasion e o bouleuterion Muitas dessas construções foram pagas pelos reis ou generais demonstrando que a submissão das cidades aos monarcas era muitas vezes uma via de mão dupla já que estes precisavam dos apoios delas para sustentar seus reinos Cidades como Alexandria passaram a se tornar grandes centros urbanos integrados em um sistema econômico e cultural muito mais amplo do que o do mundo clássico absorvendo em diversos graus as características das comunidades locais do Egito e da Ásia Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 59 Informação sobre a próxima aula A próxima aula tratará das relações entre os gregos e os bárbaros durante o período helenístico que é o ponto central da questão sobre a helenização do Oriente desencadeada pelas conquistas de Alexandre Um caso especial será estudado o dos judeus através da Revolta dos Macabeus Contact Protection Inc 4410 Monroe Street Dallas Texas 75205 2148262991 wwwcontactprotectioncom Título Helenização Egipcianização e a Reconstrução da Identidade Estudo das Interações Culturais entre Estrangeiros e Nativos na chóra Ptolomaica SEÇÃO CONTEÚDO Referência Bibliográfica PEREIRA Ronaldo Guilherme Gurgel Helenização Egipcianização e a Reconstrução da Identidade Estudo das interações culturais entre estrangeiros e nativos na chóra ptolomaica 2005 132 f Dissertação Mestrado em História Comparada Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2005 Orientadora Marta Méga de Andrade Área e Linha de Pesquisa A pesquisa inserese na linha História Comparada das Diferenças Sociais do PPGHC da UFRJ abordando temas vinculados à identidade dominação alteridade e práticas culturais em contextos imperiais com ênfase na antiguidade helenística Tema Central O trabalho investiga como se configuraram as interações culturais entre gregos e egípcios no contexto da chóra egípcia sob domínio ptolomaico demonstrando que mais do que simples imposição cultural houve uma série de trocas adaptações e reelaborações identitárias promovendo tanto a helenização de egípcios quanto a egipcianização de helênicos Objetivo Geral Analisar como se deu a reconfiguração das identidades culturais no Egito ptolomaico especialmente na chóra entendendo os mecanismos simbólicos jurídicos linguísticos e práticos que permitiram a construção de novas formas de pertencimento e negociação de alteridades Metodologia A dissertação utiliza uma abordagem histórica comparativa com base em análise documental papiros cartas contratos epígrafes articulada a teorias da antropologia simbólica e da história cultural Destacamse o uso de conceitos como nómos alteridade e pragmática da identidade As fontes primárias incluem documentos do Fayum inscrições votivas e materiais epigráficos interpretadas à luz de autores como Sahlins Geertz Burke e Benveniste Estrutura da Dissertação Dividida em três capítulos principais 1 trata da fundamentação conceitual e da construção do nómos como projeto de dominação e símbolo de identidade 2 analisa as relações entre templos egípcios e o poder helenístico mostrando instâncias de conflito cooperação e adaptação 3 foca na vida cotidiana na chóra com ênfase na prática intercultural e na apropriação mútua de elementos simbólicos O capítulo 3 é especialmente rico em análise de fontes como papiros jurídicos contratos matrimoniais e epigrafia religiosa Principais Conceitos O conceito de nómos é central apresentado como norma cultural em duas variantes uma ideológica e institucional ligada ao discurso helenizador das elites e outra prática e cotidiana associada à vivência das interações interculturais A helenização aparece como processo simbólico de dominação cultural mas também como prática negociada Já a egipcianização é vista como incorporação pragmática de saberes nomes divindades e práticas pelos próprios gregos Destaques Analíticos A dissertação demonstra que a fronteira cultural entre gregos e egípcios não era rígida mas permeável Através de práticas como o aprendizado do egípcio por helênicos o casamento entre irmãos a adoção de nomes duplos grecoegípcios e a construção de monumentos híbridos verificase que havia um cotidiano de trocas simbólicas Os gregos adotavam práticas egípcias como a interpretação de sonhos e cultos religiosos sem abandonar o orgulho de sua identidade expressa sobretudo pelo uso da língua grega nas inscrições e contratos Fontes Utilizadas A pesquisa se baseia em uma ampla gama de fontes papiros de Kerkeosíris e do Fayum contratos legais casamento empréstimo cartas privadas inscrições epigráficas votivas em grego e objetos arqueológicos mesas de oferenda estelas religiosas Os materiais são interpretados com foco nas práticas sociais e simbólicas que revelam a complexidade das relações entre gregos e egípcios na vida cotidiana Autores e Obras Referenciada s A base teórica envolve autores como SAHLINS 1994 sobre cultura e história BURKE 2003 sobre hibridismo cultural GEERTZ 1989 sobre construção simbólica da identidade BENVENISTE 1969 com destaque para a questão da linguagem como símbolo de identidade LEWIS 1993 sobre direito e administração no Egito ptolomaico CRAWFORD 1971 sobre nomes e cidadania BERNAND 1992 sobre epigrafia grega no Egito Conclusões A dissertação conclui que a helenização no Egito não foi um processo unívoco de imposição mas sim uma construção híbrida e dinâmica em que práticas egípcias foram apropriadas por gregos e reinterpretadas em chave helênica A identidade grega foi sendo reformulada na prática e o nómos embora ideologicamente usado como instrumento de separação simbólica acabou sendo reconfigurado no cotidiano como uma ferramenta de negociação cultural A prática cotidiana mostrouse mais fluida que o discurso oficial e a convivência na chóra resultou na emergência de uma identidade helenística localizada enraizada na realidade egípcia No fragmento epistolar analisado pertencente a um egípcio subordinado de Zenon datado de c 256255 aC o autor da dissertação busca evidenciar as dinâmicas sociais e simbólicas do Egito ptolomaico por meio de uma fonte pessoal que explicita com rara sinceridade os efeitos da política helenizadora sobre os sujeitos nãogregos A carta redigida em grego endereçada a Zenon figura de destaque na administração do Fayum revela a angústia de um trabalhador egípcio ou possivelmente árabe que mesmo cumprindo todas as suas obrigações sob ordens superiores é sistematicamente marginalizado maltratado e privado de remuneração adequada O autor da mensagem expõe sua frustração com os intermediários de Zenon como Krotos e Jason que desconsideram as instruções do superior e o tratam com desprezo e desdém oferecendo como pagamento itens indignos como vinho ordinário e negandolhe alimentos básicos como óleo e grãos O clímax da denúncia reside na afirmação eles me trataram como escória porque eu sou um bárbaro demonstrando que a discriminação sofrida vai além da negligência material e inserese num sistema de dominação cultural onde o pertencimento à categoria dos nãogregos dos bárbaros implica em desumanização e exclusão A relevância do excerto portanto reside na sua capacidade de expressar a partir da voz de um subalterno os mecanismos sociais e simbólicos de exclusão que estruturavam o Egito helenístico A queixa por escrito ainda que redigida em uma língua não nativa não apenas denuncia a situação de precariedade material como revela a interiorização de uma lógica de dominação cultural que associa o valor social ao grau de assimilação helênica Neste ponto a declaração pois eu sei grecizar adquire enorme potência analítica Longe de ser uma mera tentativa de autopromoção esta frase expressa a consciência de que naquele contexto agir como um grego isto é adotar o nómos helênico os costumes a linguagem as formas de interação e apresentação era condição para reconhecimento social acesso a direitos e dignidade mínima O termo grecizar hellenizein assume portanto o sentido político e existencial de adaptarse a um modelo cultural dominante para sobreviver num sistema onde a identidade grega é sinônimo de cidadania pertencimento e humanidade enquanto a identidade bárbara é associada à inferioridade ontológica O autor da dissertação Ronaldo Gurgel Pereira interpreta este documento como revelador de uma das dimensões mais sutis e poderosas da helenização aquela que ocorre não apenas por imposição institucional ou por políticas estatais mas por necessidade prática vivida nos cotidianos da chóra nos embates por subsistência trabalho e reconhecimento A carta não apenas denuncia a violência simbólica e material de uma estrutura social assimétrica como demonstra a complexidade da adesão à cultura helênica marcada por tensões ressentimentos e tentativas de negociação A suposta subserviência do remetente é também um gesto político ao apelar diretamente a Zenon e aos deuses inclusive à divindade guardiã do Rei ele não só revela sua fé no sistema mas também manipula os códigos helênicos para obter reparação mesmo reconhecendo sua posição marginalizada Os resultados dessa análise nos levam a compreender que o processo de helenização não foi apenas uma transformação imposta de cima para baixo mas atravessada por práticas de resistência adaptação e agência O uso do idioma grego embora não garanta assimilação total opera como ferramenta de negociação simbólica e a própria carta escrita com domínio razoável do grego testemunha que a barreira linguística podia ser transposta mas não eliminava os preconceitos incorporados na ideologia helênica A afirmação do saber grecizar é assim duplamente irônica por um lado ela indica a capacidade de apropriação dos códigos culturais do dominador por outro evidencia que essa apropriação não é suficiente para dissolver a desigualdade estrutural que subsiste entre gregos e não gregos reforçada tanto por instituições como pela prática social ordinária Concluise portanto que este fragmento constitui uma peçachave na argumentação do autor quanto à existência de uma reconfiguração prática e cotidiana da identidade cultural no Egito ptolomaico A carta revela que mesmo em meio a um discurso oficial que procurava sustentar a dicotomia gregos versus bárbaros a realidade cotidiana produzia fissuras nesse imaginário Através da tensão expressa pelo egípcio em sua tentativa de fingir o heleno para obter justiça vêse a coexistência de dois níveis distintos de nómos o institucional normativo e excludente e o pragmático fluido e adaptativo Assim o documento contribui para confirmar a hipótese central da dissertação de que o processo de helenização foi em grande medida uma prática negociada e não um fato consumado sendo marcado por contradições reinterpretações e rearticulações simbólicas que ultrapassam as leituras simplistas de dominação cultural unilateral Variable woofer vent to increase output at 120 Hz Used in conjunction with 20 Hz speaker vent See further information in manual Plug outlet for helm controller May also be used to input external audio source 14 jack to output to amplifier or to hook up two speakers in series or parallel Speaker wires Red is positive black is negative Connect here to the power supply Use genuine Stenheim power supplies only Warning If the power supply is too powerful or is damaged the speaker may be destroyed Plug outlet for external 20 Hz speaker vent May be used to connect indoor 20 Hz speaker vent Signal input socket Connect output from audio source to this socket With stereo source device only use LEFT input It must be connected directly without any intermediate connection to other audio devices Without this connection the audio source may be damaged If the original cable is lost or defective use a screened shielded cable with a minimum diameter of 075 mm² for the speaker wires and 022 mm² for the signal input cable Speaker load With a second speaker Stenheim 20 Hz speaker vent may be connected in parallel to the SUB The permissible speaker load is 25 Ω Stenheim may supply a special cable for connection in parallel with a plug suitable for the SUB Waterproof plug connectors are supplied for the other connections Indispensable accessories Power supply of minimum 300 Watt Volume and frequency setting manual Technical specifications Size length 410 mm width 265 mm height 400 mm Weight 12 kg Impedance 4 Ω Power supply 24 V DC Only use a genuine Stenheim power supply Stenheim GmbH Am Frauentor 34 D63739 Aschaffenburg Germany Tel 49 06021 45133 Fax 49 06021 45135 emailstenheimcom wwwstenheimcom Made in Germany All specifications are subject to change without notice Designed manufactured by Synthesis GmbH Germany The EU declaration of conformity is available at the manufacturer This product complies with the relevant EC directives Item No S3263012011 STENHEIM SUBwoofer END OF USER GUIDE STENHEIM SUBwoofer wwwstenheimcom END OF USER GUIDE End of User Guide Please connect the cable before installing the system We strongly recommend having the system installed by a professional dealer Please read through the complete manual before using the SUBwoofer for the first time It contains important information on installation and safety This symbol is placed on the system to alert the user to important operating and maintenance instructions The symbol indicates that the system is in conformity with the EC directives It must be connected only to a power supply complying with the power specifications mentioned in the manual The system is designed exclusively for home use in a dry environment The SUBwoofer should be placed as close as possible to a wall or corner in order to produce the full bass volume The system should not be exposed to water or other moisture The system should be disconnected immediately in the event of malfunction The system may not be opened or dismantled Doing this voids the warranty Repairs may only be carried out by a specialist dealer or authorized service centre Transport the system in an upright position Care To clean the surface use only a dry soft cloth The use of polishing liquids is not recommended The following installation and connection precautions must be observed at all times in order to avoid any damage to the system Only connect the system to a power source complying with the local mains voltage regulations Do not jam the plug connectors as this could cause damage Always ensure polarity is correct when connecting cables red black The power supply unit is connected as follows 24 V DC cable with 24 V plug on one end and cable ends marked with red and black on the other Red is plus black minus or GND ground When the loudspeakers are connected the system must be switched off Turn down the sound level on your audio source before switching on the system The SUBwoofer is designed for use with the Stenheim Mini system and the Stenheim 20 Hz speaker vent but it may also be used with other manufacturer systems The maximum power of the SUBwoofer is 300 W refer to the power supply unit specifications Features Active subwoofer with linear frequency range 20 Hz120 Hz The volume control and frequency adjustment are situated on the rear side of the subwoofer Speaker impedance 4 Ω Made in Germany The speaker system may show minor surfaces irregularities due to natural features of the wood in the veneer and the paint finish The original wood grain pattern colour and size of the surface pores cannot be influenced and are therefore no reason for a justified complaint These measures are part of the products character and enhance the original character of the real wood veneer Stenheim will not consider any complaints over the natural appearance of the wood to be valid Check connections with the enclosed diagrams Correct connections are shown with green lines Red lines show a wrong connection Finally place the SUBwoofer in the desired place and adjust the volume and frequency Avoid placing the SUBwoofer at the following locations Keep away from electric appliances generating magnetic fields such as televisions monitors computer screens or radios Do not place directly on resonant surfaces such as glass aluminum or warped wood Place the SUBwoofer on a firm level and vibrationfree base Place the SUBwoofer as close as possible to a wall or corner to maximize bass volume Installation and connection Technical data and installation notes Assembly and operation Safety and general notes Specifications Active subwoofer Highquality broadband Swan woofer Volume and frequency setting Power supply with DC coaxial plug 24 V diameter 55 x 21 mmcentre plus Mains cable with plug fitted 230 V115 V for the specified region The EU declaration of conformity Made in Germany Manufacturer Stenheim GmbH Address Am Frauentor 34 D63739 Aschaffenburg Germany Tel 49 06021 45133 Fax 49 06021 45135 Email emailstenheimcom wwwstenheimcom Technical data and installation notes Technical data and installation notes Safety and general notes Technical specifications Volume and frequency setting Technical specifications Technical data and installation notes Installation and connection Technical data and installation notes Technical specifications Safety and general notes Technical specifications Safety and general notes Technical data and installation notes Technical data and installation notes End of User Guide wwwstenheimcom Made in Germany The instructions must be read through before use Place the subwoofer close to a wall or corner Do not expose the subwoofer to moisture Use only prescribed power supplies Only connect to 24 V DC power supply Connect according to instructions Turn down the volume before switching on The subwoofer has a 4 Ω speaker impedance The volume and frequency settings are on the back Only use 1 LEFT input Internal wiring in the subwoofer is colorcoded Red is positive black is negative If using two subs or vents ensure parallel connection with suitable wiring Avoid exposure to electromagnetic interference Do not place on resonant or vibrating surfaces For repair contact authorized service only Warranty void if opened Clean with dry soft cloth only Manufacturer 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